I Universidade de São Paulo (USP), Departamento de Antropologia, Brasil
[email protected] Lilia Moritz Schwarcz i lENDO E AGENcIANDO ImAGENS: O REI, A NATUREzA E SEUS bElOS NATURAIS* “mar não tem desenho, o vento não deixa…” Guimarães Rosa INTRODUÇÃO: IlUSTRAR é ENFEITAR Durante muito tempo, e como bem definiu o historiador Jacques Le Goff (2010), as ciências sociais, de uma maneira geral, viveram do imperialismo dos do- cumentos escritos. O suposto era que a investigação social, sua própria gene- alogia, seria pautada em manuscritos escritos, como se todas as demais fon- 431, outubro, 2014 outubro, 431, tes estivessem excluídas da agenda desses profissionais, ou ocupassem papel – subalterno e apenas complementar. Sobretudo as imagens funcionariam como “ilustrações”, no sentido de que apenas “adornam” uma tese previamente conhecida; exemplificam conclusões já estabelecidas. Na definição do dicionário Houaiss, o termo ilustrar se refere “a uma imagem que acompanha o texto”. “Acompanhar” um ensaio escrito não signi- fica, por suposto, interpelá-lo, pois quem acompanha apenas segue; dá conti- nuidade. Uma “ilustração” seria, assim, um recurso pictórico utilizado para exemplificar ou sintetizar argumentos desenvolvidos, a partir e na narrativa. A própria palavra vem do termo “ilustrar”, do latim ilustro, que significa lançar luz, tornar claro, dar brilho, enfeitar, ver. A convenção acabou, pois, por nor- malizar usos, e fez da “ilustração” – geralmente uma imagem pictórica, figu- rativa –, um expediente colado à sua definição primeira: quase um “decor”. E entre cientistas sociais rotinizou-se a prática de incluir imagens com o obje- tivo de deixar o texto mais agradável, ou enfatizar uma concepção já definida.