Sexta-feira 23 Abril 2010 www.ipsilon.pt

IndieLisboa Mazgani Daniel Blaufuks Raul Solnado Mind da Gap Matthew Herbert ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7323 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE EDIÇÃO Nº 7323 DO PÚBLICO, INTEGRANTE DA PARTE FAZ ESTE SUPLEMENTO FOTOGRAFO FOTOGRAFO

Portugal numa noite escura Fantasia Lusitana de João Canijo: documentário sobre ontem ou sobre hoje?

Scarlett Johansson no filme perdido de Kubrick Mais de uma década após a morte de Stanley Kubrick, os actores Sam

Rockwell e Scarlett AFP MEYER/ DAMIEN Johansson preparam-se O papa de Nanni Moretti é “inventado”: não há, garante o para ser os protagonistas cineasta, nenhum piscar de olhos à angústia de Bento de um filme baseado em XVI no momento de todos os escândalos de pedofi lia legado inacabado do realizador. “Lunatic at Large” é o nome do “thriller” que começou a ser pensado no Flash princípio da década de 60, mas nunca chegou a ser produzido. Na altura, Kirk Douglas apareceu com o projecto para o histórico “Spartacus”, que acabaria por se tornar prioritário. O guião inutilizado foi escrito a duas mãos entre Kubrick e Jim Thompson, dupla que também foi responsável por “The Killing” e “Horizontes de Sumário Glória”. A história caiu no esquecimento e só após morte João Canijo 6 do realizador, em 1999, o guião Temos papa (e mais Santa Sé para que as cenas Filma a nossa interminável foi encontrado por Philip fossem rodadas no noite escura (mas há mais Hobbs, seu genro. A descoberta Vaticano. Moretti acabou possibilitou uma recuperação detalhes), anuncia para ver no IndieLisboa) por filmar no Palácio que nem é inédita – Steven Farnese, a embaixada Spielberg já havia feito uma Nanni Moretti Matthew Herbert 22 operação do género, em 2001, francesa em Roma, Aprendeu a cantar no filme “A.I. - Inteligência Há uns anos, Nanni Moretti próprio Moretti), sabe-se belíssimo edifício Artificial”. atirava-se às canelas de agora que todas as quinhentista projectado Mazgani 24 “Lunatic at Large” vai retratar a Silvio Berlusconi (é tema semelhanças com esta por Miguel Ângelo (onde o cidade de Nova Iorque em 1956 recorrente neste história e a actualíssima realizador encontrou “uma Pela América fora, e deverá começar a ser filmado em “Song of Distance” no final deste ano. Sam suplemento, como havemos crise do catolicismo, à espécie de miniatura do Rockwell vai interpretar Johnnie de ver nas páginas que se sombra dos sucessivos Vaticano, um Vaticano mais António Zambujo Shepherd, um ex-funcionário de seguem) num filme, “O escândalos de pedofilia que sóbrio”), e na Villa Médicis, e Ricardo Ribeiro 28 um parque de diversões Caimão”, que era tanto uma têm saído do armário, é sede da Academia Francesa. dominado por figuras bizarras, maneira de figurar a pura coincidência. “O que A Capela Sistina, essa, teve Retrato cruzado no qual se desenrola a maior parte da acção. Após conhecer dissolução da Itália como a me interessa é a mesmo de ser reconstituída Jorge Peixinho 32 Joyce, o papel entregue a dissolução de um personagem. É um filme nos estúdios da Cinecittà. Um génio revisitado Scarlett Johansson, Shepherd casamento e de uma certa que se passa nos dias de Apesar de se desviar da acaba por seduzi-la, dando ideia de cinema popular hoje, mas sem nenhuma reflexão sobre o estado da Raul Solnado 34 início a um relacionamento europeu. Depois de termos referência à actualidade. É Itália que é habitual nos entre os protagonistas do filme. Um caso sério do humor Em suma, “Lunatic at Large” vai tido Berlusconi (para 6,5 um papa inventado. Não filmes militantes de Moretti português contar com nomes consagrados milhões de espectadores creio que o espectador se (“Palombella Rossa”, da actualidade cinematográfica em todo o mundo, como deixe influenciar pelo que “Querido Diário”, “Abril”, Daniel Blaufuks 38 para dar corpo a material ainda esta semana se passa à volta de Bento “O Caimão”), o cineasta não O ofício de fotografar perdido no baú de um dos recordava o “Le Monde”), XVI”, sublinhou esta está “nem habituado nem maiores realizadores/guionistas do século XX. Nanni Moretti anuncia semana ao diário francês. resignado” perante a Ficha Técnica agora que vamos ter papa: Moretti submeteu, de resto, berlusconização do seu país

ALBERTO PIZZOLI/ AFP ALBERTO já se sabia que o próximo o argumento de Federica e continua a recolher Directora Bárbara Reis filme da consciência da Pontremoli e Francesco imagens de arquivo sobre o Editor Vasco Câmara, esquerda italiana se vai Piccolo (os mesmos de “O primeiro-ministro italiano Inês Nadais (adjunta) Conselho editorial Isabel chamar “Habemus Caimão”) ao presidente do para um documentário Coutinho, Óscar Faria, Cristina Papam” e terá Michel Conselho Pontifício da sobre “a anormalidade Fernandes, Vítor Belanciano Piccoli no papel Cultura, Gianfranco Ravasi: democrática” italiana. Design Mark Porter, Simon principal (um cardeal “Estava curioso para saber O papa deprimido de Esterson, Kuchar Swara à beira de ser papa a opinião dele, mas não Moretti deverá chegar às Directora de arte Sónia Matos Designers Ana Carvalho, que, no momento do precisava de aprovação. O salas entre Dezembro de Carla Noronha, Mariana Soares sim, tem dúvidas e filme ter-se-ia feito de 2010 e Março de 2011. Em Editor de fotografi a procura a ajuda de um qualquer maneira”. Fez-se, , será distribuído Miguel Madeira Scarlett Johansson vai ser seduzida psicanalista, o aliás, sem a autorização da pela Midas. Inês Nadais E-mail: [email protected] no guião póstumo de Stanley Kubrick Flash

o ano cumpre uma década de Nova Iorque e Chicago existência e conta com artistas como Evan Parker, Anthony Braxton, Elliott Sharp ou os na rota do Clean Fest portugueses Bernardo Sassetti e Carlos Barreto no catálogo. Há uma editora discográfica Clean Feed Fest volta a ocupar, “Este ano também vamos levar portuguesa que se vangloria durante três dias (7 a 9 de Maio), um grupo suíço” acrescenta o de ser mais do que isso e é o nova-iorquino Cornelia Street outrora coordenador das apontada por publicações Café e até conta com a secções jazz nas lojas Valentim internacionais especializadas particularidade de, pela de Carvalho e da secção de como uma das melhores do primeira vez, se estender a três música da Fnac. O RED Trio é uma das bandas que vão viajar mundo do jazz. Falamos da espaços de Chicago (14 e 15 do As bandas jazz portuguesas que para a América na bagagem da Clean Feed Clean Feed, a editora lisboeta próximo mês), uma das capitais vão actuar na quinta edição do também que também é agência de mundiais do jazz. “A ideia é festival são os RED Trio e os como vinho ingleses, programação e promoção de promover a música da editora, Tetterapadequ – quarteto com verde, vinho do Porto, alemães e até concertos e que se prepara que conta com vários músicos dois portugueses e dois italianos azeitonas e até azeite”, diz portugueses. Com tudo isto agora mesmo para realizar a portugueses e dos mais diversos -, mas os elementos do nosso Pedro Costa, antes de revelar não ousamos duvidar do quinta edição de um festival de estados da América” aponta país não ficam por aí. “Para que faz questão de receber o slogan: “Clean Feed – Mais do jazz, em nome próprio, nos Pedro Costa, o manager e além dos músicos, todos os anos público do evento à porta. Não que uma editora”. EUA. A edição deste ano do fundador do projecto, que para levamos produtos portugueses, há apenas americanos, mas Luís Carlos Soares

As imagens da sessão fotográfi ca que os Stones fi zeram para a capa de “Sticky partilha com os companheiros de música que produz. Para tal, o costureira da Metro Goldwin Meyer Fingers”, em 1971, estão agora expostas profissão Roberto Rabanne e Bob trabalho, que “já está meio que a actriz acabaria por escolher numa galeria Gruen a exposição “Rolling Stones: concluído”, vai promover “um para desenhar o seu vestido de Against the Wall”. A galeria que a ligeiro regresso” aos seus primeiros noiva. Mick Jagger acolhe é propriedade do filho do discos – o próximo vai ser apenas o A exposição inclui também modelos guitarrista Ronnie Wood, que não quarto registo de originais, mas que, já como princesa, Grace Kelly em flagrante foi fotografado porque só entraria conta com um vasto repertório de usou em actos oficiais, desenhados em Londres para os Stones três anos mais tarde. colaborações. O disc-jockey a quem pelos seus estilistas preferidos: muitos apontam o epíteto de Christian Dior, Balenciaga, Os Rolling Stones estão encostados criador do trip-hop aproveitou para Givenchy e Yves Saint-Laurent. A à parede e não saem de lá até dia 3 DJ Shadow vai voltar acrescentar: “Será apenas um completar a exposição, grandes de Maio. Não se trata de um castigo, regresso às formas estéticas. Espero óculos de sol, chapéus e as famosas embora só seja possível após frete Está para breve o regresso de DJ que não soe a nada que já tenha luvas curtas brancas. E também a de Mick Jagger. Confuso? Se não Shadow, não só no que toca ao feito”. carteira Hermès que Kelly usou em puder deslocar-se até à galeria lançamento de discos, mas várias sessões fotográficas, e que Scream, em Londres, onde estão principalmente às formas estéticas acabou por receber o nome da expostas fotos inéditas da banda até que o consagraram como um dos Grace Kelly vive actriz, “kelly”. à data supracitada, explicamos. No disc-jockeys mais influentes do no Victoria & Albert Apesar da curta carreira de Grace princípio da década de 70, a mundo. Ainda não há baptismo Kelly no cinema (a actriz desistiu da tragédia de Altamont já havia ficado definido nem data para a chegada O estilo de Grace Kelly continua a carreira aos 26 anos para casar com para trás e a banda inglesa do registo físico às lojas, mas o ser um mundo. Agora, a actriz Rainier, depois de participar em preparava o lançamento de “Sticky norte-americano conta começar a americana que foi um dos mais apenas 11 filmes), o seu estilo “chic” Fingers” (1971). Para fazer as apresentar o novo trabalho a partir poderosos ícones da moda nos anos tornou-se uma referência absoluta imagens promocionais do disco, do próximo mês. 50 é a protagonista de uma grande para o mundo da moda. Jenny que inclui temas históricos como Numa entrevista ao jornalista exposição no Museu Vitoria & Lister, curadora da exposição, disse “Brown sugar” ou “Dead flowers”, britânico Zane Lowe, o primeiro Albert, em Londres: “Grace Kelly: ao “Times” que o termo ícone da foi recrutado o fotógrafo David músico do mundo a lançar um Style Icon”. Até 26 de Setembro, moda “se justifica porque ela teve Montgomery. A sessão fotográfica álbum composto apenas por vão estar expostos 40 vestidos e uma carreira e uma vida estava marcada para as 18h, mas samples – “Endtroducing...” que vários adereços e jóias de Kelly. A extraordinárias”. Jagger só apareceu por volta das marcou a estreia em 1996 -, revelou exposição divide-se em três partes, Paralelamente à exposição, o 23h. A ideia era fotografar “querer continuar em paz “ com a que correspondem aos períodos de museu vai projectar os filmes da individualmente os elementos da Kelly enquanto “Actriz”, “Noiva” e, actriz, e promoverá palestras sobre banda com a imagem que seria capa finalmente, “Princesa”. os filmes e a moda dos anos 50 e do disco a cobrir-lhes as partes Os figurinos mais emblemáticos da cursos de lenços e íntimas. Se Keith Richards o fez sua carreira cinematográfica são o chapéus inspirados naturalmente, e com um penteado ponto alto da exposição. Não podia em Kelly. Grace bizarro a fazer lembrar a penugem faltar o vestido de organza preta de Kelly nasceu em de um pavão, Mick Jagger mostrou- “Janela Indiscreta” (Alfred Filadélfia em se pouco à vontade e só o fez com O primeiro músico Hitchcock, 1954), desenhado por 1929 e morreu a roupa interior escondida por do mundo a lançar um Edith Head, costureira da em 1982, trás da imagem assinada por álbum composto apenas Paramount. Também é de Head o vítima de um Andy Warhol. “Parecia que por “samples” tem o novo vestido de cetim verde usado pela acidente de estava a lutar com o diabo” álbum “meio concluído” actriz na noite em que recebeu o viação, no recordou ao “The Guardian” o seu único Oscar, pela participação Mónaco. fotografo, que encontrou no filme “The Country Girl” (George recentemente as imagens, Seaton, 1955). A abrir a exposição, umas inéditas e outras pouco estão três dos figurinos que Kelly conhecidas. usou no último filme em que O vestido de organza preta “Supus que ele estivesse participou antes de casar com o que Grace Kelly usava apenas a ser muito Príncipe Rainier do Mónaco, “Alta (maravilhosamente) na “Janela rock’n’roll”, acrescenta Sociedade” (Charles Walters, 1956). Indiscreta” de Hitchcock está David Montgomery, que Foram desenhados por Helen Rose, entre os objectos da exposição APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre

AO VIVO Por Este Andar Fernando Tordo, músico de reconhecido mérito e a voz de muitos dos poemas de Ary dos Santos, apresenta o seu mais recente trabalho com arranjos de Pedro Duarte.

25.04. 17H00 FNAC NORTESHOPPING 28.04. 18H30 FNAC CHIADO

AO VIVO DEOLINDA Dois Selos e Um Carimbo Dois Selos e Um Carimbo é o segundo disco dos Deolinda e um dos trabalhos musicais mais esperados neste ano de 2010.

29.04. 17H00 FNAC CHIADO 29.04. 22H00 FNAC COLOMBO

AO VIVO TIAGO BETTENCOURT Em Fuga Após o sucesso de , com o single Canção Simples, Tiago Bettencourt volta à Fnac para uma actuação ao vivo do seu último disco, gravado entre o Canadá e Lisboa. 29.04. 18H00 FNAC BRAGA PARQUE 29.04. 22H00 FNAC GAIASHOPPING 30.04. 16H00 FNAC VISEU

AO VIVO TIM Companheiros de Aventura Tim apresenta no Fórum Fnac o seu novo álbum que, para além de originais, contém canções de outros artistas, compostas e partilhadas pelos seus Companheiros de Aventura. 29.04. 18H00 FNAC COLOMBO 29.04. 22H00 FNAC ALMADA 30.04. 15H00 FNAC CHIADO

EXPOSIÇÃO A REVOLUÇÃO DE ABRIL NO OLHAR DE CARLOS GIL Fotografias de Carlos Gil A Fnac, em parceria com a Fundação Mário Soares, expõe um conjunto de imagens que pretende recordar um percurso deste país, desde o fim da ditadura até ao fim do sonho de uma revolução de esquerda. 17.04. - 15.06.2010 FNAC CHIADO

Consulte a agenda cultural Fnac em

Apoio: “Acho que

iro que passou ssas imagens são de um estrange isto não E ellings” s. São “trav por Lisboa e filmou às escondida dele dentro do eléctrico... tra coisa, que o Senti essa proximidade e senti ou s pessoas estavam José Gil também sentiu; que essa da mudou. tem cura” mais vivas do que as de agora.na “Fantasia Lusitana”, o fi lme que abriu ontem o IndieLisboa e chega quinta-feira às salas, é João Canijo a transformar a realidade paralela que foi Portugal nos anos 40 (o mundo em guerra e Portugal a salvo nas mãos messiânicas de Salazar) num prolongamento do exaustivo inquérito sobre o país contemporâneo que vem fazendo. Começa por parecer uma anedota, mas depois a coisa torna-se densa, até traumatizante: a interminável noite escura. Vasco Câmara

E subitamente, do meio da sua inves- refugiados famosos por Lisboa duran- tigação do Portugal contemporâneo te a Segunda Guerra. Foi com esse Fantasia Lusitana – as ficções “Ganhar a Vida” (2001), tema, e com os nomes dos refugiados de Joáo Canijo “Noite Escura” (2004), “Mal Nascida” famosos, que aliás se tinham conse- S Jorge 3, 28, 16h15 (2007) e, a próxima, em produção, guido já apoios apalavrados. Competição “Sangue do meu Sangue” –, irrompe Pensei, e disse que sim, desde que a ou [n um documentário. Sobre o Portugal não fosse bem isso. Desde que fosse pass am isso podi é que não que que a propaganda do Estado Novo mais a possível marca, ou ausência de mo quê: orma bo co por , de f bre a ficcionou nos anos 40. marca, que esses refugiados deixaram erce plico ado r, so Capa x ir o não p as e ha v mai sa de “Foi uma encomenda”, diz João em Lisboa. Lembrava-me das histórias ... ]... M u tin inte, gue sura a na segu ortu cen que gem ria p Canijo. que os meus pais e os meus avós me Há uma parte desse projecto nder orta enha al” esco rep a eng rtug Mas quando se vê “Fantasia Lusita- contavam, das mulheres de perna tra- dos refugiados que ainda passa uma ial d u “Po ouve gen a na na” logo se percebe que Canijo fez sua çada a fumar na [pastelaria] Suíça [Ros- pelo filme, com os testemunhos h dade uar paci flut uma proposta exterior: um olhar so- sio, Lisboa] e coisas assim. Interessava- de Alfred Döblin, Erika Mann e ca ovo a r de n bre uma “noite escura” portuguesa. me relacionar o salazarismo, o Portu- Saint-Exupéry... pô Imagens de arquivo como um espe- gal profundo, com os estrangeiros. ... sim, isso foi resultado de pesquisa lho: cai a redoma protectora do pas- Evidentemente que não havia mate- de alguém que se formou em História sado, as imagens estão próximas, o rial que documentasse essa relação. em França e que estava a trabalhar suficiente para interpelarem o pre- De qualquer forma, o filme passou para o João Trabulo, o Hugo dos sente. Começa por ser anedótico, mas a ser meu, e ninguém me impôs o que Santos. Durante meses pesquisou a meio da viagem somos capazes de quer que fosse. E logo na primeira tudo sobre a época e o tema. Fa- nos vergar perante o peso. Canijo, sinopse já “Fantasia Lusitana” nada zia a pesquisa, mostrava o que ti- esse, diverte-se. Sem a ficção e sem tinha a ver com a passagem de refu- nha encontrado, em imagens ou tex- pacto com personagens, atira-nos: giados. Já tinha mais a ver com uma tos. Passou semanas, por exemplo, “tomem lá”. Podemos falar em cinis- ideia minha, algo que eu intuía que no Arquivo Nacional das Imagens mães nem os O que é verdade é que nem os ale mo, mas quase sempre o cinismo é era verdade: os dois níveis de realida- em Movimento (ANIM), fazia re- e entrássemos ingleses estavam interessados qu cinematograficamente produtivo. de em Portugal, o mundo em guerra sumos do que lá estava, e a par- coisa guerra. Dava mais jeito ter esta O filme abriu ontem o IndieLisboa, e a fantasia do país neutral, o mito tir daí fazíamos a pre-selecção, na de o Atlântico como porto franco on onde é ainda exibido em competição criado por Salazar. que tinha um custo, para en- minúscula n podia espiar, essa plataforma no dia 28 (S. Jorge 3, 16h15) e a 29 é Descobri há anos uma identificação comendar. toda a gente ra várias coisas... lançado em sala em Lisboa e Porto. entre aquilo que penso e as coisas que Sobre a dupla realidade giratória pa Depois circulará... o [filósofo] José Gil escreve sobre Por- de “Fantasia Lusitana”... Este documentário é uma tugal. Por isso nada melhor do que o espectador começa por encomenda. Como surge? falar com o senhor. Fizemos um ali- ser embalado por uma certa Foi uma encomenda do produtor João nhamento de imagens, quase duas ligeireza, o lado anedótico desse Trabulo. Telefonou-me um dia a dizer horas, daquilo que se conseguiu en- Portugal. Depois a coisa torna-se que tinha um projecto em andamen- contrar [nos arquivos], e fomos mos- densa... to e que gostava que fosse eu a realizá- trar-lhe. Ele ficou entusiasmado e ... era essa a ideia: isto é tudo muito lo. A ideia, romântica, era fazer um disse algo que resumia tudo o que eu bonito, mas há a realidade. Que não documentário, suponho eu que mais pensava, os dois níveis de realidade. era nada bonita... convencional, sobre a passagem de O filme é sobre isso. Nos testemunhos, os

6 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon

a de aneir la m ada que sse n r, e a cebe laza per e o Sa ão se efer ica d ue n e se r los... etór ra q ue el o di- o a r to pa s a q avac and pósi ito r. C Tir pro , os m s. O d r de izia smo fala ue d s me uilo q er o daq m a s inua cont

as, grafi foto to, só men iz a da ovi al fel fim em m rtug is [do gens Po epo poio ima a com na d de a ão há uerr ema ção N da g ma s ifesta r... final as u man faze do rar. M m a os a emo lá co íssim com oma apid ra], t am r guer . For lazar ao Sa

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 7 A angústia do pesquisador perante os arquivos portugueses

Quem, durante dois anos, Entre a estrangeiros que passaram pesquisou e escolheu material idiossincrasia por cá dizem que lá fora há para “Fantasia Lusitana” (dos portuguesa e as bombas, é verdade, mas cerca de 30 arquivos nacionais a universali- prefeririam estar lá e não aqui, e estrangeiros consultados foi dade: “Ganhar no Portugal de uma alegria utilizado material de perto de a Vida”, “Noite triste e falsa. É nessa altura uma dezena), diz que, depois Escura” e “Mal que começamos a suspeitar, dessa intimidade com as Nascida”, também, que quer dizer-nos imagens de propaganda dos mergulhos no algo sobre hoje. É isso que faz a anos 40, vinha à tona, saía para Portugal ligação com a sua obra de ficção a rua e... “sente-se que nada contempo- por exemplo... mudou. Veja-se a forma como râneo Lógico. Tirando a retórica do Salazar, a televisão trata as coisas...”. E e aquela maneira de falar de propó- Hugo dos Santos, formação em sito para que não se percebesse nada História, radicado em França, daquilo que dizia, os mitos a que ele concorda que essa conclusão se refere continuam a ser os mesmos. não é apenas constatação. É o O dr. Cavaco di-los... âmago de “Fantasia Lusitana”. Por exemplo... “Um documentário histórico, Há aquele discurso sobre o verdadei- ou com uma base histórica ro espírito português, a humildade, marcada, que não faça a disciplina... O dr. Cavaco continua referência ao presente é coisa a dizer a mesma coisa. O professor do inútil. Sempre tivemos a noção liceu do meu filho tinha 30 anos mas de estar a trabalhar também ainda lhe dizia que Salazar foi muito sobre hoje.” bom porque impediu que Portugal Especifi cidade, e difi culdades, entrasse na guerra. Isso foi uma das da pesquisa: não se tratou razões determinantes para eu aceitar de escolher material “para fazer este filme, aliás. Claro que o ilustrar”. “E como não havia meu filho, que tinha 14 anos, já sabia ‘voz off ’ [para contextualizar], que não tinha sido assim, mas o pro- foi preciso uma pesquisa mais fessor de 30 acreditava que sim. E que extensa. Diria que as imagens havia mais segurança [naquela altu- se tornam personagens, e são ra]. O Paulo Portas continua a dizer personagens controladas pelo que há pouca segurança... poder: a voz de António Lopes Quando estava a escrever a nota de Ribeiro, e Salazar a falar ‘por intenções do “Mal Nascida”, saiu baixo’... Tivemos, por isso, “Portugal, medo de existir” do José que procurar imagens não Gil. O que eu estava a tentar escrever controladas” – e aí destaca-se nessa nota era aquilo, dito por alguém aquele material incrível “de um que passou mais anos a pensar sobre operador de câmara holandês as coisas e que as sabe exprimir me- que passou por Lisboa naquela lhor do que eu. E antes de ler o livro época, e que fez uns planos” do já tinha como epígrafe da nota uma Chiado – um Chiado cheio como frase de um taxista de Lisboa que me “Tirando a retórica a quem o [Nicolas] Sarkozy chama “a João Canijo a 5ª Avenida, os tais planos a levou a um restaurante. Disse-me que ralé”. Esse miúdo perguntou-me so- está a que João Canijo se refere na o restaurante era muito bom, que, do Salazar, e aquela bre o que é que tratava o filme, eu trabalhar entrevista. pois claro, não há cozinha como a disse-lhe que era vagamente inspira- numa próxima E depois os arquivos... “Não foi portuguesa, e depois, claro, que o maneira de falar do na “Antígona”. Ele respondeu: longa de simples, são uma coisa fechada. cozido à portuguesa não há em mais “Ah, Racine”. Não haveria nenhum ficção, Deviam ser abertos, é a nossa nenhuma parte do mundo. Eu não de propósito para que puto português do mesmo meio que “Sangue do memória colectiva que está lhe disse nada, mas podia dizer que fosse capaz de dizer isso. Ele era ára- Meu Sangue”: em causa. É esse espírito, esse o prato nacional madrileno é o cozi- não se percebesse be, tinha feito o liceu em França. A ou como o ‘medo de existir’ de que fala o do, há em todo o mundo, depende é nada daquilo que ignorância e a iliteracia enraizadas amor José Gil... As pessoas acham dos enchidos que lá se metem. Mas o [em Portugal] talvez só tenham equi- sobrevive na que os arquivos são território mais genial foi quando disse: “Veja lá dizia, os mitos a que valente no interior dos Estados Uni- “fealdade” do pessoal. Só o ANIM é que que eles lá fora nem sequer sabem o dos da América. subúrbio mostrou um profi ssionalismo que é um caldo Knorr”. Como diz o ele se refere É esse seu olhar que é português de nível internacional. Mesmo José Gil, pior do que a ausência de traumatizante em “Fantasia em relação ao PREC: cada forma é a arrogância de se julgar for- continuam a ser os Lusitana”. Os filmes que partido foi buscar as imagens ma. utilizam imagens de arquivo que tinham a ver com a sua É isto: uma falta de educação secu- mesmos. O dr. Cavaco colocam o espectador numa própria intervenção e história, lar. Um problema que não está reme- di-los...” posição segura: o passado e essas imagens estão na posse diado, antes pelo contrário, está agra- protege-nos. Nas imagens de de particulares, quando são vado. A massificação do ensino foi “Fantasia Lusitana”, pelo demasiado importantes para mal feita, a falta de educação é maior contrário, as pessoas parecem isso. E sobre algum material do que no meu tempo do liceu. Isto estar muito próximas de nós, ou que está nos arquivos não se não é saudosismo. É que já nem as nós muito próximo delas. tem sequer consciência da sua referências mitificadas os miúdos da Senti isso. importância”. V. C. idade do meu filho têm. E a ignorân- Aqueles “travellings” no Chiado, cia dos professores é muito maior do por exemplo... que a do meu tempo. Tínhamos uma Essas imagens não são portugue- vantagem: havia muitos professores sas... que eram da oposição e que por mi- Se calhar por isso... litância ensinavam o que não vinha Essas imagens são de um estrangeiro nos livros. Isso já não acontece. que passou por Lisboa e filmou às es- Nunca me vou esquecer que quan- condidas [ver caixa]. São “travellings” do estava num daqueles bairros so- dele dentro do eléctrico... ciais na rodagem de “Ganhar a Vida”, Senti essa proximidade e senti ou- em França, me apareceu um daqueles tra coisa, que o José Gil também sen- meninos que uns anos depois anda- tiu; que essas pessoas estavam mais riam a queimar carros – um daqueles vivas do que as de agora. Provavel-

8 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon MIGUEL MANSOMIGUEL

mente porque aquela multidão que Salazar era muito esperto. Aqueles nada a ver connosco, para quê preo- mo porto franco onde toda a gente palmente da paz e da calma. Coisas que se vê na Rua da Madalena... aquilo discursos são extraordinariamente cuparmo-nos com a guerra? podia espiar, essa plataforma giratória ainda há pouco tempo repetiram quan- não são bem portugueses. A menina bem escritos – para não se perceber Não há imagens em movimento, só para várias coisas... do quiseram montar uma cidade do que sai do passeio e que vem até a o que ele está a dizer... tem plena fotografias, do final da guerra com Que transformou o país numa cinema ali no Algarve. Tirando o fol- meio da rua, vê-se que não é portu- consciência de que está a falar para Portugal feliz a comemorar. Lembro- espécie de bordel... clore, as palavras foram as mesmas... guesa. ignorantes que gostam de ouvir o se- me de o meu pai me contar a felicida- Exactamente Disse que já não se importava Como é que se sente em nhor falar bem. No fundo, são lugares- de que foi. Mas uma semana depois Quando se faz uma ficção há um com o país... Vamos acreditar Portugal? comuns que parecem ideias metafí- [do fim da guerra], toma lá com a ma- pacto com as personagens: não que este filme acontece agora Estou a ficar velho, se fosse mais novo sicas. nifestação de apoio ao Salazar. Foram são boas, mas não são totalmente não por acaso. continuava a pensar em emigrar. Dei- A propósito... aquele excerto rapidíssimos a fazer... más. Aqui não há personagens, Se fosse há dez anos, seria mais viru- xei de ter televisão há dois anos, só com a voz do locutor Fernando E a voz “off” dessas imagens: pode dar livre curso a amores e lento, e teria menos humor. Agora, vejo filmes à noite e há dez anos que Pessa a dizer que lá fora os o mundo tem o dia D, Portugal ódios. Sente-se essa coisa de ir apesar de tudo, é mais distanciado. só leio o “El Pais”. Não saio, sou ere- ruídos das sirenes e das bombas tem o Dia S... cercando o espectador, de lhe Mas fala muito nele com o mita. O que se passa connosco? Acho são como as cerejas, umas É a voz desse grande talento natural chapar com as coisas à frente. silêncio. Mais até do que nas suas que está a resvalar a falta de capaci- coisas puxam pelas outras... para a comicidade que era António Há aquele momento em que a ficções... dade e de classe dos políticos portu- Há um mito Pessa, uma figura Lopes Ribeiro. Ele era avarento; para nau “Portugal” da Exposição do Já perdi a raiva contra o país. Agora gueses. Apesar de tudo, há uma gran- dos tempos heróicos, a relatar a não pagar a um locutor, fazia ele as Mundo Português naufraga... as coisas são como são. de diferença entre o Sócrates e o Gu- guerra de Londres... locuções. ... não percebo como é que isso pas- Em que momento sentiu raiva? terres. Acho que isto não tem cura. ... o meu pai contava-me que Portugal O que pensa de António Lopes sou... Mas explico porquê: não po- Na altura do “Ganhar a Vida” sentia Mas interessa-me muito pouco... ligava a BBC para ouvir o Fernando Ribeiro? diam esconder que a nau tinha virado, bastante. Depois lá perdi um bocadi- Deve interessar alguma coisa, Pessa fazer a crónica diária da guer- Acho que o filme mostra. As comédias de forma que houve uma reportagem nho, quando percebi que os emigran- de outra forma não teria feito o ra. dos chamados anos de ouro do cine- seguinte, maior, sobre a capacidade tes não eram aquilo que eu pensava. filme...... mas aquela ligeireza é ma português são contemporâneas genial da engenharia portuguesa de Eu achava que eles se tinham mantido Eu tenho a teoria de que o Salazar é chocante... dos filmes de Sacha Guitry... a com- pôr de novo a flutuar a nau “Portu- tipicamente portugueses, essa igno- um produto da Igreja portuguesa. Há ... é uma idiotice total... paração diz tudo. gal”. Não foi possível meter essas ima- rância arrogante de se acharem me- uma história que me contou um padre Contrasta com a solenidade O mito da “idade de ouro” do gens no filme. Acredito que ao ver lhores do que os outros e ao mesmo jesuíta que me ajudou na investigação com que se falava do mundo cinema português permanece... essas imagens do naufrágio, “e deu-se tempo inferiores. Percebi que tinham do “Ganhar a Vida”, em França. Quan- português: as imagens finais, por Os filmes eram muito maus, muito o acidente”, fique toda a gente de bo- mudado. O que não os impede de, do o indigitaram para trabalhar com exemplo, no Cristo Rei. mal representados, muito mal feitos. ca aberta. depois de 30 anos em França, onde os imigrantes portugueses em França, Essa coisa do Fernando Pessa é como Nem eram grandes sucessos de bilhe- Ainda a propósito do cinema se transformam em pessoas diferen- ele veio a Portugal para aprender a uma capa do “Século Ilustrado”: uma teira, como se diz. Permanece esse português: aparece alguém, tes, voltarem a Portugal e passados falar português – com um sotaque à menina agarrada à bóia que parece mito, tal como permanece o mito de um estrangeiro, a dizer que o uns anos serem iguais ao que eram Porto, porque foi ali que aprendeu. A uma bomba mas é um golfinho, desce- que Salazar nos salvou da guerra. O cinema em Portugal tem todas antes de irem para França. coisa que mais o chocou foi verificar se pelas perninhas da menina abaixo que não é verdade. O que é verdade as condições para ser fantástico, Mas deixei de sentir revolta. Deixei que em Portugal não havia um curso e cá em baixo diz: “Bombardeamen- é que nem os alemães nem os ingleses porque aqui há bom tempo... de sentir que era injustiçado, que o de Teologia. O clero português não to de Londres. Toda a reportagem no estavam interessados que entrásse- Por causa do clima, das paisagens vir- país era uma treta. O país é o que é. precisava, sabia tudo. Claro que isso interior”. Essa imagem é genial. A mos na guerra. Dava mais jeito ter gens, dos monumentos extraordiná- Agora [para o novo filme, “Sangue do continua a interessar-me. guerra era outro mundo. Não tinha esta coisa minúscula no Atlântico co- rios, do folclore riquíssimo, e princi- meu Sangue”] estou a descobrir

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 9 comentário Que fazer c O país pode ter mudado, mas a estrutura da sua elite – de políticos, artistas, intelectuais – defi ne a podem ser resumidos

Dos cerca de 30 arquivos á um momento se Alfred Döblin. “Que saudades nacionais e estrangeiros particularmente que tínhamos do normal” –, consultados foi utilizado em decisivo em “Fantasia enquanto a celebração de Portugal “Fantasia Lusitana” material HLusitana”. Trata-se de de Belém é mostrada como se se de perto de uma dezena um excerto do tratasse do quotidiano habitual dos documentário sobre a Exposição do portugueses. Ou seja, o drama real Mundo Português de 1940 em que a dos primeiros é uma interrupção uma parte do país que toda a gente voz do realizador, António Lopes do que eles entendem ser a sabe que existe mas ninguém conhece: Ribeiro – o mais nacionalista dos realidade das suas vidas, enquanto a periferia de Lisboa, uma coisa assus- cineastas portugueses –, nos conduz a encenação da vida portuguesa tadora. É a miséria humana total. As através do cenário monumental até procura fazer-se passar pela própria urbanizações construídas na perife- ao “centro regional”, cujas aldeias, vida portuguesa. ria... ninguém acredita. Quando um segundo nos informa, eram o Compreende-se que, para alguém amigo meu viu as imagens que fiz, dis- “verdadeiro brinquedo da na situação de Saint-Exupéry, a se que lhe fazia recordar o Cairo no seu exposição”. exposição não fosse mais que uma pior. Os bairros de lata são melhores Aí, enquanto as imagens nos “ilusão de felicidade”, a fantasia de do que as urbanizações clandestinas. mostram as danças, os trabalhos quem “se recusava a acreditar nos E as ubanizações clandestinas não são e a arquitectura tradicional das sinais”. Simplesmente, o cenário de só urbanizações de pequenas viven- várias regiões do país, o narrador Belém não fora construído para ele. das: são ruas de prédios inteiros em assegura-nos que estamos perante O que ali estava era a materialização escadinhas, onde vivem milhões de “o que há de mais bonito, alegre e de uma narrativa nacionalista que, pessoas. É mais deprimente do que a pitoresco por esse Portugal além”, e mais do que isolar os portugueses do cintura de favelas à volta da Cidade do que não só as “ruas e casas” tinham mundo em 1940, atribuía um lugar México, porque aí ao menos há um sido “tiradas pelo natural” como a a Portugal no contexto histórico espaço individual para as pessoas. Aqui própria gente vinda expressamente da guerra. A construção dessa não. É impressionante, a fealdade. A da província “vivia na exposição de narrativa vinha já muito de trás, corrupção autárquica em grande. Co- Belém a sua vida habitual”. desde pelo menos os fi nais do século mo é que se consegue viver ali? Para outros, porém, a vida na XIX, mas tivera num outro confl ito, Como é que, estando Lisboa de 1940 era uma experiência na Primeira Guerra Mundial, um mergulhado nessa fealdade, completamente diferente: “A momento-chave na sua defi nição. como diz, não se exponencia, ao maioria nem percebia como aqui Em síntese, o nacionalismo contrário do que diz, a sua crise viera parar e por que motivo teve português atribuía a Portugal um em relação ao país? de fugir. (...) foram surpreendidos lugar providencial na história da Porque quanto mais vou vendo, mais nos seus países de origem pelo humanidade. “Quando Portugal vou tratando isso como uma coisa inimigo como se é atingido por nasceu, fundou-se a nação que igual às outras. O meu próximo filme um terramoto ou um dilúvio. De maior importância teve no mundo”, é uma história sobre o amor incondi- repente, tudo estava destruído e lia numa lápide a voz solene cional, como “Mal Nascida” era uma perdido. De repente, viam-se sem de Lopes Ribeiro. Não era uma história sobre a falta de amor. E como casa, perseguidos e rejeitados. E, de hipérbole. Portugal fundara a é que o amor pode sobreviver nas zo- repente, estavam aqui, à espera. É modernidade com a expansão nas onde vive neste momento 80 por estranhíssimo.” As palavras são de ultramarina, mas ao passo cento da população mundial, este ti- Erika Mann, que foge da guerra, por que esse tinha sido, segundo a po de subúrbios. Lisboa, em Outubro desse ano. São narrativa do seu nacionalismo, um Este subúrbio português é pior do ditas enquanto vemos fotografi as de projecto exclusivamente espiritual que o de Paris porque é clandestino refugiados em documentos com que de cumprimento universal do e foi feito à custa da corrupção cama- procuravam obter das autoridades catolicismo, as outras potências rária, sem planificação. Não há vida portuguesas o visto salvador. tinham-no corrompido com as suas comunitária, ao contrário das Fontai- As duas cenas não podiam ambições de ordem material. nhas dos filmes do Pedro Costa. Não ser mais distintas. De um lado, a A Primeira Grande Guerra, a há comparação, em termos de quali- familiaridade das permanências revolução russa e a crise capitalista dade de vida e construção, entre o do mundo rural português. Do de 1929 foram assim vividas como bairro social em França e o subúrbio outro, a súbita destruição dos laços o resultado tardio, mas inevitável, de compra e aluguer em Lisboa. Mas de pertença, a estranheza de uma dessa corrupção inicial da expansão interessa-me, como disse, mais a uni- outra terra, a urgência de partir. capitalista europeia. Fenómenos versalidade do que a idiossincrasia. O contraste diz-nos pouco sobre como a exploração colonial, a Este documentário, então, é a a guerra que não saibamos já. O urbanização ou a industrialização hipótese de dar um pontapé... que à primeira vista a imagem e as tinham levado os povos para formas Sim, teve essa função: tomem lá, en- palavras dos refugiados reforçam é de vida distantes da autenticidade tendam como quiserem. E de propó- o que há de fantasioso nas imagens em que a vida portuguesa, como sito não tem explicação. O meu filho soalheiras de Belém ao som da voz era visível na exposição de 1940, tem 16 anos, gostou muito, mas disse alegre de António Lopes Ribeiro. ainda esta preservada. A narrativa que era preciso voz “off”. Mas desde A breve experiência portuguesa ideológica do salazarismo é em o princípio houve essa recusa. O si- de Erika Mann, bem como as de grande medida o resultado da lêncio é mais eloquente. Antoine Saint-Exupéry e Alfred oportunidade aberta pela crise. Há uma coisa que percebi ao fazer Döblin – cujos testemunhos também Subitamente, a pobreza nacional o filme: o mito da gloriosa História de podemos ouvir no fi lme de Canijo transforma-se numa vantagem. Não Portugal está enraizado na cultura –, mostra antes de mais uma aguda ter indústria nem grandes cidades portuguesa. Estamos convencidos de noção de estar a viver um tempo e e viver ainda maioritariamente na que temos uma História gloriosa. Isso espaço irreais, uma suspensão da e da agricultura podiam deixar de percebe-se ao ver a Exposição do normalidade que não era só própria ser vistos como sinais do atraso Mundo Português: continuam a ser da guerra, mas também de um país para passarem a representar uma esses os mitos dos miúdos do liceu. E que procurava dar de si a imagem de forma de preservação de um modo não foi nada disso, não houve implan- estar a viver à margem do confl ito. de vida espiritual que devia agora tação em lado nenhum. Gosto muito E, no entanto, uma condição servir de guia à Europa corrompida. da frase do Fernando Pessoa que paradoxal percorre as duas cenas, O Portugal que quinhentos anos aprendi quando tinha 15 anos: o mal ou as duas dimensões narrativas, antes guiara o mundo pelos mares em Portugal é o excesso de civilização de “Fantasia Lusitana”. A tragédia era agora novamente o farol da dos incivilizados. No fundo, é igual a real dos refugiados é vivida como humanidade pela viagem espiritual frase do José Gil: pior do que a ausên- uma espécie de fi cção – “onde é de regresso aos valores da fé, única cia de forma é a arrogância de se tor- que estava o normal?”, perguntava- forma de salvação da crise moderna. nar forma.

10 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon r com esta fantasia? a representação manteve-se inalterável: vivemos ainda num mesmo sistema mediático em que uma a imagem dos portugueses. Ou melhor, em que os portugueses, sejam lá quem eles forem, s numa imagem só. Luís Trindade*

desloca a “vida habitual” da aldeia Têm-se tirado e situa-a no espaço mais amplo da exposição. Ou seja, mostra-a poucas enquanto espectáculo. O cenário, com as suas tascas, igrejas e fontes, consequências do pode parecer de outro tempo, mas facto de os mais o dispositivo, na forma como institui a encenação como vida, é já o da importantes nossa modernidade comunicacional. A nação não é tanto o resultado mecanismos da da capacidade de persuasão da cultura de massa do narrativa nacionalista como desta sofi sticada máquina identitária que século XX – a rádio, subsume o quotidiano banal a uma imagem construída. o cinema e a Há assim uma modernidade televisão – terem do nacionalismo que não tem que ver com a ideia de nação nascido em (invariavelmente tradicionalista), mas com a sofi sticação com que Portugal sob uma foi maciçamente inculcado no imaginário nacional. Têm-se tirado ditadura poucas consequências do facto, nacionalista. Esta histórico, de os mais importantes mecanismos da cultura de massa falha pode levar-nos do século XX – a rádio, o cinema falado e a televisão – terem nascido a pensar que, e se desenvolvido em Portugal sob perante o cenário uma ditadura nacionalista. Esta falha pode levar-nos a pensar que, retrógrado de perante o cenário retrógrado de Belém, estamos a olhar o país, Belém, estamos a quando de facto o que estamos olhar o país, quando a ver é a sua representação, ou até, mais radicalmente, a sua estamos a ver a sua encenação. O país não era aquilo e aquilo encenação que o país era – um mundo diverso, confl itual, de contrastes, distante A imagem dos portugueses relações de poder. A narrativa de que a nação não eram eles, a não da imagem harmónica do cenário É possível que nos sintamos hoje harmonia contada pela exposição ser que se identifi cassem com a – mudou muito nos últimos setenta tentados a sorrir destas lusitanas junta como órgãos de um mesmo ordem intemporal (eles que eram os anos. E, no entanto, em grande pretensões universalistas, do corpo as várias regiões do país, a agentes do que na sociedade mais parte a imagem que dele temos mesmo modo que os estrangeiros metrópole e as colónias, o presente e rapidamente estava a transformar- persiste. É que o país pode ter que puderam visitar a encenação o passado. A imagem, como imagem se) encenada em frente dos seus mudado, mas a estrutura da sua da narrativa teriam rido se não da realidade, pode parecer-nos olhos. representação manteve-se mais ou estivessem em Lisboa por um motivo fora do tempo e do mundo. Mas se Lopes Ribeiro diz-nos que aquelas menos inalterável: vivemos ainda tão trágico. No entanto, e mais uma olhada enquanto imagem política mulheres indo à igreja, ou à fonte num mesmo sistema mediático em vez, aquele cenário não foi feito para que foi, mostra-nos antes de mais para buscar água, estão a reproduzir que uma restrita elite – de políticos, nós. A narrativa do nacionalismo um mecanismo identitário cuja “a sua vida habitual”. Estão, numa artistas, intelectuais – defi ne a português fez parte de um processo função era encerrar os portugueses palavra, a representar, mas a sua imagem dos portugueses. Ou político concreto que respondeu à num cenário. Uma máquina que representação é para o público da melhor, em que os portugueses, ameaça da crise da modernidade mostrava ao proletariado e às exposição, não para a câmara. O sejam lá quem eles forem, podem com o autoritarismo salazarista. classes médias urbanas resultantes documentário cria um segundo ser resumidos numa imagem só. Nesse sentido, todas estas da modernização (que eram para nível de representação, uma imagens devem ser vistas como quem a exposição fora montada) representação da representação, que Historiador

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 11 Catarina Mourão Gabriel, no

capa o Éden de Lourdes devorador Castro, a luxuriante e irónica guerrilha de Gabriel Abrantes, Catarina no Serge paraíso Uma mulher, os seus gestos e o seu Ver de seguida “Visionary Iraq”, “Too Many Daddies Mom- Tréfaut paraíso privado. Aida e o seu palácio Pelas Sombras mies and Babies” ou “Olympia I e II” e chegarmos à última goês em “A Dama de Chandor” (1998)? de Catarina Mourão curta (mas já nem é a última...) de Gabriel Abrantes, “His- Não, Lourdes Castro, artista plástica, Culturgest GA, 26, 21h30; PA, 29, 18h30 tory of Mutual Respect”, é testemunhar pura energia tri- fi lmando e o seu jardim madeirense em “Pelas Competição Nacional turadora. Devora décadas de cinema experimental – po- Sombras” (2010). demos lá pôr Kenneth Anger e Warhol (ou um discípulo Mas é claro, concorda Catarina como Gregg Araki) ou Werner Herzog – ou o discípulo o circo a Mourão, 39 anos, há relações inesca- Harmony Korine. páveis entre estes seus dois documen- (O delírio é nosso: há também um deleite pela forma chegar a um tários sobre mulheres, casas e um melodramática, uma proximidade/distância que faz in- microcosmos. É com humor, aliás, aquele aristrocrático pragmatismo na veja a um apaixonado pela obra de Douglas Sirk, sobre- que a realizadora expõe o seu hipo- forma como geria um mundo que aca- tudo pela leitura que dela fez, reforçando os sentimentos cemitério tético “fetiche” por pessoas “que têm bou e que preservava sem excessiva como estratégias de poder, Rainer Werner Fassbinder.) muito tempo atrás de si”, pessoas generosidade para com a curiosidade Não nos devemos enganar: algo deste excesso deve ser “com mais de 70 anos” (“se calhar sou dos que o visitavam. Por isso, a reali- Gabriel Abrantes, 25 anos, nascido nos EUA, artista plás- e Pedro eu própria precocemente envelheci- zadora limitou-se a observar, “tentan- tico que começou pela pintura mas que não sossegou, da”, ri-se). do apanhar as coisas à medida que saltou para a escultura, instalação - aprendizagem multi- Caldas na “De facto houve momentos em que elas iam acontecendo.” disciplinar na Cooper Union for the Advancement of Scien- senti que estava a espelhar coisas: por Em “Pelas Sombras”, pelo contrá- ce de Nova Iorque – e cinema. exemplo, sempre que filmava rituais rio, “houve uma fusão com a casa, “Tenho 25 anos. Ainda não praia... como os de abrir janelas. Mas há di- com o acto criativo”. Coisa viva. History of Mutual está nada afinado. Estou a ir por ferenças, e têm a ver com a relação “A construção do filme foi muito Respect intuições. As razões são políti- retrato de estabelecida com as personagens”. baseada na minha relação com a Lour- de Gabriel Abrantes cas. Como outras pessoas da Estamos novamente de acordo. des Castro. ‘Pelas Sombras’ também Londres 1, 26, 15h45; Londres 2, 28, 21h15 minha geração, é uma reacção “Em ‘A Dama de Chandor’ fui bus- é um documento sobre a minha rela- Cinema Emergente aos nossos pais, ao esquerdismo portugueses car aquela mulher para explicar um ção com ela.” Uma relação construída e ao politicamente correcto, às contexto: o da Índia portuguesa. A no tempo, pelo tempo. E o tempo, ‘good intentions’. As boas inten- Aida começava logo por dizer que era fundamentalmente, constrói o filme. ções são muito superficiais e si- nas várias da Índia portuguesa. Em ‘Pelas Som- Que acaba por se transformar num nistras”, diz Gabriel. bras’ não tive a preocupação do con- “objecto” produzido por um Éden, E são-no, em “History of Mutual Respect”, filmado, secções do texto, de dar informação. Não me aquele, contaminado por ele, pela com produção de Natxo Checa, ZDB, numa utopia arti- interessava fazer um retrato de artis- luz, pela água, pelas sombras. Resul- ficial – Brasília – e na eloquência do natural: as cataratas ta. A Aida estava-se nas tintas para tado: “Pelas Sombras” também é uma de Iguaçu. É nesse cenário “herzoguiano” que se revela Indie nós. A sua obsessão era a casa” – e produção Lourdes Castro - o filme a natureza de dois rapazes de raça brança fascinados, espelhará, aliás, uma espécie de co- dizem eles, pela pureza da mestiçagem – na pele de uma autoria –, também é feito de luz e de rapariga de Iguaçu. A coisa acaba próxima da escravidão, sombras, é um objecto que pode ha- num palacete lisboeta. (Como acabava em logro em RUI GAUDÊNCIO RUI

DANIEL ROCHA DANIEL bitar também a casa. “Two MannMannyy DaddiDaddies...”,e em que um casal ho- “A Lourdes é, de facto, de uma lu-u- mossexuamossexuall ddesistiaesisti de salvar a Amazónia pa- cidez impressionante. Aquele é umm rar ter um ffilho.)ilho.) Éden construído. A obsessão pelolo “Tenho uma coisacoi que me empurra contra o presente, por desfrutar o presente, a politicamenteppoliticamente correcto.corre Aquilo que via na minha desaceleração... tudo isso influenciou-u- escola, nos EUA... nosn tempos de Clinton, todos me. Foi um filme feito por etapas,s, a ffavoravor das causascausas,, depois voltávamos para a porque a Lourdes tem o seu tempo.o. escola,escola, parapara ter boasboa notas e ir para Harvard”. É engraçado porque eu pensava queue IstoIsto ppodiaodia ser apenasap isto, não fosse a claus- podia ser uma manta de retalhos, masas trofóbicatrt ofóbica lanlanguidezg que Abrantes impri- aquele tempo foi entrando em mimm me,mem , as vozesvo dobradas e sussurradas de forma inconsciente.” (“supersensual,(“super parece conversa “Quando a conheci, não conseguiaia dede cacama”),m o artificialismo feroz. decifrar o que ela era”, continua Ca-a- AbrantesAbran assume o seu fascínio tarina Mourão. “Ela é muito zen, e eueu pelopelo cinemac e pela máquina de não sou nada assim. Em certos mo-o- propagandaprop – Hollywood – e os mentos achei que aquilo podia serer seusseus filmes são gestos luxurian- treta. Mas descobri que há um ladodo tes masm irónicos “para contra- de solidão. E que ela não pode estarar dizerdize o poder estabelecido”. E sempre a construir uma personagem.m. implicar-nosimp a todos na falsi- Faz sentido viver assim”. dade.dad O filme estreou no Museu de Ser-r- AbrantesA anuncia, no entan- ralves, Porto, com a exposição “A Luzuz to, qque quer ultrapassar a ironia. e a Sombra”, antologia do trabalhoho UmaUma nova curta, “Liberdade”, de Lourdes Castro e Manuel Zimbro.o. filmadafilmad em Luanda, sobre as rela- Catarina Mourão testemunhou “reac-c- çõesções entreent a China (rapariga) e An- ções incríveis, muito emotivas, ddoo golagola (rapa(rapaz), mostra-o. O que é entu- mundo das artes plásticas”. Vascoo siasmante é que não desaparece nada Câmara dodo que até aaqui intrigava. V.C.

12 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon Pedro na praia

Serge e o espírito do cemitério Comecemos por negar as pistas da Depois de “vários filmes íntimos, muito pessoais” – autobiografia: Pedro Caldas viveu os Guerra Civil “Fleurette”, um “verdadeiro filme de família”, ou mes- anos 80, mas era mais Oranje Juice de Pedro Caldas mo “Lisboetas” –, Serge Tréfaut quis filmar lá longe, do que Joy Division, ao contrário do Culturgest GA, 26 às 21h30; 30, 4 de Maio, “retratar o distante”. Mesmo acreditando que “quando herói do seu filme, o adolescente Rui. às 21h45 Competição estamos a filmar no Paquistão ou a fazer um filme sobre Só conheceu Monte Clérigo, perto de a padeira de Aljubarrota, estamos a fazer um filme sobre Aljezur, muitos anos depois. Nunca nós”. passou as férias a estudar, como Rui. No caso concreto, “longe”, em “ dos Mortos”, E se o pai, como no filme, chegava de é um cemitério no Cairo. Uma cidade dentro da cidade. Lisboa às férias da mãe e dos filhos – Entre túmulos ou dentro dos túmulos monta-se a casa era aquele que trazia o mundo a um terem o desenlace que têm. Para além – que várias vezes é preciso desmontar por causa de um universo que se exilara pacificamen- disso: “não gostaria nada de filmar funeral, mas a seguir volta-se a pôr a mesa ou a fazer a te do exterior –, isso é sinónimo de telemóveis, não tenho interesse ne- cama sobre o local onde jaz, novinho em folha, o mor- férias na praia: o pai chega sempre nhum em filmar leitores de CD, gosto to. É uma cidade paralela: o resto do Cairo circula à depois, ou aparece intermitentemen- de filmar vinis”. volta não querendo reparar, “é como um tabu, é pior te, não é verdade? “Guerra Civil” não é um filme de do que viver numa favela no Brasil”. “Guerra Civil” faz-se, então, “de época, embora nele ecoe uma certa “Aquele, no filme, é o ‘meu’ cemitério do Cairo, é a experiências comuns a todos” (mas época do cinema português – filmes expressão daquilo que sinto”. Eis o tão longe, tão perto só os que viveram os anos 80 perce- de Joaquim Pinto, como “Uma Pedra de Tréfaut. “Onde me encontro é nesta simultaneidade: bem mesmo o que significava estar no Bolso”, ou Vítor Gonçalves, como a consciência da materialidade das coisas, a podridão do lado da angústia cinzenta dos Joy “Uma Rapariga no Verão”, por exem- da carne, o estarmos próximos dos vermes, e uma enor- Division ou a dançar com as várias plo, que passaram pela vida de es- me capacidade espiritual daquelas pessoas, uma enor- cores dos Orange Juice...), da experi- pectador de Caldas –, embora o rea- me fé e energia na vida. Uma noção da finitude das ência de observação do realizador, lizador negue um programa de ho- coisas sem resignação nem niilismo”. de alguns elementos, sim, “autobio- menagem. É um filme em que a Não há sombra de niilismo em “A Cidade dos Mortos”, gráficos”, mas espalhados por várias época, apenas sinalizada, sem qual- isso é verdade. Há até uma energia pícara, que trans- personagens. quer esforço de reconstituição, tece portam as figuras (não chegam a ser personagens...) Então porquê este Verão dos anos o véu emocional à volta de três per- com que a câmara se cruza. E algo próximo de um cer- 80 em “Guerra Civil”? Não pela “re- sonagens: filho, mãe, pai. Persona- to neo-realismo fantasista: constituição de época”. É que só nes- gens “sem possibilidade de campo/ aquela sequência em que o sa época, uma época sem a tecnolo- contra-campo”, razão pela qual Cal- circo chega ao cemitério não A Cidade dos Mortos gia de hoje, explica o realizador, 51 das começa a filmar do ponto de vis- podia vir de “La Strada”, de de Serge Tréfaut anos, as relações entre as persona- ta de uma delas, o filho, passa à se- Fellini? Culturgest GA, 24, 21h30 gens poderiam ser filmadas assim ou guinte, a mãe, e sobe até à mais de- Pícara, no mínimo, terá si- Sessões Especiais sajeitada das solidões, o pai. Como do a aventura para montar o cada um está ausente da vida dos ou- filme. É forçoso resumir: o tros, têm forçosamente de estar iso- argumento, “o conceito”, da- JOÃO GASPAR JOÃO lados no filme, diz. Cada um na sua ta de 2003, primeiras ima- bolha. gens em 2004, para chegar a “‘Guerra Civil’ é um filme sobre so- um “trailer” que interessasse produtores, mas a coisa lidões que não se tocam, mãe, pai e ficou suspensa entre 2005-2006 porque não havia nem filho. Não podia colocar as persona- produtores nem autorização para filmar. Tréfaut insis- gens no mesmo plano. Vêem o mundo tiu em 2007, com um “cast” local para seleccionar pro- de maneira tão diferente que não po- dutores executivos, mas a falta de autorizações faria dia estar a alternar” entre o campo incorrer em ilegalidade qualquer egípcio interessado. de um e o contra-campoo dede outro. “Eu podia filmar ilegalmente,ilegalm eles não, por mais que Não há nenhum exercíciocício de virtu- quisessem”.quisessem”.

osismo narrativo nesta rrecusa,ecusa, note- CUNHA PEDRO E em AgostoAgosto de 2007 Serge partiu, mesmo assim, se. Nem nas consequênciasncias fformaisormais parapara o cemitério. As primeirasprim imagens captadas docu- dessa construção – por exempexemplo,lo, no mentammentam a entradaentrada ddaa ccaravanaara de circo e dos fantoches. facto de o espectador passarassar pporor um Hoje, perante “A CiCidadedade dos Mortos”, percebe-se que mesmo episódio atravéss da perspec-perspec- esseesse encontro foi crucial.cru Como crucial é um dos tiva de uma personagemm e, a seseguir,guir, “artifícios”“artifícios” encontradosencont para contornar um pro- experimentar esse episódioódio através blema que se ia evidenciando:ev as idas e vindas, da perspectiva de outra.a. “Guerra espaçadasespaçadas no ttempo,e não permitiam dar di- Civil” trabalha, precisamente,mente, a mensãomensão de perpersonagenss às figuras; o próprio depuração e a ausência:: de efei- cemitériocemitério pareciaparec resistir a mostrar a sua sin- tos, visuais ou literários ((aa versão gularidade,gularidade, mostrava-semos como “cidade” igual filmada do argumento, contaonta CalCal-- às outras. O arartifíciot de que falamos é a voz das, foi a 13ª, e até aí foi sempre “off”,“off que costuma ser bengala a cortar nos diálogos). hhabitual nos documentários. É por isso que há um ho- AquiA é preciosa: enche o filme rizonte, para o especta-- ded ressonâncias e de espírito(s). dor de “Guerra Civil”, NuncaN identificada, é o espíri- com algo de inebriante: to deste lugar. V.C. o silêncio. V.C.

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 13 “Videocracy”, documentário do ita- conhecimentos de karaté e os seus Itália o primeiro-ministro é chamado cos do berlusconismo refugiam-se liano Erik Gandini, mostra como tudo dotes para a dança, num improvável presidente do conselho], é assusta- numa fortaleza formada por livros, começou. Uma pequena televisão lo- cruzamento entre Jean-Claude Van dor. Sobretudo porque nos tornámos jornais, etc. e subestimaram o poder cal, ainda no tempo do preto-e-bran- Damme e Ricky Martin. iguais a ele. Absorvemos o seu sub- da imagem. Pensam “somos superio- co, um concurso filmado num bar Todos aceitam ser filmados, porque consciente, e isso parece mais uma res porque somos intelectuais, ele com mesas redondas cobertas por o importante é aparecer. Gandini fil- coisa de ficção científica do que a pode continuar com as suas televi- toalhas floridas, em que os telespec- ma-os e dá-lhes a provar do seu pró- ideia tradicional de ideologia veicu- sões, nós temos os nossos jornais”. tadores telefonavam para responder prio veneno. O berlusconismo não se lada pela televisão. Mas muitas vezes, porque as pessoas a perguntas. Por cada resposta certa, combate com textos. Combate-se com Em Itália a televisão é vista como não lêem jornais, eles sentem-se mar- a dona-de-casa sentada no bar, com imagens. uma coisa que faz milagres. Pode dar ginalizados. E não é por serem abor- uma máscara a cobrir-lhe a cara, tira- “Videocracy” é a Itália a afogar-se às pessoas carreiras, dinheiro, imuni- recidos. É que estão a lutar contra um va uma peça de roupa. “O que não no “culto da banalidade”. Ou, como dade. É irónico, porque nos outros instrumento que é muito mais pode- sabíamos na altura”, diz a voz suave disse um dia Gandini mais prosaica- países a televisão está a decair, mas roso que os jornais. E isso é triste. de Gandini sobre as imagens, “é que mente, é a prova de “como se pode em Itália tem esta capacidade de agar- Como é que pessoas como Lele este era o princípio da televisão do destruir uma democracia com mamas rar as pessoas. Mora vêem um filme como este, presidente, o início da revolução cul- e rabos”. Cresceu com isso, mas consegue que é muito subtil, nunca critica tural”. A televisão é um veículo ser crítico do que vê. Como abertamente nada? Tudo é óbvio Gandini, que hoje vive na Suécia, poderoso para uma ideologia. explica que tantos italianos para quem partilha o seu ponto cresceu na Itália de Sílvio Berlusconi, Mas em Itália parece não ser não consigam ter essa distância de vista, mas talvez não seja tão rodeado pelos programas televisivos exactamente isso. O que está crítica? óbvio para os outros. que são, diz ao Ípsilon, uma projecção em causa não será menos uma Conseguem. A maior parte dos meus Quem espera uma crítica directa em do próprio subconsciente do primei- ideologia e mais um estilo de amigos nem sequer tem um aparelho relação à televisão espera mensagens ro-ministro, que é também o homem vida veiculado pela televisão? de televisão em casa. Acho que muita acompanhadas por discursos, uma mais rico do país, e o dono de todas É um estilo de vida e uma ideologia. gente tem uma percepção semelhan- forte narração em voz “off” que diga as estações de televisão (as privadas Mas está para lá da ideia tradicional te à minha, mas a cultura da televisão exactamente o que está errado e o Mora estão habituadas. As críticas porque lhe pertencem e as do Estado de ideologia. Em Itália a televisão tem é tão dominante, e, por outro lado, que é inaceitável. Há uma retórica que vindas de dentro de Itália dizem ge- porque estão sob o seu controlo). estado ligada ao poder de uma forma as pessoas que a criticam não são es- é muito comum – números, estatísti- ralmente que tudo está errado e é Para mostrar essa sociedade em tão única, e isso dura há tanto tem- pecialistas. Não usam a televisão para cas, etc. Eu não quis fazer isso, por- imoral. Nós tentámos trabalhar mui- que um “pequeno Berlusconi” foi co- po... O que mais me intriga é a ideia se exprimir. Escrevem artigos em jor- que há quem faça isso muito melhor to mais a um nível emocional, mais locado dentro das pessoas e alimen- de que um homem pode projectar a nais. do que eu. O filme é o que é, tenta dar próximo dos instrumentos que a te- tado ao longo dos últimos 30 anos, sua própria personalidade num país Disse numa entrevista que a uma perspectiva de Alice no País das levisão usa. Gandini dá-nos exemplos dos produ- durante 30 anos. esquerda em Itália não consegue Maravilhas. A televisão em Itália e o berluconis- tos acabados do berlusconismo: o Vejo ligações entre o que se vê na confrontar Berlusconi neste Imagino que Lele Mora o ache abor- mo têm tudo a ver com a necessidade poderoso Lele Mora, rodeado por jo- televisão e o estilo de vida de Berlus- campo porque se expressa de recido, não é um produto de entrete- de nos divertirmos. Divertirmo-nos é vens aspirantes a estrelas ansiosos por coni, o seu interesse pelas mulheres, uma forma aborrecida. Tem que nimento. Por outro lado, ele ficou uma espécie de mantra. Nós não di- que ele os distinga com o toque de as suas ideias sobre o que é divertido, se ser divertido para combater zangado e ameaçou processar-me. zemos que é mau ou imoral, dizemos Midas; Fabrizio Corona, o paparazzo o que é bom, o que é mau. Quando Berlusconi? Provavelmente não gostou de ser ex- que é assustador, ou que é aborreci- que vive da chantagem; Ricky, operá- percebemos que o que andamos a ver Eu leio muito, leio jornais, sou uma posto, nem da comparação entre do, que é vazio. O filme não é um ve- rio que sonha chegar à televisão apos- na televisão há 30 anos é uma espécie pessoa interessada em palavras. Mas Mussolini e Berlusconi. Mas não é o ículo de números ou de factos, é um tando num cruzamento entre os seus de subconsciente do presidente [em notei que, tradicionalmente, os críti- tipo de crítica a que pessoas como veículo de emoções.

Fabrizio Corona é um paparazzo especial. As fotografias que tira de pessoas conhecidas em situações comprometedoras não são para publicar, mas para vender aos próprios. Seria mais apropriado chamá-lo chantagista, mas em Itália tornou-se uma celebridade. Aproveitou uma passagem pela prisão para se tornar uma estrela. Agora pagam-lhe para aparecer em festas e eventos, e as pessoas “anónimas” fazem fila para poderem ser fotografadas ao seu lado

Os italianos chamam-lhes veline. São raparigas que têm na vida duas únicas ambições: aparecer na televisão e casar com um futebolista. O único papel que lhes é atribuído nos programas televisivos é o de dançarinas que aparecem, generosamente despidas, ao lado dos apresentadores (ou em cima da mesa deles). Não lhes é permitido falar. Mas recentemente Berlusconi promoveu algumas destas veline, convidando-as para serem candidatas ao Parlamento europeu Berlusconi morrerá p Erik Gandini não é um Michael Moore. Não faz perguntas difíceis aos entrevistados. Limita-se a fi poder demasiada exposição elas acabam por se suicidar em frente à câmara”. “Videocracy”, hoje n Alexandra Prado Coelho

14 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon Quando percebemos Mas as pessoas que são Não estou assim tão interessado que for sobre elas, ou a exporem- der. Há muitos jovens italianos que filmadas não o podem acusar nele como personagem, porque tem se de todas as maneiras, apenas vivem numa cultura diferente da de que o que andamos de as mostrar a uma luz muito estado tão exposto que às vezes temos para estar na televisão. Berlusconi. A comunicação unilateral diferente daquilo que são a sensação que Berlusconi é o único É isso que é assustador, e nem é uma era típica dos anos 80 e 90, antes de a ver na televisão realmente. Deveriam reconhecer- italiano em Itália, que não há outras questão judicial em que um tribunal as pessoas começarem a encontrar se. Será que se reconhecem e pessoas à volta dele. pode dizer o que está certo ou errado. formas de se expressarem como o há 30 anos ao mesmo tempo se sentem O que me interessa é que todo o pa- É uma ideologia que diz “divirtam-se Youtube. Ele tem 74 anos, e ainda não estranhas, desconfortáveis em ís foi apanhado neste estilo de vida e pensem só em vocês”. Não existe percebeu como as pessoas podem é uma espécie relação ao que vêem? que ele promove há 30 anos e toda qualquer visão colectiva. E a ideia de tornar-se poderosas quando come- de subconsciente Pessoas como o Corona ou o Mora esta sociedade irá sobreviver a Berlus- que o crime não é uma coisa assim çam a expressar-se. estão habituadas a aparecer em mui- coni. Não faço ideia do que acontece- tão grave é sancionada a partir de ci- Patrizia D’Addario [a prostituta que do presidente tos programas de televisão e a terem rá quando ele desaparecer. A sensação ma. Isto está muito ligado ao culto da gravou conversas com Berlusconi, sempre gente à volta a filmá-los. Mas que tenho é que ele colocou um pe- banalidade na televisão. revelou-as e tornou-se uma celebri- [em Itália o primeiro- aparecem por poucos minutos, dizem queno Berlusconi dentro de muita Para mim os escândalos de corrup- dade], agarrou no telemóvel, gravou uma coisa engraçada ou superficial, gente e alimentou-o de tal forma que ção sobre os quais leio todos os dias tudo, e subitamente tornou-se muito ministro é chamado e desaparecem. Como documentaris- ao fim de tantos anos esse Berlusconi são tão pequenos comparados com poderosa porque tinha uma grava- ta trabalho com retratos e entrevistas se tornou grande. Corona é, para mim, este crime muito maior que é, a nível ção. presidente muito mais longos. um bom exemplo disso. Ele é o futuro, moral e cultural, estar a lançar a Itália Há outros sinais, por exemplo o do conselho], De certa forma eles estão mais ex- Berlusconi é o passado. num grande buraco negro. E esse é Annozero [programa da Rai Due, postos no meu filme do que nos pro- Mas o próprio Corona diz que um crime pelo qual [Berlusconi] nun- apresentado pelo jornalista crítico de é assustador. gramas de televisão. E é o tipo de ex- o facto de lhe pagarem para ca será julgado, porque não é ilegal, Berlusconi Michele Santoro], que há posição que, espero, faz as pessoas ele ir a festas, de lhe pedirem não há nenhuma lei contra isso. umas semanas era suposto não ir pa- Sobretudo porque pensar, porque obriga a parar, a olhar, autógrafos, é um absurdo. Diz-se que quem vive pela ra o ar por causa das eleições, e eles as entrevistas não são cortadas da Reconhece isso, mas joga o jogo. espada morre pela espada. Vive- fizeram-no na rua e transmitiram-no nos tornámos iguais mesma forma, ouvimos realmente o A maior parte destas pessoas é mais se pela TV, morre-se pela TV pela Internet. que eles dizem. esperta do que aquilo que mostra. – isso aconteceu a muita gente Acredito que o sistema se vai voltar a ele” A minha experiência é que, por ve- Corona é muito mais esperto do que em Itália. Mas Berlusconi parece contra ele. zes, quando oferecemos às pessoasas a pepersonagemrsonagem qqueue rrepresentaepresenta publi-publi imuneimune.. Ele não irá morrer pepelala com poder demasiada exposição, elasas camente. Às vezes tenho a sensasensaçãoção tetelevisão?levisão? acabam por se suicidar em frente ddaa que em Itália toda a ggenteente está a rere-- AAchocho que isso vai acabar por aconte- câmara. presentar numa peça um papepapell em cer.cer. VejaVeja Corona, agarrandoagarrando a O filme não mostra muito queque ffazaz de mais estúpidoestúpido do queque aqui-aqui- câmara para conseguir popo-- Berlusconi mas temos a sensaçãoão lolo queque é. Se for uma mulher deve ser de que ele está sempre lá. mais susuperficial.perficial. Se for um homem E está. É essa a sensação que se temm devedeve ser divertido, e falar de futebol, em Itália. Ele está sempre lá. Em par-ar- dinheirodinheiro e mumulheres.lheres. As pessoas são te porque está sempre nos media, e muito mais inteinteligentesligentes ddoo que isso faz declarações sobre futebol, políti-ti- mas tornou-se aceitáveaceitávell mostrar-se ca, imigração, televisão, a sua própriaia menosmenos do qqueue aaquiloquilo qqueue são.

Capa vida. Está lá todos os dias. E estão dispostas a contar sesejaja o

Lele Mora é, para quem quer vencer na televisão, a porta de entrada. Próximo de Berlusconi, recebe na sua casa na Sardenha os jovens que prepara e lança – no seu site podemos escolher a “personalidade” que queremos ter no nosso “evento”. Admirador de Mussolini, cuja imagem tem no telemóvel acompanhada pelo hino fascista, deixou-se filmar por Gandini no seu quarto branco. Tentou depois processar o realizador

Erik Gandini Videocracy de Erik Gandini Classic Alvalade 1, 23 às 21h30; Classic Alvalade 1, 27 às 15h15 Pulsar do Mundo

á pela televisão a fi lmá-los. E é o sufi ciente. “Quando oferecemosecemos às ppessoasessoas com e no IndieLisboa, é o retrato da Itália hipnotizadanotizada ppelaela televisão. o 1 Dois Beeswax de Andrew Bujalski Cinema City Classic Alvalade 1, sexta 30 heteros e às 21h30 Humpday de Lynn Shelton o porno São Jorge 1, sábado 1 às 18h00 Cinema Emergente capa “gay”, 2 Chama-se “mumblecore” e é uma das L’Enfer mais prolíferas variações do novo d’Henri-Georges quatro cinema americano indie – semi- Clouzot improvisado, semi-amador, 100 por cento de Serge Bromberg e Ruxandra soldados conversacional. Está presente no Indie com Medrea Annonier “Beeswax”, de Andrew Bujalski, e São Jorge 3, 28, às 24h “Humpday”, de Lynn Shelton, primeira Director’s Cut num genuína sensação de bilheteira do género. Em comum a ambos, o olhar detalhado A história do cinema não é feita só das obras-primas ou dos filmes sobre uma geração que está a entrar na esquecidos, mas também dos filmes que nunca o chegaram a ser. Como tanque, as idade adulta sem livro de instruções. Mas a “L’Enfer”, que deveria ter sido em 1964 a coroa de glória de Henri-Georges vantagem vai para o filme de Shelton, onde Clouzot, autor de “O Salário do Medo” e “As Diabólicas”, e de caminho a lendas que dois amigos hetero se desafiam a fazer um prova de que era possível um veterano pedir meças ao pessoal da Nouvelle filme porno gay e descobrem no processo a Vague. Mas, na sequência de uma rodagem turbulenta, do abandono do verdade sobre a sua amizade, enquanto actor principal e de um ataque cardíaco do realizador, “L’Enfer” nunca foi circularam Bujalski, que esteve a concurso no Indie em terminado. E as “rushes” que o investigador e editor Serge Bromberg 2006 com “Mutual Appreciation”, desfoca desenterrou, com uma Romy Schneider carnal sob um carrocel de efeitos nos últimos em demasia a sua história de duas irmãs psicadélicos, sugerem uma obra-prima surreal que se terá perdido. “L’Enfer que enfrentam crises pessoais. Jorge d’Henri-Georges Clouzot” é a reconstrução possível do filme que nunca dias de Mourinha existirá. J.M. Ceausescu, 1 43 Romy Schneider com efeitos psicadélicos, a dramaturgia em surdina 6 8 9 de Angela Schanelec, o excesso de Cage e Herzog, e um dos maiores

cineastas 6 7 Tales from the Golden Bad Lieutenant: Port americanos Age of Call New Orleans de Cristian Mungiu, Hanno de Werner Herzog Hotter, Razvan Marculescu, S Jorge 1, dia 24, 18h vivos, James Constantin Popescu, Ioana Observatório Uricaru Benning... S. Jorge, dia 27, 21h45 Observatório mais “Amintiri din epoca de aur” significa “Memórias da idade do ouro”. Em inglês, “Remake” ou não “remake” do filme de Ferrara? “Bad Lieutenant: Port of “Tales from the Golden Age”. E é de lendas, postas a circular nos últimos anos de Call New Orleans”, de Herzog, não precisa disso. A impressão digital que o Ceausescu, que trata esta espantosa colectânea de sete histórias. Os romenos argumento de William Finkelstein (homem das séries A Balada de Hill Street escolhas acreditam mesmo que o regime totalitário em que viviam podia criar histórias e e LA Law) exibe, mais do que a via-sacra do lamuriante Harvey Keitel de personagens assim. Mas não se trata de um comentário político ou sociológico. Ferrara, é o da literatura e cinema “noir”. É uma herança sintetizada e Cristian Mungiu, Palma de Ouro em Cannes (“4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias”), pôs-se desvirtuada, claro. E sem haver tortura católica neste polícia corrupto que nossas a recordar e escreveu estas “memórias” dos seus “anos dourados”. Mesmo numa agora é interpretado por Nicolas Cage. Começa por estar dependente de ditadura, a juventude é dourada. É esse olhar divertido que é convocado para esta analgésicos para sossegar as dores que lhe provocam um ferimento num neste Indie obra realizada por cinco realizadores da mesma geração: o espírito colectivo é a acidente, depois vem a coca e o crack, e o polícia mistura tudo, vida e única grande herança do comunismo. Restantes curtas de realizadores romenos no profissão, chantageando e extorquindo a quem prende – é todo torto, Indie: “Oxigen”, da ousada Adina Pintilie [Competição Internacional: dias 24, (indicação de Herzog para a distorção shakespeariana), e a silhueta vai-se interna- 21h30, e 29, 16h15, São Jorge], aborda as tentativas de fuga do país através do tornando mais grotesca. Uma economia notável, o filme sempre num exacto Danúbio; “Palmele” (palmas das mãos) é uma colaboração enternecedora entre ponto de crispação mas também de auto-ironia – eis o alemão a passar por cional... George Chiper e a actriz sexagenária Coca Bloos; “Musica în Sânge” [Cinema mestre do policial urbano versão década de 70. V.C. Emergente: dia 24, 21h30; 26, 21h15, Londres] de Alex Mavrodineanu, é neo- realismo puro: brilhante direcção de não-actores inscritos no espaço público, com uma criança a tentar realizar o sonho do pai: tornar-se estrela de “manele” (música popular cigana). Rui Catalão

16 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon 3 Lebanon de Samuel Maoz Classic Alvalade 3, 23, 21h45; S Jorge 1, 25, às 21h45 Cinema Emergente 4 Bad Lieutenant: Port 5 of Call New Orleans Orly de Werner Herzog de Angela Schanelec Dentro deste tanque de guerra vamos ficar 90 Classic Alvalade 3, 24, 24h; Classic S Jorge 1, dia 24, 18h minutos. Abandonados à mesma sorte de Alvalade 3, 27, 21h45 Observatório quatro soldados israelitas, imobilizados numa Observatório aldeia libanesa devastada. Nesse inferno visual e sonoro só vemos o que eles vêem e ouvem – no Festival de Veneza, onde o filme teve estreia mundial, houve espectadores que “Remake” ou não “remake” do filme de Ferrara? “Bad Lieutenant: Port of juraram ter sentidoo cheiro a carne queimada. Call New Orleans”, de Herzog, não precisa disso. A impressão digital que o Oriunda da chamada “escola de Berlim”, a alemã Angela Schanelec - a quem Noventa minutos de rostos, olhos, medo, argumento de William Finkelstein (homem das séries A Balada de Hill no ano passado a Culturgest dedicou uma retrospectiva integral - pratica uma escuro (a excepção: um plano luminoso no Street e LA Law) exibe, mais do que a via-sacra do lamuriante Harvey espécie de dramaturgia em surdina, muito precisa, com um fundo psicológico início e a mesma fantasmagoria no fim...). A Keitel de Ferrara, é o da literatura e cinema “noir”. É uma herança silencioso e fugidio a orientar os retratos das personagens e dos seus catarse serviu ao realizador Samuel Maoz para sintetizada e desvirtuada, claro. E sem haver tortura católica neste polícia relacionamentos. Em “Orly” procura, chamemos-lhe assim, uma dificuldade arrancar a si próprio um filme de guerra que corrupto que agora é interpretado por Nicolas Cage. Começa por estar adicional ao seu método: a atmosfera vibrante do aeroporto parisiense, para o transcende o “filme de guerra”. Isto é: a dependente de analgésicos para sossegar as dores que lhe provocam um meio do qual ela lançou as personagens. Introduzir a ficção no documentário, componente autobiográfica tempera o ferimento num acidente, depois vem a coca e o crack, e o polícia mistura recortar ao documentário a ficção - podíamos discutir isto, tal a maneira como virtuosismo do exercício de estilo; sem deixar tudo, vida e profissão, chantageando e extorquindo a quem prende – é o filme joga com as duas faces da moeda. Mas fundamentalmente trata-se de de ser uma virtuosa contribuição para o estilo todo torto, (indicação de Herzog para a distorção shakespeariana), e a desafiar a interioridade dos relatos cruzados de Schanelec a partir do do género. “A Valsa com Bashir”? Era um filme silhueta vai-se tornando mais grotesca. Uma economia notável, o filme ambiente agitado do aeroporto - típico “não-lugar”, filmado como interim, sobre... Não era ainda a experiência de... sempre num exacto ponto de crispação mas também de auto-ironia – eis o sítio entre sítios - e fazer dele o grande coro que acompanha as personagens no como “Lebanon”. Vasco Câmara alemão a passar por mestre do policial urbano versão década de 70. V.C. seu tempo suspenso. L.M.O.

4 5

910

8 9 10 Independencia City of Life and Death A Letter do Uncle de Raya Martin de Lu Chuan Boonmee Classic Alvalade 1, 25, 18h; 28, 18h Classic Alvalade 3, dia 24, às 18h15; 1 de de Apichatpong Weerasethakul Cinema emergente Maio, 18h15 Culturgest PA, 24, 21h45; 29, 15h Observatório

É coisa preciosa “Independencia”: um filme de É um filme de guerra poderoso. Em causa está o chamado “massacre de Regresso do cineasta tailandês mais famoso aventuras, um filme histórico, uma saga Nanking” e o tratamento desapiedado que os japoneses deram aos do mundo, Apichatpong Weerasethakul. familiar, tudo junto pela subversão do filme defensores e habitantes da cidade chinesa depois de a terem tomado, em Para quem se queixa do excesso de político - em miniatura, em estúdio, em 1937, durante a guerra sino-japonesa que foi, a Oriente, o principal “abstracção” dos seus filmes precedentes, cenários pintados e a preto e branco, como prenúncio da II Guerra. Lu Chuan filma bem, quer a guerra quer a intrincada esta curta de 17 minutos oferece uma âncora numa produção de Hollywood em cenário rede de relacionamentos entre dominadores e dominados, e pode-se concreta: trata-se de evocar um episódio da exótico. (Que não se desista já: passa por aqui perceber que entre os seus modelos (nasceu em 1970) já está mais Spielberg guerra civil tailandesa dos anos 60, sucedido um sopro épico.) Início do século, as Filipinas e do que os mestres chineses de outras gerações. Mas, justamente, também é numa aldeia algures no país. No filme há uma a ocupação americana. Uma mãe e o filho nestes indícios que o filme é poderoso: no seu domínio das convenções carta, mas o filme, no fundo, é que é a carta refugiam-se na floresta. Os anos vão narrativas tornadas “universais”, na imaculada perfeição dos seus valores de para o tio Boonmee, com a contemplação passando... Lembramo-nos também de “A Saga perfeição, “City of Life and Death” mostra como a indústria chinesa está “activa”, da câmara de Apichatpong, a de Anatahan”, de Sternberg, mas o filme de quase apta a desafiar Hollywood no seu próprio terreno. Vai ser giro desenhar, por entre a natureza e os Raya Martin não se entrega à febre. Tem um observar isto. L.M.O. artefactos, uma impressão de paz objectivo, calculista: recriar uma experiência enigmática, inquietante e, desconfiamos, estética, com a delicadeza do papel, para fazer com um fundo religioso. Parece, ao que a sua guerra de independência. Isto é coisa em podemos ler, que Apichatpong descobriu (ou “segundo grau”, como uma instalação, mas redescobriu) o Budismo. L.M.O. sente-se como uma primeira vez. V.C.

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 17 “Significado” começou como enco- sem sido usadas desde o início?” Em 2009, na vídeo instalação Nuno Rodrigues, em “Significado”, ção do António Ferro, mas isso acon- menda da d’Orfeu, associação cultural Fala-nos disto, mas aquele “como se- “Mandrágora”, pôs mezinhas e res- andou nos anos 1970 e inícios de 1980 teceu há mais de quarenta anos e, que, em Águeda, vem trabalhando, ria a música portuguesa” é primor- ponsos a encontrar eco na música de a pensar a tradição rural para “gajos entretanto, assistiu-se a um fenóme- divulgando e ensinando a música tra- dialmente dirigido aos que, de tanto Tó Trips ou Tiago Sousa, contrapôs que eram de Lisboa e Cascais” e a res- no semelhante, com toda esta espécie dicional, as danças populares ou as a querer preservar, a envolvem num gwana marroquino a curandeiros bei- gatar Ti Chitas a Penha Garcia para de ‘folclotribos’ que se juntam para artes de palco. Seria uma comemora- abraço sufocante. Explica: “Há a ten- rãos, correspondeu trip de rave mo- “pôr um botox nas berças”. Tiago Pe- fazer as danças europeias no Andan- ção dos seus 15 anos, com os irmãos dência para ignorar que a tradição derna a alucinação da ancestral erva reira não escolhe ninguém, não apon- ças com tudo muito coreografado e fundadores (Luís, Artur, Vítor e Rogé- hoje, em 2010, não tem nada a ver do diabo. ta um caminho. “No ‘Significado’, pouco sentido”. Acentua, novamen- rio Fernandes) como personagens com o que era há 40 anos. Continua Com “Significado”, monta um ca- interessava ver todo o tipo de práticas te: “O meu interesse é perceber como centrais, mas não ficou por aí. Trans- presente o positivismo do aqui só se leidoscópio de gentes e de suas prá- contemporâneas que existem na mú- poderá a tradição sair do seu gueto e formou-se nisso e numa outra coisa. faz assim e só se faz desta maneira. ticas na abordagem ao tradicional sica tradicional. Não me interessa criar chegar a novos públicos, chegar re- E é precisamente daquilo e disto que Temos a memória afectiva do PREC para chegar a isto: “Tradição de fu- a narrativa de um filme, interessa-me almente às pessoas”. Tiago Pereira conversa de forma rápi- que criou uma resistência. E aquilo turo. Para mim, isso é que é impor- o conceito de dar esta informação to- da e entusiasmada. Discorre sobre o foi tudo muito bonito, mas hoje em tante. Ter o passado, o que é agora e da, lançar os ses e as interrogações”. Ponto de partida seu novo filme, sucessor de “11 Burros dia já não existe”. o que vai ser, como na banda dese- Conclui: “Não é para eu escolher, é Em “B Fachada – Tradição Oral Con- Caem de Estômago Vazio” ou “B Fa- nhado do Alan Moore em que todos para as pessoas irem por onde quise- temporânea”, também em exibição chada – Tradição Oral Contemporâ- Afi nem a velhinha! os tempos se encontram num vértice. rem”. no Indie, Tiago levou o músico de nea”, e mais uma acha para a fogueira Em “Significado”, Tiago Pereira não É essa noção que quero nos [meus] No caso dele, não poderia ser de “Viola Braguesa” a Caçarelhos, pô-lo da discussão sobre o lugar da tradição procura sinais de um passado à beira filmes”. outro modo. No universo da música a cantar canções as cantadeiras e ou- na música popular da actualidade. de desaparecer. Enquanto autor, bus- Temos então os irmãos Fernandes, tradicional, aquilo que mais o inco- vir as canções que elas tinham para “Significado” tem por subtítulo ca novos sentidos. Agitador, põe ócu- temos etnógrafos e musicólogos, a ar- moda é sentir que se defende um ca- cantar. Filmou-os no mesmo plano, “Como seria a música portuguesa se los de mergulhador em Adélia Garcia, tista plástica Joana Vasconcelos, os minho único, sem hipótese de des- sobrepondo a ruralidade delas e o gostasse dela própria” e, durante a cantadeira que Giacometti recolheu Diabo na Cruz e o músico Vítor Rua. vios. É por isso que se atira “à sacra- urbanismo dele como se emanassem entrevista, Tiago aponta que a Banda há cinco décadas, aponta que o des- Temos Carlos Guerreiro, dos Gaiteiros lização das velhinhas e das recolhascolhas dede uma mesma vontadevontade – e depois,depois, do Casaco, em “Hoje Há Conquilhas, lumbramento urbano com o exótico de Lisboa, ou Júlio Pereira, pai de Tia- de Giacometti”. Provoca: “Afinemnem a FachadaFachada trouxe ddee CaCaçarelhosçarelhos uma Amanhã Não Sabemos”, ano 1977, já rural representa estagnação e paroli- go, e, com eles, uma genealogia da velhinha!, Kill Giacometti!”. E pper-er- “D.“D. Filomena”Filomena” comcom séculosséculos dede idadeidade recorria aos samples de diversas pro- ce e, ao contar-nos das recolhas que descoberta e apropriação da música gunta: “Para quê fazer projectosectos e, em Lisboa,Lisboa, ninguém suspeitou que veniências que, anos depois, Brian faz país fora e dos documentos vídeo tradicional desde a década de 1970. iguais à Brigada Vítor Jara? Porquerqque é a cançãocanção não fosse dele. “Tradi“Tradiçãoção Eno e David Byrne utilizariam no ce- que vasculha em baús esquecidos, há- Temos o Megafone de João Aguardela que, vinte anos depois, aindaa tens oraloral é transmitir o que se vive. Passá- lebrado “My Life In The Bush Of de destacar: “tenho que dizer que es- e a sua dança samplada das recolhas gente a tentar fazer o ‘Cavaquinho’uiinho’ lolo de geração em geração, contami- Ghosts” – ainda assim, refere, poucos ta memória existe, mas se eu quiser de Michel Giacometti e José Alberto que o Júlio Pereira fez nos anos 11980?980? nando-se,nando-se, alargando-sealargando-se e atingindoatingindo em Portugal sabem quem é a Banda que ela seja contemporânea, tenho Sardinha. E os Dazkarieh que com ins- Que o façam, mas percebam queuee isso combinaçõescombinações infinitas”-infinitas”- isto o que nos do Casaco. Mais tarde, falará de João que a tratar de forma contemporâ- trumentos tradicionais e atitude rock não representa o pulsar actual,l,, não dissedisse então Tiago Pereira. Em “Signi- Aguardela e do seu trabalho enquan- nea”. Todo o seu trabalho, de resto, põem metaleiros do Barreiro todos no representa a evolução”. Na suaa opi- ficado”, ensaia uma conclusão. Coisa to Megafone e lança a questão: “Co- aponta nesse sentido. Não por acaso, “mosh”, um Ricardo Lameiro que, nião, a ânsia de preservar a músicamúúsica múltiplamúltipla e por vezes contraditória, mo teria sido Portugal, para nós da define-se como “vídeomúsico” – por- com tecnologia moderna, transporta de contaminações conduziu a um com as imagens e os sons, os dede ar-ar- geração que assistiu ao eclodir da menor: nos seus filmes, a montagem o fagote para novas dimensões, e, cla- processo perverso: “Muitos didizemizem quivoquivo e os captadoscaptados agora em ddançaança música de dança, se os samples de do som precede sempre a da ima- ro, a Banda do Casaco que, recupe- que a culpa das pessoas não ligaremgaarem neurótica ou em ffusãousão ffrutuosa.rutuosa. músicas e recolhas portuguesas tives- gem. rando palavras de um dos fundadores, à música tradicional é da folcloriza-oriza- A encomenda inicial de queque resul-

Em “Significado”, Tiago Pereira nnãoão procura sinais de um passado à bbeiraeira de desaparecer. Enquanto autor,r, busca novos sentidos. Agitador, ppõeõe óculos de mergulhador em Adéliaiaa Garcia, cantadeira que Giacomettiettti recolheu há cinco décadas, apontantta que o deslumbramento urbano

capa com o exótico rural representa estagnação e parolice

Fala de João Aguardela e do seu trabalho enquanto Megafone e lança a questão: “Como teria sido Portugal, para nós da geração que assistiu ao eclodir da música de dança, se os samples de músicas e recolhas portuguesas tivessem sido usadas desde o início?”

Desafi nar a tradição Tiago Pereira quer libertar a tradição e, provocador, lança ao ar: “Kill Giacometti!”.acometti!”. Diz-nos: “tenho que dizer que esta memória existe, mas se quiser que seja contemporânea,emmporânea, tenho que a tratar de uma forma contemporânea”. Algo que atravessa a sua obra,bra, representada no IndieMusic do IndieLisboa por “Signifi cado”, o seu último fi lme, e “B Fachada – Tradição Oral Contemporânea”. Mário Lopes

18 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon tou este filme, que será também um gente “que depende do seu burro” e, “Tradição de futuro. DVD acompanhante o livro “Contex- no Caramulo, o musicólogo que refe- to”, história da d’Orfeu assinada pelo re vivermos “tempos de despedida S Para mim, isso é que hopping & Fucking jornalista António Pires, já continha do mundo rural”: “Fica a memória Prémio da Crítica a génese da sua estrutura. De facto, individual e o estudo, a museologia”. SÃO é importante. Ter 2007 da Associação bastava a Tiago Pereira olhar os quatro Não, isso não o incomoda. Porque Portuguesa de irmãos que fundaram a associação. nesse jogo de vozes, tudo acaba por o passado, o que é LUIZ Críticos de Teatro Artur, tocador de concertina que, nos se conjugar. ABR/MAI ~1O agora e o que vai ser, Danças Ocultas, rompe com as formas Vítor Rua a referir o manifesto “Ar- canónicas de abordar o instrumento. te do Ruído”, do futurista Luigi Rus- WWW.TEATROSAOLUIZ.PT como na banda Luís, dos Toques do Caramulo, que solo – “há que destruir o passado, os desenhado do Alan “pega na música da Serra e as coloca conservatórios e criar algo novo, e o num contexto global”. Rogério, “mais ruído tem que estar ali” – e Vítor Fer- Moore em que todos convencional”, que “tomou conta da nandes a cantar sons de guindastes Orquestra Típica de Águeda”. E Vítor, e apitos de fabrico nas suas improvi- os tempos se homem do improviso que percorre as sações. Carlos Guerreiro a diagnosti- Foder e Ir ruas experimentando percussões e car que “o problema não está na fon- encontram num captando os sons da cidade, “inven- te [nas recolhas, nas canções que tor” de uns deliciosamente baptizados subsistem na memória das pessoas], vértice. É essa noção Mistérios das Vozes Vulgares que ve- está em como tratar aquilo que ainda que quero nos [meus] mos a ensaiar polifonias ora na serra, está no reservatório”, e Jorge Cruz, às Compras ora em altar de sacristia. A partir de- dos Diabo na Cruz, a manifestar o ffilmes” les, dos seus diferentes processos cria- desejo de, amalgamando tradição e tivos,tivos, TiTiagoago aabriubriu o espectro. E,E, abrin-abrin- a vvivênciaivência dede hoje,hoje, cchegarhegar a aalgolgo “ú“úni-ni- dodo o espectro,espectro, oferece-nosoferece-nos um qua-qua- co”,co”, “nosso”. está de volta, drodro múmúltiploltiplo e ddinâmico,inâmico, mas “Significado”“Significado” pretende discussãodiscussão com centro definidodefinido,, de- e presente.presente. PretendePretende ser a tatall memmemó-ó-ó núncia da sua marca riaria de futuro.futuro. autoral.autoral. “Num país fragmentado”,fragmentado”, perpergun-gun-n depois do sucesso NãoNão o preocupa ta TiaTiagogo Pereira, “como é que se papar-r-r a contradiçãocontradição que temtem as caixas totodas,das, como é que ssee é ter JJoanaoana Vas- parte este mundomundo dada tradiçãotradição parapara concelos,concel os, criar objectos que, vindos dela, sejamsejam em 2007. oolhandolhando da umauma outra coisa, encaixem noutrosnoutros cidade, di- sítios e interessem a mais pessoas?”pessoas?” zer que em “Significado”,“Significado”, que se ensaia comcomoo PortugalPortugal conclusãoconclusão dasdas obrasobras ddee Tiago PereirPereiraa No São Luiz. aindaainda hháá queque o antecedem, não fecha nada. É muitamui ta umum pontoponto de ppartida.artida. 29 Abril a 15 Maio na Sala Principal. Quarta a sábado às 21h e domingo às 17h30. A reposição do espectáculo é uma co-produção SLTM – Primeiros Sintomas

Signifi cado - a música

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H portuguesa se gostasse RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; [email protected] dela própria + [email protected] / T: 213 257 640 BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS B Fachada Tradição Oral Contemporânea São Jorge, Sala 3, 2 Maio, 16h15

Defi ne-se como “vídeomúsico” – pormenor: nos seus fi lmes, a montagem do som precede sempre a da imagem

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 19 1 2 Mais Villalobos All Tomorrow’s De Romuald Karmakar Parties algumas São Jorge, Sala 1, dia 29, 21h45; São Jorge, de Jonathan Caouette Sala 3, 2 de Maio, 21h30 São Jorge 3, 23, 24h; 1 Maio, 23h30 músicas: capa o tecno No festival de Veneza apelidaram-no “maestro” e chamaram ao filme com O método de Jonathan Caouette em “All Tomorrow’s Parties” não foi o seu nome uma “grande masterclass de música contemporânea”. diferente do de “Tarnation”, o filme que o revelou. Para criar um do “Villalobos” é o retrato de um músico, o chileno-germânico Ricardo documento elegia ao festival idealizado pelos Belle & Sebastian, em 1998, Villalobos, nome destacado da electrónica actual, revitalizador do tecno e como contraponto aos massivos eventos de Verão, recorreu a material, “maestro” da house durante a primeira década do século XXI. Vemo-lo no seu nos mais diversos formatos, enviado por público e bandas. O resultado, estúdio, verdadeiro laboratório de sons (Villalobos é o cientista enquanto imagens de arquivo de veraneantes de décadas passadas se talentoso), reflectir e discutir com o realizador Romuald Karmakar as cruzam com as de Animal Collective, Daniel Johnston, Sonic Youth ou Ricardo mecânicas da criação: explica a sua visão musical, “desmonta” novos Lightning Bolt, enquanto vemos Micah P.Hinson e banda a tocar num discos e monta as peças que se cumprem ao chegar ao público – passamos jardim para miúdos bêbados ou, no final, os Grizzly Bear avançando praia da intimidade do laboratório para o frenesim e adoração das multidões dentro enquanto o sol nasce, todos eles olheiras de noite não dormida Villalobos, que se entregam à sua música em pistas de dança mundo fora. Com mas de vozes bem afinadas, é feérico e onírico, cómico e libertador. “Villalobos”, o alemão Romuald Karmakar completou a sua trilogia Flashes de um festival sem cabeças de cartaz e sem publicidade as canções dedicada à música electrónica iniciada com “196 BPM” (2003) e “Between (“destruamos a falsidade do processo capitalista”, invectiva Thurston The Devil And Wide Blue Sea” (2005). M.L. Moore). M.L.

do metódico 1 2 e torrencial Stephin Merritt, a ternura e a crueldade 3 de Cohen

4

3 4 Leonard Cohen, Live Magnetic Fields At The Isle Of Wight Strange Powers – 1970 Stephin Merritt And De Murray Lerner The Magnetic Fields São Jorge, Sala 3, 24, 24h; 2 Maio, São De Gail O’Hara, Kerthy Fix Jorge, Sala 3, 18h45 São Jorge, Sala 3, 29, 24h

Há horas que Leonard Cohen esperava para entrar em palco, há dias que O escritor e argumentista Neil Gaiman conta que conheceu Stephin Merrit o festival descambara. 600 mil na Ilha de Wight reclamando que o festival através de uma entrevista: “Passava por ser a pessoa mais desagradável à fosse gratuito. Gente atirando pedras à polícia e a polícia atiçando os cães face da terra”. “Strange Powers”, co-realizado por Gail O’Hara, fotógrafa à gente. Enquanto isso, os concertos, cinco dias deles. “É bom estar dos Magnetic Fields, não permite sustentar essa que é a imagem pública sozinho em frente a 600 mil”. Eram 4 da manhã e Leonard Cohen, 35 de Merritt. Compositor torrencial que criou canções em todos os géneros anos, chegava para acalmar a multidão. Deu conselhos como se fosse um (inclusivamente um heavy-metal, “não editado”, “Scream in the scene”), deles, o mais velho e mais sábio de todos: “somos uma grande nação, mas músico metódico (num caderno, toda a estrutura, em categoria musical e ainda somos muito fracos”. Canta “The stranger song”, “Suzanne” ou instrumentação, do histórico “69 Love Songs”), Merritt é acompanhado “The partisan”. Kris Kristofferson, entrevistado hoje, diz não saber na intimidade do estúdio que é a sua casa, seguido por Nova Iorque ou “porque não o expulsaram como a tantos outros” (como a ele). O Los Angeles, filmado em palco a cantar e a trocar piadas com Claudia documentário de Murray Lerner não oferece uma resposta definitiva. Gonson, a sua manager, parceira e melhor amiga desde a adolescência. Perante aqueles 600 mil a sonhar com uma utopia, Cohen surgiu de “Strange Powers” centra-se nele, nos seus silêncios enigmáticos, no seu madrugada com corpo de fantasma e ofereceu-lhes com tanta ternura irresistível humor seco e na sua criatividade. Filmado entre as gravações quanta crueldade o mundo como ele é. Talvez tenha sido isso. “Seems so de “i” e de “Distortion”, desvenda Merritt como nunca antes. Recém- long ago, Nancy” foi a última canção. Aquela sobre a rapariga que chegado a Los Angeles, ironiza: “Os padrões de alcoolismo são diferentes rebentou a cabeça com o revólver do irmão. M.L. aqui. Ainda não encontrei um sítio onde compor canções”. Não parece a pessoa mais desagradável à face da terra. M.L.

20 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon

Matthew Herbert o homem tem voz Desiludido com o “egoísmo” da música actual e incapaz de refl ectir a turbulência do mundo, M álbuns em 2010. O primeiro, “One One”, está aí. Finalmente, o h

Da última vez que o entrevistámos, Matthew Herbert disse-nos que enca- rava os seus discos como pequenos diários de um momento particular da sua vida posta em relação com a ex- periência do mundo. Tem sido sem- pre assim. Em “Around The House” (1998), centrava-se nos sons domés- ticos. Em “Bodily Functions” (2001), nos sons do corpo humano. Em “Goo- dbye Swingtime” (2003), na época de ouro das “big bands” do jazz. Em

“Plat Du Jour” (2005), na produção Música alimentar. E os exemplos poderiam suceder-se infinitamente. Em 2010, vai gravar três álbuns. “One One”, que acaba de ser lançado, é ele praticamente sozinho, tocando e – surpresa! – vocalizando todas as canções. É mais um diário de um ho- mem vulnerável, perdido em várias metrópoles, entre as quais o Porto, “uma cidade que respira verdade, mas também alguma nostalgia” diz- nos. Em Junho haverá “One Club”, registado durante uma noite, no clu- be Robert Johnson, em Frankfurt, Alemanha. E, em Setembro, sairá “One Pig”, captando o ciclo de vida de um porco ou, como ele diz, do ani- mal que é mais abusado pelos ho- mens. No seu último álbum, gravado com uma “big band”, teve de coordenar uma série de músicos. Era um projecto ambicioso, que envolvia grandes meios. Agora lança um disco intimista, feito solitariamente. Foi uma reacção a esse projecto? Sim, esse projecto envolveu muitas pessoas, demorou dois anos a ser con- cluído, era uma grande produção, foi satisfatório mas cansativo. Queria distanciar-me, descansar, fazer algo diferente. A “big band” envolvia mui- ta pesquisa musical. Agora apetecia- me fazer canções sozinho de forma “É absurdo constatar Uma das novidades reside no ristas e bateristas fabulosos, sei que É verdade, Matthew Herbert pragmática. Fazer este disco, nesta facto de ter prescindido de ter qualquer um deles faria melhor, mas nem parece o mesmo: agora ele altura, foi uma decisão consciente. como a indústria do vocalistas convidados. É você convidá-los seria desvirtuar aquilo em também canta (aliás, faz tudo No início do seu percurso, que canta. Quis criar um disco que acreditava para este projecto. Es- sozinho) na década de 90, era assim entretenimento nega inteiramente pessoal? te era o disco em que eu faria tudo que operava, sozinho. Nessa Sim. Ao longo dos anos muitas pesso- sozinho. E isso implicava tocar e can- perspectiva, este disco também é o momento histórico as foram-me dizendo que devia cantar tar tudo. um regresso. que estamos a viver, nos meus discos. Por vezes, em es- Em algumas canções, o ambiente Sim, é verdade. Há 20 anos era assim pectáculos ao vivo, cheguei a cantar e o tom vocal que emprega propriamente a utilizar a minha. Não que funcionava. Mas nos últimos anos não reflectindo - ou e numa ou noutra canção dos meus não são distantes de algumas tenho esse treino, essa experiência, passei o meu tempo a colaborar com discos também, mas um álbum com- criações de Robert Wyatt. mas também não receio a imperfei- outros músicos, andando de estúdio ocultando, como pleto, desta forma, nunca o havia fei- Não é a primeira pessoa a dizê-lo. É ção. em estúdio para tocar com este ou to. Achei que tinha chegado a hora de muito lisonjeiro para mim, porque Este é o primeiro álbum de uma com aquele, levando comigo o meu se quiser - um estilo de assumir a minha voz. Robert Wyatt é um grande cantor. No trilogia que editará ao longo do equipamento. Foi muito estranho re- Teve alguém a dirigi-lo? Como se meu caso, trata-se mais de ter alguma corrente ano. O que o levou a gressar ao passado, principalmente vida que tem gerado sentiu nesse papel? consciência das fragilidades e operar encetar tal operação? porque percebi que não é nada fácil inúmeras convulsões” Não, ninguém, o que torna as coisas a partir daí. Sou um homem de estú- A vontade de criar novas metodolo- manter-me motivado trabalhando bem mais difíceis. Foi complicado. O dio, gosto de estar rodeado de fios e gias no meu processo criativo. Onde dessa forma. Gosto da interacção, do meu telemóvel está cheio de números microfones. Estou mais habituado a é que está escrito que temos que lan- diálogo, da discussão de ideias. de vocalistas fantásticos e de guitar- gravar vozes, a pensar nelas, do que çar um álbum de tantos em tantos

22 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon , Matthew Herbert não faz a coisa por menos: vai lançar três o homem tem voz. Vítor Belanciano

fala de nós, da nossa vida, dos nossos Não sei. É difícil. Mas sempre foi di- conflitos. É música sem um propósi- fícil. Editoras como a minha nunca to. fizeram muito dinheiro. Não seria eu Noutros campos artísticos, da que iria fazer...[risos]. Dito isto, tam- arte contemporânea ao cinema, bém não tenho uma editora para parece-lhe que essa reflexão perder dinheiro. Tenho uma editora sobre a realidade existe? porque existem projectos especiais, Não tenho a certeza, mas parece-me como os que referiu, que valem mes- que nas artes visuais, na dança ou em mo a pena. Existem poucas editoras filmes que conseguem fugir a uma verdadeiramente livres. Acredito que lógica mercantilista existe essa inten- a minha é uma delas. Quando não o ção. Em alguma música também, é puder ser, paciência. Mas por en- claro. Mas na maior parte dela não quanto é. Se quero lançar três álbuns sinto que isso aconteça. Parece cum- por ano, só tenho de os criar. Se qui- prir apenas uma função comercial, ser fazer um disco a partir do ciclo nada mais. Como se estivesse divor- de vida de um porco, só tenho de o ciada da realidade, da vida, de nós. fazer. É isso. É essa liberdade que me 7l$8hWi‡b_W":eYWZ[7bY~djWhWDehj[ r')+&#)+(B_iXeWrJ[b$0(')+.+(&&r;#cW_b0_d\e6\eh_[dj[$fjrmmm$cki[kZeeh_[dj[$fj É curioso que diga isso porque motiva. escolheu como meio de Recentemente, uma organização expressão preferencial a música de defesa dos direitos dos de dança que é – mesmo se animais protestou quando foi erradamente – encarada como noticiado que iria criar um sendo puramente hedonista. álbum a partir do ciclo de vida Nela, a palavra, muitas vezes, de um porco. Como reage a isso? tem apenas uma função Precipitaram-se. Acompanhei o ciclo performativa, não conta uma de vida do porco, desde Agosto do história, não produz narrativa. ano passado. O meu propósito é ape- Mas nem sempre foi assim. No início, nas aprender. Tenho consciência de a música de dança vinha do meio que a indústria da comida em todo o “gay” negro. Tinha um propósito po- mundo tem muito que se lhe diga. lítico, mesmo que não fosse explícito. Enquanto cidadão não tenho o direi- O mesmo aconteceu com o acid-hou- to de saber como os animais são man- se, nos anos 80. E quando comecei, tidos ou mortos. É-me vedado esse nos anos 90. A música house consti- conhecimento. É frustrante. Acom- tuía a aventura, o risco, a possibilida- panhei todo o processo, menos a sua de de pôr em causa o que vinha de morte; nem no matadouro, nem na trás, em particular o corporativismo quinta onde o porco viveu, me foi per- da cultura rock. Agora ouve-se, na mitido registar a sua morte. É como rádio, música de dança, ou de qual- se às pessoas que comem carne fosse quer outro tipo, e o panorama é de- vedada a responsabilidade de perce- solador. É como se estivesse dissocia- ber as implicações dessa decisão. da da experiência. É egoísta, nesse Com este disco quero perceber esse sentido. processo. Não tenho uma agenda pa- Faz álbuns a partir de uma ideia ra fazer sofrer animais, até porque o particular. No seu caso, a música porco deve ser o animal mais abusado tem de estar sempre ligada a pelo homem. No limite, é isso tam- uma experiência? bém que o meu trabalho reflectirá. anos? Não está. Habituámo-nos a fun- Não diria tanto. Diria que não consigo Esse será o terceiro disco. O cionar assim, apenas por motivos fazer música sem pensar no que é que segundo, já anunciou, será um industriais, nada mais. Por outro la- isso significa. Apenas isso. Por norma “álbum comunitário”. O que do, queria reflectir este momento dizem que faço álbuns conceptuais. quer dizer com isso? conturbado da nossa história. É ab- Não me chateia que o digam, mas é É música experienciada em comuni- surdo constatar como a indústria do interessante porque ninguém diz que dade, como se fosse um ritual, num entretenimento nega o momento his- um filme que conta uma história ou clube de dança. Neste caso, num clu- tórico que estamos a viver, não re- um livro que tem uma determinada be em Frankfurt, na Alemanha, onde flectindo – ou ocultando, como se narrativa é conceptual. São apenas coloquei microfones em todos os re- quiser – um estilo de vida que tem um filme e um livro. Os meus discos cantos – no bar, na pista de dança, na gerado inúmeras convulsões, crises têm histórias lá dentro, têm um pro- cozinha, até nas casas de banho. São financeiras ou alterações climáticas. pósito, mas são apenas isso, discos. três horas de gravações que reprodu- Hoje a maior parte da música é ego- Tem assumido o papel de zem os mais diversos sons e será um ísta ou indulgente, no mínimo. produtor (Micachu & The Shapes disco de música de dança. Serve de No sentido em que não reflecte o ou Invisible) no contexto da contraponto a “One One”, que é uma estado do mundo? sua editora, a Accidental. Ter obra muito mais claustrofóbica, no Quando vemos as principais tabelas uma editora como essa, neste sentido em que me confronto comigo de música em todo o mundo e olha- contexto de desagregação da próprio de forma consciente. mos para as capas dos principais jor- indústria, é um acto de teimosia nais, percebemos que a música não ou de crença no futuro? Ver crítica de discos págs. 43 e segs.

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 23 Quando, uma boa meia hora depois les, Waits, se não o adoptou, deu-lhe percebemos qual é a verdadeira. Mas Mazgani mede cada “Toco menos agora, porque houve um do início da nossa conversa, Mazgani a bênção. vai-se cantando a si próprio conforme trabalho de desconstrução. As músicas diz que gosta de pensar na “questão Agora Mazgani tem novo disco, as errâncias. A minha biografia não uma das suas começaram por ser cantadas com gui- da identidade”, sabemos que não nos “Song of Distance”, e reutiliza, numa interessa para nada”. tarra acústica e gradualmente a guitar- enganámos quando ponderámos a das fotos do libreto, a imagem de Ro- Há, porém, uma coisa que lhe inte- palavras. Sempre ra foi desaparecendo”. Gravaram ois hipótese de estar perante alguém que bert Mitchum em “A Noite do Caça- ressa por trás das mitologias de um 14 temas “no meio do campo, em Vila meticulosamente vai operando mu- dor”: é vê-lo com “Song” tatuado nos país que nitidamente o obceca. “Por que tentamos falar Velha de Ródão, num edifício antigo”, tações identitárias na sua música e dedos de uma mão e “Love” nos da trás dessas imagens modernas existe em apenas dez dias, quase sempre “ao nas máscaras que usa para a projec- outra. uma coisa mais importante, que é o de um lado mais primeiro take”. tar. “A América fascina-me enquanto exílio”. Mazgani está a falar do traba- pessoal das canções, A vontade era “romper com a esté- O nome Mazgani foi falado pela pri- ficção”, diz, na mesma pacata praça lho desses homens enquanto exílio tica polida do primeiro disco” e “cap- meira vez há uma mão cheia de anos, de Setúbal em que o entrevistámos pessoal, fuga-de-si-para-a-canção mas fecha-se em copas: tar aquele espaço e aquele momen- quando venceu um concurso de no- pela primeira vez há cinco anos. Tem está também (parece-nos) em territó- to”. A haver América aqui, ela veio da vos talentos lançado pela revista fran- botas americanas de bico preto, cal- rio claramente pessoal. “O exílio é “A minha biografia paisagem lá fora, que sendo portu- cesa “Les Inrockuptibles”. Na altura ças cinzentas justas e óculos escuros, transversal a todas as culturas e a to- guesa podia ser outra coisa: “Estáva- fomos tentar conhecê-lo e ficámos a mas nada nele transpira aquele abuso das as épocas. Pode acontecer dentro não interessa mos rodeados de pássaros, ovelhas, saber que se tratava de um iraniano opiáceo que fez parte da dieta dos da própria casa”. O que está no cerne animais, pasto”. exilado em Setúbal, Portugal, com um grandes que admira: Waits, Dylan, dessa ideia de exílio, continua, “é uma para nada” Portugal é demasiado pequeno pa- certo amor por sons americanos. Cohen, os maiores. ideia de despertença” e é igualmente ra estas canções de grandes espaços? O seu primeiro disco, “Song of The Perguntamos-lhe se o imaginário isso que atravessa as personagens das “Isso é uma coisa em que não se pen- New Heart”, de 2005, traía influências do disco é o do viajante, no sentido suas canções, eivadas de “western” sa. Antes de mais é preciso ter prazer de Jeff Buckley e dos American Music americano do termo: alguém que fo- assombrado (“Song of Distance” está no que se está a fazer”. Club e voltou a valer-lhe um prémio: ge daqui para ir para ali, procurando cheio de hillybilly, country, rockabilly Há mais mundo para Mazgani, de na International Songwriting Compe- esquecer os seus pecados, para logo fantasmagórico e blues distorcido). resto: no final do ano passado, fez tition de Nashville, “Somewhere be- os encontrar na esquina seguinte. Mas Nenhum destes ângulos de análise, duas pequenas digressões pela Ho- neath this sky”, foi considerada a ter- Mazgani é um homem renitente a afir- mais ou menos psicanalíticos, é do landa, e este ano uma pela Suécia e ceira melhor canção em prova por um mações assertivas. “Esse viandante agrado de Mazgani que, à Cohen, re- pela Dinamarca. Tudo na sequência júri composto por Robert Smith (dos que consideras exclusivo da América pete várias vezes “Eu sou só um can- de um disco lançado por esses lados. Cure) e Tom Waits, entre outros. é comum a todas as culturas”, contra- tor”. Para ele, as coisas são simples: “Lá para o final do ano vamos divul- “A identidade é quem nós temos à põe. Vai falando lentamente e é claro juntou-se a Pedro Gonçalves, metade gar o disco fora de Portugal. O disco volta e quem nos adopta”, resume a que mede cada uma das suas pala- dos Dead Combo e produtor do recen- que saiu no Benelux e na Escandiná- dada altura Mazgani, e não por acaso vras. Sempre que tentamos falar de te EP e do último disco, porque “havia via deve agora ser lançado no Canadá a sombra de Waits estava por todo o um lado mais pessoal das canções, admiração mútua” e gostos em comum e na Inglaterra”. lado no EP de cinco temas que lançou fecha-se em copas. “A exposição pes- (o rock’n’roll, Marc Ribot, T-Bone Bur- Pode ser o início de uma grande no ano passado, “Tell The People”. soal não tem interesse nenhum”, su- nett). Gonçalves trouxe-lhe um som carreira – ou de um longo exílio. Mazgani teve sempre à sua volta os blinha. Dá o exemplo de Dylan: “É um mais sujo, fê-lo soltar a voz, e libertou- grandes ícones da América e um de- recluso que vive de máscaras e nunca o de preocupações com instrumentos. Ver crítica de discos págs. 43 e segs. Mazgani olha para a América Iraniano radicado em Portugal, Mazgani colecciona canções que vencem concursos e discos em que o Bem e o Mal se namoram e apedrejam simultaneamente. “Song of Distance”, o seu segundo disco, descende das sombras de Waits e de fi lmes como “A Noite do Caçador”. João Bonifácio

A América - e as suas mitologias, musicais e cinematográficas - é uma obsessão para Mazgani Música

24 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon

Wu- Marxman Tang Clan Ace e Presto conheceram- “O rap de Nova Iorque era se em 1993 num concerto dos o que ouvíamos mais. Marxman. que fizeram a Andávamos todos numa de primeira parte dos Depeche ‘gambinos’. Mas havia coisas Mode no Porto: “Éramos de Los Angeles [e da costa dois dos cinco gajos Oeste] de que vestidos à rap” George gostávamos” Clinton “Um pouco como o George Clinton dos Parliament, os Sa-Ra Creative Partners, Cool Kids e Black Spade são gajos que derivaram do hip-hop Brancos por mas apanharam fora, a nave” negros

Hip-hoppers respeitáveis, os Mind da Gap são fãs dos clássicos do género e das suas bases: por a soul, o “groove” e a negritude

dentro Música “A Essência”, o título do novo disco dos Mind da Gap, à venda a partir da próxima segunda-feira, diz tudo: estes rapazes são fãs dos clássicos. Pedro Rios

Não mostrem aos Mind da Gap hip- Premimos o botão “next” e eis-nos de rap e conheci o Ace e o Serial. E hop cheio de ruído, esquisitices em “A verdade”, canção incluída em éramos só nós.” “avant” ou grime. Ace, Presto e Serial “Rapública” (1994), compilação cha- Se a resposta “Boss AC” ainda levou preferem os clássicos, dos Wu-Tang ve na fundação do género em Portu- alguns segundos a surgir, “Expresso Clan a Dr. Dre, mas também admitem gal. Ace arrisca: “MC Solaar?”. A in- do submundo”, dos Dealema, um algum (pouco) rock ou mesmo baile fluência jazz está lá, mas a gravação clássico subterrâneo de 1996, ou funk. Eis o retrato robô do que ouviu da voz, ainda algo amadora, denuncia “Serviço Público”, de Valete, foram ontem, nos anos de formação, e do a origem: “Boss AC”. detectadas instantaneamente. O se- que ouve hoje o trio do Grande Por- Em 1993, pré-história do hip-hop gundo entra no novo disco dos Mind to, traçado a partir da “jukebox” do nacional e ano de fundação dos Da da Gap, os primeiros foram apadri- Ípsilon. O grupo tem novo disco, “A Wreckaz (que mudariam o nome pa- nhados por Ace, Presto e Serial du- Essência”. O título diz tudo. ra Mind da Gap no ano seguinte), rante os primeiros passos. “O Mundo Num canto exíguo do Breyner85, 50 Presto foi a Lisboa com membros da [membro dos Dealema] era o gajo da um bar da Baixa do Porto, damos iní- Cent outra banda de hip-hop do Grande rua de trás. Em frente ao meu prédio cio ao exercício de adivinhação com “Nunca julgámos as coisas Porto, os Reunion of Races. “Metemo- havia um corredor que juntava os dois “Drifting”, do primeiro disco dos por serem comerciais. A nos na camioneta ou no comboio e prédios”, recorda Ace. “Via-os com Marxman, de 1993. Não identificam estivemos o dia inteiro a confraterni- calças largas, andavam de skate… Pa- diferença é entre o plástico e o os autores, mas foi num concerto dos zar e a mandar rimas no meio da rua. ravam na praceta onde o pessoal do irlandeses, na primeira parte dos De- não plástico. Plástico é tudo Conhecia o General D, mas não o res- centro de Gaia se encontrava. Aper- peche Mode, no Estádio das Antas, soar ao mesmo, parecer to das pessoas. Fiquei muito surpre- cebia-me [de que existiam], mas não nesse mesmo ano, que Ace e Presto, que foi tudo feito num endido por ver que havia mais bandas os cumprimentava. Mas depois, quan- dupla de MC do grupo, se conhece- computador” em Lisboa. Cá no Porto não havia pra- do comecei a ‘tagar’ [pintar assinatu- ram. Eram dois dos “cinco gajos ves- ticamente nada. Tinha dois ou três ras] paredes, deixavam-me recadi- tidos à rap”, conta Presto. amigos em Matosinhos que gostavam nhos por baixo dos ‘tags’.”

26 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon “A Essência” é um disco que vive Mind da Gap não são muito dados a mais dos “samples” e menos dos sin- aventuras. Um tema dos Dälek, hip- tetizadores de Serial. “O ‘Edição Ili- hop experimental sem ponta de oxi- mitada’ [o disco anterior, de 2006] génio, mergulhado em ruído, confir- foi a primeira vez que comecei a usar ma as suspeitas e desperta a língua sintetizadores. O disco foi para Nova viperina de Ace. “O rap de que gosta- Iorque para ser misturado pelo Troy mos tem muita soul, muita alma. Es- Hightower sem referências de níveis. tes gajos são muito intelectuais”, ati- O Troy interpretou mal o que foi en- ra. “O jazz de fusão, o jazz rock e o viado e muitos sons que deviam ficar free jazz chegam a ser cerebrais, mas quase como cama ganharam um des- disso gosto porque encontro ali um taque que não deviam ter”, explica resto de ‘groove’, no fundo, de negri- Serial. “Não quer dizer que este novo tude. Apesar de sermos os três bran- disco não tenha arranjos de sintetiza- cos por fora, somos negros por den- Dealema dores...” tro. A música de que gostamos tem “Via-os com calças Aproveitamos a deixa e mostramos- toda origem na música negra”. largas, andavam de skate... lhes “I’m A Slave 4 U”, de Britney Nem gente como o londrino Dizzee Paravam na praceta onde o Spears. Torcem o nariz à primeira, Rascal, artista grime, cruzamento de pessoal se encontrava. Depois, mas acabam por ficar a apreciar o ins- hip-hop com géneros como o UK Ga- trumental de cetim dos Neptunes. A rage, lhes interessa (Serial quis ouvir quando comecei a ‘tagar,’ pop e o R&B modernos interessam- um pouco mais de “Jus’ a Rascal” paredes, deixavam lhes? “Em termos de produção inte- para perceber o que é afinal isso do recadinhos” ressam-me. Estes gajos – os Neptunes, grime), apesar de Ace conceder que o Timbaland – têm qualidade, fazem o primeiro disco de The Streets, ape- cenas muito bem feitas. Todo o pro- sar do “som merdoso”, é “engraça- idas a terras longínquas à procura de cesso de produção é incrível”, reco- do”. Entre os artistas contemporâne- um emigrante que “tinha voltado de nhece Serial, que os ouve “mais como os, elegem os Sa-Ra Creative Partners, França” com discos de hip-hop ou em profissional” do que como fã. “Às ve- Cool Kids e Black Spade. Tudo “gajos PAULO RICCA PAULO viagens a Londres de Serial, para com- zes, dá-me para ligar a MTV para per- que derivaram do hip-hop, mas apa- prar roupa para a sua loja de “stree- ceber o que é que se anda a fazer.” nharam a nave. Um pouco como o twear”, talvez “a primeira do país”. Também no domínio dos “multi- George Clinton, dos Parliament e dos “Não teve muito sucesso. Só nós com- platinados”, como lhes chama Funkadelic.” právamos lá roupa – e metíamos na Ace, voltam a preferir o hip-hop conta. Nós e a [estilista] Maria Gam- - as cabeças a abanar ao som de Ver crítica de discos na pág. 43 e bina”, recorda Ace. “Outta Control”, de 50 Cent, segs. Jovens aprendizes, liam a revista confirmam-no. “Nunca julgámos “Source”, para muitos a bíblia do hip- as coisas por serem comerciais”, hop, e viam vídeos no “Yo! MTV sublinha Serial. “Não há es- Neptunes Raps”, enquanto a maioria dos ami- sa fronteira. Hoje em dia “Em termos de produção, gos se dedicava ao rock. Fazemos o a diferença é entre o estes gajos - os Neptune, o teste com um hino grunge de 1992 - plástico e o não plástico. Timbaland - têm qualidade, guitarras a meio gás, uma voz talhada Plástico é tudo soar ao fazem cenas muito bem feitas. para festivais rock. “Pearl Jam?”, per- mesmo, parecer que as guntam a medo. Errado: “Plush”, coisas foram todas fei- Todo o processo de dos Stone Temple Pilots. Presto: tas por um computa- produção é incrível” “Lembro-me de, no liceu, toda a gen- dor - e foram.” te adorar Nirvana. Eu era o ‘rapper’. Todos os indícios Tinha uma t-shirt, que adorava levar indicavam que os para o liceu, que tinha o Kurt Cobain com uma pistola apontada à cabeça. Depois de ele morrer, levava a t-shirt e o pessoal passava-se. Andava com ela para os irritar.” Dêem-lhes “groove” Eis um trio que pouca atenção pres- tava ao rock que se fazia no estrangei- ro, mas também na cidade (não acer- taram em “Punk Moda Funk”, do primeiro álbum dos conterrâneos Or- natos Violeta, de 1997). “Mesmo dos Radiohead, que têm muita experi- mentação e não são tão fininhos, não consigo ouvir mais de três músicas - falta-me grave. Ouvia Public Enemy e Faith No More, até porque o gajo cantava no registo rap. Mas faltava ali uma frequência baixa. Ainda hoje me faz confusão nos ouvidos. Estou ha- bituado ao ‘kick’ e ao grave, ao meu corpo vibrar com a música de uma maneira específica”, explica Ace. O amor ao baixo até o leva a reconhecer Ace chegou a ter um projecto com “Mesmo dos algumas virtudes ao baile funk, “uma os Dealema, os Mafilia, “um trocadi- espécie de gangsta rap à brasileira.” lho de ‘máfia’ com ‘família’. “Era a Radiohead, Hip-hoppers respeitáveis, os Mind altura do rap de Nova Iorque, que era da Gap são fãs dos clássicos do género o que ouvíamos mais. Andávamos que têm muita e das suas bases. “Mothership Con- todos numa de ‘gambinos’”, recorda nection (Star Child)”, maravilhosa Ace, a rir-se. Sendo os três fãs do hip- experimentação e não “funkalhada” dos Parliament de hop da costa Leste americana do iní- 1976, põe Serial, o produtor, a falar de GK?DJ7I?DEL;D em “C.R.E.A.M.”, dos Wu-Tang dro Tenreiro [dono da discoteca Pitch Clan. “Se fizermos as contas, a pro- do que três músicas. e DJ n’Os 7 Magníficos], que tem mon- ehgk[ijhWc[jhefeb_jWdWZ[b_iXeW porção será exageradamente a pen- tes de discos. Exploro muito os discos )&7Xh_bš('$)&šÐ'&"&&+&Z[Z[iYedjeW[ijkZWdj[i[cW_eh[iZ[,+ der para Nova Iorque. Mas havia coi- Estou habituado que ele tem e os meus discos. Não an- sas de Los Angeles [e da costa Oeste] do à procura [de ‘samples’]… Ouço de C?9>7;BP?BCZ_h[Y‚€ecki_YWb ao ‘kick’ e ao grave, FWhY[h_W;J;IÀL;D:70CKI;K:EEH?;DJ;"EI7E[_hWiFWhgk[[9$9$ZeFehje [fedjeiC;=7H;:;$ hip-hop alternativo dos Souls of Mis- outras cenas. Por exemplo, jazz espi- com a música de uma c[Y[dWifh_dY_fWb c[Y[dWiZei[if[Yj|Ykbei chief e Pharcyde, Del tha Funkee Ho- ritual - gosto muito. São coisas muito mosapien e vários “gajos de Oakland, maneira específica” difíceis de ‘samplar’, não têm um tem- fora do baralho.” po fixo, tens de estar muito concen- Nos longínquos anos 90, os discos Ace trado para perceber que aquilo dá um 7l$8hWi‡b_W":eYWZ[7bY~djWhWDehj[ r')+&#)+(B_iXeWrJ[b$0(')+.+(&&r;#cW_b0_d\e6\eh_[dj[$fjrmmm$cki[kZeeh_[dj[$fj eram comprados a conta-gotas, em ‘loop’.”

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 27 Nasceram no mesmo dia, em meses “Guia” inclui também regravações ral Vila Flor, em Guimarães, no São caminho sigo-o com todas as coisas simas razões, mudanças até na minha vizinhos e anos não muito distantes. de clássicos, como “Apelo” (feito fado) Luiz, em Lisboa, e na Casa da Música. boas e más que ele me possa dar.” vida. Mas não é um disco de conceito, António Zambujo em Beja, no Alen- ou “Poema dos olhos da amada”: Hoje estará em Bobigny, França, e Isso fê-lo gravar agora “Porta do Co- é um disco de fados que não pretende tejo, a 19 de Setembro de 1975, Ricar- “Apaixonei-me por essa música quan- amanhã, no teatro Pax-Julia, em Beja. ração”, sucessor de “Na Seiva da Mi- ser mais do que isso. Muitas vezes o do Ribeiro em Lisboa, no Bairro da do vi o filme ‘Vinicius’ e ouvi o Cae- Dia 30, sobe ao Teatro Garcia de Re- nha Voz” (1998) e “Ricardo Ribeiro” Jaime Santos [violista e produtor] Ajuda, a 19 de Agosto de 1981. Do fado, tano Veloso a cantá-la, só com a viola. sende, em Évora. (2004). Só fados tradicionais. “Sou dizia-me: ‘Ouve lá, lembras-te do es- que lhes moldou os primeiros passos É assim que deve ser cantada, acho. como sou e no fundo fui criado com tilo que davas no corrido?’ Ou: ‘Falta musicais, guardam a raiz, mas isso Só que no disco trocámos a viola pela Tocar a mesma língua este fado. Desde muito novo que me aqui um alexandrino, no outro dia não impede Zambujo de, aos 35 anos, guitarra portuguesa.” E há ainda “A Ricardo Ribeiro ainda não começou habituei a conviver com as pessoas ouvi-te cantar um, aquilo era boni- aproximar o fado do Brasil como até deusa da minha rua”, de Jorge Faraj a “rodar” o seu disco, apresentado na do fado. Quis fazer um disco para pre- to…’ Eu canto para os músicos, eles hoje ninguém fizera; e também não e Newton Teixeira: “Ouvi-a num disco Fábrica Braço de Prata, em Lisboa. sentear as pessoas que me puseram tocam para mim. É uma questão idio- impediu Ricardo, hoje com 29 anos, antigo, talvez do Orlando Silva. Mais Mas a 13 de Abril esteve com Pedro no fado, que me ajudaram, que gos- mática, falamos a mesma língua.” de cantar Gardel com Pedro Jóia ou tarde, ouvi a versão que a Zélia Dun- Jóia no palco do São Luiz a cantar fa- tam de mim. É como terminar um Alguns fados tiveram histórias gravar com o celebrado músico liba- can fez com o Hamilton de Holanda dos, e até um tango de Gardel: “Essas curso e oferecer algo aos nossos pais. curiosas, como o que ganhou o nome nês Rabih Abou-Khalil. Agora, nos e achei-a fantástica. É um chorinho experiências fizeram-me não ter me- Queria muito oferecer um disco à fa- de “Glosa da Saudade”: “O mote é do seus discos mais recentes, Zambujo valsa e é a música com o arranjo mais do de seguir uma nova intenção do mília do fado.” dr. Fernando Machado Soares. O Má- apura o estilo que o leva a afastar-se atrevido. Apaixonei-me por ela, é uma fado. Porque quando eu sigo o meu Demorou a gravá-lo. “Por variadís- rio Raínho levou essa quadra à D. Sau- ainda mais dos cânones tradicionais fadistas e Ricardo, pelo contrário, in- “Admiro o António terrompe as aventuras cosmopolitas e lança um disco só com fados tradi- Zambujo, vejo-o cionais. Opostos? Nem por isso. No MySpace, na alínea das influên- muito bem, é um cias, Ricardo Ribeiro coloca Fernando caminho, uma forma Maurício, Manuel Fernandes, Max, Maria José da Guia, Beatriz da Con- de estar. É a estética ceição, Fernanda Maria, Carlos Zel. Já António Zambujo inclui como re- do seu coração e da ferências, na sua nota biográfica, Amália Rodrigues, Maria Teresa de sua mente. É tudo Noronha, Alfredo Marceneiro, João Ferreira Rosa, Max. Só um nome coin- uma questão de gosto cide: Max. E não era ele, também, um e eu gosto muito do cosmopolita? Zambujo, somos Do Alentejo ao Brasil Zambujo começou pelo cante alente- amigos” jano e chegou ao Brasil, onde foi, ali- ás, muito bem recebido em 2009. No Ricardo Ribeiro seu primeiro concerto, tinha na pla- teia Caetano, Ney, Milton, uma audi- ência de luxo. Mantém boas relações com Rodrigo Maranhão, Ivan Lins, melodia maravilhosa.” “Porta do Coração” é o disco Roberta Sá, Marcelo Camelo, Moreno Aos brasileiros juntam-se no disco que Ricardo Ribeiro quis Veloso, Pierre Aderne, Márcio Faraco vários nomes portugueses: José Edu- oferecer à sua “família do fado” e tem vários temas com assinaturas ardo Agualusa (a letra “Barroco tro- brasileiras no seu novo disco. De pical”, que Ricardo Cruz, baixista e Aderne, Faraco, Maranhão, Pedro braço direito musical de Zambujo, Luís. O disco não é, porém, um piscar “vestiu” de morna), João Monge e de olhos gratuito ao Brasil, antes uma João Gil (“Zorro”) e Miguel Araújo Jor- mescla bem urdida de influências. ge, do grupo Azeitonas, que escreveu Chamou-lhe “Guia”, até por isso. “Fa- (letra e música) “Reader’s Digest”. E zia sentido. Começando sempre pelo há ainda Maria do Rosário Pedreira: fado, acaba por ser uma viagem por “Ela fez dois poemas, um mais para todas as minhas influências musicais: fado tradicional e outro que já não o cante alentejano, o Brasil, o jazz, obedecia a essa métrica. Como optá- África (pela primeira vez gravei uma mos por não gravar tantos fados tra- morna)”. Foi dada aos músicos “total dicionais, escolhemos o segundo.” E liberdade criativa” para os arranjos Aldina Duarte, num tema que faz lem- e, no final, ainda ficaram canções de brar na cadência o “Perfilados de me- fora, de nomes como Amélia Muge ou do”, de O’Neill, criado por José Mário Moreno Veloso, que terão lugar num Branco. “A Aldina escreveu essa letra, próximo disco. De Rodrigo Maranhão, que são sextilhas, para eu cantar num por exemplo, incluiu dois temas: “Ele fado tradicional. E eu ainda a cantei esteve em Portugal para fazer um con- num fado tradicional. Mas depois, em certo no Centro Cultural de Belém, casa, à medida que ia lendo o poema, em 2009. Depois do jantar, pegámos ia-me surgindo uma música. Mostrei- nas violas e começámos a tocar. Ele lha, ela gostou muito. Inicialmente, mostrou-me então a canção ‘De mares começa quase como um desabafo mas e Marias’ e disse-me que a tinha escri- a melodia final tem um clima apote- to a pensar na minha voz. Adorei a ótico. É aliás com ela que o disco ter- música. A outra dele, ‘Quase um fa- mina”. do’, enviou-ma mais tarde e disse que Sucessor de “O Mesmo Fado” se eu quisesse podia cantá-la agora, (2002), “Por Meu Cante” (2004) e mas que queria depois gravá-la num “Outro Sentido” (2007), “Guia” já foi disco dele, em dueto comigo.” apresentado ao vivo no Centro Cultu- Corações fadistas António Zambujo e Ricardo Ribeiro têm em comum o fado e o cosmopolitismo. O que cada um f mostram os discos “Guia” e “Porta do Coração”, acabados de chegar às lojas. Eles explicam, com i

28 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon dade dos Santos, que é uma grande dele, às vezes até ficava lá a dormir. nitas que há na vida é aceitarem-nos fadista doutro tempo, e disse-lhe que Uma manhã acordei a ouvi-lo cantar como somos.” tinha de fazer uma glosa a partir da- este tema e adorei. Depois tive até a quele mote. E ela glosou e disse ao oportunidade de o fazer num filme do Fechar os olhos e cantar Mário: ‘Eu já glosei, mas só há uma Edgar Pêra. Costumo dizer que é o Também é assim que António Zam- pessoa que pode cantar, é o Ricardo’. fado dos dias de hoje. E acaba por ser bujo quer ser aceite: como é. “Não E ele entregou-ma. O título era ‘Zan- também um tira-gosto, aí no meio.” penso muito no público quando faço guei-me com a saudade’, porque o A gravação, diz, foi emocionante, a música. O público é que tem que fado personifica-a saudade. E eu, co- embora tenha levado tempo de mais, ouvir e decidir se gosta ou não. O meu mo a glosa era da D. Saudade dos San- o que lhe causou alguma ansiedade. primeiro disco foi exclusivamente de tos, chamei-lhe ‘Glosa da Saudade’.” “Eu vivo a minha vida e o fado é que fados tradicionais, registou o meu Quase no final do disco, surge, no me dá o pão. Eu dou-lhe o espírito e momento nessa altura. O de 2004 já tema “Somos do mar e do vinho”, um às vezes há alguma coisa que não ba- vai fugindo um pouco, ‘Outro Sentido’ nome exterior ao fado, Fernando Gi- te certo.” Compensou, no fim: “Estou não é assumidamente um disco de rão: “É um irmão mais velho para muito grato e feliz por me terem dado fados e este também não. É uma coi- mim, somos muito amigos. E houve tempo e por me deixarem expressar sa que vai surgindo naturalmente.” uns tempos em que eu ia muito a casa como eu queria. Das coisas mais bo- Quando Ricardo Ribeiro canta ou- JORGE SALGUEIRO “Guia” é uma viagem pelas infl uências de António “O Ricardo Ribeiro Zambujo, do cante alentejano RITA CARMO RITA é provavelmente, a à morna, passando pelo Brasil 4ª a s áb às 20h30 par do Camané, o dom às 1 6h30 | M/6 grande fadista de hoje. Mas quando o Camané canta outras coisas vamos sempre ter ao fado, enquanto

o Ricardo Ribeiro, © CLEMENTINA CABRAL que tem a alma A FÁBRICA que tem, pode ser baseado em O Segredo do Céu de PÄR LAGERKVIST o que quiser” encenação Miguel Fonseca co-produção TEATRO AGITA sala estúdio | 4ª a sáb 21h45 | dom 17h30 | M/12 António Zambujo HAVIA UM MENINO QUE ERA PESSOA Poemas para a Infância de FERNANDO PESSOA tras canções que não o fado, faz por encenação com não pensar nisso: “Vou recorrer a Lucinda Loureiro | José Figueiredo Martins umas palavras da D. Amália, que nun- sáb e dom 15h para toda a família | M/6 ca mais esqueci: se pensasse, não para escolas durante a semana | sob marcação cantava. Depois de gravado, acho imensa piada, ‘olha que giro’. Mas an- tes fecho os olhos e canto. Fico sozi- nho comigo. A arte é um acto solitá- rio.”

Zambujo não poupa elogios a Ri- silva!designers em Abril e Maio cardo: “Sou um fã incondicional. Ele CICLO o São Luiz e o Ciclo pode cantar o que quiser. No concer- SÃO NOVOS Novos x9 esperam por si to do Pedro Jóia, cantou aquele tango em cinco eventos dedicados do Gardel de uma forma inacreditá- LUIZ x9 exclusivamente à música vel. Ele é provavelmente, a par do ABR/MAI ~1O Camané, o grande fadista de hoje. Mas quando o Camané canta outras coisas vamos sempre ter ao fado, enquanto o Ricardo Ribeiro, que tem a alma que tem, pode ser o que quiser.” Ricardo também admira Zambujo: “Admiro-o, vejo-o muito bem, é um CICLO NOVOS x9 caminho, uma forma de estar. É a es- WWW.TEATROSAOLUIZ.PT tética do seu coração e da sua mente. ABR ~ MAI É tudo uma questão de gosto e eu gos- to muito do Zambujo, somos amigos. E quem sou eu para criticar o cami- 8º FESTIVAL DA ESML nho dele?” Quanto ao fado, Ricardo 22 a 24 Abr resume: “Esta música é que me deixa NO SÃO LUIZ transportá-la, às vezes. Não sou dono dela, ninguém é. O fado é um fenó- meno que me acontece.” GUITARRA NOVA GERAÇÃO 30 Abr Ver crítica de discos na pág. 43 e segs.

PEÇAS FRESCAS 3 e 4 Mai NOVOS COMPOSITORES

CONCERTOS DO 5 a 8 Mai s CONSERVATÓRIO NACIONAL m faz com eles é que já não tem nada a ver, como entrada livre m indisfarçável paixão (ah, fadistas). Nuno Pacheco Música

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL BILHETES DISPONÍVEIS A PARTIR DAS 13H00 RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA NOS DIAS DOS CONCERTOS [email protected] / T: 213 257 640

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 29 O ouvido de Oneohtrix Point Never é o seu melhor instrumento Diz que não é músico: chamem-lhe antropólogo. Daniel Lopatin, aliás Oneohtrix Point Never, mostra amanhã na ZDB a sua magnífi ca música de sintetizadores. Pedro Rios

Daniel Lopatin, ou Oneohtrix Point funciona como uma viagem. Oferece Os teclados estão-lhe no código ge- Somos todos DJ Lopatin fica satisfeito com o maior Never, é licenciado em ciências da uma vista geral sobre anos e anos de nético. A mãe é professora de piano, Lopatin partilha com grupos como os à-vontade do “underground” com a informação, mas não precisava do gravações. Soa-me mesmo bem”, afir- o pai tocava sintetizadores nos psica- Emeralds ou agentes solitários como pop. “Quando era mais novo, e ia a título académico para ser um arqui- ma Lopatin, que desde 2003 lança a délicos The Flying Dutchmen, de Le- James Ferraro uma nova postura no concertos noise, experimentais e tam- vista de excepção. Chamem-lhe isso, sua música, maioritariamente, em ninegrado, nos anos 60. “Tudo o que “underground”. Depois de um início bém pop, havia aquela ideia de que ou chamem-lhe “antropólogo” espe- CD-R e cassetes limitadíssimas. “Rifts” sei em termos de harmonia foi a mi- de década em que grupos como os só se podia fazer uma coisa, Chegou cializado em cultura pop, só não lhe é o seu momento de maior visibilida- nha mãe que me ensinou. O meu pai Wolf Eyes ofereciam catarse em forma a um ponto em que achei isso frus- chamem músico. Mesmo que seja da de até hoje. Em Junho virá o segundo, também me influenciou porque era de ruído e outros recuperavam a folk trante porque tudo me soava pareci- sua autoria um dos pedaços de músi- “Returnal”, pela reputada Mego. um ‘rocker’, tinha cassetes interes- psicadélica, a atenção deslocou-se do. Queria aplicar tudo o que estava ca mais sublimes de 2009, “Rifts”, É uma música nostálgica, que lem- santes, música de fusão, tipo Maha- para uma mistura de memórias da a aprender”, recorda. Para além de duplo CD que compila três álbuns, e bra bandas sonoras de filmes de ficção vishnu Orchestra, coisas com muitos cultura popular em que tudo serve: Oneohtrix, está ligado aos projecto que o pôs nas bocas de meio mundo científica e os tempos em que os sin- teclados”. genéricos e anúncios televisivos, fic- Games, fixado no soft rock e na pop “underground” – e também no palco tetizadores eram máquinas recentes O pai tocava o velho sintetizador ção científica, discos new age, “hits” dos anos 80, KGB Man, Infinity Win- da Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, capazes de construir futuros. Tempos Roland Juno-60 que se ouve em esquecidos da new wave. David Kee- dow e aos Skyramps, autores de “Days amanhã. em que Daniel, 27 anos, ainda não era “Rifts” num restaurante russo algures nan, na “Wire”, baptizou o fenómeno of Thunder”, outra pérola de sinteti- “Há alturas em que me sinto mais vivo e a sua família residia em São Pe- no Massachusetts. “Via esse teclado de “hypnagogic pop”; Simon Reynol- zadores de 2009. um antropólogo, outras um alquimis- tersburgo, na Rússia, de onde emigrou desde miúdo e sempre me fascinou ds já tinha colado a etiqueta “haunto- Vestimos a pele de advogado do dia- ta, um misturador de coisas; outras para os EUA, em 1982. “Vivo fascinado – coisa louca, com um painel em ma- logy” a manifestações inglesas análo- bo: revolver o passado não conduz a ainda um produtor, alguém que pode com o período de tempo em que eu deira, parecia uma nave espacial”, gas. um beco sem saída? “A música está a guiar músicos a sério, um artista so- não existia, com a vida que a minha descreve. “Roubei-o ao meu pai quan- “Memory Vague”, um DVD artesa- morrer. O que está a acontecer hoje é noro ou um punk. Raramente um família teve que não tem nada a ver do fui para a faculdade e nunca mais nal com música e vídeos de Oneohtrix a prova disso”, responde. “O que po- músico. É louco porque sempre fiz o comigo. É um mistério para mim, nun- lho devolvi.” Point Never, é um tratado desta esté- des fazer é ‘samplar’, ler o passado e, que faço e nunca pensei que alguém ca falamos muito sobre isso. Cresci a tica. Lopatin desconstrói “samples” se fores mesmo bom, mostrar algo que fosse prestar atenção”, diz, ao telefo- sentir-me como se tivesse sido adop- de Fleetwood Mac ou Chris de Burgh, as pessoas não notaram na altura”. ne com o Ípsilon, a partir de casa, em tado porque cresci na América numa retirando deles curtos retalhos que Não há ponta de tristeza no que diz: Boston. família de russos”, revela. manipula até ficar apenas com um “Criámos um sistema em que só ce- Em “Rifts”, o “antropólogo” viaja “Adoro Beatles fantasma da canção original. “Eu e lebramos heróis musicais e ignoramos por territórios até aqui malditos, co- e Jimi Hendrix, gente como James [Ferraro] estamos tudo o resto. Adoro Beatles e Jimi Hen- mo a new age, cruzando-os com a a aplicar abordagens musicais expe- drix, como toda a gente, mas também música cósmica de Klaus Schulze e mas também gosto de rimentais a todos estes dados. Todos gosto de ouvir musica aleatória a sair outros exploradores dos sintetiza- se tornam bibliotecários. Está tudo de um carro numa rua ou um velho a dores como instrumentos de voo. ouvir um velho a no YouTube, podes encontrar tudo o tocar acordeão no metro. Essas coisas Poucos álbuns puseram máquinas que queiras escavar do teu passado são importantes. Se esse sistema de (falamos de música de sintetizado- tocar acordeão no – e também coisas que não conhecias. heróis se desmoronar pode ser bom res pura) ao serviço da emoção des- Crescemos com música feita com para a música. Podemos ter expecta- ta forma. “Gosto de ‘Rifts’ porque metro. Se o sistema de ‘samples’: hip-hop, música de dança, tivas diferentes face à música e vivê-la heróis se desmoronar ‘Discovery’, dos Daft Punk”, prosse- de maneira diferente. Pode não ser gue. “O que tens de ter é um ouvido”. uma coisa má se ela morrer”. pode ser bom para E dispara um slogan: “Em 2010 todos somos DJ. Os músicos são DJ e os DJ Ver agenda de concertos na pág. 46 e a música” são músicos.” segs.

Os teclados estão no código genético de Daniel Lopatin: a mãe é professora de piano, o pai tocava sintetizadores nos The Flying Dutchmen, em Leninegrado, antes de a família se mudar para os EUA Música

30 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon 20100329_phdhs_poster_2010_297x420.ai 1 10/03/29 12:56 20100329_phdesc_poster_2010_297x420.ai 1 10/03/29 12:58 20100415_ucoimbra_anuncio_257x339.ai 1 10/04/15 18:12

PROGRAMA INTER-UNIVERSITÁRIO DE DOUTORAMENTO EM ENVELHECIMENTO E DEGENERESCÊNCIA DE SISTEMAS BIOLÓGICOS COMPLEXOS

PROGRAMA DE DOUTORAMENTO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

ramos de medicina, medicina dentária, ciencias biomédicas, enfermagem e tecnologias da saúde O PROGRAMA CONTA COM A COLABORAÇÃO o programa de doutoramento é uma parceria entre DA ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM DE COIMBRA a faculdade de medicina da universidade de coimbra, a faculdade de ciências médicas da universidade nova de lisboa E DA ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIAS DA SAÚDE DE COIMBRA. e a escola de ciências da saúde da universidade do minho. PRAZO PARA CANDIDATURAS: 31 DE MAIO DE 2010 o programa conta com o apoio da fundação calouste gulbenkian

DATA LIMITE PARA CANDIDATURAS: 31 DE MAIO DE 2010 www.phdhs.org

INTEGRAÇÃO COM O PROGRAMA INTER-UNIVERSITÁRIO DE DOUTORAMENTO EM ENVELHECIMENTO FACULDADE DE MEDICINA E DEGENERESCÊNCIA DE SISTEMAS BIOLÓGICOS COMPLEXOS UNIVERSIDADE DE COIMBRA

   

        

deadline: May 28th 2010

      

deadline: April 30th 2010

    

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Considerado “o pai da vanguarda mu- sical portuguesa”, Jorge Peixinho “Parece estar (1940-1995) teve um papel revolucio- implícita [em Jorge nário na aproximação da criação mu- sical praticada em Portugal às mais Peixinho] uma avançadas correntes musicais euro- peias, até à década de 1960 pratica- espécie de ansiedade mente desconhecidas entre nós. No ano em se comemora o seu 70º ani- criativa que o impede versário, a escolha de Peixinho como figura central do ciclo “Música e Re- de se instalar num volução” da Casa da Música parece modelo, de se óbvia. Ao longo deste fim-de-semana, serão interpretadas algumas das suas calcificar como obras e relembradas outras efeméri- des, como os 40 anos do Grupo de artista. [Tinha] Música Contemporânea de Lisboa (criado por Peixinho em 1970) e os 50 o carácter heróico de do encontro entre o compositor por- tuguês e Luigi Nono, em Veneza, atra- uma extraordinária vés de um programa proposto pelo geração de Remix Ensemble. Peixinho marcou uma geração ví- irredutíveis. Talvez tima do isolamento cultural imposto pela ditadura e, enquanto viveu, de- estejamos ainda a senvolveu uma original acção criativa e cívica. Mas que significado assume lamber as feridas a sua figura e o seu legado para a no- va geração de compositores que já desse heroísmo” não o conheceu e se formou num con- Vasco Mendonça texto de abertura e de acesso relati- vamente fácil à cultura musical inter- que devemos caminhar olhando em sentada na Culturgest (“Jerusalém”, Ao longo do fim-de-semana, a nacional? frente, recusando a estagnação e as a partir do livro de Gonçalo M. Tava- revolução Jorge Peixinho é o Igor C. Silva (n. 1989), vencedor do apatia.” Sublinha ainda que “Peixinho res), admira o facto de Peixinho ter programa em destaque na Casa Prémio de Composição Casa da Mú- é um exemplo vivo de um manifesto produzido peças tão diferentes ao da Música sica/ESMAE 2009, conta apenas 21 que proclama o desen-volvimento longo da vida. “Parece estar implícita anos, mas tem perfeita consciência contínuo da música e da procura in- uma espécie de ansiedade criativa musical, chama a atenção para o fac- doloroso, se pensarmos que poderí- da situação político-social portugue- cessante de novas formas de expres- que o impede de se instalar num mo- to de “demasiadas vezes se ter exal- amos ainda hoje contar com mais sa anterior ao 25 de Abril e da estag- são.” delo, de se calcificar como artista, tado a personalidade de Peixinho, música sua, com a sua pedagogia e nação cultural que esta motivou. “Ha- O primeiro contacto de Hugo Ribei- uma insaciabilidade característica dos falando-se muito pouco da sua vasta com a sua intervenção cultural e cívi- via uma atitude conformista por par- ro (n. 1983) com a música de Jorge compositores fortes.” Outra dimen- obra”, que caracteriza como “assis- ca, mas é mais doloroso ainda quando te de diversos músicos, mas não era Peixinho deu-se ainda como aluno de são que o fascina “é a determinação, temática, ecléctica e sempre inespe- pensamos no seu amor pela vida, pe- o caso de Peixinho”, diz. “As suas composição. “Desde aí, o estudo da a crença absoluta na inevitabilidade rada”. “Nos últimos anos tenho tra- la arte, pela descoberta, pela partilha obras adoptam uma linguagem mais sua música tem servido de inspiração dos caminhos que toma.” Reconhece balhado algumas das suas peças, no- de conhecimentos e sensações.” No vanguardista influenciada por com- para o meu trabalho”, diz o autor da em Peixinho “o carácter heróico de meadamente as que utilizam meios entanto, considera que o mais impor- positores como Boulez e Stockhausen. ópera “Os Mortos Viajam de Metro”, uma extraordinária geração de irre- electroacústicos, e verificado que re- tante é a música, “na sua força e de- Realizou em Portugal um trabalho de estreada há poucas semanas no São dutíveis”, mas admite que os tempos presentam um salto em frente na His- licadeza, no seu lirismo e expressão divulgação extraordinário da música Luiz . “É sempre uma grande motiva- agora são outros. “Talvez estejamos tória, um salto de que só agora nos intensa, na poesia dos sons, na magia mais avançada da época, que teve re- ção ouvir a música de Peixinho e uma ainda a lamber as feridas desse hero- apercebemos”, conta. “O seu pensa- da harmonia, no encantamento das percussões também em compositores honra ter o seu nome perto do meu ísmo, mas não consigo deixar de sen- mento da música como som anteci- ressonâncias.” Por isso, parafraseia o como Constança Capdeville, Emma- num programa de concerto.” Hugo tir uma certa melancolia quando me pava o pensamento típico de criação título de uma das peças para piano nuel Nunes, Álvaro Salazar ou Clotil- Ribeiro salienta também o “louvável apercebo da dificuldade que a minha musical dos nossos dias. Jorge Peixi- preferidas de Peixinho [“Mémoire de Rosa.” trabalho do Grupo de Música Contem- geração ainda tem em assumir a mul- nho é como uma ponte entre o pas- d’une Présence Absente”]: o legado A haver uma influência de Jorge porânea de Lisboa, conservando a tiplicidade, e sobretudo o vazio de sado e este presente, que é nosso, mas do compositor é exactamente “a me- Peixinho na actual geração, Igor Silva música do Peixinho viva e provando grandes figuras que se seguiu”, acres- que já na altura era o dele”, diz. mória de uma presença ausente, ou refere o legado da própria música e que aquela geração criou objectos centa. Daniel Moreira (n. 1983), jovem de uma ausência presente.” uma herança mais filosófica. “O seu artísticos visionários” José Luís Ferreira (n. 1973), compo- compositor residente na Casa da Mú- trabalho mostra-nos como são impor- Vasco Mendonça (n. 1977), também sitor que tem dedicado grande aten- sica em 2009, lamenta que Jorge Pei- Ver agenda de concertos na pág. 46 e tantes as convicções de um artista e ele autor de uma ópera recente apre- ção à electroacústica e à informática xinho tenha morrido tão cedo. “É segs. Jorge Peixinho, memória de uma presença ausente Jorge Peixinho é a fi gura central do ciclo “Música e Revolução”, que decorre este fi m-de-semana na Casa da Música. Setenta anos depois do seu nascimento, qual é o signifi cado do seu legado junto dos compositores da nova geração? Cristina Fernandes

32 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon Ludw ig van Beethoven Se is Bagatelas op.126 Arnold Sc 28 ABRIL hönberg Suite op.25 QUARTA 19:30 SALA Claude Debussy SUGGIA | € 15 Suite Pour le Piano Alexander Scri abin Cinco Prelúdio CICLO PIANO E s op.74 DP // ÁUSTRIA 2010 Jorge Peixinho Es tudo III em Si bemol Bé maior la Bartók Im Freien

Clássica de Beet hoven, www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv T 220 120 Mi guel Borges Coelho desvend a obras-primas que revoluci onaram a composição e que se tornaram “novos clássico s” do piano. Um dos mais dest acados pianistas da actualid ade, Borges Coelho foi recent emente premiado com um Choc d a revista francesa Monde de la Musique.

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SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES. Raul Solnado f Com o seu humor, diferente de tudo o que aquele Portugal, pequenino, óbvio e autista, tinha ano depois da sua morte, é agora lançada uma nova selecção das suas gravações nos palcos, na tempo, ao país que Solnadoo ajudouajudou a

Raul Solnado na rábula “Isto é que me dói” e numa emissão do “Zip-Zip”: “O país literalmente parava [para ver o programa]. O ‘Zip-Zip criou a ilusão de que o regime estava pronto para acabar”

Chapéu discreto e pequenino, fato de nos. Entrava no imaginário de todos pessoas sentem interiormente”, con- rua e ar inocente, Raul Solnado surge “Era um humor – a favor ou contra o regime – pelo tinua. em palco, e é uma ousadia. De forma riso, pela graça. Mas também pelas “Ninguém mais tarde veio a ocupar inesperada, quase mágica, revolucio- catalítico e catártico. ideias. “[Dizia] Coisas tão sibilinas, o lugar dele porque a graça do Raul na o humor no país triste e cinzento, As coisas de que que hoje nos parecem tão simples Solnado era uma graça subtil”, com pequenino e óbvio, que era então Por- mas que na altura eram vitórias”, um toque de “irreverência que não tugal. Prescinde de efeitos e adereços, [Solnado] falava eram lembra José Nuno Martins, apresen- era gratuita, que deixava marca”, guarda-roupa e cenários. Apenas pe- tador e realizador de rádio e nos qua- completa Carlos Mendes. de uma cortina, corrida atrás do cor- um reflexo tro canais de televisão, que integrava Eram os tempos de ouro da revista po franzino, e um palco. Às vezes um a equipa do “Zip-Zip”. “Era um hu- e finalmente ela saltava para a rádio. telefone. Liga para a guerra. Conver- da sociedade. mor estranho, diferente, portador de Ouviam-se os monólogos do actor no sa com o inimigo e pede-lhe, por di- esperança.” palco, e depois em casa, pela rádio e ficuldades na frente de combate, o Ele interpreta pelos discos gravados na Valentim de favor de a suspender. Num país de o sentimento das Símbolo de mudança Carvalho, editora que vivia também preconceitos e contradições, retrata Inocentemente, o actor dava um em- tempos áureos. absurdos de um tempo obscuro e tris- pessoas, como purrão aos que queriam mudança, ao Apesar de tudo, eram anos de gran- te, e Portugal ri-se. Numa época que movimento estudantil de que o mú- de idealismo e esperança. E, em Por- também é de luzes nos palcos e na um bardo, um tipo sico Carlos Mendes fazia parte, na tugal, havia a sensação de estarem a rádio, a luz é ele. Faculdade de Letras. “Vivíamos uma começar coisas novas – com audiên- Inconscientemente, na sua desar- que resume época muito fechada e cheia de pre- cias recorde nas rádios, a profusão mante inocência, passa a ser símbolo conceitos. Aparecendo uma pessoa, das orquestras, na televisão e na Emis- de mudança. Não é uma voz política, a comunidade como o Solnado, que fosse um boca- sora Nacional, os primeiros grupos e mas a mensagem de Raul Solnado e se ergue como voz dinho além daquilo que podíamos festivais de rock, o Festival da Canção carrega esperança. Primeiro com os dizer, tornava-se um símbolo. Apare- da RTP, vários teatros de Lisboa com monólogos em palco e na televisão, interior” cendo uma pessoa que nos fazia rir, sessões à tarde e à noite, o cinema no depois com o programa “Zip-Zip”, era de agarrar e não largar mais. Era Tivoli e no Monumental, os concertos que em 1969 produziu com Carlos José Nuno Martins um oásis”, lembra. Um pouco como no Hot Clube. E ainda o Pavilhão dos Cruz e Fialho Gouveia para as noites os Beatles, na música que vinha de Desportos e o Coliseu dos Recreios, de segunda-feira da RTP. Essa voz re- fora. o Villaret, e os cafés e os bares onde aparece agora numa selecção de gra- Solando trazia mais do que alegria. os artistas se juntavam ao fim da noi- vações (sobretudo dos anos 60 e 70) Era a “erupção do ‘nonsense’”, refe- te. O Rossini no Lumiar, a Galeria 48, recentemente lançada pela Valentim re José Nuno Martins. De tão absurdo, o Maxime, ou o Porão da Nau, de on- de Carvalho. São quase 30 rábulas e o humor de Solnado punha a nu o de era transmitido para o Rádio Clube canções que convidam à viagem a es- ta ou da televisão, ouvem-se os risos, absurdo da vida. Português o programa “A Noite é Nos- se mundo fechado, sim, mas onde sentem-se as pausas e as gargalhadas As pessoas tinham notícias dos Be- sa”, de Rui Castelar. Havia as tertúlias tudo começava. que se antecipam às palavras. atles, do Maio de 68, das exigências nos cafés do Monumental ou no Mon- Entre a mais antiga, “O Alfacinha “São momentos absolutamente ir- dos estudantes, da guerra de Angola te Carlo, ou nos bares onde se estava de Gema”, de 1956, e a mais recente, repetíveis, são gravações que ficam e Moçambique, mas nada disso pas- até ao raiar do dia. “Noivas de Santo António”, de 1982, para a posteridade”, diz a filha da ac- sava na televisão. Com “A Guerra de As pessoas iam ao teatro ver a Lau- encontra-se a célebre rábula de 1962, triz Maria Lalande, Isabel Maiorca, 1908”, diz José Nuno Martins, “Sol- ra Alves, o Vasco Santana, o Raul Sol- “A Guerra de 1908”, onde o actor faz que recorda esses tempos em que nado reduz ao absurdo uma situação nado, e ouviam as canções de Amália, de desempregado que lê um anúncio “havia muito mais actores, muito mais perfeitamente dramática para a so- António Calvário, Madalena Iglésias, no jornal a pedir um soldado “que companhias de teatro a funcionar”. ciedade portuguesa”. E lembra: todos , Artur Garcia, elei- mate depressa”. A selecção de David Ainda vê magia na figura de Solnado, os meses saía um barco de tropas pa- to várias vezes pelos ouvintes “Rei da Ferreira, que lançou também outras quando cantava ao lado de Milú, “Eu ra Angola com cenas lancinantes de Rádio” e “Príncipe do Espectáculo”. compilações de Solnado, inclui tam- gosto de ti, Bebé/ Eu gosto de ti, Zizi”, mulheres de preto em despedidas no “Então não há que ter saudade desse bém monólogos e entrevistas do “Zip- na revista “A Vida é Bela”, do Teatro cais: “Era um humor catalítico e ca- tempo?”, lança Artur Garcia. “As coi- Zip”, como a homenagem aos bala- Capitólio, em 1960. tártico. As coisas de que ele falava sas aconteciam naturalmente. O ro- deiros do programa, “Entrevista de No palco do Parque Mayer, Solnado eram um reflexo da sociedade. Ele mance era maior e as pessoas gosta- Ludgero Clodoaldo”, e duas outras brincava com a expressão facial, ti- interpreta o sentimento das pessoas, vam mais dos artistas portugueses. paródias à guerra, “É do inimigo?” rava partido da gaguez, jogava com como um bardo, um tipo que resume Íamos cantar ao Festival da Canção, (1963) ou “Chamada para Washing- palavras, e com elas reflectia uma a comunidade e se ergue como voz e o país parava. Na televisão, faziam- ton” (1966). Nos monólogos de revis- imagem desse Portugal dos pequeni- interior. Ele expressa aquilo que as se programas maravilhosos, como o Televisão

34 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon foi um caso sério a visto ou ouvido até então, Raul Solnado não fez só rir: foi um símbolo da mudança. Quase um a rádio, ou no programa “Zip-Zip”, que fez para a televisão. Viagem, com alguns protagonistas desse a desmontardesmontar.. Ana Dias CordeiroCordeiro

Nas suas rábulas sobre O MATOS

a guerra, Ã O Solnado MATOS JOÃO J falava com o país que se estava a matar NUNO FERREIRA SANTOS no Ultramar: milhões de portugueses adorariam pegar no telefone e, como ele, pedir ao inimigo para suspender a António Calvário Solnado simboliza os tempos “das Carlos Mendes “Vivíamos uma época muito fechada e Guerra duas sessões diárias de teatro sempre esgotadas, do sair cheia de preconceitos. Aparecendo uma pessoa, como o Colonial para jantar antes de se ir à revista, das luzes na noite de Solnado, que fosse um bocadinho além daquilo que podía- uma Lisboa alegre, cheia de movimento” mos dizer, tornava-se um símbolo”

‘Melodias‘ de Sempre’, em directo.” era uma figura ímpar. Como actor e da Guilherme Cossoul, José Viana. E Fala da sua experiência e do amigo como homem, como pessoa huma- como mais tarde lutou para construir AntónioA Calvário, com quem parti- na.” o Teatro Villaret. lhoul o sucesso do “nacional cançone- Reconhece a “necessidade quase tismo”,t uma expressão inventada A piada pela piada física de ouvir as pessoas rir” e da pelop jornalista João Paulo Guerra – por A compilação agora lançada dos dez “função crítica do cómico”. “O cómi- vezesv tinham de sair dos espectáculos monólogos do “Zip-Zip” termina com co tem obrigação de ridicularizar pes- escoltados,e porque eram assaltados uma entrevista no último programa, soas, instituições, organismos que porp grupos de admiradoras. “As coisas em Dezembro de 1969, em que Solna- estão errados. Para o povo ir para ou- foramf tão fortes, tão vincadas, que do não veste a pele de “O Ladrão Al- tro lado, para outro caminho”, diz. aindaa hoje, passados 50 anos, as pes- fredo”, “O Homem do Emblema” ou “Mas a piada pela piada também po- soass nos cumprimentam na rua. E as “John Silva”, antes revela um pouco derá funcionar.” mulheresm nos mandam beijinhos.” de si próprio. O pai levava-o muitas Conta ainda como o pai o ensinou Quase 50 anos passados, e o Maxi- vezes ao teatro e um dia, com sete a ser uma pessoa justa e diz que quer mme volta a ser palco de artistas desse anos, emocionou-se ao ver João Villa- preparar os filhos para a vida “apenas tempo:t Artur Garcia e António Calvá- ret na peça “A Recompensa”. Nesse no sentido da bondade, da justiça e rio,r mas também José Cid e Simone dia, resolveu ser actor. Recorda como da liberdade”. Explica como o conví- ded Oliveira. “Independentemente das se estreou, ainda como amador, em vio com os presos de uma penitenci- modasm e dos estilos, há boas vozes e 1952 no Maxime, um dos lugares da ária onde o pai tinha uma fábrica o bonsb artistas que conseguem trans- noite de Lisboa, pela mão do amigo tornou uma pessoa capaz de encarar mitirm ao público aquilo que transmi- “as pessoas sempre pelo lado me- tiamt na altura”, explica Manuel João lhor”. “Qualquer pessoa vale a pena. Vieira,V que em 2005 assumiu a direc- Todas têm um lado bom.” çãoç artística do antigo cabaret na Pra- Com estas palavras, Solnado so- çaç da Alegria em Lisboa. “Há canções bressaía nesse tempo em que o país boas,b e as pessoas esquecem-se, mas era, para Carlos Mendes, “politica- àsà vezes gostam de se lembrar delas.” Na última emissão mente tão mau, tão desumano”. O UmaU saudade? “Talvez saudade de cantor ganhou o Festival da Canção umau certa simplicidade.” do “Zip-Zip”, Solnado de 1968 com “O Verão”, e voltou com A nostalgia desse tempo, para An- “A Festa da Vida”, em 1972, mas é da tóniot Calvário, não é uma nostalgia reconhece a “função sua participação no grupo de pop/ dod momento político. Mas uma nos- rock “Sheiks”, com Paulo de Carva- talgiat das “diversões que foram êxitos, crítica do cómico”: lho, Fernando Chaby e Jorge Barreto, dasd duas sessões diárias de teatro que guarda vívidas recordações de um sempres esgotadas, do sair para jantar “O cómico estilo de vida de vedeta, com os qua- antesa de se ir à revista, das luzes na tem obrigação de tro a andar para todo o lado de avião noiten de uma Lisboa alegre, cheia de e de limousine, ao estilo dos Beatles. movimento”.m Sobre esses tempos, ridicularizar pessoas, Tal como a banda de Liverpool, eram escreveue um livro, “Histórias da Mi- tomados por raparigas aos saltos em nhan História”, onde conta as suas ac- instituições, frente ao palco e a quererem chegar tuaçõest para os militares portugueses perto, arrancando-lhes a roupa de eme Angola e Moçambique, integrado organismos que estão forma desenfreada. nasn “Caravanas da Amizade” que le- “Nos anos 1960, a influência anglo- vavamv grupos de artistas para o Ul- errados. Para o povo saxónica marcou muito a nossa juven- tramar.t Lembra-se da emoção quando ir para outro lado, tude. Os Beatles foram condutores de entooue os versos de “O regresso” (“Ó uma certa irreverência que nós aplau- minham terra onde eu nasci/Quanta para outro caminho. díamos e queríamos nos nossos paí- saudades eu tive de ti”) num espectá- ses. Esse percurso de revolta, de uma culoc improvisado num armazém de Mas a piada pela juventude que quer liberdade, culmi- umau aldeola do interior de Angola. na no Maio de 68.” Sorri mas não Também Raul Solnado era ouvido piada também exulta ao lembrar esse tempo, que nessesn lugares recônditos de guerra, compara a uma paixão impossível de atravésa da Emissora Nacional. “Ele poderá funcionar” viver. Por razões políticas – de di-

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 35 comedy”. Inspirado por Miguel Gila, “Era um país adapta textos deste conhecido humo- rista espanhol. “Raul deu uma viva- pequenino, cidade a esse tipo de textos. Eram o provinciano absurdo positivo, uma coisa esperan- çosa”, diz José Nuno Martins. e preconceituoso, era Solnado acredita – e quer que acre- ditem – na sua intuição. O sucesso de um Portugal cinzento, rábulas virá a dar-lhe razão: será o caso de “A Guerra de 1908”, a primei- analfabeto, triste ra faixa da compilação agora lançada, que esteve para não acontecer numa e manhoso. [Mas] revista no Teatro Maria Vitória, no havia uma ideia Parque Mayer, em 1962. Sobre esse episódio, o próprio hu- de futuro, uma ideia morista conta na entrevista no último programa do “Zip-Zip”: “[Quando a de que o futuro ia ser ouvi em Espanha] Achei aquela his- tória um documento de humor e de melhor, que estava paz extraordinário. Muito bonito. So- bre um homem que vai para a guerra tudo a começar. e não sabe nada daquilo.” Solnado E nesse aspecto havia esteve quase para desistir a pedido da produção da revista. Pensou e, no frescura” dia seguinte, mostrou-se determina- do: “Eu vou fazer. Então fui, entrei Carlos Mendes sozinho naquele palco enorme – eu já sou pequenino – e foi um grande sucesso.” Não havia militância. Mas pelo ines- perado e, por um certo absurdo, o tadura e guerra colonial – vivia-se efeito passava a ser portador de ino- uma época “horrível”, insiste. “Era vação e mudança e o impacto passa- um país pequenino, provinciano e va a ser político. Sobretudo mais tar- preconceituoso, era um Portugal cin- de, nos textos que escreveu com Fia- zento, analfabeto, triste e manhoso”, lho Gouveia e Carlos Cruz, entre continua. E o humor de Solnado re- outros, para o “Zip-Zip”. flectia essa condição de ignorância, Com quatro milhões de telespecta- obscurantismo e censura. dores, o programa transformou-se Mas concede: “Havia uma ideia de num fenómeno. “Era mais forte do futuro, uma ideia de que o futuro ia que a censura”, diz José Nuno Mar- ser melhor, que estava tudo a come- tins. “O país literalmente parava.” E çar. E nesse aspecto havia frescura.” o “Zip-Zip” só parou, menos de um Não há nostalgia, mas um reconhe- ano depois de ir para o ar (entre Maio cimento de um tempo de uma certa e Dezembro de 1969), porque Solna- inocência, de um idealismo, de uma do tinha outros compromissos. Em verdade, de “um tamanho da vida que plena Primavera Marcelina, o “Zip- se perdeu com o cinismo dos nossos Zip”, que era filmado no palco do dias”, nas palavras do encenador Lu- Villaret, criou a ilusão de que a mu- ís Miguel Cintra, que então estava dança era logo possível. envolvido no surgimento do teatro Em “Fritz”, rábula do turista ale- independente. “Vivemos aquela épo- mão com tal alcunha porque o pai ca com um desejo de mudança total. inventou a batata frita, vai dizendo: E muita esperança de que um dia as “O clima em Portugal está a mudar coisas fossem diferentes.” muito devagarinho.” A música que se Há orgulho de artista e orgulho de segue à rábula em homenagem aos ter sido parte de uma época em que baladeiros, “Entrevista de Ludgero a vida acontecia. “Tivemos a felicida- Clodoaldo”, “Senhor, Estou Farto” ou de de ver tudo – a chegada do homem ainda “O Ladrão Alfredo” são outros à lua, o fim do Vietname, as revoltas dos momentos do programa que po- com o Maio de 68, o aparecimento da dem ser recordados nos discos lança- pop/rock”, continua Carlos Mendes. dos. Mas não pode haver nostalgia, ressal- Era um tempo de ligeira ou aparen- va. Quase toda a gente teve um fami- te abertura, com a chegada ao poder liar ou um amigo preso, torturado. As de Marcello Caetano em Setembro de pessoas eram forçadas ao exílio. Mui- 1968. Na revista, contornava-se a cen- ta gente emigrava. Os jovens partiam sura. Na imprensa, convivia-se com para a guerra. ela, lançando, como no teatro, men- “No teatro, tivemos um público que sagens subliminares. No “Zip-Zip”, ainda hoje fala desse tempo”, recorda também se falava nas entrelinhas. a actriz Carmen Dolores. “Faziam-se José Nuno Martins lembra com es- muitas ‘tournées’ e no fim da época pecial emoção a estreia do programa, sabia-se que os espectáculos eram que teve o pintor Almada Negreiros apresentados fora. Ia-se muito ao Bra- como convidado. As pessoas não o sil. Não é como agora. E havia muitos conheciam. “Foi tão estranho e foi tão empresários [do espectáculo].” bom para as pessoas verem um ho- mem tão livre, a falar daquela manei- Primeira “stand-up comedy” ra, não de política, mas de ideias.” O teatro de revista florescia, e é nesses “Houve sensatez.” Era o primeiro pro- palcos que Solnado lança a “stand-up grama e logo se impôs.

36 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon O realizador e produtor, na altura equipa de produção do “Zip-Zip”, era ainda estudante universitário, foi ele quem negociava com o presiden- chamado para colaborar no progra- te da RTP, Ramiro Valadão, o que

PEDRO CUNHA PEDRO CUNHA PEDRO ma. Recebia centenas de cassetes por podia ou não passar. Os censores ti- semana, e a partir daí escolhia os mú- nham lugares cativos no espectáculo sicos, ou baladeiros, que haviam de de gravação, cortados antes da trans- tocar nas mudanças cénicas, os “in- missão. Algumas partes iam à vida. termezzos”, para poupar dinheiro do Mas a própria novidade mudava a orçamento do programa, quase todo maneira de ver, de pensar Portugal. absorvido pela orquestra, que tocava Fenómenos mediáticos como o a música “mainstream” do programa “Zip-Zip”, houve mais tarde a teleno- e o indicativo. Assim se ouviu pela vela brasileira, baseada no romance primeira vez Manuel Freire cantar “A de Jorge Amado, “Gabriela Cravo e Pedra Filosofal”, e também Rui Min- Canela”, e o “Chuva de Estrelas”. Mas gas e Francisco Fanhais, entre outros nenhum programa, até hoje, conse- baladeiros famosos. guiu destronar o “Zip-Zip”, no sentido Manuel João Vieira “As pessoas esquecem-se [do Carmen Dolores “No teatro tivemos um público que do impacto mediático simultanea- nacional-cançonetismo dos anos 60], mas há canções bo- ainda hoje fala desse tempo. Faziam-se muitas ‘tournées’, O princípio do fi m mente emocional e político que teve, as e às vezes gostam de se lembrar delas. Talvez [tenham] ia-se muito ao Brasil. Não é como agora. E havia muitos Tudo era inovador. Mesmo o enqua- diz José Nuno Martins. saudade de uma certa simplicidade” empresários [do espectáculo]” dramento da câmara, que fazia gran- “O ‘Zip’ resumiu, sintetizou tudo o des planos nas caras dos entrevista- que se estava a passar”, acrescenta. dos e, na passagem de um plano pa- “As pessoas que nos conheciam di- ra o outro, impunha cortes na ziam ‘Obrigado’”, lembra com emo- narrativa, e um suspense, uma verti- ção. “O humor ganhou um estatuto. gem que era também uma marca do E o ‘Zip-Zip’ criou a ilusão de que o programa, lembra José Nuno Martins. regime estava pronto para acabar.” O momento mais esperado era a rá- Era a novidade que abalava. “Um bula de Solnado. Era quando o pro- caso sério”, como referiu o jornal “Es- grama tinha um efeito “fortemente tado de São Paulo”: “Quem ri com político”. Solnado, ri com seriedade. Sabendo Solnado era a figura central. Da que rir também é coisa séria.”

Alberto Carneiro | Rui Chafes Curadoria: Sara Antónia Matos Exposição: 10 de Março até 21 de Maio de 2010 Horário: de quarta-feira a sábado, das 15h às 20h

Por ocasião da exposição será publicado um catálogo, co-edição fcc / assírio & alvim Ciclo de conversas: Paulo Pires do Vale – dia 10 de Abril (sábado) às 17h00 Bernardo Pinto de Almeida – dia 17 de Abril (sábado) às 17h00 João Miguel Fernandes Jorge – dia 15 de Maio (sábado) às 17h00 fundação carmona e costa Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova de Lisboa) Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 Lisboa (Bairro do Rego / Bairro Santos) Tel. 217 803 003 / 4 www.fundacaocarmonaecosta.pt Metro: Sete Rios / Praça de Espanha / Cidade Universitária Autocarro: 31

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 37 Acontece. De repente, uma imagem “Se calhar, nestas Algumas A polémica surgida Espanha em de Viver”. Têm escalas, formatos dis- aparentemente banal (da luz que en- imagens de “O torno da memória das vítimas do fran- tintos. Algumas são a preto e branco, tra em casa, de uma sombra no chão) fotografias em que Ofício de quismo prolonga a reflexão: “[A me- a maioria a cores. Outras sugerem impõe-se de tal forma que nos damos Viver”, como mória] passa também passa por uma elementos autobiográficos e, até, uma conta da sua raridade.As fotografias nada acontece, digo este auto- reposição da verdade e não pode ser narrativa: “Há uma história. Uma se- que Daniel Blaufuks (Lisboa, 1963) retrato de recusada. Aliás, creio que não pode- quência de passos e de posições. As apresenta em “O Ofício de Viver”, na mais sobre o que está Daniel mos nem recusá-la nem viver nela, imagens fazem diagonais com outras; Galeria Carlos Carvalho, em Lisboa, Blaufuks, são mas num lugar intermédio. Somos o relógio com o calendário, o corpo recordam-nos essa possibilidade de a acontecer do que autobio- uma equação da memória pública e da jovem com o cemitério”. resgatar as coisas do dia-a-dia à indi- outras obras que gráficas, da memória privada. Os meus avós A relação com a pintura também ferença do tempo. Um copo de água, quase vieram para Portugal por causa do sobressai: “Há uma aproximação cla- três limões, uma mão, um “tupperwa- tentam salvar narrativas: nazismo e consigo pôr num canto o ra e consciente à natureza-morta. Ela re”, uma caixa de moedas. Assim, sem “Há uma que é a recordação do mundo e a ou- evidencia a transição, a passagem da mais. “São fotografias de não-aconte- o mundo” história. Uma tro o que é a recordação transmitida vida. Trabalho essa simbologia; o co- cimentos”, acorre o artista. “Sabemos sequência de pelos meus avós. Sim, estou a dizer po de água pela pureza e pela fragili- que foram feitas no passado, mas po- passos e de que a memória também é política”. dade; os limões pela fidelidade; as dia fazê-las hoje ou na próxima sema- posições” Voltamos às fotografias de “O Ofício moedas pela posse e pela vaidade”. na. Nada ali é o clique desejado pela Voltaram as pessoas, depois, a ver os sociedade do espectáculo. Nelas nada filmes? Não voltaram? Ainda existem, acontece”. Ou acontece? Bom, a res- ainda têm aquelas memórias?”. A úni- posta, se existe, não se faz ansiosa. É ca excepção é um filme do próprio lenta. Apanhamo-la na volta. (feito em sua casa) que, como os ou- “O Ofício de Viver” é uma exposição tros, passa a pertencer à memória do inspirada na obra homónima de Ce- espectador. sare Pavese (1908-1950) ou, mais es- No Carpe Diem, o próprio espaço pecificamente, em certas passagens, – o Palácio Pombal – acrescenta me- frases e aforismos que o escritor ita- mórias às memórias da exposição. liano deixou nos seus diários, entre Descobrimos o palácio fixado em ima- 1935 e 1950. Sobre a experiência do gens que tremem, desaparecem, ga- tempo e as memórias que restam dos nham e perdem cor, enquanto se ou- dias. A ligação é, desde logo, introdu- vem notas e melodias de piano entre- zida pelo parágrafo na montra da ga- cortadas pelo barulho de passos. leria e espraia-se do chão, em palavras Daniel Blaufuks construiu uma espé- escritas, até às fotografias, “imagens cie de cubo branco habitado por um de interiores, de pormenores íntimos, fantasma. “Queria trabalhar sobre o caseiros, e que têm a ver com o que o próprio espaço e descobri, por acaso Pavese escreve: a curiosidade não de- no PÚBLICO, que o Luís Freitas Bran- ve estar na viagem, mas naquilo que co tinha lá vivido. Parti daí. O que ou- vemos todos os dias”. “A vida, feliz ou vimos são os sons actuais do espaço infelizmente, é feita disso”, resume expositivo e a música do Freitas Bran- Blaufuks. Continua tocado pela sub- co. Como se ele continuasse a tocar jectividade do tempo, e a trazer para lá fantasmagoricamente. Há uma con- a sua arte uma reflexão sobre a ideia jugação de dois tempos”. de memória, pessoal e colectiva, pú- A película, entretanto, corre com blica e privada. Há dois anos, em “Ar- as suas imperfeições, as suas “evoca- quivo”, individual do artista na Vera ções”. “Aprecio o erro no super 8. A Cortês, em Lisboa, já tinha revelado, palavra película vem de pele, que é ou tornado mais manifesto, esse “ca- algo que não sentimos no vídeo. Pa- minho”; agora volta a percorrê-lo em rece que lhe podemos tocar e, ao mes- “O Ofício de Viver” e noutra exposição mo tempo, deixamos de entender o complementar, “A memória da me- que é passado ou presente”. O som mória”, até 29 de Maio no espaço Car- enfatiza a deslocação. Registado em pe Diem – Arte e Pesquisa. várias salas, justapõe os sons mais distantes àqueles que acontecem, A pele da película eventualmente, por trás da parede O uso da película, do super 8, como falsa. forma de preservar e mostrar imagens Independentemente dos fantasmas é a linha que junta as duas exposições, em jogo, a escala destas memórias sem as confundir: no Carpe Diem, permanece pequena: “A projecção de deparamo-nos com fotografias de cai- filmes super 8 foi sempre familiar, xas de bobines, invólucros apenas, caseira. As imagens não eram muito que guardam a “Memória dos outros” grandes e não havia muito espaço de (este é o nome da peça). Na Carlos recuo para quem via”. Carvalho, é exactamente essa “me- mória” que se activa, em “Blaufuks O tempo que passa Memory Films”, série de filmes gra- É uma pergunta feita noutras ocasiões vados por turistas estrangeiros em ao artista e que voltamos a arriscar. Portugal. A projecção, próxima do Nostalgia? “Não. Interessa-me antes tecto, obriga o olho e o espectador a a memória, a ideia de arquivo, de ba- procurarem a melhor posição. Como se de dados. A noção de que há uma se nos quisesse dizer: “Aceder à me- coisa para trás. A memória é o que faz mória, tua ou dos outros, não é uma sermos quem somos. Como pergunta coisa simples”. Conta Daniel Blaufuks: o [Fernando] Pessoa, ´porque hei-de “São filmes de viagens de pessoas que ir à Muralha da China, se tudo o que não conheço, encontrei-os todos na lá vou ver, sou eu próprio?’ Nunca Feira da Ladra. O que lhes aconteceu? deixamos de nos transportar.” Daniel Blaufuks escrev memórias em s Com duas exposições simultâneas em Lisboa – “O Ofício de Viver”, na Galeria Carlos Carvalho,

Exposições Diem –, Daniel Blaufuks prossegue uma refl exão sobre o tempo inspirada por Pavese e pela

38 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon Depois há coincidências inesperadas. forma de combater a mesma angústia “A minha fotografia esteve sempre que levou o escritor ao suicídio? “Sim. muito ligada à pintura e ao cinema, e Há, nesses momentos, um sentimen- desta vez creio que está mais próxima to de estarmos vivos. Pode acontecer da primeira. Levo essa relação a um em casa a olhar para chuva. Mas é outro patamar e é curioso ver que is- preciso que estejamos conscientes do so coincide com a exposição das na- tempo que passa”. E de volta às foto- turezas-mortas na Gulbenkian”. grafias de não acontecimentos, o que E a literatura? “Há uma ideia de es- contam elas? “Posso estar atento aos crita na fotografia e eu consigo escre- problemas da Palestina e continuar a ver com fotografias”. No chão, “tro- fazer o meu trabalho. Se calhar, nestas peçamos” numa frase de Cesare Pa- fotografias, em que nada acontece, vese, “Hoje, nada.” “Apesar de digo mais sobre o que está acontecer remeterem para o universo dele, [es- do que outras obras que tentam salvar tas frases] dizem-nos respeito”. Pode o mundo.” esse encontro com os pormenores, com o que o resta dos dias, ser uma Ver agenda de exposições na pág. 48.

2009

ANA BRAGA, INÊS MOURA E SUSANA PEDROSA APRESENTAM OS TRABALHOS PREMIADOS PELA 5ª EDIÇÃO DO BES REVELAÇÃO. DE 15 DE ABRIL A 18 DE JUNHO

/// ENTRADA GRATUITA

eve as suas

// MORADA // HORÁRIO Praça Marquês de Pombal Segunda a Sexta super 8 nº3, 1250-161 Lisboa das 9h às 21h // TELEFONE // EMAIL , e “A memória da memória”, no Carpe 21 359 73 58 [email protected] a natureza-morta. José Marmeleira

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 39 O aroma do incenso já se espalhou dos os ofícios: a interpretação, as lu- por todo o teatro. Os últimos prepa- zes, o som. Tudo misturado”, revela rativos estão em curso. Por isso, es- a encenadora. PEDRO CUNHA PEDRO Em Leenane, peramos, sentados em cadeiras esto- Mas o verdadeiro motor do traba- fadas a veludo grená. Olhamos a cha- lho foram os actores. “Contei esta ma das velas e os “naperons” que história com eles, com os seus medos. cobrem o tampo das mesas de madei- Eles deram sugestões com o seu tra- ra. Esperamos mais um pouco. Espe- balho, a orgânica, a maneira de ver. os dias não são ramos “A Rainha da Beleza de Leena- Deram toda a sua alma. Eram os ac- ne”, que se estreou ontem, no Teatro tores que eu queria para contar a his- Meridional, em Lisboa, e que por lá tória que eu queria”. Nuria explica:

Teatro vai ficar até 30 de Maio. “A Elisa Lisboa foi uma descoberta A sala está escura, ouve-se o baru- maravilhosa para mim; a Natália, lho da chuva. Mas não pode ser lá fo- bem, eu queria que ela fizesse outras lá muito ra, quando entrámos estava um bo- personagens, uma que lhe desse ou- nito sol. É a chuva intensa que sempre tras coisas, e esta é maravilhosa para cai sobre Leenane. Uma aldeia em isso; há anos que não via o Almeno, Connemara, na Irlanda, quase vazia, mas soube logo que ele era o Pato Do- porque, no início dos anos 90, muitos oley. Para os rapazes, fizemos um dos seus habitantes emigraram em ‘casting’ e o José Mata pareceu-me busca de trabalho. muito bem, a mim e a toda a equipa. Maureen Folan (Natália Luíza) fi- Estou muito contente, são quatro ac- felizes cou. Solteira, aos 40 anos, toma con- tores que trabalharam muito. Isso é ta da mãe, Mag Folan (Elisa Lisboa), o que eu acho que o teatro é – traba- uma septuagenária egoísta e manipu- lho. Tentei usar a minha intuição, “A Rainha da Beleza de Leenane” é o Teatro Meridional ladora. As irmãs já saíram de casa e fazer-me entender. Não só pelo meu pouco se interessam por quem lá fi- idioma – porque o meu “portunhol” a brincar com a comédia negra das relações entre mãe cou. A monotonia da vida das duas é é bastante bom! – mas entender a pe- quebrada quando Ray Dooley ( José ça, o caminho que eu queria seguir. e fi lha. A cópia da vida, sem julgamentos morais, desde Mata), um vizinho, anuncia a chegada Acho que os ensaios são a melhor par- de Inglaterra, para onde emigrou, do te dos processos do teatro, mas estou ontem em Lisboa. Clara Campanilho Barradas irmão mais velho, Pato Dooley (Alme- muito curiosa para ver a reacção das no Gonçalves). Começa assim a nas- pessoas”. cer uma história entre Maureen e Pato, que poderia ser de amor, mas A vida é uma tragicomédia que o jogo perturbador das emoções O trabalho e os excelentes actores são vai revelar não ser possível. Com isso, uma peça fundamental na engrena- são também desvendados alguns se- gem desta nova produção do Meridio- “A Rainha da Beleza gredos, que mais valia terem ficado nal. Mas o texto dá uma ajuda. Depois de Leenane” mostra o difícil encobertos. de uma investigação inicial, o texto que é sobreviver a algumas “A Rainha da Beleza de Leenane”, de McDonagh caiu sobre Nuria como relações humanas do irlandês Martin McDonagh, pode uma bênção. “Eu leio muita coisa. E ser uma comédia negra ou uma tra- quando descobri esta peça pensei que gédia cheia de humor. É uma análise era óptima. Descobri o texto em es- das relações – por vezes ou sempre panhol. Mas só eu é que pude lê-lo, disfuncionais – no interior das famí- claro! Depois conseguimos em inglês lias. A encenação é de Nuria Mencía, e a tradução, do Paulo Eduardo Car- actriz espanhola, que o Meridional valho, é muito boa. Não perdeu o rit- quis desafiar. “Somos amigos há mui- mo. Também descobri que já tinha tíssimos anos e a vontade de traba- sido encenada em Évora [produção lharmos juntos sempre existiu. Foi um CENDREV no Teatro Garcia de Resen- convite maravilhoso”, diz a actriz. de, em 2003]”. A encenadora apaixo- O texto, diferente daqueles que o nou-se pelo texto “desde o primeiro Meridional costuma trabalhar, repre- momento”: “É um texto que não tem sentou um duplo desafio para o gru- moralismos, acho que isso é indispen- po: por um lado, aborda as debilida- sável para contar as coisas que nos des humanas, por outro, havia uma acontecem hoje em dia. Os diálogos actriz que nunca tinha encenado a são muito fortes, têm um lado muito comandar os trabalhos. “Estou muito cómico e outro muito cruel e dramá- feliz com a viagem que foi encenar tico. Essa mistura, essa coisa de ser esta peça, porque o Meridional abriu- uma tragicomédia, com todas as le- me verdadeiramente as portas. Às tras, interessou-me muito. Porque a vezes, abrem-te as portas mas é a fin- vida é isso: momentos muito bons e gir e dão-te uma grande chapada na momentos muito maus”. cara. Desta vez, foi verdadeiro, con- Depois da peça, precisamos de uns fiaram em mim”, sublinha. minutos para nos recompormos. As O processo de trabalho adoptado relações disfuncionais que acabámos por Nuria envolveu todas as áreas do de ver “são os contrastes da nossa vi- teatro. “Eu levei o guião, mas foi um da, que nos levam do lado escuro ao trabalho de partilhas, de partilhas lado claro”. “Gostava que o público verdadeiras. Foi uma mistura de to- levasse essa sensação consigo, que não ficasse a pensar quem é mau e quem é bom. É uma peça que fala do difícil que é sobreviver a algumas re- lações humanas, mas sem vícios, sem julgar as personagens”, explica Nu- ria. Martin McDonagh disse que se, ao fim do dia, as pessoas escrevessem o “Essa mistura, essa que fizeram, muita gente pensaria que estava maluca. Foi esse equilíbrio coisa de ser uma precário que a encenadora quis ver retratado na peça. “As coisas têm mui- tragicomédia, com tas cores. É o que nos faz viver. Por- que não vemos tudo a preto e branco. todas as letras, Nesse sentido, este texto é totalmen- te beckettiano, há uma procura de interessou-me muito. felicidade constante mas que nunca Porque a vida é isso: é alcançada”. A reflexão vai connosco quando momentos muito saímos. O aroma do incenso envolve- nos outra vez. Lá fora, os irmãos Do- bons e momentos oley fumam um cigarro. E, sim, nós muito maus” sabíamos, não está a chover. Ver agenda de espectáculos na pág. Nuria Mencía 42

40 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon Muriel Spark O apogeu de uma escritora, em nova edição. Pág. 49 Teatro Bruto PIMENTA PAULO O vampiropç de Gonçalo M. Tavares sobesobe ao papalco.lco. Pág.Pág. 40

CarlosCa Barreto Mão Morta SeguroSeg ao volante dos Lokomotiv, Com disco novo no Coliseu PAULO CUNHA MARTINS PAULO emm “Labirintos”.Labirintos . Pág.Pág. 44 dos RecreiosRecreios.. Pág.Pág. 46

Deolinda CARMO RITA A catraia cresceu e já manda postais, com “Dois Selos e Um Carimbo”. Pág. 43

Matthew Herbert fez uma canção sobre o Porto num disco em que ele é a orquestra toda (maestro incluído). Pág. 43

13ª edição

Termina em 30 de Abril o prazo para a recepção das obras destinadas à 13ª edição do Prémio Literário Fernando Namora. A este prémio no valor de 25 mil euros, podem concorrer autores portugueses, individualmente, através das editoras ou de outras entidades. Mais informações www.casino-estoril.pt

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 41 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelentee

A performer e dde vodka, uma peruca, coreógrafa canadianaa uuma barba e um pouco Antonija Livingstonee dde música caseira. “The Solo estará amanhã no PPart” questiona os papéis Auditório de Serralveses ttradicionaisr do ballet para mostrar “The e da dança conceptual, Part”, um solo em quee rreformulando-ose com usa como adereços umm uuma imprevisível energia sofá velho, uma garrafaafa quqqueer. É às 22h.

vida de Vujik e cujo filho tem um Sangue do destino deixado em aberto no final AgendaA d da trama. O vampiro surdo-mudo século XXI rouba, pela primeira vez, o retrato Estreiam Vinte e Sete - Festival Internacional de uma pessoa, condenando Elena de Teatro. Nikolik a vaguear pela cidade de Jardim Suspenso 7: AM Na sua nova produção, Belgrado em busca do filho. De Abel Neves. Encenação de De Ricardo Alves e Salgueirinho o Teatro Bruto adapta Se tivermos em mente a Alfredo Brissos. Com Carla Chambel, Maia. Pela Palmilha Dentada. representação típica destas criaturas Simone de Oliveira, entre outros. Encenação de Ricardo Alves. Com “A Fotografia”, conto de Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio. fantásticas, “O Vampiro de Belgrado” Pç. D. Pedro IV. De 29/04 a 30/05. 4ª a Sáb. às Ivo Bastos e Rodrigo Santos. Gonçalo M. Tavares. Ana pode continuar a surpreender: num 21h45. Dom. às 16h15. Tel.: 213250835. 12€. Porto. Teatro Sá da Bandeira - Sala-Estúdio Latino. R. Sá da Bandeira, 108. Até 9/05. 4ª a Dom. às cenário em constante mudança Maria Henriques Vítima da Crise 21h46. Tel.: 915000464. 4,99€ a 9,99€. graças aos elementos multimédia José. Rubem. Fonseca O Vampiro de Belgrado predominantes na encenação, a sonoplastia choca, propositadamente, A partir de Rubem Fonseca. Pela De Gonçalo M. Tavares. Pelo Teatro CTB e Escola da Noite. Encenação de com o tradicional imaginário negro. Bruto. Encenação de Miguel Cabral. António Augusto Barros. Com Allex Com Isabel Nunes, Pedro Mendonça. Projecções luminosas que nos Miranda, Carlos Feio, entre outros. convidam a embarcar numa Coimbra. Teatro da Cerca de S. Bernardo. Pátio da Porto. Fundação Escultor José Rodrigues. Rua da locomotiva em grande velocidade, Inquisição. Até 30/04. 3ª a Sáb. às 21h30. Tel.: Fábrica Social. Até 22/05. 5ª a Sáb. às 22h. Tel.: 239702630. 220109020. 5€ a 7€. roubada por uma mulher fugida do hospício, e uma figura feminina Relativamente De Jorge Palinhos. Pelo Teatro De Alan Ayckbourn. Encenação de O vampiro que o Teatro Bruto criou a projectada que se descobre ser a irmã Art’Imagem. Encenação de Jorge João Lagarto. Com António Pedro partir de Gonçalo M. Tavares não é de Vujik, compõem este retrato em Palinhos. Com Isabel Pinto, um vampiro comum: o sangue que o que os vampiros podem, até, vestir Cerdeira, João Lagarto, entre outros. Valdemar Santos. Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Av. Porto. Jardins do Palácio de Cristal - Tenda 2. R. D. alimenta é do século XXI, como casacos brancos. Serpa Pinto. Até 25/04. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às Manuel II. De 25/04 a 2/05. Sáb. a 3ª às 21h45. Tel.: repete ao longo dos 50 minutos de “O A circunstância de este vampiro 16h. Tel.: 229392320. 222084014. 3€. Vampiro de Belgrado”. Obcecado pelo não ouvir nem falar cria situações que Festival Fazer a Festa. Um Grão Caído da Terra belo e pela perfeição, Vujik percorre contrastam com a sua predilecção por De Pedro Eiras. Pelas Comédias do a sua cidade fotografando paisagens elementos do século XXI. Vujik e Continuam Minho. Com Gonçalo Fonseca. e objectos que prepara para matar. Elena conhecem-se conversando Porto. Jardins do Palácio de Cristal - Tenda 1. Rua D. Vujik colecciona as fotografias que vai através de bilhetes, em que o vampiro A Rainha da Beleza de Leenane Manuel II. 27/04. 3ª às 21h30. Tel.: 222084014. 3€. tirando e devora-as, fazendo assim confessa procurar “o amor para uma De Martin McDonagh. Pelo Teatro Festival Fazer a Festa. com que os objectos representados eternidade indesejada” e Elena insiste Meridional. Encenação de Nuria Mencía. Com Almeno Gonçalves, Dança pelas imagens desapareçam. Mas em perguntar-lhe a que sabem as Elisa Lisboa, José Mata, Natália estas fotografias têm de ser de uma fotografias que ele tanto preza. Luíza. Estreiam beleza perfeita e de um sabor “ácido, Miguel Cabral, encenador, explica Lisboa. Teatro Meridional. R. do Açucar, 64 - Poço viciante e obsceno”. Para se sentir que a ideia de adaptar o conto “A do Bispo. Até 30/05. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às One-more-ti-me 17h. Tel.: 218689245. 5€ a 10€. saciado, Vujik escolhe, organiza e Fotografia”, de Gonçalo M. Tavares, De Martine Pisani. degusta as fotografias. surgiu graças à componente de Ver texto na pág. 40. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Pedro Mendonça e Isabel Nunes mistério e de enigma que este Miguel Contreiras, 52. De 29/04 a 30/04. 5ª e 6ª às Foder e Ir às Compras 18h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€. dão vida a dois investigadores que apresenta, sem esquecer, claro, o estudam o desvio comportamental elemento visual associado a um V Gala Internacional de Bailado do vampiro de Belgrado e o vampiro que persegue a beleza Com Ballet da Ópera de Berlim, funcionamento do seu cérebro. Às inscrita em fotografias: “O sangue do Ballet do Teatro Stanislavsky e Companhia Nacional de Bailado, vezes, durante a peça, transformam- século XXI reflecte as imagens do entre outros. se no próprio objecto de estudo e em nosso século, mais fragmentadas, Lisboa. Teatro Camões. Pq. das Nações. De 29/04 a Elena Nikolik, a mulher que marca a assim como a personalidade de Vujik”. 30/04. 5ª e 6ª às 21h. Tel.: 218923470. 5€ a 50€. Continuam De Mark Ravenhill. Pela Primeiros Sintomas. Encenação de Gonçalo So Solo Amorim. Com Carla Maciel, Pedro Gil, Romeu Costa, entre outros. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De 29/04 a 09/05. 4ª a Sáb. às 21h. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 7,5€ a 15€. Antígona De Sófocles. Encenação de Nuno Carinhas. Com António Durães, Maria do Céu Ribeiro, entre outros. De e com Clara Andermatt. Porto. Teatro Nacional S. João. Pç. da Batalha. Até Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De 23/04. 6ª às 21h30. Tel.: 223401910. 7,5€ a 16€. 29/04 a 30/04. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 223401910. Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. 7,50€ a 16€. De 29/04 a 30/04. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 232480110. 5€ a 10€. Nortada De Olga Roriz. Com Catarina Miserere Câmara, Rafaela Salvador, entre A partir de Gil Vicente. Pelo Teatro outros. da Cornucópia. Encenação de Luis Aveiro. Teatro Aveirense - Sala Principal. Pç. Miguel Cintra. Com Luis Miguel República. Dia 29/04. 5ª às 21h30. Tel.: 234400922. Cintra, Rita Blanco, entre outros. 12€. Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett. Pç. D. Pedro IV. Até 23/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. Maiorca às 16h. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€. De Paulo Ribeiro. Com Erika Teatro/Dança Gustamacchia, Romulus Neagu, Wonderland entre outros. A partir de Lewis Carroll. Pelo Bragança. Teatro Municipal de Bragança. Pç O cenário em constante Teatro de Marionetas do Porto. Cavaleiro Ferreira. Dia 29/04. 5ª às 21h30. Tel.: mudança, os elementos Encenação de João Paulo Seara 273302740. multimédia e a sonoplastia Cardoso. Com Edgard Fernandes, In Pieces chocam, propositadamente, com Sara Henriques, entre outros. Vila Real. Teatro. Alam. de Grasse. Dia 23/04. 6ª às De Tim Etchells. Com Fumiyo Ikeda. Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. o imaginário negro associado 22h. Tel.: 259320000. 7€. às histórias de vampiros Dia 23/04. 6ª às 21h30. Tel.: 232480110. 5€ a 10€.

42 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Os Pontos Negros Inútil”. O título do novo como “Rei-Ban” ou “Duro preparam-se para lançar disco é “Pequeno Almoço de ouvido”. A data de o sucessor da revelação Continental” e conta lançamento prevista Lançamento “Magnifi“MMagnifi co MMaterial com canções intituladas é 17 de Maio.

Pop Herbert, existe a mesma capacidade de criar um vocabulário pop com imponderabilidade, calor e RITA CARMO RITA Matthew intimidade. “One One” é também um disco de reacção aos dois últimos anos em Herbert que esteve envolvido no projecto Big Band, onde foi chamado a coordenar é a orquestra cerca de 20 músicos de jazz. Desta feita isolou-se, olhou para si próprio toda e o que de lá saiu foi mais um excelente álbum de Matthew Herbert. “One One” é o disco mais interior e pessoal de Matthew Herbert. O fantasma Vítor Belanciano da Deolinda Matthew Herbert One One Os Deolinda têm agora outra

Discos Accidental Records, distri. Última subtileza - que sairá sempre mmmmn a perder, injustamente, perante o primeiro álbum. Era inevitável. No novo disco, a melancolia dos Deolinda Depois de se ter Mário Lopes parece mais real: o romantismo dedicado a Deolinda cruza-se com o tédio da vida adulta registar as mais Dois Selos e um Carimbo diversas fontes Sons Em Trânsito; distri. EMI Music os trinados de fado vadio e era um acólito da dor de corno à sonoras, por via Portugal devidamente abastardado em guitarra, e que o seu quarto de da singular utilização da tecnologia e “Quando janto em restaurantes” adolescência estava pejado de do trabalho de estúdio, Matthew mmmnn (desde há muito standard dos posters de Cohen, Jeff Buckley e dos Herbert vira-se para si próprio. “One concertos dos Deolinda), mesmo se American Music Club – isto se One” é o primeiro álbum de uma “Dois Selos E Um o diagnóstico humorado da nação alguma vez tiver havido posters dos trilogia, a lançar ao longo do Carimbo” tem um prossiga, depois de “Movimento American Music Club. Mas no ano corrente ano, e também uma das fantasma a pairar perpétuo associativo”, com “A passado, quando Mazgani lançou o suas obras mais interiores e sobre ele, problemática colocação de um EP “Tell The People”, a agulha tinha- pessoais, em que assume a criação “Canção Ao mastro” (que é o maior do mundo, se mudado para a América selvagem de todos os sons e vocalizações. Lado”. O primeiro ou talvez não) em ritmo de marcha e carnívora, e as sombras do Tom As obsessões (música, política, álbum dos Deolinda, dois anos popular. Waits mais furioso e dos 16 sociedade de consumo) são as depois de editado, continua firme Perante o seu fantasma, “Dois Horsepower trespassavam aquelas mesmas de sempre, apesar do maior nos topes, inabalável. Ou seja, a Selos E Um Carimbo” sairá sempre a cinco canções. O EP surge na íntegra envolvimento poético das letras e do Deolinda que reaparece agora, perder. Porque é impossível repetir e como bónus no final de “Song of espaço sónico. “One One” é um subtilmente diferente, andará a dar aquele primeiro impacto, aquelas Distance”, o segundo disco de disco de melodias simples, de caras, a cada passo, com o seu personagens e melodias em estado Mazgani, mas entre o EP e “Song of ambientes expansivos, passado e isso não a beneficiará. de graça. O que é cruel para ele mas, Distance” vai uma grande distância: guitarras subtis e ritmos Porque “Dois Selos E Um Carimbo” é sendo mera questão de contexto, as influências de “americana preguiçosos, onde cada o momento em que a Deolinda das não desmerece a Deolinda. De resto, demoníaca” que grassavam pelo EP um dos elementos tem romarias pouco católicas e dos como poderia, quando nos foram diluídas e “Song of Distance”, imenso espaço para amores com palito na boca deixa de deparamos com coisas magníficas mesmo se ainda centrado na respirar. Vocalmente, sorrir com sorriso tão aberto, larga o como “Não tenho mais razões”? A América do pecado em luta contra a como era de esperar, casulo do romantismo (em parte, só guitarra picada a bambolear, o rectidão, é já a voz de um autor. Herbert não arrisca em parte) e se faz a vida. Digamos contrabaixo a marcar a dança e um Disco de “westerns” assombrados, muito, mas adapta-se que a catraia cresceu e a sua “senhor doutor faça qualquer coisa “Song of Distance” vive de guitarras, sem dificuldade ao exuberância contagiante ganhou que eu já não tenho razões para me contrabaixo, percussões variadas (da edifício sónico, num outra subtileza. queixar” que nos ergue do sofá num bateria ao que parecem ser latas) e LUCY POPE LUCY estilo mais ruminado Afinal, tal como em “Canção Ao ímpeto para seguir mais do espaço entre os instrumentos, do que cantado. Lado”, os Deolinda concentram-se atentamente aquilo que ocupado pela voz, ora de pregador Cada uma das no essencial, nas melodias e nas definiríamos, sem mais, como uma inflamado ora de acossado a canções (com títulos letras, nas canções narrativas com “canção maior”. ruminar. Há blues bêbedos, de cidades – cenários habilmente construídos rockabilly zonzo, country com “Valência”, pelo guitarrista e compositor Pedro Um “western” culpa, hillybilly com defeito na bílis, “Manchester”, da Silva Martins - duas guitarras, o assombrado gospel engolido em arrependimento. “Milan” ou “Porto”) contrabaixo e a voz de Ana Bacalhau Da fotografia de família que

As obsessões (música, política, sociedade reporta-se a um dia são tudo o necessário (até os violinos Mazgani enquadra Mazgani constam Waits, CARMO RITA na vida de um de “Ignara vedeta” surgem no refrão Dylan e Cash, claro, mas em de consumo) são as mesmas de sempre, mas agora Song of Distance é tudo ele: voz, instrumentos, a orquestra toda homem, e o com justa, mas decisiva, discrição). Valchier fundo encontramos Sony resultado final, Mudou, portanto, o tom. A Boy Williamson, como acontece melancolia parece mais real, menos mmmmn quase sempre na sua magia de filtro cinematográfico Embora continue música, é (“Entre Alvalade e as Portas de Há cinco anos, centrado na grande imaginativo e Benfica”) e o romantismo, que era quando Mazgani epopeia americana emotivo em doses todo sonho, cruza-se com o lançou o seu do Bem contra o Mal, semelhantes. Apesar aborrecimento de uma vida adulta, primeiro disco, “Song of Distance” de ser um disco um mecânica (“Fado notário”). E é podíamos ser é já menos a voz da pouco diferente daquilo precisamente esse tom que cobre tentados a América do que a voz que conhecíamos de todo o álbum, mesmo que se ouçam concluir que ele de um autor, Mazgani

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 43 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Discos Os Scissor Sisters Iorque (de onde são The Killers) e de Sir Ian voltam a 28 de Junho naturais), em Londres e McKellen, o Gandalf da com o terceiro álbum da nas Bahamas. A banda de saga “Senhor dos Anéis”, Álbum carreira. “Night Work” Jake Shears contou com a que participa no tema é o nome do disco que colaboração do produtor “Invisible light”. foi trabalhado em Nova Stuart Price (Madonna e

Lightnin’ Hopkins e John Lee Hooker. Isto é o som de um homem que se recolheu num barraco em RITA CARMO RITA decomposição no meio do mato e tem por única companhia uma serpente que o tenta e a lagarta no fundo da garrafa. Um tremendo disco de pulsões versus culpa, genitália versus Bíblia: a banda sonora dos piores dias de Sam Sheppard e, aqui e ali, da nossa vida. Deus guarde este homem. João Bonifácio

Um fado singular

António Zambujo Guia Harmonia Mundi Faltam momentos mais mmmmn exuberantes para pôr o novo dos Mind da Gap à altura Quem ouviu e Cada vez mais longe dos cânones tradicionais de pérolas como “Suspeitos gostou de “Outro do fado, cada vez mais perto de um estilo que é o do Costume” dele e que mais nenhum até à data tentou Sentido” (2008) RICCA PAULO vai encontrar em Mind da Gap “Guia” a A Essência previsível sequela, Meifumado, distri. Compact ainda mais apurada e madura no estilo (não apenas vocal) que disco, autores como Vinicius de que é o dele e que mais nenhum até surge distintivo de uma mmnnn António Zambujo tem cultivado e Moraes, Rodrigo Maranhão, Pierre à data tentou. Essa é a sua personalidade musical própria. que o vai afastando dos cânones Aderne, Márcio Faraco ou Pedro singularidade e também o seu Desde o excelente par de fados que Nos últimos tradicionais do fado. Mas a cada Luís, a par dos portugueses João Gil, triunfo. Nuno Pacheco abre o disco em perfeita simbiose, discos, os Mind da audição das 12 canções que ele aqui João Monge, Maria do Rosário “Água louca da ribeira” e “Barro Gap amealharam nos propõe é impossível não sentir a Pedreira, José Eduardo Agualusa ou divino”, até “A porta do coração” uma boa dose de presença, ainda que nalguns casos Aldina Duarte. A título de prova, Ricardo Ribeiro (que dá título ao disco) ou “A minha êxitos com apelo ténue, do fado que lhe serviu de ouçam-se o belíssimo “Apelo”, de sem truques oração”, ambos já de saída (e que radiofónico elemento fundador. O fado e o cante Vinicius, renascido como fado de saída), o jovem fadista que na pose (como os maravilhosamente alentejano (Zambujo nasceu em viola e guitarra portuguesa; ou “Não Ricardo Ribeiro lembra Marceneiro e na voz guarda a sintéticos “Bazamos ou ficamos” e Beja), que encontra agora aliado me dou longe de ti”, fado correeiro herança do fado das vielas, mostra-se “Socializar por aí”) e temas mais Porta do Coração inconsciente na música do Brasil, com um arranjo de tuba, dobro e Capitol, distri. EMI um humilde vencedor. Não há ortodoxamente hip-hop. Serial onde o cantor é já conhecido e bateria. A voz, mais acertada do que excessos ou truques de exibicionismo tornou-se um produtor de excepção, aplaudido junto de uma elite nunca, lembrando aqui e ali Fausto mmmmn nestes 15 fados (que vão do Menor ao arriscando meter sintetizadores na relevante. Daí que tenha, neste (ou até Caetano), finca-se num estilo Corrido, do Esmeraldinha ao música do grupo, mas “A Essência”, Depois dos Bacalhau, do Vadio ao Vianinha), o quinto disco do trio, dá mais “Fados” de Saura antes uma voz que afaga as palavras e destaque a territórios clássicos, e do aplaudido as sussurra ou grita quando é isso centrados nos ritmos e nos “Em Português”, que elas pedem, sem trair a sua “samples”. com o músico expressão original. “Sinto que ao Há vários momentos assinaláveis, libanês Rabih cantar estou a conversar com Deus”, como o feliz “loop” acetinado de Abou-Khalil, Ricardo Ribeiro sentiu canta Ricardo mesmo no final do “Carpe diem”, o funk robótico de necessidade de voltar às raízes e disco (antes de voltar a “Barro “Votados ao esquecimento”, o hino gravou de um fôlego um disco de divino” em faixa pouco escondida, hedonista “Faço a festa” (guitarras fados clássicos, em que aplicou da pois é quase sequente). Até os não psicadélicas engolidas por um festim melhor maneira o seu estilar, que já crentes acharão o mesmo. N.P. de sopros) e “Marcas”, com instrumentação a pingar nostalgia e eficaz refrão soul. Porém, há outros que se revelam demasiado secos e rígidos. É nos temas mais exuberantes que os Mind da Gap melhores resultados atingem. A prova definitiva está em “Abre os olhos”, notável cozinhado BRÁZIO AUGUSTO de vozes andróides, sintetizadores a borbulhar e ritmo hiperactivo, lançada como “single” em 2009 e incluída no disco como faixa escondida. Faltam a “A Essência” momentos destes para colocar este disco ao lado de pérolas como “Suspeitos do Costume” (2002). Em vez disso, Depois das colaborações com o espanhol Carlos ficamos com um disco Saura e o libanês Rabih Abou-Khalil, Ricardo coeso, sem grandes altos e Ribeiro está de volta às raízes do fado clássico baixos. Pedro Rios

44 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon Pedro Abrunhosa Longe Universal 29 ABRIL A 30 JULHO mmnnn

Em 1994 ainda não havia Cristiano Ronaldo e o português mais importante GRÃO DE BICO ABRIL/MAIO da Nação já não GRÃO DE BICO EM era Salazar mas sim um ignorante da obra de LINHALINHA DADA VIAGEMVIAGEM Camões chamado Cavaco Silva. E a A C CAÇAAÇA seguir Pedro Abrunhosa, que vertia ao Grande Líder da Nação um certo NNÓSÓS M MATÁMOSATÁMOS O C CÃOÃO T TINHOSOINHOSO ódio. “Viagens”, o primeiro disco de Abrunhosa, era – ao contrário do que dizem agora os críticos, que, como Pilatos, resolveram entretanto lavar as mãos do monstro que O contrabaixo de Carlos Barreto, criaram – uma pequena jóia de jazz excelente intrumentista, é o coração deste disco ácido embebido em hip-hop. Abrunhosa tinha uma bela banda não dá para mais de quatro notas. e José Salgueiro na bateria. Este foi o atrás, tinha canções, tinha os metais, “Viagens” resultou porque grupo que gravou os aplaudidos tinha o funk, e tinha a presença de Abrunhosa não cantava. Quanto álbuns “Radio Song” (de 2002), com espírito de rapar em vez de cantar. E mais ele se esforça por cantar, o convidado Louis Sclavis, e tinha “Mais perto do céu”, tremenda menos “cremos” naquela voz. E é “Lokomotiv” (do ano seguinte), com canção gravada ao vivo no Meia pena porque canções como “Entre a o saxofonista François Courneloup. cave, no Porto, que por esses dias espada e a parede” são Desta vez não há convidados era um admirável antro de drogaria, musicalmente perfeitas. Estava aqui internacionais, apenas o experiente perversão, lascívia e boa música. Do um grande disco – se fosse Lee Fields trio que trabalha com inteligência que veio depois não faço muita a cantar. Mesmo baladas que dão um conjunto de composições ideia: ouvi um ou outro single, entre vontade de bater com a cabeça nas originais de Barretto. É o trio na sua o meloso e o inane, repletos de paredes, como “Pode o céu ser tão essência, sem desvios. Pela sua frases proto-poéticas capazes de longe”, seriam pérolas na voz de história de trabalho comum, o grupo provocar enjoo – e não arrisquei Bettye Lavette. Pedro, não o conseguiu alcançar uma intrincada ouvir os discos. Ao ouvir “Longe” conheço, mas, homem, escreva um comunicação, assumindo uma percebo porquê: o homem, quando disco para alguém que tenha simplicidade de processos, criando não está a produzir satiezadas, sabe garganta para isto. J.B. automatismos, fazendo o difícil sem dúvida escrever canções mas, parecer fácil. Cada tema é por Deus!, é incapaz de cantar. desenvolvido com grande “Longe” é todo América de beira de Jazz intensidade, em que a evolução estrada, um funk de riff poderoso , criativa vive de uma constante órgãos Hammond, guitarras slide, a dinâmica rítmica e da participação ocasional balada, coros, metais, Sem desvios colectiva. A guitarra de Delgado é tudo. Mas quando Abrunhosa demoníaca, com uma linguagem canta valha-nos a santa. Carlos Barretto está de volta pouco reverente, procurando a Pegue-se em “Rei do originalidade, com aqueles efeitos Bairro Alto”: grande riff, e em boa forma com o seu que só fazem bem. Salgueiro é um grandes metais, refrão trio Lokomotiv. baterista de alto nível que se com belo órgão e Nuno Catarino consegue encaixar ritmicamente em pianada, viragem bem múltiplas direcções, e que sabe esgalhada a seguir, Carlos Barretto Lokomotiv expandir o groove. E o contrabaixo tudo no sítio. E depois de Barretto, excelente intrumentista, Labirintos aquela voz que, Clean Feed, distri. Trem Azul é o coração desta música - vai muito desconfio, além da ligação rítmica com a mmmmn percussão, assume um papel criativo. Neste disco não há ideias Nos últimos velhas, mas antes um conjunto de tempos, vimos o referências amalgamadas, com contrabaixista elementos da tradição jazz, Carlos Barretto improvisação ou rock. Isolada no concentrado no disco, a faixa “Asterion 5” é o seu septeto momento em que Barretto viaja a InLoko, a explorar uma música solo e só peca pela curta duração de fusão herdeira directa do (dois minutos e pouco). Figura Miles Davis do início dos 70. determinante na modernidade do Depois de alguns concertos jazz português, o contrabaixista, ainda se pensou que o compositor e líder volta a puxar dos projecto ia dar disco, mas galões e reafirma com este disco a entretanto o veterano força da sua música. Estes contrabaixista acabou mesmo “Labirintos” poderão não ser os Estaria aqui um grande disco, por regressar às gravações caminhos mais rápidos ou directos, com uma série de canções virtualmente com o seu trio base, os mas não há que temer: o trio viaja perfeitas - se Pedro Abrunhosa Lokomotiv, com Mário com segurança e conhece bem todas tivesse garganta para elas Delgado na guitarra eléctrica as saídas.

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 45 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Após o cancelamento aniversário da Nokia das actuações de Music Store e havia NovaN último sábado, os sido desmarcado por datad britânicos The Horrors causa dos recentes e os canadianos Crystal encerramentos de Castles vão pisar o aeroportos provocados Coliseu dos Recreios a pela erupção do vulcão 4 de Maio. O concerto islandês. duplo insere-se nas comemorações do 1º

Clássica TeatroTeatr Nacional de São Carlos, em LisbLisboa.o Com estreia amanhã, seguem-se mais cinco récitas até 8 de Maio, sob a direcção de Julia Mozart PIMENTA PAULO Jones e com os cantores Leandro Fischetti (Fígaro), Joana Seara em leitura (Susana), Kristina Wahlin (Cherubino), Marco Vinco (Conde política Almaviva) e Jessica Muirhead (Condessa) nos principais papéis. Num cenário estilizado onde se O encenador Guy Montavon misturam referências setecentistas e olha como um sociólogo actuais, não faltarão alusões ao para a ópera “As Bodas erotismo latente no enredo nem as leituras sociais e políticas inerentes de Figaro”, que se estreia ao colapso do Antigo Regime. “A amanhã no São Carlos. Revolução Francesa foi a primeira Cristina Fernandes bomba atómica na História da Os Mão Morta levam ao Coliseu dos Recreios o último álbum, Humanidade e, quer na obra de “Pesadelo de Peluche”, inspirado no universo de JG Ballard “As Bodas de Fígaro” Beaumarchais, quer no libreto de Da De Mozart. Encenação de Guy Ponte, está presente o locais // Ou então... / Ou então... / Muitos descobriram-no no ano Montavon. Direcção Musical de Julia pressentimento de que toda uma encena-se um directo para a passado, graças ao magnífico álbum Jones. Com Leonor Fischetti, Joana sociedade cristalizada televisão”. “Ay Ay Ay”, mas o chileno Matias Seara, Kristina Wahlin, Orquestra repentinamente se alterou”, diz o Ei-los então, 11 anos depois, de Aguyao está longe de ser um Sinfónica Portuguesa e Coro do encenador. Por isso considera regresso ao Coliseu para apresentar principiante, sendo um velho Teatro Nacional de São Carlos, entre pertinente “olhar tudo isso como um um novo álbum, “Pesadelos de conhecido dos amantes dos sons outros. sociólogo: como as personagens se Peluche”. Inspirado livremente em electrónicos de dança. Ao longo dos movem no interior da peça, como se “A Feira de Atrocidades” de JG anos, tem sido muitas vezes Lisboa. Teatro Nacional de São Carlos. Lg. S. Carlos, 17. De 24/04 a 8/05 (excepto dias 25, 27 e 29/04 e 1, articulam umas com as outras e que Ballard, pretende ser denúncia/ comparado ao compatriota Ricardo 3, 5 e 7/05). 2ª a Dom., às 2Oh (dias 2 e 8/05 às 16h). mensagem política lhe está reflexão da sociedade mediatizada Villalobos, mas a sua música é feita Tel.: 213253045. 25€ a 85€. subjacente.” ao delírio da actualidade. De “Em de outra matéria. É menos clínica, Estreada em Viena em 1786, a ópera Guy Montavon diplomou-se em directo para a teelvisão” a “Novelos mais errante. No álbum do ano “As Bodas de Fígaro” foi a primeira fagote antes de se tornar assistente da paixão”, o novo single do novo passado desfiava canções semi- colaboração de Mozart com o de encenação na Ópera de Genebra, álbum, pode ter passado mais de electrónicas, com uma estrutura libretista Lorezo da Ponte, que por a cidade onde nasceu em 1961. Mais uma década, o mundo pode ter clássica, onde a voz desempenha um seu turno se baseou na peça de tarde estudou em Hamburgo com levado em cima com um 11 de papel central, mas tudo o resto, na Beaumarchais “Le Mariage de Götz Friedrich e trabalhou em várias Setembro e com o colapso de neo- maneira como os sons são Figaro” ou “La Folle Journée”. cidades europeias e na America do liberalismo (que afinal parece que trabalhados em camadas por entre Perfeita simbiose entre Norte, tendo assinado produções de não colapsou e “algo terá que mudar cânticos, ambientes e ritmos, tem música e teatro, óperas como a “Carmen”, de Bizet, a para que fique tudo na mesma”) e os qualquer coisa de exótico e invulgar. condensa uma “Lucia di Lammermoor”, de Mão Morta podem ter homenageado É música que possui um carácter perspicaz Donizetti, o “Otello”, de Verdi, e a os sonhos e os fantasmas da sua meditativo, mas essencialmente de sátira social estreia de “Waiting for the geração no magnífico “Nus” e celebração. No Lux, por trás da sob a Barbarians”, de Philip Glass. Desde transportado Maldoror para um mesa de mistura e demais

Concertos aparência de 2002 é director da companhia de palco. Aconteceu tudo isso, mas no parafernália electrónica, lá estará ele uma divertida ópera do Teatro de Erfurt. preciso momento em que a banda para cantar e incitar à dança como comédia de Braga regressa ao Coliseu é como forma de libertação. Vítor amorosa de enganos se nada, para além das redes sociais Belanciano e disfarces. É também Pop e do escândalo de pedofilia na um dos cumes da Igreja, tivesse realmente mudado. A rapariga ópera setecentista, Não por acaso, “Pesadelos de dos singles notável na Peluche Peluche”, álbum de canções, álbum caracterização de distorção e negrume rock’n’roll, Alicia Keys + Melanie Fiona psicológica das no Coliseu cantado e vociferado em doses de personagens, que nunca três minutos, é como que um Lisboa. Pavilhão Atlântico. Parque das Nações. 5ª, são estereotipadas, mas regresso à base. Ei-los então de 29, às 20h. Tel.: 218918409. 30€ a 40€. partilham das Onze anos depois, os Mão regresso ao Coliseu. Um reencontro Pela quantidade de singles hiper- contradições e Morta regressam à base, e à com a história - para que não fique mediatizados que já lançou, Alicia indecisões humanas. grande sala de Lisboa. tudo na mesma. Keys é uma cantora que dispensa “É a mais perfeita Mário Lopes apresentações. A regra aplica-se ao das óperas”, A dança como nosso país: quem é que não se recorda o Mão Morta lembra de tropeçar no refrão encenador Guy de esganado da pastilha elástica “No Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas de Santo libertação Montavon num Antão, 96. 5ª, 29, às 21h30. Tel.: 213240580. 20€. One”? Estava em todo o lado. video Matias Aguayo No regresso ao Pavilhão Atlântico, promocional a Há 11 anos, os Mão Morta tocaram a “Princesa da Soul”, também ela Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, propósito da pela primeira vez no Coliseu dos Armazém A. 5ª, 29, às 23h. Tel.: 218820890. 15€. hiper-mediatizada, traz o ainda encenação que Recreios, em Lisboa: apresentavam fresco “The Element of Freedom”. realizou em 2009 “Há Já Muito Tempo Que Nesta Deste disco, que saiu no final do ano para o Teatro de Latrina o Ar se Tornou Irrespirável”, passado, não saiu nenhuma canção Erfurt “álbum manifesto” com o disparada para a rádio, a televisão (Alemanha) e Situacionismo de Guy Debord como ou os aparelhos sonoros de centros que agora vai ser inspiração e “Em directo para a comerciais. Para além dos êxitos apresentada no televisão” como porta de entrada antigos, a expectativa gira em torno Está presente, no libreto de Da Ponte preferencial. Recordam-se da interpretação de “Another way to e nesta encenação de Guy Montavon, certamente do refrão: “É guerra sem die” e, principalmente, “Empire “o pressentimento de que toda uma sociedade quartel / de empresas rivais / na state of mind”, duetos que não cristalizada repentinamente se alterou” busca do controlo/ de mercados pediram licença para se fazer ouvir,

46 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon Ney Matogrosso no Coliseu do Porto

Felix Kubin traz disco novo PAULO PIMENTA PAULO ao Teatro Maria Matos Um monumento vivo: os Sonic Youth, agora no Porto mas que, ao contrário das originais versões hiper-mediatizadas – Agendanda repetimos - não contarão com a participação de Jack White e Jay-Z. Sexta 23 Ver texto na pág. 28 e segs. 70.º aniversário do nascimento de Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 15€. Luís Carlos Soares Jorge Peixinho. Ciclo Piano EDP. Sonic Youth Deolinda Ver texto na pág. 32. Grândola. Parque de Feiras e Exposições, às 22h30. Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, Quinta 29 Jack White Tel.: 269750260. Entrada gratuita. 137, às 21h. Tel.: 223394947. 26€ a 30€. Coro Casa da Música e Jay-Z não Ver crítica de discos na pág. 43. Direcção Musical de Paul Hillier. Carlos Barretto Trio: Lokomotiv estarão cá para Sábado 24 Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Porto. Teatro Helena Sá e Costa. R. Alegria, 503, às acompanhar Felix Kubin + Pia Burnette Albuquerque, às 12h. Tel.: 220120220. 7,5€. 21h30. Tel.: 225189982. 15€. Alicia Keys Oneohtrix Point Never Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala A Revolução Coral. Ver crítica de discos na pág. 43. Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, às 22h. Tel.: nos duetos Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 - Bairro Alto, às 23h. Tel.: 213430205. 10€. 218438801. 6€ a 12€. José Mário Branco Ney Matogrosso Guarda. Teatro Municipal da Guarda - Grande “Another way Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às Ver texto na pág. 30. Tiago Pereira + NBC Auditório. Rua Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: to die” e 22h. Tel.: 223394947. 15€ a 50€. Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de 271205241. 10€. “Empire state Orquestra Nacional Albuquerque, às 23h. Tel.: 220120220. 5€. Grupo de Música of mind” do Porto Cristina Branco The Legendary Tigerman Lisboa. Palácio de Belém. Calçada da Ajuda, 11, às Contemporânea de Lisboa Direcção Musical Lagos. Centro Cultural de Lagos. R. Lançarote de 17h30. Tel.: 213614600. Entrada gratuita. Direcção Musical de João Paulo de Pablo Heras- Freitas, 7, às 21h30. Tel.: 282770450. 7,5€. Santos. Casado. Terça 27 Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Janita Salomé + O’queStrada Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€. Mouzinho de Albuquerque, às 18h. Tel.: Almada. Praça São João Baptista. Pç. São João Arcadi Volodos Música e Revolução - 70.º 220120220. 16€. Baptista, às 22h. Entrada gratuita. aniversário do nascimento de Jorge KYRRE LIEN/ AFP LIEN/ KYRRE Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian - Grande Música e Revolução - 70.º Auditório. Avenida de Berna, 45A, às 19h. Tel.: Peixinho. aniversário do nascimento de Domingo 25 217823700. 25€ a 50€. Ver texto na pág. 32. Jorge Peixinho. Obras de Scriabin, Ravel, Schumann. Ver texto na pág. 32. Remix Ensemble Jacinta Direcção Musical de Baldur Quarta 28 Vila Nova de Gaia. Teatro Avenida. Avenida da António Zambujo Brönnimann. República, às 22h. Tel.: 223774250. 15€. Beja. Teatro Pax-Júlia. Largo São João, às Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Miguel Borges Coelho Jazz’n’Gaia 2010 - 4.º Festival 22h. Tel.: 284315090. Entrada gratuita. Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 10€. Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Internacional de Jazz de Gaia.

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Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 47 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

recordado, ele que tem o seu Sobre a expoente nacional maior na figura de Josefa de Óbidos. O resto da exposição segue a fi cção da mesma regra. Pode por exemplo ver-se a instalação ‘Livro de Actos’, história uma série de troféus em filme de alumínio que esteve exposta no Pedro Valdez Cardoso castelo de Sines; ou uma série de troféus de caça em ‘toile de jouy’, apresenta antológica um tecido fabricado em França no da sua obra em Óbidos. século XVIII e que recorda a fabulosa Luísa Soares de Oliveira peça sobre a invenção da guilhotina (‘the order of today is the disorder of Theatron tomorrow, 2008). Há uma mochila De Pedro Valdez Cardoso. em ganga, matéria-prima do O resultado das intervenções de Pedro Valdez Cardoso explorador, de onde saem ossos, Óbidos. Galeria NovaOgiva. R Direita. Tel.: picaretas, caveiras também do 262955500. Até 16/05. 2ª a Dom. das 10h às 18h. sobre a iconografi a do Ocidente é sempre fatal para quem Escultura, Outros. ainda guarde alguma ilusão sobre as glórias do passado mesmo tecido. E, finalmente, devem-se assinalar os desenhos: um mmmmm consistem no recobrir e no costurar. que atulham caixotes do lixo e a conjunto de brasões rasgados em O resultado é sempre fatal para quem presença de algum mobiliário urbano papel, que já estiveram expostos na Pedro Valdez Cardoso tem a decorrer ainda guarde alguma ilusão sobre as menos discreto e o logro seria total. galeria Módulo, e uma série de em Óbidos uma exposição antológica glórias do passado. A escultura de Pedro Valdez mapas imaginários onde a forma de da sua obra. Nascido em 1974 e a O espaço da galeria NovaOgiva, Cardoso não poderia ficar pequenos espelhos de toucador se expor regularmente desde 2001, onde o artista montou a sua indiferente a este lugar, e concebeu cola sobre a impressão original. desconstrói subtilmente em todas as exposição, divide-se em três pisos de para a exposição uma peça, Como sempre sucede, a viagem que suas esculturas uma visão da História arquitectura interior muito ligada à “Theatron”, em que os objectos decorre do mapa é sempre uma que procura num passado mítico a estética do betão aparente dos anos remanescentes de um qualquer viagem de auto-conhecimento, de identidade e a razão de ser do 70. No entanto, como acontece com troféu de guerra saem de um caixote reflexo de si próprio. Ocidente. Através da persistência da todos os edifícios de Óbidos, o de cartão. Como sempre sucede no Pedro Valdez Cardoso expõe iconografia de uma cultura que exterior mantém as características de seu trabalho, toda a escultura – onde assim as ficções da história. Com encara a caça, a guerra e a conquista uma vila rural medieval. Por força do se incluem caveiras, ossos, armas, alguma ironia, mas também dotado como modos legítimos de afirmação, turismo crescente e da vontade de urnas, bandeiras, baldes de plástico de um sentido social evidente, substitui a perenidade dos materiais quem nela manda, Óbidos é um e embalagens de fast-food – está desconstroi a forma estabelecida clássicos (pedra, metal, madeira) pela autêntico simulacro urbano, coberta pelo mesmo tom amarelado, para melhor expor o mito que lhe matéria-prima perecível. As suas escondendo no interior das o que dota os objectos que a subjaz. Este foi o seu primeiro esculturas são feitas de tecido, habitações e por debaixo dos compõem de uma igualdade encontro com um simulacro urbano. plástico, papel kraft, folha de pavimentos todos os sinais de semântica que acaba por minimizar Não é de todo impensável que outras alumínio alimentar, impressos, lixo. modernidade que possam perturbar o seu significado. Tudo se equivale; cidades, outros tipos de Os processos que utiliza, ao invés do tão linda fachada. Não fossem as lojas e não é decerto por acaso que o representações do poder a maior esculpir, do gravar, do moldar, de turismo, as garrafas de plástico género da natureza-morta é aqui escala se lhe sigam em breve.

Agenda

22/05. 3ª a 6ª das 11h às 20h. Sáb. das 12h às 20h. Fotografia, Vídeo. 210. Tel.: 226156500. Até 4/07. 3ª a 6ª das 10h às Inauguram Inaugura 27/4 às 22h. 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h. Outros. Ver texto na pág. 38 e segs. Vídeo, Outros. Trans-Caucásia This Is My Condition Master and Everyone Um Percurso, Dois Sentidos De Ryan McGinley, Ryan McNamara, - A Colecção do MNAC-MC, Exposições Ryan Trecartin, Slater Bradley, Jack da actualidade a 1850. Pierson. De Columbano Bordalo Lisboa. Galeria Filomena Soares. Rua da Pinheiro, Almada Negreiros, Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 11/09. 3ª a Sáb. Helena Almeida, Alexandre Estrela, das 10h às 20h. Inaugura 29/4 às 21h30. Pintura, Vídeo, Instalação, Fotografia, entre outros. Lisboa. MNAC - Museu do Chiado. Rua Serpa Pinto, Escultura, Outros. 4. T. 213432148. Até 6/06. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Show Titles Pintura, Outros. De Stefan Brüggemann. Lourdes Castro e Manuel De Pauliana Valente Pimentel. Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9. Tel.: Zimbro: A Luz da Sombra Lisboa. 3 + 1 Arte Contemporânea. Rua António 918156919. Até 6/06. 5ª a Sáb. das 15h às 19h. Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, Maria Cardoso, 31. Tel.: 210170765. Até 29/05. 3ª a Inaugura dia 29/4 às 22h. 210. Tel.: 226156500. Até 13/06. 3ª a 6ª das 10h às Sáb. das 14h às 20h. Inaugura 23/4 às 22h. Instalação. De André Príncipe Fotografia. 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 22h. Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel Escultura, Outros. Ângelo de Sousa Bombarda, 526. Tel.: 226061090. Até 29/05. 3ª a 6ª René Bertholo Porto. Galeria Quadrado das 10h às 12h30 e das 15h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h Sem Rede Estói. Ruínas Romanas de Milreu. Rua de Faro. Tel.: Azul Q3. R. Miguel às 19h30. 289997823. Até 29/09. 3ª a Dom. das 9h30 às 18h. Bombarda, 578. Tel.: Desenho, Escultura, Outros. De Joana Vasconcelos. Allgarve 2010. Inaugura 24/04 às 18h. 226097313. Até 22/05. 3ª a Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império Azulejos. 6ª das 10h às 19h30. 2ª e A memória da memória - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até Sáb. das 15h às 19h30. 18/05. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e Feriados Inaugura 24/4 às 16h. De Daniel Blaufuks. das 10h às 19h. O Dia Pela Noite Lisboa. Carpe Diem - Arte e Pesquisa. Rua de O De Gabriel Abrantes, Vasco Araújo, Pintura. Século, 79. Tel.: 210966274. Até 29/05. 3ª a Sáb. das Instalação, Outros. João Pedro Vale, entre outros. 14h às 20h. Auto-Retratos do Mundo: Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Continuam Fotografia, Vídeo. Armazém A. Tel.: 218820890. Até 26/02. 5ª a Sáb. Annemarie Schwarzenbach Ver texto na pág. 38 e segs. das 23h às 06h. Inaugura 27/4 às 23h30. O Ofício de Viver (1908-1942) Instalação, Outros. De Daniel Blaufuks. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império A Matéria Negra da Luz dos - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea. Rua 25/04. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h José Loureiro Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831. Até Media Lisboa. Cristina Guerra - Contemporary Art. Rua 15/05. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das 12h às De Dara Birnbaum. às 19h. Santo António à Estrela, 33. Tel.: 213959559. Até 19h30. Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, Fotografia.

48 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Pelo terceiro ano para a edição deste ano Jorge Gonçalves. O livro, Dia consecutivo, a Fnac são Gonçalo M. Tavares, à venda nas lojas Fnac, festeja o Dia Mundial do João Tordo, Maria do custa quatro euros e Mundial Livro com o lançamento Rosário Pedreira, Miguel as receitas das vendas do Livro de mais um volume de “O Real e Patrícia Portela, revertem integralmente Prazer da Leitura”, numa cujos contos inéditos para a Assistência Médica parceria com a Teorema. são acompanhados por Internacional. Os autores escolhidos ilustrações de António

Ficção Apogeu de Miss Jean Brodie”, pela High School for Girls, de Edimburgo. o olhar daquilo onde tropeça: “As Ahab. O recurso ao “flash-forward” patas de frango que assomam dos É o romance mais famoso de permite que a autora antecipe o sacos, que brilham na escuridão e O apogeu Muriel Spark. Adaptado ao cinema destino das suas personagens. Com que parecem pedir socorro aos céus, em 1969, tornou mundialmente a Grã-Bretanha atolada numa crise os preservativos usados de quem dá conhecida esta amiga de Graham económica sem precedentes, e em uma rapidinha no carro, abre logo a dela Greene que viveu alguns anos na três milhões de desempregados, janela e o atira cheio de esperma Rodésia do Sul (actual Zimbabwe) e Miss Brodie é um produto desse para o meio da rua, o vómito que “O Apogeu de Miss Jean colaborou com o “intelligence” tempo sombrio em que as teses ainda cheira a álcool azedo e a jantar britânico durante a Segunda Guerra racistas de Oswald Mosley, o estragado no estômago, e as folhas Brodie” é o exemplo Mundial. fundador da União Fascista, das árvores, que quando o tempo acabado do lema de Muriel A última frase do livro é a chave da gozavam de extravagante está seco voam e se escapam da Spark: “Nunca justificar, intriga: “Havia uma tal Miss Jean popularidade. gente e quando chove se colam ao Nunca Explicar”. Brodie no seu apogeu.” Proferida Muriel Spark radicou-se na Itália chão como decalcomanias e não há por Sandy, que passou a usar o em 1967. Em 1968, conheceu meio de se despegarem.” (p. 30). Eduardo Pitta nome de Irmã Helena da Penelope Jardine, então uma Mas o tempo varre alguma coisa e Transfiguração no dia em que estudante de arte, com quem viveu este é um dos toques de magia que O Apogeu de Miss Jean Brodie professou, responde à pergunta de até morrer. A obra não afirma nem este romance hiper-realista esconde. Muriel Spark um repórter que quer saber quais elide a questão identitária que Efeitos especiais num romance de (Trad. Margarida Periquito) foram “as principais influências no subjaz à trama ficcional. “O Apogeu protagonistas pobres? Sim, é possível

Livros Ahab seu tempo de estudante”. Sandy, de Miss Jean Brodie” é o exemplo e mesmo credível, até certo ponto. aliás Irmã Helena, tinha escrito um acabado da sua capacidade de Rosário carrega às costas uma mãe mmmmm livro de psicologia, “A “Nunca justificar, Nunca explicar”. demente e o cheiro a ranço de uma Transfiguração da Banalidade”. Perfeito. casa de corredores forrados a linóleo Faço minhas as Creditando ao “apogeu” da antiga e guarda-vestidos pesados, onde aliás palavras de James professora a influência de uma vida, a progenitora gosta de se esconder, Wood, o crítico da Sandy liberta-se do peso da traição. O lixo e contrariando com isso os tempos “New Yorker” e Com efeito, fora Sandy a modernos em que o trânsito professor de responsável pelo despedimento de envolvendo armários costuma ser Harvard: “Tal Miss Brodie. À luz dos rígidos quem o varre em sentido contrário. como muitas padrões da escola, a professora está Para Rosário o sexo tornou-se uma pessoas [...], antes sempre a um passo da transgressão. Um mergulho nas ruas de actividade higiénica, quase neutra: de ler a novela já Chegam a sugerir-lhe que concorra a “E isto traduz-se no facto de eu ter eu vira o velho e uma escola “progressista”, mas ela Madrid através da vida de vivido sempre na contradição de ter simpático filme”. Foi Maggie Smith recusa com determinação: “Não duas varredoras e do que colocado a fasquia do meu ideal que me levou a ter curiosidade em concorrerei a uma escola de resta dos seus sonhos. Entre masculino muito alta mas de ter de descobrir Muriel Spark (1918-2006), excêntricos. Permanecerei nesta me ajustar ao que a vida me oferecia, autora de uma obra muito vasta, de fábrica de educação. [...] Dêem-me o romance e a reportagem. porque, falando claramente, se assim ficção, poesia e ensaio, com uma uma menina em idade influenciável Rui Lagartinho não fosse eu teria ficado a chuchar novela e três romances editados em e ela será minha para toda a vida.” no dedo.” (p. 43). Remedeia-se com Portugal. “The Prime of Miss Jean As raparigas ouvem. E sorriem “com Uma Palavra Tua Morsa, colega de quecas rápidas, e Brodie” (1961), traduzido um conhecimento de causa de vários Elvira Lindo muitas vezes não se livra da fama de em 1988 por Wanda géneros.” Contudo, notará Sandy (Trad. Filipe Guerra) dormir com Milagros, a colega Ramos, com o título mais tarde, não será pelo sexo que Editorial Presença lésbica que acompanha Rosário “Miss Jean Brodie na conseguirão “encostá-la à parede”. desde os tempos da escola: “A Flor da Idade”, O que a tramou foi a política. mmmnn Milagros fufa? Não sei. Só sei que eu regressa agora à Estamos nos anos 1930. Miss Brodie não sou.” (p. 42) edição portuguesa não escondia a admiração que nutria A jornalista e É natural que, algures durante a em tradução de pelo fascismo, a ponto de convencer guionista Elvira leitura de “Uma Palavra Tua”, Margarida Mary a acompanhar o irmão a Lindo (Cádia, alguém se sinta dentro de um filme Periquito, “O Espanha para lutar ao lado de 1962) é uma das de Pedro Almodóvar. Não é Franco. cronistas coincidência. O realizador é 13 anos A Escola Marcia Blaine é o regulares do mais velho do que Elvira Lindo mas externato onde Sandy, Rose, Mary, diário espanhol as raízes de uma Espanha que Jenny, Monica e Eunice fazem “El País” mas em sobrevive hoje na memória da actual amizade à sombra tutelar de Miss Portugal é quase geração de criadores são as mesmas. Brodie, a professora que mantém uma ilustre Só que, no caso da escritora, o

EVENING STANDARD/GETTY IMAGES STANDARD/GETTY EVENING um peculiar triângulo amoroso com desconhecida. Há uns anos, a Dom melodrama e as auto-citações dois colegas. Ao mesmo tempo, Miss Quixote ensaiou a transposição para cinéfilas são substituídos por Brodie cuida das “meninas” como o mercado nacional do sucesso ressonâncias da tragédia clássica e uma leoa das suas crias: “E todas as espanhol da série de livros infantis religiosa (atente-se no significado dos minhas alunas são a nata da nata.» “Manelinho Caixa de Óculos”, mas nomes Rosário e Milagros), que se (Margarida Periquito devia ter os resultados foram discretos. “Uma misturam com as histórias macabras mantido a expressão original, Palavra Tua”, premiado em 2005 que os jornais todos os dias contam. «crème de la crème».) Usando de com o Prémio Biblioteca Breve, Fábulas de gente que é bom não parcimónia no relato dos factos, consagrou-a como romancista em varrer para Muriel Spark mantém a Espanha e garantiu-lhe uma nova Nos romances de Elvira Lindo, ambiguidade em suspenso, atenção por parte dos a Espanha “documental”dos pobres A obra de Muriel Spark não confi rma nem elide a pontuada, aqui e ali, de sublinhados editores e dos novos-pobres mistura-se com ressonâncias questão identitária que subjaz à trama fi ccional alusivos. É o caso de Jenny, portugueses. da tragédia clássica e religiosa e à própria biografi a da escritora britânica interrogada por “uma mulher- Rosário, uma polícia maravilhosa” após o varredora das ruas encontro com um exibicionista. A de Madrid que concisão, atributo maior da obra, acredita na muito nítida neste livro, não inibe a reencarnação das ironia e o episódico sarcasmo. A almas, tem dificuldade acção é decalcada do tempo em que nos primeiros tempos a autora estudou na James Gillespie’s de profissão em limpar

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 49 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Livros O Teatro Nacional D. Maria Temas da Literatura origem cabalística até à II agendou uma sessão Judaica, que fi cou a cargo realidade actual no Estado de leitura de de contos e de Lúcia Liba Mucznick, de Israel”, passando CicloC poemas judaicos para a “procura dar uma imagem inevitavelmente pela próxima terça-feira, às alargada das formas Shoah. Os actores Ana 19h, no Salão Nobre. A de expressão judaica Bustorff , Pedro Lamares selecção dos textos desta na literatura, desde a e Rui Spranger farão as Viagem pelos Grandes mística ou o folclore de leituras.

debaixo do tapete da História com deles foi resolvido com panache: Ciberescritas os tais efeitos especiais de que já “Fantasia para Dois Coronéis e uma falámos. Para desanuviar, há Piscina” (2003) transforma um Também as memórias transversais às classes projecto fracassado num romance sociais: “Tomámos Cola Cao com esplêndido, um formidável jogo com madalenas, os três, como se os códigos narrativos. queremos cá tivéssemos 15 anos a menos e Mas outras vezes nota-se um certo primeira vez que alguém me falou da tivéssemos ido à aldeia de Milagros desamparo, como no pouco “Serrote” pensei que era uma brincadeira. em fim-de-semana emborracharmo- interessante “A Sala Magenta” Quem daria o nome de “Serrote” a uma nos no bar com os velhos, jogar às (2008). Esse sentimento agrava-se Arevista literária? Mas no ano passado, na Festa cartas e fumar uns charros no meio em “A Arte de Morrer Longe”. Quem Literária Internacional de Paraty, no Brasil, a do campo.” (p. 177). A geografia dos gosta de “histórias” encontra aqui “Serrote” andava nas mãos de toda gente. Não era a afectos substitui por breves instantes pouco mais do que uma anedota: revista, que é encadernada, lembra as nossas “Colóquio o realismo de uma geografia em que um casal em separação que se desfaz Letras” ou “Relâmpago”; era um encarte colorido feito qualquer memória do bom velho de um problemático bem comum. Isabel de propósito para assinalar aquela edição da FLIP com tempo não existe e a única liberdade Que bem é esse? Uma tartaruga, ou Coutinho umas ilustrações muito divertidas. admitida é elaborar sobre a antes, um “quelónio redondo, Publicada pelo Instituto Moreira Salles, a revista foi abstracção dos dejectos da rua: inexpressivo e pesado”. Trata-se, buscar a inspiração a publicações como a britânica “Tinha uma colega equatoriana que está visto, de uma farsa conjugal: “Granta”, a americana “The Virginia Quarterly Review” me dizia que, depois de ter aqueles dois já nem sabem porque e a franco-americana “The Paris Review”. A fasquia trabalhado a dias em três casas, isto estão zangados, e as dificuldades em foi colocada bem alto. Na verdade, a ideia de criar esta lhe parecia o paraíso terreal, dizia livrarem-se da tartaruga servem revista nasceu das conversas entre o escritor Rodrigo que sempre é mais suportável limpar como tempo extra para pensarem Lacerda, o académico Samuel Titan Jr. e os jornalistas a porcaria em abstracto, a porcaria por que diabo se estão a divorciar. Flávio Pinheiro e Matinas Suzuki, que sentiam que os anónima da rua, do que a merda Isso daria um conto breve, mas o textos ensaísticos de grande fôlego tinham desaparecido produzida por seres concretos a volume passa as 100 páginas. dos suplementos culturais da imprensa brasileira. quem por vezes se tem uma aversão Carvalho aproveitou o embalo e fez Por isso a revista pretende ser “um dos veículos que enorme e que nos estão a explorar o elenco das suas irritações com promovem a recuperação do prestígio do ensaio mais miseravelmente. Esta é também uma Portugal. As hordas das pipocas, a pessoal na cultura brasileira”. forma muito respeitosa de ver as imbecilidade das novelas, a Nas suas páginas são muitas vezes reproduzidas obras coisas.“ (p. 30). imprensa de sarjeta, os comentários de arte e fotografi as – quase sempre inéditas no Brasil - Nunca afastar da exposição anónimos nos blogues, a incúria dos impressas num papel especial (de muito boa qualidade). narrativa o ponto de vista dos outros governantes, a alarvidade dos Mesmo que ao leitor não apeteça ler os textos publicados é vício de jornalista. Que neste caso cidadãos. É uma impaciência com a Mais ninguém na literatura na revista, fi cará sempre contagia a romancista. “Uma Palavra qual simpatizamos, mas que portuguesa actual pode descrever Agora os brasileiros rendido ao grafi smo e às Tua” vive deste compromisso, deste literariamente adianta pouco, de tão uma personagem dizendo que tem suas imagens. A “Serrote” equilíbrio, desta tensão nunca óbvios ou grotescos os seus alvos. “propensão para a litotes”, como também têm a é quadrimestral (sai em resolvida. Justaposta. Esse sarcasmo quase indignado mais ninguém pode ser gozosamente Março, Julho e Novembro) e Transpõe-se a “Gata Borralheira” ocupa demasiadas páginas, e faz oitocentista falando nos “pântanos “Granta”. Por cá será além dos ensaios, de autores para a actualidade mas nega-se-lhe encorpar o texto sem necessidade. miasmáticos da perdição”. Carvalho brasileiros e estrangeiros, que um final feliz, condenando-a a ter Até porque existe nesta novela um é contra a rasura da língua, contra o que a Alfaguara se costumam falar sobre arte entre mãos a vassoura, em nome do registo afim desse mas que o escritor seu empobrecimento, gosta de prosa e cultura em geral, também realismo e para que não viremos a domina melhor. É a pequena sátira de boa cepa, camiliana e irónica. lembrará de publicar publica textos sobre política, cara para o lado embalados por uma às classes médias, desta vez uma Num momento brinca com recursos a “Granta” Portugal? ciência, desporto e questões qualquer fantasia. É preciso que tudo “esparsa escória de Lisboa, que de escrita: “Abaixo com os de actualidade. fique na mesma, para que sobre devora um ovo cozido ou um rissol expedientes para introduzir uma A “Serrote” brasileira está no seu quarto número. A vontade de mudar alguma coisa no de leitão, falando sobre bola, narração à conta dum capa e a contracapa desta “Serrote” foram desenhadas futuro. Um romance sincero, ou ordinarices ou irrelevâncias”. Mário adormecimento”. Mas noutro não se pelo artista português Jorge Colombo, radicado nos EUA cínico? de Carvalho sabe como descrever fica por aí, e faz uma ode lisboeta à há duas décadas. “O artista foi à praia de Coney Island uma decoração pífia, uns colegas Avenida de Roma, em linguagem no início de Fevereiro e, tremendo de frio por causa do patuscos, uma reunião de como já não se usa: “Ressalta a rigoroso inverno setentrional, fez com o dedo em seu Haja condóminos, um tio impressão de clareza, a nitidez dos iPhone, usando o aplicativo Brushes, as ilustrações que destrambelhado. Há um humor que contornos, a contenção das formas, envolvem esta edição”, explicam no “site” dedicado lembra a série televisiva “The um meado de século que perdura na à “Serrote”. Neste último número também se pode harmonia Office”, pessoas obnóxias que fazem decadência entristecida dos velhos ler, por exemplo, um ensaio do crítico de arquitectura compulsivamente graças sem graça: snacks, com asperezas de cobre Guilherme Wisnik e de Heloisa Lupinacci sobre o futuro Verve narrativa, prosa “Descortina o leitor um tipo de gasto, engastes de vidros glaucos, urbanístico de Coney Island – a praia e o parque de português largo e inflado, ovante e madeirames escurecidos. As lojas diversões frequentados por milhões de norte-americanos camiliana e irritações com intrusivo, propenso à calvície, com dos anos cinquenta, ainda com nas primeiras décadas do século XX. o país no novo Mário de sobrancelhas de escovilhão, riso gavetões de fórmica, convivem com Agora os brasileiros também têm a “Granta”. Carvalho. Pedro Mexia beiçudo, pelame encaracolado em a sofisticação, já a roçar pelo Considerada a melhor revista literária do planeta, está todo corpo, amador da piadola e da duvidoso, das vitrinas caras, negros a ser publicada em português pela Alfaguara, que no A Arte de Morrer Longe pirraça, grosseiro para os mais brilhantes, fúcsias e lilases, a desviar Brasil é a editora de António Lobo Antunes e de João Mário de Carvalho fracos, airoso para os superiores, em para o modernaço. / (…) Toda ela [a Ubaldo Ribeiro. A “Granta” brasileira já vai no número Caminho absoluto impenetrável a noções Avenida de Roma] é duma meia- cinco e o último tem como tema a família (“Família - Eles básicas de decência e de decoro? idade simples, de bom gosto, gama ferram com Você?”). A revista pede a escritores do país mmnnn Uma figura digna das média, cores discretas, sem o cinza- onde é publicada que escrevam sobre determinado ‘Metamorfoses’, em que se hibridam chumbo das cidades do Norte, tema. 60 por cento dos seus textos são traduzidos das Mário de Carvalho o entranhado lanzudo e o atávico repassadas de bolores, sem a edições britânicas e espanholas e 40 por cento são não é daqueles malandrim?” (p. 94). alacridade faceira do sul, a sobrar de Serrote textos inéditos de brasileiros. Por cá será que um dia a escritores que A paródia e a caracterização sol, sem a velhice tristonha das http://ims.uol. Alfaguara se lembrará de publicar a “Granta” Portugal? produzem com assassina são mais eficazes do que o metrópoles ricas, sem a decadência com.br/A-revista/ Nós queremos. excessiva protesto desconsolado. Até porque abandonada das pobres” (p. 106). D166 facilidade. Já são questões processuais, de escrita Se esta novela funciona mal é [email protected] confessou aliás e de língua. E essas é que Mário de porque o todo é mais fraco do que a Granta brasileira que teve Carvalho adora. Arcaísmos, soma das partes. A verve narrativa e http://www.obje- (Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ bloqueios precisões lexicais, divagações linguística não chega, quando falta, tiva.com.brv ciberescritas) criativos. Um metódicas, isso é que ele faz bem. como num casal, a harmonia.

50 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon PEDRO CUNHA PEDRO

A farsa conjugal de “A Arte de Morrer Longe” daria um conto breve, mas Mário de Carvalho aproveita o embalo para inventariar as suas irritações e o que resulta disso é um texto demasiado encorpado

Nesta história, Gill é escolhida para A verdade levar a cabo a ingrata tarefa de satisfazer os últimos desejos da sua depois tia Rosamond, que se suicidou aos 73 anos. Na casa da velha senhora encontra quatro caixas de cassetes de tudo gravadas pouco antes da sua morte que se destinam a ser ouvidas por Jonathan Coe faz o pastiche Imogen, uma misteriosa criança cega – criada por pais adoptivos – de quem do romance tipicamente Gill tem uma recordação distante. feminino. Mas na impossibilidade de encontrar Helena Vasconcelos o rasto de Imogen, Gill, acirrada pela curiosidade, resolve ouvir o conteúdo A Chuva Antes de Cair das cassetes. Trata-se da história da Jonathan Coe família e do segredo que envolve a (Trad. José Vieira de Lima) existência – e a razão da cegueira – de Asa Imogen, um relato que Rosamond leva a cabo com a intenção explícita mmnnn de “repor a verdade” dos factos. Ao escolher “vinte cenas da sua própria Jonathan Coe vida” pretende recuperar os fios de nasceu em 1961 – o uma teia de ligações perdidas que que lhe permitiu têm o seu início durante a Segunda sentir na pele o Guerra Mundial, numa altura em que desvario da era muitas crianças inglesas foram Thatcher – e afastadas das famílias e deslocadas seguiu autores para o campo, no intuito de ficarem como Ian McEwan protegidas dos ataques aéreos e David Lodge na alemães. A vida de Rosamond revela- senda da sátira corrosiva da se uma longa trajectória de amores conjuntura política e da sociedade intensos e afastamentos dolorosos. britânicas. Mais conhecido por Neste romance, a grande virtude romances como “Que Grande de Coe é conseguir manter o leitor Banquete” “O Rotter’s Club” e “O na expectativa, uma vez que não se Círculo Fechado” – sem esquecer a passa quase nada na primeira parte, sua biografia de B.S. Johnson, o mais tirando acontecimentos mais ou subversivo e excêntrico dos menos banais relacionados com os escritores ingleses, muito apreciado pequenos dramas que tomam por Beckett – mostra, em “ A Chuva proporções inimagináveis na mente Antes de Cair”, uma faceta elegíaca e das crianças mas que pouco são sentimental bastante atípica e uma quando comparados com as estrutura narrativa mais próxima catástrofes da história global. daquela que criou em “A Casa do Quando Rosamond se torna adulta, Sono”. a história ganha um tom mais

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 51 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Livros

2ª 3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h30 6ª 15h40, 18h40, Estreiam 21h30, 00h10 Sábado 13h, 15h40, 18h40, 21h30, 00h10 Domingo 13h, 15h40, 18h40, 21h30; ZON

LUÍS RAMOS LUÍS Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo O super- 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h25, 21h10, 23h55; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h45, 21h30, 00h10; ZON herói Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h55, 18h40, 21h20, 00h05; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 4: 5ª enquanto 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h20 6ª 15h30, 18h20, 21h20, 23h40 Sábado 12h50, 15h30, 18h20, 21h20, 23h40 Domingo 12h50, 15h30, 18h20, 21h20; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª cromo 15h50, 18h30, 21h30, 24h Sábado Domingo 13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 24h; UCI Freeport: Sala 5: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h05, 21h15 6ª 15h40, 18h05, 21h15, Depois de desconstruir 23h55 Sábado 13h20, 15h40, 18h05, 21h15, 23h55 Domingo 13h20, 15h40, 18h05, 21h15; ZON os contos-de-fadas com Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h30, 18h40, 21h35, “Stardust”, Matthew Vaughn 00h20; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª atira-se aos super-heróis Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h05, 18h40, 21h35, 00h10; com “Kick-Ass”. Jorge Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo Mourinha 2ª 14h, 16h40, 19h20, 22h, 00h40 3ª 4ª 16h40, 19h20, 22h, 00h40; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, Kick-Ass - O Novo Super-herói 15h50, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo Kick-Ass Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 17h50, 21h30 6ª Sábado 15h20, 17h50, 21h30, 00h10; ZON De Matthew Vaughn, Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª com Nicolas Cage, Mark Strong, Chloe 13h, 15h50, 18h50, 21h30 6ª Sábado 13h, 15h50, Moretz, Aaron Johnson. M/12 18h50, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h15, 19h05, 21h55 6ª Sábado 13h20, 16h15, 19h05, 21h55, MMMnn 00h40; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h30, 21h30, Lisboa: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª 00h20; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Cinema 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 18h50, Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h10, 19h10, 22h10, 21h25, 00h05; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 5: 00h50; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h, Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h20, 18h20; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 3: 5ª 6ª 21h30, 00h30; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h30, 19h, 21h35, 24h Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h40 6ª Domingo 11h50, 14h10, 16h30, 19h, 21h35, Sábado 13h10, 16h, 18h50, 21h40, 00h30; ZON 24h; CinemaCity Beloura Shopping: Dynamic: 5ª 6ª Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h45, 18h15, 3ª 4ª 14h50, 18h, 21h10, 00h10; 21h30, 23h50; CinemaCity Campo Pequeno Praça de É de regra que qualquer super-herói Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h05, 18h30, 21h40, 00h10; Medeia Saldanha tenha uma “história de origem” que Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª sublinhe a sua inadaptação ao 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 00h10; UCI Cinemas - El mundo e à sociedade em que vive e Jonathan Coe num livro sentimental, e portanto Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h35, 19h05, 21h35, 00h05 Domingo 11h30, 14h10, que o leve a justificar a sua devoção bastante atípico, muito longe do seu melhor 16h35, 19h05, 21h35, 00h05; UCI Dolce Vita Tejo: Sala à causa da justiça e do amor ao sombrio e dramático, as relações e despachado com uma 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h30, próximo. Não é preciso ir mais longe Dá a sensação de um fi lme que 19h10, 21h35, 00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª entre mães e filhas são marcadas desenvoltura que contraria a tensão 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, da “santíssima trindade” Homem- pela violência e pela insensatez e as dramática construída ao longo de travou a sua ousadia a meio 21h45, 00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª Aranha/Batman/Super-Homem: paixões lésbicas de Rosamond, uma narrativa espessa de cerca de – mas mesmo assim “Kick-Ass” 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h50, liceal anónimo, filho de milionário está furos acima da média 21h30, 00h10; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª simultaneamente exaltantes e 200 páginas. Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h25, 18h10, traumatizado, alienígena de um desoladoras, desenvolvem-se num É claro que vale a pena questionar do “blockbuster” americano 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª planeta distante, todos eles universo essencialmente feminino as intenções do autor: quererá ele no qual as figuras masculinas são dizer, neste romance, que o passado meros esboços. Embora escrito de e a memória podem ser fabricados, uma forma escorreita – com o auxílio ameaçando o futuro? Quando afirma do mecanismo fornecido pela que, nas fotografias, o sorriso das “transcrição” do conteúdo das pessoas é muitas vezes falso, estará a cassetes –, a história de Coe falha chamar a atenção para o facto de a quando desliza para o representação – a imagem de algo ou sentimentalismo e para o “cliché”. A de alguém – ser uma refinada sobreposição de cenas, repetidas em mentira? Finalmente, “Antes da várias gerações e situações, e a Chuva Cair” coloca uma questão transcrição do discurso de marginal mas pertinente e que tem a Rosamond que nada tem de ver com a discussão – puramente coloquial criam uma sensação de académica – acerca da existência de falsidade. O final do livro é previsível um “género” na escrita. Coe confessa a sua dívida para com a escritora “bloomsburyana” Rosamond série ípsilon II Lehmann (1901- 1990), que se tornou célebre por explorar este tipo de histórias – relações lésbicas, tensão Sexta-feira, entre casais, abuso moral e físico de dia 30 de Abril, mães sobre as filhas –, e faz alusão ao o DVD “Terra da realizador Michael Powell, que Abundância”, também navegou por essas águas. Mas, tal como Powell, que seguiu as de Wim Wenders pisadas de Hitchcock, terá Jonathan Todas as sextas, Coe feito, propositadamente, um pastiche de Lehmann, escrevendo por €1,95. um romance tipicamente 20anos “feminino”?

52 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon Jorge Luís M. Mário Vasco As estrelas do público Mourinha Oliveira J. Torres Câmara Ervas Daninhas nnnnn mmmnn mmmmm mmmmn Eu Amo-te Philip Morris mmnnn nnnnn nnnnn mmnnn GreenZone: Combate pela Verdade nnnnn nnnnn mmnnn nnnnn Pare, Escute e Olhe nnnnn mnnnn mmnnn mnnnn Kick-Ass - O Novo Super-herói mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn Ruínas mmmmn mmmmn mmmmn mmmnn O Tempo que Resta mmmnn mmnnn mmmnn mmnnn Um Lugar para Viver nnnnn nnnnn mmmnn nnnnn Soul Kitchen mmmnn nnnnn nnnnn mnnnn Thirst nnnnn nnnnn mmmnn mmmnn

procurando compensar a sensação melhor caminho para se ser super- “Soul Kitchen”: uma descontracção contagiante 3ª 4ª 16h10, 18h50, 21h50 6ª 16h10, 18h50, 21h50, de estarem à margem do mundo. herói (convém também ter uma boa 00h10 Sábado 13h20, 16h10, 18h50, 21h50, 00h10 Domingo 13h20, 16h10, 18h50, 21h50; Castello Lopes Sobre-compensando, diriam os conta bancária e alguma - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo psiquiatras mais atreitos à desenvoltura física). A esse nível, 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h30, 18h40, 21h15, freudianização do super-herói tão “Kick-Ass” é digno sucessor do 23h30; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 8: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h25, 19h15, em voga nas últimas décadas, desde anterior filme de Vaughn, o 22h05, 00h20 Sábado Domingo 12h, 14h10, 16h25, que o comic-book americano se excelente e tão subestimado “O 19h15, 22h05, 00h20; Medeia Monumental: Sala 4 tornou numa forma de arte Mistério da Estrela Cadente” (2007), - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h45, 17h50, 19h55, 22h, 00h30; UCI reconhecida como maior. também ele adaptado de uma leitura Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª Sejam, portanto, bem-vindos à lateral dos contos-de-fadas (uma 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h20, 22h, 00h10 Domingo “história de origem” de um herói que novela gráfica de Neil Gaiman). 11h30, 14h30, 16h45, 19h20, 22h, 00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª tem pouco de super e certamente O que vai deixar muito boa gente 3ª 4ª 13h35, 15h50, 18h10, 21h40, 24h; ZON tudo de cromo – e que, em rigor, não incomodada é a violência gráfica, Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª deixa de ser cromo nem passa a ser sobretudo quando praticada por 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h20, 21h20, 23h40; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado super mesmo depois de se tornar uma miudinha de onze anos que Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h10, 21h15, herói. Dave Lizewski (Aaron Johnson) mata que se farta, interpretada com 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado é o arquétipo do puto que gosta de pinta por uma Chloë Grace Moretz Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h40, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª ler histórias de super-heróis porque que rouba o filme (não andamos os super-heróis são sempre gajos longe da Gogo Yubari do “Kill Bill” Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª como ele, e que decide dar o passo de Tarantino). É uma violência que Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h; Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt em frente para trazer a fantasia para oscila entre o cartoonesco assumido a vida real. Mas como a e o realismo brutal, mas que faz todo Acima de tudo: não vir ao novo filme Cine-Teatro S. Pedro Teatro Faialense invulnerabilidade não existe fora das o sentido dentro da atitude “cuidado de Fatih Akin à espera de outra Largo S. Pedro- Abrantes Alameda Barão de Roches, 31 – Faial (Açores) páginas dos comic-books, Dave com o que desejas” desta história de “Esposa Turca” (2004) ou de outro 4 Copas Anticristo Lizewski, rebaptizado Kick-Ass por cromos armados em super-heróis e “Do Outro Lado” (2007). O turco- De Manuel Mozos 28/04, 21h30 De Lars von Trier 27/04, 21h30h obra e graça de um feiíssimo fato de super-heróis armados em cromos. alemão é o primeiro a admitir que mergulho verde em saldo e do seu É, por isso, pena que a subversão “Soul Kitchen” não é mais do que uma Cinema Teixeira de Casa das Artes de Vila voluntarismo francamente ingénuo, bem-disposta e bonacheirona dos pausa de descompressão entre filmes Pascoaes Nova de Famalicão farta-se de levar porrada. E ainda lugares-comuns do filme de super- mais sérios, por muito que isso custe Centro Comercial Santa Luzia - Amarante Parque de Sinçães – Famalicão por cima, sem dar por isso, cai no heróis que Vaughan persegue se aos que acham que um “autor” (e, Nas Nuvens Todas as Curtas meio de uma vingança movida por perca um bom par de vezes na ainda por cima, um autor identificado De Jason Reitman 23/04, 21h30 De Agnès Varda 29/04, 21h30- Pequeno uma peculiar dupla de pai e filha necessidade de os cumprir para como ponta de lança da nova vaga Auditório (um Nicolas Cage alucinado e Chloë levar a areia à sua camioneta: a alemã) não tem direito a descontrair Cinema Verde Viana Praça 1º de Maio, Centro Comercial - Viana do Cinemas Ria Shoping Grace Moretz) contra um mafioso “vingança familiar” que o filme ou a fazer um filme mais leve. “Soul Castelo Estrada Nacional 125, 100 - Olhão particularmente impiedoso (Mark parece descartar logo de princípio Kitchen” é uma comédia grega sobre 35 shots de Rum Uma Outra Educação Strong). como impulso da trama acaba por o dono de uma tasca imunda de De Claire Denis 29/04, 21h45 De Lone Scherfig 27/04, 21h30 O jogo meta-textual a que o ser abertamente invocada em Hamburgo que vê a vida dar uma britânico Matthew Vaughn, antigo direcção ao final, toda a trama série de cambalhotas com a partida da Auditório Soror Cine-Teatro António produtor de Guy Ritchie, se entrega criminosa lastra o filme (em termos namorada para Xangai e a chegada do Mariana Pinheiro em “Kick-Ass – O Novo Super-Herói” de energia tanto como de duração), irmão vigarista, de um ex-colega de Pátio do Salema, 3ª – Évora R. Guilherme Gomes Fernandes, 5 - Tavira chama-se, em tradução livre do e a conclusão está-se mesmo a fazer escola promotor imobiliário e de um Um Homem Sério Um homem singular inglês “have your cake and eat it à sequela. Dá a sensação de um filme chefe cozinheiro purista de mau feitio. Os Amores de Astrea E Celadon De Tom Ford 24/04, 21h30 too”, “ter mais olhos que barriga e que travou a sua ousadia a meio do Não tem pretensões de espécie De Eric Rohmer 28/04, 21h30 Cove - A baía da vergonha De Louie Psihoyos 29/04, 21h30 querer comer tudo na mesma”. Esta percurso – mas, mesmo que faltem nenhuma, não quer ser mais do que Auditórioório do é uma adaptação de um comic-book uns quantos furos a “Kick-Ass” para uma comédia confortável e Teatro Virgínia (escrito por Mark Millar e John ser um grande filme, está muitos despreocupada, equivalente fílmico IPJ (Faro)aro) Largo José Lopes dos Santos – Torres Novas Rua da PSP - FaroFaro Romita) que desconstrói o género (e furos acima da média do de um jantar ou de uma noitada com Os Sorrisossos do A Mulher sem cabeça por arrastamento as respectivas “blockbuster” americano amigos. E é uma descontracção Destino De Lucrecia Martel 28/04, 21h30 adaptações) com singular prazer, ao contemporâneo. contagiante, um prazer do princípio De Fernandondo Lopes mesmo tempo que se quer igualar ao fim, como essas noitadas podem e 23/04, 21h30 com a presença do realizadorealizador Teatro Municipal de aos comic-books de super-heróis Soul Kitchen devem ser... J. M. tradicionais fingindo que é um Andandoo Vila do Conde De Fatih Akin, De Hirokazuazu Av. João Canavarro - Vila do Conde comic-book subversivo – não é, mas com Adam Bousdoukos, Moritz Eu Amo-te Phillip Morris a lata com que finge é simpática. Kore-Eda,, A Palavra Bleibtreu, Birol Ünel. M/12 I Love You Phillip Morris 2008, De Carl T. Dreyer 28/04, 21h45 Bem mais interessante é a opção De Glenn Ficarra, John Requa, M /12 deliberada por eliminar a ideia dos MMMnn com Jim Carrey, Ewan McGregor, 26/04, 21h30 Auditório do IPJ super-poderes e substituí-la por uma Leslie Mann. M/16 (Viseu) combinação de obsessão, engenho e Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª R. Dr. Arestides de Sousa Mendes, 33 - Viseu ingenuidade (conjugada com algum 13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª 13h30, 15h30, 17h40, 19h45, 21h45, 00h15; Medeia MMnnn As Curtas treino maníaco quase militar): ser Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª De Agnès Varda 27/04, 21h45 um cromo não é forçosamente o 4ª 13h30, 15h30, 17h30, 17h45, 21h45, 00h15; Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 2ª

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 53 Cinema

“Sacanas Sem Lei”

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h30, “Eu Amo-te Phillip Morris”: mais uma oportunidade falhada para 17h50, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, Carrey sair do gueto de actor cómico Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200 16h05, 18h50, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 17h40, 21h45, 00h10 (3D); Sexta, 23 Terça, 27 Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado Sublime Expiação A Estreante Endiabrada Domingo 2ª 14h20, 16h45, 19h10, 21h45, 00h20 3ª Magnifi cent Obsession 4ª 16h45, 19h10, 21h45, 00h20; Medeia Cidade do The Reluctant Debutante Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª De Douglas Sirk. De Vincente Minnelli 15h30 - Sala Félix Ribeiro 14h10, 17h, 19h30, 21h50; ZON Lusomundo Dolce 15h30 - Sala Félix Ribeiro Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo A Patrulha Perdida L’Hypothèse Du Tableau Volé NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª The Lost Patrol De Raoul Ruiz 14h, 16h30, 19h20, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo De John Patrol Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 19h - Sala Félix Ribeiro 19h - Sala Félix Ribeiro 4ª 13h15, 15h50, 18h30, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª O Vendedor de Sonhos Através da Noite Nickelodeon 13h15, 16h10, 18h40, 21h20 6ª Sábado 13h15, 16h10, Sweet and Lowdown 18h40, 21h20, 00h10; De Peter Bogdanovich De Woody Allen 19h30 - Sala Luís de Pina A história verdadeira de Steven 19h30 - Sala Luís de Pina Russell parece feita à medida dos Romance em Nova Iorque O Vendedor de Sonhos talentos histriónicos de Jim Carrey: They All Laughed Nickelodeon um burlão que explora uma série de De Peter Bogdanovich “personas” para esquecer quem é como se fosse uma sátira brutal das nunca consegue transcender o lugar- 21h30 - Sala Félix Ribeiro realmente, e que chega ao ponto de canções country pimbas e melosas comum, quer dentro do seu deixar de ser capaz de se desfazer sobre paixões assolapadas nascidas território de subversão escolhido (a Ambição Ruthless das fachadas que inventa, por mais numa sexta-feira 13, perde na “família” que Russell/Carrey quer De Edgar G. Ulmer bem-intencionadas que o sejam. Mas comparação com o “Delator!” sustentar é o seu amante 22h - Sala Luís de Pina o filme de John Requa e Glenn (2009) de Steven Soderbergh, que homossexual, mas a Ficarra (argumentistas do pequeno explorava as mesmas fronteiras homossexualidade é aqui puramente Sábado, 24 culto que é “O Anti Pai-Natal” de ténues entre vigarice e honestidade. revisteira) quer dentro da De Peter Bogdanovich Terry Zwigoff, 2003), construído Isso acontece em parte porque construção das personagens (fora Um Vinho Difícil 21h30 - Sala Félix Ribeiro Le Beau Serge Carrey, nem Ewan McGregor, no O Jardim de Alá De Claude Chabrol papel do amante, consegue ter mais The Garden of Allah 15h30 - Sala Félix Ribeiro do que um boneco para defender). De Richard Boleslawski Mas também porque, após a Dames 22h - Sala Luís de Pina excelente primeira meia-hora, tudo De Busby Berkeley, Ray Enright se resume a uma sucessão de 19h - Sala Félix Ribeiro Quarta, 28 peripécias redundantes às quais a Eva na Seda O Exorcista - Director’s Cut dupla de realizadores não consegue Eva in Seide The Exorcist - Director’s Cut emprestar gravidade nem De Carl Boese De William Friedkin densidade. É mais uma 19h30 - Sala Luís de Pina 15h30 - Sala Félix Ribeiro oportunidade falhada para Carrey Profi ssão: Repórter sair do gueto de actor cómico em A Máscara Professione: Reporter Mask que se meteu sozinho – mas, mais do De Michelangelo Antonioni De Peter Bogdanovich que isso, é um filme que desperdiça 21h30 - Sala Félix Ribeiro 19h - Sala Félix Ribeiro o capital de simpatia. J. M. Remember Last Night? Roberte De James Whale De Pierre Zucca Continuam 22h - Sala Luís de Pina 19h30 - Sala Luís de Pina Segunda, 26 Sacanas Sem Lei Inglourious Basterds Thirst - Este é o Meu Sangue... The Conspirators De Quentin Tarantino Thirst/Bakjwi De Jean Negulesco 21h30 - Sala Félix Ribeiro De Park Chan-wook, 15h30 - Sala Félix Ribeiro com Song Kang-ho, Kim Ok-vin. M/16 Noites de Singapura Noites de Singapura Saint Jack MMMnn Saint Jack De Peter Bogdanovich De Peter Bogdanovich Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de 19h - Sala Félix Ribeiro Quinta, 29 Touros: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h55, 22h, 00h30; Medeia Monumental: Sala 2: 5ª Madanela Mulher Rebelde 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h, 24h; UCI De Manuel Costa e Silva. 27 min. The Revolt of Mamie Stover Cinemas - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª Sábado 19h30 (em complemento, três curtas de António Domingo 2ª 3ª 4ª 18h35; De Raoul Walsh Escudeiro, Manuel Pires e Unid. de Produção 15h30 - Sala Félix Ribeiro Porto: Arrábida 20: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo Cinematográfica)gf - Sala Luís de Pina 2ª 3ª 4ª 00h10; IlegalmenteIle Tua Peregrinaçãogrinação ExemplarExemplar Illegally Yours Os vampirismos estão na moda e, Au Hasardasard Balthazar De Peter Bogdanovich dêem-se-lhe as voltas que se lhe De Robertbert BressBressonon 19h - Sala Félix Ribeiro quiserem dar, ficamos sempre com a 21h30 - Salaala FéFélixlix RiRibeirobeiro sensação de que o modelo se L’Éternel Détour encontra esgotado em clichés e O Cantonto dos PássaroPássaross De Alain Fleischer El Cantnt dels OOcellscells reconhecíveis gestos. Onde fica 19h3019h - Sala Luís de Pina De Albertert SerraSerra então a inquestionável originalidade 22h - Salaa Luís ddee Pina TrêsT Padrinhos deste “Thirst”? No excesso ThreeT Godfathers romântico (no sentido mais DeD John Ford profundo e complexo do termo) de 21h302 - Sala Félix Ribeiro um filme nunca conformado aos PortraitP de L’Artiste en seus aparentes limites SSouffl eur representativos: quando julgamos DeD Alain Fleischer que nos encontramos na exploração 22h22h (em complemento, a curta: Klossowski, Peintre- da culpa e do pecado, passamos “Sublime Expiação”, EExorciste;xo de Pierre Coulibeuf) - Sala Luís de Pina para o lado de lá, para a volúpia da de Douglas Sirk

54 • Sexta-feira 23 Abril 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Terry Gilliamm vaivai encenar ddesiludidoesilud com estreará em Londres em a ópera “A Maldiçãoaldição de o cinema,cinem quer Maio de 2011. “Se não cineasta Fausto”, do ddedicar-seedic a funcionar, culpamos o na ópera compositor outraou arte. Berlioz. É simplesmente a francês ProduçãoP minha natureza perversa. Hector dad Pensei em fazer uma Berlioz English ópera que raras vezes tem (1803-1869). National tido sucesso”, disse ao site O realizador diz-se Opera, “Hollywood.com”.

mutação permanente, para a Buster Keaton, mas esta presença parece arriscar tudo, desde a autoconsciência de uma sexualidade “aliviadora” do “gag” não deixa de dimensão do cinema como jogo que perturbante e incisiva. Não se deixa complicar a estrutura narrativa esboçou em “Marienbad” e ao espectador um momento de global, tornando uma história já de reformulou em “Smoking/No descanso, um traço de si fragmentária num mosaico Smoking”, até à genial irrealidade do conformismo: tudo recomeça estilhaçado de consequências nem uso de efeitos, sem que o labirinto sempre com a violência de um soco sempre controladas. Dito isto, Elia das paixões e da ilusão se perca por no estômago e com constante Suleiman fecha a sua trilogia um instante. Pode até pressão de termos que ver o que não condignamente: como em preferir-se uma outra dimensão queremos eventualmente ver. Mário “Intervenção Divina”, prefere o mais “séria” que passa pela Jorge Torres contexto alegórico à crónica pura e temporalidade ferida de morte de simples dos factos encadeados numa “Muriel” ou “Je T’Aime, Je T’Aime”, O Tempo que Resta estrutura complexa de “flash- mas não pode negar-se-lhe o The Time That Remains backs”; cumpre a função política de engenho e arte de transformar as De Elia Suleiman, interrogar o tecido histórico, sem formas fílmicas em supremo artifício com Ali Suliman, Elia Suleiman, Saleh perder de vista a problematização de não fingir o que finge tão Bakri. M/0 de todos os episódios, desde o completamente. E, se concordamos prólogo até às implicações mais ou “As Ervas Daninhas”: um exercício de estilo autocitacional? com a existência de um impulso MMMnn menos catastróficas da “resistência Talvez, mas que prodigioso exercício! auto-destrutivo, ele existe sempre passiva”. O resultado é desarmante e em função de um construtivismo Lisboa: Medeia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado poderá, inclusive, “atrasar” o efeito novo e pulverizador de toda e Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h30, 24h; de adesão emocional que se Emmanuelle Devos, Anne Consigny. Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 4: 5ª 6ª qualquer hipótese de narrativa Talvez mais interessante do que a pretende. Mas ninguém tem dúvidas M/12 Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 16h30, 19h, linear: o gosto pelo folhetinesco perspectiva histórico-política que quanto à sua eficácia estética. M.J.T. 21h30; aparece paredes-meias com a lança sobre a Palestina, “O Tempo MMMMM Nas listas francesas dos melhores sublimidade da invenção radical Que Resta” joga com uma memória As Ervas Daninhas filmes do ano transacto, “Ervas como fim em si. Um exercício de Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª filtrada do burlesco norte- De Alain Resnais, Daninhas” aparecia obsessivamente estilo autocitacional? Talvez, mas americano, sobretudo o absurdo de 13h40, 15h45, 17h50, 19h55, 22h 6ª Sábado 2ª e percebe-se agora porquê: Resnais que prodigioso exercício!... M.J.T. com André Dussollier, Sabine Azéma, 13h40, 15h45, 17h50, 19h55, 22h, 00h30;

Ípsilon • Sexta-feira 23 Abril 2010 • 55