Os Festivais Da Canção Enquanto Eventos Midiáticos: Brasil E Portugal
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OS FESTIVAIS DA CANÇÃO ENQUANTO EVENTOS MIDIÁTICOS: BRASIL E PORTUGAL. José Fernando Saroba Monteiro Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro [email protected] Os festivais da canção, tal como os conhecemos hoje, surgem ainda na década de 1950, com o precursor Festival de San Remo (Festival della Canzone Italiana), inaugurando o formato festival que logo foi copiado por países no mundo todo, dando origem a uma infinidade de festivais nacionais, e outros tantos, fazendo competir diferentes países e, por vezes, de diferentes continentes. Dentre os mais conhecidos festivais estão: o Festival Eurovisão da Canção, surgido em 1956, na esteira do festival italiano, e o primeiro a fazer competir países entre si; o Festival Intervisão, tendo a mesma concepção do Festival Eurovisão, mas direcionado para os países do bloco soviético; o Festival OTI, voltado para os países iberoamericanos; e poderíamos assinalar uma infinidade de outros festivais nacionais, muitos deles responsáveis pela escolha de uma canção representante no Festival Eurovisão (quando se tratando do quadro europeu), como é o caso do Festival RTP da Canção, iniciado em 1964 em Portugal, justamente para escolher sua representante no eurofestival, mas muitos outros atingindo certa autonomia e reconhecimento inclusive internacionalmente, como o Festival Yamaha, realizado em Tóquio, reunindo artistas de inúmeros países, o Festival de Atenas, de caráter multicultural, o Festival de Sopot, e, dentre outros, o Festival Internacional da Canção do Rio de Janeiro, dividido em duas fases, uma nacional e outra internacional, nesta segunda, notadamente, os vencedores nacionais competiam com canções representantes de países de todo o mundo. Surgidos a partir da década de 1950, os festivais da canção puderam contar com o inovador recurso da imagem, possibilitado pelo advento da televisão, que se desenvolvia e se propagava justamente nesta mesma década. A televisão, substituiu largamente o rádio, especialmente a partir da década de 1960, tornando-se o centro das atividades cotidianas e reunindo as famílias junto aos aparelhos receptores, inicialmente restritos aos mais abastados, devido ao alto custo, mas depois se difundindo entre a população, primeiramente urbana e, depois, inclusivamente, rural. A televisão se tornou meio privilegiado na comunicação com as massas. Segundo Jean Folkerts, em sua entrada “Mass Culture”, encontrada na obra The Mass Media in the United States, editado por Margaret Blanchard, os conceitos de “comunicação de massa” (“mass media”) e de “cultura de massas” (“mass culture”) emergem juntamente com o crescimento da sociedade de consumo, ou seja, mantendo relação com o “consumo de massa” (“mass consumption”) e com o desenvolvimento industrial, que não apenas disponibilizava uma infinidade de produtos aos consumidores, como também promovia meios para abduzi-los, notadamente através da comunicação, tanto nos locais de venda dos produtos, como também procurando atingi- los em seus lares, ponto no qual a televisão contribuia em muito, especialmente a partir da década de 1960 (BLANCHARD, 1998, pp. 346-347). No Brasil, a televisão, chega pela iniciativa de Francisco de Assis Chateaubriand, que inaugura a TV TUPI – Canal 3 de São Paulo, primeiro canal de TV brasileiro e também primeiro latinoamericano, que foi ao ar em 18 de setembro de 1950, fazendo luz sobre os 200 aparelhos televisores espalhados pela metrópole paulistana. Antes disso, porém, em 1939, a empresa alemã Telefunken realizou a primeira demonstração pública de imagens geradas e reproduzidas por um sistema de televisão no Brasil e, em julho de 1950, houve uma pré-estréia da televisão brasileira, ainda em fase experimental, momento no qual realizou-se um espetáculo musical do cantor Frei Mojica (COSTELLA, 1978, p. 196). Em 1951, é inaugurada a TV Tupi do Rio de Janeiro e, logo depois, muitas outras emissoras são inauguradas por todo o país, algumas demonstrando grande desenvolvimento: “[…] chegando aos nossos dias como verdadeiros conglomerados multinacionais exportando a produção cultural brasileira para vários países.” (MONTEIRO, 2015a, p. 125). Sérgio Mattos, divide o desenvolvimento da televisão no Brasil em seis fases: “1) A fase elitista (1950 – 1964), quando o televisor era considerado um luxo ao qual apenas a elite econômica tinha acesso; 2) A fase populista (1964 – 1975), quando a televisão era considerada um exemplo de modernidade e programas de auditório e de baixo nível tomavam grande parte da programação; 3) A fase do desenvolvimento tecnológico (1975 – 1985), quando as redes de TV se aperfeiçoavam e começaram a produzir, com maior intensidade e profissionalismo, os seus próprios programas com estímulo de órgãos oficiais, visando, inclusive, a exportação; 4) A fase da transição e da expansão internacional (1985 – 1990), durante a Nova República, quando se intensificam as exportações de programas; 5) A fase da globalização e da TV paga (1990 – 2000), quando o país busca a modernidade a qualquer custo e a televisão se adapta aos novos rumos da redemocratização; e 6) A fase da convergência e da qualidade digital, que começa no ano de 2000, com a tecnologia apontando para uma interatividade cada vez maior dos veículos de comunicação, principalmente a televisão, com a Internet e outras tecnologias da informação.” (MATTOS, 2002, pp. 78-79, grifos do autor). Em Portugal, a televisão parte de iniciativas vindas dos quadros da Emissora Nacional, estação radiofônica do governo estadonovista. Em 1946, o jovem engenheiro Francisco Bordalo Machado, funcionário da Emissora Nacional, elabora um estudo avultando sobre as possibilidades de implementação da TV no país. No entanto, apenas dez anos mais tarde esse projeto se concretizaria. Em 1955, Marcello Caetano, futuro Presidente do Conselho, era Ministro da Presidência em Portugal, sempre visto como mais afeito a modernidade do que seu antecessor na presidência, António Salazar, e, na verdade, é apontado por Francisco Cádima como “único representante da modernidade” no regime do Estado Novo (CÁDIMA, 1996, pp. 38-39). Caetano tornou-se o grande impulsionador da televisão portuguesa, tendo ele mesmo sugerido a exploração através de uma economia mista, o que de fato ocorreu, à serviço do Estado. Marcello Caetano assina o contrato de concessão da Radiotelevisão Portuguesa, SARL, a 08 de julho de 1955 e, no mesmo ano, ocorre na Feira Popular do Porto, uma demonstração de equipamento Grundig. No ano seguinte iniciam-se as emissões experimentais na Feira Popular de Lisboa, cuja primeira transmissão, a 04 de setembro, teve apresentação de Raúl Feio e terminou com uma declaração do então presidente da Assembleia Geral da RTP, Monsenhor Lopes da Cruz (SILVA; TEVES, 1971, p. 123; TEVES, 1998, p. 41). Durante essas emissões, a população invadia a Feira Popular de Lisboa e também enchia as ruas de acesso, com o intuito de contemplar a grande novidade. Em setembro de 1956 foram suspensas as emissões a partir da Feira Popular, para serem retomadas a 07 de março de 1957, definitivamente, dando início às emissões regulares da Radiotelevisão Portuguesa (RTP). A RTP, emissora de serviço público que foi por décadas a única emissora portuguesa, nos dias atuais se apresenta entre os melhores broadcastings do mundo, contando com mais de duas dezenas de canais televisivos e radiofônicos, uma plataforma online e cobertura dos acontecimentos em diversos países. Em cada período de seu desenvolvimento, no entanto, a televisão representou a sociedade de seu tempo e, escusado será dizer, que a música sempre esteve presente, contribuindo com o crescimento da TV, e vice-versa. De um modo geral, os programas televisivos, inicialmente eram reservados à alta cultura, exatamente por serem direcionados àqueles que de fato teriam recursos para possuir um aparelho receptor. Mas, aos poucos, a programação inclui apresentações de caráter mais popular, até mesmo porque a audiência se amplia, a despeito da possibilidade de adquirir um televisor, indo o público onde quer que houvesse um aparelho, vizinhos, cafés, estabelecimentos públicos em geral, para poder acompanhar seus programas preferidos, cada vez mais integrados também nas conversas do dia a dia. Os dramas sempre estiveram na preferência do público, seguidos pelos programas de variedades, mas os musicais também faziam o deleite dos espectadores e é devido à isso que os festivais da canção vão ocupando lugares cada mais altos nos índices de audiência, reunindo milhares de pessoas em frente aos televisores e tornando- se o assunto do dia nas reuniões populares. Logo, portanto, os festivais da canção tornam-se amplamente aceitos pelo público, vindo a ser o programa televisivo de predileção, no caso dos portugueses, e também no Brasil, disputando fraternalmente as atenções com outra paixão nacional, o futebol. Como sintetiza o produtor e idealizador dos festivais brasileiros Solano Ribeiro: “Não fosse a TV, provavelmente a MPB não teria tido a mesma força” (RIBEIRO apud DIAS, 07 abr. 2015). BRASIL. O primeiro festival de repercussão nacional no Brasil foi o Festival Nacional de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, com primeira edição em 1965, no qual foram apresentadas 36 canções, dentre as 1.290 inscritas, ao longo de três semifinais e uma final, que escolheu “Arrastão” (Vinícius de Moraes/ Edu Lobo), interpretada pela jovem Elis Regina, como vencedora. As pompas eram justificadas pela premiação de 21 milhões de cruzeiros e entrega do prêmio Berimbau de Ouro, em um festival que reuniu novos e antigos nomes da música popular,