01_Capa_239.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 9:55 AM Page 1

N.º 239 Julho/Agosto 2012 Mensal TempoLivre 2,00 €

www.inatel.pt

Turismo Natureza 2012 Atalhos para o paraíso

Entrevista Maria Barroso Viagens Ibiza Memória Leitão de Barros 02_Layout 1 6/26/12 10:32 AM Page 1 03_Sumario.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 10:33 AM Page 3

Sumário

Na capa 18 Foto: Humberto Lopes 5 EDITORIAL ENTREVISTA Maria Barroso 26 6 CARTAS E COLUNA O lançamento de "Cartas a Mário TURISMO NATUREZA DO PROVEDOR Soares - 1961-74", primeiro volume Atalhos para paraísos do "Álbum de Memórias de Maria De norte a sul do país, 8 NOTÍCIAS Barroso", deu azo a uma longa e Açores incluído, os reveladora entrevista com uma das programas de turismo de 16 CONCURSO mais notáveis mulheres do natureza da Fundação Inatel DE FOTOGRAFIA contemporâneo. Aos 87 anos, a oferecem uma variedade de presidente da Fundação Pro Dignitate experiências. Caminhadas, 38 LUSOFONIA conserva, a par de uma memória e circuitos por crateras Hans e os humores lucidez privilegiadas, um exemplar vulcânicas, descidas a do senhor Utac empenhamento cívico na defesa dos furnas, sinfonias de grandes valores humanos, morais, chocalhos, visitas a aldeias 48 MEMÓRIA culturais. "Não podemos estar só históricas e provas Leitão de Barros dependentes dos valores materiais…", gastronómicas. Tudo junto proclama. nos programas "Turismo 50 JUSTIÇA E SOCIEDADE Natureza 2012". Uma mente desempregada 34 PAIXÕES 52 OLHO VIVO Filipa Pais Começou com os Lua Extravagante e 54 A CASA NA ÁRVORE os irmãos Salomé, gravou discos a solo, abraçou o com Chaínho e 79 O TEMPO E AS PALAVRAS Alvim, integrou projectos de música Maria Alice Vila Fabião crioula, andou pelo jazz e, agora, sobe a palco, em digressão nacional, com 80 OS CONTOS Carlos Mendes e Fernando Tordo no DO ZAMBUJAL espectáculo Memorial.

82 CRÓNICA Álvaro Belo Marques 42 VIAGENS Ibiza: o outro lado da ilha mágica Com 200 quilómetros de costa, Ibiza é capital do hedonismo mas oferece à 57 BOA VIDA contemplação lugares que nos permitem viver numa quietude 74 CLUBE TEMPO LIVRE sonhadora. E exibe três lugares na Passatempos e Cartaz lista de Património da Humanidade da UNESCO.

Revista Mensal e-mail: [email protected] | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: António Costa Santos, António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lurdes Féria, Manuela Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, Joaquim Letria, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Publicidade: Direcção de Marketing (DMRI) Telef. 210027189; Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA - Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 124.077 exemplares 04_Layout 1 6/26/12 3:46 PM Page 1 05_Editorial_239.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 10:37 AM Page 5

Editorial

Vítor Ramalho Das férias à grandeza de carácter

ste número da Tempo Livre vem a importante ter cabimento na Tempo Livre não público nos primeiros dias do mês que apenas pela personalidade de Leitão de Barros tradicionalmente corresponde ao início mas também porque os filmes que realizou Edo período das férias de Verão. deram lugar a que a então FNAT, pioneira da A fruição deste período pode ser gozado de nossa actual Fundação, os divulgasse pelas então múltiplas formas, em função das ofertas de lazer zonas mais recônditas e isoladas das grandes que nos são presentes. Sendo a nossa Fundação metrópoles no nosso país. uma instituição que dá resposta à ocupação dos Por fim, e porque os últimos são os primeiros, tempos livres em vários domínios das activida- não poderíamos deixar de falar de uma grande des este número da revista convoca-nos com pro- senhora dos nossos dias que é a entrevistada postas aliciantes para o Verão. deste número. Estes desafios vão desde os passeios da natu- Trata-se da Dra. Maria Barroso, jovem do alto reza, concebidos com imaginação para desfrute dos seus 87 anos, uma força da natureza, sempre da natureza com base nas nossas unidades hote- com os olhos colocados num futuro de espe- leiras de Cerveira, Manteigas, Linhares da Beira, rança, e pelo qual combateu uma vida inteira. Castelo de Vide, entre outras, até a viagens pro- Pedagoga, artista, directora de um estabeleci- gramadas sob a responsabilidade do nosso sector mento de ensino, política, a Dra. Maria Barroso é do Turismo. Entre estas salienta-se a que tem por um exemplo de vida que tem e deve ser conheci- destino Ibiza, ex-libris do Turismo de uma das do do grande público, sobretudo nestes tempos regiões mais apelativas para as férias em em que vivemos, carentes de grandes princípios Espanha. e valores. É para a Tempo Livre e para a minha Voltando a respeitar a memória do que somos pessoa, que teve o privilégio da Dra. Maria e as personalidades que marcaram, por múltiplas Barroso confiar a amizade, uma grande honra tê- razões, o nosso imaginário, esta Tempo Livre la nas páginas da Tempo livre, numa entrevista faculta-nos ainda uma reportagem de Leitão de que fala por si mesma e que é irrecusável lê-la Barros, um cineasta incontornável na história do para meditarmos sobre a sua grandeza de cará - cinema português. A invocação é tanto mais cter. E, como disse, de exemplo. n

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 5 06_Cartas.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 10:44 AM Page 6

Cartas

A correspondência Inatel Cerveira arrelvamento sintético daquele espaço. Entende - para estas secções Aproveitando o bónus que me foi concedido ao mos que um espaço de enorme beleza situado no deve ser enviada para a Redacção de perfazer 50 anos como sócia da Inatel, optei com o coração da cidade do Porto que está a ser subapro- “Tempo Livre”, meu marido por Vila Nova da Cerveira. A opção veitado, e que um investimento inicial da Calçada de Sant’Ana, teve em vista a oportunidade de visitar Guimarães, Fundação Inatel, desde que fosse devidamente nº. 180, 1169-062 Lisboa, ou por e-mail: capital europeia da cultura, dada a relativa proxi- divulgado e explorado, rapidamente poderia vir a [email protected] midade, bem como outras zonas bonitas do sem- ser recuperado e com resultados positivos futuros. pre encantador Minho, como Arcos de Valdevez, Julgo ser esse o desejo dos Associados da Dele - Ponte de Lima, Viana do Castelo, etc. gação da Região do Porto, pelo que ficamos a aguar- Serve pois este breve apontamento para dar dar brevemente a melhoria do campo de jogos de conhecimento da maneira simpática como Ramalde - INATEL Porto, com o intuito de permitir fomos recebidos e tratados nessa Unidade o acesso à prática desportiva dos seus associados Hoteleira durante a nossa estadia. Este sincero idêntica aos dos seus congéneres de Lisboa. agradecimento quero torná-lo extensivo à Rui Pacheco (Presidente do CCD-Inatel nº 5739 - Direcção da Inatel Cerveira, na pessoa da Chefe AJEF Hernâni Gonçalves - Porto) de Alojamento, D. Ana Gonçalves. Ilda Félix Gonçalves Vaz, (Associada nº 1759) 50 anos na INATEL Completaram, neste bimestre, 50 anos de ligação à Relvado sintético em Ramalde Fundação Inatel os associados: António Raposo e É com muito agrado que vemos o Estádio 1º de João Martins, de Almada; Mª Rosário Costa e Manuel Maio da Inatel em Lisboa com um bonito relvado Marques, de Amadora; Arnaldo Eugénio Barbosa, de sintético de nova geração e com a atribuição de Alapraia; Solange Raposo, de St. António dos duas Estrelas pela FIFA, que o coloca num dos Cavaleiros; Stela Costa, de Buraca; António Luis melhores recintos desportivos do País. Como Baptista, de Caparica; José Augusto Branco, de Presidente de um CCD Inatel, mais propriamente Cascais; Sebastião Faria, de Louredo; Mª Conceição a Associação Juvenil Escola de Futebol Hernâni Frazão, Mª Rosalina Pereira, Mª José Milheiro e Mª Gonçalves, com sede no Porto, temos um grupo de Odete Figueira, de Lisboa; José Manuel Moura, de mais de 50 jovens, que continuam a utilizar sema- Macieira de Sarnes; Luis Brás Dias, de Odivelas; José nalmente o parque de jogos da Inatel em Ramalde, Manuel Candida e Avelino Ferreira, Oeiras; Carlos um campo de terra batida, quase sem iluminação Costa, de Porto; Diamantino Silva e João Estrela, de e que, há mais de três anos, espera por uma pro- Queluz; João José Vieira, de Vila Franca de Xira; messa que tem sido sistematicamente adiada pelo Fernando Perestrelo, de Vila Nova de Gaia.

Coluna do Provedor

NEM SEMPRE é compreensível, mesmo para os dores da INATEL, nem a sua produtividade. nossos associados, a dimensão da actividade da É por isso tudo que a Fundação tem compre- Inatel no dia a dia. Com efeito, tirando os ensivelmente um duplo esforço ao pretender Programas Sociais, promovidos pelo Governo e manter as melhores condições para a ocupação organizados e geridos pela Fundação INATEL, a dos tempos livres e do lazer dos jovens, traba - passagem de Instituto a Fundação (DL nº lhadores e seniores, garantindo a viabilidade Kalidás 106/2008), determinou, entre outras prioridades, financeira da instituição. Barreto a garantia da auto sustentabilidade da instituição. Por tudo isto, e porque "Roma e Pavia não se [email protected] Nesse sentido, e não perdendo nunca de vista fizeram num dia", acreditamos que a INATEL a sua missão social, a INATEL não esquece que ultrapassará os maus tempos com uma sábia a concorrência é livre e que o país atravessa um gestão do património, como tem demonstrado, período muito difícil, tal como boa parte da sem esquecer que não somos números, mas Europa, com efeitos devastadores no plano eco- gente. Tal como dizia a saudosa Sophia de Mello nómico e num desemprego de números assusta- Breyner num dos seus poemas: "Como arquite - dores que, felizmente, não afectou os trabalha- ctura do homem que ergue sua habitação". n

6 TempoLivre | JUL/AGO 2012 07_Layout 1 6/26/12 10:55 AM Page 1 08a15_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:33 PM Page 8

Notícias

Taça Fundação Inatel de Futebol

l Reforçada por dois antigos e destacados craques do futebol profissional, a equipa do CCD Biqueiras de Aço foi a grande vencedora da Taça Fundação Inatel ao bater na final, por 4-0, o CCD Nadais (Aveiro), finalista vencido na temporada transacta. O actual técnico e ex-jogador do Sporting, Sá Pinto, Chainho (FC Porto), Rebelo e José Carlos (Estrela da Amadora) e Hélder Clara (Portimonense) foram alguns dos antigos profissionais que, incapazes de arrumar as 'botas', encontraram no grande torneio nacional da Inatel, e em particular no jovem CCD Biqueiras de Aço, a alternativa para uma 'reforma' mais activa e saudável. Disputada no novo relvado do Parque de Jogos 1º de Maio, a finalíssima da Taça Inatel revelou-se, naturalmente, desnivelada, sobretudo após a entrada de Sá Pinto na 2ª parte, quando o resultado era de 1-0. Sá Pinto marcou o segundo golo e, a partir renhida e vasta competição de Maio a fase distrital, de Agências, daí, já pouco podia fazer a futebol nacional envolveu mais de ficaram apuradas 32 equipas que combativa equipa aveirense face a sete mil atletas em representação de disputaram entre si, num sistema de um adversário super reforçado. cerca de 300 equipas do Continente eliminatórias, a presença na final, Iniciada em Outubro passado, esta e Regiões Autónomas. Concluída em realiza no 1.º de Maio, em Lisboa.

Património Imaterial

l Um extenso artigo de Cristina Mesures de Soutien au promoção e edição de Baptista, vogal do Conselho de Patrimoine Immatériel" trabalhos relativos à defesa Administração da Inatel, sobre o (Medidas de Apoio ao e divulgação da cultura papel da Fundação, desde a criação Património Imaterial), uma popular e as parcerias com da antiga FNAT, na defesa e edição do Conseil museus e departamentos promoção da cultura tradicional, Québécois du Patrimoine culturais das autarquias são através, nomeadamente, do apoio aos Vivant, com sede em alguns dos pontos numerosos CCD's (Centros de Cultura Montreal. Os apoios às bandas desenvolvidos no texto de Cristina e Desporto) espalhados por todo o filarmónicas, aos grupos etnográficos, Baptista, incluído na bem país, integra o livro canadiano "Les ao teatro amador e à investigação, documentada obra canadiana.

8 TempoLivre | JUL/AGO 2012 08a15_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 3:08 PM Page 9

Inatel Setúbal

A delegação sadina da Fundação tem nova ´cara' na sequência das obras de renovação levadas recentemente a cabo. Trata-se de mais uma etapa da ampla renovação dos edifícios sede das delegações da Inatel, já concretizada em Aveiro, Santarém, Vila Real e também no Palácio do Barrocal em Évora, onde ficará o Arquivo Histórico da Fundação. 08a15_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:32 PM Page 10

Notícias

Vila Ruiva e Linhares da Beira receberam Raid Inatel TT Douro

l Descobrir toda a região próxima das unidades hoteleiras Inatel Vila Ruiva e Linhares da Beira, em especial as belas e estimulantes paisagens da Serra da Estrela, foi a ideia central do Raid Inatel TT Douro, um passeio todo terreno nos primeiros dias de Junho, organizado pelo Clube Escape Livre. Foi um fim-de-semana de agitada aventura nas unidades de montanha da Inatel no distrito da Guarda para mais de 120 participantes que, com as suas 50 viaturas todo terreno, rumaram a Vila Ruiva e a Linhares da Beira para um passeio de descobertas na rainha das montanhas nacionais. Os participantes do Raid começaram por experimentar, de noite, os trilhos entre Vila Ruiva e Linhares da Beira, atravessando o parque eólico de Celorico da Beira, de onde se observou o panorama luminoso dos aglomerados das gentes beirãs. A etapa nocturna terminou com a visita ao Solar do Queijo, em Celorico da Beira. Sábado foi dia de partida para a região do Douro, com Vila Nova de Foz Côa a dar as boas vindas aos aventureiros. Os destinos foram as gravuras rupestres da Canada e Penascosa, a paradisíaca Quinta da Ervamoira e o Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa. As Os participantes do Dando continuidade a estes eventos Ruínas do Prazo, em Freixo de Raid começaram por de todo terreno turístico e de lazer, a experimentar, de Numão, e o castelo de Trancoso noite, os trilhos entre Fundação Inatel e o Clube Escape realçaram a vertente histórica no Vila Ruiva e Linhares Livre vão levar os seus associados até da Beira percurso da tarde. Santiago de Compostela, com a No domingo, voltou-se novamente edição de 2013 do Raid Inatel TT. para a Serra da Estrela, com a Quinta Este vai ser o mais longo passeio de da Taberna, a mata do Fragusto e a organização conjunta e também o Senhora de Assedasse a destacarem- mais completo e rico em visitas, se. E mais dias houvesse, que os emoções, tradição e património e destinos a partir das unidades porque não… fé. As inscrições já hoteleiras da Inatel não se esgotam estão abertas e o passeio promete por aqui! esgotar!

10 TempoLivre | JUL/AGO 2012 08a15_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:32 PM Page 11

Cursos, espectáculos e exposições no Museu do Oriente

l Encontros com professores, celebrações no Dia Mundial do Turismo, cursos e espectáculos, bem como uma visita às quatro grandes exposições ainda em exibição, marcam a programação, até Setembro, do Museu Oriente. Durante as Férias do Verão, o Museu organiza workshops de caligrafia chinesa, oficinas de expressão corporal e trabalhos manuais, entre aventuras que desafiam as crianças a seguir as pisadas de Marco Polo ou importantes da Coreia do Su, e dois Renováveis, Energias do Futuro" e "O tigres de florestas orientais. Para as cursos: de chá e da cultura e Chá. De Oriente para Ocidente", famílias, destacam-se os workshops sociedade modernas da Índia, encontram-se ainda patentes ao de dança, I Ching e Feng Shui. completam a programação. As público, até 16 de Setembro, 30 de Um concerto pela Orquestra de exposições "Entre Linhas", "21 Setembro, 28 de Outubro e 13 de Câmara Hwaum, uma das mais Momentos em Timor-Leste", "Energias Janeiro, respectivamente. 08a15_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:31 PM Page 12

Notícias

Festa do Cinema

A Festa do Cinema acabou. A Festa Administração sempre apoiou e para que não fique tudo em causa. do Cinema tinha custos de procurou encontrar uma solução de Há necessidade de olhar para a €200.000,00 (duzentos mil euros) viabilização económica para a Festa floresta e não apenas para a árvore. para uma receita de €50.000,00 do Cinema. Não foi possível. Nunca foi intenção da Fundação (cinquenta mil euros). Para continuar Continuar a Festa do Cinema no INATEL substituir a Festa do Cinema a Festa do Cinema, o preço do bilhete mesmo formato, seria acabar, com por "Há Cinema na Mouraria". Não teria que subir para um valor de toda a prática cultural amadora e tem comparação. A única coisa referência de €10,00 (dez euros) a tradicional que se desenvolve a nível comum é ser ao ar livre. Nunca foi sessão. A receita seria então, mais ou nacional. De norte a sul, do litoral ao intenção da Fundação substituir uma menos, de €150.000,00 (cento e interior, às ilhas, acabar os apoios às por outra. cinquenta mil euros) considerando o Associações Culturais que A Fundação INATEL tem um papel mesmo número de público, que é desenvolvem as actividades fundamental na cultura portuguesa, aproximadamente de 15.000 fundamentais nas comunidades reconhecida por variadíssimos espectadores. Considerando o preço locais. parceiros de dimensão internacional, de €10,00/sessão, dificilmente este A situação socioeconómica em que nacional e local. número se manteria. Portugal e a Europa se encontram A Fundação INATEL não tem a visão Obviamente que o Conselho de obriga a opções, a anular projectos egocêntrica de que o país é Lisboa e 08a15_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:31 PM Page 13

Príncipe Astúrias das Letras atribuído a Philip Roth

o resto é paisagem. Tem uma visão global de Portugal, com as suas l O escritor norte-americano Philip assimetrias, sinergias locais e Roth conquistou o Prémio Príncipe regionais. Foi na salvaguarda de das Astúrias das Letras de 2012. toda uma actividade cultural Natural de Newark, oriundo de uma riquíssima que houve a necessidade família judia, Philip Roth (1933) tem de acabar com a Festa do Cinema. O sido apontado, ano após ano, como papel da Fundação é trabalhar para um dos possíveis vencedores do os 200 mil associados que se Prémio Nobel da Literatura, é hoje espalham por todo um território que considerado um dos mais influentes culturalmente nos vai escritores vivos e um dos nomes mais surpreendendo com a sua sonantes da literatura americana. capacidade criadora de inventar o Estreou-se, em 1959, com o livro futuro, mantendo o passado sempre Goodbye, Columbus, agora editado presente. entre nós pela Dom Quixote, e daí para cá tem recebido importantes A DIREÇAO CULTURAL prémios literários dentro e fora dos EUA. 08a15_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:30 PM Page 14

Notícias

XIV Encontro Luso-Brasileiro de Turismo Sénior

l Com a participação de várias centenas de seniores, com idade superior a 60 anos, o XIV Encontro Luso-Brasileiro de Turismo Sénior/ Melhor Idade, uma iniciativa da Fundação INATEL e da Associação Brasileira dos Clubes da Melhor Idade (ABCMI) - que teve lugar, em meados de Maio, na Inatel Albufeira - teve animados momentos de convívio e debate e constituiu mais uma importante etapa do aprofundamento das relações entre as mais importantes organizações seniores dos dois países irmãos. Enquadrado no Ano Europeu do Envelhecimento Activo e Solidariedade Entre Gerações, o encontro registou a presença dos mais jovens, nomeadamente na entrega da documentação, feita por 50 crianças da escola de Ferreiras, e na participação no júri do Concurso "Dança comigo na Inatel". Momentos altos do encontro foram, ainda, a comunicação do Engº António Guimarães, "Despertar a Excelência Pessoal", e as intervenções dos presidentes da Inatel e da ABCMI.

14 TempoLivre | JUL/AGO 2012 08a15_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:30 PM Page 15

Prémio catalão para André Letria

l O Prémio Junceda Ibéria foi atribuído a André Letria, pelas ilustrações da obra "Se eu fosse um livro", editado pela Pato Lógico Edições, em 2011. O júri valorizou "o ritmo lento e quente, a poesia e o humor, tudo apoiado por um forte design". Os prémios Junceda são atribuídos pela APIC - Associação Profissional publicada nas outras regiões de de Ilustradores da Catalunha - há Espanha ou em Portugal. Jorge Sampaio uma década e são constituídos por "Se eu fosse um livro", com texto de apresentou livro de Mário Lino diversas categorias que premeiam José Jorge Letria, continua o seu e Joaquim Letria trabalho de ilustração originário da caminho de sucesso, com distinções Catalunha. Para além de categorias ("short list" dos "CJ Picture Book como as da Edição, Animação, Awards 2011" ou destaque no Prémio l Jorge Sampaio, alto Publicidade, Etc., existe também a Nacional de Ilustração) e edições em representante da ONU para a categoria Ibéria, para qualquer obra diversos países em preparação. Aliança das Civilizações e antigo Presidente da República, apresentou, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa o XXV Salão de Primavera livro A Foto - E o Reencontro Prémio Rainha Isabel de Bragança distingue Meio Século Depois, de finalista da Faculdade de Belas Artes do Porto Jaime Mendes, Joaquim Letria, José Gomes de Pina, Mário Lino, Noémia de l A Galeria de Arte do Casino Estoril Bravo (Porto), Joana Couto (Porto), Ariztía, Paula Mourão, apresenta, até 17 do corrente, o XXV Marta Friães (Figueira da Foz), Sara Raimundo Narciso e Teresa Salão de Primavera/Prémio Rainha Mata (Póvoa de Varzim), todos Tito de Morais. A sessão Isabel de Bragança, em que finalistas da Faculdade de Belas contou com uma intervenção participam 35 finalistas das Artes do Porto; e a Bruno Gabirro musical de Carlos Mendes. Faculdades de Belas Artes de Lisboa e Alves (nascido na Alemanha), A obra tem origem numa do Porto, seleccionados pelos os seus Daniela Viçoso (Faro), Maria Salgado fotografia tirada em 1963, no professores entre os que mais se (Cascais) e Patrícia Lucas Ortega campo de futebol da distinguiram na sua carreira (Espanha, projecto Erasmus), Associação de Estudantes do académica, no campo da inovação e finalistas da Faculdade de Belas Instituto Superior Técnico da criatividade artística. Artes de Lisboa. (AEIST), sendo escrita por O primeiro prémio foi atribuído pelo oito dos estudantes o Júri ao trabalho, "Food Chain", de retratados. Na época, eram Vitor Novo, finalista da Faculdade activistas do movimento de Belas Artes do Porto e natural da associativo universitário e Póvoa de Varzim. Foram atribuídas, liceal, que se destacaram ainda, 10 menções honrosas a pela luta determinada, no trabalhos dos seguintes jovens plano cultural e político, artistas: Ana Monteiro (de Braga), contra a ditadura que então Gil Madeira (nascido na Suíça), Inês assolava Portugal.

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 15 16e17_Conc Fotog_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 3:10 PM Page 16

Fotografia XVI Concurso “Tempo Livre”

[ 1 ]

[ 2 ]

[ 1 ] Conde Falcão, Lisboa Sócio n.º 129900

[ 2 ] Paulo Xavier, Faro Sócio n.º 420171

[ 3 ] Rui Alves, Funchal Sócio n.º 455721

16 TempoLivre | JUL/AGO 2012 [ 3 ] 16e17_Conc Fotog_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 3:10 PM Page 17

Regulamento

1. Concurso Nacional de Fotografia da revista Tempo Livre. Periodicidade mensal. Podem participar todos os Menções honrosas associados da Fundação Inatel, excluindo os seus funcionários e [ a ] Amaro Netto, Oliveira de Azeméis colaboradores da revista Tempo Livre. Sócio n.º 513462

2. Enviar as fotos para: Revista Tempo [ b ] António Cruz, Azueira Livre - Concurso de Fotografia, Calçada Sócio n.º 80418 de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa. [ c ] Fernando Ledo, Viana do Castelo 3. A data limite para a recepção dos Sócio n.º 349141 trabalhos é o dia 10 de cada mês. [ a ] 4. O tema é livre e cada concorrente pode enviar, mensalmente, um máximo de 3 fotografias de formato mínimo de 10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em papel, cor ou preto e branco.

5. Não são aceites diapositivos e as fotos concorrentes não serão devolvidas.

6. O concurso é limitado aos associados da Inatel. Todas as fotos devem ser assina ladas no verso com o [ b ] nome do autor, morada, telefone e número de associado da Inatel.

7. A «TL» publicará, em cada mês, as seis melhores fotos (três premia das e três menções honrosas), seleccionadas entre as enviadas no prazo previsto.

8. Não serão seleccionadas, no mesmo ano, as fotos de um concorrente premiado nesse ano

9. Prémios: cada uma das três fotos selec cio nadas terá como prémio duas noi tes para duas pessoas numa das unidades hoteleiras da Inatel, durante a época baixa, em regime APA (alojamento e pequeno almoço). O prémio tem a validade de um ano. O pre miado(a) deve contactar a redacção da «TL».

10. Grande Prémio Anual: uma [ c ] viagem a esco lher na Brochura Inatel Turismo Social até ao montante de 1750 Euros. A este prémio, a publicar na «TL» de Setembro de 2012, concorrem todas as fotos premiadas e publicadas nos meses em que decorre o concurso.

11. O júri será composto por dois responsáveis da revista T. Livre e por um fotógrafo de reconhecido prestígio.

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 17 18a25.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:26 PM Page 18

Entrevista

“O que escrevo Mariaé com sinceridade” Barroso

Ao ver numa vitrina os cabelos das prisioneiras assassinadas em Auschwitz, Maria Barroso não queria acreditar que alguém pudesse tê-los destinado a encher almofadas. E, como Hannah Arendt, defende: “a violência não gera poder. O poder de um ser humano mede-se pela sua capacidade de fomentar a paz.”

18 TempoLivre | JUL/AGO 2012 18a25.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:26 PM Page 19 18a25.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:26 PM Page 20

Entrevista

No prefácio do livro "Cartas a Mário Soares - do elenco pediu ao marido, Robles Monteiro, 1961-63", primeiro volume do "Álbum de Memó- para assistir aos últimos ensaios. Ele era um gran- rias de Maria Barroso", Vladimiro Nunes, autor de administrador, mas não era grande actor e deste projecto publicado pelo semanário Sol, começou a querer mudar aquilo que tínhamos defende que estas cartas revelam "um talento feito. Eu fiquei muito assustada e como sabia que para a escrita". Será que Maria Barroso faz parte José Régio estava em casa de Alice Gomes, irmã da "constelação dos escritores do não" e tal como de Soeiro Pereira Gomes, pedi para a conhecer e Bartleby, personagem ficcionado por Herman convidei José Régio a assistir aos últimos ensaios. Melville, é uma escritora que prefere não escrev- Ele foi assistir, e no dia seguinte, voltou-se para er? Tendo talento prefere não escrever? Robles Monteiro e disse-lhe: "Não se toca em Não tenho muito talento, o que escrevo é com nada, isto vai tal como está!" Foi óptimo, ficámos sinceridade. todos contentes e a peça foi um êxito. Há uma crí- Ainda recita Paul Éluard? tica muito bonita feita por Jorge de Sena, na revis- "Sur mes cahiers d'écolier/ Sur mon pupitre et les ta "Seara Nova". arbres/ Sur le sable sur la neige/ J'écris ton nom Começavam os seus problemas com a polícia [Nos meus cadernos da escola/Na minha carteira política e a proibição de representar... nas árvores/Sobre a areia e sobre a neve/Escrevo Amélia Rey-Colaço pediu-me para fazer a filha o teu nome] e depois o final é: "Et par le pouvoir rebelde de "A Casa de Bernarda Alba", de d'un mot/ Je recommence ma vie/ Federico García Lorca. Quem tinha traduzido a Je suis né pour te connaître/ Pour peça, usando pseudónimo, eram dois amigos “É muito te nommer/Liberté" [E pelo poder nossos, o escritor Manuel Mendes e o poeta importante que os de uma palavra/a minha vida José Gomes Ferreira. Os censores, havia alguns homens do poder não recomeça/Eu renasci para conhe- muito ignorantes, deixaram-na passar e nós estejam apenas cer-te/Para dizer o teu representámos uns dias. Amélia Rey-Colaço preocupados com o nome/Liberdade], é tão bonito! quis levar a peça a Santarém, Setúbal e poder e tenham uma Ainda noutro dia, numa sapataria Coimbra. dimensão da Rua Garrett, conversei com Mas eu tinha sido convidada a fazer um reci- cultural. uma senhora que era neta ou bis- tal em Santarém, por alguns advogados nossos ” neta do poeta Eugénio de Castro. amigos, Eurico Ferreira, Eduardo Figueiredo, Eu lembrava-me de um soneto Humberto Lopes (elementos do Grupo de dele e comecei a dizê-lo: "Acorda Coordenação Cultural de Santarém, dirigido por cedo como os passarinhos, e vem logo direita à Ginestal Machado). Na primeira parte do espe - minha cama; Sacode-me com jeito, por mim ctáculo, o meu professor de Lógica, na Faculdade chama…" E a senhora começou a dizer o soneto de Letras, Vieira de Almeida, fazia uma con- comigo, foi muito engraçado. "E destina também, ferência, na segunda parte, eu dizia poemas, na ó Pai Celeste,/ Que a mão com que ela agora me terceira parte era o Orfeão Escalabitano a cantar. abre os olhos/ Seja a que há de fechar-mos algum Eu disse uns poemas muito violentos, do dia", assim termina o soneto, tão bonito! "Novo Cancioneiro", que irritaram o Governador Como era o poeta José Régio, cuja peça "Benilde Civil, e no dia seguinte, a polícia política mandou ou a Virgem Mãe" veio a representar, no papel uma convocatória para minha casa. Fui durante de Benilde? [25 de Novembro de 1947, Teatro cinco dias seguidos interrogada, de manhã e à Nacional D. Maria II]? tarde, por causa destes poemas. Conheci muito bem José Régio, era um homem E o que lhe perguntavam? extraordinariamente inteligente, cheio de talento Quem é que me tinha influenciado a dizer aque- e muito simpático. Conheci-o durante a prepa- les poemas. Eu dizia que era eu, que era maior e ração de "Benilde ou A Virgem Mãe", ensaiada vacinada e escolhera os poemas. Eles embirra- por uma grande actriz e uma querida amiga, vam imenso com o poema de Joaquim Amélia Rey-Colaço, uma mulher de grande cul- Namorado, de Coimbra, o poema chamava-se tura, inteligência e sensibilidade. Quando estáva- "Prometeu": "Abafai meus gritos com mordaças,/ mos quase a estrear a peça, como ela fazia parte maior será a minha ânsia de gritá-los!// Amarrai

20 TempoLivre | JUL/AGO 2012 18a25.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:26 PM Page 21

meus pulsos com grilhões,/ maior será minha tenham uma dimensão cultural. Leia o discurso ânsia de quebrá-los!// Rasgai a minha carne!/ de Helmut Schmidt [Congresso do SPD, Berlim, Triturai os meus ossos!// O meu sangue será a 4 Dezembro 2011], texto lindíssimo, muito minha bandeira/ e meus ossos o cimento duma importante, foi um grande político, pertenceu a outra humanidade.// Que aqui ninguém se entre- uma geração de grandes políticos. Helmut Koll ga/ - isto é vencer ou morrer - / é na vida que se também era um grande político… mas depois perde/ que há mais ânsia de viver!" Ficavam apareceram Angela Merkel e outros políticos, furiosos com este poema, isto era um verdadeiro Nicolas Sarkozy, sem essa dimensão cultural. panfleto. Eram os poetas do "Novo Cancioneiro", E não seria, por outro lado, a sua presença de quem fui muito amiga, entre eles, Mário quase um anticorpo? Dionísio, Joaquim Namorado, Manuel da Fonseca Quando o meu marido foi deportado para S. e Carlos de Oliveira. Tomé [1968], pedi autorização para o ir ver. E poetas contemporâneos? Estávamos instalados numa pensão, onde muitas Aprecio imenso Luís Filipe Castro Mendes, vezes, ouvíamos chegar os mercenários, era o poeta, do corpo diplomático na Índia, foi agora tempo da Guerra do Biafra. Quando íamos comer, condecorado ["Lendas da Índia", D. Quixote, aparecia de vez em quando o reitor do Liceu de Prémio António Quadros]. S. Tomé. Um dia, expliquei-lhe que era formada Como é que uma pessoa com a sua formação em Ciências Histórico Filosóficas e gostava muito humanista e de natureza sincera consegue de dar aulas no Liceu. Como ele mostrou grande sobreviver nos círculos do poder onde, tantas interesse - havia poucos professores com for- vezes, domina a máscara? mação, muitas aulas eram dadas por mulheres de Mas é muito importante que os homens do poder oficiais -, mandei vir a pública forma da minha não estejam apenas preocupados com o poder e carta de curso. Mas quando por fim, chegou, o

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 21 18a25.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:26 PM Page 22

Entrevista

Governador de S. Tomé chamou o meu marido e físicos eruditos; crianças assassinadas por enfer- disse-lhe: "senhor doutor Mário Soares o governo meiras diplomadas; mulheres e bebés queimados deu-me ordens para não deixar…" por bacharéis e licenciados. Por isso desconfio da Ainda dei uma aula de português a uma educação. Eis o meu apelo: ajudem os vossos alu- estrangeira, mulher de um mercenário. nos a serem humanos. Que os vossos esforços Marcámos uma segunda lição, entretanto, ela foi nunca possam produzir monstros instruídos, psi- chamada ao representante da polícia política: copatas competentes, Eichmanns educados. A lei- "Não pode ter aulas com essa senhora…" que eu tura, a escrita, a aritmética só são importantes se "era um perigo!" [risos] Era uma proibição cons- tornarem as nossas crianças mais humanas". As tante do exercício da cidadania. Uma coisa terrí- ciências, as matemáticas, as línguas são muito vel. O meu irmão, professor na Faculdade, tam- importantes mas não valem nada se estiverem bém foi demitido. Eu fui demitida, não podia ser desligadas dos grandes valores porque senão professora do meu próprio colégio [Colégio estamos a formar seres desumanos, Eichmanns Moderno]. educados. Qual foi a pessoa mais pacífica que encontrou? E quando lê essa carta aos jovens, como é que Conheci Nelson Mandela, na África do Sul, era eles reagem? É um pouco desconcertante. uma figura excepcional. Foi em 1989, quando Mas ficam sensibilizados. Quando são alunos meu filho sofreu um desastre de aviação terrível. universitários aconselho: "visitem um campo de Assisti à passagem do governo concentração. Não é para vinganças nem ódios das mãos de Frederik Willem de mas para terem uma capacidade de amor ao pró- O meu conselho “ Klerk para as mãos de Mandela. ximo muito maior." aos alunos Foi uma cerimónia muito boni- Vamos a um campo de concentração e ficamos universitários: ta. Mandela, ainda casado com arrasados. Eu visitei três, mas o que mais me "visitem um campo Winnie Mandela, convidara os impressionou foi Auschwitz. Depois de uma visi- de concentração. Não guardas da cadeia, onde esteve ta oficial à Polónia fui com o meu marido a é para vinganças nem preso 27 anos, a assistirem à ceri- Auschwitz. Vimos os fornos crematórios, as ódios mas para terem mónia. Era um homem de grande câmaras de gás e na última sala umas vitrinas, uma capacidade de generosidade e grande abertura. uma com sapatos de vários tamanhos, outra com amor ao próximo Ao reflectir sobre a violência cabelos das vítimas que as guardas cortavam às muito maior. Hannah Arendt escreveu: "A vio- prisioneiras, antes de as meterem nos fornos cre- ” lência pode destruir o poder mas matórios ou nas câmaras de gás, para fazerem da violência não nasce poder". almofadas. Como se um ser humano normal, ao Porque se insiste na violência? saber o que aquilo era, fosse capaz de pôr a É verdade, e num dos seus livros diz que foi cabeça numa almofada recheada de cabelos de assistir ao julgamento de Adolf Eichmann, um pessoas que tinham sido asfixiadas! E uma últi- monstro nazi que mandou matar milhares e mi - ma vitrina que tinha próteses dos deficientes, lhares de pessoas. E ela diz que no julgamento, eles não tinham direito de existir, era só a raça ele deu mostras de ser conhecedor de filosofia, ariana, segundo os nazis. até da filosofia kantiana, mas não lhe valeu de Quando saímos dali, os jornalistas agarraram- nada porque esses conhecimentos desligados dos se ao meu marido, então Presidente da grandes valores humanos não fazem seres huma- República, e começaram logo a fazer-lhe pergun- nos como deve ser, responsáveis. tas, mas eu não fui capaz de articular uma pala - Eu costumo ler uma carta, publicada há uns vra. Cá por dentro, era como se estivesse a ouvir anos no "New York Times", de um sobrevivente dizer: "Como foi possível? Como foi possível?" do nazismo, que diz não acreditar na educação. Por isso quando vou a escolas e falo com os Diz assim: "Caro professor: Sou um sobrevivente jovens digo que é preciso ver estes horrores não de um campo de concentração. Os meus olhos para praticármos horrores semelhantes, não para viram o que jamais olhos humanos deveriam nos vingármos, não para alimentármos ódio den- poder ver: câmaras de gás construídas por engen- tro de nós, pelo contrário, para desenvolvermos heiros doutorados; adolescentes envenenados por uma capacidade de amar muito maior e até de

22 TempoLivre | JUL/AGO 2012 18a25.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:26 PM Page 23

nos encaminhármos, conforme disse o Papa João nos jornais e, sobretudo, na televisão, que tem a II, para "A Civilização do Amor", que não com- força da imagem. Já o nosso Padre António Vieira, porta ódios nem vinganças. dizia, no século XVII, que o que entra pelos olhos Há alguns anos, conheci Arno Gruen, psicólogo tem muito mais força do que o que entra só pelos suiço-alemão, com vários livros publicados em ouvidos. E contudo, a que dão ênfase os telejor- Portugal, entre eles, "A Traição do Eu". Segundo nais? Ao que é violento. Ninguém quer censura, o autor, um grande número de pessoas sentiria tivemos 48 anos de censura e bastou-nos. Há que auto-desprezo, uma vez que a educação se denunciar o que é mau mas não lhe dar tanta funda quase sempre na traição do eu, contra a ênfase. Porque temos que pensar que essas men- verdadeira natureza de cada um, e por isso a sagens vão interferir na mente dos mais jovens, grande adesão a Hitler, um líder que despreza- impedindo que eles possam a vir a ser, muitos va profundamente a Humanidade. deles, cidadãos responsáveis, amantes da liber- Muito interessante… Como referi, é funda- dade, amantes da tolerância, amantes da solida- mental ler o ex-chanceler Helmut Schmidt, fez riedade, amantes da paz. Até dá ideias para com- um discurso notável sobre os problemas euro- portamentos aos mais frágeis psicologicamente, peus. Ele tocava muito bem piano... São pessoas não é verdade? com uma grande estrutura moral, mental, cultu- Daí a sua acção no âmbito da Fundação Pro ral, espiritual e que nos dão conta do seu olhar Dignitate, criada em 1994… sobre o mundo, a sociedade, um olhar muito Por isso eu comecei a formar esta equilibrado. Muito interessante. E é esta gente Fundação. Preocupam-me as que devemos ouvir e não os Hitleres, os mensagens de violência, que os Mussolinis. meios de comunicação transmi- Lembro-me quando era rapariguinha, do tem. Aquilo que transmitimos, governo de Salazar gostar muito de Mussolini. A nós pais, através das nossas nossa Mocidade Portuguesa foi inspirada na acções, é o mais importante. Mocidade fascista, éramos obrigadas no liceu a Costumo dizer que a primeira vestir aquela farda e tínhamos um cinto com um escola que frequentei foi a casa S na fivela, de "Salvé Salazar". Era terrível. dos meus pais. E é verdade. Éra- Felizmente isso tudo passou. mos sete filhos, mais pais e avó, Por isso eu digo aos jovens, e a todos, temos de éramos 10 à mesa, quando não preservar a nossa Democracia, temos de reforçar vinha mais um, mais dois ou mais três amigos, a nossa Democracia porque não há nada que che- mas nós constituíamos um grupo de se deu sem- gue a um sistema democrático, como o que nós pre muito bem e fomos apreendendo e desco- conseguimos com o 25 de Abril. A Democracia, a brindo os grandes valores através das acções e Liberdade, o respeito pelos Direitos Humanos, sermões dos nossos pais. A minha mãe era pro- isso é fundamental, não podemos perder isso. E fessora, o meu pai era oficial do exército, foi para estamos a assistir em várias partes do mundo ao a vida militar, sofreu imenso, esteve preso, depor- aparecimento de algumas forças muito extremis- tado nos Açores, por causa da política. Era uma tas, o que nos faz medo e lembra, nos anos 30, casa com um ambiente muito politizado. Hitler e Mussolini. Recebiam-se pessoas que se interessavam pela Este ano, o cinema tem vindo a mostrar uma política, até algumas que estavam na ilegalidade, espécie de desfile de psicopatas, há uma iminên- às vezes, vinham almoçar a nossa casa. Um gran- cia de um ataque, de qualquer coisa de maligno. de escritor de quem eu gostava muito era Na História do Cinema, durante o expressionis- Flausino Torres, pai de Cláudio Torres, era uma mo alemão, também houve uma sucessão de pessoa extraordinária. Conheci-o quando o meu tiranos que passou no cinema antes de aparecer irmão, um grande matemático, ao ser demitido o nazismo, como se o cinema tivesse previsto, da Faculdade de Ciências, ficou a viver numa antevisse o que viria a acontecer. semi-ilegalidade na casa deste grande escritor. O cinema está muito violento e os meios de Uma das missões da Fundação Pro Dignitate é comunicação também. Veja-se quais as notícias justamente o desenvolvimento do "Jornalismo

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 23 18a25.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:26 PM Page 24

Entrevista

para a Paz", um conceito muito progressista e Na companhia do Cardeal Patriarca de visionário. Como está a decorrer o projecto na Moçambique, D. Alexandre dos Santos, fui ver os Guiné-Bissau? campos de refugiados. Fomos a Ressano Garcia [a A propósito desse projecto fui à universidade de 70 quilómetros de Maputo] e fiquei muito Rhode Island [2010], nos Estados Unidos, assinar impressionada. Quando tive de falar numa Igreja, um protocolo. No ano passado, tivemos um semi- desatei a chorar. Nessa altura, não me consegui nário em que eles vieram com pessoas da Guiné- encontrar com Djakama, os meus esforços foram Bissau e de Cabo Verde, nós gostamos de estar boicotados. associados à CPLP (Comunidade dos Países de Cheguei a Portugal muito impressionada, uma Língua Portuguesa) porque achamos que é muito amiga e colaboradora da Fundação, que me tinha importante, do ponto de vista da nossa língua e acompanhado, pedira a uma mulher: "Então cultura. Além disso, há uma afectividade muito vocês, ao menos, não podiam limpar?" E ela dis- grande que felizmente não morreu com as inde- sera: "Para quê? Minha senhora, nós não sabemos pendências, devemos fortalecê-la cada vez mais. se daqui a umas horas estamos vivos." Havia Há um jornalista que convidei para trabalhar constantes bombardeamentos. comigo e que agora está em missão na Guiné- Escrevi uma carta a Djakama a pedir que aca- Bissau. Conheci-o quando há muitos anos, fui a basse com a guerra, que pensasse nas crianças, Moçambique a convite de um grande sacerdote nas vítimas que elas eram. Quando Djakama veio bretão, Jean-Pierre le Scour. a Lisboa consegui que ele declarasse "uniteral- Convidou-me a ser patrona de um mente Ressano Garcia uma zona de paz." Mais “O dinheiro faz projecto de educação. Li algumas tarde, telefonei ao Presidente Chissano, contei- falta, é importante, entrevistas dele e fiquei muito lhe e ele decidiu fazer o mesmo. mas não podemos satisfeita, porque falava na sua Claro que eles [Frelimo e Renamo] estavam estar só dependentes preocupação com a paz e insurgia- em negociações com a Comunità di Sant' Egidio dos valores materiais. se contra os países que dizendo-se [Associação Pública de Laicos da Igreja, fundada Temos de estar apoiantes da paz vendiam armas em Roma, nos anos 60, desempenhou papel imbuídos, embebidos, constantemente aos países que importante enquanto mediadora do processo de nos grandes valores depois se envolviam na guerra. paz em Moçambique]. Um dos membros da humanos, morais, É Jean-Pierre le Scour quem a Sant` Egidio, D. Matteo Zuppi, mal soube que eu culturais, convida a ir a Moçambique, em tinha respondido a este convite, foi a Belém falar espirituais. 1991, e a partir dessa viagem, comigo, perguntar como tinha corrido, quem ” Maria Barroso consegue criar a eram as pessoas com quem tinha contactado, primeira bolsa de paz em Ressa - tudo. E eu lealmente disse-lhe tudo. E depois até no Garcia, uma vitória impor- soube que Aldo Ajello, elemento das Nações tante, no contexto de uma guerra civil que Unidas, ligado ao Processo de Paz em durou 16 anos (termina em 1992) e opôs os mi- Moçambique, quando foi a assinatura com a litantes da Renamo (Movimento de Resistência Sant`Egidio, queria que eu fosse. Antes disso, eu Moçambicana) aos da Frelimo (Frente de conseguira pôr o padre Jean-Pierre le Scour em Libertação de Moçambique), no Governo… contacto com Djakama, e ele consentira alargar, Em Moçambique, conversei com o Presidente um pouquinho mais, a zona de paz. Joaquim Chissano e disse-lhe: "senhor Presidente Tudo isto veio a propósito de eu dizer como eu não sei funcionar senão em lealdade. Venho conheci o jornalista que trabalha aqui comigo e aqui para ver o trabalho que o padre Jean-Pierre se chama António Pacheco, foi ele quem deu os le Scour está a fazer com os refugiados moçambi- cursos aos jornalistas na Guiné-Bissau para canos, a convite dele e da Conferência Episcopal, serem jornalistas da paz. quero que saiba que eles gostariam muito que eu Como definir um jornalista da paz? me encontrasse com a Renamo e até possivel- Um cidadão pacífico, um cidadão amante da paz, mente com o Presidente da Renamo, Afonso da tolerância, de uma sociedade de equilíbrio, Djakama". Ele respondeu: "Faça tudo quanto que é a que nós não temos, não me refiro a puder!" Portugal, refiro-me ao mundo inteiro.

24 TempoLivre | JUL/AGO 2012 18a25.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:26 PM Page 25

Na sua opinião qual o motivo para este dese- tempo a perder, os desafios aos quais devemos quilíbrio que marca a História da Humanidade? fazer face no imediato são conhecidos e descri- Estou a ler um livro muito interessante "Le tos. Os responsáveis são aqueles que detém o Monde n`a plus de Temps à Perdre", escrito por poder politico e os que detém o poder financeiro. várias personalidades, sobre a sociedade actual. Não são os mesmos, os primeiros não aprende- Alguns autores são, por exemplo, Stéphane ram a submeter os segundos." Isto é muito impor- Hessel, Edgar Morin, Michel Rocard, Fernando tante e verdadeiro. Não podemos estar só depen- Henrique Cardoso (Presidente do Brasil antes de dentes do dinheiro, o dinheiro faz falta, é impor- Lula). Falam da necessidade de se encontrar tante, mas não podemos estar só dependentes outra solução para a nossa sociedade que vive dos valores materiais. Temos de estar imbuídos, numa dependência total dos mercados. Nós embebidos, nos grandes valores humanos, somos uma sociedade de seres humanos, por isso morais, culturais, espirituais, etc. temos que nos inspirar nos grandes valores e Quando o ser humano não tem limites não traçar os caminhos que nos levam a uma socie- acede à felicidade… dade mais justa. Uma frase marcante neste livro, Exactamente. n da autoria de Stéphane Hessel, é: "Não há mais Susana Neves (texto) José Frade (fotos)

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 25 26a32.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:29 PM Page 26

Turismo Natureza 2012 Atalhos para paraísos

De norte a sul do país, Açores incluído, os programas de turismo de natureza da Fundação Inatel oferecem uma variedade de experiências. Caminhadas, circuitos por crateras vulcânicas, descidas a furnas, sinfonias de chocalhos, visitas a aldeias históricas e provas gastronómicas. Tudo junto nos programas "Turismo Natureza 2012".

26 TempoLivre | JUL/AGO 2012 26a32.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:29 PM Page 27

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 27 26a32.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:29 PM Page 28

Turismo Natureza 2012

um dos compromissos chidas de evocações de travessias de contraban- mais fortes da Funda - distas, de visitas a património religioso e de ção Inatel com os seus andanças por trechos do Caminho, com passa- associados: a atenção gem por Allariz e Ourense, até à Plaza do às actividades que pro- Obradoiro. porcionam proximida- Chegados à velha Catedral de Santiago de de com a natureza, Compostela, os excursionistas levarão na memó- sejam as de carácter ria uma antologia de experiências e imagens, Édesportivo, sejam as desde esse "reino" de medicina popular que é de turismo. Há, na ver- Vilar de Perdizes aos caminhos rurais e pontes dade, um expressivo número de programas - medievais em terras galegas, passando pelo cen- agrupados sob a designação "Turismo Natureza tro histórico de Chaves, o castelo de Montalegre 2012" - elucidativos desse compromisso e das e o Eco-Museu do Barroso, celebrando-se bem diferentes modalidades como ele toma forma: nesse itinerário assim tão compósito o conceito passeios de bicicleta, caminhadas por velhos tri - de viagem "eco-cultural" subjacente a estas ini- lhos, canoagem, uma travessia marítima das ciativas da Fundação Inatel. Flores ao Corvo, etc. O conceito associado a estas Ainda no norte, em latitude semelhante, mas iniciativas é o de um "turismo ecológico e activo", mais para poente, fica o Parque Nacional da associado a uma "componente pedagógica, cultu- Peneda-Gerês, o único do género no nosso país, ral e recreativa". com a sua flora de carvalhos, teixos e castanhei- Os programas para os próximos meses - até ros; quanto a fauna, andam por lá lobos, cabras, aos prelúdios outonais - traduzem a diversidade garranos e aves de rapina. A Mata de Albergaria, das propostas da Fundação Inatel no sector do a Geira romana, algumas cascatas e miradouros, 1 - Chaves turismo de natureza, que abarca propósitos mais como o da Pedra Bela, são outros dos mais cita- 2 - Castelo de amplos do que a simples deambulação por dos ícones do parque. Montalegre 3 e 4 - Buçaco, espaços naturais. Os programas visam proporcio- O itinerário proposto é realizado a partir da Cruz Alta nar o conhecimento e o usufruto da natureza. carismática Vila do Gerês. Os caminhos a perco- 5 - Marvão Mas envolvem, também, o contacto com realida- rrer cruzam carvalhais e ascendem a miradouros 6 - Castelo de Vide 7 - Inatel,Linhares des culturais locais, incluindo as de timbre gas- panorâmicos, para que os olhos deleitem com a 8 - Calçada romana tronómico. Uma outra marca destes programas é esplêndida vista do vale do rio Gerês. A haver um em Linhares inclusão de aldeias históricas ou pequenos momento culminante neste andarilhar, já tão Página anterior: Caminho na Beira- museus nos itinerários propostos, o que reforça a farto de assombros - como o de uma singular baixa sua componente cultural. O resultado é um con- pontezinha de madeira -, será o do encontro com junto de percursos panorâmicos pelo que o país a cascata de Leonte, nas imediações da fronteira tem de melhor ao nível do património cultural, de Portela do Homem. É um encontro com músi- paisagístico e arquitectónico. De norte a sul, ca, claro, o cântico das águas serranas de fundo a incluindo, ainda, uma das mais belas ilhas do ilustrar outra "eco-peregrinação". arquipélago dos Açores, as Flores, a mais peque- na, o Corvo, e a Graciosa, afamada pelo vinho As virtudes do centro branco e pelas termas do Carapacho. Atalhos À beira das serranias da Estrela, do Buçaco e da para pequenos paraísos. Gardunha: os caminhos a trilhar têm sempre cenários montanhosos no horizonte, um horizon- Eco-peregrinações nortenhas te mais amplo do que nos fraguedos escarpados Inaugurando-se o inventário com passeios seten- do Gerês. Se andarmos pela vertente oeste da trionais, para os primeiros dias de Outono - quan- Estrela, nas vizinhanças de Linhares da Beira, do a folhagem nas bandas de Trás-os-Montes e na teremos à mão memórias de pedra e de vento, as vizinha Galiza começa a ganhar cores mais quen- pedras do casario da aldeia histórica e o vento tes - a proposta é, a partir da região de Chaves, que embala as asas dos parapentes. meter os pés a caminho numa "eco-peregrinação" Os trilhos andam por ali à volta, ora a descer, até Santiago de Compostela, com etapas preen- ora a subir, com derivações ao gosto de cada

28 TempoLivre | JUL/AGO 2012 26a32.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:29 PM Page 29

1 2

3 4

5 6

7 8 26a32.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:30 PM Page 30

Turismo Natureza 2012

caminheiro. Podem, por exemplo, desandar para plam, ainda, a bem serrana aldeia história de as ruelas e perder o timbre campestre. Há muito Castelo Novo e um museu dedicado ao queijo. A por desvendar nos interstícios da pedra feita caminhada reserva-se para o dia seguinte, que há casa, feita cenário. As muralhas do castelo, jane- que se estar retemperado: a proposta é seguir o las manuelinas, uma miríade de signos români- itinerário dos rebanhos locais, nos seus movi- cos na arquitectura, varandas beirãs, ruelas de mentos de transumância. genuína calçada e escadinhas, passagens sorra- teiras entre o casario. Sul e ilhas Fora da aldeia, um dos trilhos é especial - é o O Marvão e Castelo de Vide não se acham, a bem que aguarda os passos dos militantes destas ini- dizer, num pleno sul. Mas serão, enfim, menos ciativas da Fundação Inatel. É um percurso circu- do centro do que do que meridionais. A jornada lar que aflui lá de baixo, de Vila Ruiva, que atra- é, nestas bandas, um tanto semelhante à que vai vessa campos e uma calçada romana até ao centro do sopé da Estrela a Linhares. Esta excursão une Castelo de Vide a Marvão, uma parte trilhada em atalhos de feição e origem medievais, com as inevitá- veis adendas urbanas para apreciar os centros históricos das duas povoações. Marvão, vila hasteada a quase novecentos metros de altitu- de, é conhecida como a "terra onde os pássaros só se vêem pelas cos- tas". Do alto das muralhas, a partir da torre de menagem do castelo medieval, erguido no lado norte a uma cota mais elevada, a paisagem parece nunca mais acabar. À volta desenha-se o bordado geométrico dos terrenos de lavoura, descobre- se ao longe a cerrada faixa de viço- sos freixos que ladeia a estrada, 9 soutos e castanheiros deitam-se 9 - Flores, Rocha dos de Linhares da Beira, para regressar depois ao sobre as encostas da serrania, e ao fundo, em Bordões ponto de partida, à unidade Inatel da povoação. sucessivas linhas de azul, o fio do horizonte 10 - Cascata no Gerês 11 - Graciosa No Buçaco volta o andarilho a rodear-se de recua e deixa ver Albuquerque, S. Vicente e 12 - Flores, trilho florestas. Parte-se, de novo, das instalações da Valência de Alcântara, já do outro lado da fron- 13 - Inatel Vila Ruiva Inatel, na estância termal do Luso, e caminha-se teira. Para oeste, surgem brancos povoados alen- até ao ponto mais elevado das redondezas, o Pico tejanos, Santo António das Areias, Castelo de da Cruz. As veredas - que são duas, pelo menos, Vide, Estremoz. Dizem que em dias mais claros, as propostas por estes programas - mergulham na dissipadas as névoas matinais, o viajante pode vegetação luxuriante da famosa Tapada do até avistar os cumes da Serra da Estrela e os con- Buçaco. Não chega a suave expedição a uma trafortes da Gardunha, a uma boa centena de qui- dezena de quilómetros de caminhar. A vista lá de lómetros para norte. cima vale o esforço - moderado, bem entendido, Setembro é boa altura para voar para o arqui- que estas jornadas foram planeadas para deleite e pélago dos Açores, onde as estações têm o hábito não para penitência. de chegar atrasadas. Três ilhas são contempladas Ainda no centro, e em Setembro, a Serra da por estes programas, a Graciosa, as Flores e o Gardunha torna-se cenário de andanças a pé e de Corvo. mil e uma badaladas - como as do Festival dos Para a primeira, para além de actividades de Chocalhos de Alpedrinha. As visitas contem- mergulho e kayaking, e de umas passagens pelas

30 TempoLivre | JUL/AGO 2012 26a32.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:30 PM Page 31

10 11

12 13 26a32.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:30 PM Page 32

Turismo Natureza 2012

Flores, Farol de termas do Carapacho, temos umas quantas volta em torno da Caldeira, para preparar o corpo Albernaz caminhadas, sempre facílima realização, que a para uma última imersão nas águas medicinais Graciosa é entre todas as suas congéneres do do Carapacho. arquipélago a menos acidentada. A subida à Finalmente, as Flores e o Corvo, as ilhas mais Caldeira, pelo PR1-GRA, é pouco mais do que um distantes do arquipélago. A estância de quatro passeio de domingo, que se resolve num fôlego e dias chega para um reconhecimento das princi- meio. Podia a caminhada concluir-se na Furna do pais ilhas e lagoas das Flores, incluindo banhos Enxofre, ou no miradouro que abarca a Caldeira na Poça do Bacalhau, observação de aves migra- e uma boa parte da ilha, mas não. Sobra ânimo tórias e incursões a panorâmicas paragens, como para descer à Furna da Maria Encantada. E se não a Rocha dos Bordões ou o farol de Albernaz, de for nesse dia, haverá de ser no seguinte: uma onde se avista o Ilhéu de Monchique, o pedaço de terra mais ocidental da Europa. Por um trilho que acompanha a ravina chega-se à Fajã Grande, Informações e Marcações onde tombam cascatas sobre a orla. Mais adiante está a Fajãzinha, que se espraia aos pés do mira- Uma perspectiva mais pormenorizada de douro do Portal. toda esta oferta de viagens, com estadias em Um dos dias gasta-se num salto marítimo ao unidades hoteleiras da Fundação, pode ser Corvo, com francas hipóteses de se avistar, consultada em www.inatel.pt, onde está durante a navegação, cetáceos e golfinhos. No disponível toda a informação sobre estes e Corvo, uma caminhada breve leva o viajante ao outros programas, bem como os contactos único povoado da ilha e ao Caldeirão, porventu- para marcações. ra a mais bela cratera de todo o arquipélago. n Humberto Lopes (texto e fotos)

32 TempoLivre | JUL/AGO 2012 26a32.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:30 PM Page 33 34a41_NOVAS.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:33 PM Page 34

Actual Filipa Pais Tantos cantares e uma voz única

Saiu do anonimato com os Lua Extravagante e os irmãos Salomé. Gravou discos a solo, abraçou o fado com o Chaínho e o Alvim, integrou projectos de música crioula, andou pelo jazz. Agora sobe a palco com Carlos Mendes e Fernando Tordo no espectáculo Memorial. É mais um dos caminhos novos em que Filipa Pais exibe a voz límpida e única a que sempre nos habituou.

convite de Carlos Mendes e de A estreia em finais de Fevereiro no Fórum Fernando Tordo para integrar o Almada teve "muito boa recepção", afirma. De projecto Memorial tinha para então para cá, têm andado um pouco por todo o OFilipa duas aliciantes de peso: país. Em Junho estiveram no Casino de Tróia e no combinar num espectáculo temas Porto, no Teatro Tivoli. Em Julho passam pelo de fado e de música tradicional. Ao mesmo Centro Cultural Olga Cadaval em Sintra e para tempo, também se passava em revista alguns dos Agosto vão marcar presença a 18 no Festival temas mais emblemáticos das carreiras de Tordo Altitudes, na Serra de Montemuro. Está também e Mendes. O certo é que depois de meses de a ser planeada uma tournée a passar por ensaios o espectáculo tomou forma, "e de uma Espanha, França e alguns países do Oriente. maneira muito mais agradável do que se pensou no início". A menina dança? Memorial "está a viver muito da harmonia As artes sempre fizeram parte dos seus projectos vocal, que no meu entender resulta muitíssimo de vida. Na infância recorda-se de a avó Emília, bem e está a dar-nos um gozo tremendo". Mais, "com uma voz belíssima e afinadíssima, passar aqui também há uma parte encenada com o tardes inteiras a pôr os seus discos e a cantar por Carlos Mendes, o que muito lhe agrada, ou não cima, era ela no quarto dela e eu na sala a fazer a tivesse ela também já feito teatro - mas já lá mesma coisa". Aos 14 anos chegou mesmo a gra- vamos a essa faceta. var com Vitorino "A queda do Império", mas Das quase três dezenas de músicas que pas- antes de tudo investiu no bailado, "a vida de um sam por este Memorial, mais de metade são bailarino é muito mais efémera". Primeiro no inéditas mas há algumas incontornáveis. Ballet Gulbenkian e depois em Nova Iorque, "Quem vai ver o Carlos e o Fernando quer ouvir onde esteve três anos a fazer dança moderna, a “” ou “Amélia dos Olhos Doces”, eu étnica e ballet clássico. De volta a Lisboa integrou não tenho grandes êxitos, tenho algumas músi- a o movimento Nova Dança Portuguesa com cas mais conhecidas mas sou feliz assim: tenho Francisco Camacho, Vera Mantero, João Fiadeiro, o privilégio de fazer uma coisa que adoro, que José Laginha e Paula Massano. é cantar, talvez a coisa que eu saiba fazer mel- Aos 24 anos uma hérnia discal "ajudou a hor". faci lmente me decidir pela música". Sem amar-

34 TempoLivre | JUL/AGO 2012 34a41_NOVAS.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:33 PM Page 35

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 35 34a41_NOVAS.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:34 PM Page 36

Actual

Gosta acima de tudo de experimentar novas áreas, como "a música cabo-verdiana ou a africa- na, cantei com o Filipe Mukenga e com o Tito Paris", o primeiro angolano, o outro de Cabo Verde.

A vez do fado Sempre achou que nunca conseguiria cantar fado. "Nunca cresci a ouvir fado, ouvia muito mais Zeca Afonso e outro tipo de música". E quando António Chaínho a desafia para cantar fado a primeira resposta foi "Não sei se vou con- seguir". O certo é que não só começou aqui a con- hecer e a interpretar fado como veio a integrar o projecto "Guitarras e outras Mulheres", que havia de fazer uma grande tournée internacional. E de caminho começa também a colaborar com o gui- tarrista e compositor Fernando Alvim, "um homem muito sábio, muito sensível e discreto, tocámos uns dois ou três anos juntos, e ensinou- me muito". guras. "Na minha vida as coisas têm acontecido E a ligação ao António Chaínho mantém-se com alguma naturalidade, não há uma teimo- até hoje - basta dizer que Filipa chegou recente- sia". É por essa altura que Vitorino, Janita e mente da Argélia onde gravou um dueto com Carlos a convidam para o Lua Extravagante, um uma cantora local e a par do fado interpretou projecto onde a música de cariz tradicional dá música em árabe, num trabalho liderado por destaque ao cantar. E logo aí sobressai a voz de Chaínho. Filipa Pais. E quando se pergunta a Filipa qual o estilo Muitos espectáculos depois, grava o primei- musical em que se sente melhor não consegue ro disco "L'Amar" com o pianista, compositor e eleger apenas um. "Em todos, desde que goste. improvisador de jazz João Paulo Esteves da Não consigo cantar o que não gosto, seria um Silva - com quem continua a dividir o palco em pecado". Assume: "parece uma maneira de estar espectáculos de música tradicional portuguesa elitista mas quando temos uma profissão em e de autor, como o que deu em Fevereiro últi- que nos expomos temos de defender a imagem mo, em Évora. e acreditar no que estamos a cantar - como é o Por entre os discos que foi gravando ou em caso". que participou, teve ainda tempo para fazer tea- Fora das lides de palco, Filipa gosta muito de tro. Pisou palcos com O Bando, trabalhou com ser mãe e é com orgulho que fala da filha de 15 encenadores tão distintos como João Brites, anos, que "canta lindamente, tem uma voz bes- Ricardo Pais ou até Filipe la Féria - este, no tial", está a ter aulas de canto e piano. Assume-se ACARTE. Embora goste de fazer teatro, torna-se como pessoa caseira. Não raro gosta de "cozinhar um exercício "saudável mas ao mesmo tempo e de convidar amigos para jantar e estar na come- doloroso, porque é uma exposição à qual não zaina e na converseta até chá virar café", diz por estou habituada; a voz falada é muito diferente entre risos. da cantada e eu, apesar de tudo, sou tímida e o Para além do espectáculo Memorial, que está teatro explora muito cá dentro". Mas não vira a na estrada, num futuro próximo podemos ver cara ao que considera ser um bom projecto, Filia Pais em projectos musicais totalmente dis- "quem pisa um palco tem de agarrar todas as tintos dos que já fez até aqui, mas "será sempre oportunidades para aprender e não se deve cingir uma coisa muito bem escolhida", afirma.n apenas a uma só coisa", afirma. Manuela Garcia (texto), José Frade (fotos)

36 TempoLivre | JUL/AGO 2012 34a41_NOVAS.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:34 PM Page 37 34a41_NOVAS.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:34 PM Page 38

Lusofonia

Hans e os humores do

38 TempoLivre | JUL/AGO 2012 34a41_NOVAS.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:34 PM Page 39

Escritor e crítico literário, Van Wetering divulga a literatura lusófona como poucos e acaba de contribuir para a edição de um romance de Guilherme Mendes da Silva, um cabo-verdiano errante com uma vida repleta de histórias que, por não dominar a língua holandesa, não pode ler o seu primeiro livro…

fumo da neblina desprende-se sinuosamente das árvores, as paredes escuras da igreja encai- Oxam-se na paisagem estéril de ale- gria e numa atmosfera provida do mais completo silêncio na Granpre Moliere Plein, às portas de Amesterdão. Hans van Wetering abre a porta e mostra um sorriso que contrasta com as cores cinzentas da manhã. Na sala, sobre a mesa, misturam-se os livros e, ao fundo, do outro lado, destaca-se um quadro pintado pela mulher, Tina Pereira, que, de imediato, me remete para Portugal. Hans van Wetering tem boas memórias do país onde a mulher nasceu mas não guarda uma única da sua primeira passagem por Lisboa. "Tinha 16 anos, fui com um amigo, bebíamos muito, era tudo o que fazíamos. Apenas tenho uma vaga recordação de falar com as pessoas na rua, sobre política, porque a Revolução dos Cravos estava ainda muito fresca." Estávamos em 1980 e, por essa altura, Hans van Wetering nem sequer desconfiava como haveria de ser forte a sua ligação a Portugal. "A minha mulher é natural de Alpedrinha e os pais dela emigraram, como tantos outros portugueses no final da década de 1960, para a Holanda. Ela tinha nove anos quan- do chegou e rapidamente se integrou." A empatia ganhou expressão quando Tina tinha 24 anos e, pouco depois, Hans van Wetering viveu a sua segunda experiência em Portugal, quando a mulher resolveu tirar a carta de con- dução. "Em Castelo Branco, onde praticamente não havia carros, era mais fácil." Durante cinco meses, permanceram em Alpedrinha. "Não o senhor Utac entendia nada, estava numa zona onde não havia turistas, apenas compreendia uma ou outra

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 39 34a41_NOVAS.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:34 PM Page 40

Lusofonia

palavra que retirava das Cabo Verde radicada na Holanda. Tratava-se de conversas. Sentia que tinha uma história com imensa piada, algo que nunca de fazer algo e resolvi antes havia lido." começar a ler jornais portu- “Quando deram o sinal que iam começar o gueses. Antes de falar, já batuque depois do ensaio, o Mateus Padebaka sabia ler." chamou à atenção toda a gente e fez uma peque- Anos mais tarde, Hans na alocução: Vós todas e vós todos sabeis que van Wetering e a mulher Utac desapareceu daqui por muito tempo; uns viveram em Portugal duran- dizem por 15 anos, mas a mim me parece muito te dois anos, no Algarve, ela mais. Ele antes de ir já era menino nosso e nosso como hospedeira da desapa- companheiro; só que era muitas vezes maltratado recida Air Atlantis, ele na porque era mal compreendido por muitos e mal Guilherme Mendes organização de safaris para crianças em jipes. aceite por quase todos. Eu nunca tive razão de da Silva "Lembro-me da loucura que eram as ultrapassa- queixa dele; até porque ele gostava dos meus pei- gens, na Nacional 125. Aprende-se um pouco dos e os gabava.” sobre um povo pela forma como as pessoas con- Hans van Wetering entrou em contacto com duzem. Pensava que nunca seria capaz de o fazer Guilherme Mendes da Silva, a viver em Roterdão, mas ao fim de uns meses também já ultrapassava e juntos trabalharam no livro editado em Abril na porque havia sempre filas e nós tínhamos horá- Holanda com o título "Os Humores do Senhor rios a cumprir." Utac". A primeira impressão sobre este cabo-ver- Hoje, Hans van Wetering mantém-se muito diano de 76 anos não poderia ser mais positiva. próximo da cultura portuguesa e lusófona. "Há "Fiquei logo encantado com ele. Um homem três anos recebi um e-mail de uma instituição muito interessante, bonito, negro com uns olhos que se dedica a editar literatura estrangeira. No azuis, um olhar vivo, sempre bem vestido, com início, falaram-me de algo estranho, um conteú- grande dignidade, alguém que nunca teve uma do de quase duas mil páginas, caso fosse editado. casa até aos 60 anos, que viveu sempre no mar ou Comecei a ler e descobri que se tratava de um em pensões, carregando apenas uma mala." romance escrito em português, de uma pessoa de Uma errância que Guilherme Mendes da Silva

40 TempoLivre | JUL/AGO 2012 34a41_NOVAS.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:34 PM Page 41

explica facilmente. "A minha vida daria para pre- pensei que uma pessoa fosse capaz de pensar encher um livro bem grosso. Dei duas voltas ao por outra; aprendeste isso no estrangeiro? mundo, estive nos cinco continentes e em todos Guilherme Mendes da Silva, pai de David eles tive as minhas aventuras. Já era navegador Mendes da Silva, sete vezes internacional pela antes de vir para a Holanda e sabia que no mar selecção holandesa, campeão pelo AZ, em 2008- não haveria de ter a mesma qualificação. Mas 09 e actualmente a representar o Red Bull isso não era importante. Queria conhecer o Salzburg, não fala holandês e nunca havia escri- mundo a trabalhar porque de outra maneira não to na vida. "Ele é uma ilha na família. Leu me seria possível." Camões, Padre António Vieira, mas à volta dele, Há uns anos a esta parte, Guilherme Mendes entre família e amigos, eram todos analfabetos. E da Silva colocou os pés em terra firme e foi por o curioso é que, por não dominar o holandês, não essa altura que começou a despontar a ideia de pode ler o livro que escreveu." um livro, cujo conteúdo é, para Hans van Uma tristeza que Guilherme Mendes da Silva, Wetering, auto-biográfico, pelo menos em parte. actualmente a escrever outros livros, um sobre a "Ele casou, teve filhos, filhos oficiais, quero dizer, comunidade cabo-verdiana na Holanda e outro porque já tinha muitos, mesmo muitos. sobre uma história triste passada num barco, Seguramente que teve cinco esposas, um pouco admite sem hesitações. "Gostaria que o meu pri- por todo o lado, sete filhos dessas mulheres, ofi- meiro livro fosse editado numa língua que me cialmente, também, porque há mais. E, embora permitisse responder às perguntas que os leito- ele diga que não, tudo isso tem a ver com o livro." res, por curiosidade, me colocam. Estou fora há O escritor refuta, de facto, a ideia da auto-bio- 49 anos mas o português é a minha língua oficial, grafia. "Neste conto, 99 por cento não tem nada a a que melhor entendo." ver com a minha vida. Repare que Utac era um Ninguém como Hans van Wetering divulga individuo desorganizado, que tinha lua e maré, e tanto a cultura portuguesa e lusófona na Holanda nenhum escritor faz esta comparação, ter um como ele o faz. Crítico literário em alguns jornais representante desequilibrado. A única coisa que e revistas (escreve também sobre arquitectura e atribuí ao senhor Utac é 15 anos sem voltar a urbanismo), abre as portas, através da sua editora, Cabo Verde e uma namorada holandesa muito aos novos escritores - é um apreciador de Walter bonita." Hugo Mãe, já entrevistou Gonçalo M. Tavares Hans van Wetering tem outra perspectiva. "Ele para o conceituado jornal NRC Handelsblad e é tem uma memória lúcida e tinha todas essas coi- amigo pessoal de Ricardo Adolfo, escritor portu- sas na cabeça. É a história de um cabo-verdiano guês que durante alguns anos viveu na Holanda e que regressa ao seu país com algum dinheiro, tal- actualmente reside no Japão. vez para passar férias, com a ideia de que o povo Entretanto, Hans publicou dois livros seus, é atrasado. O interessante no livro é que ele é o um em 2003 e outro em 2008, e tem em mente anti-herói, fica bem claro que ele é que é desor- um projecto para um outro, em português, com ganizado, não os outros, que as pessoas à volta histórias de Alpedrinha e das suas gentes, um dele são muito mais sensatas." pouco no género do realismo mágico de Gabriel O fim de domingo ia passar sem aconteci- Garcia Marquez. E, enquanto vai escrevendo, mento notável; pois, parecia que toda a gente vive Portugal com paixão. "Gosto muito do país, estava cansada. Quando o Taninho chegou à faz parte da minha vida pensar e ser português. casa, encontrou o senhor Utac à sua espera. Diga- Vivo com uma portuguesa. Portugal entrou na me que te trouxe cá, porque tenho muito que minha cabeça." pensar nesta noite para que eu possa defender E, com a ajuda deste holandês, vai entrando bem a minha tese amanhã na Esquadra de Polícia também na de muitos outros holandeses que perante aquele Comissário. depositam um olhar nas suas críticas literárias e O senhor Utac respondeu: É verdade! Eu que- na divulgação que faz de Portugal e da Lusofonia. ria ir à praça ouvir a música da banda municipal, Lá fora, a praça continua silenciosa e a chuva mas se quiser, posso ficar para o ajudar a pensar. teima em cair. n Ajudar-me a pensar como? Utac, eu nunca Sousa Ribeiro (texto e fotos)

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 41 42a47.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:37 PM Page 42

Viagens Ibiza O outro lado da ilha m

Ibiza, com 200 quilómetros de costa, é capital do hedonismo mas oferece à contemplação lugares que nos permitem viver numa quietude sonhadora. E muitos desconhecem mesmo que tem três lugares na lista de Património da Humanidade da UNESCO. 42a47.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:38 PM Page 43

mágica 42a47.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:38 PM Page 44

Viagens

ilão, Viena, Paris e Londres, ao pequeno aeroporto, os viajantes eram recebi- todas têm a sua catedral. Ibiza dos por um fotógrafo que lhe oferecia a possibili- também, não com um carácter dade de guardar aquele momento para mais tarde Mreligioso mas de puro hedonis- recordar a troco de meia dúzia de pesetas. Nesse mo. Chama-se Pacha, abriga, tempo que parece estar a séculos, os turistas mais quase todas as noites, no Verão, cinco mil pessoas ousados eram, não raras vezes, apedrejados nas que se entregam ao prazer, bebendo e dançando praias da ilha, sinónimo de que eram vistos como ao som dos mais famosos Disc-jockeys do mundo, os novos e pouco respeitadores invasores de um que viajam em jacto privado e ganham mais numa lugar até aí muito conservador. sessão do que o comum dos mortais num ano de Na década de 1950, Ibiza (572 km2) não tinha árduo trabalho. Uma discoteca que tem a particu- mais do que 50 mil habitantes, um número que tri- laridade de ser a única nesta ilha das Baleares que plicou em apenas 60 anos. Alguns dos seus habi- não fecha as suas portas, ao contrário de todas as tantes partiram, anos antes, para lugares distantes outras que, em Outubro, organizam uma festa de como Argentina, Porto Rico ou Cuba mas, em 1953, despedida, entregando-se a um coma profundo com a abertura das fronteiras espanholas, muitos deles regressaram do exílio forçado, entre eles artistas e intelectuais, nomes famosos das artes, como Will Faber, Erwin Bechtold ou Erwin Broner, que já conheciam ou haviam vivido na ilha. De facto, é um mito criado pelos media que Ibiza foi inventada ou descoberta pelos hippies. Na década de 1920, foram vários os viajantes que a conheceram e que, de uma forma ou de outra, logo trataram de difundir o seu exotismo. Dez anos mais tarde, Ibiza era palco preferido de inte- lectuais, de espiões, entre eles franceses, alemães e ingleses, vivendo as suas vidas na antecâmara de uma guerra e de uma partida apressada para outros quadrantes. Em 1955, lugares como o porto de Ibiza, Sant Antoni e Santa Eulària começaram a encher-se de estrangeiros ilustres ou simples curiosos, adeptos de um modo de vida mais relaxado. É por essa altura que surgem os primeiros bares na até Maio do ano seguinte. Pacha, tal como Ibiza, é zona portuária da cidade de Ibiza, que, gradual- uma marca que se exporta para todo o mundo, mente, se vai afirmando na cena internacional uma promessa de loucura, ponto de encontro de como reduto de jazz, da arte, como um lugar com gente bonita, que olha e gosta de ser vista, que um ambiente muito especial e onde o consumo também deixa que se pinte no imaginário um pôr- de haxixe e marijuana é livre. Os hippies, ou do-sol que haverá de ficar gravado na memória. cabeludos, como eram então conhecidos pelos locais, apenas assentam arraiais na década de Beleza e carácter 1960, alterando substancialmente a paisagem. É Mas basta uma pequena incursão pelos lugares o tempo da música dos Beatles, das drogas leve, mais remotos para se ter uma ideia da heteroge- da tolerância, da libertação sexual, dos anticon- neidade desta ilha e da sua beleza, do carácter ceptivos, um terreno fértil para os transgressores, das suas gentes, muitas delas teimosamente fiéis felizes no seu paraíso por vezes feito de ignorân- aos costumes e pouco abertas para um sorriso na cia e de falta de respeito para com os ibicencos. direcção do turista que chega apenas com a O ano de 1968 foi particularmente intenso na mente focada nas festas que se prolongam pela ilha, muito por culpa de todos os acontecimentos noite dentro. Há trinta anos, quando chegavam que o mundo viveu: o festival de música de

44 TempoLivre | JUL/AGO 2012 42a47.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:38 PM Page 45 42a47.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:38 PM Page 46

Viagens

Woodstock, o Maio em Paris, a revolta em Praga Os fenícios foram aqueles que, com os seus contra o domínio russo e a fuga de muitos ameri- conhecimentos, maior contributo deram à ilha, canos que, sob o lema "Faz Amor e não a Guerra" uma realidade ainda hoje bem presente quando se preferiam lugares como Marrocos, Holanda ou olha, atentamente, para a forma como o povo gere Ibiza aos arrozais e atrocidades que manchavam a água. Os fenícios construíram poços, alguns de sangue o Vietname. Ainda hoje, nas ruas da deles a escassos metros do mar - como é o caso de cidade de Ibiza ou nos mercados hippies se sente Pou des Lleó e Pou des Frares - e um sistema esta influência e toda a inspiração oriental - per- hidráulico de rega por osmose que é um fantásti- fumes e saris provenientes da Índia estão à venda co exemplo da tecnologia da época (as salinas, um pouco por todo o lado. Da mesma forma, são capazes de produzir entre 50 a 60 mil toneladas visíveis os ritos pagãos, as religiões orientais, de sal por ano, constituem outro). Se a vida no - ioga, as seitas e a música acústica, uma escola cturna em Ibiza há muito galgou fronteiras, o sal que veio para ficar. da ilha sempre foi apreciado e continua a ser. Extraído desde o tempo dos cartagineses, era um Múltiplas invasões bem essencial para os romanos nas suas rotas de A verdade é que Ibiza sempre sofreu influência navegação e abastecimento. Hoje, Ses Salines per- cultural dos povos, na sua costa que se estende manece como um dos lugares mais encantadores de Ibiza, especialmente ao final da tarde, quando os raios dourados do sol pintam os seus 40 tan- ques, uma paisagem que se mantém praticamen- te inalterável desde há mais de dois mil anos. Poucos são, na realidade, os turistas que se acercam destes lugares que vivem no passado. A parte alta da cidade, com o castelo e a catedral de Santa Maria das Neves, com um ou outro museu, é a excepção devido à proximidade. Mas, entre estes, raros são aqueles que depositam um olhar prolongado na sua arquitectura, nas suas varan- das debruçadas sobre ruas que durante sete meses quase se remetem à sua solidão e a um silêncio sepulcral. Ilha de deuses púnicos, de poetas, de artistas, de casais apaixonados,

Montanha Mágica por mais de 200 quilómetros atracaram fenícios, Ibiza oferece muito mais que passa ao lado de cartagineses, romanos e árabes antes da chegada todos quantos chegam com a promessa de umas dos hippies e dos disc-jockeys famosos como férias a um ritmo alucinante e, em muitos casos, a David Guetta e Armin van Buuren, perfeitos des- preços proibitivos - uma entrada no Pacha, só para conhecedores da riqueza histórica da ilha e da sua ter um exemplo, custa entre 60 a 70 euros e não condição de património da humanidade. São três concede sequer o direito a uma bebida. Um pas- os lugares que fazem parte da lista da UNESCO: a seio até à encantadora praia de Cala Carbó, não própria cidade de Ibiza, com a sua parte velha, muito longe da povoação de Es Cubells, oferece feita de ruas estreitas e de vielas que embelezam uma imperdível panorâmica sobre as águas azuis os bairros marítimos e de fortificações que datam do Mediterrâneo e Es Vedrá, a montanha mágica do século XVI; os antigos pomares de Ses Feixes, de Ibiza que mais parece proteger a mais pequena próximo da aldeia fenícia de Sa Caleta; finalmen- Es Vedranell. Verdadeiro ícone da ilha, Es Vedrá te, a necrópole de Puig des Molins com a sua posi- ergue-se a uma altura de 385 metros e desce até donia oceânica, uma erva marinha que apenas se 100 metros de profundidade e sobre ela contam-se encontra nas águas do Mediterrâneo e que supor- as mais extraordinárias legendas, desde visões de ta um ecossistema marinho e costeiro diverso. ovnis a tantas outras que provavelmente derivam

46 TempoLivre | JUL/AGO 2012 42a47.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:38 PM Page 47

da sua força telúrica e dos reflexos metálicos que sonhadora, a montanha mágica na sua serenidade lança quando o sol se prepara para mergulhar no de estátua. mar. Um clérigo catalão, Padre Palau, influenciado Ao início da manhã, no dia seguinte, sento-me pela imponência da montanha, escreveu sobre as num bar com vista para a fachada da igreja de Santa suas visões da Virgem neste local e Blasco Ibáñez Agnès e espero a hora da missa, observando, em converteu Es Vedrá no cenário da sua novela “Os silêncio, homens e mulheres que, trajando de forma Mortos Mandam”. É possível, com a máxima típica, se apressam para o interior. As portas estão prudência, uma vez que há rochas quase à super- abertas e, ao fundo, três padres mostram-me que fície nas proximidades, acercar-se de barco da ilha Ibiza é muito mais do que alguma vez poderemos e desta área protegida, para uma visão mais próxi- imaginar. Daí a pouco tempo, a procissão sai e ma da sua verticalidade escarpada, cortada sobre o embrenha-se por um caminho de terra batida pelo mar. Mas há alguns anos que é proibido colocar o meio da vegetação (a melhor altura para visitar pé em terra firme, uma forma inteligente de pre- Santa Agnès é quando as amendoeiras estão em flor servá-la dos predadores humanos e de garantir o e todo o vale se enche de cor) e menos de uma hora habitat de falcões, gaivotas e outras espécies difí- depois está de volta à igreja. Há alguns turistas, ceis de avistar noutros lugares. Um dos pontos muito poucos, a maior parte deles ainda dorme, mais bonitos para lançar um olhar a Es Vedrá é a curando ressacas proporcionadas pela loucura partir da Torre del Pirata, também conhecida como daquela que é para eles o equivalente ao Estádio da Cabo Juen. Construída em 1756, oferece à con- Luz para os benfiquistas - Pacha, a catedral. n templação um cenário de mais perfeita quietude Sousa Ribeiro (texto e fotos) 48a55_S_M_OV_CA.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:46 PM Page 48

Memória Leitão de Barros O homem dos sete ofícios

Foi pintor, jornalista, cineasta, dramaturgo, produtor, um homem de ideias

ão é fácil escrever uma Memória nidas, sinaleiros e tasquinhas, a escrita de Leitão de um homem como este. José de Barros, bem-humorada e crítica, foi durante Júlio Marques Leitão de Barros, anos a melhor crónica de Lisboa. esse mesmo, o dos filmes "Maria N Dramaturgo e autor de cenários do Mar", "Maria Papoila" ou "A Severa", o das Festas da Cidade, o do Cortejo Palmira Bastos, Ilda Stichini, Maria Matos, Vasco Histórico das Festas Centenárias de Lisboa, o da Santana ou Amélia Rey Colaço foram algumas Feira Popular de Lisboa, o das Marchas dos das vedetas dos anos vinte que trabalharam com Santos Populares, enfim, pode dizer-se, o homem Leitão de Barros. Autor de várias peças de teatro, dos sete ofícios. Leitão de Barros não se limitava a escrever e exi- Leitão de Barros, que nasceu no Porto (22 de gia ser ele o cenógrafo, construindo maquetas Outubro de 1896) mas registado em Lisboa, foi, para salas tão diferentes como o S.Carlos, o antes de se dedicar ao cinema, um jornalista bri - Ginásio, o Politeama ou o Sá da Bandeira do lhante. Aluno da Escola de Belas Artes, da Porto. Pelo seu trabalho de teatrólogo recebeu em Faculdade de Ciências e Letras de Lisboa e da 1955 o Prémio Gil Vicente. Mas quanto a conde- Escola Normal, foi professor de Matemática e corações, Leitão de Barros foi ainda agraciado Desenho e pintor a óleo e aguarelista. Como pin- com a Grã-Cruz da Ordem de Sant'Iago da tor expôs em vários países tendo recebido a Espada, Grande-Oficial da Ordem de Cristo, medalha de ouro da Exposição do Rio de Janeiro. Oficial da Ordem de Afonso, o Sábio (Espanha) e Este é o lado menos conhecido do homem que o Prémio Júlio César Machado (da Câmara deu cartas no cinema português. Municipal de Lisboa).

Um criador inquieto Jornalista e cineasta Quem o conheceu sempre admirou o seu lado Era ainda muito novo quando começou a colabo- inquieto que o levava a não desistir de nenhum rar em jornais. Sempre interessado em arte, foi projecto em que se tivesse envolvido. Foi assim crítico, fez entrevistas e reportagens em jornais que criou as grandes festas populares de Lisboa e como o Correio da Manhã, A Capital, A Noite, as marchas dos bairros dos Santos populares, Caricaturável, pode entre outros. Rezam as crónicas que Leitão de organizou um Cortejo de Viaturas, outro Cortejo dizer-se que ninguém Barros, com vinte anos apenas, já era considera- esqueceu o chapéu e Medieval, dirigiu a construção da Nau Portugal o bigode do um brilhante jornalista. Mais tarde, fundou o para a Exposição do Mundo Português, imagi- semanário Domingo Ilustrado que deu origem ao nou, com Mimon Anahory, a Feira Popular de Notícias Ilustrado, edição semanal do Diário de Lisboa, fundou o Grupo de Amigos de Lisboa, Notícias. Foi ainda director de O Século enfim, ninguém estranhou que Leitão de Barros, Ilustrado. convidado a escrever para o Diário de Notícias, Jornalista e cineasta, escrevi atrás. E foi talvez tivesse escolhido os Corvos lisboetas para nome como cineasta que Leitão de Barros se tornou das suas crónicas. Os "Corvos" de Leitão de conhecido do grande público. Mais de vinte fil- Barros acabaram por ser uma espécie de crónica mes e documentários, muitos destes servindo o da cidade. Árvores, jardins, pregões, becos e ave- governo da época, ("Mocidade Portuguesa",

48 TempoLivre | JUL/AGO 2012 48a55_S_M_OV_CA.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:46 PM Page 49

"Escolas de Portugal", "A Ponte Salazar sobre o rio Tejo") as estreias de muitos dos seus filmes eram acontecimentos na cidade com filas imensas de público às portas do São Luiz ou do Tivoli, as duas casas mais chiques da capital. Apaixonado pelo mar não se estranhe que alguns dos seus filmes tenham o mar como tema ("Nazaré, praia de pescadores", "Maria do Mar", "A Pesca do Atum", "Ala-Arriba").

Maria do Mar e A Severa Entre as mais de duas dezenas de filmes deste realizador, "Maria do Mar" (1930) é considerado um clássico da época e faz parte das reservas de muitas cinematecas estrangeiras. Em 1931, Leitão de Barros estreia o primeiro filme sonoro, "A Severa", e já nessa altura fazia parte do grupo que viria a criar a Tobis Portuguesa. Entre tantas e tão desvairadas artes, o cinema parece ter sido a preferida do realizador. Em dis- curso que proferiu em Abril de 1947 - O cinema - conceitos e suas relações com o Teatro - Leitão de Barros terminou a sua conferência com estas palavras: "Acredito, meus senhores, num cinema Esta é a foto que ele criou e a que deu vida. Nesse dia, curio- português, porque acredito na eternidade deste emblemática de samente, o Condes repunha o seu filme "A Leitão de Barros, o grupo parecido que somos nós, mandriões pesca- chapéu incontornável Severa", o primeiro filme sonoro português e uma dores que nos deitamos ao sol da praia na certe- grande realização do cineasta. za do peixe de amanhã, que somos capazes de Ainda uma ultima palavra sua, dirigida a um muita asneira e de muita coisa bem feita, que grupo de gente nova: "amo a terra em que nasci; somos enfim, uma raça; isto é, que levamos sobre gosto de contemplar as flores, os montes, os rios, alguns outros povos esta vantagenzinha apreciá- as árvores; sinto atracção por tudo o que me pare- vel; conhecermo-nos uns aos outros, de ginjeira, ce belo, antigo ou moderno, sem a menor preo- há oito séculos!" cupação de idades, de escolas, de birras, de pre- Leitão de Barros morreu no dia 29 de Junho de conceitos." "Digo-vos, como Da Vinci: "sede sin- 1967, poucos dias depois das Marchas Populares ceros, humildemente, ferozmente sinceros". n deste ano terem desfilado em Lisboa. As Marchas Maria João Duarte 48a55_S_M_OV_CA.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:46 PM Page 50

Justiça e Sociedade

António Bernardo Colaço Uma mente desempregada

tal meta apenas existe no imaginário jamais con- Em meados de Abril de 2012, hecendo uma realização prática acabada. Caso de Portugal, numa população de " boas intenções está o inferno, (perdão) o 10.760.000, registava cerca de mundo, cheio". 1.680.000 desempregados por conta Qualquer cidadão responsável, independen- temente das suas opções político-religiosas, mas de outrem. assente numa moral social, tem o dever de apro- fundar o seu entendimento sobre o estado de espírito que o desemprego pode gerar. Na verda- de, todos nós somos vítimas dessa situação, a sua vertente formal, desempregado quer pela instabilidade e insegurança que um é aquele que tendo a segurança de tal estado social gera, quer na busca de adequa- uma prestação laboral de cariz contí- das soluções para a situação e que de longe tem Nnua e permanente, com uma contra- de ultrapassar a exiguidade e fragilidade do partida remunerativa, se vê lançado na inactivi- canto dos cisnes ou de lágrimas de crocodilo, dade, com todo um ror de consequências funes- com todo o respeito que estes animais nos mere- tas que daí deriva, nomeadamente no plano cem. social. Está será uma faceta essencialmente mate- O desemprego apresenta-se como um estado - rialista. fantasma de alma, sobretudo para aquele que Há porém uma outra vertente, de natureza estando empregado deixou de o ser, independen- espiritualizada, na caracterização do "estado de temente da causa ou do tipo de sociedade onde alma" de quem se vê subitamente privado do trabalha. É entrar num vazio existencial, derrota- único modo com que regularmente geria a sua do pela vida com perda de personalidade e auto- vivência sem qualquer expectativa de o vir a valoração. Ter emprego é um estado social perso- recuperar. É o que bem se poder chamar de vazio nalizado, uma validação da vida em sociedade. de vida. Privado deste estímulo, o homem vê-se decapita- Para um melhor enquadramento da problemá- do do suporte e da sua razão de ser social. Mais tica do desempregado é preciso entender que do que ver-se privado do essencial par a sua muitos dos problemas que o afectam também vivência, o desempregado corre o risco de se sen- podem dizer respeito a um cidadão empregado, tir desenraizado, bestializado, caído num vazio tais como: dificuldades económicas; tensões sem perspectiva, quase odiando a sociedade que familiares; dívidas; stress; falta de saúde; habi- o corrói pelo abandono a que foi votado. Até tação inconfortável e outras do género. Mas não é quando, esta sacrifício pavoroso? disso que se trata. Ao desempregado, assim eclipsado, resta ape- A problemática do desemprego também pare- nas absorver o cálice da cicuta enveredando por ce preocupar os políticos ao mais alto nível de caminhos que não escolheu mas que se abrem responsabilidade, mas tal se circunscreve apenas muitas vezes como a solução ou lenitivo para a uma questão quantitativa, e não à situação indi- mais uma jornada de trabalho em nada compen- vidual do desempregado, visto o desemprego sadora para a sua dignidade de humano, que constituir uma característica intrínseca do siste- sempre será. ma económico em que estamos inseridos. De Se assim é, então o drama de desemprego que igual forma e com o mesmo objectivo surgem as tanto preocupa os governantes não tanto da ine- correntes moralistas de cariz social ou religioso vitabilidade deste "status" mas da política que a clamando pela justiça social, bem sabendo que gera. n

50 TempoLivre | JUL/AGO 2012 48a55_S_M_OV_CA.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:47 PM Page 51 48a55_S_M_OV_CA.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:48 PM Page 52

Olho Vivo

Tartaruga Passar gigante entre os pingos

Numa mina de carvão Uma gota de chuva pesa da Colômbia foi cinquenta vezes mais que descoberto o fóssil de uma melga. Então porque é uma tartaruga com 60 que estes vampiros milhões de anos, do minúsculos não morrem tamanho de um pequeno com as chuvadas de verão automóvel. O crânio do e resistem à pancada como animal mede 24 aos sprays, pesticidas, centímetros e a sua carapaça faz duas vezes uma piscina insuflável para velas e mata-moscas? crianças. A tartaruga do carvão, como foi baptizada, era de água , podia Cientistas norte- comer um crocodilo de tamanho médio e teve oportunidade de crescer americanos utilizaram muito porque apareceu cinco milhões de anos depois da extinção dos câmaras de vídeo de alta dinossáurios. velocidade para perceber que os insectos fintam as gotas em voo e só são, quando são, atingidos de Vénus à mostra raspão.

Um batalhão de telescópios, em terra e no espaço, serviu para observar a passagem do Ossos com planeta Vénus entre o Sol e a escamas Terra, fenómeno que se verificou pela segunda e última Dois cientistas japoneses vez neste século, a 5 e 6 de inventaram um processo Junho (agora só em 2117). O de fabricar ossos artificiais chamado "trânsito de Vénus" recorrendo a escamas de permitiu sobretudo estudar a atmosfera do planeta, que peixe. Toshiyuki Ikoma e intriga os cientistas por ter evoluído tão diferentemente Junzo Tanaka conseguem da que a sua gémea Terra possui hoje. produzir osso em três meses, contra os seis necessários para criar tecido a partir de colagénio de porco, e evitam as Não esquecer o café infecções normais na utilização de matéria Cento e vinte e quatro pessoas com suína. Os ossos criados a idades entre os 65 e os 88 anos, de partir de escamas têm, Miami e Tampa, participaram num além disso, uma maior estudo da Universidade da Florida, densidade, sendo por isso que parece provar que taxas mais mais resistentes. elevadas de cafeína no sangue correspondem a menos sintomas da doença de Alzheimer. Os voluntários bebiam três chávenas de café por dia. Anteriores estudos em ratos produziram os mesmos resultados.

52 TempoLivre | JUL/AGO 2012 48a55_S_M_OV_CA.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:48 PM Page 53

António Costa Santos (textos)

Chocolate para o coração

O consumo diário de chocolate preto pode reduzir ataques de Cheira-me coração e tromboses nas pessoas que tens com factores de risco de 30 anos desenvolverem doenças cardiovasculares e diabetes. Um estudo australiano publicado no A exemplo de outros British Medical Journal provou os animais, o ser humano é benefícios dos flavonoides contidos capaz de avaliar a idade de no chocolate com pelo menos 60% uma pessoa pelo odor de cacau. Os cientistas estudaram corporal. Neurocientistas 2000 pacientes de alto risco. suecos confirmaram que os nossos narizes distinguem o cheiro de um Novo calendário maia bebé do cheiro de um adolescente e identificam o Na Guatemala, um novo calendário maia do século IX, o mais antigo até hoje odor dos idosos. O odor descoberto, foi identificado nas paredes de um pequeno edifício nas ruínas de corporal mais Xultun, no norte do país, perto da desagradável, falando de fronteira com o México. indivíduos com saúde, é o Arqueólogos da universidade de da meia-idade. O estudo foi Boston deram a notícia e publicado na revista PLoS acrescentaram que o mural refere ONE. datas posteriores a 2012, não terminando a contagem de tempo neste ano, como os calendários mais famosos. É uma boa notícia.

À abordagem!

A doca flutuante que deu à costa dos Estados Unidos no princípio de Junho, um destroço provocado pelo tsunami de 2011 no Japão, foi considerada uma ameaça à vida marinha da região de Newport. Não há perigo de contaminação nuclear ou de poluição, mas sim de uma invasão de espécies, animais e vegetais, que a "jangada de betão" traz do outro lado do oceano. O destroço tem estado a ser rapado da sua cobertura de algas, crustáceos e moluscos. Só nos primeiros dias da operação foram detectadas 30 espécies não autóctones de algas, estrelas-do-mar, ostras, caracóis e anémonas. Prevê-se que seja preciso retirar umas cem toneladas de "invasores" para a doca ficar estéril.

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 53 48a55_S_M_OV_CA.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:48 PM Page 54

A Casa na árvore

Susana Neves

(Jardim do Museu do Brinquedo, em Seia) e em Teixa-te disso! alguns cemitérios. Mas nem mesmo nos cemité- rios, esta árvore sempre verde, símbolo da imorta- lidade por chegar aos cinco mil anos, deixou de ser perseguida. Os cavalos que outrora puxavam as Quando na boca cresce uma raiz de carroças mortuárias não resistiam a comer-lhes as teixo mais depressa se chega ao céu. folhas, morrendo envenenados. Perante este peri- go, estas árvores da família das Taxaceae foram sendo substituídas por cedros e ciprestes, manten- seta embebida ou untada em veneno do-se, no entanto, a sua presença nos adros das de teixo (Taxus Baccata L.) provocava igrejas, sobretudo na Inglaterra, França, Escócia e uma tal agonia que os guerreiros feri- Irlanda, onde foram poupadas, permanecendo A dos acabavam quase sempre por supli- como testemunho de ancestrais cultos pagãos, de car a morte. Era o tempo das grandes batalhas origem celta. Porque na cultura celta, esta espécie europeias medievais, quando os dióica (as flores femininas e mas- arcos dos ingleses, feitos da resis- culinas encontram-se em indiví- tente e flexível madeira de teixo, duos separados) não era, como lançavam milhares de setas perfu- designavam os italianos, a albero rando armaduras de cavalos e della morte mas a árvore da vida e cavaleiros. E aos arqueiros aprisio- da sabedoria, emblema dos ovates nados se cortavam os dois dedos ou vates, homens excepcionais, da mão direita, com os quais sus- detentores do conhecimento da tinham a flecha e faziam o gesto natureza, da medicina e das leis. em V, ainda hoje usado nas cele- Os pastores que odiavam os tei- brações das vitórias. xos por verem morrer as cabras e À custa do protagonismo da ovelhas, gulosas das suas sementes madeira de teixo na história beli- e folhas, não tinham, como é óbvio, cista medieva, sobretudo, nas gue- assimilado os ensinamentos de rras onde a Inglaterra triunfou (a Santa Hildegarda de Bingen, herba- Batalha de Aljubarrota, em 1385, foi vencida com lista e monja beneditina medieval; desconheciam a a ajuda de 200 arqueiros britânicos), as teixeiras, prescrição do teixo contra certo tipo de "maus bosques de teixo, com milhares de anos, relíquias humores": "Se alguém tiver um problema no nariz do período Terciário, desapareceram das terras ou no peito devido aos maus humores deve inalar montanhosas da Europa, sobrevivendo hoje resi- pelo nariz e pela boca o fumo dessa madeira". A dualmente em locais de difícil acesso (como acon- percepção da alta qualidade da madeira desta coní- tece nas serras da Estrela e Gerês). Enquanto árvo- fera não resinosa agravou o "arboricídio" da espé- re isolada, o teixo sobrevive ainda em jardins cie. A árvore apreciadora do isolamento e da tran-

54 TempoLivre | JUL/AGO 2012 48a55_S_M_OV_CA.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:48 PM Page 55

Fotos: Susana Neves

quilidade das altitudes serviu paradoxalmente à Baile dos Teixos", aparecendo alguns convivas ves- Teixo multissecular construção de mobiliário e estacaria, que em tidos como as árvores podadas do jardim concebi- classificado, Jardim do Museu do Veneza sustentou várias edificações, e em Portugal, do por Le Nôtre. Em Portugal, o teixo gigante escul- Brinquedo, Seia fez nascer a designação de "pau-da-Rainha", uma pido em forma "quadrangular, rematado superior- madeira controlada pela Corte, especialmente pre- mente por três grandes esferas", existente no jar- ocupada com a gestão da espécie na Ilha da dim da Casa das Brolhas (Lamego), inscreve-se na Madeira. tradição europeia setecentista que associou esta As virtudes do teixo pareciam condená-lo à espécie já não à História das Armas (o arco de extinção. Nem mesmo a semente venenosa, vesti- Robin dos Bosques seria em madeira de teixo) mas da por um "arilo" (cobertura carnosa), vermelho, à História dos Jardins, desempenhando assim um atraente e comestível, conseguiu neutralizar todos papel ornamental, muitas vezes, lúdico, como os predadores. A cumplicidade com as aves (por aconteceu, no ano passado, no Parco Giardino ex. o tordo e o pombo- torcaz), responsáveis pela Sogurtà, Itália, ao inaugurar-se um labirinto feito disseminação das sementes, que lhes passam pelo de 1500 teixos. trato digestivo sem causar-lhes qualquer tipo de Capaz de renascer a partir de um tronco oco, dano, não foi garante seguro de longevidade. desenvolvendo por dentro dele uma raiz que se Acontece, porém, que no século XVII, o teixo foi avoluma até a casca já não ser necessária, o teixo é seleccionado no casting das espécies dóceis à arte uma árvore relíquia ainda por conhecer, sobretu- da topiária (a arte de esculpir plantas). do, enquanto árvore da felicidade. O seu veneno é Em França, tão grande era o prestígio dos teixos um antídoto contra algumas doenças cancerígenas, esculpidos geometricamente que um dos eventos e segundo algumas lendas, as raízes, nos cemité- mundanos mais marcantes, realizado em rios, entrando pela boca dos mortos levavam-nos Versailles, a 25 de Fevereiro de 1745, se chamou "O ao céu. n

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 55 56_Layout 1 6/26/12 1:50 PM Page 1 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:59 PM Page 57

66

l CONSUMO A crise está a obrigar muitos consumidores a um consumo mais disciplinado e consentâneo com os seus rendimentos. Pág. 58 l LIVRO ABERTO Muito badalado nos media, o livro "Fernando Pessoa - uma quase autobiografia", gerou polémica entre admiradores, críticos e académicos. Pág. 60 l ARTES Gruta e Crânio Desenho_1963-2011, de José de Guimarães, patente na Fundação Carmona e Costa, é uma das exposições a não perder em Julho. Pág. 62 l MÚSICAS Neste mês de Julho regressamos ao passado com o CD+DVD "Memória", da "Sétima Legião", e o CD "Yellow Submarine - Songtrack", dos Beatles. Pág. 64 l NO PALCO O 29º Festival de Almada é o grande acontecimento teatral da primeira quinzena de Julho, mas atenção às estreias no Teatro Aberto e no Teatro da Politécnica. Pág. 66 l CINEMA EM CASA Em foco, quatro excelentes filmes e um grande actor em cada um deles. A saber: George BOAVIDA Clooney, Brad Pitt, Robert Pattinson e Michael Fassbender. Pág. 68 l GRANDE ECRÃ Há boas novidades para Julho e Agosto. É o caso de "Moonrise Kingdom", de Wes Anderson, uma pequena "pérola" aclamada em Cannes. Pág. 69 l TEMPO INFORMÁTICO Em destaque o YOYOCare, um telemóvel pequeno e simples, com tecnologia GPS, que permite o contacto fácil e imediato com o utilizador. Pág. 70 l AO VOLANTE O novo Mazda CX-5 é um Crossover/SUV que simboliza os mais recentes avanços sob a égide de filosofia "Jinba Ittai"… Pág. 71 l SAÚDE A urticária pode ser uma manifestação grave de alergia e pôr em risco a vida do doente, nomeadamente quanto afecta a boca e as vias respiratórias. Pág. 72 l PALAVRAS DA LEI Em questão, um caso de casamento em regime de comunhão geral sem filhos. Quem pode herdar? Pág. 73

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 57 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:59 PM Page 58

Boavida|Consumo Como poupar em tempo de crise? A crise foi ao bolso dos consumidores. O dinheiro é mais caro e dura menos tempo, gerando problemas de gestão do orçamento mensal. É possível, sem dramas, racionalizar os gastos de forma a alcançar o equilíbrio financeiro?

Carlos Barbosa de Oliveira

crise está a obrigar muitos consumidores a um consumo mais disciplinado e consentâneo com os seus rendimentos. O desemprego, ou a A diminuição dos rendimentos de trabalho, apan- hou muitos desprevenidos e com dificuldade em conseguir cumprir os seus compromissos. Renegociar os créditos com a banca nem sempre é fácil, ou possível, e a iliteracia finan- ceira dos portugueses é um obstáculo. É no entanto possível, em muitos casos, proceder a alguns ajustes, de modo a man- ter o equilíbrio financeiro.

ECONOMIA DOMÉSTICA O primeiro passo é disciplinar o consumo doméstico. Comece por fazer um orçamento mensal escrito, pois é a única forma de saber exactamente como está a gastar o seu dinheiro. Por vezes, pequenas despesas que parecem insignificantes, podem representar uma quantia considerável do orçamento mensal que, no final do ano, representam poupanças significativas.

COMO FAZER UM ORÇAMENTO FAMILIAR 1. Quais são os meus rendimentos? Registe todas as suas fontes de rendimentos: o salário de cada um dos membros do agregado familiar e eventuais gan- hos adicionais fixos, provenientes de trabalhos extra. No caso de ter depósitos a prazo, ou outros quaisquer rendimen- tos provenientes de aplicações ou poupanças, inclua tam- bém nos seus rendimentos mensais. Importante ainda, no caso de receber juros com periodicidade fixa (trimestral, semestral, anual) registá-los numa rubrica separada a que poderá chamar "rendimentos pontuais". Se ainda receber subsídio de férias e de Natal, inclua-os nesta rubrica. 2. Quais são as despesas fixas do agregado familiar? Faça uma lista de todas as despesas mensais fixas (aluguer ou pagamento da prestação da casa, condomínio, alimen- tação, gastos com transportes, gasolina, mensalidades esco- lares, água, luz, telecomunicações- internet, telefone fixo e móvel e TV- vestuário, ginásio, empregada doméstica, paga- mento de créditos bancários relacionados com consumo, etc,. O ideal é separar as despesas por rubricas (Ex: habitação,

58 TempoLivre | JUL/AGO 2012 JOSÉ ALVES 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:59 PM Page 59

alimentação, transportes, estudos dos filhos, etc) para mais riáveis sejam, normalmente, aqueles onde é mais difícil cor- facilmente poder analisá-las. tar, é neste tipo de despesas que poderá, eventualmente, con- 3. Despesas fixas periódicas seguir reduções mais significativas. Crie limites para as Além das despesas fixas mensais, deverá também consi- diversas rubricas das despesas variáveis. derar aquelas que ocorrem periodicamente (ex:pagamento do 7. Revisão mensal do orçamento seguro da casa e do automóvel; pagamento de contribuições Para garantir um orçamento equilibrado, será necessário e impostos) e registar os meses em que lhe serão cobradas, analisá-lo mensalmente. Este procedimento regular é impor- para não ser apanhado desprevenido quando aparecer a tante para ter a certeza que está no bom caminho e poder conta para pagar. fazer novos ajustes que ainda possam ser melhorados. 4. Despesas esporádicas Já pensou, por exemplo, em mudar de operador de Muitas vezes, são os gastos esporádicos que ajudam ao telemóvel, ou fornecedor de energia? Se procurar bem e desequilíbrio do orçamento doméstico. Alguns são pre- comparar preços, não conseguirá encontrar um tarifário de visíveis (jantares fora, idas ao cinema ou espectáculos, férias, Internet com melhores soluções para o seu perfil de uti- presentes de aniversário para familiares e amigos) outros lizador? Não haverá no mercado uma seguradora que lhe ocorrem de forma não programada (despesas de saúde, ofereça condições mais favoráveis? Poderá a prestação da reparações no lar ou do automóvel, etc). casa ser reduzida se renegociar com o seu banco, ou trans- Vigie esses gastos analisando facturas, despesas com ferir o crédito para outro? cartões de crédito/débito, emissão de cheques, efectuados Estas são algumas das questões que deverá colocar no nos últimos meses. Ficará assim com uma ideia (ainda que momento de analisar o seu orçamento familiar. De início apenas aproximada) dos gastos esporádicos que não contabi- pode parecer-lhe uma tarefa árdua mas, ao fim de alguns liza no seu orçamento, mas que ao final do ano podem re- meses, verá que foi um trabalho que valeu a pena.n presentar um peso excessivo. Se puder, guarde uma parcela do rendimento familiar para satisfazer as despesas imprevistas não programadas 5. Dinheiro de bolso Estas são as despesas mais difíceis de controlar. O di- nheiro que traz no bolso para comprar o jornal, cigarros, tomar um café ou uma bebida ao fim da tarde, é gasto em despesas esporádicas de pequeno montante a que não damos normalmente grande importância mas, em muitos casos, são as grandes responsáveis pelo derrapar do orça- mento doméstico. 6. Reajustar o orçamento Se depois de fazer o orçamento chegar à conclusão que as receitas não chegam para cobrir as despesas, ou não deixam margem para a poupança, terá de passar à fase de repensar tudo e fazer alguns reajustamentos. Como é óbvio, não existe nenhum modelo de ajuda para cortar nos gastos, mas deixo- lhe algumas dicas: - Analise todas as rubricas das despesas fixas e veja quais são aquelas em que pode fazer reduções. Às vezes, uma mudança de comportamento é suficiente para fazer poupanças consideráveis. Sem sacrifícios, apenas com mais racionalidade. - Analise também os gastos com as despesas variáveis e veja onde pode cortar. Se passar a tomar o pequeno-almoço em casa, quanto poderá poupar? Partilhar o transporte, ou simplesmente tro- car o automóvel pelos transportes públicos, são opções que representam poupanças significativas. Embora os gastos va - 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:59 PM Page 60

Boavida|Livro Aberto

Pessoa plural e polémico, boa ficção e a arte de ser avô em tempo de crise

O autor, José Paulo Cavalcanti Filho, chamou-lhe "uma quase autobiografia" e é um dos livros mais inesperados, e porventura polémicos, alguma vez escritos sobre Fernando Pessoa.

José Jorge Letria PARA QUEM não passa sem um bom romance à cabe- ceira, no final de cansativos dias de trabalho (para ão 730 páginas, agora editadas pela Porto quem o tem), recomendam-se, também na perspectiva Editora, e que representam um esforço apaixo - da organização do plano de leitura para férias, "Até ao nado de investigação e compilação deste advo- Fim da Terra" (D.Quixote), de David Grossman, já distin- S gado do Recife, consultor do Banco guido internacionalmente, designadamente com o Mundial e da Unesco, também reconhecido Prémio Medicis para a melhor coleccionador de objectos e documentos rela- ficção estrangeira, e "Goodbye, cionados com Fernando Pessoa, que decidiu Columbus e Cinco Contos" (D. fornecer ao leitor um guia para a descoberta de Quixote), do sempre fascinante tudo o que considera relevante e cada vez mais Philip Roth. Destaque também surpreendente na vida e na obra do nosso para "A Despedida de José genial poeta dos heterónimos. Um livro Alemparte" (Teorema), do por- apaixonado que está longe de ser gerador de tuguês Paulo Bandeira Faria, nasci- consenso entre os investigadores pessoanos, que do em 1963 e já com várias agora começam a tomar posição sobre ele, com incursões feitas nas áreas do conto base em décadas de trabalho de investigação. e da poesia, para a reedição do Um olhar sobre a vida e obra de Fernando romance "Adeus, Princesa" (Clube Pessoa, que deverá, naturalmente, ser confronta- do Autor), livro de referência da do com outras visões e perspectivas e que parece escritora e cientista Clara Pinto estar já a suscitar acesa controvérsia. Correia, e para "Esta Noite Não

60 TempoLivre | JUL/AGO 2012 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 1:59 PM Page 61

Aconteceu Nada" (Oficina do Livro), romance de estreia deles e do modo como eles completaram ou mudaram da jornalista Sónia Alcaso. mesmo as suas vidas.

"BANG-BANG CLUB" (Clube do Autor), de Greg Marinovch e RAUL BRANDÃO é um dos nomes maiores da literatura por- João Silva, é um documento fundamental para se con- tuguesa de sempre e Jorge Barros um dos nossos melhores hecer o trabalho dos fotojornalistas em teatros de guerra, fotógrafos contemporâneos. O magnífico álbum "As Ilhas os perigos e desafios com quem lidam e os limites Desconhecidas" (ed. Jorge Barros Produções Áudiovisuais) humanos e deontológicos do seu trabalho. Um livro para é a mais recente aposta de Jorge Barros, que assim confir- jornalistas e não jornalistas. ma e aprofunda a sua paixão pelas ilhas açorianas, ilus- trando exemplarmente o texto luminoso e apaixonante do "AVÓS PRECISAM-SE" (Arte Plural), da jornalista Gabriela autor de "Húmus". Um livro que dá gosto ter, ler e Oliveira, é um completo trabalho de investigação sobre guardar, por ser um objecto de amor e de invulgar beleza. a arte de ser avô, que contou com a colaboração, através de testemunhos criteriosamente seleccionados, de JORNALISTA DESPORTIVO, dirigente olímpico e grande via- muitos avós que são figuras públicas e outros que nem jante, David Sequerra é um dos nomes de referência da por isso e que não hesitaram em dar testemunho sobre vida desportiva portuguesa, tendo publicado recente- esta experiência única na vida de quem, já entrado no mente, em edição de autor e com prefácio de Vicente de idade, encontra uma outras forma de enquadrar e gerir Moura, presidente do Comité Olímpico Português, o livro os seus afectos. Um livro para avós, pais e também para "Mukea", colectânea de textos reveladores da sua paixão os netos lerem quando chegar a altura de o fazerem, por África, por alguns dos seus países, histórias e povos. para saberem o que um dia os avós disseram acerca da Um livro escrito com o coração. n 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:03 PM Page 62

Boavida|Artes Desenhos de José de Guimarães: a vertigem da procura

A grande exposição do momento em Lisboa é incontestavelmente Gruta e Crânio Desenho_1963-2011, que José de Guimarães mostra na Fundação Carmona e Costa, até ao próximo dia 28 do corrente mês.

Rodrigues Vaz

presentando desenhos que cobrem um período de quase 50 anos num conjunto extraordina - riamente diversificado, "marcado pela experi- Amentação, pela liberdade e pela volúpia do fazer, onde se afina a mão e forma o pensamento", como diz o curador da exposição, Nuno Faria, José de Guimarães apresenta-se de novo numa exposição que ajuda à sua compreensão como artista cada vez mais notório no nosso panorama cultural, que tem no exercí- cio o método principal e a procura de caminhos estéti- cos o seu principal vetor. Realmente, Gruta e Crânio Desenho_1963-2011 cons - titui-se plenamente como uma surpreendente oportu- nidade de revisitação do trabalho de José de Guimarães através do desenho, a "maior tentação do espírito", segundo Paul Valéry, na medida em que, como assinala Trabalhos de José de Guimarães e, Nuno Faria, "Entre o passatempo e a descoberta de si, o em baixo, combate ao tédio e a lenta construção de uma lin- Guilherme Parente guagem própria, o desenho é para José de Guimarães o território por excelência de tematização da multiplici- dade". Porque, "Entre desenhos realizados com máquina de escrever ou a tinta projetada com aerógrafo, um alarga- do conjunto de desenhos eróticos inspirados das gravuras de Hokusai, desenhos de construção lenta ou esquiços de aparência infantil em que à mão é dada a liberdade e a vertigem da procura, tudo aqui se manifes- ta no júbilo da desordem."

VÍTOR POMAR NA GALERIA BLOCO 103 Por sua vez, a novel Galeria Bloco 103, Lisboa, que ocupa o espaço da que foi a primeira galeria comercial lisboeta, a Galeria Yela, em frente ao Hotel Ritz, apre- senta (até 31 de Julho) o último projeto de Vítor Pomar, Os Atributos do Ar, dedicado a todas as culturas nati- vas, não escritas, depositárias de sabedoria e firme- mente enraizadas na natureza e em harmonia com ela. A seguir, a exposição transitará para o Museu da

62 TempoLivre | JUL/AGO 2012 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:03 PM Page 63

Eletricidade, Lisboa, onde permanecerá até 30 de Setembro. Com esta exposição de Vítor Pomar, a Galeria Bloco 103 pretende trazer a público o diálogo com distintas linguagens e percursos, assegurando um equilíbrio entre autores emergentes e consagrados. Neste processo procura assim seguir uma linha de abertura, sustentada na prática dos autores e na originalidade da obra. Neste caso, o que interessou aos responsáveis do espaço foi o olhar "subversivo" e a prática orientalista que emerge da interrogação existencial do autor, como ficou comprova- do nas suas últimas exposições, em Serralves e no Centro de Arte Moderna, que resultaram dessa singula - ridade.

DE GUILHERME PARENTE A ANTÓNIO TRINDADE Outro registo, formal e estético, é o de Guilherme Parente, que novamente joga com efeitos lumínicos de grande impacto visual, optando pela beleza da com- posição em si própria, como objetivo e meta principais. Uma das suas exposições atuais, no Espaço Memórias, no âmbito de Guimarães Capital Europeia da Cultura, vai até final do ano, enquanto a outra, no Hotel Land Vineyard, em Montemor-o-Novo, se prolonga até fins de Setembro. De certo modo jogando igualmente com efeitos visuais, António Trindade mostra, por seu lado, na Galeria Arte Periférica, em Lisboa, um projeto a que deu o título de Talk with Flowers. Como ele explica, com estes trabalhos abriu um ciclo que se distancia deliberadamente do espelho de crise da nossa contemporaneidade. "E foi a partir desse mal estar geral, que me reencontrei noutros lugares, noutros espaços, e virei o rumo dos acontecimentos, pois quanto mais negativo surgia o espelho atual do estado das coisas, mais depressa e de forma acelerada me surgiam em mente invocações do passado, de memórias, de instantes, de velhos filmes e novos filmes, de velhas telas, de velhos pintores, de cenários perdidos, os quais sempre sonhei e admirei".n 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:03 PM Page 64

Boavida|Músicas Regresso ao passado da “Sétima Legião” e dos “Beatles”

Neste mês de Julho regressamos ao passado com o CD+DVD "Memória", da "Sétima Legião" e o CD "Yellow Submarine - Songtrack", dos Beatles, editado a propósito da publicação do DVD do histórico filme de animação "Yellow Submarine", protagonizado pela mais famosa banda de Liverpool.

Vítor Ribeiro Rich Man", Only A Northern Song", "All You Need Is Love", "When I`m Sixty Four", Nowhere Man" e "It`s ançado no âmbito do All Too Much". 30º aniversário da Em simultâneo, foi publicado o DVD do filme de fundação da banda animação "Yellow Submarine" (1968), legendado em L "Sétima Legião", em português com som e imagem completamente restaura- 1982, por iniciativa do músi- dos para esta edição em blu-ray. São-nos ainda faculta- co e compositor Rodrigo dos dois "bónus extra filme": Leão, o álbum "Memória" "Mod Odyssey documentary" integra 19 temas considera- e o "Original theatrical trail- dos mais "emblemáticos" no conjunto da discografia do er". grupo, cujos elementos se reuniram no final do passado O filme desenrola-se na mês de Maio e início de Abril, para se apresentarem em cidade de "Pepperland", quan- concertos efectuados no Porto e em Lisboa, com assi- do os "Maldosos Azuis" ("Blue nalável e merecido sucesso. Meanies") atacam De entre as canções seleccionadas destacamos "Mar para acabar com o amor, a d`Outubro", "Porto Santo", "Sete Mares", "Por Quem não música e as cores. É nesta Esqueci", "O Baile (das Sete Partidas)" e "Pois que Deus altura que os Beatles entram Assim o Quis". em acção a bordo do submari- No DVD apresenta-se a gravação do concerto do no amarelo… para que tudo acabe bem. O filme está re - grupo no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, em cheado de músicas e cores psicadélicas e é considerado Dezembro de 1990, posteriormente emitido pela RTP. um marco na animação", recorda-se no comunicado de Como extras encontramos ainda sete videoclips e ima- promoção.n gens da participação da "Sétima Legião" no concerto de homenagem a José Afonso, intitulado "Filhos da CONCERTOS Madrugada", efectuado em Junho de 1994, no estádio José de Alvalade, e onde interpretaram o tema "Cantigas E IVAN LINS EM COIMBRA do Maio". "A Canção e a Lusofonia" é o tema genérico do concerto que Carlos e Carmo e Ivan Lins efectuam em Coimbra, dia 3 de “YELLOW SUBMARINE” PARA VER E OUVIR Julho, por iniciativa da Universidade de Coimbra. O Lançada pela primeira vez em 1999, com produção do espectáculo decorrerá no Páteo das Escolas, a partir das lendário músico e compositor George Martin (com toda a 21h30, e conta também com a participação do Coro dos justiça considerado o "5º Beatle"), acaba de ser reeditada a Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra. colectânea "Yellow Submarine - Songtrack". Eis-nos perante 15 temas inesquecíveis e que, por RODRIGO DA COSTA FÉLIX EM LISBOA isso, aqui se enumeram: "Yellow Submarine", Hey O fadista Rodrigo da Costa Félix efectua um espectáculo no Bulldog", "Eleanor Rigby", "Love You To", "All Together Centro Cultural de Belém, em Lisboa, dia 11 de Julho, pelas Now", "Lucy In The Sky With Diamond", "Think For 21h30. A apresentação do novo CD " de Alma" é o Yourself", "Sgt. Peppper`s Lonely Hearts Club Band", principal pretexto deste concerto, que contará com as "With a Little Help From My Friends", "Baby You`re A participações e Kátia Guerreiro e Aline Frazão.

64 TempoLivre | JUL/AGO 2012 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:04 PM Page 65 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:04 PM Page 66

Boavida|No Palco Clássicos no Almada 2012 Com a habitual parceria com outros teatro nacionais, o 29º Festival de Almada (4 a 18 de Julho) tem, em 2012 a tarefa de, perante os constrangimentos orçamentais e - reduzindo o número de espectáculos que normalmente oferece a um público vasto, mas exigente - apresentar um programa que procura manter a inegável qualidade que o vem caracterizando há largos anos.

Maria Mesquita Almada, nos dias 16 e 17 de Julho. Texto que remete ao passado histórico dos grandes ma das principais atracções será uma ence- países coloniais durante as Descobertas, "A controvérsia nação de Goethe, por Peter Stein, famoso ence- de Valladolid" baseia-se na discussão entre dois homens nador alemão que, em 2000, durante a EXPO com ideias distintas sobre a forma como os índios das U de Hannover, apresentou ao mundo a sua visão Terras Novas, (Américas), deveriam ser tratados: se iguais particular de Fausto, obra canónica do universal escritor aos espanhóis, se como escravos e hereges. Juan germânico. Sepúlveda tenta em Espanha, no séc. XVI, publicar um Em Portugal, no Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, livro no qual defende a guerra levada a cabo contra os (9 e 10 Julho), Stein irá trazer ao espectador "Fantasia nativos das novas conquistas. Por seu turno, o Frei Fausto", um recital de piano, com declamações dos textos Bartolomeu de Las Casas opõe-se, uma vez que é defensor alemães, pela sua própria voz. da causa índia, acreditando ser de interesse profundo ao ser humano conhecer e respeitar outros credos e povos. .. Com Virgílio Castelo e Alexandre Lopes, entre um vasto elenco, e com criação e encenação de João Mota pelo Teatro da Comuna, encontrar-se-á em cena na Escola D. António da Costa, em Almada. Além das peças mencionadas, o Festival de Teatro de Almada recebe também outros convidados de renome internacional, apostando igualmente em espectáculos de dança contemporânea. Com preços para o público em geral de 70 euros, jovens (até 25 anos) de 45 euros e Clube de Amigos do TMA de 65 euros, os bilhetes encontram-se à venda na grande maioria das bilheteiras de espectáculos.

Relativamente às produções nacionais, sintonizadas HERODÍADES com o Festival, e que se manterão em cena para além do No Teatro da Politécnica, até 21 Julho, pode-se ver em festival, Almada 2012 apresenta "O Mercador de Veneza" encenação de Jorge Silva Melo, Herodíades, de Giovanni (na foto), de Shakespeare, recriada em 2008 por Ricardo Testori. Retirada de "Os três prantos", textos dedicados a Pais no Teatro Nacional de São João (Porto). mulheres (in)comuns, Cleópatra, Herodíades e à Nossa Interpretada a dois (um músico e um actor) e criada Senhora, esta encenação, baseada na obra de Giovanni pelo Teatro Meridional, a peça "O Sr. Ibrahim e as flores Testori, que mudou parte do Teatro italiano ao longo do do Corão", de Eric-Emmanuel Schmitt, revela-se com um séc. XX, é considerada tanto como dramática como provo- texto profundo, sobre quem somos e quem nos poderá, no catória. Um único actor em palco faz a voz da mulher de passado, ter moldado a sermos o que representamos Herodes e mãe de Salomé, a mesma que pediu a paixão actualmente perante a Vida. Momo, um rapazinho judeu (morte) e a cabeça de João Baptista. Para os críticos e para de Paris dos anos 60, torna-se amigo de Ibrahim, um velho o próprio autor, que se encontrava muito doente na altura merceeiro, árabe, da rua Bleue… Com encenação de da criação desta obra (tendo falecido pouco depois da sua Miguel Seabra, e interpretação de Rui Rebelo e do próprio publicação), o texto poderia ser uma tentativa de reconcil- encenador, estará em palco, no Fórum Romeu Correia, em iação entre o catolicismo quase imperativo que circulava

66 TempoLivre | JUL/AGO 2012 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:04 PM Page 67

na sua vida e o lado sexual, sem pudor, que também car- tornou estranha e fria, aos olhos de quem empurra a porta acterizava a sua forma de ser e pensar. Não é então de a medo e entra. Uma mulher escreveu sobre essa viagem, estranhar a nudez em palco, a violência dos gestos e sobre o pai e a mãe, sobre si própria, escreveu para enten- palavras, ao mesmo tempo que nos entregamos na der, para dar sentido ao que se passou nas suas vidas. História. Hoje vem ter connosco ao teatro. Escolheu o palco para nos contar essa história, a história da sua família, um FICHA TÉCNICA: Autor: Giovanni Testori; Tradução Miguel pedaço de vida, repleto de memórias, afectos e emoções. Serras Pereira; Intérprete: Elmano Sancho; Cenografia e Este espectáculo marca a estreia da actriz Carla Maciel Figurinos: Rita Lopes Alves; Luz: Pedro Domingos; Video Actor: na interpretação de um monólogo e o regresso a este Leandro Fernandes; Imagem: José Luis Carvalhosa; género do encenador, no ano em que se comemoram os Montagem: Miguel Aguiar; Produção: Vânia Rodrigues e 30 anos do Novo Grupo - Teatro Aberto, que iniciou a sua Andreia Bento; Encenação: Jorge Silva Melo actividade com o grande êxito de “Oiçam Como Eu Respiro”, de Dario Fo e Franca Rame, interpretado por "LONDRES" NO TEATRO ABERTO Irene Cruz, em 1982. Até 29 de Julho, o Teatro Aberto leva a cena, na Sala Vermelha, o espectáculo "Londres", original de Cláudia FICHA TÉCNICA: Autor: Cláudia Clemente; Encenação, Clemente, obra vencedora do Grande Prémio de Teatro Realização Vídeo e Luz João Lourenço; Dramaturgia Vera San Português promovido pelo Teatro Aberto em parceria com Payo de Lemos; Cenário António Casimiro | João Lourenço; a SPAutores. Figurinos Graça Rodrigues; Realização Vídeo Nuno Neves; Uma família parte em viagem à procura de uma saída. Com Carla Maciel Espectáculos: 4ª a Sábado às 21h30; Uma cidade: Londres. Uma cidade conhecida que se Domingo às 16h; M/12 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:07 PM Page 68

Boavida|Cinema em Casa Actores que contam Quatro excelentes filmes, protagonizados por grandes actores, marcam esta selecção estival. A saber: Os Descendentes, com George Clooney no Hawai; Moneyball - Jogada de Risco, com Brad Pitt como treinador de uma equipa de baseball; Bel Ami, com a jovem estrela Robert Pattinson a seduzir Paris inteira no século XIX; e Vergonha, com Michael Fassbender como actor principal num drama novaiorquino. Sérgio Alves

OS DESCENDENTES MONEYBALL - BEL AMI Thomas, Colm Meaney; Matt King é um advogado JOGADA DE RISCO Bel Ami é a história de Georges GB/França/Itália, 102m, cor, havaiano que vive um Em 2001, Billy Beane, o direc- Duroy e da sua ascensão cor- 2012; EDIÇÃO: Zon Lusomundo momento delicado. A sua tor desportivo da equipa de rupta ao poder na Paris de mulher, Elizabeth, está em Baseball dos Oakland 1890. Do submundo e da mi- VERGONHA coma no hospital Athletics, perde com os New séria à ostentação, opulência Brandon é um jovem de 30 e depois dum aci- York Yankees nos playoffs e vê dos salões parisienses é um poucos anos que vive em dente de barco. sair três estrelas da sua pequeno passo. Dos braços de Nova York, com um trabalho A filha mais equipa. Como vai ele, agora, uma prostituta até aos jogos bem pago mas incapaz de nova Scottie está com orçamento reduzido, perigosos com as mulheres da gerir a sua vida sexual e afec- instável e ele é montar uma equipa competiti- alta sociedade parisiense, com tiva. A sua vida é obrigado a va? Contrariando os seus a sua capacidade de seduzir, o marcada por uma assumir as suas tarefas olheiros, Billy contrata e seu charme e beleza mediante pulsão e parentais pela primeira vez. segue as recomendações de a qual vai alcançar a riqueza dependência se - Matt é igualmente responsável Peter Brand, material e o poder. Num xual extrema e por um fundo familiar que um recém- mundo onde a política e os jor- sem qualquer gere um lote de terrenos licenciado em nais buscam influência, onde o espécie de relação afectiva. muito valioso pretendido por Yale que avalia sexo é poder e ser conhecido Quando a irmã mais nova, especuladores imobiliários e os jogadores uma obsessão ele vai tentar tri- Sissy, o visita e se muda para construtores. Numa discussão segundo um unfar … A jovem estrela o seu apartamento, o mundo quente com a filha mais velha método inovador. Reúne um Robert Pattinson encarna na de Brandon entra em colapso. fica a saber que a sua mulher lote de jogadores que, com perfeição a per- "Vergonha" é um dos me - tinha um caso com outro base nas estatísticas, podem sonagem cria- lhores filmes britânicos dos homem na altura do aci- render muito no campo. Será da pelo escritor últimos anos, com críticas dente… Adaptação ao cinema que esta abordagem vai resul- francês Guy de favoráveis apesar de pas- da obra "The Descendants", de tar? É um dos mais notáveis Maupassant, sagem discreta pelas salas Kaui Hart Hemmings, o filme filmes contemporâneos sobre em 1885, no nacionais. Steve McQueen, o - rodado no Hawai - recebeu desporto, produzido e prota - seu segundo jovem realizador, tinha já um diversos prémios da crítica em gonizado por Brad Pitt. Com romance. grande filme na sua curta car- 2011, incluindo o Óscar para um elenco de qualidade, Fresco vigoroso da decadente reira - Fome (2008), sobre os melhor argumento adaptado. vários prémios e outras tantas alta sociedade francesa do fim últimos dias na prisão do Favoráveis foram ainda as nomeações, o filme revela- do século XIX, "Bel Ami" vale, activista do IRA, Bobby críticas ao papel de Clooney. nos, de forma inspirada, os ainda, pelo magnífico desem- Sands. Fez sensação no últi- TÍTULO ORIGINAL: The bastidores do Baseball. penho de três boas actrizes: mo festival de Veneza. Descendants; REALIZAÇÃO: TÍTULO ORIGINAL: Moneyball; Uma Thurman, Christina Ricci TÍTULO ORIGINAL: Shame; Alexander Payne; COM: George REALIZADOR: Bennett Miller; e Kristin Scott Thomas. REALIZAÇÃO: Steve McQueen; Clooney, Shailene Woodley, COM: Brad Pitt, Jonah Hill, TÍTULO ORIGINAL: Bel Ami; COM: Michael Fassbender, Amara Miller, Nick Krause, Philip Seymour Hoffman, Robin REALIZAÇÃO: Declan Donnellan Carey Mulligan, James Badge Patricia Hastie; EUA, 115m, Wright, Chris Pratt; EUA, 133m, e Nick Ormerod; COM: Robert Dale, Nicole Beharie; GB, Cor, 2011; EDIÇÃO: Pris Cor, 2011; EDIÇÃO: Pris Pattinson, Uma Thruman, 101m, cor, 2011; EDIÇÃO: Zon Audiovisuais Audiovisuais Christina Ricci, Kristin Scott Lusomundo

68 TempoLivre | JUL/AGO 2012 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:07 PM Page 69

Boavida|Grande Ecrã Ver tudo o que lhe apetecer Nos dois meses que se seguem, as distribuidoras cinematográficas têm para lhe oferecer uma mão cheia de novidades. E há das boas e para todos os gostos, até para os amantes do russo Zvyagintsev e do nipónico Kitano. Mas faça um favor a si e à sua família: veja(m) "Moonrise Kingdom",do norte- americano Wes Anderson, uma pequena "pérola" aclamada este ano em Cannes.

Joaquim Diabinho doze anos que resolvem escapar-se ao controle dos adultos por uns dias para viverem a sua descoberta do amor. as há mais: a nova adaptação do super-herói Contemplativo, Anderson não se coíbe de enaltecer a pureza da Marvel, Spiderman, (a reaparecer, dia 5) e a ternura desse estado amoroso, como um momento de pode bem vir a ser uma surpresa estimável. É passagem, grave e delicado. À inegável maturidade do filme Mque, esta novel aventura do jovem mordido alia-se um surpreendente "cast" que integra os quase estre- por uma aranha que acaba investido de poderes sobrenatu- antes, Jared Gilman e Kara Hayward e comediantes bem rais de que se serve para "praticar o bem", -como manda a amadurecidos como, Bruce Willis, Edward Norton, Bill tradição -, tem outra visão sobre o aproveitamento das te - Murray, Tild Swinton e Frances McDormand. Estreia a 5 cnologias e, claro, traz de novo a chancela da Columbia Julho. Pictures. Todavia, apesar de apresentar uma estrutura sólida "Elena" é o último filme do cineasta Andrei Zvyagintsev, e apostar em algo de mais excessivo e espectacular -sobretu- vencedor em Cannes o ano passado como "prémio especial do na grandeza dos efeitos visuais - palpita-me que não con- do Júri". Os espectadores mais exigentes que tiveram o pri - seguirá descolar de uma certa vilégio de ver "O Regresso" , vulgaridade narrativa. Posto seu primeiro filme em 2003, isto, "O Fantástico Homem- não imaginam sequer o que Aranha, 3D" poderia ir mais ora lhes reserva Zvyagintsev. longe? Se podia! Drama intimista familiar, O universo infanto-juvenil "Elena" faz parte daquele cine- ocupa como se sabe um lugar ma (a par com o iraniano, especial no cinema. Do classi- 'Uma Separação') que vem cismo de Lang, David Lean, ou proporcionando os mais Charles Laughton, passando descarnados panoramas pelo neorealismo de Rossellini, humanos. Em cartaz a 7 ao modernismo contemporâ- Julho. Antes do final de Julho, neo de Truffaut, Pialat, sem regresso de um dos autênticos esquecer Jodie Foster, ou o rea - protótipos da animação que lismo de Loach, Nagisa mais dinheiro em caixa ren- Oshima e sobretudo Tarkovsky no sublime "A Infância de deu às majors em quase todo o mundo: "Madagascar 3" é Ivan" (e entre nós, Pedro Costa, Teresa Villaverde , António mais outra hilariante aventura, desta feita - e contra todas as Pedro de Vasconcelos, Luis Rocha e Lauro António, entre expectativas dos mais optimistas., que ainda os há - os outros) todos deram grandes contributos sobre essa "coisa" inseparáveis Alex, Marty, Melman e Glória resolvem ir poéticamente definida como "dores do crescimento".Porque o passear à ...Europa. Escusado será dizer que a Europa vai processo para a idade adulta nunca é pacífico ou, se quis- virar culto no Madagascar. Valha-nos a Dreamworks! erem, tranquilo. É o que se constata em "Moonrise Kingdon", Em Agosto, as telas lisboetas do UCI recebem (dia 30) fábula em tom de comédia sobre a pré-adolescência aqui "Ultrage", do japonês Takeshi Kitano, um dos mais interes- retratada como se um paraíso perdido (a ilha, a floresta...) se santes cineastas nipónicos dos últimos anos. Mantendo o tratasse. registo tradicional do filme de gangsteres (yakuzas, a máfia Wes Anderson pôs de parte os velhos formalismos e criou japonesa) Kitano ergue uma trama de tonalidade uma atmosfera pouco usual para melhor corporizar a shakespereana onde se cruzam jogos perigosos, a luta pelo história comovente de enamoramento entre duas crianças de poder, o dinheiro e a traição. n

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 69 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:07 PM Page 70

Boavida|Tempo Informático Tecnologia de excelência Num desejo de agradar aos mais exigentes que por necessidade ou prazer pessoal aguardem soluções para os seus casos, os fabricantes esforçam-se por apresentar dispositivos que reúnam a qualidade e as funções excelentes para alguns casos específicos.

lização e envia-a através de SMS para o seu telemóvel e até, porque possui uma câmara fotográfica integrada, uma foto do local. Isto resulta numa segurança para qualquer pessoa que deseja saber onde e como se encontram os seus familiares que necessitem de alguma protecção, como é o caso de crianças ou de idosos com necessidades especiais. Funcionando com um vulgar cartão SIM de operador de telemóvel, possui três teclas Gil Montalverne [email protected] bem visíveis para que a pes- soa necessitada chame três ara quem possua um sistema de alta-fidelidade números previamente grava- e deseje naturalmente ouvir através dele a dos e uma tecla de emergência imensidade de músicas que possui nos seus para enviar um alerta ainda P vários dispositivos acaba de aparecer o novo mais rápido. Também pode Stream Magic 6 da Cambridge Audio. Trata-se de um ver- enviar automaticamente um dadeiro "2-em-1" para a nova geração de música digital aviso sempre que a criança ou o idoso saiam dos limites pois funciona na prática como dois equipamentos num só: de uma área previamente estabelecida. é um leitor de músicas em modo streaming e além disso possui um conversor Digital-Analógico de enorme quali- UMA NOVIDADE que vai agradar aos proprietários de embar- dade, que pode ser utilizado com outras fontes digitais cações de recreio é o conjunto de colunas náuticas Bose externas permitindo reproduzir no sistema de Alta-fideli- 131. Resistentes à água, ao sol e ao sal, oferecem a dade, via Wi-Fi, ficheiros de música guardados em com- mesma qualidade de som sobre as ondas a que estão putadores, tablets, leitores portáteis, smartphones ou via habituados a ter em casa. Possuem uma pequena caixa Web, com capacidades de melhoria significativa do som. com pórtico, que permite uma boa reprodução indepen- Usando a normal ligação de rede sem fios por Wi-Fi, ou dentemente das condições da instalação, incluindo através de uma ligação Ethernet, o utilizador poderá des- graves profundos. Com medidas normalizadas para serem frutar no seu sistema de Alta-Fidelidade de toda a sua bi - encastradas em painéis, basta ligá-las ao sistema de som blioteca de músicas, com qualidade premium, indepen- da embarcação para obter excelentes resultados e uma dentemente do local onde estiverem armazenadas. reprodução de alta-fidelidade. n

PARA OS QUE se recordem do movimento de um Yo-Yo, aquela rodinha que gira para cima e para baixo ao longo de uma linha que está enrolada no pequeno eixo que une as duas metades, notarão que a função principal do Yo-Yo é um ir e vir constante de nós até uma certa dis- tância, regressando sempre à nossa mão. Este conceito foi utilizado no YOYOCare, um telemóvel pequeno e simples, que inclui a tecnologia GPS, permitindo o con- tacto fácil e imediato com o utilizador, independente- mente do local onde se encontra. No caso de uma cri- ança ou um idoso, o YOYOCare determina a sua loca -

70 TempoLivre | JUL/AGO 2012 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:07 PM Page 71

Boavida|Ao volante Mazda CX-5: ambiente e segurança Foi no conforto do Hotel Miragem, em Cascais, que a Mazda apresentou aos jornalistas portugueses o seu novo produto: o CX-5.

Carlos Blanco um condutor pretende, reagindo conforme o esperado. Tira, igualmente, partido dos frutos da estratégia de o breve "test drive" feito na zona da Malveira redução de peso da Mazda. Mas, ao mesmo tempo que da Serra, foi-nos dado a perceber esta nova ge - procuravam o emagrecimento em quilogramas, os enge - ração da marca nipónica, que se traduz no nheiros da marca mantiveram-se concentrados na melho- N primeiro modelo a adoptar a totalidade do mais ria em termos de força e segurança. E é, efectivamente, recente pacote tecnológico inerente à Tecnologia SKYAC- um automóvel seguro: para além da excelente segurança TIV: motores, transmissões, carroçaria e chassis que desta- passiva, inerente ao muito completo programa SKYACTIV, cam a sustentabilidade ambiental, o prazer de condução e aplicada aos chassis e carroçarias, o CX-5 conta com um uma segurança relevante. conjunto de tecnologias de segurança activa, até aqui O novo CX-5 é um Crossover/SUV que simboliza os inéditas no segmento, ao mesmo tempo que oferece ao mais recentes avanços sob a égide de filosofia "Jinba Ittai", condutor um excelente campo de visão. sentimento de posse entre um automóvel e o seu condutor, Este é apenas um exemplo do design inteligente do CX- oriunda do lendário MX-5. 5. A inovadora temática de Este que é o primeiro modelo design "KODO - A Alma do da Mazda a adoptar a comple- Movimento" fornece a base ta e avançada Tecnologia SKY- para o novo e forte visual da ACTIV da marca, (propostas Mazda, começando com uma mais eficientes, mais nova assinatura tipo "asa", agradáveis e mais ambientais) que destaca toda a parte lidera a nova ofensiva rumo a frontal, entretanto redesenha- uma nova geração de produtos da. No seu interior, o da Mazda. Desenvolvido com habitáculo espaçoso e sofisti- base numa inédita conjugação cado atesta que este automó - entre design, engenharia e vel foi construído pra o produção, os criadores do mundo de hoje. Integrando as SKYACTIV resolveram com sucesso conflitos existentes renovadas características do sistema "Karakuri", tais como até aqui, criando uma linha de motores, transmissões, car- os exclusivos assentos traseiros rebatíveis em 4:2:4, ou o roçaria e chassis que oferecem um novo nível de perfor- intuitivo sistema de "HMI/Infotainment", o CX-5 eleva os mance. níveis de conveniência e flexibilidade a um novo patamar. A equipa de desenvolvimento deste novo e especial Com a sua versatilidade interior, a sua capacidade de modelo focou-se em quatro valores - chave. No que se re - resposta previsível e a sua liderança em termos de con- fere ao apelo visual do CX-5, destacam-se o seu design sumos e emissões de CO2, o Mazda CX-5 faz elevar a emocional, bem como a sua funcionalidade interior e os fasquia no segmento dos SUVs compactos na Europa. detalhes de acabamento. Mas, também a sustentabilidade A gama do novo Mazda CX-5 em Portugal, compõe-se foi uma prioridade, tanto em termos de cunho ambiental exclusivamente pelas variantes equipadas com motores do veículo, bem como de segurança. Por fim, a resposta diesel SKYACTIV-D, não estando disponíveis no mercado previsível em termos de dinâmica de condução foi tam- unidades a gasolina SKYACTIV-G. Adicionalmente, o bém obrigatória no mais recente modelo da Mazda. bloco SKYACTIV-D "Standard Power" de 150 cavalos só Os exclusivos motores do CX-5 oferecem excelentes está disponível em Portugal na versão FWD. níveis de binário, de resposta e de economia de com- O importador da marca para Portugal perspectiva uma bustível. Exemplo do mis recente desenvolvimento do venda de 300 unidades até ao final ano, com preços va - "Zoom-Zoom Sustentável", o CX-5 faz precisamente o que riáveis entre cerca de 34 e 44 mil euros. n

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 71 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:07 PM Page 72

Boavida|Saúde

Urticárias Nesta altura do ano, não passa uma semana sem que eu veja uma urticária em situações sempre distintas: tanto pode ser uma criança que depois de uma ida à praia ou ao campo chega a casa com "pintinhas vermelhas" no corpo e sem outro sintoma, como pode ser o avô que apresenta a mesma sintomatologia, mas não encontra uma razão para a justificar.

M. Augusta Drago medicofamí[email protected] res tais como o peixe, os mariscos, a carne de porco, a banana, o morango, o kiwi e, em geral, os frutos tropicais, iz-se que se trata de uma urticária ou de um o tomate, os cogumelos, os frutos secos, os corantes, os exantema urticariforme quando o doente apre- conservantes, os activadores de aroma, o café, o chá, as senta, na pele, manchas vermelhas com relevo, bebidas gaseificadas, o álcool, etc. D bem delimitadas, mas que também podem ser A urticária pode ser causada por reacções alérgicas a coalescentes (isto é, que se unem) e com prurido intenso. medicamentos, como a aspirina, os anti-inflamatórios não Por vezes, a região do corpo afectada pode apresentar esteróides, alguns meios de contraste usados em radiolo- sinais de inflamação - estar inchada, vermelha, quente e gia e alguns antibióticos. A urticária pode também ser dolorosa. O diâmetro desta pápulas não excede, em regra, causada por estímulos físicos como o calor, o frio ou o 1 a 2cm. exercício que eleva a temperatura do corpo. Outras pes- Estas lesões podem aparecer em qualquer parte do soas podem ainda sofrer uma crise de urticária se corpo, são normalmente arredondadas, crescem rapida- estiverem em contacto com determinados alergénios, mente e unem-se. Mais de 80% das urticárias manifestam- como certos metais, produtos químicos e detergentes. se de forma aguda, benigna, auto-limitada e, mesmo sem Para fazer face às crises agudas de urticária dispomos tratamento, desaparecem ao fim de 24h a 72h sem deixar de medicamentos que aliviam rapidamente os sintomas. vestígios. Os anti-histamínicos são os fármacos mais utilizados e No entanto, a urticária pode ser uma manifestação controlam eficazmente o prurido, mas não devem ser uti- grave de alergia e pôr em risco a vida do doente, nomeada- lizados em creme ou pomada e quando administrados mente quando afecta a boca e as vias respiratórias e nesses devem ser tomados à noite, porque podem causar sono. É casos requer tratamento hospitalar urgente. contra indicada a sua ingestão de álcool. Os corticóides Foram identificados múltiplos factores desencadeantes são reservados para as situações mais graves e para as que de urticária aguda e, nestes casos, geralmente o doente não respondem aos anti-histmínicos. consegue identificá-los. Mas factores específicos só foram Estes medicamentos são igualmente eficazes no trata- identificados nas urticárias crónicas. mento da urticária crónica e em ambas não podem ser Entre os múltiplos factores desencadeantes de urticária descurados os cuidados básicos de saúde com a pele - os aguda encontram-se alguns alimentos e aditivos alimenta- cuidados de higiene e a correcta hidratação.n

72 TempoLivre | JUL/AGO 2012 57a73_BV239_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:07 PM Page 73

Boavida|Palavras da Lei Casamento em regime de comunhão geral sem filhos

Casei em 1975 com convenção antenupcial. A minha mulher e ? eu não tivemos filhos. Se eu ou a minha esposa falecermos, os restantes herdeiros podem exigir judicialmente ao cônjuge sobrevivo a sua parte da herança - que é constituída por um imóvel e depósitos bancários? Sócio devidamente identificado

Pedro Baptista-Bastos

o caso apresentado, embora não especificando o que consta no clausulado da convenção antenupcial, de - signadamente se foi escolhido o regime de separação N de bens ou se houve opção por alguma determinação em especial, vamos seguir a via mais simples e entender que se optou pelo regime da Comunhão Geral de Bens - artigos 1732º a 1734º do Código Civil. Este regime determina que o património comum é constituí- do por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, exceptu - ando os bens próprios que cada um deles tinha até ao matrimónio - artigo 1722º do C.C. - e dos bens que este regime determina que são incomunicáveis, que não fazem parte do património comum dos cônjuges - artigo 1733º do C.C.. Ora, se o imóvel tiver sido adquirido após o casamento, e se os depósitos bancários também forem de natureza conjunta ou solidária entre os cônjuges, fazem parte do património comum do casamento. E, assim sendo, se algum dos cônjuges falecer, o cônjuge sobrevivo é chamado a herdar, de acordo com o artigo 2133º. Como não há filhos deste casamento, não há descendentes que sejam chamados à herança. Por fim, se o cônjuge falecido não tiver ascendentes que devam ser chamados - os sogros do nosso sócio, ao caso - a tota - lidade da herança passa para o nosso sócio. Tios, primos, irmãos de quem falecer não são chamados a herdar nada destes bens que nos foram descritos. Tenha-se em mente esta ideia: as convenções antenupciais, na sua forma mais simples, excluem certas massas de bens da comunhão; no entanto, os bens que tenham sido adquiridos durante o casamento - bens do nosso dia-a-dia, depósitos bancários em nome de marido e mulher, por exemplo - entram sempre no património comum.n

JOSÉ ALVES JUL/AGO 2012 | TempoLivre 73 74 PASSAT.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:08 PM Page 74

ClubeTempoLivre > Passatempos

Palavras Cruzadas | por José Lattas 12345678910111213 1415

1 Horizontais: 1-Pequenos animais, por vezes microscópicos, que se desenvolvem no queijo, na farinha e noutras substâncias ali- 2 mentícias; Incertezas. 2-Logro; Idade; Consonâncias. 3- 3 Desgraça; Corrompe; Argola. 4-Sufixo que traduz a ideia de 4 estado ou qualidade; Associe; Maçador; Vogal dobrada. 5-Nota 5 musical; Advérbio de tempo; Seja!. 6-Outro nome de ópio (pl.); 6 Sinal ortográfico; Espécie de mosquito, onde há águas estagna- 7 das. 7-Apelido de compositor e musicólogo peruano (1900- 1967); Submergida; Abalavam. 8-Bonança; Praia. 9- 8 Compartimento; Cuidar; Apelido. 11-Sustento; Ródio (s.q.); 9 Deserto; Nome dado às primeiras peças de artilharia. 12-Anui; 10 Ânsia; Azáfama. 13-Parreira; Banhos públicos dos antigos 11 romanos. 12 13 Verticais: 1-Frutos das silvas; Acumular. 2-Arrotear; Instru - mento cortante; Agrupamento complementar de empresas

SOLUÇÕES

(invertido). 3-Óxido de cálcio; Planta própria das regiões quen- TERMAS. 13-RAMADA; FAINA. AFÃ; 12-ACEDI; TROM.

tes, cujas fibras são usadas na indústria de tecidos grosseiros; SO; RH; 11-MESA; U. I; I; A; E; T; 10-O; DIAS. ZELAR; 9-SALA;

IAM. 8-CALMA; E; AREAL. E; 8-CALMA; IAM. LAGADA; A 7-SAS; MELGA. TIL; AFIOS;

Preposição. 4-Feições; Vício; Bofetada. 5-Descrédito; Tio ame- 6- R. VÁ; ONTEM; SI; 5-R; AA. RELA; CASE; 4-OR; ARO. SUBORNA; -ACAROS; BRUMAS. 2-ARARA; ERA; RIMAS. 3-MAL; RIMAS. ERA; 2-ARARA; BRUMAS. -ACAROS;

ricano; Idem (abrev.). 6-Aplicação; Comodidade. 7-Imunda; 1 (horizontais): Acontece. 8-Letra grega; Malga; Admirador. 9-Barrela; Boa. 10- Advérbio de negação; Nome masculino. 11-Rio da Rússia, que desagua no Mar Cáspio; Tormenta; Esperança. 12-Nota musi- cal; Rio de Portugal; Publicar. 13-Preza; Coligai; Órgão secretor da urina. 14-Consolida; Esplendor; Período de doze meses (invertido). 15-Estalaram; Maiores.

Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos

N.º 39 Preencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado

N.º 39 SOLUÇÕES

74 TempoLivre | JUL/AGO 2012 75_Cartaz.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:09 PM Page 75

Cartaz > ClubeTempoLivre

AÇORES Animação integrada no Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade ILHA DO FAIAL entre Gerações. MÚSICA O Largo do Infante, Horta, acolhe os VIANA DO CASTELO seguintes espetáculos: Em Julho: dias 12 às 21h30 - Grupo Exposição: de 16 de julho e 17 de Folclórico do Salão; dia 15 às 20h30 - Agosto - exposição "Tudo é Diferente" Filarmónica Recreio dos Pastores em S. na Galeria da Agência de Viana do João; dia 18 às 21h30 - Orquestra de Castelo. Música Ligeira da C.M. da Horta; dia 26 às 21h30 - Filarmónica Artista Faialense. Folclore: dia 29 de julho às 21h30 - Em Agosto: dia 2 às 21h30 - Filarmónica Rancho Folclórico das Lavradeiras de União Faialense; dia 12 às 21h30 - Oleiros no Campo da Feira em Oleiros; Filarmónica Lira Madalense; dia 16 às GUARDA dias 30 de Julho a 5 de agosto - Festival 21h30 - Grupo de Cantares Ilha Azul; dia Internacional de Folclore 23 às 21h30 - Grupo Folclórico e Contar histórias: dias 15 às 17h00 no (FOLKMONÇÃO) em Monção, Arcos de Etnográfico de Pedro Miguel; dia 30 às Centro Cult. Soc. Recreativo do Bairro da Valdevez, Caminha, Ponte da Barca, 20h30 - Filarmónica Recreio Musical Luz; dia 21 às 17h00 no Grupo Desp. Ponte de Lima, Valença e Vila Nova de Ribeirinhense e Filarmónica Euterpe de Recreativo das Lameirinhas e dia 22 às Cerveira. Mais informações na Agência Castelo Branco. 17h00 no Assoc. Cult. Recr. da Sequeira. Inatel. 76a78_Layout 1 6/26/12 3:51 PM Page 1 76a78_Layout 1 6/26/12 3:52 PM Page 2 76a78_Layout 1 6/26/12 3:53 PM Page 3 79a82_ZAMB239.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:11 PM Page 79

O Tempo e as palavras Maria Alice Vila Fabião

Como viver sem livros?

Os meus livros (que não sabem que eu existo) / são tão parte de mim como este rosto / de têmporas grisalhas e de olhos claros / que em vão procuro nos espelhos /e que percorro com a mão côncava. / Não sem alguma lógica amargura, / penso que as palavras essenciais / que me definem se encontram nessas folhas / que não sabem quem sou, não nas que escrevi. / Melhor assim. As vozes dos mortos / me dirão para sempre. Jorge Luís Borges, Os meus livros, in: La Rosa Profunda, Trad.: MAVF

o filme “Regresso ao futuro” (1985), um perso- sos da Net dão-me notícia da inevitabilidade da morte do nagem pergunta, com um notório misto de livro impresso, ou, pelo menos, das cerimónias fúnebres ou espanto e apreensão na voz: “Livros? Para onde de regozijo que, por toda a parte celebram defensores e vamos nós, que não precisamos de livros?” opositores do símbolo indiscutível do Homo sapiens, na N Homo legens – Homem À distância de quase três décadas, em plena era digital, sua forma mais aperfeiçoada de em que, sem iPods, iPads, iPhones, smartphones, sem kin- que lê. dles e outra parafernália igualmente indispensável, cujas Em defesa do livro impresso, apontam os catastrofistas “gerações” se sucedem a uma velocidade dificilmente o facto de a nossa cultura ser uma cultura de imprensa. Se apreensível por um vulgar cérebro da penúltima geração o livro desaparecer, como meio de divulgação de cultura, humana, julgaríamos ter regressado ao paleolítico, a per- argumentam, essa cultura desaparecerá com ele. Em torno gunta torna-se obsidiante: para onde vamos, que não preci- do livro impresso, existe, de facto, um complexo tecido samos de livros? Como é possível não precisarmos de social, uma cadeia de valores constituída por bibliotecas, livros? escolas, universidades, editoras, livrarias, imprensa, etc. A Jorge Luís Borges, que, não obstante a sua cegueira, foi questão está em saber se é possível introduzir novas tecno- sempre um apaixonado leitor, define o livro como o mais logias sem afectar o padrão cultural existente. Estará a assombroso dos instrumentos do Homem, considerando os nossa cultura condenada pela digitalização do livro? outros simples extensões do seu corpo: o microscópio e o Quando Edison descobriu o fonógrafo, cerca de 1900, o telescópio, extensões da vista; o telefone, o prolongamento poeta Guillaume Apollinaire apressou-se a profetizar a pre- da voz e do ouvido; o arado e a espada, o prolongamento do ferência dos poetas pelo registo sonoro das suas em obras, braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é uma extensão em desfavor do seu registo em papel. da memória e da imaginação. Como viver sem imaginação Em 1492, o monge alemão Johannes Trithemius opu- e sem memória? nha-se, na sua obra De Laude Scriptorium, à imprensa, Jorge Luís Borges imaginava o paraíso como uma espé- argumentando que, em consequência da má qualidade do cie de biblioteca. Pessoalmente, sempre imaginei que uma papel barato utilizado nos livros impressos, estes seriam biblioteca era realmente o paraíso. Logo, na impossibilida- menos resistentes, e que seria mais fácil infiltrarem-se erros de de imaginar como seria uma biblioteca ou o paraíso, a nos incunábulos do que nos manuscritos. Além disso, a minha primeira vocação foi ser empregada de balcão da introdução das impressoras iria afectar a silenciosa vida lojinha da esquina, onde, juntamente com batatas, arroz e monacal de que até ai gozavam os pacientes escribas bene- chinelas de trapo, se vendiam tabuadas e alguns livros ditinos. escolares, que constituíam um progresso em matéria de Lentamente, acaricio com o olhar as lombadas das cen- higiene relativamente ao papel de jornal em que a Laura tenas de livros que, não obstante vaticínios e protestos, dor- Carriça embrulhava o peixe, e em matéria de inteligibilida- mem tranquilamente na parede oposta à mesa de trabalho: de relativamente ao Assim falava Zaratrusta, da minha Conheço-os a todos, individualmente; sei do cheiro, da cor mãe, ou aos tratados de matemática encadernados em car- do papel, do que cada um tem para me dizer; cada um neira nas estantes dos avós – os meus primeiros contactos deles teve (e tem) na minha vida o seu momento de impor- com a letra impressa. tância: na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Como Pela enésima vez, porém, os modernos tantãs silencio- poderia viver sem eles? n

JUL/AGO 2012 | TempoLivre 79 79a82_ZAMB239.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:11 PM Page 80

Os contos do

Actor de sucesso

humildade e a timidez eram os traços Parecia cumprir satisfatoriamente a função e foi mais vincados da personalidade de ficando. Tão atento a esmerar-se no seu próprio Octaviano P. Guedes. Todavia, uma papel como a absorver todo o desenrolar da peça, Aambição lhe fervia no cérebro desde decorando as intervenções de actores e actrizes. adolescência: gostaria de ser actor de teatro. Doze ensaios passados, Octaviano até auxilia- Dinheiro que não lamentava gastar era a do va algum ou alguma que se enganasse nos dize- ingresso numa sala de teatro e sempre se imagi- res e nas contracenas. O encenador gabou-lhe a nava a pisar as tábuas do palco. Imaginava mas memória e o zelo, chegando a lamentar não o ter ria-se desse sonho sem sentido. Na sua modéstia, testado em intervenção menos apagada. considerava faltar-lhe talento, não bastava pos- Apagada seria, mas ruidosa, e Octaviano dava suir uma voz apreciável, tanto na clareza como o seu melhor. De manhã, em casa, ensaiava repe- nas modelações, e uma planta física que não pas- tidamente o gesto de pôr o carimbo. O batuque saria despercebida nem mesmo na última fila. incomodava um pouco Marília, mas calava-se Representava para si só. Raro era o dia em que para não perturbar a inspiração do artista. não se examinava no espelho grande do quarto, Ansiava pela estreia, sentada numa das primeiras avaliando movimentos e expressões fisionómi- filas com olhos no marido e ele carimbando. cas. Que pena não existir, no bairro onde vivia, Aconteceu, porém, o que não é inédito mas um grupo de teatro amador. Se houvesse, talvez sempre dramático: na antevéspera da estreia, lar- encontrasse coragem de se oferecer, sem embargo gamente anunciada, o actor principal ficou afóni- de pensar que nem aí o aceitariam. Ousadia co. Nada de muito surpreendente: ele representa- maior seria apresentar-se numa companhia de va a figura de um sujeito de maus fígados que profissionais e manifestar o desejo de passar de levava a peça aos gritos: "Não me lixem, não me espectador a actor aplaudido. lixem!" e, no terceiro acto, entrando em cena des- Marília, sua docinha mulher, não deixava de o vairado e berrando para a actriz que fazia de sua incitar. Mas sabia quanta dificuldade ele teria em mulher: "Onde escondeste o malvado do teu vencer a humildade e a timidez, justamente o amante?". Tanto numa como na outra destas fra- que mais apreciava no marido. ses o vozeirão enchia a sala. Até que um dia, ao ler num jornal que começariam em breve os ensaios de uma peça incapacidade do actor principal criou dramática e, sem dar cavaco ao marido, foi falar pânico. E agora? Contratar outro actor com o encenador. Nada mais pedia que dessem de créditos firmados era impossível, ao apaixonado pelo teatro a oportunidade de se Anão teria tempo de aprender o papel. mostrar merecedor de um pequeno papel. "Pois Desesperado, o encenador lembrou-se de desafiar venha ele e logo se verá", disse o encenador, sen- todos os actores do elenco a mostrar-se capazes sibilizado pelo entusiasmo de Marília e seu amor de tomar o lugar do protagonista. Um após outro, ao consorte. foram incapazes e já só faltava o novato que batia Regressou Marília exultante com a novidade com o carimbo. Já sem esperanças, o encenador mas Octaviano não a recebeu com a alegria espe- deu-lhe a oportunidade e a surpresa foi enorme: rada. Ao contrário, tomou-o uma angústia e só Octaviano sabia de fio a pavio todas as falas - dez dias depois a mulher conseguiu levá-lo ao incluindo as difíceis "Não me lixem, não me local onde começavam os ensaios. lixem!" e "Onde escondeste o malvado do teu Nem tempo teve para ler a peça e deram-lhe o amante?", proferidas pelo actor principal com papel de um funcionário que só se havia ouvir especial entoação. descarregando carimbos nos documentos. Octaviano não lhe ficava atrás. Resolveu-se o

80 TempoLivre | JUL/AGO 2012 79a82_ZAMB239.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:11 PM Page 81

problema destacando o novato para primeira Desorientada, ela reconheceu que o papel não figura e, já que em Portugal os actores não têm se colara apenas à pele de novo, tomara-lhe a licença nem para estar doentes, mudando o afó- alma. Mas esperaria, com paciência, que as repre- nico para carimbador de documentos. sentações terminassem e na peça seguinte des- Foi um sucesso. Aplaudido pelo público e sem ao marido um papel de tímido. pela crítica, Octaviano mudou-se por inteiro, Na vida como no teatro, os percalços podem dele próprio para a personagem. Não reconhecia acontecer quando menos se espera e numa noite Marília, repetindo mil vezes os gestos que fazia de temporal desfeito, chuva diluviana e ventania, em cena e os mais admirados eram o par de man- o público não compareceu. Desolado, o elenco guitos, no segundo acto, e o puxão na própria olhou a plateia vazia e foi unânime o parecer de orelha, à direita, até tombar no palco. que acertado seria cancelar a sessão. Onde estava aquele marido calmo e tímido Voltou para casa Octaviano e, no táxi, espan- que ela conhecera? O que tinha agora era um tou o motorista ao repetir manguitos e puxar a estranho que a todo o momento exibia as orelha direita. Durante o trajecto só não ensaiou expressões faciais da personagem, puxava a ore - as frases essenciais mas ao entrar em casa liber- lha até cair na carpete e se aperfeiçoava, incansa- tou o vozeirão: "Onde escondeste o malvado do velmente, na arte do manguito. Até a voz lhe teu amante?". parecia de um desconhecido, pelo que dizia e E não se deteve. Em passadas largas seguiu pelo tom em que dizia "Não me lixem, não me para o quarto, abriu o roupeiro num gesto brusco lixem!" e "Onde escondeste o malvado do teu e de dentro caiu o homem que Marília tinha amante?". encafuado ao ouvir a chave na fechadura. n

JOSÉ ALVES JUL/AGO 2012 | TempoLivre 81 79a82_ZAMB239.qxp_sumario 154_novo.qxd 6/26/12 2:11 PM Page 82

Crónica

- Tu agora fazes-te nervoso, um pouco atrapa - O Piquenique lhado, mas tentando agradar-me. De vez em quan- do passa por mim e faz-me uma festinha breve na cabeça. Depois convidas-me para jogarmos ao rin- gue. Álvaro Belo ão estamos a andar muito de carro? - - Trouxeste o ringue? Marques perguntou a Maria. Estava bonita. - Não, mas podes convidar à mesma. E depois, Tinha-se vestido a rigor: blusa encarna- logo se vê o que acontece. Nda, saia aos quadrados e dois laçarotes Levantei-me, abri a mala e comecei a tirar as coi- na cabeça. Sapatos de salto raso e uma sacola a tira- sas para pôr a mesa. Uma toalha, pratos e copos de colo. Ainda não sabia o que lá levava. cartão, guardanapos, etc. Passei-lhe duas vezes a - Não. No Nó dos Cantoneiros, deixamos o carro mão direita pela amorosa cabeça, com todo o cui- e seguimos a pé até ao pinhal. dado para não desfazer os lacinhos. Pensei que - Não é muito longo para ti? - e olhou-me sem seria melhor comermos depois das brincadeiras. ironia mas de lado. Mas perguntei-lhe: Não respondi. Eu vinha de calças de ganga - não - Maria: apetece-te comer? tinha arranjado calções - com uma camisola de Não me respondeu. Olhei para ela e vi que tinha malha aos losangos azuis e brancos, sobre uma um braço sobre os olhos e que parecia dormitar. camisa preta. E botas. Muito quieta. Olhei para a laranja que tinha na - Chegámos, Maria. Já sabes! A partir daqui mão, sem saber o que lhe fazer, pu-la então num temos entre oito e dez anos e fazemos um piqueni- prato e, devagarinho, deitei-me ao lado dela em que com a aprovação dos pais. O nosso primeiro silêncio. E encostei-me a ela, para melhor lhe sen- piquenique. tir o calor dos seus dez anitos. - d'Accord - E, lembrando-se do combinado, Olhei fixamente para aquele céu de cenário tea- disse baixinho: - Desculpa. tral e fechei os olhos, ouvindo-a respirar fundo, Saímos do carro. Peguei na mala do piquenique, como se tivesse perdido a noite a fazer os bolos na manta e num boné preto. Ela apenas numa para o piquenique. Mas os deuses são mais maro- almofada e na sacola que agora me parecia mais tos do que os caçadores furtivos e, talvez por isso, cheia. ou por outra razão que desconheço, fui eu que Demos automaticamente as mãos e seguimos, adormeci, com o Sol a passar pelos troncos dos pin- rumo ao pinhal a cerca de uma centena de metros heiros e com o pensamento de que tinha de apan- neste cenário cuidadosamente escolhido por nós. har umas flores e oferecer-lhas. Um pouco concentrados, chegámos ao nosso alvo, Fui acordando devagarinho, sentindo a cabeça parámos e deitámos a manta numa clareira entre comodamente poisada no peito da Maria, numa pinheiros. Um sítio aprazível. Depois sentámo-nos macieza de bem-estar extremo. Voltei a fechar os e olhámos um para o outro, a sorrir. Disse eu: olhos e a deixar-me adormecer outra vez. Mas não. - Sabes o que trouxe? Sandes de fiambre e de Estes momentos são sempre fugazes. queijo, pastéis de bacalhau e fiz sumo de limão. - Vá, menino, toca a levantar. Vamos comer. Trouxe também laranjas e tangerinas. Á! E um pião. E foi o que fizemos. Sandes, bolos, pastéis, fruta Olhou para mim, sorrindo e disse: e sumo de limão fresco e bem agradável. Comemos - Como é o meu primeiro piquenique com dez sentados de pernas cruzadas, a olhar um para o anos, trouxe apenas o que gosto: um pão-de-ló, bis- outro - nove e dez anos -, bem-dispostos e felizes. coitos e um termo com chá de cidreira. E as meni- O nosso primeiro piquenique. nas não jogam ao pião. Só às escondidas. - Quando acabarmos, queres jogar ao ringue? Sentei-me na manta. Ela deitou-se, encostando - Não me apetece. a cabeça à almofada e olhando embevecida para o - Para te dizer a verdade, a mim também não. céu, um céu de um azul muito clarinho e sem um Nessa noite recebi um mail da Maria a dizer fiapo de nuvem. Puxou a saia bem para baixo. apenas: "Nunca mais. Sinto-me mais velha do que Perguntei: - O que fazemos agora? Apanho flo- estava ontem à noite. Muito mais velha." Respondi: res? Falamos dos nossos pais? "Também eu." n

82 TempoLivre | JUL/AGO 2012 83_Layout 1 6/26/12 3:12 PM Page 1 84_Layout 1 6/26/12 3:13 PM Page 1