SELEÇÃO SEMANAL DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 176 [06/02/2014 a 12/02/2014] Sumário

CINEMA E TV ...... 3 FOLHA DE S. PAULO - Longe do clichê, Brasil leva 4 filmes a Berlim ...... 3 O GLOBO - Aval internacional ...... 3 VALOR ECONÔMICO - Relações bilaterais ...... 5 O GLOBO - Panorama gay ...... 7 O ESTADO DE S. PAULO - A alma de Berlim, por Karin Aïnouz ...... 8 O GLOBO - Ser radical como artista é diferente de humilhar os outros / Entrevista / Wagner Moura ...... 9 O ESTADO DE S. PAULO - Berlim recebe com entusiasmo filmes brasileiros ...... 12 O GLOBO - Jogo de cena ...... 13 TEATRO E DANÇA ...... 15 O ESTADO DE S. PAULO - Balé da Cidade de São Paulo recupera carisma ...... 15 O GLOBO - De volta ao jardim ...... 16 O GLOBO - Falha e fantasia na solidão da cena ...... 17 FOLHA DE S. PAULO - Seis bailarinos à procura do amor dançam no Sesc ...... 18 O GLOBO - Sua Majestade, o frevo ...... 18 ARTES PLÁSTICAS ...... 21 BOSTON MAGAZINE (EUA) - MFA’s “Samba Spirit” Exhibit Sheds New Light on Afro-Brazilian Art and Culture ...... 21 O ESTADO DE S. PAULO - Exposição esboça nova política de museus em São Paulo ...... 22 O GLOBO - O mundo de Neto ...... 23 O ESTADO DE S. PAULO - As artes plásticas contra a ditadura militar ...... 24 FOTOGRAFIA ...... 25 FOLHA DE S. PAULO - Celebridade sustentável ...... 25 FOLHA DE S. PAULO - Stylist brasileiro ganha obra fotográfica ...... 26 FOLHA DE S. PAULO - De volta à Amazônia ...... 27 MÚSICA ...... 28 O ESTADO DE S. PAULO - Orquestra jovem da Bahia fará turnê pelos Estados Unidos ...... 28 O GLOBO - Candeia vive ...... 30 O ESTADO DE S. PAULO - A força do jazz brasileiro em disco de Dani e Debora Gurgel ...... 31 THAT'S SHANGAI (CHINA) - Interview: Lisa Ono, the queen of bossa nova ...... 32 O ESTADO DE S. PAULO - Série sobre será lançada na internet ...... 33 O ESTADO DE S. PAULO - Tulipa Ruiz mostra seu pop dançante de verão ...... 34 O GLOBO - Céu de reggae ...... 36 LIVROS E LITERATURA ...... 37 CORREIO BRAZILIENSE - Ah, se eu soubesse velejar...... 37 QUADRINHOS ...... 39 O ESTADO DE S. PAULO – Confraria de colecionadores quer criar museu para quadrinhos ...... 39 ARQUITETURA E DESIGN ...... 40 EL PAÍS - O legado de Niemeyer é revisitado em obra editada na Espanha ...... 40 L' EXPRESS (FRANÇA) - Bois, luxe et design au Brésil ...... 41 MODA ...... 41 VALOR ECONÔMICO - Grupo Reserva amplia negócios sem perder o foco ...... 41 VALOR ECONÔMICO - Renovada, moda carioca se firma como ideal de elegância ...... 42 OUTROS ...... 44 FOLHA DE S. PAULO - 'Não vai ter milagre', diz Marta sobre adesão ao Vale-Cultura ...... 44 THE WASHINGTON POST (EUA) - offers new handout to the poor: Culture ...... 44 O GLOBO - Pirataria no radar dos Estados Unidos ...... 46

2 CINEMA E TV

FOLHA DE S. PAULO - Longe do clichê, Brasil leva 4 filmes a Berlim

Guilherme Genestreti de São Paulo

(06/02/2014) O Brasil, que nos últimos anos levou ao Festival de Berlim longas como "Tropa de Elite", de José Padilha (vencedor do prêmio Urso de Ouro em 2008) e "Linha de Passe", de e Daniela Thomas, marca presença na 64 ª edição do evento com quatro longas que fogem do estereótipo dos dramas sociais ou políticos. Na principal sessão do festival, a mostra competitiva, o Brasil é representado pelo filme "Praia do Futuro", de Karim Aïnouz ("Madame Satã"). A coprodução Brasil-Alemanha concorre ao principal prêmio da Berlinale com longas como o americano "Boyhood", de Richard Linklater, e o francês "Aimer, Boire et Chanter", de Alain Resnais. No filme de Aïnouz, orçado em cerca de R$ 7 milhões, Wagner Moura interpreta um salva-vidas que resgata um turista alemão em Fortaleza e logo embarca com ele para Berlim. O contraste entre os lugares --a cidade alemã e a praia cearense-- dá o tom à obra, segundo o diretor. "Berlim tem um pouco do que a praia não cumpriu: a cidade foi destruída, separada, mas olha sempre para frente. Já a praia do Futuro veio com uma promessa de ser um lugar dos sonhos, mas a densidade do sal daquele lugar corrói todos os empreendimentos, dá uma melancolia ao lugar", diz. Para ele, a diversidade dos quatro filmes brasileiros desta edição explica parte do sucesso --desde 2011, o número de longas brasileiros exibidos não superava três. "Eles se comunicam mais com público, despertam interesse que não é só do brasileiro." Essa é a mesma opinião de Cao Guimarães, codiretor de "O Homem das Multidões", que será exibido na mostra Panorama, voltada a filmes que fogem do eixo comercial. "Ouço gente dizendo que se cansou de só ver o Brasil pelos filmes de violência, de favela", afirma. "O país ficou menos monotemático." O longa de Guimarães, que também tem direção de Marcelo Gomes ("Cinema, Aspirinas e Urubus"), trata de dois personagens solitários em Belo Horizonte; ele, fascinado pela multidão da metrópole; ela, que encontra conforto em amizades virtuais. Na mesma mostra, será exibido "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho", longa de estreia do paulista Daniel Ribeiro. O filme volta ao universo de seu curta anterior, "Não Quero Voltar Sozinho", sobre um adolescente cego que se apaixona pelo colega de classe. Já na mostra Forum, de longas mais experimentais, há "Castanha", do gaúcho Davi Pretto. O longa embaralha registro documental e ficção ao narrar a rotina do ator João Carlos Castanha, que faz shows como transformista em bares de Porto Alegre. Na Berlinale, Aïnouz também apresenta um dos episódios de "Catedrais da Cultura", filme coletivo concebido por Wim Wenders. A produção usa o 3D para tratar de prédios de arquitetura icônica, como o Centro Georges Pompidou, em , registrado pelo cineasta brasileiro.

O GLOBO - Aval internacional

Distribuidores e diretores de festivais analisam como eventos internacionais como a Berlinale, que começa hoje, podem dar visibilidade a um filme e transformar sua carreira

Disputa. Jesuita Barbosa em “Praia do Futuro”, de Karim Aïnouz: filme concorre ao prêmio máximo do Festival de Berlim e deve despertar a cobiça do mercado

André Miranda

(06/02/2014) BERLIM - Durante 11 dias, cerca de 400 filmes vão disputar a atenção de público, crítica e distribuidores de vários cantos do planeta que prestigiam anualmente o Festival Internacional de Cinema de Berlim, que começa hoje. Por trás da badalação do tapete vermelho e da competição pelo Urso de Ouro, a projeção na Berlinale pode mudar completamente a

3 carreira de um filme, aumentando suas chances de venda para países estrangeiros e dando visibilidade para obras que, fora de um festival, teriam pouquíssimas oportunidades de exibição. O Festival de Berlim é um dos três maiores do ano, ao lado de Cannes e Veneza, mas faz parte de um universo de milhares de eventos de cinema com perfis variados. Para se ter uma ideia, só em fevereiro são realizadas mostras do tipo em Burkina Faso (Festival Pan-africano de Cinema e Televisão de Ouagadougou), Portugal (Fantasporto), Macedônia (Festival de Cinema de Belgrado), Bélgica (Festival Internacional de Filme de Amor) e Estados Unidos (Festival de Cinema Judaico de San Diego), entre muitas outras, num número total difícil de precisar. O banco de dados do site Festival Focus tem 2.412 mostras cadastradas, mas informa que há mais de quatro mil realizadas anualmente. O principal fator que difere uma da outra é justamente a relevância. — Estar na competição de Cannes, que é o principal festival, muda a história de um filme. Eu lembro que, há alguns anos, procurei o agente de um filme desconhecido, mas que havia sido selecionado para Cannes. Ele não tinha sido exibido ainda, só haviam feito o anúncio. Mas outro distribuidor brasileiro já havia comprado os direitos para o Brasil sem nem querer assisti-lo. Na verdade, ele nem sabia o título. Só quis porque estava em competição — conta André Sturm, diretor da distribuidora Pandora e presidente do Cinema do Brasil, agência de apoio aos negócios realizados pelos filmes brasileiros no exterior.

Selo de qualidade para financiamento Assim, os 20 longas-metragens que concorrem ao prêmio máximo desta 64ª edição do Festival de Berlim, entre eles o brasileiro “Praia do Futuro”, de Karim Aïnouz, devem despertar a cobiça do mercado nos próximos dias. — Eu tenho certeza de que o filme do Karim será muito disputado — diz Sturm. — É meio como uma corrida de cavalos. Todo mundo quer ter o seu filme em competição para lançar em seu país. E, para o cineasta, aquilo vale como um selo de qualidade para buscar financiamento para o próximo filme. Mas existe uma via de mão dupla entre festivais e diretores. Ao mesmo tempo em que os cineastas buscam os principais festivais, os festivais buscam os principais cineastas. Um se beneficia do outro. Há, portanto, uma disputa entre os responsáveis pela programação das mostras para atrair nomes importantes da indústria. Selecionado para a competição da Berlinale deste ano, “Aimer, boire et chanter”, de Alain Resnais, é um caso desses. O francês, autor de clássicos como “Hiroshima, meu amor” (1959), está com 91 anos e é o tipo de cineasta que atrai a atenção de qualquer distribuidor. — Eu comprei os direitos de lançar o novo filme do Resnais no Brasil antes mesmo de ele ser selecionado para Berlim — diz Jean Thomas Bernardini, francês que vive no Brasil há mais de três décadas e é diretor da distribuidora Imovision. — Mas eu acho que só o fato de estar num festival não representa muita vantagem para um filme em termos de público. Você coloca o selo no pôster, aquilo pode eventualmente interessar mais à imprensa, mas com o espectador o resultado nem sempre é razoável. O que faz muita diferença é ganhar um dos prêmios principais.

Perfis para cada tipo de produção Nem todo festival, porém, serve para qualquer tipo de filme. O Festival de Sundance, cuja edição 2014 se encerrou no último dia 1º, é famoso por servir como plataforma para o lançamento dos filmes independentes americanos. Quentin Tarantino, Steven Soderbergh, Kevin Smith, Steve James e Jim Jarmusch são alguns exemplos de cineastas que se projetaram a partir de Sundance. É um perfil bem diferente do de Toronto, festival realizado desde 1976 e que se tornou um dos principais palcos para negócios do cinema americano. Como lá não há prêmio de júri, apenas de público, os produtores de Hollywood gostam de Toronto porque não precisam arriscar ter sobre seus ombros o estigma de ser derrotado em um festival. Assim, “12 anos de escravidão” e “Clube de compras Dallas”, dois dos nove indicados ao Oscar de melhor filme, tiveram suas premières em Toronto, em setembro do ano passado. — Filmes dos grandes estúdios costumam fugir da competição de um festival porque já estão com a bilheteria ganha. Então por que arriscar? — diz Renata de Almeida, diretora da Mostra de São Paulo. — Há vantagens e desvantagens quando um filme tem todas as atenções para si. Em festivais, muitas vezes comparam-se obras incomparáveis. Como avaliar se um é melhor do que um irmãos Coen? Ambos são geniais, mas muito diferentes. É por isso que os grandes estúdios preferem colocar seus filmes em apresentações especiais dentro dos festivais, fora da competição. A Berlinale, contudo, conseguiu um importante filme de Hollywood para sua competição e também para abrir o evento. Hoje, às 19h30m de Berlim, “The Grand Budapest Hotel”, de Wes Anderson, dará início ao festival, levando para o tapete vermelho do frio berlinense atores como Bill Murray, Tilda

4 Swinton, Edward Norton e Ralph Fiennes. Será a junção que um festival de cinema, qualquer um deles, mais aprecia: glamour e talento.

VALOR ECONÔMICO - Relações bilaterais

Ana Paula Sousa, São Paulo

(07/02/2014) Apesar de ser falado em português e ter diretor e atores brasileiros, "Praia do Futuro", do cearense Karim Ainouz, que será exibido em première mundial na terça-feira, no Festival de Berlim, é também um filme alemão. A dupla nacionalidade, não por acaso, caracteriza ainda os outros dois filmes latino-americanos selecionados para a competição. Os longas-metragens argentinos "Historia del Medo" e "La Tercera Orilla" foram, ambos, parcialmente financiados por países europeus. "A coprodução é o caminho com menos barreiras para os filmes de países periféricos que desejam se internacionalizar", afirma Eduardo Valente, assessor internacional da Agência Nacional de Cinema (Ancine). "Ela representa não só um elo narrativo, mas uma conexão com um agente econômico de outro lugar." Valente lembra que, em 2012, diferentemente do que ocorreu com o Brasil, Argentina, Chile e México tiveram filmes em Cannes. Dado: dos 12 longas latino-americanos selecionados, só um argentino era 100% nacional. Os demais tinham sido coproduzidos por Espanha, Itália, Alemanha, França e EUA. Entre 2010 e 2012, o Brasil concretizou 50 coproduções internacionais. Apesar de ainda baixo para um país que lança uma média de cem longas-metragens por ano, o número representa um salto histórico. "A nossa internacionalização acontece de maneira tardia. Outros países da América Latina, principalmente a Argentina, já faziam isso há muito tempo e com naturalidade, mas a gente não tinha essa cultura", diz Geórgia da Costa Araújo, sócia da Coração da Selva, produtora de "Praia do Futuro" e de "Onde Está a Felicidade" (2011), feito com a Espanha. Ainouz, que já havia recorrido a apoio estrangeiro para tirar do papel projetos como "Madame Satã" (2002) e "O Céu de Suely" (2006), diz que a coprodução é, por si, um exercício do deslocamento do olhar, de transformação do local em universal. "Ao estabelecer uma colaboração com um interlocutor de outro contexto cultural, você precisa esclarecer melhor o contexto de onde você veio. Quando você se associa a um coprodutor de origens diferentes das suas, é necessário que o filme e, portanto, a história sejam claras e acessíveis para ele." Durante as conversas com um coprodutor internacional, perguntas como "Será que essa história vai fazer sentido para o público francês, chinês ou polonês?" ou "Será que esse senso de humor é claro para alguém de outro contexto?" terão, inevitavelmente, de ser respondidas. Trata-se, além disso, de um processo criativo no qual é preciso, o tempo todo, decodificar o filme para pessoas com experiências e referências distintas. "É um prazer navegar em duas culturas, ver seus personagens num lugar frio e depois descobri-los em outro lugar, quente, com uma luz diferente", descreve o diretor. "De que maneira vou explicar para uma figurinista alemã o modo de vestir um personagem brasileiro que vive na Alemanha ou está na Alemanha? Você tem que ser claro e saber colocar muito bem o que quer." Apesar de ser, originalmente, 50% brasileiro e 50% alemão, "Praia do Futuro" acabou se tornando majoritariamente brasileiro. "O projeto é anterior à crise de 2008 e, de lá para cá, os recursos na Europa foram diminuindo", diz Geórgia, que ainda não conseguiu contabilizar a porcentagem exata da participação de cada país. "O câmbio flutuou tanto desde o início da produção que as contas não param de mudar. O euro estava alto quando o projeto foi fechado, caiu muito durante as filmagens e agora subiu de novo", relata, revelando, ao acaso, uma das várias complicações que vêm a reboque das coproduções. Os profissionais do setor são unânimes em dizer que uma coprodução internacional, se não é trabalho em dobro é, no mínimo, muito mais trabalho. Cabe aqui pontuar que existem, basicamente, três tipos de coprodução: a que nasce de uma necessidade narrativa, caso de "Praia do Futuro", a que é construída artificialmente, em geral motivada por programas específicos de financiamento, e a meramente econômica, que não inclui troca artística. Exceção feita ao último modelo - que tampouco existe no Brasil -, toda coprodução enfrenta, de saída, um problema básico: cada produtor tende a criar, na cabeça, um filme muito específico, que não necessariamente é igual ao do sócio. Fabiano Gullane, da Gullane Filmes, que já trabalhou com chineses ("Plastic City", 2008), italianos ("Terra Vermelha", 2008), argentinos ("A Sorte em Suas Mãos", 2012) e portugueses, franceses e alemães ("Tabu", 2012), está escolado em diferenças culturais. Ainda assim, na hora H, sempre surge algum desacerto. Exemplo disso é o que ocorreu em "Amazônia", projeto em 3D orçado em R$ 26 milhões, que acompanha as aventuras de um macaquinho na floresta brasileira.

5 "Tínhamos um objetivo artístico muito ambicioso e um desafio técnico enorme. Não foi simples fazer com que todos enxergassem o mesmo filme", diz Gullane. "Os franceses tinham a visão de um grande filme de natureza, e a gente queria que o macaquinho fosse o grande protagonista da história. Conversamos e encontramos uma terceira via. Essa é uma das coisas incríveis da coprodução. Mas, para que dê certo, a relação precisa ser sinérgica." Se do ponto de vista artístico é difícil contabilizar os dividendos de uma coprodução, do ponto de vista financeiro a conta é simples. "Todos os nossos filmes têm agentes de venda internacionais e são lançados em vários países. Isso, logicamente, gera recursos", diz Gullane. "Amazônia", que já estreou na França e chega às telas brasileiras em junho, foi vendido para 90 países; "Terra Vermelha", para mais de 20; e "Tabu", para mais de 30. Obviamente, porém, nem só de prós se faz o modelo. Aquilo que em alguns filmes é visto como ganho pode, em outros, significar uma estorvo. "Quando o projeto não é, na gênese, uma coprodução, pode ser difícil trabalhar", diz Vânia Catani, da Bananeira Filmes, que lançará, nos próximos meses, "La Playa D.C.", de Juan Andres Arango Garcia, coprodução com França e Colômbia, e "El Ardor", de Pablo Fendrik, feito em parceria com Argentina, França e México. Vânia é, ainda, coprodutora do próximo filme da argentina Lucrécia Martel ("O Pântano", 2001; "A Menina Santa", 2004) e começou a filmar, na semana passada, "Mate-me por Favor", projeto brasileiro coproduzido pela Argentina. "Mate-me por Favor", da estreante Anita da Rocha Silveira foi um dos dois filmes brasileiros a vencer o edital de Coprodução Brasil-Argentina, feito pela Ancine e pelo Instituto Nacional de Cine y Artes Visuales (INCAA) argentino. No ano passado, 17 projetos concorreram ao prêmio de US$ 1 milhão. Dentre as regras do concurso, está a exigência de que os filmes tenham atores e técnicos de ambos os países. No meio das dificuldades enfrentadas pelos filmes premiados está o fato de que, como o custo de vida na Argentina está muito mais baixo do que aqui, nem sempre é simples ajustar salários e preços de aluguel de equipamento. Há, ainda, a questão dos atores. "A cooperação técnica é louvável e fácil, mas a questão do elenco é difícil. 'Mate-me por Favor' se passa integralmente na Barra da Tijuca, ou seja, não caberia nem um paulista no elenco. Imagina um argentino! Mas a atriz está lá. Só que demos pra ela o papel da morta", diz Vânia, rindo. Beto Rodrigues, fundador da Panda Filmes, produtora de Porto Alegre que fez nove coproduções, sobretudo com a América do Sul, não desconsidera essa complicação, mas se arrisca a dizer que mesmo isso pode ser revertido em vantagem. "Às vezes, a introdução de um personagem estrangeiro faz bem ao filme e nos distancia do cinema de aldeia que tendemos a fazer", diz. O próximo lançamento da Panda, "Insônia", que estreia na sexta-feira que vem, foi um dos projetos inscritos - e não premiados - do edital Brasil-Argentina. "Não ganhamos o prêmio, mas estabelecemos uma relação que acabou resultando num filme." O Brasil possui hoje dez acordos bilaterais e cinco protocolos de cooperação com diferentes países. São eles que possibilitam que um filme, mesmo se realizado fora daqui, adquira, a partir de uma grade de critérios, nacionalidade brasileira e acesse recursos públicos. Apesar de a Ancine estar dando um empurrão às parcerias, Valente garante que essa não é uma política prioritária: "A internacionalização é um aspecto importante e nos interessa, mas não é o campo de batalha principal da Ancine. Nosso verdadeiro campo de batalha é a conquista do mercado interno." Assim como é indiscutível que, nos últimos cinco anos, os filmes brasileiros deram passos significativos na estrada internacional, é sabido que o cinema nacional ainda tem dificuldades para atrair a atenção de investidores estrangeiros. "No Brasil, hoje, temos filmes voltados para o mercado interno, que têm dado certo, e filmes com pretensão internacional que, na maioria das vezes, acabam não conseguindo viajar", diz Rodrigo Teixeira, produtor que conseguiu colocar os dois pés nos EUA e que está por traz de filmes como "Frances Ha" (2012), "Night Moves" (2013) e "Love is Strange" (2014), selecionado para o Panorama de Berlim. Apesar de conseguir viabilizar projetos americanos, Teixeira não necessariamente consegue investidores internacionais para os projetos brasileiros. "Eu tinha certeza, por exemplo, de que 'O Gorila' [novo filme de José Eduardo Belmonte] tinha potencial internacional. Mas, simplesmente, não tinha", diz. "O agente de vendas do 'Frances Ha' me disse que as coisas que a gente conta não são mais novidade para eles. Em 2002, 'Cidade de Deus' era uma supernovidade. Mas o que é original hoje? O próprio Brasil é muito mais falado e visto lá fora do que era antes." Teixeira discorda, inclusive, da tese de que a língua seja uma barreira. "Se a língua fosse realmente um limitador, como se explicaria que filmes romenos, coreanos e iranianos viajem tanto?", pergunta. Teixeira diz, porém, sem pestanejar, que o país tornou-se um "player" importante do mercado internacional. Tanto ele quanto Gullane e Vânia sentiram na pele a mudança de tratamento dos produtores, sobretudo, europeus e asiáticos. "Hoje, as pessoas sabem que temos algo a oferecer",

6 diz Gullane. Cabe lembrar que, no fim do ano, a Ancine anunciou o investimento de R$ 400 milhões no segmento por meio do Fundo Setorial do Audiovisual. "O cinema brasileiro atingiu uma maturidade e conseguiu estabelecer um grande número de produções. Essa capacidade instalada no fez dar voos mais altos, e a coprodução faz parte disso", diz Gullane. Ainouz, por sua vez, defende que a coprodução é importante também como contrapeso a esse momento de "encantamento com o mercado interno" - hoje dominado, em termos de bilheterias, pelas comédias populares. "[O encantamento] é bonito, claro, mas acho que isso está acontecendo em detrimento de uma produção que tem outra ambição", diz. Nesse sentido, as coproduções nos permitem não apenas viajar para outros países como a dar voos narrativos e estéticos que o mercado local, sozinho, não necessariamente comporta.

O GLOBO - Panorama gay

O diretor paulistano Daniel Ribeiro volta à mostra alemã com o longa ‘Hoje eu quero voltar sozinho’, exibido pela primeira vez amanhã, fora de competição

Triângulo de amizade. Fabio Audi, Ghilherme Lobo e Tess Amorim em cena de “Hoje eu quero voltar sozinho”, que conta a história de amor entre dois garotos

André Miranda

(09/02/2014) BERLIM - Depois da lançar o curta-metragem “Eu não quero voltar sozinho”, em 2010, o paulistano Daniel Ribeiro passou a receber e-mails de espectadores emocionados com a mensagem de aceitação do filme. Uma dessas ele lembra bem: — Era de uma garota inglesa, que se identificou como deficiente física. Ela disse que sempre acreditou que nunca encontraria um grande amor por causa da deficiência. Mas que, depois de assistir ao filme, passou a ter esperança. Pela história da descoberta do amor entre um adolescente cego e um menino que acaba de entrar em sua escola, “Eu não quero voltar sozinho” foi exibido em mais de 70 festivais. Também pelo filme, Ribeiro percebeu uma lacuna no cinema: não há muitas histórias sobre adolescentes gays com um final feliz. Foi daí, então, que o diretor, hoje com 31 anos, resolveu transpor a história do curta “Eu não quero voltar sozinho” para o longa-metragem “Hoje eu quero voltar sozinho”, seu primeiro, que estreia amanhã, na mostra Panorama do Festival de Berlim. É o retorno do diretor ao evento que lhe deu, até aqui, o maior reconhecimento da carreira: em 2008, Ribeiro recebeu o Urso de Cristal de melhor curta da mostra Generation 14plus (para jovens acima de 14 anos) por “Café com leite”. — A ideia tanto do longa quanto do curta é imaginar como alguém que nasceu cego reconhece e desenvolve a atração por outra pessoa — afirma o diretor. — E também quis fazer uma história sobre adolescentes gays. Os jovens gays não têm uma referência positiva no cinema, a maioria das histórias leva para um fim trágico ou tem uma conotação sexual forte. Quando você tem 13 ou 14 anos e está se descobrindo, a questão não é simplesmente o sexo. É saber como se apaixonar. O interesse de Ribeiro em contar uma história como a de “Hoje eu quero voltar sozinho” passa pelo fato de ele próprio ser gay, mas também por seu desejo de ajudar a quebrar preconceitos. Ele lembra que as histórias com personagens homossexuais não são mais novidade, mas lamenta que tenha surgido uma reação conservadora nos últimos anos. — Houve uma onda forte de se fazer filmes com tema gay, mas em reação a ela apareceu uma outra onda, de conservadorismo. Então os filmes que eram feitos antes tinham a função de nos tornar visíveis. Agora, os filmes têm a função de nos defender — afirma o diretor. — É por isso que, apesar de achar importante, acredito que o beijo gay na novela veio atrasado. É bom que tenha vindo para olharmos logo para a frente. Mas você reparou que pouquíssimas pessoas se chocaram? O beijo fazia mais sentido dez anos atrás. Hoje a luta é outra, não é mais para mostrar que a gente existe. É por tolerância, é para evitar que as pessoas sejam espancadas nas ruas como ainda acontece. Para transformar seu curta num longa, Ribeiro convidou o mesmo trio de atores de anos atrás: Ghilherme Lobo, que interpreta o adolescente cego Leonardo; Fabio Audi, que vive o par romântico Gabriel; e Tess Amorim, atriz que fecha um triângulo de amizade no papel de Giovana.

Timidez e bullying

7 O filme se passa numa série indefinida do ensino médio e explora elementos comuns a essa idade, como timidez, incertezas quanto ao futuro e também o bullying. Mas trata-se de um bullying sem exageros, quase uma provocação juvenil comum entre adolescentes, gays ou heterossexuais, deficientes visuais ou com a visão perfeita. — Tem uma coisa engraçada quanto a esse bullying. Fizemos pesquisa para o filme num colégio só para cegos de São Paulo. E lá eles me contaram que houve um momento em que tentaram levar adiante um programa de inclusão, em que deveriam misturar jovens cegos com outros sem deficiência. Eles primeiro testaram com parentes e perceberam que todos se zoavam. Até os menos cegos faziam piada com os mais cegos — conta. — Quanto à sexualidade, acho que o bullying é mais uma leitura do próprio personagem, que ainda tem dificuldade de se aceitar, do que propriamente a sacanagem dos amigos. Depois de Berlim, “Hoje eu quero voltar sozinho” deve ser lançado no Brasil entre o fim de março e o início de abril. Em seguida, Ribeiro pretende tocar novos projetos ainda em fase de elaboração, mas com a certeza de que sempre haverá espaço para personagens gays em seus filmes. Por quê? Ele explica: — Tem a ver com visibilidade, e tem a ver com o universo que eu conheço. Mas sabe de uma coisa? Essa pergunta nunca seria feita sobre personagens heterossexuais. Nesses casos, as relações são sempre consideradas naturais. Com gays deveria acontecer o mesmo.

O ESTADO DE S. PAULO - A alma de Berlim, por Karin Aïnouz

Cineasta caminha pela cidade onde filmou 'A Praia do Futuro', que concorre ao Urso de Ouro

Luiz Carlos Merten - enviado especial / Berlim

(11/02/2014) Embora a tenue de soirée, ao contrário de Cannes, não seja obrigatória na Berlinale, Karin Aïnouz e seu elenco vão se vestir de gala para a première internacional de Praia do Futuro. Afinal, a ocasião merece. O filme devolve hoje o Brasil à competição pelo Urso de Ouro, que o País já venceu duas vezes – em 1998, com Central do Brasil, de Walter Salles, e em 2008 com Tropa de Elite, de José Padilha. Pode ser mera coincidência, mas o Capitão Nascimento, Wagner Moura, também volta à Berlinale, e num papel bastante diferente. Wagner faz Donato, o irmão mais velho de Jesuíta Barbosa. Ele veio para a Alemanha e sumiu. O caçula, que sempre teve no irmão o seu super-herói, vem atrás dele.

É um filme de descoberta, de amadurecimento. Aborda predominantemente personagens masculinos – e a obra de Karin privilegia as mulheres. São filmes quase sempre intimistas, delicados. Karin agora muda o tom. Fez um épico – do seu jeito. Explorando a porção feminina, a fragilidade, do super-herói. Está contente com Praia do Futuro, mas também ansioso. “É a primeira vez que concorro num grande festival internacional. É muita expectativa”, avalia. No sábado, Karin serviu de guia para o repórter, conduzindo-o num tour por Berlim. Visitaram as locações de Praia do Futuro na capital alemã. O filme passa-se 60% na Alemanha e 40% no Brasil – ou 70% e 30%. A principal locação brasileira é a praia de Fortaleza que lhe dá título. Karin nasceu no Ceará, frequentou muito a Praia do Futuro. “Sempre quis fazer um filme naquela locação, que foi muito importante na minha infância e juventude. Mas não era só o lugar. Era o nome, também. Praia do Futuro pode ter muitos significados e eu insisti para manter o título na versão internacional. Não houve tradução. Quem ficar intrigado, procure para saber.”

Fortaleza, a praia do Futuro. Berlim. Karin quer capturar a alma das cidades. “Não consigo filmar em lugares que não significam nada para mim”, resume. O tour começou à 1 da tarde de sábado, quando o carro da produção apanhou o repórter no hotel em Potsdamer Platz e o levou ao bairro de Neukolln, onde Karin reside. “Vim para Berlim em 2004, logo depois de fazer Madame Satã. O governo alemão tem um programa de residentes. Eles convidam artistas para que fiquem um ano no país. Dão casa e pagam salário para que você faça o que quiser. Pode até não fazer nada, só desfrutar da cidade, mas foi um período de muito trabalho para mim. Foi quando Praia do Futuro começou a nascer.” Você pode pensar – mas então o filme demorou dez anos para ser feito? A escritura do roteiro começou lá atrás, mas Praia do Futuro foi feito nos últimos quatro anos.

“Não de forma consecutiva. Fiz muita coisa no período. Filmei depois da Berlinale de 2012, cinco semanas, e depois mais três em Fortaleza, em outubro. E passei 2013 montando o filme com calma. Como tem tudo a ver com a cidade, mostrei-o à Berlinale ainda no ano passado, quando não estava

8 pronto. Eles toparam em seguida.” A própria escolha das locações explicita a ligação de Karin Aïnouz com Berlim. Ele foi morar em Nova Colônia, um bairro de trabalhadores, na antiga Berlim Oriental. Neukolln é marcado pela miscigenação cultural, porque os aluguéis, há dez anos, eram mais baratos. Era uma zona mais tranquila das cidade, agora está virando uma Vila Madalena, cheio de bares e restaurantes, Um bairro boêmio. A primeira parada foi no local onde fica o apartamento de Konrad (Clemens Schick), que faz o namorado alemão de Wagner. Pronto – está revelado o segredo de Polichinelo. Se a ideia era humanizar/fragilizar o super-homem, nada melhor do que dar um personagem diferente ao heroico Capitão Nascimento.

Wagner faz um salva-vidas na praia do Futuro. O filme divide-se em três capítulos. No primeiro, O Abraço do Afogado, dois turistas alemães estão se afogando, Wagner salva um, o outro morre. Inicia- se uma ligação que o levará à Alemanha. Essa primeira parte se passa em 2004. Em 2012, o caçula chega à Alemanha em busca do irmão, mas não é fácil encontrá-lo. Karin explica sua escolha do ator que faz o papel – “Se tinha o Wagner, que não era cearense, queria, absolutamente, que o irmão fosse de Fortaleza. Fiz teste de elenco e cheguei ao Jesuíta (Barbosa).” O cinéfilo sabe quem é – Jesuíta tem importante participação e até foi premiado no Festival do Rio por Tatuagem, de Hilton Lacerda. A casa do amante alemão fica no 111 da Kienitzerstrasse. “Quando filmamos, há dois anos, isso aqui não era tão cuidado. Todo o bairro está passando por uma transformação. Pode não significar muito para quem não tem noção da cidade, mas eu queria documentar a mudança de Berlim. Se o filme é sobre a transformação de pessoas, eu também queria mostrar a transformação de lugares.”

Em frente, há um bar em que foi filmada uma cena – um telefonema de Donato (Wagner). Na esquina, na Schiller Promenade, há um bar de motoqueiros que Karin queria ter usado como locação, mas não conseguiu. Ele conduz o repórter numa caminhada por dois quarteirões. “Para você sentir como é isso aqui” – e a próxima parada é o antigo aeroporto nazista de Berlim, Tempelholf, que virou um imenso parque, abrigando hortas comunitárias. “Os moradores dos prédios ao redor têm direito a seu lote. Agora, porque é inverno, parece abandonado, mas no verão é muito bonito. As crianças plantam e colhem, num projeto de comprometimento social e desenvolvimento da cidadania.” Uma cena que parecia importante chegou a ser filmada ali. “Para tentar achar o irmão, Jesuíta chegava primeiro ao Konrad, que tem um filho. E ele perseguia o garoto, chegava a agredi-lo. Era uma cena que funcionava bem no roteiro, mas se revelou supérflua na montagem e caiu.” Karin cortou muita coisa? “Muita, e em geral corto sem dó. Sobra o que é preciso para a história e os personagens.”

Há uma pausa para almoço, num pequeno restaurante de Kreuzberg, o Welt Markthalle, distante do circuito turístico e que serve uma deliciosa comida típica alemã. Guardem o endereço – Pückerstrasse, 34. Dali, o tour segue para Oberbaumbrücke, a ponte que fazia a travessia de Berlim Oriental para a Ocidental. É o cenário decisivo do segundo capítulo de Praia do Futuro – Um Herói Partido ao Meio. Filmados de longe, é nesse cenário que Donato e Konrad, Wagner Moura e Clemens Schinck... Não, é melhor não antecipar o que ocorre. Dali, o carro segue para Alexanderplatz, imortalizada no filme famoso de Rainer Werner Fassbinder. Há um relógio no centro da praça, que marca as horas do mundo e serviu de locação. Mas espere para ver o lobby do Hotel Radisson Blu, com seu gigantesco aquário de vidro que tem um elevador no meio. Embora localizado no hotel, o aquário é administrado por SeaLife. Sua altura tem o equivalente a dez andares. São 1.500 peixes que nadam em um milhão de litros de água. E é ali dentro, com um escafandro, que Jesuíta localiza o irmão, que trabalha na limpeza e conservação do monumento ambiental. Essa terceira parte se chama Um Fantasma Que Fala Alemão e ainda não é o desfecho.

O filme tem um quarto capítulo. “Queria de alguma forma falar de esperança, e isso me levou de volta à Praia do Futuro, que é a chave de tudo.” Como o público da Berlinale vai reagir? No sábado, todos os ingressos para as sessões de público estavam esgotados. O filme chama atenção, e pode ser um bom sinal.

O GLOBO - Ser radical como artista é diferente de humilhar os outros / Entrevista / Wagner Moura

Ator defende o politicamente correto, lamenta geração ‘de direita’ e critica gestão Dilma

André Miranda

9 (11/02/2014) BERLIM - Após o frio alemão, Wagner Moura fará uma viagem pela máfia internacional na Tríplice Fronteira, com direito a escala para viver o Bozo. O ator está no Festival de Berlim, onde apresenta hoje “Praia do Futuro”, filme de Karim Aïnouz que traz Wagner de volta à competição de uma das mais importantes mostras do mundo, a mesma que deu a “Tropa de elite” um Urso de Ouro em 2008. No filme de Karim, Wagner interpreta um salva-vidas brasileiro que tenta uma nova vida na Alemanha, trama que pode ser relacionada à sua recente trajetória profissional: ele não abandonou o Brasil, mas tornou-se conhecido no mundo desde que estrelou “Elysium” (2013), de Neill Blomkamp, e deve ganhar popularidade com as estreias de “Trash”, de Stephen Daldry, prevista para o primeiro semestre, e de “Rio, eu te amo”, filme em episódios de vários diretores, que também deve chegar às telas neste ano. Em paralelo, Wagner prepara-se para viver o palhaço Bozo e para voltar a trabalhar com José Padilha (de “Tropa...”) numa trama sobre o crime internacional na fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. Em entrevista em Berlim, o ator, de 37 anos, disse admirar os rolezinhos, chamou o governo Dilma de “incompetente em várias áreas” e afirmou lamentar que muitos dos novos comediantes brasileiros “sejam garotos fascistas”.

Vamos falar primeiro de “Praia do Futuro”? Você já viu o filme? Acho que é o filme mais bonito que já fiz. O Karim tem um apuro estético muito grande, e não conheço um diretor que tenha tanto cuidado com a complexidade dos personagens. Quando você assistir, vai perceber que quase não tem personagem. São praticamente três caras, e cada um tem uma história, um conflito.

Você fala alemão no filme? Falo. Mas em poucas cenas.

Como foi isso? É a língua do demônio (risos). Contrataram uma professora, e nas primeiras aulas entendi que não iria conseguir aprender alemão. Aí pedi que ela trabalhasse comigo aquelas cenas.

Como estão seus outros projetos? Quando roda o filme sobre Marighella? Em 2015.

E o filme em que vai interpretar Federico Fellini, “Fellini black and white”? O “Fellini...” foi uma tragédia. O diretor morreu. Eu me encontrei com o produtor, Andrew Lazar, em Los Angeles, quando fui lançar “Elysium”, e combinamos que não deixaríamos o filme morrer até em memória do Henry Bromell, que escreveu e ia dirigir. Mas o Lazar acabou entrando em outra produção. E o chato é que o “Fellini...” estava na boca de fazer quando o Bromell morreu. Deixei de interpretar o protagonista do “Serra Pelada” por causa do “Fellini...”. Agora, fico esperando que alguém me ligue a qualquer momento, mas não tenho como ter certeza.

Além desses, mais o quê? Tenho um projeto novo com o José Padilha, que vamos rodar no fim do ano. É um projeto antigo do Zé, na Tríplice Fronteira, ainda sem título, mas com roteiro pronto, que deve ser feito este ano. E tenho outro que é o filme sobre o Bozo, do Daniel Rezende. O roteiro é do Luis Bolognesi e vai ser focado num dos caras que fizeram o Bozo e que tem uma história extraordinária. Hoje ele é pastor. E o Bolognesi colocou dois conflitos: um de um sujeito que fica famoso com a cara de um palhaço, nunca é ele mesmo; e a história da relação desse sujeito com o filho, porque o ator do Bozo ficou uma época superdoido, usava drogas, e ainda assim animava todas as crianças, menos o próprio filho.

Por falar em Padilha, você faria um “Tropa de Elite 3”? Não faria, nem o Zé faria. Esse filme não vai existir. Se a ideia é falar de trilogia, a trilogia é “Ônibus 174”, “Tropa de elite 1” e “Tropa de elite 2”. São esses três filmes que tratam de segurança pública. Se houvesse um novo “Tropa de elite”, o que iria acontecer com o Nascimento? Ainda tem muita coisa para falar sobre segurança pública, mas dramaticamente para onde iria o Nascimento?

10 Os trabalhos têm levado você a ficar muito tempo fora do Brasil. A distância o faz ter uma visão diferente do país?

Acho o Brasil um país tão único. É gigante, com uma diversidade cultural enorme, sem histórico de guerra e com capacidade econômica incrível, cheio de reservas naturais. O que podíamos era mostrar ao mundo uma forma de desenvolvimento diferente, dar atenção a questões que são sempre tratadas como apêndice na política tradicional, como os direitos humanos, a ecologia e a cultura. E não estou defendendo uma cultura de benevolência. Eu não me interesso pelo desenvolvimento chinês, um país que cresce loucamente, mas onde as pessoas não têm liberdade para falar e há gente trabalhando em regime análogo à escravidão. E também as outras formas de desenvolvimento testadas em outros países, no mundo capitalista, já mostraram que ferram com o meio ambiente. A gente tentar reproduzir algum desses modelos é uma mostra de falta de originalidade para um país muito original.

Mas quais são as responsabilidades dos governos? Houve uma oportunidade perdida no governo Lula e que piorou no governo Dilma. Desde que me entendo como pessoa, o presidente mais importante que o Brasil teve foi o Lula, porque diminuiu a desigualdade social. O Fernando Henrique estabilizou a moeda, mas o que o Lula fez depois foi fundamental. Só que ficou nisso. O governo Lula se beneficiou de uma conjuntura internacional boa. Quando a chapa esquentou internacionalmente, o governo Dilma se mostrou incompetente em várias áreas, as fragilidades ficaram mais evidentes. E o pior é que a gente tem uma postura triunfalista, comemorando vitórias o tempo todo. Foi a mesma coisa com as UPPs. Falaram que haviam derrotado o tráfico, mas depois virou um negócio sem sentido. É inocente: como pode achar que levar um braço do poder público às zonas carentes seja a solução para que aquele lugar tenha dignidade social, para fazer com que a população tenha acesso à educação, lazer, hospitais? Levou a polícia e praticamente só isso.

Já imagina em quem votará para presidente neste ano? Declaro meu voto sempre, mas não sei se vou para a TV apoiar alguém este ano. Apoiaria a Marina Silva, mas estou agora observando a junção dela com o Eduardo Campos. Com todo respeito a ele, e acho que é um bom político, mas tudo o que o PSB não faz é política de uma forma nova, que é o que a Rede propõe. A palavra mais escrota que existe no Brasil é "governabilidade". Adoram dizer que sem o PMDB não se governa. Então foda-se. Vamos ser utópicos e governar sem eles, sem esse jeito antigo. O mensalão é isso, uma troca espúria de apoio por dinheiro, por cargos. Você vai ao Congresso e é assustador. É por isso que quando qualquer pessoa que não é político tradicional resolve se candidatar a um cargo público, aí dá vontade de ir para a televisão apoiar. Por isso apoiei o Jean Wyllys, e ele se tornou um ótimo deputado federal.

Você é um dos atores brasileiros que mais gostam de debater política. Você sente necessidade de falar ou os jornalistas perguntam muito sobre o tema? Gosto desse assunto, e se você pergunta gosto de falar. Se você não perguntasse, não falaria nada.

O debate político está mais inflamado no país? A direita sempre foi muito forte no Brasil, o Partido Comunista Brasileiro viveu na clandestinidade décadas. Mas estou longe de ser comunista.

Só que você se posiciona à esquerda. Sim. Mas o que é esquerda? Tenho medo de me posicionar completamente. Nunca fui filiado a nenhum partido. E nem acho que o governo Lula tenha sido um governo de esquerda, só fez uma coisa que qualquer governo decente deveria fazer, que é diminuir a desigualdade social. Mas a esquerda também é cercada de atos controversos. Acabei de falar mal da China. Cuba é uma ditadura, e nenhuma ditadura deve ser louvada. Acho que tenho um olhar mais humano, menos elitista, menos classista, e a isso se convencionou chamar de esquerda. Quando eu vejo o Jair Bolsonaro se juntar ao Marco Feliciano para tomar a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara, não posso deixar de me opor a isso. E quando eu vejo os rolezinhos, não consigo achar ruim.

Por quê? Porque é bacana que garotos da periferia entrem em shopping center e tenham aquele espaço como deles também, como cidadãos que são.

11 Você se sente obrigado a se posicionar politicamente? Não, nenhuma pessoa pública tem obrigação de nada. A obrigação de qualquer artista é com sua arte. Arte e política só devem se misturar quando está no DNA do artista. Como o José Padilha faz. Como Brecht fazia.

Você não é filiado a partidos. Mas descarta concorrer algum dia a algum cargo público? Minha mulher não deixaria nunca. E também não quero levantar bandeira por levantar. Sou amigo do Marcelo Freixo, mas não sou do PSOL. Há radicalismos de todas as partes. O que faço é apoiar quem seja mais progressista e menos arcaico em relação à vida. Acho que é uma questão menos política e mais moral.

Você moraria fora do Brasil? Até por motivos profissionais, você sairia do país, para morar em Los Angeles, por exemplo? Acho que não. Eu gostaria de trabalhar fora e voltar sempre.

Mas você busca trabalhar mais em Hollywood? Eu busco bons trabalhos, independentemente de onde seja. Pode ser em qualquer lugar. Já recusei muita coisa de Hollywood, da mesma maneira que houve coisas que eu gostaria de fazer, e eles preferiram o Javier Bardem.

Essa imagem do ator latino em Hollywood te incomoda? Não. Eu sou latino, e qualquer personagem que eu fizer falando inglês vai ser um estrangeiro. Não sei falar inglês como eles.

Há alguns anos, você escreveu um texto pedindo respeito depois que um programa de TV fez uma brincadeira com você, jogando algo no seu cabelo. De lá para cá, algo mudou? É uma pena que muitos comediantes, e não só comediantes, mas muitos artistas jovens brasileiros sejam de direita. Sejam garotos fascistas. Eles fazem um trabalho que a gente ensina nossos filhos a não fazer. Apontam para os outros e dizem “hahaha, você é preto, você é viado, você é aleijado”. Eu sou politicamente correto. O politicamente correto é uma ferramenta civilizatória que inventamos para que uma criança negra não veja um negro sendo humilhado na TV. Mas todo garotão que é artista gosta de dizer que o maneiro é ser politicamente incorreto. Isso não é engraçado, não é humor. Ser radical como artista é diferente de humilhar os outros.

Mas você sofre pela falta de privacidade. Por exemplo, você hoje é reconhecido na rua no exterior? Acontece muito com brasileiros que moram fora do Brasil.

Você tem medo que isso cresça? Que você não consiga nem tirar férias sem alguém chegar para tirar uma foto? Não tenho, não. Acho que é consequência do trabalho. Sempre tentei manter minha vida discreta, e imponho limites. Por exemplo, não vou com minha mulher em festa. Não vou jantar no Leblon porque sei que posso ser fotografado. Mas não acho que tenho uma vida cerceada. O ruim é que quando você tenta não se comportar como uma celebridade, as pessoas acham que você é arrogante. E eu não sou nada disso, eu sou apenas um ator.

O ESTADO DE S. PAULO - Berlim recebe com entusiasmo filmes brasileiros

Além de 'Praia do Futuro', que concorre ao Urso de Ouro, 'Hoje Eu Quero Voltar Sozinho' agradou ao público

Luiz Carlos Merten

(12/02/2014) É muito interessante ficar observando como os filmes que compõem a seleção da Berlinale dialogam entre si. Segunda-feira, na competição, passou o filme chinês sobre cegos, Blind Massage, e também o brasileiro Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, na mostra Forum. Hoje, terça, pela manhã, o último dos quatro concorrentes alemães – InBetween Worlds, de Feo Aladag – colocou na tela a história de soldados alemães na Guerra do Afeganistão, e na sequência veio o brasileiro (coprodução com a Alemanha) Praia do Futuro, de Karim Aïnouz. O filme começa na praia do título, onde dois turistas saltam da moto, entram no mar e um deles morre afogado. Eram amigos e se

12 conheceram na Guerra do Afeganistão. Poderiam ter integrado o destacamento que Feo Aladag filma.

Vamos logo ao que o espectador brasileiro quer saber – Praia do Futuro pode até não ganhar nada na premiação final (mas vamos torcer para que isso não ocorra), mas é um belíssimo filme, um dos melhores dessa seleção que começou bem e agora anda errática. Na coletiva, Aïnouz fez uma declaração importante. Disse que, às vezes, tem a impressão de que não filma com a câmera, mas com o coração. Foi assim em Madame Satã, O Céu de Suely e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, mas não em Abismo Prateado, que pode até ser um filme de virtuose (ganhou o prêmio de direção no Festival do Rio), mas é um filme frio, sem alma.

Uma cena do filme já nasceu clássica e vai se inscrever entre as maiores do cinema brasileiro. Quem leu a entrevista com, Karim na capa de ontem do Caderno 2 sabe que Praia do Futuro conta a história de dois irmãos de Fortaleza. Um deles abandonou a família e foi para a Alemanha com o novo amigo. Anos mais tarde, o irmão que ele deixou pequeno o procura, agora adulto. E porque Donato, o personagem de Wagner Moura, era o herói de Airton (Jesuíta Barbosa), ao encontrá-lo, no terceiro bloco do filme – Um Fantasma Que Fala Alemão –, o garoto feito homem solta sua ira e bate no mais velho, diz a ele coisas ofensivas, terríveis. É o sonho de todo diretor. Ter atores que façam diferença, que tirem as frases das páginas mortas do roteiro e lhes deem vida. Wagner e Jesuíta fazem isso. São admiráveis.

A história de Praia do Futuro envolve homossexualidade, mas o filme não é sobre isso, ou só sobre isso. Para o espectador que identificou em Wagner Moura a macheza do Capitão Nascimento de Tropa de Elite (1 e 2), certas cenas de Praia do Futuro poderão causar estranhamento. Wagner foi incisivo no debate – se a imprensa transformar aquelas cenas na questão central do filme estará prestando um desserviço ao cinema e à causa do combate à homofobia. Se fossem um homem e uma mulher, não haveria clamor. Por que terá de haver, só por que são dois homens? A fragilização do herói, as relações familiares, a alma das cidades (Berlim e a praia do Futuro), a força e a fraqueza, a coragem e a covardia. O amor, porque Praia do Futuro também é um grande filme de amor. O melhor do diretor.

Haverá quem conteste isso. Sempre há. Mas, para quem entra na viagem, ela é plena – como drama e cinema, como arte e vida. Foram dois dias gloriosos para o cinema brasileiro. Na segunda, passaram dois filmes – Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro, e O Homem das Multidões, de Marcelo Gomes e Cao Guimarães. O Homem já passou (bem) no Rio e em Tiradentes. Foi a estreia mundial de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. O garoto cego e suas descoberta/aceitação da (homos)sexualidade. O aplauso caloroso do público ao diretor Daniel Ribeiro e a seus atores encheu a alma. O filme estreia no fim de março em São Paulo. Houve um quarto filme brasileiro no fim de semana (e na segunda, de novo). Castanha, de Davi Pretto, sobre um transformista gaúcho, João Carlos Castanha, que pratica uma arte da caricatura e da provocação. Quatro bons filmes. O Brasil brilha em Berlim. Com Karim, chegará ao pódio? A resposta, no sábado.

O GLOBO - Jogo de cena

Eduardo Coutinho, que deixou longa não finalizado e dois docs a serem lançados em março, surgirá como entrevistador em ‘Sete visitas’, rodado em dezembro

Eduardo Coutinho, morto no domingo (2), numa cena de “Sete visitas”, hoje em fase de finalização.

Carlos Helí de Almeida

(06/02/2014) RIO - Entrevistador discreto, que sempre procurou evitar o campo de visão de sua câmera, o documentarista Eduardo Coutinho surgirá de corpo inteiro em “Sete visitas”, dirigido por Douglas Duarte (“Personal Che”). Autor de documentários seminais do cinema brasileiro contemporâneo, como “Edifício Master” (2002) e “Jogo de cena” (2007), o cineasta paulistano morto no último domingo, aos 80 anos, foi

13 convidado a entrevistar uma ex-boia-fria e um empresário — a produção prefere não revelar seus nomes nesta fase, porque ainda não sabe se o produto final contará com um ou com os dois entrevistados. Famoso por seu método particular de aproximação e conquista da confiança dos entrevistados, Coutinho é flagrado em ação, durante um longo tempo, exercitando seu método de conversação. Produzido pela TV Zero, “Sete visitas” foi rodado em dezembro, está em fase de finalização e talvez seja a última contribuição de Coutinho para o cinema. “Palavra”, o derradeiro documentário do diretor, com adolescentes cariocas, que está à espera de montagem, foi filmado um mês antes. Coutinho ainda realizou dois docs que seguem inéditos. Os filmes foram rodados em janeiro de 2013, para servirem de extras da edição comemorativa dos 30 anos de “Cabra marcado para morrer” (1984). Os dois saem em DVD no mês que vem. — Sempre tive curiosidade a respeito de como o Coutinho entrevistava as pessoas. Queria, além de ouvir suas perguntas, vê-lo, saber que caras fazia, como reagia, como ouvia, como era o jogo complexo entre ele e quem estava diante da câmera. Por isso, decidi fazer um filme em que tanto o entrevistado quanto o entrevistador seriam filmados com igual atenção. E, mais que isso, entender como diferentes interlocutores interferem no comportamento da pessoa filmada — explica Duarte. — A entrevista do Coutinho é um tour de force. Horas e horas de conversa em que pôde perguntar o que quis, sem pauta ou limitações. Ele foi muito generoso ao permitir que nós o tirássemos de sua zona de conforto, transformando-o também em personagem, filmando-o, de frente, fazendo seu trabalho. E reagiu à altura: interrompe a pessoa com quem conversa, discute, ri. A seleção de entrevistadores do documentário teve um critério básico: pessoas que, de alguma maneira, lidassem com entrevistas em seu dia a dia e que, ao mesmo tempo, pudessem oferecer exemplos de diferentes tipos de conversa. Os dois entrevistados são colocados frente a frente com um padre (Ricardo Rezende Figueira), uma repórter (Clara Becker), um psicoterapeuta (Moisés Groisman), uma escritora (Ana Paula Maia), um juiz (Fábio Uchôa), duas xamãs (Mônica Oliveira e Letícia Tuí) e um documentarista (Coutinho). A produção moveu todo seu cronograma para acomodar a agenda do arredio autor de “Cabra marcado...”. As filmagens foram concluídas em dezembro, logo depois que Coutinho terminou de rodar “Palavra”. — Fiquei muito impressionado com o modo como ele optava por não julgar (o entrevistado). Ele escutava as histórias mais banais e as mais horríveis com a mesma disposição. E sem tabu: uma personagem confessava que já havia feito programas; ele perguntava por que valor. Ela dizia que havia abandonado a filha, e ele comentava: “Isso acontece”. Nada da experiência humana, mesmo a mais dura, lhe parecia alheio, mas tudo lhe soava interessante. Coutinho pregava e praticava a lei de que, de perto, todo mundo era normal — conta Duarte, ressaltando que “Sete visitas” “não é um filme sobre o Coutinho, mas um filme a respeito de uma arte que ele dominava como poucos”.

“Palavra” deixou 29 horas de material bruto “Sete visitas” será editado por Jordana Berg, montadora dos filmes de Coutinho desde “Santo forte” (1999). Ela conta que ainda não sabe dizer se a morte trágica do diretor, ou sua ausência física, irá interferir de alguma forma no filme de Duarte, porque Coutinho era “um dos personagens do filme, que tem um dispositivo e uma dinâmica muito próprios”. Mas concorda que o documentário é uma oportunidade rara de conhecer a extensão do trabalho do documentarista como entrevistador. Para ela, o filme deixa claro o interesse de Coutinho por seu interlocutor — qualquer que seja ele. Os entrevistadores do filme de Duarte passam em média uma hora e meia com cada entrevistado; Coutinho ficou três horas e meia com cada um. — Desde “Santo forte”, ele havia estabelecido a prerrogativa de filmar com duas câmeras; então, vez por outra ele aparece em seus filmes. O incomum, e que chama a atenção em “Sete visitas”, é vê-lo como protagonista, um entrevistador sob uma câmera desejando tê-lo em seu foco por tanto tempo — diz Jordana. — A gente consegue, por comparação com os outros entrevistadores, perceber o interesse do Coutinho por seus entrevistados. Os outros são algo superficiais, tangenciam seus interlocutores; o Coutinho não os abandona, mergulha em seus entrevistados, vai até o fim. Nos filmes que ele dirigiu, a gente até nota esse interesse, mas não o vemos gesticulando, seu rosto e seu corpo reagindo às respostas do entrevistados, e como ele conduz uma conversa dessas. A morte do cineasta provavelmente também terá seu impacto sobre “Palavra”, o último trabalho que ele dirigiu e que seria retomado agora em fevereiro. Coutinho havia feito marcações para a edição do filme, um documentário sobre o universo dos adolescentes, a partir de 30 entrevistas com estudantes do ensino médio de escolas públicas do Rio. Essas seriam comparadas com as marcações da própria Jordana, e o corte final seria negociado entre os dois. Agora, o destino do projeto está nas mãos de João Moreira Salles, diretor da VideoFilmes, produtora de “Palavra”. Há 29 horas de material bruto filmado.

14 — Há um risco, embora pequeno, de que o “Palavra” não seja levado adiante. Mas, como trabalhávamos juntos há muito tempo, e nossa afinidade era muito grande, as marcações do Coutinho são bem parecidas com as minhas. Nunca será o mesmo filme sem ele, mas o que podemos fazer é chegar a uma forma inacabada possível — pondera Jordana, que assina a edição de outro trabalho inédito do cineasta, os dois documentários que ele filmou para o extra do DVD de “Cabra marcado...”. Em janeiro do ano passado, Coutinho voltou à Paraíba para reencontrar Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira, líder da Liga Camponesa de Sapé, seus parentes e os camponeses que participaram dos conflitos por terra na região explorados no filme. Essas visitas resultaram em dois docs, “A família de Elizabeth Teixeira” e “Sobreviventes da Galileia”, em referência ao engenho que serviu de cenário para os confrontos. — Havíamos decidido, junto com o Coutinho, lançar o DVD em março, lembrando os 50 anos do momento em que o projeto foi interrompido pelo golpe militar, em 1964, e os 30 anos da primeira exibição do filme pronto, em 1984 — detalha José Carlos Avellar, coordenador do DVD especial.

TEATRO E DANÇA

O ESTADO DE S. PAULO - Balé da Cidade de São Paulo recupera carisma

Precisão e elegância marcam direção artística de Iracity Cardoso

Cena da coreografia 'Cantata'

Helena Katz

(06/02/2014) A competência da direção artística de uma companhia de dança se torna visível para o público sobretudo em duas instâncias: repertório e no modo como seus bailarinos dançam. Nos dois quesitos, Iracity Cardoso vem demonstrando que todos os seus ricos anos de experiência como bailarina e diretora de grupos oficiais a transformaram em uma profissional admirável.

Quem acompanhou a temporada com a qual o Balé da Cidade de São Paulo (BCSP) celebrou o aniversário da sua cidade no Theatro Municipal, pôde conferir a qualidade de um elenco que sabe o que fazer em cena. Não se trata somente de cumprir bem a tarefa. Além de bem ensaiados, esses bailarinos temperam com a dose certa de elegância o acabamento preciso de seus gestos. Há tempos não se via esse tipo de desempenho por lá e, graças a um belo trabalho de cada um dos envolvidos, o BCSP recuperou o seu carisma.

Comandando desde o ano passado a cia da qual já foi bailarina e assistente de direção, Iracity Cardoso iniciou uma série de remontagens de obras que marcaram os 45 anos que o Balé da Cidade completou em 2013. Uma delas, Cantares, que está fazendo 30 anos, abriu a noite. Nela, Oscar Araiz demonstra a artesania que o tornou um coreógrafo reconhecido internacionalmente. Com música de Ravel (Rapsódia Espanhola), trata-se de uma das quatro partes de Ibéria, criação sua de 1982 para o Ballet du Grand Théâtre de Genève, companhia que dirigiu e, ao deixá-la, foi substituído por Iracity. São nove mulheres em uma espécie de cartão-postal do feminino na cultura hispânica, numa coreografia que esbanja sintonia entre dança e música.

Em seguida, a plateia recebe Abrupto (2013), de Alex Soares, ex-bailarino do BCSP, que iniciou a carreira de coreógrafo lá mesmo, em 2006, em workshops para estimular o surgimento de novos coreógrafos. Membro do restrito grupo dos que sabem criar para elencos numerosos, Alex vem burilando um vocabulário seu, mas permanece preso a temas complexos. Nesse momento de sua trajetória, a falta de um olhar parceiro, que o ajudasse a editar com rigor o que ainda fica muito retórico, é o que pede urgência. Seu incontestável talento coreográfico, cuja fragilidade continua sendo a inconsistência dramatúrgica, muito possivelmente explodiria as potencialidades que permanecem em estado de anúncio.

15 A força da escolha que reuniu os dois primeiros trabalhos, se esfacelou com Cantata, a estreia da noite, uma peça que Mauro Bigonzetti compôs em 2001 para o Ballet Gulbenkian, companhia portuguesa extinta em 2005, que Iracity Cardoso dirigiu. Não é a primeira de Bigonzetti para o Balé da Cidade. Em 2003, este italiano com carreira ligada à Compagnia Aterballetto produziu a irrelevante Zona Minada. Mas o que mais preocupa não é Cantata ter sido incorporada ao repertório - uma produção daquelas tidas como "boas para fechar um programa" por ter música que gruda, personagens rasos, pantomima pífia e humor rasteiro. As sirenes de atenção foram ligadas porque está prevista uma nova contribuição sua em agosto. Cabe torcer para que a seleção do que vai integrar o repertório, tão fundamental para o rendimento artístico, não seja vitimada por sucessivos tropeços comprometedores.

O GLOBO - De volta ao jardim

Completando 20 anos de carreira no teatro, a atriz estrela ‘O duelo’ no Espaço Tom Jobim e rompe com uma década longe dos palcos cariocas

Luiz Felipe Reis

(07/02/2014) RIO — Lá fora, ao fundo, o Jardim Botânico; mais perto, o jardim da casa, a janela, o ar-condicionado no quarto e Camila Pitanga refrescando a memória com goles de limonada suíça: “Olha, não tinha feito essa ponte, mas faz sentido, sim...”, ela diz. A tal ponte conecta o início e o atual momento da atriz no teatro. Mais precisamente, o modo como ela viveu a criação de sua primeira peça, “A ira de Aquiles”, em 1994, e sua recente parceria com a mundana companhia, “O duelo”, que estreou em Fortaleza em 2013 e chegou nesta quinta-feira ao Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico. — É minha casa — ela diz, referindo-se ainda ao lugar onde, em 2011, assistiu a uma peça do grupo que agora integra. — Comecei a fazer teatro justamente nesse tipo de processo colaborativo, em que todos opinam e interferem na criação. Nos ensaios com o Hamilton (Vaz Pereira, diretor de “A ira...”), os atores passeavam por todos os personagens, era uma experimentação em conjunto bastante efervescente. Eu era muito nova e achava que estava em Atenas, que o Aquiles estava do meu lado, essas coisas... Mas, no fim, o que havia em cena não era o desenho de uma pessoa só, mas de um grupo. E com o pessoal da mundana também foi assim, senti que era um recomeço. Em 1994, Camila se dividia entre as aulas de teatro na UniRio, o grupo de estudos do filósofo Claudio Ulpiano e os ensaios de “A ira...”. Agora, depois de viajar o país com “O duelo”, ela volta a atuar em casa, dez anos após sua última peça no Rio, “A maldição do Vale Negro” (2004). — Fiz cinema, TV, tive uma filha, não reparei que eram dez anos sem fazer uma peça aqui — diz. — Pensando bem, acho que, de algum modo, passei esse tempo procurando uma turma, uma ponte com meu começo no teatro, que foi muito marcante. Quando encontrei o pessoal da mundana fiquei siderada com o jeito como eles criaram aquele espetáculo. Camila se refere à encenação de “O idiota”, no mesmo Espaço Tom Jobim, em 2011. Com cerca de seis horas de duração, a obra era o resultado de uma imersão no clássico de Dostoiévski, conduzida em parceria com a diretora Cibele Forjaz. Fundada pelos atores Aury Porto e Luah Guimarãez em 2007, a mundana mantém em seu mutável corpo de colaboradores nomes dos mais importantes grupos do país, como , Os Fofos Encenam, Teatro da Vertigem e Cia. São Jorge de Variedades, que emprestou a diretora Georgette Fadel a “O duelo”. — A Camila chegou com disposição e uma escuta atenta, aberta — diz Georgette. — É algo que a gente, que faz teatro sem parar há 20, 30 anos, às vezes esquece. Vivemos todas as etapas da criação juntos. As descobertas, as crises, mas nunca recuamos. Idealizada por Aury Porto, a peça “O duelo” é uma adaptação da novela escrita em 1891 por Tchekov (1860-1904). E começou a ser levantada pela mundana em 2012, a partir de leituras com a participação do tradutor Vadim Nikitin. Quarto trabalho que o grupo estrutura a partir da literatura russa — além de “O idiota” (2010), houve “Tchekov 4” (2011) e “Pais e filhos” (2012), de Ivan Turguêniev —, “O duelo” se passa no tórrido litoral do Mar Negro. É nessa Rússia periférica e desconfortável que se instalam Ivan Laiévski (Aury Porto) e Nadiejda Fiódorovna (Camila). Em crise conjugal, o silêncio impera e a angústia por um projeto de vida mais bucólico, porém frustrado, leva cada um a extravasar ao seu modo. Ela enfileira amantes,

16 se endivida e duela com quem condena seu comportamento. Ele, um romântico inveterado, se embebeda e negligencia afazeres profissionais, enquanto rivaliza com o intolerante Nikolai Von Koren (Pascoal da Conceição). — Eles são dois desterrados que deixaram o centro da Rússia e foram para a periferia, mas nada saiu como planejado para nenhum deles — diz Camila. Com o objetivo de vivenciar o desterro em terras brasileiras, Aury convidou o grupo a deixar suas casas e mergulhar no sertão do Ceará durante o processo de criação da peça. — O sertão é o nosso Cáucaso, é importante essa vivência — diz o idealizador da peça, que concorre ao Prêmio Shell (SP) pela música de Otavio Ortega e Lucas Santtana. — Quando conheci a Camila, ela me falou do desejo de fazer parte de algo com a força coletiva de “O idiota”. Ela queria mesmo um mergulho. Um caminho, agora, sem volta: — Há um ano saí de casa para viver uma jornada, uma vida cigana — diz Camila, que, em “O duelo” atua num palco não convencional, contando ainda com uma obra inflável do artista Franklin Cassaro no centro da cena. — Não foi uma questão profissional que me trouxe de volta ao teatro, mas uma escolha existencial, a busca por outro modo de estar no mundo. Experiências assim alteram nossos filtros, nos deslocam do modo comum de pensar a vida.

Estreia na direção de longas Após nove longas-metragens como atriz, Camila Pitanga irá dirigir seu primeiro filme em abril, em parceria com o diretor Beto Brant. Trata-se do documentário “Pitanga”, que propõe um cruzamento entre a vida e a obra do pai da atriz, o ator Antônio Pitanga. Ícone do Cinema Novo, Pitanga trabalhou em mais de 70 longas, tendo sido dirigido por , Cacá Diegues e , entre outros. Dividido em duas partes, o projeto prevê, para o primeiro módulo, uma colagem dramatúrgica de cenas extraídas desses longas, enquanto a segunda etapa será toda filmada durante um mês e meio de viagem, em que Pitanga, Camila e Brant irão revisitar os lugares que serviram de locação para alguns desses filmes. — Ao rever quase todos esses trabalhos, consegui enxergar um perfil em meio a tantos personagens diferentes. Meu pai emana um espírito libertário, em todos os momentos da carreira há esse aspecto — diz a atriz. — Então o que vamos fazer é revelar esse artista e esse homem político. Como atriz, Camila também irá aparecer em breve nas telas, no longa colaborativo “Rio eu te amo”, previsto para este ano, num episódio filmado pelo ator, roteirista e diretor americano John Turturro.

O GLOBO - Falha e fantasia na solidão da cena

A cia. dos outros estreia hoje o projeto 'solos impossíveis', no espaço sérgio porto

Luiz Felipe Reis

(08/02/2014) É a terceira vez que a Cia. dos Outros chega ao Rio, e de novo o Espaço Sérgio Porto serve de casa ao grupo paulista. Após encenar por aqui "Corra como um coelho" e "A pior banda do mundo" - que terá nova temporada carioca no segundo semestre -, a companhia retorna numa disposição diferente, a bordo do projeto "Solos impossíveis", composto por dois monólogos criados por Carolina Bianchi, que assina a dramaturgia e a direção. Ela divide a noite com Tomás Decina até 23 de fevereiro, aos sábados (às 21h) e domingos (às 20h). Nas duas peças anteriores, a ideia de fracasso era, ao mesmo tempo, ponto de apoio e desequilíbrio das situações vividas pelos personagens. Em "A pior banda do mundo", por exemplo, viam-se arroubos delirantes de músicos desprovidos de talento, que ensaiavam há mais de dez anos sem nunca se apresentar. Naquela peça, Carolina vivia Salomé Racozi, uma datilógrafa que desopilava angústias num trombone desafinado, enquanto Tomás Decina era o tímido ex-escoteiro Amílcar Vonk. Agora, Carolina é a personagem-título do solo "Tamara Karsavina", uma bailarina russa medíocre que sonha em ser atriz; e Decina dá corpo a "O otimista", um navegador que se lança numa jornada impossível rumo ao topo da Terra. - São dois solos, mas é um trabalho só, com um pensamento que os liga, desde a condição de dois intérpretes atuando em solos, vivenciando essa solidão da cena, assim como o desamparo dos

17 personagens - diz Carolina. - Ele, numa jornada solitária, ela, sonhando com um cosmonauta, com um amor que a complete. Se nos trabalhos anteriores o humor rasgado aliviava a barra da melancolia, agora a solidão empresta densidade às cenas, que, no entanto, são plenas de elementos fantasiosos, vinculados ao tal impossível que dá título ao projeto - Há uma paixão pela fantasia, pelas coisas que não existem, mas que podem vir a ser. São dois personagens alimentados por essa ingenuidade, por uma necessidade de fantasia que é uma espécie de esperança, algo que nos salva dos "falhassos" da vida - diz a atriz. - Acho que o fracasso e a fantasia são bastante próximos. A falha nos faz deparar com a nossa utopia, com a fragilidade dos nossos sonhos. Vivemos em busca de coisas que deem sentido para as nossas vidas, e a gente é sempre muito sozinho nessa busca. A fantasia preenche de beleza essa rotina cheia de buracos.

FOLHA DE S. PAULO - Seis bailarinos à procura do amor dançam no Sesc

Espetáculo dirigido por Elisa Ohtake fica em cartaz em São Paulo até dia 23

Com trilha sonora 'apelativa e violenta', diretora desafia artistas em cena a provarem que estão apaixonados

Iara Biderman, de São Paulo

(08/02/2014) A diretora Elisa Ohtake desafiou cinco bailarinos de destaque na cena da dança contemporânea a provarem, com seus corpos, que estavam apaixonados. A resposta ao desafio são as coreografias-performances apresentadas por Cristian Duarte, Eduardo Fukushima, Raul Rachou, Rodrigo Andreolli e Sheila Ribeiro e pela própria diretora no espetáculo "Tira Meu Fôlego", em cartaz no Sesc Pompeia. Com trilha sonora "apelativa e violenta", segundo Ohtake, que inclui brega romântico, hits de baladas e clássicos da MPB, os bailarinos se jogam e se arrastam no chão, lambuzam o corpo com mel, chantilly e champanhe, passam ridículo e emocionam --como todo ser apaixonado. Os clichês da paixão são transformados em dança por uma coreografia que revela as transformações físico-químicas que acontecem quando a gente se apaixona. E também são usados como uma espécie de autoironia em relação à própria dança contemporânea, com sua tendência a se apoiar mais na elaboração mental do que na expressão de emoções íntimas, segundo a diretora. Em sequência, cada um dos artistas dá a cara para bater: além de dançar, eles contam ao público como sofreram para dar conta da proposta. Nesses fragmentos do discurso amoroso, expõem o processo de criação da coreografia. E pegam o público pelo fígado (e coração) quando mostram a dificuldade tão comum de expor sentimentos. Ohtake quis provocar: "Queria desestabilizar esses bailarinos, quase constrangê-los. O que acontece quando eles são obrigados a expressar suas emoções mais íntimas à máxima potência?".

O GLOBO - Sua Majestade, o frevo

Prefeitura de Recife e Fundação inauguram hoje em região tradicional da cidade museu e centro de referência para o gênero que há mais de um século define a música e o carnaval pernambucanos, em um projeto de R$ 13,2 milhões

Frevança. O salão com estandartes e espaço para apresentações

Letícia Lins

(09/02/2014) RECIFE - Manifestação de origem popular, que surgiu entre as classes trabalhadoras quando a capital era um foco de agitação de um estado que pregava o nacionalismo, a república e a libertação dos escravos, o frevo incorporou-se ao carnaval pernambucano, sobreviveu aos séculos, evoluiu e terminou por transformar-se em Patrimônio Imaterial da Humanidade, título que lhe

18 foi conferido em 2012 pela Unesco. Dizia Lourenço Barbosa, o compositor Capiba, que se o ritmo fosse americano, “teria dominado o mundo”. Se não domina o planeta, como sonhava o autor de clássicos como “Morena cor de canela” e “Linda flor da madrugada”, o frevo conta, agora, com uma iniciativa à altura de sua história: o Paço do Frevo, inaugurado neste domingo, no bairro do Recife Antigo, um dos focos daquele que é o mais autóctone dos ritmos pernambucanos. Resultante de iniciativa conjunta da Prefeitura de Recife, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, e da Fundação Roberto Marinho, o Paço tem por objetivo salvaguardar e perpetuar a riqueza do frevo, com exposições permanentes e temporárias, escola de música, de dança, estúdio para gravação e ainda uma rádio on-line inteiramente dedicada ao ritmo. O Paço funcionará em um edifício tombado, de 1700 metros quadrados distribuídos em quatro pavimentos, que abrigou no século passado a Western Telegraph Company e estava há 36 anos sem uso. Agora seus quatro andares estão totalmente ocupados por um tema só. Assim, o térreo conta com o Centro de Documentação e Pesquisa Guerra-Peixe, café, lojinha e uma exposição permanente, com a evolução do frevo, de 1900 até os dias de hoje. O primeiro andar tem escola de música, estúdio de gravação, a rádio (em fase de estruturação), salas de aula coletivas e individuais e áreas para apreciação musical. No segundo ficam salas para oficinas e espaço para exposições temporárias. A primeira, já em cartaz, é dedicada ao bairro de São José, um dos recantos mais tradicionais da cidade. É de lá que sai anualmente o Clube de Máscaras , que entrou no Livro dos Recordes como o maior bloco de carnaval do mundo. No terceiro pavimento fica outra exposição permanente, com estandartes em vitrines horizontais e espaço para apresentações de grupos carnavalescos. Há estandartes antigos como o da primeira agremiação de frevo registrada no estado — O Homem do Cachorro do Miúdo — até os de grupos anárquicos e mais recentes, como Eu Acho é Pouco e Nóis Sofre Mais Nóis Goza, que surgiram na década de 1970, como protesto contra a ditadura. Os mais curiosos contam, ainda, com um curioso glossário de 91 verbetes relativos não só ao frevo como ao carnaval: arrasta povo, flabelo, frevo abafo, frevo coqueiro, jetones e outros.

“A força do povo” Com museografia a cargo de Bia Lessa, as salas de exposição do Paço praticamente se integram à paisagem externa do Recife Antigo, cujas ruas são inteiramente tomadas por blocos líricos, troças, clubes de frevo, maracatus de baque solto, de baque virado, afoxés, ursos, bois e cirandeiros durante o carnaval. — Esperamos que o visitante sinta a força do povo logo ao entrar no Paço — diz Bia. — Como guardar o frevo dentro de um espaço físico limitado? Esse foi o meu maior desafio. Tentei imprimir seu movimento especialmente no terceiro andar. O Paço do Frevo foi idealizado e construído ao longo de quatro anos, por cerca de R$13,2 milhões. Ele nasce com uma proposta educacional a ser implementada pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), organização social que ficará responsável pela sua administração. Serão 50 educadores envolvidos nas atividades do seu núcleo educativo. — A educação é o meio mais eficiente para garantir a continuidade das tradições, das manifestações culturais — afirma Vilma Guimarães, gerente de Educação da Fundação Roberto Marinho.

LE MONDE (10.02.2014) – Le « frevo » enflamme le carnaval de Recife

Par Véronique Mortaigne

Vendredi 28 février en fin d'après-midi, les rues pavées d'Olinda et les avenues de Recife, les deux cités voisines de l'extrême Est du Brésil, vont amplifier les sons de drôles de fanfares, celles des blocos (les groupes carnavalesques) chargés d'ouvrir le Carnaval 2014. Elefante, Pitombeira, Cariri, Ceroula... avec chacun son rituel, son étendard, son hymne, ses rythmes, ses danseurs, joyeuse troupe accompagnant les marionnettes géantes – l'homme de minuit, la femme du matin, l'enfant du soir... Et la rue de chanter. Cette rythmique brûlante, dansée de façon

19 très acrobatique, s'appelle le frevo. En décembre 2012, le frevo brésilien était inscrit sur la liste du patrimoine immatériel de l'humanité de l'Unesco, après avoir été classé par l'Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) en février 2007. Dans le vieux quartier portuaire de Recife, le Paço do Frevo a été inauguré le 9 février dans les anciens locaux de la Western Telegraph Company, 1 700 m2 vides depuis trente-six ans. Financé par la mairie de Recife et la Fondation Roberto Marinho (fondateur de la chaîne de télévision Globo), cet espace entièrement dédié au frevo a été conçu par la plasticienne Lia Bessa – archives, expositions, école de danse et de musique. Le frevo est né à la fin du XIXe siècle, en plein bouleversement social, quand la ville de Recife commençait à brasser la classe moyenne et les esclaves récemment libérés, qui constituaient un nouveau prolétariat – l'abolition de l'esclavage a été oficiellement proclamée en 1888. Le frevo adopte alors une posture de critique sociale et de protestation politique. Le mélange des ryhtmiques nordestines, tel le maxixe, et occidentales, comme la marche, l'omniprésence des fanfares militaires donnent naissance à ce genre très particulier à Recife et à Olinda, la ville coloniale qui jouxte la capitale de Pernambouc.

Joutes fratricites entre « blocos » Le frevo est une musique de carnaval, une danse, au rythme très accéléré – le mot frevo est un dérivé de ferver, bouillir. Joué par des fanfares, cuivres et caisses-claires, chanté en cœur, et dansé selon un code rigoureux et acrobatique (plus de cent pas au catalogue), le frevo est un lieu d'agitation. L'effervescence est renforcée par les joutes fratricites entre blocos. « Le frevo est une musique de port, née à la même époque que la samba, le tango argentin, le fado portugais, le rebetika grec », explique Fernando Duarte, artiste plasticien et qui fut président (PT) de la Fondation de culture de l'Etat de Pernambouc (Fundarpe) jusqu'en décembre 2013. Le nom de frevo apparaît pour la première fois officiellement dans le quotidien recifense O Jornal Pequeno en 1908. Le premier disque de frevo est publié en 1923, avec Maroca So Que Puxa, frevo- chanson composé par Nelson Ferreira (1906-1976). Rapidement, le frevo gagne ses lettres de noblesse : à preuve, Maroca So Que Puxa est jouée à Rio par l'Orchestre de Victor Brasileira, dirigé par le grand compositeur de samba Pixinguinha. Les marches des célèbres défilés du carnaval de Rio doivent beaucoup au frevo. Par exemple, O Teu Cabelo Não Nega, de 1932, est une adaptation par Lamartine Babo du frevo Mulata, des frères Valença. Cette musique de mélange a connu son âge d'or avec ses grands compositeurs, Capiba (1904-1997), Nelson Ferreira (1906-1976). Ce dernier fut l'auteur, en 1957, d'un des thèmes les plus célèbres, énorme succès dans tout le Brésil et au carnaval de Rio, Evocaçao n°1, toujours joué, chanté, en abondance, dans la rue ou dans les bals.

À Olinda, Salvador de Bahia « L'expansion du frevo est liée à celle de la ville de Recife, capitale intellectuelle dans les années 1920, puis lieu de création de chaînes de radio et de télévision. Ensuite, le carnaval est passé de la rue aux clubs, avec des bals, jusqu'en 1975, où Olinda reprend la main dans ses ruelles pavées », poursuit Fernando Duarte. A Salvador de Bahia, le frevo est repris à la sauce des célèbres Trios electricos qui mènent la danse dans les rues de la capitale afro-brésilienne, notamment avec Dodo e Osmar. Les chanteurs de la génération des années 1970, tel , adaptent leur rock tropical et virulent aux frevos traditionnels. A la fin des années 1970, Recife renoue avec la rue. Le Bloco da Saudade naît en 1974, et le Gallo de la Madrugada en 1978 – il est devenu depuis le plus grand groupe carnavalesque du monde, suivi par plus d'un million et demi de personnes les samedis de carnaval. En 2000, le carnaval d'Olinda est contaminé par les sons de la musique bahianaise, la axé-music souvent de mauvaise qualité. Avec l'aide de l'Etat de Bahia, très impliqué, une véritable industrie musicale a été montée autour de l'axé- music, très électrique, jouée à plein volume et avec son lot de vulgarité. Pour sauver son carnaval de rue, la mairie d'Olinda interdit alors les systèmes de son montés sur camion. Maracatus (tambours et costumes caboclos, mélange d'indiens et de Noirs) et blocos de frevo reprennent leurs droits acoustiques. Le frevo, disent les amateurs, est le symbole d'une région. Il se « brinca », un terme qui signifie ici, jouer, vivre, profiter du moment, une proximité avec les gens qui l'ont éloigné de toute folklorisation. Outre les défilés qui rassemblent des centaines de milliers de « folioes » dans les rues, les orchestres de frevo se promènent en ville pour accompagner les groupes déguisés dans tous les quartiers. Selon la Fundarpe, il y a eu pendant le carnaval de 2013 de Recife 850 tocadas, orchestres itininérants accompagnant 1 200 blocos de carnaval.

130 orchestres

20 Il y a à Recife et Olinda 130 orchestres de frevo. Et de nombreuses créations, menées par de jeunes musiciens, des orchestres éclectiques, dont Edson Rodrigues, qui a créé un frevo-jazz improvisé, Maestro Forro de l'Orquestra Popular da Bomba do Hemeterio (un quartier de Recife), qui mélange tous les rythmes (valses, maracatu, techno), ou encore Rockfonica mené par Ademir Araujo, dit Maestro Furmiga, qui joue les classiques du rock en frevo. Le plus connu à l'étranger, le Spok Frevo Orchestra, a déjà été plusieurs fois invité à Paris. L'ensemble séduit en suivant les traces élégantes et virtuoses des grands orchestres de jazz du milieu des années 1940.

ARTES PLÁSTICAS

BOSTON MAGAZINE (EUA) - MFA’s “Samba Spirit” Exhibit Sheds New Light on Afro- Brazilian Art and Culture

By Margaret Burdge | Arts & Entertainment

“Chuva Sobre Sao” (Rain Over Sao Paulo) is an oil and mixed media piece on canvas by Maria Auxiliadora da Silva, Brazilian, 1935- 1974

January 18, 2014 - October 19, 2014 Bernard and Barbara Stern Shapiro Gallery (Gallery 231)

(16/01/2014) The Museum of Fine Arts is known for its “Art of the Americas” collection, but the exhibit “Samba Spirit,” opening Saturday, explores a new frontier: Afro- Brazilian art. This show breaks new ground not only for the MFA, but also for the general study of Afro-Brazilian art in the United States. The pieces are being shown for the first time in New and, aside from a trip to University of Pennsylvania, for the first time in the country, shedding a new light on the cultural artistry. Part of a much larger partial gift-purchase from John Axelrod, much of which contains broader pieces that have already been integrated into the galleries, the specific selection of pieces in “Samba Spirit” represent a much more focused topic of discussion. “This is part of the larger mission of presenting art of the Americas and expanding the whole idea of what that means,” curator Karen Quinn explains. Including 15 paintings, one work on paper, and two sculptures, the varied techniques mirror the different aspects of Afro-Brazilian culture that each piece explores. “Some of them are largely self-taught, and some of them studied in more formal circumstances, so there’s this great range of style,” says Quinn of the 11 artists on display. “It’s supposed to show, or celebrate, this great range from very sophisticated approaches to those that might be out of the mainstream. They’re all relevant, significant, and important to the culture as forms of expression.” Quinn admits that, like many Americans, she had a very limited understanding of Afro-Brazilian culture–she cites generalizations such as “a preconceived notion from Carnaval what samba was”– before preparing for the exhibit. “There are sociologists who will tell you that African culture permeates all of Brazilian culture,” she says. For Quinn, immersing herself in the culture and learning about the inspiration behind the certain pieces–such as an African legend that suggests a woman brought rice over in her hair to feed the culture when it got there–was the highlight of preparing the show. She even learned basic Portuguese to understand the exhibit, as much of the already-limited work of these artists is in the language.

21 The most beneficial way to enter this exhibit is with an open mind. “It was hard to pick one image to represent the show, to be honest,” says Quinn of her choice, “Chuva Sobre Sao” (shown above). “If somebody looks at that and then goes to the show, they’re going to realize when they get to the show, ‘Oh, there’s that, and then there are all of these other things that are fabulous in their own way.’” Because they are so different, a stylistic approach to the gallery layout would be impractical, so the MFA will take a thematic approach, Quinn says. “It’s so much fun,” says Quinn of the different aspects of Brazilian culture that appear in the show. Pieces touch on religion, samba dances, frevo music, potentially slavery–or at least forced labor–and compelling genre scenes like the rain beginning to fall over Sao Paulo (above). “There’s such a large Brazilian culture in the Boston area that this, we hope, will bring people in to get a slice of that as well.” The MFA hopes for extra traffic as the exhibit opens the weekend leading up to Martin Luther King Jr. Day, when the museum will host an open house. “It’s a really great opportunity to see something different,” says Quinn. “I hope people take an opportunity to come see it.”

O ESTADO DE S. PAULO - Exposição esboça nova política de museus em São Paulo

Mostra dedicada a Flávio de Carvalho sugere centralização do acervo municipal de obras

Camila Molina

'Momumento a Federico Garcia Lorca', um dos destaques da exposição

(06/02/2014) A mostra Flávio de Carvalho: A Experiência como Obra, que será aberta nesta quinta na Oca, no Parque do Ibirapuera, é mais que uma exposição dedicada ao artista múltiplo morto em 1973. É um experimento de política museológica para os acervos públicos do município de São Paulo, nas palavras do diretor do Museu da Cidade de São Paulo, Afonso Luz.

A Oca - ou Pavilhão Governador Lucas Nogueira -, pertencente à Secretaria Municipal de Cultura, vai abrigar mostras realizadas pelo Museu da Cidade de São Paulo, rede formada por 13 edifícios e espaços históricos que detém, por assim dizer, uma coleção tão ampla que apenas no segmento de fotografia possui mais de 80 mil itens.

O plano de Afonso Luz é promover uma integração maior dos acervos, projeto oposto ao realizado na gestão anterior da Secretaria Municipal de Cultura. "A cidade perde com a fragmentação não só na gestão das instituições, mas também do ponto de vista da história da arte", diz Luz, no cargo desde abril. "Estamos trabalhando pela ideia de um patrimônio comum".

No caso de Flávio de Carvalho: A Experiência como Obra, a exposição foi criada com mais de 120 obras da Prefeitura de São Paulo presentes nos acervos da Biblioteca Mário de Andrade, Theatro Municipal, Centro Cultural São Paulo, Departamento de Patrimônio Histórico e Arquivo Histórico de São Paulo. "As instituições podem tomar decisões junto", define o diretor do Museu da Cidade e curador-geral da mostra.

A exibição estabelece relações entre as criações do pintor, desenhista, arquiteto, cenógrafo, decorador, escritor, teatrólogo e engenheiro. Entre suas performances, a Experiência n.º 2, de 1931 (a de andar no sentido contrário ao de uma procissão de Corpus Christi, com chapéu à cabeça), é "o coração" da mostra, reconstituída em "imagens sonoras" projetadas em uma arena, trabalho dirigido por Camila Mota, do Teatro Oficina. A mostra apresenta também plantas arquitetônicas, máscaras e 25 figurinos criados por Flávio de Carvalho - entre eles, o New Look (1956) e peças para o bailado A Cangaceira, de Camargo Guarnieri. Algumas peças são aquisições recentes da Prefeitura.

Sobre projetos futuros do Museu da Cidade de São Paulo, Afonso Luz conta que fez um pedido anual de R$ 47 milhões de orçamento. Há planos de levar à Oca exposições de arte chinesa, arqueologia mexicana e arquitetura internacional feitas em parcerias com instituições. Para tanto, ele fez um

22 pedido anual de R$ 47 milhões de orçamento. Ele conta que o prédio também poderá ter parte de seu espaço a ser alugado para outras exposições, "mas não queremos mais eventos e festas". Já sobre o problema de fragmentação de acervos, o diretor do Museu da Cidade cita como mais problemático o da Coleção de Arte da Cidade.

Segundo Afonso Luz, já estão sendo providenciados os marcos jurídicos para que a coleção seja incorporada ao Museu da Cidade de São Paulo. Então Pinacoteca Municipal, criada originalmente com peças do crítico Sergio Milliet -, a Coleção de Arte da Cidade, com cerca de 2,8 mil obras e abrigada no Centro Cultural São Paulo, teria seu segmento gráfico a ser instalado no Gabinete de Desenho.

Essa instituição cultural, que foi inaugurada em dezembro de 2012 na Chácara Lane (órgão do Museu da Cidade), na Rua da Consolação, chegou ao fim. É uma política do século 19, declara o diretor do Museu da Cidade, a de dividir acervos pela técnica das obras. "O gabinete nunca existiu, nunca teve orçamento, além de ser um espaço com problema de segurança para abrigar as obras", diz Luz.

Outros casos preocupantes no espectro do Museu da Cidade de São Paulo são os da Casa Modernista (projetada em 1927 pelo arquiteto Gregori Warchavchik) e do Pavilhão das Culturas Brasileiras no Parque do Ibirapuera, segundo o diretor do órgão. Esta última instituição, anunciada em 2010 com uma exposição inaugural no local, ainda é considerada um espaço em obras. "Está sendo restaurado, havia risco de incêndio no prédio, e por isso tive de fechar suas portas por orientação técnica", afirma Afonso Luz.

Será preservado o foco antropológico original do Pavilhão das Culturas Brasileiras, dedicado à exibição de peças de design popular e de criação indígena, por exemplo, e a ser abrigo para peças dos acervos do extinto Museu de Folclore Rossini Tavares de Lima e o da Missão de Pesquisas Folclóricas. Cogitou-se de o espaço ser oferecido para o governo português, mas a ideia foi descartada. Já foram gastos R$ 8 milhões no Pavilhão das Culturas Brasileiras na gestão anterior da Secretaria Municipal de Cultura. Há previsão de que sejam necessários mais outros R$ 30 milhões para o término da reforma.

O GLOBO - O mundo de Neto

Artista carioca abre no dia 13, no museu Guggenheim Bilbao, a exposição ‘The body that carries me’, uma das maiores individuais de sua carreira, com mais de 30 trabalhos realizados de 1989 até hoje

“Leviathan Thot”. Concebida para o Panthéon, em Paris, em 2006, a obra de Neto “contracena”, no átrio do museu espanhol, com as linhas de Frank Gehry

Nani Rubin

(07/02/2014) RIO - Numa sala ritual, com um teto “maravilhosamente feito”, há gotas, árvores, tambores, apitos e chocalhos pendurados, num ambiente mágico-xamânico. Em outra, um grande ectoplasma em nylon e miçangas, repleto de objetos de amigos, que serão trocados por outros, do público. Uma terceira, batizada de “Não repara não”, é povoada de “acontecimentos íntimos”, com um colchão, duas séries de fotografias do círculo próximo de amizades de Ernesto Neto e uma versão menor da escultura feita para a mostra “O casamento — Lili, Neto, Lito e os loucos” (2000), no Museu de Arte Moderna. O artista carioca, de 49 anos, vai chegar com tudo — sua obra, sua vida — à exposição “The body that carries me” (“O corpo que me leva”), que será inaugurada na próxima quinta-feira, dia 13, no museu Guggenheim Bilbao, na Espanha, onde ficará em cartaz até 18 de maio. Não se trata de uma retrospectiva, pois, como explica o artista, não há um pensamento linear, temporal, conduzindo a mostra.

23 — É como se você pegasse toda a história, botasse num ponto só e a deixasse se esparramar — define Neto, por telefone, de Bilbao, onde há 11 dias trabalha na intrincada montagem, ajudado por Leandro, Glaucia e Marcelo, seus três assistentes brasileiros, e outros 20 funcionários do museu.

Carrinhos para olhar o céu Esparramados pelas oito salas do segundo andar e pelo átrio do prédio de titânio projetado pelo canadense Frank Gehry, marco da chamada arquitetura-espetáculo, estarão mais de 30 trabalhos de Neto, desde 1989. — O mais recente vai nascer nos próximos dias — diz ele. Conhecido, no cenário artístico internacional, por suas obras orgânicas, corpóreas, de grande apelo sensorial, muitas delas convidando à participação física do público, Neto dá as cartas logo no átrio da instituição, onde os visitantes serão recepcionados com “Leviathan Thot”. Referência ao corpo feminino e ao monstro descrito no Antigo Testamento, a obra que ocupou o imponente Panthéon, em Paris, em 2006, foi reduzida — em Bilbao, estará só uma quinta parte. Sob ela, o artista vai dispor espécies de carrinhos bate-bate criados para outra mostra, “Olhando o céu”, apresentada no ano passado na Galeria Cortona do Palácio Pamphili, sede da embaixada do Brasil em Roma. Na ocasião, ele fez os carrinhos (estruturas de madeira e tecido, cercadas de espuma, com um buraco para os pés) para os visitantes poderem apreciar, deitados, os afrescos do italiano Pietro da Cortona (1596-1669) no teto do palácio. No Guggenheim, o céu é outro. A ideia, diz Neto, “é ficar deitado, rodando pra cá e pra lá, olhando aquele Leviatã Corpo e toda a arquitetura do museu, essa relação da carne com a instituição que acontece nesse trabalho”.

Experiências distintas Neto e a curadora belga Petra Joos, diretora artística do Guggenheim, pensaram a mostra como se fosse um programa de televisão. Cada sala oferece uma experiência distinta ao visitante — de cor, odor e emoção — e exige um ritmo diferente para contemplação ou interação. Um outro conceito permeia a exposição. Ao visitar o local em setembro, Neto pegou a planta do prédio e tirou de seu traçado as salas que não se destinavam à sua exposição. — O que sobrou foi um desenho em que se misturavam uma abelha e um beija-flor. Dividi essa abelha em partes e fui batizando as salas da mostra, como um grande corpo, com cabeça, garganta, estômago... — lista ele. Vários trabalhos foram reeditados para o espaço, de “Copulônia” (1989), com meia de nylon e bolinhas de chumbo, a um “primo” do popularíssimo “Bicho suspenso na paisagem", um emaranhado de crochê penetrado pelo público, que levou multidões à Estação Leopoldina em 2012. A versão apresentada no museu espanhol foi exposta em Tóquio no ano passado, e, como a do Rio, é toda tecida por artesãs — no caso, costureiras da Coopa Roca e tapeceiras que comercializam seus tapetes de nozinhos na estrada Rio-Petrópolis. A exposição ressalta uma obra construída por Neto a partir dos relacionamentos. — Muito do meu pensamento no trabalho acontece em festas, com os amigos. Às vezes estou dançando e saio num canto para anotar uma coisa, porque a relação fraterna é muito importante no meu trabalho, gera muita intuição. As relações parecem gerar círculos concêntricos que só fazem se expandir. Em agosto do ano passado, uma amiga, a editora Anna Dantes, apresentou o artista aos índios da tribo Huni-Kuin, no Acre. A visita ao local e o contato com o jovem pajé Fabiano Txana Bane sacudiram Neto. Alguma perspectiva de mudança no trabalho? — Na verdade, foi o trabalho que abriu todas as portas para eu poder ter a profundidade que estou tendo nesse encontro — diz ele, que vai promover, na abertura da mostra na Espanha, uma pajelança com Txana Bane e o pai dele, o cacique Siã Sales. Será na sala chamada Borda Doce, a ritualística, e que, no corpo da abelha, representa o estômago. Uma visceralidade que tem tudo a ver com mais uma ideia que ronda a mostra, e que será exposta em néon no Guggenheim: “A Terra é o corpo”. Coneito que Neto intuiu, é claro, enquanto dançava.

O ESTADO DE S. PAULO - As artes plásticas contra a ditadura militar

Exposição que abre hoje no CCBB do Rio recupera obras criadas em presídios durante os anos de chumbo

Roberta Pennafort

24 Tortura, de Ivan Serpa

(12/02/2014) Rio - A reação à ditadura militar por parte da música e do teatro brasileiros enobrece o currículo de nomes como , Caetano Veloso, Geraldo Vandré e José Celso Martinez Correa. Mas pouco se fala dos artistas plásticos que verteram para suas obras a angústia e o desalento impostos pelo regime, e que sofreram as consequências disso, sendo censurados ou mesmo presos e torturados.

Militante, Sérgio Ferro, pintor e desenhista, ficou um ano encarcerado. Pintor, fotógrafo e líder estudantil, Antonio Benetazzo sofreu torturas e agressões tão intensas que a justificativa dada para sua morte foi atropelamento por um caminhão. Entre outros, os dois estão representados na exposição Resistir É Preciso..., organizada pelo Instituto Vladimir Herzog e em cartaz a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio.

"Os artistas não se calaram, protestaram à sua maneira. Mas não tiveram a mesma repercussão. A pintura é algo muito mais complexo do que uma canção popular", avalia Ferro.

No presídio Tiradentes, ele conviveu com artistas que também foram incluídos na mostra, como Alípio Freire e Sérgio Sister. Ferro homenageou Carlos Lamarca fazendo dele um São Sebastião, um mártir da liberdade. Freire usou materiais do dia a dia na prisão, como um pedaço de espelho e uma escova de dentes numa colagem; Sister criou superposições. Artistas fundamentais da arte contemporânea, como Cildo Meireles, Ivan Serpa, Antonio Dias, Hélio Oiticica e Carlos Vergara, participam com obras igualmente contestadoras.

A Morte No Sábado, de Antonio Henrique Amaral, representa o assassinato de Herzog, em 1975. A impressionante série de gravuras Natureza Morta, de Alex Flemming, com cenas de torturas - pés acorrentados, mamilos cortados com gilete, um rosto asfixiado com plástico - é de 1978.

A mostra tem fotos representativas do período, vídeos e entrevistas, reproduções que mostram a atuação da imprensa alternativa e uma linha do tempo de 1960 até a eleição de Tancredo Neves, em 1985. A configuração tem forte apelo junto ao público jovem. "O jovem não conhece essa história. Aprende na escola de maneira superficial e lhe parece algo tão distante quanto a Guerra do Contestado", diz o curador, Fábio Magalhães.

FOTOGRAFIA

FOLHA DE S. PAULO - Celebridade sustentável

Projeto leva ao centro um polvo inflável gigante e projeta em fachadas históricas imagens de famosos 'incorporando' figuras mitológicas para discutir impacto ambiental

Fernanda Tavares como a Venus de Boticelli

Roberto de Oliveira de São Paulo

(07/02/2014) A top Fernanda Tavares, que já apareceu no mundo inteiro de biquíni, camiseta colada e vestidinho pra lá de sexy, também empresta seu corpo a causas ambientais. Desta vez, encarna uma sereia que, com o rabo e a barbatana impregnados de petróleo, vomita uma graxa preta. A inusitada foto vai colorir, hoje à noite, a fachada do prédio histórico da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, no centro da maior cidade do país. No edifício, projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo em 1886, a

25 sereia de Fernanda, em vez de levar marujos à morte por obra de seu canto mavioso, vai incorporar a vítima dessa nossa louca obsessão pelo petróleo. Na era do pré-sal, a figura mitológica será apenas uma das facetas do projeto "S.O.S Terra - Para que o Mundo Não Acabe", que ocupará também o espaço vizinho à secretaria, o Pateo do Collegio, onde a cidade nasceu e floresceu. Além da foto da sereia, outras imagens de celebridades com apelo ambiental, como a "pachamama" ("mãe terra") criada para Christiane Torloni, serão projetadas. Todas elas são obras do artista plástico e ambientalista Thiago Cóstackz. Será exibido ainda um filme em 3D sobre como o aquecimento global vem mudando paisagens tão distantes na Sibéria, na Islândia e na Groenlândia, projeções que vão ocupar 546 m² da fachada do edifício.

Paulo Zulu como David de Michelangelo

Durante o dia, tentáculos de um polvo colorido, com 15 m de comprimento e 5 m de largura, vão "flutuar" no Pateo do Collegio. No corpo da criatura, a inscrição "salve-me", referência aos impactos provocados na vida marinha pelo tal progresso. Ninguém paga nada para assistir. Antes de aterrissar em São Paulo, a ação artística e ambiental do S.O.S Terra percorreu lugares afetados tanto por mudanças climáticas quanto pela ação direta do homem. Quatro profissionais brasileiros envolvidos no projeto percorreram 62.333 km, em 33 voos por quatro continentes, em 40 dias de viagem. Idealizador do projeto, Cóstackz, 29, diz que o objetivo é conscientizar os paulistanos por meio da arte e "mostrar de que forma as ações que ocorrem por aqui contribuem para problemas ambientais no planeta". "Não existem eles' ou nós'. Tudo importa na Terra e para todos", filosofa. Dos quadros às imagens, o material empregado pelo artista potiguar, morador do bairro da Aclimação, é ecologicamente sustentável (tinta acrílica à base de água sem metais poluentes, madeira de reflorestamento etc.). O figurino de Fernanda e Christiane foi garimpado pelo próprio ambientalista em caçambas na região do Brás e da rua 25 de Março, "babéis" do comércio popular no centro. "Faço isso antes das 18h para não atrapalhar o trabalho de catadores de material reciclável que agem ali." A "graxa" que sai da boca da sereia Fernanda Tavares nada mais é do que anilina de bolo na cor preta. A modelo ensina que o caminho para que o "mundo não acabe" é reciclar o lixo, economizar água e quem sabe plantar uma hortinha. "A gente pode começar a cuidar do planeta em casa", diz ela.

FOLHA DE S. PAULO - Stylist brasileiro ganha obra fotográfica

No livro 'Moda é F#%@', editoriais e campanhas de Paulo Martinez traduzem identidade do estilo nacional

Índios, erotismo e cultura popular são obsessões do trabalho do artista; profissionais de moda assinam textos

Pedro Diniz, colaboração para a Folha

(08/02/2014) "Falar de moda, se relacionar com as pessoas importantes da moda', todo esse entorno para ele é um aborrecimento." O depoimento de Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week, é um dos que dezenas de profissionais escreveram para desnudar Paulo Martinez no livro "Moda é F#%@". O stylist, ou editor de moda, que para muitos é o mais influente do Brasil --afinal, é dele a maioria da "arte final" dos looks desfilados no evento de moda paulistano--, se incomoda facilmente com perguntas sobre as engrenagens do seu ofício. "Que chatice falar de economia, história, crise... Vamos falar do meu livro?", disse à reportagem, que tentava entender o momento atual da indústria e sua influência nas imagens de moda.

26 Os 33 anos de carreira compilados no livro de 336 páginas, que tem curadoria de Graziela Peres e Renata Mein, revelam a evolução do estilo nacional por meio de campanhas e editoriais. Há fotos da extinta revista "Moda Brasil", da "Elle", da "Made in Brazil" e da "Vogue", onde Martinez trabalhou como braço direito de Regina Guerreiro, uma das figuras mais importantes da moda nacional. Os índios, o erotismo e a cultura popular brasileira presentes no trabalho do "tio Paulo", como é chamado por tops como Carol Trentini, Ana Cláudia Michels e Carol Ribeiro, são compartilhados por fotógrafos da alcunha de Bob Wolfenson, Gui Paganini e Fábio Bartelt. "Não há uma cronologia. O livro foi pensado com base em minhas obsessões, que foram divididas em blocos", explica Paulo Martinez. A maior dessas obsessões, talvez, seja a de traduzir em imagens e roupas seu olhar sobre a identidade de moda brasileira. "Já percebeu que as revistas colocam peles no mês de fevereiro? É um absurdo. Há uma mania de acompanhar a cartilha que as revistas gringas' pregam e mostram como sendo tendência, uma palavra que, aliás, não suporto", diz ele.

COLÔNIA Não faltam críticas ao consumidor da elite nacional. "Se tiver uma saia [Alexandre] Herchcovitch e uma Dolce & Gabbana, a mulherzinha vai lá e compra a da [grife] italiana. Somos totalmente colonizados nesse sentido." E se a moda é "foda" --"pelos baixos cachês, pelas blogueiras e pela crítica inexistente no Brasil"--, Martinez tenta combater a pasteurização da imagem em seu projeto mais autoral, a revista trimestral "ffwMag!". São os editoriais da publicação do grupo Luminosidade, que controla as semanas de moda mais importantes do Brasil, que dão gás à obra. Editoriais importantes --em que o stylist vestiu bonecos gigantes do Carnaval de Olinda com roupas de grife ou os do especial "Norte", com direito a uma "Santa Ceia" fashion-- merecem ser vistos mais de uma vez.

FOLHA DE S. PAULO - De volta à Amazônia

Fotógrafa volta à floresta e cria nova série sobre índios

Imagem de nova série da artista Claudia Andujar

Silas Martí de São Paulo

(11/02/2014) Quando Claudia Andujar primeiro teve contato com uma tribo de índios na Amazônia, a fotógrafa conta que nunca tinham visto uma mulher branca. "Eles não sabiam se eu era homem ou mulher, queriam me apalpar", lembra. "Mas não eram desconfiados. Isso era espontâneo, acontecia com gentileza." Mais de quatro décadas depois da primeira visita à selva, Andujar, 82, acaba de voltar à reserva dos ianomâmi, um território que se estende por Roraima e Amazonas na fronteira com a Venezuela. Nas terras que ajudou a demarcar, deu de cara com índios hiperorganizados, que viajam de táxi aéreo e armam enormes assembleias para defender seus interesses. "Fiquei muito surpresa com isso", conta Andujar, que não voltava à Amazônia havia dez anos. "Nunca vi tantos ianomâmis juntos." Nem havia fotografado a face moderna da tribo. Andujar agora pretende mostrar suas novas imagens, em cores, ao lado dos já clássicos retratos em preto e branco da tribo, num novo pavilhão dedicado à sua obra, que o Instituto , no interior mineiro, inaugura em setembro. Será o maior conjunto de sua obra já exibido, com mais de cem imagens de "Marcados", sua série mais célebre, em que retratou os ianomâmi com números de identificação para uma campanha de vacinação nos anos 1980. "Naquela época, eu nem pensava em mostrar isso como arte", diz Andujar. "Esse projeto começou porque tínhamos de ir de aldeia em aldeia para para pegar os dados das pessoas, e eu fui fazendo os retratos delas."

27 HOLOCAUSTO DOS ÍNDIOS Só mais de 20 anos depois é que os "Marcados" ganharam a relevância atual, quando a série foi exposta na Bienal de São Paulo em 2006. Foi então que Andujar, suíça de família judia que fugiu do Holocausto e se radicou no Brasil em 1955, fez a leitura mais contundente desses retratos. "Quando mandavam os judeus para os guetos, também marcavam todos eles com números. Minha família paterna, que era toda de judeus, foi parar nos campos de concentração", lembra. "Não sobrou ninguém. Só eu, porque minha mãe não era judia." No caso dos índios, o horror era outro, mas tão assombroso para ela quanto o genocídio comandado pelos nazistas. Andujar estava na Amazônia quando a construção da Perimetral Norte, estrada iniciada em 1971 e nunca concluída, levou brancos e suas enfermidades a tribos antes intocadas, sem imunidade a doenças comuns. "Aldeias inteiras foram dizimadas", diz Andujar. "Fiquei chocada. Isso me atingiu de um jeito tão profundo que decidi lutar para defender os índios dessa agressão." Mas três anos antes de fotografar os "Marcados" ao mesmo tempo em que vacinavam os índios, Andujar sofreu uma das maiores derrotas nessa briga. "Numa dessas viagens, depois de andar cinco dias a pé em Roirama, encontramos um desastre, uma aldeia onde a maioria dos índios já estava morta." Logo depois, Andujar conta que os militares no poder deram ordens para que ela fosse expulsa da Amazônia. Segundo a artista, tinham medo que uma "gringa" denunciasse o país por violações de direitos humanos. "Fui muito perseguida. Deixei de lado meu trabalho porque estava fora de mim", conta. "Não sabia mais o que fazer com a minha vida." Nesse tempo longe da selva, Andujar conseguiu mobilizar a opinião pública a favor da causa dos índios, um esforço que culminou na demarcação da reserva ianomâmi em 1992, que só foi possível pelos mapas da região que ela havia feito nas viagens. "Ninguém na época conhecia esse território. Foi às escondidas que elaborei esse projeto", diz Andujar. "Então o governo me pediu os dados para que pudessem estabelecer os limites do território." Seu retorno à Amazônia agora parece fechar um ciclo que começou com o encanto de uma estrangeira diante de um território virgem e terminou com uma história de ativismo que durou uma vida.

MÚSICA

O ESTADO DE S. PAULO - Orquestra jovem da Bahia fará turnê pelos Estados Unidos

Músicos do grupo pertencente ao projeto Neojiba vão se apresentar em 11 cidades do país

Laura Greenhalgh

Primeiro concerto será nesta sexta, no Arizona

(10/02/2014) Quando se apresentou no Queen Elizabeth Hall, em Londres, no ano de 2010, a Orquestra Juvenil da Bahia se lançava no cenário internacional abrindo caminho para outras formações do gênero no País. Ou seja, pela primeira vez uma sinfônica juvenil brasileira tocava na Europa, e em salas renomadas. A primazia agora se repete: a partir de amanhã, quando faz uma exibição no Centennial Hall em Tucson, no Arizona, para plateia de 2.500 pessoas, abre o mesmo caminho pioneiro nos Estados Unidos. A nova investida da orquestra, conhecida fora do Brasil pela sigla Yoba - Youth Orchestra of Bahia - se estenderá pelo mês de fevereiro, com 12 concertos em 11 cidades de quatro Estados americanos - além do Arizona, também Missouri, Indiana e Califórnia.

28 Batizada como Bahia Orchestra Project, a turnê americana da orquestra - que já conta com 125 integrantes - sinaliza o cuidado com a exposição internacional de um grupo que nasceu de uma proposta mais sociopedagógica do que musical propriamente dita. Inspirada no modelo venezuelano El Sistema, em que a música é usada como alavanca para o desenvolvimento de crianças e jovens, hoje a Juvenil da Bahia chega aos EUA agenciada pela Columbia Artists, de Nova York, com patrocínio do governo baiano e do Instituto Arapyaú, além do apoio da maior companhia aérea americana.

O forte esquema empresarial, se por um lado parece contradizer os objetivos sociais do projeto, por outro lado marca um dos compromissos desse El Sistema baiano: a vivência musical de seus integrantes, que podem ou não se profissionalizar como músicos no futuro, busca sempre o padrão de excelência. "Na escola, a professora de português não pergunta aos alunos se eles serão escritores. Aqui também não pergunto a esses jovens se virão a ser solistas. Mas, enquanto estiverem no projeto, serão desafiados ao aprimoramento constante", explica o maestro e pianista baiano Ricardo Castro, de 49 anos, que estará à frente da orquestra ao longo da turnê.

Na verdade, Castro está na origem dessa movimentação musical do Estado da Bahia, que chama atenção de músicos e especialistas estrangeiros. Pianista premiado e com carreira internacional, pôde ver de perto o projeto socioeducativo fundado, em 1975, pelo economista e musicista venezuelano José Antonio de Abreu, isso no ano de 2006, justamente quando se apresentava como solista em Caracas. Ficou impressionado com a vitalidade do El Sistema, que até agora disseminou cerca de 180 orquestras jovens pelo país, alcançando 350 mil participantes: lá trás, Castro viu como o programa conseguia envolver crianças e jovens carentes, numa ação social cujo motor é a música de concerto. Vidas eram transformadas simplesmente a partir da experiência musical compartilhada.

De volta ao Brasil, decidiu correr atrás de apoios para implantar algo nos mesmos moldes na Bahia. E assim, em 2007, nascia o Neojiba - Núcleo Estadual de Orquestras Juvenis da Bahia -, que viria a se tornar programa prioritário do governo local. Entrando em seu oitavo ano, o Neojiba pretende triplicar o número de integrantes, alcançando 2.700 jovens de todo o Estado não só em orquestras, mas em grupos de câmara e formações corais. Essa expansão marca a transferência do programa da Secretaria de Cultura para a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, o que possibilitou aumento de 40% no seu orçamento - estava em R$ 4,5 milhões, foi para R$ 7 milhões.

A Juvenil da Bahia é a formação que reúne os músicos com melhor desempenho em todo o núcleo, numa faixa etária que vai de 14 a 29 anos. Ou seja, para quem entra no Neojiba, chegar a ser um Yoba é meta. "Ainda assim o espetáculo não é nosso objetivo. Aqui a música é meio, não um fim", insiste Castro, que também responde pela direção-geral do programa em que a expressão "inclusão social" foi substituída por "integração social". Explica-se: em torno de 90% dos participantes do Neojiba vêm das camadas menos favorecidas. 10% saem da elite socioeconômica da Bahia. Pois os "diferentes" têm que aprender a tocar juntos e a conviver, assim como os instrumentistas mais adiantados têm que ajudar os menos preparados. Hoje, 50% dos membros da Juvenil da Bahia dão aula nos cursos do Neojiba, que por sua vez já formou sete orquestras e dá suporte a outras que vão pipocando no interior do Estado. O programa oferece não só a formação musical, como instrumento, material pedagógico, auxílio-transporte e alimentação, além de bolsas de estudo. Mas condiciona tudo isso à permanência no sistema escolar.

Debutar no circuito americano e se preparar para ser a orquestra residente do Festival de Montreux deste ano, na Suíça, dá uma ideia do fôlego de trabalho da Yoba, uma juvenil que já tocou ao lado de estrelas como os pianistas Lang Lang e Maria João Pires. Nesse constante jogo entre amadurecimento artístico e formação pessoal, talentos vão sendo catapultados. Por exemplo, Geisa Santos, de 24 anos, moradora de um subúrbio de Salvador, entrou no Neojiba para estudar viola. Hoje se aperfeiçoa na academia da Filarmônica de Berlim, com bolsa do Mozarteum Brasileiro. David Matos, de 29, que chegou para estudar violoncelo, acabou sendo mandado à Suíça, para receber formação como luthier. Agora não só cuida do acervo geral de instrumentos, como os constrói, também. Yuri Azevedo, de 21, prêmio de regência do Festival de Inverno de Campos do Jordão, está estudando em Maryland, nos EUA. Já é visto como uma estrela ascendente no pódio. Vale lembrar que a sensação do mundo da regência, hoje, é o venezuelano Gustavo Dudamel, saído das fileiras do El Sistema.

29 A orquestra viajou aos EUA com cinco programas de repertório, sendo um deles dedicado exclusivamente a autores latino-americanos. Os restantes mesclam obras universais de Tchaikovsky, Ravel ou Stravinski, aos latinos Revueltas e Arturo Márquez, além de brasileiros como Villa-Lobos, , Lorenzo Fernandez e Wellington Gomes. No concerto de amanhã, o solista convidado será o pianista francês Jean-Yves Thibaudet, interpretando o Concerto em Sol, de Ravel. Já o pianista canadense Stuart Goodyer e o próprio Ricardo Castro se apresentam como solistas ao longo da excursão. Com várias atuações previstas para Montreux , no verão europeu, este ano a Juvenil da Bahia não participará do festival Música em Trancoso (MeT). Também em 2014 acontece o lançamento do primeiro CD e do segundo DVD da orquestra.

O GLOBO - Candeia vive

Show de Teresa Cristina, desfile do bloco Timoneiros (de ) e evento beneficente para escola de samba fundada pelo autor de ‘Preciso me encontrar’ prestam tributo ao compositor

Candeia em festa. Hoje, Teresa Cristina (abaixo) canta no Circo Voador; no dia 23, Paulinho e Selma Candeia comandam o Timoneiros

Silvio Essinger

(06/02/2014) RIO - Gravado em 1965 por Elizeth Cardoso, o samba “Minhas madrugadas” uniu em parceria dois talentosos sambistas portelenses de diferentes gerações: o novato Paulinho da Viola e o experiente Antônio Candeia. Um encontro que, como Paulinho lembraria cerca de um ano depois, num momento de quase epifania durante uma reunião da ala de compositores da escola, não era o primeiro. Eles haviam se conhecido bem antes do que imaginavam — e não por causa da música ou da . Foi por volta de 1962, numa noite em que o rapaz matou aula com o amigo Moisés para jogar sinuca no Largo do Machado. — Num dado momento, entraram dois homens, que cruzaram os braços e ficaram vendo a gente jogar. Quando acabou a partida, um deles se apresentou como policial e nos pediu os documentos, mas muito educadamente. Entregamos, ele olhou os papéis, depois os devolveu, não falou nada e saiu — conta Paulinho. Depois da iluminação, nem foi preciso perguntar muito: sim, tinha sido Candeia o policial a arrochar o rapaz. — Quando contei a história, ele perdeu a fala. Se tivesse um buraco, ele entrava. Me arrependi de ter falado! — diverte-se o cantor, que se une a outros nomes do samba neste mês de fevereiro em uma série de homenagens ao autor de “O mar serenou” e “Preciso me encontrar”, entre outros clássicos. Nesta quinta-feira, às 23h, a cantora Teresa Cristina estreia no Circo Voador o seu muito adiado espetáculo em tributo a Candeia. No domingo, a partir das 17h, na Arena Carioca Fernando Torres, no Parque Madureira, uma grande roda de samba festeja o compositor em evento cuja renda irá para o Granes Quilombo, escola de samba fundada pelo compositor em 1975. Hoje dirigida por sua filha, Selma Candeia, a escola teve sua sede em Acari alagada pelas chuvas de dezembro, com grandes prejuízos. E, no dia 23, o Timoneiros da Viola, agremiação criada em homenagem a Paulinho, vencedora do Prêmio Serpentina de Ouro de Melhor Bloco do Carnaval 2012, se apresenta a partir do meio-dia, na Praça Paulo da Portela, em Madureira, celebrando a obra de Candeia (leia mais ao lado). Nascido em 1935, Antônio Candeia Filho trouxe a música do berço e, antes dos 20 anos de idade, já tinha composto, com Altair Marinho, seu primeiro samba-enredo para a Portela, “Seis datas magnas”, com o qual a escola foi campeã do carnaval de 1953. Aos 22, entrou para a Polícia Civil como investigador, mas, oito anos depois, após abordar um caminhão e disparar várias vezes nas rodas do veículo, foi surpreendido pelo motorista, que lhe desfechou cinco tiros — um dos quais o deixou paralítico. Afastado da polícia, passou a se dedicar integralmente ao samba. Morreria ainda jovem, aos 43 anos. Paulinho da Viola tinha por Candeia, apenas sete anos mais velho que ele, um respeito profundo (“Eu era muito novo, não sabia nada, e ele tinha muito cuidado comigo”, conta). No começo dos anos 1970, eles começaram a alimentar um projeto juntos: o de recriar com crianças o primeiro enredo da

30 Portela, “O samba dominando o mundo”, de 1935. O plano não foi adiante porque, segundo o cantor, “com o tempo a gente percebeu que não havia muito interesse (da escola), que o pessoal estava mais preocupado com o carnaval, com o poder”. Esse descontentamento com a Portela e a preocupação com a falta de espaço para os sambas de quadra levariam Candeia a fundar o Quilombo, com o apoio de amigos como Paulinho. — A criação do Quilombo foi importantíssima para a história do samba. Aquela era a a escola ideal — defende Teresa Cristina, que começou a cantar samba justamente por causa de um dos LPs de Candeia, “Sambas de roda” (1975), que seu pai ouvia insistentemente quando ela era menina. — Este meu show é uma espécie de mea culpa. Ele tem o repertório de uma vida, há 15 anos eu venho querendo fazer um espetáculo só de Candeia. A luta, a esperança, a carga filosófica e o lirismo da obra do compositor encantaram Teresa, que diz apreciar as melodias dos sambas-enredo de Candeia tanto quanto seus partidos-altos e suas canções românticas (“Tudo ali é legítimo, correto e muito bem feito”). No repertório de seu show (que teve uma espécie de “ensaio aberto” no ano passado, no Teatro Net Rio), a cantora reúne, entre números isolados e pot-pourris, cerca de 30 canções — de Candeia e de alguns outros compositores por ele gravados. Estarão lá, segundo Teresa, os “hinos”, como “Testamento de partideiro” e “Dia de graça”. E mais o sambista ligado ao candomblé, de “Sinhá dona de casa” e “Camafeu” (esta, de ), ambas gravadas em “Samba de roda”. Partidos- altos, como “Samba na tendinha” e “Já clareou” também têm seu lugar garantido na noite, ao lado das imortais “O mar serenou” e “Anjo moreno”, que foram sucessos na voz de Clara Nunes. Em “Teresa Cristina canta Candeia", a cantora mais uma vez conta com a direção musical do violonista Paulão Sete Cordas, que sugeriu incluir um coro feminino e garantir, como ela diz, “o peso necessário” ao espetáculo.

Timoneiros da Viola e a volta da folia à Zona Norte A ideia original do presidente do Timoneiros da Viola, Vagner Fernandes, era que, agora, em seu terceiro ano, o bloco homenageasse o Partido em 5, grupo de Candeia que defendeu com sucesso o samba de raiz nos anos 1970. Num papo com o patrono e razão de ser da agremiação, Paulinho da Viola, veio então a ideia de abrir para a vasta obra do sambista o desfile de 2014. — O que eu acho muito importante na obra do Candeia é a atemporalidade. Ela atravessa gerações e continua sendo referência para todo mundo que se inicia na tradição do samba — diz Vagner, para quem se deve ressaltar “a importância do Candeia não só como músico, mas como um pensador da cultura negra, da ancestralidade africana”. A novidade deste ano do Timoneiros é uma roda de partido-alto em cima de um trio elétrico, no dia 23, com o grupo Produto do Morro, formado no Granes Quilombo. — Quando meu pai fundou o Quilombo, ele não tinha a intenção de agredir ou de desafiar as outras escolas. O que ele queria era mostrar a verdade do samba — conta Selma Candeia, que depois de anos afastada da escola, voltou em 2008 e ajudou a coordenar atividades como oficinas de percussão, aulas de capoeira e rodas de samba na comunidade de Acari: — Com as chuvas do ano passado, perdemos documentos, computadores e outros equipamentos. Hoje, estamos nos reerguendo com a ajuda dos amigos. Além do Quilombo, o Timoneiros conta neste ano com a participação do sambista Marquinhos de Oswaldo Cruz. Pelo segundo ano, ele coordena a parceria do bloco com a Feira das Yabás, evento gastronômico-sambístico que junta, todo segundo domingo do mês, na rua, em Madureira, as grandes quituteiras e os grandes partideiros. Ele comanda na feira a roda de samba com Paulinho da Viola, Teresa Cristina e outros convidados. E apresenta uma parceria póstuma com Candeia, “Luz de verão”. — Quando eu era criança em Madureira, os blocos seguiam a linha do trem, pela Estrada do Portela. Mas a violência, aos poucos, foi acabando com o carnaval na Zona Norte. Agora estamos ajudando a trazer de volta a euforia pela festa — diz Marquinhos.

O ESTADO DE S. PAULO - A força do jazz brasileiro em disco de Dani e Debora Gurgel

Filha e mãe fazem show do álbum 'Um' no Sesc Pompeia

Julio Maria - O Estado de S. Paulo

(07/02/14) Se quisessem romancear a vida, Dani e Debora Gurgel, filha e mãe, poderiam dizer que a música que fazem é capaz de provocar um terremoto de 6,9 graus de intensidade na escala Richter. Foi assim em Tóquio, no Japão, quando estiveram por lá para lançar o álbum Um, que fizeram em

31 quarteto - além da voz de Dani e o piano de Debora, estão a bateria de Thiago Rabello e o contrabaixo acústico de Sidiel Vieira. Dani era entrevistada pelo locutor quando Forró Brasil, de que elas regravaram, começou a tocar. Neste exato instante, Tóquio tremeu. Os músicos tentaram disfarçar o pânico no 12.º andar onde ficava o estúdio da emissora, mas o locutor percebeu: "É o primeiro terremoto de vocês?". E logo depois, se dirigindo aos ouvintes, continuou: "Ainda não temos informações sobre possíveis tsunamis. Vamos seguir com as convidadas...".

Dani e Debora com Thiago Rabello e Sidiel Vieira

A boa notícia viria logo. Enquanto a terra dançava ao som de Hermeto Pascoal, os japoneses compravam o disco das Gurgel pela internet e esgotavam o estoque que a gravadora brasileira havia mandado para o Japão. "Os álbuns acabaram", anunciou o locutor. Só por hoje, às 21 h, o quarteto das Gurgel se apresenta no Sesc Pompeia.

O piano de Debora é refinado, pensa como um músico de jazz sem disfarçar o sotaque brasileiro. Ex-aluna do Clam, lendária escola de música do grupo de samba jazz dos anos 60 Zimbo Trio, ela recolocou a música em sua vida de professora de engenharia elétrica a partir de uma conversa com o pianista Amilton Godoy, então seu ex-mestre de piano. "Você nunca vai ser feliz enquanto não assumir a música que está aí dentro." Debora voltou a tocar como se desse vazão a uma represa abrindo uma torneira.

Dani, 28 anos, trabalha bem a voz. Não tenta malabarismos, não banaliza vibratos nem usa falsas empostações. Canta com cabeça de instrumentista, nota a nota, e em uma região que, mesmo curta, a deixa sempre à vontade. Fica tudo muito visível, o piano de mãos tranquilas de Debora e a voz suave de Dani, graças também à gravação no estúdio do baterista Thiago, produtor do álbum, que valorizou a linguagem jazzística, limpa e orgânica, de baixo e bateria.

A parte do repertório revisitado, além de Forró Brasil, de Hermeto, inclui Bala com Bala, de João Bosco e Aldir Blanc, e Rock With You, surpreendente no formato, gravada por Michael Jackson. Em Quiet Little Lady, de Debora, há memórias de Chick Corea. O também pianista norte-americano dava um workshop quando percebeu na sala uma aluna sempre muito quieta. Ao se deparar com o tema que ela havia feito, Das Américas, ele a batizou assim "a quiet little lady from Brazil who blew us away" (a mocinha quieta do Brasil que nos surpreendeu).

Dani sofre de uma hiperatividade artística que a faz, além de cantora, produtora de vídeo, fotógrafa e empreendedora de projetos. Um deles, o Música de Graça, está em busca de patrocínio para lançar sua terceira edição.

A ideia é juntar dois músicos para tocarem algo novo, fresco, que nunca foi gravado. Assim, consegue fazer em seu bem editado programa de internet musicadegraca.com.br) um voo sobre as cabeças mais interessantes da nova música brasileira, a nova mesmo, que está sendo feita neste momento.

As duas primeiras edições contaram com mais de 30 gravações, cerca de 90 artistas envolvidos, que renderam mais de 1 milhão de views.

THAT'S SHANGAI (CHINA) - Interview: Lisa Ono, the queen of bossa nova

(10/02/2014) Born in Brazil but raised in Japan, Lisa Ono had a varied cultural childhood. Despite leaving Sao Paolo as a child, the musical influences she absorbed there remained with her for the rest of her life, compelling her to return. Her music has found broad popularity in China, where she is hailed as the queen of bossa nova. Here, she shares a few of her personal philosophies before her highly anticipated Valentine’s Day show at Shanghai Grand Stage...

32 Many bossa nova performers have said Brazil and bossa nova are inextricably linked. True? Bossa nova was born in Rio de Janeiro, Brazil. The Brazilian people are a very happy and spontaneous people who love football and samba, but at the same time when they look at the beautiful seas and mountains at the end of the day, they feel like relaxing and singing to their lovers in the romantic bossa nova style.

“Everything that followed ‘Girl from Ipanema’ is watered down bossa nova.” Discuss... 'The Girl from Ipanema’ is the most beautiful song I have ever known. I have sung it for many years, many times, and every time I sing the song it is amazing to discover the magic that is in the song.

Tell us more about the Japanese bossa nova community, I couldn’t think of anything more seemingly disparate. Are there links? The delicate sound of bossa nova makes Japanese people very relaxed – well, not only the Japanese people, but especially them. In this fast-going world, we all need to be relaxed.

You grew up in both Brazil and Japan. Which one do you consider home? I left Brazil when I was 10, but after I turned 20 I started to go to Brazil, and I feel both countries are my home. There are so many differences, but like the yin and yang – it completes myself as one.

What’s the most interesting experience you’ve had touring China? Maybe the Chinese food. Eating snakes, frog, catfish and so on. Actually, it tastes so good!

What was it like working on the TV singing competition Asian Wave? I had a great time listening to the talented young singers and could share the happiness of the winners’ emotions. Even the ones who did not get the prize, they were putting in all their passion, and that is real music for me.

Finally, what does bossa nova means to you? Bossa nova is the north and the south, the east and the west.

O ESTADO DE S. PAULO - Série sobre Dominguinhos será lançada na internet

Em maio, chega também aos cinemas um documentário

Flávia Guerra - O Estado de S.Paulo

(12/02/2014) "Um menino que chegou de um outro ambiente e que de repente começou a viver o mundo glamourizado e que passou a expressar fascínio por este mundo? Não. Dominguinhos esteve sempre na dele. Sempre ali..." Assim fala de Dominguinhos, amigo de longa data com quem rodou o Brasil tocando grandes sucessos e de quem gravou vários outros, em Dominguinhos +, web série que estreia no dia 26 e traz em oito capítulos encontros do músico com parceiros com quem dividiu o palco, as músicas, as ideias e os sonhos ao longo de sua carreira.

Morto em julho de 2013, Dominguinhos, um dos maiores sanfoneiros (como gostava de ser chamado) que o Brasil já teve, faria 73 anos hoje. E ganha em sua homenagem não só a série, mas também Dominguinhos, documentário em longa-metragem que deve chegar aos cinemas em maio.

O que será que ele acharia do documentário? "Acho que ele iria gostar e se emocionar. Chegamos a mostrar uma primeira versão para ele há alguns anos, quando ainda estávamos na fase de entrevistas, mas ele, que já enfrentava o câncer há tempos, ficou emocionado e pediu para pararmos", contam a produtora executiva Deborah Osborn e o diretor-geral da série Felipe Briso, sócios da produtora bigBonsai. "Hoje, com a série e o documentário, ele se veria de forma como nunca teria se visto. E é isso que as pessoas verão. Um cara encantador que vai muito além do sanfoneiro, um grande instrumentista, cantor e compositor", completa o músico Eduardo Nazarian, que ao lado de Mariana Aydar e Joaquim Castro assina a direção do documentário.

33 Briso, que é produtor do documentário e diretor-geral da web série, é quem explica o porquê de se dividir em dois produtos distintos um projeto que nasceu único, com a concepção de Mariana, Nazarian e Duani. "Trabalhamos há cerca de seis anos neste projeto. Temos 60 horas de material filmado, que registram desde shows a momentos mais íntimos, passando por uma viagem com ele a Garanhuns, sua terra natal. E também, como parte do projeto inicial, produzimos e gravamos encontros dele com diversos músicos", diz o produtor e diretor. "Mas no processo de montagem, com o Joaquim Castro, fomos percebendo que era a força da voz do próprio Dominguinhos, contando sua história, que deveria estar no documentário. E os encontros foram ficando de lado", completam Mariana e Nazarian.

O que fazer, então, diante de um material raro, que traz o sanfoneiro em instantes memoráveis com nomes como Gil, Hermeto Pascoal, João Donato, Wilson das Neves, Luiz Alves, , Lenine, Mayra Andrade, Yamandu Costa, Hamilton de Holanda, Djavan e Orquestra Jazz Sinfônica? "Transformar isso em uma série paralela ao longa, mostrar isso ao público e prestar essa homenagem a um dos maiores músicos que já tivemos", respondem Briso, Mariana e Nazarian.

São esses encontros que, a partir do dia 26, vão ao ar toda quarta até abril, pelo canal do projeto no Facebook (www.facebook.com/dominguinhosmais) e no YouTube (www.youtube.com/dominguinhosmais).

Mais que meros registros, os encontros, gravados em um estúdio, possuem qualidade de som impecável e serão em breve transformados em CD. Além disso, quem assistir a cada um dos encontros poderá, ao final, clicar em um link que dará acesso a outras duas músicas gravadas por ele e pelos convidados. Ao todo, nesta playlist especial, haverá 16 canções interpretadas por Dominguinhos e parceiros que complementam os minidocumentários.

Já Dominguinhos, o filme, tem estreia prevista para maio e deve passar antes por grandes festivais. Um dos confirmados é o Bafici ( Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires), em abril. "Com linguagem mais artística, é narrado em primeira pessoa, tem imagens poéticas e refaz a trajetória do menino que saiu do sertão, chegou ao Rio em 1954, foi pedreiro, morou muitos anos em Nilópolis, foi descoberto por e pelos grandes músicos brasileiros dos anos 70", dizem Mariana e Nazarian.

Foi com Nazarian, aliás, que tudo começou. "Vi Dominguinhos tocar uma vez em uma livraria. Ele estava tão despido de qualquer artificialidade. Era tão ele, tão íntegro e ao mesmo tempo tão sofisticado ali, fora do ambiente dos shows de baião em que eu sempre o via. Quando o vi sem o chapéu de couro, que pensei que estava diante de um músico complexo e, ao mesmo tempo, simples. E pensei: temos de fazer um documentário sobre ele", relembra Nazarian, que em seguida dividiu a ideia com a amiga Mariana Aydar.

E assim o projeto começou. "Só tempos depois, quando já estávamos registrando muita coisa, em um momento em que ele estava enfrentando o câncer e que mesmo assim era capaz de fazer dois shows em uma noite, e dirigir de um para outro, nos acompanhar nas gravações e ainda assim sorrir é que conseguimos patrocínio. A partir daí, produzimos os encontros com os músicos e, finalmente, terminamos o projeto", acrescentam Mariana, Briso e Nazarian. O resto é música. E história para ser contada e vista.

O ESTADO DE S. PAULO - Tulipa Ruiz mostra seu pop dançante de verão

Com 'Megalomania', nova composição, cantora faz quatro apresentações no Cine Joia e no Sesc Bom Retiro

Murilo Bomfim

(12/02/2014) Desde agosto de 2012, quando estreou o show do álbum Tudo Tanto, Tulipa Ruiz fez 120 apresentações em várias regiões do Brasil (desde Porto Alegre até Belém, quando participou do festival Se Rasgum) e em outros 8 países. E, mesmo disponibilizando seu CD para download grátis no site oficial, atingiu 15 mil cópias vendidas. O resultado do trabalho de Tulipa é bem notável, mas não é disso que trata sua mais nova composição, Megalomania.

34 "Tudo começou numa brincadeira", diz a cantora. "Estávamos em uma passagem de som e tinha um amplificador por perto, mas que não seria usado no show. O baterista perguntou 'se eu usar esse amplificador aqui, é muita megalomania da minha parte?'. Aí todo mundo começou a tirar onda com ele por causa da palavra."

A partir daí, a canção saiu naturalmente. No meio do ensaio, a banda começou a arriscar os acordes e a letra foi chegando à mente de Tulipa, que começou a pensar em uma pessoa, segundo ela, com o rei na barriga. "A brincadeira com a música ficou tão mais legal que eu nem lembro se, no fim, usamos ou não o amplificador."

Classificada pela própria autora como um "pop dançante de verão", a canção tem mesmo uma batida animada e lembra carnaval. Com um refrão simples e pegajoso, que diz "Isso é megalomania dele/ Megalomania dele/ Megalomania dele", Tulipa fala sobre um cara que "Dá uma coisa, quer duas/ Pede uma coisa, quer outra/ Dá a mão e quer o cotovelo".

Tocada para o público pela primeira vez em um show no Circo Voador, no Rio, no início de fevereiro, a música contagiou o público, que pediu repeteco na hora do bis. Na ocasião, o trio paulistano O Terno, que participava da apresentação, também cantou a faixa.

Em São Paulo, Megalomania será lançada em um show amanhã, no Cine Joia, e em três outras apresentações (com ingressos já esgotados e entrada sujeita a fila de espera) no teatro do Sesc Bom Retiro.

Tulipa leva a banda para o estúdio hoje à tarde, para fazer o registro da música. A ideia é disponibilizá-la para download em seu site oficial (www.tuliparuiz.com), assim como faz com seus discos, na semana anterior ao carnaval.

"Deu muita vontade de gravar essa música, colocá-la no repertório. Para mim, é uma música de verão. Quero apresentá-la nesse momento de calor, de pré-carnaval que a gente está agora", conta. Para Tulipa, Megalomania é tão quente que depende do clima do show para entrar na set list. "Tem de ver como vai estar, como vai ser quando chegar o inverno", ri.

Ao contrário do que se pode deduzir, a nova canção não sinaliza a chegada de um novo disco. A turnê de Tudo Tanto segue até o fim de 2014. Até lá, Tulipa diz querer viver intensamente o projeto, sem, ainda, se preocupar muito com o que vem pela frente. "Esta música é de entressafra, que tem a ver com o meu momento agora. O CD novo é ano que vem. Meu processo é assim: até o fim da turnê, eu só penso naquele disco. No dia seguinte, eu começo a refletir sobre o disco novo. Então, tudo que pinta de ideia, eu registro, mas presto pouca atenção."

A tensão de lançar um novo disco, que vem com a responsabilidade de manter o sucesso dos anteriores, não abala a cantora. "Essa questão surgiu quando passei do Efêmera (seu primeiro álbum) para o Tudo Tanto, e hoje vejo que ela vai sempre existir", brinca. "Mas não tenho medo. Se for prazeroso para mim e para a banda e se der vontade de levar as criações para o palco, tá valendo. Se eu não gostar de nada do que foi feito, eu não lanço. Esse compromisso com o que as pessoas vão achar do disco pronto é um pensamento perigoso. O artista deve esquecer dessa pergunta e fazer o disco com toda a gana possível."

Passe livre. Tulipa ainda não consegue mensurar as consequências de liberar sua arte para download grátis, mas diz que, até agora, os efeitos foram positivos. "O download alavancou as minhas vendas físicas e contribuiu para a distribuição dos meus discos", diz. "Antes, o caminho até a música era mais reto, tinha de ir na loja comprar. Agora tem YouTube, TV... a busca pela música é híbrida e o artista deve cuidar de todos os perfis."

35 O GLOBO - Céu de reggae

Fã do gênero, cantora vai interpretar o lendário disco ‘Catch a fire’, de Bob Marley, em shows no Rio durante o carnaval

Carlos Albuquerque

(12/02/2014) RIO - A previsão para os dias 28 de fevereiro e 1° de março no Rio é de Ceú com rajadas de reggae. E não é uma nuvem passageira essa que vai trazer a cultuada cantora paulistana ao palco da Miranda, em cima do carnaval, para dar sua versão de “Catch a fire”, o clássico disco de Bob Marley and The Wailers, lançado em 1973. A artista, que já batizou seu segundo disco de “Vagarosa” (2009) e fez uma música chamada “Malemolência” no seu homônimo álbum de estreia (2005), garante que tem sintonia com o desacelerado ritmo jamaicano desde os tempos de adolescente. — A música jamaicana faz parte da minha vida — conta ela. — E, ao longo dos anos, essa paixão só foi crescendo, à medida que ia descobrindo novos artistas e comprando discos, fossem de ska, lovers rock ou dancehall. Como cantora, é uma escola muito boa, porque há muitas referências de soul e r&b nos seus intérpretes. E, no geral, há também muita coisa legal em termos de texturas e timbres. De fato, há provas irrefutáveis desse relacionamento na carreira de Céu. Seu mais recente trabalho, “Caravana sereia bloom”, de 2011, tem a embalante “You won’t regret it”, da obscura dupla Lloyd & Glen, que a cantora usava para embalar sua filha, Rosa Morena. E seu début já trazia uma versão de “Concrete jungle”, a mesma música que abre o imortal trabalho de Bob Marley and The Wailers, marco fundamental na história do reggae e invariavelmente considerado um dos maiores discos de todos os tempos (a revista “Rolling Stone” o incluiu em sua lista dos 500 álbuns mais importantes da música pop). — Hoje eu vejo que foi uma tremenda ousadia regravar “Concrete jungle” já no meu primeiro disco, porque esse é um clássico, e muita gente acha que não se deve mexer em clássicos. Mas penso que música é para ser cantada, ainda mais com respeito e devoção, como foi o caso. E é com esse mesmo sentimento respeitoso que Céu volta a “Catch a fire”, desta vez não apenas à faixa de abertura, mas também às suas outras oito hipnóticas canções, marcadas por letras sobre injustiças sociais, racismo, religião (e amor também). Esse abraçaço no disco gravado por Marley, Peter Tosh e Bunny Wailer surgiu a partir de um convite do site Radiola Urbana para que a cantora participasse do projeto 73 Rotações, que desafiou um grupo de artistas selecionados a reinterpretar alguns memoráveis discos lançados em 1973, em shows no Sesc Santana, em outubro do ano passado. Karina Buhr, por exemplo, reviu “Secos & Molhados”, enquanto o Cidadão Instigado lembrou “Dark side of the moon”, do Pink Floyd. — Quando o Ramiro (Zwetsch, do Radiola Urbana e um dos curadores do projeto) me fez o convite, eu pirei. Mudei até a data original do show para encaixar na minha agenda porque eu não poderia perder essa oportunidade de forma alguma — conta Céu. — Fiz uma imersão no disco, fiquei quase bitolada de tanto ouvir “Catch a fire”, uma vez atrás da outra. Mas valeu a pena. O show foi ótimo. Tão ótimo que, com ingressos rapidamente esgotados, a cantora teve que fazer mais duas apresentações. E é esse mesmo show que ela traz ao Rio pela primeira vez, mostrando não apenas sua interpretação do clássico, mas também a forma como resolveu alguns detalhes cruciais, como a falta de vocais de apoio femininos, feita de forma marcante no original, com Rita Marley e Marcia Griffiths (que mais tarde, com a chegada de Judy Mowatt, seriam batizadas como as I-Threes). — Isso foi uma encrenca — brinca a cantora. — Sempre gostei do vocal das I-Threes, dessa interação de coro e resposta que elas faziam. Foi algo, inclusive, que eu trouxe para o meu trabalho. Mas não tinha como trazer vocais de apoio para o show, que faço com a minha banda (Dustan Gallas, guitarra e vocal; Lucas Martins, baixo; Chiquinho, teclados e vocal; Bruno Buarque, bateria; Zé Nigro, guitarra e vocal; e DJ Marcos, MPC e toca-discos). Acabamos resolvendo isso com os meninos da banda fazendo os vocais, homens cantando em falsete, o que acho lindo, e com o Marcos soltando alguns samples da minha própria voz. Descartando a ideia de gravar um disco ao vivo desse show (“Um disco do disco não ficaria legal, ainda mais desse disco, talvez um DVD, mas não tenho certeza ainda”), Céu prefere valorizar cada uma das apresentações.

36 — São momentos efêmeros, que não vão ser gravados, ficando apenas na memória de quem for aos shows. Isso é legal também — conta ela, adiantando que não vai ficar na cidade para o resto do carnaval. — Achei incrível essa coincidência de os shows no Rio serem no carnaval. Gosto da festa, mas não sou de pular e ir para o meio da multidão. Vou para Recife, só para curtir mesmo.

LIVROS E LITERATURA

CORREIO BRAZILIENSE - Ah, se eu soubesse velejar...

Irreverente e genial, o paulista Marcelo Mirisola conta a trajetória no mundo da literatura sem filtrar as palavras

Mateus Vidigal

(08/02/2014) “Tenho uma vocação desgraçada”, é o que diz o escritor Marcelo Mirisola sobre a atividade que o escolheu. “Preferia ter vocação para qualquer outra profissão, garçom, qualquer coisa que não fosse literatura.” Não foi por falta de tentativas. De estudante de agronomia a vendedor de antenas parabólicas e cosméticos, o paulista de 47 anos traz na bagagem 13 livros publicados, entre romances, coletâneas de crônicas e contos — a maioria na última década, além de participação em outras obras.

Talvez Mirisola possua tanto admiradores quanto desafetos. O prefácio de O Cristo empalado, assinado por Aldir Blanc, não possui meias palavras. “Nós, embora atolados em profunda miséria, temos o Montaigne do século 21. O nome dele é Marcelo Mirisola.”

Aos 23 anos, o jovem Mirisola não havia lido praticamente nenhum livro. A família não possuía relação alguma com literatura e ele mesmo não desenvolvera gosto pelo assunto enquanto cursou o colegial. “Não sou de uma família de intelectuais”, diz o escritor. Em meio a risos, conta que era péssimo em redação e que odiava as aulas de literatura. Com pais comerciantes, Mirisola é um dos três filhos do casal. Um irmão é corretor de imóveis e o outro é vendedor de carros.

Quando terminou o colegial, cursou três anos de agronomia antes de iniciar o curso de direito, no qual possui diploma. “Alguma coisa que me atraiu na faculdade, mas não sabia o que era. Fui descobrir há pouco tempo que era fetiche por aquelas mulheres sérias vestidas com meia calça e de terninho,”conta.

Como um louco Sem muita pretensão, Mirisola passou a escrever textos que não sabia definir o que eram. Escrevia e os guardava na gaveta. Paralelamente, o hábito de ler cresceu exponencialmente. “Comecei muito tarde, mas depois li tudo que apareceu pela frente. Fiquei 10 anos lendo feito um louco.”

Durante o tempo que passou na faculdade, o escritor envolveu-se em diversas atividades profissionais. Foi proprietário de uma escuna e trabalhou com turismo, até que um acidente culminou com o afundamento da embarcação — teve que arcar com multas por colocar em risco a vida de tripulantes — e com o fim da breve carreira no setor. Ele ainda tentaria vender produtos de beleza e cosméticos, além de antenas parabólicas. Nada disso duraria muito.

Terminado o curso de direito, Mirisola se encontrou sem dinheiro e sem perspectiva em atuar na área. “Quando me formei, percebi que havia feito tudo errado. Estava quebrado. Resolvi que era hora de voltar para a casa do meus pais, em São Paulo.” Assim o fez. Ao chegar lá, viu que o clima não lhe era favorável. Todos aqueles anos dedicados à faculdade, e os gastos decorrentes dos estudos

37 criaram dúvidas sobre a validade do investimento feito pela família de Mirisola. Foi quando ele decidiu ir para Santos, onde o avô morava, e passar um tempo por lá até que os ânimos se acalmassem.

O avô, apesar de não possuir contato com literatura e ler basicamente a Gazeta Esportiva para saber de notícias sobre o Palmeiras, para o qual torcia, resolveu apoiar o neto na empreitada de escritor em formação. Foi quando pegou o dinheiro reunido ao longo de cinco anos em um título de capitalização e deu para que o escritor aprendiz viajasse pelo Brasil. Durante um ano, o então jovem escritor visitou cidades do país e se dedicou àquilo que seria sua atividade até os dias de hoje. Marcelo Mirisola tinha o primeiro livro pronto. O desafio agora seria publicá-lo.

Uma aventura Sem nenhum contato no meio editorial, ele mandou originais para todas editoras que lhe vinham à mente. “Naquela época, publicar era uma aventura. Não conhecia ninguém no mercado. Não tinha acesso àquelas pessoas”, conta. Foram oito anos de recusa antes que conseguisse emplacar o primeiro livro. À época, Maria Rita Kehl leu o original do Fátima fez os pés para mostrar na choperia e achou “maravilhoso”, segundo o próprio Mirisola. Ela o apresentou para um editor da editora Estação Liberdade, que viria a publicar o livro em 1998. O escritor teve de vender o Fusca que possuía para arcar com metade dos custos da edição.

A partir de então, o nome de Marcelo Mirisola se tornaria notável no cenário contemporâneo da literatura brasileira. No ano 2000, dois outros títulos do escritor seriam lançados. Em 2003, outros dois. E assim a produção dele se manteve constante e frequente durante toda década e se estendeu até o início da seguinte. Superadas as influências, encontrou a própria voz e o próprio texto.

“No início, fui muito paparicado por todos. Me chamaram de gênio e me idolatraram. Claro, todo mundo gosta de ser elogiado. Mas fiquei de saco cheio disso tudo e comecei a desautorizar as pessoas. Tenho um prazer danado em tirar essa aura de profundidade.” Depois de se tornar alvo de elogios, o escritor passou a ganhar uma lista de desafetos que discordavam da conduta que possuía. Durante esse período, afirma que perdeu a mão. “Em vez de fazer literatura, me dedicava a desautorizar essas ‘autoridades’”, conta.

“Minha credibilidade vem da minha parcialidade”, afirma Mirisola. O escritor conta que passou por maus bocados para conviver no meio literário. Conflitos que aconteceram durante feiras do livro em Paraty (RJ) ou então em debates promovidos por eventos de literatura, acabaram por livrar Mirisola de receber “tapinha nas costas de gente que odeio”.

Com “hipócritas” “Não fui levado a Frankfurt porque tiveram medo de que me comportasse mal. Já recebi carta de advertência de editora. Já me pressionaram a ficar quieto. Mas quem pede para um escritor ficar quieto?”, questiona. E não para por aí. Ao menos o escritor comemora o fato de não ter de conviver com ‘hipócritas’ e afirma que “o jornalismo cultural está afogado nesse mundinho das celebridades, das trocas de favores, é um oba-oba generalizado.”

Mirisola conta, com bom humor, que não tem prazer sequer da companhia de outros autores. Diz que, “apesar de meus melhores amigos serem escritores, é uma cambada de nerd que fica combinando sarau”. Não foi por falta de tentativas, Mirisola tentou escapar da literatura. “Só após eliminar todas as outras alternativas foi que pude dizer que a escolhi, não sobrou mais nada.”

Apesar das tentativas frustradas, conta que tem como grandes amigos os escritores, e que, atualmente, está vivendo um momento de amizade com Tolstói. Mas faz questão de alertar os pais de jovens que se interessem demais pelo assunto. “Se você tiver um filho que gosta de ler, tenta tirar ele disso, dá um bola pra ele. Ler não é muito saudável, vai brigar com os coleguinhas, fazer bullying. Eu não teria orgulho nenhum de ter um filho que goste de ler”, afirma, ainda que entre risos sarcásticos.

Quando perguntado sobre o que o motivava a escrever, respondeu: “Ah, se eu soubesse velejar…”. Talvez Mirisola realmente tenha sido escolhido pela literatura.

38 QUADRINHOS

O ESTADO DE S. PAULO – Confraria de colecionadores quer criar museu para quadrinhos

Grupo se reúne todos os sábados no Rio, sob o elevado da Perimetral

Roberta Pennafort / RIO

(09/02/14) Sábado de sol carioca, meio-dia, quase 40 graus. Eles poderiam estar na praia, mas preferem se reunir numa feira de antiguidades montada sob o elevado da Perimetral, no centro do Rio, para conversar sobre o assunto que movimenta suas vidas: gibis raros. Com cerca de 50 integrantes, a Confraria do Gibi se encontra ali há um ano, todo sábado, o dia inteiro, para trocar informações, vender e exibir suas conquistas.

Um deles é o contador Ranieri de Andrade, de 49 anos, um entusiasta desde a infância, que conseguiu amealhar um conjunto de mais de 60 mil revistas – as mais antigas são as de O Tico-Tico, a primeira a publicar histórias em quadrinhos no Brasil, a partir de 1905. Morador de Niterói, Andrade tem uma casa só para o acervo, e gasta R$ 5 mil mensais com a manutenção e o pagamento de uma funcionária responsável pelo material.

Mas o que ele quer mesmo é fundar um museu do gibi, em que tudo seja mantido catalogado, acondicionado sob temperatura controlada e protegido da umidade e de ladrões. Já há dez anos o contador vem procurando imóveis (em Niterói e no Rio) que sirva ao museu e buscando empresas que patrocinem o projeto.

“Preciso de um lugar seguro, mas é difícil. Quero um espaço e uma equipe, e não deixar as revistas guardadas num lugar onde eu só receba amigos. O quadrinho não é valorizado no Brasil e as empresas não têm interesse porque não dá visibilidade. Já tentei audiência com o prefeito. É um sonho da vida toda”, conta Andrade, que juntou várias coleções completas. O objeto de sua obsessão é Ken Parker, personagem de faroeste criado na Itália nos anos 1970. “Quando a gente vê roubos até em lugares como a Biblioteca Nacional, fica muito preocupado”, diz Andrade, que mantém em sigilo detalhes sobre seu tesouro desde que foi assaltado, há três anos, na porta de casa. “O ladrão me perguntou sobre as revistas e fiquei apavorado. A partir dali, dividi a coleção em dois imóveis.”

Outro crime, o roubo ao escritório de Antônio José da Silva, conhecido como Tom Zé, dono da maior coleção do Brasil, há quatro meses, na zona sul de São Paulo, deixou a comunidade dos colecionadores em estado de alerta. Acredita-se que haja assaltantes especializados – os ladrões vasculharam entre as 400 mil revistas de Tom Zé as sete mil mais raras, caso dos primeiros números de O Lobinho e A Gazetinha, almanaques dos anos 1930 e 1940 que apresentaram ao público brasileiro ícones dos quadrinhos norte-americanos, como Super-homem e Batman.

Tom Zé, assim como Andrade e outros da Confraria do Gibi, compartilham uma angústia: o que será da coleção quando eles morrerem? “É o grande dilema do colecionador. Tenho dois filhos que já têm interesse pelas revistas, mas não por paixão, e sim porque sabem o valor que têm. Se virar um bem público, acaba esse problema.”

Quando as famílias não apoiam, eles acabam vendendo o conjunto inteiro para outro aficionado por valores muito abaixo do mercado. Na feira sob a Perimetral, já apareceu americano comprando raridade para vender muito mais caro em seu país – caso de uma Gazetinha de 1938, em que o Super-homem apareceu pela primeira vez, que saiu no exterior por US$ 7.500 (quase R$ 18.000).

39 No caso do confrade Flavio Colin Filho, a fissura pelos gibis está no sangue. Ele é filho de um ilustrador e autor tido como mestre pelas novas gerações, conhecido no meio por As Aventuras do Anjo (1959), derivada da radionovela homônima, e O Vigilante Rodoviário, baseada no seriado de televisão, e que trabalhou dos anos 50 até morrer, em 2002. “Respirei isso a vida toda. Meu pai era um defensor do quadrinho nacional e, quando ele morreu, decidi digitalizar tudo o que tenho e resgatar o que está faltando."

O apego maior do presidente da Confraria, Hélio Guerra, é ao Fantasma Voador - são mais de 1.200 revistas, de 1939 a 1952. Já a radialista Ágata Desmond se tornou curadora do legado de Edmundo Rodrigues, autor falecido no ano passado do qual foi assistente de 1967 a 1972. Tem três mil exemplares. “Ele fez 432 revistas diferentes, era para ir para o Guinness Book. A gente luta pelas HQs para que a obra desses autores seja perpetuada."

ARQUITETURA E DESIGN

EL PAÍS - O legado de Niemeyer é revisitado em obra editada na Espanha

Sua liberdade foi essencial contra a chatice dos racionalismos, como também em relação à plástica

Lara Sánchez Madri

(08/02/2014) “A liberdade e o desenho são fundamentais na vida de um homem”, dizia , defendendo o ato de criar desde criança, no impulso de um traço no ar, sem computadores nem simuladores, como a base indiscutível da beleza que ele transferiu para tantas obras, até completar mais de um século de vida. Sua liberdade foi essencial contra a chatice dos racionalismos, como também em relação à plástica, transformando o concreto em uma surpresa gravitacional e estimulante, a partir de uma caneta preta sobre papel vegetal. É o que conta o livro La arquitectura de Óscar Niemeyer a partir de sus dibujos (A arquitetura de Oscar Niemeyer a partir de seus desenhos), do arquiteto e professor Manuel Franco, testemunha do enérgico processo criativo de Niemeyer em seu estúdio de Copacabana, quando o brasileiro contava 92 anos de idade. O livro, recomendável para leitores de todo o tipo, é uma análise excepcional de como Niemeyer leva o sentido da emoção à arquitetura. Descreve seus encontros no estúdio dele – dominado pelos nus femininos de Lucien Clergue – como uma experiência em que o gesto e a ideia são inseparáveis. Niemeyer, fumando e com as mãos nos suspensórios, “não sabia expressar o mais profundo de seu pensamento arquitetônico sem a ajuda de seu desenho, sem o recurso da mão” observa o autor. Fotos e ilustrações originais comprovam o grafismo “militante” do mestre em relação às suas fantásticas construções. Niemeyer confessa ao arquiteto espanhol como resolve um projeto: “a base são o desenho e a cabeça”. O brasileiro contou que “quando criança começava a desenhar com o dedo, assim, no ar, e minha mãe perguntava: ‘o que está fazendo?’ E eu lhe respondia: ‘estou desenhando’. De modo que foi o desenho que me levou à arquitetura”. Le Corbusier disse que Niemeyer “tinha dentro de si as montanhas do Rio de Janeiro”. E também, segundo ele mesmo, o ser humano: “se a arquitetura é importante, mais ainda é a luta pelo social”. E a mulher: “Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura e inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso de sus rios, nas ondas do mar e no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”. De fato, Koolhaas define Niemeyer como “a prova viva de que, na arquitetura interessante, sexo e comunismo andam juntos”. Manuel Franco diz que beleza unida a função é o “maior valor” do legado de Niemeyer. Curvas, letras “v” ou cúpulas invertidas, tal qual flores abertas, como na Praça dos Três Poderes; ou, ao contrário, como na Catedral de Brasília ou o auditório em forma de seio na sede do Partido Comunista francês. O Teatro Popular de Niterói é seu desenho de uma mulher deitada; sua linha é o horizonte, visto desde o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, com o Pão de Açúcar ao fundo; e o sonho de um pássaro gigantesco, a Universidade de Constantine. A comparação do livro entre conceitos, desenhos e edifícios constitui toda uma surpresa.

40 Niemeyer desenhava viajando, de modo que do Palácio Ducal de Veneza faz esboços – incluindo as essenciais rasuras – a partir dos quais constrói, à beira d´água, a sede da Mondadori. É especialmente interessante a explicação sobre quatro poderosas armas do grafismo de Niemeyer: “os borrões”, “o olho que presta atenção”, “o arco solar” e “o macaco”. Por meio delas, por exemplo, o Hotel de Ouro Preto ou o Ministério da Educação no Rio de Janeiro se transformam em sublimes experiências de vista e sol. Seguindo o traço do gênio brasileiro, o livro também repassa uma grande quantidade de paredes desenhadas em seus edifícios. E analisa o grafite, que Niemeyer utiliza para gritar sua mensagem, vermelha de esperança, na impressionante mão de concreto que é o Memorial da América Latina, em São Paulo. O capítulo Espaço público. A praça descreve de modo prazeroso a polêmica atribuição do edifício das Nações Unidas em Nova York, quando Le Corbusier convence o arquiteto vencedor, Niemeyer, a unir projetos. Esse fascinante choque entre egos e aspirações criativas dá lugar a uma pormenorizada análise em defesa de Niemeyer, a partir de desenhos e fotos bem ilustrativas dos arquitetos em ação. O estudo termina com comentários de Foster, Hadid, Herreros e Piano, todos em favor do mito e da influencia que para eles é o arquiteto brasileiro.

L' EXPRESS (FRANÇA) - Bois, luxe et design au Brésil

On vous avait prévenu, 2014 sera l’année du Brésil! Coupe du monde de foootball et… de l’architecture chez Archiboom ;)

(09/02/2014) Vous commencez maintenant à être habitués aux villas de rêve nous venant de ce grand pays d’Amérique du Sud. Cette maison est encore un bel exemple de ce que sont capables de produire les cabinets d’architectures brésiliens. La villa Limantos a été réalisée par l’architecte Fernanda Marques à Sao Paulo. Grands espaces, beaux matériaux, tout est au rendez-vous dans ce projet sans oublier la touche de couleur typiquement brésilienne.

MODA

VALOR ECONÔMICO - Grupo Reserva amplia negócios sem perder o foco

Por Vanessa Barone | Para o Valor, do Rio

Rony Meisler:"Somos empreendedores da comunicação, sendo que a nossa primeira mídia foi a moda"

(11/02/2014) Lá se vão sete anos desde que um grupo de amigos decidiu criar uma marca de roupas que ganhasse não apenas o corpo, mas antes de tudo o coração do "menino do Rio". Acostumado a usar pouca roupa e a transitar da praia ao shopping com a mesma bermuda de surf, o consumidor carioca não é dos mais dispostos a mexer no próprio estilo. Mas aí surgiu a Reserva e o seu discurso consistente (e irreverente) a respeito de moda, comportamento e outras questões que permeiam a cabeça da juventude de hoje. De irreverência em irreverência, conquistou os consumidores com um conceito libertário de que se pode ser feliz sendo exatamente o que se é. "Faço parte de uma geração que valoriza empresas que trabalham com o coração. Somos pessoas que vendem roupas a partir de uma relação verdadeira", diz Rony Meisler, diretor criativo da Reserva. Mas mesmo apostando numa gestão intuitiva, a empresa passou, recentemente por um processo de profissionalização. Há dois anos, deixou de ser apenas uma grife solitária para ser um grupo que reúne vários negócios, como a infantil Reserva Mini

41 (que hoje vai de zero a 12 anos) e a feminina Eva. A ideia de Rony Meisler é ir adiante, agregando, no futuro, outras marcas ao grupo. Há dois anos, o apresentador de TV Luciano Huck passou a ser sócio do grupo. Com isso, a marca de camisetas do apresentador, a Huck, passou a integrar o negócio. As vendas são feitas somente pela internet, em um esquema bastante eficiente. "Nós temos um estoque de camisetas brancas. À medida que vão sendo compradas, as camisetas recebem a impressão digital e são entregues prontas. "Com isso, passamos também a ser uma estamparia sob demanda", diz Meisler. O site usehuck.com vende 10 mil camisetas por mês. Na segunda coleção, a Eva é a marca mais requintada do grupo, ainda que aposte no charmoso estilo casual da mulher carioca. Atualmente, possui uma butique em Ipanema e outra no shopping Rio Design Barra. A grife deverá crescer a exemplo da Reserva, que possui 31 lojas próprias e quatro franquias. Mesmo bem-sucedido em transformar "life style" em roupa, o universo da moda é pouco para o grupo. Entre os produtos da empresa está a revista "Reserva", que era semestral, mas passa, este ano, a sair a cada três meses. "No futuro, espero que ela se descole da marca", diz Meisler. "Somos empreendedores da comunicação, sendo que a nossa primeira mídia foi a moda". Há alguns meses, a Reserva estreou no segmento de gastronomia, com a abertura da lanchonete TT Burger Hambúrgueres Brasileiros, no Arpoador. No negócio, a empresa é sócia da família do chef Claude Troisgros e tem à frente o chef Thomas Troisgros. "Nosso negócio é construir marcas", justifica Meisler. No espaço onde hoje funciona a lanchonete, havia a Reserva +, lugar usado para eventos. A aposta no TT Burger é ser o "point" da juventude dourada que transita pelo Arpoador - e que já consome 20 mil hambúrgueres por mês. No cardápio do TT há apenas um tipo de hambúrguer, feito com carne bovina, pão feito de batata doce (produzido em uma pâtisserie dentro do Complexo do Alemão), queijo meia-cura e ketchup à base de goiaba. Com o mercado e a fama bem consolidados no Rio, a Reserva agora se prepara para explorar todo o potencial do Estado de São Paulo. "Estamos abrindo showroom e escritório para cuidar da marca localmente", diz Meisler. A partir daí, o céu será o limite.

VALOR ECONÔMICO - Renovada, moda carioca se firma como ideal de elegância

Por Vanessa Barone | Para o Valor, do Rio

A estilista e empresária Marta Macedo, da Martu: ateliê em casarão discreto no Jardim Botânico

Modelos das grifes Mocha e Eva

(11/02/2014) A moda carioca já foi descrita em versos e prosa. A "garota de Ipanema" e o "menino do Rio" formam um casal que personifica o ideal de estilo de boa parte da juventude do mundo. E não é por acaso. A moda do Rio reconquistou o seu espaço no cenário nacional. Deixou de ser monotemática fazendo apenas roupa de praia para se mostrar forte, criativa e plural. Hoje, tem roupas para garotões, gatinhas, homens descolados e mulheres chiques. Tem "fast" e "slow fashion". Tem criações em série e coleções feitas com requintes de alta costura, além de novas grifes nascendo e marcas já maduras que estão crescendo. Entre as novidades mais interessantes do mercado do Rio está a Mocha, grife feminina criada pela empresária Liliane Taira. Com um quê da elegância carioca dos anos 1980, que lembra marcas emblemáticas como Georges Henri e Maria Bonita, a Mocha tem as suas peças desenhadas pela estilista Ana Voss, que já foi da Osklen. O resultado é uma linha sofisticada, de tecidos nobres e construção elaborada. "Fomos em busca da sensualidade que existe na simplicidade, diz Liliane. Portanto, esqueça qualquer traço de vulgaridade. Não se trata de roupas para mulheres-fruta, mesmo que venha da cidade que é o berço das "popozudas". Prestes a lançar a sua segunda coleção, a Mocha, por hora, só pode ser encontrada em duas multimarcas: a Dona Coisa, no Rio, e a Cartel 011, em São Paulo. "A coleção de inverno deve ser ampliada, mas poder ser vendida para outras multimarcas", diz Liliane. Na coleção, que não segue as tendências do "fast fashion" há peças versáteis, daquelas que vestem as cariocas mais elegantes da manhã até a noite. "A roupa é contemporânea, nem praiana e nem urbana", diz Liliane. Contemporaneidade é uma palavra que se aplica a outras marcas e lojas que se espalham por Ipanema, Leblon, São Conrado, Copacabana e até no Jardim Botânico. Por esses bairros, além de

42 butiques de marcas locais, prospera um outro modelo de negócio que, na capital paulista não tem muitos fãs: as lojas multimarcas. Talvez pelo estilo eclético dos frequentadores da Cidade Maravilhosa, trata-se de um tipo de negócio próspero e duradouro. Tanto que uma das butiques multimarcas mais famosa do Rio, a Dona Coisa, se prepara para uma nova ampliação, cuja inauguração está prevista para março. Desta vez, para agregar um canto gourmet, com vinhos de pequenos produtores, além de livros e flores. Aberta em 2005, na rua Lopes Quintas (Jardim Botânico), a loja desde o início se prestou a fazer uma curadoria das marcas mais interessantes, inovadoras e sofisticadas do eixo Rio-São Paulo, incluindo Sônia Maria Pinto, Gloria Coelho, Lino Villaventura e Gilda Midani. Atualmente, mais de 80 grifes podem ser encontradas no espaço, que foi sendo ampliado e tomando as casas vizinhas. "Sempre segui o meu 'feeling'. Queria ter um lugar que reunisse roupas, sapatos e acessórios, maquiagens e outros produtos de ótimas marcas", diz Roberta Damasceno, fundadora da loja. Para merecer a confiança das clientes, Roberta procura andar na contramão das tendências. Se o que está na moda é o laranja, então terei outras cores nas araras." O atendimento personalizado é outro trunfo. "Tudo na loja tem a marca do 'feito à mão', do pessoal", diz Roberta, que tem clientes de várias partes do Rio de Janeiro que topam sair do circuito Ipanema-Copa-Leblon só para comprar na loja. "Recebo várias delas que aparecem só para tomar um café". Bem mais modestas, mas não menos charmosas, a Q-Guai, em Ipanema, e a Suite Maria Filó, no Fashion Mall, são outros exemplos de multimarcas. A primeira, das empresárias Amanda Haegler, Joana Braga de Mello e Marta Frexes, reúne roupas e acessórios de designers interessantes, do Rio ou não. A loja tem um corner com as divertidas alpargatas da marca argentina Paez. Além de lenços, bijuterias, uma seleção de roupas masculinas, moda praia e alguns objetos de decoração. Perto do provador há um pequeno espaço para exposições, onde são realizados eventos para os clientes. A loja estreou, nesta estação, sua primeira coleção com marca própria. Aberta no fim do ano passado, a Suite Maria Filó é a primeira experiência de vender no mesmo espaço as coleções da marca Maria Filó e da Filhas de Gaia. As duas marcas agora fazem parte do mesmo grupo e no espaço compartilhado exibem suas peças mais sofisticadas e conceituais. Sofisticado é também o espaço idealizado pela arquiteta Bel Lobo, ainda que o projeto mantenha o ar chique-descomplicado que se espera de uma butique no Rio, mesmo estando em um shopping. É na rua que a carioca vê a moda e expõe o seu jeito de vestir. Por conta disso, é também na rua que os endereços mais preciosos se encontram. Muitas vezes, são casinhas que nem parecem lojas, mas que escondem um acervo de tesouros. É assim no novo espaço de Isabela Capeto, em uma rua residencial, no Horto. Com ar de ateliê de costureira - no melhor dos sentidos - a casa onde Isabela instalou oficina, escritório e loja preserva o essencial: a preciosidade da roupa. A coleção atual foi construída com tecidos e aviamentos antigos, da própria estilista, mas também comprados de outras marcas. "Dessa forma, dificilmente consigo fazer mais do que cinco peças de cada modelo", diz Isabela, que vez ou outra viaja com sua coleção para fazer vendas especiais em outros Estados. "Eu faço, vendo e acabou. Não tenho estoque", informa a estilista, que divide o tempo com projetos de licenciamento para outras empresas, como a Panvel (maquiagem), a Ked's (tênis), a Chilli Beans (relógios) e a Melissa (sapatos). É preciso olhar com atenção para o casarão, no Jardim Botânico, que abriga a Martu, da estilista Marta Macedo. Ele pode se perder na paisagem bucólica do bairro, ser confundido com a residência de alguém com gosto requintado. É mais do que isso: ele guarda a loja e o ateliê da estilista, que já trabalhou com Maria Cândida, a fundadora da Maria Bonita. Antes dedicado apenas às roupas sob medida, a Martu agora tem uma vasta coleção de prêt-à-porter, para vestir mulheres que, como ela, são elegantes por natureza. No fundo, a butique esconde um lugar ainda mais especial: um recanto de vestidos e toda a sorte de acessórios para noivas. São cerca de 50 modelos prontos, lançados a cada coleção. "As noivas podem comprá-los como são ou fazer alterações", diz a estilista. Feitos à mão, com perfume vintage, os vestidos da Martu fogem do padrão "merengue" sem perder a doçura. Coisa, aliás, que se encaixa perfeitamente com o gosto da carioca.

43 OUTROS

FOLHA DE S. PAULO - 'Não vai ter milagre', diz Marta sobre adesão ao Vale-Cultura

Ministra da Cultura faz viagens pelo país para divulgar programa

Felipe Amorim de Ribeirão Preto

(06/02/2014) A ministra da Cultura, Marta Suplicy, disse ontem que "não vai ter milagre" para o aumento do número de adesões ao programa Vale-Cultura e que a pasta não trabalha com metas para este ano. O Vale-Cultura é um cartão de R$ 50 mensais que pode ser distribuído a funcionários por empresas - -algumas receberão abatimento no Imposto de Renda--, para gastos com atividades culturais. O valor é cumulativo. "A gente não está trabalhando com temos que fazer tanto'", disse. "Não vai ter milagre. Não vamos ter milhões no primeiro ano. É vagaroso [o processo de adesão ao programa]. Tem um trabalho de formiga, como o que eu estou fazendo", completou. A meta divulgada pelo ministério é de ter 42 milhões de trabalhadores participantes do programa até 2020. Ontem, a ministra disse que há 357 mil pessoas inscritas. Marta esteve em Franca, no interior de São Paulo, para uma apresentação do programa a empresários e sindicatos do setor calçadista. A cidade tem 1.100 fabricantes de calçados com 28,4 mil funcionários, segundo o sindicato. O presidente do Sindifranca (sindicato das indústrias de calçado de Franca), José Carlos Brigagão do Couto, disse ver o programa como "positivo", mas que as empresas precisam "estudá-lo melhor" para implementá-lo junto aos funcionários. VIAJANTE A ministra disse que está viajando o país para divulgar o programa. As apresentações já aconteceram em São Paulo, Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR) e Chapecó (SC), todas com representantes do setor produtivo. "Estou fazendo o máximo que posso de viagens e estudando formas para que a gente possa implementar [o programa]. Mas a gente sabe que não é uma implementação de imediato", afirmou a ministra. Marta disse que tem conversado com federações estaduais da indústria, além de sindicatos, para que eles incluam a participação no programa nos acordos coletivos das categorias. "Já andei muito para falar com os empresários. Agora, o trabalhador tem que dizer eu quero'."

THE WASHINGTON POST (EUA) - Brazil offers new handout to the poor: Culture

By Andrew Downie

(06/02/2014) Like millions of other residents of Sao Paulo, Telma Rodrigues spends a large part of her waking hours going to and from work. She hates the commute, and not just because public transportation is packed, slow and inefficient.

She finds it boring.

Now there’s light at the end of the tunnel, and it has nothing to do with new bus lanes or subway lines. As of last weekend, the government will give people such as Rodrigues a new “cultural coupon” worth $20 a month — enough, the 26-year-old said, to buy a book to enliven her daily ride. The money, loaded on a magnetic card, is designated only for purposes broadly termed cultural — although that category could include dance lessons and visits to the circus in addition to books and movie tickets. In a country battling poverty on an epic scale, the initiative has won widespread praise as a worthy and yet relatively cheap project. But it has provoked questions. Is it the state’s job to fund culture? How will poor use the money? How do you, or even should you, convince people that their money will be better spent on Jules Verne rather than Justin Bieber?

44 “What we’d really like is that they try new things,” Culture Minister Marta Suplicy said in a telephone interview. “We want people to go to the theater they wanted to go to, to the museum they wanted to go to, to buy the book they wanted to read.” Although it has made significant advances in recent years, the South American nation is still relatively isolated and many of the poorest Brazilians are unsophisticated in their tastes. They pick up an average of four books a year, including textbooks, and finish only two of them, a study published last year by the Sao Paulo state government showed. Almost all of Brazil’s 5,570 municipalities have a local library, but only one in four has a bookshop, theater or museum, and only one in nine boasts a cinema, according to the government’s statistics bureau. When asked what they most like to do in their spare time, 85 percent of Brazilians answered “watch television.” The new, rechargeable coupon, known in Portuguese as a Vale Cultura, is to be made available to workers who earn up to $300 a month, or about five times Brazil’s minimum wage. So far, 356,000 people have signed up for the program, and government officials hope as many as 42 million could eventually join, helped by firms that enroll their employees and companies that sign up to accept the card in lieu of cash. Several credit card firms are making and distributing the cards. State-run companies are obliged to participate, and government ministers are actively encouraging unions to demand the Vale Cultura in their annual wage negotiations. “This is innovative and cool, and no one in the world is doing anything like it,” Suplicy said. “My hope is that it will be revolutionary for culture here. It provides an opportunity for people who never had it and, at the same time, has an impact on cultural production.” Such grand ideological gestures are not uncommon in Brazil, particularly under the Workers’ Party government that has ruled for the past 11 years. The administration’s cash-transfer program — which provides monthly grants of $15 to $125, as long as children go to school and are provided with prenatal and postnatal care — has lifted at least 20 million people from poverty and improved Brazil’s shocking position as one of the world’s most unequal nations. But the projects are sometimes divisive. Although the cash-transfer program was replicated all over the developing world — and helped the Workers’ Party to three consecutive election victories at home — it is seen by some as a golden trap for the poor. Suplicy pointed out that the majority of the money flowing through the Vale Cultura will stay in Brazil and give vital sustenance to local producers. But she also stressed that people need time to develop their tastes. “The point is social inclusion,” she said. “But I am under no illusions that it will happen quickly. It is a big challenge, and it is going to take time.” What the Vale Cultura could do is have an immediate impact on democratizing access to culture. Right now, thousands of movies, plays, books and concerts are dependent on corporate sponsorship, and big Brazilian companies invest $800 million a year on cultural projects in return for tax breaks. But that money too often goes to the safest and most insipid ideas, said André Forastieri, a former publisher and now cultural commentator at one of Brazil’s big TV channels. The Vale Cultura gives power directly to the people. “The Vale Cultura is not to be celebrated as a huge step forward,” Forastieri said. “But it is better than having the money invested by bureaucrats and marketing directors of big companies.” Most people acknowledge that the majority of the money will probably go on what might charitably be described as low culture — the self-help books written by singing priests, concert DVDs from salacious pop stars, and shows or downloads by sexually explicit rappers. But like the culture minister, who thinks people will gradually become more demanding, Forastieri said the first step is getting people involved. “Rap is considered part of the culture in the U.S., but 30 years ago they were trying to ban it,” he said. “It’s stupid to think the money will be spent homogeneously. There’s no better and more democratic way than to put the money in the hands of the people to spend it as they want.” And people are seizing that opportunity. One of the most encouraging aspects of the program is that the most enthusiastic backers are not multinationals, private banks or other big employers. Almost three-quarters of the initial signatories are small mom-and-pop firms, alerted to the idea by their employees. “My workers told me about it and suggested we sign up,” said Mayra Toledo, owner of a patisserie in Sao Paulo. “I thought it sounded interesting, so I did, and all four of my employees will get it. It’s something that is good for them and cheap to do.” Other workers, who like Rodrigues are hopeful of joining the program, said the money can help them open unexpected doors.

45 “There are so many ways to spend it,’’ said Kath dos Santos, a 26-year-old office worker, who manages to buy movie tickets but said that art exhibitions and theater have remained out of reach.

O GLOBO - Pirataria no radar dos Estados Unidos

Documentos oficiais do Departamento de Estado americano mostram como o país monitorou a política brasileira de direitos autorais enquanto Gilberto Gil esteve à frente do MinC

Cristina Tardáguila

(10/02/2014) RIO - Nos últimos anos, a política cultural do Brasil foi alvo de monitoramento por parte dos Estados Unidos. E o posicionamento do Ministério da Cultura (MinC) frente à pirataria e à proteção dos direitos autorais — que afetam gravadoras, produtoras e distribuidoras americanas — mereceu especial atenção, como mostram documentos oficiais do Departamento de Estado americano. Em cinco anos e meio de mandato, o ex-ministro Gilberto Gil foi alvo de 15 relatórios, produzidos pela embaixada dos EUA em Brasília e pelos consulados no país, demonstrando preocupação com a política brasileira frente à propriedade intelectual. Num dos documentos, diplomatas relatam como Gil se descreveu como “ministro, músico, mas, sobretudo, um hacker em espírito e vontade” e disse que a pirataria era uma forma de dar à população mais pobre acesso a bens culturais que nunca poderiam comprar. Os americanos chegaram a taxar a posição do governo brasileiro de “esquizofrênica”, pedindo que “os crimes contra a propriedade intelectual fossem considerados de forma mais séria” no Brasil. O GLOBO obteve os relatórios por meio da lei de acesso à informação dos EUA (Freedom of Information Act). No pedido, enviado ao Departamento de Estado americano no fim de 2011, foram solicitados todos os documentos oficiais que citassem nominalmente os ex-ministros da Cultura Gilberto Gil, Juca Ferreira e Ana de Hollanda (na época, ela estava à frente da pasta havia 11 meses). A resposta chegou dois anos depois, com 15 relatórios sobre Gil, ministro de 2003 a 2008, durante o primeiro e parte do segundo mandatos do presidente Lula. Juca e Ana, por sua vez, não foram mencionados. Nove desses memorandos foram liberados na íntegra pelo governo dos EUA. Seis tiveram partes vetadas sob a alegação de que citavam “fontes confidenciais”, reuniam “informações comerciais e financeiras privilegiadas” e/ou “violariam informações privadas” caso fossem completamente liberados. Num memorando encaminhado a Washington em maio de 2003, os diplomatas relatam o encontro de Gil com dois deputados americanos. O relatório ressalta a defesa de uma boa relação com os EUA feita pelo então ministro, mas aponta as ressalvas de Gil, que, de acordo com o registro, dizia que “essa relação precisava se estabelecer de forma mútua (palavra que Gil havia usado diversas vezes, em inglês)”. No mesmo encontro, os americanos manifestaram preocupação com a política brasileira em relação à propriedade intelectual, tema recorrente nos meses seguintes, e pediram a Gil que pressionasse a China para que o país passasse a respeitar os direitos autorais. No texto, eles registraram: “Gil concordou com a importância do problema e a necessidade de criar meios eficientes para lidar com isso, mas fez duas ponderações. Destacou que a pirataria permite que muitos membros da população ‘excluída’ do Brasil tenham acesso a produtos que de outra forma não teriam. E disse que as novas realidades tecnológicas da internet e da produção digital criaram um contexto complexo em que a moral da classe média (brasileira) está sendo ‘adaptada’ a novos conceitos do que é certo”. Dois meses depois, um novo memorando abordou em tom cético o aumento da pena mínima para crimes cometidos contra o direito autoral, de um para dois anos de prisão: “Associações de direitos autorais estão publicamente contentes com a nova lei, mas em rodas privadas temem que os juízes continuem a dar penas baixas aos condenados”. Em seguida, depois de ressaltarem que a nova lei era “um passo no caminho certo”, os diplomatas questionaram em letras maiúsculas: “Mas isso é suficiente?”. E explicaram: “No papel, essa lei é significativa porque penas de um ano de prisão podiam ser substituídas por fiança (...) E a nova lei também estabelece procedimentos para destruir bens contrabandeados”. Porém, mais à frente, citando fontes confidenciais, os americanos ponderaram que “muitos juízes podem considerar dois anos de prisão tempo excessivo” para esses crimes. Segundo o mesmo documento, entre 1996 e 2003 o Brasil não havia condenado nenhum dos 6.400 acusados de pirataria. A Associação de Defesa da Propriedade Intelectual (Adepi) armazenava 40 toneladas de VHS e CDs piratas, e a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF) “guardava pelo menos cinco milhões de CDs” do mesmo tipo em seus estoques. No texto

46 enviado ao Departamento de Estado em Washington, ficou clara a crítica ao país: era necessário que “os crimes contra a propriedade intelectual fossem considerados de forma mais séria” no Brasil. Por esse motivo, no fim de 2003, diplomatas americanos comemoraram o primeiro Dia Nacional Antipirataria do Brasil (3 de dezembro) e a destruição de 500 mil CDs pirateados por tratores, em frente ao Congresso brasileiro. “Nunca antes haviam sido tomadas tantas ações concretas, transparentes e exemplares contra a pirataria”, elogiaram. A conquista foi atribuída aos deputados envolvidos na CPI da Pirataria, sobretudo ao então presidente da comissão, Luiz Antonio de Medeiros (PL-SP). No livro “A CPI da Pirataria” (Geração Editorial), de 2005, Medeiros conta que os deputados foram convidados aos EUA por quatro congressistas americanos, entre eles Joe Biden, hoje vice- presidente do país, e que a viagem serviu “para mostrar à comunidade internacional que o combate à pirataria e ao comércio de produtos falsificados estava sendo tratado com seriedade em nosso país”. Entretanto, em abril de 2005, a questão voltou à pauta dos EUA, em memorando no qual a Motion Picture Association, gigante do cinema americano, apontava “esquizofrenia” do governo brasileiro ao lembrar a defesa de Gil da “ética hacker” três meses antes, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Em debate sobre o uso de softwares livres, Gil dissera que, além de ministro e músico, era “um hacker em espírito e vontade” — na tradução dos americanos, “hacker at heart”. O pagamento de direitos autorais de músicas também voltou a ser tema de um memorando redigido um ano depois. Em reunião de representantes do governo americano com Marcos Souza, diretor de Direitos Intelectuais do MinC, (ele voltou a ocupar o cargo na administração de Marta Suplicy), esse foi um dos primeiros tópicos abordados. No encontro, Souza explicou aos americanos o funcionamento do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e lamentou “que a indústria cinematográfica havia se recusado a pagar as quantias fixadas (pelo escritório, para o uso de músicas), alegando que isso não era prática nos Estados Unidos”. Os diplomatas, porém, não registraram a reação dos americanos. Procurado para comentar o tema, Souza não retornou o contato. Gil atribui o monitoramento diplomático dos EUA ao fato de ser “um artista de relevância internacional” e de, no MinC, ter “mexido em questões que dizem respeito aos interesses americanos”. — Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos assumiram essa posição hegemônica, de quem distribui a visão ideológica e programática do mundo inteirinho. Qualquer um que fuja desse alinhamento, que adote uma iniciativa mais autônoma, vira alvo — afirma Gil, por telefone, de Salvador. — Mas essa posição dos Estados Unidos está sendo posta em xeque agora. Estão aí as novas forças globais e o novo ativismo. Apesar de classificar como “compreensível” o conteúdo dos documentos, Gil adotou certa ironia ao falar da “esquizofrenia” que os americanos viram em sua gestão — sobretudo na declaração de que ele se sentia um hacker: — É o que eles acham. Não é? Vou dizer o quê? Fazer o quê? Agora pergunte a eles (aos americanos) se isso foi deselegante. Não a mim. Sobre a ausência de Juca Ferreira e Ana de Hollanda nos relatórios que avaliaram os últimos dez anos da política cultural brasileira, Gil foi objetivo: — Não falaram de Juca porque ele foi meu secretário, e o mandato dele, de continuidade. Sobre a Ana, não sei. Nos 15 documentos do Departamento de Estado americano, um dos poucos elogios feitos sobre a atuação de Gilberto Gil no Ministério da Cultura foi o projeto Cultura Viva. “Gil tem falado muito sobre softwares livres e inclusão digital das classes mais baixas (...) e, domesticamente, um programa implementado pelo ministro segue essa visão: o Cultura Viva”. Para os americanos, “um dos trabalhos mais notáveis saídos dos centros culturais (criados com o projeto) foi o hip-hop do Rio”. Para além dos direitos autorais, outros temas estiveram no radar dos Estados Unidos durante a gestão de Gil — mas também relacionados aos interesses da indústria cultural americana. Um ano depois da posse do presidente Lula, os diplomatas americanos lotados no Brasil enviaram a Washington um memorando sobre o decreto baixado por Lula para elevar de 35 para 63 a cota mínima de dias para a exibição de filmes nacionais em salas de cinema do país. Isso afetaria a presença da produção dos EUA na programação, e os americanos registraram o atrito: “Exibidores que não cumprirem essa nova regra serão penalizados com uma multa”, explicava o texto, ressaltando que a Motion Picture Association e o Cinemark — dois gigantes do cinema americano — acreditavam que essa medida era “desnecessária e possivelmente diminuiria o investimento no setor”. O mesmo informe cita ainda o então secretário do Audiovisual, Orlando Senna, destacando que ele “disse à imprensa que a cota é uma ferramenta de reserva de mercado comumente usada por emergentes para proteger o cinema nacional da completa ocupação por produtos estrangeiros

47 hegemônicos, no caso, os filmes americanos”. Logo à frente, citando uma fonte confidencial, aparece mais uma crítica ao governo brasileiro: “Essas cotas são mecanismos ineficientes de proteção industrial e, no caso do Brasil, resultarão em menos investimento”. Segundo o memorando, o Brasil já era um país que sofria com “baixo investimento em salas de qualidade”. Três anos mais tarde, em dezembro de 2007, a possibilidade de restrição à exibição do cinema americano em território nacional voltou a preocupar os diplomatas. Naquele mês, o então ministro Gilberto Gil sugeriu, durante um evento da Unesco realizado em Ottawa, a criação de um fundo mundial em favor da diversidade cultural. Os documentos da embaixada americana no Canadá relatam a proposta apresentada por Gil na Convenção sobre Proteção e Promoção da Diversidade Cultural, registrando que a delegação brasileira propôs que o fundo fosse financiado com a cobrança de uma taxa pequena, mas simbólica, sobre os filmes de maior bilheteria. No memorando, os diplomatas destacam que, no ano anterior, nove entre dez filmes em cartaz no Brasil eram americanos. A ideia não recebeu qualquer apoio. Sobre as críticas que projetos como o do fundo receberam dos diplomatas, o ex-ministro enxerga coerência: — Os Estados Unidos não assinaram a Convenção da Diversidade Cultural da Unesco, lembra? Eles são contra isso. Para eles, diversidade cultural é um conceito europeu. Então

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