UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS

Revisitar a Lapa da Galinha (Alcanena, Santarém): as práticas funerárias no Maciço Calcário Estremenho (4º e 3º milénios a.n.e.)

Daniel Sacramento van Calker

Tese orientada pela Prof.ª Doutora Ana Catarina de Freitas Alves Bravo de Sousa e pelo Prof. Doutor Victor S. Gonçalves, especialmente elaborada para a obtenção do grau de Mestre em Arqueologia

2020

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS

Revisitar a Lapa da Galinha (Alcanena, Santarém): as práticas funerárias no Maciço Calcário Estremenho (4º e 3º milénios a.n.e.) Volume I

Daniel Sacramento van Calker

Tese orientada pela Prof.ª Doutora Ana Catarina de Freitas Alves Bravo de Sousa e pelo Prof. Doutor Victor S. Gonçalves, especialmente elaborada para a obtenção do grau de Mestre em Arqueologia

2020

Revisitar a Lapa da Galinha (Alcanena, Santarém): as práticas funerárias no Maciço Calcário Estremenho (4º e 3º milénios a.n.e.)

AGRADECIMENTOS Nunca trabalhamos sozinhos. A concretização desta dissertação de mestrado não teria sido possível sem o apoio recorrente de várias entidades, individuais e coletivas, que de alguma forma deixaram a sua marca, por vezes indelével, neste trabalho. Assim, pela sua colaboração ativa e crítica, não poderia deixar de prestar o devido reconhecimento às mesmas. À Prof.ª Doutora Ana Catarina Sousa, minha orientadora e, sem dúvida, uma das “suspeitas” principais pelo gosto que adquiri de estudar as realidades funerárias do 4º e 3º milénio a.n.e., mesmo reconhecendo a sua natureza “implacável”, ainda que não o seja verdadeiramente. Enquanto trabalhávamos noutras paisagens funerárias, nomeadamente na Península de Setúbal, lançou-me este desafio, que agora ganha forma, sabendo que o iria abraçar com prontidão. Foram inúmeras as discussões, reflexões e conselhos que partilhou comigo, sem os quais este trabalho teria empobrecido. Ao Prof. Doutor Victor S. Gonçalves, meu orientador, e que desde o primeiro momento procurou incutir em mim uma perspetiva arqueológica abrangente, fruto da sua larga experiência relativa às realidades megalíticas (e ainda mais além). Também a sua abertura e perspicácia me levaram a questionar determinados temas e a reescrever frequentemente certas passagens, particularmente relacionadas com o universo sagrado e ideológico das comunidades neo-calcolíticas. Ao Museu Nacional de Arqueologia, na pessoa do seu diretor, o Doutor António Carvalho, que facilitou o acesso às coleções requisitadas e que tinha sempre uma palavra amiga e de incentivo. Estimo muito as discussões que tivemos sobre a condição da Reserva, um universo muito próprio. À Luísa Guerreiro, do inventário, pela partilha de informações relativas à Lapa da Galinha e de outras coleções que guarda na sua memória. Percorrer todo o corredor era, muitas vezes, uma escapatória bem-vinda. À Carmo, da biblioteca, que prontamente localizou a correspondência que pretendia consultar. À Lívia Coito que procurou os registos da Lapa da Galinha no arquivo fotográfico do MNA. Ao Museu Municipal de Santarém, na pessoa do Dr. António Matias, que me recebeu sem qualquer entrave e concedeu acesso às placas de xisto gravadas. Ao Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, na pessoa da Dr.ª Rita Gaspar, que facilitou com grande simpatia o registo da placa de xisto gravada. À Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, nas pessoas do Dr. Miguel Serra e da Dr.ª Ana Esteves, da Unidade de Ordenamento e Gestão do Território especializada em recursos naturais, que providenciou as informações altimétricas e da hidrografia relativa ao concelho de

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Alcanena à escala 1:10.000. É de louvar a política de partilha da cartografia digital a uma escala pormenorizada, contrastando com as práticas de certas instituições… À Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia, na pessoa do seu diretor, Pedro Souto, que visitou connosco a Gruta da Marmota e que nos facilitou o acesso aos materiais arqueológicos exumados pela referida associação em meados dos anos 80. Ao Marco Andrade por todas as indicações relativas aos espólios votivos do Centro e Sul do atual território português. Também pelo esclarecimento de algumas questões pontuais e pelas reflexões acerca dos contextos funerários em grutas naturais, levando, por vezes, a pequenas clivagens decorrentes de perspetivas distintas. Ao André Pereira pelos sucessivos episódios de empréstimos bibliográficos e em questões relacionadas com o desenho do mobiliário votivo. Ao Prof. Doutor Carlos Odriozola e José Ángel Garrido-Cordero pela análise e partilha de resultados dos adornos líticos e do machado tipo Cangas da Lapa da Galinha. A todos os membros que constituem o auto-intitulado grupo de trabalho Lonesome Mappers, sem os quais não teria sido possível realizar as plantas, alçados e cortes da Lapa da Galinha e da Gruta da Marmota. Obrigado pelo companheirismo, transmissão de conhecimentos e acompanhamento ao longo deste processo. Aos colegas e amigos, como o Pedro Caria e o Francisco Madeira Lopes, que me acompanham nesta jornada arqueológica desde que entrámos na FLUL em 2015. Também outros que, de uma forma ou outra, marcaram positivamente o meu percurso, em concreto, Alexandre Varanda, André Texugo, Gonçalo Bispo, Henrique Matias, Iris Dias, Liliana Teles e Luís Gomes. A todos os meus amigos, que sempre se interessaram pelo meu objetivo de estudo, em particular o fenómeno megalítico. O seu apoio e compreensão foi fundamental em períodos de cansaço acumulado. Por fim, à minha família que me acompanha desde o início. Aos meus pais, Isabel e Peter, que sempre me apoiaram e providenciaram todas as condições para que o meu trabalho atingisse o sucesso. Também por me ouvirem e orientarem no caminho que escolhi desde cedo, desempenhando um papel fundamental na minha dedicação à arqueologia. À minha irmã, Matilde, amiga de brincadeiras sem fim e a quem tirei tempo para acertar aspetos gráficos. Aos meus avós já partidos, Vitorina e José, que foram um pilar na minha formação e educação e a quem também devo muitos dos valores que regem os meus princípios. As memórias que partilhámos são fortes marcadores da minha conduta pessoal e profissional.

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RESUMO O presente trabalho tem por objetivo contribuir para a definição das práticas funerárias do 4º e 3º milénios a.n.e. no Maciço Calcário Estremenho, numa leitura realizada a partir da Lapa da Galinha, que constitui o caso de estudo. Esta cavidade cársica, intervencionada em 1908 por colaboradores do atual Museu Nacional de Arqueologia, onde se encontra em depósito a coleção arqueológica analisada, foi utilizada como espaço funerário durante o Neolítico e Calcolítico, constituindo um exemplo paradigmático do designado “Megalitismo de gruta” que caracteriza o âmbito geo-cultural em que está inserida. O abundante espólio votivo recolhido foi sumariamente apresentado em meados do século passado, correspondendo a cerca de 900 registos associados a um número mínimo 70 inumações, refletindo o evidente caráter coletivo das deposições funerárias realizadas no interior desta gruta-necrópole. Foi executado um estudo tecno-tipológico e das matérias-primas das várias categorias artefactuais identificadas, que, por sua vez, possibilitou a consolidação de uma proposta de utilização crono-cultural do sepulcro, balizada entre a segunda metade do 4º e o primeiro quartel do 3º milénio a.n.e. Ainda que a ausência de um contexto arqueológico bem definido seja incontornável, o estabelecimento de paralelos regionais e extra-regionais, fechados e bem compreendidos, providenciou um elevado grau de solidez ao modelo proposto, igualmente corroborado pela homogeneidade acentuada do conjunto votivo. A análise à escala micro da paisagem funerária que integra a Lapa da Galinha revelou-se um exercício fundamental para compreender a evolução das práticas e gestos funerários das comunidades neo-calcolíticas neste setor do Maciço Calcário, sendo, contudo, passível de ser aplicada a toda esta unidade geomorfológica. A riqueza interpretativa disponibilizada pelas diversas grutas naturais utilizadas como contentores funerários, que dominam o inventário dos sepulcros da região, constitui um fator determinante para a sua valorização no contexto do fenómeno megalítico, mas também dos subsistemas simbólicos que caracterizam o Sudoeste Peninsular. Nesse sentido, assume particular importância o destaque de determinados elementos votivos, cuja matéria-prima, mas principalmente a ideologia subjacente ao mobiliário votivo, indica a integração desta área geográfica nas redes de circulação e intercâmbio do 4º e 3º milénios a.n.e. Assim, e a partir da revitalização de dados antigos, pretendeu-se consagrar uma nova perspetiva sobre um território de potencial inequívoco.

Palavras-chave: 4º e 3º milénios a.n.e.; Neolítico e Calcolítico; Maciço Calcário Estremenho; Práticas funerárias; “Megalitismo de gruta”.

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ABSTRACT The objective of the present work is to contribute to the definition of the funerary practices of the 4th and 3rd millennia BCE in the Estremadura Limestone Massif, construed after the archaeological evidence provided by the funerary occupation at Lapa da Galinha (Alcanena). Excavated in 1908 by members of the current National Museum of Archaeology, this is a typical cavity with funerary use during the Neolithic and Chalcolithic local chrono-zones, being perceived as a paradigmatic example of the so called “ Megalithism” phenomenon which characterizes the geo-cultural scope where it is implanted. The extensive votive ensemble collected was summarily presented in the mid-20th century, corresponding to about 900 individual records associated with a minimum of 70 individuals. Thus, it reflects the evident collective nature of the burials performed therein. The techno-typological and raw material provenance analysis of the various artefactual categories identified allowed us to suggest a diachronic funerary use of this cave necropolis, between the second half of the 4th and the first quarter of the 3rd millennium BCE. Although the absence of a well-defined archaeological context is unavoidable, the establishment of regional and extra- regional parallels, sealed and well-understood, provided the necessary solidity to the proposed model, likewise corroborated by the significant homogeneity of the votive ensemble. The micro scale analysis of the funerary landscape surrounding Lapa da Galinha was a fundamental exercise to comprehend the evolution of the funerary gestures and practices that distinguish the Neolithic and Chalcolithic communities of this sector of the Estremadura Limestone Massif. However, it can be applied to this entire geomorphological unit. The interpretative capacity made available by the many natural that hold funerary depositions, which lead the sepulcher inventories of this region, is a determinant factor for its valorization within the Megalithic phenomenon and also the symbolic subsystems that define the Southwest of the Iberian Peninsula. In this sense, it is particularly important to highlight certain components of the votive sets, whose raw material, but mostly the underlying ideology, indicates the integration of this geographical area in the circulation and exchange networks of the 4th and 3rd millennia BCE. Thus, from the recovery of an old collection, we intended to open a new perspective on a territory with unambiguous potential.

Keywords: 4th and 3rd millennia BCE; Neolithic and Chalcolithic; Estremadura Limestone Massif; Funerary practices; “Cave Megalithism”

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Índice 1. Introdução ...... 10 1.1 Orientação teórica ...... 12 1.2 Espólio arqueológico: parâmetros de análise ...... 16 2. Enquadramento geográfico ...... 18 3. A Lapa da Galinha ...... 22 3.1 História das pesquisas ...... 22 3.2 O contexto funerário ...... 25 3.3 Mobiliário votivo ...... 28 3.3.1 Pedra Lascada ...... 28 3.3.2 Pedra polida ...... 52 3.3.3 Utensilagem em osso ...... 64 3.3.4 Adorno ...... 66 3.3.5 Cerâmica ...... 73 3.3.6 Artefactos e objetos votivos...... 81 3.3.7 Fauna malacológica ...... 90 3.4 Leitura geral do conjunto ...... 92 4. A Lapa da Galinha e os contextos sepulcrais nas faldas do Alviela ...... 94 4.1 Gruta dos Carrascos ...... 97 4.2 Algar do Barrão...... 100 4.3 Gruta da Marmota...... 101 4.4 Algar dos Casais da Mureta ...... 107 4.5 Anta da Fonte Moreira ...... 108 5. Contributo para a definição das práticas funerárias neolíticas e calcolíticas no MCE ...... 110 O “Megalitismo de gruta” ...... 110 5.1 Conceito e aplicabilidade ...... 111 5.2 O caso de estudo ...... 114 5.3 Um território dos mortos… ...... 134 6. Acender as luzes: as conclusões possíveis ...... 137 Bibliografia ...... 143

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Índice de anexos (vol. II)

Anexo 1. Lapa da Galinha

1.1 Documentação 1.2 Cartografia específica 1.3 Planta 1.4 Dados quantitativos 1.5 Critérios descritivos 1.6 Estampas 1.7 Fotografias de campo 1.8 Macro-fotografias

Anexo 2. Enquadramento

2.1 Planta MRO 2.2 Fotografias de campo MRO 2.3 Cronologia absoluta

Anexo 3. Fichas de sítio referentes aos sepulcros do Maciço Calcário Estremenho

Anexo 4. Base de dados de pedra lascada, pedra polida e cerâmica

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1. Introdução

“Probably no fact has meaning except within the context of a conceptual scheme” Kluckhon, 1940: p.47

Este trabalho constitui o culminar de um processo que teve início no âmbito do Seminário da licenciatura em Arqueologia. A escolha do abundante conjunto proveniente da Lapa da Galinha decorreu do potencial evidenciado pelo estudo pormenorizado das placas de xisto gravadas. O facto de nunca ter sido alvo de um estudo monográfico sistemático, apesar da diversidade artefactual que evidencia, constituiu igualmente um fator decisivo para a sua seleção. O mobiliário votivo desta gruta-necrópole apresenta-se em bom estado de conservação, potencializando a recuperação, mais ou menos fiável, da informação contextual, o que acabou por ser determinante para a proposta do faseamento de utilização do sepulcro. Ademais, afigurava-se necessário proceder à revisão das práticas funerárias do 4º e 3º milénios a.n.e. no Maciço Calcário Estremenho (doravante designado por MCE), essencialmente situadas no interior de cavidades cársicas, considerando a longevidade da pesquisa arqueológica neste território, que remonta ao início do séc. XX, e o caráter fragmentário da informação. A questão primária que guiou, desde o primeiro momento, o curso desta dissertação, foi relativa ao enquadramento crono-cultural da Lapa da Galinha, a partir do qual foi possível valorizar a região da Alta Estremadura no âmbito das práticas megalíticas do Sudoeste peninsular. Apesar da manifesta ausência de informação de proveniência e registo para o caso em estudo, que força uma abordagem artefactualista, o estudo de coleções arqueológicas antigas constitui uma mais-valia indubitável para a discussão de problemáticas locais e regionais, como ficou patente em projetos similares para a Península de Lisboa (Gonçalves, 2008; 2009; Boaventura, 2009). É evidente que o inquérito que se coloca a um conjunto artefactual deste tipo tem de ser necessariamente distinto das guias que comandam os projetos atuais. Mas nem por isso devem ser ignorados e desvalorizados. Limitados pela natureza das circunstâncias que levaram à sua exploração, adaptámos os nossos objetivos e procurámos definir um quadro detalhado da construção desta ampla paisagem funerária, integrada no Megalitismo. Ainda que grande parte do estudo esteja focado na componente material, procurámos realçar, sempre que possível, os aspetos da vertente simbólica e social caracterizadoras das comunidades neo- calcolíticas. O presente estudo encontra-se estruturado em seis capítulos que abordam questões específicas.

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O primeiro é dedicado aos métodos, conceitos e perspetivas teóricas que orientaram a sua realização. Apresenta-se a justificação e são definidos o âmbito e objetivos gerais do trabalho. Considera-se o enquadramento teórico fundamental para a compreensão do seu desenvolvimento e das posições assumidas referentes ao fenómeno megalítico. O segundo capítulo constitui uma avaliação do meio físico em que a Lapa da Galinha se insere, sendo fortemente marcado pela influência daquele que é o relevo montanhoso mais pujante da Alta Estremadura, o MCE. São compilados os dados geográficos, geológicos, geomorfológicos e culturais que certamente terão condicionado as escolhas das populações utilizadoras das cavidades cársicas. Reavemos também os dados paleoambientais disponíveis para esta região. Pretende-se aqui efetuar a definição da área de estudo e a caracterização da paisagem física em que estes espaços sepulcrais estão integrados. O terceiro capítulo foca-se exclusivamente na apreciação do contexto funerário da Lapa da Galinha. Este constitui o capítulo mais extenso do trabalho, abordando o historial das pesquisas, os aspetos complexos que resultaram na formação desta necrópole do 4º e 3º milénio a.n.e., e a análise do abundante mobiliário votivo desde várias perspetivas. Optou-se por aglomerar a apresentação e respetivos comentários ao espólio arqueológico em detrimento de o fazer separadamente, de forma a facilitar o seu confronto. Para todas as categorias artefactuais foram estabelecidos paralelos locais, regionais e até extra-peninsulares, cruzando informações efetuadas em várias tipologias sepulcrais associadas ao Megalitismo. Ao mesmo tempo, procurámos identificar e destacar singularidades que integrassem este caso de estudo nas amplas redes de circulação de gentes, bens e ideias em funcionamento durante o Neolítico e Calcolítico. Desta forma, pretendemos reconhecer os gestos técnicos que levaram à produção de artefactos, mas também a presença de marcas de utilização, particularmente relevantes para avaliar o efetivo caráter votivo – e, portanto, não utilitário – de determinados componentes. Sempre que possível, procurámos realizar uma leitura macroscópica das matérias-primas. Enfim, avançamos com uma proposta de faseamento para a utilização funerária desta gruta. O quarto capítulo consiste, essencialmente, na análise do fenómeno megalítico à escala local correspondente ao concelho de Alcanena, o qual integra a Lapa da Galinha, outros quatro contextos cársicos com ocupações funerárias e também um monumento ortostático. Apresentam-se as características morfológicas dos distintos sepulcros, os indícios relativos aos gestos funerários, as datações absolutas disponíveis e o mobiliário votivo recuperado. O objetivo de apresentar e discutir este caso de estudo pretendeu caracterizar a variabilidade das práticas funerárias que compõem uma paisagem funerária arqueologicamente bem definida e, ao mesmo tempo, sustentar uma perspetiva super-estrutural relativa ao Megalitismo. Propõe-se os fundamentos para a conceção de um cluster sepulcral.

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O quinto capítulo corresponde ao nosso contributo para a definição das práticas funerárias do 4º e 3º milénios a.n.e. no Maciço, indissociáveis do “Megalitismo de gruta”. A multiplicidade e diversidade de sepulcros desta região assume um papel fundamental no debate relativo à evolução das práticas funerárias no Centro e Sul de , nomeadamente no que concerne a transição de práticas mortuárias individuais para coletivas. Mesmo os dados disponíveis para momentos mais avançados do 3º milénio a.n.e. devem ser valorizados. Por outro lado, regista- se uma efetiva ausência dos espaços habitacionais dos utilizadores destes sepulcros, pelo que se torna difícil estabelecer uma relação com as necrópoles megalíticas. O sexto e último capítulo trata das conclusões possíveis. Resgatam-se as ideias principais deste trabalho e enunciam-se perspetivas para o futuro, esperando que se tenha contribuído para o conhecimento do fenómeno megalítico numa área que é muitas vezes marginalizada. 1.1 Orientação teórica

Antes de nos alargarmos pelas problemáticas inerentes ao Megalitismo funerário, cremos ser necessária uma breve exposição relativa à nossa perspetiva teórica. Sendo este um tema largamente tratado pela investigação pré-histórica europeia, e, portanto, com uma literatura bem consolidada, as grandes leituras e interpretações que têm vindo a ser feitas acerca da sua natureza, génese, dispersão e regionalismos devem ser devidamente enquadradas nas abordagens teóricas e metodológicas que lhes deram origem. Evidentemente, enquanto fruto de um contexto político, social, económico e cultural que não é o de hoje, só podem ser lidas em perspetiva e com a distância apropriada, correndo o risco de negligenciar um dos princípios básicos do pensamento histórico e arqueológico. Este não será o âmbito indicado para enumerar e descrever as diversas linhas de pensamento que se debruçaram sobre o Megalitismo peninsular, tendo este exercício sido realizado recentemente e de forma muito completa (cf. Linares Catela, 2017), compilando anteriores propostas (Leisner e Leisner, 1951; Silva, 1987; Gonçalves, 1992; 2003a; Rocha 2005; Boaventura, 2009). Aquele autor, dedicando-se de forma mais incisiva às edificações megalíticas – mas sem esquecer a notoriedade dos contentores funerários naturais e a sua inserção na alçada das práticas funerárias megalíticas – advoga uma grande capacidade concetual e técnica das comunidades neo-calcolíticas, por vezes subvalorizada, até mesmo ignorada, por determinados setores da investigação megalítica (Linares Catela, 2017: p.122). A importância deste skill set está bem patente na composição e organização complexa das paisagens simbólicas e funerárias que estudamos arqueologicamente, e que apenas poderão ser compreendidas como consequência de um planeamento sólido, ainda que difícil de definir. Estes são amplos espaços que reproduzem os programas ideológicos perfilhados pelas comunidades

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construtoras e utilizadoras das arquiteturas funerárias megalíticas (Richards, 1996). O próprio conceito de complexidade reconhecido à escala micro, do sepulcro, que obriga a reflexões profundas, é testemunho da sofisticação e qualidades cognitivas indissociáveis destas comunidades. A visão de inferioridade, e principalmente de uma lógica simples, perante os construtores e utilizadores de sepulcros megalíticos não pode fazer parte do discurso arqueológico contemporâneo (Laporte, 2016). As arquiteturas funerárias megalíticas são veiculadoras de significados simbólicos complexos, correspondendo, com probabilidade, à justaposição de vários desígnios. Verifica-se uma associação direta entre a origem do Megalitismo e a consolidação de um culto aos antepassados, através da criação de verdadeiros polos rituais durante o Neolítico (Bradley, 1998). A presença dos restos osteológicos dos antepassados no interior dos sepulcros megalíticos atua como um elemento fixador de uma comunidade num determinado território, estabelecendo fortes ligações com este por intermédio de uma morada final para os mortos. Trata-se, portanto, de uma estratégia de apropriação do território no âmbito do processo de consolidação das primeiras sociedades camponesas, garantida pelo acesso contínuo aos sepulcros no âmbito dos rituais vigentes e de novas deposições funerárias (Sherrat, 1990; 1995). No caso das grutas naturais, que são aproveitadas para cumprirem a sua função como contentor de deposições funerárias, não é necessário investir numa estrutura de acesso, mas essa preocupação está bem marcada na generalidade das outras arquiteturas megalíticas. É precisamente a utilização prolongada dos sepulcros, sistematicamente visitados pelas comunidades neo-calcolíticas, que faz destas necrópoles verdadeiros recetáculos de memória, dos quais é indissociável uma elevada carga simbólica. Recentemente, tem-se defendido a necessidade de estabelecer novos quadros concetuais relativos às biografias complexas dos sepulcros megalíticos, que não devem centrar-se num momento concreto, primário e definitivo, mas englobar toda a história de transformações, abandonos, reutilizações e apropriações que caracterizam a sua vida (Díaz-Guardamino et al, 2015). Por outro lado, e sendo os sepulcros megalíticos peninsulares, por definição, de caráter coletivo, a deposição contínua de indivíduos obriga a uma gestão do espaço interno dos sepulcros - as ditas câmaras funerárias - quase permanente, de forma a acomodar os próximos episódios de deposições funerárias. Quando o depósito funerário não está constrangido pelos limites naturais das grutas, encontra-se constrangido pelos limites das estruturas construídas. Mesmo em cavidades com amplas salas e monumentos de grandes dimensões, verifica-se uma sistemática manipulação e remobilização dos restos osteológicos, cimentando o domínio – ou o processo de domesticação – sobre os mortos (Diniz, 2000). A execução destes gestos funerários, ou seja, a manipulação intencional dos restos dos indivíduos depositados, dá origem à natureza

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secundária que caracteriza muitos dos sepulcros megalíticos – assim como a novas conceções arquitetónicas. Esta é uma nova forma de entender a morte, que rompe com o paradigma anterior, e que é fruto de um novo modelo de organização social, em que os conceitos de família e do grupo se sobrepõem ao conceito do indivíduo, iniciando o processo de coletivização da morte. É evidente que esta mudança na conceção da esfera da morte presume um novo conjunto de práticas funerárias, símbolos e rituais relacionados com a morte (Gallay, 2006: p.85- 6). As deposições sucessivas de indivíduos, formando intervalos de tempo mais ou menos espaçados, dão origem a contextos muito variáveis e complexos (Leclerc, 1999), oscilando entre uma dezena de indivíduos e várias centenas, estando representados indivíduos de ambos os sexos e de várias faixas etárias. Presentemente, a informação referente ao universo funerário megalítico no contexto europeu é absolutamente avassaladora. A diversidade na tipologia de sepulcros, as práticas funerárias que estes contêm, as suas funcionalidades e o respetivo enquadramento crono- cultural são elementos fundamentais que variam consideravelmente consoante a região analisada. O caso de estudo composto pela Península Ibérica é exemplar nesse sentido, conferindo ao Megalitismo a sua natureza arrítmica e não-linear. Consequentemente, não podemos deixar de considerar a existência de vários “Megalitismos”, com as suas expressões e âmbitos cronológicos muito próprios (Guilaine, 1999; Laporte et al, 2011). Não sendo adeptos fervorosos do regionalismo, que muitas vezes organiza a informação em caixas rigidamente fechadas, valorizamos a compreensão exaustiva dos contextos locais e regionais, correlacionando os aspetos da morte com os da sociedade. Apenas uma base sólida, obtida através de metodologias abrangentes e bem fundamentadas, permitirá a associação dos muitos aspetos comuns que ainda vão dando sentido à utilização do termo Megalitismo. Trata-se de compreender a biografia dos sepulcros, a sua cronologia, a natureza da ocupação e organização do espaço funerário à escala local e regional, sem as quais não é possível produzir uma síntese de amplo espectro. Da mesma forma que o Megalitismo ocorre em diferentes contentores, as práticas funerárias observadas no registo arqueológico são específicas de cada região, reforçando o sentido diacrónico que o caracteriza e a necessidade de interpretar cada caso singularmente. Chapman (1999: 124) refere que a aplicação de modelos teóricos genéricos não implica um descuido na compreensão das sequências regionais de mudança específicas. Acrescenta ainda que a interpretação do fenómeno megalítico não poderá nunca ser reduzida a uma única explicação, ignorando a variabilidade dos contextos, e por consequência dos sistemas socioculturais, em cada região que regista a presença de arquiteturas funerárias megalíticas. O próprio enquadramento teórico que produz o inquérito do curso da investigação deve partir do

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princípio da efemeridade dos modelos genéricos, que estão em constante transformação. Também Hodder (1999) alerta para o perigo da generalização do significado dos monumentos megalíticos: os sepulcros demonstram certamente um grau de coesão no conteúdo que lhes deu origem, cumprindo a sua função enquanto instrumento para lidar – figurativa e literalmente – com os mortos; no entanto, não podemos deixar de refletir acerca dos preceitos funerários vigentes à escala local – diferentes circunstâncias resultam em diferentes soluções. “It may be the case that initially the tombs held more closely to a common idea, but that gradually differences of interpretations came to be felt” (Hodder, 1999: p.35). No fundo, o conceito de especificidades, culturais e cronológicas, é essencial para o estudo das realidades megalíticas. A nível europeu, o fenómeno Megalítico é caracterizado por uma grande densidade e variedade de sepulcros. No âmbito geográfico da Península Ibérica, a coletivização da morte materializou-se em diferentes arquiteturas megalíticas, construídas e naturais, durante o 4º e 3º milénio a.n.e.: antas, tholoi, hipogeus, fossas, fossos, grutas naturais, abrigos sob rocha e, inclusive, habitats. Os elementos comuns que ocorrem nos depósitos funerários das diferentes áreas que compõem esta vasta região, como é o caso de certos componentes construtivos ou da organização espacial interna dos sepulcros, revelam um entendimento partilhado relativo à ideia da morte, consubstanciada no Megalitismo. Cada vez mais é necessário ultrapassar as barreiras impostas por uma linha de investigação datada, procurando identificar e integrar devidamente os comportamentos megalíticos patentes no registo arqueológico. Assim, e na senda do que tem sido defendido por um grupo específico de investigadores, entende-se o Megalitismo como um “(…) complexo conjunto de prescrições mágico-religiosas relacionadas com a morte, e não apenas, redutoramente, como um tipo de arquitetura (...)” (Gonçalves, 1978a; 1978b; 2003a: p.38). Grosso modo, estes espaços da morte coexistem cronologicamente no mesmo território. Deste ponto de vista, um dos elementos fundamentais do Megalitismo é, de facto, a coletivização da morte, particularmente evidente em depósitos funerários que chegam a acumular centenas de indivíduos, geralmente já numa fase de apogeu deste fenómeno. Mais do que a tipologia do sepulcro, a originalidade do Megalitismo do atual território português reside no seu “recheio” (Gonçalves, 1992: p.173). Para além das arquiteturas funerárias e do processo de coletivização da morte, a dimensão representada pelo material de acompanhamento, que constitui o objeto de estudo deste trabalho, é fundamental para compreender a utilização dos sepulcros megalíticos. De tal forma que estão documentadas as mesmas práticas funerárias, em concreto a utilização de ocre vermelho, e o mesmo espólio votivo, perfazendo associações simbólicas “clássicas”, em diferentes tipologias de sepulcros. Com exceção de alguns elementos materiais mais típicos de determinadas regiões, e até de algumas arquiteturas megalíticas, se optássemos por misturar o

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espólio arqueológico de duas arquiteturas megalíticas, por exemplo de uma anta e de uma gruta natural, seria incrivelmente difícil discriminar a sua origem: “Which means that they belonged to a common magical-religious complex, or to the same populations” (Gonçalves, 2006: p. 509). A análise do mobiliário votivo, imbuído de um propósito simbólico, atesta um conjunto de práticas profundamente complexas, cultuais e sociais, permitindo identificar os vários episódios de utilização que compõem o registo arqueológico destas necrópoles, assim como aspetos relacionados com a comunidade aí depositada (Sohn, 2008). Especialmente em sepulcros sem mortos, como é o caso da Galinha, mas também de grande parte das arquiteturas funerárias da metade Sul do atual território português, o conjunto votivo é o elemento mais consistente para a caracterização das atividades que tiveram lugar no seu interior. Em suma, ao longo deste trabalho renunciamos a um sentido estrito do fenómeno megalítico e abraçamos uma dimensão bastante mais ampla do mesmo. “O Megalitismo não é um tema obsoleto, mas inovador, em que ainda há muito que fazer” (Laporte et al, 2011; tradução a partir do original), desde que se inicie com uma abordagem metodologicamente sólida.

1.2 Espólio arqueológico: parâmetros de análise

O mobiliário votivo da Lapa da Galinha foi analisado exaustivamente, segundo critérios definidos por diversos autores de referência para esta cronologia e temática específica. Assim, foram reconhecidas as seguintes categorias artefactuais:

1) Pedra lascada 2) Pedra polida 3) Utensílios em osso 4) Artefactos de adorno pessoal 5) Recipientes cerâmicos 6) Artefactos ideotécnicos ou relacionados com o sagrado

A indústria de pedra lascada foi genericamente classificada segundo os critérios clássicos de Inizan et al (1995). De forma mais concreta, esta foi dividida em quatro sub-categorias: suportes alongados, armaduras geométricas, pontas de seta e grandes pontas bifaciais. Os aspetos tecnológicos e morfológicos das lâminas e lamelas seguiram a proposta de Carvalho (1998a) e Sousa (2010). Os geométricos foram descritos segundo os trabalhos de Gonçalves (2009) e Mataloto et al (2016-17). A classificação dos foliáceos bifaciais foi efetuada com base no trabalho de Forenbaher (1999), baseado essencialmente na morfologia da base e dos bordos

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destes artefactos. Os índices de alongamento (Comprimento/Largura) e espessura (Comprimento/Espessura) relativos aos sub-produtos bifaciais foram baseados na obra de Gonçalves (1989a). A análise dos componentes de pedra polida, essencialmente composta por machados, enxós e goivas, foi realizada com base nos parâmetros descritivos desenvolvidos por Gonçalves (1989a), Valera (1997) e Sousa (2010), ainda que se tenha acrescentado um outro critério, desenvolvido num momento posterior, designado como “golpe de enxó” e respetiva simetria (Gonçalves, 2009). Os índices de alongamento e espessamento destas peças mostraram-se fundamentais no esclarecimento de algumas dúvidas relativas à sua classificação tipológica, essencialmente decorrentes da simetria (ou não) do bisel. Para a indústria sobre osso recorreu-se aos parâmetros descritivos de trabalhos que analisaram abundantes conjuntos de utensilagem óssea, da autoria de Pascual Benito (1998), Cardoso (2003a) e Salvado (2004). A classificação dos elementos de adorno pessoal, incluindo os elementos de colar, alfinete de cabelo e presas de suídeo não trabalhadas, seguiu as propostas de Pascual Benito (1998) e Villalobos García et al (2018). A análise não destrutiva das matérias-primas dos elementos de adorno líticos, realizada no âmbito do projeto “Nuevas Tecnologías Aplicadas al Estudio de la Movilidad e Intercambio: Cuentas Verdes y Cerámica Decorada con Rellenos Blancos del VI al II Milenio Ane en la Península Ibérica desde una Perspectiva Multidisciplinar” (HAR2012-34620), de que é responsável Carlos Odriozola (Universidade de Sevilha), foi feita com base nas percentagens atómicas da composição química por XRF. Relativamente aos recipientes cerâmicos, estes foram analisados segundo as suas características tecno-tipológicas. Tendo em conta a ausência de quadros tipológicos detalhadamente definidos para contextos funerários neo-calcolíticos, foram selecionados os critérios descritos em Silva e Soares (1976-77), Séronie-Vivien (1975), Gonçalves, (1989a; 2009) e Sousa (2010). A descrição das placas de xisto gravadas, e também das placas de grés, foi realizada com base nos pressupostos metodológicos do projeto “PLACA NOSTRA”, expressas em detalhe por Gonçalves (2004a). De forma a determinar as características petrográficas das diversas matérias-primas, essencialmente dos artefactos de pedra lascada e polida, mas também das pastas cerâmicas, executámos uma análise macroscópica com recurso a um estereomicroscópio binocular Leica MZ6 (45 aumentos). Esta análise procurou estabelecer potenciais fontes de aprovisionamento com base na informação disponível na Carta Geológica de Portugal (1:500000). As macrofotografias foram obtidas com um Levenhuk DTX 50 Digital Microscope (50 aumentos).

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A classificação dos escassos restos osteológicos presentes no MNA foi realizada com o auxílio de Raquel Granja. A identificação das espécies de moluscos presentes nesta coleção foi executada com base no manual de referência de Saldanha (2003) e sob supervisão de Cleia Detry.

2. Enquadramento geográfico

“(…) the landscape is the world as it is known to those who dwell therein, who inhabit its places and journey along the paths connecting them. It is not, then, identical to what we might otherwise call the environment?” Ingold, 1993: p.156

A Lapa da Galinha, sítio arqueológico com o Código Nacional de Sítio (CNS) 12612, está situada no lugar do Casal da Pedra, união das de Vila Moreira e Alcanena, concelho de Alcanena, distrito de Santarém. Situa-se na folha nº 329 da Carta Militar de Portugal (esc. 1:25000) nas seguintes coordenadas geográficas (datum WGS84): Latitude (N): 39º28´36.92´´; Longitude (W): 08º40´55.67´´ (Mapa 3). Ou, em coordenadas UTM: 29S 527339.23 mE, 4369751.65 mN. Situada a meia encosta (132m), a gruta abre-se para uma paisagem que domina a atual povoação de Vila Moreira. Integrada na folha 27C da Carta Geológica de Portugal (esc. 1:50000), posiciona-se nos calcários do Miocénico Superior- calcários de Santarém e Almoster (Mapa 4) - perto de uma estreita franja de arenitos do Aptiano-Albiano a Cenomaniano - arenitos de Amiais- e de grés e calcários do Eocénico a Oligocénico inferior - grés de Monsanto e calcários de Alcanede (Manuppella et al, 2006). No contexto mais amplo da geologia do Maciço, com cerca de 900km2, afloram as formações calcárias do Jurássico Médio e Superior, com uma litostratigrafia bem definida, que têm sido sistematicamente exploradas para fins comerciais, integrados em pavimentos e revestimentos exteriores. Este mundo do calcário nu confere ao MCE um sentido de unidade bastante singular. Está localizada no setor Sudeste do Arrife, já na orla da Serra de Aire. O Arrife, acidente geográfico bem marcado na paisagem da região, corresponde a uma escarpa de falha, de perfil linear (NE-SW), que margina o MCE. Estende-se “(…) ao longo de cerca 40 km entre e e que marca o contacto tectónico de cavalgamento para Este, entre o Maciço Calcário Estremenho e a Bacia Terciária do Tejo” (Matias, 2012: p.95). Ainda que se conheçam sítios no interior do Maciço e nas bacias de drenagem adjacentes, verifica-se uma tendência para a concentração de ocorrências neo-calcolíticas ao longo da faixa do Arrife, que atua como uma zona de ecótono ao potencializar distintas áreas de atividades económicas (Carvalho e Gibaja,

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2005: p.374). A Norte domina o ambiente serrano, propício à pastorícia e à caça, esta última representada de forma evidente no conjunto faunístico da camada Db da Pena d’Água, com o predomínio de Cervus elaphus (Carvalho, 2016a: 220). A Sul e Leste do Arrife encontram-se os suaves relevos da Bacia do Tejo, caracterizados pela baixa altitude, pequenas colinas e planícies aluviais, favoráveis às práticas agrícolas, mas também de recoleção. Porém, os locais de povoamento dos utilizadores destas necrópoles são praticamente desconhecidos e não sugerem um caráter permanente. Ao mesmo tempo, a implantação geográfica neste setor do Arrife é também privilegiada pela posição relativa às possíveis “rotas” de circulação das matérias-primas siliciosas provenientes de Ourém e Rio Maior, mas também da zona de Tomar (Matias e Neves, 2017). Diga-se, a esta respeito, que a nossa análise macroscópica das matérias-primas do conjunto lítico talhado confirmou a presença de material proveniente daquelas áreas de aprovisionamento. Daqui, poderiam, pois, ser encaminhadas para a margem esquerda do Tejo, cujo paleo-estuário seria essencial na ligação entre o litoral e o interior, possivelmente através da zona da Golegã, onde a travessia estaria facilitada (Vis et al, 2008). Seria interessante determinar a viabilidade destas “rotas” através da análise de least cost paths com recurso a ferramentas SIG, mesmo admitindo o grau relativo de algumas variáveis. A Lapa da Galinha, enquanto espaço funerário que integra um mundo de crenças e rituais de uma amplitude que ainda não compreendemos na sua plenitude, não pode deixar de ser analisada no contexto próprio e bem distinto do MCE. Situado no setor Norte da Estremadura portuguesa, a cerca de 90 km Norte de Lisboa e 20 km do Oceano Atlântico, esta unidade geográfica e geomorfológica deve ser entendida como o conjunto de relevos mais pujante da região em que se insere. O Maciço foi, e continua a ser, um elemento estruturador do território e, consequentemente, da sua ocupação. Com a exceção da Serra de Sintra, um Maciço eruptivo do Cretácico Superior, a Estremadura é caracterizada geologicamente pelos Maciços Calcários do Jurássico e do Cretácico, desde Sicó até à Arrábida, naquela que é uma organização Norte-Sul. Estes compõem, sem dúvida, “o principal traço da Estremadura (…) onde se encontram belos exemplos de todas as formas cársicas” (Ribeiro, 1986: p.153). A cadeia montanhosa descontínua de Montejunto-Candeeiros-Estrela constitui uma das mais importantes barreiras climáticas do atual território continental português, dividindo o país em duas fácies: a Norte, o Atlântico, e a Sul, o Mediterrâneo (Mora e Vieira, 2020: p.21). O primeiro com mais precipitação e temperaturas relativamente amenas e o segundo, de influência continental, mais árido e com amplitudes térmicas significativas. Por outro lado, marcam também o contraste do Norte montanhoso e do Sul das planícies e colinas, com pequenos relevos montanhosos isolados e bem delimitados. Segundo a Carta Ecológica de

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Portugal de 1984 (esc: 1:1000000), preparada pelo engenheiro J. de Pina Manique e Albuquerque, grande parte do MCE insere-se presentemente na zona ecológica mediterrâneo- atlântica/atlante-mediterrânea caracterizada por uma silva climática composta por Castanea sativa (castanheira), Juniperus oxycedrus (zimbro vermelho), Myrica faya (samouco), Olea europaea sylvestris (zambujeiro), Pinus pinaster (pinheiro bravo), Pinus pinea (pinheiro manso) Quercus faginea (carvalho lusitano) e Quercus suber (sobreiro). A arquitetura do MCE resulta essencialmente de vários processos tectónicos. As principais unidades geomorfológicas que se podem distinguir são: a Serra dos Candeeiros (610m), que constitui o limite ocidental do Maciço, o Planalto de Santo António (>350m), provavelmente uma das áreas mais regulares da região e também mais ricas em fenómenos cársicos, e a Serra de Aire (677m), que constitui o limite oriental do Maciço e que contacta com a Bacia Terciária do Tejo. Estes são separados, respetivamente, pelas depressões de perfil linear da Mendiga (NNW-SSW) e de Minde-Alvados (NW-SE) (A. F. Martins, 1949; Rodrigues, 2020). Genericamente, assume uma morfologia de tendência triangular. A partir da periferia, qualquer observador notará o levantamento brusco da região alta, nalgumas zonas quase vertical e noutras com um declive menos pronunciado, mas ainda assim bem marcado. Isto é particularmente visível quando se realiza a travessia Lisboa-Porto pela A1. O ilustre geógrafo O. Ribeiro define uma unidade territorial da seguinte forma: “(…) Uma região geográfica caracteriza-se por certa identidade de aspetos comuns a toda ela. Não apenas as condições gerais de clima e posição, mas ainda as particularidades da natureza e do relevo do solo, o manto vegetal e as marcas da presença humana, nos darão o sentimento de não sairmos da mesma terra” (Ribeiro, 1986: p. 140). No caso concreto do MCE, a sua individualização deve- se à obra de A. F. Martins (1949), que, apesar de datada, mantém toda a atualidade das principais conclusões e atributos desta unidade geomorfológica. Aquele autor defendeu uma designação única, o MCE, que traduzisse os dois traços principais daquela região: de um lado, a partilha de características morfológicas e topográficas já enunciadas; de outro, a ausência generalizada de cursos de água subaéreos (A. F. Martins, 1949: p.15). Esta escassez de água é de tal forma notória, que estão documentadas estratégias de captação de águas pluviais durante grande parte do séc. XX, nomeadamente sobre a forma de cisternas privadas ou comunitárias e, inclusive, de fendas abertas nos calcários (A. F. Martins, 1949: p.39). A própria ação de abrir estas cisternas terá resultado na identificação de diversas formas cársicas do Maciço com interesse arqueológico, como foi o caso do Lugar do Canto, em Alcanede, que aliás constitui uma estação de referência para o estudo das primeiras manifestações megalíticas na Alta Estremadura (Leitão et al, 1987: p.39).

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Do ponto de vista geomorfológico, e com especial interesse para a arqueologia, importa compreender aquele que é um dos elementos fundamentais que caracteriza o MCE: a formação das inúmeras formas cársicas subterrâneas que surgem por todo este território e que derivam da densa rede hidrográfica que corta o substrato geológico, dando origem às várias nascentes que se conhecem nas bases das escarpas – como o Arrife - destacando-se a do rio , mas também a do rio Alviela, conhecida localmente como “olhos de água”. Esta última é uma das nascentes mais importantes do sistema aquífero do Maciço, drenando a quase totalidade das águas provenientes do Planalto de Santo António, que apresenta um declive genérico para Sul. Assim, a “(…) quase total ausência de drenagem superficial, resultado da "permeabilidade em grande" das rochas calcárias que, conjuntamente com a sua solubilidade, permitiu o desenvolvimento de fenómenos de carsificação e, consequentemente, de uma morfologia cársica bem característica (…)” (Leal, 2014: p.31). Quer ocorram à superfície, quer no subsolo, estes fenómenos estão amplamente representados sobre a forma de lapiás, dolinas, poljes, uvalas, grutas e algares (para uma diferenciação dos vários termos cársicos cf. Rodrigues et al, 2007). As análises paleoambientais pretendem reconstituir a dinâmica dos ecossistemas do passado, privilegiando espécies animais e vegetais, através das quais são capazes de providenciar importantes elementos relativos à paisagem em que as comunidades pré- históricas que estudamos subsistiam (Queiroz e Mateus, 2004). No que toca ao MCE, estes dados são escassos e encontram-se dispersos, pelo que carecemos de um quadro verdadeiramente representativo do Holoceno neste território. Desta forma, o cenário paisagístico disponível para as comunidades neo-calcolíticas do Maciço continua a ser caracterizado pelas evidências recolhidas no Abrigo da Pena d’Água e na Lapa do Picareiro, situados no setor da Serra de Aire, que constitui o foco principal desta dissertação (Carvalho, 1998b; 2007: p.68). Os dados da Pena d’Água, o ponto de povoamento mais bem caracterizado para toda esta área, são particularmente relevantes, sobrepondo-se cronologicamente ao âmbito de utilização da Lapa da Galinha – partilhando, ao mesmo tempo, o intervalo altimétrico em que se situam: durante o Neolítico antigo, a cobertura vegetal é claramente dominada por Olea europaea sylvestris (zambujeiro) e, minoritariamente, por Quercus suber (sobreiro); a partir do Neolítico médio, e apesar do zambujeiro continuar a dominar o conjunto analisado, verifica-se uma maior diversidade taxonómica (com destaque para os elementos de mato) decorrente de um impacto mais notório da atividade humana, que se acentua nas fases de ocupação posteriores (Figueiral, 1998). Acompanha, de certo modo, o processo de consolidação das comunidades agro-pastoris. É, portanto, uma vegetação esclerófila, adaptada a longos períodos

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de aridez que caracterizam o Holoceno Médio (8000-3000 BP), excluindo os pinheiros, porventura restritos a cotas mais elevadas, estando presentes na Lapa do Picareiro (Carvalho, 2007: p.69). Os dados obtidos são suficientes para a realização de um diagnóstico da paisagem vegetal, ainda que fosse desejável uma amostra mais robusta.

3. A Lapa da Galinha “Dead Archeology is the driest dust that blows.”

Sir Mortimer Wheeler, Archaeology from the Earth 3.1 História das pesquisas

A Lapa da Galinha foi intervencionada no ano de 1908, na sequência dos trabalhos efetuados numa outra necrópole situada nas imediações, a Gruta dos Carrascos (Pereira, 1908). José de Almeida Carvalhais (1854-1919), funcionário do então Museu Etnológico Português, atuou como líder da intervenção, sobre a vigilância atenta de Félix Alves Pereira (1865-1936), oficial conservador daquela instituição (Sá, 1959). Numa tentativa de reconstruir o tempo envolvido na exploração da Lapa da Galinha, e com o objetivo de compreender o que terá pautado a ordem dos trabalhos, analisámos a correspondência de Félix Alves Pereira para José Leite Vasconcellos (1858-1941), o Diretor do Museu, entre os meados de Fevereiro de 1908 e o início do mesmo mês de 1909 (Fig. 5). Em anexo, apresentam-se as transcrições efetuadas. Teria sido interessante analisar as missivas em sentido inverso, mas o seu paradeiro atual é desconhecido. Consultámos igualmente publicações periódicas locais, referentes ao ano de 1908, na esperança de identificar uma qualquer notícia que referisse as ditas intervenções na região de . Estas tiveram certamente um impacto na comunidade local, mas infelizmente não identificámos qualquer testemunho que apontasse nesse sentido. A figura de proa dos trabalhos efetuados, Félix Alves Pereira, é um personagem de grande interesse para a História da Arqueologia em Portugal. Entre os seus deveres políticos e o trabalho do Museu privilegiou sempre o último, pautando a sua conduta arqueológica por um extenso role de trabalhos de campo, contactos com as populações e publicações sumárias relativamente frequentes. Uma destas constitui a pequena nota que dedicou aos Carrascos e à Galinha (Pereira, 1908). Prometia um estudo mais aprofundado destas campanhas, o que nunca se veio a concretizar. Verdadeiramente impressionante e ilustrativa do que foi a intervenção arqueológica realizada nesta gruta, é a fotografia já sobejamente divulgada (Fabião, 2011; Gonçalves et al, 2014) e por nós reproduzida (Fig. 7), onde podemos observar um acesso direto ao que foi considerado uma “(…) exploração trabalhosíssima” (Pereira, 1908), que, por sua vez, tivemos

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oportunidade de comprovar empiricamente em visita à cavidade. O interior da gruta apresenta um solo bastante irregular, o que dificultaria certamente a retirada do sedimento escavado. De forma a combater esta dificuldade, foi construído um sistema de carris precisamente para facilitar o seu transporte. A extração do dito sedimento para o exterior poderia então ser feita pela entrada original- não sem dificuldade óbvia, devido às suas pequenas dimensões- ou pela “claraboia” aberta pelo desabamento do teto da gruta, com recurso a algum dispositivo que içasse o material arqueológico. Outro aspeto notável desta fotografia é a presença de um indivíduo, em primeiro plano, que se encontra a desenhar, atestando com elevado grau de fiabilidade, a existência de um qualquer registo que hoje se encontra perdido- provavelmente erroneamente arquivado. A leitura do epistolário permite-nos identificar este indivíduo como sendo Guilherme Gameiro, distinto desenhador do Museu Etnológico Português no período em questão, e que, aliás, participou ativamente em diversas intervenções deste género. Em suma, destacaríamos a consciência precoce da importância da salvaguarda pelo registo. É, sem dúvida, um olhar para um passado de práticas arqueológicas não muito distantes, daquelas que somos herdeiros. Neste contexto merece especial comentário a identificação de uma cativante peça jornalística datada de 1909, com importância direta para a perceção da Arqueologia em Portugal no início do séc. XX. No número 174 da Illustração Portugueza a exploração da Galinha, comentada por Almeida Carvalhais, adquire uma posição central (Torres, 1909). A imagem romântica, de uma exploração cavernícola à luz de lâmpadas de acetileno, velas e pequenas lanternas muito contribui para o seu destaque (Fig. 6). Este é um trabalho profusamente ilustrado com fotografias e que se assume como testemunho fundamental para confirmar a qualidade do trabalho então realizado. Desde logo, realçamos a presença de quatro crivos, com malhas grossas e finas, à boca da gruta. Estes seriam acionados de forma sequencial por um grupo de um homem e três mulheres. Outro aspeto que foi possível confirmar, através de registo fotográfico, foi o da construção de um sistema de elevação para a extração dos sedimentos para o exterior da gruta. Acrescente-se que as pranchas de madeira visíveis na fotografia anteriormente mencionada tinham um impressionante comprimento de 15m. Por fim, chamaríamos a atenção para um pequeno apontamento relativo aos registos antropológicos: “(…) os crânios estavam muito fragmentados, os ossos muito descompostos, desfazendo-se ao menor contacto dos instrumentos” (Torres, 1909: p.794). A par desta aparente má conservação dos restos humanos, um dos poucos registos que sobrevive ainda hoje no MNA evidencia a aplicação de uma qualquer solução que pretendia consolidar os ossos, refletindo a preocupação dos escavadores.

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Contudo, esta aparente condição dos restos humanos não tem correspondência no restante mobiliário votivo, que se encontra bem preservado. Volvidos 50 anos da sua exploração, a Lapa da Galinha voltará a ser revisitada por ocasião do 1º Congresso Nacional de Arqueologia em homenagem ao Doutor José de Leite Vasconcellos, organizado por Manuel Heleno, que teve lugar em Dezembro de 1958 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Maria de Sá, que então se iniciava publicamente à temática arqueológica, protagonizou um contributo próprio do seu tempo (Sá, 1959). Contudo, face a outros trabalhos que se desenvolviam simultaneamente, podemos dizer que este é um documento genérico com descrições bastante sumárias do mobiliário votivo depositado no MNA e das placas de xisto gravadas do Museu de Santarém e do Museu do Porto. Não há uma verdadeira tentativa de interpretação do registo arqueológico, ainda que se note uma preocupação da autora em estabelecer uma cronologia relativa da ocupação funerária da cavidade. Visto ser o contributo mais amplo referente à Lapa da Galinha, e apesar dos problemas associados a um fraco testemunho, o trabalho é recorrentemente citado por diversos investigadores na hora de estabelecer paralelos. Desde então, os registos exumados da Lapa da Galinha não foram esquecidos. Por outro lado, também não resultaram no importante estudo monográfico que se justificava. No início dos anos 70, Victor S. Gonçalves obteve autorização do MNA para proceder nesse sentido (Gonçalves et al, 2014: p. 110). Até então, o conjunto mantinha uma relativa integridade, encontrando-se as peças devidamente agrupadas e organizadas por sepultura. Infelizmente, no final da década verificou-se um verdadeiro revolvimento de diversas coleções, provocando uma perda generalizada da informação referente a algumas coleções. A Galinha não foi exceção. Mais concretamente, perdeu-se a planta original da escavação com a grande maioria das “sepulturas” e respetivas associações artefactuais, ainda visionada por Victor Gonçalves. Teria sido muito interessante poder analisar este documento, que, todavia, se mantém extraviado. Aqueles registos com a identificação de sepultura correspondem a uma parte muito pouco significativa do conjunto, o que, evidentemente, limita as considerações passíveis de realizar. Contudo, parece-nos importante realçar a qualidade do registo empregue nesta exploração, muito superior a outras atividades arqueológicas que decorreram nas décadas seguintes. Mais recentemente, a necrópole tem sido valorizada de forma pontual e sempre com base nas categorias artefactuais aí recolhidas. A obra de Oosterbeek (1994) incidiu brevemente sobre os líticos e as produções cerâmicas, cujos dados foram inseridos num esquema crono- cultural da qual faziam parte um número considerável de outras necrópoles em gruta. Ulteriormente, foi realizado o amplo estudo das placas de xisto (e do báculo) depositados no MNA, no âmbito do projeto PLACA NOSTRA (Gonçalves et al, 2014).

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3.2 O contexto funerário

A Lapa da Galinha apresenta uma morfologia cársica complexa, que representamos graficamente na Fig. 9. A produção da planta, alçado e cortes constitui o resultado de duas visitas por nós realizadas à cavidade, acompanhados por um extenso grupo de colegas a quem prontamente agradecemos pelo seu contributo. Foram simultaneamente implantados um eixo longitudinal, que atravessava o comprimento maior da gruta, e três eixos transversais, que interpretámos como sendo os mais representativos da morfologia da cavidade. Este foi um trabalho que considerámos essencial, já que a única outra representação da planta e corte da gruta (Sá, 1959: fig.3) não correspondia à realidade. Aliás, nestas representações são vários os aspetos que parecem ter sido autênticos produtos de ficção, como é o caso das dimensões que são apresentadas e até o próprio corte, que se assemelha a um croquis muito mal engendrado. A entrada na cavidade cársica é feita por uma “rampa”, escavada no calcário, que dá acesso a uma grande sala, estendendo-se por cerca de 20 m de comprimento, com orientação genérica SW-NE (40 grados) e 8 m de largura máxima. Sensivelmente no centro desta sala, encontra-se uma espessa coluna, que divide, de forma virtual, duas realidades espaciais concretas- aqui denominadas Sala 1 e Sala 2. Ao que tudo indica, as deposições funerárias e o espólio que as acompanhava foram levadas a cabo exclusivamente nestas salas. No quadrante NE da Sala 2, abre-se um pequeno “divertículo” que dá acesso a uma sucessão de pequenas salas e galerias de traçado sinuoso que se estendem por cerca de 50m: atualmente não foi possível identificar qualquer vestígio material à superfície, o que não quer dizer que os trabalhadores de 1908 não o tenham feito. Também na coleção depositada no MNA não é percetível se qualquer tipo de recolha terá sido feito nesta área. No quadrante NW desta mesma sala identificámos o topo de uma outra galeria, presentemente colmatada por blocos pétreos, pelo que se desconhece o seu desenvolvimento horizontal. Pelo desenvolvimento de espeleotemas abaixo da superfície atual do solo (principalmente percetíveis nas paredes dos quadrantes NE da Sala 1 e SW da Sala 2), é possível assumir que a escavação não terá atingido a base da gruta, tendo presumivelmente sido interrompida quando atingidos depósitos mais consolidados- nomeadamente, estratos brechificados. Relativamente ao depósito funerário, o testemunho de Maria de Sá descreve a exumação de cerca de 70 indivíduos, o que se encontra de acordo com a elevada densidade de material arqueológico exumado. Com probabilidade, esta estimativa para o NMI foi realizada com base no número de crânios que foi possível identificar aquando da exploração (Gonçalves et al, 2014). No entanto, os registos antropológicos que ainda se encontram preservados referem-se apenas a um crânio trepanado, fragmentos de crânios que poderão pertencer a dois

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indivíduos, uma mandíbula e um fragmento de tíbia de um indivíduo maturo. No atual estado dos conhecimentos, não podemos descartar a hipótese de a grande maioria destes restos ter sido transladada para o cemitério local. A própria Maria de Sá comunica ao leitor de que “(…) tudo se perdeu (…) conforme informa Alves Pereira a Leite de Vasconcelos num postal que se encontra arquivado no Museu Etnológico” (Sá, 1959: p. 120). A procura do dito postal na correspondência entre os dois indivíduos arquivada no MNA revelou-se infrutífera, pelo que se torna mais difícil adiantar uma explicação para a ausência dos ditos restos. A trepanação da Galinha (MNA 2002.188.2), provavelmente obtida pelo método da raspagem, foi descrita como pertencendo a um indivíduo do sexo masculino, com formato dolicocéfalo, que sobreviveu à operação cirúrgica durante bastantes anos (A. M. Silva, 2003: p.120). A abertura tem um formato genericamente elipsoidal e foi implantada no parietal esquerdo, junto da sutura sagital e do bregma (Figs. 16 e 17). Destaca-se pela integridade do crânio, pese embora o seu frágil estado de preservação. Não há registo das putativas associações artefactuais, pelo que se torna difícil adiantar uma cronologia mais fina no âmbito cronológico que estabelecemos para a utilização funerária da gruta. No contexto mais amplo da Península Ibérica, as evidências mais antigas das práticas de trepanação remontam ao Mesolítico, ainda que se tenha determinado uma maior incidência em contextos neolíticos, já da sua fase média e final (Tomé et al, 2016). Assim, a exploração do Locus 2 da gruta de Dehesilla (García-Rivero et al, 2020), Serra de Cádis, ganha particular relevância, tendo sido datado o crânio de um indivíduo do sexo feminino com uma trepanação incompleta da primeira metade do 5º milénio a.n.e. – CNA4494: 5900 ± 30 BP (4840-4713 cal BC 2 σ). Este é um fenómeno essencialmente litoral, podendo a sua distribuição geográfica estar influenciada pelas diferenças nas condições de preservação de matéria orgânica, alterando a realidade arqueográfica. Já mencionámos a preocupação dos escavadores relativamente à consolidação dos restos humanos provenientes da Galinha. Ora, seria um verdadeiro contrassenso caso a maioria destes tivessem sido descartados. Por fim, a presença de um número considerável de contentores com restos humanos provenientes da Gruta dos Carrascos nas reservas do MNA parece excluir completamente aquela possibilidade. Qual seria a razão pela qual duas necrópoles escavadas sequencialmente e pelos mesmos intervenientes terem recebido tratamentos distintos relativamente à recolha de restos humanos? A resposta deverá residir noutro fator inacessível, uma vez que é difícil imaginar uma situação de dois pesos e duas medidas. Até poderá dar-se o caso destes contentores armazenarem uma mistura de ossos provenientes de ambas as grutas. A questão dos espólios antropológicos de escavações antigas é sempre complicada.

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Outra vertente do contexto funerário que parece importante mencionar é o facto de uma pequena parte do conjunto apresentar uma correlação com uma “sepultura” concreta. Este conceito de sepultura, assim definido pelos técnicos do MNA encarregues da sua exploração, deve ser lido com cautela: entendemo-lo como uma simples acumulação de ossos-crânios, que não tem necessariamente de formar aquilo que entendemos como uma sepultura. Como bem sabemos através das escavações mais recentes em sepulcros coletivos (Carvalho, 2014; Neves, 2019), as deposições funerárias pré-históricas apresentam-se muitas vezes como uma amálgama de acumulações ósseas, especialmente no âmbito cronológico que tratamos aqui, pelo que não se revela tarefa fácil individualizar um dito espaço funerário - exceto quando existem elementos físicos que separem com clareza os inumados, como sucede, por exemplo, na Lapa do Bugio (Cardoso, 1992). Questionamo-nos se, à altura da intervenção, os seus escavadores não tivessem presenciado esta situação, uma vez que esta dificuldade em discernir espaços individuais da morte parece estar materializada na numeração atribuída às mesmas inumações- como é o caso das sepulturas 31-33 ou 48-50. Os princípios definidos pela Arqueotanatologia são fundamentais para a recuperação dos gestos e práticas funerárias que ocorreram no interior destes sepulcros coletivos (Neves, 2019: p.34). Infelizmente, a aplicação destes métodos corresponde a uma realidade recente, muito distante dos objetivos que guiaram a exploração da Lapa da Galinha. Aliás, a desconsideração geral pelos ossos humanos, frequentemente perturbados e sem conexões anatómicas registadas, é uma tendência que se inicia no final do séc. XIX e que se perpetua durante os primeiros dois terços do século seguinte (Boaventura et al, 2014: p.186). O facto de não ter sido produzida uma qualquer publicação ou observação mais descritiva pelo seu escavador, dificulta igualmente a recuperação do contexto original. Em suma, não existem registos que nos permitam tecer considerações sobre a população depositada nesta cavidade, ao contrário de que se verificou com outras escavações antigas, protagonizadas pela equipa dos Serviços Geológicos (Boaventura, 2009). Regressando à análise do contexto, parece-nos redutor analisar diferenciadamente o conjunto do mobiliário votivo que de facto tem informação contextual daquele que não tem, até por este último ser bem mais numeroso do que o primeiro. A título de exemplo, dos 459 suportes alongados inventariados, apenas 117 mantém uma relação com uma “sepultura” concreta. Neste caso, estamos sempre a olhar para a parte de um todo que se apresenta muito intrincado. No entanto, não deixa de ser uma informação a valorizar- até certo ponto- na hora de fazer a associação com outras categorias artefactuais que ainda preservam esta informação, como é o caso de algumas placas de xisto, recipientes cerâmicos, geométricos e pontas de seta.

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O estudo da componente votiva, cronologia e significados simbólicos constituem o grosso deste trabalho.

3.3 Mobiliário votivo

O espólio arqueológico da Lapa da Galinha é abundante e diversificado, constituindo o ponto de partida para a realização deste trabalho (Quadro 1). Apesar da ausência de contextos sólidos, o conjunto em estudo é constituído por uma série de indicadores crono-culturais fiáveis, essencialmente relacionados com o 4º e 3º milénios a.n.e. O estudo exaustivo desta realidade material procurou reconstituir os ritmos e gestos funerários que tiveram lugar no interior desta cavidade cársica, o que nem sempre se revelou uma tarefa linear, mas sinuosa e com determinadas nuances. Por sua vez, o estabelecimento de uma perspetiva global do conjunto votivo não só permitiu adiantar uma definição do sistema de crenças da(s) comunidade(s) que praticou as deposições funerárias, mas também do próprio contexto social, cultural e económico intrínseco a este(s) grupo(s).

N % Pedra Lascada 606 67,6 Pedra Polida 83 9,3 Cerâmica 35 3,9 Osso 8 0,9 Adorno 134 15,0 Artefactos ideotécnicos 26 2,9 Antropologia 4 0,4 Total 896 100 Quadro 1- Frequência dos grupos artefactuais provenientes da Lapa da Galinha

3.3.1 Pedra Lascada

O espólio votivo de pedra lascada da Lapa da Galinha é constituído por um universo de 606 artefactos, correspondendo a 68% do espólio exumado da necrópole. Compõe, portanto, um dos conjuntos mais relevantes de pedra lascada de contextos funerários “megalíticos”, seja em termos quantitativos ou qualitativos, do Centro e Sul de Portugal. Entendemos, portanto, que um conjunto como este era merecedor de uma atenção específica, resultando na elaboração de um trabalho já publicado (van Calker, 2019).

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Pedra Lascada Sílex Quartzo Quartzo Hialino N % N % N % Núcleo 1 1% 0 0% 0 0%

Produtos debitados Lâminas de crista e sub-crista 6 1% 0 0% 0 0% Lâminas brutas 125 20% 0 0% 0 0% Lamelas brutas 23 4% 0 0% 0 0% Lascas brutas 8 1% 0 0% 0 0%

Utensilagem Armaduras geométricas 39 6% 0 0% 0 0% Pontas de seta 80 13% 4 80% 1 100% Grandes pontas bifaciais 23 4% 0 0% 0 0% Lâminas com retoque marginal 277 45% 1 20% 0 0% Lamelas com retoque marginal 6 1% 0 0% 0 0% Raspadeiras sobre lâminas com retoque marginal 22 4% 0 0% 0 0% Total 610 100% 5 100% 1 100% Quadro 2- O conjunto de pedra lascada da Lapa da Galinha.

A especificidade de estudar um conjunto de pedra lascada proveniente de um contexto funerário, contrasta fortemente com aqueles conjuntos de espaços habitacionais: o estado de fragmentação deste último poderá condicionar a análise de dados, dificultando a tarefa do investigador, que avança com propostas de faseamento para as distintas técnicas de talhe. Desta forma, a abordagem às cadeias operatórias de necrópoles e povoados é necessariamente distinta, verificando-se uma predominância – quando não a totalidade - da fase plena de debitagem no interior dos sepulcros (García Sanjuán et al, 2016). Assim, a esfera de contacto entre o mundo dos vivos e dos mortos, materializada nas oferendas votivas, é capaz de providenciar importantes dados que permitam delinear novas perspetivas acerca dos processos técnicos e económicos das comunidades do passado. Dividimos a pedra lascada em quatro grandes categorias tipológicas: suportes alongados, geométricos, pontas de seta e grandes pontas bifaciais. O núcleo e os restos de talhe, constituídos essencialmente por algumas lascas não retocadas e pequenas esquírolas, não serão detalhados neste estudo, por serem quase inexpressivos. A sua presença numa gruta-necrópole utilizada durante a Pré-História Recente poderá sugerir uma outra fase de ocupação do sítio, não necessariamente de índole funerária.

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3.3.1.1 Suportes Alongados

O conjunto de suportes alongados provenientes da Lapa da Galinha é composto por 459 exemplares, correspondendo aproximadamente a 75% do universo estudado. É o grupo mais representativo, sendo um dos conjuntos mais significativos a nível regional e até extrarregional. O sílex, tal como para as restantes categorias tipológicas, é a matéria-prima por excelência, à semelhança do que acontece para a quase totalidade das necrópoles estremenhas cronologicamente coevas. No caso específico dos suportes alongados, registámos apenas um fragmento mesial de uma lâmina de quartzo, que apresenta retoque abrupto. É uma estatística esmagadora, facilmente explicável pela abundância desta matéria-prima na faixa litoral que se estende entre o Tejo e o Mondego, constituindo a fonte de aprovisionamento de sílex mais relevante do atual território português (Forenbaher, 1999). Utilizando o critério artificial dos 12 mm de largura (Inizan et al, 1995) foi possível distinguir lamelas (N=26) de lâminas (N=434), que apresentam o seguinte estado de fragmentação:

Estado de Fragmentação Lamelas Lâminas N % N % Inteira 3 0,65% 107 23,26% Proximal 6 1,30% 146 31,74% Mesial 6 1,30% 95 20,65% Distal 11 2,40% 86 18,70% Total 26 5,65% 434 94,35% Quadro 3- Estado de fragmentação dos suportes alongados

Visto terem sido exumados de um contexto funerário, não resulta estranho o elevado grau de exemplares que se encontram intactos ou apenas ligeiramente fragmentados. O número de fragmentos que conservam a extremidade proximal é também muito significativo, na medida em que foi possível registar características morfo-tecnológicas que os fragmentos mesiais e distais não permitem, como é o caso do talão e do bolbo, caso este exista. A análise métrica do conjunto em estudo permitiu obter as seguintes dimensões médias:

Lamelas • Comprimento: 33,10 ± 25,29 mm (N=3) • Largura: 9,78 ± 5,24 mm (N=9) • Espessura: 3,42 ± 2,11 mm (N=9)

Lâminas • Comprimento: 102,39 ± 33,30 mm (N=107) • Largura: 20,67 ± 5,04 mm (N=253) • Espessura: 6,59 ± 2,13 mm (N=253)

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Em termos morfo-tecnológicos, a coleção é constituída por peças de secção transversal trapezoidal (69%), com bordos paralelos (66%) e nervuras regulares (77%). No que toca aos perfis longitudinais, mais de 75% apresentam-se direitos ou com uma ligeira concavidade, não tão pronunciada como aqueles exemplares de perfil ultrapassado (21%). Prevalecem os talões facetados (47%), com bolbos nítidos (63%) e que apresentam esquírolamento com frequência. O tratamento térmico foi identificado, com segurança, em menos de 10% dos suportes alongados, pelo que não parece ser uma característica definidora do tipo de técnica de talhe utilizada. Cerca de 67% dos suportes analisados apresentam retoque, genericamente unifacial, que se estende por ambos os bordos (77%) de forma contínua (79%). Merecem especial destaque os casos em que identificámos o afeiçoamento típico de furador (N=7) e raspadeira plana na extremidade distal (N=22), que transformaram o comprimento total das peças, à semelhança do que acontece na necrópole de Pragais, uma outra estrutura sepulcral inserida no universo megalítico, cuja localização e tipologia de sepulcro se desconhece (Sousa, 2004). Dentro do universo dos suportes alongados inteiros, identificámos 39 exemplares (34%) que não apresentavam retoque. Todas as lamelas (N=3; 8%) e 15 pequenas lâminas (38%), enquadráveis no Grupo 1, compunham este grupo, pelo que não parece ser possível precisar um padrão de retoque entre estes suportes e aqueles de maior dimensão, pertencentes ao Grupo 2. Os vestígios de uso, ainda que careçam de uma confirmação microscópica, foram reconhecidos em cerca de 44 exemplares, 10% do conjunto da Galinha, maioritariamente no bordo direito. Assim, podemos pensar que a grande maioria dos suportes alongados depositados como oferenda não correspondia a utensílios do quotidiano destas comunidades, mas antes a artefactos cuja produção se destinava especificamente para o seu fim votivo. Em primeiro lugar, podemos caracterizar o conjunto de lamelas como sendo significativamente homogéneo, tanto em termos de padrões métricos, como características tecnológicas. Por outro lado, o conjunto de lâminas caracteriza-se por um elevado grau de heterogeneidade, em que a variabilidade é evidente. Desde logo, os valores mínimos e máximos de cada variável métrica são profundamente díspares: para o comprimento, 56,27 e 174,12 mm, respetivamente; a largura oscila entre 12,49 e 38,8 mm; a espessura apresenta um leque de medidas que abrange o intervalo entre 1,94 e 15,18 mm. Realizámos o exercício da integração nos grupos definidos por Carvalho (2013: p.73) no estudo do Algar do Bom Santo, Lugar do Canto e os hipogeus da Sobreira de Cima: “1. um, formado por peças com larguras e comprimentos compreendidos entre os 8-20 mm e os 25-100 mm, respetivamente, ou seja, artefactos classificáveis como lamelas e pequenas lâminas (Grupo 1);

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2. outro, menos numeroso, formado por peças com larguras e comprimentos compreendidos entre os 18-28 mm e os 120-180 mm, respetivamente, ou seja, artefactos classificáveis como lâminas robustas (Grupo 2).”

No final de contas, revelou-se um exercício útil e bem demonstrativo, no sentido em que se tornou clara uma distribuição unimodal da obtenção de suportes alongados na coleção da Lapa da Galinha (Gráfico 2), que está em acordo com este contexto de transição. Há uma efetiva alternância entre suportes mais pequenos, que apresentam frequentemente ondulações nas faces posteriores dos suportes alongados, e que possivelmente foram obtidos através da técnica de percussão indireta (Carvalho e Gibaja, 2014: p.177), e outros que provavelmente foram obtidos pela técnica de pressão por apresentarem valores de largura e espessura que correspondem à aplicação desta técnica. No entanto, uma parte destes suportes apresenta valores métricos e características morfológicas que tanto podem ser integrados num ou noutro grupo, pelo que se torna difícil aferir a técnica do talhe destes elementos. A própria inexpressividade dos núcleos no conjunto estudado (N=1; que se encontra esgotado) não permite tecer outro tipo de considerações. Isto deverá estar relacionado com a coexistência, durante o Neolítico médio e final, das duas técnicas de talhe mencionadas. “É difícil, no entanto, triar as peças debitadas segundo uma ou outra técnica e avaliar o peso relativo de cada uma, uma vez que, de acordo com vários investigadores, as características morfológicas dos produtos obtidos por percussão indirecta e por pressão tendem a recobrir-se em parte.” (Carvalho e Gibaja, 2005: p.376). Todavia, é necessário referir que não está presente nenhum caso de um suporte alongado, com a totalidade do seu comprimento, que ultrapasse os 17,5 cm. É um dado interessante, na medida em que demonstra que nenhum destes suportes terá sido obtido segundo a técnica da alavanca com recurso a ponta de cobre: este método de extração laminar, para além de ser um bom indicador cronológico do Calcolítico, produz lâminas com talão diédrico proeminente e comprimentos superiores a 20 cm e larguras entre os 2,2-2,3 cm (Carvalho e Gibaja 2014; Pelegrin e Morgado, 2007: p. 134). Infelizmente, os sepulcros exclusivamente calcolíticos na região estremenha são indubitavelmente escassos, pelo que é problemático definir os traços específicos das indústrias de pedra lascada desta época, resultando na difícil comparação entre os vários contextos. Deste modo, impõe-se uma reflexão. Será possível, a partir de um conjunto de suportes alongados que apresenta um elevado grau de variabilidade e que carece de contextualização estratigráfica, diferenciar as fases de ocupação do sepulcro? Com base nos resultados obtidos, e com as devidas ressalvas que um exercício destes necessariamente implica, acreditaríamos

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que, de facto, será possível. O robustecimento dos suportes laminares é algo que não emerge de forma abrupta no registo arqueológico entre o final do 4º e o início do 3º milénio a.n.e. (Carvalho, 1995-96; 2009). Esta tendência de um aumento gradual da dimensão dos suportes laminares foi também verificada na sequência estratigráfica da Andaluzia: “The increasing size of blades becomes obvious in the stratigraphic sequence of the region, as shown in natural caves occupied since the Early Neolithic (…) The increasing size results from the increasing strength applied to the lithics.” (Morgado e Pelegrin, 2012: p. 224-225). Neste contexto, destacam-se as grutas de El Toro, Antequera, e de Cendres, Alicante (García Puchol, 2009; Rodríguez Rodríguez, 2004). O processo de robustecimento das extrações laminares é algo que se verifica desde o momento em que este tipo de utensilagem começou a ser sistematicamente produzida, no Neolítico antigo, prolongando-se até fases tardias do Calcolítico. Apesar da sobreposição cronológica das técnicas de talhe, acreditamos ser possível atribuir-lhes um significado cronológico. A utilização da Lapa da Galinha como espaço funerário deve ter conhecido uma longa diacronia, que assiste ao câmbio das técnicas de talhe e, ao mesmo tempo, poderia explicar por que razão coexistem os geométricos, pontas de seta e placas de xisto. Esclarecer se há, ou não, um hiato nas deposições é algo que apenas se poderia comprovar com datações absolutas, considerando que este seria um exercício “às escuras”. Finalmente, a presença de lâminas de crista e sub-crista, ainda que não seja significativa (N=6), merece comentário especial, dado que testemunham a deposição de suportes associados à fase de preparação do núcleo, prévia à extração laminar. Este tipo de lâminas, minoritário no reportório de pedra lascada exumada das necrópoles estremenhas, é algo que também está presente em outros espaços funerários coevos, pelo que têm vindo a ser interpretadas como uma oferenda a um indivíduo “talhador”, naquela que seria uma dinâmica incipiente de especialização artesã (cf. Inizan, 2002; Carvalho e Gibaja, 2014). Os seis exemplares identificados, dois de crista e quatro da segunda geração de crista, são muito variáveis, quer em termos de matéria-prima quer em termos métricos, pelo que não é possível fazer remontagens. Dois destes (MNA 6988 e 6987) preservam o local da sua “sepultura” (78 A), sendo completamente distintos. Para além de todos os exemplares apresentarem secções transversais irregulares e medirem mais de 10 cm de comprimento, pouco mais se pode acrescentar acerca destas fascinantes oferendas. O mesmo se aplica à sequência de talhe, uma vez que estão apenas representados produtos da fase final de debitagem e as de crista.

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3.3.1.2 Geométricos

Nesta categoria artefactual foram registados 39 exemplares, todos em sílex. Apenas um se encontrava fragmentado - ainda assim, e com as devidas reservas, seria possível classificá-lo como um trapézio simétrico. A tipologia dominante são os trapézios (N=32; 84%), ainda que os crescentes (N=4; 11%) e os triângulos (N=2; 5%) estejam representados. Em relação aos subtipos, a classificação foi feita com base na tipologia desenvolvida em Mataloto et al (2016- 17: p. 113-114), dando origem aos dados agora apresentados no quadro nº3.

Subtipos N % Crescente alongado assimétrico 2 5,26% Crescente alongado simétrico 1 2,63% Crescente simples 2 5,26% Trapézio assimétrico de truncaturas retilíneas ou ligeiramente côncavas 12 31,59% Trapézio retângulo de truncatura basal muito côncava 9 23,68% Trapézio retângulo de truncaturas retilíneas ou ligeiramente côncavas 4 10,53% Trapézio simétrico de truncaturas retilíneas ou ligeiramente côncavas 6 15,79% Triângulo escaleno 1 2,63% Triângulo isósceles 1 2,63% Total 38 100,00% Quadro 4- Classificação tipológica dos micrólitos geométricos.

Relativamente aos aspetos morfo-tecnológicos, os trapézios apresentam fundamentalmente retoque abrupto e direto e truncaturas retas, com exceção evidente daqueles exemplares que apresentam uma concavidade basal acentuada. Tal como acontece com os trapézios provenientes do Algar do Bom Santo e o Lugar do Canto, a exceção à regra consiste no retoque inverso, apenas presente em dois exemplares (Cardoso e Carvalho, 2008; Carvalho e Gibaja 2014). De notar ainda, a presença de apenas um exemplar (MNA 6764A) que apresenta um entalhe lateral, uma tipologia que tem vindo a ser identificada como de tipo “Monchique” (Leitão et al, 1987). Predominam as secções trapezoidais (N=20; 52%), seguido das triangulares (N=12; 32%) e daquelas que apresentam secções plano-convexas ou irregulares (N=6; 16%). O tratamento térmico está representado, mas o seu valor não parece ser significativo, perfazendo pouco mais de 25%. Foram apuradas as seguintes dimensões médias: • Comprimento: 25,37 ± 4,36 mm • Largura: 12,48 ± 1,86 mm • Espessura: 13,01 ± 0,52 mm As medidas do comprimento estão balizadas entre 15,5 e 33,33 mm, enquanto para a largura, o intervalo está compreendido entre 9,47 e 16,76 mm. Assim, podemos afirmar que

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todos os exemplares desta categoria foram obtidos através da exploração de suportes alongados inseridos no Grupo 1, das lamelas e pequenas lâminas. Tanto as características tipológicas, como a análise estatística realizada sobre este conjunto, estão em pleno acordo com os dados obtidos para as grutas naturais (Mataloto et al, 2016-17): um predomínio dos trapézios, mais precisamente dos trapézios assimétricos de truncaturas retilíneas ou ligeiramente côncavas; um valor pouco significativo para os crescentes e ainda mais residual para os triângulos. Neste contexto, o caso do Poço Velho, Cascais, é também muito interessante, uma vez que os dados estatísticos têm direta correspondência com o conjunto aqui em apreço- domínio dos trapézios assimétricos, uma expressividade assinalável dos trapézios de truncatura basal muito côncava e o mesmo número de crescentes e apenas um triângulo (Gonçalves, 2009: p.183). Não deixa de ser relevante registar, ainda que com pequenas diferenças, o mesmo padrão para as pequenas antas de corredor curto, tradicionalmente identificadas com uma primeira fase do Megalitismo ortostático (Mataloto et al, 2016-2017: p.117). Assim, poderíamos pensar que esta prática funerária alentejana teria o seu espelho no “Megalitismo de gruta” estremenho, mesmo que a partir dos padrões métricos não seja possível indicar, com clareza, alterações de ordem cronológica. As grutas do Bom Santo e do Lugar do Canto, que estão bem caracterizadas em termos de cronologia absoluta e relativa, representam o arquétipo das práticas funerárias do chamado Neolítico médio (Carvalho, 2014; Carvalho e Cardoso, 2015). Estas apresentam um número de geométricos muito aproximado ao da Lapa da Galinha, com 34 e 35 exemplares, respetivamente. Aliás, ao comparar os valores métricos obtidos para as armaduras geométricas destas três necrópoles, verificamos que apresentam claras afinidades ao nível tecno- morfológico, observamos que são estatisticamente idênticos, pelo que é verosímil a sua associação cronológica. Por outro lado, não podemos deixar de referir o peso significativo dos trapézios de truncatura basal muito côncava, uma vez que esta tipologia específica, à semelhança do que já havia sido apontado para a anta de Nossa Senhora da Conceição dos Olivais, poderá representar uma fase mais evoluída face aos exemplares de truncaturas retas, consideradas como componente dita arcaizante. Constituiria, portanto, um elemento de “(…) transição entre os geométricos típicos e as pontas de seta de base côncava” (Boaventura et al, 2014: p. 218). Os micrólitos geométricos, são entendidos, regra geral, como os antepassados das pontas de seta da fase final do Neolítico e que se prolongam pelo Calcolítico, acabando por substituir os primeiros. Com base neste enunciado, é de facto tentador sugerir que durante uma primeira etapa das de deposições funerárias, se terá registado uma alteração na configuração morfo- tecnológica das armaduras geométricas. Porém, não implica necessariamente um hiato

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temporal, apenas nos indica que a utilização sepulcral da cavidade ocorreu durante um período suficientemente longo para assistir a esta transformação. A presença de micrólitos geométricos em monumentos funerários da fase final do Neolítico e início do Calcolítico não deve ser ignorada e interpretada como uma simples remanescência de uma tradição funerária que conhece o seu término com a produção e circulação de produtos com retoque bifacial, como são as pontas de seta e as grandes pontas foliáceas. Seguindo o critério dos 12 mm de largura (Inizan et al, 1995), de forma a distinguir os suportes alongados, 19 geométricos são feitos sobre um suporte lamelar. Se o critério se estender para os 14 mm, como António Valera definiu para o Castro de Santiago, este número sobe para os 30 exemplares (Valera, 1997: p.94). Assim, apenas nove exemplares seriam obtidos através do seccionamento de suportes laminares. Ora, ao considerar o robustecimento gradual dos suportes alongados e, simultaneamente, observar que nenhum dos geométricos analisados se insere no Grupo 2, será pouco provável estarmos perante um conjunto mais tardio, uma vez que apresentam dimensões médias francamente superiores àquelas apresentadas e discutidas. O caso da Lapa da Bugalheira, por exemplo, é perfeitamente claro, com pelo menos um exemplar que se pode inserir no grupo 2 (Paço et al, 1971). Gonçalves, referindo-se a esta permanência no registo arqueológico assinala: “(…) para a segunda metade do 4º milénio, com Poço da Gateira 1 como referência para a fase antiga mais evoluída do Megalitismo, os grandes geométricos sobre lâmina (e não sobre lamela), são já puramente simbólicos, um por deposição funerária (…)” (Gonçalves, 2009: p.495). Tal como todos os períodos transitórios, também o desaparecimento de micrólitos geométricos e a emergência das pontas de seta está envolta de uma certa discussão, cujo significado não será fácil compreender na totalidade. Este processo não foi abrupto e linear em termos regionais, surgindo muito residualmente em contextos habitacionais do 3º milénio a.n.e. da Estremadura, como o Penedo do Lexim e o Zambujal (Sousa, 2010: p.172). Por exemplo, numa recente compilação dos dados disponíveis para a pedra lascada dos tholoi do Baixo Alentejo interior, os geométricos estão presentes apenas em dois monumentos - Marra Ferro e Barranco da Nora Velha - surgindo sempre em quantitativos baixos (Russo e Sousa, 2017: p.174). O estudo aprofundado desta temática seria uma base de trabalho interessante, mas não é do alcance desta discussão.

3.3.1.3 Pontas de Seta

Por se encontrar presente, de forma abundante, em contextos domésticos e funerários, esta categoria artefactual tende a ser muito valorizada, na medida em que tende a atuar como

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um indicador cronológico consistente. O facto de ter sido alvo de especial atenção desde os anos 40 do século passado permitiu, desde cedo, fundamentar uma evolução tipológica, que, todavia, carece de confirmação cronológica absoluta. No entanto, esta dita evolução é um exercício que, de forma geral é aceite pelos investigadores que se dedicam ao estudo da pedra lascada deste período (Forenbaher, 1999; Sousa, 2010). Foi com base nos dados até então desenvolvidos e divulgados que Forenbaher construiu uma tipologia que até hoje, é aquela que reúne mais consenso entre os diversos autores. Por isso, optámos por seguir a sua classificação tipológica, focada essencialmente na forma dos bordos e na forma da base, compondo seis grupos tipológicos. Note-se, no entanto, a deficiente caracterização crono-cultural de alguns destes tipos, assim como a sua dispersão espacial, de que é exemplo o caso do tipo 4 ou “Torre Eiffel”. Ao contrário de uma parte dos suportes alongados, este conjunto não se encontrava afetado pelas concreções calcárias, pelo que facilitou o seu desenho e classificação morfo- tecnológica. Presentemente, não conseguimos apontar um único fator que possa explicar esta diferença no estado de conservação, devendo estar relacionada com diferentes ambientes de deposição, a que não conseguimos aceder.

Pontas de Seta N % Base triangular ou convexa 74 87% Base côncava ou reta 5 6% Foliácea 2 2% Indeterminado (fragmentos mesiais) 4 5% Total 85 100% Quadro 5 – Classificação tipológica das pontas de seta

As 85 pontas de seta da Lapa da Galinha apresentam-se muito bem conservadas, registando 68 peças inteiras (80%) e outras sete (8%) que apresentam uma fratura ligeira, que não impediu a medição de todas os parâmetros. Não cremos que a recolha tenha sido seletiva, uma vez que os restantes exemplares se encontram num estado bastante fragmentado, composto essencialmente por fragmentos de base e outros mesiais. A partir destes dados podemos, mais uma vez, confirmar um trabalho de campo relativamente cuidado- o número de exemplares fraturados é diminuto. O contraste entre contextos funerários e habitacionais é evidente: todas as peças que analisámos representam o estádio final de produção, não se registando qualquer pré-forma, como seria de esperar para um contexto habitacional. De um ponto de vista prático, as dimensões métricas e o peso de alguns exemplares inviabilizariam a sua utilização primária, pelo que podemos pensar numa produção específica para este tipo de artefactos, destinados a compor o espólio votivo dos inumados.

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O sílex é a matéria-prima dominante, atingindo um valor percentual que ascende aos 94%. Verificámos também a presença de quatro peças de quartzo (5%) e de apenas uma realizada sobre quartzo hialino (1%). Destas, apenas foi possível classificar tipologicamente três exemplares, todos de base convexa ou triangular. Todos estes exemplares ostentam retoque bifacial, distribuído pelos bordos e pela base, de extensão curta e não apresentavam, excetuando um caso, serrilha (MNA 6906 BIS). Assim, não conseguimos entrever diferenças tecno-morfológicas significativas em relação ao suporte das pontas de seta, como acontece, por exemplo, na necrópole das Lapas (Torres Novas), em que todos os exemplares que não eram realizados sobre sílex, mas sobre osso, apresentavam base côncava, destoando das características gerais do conjunto, que indicam um claro predomínio das pontas de seta de base convexa ou triangular (Vagueiro, 2016: p.45). O conjunto da Galinha apresenta este mesmo padrão, assim como a Lapa da Bugalheira, em que as pontas de base convexa ou triangular predominam em relação às de base côncava e mitriformes, que são incomuns (Paço et al, 1971). De todos os exemplares, 74 (87%) apresentavam esta tipologia de base, enquanto apenas cinco (6%) conservavam a sua base côncava. Determinámos ainda a presença de dois exemplares foliáceos (2%) e quatro cuja morfologia de base não foi possível determinar (5%). Os índices de alongamento revelaram que 65% das peças se inseriam na categoria alongado - não se registou nenhum exemplar da categoria curto. No que toca ao espessamento, 55% do conjunto apresentava valores da categoria abatido, não tendo sido possível identificar qualquer exemplar dito espesso. Os exemplares que permitiram analisar o seu perfil, revelaram um predomínio das peças plano- convexas (70%), registando-se um número significativo de perfis simétricos (22%). Sobressaem as seções trapezoidais (50%), seguidas das biconvexas (22%) e, de forma residual, das triangulares e irregulares. Todos os registos apresentam retoque bifacial, podendo variar a sua localização e extensão, consoante as faces. O retoque é fundamentalmente aplicado na superfície total, ou quase total (>75% da superfície da peça), ainda que se tenha registado uma presença forte de retoque na base e nos bordos na face posterior das pontas (82%). Predomina o retoque rasante e/ou muito oblíquo (70%), sendo o retoque oblíquo o segundo mais bem representado (13%). Todas as peças foram pesadas, apresentando um peso mínimo e máximo de 0,48 e 7,23 gr, respetivamente- a média foi 1,76 gr. Recorrendo ao índice do peso estipulado por Forenbaher (1999: p.25), não é difícil afirmar que este é um conjunto cujo estado de desbaste bifacial é elevado. A serrilha, interpretada por Forenbaher como uma característica física destinada a potencializar o efeito de uma seta trespassada, está presente em 26% do conjunto (N=23).

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O tratamento térmico foi aplicado em 39% do conjunto estudado. Apenas um exemplar de base côncava, que carece de extremidade distal, se insere neste grupo. Todos os restantes são de base convexa ou triangular e foliáceas. Os casos que apresentam tratamento térmico têm o retoque rasante ou muito oblíquo e este é, genericamente, cobridor. Destacaríamos ainda que todos os cinco exemplares que conservam a base côncava têm exatamente as mesmas características tipológicas, mesmo que apresentem diferentes estados de conservação: o perfil simétrico, ausência de serrilha e o retoque bifacial, rasante e oblíquo, que cobre a superfície total na face superior e que se restringe aos bordos e à base na face posterior. Apesar da dificuldade inerente em identificar o suporte sobre o qual foram realizadas, devido ao retoque cobridor que apresentam, esta foi uma tarefa efetuada sempre que possível: cerca de 24% foram classificadas como o produto de suportes laminares e apenas 4% de lascas. É evidente que este é um exercício que não deve ser tomado como absoluto, devido às dificuldades já enunciadas, e, portanto, a sua leitura deve ser perspetivada. Desde cedo, as pontas de seta com base convexa ou triangular inseridas no Grupo 1 de Forenbaher foram identificadas como pertencendo a um momento mais antigo, datado dos últimos séculos do 4º milénio a.n.e. - uma proposta que foi confirmada para as antas da região de Lisboa (Boaventura, 2009). A sua presença em monumentos funerários do Neolítico final da Estremadura, contrasta com a sua escassez em sítios de habitat, mesmo aqueles que apresentam uma sequência estratigráfica que abarca a fase de transição do 4º para o 3º milénio a.n.e., como é o caso de Leceia (Cardoso e Martins, 2013). Pelo contrário, a parca presença das pontas de seta de base côncava ou plana do Grupo 2 de Forenbaher em contextos de necrópole choca com os índices elevados da sua presença em povoados de fundação calcolítica, do 3º milénio a.n.e. Por esta razão, é geralmente atribuída uma maior antiguidade das pontas de base triangular. Gonçalves (2003a: p.75), ao reproduzir as associações artefactuais de Spindler do chamado “Grupo da Parede”, refere-se precisamente à maior antiguidade desta tipologia, em associação com taças carenadas e alfinetes de cabeça canelada. Mesmo em âmbito funerário, como é o caso da Buraca da Moura da Rexaldia, a maior frequência das pontas do Grupo 2 é considerada um indicador da sua cronologia mais recente- em clara associação a uma grande ponta bifacial e às placas de xisto (Andrade et al, 2010). Forenbaher (1999: p.81) notou, em relação às pontas de seta de base côncava ou plana: “(…) they can be considered as characteristic of Early and Middle Chalcolithic, but they do appear during the Late Neolithic at which time they overlap with the convex base arrow points”. A ausência de pontas mitriformes, balizadas cronologicamente entre o Calcolítico inicial/pleno, poderá ser também um indicador a valorizar, já que estas se encontram presentes noutras necrópoles coevas, como a Bugalheira, Casa da Moura e na gruta II da Senhora da Luz (Boaventura, 2009: p.233). O conjunto da Galinha

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é passível de ser integrado na transição do 4º para o 3º milénio a.n.e., subsequente àquela fase anterior, materializada pela presença de geométricos.

3.3.1.4 Grandes Pontas Bifaciais

Esta é uma classe artefactual que carece ainda de uma uniformização, compilação e tratamento dos dados, de modo a estabelecer os critérios de análise e respetivos paralelos. O trabalho de Forenbaher (1999) procurou abarcar o maior número de casos até então disponíveis. Infelizmente, não foi capaz de produzir uma classificação tipológica como aconteceu para as pontas de seta. Ainda assim, continua a ser o único projeto cuja alcance permite tecer considerações para além de uma descrição meramente tecno-tipológica. No que toca às grandes pontas bifaciais, o panorama vigente até hoje consiste na simples exposição das características tecnológicas dos exemplares em estudo, das suas dimensões métricas e da sua morfologia. Por essa razão, não há um consenso universal entre os pré-historiadores portugueses sobre o que é uma alabarda, um punhal, uma ponta de dardo ou uma ponta de arremesso (Cardoso et al, 1996; Sousa, 2004). Se não existem critérios claros, que definam a nomenclatura e organizem a informação que dispomos, não é de estranhar esta multiplicidade de designações, que por vezes perturbam o decurso dos trabalhos de investigação. Tradicionalmente, aquelas peças que apresentam a base mais larga, são consideradas como alabardas, enquanto aquelas que apresentam uma base estreita, e um corpo alongado recebem a designação de punhais. Por fim, os exemplares que apresentem uma base arredondada e simultaneamente um comprimento assinalável, são designados de “pontas de dardo”. Gonçalves já havia notado as reservas que se deve ter aquando da utilização destas designações algo redutoras, como é o caso das alabardas: “Uma alabarda no seu todo implicaria a montagem deste artefacto na horizontal, em relação a um cabo longo, e nenhuma evidencia nesse sentido foi recolhida” (Gonçalves, 1992: p.221). Os numerosos exemplos da arte pré- histórica constituem uma evidência direta nesse sentido. A subjetividade e limitação destes conceitos não se revelam suficientes para caracterizar este universo complexo e repleto de exceções. Há, sem dúvida, a necessidade de definir intervalos métricos, em associação com determinadas características morfo-tecnológicas, de modo a clarificar esta situação. Por estas razões, aceitamos a designação de grandes pontas bifaciais, pelo menos até se atingir uma normalização aceitável. No âmbito do trabalho de Forenbaher (1999: p.91) foram analisados 205 exemplares, tendo sido proposta uma classificação tipológica. Ao contrário do que foi obtido para as pontas de seta, esta proposta levanta algumas questões. A distinção entre as formas mais largas e as

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formas mais alongadas parece ser transparente. No entanto, aquelas formas que se inserem na categoria denominada de “intermédia” apresentam um elevado grau de variabilidade, que torna difícil vê-las como um todo. Assim, optámos por seguir as diretrizes propostas, mas com algumas reservas.

Tipologia Grandes Pontas Bifaciais N % Lâminas apontadas 2 9% Alabarda 1 4%

Ponta de dardo 1 4% Arredondadas 3 13% Linear de base arredondada 2 9%

Base convexa arredondada 2 9% Bordos convexos e base arredondada 2 9% Bordos lineares e base de lingueta 1 4% Bordos lineares e base plana 1 4% Pedunculadas 2 9% Indeterminado (fragmentos mesiais) 6 26% Total 23 100% Quadro 6 - Classificação tipológica das grandes pontas bifaciais

O conjunto da Lapa da Galinha é constituído por 23 exemplares, todos em sílex. Apresenta o seguinte estado de fragmentação: 14 estão inteiros (61%), e os restantes dividem- se por fragmentos proximais e mesiais (N=5; 22%) e distais (N=4; 17%). A classificação genérica indicar-nos-ia que, destes exemplares, apenas quatro se poderiam inserir nas categorias definidas: uma alabarda, dois punhais e uma ponta de dardo. A peça mais larga é a ponta de dardo (MNA 6558), com 54,14 mm, seguida pela pequena alabarda (MNA 6598) com 53,45 mm; a chamada ponta de dardo atinge também um comprimento considerável, de 156,81 mm. Os ditos punhais (MNA 6674 e 6659) são aqueles que apresentam o maior comprimento com 158,95 mm e 169,39 mm respetivamente- paralelamente, são também dos exemplares que conservam o seu comprimento, aqueles que apresentam os valores de largura mais baixos, em torno dos 30 mm. Na verdade, estes dois punhais alongados, tratar-se-ão de exemplares já caracterizados como as lâminas apontadas (Gonçalves, 2003a: p.267), que são semelhantes às grandes pontas bifaciais, apresentando uma ligeira curvatura no seu perfil, que decorre certamente do seu suporte laminar. Como já havia sido notado, o seu retoque não é cobridor, estendendo-se pelos dois bordos, e o perfil é plano-convexo, sendo ainda possível observar a sua nervura central (Boaventura, 2009: p.242). Não correspondem, portanto, ao “autêntico” grupo das grandes pontas bifaciais. Estes dois exemplares, muito semelhantes, apresentam, no entanto, morfologias de base distintas: respetivamente, o primeiro evidencia uma base plana, e o segundo demonstra dois entalhes. A base com entalhes, seria, pois, uma característica mista entre as formas 11 e 15 definidas por Forenbaher.

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Existem outros nove exemplares inteiros cuja classificação não é, de todo, clara. Sendo a necrópole do MCE com a frequência mais elevada de grandes pontas bifaciais (Sousa, 2004), há uma parte significativa dos exemplares que não se inserem nas ditas categorias tradicionais. O contraste é ainda maior se considerarmos os fragmentos cuja classificação de base ainda é possível determinar. Tendo em conta a tabela de Forenbaher, conseguimos apenas classificar três exemplares alongados (MNA 6994, 6995 e 6580), da forma 5 (Rounded). Ainda assim registam alguma variabilidade formal: não é fácil delinear a barreira entre o que é, ou não, alongado. As restantes pontas podem ser enquadradas na categoria “intermédia”, por muito pouco específica que possa parecer: os exemplares MNA 6498 e 6995, ainda que com dimensões distintas, foram classificados como lineares de base arredondada (forma 1); MNA 6597 e 6590, não sendo alongadas ou largas, foram inseridas no grupo de base convexa arredondada (forma 15); MNA 6660 e 6652, apresentam uma morfologia de bordos convexa, mas base arredondada e não plana, como demonstra a forma 13; o exemplar com o número de inventário MNA 6480 revela um misto entre a forma 1 e 3, isto é, com os bordos lineares, mas também com uma base de lingueta sub-retangular. O exemplar MNA 6808, tem os bordos retilíneos e a base plana, quase como as lâminas apontadas já aqui comentadas, podendo ser integrado nesse mesmo grupo, mas com uma dimensão bem menor, um “punhalzinho”, já que mede 78,77 mm de comprimento e 18,86 mm de largura. Por fim, as últimas duas pontas bifaciais, classificáveis, não se integram em qualquer um dos grupos definidos por Forenbaher: tratam-se dos exemplar MNA 6511 e 6809, que, genericamente, apresentam a morfologia típica das pontas de seta, com pedúnculo, uma destas fortemente serrilhada, apresentando retoque cobridor na face anterior e invasor na face posterior. Distinguem-se do conjunto de pontas de seta pelas suas dimensões- 89,54x19,16x6,5 mm no caso do exemplar MNA 6511; MNA 6809 encontra-se fragmentado na sua parte distal, apresentando as seguintes medidas- 63,37x26,11x8,13 mm. Em relação ao polimento da superfície da peça, este é muito variável: ocorre em nove dos exemplares analisados e a percentagem de superfície polida é significativamente oscilante, o que poderá estar associado ao tipo de produto final, isto é, as peças mais largas, tendem a ser polidas até aos bordos laterais, pelo que as duas faces representam um polimento superior à ordem dos 75%, como é o caso da dita alabarda. No patamar imediatamente a seguir (75-50%), foram registados dois exemplares, enquanto que um polimento inferior a metade da superfície da peça foi identificado em quatro. Dois fragmentos distais, apresentavam polimento intensivo, mas não foi possível determina a sua extensão total. Porém, o número de grandes pontas bifaciais sem polimento é significativo: não cremos que fossem peças ainda em fase de produção, mas antes produtos acabados, que apesar de não apresentarem marcas de polimento

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convivem todos no mesmo espaço funerário. O conjunto da Lapa da Galinha constitui um exemplo significativo do que é a diversidade deste tipo de oferta votiva e que, apesar de estar sistematicamente presente em outras necrópoles crono-culturalmente coevas, não tem recebido especial atenção. Até do ponto de vista cronológico as grandes pontas bifaciais não estão bem balizadas. Situação esta que decorre fundamentalmente dos contextos de escavação antigos, que não prestavam a atenção devida ao ambiente estratigráfico dos respetivos artefactos, e também devido à efetiva dificuldade em reconhecer o seu contexto primário, perturbado pela deposição coletiva de indivíduos e outros fatores pós-deposicionais. A sua identificação cronológica relativa é atribuída ao Neolítico final, espraiando-se pelo Calcolítico e perdendo a sua importância a partir de meados do 3º milénio a.n.e., estando excluídas do cerimonial campaniforme. Encontram-se documentadas em monumentos ortostáticos, cavidades naturais, grutas artificiais e monumentos tipo tholoi. Parecem ocorrer com mais frequência nas duas primeiras arquiteturas funerárias do que nas últimas, pelo que podemos inferir a efetiva presença das grandes pontas bifaciais em necrópoles que datam da segunda metade do 4º milénio a.n.e. (Forenbaher, 1999). A proposta adiantada por Boaventura (2009: p.243), da contemporaneidade e correlação entre as pontas de seta de base convexa, que dominam a tipologia da Galinha, e as grandes pontas bifaciais, caso se confirme, constituirá mais um indicador que contribui para a emergência desta categoria artefactual durante o Neolítico final. É tentador pensar que os registos MNA 6511 e 6809, em forma de ponta de seta com pedúnculo pronunciado, possam ser vistos como o testemunho desta associação, que deve ser lida com reservas. A emergência destes artefactos no registo arqueológico, tem vindo a ser associada, de forma sistemática, a uma produção especializada, que congrega a seleção dos nódulos de matéria-prima, a respetiva pré-configuração consoante o objetivo final e, finalmente, a sua produção. Este tipo de atividades decorreria todo no mesmo local, fora do perímetro habitacional. Estes são sítios que, por apresentarem uma grande dispersão geográfica de líticos talhados, são geralmente desconsiderados pelos investigadores que se debruçam sobre a vivência das comunidades do 4º e 3º milénios a.n.e (Forenbaher, 1999: p.31). A própria natureza dos achados, aliada ao desconhecimento geral acerca destas realidades constituem fortes entraves ao avanço da temática. Portanto, o panorama que atualmente conhecemos em relação aos locais de aprovisionamento de matéria-prima, utilizados durante a Pré-História Recente, será apenas uma fração do universo real. Ainda assim, a identificação de dois núcleos distintos, cronologicamente coevos, mas que registaram as etapas de produção das grandes pontas bifaciais, exceto o polimento, parece apontar para uma especialização do talhe efetiva.

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O primeiro destes sítios é a Arruda dos Pisões, Rio Maior, que se encontra implantada na fonte secundária de sílex daquela mesma região. Apesar de ter sido intervencionada nos anos 40 do séc. XX, de onde provêm a grande maioria dos materiais arqueológicos, no final da década de 80, o sítio recebeu renovada atenção, culminando na negação da cronologia Paleolítica que até então lhe era atribuída. Entre o espólio recolhido, destacou-se o peso significativo das pré- formas bifaciais. Este poderia até ser superior, não fosse a dificuldade em identificar estas realidades nas primeiras fases de produção (Forenbaher, 1999: p.133). O facto de se terem recolhido apenas oito exemplares que pertencem à fase de pré-polimento, demonstra, efetivamente, que a fase final de produção era realizada fora do contexto de aprovisionamento, provavelmente já no aglomerado residencial. O segundo núcleo é a oficina de talhe identificada em Caxarias, Vila Nova de Ourém, intervencionada por João Zilhão no final do século passado (Zilhão, 1994). O estudo dos seus materiais revelou a presença de duas produções distintas, mas complementares: uma estava focada na produção de suportes alongados, e outra, que produzia grandes pontas bifaciais. A baixa densidade de produtos acabados constitui um fator determinante: dominam as peças corticais e aquelas que não apresentam córtex são de pequena dimensão. “O objetivo do trabalho de extração parece assim ter sido o de reduzir ao mínimo o peso a transportar (…)”, para um outro local, onde estas peças eram concluídas (Zilhão, 1994: p.38). Assim, podemos pensar nestas duas oficinas, como sítios de especialização, onde se realizariam as primeiras fases da cadeia operatória e descartariam aqueles produtos que, por alguma razão, não correspondessem ao objetivo específico do talhador. Recentemente, foi realizado um estudo interessante com o intuito de associar uma fonte de aprovisionamento de sílex, Casal dos Matos, a um pequeno acampamento de exploração expedita de matéria-prima, Cabeça Gorda 1, que, por sua vez, dista apenas 6,5 km da oficina de Casas de Baixo (Andrade e Matias, 2013). No entanto, e apesar de serem dois locais onde o talhe do sílex está plenamente atestado, as escalas de produção são completamente distintas. O sítio de Cabeça Gorda 1 estará provavelmente relacionado com um consumo expedito e pouco elaborado, inserido na esfera de influência de Casas de Baixo, que serviria as necessidades de um sítio habitação permanente, ainda por identificar (Andrade e Matias, 2013: p.108). O estudo destas temáticas tem animado o debate em torno da complexificação das redes de influência e poder do final do 4º e inícios do 3º milénio a.n.e., na medida em que compreende uma segregação espacial do talhe da pedra, cada vez mais normalizado, seja em relação às dimensões métricas, por exemplo, dos suportes alongados, seja pela normalização das formas bifaciais, que se difundem por um largo espectro geográfico, até regiões importadoras destes produtos, onde a sua frequência e dimensão chega mesmo a espantar. São

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estes os argumentos utilizados para a emergência do termo “especialistas”, ainda que careça de mais dados que o permitam afirmar taxativamente. Aliada a esta especialização está a ligação sistemática das grandes pontas bifaciais ao conceito de bem de prestígio ou elemento de estatuto. Desde logo, por serem essencialmente exumados de contextos funerários. Os raros casos em que são recolhidos em contextos habitacionais correspondem aos grandes povoados fortificados da Estremadura, estando provavelmente relacionados com as últimas etapas da cadeia operatória destes subprodutos. Porém, está ainda por identificar a materialização no registo arqueológico destas últimas tarefas como o polimento ou o adelgaçamento final. O polimento exaustivo que muitos, mas não todos, exemplares ostentam, juntamente com a ausência de traços de utilização, faz supor uma verdadeira funcionalidade votiva (Sousa, 2004). No conjunto das peças bifaciais são estes exemplares que surgem de forma minoritária. A sua importância seria de tal ordem que justificaria o seu remendo (Forenbaher, 1999: p.88). Este reparo seria suficiente caso a sua função fosse unicamente a de conceder prestígio/autoridade ao indivíduo que a detinha e exibia. Pelo contrário, e considerando a abundância de matéria-prima à escala local, deixava de fazer sentido caso cumprisse uma determinada função. Que outra razão poderia justificar o investimento numa oferenda votiva? Desta forma, podemos ver as grandes pontas bifaciais como o testemunho, não tão incipiente, do início da complexificação social, que se acentua a partir do 3º milénio a.n.e. As evidências registadas na Câmara Grande do tholos de Montelírio, Castilleja de Gúzman (Sevilha), são particularmente reveladoras desta realidade, na medida em que foi documentada a associação entre uma grande ponta bifacial, fraturada pela base, mas com uma morfologia que a aproxima do repertório que conhecemos para o Sudoeste peninsular, e um pente de marfim (García Sanjuán et al, 2016). Há, pois, uma conjugação de elementos de prestígio com valor simbólico evidente. Porém, e ao contrário do que se verificou no nível de base do sepulcro 10.049 de Valencina de la Concepción (García Sanjuán et al, 2019), não se estabeleceu uma relação espacial entre estes registos diferenciadores e uma inumação específica. Contudo, a sua integração no mobiliário votivo é inequívoca e demonstrativa da sofisticação dos rituais funerários destas comunidades. Um outro caso verdadeiramente excecional corresponde a uma grande ponta bifacial proveniente do nível superior do monumento 10.049, adjacente ao tholos, que é produzida sobre cristal de rocha e está associada a um cabo de marfim profusamente decorado, reforçando o seu caráter simbólico – não sendo necessariamente de índole guerreira. Por fim, algumas das grandes pontas bifaciais mantêm ainda o seu contexto original de recolha, associados a “sepulturas”. O exemplar MNA 6558 é proveniente da “sepultura 26”, juntamente com um machado de tipo Cangas (MNA 6559) e um outro machado de pedra polida;

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da “sepultura 39” é proveniente o exemplar MNA 6590, de base com entalhes, assim como um machado de pedra polida, oito suportes alongados, tanto brutos como retocados, e a placa de xisto antropomórfica com o número de inventário MNA 6627 (Gonçalves et al 2014); da “sepultura 2”, foram recolhidos MNA 6498, de morfologia linear com base arredondada, assim como a ponta de seta de base convexa com o número de inventário MNA 6500, uma lâmina e um furador obtido pelo seccionamento longitudinal da diáfise (MNA 6501); da “sepultura 43” são provenientes 11 suportes alongados, todos retocados, a grande ponta bifacial MNA 6480, de base convexa arredondada e um pequeno recipiente cerâmico. As associações possíveis constituem dados muito interessantes do ponto de vista cronológico, na medida em que os artefactos do simbólico estão bem enquadrados no tempo, entre os últimos dois séculos do 4º e a primeira metade do 3º milénio a.n.e. Também o facto de surgirem grandes pontas bifaciais em associação com uma ponta de seta de base convexa poderá implicar um certo significado cronológico. 3.3.1.5 Análise macroscópica das matérias-primas

Realizámos uma análise macroscópica de forma a possibilitar a distinção entre as diferentes fontes de aprovisionamento que caracterizam o conjunto em estudo. Naturalmente, este exercício foi executado com base em áreas de proveniência que já se encontram bem caracterizadas (Aubry et al, 2009; 2014; Matias, 2012). Nesta classificação foi essencial a colaboração com Marco Andrade (UNIARQ), a quem agradecemos prontamente. É cada vez mais evidente a necessidade de cruzar informações de natureza arqueológica e aquelas provenientes das ciências da terra, como é o caso da geologia. E ainda mais relevante se torna, na hora de caracterizar um conjunto de pedra lascada, na medida em que o objeto de estudo passa por caracterizar a comunidade pré-histórica que depositou os finados e respetivo espólio votivo na Lapa da Galinha. Ora, o padrão de mobilidade ou a inserção da dita comunidade em redes complexas de contactos inter e intra-regionais são aspetos fundamentais para a sua caracterização, e que podem ser aferidos a partir da análise das matérias-primas. Daí a importância de ligar os artefactos em estudo a uma fonte de matéria-prima concreta, considerando que tudo o que expomos aqui deve ser entendido como uma proposta de trabalho e não como dados taxativos e consumados, devendo ser contrapostos com as análises microscópicas apropriadas. Os resultados obtidos traduzem-se no seguinte:

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Em relação aos suportes alongados, foram dispostos os exemplares que conservavam todas as suas dimensões (N=110), e foi realizada uma divisão provisória de acordo com o tipo de sílex utilizado. Assim, identificámos que cerca de 93% da totalidade da amostra correspondia a silicificações do Cenomaniano Superior da Estremadura, que atribuímos à região de Caxarias (51%), de Rio Maior (35%) e de um outro contexto (2%), cuja proveniência provável não foi possível adiantar. Os restantes exemplares (5%) apresentavam superfícies muito alteradas, pelo que não foi possível inseri-los em qualquer tipo. Num segundo momento, de forma a identificar as características petrográficas da matéria-prima utilizada, foi utilizado o estereomicroscópio binocular (45 aumentos) que nos permitiu conferir os resultados da primeira divisão provisória. Foram identificados nove tipos:

Fig. 1– Macro-fotografias (50x) da matéria-prima que compõe a indústria de pedra lascada da Lapa da Galinha. A e B- Tipo 1; C e D- Tipo 2; E e F- Tipo 3; G- Tipo 4. Os três segmentos de escala equivalem a 2,00 mm.

• Tipo 1- Cenomaniano Superior, Cretácico, com características semelhantes ao sílex de Caxarias (Ourém), a 35 km da Lapa da Galinha. Foram examinados 10 exemplares, correspondendo genericamente a 18% do conjunto definido. Como já havia sido notado para a matéria-prima desta região: “A observação com uma lupa binocular permitiu evidenciar uma textura heterogénea com a presença de criptogrânulos de óxidos de ferro (hematites) distribuídos aleatoriamente pela superfície examinada, associados com macroquartzo. Do ponto de vista micropaleontológico, observam-se espículas de esponjas siliciosas de tipo monoaxónica.” (Aubry et al, 2009: p. 155). De facto, as lâminas analisadas apresentavam estes óxidos de ferro, cujo diâmetro chegava a atingir os 2mm, como é o caso da lâmina MNA 6586.

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A lâmina MNA 6517 merece especial destaque, na medida em que para além dos óxidos de ferro e dos grãos de quartzo, demonstrava escassos vestígios bioclásticos deficientemente preservados. A fotografia da lâmina MNA 6520 é também relevante, na medida em que ilustra um veio preenchido por calcedónia. O sílex apresenta uma grande variabilidade cromática, constituindo uma paleta que integra o cinzento esverdeado, o amarelo torrado e o branco acastanhado. • Tipo 2- Cenomaniano Superior, Cretácico, com características semelhantes ao sílex de Arruda dos Pisões/Azinheira (Rio Maior), a 30 km da Lapa da Galinha. Examinámos cinco exemplares, que correspondem, aproximadamente, a 13% do grupo individualizado. As formações desta região, ainda que apresentem os mesmos óxidos de ferro, estes são de menor dimensão, apresentando-se menos densos e volumosos. “(…) O sílex apresenta cores heterogéneas, que vão do cinzento ao vermelho, dispostas em zonações, frequentemente dentro do mesmo bloco” (Aubry et al, 2014: p.178) A presença de “(…) geodes com recristalizações de macroquartzo (…)”, que pode ser observada macroscopicamente, é também uma característica comum deste tipo específico de sílex- a lâmina MNA 6506 é um destes casos, absolutamente evidentes. Não deixa de ser interessante notar que o conjunto das lamelas e pequenas lâminas que conservam a sua integridade são fundamentalmente produzidos sobre este sílex, o que poderá refletir uma condicionante da matéria-prima. Isto é, ainda que os nódulos de sílex provenientes da região de Rio Maior fossem capazes de produzir suportes alongados de média dimensão, seriam mais aptos para produzir suportes de pequenas dimensões. Pelo contrário, a região de Caxarias providenciaria blocos de matéria-prima que permitissem satisfazer a extração laminar de suportes de maiores dimensões- o que não implica que não se extraíssem lamelas e pequenas lâminas do sílex de Caxarias, porque esse não é o caso; no entanto, representam um valor meramente residual. A qualidade do talhe nas duas estações está amplamente documentada. • Tipo 3- Cenomaniano Superior, Cretácico, de formação indeterminada: em relação àqueles suportes cuja proveniência não havia sido possível aferir a um nível macroscópico, também uma análise mais detalhada não se revelou particularmente proveitosa. Estes dois exemplares, pertencem a uma formação do Cenomaniano indeterminada, distinguindo-se dos grupos de Caxarias e Rio Maior por serem translúcidos. De facto, o exemplar MNA 6473 poderia ser facilmente confundido com calcedónia. • Tipo 4- Cenomaniano Superior, Cretácico, cujas formações não conseguimos relacionar por apresentarem as superfícies muito alteradas, por vezes em exemplares parcialmente corticais.

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A primeira divisão macroscópica levou-nos a identificar oito exemplares (7% da amostra), pertencendo essencialmente a formações do Jurássico, que não se inseriam em qualquer um dos grupos previamente descritos. Confirmámos a heterogeneidade destes exemplares, que apesar de representarem quantitativos pouco expressivos, merecem um comentário específico, na medida em que constituem dados relevantes para a caracterização das proveniências das matérias-primas utilizadas.

Fig. 2– Macro-fotografias (50x) da matéria-prima que compõe a indústria de pedra lascada da Lapa da Galinha. A e B- Tipo 5; C e D- Tipo 6; E e F- Tipo 7; G- Tipo 8; H- Tipo 9. Os três segmentos de escala equivalem a 2,00 mm.

• Tipo 5- Oxfordiano Superior, Jurássico, com características semelhantes ao sílex das formações do Agroal – Sabacheira, a 40 km da Lapa da Galinha. Os exemplares MNA 6615 e 6455 foram classificados como sendo provenientes destas, situadas na Bacia do Nabão, a cerca de 10 km de Tomar. O primeiro exemplar revelou “(…) enclaves isolados de criptogrânulos de óxidos de ferro e resíduos do carbonato original de morfologias arredondadas que conferem ao material um aspecto “pontilhado” (Aubry et al, 2009: p.151); o segundo, pelo contrário não indicou a presença de qualquer óxido de ferro, mas antes uma série de pequenas inclusões de tonalidade cinzenta/negra, bem características desta silicificação. Tal como havia sido referido, o “(…) conteúdo paleontológico é bastante variável ao nível da quantidade e dispersão dos elementos bioclásticos (…)” (Matias, 2012: p.68). Estas duas amostras poderão apresentar alguns vestígios bioclásticos, como foraminíferos, mas a superfície encontra-se muito alterada para identificar as espécies.

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• Tipo 6- Jurássico, com características semelhantes ao sílex de Ribeira da Murta. Desde o início deste trabalho, destacava-se a presença de apenas um suporte alongado, uma pequena lâmina, produzida sobre um sílex muito negro, que apenas tinha correspondência em alguns geométricos. As características desta matéria-prima levaram-nos a sugerir a área de proveniência como a da Ribeira da Murta, situada nas imediações do lugar do Barreiro, onde inclusive foram identificados vestígios de exploração da matéria prima durante o Neolítico (Aubry et al, 2009). Este exemplar, que carece de córtex e não apresenta retoque, ostenta uma grande deterioração da sua superfície. No entanto, é ainda possível identificar macroscopicamente algumas das características que lhe são atribuídas, como é o caso das “(…) fissuras cimentadas por quartzo macrocristalino” (Matias, 2012: p.73). • Tipo 7- Jurássico Indeterminado 1. As lâminas MNA 6550, 6774 e 6551 formam um pequeno conjunto de particularidades em tudo semelhantes, já identificadas como sendo um “(…) sílex opaco, de coloração acinzentada, apresentando características aparentemente oxfordianas (Jurássico)” (Mataloto et al, 2016-17: p.112). No entanto, não há uma direta correspondência com uma formação desta idade geológica até hoje identificada no Ocidente Peninsular, pelo que a sua proveniência é ainda desconhecida. Trata-se de um tipo de sílex cujo período de utilização se encontra bem balizado crono-culturalmente, em contextos do 4º milénio a.n.e. • Tipo 8- Jurássico Indeterminado 2. Também de uma outra formação do Jurássico é originária a lâmina MNA 6453, que apresenta uma tonalidade mais escura, sendo que a sua superfície se encontra bastante afetada pelas concreções calcárias que abrangem um grande outro número de suportes. • Tipo 9- Indeterminado Absoluto: por fim, registámos apenas um suporte laminar (6606+6646A), com um comprimento que excede os 16 cm, cuja idade geológica não foi possível determinar. A caracterização por matérias-primas dos geométricos foi realizada nos mesmos moldes definidos para os suportes alongados. Verificou-se uma correspondência com os mesmos tipos de silicificações, com exceção dos contextos do Cenomaniano translúcido (Tipo 3) e aquele Jurássico que apresentava uma cor mais escura (Tipo 8). Assim, foram registados macroscopicamente 22 exemplares do Tipo 2 (56%), dos quais analisámos cinco (23%), sendo interessante que a tendência se inverte face aos suportes alongados. Isto é, enquanto a maioria dos suportes alongados é realizado sobre o sílex do Tipo 1, a maioria dos geométricos é produzido sobre as formações do Tipo 2. Do tipo 1, foram identificados apenas seis exemplares (15%), tendo sendo sido analisados quatro exemplares (67%): as concreções calcárias afetaram

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a superfície das peças, mas ainda assim foi possível verificar a presença de óxidos de ferro densos e volumosos, particularmente evidentes no exemplar MNA 6826E. Mantendo a tendência já verificada para os suportes alongados, os tipos 5 e 6 registam valores residuais no conjunto, com cinco (13%) e dois (6%) exemplares respetivamente. As inclusões negras, bem visíveis no exemplar MNA 6956D e a mesma superfície alterada, muito negra, do exemplar MNA 6935C, são aquelas características mais notórias daquelas formações. Curiosamente, ou não tanto assim, também o tipo 7 está representado nos geométricos, com quatro exemplares (10%). Como já havia sido apontado, este tipo de sílex encontra-se apenas presente em contextos que antecedem o início do 3º milénio a.n.e. Esta proposta parece confirmar-se também no registo da Galinha, dado que não identificámos este tipo em qualquer ponta de seta ou grande ponta bifacial. Em relação às pontas de seta é interessante realçar o facto de que todas as pontas de base côncava, ainda que apresentem diferentes colorações, desde o rosa avermelhado, até ao amarelo torrado, têm a sua origem na mesma fonte de aprovisionamento, que identificámos como sendo da área de Rio Maior (Amieira, Azinheira-Arruda dos Pisões). A análise do sílex das restantes pontas revelou uma predominância do Tipo 2, com 65 exemplares (81%), seguido do Tipo 1 (N=11; 14%) e finalmente daquelas silicificações do entorno de Tomar, pertencentes ao Tipo 5 ou 6 (N=4; 5%). Por fim, e no que toca às grandes pontas bifaciais, conseguimos identificar 12 exemplares do Tipo 1 (52%), 10 exemplares do Tipo 2 (44%) e apenas um exemplar (4%) que classificámos como sendo do Cenomaniano, mas cuja origem não foi possível comprovar. Destaca-se claramente, pelas suas dimensões, o exemplar MNA 6558, realizado sobre o sílex de Caxarias, de onde provêm blocos com notória aptidão para o talhe e onde são de uma dimensão que permita obter produtos com estas dimensões. A análise das matérias-primas dos dois punhais (MNA 6674 e 6659) levou-nos a concluir que também estes foram talhados com sílex semelhante ao de Caxarias, uma vez que apresentam os característicos óxidos de ferro, densos e volumosos, e o cinzento esverdeado. Aliás, os grandes exemplares de Pragais, da Buraca da Moura da Rexaldia e da Cova das Lapas são também realizados sobre sílex de Caxarias, o que poderá sugerir uma tendência da escolha da matéria-prima para realizar estes exemplares de maiores dimensões.

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3.3.2 Pedra polida

Tipologia N % Enxó 38 45,78 Formão 1 1,20 Goiva 2 2,41 Indeterminado 1 1,20 Machado 40 48,19 Martelo 1 1,20 Total 83 100 Quadro 7 – Classificação tipológica dos instrumentos de pedra polida

O conjunto de pedra polida da Lapa da Galinha é composto por 83 instrumentos de pedra polida, todos sobre a forma de produtos acabados. Procedemos à sua análise tecno- tipológica e por matérias-primas, conscientes das dificuldades inerentes àquele segundo nível analítico. Trata-se de uma coleção abundante, que importa valorizar no âmbito das práticas funerárias do 4º e 3º milénios a.n.e. no MCE e regiões adjacentes do Centro e Sul de Portugal. Também esta categoria artefactual aparenta estar de acordo com a proposta de uma longa utilização para esta gruta-necrópole. Sendo este um conjunto votivo, e de acordo com aquilo que já havia sido estabelecido para a pedra lascada, as peças encontram-se genericamente bem conservadas, registando 77 exemplares inteiros (93%). Por vezes, foram identificadas pequenas falhas no gume dos instrumentos de pedra polida, o que ainda assim, não impediu a tomada de todas as medidas. Com probabilidade, estas falhas podem ser o resultado de processos pós-deposicionais, hoje difíceis de aferir dado o caráter de exploração da gruta, não sendo, portanto, passíveis de ser confundidas com marcas de desgaste por utilização. De facto, o intuito votivo destes artefactos está plenamente demonstrado pelo peso significativo, fundamentalmente de machados e enxós, sem qualquer marca de uso (N=66; 80%). De qualquer forma, a representatividade das marcas de utilização parece ser mais intensa nos machados do que nas enxós. Antes de proceder à caracterização do conjunto de pedra polida, pensamos ser proveitosa a realização de um comentário relativo à relação numérica de machados e enxós, especialmente pela proximidade dos valores já apresentados. Esta problemática, que não é recente no seio da investigação arqueológica portuguesa, foi lançada aquando da revisão do espólio, e dos rituais subjacentes, da anta do Poço da Gateira 1, Reguengos de Monsaraz: “Talvez um dos aspetos mais importantes do ritual observado pelos escavadores da câmara e do próprio corredor de Poço da Gateira 1 seja a associação, por enterramento, de 1 machado + 1 enxó (ou 1 goiva)” (Gonçalves, 1992: p. 98). Ora, se aceitarmos esta regra, e visto que a informação de

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proveniência destes elementos é praticamente nula, a situação parece ser a mesma na coleção da Lapa da Galinha. Um equilíbrio exato, identificado igualmente na Anta 2 do Amieiro, Idanha- a-Nova, e na Lapa Furada, Sesimbra (Cardoso, 2014a) e do qual se aproximaram o Porto Covo e o Poço Velho, ambas em Cascais (Gonçalves, 2008a; 2009). O facto de não ter sido identificada esta relação noutros sítios poderá decorrer da dificuldade em classificar alguns machados cuja morfologia os aproxima das enxós ou, inclusive, à perda de determinados exemplares, como resultado de processos tafonómicos, reocupações posteriores dos sepulcros ou até de uma recolha não integral à altura da exploração. Consequentemente, será difícil atestar, com segurança, que esta relação uniforme fará parte dos rituais funerários das comunidades megalíticas – pelo menos em certos casos.

3.3.2.1 Machados

Relativamente aos machados, predominam as secções transversais subretangulares (58%) e subquadrangulares (28%), sendo claramente minoritárias as secções subcirculares (13%). Optámos por agrupar aqueles exemplares com secções subretangulares e subquadrangulares por não apresentarem diferenças significativas relativamente aos aspetos morfo-tecnológicos e, inclusive, de matérias-primas. Assim, são um conjunto de exemplares robustos, com alguma variabilidade no que toca à percentagem de polimento da superfície. Tendencialmente, o gume encontra-se cuidadosamente polido, contrastando com a extremidade proximal de alguns machados, com a superfície rugosa, que por vezes se estende também para os bordos. É evidente que a identificação macroscópica de superfícies não polidas ou com um lustre bastante distinto são características passíveis de associar ao sistema de encabamento (Orozco Köhler, 1999), mas a sua fraca representatividade não permite tecer grandes considerações. Permanece, desta forma, a questão em torno da deposição final destes instrumentos de pedra polida: integrariam o espólio votivo como utensílio compósito, ou, pelo contrário, seriam apenas as lâminas de pedra uma parte daquele ritual funerário? Com probabilidade, tratar-se-ia de uma situação mista. Mesmo em machados sem vestígios de utilização no gume foram identificadas estas marcas, pelo que atua como suporte do argumento anterior. Do ponto de vista morfo-tecnológico, são peças fundamentalmente convexas ou plano- convexas (89%), de bordos retilíneos (74%) e com o talão aplanado (46%) ou arredondado (31%). Quando observável, a geometria do gume é convexa assimétrica (46%) ou simétrica (23%). Ao excluir o machado de talão perfurado, sobre o qual se fará um comentário mais adiante, os valores de comprimento oscilam entre os 7,3 e os 15,3 cm, os de largura entre 3,3 e 6,7 cm e os

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de espessura entre 1,8 e 4,8 cm. O peso varia entre os 133 e 601 gr. É, portanto, um conjunto significativamente alongado, mas pouco espesso. Note-se, desde logo, a ausência de quaisquer “machadinhos”, ao contrário do que se verificou para Porto Covo e Poço Velho, Cascais (Gonçalves, 2009). Por outro lado, parece verificar-se uma certa uniformidade na produção de machados de secção subcircular, formando assim um subconjunto relativamente bem definido: são peças que apresentam uma parte significativa do corpo picotado (40%) – no caso de MNA 6850, apresenta mesmo toda a superfície picotada – com exceção para a extremidade distal, a região do gume, que se apresenta cuidadosamente polida, formando um bisel duplo simétrico, como é o caso do machado MNA 6741. O talão é arredondado (100%), a morfologia das faces e dos bordos é fundamentalmente convexa (80%) e a geometria do gume, revela-se convexa assimétrica (40%) ou simétrica (20%). O comprimento está balizado entre 8,5 e 10,4 cm, a largura entre 3,7 e 5,4 cm e a espessura entre 2,9 e 3,8 cm. O peso oscila entre 242 e 301 gr. Os índices obtidos para este subgrupo são, de forma geral, consistentes, na medida em que se apresentam pouco alongados, mas mais espessos quando comparados com os machados mais volumosos cujos resultados apresentámos anteriormente. Ainda que de forma sumária, a escassez numérica deste subgrupo (quatro exemplares) já havia sido notada anteriormente (Sá, 1959: p.122). Tradicionalmente, a morfologia da secção dos machados tem sido utilizada como critério fundamental de uma definição cronológica imprecisa: aqueles considerados arcaicos, de secção subcircular, e aqueles mais tardios, de secção subretangular e subquadrangular (Boaventura, 2009). Esta é uma perspetiva que se tem transformado, sendo hoje uma visão questionável face aos dados que têm vindo a ser coligidos, tanto na Estremadura, como no Alentejo. De facto, verifica-se uma coexistência, desde épocas que antecedem as primeiras manifestações megalíticas no atual território português, daqueles elementos considerados mais antigos e daqueles considerados mais recentes: veja-se, a título de exemplo, os machados de pedra polida recolhidos no Horizonte NA1 da gruta do Caldeirão (Zilhão, 1992: p.103). Num momento posterior, a mesma situação é identificada em outras cavidades cársicas da Estremadura, como o Lugar do Canto e o Algar do Bom Santo (Cardoso e Carvalho, 2008; Cardoso, 2014a). Para as pequenas antas alentejanas, como são os monumentos de Entreáguas 5 e do Assobiador, foi verificado o mesmo padrão (Mataloto et al, 2016-17: p.105), pelo que aquela classificação tipológica, com as consequências cronológicas que implica, não parece ter correspondência com o panorama do registo arqueológico. É evidente que a análise regional do tipo de secção pode resultar na demonstração de uma característica partilhada, fruto da acessibilidade à matéria-prima selecionada para a sua produção, mas esta é uma hipótese que

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necessita de confirmação. Acresce a esta problemática, o facto de existir uma carência de sepulcros megalíticos bem caracterizados do ponto de vista da dinâmica funerária e, consequentemente, cronométrico. Assim sendo, a integração crono-cultural do conjunto de machados é necessariamente pouco precisa, sendo genericamente enquadrada entre o final do 4º e o princípio do 3º milénio a.n.e. Em relação à matéria-prima utilizada na sua produção, e tendo em atenção as dificuldades inerentes a uma classificação macroscópica, foi apenas possível verificar a presença de anfibolito ou de outras rochas metamórficas, como os anfiboloxistos. Apresentam um amplo espectro de tonalidades, situado entre o negro e esverdeado, de grão médio, e o cinzento, de grão fino. Só um exame petrográfico, realizado com um microscópio de luz polarizada, poderia confirmar o panorama aqui apresentado e esclarecer algumas das questões que se colocam às possíveis áreas de proveniência. Por esta razão, este é um exercício que deve ser entendido com a cautela devida, necessitando de confirmação a outra escala de análise. Apesar da escassez deste tipo de análises para o atual território português, hoje estamos cientes da cautela que é exigida pelo que tradicionalmente se designava como “anfibolito” e que tratamos preferencialmente por “rochas anfibólicas”, precisamente por essa diversidade bem marcada a um nível de observação mais profundo (Cardoso e Carvalhosa, 1995; Cardoso, 2020). Seja como for, destacaríamos como características principais daqueles exemplares analisados (Fig. 28), a orientação marcada dos veios de anfíbola (MNA 6699) e a presença, por vezes significativa, de pequenos grãos de quartzo (MNA 6658). Nesse sentido, importa, pois, conhecer onde se situam os afloramentos destas rochas, provenientes de ambientes e épocas geológicas muito distintas. A área de é aquela mais próxima da região em estudo e não deve ser descartada como possível fonte de aprovisionamento para alguns dos instrumentos de pedra polida que surgem sistematicamente pela Estremadura (Cardoso, 2014a; 2020). No entanto, e dada a reduzida dimensão destes afloramentos (Pereira, 2012), parece ser mais evidente procurar uma relação com as fontes de aprovisionamento até agora identificadas na região alentejana. No contexto ibérico, é sem dúvida a partir do Neolítico final/Calcolítico que se verifica um aumento da presença de instrumentos produzidos sobre matéria-prima exógena, por vezes proveniente de grandes distâncias- uma regra a que o Centro e Sul de Portugal não fogem (Harrison e Orozco Köhler, 2001). Aliás, esta relação inter-regional está também patente em outros aspetos, como é, por exemplo, o amplo conjunto de placas de xisto gravadas, que acaba por atuar como o elo de ligação entre o Alentejo e a Estremadura durante o final do 4º e o início do 3º milénio a.n.e. (Gonçalves et al, 2014: p 126).

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De facto, a ausência deste tipo de rochas na Estremadura e a sua abundância no Alentejo foi, desde cedo, um elemento fundamental para alimentar a visão de uma rede de circulação e mobilidade das comunidades neo-calcolíticas (Cardoso, 2004; Sousa e Gonçalves, 2012). As análises petrográficas realizadas sobre rochas anfibólicas provenientes de grandes povoados calcolíticos da Estremadura, como o Zambujal, Leceia e Pragança, confirmam precisamente a origem desta matéria-prima, passível de identificar como zona da Ossa-Morena (Lillios, 1997), confirmando a longevidade e estabilidade das redes de distribuição da matéria-prima. Apesar do amplo conjunto de análises daquela autora, o estudo não foi capaz de estabelecer concretamente pontos de extração e tratamento da matéria-prima. A sua disponibilidade em várias localidades daquela região é desde há muito conhecida, tendo sido recentemente reavaliada no âmbito de um estudo que incidiu sobre as proveniências dos artefactos votivos da área da Ribeira de Seda (Alto Alentejo): Gavião, Montargil, Ponte de Sor, Avis, Campo Maior, Mora, Pavia, Arraiolos, Montemor-o-Novo, Évora e Viana do Alentejo (Andrade, 2020a). Ao contrário do que acontece com os estudos de pedra lascada, nomeadamente aqueles que se focam nas fontes de aprovisionamento, carecemos ainda de elementos seguros que nos permitam fazer uma aproximação mais concreta aos ambientes de formação destes materiais, pelo que será mais seguro adiantar apenas uma área de procedência genérica. Da mesma forma, conhecemos ainda muito pouco no que toca ao tipo de exploração deste recurso geológico, nomeadamente o que diz respeito à cadeia operatória e ao padrão de distribuição dos suportes. Enfim, a densidade de instrumentos realizados sobre rochas anfibólicas na Estremadura constitui um depoimento direto da vitalidade e importância das redes de circulação de matérias-primas, gentes e ideias que funcionam no 4º e 3º milénio a.n.e. O papel simbólico, ou mágico-religioso, dos instrumentos de pedra polida depositados em espaços sepulcrais tem sido valorizado, na medida em que atuaria como representante da importância daqueles utensílios na afirmação das comunidades agro-pastoris sobre o meio físico (Gonçalves, 2003a). A grande maioria não apresenta marcas de utilização, pelo que será legítimo interpretar estes elementos como o reflexo de uma produção com um objetivo concreto, exacerbando o seu carácter simbólico (Lillios, 1997: p.156). O facto de se encontrarem largamente distribuídos pelas necrópoles estremenhas, não só testemunha um mesmo sistema de crenças, como poderá igualmente sugerir uma valorização das redes de circulação, bem marcada no universo da morte. O papel que desempenham durante a vida prolonga-se para a morte (Boaventura, 2009). A importância desta matéria-prima no ritual funerário nunca ficou tão bem expressa, até agora, como a realidade que foi identificada na necrópole de hipogeus da Sobreira de Cima (Vidigueira), que se consubstanciou numa autêntica “(…) manipulação ritual do anfibolito” (Valera, 2009: p.28). Estando situada muito próximo de um afloramento, o

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anfibolito constitui um elemento fundamental da arquitetura dos sepulcros e, evidentemente, do ritual associado às deposições funerárias realizadas no seu interior. A sua relevância para a(s) comunidade(s) que utilizou aquelas estruturas, é neste caso, perentória, independentemente das interpretações de carácter funcionalista. No cômputo geral deste conjunto, destaca-se um machado de talão perfurado (MNA 6559), realizado sobre matéria-prima mineral carbonatada, possivelmente ou travertino, que foi alvo de uma leitura singular detalhada (Andrade e van Calker, 2019). Sendo um artefacto que contrasta largamente com os traços gerais dos restantes utensílios de pedra polida, e com importância direta para a discussão do ritual funerário que teve lugar no interior da Lapa da Galinha, a realização de um breve comentário justifica-se plenamente. Nesse sentido, a presença desta tipologia nos conjuntos artefactuais neo-calcolíticos, ainda que relativamente rara no contexto do Sudoeste peninsular (Andrade, 2014), é indicadora de influências além- Península, provavelmente da área bretã, epicentro dos modelos de tipo Tumiac de talão perfurado, cuja dispersão, de forte carácter atlântico, se iniciou a partir da segunda metade do 5º milénio a.n.e. (Pétrequin et al, 2012). O impacto regional da circulação destes modelos resultou na produção de imitações locais peninsulares - em que o exemplar mencionado se insere - designadas como o modelo de tipo Cangas (Fábregas Valcarce et al, 2018). O mesmo fenómeno verificou-se para a área que atualmente corresponde à Suíça e Alemanha, onde as imitações são identificadas como o modelo de tipo Zug. A presença deste item exótico no mobiliário votivo da Galinha resulta do processo pujante de circulação de gentes, objetos e ideias que ocorre durante o 4º e 3º milénios a.n.e. Mais do que a circulação dos próprios artefactos, que também está documentada nos machados de jade alpino provenientes da Portela do Outeiro, Castelo Branco, Aroche, Huelva, e El Pedroso, Sevilha (Villalobos e Odriozola, 2017), destaca-se a circulação da ideia subjacente a estes modelos, que liga contextos geoculturalmente distantes, naquela que é uma estrutura de interações ampla e complexa. A introdução destes modelos na Península Ibérica não se encontra bem caracterizada cronologicamente, essencialmente pela escassez de contextos bem fechados, ainda que se admita uma relativa rapidez no processo de difusão do conceito, no final do 5º milénio a.n.e (Pétrequin et al, 2012: p.219). A baliza inferior é ainda mais difícil de definir, sendo possível defender uma continuidade da utilização destes modelos até ao fim do 4º milénio a.n.e., coincidente, portanto, com o grosso da cultura material exumada da cavidade cársica. O carácter votivo do artefacto nunca foi posto em causa, não só pela evidente ausência de marcas de utilização, como também pelo suporte utilizado na sua manufatura, que o tornaria inútil numa qualquer atividade de corte. Em suma, é uma peça que atua como testemunho indireto de

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relações culturais a longa distância, reafirmando a complexidade das normas funerárias partilhadas pelas comunidades que utilizaram as grutas do MCE como espaço sepulcral.

3.3.2.2 Enxós

Ao contrário do que foi apontado para os machados, as características morfo- tecnológicas das enxós não nos permitem distinguir dois subgrupos. Genericamente, estas compõem um grupo homogéneo, apresentando uma secção achatada, com tendência para assumir uma forma subretangular, e bordos retilíneos (74%), frequentemente divergentes (53%). Quando observável, o talão assume uma morfologia arredondada (50%), por vezes pontiaguda, como no exemplar MNA 6601. O gume é convexo simétrico ou assimétrico (79%), registando-se alguns exemplares com o gume retilíneo, oblíquo (11%). O acabamento apresenta algum grau de variabilidade, sendo predominantemente integral (>76%), mesmo tendo em conta as dificuldades de avaliação deste parâmetro nos exemplares que não são realizados sobre rochas anfibólicas. Destacaria, desde logo, o valor estético de algumas enxós, ampliado pela extensão de superfície polida (MNA 6503), sendo ainda possível observar com nitidez os pormenores da direção do polimento. Só muito raramente a exclusividade do polimento está restringida ao gume (8%). A geometria do chamado “golpe de enxó”, que acentua o bisel duplo assimétrico que caracteriza estes utensílios (para uma definição do conceito ver Gonçalves, 2009: p. 508), é também variável, sendo maioritariamente convexos (34%), com destaque para os convexos simétricos, e retilíneos (24%) fundamentalmente assimétricos. Se existe um significado cronológico inerente a esta geometria, os dados provenientes desta cavidade cársica não são, de todo, decisivos para uma leitura desse género. No entanto, é importante chamar a atenção para a necessidade de integrar este critério em análises futuras, que com outro tipo de contexto, possam ajudar a esclarecer se será possível, ou não, associar este aspeto tecnológico a um intervalo de tempo mais preciso. No gráfico 12 encontra-se a relação dos índices de espessamento e alongamento das tipologias mais frequentes: machados, enxós e goivas. A individualização das enxós face aos machados é relativamente clara, apesar da dificuldade de estabelecer uma “fronteira” puramente baseada em padrões métricos, que ainda assim colocam um cenário bastante inequívoco. O grupo de enxós apresenta um espectro de alongamento bastante curto, mas um espessamento bastante largo, ou seja, com uma gama de espessuras muito diversificada, tendo- se identificado uma tendência para produtos cada vez mais delgados. O comprimento situa-se entre 6,7 e 15,2 cm, a largura entre 2,7 e 6,9 cm e a espessura entre 1,1 cm e 2,4 cm. O peso varia entre 40,1 e 314,02 gr. Ao contrário do que sucede com os machados, as características

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morfológicas das enxós não exibem traços tão distintos que nos permitam uma atribuição cronológica com mais rigor: de facto, como já havia sido apontado “(…) o grupo das enxós não evidencia evolução tipológica tão marcada (…)” (Cardoso, 1999-2000: p.259; Cardoso, 2020: p.111), pelo que a investigação arqueológica opta sempre por enveredar por uma postura mais cautelosa quando se trata de uma análise como a que aqui foi feita- postura esta, que, com base no estado atual dos conhecimentos, tendemos a seguir. Sem dúvida com outro grau de interesse, fruto da atenção que tem sido prestada a esta vertente, resulta a análise das matérias-primas sobre as quais foram produzidas as enxós, sobretudo quando comparada com aquela que foi realizada para os machados, exclusivamente produzidos sobre rochas anfibólicas. Pelo contrário, este tipo de análise verificou uma clara diversidade dos materiais utilizados, o que está perfeitamente em linha com o que se conhece para outras realidades funerárias crono-culturalmente coevas. A análise macroscópica permitiu aferir que 21 enxós (55%) foram realizadas sobre matérias-primas em quase tudo semelhantes àquelas anteriormente mencionadas, com texturas de grão médio a fino. Foi detetada apenas uma enxó (3%) produzida sobre dolerito, uma rocha ígnea, de textura microgranular, que assume um carácter meramente residual, encontrando-se disponível localmente, no contexto da Estremadura. Por outro lado, e com uma relevância que deve ser destacada, 16 elementos (42%) foram produzidos com recurso a uma rocha metamórfica mais branda, de tendência microcristalina, sendo identificável por uma tonalidade negra/esverdeada (Andrade, 2020a), “(…) que, por alteração, conferem à superfície tonalidades esbranquiçadas (…)” (Cardoso e Carvalho, 2008: p.274). Na bibliografia arqueológica portuguesa, esta matéria-prima tem recebido, em alguns casos, a designação de “basalto filoniano alterado”, e de “xistos verdes” noutros (Mataloto et al, 2016-17), não existindo ainda um consenso relativamente à natureza deste tipo de rocha (Sousa, 1998: p.121). Genericamente, este suporte parece estar reservado para a produção de enxós e goivas (Gonçalves, 2001: p.59). Mais uma vez, se chama a atenção para a necessidade de proceder a outro tipo de análises de forma a que se possa uniformizar o discurso pela comunidade científica, especialmente com este tipo de matérias-primas, cuja homogeneidade aparente não é confirmada pelo microscópico (Cardoso, 2014a). Genericamente, apresentam polimento integral, ainda que este não tenha apagado os estigmas da lascagem de conformação. Uma vez que as características petrográficas e mineralógicas deste tipo de matéria- prima são desconhecidas, a proposta de possíveis áreas de aprovisionamento constitui um exercício cujas limitações são difíceis de superar. Tal como já havia sido apontado para o Algar do Bom Santo, somos forçados a pensar em diversas fontes de aprovisionamento (Cardoso,

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2014a: p.193), seja de carácter local-regional, isto é, com origem na Bordadura Ocidental ou Lusitânica, ou de carácter extra-regional, sendo provenientes de contextos vulcano- sedimentares alentejanos, possivelmente da área de Avis, Sousel, Alter do Chão e Estremoz (Andrade, 2020a). Esta segunda hipótese, a confirmar-se, complementaria o transporte de rochas anfibólicas em direção da Estremadura. Cronologicamente, parece existir uma concentração da utilização destas enxós em torno de contextos funerários do 4º milénio a.n.e. (Matatolo et al, 2016-17), ainda que a sua presença se estenda, com menos expressão, para o 3º milénio a.n.e - como, aliás, foi notado para a região de Reguengos de Monsaraz (Gonçalves, 2001). Todavia, para estes elementos se tornarem um indicador crono-cultural mais seguro, será necessário compreender melhor o contexto em que estes se inserem, o que nem sempre se revela uma tarefa fácil, especialmente no interior de grutas, em que os episódios sucessivos de deposições funerárias provocam uma amálgama difícil de interpretar. A escolha de rochas como estas (de natureza mais branda do que os xistos anfibólicos) para a produção de enxós é comum a contextos funerários, onde estão presentes em grande frequência e carecem de marcas de utilização, e contextos domésticos, onde, pelo contrário, não são tão abundantes, mas cumprem o seu propósito funcional (Cardoso, 1999-2000). A sua maior expressão em ambientes funerários poderá refletir uma escolha por parte destas comunidades (Cardoso, 2014a), baseada no grau de dureza destas rochas, que as fariam menos apropriadas para o tipo de trabalho destinado a este utensílio, acabando por integrar os espólios votivos sem perder o seu significado simbólico. No universo dos povoados calcolíticos da Estremadura, mais do que em contextos do Neolítico final, há uma tendência evidente para a seleção de matérias-primas mais duras na produção de enxós (Sousa, 1998; Cardoso, 2020). Nesse sentido, não podemos desconsiderar a hipótese em que as matérias-primas mais brandas teriam sido utilizadas para uma atividade concreta, inserida numa dinâmica de especialização do trabalho que necessita de ser compreendida a outro nível. Esta é uma questão que merece a atenção que tem recebido, dado que demonstra potencial na hora de caracterizar os ritos funerários das comunidades do Centro e Sul de Portugal, onde o fenómeno parece ser recorrente. Naquele que é o contexto funerário neo-calcolítico da Estremadura, destacaríamos a ausência de artefactos de pedra polida realizada sobre fibrolite (silimanite fibrosa) no conjunto da Lapa da Galinha. A natureza desta rocha impedia a sua utilização como utensílio, sendo recorrentemente utilizada como elemento votivo, também pelas qualidades estéticas que detém (Cardoso e Carvalho, 2010-11). Até hoje, o desconhecimento de fontes de matéria-prima em território português tem sido utilizado para advogar mais um elemento que comprova o vigor das redes de troca a longa distância. Assim, torna-se importante realçar que a sua presença

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em necrópoles estremenhas é relativamente comum, surgindo em sítios como a , a Casa da Moura, Porto Côvo (grutas naturais), Monte Abraão e Trigache 2 (antas). Seria necessário proceder a uma reavaliação dos dados disponíveis para conhecer verdadeiramente a dispersão desta matéria-prima, o tipo de contextos em que surge e, inclusive, putativas áreas de origem.

3.3.2.3 Goivas

São dois os artefactos enquadráveis nesta categoria, ainda hoje associada a diversos problemas, fundamentalmente de ordem cronológica e de significado simbólico, mas não só. Sendo um artefacto que é numericamente escasso nos conjuntos funerários, está sistematicamente presente no tipo de sepulcros passíveis de associar ao fenómeno do Megalitismo, mais concretamente em monumentos ortostáticos, mas também em grutas naturais e artificiais. Desde logo, destacaríamos um aspeto que contribui para o carácter preliminar do nosso entendimento deste artefacto, que consiste na dificuldade de o organizar tipologicamente (Gonçalves, 2001: p.159), como o resultado da sua variabilidade morfológica. Os exemplares da Lapa da Galinha não podiam estar mais em acordo com esta premissa, ainda que apresentam feições suficientemente semelhantes que permitem agrupá-los: de forma geral, apresentam um perfil estreito e alongado, cuja extremidade distal é caracterizada pelo chamado “golpe de goiva”, o verdadeiro elemento diferenciador. Os exemplares agora descritos encontram-se inteiros e sem quaisquer marcas de utilização, reforçando a sua natureza votiva. Ambos, integralmente polidos, apresentam secções subretangulares e os bordos paralelos. No entanto, enquanto o exemplar MNA 6938 apresenta uma morfologia de base convexa e um gume retilíneo assimétrico, o exemplar MNA 6989 tem uma base que tende para ser pontiaguda e um gume convexo simétrico. Ainda assim, são as dimensões métricas que destacam as diferenças entre as duas goivas. O primeiro daqueles exemplares apresenta de comprimento 4,6 cm, de largura 1,5 cm e de espessura 1 cm, pesando 12,32 gr. O segundo, com um comprimento de 11,8 cm, uma largura de 2,7 cm, uma espessura de 1,9 cm e um peso de 109,77 gr é consideravelmente maior. A própria matéria-prima é distinta, sendo no primeiro caso, realizada sobre rocha branda e no segundo sobre rocha anfibólica. Assim, podemos admitir que se trata da produção de artefactos claramente distintos que partilham um mesmo objetivo, integrar a componente votiva da comunidade que utilizou esta gruta como espaço para os mortos. Relembramos o estreito paralelo que existe entre a pequena goiva que agora foi descrita e um exemplar recolhido no hipogeu das Lapas, em Torres Novas (Vagueiro, 2016: p.60). A peça

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referida está identificada com o número de inventário 2003.168.154 40.1964. A proximidade entre os dois artefactos é de tal forma grande que, com certeza, correspondem a um mesmo modelo, que, em última instância, até poderá traduzir uma variação regional. Constitui, portanto, um elemento sólido que suporta a visão de que durante o final do 4º e o princípio do 3º milénio a.n.e. se verifica a partilha de um mesmo sistema de crenças, mágico-religioso, que é independente da escolha de “contentor” funerário. Por sua vez, a goiva de maiores dimensões recolhe uma forte semelhança com o exemplar recolhido na gruta da Casa da Moura (Carreira e Cardoso, 2001-02: fig.10-4) e no Poço Velho (Gonçalves, 2009: fig.2.117), ainda que neste último caso tenha sido identificado um segundo “golpe de goiva”. No âmbito concreto do MCE, e para além da Lapa da Galinha e da necrópole das Lapas, este artefacto foi apenas reconhecido no Lugar do Canto (Cardoso e Carvalho, 2008) e na sepultura indeterminada de Pragais (Sousa, 2004), destacando-se a sua fraca representatividade. O mesmo se aplica para antas e grutas naturais, como é o caso do Casal do Pardo e a Gruta 2 de São Pedro do Estoril (Gonçalves, 2001). O Lugar do Canto, bem caracterizado cronologicamente entre o segundo e terceiro quartel do 4º milénio a.n.e. (Carvalho e Cardoso, 2015) poderá assinalar o início da deposição funerárias das goivas. Morfologicamente, o exemplar aí recolhido destaca-se pelas suas grandes dimensões, atingindo os 16 cm (Cardoso e Carvalho, 2008: fig.16-1). Os paralelos mais próximos serão aqueles do contexto de Pragais (Sousa, 2004: fig. 18) e os exemplares descritos pelos Leisner em Reguengos de Monsaraz, entre os quais se destaca o exemplar de Gorginos 3, com maior dimensão (Gonçalves, 1999: p. 51; Leisner e Leisner, 1951: est.IX-7). Apesar de não ter sido possível efetuar datações absolutas, o conjunto artefactual de Pragais remete-nos para um episódio mais tardio, associado a uma placa de xisto e grandes pontas bifaciais, sugerindo uma ocupação funerária datável do final do 4º e início do 3º milénio a.n.e. Por sua vez, na necrópole das Lapas, Torres Novas, na anta de Pedras da Granja, Sintra, e na anta 1 do Passo, Reguengos de Monsaraz, a associação com placas de xisto gravadas foi igualmente verificada. Com elevada probabilidade, os exemplares da Galinha são passíveis de integrar neste universo, condicionado pelas associações artefactuais. O enigma que envolve as goivas é algo que ainda não se dissipou (Gonçalves, 2001: p.162). Desconhecemos a sua funcionalidade e sistema de encabamento (se este de facto existiu), ainda que se adiantem algumas propostas. A sua fraca representatividade em necrópoles é mais acentuada pelo seu carácter impercetível, e frequentemente de ausência, nos espaços domésticos do 3º milénio a.n.e. na Estremadura: em Leceia, a sua presença não está devidamente comprovada (Cardoso, 1999/2000), em Vila Nova de S. Pedro os exemplares conhecidos são bem escassos considerando o volume de pedra polida recolhido (Cardoso e Carvalho, 2008) e no Penedo do Lexim (Sousa, 2010), assim como nas antigas coleções da Ota

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(Lopes, 2016) está mesmo ausente. Com base nesta ausência, mas também devido à moldura cronológica que existe em torno da deposição de placas de xisto gravadas, poderá defender-se, ainda que com as devidas reservas, uma intensificação da deposição de goivas a partir da segunda metade do 4º milénio, estendendo-se com pouca expressão para contextos do 3º milénio a.n.e. Desta forma, revela algum potencial enquanto indicador crono-cultural.

3.3.2.4 O formão e o martelo (?)

Neste conjunto foram ainda identificados dois artefactos que, não integrando sistematicamente o espólio votivo das comunidades neo-calcolíticas, também não destoam do que se conhece para as coleções de pedra polida de outras necrópoles coevas. O registo MNA 6743 corresponderá, com probabilidade a um formão, caracterizado pela sua morfologia retangular alongada, com as faces planas e cuidadosamente polidas, apresentando secção subretangular. A extremidade proximal é arredondada e não são visíveis marcas de desgaste. Infelizmente, o gume não se preservou (por uso?), pelo que não foi possível qualificar o seu estado e respetiva geometria. Dificultou igualmente a sua classificação tipológica rigorosa. As suas medidas conservadas são 17,3 cm de comprimento, 4,6 cm de largura e 3,6 cm de espessura, constituindo a maior peça do conjunto analisado. Pesa 471,91 gr e é um produto realizado sobre rocha anfibólica. De facto, não corresponde a uma tipologia muito usual em necrópoles estremenhas, sendo mais expressiva em território alentejano e, consequentemente, em monumentos ortostáticos como a Torre das Arcas 4, Lapeira 3, Brissos 6 e a anta do Espragal (Gonçalves e Andrade, 2014-15: p.261). Estes, tal como a Galinha, registam contextos com associações a placas de xisto gravadas, pelo que a proposta da sua integração cronológica se encontra em torno do final do 4º e primeira metade do 3º milénio a.n.e. A classificação do artefacto com a identificação MNA 2004.499.2 é mais problemática. Trata-se de uma peça de morfologia retangular robusta, de faces planas e secção subquadrangular. Os bordos são paralelos e retilíneos e o polimento está confinado às faces e ao bordo esquerdo. Tem 9,5 cm de comprimento, 4 cm de largura, 4,3 cm de espessura e pesa 359,27 gr. Por não conservar a sua extremidade funcional de origem, que foi aplanada e polida de novo, tratar-se-á de um reaproveitamento de um produto anterior, talvez de um machado. A própria matéria-prima é muito semelhante à dos machados – rochas anfibólicas, de dureza significativa. Assim, e com a cautela devida, será possível integrar esta peça como um martelo, cuja designação decorre da sua putativa funcionalidade, da martelagem do cobre, ainda que não se deva excluir outras opções, como a maceração de couros e fibras vegetais ou animais (Andrade, 2014). O facto de artefactos morfologicamente semelhantes surgirem na camada

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correspondente ao Neolítico final de Leceia (Cardoso, 1999-2000), ainda que em quantitativos pouco expressivos, faz-nos pensar precisamente em outras funcionalidades para além do trabalho do metal. Todavia, estes surgem com maior incidência a partir do Calcolítico, conforme os resultados de Leceia, do Penedo do Lexim e do Zambujal (Sousa, 2010: p.219).

3.3.3 Utensilagem em osso

Não foram identificados quaisquer restos mamalógicos na coleção do MNA. Porém, isto não implica necessariamente a sua ausência e, consequentemente, a sua possível integração no depósito arqueológico, tal como acontece em outras cavidades da mesma região, como aparenta ser o caso do Algar dos Casais da Mureta (Carvalho et al, 2019a). A sua ausência poderá estar relacionada com o mesmo fator que determinou a má conservação dos restos humanos. De qualquer forma, os registos faunísticos em necrópoles neolíticas correspondem frequentemente a intrusões, que não estão associadas a qualquer aspeto simbólico. O instrumental ósseo recolhido é escasso, mas diversificado: dois furadores, uma possível agulha e dois alisadores/brunidores. Deve dizer-se que o conjunto já havia sido inserido no âmbito de um projeto de mestrado (Salvado, 2004), com contornos bastante específicos, que descreveu cada um dos registos atualmente disponíveis no MNA. Contudo, a análise então realizada pretendia abarcar uma outra escala de trabalho, que não permitiu a realização de comentários específicos aos artefactos recolhidos, a que agora se procede. Apesar das boas condições de preservação da matéria-orgânica na Estremadura, os estudos realizados são escassos e fundamentalmente relacionados com questões tecno-tipológicas (Sousa, 2010). Para além da diversidade tipológica que caracteriza esta categoria artefactual, muitos destes elementos apresentam uma vida excessivamente longa no registo arqueológico, mantendo-se frequentemente imutáveis. Desta forma, é problemático estabelecer uma cronologia fina para a sua utilização- não constituem bons indicadores crono-culturais. Os furadores são, regra geral, o tipo mais comum da indústria em osso exumada de contextos funerários. Na Lapa da Galinha foram recolhidos dois exemplares (MNA 6501 e 6685), morfologicamente distintos, que se integram nos dois grupos que têm vindo a ser definidos por Cardoso com base na inclinação do seccionamento da peça óssea sobre a qual são produzidos (Carreira e Cardoso, 2001-02; Cardoso, 2003; Cardoso e Carvalho, 2010-11). No primeiro caso trata-se de um furador obtido pelo seccionamento longitudinal da diáfise de um osso longo e que não preserva extremidade articular. No segundo caso, o furador foi obtido pelo seccionamento oblíquo de um metápodo de ovicaprino, preservando a extremidade distal, pelo que foi possível proceder à identificação do suporte anatómico.

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Parece existir um significado cronológico nestas diferenças tecnológicas, suportado pelos dados obtidos em grutas-necrópole, como o Lugar do Canto, (Cardoso e Carvalho, 2008) Algar do Barrão (Carvalho et al, 2003) e Algar do Bom Santo (Dean e Carvalho, 2014), mas também em contextos domésticos, como Leceia (Cardoso, 2003). Assim, os furadores obtidos por seccionamento longitudinal são exclusivos naqueles contextos funerários datados do Neolítico médio. Na camada 4 de Leceia, datada do Neolítico final, já não são exclusivos, mas dominam sobre os furadores obtidos pelo seccionamento oblíquo. Noutras necrópoles com ocupações do Neolítico final foi também detetada a coexistência entre ambas as técnicas, tais como a Casa da Moura (Carreira e Cardoso, 2001-02), Poço Velho (Gonçalves, 2009) ou a Lapa do Bugio (Cardoso, 1992). Apesar das dificuldades metodológicas inerentes à exploração destes sepulcros, parece existir uma coexistência dos dois tipos na fase final do Neolítico. De momento, carecemos de contextos bem fechados que permitam confirmar o modelo estabelecido, ainda que a sua consistência seja sólida perante as evidências disponíveis. Acrescente-se que para a região valenciana e da Andaluzia se observou um padrão em tudo semelhante (Pascual Benito, 2016), nomeadamente a importância e continuidade dos furadores obtidos pelo seccionamento longitudinal durante o Neolítico e a sua substituição- que não implica ausência- a partir do Calcolítico, pelos furadores obtidos pelo seccionamento oblíquo. Devido ao estado de preservação do registo MNA 6956, nomeadamente a ausência da extremidade distal, a sua designação como agulha ou sovela deve ser lida com alguma cautela (Salvado, 2004: p.80). Tendencialmente, este tipo caracteriza-se por um lustre na ponta e pela presença de um elemento “estrangulador” destinado à preensão de um fio. Este exemplar da Galinha não preserva qualquer destas características. No entanto, é um artefacto que apresenta um comprimento preservado de 113,95 mm e secção perfeitamente circular, cujo perfil se estrutura num único prolongamento, tal como acontece com as agulhas, para que possam trespassar totalmente a matéria que se pretende trabalhar. Poderá igualmente tratar-se de uma haste de alfinete de cabeça postiça, já que se se nota uma tendência para a diminuição do diâmetro da peça no sentido proximal-distal. A classificação de MNA 6686 também apresenta problemas. É um artefacto de morfologia alongada (144,55 mm de comprimento), com os bordos retilíneos e secção circular, produzido sobre um osso longo de mamífero indeterminado. Encontra-se polido em toda a superfície e a extremidade distal, ainda que formalmente pontiaguda, apresenta-se romba- característica que poderá ser relevante para determinar a sua função, tradicionalmente associada ao tratamento de superfície dos recipientes cerâmicos. A extremidade proximal encontra-se aplanada por abrasão. Salvado (2004: p.90) designa-o de espátula/alisador, mesmo reconhecendo os problemas associados a esta terminologia, fundamentalmente relacionados

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com a distinção entre aquele tipo e o tipo dos brunidores. Morfologicamente, esta autora individualiza os brunidores pela sua extremidade distal em bisel. Ao cumprir a sua função, é evidente que a extremidade operativa se transforma e fica romba, pelo que a sua classificação nem sempre é inquestionável. Enfim, ainda não foram desenvolvidos parâmetros claros que permitam a distinção imediata entre alisadores e brunidores, pelo que, de momento, será mais seguro utilizar a designação conjunta (Cardoso, 2003). Contrariamente, a distinção com o tipo das espátulas não levanta problemas de maior. De qualquer forma, este não é um grupo de artefactos abundante nas estações funerárias portuguesas e os paralelos documentados não são inteiramente esclarecedores. Realçamos as estreitas semelhanças que se verificam entre este exemplar e o grupo definido por Pascual Benito como “alfinetes de cabeça não diferenciada e fuste espesso” (1998: fig.III.106). Estes exemplares são caracterizados pela morfologia alongada, extremidade distal reta, bordos paralelos e secções maioritariamente circulares. No entanto, o registo MNA 6686 apresenta a extremidade operante romba, provavelmente decorrente da sua utilização, o que não seria compatível com um elemento de adorno deste tipo. Assim, justifica-se a utilização da designação anterior. Do ponto de vista simbólico, é difícil desvendar o significado destes elementos que integram plenamente o pacote artefactual votivo destas comunidades. O facto de muitos dos sepulcros mencionados no texto terem sido alvo de sucessivos episódios funerários impede-nos de analisar o contexto original da oferenda votiva, dificultando as associações artefactuais e entre indivíduo-artefacto, o que seria muito interessante do ponto de vista socioeconómico. Resta apenas dizer que tanto o furador MNA 6685 e o alisador/brunidor MNA 6686 partilham a mesma indicação de proveniência- “sepultura 38”.

3.3.4 Adorno

3.3.4.1 Alfinete e presas de Sus

A designação de alfinete prende-se com a sua interpretação funcional. Apesar de existirem outras hipóteses- até hoje não totalmente desacreditadas- como componentes de fixação de vestuário ou possíveis instrumentos de trabalho (Salvado, 2004), a sua interpretação como alfinetes de cabelo ganha força no registo arqueológico peninsular, nomeadamente em contextos funerários em que foi possível verificar uma associação direta entre crânios e estes artefactos (Pascual Benito, 1998). Também no hipogeu de Monte Canelas I, Portimão, se verificou esta associação entre alfinetes de cabeça postiça, lisos e canelados, e os crânios dos indivíduos inumados, nomeadamente do sexo feminino (Silva e Parreira, 2010: p.428). Neste

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caso, a sua identificação enquanto elementos de adorno pessoal não levanta grandes dúvidas. Por outro lado, e considerando a distribuição de outros exemplares neste mesmo sepulcro, é possível que os alfinetes tenham sido utilizados juntamente com mortalhas, que envolviam os cadáveres, mas também com determinados conjuntos do espólio votivo (Parreira, 2010: p.403). De qualquer forma, os alfinetes correspondem a uma tipologia bastante comum em contextos funerários do 4º e 3º milénios a.n.e., com uma variabilidade morfológica muito diminuta quando comparada com os dados obtidos para as províncias espanholas. No conjunto da Galinha, foi recuperada apenas uma cabeça postiça de alfinete (MNA 6844- Est. 45), decorada com 13 estrias horizontais circulares. Contudo, este número deve ser entendido com alguma cautela, uma vez que a superfície do artefacto, que se preserva inteiro, está bastante afetada, provavelmente pelo ambiente em que estava depositado, tornando difícil apontar o número de estrias com a exatidão desejada. Tal como sucede com outros exemplares da Estremadura, preserva ainda parte do cabo inserido na cabeça do alfinete. Em suma, constitui um artefacto tipificado, não existindo qualquer característica que o diferencie: nem as caneluras, nem as dimensões, nem a secção. De momento, o exemplar mais singular deste grupo, é, sem dúvida, um dos recolhidos na anta dos Penedos de S. Miguel, no Crato: não por apresentar características morfológicas distintas, mas pela matéria-prima em que a cabeça canelada foi realizada – sobre pedra verde (Gonçalves, 2003a). Os exemplares recolhidos na câmara ocidental do complexo funerário da Praia das Maçãs, Sintra, distinguem-se também pelo suporte utilizado, que é o marfim (Leisner et al, 1969; Cardoso e Schuhmacher, 2012). Ainda que seja necessária confirmação analítica, o exemplar da Galinha parece ter sido produzido sobre uma matéria-prima menos nobre e, sem dúvida, mais abundante, como é o osso. Há, portanto, uma diversidade de suportes para o mesmo símbolo, que reforça a vivacidade das redes de contactos extra-regionais durante o Neolítico. Parece-nos interessante realçar o facto deste elemento integrar um pacote crono-cultural bem definido, acompanhando frequentemente placas de xisto gravadas, geométricos, pontas de seta de base convexa e triangular, grandes pontas bifaciais, machados e enxós realizados sobre rochas anfibólicas (Parreira, 2010). Ainda no final do século passado, foram obtidas diversas datações absolutas sobre alfinetes (Cardoso e Soares, 1995) que clarificaram o seu posicionamento cronológico, cobrindo grande parte da segunda metade do 4º e o princípio do 3º milénio a.n.e. Contudo, já então se valorizava a longevidade deste tipo no registo funerário, bem patente nos resultados de uma das grutas artificiais de Palmela, mas também no tholos OP-2b (Gonçalves, 2003a), atestando a utilização destes exemplares durante o Calcolítico Pleno - no último caso, sem cabeça postiça. A datação de um dos alfinetes provenientes das grutas do Poço Velho reforça uma cronologia mais alargada durante o 3º milénio a.n.e. (Gonçalves, 2009). Como já havia sido notado, o seu

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desaparecimento na segunda metade do 3º milénio poderá confirmar “(…) a interrupção das grandes vias de circulação tradicionais ou o aparecimento de outras associações artefactuais de que eles estão excluídos” (Gonçalves, 2003a: p.255). No hipogeu do Convento do Carmo (Torres Novas), com uma cronologia em torno dos meados deste milénio, estes elementos já não estão presentes (Carvalho, 2019). No caso do tholos do Cardim 6, e ainda que a maioria das datações aponte para a segunda metade do 3º milénio a.n.e., o exemplar de cabeça canelada foi recuperado na primeira fase de deposições no monumento, enquadrada em meados daquele milénio (Valera et al, 2019). No atual estado dos conhecimentos, é difícil estender temporalmente a sua integração nos mobiliários votivos. A presença de alfinetes de cabelo, de cabeça postiça ou não, é recorrente nas necrópoles do Sudoeste peninsular. Ao ensaiar uma distribuição geográfica, rapidamente chegamos a essa conclusão. Ao cruzar estes dados com a arquitetura dos sepulcros, observamos que estão simultaneamente presentes em grutas naturais, antas, hipogeus e tholoi. Da Estremadura ao Algarve, este é um componente que integra o sistema de crenças, e, consequentemente, o pacote artefactual votivo, das comunidades megalíticas desta ampla região. Desconhecemos ainda o critério pelo qual se distingue um indivíduo associado ao símbolo do alfinete ou se este infere qualquer sentido identitário, pelo que se aguardam novos trabalhos sobre esta temática. O depósito votivo integrava também dois caninos de suídeos (MNA 6959 e 6973). No primeiro caso, aquele exemplar foi previamente classificado por como um alisador/brunidor realizado sobre canino de javali (Sus scrofa), seccionado longitudinalmente (Salvado, 2004: p.74). Nesse sentido, verifica-se o aproveitamento da morfologia natural do suporte, tendo sido apenas transformada a extremidade distal por abrasão. O exemplar da Lapa da Galinha encontra-se fragmentado, não sendo visíveis marcas de utilização- pelo menos macroscopicamente. A presença destas oferendas votivas em necrópoles da Estremadura está atestada em diversas cavidades, como na Furninha, Casa da Moura, gruta II da Senhora da Luz, Cova da Moura e Lapa do Bugio, correspondendo, com probabilidade, a deposições do Neolítico final (Cardoso e Carvalho, 2010-11: p.374). Este registo até poderá ter cumprido uma função enquanto utensílio, no entanto, o seu derradeiro destino parece estar relacionado com o âmbito da morte. A própria escassez de elementos análogos em locais de povoamento crono- culturalmente coevos parece sustentar aquele argumento. Enquanto elemento de adorno, este poderia estar fixado ao vestuário por um qualquer elemento orgânico que não se preservou. Aliás, a maioria destas presas não se encontra perfurada, pelo que devemos considerar outras formas que garantam a sua fixação. Em relação a MNA 6973, trata-se igualmente de um canino inferior de Sus sp., não sendo claro se se trata de espécie doméstica ou selvagem. Comparativamente ao registo anterior,

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apresenta dimensões mais pequenas e não se encontra transformado. É provável que se trate de outro exemplar de Sus scrofa, considerando que se desconhecem exemplares de espécies domésticas no mobiliário votivo destas comunidades. A sua importância simbólica parece ser inegável e está provavelmente relacionada com os emblemas característicos desta espécie e o reconhecimento perante o grupo das capacidades necessárias para abater um espécime.

3.3.4.2 Contas e pendentes

“Os colares que se encontram nas antigas publicações raramente correspondem a componentes de colar encontrados em conexão” (Gonçalves et al, 2018: p. 53). De facto, a prática de reunir contas e pendentes- procedentes de escavações antigas- sob a forma de um colar, constitui uma situação comum em várias instituições de depósito de materiais arqueológicos (Boaventura, 2009: p.266). Na realidade, estas construções são artificiais, não têm um verdadeiro significado no registo arqueológico. Os casos em que foram identificados contextos não perturbados com os elementos de adorno perfeitamente alinhados são muito escassos. Mais uma vez, o uso prolongado das arquiteturas da morte e os fenómenos pós- deposicionais que se verificam frequentemente, constituem fatores que nos impedem de aceder a esta imagem muito tradicional, por vezes difícil de desconstruir. Presentemente há uma tendência para utilizar a posição tridimensional e intraproximidade destes componentes como argumento para assumir a presença de um dito “colar”, ainda que esta opção possa levantar algumas questões. Também na Lapa da Galinha pudemos verificar esta opção aparentemente arbitrária. Com a exceção das contas de maior dimensão e de matérias-primas distintas, foram produzidos dois “colares” compostos exclusivamente por pequenas contas discoides em xisto. Um mais pequeno, com 23 exemplares (MNA 6729), e um maior, com 103 exemplares (MNA 2002.188.6). Este extenso grupo de contas é bastante homogéneo, com diâmetros inferiores a 6mm e com registos de pesos que rondam os 0,05 g. Relativamente à morfologia das perfurações, estas apresentam-se essencialmente cilíndricas. O “grupo das pequenas contas” em xisto (Gonçalves, 2009: p.519) encontra-se bem representado nas necrópoles do Maciço e da própria Estremadura, com exemplos na necrópole das Lapas, nas grutas da Nossa Senhora da Luz e nas furnas do Poço Velho. Em si, este facto tem sido valorizado como demonstrativo da vitalidade dos circuitos de intercâmbio regionais, já que o xisto não se encontra disponível na litologia da Estremadura. Por outro lado, se conseguimos compreender a razão que levou à agregação destes elementos – relacionada, sobretudo, com as suas similitudes – já temos mais dificuldade

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em entender por que o fizeram sob a forma de dois colares. Apesar de não se preservar qualquer registo de associação com uma sepultura, este poderia ser o caso… Registadas individualmente encontravam-se todas as contas que pela sua dimensão e matéria-prima se destacavam – o que não implica a sua exclusão dos ditos colares. O caso do registo MNA 6838A parece ser elucidativo a esse respeito, correspondendo igualmente a uma conta em micaxisto, de morfologia discoide, mas que se destaca claramente pelas suas dimensões, nomeadamente a espessura. Regista um peso de 2,62 gr e uma perfuração cónica. De osso foram recolhidas três contas discoides (MNA 6839A, B e C). Todas apresentam características morfológicas muito semelhantes, nomeadamente no que toca à regularização das superfícies. O exemplar MNA 6839A destaca-se dos demais por ser ligeiramente maior e por apresentar uma perfuração cónica. Os processos técnicos que resultaram nestes elementos foram já descritos, consistindo essencialmente na obtenção de pequenas contas quadradas, destacadas a partir de um osso plano e depois transformadas por intensa abrasão (Salvado, 2004: p.63). Consequentemente, é problemático identificar a taxonomia e o suporte anatómico utilizado. A utilização de osso como matéria-prima para a produção de elementos de adorno é uma realidade que está sistematicamente presente nas necrópoles da Estremadura. A grande maioria corresponde a contas discoides, mas verifica-se uma certa variabilidade tipológica, especialmente marcada nas grandes contas dos hipogeus das Lapas e Carenque e das grutas da Furninha e da Cova da Moura. Assinalámos a presença de uma conta bitroncocónica realizada sobre rocha sedimentar carbonosa, frequentemente denominada de azeviche (MNA 6769). Apresenta uma perfuração cilíndrica e as superfícies regulares. É uma das maiores contas do conjunto, com 29,16 mm de comprimento e 18,14 mm de diâmetro máximo. Não sendo uma matéria-prima sistematicamente utilizada na produção de elementos de adorno, encontra-se bem representada nos espaços da morte da Pré-História Recente na Estremadura: para além do exemplar da Lapa da Galinha, a sua presença foi documentada no hipogeu das Lapas (Vagueiro, 2016), na gruta da Casa da Moura (Carreira e Cardoso, 2001-02), nas grutas do Poço Velho (Gonçalves, 2009) na anta das Pedras da Granja (Boaventura, 2009), na Lapa do Bugio (Cardoso, 1992) e noutros sepulcros. Surgem, maioritariamente, sob a forma de contas bitroncocónicas, ou em casos pouco comuns, sob a forma de pendentes, como aqueles da Casa da Moura (Carreira e Cardoso, 2001-02: fig.53;19 a 21), ou, possivelmente, do Correio-Mor (Cardoso, 2003b). É na primeira daquelas cavidades que é proveniente o maior número de registos desta matéria-prima (N=9), contrastando com dados disponíveis para os outros sepulcros, onde foram exumados um ou dois exemplares. Não deixa de ser curioso notar que na região valenciana, em que o azeviche se encontra bem representado, as contas bitroncocónicas são minoritárias face

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à abundância das contas discoides, revelando diferentes opções tecno-morfológicas e culturais (Pascual Benito, 1998). A identificação macroscópica desta matéria-prima não levanta problemas de maior, já que é facilmente reconhecida pela sua cor castanho-escuro e pelas fissuras que a superfície exterior, totalmente polida, evidencia. O azeviche insere-se no conceito mais amplo de rochas sedimentares carbonosas, cujo processo de formação consiste na acumulação de matéria vegetal decomposta, podendo resultar em camadas mais ou menos espessas. As várias designações atribuídas aos carvões minerais fósseis, como azeviche, lignito, hulha ou turfa diferem “(…) quanto à percentagem de carbono, dureza, etc.” (Costa, 2014: p.135). Assim, seria importante afinar a terminologia utilizada no discurso arqueológico. Tanto a zona de Rio Maior, como a área das arribas litorais têm sido apontadas como potenciais áreas de aprovisionamento desta matéria-prima (Carreira e Cardoso, 2001-02). Estaria, portanto, disponível à escala local/regional. No entanto, são necessárias análises petrológicas, tanto sobre os elementos de adorno como dos potenciais locais de aprovisionamento, de forma a estabelecer uma correlação segura. Daí que se destaque a análise sobre os adornos líticos da Lapa da Galinha no âmbito do projecto em curso por Carlos Odriozola, agradecendo-se a cedência das análises químicas.

Mineral N % Talco 3 42,9 Micas 2 28,6 Moscovite 2 28,6 Total 7 100,0 Quadro 8- Classificação das matérias-primas utilizadas nos adornos líticos da Lapa da Galinha

Os registos MNA 6662, 6887A e 6687B, apesar da sua heterogeneidade macroscópica, são realizados sobre talco, um mineral de dureza 1 na escala de Mohs, e que, portanto, é facilmente transformável. De igual forma, apresentam morfologias e dimensões substancialmente distintas: MNA 6662 corresponde a uma grande conta cilíndrica, de matiz branca, perfuração cilíndrica, com um eixo longitudinal de 22,59 mm; MNA 6887A apresenta uma forma bitroncocónica, de tonalidade acinzentada, perfuração cilíndrica e um diâmetro máximo de 10,97 mm; MNA 6887B apresenta também uma forma cilíndrica, ainda que de clara tendência tubular, de tonalidade esverdeada, perfuração cónica e um eixo longitudinal de 11,02 mm. Todos estes elementos apresentam secções subcirculares e um grau de conformação total, contando com todas as superfícies regularizadas. Considerando a ausência de estudos de proveniência e exploração dos ambientes de formação desta matéria-prima utilizada na

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produção de adornos durante a Pré-História Recente, torna-se difícil estabelecer propostas fiáveis para o seu enquadramento crono-cultural. Ainda assim, o seu caráter neo-calcolítico parece ser inequívoco, patente no conjunto da Galinha. Destacaríamos ainda o peso dos adornos sobre talco no conjunto da Galinha, perfazendo 27% da totalidade, demonstrando uma clara importância na elaboração de colares ou pulseiras, pelo menos na região do MCE. Por sua vez, a conta bitroncocónica MNA 6724 está integrada no subgrupo das micas negras ou micas ferromagnesianas, que abrange a biotite. Tem uma dureza superior ao talco (2,5 – 3 na escala de Mohs), mas é também facilmente transformável. Apresenta um tom acastanhado, perfuração cilíndrica, secção subcircular e um eixo longitudinal de 13,81 mm. Ocorre numa variedade de rochas metamórficas e ígneas, pelo que será de origem extra-local. Por fim, os dois pendentes que fecham o conjunto dos elementos de adorno líticos (MNA 6888 e 6655) estão realizados sobre pedra verde. Nesse sentido, importava esclarecer se, de facto, estavam realizados sobre variscite, considerando a sua origem não-local e que a sua presença neste território poderia ser interpretada como o produto de intercâmbios a larga distância. De forma inequívoca, as análises efetuadas indicaram que estes pendentes de morfologia triangular, de perfuração cilíndrica e cónica, respetivamente, são realizados sobre moscovite, integrada no subgrupo das micas brancas. “Não existem estudos sistemáticos de proveniência e caracterização de elementos pétreos de cor verde, além dos dedicados à variscite. Assim, qualquer elemento de adorno de pedra verde que não seja variscite será considerado por defeito como um material local, dado que os silicatos são um material muito abundante na natureza” (Odriozola et al, 2013a: p.459; 2013b). No contexto do MCE, a presença deste mineral, aparentemente rara, está comprovada no hipogeu do Convento do Carmo, Torres Novas. Porém, não foi possível estabelecer uma correlação direta entre as principais fontes de aprovisionamento da Península Ibérica – Pico Centeno e Palazuelo de las Cuevas (Linares e Odriozola, 2011) – e as matérias-primas utilizadas na produção daqueles adornos, pelo que se adianta a possibilidade da exploração de pequenas jazidas no Norte do atual território português, de má qualidade, durante a Pré-História (Carvalho, 2019: p.178). Está hoje claro que as comunidades neo-calcolíticas da Península Ibérica utilizaram qualquer mineral de cor verde para a produção de elementos de adorno. Poderíamos então enaltecer o valor simbólico inerente às produções sobre pedras verdes. De qualquer forma, a ausência de variscite na Lapa da Galinha, é, por si só, alvo de reflexão e comentário particular. A possível identificação de variscite na gruta do Caldeirão (Real, 1992), situada a cerca de 30 km NE da Galinha, parece ser demonstrativa da exploração e circulação desta matéria-prima num momento inicial do Neolítico. Contudo, e devido à longa biografia de utilização daquela cavidade, é possível admitir que as contas de variscite identificadas possam estar relacionadas

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com os episódios funerários do Neolítico médio e final que aquele sepulcro também conheceu (Paulsson et al, 2019). No caso das cavidades cársicas do Maciço, as análises mineralógicas dos elementos de adorno líticos são ainda escassas, pelo que os dados disponíveis para os períodos posteriores são escassos ou inexistentes. Contudo, a utilização de contas e pendentes de variscite atinge o grande pico durante a primeira metade do 3º milénio a.n.e., em detrimento dos outros minerais de cor verde, que assumem valores residuais (Odriozola et al, 2016). Enfim, esta ausência poderia ser interpretada como um outro indicador de um intenso ritmo de utilização desta necrópole durante os últimos séculos do 4º milénio a.n.e.

3.3.5 Cerâmica 3.3.5.1 Ainda no Neolítico antigo…

No conjunto cerâmico disponível, observámos três fragmentos que destoavam claramente do carácter megalítico das restantes produções e que documentam uma ocupação da cavidade, de contornos indeterminados (compreenda-se, não necessariamente funerários), anterior ao 4º milénio a.n.e. Estes pertencem a três recipientes distintos, correspondendo a formas fechadas (Est. 47): MNA 6728, que conta com um cordão plástico entalhado; MNA 6940, que apresenta uma pega espessa com perfuração vertical; MNA 6591, com uma decoração incisa típica dos contextos do Neolítico antigo evolucionado do Maciço (descritos em Carvalho, 2007). Relativamente às tecnologias de produção, observámos que as pastas se mostram compactas e com elementos não plásticos em número mediano, de calibre fino a médio. As cozeduras oxidantes predominam. No que concerne as superfícies, verificou-se que se apresentam genericamente alisadas e num dos casos (MNA 6591) foi possível notar a aplicação de almagre- o que, para os contextos coevos no atual território português, constitui uma prática pouco comum (Gonçalves e Sousa, 2018). Refira-se que o almagre está presente no grupo tipológico do “Cardial Recente” da Galeria da Cisterna da gruta do Almonda, mas ausente da fase “Epicardial” (Zilhão e Carvalho, 2011: p.253). As texturas, ainda que heterogéneas, destacam-se claramente das produções cerâmicas posteriores: no cômputo geral, estes três fragmentos apresentam-se muito bem depurados e com uma robustez e tratamento cuidado que se destacam a olho nu (Fig. 30A). Outros elementos artefactuais poderiam encontrar-se em direta associação com estes fragmentos. Ao contrário da indústria de pedra lascada, as outras categorias artefactuais carecem de um fóssil-diretor válido e consensual para as fases mais antigas do Neolítico. No entanto, a análise exaustiva da componente de pedra lascada da Lapa da Galinha não identificou

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qualquer destes elementos distintivos, como é o caso dos pequenos crescentes produzidos sobre lamela ou das lamelas de dorso. Contrasta, então com os registos obtidos da vizinha Gruta dos Carrascos (Gonçalves e Pereira, 1974-77) e da Galeria da Cisterna (Carvalho, 1998a; 2007). As condições que levaram à exploração da cavidade - entenda-se, a ausência de informação de proveniência - e a própria escassez dos registos impõem um limite às considerações possíveis de realizar, nomeadamente no sentido de apurar o tipo de ocupação durante esta fase. Contudo, podemos afirmar, com relativa segurança, que teria sido uma ocupação pontual daquele espaço. O seu carácter funerário poderia ser apenas defendido com base em datações absolutas sobre restos humanos, cuja localização se desconhece. De qualquer forma, corresponderia a um conjunto de práticas funerárias distintas do Megalitismo.

3.3.5.2 A cerâmica “dolménica”

De facto, o grosso dos elementos cerâmicos examinados insere-se nesta categoria, que se assume como um elemento central no conceito super-estrutural que é o Megalitismo. Assim, optamos por manter esta designação apesar dos problemas que lhe estão associados e que se prendem fundamentalmente com uma dimensão algo redutora. Dificuldades estas que se agravam pelo facto de a grande maioria dos dados que surgem nas presentes discussões terem sido recolhidos segundo metodologias que não nos permitem estabelecer cronologias finas, contextos de deposição e associações artefactuais (Boaventura, 2009: p.258). Ao contrário do que tem vindo a ser realizado para os ambientes domésticos, a análise dos recipientes cerâmicos da esfera da morte tem-se focado inteiramente no aspeto formal, nas presenças e nas ausências. Do nosso ponto de vista, é algo que carece de uma sistematização baseada em novos pressupostos metodológicos que permitam discutir, a título de exemplo, grupos tecnológicos, a proveniência de argilas ou até análise de conteúdos. No âmbito deste trabalho, não tendo sido possível implementar este tipo de abordagem, optou-se por realizar, na medida do possível, o enquadramento exaustivo desta categoria artefactual. Considerando o mobiliário votivo da Lapa da Galinha, este conjunto cerâmico parece constituir um elemento representativo das oferendas que caracterizam as práticas funerárias do 4º e 3º milénios a.n.e. E, se por um lado registamos a abundância do número mínimo de recipientes (N=32), o que, por si mesmo, poderá ser entendido como um indicador crono- cultural de uma fase mais adiantada do fenómeno megalítico, notamos igualmente a sua fraca expressividade na totalidade do conjunto, perfazendo apenas 4% do conjunto aqui em análise (Quadro 1). Mais uma vez, também a componente cerâmica parece apontar para uma recolha não seletiva do material arqueológico: para além dos registos classificáveis, que predominam,

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foram igualmente exumados registos inclassificáveis, que, por sua vez, correspondem plenamente à generalidade das características morfo-tecnológicas. O conjunto apresenta-se relativamente intacto, composto por 11 recipientes inteiros (24%) e outros oito com o perfil bastante bem preservado (18%). Contam-se igualmente 12 bordos (27%) e 14 bojos (31%). Também as próprias condições da jazida, ao contrário do que acontece em outros ambientes cársicos, contribuíram para a integridade da amostra, visto que nenhum dos registos mostrava estar coberto por calcificações, tendo sido apenas perturbados por processos pós-deposicionais que são hoje muito difíceis de reaver. Tal como tem vindo a ser largamente difundido, a cerâmica que integra os contextos funerários megalíticos é composta por um repertório formal monótono, derivado da esfera, constituindo um universo que é essencialmente simples, praticamente restrito às formas lisas (Fig. 3). À primeira vista, a amostra da Lapa da Galinha não parece diferenciar-se desta caracterização genérica, ainda que sejam evidentes algumas singularidades, as quais iremos destacar. Os catálogos de formas cerâmicas provenientes de contextos funerários são escassos, provavelmente pela elevada dispersão cronológica de grande parte dos recipientes. No entanto, a sua utilidade parece-nos inquestionável, seja pela identificação das tipologias presentes em cada sepulcro, seja pelo seu bom estado de preservação, que elimina o grau de subjetividade na reconstituição dos perfis dos registos provenientes dos povoados.

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Fig. 3- Tabela de formas presentes na Lapa da Galinha: A1- Taça em calote; A 1.1- Variante que se distingue pelo seu pequeno diâmetro (<10cm); A2- Taça de boca elítica; F1- Esférico; F2- Taça de bordo invertido; C1- Pequeno vaso carenado A nível morfológico, predominam as formas abertas (81%) face às fechadas (19%). Note- se que em algumas formas fechadas, o diâmetro externo de abertura (DEA) é apenas ligeiramente ultrapassado pelas paredes imediatamente abaixo do bordo. Abundam as taças em calote (63%), seguidos dos esféricos (19%) e pequenos vasos carenados (16%). Registámos apenas um exemplar (3%) com uma forma intermédia entre os vasos de carena alta e as taças de bordo invertido, evocando uma tipologia que parece ser característica da Estremadura (Andrade e Matias, 2013: p.98). Quanto à morfologia dos bordos, estes apresentam-se não espessados (68%) ou em bisel simples (29%) e fundamentalmente convergentes (68%), ainda que o número de recipientes com o lábio aplanado ou ligeiramente convexo seja significativo (32%). Os fundos são convexos ou ligeiramente aplanados. As pastas são compactas (59%) a semi-compactas (34%), de textura relativamente homogénea, e as cozeduras e arrefecimentos oxidantes encontram-se mais bem representados (60%). Os elementos não plásticos são mais abundantes (59%) do que em número mediano (38%) e apresentam um calibre grande (38%) ou médio (38%). Relativamente à matéria-prima dos mesmos, e tendo em conta que foi realizada uma análise macroscópica, é evidente a presença de grãos de quartzo, de matriz angulosa ou sub-arredondada, que chegam a atingir os 2 mm de diâmetro (Fig. 30). A identificação de calcários e feldspatos é igualmente frequente. Minoritariamente registámos a presença de biotite e de óxidos de ferro. Só com análises mais rigorosas se poderia proceder a outro tipo de apreciações, mas aparentemente os componentes documentados encontram-se disponíveis à escala local-regional. Torna-se importante referir que os processos de acabamento de alguns dos exemplares analisados como que mascararam alguns destes parâmetros- como é o caso dos negativos provocados pela combustão de elementos orgânicos. No entanto, não cremos que a sua observação mais pormenorizada alterasse a tendência geral verificada. No que concerne os tratamentos de superfície, e considerando que no conjunto “dolménico” não identificámos qualquer decoração, é possível afirmar que, para parte substancial do conjunto, houve uma preocupação com o acabamento destas produções, destinadas a integrar o pacote votivo que acompanhava as deposições funerárias. Tanto a superfície interna, como a superfície externa (50%) foram sujeitas a um processo de alisamento, de forma a eliminar as rugosidades. Considerámos até que a superfície externa de dois dos recipientes (MNA 6684 e 6463) se encontrava polida (6%). A aplicação de almagre, prática comum nestes contextos megalíticos, foi observada em três ocasiões (9%): no esférico MNA

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6531 e na taça em calote MNA 6657, apenas na superfície externa; na taça em calote MNA 989.36.3, cobrindo toda a superfície do recipiente (Fig. 12), destacando-se dos demais. Os diâmetros obtidos oscilam entre 69 e 214 mm (Gráfico 14). Os exemplares que apresentam os diâmetros mais reduzidos são taças em calote e pequenos vasos carenados. Por sua vez, os exemplares com os maiores diâmetros correspondem ao vaso carenado/taça de bordo invertido (MNA 6540A) e ao esférico MNA 6523A, demonstrando a variabilidade métrica inerente a esta última forma. Relativamente à espessura do bordo, este parece não ser um critério métrico que atue como elemento de distinção entre os esféricos e as taças em calote, já que apresentam valores médios muito próximos. A altura dos registos completos ou com o perfil reconstituível (N=19; 59%) está compreendida entre 33,39 e 78,38 mm, relevando que se trata de um conjunto efetivamente pequeno. Enfim, o conjunto de elementos da Lapa da Galinha é composto por 21 recipientes pequenos (68%) - com o DEA entre 5 e 15 cm- e 10 recipientes médios (32%) - com o DEA entre 15 e 30 cm. Em termos de associações artefactuais, e tendo em conta os problemas já elencados, podemos enumerar o seguinte: da “sepultura 6” são provenientes as taças em calote MNA 6529 e 6530 juntamente com um conjunto de três pequenas enxós (MNA 6524, 6525 e 6527) e a extremidade distal de uma raspadeira sobre lâmina (MNA 6521); da “sepultura 38” é proveniente a taça em calote MNA 6682, o fragmento cerâmico MNA 6689 que pertence a pequeno vaso carenado, a placa de xisto gravada MNA 6683 com as típicas orelhas de coelho, um furador sobre osso (MNA 6685) e um alisador/brunidor (MNA 6686); da “sepultura 47” é proveniente a pequena taça em calote MNA 6705 e quatro lâminas com retoque marginal; por fim, das “sepulturas 48 a 50” é proveniente a taça em calote MNA 6725, assim como duas lâminas com retoque marginal e duas lâminas brutas. Mais espólio podia estar associado a estas ditas “sepulturas” (Gonçalves et al, 2014: p.128), mas não foi possível encontrar qualquer referência nas notas do MNA ou mesmo na marcação das peças. Ainda assim, não deixaríamos de salientar o facto destes pequenos contextos contarem com um significado crono-cultural intrínseco, plenamente de acordo com o que conhecemos para o final do 4º e início do 3º milénio a.n.e. Na sua essência, o conjunto analisado poderá ser caracterizado como “repetitivo”, face ao que se conhece do universo cerâmico dos sepulcros megalíticos estremenhos e alentejanos. Neste contexto, destaca-se a singularidade do registo MNA 6463 (Est. 51), que, sendo uma taça em calote não distinguível das demais, apresenta duas perfurações abaixo do bordo, correspondendo a característica pouco comum em ambientes funerários. Contudo, existem outros elementos artefactuais, que, por uma razão ou outra têm sido valorizados pelo seu significado crono-cultural, por vezes provando, mais uma vez, a grande longevidade destas

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“exceções” no registo arqueológico. Acabam, portanto, por falhar completamente naquele que era o objetivo inicial. Este é o caso dos chamados vasos de boca elítica, cuja raridade no âmbito dos repertórios cerâmicos ditos megalíticos, foi desde cedo notada (Almeida e Ferreira, 1959: p.231) Estão dispersos por vários tipos de sepulcro - grutas, antas e hipogeus. Quando estão presentes, a sua frequência é relativamente baixa, com exceção dos exemplares identificados na gruta do Escoural, em número de 15 (Araújo e Lejeune, 1995). Na Lapa da Galinha são três os exemplares que encaixam nesta morfologia singular: MNA 6530, 6531 e 989.36.1, correspondendo a produções pouco homogéneas, que parecem partilhar apenas a sua morfologia oval. Este tipo de produções está plenamente integrado na bibliografia arqueológica, beneficiando do seu precoce reconhecimento e valorização (Almeida e Ferreira, 1959). Para além da Galinha e do hipogeu das Lapas, aqueles autores inventariaram exemplares provenientes da Casa da Moura, das grutas de Cascais e da Anta da Ordem. Notaram igualmente a sua dispersão no núcleo megalítico de Gorafe, Granada, e na necrópole de Llano de El Jautón, Almeria. Desde então, pretendeu-se ver nesta morfologia uma clara afinidade com os chamados vasos zoomórficos, de morfologia oblonga, como aquele da gruta do Carvalhal de Turquel, cujo caráter simbólico é evidente (C. M. Silva, 1998: fig.27). No Escoural, um destes recipientes inteiros, “(…) quer pelas suas reduzidas dimensões, quer pela sua própria morfologia (…)” (Araújo e Lejeune, 1995: p.63) foi designado como “barquiforme”, resultando numa proposta muito interessante, por tudo o que implica. Ainda que a hipótese não tenha sido completamente colocada de lado, a dinâmica da investigação tem-se focado noutros aspetos, nomeadamente no seu enquadramento crono- cultural. A utilização desta forma específica como fóssil-diretor de uma cronologia ou ritual que lhe está subjacente é problemática, essencialmente pela ausência de contextos fechados e bem compreendidos. Estão presentes em pequenos sepulcros ortostáticos alentejanos, relacionados com uma fase inicial do Megalitismo, como Deserto 4, Deserto 7 e Lobeira de Cima 1 (Gonçalves e Andrade, no prelo), mas também na Lapa dos Namorados (Carvalho et al, 2000: fig. 4), que conta com uma datação bastante antiga – ICEN-735: 5460 ± 110 BP (4516-4002 cal BC 2σ). Surgem igualmente em contextos provavelmente mais evoluídos, como é o caso da Galinha, do hipogeu das Lapas (Vagueiro, 2016) e da anta da Ordem 1 – “Anta Grande” (Silva, 1895) – que corresponde a um grande monumento de corredor (Mataloto et al, 2016-17). O défice provocado pela falta de indicações cronométricas é difícil de ultrapassar. Por fim, a sua presença na “segunda ocupação sepulcral” do complexo funerário da Praia das Maçãs (J. L. Gonçalves, 1979), poderia sugerir a sobrevivência dos vasos de boca elítica numa fase plena do 3º milénio a.n.e. Porém, este caso não deverá ser sobrevalorizado, considerando

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que o mobiliário votivo da primeira fase funerária poderá ter sido reutilizado e reintegrado nos rituais funerários subsequentes, numa dinâmica que não é estranha para necrópoles que conhecem vários momentos de utilização. Enfim, parece-nos importante realçar o facto desta morfologia estar presente de forma sistemática em contextos funerários, por oposição aos povoados, onde os repertórios cerâmicos apresentam uma extraordinária coerência. Deste modo, seríamos induzidos a pensar numa produção específica para o universo da morte, denotando um maior valor simbólico que muitas vezes não lhes é creditado. E que outras formas cerâmicas poderiam integrar exclusivamente o pacote votivo? Seria interessante compreender o seu papel nas conceções mágico-religiosas que ditaram o seu contexto de deposição. Outra das singularidades que detetámos no conjunto cerâmico da Galinha foram os pequenos vasos carenados, cujo enquadramento crono-cultural tem provocado um interessante debate. No conjunto que estudamos são cinco os recipientes carenados identificados (Est. 54), correspondendo a quatro bordos e a um fragmento que preserva apenas a área da carena, traduzindo-se em 16% da totalidade dos recipientes cerâmicos. Nenhum dos exemplares se conserva inteiro, mas dois apresentam o perfil reconstituível. As pastas destes vasos apresentam-se semi-compactas ou compactas, de cozeduras redutoras ou oxidantes e com abundantes elementos não-plásticos, de calibre médio a grande. As superfícies são maioritariamente rugosas e não foram identificadas quaisquer decorações. As aplicações plásticas estão ausentes. Relativamente à morfometria, registámos diâmetros entre os 80 e os 130 mm e nos exemplares com o perfil reconstituível, a altura observada foi de 36 e 51 mm (MNA 6465 e 6467, respetivamente). As associações artefactuais não são suficientemente esclarecedoras: o registo MNA 6467 é proveniente da “sepultura 16”, juntamente com um fragmento mesial de uma lâmina retocada; a pequena taça em calote MNA 6465 é proveniente da “sepultura 18”, mas, aparentemente, não subsistem outros registos com a mesma proveniência; o conjunto da “sepultura 38”, já enunciado, será, porventura, o mais representativo de uma identidade crono- cultural. Seja como for, o seu carácter genérico do 4º e 3º milénios a.n.e parece constituir uma hipótese válida. Sendo uma forma compósita, não regista grande variabilidade relativamente à morfologia do fundo, que se apresenta genericamente convexo (Gonçalves, 2003a: p.89). Pelo contrário, a geometria do corpo poderá ser classificada como cilíndrica, troncocónica ou hiperboloide. Os traços gerais dos exemplares da Lapa da Galinha enquadram-se nas características dos chamados pequenos vasos carenados do tipo Crato-Nisa (cf. Gonçalves et al, 1981, referindo-se aos pequenos vasos carenados da anta dos Penedos de S. Miguel), inserindo-

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se na variante 3 proposta por Andrade (2016): vasos de fundo convexo ou plano-convexo e corpo hiperboloide - paredes exvasadas. No entanto, a tipologia e os padrões métricos destas produções aproximam-nas de algum modo das taças de tipo Atalaia, atribuídas à Fase I do Bronze do Sudoeste (Schubart, 1975), constituindo um universo fundamentalmente distinto, claramente meridional. A adscrição cronológica destas produções tem sido discutida de duas perspetivas díspares: de um lado, considera-se que os pequenos vasos carenados, a par das típicas placas de grés com representação antropomórfica, conferem um sentido de identidade próprio ao complexo megalítico da região do Crato/Nisa - onde esta morfologia específica abunda - que se acentua largamente a partir dos últimos séculos do 4º milénio a.n.e. (Gonçalves e Andrade, 2014); de outro lado, afirma-se não existirem argumentos e critérios seguros que permitam a diferenciação entre ambos os tipos, atribuindo-lhes uma cronologia da Idade do Bronze, provavelmente da primeira metade do 2º milénio a.n.e. (Mataloto, 2018: p.23). Antes de mais, é necessário referir que esta é uma discussão que se tem desenrolado em torno dos monumentos megalíticos alentejanos. O panorama para a região da Estremadura é substancialmente distinto. A respeito dos episódios de reutilização das cavidades cársicas enquadrados na Idade do Bronze, a Gruta da Marmota adquire um papel primário (Gonçalves, 1973). Nesta cavidade foram recolhidas evidências materiais de vários períodos cronológicos, mas com evidente destaque para as ocupações neo-calcolíticas e do Bronze. A nossa análise do espólio cerâmico aí recolhido concluiu que as produções cerâmicas classificáveis da primeira fase de utilização da gruta constituíam um grupo bastante homogéneo, particularmente evidente nos aspetos tecnológicos, como a cozedura e o tratamento das superfícies. Os pequenos vasos carenados analisados não partilhavam as características definidas para as produções cerâmicas neo-calcolíticas, apresentando frequentemente superfícies brunidas, pastas com cozeduras redutoras e uma tendência para recipientes mais espessos. Em suma, os elementos carenados da Marmota apresentam características atribuíveis à Idade do Bronze. As observações que temos vindo a realizar acerca da Lapa da Galinha apontam para um único episódio de utilização funerária da cavidade cársica. Se prestarmos atenção ao “pacote votivo” recolhido, este apresenta-se bastante homogéneo e não nos faz supor a utilização do espaço funerário durante a Idade do Bronze. Comparando os elementos da Galinha com os da Marmota, coleções que analisámos em simultâneo, a diferença entre os pequenos vasos carenados é, de todo, evidente. Assim, integraríamos estas formas compósitas no repertório cerâmico neo-calcolítico, reiterando a relação da primeira destas grutas-necrópole com a região do Alto Alentejo, patente igualmente nas placas de xisto gravadas.

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3.3.6 Artefactos e objetos votivos

3.3.6.1 Placas de xisto

O estudo monográfico das placas e do báculo de xisto da Lapa da Galinha foi realizado no âmbito do projeto PLACA NOSTRA (Gonçalves et al, 2014). Na senda do que tem sido feito para outros sepulcros com elementos notáveis desta categoria (Gonçalves, 2004a; 2011; Gonçalves et al, 2004a; 2004b; 2005a), foi efetuada uma revisão do conjunto que havia sido sumariamente comentado por Sá (1959). Para além do notável báculo (MNA 2002.188.1) e de uma placa de grés lisa (MNA 6739), foram analisadas 13 placas de xisto, micaxisto e serpentinito. A singularidade deste conjunto assenta na sua abundância, concretamente dentro de um âmbito regional em que a frequência de placas não tende a ser elevada, e também na sua excecionalidade iconográfica e dos contornos, recolhendo fortes paralelos na área setentrional alentejana e da Extremadura espanhola (Gonçalves et al, 2014: p.132). Os registos depositados no MNA foram amplamente discutidos, pelo que não se justifica a mimetização do que já foi comentado anteriormente. Porém, em jeito de enquadramento para a análise que se segue, apresentamos uma síntese das principais características decorativas e morfológicas das placas de xisto da Lapa da Galinha. Desde logo, destacam-se as placas MNA 6627 e 6663, com recorte antropomórfico, representação facial e com o “colar da deusa”, partindo dos ombros, com paralelos na placa do Cabeço da Ministra (Gonçalves, 1978a). A placa fenestrada MNA 6468, com uma componente antropomórfica incontestável, não apresenta qualquer decoração, partilhando uma grande afinidade com exemplares do Alto Alentejo. A placa MNA 6495, de serpentinito com moldura dupla, com dupla perfuração e com bandas de pequenos triângulos preenchidos repete igualmente motivos bem representados no Alentejo, como são os exemplares do tholos Olival da Pega2b (Gonçalves, 1999). A placa MNA 6657A-B, podendo corresponder a um “(…) ensaio de gravação (…)” (Gonçalves et al, 2014: p. 121), apresenta no verso um conjunto de linhas ziguezagueantes organizadas de forma “caótica”, cuja interpretação resulta difícil. Tal como foi mencionado, todas as placas depositadas no MNA foram individualmente descritas e caracterizadas, pelo que se remete para a leitura daquele trabalho. No entanto, há altura desta publicação não foi possível observar diretamente as placas depositadas no Museu de Santarém e no Museu de História Natural da Universidade do Porto. No sentido de colmatar esta ausência, visitámos estas duas instituições no intuito de completar a descrição integral do conjunto, procedendo à sua classificação e registo gráfico.

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Em relação ao Museu de Santarém, a informação procedente da obra de Sá (1959: p.124) era de que estariam depositados apenas dois fragmentos de báculos (MMS 0033 e 0035). A autora apresenta elementos fotográficos destes exemplares, ainda que sem escala. Contudo, o exemplar MMS 0035 foi classificado erroneamente, já que corresponde a uma placa de contorno antropomórfico “de suspensórios” reaproveitada (Gonçalves et al, 2014). Assim, foi surpreendente quando nos deparámos com mais dois registos do que aqueles que esperávamos encontrar, ainda inéditos (MMS 0032 e 0034). O Museu Municipal de Santarém conserva ainda algumas notas respeitantes à incorporação destes elementos simbólicos na sua reserva. Foram adquiridos em 1923 por Laurentino Veríssimo, então diretor daquele museu, que mantinha contactos frequentes com Leite Vasconcellos, diretor do Museu Etnológico Português, onde se encontravam a totalidade das placas. Contactos estes que se materializavam na permuta de artefactos entre instituições, aliás, como era habitual para a época. Neste contexto, o próprio caráter mágico-religioso das placas e o valor de disposição ao público faria com que estas fossem cobiçadas por colecionadores/arqueólogos. É, portanto, no decorrer destas práticas que podemos interpretar esta dispersão pelos vários museus do atual território português. Por sua vez, a biografia da placa depositada no Museu de História Natural da Universidade do Porto (UP-MHNFCP- 081001) é bem demonstrativa desta realidade fluída entre as várias instituições. Numa das páginas dos cadernos de campo de Manuel Heleno (APMH 2/2/2/2/1-6+7/7), pode ler-se que a placa foi adquirida por Mendes Correia ao Museu de Santarém no dia 26 de Junho de 1926, em troca de umas braceletes de Bronze provenientes de contextos sepulcrais em Alpiarça e de alguns fragmentos cerâmicos provenientes de castros do Norte de Portugal. Assim, o seu “itinerário” resulta da seguinte forma: exploração do espaço sepulcral da Lapa da Galinha; depósito na reserva do MNA; transporte para o Museu de Santarém; transporte para o Museu do Porto. Identificar uma situação destas nem sempre é simples e foi apenas possível pelo esforço destas instituições culturais, de que muito beneficiamos, em preservar e divulgar registos com largas dezenas de anos. Do ponto de vista morfológico, a placa MMS 0032 apresenta recorte subretangular, com uma altura média de 19,9 cm, para uma largura de 9,2 cm na base e 7,3 cm no topo. A cabeça apresenta uma altura de 4,8 cm, sendo a sua decoração formada por um triângulo invertido, que forma a “cabeça dentro da cabeça” com 3+3 faixas horizontais preenchidas com reticulado oblíquo. A cabeça encontra-se separada do corpo por uma linha simples. O motivo dominante do corpo, este apresentando 15,1 cm de altura, são as bandas de triângulos preenchidos com o vértice para cima. Forma-se assim por quatro bandas com 4, 3,7, 3,6 e 3,8 cm de altura. Apesar de a área inferior da placa se encontrar bastante desgastada, todas as bandas são compostas

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por seis triângulos, sendo que aqueles junto aos bordos se encontram truncados. A espessura média desta placa é de 0,9 cm, apresentando perfuração troncocónica com 0,4 cm de diâmetro na face. Trata-se, segundo o índice de alongamento, de uma placa média, com um valor de 1,83. A placa MMS 0034 teria, com probabilidade, um recorte subtrapezoidal. Apresenta uma altura máxima conservada de 11,6 cm, para uma largura máxima de 11,5 cm. Na parte conservada do corpo inferior da placa, o motivo dominante são as bandas de triângulos preenchidos com o vértice para cima. Forma-se assim por quatro bandas, das quais foi apenas possível medir as últimas três, com 2,9, 3,1 e 4 cm de altura. Todas as bandas com a largura preservada apresentam cinco triângulos, com aqueles juntos dos bordos truncados. A espessura média desta placa é de 0,7 cm. Juntamente com o registo MMS 0032, constituem exemplos de placas “clássicas” com decoração geométrica. A placa MMS 0035 corresponde, então, a uma placa de contorno antropomórfico reaproveitada, integrando o conjunto de elementos notáveis da Lapa da Galinha. Apresenta uma altura de 14,7 cm, para uma largura na base de 5,1 cm e 4,9 cm no topo. A espessura média desta placa é de 1,2 cm. Ainda é possível observar o arranque da cabeça, que não foi apagado pelo repolimento dos bordos. O motivo dominante do corpo insere-se nas placas antropomórficas “de suspensórios” cuja principal distribuição geográfica incide em contextos alto-alentejanos e hispano-estremenhos (Gonçalves et al, 2014: fig.38), reunindo estreitos paralelos com outra placa de Acena de la Borrega, Valência de Alcántara (Leisner e Leisner, 1959: Taf.55). Para além das faixas radiantes que compõem os ditos “suspensórios”, este tipo de placas regista frequentemente uma alternância entre bandas horizontais preenchidas e não preenchidas. Documenta-se apenas uma banda de triângulos preenchidos com o vértice para cima, neste caso com 3,4 cm de altura. Este é um motivo raro dentro do catálogo de motivos gravados conhecidos, não se registando qualquer outro exemplar na Estremadura portuguesa. O reaproveitamento de uma placa implica a transformação intencional do suporte original. Com as devidas reservas, podemos sugerir que a fragmentação desta placa, propositada ou não, levou a que esta fosse “(…) recuperada através de recorte e polimento dos bordos, tendo sido reintegrada num contexto funerário” (Gonçalves et al, 2003: p.213). No caso de a fratura ter sido o resultado de uma ação acidental, considerando a ausência de xisto na litologia local e a singularidade dos motivos gravados, seria fácil compreender o fator que provocou este fenómeno. Em sentido inverso, isto é, se a fratura foi pré-determinada, a explicação perde o seu sentido e é necessário procurar outras respostas para uma prática que não é tão escassa assim e que se encontra bem representada em diversos monumentos ortostáticos alentejanos, onde a questão do acesso à matéria-prima não se coloca. Em todo o caso, esta é uma temática que permanece em aberto.

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O fragmento de cabo de báculo MMS 0033, de contorno ligeiramente encurvado, apresenta uma altura conservada de 19,6 cm, para uma largura máxima de 8,5 cm. A espessura média é de 0,7 cm. Não parece ter sido alvo de reaproveitamento. O motivo exclusivo da face parece acompanhar a rotação da cabeça, que está ausente, para a área do cabo. Este é composto por quatro “(…) bandas verticais de triângulos preenchidos com os vértices voltados para os bordos da placa (…)” (Gonçalves et al, 2014: p.125). Nota-se uma certa simetria, dado que cada par de bandas regista a orientação dos triângulos em sentidos opostos. Estas bandas alternam com outras faixas verticais preenchidas e não preenchidas. É, portanto, um motivo de certa forma repetido noutros báculos, como o da Casa da Moura (Carreira e Cardoso 2001-02: fig.58) ou como um dos recolhidos no Monte da Barca (Gonçalves, 2011: MB-XII-1;). Estes alinhamentos de triângulos com os vértices para o lado constituem motivos raros nas placas (Gonçalves et al, 2014), estando presentes em exemplares provenientes de Aljezur, da Anta Grande do Zambujeiro e também na Lapa do Bugio (Cardoso, 1992: Est.XIX-2), ainda que nesta última os triângulos tenham um papel secundário face ao motivo dominante. Apesar de se tratar apenas de um fragmento, a morfologia deste exemplar aproxima-o da maioria dos báculos conhecidos no Sudoeste peninsular, apresentando uma forma geral em 9, com uma presumível transição encurvada. Por outro lado, contrasta fortemente com o outro exemplar proveniente da Galinha (MNA 2002.188.1), que apresenta uma transição em ângulo praticamente reto e que levou Manuel Heleno a defender um “culto do machado” Neolítico (Heleno, 1942). Perspetiva esta que tem sido refutada desde há muito, considerando a ausência de paralelos que ainda hoje permanece (Gonçalves, 1992: p.97). À semelhança do que foi observado para o contexto megalítico do Monte da Barca, (Gonçalves, 2011: p.122), também na Lapa da Galinha foram recolhidos dois báculos de distintas tipologias e gramáticas decorativas. Se interpretarmos este tipo de artefacto como símbolo de poder, que acompanha o chefe ou o “pastor de povos” (Gonçalves, 1992; 1999), teríamos pelo menos duas gerações de “chefaturas” diferenciadas não só pela morfologia, mas também pela simbologia. A placa UP-MHNFCP- 081001 apresenta um recorte subtrapezoidal, com uma altura média de 12,7 cm, para uma largura na base de 8,6 cm e 6,1 cm no topo. A espessura média desta placa é 0,9 cm. A cabeça apresenta uma altura de 6,1 cm e poderá ser caracterizada como uma Cabeça em Triângulo, definida por um conjunto de 3+3 faixas radiantes encurvadas, podendo ainda referir-se uma tendência para o pronunciamento destas curvas, no sentido das faixas interiores, que formam a “cabeça dentro da cabeça”, para as marginais. A cabeça encontra-se separada do corpo por uma banda não preenchida com cerca de 0,4 cm de altura máxima. O motivo dominante do corpo, com 6,6 cm de altura, é um campo de xadrez constituído por cinco bandas, de feitio quadrangular ou retangular vertical, que ocupam toda a sua

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superfície. A altura das bandas oscila entre 1 e 1,3 cm. A perfuração – ligeiramente descentrada – com 0,8 cm de diâmetro, apresenta morfologia troncocónica. Trata-se, segundo o índice de alongamento, de uma placa média, com um valor de 1,48. Em suma, este contributo veio reforçar o que já havia sido afirmado aquando do estudo monográfico destes artefactos ideotécnicos e que, essencialmente, decorre da sua importância enquanto “elo de ligação” entre o Alentejo e a Estremadura (Gonçalves et al, 2014: p.126). Para além da circulação de pessoas e outras matérias-primas entre estas regiões- das quais a Estremadura parece atuar como um grande centro recetor, principalmente a partir do 3º milénio a.n.e (Sousa e Gonçalves 2012: p.391) - assistimos também à difusão de um conjunto de ideias e prescrições mágico-religiosas bem patentes nas placas de xisto gravadas, cuja utilização em contextos funerários se inicia logo a partir dos últimos dois séculos do 4º milénio a.n.e.

3.3.6.2 Placas de grés

No trabalho já por diversas vezes citado (Gonçalves et al, 2014) foi apenas analisada uma placa de grés lisa (MNA 6739). Apesar de terem sido requeridos todos os registos relacionados com o universo das placas votivas, os autores não tiveram acesso integral à coleção depositada no MNA, provavelmente por estes se encontrarem num contentor distinto. De facto, como se veio a confirmar, foram recolhidos mais seis registos de placas de grés que vêm trazer novos dados que importa discutir. Na realidade, é possível que estes seis exemplares possam corresponder apenas a cinco placas de grés, uma vez que os únicos dois fragmentos com indícios de perfuração (MNA 6884A e B) registam uma correspondência da espessura e da própria matéria-prima em que foram produzidos. Tirando o facto de se encontrarem perfurados, não se destacam da grande maioria de exemplares lisos. O exemplar MNA 6835A, que corresponde a um fragmento do bordo de uma placa, é o único que não se encontra liso, registando três linhas incisas bastante profundas. Pela sua natureza fragmentária torna-se muito difícil reconstruir o motivo dominante do corpo desta placa. Note-se, no entanto, que o acabamento aplicado a este exemplar se distingue de todos os outros. Com a exceção do exemplar já apresentado (MNA 6739), a placa MNA 6955 é a única que se preserva inteira. Apresenta contorno subretangular, ligeiramente irregular, com uma altura de 8,4 cm, para uma largura de 6,5 na base e 6,3 cm no topo. A espessura média desta placa é de cerca de 2 cm. Trata-se, segundo o índice de alongamento, de uma placa média, com um índice de 1,29. Ambas as faces se encontram aplanadas e os cantos arredondados. As placas MNA 6664 e 6539B correspondem a outros dois fragmentos lisos com ambas as faces côncavas,

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no primeiro caso, e com uma face côncava e outra aplanada, no segundo. Ao contrário de outros exemplares, nenhum destes registos apresenta “sinais de uso” na superfície. Por sua vez, estes poderão até nem estar diretamente relacionados com o seu significado simbólico inicial, mas antes serem o resultado de gestos muito posteriores (Gonçalves, 2009). Em contraste com os importantes contributos que têm sido feitos relativamente às placas e aos báculos de xisto, os trabalhos exclusivamente direcionados para o significado simbólico e o enquadramento crono-cultural destes elementos têm sido escassos. Têm recebido especial atenção aqueles exemplares com representações antropomórficas declaradas (Gonçalves, 2004b) como são os olhos, o nariz, os braços convergentes e o próprio ventre, de que os exemplares da Anta da Horta, Coudelaria de Alter, são bem demonstrativos (Oliveira, 2010: p.363). Neste caso, os ditos elementos foram recolhidos num contexto aparentemente não perturbado e datado pelo radiocarbono do primeiro quartel do 3º milénio a.n.e. – Beta- 194312: 4190 ± 40 BP (2894-2635 cal BC 2σ). Há uma grande proximidade iconológica entre os motivos presentes nas placas de xisto e os motivos das placas de grés, diferenciando-se estes últimos pela intencionalidade da representação dos atributos antropomórficos (Gonçalves, 2008b: p.115). Ainda assim, a representação de braços e mãos não é um motivo exclusivo das placas de grés, sendo conhecidos motivos semelhantes em placas de xisto de contorno antropomórfico (Gonçalves et al, 2014: fig.30). Todavia, há um conjunto substancial de placas lisas, ou apenas perfuradas, que acompanha este mobiliário votivo singular e excecional e que também deve ser lido em contexto. No universo das placas lisas destacam-se os exemplares com motivos oculados, que, há semelhança das placas de xisto, invocam os olhos da Deusa. Estes motivos são obtidos por duas depressões cupuliformes simétricas, realizadas na parte superior da placa, equivalente à cabeça. A sua difusão geográfica está presente em âmbitos tão distintos como a Anta da Soalheira (Oliveira, 2010), a Gruta da Furninha (Cardoso e Carvalho, 2010-11) e, ainda mais a Norte, no Cabeço da Ministra (Gonçalves, 1978). Infelizmente, nenhuma destas necrópoles possui datações absolutas que possam enquadrar, com segurança, estes exemplares. No caso da Furninha, as datações obtidas cobrem a transição do 4º para o 3º milénio a.n.e., alinhando-se genericamente com o período de utilização proposto para estas placas votivas. Relativamente às restantes placas lisas, sem qualquer decoração ou trabalho em baixo-relevo, tem-se verificado uma certa tendência para valorizar a morfologia do contorno, que se pode apresentar em forma de torso humano, como é o caso na Anta de Cabacinhitos, Évora (Gonçalves et al, 2005b: fig.20), ou em formas hiperbolóides e subretangulares, que são mais comuns. O facto de muitas placas serem exumadas num estado bastante fragmentado é bastante limitativo. Há,

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evidentemente uma diferença entre as produções mais elaborados e as mais simples, mas o seu significado não é ainda percetível. Contudo, o seu valor simbólico não é posto em causa. A área de concentração das placas de grés parece centrar-se na bacia média e baixa do Tejo, correspondendo a um paralelo que envolve a Extremadura espanhola, Alto Alentejo, Beira Baixa, Ribatejo e Alta Estremadura (Gonçalves et al, 2005b; Boaventura, 2009: p.270). Aliás, a par dos pequenos vasos carenados do tipo Crato-Nisa, constituem os elementos caracterizadores do Grupo Megalítico do Alto Alentejo a partir dos últimos séculos do 4º milénio a.n.e. (Gonçalves e Andrade, 2014). Na Lapa da Galinha, assim como na Lapa da Bugalheira (Paço et al, 1971), também se verifica esta associação, invocando uma clara ligação com aquela região. No entanto, entre o considerável número de sepulcros estremenhos- com várias arquiteturas da morte- de onde foram reconhecidas placas de grés, são escassos aqueles em que também foram identificados pequenos vasos carenados. Relativamente à matéria-prima, o grés pode ser encontrado nos contextos Miocénicos e Pliocénicos do preenchimento Terciário do Tejo e também do Guadiana (Andrade, 2020a), encontrando-se disponível- e apto para produzir placas- a uma escala local e regional. É fundamentalmente composto por quartzo, podendo igualmente conter quantidades apreciáveis de feldspatos, palhetas de mica ou outros minerais (Costa, 2014: p.121). A compacidade e a cor das rochas dependem essencialmente destas impurezas e da sua importância na composição química. No caso dos elementos aqui em apreço, a coloração enquadrada entre o vermelho e o amarelo indica a presença de óxidos de ferro na sua composição. A ausência de estudos petrográficos desta matéria-prima não permite propor uma área de proveniência, podendo estes elementos constituir uma produção local ou importada. Não há qualquer dúvida que as placas de grés reafirmam e valorizam a ligação, que necessariamente envolve pessoas, bens e conceitos, entre o Alentejo e a Estremadura. Apesar das escassas balizas cronológicas de que dispomos, a utilização e integração destes elementos no pacote votivo destas comunidades parece ser um fenómeno bastante mais localizado, tanto no tempo como no espaço, do que a ampla disseminação das placas de xisto gravadas. De facto, é possível que o início da sua utilização se dê nos derradeiros séculos do 4º milénio, mas a sua generalização dentro de uma área restrita parece datar já do 3º milénio a.n.e. Dada a escassez de informação relativa a estas placas votivas, é problemático propor uma rota de difusão. Tudo leva a crer que estes elementos desaparecem na segunda metade deste milénio (e quem sabe, até antes), estando ausentes dos novos rituais que se desenvolvem em época campaniforme. Tal como se tem verificado noutros espaços funerários crono-culturais coevos, também na Galinha se verificou uma repetição das associações artefactuais, entre as quais se contam as

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placas de xisto, grandes e pequenas pontas bifaciais, machados, enxós, recipientes “dolménicos” e um conjunto, mais ou menos extenso, de elementos de adorno. Finalmente, torna-se necessário atualizar o peso das placas votivas nos rituais funerários que decorreram no interior da Lapa da Galinha. Assumindo o caráter individual destes artefactos, o que constitui uma questão, no mínimo, problemática (Gonçalves, 1992; 2003B: p.260), estamos perante um universo de 24 exemplares. Este está distribuído por 17 placas de xisto, dois báculos e cinco placas de grés associadas a um mínimo de 70 deposições identificadas. Assim, correspondem a 34% das inumações conhecidas, ou seja, pouco mais de um terço da totalidade. Comparativamente aos outros contextos sepulcrais do MCE, que apresentam números mínimos de placas bastante diminutos, a Lapa da Galinha destaca-se claramente (Andrade et al, 2010; Andrade, 2015). Não quer isto dizer que se questione o carácter individual de cada elemento, considerando que nem todas as deposições correspondem à mesma etapa cronológica (Gonçalves et al, 2014). A premissa poderá manter-se válida para um período de utilização concreto que é difícil de precisar cronologicamente, dada a complexa dinâmica funerária comprovada em muitos dos sepulcros megalíticos, mas também pelos intervalos do radiocarbono (Boaventura, 2009). Por outro lado, o número de placas na Estremadura é substancialmente menor do que aquele que se verifica nos sepulcros da região de origem destes artefactos – e consequentemente do conceito que lhes é subjacente. Desta forma, a paridade entre o número de placas e o NMI no sepulcro poderá ter maior correspondência na realidade alentejana.

3.3.6.3 Lagomorfo

A presença de pequenas figuras zoomórficas em contextos funerários do 4º e 3º milénios no Centro e Sul de Portugal, apesar de escassa, é bem demonstrativa de uma dimensão mágico-religiosa inerente a estas comunidades, cujo significado simbólico tem vindo a ganhar um lugar de destaque no discurso e debate arqueológico (Thomas e Waterman, 2013; Valera et al, 2014). Estas são produzidas em diversas matérias-primas, apresentam diferentes dimensões e estilos e representam diferentes espécies animais, entre as quais se destaca, pela sua representatividade, o grupo dos lagomorfos. Considerando a cronologia genérica que é apresentada para o Sudoeste peninsular, estas oferendas estão bem representadas em contextos do Neolítico final, ainda que não se possa descartar a sua integração no pacote votivo do Calcolítico (Boaventura, 2009). Por sua vez, estão documentadas em vários tipos de sepulcro, mas carecem de contextos bem fechados, dado terem sido recolhidos num momento precoce da Arqueologia portuguesa (Vagueiro, 2016). Para além da ausência de informações contextuais,

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há também um elevado grau de confusão relativamente à proveniência de determinados exemplares, como ficou bem patente no caso da Lapa Furada 1 (A. M. Silva et al, 2014). No inventário do mobiliário votivo da Lapa da Galinha há um registo passível de inserir neste grupo (MNA 7000). Em princípio, a sua proveniência será relativamente segura, ainda que não se conserve a informação relativa ao número da “sepultura” a que estava associado. Foi caracterizado por Salvado (2004), ainda que com alguma incerteza relativamente à sua identificação taxonómica. Esta figurinha corresponderá, com probabilidade, a um lagomorfo (Est. 63). Realizada sobre osso, apresenta as seguintes dimensões: 15,52 mm de altura; 23,00 mm de comprimento preservado; 4,53 mm de espessura. Ao contrário do que se verificou para outros exemplares, esta “coelha” votivo não documenta a presença de perfurações, destinadas à sua suspensão sob a forma de adorno. Infelizmente, o artefacto encontra-se fraturado pela linha da cabeça, que não foi possível recuperar. Contudo, esta linha de fratura apresenta um brilho típico de um elemento ligante, o que nos faz supor que a “coelha” estivesse inteira à altura da escavação da gruta. O desenho dos Leisner (1951: fig.7-19) apoia essa suposição, uma vez que é representado integralmente. Assim, tudo aponta para que esta fratura seja recente, resultando na irremediável perda da parte superior deste exemplar. Genericamente, a grande maioria dos lagomorfos até hoje identificados correspondem a figuras bastante estilizadas. A exceção mais evidente corresponde à lebre dos Perdigões, que se destaca pelos traços verdadeiramente realistas (Valera et al, 2014: fig.1). “A coelha” votiva da Galinha é igualmente bastante estilizada, apresentando características que o aproximam de outros registos, como é o caso das orelhas que sobressaem, assim como as patas e a cauda. Por outro lado, enquanto a maioria destas pequenas figuras é caracterizada por um contorno côncavo, em arco, este exemplar apresenta um contorno convexo, na zona do ventre, com uma morfologia pouco comum dentro do inventário que se encontra disponível. Devido à sua grande capacidade reprodutora, o significado simbólico atribuído aos lagomorfos tem sido associado ao conceito de fertilidade e de nascimento (Gonçalves, 1992; 2003; 2009; Weiss-Krejci, 2011). Ao aceitar esta perspetiva, poderíamos propor que a protuberância convexa do exemplar da Galinha pudesse invocar, literalmente, uma barriga cheia de crias – compreendendo-se, assim, a atribuição do sexo feminino a esta figura, vulgo a “coelha”. Ainda que esta possa ser uma suposição válida, não está livre de ser discutida. A importância do símbolo representado pelos lagomorfos é também inferida pelas matérias-primas utilizadas na sua manufatura (Valera et al, 2014), que documentam a circulação de materiais exóticos como é o caso do marfim e das pedras verdes. A classificação de variscite necessita de ser validada pela composição química dos exemplares. Não obstante, tem-se verificado que a dureza da variscite é apropriada para a produção destes elementos, que exigem

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uma grande sofisticação técnica (Odriozola et al, 2015). Ainda que a grande maioria seja realizada sobre osso, surge a possibilidade de alguns lagomorfos poderem representar alguma forma de estatuto social diferenciador, indicando que o próprio simbolismo destes elementos se apresenta complexo e com vários sentidos. As interpretações tradicionais, que reúnem bastante consenso, podem e devem ser interligadas com outras propostas bem fundamentadas, uma vez que a simbologia raramente se esgota numa única explicação. Consideramos particularmente interessante a associação dos coelhos com a vertente da escuridão, da noite e, consequentemente, da morte (Thomas e Waterman, 2013: p.121). Invoca, portanto, uma forte ligação com a fase além-vida, como uma entidade que consegue alternar entre as duas realidades.

3.3.7 Fauna malacológica

A identificação de restos de fauna malacológica em ambientes de gruta é uma situação recorrente na Estremadura portuguesa. Constitui uma prática que remonta ao Paleolítico Superior (Zilhão, 1992), adquirindo especial relevância nas grutas-necrópole do Neolítico e Calcolítico. Diga-se, no entanto, que as próprias espécies utilizadas como material de adorno, perfuradas ou não, divergem significativamente entre ambas as cronologias. No caso concreto da Galinha, não existem evidências que suportem uma argumentação de ordem económica para a sua presença, pelo que esta deverá relacionar-se com o papel simbólico e ritual destes elementos no sistema mágico-religioso então vigente. Simbolismo este que já havia sido reconhecido pelos exploradores da gruta no início do séc. XX, resultando na sua recolha, e, inclusive, na sua associação com uma “sepultura” concreta (MNA 6489). Tradicionalmente, os registos que, aparentemente, não foram alvo de modificação (i.e perfurados), como aqueles aqui em análise, integram-se nas peças de adorno e/ou decorativas, sujeitas a serem fixadas ao vestuário por intermédio de resinas (Dean e Carvalho, 2014). O desconhecimento e a dificuldade em identificar certas espécies contribuem para o quadro muito limitado a que hoje temos acesso e que embaraça o estabelecimento de paralelos seguros. Assim, é necessário proceder-se à correta classificação taxonómica dos elementos recolhidos, quer presencialmente, quer por uma revisão mais ou menos exaustiva da bibliografia arqueológica. Os três exemplares da Galinha, não trabalhados, correspondem a uma grande valva de Pecten maximus (MNA 6704- Est. 62), uma valva de Venerupis pullastra (MNA 6489) e três fragmentos de uma valva de Mytilus edulis (MNA 2002.188.10). Seja como for, a sua presença em cavidades cársicas que se situam afastadas dos locais de onde foram recolhidos permite refletir acerca das redes de circulação de artefactos e

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matérias-primas que funcionariam entre o litoral e o interior, abrangendo um universo mais amplo do que a fauna malacológica. Daquelas espécies identificadas, será a grande concha de vieira que encontra os melhores paralelos, talvez também pela grande notoriedade que adquiriu em tempos históricos. Entre estes, destaca-se um dos dois exemplares recolhidos no Algar do Bom Santo, visto ser, até ao momento, o único que preservou uma perfuração, presumivelmente para ser utilizado ao pescoço (Dean e Carvalho, 2014). Todos os outros exemplares da Estremadura não apresentam afeiçoamento de qualquer tipo. Esta é uma componente ritual que parece ter início no Neolítico médio, em conformidade os dados do Bom Santo. Contudo, note-se a sua ausência do Lugar do Canto, que, todavia, forneceu diversos registos sobre concha transformados em elementos de adorno. A escassez de contextos datados desta fase impede-nos de fazer juízos mais aprofundados, mas parece ser correto afirmar que a integração de conchas de vieira nos depósitos funerários data da primeira metade do 4º milénio a.n.e. Numa fase subsequente, esta prática parece ter-se generalizado, ainda que não ao ponto de constituir um registo omnipresente nos espaços da morte desta região. A Lapa da Bugalheira, a Lapa da Galinha, a Lapa do Bugio e a Cova das Lapas são bons exemplos desta aparente generalização. Também nas grutas da Nossa Senhora da Luz foi recolhida uma concha de vieira, mas a ausência de proveniência estratigráfica e contextual não nos permite aferir a sua cronologia, podendo esta ser mais antiga ou mais recente. Do ponto de vista simbólico, a presença destes elementos malacológicos sugere uma forte conotação com o Mar por parte destas comunidades. Mais uma vez, os problemas metodológicos que levaram à identificação destes exemplares, juntamente com a dinâmica de deposição funerária e fatores pós-deposicionais que afetaram os contextos originais de deposição, condicionam largamente a nossa leitura. Todavia, parece ser interessante notar a sua escassez em cada um dos sepulcros mencionados. Poderíamos, então, ler estes elementos como fatores de distinção de um indivíduo face aos demais? Será, simplesmente, o reflexo de uma característica da vida desse mesmo indivíduo? As análises de isótopos têm demonstrado que, com a introdução da economia produtora, se verifica um declínio no consumo de recursos marino-estuarinos, alterando-se o sistema de subsistência (Carvalho e Pechey, 2013; Cubas et al, 2018). Tendo estabelecido que estes elementos não compõem a estratégia alimentar destas comunidades, a sua dimensão simbólica deve ser destacada. Parecem-nos questões pertinentes e com uma base sólida, que se pretende desenvolver futuramente.

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3.4 Leitura geral do conjunto

À guisa de apanhado geral, e tendo em conta a variabilidade inerente aos ritos funerários e ao mobiliário votivo, cremos que ficou plenamente demonstrada a existência de uma longa diacronia funerária na Lapa da Galinha. Ainda que o acesso ao contexto original da intervenção arqueológica coloque barreiras difíceis de transpor, importa valorizar determinados elementos materiais com um significado cronológico intrínseco. Com a exceção dos fragmentos cerâmicos que remetem para uma fase enquadrável no Neolítico antigo, todos os elementos analisados reportam-se a fases de ocupação mais tardias. Desde logo, os geométricos, que não são em tão pouco número que possam ser considerados uma mera sobrevivência, poderão eventualmente estar relacionados com uma fase mais arcaica de deposição funerária na cavidade, especialmente os crescentes e o triângulo. Certamente seriam acompanhados por um número indeterminado- provavelmente escasso- de suportes alongados, ainda que seja difícil reconhecer especificamente quais foram estes casos. A cronologia dos pequenos suportes alongados, não retocados, parece estar bem definida para a primeira fase do Megalitismo ortostático alentejano, pelo que se poderá admitir, neste caso, a sua antiguidade. Também um dos furadores em osso, obtido através do seccionamento longitudinal da diáfise, poderá associar-se a uma fase mais antiga, ainda que a sua presença seja notória em contextos de uma fase mais avançada do 4º milénio a.n.e. A ausência ou escassez de recipientes cerâmicos, a par das braceletes de Glycimeris sp., constituem duas características recorrentes em depósitos funerários do chamado Neolítico médio (Zilhão e Carvalho, 1996; Carvalho, 2014). No primeiro caso, é impossível avaliar a situação dada a ausência de registos. Contudo, é possível que parte dos vasos que foram recolhidos integrassem este depósito, já que não foram desenvolvidos critérios que separem cronologicamente as produções da primeira fase do Megalitismo no Sudoeste peninsular e as produções da fase de apogeu deste fenómeno. No segundo caso, estas estão ausentes, assim como outros típicos elementos de adorno sobre concha como é o caso das contas de Dentalium. É esta ausência, devidamente valorizada, que nos coloca uma certa reserva na hora de considerar uma etapa funerária mais antiga, em torno dos meados do 4º milénio a.n.e., especialmente sem datações absolutas que o comprovem. Todavia, achámos necessário levantar esta hipótese perante as evidências já comentadas. Na hora de proceder à caracterização do abundante conjunto artefactual proveniente da Lapa da Galinha, sugerimos uma utilização funerária desta cavidade genericamente enquadrada entre os meados do 4º e meados do 3º milénio a.n.e, ainda que com uma maior intensidade nos séculos de transição ente um e outro milénio. Reservando certos componentes artefactuais que possam invocar uma utilização deste espaço num período anterior, a maioria

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do espólio votivo desta necrópole forma um pacote bem definido e consensualmente atribuído a contextos do Neolítico final e Calcolítico pré-campaniforme. Nesse sentido, resulta particularmente interessante a associação entre os geométricos com concavidade basal acentuada e o domínio das pontas de seta de base triangular ou convexa, tradicionalmente consideradas mais antigas. A identificação, quase residual, de pontas de seta de base côncava parece testemunhar um momento funerário do 3º milénio a.n.e., ainda que esta seja uma questão em aberto. Também enquadrável neste momento é o abundante conjunto de grandes pontas bifaciais e os suportes alongados de grandes dimensões, talhados a partir da técnica de pressão, que resultam da maior força aplicada aos núcleos. Destacamos o facto de não ter sido reconhecido qualquer exemplar enquadrável no grupo das grandes lâminas calcolíticas (Carvalho, 2009). O machado com o talão perfurado de tipo Cangas, as enxós realizadas sobre uma matéria-prima mais branda e de tendência microcristalina, o alfinete de cabeça canelada e a diversificação das formas cerâmicas são todos elementos votivos dos rituais do 4º e 3º milénio a.n.e. Porém, é a introdução dos artefactos ideotécnicos nos depósitos funerários, como as placas (e os báculos) de xisto gravadas ou as pequenas figuras zoomórficas, que marca o cerimonial desta etapa. A presença das placas de grés poderá estar relacionada com as derradeiras inumações realizadas na Lapa da Galinha. O âmbito cronológico delineado para as deposições funerárias na Lapa da Galinha é perfeitamente coerente com o processo de coletivização da morte que caracteriza o Megalitismo. Desta forma, a individualização de espaços funerários, a que temos feito referência ao longo do trabalho, é difícil de interpretar, uma vez que nos remete para costumes funerários que tradicionalmente antecedem o Neolítico médio. Não seria caso único na região estremenha– um facto que merece sempre um determinado grau de desconfiança – mas choca profundamente com o contexto geocultural em que se insere. A análise do mobiliário votivo também não permitiu estabelecer uma correspondência com uma utilização funerária tão antiga. Retomamos, portanto, a cautela relativamente à utilização do termo “sepultura” e das respetivas associações artefactuais que ainda se encontram preservadas nos arquivos do MNA (Quadro 53). Mesmo não aceitando o conceito de espaço funerário individualizado, podemos inferir que os materiais arqueológicos tenham sido agrupados pela sua proximidade no interior do espaço funerário. Se, por um lado, este parece ser um critério que garante alguma coesão crono-cultural, como é o caso da “sepultura” 38 – que regista uma associação entre uma taça em calote com almagre, uma placa de xisto, um furador obtido por seccionamento oblíquo e um alisador/brunidor – por outro, é no mínimo questionável, como demonstra a “sepultura” 8 – que agrega elementos considerados arcaicos, como o machado de secção subcircular, uma

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ponta de seta de base convexa, uma lâmina não retocada e outra com retoque marginal, a componentes mais tardios, como são as placas de grés.

4. A Lapa da Galinha e os contextos sepulcrais nas faldas do Alviela Vita enim mortuorum in memoria est posita vivorum

Cicero, Philippicae 9.10, As orações contra Marco António

O objetivo fundamental desta análise é proceder à caracterização crono-cultural das práticas funerárias realizadas nos sepulcros do setor Sudoeste do Arrife, onde a Lapa da Galinha está inserida. Corresponde, pois, a uma divisão artificial do contexto geocultural que é o MCE, mas que se justifica pela diversidade do cerimonial funerário decorrente do amplo espectro cronológico representado, abarcando praticamente todas as etapas culturais da Pré-História Recente. Este é um conjunto composto por seis necrópoles distintas localizadas na unidade administrativa do concelho de Alcanena, num raio de 4,5 km em torno da Galinha. Seguindo a tendência verificada para toda a área do Maciço, a maioria destes espaços sepulcrais corresponde a grutas naturais, estando representado apenas um monumento ortostático. Em suma, pretende-se aferir qual a relação, se é que existe, entre estes sepulcros e avançar com uma leitura não exaustiva da realidade funerária a uma escala micro (Mapa 1). Sempre que possível, recuperamos a bibliografia publicada referente aos ditos contextos arqueológicos. A distribuição espacial das cavidades cársicas com ocupações funerárias no MCE parece realçar determinadas concentrações que importam valorizar. De facto, a abordagem relativa aos clusters megalíticos encontra-se plenamente consolidada pela investigação do Megalitismo no Sudoeste peninsular (Leisner e Leisner, 1951). Contudo, esta noção é tradicionalmente aplicada aos monumentos ortostáticos e às grutas artificiais, em que os agrupamentos de sepulcros são evidentes. Genericamente, este não é o caso com as grutas naturais, se bem que o conceito de agrupamento já havia sido subtilmente introduzido na arqueografia portuguesa (Oosterbeek, 1997a). No âmbito geográfico que nos ocupa, destacam-se os núcleos do vale do Nabão, do Almonda, de Rio Maior e o de Alcanena, sobre o qual incide a nossa análise. Os clusters partilham a natureza coletiva dos depósitos funerários, assim como um mesmo pacote artefactual, pelo que será indispensável identificar e explicar as pequenas diferenças que ocorrem entre os espaços sepulcrais. Todavia, este é um exercício meramente teórico, que pretendemos prosseguir no futuro com abordagens e metodologias desenvolvidas especialmente para os SIG. Nesse sentido, pretende-se igualmente compreender os sepulcros isolados no contexto desta paisagem megalítica.

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Considerando a qualidade do Modelo Digital de Terreno (MDT) obtido, procurámos realizar o cálculo de visibilidade a partir da Lapa da Galinha (Mapa 6). Apesar dos problemas inerentes a esta análise, nomeadamente as questões da sensibilidade visual do observador, da altura do observador, dos dados referentes à vegetação e às condições atmosféricas, os resultados foram esclarecedores, demonstrando que as únicas interseções visuais se registam com a anta da Fonte Moreira e com a gruta da Marmota, que, por sua vez, não partilham desta reciprocidade visual. É, portanto, uma questão fundamental para a construção desta paisagem funerária, acentuada pela escolha de implantação de um monumento ortostático entre duas grutas naturais. O perfil de elevação efetuado confirmou também a inter-visibilidade entre estas necrópoles (Mapa 7).

Mapa 1 – O cluster dos sepulcros megalíticos de Alcanena. O MDT da área correspondente ao concelho de Alcanena foi obtido com a cartografia à escala 1:10000 disponibilizada pela Comunidade Intemuncipal do Médio Tejo no âmbito deste trabalho.

Antes de procedermos à descrição individual de cada sepulcro, é imperativo reforçar a ideia de que as diferenças nos objetivos da exploração dos sepulcros condicionam o tipo de informação que é passível de recompor. São diferenças que se refletem ao nível da cultura

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material, da recolha dos restos osteológicos, da informação contextual e, finalmente, da compreensão dos processos de formação e acumulação dos depósitos funerários. O fio condutor destas disparidades está evidentemente ligado à evolução dos processos e da forma de fazer Arqueologia em Portugal. Os seis contextos sepulcrais aqui em observação são demonstrativos desta realidade: a Lapa da Galinha, a Gruta dos Carrascos e a Anta da Fonte Moreira foram exploradas no início do séc. XX, constituindo o resultado de um inquérito não específico e desajustado relativamente às metas que a presente investigação exige; em sentido inverso, a metodologia empregue nas intervenções da Gruta da Marmota e do Algar do Barrão possibilitou a obtenção de resultados que concretizam o intuito de contribuir para o conhecimento das práticas funerárias do 4º e 3º milénio a.n.e. no MCE. Apesar do contexto que levou à exploração do Algar dos Casais da Mureta, a revisão do espólio exumado permite inseri-lo neste último grupo. Apresentam-se as datações absolutas disponíveis para o núcleo que definimos (Fig. 4).

Fig. 4- Cronologia absoluta disponível para o cluster de Alcanena (Barrão: Carvalho et al, 2003; Carvalho et al, 2019a; Marmota: Gonçalves, 1989b; Mureta: Carvalho et al, 2019a). Datações recalibradas em 2020 com recurso ao programa Calib 7.0.4 (Stuiver e Reimer, 1993) utilizando a curva de calibração IntCal13 (Reimer et al, 2013).

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4.1 Gruta dos Carrascos

Situa-se na união de freguesias de Malhou, Louriceira e Espinheiro, a cerca de 4,5 km WNW da Lapa da Galinha. Presentemente, conhecemos apenas a sua localização aproximada, no topo da Serra do Cheirinho. Como já havíamos referido, a exploração desta cavidade antecedeu imediatamente os trabalhos realizados na Lapa da Galinha, monitorizados também pelos funcionários do Museu Etnológico Português, José de Almeida Carvalhais e Félix Alves Pereira (Pereira, 1908). Contudo, ao contrário do que aconteceu com a Galinha, não foi produzida qualquer síntese das evidências aí recolhidas até à publicação integral dos materiais e das observações pessoais do explorador desta gruta-necrópole em meados dos anos 70 (Gonçalves e Pereira, 1974-77). Posteriormente, o sítio voltou a ser valorizado no âmbito das ocupações do Neolítico antigo no MCE (Carvalho, 2007). O facto de não ter sido produzido qualquer registo gráfico aquando da sua exploração, juntamente com a dificuldade em relocalizar a cavidade, impede-nos de fazer uma descrição correta da sua morfologia cársica. Porém, com base nos documentos que chegaram até nós, tratar-se ia de um exemplo cársico alongado, de dimensões modestas, e acessível por um algar. Comparativamente à situação que apurámos para a Lapa da Galinha, a exploração da Gruta dos Carrascos parece ter decorrido com dificuldades acrescidas. O contexto arqueológico foi identificado fortuitamente na sequência de trabalhos agrícolas. Rapidamente, o depósito funerário foi perturbado de forma irremediável pelos indivíduos envolvidos naquele labor. Aquando da chegada dos técnicos do Museu, já havia sido escavada uma parte substancial do depósito arqueológico, designada posteriormente como 3ª camada, de potência muito variável (Gonçalves e Pereira, 1974-77: p.68). Infelizmente, a grande maioria dos registos exumados é proveniente desta camada desprovida de contexto (Carvalho, 2007: p.162). Segundo informações em segunda mão, os indivíduos estariam dispostos no centro e ao longo das paredes da gruta. As camadas subjacentes foram intervencionadas com um engenho tecnológico semelhante àquele que verificámos para a Lapa da Galinha. Na 2ª camada foram identificados dois conjuntos de ossadas, associados a escassos registos votivos, como conchas e contas de colar sobre concha e xisto. Na 1ª camada foram apenas recuperados registos faunísticos e carvões indeterminados, pelo que foi proposta uma cronologia pleistocénica. Em todo o caso, cremos que seria proveitoso o estudo antropológico dos abundantes restos humanos recuperados. Caso se mantenha ainda a informação de proveniência dos ossos, seria interessante datar os registos da 3ª e 2ª camada e proceder à sua confrontação. A análise do registo artefactual recolhido permitiu, desde o primeiro momento, diferenciar dois momentos de utilização funerária na Gruta dos Carrascos. Por um lado, foram

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privilegiados critérios crono-estilísticos dos recipientes cerâmicos para proceder a esta destrinça (Gonçalves e Pereira, 1974-77). Os elementos com decorações incisas, como MNA 6441A e impressas, por vezes associados a elementos de preensão, como MNA 6390bis foram integrados no universo do Neolítico antigo evolucionado da região. As impressões do último registo citado, apresentam, ao nível macroscópico, preenchimento a pasta branca. O conjunto mais abundante é constituído por recipientes lisos, derivados da esfera, aproximando-se da dita “cerâmica dolménica” (Gonçalves e Pereira, 1974-77: p.65), reconhecida abundantemente na Galinha e na Marmota, mas também no grande vaso identificado no Algar do Barrão. Partilha, portanto, afinidades com contextos integrados numa fase mais tardia, datável do Neolítico médio ou final. Por outro lado, também a indústria de pedra lascada permitiu confirmar esta realidade, nomeadamente através da análise morfométrica dos suportes alongados e da integração tecno- tipológica das armaduras geométricas (Carvalho, 1998a; 2007). Relativamente à largura dos suportes alongados, foi obtida uma curva de tendência bimodal. Possibilitou, assim, a individualização de dois conjuntos com diferentes graus de robustez, em que as dimensões mais modestas são passíveis de associar ao âmbito do Neolítico antigo (Carvalho, 1998a: p.68). Entre as armaduras geométricas (N=10), registou-se apenas um exemplar, o crescente MNA 6436, cujos padrões métricos estão de acordo com outros contextos do Neolítico antigo regional. O próprio peso dos trapézios identificados não é coerente com os dados disponíveis para estações onde foi possível isolar uma ocupação daquela cronologia. Com probabilidade, os trapézios e os crescentes mais robustos estarão relacionados com uma fase subsequente. Procedemos à caracterização da matéria-prima utilizada na produção desta componente do mobiliário votivo, a partir do depósito do MNA. Desta forma, comprovámos uma correspondência genérica entre as diferentes fontes de aprovisionamento que haviam sido definidas para o conjunto de pedra lascada da Lapa da Galinha. Desde logo, um predomínio claro das silicificações do Cenomaniano Superior com características semelhantes ao sílex de Caxarias e de Rio Maior, mas também a presença, minoritária, de exemplares produzidos sobre silicificações do Jurássico com características semelhantes ao sílex do Agroal-Sabacheira e, inclusive, da Ribeira de Murta (Fig. 31). Apesar de apresentarem diferentes patamares crono- culturais, e tendo em consideração a clara dicotomia da dimensão dos dois conjuntos, tanto os Carrascos como a Galinha apresentam o mesmo padrão de aprovisionamento relativo ao sílex utilizado para as oferendas votivas, podendo também aqui implicar uma certa continuidade, mas com certeza uma estreita relação, entre as comunidades utilizadoras daqueles sepulcros. Os elementos de adorno referem-se, na sua maioria, a pequenas contas discoides de xisto. Como referimos em ponto anterior, estes registos não constituem um indicador cronológico fiável, estando associados a uma grande variedade de contextos e sepulcros.

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Todavia, são os elementos realizados sobre concha que permitem aferir um significado cronológico mais preciso, tendencialmente associados a contextos funerários da primeira metade do 4º milénio a.n.e. (Boaventura, 2009: p. 265). Apesar de não desaparecerem completamente do mobiliário votivo da segunda metade daquele milénio, acabam por perder a sua importância, excluindo daquele pacote as conchas perfuradas de Dentallium e os braceletes de Glycimeris, exclusivos de uma fase mais antiga. Ou seja, a ligação simbólica com o ambiente aquático não se perde, mas transforma-se. A recolha de elementos não trabalhados neste e outros registos funerários estremenhos parece ser particularmente reveladora dessa carga simbólica. Esta conceção, do cariz antigo dos registos conquíferos em âmbito funerário, parece sair reforçada com os dados exumados da Gruta do Caldeirão (Zilhão, 1992) e da Nossa Senhora das Lapas (Oosterbeek, 1993), situadas mais a Norte num contexto geo-cultural distinto, mas relacionável com o do MCE. O Lugar do Canto, com uma fase de deposições funerárias coletivas balizada entre 3800 e 3400 cal BCE (Carvalho e Cardoso, 2015: p.45) regista esta associação de conchas de Dentallium e braceletes de Glycimeris. Parece, portanto, o paralelo mais próximo para o que foi possível observar nos Carrascos. O enquadramento cronológico obtido para o Algar do Bom Santo, muito semelhante ao do Lugar do Canto, vem confirmar a inserção desta prática numa fase inicial do processo de coletivização da morte. No entanto, vem também acrescentar que a utilização de Dentallium não é exclusiva, tendo sido identificadas contas realizadas sobre outros moluscos (Dean e Carvalho, 2014: p. 202). A mesma correlação está atestada para as grutas da Nossa Senhora da Luz (Cardoso et al, 1996), mas dada a metodologia de escavação da cavidade não é possível atribuir uma fase de deposição concreta. Contudo, é provável que se relacione com uma fase do Neolítico médio. Finalmente, parece ter sido detetada uma situação análoga no espólio da Entrada Superior 2 do Almonda (Zilhão et al, 1991: 163). Desta forma, e com as devidas reservas, é possível sugerir que pelo menos parte dos adornos dos Carrascos se associe a estas práticas funerárias. Esta retoma dos dados provenientes da Gruta dos Carrascos veio confirmar a leitura que tem sido difundida há mais de 40 anos. Este espaço foi exclusivamente utilizado como recetáculo dos mortos num intervalo de tempo que é difícil precisar. Infelizmente, a informação retirada do conjunto artefactual consente apenas uma abordagem cronológica relativa, por oposição à absoluta. Efetivamente, o primeiro episódio de utilização da cavidade é atribuível aos contextos funerários em gruta natural do Neolítico antigo. Porém, estas práticas excluem-se do fenómeno megalítico propriamente dito. O segundo, e aparentemente derradeiro, episódio de utilização poderá integrar-se no âmbito crono-cultural das primeiras deposições megalíticas, reunindo alguns critérios que justificam a plausibilidade daquela hipótese. Não fosse a violação dos

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estratos arqueológicos e o facto de o remanescente ter sido removido segundo uma agenda própria do início do século XX e talvez fosse possível observar as diferenças que são inerentes ao cerimonial de ambas as etapas, nomeadamente no que concerne o tratamento dos corpos e também o processo de coletivização da morte. Este parece estar bem documentado a partir do segundo quartel/meados do 4º milénio a.n.e. Proceder à datação absoluta dos restos humanos, e ao mesmo tempo a análises paleoisotópicas, poderia revelar-se particularmente importante.

4.2 Algar do Barrão

Situa-se na de Monsanto, a cerca de 2 km Norte da Nascente do Alviela e a pouco mais de 3 km SW da Lapa da Galinha. Foi identificado e explorado nos anos 90 do século passado. O acesso ao carso é realizado por uma abertura no tecto da Sala da Entrada, que se apresenta como o espaço de maiores dimensões (Carvalho et al, 2003). À esquerda desta área principal identificou-se uma sala mais pequena, de onde parte um corredor de perfil em “V”, descendente, e que culmina na chamada Sala do Fundo. Foram documentados dois contextos funerários: um nicho na Sala da Entrada e um depósito amplo, que incluía uma diaclase preenchida por restos osteológicos, na Sala do Fundo (Carvalho et al, 2019a). O contexto do nicho na Sala de Entrada é particularmente interessante, na medida em que retrata uma situação de deposição secundária “típica”, decorrente de um claro rearranjo dos restos humanos. Esta realidade encontrava-se dividida fisicamente por uma laje de calcário: num destes espaços criados artificialmente identificou-se uma associação com dois crânios e um vaso esférico com a superfície almagrada, virado de boca para baixo, como que se confundisse com as calotes cranianas. Por outro lado, o registo da Sala do Fundo permitiu aferir o grau de perturbação dos fenómenos pós-deposicionais, bem patentes no estado de desarticulação e fragmentação dos restos humanos, mas também pela presença intrusiva de elementos cerâmicos posteriores e pelos restos de animais que caíram pela abertura do teto da cavidade (Carvalho et al, 2003: p. 106). Porém, os trabalhos realizados na pequena diaclase vieram demonstrar novamente a prática de deposições secundárias, materializada na seleção intencional de ossos longos e consequente preenchimento. Não está posta de parte a possibilidade de terem ocorrido deposições primárias na Sala do Fundo, mas não foi possível observar esta realidade com fiabilidade. O NMI, obtido pelos restos exumados nas sondagens e recolhas de superfície na cavidade, é de 20. Apesar do elevado estado de fragmentação dos ossos, foram identificados indivíduos de ambos os sexos e de várias faixas etárias. O mobiliário votivo recolhido é escasso, mas parece ter significado cronológico: um bracelete de Glycimeris, escassa cerâmica, dois furadores em osso, um furador em sílex e um

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pequeno conjunto de pedra polida. Ao nível da cultura material parece existir uma certa correspondência com outras necrópoles datadas do Neolítico Médio, como é o caso do Algar do Bom Santo ou do Lugar do Canto. A bateria de datações recentemente obtida (Carvalho et al, 2019a) confirma esta coesão, com o limite superior plenamente inserido no segundo quartel do 4º milénio a.n.e. O limite inferior, balizado nos últimos séculos daquele milénio, apresenta algumas dificuldades de interpretação visto ser coevo de outros contextos funerários com um pacote votivo bem definido, integrando elementos materiais que não foram exumados no Algar do Barrão, como as placas de xisto gravadas, alfinetes em osso ou pontas bifaciais. Mantêm-se, então, as questões relacionadas com a natureza “arcaizante” do espólio votivo do Barrão (Zilhão e Carvalho, 1996: p. 666) e as datações mais tardias que foram obtidas. Permanece em aberto a hipótese da coexistência de dois complexos funerários distintos no final do 4º milénio a.n.e. (Carvalho et al, 2003: p. 117). O conjunto de determinações cronológicas disponíveis para o panorama sepulcral do MCE, que tem vindo a aumentar progressivamente, continua a ser demasiado escasso para estabelecer um quadro mais fino das deposições funerárias e mobiliário votivo que as acompanha. Arqueograficamente, carecemos das ferramentas necessárias para resolver este desacordo.

4.3 Gruta da Marmota

Situa-se na união de freguesias de Alcanena e Vila Moreira, a cerca de 4 km S da Lapa da Galinha. Foi identificada de forma fortuita, na sequência da queda de um bovídeo pela estreita chaminé que dá acesso ao interior da cavidade. Dez anos volvidos da sua descoberta, foi escavada sob a direção de Victor S. Gonçalves entre os anos de 1973-74 (Gonçalves, 1973). Aquando do acidente com o bovídeo, o proprietário do terreno, depois ter procedido ao alargamento daquele pequeno orifício, desceu ao seu interior e efetuou as primeiras recolhas de superfície, reconhecendo a existência de um depósito funerário. A identificação desta realidade levou a que a gruta fosse alvo de visitas contínuas por parte da população local, da Raposeira. Estas ações implicaram necessariamente uma forte afetação da zona da entrada, designada posteriormente como “Sala 1”. O interesse arqueológico inicial, promovido por uma então aluna do curso de História da FLUL, foi suscitado pela identificação de fragmentos de recipientes carenados atribuíveis à Idade do Bronze. Nesse sentido, iniciou-se a sua exploração com um número circunscrito de alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, seguindo uma metodologia apropriada e com objetivos concretos. A primeira fase dos trabalhos aí desenvolvidos ocorreu no final de 1973, pretendendo-se legitimar o potencial arqueológico da estação e, ao mesmo tempo, proceder à “obtenção de dados espeleométricos (…)” (Gonçalves,

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1973: p. 215). A frequência quantitativa dos recipientes carenados recolhidos à superfície e a sua associação com restos humanos, levou à primeira impressão de que se trataria de uma necrópole da Idade do Bronze. Todavia, a presença de elementos típicos da Idade do Ferro e de cerâmica de cobertura de época moderna, fazia sugerir um conjunto de processos tafonómicos com consequências diretas na integridade do depósito funerário pré-histórico. Os trabalhos prosseguiram em 1974, realizando-se outras duas campanhas com uma equipa mais alargada. Os resultados então obtidos, concretamente no corte 1 da Sala 2 (S2 C1), possibilitaram o reconhecimento de uma componente artefactual que recolhia estreitos paralelos no mobiliário votivo da Galinha e também numa fração dos artefactos exumados dos Carrascos, inserindo-se no chamado “Neolítico dolménico” (Gonçalves e Pereira, 1974-77: p. 49). Até ao momento, corresponde à componente mais antiga da Gruta da Marmota (Gonçalves, 1978b). Destacaríamos o facto destes elementos terem sido exumados na chamada “Sala 2”, a mais afastada da entrada da cavidade, como que confirmando a presença de uma área com maior integridade dos estratos. Artefactualmente, esta correlação encontrava-se demonstrada no conjunto bastante fragmentado de placas de xisto gravadas e placas de grés, no conjunto de pontas de seta de base triangular ou convexa e em alguns recipientes lisos com a superfície almagrada. O estudo das evidências recolhidas na Gruta da Marmota, em grande parte inéditas, encontra-se em fase de preparação. O espólio é proveniente das escavações de Victor Gonçalves, encontrando-se em depósito nas reservas da UNIARQ, e também de uma desobstrução realizada pela Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia (STEA). Considerando o âmbito específico deste trabalho, optámos por discutir apenas os contornos gerais até agora delimitados, desenvolvendo aspetos de caráter mais específico num momento futuro. O acesso à cavidade continua a ser feito pela entrada alargada de forma artificial pelo proprietário do terreno. A partir daqui, realiza-se uma descida de 2,50 m, acedendo-se a uma grande sala com cerca de 22 m de comprimento e uma orientação genérica SW-NE. Aquando da sua escavação, optou-se por fazer a distinção entre “Sala 1” e “Sala 2”, apartadas por um estreitamento da altura do teto ao chão da gruta. A largura máxima da “Sala 1” é de 9 m e da “Sala 2” é de 7,4 m. Os registos neolíticos foram essencialmente recuperados na “Sala 2”. Nos quadrantes NW e NE da “Sala 2” desenvolvem-se duas galerias em sentido descendente, parcialmente colmatadas por blocos pétreos (Fig. 33). Desconhece-se o seu desenvolvimento horizontal. Apesar do caráter e abrangência da intervenção, que atingiu o chão da cavidade nas áreas sondadas, o depósito arqueológico não foi removido inteiramente. Não tendo sido implementado um mecanismo que salvaguardasse o acesso ao interior da cavidade, esta foi

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sendo sucessivamente visitada por habitantes locais. Por conseguinte, o remanescente das evidências arqueológicas encontra-se profundamente disperso e fragmentado um pouco por toda a superfície atual. A identificação de negativos provocados por diversas pequenas desobstruções constitui uma realidade comum. Assim, chama-se a atenção para a necessidade de proteger o que ainda resta dos vestígios da ocupação humana da cavidade, especialmente estando o sítio arqueológico classificado como Imóvel de Interesse Público segundo o Decreto 95/78 do Ministério da Educação e Cultura, DR, I Série, nº 210, de 12 de Setembro de 1978. A colocação de um gradeamento facilmente removível, ainda que atue como elemento dissuasor, não cumpre as diretrizes da salvaguarda do património arqueológico. Ao contrário dos outros sepulcros que formam este núcleo, a Marmota foi a única que conheceu uma intensa reutilização em momento posterior às deposições funerárias neolíticas. O impacto das ações realizadas a partir da Idade do Bronze está bem patente no estado de fragmentação dos restos humanos e também em determinadas categorias artefactuais, como é o caso dos recipientes cerâmicos passíveis de associar à fase mais antiga, não tendo sido recolhido qualquer exemplar inteiro. Desta forma, é difícil proceder a uma análise bioantropológica detalhada, ficando por esclarecer qual o NMI, a frequência dos géneros e faixas etárias representadas e também qual o tipo de deposições efetuadas, ainda que se admita o seu caráter secundário. A situação é ainda agravada pela incerteza cronológica relativamente aos restos osteológicos: por um lado, o caráter funerário Neolítico é confirmado pela datação absoluta obtida para S2 C1 (Gonçalves, 2003b); por outro, apenas supomos uma utilização funerária da Idade do Bronze, que importava certificar pelos mesmos meios. O facto de não terem sido identificadas quaisquer evidências de caráter doméstico, seja ao nível de estruturas, seja ao nível da cultura material, parece concordar com uma ocupação daquele tipo. A análise do mobiliário votivo que acompanhava as deposições neolíticas revelou-se um exercício fundamental, na medida em que permitiu aceder a uma parte substancial das práticas funerárias e avaliar as diferenças de comportamentos e gestos funerários com os outros sepulcros que formam este núcleo, nomeadamente com a Lapa da Galinha, com quem parece partilhar mais afinidade crono-cultural. O conjunto de pedra lascada, realizado fundamentalmente sobre sílex, é composto por suportes alongados, geométricos e pontas de seta, estando excluídas as grandes pontas bifaciais. O número de suportes alongados é bastante restrito, sem qualquer registo de suporte lamelar. Predominam as lâminas com retoque marginal sobre lâminas brutas, estando representado um exemplar de raspadeira sobre lâmina, obtido pela transformação da sua extremidade distal. Nenhum exemplar de crista ou sub-crista foi reconhecido. Os padrões

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métricos obtidos apontam para um grupo tendencialmente pequeno. No que concerne os geométricos, também pouco abundantes, a tipologia mais recorrente é a dos trapézios, seguida dos crescentes. Os triângulos e os chamados trapézios de “transição” não se encontram representados. As características morfo-tecnológicas demonstram uma maior frequência de secções trapezoidais, concordando com os dados dos suportes alongados, e uma escassa representatividade de tratamento térmico. A largura determinada para estes exemplares integra-os exclusivamente no grupo das pequenas lâminas. Enfim, o conjunto mais abundante é o das pontas de seta, que evidencia uma maior diversidade tipológica do que a Galinha, estando identificado pelo menos um exemplar do tipo Torre Eiffel. Todavia, os elementos com a base convexa ou triangular, por vezes com aletas destacadas, continuam a ser mais frequentes. A desconstrução do paradigma cronológico tradicional que envolve as pontas de seta parece sair reforçada com os dados obtidos da Marmota. A utilização do quartzo parece ter sido exclusiva à produção de pontas de seta de base convexa ou triangular, formando um grupo mais ou menos homogéneo. Relativamente ao sílex utilizado na produção do conjunto de pedra lascada, e tendo em conta o grau de alteração da superfície de alguns exemplares, parecem estar representadas as mesmas fontes de aprovisionamento determinadas para a Galinha e Carrascos, com um destaque para os tipos com características semelhantes aos da região de Caxarias e de Rio Maior, contextos regionais do Cenomaniano (Fig. 32). O sílex Jurássico da região de Tomar adquire apenas valores residuais. A escassa frequência de instrumentos de pedra polida como que reflete o papel das afetações que se verificaram no contexto da necrópole Neolítica, nomeadamente aquelas mais recentes. De facto, não admitimos a possibilidade de o quantitativo responder à totalidade das oferendas daquela categoria artefactual, tendo por base outros contextos funerários em gruta natural, mas também a análise do abundante espólio votivo como um todo. O papel simbólico dos elementos realizados sobre rochas anfibólicas no imaginário popular das últimas décadas é sobejamente conhecido e poderá ter desempenhado um papel importante nesta sub- representatividade. Seja como for, estão documentados machados e enxós, executados sobre rochas anfibólicas aparentemente homogéneas. Por sua vez, o instrumental ósseo é essencialmente composto por furadores, incluindo um exemplar realizado sobre cúbito de bovino, uma tipologia que parece emergir frequentemente em contextos domésticos. A determinação cronológica deste elemento seria relevante no sentido de apurar um âmbito concreto para a sua deposição. Destaca-se, contudo, um outro registo, identificado ainda numa das primeiras visitas à cavidade, que tem vindo a ser interpretado, com as devidas ressalvas, como uma matriz para a decoração dos recipientes cerâmicos (Gonçalves, 1973). Apresenta uma extremidade apontada e outra denteada, tendo

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sido recolhido no interior de um vaso carenado, típico da Idade do Bronze. Todavia, não parece impossível, considerando os paralelos regionais, que tenha sido um elemento retirado do seu contexto original e, portanto, reaproveitado. O conjunto dos elementos de adorno da Marmota é diversificado, contando com vários registos que repetem o que já se enunciou previamente. Entre estes, destaca-se um alfinete em osso e um conjunto importante de contas e pendentes. Neste último grupo, documentou-se a presença das típicas pequenas contas de xisto e uma importância substancial das rochas verdes no contexto da produção dos elementos ditos de colar. A avaliação das matérias-primas que constituem o suporte para o adorno está em curso. Os métodos utilizados permitirão aferir se, efetivamente, se trata de variscite ou de outro mineral como moscovite. Contudo, destacamos a presença, já confirmada por meios analíticos, de duas contas em fluorite, cuja identificação se revela particularmente importante no contexto das redes de contacto inter e intra-regionais, mas também pelo valor simbólico associado a estas contas translúcidas (Garrido-Cordero et al, 2020). Por fim, recolheram-se também elementos conquíferos não trabalhados, entre os quais se destacam vários elementos de Patella sp. O seu papel simbólico para as comunidades do 4º e 3º milénio a.n.e. desta região parece-nos inequívoco. Apesar do elevado estado de fragmentação dos recipientes cerâmicos, a sua análise veio trazer resultados interessantes, que de certa forma chocam com aqueles que tivemos a possibilidade de verificar para a Galinha. Num primeiro momento, foi fundamental esclarecer a natureza cronológica destas produções: ao contrário dos restos humanos, foi possível aplicar critérios que diferenciassem a sua cronologia Neolítica ou do Bronze. A correspondência das formas determinadas com os catálogos desenvolvidos à escala regional corresponde ao critério mais evidente e não levanta grandes problemas. Contudo, o elevado número de bojos impedia a reconstituição formal de muitos recipientes. Nesse sentido, e sempre que possível, procurámos realizar esta destrinça com base em critérios tecnológicos, essencialmente relacionados com os tipos de fabrico. São, efetivamente, parâmetros obtidos macroscopicamente e estão sujeitos a ser alterados na sequência de uma análise microscópica. Porém, a utilização destes métodos fez emergir um pequeno conjunto dito “dolménico” com elevado grau de coerência. O repertório formal representado é semelhante ao da Galinha: predominam as formas abertas sobre as fechadas, com pastas compactas a semi-compactas e cozeduras essencialmente oxidantes, por vezes com arrefecimento redutor. Relativamente à morfologia e direção dos bordos, também se mostram não espessados e maioritariamente convergentes. No entanto, os elementos não plásticos dos recipientes da Marmota são em número mediano, apresentam um calibre médio-fino e são compostos por calcários e feldspatos. As diferenças

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mais significativas entre ambas as necrópoles parecem estar relacionadas com os processos de tratamento da superfície dos recipientes. De facto, as evidências na Marmota apontam para um maior cuidado na produção de recipientes cerâmicos destinados a integrar o mobiliário votivo destas comunidades. Tanto o alisamento das superfícies, como a aplicação de almagre na superfície interna e externa destes elementos ultrapassam os valores determinados para a Galinha. De igual forma, destacaríamos a exclusão dos pequenos vasos carenados, que nos remetem para a região alto-alentejana, no inventário da Marmota. Finalmente, o universo dos artefactos ideotécnicos, remete-nos para um âmbito cronológico bastante específico e que sucede à primeira fase das manifestações funerárias megalíticas, dita “pré ídolos-placa” (Boaventura, 2011). Estão documentadas placas de xisto gravadas, com motivos geométricos, e placas de grés lisas, ambas caracterizadas por um elevado estado de fragmentação, que nos impede de realizar uma leitura abrangente do conjunto. Pela sua singularidade, salientamos um fragmento de placa de xisto com a representação da variante de figuração oculada, não raiada, representada apenas pelas arcadas superiores, sob a forma de faixa preenchida disposta em segmento de círculo (Gonçalves et al, 2014: fig.29; Andrade, 2015). Sobressai ainda um outro fragmento correspondente à cabeça de placa antropomórfica com representação facial e um fragmento de placa de grés com linhas ziguezagueantes. Não estando “(…) obcecados com a eventual antiguidade das placas (…)” (Gonçalves, 2003b: p.273) devemos interpretar a datação obtida para a Marmota S2 C1 com a devida cautela. Os desafios com esta data parecem residir no seu limite superior, que não se adequa à grande maioria das datas disponíveis para contextos com placas de xisto gravadas. Por outro lado, poderá indicar uma primeira fase de deposições funerárias cujo mobiliário votivo não compreende estes artefactos. Mais do que em qualquer dos outros sepulcros, o estudo preliminar da componente votiva da Gruta da Marmota veio confirmar a sua relação crono-cultural com a Galinha. Correspondem, então, a duas grutas-necrópole cujo mobiliário votivo sugere um conjunto de prescrições mágico-religiosas comum essencialmente na segunda metade do 4º milénio e, muito provavelmente, o início do 3º milénio a.n.e. No entanto, não podemos deixar de referir que, no mesmo âmbito, e com base no mobiliário votivo recolhido, se regista um certo grau de diversidade e influências extra-regionais que são difíceis de ignorar. Sem uma bateria complexa de análises diretas à população inumada nos dois ambientes, as ilações passíveis de retirar desta micro-variabilidade são limitadas. Não são comunidades culturalmente apartadas, mas também não parecem revelar traços de uma grande homogeneidade. Ambos os sepulcros estão plenamente inseridos nos circuitos de intercâmbio de matérias-primas exógenas, ainda que a relação da Lapa da Galinha com a região alentejana se mostre mais intensa, fazendo antever uma diferenciação socio-económica incipiente. É evidente que fatores de índole cronológica

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possam estar na origem deste panorama, pelo que se deve proceder à realização de um modelo cronométrico sólido.

4.4 Algar dos Casais da Mureta

Localizado na freguesia de Monsanto, a 2,3 km W da Lapa da Galinha, foi identificado por acaso durante a construção de um imóvel no final dos anos 90 (Arquivo Histórico da Arqueologia Portuguesa, S – 26232). A exploração de uma parte significativa do contexto arqueológico foi feita de forma amadora, com consequências nefastas para a compreensão do processo de formação da necrópole. A tutela obteve o conhecimento destes trabalhos num momento posterior, quando já não seria possível remediar os danos. No âmbito daquelas remoções de sedimento, reconheceu-se um depósito arqueológico composto por ossos humanos desarticulados e dispersos, um abundante registo faunístico, instrumentos de pedra polida e alguns fragmentos de cerâmica lisa (Valente et al, 2017). O contexto cársico corresponde a uma diaclase, com 16 m de profundidade e quase 10 m de comprimento. Infelizmente, não existe um registo gráfico da sua topografia. A intervenção da tutela impediu a total remoção do sedimento, ainda que o potencial arqueológico tenha sido substancialmente espoliado. Aparentemente foi identificado apenas um nível de ocupação funerária. Porém, a análise do sedimento que ainda envolvia estes restos ósseos demonstrou a presença de duas matrizes distintas, sugerindo dois contextos de deposição funerária (Carvalho et al, 2019a). De forma a tentar resolver a questão, procedeu-se à datação direta de distintos indivíduos. Os resultados estão em pleno acordo, indicando o fim do 4º milénio, numa fase posterior às primeiras práticas funerárias megalíticas. Esta homogeneidade aparente não possibilitou a compreensão dos distintos contextos de deposição. O conjunto, que corresponde apenas a parte do depósito funerário, está ainda fase de estudo, desconhecendo-se em pormenor o mobiliário votivo que acompanhava as ditas deposições. Todavia, considerando o âmbito cronológico definido até ao presente, destacaríamos a ausência – que poderá não ser real – de artefactos ideotécnicos numa fase em que assistimos à sua generalização noutros sepulcros. A análise dos restos humanos permitiu calcular um número mínimo de cinco indivíduos, estando representados ambos os sexos e várias faixas etárias, inclusive indivíduos muito jovens. A presença de um número considerável de registos faunísticos (N=989) não é habitual em depósitos funerários neolíticos, correspondendo frequentemente a intrusões posteriores. Apesar dos restos de fauna se encontrarem cobertos pela mesma película sedimentar que os restos humanos (Carvalho et al, 2019a), o que poderá constituir um indicador de

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contemporaneidade, só a datação absoluta destes exemplares poderá garantir a associação com as práticas funerárias que aí decorreram (Valente et al, 2017). A verificar-se esta situação, resulta interessante a interpretação que tem sido adiantada para esta comunhão e que consiste no uso (simultâneo?) daquele espaço como contentor funerário e abrigo temporário de pastores. Enfim, poderíamos também imaginar que alguns destes registos incorporassem o ritual funerário, sob a forma de oferenda votiva, mas o desconhecimento relativo à sua proveniência dificulta esta tarefa.

4.5 Anta da Fonte Moreira

Por entre as caixas onde se encontravam os elementos cerâmicos da Lapa da Galinha, identificámos uma realidade que não se enquadrava totalmente no universo crono-cultural que delineámos anteriormente, sendo composta por três fragmentos com decoração campaniforme. Importava, pois, esclarecer a sua presença num mobiliário votivo que se apresenta relativamente coeso e homogéneo. Do ponto de vista decorativo, e ainda que sejam apenas três fragmentos, podemos assinalar a sua diversidade. Um dos fragmentos, apesar de apresentar a superfície externa bastante desgastada, ostenta a tradicional decoração impressa pontilhada do estilo Internacional, organizada em bandas horizontais. Já a gramática decorativa dos outros dois registos, é atribuível ao grupo inciso geométrico. Num dos casos regista-se uma típica composição triangular preenchida por linhas. No outro, para além das três bandas horizontais, preenchidas por pequenos traços verticais, destaca-se a presença de métopes dispostas abaixo da linha do bordo. Destes elementos, apenas um conservava a área do bordo, limitando a reconstituição formal de um conjunto já pequeno. Acrescente-se também que todos os fragmentos apresentam cozedura ou arrefecimento oxidante e um conjunto de elementos não plásticos de fino calibre, pelo que as suas pastas se diferenciam claramente das produções exumadas da Galinha (Est. 55). Dado não terem sido recolhidos outros elementos materiais passíveis de relacionar, pelo menos de forma imediata, com este fenómeno cultural, estes registos estranhos ao conjunto constituíram um elemento de surpresa. Não seria de todo impossível pensar que a cavidade voltasse a ser ocupada algures no decorrer da segunda metade do 3º milénio a.n.e., tal como acontece nas grutas do Poço Velho (Gonçalves, 2009), na Buraca da Moura da Rexaldia (Oosterbeek et al, 1992; Andrade et al, 2010) e na Galeria da Cisterna, que conta com uma ocupação funerária campaniforme acerâmica (Zilhão, 2016). Nem sempre resulta fácil associar estes episódios tardios a uma ocupação funerária, ainda que nas grutas de Cascais e na gruta do

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Almonda tenha sido possível obter datações diretas sobre restos humanos que deixam pouca margem para dúvidas. Mantêm assim a sua função enquanto contentor funerário, mesmo que as práticas funerárias obedeçam a conceções funerárias fundamentalmente distintas. No entanto, o decorrer do trabalho que aqui se discute permitiu-nos apresentar uma explicação alternativa, com uma base mais sólida. A leitura da correspondência entre Félix Alves Pereira e Leite Vasconcellos desempenhou um papel fundamental na emergência desta hipótese. Na missiva registada com o nº 17935, que data do dia 4 de Janeiro de 1909, o encarregado da exploração da Lapa da Galinha assinala a descoberta de um monumento ortostático a 500 metros Sul da gruta, referindo ainda o avançado estado de degradação do mesmo: o chapéu ausente, os esteios deslocados e a planta notoriamente incompleta. Já na pequena nota dedicada à Lapa da Galinha, Alves Pereira fazia referência a um “megalitho” na mesma propriedade que aquela cavidade cársica (Pereira, 1908). Com elevada probabilidade, aquele monumento ortostático corresponderá à Anta da Fonte Moreira, desde há muito referenciada como um dos dois sepulcros deste tipo registados no MCE – a qual se junta o interessante caso da anta-capela das Alcobertas. Com base nesta informação, de caráter necessariamente relativo, tentámos fazer a sua relocalização numa das visitas que fizemos à cavidade, mas os resultados demonstraram-se manifestamente infrutíferos. Com probabilidade, o que restaria do monumento terá sido arrasado em momento indeterminado. Enfim, os materiais resultantes da escavação daquela anta são pouco abundantes, mas culturalmente expressivos. Encontram-se depositados no MNA, tendo sido sumariamente descritos e apresentados por Vera Leisner (1965: Taf. XIII). O conjunto é composto por elementos votivos típicos do 4º e 3º milénio a.n.e., como são os machados, enxós e lâminas de sílex, que correspondem à primeira fase de deposições realizadas no monumento. De facto, o registo mais singular deste monumento corresponde a uma ponta tipo Palmela (MNA 10849), que nos remete para momentos mais tardios. Ora, os fragmentos aqui em apreço encontram estreita proximidade com esta componente central do chamado pacote campaniforme, muito mais do que qualquer outro registo da Lapa da Galinha. Um outro argumento que poderia ser utilizado em defesa da hipótese que levantamos seria a questão em torno dos números de inventário dos dois sepulcros. Ao contrário dos registos cerâmicos da Galinha, que incluem as produções do Neolítico antigo, os fragmentos com decoração campaniforme não apresentavam qualquer marcação na sua superfície. Uma vez que todo o material da Lapa da Galinha e até da Gruta dos Carrascos se encontra devidamente seriado, com números antigos, é pouco provável que estes fragmentos partilhassem a mesma proveniência. Assim, é perfeitamente plausível considerar que estes

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materiais se tenham misturado, até porque a Galinha e a Fonte Moreira foram exploradas de forma praticamente sequencial. Um lapso que terá ocorrido num momento anterior à apresentação dos materiais por Vera Leisner, e que agora se julga ter resolvido. Mesmo aquando do trabalho de Maria de Sá, a realidade campaniforme parece já integrar os comentários relativos às produções decoradas da Galinha (Sá, 1959: p.123), pelo que a intrusão deverá estar relacionada com o processo de transporte e deposição nas reservas do MNA. Ainda que este não seja o objetivo central deste trabalho, pensamos ser necessário refletir brevemente à luz destes “novos” documentos, cuja valorização se revelará relevante numa região em que a rede de povoamento calcolítica, e, portanto, campaniforme, está escassamente definida (Carvalho, 2019: p. 160). É evidente que se levantam questões difíceis de solucionar relativamente a este monumento, particularmente no que toca à sua arquitetura e dinâmica das práticas funerárias. A utilização funerária da Anta da Fonte Moreira em época campaniforme, possivelmente de caráter individual, corresponderá a uma reutilização do sepulcro, correspondendo a uma situação relativamente comum neste tipo de arquitetura funerária, tanto para a realidade estremenha como para a alentejana, ainda que com contornos distintos (Boaventura, 2009; Mataloto, 2017). Nesse sentido, admite-se a possibilidade de a Lapa da Galinha, a Gruta da Marmota e a Anta da Fonte Moreira terem coincidido cronologicamente, dando origem a um novo espectro de questões que podem ser discutidas a uma escala supra- regional, entre as quais destacaríamos: quais os critérios de entrada num e outro sepulcro? O que significa ser depositado numa anta ou numa gruta? É possível aferir uma hierarquização funerária? Considerando os contextos da realidade arqueográfica mais próxima, a resposta não se afigura fácil. Seja como for, o que parece certo é que em época campaniforme não é nenhuma destas cavidades cársicas que é (re)utilizada como espaço sepulcral, mas antes o monumento ortostático. É pouco provável que estas grutas fossem desconhecidas para as comunidades do final do 3º milénio a.n.e., pelo que deveremos também procurar adiantar hipóteses para a razão de ser desta escolha. Uma vez mais estamos constrangidos pela ausência de restos humanos suscetíveis de dar respostas a um panorama funerário complexo como este.

5. Contributo para a definição das práticas funerárias neolíticas e calcolíticas no MCE O “Megalitismo de gruta”

“Valiant Porthos! He must still be sleeping, lost, forgotten, under the rock that the shepherds on the heath mistake for the gigantic roof of a dolmen.”

Alexandre Dumas, The Man in the Iron Mask

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5.1 Conceito e aplicabilidade

O conceito de “Megalitismo de gruta” foi introduzido na arqueografia portuguesa por Victor S. Gonçalves, referindo-se às deposições funerárias e rituais realizadas no interior de cavidades cársicas, em tudo idênticas às mesmas práticas que ocorrem no chamado “Megalitismo ortostático” do 4º e 3º milénio a.n.e. (Gonçalves, 1978a; 1978b). Pela primeira vez, foi adotada uma perspetiva mais ampla sobre o fenómeno megalítico e o enquadramento crono-cultural em que este se desenvolve, assumindo o seu caráter super-estrutural. No fundo, tratou-se da implementação de um mecanismo que permitiu considerar o Megalitismo em todas as suas vertentes, ultrapassando uma visão redutora – mas também conservadora – focada essencialmente nas construções megalíticas. O Megalitismo deve ser, então, entendido como uma realidade multi-facetada, em que as grutas-necrópole estão plenamente integradas através de um conjunto de preceitos funerários comuns (Gonçalves, 2003a). A ideologia e o simbolismo que lhe estão subjacentes são independentes das arquiteturas ou espaços da morte em que ocorrem (Boaventura, 2009). A Lapa da Galinha é um exemplo claro do vigor indissociável do “Megalitismo de Gruta”. Ao contrário do que sucedeu noutras áreas do Megalitismo europeu, as grutas- necrópole não foram esquecidas pelos pré-historiadores que desenvolveram o seu trabalho no atual território português. Provavelmente porque os protagonistas em causa tinham uma formação em geologia e muito se interessavam pelos ambientes cársicos. Desta forma, as primeiras intervenções realizadas em cavidades com ocupações funerárias neo-calcolíticas distinguem-se pela qualidade dos métodos e registos empregues na sua exploração (Cardoso, 2020b). Não são, portanto, práticas amadoras e informais que muito contribuíram para uma certa desconsideração dos contextos funerários em gruta, fundamentalmente em âmbitos extra-peninsulares (Schulting, 2007). A própria natureza destes depósitos, com os restos humanos muito dispersos e sujeitos a um número incontornável de processos tafonómicos, contribuiu para que estes apenas fossem valorizados nas últimas duas décadas – pelo menos em alguns países europeus. No que diz respeito ao caso português, não entendemos que se tenha desvalorizado a importância das grutas-necrópole, mas antes privilegiado os monumentos ortostáticos na compreensão do fenómeno megalítico. Todavia, a abertura que resultou da introdução do conceito de “Megalitismo de gruta”, mesmo que sem assumir o peso que tal designação acarreta, permitiu uma série de reflexões que têm vindo a estabelecer uma relação muito próxima entre grutas e antas. Aliás, uma relação que recolhe uma certa transversalidade nos vários palcos do Megalitismo europeu, coexistindo com outras soluções estruturais.

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Desde logo, uma das semelhanças mais significativas entre os contextos de deposição funerária é definida pela utilização e gestão do espaço onde são praticadas, de tal forma que já no final do século passado se sugeria que os monumentos ortostáticos não eram mais do que um tipo particular de grutas artificiais (Oosterbeek, 1997a: p.70). Consequentemente, emergiu uma hipótese consubstanciada na mimetização dos aspetos simbólicos e sensoriais que são inerentes às cavidades cársicas por parte dos construtores de monumentos megalíticos (Dowd, 2008: p.314; Bueno et al, 2015: p.83). Porém, não quer isto dizer que as cavidades cársicas, enquanto sepulcros, tenham constituído a inspiração para a construção dos primeiros monumentos megalíticos (Barnatt e Edmunds, 2002: p.126). Como veremos, a ordem desta relação é, com probabilidade, a inversa. Seja como for, numa fase mais tardia do Neolítico parece verificar-se uma certa equivalência entre ambas as soluções funerárias, que quebra as fronteiras tradicionais e rígidas do Megalitismo. A entrada para uma dimensão além-vida, a escuridão, o condicionamento físico inerente ao acesso da área sepulcral e toda a experiência sensorial partilhada, que inclui necessariamente os cheiros e os sons, são apontados como os argumentos mais sólidos para suster esta vertente da relação entre os dois tipos de sepulcro. Esta abordagem holística tem possibilitado a exploração de outras vertentes que não são diretamente observáveis no registo arqueológico e que consideramos importantes no âmbito do estudo das práticas funerárias neolíticas e calcolíticas do MCE. Em concreto, importa- nos refletir acerca do papel das grutas como câmaras funerárias, na medida em que atuam como um contentor dos mortos, mas também da função dos relevos montanhosos enquanto tumulus e o impacto paisagístico que decorre dessa condição (Carvalho, 2016b: p.121; 2020). A justaposição entre a câmara de um monumento ortostático e uma gruta natural não é casual - até que ponto não podemos pensar nas paredes e teto de uma anta, imóveis, como as paredes de uma sala de uma gruta-necrópole? (Laporte et al, 2011: p.316). No que concerne a primeira hipótese, torna-se fundamental valorizar os diversos contributos que têm identificado “construções megalíticas” no interior das cavidades cársicas. Uma vez mais, a dinâmica das explorações das grutas com ocupação funerária na Estremadura impede-nos de procurar um enquadramento adequado à realidade, na medida em que tal possibilidade não foi acautelada. Assim, na hora de estabelecer os paralelos mais próximos, é difícil não repetir os exemplos das grutas que foram escavadas com uma metodologia rigorosa e apropriada ao inquérito arqueológico presente. O caso do Algar do Bom Santo é particularmente relevante neste sentido, já que na chamada Sala das Pulseiras foram identificados dois elementos interpretados como característicos de comportamentos megalíticos: uma realidade sistematicamente designada como “altar”, na medida em que consiste numa estrutura composta por uma laje assente em dois blocos pétreos, formando uma

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plataforma artificial plana (Carvalho et al, 2019b: p.73); uma estela antropomórfica monumental, similar aos exemplos que se conhecem nos monumentos ortostáticos da área alentejana, com um caráter simbólico inequívoco (Bueno et al, 2015). Associados ao “altar” estavam duas enxós de anfibolito e um conjunto de restos humanos esmagados e queimados. Finalmente, a entrada da gruta, que concede o acesso à área funerária, foi selada intencionalmente após o seu episódio de utilização, tal como se verificou, a título de exemplo, nas antas 2 e 3 da Herdade de Santa Margarida, Reguengos de Monsaraz (Gonçalves, 2001; 2003), mas também no sepulcro 1 da necrópole de hipogeus da Sobreira de Cima, Vidigueira (Valera e Coelho, 2013: p. 14) e possivelmente no hipogeu da Barrada, Aljezur (Barradas et al, 2013). Ainda no âmbito peninsular, destacaríamos as evidências reconhecidas em duas grutas- necrópole localizadas na divisão administrativa pertencente à Província de Córdova: a Cueva de Los Cuarenta e a Cueva de los Arrastraos. No primeiro caso foram identificados 14 clusters funerários, isolados dos demais tanto por barreiras naturais, como barreiras construídas (Vera- Rodríguez, 2014). Isto é, verificou-se um aproveitamento da topografia natural da gruta para realizar as deposições funerárias, frequentemente em nichos, em áreas onde o teto da gruta é mais baixo e, inclusive, em áreas cobertas por grandes blocos, atuando como viseiras, como é o caso do designado conjunto 1 (Murillo-Barroso et al, 2018: fig.2). A delimitação dos espaços funerários é igualmente obtida pelo agrupamento de vários blocos e lajes, formando pequenos muretes, bem visíveis no chamado conjunto 2. No segundo caso a identificação de agrupamentos funerários foi dificultada pela escassez generalizada de restos humanos pelos vários setores da cavidade (Martínez-Sánchez et al, 2014). Contudo, o investimento decorrente das realidades megalíticas identificadas faria supor uma utilização funerária com maior visibilidade – razão pela qual se propõe que esta gruta teria sido esvaziada no âmbito das deposições funerárias secundárias. O setor III da Cueva de los Arrastraos revelou-se importante, considerando que é uma sala com um pavimento estruturado a partir de lajes de calcário, cujo acesso é feito através de três grandes lajes sobrepostas, atuando como uma espécie de degraus (Martinez-Sanchez et al, 2014: fig.4). Também o acesso ao setor IV desta cavidade apresenta a particularidade de estar assinalado por um bloco pétreo, de um lado, e uma grande laje em cutelo, do outro. Tal como foi apontado para o Algar do Bom Santo, também estas duas grutas-necrópole se encontravam seladas deliberadamente. Um outro ponto que é transversal às práticas funerárias destas necrópoles concerne o tratamento dos corpos, predominando as deposições secundárias sob a forma de acumulações de ossos longos e crânios. Todavia, estão igualmente identificadas deposições primárias, tanto no Bom Santo como na Cueva de los Cuarenta, ainda

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que pouco significativas em termos quantitativos. Relativamente à cronologia deste fenómeno, e não esquecendo a dificuldade decorrente do número de datações obtidas para cada contexto, parece existir uma contemporaneidade relativa ao início dos comportamentos megalíticos no interior de cavidades cársicas em torno do segundo e terceiro quartel do 4º milénio a.n.e. Uma faixa cronológica que recolhe alguma solidez em âmbitos geoculturais mais distantes, como é o caso da Irlanda (Dowd, 2008: p. 308), mas também no amplo território da Grã-Bretanha, onde há igualmente exemplos de construções megalíticas no interior de grutas-necrópole neolíticas: “The construction of internal partitions and chambers within caves again blurs the distinction between ‘natural’ and ‘built’ places, and invites comparisons with the internal arrangement of chambered tombs” (Schulting, 2007: p.10). Relativamente à segunda questão previamente mencionada, da visibilidade dos relevos montanhosos e dos respetivos fenómenos cársicos na paisagem envolvente, verifica-se uma dicotomia difícil de ignorar (Barnatt e Edmunds, 2002). No caso particular da Estremadura, os maciços calcários, que não atingem altitudes muito elevadas, contrastam fortemente com as planícies que lhes são adjacentes, pelo que são visíveis a grandes distâncias (Carvalho, 2016b; 2020). Atuariam, portanto, como um grande tumulus que emerge e domina a paisagem. Por outro lado, a própria entrada das grutas é, frequentemente, assaz discreta e oculta: é necessário ter um conhecimento profundo do território para localizar os fenómenos cársicos mais adequados para receberem deposições funerárias. A dificuldade do seu reconhecimento seria ainda maior quando o acesso à cavidade é vertical (Boaventura, 2009: p. 208), ainda que se possa admitir a sinalização da entrada das grutas através de um qualquer mecanismo perecível ou mesmo um monólito. Nesse sentido, uma regular desmatação da entrada das cavidades poderia ser o suficiente para destacar uma determinada área do seu entorno imediato. Há, evidentemente, um jogo entre o visível e o invisível no que toca ao reconhecimento destas realidades na paisagem. A invisibilidade refletida no registo arqueológico ditou o impacto reduzido das grutas na paisagem, surgindo agora diferentes linhas de investigação que permitem repensar certas posições. É claro que cada caso deve ser analisado individualmente, considerando a complexidade de produzir generalizações acerca das comunidades pré- históricas. 5.2 O caso de estudo

Pretendeu-se reforçar a importância da pluralidade estrutural inerente ao Megalitismo, enquanto conjunto de práticas funerárias do 4º e 3º milénio a.n.e (Gonçalves, 2003a: p.264). Mais do que nunca, a vitalidade deste conceito deve ser disseminada e plenamente integrada no discurso arqueológico internacional. A diversidade de arquiteturas funerárias, que partilham

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um mesmo quadro simbólico-ideológico, poderá ser determinada mais por constrangimentos de ordem geológica e geomorfológica, do que culturais – ainda que estes não devam ser desconsiderados, especialmente à escala regional. Neste sentido, a utilização da gruta do Escoural, Montemor-o-Novo, como necrópole neolítica é particularmente relevante, atuando como uma ilha num território megalítico ortostático (Araújo e Lejeune, 1995; Peyroteo-Stjerna et al, 2018). Recentemente, têm sido procurados determinados critérios sociais e económicos, obtidos das populações inumadas, como fatores de explicação para a diversidade das arquiteturas funerárias à escala regional (Fernández-Crespo et al, 2020). É complexo adotar apenas uma destas hipóteses, uma vez que a realidade de cada contexto deverá corresponder a um misto de fatores. O padrão dos tipos de sepulcro do MCE, que constitui o cerne desta discussão, é demonstrativo desta realidade: no inventário deste contexto geocultural verifica-se um claro predomínio das cavidades cársicas com utilização funerária face a qualquer outra tipologia de sepulcro (Mapa 2). A propósito desta distribuição, destacaríamos o número significativo de grutas identificadas nos bordos do Maciço, ainda que seja evidente uma clara distinção referente ao conhecimento das práticas funerárias aí realizadas, a favor do setor da Serra de Aire, onde estão inseridas a Lapa da Galinha e o núcleo sepulcral de Alcanena. Mas, nem por isso esta diferença se salda numa maior frequência de outros sepulcros: para o MCE, as restantes arquiteturas funerárias atribuíveis ao Megalitismo consistem apenas em três grutas artificiais, escavadas na rocha (Ribeira Branca 1 e 2, a Necrópole das Lapas e o Convento do Carmo) e dois monumentos ortostáticos (a anta-capela das Alcobertas e a anta da Fonte Moreira). A predominância de cavidades naturais face aos outros tipos de sepulcros poderá decorrer do deficiente grau de preservação, no caso dos monumentos ortostáticos, e de um problema de identificação de estruturas negativas, no caso dos hipogeus. No que toca às grutas artificiais, o substrato calcário da região é favorável à sua escavação, pelo que se admite a ocorrência de outros contextos funerários.

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Mapa 2 – Contextos funerários neolíticos e calcolíticos do Maciço Calcário Estremenho. O MDT foi obtido com uma resolução de 30 m disponibilizado pelo ASTER GDEM. 1- Lapa da Mouração; 2- Lapa Comprida do Castelejo; 3- Lapa Rasteira do Castelejo; 4- Covão do Poço; 5- Ventas do Diabo; 7- Cova das Lapas; 8- Cadoiço; 9- Cabeço da Ministra Alta; 10- Mosqueiros Alta; 11- Pena da Velha; 12- Ervideira; 13- Calatras Alta; 14- Calatras Média; 15- Lagoa do Cão; 16- Vale do Touro; 17- Algar do João Ramos; 18- Carvalhal de Turquel; 19- Alcobertas; 20- Anta-capela das Alcobertas; 21 a 23- Grutas da Senhora da Luz; 24- Buraca da Moura; 25- Lugar do Canto; 26- Carrascos; 27- Casais da Mureta; 28- Barrão; 29- Galinha; 30- Fonte Moreira; 31- Marmota; 32- Lapa do Saldanha; 33- Convento do Carmo; 34- Necrópole das Lapas; 35- Ribeira Branca I e II; 36- Bugalheira; 27- Galeria da Cisterna; 38- Entrada Superior 2 do Almonda; 39- Lapa dos Namorados; 40- Lapa da Modeira; 41-Rexaldia; 42- Grutas da Bezelga

Portanto, parece plausível que a geomorfologia da região tenha condicionado a escolha dos contentores funerários. Uma gruta, ao contrário das construções megalíticas, não necessita de um verdadeiro investimento, no sentido edificativo, por parte da(s) comunidade(s) que aí pretende(m) depositar os mortos, revelando o seu carácter “pronto a usar” (Gonçalves, 1992: p.184). Por outro lado, e no que concerne a questão do investimento comunitário, não podemos deixar de considerar a distância que separa os sepulcros das áreas habitacionais, assim como os fatores de acessibilidade já mencionados (Boaventura, 2009: p.14), forçando a própria revisão do conceito de investimento.

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Partindo do individual para o coletivo - no que toca ao caráter da utilização funerária das grutas - procurámos coligir todas as datações sobre ossos humanos recolhidos em ambientes cársicos da Alta Estremadura, compreendendo os contextos geoculturais, distintos é certo, a Norte da Serra de Montejunto, com evidente destaque para o MCE. Procedemos, então, a uma atualização dos dados de Boaventura (2009; 2011) com o intuito de promover um quadro crono-cultural rigoroso para as práticas funerárias da Pré-História Recente nesta região (Quadro 54). O número de datações disponíveis aumentou substancialmente, assim como a informação relativa a contextos arqueológicos não revisados até então, pelo que se justifica plenamente a recuperação desta discussão. As evidências mais antigas das práticas funerárias neolíticas estão presentes nas grutas. Os resultados das datações provenientes da gruta do Caldeirão (Zilhão, 1992; Carvalho, 2018), da Nossa Senhora das Lapas (Oosterbeek, 1993; Cruz, 1997), da gruta do Morgado Superior (Cruz, 2016) do Algar do Picoto (Zilhão e Carvalho, 1996; Carvalho, 2007), da Galeria da Cisterna no sistema cársico do Almonda (Zilhão e Carvalho, 2011; Martins et al, 2015) e da Casa da Moura (Strauss et al, 1988; Lubell et al, 1994) são inteiramente claros a esse respeito. Tal como há dez anos, as duas primeiras grutas continuam a ser aquelas que apresentam o melhor contexto relativamente às práticas funerárias. A natureza dos outros depósitos nem sempre é clara, considerando a sua utilização alargada no tempo, confirmada com recurso a outras datações, mas também pelos pacotes artefactuais associados. Apesar da efetiva escassez de contextos bem delimitados, as práticas funerárias da segunda metade do 6º e de grande parte do 5º milénio a.n.e. pareciam consistir em práticas de inumação individual (Boaventura, 2011: p.164), por vezes até delimitadas por elementos pétreos (Oosterbeek, 1993: fig.3). Recentemente, as intervenções de salvamento que decorreram nos antigos armazéns Sommer (Cardoso et al, 2018) e no Palácio Ludovice (Simões et al, 2020), em Lisboa, identificaram duas ocorrências de sepulturas em fossa do Neolítico antigo - uma solução funerária que até então era desconhecida na Estremadura. Em qualquer dos casos, foi notada uma confluência entre a morte e a vida, na medida em que as fossas estavam associadas a contextos aparentemente domésticos. Apenas o primeiro se encontra datado da transição do 6º para o 5º milénio a.n.e, ainda que se possa aferir um “horizonte” similar ao segundo, pelas características que partilham. De qualquer forma, são espaços que vêm diversificar o panorama funerário do Neolítico antigo, tradicionalmente focado nas grutas, e, ao mesmo tempo, confirmar o caráter individual das práticas funerárias neste âmbito cronológico. A densidade de cavidades com ocupação do Neolítico antigo nesta região não se resume às necrópoles já com datações absolutas. Através da análise da cultura material é possível estabelecer uma relação crono-cultural, como é o caso da gruta dos Carrascos, da gruta III do

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Cabeço da Ministra, da gruta IV de Calatras (Guilaine e Ferreira, 1970) e das grutas de Nossa Senhora da Luz (Cardoso et al, 1996). Porém, no melhor dos casos, o seu caráter funerário pode apenas ser presumido, necessitando de ser confrontado com datações absolutas sobre restos humanos. Consequentemente, também não contribuem para um robustecimento do modelo definido. Pelas suas características, estas práticas funerárias estão excluídas do fenómeno megalítico, cujas deposições e arquiteturas da morte são manifestamente coletivas. Cronologicamente, correspondem a um conjunto de prescrições mortuárias imediatamente anteriores ao Megalitismo – ou práticas funerárias do 4º e 3º milénio – que constitui o objetivo nuclear deste trabalho. O reconhecimento de uma fase de transição das práticas funerárias individuais para as coletivas é complexo, não só na região que delimitámos, mas em todo o Sudoeste peninsular. Do ponto de vista do mundo funerário, verifica-se uma alteração profunda da “(…) estrutura mental (…)” (Diniz, 2000: p. 114) das comunidades neolíticas materializada nas arquiteturas da morte, tanto naturais como construídas. Carecendo de paralelos mais próximos, as evidências de Castelo Belinho, no Algarve ocidental, parecem ser demonstrativas das práticas funerárias da segunda metade do 5º milénio a.n.e., aglomerando os espaços da vida e da morte (Gomes, 2012). Neste contexto, as informações provenientes da necrópole do Campo de Hockey, Cádis, revelam-se fundamentais para estabelecer o momento derradeiro destas práticas funerárias no Sudoeste peninsular, durante o primeiro quartel do 4º milénio a.n.e. (Vijande Vila et al, 2015). O facto de terem sido identificadas sepulturas com inumações duplas ou triplas em ambos estes sítios do Sul peninsular não constitui um indicador claro de práticas funerárias megalíticas. Apresentam um caráter múltiplo e não coletivo, pelo que se assemelham aos primeiros monumentos megalíticos ortostáticos, mas não há uma efetiva segregação entre as esferas da vida e da morte. Desde o Neolítico antigo que as grutas da Alta Estremadura são utilizadas como necrópoles, sendo escassos os sinais de atividades domésticas, como na gruta do Caldeirão (Zilhão, 1992: p.121). Neste território, as primeiras comunidades produtoras praticavam uma segregação física entre os espaços da vida e da morte, inclusive durante a segunda metade do 5º milénio a.n.e. As datações obtidas para a gruta do Morgado Superior (Cruz, 2016), para a Nossa Senhora das Lapas (Cruz, 1997), para o Caldeirão (Zilhão, 1992), para a camada D da gruta do Cadaval (Oosterbeek, 1995), para a Galeria da Cisterna (Martins et al, 2015) e para a Lapa dos Namorados (Carvalho et al, 2000) testemunham precisamente a sua utilização funerária neste âmbito cronológico. Para a maioria dos contextos supracitados carecemos de informações contextuais precisas, concretamente, dos dados relativos às práticas funerárias dos últimos séculos do 5º milénio. Nesse sentido, a gruta do Cadaval tem sido aquela mais valorizada, apesar

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da cautela necessária aquando da interpretação das datas mais antigas, devido à percentagem de dieta marinha nos indivíduos datados (Boaventura, 2009: p.340). Todavia, a homogeneidade cronológica obtida para esta necrópole questiona a divisão estratigráfica proposta. Aparentemente, na gruta do Cadaval (NMI=25), mas também na Nossa Senhora das Lapas (NMI=9) foi possível verificar uma primeira fase funerária individual e outra, subsequente, coletiva (Tomé e Oosterbeek, 2011: p.48). Os processos de formação dos depósitos funerários neolíticos são irremediavelmente cumulativos: o caso da Nossa Senhora das Lapas é suficientemente elucidativo. O que primeiramente foi interpretado como uma inumação individual, delimitada por elementos pétreos, deverá ter sido perturbado com a contínua utilização da cavidade como espaço sepulcral, forçando uma revisão dos dados. O mobiliário votivo associado às ditas sepulturas individuais da camada D - sala 1 e 2 - é semelhante aos conjuntos que se identificam sistematicamente nos sepulcros datados do primeiro terço do 4º milénio a.n.e.: armaduras geométricas, lamelas e pequenas lâminas não retocadas, machados e enxós, adornos sobre concha e cerâmica (Oosterbeek, 1997b). Parece-nos, contudo, que há uma diferença clara com os conjuntos votivos ulteriores e que se prende com o grupo artefactual da cerâmica: desde logo, não constitui um conjunto tão escasso como aquele que é apontado para uma primeira fase dos rituais megalíticos; em segundo lugar, ainda que se tenham recolhido formas lisas e simples, estão documentados recipientes com decoração impressa e lisa que são bastante escassos nos sepulcros de uma primeira fase do 4º milénio a.n.e. Na gruta do Lugar do Canto, foram diferenciadas cronometricamente duas fases funerárias: uma deposição individual, do fundador – 4000-3700 cal BC - e outra coletiva – 3700- 3400 cal BC (Carvalho e Cardoso, 2015). Aparentemente, a deposição H15 não estava contida ou delimitada por qualquer estrutura sepulcral, pelo que a sua antiguidade foi determinada apenas com base nas datações absolutas obtidas. Mesmo ao nível do tratamento dos corpos e do espólio votivo associado não se registaram diferenças entre ambas as fases, o que, na perspetiva dos autores, sugere uma forte continuidade cultural (Carvalho e Cardoso, 2015: p.44). A fase coletiva deste ambiente cársico está bem patente no número mínimo de indivíduos reconhecidos (N=48; Leitão et al, 1987) e coincide com as balizas cronológicas determinadas para o Algar do Bom Santo (Carvalho, 2014), onde não foi identificada qualquer prática funerária de cariz individual. Por outro lado, importava alongar a bateria de datações para excluir a possibilidade de outras inumações antigas. Os períodos de transição são, por definição, difíceis de caracterizar e raramente são lineares. Acresce ainda a complexidade de caracterizar uma realidade funerária individual, mesmo aquelas que foram intervencionadas recentemente. O panorama da morte nas grutas,

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durante o fim do 5º e o início do 4º milénio a.n.e., é fatalmente escasso. Não se trata de identificar um missing link que resolva uma parte substancial das questões que colocamos ao registo arqueológico, mas antes reconhecer uma série de casos bem definidos cujo potencial fortaleça o modelo até agora construído. Até ao momento, as bases desta construção são demasiado dispersas e nem sempre são claras, pelo que o início das práticas funerárias coletivas acaba por carecer de alguma coesão. Enfim, seríamos tentados a colocar uma barreira móvel para a transição das práticas funerárias coletivas durante o primeiro quartel do 4º milénio a.n.e. No entanto, não quer isto dizer que estas desapareçam completamente do registo arqueológico até à emergência do fenómeno campaniforme, quando se retorna à individualização na morte, mesmo que reocupando sepulcros coletivos. A sepultura calcolítica da gruta da Ponte da Lage é um bom exemplo desta realidade (Cardoso, 2014b). Um outro caso em que se supunha a individualização das deposições funerárias era, até há pouco, a Lapa do Bugio (Cardoso, 1992). A emergência de uma planta da escavação daquela cavidade veio demonstrar que apenas a “sepultura 9” se encontrava delimitada por elementos pétreos, enquanto as outras deposições teriam sido realizadas em pequenas fossas (Carvalho e Cardoso, 2015: p.46). O caráter coletivo das práticas funerárias do Bugio parece ser inquestionável. O caso da Lapa da Galinha, como pretendemos demonstrar, não é totalmente elucidador a esse respeito. É complexo atribuir um significado às partições do espaço sepulcral concetualizadas pelos exploradores da gruta. Com base no que foi exposto, é provável que não tenha sido identificada uma verdadeira individualização do espaço, mas antes as ditas “sepulturas” terem a sua origem na dinâmica de manipulação dos restos humanos que se verificou durante o período de utilização da cavidade. O início do processo de coletivização da morte nas cavidades cársicas remete-nos para a própria génese do Megalitismo e das primeiras manifestações arquitetónicas destinadas a conter os mortos, também designada como uma fase protomegalítica, associada a pequenas antas com espólios de tendência arcaizante (Soares e Silva, 2000: p.128). No âmbito da sequência evolutiva do Megalitismo no Sudoeste peninsular, estes sepulcros, compostos por pequenas câmaras pétreas de planta oval ou retangular, corresponderiam às primeiras manifestações megalíticas no Sul do atual território português (Leisner e Leisner, 1951; Gonçalves, 1992; Rocha, 2005; Boaventura, 2009). É lhes atribuído um caráter individual – até mesmo múltiplo, mas não coletivo - com base nas suas reduzidas dimensões. O espólio votivo associado é escasso e pouco diversificado, contando com suportes alongados e armaduras geométricas, realizados sobre sílex, e instrumentos de pedra polida, nomeadamente machados e enxós, estando excluídos elementos de adorno sobre concha, como é o caso das braceletes de Glycymeris. A deposição de recipientes cerâmicos quando não é interdita, surge em

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quantitativos diminutos. A antiguidade deste modelo arquitetónico na sequência da evolução tipológica construída para as antas tem vindo a ser defendida desde os trabalhos dos Leisner e de Manuel Heleno na região alentejana, ainda que apenas tenha sido possível clarificar essas propostas num momento posterior (Leisner, 1983; Silva, 1987; Mataloto et al, 2016-17). São três os casos mais difundidos na bibliografia megalítica do Centro e Sul de Portugal: o complexo funerário das Atafonas, Évora, a sepultura do Marco Branco, Santiago do Cacém, e o Cabeço da Areia, Montemor-o-Novo. As três sepulturas das Atafonas, apesar de não constituírem o arquétipo dos primeiros monumentos simples - nomeadamente a sepultura 1, a mais antiga, que não apresenta qualquer estruturação que delimite a fossa de inumação - poderão ser interpretados como testemunhos dos primeiros edifícios funerários construídos (Albergaria, 2007). Assumindo a contemporaneidade do contexto doméstico adjacente e da sepultura 1, a construção e utilização daquele espaço sepulcral corresponderá a um momento que antecede a prática da segregação dos dois espaços característica do Megalitismo (Mataloto et al, 2016-17: p.139). A escavação do monumento do Marco Branco revelou-se fundamental para a caracterização das primeiras manifestações arquitetónicas megalíticas. Apresenta planta de tendência elítica, delimitada por monólitos inseridos em fossa, uma estrutura tumular simples e escasso espólio votivo (Silva e Soares, 1983). Foram identificados os restos de pelo menos três indivíduos depositados na sequência de dois episódios funerários, cuja diferenciação se afigura problemática, provavelmente pelo curto espaço de tempo que os separa. No entanto, a notória ausência de datações absolutas para uma parte muito significativa destes contextos dificulta a sua integração crono-cultural. Aliás, esta é uma realidade que abrange uma parte substancial dos sepulcros simples que introduzimos na primeira fase da sequência evolutiva para os monumentos megalíticos. Como tal, os dados provenientes do Cabeço da Areia merecem ser discutidos. Escavado por Manuel Heleno, corresponde a um pequeno monumento fechado, de tendência retangular, onde foi recolhido um espólio pouco diversificado (Mataloto et al, 2015). A análise dos restos humanos identificou um número mínimo de dois indivíduos, um dos quais datado do intervalo 3621-3356 cal BC 2σ (Beta 196091; Rocha e Duarte, 2009: p.64). Constitui, então, uma evidência mais tardia para o que se supunha relativamente aos pequenos monumentos, entre os finais do 5º e início do 4º milénio a.n.e. Apesar de se reconhecer a possibilidade do indivíduo datado corresponder a um episódio de reutilização do sepulcro (Cardoso e Carvalho, 2015: p.46), outros autores creem que o intervalo obtido é válido para a construção e utilização dos pequenos sepulcros nesta e outras áreas nucleares do Megalitismo alentejano (Mataloto et al, 2016-17: p.123). Por sua vez, na área megalítica da Península de Lisboa não se conhece nenhum monumento fechado de câmara simples: “A disponibilidade de cavidades naturais poderia

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explicar a inexistência dos primeiros tipos de sepulcros ortostáticos” (Boaventura, 2009: p.197). Como vimos, apesar de escassos exemplos, a utilização funerária de grutas está plenamente comprovada neste período de transição – particularmente no primeiro quartel do 4º milénio, com práticas que podemos já integrar no Megalitismo. Nesse sentido, seria de esperar que a construção de monumentos megalíticos na Estremadura se fizesse num momento posterior àquele determinado para o Alentejo. Contudo, e como já foi notado anteriormente (Boaventura, 2009; 2011), a cronologia absoluta disponível para a anta do Carrascal, Sintra, que é um monumento de câmara poligonal e corredor curto, de caráter indubitavelmente coletivo a julgar pelo NMI identificados (A. M. Silva et al, 2019), demonstrou a contemporaneidade da utilização funerária com a anta do Cabeço da Areia, considerada uma sepultura protomegalítica, e também com outros monumentos de câmaras simples, como Rabuje 5 e Sobreira 1. Neste caso específico, a diferença arquitetónica não acarreta significado cronológico. A relação cultural entre grutas naturais e pequenos monumentos de câmara simples, por vezes com corredor incipiente, está bem patente no espólio votivo associado às inumações, essencialmente de caráter lítico. Os elementos de adorno conquíferos são talvez o aspeto mais divergente entre ambos os tipos de sepulcros, estando ausentes dos monumentos ortostáticos: não descartando a possibilidade de não se terem preservado em solos ácidos, poderá refletir fatores de índole cultural e/ou social distintos, especialmente porque também estão ausentes das antas da região de Lisboa (Boaventura, 2009; 2011). A este respeito não deixa de ser interessante notar a presença de braceletes de Glycimeris nos hipogeus do Sul do país, como Monte do Malheiro 2, Vidigueira (Melo e Silva, 2016), Outeiro Alto 2, Serpa (Valera e Filipe, 2012) e Barrada, Aljezur (Barradas et al, 2013). Também a relação cronológica entre grutas e antas parece estar em linha, ainda que com uma aparente - e, portanto, não categórica - precedência das práticas funerárias coletivas no interior das cavidades cársicas. No que diz respeito à área geográfica delimitada no âmbito desta discussão, as datações obtidas para o Horizonte NM do Caldeirão (Zilhão, 1992) e para a chamada Sala do Ricardo na Bugalheira (Zilhão e Carvalho, 1996) poderão marcar o início do “Megalitismo de gruta”. As recentes intervenções realizadas nesta última cavidade poderão providenciar a informação contextual necessária a um intervalo de tempo que é bastante antigo. Já o Algar do Barrão, o Lugar do Canto e o Bom Santo, necrópoles coletivas, apresentam um conjunto de datações cujo limite superior se enquadra em torno de 3800 cal BC (Carvalho e Cardoso, 2015). Contudo, o grosso da informação disponível regista um incremento da sua utilização a partir do segundo quartel, até mesmo meados, do 4º milénio a.n.e.: ou seja, a mesma baliza cronológica definida para as utilizações funerárias mais antigas em antas, num

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intervalo em que se assume a generalização do Megalitismo (Boaventura, 2009; 2011; Boaventura e Mataloto, 2013: p.96). Reafirmando a importância da sequência tripartida das fases associadas ao Megalitismo definida por Boaventura (2011; Boaventura & Mataloto, 2013: p.94), que cruza as datações absolutas para os contextos funerários e determinados elementos votivos com significado cronológico, as últimas grutas-necrópole que temos vindo a fazer menção inserem-se na fase “pré ídolos-placa”, num intervalo estabelecido entre o segundo e o terceiro quartel do 4º milénio a.n.e. Acrescentaríamos ainda a gruta da Casa da Moura, Óbidos, que apresenta um conjunto significativo de datas centradas na primeira metade do 4º milénio a.n.e., estendendo- se até um pouco depois dos meados daquele milénio (Carvalho e Cardoso, 2010-11). Porém, esta cavidade conheceu utilizações anteriores e posteriores, consubstanciadas tanto em datações absolutas, como no espólio votivo que foi recolhido (Carreira e Cardoso, 2001-02), pelo que se torna difícil individualizar arqueologicamente um conjunto que seja coevo das primeiras práticas megalíticas. De qualquer forma, não existem indicações de Nery Delgado, encarregado da exploração da cavidade, que apontem para a presença de inumações primárias (Carvalho e Cardoso, 2011: p.396) – o que, contudo, não deve ser sobrevalorizado, considerando a larga diacronia de ocupação funerária já mencionada. Em jeito de súmula, a primeira fase do Megalitismo estará compreendida entre o segundo quartel e os derradeiros séculos do 4º milénio a.n.e., podendo recuar o limite superior com base em determinados preceitos funerários identificados em cavidades cársicas da Alta Estremadura. Do ponto de vista artefactual, o mobiliário votivo tem um cariz essencialmente utilitário, lítico (Boaventura, 2009: p.344). O que, por sua vez, não implica que os artefactos integrados em contextos de necrópole se encontrem desprovidos de valor simbólico, como aliás parece confirmar o facto de estes elementos não apresentarem marcas de utilização. O Algar do Barrão, o Lugar do Canto e o Bom Santo constituem importantes testemunhos do processo de coletivização da morte porque não conheceram ocupações humanas posteriores, correspondendo a janelas arqueológicas com um valor intrínseco. Se privilegiarmos a presença de braceletes sobre concha de Glycymeris como parte integrante dos primeiros espólios megalíticos nas grutas da Estremadura, podemos acrescentar a esta lista a gruta dos Carrascos, as grutas de Nossa Senhora da Luz, a Sala do Ricardo na Lapa da Bugalheira, e o Escoural. Todavia, na bateria de datações obtida para a gruta do Porto Côvo (Gonçalves, 2008a), onde não se recolheram elementos de adorno sobre concha, está claramente documentado um episódio funerário que antecede os meados do 4º milénio a.n.e. – Beta-245134: 4870 ± 40 BP (3760-3534 cal BC 2σ). Desta forma, reconhece-se a dificuldade de identificar conjuntos crono- culturalmente coevos em cavidades com uma longa diacronia de utilização funerária, ainda que

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se admita a integração das braceletes no pacote votivo enquanto uma ritualidade específica da Alta Estremadura. O início das práticas funerárias relacionadas com o fenómeno megalítico é marcado pela estreita relação entre as regiões da Estremadura e o Alentejo, documentada a nível cronológico e cultural, mas também observável na circulação de gentes, bens e ideias que vem ganhar outra dimensão a partir da fase imediatamente subsequente, dita dos “ídolos-placa”. Verifica-se uma alteração significativa no sistema mágico-religioso das comunidades construtoras e utilizadoras dos sepulcros megalíticos, com a introdução das placas de xisto gravadas no mobiliário votivo que acompanha as deposições funerárias, adquirindo, sobretudo, um caráter ideotécnico. Pretendemos demonstrar que se verifica uma maior intensidade na utilização de cavidades cársicas enquanto espaços funerários a partir da segunda metade do 4º milénio a.n.e., com um incremento nos últimos séculos. Por sua vez, esta discrepância poderá ser explicada pela homogeneidade e solidez do pacote artefactual que é atribuível a esta fase. Os rituais subjacentes às práticas funerárias do final do 4º e primeira metade do 3º milénio a.n.e encontram-se largamente representados nos ambientes cársicos da Alta Estremadura. Estes demonstram que o Megalitismo assenta num fundo mágico-religioso partilhado por um território amplo e disperso por outras tipologias de sepulcros - para além das antas, também hipogeus e tholoi (Gonçalves, 2003a: p.259). Há uma clara continuidade com o período anterior, relativa ao conceito da morte coletiva, fundindo-se a perceção do indivíduo com a da comunidade, que partilha um espaço simbólico de eterno descanso (Boaventura, 2009). Contudo, a esta abundância de contextos passíveis de integrar na fase dos “ídolos-placa” não se verifica uma correspondência no número de datações absolutas que a comprovem. As limitações impostas pela dinâmica da investigação na Alta Estremadura, que resultaram no descarte frequente dos restos das populações inumadas (Paço et al, 1971: p.28), impedem a construção de um quadro detalhado e abrangente relativo às práticas funerárias das comunidades da Pré-História Recente. Há uma forte componente de definição crono-cultural relativa que não pode ser alheia a esta discussão- a presença de placas de xisto gravadas no espólio que acompanha as deposições funerárias não pode deixar de ser analisada no contexto do pacote artefactual homogéneo de que faz parte. Todavia, assume um duplo significado: por um lado, corresponde a uma inovação votiva, na medida em que é um artefacto manifestamente não-funcional; por outro, a própria matéria-prima em que são realizadas não se encontra localmente disponível, pelo que implica a circulação dos suportes e da ideologia que lhes está subjacente. O mapeamento das grutas-necrópole da Alta Estremadura de onde foram exumadas placas de xisto gravadas (Andrade, 2015: fig.26) é um exercício demonstrativo de um quadro

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cronológico ainda escasso. Mesmo admitindo que possam existir outros contextos que aqui não consideramos, por não terem sido ainda publicados, não alterariam significativamente esta situação. Entre os 16 sepulcros onde foram recolhidos estes elementos, a maioria dos quais grutas naturais, apenas um terço se encontra datada pelo radiocarbono: o Morgado Superior, a Cova das Lapas, a Marmota, a Casa da Moura e a Furninha. Antes de mais, relembramos que a aferição da cronologia das placas levanta questões relevantes e difíceis de responder: “(…) na verdade, não datamos a placa, mas o que a ela está associado” (Gonçalves, 2003b: p.272). No interior de uma necrópole coletiva é imperativo estabelecer uma relação inequívoca entre a placa e a matéria-orgânica que se data – o que nem sempre é possível, mesmo em intervenções recentes. Assim, é necessário proceder com cautela relativamente à interpretação do intervalo que é proposto para a deposição de placas de xisto gravadas. Contudo, a valorização de todo o pacote artefactual que acompanha estes elementos parece granjear alguma coesão cronológica. As datações obtidas para as grutas do Morgado Superior, que providenciou apenas um fragmento (Cruz e Berruti, 2015), e da Casa da Moura (Carvalho e Cardoso, 2010-11) refletem a natureza coletiva, assim como a larga diacronia de utilização, das práticas funerárias aí decorridas. Não são, portanto, contextos ideais para defender uma cronologia mais fina para a deposição das placas de xisto gravadas. De outro lado, não implica que não possam ser selecionados determinados intervalos específicos, com base em outros contextos funerários em que a associação com a matéria-orgânica datada não foi tão controversa (Gonçalves, 2003b). Desta forma, não estaríamos a cometer uma falácia ao integrar estes artefactos ideotécnicos no último quartel do 4º e primeira metade do 3º milénio a.n.e. Os resultados obtidos para a Furninha, um dos quais sobre um alfinete em osso (Cardoso e Soares, 1995), apontam precisamente para o período de transição entre aqueles milénios. A datação da Marmota, OxA- 5535: 4605 ± 55 BP (3620-3104 cal BC 2σ), com o limite superior em torno dos meados do 4º milénio a.n.e., e a sua relação com as placas de xisto já foi comentada anteriormente e a sua valorização deve ser conspectiva. O mesmo parece ser verdadeiro para a Cova das Lapas, com a diferença que esta cavidade foi exclusivamente utilizada como necrópole neolítica e, aparentemente, durante um espaço de tempo restrito, pelo que poderá garantir uma fiabilidade superior relativamente ao uso votivo das placas. A datação disponível para a Lapa da Bugalheira não está relacionada com o episódio funerário das placas de xisto, pelo que se exclui desta fase. No contexto geocultural do MCE, são vários os sepulcros não datados pelo radiocarbono e que providenciaram placas de xisto, a saber: a Lapa da Galinha, a Bugalheira (Paço et al, 1971), as grutas da Bezelga (Pinto et al, 2007), a Buraca da Moura da Rexaldia (Andrade et al, 2010), as grutas de Alcobaça- Cabeço da Ministra, Calatras IV, Vale do Touro VI, Redondas IX – (Gonçalves, 1978a), o hipogeu das Lapas (Andrade, 2015; Vagueiro, 2016) e a sepultura indeterminada de

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Pragais (Sousa, 2004). Ao ampliar a escala de análise acrescentaríamos ainda a Lapa do Suão (Furtado et al, 1969) e o Furadouro da Rocha Forte (J. L. Gonçalves, 1990-92). A ausência de registos cronológicos absolutos só poderá ser mitigada pela análise da cultura material recolhida nestas necrópoles neo-calcolíticas. No seguimento da homogeneidade do pacote artefactual que temos vindo a afirmar, o mobiliário votivo é abundante e diversificado. Claramente associados às placas estão os subprodutos com retoque bifacial - i.e., pontas de seta e grandes pontas bifaciais – grandes e espessas lâminas retocadas, alfinetes de cabeça canelada, elementos de adorno líticos e minerais de morfologia diversa e recipientes cerâmicos lisos. A introdução destes últimos elementos no mobiliário votivo permanece mal caracterizada do ponto de vista cronológico (Boaventura e Mataloto 2013: p. 94). Como vimos, estão ausentes da primeira fase passível de associar ao Megalitismo e estão relativamente bem representados em contextos da primeira metade do 3º milénio a.n.e., pelo que é provável terem sido introduzidos nos últimos séculos do milénio imediatamente anterior. Desta forma, admite- se a possibilidade de terem sido primeiramente integrados no mundo da morte acompanhando geométricos e instrumentos de pedra polida. Seriam, portanto, um elemento votivo ligeiramente anterior às placas de xisto gravadas, já que a associação entre armaduras geométricas e placas não foi cabalmente estabelecida. Não parece haver dúvidas quanto à inserção da Lapa da Galinha neste “horizonte” funerário. Para a região do MCE, a existência de dois momentos culturalmente distintos, como aqueles que temos procurado definir, tem sido sublinhada desde o final do século passado (Zilhão e Carvalho, 1996: p.666). A coincidência do intervalo obtido para o Algar do Barrão, que providenciou um espólio notoriamente arcaico, com o da Cova das Lapas, cujo contexto datado consiste num indivíduo com uma placa de xisto ao peito (Gonçalves, 1989b), levantou a questão da contemporaneidade de dois sistemas mágico-religiosos no MCE durante o final do 4º milénio a.n.e. (Carvalho et al, 2003). Aquele patenteado no Barrão representaria a continuidade com os rituais das primeiras manifestações associáveis ao Megalitismo. Entenda-se, porém, que a introdução das placas de xisto não vem subverter os elementos da estrutura simbólica vigente, constituindo-se a partir do subsistema pré-existente (Andrade et al, 2010: p.253). Constituiria, desta forma, um “mosaico cultural” (Carvalho et al, 2003: p.117-18) com modelos e preceitos funerários distintos. De outro lado, questionava-se também a hipótese de se verificar uma diacronia crono-cultural de ambos os grupos que os intervalos do radiocarbono não permitiam aferir rigorosamente. A este respeito, e ainda que o intervalo definido seja extenso, destacaríamos uma vez mais o caso da gruta da Marmota, que inclusive, poderá atestar uma primeira fase de deposições funerárias sem a utilização de placas de xisto gravadas.

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De facto, os intervalos de tempo excessivamente amplos obtidos até à elaboração daquele trabalho – ICEN-740: 4660 ± 70 BP (3637-3125 cal BC 2σ) para o Algar do Barrão (Carvalho et al, 2003) e ICEN-463: 4550 ± 60 BP (3498-3030 cal BC 2σ) para a Cova das Lapas (Gonçalves, 1989b) – poderiam argumentar contra a possível sincronia dos dois modelos funerários discutidos. Todavia, a obtenção de uma nova bateria de datações para o Barrão, com um mobiliário votivo que se aproxima daqueles do Lugar do Canto e do Bom Santo, veio provocar de novo a problemática da contemporaneidade (Carvalho et al, 2019a). Se bem que as datas Wk-32471 e Wk-32473 confirmem a relação crono-cultural com aquelas duas estações – 4907 ± 39 BP (3766-3640 cal BC 2σ) e 4929 ± 39 BP (3782-3646 cal BC 2σ), respetivamente - o conjunto das outras datas (N=5) aponta claramente para a segunda metade do 4º milénio a.n.e., com especial ênfase no último quartel do mesmo. Para além do número significativo da amostra, já não se coloca, pelo menos até certa medida, o problema dos elevados valores do desvio- padrão, confirmando um episódio funerário tardio para o Algar do Barrão. Acreditamos que os dados extraídos do Algar dos Casais da Mureta constituem elementos válidos para recuperar esta discussão. Apesar das circunstâncias que levaram à sua exploração, o processo de formação da necrópole neolítica aparenta ter sido bastante simples e circunscrito do ponto de vista cronológico (Carvalho et al, 2019a). Uma vez que o depósito funerário não foi totalmente removido, somos obrigados a introduzir uma ressalva à hipótese que pretendemos valorizar. As datas Wk-43253 e Wk-43255 são homogéneas e compreendem essencialmente os últimos séculos do 4º milénio a.n.e., espraiando-se até ao início do milénio seguinte – 4331 ± 20 BP (3314-2933 cal BC 2σ) e 4436 ± 20 BP (3323-2942 cal BC 2σ), respetivamente. Como afirmámos anteriormente, o espólio recuperado é escasso e não integra placas de xisto gravadas ou outros artefactos de índole ideotécnica. Assim, como que avulta a análise inicial realizada para o Barrão, do qual dista apenas uns quilómetros: no fim do 4º milénio subsiste uma tradição votiva utilitária, que reafirma a importância da ancestralidade nos rituais funerários das comunidades utilizadoras destes ambientes cársicos. Regressar à questão da sincronia de ambos os modelos funerários implica necessariamente uma análise cronológica da introdução das placas de xisto gravadas no mobiliário votivo megalítico. Se no MCE e regiões adjacentes o enquadramento não é esclarecedor, a análise do registo arqueológico noutros contextos geoculturais é essencial. Na Lapa do Fumo, Sesimbra, a datação ICEN-240: 4420 ± 45 BP (3330-2916 cal BC 2σ) da sobejamente conhecida “camada vermelha” (Soares e Cabral, 1993) é passível de associar ao episódio funerário com a deposição de placas e coincide, de certo modo, com as indicações da Marmota e Cova das Lapas. Por outro lado, o limite inferior desta concorda com as datações obtidas para monumentos ortostáticos alentejanos que registaram a deposição de placas

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(Gonçalves, 2003b: p.273). A antiguidade das placas de xisto gravadas nas regiões limítrofes da sua provável área de difusão não tem, até ao momento, correspondência com as antas alentejanas. A anta 2 da Herdade de Santa Margarida é elucidativa nesse sentido: o monumento foi selado no final do 4º milénio a.n.e., não tendo sido recolhida qualquer placa de xisto, tanto na câmara como no corredor (Gonçalves, 2001: p.173). Genericamente, o problema crónico da datação absoluta das fases do Megalitismo ortostático alentejano, impede-nos de traçar um quadro mais abrangente. Também aqui se denota a importância de estabelecer uma moldura cronológica relativa com base no mobiliário votivo recolhido nos monumentos. A título de exemplo, a anta do Espragal, Montemor-o-Novo, providenciou um espólio escasso, mas significativo, com uma armadura geométrica, pontas de seta, instrumentos de pedra polida, recipientes cerâmicos e placas de xisto gravadas (Gonçalves e Andrade, 2014-15: p.258). Não foi possível, com base nas limitações de recuperar um contexto perdido, defender dois episódios funerários distintos, atribuindo-lhe um único período de utilização balizado na transição do 4º para o 3º milénio a.n.e. Queremos com isto dizer que o panorama da deposição de placas de xisto gravadas no final do 4º milénio não se pode cingir exclusivamente aos contextos com datações absolutas, devendo ser privilegiadas as associações artefactuais dentro do depósito funerário. De qualquer forma, a sua generalização durante a primeira metade do 3º milénio a.n.e. parece ser inquestionável, abarcando várias tipologias de sepulcros. Em suma, com os dados atualmente disponíveis, a disposição diacrónica das duas ritualidades funerárias não poderá ser plenamente defendida. Com efeito, é provável que se verifique um período de sobreposição cuja determinação cronológica absoluta se revela, no mínimo, problemática. De um lado, subsiste um subsistema simbólico que perpetua os rituais votivos registados desde o início das práticas funerárias megalíticas. Do outro, emerge um subsistema que adota elementos rituais exógenos e uma nova panóplia de artefactos que adquirem um novo sentido ao entrar na esfera da morte. Note-se, no entanto, que não se verifica um processo de substituição, mas antes de uma transição não linear cuja importância do ponto de vista cultural, e das indissociáveis redes de intercâmbio, nos parece fundamental. A frequência das placas de xisto gravadas na Estremadura, que é significativa, não chega a atingir os quantitativos que observamos para a região alentejana, por vezes com mais de uma centena de exemplares concentrados num único sepulcro- anta 1 do Olival da Pega, anta grande do Zambujeiro e tholos do Escoural (Gonçalves, 2004c: p.61). A introdução deste quadro simbólico é claramente exterior à região estremenha. No final do 4º milénio a.n.e., o quadro funerário do MCE revela-se bastante rico e diverso, denotando uma certa variabilidade inerente às comunidades que utilizam os espaços cársicos como necrópoles. Para o futuro, seria importante

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proceder a uma bateria de análises de isótopos de forma a esclarecer o confronto entre estas duas realidades. Seria igualmente relevante verificar se a mesma sobreposição é aplicável ao restante território estremenho, nomeadamente à Baixa Estremadura, que conta com uma maior variabilidade na tipologia dos sepulcros. Durante a primeira metade do 3º milénio a.n.e. as grutas continuam a receber deposições funerárias, sustentando o seu papel como espaço de elevada carga simbólica. Para além dos diversos contextos de transição entre milénios que temos vindo a mencionar - a que acrescentaríamos o do Covão do Poço, Porto de Mós, com escasso espólio associado e, uma vez mais, sem placas de xisto gravadas (Carvalho et al, 2003) – importa compilar e contextualizar os dados destas necrópoles, de forma a construir uma evolução das práticas funerárias nesta região. Contudo, as datações absolutas disponíveis para as grutas-necrópole do MCE demonstram uma ausência de contextos diferenciáveis neste intervalo de tempo. O mesmo não se verifica para as regiões adjacentes, como demonstram as datações obtidas para a gruta dos Ossos (Tomé e Silva, 2013), da Feteira (Zilhão, 1995) e das Fontainhas (Lubell et al, 1994). Também a gruta do Morgado Superior (Cruz, 2016) e a Casa da Moura (Carvalho e Cardoso, 2010-11), providenciaram datações enquadráveis na primeira metade do 3º milénio a.n.e. Considerando que estas últimas apresentam sucessivos episódios funerários, acabando por perturbar a sempre relativa integridade do depósito, torna-se difícil identificar realidades arqueológicas sólidas. Se progredirmos em direção ao Sul, contamos igualmente outros ambientes cársicos com importantes ocupações deste período, destacando-se o contexto de Bolores (Lillios et al, 2015), Poço Velho (Gonçalves, 2009) ou a Lapa Furada (Cardoso, 1997), já na Península de Setúbal. Não cremos que o quadro cronológico disponível até ao presente reflita uma ausência efetiva de episódios funerários entre 3000 e 2500 cal BC no MCE. Não é, de todo, evidente um hiato funerário. Para muitos dos sepulcros supostamente mais antigos, do final do 4º milénio a.n.e., contamos com um número reduzido de datas, muitas vezes apenas uma por sepulcro. Sendo que estas necrópoles constituem o resultado de um processo cumulativo de deposições funerárias, essencialmente de natureza secundária, há uma probabilidade elevada do panorama atual decorrer de uma sobre-representação dos indivíduos mais antigos. Especialmente quando pretendemos avaliar os ritmos de deposição dentro de um espaço sepulcral é necessária uma bateria de datações intensiva, que até ao momento não foi ainda realizada. Nesse sentido, é importante valorizar certos elementos votivos que atuem como diagnóstico para esta fase das práticas megalíticas. Porém, não há um corte, no sentido de uma rutura abrupta, no mobiliário votivo do final do 4º e início do 3º milénio a.n.e., perdurando certos elementos no registo arqueológico, como são as placas de xisto gravadas, alfinetes em osso, elementos de adorno e

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alguns componentes da pedra lascada. Por outro lado, a utilização dos instrumentos de pedra polida como componentes do acompanhamento dos mortos parece perder a sua importância de forma gradual, surgindo de forma bastante residual em torno dos meados do 3º milénio a.n.e. (Boaventura, 2009; Gonçalves e Andrade, 2014-15). No âmbito da inserção dos contextos funerários do MCE no sistema trifásico proposto para o Megalitismo do Sudoeste peninsular (Boaventura, 2009; 2011), a fase dita “pós-ídolos- placa”, referente a contextos sem placas de xisto, mas com artefactos votivos de calcário, resulta de difícil identificação. Há uma grande disparidade no conhecimento dos mobiliários votivos recolhidos nos vários sepulcros, com uma evidente valorização daqueles que foram alvo de revisitações recentes, inclusive deste trabalho. Como tal, verifica-se um condicionamento à elaboração de um inventário completo e rigoroso. Os artefactos votivos de calcário, não sendo os únicos elementos característicos do mundo funerário estremenho da primeira metade do 3º milénio a.n.e., são, sem dúvida, os mais notáveis (Sousa e Gonçalves, 2012). Comparativamente às placas de xisto gravadas, parecem restringir-se muito mais no tempo, correspondendo a um episódio breve. Assim, as práticas funerárias continuam a ser marcadas pelas manifestações relacionadas com o sagrado, denotando uma forte relação de continuidade com a fase imediatamente anterior. Ao mesmo tempo, marcam uma fase de influências externas, “(…) do gosto mediterrânico pelo calcário como matéria-prima para reproduções de artefactos da vida real, revestidos de cargas simbólicas específicas (…)” (Gonçalves, 2003a: p. 163). Gonçalves nota ainda uma grande diversidade morfológica, nem sempre de fácil interpretação, que se reduz significativamente à medida que nos afastamos da Península de Lisboa, que parece ser o centro difusor do conceito que lhes está implícito. Com base nas informações bibliográficas dos contextos funerários do MCE, a identificação de artefactos votivos de calcário é duplamente escassa: tanto ao nível morfológico, como ao nível da sua frequência. De facto, reconhecemos apenas dois registos passíveis de integrar nesta categoria artefactual, provenientes dos hipogeus das Lapas e da Ribeira Branca, em Torres Novas. O que, por si, poderá ser realçado na medida em que, aparentemente, estes componentes estão excluídos das grutas naturais. O exemplar do hipogeu das Lapas apresenta uma forma rara que tem provocado dúvidas relativamente à sua correta classificação (Andrade, 2015; Vagueiro, 2016): será este artefacto de morfologia cruciforme a representação de uma enxó encabada ou um báculo de calcário? Apesar dos argumentos que têm sido adiantados para a interpretação como enxó, parece-nos particularmente tentadora a hipótese do báculo cuja transição cabeça-cabo, em ângulo reto, é incrivelmente similar ao báculo de xisto da Lapa da Galinha depositado no MNA – o único exemplar com estas características produzido em xisto (Gonçalves et al, 2014). Relativamente às grutas artificiais da Ribeira Branca, das quais sobrevive

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apenas uma, há notícias de ter sido recolhido um ídolo cilíndrico de calcário associado a um dos sepulcros (Jordão e Mendes, 2006-07: p.52-53). Mesmo sem a direta observação do artefacto em questão, a sua integração genérica enquanto realidade do 3º milénio a.n.e. é relativamente pacífica. Todavia, é possível aprofundar esta análise a partir de outros indícios materiais que nos remetam para a primeira metade do 3º milénio a.n.e. Trata-se, portanto, de procurar reconhecer certos elementos que se diferenciam daqueles característicos da fase posterior, ditos pré-campaniformes. Desde logo, no que concerne as produções cerâmicas destacam-se as decorações caneladas, essencialmente em taças, mas também em copos. Afastam-se, então, do universo de produções lisas, “dolménicas”, do final do 4º milénio a.n.e. Na Lapa da Bugalheira foram recolhidos exemplares de taças caneladas e também de um copo (Carreira, 1996; Paço et al, 1971). Seria necessário rever o conjunto de recipientes decorados para proceder a uma integração crono-estilística mais rigorosa, pelo que não descartamos a possibilidade de atribuir uma cronologia calcolítica a outros fragmentos cerâmicos. O mobiliário votivo recolhido nesta cavidade integra também outros elementos passíveis de integrar neste pacote, como são os ídolos-falange (N=9; cinco dos quais sem decoração), destacando-se o exemplar de caráter teomórfico, com a representação dos olhos raiados e tatuagens faciais (Paço et al, 1941: fig.2; Valera, 2015). Admite-se a possibilidade de se associar a este conjunto um artefacto ídoliforme em osso (Paço et al, 1971: Est.IX-105), provavelmente afim dos “ídolos almerienses”. Também na Buraca da Moura da Rexaldia foram recolhidos exemplares muito similares a estes últimos artefactos ideotécnicos (Andrade, 2020b). Aliás, a análise do grosso deste contexto poderia sugerir um enquadramento centrado na primeira metade do 3º milénio a.n.e., como parece demonstrar a clara predominância de pontas de seta de base reta e côncava, contrariando o padrão verificado para o Maciço, onde abundam as pontas de seta de base triangular ou convexa. No entanto, como já foi comentado, a utilização dos critérios de morfologia da base das pontas de seta para lhes atribuir uma cronologia mais antiga ou mais recente é ainda problemática, pelo que se impõem uma certa cautela. Enfim, a ausência de armaduras geométricas e os escassos elementos de pedra polida poderiam ser argumentos utilizados para a sua inserção numa fase pós-neolítica, ainda com a deposição de placas de xisto gravadas. Procurámos definir o quadro possível nas circunstâncias atuais, sendo necessárias datações absolutas para completar as indicações provenientes dos materiais arqueológicos. Importa, então, salientar que o território compreendido pelo MCE não deixa de ser utilizado para a realização de rituais funerários na primeira metade do 3º milénio a.n.e. Tal como não deixa de o ser na segunda metade do mesmo. A presença de elementos campaniformes neste

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contexto geocultural foi primeiramente notada no contexto escassamente caracterizado da Buraca da Moura da Rexaldia (Oosterbeek et al, 1992). Para além da utilização daquele espaço entre o final do 4º e início do 3º milénio a.n.e., foram identificadas típicas produções integráveis no pacote campaniforme, nomeadamente uma taça e uma caçoila com decoração incisa. Terá conhecido ainda um outro episódio de utilização, passível de enquadrar no Bronze Final pela tipologia de determinadas formas, concretamente, “(…) duas taças carenadas, uma das quais decoradas com leves caneluras verticais” (Carvalho, 1998b: p.44). De seguida, foram recolhidas evidências de produções campaniformes em contextos habitacionais situados em Torres Novas, como é o caso da Costa do Pereiro – uma caçoila típica com decoração incisa passível de relacionar-se com o exemplar da Rexaldia, do qual é relativamente próximo - e do Vale da Negra I – uma taça de tipo Palmela, que é reveladora da amplitude geográfica deste grupo decorativo (Carvalho, 2019: p.163-68). Todavia, este constitui um panorama com pouca solidez para se construir um modelo apropriado para a região, especialmente quando comparado com aquele desenvolvido a partir da pujança demonstrada pela área correspondente ao estuário do Tejo. Do ponto de vista cronométrico, os resultados obtidos para a Galeria da Cisterna, no sistema cársico do Almonda, comprovaram a utilização funerária daquele ambiente cársico durante a segunda metade do 3º milénio a.n.e: 2457-2061 cal BC (Zilhão, 2016: p.382). Apesar do depósito constituir um palimpsesto funerário de larga diacronia, desde o Neolítico antigo até à Idade do Ferro, o pacote artefactual passível de associar ao fenómeno campaniforme está relativamente bem individualizado, sendo composto por uma série de botões em marfim com perfuração em “V”, possivelmente de cachalote, e uma espiral em ouro. É, contudo, um contexto acerâmico que deu azo ao título “Beaker people without Beaker pots”, complexificando o contexto campaniforme micro-regional, mas também o da entidade composta pela Estremadura (Zilhão, 2016). Os trabalhos de acompanhamento arqueológico realizados no Convento do Carmo, Torres Novas, vieram cimentar o conhecimento relativo às práticas funerárias campaniformes no MCE. De facto, a identificação do contexto funerário de tipo hipogeu constitui o caso de estudo mais significativo para esta região, tendo sido alvo de uma leitura multidisciplinar (Carvalho, 2019). Para além de representar uma exceção à utilização de grutas naturais, é uma das poucas necrópoles de provável fundação campaniforme na Estremadura. No que concerne as práticas funerárias aí detetadas, este é um sepulcro coletivo (NMI=15) em que não foram detetadas evidências de individualização do espaço funerário. Estão atestadas práticas de deposições secundárias, sob a forma de ossários, mas também de deposições primárias. As duas datações absolutas que estão disponíveis apontam para um âmbito balizado entre 2550-2290 cal BC 2σ. Constitui, portanto, um intervalo ligeiramente mais antigo do que aquele determinado

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para a Cisterna, pelo que poderá ser evocado para a justificação das diferenças no material de acompanhamento registado em ambos os sepulcros. Aliás, uma hipótese que já havia sido levantada anteriormente (Carvalho, 2019: p. 163). Relativamente ao mobiliário votivo associado às deposições funerárias, destacam-se os vasos campaniformes, lisos e com decoração típica do grupo Marítimo/Internacional, botões em osso com perfuração em “V”, botões antropomórficos estilizados, um dos quais produzido sobre marfim de hipopótamo, contas discoides em variscite, contas tubulares em ouro e, uma vez mais, uma espiral em ouro. Finalmente, a análise das matérias-primas dos artefactos votivos, em conjunto com as análises de estrôncio sobre as populações inumadas, é ilustradora da vivacidade das redes de circulação de bens, gentes e ideias que caracteriza o registo arqueológico do 3º milénio a.n.e. Na região de Alcobaça, que desde os trabalhos de Vieira da Natividade (1901) tem recebido escassa e pontual atenção, a presença campaniforme está também atestada, nomeadamente na gruta de Redondas IX, também designada por Algar do João Ramos (Paço, 1966). Aquele autor refere a presença de pelo menos dois vasos campaniformes, um dos quais com decoração incisa, pelo que poderá corresponder a um intervalo mais tardio de finais do 3º milénio a.n.e. A reavaliação do contexto funerário da gruta de Redondas permitiu obter uma datação (Senna-Martinez et al, 2017), sobre Hordeum vulgare var. nudum, da transição do 3º para o 2º milénio a.n.e., filiando-a no Bronze Antigo – Beta- 356036: 3660 ± 30 BP (2135-1950 cal BC 2σ). O repertório formal dos recipientes cerâmicos e de alguns elementos metálicos parece confirmar este âmbito cronológico. No entanto, destacaríamos o facto de esta datação não incidir sobre restos humanos, não devendo ser sobrevalorizada. De qualquer forma, mesmo que seja representativa de um provável episódio funerário da chamada 1ª Idade do Bronze, esta não é incompatível com um momento de deposição funerária anterior, de época campaniforme, sugerida pela presença dos dois vasos já mencionados. A este fenómeno poderiam estar associadas qualquer uma das sete pontas tipo Palmela ou dos dois punhais de lingueta, compostos por cobres arsenicais (Senna-Martinez et al, 2017: p.838). O registo campaniforme no MCE, ainda diminuto, tem-se revelado cada vez mais complexo, implicando necessariamente diferenças diacrónicas ainda não totalmente apreendidas. Foi precisamente esse o objetivo de recuperarmos o contexto da anta da Fonte Moreira, com um fragmento cerâmico do grupo Internacional, outros dois do grupo inciso e também uma ponta tipo Palmela. São, manifestamente, informações descontextualizadas, mas que vêm adensar os dados disponíveis – nem que seja ao nível das manifestações culturais relacionadas com o fenómeno campaniforme. Mais ainda, apesar da relativa escassez de elementos recolhidos neste âmbito geográfico, estão presentes os três grupos estilísticos tradicionalmente atribuídos à decoração e repertório formal da cerâmica campaniforme: o

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grupo Marítimo/Internacional no hipogeu do Convento do Carmo e na anta da Fonte Moreira; o grupo de Palmela em Vale da Negra I, que não foi ainda sondado arqueologicamente; o grupo inciso na Rexaldia, na Costa do Pereiro, na gruta de Redondas e na anta da Fonte Moreira. A ocupação campaniforme da Cisterna, como já notámos, é notória precisamente pela ausência da típica cerâmica que caracteriza este período. Em síntese, o MCE não estava excluído das redes de contacto da segunda metade do 3º milénio a.n.e. A presença de matérias-primas exógenas, por vezes transportadas ao longo de centenas de quilómetros, e também de elementos ditos de prestígio, obriga-nos a refletir acerca da dinâmica das comunidades utilizadoras e construtoras dos sepulcros mencionados. Nesse sentido, verifica-se uma clara tendência para a sobrevalorização dos contextos campaniformes, funerários e domésticos, localizados a Sul da Serra de Montejunto. Importa, então, procurar reconhecer estas realidades na Alta Estremadura, mesmo que estas sejam provenientes de recolhas de superfície ou de escavações antigas, de forma a compreender o comportamento das comunidades que se afastam mais da Península de Lisboa e do estuário do Tejo, comunicável através das bacias do Alviela e do Almonda. 5.3 Um território dos mortos…

O núcleo sepulcral de Alcanena que diferenciámos é também revelador do panorama que se estende a toda a região do Maciço e que consiste na dicotomia que se verifica entre os lugares da morte, que abundam, e os espaços dos vivos, que escasseiam. Os contextos habitacionais putativamente relacionados com os utilizadores (e construtores no caso da Anta da Fonte Moreira) destes sepulcros estão ainda por identificar e caracterizar devidamente. Têm sido realizadas ações pontuais, quer em âmbito de prospeção, quer em âmbito de acompanhamento de empreitada, que acabam por resultar na identificação de elementos que fazem supor a existência de uma ocupação doméstica cujo carácter é difícil de avaliar. De facto, estas recolhas não permitem estabelecer uma correlação entre o núcleo funerário definido e os supostos espaços dos vivos. Aliás, esta relação deve ser pensada com indispensável prudência e sempre considerando os critérios, de certa forma especulativos, que permitam verificá-la (Gonçalves e Sousa, 2000). Dada a dinâmica da investigação no MCE, dominada pelas ocupações funerárias em cavidades cársicas, e a ausência de dados consistentes acerca de vestígios domésticos, não é plausível estabelecer uma correlação direta para a maioria dos casos. Mesmo em outras regiões do Sudoeste peninsular, onde se implantam povoados extensamente escavados e onde as ações de prospeção são sistemáticas, não é fácil estabelecer esta ligação. O único caso no MCE que parece demonstrar uma relação inter-espacial entre povoado e necrópole e, ao mesmo tempo, partilhar afinidades relativas à cultura material exumada é o

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do Cerradinho do Ginete e a Lapa dos Namorados, localizados na freguesia de Pedrógão, Torres Novas (Nunes e Carvalho, 2013). É evidente que os sucessivos episódios de utilização da Lapa dos Namorados, aferidos por alguns elementos diagnósticos, poderiam mascarar esta associação (Carvalho et al, 2000). Contudo, e apesar do valor do desvio padrão obtido, a datação absoluta sobre restos humanos – ICEN-735: 5460 ± 110 BP (4516-4002 cal BC 2σ) – parece ser inequívoca relativamente à utilização da cavidade como espaço funerário no final do 5º milénio a.n.e, plenamente integrado no dito Neolítico médio (Zilhão e Carvalho, 1996). O Cerradinho do Ginete não se encontra datado pelo radiocarbono, mas o conjunto artefactual aí recolhido sugere um momento posterior ao Neolítico antigo evolucionado, mas ainda sem os típicos elementos do Neolítico final estremenho, como são as taças carenadas, os bordos em aba denteados ou as pontas bifaciais. Admite-se, portanto, a sua contemporaneidade. Todavia, este é uma fase que antecede as primeiras manifestações do megalitismo funerário, para as quais carecemos de dados semelhantes. A multiplicidade de soluções funerárias que conhecemos para o Maciço faria supor uma rede de povoamento mais ampla do que aquela que se regista efetivamente. Os fatores elencados para esta ausência ou invisibilidade são conhecidos há muito (Araújo e Zilhão, 1991: p. 10) e consistem, genericamente, na inexistência de um programa sistemático de prospeções, na dificuldade em identificar contextos ao ar livre com implantações topográficas discretas e nos problemas de preservação do registo, decorrentes das perturbações agrícolas e/ou erosão. À semelhança do que foi verificado para o vale do rio Sizandro, mais a Sul (Dambeck et al, 2015), não podemos deixar de considerar a possibilidade de os habitats da Pré-História Recente estarem cobertos por coluviões provenientes dos depósitos de vertente, de certa forma selando o sítio arqueológico. Pela sua profundidade, seria muito difícil identificar e recolher fortes indícios destas ocupações no âmbito de prospeções convencionais, à superfície do terreno. Ademais, a própria prática da prospeção é dificultada pela vegetação densa que cobre grande parte da região. Face às evidências, não nos encontramos em posição de descartar a possibilidade desta fraca representatividade de espaços domésticos, coevos da utilização funerária dos sepulcros, corresponder à realidade arqueológica. Como já havia sido apontado, o quadro atualmente disponível para a ocupação do MCE durante o Neolítico e Calcolítico poderá ser o resultado da exploração marginal daquele território por comunidades estabelecidas de forma permanente na Bacia Terciária do Tejo (Nunes e Carvalho, 2013: p.332), com relevos suaves e mais propensos a ocupações deste tipo. Nesse sentido, poderíamos ser tentados a afirmar que o povoamento é condicionado pela geomorfologia do Maciço. Os registos paleoeconómicos, que poderiam contribuir para o esclarecimento desta questão, estão apenas disponíveis para o Abrigo da Pena

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d’Água e para a Costa do Pereiro, situados na freguesia da Chancelaria, Torres Novas (Carvalho, 1998b; 2007). Ambas as estações se encontram datadas pelo radiocarbono, integrando-se no final do 5º e início do 4º milénio a.n.e. Apesar da relativa escassez de restos faunísticos, foi documentada uma tendência para a pastorícia e para a caça, com escassas evidências diretas- ou mesmo indiretas- de práticas agrícolas. É um padrão que demonstra estar de acordo com uma ocupação de elevada mobilidade, em que também não se registam estruturas habitacionais de caráter permanente, o que faria do Maciço um importante território económico ainda que explorado de forma marginal. Seja como for, níveis de ocupação enquadráveis nos últimos séculos do 4º e primeira metade do 3º milénio a.n.e. são praticamente inexistentes no MCE. A base empírica é insuficiente. Tendo em conta o quadro que temos vindo a caracterizar, o sítio da Costa do Pereiro providenciou um conjunto de dados singulares. Regista uma agregação da esfera doméstica, caracterizada por cerâmica lisa, escassas decorações e uma indústria lítica virada para a produção de armaduras geométricas, e da esfera funerária, representada por uma deposição de um indivíduo infantil (Nunes e Carvalho, 2013). A datação obtida sobre os restos deste indivíduo – Wk-13682: 5133 ± 45 BP (4039-3799 cal BC 2σ) é esclarecedora, uma vez que atesta a já mencionada confluência entre habitação e morte num âmbito cronológico, no final do 5º e início do 4º milénio a.n.e., em que já se verifica a segregação destas atividades (Carvalho e Petchey, 2013). Acrescente-se ainda que os resultados dos isótopos da dieta do indivíduo demonstram que a importância dos recursos aquáticos é praticamente nula, concordando com a análise zoológica realizada (Carvalho, 2007). Por sua vez, os resultados isotópicos do Algar do Barrão e dos Casais da Mureta (Carvalho et al, 2019a: 6147-48) parecem demonstrar um modelo sólido. Relativamente à mobilidade, as populações depositadas no interior destas cavidades cársicas são essencialmente constituídas por indivíduos de origem local- apenas dois indivíduos do Barrão apresentavam valores correspondentes com uma origem não-local. No que concerne a dieta destas populações, a importância da componente terrestre é esmagadora- apenas um indivíduo do Barrão apresentava valores correspondentes com uma forte componente marino-estuarina. Formam, então, um paradigma que se afasta dos resultados obtidos para o Algar do Bom Santo, onde a percentagem de indivíduos não-locais e com uma importante componente aquática nas suas dietas é bastante significativa (Carvalho, 2014). A razão para esta discrepância poderá estar efetivamente relacionada com o contexto geográfico onde estas necrópoles estão inseridas: apesar de se implantarem em áreas de influência de maciços calcários, a proximidade com o paleoestuário do Tejo no caso do Bom Santo parece atuar como elemento distintivo daquelas populações. A plausibilidade deste modelo poderá ser estendida até à Lapa da Galinha e a outros

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sepulcros do MCE, reforçando também os resultados obtidos para o Lugar do Canto, Alcanede (Carvalho e Petchey, 2013). Contudo, seria importante alargar a amostra disponível, até para poder compreender a variabilidade que se regista a nível intra-regional e alcançar resultados mais precisos.

6. Acender as luzes: as conclusões possíveis

“Mas “concluir”, em determinadas situações, pode ser idêntico ao salto sem rede: as emoções são muitas, o ganho é sempre duvidoso, quer se permaneça em equilíbrio, quer se tombe. Não o fazer, noutras, traduz a recusa (por incapacidade própria?) do espírito criativo.”

Gonçalves, 1992: p. 191

Servindo-nos de um foco de luz artificial, apropriado no contexto da análise das práticas funerárias em cavidades cársicas, pretendemos apresentar as metas fundamentais deste trabalho. O ponto de partida para a discussão que promovemos nasce do estudo monográfico da Lapa da Galinha, uma gruta-necrópole que providenciou abundantes testemunhos relativos aos rituais funerários das comunidades do 4º e 3º milénio a.n.e. na região do MCE. Apesar das dificuldades impostas pela natureza do contexto, foi possível utilizar este caso específico como uma verdadeira plataforma giratória para a abordagem de diferentes questões e realidades arqueológicas à escala local, regional e supra-regional. Os desafios de estudar uma coleção arqueológica proveniente de uma escavação realizada há mais de 110 anos são evidentes. Desde logo, pela complexidade de compreender os processos de formação dos depósitos funerários neo-calcolíticos, resultantes da acumulação de sucessivas inumações. Ainda que nos tenha sido possível aferir uma campanha de exploração guiada por princípios metodológicos admiráveis para a época, as evidências a que tivemos acesso, não sendo incompatíveis, condicionam a linha de inquérito que a investigação arqueológica persegue. Entre os principais obstáculos, a ausência de restos humanos, que nos impede de tecer importantes considerações relativamente à população inumada, e o facto de apenas se conservar o mobiliário votivo que acompanhou as ditas deposições, são aqueles que determinam os maiores constrangimentos à elaboração de uma perspetiva mais exaustiva. Porém, se em relação ao primeiro daqueles fatores não existe a possibilidade de recuperação daqueles elementos, já ao segundo a abordagem é fundamentalmente distinta. Aparentemente, e ao contrário de outras cavidades cársicas da região, a Galinha não conheceu episódios de utilização posteriores. As informações que recolhemos, incluindo aquelas referidas nas missivas de Félix Alves Pereira para Leite Vasconcellos, apontam nesse sentido. O espólio votivo recolhido constitui, portanto, a principal fonte de informação para o desenvolvimento deste trabalho. Consequentemente, as guide-lines da nossa análise incidiram,

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sobretudo, na recuperação dos gestos funerários e na sua integração crono-cultural. No fundo, trata-se da revisitação de um contexto praticamente esquecido, mas que se apresenta com um elevado grau de coesão que importava compreender na sua totalidade. A complexidade que reconhecemos neste conjunto artefactual permitiu a realização de uma leitura fiável da dinâmica de utilização da cavidade como necrópole. Seguimos, sempre que possível, uma ótica materialista, estando cientes dos problemas que lhe estão frequentemente associados. Desta forma, procurámos aplicar os princípios próprios do paralelismo – presenças, ausências, correspondências e contradições – devidamente fundamentados. A análise da componente votiva da Lapa da Galinha permitiu inseri-la no universo megalítico do Sudoeste peninsular, nomeadamente no designado “Megalitismo de gruta”, cujo conceito defendemos e valorizamos no contexto das práticas funerárias do 4º e 3º milénios a.n.e. Compreender os rituais praticados pelas comunidades vivas, que materializam a realidade arqueológica que apresentamos aqui, constitui a base do estudo de qualquer contexto funerário. Ritualidade esta que sabemos transformar-se, fruto de novos contactos que contribuem para a dinâmica e consolidação de um subsistema mágico-religioso com um foco distinto. A descrição e análise do material de acompanhamento leva-nos a pensar numa longa diacronia de utilização para a Galinha, podendo recuar até meados do 4º milénio a.n.e. Com probabilidade, o número de inumações mais antigas seria bastante mais subtil do que as dos últimos séculos do 4º e início do 3º milénio a.n.e., considerando a visibilidade dos indicadores crono-culturais mais sólidos. O amplo espectro cronológico de alguns dos elementos apresentados torna-os pouco úteis na hora de proceder a uma proposta cronológica mais ou menos constrita, o que não implica a sua desconsideração num contexto que acarreta uma elevada carga simbólica. A circulação de matérias-primas, muitas vezes exógenas ao território onde são recolhidas, desempenha um papel fundamental na avaliação do grau de mobilidade das comunidades da Pré-História Recente. Por essa razão, procurámos realizar a análise de proveniência dos materiais, a um nível macroscópico. Apesar da escala do estudo, acreditamos ter estabelecido uma base sólida de trabalho e que é demonstrativa da inserção da Lapa da Galinha, e consequentemente do MCE, na forte dinâmica das redes de contacto que caracterizam a segunda metade do 4º milénio a.n.e., e, sobretudo, a primeira metade do milénio seguinte. A este respeito, destacaríamos a relativa abundância quantitativa e dos motivos iconográficos das placas de xisto gravadas, invocando uma forte relação com o Alto Alentejo, mas também a presença excecional do machado tipo Cangas, enquanto reflexo de uma importação ideológica possivelmente sediada na área bretã.

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O impressionante e abundante mobiliário votivo da Galinha, convenientemente valorizado, providenciou-nos as ferramentas necessárias à definição de um contexto geocultural em torno do MCE, reafirmando a sua identidade própria e especificidade no âmbito do Centro e Sul do atual território português. Todavia, e se não existem questões relativamente à unidade heterogénea composta pelo Maciço, verifica-se uma clara dicotomia relativa à disseminação do conhecimento das realidades arqueológicas no seu interior. Como temos vindo a alertar, o grosso dos comentários passíveis de realizar incidem sobre as grutas-necrópole situadas ao longo do Arrife, abarcando os concelhos de Torres Novas, Alcanena, Santarém e Rio Maior. Situam-se numa zona de transição, apropriada à exploração de dois ambientes ecológicos distintos: a agricultura potenciada pelas bacias hidrográficas de rios como o Alviela e o Almonda, afluentes do Tejo, e a pastorícia e caça das encostas da Serra de Aire. Em sentido contrário, verifica-se uma grande lacuna na bordadura ocidental correspondente à área da Serra dos Candeeiros, que é necessário preencher, constituída pelos concelhos de Alcobaça e Porto de Mós. A revisão dos dados recolhidos por Vieira da Natividade aliada à promoção de novos trabalhos de campo seria importante para o robustecimento da diversidade e riqueza de contextos que presentemente antevemos para esta região. Esta heterogeneidade das práticas funerárias está bem patente à escala micro-regional, naquilo que se poderá designar como o cluster de Alcanena, maioritariamente composto por sepulcros naturais, mas que inclui também um monumento construído. Apesar de não estarem disponibilizados dados cronométricos para todos os sepulcros do núcleo – que, sendo uma divisão artificial, poderá gozar de uma certa correspondência com alguns indicadores sociais e económicos – as balizas cronológicas relativas, adequadamente sustentadas, confirmam uma coesão cronológica dentro desta amostragem. Com a exceção de alguns componentes que sugerem ocupações mais antigas, não enquadráveis no Megalitismo, e também posteriores, integráveis já nos rituais funerários campaniformes, as evidências discutidas reportam-se a um intervalo de tempo assinalado entre os meados do 4º e meados do 3º milénio a.n.e. Mesmo com as dificuldades que resultam das escavações antigas, foi possível verificar diferenças ténues no material de acompanhamento e até no tipo de solução cársica utilizada como necrópole, por vezes num âmbito cronológico bastante próximo. Foi a partir da discussão dos dados provenientes destes contextos funerários que nos apoiámos para perfilhar uma visão mais abrangente do fenómeno megalítico, para além das antas que tradicionalmente reinam o domínio do Megalitismo. A inauguração de um novo ciclo de estudos ao nível europeu tem demonstrado precisamente essa necessidade de estender o significado do termo, argumentando a favor de uma similitude sensorial, e por vezes arquitetónica, entre distintas tipologias sepulcrais. Os elementos do subsistema mágico-

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religioso que unem as regiões citadas ao longo do trabalho, com especial ênfase entre a Estremadura e o Alentejo, são muito mais expressivos do que aqueles que os separam. Com isto não desprezamos as particularidades locais, que existem e devem ser enaltecidas, apenas destacamos o fundo simbólico comum partilhado pelas comunidades daquelas áreas e que é fruto dos já citados contactos inter-regionais, inferidos pelo intercâmbio de gentes, bens e ideias. A propósito do “Megalitismo de gruta” adiantámos uma proposta de organização crono- cultural dos rituais funerários do MCE, tirando proveito da “cultura das grutas” que caracteriza esta região. A atualização dos dados disponíveis teve como fio condutor a cronologia absoluta, a natureza das práticas funerárias e o mobiliário votivo. Assim, e na senda do que tem sido discutido para o Megalitismo da Estremadura, parece verificar-se uma maior antiguidade destas práticas no interior das cavidades cársicas. Contudo, o período de transição das inumações individuais, ou múltiplas, para as coletivas, em que o Megalitismo se inscreve, necessita de uma maior definição, resultando de um crivo crítico com uma malha mais apertada – mas não ao ponto de estrangular as evidências. Presentemente, verifica-se um desfasamento, que poderá não ser real, entre as primeiras construções ortostáticas da Estremadura e do Alentejo, cujo arranque cronológico e o mobiliário votivo associado, de cariz utilitário, sugerem uma estreita proximidade. O problema essencial decorre das diferenças arquitetónicas registadas em ambas as regiões: nomeadamente a questão relativa aos pequenos sepulcros alentejanos e a sua integração num momento inicial deste fenómeno. A base empírica disponível não permite recuar estes monumentos de planta elipsoidal ou subretangular além do segundo quartel do 4º milénio a.n.e. Enfim, considerando a relativa fragilidade da estrutura cronológica obtida até ao momento, frequentemente provocada pela má preservação dos restos humanos, não nos encontramos em posição de descartar a hipótese da contemporaneidade entre as primeiras deposições registadas em cavidades cársicas e em antas. Se, por um lado, as grutas-necrópole da Alta Estremadura constituem um paradigma desta primeira fase de manifestações megalíticas, por outro, são igualmente representativas da fase subsequente, dita do apogeu do Megalitismo, verificando-se um incremento dos sepulcros utilizados como espaços de necrópole. Ainda que as evidências cronométricas não o indiquem categoricamente, em consequência das diversas escavações antigas, a presença de um mobiliário votivo de cariz ideotécnico, e ao mesmo tempo revelador de contactos suprarregionais e extra-peninsulares, é suficientemente esclarecedora. Esta transformação encontra-se relativamente bem enquadrada no último quartel do 4º milénio a.n.e. Relativamente ao MCE, poderá admitir-se a coexistência de dois modelos funerários durante este período, um dos quais que perpetua a tradição votiva dos elementos do quotidiano e o

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outro que regista a integração de novos elementos simbólicos, como são as placas de xisto gravadas. Esta é uma hipótese que consideramos tentadora e de manifesto potencial interpretativo, mas que deverá ser confrontada com novos inquéritos cronológicos, concretamente aqueles que pretendem definir um intervalo de tempo mais fino para o início da deposição de placas de xisto gravadas no material de acompanhamento. Só assim se poderá excluir, ou não, a hipótese diacrónica das duas estruturas mágico-religiosas. Todo o 3º milénio a.n.e. parece estar arqueologicamente mal representado no conjunto de evidências do MCE. Ainda que não esteja ausente, particularmente quando a bibliografia antiga é revisitada, as ocorrências de que temos conhecimento são pouco representativas e demasiado dispersas para que se possa delinear um modelo de ocupação do território minimamente rigoroso. Esta é uma realidade que contrasta fortemente com a vigorosa dinâmica que caracteriza a Baixa Estremadura, que regista uma verdadeira diversidade na tipologia sepulcral e um conjunto de materiais votivos bastante característico, seja na primeira ou na segunda metade do 3º milénio a.n.e. A própria notoriedade dos povoados amuralhados que emergem na primeira metade daquele milénio, concentrando a malha de povoamento previamente dispersa, não tem ainda correspondência com o registo arqueológico da região do MCE. A ausência de um povoamento gregário calcolítico não invalida que o território do MCE não tivesse sido marginalmente explorado, no decorrer de atividades económicas específicas cujo impacto no território dificulta a sua identificação arqueológica, potencialmente agravada por processos tafonómicos de época recente. No que toca ao fenómeno campaniforme, os elementos para o seu estudo são igualmente escassos, mas perfeitamente capazes de demonstrar uma complexidade acrescida numa área afastada dos principais polos do Ocidente peninsular. No que toca às evidências neo-calcolíticas do MCE, não há uma correspondência entre o número de sepulcros identificados, constituídos de forma esmagadora por grutas naturais, e os putativos contextos habitacionais, escassamente representados. Esta improporcionalidade poderá dever-se a uma efetiva ausência do povoamento ou decorrer da dificuldade em identificar possíveis núcleos habitacionais à superfície. Todavia, a consideração dos vários sepulcros que se encontram minimamente caracterizados fazia prever a identificação de contextos domésticos de caráter permanente, e que, portanto, não se refletem nos pontos de povoamento conhecidos. Diga-se, contudo, que noutras regiões em que se observou uma relação espacial entre povoados e necrópoles esta associação nem sempre é evidente, pelo que constituirá um exercício a ser pensado cautelosamente, especialmente tendo em conta as dinâmicas complexas inerentes às deposições secundárias. Por outro lado, importa discutir a presença de sepulcros artificiais – antas e hipogeus – numa região em que as soluções cársicas

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estão largamente disponíveis, pelo que não há uma exigência no sentido de proceder a esse esforço comunitário. A questão não se encontra cabalmente esclarecida. Não cremos que as comunidades construtoras destes contentores funerários desconhecessem as grutas naturais, pelo que não há uma necessidade de construção efetiva. Invés, as diferentes tipologias de sepulcros, que conhecemos apenas parcialmente, deverão indicar importantes diferenças socioculturais que devemos estar prontos para debater. A produção de conhecimento científico não se esgota com o estudo tecno-tipológico e das matérias-primas do mobiliário votivo da Lapa da Galinha. Foram vários os vetores de investigação que deixámos em aberto e que, devidamente valorizados, poderão contribuir para o esclarecimento de algumas das questões de fundo que acompanham sempre os trabalhos sobre o mundo funerário. Entre os aspetos de ordem material destacámos um melhor enquadramento crono-cultural das grandes pontas bifaciais, que sendo um registo marcante da esfera da morte, o seu significado permanece oculto, mas também dos recipientes cerâmicos, possivelmente produzidos especificamente para integrarem o mobiliário votivo. Relativamente ao inquérito que é colocado às populações inumadas importa esclarecer certos aspetos passíveis de discutir com base nos resultados de análises isotópicas. Em concreto, a avaliação do grau de mobilidade das comunidades neo-calcolíticas do Centro e Sul de Portugal que é mais vezes inferido do que apresentado absolutamente. A confirmar-se o quadro geral disponível até à data, demonstrativo da mobilidade dos indivíduos amostrados, particularmente entre o Alentejo e a Estremadura, seria interessante determinar o grau do contributo populacional entre as duas regiões. Em jeito de nota final, destacaríamos o potencial interpretativo do MCE, como um todo, para o estudo das práticas funerárias do 4º e 3º milénios a.n.e no Centro e Sul de Portugal. Para todos os efeitos, a Lapa da Galinha, como muitas necrópoles alentejanas, é uma necrópole em que os mortos estão ausentes. Contudo, as boas condições de preservação da generalidade dos sepulcros do Maciço Calcário concedem-lhe um destaque evidente no universo do Sudoeste peninsular, através de um amplo leque de possibilidades analíticas diretamente relacionadas com as populações neo-calcolíticas. Apesar das dificuldades inerentes ao estudo e exploração dos ambientes cársicos, que requerem metodologias próprias, estes continuam a impressionar pela qualidade informativa, o que também decorre da abundância de dados que disponibilizam.

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