GUAVIRA LETRAS, N. 15, Ago.-Dez. 2012 116
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Um lugar menos discreto para o contista Arthur Azevedo Luiz Carlos Santos SIMON1 RESUMO: O artigo tem como objetivo refletir sobre a necessidade de reivindicar uma consideração mais generosa para a produção em conto de Arthur Azevedo (1855-1908) no ambiente dos estudos literários brasileiros. Para isso, é feito um levantamento sobre como as histórias literárias recentes abordam os contistas brasileiros que escreveram entre 1889 e 1950. Arthur Azevedo, que conviveu com Machado de Assis, publicou três livros em vida e teve o restante de sua obra veiculada em edições póstumas: cinco livros, entre 1909 e 1974. No momento em que aparecem algumas reedições desses volumes, o interesse na reavaliação do autor e em seu posicionamento no cânone literário ganha evidência. Os dados do levantamento realizado apontam por si só para resultados diversos, como, entre outros, a avaliação heterogênea sobre os contistas nas diferentes obras historiográficas e um reconhecimento tímido do contista Arthur Azevedo. Assim, o artigo encaminha-se para a análise de um dos contos do autor, com a finalidade de examinar as possibilidades de correlações entre essa produção e as narrativas brasileiras mais recentes. PALAVRAS-CHAVE: Conto. Arthur Azevedo. História literária. Cânone literário. Nascido no Maranhão, em 1855, Arthur Azevedo mudou-se muito jovem para o Rio de Janeiro, onde conviveu com Machado de Assis. Antes da mudança, teve início, ainda na sua adolescência, uma produção intensa e extensa para o teatro, que somente foi interrompida com sua morte, em 1908. Paralelamente escreveu também, desde cedo, contos que foram reunidos em livros a partir de 1889: o primeiro foi Contos possíveis, e depois surgiram Contos fora de moda (1894) e Contos efêmeros (1897). A maior parte dos contos do autor, contudo, só ganhou edições em cinco volumes póstumos, entre 1909 e 1974: Contos em verso, Contos cariocas (1928), Vida alheia (1929), Histórias brejeiras (1962) e Contos ligeiros. Uma das produções mais famosas do autor para o gênero é ―Plebiscito‖, publicado inicialmente em Contos fora de moda e depois reproduzido em diversas antologias. O título do conto chega a compor o título de uma das coletâneas com textos do autor organizada por Flávio Moreira da Costa e lançada em 1993. Além dessa publicação, podem ser destacadas mais três iniciativas editoriais interessantes já no século XXI: o volume dedicado a Arthur Azevedo para a Coleção Melhores Contos, da Editora Global, com seleção e introdução realizadas por Antonio Martins de Araújo, em 2001; o volume Contos de Arthur Azevedo: os ―efêmeros‖ e inéditos, de 2009, com 1 UEL – Universidade Estadual de Londrina. Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas. Londrina – Paraná – CEP: 86063-390 – E-mail: [email protected] GUAVIRA LETRAS, n. 15, ago.-dez. 2012 116 organização, introdução e notas de Mauro Rosso, que acrescentou aos textos publicados em 1897 sete contos até então inéditos em livros; e a reedição, em 2011, de Contos cariocas, promovida por parceria entre a EDUSP e a Com-Arte, editora- laboratório da Escola de Comunicações e Artes, da USP. O conjunto dessas publicações tem o mérito inegável de disponibilizar aos leitores a produção do contista, que se liberta da circulação restrita a bibliotecas e sebos, e pode ainda significar um investimento no potencial comercial e na reavaliação crítica daqueles textos. O início da introdução escrita por Mauro Rosso é caracterizado por esse otimismo: ―Não seria – a rigor, não é – faltar à mais lídima verdade e à própria realidade dos fatos, ou melhor, dos textos, afirmar-se ser Arthur Azevedo um importante contista, dos melhores e mais profícuos da literatura brasileira de todos os tempos.‖ (ROSSO, p. 13). A afirmação do pesquisador é sintomática. Ele diz que não seria faltar à verdade o sustentar a defesa da relevância dos contos de Arthur Azevedo no panorama literário brasileiro, hesitando entre os tempos verbais (―não seria‖, ―não é‖), o que já demonstra o caráter de ousadia da reivindicação. Além disso, há uma gradação em que o autor é apresentado, inicialmente, com uma avaliação contida, sñbria, pouco questionável, como ―um importante contista‖, para, em seguida, ser alçado, de forma mais entusiasmada, à condição de figurar entre os ―melhores e mais profícuos da literatura brasileira de todos os tempos‖. O pesquisador sabe que a segunda parte da afirmação já está mais sujeita a questionamentos. Tanto que trata de recorrer a depoimentos de historiadores e críticos que se debruçam sobre o conto, Edgar Cavalheiro e Herman Lima, além de somar a seus argumentos os elogios feitos por Humberto de Campos em prefácio à edição de Contos cariocas. No breve espaço de que dispõe para sua introdução, Rosso ainda admite as críticas menos condescendentes dirigidas ao contista. Enfim, o pleno reconhecimento de Arthur Azevedo como autor de contos parece ser etapa ainda a ser conquistada. O convívio do autor com um contista tão incensado como Machado de Assis, sua projeção enquanto autor de comédias teatrais e o fato de desfrutar de reedições apenas muito recentemente apontam para uma instabilidade na definição do lugar de Arthur Azevedo no cenário do conto brasileiro. Essa suposição ganhou corpo quando me deparei com a necessidade de selecionar nomes de contistas desde o século XIX até os dias atuais para disciplinas de graduação e de pós-graduação que tinham como foco o conto brasileiro. Onde seria possível localizar o respaldo para essa seleção? Provavelmente o primeiro impulso seria fazer um levantamento em textos específicos sobre contos. Apesar de haver uma espécie de queixa acadêmica comum quanto à escassez de bibliografia sobre o gênero, é possível localizar um conjunto razoável de títulos específicos sobre o conto brasileiro: Brasil (1973), Campos (1977), Cavalheiro (1954), Hohlfeldt (1988), Lima (s.d.), Linhares (1973) e Magalhães Júnior (1972). Um breve confronto entre esses títulos já é suficiente para revelar a heterogeneidade dessas publicações. A inclusão do livro de Raymundo Magalhães Júnior nessa relação pode ser questionada como uma medida inadequada, pois o autor destina em todos os seus capítulos atenção especial a contistas de outras nacionalidades. Na antepenúltima página do livro de Herman Lima, por exemplo, há uma aposta em um dos ―jovens autores, como Dalton GUAVIRA LETRAS, n. 15, ago.-dez. 2012 117 Trevisan‖ (LIMA, s.d., p. 108), que teve sua estreia em livro de contos ainda nos anos 1940. Enquanto isso, o livro de Antonio Hohlfeldt, embora tenha alguma preocupação histórica e reserve um capítulo aos precursores do gênero, está concentrado no conto brasileiro produzido entre os anos 1950 e 1980. Há, portanto, diferenças de enfoque (teórico, crítico ou historiográfico) e de recorte cronológico que dificultam ou inviabilizam o uso desse material como fontes seguras para o contraste da valorização e do reconhecimento atribuídos a esse e àquele contista. Situação semelhante pode ser verificada se a ideia for recorrer a artigos, como os de Fábio Lucas (1983) e Luiz Costa Lima (1983) ou o prefácio de Alfredo Bosi (s.d.) para a antologia por ele organizada. Nesses trabalhos, acentua-se a questão do recorte cronológico – são textos escritos nas décadas de 1970 e 1980, voltados para o conto daquele momento – imposta pela extensão dos textos. Assim, a opção mais interessante e segura foi a do cotejo de histórias da literatura brasileira que necessariamente incluiriam a apresentação de informações e análises do período que interessa aqui. Foram selecionadas cinco obras: A literatura no Brasil (1986), dirigida por Afrânio Coutinho e co-dirigida por Eduardo Coutinho; História concisa da literatura brasileira (1994), de Alfredo Bosi; História da literatura brasileira (2004), de Luciana Stegagno-Picchio; A literatura brasileira (2004), de José Aderaldo Castello; e História da literatura brasileira (2011), de Carlos Nejar. Todas as obras, ainda que possam ter tido suas publicações originais em anos anteriores (a primeira edição da obra de Stegagno-Picchio, por exemplo, é de 1972), passaram por revisões, atualizações e reedições a partir dos anos 1980, constituindo material acessível, disponível e frequentemente consultado pelo público da área de Letras. Isso explica em parte a exclusão de obras como as de Assis Brasil, Alceu Amoroso Lima, Oliveiros Litrento, Massaud Moisés e Nelson Werneck Sodré. Enquanto as três primeiras permanecem inalteradas desde os anos 1970, a versão atualizada da História da Literatura Brasileira de Nelson Werneck Sodré (1986) dá destaque pequeno a um autor como João Guimarães Rosa, que surgiu no cenário literário brasileiro ainda em 1946, com Sagarana. A ideia da análise das histórias da literatura brasileira selecionadas partia do propósito de verificar como se manifestava naquelas obras a apreciação de contistas brasileiros que produziram no gênero ao longo do período de 1889 até a década de 1940. A escolha do ano de 1889 decorre do fato de ser este o ano de lançamento do primeiro livro de contos de Arthur Azevedo. A opção de prosseguir o levantamento apenas até os anos 1940 – o autor, embora tenha falecido em 1908, tem obras póstumas publicadas, e seus dois últimos livros chegam ao público em 1962 e 1974 – decorre da possibilidade de se dividir a produção de contos brasileiros em dois grandes períodos com duração quase idêntica: cerca de 60 anos entre 1889 e o fim da década de 1940 e outros 60 anos aproximadamente entre a segunda metade do século XX e os dias atuais, sem ignorar obviamente que existiu uma circulação de contos no Brasil anterior aos dois períodos, desde Álvares de Azevedo com Noite na taverna até o lançamento de Contos possíveis. O recorte permite, portanto, uma avaliação do período em que a maior parte da produção do contista Arthur Azevedo foi lançada: seis dos oito livros de contos do autor apareceram entre 1889 e 1929. Assim, foram GUAVIRA LETRAS, n. 15, ago.-dez. 2012 118 selecionados autores brasileiros que tiveram livros de contos publicados no período focalizado para o confronto de suas citações pelas referidas histórias da literatura.