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UNIVERSIDADE PAULISTA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO MESTRADO

PSN – A PAIXÃO NO ESPORTE: a falência de um canal internacional de televisão

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista – UNIP, para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

VAGNER ANSELMO MATRONE

SÃO PAULO 2018 UNIVERSIDADE PAULISTA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO MESTRADO

PSN – A PAIXÃO NO ESPORTE: a falência de um canal internacional de televisão

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista – UNIP, para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Adami

VAGNER ANSELMO MATRONE

SÃO PAULO 2018

Matrone, Vagner Anselmo. PSN – a paixão no esporte : a falência de um canal internacional de televisão / Vagner Anselmo Matrone. - 2018. 80 f. : il. color.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Universidade Paulista, São Paulo, 2018.

Área de concentração: Comunicação e Cultura Midiática. Orientador: Prof. Dr. Antônio Adami.

1. Televisão. 2. Esporte. 3. Comunicação. I. Adami, Antônio (orientador). II. Título.

Ficha elaborada pelo Bibliotecário Rodney Eloy CRB8-6450

VAGNER ANSELMO MATRONE

PSN – A PAIXÃO NO ESPORTE: a falência de um canal internacional de televisão

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista – UNIP, para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

______/___/______Prof.a Dr.a Carla Montuori Universidade Paulista - UNIP

______/___/______Prof. Dr. Antônio Adami Universidade Paulista - UNIP

______/___/______Prof.a Dr.a Maria Isabel Galvão de França Universidade UNIMONTE

Dedico este trabalho à minha esposa Marcia Dutra Lopes Matrone, que sempre me incentivou nas horas mais difíceis. Se não fosse por ela, eu não teria obtido as vitórias da minha vida. Obrigado pela paciência!

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Antônio Adami, por me mostrar que sempre é possível. Nunca faltou por parte dele uma palavra de incentivo e positividade, mesmo nas críticas construtivas que fez ao meu trabalho.

Ao Prof. Dr. Rubens Fernandes Junior, por me apresentar os caminhos da Academia e me incentivar a seguir por um deles, sem nunca ter duvidado da minha capacidade.

Ao meu amigo Prof. Dr. Martin Cesar Feijó, pelas inúmeras conversas durante a fase de maturação deste trabalho.

Aos professores da UNIP, pelas contribuições valiosas, e aos funcionários da Universidade, pela atenção e disponibilidade em responder às minhas inúmeras perguntas.

Aos meus colegas da PSN que tornaram essa experiência única e inesquecível.

“Ao contrário de muitos amigos, eu nunca tomei LSD, mescalina, coca ou coisa parecida, enquanto eles subiam pelas paredes, eu assistia TV.”

Steven Spielberg

RESUMO

Neste trabalho dissertou-se sobre o processo de falência de um dos maiores canais segmentados de esportes da TV a cabo e por satélite da América Latina, a Pan American Sports Network. Buscou-se analisar os motivos que levaram a emissora a encerrar suas operações, o porquê de ter saído do ar mesmo sendo líder de audiência no segmento esportivo, com o objetivo de entender o processo de edificação de um canal internacional de televisão e identificar o que leva ao fracasso um projeto tido como promissor, com um potente plano de negócios e uma infraestrutura física e tecnológica de ponta. Não são vistas emissoras de TV fechando ou abrindo atividades a toda hora, seja no Brasil ou no exterior, por isso, considerou-se importante esta pesquisa, justificada pela carência de material na área de comunicação. Trata-se de uma pesquisa de cunho memorialista, qualitativa, com estudo de caso, que se apoiou na vivência de seu autor dentro da emissora e em pesquisas bibliográficas. A coleta de dados apontou que jamais foram esclarecidos os motivos que levaram a empresa estudada ao fechamento, o que se tem até então são hipóteses lançadas pela mídia, sobre má administração, falta de conhecimento de broadcast, crise econômica mundial e consequente inadimplência no mercado argentino em 2000, levando a empresa a perder clientes e milhões de dólares em assinaturas do canal, inclusive que foi construída para deixar de existir em curso espaço de tempo para obter benesses fiscais. Considerou-se que esta situação não anula a importância de se divulgar o quão importante foi este canal para a cobertura esportiva de televisão.

Palavras-chave: Rede PSN. Esporte. TV a cabo. Canal internacional.

ABSTRACT

In this paper, we discussed the bankruptcy process of one of the largest segmented sport channels on cable and satellite TV in - Pan American Sports Network, seeking to analyze the reasons that led the broadcaster to shut down its operations, the reasons for having gone off the air, even it being the audience leader in the sports segment. The main objective is to understand the process of building an international television channel and to identify what leads to failure a winning project with a powerful business plan and a state-of-the-art physical and technological infrastructure. We do not see TV stations closing or opening activities all the time, whether in Brazil or abroad, so this paper is considered important and it is justified by the lack of material in the area of communication. This is a qualitative, memorialist research, with a case study, which was based on the experience of its author within the broadcaster and on bibliographic researches. The data collection pointed out that the reasons that led the studied company to closure have never been clarified. What we know until then are the hypotheses launched by the media, about mismanagement, lack of broadcast knowledge, global economic crisis and consequent delinquency in the Argentine market in 2000. All this led the company to lose clients and millions of dollars in channel subscriptions, including the fact that it was built to cease to exist in a short period of time in order to obtain tax benefits. We considered that this situation does not negate the importance of disclosing how important this channel was for television sports coverage.

Keywords: PSN Network. Sports. Cable TV. International channel.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Sede da PSN na cidade de Hollywood – – EUA (2000) ...... 23 Figura 2 – Dupla de narradores hispanos da emissora (2000)...... 24 Figura 3 – Estudo de cenário ...... 25 Figura 4 – Cenário Show do Pelé ...... 26 Figura 5 – Cenário para a abertura do Show do Pelé ...... 27 Figura 6 – Storyboard da vinheta do programa Cara a Cara ...... 28 Figura 7 – Storyboard da vinheta do Campeonato Argentino ...... 29 Figura 8 – Storyboard da vinheta de Dicas de Golfe ...... 30 Figura 9 – Gráfico de posição de largada na Fórmula 1 ...... 31 Figura 10 – Estudo/Conceito para PSN - Mulheres no Esporte ...... 32 Figura 11 – Logotipos de programas ...... 33 Figura 12 – Logotipo PSN ...... 34 Figura 13 – Elementos gráficos do PSN News ...... 35 Figura 14 – Estudo de cenário do PSN USA ...... 36 Figura 15 – Storyboard da vinheta das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002 ...... 37 Figura 16 – Storyboard vinheta do Campeonato Italiano ...... 38 Figura 17 – Crachá funcional ...... 43 Figura 18 – Cartão pessoal ...... 44 Figura 19 – Equipe da PSN...... 47 Figura 20 – Festa de inauguração da PSN em (2000) ...... 48 Figura 21 – Bastidores da cobertura do Campeonato Sub-20, no Equador (2001)... 49 Figura 22 – Banner promocional ...... 51 Figura 23 – Frame de uma vinheta ...... 52 Figura 24 – Frame de uma vinheta de abertura ...... 52 Figura 25 – Banner Promocional com slogan em português ...... 52 Figura 26 – Material promocional da PSN ...... 53 Figura 27 – Tabela de escalação ...... 57 Figura 28 – Logo da PSN.Com ...... 58 Figura 29 – Imagem do carro da equipe Prost (2001) ...... 58 Figura 30 – Bastidores do programa Show do Pelé em Nova Iorque (2002) ...... 67

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATP Association of Tennis Professional AVID Plataforma de Edição Não Linear BBC British Broadcasting Corporation CNN Cable News Network CONCACAF Confederation of North, Central American and Caribbean Association Football CONMEBOL Confederación Sudamericana de Fútbol CEO Chief Executive Officer FCC Federal Communications Commission FIFA Federation Internationale de Football Association HMTF Hicks, Muse, Tate & Furst, MTV Music Television NBA National Basketball Association NHK Nippon Hōsō Kyōkai - Japan Broadcasting Corporation PSN Panamerican Sports Network TOEFL Test of English as a Foreign Language UEFA Union of European Football WNBA Women's National Basketball Association WTA Women's Tennis Association

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 12 2 PRINCIPAIS FALÊNCIAS DA TV BRASILEIRA ...... 15 2.1 TV Tupi ...... 15 2.2 TV Excelsior ...... 17 2.3 O fechamento das emissoras ...... 18 3 A HISTÓRIA DA PSN ...... 22 3.1 A montagem do canal...... 22 3.1.1 Comunicação visual ...... 24 3.2 O sonho acabou ...... 40 3.3 Minha história com a PSN ...... 42 4 LANÇAMENTO DO CANAL PSN ...... 51 4.1 Estratégia de marketing...... 51 4.2 Compra de direitos com exclusividade ...... 54 4.3 Contratação de pessoal...... 55 4.4 Linguagem inovadora das coberturas ...... 56 4.5 Programação ...... 59 4.5.1 Um pouco da história do futebol ...... 61 4.5.2 Movimentação financeira do futebol no Brasil ...... 61 5 O FECHAMENTO DO CANAL ...... 66 5.1 Operação silenciosa ...... 66 5.2 Funcionários desempregados ...... 69 5.3 O impacto da falência da PSN no mercado de Broadcast ...... 73 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 75 REFERÊNCIAS ...... 79

1 INTRODUÇÃO

O telespectador brasileiro está, de certa forma, familiarizado com a falência e o desaparecimento de canais de televisão na breve história dessa mídia no país, considerando-se como referências os Estados Unidos e a Europa.

Não foram poucas as redes de TV que fecharam as suas portas ao passar por problemas financeiros e até mesmo crises políticas. Está ainda na memória de boa parte do público da TV aberta brasileira a falência de alguns canais de TV – Excelsior, TV Tupi e , citando-se apenas as emissoras paulistas, bem como as aquisições de várias emissoras pela Rede Globo na formação de sua rede e o fechamento da antiga Music Television, a MTV.

A televisão surgiu no Brasil na década de 1950, e muito rapidamente se transformou em um importante objeto de desejo das famílias brasileiras. Ter um aparelho de televisão era símbolo de status social. Muitas vezes, em uma rua existia uma única residência com um televisor, o que criou a expressão televizinho, ou seja, os vizinhos assistiam televisão através de janelas abertas.

A TV no Brasil se tornou a principal forma de informação e entretenimento das famílias, disputando espaço com o rádio e com o cinema. Os primeiros televisores eram importados e, portanto, inacessíveis ao público de baixa renda. Com o tempo, surgiram no Brasil as fábricas de televisores, que popularizaram esse importante eletrodoméstico. Os primeiros aparelhos custavam em torno de 59 mil cruzeiros antigos, quando o salário mínimo era de 1.200 cruzeiros antigos. (MOREIRA, 2016)

No que diz respeito à cobertura esportiva no Brasil e no mundo, este é um negócio altamente rentável, muitas organizações estão envolvidas nessa área do entretenimento. Muitas emissoras de TV pertencem a grandes grupos latifundiários da mídia, e a Pan American Sports Network (PSN) – um dos maiores canais segmentados de esportes da TV a cabo e por satélite da América Latina –, objeto de estudo nesta dissertação, foi mais uma das emissoras que abriram as suas portas na busca do poder, do prestígio, do patrocínio e do lucro. Porém, nem sempre é possível perseverar nos negócios da comunicação, e a PSN foi um exemplo dessa máxima.

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Esta pesquisa se justifica pela carência de material na área de comunicação sobre os processos que influenciam o fechamento de uma emissora internacional de televisão. Tal afirmativa advém de uma pesquisa introdutória realizada nos bancos de dados do Centro Cultural São Paulo e da Capes, bem como na plataforma EBSCO Host, não sendo encontradas referências ao fechamento de uma emissora nos moldes da PSN. Também se justifica pela importância de um canal de televisão de abrangência internacional e como milhões de assinantes deixaram de receber o sinal da emissora sem nenhuma informação prévia ou justificativa, no sentido de respeitar a voz do consumidor.

Levando-se em consideração que a televisão, principalmente quando é segmentada na área de esportes, é uma importante fonte de entretenimento, isso arrazoa para o público consumidor de esportes pela televisão a criação de uma potência como a PSN. Segundo Llosa (2013, p. 312), “Só um puritano fanático poderia reprovar os membros de uma sociedade que quisessem dar descontração, relaxamento, humor e diversão a vidas geralmente enquadradas em rotinas deprimentes e às vezes imbecilizantes”.

Nesse sentido, observa-se a relevância social e científica deste estudo, valendo ressaltar, novamente, que não existe nenhum trabalho acadêmico sobre o tema, portanto, caso não fosse aqui contado e analisado, possivelmente se perderia nos anais da história. Acredita-se que a pesquisa realmente só pode ser fidedigna, quando trabalhada por alguém que passou por essa experiência dentro da emissora, como no caso do seu autor, daí o cunho memorialista desta dissertação.

Considerando todo o contexto exposto, procura-se responder às seguintes questões centrais: O que levou o canal a encerrar as suas operações? Por que a PSN saiu do ar sendo líder de audiência no segmento esportivo de televisão a cabo?

O objetivo geral é entender quais são os processos de edificação de um canal internacional de televisão e identificar o que leva a fracassar um projeto vitorioso, com um plano de negócios de 600 milhões de dólares, com direitos exclusivos de transmissão das maiores competições esportivas do mundo.

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Quanto aos objetivos específicos, foram traçados cinco passos: a) entender o processo de falência do canal, levando-se em conta os aspectos financeiros, audiência e prestígios das transmissões; b) comparar a falência do canal com outros processos semelhantes de fechamento de emissoras no Brasil; c) verificar se os mantenedores do canal tiveram outros casos semelhantes de fechamento de empresas pertencentes ao grupo econômico; d) pesquisar a influência do fechamento do canal no cenário das coberturas esportivas pela televisão; e) comparar os índices de audiência e comerciais entre o canal e outras emissoras de esportes a cabo.

Metodologicamente, este trabalho foi desenvolvido sob o cunho memorialista, método qualitativo, com estratégia narrativa e estudo de caso, a respeito da trajetória e fechamento do canal de televisão a cabo PSN, levando-se em conta os aspectos de tecnologia, audiência, faturamento e programação. Em relação aos procedimentos técnicos, apoiou-se em pesquisa documental e bibliográfica, em materiais impressos e publicados na internet, bem como na vivência do autor dentro da emissora, daí o aspecto memorialista.

Após a coleta de dados, esta dissertação foi desenvolvida em seis capítulos, a iniciar pela contextualização da falência de duas grandes emissoras de TV brasileiras – TV Tupi e da TV Excelsior. Na sequência, apresenta-se a História da Pan American Sports Network – PSN, discorre-se sobre a montagem do canal, sua comunicação visual, e o sonho que acabou, ou seja, a falência da emissora, que ocorreu em março de 2002; e a história do autor desta dissertação com a PSN e sua vivência profissional. Fala-se sobre o lançamento do canal PSN, sua estratégia de marketing, questões de direitos, pessoal, programação e a linguagem inovadora em suas coberturas. Também traz um pouco da história do futebol e a respectiva movimentação financeira no Brasil. E, contemplando o foco deste trabalho, expõe-se a respeito do fechamento do canal, e o impacto da falência da PSN no mercado de Broadcast, que deixou muitos funcionários desempregados com essa operação silenciosa.

Independentemente das causas de sua falência, a PSN formou um conceito de linguagem de transmissão de vários gêneros esportivos. Nenhuma emissora de TV teve a exclusividade de tantos eventos esportivos simultâneos.

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2 PRINCIPAIS FALÊNCIAS DA TV BRASILEIRA

As duas principais falências da TV brasileira foram a da TV Tupi e da TV Excelsior.

2.1 TV Tupi

A TV Tupi foi fundada em 18 de setembro de 1950, sendo a primeira emissora de TV brasileira e da América do Sul. Fundada pelo jornalista e radialista paraibano Assis Chateaubriand, pertencia a um latifúndio de comunicação formado pelos jornais Diários Associados e pelas rádios Tupi e Difusora. A TV Tupi, foi chamada de TV Tupã, PRF3TV, recebeu a benção do Frei Mexicano José Mojica, que também cantou na cerimônia de inauguração. O folclore sobre a data é muito rico, e três casos ficaram famosos.

O primeiro deles diz que Chateaubriand, excitado com o evento, quebrou uma garrafa de champanhe sobre uma das três câmeras do programa, nos moldes dos batizados de navios. Com isso, cerimônia acabou sendo transmitida por duas câmeras apenas, ou seja, a TV brasileira já teve a sua estreia com improvisação.

O segundo caso é sobre o Hino da TV Brasileira, composto por Guilherme de Almeida para a ocasião, que seria cantado por Hebe Camargo, mas conta-se que naquele momento ela havia saído com o seu namorado e a tarefa ficou a cargo de Lolita Rodrigues, a única, além da Hebe Camargo, que conhecia a letra da música. Até hoje Lolita comenta o fato.

E, finalmente, o terceiro caso – após o programa de abertura da emissora, a equipe se deu conta de que não havia preparado nada para o dia seguinte. Mais improvisação. Do primeiro casting da emissora participavam os apresentadores, cantores e rádio atores da Rádio Tupi de São Paulo, entre eles, o ator Lima Duarte.

A Tupi foi a primeira emissora a criar uma rede nacional numa época em que não havia transmissão via satélite e as imagens eram transmitidas de São Paulo ao Rio, por exemplo, através de enlaces de micro-ondas (pequenas parabólicas colocadas a uma distância de 50 quilômetros uma das outras).

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Para a inauguração da TV Tupi, Assis Chateaubriand importou dos Estados Unidos 200 televisores e os distribuiu entre pessoas formadoras de opinião e lugares da cidade de São Paulo, como o Viaduto do Chá.

Como pioneira, a TV Tupi foi responsável pela criação da linguagem da TV brasileira. Muitos profissionais foram enviados para os Estados Unidos para aprenderem a fazer televisão, mas o modelo americano, com normas muitos rígidas, não se adequava à realidade brasileira. Da sua programação faziam parte grandes espetáculos de teatro, , musicais, filmes estrangeiros com legenda e programas de auditório, tudo isso ao vivo, dado que o videoteipe só chegaria ao Brasil em 1961.

Também na Tupi nasceram as famosas garotas propaganda, que anunciavam e demonstravam os produtos ao vivo, o que muitas vezes provocava falhas no funcionamento, fazendo parte do anedotário da TV Brasileira. Entre as famosas garotas propagandas da época estavam Idalina de Oliveira, Rosa Maria e Neyde Aparecida e a atriz Neusa Amaral. Muitas vezes, elas tinham que experimentar remédios, xaropes e outros produtos e deixavam pelo aspecto de suas faces que os produtos não eram saborosos.

E falando das primeiras garotas, a que inaugurou o estilo foi Rosa Maria, da TV Tupi em 1951. A ideia de trazer mulheres bonitas para apresentar os comerciais era já pensando na fascinação crescente que a televisão poderia ter e que no rádio já existia. Na época os garotos já cobiçavam as garotas propaganda, enquanto as moças queriam ficar parecidas com estas para fazerem ‘sucesso’ entre os rapazes. Talvez tenham sido as garotas propaganda as primeiras a dar à televisão o caráter fascinante e o conceito de ‘estrelas’ para os profissionais do meio.

As brigas pelo estrelato das rainhas do rádio agora eram substituídas pela concorrência entre as garotas propagandas, que se tornaram matérias frequentes das primeiras revistas televisivas.

Sobre Rosa Maria, pegamos uma citação da escritora Maria Elisa Vercesi de Albuquerque, de seu texto ‘Garotas Propaganda’, do ‘Centro Cultural São Paulo’, que fala sobre o início do gênero: ‘A primeira experiência foi em 1951, com Rosa Maria, uma jovem morena, muito graciosa, que entrou no ar às 8 horas da noite para apresentação de uma oferta de Marcel Modas, loja de artigos femininos.’

E a famosa frase: ‘Não é mesmo uma tentação?’ era falada por Rosa Maria, que apresentava a cada dia um único patrocinador, sendo que todas as vezes que ela aparecia, o quadro era chamado de ‘Tentação do Dia’.

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Na Tupi do Rio de Janeiro, Canal 6, a primeira garota propaganda foi Neide Aparecida, que ficou famosa ao estalar aos dedos depois de falar ‘Toneluuuxx...’, a marca de lavadeira que patrocinava a Tupi na época. (ANKERKRONE, 2001, online)

A TV Tupi de São Paulo, devido à má administração, encerrou as suas atividades no dia 16 de julho de 1980 e a esse fechamento se seguiu o desligamento das outras emissoras da rede. Foi um final traumático. Até hoje a emissora é responsável por um enorme débito trabalhista que não foi assumido pela TVS e o SBT, pertencentes ao Grupo Silvio Santos, sucessoras da concessão.

2.2 TV Excelsior

A TV Excelsior, fundada em 9 de julho de 1960, pertencia a João de Scatimburgo, José Luiz Moura Mario, Ortiz Monteiro e Wallace Simonsen, que também era sócio da Panair do Brasil. Estreou em São Paulo, e em 1963 abriu a segunda emissora da rede no Rio de Janeiro. A programação da emissora era concentrada principalmente no jornalismo, exibição de filmes estrangeiros e dramaturgia.

A emissora alugou o Teatro Cultura Artística na Rua Nestor Pestana, em São Paulo e de lá colocou uma programação variada de shows e programas de auditório, entre eles o Brasil 60 apresentado por Bibi Ferreira. Começou a partir de 1964 a passar por vários problemas relativos à pressão realizada pela intervenção militar no Brasil, em razão do apoio de Simonsen ao presidente eleito João Goulart.

A TV Excelsior saiu do ar em 30 de setembro de 1970. Foi responsável por um grande avanço da TV brasileira, tendo, entre outras coisas, implantado a programação vertical (a sucessão de programas um após o outro no mesmo dia da semana) e a programação horizontal (a sucessão de programas no mesmo horário durantes nos diferentes dias da semana). A emissora colocou no ar novelas e programas em diversos gêneros, que lançaram vários artistas, entre eles Renato Aragão, Dedé Santana, Moacyr Franco e Luiz Vieira. Foi a primeira emissora a transmitir a cores em 1962, o programa Moacyr Franco Show, no padrão NTSC.

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2.3 O fechamento das emissoras

Assim como um produto de consumo que desaparece da prateleira dos supermercados sem aviso prévio, as reais causas do fechamento dos canais passam despercebidas do grande público.

O que estaria por trás dos negócios dos impérios latifundiários da mídia. Por que alguns grupos financiam poderosas realizadoras de conteúdo televisivo para, depois, abandonarem as suas operações, deixando funcionários e telespectadores frustrados em suas expectativas?

Pode-se dizer que essa prática não é exclusividade do Brasil. Em outros países, culturalmente e economicamente desenvolvidos, essa prática também é muito comum. É certo que em outros países os grupos financeiros precisam dar satisfações das suas decisões para órgãos reguladores, que também existem no Brasil, mas sem a eficiência de outras sociedades. Considerando-se as razões do fechamento de emissoras no Brasil, pode-se encontrar quase sempre a resposta de que se tornaram maus negócios em função da má administração, da queda de audiência e da consequente perda de faturamento publicitário.

A TV no Brasil, assim como nos Estados Unidos, nasceu com uma proposta puramente comercial. Em alguns países da Europa, como a Inglaterra por exemplo, e no Japão as TVs surgiram com uma proposta educativa e cultural e sempre foram públicas, ou seja, não dependem do Estado ou de investimentos particulares para sobreviver. Elas são financiadas pelo próprio telespectador que paga uma taxa mensal para poder assisti-las. Essa taxa não é obrigatória, porém todos pagam. Essa prática remete a questionamentos – se através de taxas mensais pagas por telespectadores, a BBC e a NHK podem oferecer um excelente conteúdo para o público telespectador, por que as emissoras ditas comerciais, que recebem verbas publicitárias gigantescas não o fazem também? O negócio da mídia é poderoso, e hoje, com a multiplicidade de telas e a possiblidade de a pessoa poder consumir o conteúdo audiovisual quando e onde estiver, imprime ainda mais poder para os latifúndios da comunicação.

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No Brasil e em alguns países da América Latina, as concessões dos canais de televisão durante muito tempo foram distribuídas como moedas políticas. Os grupos econômicos ou de mídia que possuíam ligações ou influência nos governos desses países recebiam a concessão para explorar canais de TV e emissoras de rádio, em troca de apoio financeiro para as campanhas políticas ou de matérias favoráveis nas coberturas dos telejornais e radiojornais. Sendo este o cenário de fundo, sobre o qual foram escritas as histórias de muitas emissoras de rádio e TV do Brasil.

A TV, quando chegou ao Brasil, se aproximou primeiramente da elite cultural, exibindo programas jornalísticos, grandes espetáculos de teatro, programas de música clássica e outros conteúdos que interessavam à população que possuía acesso a uma educação mais sofisticada e uma condição econômico-financeira diferenciada. A exemplo dessa alusão, até a metade dos anos 1980, a Rede Globo exibia nas manhãs de domingo um programa de música erudita chamado “Concertos Para a Juventude”.

Educar, não entreter, esse permanecia o objetivo prioritário para alguns dos primeiros defensores da televisão contra as acusações de que ela exercia uma influência inevitavelmente corruptora da sociedade e da cultura, e de que levava os espectadores a gastar mais tempo com ela do que em outras atividades. (BRIGGS; BURKE, 2009, p. 291)

Com o tempo, por força da exploração dos espaços comerciais e a busca pela audiência, a programação da TV passou a ter uma identidade puramente brasileira, com programas mais descontraídos e uma linguagem menos formal, com improvisação nas apresentações, falta de scripts e roteiros rígidos entre outras diferenças em relação à TV norte-americana.

O programa é o produto que a TV vende ao espectador e o espectador é o produto que a TV vende para o patrocinador.

Com o advento da TV a cabo nos primórdios dos anos 1990, a elite econômica, por uma questão de status, já que necessariamente não pertencia à elite cultural, migrou para os canais segmentados e abandonou a TV aberta, fazendo com que a audiência caísse e, naturalmente, o faturamento comercial diminuísse.

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Para sobreviver a essa crise de audiência, a TV aberta baixou o nível de qualidade da programação para procurar atender os anseios das classes C e D, que não possuíam condições financeiras para assinar pacotes a cabo, oferecendo o que acreditava ser do gosto dessas camadas sociais. Humor fácil, programas sobre violência, sexo e drogas passaram a fazer parte do cotidiano da programação de TV. Todas as propostas de programação mais rebuscadas passaram a compor as grades dos canais a cabo. Um dos diferenciais dos canais a cabo é a segmentação.

Existem canais de esporte, viagem, filmes, patchwork, infantil, programas sobre animais, exclusivos para adultos etc. Comparando-se a outros países, hoje, o Brasil possui uma TV aberta com alta qualidade técnica e baixo valor de conteúdo. Entretanto, não se pode deixar de considerar algumas exceções a essa regra, como as TVs Educativas e algumas propostas pontuais da TV comercial que exibem conteúdos interessantes e educativos.

Com a televisão, estamos diante de um instrumento que, teoricamente, possibilita atingir todo mundo. Daí certo número de questões prévias: o que tenho a dizer está destinado a atingir todo mundo? Estou disposto a fazer de modo que meu discurso, por sua forma, possa ser entendido por todo mundo? Será que ele merece ser entendido por todo mundo? Pode-se mesmo ir mais longe: ele deve ser entendido por todo mundo? (BOURDIEU, 1997, p. 18)

A cultura sempre estabeleceu categorias sociais entre as pessoas que a cultivavam, a enriqueciam com contribuições diversas e faziam-na progredir e pessoas que não queriam saber dela, que a desprezavam ou ignoravam, ou então eram dela excluídas por razões sociais e econômicas. (LLOSA, 2017, p. 59)

É importante falar também sobre a programação infantil da TV. A TV aberta realizava a programação de conteúdo infantil explorando os espaços comerciais com propagandas destinadas ao público consumidor.

Na realidade os programas infantis, no início da TV, eram apenas exibidores de desenhos animados entre uma brincadeira e outra realizada num estúdio com crianças. Nos Estados Unidos, o Federal Communications Commission – FCC regulamentava o conteúdo dos desenhos animados, mas nem lá nem aqui, no Brasil, havia proteção às crianças quanto à comercialização exacerbada dos intervalos comerciais. Na realidade, os intervalos comerciais visavam atingir os pais das crianças que possuíam o poder de compra.

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O desenvolvimento do cabo levantou importantes aspectos políticos para a FCC que, sem a orientação do Congresso, não quis enfrentar diretamente as TVs a cabo. Em 1959, a FCC decidiu que como o cabo não fazia parte da radiodifusão, nem da comunicação habitual por ondas, não tinha jurisdição sobre o assunto. (BRIGGS; BURKE, 2009, p. 329)

A partir de determinações de órgãos reguladores que coibiam a exploração por parte da publicidade para esse público, os programas infantis deixaram de ser um bom negócio e desapareceram das grades de programação dos canais abertos. Migraram para o cabo, em canais segmentados, como o , Disney Channel, Cartonn Network, Gloob etc.

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3 A HISTÓRIA DA PSN

3.1 A montagem do canal

No ano de 1999, um dos sócios fundadores da ESPN, Jacques Kremer deixou a emissora e levou o projeto, em parceria com o uruguaio Roberto Muller, de um novo canal de esportes para o grupo texano de fundos de investimentos, Hicks, Muse, Tate & Furst (HMTF), que também tinha o controle no Brasil de times como o Corinthians e o Cruzeiro.

O projeto era ambicioso – montar um canal de TV a cabo para a América Latina e Brasil com o melhor do esporte mundial. Como se tratava de um projeto pan- americano, havia a separação na empresa sobre o que era para a América Latina e o que era para o Brasil.

A TV a cabo não se tornou exatamente o que os seus visionários imaginavam. Em vez de promover interesses em comum e uma visão compartilhada do bem, o sistema a cabo evoluiu e acomodou um universo de gostos específicos divergentes. Abastecia grupos de interesses e populações de todos os tipos, bem ou mal atendidos. (WU, 2010, p. 257)

Pelo projeto, a emissora teria direitos exclusivos para a América Latina de todos os campeonatos de futebol europeu, copa da UEFA, ATP, WTA, Fórmula 1 (somente para a América Latina e não para o Brasil), Copa Libertadores, Copa Mercosul, Copa Merconorte, golfe, vôlei, boxe, NBA, WNBA, as eliminatórias da FIFA para a copa do mundo de 2002 e os campeonatos de futebol da CONCACAF e CONMEBOL.

Essas transmissões seriam feitas através de um canal de TV por assinatura modelo à la carte, ou seja, o assinante pagaria uma taxa extra mensal para receber os sinais, distribuídos em espanhol para a América latina e em português para o Brasil. No caso da PSN seriam 5 dólares por mês.

A sede da PSN foi montada no condomínio Presidential Circle, na cidade de Hollywood, no Estado da Flórida, Estados Unidos. O projeto técnico era ousado e utilizaria o que havia de mais moderno na época.

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A emissora possuía duas salas de controle (switcher), uma para o feed (canal) em espanhol e outra para o feed em português. Os equipamentos, já no ano de 1999, eram todos digitais, além disso, a emissora tinha o seu próprio transponder (canal) de satélite, diferentemente da maioria das emissoras de TV que geralmente alugam um pequeno segmento de um dos vários transponders de um satélite.

Figura 1 – Sede da PSN na cidade de Hollywood – Florida – EUA (2000)

Fonte: Google Images.

Para dar os devidos créditos, o emprego de satélites para a transmissão televisiva não foi uma ideia original de Ted Turner. A Home Box Office Network (HBO) sob a direção de Gerald Levine e outros, já fazia isso para oferecer a chamada ‘TV paga’, que adquiria conteúdo especial como brinde, como lutas de boxe entre Joe Frazier e Muhammad Ali e filmes de longa- metragem para os assinantes. Porém, por mais que fosse uma inovação importante, a TV paga era mais um complemento que uma ameaça às grandes redes. (WU, 2011, p. 254)

Para o corpo de talentos, a PSN importou excelentes profissionais da América Latina e do Brasil para trabalharem como repórteres, narradores, comentaristas, locutores, diretores, produtores, editores, sonoplastas, iluminadores, operadores de câmera, operadores de gerador de caracteres, diretores de TV, figurinistas, maquiadores e outras funções executivas. Entre os seus talentos brasileiros estavam Téo José, Pelé, Mauro Betting, Rogério Correa, Marcos Cesar, Marco Tulio Reis, Lano Brito, João Bosco Turetta, Milene Domingues, Osmar de Oliveira, Antônio Petriccione, Paulo Echebarria, Juarez Araujo e Darcio Arruda. (PSN, 2001)

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Figura 2 – Dupla de narradores hispanos da emissora (2000) (da esquerda para a direita: Jorge Ottati e Professor Ottati)

Fonte: Acervo pessoal.

Do final de 1999 até a inauguração das transmissões em 15 de fevereiro de 2000, com a cobertura da partida entre Palmeiras e The Strongest pela Copa Libertadores de 2000, uma grande equipe de engenheiros e técnicos trabalhou na construção do canal, em tempo recorde, que era composto por seis ilhas de edição AVID Media Composer, um Pro Tools, três estúdios de áudio, dois estúdios de TV, uma sala de computação gráfica, central técnica e controle de satélite. (DIGITAL BROADCASTING, 2000; EXTINTO HÁ 14 ANOS..., 2016)

Devido a um ousado budget, os equipamentos solicitados pelos engenheiros eram comprados e entregues com muita velocidade. A cada dia novas caixas chegavam aos estúdios trazendo equipamentos.

A PSN foi montada com o que havia de mais avançado em tecnologia da época. A sua grade de programação era de 24 horas de cobertura esportiva e sua comunicação visual pioneira tornou-se responsável por muito do que se faz na cobertura esportiva até hoje.

3.1.1 Comunicação visual

Sob o comando do designer e artista videográfico norte-americano Albert Jolguera, a PSN veio ao ar com um dos mais revolucionários pacotes gráficos da televisão da época. Ela inovou nos conceitos, tendo já no ano 2000 uma linguagem visual inovadora que até hoje é copiada pelas emissoras de TV. Suas aberturas, logos e vinhetas utilizavam uma paleta de cores agressiva e forte, que tinha total relação com a vibração do esporte.

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O material gráfico era editado e sonorizado com trilhas especiais, muitas vezes originais, que davam um diferencial na comunicação da emissora.

A seguir, da figura 3 até a 16, alguns dos estudos gráficos da PSN.

Figura 3 – Estudo de cenário

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 4 – Cenário Show do Pelé

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 5 – Cenário para a abertura do Show do Pelé

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 6 – Storyboard da vinheta do programa Cara a Cara

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 7 – Storyboard da vinheta do Campeonato Argentino

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 8 – Storyboard da vinheta de Dicas de Golfe

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 9 – Gráfico de posição de largada na Fórmula 1

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 10 – Estudo/Conceito para PSN - Mulheres no Esporte

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 11 – Logotipos de programas

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 12 – Logotipo PSN

Fonte: Acervo do autor.

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Figura 13 – Elementos gráficos do PSN News

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 14 – Estudo de cenário do PSN USA

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 15 – Storyboard da vinheta das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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Figura 16 – Storyboard vinheta do Campeonato Italiano

Fonte: Concedido pelo designer e artista videográfico Albert Jolguera, de seu acervo pessoal.

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A PSN criou uma linguagem de transmissão e edição. Seus programas nos intervalos dos jogos de futebol e outras competições foram copiados pelas redes de TV brasileiras e internacionais. Nesses espaços eram realizados o Half Time Show, popularmente conhecido como Show do Intervalo. Durante as partidas de diversos gêneros de esporte, as gravações dos melhores lances da competição eram feitas em um equipamento chamado Dixon. Esse equipamento era uma espécie de editor não linear. No Brasil, na época, os melhores momentos das partidas eram editados em tape.

No momento do intervalo, a equipe assistia aos melhores momentos da partida com comentários e estatísticas. Essas práticas, realizadas no ano 2000, foram copiadas pelas emissoras de TV, como se vê atualmente. As transmissões eram dinâmicas, utilizava-se uma linguagem moderna com um grande apoio gráfico e de ilustrações. A equipe era formada por narradores e comentaristas especializados em todas as modalidades esportivas. A PSN foi pioneira na inserção de estatísticas das partidas de futebol durante as transmissões.

Entre os esportes, nenhum sobressai tanto quanto o futebol, fenômeno de massas que, tal qual como os shows de música moderna, reúne multidões e as excita mais que qualquer outra mobilização de cidadãos, como procissões religiosas, comícios políticos ou convenções cívicas. Certamente para os aficionados, um jogo de futebol pode ser um espetáculo estupendo, de destreza e harmonia de conjunto e desempenho individual, que entusiasma o espectador. (LLOSSA, 2017, p. 35)

Embora seja verdade que as massas são obcecadas pelo desejo de fugirem da realidade, porque, privadas de um lugar no mundo, já não podem suportar os aspectos acidentais e incompreensíveis dessa situação, também é verdade que a sua ânsia pela ficção tem algo a ver com aquelas faculdades do espírito humano, cuja coerência estrutural transcende a mera ocorrência. (ARENDT, 2018, p. 486)

Cada cobertura esportiva era aberta por um teaser (matéria promocional)1 da partida explicando as técnicas de cada time, os jogadores-chave e a retrospectiva de cada equipe.

1 Cf. Teaser promocional da PSN em: .

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O primeiro corpo de executivos do canal tinha o chileno Sebastian Dominguez como Chief Executive Officer (CEO), o apresentador norte-americano Alexander Johnson como vice-presidente de Produção, o argentino Patrício Montalbetti como diretor de Produção e a brasileira Wilma Maciel como vice-presidente de Programação.

Durante os seus dois anos de vida, o canal foi líder de audiência no segmento esportivo em todos os países para onde foi transmitido. No Brasil, chegou a ter 850 mil assinantes, número expressivo para a época. Sua programação era muito variada e pouco repetitiva, o que é fato comum nos canais a cabo. Pela quantidade de eventos exclusivos do canal, era possível transmitir material inédito durante praticamente todo o dia, e muitas vezes, essas transmissões invadiam a madrugada devido à diferença de fuso horário dos países onde aconteciam os eventos esportivos.

O índice de audiência é a sanção do mercado, da economia, isto é, de uma legalidade externa e puramente comercial, e a submissão às exigências desse instrumento de marketing é a demagogia orientada pelas pesquisas de opinião em matéria de política. A televisão regida pelo índice de audiência contribui para exercer sobre o consumidor supostamente livre e esclarecido as pressões do mercado, que não têm nada de expressão democrática de uma opinião coletiva esclarecida, racional, de uma razão pública, como querem fazer crer os demagogos cínicos, como diz Bordieu (1997, p. 96-97).

3.2 O sonho acabou

A falência da emissora ocorreu em março de 2002, sem que a empresa tenha passado por uma crise financeira aparente. Não houve atrasos nos pagamentos de salários ou de royalties. Nada indicava que a emissora fecharia as suas portas repentinamente, deixando de atender a mais de 10 milhões de assinantes distribuídos entre Brasil, México, Argentina, Venezuela, Peru, Colômbia, Equador, Chile, Bolívia, Uruguai, Paraguai e demais países da América Central e Caribe.

Em uma tarde normal de trabalho, a falência foi notificada aos funcionários nos estúdios da nova sede provisória da PSN em Hialeah, no condado de Miami. Naquele mesmo momento, a emissora havia alugado três andares de um condomínio de

41 escritórios na Lincoln Road, em Miami Beach, e já estava se preparando para mudar. O projeto desses novos escritórios foi feito por arquitetos especializados e reunia o que havia de mais moderno na ocasião.

Ao chegarem para o expediente normal de trabalho, os funcionários encontraram o seguinte comunicado: “Todos os funcionários devem se dirigir ao estúdio principal às 13 horas para um importante aviso”. Pensaram que se tratava de mais uma mudança de comando na emissora, já que a posição de CEO havia sido preenchida há poucos meses pelo mexicano José Baraldi. A PSN tinha no México e na Argentina as suas principais plataformas de assinantes.

Chegando ao estúdio, às 13 horas, os funcionários se depararam com um jovem de terno preto prostrado sobre um tablado e com um microfone à sua disposição, aguardando a chegada de todos (em torno de 200). E ali, reunidos, ouviram: Meu nome é “fulano de tal” e sou advogado do escritório “X” de Nova Iorque. E esse advogado, olhando no relógio, anunciou: “Nesse exato momento, estamos solicitando a falência da PSN. Vocês devem se dirigir ao primeiro andar para receberem as suas diferenças salariais”. Incrédulos, cada funcionário atendeu ao solicitado, e no primeiro andar já havia uma equipe, do que seria o RH no Brasil, com os cheques da diferença salarial, porque o pagamento mensal tinha sido efetuado há menos de uma semana daquele dia.

Eu era Sport Producer na emissora, o advogado interno, Dr. Fernando Medin, me disse: “Vagner, vá imediatamente ao banco descontar o seu cheque porque as contas serão congeladas”. Acreditei nele e tentei levar alguns colegas comigo, mas a maioria dizia que estávamos nos Estados Unidos e não no Brasil, que eu não precisava me preocupar. Então, dirigi-me ao banco com alguns poucos colegas e descontamos nossos cheques. Foi interessante observar a preocupação dos funcionários do Banco First Union pela quantidade de cheques da PSN apresentados no caixa. Naquela mesma tarde, as contas foram congeladas e a maioria dos funcionários que acreditaram na idoneidade da companhia, não recebeu o pagamento.

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Dificilmente se pode compreender como a concorrência entre empresas comerciais, vistas como impérios, “armadas até os dentes” terminasse de outro modo que não a vitória para uma e morte para as outras. Em outras palavras, a concorrência – como a expansão – não é um princípio político: ambas se baseiam em força política. (ARENDT, 2018, p. 193)

A falência de um canal de TV ou uma empresa qualquer é um fato importante porque envolve a perda de emprego de dezenas de pessoas, mas quando se trata de uma empresa com funcionários de outros países e, especificamente de Comunicação, que envolve milhões de espectadores, a responsabilidade de uma emissora desse porte se amplia, principalmente em relação aos seus funcionários, pois nesse caso, muitos deles foram contratados internacionalmente (overseas) e não receberam nenhum tipo de indenização. Ainda teria sido necessário providenciar o repatriamento dos funcionários estrangeiros e suas famílias, o que não ocorreu.

Muitos dos funcionários estrangeiros, como era o meu caso, tiveram que arcar com os custos do retorno aos países de origem. Alguns, principalmente os de origem latino-americana, conseguiram trabalho em canais de língua espanhola como a e a Univision, mas os brasileiros tiveram dificuldade em serem absorvidos pelo mercado norte-americano. Após três meses do fechamento do canal, voltei ao Brasil.

3.3 Minha história com a PSN

Eu e minha esposa nos mudamos para os Estados Unidos com a intenção de realizar um mestrado na Universidade de Miami. Ao chegarmos lá, nos matriculamos em um curso de inglês para a realização do Toefl. Com nossas economias, alugamos um apartamento em South Beach e vivíamos apenas para o nosso projeto, sem nenhuma atividade profissional.

Em uma sexta-feira à noite, recebi uma ligação de um colega brasileiro – Fabio Rolfo – que trabalhava na CBS Telenotícias em Miami, dizendo que um grupo estava montando um canal de esportes também em Miami, com um serviço em português.

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Ele havia marcado uma entrevista de trabalho para o dia seguinte, um sábado, e perguntou se eu não gostaria de acompanhá-lo e realizar uma entrevista também, já que eu havia militado na área de esportes em TV por mais de 10 anos. Aceitei e fomos para a sede da PSN no Presidential Circle, na cidade de Hollywood, próximo a Miami.

Fomos, então, entrevistados por um Diretor de Produção Argentino, Patrício Montalbetti e contratados imediatamente. Começamos a trabalhar na construção do canal na segunda-feira seguinte. No início, dividíamos os espaços com o pessoal de engenharia que estava literalmente montando a parte técnica da emissora.

Figura 17 – Crachá funcional

Fonte: Acervo pessoal

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Figura 18 – Cartão pessoal

Fonte: Acervo pessoal

A central técnica e de produção da emissora ocupava o térreo de uma das quatro alas do edifício, disponibilizando dois estúdios de áudio para narração em off tube, uma sala de produção, uma sala de reuniões, uma pequena copa para refeições, duas salas de controle, um controle mestre, sala de maquiagem, salas de edição, pós- produção de áudio e um pequeno estúdio de TV.

A equipe de produção foi ganhando a cada dia um novo membro. A área artística foi composta por representantes de todos os países sul-americanos e da América Central. Éramos treze brasileiros na parte de produção. Com esse pequeno exército de produtores, narradores e comentaristas brasileiros, era preciso dar conta de todas as transmissões esportivas dos mais diversos gêneros: basquete, vôlei, golfe, futebol, futebol americano, esportes olímpicos, ginástica olímpica etc.

Dentre os talentos ali reunidos estavam alguns nomes conhecidos do público brasileiro, tais como: Téo José, Rogério Correa e Osmar de Oliveira. A maioria era de nomes desconhecidos, mas que já trabalhava no mercado norte-americano, por exemplo, Alex de Souza, que era a voz institucional da TNT.

Durante os preparativos do canal, foram realizadas várias reuniões para a definição de linguagem, linha editorial e padrão de transmissão. O maestro dessa área era o presidente do canal, Sebastian Domingues, que redigiu o manual que servia de referência para os trabalhos. Nele estavam contidos: definição de público-alvo, código de ética, padrões de narração, normativas para os gráficos e instruções que serviam de base para as edições das matérias jornalísticas.

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A missão PSN era a de ser, em pouco tempo, o maior canal a cabo de esportes do mundo, e para isso não foram poupados esforços e recursos financeiros.

Os talentos, a produção e os demais funcionários do canal eram pagos com salários acima do mercado norte-americano. Todas as despesas relativas à mudança para os Estados Unidos, dos contratados fora do continente norte-americano, também foram pagas. O corpo jurídico da PSN cuidava dos vistos de trabalho dos contratados e de suas famílias.

A meta da equipe era criar um grande canal de esportes, e para isso se preparou realizando pilotos de transmissão, de edição jornalística e cobertura esportiva. A estreia seria com a transmissão da partida entre Palmeiras e The Strongest, no Parque Antártica, em São Paulo, marcando o início da Copa Libertadores de 2000.

O departamento de Marketing já atuava em todos os países que faziam parte da cobertura, trabalhando com as operadoras que ofereciam o sinal da emissora. A PSN, embora ainda não estivesse com transmissões regulares, gerava pacotes promocionais em espanhol e português, que eram exibidos nos canais que ocuparia nas distribuidoras.

Em todos os países latino-americanos, o assunto no meio esportivo era a estreia do maior canal de esportes do mundo. Havia um representante em cada país para a realização das coberturas das partidas de futebol e demais eventos. No Brasil, a PSN era representada pela empresa Traffic, do empresário J. Ávilla, que contratava a produtora Casablanca para servir de geradora dos sinais.

No dia da estreia estavam todos nervosos e ao mesmo tempo confiantes no trabalho realizado até então. A partida foi transmitida em espanhol e português, utilizando as duas salas de controle, tudo funcionou perfeitamente. A PSN, finalmente, entrou no ar no dia 15 de fevereiro de 2000 com a vitória de 4 x 0 do Palmeiras sobre o The Strongest.

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Depois do impacto da estreia, a equipe e a transmissão virou assunto na mídia esportiva. E para comemorar a sua estreia, a PSN ofereceu uma festa em Miami sem precedentes, com a presença da Banda Gipsy Kings, do cantor Henrique Iglesias, e os convidados sendo recebidos por uma ala show de uma escola de samba do Brasil.

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Figura 19 – Equipe da PSN.

Fonte: Floridian. Brazilian Magazine. Flórida-EUA. jan./fev./mar.2000.

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Figura 20 – Festa de inauguração da PSN em Miami (2000) (da esquerda para a direita Marcia Matrone, Vagner Matrone, Téo José e Telma Cristina)

Fonte: Acervo pessoal.

Os sinais eram gerados 24 horas por dia, sete dias por semana. Durante as madrugadas ocorriam reapresentações das principais coberturas do dia, porém muitas transmissões ao vivo adentravam a madrugada devido ao fuso horário dos jogos e demais eventos esportivos. Tínhamos equipes separadas para os canais em espanhol e português, mas trabalhávamos juntos nos preparativos das coberturas. As reuniões diárias de pauta ocorriam com a duas equipes, porque todos fariam as mesmas coberturas. Entretanto, os aprofundamentos eram diferentes. Nas partidas e eventos em que as equipes ou atletas brasileiros enfrentavam os sul-americanos, eram realizados pacotes jornalísticos diferentes, cada um enaltecendo o seu país.

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Figura 21 – Bastidores da cobertura do Campeonato Sub-20, no Equador (2001). (o primeiro à direita, Mauro Betting)

Fonte: Acervo pessoal.

Havia uma rivalidade sadia entre os diversos times de produção e, muitas vezes, por razões diversas, trabalhávamos nos canais trocados, porém nem todos os produtores brasileiros se sentiam confortáveis em trabalhar no idioma espanhol.

A linguagem oficial de trabalho era o Inglês. Não podíamos nos comunicar profissionalmente em espanhol ou português. Como tínhamos uma equipe técnica norte-americana, a comunicação com eles era em inglês, apesar de grande parte deles dominar o espanhol devido à colonização daquela região dos Estados Unidos. Essa Torre de Babel, muitas vezes, provocava situações delicadas quando, por exemplo, um operador de gerador de caracteres que não falava nenhuma das duas línguas era escalado e precisava colocar gráficos no ar, ao vivo. Quando isso acontecia, o gráfico era impresso ou escrito manualmente para que o operador copiasse.

As inovações da PSN não aconteciam apenas no vídeo. As nossas condições de trabalho também eram inovadoras. Possuíamos uma rede interna de computadores e cada um dos produtores podia acessar todas as informações das partidas e campeonatos. Um setor de pesquisa alimentava as produções com informações, estatísticas e imagens, para que pudéssemos escrever os roteiros e os teasers das partidas. Diariamente tínhamos uma reunião de pauta, pela manhã, e

50 discutíamos as coberturas e transmissões do dia, numa grande mesa de trabalho. Dessas reuniões, por vezes, participavam os narradores e comentaristas.

O ambiente de trabalho era confortável. Não havia disputas por posições ou méritos. Todos estavam concentrados numa só missão: Transformar a PSN no maior canal de esportes do mundo.

Havia uma rivalidade sadia entre os times hispanos e brasileiros. Éramos chamados por eles de “os melhores do mundo” em relação ao ufanismo brasileiro sobre os nossos ídolos do esporte mundial, Guga, Cafu, Ronaldo, Rivaldo, entre outros. Porém, não havia uma disputa, era de certa forma transportada para a nossa relação a antiga rixa entre brasileiros e sul-americanos no que diz respeito às diferenças de nossa colonização. Porém, isso acontecia de forma amigável em excelente ambiente de trabalho.

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4 LANÇAMENTO DO CANAL PSN

4.1 Estratégia de Marketing

O projeto de marketing para o lançamento da PSN foi bastante agressivo. Os escritórios regionais do canal em todos os países da América Latina e do Brasil prepararam uma estratégia bastante interessante. Primeiro, começaram a colocar outdoors com o logo e nome PSN nas principais cidades. Depois, entregaram releases sobre o lançamento do canal para os principais órgãos de imprensa. Numa terceira etapa, inseriram teasers promocionais nos canais das distribuidoras a cabo que seriam destinados aos sinais da PSN, e a algumas semanas da estreia, transmitiram pacotes sobre o lançamento.

A PSN estava sendo mais do que aguardada. Havia uma ansiedade por parte do público em conhecer o que se propagava como sendo o maior canal de esportes do mundo.

As figuras 22 a 26 apresentam algumas das peças criadas para o projeto de marketing da emissora.

Figura 22 – Banner promocional

Fonte: Acervo pessoal.

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Figura 23 – Frame de uma vinheta

Fonte: Acervo pessoal.

Figura 24 – Frame de uma vinheta de abertura

Fonte: Acervo pessoal.

Figura 25 – Banner Promocional com slogan em português

Fonte: Acervo pessoal.

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Figura 26 – Material promocional da PSN

Fonte: Acervo pessoal.

A estreia não poderia ser mais emblemática. A PSN estreou em 15 de fevereiro de 2000 com a transmissão exclusiva para cabo, da abertura da Copa Libertadores da América, com a partida entre os times Palmeiras e The Strongest. A partida ocorreu no Parque Antártica, então o campo do Palmeiras, em São Paulo. O Palmeiras havia sido vencedor da competição no ano anterior. Os direitos desta competição foram comprados pela emissora com exclusividade para a TV aberta e fechada. Negociamos com a Globo a transmissão do sinal para a TV aberta, mas nenhuma emissora a cabo podia transmitir a competição.

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Nas primeiras semanas da emissora, as imagens dos narradores e comentaristas on camera, ou seja, ao vivo, não eram mostradas. Realizávamos o que se chama de off tube, que é a narração e comentários sobre as imagens do evento.

Os sinais dos jogos eram gerados via satélite para a nossa emissora em Hollywood e distribuídos nos dois switchers, um do Brasil e outro da América Latina. Cada um dos switchers possuía a sua equipe técnica com gráficos e legendas nos idiomas espanhol e português. Tínhamos uma vantagem sobre as transmissões hispânicas, os nossos narradores e comentaristas falavam português, alguns de nossos talentos apresentavam apenas seus acentos locais – carioca, gaúcho, nordestino, mineiro e paulista, enquanto do lado hispânico, cada profissional tinha um sotaque, e isso provocava rejeição em alguns países da América do Sul e Central, que não queriam ouvir um jogo narrado por um argentino, por exemplo.

A PSN, a mais nova rede latino-americana de TV paga voltada exclusivamente para o esporte, entra no ar no próximo dia 15, no Brasil e em outros países da América Latina, 45 minutos antes da exibição da partida entre o Palmeiras e a equipe boliviana do Strongest, pela Taça Libertadores da América.

Mas, por enquanto, ainda não se sabe se, no Brasil, a PSN constará do line- up da Net e da Sky ou da TVA e da DirecTV. As negociações atualmente em curso pendem mais para Net e Sky. O futebol ocupará 60% da programação da rede, que transmitirá durante 24 horas. A PSN é baseada em Miami, EUA, de onde será feita a maior parte de suas transmissões.

Téo José, recém-contratado pela PSN, narrará jogos da Libertadores, do Campeonato Italiano e corridas da Fórmula 3000 e do Mundial de Motocross. Todas as transmissões serão em português, pois a PSN terá um segmento brasileiro e outro, só para os países hispânicos. Algumas partidas de futebol realizadas no Brasil serão narradas por Téo José, dos estúdios da PSN, em Miami.

Segundo o narrador, tal prática não esfriará as transmissões. ‘Vou compensar a distância oferecendo o máximo de informações sobre a partida’, afirma. Em dois meses, a PSN passará a exibir um jornalístico comando por Paulo Echebarria (ex- CBS Telenotícias) (BG). (MATOS, 2002, online)

4.2 Compra de direitos com exclusividade

Como mencionado, a PSN comprou com exclusividade e sobrepreço os direitos das principais competições esportivas do mundo, pagando por elas muito mais do que as negociações nas temporadas anteriores. A Copa Libertadores da América, por exemplo, havia sido negociada com a ESPN na temporada anterior por 3 milhões de dólares. Estima-se que a PSN tenha investido, pela exclusividade do torneio, algo em

55 torno de 30 milhões de dólares, já que essa competição não poderia ser negociada regionalmente, cada país. Outros eventos também foram negociados com exclusividade, dando ao canal a importância de ser o único a transmitir as principais competições esportivas de futebol, basquete, vôlei, golfe, tênis, automobilismo, futebol americano e outras modalidades que fazem parte do gosto dos aficionados pelo esporte.

O Business Plan da PSN previa um orçamento de 600 milhões de dólares para serem gastos em cinco anos, a emissora gastou no primeiro ano uma considerável parte desse budget na sua edificação, contratação de pessoal e compra de direitos com exclusividade. Algumas aquisições foram mais onerosas que outras por não poderem ser negociadas com outros canais de TV da América Latina e Brasil.

Pode-se pensar também nas censuras econômicas. É verdade que, em última instância, pode-se dizer que o que se exerce sobre a televisão é a pressão econômica. Dito isto, não podemos nos contentar em dizer que o que se passa na televisão é determinado pelas pessoas que a possuem, pelos anunciantes que pagam a publicidade, pelo Estado que dá subvenções , e se soubéssemos sobre uma emissora de televisão, apenas o nome do proprietário, a parcela dos diferentes anunciantes no orçamento e o montante das subvenções, não compreenderíamos grande coisa. (BORDIEU, 1997, p. 19-20)

4.3 Contratação de pessoal

Por intermédio dos escritórios dos representantes regionais, foram levantados os nomes mais representativos do jornalismo esportivo da televisão. Narradores, comentaristas, produtores e diretores foram selecionados em cada país e os representantes locais fizeram reuniões de trabalho com estes profissionais. Alguns deles foram indicados como sendo as melhores opções e convidados para visitarem as nossas instalações nos EUA, onde receberiam uma oferta definitiva de trabalho. Participei de algumas dessas reuniões e tive o prazer de ajudar muitos desses profissionais nas suas adaptações ao novo país.

A PSN contava um advogado externo que cuidava dos vistos de trabalho dos profissionais e suas famílias. Quando chegavam novos colegas, provenientes do Brasil ou de outros países, formávamos uma corrente colaborativa para ajudá-los a alugar ou mesmo comprar uma casa, um automóvel, colocar os filhos numa escola etc.

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Lembro-me que alguns deles sofreram dificuldades em se adaptar ao ritmo de trabalho frenético da emissora, mas com o tempo foram se habituando. Na semana da estreia do canal trabalhamos dia e noite. Ficamos uma semana sem voltar para casa, tomávamos banho e descansávamos em um hotel em frente à emissora, em alguns apartamentos reservados para nós. Fazíamos isso com prazer, inclusive os chefes, gerentes, o vice-presidente e o CEO estavam lá. O Trabalho era hercúleo.

Dormíamos apenas algumas horas e voltávamos paras as edições e transmissões dos eventos para toda a América Latina e para o Brasil. Na sala de reuniões muita pizza, donuts, refrigerantes, doces e café. Sentia-me como em um filme policial de Hollywood. Eram dezenas de competições simultâneas acontecendo ao redor do mundo e frequentemente no mesmo horário. Quando isso acontecia, priorizávamos uma delas para transmissão ao vivo e as outras eram transmitidas em tape delay (gravadas). Muitas vezes transmitíamos um evento no feed espanhol e outro evento no feed em português, isso acontecia por causa da reserva de direitos, como o da Fórmula 1. A Rede Globo havia comprado a exclusividade do evento para o Brasil em um contrato de longo prazo. Portanto, não podíamos transmitir essa competição para o Brasil.

4.4 Linguagem inovadora das coberturas

Sob a batuta do CEO, Sebastian Domingues, um comentarista chileno de tênis, a PSN implantou uma linguagem inovadora nas coberturas esportivas. Seguíamos um manual de ética e uma cartilha de procedimentos. Nossos talentos e produtores participaram de cursos e seminários preparatórios de postura, narração, colocação de voz, redação de textos, comunicação, realização de matérias jornalísticas e presença em cena.

Foram definidos os padrões dos gráficos, o conteúdo dos geradores de caracteres, o tempo de inserção de cada gráfico, paleta de cores, design dos cenários, figurino dos talentos, e tempo de break.

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Fomos o primeiro canal a inserir estatísticas nas transmissões esportivas. Tínhamos uma equipe de apoio que nos fornecia chutes a gol, tempo de domínio de bola, velocidade média dos jogadores, distância e velocidade da bola no golfe entre outros dados estatísticos.

A PSN possuía um estilo único de transmissão que criava no espectador uma relação de entretenimento, lazer e confiança nas informações.

Figura 27 – Tabela de escalação

Fonte: Acervo pessoal.

Os apresentadores de programas esportivos passaram a contar com a música, da mesma forma que com palavras e imagens. Os patrocinadores influenciavam a programação e a agenda dos calendários esportivos, assim como as fortunas ligadas a economia do esporte. As estatísticas eram meticulosamente compiladas, e o adjetivo ‘histórico’ foi acrescentado a eventos esportivos particularmente importantes, por exemplo, o dia do Derby, as finais da Copa ou o Superbowl, que passaram a integrar o próprio calendário da mídia. (BRIGGS; BURKE, 2009, p. 233)

Nos países que faziam parte da nossa cobertura, havia escritórios regionais que cuidavam da parte comercial do canal e dos nossos sites. Tínhamos um site em português e outro em espanhol, e já naquela época, realizávamos acompanhamento simultâneo de competições ao vivo, fornecíamos as estatísticas dos jogos, o release (material informativo) das competições, atualização de chaves, campeonatos e entrevistas com atletas.

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Figura 28 – Logo da PSN.Com

Fonte: Acervo pessoal.

Nossos funcionários tinham orgulho de trabalhar no canal, muitos deles migraram de canais importantes no Brasil e na América do Sul e Central.

No campo da Fórmula 1, a PSN chegou a patrocinar um carro pilotado por Heinz-Harald Frentzen da equipe Prost.

Figura 29 – Imagem do carro da equipe Prost (2001)

Fonte: Google Images.

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4.5 Programação

A programação da PSN era bem variada e com poucos programas fixos. Dávamos mais importância às coberturas dos eventos que se sucediam do que à realização de programas de grade.

Nossa cobertura priorizava o futebol, que é o principal esporte nas grades dos canais esportivos até hoje. Não é novidade a paixão do espectador latino-americano pelo futebol. Por essa razão, a PSN teve grande penetração em países amantes desse esporte, como Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, México e demais países da América Latina. Como já mencionado, o grupo Hicks, Mute, Tate & Furst – HMTF assumiu a gerência de futebol do Sport Club Corinthians em São Paulo e do Cruzeiro Esporte Clube em Minas Gerais.

O Corinthians decidiu abrir mão do controle de seu departamento de futebol, transferindo-o para a empresa norte-americana Hicks, Muse, Tate & Furst Incorporated.

A direção do clube paulista e a ‘Hicks Muse’, como é chamada a empresa especialista em investimentos diretos de capital privado, anunciaram [...] que estão formando a Corinthians Licenciamento Ltda., que gerenciará o atual campeão brasileiro.

Na constituição da Corinthians Licenciamento, a Hicks Muse fica com 85% das cotas, enquanto o clube detém os 15% restantes.

A empresa de investimentos, com sede em , nos Estados Unidos, e escritórios em Nova York, Londres, Cidade do México e Buenos Aires, será a responsável pela administração de todas as receitas e despesas do departamento.

No primeiro ano, investirá R$ 28 milhões para que o Corinthians quite suas dívidas, além de aproximadamente R$ 25 milhões destinados à folha de pagamentos.

As compras de jogadores também ficarão por conta dos norte-americanos. Nas vendas dos atletas, a Hicks Muse ficará com 85% do lucro, o Corinthians, com 15%.

As demais receitas, como bilheterias, cotas por jogos amistosos, publicidade na camisa e contratos de TV, também são da empresa.

Para o presidente Alberto Dualib, do Corinthians, embora todas as operações comerciais fiquem por conta da Hicks Muse, ‘a autonomia do departamento de futebol está mantida’.

Mas Cesar Baez, um dos sócios da empresa norte-americana, deixou claro que nomeará um diretor de operações esportivas para participar do dia-a-dia do clube e que só serão contratados jogadores que forem considerados de interesse para a Hicks Muse.

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‘Eles serão consultados (na hora de contratar jogadores), mas a palavra final é de quem estará fazendo o investimento’, disse Baez.

O empresário J. Hawilla, que intermediou a negociação, chegou a dizer que Dualib agora pode descansar, ficando em casa de segunda a sexta, saindo apenas aos domingos, como torcedor, para ver os jogos do Corinthians.

Na administração do futebol, a Hicks Muse contará com a estrutura da Muller Sports Group, subsidiária da empresa, especializada em gestão de negócios esportivos.

‘Na Corinthians Licenciamento, haverá um diretor de marketing subordinado à empresa do Roberto Muller, um financeiro, um de operações esportivas, enfim, toda uma estrutura para administrar o futebol’, disse Hawilla, dono da Traffic, agência de marketing esportivo que, apesar de ter sido responsável pela aproximação entre as partes, não terá participação na nova empresa.

Segundo Roberto Muller, dono da Muller Sports Group, a Corinthians Licenciamento começará funcionando no Parque São Jorge, mas, dentro de dois meses, já terá montado escritório em São Paulo, fora do clube.

‘Apesar de estarmos assumindo o futebol, a torcida pode ficar tranquila, porque todos temos o mesmo objetivo: fazer do Corinthians um time de primeira.’ (ASSUMPÇÃO; DIAS, 1999, online)

Sobre a formalização do acordo com o Cruzeiro, a Folha de S.Paulo publicou em 1999, a seguinte notícia:

A diretoria do Cruzeiro assinou no final da tarde de ontem, em Belo Horizonte (MG), o contrato de parceria com o fundo de investimentos HMTF (Hicks, Muse, Tate & Furst Inc.).

Pelo acordo, a empresa norte-americana terá um diretor nos departamentos financeiro e de futebol do clube mineiro, entre outras coisas. A empresa controla desde abril o departamento de futebol do Corinthians.

A assinatura foi feita na sede do clube entre os representantes do fundo norte- americano e o presidente do Cruzeiro e deputado federal, Zezé Perrella (PFL), sem a presença da imprensa.

O assessor de imprensa do clube, Valdir Barbosa, disse ontem que será organizada uma solenidade para marcar a parceria entre o fundo e o clube.

Os diretores do fundo só começarão a trabalhar no clube a partir de janeiro de 2000. O Cruzeiro vai receber imediatamente, como adiantamento, R$ 20 milhões - R$ 10 milhões serão usados para contratação de jogadores e R$ 2 milhões para o término de um centro de treinamento do clube. Os R$ 8 milhões restantes serão usados, em parte, na construção da nova sede social do clube.

Passe A partir de agora, 75% do passe dos jogadores contratados vão pertencer ao Cruzeiro e 25% ao HMTF. A proporção será inversa a partir de janeiro, quando o fundo vai assumir a folha de pagamento do clube. Também a partir de janeiro, os jogadores das divisões de base que assinarem contrato com o time profissional terão seus passes divididos entre o clube e o fundo norte- americano.

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O contrato entre o clube e o HMTF terá duração de dez anos, podendo ser automaticamente prorrogado por mais dez anos a partir de 2006, que é o prazo que a Hicks tem para construir um estádio para o Cruzeiro com capacidade para 40 mil torcedores. O HMTF também está tentando um acordo com o Grêmio. (BRAGON, 1999, online, grifos do autor)

4.5.1 Um pouco da história do futebol

Na Inglaterra, no ano de 1175 começou a ser praticado um esporte que utilizava uma bola de couro, em datas festivas e comemorava-se a expulsão dos dinamarqueses do país. No início, na cidade de Chester, dois times tentavam fazer uma bola ultrapassar os portões da cidade. Após algum tempo, foram criadas regras para esse esporte e fundada a The Foot Ball Association que, com a Universidade de Cambridge, criou nove regras para o esporte. Em 1868, foi instituída a presença do juiz, do apito e a colocação de travessões de madeira como balizas. (HISTÓRIA DO FUTEBOL, s.d.)

De maneira bem sucinta, essa é a origem do esporte que movimenta milhões de dólares anualmente em patrocínios e contratações de jogadores – o futebol.

4.5.2 Movimentação financeira do futebol no Brasil

O futebol é um dos esportes que mais movimenta capital no mundo. No Brasil não poderia ser diferente. Estima-se que durante a Copa do Mundo de 2018, mais de 60 milhões de consumidores brasileiros tenham movimentado cerca de 20.3 bilhões de reais em setores de comércio e serviço, segundo projeção da pesquisa feita pelo Serviço de Proteção ao Crédito e a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. Fora isso, o esporte movimenta muito capital em vendas e contratações milionárias de jogadores. No Brasil, há um ditado que diz que os ingleses inventaram o futebol e nós o aperfeiçoamos. A negociação dos direitos de televisão rende aos clubes cifras milionárias e, consequentemente, são a maior fonte de rendimento das equipes. (COPA DO MUNDO, 2018)

O futebol é um caso à parte. Enquanto o Brasil registrou a maior recessão de sua história em 2016, com queda de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB), fora outros dados negativos pelos lados do desemprego e da inflação, a elite do futebol brasileiro cresceu. Muito. Os 24 maiores clubes do país – os 20 que jogaram a primeira divisão, mais os quatro que foram promovidos e a disputarão em 2017 – arrecadaram R$ 5 bilhões na temporada, um aumento de 41% sobre 2015 que deixa os indicadores de outros setores no chinelo.

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Mas não comemore ainda. O recorde foi alcançado graças a uma razão só: televisão. Os números de patrocínios, bilheterias e sócios-torcedores, estagnados ou em queda, mostram que os clubes evoluíram pouco.

Para entender o que aconteceu fora de campo, primeiro precisamos quebrar aquele numerão. Os R$ 5 bilhões se dividem em diferentes fontes de receitas, e nem todas cresceram do mesmo jeito. O ano de 2016 foi peculiar – e aí está a maior explicação para a enxurrada de dinheiro – porque nele quase todos os clubes da elite venderam antecipadamente seus direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de 2019 a 2024. As assinaturas desses contratos renderam luvas, ou seja, prêmios que as emissoras pagaram para que os times optassem a fechar negócio com elas. A concorrência entre TV Globo e pelos direitos da TV fechada também ajudou a elevar os valores. Ao todo, foram pagos R$ 890 milhões em luvas.

Entre as receitas ordinárias, que se repetem todos os anos, os direitos de transmissão ganharam um reajuste generoso. Os clubes, que em 2015 tinham obtido em torno de R$ 1 bilhão, receberam R$ 1,8 bilhão das emissoras em 2016. Os valores de televisão, na soma dos repasses regulares com as extraordinárias luvas, são a explicação para um futebol que cresce apesar de uma economia que padece.

As áreas comercial e de marketing, cujas vendas vão desde patrocínio na camisa até produtos licenciados comercializados em lojas, não subiram nem desceram. Foram R$ 660 milhões arrecadados em 2016 em comparação com os R$ 650 milhões em 2015. Há motivos internos e externos para a patinada. Ao mesmo tempo que a crise faz empresas investir menos em publicidade, o futebol ainda não aprendeu a vender patrocínios consistentes a ponto de atrair as grandes companhias do mercado. O futebol hoje depende majoritariamente dos patrocínios estatais da Caixa e de patrocinadores- torcedores como a Crefisa no Palmeiras.

As torcidas, que financiam seus clubes quando compram ingressos ou pagam mensalidades como sócios-torcedores, passaram a contribuir menos. Os R$ 770 milhões arrecadados com bilheterias e programas de associação em 2016 são menores do que os R$ 830 milhões registrados em 2015. As justificativas são similares às anteriores. Se o país está em crise, o cidadão tem menos dinheiro para gastar com fins supérfluos, como o futebol. Mas também é fato que os estádios ainda têm problemas com segurança, que o preço dos ingressos afasta torcedores de baixa renda, que boa parte das partidas não tem qualidade suficiente para empolgar a massa. São todos problemas nos quais os clubes têm responsabilidade.

Os clubes brasileiros são exportadores de ‘pé de obra’, e isso impacta nas contas dos clubes, porém muito menos do que as demais fontes de receitas. As transferências de atletas somaram R$ 550 milhões em 2016, enquanto em 2015 tinham rendido R$ 430 milhões. O problema aqui é que apenas alguns clubes ganham muito com a venda de jogadores. O Palmeiras embolsou R$ 51 milhões ao mandar Gabriel Jesus para o Manchester City. O Corinthians recebeu R$ 74 milhões depois que vendeu quase um time inteiro para estrangeiros, a maioria deles chinesa. E a grana varia muito de uma temporada para outra. O Flamengo, que em 2017 tem proposta superior a R$ 150 milhões para vender Vinicius Junior ao Real Madrid, arrecadou só R$ 12 milhões com todos os atletas que transferiu em 2016.

O resumo da ópera é que, ao mesmo tempo que o faturamento explodiu por causa dos novos contratos de televisão, as receitas com patrocínios, bilheterias e sócios-torcedores estagnaram. Além disso, não dá para contar mais com as luvas. Alguns times ainda têm direitos de TV aberta para negociar, como Palmeiras e São Paulo. Outros têm valores a receber em

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2017 do acordo que firmaram em 2016, como o Flamengo. Mas o grosso já foi. Tampouco dá para contar com as transferências de atletas, que podem bombar numa temporada e sumir na outra. No fim das contas, o recorde histórico, se não for detalhado, passa uma impressão parcialmente equivocada ao torcedor: de que as coisas vão muito bem. Não vão. Ainda não.

Disclaimer Os números expostos aqui vêm de balanços financeiros publicados pelos próprios clubes. ÉPOCA compilou, padronizou e analisou os dados com o apoio técnico de Cesar Grafietti, analista financeiro do Itaú BBA que há anos se debruça sobre as finanças. O problema, especialmente no que toca os faturamentos, é que os balanços não seguem os mesmos padrões contábeis para lançar as receitas – um problema que a Autoridade Pública de Governança do Futebol (Apfut), recém-constituída, tenta resolver neste momento. Enquanto isso não acontece, a reportagem fez ajustes para que as comparações entre os números, e, portanto, toda a análise, estejam corretas.

Tratemos de exemplos reais. O Corinthians vendeu em 2016 a maior parte do time que foi campeão nacional em 2015. Ao todo, as vendas somaram R$ 144 milhões. Esse é o valor, enorme, que o time lança em suas demonstrações financeiras. Mas nem todo o dinheiro foi parar no caixa corintiano. Como empresários detinham fatias dos direitos econômicos de vários atletas, o Corinthians recebeu de fato apenas R$ 74,5 milhões. Outros clubes, como o Palmeiras, que lançou apenas R$ 51 milhões recebidos pelo Manchester City por Gabriel Jesus, sem a parte do empresário, seguem outro padrão. A fim de igualar os denominadores, ÉPOCA considerou somente os valores líquidos, depois de descontados os percentuais alheios.

O mesmo desarranjo aparece nos lançamentos das luvas. O Flamengo contabilizou R$ 100 milhões pela assinatura de um novo contrato de TV, mas recebeu R$ 70 milhões em 2016. O restante vai entrar no caixa no futuro. Já Palmeiras e São Paulo não apresentaram as luvas que receberam em 2016, respectivamente R$ 38 milhões e R$ 60 milhões, como receitas. Não há nada errado com os balanços financeiros. As regras estão contabilmente corretas se cada documento for avaliado individualmente. Na comparação entre um clube e outro, no entanto, a comparação crua dos valores apresentados sem ajustes para que sigam o mesmo critério estaria equivocada. Neste caso, ÉPOCA levou em conta todas as receitas com luvas que entraram em caixa no decorrer de 2016, com a ressalva de que essa fonte não é recorrente, ou seja, não se repetirá tão logo. (CAPELO, 2017, online, grifos do autor)

A Rede Globo, proprietária dos canais SporTV, tem no futebol um dos seus maiores investimentos. Para as emissoras de TV, a transmissão de esportes, sobretudo de jogos de futebol, é um importante input financeiro. A PSN também tinha no seu business um faturamento importante formado por assinantes e patrocinadores. Para dar uma dimensão do negócio do esporte, segue uma matéria que trata do quanto a TV Globo faturará na transmissão a cabo ao longo do Campeonato Brasileiro até 2019.

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A disputa entre a Globo e o Esporte Interativo pelos direitos do Brasileiro 2019 gerou uma questão: qual o valor de mercado da competição? Para responder essa pergunta, é necessário entender quanto de dinheiro o campeonato gera para a emissora. Por isso, o blog fez uma apuração e levantamento de como a Globo ganha com o Nacional.

Primeiro, não é possível chegar a um número absoluto de faturamento com futebol. A Globo se recusa a abrir dados de seus negócios, procedimento padrão em outras emissoras. Mas é viável determinar a ordem de grandeza dos ganhos globais com dados revelados a clubes ou ao mercado.

O modelo de negócios de futebol da Globo implica em um pacote entre 95 e 100 datas de futebol em TV Aberta por ano – são 280 jogos transmitidos para diferentes praças. Outros 76 jogos do Nacional passam no SporTv, dois por rodada. E todas as 380 partidas da competição são incluídas no pay-per-view. Para isso, em 2015, a Globo investiu um total de R$ 1,3 bilhão em direitos de transmissão do futebol consideradas todas as competições e para todas as mídias. Houve reajuste considerável para 2016 e esse deve ser o valor total aproximado pago apenas pelo Brasileiro. Com exceção do Paulista, com valor acima de R$ 70 milhões, nenhuma outra competição gera custa alto para a emissora, mesmo Libertadores e Copa do Brasil.

Há ainda custos de operação: uma transmissão de jogos custa um máximo de R$ 50 mil com a contratação de uma produtora, a Casablanca atende a maioria das emissoras. A emissora informou ter transmitido 1.700 jogos ao vivo em todo o grupo, sendo que boa parte deles é de campeonatos do exterior. Mesmo incluída a produção para todos, o custo máximo seria de R$ 85 milhões para todas as transmissões. Há ainda gastos menores para comercializar o pay-per-view.

Somado tudo, o custo da emissora com direitos do futebol, mais a operação, não chegará nem perto de R$ 2 bilhões neste ano. E os ganhos são muito maiores como se vê a seguir:

TV Aberta São seis as cotas de publicidade do futebol da Globo. Cada uma foi negociada por R$ 245,7 milhões, o que leva o ganho anual a R$ 1,474 bilhão. Esse valor cresceu 83% em cinco anos, muito acima da inflação. Há outras 11 cotas participação vendidas a patrocinadores grandes como a Nissan, cujos valores não são revelados. Ou seja, só com o montante obtido com TV Aberta a emissora praticamente iguala o valor investido anualmente no futebol. Fora isso, com os direitos sobre os jogos, a Globo alavanca a audiência de outros programas exibidos antes ou depois do futebol. Mais do que isso, ao marcar as partidas para as 22 horas, horário que não agrada torcedores, ela evita concorrência a seus programas mais nobres como novelas ou Jornal Nacional.

TV Fechada O Sportv é o canal esportivo de maior audiência na TV Fechada, sendo o terceiro mais assistido no geral, atrás apenas de dois infantis. A maior renda que gera é a taxa paga por operadoras como Net e Sky. Esse valor não é revelado. Mas, em um processo no Cade, a Rede TV, SBT e Record apontaram que cada assinante paga R$ 20,00 por mês pelo pacote de canais Globosat. O colunista Ricardo Feltrin, do UOL, apontou que esse valor seria de R$ 12,50. De qualquer maneira, considerado o valor menor, a Globo ganhou em torno de R$ 3 bilhões de taxas por seus canais, já que são 20 milhões de assinantes de TV a cabo. Outros R$ 3 bilhões são gerados em anunciantes, elevando a renda da emissora a R$ 6 bilhões em TV fechada. O SporTv é uma peça-chave nesta equação visto que é o de maior audiência. E o Brasileiro é a competição mais importante da grade da emissora.

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Pay-per-view O pacote de jogos pagos da Globo tornou-se um negócio muito lucrativo desde 2008. Sua divisão de receitas, no entanto, continua igual com a maior fatia indo para a emissora. São cerca de 2 milhões de assinantes. Cada um deles paga em média em torno de R$ 600,00 por ano. Isso eleva os ganhos do PPV a R$ 1,2 bilhão com os pacotes. Pelos contratos com os clubes, a emissora fica com 62% do total, enquanto as agremiações dividem 38%. Há uma cota mínima de R$ 500 milhões para os times, isto é, 41% do total estimado arrecadado. Ou seja, um percentual muito próximo do que efetivamente os times têm direito. Com a cota mínima, sobra para a Globo R$ 700 milhões do ppv.

Outros direitos A Globo tem outros contratos com os clubes para cessão de direitos internacionais, placas de publicidade, direitos de internet. São valores menores se comparados às três mídias acima, mas, neste modelo, a emissora atua como intermediadora em todos os negócios em vez deles serem feitos diretamente pelos clubes. No caso dos direitos internacionais, por exemplo, o Brasileiro é pouco vendido no exterior, o que gera reclamação dos clubes.

Faturamento total No ano de 2014, a Globo declarou receitas líquidas de R$ 16 bilhões em todas as suas operações. Consideradas as três principais mídias, TV Fechada, Pay-Per-view e Aberta, a emissora consegue um valor certamente superior a R$ 3 bilhões com o futebol. Ou seja, o futebol representa pelo menos 20% do faturamento da Globo em uma estimativa conservadora. (MATTOS, 2016, online, grifos do autor)

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5 O FECHAMENTO DO CANAL

5.1 Operação silenciosa

Estávamos no início do ano de 2002. Nessa época, eu acumulava às minhas funções de senior producer (uma espécie de coordenador do serviço em português) a direção do programa “O Show de Pelé”, apresentado pelo rei do futebol. O programa era gravado em espanhol e português. Nele, Pelé entrevistava figuras ilustres do esporte mundial.

Uma das histórias mais marcantes do programa ocorreu na gravação de um especial dentro do torneio de tênis U.S. Open, em 2001. Estavam agendadas as entrevistas com os tenistas Guga, Martina Hingis, John McEnroe e as irmãs Willians. Além do português, Pelé se comunicava muito bem em inglês, espanhol, francês e arranhava o italiano e o alemão. O fato marcante dessa aventura foi quando eu e o então diretor de produção, Rodolfo Martinez, chegamos ao U.S. Open para verificarmos a locação e definirmos o local das gravações. Decidimos conversar com o chefe da segurança do evento para informá-lo sobre o que costumava ocorrer com a presença de Pelé em eventos dessa natureza, ou seja, os tumultos de fãs. Na sala da chefia de segurança, fomos recebidos por um tipo arredio, desconfiado e de pouca conversa. Rodolfo explicou a ele que em dois dias Pelé chegaria e seria interessante dispor de um esquema forte de segurança.

Ouvimos do chefe de Segurança que não nos preocupássemos, porque um dia antes, Robert De Niro havia comparecido e andado livremente pelo local o menor problema. Rodolfo insistiu que a nossa experiência mostrava que poderia haver tumulto. O chefe então disse: “Ok! Vamos colocar um segurança para acompanhá-lo. Como ele se parece?”. Ou seja, ele não conhecia o Pelé. Incrédulos, olhamos um para o outro, e Rodolfo disse em tom de brincadeira: “Ele é alto, cabelos loiros e olhos azuis”. O homem começou a anotar a descrição feita por Rodolfo, quando dissemos: “Meu amigo, isso é uma brincadeira. Pelé é negro, forte e possui estatura mediana”. O homem, furioso, exclamou: “Eu não estou brincando. Podem deixar que haverá um segurança na chegada do Mister Pelé!”. E se retirou.

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No dia da chegada do rei do futebol, atleta do século, algumas pessoas já faziam fila no portão 2. Olhamos para o lado e lá estava o nosso segurança.

Em poucos minutos, uma centena de pessoas se aglomeravam à espera de Pelé. Quando ele chegou, havia uma multidão, perto de 1.000 pessoas. Todas se empurravam e esticavam seus braços com bolinhas de tênis para Pelé autografar. Entre estas pessoas estavam as irmãs Willians e o tenista André Agassi. Não podendo conter o tumulto, o único segurança escalado para a chegada de Pelé chamou reforço pelo rádio. Logo, uma força tarefa de seguranças fez um cordão de isolamento para que Pelé conseguisse entrar no prédio. O chefe da segurança, totalmente surpreendido, disse um simples: “I am sorry...”.

Figura 30 – Bastidores do programa Show do Pelé em Nova Iorque (2002)

Fonte: Acervo pessoal.

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Nessa aventura, ainda registramos outro fato interessante, a gravação de uma entrevista realizada em uma das torres gêmeas dois dias antes do atentado de 11 de setembro de 2001.

Entre as histórias que valem a pena contar, a do jogo de despedida de Maradona em Buenos Aires também foi marcante. Ao contrário do que muita gente pensa e a imprensa notícia, Pelé e Maradona são muito amigos. Pelé foi o convidado de honra daquele evento. Maradona isolou o sexto andar do Hilton Hotel de Buenos Aires para receber seus convidados. Pelé insistiu que a sua equipe da PSN o acompanhasse, e assim foi feito. Aproveitamos o momento para gravar entrevistas com todas as personalidades presentes ao evento.

No dia do jogo de despedida de Maradona, que aconteceu no Estádio de La Bombonera, no bairro da Boca, Maradona providenciou uma van com os vidros escuros e quatro batedores da polícia local para acompanharem Pelé até o estádio.

Nesta van estavam Pelé, o então CEO da PSN, o tenista mexicano Jose Baraldi, o empresário de Pelé na Argentina e eu. A van se dirigiu à Bombonera com os batedores e as sirenes ligadas. Ao entrarmos no bairro da Boca, as pessoas, pensando que a van levasse Maradona, gritavam o seu nome e acenavam.

Chegamos ao estádio e a van estacionou na entrada de imprensa. Ali estavam os componentes da torcida Barra 12 do Boca Juniors – sem camisa, com os cabelos longos e tatuagens com a expressão: “Maradona é Deus”. Quando as portas da van se abriram e viram Pelé e não Maradona, passaram a ofendê-lo. Paralelamente, com pedaços de caibros nas mãos, tentavam atingi-lo e à equipe que o acompanhou. A polícia utilizou cassetetes de choque para afastá-los e pediu que entrássemos no elevador reservado à imprensa. Como o elevador era muito pequeno, comportou apenas Pelé e seu empresário e os demais fugiram pela escadaria até os camarotes.

Lembrei-me dessa história porque dois dias antes do fechamento da PSN, eu e Pelé havíamos chegado do México. Lá, fomos entrevistar o técnico de futebol mexicano Javier Aguirre. Nesta gravação ficamos hospedados no Hotel Four Seasons, na cidade do México. Conforme política da empresa, precisávamos sempre ficar hospedados nos melhores hotéis. Não houve nenhuma preocupação com o

69 pagamento de verbas dessa viagem, alimentação ou aluguel de veículo. Ou seja, nada indicava que tínhamos uma crise financeira.

Na volta à emissora eu e minha equipe fomos recebidos normalmente. Fizemos a agenda de trabalho para a semana e começamos a trabalhar na edição do material gravado no México. Lembro-me que o então vice-presidente de Produção Patricio Montalbetti, que havia sido elevado ao cargo após a demissão de Alexander Jonhson, quis saber como foram os trabalhos no México e fez elogios ao programa. Enfim, era o cenário de uma empresa normal.

5.2 Funcionários desempregados

Na mesma tarde do fechamento da PSN, fizemos uma reunião com todos os brasileiros do canal, na casa do narrador Téo José. Estávamos atônitos. Ninguém podia acreditar que a emissora fechara as suas portas. Também não acreditávamos na maneira como fomos tratados pelos seguranças contratados para esse momento.

Eles nos acompanharam até as nossas mesas e só pudemos pegar os objetos pessoais. Sequer tivemos acesso aos nossos computadores para resgatar nossos arquivos. Foi lamentável ver uma fila de colegas deixando as dependências da emissora, carregando caixas, plantas, casacos e demais objetos pessoais. Fomos tratados com o padrão americano de desligamento de funcionários.

Na saída, recolheram os nossos crachás e as nossas identificações de estacionamento. Eu não entreguei o meu crachá. A essa reunião na casa de Téo José, outras se seguiram, pois queríamos entender o que havia acontecido.

A explicação oficial era de que a crise econômica da Argentina e a consequente inadimplência de 3 milhões de assinantes argentinos, que pagavam 5 dólares por mês cada um para ter o canal no seu pacote, havia sido fulminante para a saúde financeira da empresa. Afinal, 15 milhões de dólares por mês devem fazer diferença em qualquer orçamento.

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Hicks, Muse, Tate & Furst Inc. provavelmente perderão cerca de US$ 45 milhões em seu canal a cabo Pan American Sports Network, que entrou com pedido de falência no início deste mês, disse um advogado que representa a rede em seu processo de falência.

A PSN, que transmite esportes na América Latina, entrou com uma petição voluntária no Tribunal de Falências dos Estados Unidos em Miami em 1º de março, listando US$ 25 milhões em ativos e US$ 42 milhões em passivos. Ele provavelmente venderá seus ativos em vez de se reorganizar, disse Michael Seese, advogado da Bilzin, Sumberg, Dunn, Baena, Price e Axelrod LLP. Uma decisão final será tomada dentro das próximas semanas, disse ele.

A Hicks Muse destinou US $ 500 milhões para investimentos em futebol, como a compra de direitos de marketing para equipes, a reforma de estádios antigos e a construção de novos e gastou mais de US $ 230 milhões para a PSN, que começou a transmitir há dois anos. Seese disse que a rede falhou porque gastou muito para os direitos de transmissão.

‘O serviço da dívida para cobrir as taxas de direitos foi demais’, disse Seese em uma entrevista. ‘Isso, juntamente com a crise financeira na Argentina, foi demais’.

A PSN esperava também transmitir os esportes latino-americanos nos Estados Unidos, em um esforço para atrair alguns dos 36 milhões de hispânicos do país como telespectadores. (WESTHEAD, 2002, online)

Os funcionários voltaram para suas casas naquele dia com a promessa de que a empresa honraria com seus compromissos, mas naquela época, nos EUA, quando uma empresa decretava bankruptcy chapter 11, que equivale à nossa falência, a massa dos bens era destinada primeiramente ao pagamento dos bancos e dos credores. O saldo restante liquidava os débitos trabalhistas. Parece que não houve saldo para a liquidação dos débitos trabalhistas.

O único grupo que deve acreditar na palavra do Líder são os simpatizantes, cuja confiança envolve o movimento numa atmosfera de honestidade e ingenuidade, e que ajudam o Líder a cumprir a metade da sua tarefa, isto é, inspirar confiança no movimento. (ARENDT, 2018, p. 520)

A maioria do time hispânico conseguiu um novo trabalho nos canais em língua espanhola, como a Telemundo e a Univision. Outros foram para os serviços em espanhol da ESPN e da FOX. Os brasileiros, por sua vez, tiveram dificuldades de serem absorvidos nesses canais. Primeiro porque a maioria dos colegas não dominava a escrita em espanhol, e segundo porque os vistos de trabalho precisavam estar atrelados a um sponsor (responsável), e com o fechamento do canal todos poderiam ficar apenas três meses nos EUA. Para driblar essa regra, muitos dos colegas entraram com o pedido de green card (autorização de trabalho e residência).

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Durante o trâmite do processo é concedida uma autorização provisória de residência. Eu optei por retornar ao Brasil e voltar ao mercado da televisão e à academia.

Quando a emissora encerrou as suas transmissões, foram mantidos no ar os pacotes promocionais e o logotipo padrão do canal durante alguns dias. Além disso, por normas contratuais com as operadoras, a programação continuou no ar com reapresentações até a saída definitiva do sinal. Nesse momento, começaram as notícias do fechamento do canal na imprensa brasileira.

A propaganda de massa descobriu que o seu público estava sempre disposto a acreditar no pior, por mais absurdo que fosse, sem objetar contra o fato de ser enganado, uma vez que achava que toda afirmação, afinal de contas, não passava de mentiras. (ARENDT, 2018, p. 519)

A Folha de S.Paulo também deu destaque à saída da PSN do ar, no Brasil:

A rede de esportes PSN (TVA, Net e Sky) deve sair do ar no Brasil. Nos próximos dias, deve ser anunciado um acordo com a transferência dos direitos de campeonatos comprados pela emissora para o , que não está disponível na TV brasileira.

A mais imediata consequência para o telespectador brasileiro é a perda da transmissão de jogos da Libertadores que começou ontem e não foi exibida no país, exclusivos da PSN na TV paga. A única opção será o calendário definido pela Globo, que tem a exclusividade do campeonato na televisão aberta.

A negociação começou na última semana, em Dallas, nos EUA, onde fica a sede do fundo de investimentos norte-americano HMTF (Hicks, Muse, Tate & Furst), proprietário da PSN. Ontem, ainda havia alguns detalhes sendo acertados entre as empresas envolvidas, que não quiseram se pronunciar oficialmente.

Trata-se de um acordo que envolveria o HMTF, a Fox (dona do canal Fox Sports na América Latina) e a (sócia do HMTF na empresa de eventos esportivos argentina TyC).

A Fox deve entrar com participação minoritária na PSN e poderia usar sua estrutura para trazer ao Brasil o Fox Sports, canal forte na América Latina. Mas essa hipótese emperra em um outro acordo, que envolve a Fox, a Globosat e a ESPN. As empresas formaram uma joint venture para criar um canal de esportes no país, o ESPN Fox, que entraria no lugar da ESPN International. Com isso, a vinda do Fox Sports ao Brasil dependeria de uma autorização da Globosat e da ESPN.

Fontes envolvidas com a negociação não acreditam nessa possibilidade, mesmo porque a Fox não teria interesse em concorrer com o SporTv, da Globosat.

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A PSN (Panamerican Sports Network) estreou no Brasil em fevereiro de 2000. É um canal à la carte (paga-se além da assinatura da TV paga para recebê- lo), com cerca de 850 mil assinantes no país. Calcula-se que tenha recebido nesses dois anos investimento de cerca de US$ 500 milhões. Tinha como proposta ter 60% de sua programação voltada para o futebol, com transmissão para Brasil e todos os outros países das Américas do Sul, Central e Caribe.

A sede da PSN fica em Miami, onde é produzido o conteúdo em português e espanhol. Para lá, foram levados alguns profissionais brasileiros, que estão apreensivos quanto ao futuro da emissora. No lançamento, o HMTF prometia que em três anos transformaria a PSN no maior canal esportivo de TV paga do continente. (MATTOS, 2002, online)

Agência Estado também publicou o encerramento da produção da PSN em Miami:

Os funcionários brasileiros da PSN norte-americana, com sede em Miami, estão indignados. Mais que isso, estão horrizados com o que aconteceu a emissora, que encerrou sua produção, demitindo 139 de seus 148 funcionários e colaboradores. Como acontece com sua filial no Brasil, por motivos legais a PSN ainda se mantém no ar à base de videoteipes e reprises de programas, mas sua programação já não existe. Ativos como direitos de transmissão da Libertadores da América e Mundial de Fórmula 1 foram repassados para uma nova empresa, em parceria com a Fox.

As dívidas trabalhistas e as referentes aos direitos de transmissão do campeonato italiano (US$ 40 milhões), Copa da Uefa (US$ 2,5 milhões) e Liga Sul-americana de basquete (US$ 13 milhões) ficaram com a PSN.

No Brasil, o plano da Hicks seria abrir uma nova emissora de TV paga, em parceria com a Fox. Para isso, a Fox precisaria de autorização das Organizações Globo e da ESPN Internacional, com as quais mantém acordo. Profissionais como o narrador Teo José, os comentaristas Cadum e Juarez Araújo e o locutor Dárcio Arruda - além de funcionários chilenos, argentinos e colombianos que trabalhavam nos Estados Unidos - vão cobrar o que julgam ter direito na Justiça americana. Eles calculam o débito em US$ 1 milhão, mas já receberam de seus advogados a informação que a tarefa será difícil.

‘A falência, ou concordata da emissora (a forma ainda não está definida) foi tão bem-feita que sabemos que será difícil receber o que temos direito, mas vou até o fim nessa briga’, diz Teo José, de malas prontas para voltar ao Brasil. Ele vai além: ‘Acho que o Corinthians será a próxima vítima’.

Os procedimentos da Hicks são coincidentes nos dois casos. Por meio de sua assessoria de imprensa, a PSN no Brasil informou não poder comentar acontecimentos relacionados aos Estados Unidos. Enquanto não se define se haverá um novo canal no Brasil, a PSN continuará no ar com reprises. (PSN JÁ ENCERROU..., 2002, online)

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5.3 O impacto da falência da PSN no mercado de Broadcast

Com a falência da PSN, o mercado de Broadcast na América Latina e no Brasil sofreu um abalo considerável. Do lado positivo para as emissoras, deixou de existir uma poderosa concorrente que chegou cerceando as possibilidades de negociação com as ligas esportivas. Desapareceu o fenômeno PSN que fazia sombra nas coberturas de outros canais com a sua linguagem moderna e uma oferta incomparável de eventos esportivos. Do lado negativo, quem assumiria as coberturas simultâneas, com partidas back-to-back (umas coladas nas outras) provenientes de vários países? Quem teria essa expertise? A resposta não poderia ser outra. O espólio de programação da PSN foi assumido por vários canais de TV a cabo, entre eles a Fox Sports, que não entrava no Brasil, e a ESPN International.

O público telespectador da PSN ficou perdido por algum tempo. As emissoras que assumiram os eventos não conseguiram captar audiência num primeiro instante, mas após um curto espaço de tempo, os amantes do esporte passaram a seguir as suas ligas preferidas nesses canais. Também houve ressonância no mercado publicitário, já que a emissora havia se transformado numa importante opção de mídia para importantes anunciantes. Com o consequente aumento nos índices de audiência dos canais brasileiros como Globo, SporTV e ESPN, que assumiram as ligas da PSN, aconteceu também um aumento no faturamento dessas emissoras.

No mercado profissional também houve uma movimentação. A equipe da PSN, quase que na sua totalidade, retornou ao Brasil. Esse time estava muito bem preparado e havia passado por uma escola altamente inovadora.

Os ex-profissionais da PSN foram muito bem recebidos no Brasil, sendo absorvidos pela Globo, Band, SporTV e ESPN. Eu mesmo fui contratado pelo canal em espanhol da ESPN International, com sede em Bristol, no Estado de Connecticut nos EUA, para dirigir, no Brasil, um programa chamado “Perfiles”, que de certa forma era muito parecido com o “Show de Pelé”, porém, sem o Pelé.

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Entrevistávamos personalidades do cenário esportivo brasileiro que falavam sobre um homenageado, mas as perguntas eram feitas em off, ou seja, fora do ar, sem serem ouvidas pelo público. Apenas as respostas dos convidados eram editadas. No meio das perguntas inseríamos depoimentos de amigos, treinadores, técnicos e colegas do homenageado. Esse programa era gravado em português com subtítulos em espanhol e inglês, pois era exibido no canal da ESPN no Brasil e no canal internacional da emissora.

Dirigi esse programa por quatro anos até a sua saída do ar. Hoje, os nossos colegas estão espalhados pelo mundo da televisão. Alguns voltaram aos Estados Unidos e outros permaneceram no Brasil.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo, de cunho memorialista e método qualitativo, visou resgatar a história de um dos maiores canais de televisão de esportes do mundo, a Pan American Sports Network – PSN, levando-se em conta os aspectos de tecnologia, audiência, faturamento e programação, contando com pesquisas documentais, bibliográficas e a vivência do autor dentro da emissora.

As novas gerações não conhecem a experiência ímpar da PSN, um canal de TV a cabo que revolucionou a linguagem de cobertura esportiva na televisão. O jornalismo esportivo da TV da América Latina e Brasil pode ser dividido entre antes e após a PSN. Nenhuma emissora de TV teve a exclusividade de tantos eventos esportivos simultâneos. A PSN foi um divisor de águas no que diz respeito à linguagem da narração e cobertura esportiva da televisão, graças ao talento dos profissionais que aplicaram as suas experiências na construção do canal. Da planta técnica ao manual de procedimentos éticos e artísticos, tudo era tratado com o mais refinado cuidado.

A PSN cometeu erros? Sim. Não há como ficar no ar 24 por dia durante sete dias por semana, com mais de 70% de programação ao vivo, sem cometer um engano, um deslize ao fornecer uma informação, mas quando isso acontecia tínhamos a obrigação de colocar no ar um disclaimer (retratação), o mais breve possível, pedindo desculpas pelo erro e divulgando a informação correta.

O manual de conduta, não permitia que houvesse preferência por alguma equipe esportiva, país ou atleta. Nossos narradores gritavam gol com a mesma intensidade para as duas equipes que estavam competindo. O que importava para o canal era a imparcialidade.

Podia-se ouvir narradores colombianos, argentinos, chilenos e uruguaios vibrando com os gols do Ronaldo ou de uma jogada maravilhosa do Cafu da mesma maneira como os narradores brasileiros vibravam com as jogadas esplendidas do Batistuta ou Zamorano.

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Nossos produtores e jornalistas procuravam estar atualizados através de reuniões diárias de equipe, conferece calls com representantes nos diversos países, leitura de revistas e jornais de vários países que chegavam à nossa emissora diariamente, acompanhamento de sites e páginas de revistas e jornais especializados etc.

A PSN tinha por norma o pagamento de cachês para os colaboradores e convidados dos programas. Isto nos tornava isentos de pressões e manobras para a condução de matérias jornalísticas.

Parte da imprensa especializada no Brasil fazia críticas à PSN. Diziam que as nossas narrações eram frias e distanciadas dos eventos, já que transmitíamos de Miami, o que não procedia. A transmissão off tube sempre foi uma prática comum na televisão, sendo exercida até hoje pelas maiores redes de TV. As críticas eram na verdade uma forma de resistência da concorrência à nossa capacidade de gerar eventos simultâneos e inéditos numa proporção até hoje sem comparações. Muitos dos nossos críticos gostariam de ter feito parte do nosso time.

Nos planos da emissora estava, a emissão também por emissoras de rádio, um plano que não chegou a ser concretizado.

No momento do fechamento do canal, estávamos nos preparando para a emissão ao mercado norte-americano em inglês e espanhol, já que nos Estados Unidos, naquela época, havia 33 milhões de pessoas oriundas de países de língua espanhola. Seria a PSN USA.

A PSN era mais do que uma TV. Era um conceito de linguagem de transmissão de vários gêneros esportivos.

Posso afirmar em nome de todos os funcionários da PSN que tínhamos orgulho de trabalhar numa proposta de televisão que inovava em linguagem. Quem sabe um dia, esse trabalho possa inspirar profissionais e estudantes a viverem uma experiência semelhante.

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Tive a sorte de iniciar a minha vida profissional no final da era de ouro da televisão na TV Cultura de São Paulo, onde aprendi, entre outras coisas, que é impossível fazer televisão sem educar e informar. Esses conceitos foram por mim praticados na PSN. O canal não era apenas um transmissor de programas esportivos contava-se também com um jornalismo forte, evidentemente na área esportiva, e uma área de documentários bem avançada.

Ousadia, determinação, ética e profissionalismo, estes são os valores que adquiri na minha passagem pela PSN, o melhor canal de esportes do mundo.

No tocante às questões centrais que balizaram esta dissertação – O que levou o canal a encerrar as suas operações? Por que a PSN saiu do ar sendo líder de audiência no segmento esportivo de televisão a cabo? –, tendo-se como objetivo geral entender quais são os processos de edificação de um canal internacional de televisão e identificar o que leva a fracassar um projeto vitorioso, com um plano de negócios de 600 milhões de dólares, com direitos exclusivos de transmissão das maiores competições esportivas do mundo, pode-se dizer que, mediante o levantamento de dados para o desenvolvimento desta dissertação, as razões que levaram ao fechamento da PSN nunca foram esclarecidas oficialmente, pois o que se tem, até hoje, são hipóteses.

A imprensa especializada afirma que foi má administração da HMTF. Dizem que o grupo não conhecia o negócio de broadcast e por essa razão fracassou no seu empreendimento. Existe também a hipótese de que a crise econômica mundial do início dos anos 2000 provocou uma enorme inadimplência no mercado argentino, fazendo que a PSN perdesse mais de 15 milhões de dólares por mês de assinaturas do canal. Supõe-se, também, que a PSN foi construída para deixar de existir em um curto espaço de tempo e dessa forma obter benesses fiscais para o grupo HMTF do governo norte-americano.

Como frisa Arendt (2018, p. 552), “Mentir ao mundo inteiro de modo sistemático e seguro só é possível sob um regime totalitário, no qual a qualidade fictícia da realidade de cada dia dispensa a propaganda”.

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Diante deste cenário, é possível que nunca saibamos as reais causas que levaram a PSN à falência, contudo, considerou-se a importância em divulgar ao público o quão significativo foi esse canal para a cobertura esportiva da televisão, servindo, também, como uma contribuição para os estudiosos no campo da Televisão e alunos de Comunicação.

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