PesquisaANO X| N° 38 | MARÇO DE 2017

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A pesquisa em C,T&I e os desafios contemporâneos Estudos sobre a proteção de biomas, alimentação saudável, preservação da memória e telessaúde projetam avanços na qualidade de vida dos fluminenses

GOVERNO DO ESTADO DO | SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA,E TECNOLOGIA DESENVOLVIMENTO SOCIAL

SUMÁRIO

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34 | SAÚDE Pesquisa desenvolvida no Inmetro avalia o nível de toxicidade das 18 | MEIO AMBIENTE nanopartículas de dióxido de Pesquisadores investigam por que titânio, usadas na composição de uma das maiores áreas protegidas filtros solares de Mata Atlântica, localizada em 3 | INTERCÂMBIO trecho da Serra do Mar na divisa do Rio de Janeiro com São Paulo, vem Vencedor do concurso de produção 38 | PLANEJAMENTO URBANO sofrendo com a falta de água audiovisual Food 2.0, sobre Para definir o déficit de habitações alimentação nas periferias, jovens populares na Zona Portuária do Rio cariocas têm oportunidade de ir a de Janeiro, pesquisadores fazem Londres 21 | NEUROCIÊNCIA um levantamento do número de Uma touca inflável capaz de resfriar cortiços na região a cabeça pode salvar a vida de 6 | MEMÓRIA recém-nascidos que sofreram asfixia cerebral perinatal Diplomata, homem de cultura 42 | EDITORAÇÃO e autor de um dos principais Conheça algumas obras editadas dicionários de língua portuguesa, pelo programa Auxílio à Editoração Antonio Houaiss (1915-1999) ganha 24 | TELEMEDICINA (APQ 3) da FAPERJ, que tem memorial digital na rede Sistema de transmissão holográfica financiado, durante os seus 17 de imagens, desenvolvido pela anos de existência, títulos impressos UFF, em parceria com a Marinha e em formato digital 10 | CULTURA e o Exército Brasileiro, permite O Instituto Cultural Cravo Albin que atendimento clínico, em áreas (ICCA), na missão de preservar e remotas, seja acompanhado por resgatar a memória da MPB, começa junta de especialistas em tempo real a resgatar tesouros do acervo do Canecão 29 | TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO 14 | INOVAÇÃO Museu do Amanhã propõe uma Após duas décadas de muita reflexão sobre o futuro com a pesquisa, empresa promove ajuda da Internet. A conexão à modificações genéticas no abacaxi, rede chega ao museu por meio da visando torná-lo ainda mais popular Redecomep-Rio, ligada à RedeRio de e de consumo mais fácil Computadores, mantida pela FAPERJ 14

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 1 CARTA AO LEITOR

m um mundo cada vez mais transferência de recursos para as

SECRETARIA DE globalizado e conectado, a principais instituições de ensino CIÊNCIA, TECNOLOGIA E Fundação de Amparo DESENVOLVIMENTO SOCIAL à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro Ebusca por soluções para os e pesquisa sediadas no estado. O desafios contemporâneos já não resultado foi um crescimento vigo- pode esperar. Uma eventual ausên- roso da pesquisa fl uminense, com cia de iniciativa por parte do poder expressivo aumento, entre outros, da Governo do Estado do público, uma vez revelada, é logo produção de artigos científi cos. Na Rio de Janeiro cobrada, com mobilização social, outra ponta, os recursos permitiram Governador: nas ruas e nas redes. Nos países o desenvolvimento de estudos, pro- Luiz Fernando de Souza Pezão que lideram o ranking do desen- tótipos e produtos em diversas áreas Secretaria de Estado de Ciência, volvimento econômico e social, a do conhecimento – não raro em par- Tecnologia e Desenvolvimento Social pesquisa em Ciência, Tecnologia e ceria com instituições congêneres. Secretário: Inovação (C,T&I) é considerada um Para nós de Rio Pesquisa , que Pedro Henrique Fernandes da Silva importante motor, capaz de projetar trabalhamos para difundir o conhe- avanços na qualidade de vida da cimento produzido no estado do Fundação Carlos Chagas Filho de população. Nesses, a Divulgação Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, esse incremento das Científica desempenhou papel Rio de Janeiro – FAPERJ atividades de fomento se traduziu, relevante para angariar apoio da Presidente: ao longo dos anos, em um variado sociedade, a fi m de erguer um sis- Augusto da Cunha Raupp cardápio de assuntos para nossos tema de C,T&I capaz de lidar com Diretor Científico: leitores. Na presente edição, os te- os principais gargalos que impedem, Jerson Lima Silva mas abordados vão de estudos sobre por exemplo, o crescimento da pro- Diretora de Tecnologia: a proteção de biomas à alimentação dutividade na economia e a oferta Eliete Bouskela saudável; da preservação da memó- de melhores serviços à população. Diretor de Administração e Finanças: ria à telessaúde, entre outros. Boa Ana Paula T. Fernandes da Rocha Desde a segunda metade dos anos leitura! 2000, o Governo do Estado do Rio Paul Jürgens Rio Pesquisa. Ano X. Número 38 de Janeiro, por meio da FAPERJ, Coordenador do Núcleo do investiu significativa parcela de Difusão Científi ca e Tecnológica Coordenação editorial e edição: Paul Jürgens seu orçamento em C,T&I, com a (NDCT) Redação: Aline Salgado, Danielle Kiffer, Foto: Santiago Calatrava Débora Motta, Lavínia Portela e Vilma Homero Diagramação: Mirian Dias Revisão: Katia Martins Mala direta e distribuição: Élcio Novis e Lécio Augusto Ramos Periodicidade: Trimestral

Av. Erasmo Braga, 118/6° andar - Centro Rio de Janeiro - RJ - CEP 20020-000 Tel.: 2333-2000 | Fax: 2332-6611 [email protected]

As opiniões expressas em O Museu do Amanhã, na Praça Mauá, conta existência. Enquanto a efeméride não chega, artigos de colaboradores e com uma conexão de Internet alimentada ela continua fornecendo às universidades pesquisadores convidados são de pela malha ótica da Redecomep-Rio, e centros de pesquisa – e agora também a responsabilidade de seus autores conectada à RedeRio de Computadores. museus – os meios necessários à navegação Em maio, a RedeRio festeja seus 25 anos de na Internet. Confi ra a reportagem à pág 29

2 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X INTERCÂMBIO Foto: Arquivo Pessoal Foto:

Dos subúrbios do Rio para o Reino Unido

da, comunidade que pertence ao Débora Motta Complexo da Maré. A barraca se Após ganharem uz, câmera e ação. Com um tornou uma referência gastronômi- olhar atento ao cotidiano da ca na região, utilizando produtos concurso sobre Maré, conjunto de favelas orgânicos plantados no sítio da L família da vendedora, em Magé. alimentação nas situado na Zona Norte do Rio, um grupo de jovens cariocas ganhou A ideia de retratar os hábitos ali- periferias, jovens o concurso de audiovisual “Food mentares da periferia em formato 2.0 – Futuro sustentável de alimen- audiovisual é um desdobramento cariocas têm tos: uma visão dos jovens do Rio de um projeto que envolve pes- e de Londres”. Janaina Melo, de quisadores brasileiros e britânicos oportunidade de ir 25 anos, profi ssional de Relações coordenado pela Coppe – o Instituto Públicas e moradora do Complexo de Pós-Graduação e Pesquisa em a Londres da Maré; Fernando Fonseca, de Engenharia da Universidade Fede- 26, publicitário, produtor cultural e ral do Rio de Janeiro (UFRJ) – e morador de Nova Iguaçu; e Valnei pela Royal Holloway, da Univer- Succo, de 28, músico (MC) e técni- sidade de Londres. O projeto, que co audiovisual, que vive em Rocha também contou com a participação Miranda, produziram o curta-me- das ONGs britânicas Inspire e Ova- www. A partir da esq., Succo, Janaina e tragem Raiz (confi ra o fi lme: lhouse, recebeu o apoio da FAPERJ Fernando, vencedores do concurso youtube.com/watch?v=Vv7w1F1n0iI ), por meio do programa Fundo Food 2.0, durante viagem a Londres sobre a cadeia produtiva da tapioca Newton RCUK-FAPERJ , além da vendida na popular barraca de Dani parceria com o Observatório de França, moradora da Nova Holan- Favelas e com a Universidade das

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Fotos: Divulgação/Observatório das Favelas

Nas ofi cinas realizadas no Observatório das Favelas, na Maré, os jovens se envolveram em atividades relacionadas à alimentação saudável e...

Quebradas – projeto de extensão co- públicas como um caminho para também é professora da Faculdade ordenado pela pesquisadora Heloisa o desenvolvimento. A partir daí, a de Administração da UFRJ e foi Buarque de Holanda, na UFRJ. questão da alimentação começou a uma das coordenadoras-adjuntas aparecer em uma discussão sobre do projeto das ofi cinas. O trio vencedor passou uma semana o uso da agricultura familiar no em Londres, na primeira quinzena A experiência resultou na produção fornecimento de alimentos para a de outubro de 2016, quando teve a de seis filmes pelos alunos, que merenda escolar no Brasil”, conta oportunidade de visitar restauran- captaram a visão dos jovens que Bartholo, que é coordenador do La- tes, mercados e feiras para conhecer moram na periferia sobre como é boratório de Tecnologia e Desenvol- a cultura alimentar das periferias a relação deles com os alimentos e vimento Social (LTDS) na Coppe. da cidade. “Foi um intercâmbio como será a alimentação do futuro. cultural entre as periferias do Rio No total, participaram do projeto Segundo Rita, é preciso ter um e de Londres”, diz o professor 18 jovens cariocas, de 18 a 29 anos. olhar um pouco mais verdadeiro a Roberto Bartholo, coordenador do Um dos pré-requisitos para con- respeito da situação das periferias projeto na Coppe. No outro lado correr era ser morador de uma das e favelas. “Um clichê é imaginar a do Atlântico, no Reino Unido, a comunidades cariocas. Durante um desnutrição como um problema nas coordenação do projeto fi ca sob a mês, eles tiveram ofi cinas temáticas favelas, quando na verdade o princi- responsabilidade de Dorothea Klei- sobre alimentação, além de acom- pal desafi o é o avanço da obesidade ne, na Universidade de Londres. panhamento em produção multimí- como problema de saúde. Come-se dia, na sede do Observatório de Fa- muito mal, tanto no Rio como em A ideia foi desenvolver, simulta- velas, na Maré. Foi o sufi ciente para Londres. O fato de viver em um neamente, nas capitais britânica e revelar novos talentos. “As ofi cinas país mais rico não garante uma boa fl uminense, uma metodologia de abordaram quatro temas: Cultura alimentação”, destaca. aproximação com esses jovens de alimentar na periferia; Desperdício periferia, por meio de diálogos de alimentos; Agricultura urbana e Vencedor do Projeto Food 2.0 como sobre alimentação e produção horta comunitária; e Novas formas melhor fi lme, o fi lme Raiz teve sua audiovisual. “O Food 2.0 surgiu de produção e consumo na perife- primeira exibição internacional como desdobramento de um projeto ria, que trata das inovações sociais durante a estada dos realizadores anterior da Coppe, realizado em dos moradores, como restaurante – Janaina, Fernando e Succo – no parceria com a Royal Holloway, orgânico e produção de cerveja Reino Unido, que, assim, puderam em 2013, sobre a importância do artesanal”, diz a pesquisadora as- acompanhar sua exibição por lá. consumo consciente e das compras sociada do LTDS, Rita Afonso, que “Queríamos falar sobre o lugar de

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consagrando como grupo. Vamos começar a fazer mapeamento e pro- dução sobre a relação da periferia com a sustentabilidade. Estamos criando uma série de projetos. Nossa ideia é fazer desse filme uma série com mais dez episódios”, adianta Janaina. Para Rita, o projeto Food 2.0 deve trazer bons desdobramentos em um futuro próximo, ultrapassando, inclusive, os limites da parceria acadêmica. “Existe a possibilidade de um novo tipo de parceria entre as ONGs brasileiras e inglesas, que es- ...à produção audiovisual, além de discutirem a importância de ter bons hábitos nutricionais tão trabalhando juntas nas periferias das duas cidades”, pondera. “Os ganhadores do projeto em Londres onde a gente veio: da favela. Como vez que nós saímos do País. Vi- também vieram ao Rio e visitaram o tema era a relação da periferia sitamos o que lá eles consideram nosso laboratório na UFRJ. O fi lme com a alimentação sustentável, fa- a ‘favela’, bairros pobres como inglês vencedor foi apresentado na lamos sobre a tapioca da Dani, que é Brixton, que lembram nossos con- UFRJ e na Maré. Trata-se de uma muito conhecida na Nova Holanda. juntos habitacionais, mas são bem parceria mais ampla, que vai além A mandioca é cultivada no sítio da organizados e grandes em relação da parceria acadêmica”, conclui a família dela, no distrito de Suruí, às nossas favelas”, lembra Janaina. pesquisadora. localizado no município de Magé. Depois de retornarem ao Brasil, os Pesquisador: Roberto Bartholo A barraca da Dani fi ca no principal realizadores se consolidam como Instituição: Universidade Federal do acesso de entrada e saída da Nova grupo de produção e pesquisa em Rio de Janeiro (UFRJ) Holanda, na Avenida Brasil, a mais projetos relacionados à periferia e Fomento: Fundo Newton RCUK- importante via de acesso terrestre à sustentabilidade. “O Raiz está se FAPERJ à capital fl uminense. Descobrimos que o produto dela era orgânico e re- Foto: Divulgação/Coppe sultado de um processo sustentável. Isso chamou a nossa atenção. Nem a própria Dani sabia o signifi cado da palavra sustentável, nem a família dela, que vive disso”, conta Janaina. Para o trio, que se conheceu na Escola Popular de Comunicação Crítica (Espocc), do Observatório de Favelas, antes do lançamento do projeto Food 2.0, a experiência de intercâmbio foi positiva. “A viagem foi incrível. Foi a primeira

Roberto Bartholo (de vermelho), Ivan Bursztyn e Rita Afonso: projeto ultrapassa os limites das tradicionais parcerias acadêmicas, se abrindo ao Terceiro Setor no Rio e em Londres

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 5 MEMÓRIA As múltiplas facetas do acadêmico Antonio Houaiss Homem de cultura, com vários interesses, ele foi um diplomata que se empenhou a desenvolver uma política externa independente e diversificada

Vilma Homero

eu nome, tal como o de Aurélio Buarque de Holanda, virou sinônimo de dicioná- Srio. Mas o fi lólogo, diplomata de carrei- ra, ministro da Cultura, tradutor e acadêmico Antonio Houaiss foi, sobretudo, um homem de cultura. Mas embora haja um vasto material escrito por ele e sobre ele, pesquisar o tema não é fácil. Isso porque esse material está disperso em fontes diversas, difi cultando o acesso aos interessados. Tarefa da qual o pesquisador Gustavo Saboia de Andrade Reis, do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), vem procurando se desincumbir, reunindo tudo em um só site. No caso o blog Memorial Digital Antonio Houaiss , onde todos os documentos que ilustram sua longa trajetó- ria estejam disponíveis ao público interessado. Para levar o projeto adiante, ele contou com recursos do programa de Treinamento e Capa- citação Técnica (TCT). Por enquanto, Saboia já conseguiu concentrar no blog 241 artigos do fi lólogo publicados em jornal, 53 cartas de sua correspondência pes- Foto: Reprodução Foto: soal, 64 prefácios, posfácios, orelhas e capas

6 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X MEMÓRIA de livros, 36 artigos científi cos, dois 2015, sob orientação da professora do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)”, verbetes em dicionário, e até mes- Susana de Castro Amaral Vieira, destaca o pesquisador, que afi rma mo 30 arquivos do Departamento da Universidade Federal do Rio ainda contar com o importante de Ordem Política e Social (Dops) de Janeiro (UFRJ). Em seguida, apoio e incentivo dos professores e um processo no Supremo Tribunal foi orientando do professor da Vivaldo Barbosa e Epitácio Brunet, Federal (STF) sobre Houaiss. Afi - Pontifícia Universidade Católica ex-presidente da FAPERJ, além de nal, homem de ideias progressistas, (PUC-Rio) e diretor de Inovação Anália Pinho. fi liado ao Partido Socialista Brasi- da Financiadora de Estudos e Pro- Sério e rigoroso, fruto da primeira leiro, seu pensamento certamente jetos (Finep) Pedricto Rocha Filho, geração nascida no Brasil de imi- desagradava ao regime militar que quando se deu início ao processo de grantes libaneses, Houaiss foi um governou o País de 1964 até 1985, consolidação do material recolhido. intelectual que pensava a realidade motivo que pode explicar o fato de “Para dar continuidade ao projeto, brasileira, preocupando-se sobretu- nunca ter chegado a embaixador. estarei sob orientação do professor do com a Educação. Como desta- Além disso, sua carreira no Ministé- André Rangel Rios, do Instituto de ca o pesquisador, entre suas várias rio de Relações Exteriores, iniciada Medicina Social, da Universidade facetas, havia a da preocupação em 1946, foi voltada para uma polí- tica externa brasileira independente e diversifi cada. “Ele foi defensor da abertura das relações comerciais brasileiras para novos mercados, sem fi car tão submetido às grandes nações”, diz o pesquisador. “Incentivador do projeto e grande amigo de Houaiss, Roberto Amaral me propôs o tema para o doutora- do e exigiu: ‘Quero que pesquise tudo sobre o Houaiss.’ Esse foi o ponto de partida para um trabalho que vem me apaixonando”, conta Saboia. Desenvolvendo o projeto desde 2012, ele acredita que o site será um resgate, o reconhecimento a um brasileiro que teve uma par- ticipação relevante na história da diplomacia e da língua brasileira. O pesquisador já conseguiu reunir o equivalente a sete gigabytes de material, desde matérias de jor- nal, fotos, vídeos, depoimentos e vários documentos de sua car- reira no Itamaraty. “Acho que até mudei meu estilo de escrever de tanto ler material dele e sobre ele”, confessa Saboia, que durante a realização da pesquisa esteve, até

O Memorial Digital Antonio Houaiss reúne um amplo acervo da produção acadêmica do intelectual, incluindo artigos e até documentos do Dops sobre ele

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social, provavelmente acentuada Era também um homem de mui- pela formação com Anísio Teixeira Antonio Houaiss tos amigos, com quem dividia – um dos personagens centrais na teve papel relevante afi nidades políticas e intelectuais. história da Educação no País. “So- Entre eles, contavam-se o jurista cialista desde o fi nal dos anos 1940, na história da , o médico Re- sua atuação na diplomacia também nato Kovach, os diplomatas Marcos foi pautada por essas ideias”, diz. língua brasileira Azambuja e Vasco Mariz, que também era historiador, e vários Como ele explica, “embora Houaiss e da diplomacia, nomes conhecidos, como Sergio nunca tenha chegado a embaixa- abrindo as relações Rouanet, que deu nome à Lei de In- dor, certamente por conta de suas centivo à Cultura, os compositores ideias, sua carreira no Ministério comerciais do País Vinicius de Moraes e Tom Jobim, de Relações Exteriores, iniciada em os escritores João Cabral de Mello 1946, foi voltada para uma política a novos mercados Netto, Antonio Callado e Antonio externa brasileira independente e Cândido, além de Roberto Amaral. diversifi cada. Ele foi defensor da Houaiss se colocava favorável à Mantinha correspondência com abertura das relações comerciais descolonização no continente afri- Carlos Drummond de Andrade e brasileiras para novos mercados, cano, que, segundo dizia, ocupava Pedro Nava, circulando com igual sem fi car tão submetido às grandes o papel de servir como uma grande desenvoltura entre a alta sociedade nações.” fazenda produtora de bens de ex- portação para a Europa. Ao mesmo e a intelectualidade. Em carta do início dos anos 1960, tempo, mostrava sua desesperança Na carreira diplomática, entre 1947 ao amigo Thiers Moreira, adido com os destinos que tomava a polí- e 1949, Houaiss foi vice-cônsul cultural na embaixada do Brasil em tica brasileira. “Possivelmente, ele do Brasil em Genebra, na Suíça, Portugal, embora a posição brasilei- estivesse antevendo os rumos do servindo também na ocasião como ra fosse a de não entrar em choque País, que culminariam no golpe de secretário da delegação permanente com os interesses portugueses, março de 1964 e lhe valeriam a cas- do Brasil junto à Organização das sação e a aposentadoria compulsó- Nações Unidas (ONU) na capital ria. Ele já havia sido punido como suíça e integrando as representações subversivo em 1953, durante o brasileiras às assembleias gerais governo Vargas, com o afastamento da Organização Internacional do de suas funções diplomáticas. Mas Trabalho (OIT), da Organização fora reintegrado à carreira em 1954, Mundial da Saúde (OMS) e da Or- o que equivaleu praticamente a um ganização Mundial de Refugiados. ano sabático. Em 1964, no entanto, De 1949 a 1951, serviu na embaixa- foi aposentado e teve a suspensão da no Brasil em São Domingos, na de seus direitos políticos pelos dez República Dominicana, e, de 1951 anos seguintes. E pelo menos até a 1953, em Atenas. De 1960 a 1964, 1984, permaneceu sob observação foi secretário e depois ministro da do Dops, o temido Departamento delegação permanente do Brasil de Ordem Política e Social. Afi nal, junto à ONU, em Nova York. Como sempre fi el ao socialismo, ele era membro da Comissão de Anistia de uma das cabeças pensantes do Presos Políticos de Ruanda-Urundi, PSB”, conta Saboia. examinou os processos de 1.220 presos políticos, todos anistiados em 1962 pela Assembleia Geral das Nações Unidas por proposta

Apaixonado pelo estudo da língua da comissão. portuguesa desde jovem, Antonio Houaiss deixou como legado o Como homem de letras, Houaiss dicionário que leva seu nome colaborou na imprensa do Rio de

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Foto: Lécio Augusto Ramos Janeiro e de São Paulo, tendo sido redator do Correio da Manhã entre 1964 e 1965. Como delegado do go- verno federal para países de língua ofi cial portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe), participou da delegação brasileira no Encontro para a Unificação Ortográfi ca da Língua Portuguesa, realizado no Rio de Janeiro, em maio de 1986. Em 1988, organi- zou o Congresso Internacional de Tradutores, realizado no Institu- to Internacional de Cultura, em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. Foi nomeado para o Conselho Federal de Cultura, do Saboia está à frente do projeto que tem como missão desenvolver uma biblioteca digital qual participou até a sua extinção. para ajudar a preservar a memória de Houaiss, um pensador da realidade brasileira Em 1990, recebeu o Prêmio Moinho Santista, na categoria “Língua”. dar aulas de português aos 16 anos obra que lhe consumiu 15 anos de Como lembra o pesquisador, “Hou- e continuou trabalhando como pro- trabalho: o Dicionário Houaiss da aiss era enviado a colaborar em fessor a vida inteira. Foi membro da Língua Portuguesa. O dicionário foi vários eventos culturais, nos mais Comissão , criada concluído por sua equipe, hoje reu- diversos países”. Foi membro do por iniciativa de portaria do presi- nida no Instituto Antônio Houaiss Conselho Nacional de Política dente Juscelino Kubitschek, para de Lexicografi a, no Rio de Janeiro. Cultural, do Ministério da Cultura, consolidar os textos de Machado de Como fez questão de destacar o presidente da Academia Brasileira Assis e ampliada durante o regime amigo Arnaldo Niskier em discurso de Letras (ABL) e chegou a Minis- militar para incluir escritores da na ABL em comemoração ao seu tro da Cultura, em 1993, durante o língua portuguesa que merecessem centenário de nascimento, em 2015: governo Itamar Franco. Sobre a pre- ter seu cânon textual estabelecido “É muito difícil defi nir o homem sença de Antônio Houaiss na ABL, criticamente. Sua primorosa tradu- Antônio Houaiss, a partir de tudo o o colega imortal Arnaldo Niskier ção para o português de Ulysses, de que fez e representou para a cultura comentou: “Ele representou um James Joyce, foi bastante elogiada. brasileira (...). Multifacetado, ele grande benefício à nossa cultura. De Durante dez anos, Houaiss orga- sempre esteve pronto para assumir forma singela, ele chegou a comen- nizou as duas mais importantes as atividades que a vida colocou à tar, em certa oportunidade, sobre enciclopédias já produzidas no sua frente, com a devida compe- sua atuação na Casa de Machado de Brasil: a Delta-Larousse e a Mira- tência”. Para a colega acadêmica Assis: ‘Um acadêmico é um mortal dor Internacional. “Ele foi autor de Nélida Piñon, Houaiss “foi um um pouco à margem das punições dois dicionários bilíngues inglês- homem múltiplo, uma mentalidade, sociais. Então, pensei: se me fi zer -português, e organizou o Voca- uma cultura, uma visão de mundo acadêmico, poderei continuar a ser bulário Ortográfico da Língua polissêmica”. o Macunaíma que sou, mas talvez Portuguesa, da ABL, tornando-se um pouco protegido’.” o porta-voz brasileiro do projeto Pesquisador: Gustavo Saboia de Considerado um dos maiores co- do Acordo Ortográfi co da Língua Andrade Reis nhecedores da língua portuguesa Portuguesa, aprovado pelo Con- Instituição: Centro Brasileiro de nos tempos modernos, Antônio gresso Nacional em 1995”, destaca Estudos Latino-Americanos (Cebela) Houaiss mostrou seu apreço pelo o pesquisador. Terminou morrendo Apoio: Programa de Treinamento e assunto desde cedo. Começou a em 1999, sem ter visto completa a Capacitação Técnica (TCT)

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Unidos pela preservação da memória da música popular brasileira

Há 16 anos, a FAPERJ apoia o Instituto Aline Salgado Cultural Cravo Albin (ICCA) na missão á 16 anos, a FAPERJ vem caminhando lado a lado do de preservar e resgatar a memória da HInstituto Cultural Cravo Albin (ICCA) no apoio à preserva- MPB. Agora, este guardião de coleções ção e resgate da memória da música raras começa a resgatar tesouros popular brasileira (MPB). Depois de lançar o único catálogo on-line do acervo do Canecão, a casa de dedicado exclusivamente à MPB, com 12 mil verbetes, o Dicionário espetáculos na Zona Sul do Rio, que Cravo Albin da Música Popular Brasileira (http://dicionariompb. completaria 60 anos em 2017 com.br/), o ICCA se prepara para um novo desafio: desvendar os mistérios guardados em 24 caixas de documentos que contam os 43 anos de história da casa de espetá- culos Canecão. O acervo, que foi recebido pelo instituto, em maio

de 2011, das mãos do empresário Foto: Reprodução/Lécio Augusto Ramos Augusto Reprodução/Lécio Foto:

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e dono da concessão para explorar Ordem, Eduardo Seabra Fagundes. uma imagem de Roberto com a sua o espaço, Mário Priolli, está sendo primeira mulher, Cleonice Rossi, Denise tem mergulhado nas caixas estudado pela pesquisadora e jorna- mas conhecida como Nice”, descre- que compõem o acervo do Cane- lista Denise Assis. ve Denise, ao folhear os documen- cão, que ainda espera por recursos tos arquivados de forma sistemática Autora do livro Propaganda e cine- e voluntários para ser higienizado, em uma pasta etiquetada, com data ma a serviço do golpe: 1962/1964 catalogado e digitalizado. Na ga- e nome do show. (Editora Mauad, 2001, 96 p.), pu- rimpagem, a pesquisadora tem pes- blicação que contou com o apoio da cado preciosidades que contagiam Entusiasmado com cada achado, o Fundação (APQ 1/2000) e mostra o a todos que trabalham e visitam o musicólogo Ricardo Cravo Albin, trabalho de pesquisa sobre o Insti- ICCA, como a equipe do Boletim presidente do instituto cultural que tuto de Pesquisa e Estudos Sociais FAPERJ , que fez, na primeira quin- leva seu nome, conta que Maneco (Ipês) – instituição que por meio da zena de março, uma visita ao prédio Valença, produtor da casa, era bas- propaganda e do cinema desenhou em estilo colonial no bairro da tante cuidadoso com a memória do o caminho para o golpe civil-militar Urca, que abriga o instituto. Entre Canecão. “Tudo foi documentado. de 1964 –, Denise atuou como pes- as mais emocionantes descobertas Cada show tem uma pasta, onde quisadora da Comissão Nacional da compartilhadas pela pesquisadora podemos encontrar planta de pal- Verdade (CNV) e da Comissão da está a pasta com informações e co, croqui da decoração, relação Verdade do Rio. Ela também coor- fotos do primeiro show de Roberto dos músicos, fotos dos bastidores, denou trabalhos de elucidação da Carlos, realizado em 1978. contrato dos cantores e até notas explosão da carta-bomba da OAB fi scais de refeições e honorários”, “Tem o roteiro musical completo do (Ordem dos Advogados do Brasil), diz Cravo Albin, para logo em espetáculo dirigido por Luís Carlos atentado que ocorreu em 1980, seguida ser interrompido por uma Miele e Ronaldo Bôscoli, com as ainda no governo militar, vitimando outra descoberta de Denise. modifi cações sugeridas. Há a rela- Lyda Monteiro da Silva, secretária ção com o nome dos músicos e até o Com algumas latas com rolos de do então presidente nacional da registro fotográfi co dos bastidores, fi lme em mãos, a pesquisadora se

Imagens da época de ouro do rádio compõem o rico acervo iconográfi co da história musical brasileira resguardada pelo ICCA

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Foto: Lécio Augusto Ramos Além do acervo do Canecão, o ICCA recebeu, em 2015, a guarda do acer- vo do Museu do Rádio, que fi cava na Rua da Constituição, no centro do Rio. Após ser desativado pelo governo do estado do Rio de Janeiro depois de cinco anos de funciona- mento, todo o acervo, constituído por 5 mil itens – entre 4.500 discos, oito painéis fotográfi cos em madeira e peças e equipamentos de época de estúdios de rádio – foi doado ao ins- tituto. No entanto, a documentação está guardada, temporariamente, no Arquivo Nacional, até que o ICCA tenha espaço para recebê-lo. “Apesar das limitações físicas e de recursos para a manutenção do acervo, nunca desprezamos uma doação, porque sabemos que em cada uma delas há um tesouro Cravo Albin e Sonia Reis exibem discos raros e instrumentos do cantor e compositor escondido. É uma tese ideológica Taiguara, que hoje pertencem ao acervo doado pela família do artista à instituição ligada à preservação da memória e do patrimônio imaterial que guia o trabalho de todos aqui do instituto”, depara com o registro do primeiro biliza não só Ricardo e Denise, afi rma Cravo Albin. baile de carnaval do Canecão, pro- como também o jovem Samuel Her- movido em 1976. “Precisamos ir nandez, de 27 anos. Filho de pais Presidente do ICCA, ele conta que correndo a uma cinemateca conferir músicos e nascido em Bebedouro, a casa está prestes a receber mais o que há nesses fi lmes”, dizem De- no interior de São Paulo, Samuel é um acervo. Serão 5 mil CDs e 5 mil nise e Cravo Albin, quase em coro. formado em Ciências Sociais e se LPs (long plays) que compunham a Na pesquisa diária pelo acervo da mudou para o Rio de Janeiro atraído coleção particular de um produtor casa de espetáculos, Denise e Cravo pelo encanto da MPB e da pesquisa da Rádio MEC. “Estamos sempre Albin já encontraram o roteiro de histórica. Sempre disponível para abertos a doações e apoios, tanto de “Deus lhe pague”, a primeira gran- prestar ajuda aos pesquisadores da instituições que incentivem a pre- de peça brasileira escrita pelo tea- casa, o jovem atua como voluntário servação da cultura e da memória, trólogo Joraci Camargo e adaptada no ICCA. quanto de pesquisadores voluntários que se interessem por estudar a mú- por Millor Fernandes, Vinicius de “A possibilidade de conciliar a sica popular brasileira”, acrescenta Moraes e Edu Lobo, para o gênero Antropologia e a Música; o respeito o musicólogo. comédia musical. Sob o mesmo pela memória, pela cultura e pela título, a peça foi apresentada com arte; e, é claro, a fi gura de Ricardo “Todos os presidentes da FAPERJ grande sucesso no Canecão sob a Cravo Albin me fi zeram vir ao ins- sempre foram sensíveis ao trabalho direção de Bibi Ferreira, em 1976. tituto e trabalhar como pesquisador de preservação da memória reali- O roteiro do show “Brasileiro pro- voluntário. É um prazer estar aqui”, zado pelo ICCA. Nos últimos 16 fi ssão esperança”, de 1974, com diz Samuel, que pesquisa músicos anos, passaram por aqui cerca de Clara Nunes e Paulo Gracindo, da noite carioca que passaram pela 40 bolsistas de Iniciação Científi ca, também está no acervo. história sem nunca serem notados. todos apoiados pela Fundação. Sem O amor pela memória e a história A investigação compõe a base de falar nos pesquisadores associados musical e artística brasileira mo- seu pré-projeto de mestrado. ao instituto”, ressalta Cravo Albin.

12 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X CULTURA

Fotos: Lécio Augusto Ramos Professora do curso de Letras Ita- lianas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Sonia Cristina Reis é um dos docentes que têm traba- lhado em conjunto com o ICCA. Com interesse especial voltado para a cultura do samba marginalizado do Rio de Janeiro, das décadas de 1920 a 1970, ela coordenou os es- forços para atualização da base de dados do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. O projeto, que contou com o apoio da FAPERJ por meio do programa Treinamento e Capacitação Técni- ca , uniu as vertentes do samba em textos e verbetes históricos, desde O acervo do ICCA reúne uma grande variedade de discos gravados em épocas distintas seu início até a contemporaneidade. da música brasileira, que ainda necessitam de tratamento técnico para digitalização Segundo Sonia, o instituto tem buscado atrair jovens estudantes de graduação para o trabalho de na área de iniciação científi ca e que da Universidade Federal do Estado pesquisa e preservação da memória queiram atuar como voluntários do Rio (UniRio) mantêm parcerias da música que realiza. A professora serão muito bem-vindos. científi cas com o ICCA. Os estudan- tes, dessas e de outras instituições ressalta que alunos dos cursos de Além da UFRJ, professores e pes- de ensino e pesquisa, interessados Letras, Música, História, Arquivo- quisadores da Universidade do em atuar como pesquisadores vo- logia, Museologia, Antropologia Estado do Rio (Uerj), da Universi- luntários podem enviar um e-mail e Geografi a, que tenham interesse dade Federal Fluminense (UFF) e para o instituto por meio do “Fale conosco”, disponível no portal do instituto. Os voluntários serão sele- cionados de acordo com o currículo. Para conhecer mais sobre o ICCA, basta acessar o site www.instituto- cravoalbin.com.br

Pesquisadora: Sonia Cristina Reis Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fomento: Treinamento e Capacitação Técnica (TCT)

Pesquisador voluntário, Samuel Hernandez cataloga discos e publicações e diz que o trabalho no instituto é um prazer diário

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 13 INOVAÇÃO Fotos: Pedro Nahoum/Botânica Pop

Exótico, o abacaxi vermelho tem a vantagem de oferecer uma manipulação mais fácil, com gomos que podem ser retirados até com a mão O abacaxi é pop Vilma Homero squeça a fruta que você co- Após duas décadas de muita nhece. Agora imagine a cas- Eca de um vermelho forte, a pesquisa, empresa promove coroa de folhas menor e com menos espinhos e uma polpa de gomos bem modificações na fruta, visando aparentes, que podem ser retirados com a mão. Dele, até a casca, co- torná-la ainda mais popular e mestível, se aproveita. Sim, trata-se de um abacaxi, mais precisamente de consumo mais fácil o abacaxi produzido pela empresa Botânica Pop, que há mais de vinte anos vem promovendo cruzamentos

14 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X INOVAÇÃO seletivos e melhoramento genético com troca de pólen entre plantas. até chegar à fruta atual. Quem tiver Pesquisas com Isso inicialmente leva dois anos só curiosidade em experimentar terá cruzamentos para tirarmos as mudas híbridas. que esperar até 2018, quando a Após a seleção dos melhores genó- novidade estará disponível comer- seletivos de mudas tipos híbridos, processo que pode cialmente no mercado fl uminense. e melhoramento levar mais de cinco anos, são neces- sários mais três anos para proceder O abacaxi é uma fruta popular, que à micropropagação em laboratório e está entre as dez favoritas no con- genético resultaram levar essas mudas para o cultivo em sumo mundial. Do gênero Ananas, na produção do campo. Em compensação, uma das é também uma fruta conhecida há vantagens é que de poucas plantas mais de três mil anos. “A espécie abacaxi vermelho podemos conseguir milhares. E o doméstica é o Ananas comosus , melhoramento é inteiramente or- enquanto a espécie selvagem mais de Quissamã gânico”, enfatiza Nahoum. próxima é o Ananas bracteatus , natural da Mata Atlântica, que per- ceas para acentuar-lhes o colorido.” Esse é um dado importante, já que, corre a faixa que vai de Pernambuco Uma vez que o abacaxi também é como lembra o produtor, o popular até o Rio Grande do Sul, chegando da família das bromeliáceas, partir abacaxi é também uma das cinco à Argentina e ao Uruguai”, expli- para o cruzamento de espécies di- frutas que mais recebem agrotó- ca o biólogo Pedro Nahoum, da ferentes foi só mais uma questão de xicos. “Como é muito suscetível Botanica Pop. Com recursos do curiosidade e de tempo. ao ataque de fungos, seu cultivo edital Apoio ao Desenvolvimento e “Não havia nada na literatura a emprega muito fungicida como Inovação Tecnológica (ADT 1) , da respeito. Então, era preciso partir forma de proteger as lavouras”, FAPERJ, ele tem se dedicado a de- de tentativa e erro”, conta o biólogo. acrescenta. Poder dispensar o uso senvolver um tipo diferente da fru- Foi um trabalho demorado, porque de agrotóxicos, fazendo um cultivo ta. Não tem sido um trabalho fácil, a ideia não era produzir plantas orgânico, como faz questão de en- mas um projeto que exige paciência geneticamente modifi cadas. “Parti- fatizar Nahoum no caso do abacaxi e perseverança. A Botânica Pop mos para o melhoramento natural, vermelho, é um benefício a mais. produz sementes híbridas através da polinização de fl ores para a seleção dos genótipos mais promissores, que depois são levados para uma posterior clonagem em laboratório. Ou seja, aqueles exemplares que possuem todo o conjunto de genes desejáveis, herdados de seus pro- genitores, servem como base para a clonagem. Feita por micropropa- gação , essa clonagem possibilita a obtenção de milhares de mudas com a mesma genética. Ou seja, nada mais é do que o melhoramento genético clássico da fruta. Especializado em bromeliáceas, família de grande diversidade na Mata Atlântica, o interesse de Com casca vermelha e gomos Nahoum pelo abacaxi surgiu ainda bem aparentes, o abacaxi da nos tempos de estudante. “Como Botânica Pop se destaca trabalhava com plantas ornamen- tais, fazia cruzamento de bromeliá-

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 15 INOVAÇÃO

Foto: Divulgação/Botânica Pop de produção são fundamentais. Por isso selecionamos as variedades adaptadas ao cultivo orgânico, naturalmente mais resistentes, e cultivamos nossas mudas em solo arenoso, o chamado regossolo, que tem muita drenagem e ajuda bastan- te a evitar fungos,” fala. O colorido da fruta vem da anto- cianina, um fl avonóide com pro- priedades antioxidantes, presente em diversas famílias de plantas cultivadas habitualmente: das Vi- taceae (uva) às Rosaceae (cereja, ameixa, framboesa, morango, amora, maçã, pêssego etc.), das So- lanaceae (tomate, batata) às Cru- ciferae (repolho roxo, rabanete), das Leguminoseae (vagem) às Gra- mineae (sementes de cereais). Além de atrair polinizadores de fl ores, as antocianinas oferecem proteção contra os danos provocados pela luz UV na folha, atuando como fi ltro, melhorando e regulando a fotos- síntese. Se são importantes para as plantas, essas propriedades antio- xidantes – de combate aos radicais livres –, são ótimas também para a dieta humana, como boas aliadas na prevenção de doenças cardiovascu- lares e neurodegenerativas. Pelo método de melhoramento clássico – que usa a seleção dos me- lhores exemplares como matrizes O biólogo Pedro Nahoum aposta no sucesso do abacaxi vermelho, desenvolvido de forma das novas plantas, como vem sendo inovadora, depois de diversas tentativas e erros, e agora espera colher os frutos em 2018 feito pela agricultura humana desde o primórdio dos tempos –, Nahoum Mas o que seria um cultivo orgâni- nar as variedades de abacaxi com buscou acentuar a coloração. “A cor co? Como explica o biólogo, exis- menor propensão a pragas, como forte era uma ideia que me agra- tem práticas e produtos orgânicos a Imperial, da Empresa Brasileira dava. E, durante o processo, des- que viabilizam o plantio e nos le- de Agropecuária (Embrapa), que é cobri a formação em gomos, que, vam a reduzir o uso de agrotóxicos. especifi camente resistente a certas embora pouco se perceba, existe “A urina de vaca diluída em água e doenças fúngicas, como a fusariose, naturalmente de forma incipiente aplicada nas folhas, por exemplo, é causada pelo fungo Fusarium sp. e a no abacaxi e que também achei inte- uma forma de combater fungos, que principal praga do abacaxi no Bra- ressante incluir no desenvolvimento também serve como adubo para as sil. “Como não existem variedades da fruta. E, a partir do ano 2000, plantas”, cita o produtor. Paralela- resistentes a todas as doenças fún- comecei a colocar mais um item na mente a isso, ele procura selecio- gicas, que são muitas, boas práticas balança: a casca comestível”, con-

16 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X INOVAÇÃO ta. As variações desejáveis foram cerca de 60 quilômetros da capital sendo incorporadas ao processo de fl uminense. Ali, as mudas são pro- seleção, como forma de aprimorar duzidas em estufa e de onde saem Breve história do determinados potenciais. Um deles para o cultivo em campo, na região melhoramento do foi reunir as plantas que apresenta- de Quissamã, próximo a Campos vam menor quantidade de espinhos dos Goytacazes, cujas terras areno- abacaxi nas folhas. “Foi outra característica sas são mais adequadas ao plantio. Paulista de Piracicaba, o cientista que desenvolvemos.” “Por sua baixa umidade, a região Felisberto Camargo (1896-1977) reúne condições de clima e solo O resultado foram duas variações foi, nos anos 1940, o pioneiro mun- bem mais apropriados ao cultivo da fruta: “Cesar”, cuja coroa de dial na realização de cruzamentos do abacaxi. Criei um pool gênico, folhas ainda mantém um certo nú- de abacaxis, no estado do Rio de com matrizes que continuam sendo mero de espinhos; e “Davi”, com Janeiro. Sua coleção de variedades cruzadas e aperfeiçoadas. Estamos uma coroa de folhas grandes, mas foi doada e hoje integra o acervo de na oitava geração de cruzamentos”, sem espinhos. Também na polpa, plantas vivas do Jardim Botânico do anima-se Nahoum. Pelas caracte- eles são diferentes: a de “Cesar” é Rio de Janeiro. Nos anos 1970, foi a rísticas da fruta que produz, ele já mais amarela, enquanto a de “Davi” vez de o cientista Ricardo Gadelha, iniciou contatos para a exportação é mais esbranquiçada. “Embora da Pesagro-RJ (Empresa de Pesqui- para países como França, Holanda, a acidez varie de acordo com as sa Agropecuária do Estado do Rio Emirados Árabes e Japão. condições de solo e adubação, e de- de Janeiro), realizar importantes penda do grau de maturação em que “Com 15 mil mudas de cada varie- pesquisas com o abacaxi, incluindo a fruta é colhida, ambos mantêm a dade, começamos a produzir em a realização de cruzamentos e o combinação de acidez e doçura que escala de uns poucos milhares e estudo dos híbridos. caracteriza o abacaxi”, entusiasma- aumentamos muito rapidamente, Tanto Camargo quanto Gadelha -se o produtor. E, se chama atenção já que a propagação de mudas é estudaram a planície litorânea do pela cor, a folha avermelhada de exponencial. Teremos cerca de 400 Norte Fluminense, considerada ambos os tipos da fruta ainda tem mil mudas para o próximo ano, com como dotada de uma das melhores uma vantagem menos óbvia: por colheita prevista para o início de condições de solo e clima – o que seu teor de fi bras pode ser utilizada 2018. É só esperar pra ver.” também é defi nido como terroir – para a produção de papéis e tecidos. Pesquisador: Pedro Nahoum para a produção de abacaxis no As duas variantes estão sendo de- Instituição: Empresa Botânica Pop País. Tais registros se aliam à tradi- senvolvidas na fazenda da família Edital: Apoio ao Desenvolvimento e ção, há mais de 200 anos, de cultivo em Maricá, município situado a Inovação Tecnológica (ADT 1) na região, junto à cana de açúcar, à antiga cultura indígena flumi- nense de cultivo da fruta, à grande Foto: Divulgação/Botânica Pop diversidade no estado de espécies de bromeliáceas e ao fato de o an- cestral, ou seja, do parente silvestre do abacaxi ser a espécie Ananas bracteatus , encontrada em toda a Mata Atlântica do Rio de Janeiro. Todos esses pontos serviram como ponto de partida para a Botânica Pop desenvolver junto ao Instituto Nacional de Produtos Industriais (INPI /Mapa), a criação da identi- A plantação do abacaxi vermelho, dade geográfi ca do Puã – o abacaxi livre de agrotóxicos, vermelho do Rio de Janeiro. fl oresce no solo de Quissamã

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 17 MEIO AMBIENTE Paraíso ecológico na Serra do Mar em alerta hídrico Pesquisadores investigam por que Aline Salgado uma das maiores áreas protegidas araíso ecológico localizado em trecho da Serra do Mar, na divisa do estado de Mata Atlântica, localizada em Pdo Rio de Janeiro com São Paulo, e que corta os municípios de Angra dos Reis e trecho da Serra do Mar na divisa Paraty, em território fl uminense, e Ubatuba, em solo paulista, a Serra da Bocaina está no do Rio de Janeiro com São Paulo, radar de pesquisadores e autoridades públi- tem sofrido com a falta de água cas. Região que abriga o parque nacional de mesmo nome, com 104 mil hectares de Mata Atlântica protegida e berço de belíssimas cachoeiras, como as de Santo Isidro, das Posses e do Veado, a Serra da Bocaina entrou em alerta hídrico. O sinal foi dado por comunidades tradicio- nais da região, em 2014 e 2015, anos de crise hídrica em todo o Sudeste. Segundo as populações quilombolas e caiçaras, nun- ca antes a microbacia do rio Carapitanga

Imagem capturada da Pedra da Macela, situada na estrada Paraty-Cunha, na divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo Foto: Leila Pena Leila Foto:

18 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X MEIO AMBIENTE

havia apresentado essa situação de dade turística, a agricultura, o funcio- utilizados em plantações locais e por desabastecimento. Diante do alerta, namento de ofi cinas náuticas e até a combustíveis, via descarte incorreto a pesquisadora Ana Luiza Coelho retirada de água em poços artesianos de ofi cinais náuticas. Netto, da Universidade Federal do de uma única região do aquífero fi s- “O rio Carapitanga nasce numa aldeia Rio de Janeiro (UFRJ) e Cientista do sural do rio Carapitanga podem estar na Serra da Bocaina e passa por sete Nosso Estado pela FAPERJ, decidiu por trás do desabastecimento. comunidades rurais, um quilombo e investigar por completo a gestão das “Por dois anos seguidos, observamos uma comunidade caiçara. Muito além águas na região. que a oferta de água na região da mi- de ser uma importante fonte para o Docente no Departamento de Geogra- crobacia do rio Carapitanga, que corta abastecimento dessas populações, o rio fi a do Instituto de Geociências do Cen- o perímetro urbano de Paraty, não está ligado diretamente à cultura das tro de Ciências Matemáticas e da Na- estava sendo sufi ciente para abastecer comunidades locais”, explica Gallo. tureza (CCMN/UFRJ) e coordenadora a população. Apesar dos anos de 2014 Ana Luiza conta que já foi montado do Laboratório de Geo-Hidroecologia e 2015 terem sido atípicos, queremos um mapa falado, construído com in- (Geoheco) da universidade, ela tem investigar de forma completa que formações obtidas junto à população desenvolvido os estudos em parceria outros elementos podem estar levando local e mostrando os locais de retirada com o Observatório de Territórios a essa falta de água na Serra da Bocai- de água e seus usos. O próximo passo Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, na”, diz a geógrafa. será adicionar ao mapa dados de loca- da Fundação (OTSSB/ Coordenador geral do Observatório de lização da região, obtidos por sistema Fiocruz). O intercâmbio entre os pes- Territórios Sustentáveis e Saudáveis de GPS (global positioning system), quisadores tem possibilitado o avanço da Bocaina, Edmundo Gallo explica além de informações ofi ciais das redes nas investigações e o levantamento de que a intenção dos pesquisadores é de captação de água. algumas hipóteses para o problema, fazer uma análise completa da gestão nunca antes visto na região. Uma estação de monitoramento plu- ambiental local. Serão avaliados, as- viométrico, que medirá a descarga Entre as principais suspeitas estão o sim, os impactos e efeitos de uma série do rio Carapitanga – que corta o aumento no fl uxo sazonal de pessoas de mudanças, sejam elas climáticas, município de Paraty – e o volume para os municípios de Angra, Paraty de vazão da água dos rios, de assore- de chuvas na localidade, já está em e Ubatuba, que atraem muitos turistas amento e até de contaminação por es- funcionamento. Está prevista a cons- nos verões e feriados. Além da ativi- gotamento sanitário, por agrotóxicos trução de uma segunda estação, que

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 19 MEIO AMBIENTE Foto: Halley Pacheco de Oliveira

Cachoeira Santo Isidro, no Parque Nacional da Serra da Bocaina: transformações ambientais prejudicam o abastecimento hídrico do local

será instalada em área fl orestal mais identifi quem o quanto a natureza Fluminense (UFF) são alguns dos bem conservada. ainda dispõe de recursos hídricos centros de pesquisa que também no aquífero e, principalmente, que participam da iniciativa. “Com os dados dessas duas estações ações precisarão ser feitas para e mais os da estação localizada em Pesquisadora: Ana Luiza Coelho preservar a região. Angra dos Reis, que funciona há Netto 30 anos, analisaremos a série his- Do Observatório de Territórios Sus- Instituição: Universidade Federal do tórica da descarga líquida dos rios, tentáveis e Saudáveis da Bocaina, Rio de Janeiro (UFRJ) Fomento: Cientista do Nosso Estado isto é, vazão e volume de água que Edmundo Gallo diz que alguns ór- / Apoio a Projetos Temáticos carregam por unidade de tempo. gãos de gestão já estão envolvidos Além disso, estudaremos como se no projeto de proteção à microbacia dá a distribuição de chuvas na Serra do rio Carapitanga. Entre eles, o da Bocaina”, detalha Ana Luiza. Instituto Chico Mendes de Conser- “Assim, poderemos identifi car as vação da Biodiversidade (ICMBio), Foto: Divulgação transformações ambientais das a Prefeitura de Paraty, o Instituto comunidades tradicionais e dimen- Nacional do Patrimônio Histórico sionar o impacto do fl uxo sazonal de e Artístico Nacional (Iphan), o Ins- pessoas para a região, sem falar nas tituto Estadual do Ambiente (Inea), outras atividades que podem estar a Reserva Ecológica da Joatinga e o provocando distúrbios no abasteci- Comitê de Bacias local. A Fiocruz, mento”, acrescenta a pesquisadora. a UFRJ e a Universidade Federal A professora da UFRJ acredita que o estudo possibilitará que pes- Ana Luiza destaca a importância do quisadores, governos municipais estudo para ajudar no estabelecimento de e estaduais e comunidades locais políticas públicas de gestão das águas

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Lavinia Portella

Um capacete flexível esquisador do Centro de De- senvolvimento Tecnológico que pode salvar vidas Pda Fundação Oswaldo Cruz (CDTS/Fiocruz) e do Instituto de Ciências Biomédicas da Univer- Pesquisadores desenvolvem sidade Federal do Rio de Janeiro (ICB/UFRJ), o médico Renato Ro- touca inflável capaz de resfriar a zental e sua equipe desenvolveram um dispositivo de hipotermia focal cabeça de recém-nascidos que cerebral neonatal que pode salvar sofreram asfixia cerebral perinatal vidas. Trata-se de uma espécie de capacete flexível ou touca que oferece a possibilidade de manter resfriado o cérebro com défi cit de oxigenação, minimizando o desen- volvimento e gravidade de lesões neurológicas. Utilizado em recém- -nascidos que sofreram asfi xia cere- bral perinatal, o dispositivo provoca a hipotermia controlada apenas do cérebro para interromper o avanço de lesões do tecido nervoso que podem matar ou mesmo deixar sequelas para o resto da vida. Primeiro dispositivo de hipotermia cerebral projetado para ser utili- zado fora do ambiente hospitalar, o capacete fl exível, que pode ser transportado com facilidade, tem a vantagem de permitir que o socorro seja prestado antes mesmo de a ví- tima chegar ao hospital e, por isso, pode ajudar a evitar mortes por as- fi xia em crianças nascidas de partos realizados de forma inadequada em regiões sem assistência ou mesmo com rede de saúde precária. Segundo o pesquisador, a asfi xia

Foto: Divulgação Foto: perinatal é a primeira causa de mortalidade de recém-nascidos no mundo. Por ano, em torno de quatro

Touca oferece a possibilidade de manter resfriado o cérebro com défi cit de oxigenação, minimizando o desenvolvimento de lesões neurológicas

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 21 NEUROCIÊNCIA

Foto: Divulgação milhões de recém-natos apresen- o chamado “circular de cordão”). tam asfi xia. Entre eles, um milhão Mas, seja em razão das alterações morrem e dois milhões fi cam com de contratilidade uterina ou das sequelas graves. “O tratamento alterações da circulação do feto dessa emergência médica, portanto, para a placenta, o resultado será constitui uma corrida contra o tem- uma baixa na oxigenação do feto. po”, explica o médico, Professor A isso se dá, explica Rozental, o Clínico Visitante do Albert Einstein nome de sofrimento fetal intraparto College of Medicine, no Bronx, em ou sofrimento fetal agudo. Nova York, nos Estados Unidos. Outra situação que pode ocorrer não Em países com renda baixa e média, se dá durante o trabalho de parto, as crianças, muitas vezes, nascem e, sim durante a gravidez, com a em condições sanitárias, médicas e insufi ciência da placenta, uma falha sociais adversas. Neste cenário, a no seu funcionamento, ocorrida ao asfi xia perinatal é uma causa impor- longo da gravidez. “Podemos citar tante de mortalidade e morbidade. como exemplo, uma mulher com De acordo com Jorge Rezende Fi- hipertensão arterial ou uma mulher lho, Professor Titular de Obstetrícia que tenha desenvolvido hipertensão da Maternidade Escola da UFRJ, na gravidez – essa é a causa mais uma série de fatores podem levar à frequente–, a placenta deixa de asfi xia perinatal. Um dos mecanis- funcionar, cronicamente deixa de mos mais comuns é a alteração da oxigenar o feto, que ao nascimento oxigenação fetal ocorrida durante já apresenta uma repercussão pela o trabalho de parto. Esta alteração baixa da oxigenação”, diz o médico. pode ser devido ao défi cit de apor- Com a oxigenação do cérebro com- te sanguíneo para a placenta, seja prometida, o recém-nascido pode porque o padrão das contrações morrer ou ter problemas neuroló- Apresentação do dispositivo de hipotermia focal uterinas está alterado ou porque gicos para o resto da vida. “Com cerebral neonatal no evento Saving Lifes at Birth, existe algum comprometimento na esse dispositivo, a criança com um em meados de 2016, em Washington D.C. circulação do feto para a placenta quadro de asfi xia iniciada durante (por exemplo, voltas do cordão o trabalho de parto, ou pós-parto, neste processo não somente por umbilical ao redor do pescoço fetal, ganha tempo até chegar ao hospital envolver profi ssionais brasileiros e para receber recursos especializa- americanos em fases avançadas de dos”, explica o neurocientista. formação, mas pelo envolvimento Em paralelo, o grupo de pesquisa dos estudantes de medicina Pedro liderado por Rozental, está con- H. Freitas, Jairo G. Fioravante, duzindo estudos sobre o impacto Caio M. Perret, Tagore M. Lima, de episódios hipóxicos crônicos Nathália G. D. Santos, e Renato intrauterinos (cíclicos ou constan- Machado, e dos médicos, em for- tes), no sistema nervoso central em mação, Raphael Bertani, residente desenvolvimento assim como esta de neurocirurgia no Hospital Muni- avaliando o impacto longitudinal, cipal Miguel Couto, e Pedro C.D. isto é, durante a vida, de episó- Rodrigues, médico do Hospital dios hipóxicos em fases distintas Estadual Getúlio Vargas. da gestação. O grupo destaca-se A mesma lógica deve ser aplicada a lesões provocadas por traumatismo cranianoencefálico (TCE), uma Protótipo pronto para testes que devem iniciar no Brasil e na África das principais consequências de em meados de 2018 acidentes de trânsito e domésticos.

22 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X NEUROCIÊNCIA

Foto: Divulgação “Quando a pessoa está na rua e sofre isquemia ou traumatismo craniano, por exemplo, a tendência é que aumente a temperatura em áreas do cérebro, causando danos sérios e até irreversíveis. A touca permite reverter esse quadro, ainda na rua, minimizando os problemas”, ressalta Rozental, lembrando que o resfriamento do cérebro já é um tratamento consagrado nos meios hospitalares no mundo inteiro. “O dispositivo é que está sendo reco- nhecido internacionalmente por ser Acordo de transferência do projeto de hipotermia do IVB para o IPPMG/UFRJ. Da direita um produto inovador, acessível em para a esquerda: Bruno L. Moreira, Diretor do IPPMG, Renato Rozental e Igor Cruz qualquer ambiente, tanto fora como dentro do hospital”. Em setem- bro de 2012, o pesquisador havia resfriamento. A substância pode ser seis entidades, entre elas a Funda- apresentado o primeiro dispositivo armazenada em uma pequena gar- ção Bill & Melinda Gates, com o – este na forma de um capacete rí- rafa de alumínio, de fácil transporte objetivo de dar apoio a recém-nas- gido – destinado a reduzir os danos e manuseio. “Eu acredito que daqui cidos e às mães durante o trabalho causados em casos de traumatismo a dois anos o dispositivo esteja de parto, principalmente em regiões cranioencefálico (TCE) fora do am- concluído. O nosso sonho é ver este sem assistência médico-hospitalar biente hospitalar. Naquela ocasião, dispositivo em uso não somente no adequada. Selecionado entre 50 o assunto foi abordado na Repor- Brasil, mas em comunidades caren- fi nalistas – entre 750 candidatos de tagem de Capa da edição nº 20 da tes do globo”, diz ele. 78 países – o médico brasileiro foi revista Rio Pesquisa/Faperj. o vencedor na categoria People’s Há três modelos diferentes do ca- Choice Award, projeto mais votado A inovação não necessita de energia pacete: adulto, médio (para quem pelo público. elétrica nem de água. Além disso, o tem um crânio menor) e neonatal. O dispositivo é leve e proporciona uma projeto contou com recursos da FA- De acordo com o pesquisador, a hipotermia focal, ou seja, apenas do PERJ, por meio de diversos editais, equipe já concluiu um protótipo cérebro – eliminando os efeitos ad- entre eles, Pensa Rio – Apoio ao Estu- funcional de baixo custo (em torno versos observados com a hipotermia do de Temas Relevantes e Estratégicos de US$ 60), o “BabyThermocrown sistêmica, que afeta o corpo inteiro. para o Estado do Rio de Janeiro e o África” (Fig. 1), que representa “Como é barato, o dispositivo pode Auxílio à Pesquisa (APQ 1). uma pequena fração do custo de ser adquirido pelo Sistema Único O dispositivo despertou o interesse equipamentos congêneres de hipo- de Saúde (SUS), para distribuição da liga de futebol americano, nos termia disponíveis no mercado. Ele na rede pública de saúde do Brasil”, Estados Unidos, e do Bope (Bata- destaca que se trata de um modelo sugere o neurocientista. lhão de Operações Especiais da Po- viável fi nanceiramente para popu- Segundo Rozental, o capacete lícia Militar do Rio). O trabalho foi lações de países de baixa e média consegue manter o resfriamento do apresentado em fórum das Organi- renda, e que pretendem começar os cérebro por até 4h. O processo ocor- zações das Nações Unidas (ONU), ensaios clínicos com o equipamento re por meio de injeção de gases, a em junho de 2016, como uma das no Brasil e em um país Africano. partir de válvulas que se encontram propostas da Fiocruz para reduzir Pesquisador: Renato Rozental na parte externa do dispositivo. Os a mortalidade neonatal mundial, Instituições: Fundação Oswaldo gases introduzidos abastecem um principalmente em países de baixa Cruz (Fiocruz) e Universidade compartimento interno de bexigas e média renda. Em julho de 2016, Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) interconectadas, iniciando, assim, Rozental recebeu o prêmio Saving Fomento: Editais Pensa Rio e Start- um processo termodinâmico de Lives at Birth, consórcio que reúne up Bio, e Auxílio à Pesquisa (APQ 1)

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 23 TELEMEDICINA

Monitorando o consultório virtual, junta de especialistas simula o acompanhamento em tempo real do atendimento clínico por transmissão... Saúde ao vivo, a cores e em 3D

Aline Salgado Sistema de transmissão holográfica o limiar do território brasi- de imagens permite que atendimento leiro, na tríplice fronteira Ncom Peru e Bolívia, está clínico em áreas remotas seja o município de Assis Brasil, no acompanhado por junta de especialistas estado do Acre. Cortado pela Flo- resta Amazônica, ele abriga pouco em tempo real. Tecnologia desenvolvida mais de 6.863 habitantes, segundo censo do Instituto Brasileiro de a baixo custo por pesquisadores da UFF Geografia e Estatística (IBGE). Parte deles é de militares do 2º está sendo proposta para utilização Pelotão de Fronteira do Exército pela Marinha do Brasil e pelo Exército brasileiro. Além de reprimir o nar- cotráfi co, o contrabando de armas, a biopirataria, a exploração ilegal de madeira e minérios, o Exército garante também a saúde e o bem-

24 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X Fotos: Divulgação TELEMEDICINA

zer fotos nítidas –, um computador para transmissão de imagem holo- gráfi ca e lâmpadas, posicionadas estrategicamente para garantir a boa visibilidade do paciente na sala. Enquanto conversa com o médico à sua frente, o paciente também é ouvido e analisado por uma junta, reunida em um centro de saúde holográfi co a quilômetros dali, em qualquer grande polo urbano do País, como na UFF ou no HCE. Na sala, os médicos conseguem ouvir, conversar e ter a visão real da cena, como se estivessem também frente a frente com o paciente. A um custo médio de instalação de R$ 10 mil e manutenção a distância, o consultório virtual é um investi- mento que pode não só reduzir as despesas de transporte de pacientes de uma região remota, como tam- bém salvar vidas. Essa é a principal motivação dos pesquisadores en- volvidos no projeto, que levou cin- ...holográfi ca; acima, detalhes da infraestrutura do consultório remoto do Projeto Telessaúde co anos para ser desenvolvido. Batizado de Projeto Telessaúde, -estar da população local. Num consulta, auxiliando o médico no o sistema foi idealizado em 2012 futuro bem próximo, os militares diagnóstico da doença do paciente e maturado ao longo dos anos de de lá poderão contar com uma e até determinando rapidamente a 2014 a 2016 dentro do Centro de tecnologia que promete mudar por necessidade ou não de cirurgia e Referência em Assistência à Saúde completo o apoio ao atendimento remoção para uma unidade hospi- do Idoso, Serviço de Geriatria do médico realizado dentro dos hos- talar. O aparato tecnológico foi de- Huap. Coordenadora da equipe de pitais de campanha: é o consultório senvolvido pelos pesquisadores do Saúde, Yolanda Moreira Boechat holográfi co virtual. Núcleo de Estudos de Tecnologias conta que a ideia partiu de uma Avançadas da Escola de Engenharia aluna da pós-graduação, que tinha o Há exatamente 4 mil km de distân- (NETAv/UFF), em parceria com o desejo de promover o atendimento cia do Acre, no Hospital Central Corpo de Saúde do Hospital Uni- médico à distância, tendo como do Exército (HCE), no Rio de versitário Antonio Pedro (Huap), e foco a interiorização da medicina Janeiro, uma junta de médicos- já está sendo experimentado tanto na Amazônia. -especialistas, em colaboração com pelo Exército como pela Marinha os pesquisadores da Universidade “Junto à Escola de Engenharia, do Brasil. Federal Fluminense (UFF), já vem vimos que era possível trazer a testando a nova tecnologia, que Semelhante a um consultório co- tecnologia para o auxílio à saúde. permitirá aos médicos do HCE mum, com maca, mesa e cadeira, Contamos também com o apoio acompanhar o atendimento que está o consultório virtual é equipado de algumas empresas parceiras, sendo realizado lá no Acre: tudo em com uma webcam, um microfone, como a Eyemotion, a Embratel e a tempo real. Além de ver o paciente Internet, um tripé – que garante a Star One, que foram determinantes em 3D, a junta poderá interagir na fi xação de um celular capaz de fa- para a escolha da holografi a como

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sistema ideal para a transmissão cabeça do paciente. Seus gestos e pelo planejamento e implantação das imagens”, conta a professora sinais de relaxamento ou tensão”, de Sistemas Holográficos, René Yolanda. ressalta o engenheiro de Telecomu- Pestre Filho. nicações, professor titular da UFF e Do ponto de vista da medicina, o Colega de equipe, a engenheira em coordenador-geral do projeto, Julio “sistema ideal”, mencionado pela Eletrônica e Computação e profes- Cesar Rodrigues Dal Bello. professora Yolanda, seria aquele sora Natalia Castro Fernandes conta que permitiria à equipe de espe- Passada a etapa de determinação que, quando o grupo pensou em uti- cialistas do consultório virtual ter do sistema a ser adotado, faltava lizar a holografi a para o atendimento uma visão em tamanho real e global encontrar meios de garantir que o médico, logo sentiram a necessidade do contato entre o médico e seu envio dos dados – som e imagens –, de criar mecanismos que garantis- paciente. “A imagem refl etida em fossem feitos de modo online e on sem a conexão em tempo real entre uma tela fi na, posicionada à frente time. “O emprego da holografi a em médico e paciente e a junta de es- da junta médica, garante a sensação shows já nos era conhecido. Mas as pecialistas. “Tudo isso sem deixar de conforto e tridimensionalidade. imagens transmitidas não eram fei- de pensar no lado da economia. Pelo sistema holográfi co é possível tas em tempo real”, diz o engenhei- Era preciso fazer com que todo esse acompanhar a cena completa. Os ro de Telecomunicações, professor conjunto fosse viável, a custos bem médicos observam dos pés até a da UFF e um dos responsáveis baixos”, enfatiza Natalia.

Fotos: Divulgação Serviço de telemedicina encurta distâncias e acelera laudos médicos

De seis meses para 48 horas. Essa é a redução do tempo que populações ribeirinhas de municípios do interior do estado do Amazonas têm leva- do para receber o laudo médico de exames radiológicos e por imagem, como uma mamografi a. A revolução é resultado da aplicação de um serviço inovador, que possibilita a realização dos exames em regiões distantes dos grandes centros urbanos e até mesmo em localidades com infraestrutura de telecomunicação precária. A tecnologia da Diagnext.com permite o envio de imagens compactadas, para exames de saúde “Se antes as chapas de exames pre- cisavam viajar de barco até a capital, Manaus, e entrar na fi la de laudos para Subvenção Econômica à Inovação e de telecomunicações. O sistema serem analisadas pelo médico, agora – que oferece o serviço à Secretaria foi implantado em 51 hospitais do os exames seguem para os especia- de Saúde do Estado do Amazonas, interior do estado do Amazonas, via- listas rapidamente”, diz Leonardo desde 2012. bilizando a realização de cerca de 110 Severo Alves de Melo, executivo da A tecnologia da Diagnext.com permi- mil exames radiológicos, inclusive Diagnext.com, empresa contemplada te o envio dos arquivos de imagens de emergência, no período de um em dois editais da FAPERJ – Apoio de forma compacta, em ambientes ano. Desse total, cerca de 4,5 mil, ao Desenvolvimento da Tecnologia da hostis, isto é, regiões com falta ou em 2015, e 15 mil, em 2016, foram Informação e Tecnova/Rio Inovação/ ausência de infra-estrutura de energia mamografi as.

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A segurança no envio e comparti- dica estará reunida. Já a velocidade instituição parceira na pesquisa, e lhamento de dados dos pacientes de download pode ser baixa, visto também à FAPERJ. também é assegurada pelo sistema, que do centro de saúde holográfi co Aqui no Rio de Janeiro, exata- garante a dupla de especialistas. só são enviados dados de voz ao mente no Centro de Referência De acordo com os engenheiros, as médico”, explicam René e Natalia. em Assistência à Saúde do Idoso, informações são transmitidas dos No ano de 2014, com o fomento no campus da UFF, o consultório consultórios virtuais até o centro de inicial da FAPERJ, a equipe en- virtual já auxiliou profi ssionais na saúde holográfi co de forma cripto- volvida no projeto desenvolveu o realização de testes psicológicos e grafada, por meio de um provedor protótipo do consultório de saúde no diagnóstico precoce de demên- de Internet público ou por satélite. virtual. Um piloto do consultório de cia. Já a médica-dermatologista “Com uma Internet de 2 megabits saúde virtual foi instalado no HCE, Capitão Fabiana de Sousa Borges por segundo de velocidade (de em 2016, e o pedido de patente da Rudolph, do HCE, tem utilizado o upload) no consultório virtual já é tecnologia também já foi realiza- aparato, em parceria com médicos sufi ciente para que as imagens do do junto ao Instituto Nacional de da UFF desde 2016, para defi nir médico e paciente em High Defi - Propriedade Intelectual (Inpi). No um protocolo que, futuramente, irá nition (HD) cheguem ao centro de mesmo ano, foi feita a entrega dos ajudar médicos-militares de regiões saúde holográfi co, onde a junta mé- resultados à Marinha do Brasil, remotas a identifi car doenças de

“Um caminhão de radiologia móvel Amazonas, a Diagnext.com levou sua de Alta Tecnologia de Produtos para do Sistema Único de Saúde (SUS) é tecnologia de transmissão de grandes Saúde (Abimed), em 2015; o terceiro levado para o interior e nós viabiliza- volumes de dados para o interior do lugar no Prêmio Inova Saúde 2015, mos a conectividade da transmissão estado de São Paulo. Hoje, trabalha- da Associação Brasileira de Insumos dos dados de imagem, de forma rá- mos ainda em outra frente: aperfeiçoar Médicos e Hospitalares (Abimo); o pida e com custos bem mais viáveis, a rede tecnológica de armazenamento prêmio latino-americano de Inovação comparados aos serviços oferecidos e transmissão de dados de grandes em Saúde (Healthcare Innovation pelo projeto de uma companhia ingle- hospitais do Rio de Janeiro, Brasília Awards) do órgão internacional do sa”, explica Leonardo Melo. e Bahia”, diz o executivo. segmento de saúde Healthcare In- formation and Management Systems Por meio desse sistema, a rede do O sistema inovador levou a Diagnext. Society (HIMSS); e os “100 mais interior é conectada a uma central com a se destacar no mercado e a infl uentes em Saúde” na categoria que funciona em Manaus, onde uma receber quatro premiações: o Abimed Inovação, da revista Healthcare Ma- equipe médica analisa as imagens de Inovação Transformacional, da nagement. geradas nos municípios e devolve os Associação Brasileira da Indústria laudos via satélite ou telefonia móvel para as unidades de saúde do interior. Segundo a companhia, a partir da tecnologia, é possível transmitir, em menos de 10 minutos, um exame que, por outros métodos, poderia levar até 8 horas para chegar aos especialistas. Leonardo Melo diz que sua empresa é a única do Brasil no segmento de telemedicina a transmitir dados em ambientes hostis, utilizando um sis- Melo, executivo da empresa que usa a tema que combina simultaneamente telecomunicação para o uso de transmissão via telefonia exames médicos a móvel ou por satélite. “Além do distância na Amazônia

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Foto: Divulgação a acompanhamento constante e avaliação, tanto por um médico preceptor local como pela junta de professores-médicos instalada no centro holográfi co da UFF”, ante- cipa a coordenadora da equipe de Saúde do projeto, Yolanda Boechat. “As aplicações na área médica e no ensino e pesquisa são tão grandes que não conseguimos contabilizar as milhares de possibilidades vis- lumbradas. Até um banco de dados sobre doenças tropicais poderá ser criado por meio desse sistema”, diz o professor Ricardo Campanha Car- rano, engenheiro de Telecomunica- O coordenador do projeto, Julio Dal Bello (o 4º a partir da esq., na fi leira de trás) e parte da ções e coordenador do NETAv/UFF. equipe do Projeto Telessaúde, que une os esforços de pesquisa da UFF e do Exército Brasileiro Diante de tantos novos rumos que o Projeto Telessaúde começa a seguir, pele. Na Marinha, o sistema foi hanseníase. “Ter o apoio de um Dal Bello diz que a sensação é de testado no navio de apoio oceano- grupo de especialistas de forma dever cumprido. “Sem o suporte da gráfi co Ary Rongel, em uma viagem ágil e fácil é uma vantagem tanto FAPERJ não teríamos chegado tão para a Antártica. para o médico-militar, quanto para longe, transformando um protótipo o paciente. Essa tecnologia também em piloto”, afi rma, entusiasmado, o Consultor da Escola de Engenharia pode ajudar a fi xar mais médicos na coordenador-geral do projeto. “Mas da UFF para assuntos de Ciência, região”, aponta. queremos continuar avançando. Tecnologia e Inovação junto à Precisamos de mais recursos e Marinha do Brasil, o Capitão-de- A numerosa e multidisciplinar equi- novas parcerias, seja com agências -Mar-e-Guerra reformado Gustavo pe de pesquisadores do projeto está de fomento, órgãos de Defesa ou Benttenmüller Pereira ressalta ansiosa por alçar novos voos, dentro empresas.” que o sistema tem como potencial e fora do Brasil. Para este ano, o adicional o de auxiliar no treina- grupo planeja aperfeiçoar o Sistema Para a professora Yolanda Boe- mento de médicos inexperientes, Holográfico, garantindo-o novas chat, é preciso que toda a sociedade especialmente os que estão longe funcionalidades. Além disso, os conheça o potencial do projeto e de de uma base de apoio formada por pesquisadores querem viajar com a seus pesquisadores. “Precisamos profissionais mais maduros. “A tecnologia para Oriximiná, no Pará, dizer que isso existe no Brasil. Essa tecnologia dá mais segurança ao onde a UFF conta com uma unidade é uma estratégia de assistência à médico na defi nição do diagnóstico avançada de atendimento médico- saúde e, por que não dizer também, da doença que acomete o paciente”, -ambulatorial à população local, ao ensino e à pesquisa.”, conclui a avalia. de 50 mil habitantes. Pretende-se, professora. também, colaborar na implantação Experiente no atendimento em áre- do sistema nas unidades de fronteira as remotas da Amazônia, o médico- Pesquisador: Julio Cesar Rodrigues do Exército brasileiro. -cirurgião do Departamento de En- Dal Bello sino e Pesquisa do Exército, coronel “Estamos discutindo a elaboração Instituição: Universidade Federal Celso Luiz Chouin exemplifi ca que de um projeto de extensão para o Fluminense (UFF) Fomento: Apoio às Instituições de nem sempre um médico generalista curso de Medicina em Oriximiná. Ensino e Pesquisa Sediadas no será capaz de conseguir fazer a A unidade, especializada em saú- Estado do Rio de Janeiro diferenciação entre uma mancha de da mulher, poderia receber os simples na pele e o diagnóstico de internos, que seriam submetidos

28 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃONONONONONNON RedeRio leva conexão a museu para mostrar como será o ‘Amanhã’ Mais vistosa atração da Zona Vilma Homero Portuária, o Museu do Amanhã construção já chama atenção de longe. Uma estrutura moderna, propõe uma reflexão sobre o A que mais parece uma enorme escultura, abriga o Museu do Amanhã, futuro com a ajuda da Internet, instalado na Praça Mauá, no Centro do em conexão realizada por meio Rio de Janeiro. Uma vez em seu inte- rior, o ponto de partida da visitação é da Redecomep-Rio, ligada à um grande domo negro, de 360°, que representa o Cosmos. É assim, nave- RedeRio de Computadores gando pelas galáxias mais distantes e imerso na imensidão do universo que o visitante dá início à viagem proposta nas modernas instalações do museu. São cinco áreas distintas, 82 telas – 56 delas interativas – e vídeos legendados em português, inglês e espanhol, que Foto: Byron Prujanky Foto: levantam as questões fundamentais que o homem vem se fazendo desde o co- meço dos tempos: “quem somos?” “de onde viemos?” “onde estamos?” “para

Com suas linhas futuristas, o Museu do Amanhã parece fl utuar sobre o espelho d’água que o rodeia

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onde vamos?” E, especialmente, instalações e vídeos. Para que tudo “como queremos ir?” Mais do que deixe de ser meramente expositivo simples respostas, o que se coloca e funcione também de modo inte- como proposta é uma refl exão sobre rativo, some-se aí uma necessidade o futuro, com base no que fi zemos de conectividade diária de cerca de no passado e em nossas escolhas do 250 Mbits/segundo e podemos ter presente. Mas tudo isso só se torna uma ideia da importância da inter- possível por conta da Internet. A net para esse modelo de museu. Sua ligação do Museu do Amanhã à capacidade é mais ou menos o equi- Internet é feita pela malha ótica da valente à visualização on-line de 50 Redecomep-Rio e conectada à Re- fi lmes em alta resolução. deRio de Computadores/FAPERJ. Alimentada pela malha ótica da Nos próximos meses, a malha ótica Redecomep-Rio, conectada à Re- da Redecomep-Rio e RedeRio pode deRio de Computadores/FAPERJ – chegar a outra instituição dedicada que tem um de seus ramos passando à conservação, estudo e exposição pela Praça Mauá e fornece internet de objetos de valor artístico e/ou de alta velocidade ao museu, assim histórico, o Museu de Arte do Rio como às demais instituições de ci- (MAR), também na Praça Mauá. O ência & tecnologia do estado –, essa pedido de adesão à RedeRio passa, conectividade é o que permite, por no momento, por análise técnica, exemplo, que uma das atrações que a fi m de estabelecer os trabalhos mais impressionam no museu seja necessários para levar a conexão um imenso globo terrestre, girando de fi bra ótica ao prédio. em torno do seu eixo com imagens Isso porque não se trata de um do mundo. “Esse é bom exemplo museu nos moldes daqueles que de atividade que só é possível com costumamos visitar. É, isso sim, internet. O que gira é o conteúdo, um museu eminentemente visual, mas a impressão que se tem é de que em que predominam imagens, estamos vendo o globo inteiro em

Foto: Bernard Miranda Lessa

órbita”, diz o curador do museu, fí- sico e doutor em Cosmologia Luiz Alberto Oliveira. Cercado por espelhos d’água, jar- dim, ciclovia e área de lazer, o mu- seu já chama a atenção pelo formato futurista do prédio, que ocupa uma área de pouco mais 34 mil metros

Interativo, acervo imaterial do museu, que conta com muitas instalações e vídeos, precisa ser constantemente renovado

30 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Foto: Byron Prujanky Foto:

No átrio do museu, o enorme globo gira e mostra imagens do planeta: inaugurado no fi nal de 2015, museu atrai hordas de visitantes quadrados do Píer Mauá. Do ponto utilizada, a água é devolvida à baía, se vê é resultado do esforço de 31 de vista arquitetônico, ele segue já purifi cada, numa forma simbólica cientistas e pesquisadores, brasilei- o projeto do espanhol Santiago de uso consciente. ros e estrangeiros, com destaque em Calatrava, inspirado nas formas or- Do ponto de vista do conteúdo, seu campo de atuação, que, como gânicas das bromélias brasileiras. A aquelas perguntas fi losófi cas que consultores, produziram material preocupação com a sustentabilidade sempre incitaram o homem são e participaram dos debates para levou à instalação de 5.500 placas também tema das cinco grandes elaborar sua concepção. voltaicas para captar energia solar áreas da exposição principal: Cos- “O museu conjuga o rigor da ciência e ao uso das águas da Baía de Gua- mos, Terra, Antropoceno – período e a linguagem expressiva da arte, nabara, logo ali em frente, não só geológico mais recente em que as tendo a tecnologia como suporte, para abastecer os espelhos d’água atividades humanas começaram a em ambientes imersivos, instalações como para alimentar o sistema de ter um impacto signifi cativo sobre audiovisuais e jogos, criados a partir refrigeração do prédio. Uma vez o planeta –, Amanhãs e Nós. O que de estudos científi cos desenvolvidos

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Foto: Bernard Miranda Lessa

Antropoceno, a época dos humanos: com as mudanças promovidas pelo homem, precisamos pensar o amanhã que queremos

por especialistas e instituições do Fruto de uma iniciativa da prefei- partir das nossas escolhas, em uma mundo inteiro”, explica o curador tura do Rio de Janeiro, o Museu do perspectiva de convivência com Luiz Alberto Oliveira. Amanhã foi concebido e realizado o planeta e entre nós mesmos”, Nas várias salas, vídeos com es- em conjunto com a Fundação Ro- defi ne o diretor geral da Fundação pecialistas ajudam a entender a berto Marinho, instituição ligada ao , Hugo Barreto. dimensão de cada uma das várias grupo Globo, com o Banco Santan- Em outras palavras, é pensar sobre questões levantadas, explicando e der como patrocinador máster. O as consequências que o nosso modo aprofundando aspectos ligados às projeto conta ainda com a BG Brasil de vida hoje trará para as gerações várias áreas do conhecimento. “Em como mantenedora e o apoio tanto futuras. São experiências que vão cada uma das áreas, o público tem do governo do estado, por meio de além do discurso. É possível veri- acesso a um panorama geral sobre sua Secretaria do Ambiente, quanto fi car o que vai ser do amanhã de os temas tratados e, se quiser, pode do governo federal, por intermédio acordo com o que fazemos hoje. aprofundá-lo nas videopalestras da Financiadora de Estudos e Pro- “O Museu do Amanhã é um disse- apresentadas por especialistas”, fala jetos (Finep). O responsável pela minador das refl exões produzidas o curador. Com cerca de 25 mil visi- gestão é o Instituto de Desenvolvi- no campo da ciência, abrindo um tantes por semana, entre eles grupos mento e Gestão (IDG). espaço fundamental para o debate de alunos de diversas escolas fl u- “O museu é um espaço de co- do conhecimento científico. É minenses, o museu atingiu a marca nhecimento que oferece uma re- um lugar privilegiado para que a de 500 mil visitantes já nos cinco fl exão ética sobre o amanhã que ciência possa ser divulgada entre primeiros meses de funcionamento, queremos, uma visão dos futuros quem mora ou visita a cidade”, completados em maio. possíveis que podemos construir a elogia Nelson Silva, executivo da

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Foto: Divulgação BG América do Sul, mantenedora perspectiva de convivência com o da instituição. planeta e entre nós mesmos”, defi ne Hugo Barreto. Para o curador Luiz “Nosso acervo é imaterial, expõe Alberto Oliveira, “o museu oferece possibilidades. Ao contrário de ou- as perguntas, não as respostas. São tras instituições, que precisam pre- elas que norteiam nossa série de servar seu acervo, o do museu deve experiências, de maneira a cons- ser o tempo todo renovado”, explica truir uma narrativa de exploração o curador do museu. “É um espaço e interrogações.” de conhecimento, que oferece uma refl exão ética sobre o amanhã que queremos, uma visão dos futuros Alexandre Grojsgold, Tecnologista do Laboratório Nacional de Computação possíveis que podemos construir a Científi ca (LNCC): coordenação da RedeRio partir das nossas escolhas, em uma de Computadores, mantida pela Faperj

Rio de Janeiro (PTT-RJ do Comitê pelas três cidades que contam com Rede-Rio Gestor da Internet do Brasil) e um rede metropolitana, estão conecta- canal comercial com acesso às das à rede na velocidade de 1Gbps. comemora redes internacionais e nacionais . Conexões de menor capacidade 25 anos A RedeRio é mantida pela FA- atingem instituições no interior, PERJ e, em parceria com a RNP, em Campos – onde está situada a Com um workshop previsto para é responsável pela construção e Universidade Estadual do Norte o fi nal de maio, a ser realizado operação da Redecomep-Rio, uma Fluminense (Uenf) –, Macaé, Piraí no Centro Brasileiro de Pesqui- iniciativa conjunta com o objetivo e Queimados. “A rede, na capital, sas Físicas (CBPF), no bairro da de instalar e operar uma infraes- conta ainda com um anel secun- Urca, a RedeRio irá comemorar trutura de fi bras óticas e redes de dário de 1Gbs, cuja a vantagem é os 25 anos de sua inauguração, alta velocidade para as instituições que, funcionando paralelamente em 1992. Na ocasião, haverá de ensino, ciência, tecnologia e ao anel de 10Gbps, garante-se a uma sessão técnica dedicada aos o governo do estado. Iniciativas manutenção do serviço, mesmo usuários, técnicos e gestores da análogas, de construção de malhas se uma dessas conexões falhar”, rede, e outra comemorativa dessa ópticas metropolitanas, também acrescenta Nilton Alves Junior, efeméride. Desde a sua criação, aconteceram em Niterói (Metronit) Tecnologista do CBPF e integrante ela é responsável por interconectar e em Petrópolis (RMP). “As uni- da Coordenação de Engenharia de as instituições de ensino, pesquisa versidades, institutos de pesquisa, Operações da RedeRio. “Sem essa em ciência e tecnologia e o gover- escolas, e entidades assemelhadas expansão da RedeRio, o Museu do no do estado do Rio de Janeiro à têm assegurado acesso à Internet Amanhã certamente teria limita- Internet. O objetivo é manter uma de um modo geral, e, em condições ções para funcionar e apresentar infraestrutura avançada e compar- privilegiadas, às instituições que suas exposições que dependem de tilhada de comunicação destinada compõem a rede acadêmica brasi- comunicação de alta velocidade”, às necessidades da comunidade leira, explica o coordenador-geral conclui. acadêmica. A sua infraestrutura de da RedeRio, Alexandre Grojsgold, rede mantém canais de comunica- Tecnologista do Laboratório Na- ção com as outras redes estaduais, cional de Computação Científi ca nacionais e internacionais via (LNCC), com sede em Petrópolis. RNP (Rede Nacional de Ensino e Com a entrada em operação da Pesquisa, vinculada ao Ministério Redecomep-Rio em 2014, o núcleo da Ciência, Tecnologia, Inovações da RedeRio, na capital, passou a e Comunicações, MCTIC), com operar em 10 Gbps. A maioria das o Ponto de Troca de Tráfego do mais de 95 instituições, espalhadas

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 33 SAÚDE

Débora Motta à exposição a nanopartículas de Rosa destaca a importância de se dióxido de titânio. “Essa é uma ampliar as pesquisas dos reais efei- linha de pesquisa do Inmetro, que tos das nanopartículas em células io, 40 graus. Em um país visa garantir o desenvolvimento humanas. tropical e ensolarado, usar e estabelecimento de protocolos Ela alerta que essas minúsculas Rfi ltro solar é uma questão validados e normatizados, para pro- partículas, utilizadas cada vez mais de necessidade. Afi nal, é inegável teger a saúde da população quanto na indústria de cosméticos, ainda o risco de desenvolver o câncer de ao contato com nanopartículas. A precisam ser mais investigadas em pele, considerado o tipo de tumor regulamentação nessa área de na- relação ao grau de toxicidade celu- mais frequente na população bra- notecnologia está em construção, lar e seus efeitos na saúde humana. sileira, segundo dados do Instituto no Brasil e no exterior”, justifi ca. Para ter uma ideia da sua ínfi ma di- Nacional de Câncer (Inca). No Neste contexto, o Inmetro e outras mensão, um nanômetro (abreviado entanto, o uso de nanopartículas instituições nacionais participaram como nm) é um metro dividido por cerâmicas no filtro solar, e em de um projeto europeu denominado um bilhão. O diâmetro de um fi o de outros cosméticos, suscita uma pre- NANoREG (A common European cabelo, por exemplo, é da ordem de ocupação: a segurança da composi- approach to the regulatory testing 80.000 nm. Logo, falar de nanopar- ção química desses produtos. Um of Manufactured Nanomaterials), tículas é se referir à dimensão de estudo desenvolvido no Instituto em que o objetivo era fornecer às pequenas moléculas no interior das Nacional de Metrologia, Qualidade agências reguladoras e aos legis- células. “Por serem substâncias mi- e Tecnologia (Inmetro), na Diretoria ladores do Brasil as ferramentas núsculas, elas poderiam penetrar na de Metrologia Aplicada às Ciências necessárias para que se tenha uma pele humana com mais facilidade. da Vida, sob a coordenação da regulamentação em nanotecnolo- Se as nanopartículas tiverem efeito engenheira de materiais Ana Rosa gia embasada em conhecimentos tóxico, essa característica poten- Lopes Pereira Ribeiro, investiga o científi cos, em consonância com a cializa o seu mal ao organismo”, impacto do uso das nanopartículas regulamentação mundial, e que dê explica Ana Rosa. de dióxido de titânio em fi ltros so- segurança a trabalhadores, consu- lares disponíveis nas prateleiras do midores e ao meio ambiente. For- Normalmente, os protetores solares mercado nacional. mada pela Universidade do Minho podem ter nanoparticulas de dióxi- A pesquisadora portuguesa estuda, e radicada no Brasil desde 2012, do de titânio ou de óxido de zinco. desde 2014, no Laboratório de Bio- quando veio para o seu primeiro “Como já trabalhávamos com o engenharia do Inmetro – localizado pós-doutorado na Universidade dióxido de titânio antes no Inmetro, no polo de Xerém, que pertence Estadual Paulista (Unesp), no focamos apenas nesse material”, ao município de Duque de Caxias, município de Araraquara, para no justifi ca. Para saber se o dióxido na Baixada Fluminense –, como ano seguinte mudar seu endereço de titânio é prejudicial à saúde, Ana as células da pele humana reagem profi ssional para o Inmetro, Ana Rosa e uma equipe multidisciplinar

Para produzir cosméticos mais seguros

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Pesquisa desenvolvida no Inmetro avalia o nível de toxicidade das nanopartículas de dióxido de titânio, usadas na composição de filtros solares iStock Foto:

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Foto: Divulgação/Inmetro podendo penetrar mais facilmente nas células viáveis da pele. Tendo em conta essas questões de ta- manho, o foco do nosso trabalho foi avaliar a citotoxicidade destas nanopartículas desaglomeradas em células humanas”, conta. Em outro teste, foi avaliado o potencial efeito citotóxico do di- óxido de titânio em fi broblastos e queratinócitos humanos, que são células da pele humana. “Esses testes iniciaram-se com o cultivo de fibroblastos e queratinócitos. Posteriormente, expusemos essas células a diferentes concentrações de nanopartículas. Análises de ci- tometria de fl uxo mostraram que, para as mais altas concentrações, se observa uma signifi cativa mor- te celular dos queratinócitos, ao passo que os fi broblastos parecem ser mais resistentes. Contudo, em ambas as células as nanopartículas foram bastante internalizadas”, re- sume a pesquisadora. “É importante salientar que esses testes são feitos com células da pele humana culti- vadas em monocamada, in vitro, o que é diferente da estrutura da nossa pele, que possui a camada córnea Células da pele humana em análise no microscópio óptico, no laboratório do Inmetro capaz de proteger contra a entrada destas nanopartículas. E que ainda não conseguimos, no laboratório, vêm realizando diversos testes la- resultados de microscopia eletrô- reproduzir as camadas tridimen- boratoriais, recorrendo a variadas nica de transmissão demonstraram sionais da pele, que podem, na vida técnicas. “Os testes iniciaram-se que a grande maioria das nanopar- real, proteger mais a pele dos efeitos com a caracterização físico-quí- tículas estavam aglomeradas, mas das nanopartículas de dióxido de mica de um fi ltro solar disponível conseguimos visualizar algumas titânio. Este é um projeto que temos no mercado. A seleção foi baseada estruturas separadas. Essa é a nossa em mente, avaliar se a toxicidade na descrição de nanopartículas de maior preocupação, pois a maioria e penetração das nanopartículas dióxido de titânio no rótulo do pro- dos estudos na literatura realizam ocorre em tecidos equivalentes de duto, contudo não podemos revelar estudos de citotoxicidade e fototo- pele que estão sendo desenvolvidos o nome da marca, por questões de xicidade com nanopartículas aglo- atualmente pela L’Oréal e pelo Bo- confidencialidade. Começamos meradas, não existindo evidências ticário”, esclarece. pelas análises para confirmar a de toxicidade bem como penetração Vale ressaltar que as nanopartícu- presença de nanopartículas, bem na pele. Quando as nanopartículas las podem ser utilizadas – e vêm como para entender como este estão no seu estado desaglomerado, sendo – de maneira extremamente material chega ao consumidor. Os elas possuem um tamanho menor, positiva na indústria. Muitas são

36 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X SAÚDE usadas na medicina, em sistemas senvolvida no âmbito do Programa de diagnóstico nomeadamente em A pesquisa de Biomedicina Translacional da exames de bioimagem. Outras estão desenvolvida no Universidade do Grande Rio (Uni- sendo estudadas como carreadores granrio), pós-graduação partilhada de fármacos para tratamentos de Inmetro pode entre essa instituição, o Inmetro e câncer, por exemplo. “As nanopar- apontar uma a Universidade Estadual da Zona tículas podem gerar inúmeros bene- Oeste (Uezo). Colaboram com fícios, mas temos que ter cuidado direção para a o projeto os pesquisadores Sara com a toxicologia delas e tentar Gemini Piperni, ex-bolsista no entender se realmente elas não vão normatização Inmetro; José Mauro Granjeiro, co- desencadear um efeito adverso ao da indústria de ordenador científi co do NANoREG paciente”, destaca Ana. “O dióxido Brasil/FP7-UE/MCTIC-CNPq e de titânio, além de ser usado em cosméticos nacional pesquisador sênior do Laborató- protetores solares, também é usado rio de Bioengenharia do Inmetro, como pigmento em pastas dentifrí- Científi co e Tecnológico (CNPq). além de Marlene Benchimol, coo- cias, tintas, corantes alimentícios. Recursos dos projetos do S étimo rientadora de Priscila e professora Assim, é essencial entender o seu Programa -Quadro de Investigação visitante da Unigranrio, e Radovan potencial efeito nocivo e ter seu e Desenvolvimento tecnológico da Borojevic, da Faculdade de Medi- uso monitorado e regulamentado”, União Europeia (7PQ) – Nanovalid cina de Petrópolis. acrescenta. (Developing Reference Methods for Nanomaterials) e NANoREG (A Pesquisadora: Ana Rosa Lopes Para a engenheira de materiais, a common European approach to the Pereira Ribeiro área de nanotecnologia desperta regulatory testing of Manufactured Instituição: Instituto Nacional de grande interesse, mas, por ser Nanomaterials) – foram também Metrologia, Qualidade e Tecnologia recente, ainda tem pouca regula- dirigidos para a sua execução. (Inmetro) mentação no mundo. “Estamos no Apoios: Auxílio à Pesquisa mesmo nível de conhecimento que O estudo foi tema da dissertação Básica (APQ 1) e Auxílio ao países da Europa e os EUA. As de mestrado da orientanda de Ana Desenvolvimento e à Inovação próprias empresas que utilizavam Rosa, Priscila Laviola Sanches, de- Tecnológica (ADT 1) partículas nanométricas já estão à procura de alternativas. São ações Foto: Divulgação/Inmetro de melhoria que devem prosseguir nos próximos anos. Nesse sentido, no futuro, nossa pesquisa pode apontar uma direção para a norma- tização da indústria de cosméticos nacional. Esperamos receber inves- timentos e fechar parcerias para que esse estudo tenha continuidade”, conclui. O projeto, contemplado pela FA- PERJ, recebeu, igualmente, apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento

A partir da esq.: a mestranda Priscila Laviola Sanches, da Unigranrio; a coordenadora do projeto, Ana Rosa Lopes Ribeiro; e a pós- doutoranda Sara Gemini-Piperni, do CBPF

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Por uma questão de moradia Vilma Homero Para definir o déficit de habitações recente revitalização da populares na Zona Portuária do Zona Portuária do Rio de AJaneiro despertou o inte- Rio de Janeiro, pesquisadores fazem resse de pesquisadores sobre os impactos que isso teria sobre a um levantamento do número de região, uma área com forte den- sidade de habitações populares. cortiços na região Embora uma das justifi cativas do projeto fosse a melhora de moradia desde 2009, o projeto de renovação normativa sobre operações urbanas para a população urbana, chamava da área portuária em curso vem que fazem uso de recursos do FGTS atenção o fato de não se mencionar envolvendo obras e serviços nos [Fundo de Garantia por Tempo de aquelas de interesse social, ou seja, 5 milhões de metros quadrados do Serviço], nas quais se exige como para famílias cuja renda ainda as que é chamado de área de especial contrapartida a elaboração de pla- deixava de fora das políticas de interesse urbanístico daquela re- nos de habitação de interesse social habitação. “Em 2015, quando foi gião, a um custo de R$ 8 bilhões”, no âmbito dos projetos de interven- elaborado, pela Prefeitura do Rio explica Santos Junior. Ele ressalta ção urbana”, explica Santos Junior. de Janeiro, um plano de habitação que, ao se analisar as intervenções Em decorrência dessa instrução social com previsão de 10 mil previstas, constatou-se a ausência normativa, a Prefeitura do Rio unidades habitacionais, vimos que de investimentos em habitação, constituiu, por decreto, um grupo de esse diagnóstico não incorporava que possibilitem a permanência trabalho institucional com a tarefa os moradores dos cortiços”, diz dos atuais moradores no local, ou de coordenar a elaboração de um Orlando Alves dos Santos Júnior, a ampliação de moradias voltadas plano para a área portuária. Isso professor do Instituto de Pesquisa para as classes populares. “Em acabou resultando, durante 2015, e Planejamento Urbano e Regional , outras palavras, apesar do aumento em audiências públicas e em uma da Universidade Federal do Rio de populacional e do adensamento de- conferência municipal voltada para Janeiro (Ippur/UFRJ). mográfi co previstos para a região – a discussão e aprovação do plano de os bairros de Santo Cristo, Gamboa, habitação de interesse social para A invisibilidade das habitações de Saúde e partes do Centro da cidade aquela área. interesse social nos planos gover- –, que, segundo os cálculos da pre- namentais, no entanto, chamou a “Entretanto, apesar de ser de co- feitura, passaria dos atuais 32 mil atenção do sociólogo, doutor em nhecimento geral a existência de para 100 mil habitantes até 2020, Planejamento Urbano e pesquisador cortiços naquela área, o diagnós- não há recursos públicos sendo do Observatório das Metrópoles tico realizado para subsidiar a investidos em habitação”, critica o – uma das redes nacionais de pes- elaboração do plano não menciona pesquisador. quisa contemplada no programa nada sobre essa forma de moradia. Instituto Nacional de Ciência e Tec- A ausência de políticas e de inves- Apesar de todos os indícios de essa nologia (INCT), parceria do gover- timentos em habitação de interesse ser uma expressiva e disseminada no federal com agências estaduais social fez com que diversas organi- forma de moradia naquela região, de fomento à Ciência e Tecnologia. zações populares pressionassem a surpreende igualmente não existi- “Implementado pela Operação Ur- Prefeitura Municipal e a CDURP. rem nos órgãos públicos quaisquer bana Consorciada Porto Maravilha “Incorporando a reivindicação informações ofi ciais sobre os cor- e gerido pela Companhia de Desen- dos movimentos populares, o Mi- tiços”, argumenta o pesquisador. volvimento Urbano da Região do nistério das Cidades emitiu, em Para Santos Junior, já que sua Porto do Rio de Janeiro (CDURP), dezembro de 2014, uma instrução existência não é reconhecida nos

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diagnósticos ofi ciais, também não Sem indicativos de que são moradias coletivas e permanentes, os 54 cortiços são discutidas propostas de políticas da Zona Portuária abrigam uma públicas voltadas para o assunto. população de 1.100 pessoas, segundo o levantamento da pesquisa Essa constatação levou os pesqui- sadores a traçar uma estratégia: mapear essa população que parecia invisível às iniciativas governamen- tais. Dimensionar o número dessas famílias seria, para eles, uma ma- neira de tornar concreto o problema e pressionar as autoridades para solucioná-lo. Surgiu assim o projeto Prata Preta, unindo pesquisadores da universidade e organizações do movimento social. “Precisamos pensar políticas públicas que in- vistam em moradias dignas para essa parcela da população”, ressalta Santos Junior. A equipe foi a campo, disposta a colocar a questão em números. O mapeamento seria feito em três etapas: a região do Porto Maravilha; em seguida a área que vai do Saa- ra, centro de comércio popular da cidade, até a Lapa; e, por último, a região que se estende até a Cidade Nova. “Palmilhamos, rua por rua, toda a área portuária e chegamos a um número bastante exato. Apesar de os cortiços procurarem manter a invisibilidade, por trás das fachadas de pensões, hotéis modestos e casa- rões antigos, em geral sem qualquer pista de que se trata de habitações coletivas e permanentes, fi zemos um levantamento cuidadoso e vi- mos que, na região portuária, onde vivem 30 mil pessoas, existem 54 cortiços, abrigando 1.100 morado- res”, afi rma o pesquisador. O levantamento revelou que, desse total, uma parte signifi cativa, ou seja, 20%, são constituídos por fa- mílias com crianças. “O que pode ser um problema, especialmente se constatarmos que dos 54 cortiços,

apenas 10%, o que equivale dizer Foto:Divulgação/UFRJ

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Foto: Divulgação/UFRJ E, ao contrário do que se possa pen- sar, morar em cortiço não é exata- mente barato, mas algo pelo qual se paga de R$ 150 a R$ 800 mensais. Para o proprietário, bastam apenas dez quartos para que no fi m do mês se conte com uma renda entre R$ 1.500 a R$ 8 mil. “Obviamente, o preço varia muito de acordo com as condições encontradas. Vimos lugares extremamente insalubres, em que os quartos não têm janelas e mais de vinte pessoas dividem apenas um banheiro precário. Mas também há lugares com quartos arejados, alguns até com banheiro individual, mas cujo preço pode chegar aos R$ 800.” Por outro lado, de acordo com o mapeamento, o perfi l do morador do cortiço é também bastante hete- rogêneo. Há desde famílias com fi - lhos, imigrantes sem documentação legal, em geral latinos e africanos, para quem os cortiços garantem uma conveniente invisibilidade, e muitos vendedores ambulantes, para quem é fundamental manter-se nas proximidades do Centro, onde trabalham. “Por tudo isso, não é uma população fácil de se contatar. Mas pretendemos discutir com eles as demandas que gostariam de ver incorporadas ao projeto de moradia popular da Secretaria Municipal de Em alguns cortiços, as condições de moradia são precárias, com pouca manutenção e Habitação e cobrar do poder públi- cozinha e banheiro coletivos, que muitas vezes são utilizados por cerca de 20 pessoas co sua retomada, já que atualmente ele se encontra parado. E, além dis- cinco deles, mantêm boas condi- controlado por trafi cantes de drogas so, acompanhar todo o processo”, ções de habitação. Outros 24 têm ou por milicianos. “Esse interesse garante Santos Junior. condições regulares e, nos restantes do crime organizado é facilmente Dessas discussões, há problemas 19, a situação é inadequada”, diz explicável. Afi nal, trata-se de um a serem levantados, na busca de Santos Junior. ótimo negócio, bastante lucrativo. soluções. Como é grande o número Como a equipe observou, essa Como acontece na grande maioria, de camelôs entre eles, por exemplo, população também vive em con- não há necessidade de investimen- a questão de lugares adequados para dições extremamente vulneráveis tos – ou de investimentos mínimos guardar a mercadoria é fundamental. de permanência, já que não há de manutenção –, apenas o controle Da mesma maneira, para as mulhe- contratos de locação e um número para receber no fi nal de cada mês”, res que precisam trabalhar, creches significativo dessas moradias é diz o professor do Ippur/UFRJ. onde deixar os fi lhos é o primeiro

40 | Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X PLANEJAMENTO URBANO ponto a ser discutido. Por isso mes- A abolição da escravatura foi outro O mais emblemático deles, chama- mo, a pesquisa vai incorporar um fator a contribuir para o cresci- do de “Cabeça de Porco”, cidadela recorte por gênero, assim como por mento da população urbana, com a que, nas imediações da região da atividade. “O importante é discutir chegada, a partir de 1888, de levas Central do Brasil, abrigava, se- tudo isso com os principais atores de escravos alforriados do interior gundo se dizia, perto de quatro mil envolvidos, e monitorar de perto do estado, particularmente da zona pessoas, foi demolido em apenas todo o processo”, diz o pesquisador. cafeeira, em busca de oportunida- um dia. Para tanto, a municipa- E complementa: “Afi nal, é preciso des de trabalho. Somem-se a eles lidade montou uma verdadeira pensar em moradia digna para todas os milhares de imigrantes europeus, estrutura de guerra, contando com as camadas da população.” cuja vinda para o País foi incenti- a ajuda da cavalaria, policiais, vada pelo império, como forma de funcionários da Higiene Pública e Poucas moradias substituir a mão de obra escrava e, da prefeitura. O pretexto para sua e população principalmente, para “branquear” demolição seria a construção de a população. um túnel, perfurando o morro do em franco crescimento Livramento, que teria lugar naquele O fato é que de 266 mil, em 1872, espaço. Os moradores, prometia- Já no início do século XIX, mais o número de habitantes passou a -se, seriam transferidos para vilas precisamente a partir de 1808, a 522 mil, em 1890. Adensamento operárias que, como contrapartida, vinda da família real portuguesa populacional que se acentuou du- seriam erguidas nos subúrbios. As para o Rio de Janeiro acrescentou rante a última década do século, obras do túnel, no entanto, só foram cerca de 15 mil novos moradores quando a chegada de mais 200 mil fi nalizadas trinta anos mais tarde. E, ao espaço urbano já habitado por estrangeiros trouxe novo acréscimo apesar das promessas, o número de perto de 50 mil pessoas. Por outro à população. Como a construção vilas populares efetivamente cons- lado, a abertura dos portos foi mais de moradias, sobretudo as popula- truídas foi irrisório para dar conta um fator que contribuiu para inten- res, não acompanhava esse rápido da população removida. sifi car as ondas migratórias e trazer crescimento, infl ava-se o número novos habitantes à corte do império de habitantes dos cortiços, onde, No meio de toda essa história, quem brasileiro. Como resultado, apenas à época, viviam cerca de 100 mil foi Prata Preta? Como informa duas décadas mais tarde, em 1822, a pessoas. Santos Junior, esse foi o apelido de população havia dobrado para cerca Horácio José da Silva, estivador e Na contramão de todo esse mo- de 100 mil habitantes, chegando a capoeirista famoso que, durante a vimento, o discurso higienista 135 mil em 1840. Revolta da Vacina, liderou mais de então em voga condenava essas 2 mil revoltosos na região da Saúde habitações, vistas como foco de Foto: Divulgação/UFRJ e da Gamboa. Preso após a derrota marginalidade e, o que era pior, da revolta, Prata Preta foi deportado das epidemias que volta e meia para o Acre e dele não se teve mais assolavam a capital do império. notícias. Mas foi o nome desse Do mesmo modo, a reforma urbana personagem pouco conhecido, e um procurava restringir a área central tanto à margem da história ofi cial, da cidade às atividades de comér- que os pesquisadores escolheram cio e serviços, removendo dali as para batizar o projeto. moradias populares. Nesse sentido, a erradicação dos cortiços era um dos pontos centrais desse discurso. Pesquisador: Orlando Alves dos Santos Júnior Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ) Fomento: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) – Para Orlando Alves dos Santos Junior, o Observatório das Metrópoles projeto evidenciou a necessidade de se criar (FAPERJ/CNPq) habitações que atendam ao interesse social

Rio Pesquisa - nº 38 - Ano X | 41 EDITORAÇÃOEDITORAÇÃO

Livros e obras digitais divulgam a ciência e a cultura no estado do RJ programa Auxílio à Editora- diversifi cado a produção intelectual o estado, de modo a alimentar e re- Oção (APQ 3) tem fi nanciado, de pesquisadores das instituições de novar o acervo de obras de autores durante os seus dezessete anos de ensino e pesquisa sediadas em terri- fluminenses destas instituições. existência, obras impressas e em tório fl uminense. Parte signifi cativa Conheça a seguir algumas obras formato digital que contribuem da tiragem de cada obra apoiada é recentes editadas com o apoio da para levar a um público amplo e distribuída para bibliotecas de todo FAPERJ.

Problemas públicos e O Movimento Estudantil na mobilizações coletivas em resistência à Ditadura Militar Nova Iguaçu (1969-1979) O livro da pesquisadora Jussara Freire De autoria de Angélica Müller, a pesquisa (Ed. Garamond, 2016, 380 p.) retoma sua contida neste livro (Ed. Garamond, 2016, 224 pesquisa de doutorado, realizada entre 2002 p.) parte do pressuposto de que o movimento a 2005 em uma região da periferia carioca estudantil apresentou propostas de resistência conhecida como Baixada Fluminense. A contra o regime militar durante todo o período, autora investiga e problematiza o engajamento de grupos inclusive nos chamados “anos de chumbo”. Trata-se de uma de moradores de Nova Iguaçu e da Baixada Fluminense na contribuição importante para a historiografi a brasileira sobre explicitação de problemas sociais e na reivindicação de direi- a conjuntura mais aguda da ditadura instalada em 1964, so- tos e na consolidação de uma política cultural para a região. bretudo porque reconstitui a trajetória dos estudantes, atores de primeira grandeza na resistência à ditadura durante os Arte, Ensino e Academia anos 1970. Estudos e Ensaios sobre a Academia de Belas Artes do Rio de Astronomia Rio de Janeiro Organizado pelos astrônomos Alexandre Resultado de pesquisas sobre a arte brasilei- Cherman e Luís Guilherme Haun, Rio de ra do século XIX em geral e a Academia de Astronomia (Ednews Editora, 2016, 136 p.), Belas Artes do Rio de Janeiro em particular, apresenta dados históricos e descritivos, além o presente trabalho é obra fundamental para de rica inconografi a sobre as instituições a revisão historiográfi ca e reavaliação crítica da produção voltadas exclusivamente para a astronomia artística do século XIX, tendo como pano de fundo a atuação situadas na cidade do Rio de Janeiro: o Ob- da Academia. O livro (Ed. Mauad X, 2016, 296 p.) discute a servatório Nacional, o Observatório do Valongo, o Museu trajetória da instituição, pondo em relevo a teoria e a prática de Astronomia e Ciências Afi ns e a Fundação Planetário da acadêmicas que constituiu e suas repercussões no campo da Cidade do Rio de Janeiro. O Rio concentra o maior número arte brasileira. A autora Sonia Gomes Pereira é museóloga de instituições dedicadas à astronomia do país, com atuação e historiadora da arte e professora da Universidade Federal nas áreas de pesquisa, ensino, documentação e divulgação do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). científi ca.

Cantos do Rio - Imagens literárias de bairros e localidades cariocas Esta obra, produto de edital de publicações co- atualização de cada volume selecionado entre os memorativas dos 450 anos da cidade do Rio de anteriormente publicados, acrescentou o bairro Janeiro, reúne, em volume único, 13 dos 23 livros de Água Santa. Os perfi s de alguns destes cantos da coleção Cantos do Rio, editados entre 1996 e do Rio conciliam diversas abordagens, como a 2004, que apresentam um perfi l histórico e literário historiográfica, a sociológica, a urbanística, a de bairros de diversas regiões cidade. Nesta edição humorística e a poética, comportando uma leitura (Ed. Ponteio, 2016, 656 p.), o organizador Roberto orientada pelo próprio processo de formação his- Acízelo de Souza, além de cuidadosa revisão e tórica da cidade.

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