O Paleolítico Médio No Território Português 13
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O PALEOLÍTICO MÉDIO NO TERRITÓRIO poRTUGUÊS Telmo Pereirai, Jonathan Hawsii e Nuno Bichoiii RESUmo: No presente artigo apresenta-se um breve resumo sobre o estado da arte do Paleolítico Médio em Portugal abordando-se a indústria lítica, o registo faunístico e os padrões de assentamento. Embora o número de jazidas ainda não seja muito grande, parece ser claro que o território português terá sido aquele onde sobreviveram os últimos Neanderthais. Ao mesmo tempo, parece também ser claro que, pelo menos desde há pelo menos ~240 mil anos, estas comunidades apresentavam um leque de características comportamentais singulares, que as distin- guiam dos grupos situados além Pirenéus. De facto, enquanto estes eram especializados na caça e exploração da rena com utensílios de sílex, os localizados no território português eram especializados na exploração eclética dos recursos disponíveis. Tal diferença poderá estar relacionada com as substanciais diferenças climáticas e paisagísticas, dado que o território em causa não apresenta indícios de forte impacto das fases mais rigorosas das glaciações. Esta exploração variada dos recursos parece estar na base da tardia sobrevivência dos grupos neanderthais no extremo ocidental da Ibéria. PALAVRAS-CHAVE: Paleolítico Médio; Moustierense, Exploração de recursos; Portugal. EL PALEOLÍTICO MEDIO EN EL TERRITORIO poRTUGUÉS RESUMEN: En este artículo se presenta un breve resumen sobre el estado del arte del Paleolítico Medio en Por- tugal enfocandose la industria lítica, el registro faunístico y los patrones de asentamiento. Aunque el número de depósitos no sea muy grande, parece claro que el territorio portugués ha sido donde los últimos neanderthales so- brevivieron. Al mismo tiempo, también parece claro que, al menos por lo menos ~ 240 mil años, estas comunidades tenían una serie de características únicas en su comportamiento que las distingue a los grupos situados más allá de los Pirineos. De hecho, mientras que estos eran expertos en la caza de renos con herramientas de sílex, los situados en el territorio portugués se especializan en la exploración ecléctica de los recursos disponibles. Esta diferencia puede estar relacionada con las diferencias sustanciales en el clima y el paisaje, ya que la zona en cuestión no muestra evidencia de fuerte impacto del endurecimiento de las fases de la glaciación. Esta explotación variada de recursos parece ser la base de la supervivencia tardía de los grupos neanderthales en el extremo occidental de Iberia. PALABRAS-CLAVE: Paleolítico Médio; Moustierense; Explotacion de recursos; Portugal. i Bolseiro de pós-doutoramento, Núcleo de Arqueologia e Paleoecologia, Universidade do Algarve, Campus Gambelas, 8005-139 Faro PORTUGAL. E-mail: [email protected]. ii Professor Associado, Department of Anthropology, College of Arts & Sciences, University of Louisville, Lutz Hall Room 228, 2301 S. 3rd St., Louisville, KY 40208, USA. E-mail: [email protected]. iii Professor Associado, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, University of Algarve, Campus Gambelas, 8005- 139 Faro PORTUGAL. E-mail: [email protected] XXXIIIMainake, 11-30 / ISSN: / 2011-2012 pp. 0212-078-X 12 Telmo Pereira, Jonathan Haws e Nuno Bicho THE MIDDLE PALEOLITHIC IN THE PORTUGUESE TERRITORY ABSTRACT: In this paper we present a brief synthesis of the Middle Paleolithic in Portugal, focusing both the lithic and faunal assemblages, along with the settlement patterns. Despite the number of sites being small, it seems clear that the Portuguese territory might have been that where the last Neanderthals have lived. At the same time, it also seems that since ~240ka these communities presented a spectrum of particular behavioral features that allow us to distinct them from those located at East of the Pyrenees. In fact, while these were specialized in hunting and exploitation of reindeer with flint tools, those located in Portugal were specialized in the exploitation of a wider diversity of available resources. Such difference might be related with strong differences on environment and lands- cape, once this territory did not present evidence of strong impact in the most rigorous phases of the glacial periods. This diverse exploitation might have been the base of the survival of Neanderthal populations in the southwestern- most part of Iberia. KEY-WORDS: Middle Paleolithic; Mousterian; Resource Exploitation; Portugal. INTRODUÇÃO dios das bacias dos grandes rios e das praias ele- vadas do litoral2. A idade dos sítios era inferida Durante a centúria que vai da década de pela combinação dos princípios altimétricos e 1870 e a de 1970, a Comissão Geológica de eustáticos do ciclo alpino3 em associação com o Portugal, posteriormente designada de Serviços “Método das Séries”4. Esta metodologia foi uti- Geológicos de Portugal, teve o quase monopó- lizada sempre da mesma forma e nunca foi subs- lio da investigação do Paleolítico Inferior e Mé- tituída, calibrada ou corrigida pelos progressos dio em Portugal. O primeiro contexto de Paleo- introduzidos pela arqueologia científica5. Não é lítico Médio escavado em Portugal foi a Gruta pois surpreendente que de tal abordagem sim- da Furninha1, cuja escavação teve um rigoroso plista tivessem resultado, por um lado, a incapa- registo vertical e horizontal da proveniência dos cidade de caracterizar este período tecno-tipo- artefactos, bem como uma rápida publicação e logicamente, reconhecer-lhe variações internas divulgação internacional dos resultados. Apesar como em França6 e, por outro, tivesse permitido deste promissor início e da existência de vastas obtenção de inferições como a evolução direc- regiões cársicas, a investigação neste período de- ta do Acheulense para o Languedocense7 ou do rivou ainda durante o século XIX para métodos Moustierense para o Solutrense8. incipientes, onde a escavação de jazidas deu lu- Apesar deste status quo se tivesse mantido gar a simples prospecções recolha de artefactos até à primeira década do Século XXI9 , o corte descontextualizados existentes nos terraços mé- epistemológico deu-se na década de 1970 pela 1 DELGADO, J. (1884). 2 BREUIL, H. E ZBYSZEWSKI, G. (1942); BREUIL E ZBYSZEWSKI, G. (1945); ZBYSZEWSKI, G. (1958); ZBYSZEWSKI, G. (1943A). 3 PENCK, A. E BRÜCKNER, E. (1909). 4 BREUIL, H. E ZBYSZEWSKI, G. (1942). 5 BORDES, F. (1961b); SONNEVILLE-BORDES, D. E PERROT, J. (1954); SONNEVILLE-BORDES, D. E PERROT, J. (1955); SONNEVILLE-BORDES, D. E PERROT, J. (1956). 6 BORDES, F. (1961b). 7 ZBYSZEWSKI, G. (1974). 8 ZBYSZEWSKI, G. et al. (1977). Mainake, XXXIIIMainake, 11-30 / ISSN: / 2011-2012 pp. 0212-078-X 9 ZBYSZEWSKI, G. E CARDOSO, J. (1989); ZBYSZEWSKI, G. E FERREIRA, O. (1989). O Paleolítico Médio no território português 13 mão do Grupo para o Estudo do Paleolítico Português (G.E.P.P.) com que introdução dos princípios da escola antropológica francesa e da arqueologia científica. As intensivas pros- pecções na bacia do Tejo permitiram localizar dezenas de jazidas inéditas (Figura 1) e esca- var as mais significativas como Milharós10, Vi- las Ruivas11, Foz do Enxarrique12. A partir daí, a continuação dos trabalhos tem permitido enriquecer o conhecimento sobre a ocupação neanderthal no extremo ocidental da Península, principalmente graças à vinda de investigadores estrangeiros, ao crescente número de projectos interdisciplinares financiados e à multiplicação de datações absolutas. Apesar deste incremento, salienta-se a ainda pouca quantidade de trabal- hos académicos, existindo menos de uma deze- na de mestrados e nenhum doutoramento. CRONOLOGIA DO PALEOLÍTICO MÉDIO EM PORTUGAL Durante décadas a cronologia das estações de Paleolítico Médio era inferida pela classi- Figura 1. Mapa dos sítios do Paleolítico Médio, Centro e Sul de Portugal. 1. Buraca Escura; 2. Pedrõgão; 3. Casal do Azemel; ficação dos artefactos segundo o seu aspecto 4. Casal Santa Maria; 5. Mira Nascente; 6. Praia Rei Cortiço; 7. moustieroide em combinação com o “Método Lapa dos Furos; 8. Estrada do Prado; 9. Gruta do Caldeirão; 10. Santa Cita; 11. Galeria Pesada; 12. Gruta da Oliveira; 13. Lapa 13 das Séries” , o qual partia do princípio do uni- dos Coelhos; 14. Ribeira da Atalaia; 15. Vilas Ruivas; 16. Foz do Enxarrique; 17. Furninha; 18. Gruta Nova da Columbeira; formitarismo. Considerava-se que aqueles tin- 19. Vale do Forno; 20. Quinta da Boavista; 21. Arneiro Cortiço; ham estado sujeitos a índices de erosão estáveis e 22. Salemas; 23. Santo Antão do Tojal; 24. Correio-Mor; 25. Conceição; 26. Gruta da Figueira Brava; 27. Gruta do Escoural; constantes ao longo do tempo pelo que, quanto 28. Sapateiros 2; 29. Vinhas; 30. Porto Meirinho; 31. Lagoa Funda 1; 32. Lagoa Funda 2; 33. Lagoa Funda 3; 34. Lagoa do maior fosse a sua alteração maior seria a sua an- Bordoal; 35. Vale Boi; 36. Ibn-Amar; 37. Praia da Galé. tiguidade. Dado que se tratavam de jazidas de superfície ou provenientes de cascalheiras, a pre- sença de artefactos com patinas distintas denun- menos intensa (Ia, Ib, etc.), sendo a primeira a ciava a existência de palimpsestos e das várias mais antiga e sempre correspondente à Série I. épocas que tinham contribuído na formação do Um dos problemas deste método era o de, por conjunto arqueológico. Essas séries de patinas um lado, o número das séries só fazer sentido eram ordenadas e subdivididas da mais para a dentro de cada conjunto, não representando 10 RAPOSO, L. (2001); RAPOSO, L. (1996). 11 G.E.E.P. (1979); G.E.E.P. (1983). 12 RAPOSO, L., et al. (1985). 13 BREUIL, H. (1913); BREUIL, H. E ZBYSZEWSKI, G. (1942). XXXIIIMainake, 11-30 / ISSN: / 2011-2012