MÓDULO 1 Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia

Autores Heros Augusto Santos Lobo Luís B. Piló Augusto Auler Rodrigo Lopes Ferreira Cristiano Fernandes Ferreira

Organizadoras Gislaine Disconzi Marcela Pimenta Campos Coutinho

MÓDULO 1 Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia

Autores Heros Augusto Santos Lobo Luís B. Piló Augusto Auler Rodrigo Lopes Ferreira Cristiano Fernandes Ferreira

Organizadoras Gislaine Disconzi Marcela Pimenta Campos Coutinho

Brasília/DF Setembro 2013 IABS – Instituto Ambiental Brasil Sustentável Luis Tadeu Assad – Diretor Presidente Eric Jorge Sawyer – Diretor Administrativo Financeiro

CECAV – Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas Jocy Brandão Cruz – Chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas

FUNBIO/TFCA Rosa Lemos de Sá – Secretária Geral Fabio Leite – Gestor da Unidade de Programas Natália Prado Lopes Paz – Gerente do TFCA

EQUIPE TÉCNICA CECAV/ICMBIO Cristiano Fernandes Ferreira - Analista Ambiental Issamar Meguerditchian - Analista Ambiental Lindalva Ferreira Cavalcanti - Analista Ambiental Maristela Felix de Lima - Analista Ambiental

EQUIPE TÉCNICA INSTITUTO AMBIENTAL BRASIL SUSTENTÁVEL Marcela Pimenta Campos Coutinho – Coordenadora Geral Cibele do Carmo Santana Sawyer – Coordenação Administrativa/Financeira Gislaine Disconzi – Responsável Técnica

responsável parceiro financiador

Curso de Capacitação para Guias e Condutores de Espeleoturismo – Módulo I / Heros Augus- to Santos Lobo, Luís B. Piló, Augusto Auler, Rodrigo Lopes Ferreira e Cristiano Fernandes Ferreira (autores) / Gislaine Disconzi e Marcela Pimenta Campos Coutinho (orgs.). Instituto Ambiental Brasil Sustentável – IABS / Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas – CECAV / Tropical Conservation Act - TFCA / Editora IABS, Brasília-DF, Brasil - 2013.

122 p.

1. Meio Ambiente e Cultura. 2.Espeleologia. 3. Geoespeleologia. 4. Biologia Subterrânea I. Título. II. Instituto Ambiental Brasil Sustentável – IABS. III. Centro Nacional de Pesquisa e Con- servação de Cavernas – CECAV. IV. Tropical Forest Conservation Act - TFCA. V. Editora IABS.

CDU: 502 550 573 SUMÁRIO

1. MEIO AMBIENTE E CULTURA ...... 7

1.1 Conservação ambiental e as unidades de conservação no Brasil ...... 7 1.2 O Ambiente como Patrimônio...... 11 1.2.1 Patrimônio Natural...... 12 1.2.1.1 Patrimônio espeleológico...... 13 1.2.1.2 Patrimônio arqueológico e paleontológico...... 14 1.2.2. Patrimônio Histórico e Cultural ...... 12

2. ESPELEOLOGIA...... 19 2.1 Introdução à Espeleologia...... 19 2.1.1 Introdução...... 19 2.1.2 Definições e algumas características das cavernas e do carste...... 19 2.1.3 Potencialidades das cavernas no Brasil...... 21 2.1.4 Principais áreas contendo cavernas no Brasil...... 23 2.1.5 A importância das cavernas e do carste...... 26

3. GEOESPELEOLOGIA...... 33 3.1 O Carste e as cavernas...... 33 3.2 Espeleogênese em cavernas em rochas carbonáticas...... 37 3.2.1 Cavernas Epigênicas...... 40 3.2.2 Cavernas hipogênicas ...... 45 3.2.3 Espeleogênese em cavernas não carbonáticas ...... 45 3.3 Sedimentação em cavernas...... 47 3.3.1 Sedimentação clástica...... 47 3.3.2 Sedimentação química...... 48

4. INTRODUÇÃO À BIOLOGIA SUBTERRÂNEA...... 53 4.1. O ambiente subterrâneo...... 53 4.1.1 A fauna cavernícola ...... 57 4.1.2 O aporte de alimento para o interior das cavernas ...... 63 4.1.3 Dinâmica trófica em sistemas subterrâneos...... 64 4.2 Evolução em ambientes subterrâneos...... 66 4.3 Ecologia e conservação de cavernas ...... 68

5. Análise de impactos ambientais em terrenos cársticos e cavernas...... 73

5.1 Introdução...... 73 5.2 Impactos às cavernas e ambientes cársticos por tipo de atividade...... 75 5.2.1 Mineração...... 75 5.2.2 Agropecuária...... 81 5.2.3 Turismo...... 83 5.2.4 Represamentos...... 89 5.2.5 Obras lineares e outras obras de engenharia...... 92 5.2.6 Urbanização...... 94 5.3 Medidas de controle e minimização de impactos ...... 96 5.4 Análises de contexto de empreendimentos e área de influência...... 97 5.5 Monitoramento ...... 99

6. ANEXO...... 103

Apresentação

O projeto “Curso de Capacitação em Es- paleontológicos, riquezas minerais e hídricas, peleoturismo para Guias/Condutores de Es- aspectos históricos, pré-históricos e culturais, peleoturismo” tem por objetivo capacitar con- além da vasta diversidade de fauna e flora. dutores de espeleoturismo do alto, médio e Considerando as ameaças (mineração, baixo São Francisco em temas relacionados ao turismo, agricultura, ocupação urbana, obras meio ambiente, cultura, espeleologia, normas de engenharia, vandalismo e outras práti- de segurança e gestão do turismo para asse- cas danosas) ao Patrimônio Espeleológico e gurar experiências sustentáveis e de alta qua- o conhecimento incipiente, o PAN Cavernas lidade nas visitas turísticas em cavernas. do São Francisco identificou a necessidade de Serão realizados três cursos de capaci- conscientização e capacitação dos monitores tação, no alto, médio e baixo São Francisco, e condutores espeleológicos acerca do tema. em três módulos totalizando 120 horas cada, Como algumas cavernas inseridas nesta para até 30 guias/condutores de cada região. região recebem um fluxo considerável de visi- Serão elaborados conteúdo e material didá- tantes, esta iniciativa inédita busca levar aos tico apresentando conceitos básicos de meio profissionais que trabalham em cavernas a ca- ambiente e turismo e temas relacionadas ao pacitação inicial necessária para melhoria da espeleoturismo, para serem disponibiliza- experiência turística das nas aulas teóricas e discutidas em visitas Esta apostila é referente ao Módulo 1: técnicas. Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia. Para o A realização do curso de capacitação em último dia de curso, está programada uma vi- espeleoturismo é uma ação emergencial apon- sita técnica com o seguinte foco: “Descobrir o tada pelo Plano de Ação Nacional (PAN) Caver- mundo subterrâneo e seus aspectos relaciona- nas do São Francisco, em virtude do elevado dos ao meio ambiente, cultura e espeleologia”. número de cavernas abertas à visitação e a Acreditamos que esta apostila também baixa qualidade na experiência turística verifi- servirá para futuras consultas e, portanto, cada nestas cavidades. bus­camos ilustrar os conceitos apresentados A Bacia do São Francisco apresenta ex- e enriquecê-la com o máximo de informações, pressivas paisagens cársticas, numerosos pa- imagens e referências bibliográficas, tornando redões e entradas de cavernas que favorecem -a um referencial e importante apoio ao guia e a preservação de vestígios arqueológicos e condutor de espeleoturismo.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 5

1.MEIO AMBIENTE E CULTURA

Autor: Heros Lobo

1. 1 CONSERVAÇÃO AMBIENTAL E AS UNI- naturais protegidas do Brasil: a separação do DADES DE CONSERVAÇÃO NO BRASIL1 ser humano da natureza e a valorização em excesso dos aspectos bióticos. Em sua análise As práticas de conservação da natureza da criação das áreas naturais protegidas no são baseadas na antiga tradição que separa mundo, Hosaka (2009) explica que no período o ser humano das demais espécies vivas e do entre 1872 e 1940, o enfoque principal dado ambiente em que vivem. A base desta con- nas propostas de áreas protegidas estava cen- cepção deriva do pensamento cristão basea- trado na preservação de espécies de animais do no Jardim do Éden, focado na construção e plantas. No período seguinte, entre 1940 e de uma imagem de “paraíso”. Neste lugar, a 1970, este enfoque começou a ser ampliado, paisagem é plana, suave, sem variações de incluindo ecossistemas, biomas e elementos relevo, como montanhas, serras, abismos e do patrimônio arqueológico. Todavia, o salto cavernas (DIEGUES, 2000; THOMAS, 2001). quantitativo e qualitativo ocorreu em 1972, Paralelamente, durante muitos séculos, a com a realização da Conferência das Nações natureza teve sua imagem associada a aspec- Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocol- tos negativos, caóticos e sem controle. Essa mo, na Suécia. Monteiro (2000) aponta este imagem começou a ser alterada em meados evento como um marco mundial para o am- do século XVIII, sob influência do Romantis- bientalismo e para a conservação da natureza. mo. Nesta época, clérigos ingleses difundiram Nos anos de 1990, a IUCN apresentou uma a ideia da natureza como fonte de renovação classificação padronizada de áreas naturais psíquica, física e espiritual, dada a perfeição protegidas, incluindo os monumentos naturais da criação divina (THOMAS, 2001; REJOWSKI (CEBALLOS-LASCURÁIN, 1996) – atualmente et al., 2005). bastante utilizados para a geoconservação. Ao encontro desta ideia de natureza, em No Brasil, convencionou-se dizer que a 1872 foi criada a primeira área natural prote- primeira unidade de conservação (UC) criada gida no mundo, o Parque Nacional de Yellows- nestes moldes foi o Parque Nacional de Ita- tone, nos Estados Unidos. Suas características tiaia, no Estado do Rio de Janeiro, em 1937 se refletem nos moldes da maioria das áreas (HOSAKA, 2009). No entanto, outras áreas

1 A base do texto desta seção da apostila foi subtraída da seguinte referência: LOBO, H.A.S. Estudo da dinâmica at- mosférica subterrânea na determinação da capacidade de carga turística na caverna de Santana (PETAR, Iporanga-SP). 2011. 392 p. Tese (Doutorado em Geociências e Meio Ambiente) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro. 2011, capítulo 4, seção 4.1.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 7 GG naturais protegidas foram formalizadas an- Reserva de Desenvolvimento Sustentá- tes dele, como o Horto Botânico de São Pau- GGvel; e lo – atual Parque Estadual Alberto Löfgren Reserva Particular do Patrimônio Natural. –, criado em 1896, ou a Estação Biológica Alto da Serra, criada em 1901 pelo alemão Para cada uma das categorias de UC, tan- Hermann Friederich Albrecht von Ihering, e to de proteção integral quanto de uso susten- que em 1938 passou a ser administrada pelo tável, existem regras específicas definidas, Instituto de Botânica, sendo atualmente de- que versam sobre sua criação, implantação nominada Reserva Biológica do Alto da Ser- e gestão. Estas regras poderão ser consulta- ra de Paranapiacaba. Assim, é correto dizer das no próprio SNUC, que segue como ANEXO que o Parque Nacional de Itatiaia, por exem- desta apostila. plo, é o primeiro Parque Nacional do Brasil, A prática de uso público das UCs para fins mas não a primeira área natural legalmente turísticos é uma das atividades previstas em protegida. lei, desde que sejam desenvolvidas com os As UCs brasileiras são regidas por meio princípios do ecoturismo. No âmbito das polí- da Lei n°. 9.985 de 18 de julho de 2000, que ticas públicas no Brasil, este tipo de turismo é institui o Sistema Nacional de Unidades de definido como Conservação (SNUC). Neste documento, po- dem ser encontrados dois grupos de UCs: as um segmento da atividade turística de proteção integral (UCPI) e as de uso sus- que utiliza, de forma sustentável, o tentável (UCUS). As UCPI correspondem aos patrimônio natural e cultural, incen- espaços delimitados para a manutenção dos tiva sua conservação e busca forma- ecossistemas, sem alterações causadas por in- ção de uma consciência ambientalista terferência humana. Nelas é admitido apenas através da interpretação do ambien- o uso indireto dos seus atributos e recursos te, promovendo o bem-estar das po- naturais. AS UCPI são divididas em cinco cate- pulações envolvidas (BRASIL, 1994, gorias distintas: p. 19). GG GGEstação Ecológica; Nesta e em outras definições sobre o GGReserva Biológica; ecoturismo ou o turismo em áreas naturais, GGParque Nacional; ressalta-se a ausência de menções diretas à GGMonumento Natural; e geoconservação, com apenas algumas refe- Refúgio da Vida Silvestre. rências a determinados componentes do meio físico, como rios, cachoeiras e praias. Por ou- Por sua vez, as UCUS correspondem aos tro lado, formas naturais como as cavernas e espaços onde a exploração do ambiente pode elementos como as rochas, sempre foram res- ser realizada de maneira a garantir a manu- saltados de forma negativa e hostil. tenção em longo prazo dos recursos ambien- A atenção à conservação da geodiversida- tais renováveis e dos processos ecológicos, de começou a ser difundida no âmbito mun- mantendo a biodiversidade e os demais atri- dial nos anos noventa do século XX e a ser butos ecológicos, de forma socialmente justa incorporado na agenda ambiental brasileira a e economicamente viável. As UCPI são dividi- partir do século XXI, com o reconhecimento das em sete categorias, abaixo listadas: formal e a ampliação das iniciativas de geo- GG conservação. Em sua essência, carrega traços GGÁrea de Proteção Ambiental; da relação entre o ser humano e o ambiente, GGÁrea de Relevante Interesse Ecológico; além dos desdobramentos culturais originados GGFloresta Nacional; nestas relações, como os aspectos arqueoló- GGReserva Extrativista; gicos, os valores estéticos e a associação ime- Reserva de Fauna; diata de determinadas feições geológicas e

8 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia geomorfológicas com os lugares que as abri- de posse de proprietários privados, e que gam (SILVA; PERINOTTO, 2007; NASCIMEN- propõe uma revalorização do meio físico, TO et al., 2008). por meio dos geosítios, bem como busca Em linhas gerais, esta nova perspectiva proporcionar o benefício socioeconômico busca conferir peso e importância semelhan- das populações locais. te entre a geoconservação e a biodiversidade. Este fator é de suma importância para a con- Tais iniciativas se fortalecem e se fazem servação das paisagens cársticas e cavernas, notar pela crescente expansão de um segmen- tendo como pano de fundo “os valores econô- to emergente do mercado turístico, o geotu- micos, científicos e humanos, dentro do con- rismo (NASCIMENTO et al., 2007), que pode texto cultural e político local” (WATSON et al., ser definido como ”um novo segmento de tu- 1997, p. 9). A questão dos valores geocon- rismo em áreas naturais, realizado por pes- servacionistas em áreas cársticas também foi soas que têm o interesse em conhecer mais abordada por Pereira (2010), que apresentou os aspectos geológicos e geomorfológicos de uma tabela com valores intrínsecos, culturais, um determinado local, sendo esta a sua prin- estéticos, econômicos, funcionais, científicos e cipal motivação de viagem” (MOREIRA, 2009, educacionais. Além disso, algumas outras ini- p. 1). É também a “visita organizada e orien- ciativas têm se mostrado primordiais para a tada a locais onde ocorrem recursos do meio geoconservação, tais como: físico geológico que testemunham uma fase GG do passado ou da história da origem e evo- A criação de áreas naturais protegidas lução do planeta Terra” (SILVA; PERINOTTO, com enfoque centrado na geoconserva- 2007, p. 7). Trata-se de uma forma susten- ção, como é o caso da Área de Proteção tável de turismo (BUCKLEY, 2006; PERINOT- Ambiental do Carste de Lagoa Santa, do TO, 2007; SILVA; PERINOTTO, 2007), objeti- Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, vando a geoconservação (NASCIMENTO et al., ambas em ; do Monumento 2007), baseada na experiência do visitante, e Natural Gruta do Lago Azul e da Reserva não somente na contemplação passiva do am- Particular do Patrimônio Natural Buraco biente (PERINOTTO, 2007). das Araras, no Mato Grosso do Sul; e do Moreira (2009) acrescenta que sua ori- Parque Estadual Terra Ronca, em Goiás. gem está ligada ao ecoturismo, ao turismo Em comum, todos os exemplos citados de aventura e ao turismo cultural. Algumas auxiliam na preservação e uso sustentá- de suas vertentes mais conhecidas são o tu- vel de áreas cársticas e cavernas; rismo mineral (LICCARDO, 2007) e o turismo GG geológico (MOREIRA, 2009). Medeiros (2007) A ampliação dos estudos de manejo de apresenta o termo ecogeoturismo, embora cavernas, como os Estudos de Impac- não o diferencie substancialmente da essên- tos Ambientais das grutas do Lago Azul e cia já apresentada das definições de geoturis- Nossa Senhora Aparecida, no Mato Gros- mo. Lobo et al. (2007) mencionam algumas so do Sul; e os Planos de Manejo Espe- possibilidades de realização do geoturismo leológico das grutas Rei do Mato, Maquiné em áreas cársticas, associando o segmento – em Minas Gerais – Ubajara – no Ceará ao espeleoturismo, ao turismo de aventura, – e Santana, Diabo e Colorida – em São religioso e cultural, entre outros. A Figura 1 Paulo, entre muitos outros exemplos; apresenta algumas das potencialidades geo- GG turísticas da paisagem cárstica ou a esta asso- As propostas de criação de geoparques, ciada, demonstrando que seu apelo cênico se uma forma diferenciada de ordenação estende para além do aproveitamento notório territorial que emergiu nos anos noventa que é feito por meio do espeleoturismo. do século XX na Europa (SÁ et al., 2006) No Brasil, as UCs possibilitam uma as- que permite que a terra continua sendo sociação positiva entre geoconservação e

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 9 Figura 1: Exemplos que evidenciam o potencial geoturístico das paisagens cársticas. a) Travertinos a céu aberto de Pamukkale, na Turquia, formados por águas termais. O conjunto todo é tombado pela UNESCO, em conjunto com a Hierápolis de Friggia, cidade romana construída no alto da colina onde estão os travertinos; b) Alpes austríacos em rochas carbonáticas na região de Werfen (Salzburg), com trilha de acesso à caverna Eisreisenwelt, uma das mais visitadas do mundo; c) Arenitos ruiniformes do Parque Estadual de Vila Velha, no Paraná, uma região de carste subjacente (SALLUN FILHO; KARMANN, 2007); d) Mirante com vista para a poljé do Sumidouro, no Parque Estadual do Sumidouro, em Lagoa Santa, Minas Gerais; e) Um dos mirantes da trilha do Silú, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, Minas Gerais. A região figura na lista de locais com potencial para ser considerado patrimônio espeleo- lógico mundial da UNESCO (WILLIAMS, 2008); f) Cachoeiras formadas por tufas carbonáticas e águas límpidas no córrego Santa Maria, no Parque Nacional da Serra da Bodoquena, Mato Grosso do Sul.

10 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia geoturismo. Como exemplo, Nascimento et c) para o conhecimento de climas pretéritos al. (2008) analisaram os 62 Parques Nacio- visando à compreensão da dinâmica climática nais brasileiros existentes até 2007. Destes, atual e futura (CRUZ JÚNIOR et al., 2005) e 42 têm o patrimônio geológico e geomorfo- espeleoclimática atual (CIGNA, 2002); d) e de lógico como principal atrativo. Em sua lista, vestígios arqueológicos (BASTIAN; ALABOU- foram encontrados seis parques onde a paisa- VETTE, 2009) e paleontológicos. gem cárstica é o elemento de destaque para a conservação ambiental, conforme apresenta- 1.2 O AMBIENTE COMO PATRIMÔNIO do na Tabela 1. Considerando a necessidade da conserva- As Unidades de Conservação no Brasil são ção de elementos da natureza, os princípios implantadas com o intuito principal de asse- básicos de uso turístico sustentável das for- gurar aspectos representativos dos diferentes mas naturais – essência do ecoturismo – de- tipos de ambiente, bem como feições e ma- vem ser priorizados. Para tanto, deve-se levar nifestações únicas da natureza, no entanto, a em conta a ampliação da concepção de na- noção de patrimônio vai para além desta pers- tureza, de forma a conferir um enfoque pon- pectiva. Enquanto as UCs no Brasil são criadas derado à biodiversidade e à geoconservação para distinguir parcialmente o uso do território (NASCIMENTO et al., 2007). Ambos devem ser pelo ser humano, a ideia geral de patrimônio entendidos como norteadores de propostas de não é tão clara nesse sentido, permitindo uma conservação, sem deixar de lado a diversida- relação mais dinâmica, atual e racional entre de cultural e a equidade social como princípios o ambiente e as populações humanas. Enten- básicos: da sustentabilidade (SWARBROOKE, de-se por Patrimônio aquilo que é de interesse 2002; BUCKLEY, 2006); e da conservação comum, geral e, em essência, com os mesmos ambiental por meio do turismo (PIRES, 2002; princípios mencionados anteriormente para a RUSCHMANN, 2004; BUCKLEY, 2006). criação de UCs no Brasil: representatividade e Neste contexto, as cavernas podem ser singularidade. posicionadas como elementos estratégicos Além disso, o patrimônio, ou seja, o bem para a conservação de parcelas significativas: comum, não se resume somente aos elemen- a) da biodiversidade – considerando principal- tos materiais, palpáveis, em sua definição e mente os casos de organismos especializados, caracterização. Aspectos imateriais, formados como os troglomórficos e trogloxenos obriga- essencialmente pelos traços culturais e sociais tórios (TRAJANO; BICHUETTE, 2006); b) da de uma determinada população, também po- diversidade mineralógica (FORTI et al., 2007); dem ser considerados como patrimônios, por

Tabela 1: Parques Nacionais cujos principais atrativos são o carste e/ou as cavernas

Unidade de Conservação (Parque Nacional) Ano de Criação Estado Área (Hectares)

Ubajara 1959 CE 6.271,17

Sete Cidades 1961 PI 6.303,54

Serra da Capivara 1979 PI 91.834,08

Chapada Diamantina 1985 BA 151.526,18

Cavernas do Peruaçu 1999 MG 56.448,18

Serra da Bodoquena 2000 MS 77.020,26

Fonte: Adaptado de Nascimento et al. (2008).

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 11 serem representativos de uma forma de pen- de importância para a preservação e para a sar ou de se relacionar com o mundo. Assim, história – no sentido da história da formação representam frutos da relação entre o ser hu- das paisagens naturais. Incluem-se aí as for- mano e o ambiente em que este vive, sem a mações geológicas, os habitats das espécies concepção antagonista usual “homem versus animais e vegetais ameaçadas, e cujo valor natureza”, mas sim, pensando na relação “ho- seja universalmente excepcional. mem com a natureza”. Por fim, Delphim (2004) menciona que o patrimônio natural é compreendido por analo- 1.2.1. Patrimônio Natural gia ao patrimônio histórico-artístico na legis- lação brasileira, citando como exemplos “os Das diversas categorias que se pode en- monumentos naturais, os sítios e as paisa- contrar para o patrimônio, inicia-se a apresen- gens que importe conservar e proteger pela tação do chamado patrimônio natural. No âm- feição notável com que foram dotados pela bito mundial, a UNESCO é o órgão que tem natureza ou agenciados pela indústria huma- buscado estabelecer, de maneira mais siste- na” (DELPHIM,­ 2004, p.2). O autor ainda de- mática e completa, uma listagem de patri- fende que duas posturas justificam a proteção mônios naturais da humanidade, desde 1972, do patrimônio natural: uma de cunho ético (o com a criação da Convenção do Patrimônio respeito que os seres humanos devem ao am- Mundial. Para o patrimônio natural, a UNESCO biente e aos demais seres vivos) e outra de baseia-se em critérios previamente estabeleci- cunho prático (a dependência da sobrevivên- dos, descritos no trabalho de Williams (2008): cia da espécie humana sem os demais recur- GG sos e seres existentes na natureza). Abrigar fenômenos naturais superlativos, ou áreas de excepcional beleza natural ou 1.2.2. Patrimônio Histórico e Cultural GGimportância estética; Apresentar exemplos marcantes dos es- Na convenção de 1972, a UNESCO defi- tágios da história da terra, incluindo re- ne como sendo parte do patrimônio cultural gistros da vida, processos geológicos e da humanidade os monumentos, os conjuntos de desenvolvimento do relevo, ou mesmo (grupos de construções com representativida- características geomórficas ou fisiográfi- de histórica-arquitetônica) e os locais de inte- GGcas significativas; resse (locais de valor universal excepcional, Apresentar exemplos marcantes de pro- do ponto de vista histórico, estético, etnológi- cessos ecológicos e biológicos evolutivos, co ou antropológico). No entanto, desde 2003, de ecossistemas terrestres, aquáticos, com a publicação da Convenção para a Sal- GGcosteiros e marinhos; vaguarda do Patrimônio Cultural da UNESCO, Abrigar habitats importantes para a con- também os elementos e manifestações cul- servação in situ da diversidade biológica, turais imateriais têm sido considerados como incluindo aqueles que contêm espécies parte do patrimônio histórico ou cultural de ameaçadas de marcante valor universal, uma região, como por exemplo, as tradições sob a ótica da ciência ou da conservação. culinárias e as festas religiosas, entre outros. No Brasil, o IPHAN (Instituto do Patrimô- Em suma, observa-se que o patrimônio nio Histórico e Artístico Nacional) é o órgão natural se refere àquilo que não foi modificado responsável pela chancela destes patrimônios, pelo ser humano, ou então que recebeu míni- bem como, de certa forma, pela sua proteção. mas interferências, de modo a manter suas Para tanto, o IPHAN segue as recomendações características e processos fundamentais. universais feitas pela UNESCO, por meio das Segundo o portal institucional Brasil (2013), Convenções já mencionadas de 1972 e 2003, na internet, o patrimônio natural de um país bem como outras mais específicas (ex.: sal- corresponde a um conjunto que reúne áreas vaguarda do patrimônio cultural subaquático).

12 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia 1.2.1.1. Patrimônio espeleológico carste no Brasil: o vale do rio Peruaçu, no Norte de Minas Gerais. Segundo Williams (2008), sua No âmbito mundial, o patrimônio espeleo- inclusão se justifica por se tratar, possivelmen- lógico não é tratado como categoria à parte dos te, de um dos mais longos cânions formado por patrimônios naturais e culturais, ao menos sob colapso em área cárstica conhecido no mun- as orientações da UNESCO. Até o momento, o do, acompanhado de uma caverna com excep- que foi produzido pela UNESCO sobre o tema é cional decoração de espeleotemas. Além dis- um estudo temático, onde aponta quais áreas so, outras feições chamam a atenção, como as que são Patrimônio da humanidade se locali- enormes dolinas de colapso, pontes rochosas zam sobre área cársticas ou cavernas. Ao todo, naturais, nascentes e feições cársticas típicas. estão listados 45 locais ao redor do mundo, Termina a descrição citando a arte pré-histó- sendo que nenhum deles se localiza no Brasil. rica nas paredes das cavernas, bem como os No entanto, neste mesmo material existe uma vestígios encontrados nos sítios arqueológicos listagem de 30 sítios com potencial para clas- associados, com ocupação datada até doze mil sificação como patrimônio mundial em área de anos em relação ao presente.

Quadro 1: Sítios espeleológicos descritos no SIGEP e estado atual de proteção.

Sítio Localização Estado atual de proteção

Carste e Cavernas do Parque Iporanga e Apiaí, SP Protegido por um Parque Estadual. Estadual Turístico do Alto Ribeira, SP

Vespasiano, Pedro Leopoldo, Confins, Parcialmente protegido por uma Lagoa Santa, Matozinhos, Carste de Lagoa Santa, MG APA Federal, um Parque Estadual e Funilândia e Prudente de Monumentos Naturais Estaduais. Morais, MG (BERBERT- BORN, 2002)

Gruta do Centenário, Pico do Localizado em área particular, sem Mariana e Catas Altas, MG Inficionado (Serra do Caraça), MG proteção formal específica.

Localizado em área particular, sem Toca da Boa Vista, BA Campo Formoso, BA proteção formal específica.

Cavernas do Vale Januária e Itacarambi, MG Protegido por um Parque Nacional. do Rio Peruaçu, MG

Parcialmente protegido por um Parque Iraquara, Seara e Nacional. Grande parte das cavernas Grutas de Iraquara, BA Palmeiras, BA se encontra em áreas particulares, sem proteção formal específica.

São Gabriel, João Dourado Lapa dos Brejões - Vereda Romão e Morro do Chapéu, Protegida por uma APA Estadual. Gramacho, Chapada Diamantina, BA Bahia (BERBERT-BORN & KARMANN, 2012)

Caverna Aroe Jari, Localizado em área particular, sem Chapada dos Guimarães, MT Chapada dos Guimarães, MT proteção formal específica.

Poço Encantado, Chapada Localizado em área particular, sem Itaetê, Bahia Diamantina (Itaetê), BA proteção formal específica.

Furna do Buraco do Padre, Protegida por uma APA Estadual e um Ponta Grossa, PR Formação Furnas, PR Parque Nacional.

Patrimônio tombado pelo Iphan e Gruta do Lago Azul, MS Bonito, MS Monumento Natural Estadual.

Fonte: Dados do SIGEP (2013), organizado por Lobo; Boggiani (2013).

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 13 No Brasil, não existe legislação específica CE, perfazendo vinte sítios espeleológicos para a proteção ou conservação das áreas cá- brasileiros. rsticas. No entanto, as cavernas são objeto de menção na Constituição Federal de 1988, sen- 1.2.1.2. Patrimônio arqueológico e paleontológico do designadas como Bem da União (artigo 20) e como parte do Patrimônio Cultural Nacional Sobre o patrimônio arqueológico, segun- (artigo 216). do o IPHAN, Posteriormente, a resolução n° 347 do Conselho Nacional do Meio Ambiente todos os sítios arqueológicos são (CO­ NAM­­ A),­ definiu o patrimônio espeleológi- definidos e protegidos pela Lei nº co como o “conjunto de elementos bióticos e 3.924/61, sendo considerados bens abióticos, socioeconômicos e histórico-cultu- patrimoniais da União. O tombamento rais, subterrâneos ou superficiais, represen- de bens arqueológicos é feito, excep- tados pelas cavidades naturais subterrâneas cionalmente, por interesse científico ou a estas associadas” (CONAMA, 2004, s.p.). ou ambiental. São considerados sítios Definiu também a denominada “área de in- arqueológicos as jazidas de qualquer fluência” sobre o patrimônio espeleológico, natureza, origem ou finalidade, que que são áreas, superficiais ou subterrâneas, representem testemunhos da cultu- compostas por seus elementos bióticos e abió- ra dos paleoameríndios; os sítios nos ticos, que são necessários à manutenção do quais se encontram vestígios positivos equilíbrio ecológico e da integridade do am- de ocupação pelos paleomeríndios; os biente cavernícola (CONAMA, 2004). sítios identificados como cemitérios, Assim, preliminarmente se entende que sepulturas ou locais de pouso prolon- todas as cavernas brasileiras são parte do gado ou de aldeamento “estações” e patrimônio do país. Mas isso não implica “cerâmios; e as inscrições rupestres em dizer que todas possuem característi- ou locais e outros vestígios de ativi- cas de representatividade ou singularida- dade de paleoameríndios. Atualmen- de para serem­ ­definidas como patrimônio, te, cerca de 19 mil sítios arqueológi- além do que é preciso ponderar sobre as cos já foram identificados pelo IPHAN outras necessidades humanas que também (IPHAN, 2013, s.p.). dependem do ambiente onde as cavernas se formam, como a extração de rochas, a agri- Sobre o patrimônio paleontológico, tam- cultura e a pecuária, como exemplos mais bém chamado de fossilífero, sua caracteriza- convencionais. ção legal inicial é feita pelos mesmos artigos Por fim, outra iniciativa interessante de- da Constituição Federal que se referem às ca- senvolvida no Brasil acerca do patrimônio es- vernas, o 20 (bens da união) e o 216 (pa- peleológico é a lista da Comissão Brasileira dos trimônio da união). Segundo Dresch (2007), Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SI­GEP­), este patrimônio, quando subtraído de campo, que entre as diversas categorias existentes, pode também ficar sob a guarda de institui- possui também os “sítios espeleológicos” (Qua- ções nacionais de pesquisa ou ensino, bem dro 1). como de museus e parques temáticos. Além destes, existem outros dois sí- Por fim, vale ressaltar que, em sendo um tios já aprovados, totalizando 14 sítios es- elemento do patrimônio cultural (artigo 216 peleológicos listados. Também estão lis- da Constituição), o patrimônio espeleológico tadas outras oito sugestões preliminares, é sujeito ao tombamento pelo IPHAN, assim como por exemplo, a gruta de Maquiné, MG como as demais categorias de patrimônio ci- e as grutas do Parque Nacional de Ubajara, tadas neste capítulo.

14 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Referências Bibliográficas over the past 116,000 years in subtropi- cal . Nature, v.434, n.3, p.63-66, BASTIAN, F.; ALABOUVETTE, C. Lights and 2005. shadows on the conservation of a rock DELFIM, C.F.M. O patrimônio natural no art : the case of cave. Brasil. Disponível em:

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CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 17

2.Espeleologia

Autores: Luís B. Piló e Augusto Auler Instituto do Carste

2.1 Introdução à Espeleologia Segundo o Decreto Nº 6.640, de 07/11/2008, “cavidade natural subterrânea é todo e qual- 2.1.1 Introdução quer espaço subterrâneo acessível pelo ser hu- mano, com ou sem abertura identificada, popu- O presente documento tem como princi- larmente conhecido como caverna, gruta, lapa, pal objetivo traçar um panorama introdutório toca, abismo, furna ou buraco, incluindo seu ao estudo das cavernas. Inicialmente serão ambiente, conteúdo mineral e hídrico, a fauna apresentados os principais conceitos, incluin- e a flora ali encontrados e o corpo rochoso onde do algumas características das cavernas e do os mesmos se inserem, desde que tenham sido carste. Em seguida, serão avaliadas as poten- formados por processos naturais, independen- cialidades das cavernas no Brasil, assim como temente de suas dimensões ou tipo de rocha as principais áreas de ocorrência. encaixante”. As cavernas tendem a ocorrer, principal- 2.1.2 Definições e algumas características das ca- mente, nos denominados terrenos cársticos, vernas e do carste ou seja, áreas onde a litologia predominan- te compreende rochas solúveis. Mas em ou- A definição mais utilizada internacional- tras áreas, que não as cársticas, também po- mente para caverna consiste em uma aber- dem ocorrer cavernas. A palavra karst, que foi tura natural formada em rocha abaixo da su- aportuguesada para carste, é a forma germâ- perfície do terreno, larga o suficiente para a nica da palavra servo-croata kras, cujo signifi- entrada do homem. Esta definição é adotada cado original é terreno rochoso, desnudo, ca- pela União Internacional de Espeleologia - racterística de uma região situada no nordeste UIS, órgão que congrega as instituições na- da Itália e no noroeste da Eslovênia. Tal região cionais de espeleologia. Trata-se de uma defi- é considerada entre os especialistas como o nição claramente antropogênica e, em certos carste clássico, já que foi ali a primeira vez casos, indesejável. Em termos científicos ado- que esse tipo de relevo foi descrito e estuda- ta-se definições distintas. Sob o ponto de vis- do, a partir da segunda metade do século 19. ta de um pequeno troglóbio, um reduzido ca- Quando se fala em paisagem cárstica, nal pode constituir-se em caverna. O mesmo algumas características são determinantes. ocorre sob o ponto de vista da hidrogeologia, Esse tipo de paisagem peculiar está associado já que grandes volumes de água podem fluir a rochas carbonáticas (particularmente cal- por dutos muito estreitos para serem acessa- cários e dolomitos), podendo se referir tam- dos pelo ser humano. bém a paisagens similares em outras rochas

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 19 solúveis. O processo principal de formação englobando o contato entre o solo, quando desse relevo é a dissolução da rocha através existente, e a rocha calcária (Figura 2.1). do tempo geológico. Alguns autores têm usado o termo pseu- Essa característica é bem típica do carste, docarste para se referir as paisagens que pois a grande maioria das paisagens é mo- apresentam feições semelhantes às cársti- delada principalmente por processos erosivos. cas, tais como cavernas, dolinas e escarpas Também apresenta um conjunto de formas rochosas. No entanto, essas feições não são típicas, tais como dolinas (depressões fecha- formadas sobre típicas rochas solúveis como das), vales cegos, paredões, abrigos rochosos, em um verdadeiro carste. Por exemplo, as de- lapiás (sucos, ranhuras e canais de dissolução pressões do tipo doliniformes e cavernas da na rocha) e sumidouros (onde a drenagem Serra dos Carajás, no sudeste do Pará, desen- superficial adentra para o meio subterrâneo volvidas em rochas ferríferas (minério de ferro através de condutos). Por último, predomina e canga), foram denominadas de pseudocárs- uma drenagem subterrânea, efetuada através ticas por Maurity & Kotschoubey (1995). de um sistema de condutos ou fendas alarga- Atualmente existe uma tendência para das na rocha, ou seja, através de galerias sub- incluir as rochas silicatadas, particularmen- terrâneas, que não são visíveis na superfície. te os quartzitos e arenitos, no grupo das ro- O sistema cárstico compreende, em li- chas carstificáveis. Essa propensão deriva de nhas gerais, o ambiente externo, denominado demonstrações de que a dissolução da sílica, por alguns como exocarste (ou simplesmente anteriormente considerada de baixa solubili- carste superficial), marcado por formas super- dade, tem tido um papel importante na con- ficiais geradas primordialmente pelo ataque fecção de morfologias superficiais e subter- químico de águas meteóricas, e o domínio sub- râneas tipicamente cársticas. Bons exemplos terrâneo (endocarste ou carste subterrâneo), da ação efetiva desses processos podem ser representado por cavidades subterrâneas, ge- observados na região quartzítica do Roraima radas pela dissolução por águas subterrâneas venezuelano e na região do Parque Estadual de origem diversa. Um terceiro domínio, o epi- do Ibitipoca, em Minas Gerais. carste, pode também ser reconhecido, dizen- Salienta-se que uma indefinição ainda do respeito à zona logo abaixo da superfície, existente dentro dessa discussão é saber quais

Figura 2.1: Perfil esquemático do sistema cárstico compreendendo o carste superficial, o epicarste e o carste sub- terrâneo (cavernas).

20 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia os critérios que qualificam uma paisagem como ainda não foram incluídas nos cadastros es- sendo cárstica. Para alguns autores, é neces- peleológicos, seja porque o trabalho foi rea- sário que o transporte de massa em solução lizado no âmbito profissional, encontrando-se seja mais importante que o transporte de mas- arquivado nas próprias empresas executoras sa por outros processos. No entanto, tais me- ou nos órgãos ambientais, seja simplesmente canismos, no contexto da dinâmica da paisa- porque não houve interesse em se efetuar o gem, são marcados por descontinuidades, ge- cadastramento no caso de grupos ou indiví- ralmente de difícil mensuração. Por exemplo, duos amadores. Desta forma, o número total ainda sabemos pouco sobre os processos de de cavernas identificadas até o momento no dissolução na geração de cavernas nas forma- Brasil deve ser superior ao referido número, ções ferríferas de Minas Gerais e do Pará. com um incremento provavelmente da ordem de algumas centenas de novas cavernas por 2.1.3 Potencialidades das cavernas no Brasil ano. A Tabela 2.1 apresenta, de forma preli- Cerca de 90% das cavernas reconhecidas minar, baseado no conhecimento atual e na em todo o mundo desenvolvem-se em rochas experiência pessoal dos autores, o número carbonáticas. No Brasil, no entanto, devido a de cavernas identificadas até o momento em fatores ainda pouco conhecidos, mas segura- cada litologia e o provável potencial espeleo- mente envolvendo variáveis geomorfológicas e lógico (grutas existentes, porém ainda não climáticas, arenitos e quartzitos são também identificadas). Essa tabela deve ser conside- muito susceptíveis a formação de cavernas. rada apenas como um referencial, uma ordem Mais recentemente, a constatação de que áreas de grandeza de valores a servirem de parâ- de minério de ferro e canga são extremamente metro para a construção de um modelo de po- favoráveis à formação de cavernas, adicionou tencial espeleológico para nosso país. mais um componente ao mosaico espeleoló- A Tabela abaixo torna evidente o enorme gico brasileiro. Ocorrem também, embora em potencial espeleológico de nosso país. O alto menor escala, cavernas em granito, gnaisse, percentual de cavernas reconhecidas em mi- rochas metamórficas variadas como micaxistos nério de ferro e canga deve-se aos intensi- e filitos, além de coberturas de solos. vos esforços de prospecção realizados nessas Até o momento, cerca de 10.000 caver- áreas durante os Estudos de Impacto Ambien- nas encontram- se registradas nos cadastros tal visando a instalação de empreendimentos espeleológicos existentes no país. Esses ca- minerários. As minas de minério de ferro, nes- dastros abrangem principalmente informações se momento, estão em plena expansão, tendo coletadas por grupos amadores de espeleolo- em vista que o mercado asiático está muito gia. No entanto, muitas cavernas identificadas aquecido.

Tabela 2.1: Estimativa (ordem de grandeza) do potencial espeleológico brasileiro em relação a cavernas conhecidas e litologia.

Provável potencial Percentagem de Número de cavernas Litologia (cavernas ainda não cavernas conhecidas conhecidas) conhecidas

Carbonatos 7.000 > 150.000 < 5%

Quartzitos 400 > 50.000 < 1%

Arenitos 400 > 50.000 < 1%

Minério de ferro 2.000 > 10.000 < 20%

Outras litologias 200 > 50.000 < 0,5%

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 21 Figura 2.2: Mapa mostrando as principais litologias que apresentam cavernas. Rochas carbonáticas estão repre- sentadas em negro. Rochas quartziticas estão representadas em laranja. Áreas carbonáticas de pequena extensão estão representadas por triângulos. Outras litologias que apresentam cavernas estão representadas por quadrados. Áreas de minério de ferro que apresentam cavernas estão representadas por estrelas vermelhas.

A Figura 2.2 apresenta as principais áreas O potencial espeleológico do Brasil é, ain- carbonáticas do Brasil (em preto) e também da, enorme. Parece seguro afirmar que, hoje, as principais áreas quartzíticas que apresen- menos de 5% das cavernas existentes tenham tam cavernas (em laranja). Também repre- sido identificadas. Nosso potencial espeleológi- sentadas estão áreas carbonáticas de peque- co situa-se seguramente na faixa de algumas na extensão (triângulos) e áreas em outras centenas de milhares de cavernas. Apenas a litologias (principalmente arenitos) onde se título comparativo, em países mais desenvol- conhecem cavernas (quadrados). vidos na identificação e exploração de caver- As regiões areníticas, apesar de apre- nas, como Itália e França, com áreas equiva- sentarem considerável potencial espeleoló- lentes ao estado de Minas Gerais, cerca de 40 gico, tendem a não apresentar conflitos em mil cavernas são conhecidas. A ausência de relação à atividade minerária, não estando, pesquisa, pequeno número de espeleólogos, pois, representadas na figura. Áreas em mi- dificuldades de acesso, dentre outros motivos, nério de ferro estão representadas por estre- justificam o reduzido conhecimento que ainda las vermelhas. temos do potencial espeleológico brasileiro.

22 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia 2.1.4 Principais áreas contendo cavernas no Brasil de São Desidério, comportando algumas das cavernas com maior espaço interno do país. A maior ocorrência de rochas favoráveis à Os calcários e dolomitos do Grupo Una formação de cavernas no Brasil é representa- ocorrem a partir da região central da Bahia, da pelos calcários e dolomitos do Grupo Bam- estendendo-se até o norte do estado. Duas buí, que se desenvolvem desde o sul de Minas áreas concentram as principais cavernas de Gerais até o centro-oeste da Bahia, passan- interesse: a região da Chapada Diamantina, do também pelo leste de Goiás. Inserida nos com várias cavernas de grande extensão e be- calcários Bambuí encontra-se, entre outras, a leza, como a Lapa Doce, e a região de Campo região de Lagoa Santa, berço da espeleologia Formoso, que abriga as duas maiores caver- brasileira, com mais de 700 grutas registradas nas do país, a Toca da Boa Vista (Figura 2.5) (Figura 2.3); a região de Arcos e Pains, tam- e a Toca da Barriguda (Figura 2.6), respecti- bém com centenas de cavernas conhecidas, e vamente com 108 km e 30 km de extensão. a região do vale do Rio Peruaçu, com a mag- Muito próximo destas duas cavernas existem nífica Gruta do Janelão (Figura 2.4) e vários afloramentos do calcário Caatinga, que apre- sítios arqueológicos. sentam algumas cavernas importantes, entre No estado de Goiás destaca-se a região as quais a ampla Gruta do Convento. de São Domingos, com várias enormes caver- No sul do Estado de São Paulo e no Para- nas percorridas por rios caudalosos, e a região ná afloram os calcários e dolomitos do Grupo de Mambaí, também com um grande número Açungui. É uma região de grande beleza, que de cavidades importantes. No estado da Bah- contém mais de 300 cavernas. No lado paulis- ia destaca-se a Serra do Ramalho e seus arre- ta, a maior concentração está no Parque Es- dores, com várias cavernas importantes, entre tadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), com elas a Gruta do Padre, com 16,3 km de exten- algumas das cavernas mais ornamentadas do são, a terceira maior caverna do país, e a região país, como a Caverna Santana. Próximo ao

Figura 2.3: Maciço calcário onde se localiza a Lapa do Sumidouro, na região cárstica de Lagoa Santa (Foto Ataliba Coelho)

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 23 Estado do Mato Grosso do Sul, nos arredores da Serra da Bodoquena, apresentando belas cavernas alagadas, principalmente nas proxi- midades da cidade de Bonito. O Grupo Ara- ras, por sua vez, predomina no Mato Grosso e também apresenta muitas grutas, principal- mente próximo a Nobres. Em Rondônia, no Pará e no Amazonas ocorrem alguns aflora- mentos de calcário. Os mais importantes si- tuam-se próximos a Itaituba, no Pará, onde a Figura 2.4: Gruta do Janelão, no Parque Nacional recente colonização tem levado à descoberta do Peruaçu. de algumas cavernas de importância. No nordeste do Brasil afloram os calcários PETAR, o Parque Estadual de Jacupiranga abri- do Grupo Apodi, que, apesar de possuírem ga a Caverna do Diabo, parcialmente adaptada muitas cavernas, ainda não nos revelaram para o turismo, com amplos salões extrema- grutas de grande porte. No Estado do Ceará, mente ornamentados.O lado paranaense do os calcários do Grupo Ubajara possuem ocor- Grupo Açungui possui muitas grutas, embo- rência restrita, apresentando poucas cavernas ra de menores dimensões. Em Santa Catarina conhecidas, entre elas a famosa Gruta de Uba- ocorrem os calcários do Grupo Brusque, apre- jara. Várias ocorrências de menor porte de cal- sentando como principal caverna a Gruta de cários e dolomitos existem em todo o Brasil. Botuverá, no município de mesmo nome. Algumas aparentam possuir pouco potencial No oeste do país ocorrem calcários e do- ao passo que outras, em locais mais remotos, lomitos do Grupo Corumbá e do Grupo Ara- ainda não foram adequadamente exploradas ras. Os primeiros ocorrem principalmente no por espeleólogos.

Figura 2.5: Grande Salão na Toca da Boa Vista (Foto Ezio Rubbioli).

24 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Figura 2.6: Galeria na caverna Barriguda (Foto Ezio Rubbioli).

O potencial brasileiro em termos de caver- nas em quartzito é enorme. O Brasil possui al- gumas das maiores e mais profundas cavernas do mundo neste tipo de rocha. Numa pequena área no centro de Minas Gerais, o Pico do In- Figura 2.7: Gruta do Centenário (Foto Ezio Rubbioli). ficionado, encontra-se três das mais profun- das cavernas conhecida neste tipo de rocha, a Gruta do Centenário (Figura 2.7), com 484 m de desnível e 3.800 m de extensão é a se- gunda mais profunda do país. A terceira e a quarta caverna mais profunda do país, a Gruta da Bocaina (Figura 2.8) e a Gruta Alaouf, res- pectivamente com 404 m e 294 m de desnível, também se localizam no Pico do Inficionado. As regiões do Parque Estadual de Ibitipo- ca, de Carrancas e de Luminárias, no sul de Mi- nas Gerais, também apresentam um rico acer- vo de cavernas quartzíticas. Outra área de im- portante concentração de cavernas deste tipo é a região da Chapada Diamantina, na Bahia. Várias regiões, principalmente no nordeste e no sudeste, apresentam cavernas quartzíti- cas de importância. No estado do Amazonas, a pouco conhecida Serra do Araçá, contém a mais profunda caverna quartzítica do Brasil e do mundo, o Abismo Guy Collet, com 670 m de desnível. Cavernas areníticas são bastante frequentes em todo o território nacional. Exis- tem importantes concentrações na Chapada dos Guimarães (MT), em São Paulo, no Paraná e no interior do Piauí, além de muitas cavernas de grande porte dispersas em várias regiões da Amazônia. Figura 2.8: Gruta da Bocaina (Foto Ezio Rubbioli).

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 25 Figura 2.9: Cavernas em minério de ferro e canga no Quadrilátero Ferrífero.

Ocorre ainda um grande número de caver- No Brasil ainda ocorrem cavernas em gra- nas em rochas como minério de ferro e canga, nito, gnaisse e bauxita, entre outras. São em nas regiões ao sul de Belo Horizonte (Quadri- geral cavernas de pequeno porte. Uma exce- látero Ferrífero) e na Serra dos Carajás, no ção é a Gruta dos Ecos em Cocalzinho, Goiás, Pará. São cavernas na sua maioria, pequenas, inserida em sua maior parte em micaxistos, e com média em torno dos 25 m de extensão. que possui 1.600 m de extensão. No entanto, já foram registradas cavernas em minério de ferro com mais de 300 m, além de 2.1.5 A importância das cavernas e do carste importantes volumes subterrâneos, tanto em Carajás como no Quadrilátero Ferrífero. Com a revelação das cavernas brasilei- ras pelos viajantes, a partir do século 19, é possível chegar à clara compreensão de que muitas delas contêm registros cheios de sig- nificado, além de abrirem vários caminhos para uma melhor compreensão do passado. Ou seja, essas cavernas são merecedoras de conservação. Desde o trabalho pioneiro do naturalis- ta dinamarquês (Figu- ra 2.11), na primeira metade do século 19, as cavernas têm fornecido importantes re- gistros fossilíferos, os quais têm formado a base das pesquisas sobre a paleontologia de Figura 2.10: Cavernas em minério de ferro e canga no Quadrilátero Ferrífero. vertebrados do Pleistoceno brasileiro. Esses

26 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia documentos paleobiológicos revelam-se fun- Cavernas com depósitos fossilíferos são damentais para o conhecimento taxonômico, frequentes em diversas regiões brasileiras, anatômico e paleoecológico dos mamíferos dentre as quais Lagoa Santa, em Minas Ge- quaternários­ do Brasil. rais, São Raimundo Nonato, no Piauí, sertão e região central da Bahia, região do Ribeira, em São Paulo, dentre outras. Nesses sítios jazem ossadas de animais como preguiça-gigante, mastodonte, gliptodonte, tigre dente de sa- bre, entre outros. É fascinante. As idades obtidas tanto pelo C-14 quanto pelo método U/Th demonstram uma grande variabilidade temporal dos fósseis encontra- dos nas cavernas, que se estende do Pleisto- ceno Médio ao limiar do Holoceno. Ossadas de animais extintos mais recentes datadas na re- gião de Lagoa Santa (preguiça e tigre dente- de-sabre) acusaram idades em torno de nove mil anos. Contrariamente ao que se pensava até recentemente, a deposição dos fósseis nas cavernas não se deu em apenas um momento específico. Muito pelo contrário, foram vários os episódios de deposição de fósseis nas ca- vernas brasileiras. A relação entre arqueologia e as cavernas Figura 2.11: naturalista dinamarquês Peter Lund, considerado o “pai da paleontologia brasileira” também é evidente, tendo em vista que esse

Figura 2.12: Esqueleto articulado de preguiça-gigante em caverna da Bahia.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 27 meio é favorável a preservação de vestígios anos B.P. Salienta-se, ainda, que a contem- arqueológicos (menor umidade, menor ilu- poraneidade do homem pré-histórico com os minação e temperaturas mais estáveis). São megamamíferos extintos foi aventada nas ca- inúmeros os paredões e entradas de caver- vernas de Lagoa Santa, inicialmente por Pe- nas que registram usos diferenciados como ter Lund, em 1844. Recentemente, fragmen- abrigo, moradia, palco de rituais, cemitério e tos ósseos de uma preguiça-gigante (Scelido- suporte para a arte do homem pré-histórico, don cuvieri) e do temido tigre dente de sabre destacando-se as regiões de Lagoa Santa, em (Smilodon populator), encontrados nas caver- Minas Gerais, São Raimundo Nonato, no Piauí, nas de Lagoa Santa, foram datados respecti- Médio São Francisco (Januária até Montalvâ- vamente em 9.990 e 9.130 anos B.P., o que nia), Monte Alegre Serra dos Carajás, no Pará, veio reforçar a tese da coexistência entre o dentre outras áreas. homem pré-histórico e os animais pertencen- Os ambientes cársticos certamente in- tes à megafauna extinta (Neves & Piló, 2003). fluenciaram a vida dessas populações. Um as- Até o momento, no entanto, não há no registro pecto interessante é que embora dotados de arqueológico brasileiro qualquer evidência cla- particularidades culturais e inscritos em um di- ra de que os primeiros humanos fizeram uso, versificado quadro fitoecológico (florestas es- como recurso alimentar, ou como fonte de ma- tacionais de domínio atlântico, formações de- téria prima, dos grandes mamíferos extintos. ciduais de mata seca, incluindo a caatinga, os Foi também nas cavernas que se concen- cerrados e a floresta ombrófila), essas popula- traram as ossadas dos mais antigos brasilei- ções pré-históricas mantiveram a característi- ros. O esqueleto de “Luzia”, exumado no abri- ca não predatória no contato e uso da entrada go rochoso de Lapa Vermelha IV, em Lagoa das cavernas ou abrigos rochosos do Brasil. Santa, encontra-se posicionado em camadas No momento, a região de Lagoa Santa, sedimentares superiores a 11.000 anos B.P., em Minas Gerais e, São Raimundo Nonato, no sendo considerado o esqueleto mais antigo Piauí, guardam os mais antigos registros des- das Américas. Esse grupo pré-histórico, que sas culturas, que datam em mais de 11 mil usou intensamente as entradas das cavernas

Figura 2.13: Restos humanos sendo exumados na Lapa do Santo, Carste de Lagoa Santa (Foto Ataliba Coelho)

28 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Figura 2.14: Manifestação rupestre em São Raimun- Figura 2.15: Lapa de Bom Jesus, na Bahia. do Nonato, no Piauí.

da região, é caracterizado por crânios estrei- a maioria das estalagmites parou de crescer. tos e longos, faces estreitas e baixas, assim Quanto aos aspectos históricos, as primei- como órbitas e cavidades nasais também bai- ras referências sobre as formas superficiais e xas, apresentando grande semelhança com a subterrâneas do relevo cárstico foram feitas morfologia craniana dos nativos australianos e através dos relatos de naturalistas e viajantes dos africanos atuais. que percorreram o interior de Minas Gerais no Os sítios geomorfológicos que guardam século 19 e limiar do século 20. Narrativas da registros paleoambientais passíveis de data- riqueza e singularidade das grutas e formações ções absolutas estão posicionados nas calhas cársticas podem ser apreciadas nos trabalhos fluviais, nos horizontes orgânicos enterrados, de Peter Lund, Spix & Martius, J.W. Wells, H. terraços e várzeas, nos paleosolos preserva- Burmeister, dentre outros. Destacasse, ainda, dos nas vertentes e, particularmente, nos de- que o estudo sistemático das cavernas como pósitos químicos das cavernas. Datações nes- campo de atuação e conhecimento, no Brasil, ses depósitos, denominados de espeleotemas, teria início em Ouro Preto, com a criação da pelo método U/Th, que cobre um período de SEE - Sociedade Excursionista e Espeleológica poucos milhares de anos até 500 mil anos, têm dos Alunos da Escola de Minas, em 1937. colocado os depósitos de cavernas brasileiras O carste também tem se destacado por como verdadeiros arquivos paleoclimáticos. seu aspecto ecológico. O trabalho do botâni- Registros das razões isotópicas de oxigê- co dinamarquês E. Warming na região cárstica nio e carbono em espeleotemas, datados pelo de Lagoa Santa, no século passado (1863 a método U/Th, consolidaram-se nos últimos 1866), é reconhecido como o primeiro tratado anos como um dos melhores indicadores pa- sobre ecologia vegetal, no qual foram anali- leoclimáticos de regiões (sub) tropicais. As ca- sadas e identificadas mais de 2.600 espécies vernas brasileiras já demonstram grande po- vegetais. tencial para tais estudos isotópicos. Um desses As cavernas também vêm servindo palco estudos, efetuados nas cavernas do nordeste e de diversas manifestações religiosas, sendo liderado por Francisco William da Cruz Júnior, muitas vezes, transformadas em verdadeiros do IG-USP, tem revelado o início do clima se- santuários, principalmente na região central miárido no Nordeste, há cerca de 4 mil anos. do Brasil. Dentre as mais visitadas estão a Isso ocorreu em razão de um deslocamen- Gruta Mangabeira (Figura 2.15 na página se- to periódico do eixo de rotação da Terra que guinte), Lapa do Bom Jesus e Gruta dos Bre- fez com que o hemisfério Sul começasse a re- jões, na Bahia, Lapa de Antônio Pereira (Figu- ceber mais radiação solar do que o hemisfério ra 2.16 na página seguinte) e Lapa Nova, em Norte. Quando começou o período mais seco, Minas Gerais e a de Terra Ronca, em Goiás.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 29 Figura 2.16: Lapa de Antonio Pereira, em Minas Gerais.

As atividades econômicas também apre- Referências bibliográficas sentam expressivo valor no domínio cárstico. As principais formas dessas atividades são: MAURITY, Clóvis; KOTSCHOUBEY, B. Evolu- agropecuária, explotação de recursos mine- ção recente da cobertura de alteração rais (água, calcário, minério de ferro, argila, no Platô N1 – Serra dos Carajás-PA. mineralizações), aproveitamento hidrelétrico, Degradação, pseudocarstificação, es- utilização de recursos florestais e turismo. peleotemas. Boletim do Museu Paraense Diante do exposto, nota-se que são Emilio Goeldi. Série Ciências da Terra 7, muitos os atributos que dão as paisagens 1995. p 331-362. cársticas e as cavernas uma expressiva significância no mosaico paisagístico bra- NEVES, Walter Alves ; PILÓ, Luís B. Solving sileiro. Salienta-se um importante conjun- Lund´s dilemma: new AMS dates con- to de elementos naturais e culturais, digno firm that humans and megafauna coexis- de análise de valoração. Por outro lado, o ted at Lagoa Santa. Current Research in carste e as cavernas têm peculiaridades que the Pleistocene, Michigan, v. 20 p. 57-60, os colocam mais vulneráveis às interferên- 2003. cias humanas mal planejadas, as quais po- PILÓ, Luís B. Geomorfologia Cárstica. Re- dem gerar impactos adversos e degradação vista Brasileira de Geomorfologia, Rio de ambiental. Janeiro, 2000 v. 1, n. 1, p. 88-102.

30 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia

3. GEOESPELEOLOGIA

Autores: Luís B. Piló e Augusto Auler Instituto do Carste

3.1 O Carste e as cavernas de carbono associado a raízes de plantas e ao húmus. Ao atingir a rocha a água estará bas- As cavernas não estão isoladas na paisa- tante acida, podendo então dissolver o calcá- gem. Elas fazem parte de um relevo bastan- rio e alargar as fraturas da rocha. te particular denominado relevo cárstico. O Dolinas estão entre as formas cársticas nome carste se origina de uma região calcaria mais comuns. Consistem em depressões no na fronteira entre a Eslovênia e a Itália de- terreno por vezes suaves, por vezes abruptas nominada localmente de Kras. A partir daí o (Figura 3.3 e Figura 3.4). Podem ser formadas termo se internacionalizou, passando a desig- pela lenta dissolução de uma fratura, levando nar todas as regiões que apresentam feições ao rebaixamento da superfície da rocha, ou semelhantes. Dentre as peculiaridades das re- mesmo pelo desmoronamento de uma caver- giões cársticas podemos mencionar a ausên- na. Sumidouros e surgências marcam o local cia de rios superficiais, já que a maior parte da onde um rio superficial desaparece na rocha água corre em condutos subterrâneos, o fato ou surge sob forma de nascente. Já as caver- da rocha (normalmente calcários e dolo mitos, nas são apenas mais uma entre varias feições mas também sal, gesso, arenitos e quartzitos) cársticas, um conduto subterrâneo que trans- ser dissolvida por água acida gerando feições porta a água que se infiltra através de dolinas como lapiás, dolinas, sumidouros, surgências, ou sumidouros. As cavernas fazem parte de cavernas dentre muitas outras. um contexto e estão intimamente relaciona- O processo básico que provoca a gera- das com as outras formas cársticas. ção das formas cársticas em regiões calcarias As cavernas podem ser primárias ou se- pode ser sintetizado pela equação: cundárias. Cavernas primárias são aquelas H2O + CO2 + CaCO3 = 2HCO3- + Ca2+ formadas simultaneamente às rochas que a A água de chuva absorve dióxido de car- contém. O melhor exemplo seriam os tubos de bono (CO2) na atmosfera e se torna acida de- lava, frequentes em regiões vulcanicamente vido à formação de ácido carbônico (H2CO3). ativas, e ainda não descritas no Brasil. Durante Esta água ao entrar em contato com a rocha a erupção de um vulcão, a lava (rocha em es- já e capaz de dissolver o calcário. Lapiás ou tado líquido) escorre pelas encostas da mon- karren correspondem a canalículos ou estrias tanha. A lava tenderá a se esfriar e solidificar na rocha (Figura 3.1 e Figura 3.2), por vezes na área externa (contato com o ar) e no con- pontiagudos, que são formados pela ação da tato com o piso da montanha. No entanto, no água acida da chuva. Esta mesma água, ao núcleo a lava continuará a fluir. Quando cessar penetrar no solo absorve ainda mais dióxido o suprimento de lava, devido ao término da

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 33 Figura 3.1: Maciço calcário intensamente lapiezado. Parque Nacional de Ubajara, Ceará.

Figura 3.2: Lapiás do tipo rinnenkarren na região central da Inglaterra.

34 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia erupção ou alteração da rota de escoamento, maioria esmagadora das cavernas conheci- um conduto tubular será gerado. As caver- das, como as cavernas cársticas. nas em tubo de lava estão normalmente mui- Uma segunda maneira de classificar as to próximas à superfície, sendo por isto muito cavernas diz respeito à forma de atuação do afetadas por abatimentos. Desta forma, este agente espeleogenético. Duas grandes ca- tipo de caverna tem vida normalmente curta, tegorias podem ser diferenciadas. Cavernas estando preservada apenas em locais de erup- exógenas são criadas por meio de agentes ção recente, de até alguns milhares de anos. que atuam no exterior do maciço rochoso, de No Brasil, as atividades vulcânicas são fora para dentro. Exemplos típicos seriam as mais antigas, e qualquer tubo de lava gera- cavernas litorâneas formadas pela erosão de do no passado, provavelmente terá sido des- ondas, bastante frequentes em todo o litoral truído pela erosão. Outro exemplo de caverna brasileiro, como nos basaltos de Torres, RS, primaria seriam as cavernas em tálus. Tálus ou a Gruta Que Chora, em Ubatuba, SP. são zonas de abatimentos, muito frequentes Cavernas geradas pela ação de ventos são em encostas de morros de granito ou gnais- comuns em áreas desérticas, não tendo sido se. Os recessos entre os blocos podem formar descritas ate o momento no Brasil. Outro tipo uma série de espaços vazios interconectados. de caverna exógena são abrigos gerados por Algumas das maiores cavernas graníticas do erosão lateral de rios. São normalmente de país são na verdade cavernas em tálus, como reduzidas dimensões e em litologia variada, a Gruta do Quarto Patamar na Serra de Pa- estando descritas em vários locais do Brasil. ranapiacaba, SP. Cavernas em tálus ocorrem Orifícios ou reentrâncias em rochas graníticas também em quartzito e minério de ferro. recebem o nome genérico de tafone. Os tafoni Cavernas secundárias são aquelas gera- (forma plural de tafone) podem ser de gran- das após a rocha ter sido formada. Inclui a des dimensões, chegando a formar cavernas.

Figura 3.3: Principais tipos de dolinas.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 35 Figura 3.4: Dolina de colapso em zona urbana. Sete Lagoas, MG, 1988.

Figura 3.5: Tafoni na região de Milagres/Itatim, Bahia. As letras da palavra Tyresoles possuem cerca de 6 m de altura.

36 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Na região próxima a Milagres, BA, as margens no planeta. O dolomito e o mármore são me- da BR-116, existem belos exemplos de cavi- nos solúveis que os calcários. Isto não impede, dades deste tipo (Figura 3.5). Sua gênese e no entanto, que longas e amplas cavernas se provavelmente devido à ação física do intem- formem nestas rochas. A maior caverna brasi- perismo no maciço rochoso. Muitos tafoni não leira, a Toca da Boa Vista, com mais de 100 km chegam a constituir cavernas, por serem pou- explorados, se insere em dolomitos. De uma co profundas em relação à altura da entrada. forma geral, os processos envolvidos na gê- Cavernas endógenas, por outro lado, são nese de cavernas em rochas carbonáticas são formadas primordialmente por agentes atuan- similares nestas três litologias, o que permite tes no interior da rocha. Um exemplo seriam que se trate o assunto de uma forma unificada. as cavernas tectônicas, representadas por As cavernas são “anomalias“ na massa ro- fraturas ou falhas abertas pela movimentação chosa. A maior parte do volume dos carbona- natural das camadas rochosas. Outro tipo se- tos e essencialmente maciça, não possuindo riam as cavernas cársticas, formadas pela ação grandes espaços vazios. Worthington (1991) química da água ácida em rochas solúveis. A estima que em carbonatos carstificados, a po- maioria esmagadora das cavernas existentes rosidade devida a cavernas fica entre 0,1-1%. no planeta é deste segundo tipo. Trataremos As cavernas estão geralmente condicionadas a principalmente das cavernas em rochas car- certos níveis ou horizontes de desenvolvimen- bonáticas, que perfazem a maior parte das ca- to. Lowe (1992) acredita que horizontes de vernas conhecidas. Cavidades em outros tipos iniciação na rocha condicionam a localização de rocha, como rochas siliciclásticas (arenitos, dos condutos e a própria existência da caver- quartzitos, conglomerados), e em minério de na. Estes horizontes podem ser o contato en- ferro serão também abordadas. tre rochas solúveis e insolúveis, que segundo Palmer (1991) respondem pelo controle geoló- 3.2 Espeleogênese em cavernas gico de 18% de todas as cavernas conhecidas. em rochas carbonáticas Algumas grutas no carste do Vale do Ri- beira e em Lagoa Santa se posicionam em Rochas carbonáticas (calcários, dolomi- contatos litológicos. Fraturas (planos de ruptu- tos, mármores em vários níveis de pureza) ra normalmente verticalizados de origem tec- possuem a propriedade de serem solúveis ao tônica, Figura 3.6), falhas (planos de ruptura ataque de águas ácidas. Estas rochas irão con- verticalizados com movimentação relativa en- centrar a maior parte das cavernas existentes tre os lados) e planos de acamamento (plano

Figura 3.6: Dolina de entrada da Gruta do Centenário, Pico do Inficionado, MG, notando-se o intenso fraturamento.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 37 horizontalizado que divide diferentes camadas após o levantamento topográfico, pode-se ob- da rocha) são os horizontes de iniciação mais servar que a configuração espacial das cavernas propícios para a espeleogênese. De acordo tende a seguir determinados padrões. Segundo com Palmer (1991), 99% das galerias de ca- Palmer (1991) existem cinco padrões planimé- vernas estão orientadas segundo estas estru- tricos principais de cavernas (Figura 3.7): turas. Outros horizontes favoráveis podem ser GG níveis de minerais sulfetados, níveis de distin- Cavernas dendríticas constituem o tipo ta granulometria, horizontes com carstificação mais comum. Consistem em um condu- pretérita (paleocarste), entre outros. to de um rio (ativo ou pretérito) principal As diversas formas de recarga da água, a com condutos laterais se unindo como tri- estrutura da rocha, a direção de escoamento butários. A Gruta do Cesário, em Campo da água subterrânea, entre outros fatores, irão Formoso, BA, e um excelente exemplo de influenciar o padrão das cavernas. Em planta, caverna dendrítica (Figura 3.8).

A B

C D

Figura 3.7: Padrões morfológicos de cavernas segundo Palmer (1991).

38 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia GG Cavernas reticuladas possuem galerias condicionadas por fraturas, que se entre- cruzam em ângulos determinados pela estrutura da rocha. A Lapa Nova, em Va- zante (MG), consiste em exemplo bem conhecido. Cavernas anastomóticas (ou anastomosadas) apresentam diversas galerias curvilíneas que se entrelaçam. A Gruta da Escada, em Matozinhos, MG, exemplifica este padrão. GG Cavernas espongiformes se caracteri- zam por um padrão de salas e condutos de formato irregular, se unindo como os poros de uma esponja. Muitas das cavernas inseridas no calcário da For- mação Caatinga possuem este tipo de padrão. Setores labirínticos da Toca dos Ossos, em Ourolândia, ilustram magni- ficamente este tipo morfológico. GG Cavernas ramiformes mostram condutos de perfil e seção irregular, se ramificando de forma errática. As cavernas no Grupo Una, na região de Campo Formoso, pos- suem esta morfologia, como a Toca da Barriguda (Figura 3.9). Figura 3.8: Gruta do Cesário, Campo Formoso, BA, uma caverna dendrítica.

Figura 3.9: Toca da Boa Vista, Campo Formoso, BA, uma caverna reticulada/ramiforme.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 39 Muitas cavernas mostram uma morfolo- acamamento mais propícios serão utilizados. gia que abrange mais de um padrão, assim Extensas cavernas se desenvolvem totalmen- como gradação entre estes padrões podem te na zona freática. Um exemplo seria os sis- ser comuns. Da mesma forma, muitas caver- temas quilométricos de cavernas alagadas na nas são apenas fragmentos de outrora gran- Florida, USA. No Brasil, cavernas exploradas des sistemas, em que um padrão morfológi- por espeleomergulhadores como a Nascente co não pode ser determinado com precisão. do Rio Formoso, em Bonito, MS ou o Sistema O termo genérico “caverna labiríntica”, muito da Pratinha em Iraquara, BA, exemplificam usado por exploradores e espeleólogos, pode cavernas na zona freática. indicar cavernas do tipo espongiforme, rami- Na zona vadosa, um tipo de caverna bas- forme, reticulado ou mesmo anastomótico, tante simples é formado quando a água se in- dependendo da densidade de galerias que se filtra em um abismo e percorre fraturas e pla- interconectam. nos de acamamento até atingir a zona freá- Cavernas epigênicas são aquelas gera- tica. Neste tipo de caverna o curso d’água, das pelo fluxo de água a partir de zonas de por vezes temporário, não está conectado ao recarga na superfície, oriundas de águas me- aquífero e fluirá independentemente do nível teóricas (de chuva ou de rios superficiais). de base ate adentrar a zona freática. Diversas Compreendem a grande maioria das cavernas cavidades verticalizadas em várias regiões existentes. No entanto, varias cavernas, in- brasileiras seguem este tipo de modelo, como cluindo a maior do Brasil e algumas das maio- alguns abismos no Vale do Ribeira, SP. Muitas res do mundo, ocorrem devido à ação quími- cavernas também se desenvolvem no contato ca de águas ascendendo em profundidade, entre estas zonas hidrológicas. ou acidificadas no interior do maciço rocho- Em regiões de climas sazonais, como a so. Esta categoria recebe o nome de cavernas maior parte do Brasil, diversas cavernas tor- hipogênicas. nam-se alagadas quando de chuvas intensas, transicionando da zona vadosa para freáti- 3.2.1 Cavernas Epigênicas ca. Um bom exemplo são os condutos e “teto baixo” da Gruta Olhos D’água, em Itacaram- Nas cavernas epigênicas a água se infiltra bi, MG, que inundam quando de chuvas tor- no maciço rochoso a partir do exterior. A ma- renciais. Outras cavernas possuem uma zona neira como esta infiltração se da será impor- superior vadosa, atingindo o lençol freático e tante na definição do padrão das galerias. Em prosseguindo alagada na zona freática. Estes locais onde o infiltração e pontual, como, por exemplos mostram que as cavernas podem exemplo, em um sumidouro ou em fundo de existir em todas as zonas hidrológicas, pos- dolina, a tendência será a formação de uma suindo frequentemente galerias em mais de caverna do tipo dendrítica. No caso de uma uma delas. infiltração difusa, como em uma zona de inun- Experimentos realizados em gesso mos- dação, cavernas labirínticas do tipo reticula- tram como ocorre a propagação de galerias a do ou anastomótico podem se formar. Auler partir de um ponto de infiltração. Inicialmen- (1995) mostrou que boa parte das cavernas te, sob fluxo laminar, forma-se uma série de do carste de Lagoa Santa são labirintos re- pequenos canalículos que se propagam em di- ticulados formados pela infiltração difusa da reção ao ponto de saída. Quando um desses água de lagos. protocondutos consegue se conectar ao ponto As cavernas podem ocorrer em todos os de saída, ele passara a transmitir uma quanti- tipos de zonas hidrológicas. Na zona freáti- dade maior de água, se alargando mais rapi- ca, os condutos tenderão a escolher o per- damente. Isto fará com que os outros condu- curso mais simples de acordo com o gradien- tos se desenvolvam em direção a ele, ou então te hidráulico, em direção a zona de descar- sejam abandonados, iniciando uma caverna ga. Assim sendo as fraturas e os planos de de padrão dendrítico. Pesquisas mostram que

40 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia 1

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Figura 3.10: Modelo de Ford & Ewers, relacionando rotas de fluxo e densidade de fraturamento.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 41 um importante incremento na taxa de disso- No Brasil, a Lagoa Azul, em Niquelândia, GO, lução de um protoconduto se da quando ele foi explorada até -260 m. ultrapassa o limite de transição entre o flu- Depois que o conduto passa pela fase de xo laminar e turbulento. O fluxo passara a ser iniciação, ele pode evoluir de duas maneiras turbulento quando o protoconduto atingir um principais. Na paragênese (Renault, 1968), o diâmetro por volta de 10 mm, dependendo do conduto evolui ascendentemente. Na singêne- gradiente hidráulico e da temperatura. se ele evolui descendentemente. Inicialmente, Em termos de química, é necessário que com o conduto totalmente na zona freática, a a água mantenha sua capacidade dissolutiva água, dissolve teto, paredes e piso ao mesmo ao longo de todo o percurso. À medida que ela tempo, favorecendo o aparecimento de uma dissolve o carbonato, a água vai se tornando seção aproximadamente circular. Com o re- saturada, diminuindo assim a capacidade de baixamento do nível freático, o topo do condu- alargar o conduto. No entanto, essa diminui- to passa a possuir ar e, portanto, a dissolução ção se da de forma bastante lenta, tornan- passará a ocorrer somente no piso, criando do possível que longos protocondutos sejam pouco a pouco um perfil do tipo cânion. alargados. Worthington & Ford (1995) acredi- As altas galerias de rios no carste do Vale tam que além do ácido carbônico, o ácido sul- do Ribeira são cânions vadosos que evoluíram fúrico, ainda que em pequenas quantidades, desta maneira. Rebaixamentos abruptos do pode ser importante na iniciação de condutos. nível de base, ou juntas favoráveis, podem Ford & Ewers (1978) propuseram um mo- causar a migração da água para condutos in- delo espeleogenético que é ilustrado na Figura feriores independentes, deixando secas as 3.10. De acordo com esse modelo, a densi- galerias superiores. A evolução descendente dade das juntas na rocha irá definir o tipo de será atenuada quando um nível impermeável caverna gerado. Em carbonatos dobrados com for atingido. Os grandes sistemas do carste pequena densidade de juntas, o fluxo tenderá de São Domingos, GO, constituem belíssimos a seguir as poucas zonas de descontinuidade exemplos de cânions vadosos que atingiram disponíveis, adotando um perfil com “loops” (e escavaram) um embasamento ígneo. profundos. À medida que a densidade de jun- Em uma evolução paragenética (Figura tas aumenta, a água poderá escolher rotas de 3.11), o fluxo lento da água permite que se fluxo mais retilíneas, culminando no caso de acumule sedimento no piso. Este sedimento cavernas essencialmente planas que seguem impermeabilizara a base, fazendo com que a o contorno do lençol freático. No Brasil, onde água dissolva, preferencialmente, no teto. As- muitos dos nossos carbonatos são horizonta- sim o conduto evoluirá ascendentemente, ha- lizados, as cavernas tenderão a seguir planos vendo um equilíbrio entre a deposição de ma- de acamamento subhorizontais, gerando uma teriais finos no piso e a dissolução no teto. O morfologia de amplos e longos condutos com desenvolvimento paragenético cessará quan- poucos desníveis. Um bom exemplo seria a do for atingido o nível freático. Em um con- extensa galeria principal da Gruta do Padre, duto paragenético preservado, os sedimentos no oeste baiano. preenchem um cânion, deixando um espaço Segundo Worthington (1991), a extensão vazio no topo. No carste de Lagoa Santa, entre da bacia de drenagem e o mergulho e a dire- outros locais, e nítida uma fase paragenética. ção das camadas de carbonato são os princi- Numerosas formas esculpidas pelas pais fatores a determinar a que profundidade águas nas paredes, piso e teto de galerias po- em relação ao nível freático a maior parte dos dem fornecer indícios importantes a respeito condutos irá se desenvolver. Cavernas ativas dos processos envolvidos na espeleogênese. existem a grande profundidade, conforme de- Estas feições recebem o nome genérico de es- monstrado pela exploração por submersíveis e peleogens. Ondas de erosão (ou scallops) são espeleomergulhadores. Profundidades acima concavidades nas paredes que são bastante de 300 m já foram atingidas em alguns locais. úteis para se interpretar direção de fluxo em

42 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Figura 3.11: Evolução paragenética de uma galeria (perfil e seções) segundo Pasini (1967).

galerias secas. Possuem um bordo mais sua- ascendente sob pressão ou pelo próprio vapor ve e outro mais inclinado. A direção pode ser associado ao ar da caverna. determinada facilmente, sempre do lado mais Anastomoses são um conjunto de cana- inclinado para o lado mais suave. Conhecida a lículos no teto ou paredes. São bastante co- largura do conduto e o comprimento da onda muns em cavernas paragenéticas, formando- de erosão, com o auxilio de um gráfico pode- se no contato entre sedimento e solo. Anasto- se determinar a velocidade da água que gerou moses podem também evidenciar a fase inicial aquele conduto (Figura 3.12). de espeleogênese em uma caverna. Penden- Cúpulas são depressões arredondadas tes são projeções nos tetos. Bastante comuns que ocorrem em geral no teto, condicionadas em cavernas que foram preenchidas por sedi- por fraturas. Sua gênese é controvertida. Al- mentos, tem sua gênese provavelmente rela- guns autores acreditam que são geradas por cionada à dissolução diferencial na interface corrosão de mistura, quando do contato en- sedimento-rocha (Figura 3.13). tre águas que descendem pela fratura com Cavernas vadosas podem ser percorridas águas que preenchem totalmente o conduto por rios. Neste caso a água não mais ocupara da caverna. Outras hipóteses incluem disso- todo o perímetro da galeria (salvo às vezes em lução por contato entre a água da fratura e o caso de enchentes) e a gruta tendera a ser es- ar da caverna, ou mesmo por dissolução de- cavada para baixo, da mesma forma que um vido a águas ácidas injetadas durante inunda- rio escava um cânion. Na fase vadosa também ções. Cavernas hipogênicas apresentam este tem início a formação de espeleotemas, de- tipo de feição, neste caso sendo interpreta- pósitos cristalinos muito frequentes em gru- das como formadas por dissolução por água tas. A caverna pode eventualmente tornar-se

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 43 Figura 3.12: Scallops no teto de uma galeria de caverna.

Figura 3.13: Pendentes na Gruta dos Túneis, Lagoa Santa, MG.

44 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Figura 3.14: Ao final da evolução de uma caverna ela tende a se tornar seca devido ao soerguimento e erosão superficial. totalmente seca e por fim se aproximar (de- centro Norte da Bahia, como a Toca da Boa vido à erosão do terreno e soerguimento) da Vista (Auler et al. 2003). superfície e ser removida pela erosão (Figura Cavernas hipogênicas diferem em al- 3.14). O processo de formação e evolução de guns aspectos importantes de suas corres- uma caverna e lento e pode levar milhões de pondentes epigênicas. Como foram criadas anos. Durante todo este processo existem vá- a partir do interior da rocha, não possuem rios fatores e variáveis que interferem e dão qualquer relação com o terreno superficial. as cavernas uma grande variabilidade de for- Suas entradas são normalmente abatimen- mas e tamanho. tos fortuitos devido à interceptação de con- dutos preexistentes quando do rebaixamen- 3.2.2 Cavernas hipogênicas to natural da superfície. Sedimentos fluviais são em geral ausentes. A mineralogia dos Em uma caverna hipogênica, o agente ati- espeleotemas é distinta, destacando-se, no vo na dissolução provêm da subsuperfície, po- caso de cavernas formadas por ácido sulfú- dendo ser tanto ácido carbônico quanto ácido rico, espeleotemas de gesso. sulfúrico. A água ascendente, normalmente Pendentes, cúpulas e forte intemperismo aquecida devido à profundidade, pode vir car- na rocha são outras feições típicas. Cavernas regada destes ácidos. Cavernas criadas desta hipogênicas não possuem necessariamente forma são denominadas cavernas hidroter- entradas, e portanto podem permanecer à mais. Ácido sulfúrico e o agente principal na margem das descobertas espeleológicas, dan- gênese de muitas cavernas hipogênicas. Pode do a falsa impressão de que representam uma ser produzido a partir do gás H2S que ascende tipologia rara no contexto espeleológico. pela rocha e se mistura com a água subterrâ- nea produzindo o ácido sulfúrico que dissolve 3.2.3 Espeleogênese em cavernas não carbonáticas a caverna. A origem do H2S pode estar ligada a bacias de hidrocarbonetos (petróleo), como Dentre as rochas não carbonáticas onde no caso das enormes cavernas de Lechuguilla ocorrem processos de dissolução e conse- e Carlsbad nos Estados Unidos. A oxidação de quente geração de um número expressivo de lentes de pirita, um mineral do grupo dos sul- cavernas cita-se o gesso, o sal, o gelo, o quart- fetos de ocorrência frequente em carbonatos, zito, o arenito e o minério de ferro. Cavernas pode vir a gerar ácido sulfúrico em quantida- em gesso, sal e gelo ainda não foram descritas des suficientes para formar grandes cavernas. no Brasil, ao passo que cavidades nas demais Este parece ser o agente principal responsável litologias mencionadas são bastante frequen- em maior ou menor grau pela gênese de di- tes, inserindo-se os exemplos brasileiros en- versas cavernas em litologias do Grupo Una, tre os mais representativos do mundo. Iremos

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 45 enfatizar, pois, cavernas em arenito/quartzito que pode haver uma redução de ate 40% do e em minério de ferro. volume da rocha, resultando em minério friá- Quartzitos e arenitos são rochas asseme- vel com alta porosidade. A remoção de sílica lhadas, compostas principalmente por sílica, e/ou dolomito resulta em uma concentração e sendo que os quartzitos são basicamente are- consequente geração de zonas com minérios de nitos que sofreram metamorfismo, ou seja, ferro de alto teor (processo supergênico). foram sujeitos à alta temperatura e pressão. A morfologia espongiforme e o fato de que Os processos espeleogenéticos que atuam em a entrada é muitas vezes dimensionalmente arenitos e quartzitos são similares. A sílica e incompatível com os condutos interiores leva o quartzo são muito pouco solúveis, mas sob a supor que algumas das cavernas tivessem, climas quentes podem sofrer lenta dissolução. originalmente, evoluído no interior do maciço, Esta dissolução inicial irá permitir que a água sem uma saída para o exterior (caverna oclu- comece a circular em canalículos (protocaver- sa). Da mesma forma, galerias maiores conec- nas) removendo os grãos de quartzo e alar- tadas por condutos menores podem ter evo- gando por ação mecânica o conduto. Estes luído independentemente e posteriormente te- processos ocorrerão, preferencialmente, nos rem se conectado. planos de descontinuidade da rocha. Autores como McFarlane & Twidale (1987) Em quartzitos e arenitos, a dissolução acreditam que a dissolução dos óxidos de fer- cumprirá um papel inicial importante, mas ro, e não somente de sílica e dolomita, são es- quantitativamente menor quando comparado senciais na carstificação em minério de ferro. com a evolução por erosão, que será respon- A criação do que McFarlane & Twidale (1987) sável pelo efetivo alargamento dos condutos. chamaram de “zonas pálidas” no saprólito de- Portanto, uma primeira fase dissolutiva leva a penderia da lixiviação de ferro. Devido ao ca- remoção do cimento silicoso que une os grãos ráter pouco solúvel de óxidos de ferro, estes de quartzo, ou mesmo a dissolução das bordas autores evocam a atuação de agentes micro- dos cristais de quartzo, fazendo com que os biológicos, já que existem microorganismos mesmos fiquem soltos. A ação erosiva da água capazes de remover Fe através de complexa- pode, então, facilmente remover estes grãos, ção e formação de quelatos que possuam afi- criando as cavernas. nidade com o ferro. Ainda não há dados para Em minério de ferro pouco se sabe sobre quantificar a perda de volume da rocha via a gênese das cavernas. Simmons (1963), tra- dissolução do ferro. Expressivos espeleote- balhando em áreas com presença de minério mas (pingentes) formados por oxi-hidróxidos de ferro dolomítico no Quadrilátero Ferrífero, de ferro demonstram a solubilidade do ferro. foi pioneiro em atribuir a gênese de cavernas Na Serra dos Carajás duas fases espe- em minério de ferro e canga a processos de leogenéticas foram propostas por Pinheiro & dissolução. Segundo ele, a dissolução do do- Maurity (1988). Durante a primeira fase, intei- lomito, mas também de quartzo e hematita, ramente na zona freática, ocorre a formação leva a formação de uma zona de minério de de complexos alumino-ferrosos e argilo mine- ferro alterado de alta porosidade que chega a rais instáveis de Fe, Al e Si que preenchem os atingir 50% do volume da rocha. Em regiões vazios da canga e da Formação Ferrífera Ban- de minério de ferro silicoso, a dissolução da dada, mas também ocorrem em níveis inferio- sílica também exerce um papel importante. res a esta. A remoção deste material residual Uma vez que o enriquecimento supergêni- instável leva a formação de cavidades irregu- co consiste na retirada de matéria do protomi- lares que podem ser observadas nas paredes nério (lixiviação), além do aumento residual do e cavidades das cavernas (Pinheiro & Maurity, teor em ferro, o processo promove também um 1988). A segunda etapa, ainda na zona freá- significativo aumento da porosidade e permea- tica, envolve processos erosivos (piping) que bilidade do corpo mineral. Ribeiro (2003), tra- basicamente expandem as cavidades geradas balhando no Quadrilátero Ferrífero, demonstrou na primeira etapa levando então a formação

46 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia de galerias e salões. Estes processos erosivos química podem ser classificados em dois gran- serão intensificados quando a caverna passar des grupos, ou seja, aqueles originários a par- a ser exposta a atuação de processos vadosos, tir de rochas (sedimentos clásticos) ou aqueles propiciando também a atuação de processos derivados de material orgânico. Sedimentação de abatimento (Pinheiro & Maurity, 1988). orgânica, por guardar relação com aspectos Pilo & Auler (2005), em revisão sobre o biológicos, não será tratada neste modulo. tema, adotam muitas das ideias discutidas an- Os sedimentos clásticos compreendem teriormente, admitindo a existência de duas desde material com tamanho de blocos até etapas distintas, a primeira delas com predo- minúsculos grãos de areia. A maior parte pro- minância de processos dissolutivos (químicos) vém de fora da caverna (sedimentos alócto- e a segunda sob a ação de processos erosivos nes), embora algumas rochas como calcários (físicos). A primeira etapa, endógena, envolve impuros, quartzitos ou arenitos, forneçam se- reações químicas no interior da massa rochosa dimentos provindos do interior da própria ca- na zona freática, gerando zonas de alta poro- verna (sedimentos autóctones). sidade. Posteriormente o material friável resul- A composição da sedimentação alóctone tante será lixiviado para o exterior através de depende da área fonte. No caso de depósitos processos similares ao “piping” descrito para aluviais (trazidos por rios) pode representar cavidades em rochas siliciclásticas. Esta segun- material oriundo de áreas distantes, inseridas da etapa, iniciada na zona freática, pode ter na bacia de captação da drenagem. Este ma- continuidade na zona vadosa, quando os pro- terial tenderá a possuir graus variados de arre- cessos de “piping” podem vir a ser favorecidos. dondamento, fruto do transporte desde a área Bordas de topo de serras, áreas onde haja fonte. Por vezes e possível distinguir gradações quebra de relevo, ou encostas íngremes, são lo- na granulometria, importantes para se deter- cais em que o gradiente hidráulico do lençol freá- minar o ambiente deposicional. Por exemplo, tico será mais pronunciado resultando em uma sedimentos de granulação muito fina, como maior velocidade da água subterrânea e conco- argila, normalmente indicam sedimentação mitante maior capacidade erosiva da mesma. em situações de água estagnada ou de fluxo Iniciada a etapa erosiva das cavidades e muito lento. Já sedimentos de granulometria sendo estabelecida uma saída para o exterior, mais grosseira, como seixos ou calhaus, ne- os processos físicos serão incrementados. Ma- cessitam de considerável caudal e normalmen- terial de granulometria fina será aportado para te são oriundos de fluxo com maior velocidade. o interior das cavernas, principalmente via ca- Entre os sedimentos autóctones, blocos nalículos, de onde será evacuado para o exte- caídos do teto perfazem a maior parte da se- rior. Esta fase erosiva, aliada a processos de dimentação. Os abatimentos são processos abatimento de blocos, é responsável pela maior naturais, inerentes ao ciclo evolutivo das ca- parte da morfologia atualmente observada nas vernas. Lembrando que o vazio representado cavernas de minério de ferro estudadas. Evolu- pela caverna suporta milhares de toneladas ção ascendente de galerias, devido a abatimen- de rocha acima; há uma considerável tensão tos, e também frequente em algumas grutas. no maciço rochoso. Os abatimentos represen- tam alívios de tensão, a partir dos quais a ca- 3.3 Sedimentação em cavernas verna busca atingir uma forma mais estável que melhor se ajuste ao jogo de tensões. Os 3.3.1 Sedimentação clástica abatimentos ocorrem de forma espaçada no tempo, não constituindo um perigo que deva A maior parte das grutas apresenta algum preocupar os espeleólogos. Blocos podem ser tipo de sedimentação. Em geral são argilas ou de vários tamanhos, desde blocos com mais areias trazidas por rios ou enxurradas a cobrir de 50 m de altura, como na Gruta dos Brejões o piso da caverna ou material desprendido do (BA) até diminutas lascas. Outra forma de se- teto e paredes. Os sedimentos de origem não dimentação autóctone compreende material

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 47 insolúvel (impurezas) comumente encontra- Portanto, os espeleotemas são sempre das em meio à rocha matriz, como bolsões de formados através da precipitação de minerais argila ou zonas arenosas. a partir de soluções aquosas que atingem o Praticamente todas as cavernas apresen- ambiente das cavernas. Os diferentes tipos tam tanto sedimentação alóctone quanto au- de circulação de água dão origem a formas tóctone, embora sedimentação alóctone seja distintas de espeleotemas. Águas gotejantes mais comum em cavernas carbonáticas. Gru- podem formar estalactites no teto. As esta- tas hipogênicas tendem a apresentar reduzi- lactites apresentam muitas vezes formato de da sedimentação alóctone, como e o caso da um fino tubo apresentando um duto central Toca da Barriguda e Toca da Boa Vista. Grutas por onde circula a água. Este tipo de esta- em minério de ferro e em rochas siliciclásticas lactite recebe o nome popular de “canudo de apresentam, predominantemente, sedimen- refresco”. Este duto central pode vir a ser en- tação autóctone. Temos, por fim, o exemplo tupido (às vezes pelo próprio crescimento de de grutas em tálus que são constituídas por cristais). Não podendo circular pelo interior espaços vazios em meio a blocos abatidos. da estalactite, a água passa a escorrer pelas bordas, dando origem a estalactites de for- 3.3.2 Sedimentação química mato cônico. Quando a frequência do gote- jamento é alta, não há tempo para depositar Os depósitos cristalinos formados no inte- na estalactite toda a carga mineral contida na rior da caverna recebem o nome genérico de gota. A gota atinge o solo e da origem a esta- espeleotemas (do grego “depósitos de caver- lagmites. A eventual junção de estalagmites nas”). Os espeleotemas conferem beleza às ca- e estalactites cria o espeleotema denomina- vernas, compreendendo centenas de formas, do coluna. Muitas vezes o teto não é plano desde as mais comuns, como coralóides, es- e a gota escorre depositando uma delgada talactites e estalagmites, até formas muito ra- camada de calcita, que pode crescer e formar ras encontradas em poucas cavernas. Em ca- uma lamina tortuosa conhecida como corti- vernas carbonáticas, apesar de mais de uma na. Outra variedade de espeleotema origina- centena de minerais terem sido identificados da a partir de gotejamentos e o escorrimento como formadores de espeleotemas, a grande de calcita. Conforme o nome indica, consiste maioria é constituída por apenas três minerais: em depósitos formados a partir do escorri- calcita (CaCO3), o mais frequente mineral de mento de água em paredes da caverna. cavernas; aragonita (também CaCO3, porém Muitas cavernas apresentam circulação de com uma estrutura cristalina diferente) e gipsi- água no piso, sob forma de pequenos rios ou ta (CaSO4.2H2O). Como a cor destes três mi- lagos. E possível que esta água também es- nerais é branca, esta é a coloração dominante teja carregada em minerais, podendo deposi- nas ornamentações de cavernas carbonáticas. tar espeleotemas. Um dos espeleotemas mais No caso da calcita e da aragonita, o pro- típicos gerados por águas circulantes são as cesso mais comum de deposição envolve o represas de travertinos, barragens em geral processo inverso a reação química de disso- de calcita que represam água. Formam-se em lução mencionada anteriormente. A água sa- sequência podendo atingir vários metros de turada em carbonato de cálcio (sob forma de altura e dezenas de metros de extensão em bicarbonato de cálcio, que é solúvel em água) casos excepcionais. No interior das represas libera dióxido de carbono (CO2) ao entrar em de travertinos, ou mesmo em lagos, pode-se contato com a atmosfera da caverna. O bi- formar espeleotemas relacionados a águas carbonato irá transformar-se em carbonato de estagnadas. Jangadas constituem finas cama­ cálcio, que é insolúvel, e portanto haverá a das de calcita que flutuam na superfície da deposição do mineral sob forma de calcita ou água. São formadas devido à liberação de aragonita. A gipsita é diferente, depositando- CO2 a partir da superfície da água, ficando se muitas vezes devido a evaporação da água. “suspensa” pela tensão hidrostática, afundando

48 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia ao menor toque. Outro espeleotema peculiar aspecto retorcido. Só se formam em ambien- e a perola de caverna, semelhante às perolas tes confinados. Os espeleotemas denominados tradicionais, porem formadas a partir da acu­ flores também são pouco comuns e possuem mulação de camadas concêntricas de calcita­ grande beleza. Algumas flores consistem em ao redor de um núcleo representado muitas emaranhados de helictites nos remetendo a vezes por pequenas pedras. No interior dos um “espaguete” cristalino, outras irradiam fi- lagos, cristais denominados “dente de cão” nos cristais a partir de um ponto único. A flores podem também ser formados. formadas pelo mineral gipsita, apresentam em Em outra maneira de se formar espeleo- geral aspecto retorcido. temas a água pode circular através dos poros Espeleotemas podem também ser for- da rocha ou através de estreitas fissuras, sem mados a partir de águas de condensação, ou chegar a formar gotas. Este tipo de água é co- seja, o vapor contido na atmosfera. O ambien- nhecido como água de exsudação. É como se a te no interior das cavernas é normalmente sa- rocha “suasse”. Os espeleotemas formados por turado, com a atmosfera se aproximando de águas de exsudação são em geral mais raros 100% em relação à umidade relativa do ar. e mais frágeis. As helictites, por exemplo, são Este vapor pode aderir às paredes e formar formações que desafiam a lei da gravidade, pequenos espeleotemas, normalmente cora- formando feições cristalinas que crescem para lóides. A Figura 3.15 ilustra alguns dos princi- frente ou para cima, ou mesmo apresentam pais tipos de espeleotemas.

Figura 3.15: Ao final da evolução de uma caverna ela tende a se tornar seca devido ao soerguimento e ero- são superficial.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 49 Alem do valor estético, os espeleotemas weathering profiles. Zeitschrift fur Geo- podem ser utilizados para alguns trabalhos morphologie Suppl. Bd. 64: 73-95, 1987. científicos de importância. É possível obter PINHEIRO, R.V.L.; MAURITY, C.W. As caver- a idade precisa de espeleotemas de calcita nas em rochas intempéricas da Ser- e aragonita por meio do método que mede o ra dos Carajás (PA) – Brasil. Anais 1. decaimento radioativo do urânio para o tório. Congresso de Espeleologia da America Estes estudos fornecem importantes informa- Latina e do Caribe, p. 179-186, 1988. ções sobre a idade das cavernas e da paisa- gem ao redor. As estalagmites, em particular, PALMER, A.N. Origin and morphology of podem representar importantes arquivos pa- limestone caves. Geological Society of leoambientais, fornecendo informações im- America Bulletin 103: 1-21, 1991. portantes sobre as mudanças climáticas que ocorreram na região da caverna no passado. Pasini, G. Nota preliminare sul ruolo spe- leogenetico dell’erosione “antigravi- Referências bibliográficas tativa”. Le Grotte d’Itália 4 (1): 75-88, 1967.

AULER, A.S. Lakes as a speleogenetic PILO, L.B.; AULER, A.S. Cavernas em miné- agent in the karst of Lagoa Santa, rio de ferro e canga de Capão Xavier, Brazil. Cave and Karst Science 21: 105- Quadrilátero Ferrífero, MG. O Carste 110, 1995. 17: 92-105, 2005.

AULER, A.S.; Smart, P.L. The influence of RENAULT, P. Contribution a l’etude des ac- bedrockderived acidity in the deve- tions mécaniques et sédimentologi- lopment of surface and underground ques dans La spéleogenèse. Annales karst: evidence from the Precambrian de Speleologie 23 : 529-596, 1968. carbonates of semi-arid northeastern Bra- RIBEIRO, D.T. Enriquecimento supergêni- zil. Earth Surface Processes and Landfor- co de Formações Ferríferas Banda- ms 28: 157-168, 2003. das: Estruturas de colapso e desordem. FORD, D.C.; EWERS, R.O. The development Tese de doutorado, Universidade Federal of cave systems in the dimensions of do Rio de Janeiro, 2003. length and depth. Canadian Journal of WORTHINGTON, S.R.H. Karst hydrogeolo- Earth Sciences 15: 1783-1798, 1978. gy of the Canadian Rocky Mountains. LOWE, D.J. The origin of limestone caver- PhD thesis, McMaster University, 1991. ns: An inception horizon hypothesis. WORTHINGTON, S.R.H.; Ford, D.C. High PhD thesis, Manchester Metropolitan Uni- sulfate concentration in limestone versity, 1992. springs: An important factor in conduit McFARLANE, M.J.; TWIDALE, C.R. Kars- initiation? Environmental Geology 25: 9- tic features associated with tropical 15, 1995.

50 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia

4. INTRODUÇÃO À BIOLOGIA SUBTERRÂNEA

Autor: RODRIGO LOPES FERREIRA Universidade Federal de Lavras (UFLA)

4.1. O ambiente subterrâneo descontinuidades na rocha ou mesmo espa- ços existentes entre blocos de rocha oriundos Os ambientes subterrâneos compreen- da própria fragmentação da porção mais su- dem extensas redes de espaços de diferentes perficial da rocha. Tal região, onde existe este dimensões e graus distintos de conectividade contato do solo com rochas fragmentadas, re- (Figura 4.1). As cavernas (macrocavernas), cebe o nome de meio subterrâneo superficial nesta perspectiva, compreendem somente os (MSS), que compõe uma variedade importan- espaços de maior volume e dimensão, capa- te de habitats para inúmeras espécies. A rocha zes de serem acessados pelo homem. No en- encaixante, por sua vez, pode possuir espaços tanto, inúmeros organismos (especialmente gerados por descontinuidades da própria rocha invertebrados) são capazes de circular e mes- que foram sendo progressivamente expandi- mo estabelecer populações viáveis em espa- dos pela lenta ação da água solubilizando a ro- ços menores, como interstícios e fendas na cha. Muitos destes espaços (em geral de volu- rocha ou em seu contato com o solo. Desta mes reduzidos) são capazes de estocar a água forma, existe, desde a superfície até o interior das chuvas que lentamente vão se escoando de uma caverna, uma sucessão de habitats para porções mais profundas das rochas. Mui- subterrâneos que se apresentam em diferen- tas vezes, estes habitats (diretamente asso- tes configurações. ciados às rochas encaixantes) mantêm-se en- O primeiro tipo de “compartimento” de charcados ou bastante úmidos por todo o ano, habitat compõe os chamados espaço inters- possibilitando o estabelecimento de diferentes ticiais do solo, composto por pequenas fissu- populações (principalmente de invertebrados). ras e rachaduras associadas ao manto de in- Tal conjunto de habitats constitui o chamado temperismo. Tal conjunto de habitats pode epicarste. Alguns estudos realizados nos úl- ser denominado compartimentoendógeno, timos anos têm revelado comunidades ricas, sendo­ acessado principalmente por organis- muitas vezes formadas por populações de es- mos edafobiontes (que vivem no solo), que pécies altamente especializadas a este modo podem tanto acessar estes habitats por meio de vida. Finalmente, os grandes espaços sub- de suas minúsculas descontinuidades ou mes- terrâneos localizados sob esta região epicársti- mo ativamente, por meio da escavação direta ca, compreendem as chamadas macro-caver- do solo (nocaso de organismos fossoriais). O nas, podendo, este, ser considerado o habitat solo profundo, ao aproximar-se da rocha de mais tipicamente hipógeo. embasamento, pode mesclar-se a um conjun- Cada um destes compartimentos pos- to de fendas de maior calibreconformadas por sui características distintas, que, por sua

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 53 Figura 4.1: “Compartimentos” de habitats desde o sistema epígeo até uma macro-caverna. Em vermelho, as ca- tegorias de morfologia diferenciada mais frequentemente associada a cada compartimento e, em verde, as cate- gorias ecológico-evolutivas de organismos associadas às suas morfologias preferenciais (ou mais frequentemente encontradas).

vez, geram pressões seletivas diferenciadas uma morfologia denominada endogeomórfica, que continuamente atuam sobre as popula- que se caracteriza pela redução das estrutu- ções das espécies residentes. Desta forma, ao ras oculares e da pigmentação tegumentar (já longo do tempo, a evolução vem produzindo que nestes compartimentos afóticos, a pres- morfologias que foram diferencialmente sele- são da luz deixa de atuar na “manutenção” cionadas em cada um destes compartimen- destas características). Tais organismos, en- tos de habitats. A morfologia corpórea pre- tretanto, apresentam apêndices locomotores dominantemente encontrada em espécies de e sensoriais frequentemente não alongados, superfície, denominada epigeomórfica, com- em função dos espaços de reduzido tamanho preende basicamente a elevada pigmentação que configuram estes habitats. Finalmente, a tegumentar (primariamente como forma de morfologia que frequentemente evolui em es- proteção contra a radiação solar, e secunda- paços subterrâneos de maior volume (macro- riamente como estratégias de atração sexual, cavernas – ou sistemas hipógeos) é chamada aposematismo, camuflagem, dentre outras) de hipogeomórfica, sendo caracterizada, além e a manutenção de estruturas oculares bem da tendência à redução da pigmentação te- desenvolvidas (já que a luz é uma importan- gumentar e dos olhos, pelo alongamento de te pressão seletiva presente). Nos comparti- apêndices (locomotores e sensoriais) (figuras mentos endógenos e epicársticos, predomina 4.2 e 4.3). Tal alongamento, selecionado em

54 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Figura 4.2: O besouro cavernícola europeu Leptodirus hochenwartii exibindo morfologia tipicamente hipogeomór- fica. Notar a ausência de olhos, a redução da pigmentação tegumentar a o alongamento de apêndices. Este foi o primeiro invertebrado troglóbio descrito pela ciência.

Figura 4.3: O peixe troglóbio Stygichthys typhlops, de Minas Gerais (região de Jaíba) exibindo morfologia tipica- mente hipogeomórfica. Notar a ausência de olhos e a completa despigmentação tegumentar. Esta espécie com- preende um dos peixes brasileiros mais modificados à vida subterrânea. Além disso, compreende uma espécie ameaçada. Ausência de olhos, a redução da pigmentação tegumentar a o alongamento de apêndices. Este foi o primeiro invertebrado troglóbio descrito pela ciência. Foto: Rodrigo L. Ferreira

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 55 “macro- espaços” aparentemente está ligado Tradicionalmente, podem ser distintas três à compensação sensorial destes organismos, zonas ambientais caracterizadas pelas diferen- tendo em vista a inexistência de luz nestes ças entre luminosidade, temperatura e distri- habitas e também a uma maior facilidade de buição de organismos (Camacho, 1992). São deslocamento pelos substratos das cavernas, elas: muitas vezes encharcados. A cada uma destas morfologias, associam-se diferentes categorias 1. zona de entrada: é aquela onde a luz de espécies que podem ser encontradas em incide diretamente e tanto a tempe- cavernas, como será discutido à frente. Final- ratura quanto umidade relativa do ar mente, existem organismos que apresentam acompanham as variações externas. É morfologia ambimórfica, isto é, com caracte- a região mais influenciada pelo meio rísticas “mescladas” de outras morfologias. epígeo; Os ambientes externos, ou sistemas epí- geos, são utilizados como base para a com- 2. zona de penumbra: há incidência in- paração das condições ecológicas prevalen- direta de luz e flutuações de tempera- tes nos ambientes subterrâneos, chamados tura menores quando comparadas às de sistemas hipógeos. Dessa forma, o meio da zona de entrada. Sua extensão pode cavernícola é caracterizado, principalmente, variar de acordo com a época do ano e pela ausência permanente de luz, fazendo a posição da entrada em relação ao sol; com que muitas das características bióticas e abióticas desses ambientes sejam influencia- 3. zona afótica: região onde há absoluta das pela constância desta pressão ambiental. ausência de luz e habitual tendência à Geralmente, o ambiente físico subterrâneo va- estabilidade ambiental. ria menos que o ambiente epígeo circundante e os parâmetros ambientais caracterizam-se As comunidades aquáticas que vivem em por permanecerem praticamente estáveis na lençóis freáticos ou cursos d’água tendem a maioria das cavernas (Poulson & White, 1969; se distribuir por todo o volume da água, des- Culver, 1982). de que existam nutrientes (Ferreira & Martins, Em cavernas mais extensas, a temperatura 2001). Segundo Trajano& Bichuette (2006), o é caracterizada por apresentar pouca oscilação ambiente aquático subterrâneo também pode nos locais mais distantes da entrada. Os valo- ser diferenciado em três zonas ambientais: res de temperatura, geralmente, aproximam- se da média anual do ambiente epígeo (Barr, 1. horizonte superior da zona freática, 1967; Barr & Kuehne, 1971). Já em cavernas que se conecta com a superfície por menores, as variações são mais evidentes, de- meio de fissuras inacessíveis pelas vido à maior influencia do meio externo. Além ressurgências, sumidouros, poços na- disso, o ambiente subterrâneo é caracterizado turais ou cavernas; pela elevada umidade que, muitas vezes, tende à saturação (Poulson & White, 1969; Howarth, 2. zona de oscilação sazonal do lençol freá- 1983). Dessa forma, o meio cavernícola pode tico, caracterizada por riachos que se- ser caracterizado como um ambiente de eleva- cam em determinadas épocas do ano; da estabilidade ambiental, devido à ausência permanente de luz, e temperatura e umidade 3. riachos permanentes em condutos constantes (Poulson & White, 1969; Culver, abertos, não completamente preen- 1982). Porém, tais condições não são estáticas chidos por água, como riachos no topo e podem sofrer alterações ao longo do tem- da zona freática e tributários na zona po, dependendo de fatores como dimensão da vadosa, situados nos níveis superiores caverna, localização, morfologia, e orientação da caverna e onde a circulação da água das entradas, dentre outros. ocorre por gravidade.

56 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Como as zonas de entrada de cavernas espécies frequentemente possuem são regiões onde as variações ambientais são morfo­ logia­ epigeomórfica (Figura 4.4); fortemente influenciadas pelo ambiente exter- no, fatores como luminosidade, temperatura e 2. os troglófilos são os organismos capa­ umidade também apresentam variações diá- zes de completar todo o seu ciclo de rias e sazonais (Culver, 1982). Segundo Prous vida no meio hipógeo e ou epígeo. No et al. (2004), regiões próximas às entradas de- meio epígeo, tanto os troglóxenos quan­­ monstram gradientes de modificações estru- to os troglófilos, geralmente, ocorrem­ turais, biológicas e físicas, criando uma zona em ambientes úmidos e sombreados.­ de transição entre os sistemas epígeos e hipó- Certas espécies podem, ainda, ser geos. Dessa forma, a entrada de uma caver- troglófilas sob certas circunstâncias e na pode ser considerada um ecótone. Essa re- tro­glóxenas em outras (por exemplo, gião localiza-se em uma zona diferenciada pelo em cavernas que apresentam baixa equilíbrio entre a disponibilidade de recursos disponibilidade de alimento). Tais espé­ (característica epígea) e pela estabilidade am- cies podem exibir diferentes morfolo- biental (característica hipógea). Tal fato indica gias (Figura 4.5); que a zona de entrada pode funcionar como um filtro entre dois ambientes adjacentes, per- 3. os troglóbios restringem-se ao am- mitindo que somente organismos pré-adapta- biente cavernícola e podem apresentar dos possam atravessar e colonizar as cavernas. diversos tipos de especializações mor- fológicas, fisiológicas e no comporta- 4.1.1 A fauna cavernícola mento que, provavelmente, evoluíram em resposta às pressões seletivas pre- Múltiplos critérios têm sido utilizados para sentes em cavernas e ou à ausência a classificação dos organismos cavernícolas de pressões seletivas típicas do meio em função de suas características peculiares. epígeo. Freqüentemente, nesses or- Desde a primeira classificação, atribuída a ganismos, observa-se uma tendência Dane Schïodte, em 1849, inúmeras propostas à redução das estruturas oculares, e redefinições de termos foram feitas na tenta- da pigmentação e ao alongamento de tiva de enquadrar a fauna cavernícola em ca- apêndices, especialmente aqueles de tegorias corretas (Camacho, 1992). Uma das função sensorial. Além destas carac- classificações mais utilizadas é a do sistema terísticas morfológicas, tais espécies Schinner- Racovitza (modificado em Holsinger também podem exibir especializações & Culver, 1988), no qual as espécies caverní- fisiológicas, como a tendência à redu- colas podem ser enquadradas em três grupos: ção da taxa metabólica basal, dentre outras. Tais espécies frequentemente 1. os troglóxenos são os regularmente possuem morfologias variáveis, sen- encontrados no ambiente subterrâneo, do que os chamados “troglóbios re- mas que, obrigatoriamente, devem sair centes” tendem a possuir morfologias das cavernas para completar seu ciclo endogeomórficas ou ambimórficas e de vida. Ocorrem, em geral, nas porções os “troglóbios avançados”, morfologias mais próximas às entradas, mas suas hipogeomórficas (Figura 4.6). populações podem, eventualmente,­ tam­­­­­bém ocorrer em por­ções mais inte­ A figura 4.7 ilustra as principais modi- riores. Muitos desses organismos são ficações encontradas e uma espécie trogló- responsáveis pela impor­ tação­ de recur­ bia, (especialmente naquelas consideradas sos alimentares provenientes do meio “troglóbios avançados”, nas quais se desta- epígeo em ca­vernas,­ especialmente nas cam morfologias tipicamente hipogeomórfi- que são permanentemente secas. Tais cas).A espécie da figura corresponde a um

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 57 Figura 4.4: Algumas espécies troglóxenas encontradas no Brasil: A) Peropteryx macrotis Embalonuridae), Do- mingos Martins, ES; B) Chrotopterus auritus (Phyllostomidae), Pains, MG; C) Diphylla ecaudata (Phyllostomidae), Venda Nova do Imigrante, ES; D) Desmodus rotundus (Phyllostomidae), Luminárias, MG; E) Goniosoma vatrax (Opiliones: Gonyleptidae), Nova Lima, MG; F) Goniosoma sp. (Opiliones: Gonyleptidae), Vargem Alta, ES. Fotos: Rodrigo L. Ferreira

58 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Figura 4.5: Algumas espécies troglófilas encontradas no Brasil: A) Endecous sp. (Ensifera: Phalangopsidae), Cam- buci, RJ; B) Zelurus sp. (Heteroptera: Reduviidae), Santa Luzia, BA; C) Spelaeochernes sp. (Pseudoscorpiones: Chernetidae), Pau Brasil, BA; D) Carabidae (Coleoptera), Afonso Cláudio, ES; E) Dolabellapsocidae (Psocoptera), Pains, MG; F) Tytius sp. (Scorpiones: Buthidae), Mossoró, RN; G) Scutigeromorpha (Chilopoda), Pau Brasil, BA; H) Venezillo sp. (Isopoda: Armadillidae), Pau Brasil, BA; I) Gonyleptidae (Opiliones), Pau Brasil, BA; J) Salticidae (Aranae), Arcos, MG; K) Heterophrynus longicornis (Amblypygi: Phrynidae), Palmas, TO; L) Loxosceles sp. (Aranae: Sicariidae), Altinópolis, SP. Fotos: Rodrigo L. Ferreira

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 59 Figura 4.6: Algumas espécies troglóbias encontradas no Brasil (exceto letra F): A) Eukoenenia maqui- nensis (Palpigradi), Cordisburgo, MG;B) Neobisiidae (Pseudoscorpiones), Iuiú, BA (nova espécie); C) Coarazuphium cessaima (Coleoptera: Carabidae), Itaetê, BA; D) Iandumoema uai (Opiliones: Gony- leptidae), Itacarambi, BA; E) Amphipoda, Felipe Guerra, RN (nova família); F) Troglocaris sp. (Deca- poda), Planina, Eslovênia; G) Styloniscidae (Isopoda), Iuiú, BA (nova espécie); H) Cirolanidae (Isopo- da), Felipe Guerra, RN (novo gênero); I) Lygroma sp. (Aranae: Prodidomidae), Nova Lima, MG (nova espécie); J) Lithoblatta camargoi (Blattodea), Iraquara, BA; K) Charinus sp. (Amblypygi:Charinidae), Carinhanha, BA (nova espécie); L) Trachelipodidae (Isopoda), Santa Tereza, ES (novo gênero), M) Coletinia brasiliensis (Zygentoma: Nicoletiidae), Campo Formoso, BA; N) Spelaeogammarus trajanoe (Amphipoda: Bogidiellidae), Várzea Alta, BA; O) Kinnaridae (Homoptera), Felipe Guerra, RN (novo gê- nero). Fotos: Rodrigo L. Ferreira

60 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia homóptero da família Cixiidae encontrado litologias distintas, às vezes mais profundas, em uma caverna ferruginosa do quadriláte- é mais rara a presença de raízes e conse- ro ferrífero. Indivíduos troglóbios desta fa- qüentemente de cíxiidos, como na maioria mília são comumente encontrados em tubos das cavernas brasileiras. O único indivíduo de lava, principalmente nas ilhas Canárias e encontrado na caverna alimentava-se de raí- . Como são fitófagos, tais organismos zes e compreende um dos cíxiidos mais es- associam-se a raízes que interceptam gale- pecializados à vida subterrânea. Tais modi- rias de cavernas. Tais raízes são freqüentes ficações morfológicas incluem a ausência de nos tubos de lava devido à sua superficiali- estruturas oculares, a total despigmentação dade, como ocorre com muitas cavernas fer- do tegumento e a redução das asas (Figura ruginosas. Em outras cavernas situadas em 4.7). Cixiidos epígeos possuem olhos e asas

Figura 4.7: Homóptero troglóbio da família Cixiidae. Ao centro, o aspecto geral do organismo (vista latero-ventral e vista laterodorsal); Acima, à esquerda, detalhe do ovopositor, o que indica que o indivíduo é uma fêmea adulta; Acima, à direita, detalhe da região cefálica (vista dorsal), onde se percebe a anoftalmia; Abaixo, à esquerda, detalhe da região cefálica (vista látero ventral), evidenciando a anoftalmia; Abaixo, à direita, detalhe das asas, mostrando marcante redução destas estruturas. Fotos: Rodrigo L. Ferreira.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 61 bem desenvolvidas além de forte pigmenta- ser mais recorrente em habitats hipógeos de ção (Figura 4.8). maior volume (macrocavernas). Os troglomor- O conceito de espécie troglóbia diz respei- fismos, desta forma, são específicos a cada to à sua restrição nos habitats subterrâneos. grupo, não representando sempre as mesmas No entanto, para se saber precisamente se características (como redução de olhos e pig- uma espécie é restrita aos ambientes hipó- mentos). Sendo assim, para certos grupos, geos, é necessário se conhecer muito bem a ausência de olhos e de pigmentos podem ser fauna externa. Para as regiões tropicais (em consideradas troglomorfismos, enquanto que especial a região neotropical), a mega-diver- para outros não. Para a maioria dos grupos, sidade externa associada a um enorme grau a redução da pigmentação melânica, das es- de desconhecimento da fauna torna pratica- truturas oculares e o alongamento de apên- menteimpossível se determinar se uma es- dices, podem ser consideradas características pécie é o não troglóbia de acordo com sua troglomórficas. Entretanto, as características distribuição. Desta forma, na tentativa de se a serem utilizadas para estes diagnósticos di- aproximar de um diagnóstico mais confiável a ferem dependendo do táxon analisado. Certos respeito do real “status” de uma determina- grupos, por exemplo, possuem espécies sem- da espécie, foi criado o termo troglomorfismo. pre despigmentadas e anoftálmicas, mesmo Tal termo refere-se a características morfoló- no ambiente epígeo (e.g. Palpigradi). Nestes gicas utilizadas na determinação de espécies casos, os troglomorfismos são mais especí- potencialmente troglóbias, já que resultam de ficos (como alongamento dos flagelômeros, processos evolutivos ocorrentes após o isola- aumento no número de órgãos laterais, den- mento de populações em cavernas.Tais carac- tre outros, para Palpigradi). A ausência de terísticas estão preferencialmente relaciona- olhos e de pigmentos, para este grupo,não das à morfologia hipogeomórfica, que tende a constituem troglomorfismos. Desta forma, é

Figura 4.8: Homóptero da família Cixiidae (epigeomórfico). A seta vermelha indica os olhos bem desenvolvidos e a seta verdeindica as asas também desenvolvidas e funcionais. Notar a forte pigmentação do organismo. Foto: Rodrigo L. Ferreira

62 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia necessário se conhecer a biologia de cada gru- meio cavernícola. Dessa forma, a base da pro- po no intuito de se diagnosticar efetivamente dução primária em algumas cavernas é reali- a existência ou não destes caracteres. zada por meio de organismos quimioautotró- Além disso, é sempre fundamental asso- ficos, principalmente bactérias que utilizam ciar as características morfológicas encontra- ferro ou enxofre (Sarbu et al., 1996; Culver, das em cada espécie como ambiente externo 1982). Porém, a maior parte da produção nos à caverna à qual a referida espécie se associa. ecossistemas cavernícolas é de origem secun- Em muitos casos, a análise da morfologia, por dária e o alimento aportado à caverna é de si, pode não ser suficiente para determinar se origem alóctone. Esse fato faz com que a teia a espécie é (ou não) troglóbia. Um exemplo: alimentar hipógea seja fundamentada em de- as traças pertencentes à família Nicoletiidae tritos, havendo o predomínio de organismos são sempre brancas e anoftálmicas. Se esti- decompositores nos sistemas hipógeos (Si- vermos coletando em uma caverna localiza- mon, 2000; Souza-Silva, 2003). da no sul de São Paulo, em meio à uma Mata Fezes ou cadáveres de animais que tran- Atlântica bem preservada e encontrarmos uma sitam nas cavernas com certa regularidade ou população cavernícola de uma traça desta fa- dos que entram ali casualmente, assim como mília, não podemos excluir a possibilidade de a presença de raízes vegetais, podem ser tam- que existam indivíduos da mesma espécie fora bém importantes fontes de recursos alimen- da caverna, já que na floresta, existem inúme- tares, tanto para as comunidades terrestres ros habitats capazes de manter tais indivíduos quanto para as aquáticas. O tipo e a qualidade (como o folhiço sombreado e úmido da flores- de recurso e a forma de disseminação no sis- ta, espaços sob troncos e rochas, dentre ou- tema são determinantes da composição e da tros). Por outro lado, se estivermos coletando abundância da fauna (Ferreira, 2004). Além em uma caverna situada no interior da Paraí- disso, os recursos alimentares alóctones man- ba, em meio à Caatinga, e encontrarmos outra têm populações de organismos de todos os ní- população de traças da mesma família, pode- veis tróficos presentes nas cavernas (Ferreira mos considerar que existem enormes possibi- & Martins, 1999; Trajano, 2000). lidades de se tratar de uma espécie troglóbia, Assim, a matéria orgânica é importada já que as condições externas à caverna (de ex- para as cavidades por agentes biológicos ou trema insolação, elevadas temperaturas, solo por agentes físicos, de modo contínuo ou in- ressequido, dentre outras) dificilmente permi- termitente. O alimento também pode penetrar tiriam o estabelecimento de populações epí- nas cavernas através da água de percolação, geas daquela espécie (de tegumento fino, frá- das aberturas verticais nos tetos e das pare- gil que permitiria uma rápida perda de água, des ou em “pulsos”, carreado por rios ou ria- levando à morte do indivíduo por dessecação). chos (Gilbert et al. 1994). Essa movimentação Sendo assim, muitas vezes nem mesmo um de nutrientes e detritos do meio epígeo para taxonomista especialista em determinado gru- o meio hipógeo é freqüente; em alguns casos, po é capaz de precisar se uma dada espécie 100% da matéria orgânica é importada (Cul- é ou não troglóbia, sendo sempre necessário ver, 1982, Howarth 1983). contextualizar suas características morfológi- No meio externo, esses detritos podem ser cas em relação aos ambientes externos às ca- usados como alimento por inúmeros inverte- vernas às quais se associam. brados aquáticos (Minshall, 1967; Allan, 1995; Galas et al., 1996). O aporte destes para rios 4.1.2 O aporte de alimento para o interior das e pequenos riachos é feito, principalmente, cavernas pela vegetação das margens, de acordo com sua estrutura e estado de conservação (Allan, A ausência permanente de luz solar ex- 1995). Após cair nos rios, a água transporta clui a possibilidade da ocorrência de produto- estes detritos em direção às cavernas. Tais res fotossintetizantes em locais profundos do detritos, geralmente compostos por troncos,

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 63 galhos, folhas, bactérias e animais epígeos geralmente limitadas a teias tróficas mais (zooplâncton e artrópodes aquáticos), aces- simplificadas. Considera-se, então, que as co- sam este ambiente por meio de sumidouros. munidades de invertebrados cavernícolas são No meio hipógeo, fragmentos vegetais são de- menos complexas quando comparada às co- positados ao longo dos cursos d’água, cons- munidades epígeas (Culver, 1982; Howarth, tituindo depósitos de matéria orgânica (Barr, 1983; Jasinska et al., 1996; Trajano, 2000). 1967; Simon, 2000; Ferreira & Horta, 2001). Porém, estudos relacionados à caracteri- Estes depósitos são lentamente decompostos zação dos processos biológicos de produção, por bactérias, fungos e demais invertebrados transferência e processamentos de nutrientes detritívoros (Galas et al., 1996; Simon 2000). em sistemas cavernícolas são pouco frequen- O biorrevolvimento da superfície do se- tes. Esses estudos são fundamentais para a dimento e a fragmentação do detrito prove- compreensão da dinâmica trófica desses am- niente da vegetação ripária são exemplos de bientes que, por sua vez, determina direta- processos realizados por organismos perten- mente a estruturação das comunidades sub- centes às comunidades aquáticas, que resul- terrâneas. As informações geradas por meio tam na liberação de nutrientes na água (Cum- desses estudos fornecem importantes subsí- mins et al., 1989; Devái, 1990). Assim, estas dios para a conservação da fauna cavernícola. comunidades caracterizam-se como impor- Apesar de a produção autóctone fotos- tantes componentes do sedimento de rios e sintetizante não ser um processo comum na lagos,m sendo fundamentais para a dinâmica maioria das cavernas, a quimioautotrofia pode de nutrientes, a transformação de matéria e ocorrer em muitos dos ambientes subterrâ- o fluxo de energia (Callisto & Esteves, 1995). neos. A caverna Movile Cave, situada na Romê- Tal fato pode ser aplicado tanto para as co- nia, destaca-se por ser o único caso (compro- munidades epígeas quanto para as hipógeas. vado até o momento) de uma caverna em que Dessa forma, todos os processos ocorridos no a quimioautotrofia é responsável pela manu- meio externo influenciam diretamente o ecos- tenção de toda a comunidade de invertebrados sistema subterrâneo. presente. Várias investigações na superfície da região onde está localizada a caverna excluem 4.1.3 Dinâmica trófica em sistemas subterrâneos a possibilidade de aporte de matéria orgâni- ca de origem fotossintética por fluxos d’água As cavernas são comumente caracteri- epígeos. Mesmo sendo um ecossistema sub- zadas como ambientes com elevada tendên- terrâneo exclusivo que está inserido em uma cia ao oligotrofismo, já que, geralmente, as paisagem com águas termominerais sulfuro- vias de importação de recursos alimentares sas, também é descartada a probabilidade de não são eficientes o bastante para o transpor- infiltração de água por percolação através das te de grandes quantidades de alimento (Cul- fissuras das rochas. Tal fato demonstra que a ver, 1982). Desse modo, a baixa quantidade caverna está isolada em um ambiente total- dos recursos importados às cavernas se tor- mente fechado (Camacho, 1992). na um fator limitante ao estabelecimento de Ainda assim, Movile Cave é caracteriza- numerosas espécies nos ecossistemas subter- da pó suportar uma elevada densidade de es- râneos. Mesmo as espécies que conseguem pécies, tanto aquáticas como terrestres e alta ultrapassar as barreiras seletivas destes am- biomassa. Além disso, a caverna apresenta bientes, tal como a ausência permanente de grande quantidade de organismos troglóbios, luz, são impedidas de atingir grandes popu- indicando a longa história de isolamento des- lações devido à relativa escassez de recursos tas espécies. Porém, essas espécies se desta- alimentares (Ferreira, 2004). cam pelo fato de não apresentarem redução Vários estudos em cavernas indicam a na taxa metabólica, condição bastante recor- tendência de haver um menor número de es- rente em organismos troglóbios (Camacho, pécies explorando os recursos alimentares, 1992; Sarbu, 1996).

64 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Dessa forma, a produção primária que que percorre a Organ Cave, EUA. A matéria sustenta essa comunidade é realizada por orgânica grossa (CPOM) se torna uma fon- meio da microbiota que cobre as superfícies te alternativa de energia, além da dissolvida da água e das rochas calcárias. Esse biofil- (DOM) em cavernas com grandes entradas. A me microbiano utiliza o sulfeto de hidrogê- caverna é eficiente em reter CPOM e a perda nio como doador de elétrons no processo de de massa de folhas é mais rápida que a de quimiossíntese. O fluxo de energia é realiza- gravetos, que representam, então, uma fonte do por bactérias e fungos heterotróficos que mais estável de carbono. Assim, FPOM e DOM se alimentam das bactérias autotróficas ou tornam-se importantes fontes de alimento em utilizam moléculas orgânicas excretadas por locais mais distantes dos pontos de entrada, elas. A partir daí, ricas populações de flage- onde o transporte de CPOM é pouco provável. lados, nematóides, oligoquetas, copépodos, Consequentemente, a cadeia trófica caverní- anfipodos, colêmbolos, isópodes, aranhas e cola pode ser estruturada pela presença de coleópteros, dentre outras, distribuem-se ao raspadores de biofilme, coletores, fragmenta- longo da cavidade, todas elas utilizando- se, dores e predadores (Simon, 2000). de forma indireta, do recurso primariamente Graening (2000) conduziu um estudo de produzido pelas bactérias. Desencadeia-se, dinâmica trófica em uma caverna de litologia dessa forma, uma teia alimentar atípica em calcária denominada Springs Cave, EUA. Essa ambientes cavernícolas, envolvendo consu- caverna destaca-se por ter suas característi- midores, predadores e detritívoros, todos ba- cas prístinas alteradas pela poluição por nu- seados em produtividade primária provenien- trientes, metais pesados e coliformes. Mesmo te de quimiossíntese(Camacho, 1992; Sarbu assim, a quantificação do aporte de energia no et al., 1996). A produção primária totalmente riacho subterrâneo caracterizou- o como um baseada em organismos quimioautotróficos é, sistema oligotrófico, no qual a matéria orgâ- entretanto, rara e não pode ser caracteriza- nica dissolvida (DOM) é fonte de recurso do- da como modelo trófico geral para cavernas minante. Acredita-se que a drástica redução convencionais. da população de morcegos ao longo dos anos Simon (2000) analisou a dinâmica da ma- tenha diminuído o aporte de guano, reduzindo téria orgânica e a estrutura trófica em águas a sua contribuição potencial para a dinâmica de ecossistemas subterrâneos cársticos em trófica do ambiente. Dorvan-Cleyzieu, França. O estudo demons- A retenção de nutrientes em Spirngs Cave trou a influência de padrões temporais de flu- é baixa, indicando que muito da matéria orgâ- xos de inundação no aporte e na distribuição nica aportada à cavidade é exportada sem ser espacial da matéria orgânica e também na utilizada. A densidade microbiana é significa- distribuição do biofilme em um aquífero. As tivamente mais alta durante fluxos de inunda- bactérias (heterotróficas) aparecem como im- ção e seu crescimento não é vinculado ao tipo portante fonte energética para os níveis trófi- de recurso, mas sim à quantidade que é im- cos seguintes. Além disso, os fatores que re- portada para a caverna. Além disso, a comu- gulam suas atividades controlam também a nidade microbiana é limitada à presença de teia alimentar, determinando a disponibilidade recurso, indicando que a adição de nutrien- de energia. A alternância temporal de enchen- tes dentro do ecossistema cavernícola poderia tes e seca no aquífero tem um importante pa- provocar aumento na atividade microbiana e pel na aeração do biofilme, na renovação de de biomassa (Graening, 2000). carbono e de oxigênio e no suprimento de nu- No Brasil, o primeiro trabalho enfocando trientes para o meio hipógeo. a disponibilidade e o processamento de recur- No mesmo estudo, Simon (2000) investi- sos alimentares em um ambiente subterrâneo gou os processos de decomposição de folhas foi realizado por Souza-Silva (2003). A dinâ- e de gravetos e o papel de várias fontes de mica trófica cavernícola foi avaliada nos meios matéria orgânica na dinâmica trófica no riacho aquáticos e terrestres da Lapa do Córrego dos

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 65 Figura 4.9: Diagrama representando principais estruturas e processos tróficos em uma caverna (Ferreira, 2004).

Porcos, Damianópolis, Goiás. Foram quantifi- proporciona uma fonte diversa de recursos e cados a disponibilidade e o consumo de re- micro-hábitats, suprindo a depleção causada cursos alimentares e analisada a estrutura da pela ação lixiviadora dos fluxos de inundação mesofauna, além da caracterização dos agen- (Souza-Silva, 2003). tes e das vias de produção de matéria orgâni- A partir das informações básicas a respeito ca. No ambiente terrestre, a principal influên- da dinâmica trófica cavernícola, o fluxo ener- cia na composição, na distribuição e na abun- gético desses ecossistemas pode ser generali- dância de invertebrados é determinada pelo zado em determinadas estruturas e processos guano de morcegos. O produto secundário é relativamente simples, principalmente quando um recurso alimentar efêmero, dependente comparados a sistemas epígeos (Figura 4.9). de uma constante produção para a manuten- ção das comunidades terrestres. 4.2 Evolução em ambientes No ambiente aquático da Lapa do Córrego subterrâneos dos Porcos, verificou-se que os detritos pene- tram em maior quantidade na estação chu- Saber como certas características dos tro- vosa do ano. Entretanto, esse maior aporte glóbios evoluíram torna o estudo da vida em é acompanhado também por um processo de cavernas mais interessante (Ferreira & Mar- lixiviação mais intenso. Os fluxos de inunda- tins, 1999). Em geral, esses animais apre- ção dificultam a retenção e o processamento sentam várias especializações relacionadas de recursos alimentares no riacho. Portanto, ao ambiente cavernícola, resultantes de um os detritos vegetais acumulam do sedimento processo biológico lento e contínuo conheci- e são colonizados pela fauna, principalmen- do como “evolução regressiva”. Esse proces- te nas estações secas. Como fonte energéti- so, ainda não totalmente esclarecido, é inter- ca adicional, a presença de raízes submersas pretado com a ajuda de duas hipóteses hoje

66 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia muito aceitas, por seu bom embasamento fenômeno oposto, herança poligênica, um só teórico e experimental: a hipótese do acú- caráter é determinado por vários genes). Uma mulo de mutações neutras e a da seleção por mutação em um gene pleiotrópico pode au- pleiotropia. mentar ou diminuir todos os caracteres que Para descrever a primeira hipótese é fun- ele determina ou aumentar um e reduzir os damental esclarecer antes o que significa o demais. A hipótese da seleção por pleiotropia termo “mutação neutra”. Mutações são mu- propõe que mutações em um gene pleiotrópi- danças no código genético de um indivíduo, co afetariam de modo diferente os caracteres que podem levar a variações de forma, me- determinados por esse gene, levando à sele- tabolismo ou comportamento transmissíveis ção de um ou mais entre eles. Assim, em um a seus descendentes. As mutações são es- peixe (hipotético) com um gene desse tipo, pontâneas ou induzidas (por radiações e por que condicionasse um caráter útil no ambiente diversas substâncias químicas). Uma “muta- cavernícola (como o sistema de linha lateral, ção neutra” é aquela que não influencia ne- que permite aos peixes detectar variações de nhum aspecto importante da sobrevivência e/ temperatura ou pressão da água) e outro “dis- ou da reprodução de um organismo. A “neu- pensável” ali (como olhos), a seleção poderia tralidade”, porém, depende do ambiente em resultar no aperfeiçoamento de uma caracte- que esse organismo vive. Essa hipótese assu- rística e redução da outra, por efeito pleiotrópi- me que a regressão de certas estruturas, ob- co negativo. Assim, o aperfeiçoamento de um servada em alguns organismos que vivem em caráter acarretaria a redução do outro associa- cavernas, é resultado do acúmulo de muta- do, desde que isso não reduzisse as chances ções neutras (que aparecem casualmente em de sobrevivência e reprodução. No peixe hipo- indivíduos de uma população) durante várias tético acima (com o sistema de linha lateral e o gerações. Sem função nesses ambientes, tais desenvolvimento dos olhos ligados ao mesmo estruturas (olhos, por exemplo) seriam gra- gene), mutações que tornassem mais eficaz o dativamente reduzidas com o passar das ge- primeiro caráter seriam positivamente selecio- rações, pois mutações casuais nesse sentido nadas, levando à redução dos olhos, caso o não afetariam a sobrevivência ou reprodução efeito pleiotrópico nesse gene fosse negativo. do indivíduo. Uma mutação que, por exem- Como essa redução não afeta a vida do peixe plo, reduzisse o tamanho do olho de um peixe na caverna, os olhos continuariam a ser atro- seria muito prejudicial se ele vivesse em um fiados, podendo até desaparecer, no decorrer rio de superfície, mas neutra em uma caverna de várias gerações. Ao contrário da hipótese totalmente escura. Nesse ambiente, os olhos de acúmulo de mutações neutras, a de pleio- não têm função. O acúmulo de mutações neu- tropia está diretamente ligada à escassez ali- tras desenvolveria e fixaria um determinado mentar, condição comum em muitas cavernas. caráter regressivo, desde que a população ca- Entretanto, se essa escassez fosse a prin- vernícola continuasse isolada de populações cipal determinante do processo evolutivo em externas. A hipótese de acúmulo de mutações cavernas, os depósitos de guano não pode- neutras, portanto, propõe que a regressão riam ser considerados locais apropriados para de estruturas em muitos troglóbios pode ter a ocorrência da evolução regressiva. Em geral, ocorrido por causa da ausência de pressões tais depósitos oferecem recursos abundantes seletivas (como a luz) que eliminariam indiví- para as comunidades que vivem neles, e se- duos mutantes no meio externo: nesse meio, gundo alguns cientistas isso poderia desace- um peixe com visão reduzida teria sua vida di- lerar esse tipo de evolução nos organismos. ficultada e, portanto, menos chance de trans- Os troglóbios eventualmente encontrados em mitir a mutação a seus descendentes. depósitos de guano, para esses cientistas, já A segunda hipótese baseia-se na pleio- estariam presentes nas cavernas (e já teriam tropia, fenômeno no qual um só gene deter- evoluído até essa condição), e se associaram mina a modificação de vários caracteres (no ao guano apenas depois de sua deposição

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 67 pelas colônias de morcegos. Em depósitos de Ferreira & Pompeu, 1997; Ferreira & Martins, guano de cavernas da Bahia e de Minas Gerais, 1998,1999). principalmente nos últimos anos, têm sido des- As cavernas são, até certo ponto, impor- cobertos numerosos organismos troglóbiosn e tantes para o equilíbrio de ecossistemas em troglomórficos (que já mostram características suas áreas de ocorrência. As interferências de troglóbios). Populações relativamente den- sobre o meio físico decorrentes de fenôme- sas de ácaros, colêmbolos e traças são encon- nos naturais ou da ação antrópica refletem- tradas com certa frequência nesses depósitos. se diretamente nas cavernas que existem nas Tais descobertas permitem questionar a hipó- áreas sujeitas a estes impactos. A desestru- tese de que a escassez de alimentos seria a turação de sistemas cavernícolas causada por principal determinante da evolução de caracte- diferentes impactos pode, de médio a longo rísticas troglomórficas em organismos que vi- prazo, causar modificações no sistema exter- vem em cavernas, principalmente naqueles as- no, acentuando ainda mais o estado de de- sociados a depósitos de guano. A comparação sequilíbrio de um dado ecossistema. Como da idade dos depósitos de guano com o tempo exemplo, pode-se citar enchentes (Lisowiski de desenvolvimento de um organismo trogló- & Poulson, 1981; Lewis, 1982) ou mesmo a bio também ajuda esse questionamento. Um diminuição da água em drenagens hipógeas exemplo está na toca da Boa Vista, caverna do (Elliot, 1981) devido a atividades antrópicas. norte da Bahia. Em muitas de suas galerias há Estes eventos podem modificar intensamen- registros de guano fóssil pulverizado, e nessa te o regime hídrico da porção à jusante ou à caverna existem populações numerosas (de- montante da drenagem, causando diferentes zenas de indivíduos) de uma traça troglóbia, impactos sobre a fauna e flora aquática e às da ordem Zygentoma. Amostras desse guano vezes até mesmo sobre comunidades ripárias. foram datadas pelo geólogo Augusto Auler em Outros exemplos podem ainda ser citados, cerca de 16 mil anos. Tal prazo está incluído no como a remoção de populações de morcegos tempo necessário para a evolução de caracte- frugívoros de cavernas. Mesmo não existin- rísticas troglomórficas em espécies caverníco- do estudos detalhados a este respeito, pare- las terrestres, estimado entre 10 mil e 100 mil ce bem real a possibilidade de redução nas anos por estudos empíricos. As traças, portan- taxas de polinização e mesmo de dispersão to, provavelmente desenvolveram essas carac- de sementes nos sistemas externos caso este terísticas em um ambiente com bastante ma- evento venha a ocorrer, o que pode, a longo téria orgânica, contrariando a idéia de que essa prazo, levar a eventuais “bottle necks” para evolução estaria ligada à escassez de nutrien- muitas populações de plantas que dependam tes. As informações obtidas nestas pesquisas destes polinizadores (Myers, 1992). Estudos reforçam a hipótese neutralista de evolução re- detalhados de sistemas cavernícolas são, des- gressiva, já que a escassez ou não de alimen- ta maneira, essenciais para uma caracteriza- to parece ter pouca influência no processo de ção completa e confiável do ecossistema no evolução de organismos associados ao guano. qual as cavernas se inserem. Impactos ambientais podem resultar de 4.3 Ecologia e conservação atividades naturais ou antrópicas, que pro- de cavernas duzem alterações bruscas em partes ou no ambiente como um todo. Cavernas calcárias, A fauna cavernícola brasileira começou a devido à sua gênese, passaram, em sua evo- ser relativamente bem estudada a partir da lução geológica, por momentos de permanen- década de 80 (Dessen et al., 1980; Chaimo- te escuridão e maior estabilidade ambiental wicz, 1984; Chaimowicz, 1986; Godoy, 1986, que sistemas externos. Entretanto, a situação Trajano & Moreira, 1991). Poucas cavernas, ambiental de cada caverna depende do tipo e entretanto, foram estudadas intensivamente, do momento em que se encontra sua evolu- todas elas cavernas calcárias (Trajano, 1987; ção geológica, sendo que diferentes sistemas

68 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia certamente encontram-se em diferentes con- BARR, T. C. Observations on the ecology of dições ambientais (influenciadas claramente caves. American Naturalist, Chicago, n. pelo regime climático externo regional). 992, v.101, p. 474- 489, 1967. Desta forma, qualquer evento que modi- BARR, T.C.; KUENHE, R. A. Ecological studies fique a situação presumivelmente “original” in the mammoth Cave ecosystems of de uma caverna calcária (permanente escu- Kentucky. II. The Ecosystem. Annales de ridão e elevada estabilidade ambiental), in- Speleologie, Paris, v. 26. p. 47-96, 1971. dependentemente do tempo desde sua ocor- rência, pode resultar em impacto. Situações CALLISTO, M.; ESTEVES, F. A. Distribuição da que modifiquem um sistema cavernícola com comunidade de macroinvertebrados ben- velocidade relativamente alta podem causar tônicos em um lago amazônico impac- distúrbios aos quais muitos organismos não tado por rejeito de bauxita, Lago Batata conseguirão adaptar-se, resultando em ex- (Pará, Brasil). Oecologia Brasiliensis. In: tinção local de muitos taxa. Sendo assim, o ESTEVES, F. A. (Ed.). Estrutura, funcio- tempo desde a ocorrência de um impacto, namento e manejo de ecossistemas mesmo sendo importante para a evolução de brasileiros. Rio de Janeiro: Universida- grupos ou sistemas biológicos em cavernas, de Federal do Rio de Janeiro. Instituto de mostra-se, provavelmente, menos importante Biologia. Programa de Pós-Graduação em que a intensidade com a qual este evento te- Ecologia v. 1, p. 281-291 , 1995. nha modificado um dado sistema cavernícola. Uma vez que a determinação do tempo trans- CAMACHO, A. I. (Ed.). The natural history corrido desde a modificação de uma caverna of biospeleology. Madrid: SCIC, 1992. por um dado evento é praticamente inviável, 680 p.(Monografias del Museo Nacional o acompanhamento de certas variáveis (am- de Ciencias Naturales). bientais, tróficas e zoológicas) de uma caver- CULVER, D.C. Cave life evolution and eco- na aliado à comparações entre estas mesmas logy. Cambridge/Massachussets/London: variáveis, podem funcionar como objetos para Harvard University, 1982. 189 p. a determinação do grau de conservação de um dado sistema, mesmo não sendo estas, as CUMMINS, K.W.; WILZBACH, M.A.; GATES, “ferramentas” mais adequadas para este tipo D.M.; PERRY, J.B.; TALIAFERRO, W.B. de estudo. Shredders and riparian vegetation. A conservação de sistemas cavernícolas Bioscience. Washington, v. 39, n. 1, p. é, desta forma, fundamental tanto para a pre- 24-30, 1989. servação das muitas relações ecológicas exis- DEVÁI, G. Ecological background and im- tentes apenas nestes ambientes, quanto para portance of the change of chironomid a manutenção destes ecossistemas. Além dis- fauna in shallow Lake Balaton. Hidro- so, enquanto sistemas complexos (embora biologia, v. 1991, p.189-198, 1990. menos complexos que os ecossistemas epí- geos) as cavernas possuem grande importân- FERREIRA, R. L. A medida da complexi- cia na medida que permitem a compreensão dade ecológica e suas aplicações na de muitas estruturas e processos ecológicos, conservação e manejo de ecossiste- podendo, assim, funcionar como excelentes mas subterrâneos, 2004. 158 p. Tese locais para a pesquisa ecológica. (Doutorado em Ecologia. Conservação e Manejo da Vida Silvestre) - Universidade Referências bibliográficas Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

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70 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia

5. Análise de impactos ambientais em terrenos cársticos e cavernas

Autor: Cristiano Fernandes Ferreira Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV)

5.1 Introdução concorrem para uma maior susceptibilidade a impactos ambientais que, dependendo do Os ambientes cársticos são delicados por tipo, podem afetar áreas bem mais distantes, natureza e denotam maior complexidade à como outras bacias hidrográficas (adjacentes) gestão ambiental, na medida em que costu- e numa rapidez nem sempre compatível com mam esconder algumas das suas feições mais possíveis ações de controle. Essas regiões notáveis e importantes: cavernas, redes sub- possuem a capacidade de encobrir os impac- terrâneas de drenagem, vazios oclusos e ina- tos em locais não imaginados e de acumulá cessíveis nos maciços. -los de forma a induzir cenários trágicos re- Não se analisa uma região com caracte- pentinos, como no caso dos abatimentos em rísticas cársticas apenas levando-se em con- áreas urbanas. E o pior é que, na grande parte ta os aspectos superficiais, que normalmente das vezes, os danos são irreversíveis, pelo ca- são considerados nos estudos de impactos. O ráter não renovável das feições (das cavernas endocarste é determinado pelo exocarte, que e seus espeleotemas), bem como de sua fau- por sua vez, determina o endocarste, numa na tão especializada e desenvolvida sob con- relação intrínseca e dinâmica. dições críticas, irreproduzíveis. Apesar de não serem as únicas feições Na sequencia serão abordados os diver- de destaque e de caráter inusitado, são cer- sos tipos de atividades humanas causadoras tamente figuras centrais nas análises de tais de impactos, que serão relembrados e debati- ambientes, juntamente com outras importan- dos. Muitas ações ou atividades possuem espe- tes feições, como as surgências e sumidouros, cificidades capazes de causar danos das mais as dolinas, os paredões encastelados, cheios variadas formas às cavernas, como a minera- de canyons e lapiás. ção, agropecuária, turismo, represamentos, Mesmo em regiões consideradas anterior- obras lineares e de engenharia, urbanização mente como pseudocársticas, como as que ao (observe a figura 5.1, na qual está reproduzido contrário das rochas carbonáticas são tomadas o carste subjacente no sudeste da cidade de por rochas ditas menos solúveis, como os mi- Minnesota-EUA, onde diversos tipos de ações nérios de ferro ou pacotes siliciclásticos, têm potencialmente danosas estão representadas). sido observados fenômenos comuns e situa- Também serão tratadas algumas formas ções de semelhante fragilidade àquelas obser- de controle e minimização dos impactos gera- vadas nos ditos terrenos cársticos autênticos. dos por tais atividades, promovida uma refle- Essas características de interrelação das xão sobre as análises de contexto de empreen- feições cársticas, superficiais e subterrâneas, dimentos, a definição de áreas de influência e

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 73 Figura 5.1: Representação do carste subjacente no sudeste da cidade de Minnesota-EUA, onde se observa diver- sos tipos de atividades antrópicas potencialmente causadoras de impactos ambientais neste frágil tipo de terreno. Fonte: http://www.winona.edu/geology/WRB/WRB/Downloads/SEMN_Karst_Illustration/SEMN_karst_illustration. jpg (autor desconhecido).

74 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia o monitoramento necessário à aferição da efi- Tais problemas variam também de acordo cácia das medidas de controle de impactos nas com o tipo de mineração e técnicas emprega- cavernas. das (ou falta delas). As minas no Brasil são, em geral, a céu 5.2 Impactos às cavernas e ambientes aberto, especialmente as que extraem miné- cársticos por tipo de atividade rios onde costumam ocorrer cavernas. Este tipo de mineração tende a causar mais proble- 5.2.1 Mineração mas ao meio espeleológico do que as minas subterrâneas, que dificilmente ocorrem em As atividades minerárias são talvez as que áreas cársticas ou são planejadas de forma a mais chamam a atenção quando o assunto é causar conflitos. degradação ambiental, especialmente relacio- Entretanto, é comum observar danos em nada às cavernas. A grande maioria das rochas cavernas por conta de um tipo de mineração carstificáveis apresenta aplicações produtivas, pouco usual, a busca por salitre2, ou até mesmo algumas mais ou menos valorizadas de acor- calcita em suas formas mais puras, atividade do com uma série de fatores econômicos, tais que levou muitas cavernas a impactos às vezes como abundância ou escassez local, demanda significativos em determinados trechos. Jen- internacional, entre outros aspectos. nings (1985) alerta para a extração de mine- As formações ferríferas, por exemplo, são rais e outros produtos viáveis economicamente altamente demandadas pelo mercado inter- do interior de cavernas (tais como fertilizan- nacional, e as cavernas que ocorrem nestes tes, pólvora e até afrodisíacos), por exemplo. A tipos de rocha estão em geral associadas jus- Gruta da Pedra Santa em Cantagalo-RJ foi bas- tamente aos maiores teores de ferro. tante explorada por pessoas que acreditavam Por outro lado as rochas carbonáticas, no poder das suas calcitas (espeleotemas) em como o calcário, dolomito e mármore têm inú- combater a desnutrição infantil, mineral que meras aplicações (veja tabela 5.1) e são muito era triturado e misturado ao leite de crianças. exploradas para abastecer os mercados inter- Outro fator que em geral pode determinar nos, geralmente associados à agricultura (cor- o grau de impacto às cavernas no país é o ta- retivos), construção civil (cimento, cal, orna- manho do empreendimento minerário. mentação) ou demais ramos industriais (fun- Frequentemente regiões em que ocorrem dentes siderúrgicos, indústria química, etc.). pequenos e grandes empreendimentos revelam Porém, até mesmo cavernas em rochas silici- que aqueles de menor porte são os que mais clásticas, como os quartzitos, têm sido alvo de provocam danos às cavernas, quando compa- impactos por atividades minerárias, geralmen- rados a empresas melhor estruturadas (maio- te relacionadas à construção civil, para orna- res) e, por isso, mais visadas pelos órgãos de mentação (Pedra São Tomé, p.ex.). proteção ambiental e pelas comunidades. São várias as formas e causas dos impac- Tal problema ocorre justamente pela fal- tos a cavernas em áreas de mineração. Lan- ta de recursos para aplicar no planejamento, ger (2001) discute diversos tipos de impactos controle e monitoramento por parte de peque- potenciais, como os causados pelas operações nos empreendedores. de engenharia na extração e beneficiamento, É muito comum em diversas regiões do que geram impactos em cascata, relacionados Brasil a exploração artesanal de calcários, por à geomorfologia, poeira, barulho, fauna ca- exemplo. Utilizam-se de explosivos improvi­ vernícola, qualidade de água, e ao aquífero de sados, marretas para cominuição dos blocos modo geral. entre outros instrumentos rústicos. Em geral,

2 Nitrato de potássio ou de sódio, podendo ocorrer nitratos de cálcio nas cavernas calcárias (nitrocalata Ca(NO3). Produto derivado das fezes de morcegos (guano) que vivem nas cavernas e cavidades cársticas. Originam as nitreiras e sali- treiras. Foi amplamente extraído na história para a fabricação de pólvora. Existem relatos desse tipo de extração nas grutas de Lagoa Santa-MG e em cavernas dos Estados Unidos, por volta da guerra civil americana.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 75 Tabela 5.1: Sumário dos vários usos das rochas carbonáticas e cal. Fonte: THE OPEN UNIVERSITY (1995), pag. 61.

UTILIDADES DO CALCÁRIO E CAL

1- Na agricultura para fertilizantes do solo, em fertilizantes, torta para gado, farinha para aves. Também em inseticidas e herbicidas. 2- Com soda, areia, etc., para fabricar vidros. 3- Pulverização de minas de carvão para evitar o espalhamento de chamas resultante de explosões localizadas. 4- Como carga para asfalto, borracha e pastas para limpeza. 5- Como escorificante e purificante de ferro e aço e outros metais. 6- Com argila, areia, etc., para fabricação do cimento.

7- Para fabricação de barrilha (Na2CO3) e soda cáustica (NaOH). 8- Como agregado para concreto, pavimento e lastro de ferrovias. 9- Com soda, fluorita etc., para a fabricação de aço e outros metais. 10- Na refinação do açúcar. 11- Na agricultura para fertilizante do solo. 12- Na purificação de gases. 13- Na desidratação de gases, óleos, solvente, etc. 14- Com coque em fornalhas de arco voltáico para produzir carbureto de cálcio. 15- Estabilização de solo em construções e estradas. 16- Com cloro produz pó alvejante seco (cloreto de cal). 17- Na agricultura e horticultura para fertilização de solo e pesticidas. 18- Para fazer hidróxido de cálcio medicinal. 19- Como carga de borracha e outros materiais. 20- Para fabricação de graxas e para absorver dióxido de carbono. 21- Para fabricação de tijolos, blocos leves, argamassas, estuque e caiação. 22- Com óxido de etileno como intermediário para fabricação de plásticos, agentes ativos de superfície e detergentes. 23- Para tratar minérios e preparar sais não-ferrosos. 24- Com sulfato de alumínio para produzir Branco Satin – um revestimento brilhante para papel. 25- Com cloro para produzir solução alvejante para algodão e fabricação de papel. 26- Para tratar e purificar esgotos e efluentes. 27- Com dióxido de carbono para produzir carbonato de cálcio precipitado para pastas de dente, cosméticos, etc. 28- Com caulim, etc., na fabricação de cerâmicas. 29- Para tratamento e purificação da água. 30- Para tratamento de peles e couro. 31- Para purificar constituintes para tintas, vernizes e pigmentos. 32- Na recuperação de gases de coque para produção de amônia. 33- Para extração de magnésia da água do mar. 34- Com óleos e gorduras para fazer velas e graxas. 35- Para fins medicinais, por exemplo penicilina, aspirina, etc. 36- Na fabricação e purificação de substâncias corantes. 37- Para produção de gomas e gelatinas a partir de couros e ossos. 38- Para purificação de óleos e petróleos. 39- Para purificação de sal comum. 40- Em resinas, plásticos e borrachas. 41- Em compostos orgânicos e inorgânicos e solventes. 42- Para tratar produtos da destilação da madeira. 43- Para estiramento de arames. 44- Para purificação de açúcares e xaropes.

76 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia tais atividades não são licenciadas pelos órgãos ambientais, ocorrendo clandestinamente por diversos micro-empreendedores, o que leva a uma série de situações indesejáveis do ponto de vista ambiental e social. Mesmo pequenos empreendimentos que foram licenciados pelos órgãos ambientais ainda podem não conseguir implementar to- das as medidas de controle consideradas e acabar afetando o patrimônio espeleológico. Há que se ressaltar que existem, é claro, inú- meros empreendimentos de pequeno e médio Figura 5.2: Frente de lavra em Colombo-PR, onde se porte que conseguem realizar suas atividades percebe na seta o que restou da Gruta Cinco Níveis. sem que incorram em qualquer tipo de proble- ma às cavernas. Da mesma forma que, gran- des empreendimentos podem causar danos ao patrimônio espeleológico. Portanto, deve-se considerar todo tipo de empreendimento da mesma forma, com o mesmo rigor das normas instituídas sem que se faça distinção. A presença de inúmeras frentes de lavra de pequeno porte, consideradas individual- mente num processo de licenciamento, pode sim causar danos irreparáveis ao patrimônio Figura 5.3: Frente de lavra em Pains-MG, onde se ob- espeleológico e ao ambiente cárstico, espe- serva a abertura de uma caverna oclusa no maciço. cialmente se os órgãos ambientais utilizarem- se de pesos e medidas distintas, em função, Tem sido bastante comum a supressão de por exemplo, das condições econômicas de cavernas com o objetivo simples de se elimi- cada empreendedor. Recomenda-se nestes nar entraves burocráticos nos processos de li- casos a análise conjunta, num processo de cenciamento ambiental, fato que deve ser de gestão ambiental integrado e não apenas de grande preocupação dos órgãos ambientais cada empreendimento individualmente. responsáveis. A associação entre empreendedores tam- Também pode ocorrer este tipo de impac- bém é uma ação a ser incentivada nestes ca- to em empreendimentos já licenciados, que sos, a fim de solucionar impasses financeiros durante a fase de operação acabam por supri- para a realização de estudos e adoção das mir total ou parcialmente cavernas oclusas no medidas que se fizerem necessárias. maciço, não identificadas durante os estudos Independentemente do tamanho do em- ambientais (figura 5.2 e 5.3). Nestes casos preendimento minerário ou do seu tipo, os é recomendada uma reavaliação da licença, principais impactos aos ambientes cársticos e considerando possíveis implicações ambien- cavernas são muito parecidos. O mais incisi- tais resultantes da supressão de tais cavernas. vo deles é, sem dúvida, a supressão parcial ou Outro impacto similar à supressão e bem mesmo total da caverna. Tal medida ocorre nor- comum é o soterramento ou entulhamento de malmente em virtude do planejamento de lavra cavernas, especialmente de suas entradas. não considerar a localização das cavidades. Ocorrem situações de cavernas na base Atualmente, a legislação permite tais in- dos maciços serem soterradas com o avanço tervenções, desde que atendidos uma série de da lavra a partir do topo, o que pode levar critérios estabelecidos. até a sua supressão total (figura 5.4 e 5.5).

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 77 Figuras 5.4 e 5.5: Na esquerda caverna encontrada numa área de lavra em Goiás. Na direita, o mesmo local, três meses depois. As setas mostram a antiga caverna soterrada.

Também é recorrente que cavernas presentes natural do Rio Bacaetava, que causou tam- no interior de dolinas sejam soterradas por bém a destruição de mais de 160 metros da rejeitos ou estéril indevidamente ali colocado, Gruta Escura, localizada a montante (figura ensejando com isso não apenas impactos di- 5.7) e atualmente com apenas 90 metros de retos pela supressão da caverna como tam- extensão e diversos impactos. bém impactos indiretos relacionados à recar- Outros danos a cavernas bem comuns nes- ga dos aquíferos. tes tipos de empreendimentos são as racha- Há que se considerar a importância de se duras, desplacamentos de camadas da rocha preservar ao máximo as dolinas nestes tipos e até mesmo abatimentos de galerias. Tam- de empreendimentos. Assim como a ocorrên- bém se observam quebras de espeleotemas, cia de problemas erosivos em ambientes de originados geralmente pelos mesmos proces- mineração especialmente desencadeados por sos, ou seja, vibrações. Tais abalos ocorrem estéreis ou rejeitos. Portanto, é essencial um em geral pela realização de detonações nas projeto de controle dos sedimentos, através proximidades das cavernas ou pela utilização de leiras, tanques de decantação, entre outras de técnicas inadequadas de desmonte. Banca- medidas usuais para se evitar o assoreamento das muito altas geram fortes abalos pela pró- de cursos de água e cavernas. pria queda da grande massa de rocha retirada. A Gruta de Bacaetava, no Paraná é um Além de contra indicado pelos aspectos am- exemplo claro deste tipo de impacto, tendo bientais, tal prática pode ser extremamente recebido sedimentos das áreas a montante perigosa, causando ultralançamento de partí- através do Rio Bacaetava que atravessa diver- culas em um raio bem maior, por exemplo. sas minerações antes de entrar nesta cavida- O uso simultâneo de quantidades exage- de (figura 5.6). Na região, além da detona- radas de explosivos nos diversos furos (sem ção de parte da Gruta de Bacaetava, houve retardos, por exemplo) também é outro fator também uma incisiva alteração da drenagem causador de abalos, uma vez que a energia

78 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia liberada não pode ser absorvida a contento Deve-se atentar também para danos des- pelo pacote rochoso. Tais problemas se de- ta natureza gerados pelo trânsito de máqui- vem muitas vezes pela realização de planos nas pesadas em locais próximos ou sobre às de lavra inadequados, que desconsiderem os cavernas, especialmente nas vias de acesso riscos e até mesmo a geração de prejuízos fi- às minas. nanceiros ao próprio empreendedor, como o Em geral, observa-se nas cavernas a ocor- desperdício de explosivos ou a necessidade de rência de rachaduras, desplacamentos, abati- detonações secundárias. mentos e quebra de espeleotemas, na maioria das vezes ocasionadas por fatores naturais, próprios da evolução da cavidade. Portanto, nem sempre é fácil diferenciar o que é natural do que foi induzido pela atividade antrópica. Mas, quando o impacto é incisivo, os sinais são flagrantes, geralmente com um acúmulo exagerado de blocos, rachaduras, espeleote- mas com indícios de fraturamentos recentes, como por exemplo, a rocha sã, sem marcas de dissolução ou inundações, comuns nas pare- des das cavernas (figuras 5.8, 5.9, 5.10). Ainda relacionado ao problema anterior, ocorrem também impactos ambientais a ca- vernas por conta da poluição sonora e sobre- Figura 5.6: Sumidouro do Rio Bacaetava na Gruta de Bacaetava-PR. Notar ao fundo blocos detonados em pressão acústica resultantes da operação de mineração e barras de cascalho no leito do rio, resulta- máquinas e detonações. Tais problemas cau- do da não contenção de sedimentos a montante. sam impactos principalmente à fauna caver- nícola, sendo de difícil mensuração, mas nem sempre de difícil controle. A manutenção de áreas vegetadas no entorno das cavernas e a adoção de distâncias de segurança tendem a reduzir os efeitos destes ruídos. Grande parte dos problemas citados con- corre para alterações, às vezes importantes, na dinâmica hídrica do carste. Por conta do assoreamento causado por minerações em condutos subterrâneos, pode ocorrer o alaga- mento de porções a montante ou, por vezes, a seca de trechos a jusante anteriormente alagados. Em casos extremos, há a possibilidade inclusive de desestruturação de galerias por estes motivos, com o abatimento de espaços anteriormente alagados. Ocorreram também casos de minerações que aparentemente cau- saram a redução de lagos internos em caver- nas, como na Gruta Tamboril em Unaí-MG. No caso da já citada região de Bacaetava-PR, mais de 160 metros de um rio subterrâneo Figura 5.7: Rio Bacaetava, no Paraná, onde as setas foi destruído e recanalizado em uma mine- mostram trechos da Gruta Escura destruídos e a rede- ração. Em muitas minerações, ainda, há o finição do leito do rio.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 79 Figura 5.8 e 5.9: Na esquerda, caverna em frente de lavra ao norte do Distrito Federal, em Goiás. Na direita, ca- verna em minério de ferro próxima à frente de lavra na região de Carajás-PA. Em ambas, notar a diferença de cor entre a rocha sã e as rachaduras nas paredes da caverna.

Figura 5.10: Caverna em minério de ferro na região de Carajás-PA, nas proximidades de uma frente de lavra pa- ralisada. Notar a sucessão de blocos abatidos do teto, e diferenças de cor entre a rocha sã e as paredes da caverna.

80 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia rebaixamento do aqüífero, ou seja, o aprofun- uma forte pressão sobre regiões espeleológi- damento da mineração a porções inferiores ao cas através da mineração. Portanto, além dos nível do lençol, causando com isso a inunda- impactos diretos da agricultura, que veremos ção das minas e a necessidade de bombea- agora, existem muitos outros inseridos nesta mento de água para a jusante destes locais. cadeia produtiva que podem, inclusive, apre- Medida que gera bastante impacto, já que sentar resultados mais drásticos. pode secar feições próximas, sejam cavernas O primeiro impacto que mais se desta- ou lagoas cársticas. ca em função das atividades agropecuárias é Muitas vezes as minerações se aprovei- sem dúvida a supressão vegetal. Além da per- tam de maciços aflorantes que também fun- da por si só das matas nativas, de importância cionam como áreas de recarga, com inúme- ecossistêmica, há uma relação direta de im- ros lapiás, corredores de diáclases e dolinas. pactos ao meio cavernícola. Tais medidas além de poder expor condutos Como já visto, o meio subterrâneo é to- ativos, resultam em menor captação de água talmente dependente do meio superficial, não pelo ambiente subterrâneo, o que pode levar apenas como fonte de recursos orgânicos, a déficits hídricos em cavernas a jusante. como também em função da água, dos sedi- É comum também problemas de poluição mentos que estão sempre reconstruindo o am- de águas em mineradoras, geralmente as- biente cavernícola, da manutenção do equilí- sociados à disposição inadequada de óleos e brio climático ou atmosférico, entre outros. graxas das máquinas utilizadas. Como em tais A retirada da vegetação no entorno e so- ambientes é intrínseca a relação entre a su- bre a caverna é, portanto, um impacto bas- perfície e o subterrâneo, frequentemente tais tante acentuado, porque tende a repercutir óleos ou graxas alcançam sistemas ativos de negativamente nos diversos fatores citados, cavernas. diminuindo a quantidade e qualidade dos in- sumos orgânicos, intensificando o aporte de 5.2.2 Agropecuária sedimentos terrígenos em detrimento dos quí- micos, e expondo especialmente as entradas As atividades agropecuárias são as que das cavernas a condições mais severas do causam a maioria dos impactos nas cavernas ponto de vista climático (figura 5.11). Há com brasileiras, justamente pela característica ocu- isso, inclusive, uma exposição visual das en- pação e alteração de extensas áreas, inclusi- tradas, que pode induzir atitudes de vandalis- ve cársticas. São raros os casos de impactos mo, pela facilidade de acesso criada. extremos como a supressão, mas o grau de interferência pode ser desde baixo a alto, e em algumas regiões é onipresente. Em mui- tos casos os impactos são indiretos, causado por problemas gerados a muitos quilômetros de distância. É preciso lembrar que com a chegada da agricultura moderna nos anos de 1970, ampliou-se bastante a ocupação das áreas centrais do Brasil, especialmente nos cerrados e coincidentemente nas regiões cársticas. Mas de forma indireta, também houve um aumento importante da demanda por insumos agríco- las, tanto defensivos potencialmente poluido- Figura 5.11: Planície fluvial encaixada entre muralhas res, como de correção de solo. Este último, ge- cársticas na região de São Desidério-BA. A seta indica rando um aumento crescente da produção de a localização de uma caverna na base do paredão, jun- calcários ou dolomitos moídos, representando to a plantações de subsistência.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 81 Outra repercussão indireta da supressão nativa dificulta a infiltração e altera a compo- vegetal é a diminuição de áreas de alimen- sição da água. Pode não haver mais interação tação de morcegos, sabidamente importantes da água de infiltração com os substrados hú- para a manutenção do equilíbrio ecológico em micos e raízes que normalmente lhe conferem cavernas. maior competência dissolutiva. A interrupção Com a retirada da vegetação, a terra pre- do gotejamento e desenvolvimento de espe- cisa ser preparada para a agricultura. Com leotemas também pode ser resultante do des- isso, potenciais impactos podem ocorrer no matamento e entupimento de canalículos. epicarste e, consequentemente, resultar em Com a menor infiltração e também com o danos à fauna subterrânea e também a pro- maior assoreamento dos cursos de água sub- cessos naturais de desenvolvimento da caver- terrâneos, pode ocorrer uma tendência ao es- na. Essa ação leva a um outro problema sério coamento preferencialmente superficial, em advindo da agropecuária, que é a questão da detrimento do já estabelecido escoamento erosão, uma vez que os solos geralmente se subterrâneo. encontram mais expostos, mesmo com cultu- Como já comentado, áreas anteriormen- ras já instaladas (figura 5.12). te alagadas podem secar pela interrupção de condutos, assim como trechos a montante, in- clusive superficiais, podem sofrer alagamento. Há também os impactos referentes à cap- tação excessiva de água para irrigação, espe- cialmente em regiões cársticas, onde todo o sistema fluvial está capturado no subterrâneo. Em algumas regiões, as entradas das ca- vernas funcionam como cacimbas de água, onde muitas vezes são instaladas bombas motorizadas que adicionam novos impactos (poluição do ar, barulho, etc.). Em outras, onde a produção é ainda mais mecanizada, há

Figura 5.12: A seta mostra uma pequena dolina na a utilização de pivôs centrais, que demandam região de Lagoa da Prata-MG, no fundo da qual se grandes quantidades de águas subterrâneas acessa uma caverna em pelitos, a Toca do Lobo. No- podendo levar ao rebaixamento do aquífero e tar que todo o entorno foi alterado para implantação até mesmo o colapso de estruturas cársticas de pastagens, o que provocou processos erosivos pro- nunciados, responsáveis pelo assoreamento da dolina (dolinas, cavernas). e parte da caverna. Como já falado no início, a agricultura moderna se valeu de diversos artifícios para Cavernas assoreadas, cujas áreas de en- aumentar a produção de forma muito impres- torno foram tomadas por atividades agrope- sionante. Uma delas é altamente nociva aos cuárias, são bastante comuns e tal ocorrên- ambientes naturais, incluindo-se as cavernas, cia pode levar a diversos impactos secundá- trata-se dos agroquímicos, especialmente os rios, tais como o soterramento de substratos defensivos, que podem ser bastante agressi- faunísticos, o entupimento de condutos com vos a ambientes sensíveis como as cavernas. consequente alagamento ou secagem de ga- Tais defensivos são aspergidos em grandes lerias e, em alguns casos, a caverna pode ser áreas e, via de regra, são lixiviados pelas chu- completamente obstruída, o que representa vas e atingem as cavernas, seja pela condu- praticamente uma supressão. ção dos cursos de água ou pela infiltração. Já As alterações citadas levam também a os fertilizantes tendem a uma eutrofização das mudanças na dinâmica hídrica de diversas for- águas, o que também pode representar danos mas. A primeira delas refere-se à qualidade importantes, sobretudo às comunidades ca- das águas cársticas. A retirada da vegetação vernícolas dependentes de uma boa qualidade

82 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia de água. Situação que pode ocorrer junto às natureza, associados a uma falta de regulação pastagens, currais ou demais criações (po- rígida nesta área – nas últimas décadas ocor- cilgas, granjas, matadouros, etc.), caso não reu no Brasil uma maior visitação das caver- haja algum tipo de prevenção. nas, o que resultou na alteração drástica em Em regiões essencialmente agrícolas dezenas, talvez centenas destas feições. Mui- é comum observar cavernas sendo utiliza- tas consideradas patrimônio natural de gran- das como bota-fora ou depósitos de vasilha- de relevância, justamente por suas caracterís- mes de agroquímicos carcaças ou até mesmo ticas monumentais ou fantásticas, detentoras como curral, aí dependendo das condições to- de grandes salões, pórticos, rios, cachoeiras, pográficas da caverna, por vezes sombreadas espeleotemas frágeis e de extrema beleza. e mais aprazíveis ao gado. Em uma peque- As atividades de visitação, em suas di- na caverna na região agrícola de Pains, MG, versas formas, constituem importante ferra- observou-se centenas de vasilhames vazios menta de educação e, de sensibilização, mas de agroquímicos despejados no seu interior, em muitos casos, se transformou em meio de onde há um sumidouro eventual que drena as destruição. Muitas cavernas foram descarac- águas de chuva. terizadas através desta prática. Há que se lembrar também das agroin- Vale lembrar que, as cavernas são recur- dústrias, que em geral causam danos por con- sos naturais não renováveis, elas se forma- taminação das águas, com o lançamento de ram com o passar de muito tempo, de muita efluentes não tratados nas drenagens e outras água. Portanto, apesar de benéfica em mui- feições cársticas. Citando o caso de agroin- tos casos, a atividade de espeleoturismo deve dústrias, Gillieson (1996) relata que foram jo- ser bem pensada a fim de resultar em ganhos gadas mais de 5.000 carcaças de ovelhas na na conservação destes ambientes, em conhe- entrada de uma caverna no sul da Austrália cimento acerca do seu funcionamento e não (Earls Cave). Também no Hawai (Kaua’i Is- apenas em recreação descompromissada. land), matadouros direcionavam seus efluen- Pode-se dividir a atividade de visitação tes para cavernas, impactando diretamente a a cavernas em muitas modalidades. A mais fauna cavernícola. notória, a de massa, ocorre naquelas caver- nas já estruturadas para o turismo (total ou 5.2.3 Turismo parcialmente), muitas vezes com a adoção de sistemas de iluminação artificial, passarelas, O turismo surge como uma alternativa entre outras infra estruturas e que recebem considerada potencialmente sustentável e al- uma quantidade anual de visitantes bastante tamente rentável. Ao menos essa é a concep- elevada (figura 5.13). ção usual, principalmente se confrontada com Em geral, a visitação em massa resulta outros ramos produtivos mais dependentes em muitos danos, especialmente se as ati- dos recursos naturais. vidades não foram bem planejadas antes da Porém, nem sempre se observa sustenta- abertura. Por outro lado, têm-se a vanta- bilidade ambiental ou mesmo financeira neste gem de representar uma opção fácil à grande tipo de empreendimento, especialmente pro- maioria da população. Além de valer como um movido em cavernas, onde a atividade deve chamariz, evitando muitas vezes a abertura ser melhor planejada, considerando os fato- de outras cavernas para atividades de visita- res de sensibilidade e dificuldades inerentes ção não planejada. ao ambiente escuro e caótico das cavernas. Outras modalidades bastante similares, Devido a uma série de fatores – dentre entre si, são as atividades de exploração, de os quais se destacam as crises econômicas, pesquisa, e aventura, esta última considerada a falta de empregos, e a demanda cada vez um ramo essencialmente turístico. maior por novos atrativos, especialmente As atividades de exploração, em geral, são vinculados à aventura ou contemplação da conduzidas por pessoas e grupos previamente

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 83 Figura 5.13: Pesadas estruturas de caminhamento na Caverna do Diabo, em Eldorado-SP. Notar ao fundo diversos pontos de iluminação artificial (lâmpadas incandescentes de grande potência).

preparados, coordenados e cujo objetivo se resultado em informações úteis, advindas de concentra em encontrar novas cavernas ou coletas e análise da fauna cavernícola, sedi- novas galerias, onde já estejam realizando o mentos e espeleotemas, que na maior parte trabalho de mapeamento. Elas também oca- das vezes não representam danos ecológicos sionam impactos, especialmente porque as ou estéticos significativos. Em alguns casos cavernas novas precisam ser amplamente ex- também são realizados testes em pesquisas ploradas em busca de galerias ou outras ca- aplicadas ao manejo de cavernas ou regiões racterísticas de importância. Com isso, ocorre cársticas, igualmente pouco significativas, no o pisoteio de formações delicadas, a desobs- que tange os impactos produzidos. trução de restrições ao avanço da expedição, Por outro lado, as atividades de aventura, tais como de espeleotemas, paredes ou sifões, podem ser bastante arriscadas, tanto para as além de outros impactos menos pronuncia- cavernas, como para os próprios praticantes. dos. Entretanto, alguns danos são inevitáveis Algumas cavernas são propícias a estas ativi- e na, maioria das vezes, pensados de forma a dades, com a presença de lances verticais que serem minimizados. exigem a adoção de técnicas específicas ou Há que se lembrar que a melhor forma com a ausência de estruturas ou formas de vida de proteger é conhecer. O que leva também sensíveis. Quando realizadas com responsabi- ao outro tipo de atividade de visitação ante- lidade, em geral, não há danos às cavidades. riormente citada, a visitação de caráter cien- Porém, quando operadas de forma abusiva ou tífico, cujos danos, em geral, são pouco sig- excessiva, podem resultar em danos similares nificativos. Especialmente se considerado o às cavernas utilizadas para turismo de massa.

84 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia É comum observar ancoragens mal fixa- Uma variação bastante danosa de visita- das ou exageradas, quebra de espeleotemas, ção a cavernas é aquela praticada geralmente vestígios de acampamento em zonas pouco de forma eventual, não sistemática, sem con- propícias, até mesmo com a utilização de fo- trole e que resulta em vandalismo. Geralmen- gueiras no interior das cavidades, algo extre- te manifesta-se através das pichações, quebra mamente contra-indicado. de espeleotemas e demais formações, roubo As atividades de aventura podem envol- de fósseis, ataque à fauna, lixo e, até mesmo, ver riscos, especialmente nos lances verti- a queima de fogos de artifício em seu interior cais mais extensos ou nas cavernas alagadas, (figura 5.14). onde se pratica o mergulho em caverna, téc- Algumas cavernas brasileiras foram total- nica avançada de mergulho que exige mui- mente descaracterizadas por esta ação, como to treinamento, prática e concentração. De por exemplo, a Gruta do Catingueiro em Lagoa toda forma, há de se ter atenção para se evi- da Prata-MG, ou a Gruta da Faustina, em Pedro tar acidentes que inclusive podem ser fatais, Leopoldo-MG. Esta última está localizada às a exemplo da queda na Caverna Água Suja margens de uma rodovia movimentada e seu -SP, do afogamento na Casa de Pedra-SP, do pórtico de entrada é chamativo, pelo tamanho, mergulho fatal no Buraco dos Impossíveis-BA talvez por isso tendo sido tão depredada. ou na Lagoa Misteriosa-MS, entre outros. O Por fim, há ainda as formas de turismo mergulho em cavernas, porém, tem sido mui- religioso, que podem ser permanentes, tem- to utilizado como ferramenta de exploração e porárias e ocasionais. As primeiras são repre- conhecimento, com o mapeamento e a coleta sentadas pelos santuários ou templos estabe- de materiais importantes à ciência. lecidos nas cavernas, que pouco mantém suas

Figura 5.14: Parede pichada na entrada da Gruta de Ubajara-CE. Nesta foto observam-se pichações antigas, an- teriores à criação do Parque, inclusive com caráter histórico (República, 1890).

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 85 características originais, a exemplo da Gruta parâmetros tais como temperatura, umi- de Bom Jesus da Lapa e da Gruta da Man- dade relativa e gás carbônico (Gillieson, D., gabeira, ambas no interior da Bahia (figura 1996; Mangin, A., et. al., 1999; Polido-Bosch 5.15). Estas se equivalem às grutas turísticas et.al.,1997; entre outros). Tais levantamentos de massa, pelo grau de intervenções e quanti- procuram estabelecer relações positivas entre dade de visitantes anuais. a atividade turística, geralmente de massa, e a variação destes parâmetros citados, supos- tamente induzidos pela intensa visitação. Em grande parte das vezes, sobretudo em cavernas cujas trocas energéticas são baixas com o exterior (poucas entradas, sem fluxos de ar ou água pronunciados, etc.), são obser- vadas variações significativas nos parâmetros estudados. São especialmente comuns tais variações quando a caverna possui sistemas artificiais de iluminação, geralmente elétri- ca incandescente, mas também pode ocorrer pela simples transpiração humana ou siste- mas pessoais de iluminação (carbureteiras). Nestes casos é comum o aumento de tempe- ratura e a redução da umidade, parâmetros que podem variar de forma importante e com Figura 5.15: Igreja na Gruta de Bom Jesus da Lapa isso ensejar uma série de impactos à fauna -BA. Notar que diversas modificações foram realiza- e também aos espeleotemas, que dependem das, inclusive com a colocação de um piso cerâmico, alargamento de galerias, entre outros. do ambiente cavernícola equilibrado para se manterem ou desenvolverem normalmente. Já as cavernas com turismo religioso tem- No Brasil existem diversas cavernas que porário, são aquelas nas quais em datas re- são iluminadas por sistemas artificiais, como ligiosas são realizadas cerimônias, possuindo por exemplo, a Caverna do Diabo em Eldorado não mais que pequenos altares. Entretanto, -SP, Gruta da Lapinha-MG, Gruta de Ubajara- costumam receber uma quantidade impres- CE, Gruta de Botuverá-SC, Gruta de São Miguel sionante de pessoas em um curto período de -MS, Gruta da Mangabeira-BA, entre outras. tempo. São inúmeros os exemplos, como a A Caverna do Diabo chegou a possuir um Lapa Velha e Nova de Vazante-MG, Gruta da sistema de iluminação com lâmpadas de vapor Paixão na região da Chapada Diamantina-BA, metálico com mais de 1000 watts cada lumi- ou mesmo a Gruta de Ubajara-CE, que antes nária, dispostas em todo o seu trecho turístico. de integrar o parque nacional homônimo rece- Em 2006, já com lâmpadas um pouco menos bia até cerimônias de casamento. potentes, a gruta possuía 257 lâmpadas das O uso religioso ocasional agrega inúmeros mais variadas potências, o que totalizava na tipos de manifestação religiosa em cavernas caverna cerca de 60 mil watts, algo suficiente no país, não necessariamente na mesma ca- para iluminar as casas de um pequeno vilarejo vidade e geralmente relacionado à rituais afro com 200 moradias, aproximadamente. -brasileiros. Em geral, este tipo de uso não Atualmente têm sido propostos novos sis- causa maiores impactos. temas de iluminação que consumam bem me- Sobre as alterações provocadas pelas ati- nos energia, baseados em tecnologias novas vidades turísticas em cavernas, existem diver- como o LED (Light Emission Diode), que além sos estudos que apontam diferentes tipos de de não produzirem quantidades significativas impactos. Um dos mais estudados é relativo de calor, são econômicas, muito mais durá- às alterações microclimáticas, que consideram veis e não raras vezes iluminam mais. Outros

86 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia projetos têm proposto sistemas de iluminação transportado para outros lugares. Em outras mais branda e direcionada apenas a determi- cavernas são retirados blocos e até mesmo nadas formações e valendo-se de lanternas de espeleotemas para a passagem das trilhas ou cabeça individuais para cada visitante. Com escadas, muitas vezes envolvendo pesadas isso, diminuem-se as intervenções e poluição obras de alvenaria cuja construção certamen- térmica, além de proporcionar uma experiên- te causou transtornos ao ambiente. cia turística realista, incluindo-se ingredientes Para se evitar obras ou danos desnecessá- como a surpresa, mistério, o caráter explora- rios é recomendável o estudo e planejamento tório, entre outros elementos mais autênticos adequado destes ambientes (Plano de Manejo do ambiente cavernícola. Espeleológico). Indica-se a adoção de estrutu- Outro impacto comum a cavernas turísti- ras mais leves e apropriadas, de baixo impac- cas é a compactação do pavimento e demais to, em alguns casos suspensas do pavimento modificações estruturais para facilitar ou ade- ou de formações frágeis e que oferecem muito quar o ambiente ao propósito (figuras 5.13 e mais segurança ao turista. 5.16). Tais medidas podem provocar a perda Diversos materiais têm sido testados no de habitat a determinadas espécies caverníco- sentido de se portarem inertes ao ambiente, las que se desenvolvem nos substratos. tais como madeira plástica ou ligas metálicas inoxidáveis. A grande dificuldade reside no ca- Também podem ocorrer problemas ráter inóspito e rústico destes ambientes, que quanto ao escoamento eventual de leva a uma deterioração rápida dos materiais. água, causando erosão ou o acúmulo Mas a tendência é a adoção de interferências de lama nas trilhas. Em muitos ca- mínimas, quando necessárias, com estruturas sos, espeleotemas delicados e im- mais leves, inertes, de fácil manutenção ou portantes são soterrados, pisoteados substituição completa. e completamente descaracterizados. Ainda com relação a estruturas construídas ou adaptadas em cavernas para o uso turístico de massa, há também aquelas com propósi- tos puramente estéticos, de caráter duvidoso, que podem representar danos consideráveis. Existem muitos exemplos, como as represas formadas Rio da Tapagem, dentro da Caverna do Diabo-SP ou o enchimento de água nos tra- vertinos secos da Gruta de Maquiné em Cor- disburgo-MG (figura 5.17). Tais intervenções, consideradas drásticas, se deram para formar espelhos d’água de forma a refletir o teto das cavernas. Entretanto, vários distúrbios podem advir desta prática, desde alterações no sis- Figura 5.16: Pavimento compactado em parte da tri- lha na Caverna do Diabo, em Edorado-SP. Observa-se tema hídrico, na composição faunística, como que os espeleotemas também foram afetados. também na estabilidade micro-climática. Visitação de massa em cavernas pode Em alguns casos, os empreendedores abrem levar a um acúmulo indesejável de diversos valas nas trilhas, trincheiras em trechos de teto materiais, principalmente lixo, ou até mes- baixo, de forma a propiciar a passagem de pes- mo substâncias inusitadas. Jablonsky (1990, soas sem que seja necessário se curvarem. 1992) citado por Gillieson (1996) coloca que Na Chapada Diamantina, a singular Gruta muitas cavernas turísticas apresentam uma da Torrinha possui diversos trechos com es- camada de poeira recobrindo espeleotemas, sas trilhas/trincheiras, o que sugere uma cuja composição remete ao algodão presente quantidade enorme de material retirado e nas vestes, células mortas da pele, esporos

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 87 de fungos, insetos e poeiras inorgânicas, tudo sonora) que pode causar estresse na fauna, trazido pelos visitantes. Consta que foram re- especialmente em colônias estabelecidas de tirados manualmente mais de 50 quilos desta morcegos. poeira, referentes a cinco anos de visitação na Também há a poluição luminosa, dos sis- Caverna Carlsbad, no Novo México. Certamen- temas elétricos implantados, antes visto como te que tal insumo artificial pode levar a uma um problema pelos distúrbios microclimáticos, alteração no equilíbrio ecológico de tais caver- mas que também pode causar o crescimen- nas, ou no desenvolvimento de espeleotemas. to de organismos clorofilados exóticos ao am- Outras formas de lixo, mais comuns, tais biente originalmente afótico, tais como sa- como embalagens, copos ou garrafas descar- mambaias (figura 5.18), algas e musgo. Este táveis e até mesmo material fotográfico (fil- crescimento causa alterações nas cores dos mes, flashes, máquinas) são encontrados em espeleotemas e demais formações (geralmen- cavernas turísticas, mas quando inorgânicos e te verde e preto). pouco abundantes oferecem unicamente im- A utilização de sistemas pessoais de ilu- pactos visuais. minação baseados no acetileno (carburetei- Já os restos de comida são bastante pre- ras) também pode causar problemas sérios, judiciais ao equilíbrio ecológico. Na Gruta dos através da fuligem que geram, do calor e tam- Ecos-GO, por exemplo, à beira do lago sub- bém dos subprodutos (borra). terrâneo onde costumeiramente os grupos descansam, encontrou-se uma aglomeração A Caverna de Santana no Parque Es- anormal de aranhas marrom (Loxosceles sp.) tadual Turístico do Alto Ribeira-SP sobre os restos de alimentos, provavelmente apresenta, em grande parte do cir- utilizando-os de forma oportunista ou aprovei- cuito turístico, essas fuligens negras tando-se do atrativo exercido para outros se- depositadas sobre formações ante- res pertencentes à sua dieta preferencial. De riormente brancas, fruto de mais de qualquer forma, esta aglomeração represen- 50 anos de utilização turística deste tava um risco aos visitantes, uma vez que se sistema (figura 5.19). trata de uma aranha venenosa. Recomenda-se sempre que os grupos não Em algumas cavernas, com pouco ou ne- lanchem nas cavernas, e se o fizerem, procu- nhum controle do acesso turístico ocorrem rem locais mais adequados, como as entradas e também situações bastante indesejáveis, tenham todo o cuidado de levarem todo o lixo. como acampamento em seu interior, ou pro- Outras formas de poluição advinda do es- ximidades, geralmente por conta de grandes peleoturismo é a questão do alarido (poluição travessias. É comum nestes casos encon- trar dejetos humanos, o que além de causar muitos incômodos, também representa um aporte espúrio de nutriente e uma fonte de contaminação. A Gruta da Mangabeira em Ituaçu-BA, no percurso turístico encontrado após o santuário religioso, observou-se problemas sérios deste tipo, além do acúmulo exagerado de lixo. Tra- ta-se de um dos maiores percursos turísticos de massa do Brasil, com cerca de 3 mil metros de extensão, geralmente percorridos por gran- des grupos (até 60 pessoas com apenas um guia), sem que existam neste percurso, ba- Figura 5.17: Barragem construída na Caverna do Dia- nheiros instalados. Tal ação pode ser encarada bo em Eldorado-SP. A seta indica o barramento, que é como uma forma adicional de vandalismo. sucedido de outro logo a jusante.

88 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Figuras 5.18 e 5.19: Na foto da esquerda observa-se o crescimento de samambaias na Caverna do Diabo, próxi- mo a uma luminária. Na foto da direita tem-se um dos trechos turísticos da Caverna de Santana, em Iporanga-SP. Este trecho, num dos níveis mais elevados e secos da caverna, mostra o acúmulo exagerado de fuligem emitida pelas carbureteiras que foram utilizadas por décadas como meio de iluminação desta importante caverna.

Tais ações muitas vezes levam aos pro- Com o crescimento do país e a deman- prietários dos empreendimentos ou das terras da crescente por energia, as regiões cársticas onde se encontram cavernas procuradas tu- têm sido alvo cada vez mais constante de pro- risticamente a adotarem portões como forma jetos hidrelétricos. de controle. Muitos lagos foram formados sem qual- Porém, até mesmo os portões podem sig- quer preocupação relativa ao patrimônio espe- nificar conflito com a fauna cavernícola e nem leológico. Vale lembrar que, em muitos casos, sempre são eficazes, sobretudo se existem não apenas o patrimônio espeleológico foi per- outras entradas ou o pórtico é muito grande. dido, como também arqueológico, paleontoló- gico e faunístico associados aos ambientes de 5.2.4 Represamentos caverna. De acordo com a base de dados do CECAV, a hidrelétrica de Serra da Mesa no Rio Os represamentos, especialmente a for- Tocantins-GO alagou completamente 39 caver- mação de grandes lagos em geral com o pro- nas, podendo ter afetado mais 75 outras pre- pósito de geração de energia elétrica, são po- sentes nas suas proximidades (figura 5.20)3. tencialmente danosos aos ambientes caver- Além disso, a construção de barragens em nícolas, sobretudo quando ocorrem em áreas regiões cársticas frequentemente se torna uma cársticas bem desenvolvidas e complexas. tarefa árdua e incerta, uma vez que a maior

3 Os dados utilizados nesta análise foram coletados por grupos de espeleologia, entre outros, durante anos, e algumas coordenadas podem não ter sido tomadas com aparelhos tão precisos como os GSPs atuais. Entretanto, são bastante válidas, sobretudo porque não houve continuidade das prospecções espeleológicas que exaurisse a possibilidade de outras cavernas na área afetada, o que leva a crer que a perda do patrimônio espeleológico foi bem maior.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 89 Figura 5.20: Lago da Hidrelétrica de Serra da Mesa-GO e localização das cavernas (triângulo preto). São 39 caver- nas localizadas no interior do lago, feições descobertas antes da formação da barragem.

90 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia parte da drenagem está capturada no subter- Estas cavernas podem ficar bem abaixo da râneo, onde nem sempre é possível determinar cota de alagamento, com isso não restan- as rotas de fluxo ou a presença de grandes va- do qualquer conduto ou ligação com o futuro zios (veja exemplo das rotas de fugas na figura meio superficial. Nestes casos o impacto é to- 5.23, mais adiante). tal, mesmo que não se destrua fisicamente as São comuns na literatura internacional re- estruturas rochosas, a caverna é literalmente latos sobre as dificuldades ou técnicas avan- afogada, sem qualquer possibilidade de ma- çadas de como se conter a água em regiões nutenção dos processos naturais relativos à tão cheias de fugas, de “buracos” (no senti- fauna cavernícola ou suas formações físicas, do literal), ou de repercussões inesperadas como os sedimentos (figuras 5.21). do represamento, tal como o alagamento de Nos casos de alagamento parcial, geral- regiões bem distantes da área projetada (ver mente em cavernas pouco relacionadas ao por exemplo BONACCI, 1987, que cita casos sistema atual de drenagem (cavernas fósseis específicos do carste iugoslavo). ou senis), o impacto pode ser igualmente da- Em relação ao ambiente cavernícola, os noso, especialmente à fauna cavernícola, que impactos causados por represamentos não tem um dos principais locais de sua manu- são muito diversos, mas em geral bastante tenção afetados, o substrato (pavimento). drásticos. O mais notório é a própria supres- Nestes casos, são inúmeros os outros danos são completa pelo alagamento, especialmente colaterais, como mudanças microclimáticas, daquelas cavernas associadas ao sistema flu- especialmente o aumento exagerado da umi- vial principal, que será alvo do barramento. dade, estagnação ou aumento dos processos

Figura 5.21: Na seta observa-se uma pequena caverna em rochas areníticas, na margem do Rio Xingu, Altamira- PA. Com a construção da hidroelétrica de Belo Monte, esta caverna será totalmente alagada.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 91 de sedimentação, introdução de espécies exó- Em geral os empreendimentos se valem ticas, entre outros. Em alguns casos o alaga- de mantas impermeáveis, geralmente argilo- mento parcial pode ser tão danoso como um sas, para recobrir locais potencialmente mais alagamento total. susceptíveis a tais processos. Porém, a obs- Outro impacto advindo da inundação de trução de condutos que levavam águas de grandes áreas refere-se à mudança na dinâ- chuvas, por exemplo, a cavernas a jusante mica hídrica do carste, o qual pode agregar do barramento, pode afetar em diversos as- inúmeras cavernas em sistemas subterrâ- pectos tais cavernas, diminuindo a umidade, neos. Barramentos tendem a reduzir e equili- aporte de sedimentos ou recursos orgânicos, brar o fluxo de água a jusante, o que pode in- entre outros. Além disso, de forma indireta, duzir até impactos positivos em alguns senti- com a instalação de grandes lagos em áreas dos, mas significam mudanças repentinas nos anteriormente vegetadas, há a possibilidade processos de formação e desenvolvimento de de ocorrer uma diminuição de recursos orgâ- cavernas freáticas, podendo afetar áreas bem nicos na caverna em função da redução das mais extensas que as previstas. colônias de morcegos, que perdem importan- Como é sabido, o sistema cárstico é in- tes fontes de alimento (supressão das matas). terligado, tanto através de condutos subter- Por fim, há que se atentar para os impac- râneos, quanto ao meio superficial. Portanto, tos causados na própria instalação dos em- a redução da vazão pode gerar uma série de preendimentos hidrelétricos, ou qualquer for- distúrbios como, por exemplo, a transforma- mação de barragens. Por vezes são bastante ção de antigas ressurgências em sumidouros. incisivas as alterações, com a detonação de Pode significar o secamento de lagoas cárs- afloramentos, terraplenagem, retirada de ter- ticas ou de lagos subterrâneos antigamente ra ou outros materiais de áreas próximas. regidos pelo nível natural do aqüífero ou até Enfim, uma gama de alterações próprias mesmo a ocorrência de abatimentos de caver- de grandes obras de engenharia que podem nas anteriormente inundadas. afetar o ambiente cavernícola, em áreas ad- A mudança do nível de base local a mon- jacentes, de forma bastante incisiva. Podem tante também pode afetar cavernas em seus ocorrer nestes casos problemas relacionados processos de desenvolvimento, especialmente à vibração (detonações e trânsito de máqui- relativos à erosão. A pressão exercida pela al- nas) como abatimentos, rachaduras, quebras tura da lâmina d’água ou variações do nível do de espeleotemas, entre outros, e também reservatório podem implicar em abatimentos problemas erosivos, como assoreamento cau- de cavernas submersas ou em suas adjacên- sados pela grande remobilização de solos. cias (MARINOS et. al., 1997; PILÓ, 1999) No interior da área represada, como já 5.2.5 Obras lineares e outras obras de engenharia dito, podem ocorrer fugas de água, por ve- zes generalizadas, inclusive pondo em risco o Outro tipo de obra que pode gerar confli- empreendimento. Em alguns casos, a forma- tos com a preservação espeleológica está re- ção de novas galerias ou a desobstrução de lacionada à construção de estradas, ferrovias, condutos previamente preenchidos por sedi- linhas de transmissão, gasodutos e oleodutos. mentos pode ocorrer em virtude da pressão Assim como as hidrelétricas, tais em- da lâmina d’água resultando em ressurgên- preendimentos tendem cada vez mais a ocor- cias inesperadas em locais distantes, (FORD, rer em áreas cársticas ou detentoras de ca- D.C. & WILLIAMS, 1989). Em outros, micros vernas, podendo representar problemas am- condutos espalhados por toda a área funcio- bientais de diversos tipos. nam como ladrões, o que gera um problema Além do crescimento do país é preciso bastante complexo em virtude da dificuldade lembrar que as regiões espeleológicas ocor- de se localizá-los, pois, muitas vezes tais su- rem em vários tipos de rocha, disseminadas midouros estão escondidos sob o solo. por áreas extensas, que podem ser cortadas

92 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia por tais empreendimentos, visto que têm a Em muitos casos tais empreendimentos capacidade de atravessar muitos quilômetros se estabelecem justamente acima de caver- de terra. nas. Um caso muito emblemático é a BR-122 Obras lineares podem ocasionar a supres- no trecho entre a BR-242 e a cidade de Ira- são de cavernas, especialmente se não forem quara-BA na Chapada Diamantina. Tal rodo- realizados estudos e levantamentos espeleo- via, já instalada e com previsão de reforma, lógicos nas áreas afetadas. Muitas vezes, pelo corre pouco acima da Gruta da Fumaça, Siste- tamanho do empreendimento, não há uma ma Lapa Doce (uma das maiores cavernas do prospecção espeleológica satisfatória em toda Brasil) e da Lapa da Torrinha, todas de grande a extensão da obra, o que pode levar à des- importância espeleológica (figura 5.22). Em truição de cavernas ou trechos, por conta das casos como esses os riscos de danos às for- intervenções mais drásticas, como detonações mações, tanto na construção, como na opera- (vibrações e sobrepressão acústica) e terra- ção da estrada é eminente. plenagem (soterramento). Em geral, também é retirada a vegetação, não apenas no local, Tais obras podem causar também os mas também em suas margens, o que varia danos por vibrações, como os despla- de acordo com o tipo de empreendimento (ro- camentos, rachaduras, entre outros. dovia, estrada simples, oleoduto, etc.). Existem vários relatos na literatura Como já mencionado, os impactos ao sobre este aspecto, com a inserção meio cavernícola decorrentes da supressão de obras lineares em áreas pouco es- vegetal em sua área de entorno podem ser tudadas que abrigam vazios internos bastante danosos, especialmente à questão que se colapsam representando inclu- da infiltração de água, aporte de recursos or- sive danos à própria infra estrutura gânicos, estabilidade micro-climática e forma- (WHITE, 1988; Zhou & Beck, 2005). ção dos depósitos sedimentares.

Figura 5.22: Esta foto mostra a proximidade entre a entrada da Gruta da Fumaça (seta), em Iraquara-BA e a BR- 122 (espeleólogos). A estrada foi construída sobre trechos significativos da caverna.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 93 Com a retirada da vegetação e modificação aos ambientes cársticos, especialmente as na morfologia das áreas em obra, por exemplo, cavernas. a formação de aterros podem ocorrer proble- No país e no mundo diversas cidades si- mas na dinâmica hídrica. Dentre eles, aqueles tuam-se em regiões cársticas, muitas delas de ligados a entupimentos e consequentes alaga- grande tamanho. No caso do Brasil, cita-se par- mentos ou secamentos, alteração de cursos de te da Região Metropolitana de Curitiba e Belo água naturais ou destruição de áreas de re- Horizonte, além de diversas cidades de médio carga. Também ocorrem problemas de erosão porte como Sete Lagoas-MG, entre outras. e especialmente o assoreamento. É comum Para se ter idéia, cerca de 25% das águas também a formação de enxurradas e fluxos para abastecimento público no mundo são concentrados, por conta da impermeabilização captadas de aquíferos cársticos (GILLIESON, das áreas e escoamento inadequado. Especial- 1996). E a cada dia aumenta a pressão sobre mente nos casos de asfaltamento, cujas águas tais áreas em virtude do crescimento exagerado mal dissipadas e direcionadas para áreas de e não planejado das cidades. cavernas podem induzir impactos como a re- As operações de loteamento frequente- moção de sedimentos e outras alterações na mente causam diversos distúrbios pelos ater- morfologia interna das cavernas. ros, operação de máquinas, desmatamentos, Com a operação dos empreendimentos, erosão, entre outras ações, como já discutido. como as rodovias, ferrovias e até mesmo com Pode ocorrer o soterramento de estruturas cárs­ os dutos, podem ocorrer acidentes bastante ticas importantes, intrinsecamente ligadas às perigosos aos ambientes cársticos, sobretudo cavernas, como sumidouros, dolinas e até sur- em função da sua natureza mais sensível e de gências. Tais impactos ocorrem também pela rápida disseminação de poluentes. instalação de outros empreendimentos, não É comum ocorrerem derramamentos de apenas loteamentos, mas também indústrias. poluentes, combustíveis e demais materiais É comum ocorrer a contaminação de águas tóxicos no leito de tais infraestruturas. No cársticas por efluentes domésticos ou industriais caso das estradas, os motores dos próprios nestas áreas (ver Kryza & Staśko, 2000). Em veículos produzem tais resíduos, especial- alguns casos, ocorre o lançamento de efluen- mente graxas e óleos. Em se atingindo siste- tes diretamente nos solos ou sumidouros, que mas cársticos, a dimensão dos acidentes pode acabam funcionando como verdadeiros esgo- se ampliar e se acelerar de forma a não ser tos, alterando radicalmente as condições ecoló- possível uma contenção. gicas destas cavernas e tendendo à destruição Vale lembrar que no carste não existe da fauna autenticamente cavernícola. um solo filtrante que minimize os danos por Como os rios em regiões cársticas são em poluentes, conforme ressalta Kholer (2001). geral subterrâneos, não se vê o tamanho do Desta forma, além de representar um risco ao problema causado pelas emissões, e nem há ecossistema cavernícola, também pode con- grande preocupação em solucioná-los. É co- taminar o aquífero cárstico, frequentemente mum a captação de águas contaminadas para utilizado para abastecimento público e outros abastecimento, pois a comunicação dos aquí- fins. Cavernas muito próximas às estradas so- feros é altamente facilitada pela presença da frem também com a poluição sonora, além de rede interligada de condutos (figura 5.23). mais expostas ao ataque de vândalos. Além disso, devido à alta quantidade de cálcio e magnésio dissolvido e a consequente alcali- 5.2.6 Urbanização nidade que isto implica (pH>7), as águas cá- rsticas frequentemente apresentam-se azuis As intervenções em áreas urbanas ou ad- e cristalinas, uma vez que floculam todo se- jacentes visando à instalação de estruturas ou dimento argiloso em suspensão (CASTRO & mesmo a abertura de novos loteamentos são, KOHLER, 1996), dando a falsa impressão de em geral, atividades potencialmente lesivas pureza ou potabilidade.

94 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Figura 5.23: Representação de uma área cárstica que mostra a intercomunicação dos condutos, do aqüífero cá- rstico e os problemas de qualidade de águas quando não se tem cuidados na emissão e tratamento dos efluentes domésticos, ou urbanos. Do alto, à esquerda, no sentido horário tem-se: dolina utilizada como depósito de lixo; fuga de água; sumidouro de fossa; dolina preenchida; poço; aqüífero contaminado por sumidouro de fossa; direção da ressurgência; nível do aqüífero; dolomito. Autor: Marck Raithel. Fonte: retirado da internet (http://www.courier- journal.com/blogs/bruggers/uploaded_images/KarstDiagram-70pct-730206.jpg)

Um fator adicional de contaminação em muitas áreas urbanas é a disposição irregular do lixo em bota-foras, lixões improvisados en- tre outros, também usual no interior das pró- prias cavernas ou dolinas (figura 5.24). Além da contaminação das águas, ocor- re também um problema bastante sério que pode repercutir em tragédias, que é a captação descontrolada e excessiva de águas do aquí- fero cárstico. Além de resultar em uma série de problemas como o secamento de lagoas cársticas ou lagos internos, pode também facilitar o abatimento de áreas totalmente alagadas, anteriormente sustentadas pela pre­sença de água (Teixeira, et. al., 2000; Piló, 1999; Nakazawa, et. al. 1995). Casos como este já ocorreram em grandes centros urbanos, como Sete Lagoas-MG, Rio Figura 5.24: Bota fora em caverna na região da APA Branco do Sul-PR e Cajamar-SP, onde casas e Morro da Pedreira-MG.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 95 ruas foram engolidas por crateras. Problemas Um exemplo típico é a questão da cap- referentes ao aquífero cárstico em regiões tação de águas subterrâneas. Numa região urbanas não cessam por aí. Também ocorre como Pains-MG, por exemplo, diversas ativi- a impermeabilização de extensas áreas, in- dades ocorrem de forma adjacente, como a clusive de recarga, que podem induzir ora o mineração, produção de cal e cimento, agri- secamento de cavernas, ora a inundação de cultura, abastecimento público, entre outros. trechos a montante. Todas demandantes de água, ou causadoras Outra forma de poluição é a sonora, es- de impactos ao aquífero (rebaixamento de pecialmente quando as cavernas se localizam lençol, entupimento de áreas de recarga, etc.). muito próximas às cidades ou indústrias. De- Ao mesmo tempo, nem todas as atividades vido à proximidade com centros urbanos, pro- realizam um trabalho de monitoramento blemas com vandalismo também são frequen- ou estudos hidrogeológicos prévios que tes. Em alguns casos as cavernas são utilizadas considerem as características estruturais do como moradias improvisadas, ou como depósi- aquífero (fraturamento, compartimentação, tos de tralhas diversas como materiais de cons- formação potencial de cones de rebaixamento, trução ou até mesmo garagem (Gruta da Gara- etc.), mesmo porque, são estudos caros e gem em Pains-MG) ou campo de futebol (Gruta complexos, mas determinantes em muitos Pontes do Sumidouro, Campo Formoso-BA). casos. Nestas situações é clara a necessidade de controle estatal, através de processos de 5.3 Medidas de controle e outorga e gestão que considerem seriamen- minimização de impactos te a questão do aquífero subterrâneo e não apenas os cursos de água superficiais. Toda atividade potencialmente lesiva ao Outra medida de controle, geralmente meio ambiente deve ser acompanhada de aplicada à mineração, mas também a outras medidas de controle ou mitigação prévia de atividades que causam abalos e vibrações, é a impactos, especialmente em ambientes cárs- realização de estudos e testes com sismógra- ticos que, como já observado, possui especifi- fos. Estes estudos são fundamentais para a cidades que o tornam muito mais susceptível, definição de áreas de influência de empreen- principalmente quando se trata do manejo de dimentos, não apenas relacionados à proteção suas águas. de cavernas. Na maioria dos casos, medidas usuais de No Brasil não há parâmetros definidos de controle, já aplicadas em regiões não cársti- vibração ou sobrepressão acústica específicos cas, são bastante efetivas. As boas práticas para cavernas, mesmo porque, tais formações adotadas em minerações, agropecuária, entre podem ser muito diferentes, em função do ta- outros, costumam ser simples e de baixo cus- manho, tipo de rocha, formações internas, en- to. Entretanto, dependendo do tipo de ativi- tre outros. Em geral, utiliza-se como uma das dade e da demanda de recursos naturais, me- referências os índices propostos pela ABNT didas mais complexas se fazem necessárias. para avaliação dos efeitos provocados pelo uso Outro fator complicador é a sucessão de de explosivos nas minerações em áreas urba- empreendimentos de mesmo tipo de deman- nas (ABNT, NBR 9653 de 2005). Com isso, po- da por recursos em uma área comum, sem de-se definir, juntamente com outros fatores que sejam analisados em conjunto nos pro- específicos do quadro natural, um raio máximo cessos de licenciamento ambiental. Pois, um de expansão das áreas de lavra sobre as áreas empreendimento analisado em separado pode de caverna. Em geral recomenda-se a adoção ser potencialmente pouco danoso, por isso re- de raios mais conservadores, a terem a eficácia ceber licenças mais permissivas. Mas ao se aferida por medidas de monitoramento. observar o conjunto dos empreendimentos de Nas minerações e em outras ativida- mesmo tipo na região, verifica-se a potenciali- des, tais como construção de estradas, ter- dade e ocorrência de danos mais significativos. raplenagens e até mesmo áreas agrícolas,

96 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia é bastante recomendável a adoção de leiras isso o avanço da atividade sobre áreas ante- de contenção para se evitar o assoreamento riormente consideradas de proteção, sobretu- sobre feições delicadas, como dolinas, sumi- do quando na época dos estudos para licencia- douros, rios e mesmo campos de lapiás, ou mento ambiental não ocorreu uma discussão outras áreas de recargas. No mesmo sentido, adequada entre a área de produção e de con- os tanques de sedimentação são úteis para servação ambiental, tanto nas empresas como se evitar o assoreamento dos cursos de água nos órgãos de autorização e licenciamento. superficiais ou subterrâneos. As técnicas são Quanto às atividades espeleo turísticas, as mais usuais, não sendo nenhum mistério há inúmeras recomendações para se diminuir sua aplicação nos empreendimentos ou sua os efeitos negativos aos ambientes caverní- solicitação pelos órgãos licenciadores. A única colas. Uma das mais evidentes é a utilização diferença é a observância de feições cársticas de sistemas pessoais de iluminação, preferen- que, em determinados casos, eram encarados cialmente de pouca emissão de calor, como as até mesmo como bota fora. lanternas elétricas, que atualmente se torna- Outra forma de se conter partículas e es- ram muito mais eficientes e econômicas (su- pecialmente a poluição sonora é a adoção de per LED’s, por exemplo). barreiras verdes, preferencialmente nativas, Em cavernas com apelo turístico mais junto às áreas afetadas ou de produção. Além pronunciado é essencial a elaboração de téc- disso, a manutenção das matas sobre as ca- nicas de manejo, com o controle do número vernas e suas áreas de entorno não apenas de pessoas por grupo, em geral reduzido, so- é uma medida que minimiza efeitos danosos bretudo quando só um guia é disponibilizado. provocados pelas atividades humanas como Também há a necessidade de elaboração do propicia a continuidade dos processos natu- zoneamento, que considere as maiores fragili- rais de desenvolvimento da caverna. dades da caverna e as preserve, bem como a Na agricultura, além destas práticas se- adoção de estruturas mínimas e leves de ca- rem desejáveis, mesmo porque podem favo- minhamento, ambos primordiais. recer na qualidade e quantidade de água dis- Em muitos casos, é indicada a procura por ponível, deve-se também incentivar a adoção alternativas turísticas que aliviem a pressão de práticas orgânicas (agricultura sustentá- sobre a caverna em destaque, especialmente vel) de controle de pragas ou fertilização, com naquelas de grande demanda. As alternativas o objetivo de se evitar os diversos danos, in- podem ser trilhas interpretativas, cachoeiras, clusive contaminação dos recursos hídricos. ou mesmo centros receptivos (museu, pales- A redefinição de projetos é uma necessi- tras, etc.). Vale ressaltar que os danos já ins- dade em muitos casos, especialmente quan- talados nas cavernas, como pichações, ou de- do se trata de cavernas de grande relevância. terminadas intervenções, como infra-estrutu- Mas, mesmo em casos onde uma série de ca- ras de alvenaria, em geral representam danos vernas de menor relevância se concentram, é irreversíveis, dado que a retirada ou limpeza possível se reduzir os efeitos lesivos com ações pode ser tão ou mais danosa ou ambiente, como: mudanças de pit de lavra, traçado de além de muito onerosa. rodovia, ou até mesmo redução da cota de ala- gamento de uma hidrelétrica, por poucos me- 5.4 Análises de contexto de empreen- tros que seja. A redefinição dos projetos deve dimentos e área de influência ser baseada numa boa prospecção espeleoló- gica, ainda na fase de licenciamento prévio e As análises de contexto dos empreendi- devem se considerar as vantagens ambientais mentos são instrumentos dos mais importan- e dificuldades de compensação, especialmente tes no licenciamento ambiental, para se vis- dentro da área dos próprios empreendimentos. lumbrar o potencial de impacto da atividade É comum, especialmente em minerações, sobre o patrimônio espeleológico. Necessita a não definição de pit finais de lavra e com antes de tudo de um bom diagnóstico, em

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 97 que os elementos do quadro natural estejam uma boa discussão prévia, inclusive com os bem caracterizados e seja possível analisá-los licenciadores. de forma integrada, especialmente a geolo- A área de influência de caverna está de- gia, topografia, hidrografia, vegetação, entre terminada na legislação, especialmente a Re- outros. Neste sentido, uma boa prospecção solução CONAMA Nº 347/04, incluindo-se espeleológica, além de um levantamento de- um raio preventivo de proteção, estabelecido talhado de todas as demais feições cársticas aleatoriamente para qualquer caverna em como dolinas, sumidouros, áreas de recarga, 250 metros, a partir do contorno em projeção surgências, entre outros, é fundamental. convexa superficial. Entretanto, é comum a Todos estes elementos, aliado às demais leitura enviesada de tal artigo na legislação, informações relacionadas ao uso e ocupação considerando-se esta área como fixa e final, da área (estradas e vias de acesso, por exem- ou seja, não haveria necessidade de se mudá- plo) devem ser resumidas em um bom e cla- la. O que se observa é que a determinados ro mapa de contexto. Tais mapas devem ser empreendimentos os 250 metros não causam apresentados em escalas compatíveis com a prejuízos econômicos e prontamente são abrangência do empreendimento, de forma a adotados como medidas finais. Em outros, fica ser possível a visualização das feições cársti- inviável a realização do projeto, geralmente em cas (inclusive o mapa das cavernas projetadas minerações. em superfície) e sua relação com as interven- O que a regra estabelece, antes da proje- ções projetadas. ção pura e simples dos 250 metros, é a realiza- Todas as intervenções, é claro, são apre- ção de estudos para a constituição final da área sentadas, incluindo-se as medidas de controle. de influência. Tais estudos são os mesmos (ou Com isso, devem ser possíveis análises relati- deveriam ser) que levam à caracterização do vas a aspectos como: direção das águas plu- patrimônio espeleológico ou até o estabeleci- viais sobre as plantas do projeto e possíveis mento de graus distintos de relevância. carreamentos de sedimentos a feições de ab- Neste sentido, há que se considerarem sorção do endocarste (sumidouros, dolinas); dois fatores, o primeiro relativo às caracterís- relação entre cota da lâmina d’água de inun- ticas físicas de cada caverna ou região cárstica dação e localização das cavernas e demais fei- e o segundo relativo ao tipo de empreendi- ções; distância das frentes de lavra com rela- mento, e o potencial de interferências no pa- ção às cavernas e raios de segurança em re- trimônio espeleológico. lação à vibração; contenção de sedimento das Não é possível o estabelecimento de um praças de lavra em relação às áreas de mata raio de proteção absoluta, da caverna frente com presença de cavernas importantes; dire- a qualquer tipo de impacto. Dependendo do ção preferencial de fluxos, inclusive atmosféri- tipo de empreendimento, haverá um tipo de cos; possíveis problemas geotécnicos quando impacto, as áreas de influência deverão variar as obras forem realizadas sobre lineamentos conforme tais realidades. Ocorre por exemplo, estruturais ou possíveis rotas subterrâneas de a localização de cavernas em áreas circunvizi- escoamento; a discussão de uma possível área nhas a empreendimentos distintos mais igual- de influência das cavidades; entre outros. mente lesivos, de forma potencial, ao ambien- Questões básicas de um bom mapeamen- te cavernícola. Supondo que as cavernas não to frequentemente são esquecidas em mapas possuam formações frágeis, uma mineração deste tipo, como a escala, o norte geográfico, pode até adotar um raio de 50 metros de dis- a legenda, e até mesmo as coordenadas geo- tância de suas lavras em relação às cavernas, gráficas dadas pela malha, o que tornaria o sem que haja impactos. Veja que tal medida trabalho um simples croqui. hipotética é bastante inferior aos 250 metros A área de influência das cavernas pode ou sugeridos nas regras, mas ela deverá ser ba- não estar representada nestes mapas, uma seada nos estudos especificamente realizados vez que nem sempre se chega a tal área sem frente a cada situação.

98 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Uma lavoura a montante da caverna pode mostrar respostas em virtude de determi- afetá-la mesmo a mais de um quilômetro de nadas pressões são poucas e muitas vezes distância, sobretudo se um curso de água complexas. atravessar a cavidade. Ou seja, tudo varia Em empreendimentos que potencialmen- conforme o tipo de empreendimento ou ativi- te afetam os recursos hídricos, no quesito dade e as características físicas do terreno e qualidade de águas, são indicados os testes da caverna. físico-químicos e biológicos em seus diversos A determinação de tal área de proteção parâmetros (acidez, DBO, turbidez, condutivi- geralmente se dá confrontando os dados re- dade elétrica, etc.). São aplicados geralmente lacionados aos aspectos naturais e antrópicos. nos casos relacionados a impactos de minera- Dentre os naturais destacam-se: drenagem ção, agropecuária e urbanização. cárstica (superficial ou subterrânea) e a for- Nas cavernas que possuem recursos hí- mação de sistemas espeleológicos, a questão dricos, em geral coleta-se a água em diversos da vegetação e sua maior ou menor inter-re- pontos, especialmente nas entradas (sumi- lação com o ambiente cavernícola, a configu- douros), saídas (ressurgências) e no interior. ração geoestrutural dos maciços e a maior ou Também são coletadas as águas nas áreas menor capacidade de dissipar pressões, as fontes, como por exemplo, a partir dos tan- áreas de vida de animais importadores de ma- ques de contenção de sedimentos. terial orgânico, como os morcegos, a posição O controle do volume de água também é topográfica das cavernas frente ao empreen- algo interessante, sobretudo onde há interfe- dimento, entre outros. Enquanto, dentre os rências em rios subterrâneos ou em aquífe- aspectos antrópicos: as cotas de alagamento, ros que afloram em cavernas, sob a forma de cones de rebaixamento hidráulico, propaga- lagos. ção de vibração de partículas (tremores), dis- Em alguns casos é indicada a elaboração poniblização de sedimentos e efluentes, níveis de modelos hidrogeológicos mais complexos de ruído, entre outros. para o carste, ainda na fase de licenciamento, Deve-se ter em mente que uma vez de- como medida de controle e adaptação do em- finida a área de influência, esta não necessa- preendimento. Através destes dados é possí- riamente fica estanque, imutável. Qualquer vel também realizar o monitoramento e afe- alteração nos projetos originais do empreendi- rir se o modelo persiste inalterado após a im- mento pode resultar em mudanças desta área. plantação do projeto. Também é muito importante o monitora- Quanto aos danos estruturais, normal- mento dos parâmetros pós operação, com o mente relacionados às detonações em mine- objetivo de se aferir a efetividade das áreas rações, recomenda-se um monitoramento pe- propostas. riódico, com o fim de se aferir possíveis danos Portanto, antes de se proceder a marcação não existentes antes do empreendimento ou das áreas de influência deve-se realizar uma do estabelecimento de níveis perigosos de vi- ampla discussão, entre as áreas responsáveis brações, por exemplo. pela elaboração dos estudos espeleológicos, No caso das vibrações, pode-se utilizar áreas de produção ou de engenharia e os se- dos sismógrafos, devidamente posicionados tores responsáveis pelas análises para licen- de modo a não ocorrerem erros na medição ciamento. Com isso evitam-se transtornos fu- ou dados não comparáveis com os obtidos em turos, gastos adicionais e danos irreversíveis. fases anteriores. A instalação de sensores em sedimentos ou blocos pendidos pode significar 5.5 Monitoramento absorção adicional das vibrações. A mesma coisa acontece se os sensores são instalados Existem várias formas de monitoramen- cada vez em lugares diferentes, pontos da ca- to ambiental, entretanto, as específicas ao verna muito mais distantes das áreas de la- meio espeleológico, ou que possam também vra, e assim por diante.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 99 Deve-se ter o cuidado de se instalar os A realização de medições microclimáti- sensores em diversos pontos, de forma a co- cas é também indicada para aferir se os pa- brir razoavelmente os principais ambientes da râmetros se mantêm em níveis correlatos aos cavidade, sempre suportados diretamente so- anteriores ou aceitáveis. Dependendo da in- bre a rocha. Tais eventos devem ser acompa- tensidade do uso turístico (cavernas de turis- nhados preferencialmente pelos funcionários mo de massa) e da importância da caverna responsáveis pelo licenciamento. Já ocorre- é recomendado até a instalação permanente ram casos em que o empreendedor realizou de termo higrômetros com data loggers para detonações em áreas diferentes daquelas pro- acompanhamento constante das variações de gramadas para os próximos anos, bem mais temperatura e umidade. distantes da caverna testada, e ainda com Uma forma muito importante de moni- apenas um sensor na entrada da gruta. toramento da conservação espeleológica é Uma forma indireta de se aferir danos por por meio de sistemas de informação, como o conta das detonações é a observação de espe- que se propõe o Cadastro Nacional de Infor- leotemas frágeis, propícios à quebra. Também mações Espeleológicas, CANIÊ. Nele estarão são observados os deslocamentos de massa, registradas todas as cavernas conhecidas, in- como quedas de blocos, escorregamentos, cluindo-se as passíveis de impactos negativos ocorrência de rachaduras novas, entre outros irreversíveis, as de relevância máxima ou con- fatores. Nestes casos deve ser feita uma ca- sideradas testemunhos, ou seja, não passíveis racterização criteriosa antes da instalação do de impactos. projeto ou atividade, sob o risco de haver con- As diversas informações reunidas num fusão com os processos naturais antecessores. cadastro como este podem gerar uma série de Uma forma importante de monitoramen- análises importantes, por exemplo, relativas to da qualidade ambiental nas cavernas é o ao nível de conservação efetiva de determina- acompanhamento da vegetação do entorno e das regiões, ou o menor conhecimento espe- sobre as mesmas. Trata-se de uma forma in- leológico de outras. Podem ser úteis na defi- direta de monitoramento, mas extremamente nição de áreas para preservação direcionadas importante, visto que a relação é intrínseca aos ambientes cársticos e espeleológicos. E entre conservação das matas circundantes e podem induzir ações de governo no sentido de qualidade ambiental cavernícola. se disciplinar o acesso ao patrimônio espeleo- O desmatamento ou corte seletivo devem lógico, inclusive através de zoneamentos de ser contidos. Dependendo das intervenções regiões cársticas, principalmente em regiões do projeto pode haver perdas de diversos ti- de muita pressão e demanda. pos, tanto relacionadas à biodiversidade como efeito de borda. Também neste sentido deve Referências bibliográficas ser feito um trabalho de monitoramento da fauna cavernícola, principalmente dos morce- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉC- gos, que podem ser ótimos bio indicadores. NICAS. NBR 9653: Guia para avaliação Quando se trata de cavernas turísticas, dos efeitos provocados pelo uso de muitas são as formas de monitoramento, ge- explosivos nas minerações em áreas ralmente envolvendo visitas periódicas. Nes- urbanas: procedimento. Rio de Janeiro, tes casos observa-se o desenvolvimento de 09/2005. organismos clorofilados (musgo, samambaias, etc.) que indicariam um acionamento excessi- BONACCI, O. Karst hydrology, with special re- vo do sistema de iluminação. Também pode- ference to the Dinaric karst. (Springer series se notar ações adicionais de vandalismo, pro- in physical environment). Spring-Verlag Berlin cessos erosivos junto às trilhas ou qualquer Heidelberg, 1987. distúrbio não notado anteriormente, também CASTRO, J. M. C. & KOHLER, H. C. Geomor­ em relação à fauna cavernícola. fologia Cárstica. In: CUNHA, S. B. &

100 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia GUERRA, A. J. T (org..). Geomorfologia: NAKAZAWA, V. A., PRANDINI, F. L., DINIZ, N. exercícios, técnicas e aplicações. Rio de Janei- C. Subsidências e colapsos de solo em ro: Bertrand Brasil, 1996. cap. 7, p. 239-249. áreas urbanas. In: Curso de Geologia aplicada ao meio ambiente. São Paulo: FORD, D.C. & WILLIAMS, P.W. Karst geomorpholo- ABGE, 1995. pag. 101-133. gy and hidrology. London: Unwin Hyman, 1989. PILÓ, L. B. Ambientes cársticos de Minas JENNINGS, J. N. Karst Geomorfology. New Gerais: valor, fragilidades e impactos ambien- York: Blackwell, 1985. pag.135-176. tais decorrentes da atividade humana. O Cars- KOHLER, H. C. Geomorfologia Cárstica. In: te, Belo Horizonte ,vol. 11, nº 3, pag. 50-58 julho GUERRA, A. J. T. & CUNHA, S. B. (orgs.). de 1999. Geomorfologia: uma atualização de ba- POLIDO-BOSCH, A. (et. al.). Human impact ses e conceitos. 4ª ed. Rio de Janeiro: in a tourist karstic cave (Aracena, Bertrand Brasil, 2001. cap. 7, p. 309-334. ). Environmental Geology, nº 31, june, KRYZA, J. & STASKO, S. Groundwater flow 1997. pag. 142-149. rate and contaminant migration in RESOLUÇÃO CONAMA Nº. 347, de 10 de Se- fissure-karstic aquifer of Opole Trias- tembro de 2004, dispõe sobre a proteção sic system southwest . Environ- do patrimônio espeleológico. mental Geology, 39 (3-4), January, 2000. TEIXEIRA, W. (et. al.). Decifrando a Ter- LANGER, W. H. Potential environmental ra. São Paulo: Oficina de Textos, 2000. pag. impacts of quarrying stone in karst – 129-138. a literature review. USGS, open-file report OF-01-0484. 2001. http://geology.cr.usgs.gov/ THE OPEN UNIVERSITY. Os recursos físicos pub/ofrs/OFR-01-0484/ da terra; materiais de construção e outras matérias brutas. Campinas, SP: MANGIN, A. (et. al.) Painted caves conservation: Editora da UNICAMP, 1995. Bloco 2. a stability problem in a natural system (the example of the prehistoric cave of a Gar- WHITE, W.B. Geomorphology and hidrolo- gas, French Pyrenees). C. R. Acad. Sci. Paris, gy of karst terrains. New York: Oxford Sciences de la terre et des planètes: Earth & Univ. Press, 1988. Planetary Sciences, 1999. 328, 295-301. Zhou, W. & Beck, B. F. Roadway construc- MARINOS, P. G. (et. al.) Development of sinkholes tion in karst areas: management of during reservoir construction. Engineering stormwater runoff and sinkhole risk Geology and the Environment: Balkema, Rot- assessment. Environ Geol (2005) 47: terdam, 1997. 2769-2776. 1138–1149.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 101

6. Anexo

Presidência da República naturais relevantes, legalmente instituído pelo Casa Civil Poder Público, com objetivos de conservação Subchefia para Assuntos Jurídicos e limites definidos, sob regime especial de ad- ministração, ao qual se aplicam garantias ade- quadas de proteção; LEI No 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. II - conservação da natureza: o manejo do uso humano da natureza, compreenden-

Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos do a preservação, a manutenção, a utilização I, II, III e VII da Constituição Federal, sustentável, a restauração e a recuperação do institui o Sistema Nacional de Unida- ambiente natural, para que possa produzir o des de Conservação da Natureza e dá maior benefício, em bases sustentáveis, às outras providências. atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivên- O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA no cia dos seres vivos em geral; exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚ- III - diversidade biológica: a variabilida- BLICA Faço saber que o Congresso Nacional de- de de organismos vivos de todas as origens, creta e eu sanciono a seguinte Lei: compreendendo, dentre outros, os ecossiste- mas terrestres, marinhos e outros ecossiste- mas aquáticos e os complexos ecológicos de CAPÍTULO I que fazem parte; compreendendo ainda a di- DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES versidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas; Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional IV - recurso ambiental: a atmosfera, as de Unidades de Conservação da Natureza – águas interiores, superficiais e subterrâneas, SNUC, estabelece critérios e normas para a os estuários, o mar territorial, o solo, o subso- criação, implantação e gestão das unidades de lo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora; conservação. V - preservação: conjunto de métodos, Art. 2o Para os fins previstos nesta Lei, en- procedimentos e políticas que visem a pro- tende-se por: teção a longo prazo das espécies, habitats e I - unidade de conservação: espaço ter- ecossistemas, além da manutenção dos pro- ritorial e seus recursos ambientais, incluindo cessos ecológicos, prevenindo a simplificação as águas jurisdicionais, com características dos sistemas naturais;

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 103 VI - proteção integral: manutenção dos manejo dos recursos naturais, inclusive a im- ecossistemas livres de alterações causadas plantação das estruturas físicas necessárias à por interferência humana, admitido apenas o gestão da unidade; uso indireto dos seus atributos naturais; XVIII - zona de amortecimento: o entorno VII - conservação in situ: conservação de de uma unidade de conservação, onde as ativi- ecossistemas e habitats naturais e a manu- dades humanas estão sujeitas a normas e res- tenção e recuperação de populações viáveis trições específicas, com o propósito de minimi- de espécies em seus meios naturais e, no caso zar os impactos negativos sobre a unidade; e de espécies domesticadas ou cultivadas, nos XIX - corredores ecológicos: porções de meios onde tenham desenvolvido suas pro- ecossistemas naturais ou seminaturais, li- priedades características; gando unidades de conservação, que possi- VIII - manejo: todo e qualquer procedi- bilitam entre elas o fluxo de genes e o mo- mento que vise assegurar a conservação da vimento da biota, facilitando a dispersão de diversidade biológica e dos ecossistemas; espécies e a recolonização de áreas degrada- IX - uso indireto: aquele que não envolve das, bem como a manutenção de populações consumo, coleta, dano ou destruição dos re- que demandam para sua sobrevivência áreas cursos naturais; com extensão maior do que aquela das uni- X - uso direto: aquele que envolve coleta e dades individuais. uso, comercial ou não, dos recursos naturais; XI - uso sustentável: exploração do am- biente de maneira a garantir a perenidade dos CAPÍTULO II recursos ambientais renováveis e dos proces- DO SISTEMA NACIONAL DE sos ecológicos, mantendo a biodiversidade e UNIDADES DE CONSERVAÇÃO os demais atributos ecológicos, de forma so- DA NATUREZA – SNUC cialmente justa e economicamente viável; XII - extrativismo: sistema de exploração Art. 3o O Sistema Nacional de Unidades de baseado na coleta e extração, de modo sus- Conservação da Natureza - SNUC é constituí- tentável, de recursos naturais renováveis; do pelo conjunto das unidades de conservação XIII - recuperação: restituição de um federais, estaduais e municipais, de acordo ecossistema ou de uma população silvestre de- com o disposto nesta Lei. gradada a uma condição não degradada, que Art. 4o O SNUC tem os seguintes objetivos: pode ser diferente de sua condição original; I - contribuir para a manutenção da diver- XIV - restauração: restituição de um ecos- sidade biológica e dos recursos genéticos no sistema ou de uma população silvestre degra- território nacional e nas águas jurisdicionais; dada o mais próximo possível da sua condição II - proteger as espécies ameaçadas de original; extinção no âmbito regional e nacional; XV - (VETADO) III - contribuir para a preservação e a XVI - zoneamento: definição de setores ou restauração da diversidade de ecossistemas zonas em uma unidade de conservação com naturais; objetivos de manejo e normas específicos, com IV - promover o desenvolvimento susten- o propósito de proporcionar os meios e as con- tável a partir dos recursos naturais; dições para que todos os objetivos da unidade V - promover a utilização dos princípios e possam ser alcançados de forma harmônica e práticas de conservação da natureza no pro- eficaz; cesso de desenvolvimento; XVII - plano de manejo: documento téc- VI - proteger paisagens naturais e pouco nico mediante o qual, com fundamento nos alteradas de notável beleza cênica; objetivos gerais de uma unidade de conser- VII - proteger as características relevantes vação, se estabelece o seu zoneamento e as de natureza geológica, geomorfológica, espeleo- normas que devem presidir o uso da área e o lógica, arqueológica, paleontológica e cultural;

104 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia VIII - proteger e recuperar recursos hídri- VII - permitam o uso das unidades de cos e edáficos; conservação para a conservação in situ de po- IX - recuperar ou restaurar ecossistemas pulações das variantes genéticas selvagens degradados; dos animais e plantas domesticados e recur- X - proporcionar meios e incentivos para sos genéticos silvestres; atividades de pesquisa científica, estudos e VIII - assegurem que o processo de cria- monitoramento ambiental; ção e a gestão das unidades de conservação XI - valorizar econômica e socialmente a sejam feitos de forma integrada com as polí- diversidade biológica; ticas de administração das terras e águas cir- XII - favorecer condições e promover a cundantes, considerando as condições e ne- educação e interpretação ambiental, a recrea- cessidades sociais e econômicas locais; ção em contato com a natureza e o turismo IX - considerem as condições e necessi- ecológico; dades das populações locais no desenvolvi- XIII - proteger os recursos naturais ne- mento e adaptação de métodos e técnicas de cessários à subsistência de populações tradi- uso sustentável dos recursos naturais; cionais, respeitando e valorizando seu conhe- X - garantam às populações tradicionais cimento e sua cultura e promovendo-as social cuja subsistência dependa da utilização de re- e economicamente. cursos naturais existentes no interior das uni- Art. 5o O SNUC será regido por diretrizes dades de conservação meios de subsistência que: alternativos ou a justa indenização pelos re- I - assegurem que no conjunto das uni- cursos perdidos; dades de conservação estejam representa- XI - garantam uma alocação adequada das amostras significativas e ecologicamente dos recursos financeiros necessários para que, viáveis das diferentes populações, habitats uma vez criadas, as unidades de conservação e ecossistemas do território nacional e das possam ser geridas de forma eficaz e atender águas jurisdicionais, salvaguardando o patri- aos seus objetivos; mônio biológico existente; XII - busquem conferir às unidades de II - assegurem os mecanismos e proce- conservação, nos casos possíveis e respeita- dimentos necessários ao envolvimento da so- das as conveniências da administração, auto- ciedade no estabelecimento e na revisão da nomia administrativa e financeira; e política nacional de unidades de conservação; XIII - busquem proteger grandes áreas III - assegurem a participação efetiva das por meio de um conjunto integrado de unida- populações locais na criação, implantação e des de conservação de diferentes categorias, gestão das unidades de conservação; próximas ou contíguas, e suas respectivas IV - busquem o apoio e a cooperação de zonas de amortecimento e corredores eco- organizações não-governamentais, de organi- lógicos, integrando as diferentes atividades zações privadas e pessoas físicas para o desen- de preservação da natureza, uso sustentável volvimento de estudos, pesquisas científicas, dos recursos naturais e restauração e recu- práticas de educação ambiental, atividades de peração dos ecossistemas. lazer e de turismo ecológico, monitoramento, Art. 6o O SNUC será gerido pelos seguin- manutenção e outras atividades de gestão das tes órgãos, com as respectivas atribuições: unidades de conservação; I – Órgão consultivo e deliberativo: o V - incentivem as populações locais e as Conselho Nacional do Meio Ambiente - ­Conama­ ,­ organizações privadas a estabelecerem e ad- com as atribuições de acompanhar a imple­ ministrarem unidades de conservação dentro mentação do Sistema; do sistema nacional; II - Órgão central: o Ministério do Meio Am- VI - assegurem, nos casos possíveis, a biente, com a finalidade de coordenar o Siste- sustentabilidade econômica das unidades de ma; e conservação; III - órgãos executores: o Instituto Chico

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 105 Mendes e o Ibama, em caráter supletivo, os incluídas em seus limites serão desapropria- órgãos estaduais e municipais, com a função das, de acordo com o que dispõe a lei. de implementar o SNUC, subsidiar as propos- § 2o É proibida a visitação pública, exceto tas de criação e administrar as unidades de quando com objetivo educacional, de acordo conservação federais, estaduais e municipais, com o que dispuser o Plano de Manejo da nas respectivas esferas de atuação. (Redação unidade ou regulamento específico. dada pela Lei nº 11.516, 2007) § 3o A pesquisa científica depende de au- Parágrafo único. Podem integrar o SNUC, torização prévia do órgão responsável pela excepcionalmente e a critério do Conama, uni- administração da unidade e está sujeita às dades de conservação estaduais e municipais condições e restrições por este estabelecidas, que, concebidas para atender a peculiarida- bem como àquelas previstas em regulamento. des regionais ou locais, possuam objetivos de § 4o Na Estação Ecológica só podem ser manejo que não possam ser satisfatoriamen- permitidas alterações dos ecossistemas no te atendidos por nenhuma categoria prevista caso de: nesta Lei e cujas características permitam, em I - medidas que visem a restauração de relação a estas, uma clara distinção. ecossistemas modificados; II - manejo de espécies com o fim de pre- servar a diversidade biológica; CAPÍTULO III III - coleta de componentes dos ecossis- DAS CATEGORIAS DE UNIDADES temas com finalidades científicas; DE CONSERVAÇÃO IV - pesquisas científicas cujo impacto so- bre o ambiente seja maior do que aquele cau- Art. 7o As unidades de conservação inte- sado pela simples observação ou pela coleta grantes do SNUC dividem-se em dois grupos, controlada de componentes dos ecossistemas, com características específicas: em uma área correspondente a no máximo três I - Unidades de Proteção Integral; por cento da extensão total da unidade e até o II - Unidades de Uso Sustentável. limite de um mil e quinhentos hectares. § 1o O objetivo básico das Unidades de Art. 10. A Reserva Biológica tem como Proteção Integral é preservar a natureza, sen- objetivo a preservação integral da biota e de- do admitido apenas o uso indireto dos seus re- mais atributos naturais existentes em seus cursos naturais, com exceção dos casos pre- limites, sem interferência humana direta ou vistos nesta Lei. modificações ambientais, excetuando-se as § 2o O objetivo básico das Unidades de medidas de recuperação de seus ecossiste- Uso Sustentável é compatibilizar a conser- mas alterados e as ações de manejo neces- vação da natureza com o uso sustentável de sárias para recuperar e preservar o equilíbrio parcela dos seus recursos naturais. natural, a diversidade biológica e os proces- Art. 8o O grupo das Unidades de Proteção sos ecológicos naturais. o Integral é composto pelas seguintes catego- § 1 A Reserva Biológica é de posse e do- rias de unidade de conservação: mínio públicos, sendo que as áreas particula- I - Estação Ecológica; res incluídas em seus limites serão desapro- II - Reserva Biológica; priadas, de acordo com o que dispõe a lei. o III - Parque Nacional; § 2 É proibida a visitação pública, exceto IV - Monumento Natural; aquela com objetivo educacional, de acordo V - Refúgio de Vida Silvestre. com regulamento específico. o Art. 9o A Estação Ecológica tem como ob- § 3 A pesquisa científica depende de au- jetivo a preservação da natureza e a realiza- torização prévia do órgão responsável pela ção de pesquisas científicas. administração da unidade e está sujeita às § 1o A Estação Ecológica é de posse e do- condições e restrições por este estabelecidas, mínio públicos, sendo que as áreas particulares bem como àquelas previstas em regulamento.

106 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia Art. 11. O Parque Nacional tem como ob- onde se asseguram condições para a exis- jetivo básico a preservação de ecossistemas tência ou reprodução de espécies ou comu- naturais de grande relevância ecológica e be- nidades da flora local e da fauna residente ou leza cênica, possibilitando a realização de pes- migratória. quisas científicas e o desenvolvimento de ati- § 1o O Refúgio de Vida Silvestre pode ser vidades de educação e interpretação ambien- constituído por áreas particulares, desde que tal, de recreação em contato com a natureza seja possível compatibilizar os objetivos da e de turismo ecológico. unidade com a utilização da terra e dos recur- § 1o O Parque Nacional é de posse e domí- sos naturais do local pelos proprietários. nio públicos, sendo que as áreas particulares § 2o Havendo incompatibilidade entre os incluídas em seus limites serão desapropria- objetivos da área e as atividades privadas ou das, de acordo com o que dispõe a lei. não havendo aquiescência do proprietário às § 2o A visitação pública está sujeita às condições propostas pelo órgão responsável normas e restrições estabelecidas no Plano de pela administração da unidade para a coexis- Manejo da unidade, às normas estabelecidas tência do Refúgio de Vida Silvestre com o uso pelo órgão responsável por sua administra- da propriedade, a área deve ser desapropria- ção, e àquelas previstas em regulamento. da, de acordo com o que dispõe a lei. § 3o A pesquisa científica depende de au- § 3o A visitação pública está sujeita às torização prévia do órgão responsável pela normas e restrições estabelecidas no Plano de administração da unidade e está sujeita às Manejo da unidade, às normas estabelecidas condições e restrições por este estabelecidas, pelo órgão responsável por sua administra- bem como àquelas previstas em regulamento. ção, e àquelas previstas em regulamento. § 4o As unidades dessa categoria, quando § 4o A pesquisa científica depende de au- criadas pelo Estado ou Município, serão deno- torização prévia do órgão responsável pela minadas, respectivamente, Parque Estadual e administração da unidade e está sujeita às Parque Natural Municipal. condições e restrições por este estabelecidas, Art. 12. O Monumento Natural tem como bem como àquelas previstas em regulamento. objetivo básico preservar sítios naturais raros, Art. 14. Constituem o Grupo das Unidades singulares ou de grande beleza cênica. de Uso Sustentável as seguintes categorias de § 1o O Monumento Natural pode ser cons- unidade de conservação: tituído por áreas particulares, desde que seja I - Área de Proteção Ambiental; possível compatibilizar os objetivos da unida- II - Área de Relevante Interesse Ecológico; de com a utilização da terra e dos recursos III - Floresta Nacional; naturais do local pelos proprietários. IV - Reserva Extrativista; § 2o Havendo incompatibilidade entre os V - Reserva de Fauna; objetivos da área e as atividades privadas ou VI – Reserva de Desenvolvimento Susten- não havendo aquiescência do proprietário às tável; e condições propostas pelo órgão responsável VII - Reserva Particular do Patrimônio pela administração da unidade para a coexis- Natural. tência do Monumento Natural com o uso da Art. 15. A Área de Proteção Ambiental é propriedade, a área deve ser desapropriada, uma área em geral extensa, com um certo de acordo com o que dispõe a lei. grau de ocupação humana, dotada de atribu- § 3o A visitação pública está sujeita às tos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais condições e restrições estabelecidas no Plano especialmente importantes para a qualidade de Manejo da unidade, às normas estabeleci- de vida e o bem-estar das populações huma- das pelo órgão responsável por sua adminis- nas, e tem como objetivos básicos proteger tração e àquelas previstas em regulamento. a diversidade biológica, disciplinar o processo Art. 13. O Refúgio de Vida Silvestre tem de ocupação e assegurar a sustentabilidade como objetivo proteger ambientes naturais do uso dos recursos naturais.(Regulamento)

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 107 § 1o A Área de Proteção Ambiental é cons- incluídas em seus limites devem ser desapro- tituída por terras públicas ou privadas. priadas de acordo com o que dispõe a lei. § 2o Respeitados os limites constitucio- § 2o Nas Florestas Nacionais é admitida a nais, podem ser estabelecidas normas e res- permanência de populações tradicionais que trições para a utilização de uma propriedade a habitam quando de sua criação, em confor- privada localizada em uma Área de Proteção midade com o disposto em regulamento e no Ambiental. Plano de Manejo da unidade. § 3o As condições para a realização de § 3o A visitação pública é permitida, con- pesquisa científica e visitação pública nas dicionada às normas estabelecidas para o ma- áreas sob domínio público serão estabelecidas nejo da unidade pelo órgão responsável por pelo órgão gestor da unidade. sua administração. § 4o Nas áreas sob propriedade privada, § 4o A pesquisa é permitida e incentivada, cabe ao proprietário estabelecer as condições sujeitando-se à prévia autorização do órgão para pesquisa e visitação pelo público, obser- responsável pela administração da unidade, vadas as exigências e restrições legais. às condições e restrições por este estabeleci- § 5o A Área de Proteção Ambiental dispo- das e àquelas previstas em regulamento. rá de um Conselho presidido pelo órgão res- § 5o A Floresta Nacional disporá de um ponsável por sua administração e constituído Conselho Consultivo, presidido pelo órgão res- por representantes dos órgãos públicos, de ponsável por sua administração e constituído organizações da sociedade civil e da popula- por representantes de órgãos públicos, de or- ção residente, conforme se dispuser no regu- ganizações da sociedade civil e, quando for o lamento desta Lei. caso, das populações tradicionais residentes. Art. 16. A Área de Relevante Interesse § 6o A unidade desta categoria, quando Ecológico é uma área em geral de pequena criada pelo Estado ou Município, será deno- extensão, com pouca ou nenhuma ocupação minada, respectivamente, Floresta Estadual e humana, com características naturais extraor- Floresta Municipal. dinárias ou que abriga exemplares raros da Art. 18. A Reserva Extrativista é uma área biota regional, e tem como objetivo manter utilizada por populações extrativistas tradicio- os ecossistemas naturais de importância re- nais, cuja subsistência baseia-se no extrati- gional ou local e regular o uso admissível des- vismo e, complementarmente, na agricultu- sas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os ra de subsistência e na criação de animais objetivos de conservação da natureza. de pequeno porte, e tem como objetivos bá- § 1o A Área de Relevante Interesse Eco- sicos proteger os meios de vida e a cultura lógico é constituída por terras públicas ou dessas populações, e assegurar o uso sus- privadas. tentável dos recursos naturais da unidade. § 2o Respeitados os limites constitucio- (Regulamento) nais, podem ser estabelecidas normas e res- § 1o A Reserva Extrativista é de domínio trições para a utilização de uma propriedade público, com uso concedido às populações ex- privada localizada em uma Área de Relevante trativistas tradicionais conforme o disposto no Interesse Ecológico. art. 23 desta Lei e em regulamentação especí- Art. 17. A Floresta Nacional é uma área fica, sendo que as áreas particulares incluídas com cobertura florestal de espécies predomi- em seus limites devem ser desapropriadas, de nantemente nativas e tem como objetivo bá- acordo com o que dispõe a lei. sico o uso múltiplo sustentável dos recursos § 2o A Reserva Extrativista será gerida florestais e a pesquisa científica, com ênfase por um Conselho Deliberativo, presidido pelo em métodos para exploração sustentável de órgão responsável por sua administração e florestas nativas.(Regulamento) constituído por representantes de órgãos pú- § 1o A Floresta Nacional é de posse e domí- blicos, de organizações da sociedade civil e nio públicos, sendo que as áreas particulares das populações tradicionais residentes na

108 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia área, conforme se dispuser em regulamento e exploração dos recursos naturais, desenvolvi- no ato de criação da unidade. dos ao longo de gerações e adaptados às con- § 3o A visitação pública é permitida, des- dições ecológicas locais e que desempenham de que compatível com os interesses locais e um papel fundamental na proteção da nature- de acordo com o disposto no Plano de Manejo za e na manutenção da diversidade biológica. da área. (Regulamento) § 4o A pesquisa científica é permitida e § 1o A Reserva de Desenvolvimento Sus- incentivada, sujeitando-se à prévia autoriza- tentável tem como objetivo básico preservar ção do órgão responsável pela administra- a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as ção da unidade, às condições e restrições por condições e os meios necessários para a re- este estabelecidas e às normas previstas em produção e a melhoria dos modos e da qua- regulamento. lidade de vida e exploração dos recursos na- § 5o O Plano de Manejo da unidade será turais das populações tradicionais, bem como aprovado pelo seu Conselho Deliberativo. valorizar, conservar e aperfeiçoar o conheci- § 6o São proibidas a exploração de re- mento e as técnicas de manejo do ambiente, cursos minerais e a caça amadorística ou desenvolvido por estas populações. profissional. § 2o A Reserva de Desenvolvimento Sus- § 7o A exploração comercial de recursos tentável é de domínio público, sendo que as madeireiros só será admitida em bases sus- áreas particulares incluídas em seus limites tentáveis e em situações especiais e comple- devem ser, quando necessário, desapropria- mentares às demais atividades desenvolvidas das, de acordo com o que dispõe a lei. na Reserva Extrativista, conforme o dispos- § 3o O uso das áreas ocupadas pelas po- to em regulamento e no Plano de Manejo da pulações tradicionais será regulado de acordo unidade. com o disposto no art. 23 desta Lei e em re- Art. 19. A Reserva de Fauna é uma área gulamentação específica. natural com populações animais de espécies § 4o A Reserva de Desenvolvimento Sus- nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou tentável será gerida por um Conselho Deli- migratórias, adequadas para estudos técnico- berativo, presidido pelo órgão responsável científicos sobre o manejo econômico susten- por sua administração e constituído por re- tável de recursos faunísticos. presentantes de órgãos públicos, de organi- § 1o A Reserva de Fauna é de posse e do- zações da sociedade civil e das populações mínio públicos, sendo que as áreas particula- tradicionais residentes na área, conforme se res incluídas em seus limites devem ser desa- dispuser em regulamento e no ato de criação propriadas de acordo com o que dispõe a lei. da unidade. § 2o A visitação pública pode ser permi- § 5o As atividades desenvolvidas na Re- tida, desde que compatível com o manejo serva de Desenvolvimento Sustentável obe- da unidade e de acordo com as normas es- decerão às seguintes condições: tabelecidas pelo órgão responsável por sua I - é permitida e incentivada a visitação administração. pública, desde que compatível com os interes- § 3o É proibido o exercício da caça ama­ ses locais e de acordo com o disposto no Plano dorística ou profissional. de Manejo da área; § 4o A comercialização dos produtos e II - é permitida e incentivada a pesquisa subprodutos resultantes das pesquisas obe- científica voltada à conservação da natureza, decerá ao disposto nas leis sobre fauna e à melhor relação das populações residentes regulamentos. com seu meio e à educação ambiental, sujei- Art. 20. A Reserva de Desenvolvimento tando-se à prévia autorização do órgão res- Sustentável é uma área natural que abri- ponsável pela administração da unidade, às ga populações tradicionais, cuja existên- condições e restrições por este estabelecidas cia baseia-se em sistemas sustentáveis de e às normas previstas em regulamento;

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 109 III - deve ser sempre considerado o equi- e de consulta pública que permitam identifi- líbrio dinâmico entre o tamanho da população car a localização, a dimensão e os limites mais e a conservação; e adequados para a unidade, conforme se dis- IV - é admitida a exploração de compo- puser em regulamento. nentes dos ecossistemas naturais em regime § 3o No processo de consulta de que trata de manejo sustentável e a substituição da co- o § 2o, o Poder Público é obrigado a fornecer bertura vegetal por espécies cultiváveis, des- informações adequadas e inteligíveis à popu- de que sujeitas ao zoneamento, às limitações lação local e a outras partes interessadas. legais e ao Plano de Manejo da área. § 4o Na criação de Estação Ecológica ou § 6o O Plano de Manejo da Reserva de Reserva Biológica não é obrigatória a consulta Desenvolvimento Sustentável definirá as zo- de que trata o § 2o deste artigo. nas de proteção integral, de uso sustentável e § 5o As unidades de conservação do grupo de amortecimento e corredores ecológicos, e de Uso Sustentável podem ser transformadas será aprovado pelo Conselho Deliberativo da total ou parcialmente em unidades do grupo unidade. de Proteção Integral, por instrumento norma- Art. 21. A Reserva Particular do Patrimô- tivo do mesmo nível hierárquico do que criou nio Natural é uma área privada, gravada com a unidade, desde que obedecidos os procedi- perpetuidade, com o objetivo de conservar a mentos de consulta estabelecidos no § 2o des- diversidade biológica. (Regulamento) te artigo. § 1o O gravame de que trata este artigo § 6o A ampliação dos limites de uma uni- constará de termo de compromisso assinado dade de conservação, sem modificação dos perante o órgão ambiental, que verificará a seus limites originais, exceto pelo acréscimo existência de interesse público, e será averba- proposto, pode ser feita por instrumento nor- do à margem da inscrição no Registro Público mativo do mesmo nível hierárquico do que de Imóveis. criou a unidade, desde que obedecidos os § 2o Só poderá ser permitida, na Reserva procedimentos de consulta estabelecidos no Particular do Patrimônio Natural, conforme se § 2o deste artigo. dispuser em regulamento: § 7o A desafetação ou redução dos limites I - a pesquisa científica; de uma unidade de conservação só pode ser II - a visitação com objetivos turísticos, feita mediante lei específica. recreativos e educacionais; Art. 22-A. O Poder Público poderá, res- III - (VETADO) salvadas as atividades agropecuárias e outras § 3o Os órgãos integrantes do SNUC, sem- atividades econômicas em andamento e obras pre que possível e oportuno, prestarão orien- públicas licenciadas, na forma da lei, decretar tação técnica e científica ao proprietário de limitações administrativas provisórias ao exer- Reserva Particular do Patrimônio Natural para cício de atividades e empreendimentos efetiva a elaboração de um Plano de Manejo ou de ou potencialmente causadores de degradação Proteção e de Gestão da unidade. ambiental, para a realização de estudos com vistas na criação de Unidade de Conservação, quando, a critério do órgão ambiental compe- CAPÍTULO IV tente, houver risco de dano grave aos recur- DA CRIAÇÃO, IMPLANTAÇÃO E GESTÃO DAS sos naturais ali existentes. (Incluído pela Lei nº UNIDADES DE CONSERVAÇÃO 11.132, de 2005) (Vide Decreto de 2 de janeiro de 2005) o Art. 22. As unidades de conservação são § 1 Sem prejuízo da restrição e obser- criadas por ato do Poder Público.(Regulamento) vada a ressalva constante do caput, na área § 1o (VETADO) submetida a limitações administrativas, não § 2o A criação de uma unidade de conser- serão permitidas atividades que importem em vação deve ser precedida de estudos técnicos exploração a corte raso da floresta e demais

110 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia formas de vegetação nativa. (Incluído pela Lei Art. 26. Quando existir um conjunto de uni- nº 11.132, de 2005) dades de conservação de categorias diferentes § 2o A destinação final da área submeti- ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, da ao disposto neste artigo será definida no e outras áreas protegidas públicas ou privadas, prazo de 7 (sete) meses, improrrogáveis, fin- constituindo um mosaico, a gestão do conjunto do o qual fica extinta a limitação administrati- deverá ser feita de forma integrada e participa- va. (Incluído pela Lei nº 11.132, de 2005) tiva, considerando-se os seus distintos objeti- Art. 23. A posse e o uso das áreas ocupa- vos de conservação, de forma a compatibilizar das pelas populações tradicionais nas Reservas a presença da biodiversidade, a valorização da Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento sociodiversidade e o desenvolvimento susten- Sustentável serão regulados por contrato, con- tável no contexto regional.(Regulamento) forme se dispuser no regulamento desta Lei. Parágrafo único. O regulamento desta Lei § 1o As populações de que trata este ar- disporá sobre a forma de gestão integrada do tigo obrigam-se a participar da preservação, conjunto das unidades. recuperação, defesa e manutenção da unida- Art. 27. As unidades de conservação devem de de conservação. dispor de um Plano de Manejo. (Regulamento) § 2o O uso dos recursos naturais pelas po- § 1o O Plano de Manejo deve abranger a pulações de que trata este artigo obedecerá área da unidade de conservação, sua zona de às seguintes normas: amortecimento e os corredores ecológicos, in- I - proibição do uso de espécies localmen- cluindo medidas com o fim de promover sua te ameaçadas de extinção ou de práticas que integração à vida econômica e social das co- danifiquem os seus habitats; munidades vizinhas. II - proibição de práticas ou ativida- § 2o Na elaboração, atualização e imple- des que impeçam a regeneração natural dos mentação do Plano de Manejo das Reservas ecossistemas; Extrativistas, das Reservas de Desenvolvi- III - demais normas estabelecidas na le- mento Sustentável, das Áreas de Proteção gislação, no Plano de Manejo da unidade de Ambiental e, quando couber, das Florestas conservação e no contrato de concessão de Nacionais e das Áreas de Relevante Interesse direito real de uso. Ecológico, será assegurada a ampla participa- Art. 24. O subsolo e o espaço aéreo, sem- ção da população residente. pre que influírem na estabilidade do ecossis- § 3o O Plano de Manejo de uma unidade tema, integram os limites das unidades de de conservação deve ser elaborado no prazo conservação. (Regulamento) de cinco anos a partir da data de sua criação. Art. 25. As unidades de conservação, § 4o § 4o O Plano de Manejo poderá dispor exceto Área de Proteção Ambiental e Re- sobre as atividades de liberação planejada e serva Particular do Patrimônio Natural, de- cultivo de organismos geneticamente modifi­ vem possuir uma zona de amortecimento e, cados nas Áreas de Proteção Ambiental e nas quando conveniente, corredores ecológicos. zonas de amortecimento das demais categorias (Regulamento) de unidade de conservação, observadas as § 1o O órgão responsável pela administra- informações contidas na decisão técnica da ção da unidade estabelecerá normas específicas Comissão Técnica Nacional de Biossegurança regulamentando a ocupação e o uso dos recur- - CTNBio sobre: sos da zona de amortecimento e dos corredores I - o registro de ocorrência de ancestrais ecológicos de uma unidade de conservação. diretos e parentes silvestres; § 2o Os limites da zona de amortecimen- II - as características de reprodução, dis- to e dos corredores ecológicos e as respecti- persão e sobrevivência do organismo genetica- vas normas de que trata o § 1o poderão ser mente modificado; definidas no ato de criação da unidade ou III - o isolamento reprodutivo do organis- posteriormente. mo geneticamente modificado em relação aos

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 111 seus ancestrais diretos e parentes silvestres; e § 2o Nas áreas particulares localizadas em IV - situações de risco do organismo gene- Refúgios de Vida Silvestre e Monumentos Na- ticamente modificado à biodiversidade. (Re- turais podem ser criados animais domésticos dação dada pela Lei nº 11.460, de 2007). e cultivadas plantas considerados compatíveis Art. 28. São proibidas, nas unidades de com as finalidades da unidade, de acordo com conservação, quaisquer alterações, atividades o que dispuser o seu Plano de Manejo. ou modalidades de utilização em desacordo Art. 32. Os órgãos executores articular- com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo se-ão com a comunidade científica com o pro- e seus regulamentos. pósito de incentivar o desenvolvimento de Parágrafo único. Até que seja elaborado o pesquisas sobre a fauna, a flora e a ecologia Plano de Manejo, todas as atividades e obras das unidades de conservação e sobre formas desenvolvidas nas unidades de conservação de uso sustentável dos recursos naturais, va- de proteção integral devem se limitar àquelas lorizando-se o conhecimento das populações destinadas a garantir a integridade dos recur- tradicionais. sos que a unidade objetiva proteger, assegu- § 1o As pesquisas científicas nas unidades rando-se às populações tradicionais porventu- de conservação não podem colocar em risco ra residentes na área as condições e os meios a sobrevivência das espécies integrantes dos necessários para a satisfação de suas necessi- ecossistemas protegidos. dades materiais, sociais e culturais. § 2o A realização de pesquisas científicas Art. 29. Cada unidade de conservação nas unidades de conservação, exceto Área de do grupo de Proteção Integral disporá de um Proteção Ambiental e Reserva Particular do Conselho Consultivo, presidido pelo órgão res- Patrimônio Natural, depende de aprovação ponsável por sua administração e constituído prévia e está sujeita à fiscalização do órgão por representantes de órgãos públicos, de or- responsável por sua administração. ganizações da sociedade civil, por proprietá- § 3o Os órgãos competentes podem trans- rios de terras localizadas em Refúgio de Vida ferir para as instituições de pesquisa nacio- Silvestre ou Monumento Natural, quando for nais, mediante acordo, a atribuição de apro- o caso, e, na hipótese prevista no § 2o do art. var a realização de pesquisas científicas e de 42, das populações tradicionais residentes, credenciar pesquisadores para trabalharem conforme se dispuser em regulamento e no nas unidades de conservação. ato de criação da unidade.(Regulamento) Art. 33. A exploração comercial de pro- Art. 30. As unidades de conservação po- dutos, subprodutos ou serviços obtidos ou dem ser geridas por organizações da socie- desenvolvidos a partir dos recursos naturais, dade civil de interesse público com objetivos biológicos, cênicos ou culturais ou da explora- afins aos da unidade, mediante instrumento a ção da imagem de unidade de conservação, ser firmado com o órgão responsável por sua exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva gestão.(Regulamento) Particular do Patrimônio Natural, dependerá Art. 31. É proibida a introdução nas uni­ de prévia autorização e sujeitará o explorador dades de conservação de espécies não a pagamento, conforme disposto em regula- autóctones. mento.(Regulamento) § 1o Excetuam-se do disposto neste artigo Art. 34. Os órgãos responsáveis pela ad- as Áreas de Proteção Ambiental, as Florestas ministração das unidades de conservação po- Nacionais, as Reservas Extrativistas e as Re- dem receber recursos ou doações de qualquer servas de Desenvolvimento Sustentável, bem natureza, nacionais ou internacionais, com ou como os animais e plantas necessários à ad- sem encargos, provenientes de organizações ministração e às atividades das demais cate- privadas ou públicas ou de pessoas físicas que gorias de unidades de conservação, de acordo desejarem colaborar com a sua conservação. com o que se dispuser em regulamento e no Parágrafo único. A administração dos re- Plano de Manejo da unidade. cursos obtidos cabe ao órgão gestor da unidade,

112 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia e estes serão utilizados exclusivamente na sua amortecimento, o licenciamento a que se refe- implantação, gestão e manutenção. re o caput deste artigo só poderá ser concedi- Art. 35. Os recursos obtidos pelas unida- do mediante autorização do órgão responsável des de conservação do Grupo de Proteção In- por sua administração, e a unidade afetada, tegral mediante a cobrança de taxa de visita- mesmo que não pertencente ao Grupo de Pro- ção e outras rendas decorrentes de arrecada- teção Integral, deverá ser uma das beneficiá- ção, serviços e atividades da própria unidade rias da compensação definida neste artigo. serão aplicados de acordo com os seguintes critérios: I - até cinqüenta por cento, e não menos CAPÍTULO V que vinte e cinco por cento, na implementa- DOS INCENTIVOS, ISENÇÕES ção, manutenção e gestão da própria unidade; E PENALIDADES II - até cinqüenta por cento, e não me- nos que vinte e cinco por cento, na regulari- Art. 37. (VETADO) zação fundiária das unidades de conservação Art. 38. A ação ou omissão das pessoas fí- do Grupo; sicas ou jurídicas que importem inobservância III - até cinqüenta por cento, e não me- aos preceitos desta Lei e a seus regulamen- nos que quinze por cento, na implementação, tos ou resultem em dano à flora, à fauna e manutenção e gestão de outras unidades de aos demais atributos naturais das unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral. conservação, bem como às suas instalações e Art. 36. Nos casos de licenciamento am- às zonas de amortecimento e corredores eco- biental de empreendimentos de significativo lógicos, sujeitam os infratores às sanções pre- impacto ambiental, assim considerado pelo vistas em lei. órgão ambiental competente, com fundamen- Art. 39. Dê-se ao art. 40 da Lei no 9.605, de to em estudo de impacto ambiental e respec- 12 de fevereiro de 1998, a seguinte redação: tivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é “Art. 40. (VETADO) obrigado a apoiar a implantação e manuten- “§ 1o Entende-se por Unidades de Conser- ção de unidade de conservação do Grupo de vação de Proteção Integral as Estações Ecoló- Proteção Integral, de acordo com o dispos- gicas, as Reservas Biológicas, os Parques Na- to neste artigo e no regulamento desta Lei. cionais, os Monumentos Naturais e os Refú- (Regulamento) gios de Vida Silvestre.” (NR) o § 1 O montante de recursos a ser desti- “§ 2o A ocorrência de dano afetando es- nado pelo empreendedor para esta finalida- pécies ameaçadas de extinção no interior das de não pode ser inferior a meio por cento dos Unidades de Conservação de Proteção Inte- custos totais previstos para a implantação do gral será considerada circunstância agravante empreendimento, sendo o percentual fixado para a fixação da pena.” (NR) pelo órgão ambiental licenciador, de acordo “§ 3o ...... com o grau de impacto ambiental causado ...... ” pelo empreendimento. (Vide ADIN nº 3.378- Art. 40. Acrescente-se à Lei no 9.605, de 6, de 2008) 1998, o seguinte art. 40-A: o § 2 Ao órgão ambiental licenciador com- “Art. 40-A. (VETADO) pete definir as unidades de conservação a “§ 1o Entende-se por Unidades de Con- serem beneficiadas, considerando as pro- servação de Uso Sustentável as Áreas de Pro- postas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido teção Ambiental, as Áreas de Relevante In- o empreendedor, podendo inclusive ser con- teresse Ecológico, as Florestas Nacionais, as templada a criação de novas unidades de Reservas Extrativistas, as Reservas de Fauna, conservação. as Reservas de Desenvolvimento Sustentável o § 3 Quando o empreendimento afetar uni- e as Reservas Particulares do Patrimônio Na- dade de conservação específica ou sua zona de tural.” (AC)

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 113 “§ 2o A ocorrência de dano afetando es- e a Biosfera – MAB”, estabelecido pela Unesco, pécies ameaçadas de extinção no interior das organização da qual o Brasil é membro. Unidades de Conservação de Uso Sustentável será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.” (AC) CAPÍTULO VII “§ 3o Se o crime for culposo, a pena será DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS reduzida à metade.” (AC) Art. 42. As populações tradicionais resi- dentes em unidades de conservação nas quais CAPÍTULO VI sua permanência não seja permitida serão in- DAS RESERVAS DA BIOSFERA denizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Po- Art. 41. A Reserva da Biosfera é um mo- der Público, em local e condições acordados delo, adotado internacionalmente, de gestão entre as partes.(Regulamento) integrada, participativa e sustentável dos re- § 1o O Poder Público, por meio do órgão cursos naturais, com os objetivos básicos de competente, priorizará o reassentamento das preservação da diversidade biológica, o de- populações tradicionais a serem realocadas. senvolvimento de atividades de pesquisa, o § 2o Até que seja possível efetuar o reassen- monitoramento ambiental, a educação am- tamento de que trata este artigo, serão estabe- biental, o desenvolvimento sustentável e a lecidas normas e ações específicas destinadas a melhoria da qualidade de vida das popula- compatibilizar a presença das populações tradi- ções.(Regulamento) cionais residentes com os objetivos da unidade, § 1o A Reserva da Biosfera é constituída sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de por: subsistência e dos locais de moradia destas po- I - uma ou várias áreas-núcleo, destina- pulações, assegurando-se a sua participação na das à proteção integral da natureza; elaboração das referidas normas e ações. II - uma ou várias zonas de amortecimen- § 3o Na hipótese prevista no § 2o, as to, onde só são admitidas atividades que não normas regulando o prazo de permanên- resultem em dano para as áreas-núcleo; e cia e suas condições serão estabelecidas em III - uma ou várias zonas de transição, regulamento. sem limites rígidos, onde o processo de ocu- Art. 43. O Poder Público fará o levanta- pação e o manejo dos recursos naturais são mento nacional das terras devolutas, com o planejados e conduzidos de modo participati- objetivo de definir áreas destinadas à conser- vo e em bases sustentáveis. vação da natureza, no prazo de cinco anos § 2o A Reserva da Biosfera é constituída após a publicação desta Lei. por áreas de domínio público ou privado. Art. 44. As ilhas oceânicas e costeiras § 3o A Reserva da Biosfera pode ser inte- destinam-se prioritariamente à proteção da grada por unidades de conservação já criadas natureza e sua destinação para fins diversos pelo Poder Público, respeitadas as normas le- deve ser precedida de autorização do órgão gais que disciplinam o manejo de cada cate- ambiental competente. goria específica. Parágrafo único. Estão dispensados da § 4o A Reserva da Biosfera é gerida por autorização citada no caput os órgãos que se um Conselho Deliberativo, formado por repre- utilizam das citadas ilhas por força de disposi- sentantes de instituições públicas, de organi- tivos legais ou quando decorrente de compro- zações da sociedade civil e da população resi- missos legais assumidos. dente, conforme se dispuser em regulamento Art. 45. Excluem-se das indenizações re- e no ato de constituição da unidade. ferentes à regularização fundiária das uni- § 5o A Reserva da Biosfera é reconhecida dades de conservação, derivadas ou não de pelo Programa Intergovernamental “O Homem desapropriação:

114 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia I - (VETADO) organizará e manterá um Cadastro Nacional II - (VETADO) de Unidades de Conservação, com a colabora- III - as espécies arbóreas declaradas imu- ção do Ibama e dos órgãos estaduais e muni- nes de corte pelo Poder Público; cipais competentes. IV - expectativas de ganhos e lucro § 1o O Cadastro a que se refere este ar- cessante; tigo conterá os dados principais de cada uni- V - o resultado de cálculo efetuado me- dade de conservação, incluindo, dentre outras diante a operação de juros compostos; características relevantes, informações sobre VI - as áreas que não tenham prova de espécies ameaçadas de extinção, situação domínio inequívoco e anterior à criação da fundiária, recursos hídricos, clima, solos e as- unidade. pectos socioculturais e antropológicos. Art. 46. A instalação de redes de abasteci- § 2o O Ministério do Meio Ambiente divul- mento de água, esgoto, energia e infra-estru- gará e colocará à disposição do público inte- tura urbana em geral, em unidades de conser- ressado os dados constantes do Cadastro. vação onde estes equipamentos são admitidos Art. 51. O Poder Executivo Federal sub- depende de prévia aprovação do órgão res- meterá à apreciação do Congresso Nacional, a ponsável por sua administração, sem prejuízo cada dois anos, um relatório de avaliação glo- da necessidade de elaboração de estudos de bal da situação das unidades de conservação impacto ambiental e outras exigências legais. federais do País. Parágrafo único. Esta mesma condição Art. 52. Os mapas e cartas oficiais devem se aplica à zona de amortecimento das uni- indicar as áreas que compõem o SNUC. dades do Grupo de Proteção Integral, bem Art. 53. O Ibama elaborará e divulgará como às áreas de propriedade privada inseri- periodicamente uma relação revista e atuali- das nos limites dessas unidades e ainda não zada das espécies da flora e da fauna ameaça- indenizadas. das de extinção no território brasileiro. Art. 47. O órgão ou empresa, público ou Parágrafo único. O Ibama incentivará os privado, responsável pelo abastecimento de competentes órgãos estaduais e municipais a água ou que faça uso de recursos hídricos, elaborarem relações equivalentes abrangendo beneficiário da proteção proporcionada por suas respectivas áreas de jurisdição. uma unidade de conservação, deve contribuir Art. 54. O Ibama, excepcionalmente, pode financeiramente para a proteção e implemen- permitir a captura de exemplares de espécies tação da unidade, de acordo com o disposto ameaçadas de extinção destinadas a progra- em regulamentação específica.(Regulamento) mas de criação em cativeiro ou formação de Art. 48. O órgão ou empresa, público ou coleções científicas, de acordo com o disposto privado, responsável pela geração e distribui- nesta Lei e em regulamentação específica. ção de energia elétrica, beneficiário da pro- Art. 55. As unidades de conservação e teção oferecida por uma unidade de conser- áreas protegidas criadas com base nas legis- vação, deve contribuir financeiramente para lações anteriores e que não pertençam às ca- a proteção e implementação da unidade, de tegorias previstas nesta Lei serão reavaliadas, acordo com o disposto em regulamentação no todo ou em parte, no prazo de até dois anos, específica.(Regulamento) com o objetivo de definir sua destinação com Art. 49. A área de uma unidade de con- base na categoria e função para as quais foram servação do Grupo de Proteção Integral é con- criadas, conforme o disposto no regulamento siderada zona rural, para os efeitos legais. desta Lei. (Regulamento) (Regulamento) Parágrafo único. A zona de amortecimen- Art. 56. (VETADO) to das unidades de conservação de que tra- Art. 57. Os órgãos federais responsáveis ta este artigo, uma vez definida formalmente, pela execução das políticas ambiental e indi- não pode ser transformada em zona urbana. genista deverão instituir grupos de trabalho Art. 50. O Ministério do Meio Ambiente para, no prazo de cento e oitenta dias a partir

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 115 da vigência desta Lei, propor as diretrizes a Art. 58. O Poder Executivo regulamentará serem adotadas com vistas à regularização esta Lei, no que for necessário à sua aplica- das eventuais superposições entre áreas indí- ção, no prazo de cento e oitenta dias a partir genas e unidades de conservação. da data de sua publicação. Parágrafo único. No ato de criação dos Art. 59. Esta Lei entra em vigor na data grupos de trabalho serão fixados os partici- de sua publicação. pantes, bem como a estratégia de ação e a Art. 60. Revogam-se os arts. 5o e 6o da Lei abrangência dos trabalhos, garantida a parti- no 4.771, de 15 de setembro de 1965; o art. cipação das comunidades envolvidas. 5o da Lei no 5.197, de 3 de janeiro de 1967; e Art. 57-A. O Poder Executivo estabelecerá o art. 18 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de os limites para o plantio de organismos gene- 1981. ticamente modificados nas áreas que circun- dam as unidades de conservação até que seja Brasília, 18 de julho de 2000; 179o da In- fixada sua zona de amortecimento e aprovado dependência e 112o da República. o seu respectivo Plano de Manejo. Parágrafo único. O disposto no caput des- MARCO ANTONIO DE OLIVEIRA MACIEL te artigo não se aplica às Áreas de Proteção José Sarney Filho Ambiental e Reservas de Particulares do Pa- trimônio Nacional. (Redação dada pela Lei nº Este texto não substitui o publicado no 11.460, de 2007) Regulamento. D.O.U. de 19.7.2000

Referência bibliográfica geral FERREIRA, R. L. Biologia subterrânea: Conceitos Gerais E Aplicação na Interpretação e Análise de estudos de impacto ambiental. PILÓ, L. B.; AULER, A. Introdução à Espeleo­ In: IV Curso de espeleologia e licenciamento logia. In: IV Curso de espeleologia e ambiental. Brasília: CECAV/Instituto Chico licenciamento ambiental. Brasília: CECAV/ Mendes de Conservação da Biodiversidade, Instituto Chico Mendes de Conservação da 2013. Cap.4, p. 89-113. Biodiversidade, 2013. Cap.1, p. 7-23. FERREIRA, C. F. Análise de impactos ambientais AULER, A.; PILÓ, L. B. Geoespeleologia. In: em terrenos cársticos e cavernas. In: IV IV Curso de espeleologia e licenciamento Curso de espeleologia e licenciamento ambiental. Brasília: CECAV/Instituto Chico ambiental. Brasília: CECAV/Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Mendes de Conservação da Biodiversidade, 2013. Cap.2, p. 25-44. 2013. Cap.5, p. 123-148.

116 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia

Instrutores do Módulo 1

JOSÉ CARLOS RIBEIRO REINO

Nascido em Brasília/DF (1975) é graduado em Geologia pela Universi- dade de Brasília (1999) e especialista em Conflitos Socioambientais pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS/UnB (2003). Tem expe- riência em licenciamento ambiental de atividades de mineração, rodovias e assentamentos humanos, na então Secretaria do Meio Ambiente e Re- cursos Hídricos do Distrito Federal – SEMARH (2000-2003). Atualmente ocupa o cargo de Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Con- servação da Biodiversidade. Está lotado no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas - CECAV desde 2003, onde trabalha exclusiva- mente com espeleologia e gestão ambiental do patrimônio espeleológico nacional, concentrando esforços no desenvolvimento e aprimoramento de políticas públicas específicas.

E-mail: [email protected]

HEROS LOBO

Bacharel em Turismo (UAM-SP, 1999). Especialista em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Florestais (UFLA-MG, 2004). Mestre em Geogra- fia (UFMS-MS, 2006). Doutor em Geociências e Meio Ambiente (Unesp/ Rio Claro-SP, 2011). Professor Adjunto I na Universidade Federal de São Carlos, campus Sorocaba, Depto. de Geografia, Turismo e Humanidades. Coordenador da Seção de Espeleoturismo da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE). Editor-Chefe do periódico Tourism and Karst Areas desde 2008. Chairman da Comissão de Desenvolvimento Sustentável de Cavernas Turísticas da International Show Caves Association (ISCA) desde 2011. Tem experiência nas áreas de Turismo e Meio Ambiente, atuando principalmente nos seguintes temas: planejamento turístico, gestão de destinos e atrativos turísticos, ecoturismo, implantação, ma- nejo e gestão de unidades de conservação, trilhas e cavernas turísticas, monitoramento microclimático e capacidade de carga turística.

E-mail: [email protected]

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 119 ANDRÉ AFONSO RIBEIRO

É bacharel em Geologia pela Universidade de São Paulo, Especialista em Geoprocessamento pela Universidade de Brasília e Analista Ambiental do Ministério do Meio Ambiente desde 2005, cedido ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) desde 2012, para atuar como Coordenador Técnico do Centro Nacional de Pesquisa e Con- servação de Cavernas (CECAV). Tem experiência em estudos na área de espeleologia (prospecção externa, exploração e topografia de cavernas) e uso público de unidades de conservação.

E-mail: [email protected]

DIEGO DE MEDEIROS BENTO

Graduado em Ciências Biológicas pela UFRN e mestre em Ciências Bio- lógicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e coordena a Base do Centro Nacional de Pesquisa e Conser- vação de Cavernas (CECAV) no Rio Grande do Norte. Tem experiência em estudos na área de espeleologia (prospecção externa e interna e to- pografia em cavernas), bem como na área de Zoologia, com ênfase em Zoologia de invertebrados cavernícolas.

E-mail: [email protected]

CRISTIANO FERNANDES FERREIRA

Bacharel em Geografia (UFMG - 2003) trabalha com os temas geo- morfologia cárstica, impactos ambientais e espeleologia desde o ano 2000. Ingressou na carreira de Analista Ambiental em 2003, pelo ­IBAMA, onde a partir de 2006 integrou a equipe do CECAV atuando principalmente como parecerista nos processos de licenciamento am- biental de atividade potencialmente degradadoras de cavernas e am- bientes cársticos. Atualmente segue trabalhando no CECAV/ICMBio, atuando também na análise de impactos decorrentes do espeleoturis- mo, na colaboração nos planos de manejo das unidades de conserva- ção, na gestão da atividade de mergulho em cavernas, dentre outras atividades ligadas ao tema turismo e cavernas.

E-mail: [email protected]

120 MÓDULO 1: Meio Ambiente, Cultura e Espeleologia organizadoras

Gislaine Disconzi

Consultora ambiental. Membro do Conselho de Conservação de Aves Aquáticas das Américas (Waterbird Conservation Coucil for the Ameri- cas). Possui graduação em Ciências Biológicas PUC/RS e Mestrado em Desenvolvimento Sustentável CDS/UnB. Coordena em nível nacional o Censo Neotropical de Aves Aquáticas – CNAA/Brasil desde 2004. Afi- cionada por aves aquáticas desenvolve atividades de pesquisas com uma das espécie mais ameaçadas das Américas, o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) na Chapada dos Veadeiros (GO). Ultimamente tem “voado alto” em buscado novos conhecimentos.

Marcela Pimenta Campos Coutinho

Bacharel em Turismo, possui Master em Gestão Turística com foco em tu- rismo sustentável pela Universitat de Les Illes Balears - Espanha. Atuou em parceria com a Organização Mundial do Turismo no Projeto Rotas do Leste do Uruguai, foi interlocutora entre Minas Gerais e a OMT na im- plementação do Programa Volunteers, Minas Gerais – Brasil 2010: Rota das Grutas de Lund. Coordenou o inventário da oferta turística de Minas Gerais entre os anos de 2008 e 2010. Atualmente é coordenadora do Núcleo de Turismo do Instituto Ambiental Brasil Sustentável e respon- sável pelos projetos da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento em Alagoas, sob gestão IABS.

CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS E CONDUTORES DE ESPELEOTURISMO 121 Contatos Institucionais

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas

Em Natal/RN

Av. Alexandrino de Alencar 1399 Ed. Sede do IBAMA/SUPES-RN Tirol CEP: 59015-350 - Natal/RN

Telefone: (84) 33420446

Em Brasília/DF

SAS Quadra 05, Lote 05, Bloco H, 4º andar, CEP: 70070-914 – Brasília/DF

Telefone: (61) 3035-3467

responsável parceiro financiador