Reitora Berenice Quinzani Jordão

Vice-Reitor Ludoviko Carnascialli dos Santos

Capa Ricardo Bagge

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

T267 Telejornalismo e linguagens [livro eletrônico] / Ana Paula Silva Oliveira, Florentina das Neves Souza (organizadoras). Londrina : UEL, 2015. 1 Livro digital : il.

Vários autores. Inclui bibliografia. Disponível em : http://www.uel.br/projetos/telejornalismoelinguagens ISBN 9788578463182

1. Telejornalismo – Londrina (PR). 2. Telejornalismo – Brasil. 3. Comunicação de massa e linguagem. 4. Rede globo – Brasil. I. Oliveira, Ana Paula Silva. II. Souza, Florentina das Neves.

CDU 070.19(0.034.1) Sumário

Apresentação...... 4

TELEJORNALISMO NAS TVS PÚBLICAS E ESTATAIS

TV Cultura: entre o público e o estatal...... 8 Fiama Heloisa Silva dos Santos

Hora da Notícia: o telejornalismo como um instrumento de diálogo...... 24 Ana Paula Oliveira

Em busca de novos valores-notícia: a linguagem do jornalismo público ...... 35 Fiama Heloisa Silva dos Santos

TELEJORNALISMO E OPINIÃO

A Opinião no Telejornalismo da Globo: história e perfil do Jornal da Globo..... 51 Maurício Donavan Rodrigues Paniza

História e trajetória do Jornal da Band: como o telejornal dialoga com o telespectador...... 63 Vanessa Tolentino

Telejornalismo e auto-reflexividade: o dia em que Avenida Brasil parou o Jornal da Globo...... 77 Maurício Donavan Rodrigues Paniza

Um olhar sobre o papel dos apresentadores no Telejornalismo brasileiro ...... 90 Vanessa Tolentino

TELEJORNALISMO E POLÍTICA

O papel do telejornalismo na política em Londrina: a imagem de Barbosa Neto na sessão de julgamento do caso Centronic...... 106 Adriana Nakamura Gallassi

Jornal Nacional e a Construção da Realidade: O Caso Mensalão...... 121 Guilherme Pereira Vanzela

TELEJORNALISMO REGIONAL

TV Tarobá em Londrina: a formação histórica e a programação regional ...... 134 Adriana Nakamura Gallassi Apresentação

Telejornalismo e Linguagem

É com muito orgulho que o grupo de pesquisa Telejornalismo e Linguagem apresenta ao leitor o resultado de mais um trabalho. Nós do Projeto “Construção simbólica e agendamento por meio da Imagem e das linguagens na produção telejornalística” cumprimos agora, com este primeiro volume, o compromisso assumido de partilhar o resultado de alguns estudos desenvolvidos ao longo de dois anos. Os textos envolvem a temática do telejornalismo discutindo perfis, conteúdos, discursos e têm por objetivo avaliar alguns telejornais da televisão brasileira ao acompanhar, de forma crítica, a evolução de cada um. No trabalho atual, apresentamos um panorama da linguagem dos telejornais: Jornal da Globo e da Rede Globo; Jornal da Band da ; os telejornais das emissoras públicas TV Cultura e TV Brasil, além do telejornalismo local de Londrina. Os dez artigos, embora distintos, articulam-se entre si com o objetivo de pensar o telejornalismo e a linguagem e estão divididos em quatro seções. A primeira delas, intitulada Telejornalismo nas TVs Públicas e Estatais, apresenta três artigos. No primeiro “TV Cultura: entre o público e o estatal”, Fiama Heloísa Silva dos Santos discute, a partir da análise da história da TV Cultura, qual o modelo de televisão proposto pela emissora. Essa discussão é tangenciada no outro artigo da pesquisadora “Em busca de novos valores- notícias: a linguagem do jornalismo público” que tem por objetivo estudar as características do Jornalismo Público e a sua aplicação. Esta seção conta também com o artigo “Hora da Notícia: o telejornalismo como um instrumento de diálogo” da pesquisadora Ana Paula Oliveira. Veiculado pela TV Cultura de São Paulo nos anos 1970 e líder de audiência da emissora na época, o telejornal Hora da Notícia foi idealizado não apenas para divulgar intenções e atos governamentais, mas para iniciar uma discussão que permitiu à emissora estabelecer um diálogo com o público.

4 A segunda seção intitulada Telejornalismo e Opinião apresenta quatro artigos. No primeiro deles “A opinião no Telejornalismo da Globo: história e perfil do Jornal da Globo”, Maurício Donavam Rodrigues Paniza discute a presença da opinião no telejornal a partir de um levantamento histórico sobre o Jornal da Globo e as suas características. A pesquisadora Vanessa Tolentino, no artigo “História e trajetória do Jornal da Band: como o telejornal dialoga com o telespectador” recupera a história do Jornal da Band, exibido pela Rede Bandeirantes desde 1967, e mostra as transformações no perfil do noticiário a partir da troca de apresentadores. Em “Telejornalismo e auto-reflexividade: o dia em que Avenida Brasil parou o Jornal da Globo”, Maurício Donavan Rodrigues Paniza estuda o fenômeno da auto-reflexividade aplicado ao telejornalismo. Finalizando essa seção, temos “Um olhar sobre o papel dos apresentadores no Telejornalismo brasileiro”. Nele, Vanessa Tolentino descreve e investiga o desempenho do apresentador no telejornalismo brasileiro. A terceira seção intitulada Telejornalismo e Política apresenta dois artigos. No primeiro deles “O papel do telejornalismo na política em Londrina: a imagem de Barbosa Neto na sessão de julgamento do caso Centronic”, a pesquisadora Adriana Nakamura Gallassi analisa a cobertura política dos principais telejornais londrinenses a partir do caso Centronic. O segundo artigo “O Jornal Nacional e a construção da realidade: o caso mensalão” do pesquisador Guilherme Pereira Vanzela aborda a construção simbólica e agendamento por meio de imagem e do texto da cobertura do julgamento dos envolvidos no episódio conhecido como “mensalão” em duas edições do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão. A quarta e última seção é dedicada ao Telejornalismo Regional. No artigo “TV Tarobá em Londrina: a formação histórica e a programação regional”, Adriana Nakamura Galassi apresenta, a partir de pesquisa bibliográfica e entrevistas, a história da TV Tarobá de Londrina com destaque para a influência que exerce nas emissoras locais. A pesquisa em telejornalismo ainda é recente no meio acadêmico em função dos desafios encontrados na investigação a começar pela bibliografia disponível, arquivo e captação do objeto, porém sempre tivemos a inquietação em torno do debate. Por isso, este ebook representa a perseverança da

5 discussão já que publicamos outros dois sobre o telejornalismo e eleições nos domínios da Universidade Estadual de Londrina, www.uel.br/projetos/ tejornalismoeeleicoes.

Florentina das Neves Souza

6 TELEJORNALISMO NAS TVS PÚBLICAS E ESTATAIS TV Cultura: entre o público e o estatal

Fiama Heloisa Silva dos Santos

Resumo O presente trabalho se lança ao desafio de identificar o modelo de televisão da TV Cultura de São Paulo. Esse tema surgiu de um questionamento antigo no meio televisivo, pois durante toda a história da emissora é possível observar que os conceitos de público e estatal se confundem. Para alcançar o objetivo proposto, realizamos primeiramente uma apresentação conceitual do sistema televisivo brasileiro, da TV pública e da estatal. Em seguida, resgatamos a história da emissora em questão e analisamos algumas características específicas que podem auxiliar na resposta da questão inicial. Palavras-chave: Comunicação; TV pública; TV estatal; TV Cultura.

Introdução

A TV Cultura se autodenomina uma instituição pública mantida por uma fundação, no caso a Fundação Padre Anchieta, cuja meta principal é a formação cidadã das pessoas. Seu compromisso maior seria com a população, sempre prezando por uma programação de qualidade que priorize os interesses sociais e não a espetacularização, já que a emissora dispõe de liberdade em relação às regras de mercado. Apesar da autoafirmação, surgem questionamentos sobre o caráter público da instituição. O que levanta a dúvida seriam as ingerências do governo de São Paulo (estado que contribui com parte da receita da emissora) sobre o controle da televisão. Em função de tais questionamentos, o objetivo deste trabalho é apresentar os conceitos de televisão pública e estatal e as características estruturais da TV Cultura de São Paulo, para tentar identificar qual é o modelo da emissora. Buscando cumprir com o objetivo do trabalho, este artigo divide- se em quatro partes. A primeira utilizou a Constituição Brasileira para definir o funcionamento do sistema de radiodifusão brasileiro. Em seguida,

8 são apresentadas as principais características que definem a TV Pública e a TV Estatal, respectivamente. Na última parte, com base em alguns dados (história, financiamento, de programação) da TV Cultura e de uma consulta a importantes estudiosos do tema, tenta-se efetivar a proposta inicial do trabalho que questiona a real situação da emissora que foi o expoente da comunicação pública no país.

O sistema televisivo no Brasil

A Constituição Brasileira define, em seu artigo 223, a complementariedade dos sistemas de radiodifusão no país. De acordo com a lei, “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementariedade dos sistemas privado, público e estatal” (BRASIL, 1988, p. 156). Ou seja, a Constituição determina a complementariedade entre os setores da televisão por radiodifusão estatal, pública e comercial. Para Ericson Scorsim (2008), tal determinação tenta garantir o equilíbrio entre os mais variados campos da comunicação social. Ele também destaca que, mesmo com as funções diferenciadas de cada sistema, os modelos se completam, garantindo a harmonia e o pluralismo. Cabe ao Estado, segundo Scorsim, em sua função regulatória, a organização desses três sistemas e também a facilitação prioritária de acesso “às frequências do espaço eletromagnético pelo setor público e pelo setor estatal” (2008, p. 1), já que no Brasil há uma hegemonia da radiodifusão privada. 1 Essa, inclusive, é uma das características marcantes da TV brasileira, que quando surgiu, em 1950, baseou-se no rádio e adotou o modelo comercial. Como lembra Laurindo Leal Filho (2000), não houve nenhuma menção aos demais modelos de televisão – como o público, por exemplo – motivo que determinou a formação do sistema televisivo brasileiro como é hoje:

1 Artigo 174 da Constituição Federal.

9 Não há, no início dos anos 50, nenhuma referência a qualquer modelo que não seja o comercial. Ocorre aqui exatamente o oposto ao verificado no Reino Unido. Lá, a referência dada pelo rádio para a televisão era o modelo público, praticado ao longo de quase 30 anos. (...) Por aqui, o modelo comercial adotado pela televisão corre solto, sem nenhuma outra alternativa, até o final dos anos 60, quando a TV já havia se consolidado como o mais importante instrumento da indústria cultural brasileira. (LEAL FILHO, 2000, p. 158)

Apesar de constar na Constituição Federal um capítulo específico sobre a comunicação social – que possui, inclusive, um artigo próprio que aborda a complementariedade do sistema –, ainda há deficiências no cumprimento e na abrangência dessa legislação. Como defende Sonia Virgínia Moreira (1995, p. 43): “(...) a ausência de uma regulamentação básica e abrangente, que defina os direitos, limites e responsabilidades dos meios de comunicação eletrônicos nacionais faz com que no Brasil ocorram situações insólitas em termos de legislação”. Dessa forma, mesmo com a determinação legal, os modelos de radiodifusão público e estatal encontram dificuldade para expandir no país. Além disso, a confusão dos conceitos, devido a hegemonia do modelo comercial, faz com que a maioria da população utilize-os como sinônimos ou, até mesmo, desconheça-os completamente. Por isso, torna-se importante a facilitação de acesso dos setores público e estatal ao sinal de transmissão. Além disso, como garante Scorsim (2008), os serviços públicos atuam como mecanismo importante na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. No caso do “serviço público de televisão”, pode- se garantir a liberdade de expressão, artística, cultural, de informação, entre outras.

Definição e características da TV pública brasileira

O início da radiodifusão pública no Brasil foi marcado pela criação da Rádio MEC, em 1936. A emissora pode ser considerada a mais antiga no país, pois é descendente da pioneira Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Esta foi

10 fundada em 1923 por Roquette Pinto e tinha o interesse em produzir uma programação cultural e educativa. Como não adotou a publicidade para comercialização e geração de renda em sua emissora e estava cada vez mais difícil mantê-la, Roquette Pinto, em 1936, “preferiu doar a emissora ao, então, Ministério da Educação e Saúde. Mas impôs as condições de que a rádio transmitisse apenas programação educativa/cultural” (SOARMEC, 2005). Posteriormente, em 1940, foi a vez da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Após duas décadas sem novidades no setor, foi apenas em 1960 que o debate sobre a necessidade da radiodifusão pública foi retomado. Porém, como ressalta Jonas Valente (2009), o desenvolvimento desse sistema no Brasil teve uma particularidade em relação aos demais países:

Diferentemente de outros países, a criação desses veículos [veículos públicos de comunicação no Brasil] não ocorreu motivada pela demanda de transmissão de informação, cultura e entretenimento [...] O principal motivador do surgimento de um conjunto de televisões públicas foi a demanda por educação em um país que experimentava uma industrialização acelerada. (VALENTE, 2009, p. 270)

Desta forma, a proposta do sistema público é atender uma necessidade do (tele)espectador por conteúdos mais formativos. Sendo assim, uma das principais diferenças da TV pública em relação às demais, principalmente comparada ao modelo comercial que foi implantado no Brasil, pela iniciativa privada, em 1950 e tornou-se hegemônico, é a sua grade de programação. Os programas que a compõem são educativos, culturais, informativos e, até, de entretenimento. Todos, porém, com um viés diferenciado, já que os produtores partem da ideia de que a qualidade não pode ser medida através do índice de audiência. Como esclarece Cunha Lima (2004, p. 7), essa diferenciação da programação é feita porque “a televisão pública dirige-se a um telespectador potencialmente cidadão”. Ou seja, o receptor é considerado como cidadão, membro social, e não, apenas, como mero consumidor. Tal postura só é possível pela autonomia da emissora em relação aos anunciantes, já que a ideia principal defendida pela TV pública é de que não haja vínculos comerciais.

11 A busca torna-se então pela compreensão dos conteúdos transmitidos, sejam eles quais forem, e também pela qualidade, mas também de uma forma diferenciada, pois “qualidade não é o que a audiência diz que é qualidade. Qualidade em televisão é tudo aquilo que promove a elevação do ser humano, em suas programações” (CUNHA LIMA, 2004, p. 8). Outro diferencial da televisão pública é sua forma de gestão. A proposta é de que a emissora seja mantida e gerida pelo público, por isso sua característica principal é o comprometimento com o interesse público. No caso do Brasil, o modelo de TV pública existente – a TV Cultura – recebe verbas estatais, mas sua gestão é de direito privado – pela Fundação Padre Anchieta –, o que garantiria sua independência. Para Jonas Valente (2009), todos os meios podem ser considerados como mídia pública. Em sua percepção, esse tipo de mídia é apenas um dos modelos institucionais possíveis de radiodifusão, contrário ao modelo comercial, por exemplo. Dentro desse universo, o autor trabalha com seis concepções: elitista, educativa, pública não-estatal, pública como alternativa à mídia tradicional, culturalista e aparelhos de Estado. Em relação, especificamente, ao sistema público não-estatal, Valente defende a independência da mídia pública, a qual não sofre influências do mercado nem controle do estado. Esse distanciamento possibilita a criação de conteúdos imparciais e críticos. Além do mais, é o binômio “controle- financiamento” que garante a tão desejada independência:

No lado político-administrativo, os colegiados de gestão [...] devem ser organizados de modo que assegurem a participação de diversos setores, cujas decisões devem sempre ser um resultado de negociações, composições e mediações entre as forças da sociedade. Os governos podem integrar tais órgãos, mas sempre em condição minoritária. Do lado do financiamento, deve- se buscar um sistema de fontes de receita que não condene a emissora pública à busca de publicidade no mercado, o que a remeteria ao perfil comercial, mas também impeça que governantes de plantão possam interferir na condução dos veículos pela prerrogativa de aprovação de seus orçamentos. (2009, p. 37)

Com relação a estrutura do sistema no Brasil, Jonas Valente (2009) aborda a quantidade de emissoras públicas existentes no país. Há concessões

12 de emissoras gerenciadas pelo governo federal, por meio da Empresa Brasil de Comunicação, pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Exército. O órgão militar opera uma rádio na capital federal e os demais, rádio, TVs e agências de internet. Quanto ao modelo de gestão e formas de participação, a maioria das emissoras são geridas através de conselhos, que podem, ou não, ter espaço para a participação popular. Especificamente no caso da TV Cultura, mantida pela Fundação Padre Anchieta, “houve a estruturação de um modelo auto- reprodutível” (Valente, 2009, p. 279). O conselho curador da instituição é formado por 47 membros, dos quais 20 são próprios de instituições públicas, três vitalícios, um representante dos trabalhadores e outros 23 escolhidos pelos permanentes. Sobre o modelo de financiamento, Valente (2009) esclarece que a legislação atual proíbe a veiculação de publicidade nos veículos públicos. O que é permitido, desde 1986 a partir da Lei Sarney, é a captação de recursos por meio de patrocínio. Apesar das restrições, a venda de anúncios é a fonte central de receitas da maioria absoluta das emissoras. Em relação à programação, Valente (2009) considera que as emissoras públicas têm um aspecto generalista. Ao contrário dos principais canais europeus, os conteúdos não são produzidos tentando competir com as redes comerciais. Busca-se “uma diferenciação pelo jornalismo, pelos debates e pelos programas culturais e infantis” (Valente, 2009, p. 285). No caso das emissoras associadas, a maior parte da grade de programação é composta por material gerado pela TV Cultura e pela TV Brasil.

Definição e características da TV estatal brasileira

As televisões estatais, como o próprio nome já sugere, são veículos de comunicação ligados diretamente ao governo (seja municipal, estadual ou federal). Neste modelo de radiodifusão, o canal é explorado para a divulgação dos atos governamentais como, por exemplo, as sessões nas plenárias, no caso das TVs legislativas.

13 Atualmente, um exemplo de emissora estatal no país é a TV Nacional do Brasil, popularmente conhecida como NBR. No ar desde 16 de junho de 1997, trata-se de um canal de notícias governamentais, que se dedica exclusivamente a noticiar as ações do governo federal. Em seu site oficial, a emissora define como missão “oferecer aos telespectadores informações sobre as políticas, as ações e o dia a dia do Poder Executivo”. Além do mais, ela “cobre a agenda da presidente da República e é responsável pela produção de programas, reportagens especiais e entrevistas sobre políticas públicas”. O slogan resume a função da emissora: “NBR – A TV do Governo Federal”. Como esclarece Paulo Victor Purificação Melo (2012), no modelo estatal, cabe ao governo toda a forma de gerenciamento da emissora de TV. Desde o dinheiro para o financiamento até a decisão sobre a grade de programação, determinação editorial, indicação dos nomes que compõem o conselho gestor. Para Melo (2012, p. 5), o objetivo maior das televisões estatais pode ser considerado o oferecimento de “conteúdos informativos, culturais e educativos”. Suzy dos Santos e Luiz Stevanim (2010) dividem a atuação estatal no cenário brasileiro de televisão em duas funções. A primeira seria a de produtor de conteúdo, em que o Estado gera programação para canais específicos; e a segunda seria a de distribuidor, retransmitindo a programação das redes. Os pesquisadores reforçam também o modo de financiamento da TV estatal: “Juridicamente impedidas de veicular a publicidade, essas emissoras dependem exclusivamente do aparato estatal para a sua sobrevivência” (Santos e Stevanim, 2010, p. 7). Retomando os conceitos trabalhados por Valente (2009), o último definido pelo autor é o de mídia pública como aparelho do Estado. Nesta visão, os meios de comunicação públicos seriam aparelhos estatais que existem para garantir os interesses gerais do Estado. Considerando uma visão mais “pessimista” do sistema, a visão marxista, “não existiria, portanto, uma mídia pública e outra, estatal, mas, sim, uma mídia mais democraticamente controlada no aparelho do Estado, pública, e outra controlada diretamente por um poder da República, ou governamental” (Valente, 2009, p. 42).

14 Diferenças entre televisão pública e televisão estatal

Como foi possível observar nos capítulos anteriores, TV Pública e TV Estatal não são sinônimos. Cada conceito possui sua particularidade, ainda que em diversas vezes possam parecer muito semelhantes. Justamente por essa confusão que ocorre frequentemente, Adriana Fiorani Pennabel (2004) acredita ser necessário diferenciar os termos:

Um aspecto importante a ressaltar é a diferença entre Televisão Pública e Estatal. Neste caso, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, público não é sinônimo de estatal. Segundo Leal Filho as TVs Estatais são veículos de comunicação financiados e administrados pelo governo (federal, estadual ou ainda municipal), que detém o controle total sobre a programação e o direcionamento ideológico da produção televisiva. Já a TV Pública é uma emissora mantida e gerida pelo público. No Brasil, ela recebe verbas do Estado, mas sua gestão é de direito privado, o que garante, pelo menos na teoria, um distanciamento do governo e também do mercado publicitário (PENNABEL, 2004, p. 11).

Ao terem gerenciadores diferentes (na TV pública, o público; na estatal, o governo), a forma organizacional de cada uma já se diferencia. Esse aspecto influencia a forma de financiamento, a programação, o direcionamento ideológico, os objetivos, a gestão. Tudo isso faz com que, pelo menos na teoria, ambos os modelos sejam diferentes. Segundo Cunha Lima (2007), o diferencial entre os três modelos existentes seria o “produto” comercializado por cada um deles: “O produto da televisão pública é a programação, voltada para a formação crítica do telespectador. O produto da televisão comercial é a audiência, baseada no entretenimento. Na TV estatal, o produto é a divulgação de ações e atos do Poder Executivo”. Entre os motivos que geram a confusão dos dois conceitos, Orlando Senna (2007) destaca a aproximação histórica entre canais públicos e estatais. De acordo com Senna, eles têm compartilhado, muitas vezes, a mesma fonte de financiamento e até demarcado as mesmas especificidades em relação aos canais comerciais. Tudo isso estabeleceria uma relação de cooperação entre os dois sistemas.

15 Apesar das divergências nas naturezas e atribuições de cada modelo, ao depender do financiamento do Estado, a TV pública acaba se aproximando da estatal. Por isso, Laurindo Leal Filho (1997, p. 20) vê com certo temor essa aproximação e afirma que a “forma de escolha dos membros dos conselhos e o tipo de financiamento que elas recebem que acaba por determinar a influência do governo sobre as emissoras”. Como importância em esclarecer as diferenciações entre os dois sistemas, Orlando Senna (2007) destaca que o desenvolvimento da televisão pública proporciona a expressão de diferentes pontos de vista da sociedade, ou seja, beneficia a diversidade; já a TV estatal, auxilia na prestação de serviços de interesse ao cidadão.

O perfil público e estatal da TV Cultura

A TV Cultura entrou no ar em 20 de setembro de 1960, como integrante do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand, portanto fazia parte das emissoras comerciais. Inicialmente, sua estrutura foi montada com recursos vindos da TV Tupi. Em 1965, um incêndio destruiu boa parte dos equipamentos da emissora, obrigando-lhe a mudar de sede. A partir de 1967, os Diários Associados enfrentaram uma forte decadência econômica. A emissora foi, então, vendida ao governo do Estado de São Paulo. Em 15 de junho de 1969, a TV Cultura foi relançada e trouxe para o mercado brasileiro o conceito de TV pública, tornando-se, por isso, a emissora pública pioneira no país. Para cuidar administrativamente da nova televisão, o governo paulista criou a Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e Televisão Educativas, a qual, pelo menos teoricamente, poderia trabalhar de forma autônoma através de um Conselho Curador e de uma Diretoria Executiva. Como lembra Laurindo Leal Filho (1988), o momento histórico do lançamento foi realizado “em pleno vigor do Ato Institucional nº 5, iniciando uma trajetória marcada por projetos liberais, esperanças democráticas,

16 imposições autoritárias e crises dramáticas. Esta é a gênese da TV Cultura” (p. 21). Para ele, as palavras “crise” e “autoindefinição” são dois termos que caracterizam a emissora, devido aos fatos ocorridos durante a sua história. Ainda segundo Leal Filho, a maior contradição da emissora era tratar-se de um projeto liberal formulado em um “período de transição do liberalismo para o autoritarismo e implantado sob um regime ditatorial” (p. 13). Essa realidade proporcionou, por diversas vezes, a interferência do governo na emissora. No caso da fase inicial da história da TV Cultura, as ingerências são mais diretas por tratar-se de um período de regime militar. Como explica Liana Vidigal Rocha (2010), o liberalismo cultural e político da direção da emissora passaram a não corresponder à visão impositiva e autoritária do governo militar. A direção passou a ser pressionada com a ameaça de possíveis cortes de verbas. Alguns presidentes decidiram entregar o cargo para não ceder ao abuso de poder por parte do governo. Deflagrou-se, então, uma crise interna. Com o fim do regime ditatorial no Brasil, os novos presidentes conseguem administrar a emissora com um “pouco mais” de liberdade. Durante a gestão de Roberto Muylaert (1986 - 1995), por exemplo, a TV Cultura teve uma fase positiva com “uma democratização no estatuto e (...) índices de audiência de até 14 pontos. Uma marca extremamente significativa ao longo de toda trajetória da TV Cultura” (ROCHA, 2010, p. 8). O período, entretanto, não foi apenas composto por bons momentos. Em 1986, um incêndio destruiu grande parte das instalações da emissora:

Uma crise se abateu sobre a TV Cultura, pois sua capacidade de produção ficou praticamente reduzida a zero. Os programas de debate, entrevistas e prestação de serviços passaram a ser transmitidos de um estúdio ainda em construção. Mas, em meio à tragédia, um gesto solidário por parte das TVs Globo, Bandeirantes e Manchete fez com que a Cultura se mantivesse no ar: as emissoras cederam horários em suas ilhas de edição e emprestaram imagens e equipamentos. Contudo, esse incêndio contribuiu de maneira positiva, pois assim os problemas estruturais foram revistos. (ROCHA, 2010, p. 9).

17 Desde 2010, a Fundação Padre Anchieta tem se lançado ao desafio da implantação de uma nova tecnologia: a multiprogramação.2 A decisão foi considerada pioneira, mas gerou polêmica. Os arranjos foram feitos durante a gestão de Paulo Markun. Atualmente, o presidente da Fundação Padre Anchieta é Marcos Mendonça. A eleição para diretor-presidente é realizada a cada três anos, com direito a reeleição.

Características da TV Cultura do ponto de vista histórico, financeiro e da programação

O termo “autoindefinição” pode ser considerado uma característica inerente a TV Cultura. Devido a diversas particularidades da emissora, nem mesmo ela sabe como se definir. Para Vivianne Lindsay Cardoso (2013, p. 1), isso ocorre porque mesmo o modelo de gestão da TV Cultura sendo reconhecido de forma positiva nacionalmente, “a estrutura da Fundação Padre Anchieta revela-se limitada, frágil e fortemente influenciada pelo Governo do Estado de São Paulo”. Como explica Cardoso (2013), ao mesmo tempo em que apresenta características do modelo público, a emissora revela traços estatais que acabam gerando, na opinião da autora, um modelo misto:

No caso da TV Cultura ela não se caracteriza como uma televisão simplesmente estatal, pelo contrário, fundamenta-se no sentido de uma televisão pública, mantendo sim o amparo, respaldo e representatividade do Estado, mas também, autônoma e com representatividade social que estão exatamente garantidas pelo decreto que normatiza a Fundação Padre Anchieta em sua forma de gestão, por meio dos representantes que integram o Conselho Curador. (CARDOSO, 2013, p. 7).

Como há uma discussão sobre o perfil da emissora, esta pesquisa faz uma leitura dos dois formatos e, por meio de uma caracterização da TV Cultura, busca definir qual, realmente, é o existente na emissora. São analisadas

2 Recurso da TV digital que permite a transmissão de vários programas ao mesmo tempo.

18 as características históricas, financeiras e da programação. Considerando o ponto de vista histórico, podemos ter como base o trabalho de Liana Vidigal Rocha (2010) que divide a história da emissora em quatro fases e discorre sobre cada uma delas ressaltando os episódios que retratam a interferência governamental na gestão. Durante todo o regime militar brasileiro, a emissora sofreu com as intervenções do Estado. Para garantir o cumprimento das exigências, os governantes ameaçavam realizar um violento corte de verbas nos repasses que eram feitos à televisão. Com isso, diversos presidentes da Fundação acabaram se demitindo por não terem sua autonomia respeitada. De acordo com Coutinho (2003), “os políticos procuraram fazer da emissora uma espécie de porta voz oficial” (apud ROCHA, 2010, p. 7). Com o fim do regime militar, em 1985, uma nova fase se constrói na história da TV Cultura. A gestão de Roberto Muylaert é considerada com aspectos positivos e também a etapa que mais se aproxima do conceito de televisão pública, segundo a avaliação de Rocha. Para a autora, o principal objetivo dessa gestão foi desfazer a “mentalidade estatal” que dominava a emissora. Muylaert tenta, então, transformar a tevê em uma emissora pública, baseado nos exemplos internacionais. O presidente tenta ainda “desvincular, ao máximo, a TV Cultura do governo estadual, fato de difícil realização visto que a emissora dependia financeiramente do poder executivo” (ROCHA, 2010, p. 10). Torna-se necessário buscar a independência financeira da instituição, mas a direção esbarra em um entrave burocrático – constitucionalmente, as emissoras educativas não podem ter patrocínio, já que não possuem um caráter comercial. A saída encontrada, com base nos sistemas públicos de outros países, é o “apoio cultural”, como denomina Muylaert a nova forma de obtenção de recursos. Chegamos então à outra característica da emissora que interfere diretamente na sua classificação como TV estatal ou pública: o modelo de financiamento. Desde sua fundação, a TV Cultura é gerida pela Fundação Padre Anchieta, a qual trata-se “de uma organização de direito privado, mantida com verbas públicas, o que a tornava peculiar” (LEAL FILHO, 1988, p. 13).

19 Como comenta Adriana Fiorani Pennabel (2004), esse modelo demonstra que administrativamente a emissora seguiu o exemplo internacional da BBC – em que a televisão é dirigida por um Conselho para manter a independência – mas a forma de financiamento de tal modelo foi ignorado:

Enquanto na Grã-Bretanha o serviço de teledifusão é sustentado pelos usuários, no Brasil isso nunca foi cogitado. Além de verbas do Governo do Estado de São Paulo, a TV Cultura possui outras fontes de recursos como a venda de produtos (programas, documentários, entre outros) da emissora, a prestação de serviços, os apoios culturais e mais recentemente a inserção de propaganda (PENNABEL, 2004, p. 14).

Desta forma, fica que o que dificulta a total independência da emissora é a relação financeira que ela estabelece com o Estado. Vale destacar ainda que, mesmo em modelos mais articulados como o da BBC, “a autonomia absoluta das emissoras em relação aos governos não existe. O que varia é o grau de interferência” (LEAL FILHO, 1997, p. 20). As soluções encontradas para resolver os problemas financeiros, principalmente o apoio cultural e a propaganda, interferem diretamente na programação da emissora, terceira e última característica que nos comprometemos a analisar para auxiliar na definição da TV Cultura. A relação financeira com outras instituições, intensificada com a presença dos apoios culturais a partir de 1999, transformou o tipo de programação exibida pela emissora. Para Liana Vidigal Rocha (2010, p. 10), “é a partir desse momento que a programação da TV Cultura sofre alterações que a deixam mais informativa e menos educativa. O público infanto-juvenil se torna o foco principal da emissora (...)”. A presença da publicidade na emissora é vista de maneira restritiva. Como defende Laurindo Leal Filho (2004), esse “é um mal que deve ser aceito, mas com limites muito rigorosos, porque a linguagem comercial contamina a programação” (apud PENNABEL, 2004, p. 14). A preocupação de Leal Filho a respeito da presença da publicidade na TV Cultura ganha respaldo na opinião de outros estudiosos. Para Vera Chaia e Miguel Chaia (2000), é importante tomar cuidado mas também ressaltar o paradoxo em que se encontra a emissora:

20 Sobre a TV Cultura, resta-nos observar que a abertura para a publicidade ajudará a controlar o ‘caixa’ mas, com certeza, em virtude das pressões do mercado, pode começar a influir em sua ‘cara’, ou pior, sua programação. E, se continuar esperando apenas os recursos do governo, a emissora, ao que parece, permanecerá em crise (CHAIA, Vera; CHAIA, Miguel, 2000, p. 155).

Considerações finais

Como foi verificado com base em diferentes autores e também na Constituição Brasileira, televisão pública e estatal não são sinônimos. O que existe é uma apropriação equivocada das concepções, seja pela simples falta de conhecimento ou, até, em busca de um beneficiamento político. Por motivos históricos, o modelo comercial de TV é o hegemônico em nosso país, porém não é o único. Ao expor esse fator e cobrar do Estado a regulação da lei, estamos tentando garantir a pluralidade na Comunicação Social. Além da prestação de um serviço público, já que ao explorar um bem coletivo (o espectro eletromagnético) todas as emissoras devem ofertar, pelo menos teoricamente, retorno à sociedade. Em relação à TV Cultura de São Paulo, considerada o modelo brasileiro de televisão pública, a história da emissora mostra certa indefinição no cumprimento do ideal a que se propõe. Tanto em seu Guia de Princípios quanto no site da Fundação que a administra, a TV Cultura é considerada uma instituição pública – sem interferências governamentais ou comerciais – cujo objetivo principal é atender ao interesse público. 3 Porém, a análise aqui realizada (considerando os aspectos históricos, financeiros e da grade de programação) constatou que a emissora, ao longo da história, se desviou de seu objetivo principal. Seja pelas ingerências do Estado, pela crise econômica e a adoção dos apoios culturais e da publicidade ou pela exibição de programas mais populistas. Cada fator, somado, contribuiu de uma maneira específica e resultou um modelo de televisão mista. Em certos momentos forte interferência governamental, o que se aproxima do padrão

3 Fundação Padre Anchieta . Acesso em 22 dez. 2013.

21 estatal; já em outros, a defesa dos ideais educativos e de serviço público. Apesar dos problemas, a TV Cultura de São Paulo desenvolveu um papel muito importante na história da televisão brasileira. Pioneira da TV pública no país, mesmo com todos os percalços, ela contribuiu com o desenvolvimento desse modelo pouco conhecido no Brasil colaborando com a conformidade do sistema e a diversidade. Fator que pode contribuir futuramente para a formação de uma televisão pública brasileira sólida.

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23 Hora da Notícia: o telejornalismo como um instrumento de diálogo

Ana Paula Oliveira

Resumo O objetivo deste artigo é pensar o telejornalismo como um instrumento de diálogo a partir de uma reflexão sobre o telejornal brasileiro “Hora da Notícia”, veiculado pela TV Cultura de São Paulo, nos anos 1970. Líder de audiência da emissora na época, foi pensado não apenas para a divulgação de intenções e atos governamentais, mas para iniciar uma discussão que permitisse à emissora estabelecer um diálogo com a população. Com esse intuito, será abordado um aspecto que evidencia a singularidade deste telejornal: o diálogo entre a linguagem cinematográfica e a linguagem do telejornal. Neste sentido, será fundamental pensar a importância do trabalho desenvolvido pelo jornalista e cineasta Vladimir Herzog. Pretende-se, dessa forma, evidenciar as marcas deixadas pelo programa na história do telejornalismo brasileiro. Palavras-chave: Hora da Notícia; Vladimir Herzog; TV educativa, linguagem cinematográfica;

Introdução

O objetivo deste artigo é pensar o telejornalismo como um instrumento de diálogo a partir do conceito de jornalismo voltado para uma TV educativa proposto pelo telejornal brasileiro “Hora da Notícia” veiculado pela TV Cultura de São Paulo, nos anos 1970. Líder de audiência da emissora na época, o telejornal foi pensado não apenas para a divulgação de intenções e atos governamentais, mas para iniciar uma discussão que permitisse à emissora estabelecer um diálogo com a população. Desse modo, os problemas sofridos pelo cidadão, bem como as queixas, sugestões e apreensões poderiam ser manifestados aos governantes. Com o intuito de entender esse novo conceito de jornalismo proposto pela TV Cultura, será abordado um aspecto que evidencia a singularidade deste telejornal: o diálogo entre a linguagem cinematográfica e a linguagem do telejornal. Neste sentido, será fundamental pensar a importância do trabalho desenvolvido pelo jornalista e cineasta Vladimir Herzog.

24 O Hora da Notícia como foco de resistência

Nos anos 70, o cenário político nacional apresentava-se polarizado: de um lado a linha dura dos militares controlando o governo federal exercendo um poder quase absoluto proporcionado pelo Ato Institucional nº 5 e, por outro, parte da esquerda adotava o caminho da luta armada. Dentro da TV Cultura, a censura era interna, estatal e governamental e pretendia-se que ela, entre outros meios de comunicação de massa, implantassem projetos de integração nacional. No telejornalismo, a emissora supre a carência de recursos materiais com um trabalho intenso de pesquisa jornalística, considerada por Lima (1988, p.54) como “uma prática inusitada para a televisão daquela época: o jornalismo interpretativo”. De acordo com o autor, em virtude do grau de censura imposto no início da década de 70, esta era uma fórmula arrojada. Nesse contexto, em 1972, Fernando Pacheco Jordão foi convidado para organizar o departamento de jornalismo da TV Cultura e, no mesmo ano, assume o cargo de chefe de redação e produz o telejornal “Foco na Notícia”, uma revista semanal que ia ao ar às 21h e apresentava, em quarenta minutos, três ou quatro assuntos. Em 1973, o “Foco na Notícia” transforma-se num programa diário e tem o seu nome alterado para “Hora da Notícia”. Contou em sua equipe com Vladimir Herzog como editor e João Batista de Andrade como repórter especial, além dos jornalistas Luis Weiss, Fernando Morais, Anthony de Christo, Marco Antônio, Georges Bordoukan, Narciso Kalili, entre outros. Pensado, inicialmente, como um telejornal da hora do almoço, o “Hora da Notícia 1ª edição”, com o aumento da audiência, passa a ser veiculado às 21h.4 Surge com um jornalismo “dinâmico e honesto” que evidenciava tanto os acontecimentos do mundo quanto os da cidade. A proposta deste telejornal era inserir a informação num contexto mais amplo permitindo a discussão das causas e dos efeitos do assunto abordado.

4 “O Hora da Notícia elevava instantaneamente a audiência da TV às 9h00 da noite, quando entrava no ar, passando de praticamente zero para números como 3% ou 4%, o que podia ser classificado como sucesso” (Andrade,2002,p.63).

25 No artigo “Telejornalismo, a década da tranquilidade”, Elizabeth Cardoso (1979) afirma que só foi possível consolidar “o sonho de um telejornalismo diário, dinâmico e inteligente e voltado para a realidade brasileira” a partir de 1970 com a TV Cultura de São Paulo. Sob a responsabilidade do jornalista Fernando Pacheco Jordão, o Hora da Notícia não obedecia a um padrão específico e nem se preocupava com a forma, embora todos os assuntos abordados tivessem uma relação estreita com o telespectador. De acordo com Lima (2008), em julho de 1974, diversos funcionários do “Hora da Notícia” pedem demissão por não concordar com o modo que as notícias eram divulgadas, servindo apenas a determinados interesses e sem caráter jornalístico. No entanto, Paulo Markun (2005) afirma que, em 1974, Fernando Pacheco Jordão e equipe foram demitidos da TV Cultura. Nessa época, Herzog recupera sua antiga paixão pelo cinema e parte para o sertão da Bahia em busca de cenários e sobreviventes da Guerra de Canudos com o intuito de fazer um filme. Em 1975, Vladimir Herzog, volta para a TV Cultura como diretor do departamento de jornalismo.

A linguagem

Na obra “O Povo fala um cineasta na área de jornalismo da TV Brasileira”, João Batista de Andrade (2002) ressalta a TV Cultura de São Paulo como uma TV alternativa que seguia, ao mesmo tempo, um caminho independente, popular e crítico e destaca duas influências marcantes sobre o “Hora da Notícia”: o surgimento de meios de comunicação que evidenciavam uma discussão ausente na grande imprensa e o trabalho desenvolvido por Vladimir Herzog e outros jornalistas como Luis Weiss, Rodolfo Konder, Zuenir Ventura.5 De acordo com o autor, este telejornal estava estruturado da seguinte forma:

5 O autor cita os seguintes veículos de informação: o jornal Amanhã de 1966, Movimento, Opinião e Pasquim, entre outros jornais independentes. No rádio, o aparecimento de programas jornalísticos ligados às questões urbanas evidenciavam os problemas de estrutura e os problemas sociais.

26 Um painel neutro de fundo e, à frente, sentados atrás de uma espécie de balcão, dois apresentadores e, eventualmente, um outro participante, um especialista em algum assunto ou comentarista. Isto é, era um programa jornalístico como qualquer outro. Também ali os apresentadores eram tipos com empatia, boas vozes, visível credibilidade. Também ali os apresentadores não eram editores nem escreviam seus textos: eram leitores, intérpretes, intermediários entre a redação, repórteres, redatores, editores e o público. Os dois apresentadores (Fábio Peres e Nemércio Nogueira) eram profissionais super bem preparados e capazes, mas não era bem isso o que importava. Importava era se eles “parecessem” inteligentes e bem informados e passassem bem, se dessem credibilidade ao que diriam aos telespectadores (ANDRADE,2002,p.68).

De acordo com o autor, do mesmo modo que em outros telejornais, o que podia ser notado no “Hora da Notícia” era um esquema de poder que se baseava na estrutura do programa. Nele, o papel desempenhado pelos apresentadores com sua aparência de cumplicidade, seriedade e sobriedade somada à leitura dramatizada das notícias, com os gestos, olhares e sorrisos faziam parte de um script que determinava que o programa estaria sob controle. Destaca o “Hora da Notícia” como um telejornal em que o poder de filtro e de interpretação era centrado na direção de jornalismo e ressalta que havia um desejo da equipe pela mudança de conteúdos da informação, de maneria que fosse dada ênfase a um jornalismo de descoberta, questionamento e investigação “como um serviço de informação real prestado à sociedade, uma proposta de consciência sobre os fatos” (Andrade,2002,p.68). Em relação à linguagem do “Hora da Notícia”, Paulo Markun (2005) destaca o papel do repórter cinematográfico:

Naquela época, os repórteres cinematográficos utilizavam uma câmera de cinema 16 milímetros. Cada chassi de filme tinha 400 pés, que permitiam registrar algo como 12 minutos de imagens sonoras. Normalmente, com um chassi desses, eram feitas até três matérias. Ou seja: a margem de erro era mínima – não havia espaço para a passagem em que o repórter aparece diante da câmera, contando parte da história, ou para entrevistas mais longas. Na captação das imagens, os cinegrafistas também não podiam exagerar (MARKUN,2005,p. 80).

Ao comparar os scripts dos telejornais feitos antes e durante a passagem de Herzog pela TV Cultura, Paulo Markun evidencia que o jornal, sob a

27 direção de Herzog destacava as manchetes voltadas para a utilidade pública: novas tarifas do transporte público, dia do professor, desidratação infantil. Ao envolver decisões oficiais, o enfoque da notícia era dado as consequências na vida das pessoas. Em relação às notícias internacionais, passaram a ter de duas a cinco laudas. De acordo com Markun, esse destaque ao noticiário internacional era dado pois a editoria internacional era a menos visada pela censura. De acordo com o autor, “Vlado interferia diretamente nos scripts, trocando termos que considerava impróprios, buscando sentenças mais claras e compreensíveis e controlando qualquer tentativa de contrabando ideológico” (Markun,2005,p.90). De acordo com o jornalista Palmério Dória Vasconcellos, que trabalhou na equipe de reportagem coordenada por Herzog:

O Vlado chegava sempre no meio da tarde, aí pelas quatro e meia. Naquela época ele era uma espécie de secretário do telejornal. Era de chegar trabalhando: pegava a pauta, lia imediatamente com uma atitude muito sua, a de coçar alguns cabelos no alto da cabeça, de pé, e o papel na outra mão. Sua função era editar e botar no ar o telejornal que nós fazíamos, com uma equipe de mais ou menos vinte pessoas. Ou seja, às 21horas em ponto, com script na mão, ele acompanhava da técnica os trinta minutos de Hora da Notícia, como um responsável e representante da redação, ali na hora no estúdio. (MARKUN,2005,p. 40).

O “Hora da Notícia” enfrentou resistência tanto internamente quanto externamente. O presidente da Fundação Padre Anchieta na época, José Bonifácio Nogueira, temia tanto a censura quanto a possível influência de Fernando Pacheco Jordão no noticiário.

Vladimir Herzog e a experiência do cinema documentário

De acordo com João Batista de Andrade (2002), o “Hora da Notícia”, “era, apesar de tudo, o cinema feito para a TV. Eram pequenos documentários de 3,4 e até 7 minutos feitos num só dia por um profissional de cinema que procurava enfrentar as questões da narrativa, da CAM, do significado das palavras e das imagens num filme”. (2002:p.64).

28 Esse diálogo estabelecido entre as linguagens do cinema e do telejornalismo é evidenciado pelo jornalista Vladimir Herzog antes da sua ida para Londres, nos anos 60. Para Paulo Markun (2005), Herzog foi influenciado pelo cineasta argentino e criador da Escola Documental de Santa Fé Fernando Birri de quem foi aluno. O primeiro longa-metragem de Birri intitulado Tiré Dié (gíria que significa Me dá um dinheiro aí) mostra crianças argentinas pedindo esmola sob o viaduto de uma estrada de ferro. A partir dele, Herzog reflete sobre as potencialidades do documentário:

Ser útil à coletividade – quantos não se sentem tentados a tapar o nariz diante de semelhante afirmação, herética para os que se denominam Artistas, para os quais a expressão entra na Idade Média no momento em que desce para as ruas. Sim, porque para os modernos artífices das “catedrais” cinematográficas, quando se vai até o povo, até a rua, se “desce”, se renuncia aos celestes desígnios de uma arte olímpica. Aos moços de Santa Fé não interessa dialogar com meia dúzia de iniciados. A frase de Grierson “tratamento criativo da realidade” implica para eles a possibilidade de um diálogo o mais vasto possível. E só é possível falar a muitos sobre aquilo que diz respeito a muitos, é atual e urgente. Em cinema, como no resto (HERZOG apud MARKUN, 2005:31).

Uma outra influência cinematográfica para Herzog, foi o cinema- verdade. As características desse movimento são evidenciadas por Jean Rouch e Edgar Morin nos anos 60. Uma delas é a necessidade de reconhecimento do impacto da presença do realizador sobre a realidade observada. Para o antropólogo e cineasta Jean Rouch, a câmera deveria assumir uma postura interventiva, participativa e reflexiva. Desse modo, optou por “gerar a realidade” em vez de permitir que ela se desenrolasse passivamente diante dele. Para tal, impulsionava a observação participante de modo a permitir uma interatividade no sentido que seria capaz de precipitar a revelação e a ação da personagem. Rouch acreditava que a presença da câmera fazia com que as pessoas agissem de maneira mais fiel à sua natureza. Contudo, não a considerava um fator negativo, mas um agente catalisador valioso, uma vez que revelava uma verdade interior. O realizador, nesse sentido, é um criador de verdade, pois a verdade não tem de ser reproduzida, encontrada ou atingida, mas criada. Ao romper com qualquer modelo de verdadeiro e tornar-se criativo, o cinema-

29 verdade produz uma verdade o que implica a verdade do cinema e não um cinema da verdade. No entanto, Herzog não apenas pensa o documentário como também o faz. Nos anos 60, realiza um curso de documentário com Arne Sucksdorf.6 Nesse contexto, começou a planejar um documentário sobre a guerra de Canudos e Antônio Conselheiro. Na mesma época, trabalhou como diretor de produção do filme Viramundo de Geraldo Sarno. Seu primeiro trabalho, criado a partir de um diálogo com o cinema-verdade, foi o curta-metragem Marimbás. Produzido em 1963, o filme retrata o modo de viver de pessoas que viviam das sobras retiradas das limpezas das redes e deixadas na praia pelos pescadores de Copacabana. Ao ter o seu nome incluído num relatório do Dops de 1965 por ser considerado um profissional de imprensa que “aberta ou veladamente, se mostram contrários ao Movimento Revolucionário” entrega o cargo para Sérgio Muniz e embarca para a Inglaterra. Posteriormente, junto com Fernando Pacheco Jordão, Herzog realiza um curso de três meses na BBC de Londres com bolsa de estudo fomentada pelo governo inglês. Essa bolsa só foi possível por causa de uma carta de apresentação da TV Cultura que manifestava a intenção de contratá-los quando estivessem de volta ao Brasil. O trabalho como redator e secretário desenvolvido por Herzog no telejornal “Show de Notícias” da TV Excelsior em 1963 foi que o colocou em contato com o telejornalismo. Essa experiência contribuiu para que, em 1965, fosse para Londres contratado pelo Serviço Brasileiro da BBC como locutor e produtor. Em Londres, também, aprimorou seus estudos de cinema e televisão cursando, como bolsista, o Film and Television Course for Overseas Students, no Centro de Televisão da BBC. Em 1968, volta ao Brasil, porém não vai trabalhar na área de telejornalismo. É contratado como editor de cultura da revista Visão, cargo que exerce durante 5 anos.

6 O cineasta sueco Arne Edvard Sucksdorff (1917-2001) foi enviado pela UNESCO ao Rio de Janeiro para ministrar um curso de cinema, patrocinado pelo Ministério das Relações Exteriores, com duração de 5 meses.

30 Telejornalismo e a Responsabilidade social

Em 1975, o governador de São Paulo tinha o objetivo de fazer várias mudanças em seu governo, entre elas, contratou um grupo de pesquisadores para repensar a comunicação social. Nesse sentido, apontou defeitos graves na programação da TV Cultura que incluíam a “indefinição de objetivos, desconhecimento do público a que se dirigia, amadorismo na escolha de temas e na própria realização dos programas e um elitismo que levava a índices de audiência praticamente nulos” (Markun,2005,p. 76). O grupo de pesquisadores sugeriu que a TV Cultura reformulasse o telejornalismo a partir de uma utilização da programação não apenas para a divulgação de intenções e atos governamentais, mas para iniciar uma discussão que permitisse ao canal abrir o diálogo com a população. O nome de Fernando Pacheco Jordão foi indicado para dirigir essa nova proposta de jornalismo da TV Cultura que tinha como linha de trabalho central o diálogo. No entanto, como estava trabalhando no Globo Repórter, recusou o convite e indicou o nome de Vladimir Herzog. Porém, antes de assumir o cargo de diretor de jornalismo da TV Cultura, em 1975, Herzog encaminhou ao governador, ao secretário de Cultura e ao presidente da Fundação Padre Anchieta um documento intitulado “Considerações Gerais sobre a TV Cultura”. Nele propunha uma forma de mudar o rumo do jornalismo na emissora e aponta para a necessidade de refletir sobre a responsabilidade social que é inerente às práticas do jornalismo em emissoras públicas. Sob essa perspectiva, indica algumas características do profissional da comunicação que dizem respeito ao seu compromisso com a educação e a informação crítica e equilibrada que tenha como foco o cidadão a partir de padrões apolíticos e não comerciais. Esse compromisso em relação à educação, já havia sido pensado por Herzog quando morava em Londres. Numa carta escrita na Inglaterra para os amigos brasileiros, Herzog relata:

31 Acho que a televisão educativa, em princípio, é um campo aberto para se fazerem – ou se tentar fazer – coisas boas. Essa vida sedentária, passiva, na Europa, está ficando sem sentido e a gente sente necessidade de ver-se integrado, bem ou mal, nalgum processo ou atividade criativos, Vou disposto a jogar uma boa cartada nesse negócio de TV educativa. Talvez dê com os burros n’água. Mas é preciso tentar. Eu deverei, em princípio, trabalhar para a Fundação Padre Anchieta, da TV Educativa em São Paulo, cujo pedido de bolsa para mim foi decisivo (HERZOG apud MARKUN,2005,p.34).

Em suas “considerações”, Herzog salienta o direito à educação e à cultura por intermédio das televisões educativas e também destaca a importância do investimento recursos profissionais, financeiros e técnicos no setor de jornalismo para a produção não somente de telejornais diários mas para vários programas que necessitem, mesmo que indiretamente, de trabalho jornalístico. De acordo com Filho (1988), a prática do jornalismo proposto por Herzog tornou-se viável, inicialmente, por causa dos baixos índices de audiência da emissora relativos aos programas jornalísticos. No entanto, ao começar a atrair a atenção da audiência por causa da sua singularidade, o telejornal despertou a ira das pessoas que sentiam incomodadas com as denúncias realizadas: Herzog sugere, também, duas ações que visavam aumentar a audiência da emissora: criação de um departamento de publicidade e promoção e a busca de uma nova imagem junto ao público. De acordo com ele:

Jornalismo em rádio e TV deve ser encarado como instrumento de diálogo, e não como um monólogo paternalista. Para isso, é preciso que espelhe os problemas, esperanças, tristezas e angústias das pessoas às quais se dirige. Um telejornal de emissora do governo também pode ser um bom jornal e, para isso, não é preciso “esquecer” que se trata de emissora do governo. Basta não adotar uma atitude servil (HERZOG apud MARKUN,2005,p. 78).

Considerações finais

Líder de audiência na Cultura, o telejornal “Hora da Notícia” abordava assuntos de ligação direta com o telespectador. O cidadão comum era convidado a expor os seus problemas para as autoridades. Fernando Pacheco

32 Jordão costuma ressaltar em suas entrevistas que uma das suas maiores preocupações era fazer um telejornal em que a informação não fosse apenas aparente, mas uma informação que fosse necessária para o público. No entanto, o sucesso conquistado e a visibilidade dada aos telespectadores, desagradava o governo. O “Hora da Notícia”, apesar dos altos índices de audiência, sofria com a censura não apenas externa por causa da ditadura, mas também interna no que dizia respeito ao conteúdo e ao enfoque das matérias. Ao evidenciar os problemas sofridos pelo cidadão, bem como permitir que as queixas, sugestões e apreensões fossem manifestadas aos governantes, o telejornal “Hora da Notícia” evidenciou a relação existente entre o conceito de jornalismo voltado para uma TV educativa proposto por Vladimir Herzog e o telejornalismo como um instrumento de diálogo. Embora Vladimir Herzog acreditasse e propusesse em suas “Considerações Gerais sobre a TV Cultura” uma série de questões relativas à responsabilidade social do jornalismo na TV, não teve tempo de ver os frutos desse trabalho pois foi assassinado brutalmente pela ditadura militar no mês seguinte. Sua morte abalou o país inteiro e a reação à ela foi determinante para o início do fim da ditadura. José Mindlin afirma no documentário “Vlado 30 anos depois” que a morte de Herzog não foi em vão, pois foi um fator decisivo para a abertura política.

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34 Em busca de novos valores-notícia: a linguagem do jornalismo público

Fiama Heloisa Silva dos Santos

Resumo Este trabalho tem como objetivo central estudar as características que compõem o Jornalismo Público e como esse conceito tem sido aplicado na imprensa brasileira. Este estudo integra o projeto de pesquisa Construção simbólica e agendamento por meio da Imagem e das Linguagens na produção telejornalística. Na pesquisa, foi possível observar que o Jornalismo Público nasce em meio a uma insatisfação do público com a imprensa, devido a uma cobertura cada vez mais distante dos reais interesses dos cidadãos. Por isso, o novo conceito surge com a ideia de fazer com que a mídia colabore, de fato, com a prática da cidadania. No Brasil, o Jornalismo Público ainda é uma prática recente, não reconhecida por grande parte dos meios de comunicação de massa. Seu exercício tem ficado restrito às emissoras públicas de televisão, sendo os principais exemplos a TV Cultura e a TV Brasil. Palavras-chave: Jornalismo público; informação; cidadania; TV Cultura; TV Brasil.

Introdução

O presente trabalho surgiu da necessidade de se entender o que, de fato, significa o Jornalismo Público. Isso porque este estudo integra uma pesquisa maior em que se investiga a aplicação desse conceito nos telejornais das principais emissoras públicas de TV do país: a TV Cultura e a TV Brasil. Com isso, o que se apresenta aqui é a tentativa de se caracterizar e definir um conceito que questiona as práticas consagradas pelo jornalismo tradicional. Desde seu surgimento, a imprensa já nasceu com a ideia de atender as necessidades da sociedade. Necessidade por informação sobre o mundo que nos cerca que, quando é produzida com qualidade, pode proporcionar a mudança de cenários que parecem impostos e imutáveis, através da conscientização das pessoas. Mas, com o passar do tempo, essas intenções foram sendo deixadas de lado e o que passa a vigorar são os interesses particulares ou corporativos, não mais o público. Como bem coloca Genro Filho (1987), apesar de o jornalismo

35 ter surgido para atender as necessidades da sociedade de forma geral, o advento do capitalismo e dos meios industriais de difundir informação interferem diretamente nas relações sociais. Em meio a essas novas condições, o público passa a sentir a diferença da qualidade do material que lhe é oferecido, não encontra suas necessidades representadas nos jornais e responde através do descrédito com o jornalismo. É nesse cenário que surge o Jornalismo Público, “aquele vocacionado para a mudança, para a qual a notícia e as informações que lhes são acrescidas são constitutivas de uma práxis” (SILVA, 2002, p. 4). Para alcançar o objetivo proposto, esta pesquisa está organizada da seguinte forma: primeiro, uma parte histórica que retoma a época de nascimento do Jornalismo Público e suas principais contestações naquele momento; depois, a difícil tentativa de definir o que é o conceito, quais as suas características e suas práticas jornalísticas; por fim, chega-se ao cenário brasileiro e apresenta-se qual é a realidade do Jornalismo Público no país.

O surgimento do Jornalismo Público

O conceito de Jornalismo Público surgiu no início da década de 1990, nos Estados Unidos. Para os estudiosos, o momento histórico que influenciou diretamente a formação de tal concepção foi a eleição presidencial norte- americana de 1988. A cobertura jornalística do pleito eleitoral foi feita em um formato de jogo, corrida ou torneio em que o mais importante não eram as propostas dos candidatos, nem seus posicionamentos frente aos temas de maior interesse da população, e sim, os motivos que faziam com que cada candidato tivesse mais ou menos chance de ganhar. Danilo Rothberg (2011) destaca que tal posicionamento da imprensa já havia sido observado antes, mas que o referido momento histórico foi tido como um pico das notícias sobre as eleições como uma “corrida de cavalos”. Os maiores prejudicados com a situação foram os leitores, que viam cada dia mais a imprensa distanciar-se dos interesses deles:

36 Embora quisessem jornalismo, os leitores se veriam expostos cotidianamente a espetáculos dramáticos caracterizados por desenlaces entre vencedores e perdedores. Os enquadramentos reservavam aos leitores apenas a posição de espectadores passivos. Era justamente o próprio valor de uso da informação jornalística [...] que se perdia naquele contexto (ROTHBERG, 2011, p. 155).

Entre os motivos que justificariam tal deformação jornalística, Rothberg (2011) aponta a profissionalização das campanhas eleitorais. Assessores de imprensa e marqueteiros passaram a intermediar a relação entre os jornalistas e os candidatos, dificultando o contato e o questionamento diretos. Servidos apenas de textos “oficialescos”, os jornalistas teriam passado então a cobrir os aspectos estratégicos da corrida eleitoral e ver os políticos com desconfiança. Nesse cenário, muitos jornalistas começaram a notar que, ao se colocar distante do real interesse público, a imprensa acabou por favorecer o desinteresse da população em relação à política e ao próprio jornalismo. Tal constatação poderia ser comprovada pelo baixo comparecimento às urnas na eleição de 1988 – o que caracterizou o afastamento da participação cívica, já que o voto nos Estados Unidos não é obrigatório – e a queda nas tiragens de jornais impressos. Como explica Adriana Fiorani Pennabel (2004, p. 22), “naquele momento, grande parte do público norte-americano estava decepcionado com as coberturas políticas feitas pela imprensa e com o oficialismo que se perpetuava nas reportagens”. Os representantes da mídia perceberam, então, a necessidade de inovações na imprensa dos Estados Unidos. A partir daí, segundo Paulo Celestino da Costa Filho (2006), surge o Jornalismo Público, cujo objetivo principal era auxiliar os meios de comunicação – impresso, rádio e TV – a retomarem o contato direto com as suas comunidades, envolvendo os cidadãos, como em um diálogo, na tentativa de que eles colaborassem na resolução dos problemas. Pennabel (2004, p. 20) destaca também que, para alguns teóricos da comunicação, a criação do conceito está ligada a uma espécie de crise institucional da imprensa e do jornalismo. Por ser um fenômeno emergente do século XX, “não há dúvidas de que ele nasce em meio a muitas mudanças sociais, econômicas e políticas que marcaram a história principalmente das últimas décadas”.

37 É importante ressaltar que, apesar da definição do conceito de Jornalismo Público ter ocorrido apenas na década de 1990, nos Estados Unidos, a ideia de uma comunicação pública começou muito antes, com a criação da British Broadcasting Corporation, a BBC, em 1922, no Reino Unido. Como exemplifica Laurindo Leal Filho (1997), o discurso do primeiro diretor-geral da BBC, John Reith, já demonstra essa proposta ao defender “que ‘fazer dinheiro não era negócio do rádio’ e, ao mesmo tempo, exigia independência do ‘governo do dia’, afirmando que um dos objetivos do novo veículo era ‘propiciar a criação de um eleitorado mais inteligente e iluminado, tornando-se um fator de integração para a democracia’” (LEAL FILHO, 1997, p. 17-18). A chegada da concepção de Jornalismo Público na América apenas na década de 1990 faz com que fique evidente a demora dos nossos meios de comunicação de massa em buscarem alternativas ao modelo comercial. Foi somente com todo o cenário desfavorável à imprensa, como já mencionado, que novos rumos foram buscados pela mídia. Então, “a criação de serviços públicos de radiodifusão era o principal meio de reafirmar o papel do jornalismo na manutenção da validade de uma democracia” (ROTHBERG, 2011, p. 3). Os autores destacam que essa nova proposta de jornalismo tornou- se um verdadeiro movimento nos Estados Unidos, com características e objetivos específicos. Há propostas de mudanças radicais na forma de se fazer jornalismo, “confrontando as posturas da prática e da teoria do jornalismo tradicional” (PENNABEL, 2004, p. 23). Um exemplo, colocado por Rothberg em seu livro, é o questionamento dos precursores do movimento com relação ao distanciamento que o jornalista deve manter de seus leitores e do assunto que cobre, também conhecido como objetividade jornalística. Tal distanciamento seria o motivo da insatisfação do público com a política e próprio jornalismo. Ao longo do desenvolvimento do movimento nos Estados Unidos, surgiram organizações que se propuseram a investir nas empresas jornalísticas comercias, para que elas implementassem técnicas de jornalismo público, e a subsidiar pesquisas sobre o tema. Um exemplo é a Pew Center for Civic Journalism criada em 1994. Em um estudo encomendado pelo Pew Center,

38 em 2002, foi possível perceber a evolução do movimento no país: os números indicaram que “651 projetos de jornalismo público haviam sido implementados nos Estados Unidos desde 1994” (ROTHBERG, 2011, p. 158-159). Para Luiz Martins da Silva (2002), o desenvolvimento do Jornalismo Público enquanto movimento de reivindicação foi forte, principalmente com a ajuda da fundação norte-americana Pew Charitable Trust, em 1994. 7 Já enquanto gênero jornalístico:

[...] o jornalismo público ainda não adquiriu o status de outras especializações, a exemplo da crônica policial, do jornalismo esportivo, do jornalismo político, do jornalismo econômico e do jornalismo científico. Identificado em suas origens ora como civic journalism, ora como public journalism, o jornalismo público ainda não encontrou no Brasil nem uma tradução definitiva nem uma compreensão do que ele representa enquanto função, área de cobertura e campo profissional (SILVA, 2002, p. 2). 8

Afinal, o que é Jornalismo Público?

Como acabou de ser citado na definição de Luiz Martins da Silva (2002), pode-se considerar o Jornalismo Público enquanto um movimento e um gênero jornalístico, sendo que o conceito defendido pelo primeiro acaba por influenciar completamente a prática do segundo. Por isso, nesta parte do trabalho, primeiramente será apresentada uma definição do conceito e, em um segundo momento, as características principais que determinam essa prática. Costa Filho (2006) também considera o Jornalismo Público como um movimento, nesse caso, “movimento de questionamento dos principais valores conceituais do jornalismo informativo” (COSTA FILHO, 2006, p. 127). Nesse cenário, o jornalismo tradicional – puramente informativo – passou a ser questionado, não sendo mais considerado como a melhor forma de se exercer a atividade jornalística, pois a população se encontrava cada vez mais apática

7 Fundação da Filadélfia, fundada em 1948 pelos herdeiros de Joseph Newton Pew, interessados em financiar atividades consonantes com os valores do pai (democracia e comunitarismo). Até 1999, a entidade já havia passado cerca de UU$ 12 mi em prol do jornalismo público. 8 Vale destacar que a pesquisa do autor foi realizada em 2002, antes da criação da EBC (2007), portanto talvez a realidade brasileira hoje seja diferente.

39 diante das informações, sem capacidade de mudar a situação retratada nas notícias. 9 Ao mesmo tempo, lembra o autor, o fazer jornalístico sofre com as influências econômicas, políticas e sociais. Desta forma, os jornalistas públicos perceberam que só a “informação” não é suficiente para proporcionar um debate público. O cidadão precisa ser questionado para que, só então, ele participe. A função do jornalismo seria mais do que noticiar. É informar, é gerar discussões e despertar o interesse do público para participar e/ou modificar a sociedade em que vive. Como esclarece o autor, busca-se a visão de uma democracia participativa, na qual o jornalismo contribuiria de forma mais ativa na construção de um espaço público efetivo e na resolução dos problemas da comunidade. Tal ideia tem como base a defesa “de que o público deve ser construído, tendo como valor principal a cidadania” (COSTA FILHO, 2006, p. 132). A informação não seria o suficiente para sustentar a democracia, “sendo necessário gerar o debate público para incrementá-la e desenvolvê-la” (COSTA FILHO, 2006, p. 133). Para a pesquisadora Maria Regina de Paula Mota (2004), ao pensar em Jornalismo Público, inicialmente, é preciso pensar na definição de “público” em oposição a “privado”. Ela toma como “público” aquilo que é comum a todos; sendo que o que é comum a todos, é algo que nos é próprio. Nesse sentido:

[...] “próprio” é adequado, apropriado à realidade, o que na televisão concretiza- se pela presença dos problemas locais e regionais; [...] na pluralidade de expressões culturais e artísticas, que não podem ser legitimadas ao que a mídia reconhece e legitima. “Próprio” é também tudo aquilo de que eu posso apropriar-me e co-produzir, sugerindo pautas e programas, criticando e atuando ao participar de instrumentos de acesso à televisão (MOTA, 2004, p. 80).

Considerando essa definição, pode-se pensar que “público”, na relação com os meios de comunicação, traz como conceito dois principais aspectos: abordar os temas que fazem parte da realidade local, que devem ser os indicados pelas pessoas e não os apresentados pela mídia; e possibilitar a participação

9 Grifo meu.

40 dessas mesmas pessoas na produção dos meios, ainda que de forma indireta. Concordando com a concepção apresentada pela pesquisadora, Pennabel (2004) determina “público” como uma possibilidade de atuação ou uma participação ativa. Por isso, para ela, o Jornalismo Público é considerado “uma atividade que, além de informar, deve permitir a participação da população nesse processo” (PENNABEL, 2004, p. 18). Outro autor que aborda o conceito de “público” é Danilo Rothberg (2011), mas dessa vez fazendo uma aproximação com o termo “jornalismo”. Ele coloca que a combinação dessas palavras pode até parecer redundância, afinal “qualquer ‘jornalismo’ seria ‘público’, aberto, disponível a todos, amplamente disseminado” (ROTHBERG, 2011, p. 5). Mas, isso apenas na teoria. Basta uma releitura desses termos para perceber que não é o que ocorre, de fato, com o jornalismo. Por isso, a defesa do autor é que somente através de iniciativas concretas as palavras – “jornalismo” e “público” – podem ser realmente conectadas e desenvolver afinidade. O verdadeiro “Jornalismo Público”, então, teria como objetivo o “[...] aperfeiçoamento do jornalismo em direção ao cumprimento de sua função democrática” (ROTHBERG, 2011, p. 154). Ainda segundo Rothberg (2011), os fundamentos do Jornalismo Público estão ligados diretamente ao papel de formação política que deveria ser exercido pelos veículos de massa. Além do viés estritamente político, entre as propostas apresentadas pelo novo conceito de jornalismo, Pennabel (2004, p. 18-19) destaca como principais ideias:

– Reconectar os cidadãos à vida pública; – Oferecer informações que estimulem a participação; – Potencializar a capacidade de deliberação da cidadania; – Apoiar os processos cidadãos com uma boa cobertura; – Apresentar elementos que contribuam para o desenvolvimento da capacidade crítica da população, ao mesmo tempo em que coloca os meios de comunicação na posição de atores e promotores do diálogo social.

Outra ideia fortemente defendida pelo Jornalismo Público é a de aproximação com o público. Todos os autores, ao descreverem o momento de formação desse conceito, destacam que o ápice foi dado pelo enorme

41 distanciamento entre as notícias dadas pela imprensa e o interesse do receptor. Nivaldo Freixeda concorda com a ideia ao defender que “o Jornalismo Público propõe uma redefinição do pacto entre quem produz notícias (os jornalistas) e quem as recebe (o telespectador)” (PENNABEL, 2004, p. 20). 10 É o que Costa Filho (2006) chama de “retomada de conexão”, um jornalismo que tem atitude diferente na relação com o público ao considerá-lo como fonte importante no processo. Defende Costa Filho (2006, p. 130), “se o jornalismo tradicional se preocupa em se manter propriamente afastado, o Jornalismo Público se preocupa em se tornar propriamente ligado”. Mas, lembra o autor, é o próprio modo de produção da notícia que a condena a ser do modo que é. Por estar atrelada a poderes políticos e econômicos, são as fontes ligadas a esses poderes que têm lugar privilegiado na mídia, cabendo ao cidadão comum aparecer apenas como vítima. Ainda assim, os meios dizem estar representando os interesses de seus espectadores; o que o autor considera uma inversão já que os temas são selecionados do ponto de vista dos experts e/ou dos políticos, não dos anseios dos cidadãos. Como explica Rothberg (2011), nos Estados Unidos, a primeira medida tomada pelos praticantes do Jornalismo Público em busca de mudar a situação foi ouvir mais as pessoas comuns, registrando as sugestões delas de temas para serem pautados. Os jornais adotaram outras medidas na tentativa de atrair os leitores dispersos da vida pública, tais como: trazer matérias que enfocam a importância da participação popular na política através do voto; além de pesquisas de opinião, que buscavam saber o que realmente era considerado importante para o leitor. Apesar de alguns sinônimos – o mais comum é o de Jornalismo Cívico – e da forte defesa de envolvimento com a comunidade, é importante ressaltar que Jornalismo Público é diferente de Jornalismo Comunitário. Como diferencia o Guia de Princípios da TV Cultura (2004), o Jornalismo Comunitário expõe o problema e cobra solução, enquanto o Jornalismo Público mostra as vias de solução pelas políticas públicas: “Em vez de fazer uma matéria sobre um

10 Freixeda deu essa declaração em entrevista à autora Pennabel. Na época, ele era o diretor de qualidade da TV Cultura. A ideia defendida por ele está no trabalho referenciado da autora.

42 buraco de rua e ir atrás da autoridade para que ela solucione aquele problema, podemos retratar como funciona a política que determina a colocação de asfalto nos bairros” (JORNALISMO PÚBLICO – GUIA DE PRINCÍPIOS, 2004, p. 44). Para finalizar as principais ideias que formam o conceito de Jornalismo Público, é preciso destacar também a importância do papel desempenhado pelo jornalista para a efetivação dessas propostas. Ao profissional não cabe apenas informar sobre os fatos, é preciso que ele se preocupe com a qualidade da reflexão que será gerada, ou não, pelas pessoas. A intenção é que o jornalista se envolva “efetivamente com a valorização da vida pública, entendida novamente como o engajamento dos cidadãos nos processos democráticos” (ROTHBERG, 2011, p. 162).

Principais características

Quanto gênero jornalístico, o Jornalismo Público propõe algumas mudanças na prática da profissão. Como já foi citada, uma das primeiras propostas do movimento foi aproximar a população dos jornalistas, para que ela contribua mais com as demandas que realmente julgue importantes. Desta forma, o cidadão estaria colaborando com o que Costa Filho (2006) denomina de “agenda informativa dos meios” e os temas de interesse público estariam estabelecidos com as próprias pessoas. O ponto de vista do cidadão também deve passar a fazer parte dos materiais. O autor coloca que a intenção do Jornalismo Público é tornar a imprensa mais do que “palco no qual as diversas vozes sociais possam dialogar”, é realizar “a ação política característica dos tempos atuais” (COSTA FILHO, 2006, p. 140). Tal atitude de aproximação com o público acaba questionando uma das principais características do jornalismo tradicional: a objetividade. Como observa Danilo Rothberg (2011), o Jornalismo Público é contra o afastamento do jornalista dos fatos:

43 O distanciamento dos jornalistas em relação aos assuntos que cobrem [...] é rejeitado pelo jornalismo público. Se, no jornalismo tradicional, as pautas são tradicionalmente decididas no âmbito privado das redações, com base na crença de que os critérios de noticiabilidade correspondem a todo conhecimento necessário para os profissionais da área decidirem o quê e como será noticiado, no jornalismo cívico essa prática será duramente questionada, tornando-se imprescindível que os profissionais passem a implementar meios de o público participar da definição da agenda de cobertura (ROTHBERG, 2011, p. 159).

Apesar dessas características, Rothberg (2011) acredita que ainda é possível manter a neutralidade jornalística, pois ao defender a aproximação entre cidadãos e política, entre o jornalismo e a comunidade, o Jornalismo Público busca proporcionar a discussão de meios para a solução dos problemas, apresentar a via de resolução através das políticas públicas; não se defende a tomada de posição, soluções específicas ou a defesa partidária. Outros questionamentos do Jornalismo Público lembrados pelo autor foram: as formas tradicionais de relacionamento com as fontes, em que apenas especialistas e autoridades são considerados aptos a serem ouvidos; e “a autoridade pretensamente exercida pelos jornalistas em função de sua proximidade com o poder” (ROTHBERG, 2011, p. 160). O sensacionalismo é um dos aspectos mais presentes no jornalismo tradicional e, totalmente, descartado no propósito do Jornalismo Público. Como lembra Luiz Martins da Silva (2002), a sociedade é a maior produtora de fatos retratados pelo jornalismo. Mas, o diferencial do movimento é “agregar aos valores/notícia tradicionais elementos de análise e de orientação do público quanto a soluções dos problemas” (SILVA, 2002, p. 3-4). A responsabilidade social passa a ser considerada um aspecto importante, em oposição ao antigo paradigma jornalístico de faturar através dos dramas humanos. Para Silva (2002, p. 4), “o jornalismo e o jornalista vocacionados seriam aqueles que viveriam para o jornalismo e não do jornalismo; viveriam para o jornalismo comprometido com os avanços social, econômico, cultural e humano e não apenas faturando em cima das mazelas do cotidiano”. Depois dessa análise detalhada de cada característica, é possível elencar as transformações propostas pelo Jornalismo Público da seguinte forma, de acordo com Rothberg (2011, p. 163-164):

44 a) o jornalismo público se apoiaria menos sobre a ‘torre de marfim’ – na qual se isolam os tradicionais profissionais da área, imersos nas relações de exclusividade com suas fontes e escondidos sob a imagem de pretensa superioridade e elitismo – e mais na interação com o público; b) a ênfase do jornalismo público se daria menos sobre as fontes oficiais e instituições sociais, em favor da agenda dos cidadãos; c) o foco na política como um jogo seria substituído pela exploração das consequências da política para as comunidades; d) o quadro de causas e consequências seria preenchido menos por falhas e casos extremos, e mais pela oferta de soluções e alternativas; e) o conteúdo das matérias traria menor sobrecarga de informações e evitaria a divulgação de fatos sem contexto, proporcionando, em seu lugar, ‘informação com pragmatismo e contextualização’; f) o público das notícias deixaria de ser visto como soma de consumidores passivos, e passaria a ser tido como grupo dinâmico de cidadãos ativos.

O Jornalismo Público no Brasil

As ações que buscaram praticar um Jornalismo Público no país foram tímidas no começo. Ainda assim, segundo Silva (2002), a principal característica da prática do gênero é não fazer uma simples cópia e/ou adequação dos conceitos desenvolvidos nos EUA. “Dessa forma, pode-se dizer que, no Brasil, o jornalismo público está emergindo com características próprias e, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, não houve, aqui, intenções e ações visando especificamente fundar uma categoria jornalística” (SILVA, 2002, p. 3). Nos Estados Unidos, o jornalismo público é tido como um movimento, que ficou restrito a alguns veículos de comunicação de massa. Já no Brasil, não houve nem adesão total nem rejeição, o que aconteceu foi uma enorme onda de simpatia do novo segmento para com as causas sociais. Em um comparativo, Silva (2002) avalia que, na situação norte-americana, há um “compromisso

45 editorial” do canal de comunicação com a instituição parceira. Na realidade brasileira, realiza-se a chamada “mídia espontânea” em favor de uma causa. E a causa escolhida pela imprensa nacional tem sido a cobertura de ações sociais como o voluntariado, o combate ao analfabetismo e à fome, os artifícios de proteção à criança etc. Temas que estariam relacionados ao chamado “Terceiro Setor”.11 Essa realidade fez com que Silva (2002) classificasse o Jornalismo Público existente no Brasil em quatro categorias: Jornalismo Público de Patrocínio - Os veículos de comunicação são patrocinados por alguma (s) entidade (s) para produzir notícias relacionadas a um tema específico, da área de interesse de seus patrocinadores. As pautas temáticas também são disseminadas para os outros veículos de comunicação. Jornalismo Público de Campanhas - O veículo de comunicação noticia, sob a forma de campanhas jornalísticas, assuntos de alguma natureza. Adotam um tema e fazem uma campanha informativa com ele. É praticado sem parcerias formais. Jornalismo Público Institucional - O veículo de comunicação toma como pauta as ações sociais realizadas por empresas. Divulgam rankings, fazem reportagens sobre as ações, o Terceiro Setor. Jornalismo Público Promocional - O veículo de comunicação toma como pauta as ações sociais realizadas por empresas. Divulgam rankings, fazem reportagens sobre as ações, o Terceiro Setor. Para o autor, a cobertura de temas sociais pela mídia está crescendo devido, também, a importância que o Terceiro Setor adquiriu nesses últimos tempos. Ele pode ser considerado como um “mercado à parte”, que movimenta e envolve grandes quantidades de dinheiro e de pessoas. De acordo com uma pesquisa realizada por Silva, entre os anos de 1996 e 2000, a cobertura de matérias sobre crianças e adolescentes cresceu, aproximadamente, 500%: Através desses dados, é possível perceber que, mesmo sendo uma prática recente na imprensa brasileira, o Jornalismo Público já consegue contribuir para uma mudança na forma da cobertura tradicional dos assuntos pela mídia. Ainda assim, os veículos de comunicação de massa brasileiros não se declaram

11 Terceiro Setor: projetos de ação social sem fins lucrativos, com ou sem apoio financeiro estatal ou privado.

46 praticantes do Jornalismo Público, seja por desconhecimento ou por falta de interesse em adotá-lo em suas práticas editoriais. A primeira emissora a adotá- lo em sua programação foi a TV Cultura, de São Paulo, que em agosto de 2000 aplicou o conceito nos programas semanais “Matéria Pública” e “Diário P a u l i s t a”. Com esse objetivo, a TV Cultura se lança ao desafio de pôr em prática um novo modelo de jornalismo. Modelo esse que pudesse obedecer “aos mesmos pressupostos da Televisão Pública: fosse dirigido para o homem e a sociedade; não para o mercado e o poder governamental” (JORNALISMO PÚBLICO – GUIA DE PRINCÍPIOS, 2004, p. 3). Ao assumir a postura de uma televisão pública, toda a programação da emissora acompanha essa proposta. No caso da informação, busca-se abandonar a espetacularização da notícia e privilegiar a compreensão dos conteúdos, sejam eles jornalísticos, artísticos, políticos, científicos, entre outros. A orientação é para fugir do superficialismo do jornalismo televisivo. Atualmente, outra emissora que se dedica, desde sua formação, a prática do Jornalismo Público é a TV Brasil. Gerida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), ela integra todo um sistema comunicacional que busca complementar e ampliar a oferta de conteúdos formadores da cidadania. A emissora está no ar desde dois de dezembro de 2007 e exibe, como principal produto informativo, o telejornal Repórter Brasil.

Considerações Finais

Para finalizar este trabalho, é importante destacar que, apesar de surgir com o intuito de transformar a forma como a mídia tem realizado sua cobertura informativa, o Jornalismo Público também nasceu com um propósito comercial. Afinal, a redução nas tiragens de venda, percebida no início da década de 1990 e real até hoje, também foi um dos motivos que fizeram os jornalistas despertarem para a qualidade do produto que estava sendo produzido.

47 Ainda assim, os benefícios para a área conceitual do jornalismo são grandes, já que o movimento fez com que a forma de produção da notícia fosse repensada. O jornalismo volta a ser visto como um meio que pode contribuir com a construção de um espaço público efetivo. Mas, se faz necessário continuar buscando que o Jornalismo Público seja tido como gênero jornalístico, aplicável nas mais diversas redações e não somente nos meios públicos de comunicação. Realidade esta que tem sido percebida no cenário brasileiro, no qual apenas duas emissoras – TV Cultura e TV Brasil – assumem-se dispostas ao desafio exigido pelo novo conceito. Talvez seja a ligação, cada vez mais intensa, entre os meios de comunicação e as forças econômicas e políticas que tem dificultado o exercício de um jornalismo realmente cidadão. Com isso, caberia ao público exigir seus direitos. Principalmente, com as emissoras de TV e os canais de rádio, pois são veículos que exploram um bem de todos através de concessões. Somente quando o cidadão tomar consciência de que, na verdade, esses canais pertencem ao povo vai se conseguir força suficiente para se exigir mudanças.

Referências bibliográficas

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GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide – para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Tchê, 1987. 230 pp. Jornalismo Público – Guia de Princípios. São Paulo: Gráfica da Fundação Padre Anchieta, 2004.

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MOTA, Maria Regina de Paula. Uma pauta pública para uma nova televisão brasileira. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 22, p. 77-86, junho de 2004.

PENNABEL, Adriana Fiorani. Um estudo sobre o Jornalismo Público no Brasil: o modelo da TV Cultura. 2004. 119 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Jornalismo). Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

48 ROTHBERG, Danilo. Jornalismo Público: informação, cidadania e televisão. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo público: o social como valor-notícia. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO (COMPÓS), XI, 2002, Rio de Janeiro.

49 TELEJORNALISMO E OPINIÃO A Opinião no Telejornalismo da Globo: história e perfil do Jornal da Globo

Maurício Donavan Rodrigues Paniza

Resumo Este trabalho traz os primeiros resultados do projeto: “A Opinião no Telejornalismo: um Olhar sobre o Jornal da Globo”, realizada junto ao grupo de pesquisa em Telejornalismo e Linguagens da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Como resultados parciais, tivemos um levantamento histórico sobre o programa e as suas características. Além disso, foi realizada uma observação experimental da edição veiculada no dia 17/07/2014, quinta-feira, de forma a identificar a presença da opinião no telejornal. Percebemos que o Jornal da Globo, desde o seu início, foi um telejornal mais centrado na análise, e atualmente utiliza a opinião em seu conteúdo. Palavras-chave: Jornalismo; Telejornalismo; Jornal da Globo; Opinião

Introdução

O telejornalismo ainda exerce papel importante para a população brasileira considerando o nível de informação que esta possui. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada em 2011 apontou que aproximadamente 97% dos brasileiros possui, pelo menos, um aparelho de televisão.12 Em várias regiões ela se caracteriza como principal e até único veículo de informação. Os resultados da Pesquisa Brasileira de Mídia de 2014 também confirmam a participação da televisão na vida dos brasileiros, ao constatar que 97% assistem à televisão pelo menos uma vez por semana. Pode-se afirmar, portanto, que a televisão faz parte do cotidiano das pessoas.13

12 Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2011. Entre os bens duráveis, a televisão foi o 3° bem mais presente na casa dos brasileiros, com alcance de 96,9% dos domicílios. 13 A Pesquisa Brasileira de Mídia foi encomendada pelo Governo Federal, e teve seus resultados apresentados à população em março de 2014. O conteúdo foi publicado integralmente pela Observatório da Imprensa e está disponível em < http://observatoriodaimprensa.com.br/download/PesquisaBrasileiradeMidia2014. pdf>

51 Por isso, torna-se relevante estudar a história desses programas e que tipo de materiais eles veiculam. Uma das vertentes pela qual é possível conhecer a estrutura dos telejornais é a partir dos formatos dos quais eles são compostos. Desse modo, pode-se identificar se os telejornais se posicionam sobre o assunto noticiado, por meio da opinião, por exemplo. Na Rede Globo, os telejornais são os produtos de maior destaque. A emissora veicula em rede nacional diariamente quatro telejornais: o , o , o Jornal Nacional e o Jornal da Globo, além de boletins e telejornais temáticos como Esporte. A amplitude desses programas na sociedade brasileira é tamanha que os telejornais são denominados por Alfredo Vizeu (2008) de “praça pública”. Diante do exposto, partimos da hipótese de que o Jornal da Globo, telejornal veiculado de segunda a sexta-feira no final da noite, pela Rede Globo, é um programa com característica mais opinativa. Entende-se que tal telejornal é único com tais elementos na Rede Globo e um dos poucos da televisão aberta comercial brasileira. Nesta perspectiva este trabalho busca responder a seguinte pergunta: Em que medida o Jornal da Globo é opinativo? Para isso, faremos uma retrospectiva histórica e uma observação descritiva de alguns elementos que compõem o telejornal, a partir da edição veiculada no dia 17/07/2014.

História e Transformações do Jornal da Globo

O Jornal da Globo é um telejornal veiculado de segunda a sexta-feira pela Rede Globo de Televisão. Sua criação se deu em 1967, antes mesmo da criação do Jornal Nacional. No entanto, o telejornal ficou fora da programação da Rede Globo entre 1969 e 1979, quando volta a fazer parte da programação da emissora em proposta reformulada. No entanto, é só em 1982 que o telejornal passou a ser exibido de forma fixa. Há pouco mais de 30 anos em exibição ininterrupta, o Jornal da Globo passou por algumas mudanças desde a sua criação. Em sua versão inicial, o

52 telejornal tinha apenas 15 minutos e era apresentado por Hilton Gomes e Luis Jatobá. O telejornal exibia um “panorama das principais notícias do Brasil e do mundo”, de segunda a sábado, às 19h45. Sua edição inaugural foi aberta com uma reportagem sobre a implantação da televisão via satélite no Brasil, em que o apresentador explicava que a partir dali os telespectadores poderiam ter acesso ao que estivesse acontecendo no mundo no exato momento dos fatos. Quando o telejornal voltou a fazer parte da programação da Rede Globo em 1979, estava reformulado, e não se tratava mais de um telejornal de curta duração disposto a somente transmitir as manchetes do dia. Nesta fase o telejornal investe em gêneros que continuam presentes no formato atual, como a coluna e o comentário.

Diferente do seu antecessor – um informativo basicamente apoiado em manchetes, levado ao ar entre 1967 e 1969 –, o novo telejornal era marcado pela diversidade de gêneros, conciliando reportagens, análises, séries e entrevistas ao vivo. O noticiário internacional era apresentado de Londres e Nova York pelos correspondentes da emissora. O tempo de duração do telejornal era determinado pela principal entrevista do dia, com o mínimo de 30 minutos. (MEMÓRIA GLOBO, 2014)

Na ocasião do lançamento do Jornal da Globo em 1979, ele foi destacado como um telejornal com um projeto diferenciado dos outros telejornais da época. Um telejornal que aspirava “entrar com mais profundidade na análise das principais notícias do dia”. No entanto, ficou pouco mais de um ano fora do ar, entre 1981 e 1982. (VEJA, 1979) Após o intervalo de pouco mais de um ano fora do ar, entre março de 1981 e agosto de 1982, a reestreia do Jornal da Globo foi noticiada como ousada. Na época, o telejornal se interessou por abordar mais a área de Economia, e rompeu como o modelo vigente de telejornalismo ao substituir a figura do locutor como apresentador. Com o Jornal da Globo, um time de jornalistas passou a tomar as rédeas do estúdio. (VEJA, 1982) Um histórico do telejornal publicado este ano revela detalhes importantes do formato e transformações do programa. De forma cronológica, são destacados fatos considerados marcantes na história do telejornal. A

53 estreia do Jornal da Globo se deu no aniversário de 14 anos da Rede Globo e se tratava de “um noticiário de fim de noite recheado de análises, grandes reportagens, séries e entrevistas de estúdio”, que contava com a participação de correspondentes internacionais. A partir de 1982, o telejornal se consolidou na programação da emissora e passou a destinar um bloco inteiro ao principal acontecimento do dia. (JORNAL DA GLOBO, 2014) Em 1983, o programa ganhou o reforço de dois humoristas: Jô Soares como comentarista e Chico Caruso, como chargista e com os trabalhos exibidos semanalmente. O telejornal inaugurou também a tendência dos casais apresentadores, com os jornalistas Eliakim Araújo e Leila Cordeiro, que ficaram na bancada de 1986 a 1989, quando os dois foram substituídos por William Bonner e Fátima Bernardes. Um marco importante na história do telejornalismo da Rede Globo ocorrido no Jornal da Globo foi a contratação de Lillian Witte Fibe como âncora em 1993. A jornalista foi a primeira mulher a apresentar e ancorar um telejornal na maior rede de televisão do país. Nesta época, o telejornal deu ênfase às notícias de Brasília e passou a contar com os comentaristas Alexandre Garcia (política), Joelmir Beting (Economia), Juca Kfouri (Esporte) e com Paulo Francis como correspondente de Nova Iorque. Na década de 1990 também passaram pela bancada como apresentadoras as jornalistas Mônica Waldvogel, com experiência em Política adquirida como repórter em Brasília, em 1996, e , que ficou aproximadamente um ano no cargo, em 1997. Após a saída de Sandra, Carlos Tramontina apresentou o Jornal da Globo de forma interina. Em 2000, a Rede Globo contratou como âncora do Jornal da Globo a jornalista Ana Paula Padrão, que permaneceu na função até 2005. Foi nesse ano em que os atuais apresentadores, Christiane Pelajo e William Waack assumiram a bancada. Foi também em 2005 que o programa passou a contar com comentaristas fixos: Carlos Alberto Sardemberg (Política) e Arnaldo Jabor (Economia). A logomarca do telejornal mudou pouco desde a estreia do telejornal e sempre esteve presente em seu cenário, com exceção de 1993, em que a bancada incorporou várias telas de aparelhos televisores. Em 1996, o programa volta a utilizar a bancada padrão, com predominância das cores azul e cinza

54 e a ilustração da logomarca do telejornal. A partir de 1997, o Jornal da Globo também incorpora sua própria redação como cenário para o telejornal. Tal mudança pode ser percebida em outros telejornais da Rede Globo na época, como o Jornal Nacional. Outro aspecto a se destacar é informatização da redação, pois podemos perceber computadores em uso durante a exibição do telejornal a partir da década de 2000. Os aparelhos ligados parecem transmitir a ideia de que a redação sempre está em busca de novos assuntos a cobrir. Ou mesmo pode ser interpretada como uma representação da dinamicidade da cobertura jornalística televisiva.

O Jornal da Globo em 2014: estrutura e inovações

Em relação ao conteúdo, o Jornal da Globo atualmente conta com um editorial, apresentado por William Waack no início de cada edição. Este é um elemento caracterizador, já que se trata do único telejornal da rede a contar com tal formato. Após o editorial, são apresentadas as manchetes do dia, com a utilização do recurso do teaser.14 Outro elemento caracterizador do telejornal é a presença de comentaristas nas áreas de economia e finanças, política, economia, tecnologia, meio ambiente e cultura, e a presença da charge como ferramenta de crítica política. Uma dessas colunas, chamada de Conecte, na área de tecnologia, foi analisada por Puhr et al (2013). No trabalho, os pesquisadores observam que o comentário passa a ser elemento fixo do telejornal em 2005, com Arnaldo Jabor (política) e Carlos Alberto Sardemberg (economia), que são colunistas do Jornal da Globo até hoje. Em relação à coluna Conecte, exibida quinzenalmente pelo programa, conta-se com a participação de correspondentes internacionais, que abordam as últimas novidades da área de tecnologia e inovação.

14 Teaser são as imagens que ilustram as manchetes da escalada.

55 Outra característica presente no Jornal da Globo é a sua capacidade em pautar e ser pautado por outros veículos midiáticos. Fantinatti (2009), ao analisar a programação de telejornalismo da Rede Globo, menciona que o programa “se detém sobre os fatos do dia e antecipa o que estará em pauta no dia seguinte”. A pesquisadora ainda caracteriza o JG como um “telejornal que se dedica ao aprofundamento e análise das notícias em diversas áreas”. Atualmente, o programa não tem horário fixo dentro da grade de programação, e geralmente vai ao ar entre 23h30 e 00h30. O telejornal é conhecido pelas coberturas da vida política e econômica do Brasil. Em relação ao formato editorial, percebe-se que ele foi incorporado pelo telejornal entre 2004 e 2005, quando William Waack e Christiane Pelajo assumiram a bancada do Jornal da Globo, em substituição à jornalista Ana Paula Padrão. Durante a década de 1990 e parte dos anos 2000, o início de telejornal era marcado pelas principais manchetes do dia. Ou seja, a entrada do telejornal era e seca. Em abril de 2014, a Rede Globo anunciou uma série de reformulações na programação da emissora. Entre as mudanças implementadas pela emissora, esteve a reformulação dos cenários e formatos de alguns telejornais. Os Jornal Hoje e o Jornal da Globo ganharam novo espaço físico, e novos formatos de apresentação. O Jornal da Globo passou a contar com mais telas, em que os apresentadores podem analisar indicadores econômicos com gráficos detalhados e conversar simultaneamente com repórteres em várias partes do Brasil. Essas mudanças no telejornalismo da televisão aberta foram inspiradas no canal pago Globonews, em que os jornalistas têm maior liberdade de criação.

56 Imagem 1 – Cenário atual do Jornal da Globo – Abertura

Fonte: Globo.tv (2014)

Imagem 2 - Cenário atual do Jornal da Globo – Apresentação

Fonte: Globo.tv (2014)

57 Conforme podemos perceber nas imagens 1 e 2, as mudanças incorporados pelos telejornais modificaram o papel do apresentador no Jornal da Globo. Agora, eles não estão mais presos à bancada. Algumas notícias são apresentadas com Christiane e William em pé. Percebemos na última imagem, da primeira edição do Jornal da Globo em novo formato, que Christiane Pelajo conversa com três repórteres de diferentes locais do país, simultaneamente. Tal recurso é utilizado pelo programa Em Pauta, da Globo News. Temos, portanto, alguns aspectos sobre a trajetória do Jornal da Globo. Mas qual é a audiência do telejornal? Para qual público ele é feito? A Pesquisa Brasileira de Mídia, encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República ao Ibope e divulgada em março de 2014 ajuda a responder essas perguntas, ao traçar um panorama dos hábitos de consumo de mídia no país. Na perspectiva da Pesquisa Brasileira de Mídia, o público telespectador do Jornal da Globo é, em sua maioria: do sexo masculino, da faixa etária de 36 a 55 anos, ou seja, pessoas adultas e de meia-idade, com ensino superior completo, residentes em municípios de médio e grande porte, e com alto poder aquisitivo, levando em conta que a maioria se situa na maior faixa salarial averiguada pela pesquisa. No entanto, com exceção do gênero, o próprio apresentador do Jornal da Globo William Waack, em uma entrevista da Revista Imprensa citada por Flávio Porcello, caracteriza o público do Jornal da Globo de forma convergente à Pesquisa Brasileira de Mídia. O âncora destaca que o Jornal da Globo, do “ponto de vista jornalístico, é um produto de alta classe, voltado para o melhor segmento do público, que tem mais poder aquisitivo e escolaridade. É um público que exige análise e opinião”. (PORCELLO, 2008, p. 57).

A Opinião em uma edição típica do Jornal da Globo

Para identificar a presença da opinião no Jornal da Globo, vamos acompanhar descritivamente a edição veiculada no dia 17/07/2014. Naquele

58 dia foi noticiada a queda do avião da Malaysia Airlines em solo ucraniano. Como de costume, o telejornal foi aberto com um texto opinativo lido por William Waack. Na escalada, Christiane Pelajo já adianta a preocupação do programa em fazer análises sobre o incidente.

CHRISTIANE PELAJO - De Nova Iorque a repercussão política.

De Tóquio, por que a Malaysia resolveu manter a rota mesmo sabendo do conflito na região? (JG, 17/07/2014)

Além da queda do avião, o telejornal trouxe naquele dia os assuntos: Israel e os conflitos com a Palestina, uma pesquisa do Instituto Data Folha sobre as intenções de voto e avaliação do Governo, e os gols da noite. No início do 1º bloco, os apresentadores conversam com o correspondente Jorge Pontual, de Nova Iorque. Pontual comenta a repercussão, nos Estados Unidos, da queda do avião da Malaysia Airlines. Após uma reportagem sobre o assunto, Christiane Pelajo conversa com o correspondente Márcio Gomes, em Tóquio. O objetivo é explicar com mais detalhes as razões do acidente e o perfil das vítimas. Em seguida, William Waack, com o auxílio de painéis interativos e ainda sobre a queda do avião, faz uma análise da conjuntura política e das razões que teriam levado ao trágico incidente. Na imagem, Waack opina sobre a possível origem do armamento que provocou a queda do avião. Segue abaixo um trecho do texto.

WILLIAM WAACK - Esta é a área super próxima à Rússia. Esse míssil partiu de onde? De dentro da Ucrânia ou próximo, de dentro da Rússia? É o que parece um pequeno detalhe da Geografia, com enormes implicações na Política (JG, 17/07/2014)

59 Imagem 3 – William Waack faz análise no Jornal da Globo

Fonte: Globo.tv (2014)

O segundo bloco do telejornal foi aberto com uma cobertura sobre a Guerra na faixa de Gaza. Após uma reportagem sobre o assunto, mais um comentarista. Dessa vez é Renato Machado. De Londres, o correspondente faz uma análise histórica sobre a guerra entre israelenses e palestinos e faz questionamentos sobre qual seria a melhor solução para o assunto.

RENATO MACHADO - O mundo concorda que a solução é a criação de um estado palestino. Mas o perigo dessa guerra de atrito entre vizinhos é a desesperança, a falta de estímulo, a desconfiança. (JG, 17/07/2014)

No terceiro bloco do telejornal, o comentarista Carlos Alberto Sardenberg analisa a oferta de negócios realizada pela China à América Latina, após a visita do seu presidente ao Brasil, coroada com a assinatura de 32 acordos comerciais. O comentarista discute as relações de importação e exportação entre os dois países. Ele ainda analisa os índices de abertura de vagas formais de emprego no Brasil em junho.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG - A China provocou dois eventos aqui na América Latina. Um foi: inundou de produtos industriais, eletrônicos, roupas e tecidos baratos, e agora máquinas e equipamentos. E se tornou consumidora voraz de commodities. (...) Agricultura e serviços criaram empregos. Serviços é hotelaria, restaurantes... a Copa. E fecharam vagas: indústria, construção civil, e comércio. Também efeito Copa. Muito feriado, pouco trabalho, pouca produção, pouco emprego. (JG 17/07/2014)

60 No penúltimo bloco, foram anunciados os resultados de uma série de pesquisas do Instituto Datafolha em relação às Eleições e outras questões envolvendo a relação dos brasileiros com o Governo. Não houve formato opinativo. O Jornal da Globo se limitou em anunciar o resultado das pesquisas. Por fim, o último bloco contou com os gols da noite e outras notícias da editoria de Esporte. Também não houve opinião.

Considerações Finais

O Jornal da Globo é um programa diferenciado em relação aos demais telejornais da televisão comercial aberta brasileira. Sua trajetória indica que desde o princípio, tratou-se de um programa mais centrado em análises o que, consequentemente, abre espaço para uma presença maior de formatos opinativos. Esta pesquisa inicial revela alguns indícios sobre os elementos caracterizadores do Jornal da Globo. No entanto, é necessário que haja uma observação sistemática do programa para que se possa corroborar a característica de predominância do jornalismo opinativo neste telejornal. Na edição do dia 17/07/2014 pudemos ver que a Opinião teve bastante destaque no telejornal. Para noticiar os principais fatos do dia, o Jornal da Globo se utilizou do editorial, texto de abertura lido no início do telejornal, e dos comentários, por meio dos seus correspondentes internacionais. Como passos seguintes para esta pesquisa, cabe realizar uma observação sistemática de edições seguidas, de forma a avaliar também quantitativamente a presença dos formatos opinativos no telejornal.

Referências bibliográficas

FANTINATTI, Maria Sílvia. O Que se Vê na TV: análise do fluxo da programação da Rede Globo. 2008. 84f. Tese (Doutorado). Programa de Pós Graduação em Comunicação e Semiótica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 2008.

61 GLOBO.TV. Plataforma digital de conteúdos da Rede Globo. Disponível em < http:// globotv.globo.com/>. Vários acessos.

MEMÓRIA GLOBO. Jornal da Globo – 1979/ no ar. Disponível em < http:// memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/telejornais/jornal-da-globo-1979- no- ar.htm>. Acesso em 15 abr. 2014.

PORCELLO, Flávio. In: VIZEU, Alfredo (Org.). A Sociedade do Telejornalismo. Petrópolis: Vozes, 2008.

PUHL, Paula Regina; ARAÚJO, Willian; DONATO, Aline Strick. Os desafios sobre noticiar e utilizar a tecnologia na televisão: uma análise da coluna Conecte do Jornal da Globo. Revista Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, v. 10, p.35-55, mar. 2013.Disponível em: . Acesso em: 19 maio 2014.

SOUZA, Florentina das Neves. Alguns Momentos dos 50 anos do Telejornalismo no Brasil. 2000. 179 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.

SQUIRRA, Sebastião. Boris Casoy: o âncora no Telejornalismo. Petrópolis: Vozes, 1993.

TELEJORNALISMO. Jornal da Globo, São Paulo: Rede Globo, várias edições. Programa de TV.

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_____. Ed. Nº 738. São Paulo: Abril: 27. out. 1982. VIZEU, Alfredo. In: COUTINHO, Iluska. PORCELLO, Flávio. VIZEU, Alfredo. 40 anos de Telejornalismo em Rede Nacional. Florianópolis: Insular, 2009.

62 História e trajetória do Jornal da Band: como o telejornal dialoga com o telespectador

Vanessa Tolentino

Resumo Este artigo está vinculado a um subprojeto de pesquisa em telejornalismo da instituição e tem o intuito de recuperar a história do Jornal da Band, que é exibido pela Rede Bandeirantes desde 1967 e é tido como o telejornal mais antigo do país que ainda se mantém em exibição, e retratar as transformações no perfil do noticiário a partir da troca de apresentadores. Para o estudo, foram selecionados quatro apresentadores mais representativos e relevantes no cenário nacional e na trajetória do programa jornalístico desde o seu surgimento até a atualidade. Além do suporte bibliográfico, foram utilizados na investigação, periódicos, entrevistas e estudo exploratório nas diversas fases do telejornal. Com a pesquisa, pretende-se entender e evidenciar o papel fundamental do apresentador na construção do perfil doJornal da Band, um dos destaques da história do telejornalismo brasileiro e ainda pouco estudado pelos pesquisadores. Palavras-chave: História do telejornalismo; Jornal da Band; comunicação; apresentadores.

Introdução

O Jornal da Band é o telejornal mais antigo que ainda é exibido no país. Está no ar desde a fundação da TV Bandeirantes, de São Paulo em 1967, sendo até hoje o principal telejornal da emissora. Neste artigo, pesquisamos importantes momentos na trajetória do telejornal que podem ser entendidos como parte da história do telejornalismo no Brasil. O perfil dos apresentadores e o direcionamento da linha editorial de cada um é o foco deste trabalho. Buscando uma recuperação histórica dos momentos importantes vividos pelo telejornal por meio da mudança de apresentadores, mais especificamente de quatro deles, têm-se as transformações no estilo do telejornal. Os apresentadores são fundamentais na estrutura dos telejornais e exercem um papel no qual de acordo com Bara (2013) “são vistos como a cara e a voz do telejornal que apresentam – ou representam”. Para Fechine

63 (2008), a força do apresentador diante do público influencia na credibilidade do telejornal, que está atrelada à confiança que os espectadores depositam nos apresentadores. Para a pesquisa utilizou-se periódicos, bibliografia, entrevistas e estudo exploratório do telejornal nas diversas fases. O recorte do trabalho é o perfil de quatro apresentadores: Joelmir Beting, Marília Gabriela e Paulo Henrique Amorim, além de Ricardo Boechat, que é o atual âncora do Jornal da Band. O critério de escolha foi a representatividade e relevância de cada um deles no cenário nacional, visto que todos, antes de assumirem a apresentação do telejornal, estiveram na Rede Globo, a maior emissora do país. Pretende-se com o estudo evidenciar a mudança do perfil do telejornal em função da troca de apresentadores. Cada um com sua particularidade acrescentou o próprio estilo ao noticiário, com isso, podemos afirmar que todos contribuíram para as mudanças ocorridas no perfil do telejornal e no modo como era e ainda é construído. Para a pesquisa, utilizamos as referências com o intuito de descobrir o que se comenta sobre os apresentadores escolhidos. O artigo divide-se pelos apresentadores estudados, os quais são organizados por uma linha histórica. Desse modo, partimos do antigo ao atual.

História

A Rede Bandeirantes foi fundada no ano de 1967 em São Paulo por meio de concessão do então presidente Artur Costa e Silva. O fundador da Rede, João Jorge Saad, assumiu a Rádio Bandeirantes em 1948, a qual pertencia ao sogro, Adhemar de Barros, na época, governador de São Paulo e um dos políticos mais influentes do país. 15 Com a emissora de rádio, João Saad deu início ao que hoje é o Grupo Bandeirantes, englobando diversos veículos de comunicação, dentre eles, a Tv Bandeirantes. No mesmo ano da criação da emissora, entrou no ar o Jornal da Band. Com transmissão apenas em São Paulo, pelo menos até a metade da década de 80, o telejornal levou o nome de Jornal Bandeirantes até o ano de 1997, quando

15 João Saad era comerciante em São Paulo quando adquiriu concessões de rádio e televisão.

64 passou por uma reformulação, apostando na credibilidade do apresentador e alterando o nome para o atual Jornal da Band. Desde o início, o noticiário e a rede passaram por diversas mudanças. Mas foi no ano 1981 que a Bandeirantes passou a seguir uma linha fundamentalmente focada na produção jornalística, isso porque Walter Clark assumiu a diretoria geral da Rede e determinou que o jornalismo passasse a ser o foco da emissora, que teria seis horas diárias de Jornalismo (BEUTTENMULLER, 1981). 16 Segundo José Neummanne Pinto (1981), a nova fórmula da Bandeirantes apoiava-se em uma linguagem mais informal, em uma edição mais relaxada e “na costura entre as matérias”, que mantinham ligação umas às outras, fazendo parte de um única corrente, além dos comentários ao final das notícias. O Jornal da Bandeirantes era o principal noticiário da emissora e foi o principal alvo das transformações propostas por Clark. Investindo nessas mudanças, na modernização e em um telejornal “que não seja substantivo em excesso”, Walter Clark trouxe também uma figura até então inusitada para o telejornalismo brasileiro, o chamado âncora, nome derivado do termo norte-americano “anchorman”. Segundo Squirra (1993), nos Estados Unidos o âncora não é somente apresentador do noticiário, mas principalmente editor-chefe. O âncora é o “que orienta os temas a serem cobertos; [...] que elimina assuntos; que inclui novas abordagens e que redireciona o texto na hora da introdução dos assuntos no estúdio”.

Joelmir Beting

O Jornal Bandeirantes e Clark foram os responsáveis por aplicarem o trabalho de âncora pela primeira vez no Brasil, mais especificamente em São Paulo, quando Joelmir Beting conhecido por se dedicar ao jornalismo econômico e pelo seu trabalho na Folha de São Paulo e na Tv Gazeta, assumiu

16 Em 1956 iniciou a carreia como assessor comercial na TV Rio, de onde saiu em 1965 para assumir a direção da Rede Globo até 1977. Voltou à televisão em 1981, quando se tornou o diretor geral da Rede Bandeirantes e permaneceu até o ano seguinte. Morreu em 1997 no Rio de Janeiro, aos 60 anos.

65 a bancada do telejornal. 17 Boris Casoy é quem afirma: “A posição de âncora não é uma novidade no Brasil [...] durante o regime militar, na Bandeirantes, o Joelmir Beting fez esse tipo de trabalho” (CASOY,1994, p.41). Segundo Joelmir Beting, a figura do âncora deriva de uma cultura americana que necessita de uma “grande estrela” e na qual o triunfo individual carrega extrema importância, diferentemente do que acontece no jornalismo brasileiro. Para o jornalista, no nosso país a valorização ao trabalho em equipe se sobrepõe ao indivíduo e a “luz própria” não seria respeitada pela empresa. Quando é o jornalista que fala e não a empresa, ele pode ficar fora do controle político e não comprometer o trabalho em equipe, mas no Brasil, “essa luz própria” não se ganha, ao contrário, deve ser arduamente conquistada. Ainda para Beting, “o âncora é então um americanismo num caldo de cultura de rejeição, não vai longe e não funciona”. (BETING In VIEIRA, 1991). O diretor de Jornalismo da Bandeirantes tinha o objetivo de adotar a fórmula integral de Walter Cronkite, reunindo em uma mesa todos os editores, fazendo com que cada um apresentasse seu noticiário enquanto o âncora ia costurando o telejornal como um todo (NEUMMANNE, 1981). 18 No período (1975-1985) em que Beting ancorou o Jornal Bandeirantes ao lado de Ferreira Martins, havia a necessidade de se trabalhar com o improviso. De acordo com suas próprias recordações, o telejornal era editado “na marra”:

Era uma ancoragem cirúrgica, porque às vezes eu tinha dois minutos de vazio no jornal e precisava preenchê-lo no papo [...] A exigência de criatividade era um absurdo, eu perdia adrenalina toda noite (por mais que o resultado pudesse ser bom). Não era experiência pela opção de um modelo e sim por uma deficiência operacional da empresa. Aquilo era um “tampão” ao vivo, com a nossa cara sob o risco de fazer ou dizer besteiras, como andou acontecendo. (Beting, In: VIEIRA, 1991,p. 122-3). Ao assumir o telejornal em 1975, Beting levou do jornalismo impresso a linguagem fácil e clara e empregou o seu senso de humor ao fazer jornalístico.

17 Joelmir Beting foi um importante jornalista econômico no país. Começou no rádio, passou pela Folha de São Paulo como editor de economia, apresentou um telejornal com o mesmo assunto na Tv Gazeta e chegou à Bandeirantes em 1975, onde permaneceu até 1985. Retornou em 2004 com uma participação expressiva em programas jornalísticos da emissora. Morreu em março de 2012. 18 Walter Cronkite foi o “mais importante âncora da CBS (rede norte-americana de televisão e rádio) e da história do telejornalismo norte-americano, foi o primeiro jornalista que – além de ter a incumbência de apresentar de forma crível e segura [...] também recebeu o título de editor chefe” (Squirra, 1993, p.67).

66 Foi reconhecido como o jornalista que possuía a capacidade de traduzir a linguagem econômica para o entendimento de todos. Para Beuttenmuller (1981), Beting tinha um estilo no qual utilizava de frases curtas e irônicas e aproveitava da informação do dia-a-dia para fazer seus comentários econômicos em uma linguagem simples, criando um novo tipo de jornalismo. Para o apresentador e comentarista, era preciso “criar um hábito do debate, do comentário político e econômico, com uma linguagem fácil, que todos entendam”. (BEUTTENMULLER, 1981) No começo da década de 80, o telejornal era dividido em quatro blocos e tinha duração de 30 minutos, indo ao ar às 19h30. (NEUMMANNE, 1981). Beting ancorou o telejornal que contava o apresentador Ferreira Martins, que esteve na Tv Tupi e na Rede Globo antes de apresentar o Jornal da Band. A bancada era separada e ao fundo o cenário fazia alusão a um mapa e continha o logotipo da Rede Bandeirantes.

Imagem 1: Joelmir Beting e Ferreira Martins na apresentação do Jornal da Bandeirantes

Com a presença de Joelmir Beting o jornal contava com assuntos de relevância para a população, mas que não eram de fácil entendimento. O apresentador, ao utilizar uma linguagem mais simples que tentava traduzir assuntos de difícil compreensão, como política e economia, se aproximou da

67 audiência fazendo com que tais assuntos fossem entendidos por grande parte dos telespectadores.

Marília Gabriela

Em 1985 a Rede Bandeirantes contratou Marília Gabriela, que antes estava na Rede Globo, onde começou como estagiária e desenvolveu diversos trabalhos, como repórter do Jornal Nacional e correspondente na Europa para o Fantástico, já no Jornal da Band continuou com a função de âncora. Segundo Marília, ela não se limitava a apresentar o telejornal, mas sim participava de quase todo o processo de construção da notícia, colhendo informações, checando-as, editando e entrevistando (MARÍLIA GABRIELA In VIEIRA, 1991,p. 78). Com Marília Gabriela, o telejornal ganhou mais opinião, contudo, segundo Rezende (2000), a apresentadora não escondia o “constrangimento de ordem ética” que a emissão de opinião lhe causava. Para ela era muito delicado emitir opinião: “você não pode perder de vista o pluralismo que um jornal diário de televisão deve ter”. Marília afirmava que, em muitos casos, emitir opinião era inevitável, mas ainda assim considerava não opinar quando o assunto era muito controverso (MARÍLIA GABRIELA In VIEIRA, 1991, p.78).

Imagem 2: Marília Gabriela à frente do Jornal Bandeirantes em 1989

68 Além da emissão clara de opinião, de acordo com Arruda (1988), com Marília Gabriela o Jornal Bandeirantes ganhou uma roupagem mais informal, que se distanciou do padrão impessoal e americano de telejornalismo e foi durante a ancoragem exercida por Marília Gabriela que a Rede Bandeirantes apostou e consolidou o jornalismo com 10 horas diárias de jornalismo. Na época, Fernando Mitre19 assumiu a superintendência20 de jornalismo e tinha o intuito de radicalizar o jornalismo ao vivo, “com as notícias sendo passadas imediatamente para o telespectador, em qualquer momento da programação” e dar um tratamento visual mais apurado com relação às imagens mostradas no telejornal. (SANTOS, 1989). Para Mitre “o âncora era fundamental no telejornalismo, porque ele dá mais personalidade à notícia”. Com isso, a apresentadora passou a ter uma ancoragem mais abrangente, se integrando mais ao processo jornalístico e tornando sua participação no telejornal cada vez mais pessoal. Enquanto apresentava o Jornal Bandeirantes, Marília Gabriela também comandava um programa de entrevistas na emissora, o “Cara a cara”. Conhecida por suas entrevistas, Marília levou essa habilidade para o Jornal Bandeirantes, que ganhou um espaço dedicado a entrevistas, feitas por ela. Em março de 1992, de acordo Stycer (1992), Marília Gabriela assume o cargo de editora-chefe do telejornal, nessa mudança a jornalista queria transformar totalmente a cara e a forma do Jornal Bandeirantes. Em fala publicada ela diz que desejava “o jornal como uma alternativa a tudo que há por aí, que tenha inteligência, humor e profundidade”. A jornalista criticava os jornais da época dizendo que esses eram superficiais, demasiadamente ilustrados e pouco reflexivos. Indo na contra mão disso, gostaria de “fazer as pessoas refletirem mais sobre determinadas questões”. (STYCER, 1992). A jornalista como editora-chefe, pretendia diminuir o número de matérias e selecionar mais assuntos para aprofundá-los, dedicando 10 minutos

19 Antes ser convidado a atuar no telejornalismo, Fernando Mitre auxiliou na criação do Jornal da Tarde em São Paulo. Atualmente é diretor nacional de Jornalismo da Bandeirantes, comentarista político do Jornal da Band e entrevistador do Canal Livre, da Tv Bandeirantes, além de apresentador da coluna A Notícia, da BandNews. 20 O departamento de Jornalismo se transformou em superintendência de Jornalismo, isto significava que o jornalismo da Rede Bandeirantes não era mais dependente da estrutura da emissora para funcionar.

69 do telejornal para discutir um único assunto, discussão essa que contaria com a presença de especialistas e autoridades. Enquanto Marília Gabriela permaneceu no Jornal Bandeirantes este passou por diversas mudanças que foram construindo um perfil único ao jornal. A apresentadora consolidou a função de âncora no diário emitindo mais opinião e conquistando espaço no telejornal e na emissora. Além disso, a figura conhecida pelas entrevistas mudou a cara do telejornal ao incluir a participação de mais comentaristas na bancada, que segundo a própria Marília, algumas vezes se utilizavam de uma linguagem sofisticada aos olhos do público, mas ela, ao objetivar as perguntas, tornou as notícias mais atrativas para todos. (MARÍLIA GABRIELA in VIEIRA, 1991, p.79).

Paulo Henrique Amorim

No final da década de 90, Rubens Furtado confiava que o público valorizava a credibilidade dos apresentadores de telejornais e apostava no jornalismo.21 Segundo Furtado, a emissora “[...] sempre fez, mais ou menos, quatro horas de jornalismo por dia e nunca fugiu muito disto [...]. Nós acreditamos no jornalismo”. Seguindo essa convicção e com o foco na audiência, a Rede Bandeirantes contratou Paulo Henrique Amorim, que antes disso trabalhava como correspondente da Rede Globo nos Estados Unidos. Em dezembro de 1996, Amorim assumiu o Jornal da Band e acumulou as funções de editor, repórter e apresentador do diário. Segundo Amorim, o telejornal deveria ser “um jornal do Brasil inteiro, com sotaque do Brasil inteiro. [...] Queremos contribuir para a pluralidade de opiniões, para a diversidade. O jornal vai ser do contra e do pró e eu pretendo ser um mediador que não dá palpite” (Imprensa, jan. 1997, p. 15).

21 Tornou-se superintendente da Bandeirantes em 1989.

70 Imagem 3: Paulo Henrique Amorim Apresenta o Jornal Band em 1998

Imagem 4: Paulo Henrique Amorim no Jornal da Band

Paulo Henrique Amorim apresentava o Jornal da Band sozinho e contava com o recurso de um telão, no qual fazia contato com correspondentes e repórteres do programa jornalístico. De acordo com Souza (1997), o jornalista tinha um salário no qual 10% eram acrescidos a cada ponto de audiência adquirido pelo Jornal Bandeirantes. Amorim chegou a Bandeirantes e expôs que um dos seus objetivos era enfrentar o líder de audiência, o Jornal Nacional, da Rede Globo, abrindo brecha para a discussão de que o jornalista tinha o ibope como o seu foco.

71 Segundo Tão Gomes Pinto (1999), Paulo Henrique Amorim produziu um noticiário com “alta densidade” em discussões econômicas e políticas, para ele, um dos erros cometidos por Amorim, já que boa parte da população não se preocupa com tais assuntos. Outro erro foi o de Amorim querer enfrentar o Jornal Nacional na sua “própria faixa de horário”. Paulo Henrique Amorim dizia que o Jornal da Band mostrava a realidade, ao contrário do Jornal Nacional, que possuía entretenimento demasiado. Segundo ele “Se você sair na rua, você vê o que está no Jornal da Band e não no Jornal Nacional, que se transformou numa mistura de Epcot Center com circo Orlando Orfei” (Amorim In KLINKE, 1998) Durante pouco mais de dois anos que Paulo Henrique Amorim permaneceu na Band gerou polêmicas. A personalidade irreverente do jornalista e a luta pela audiência fizeram oJornal da Band ser comentado por outros veículos da imprensa. Em reportagem publicada na Revista Isto é o título era “Ele irrita a Globo”, isto porque Amorim conquistou a audiência em um episódio das eleições de 1998, no qual, segundo Angela Klinke (1998) “numa cobertura abrangente do segundo turno das eleições ele incrementou o debate. Colocou no ar políticos de vários partidos, divulgou resultados das urnas que chegavam pela internet, confrontou ideias [...]”. Paulo Henrique Amorim permaneceu na Bandeirantes por três anos e saiu em 1999 depois de não concordar com o possível corte de gastos da emissora. Para Gomes (1999), a saída do jornalista do Jornal da Band encerrava “assim mais uma vez (talvez a última) experiência de uma grande rede de combater a hegemonia da Globo no setor de telejornalismo em horário nobre”. O jornalista entrou na Bandeirantes em uma fase de transformação do Jornal Bandeirantes, que nessa época passou a se chamar Jornal da Band, como é conhecido atualmente. Amorim focou sua ancoragem em assuntos de política e economia, elitizando o noticiário. Ao mesmo tempo, lutou pela audiência com uma linguagem do espectador, que segundo Amorim aprendeu enquanto vivia nos Estados Unidos como correspondente, ouvindo o conselho de Hedyl Valle Jr, que dizia “Fale com o povão”. (SOUZA, 1997).

72 Ricardo Boechat

Ricardo Boechat foi para Rede Bandeirantes para assumir o cargo de diretor de Jornalismo no Rio de Janeiro, mas no ano de 2006 mudou-se para São Paulo quando foi convidado a ancorar o Jornal da Band a fim de substituir Carlos Nascimento. Segundo Castro (2006) “a Band teve que improvisar com Ricardo Boechat”, no entanto, Boechat permanece à frente do noticiário até a atualidade. Boechat também desempenha a função de âncora na rádio BandNews FM, mas, para o jornalista, o papel dele no rádio é “bem diferente da televisão, lá eu falo, critico [...], compro brigas e de fato ancoro”. Na televisão, o fator tempo é “muito limitante” para interagir e interferir. Segundo Boechat (2011), os jornalistas televisivos são muito mais apresentadores que âncoras, para ele, o formato dinâmico da ancoragem “não está na natureza do telejornalismo do Brasil”. Apesar disso, Boechat exerce a função de âncora do telejornal, emite opinião e comenta diversas notícias no programa. Conhecido pelo seu jeito irreverente e bem-humorado, procura imprimir essas características à apresentação. Em um episódio no qual demonstrou tal irreverência, Boechat fez piada e abriu um guarda-chuva no final do telejornal ao noticiar sobre um satélite que voltaria à terra sem local exato para cair.

73 Imagem 5: Boechat faz piada ao ler notícia. Na bancada, Ticiana Villas Boas e Joelmir Beting

O apresentador diz considerar os telejornais brasileiros “caretas” e acredita ser necessário que os apresentadores sejam menos “durões e engessados”. Neste caminho, Boechat tenta no Jornal da Band transmitir um estilo mais dinâmico e natural na apresentação e diz esperar que no futuro os telejornais brasileiros se desfaçam da apresentação rígida e artificial. (BOECHAT, 2011).

Considerações Finais

O Jornal da Band como o telejornal mais antigo ainda em exibição e um dos mais reconhecidos do país, passou por muitas mudanças ao longo de sua trajetória. Muitas dessas transformações foram motivadas pelos apresentadores da época, visto que podemos entender o apresentador como a imagem de alguém que representa o telejornal, desse modo, suas características são projetadas no noticiário. Isso é evidente quando o jornalista ocupa a posição de âncora, apresentador que não apenas lê as notícias diante de uma câmera, mas participa de boa parte do processo de produção jornalística e é considerada a pessoa mais informada em relação ao telejornal.

74 Por meio da pesquisa nas referências foi possível perceber as impressões deixadas pelos apresentadores em cada época do telejornal estudado. Em comum, todos saíram da Rede Globo, adentraram na Rede Bandeirantes, assumiram o papel de âncora do Jornal da Band e emprestaram suas características ao estilo e perfil do telejornal em questão que transformou-se a partir da especialidade de cada um. Isso nos leva a acreditar que o apresentador tem papel fundamental na construção do perfil de um telejornal. Sua imagem, suas características e particularidades estarão sempre vinculadas ao noticiário, que algumas vezes acaba por se adaptar ao estilo do jornalista, construindo uma nova “cara” a cada mudança de apresentador.

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75 GOMES, T. Pinto. Paulo Henrique e as dificuldades do jornalismo nas redes. In: Imprensa.: Ano XII, nº 137: p. 44-5. São Paulo, fevereiro de 1999.

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VIEIRA, Geraldinho. Complexo de Clarck Kent: são os super-homens os jornalistas? São Paulo: Summus, 1991.

76 Telejornalismo e auto-reflexividade: o dia em que Avenida Brasil parou o Jornal da Globo

Maurício Donavan Rodrigues Paniza

Resumo Este trabalho estuda o fenômeno da auto-reflexividade, discutido por Elizabeth Duarte e Itania Gomes, na edição do telejornal Jornal da Globo do dia 19 de outubro de 2012, data em que a Rede Globo exibiu o último capítulo da Avenida Brasil. Com a repercussão midiática da “novela que parou o Brasil”, o telejornal foi amplamente dedicado ao desfecho do folhetim. A partir de análise descritiva no Jornal da Globo daquele dia, concluímos que a auto-referência positiva aos produtos da emissora prevaleceu sobre a notícia e mudou o perfil do Jornal da Globo ao enfatizar o sucesso de Avenida Brasil. Palavras-Chave: Comunicação, Telejornalismo, Jornal da Globo, Avenida Brasil, Auto-Reflexividade

Introdução

O telejornalismo e a telenovela são os produtos de maior destaque na Rede Globo. No chamado horário nobre da emissora, vai ao ar o Jornal Nacional, seguido pela já tradicional novela das 9. Tais produtos são acompanhados por milhões de brasileiros, inclusive, no exterior. Conforme Alfredo Vizeu (2009), o telejornalismo tornou se praça pública, ao passo em que a telenovela pode ser considerada uma “narrativa da nação”, conforme Maria Immacolata Vasallo de Lopes (2003). Inevitavelmente, o conteúdo exibido acaba fomentando as conversas no cotidiano. Em relação ao telejornalismo, conforme lembra Iluska Coutinho, “é fundamentalmente ao assistir aos noticiários televisivos que significativa parcela da população entra em contato com o mundo e “abastece‟ seu repertório com informações e notícias capazes de possibilitar sua inserção nas conversas cotidianas” (COUTINHO, 2012, p.43). Se o telejornal agenda o cotidiano, a telenovela também acaba desempenhando esse papel, já que tal produto de entretenimento alcança índices de audiência tal qual, e até maiores do que os dos telejornais. O tema

77 discutido numa telenovela tem pautado o telejornalismo, provocando a hibridização entre ficção e realidade, como a ênfase recente da mídia sobre o tráfico de pessoas retratado na telenovela Salve Jorge. Quando a telenovela agenda o telejornal, podemos identificar que em muitas dessas situações o telejornal acaba fazendo referência ao nome da novela - ou qualquer outro programa da emissora - que originou a pauta, assim, a rede de televisão faz referência a si própria em sua programação. Nos estudos em comunicação, tal fenômeno é denominado de auto-reflexividade (DUARTE, 2004). No dia 19 de outubro de 2012, foi ao ar na Rede Globo de Televisão o último capítulo da telenovela Avenida Brasil. Durante o período de exibição, o folhetim atraiu a atenção da mídia por dar visibilidade ao que é popularmente denominado de „a nova classe C‟, ou a „classe emergente‟ do Brasil. Nos dias antecedentes ao último capítulo, a Globo já criava em sua programação uma aura de expectativa em torno da revelação:

“Quem matou Max?”, bem como do desfecho da vilã Carminha, vivida por Adriana Esteves.

O Jornal da Globo foi o primeiro telejornal a ir ao ar após o último capítulo de Avenida Brasil. A característica do telejornal é marcada por um conteúdo tradicionalmente de coberturas políticas e econômicas – um perfil mais rígido, no entanto, na edição analisada, o telejornal enfatizou a „novela que parou o Brasil‟. De caráter descritivo, este artigo tem por objetivo identificar a linguagem da auto-reflexividade no Jornal da Globo, destacando, a soberania dos interesses comerciais e a exaltação do sucesso de Avenida Brasil sobre as notícias do dia.

Auto-reflexividade

É prática cotidiana de utilizar os elementos e a pauta dos telejornais para noticiar apenas a programação da própria emissora Quando a televisão fala

78 de si mesma, é possível recorrer ao conceito da auto-reflexividade. Para Itania Gomes (2011) a auto-reflexividade é uma intertextualidade através da qual o programa pauta a si mesmo e ao restante da grade da emissora, refletindo ele próprio. Elizabeth Bastos Duarte (2004) escreveu sobre a tendência da televisão falar cada vez mais de si própria em vez de tratar da realidade social a qual se propõe. A pesquisadora afirma que “os meios de comunicação remetem uns aos outros e só falam entre eles. O multimédium tornou-se intermédium”. Ela define a auto-reflexividade como “um procedimento de auto-referenciação da ordem da incidência. Implica a presença de um sujeito que faça de si próprio objeto do discurso por ele mesmo produzido” (DUARTE, 2004).

Jornal da Globo: o último telejornal do dia

O Jornal da Globo surgiu em 1967,dois anos antes do telejornal mais assistido do país: o Jornal Nacional. Inicialmente, o Jornal da Globo tinha 15 minutos de duração e ia ao ar às 19h45. Essa primeira versão do telejornal ficou no ar até 1969, quando a Globo inaugura o Jornal Nacional, apresentado em rede nacional pelos mesmos locutores do Jornal da Globo.22 Em 1979, a Globo inaugura a segunda versão do Jornal da Globo, já formatada para ser o último telejornal do dia. O jornalístico permanece na grade até março de 1981. O retorno do noticiário no formato atual foi pouco mais de um ano depois, em 1982. As edições do Jornal da Globo têm entre 30 e 45 minutos, sem horário fixo. Geralmente, o telejornal começa entre 23h30 e 00h00. A bancada do telejornal é dividida pelos jornalistas William Waack e Christiane Pelajo. Além da cobertura noticiosa dos principais acontecimentos do dia, o Jornal da Globo conta com colunas sobre Economia e Finanças; Meio Ambiente, Política, Cultura e Comportamento, Tecnologia e Charges Políticas. Quanto ao formato, a descrição oficial do telejornal menciona:

22 Fonte: Site Memória Globo. Jornal da Globo -1967/1969. Disponível em: < http://memoriaglobo. globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-236477,00.html>. Acesso em 02 mai. 2013.

79 O Jornal da Globo é o último noticiário da programação da Rede Globo e traz para os telespectadores as notícias da noite e também análises, críticas e opiniões sobre os principais assuntos do dia. Outro destaque do telejornal é a cobertura esportiva, com os gols da rodada. Seu horário de exibição varia de acordo com a programação (MEMÓRIA GLOBO, 2013).

O fim de Avenida Brasil e a cobertura do Jornal da Globo

O Jornal da Globo do dia 19 de outubro de 2012 teve considerável parte do seu tempo dedicado a noticiar a repercussão do último capítulo de Avenida Brasil. A pesquisa constatou que nesta edição o Jornal da Globo foi dividido em quatro blocos, sendo que no primeiro o assunto foi a repercussão da telenovela, no segundo são dadas notícias de Economia, Política e Internacional, no terceiro apareceram as notícias esportivas, e no último bloco foi veiculada a coluna cultural de Nelson Motta.

80 Tabela 1: Espelho do Jornal da Globo em 19/10/2012

Bloco Tempo5 Abertura 12” Escalada 1‟13” Caos aéreo – Viracopos 21” Avenida Brasil 26” Mensalão 04” 1° Crise do Euro 04” 10’41” Gols da Noite 04” Coluna Nelson Motta 14” Abertura 06” Reportagem sobre o fim de Avenida Brasil – Telespectadores Reportagem sobre o fim de Avenida Brasil – Elenco 03‟55” Coluna Arnaldo Jabor sobre Avenida Brasil 04‟33” Nota Economia – Banco Central x Banco VBA 30” Nota coberta – Caos aéreo em Viracopos 38” Reportagem – Julgamento do Mensalão 43” 03’55” Charge Política – Julgamento do Mensalão 17” Nota Coberta – Explosão de Bomba em Beirute 47” Nota coberta – Crise do euro 40” Reportagem – Sustentabilidade nos estádios da Copa de 2014 01‟35” 3°

Esporte – Gols da Noite 01‟30”

04’38” Reportagem – Stock Car na Globo / Mudanças na Stock Car 01‟13” 4° Coluna Nelson Motta – Michael Jackson 06‟ 06’55” Fonte: o autor23

A divisão de tempo entre os blocos foi irregular, e é possível perceber que as notícias do dia ocuparam apenas o 2° e o 3° bloco, que somados, não ultrapassam a duração do 1° bloco. No último bloco, a coluna de Nelson

23 As chamadas de intervalo e encerramento não foram consideradas na contagem de tempo dessa coluna.

81 Motta é o único material veiculado, mas não configura mudança no perfil do telejornal, já que se trata de coluna fixa nas edições do Jornal da Globo de sexta-feira.

Tabela 2: Tempo dedicado à Avenida Brasil no Jornal da Globo

Tempo total de telejornal 26‟09” 100% Tempo destinado à Avenida Brasil 08‟57” 34%* Tempo destinado a outros 17 12” 66%* assuntos Fonte: o autor ‟ * valores arredondados

Conforme pode ser visto na tabela 2, em termos de tempo, pouco mais de um terço do telejornal – aproximadamente nove minutos – foi destinado a tratar da novela que parou o Brasil. O primeiro bloco, destoante em termos de duração em relação aos seguintes, deixa de lado a cobertura noticiosa e se transforma em cobertura de entretenimento. O telejornal conta com duas chamadas principais na escalada, anunciadas, respectivamente por William e Christiane, e transcritas a seguir:

William Waack - As autoridades do setor aéreo brasileiro aplicaram multa milionária a uma empresa americana dona de um avião que quebrou ao pousar, ficou parado na pista e fechou o aeroporto de Viracopos por dois dias. A multa mal disfarça um fato: basta um problema simples para tirar do equilíbrio o sistema aéreo brasileiro. É o que se chama de infraestrutura carente.

Christiane Pelajo – E nossos repórteres de norte a sul do país acompanharam o fenômeno provocado pelo último capítulo da novela Avenida Brasil (Jornal da Globo, 19/10/2012).

A auto-reflexividade começa na escalada do telejornal. Ali mesmo já se exige do telespectador que ele possua algum conhecimento da programação da Rede Globo – no caso, da novela das 21h, cuja última cena foi exibida poucas horas antes do telejornal. Destaca-se que a chamada sobre Avenida Brasil se utiliza da figura de linguagem hipérbole para dizer ao telespectador que a novela foi um “fenômeno” acompanhando “de norte a sul do Brasil”.

82 Se a primeira chamada do Jornal da Globo faz referência a um fato econômico – o que era de se esperar tratando-se do Jornal da Globo - a segunda chamada já faz referência à novela. Para ilustrar a chamada sobre o último capítulo de Avenida Brasil, o Jornal da Globo utiliza o teaser.

Christiane Pelajo - Ruas desertas, bares lotados. O teatro virou a sala de casa. A tribo parou pra assistir. Os principais veículos de comunicação do mundo repercutiram: Avenida Brasil foi a maior audiência do ano na TV Brasileira (Jornal da Globo, 19/10/2012).

As ruas desertas são ilustradas com uma via urbana vazia. Os bares lotados com um estabelecimento comercial do ramo cheio de gente. O teatro transformado na sala de casa mostra a vinheta de abertura da novela sendo exibida na grande tela. A tribo tem índios em volta da TV. A repercussão nos veículos internacionais mostra as notícias veiculadas no site da BBC e no Washington Post. Por fim, a maior audiência do ano é ilustrada com cenas do último capítulo de Avenida Brasil. Imagens e texto comprovam que mais uma vez, o telejornal utiliza a hipérbole. O telejornal justifica a pauta ao mencionar que não se trata de qualquer último capítulo, trata-se do último capítulo do programa mais assistido no Brasil, do programa que chamou a atenção do mundo. A escalada continua e com menos destaque, são apresentados outros assuntos do dia: o julgamento do mensalão, a crise na zona do euro, os gols da rodada. A última manchete do telejornal é sobre a coluna de cultura de Nelson Motta. Começa o primeiro bloco. William Waack e Christiane Pelajo falam o alto índice de audiência de Avenida Brasil, e que a produção “ganhou o mundo”. Para explicar o porquê, o telejornal faz um link com o repórter Jorge Pontual, em Nova York, e explica a cobertura dos veículos internacionais sobre o fim da novela.

Jorge Pontual - Boa noite, Christiane! Até o seríssimo jornal econômico Financial Times se rendeu à novela. Um artigo comparou o último capítulo de Avenida Brasil ao final da Copa, ao Carnaval e ao Dia da Independência, como uma das datas mais importantes do calendário brasileiro. Outro jornal britânico importante, o The Guardian, destacou a mudança de agenda da presidente Dilma Rousseff para não coincidir com o último capítulo da novela. Outros veículos como a também britânica

83 rede BBC , Washington Post – um dos principais jornais americanos e a revista Forbes lembraram que a audiência espetacular da novela poderia causar sobrecarga no fornecimento de energia elétrica, o que acabou não acontecendo. Todos ressaltaram que o sucesso da novela se deve ao fato de que ela retrata a vida da nova classe média brasileira. Durante a novela, o primeiro assunto mais comentado no Twitter no mundo era Avenida Brasil, entre os 10 primeiros tópicos, cinco eram sobre a novela. Temos um mapa mostrando os locais de onde os comentários do Twitter se originavam e como a gente pode ver, o último capítulo de Avenida Brasil repercutiu em todos os continentes. (Jornal da Globo, 19/10/2012).

Figura 1: Trending Topics do Twitter no Jornal da Globo

Fonte: Jornal da Globo, 19/10/2012

Após o link com Jorge Pontual, a cobertura sobre Avenida Brasil prossegue com uma reportagem sobre a repercussão do assunto no país. Telespectadores de todas as regiões – Norte, Sul, Sudeste, Nordeste e Centro- Oeste - são utilizados como fontes. Conforme o quadro 1, percebe-se que em praticamente todas situações, as fontes foram entrevistadas no momento em que assistiam a novela.

William Waack – Obrigado, Pontual. Boa noite! Aqui no Brasil, telespectadores fizeram de tudo para não perder o capítulo final da novela. Repórter Michelle Barros - Em casa, no teatro, na aldeia, na quadra de futebol. Homens, mulheres, anônimos e famosos. O Brasil parou pra ver o último capítulo de Avenida Brasil. Na maior cidade do país, foi uma ansiedade pra chegar a tempo de assistir o último capítulo da novela. São Paulo tentou acelerar para não ficar no trânsito, no meio do caminho e perder a hora. (Jornal da Globo, 19/10/2012).

84 Quadro 1: Personagens ouvidos pelo Jornal da Globo sobre Avenida Brasil

Local Contexto Trecho do telejornal “São Paulo tentou acelerar para não ficar Pedestres no transporte no trânsito, no meio do caminho e per- der a hora”. Público “No aeroporto de Congonhas vazio. Os São Paulo/SP Passageiros no aeroporto poucos passageiros recorreram às TVs das lanchonetes” “Agora que deu o intervalo, Aí você pode Clientes em bares comer?” “No Santos Dumont, a TV portátil foi Passageiros no aeroporto San- a saída. As luzes nos prédios indicavam Rio de Janeiro/RJ tos Dumont que todo mundo estava em frente da TV, c l aro.” “No Recife, o último capítulo foi no tea- Recife/PE Telespectadores no teatro tro, no espaço reservado a grandes es- petáculos”. “Vendo a novela, até da dor a gente es- Goiânia/GO Doentes no hospital quece, né?” “Lá no Norte, em Rondônia, foi quase Porto Velho/RO Índios na aldeia karatiana um ritual. Os índios da aldeia karatiana se reuniram na frente da TV”. “A novela está o maior barato aí, o pes- soal, tá um comentário grande aí, por Caminhoneiros em parada todo lado então tem que encostar agora mesmo, dar aquela pausinha agora, va- mos assistir”. Amigos que adiaram a pelada “Em Belo Horizonte, a pelada ficou pra da semana outra hora” “Em Porto Alegre, a moradora de rua Moradora de rua que comprou comprou uma TV só para ver o fim de Porto Alegre/RS uma TV Avenida Brasil”. uma TV Fonte: Jornal da Globo, 19/10/2012

85 Além dos telespectadores de todas regiões do país, a reportagem destacou que o jogador de futebol Neymar acompanhou o fim da novela de sua casa. Para ilustrar, exibe-se um vídeo, provavelmente feito com uma webcam instalada na sala do jogador.

Repórter Michelle Barros - Falando em futebol, você conhece esse aí? Neymar: Carminha matou o Max!

Repórter Michelle Barros - O compromisso de sexta à noite do Neymar foi com o pessoal do Divino Esporte Clube (Jornal da Globo, 19/10/2012).

A cobertura continua com uma nova reportagem. Desta vez se lança a uma espécie de balanço, de avaliação do sucesso da novela entre o elenco e outros profissionais que fizeram parte da produção. A reportagem foi feita por Sandra Moreyra, e o texto está na íntegra a seguir:

Repórter Sandra Moreyra - Equipe técnica, o autor, diretores e atores. Todos reunidos para assistir ao último capítulo da novela que parou o país. Foi também a hora de cada ator ou atriz se despir dos personagens , de se despedir do povo do Divino depois de sete meses de novela. Ivana apareceu sem o cabelo escovado. Jorginho de cabelo cortado. Lucinda toda fashion.

Atriz Vera Holtz - Essa novela, um fenômeno essa novela. Nunca tinho sentido isso na minha vida.

Repórter Sandra Moreyra - Antes do fim, Max fez uma revelação. – Você contra pra gente, só pra gente aqui no ouvido, quem foi que te matou?

Ator Marcelo Novaes [cochicha no ouvido da repórter]

Repórter Sandra Moreya - Ih, vocês não vão adivinhar. Nunca! (risos) E aí?

Ator Marcelo Novaes - Muito feliz com tudo. O trabalho realizado, a sensação de dever cumprido mesmo.

Repórter Sandra Moreyra - Para cada um dos atores, pra toda a equipe foi principalmente momento de celebrar o sucesso de Avenida Brasil.

Diretora da novela Amora Mautner - Estamos aí celebrando, muito felizes por um trabalho muito legal.

Autor da novela João Emanuel Carneiro - É uma grande alegria que todo mundo me acompanhou nessa viagem longa que é uma novela.

86 Atriz Cacau Protásio - Graças a Deus tive uma parceria muito grande, tanto do elenco como da direção como do autor, de confiar e aumentando o personagem, e eu fui crescendo conforme eles foram me dando.

Atriz mirim Ana Karolina Lannes - Foi incrível! Acho que foi uma das melhores experiências que eu já tive na Rede Globo.

Atriz Letícia Isnard - Sabia que vinha alguma coisa boa, porque João Emanuel é incrível, a Amora é incrível, o Zé Luis Villamarin também é incrível, ou seja, você também já tem uma noção de que vai ser alguma coisa boa. Agora esse fenômeno é realmente muito surpreendente.

Repórter Sandra Moreyra - As luzes apagadas, silêncio, começa o grande final. Adriana Esteves concentrada, emocionada. Na tela, a redenção de Carminha, e o aplauso dos companheiros de novela.

Atriz Adriana Esteves – „Tô‟ aqui comemorando muito, com muito prazer. Foi um ano de muita entrega, de muito amor nessa novela linda. João Emanuel, muito obrigada, pro resto da minha vida.

Repórter Sandra Moreyra - O fim de tudo: uma despedida carregada de felicidade. (Jornal da Globo, 19/10/2012).

No início da reportagem, Sandra se refere a alguns atores pelo nome de suas personagens: “Ivana [Letícia Isnard] apareceu sem o cabelo escovado. Jorginho [Cauã Reymond] de cabelo cortado. Lucinda [Vera Holtz] toda fashion”. O telejornal pressupõe que os telespectadores já estão familiarizados com as personagens da novela e ligam a imagem dessas personagens aos respectivos atores. Ao entrevistar atores, diretores e o autor de novelas João Emanuel Carneiro, todos ressaltam o “grande sucesso” do produto. Apesar da mocinha da novela ter sido protagonizada por Débora Falabella, o fim da reportagem presta uma homenagem a Adriana Esteves, intérprete da vilã Carminha, que passa por um processo de redenção no último capítulo. Talvez não coubesse destaque à Débora Falabella, pois a personagem dela (Nina/Rita) foi criticada em diversos momentos da novela, pela mídia especializada. A reportagem termina com todo o elenco comemorando a última cena, ao som da música de abertura da novela. A cobertura do Jornal da Globo sobre Avenida Brasil prossegue com a coluna de Arnaldo Jabor, que naquele dia também tratou sobre o sucesso de Avenida Brasil e exaltou a produção da emissora.

87 Arnaldo Jabor - O Nelson Rodrigues disse uma vez que as novelas matam a nossa fome de mentiras. Pois Avenida Brasil matou a nossa fome de verdades. Surgiu apenas como uma novela sobre a classe C, para a classe C. Mas o resultado foi uma novela da classe C, pro Brasil todo. Descobrimos que as classes do subúrbio guardavam dramas e conflitos ignorados pela alta cultura. Vimos que na fase atual, o Brasil não se vê apenas com generalidades vagas da zona sul, nos gestos, nas falas, nas gritarias e nas paixões da zona norte. Entendemos o país muito mais do que nas insossas certezas dos inocentes do Leblon ou das garotas de Ipanema. O que vimos nessa novela não foram tipos simplistas, esquemáticos não. Vimos uma riquíssima galeria de personagens complexos até nos figurantes secundários. 80 milhões de pessoas assistindo a um realismo profundo, que mistura drama, chanchada e tragédia com essa qualidade artística e atores geniais, é um fato digno de um estudo antropológico e estético, é a TV como reflexão crítica sobre o país, é a TV criando uma nova forma de arte , uma dramaturgia de longa duração com a população identificada com suas vidas reais. Foi um país se vendo no espelho. O imaginário brasileiro se enriqueceu muito nesses meses. O fenômeno foi tão forte que a novela Avenida Brasil não faz mais parte da ficção , não. Faz parte da realidade. (Jornal da Globo, 19/10/2012).

É com a coluna de Arnaldo Jabor que termina o primeiro bloco do Jornal da Globo do dia 19 de outubro de 2012, assim como a cobertura sobre o desfecho de Avenida Brasil. Até aquele momento, contabilizava-se quase 11 minutos de telejornal, numa edição que durou pouco mais de 26 minutos.

Considerações Finais

No Jornal da Globo do dia 19 de outubro de 2012, a Rede Globo lança mão da auto-reflexividade para ecoar o sucesso atribuído a um programa produzido por ela. Tal escolha de cobertura para o Jornal da Globo se revela uma surpresa, tendo em vista que o telejornal foge do seu padrão habitual de se dedicar a coberturas da área política e econômica. Nesse dia, o Jornal da Globo assume formato híbrido e se transforma em um programa de entretenimento. Durante o telejornal, Avenida Brasil virou notícia, e exigiu do telespectador que acompanhou o primeiro bloco, conhecimento prévio sobre a telenovela.

88 Quantitativamente, o Jornal da Globo da edição analisada teve mais de um terço do seu tempo destinado a exaltar o que Avenida Brasil representou para alguns telespectadores de todas regiões do país, para os diretores, para os autores e até para um colunista que normalmente comenta Política e Economia. A auto-reflexividade positiva de Avenida Brasil no Jornal Globo, ocupando um terço do tempo do telejornal, transforma o noticiário em um espaço publicitário, descaracterizando-o.

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89 Um olhar sobre o papel dos apresentadores no Telejornalismo brasileiro

Vanessa Tolentino

Resumo Este artigo faz parte do projeto de pesquisa “Construção simbólica e agendamento por meio da imagem e das linguagens na produção telejornalística”. O trabalho estuda a figura central de um telejornal. Tem o objetivo de investigar e descrever a desempenho do apresentador no telejornalismo brasileiro. Com o estudo, pretende-se averiguar e entender o papel da figura mais expressiva e marcante do telejornalismo e como esses jornalistas influenciam nos telejornais e na audiência. Além do suporte bibliográfico, foram utilizados na investigação, periódicos, entrevistas e estudo exploratório que tratavam dos noticiários e dos apresentadores pesquisados. Palavras-chave: comunicação; telejornalismo; apresentadores.

Introdução

A importância que tem a televisão para os brasileiros faz do telejornalismo ainda o principal meio de informação para a população, porém a informação nem sempre é prioridade. Se perguntado ao telespectador assíduo do Jornal Nacional, telejornal de maior audiência da televisão brasileira, sobre a notícia de destaque do telejornal no dia 02 de junho de 2014, ele não vai se lembrar de qualquer assunto a não ser do flagrante da câmera na apresentadora Patrícia Poeta no momento da entrada “ao vivo” quando ela, distraída, fazia exercícios com a voz. O apresentador é a figura central dos telejornais, os trejeitos, a aparência ou qualquer discurso personificado chamam mais a atenção e agendam a opinião pública concorrendo com a notícia. A empatia que carrega do público influencia na credibilidade do telejornal, que por vez está atrelado à confiança que o telespectador deposita naquele que está por de trás da bancada. Desde o surgimento da televisão no Brasil, em 1950, e com ela o telejornalismo, o apresentador carrega a imagem do programa, primeiro por causa da transposição da credibilidade dos apresentadores do rádio e depois pela força da imagem. Em função desta característica, força e influência dos

90 que estão atrás da bancada na audiência e credibilidade do telejornal, este artigo se propõe a estudar, a figura do apresentador no telejornalismo do país. Investigando e descrevendo a performance da figura que está à frente de um noticiário, pretende-se averiguar o papel desempenhado por esses jornalistas e como influenciam nos telejornais e na opinião pública. Para a pesquisa buscou- se uma recuperação histórica utilizando-se periódicos, bibliografia, entrevistas e estudo exploratório dos telejornais e apresentadores.

Os apresentadores no início dos telejornais brasileiros

Quando a televisão foi inaugurada no Brasil, na década de 1950 e com ela inaugurou-se o telejornalismo brasileiro, ninguém sabia, ao certo, como trabalhar no novo veículo de comunicação. Os profissionais migraram do rádio e levaram sua experiência para a tela. A imagem era novidade, mas o formato dos jornais e a linguagem dos apresentadores pouco tinham mudado. Sentados em frente às câmeras e separados por uma bancada, no início, os apresentadores não tinham a proximidade da audiência que tanto se busca hoje, mas já eram vistos e faziam parte do imaginário dos telespectadores. No primeiro dia de televisão no Brasil, a empatia entre apresentadores e público já se mostrava essencial. Maurício Loureiro Gama, um dos primeiros apresentadores de telejornais, se recorda que no dia seguinte à inauguração já percebeu a reação do telespectador e a importância do seu papel enquanto jornalista de televisão.

No segundo dia de televisão, eu estava muito preocupado com o formato do jornal, eu não sabia o que ia ser o meu programa. Eu tinha redigido uma crônica jornalística. Não sei se foi isso que tinham me pedido, também não me encomendaram nada. [...] encontrei uma mulher de uns cinquenta anos mais ou menos. Era uma mulher muito simpática e ela me interpelou: ‘o senhor não é o seu Maurício Loureiro Gama?’ Respondi que sim e ela me disse que tinha me visto naquele programa inaugural da televisão e que, de um modo geral, estava bom. ‘Agora o senhor tem um grave defeito: é um homem muito arrogante’, ela falou. Eu disse que era um caipira do interior e não tem nada de arrogante, eu só estava atrás da democracia. Ela respondeu: ‘não, o senhor quer impor, não conversou comigo’. Eu perguntei como eu ia conversar com a ela. ‘O

91 senhor tem que imaginar que eu, uma senhora, estou em casa preparando aulas enquanto fala’ (GAMA,1999).24

Para Gama (1999) com este discurso dialogado foi inaugurado o formato e a relação apresentador e público na televisão, entretanto foi a partir da transposição dos radiojornais que esta relação se solidificou. A imagem tornou a figura do locutor de rádio visível. Se no rádio a voz era e ainda é a marca de alguns jornalistas, na TV outras características podem ser levadas em consideração. O Repórter Esso é o exemplo mais evidente. Armando Figueiredo (1999) lembra-se que a responsabilidade e a estampa do apresentador passavam credibilidade para o telejornal. 25

Tinha uma imagem do Kalil Filho, por exemplo, que foi apresentador na televisão. Primeiro, valia mais a estampa. Ele enchia a tela, era grande bonito, tinha personalidade e boa dicção; então, ele infundia aquilo que o Repórter Esso queria acima de tudo: a credibilidade. As pessoas precisavam acreditar no Repórter Esso, e naquele tempo, o apresentador passava a credibilidade porque ele não só lia a notícia, ele lia como se estivesse contando, interpretando. Era o tipo de narração. Mas, o âncora, o Kalil, ou quem fosse, ajudava a preparar a notícia eventualmente, colaborava com a gente mesmo não sendo o redator. Antes do Kalil foi o Ribeiro Filho. Isso foi tudo em São Paulo, porque dois anos depois ele era apresentado no Rio de Janeiro. Era tudo independente, as principais características do Repórter Esso era a seriedade e a responsabilidade. Havia um lema: o Repórter Esso pode até chegar a cometer um erro, mas, na edição seguinte, ele corrige. Agora era absolutamente intolerável o Repórter Esso ser submetido à vergonha do desmentido; por isso, antes de ir ao ar ele era checado, lido, relido (FIGUEIREDO, 1999).

O Repórter Esso pode ser considerado o pioneiro na valorização do apresentador no Brasil, os profissionais eram inexperientes quando se tratava de televisão e tiveram que criar suas próprias regras em frente às câmeras. De acordo com Camila Pérez Gonçalves da Silva (2009, p.9), o Repórter Esso impôs “o primeiro padrão para a apresentação de notícias no jornalismo

24 Mauricio Loreiro Gama foi apresentador do Imagens do Dia e deu estas informações á pesquisadora Flora Neves em 1999. 25 Armando Figueiredo foi editor chefe do Repórter Esso, deu estas informações durante entrevista à pesquisadora Flora Neves em São Paulo, em 1999.

92 eletrônico brasileiro e também para questões ligadas à imagem do programa e de seus apresentadores”. No último ano de exibição, em 1969, o telejornal já era transmitido em cadeia por TVs de todo o país. Profissionais da época dizem que a audiência do programa chegava a 100% devido ao reduzido número de televisores. Para Gontijo Teodoro, o noticiário conduzido por ele prendia o público pela credibilidade de suas informações. Credibilidade essa que também incluía a postura e o crédito vindo dos locutores.26 O primeiro telejornal de destaque na TV brasileira já era um sucesso do rádio quando transportou este sucesso para o novo veículo e embora fosse uma produção de uma agência internacional com um modelo voltado para o radiojornalismo, transformou-se num marco do telejornalismo brasileiro. Inaugurando uma nova fase, em 1962, surge na TV Excelsior, Jornal de Vanguarda, responsável por implantar muitas novidades no telejornalismo do Brasil. A principal novidade foi a participação de jornalistas como produtores e cronistas especializados na apresentação das notícias, entre eles Millor Fernandes, João Saldanha e Sérgio Porto. (REZENDE, 2000) O Jornal de Vanguarda se mostrou surpreendente pela sua originalidade na estrutura e forma de apresentação. De acordo com Fernando Barbosa Lima (2007), o telejornal entrava ao vivo às dez e meia da noite com vários apresentadores, os quais eram jornalistas vindos da imprensa escrita e não do rádio, como era feito anteriormente. A equipe também contava com humorista, comentarista político, desenhista e caricaturista. Para o jornalista Artur da Távola (1977), o Jornal de Vanguarda quebrou a linguagem tradicional usada nos telejornais da época e os apresentadores passaram a usar um tom informal e coloquial. Com oito ou nove apresentadores dentro do estúdio, o programa incluía ilustrações e até piadas contadas por Sérgio Porto. Conhecido pelo pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta no Diário Carioca, no telejornal também costumava fazer comentários satíricos sobre a política brasileira. Com a presença de vários locutores, o Jornal de Vanguarda tornou a apresentação mais dinâmica. (SOUZA, 2000)

26 Entrevista do apresentador a repórter Vânia Almeida, São Paulo, 5 mar. 1985

93 Na lembrança de Vilas Boas Corrêa, comentarista político do Jornal de Vanguarda, o programa era todo feito em plano americano e os apresentadores ficavam sentados para evitar o mau posicionamento diante das câmeras:

[...] a vantagem do banquinho era que, sem encosto, nos obrigava a uma postura correta, evitando a deselegância de afundar. Como tudo era ao vivo, de vez em quando aconteciam coisas pitorescas. Uma vez, o Sérgio Porto contou uma piada tão engraçada, que provocou um frouxo de riso em toda a equipe. Foi preciso tirar o jornal do ar. (Apud KAPLAN; REZENDE, 1994, p.128).

Em 1963, o Jornal de Vanguarda recebeu na Espanha o prêmio Ondas, título por ser considerado o melhor telejornal do mundo. No entanto, o noticiário não resistiu ao golpe de 64. Com a TV Excelsior perseguida, o telejornal trocou de emissora quatro vezes e se extinguiu na TV Rio, no auge do AI-5. Para Rezende (2000), “encerrava-se ali uma das passagens mais criativas e inteligentes da história do telejornalismo brasileiro”.

O âncora na apresentação

Por um bom tempo o apresentador tinha a única função de ler as notícias em frente às câmeras, mas esse conceito mudou quando a figura do âncora chegou ao telejornalismo brasileiro. O termo “âncora” surgiu nos Estados Unidos (anchorman), na década de 50 e trouxe ainda mais peso para o apresentador. Sua função não é somente apresentar o noticiário, mas principalmente ser o editor-chefe que se mantém em sintonia com todo o telejornal no momento da apresentação. Para Sebastião Squirra (1993), é o âncora “que orienta os temas a serem cobertos; [...] que elimina assuntos; que inclui novas abordagens e que redireciona o texto na hora da introdução dos assuntos no estúdio”. Nos EUA, Walter Cronkite foi o mais importante âncora da história do telejornalismo americano. O jornalista atuava na rede CBS de televisão e foi o primeiro a receber o título de editor-chefe e apresentar um telejornal. Cronkite ficou a frente do “Evening News” entre 1962 e 1981. De acordo com Flávio

94 Porcello e Roberto Ramos (2012), o mais famoso âncora norte-americano não tinha na voz sua maior virtude, mas tinha uma grande capacidade de tratar jornalismo com seriedade e mantinha uma característica de identificação com público, atributos essenciais ao bom jornalismo que conquistaram a confiança dos telespectadores. No Brasil, Boris Casoy foi considerado o primeiro âncora do país. O jornalista tornou-se responsável pela bancada do TJ Brasil em 1998, telejornal que influenciou nas mudanças nos noticiários brasileiros, dando total liberdade para Casoy expor suas opiniões sobre as notícias, aproximando-se do modelo de ancoragem norte-americana. (PACHECO; SANT’ANA, 1998)

Boris Casoy começou a se ancorar, para ser um Âncora, à imagem e semelhança de Cronkite. Ele conseguiu uma relação diferenciada com a emissora. Teve liberdade para escolher sua própria equipe [...] E contou com espaço devido para conceber e liderar o “TJ Brasil” com seus traços e fisionomia, bem ao seu jeito. [...] (PORCELLO; RAMOS, 2012, p.224).

Conforme Porcello e Ramos (2012), a função de âncora carrega o peso da responsabilidade de expressar a ideologia defendida pela emissora. É mais que a figura do jornalista apresentando notícias, é a própria fisionomia da emissora, com suas crenças e posições ideológicas. E quanto maior a identificação com o telespectador, propriedade que Boris dominava, melhor para o êxito da mensagem. Casoy lia as notícias, fazia entrevistas e também comentava de uma forma particular, pela qual desenvolvia a produção de opinião no TJ Brasil. Seus comentários se tornaram polêmicos, e se por um lado eram condenados por críticos e profissionais da área, com o público a reação era positiva. O jornalista ficou marcado pelo uso de comentários pessoais que caíam no gosto popular. No começo eram feitos de improviso, mas depois Casoy passou a escrever. Até o célebre jargão “isto é uma vergonha”, surgiu de um improviso, e em pouco tempo os telespectadores estavam repetindo a frase que até hoje é usada pelo jornalista. A popularidade de Casoy ancorando o TJ Brasil indicou a necessidade de um novo modelo para o telejornalismo brasileiro, centrado no jornalista

95 como apresentador das notícias. Situação que influenciou a troca na bancada de telejornais de outras emissoras (REZENDE, 2000). O jornalista marcou a história do telejornalismo no país e é até reconhecido por ser o primeiro âncora brasileiro, apesar disso, o primeiro a exercer a posição foi Joelmir Beting, no Jornal Bandeirantes. É o próprio Boris quem afirma: “A posição de âncora não é uma novidade no Brasil [...] durante o regime militar, na Bandeirantes, o Joelmir Beting fez esse tipo de trabalho” (CASOY, 1994, p.41). No período (1975-1985) em que Beting ancorou o Jornal Bandeirantes ao lado de Ferreira Martins, havia a necessidade de se trabalhar com o improviso. De acordo com suas próprias recordações, o telejornal era editado “na marra”:

Era uma ancoragem cirúrgica, porque às vezes eu tinha dois minutos de vazio no jornal e precisava preenchê-lo no papo [...] A exigência de criatividade era um absurdo, eu perdia adrenalina toda noite (por mais que o resultado pudesse ser bom). Não era experiência pela opção de um modelo e sim por uma deficiência operacional da empresa. Aquilo era um “tampão” ao vivo, com a nossa cara sob o risco de fazer ou dizer besteiras, como andou acontecendo. (Beting apud VIEIRA, 1991 p.122-3).

Segundo Joelmir Beting, a figura do âncora deriva de uma cultura americana que necessita de uma “grande estrela” e na qual o triunfo individual carrega extrema importância, diferentemente do que acontece no jornalismo brasileiro. Para o jornalista, no nosso país a valorização ao trabalho em equipe se sobrepõe ao indivíduo e a “luz própria” não seria respeitada pela empresa. Quando é o jornalista que fala e não a empresa, ele pode ficar fora do controle político e não comprometer o trabalho em equipe, mas no Brasil, “essa luz própria” não se ganha, ao contrário, deve ser arduamente conquistada. Ainda para Beting, “o âncora é então um americanismo num caldo de cultura de rejeição, não vai longe e não funciona”. (VIEIRA, 1991).

96 Os atores da bancada

Diferente dos profissionais de outros veículos de comunicação, os apresentadores de telejornais estão em constante exposição. Presentes no imaginário da população, despertam a curiosidade e a empatia do público. De acordo com Yvana Fechine (2008, p.2), o público passa a ver o apresentador como alguém que ele conhece, que sabe “das experiências, das opiniões e preferências pessoais”. Além disso, a força carregada pelos que estão à frente da bancada influencia na credibilidade do jornal, que está diretamente ligada à confiança que os espectadores depositam nos apresentadores.

[...] Estes profissionais possuem um papel fundamental nos telejornais, devido a sua interação com o público. A forma de se expressar, a aparência, o estilo [...] segue a linha editorial do programa e o torna íntimo dos telespectadores, fortalecendo a credibilidade das notícias (CARDOSO, CHINELATO e COUTINHO,2013,p.3).

Alguns apresentadores marcaram a história do telejornalismo. A empatia e a credibilidade gerada por eles diante do público foi fundamental para isso. Eliakim Araújo e Leila Cordeiro assumiram a bancada do Jornal da Globo em 1986 e ficaram conhecidos como o “casal 20” da televisão, por serem casados e trabalharem no mesmo telejornal. O nome dado à dupla tornou-se marca registrada dos jornalistas. Em 1989, deixam a Rede Globo e passaram a aceitar apenas trabalhos em que continuassem juntos como o “casal 20”. Eliakim, sobre a saída da Rede Globo, declarou que independente da emissora que o contratassem eles não abririam mão do “marketing de casal” que haviam criado. Já Leila afirmou que “na TV, para acontecer, você precisa marcar. E nós marcamos como um casal”.27 Quando saíram do Jornal da Globo, Eliakim e Leila estrearam na com bons índices de audiência, onde permaneceram até 1993. Segundo reportagem publicada na Folha de São Paulo a chegada do casal levaria mudanças ao telejornal para que tivesse “a cara dos novos locutores”. 28

27 Entrevista à Folha de São Paulo, 1989. 28 Em 23 agosto de 1989, página 3

97 Em 1993, os jornalistas foram para o SBT, onde protagonizaram uma briga em rede nacional, na qual Leila deu uma bronca em Eliakim. No entanto, o programa era gravado, e possivelmente, foi um erro do editor. Com o fim do SBT Notícias, o casal foi convidado pela CBS para apresentar um telejornal no o CBS Telenotícias, primeiro canal internacional de notícias em língua portuguesa. Leila e Eliakim já se aproximavam da audiência fazendo com que esta se projetasse e se identificasse com o casal na bancada. Construíram uma imagem de credibilidade por meio da intimidade que tinham. Uma propaganda do Jornal da Manchete utilizava a frase “mais do que nunca a intimidade com a notícia”.29 Apesar da grande empatia do casal 20, não é possível compará-la a dos apresentadores que passaram pelo Jornal Nacional da Rede Globo. O primeiro deles, Cid Moreira, permaneceu quase três décadas à frente do programa e dividiu a apresentação com outros jornalistas, entre Hilton Gomes, Sérgio Chapelin e Celso Freitas. Com o fim do Repórter Esso em 1970, o Jornal Nacional que completava um ano no ar, passou a ser a grande estrela do telejornalismo no Brasil. E a escolha dos apresentadores era feita com cuidado, homens de boa aparência e com um timbre de voz bom garantiam a audiência do público feminino que assistia as novelas da emissora. Assim como disse José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o então vice-presidente de operações da Rede Globo:

Eu achava que, além da correção, da boa voz, do timbre bonito, os nossos telejornais ganhariam muito com a presença de apresentadores de boa aparência. Isto era parte de uma tática: a de fazer com que o nosso público de novela, predominantemente feminino, fosse atraído pelos nossos telejornais (In MELLO E SOUZA, 1984, p.77)

Cid Moreira foi a escolha perfeita durante 27 anos. De acordo com Rezende (2000, p.114), o jornalista foi o “símbolo da filosofia doJornal Nacional, papel que cumpriu com eficiência irretocável e prestígio popular inabalável”.

29 Propaganda no Jornal Folha de São Paulo, 30 ago. 1989

98 Em 1995 a Rede Globo encomendou uma pesquisa a fim de descobrir como estava a imagem de Cid Moreira vista pelos telespectadores e saber quais apresentadores eram mais conhecidos e quais tinham maior credibilidade. Já com especulações sobre a troca de cadeiras na emissora, uma reportagem da Revista Veja daquele ano, afirmava que “a posição da cúpula da emissora é de que se der Cid Moreira na cabeça, não haverá mudanças”.30 Com 77 por cento das preferências na pesquisa, Cid Moreira se destacou como o jornalista mais lembrado e com maior credibilidade no país. Apesar disso, a mudança nas cadeiras no Jornal Nacional foi inevitável e o motivo foi a transformação do telejornalismo brasileiro da época. Segundo Rezende (2000, p.132), o êxito do âncora Boris Casoy indicava a necessidade de um renovação no modelo de telejornalismo no país, valorizando o trabalho de jornalista como apresentador de notícias, o que desconstruiria a figura do locutor. E em abril de 1996, os símbolos do maior telejornal do país, Cid Moreira e Sergio Chapelin, se despediram do JN dando lugar ao casal de jornalistas Willian Bonner e Lillian Witte Fibe. Uma troca arriscada, já que Cid Moreira ficou muito tempo na apresentação e já tinha sua imagem associada ao telejornal. Para os espectadores, acostumados com a famosa voz grave e os cabelos brancos do antigo apresentador, foi uma alteração drástica. Por outro lado, pela primeira vez uma mulher assumia a apresentação do telejornal, que até então era ocupado apenas por homens. Com a mudança é possível perceber que os valores da sociedade, em que a mulher lutava pela equiparação salarial, estavam se refletindo no Jornal Nacional. (CARDOSO; CHINELATO;COUTINHO, 2013, p.9) Em 1997, o mais importante noticiário do país começou a apresentar queda nos índices de audiência. Porém, pesquisas apontavam que os espectadores já estavam adaptados com a troca de apresentadores, e diziam que Bonner era a versão mais jovem de Cid Moreira e que Lillian transmitia credibilidade, mas não era considerada empática aos olhos da audiência.

30 Revista Veja, 22 de março de 1995, página 96.

99 Lillian Witte Fibe não se adaptou a linha editorial do Jornal Nacional e permaneceu por lá por apenas dois anos. Para a jornalista, o telejornal deveria se aprofundar nas notícias, destacando política e economia, assim como fazia no Jornal Globo, antes de ir para o horário nobre. Lá, Lillian “consolidou seu estilo e fazia comentários que incluíam certa ironia e expressões animadas por um toque sutilmente malicioso”.31 Com a saída de Lillian Witte Fibe, a volta de dois apresentadores homens ao Jornal Nacional foi cogitada, mas a direção da Globo optou por manter o modelo do casal. Fátima Bernardes assumiu a bancada acompanhando seu marido, Willian Bonner, e em pouco tempo conquistou a simpatia dos telespectadores. Com o casal dividindo a apresentação, “a Globo investiu na estratégia de fidelização da audiência mostrando-os como exemplo de um casal perfeito, assunto bastante explorado pelas revistas de fofocas da TV (...)”. (PORCELO; RAMOS, 2012, p.215) Fátima e Willian se transformaram na marca do telejornal e com a imagem de casal modelo habitavam no imaginário da audiência e despertavam a curiosidade dos espectadores. Segundo Hagen (2006, p.2), “se os telejornais passam a ocupar um espaço basilar na produção de informações, os apresentadores também ganham um novo status. Alçados à categoria de estrelas, jornalistas têm a vida devassada em revistas e jornais (...). Deixam de ser os produtores da informação para ser a própria notícia”. E a vida do casal foi diversas vezes explorada pela mídia. O corte de cabelo de Fátima, as viagens feitas nas férias e os filhos trigêmeos eram frequentemente comentados pelas revistas de fofoca. O estrelato vivido pelos apresentadores contradizia com a busca pela proximidade da audiência. E por essa constante busca por estar próximo do público, o telejornalismo passou a fazer com que os jornalistas começassem a sair do estúdio e apresentar o telejornal de fora. Em uma dessas situações, o Jornal Nacional exibiu a “Caravana JN”. Na cobertura das eleições para presidente e governadores de 2006, Pedro Bial

31 Revista Veja, 11 fevereiro de 1998.

100 visitou 27 estados de cinco regiões do país. A cada quinze dias, nas segundas- feiras, Pedro Bial ganhava a companhia de Willian Bonner ou de Fátima Bernardes. Quando um estava na caravana, o outro ancorava o jornal do estúdio no Rio de Janeiro. Para Fechine (2006), na tentativa de alcançar o efeito de presença, “os telejornais brasileiros têm buscado cada vez mais estratégias que produzem um efeito de continuidade espacial entre o estúdio e a rua”. E essa prática se tornou comum, não só entre Fátima e Bonner no Jornal Nacional, mas também em outros noticiários. Em um episódio trágico em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, muitas pessoas morreram queimadas em um incêndio em uma boate. Além de Willian Bonner, a jornalista Sandra Annerberg também apresentou o telejornal do local da tragédia. A apresentadora do Jornal Hoje, junto com o seu parceiro de bancada, Evaristo Costa, também protagonizam cenas que foram amplamente comentadas pelos usuários da internet e por outros veículos de comunicação. De acordo com Silva (2009), o Jornal Hoje possui apresentadores que possuem entrosamento e mantêm no noticiário um estilo “inovador, leve e descontraído”, além disso, conduzem o programa jornalístico de maneira espontânea e natural. Para Fechine (2008), ocorreram grandes transformações na postura e perfis dos apresentadores nos últimos anos. Os novos estilos, como o do apresentador descontraído, que faz brincadeiras em frente às câmeras e comenta sobre comportamentos pessoais, semelhante aos apresentadores do Jornal Hoje, se aproxima do público ao compartilhar experiências, opiniões e preferências. Em uma edição, no encerramento do telejornal, Sandra derrubou uma caneta e se despediu rindo enquanto Evaristo alcançou o objeto no chão. A situação foi alvo de comentários e tornou-se o assunto da semana entre a audiência do programa. Além disso, revistas e sites de fofoca noticiaram o ocorrido, lembrando também do que aconteceu com a apresentadora do Jornal Nacional, Patrícia Poeta, quando foi flagrada fazendo exercícios de voz. Outro momento protagonizado por Sandra Annemberg foi um comentário feito por ela em uma edição do telejornal em 2011, quando a

101 entrada ao vivo da repórter Monalisa Perrone foi interrompida por dois homens. Sandra ficou assustada com o acontecido e ao voltar para o estúdio comentou que o ato foi “deselegante”. A palavra tornou-se praticamente um bordão, que passou a ser repetida por muitas pessoas e ficou associada a uma imagem simpática da apresentadora.

Considerações finais

Com esse estudo é possível entender e ressaltar o papel exercido pelos apresentadores no telejornalismo brasileiro. O apresentador sempre foi importante dentro do noticiário, desde o surgimento, quando estes migraram do rádio, sua imagem já causava identificação no telespectador. Identificação essa que acaba por influenciar na credibilidade construída pelo telejornal, que por vez está ligada à confiança e a simpatia que a audiência coloca naquele que está por de trás da bancada. A força do apresentador é tamanha que sua imagem é frequentemente associada à imagem do telejornal que apresenta. Um dos motivos pelo qual as emissoras têm cuidado ao escolher um apresentador. Suas experiências, seu discurso e características pessoais influenciam na construção e consolidação do perfil do noticiário. No entanto, a figura do apresentador por vezes torna-se mais importante que a própria informação. Seu discurso, sua aparência e suas características pessoais chamam mais a atenção do espectador do que a notícia dada. Essa visibilidade dos jornalistas de televisão pode fazer com que o próprio jornalista vire a notícia, situação que faz com que os donos da bancada sejam alçados ao título de celebridade, estampando capas de revistas e sendo alvo do interesse público pela sua vida privada.

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104 TELEJORNALISMO E POLÍTICA O papel do telejornalismo na política em Londrina: a imagem de Barbosa Neto na sessão de julgamento do caso Centronic

Adriana Nakamura Gallassi

Resumo Este trabalho é vinculado ao Projeto de Pesquisa: “Construção simbólica e agendamento por meio da imagem e das linguagens na produção telejornalística”. O artigo traz uma análise sobre cobertura política dos principais telejornais londrinenses, Paraná TV 2ª edição e o Jornal Tarobá 2ª edição, no dia da sessão de julgamento do caso Centronic realizada no dia 30 de julho de 2012. O caso consiste na formação de uma Comissão Processante, para investigar denúncias de corrupção, que, por fim, levou a cassação do mandato do ex-prefeito de Londrina Homero Barbosa Neto. Averiguou-se, por meio da metodologia das valências, de que forma os telejornais construíram a imagem de Barbosa, identificando os mecanismos de expressão da imagem e da linguagem do telejornal para estruturar as suas matérias e elaborar significações a fim de agendar e atingir a sua audiência. Palavras-chave: Telejornalismo; Política; Paraná TV; Jornal Tarobá; caso Centronic;

Introdução

Com a finalidade de contribuir para averiguar o comportamento da televisão brasileira em casos de denúncias de corrupção, este trabalho pretende investigar, com métodos quantitativos e qualitativos, de que forma dois dos principais telejornais locais de Londrina, o Paraná TV 2ª edição, transmitido pela afiliada da Rede Globo, e o Jornal Tarobá 2ª edição, da afiliada da Rede Bandeirantes, construíram a imagem de Homero Barbosa Neto, ex-prefeito da cidade e a sua relação com o caso Centronic no dia 30 de julho de 2012, data da sessão de julgamento do ex-prefeito. A intenção é aferir em que medida os telejornais estruturaram significações e possíveis agendamentos no telejornal do dia da sessão em que os veredores votariam pela cassação ou não do então prefeito de Londrina, Barbosa Neto. Ele era acusado de utilizar os serviços de dois vigias, pagos pela prefeitura, na emissora de rádio de sua propriedade, a Rádio Brasil Sul. A

106 denúncia foi batizada de caso Centronic porque a empresa de segurança que prestava o serviço chama-se Centronic. Na análise aplicou-se a técnica das valências, utilizada pelo Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (Doxa), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que desenvolve pesquisas eleitorais em jornais. Esse estudo permite, sustentado em uma classificação de valências – positiva, negativa, neutra ou equilibrada –, medir o espaço dado aos candidatos nas eleições e, assim, perceber se há um favorecimento a determinado candidato pelo jornal. No caso desta pesquisa, utilizou-se a técnica das valências para verificar o espaço dado pelos telejornais a pessoas, discursos, opiniões que construíram a imagem do ex-prefeito Barbosa (PDT), em cada emissora. Possibilitando assim identificar se o telejornal do dia do julgamento apontava para a culpa, inocência ou se mantinha uma discurso neutro sobre a acusação de corrupção de Homero Barbosa Neto, também candidato à eleição para a prefeitura de Londrina naquele ano. A aplicação da técnica das valências apoiou-se em conceitos de José Luiz Fiorin (2006), que estuda a semiótica social de Algirdas Julien Greimas. Foram aplicados os conhecimentos da linguagem, principalmente, do nível do discurso para encontrar no texto utilizado pelos telejornais as significações do enunciador do texto. Fiorin (2006) destaca em seu trabalho a diferença entre o autor do texto e o enunciador, dessa forma, não é intenção desse trabalho afirmar qual foi a intenção dos jornalistas envolvidos na cobertura ao utilizar determinados discursos, e sim, qual foi o resultado da interpretação do texto enunciado e que tipo de tendência ele apresentou.

As emissoras e os telejornais

A Rede Paranaense de Comunicação (RPCTV), afiliada da Rede Globo em Londrina, foi inaugurada no dia 21 de setembro de 1963 e chamava-se TV Coroados. Foi a primeira emissora instalada no interior do Paraná. No início,

107 era uma concessão cedida ao conglomerado nacional Diários e Emissoras Associados de Assis Chateaubriand. Hoje e desde o final de 1979, a TV Coroados foi adquirida pela Rede Paranaense de Televisão (RPTV) – grupo de Curitiba liderado por Francisco Cunha Pereira Filho e Edmundo Leminski – e, posteriormente, passou a chamar-se RPCTV. O telejornal local da noite, objeto de análise desta pesquisa, transmitido pela emissora, é o Paraná TV 2ª edição. Este é exibido de segunda a sábado, a partir das 19h15. Com duração de pouco mais de quinze minutos, sem contar os intervalos comerciais. O telejornal é dividido em três blocos, sendo dois deles produzidos em Londrina e voltados para o público da cidade, e o último com notícias do estado. Na data analisada, os dois primeiros blocos são apresentados por Leandro Costa e o último por Sandro Dalpícolo. No total, o noticiário tem quase dezesseis minutos, sem contar os intervalos, dos quais pouco mais de nove minutos são destinados à notícias de Londrina.

Tabela 1: Tempo dos blocos do Paraná TV 2ª edição do dia 30/07/2012

1° Bloco (Londrina) 5 minutos e 52 segundos 2° Bloco (Londrina) 3 minutos e 31 segundos 3° Bloco (Curitiba) 6 minutos e 21 segundos Total (sem intervalos) 15 minutos e 44 segundos

A TV Tarobá de Londrina, afiliada da Rede Bandeirantes, entrou no ar em 1996, dezessete anos após a sua matriz de Cascavel. No início foi chamada de TV Londrina, por ser uma concessão outorgada a Empresa Jornalística Folha de Londrina, de João Milanez. Pouco tempo depois mudou para TV Tarobá, unificando a marca. Conhecida por sua ênfase em transmissão de conteúdo local, a emissora tem mais espaço para inserir produções próprias, seja no jornalismo, seja no entretenimento. O Jornal Tarobá 2ª edição é o telejornal local transmitido à noite, veiculado de segunda a sexta com início às 18h55. Tem a duração média de vinte minutos, excetuando-se o tempo destinado à propaganda. O telejornal é composto por três blocos, todos produzidos e destinados aos londrinenses.

108 A apresentação do telejornal no dia analisado é de Patrícia Chiosi, que é apresentadora e editora. Normalmente ela divide a bancada com Fernando Brevilheri, comentarista e diretor de jornalismo da emissora. Neste dia, no entanto, ele faz a sua participação ao vivo da Câmara Municipal.

Tabela 2: Tempo do Jornal Tarobá 2ª edição do dia 30/07/2012

1° Bloco 8 minutos e 30 segundos 2° Bloco 7 minutos e 55 segundos 3° Bloco 3 minutos e 55 segundos Total (sem intervalos) 20 minutos e 26 segundos

O caso Centronic

O caso Centronic, como ficou conhecido na mídia, envolveu a denúncia de contratação de dois vigias da empresa Centronic pela prefeitura, que, no entanto, prestavam serviços à Rádio Brasil Sul, propriedade de Homero Barbosa Neto, na época prefeito de Londrina. Durante o seu mandato, Barbosa foi alvo de outras três denúncias e pedidos de abertura de Comissão Processante (CP), que não a do caso Centronic.32 A primeira foi em 19 de maio de 2011, sob a acusação de promoção pessoal no reveillón realizado no aterro do Lago Igapó II, evento pago pelo município. No dia 4 de outubro daquele ano, o segundo pedido de instauração de uma CP foi devido à acusação de irregularidades no treinamento da Guarda Municipal. O terceiro pedido foi no dia 20 de dezembro devido à crise da saúde, como ficaram conhecidas as irregularidades no relacionamento com as Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) que assumiram serviços terceirizados. Todas foram arquivadas por terem votos insuficientes favoráveis à abertura de uma comissão de investigação que poderia cassar o mandato do prefeito.

32 A Comissão Processante tem poder para cassar mandatos, sua função é investigar e julgar casos de suspeita de improbidade administrativa.

109 No dia 14 de abril de 2012, um novo pedido de abertura de CP chegou a Câmara: o caso Centronic. No dia 26 de abril de 2012, a abertura da CP foi votada e aprovada com dezoito votos favoráveis. A abertura oficial foi no dia 7 de maio de 2012 e a comissão teria noventa dias improrrogáveis para apuração, apresentação e votação do caso, ou seja, até o dia 7 de agosto, quando a campanha para a eleição municipal já teria se iniciado. A apresentação do resultado do relatório da Comissão foi em 23 de julho (o prazo de entrega era dia 27) responsabilizando Barbosa pelo caso Centronic. A partir daí a data da votação da CP foi marcada para o dia 30 de julho de 2012. A defesa do ex-prefeito tentou emplacar liminares para anular a CP e mudar a data da votação, mas todos os pedidos foram indeferidos. Depois de 12 horas de sessão, no dia 30 de julho, o mandato de Barbosa Neto foi cassado, com treze votos favoráveis à cassação. 33

Técnica de Insvestigação

O método de análise escolhido para este estudo foi a técnica das valências - adaptada ao estudo de telejornalismo - originariamente, esta é aplicada em pesquisas sobre eleições em jornais impressos. Tal adaptação já foi feita em outros estudos como na pesquisa de doutorado “Telejornalismo e poder nas eleições presidenciais” de Flora Neves (2008) e na dissertação de mestrado “A produção de sentidos no telejornalismo: um estudo sobre a saúde pública no Jornal Nacional” de Reinaldo Zanardi (2012). Para avaliar a valência de uma matéria deve-se calcular o tempo dedicado pelo telejornal a um determinado assunto e o tempo de exposição e de espaço dado a uma pessoa, e ainda, avaliar o tratamento dado pelo telejornal e verificar se houve alguma valoração sobre o assunto, além da notícia. Nesta análise, as valências são utilizadas para investigar que tipo de abordagem os dois telejornais deram ao caso Centronic no dia de seu julgamento. Mais especificamente, pretende-se averiguar a valência em relação

33 Eram necessários exatamente treze votos para cassar o mandato de Barbosa Neto.

110 a imagem de Homero Barbosa Neto.Para este estudo empregou-se a valência positiva, negativa e a neutra. A valência positiva foi atribuída à matérias com espaço dado a pessoas consideradas representantes da defesa de Barbosa, como por exemplo, advogados, aliados políticos e o próprio Barbosa Neto. Para atribuir as valências em geral verificou-se o conteúdo da fala desses personagens e de outros, supostamente neutros, como jornalistas e invetigadores do caso. Quando o discurso carrega uma conotação de inocência do ex-prefeito ou de depreciação da investigação, a matéria foi considerada positiva para a imagem de Barbosa. A valência negativa foi conferida a matérias que apontam a culpa do acusado, ou seja, quando há personagens que são contra o ex-prefeito, por exemplo, rivais políticos, com um discurso que condena Barbosa Neto. A valência neutra é atribuida a matérias em que existe um equilíbrio na apresentação dos discursos favoráveis e desfavoráveis ao prefeito ou que exclui valorações positivas e negativas. A última também foi atribuída a falas consideradas informativas, isso porque, os telejornais obrigatoriamente deveriam esclarecer os fatos e narrar os acontecimentos da sessão de julgamento, o que poderia parecer algo negativo para o ex-prefeito. No entanto, a situação já era desfavorável a sua imagem, assim, esses casos de informação objetiva – as que precisavam ser ditas e sem valorações - são consideradas neutras. Esta não é uma valência atribuída acreditando que existe um discurso isento, e sim um não posicionamento ao dar espaço para todos os interessados no caso. Para analisar o texto dos telejornais e atribuir as valências foi fundamental o apoio nos estudos da semiótica social de José Luiz Fiorin (2006) que proporcionu olhar as significações explícitas e implícitas do texto, relacionando-as com o contexto sócio-histórico, proporcionando assim uma análise mais profunda do conteúdo dos telejornais. A partir das significações parciais das matérias pode-se chegar a uma significação central, considerada a intencionalidade da obra, pelo autor.

111 Análise

O Paraná TV 2ª edição e o Jornal Tarobá 2ª edição, exibidos no dia da sessão de julgamento do ex-prefeito Homero Barbosa Neto pelo caso Centronic, dedicaram tempos distintos ao assunto. O percentual utilizado pelos telejornais teve a diferença discrepante de 40%, como mostra a tabela 3.

Tabela 3: Percentual e tempo dos telejornais dedicados ao caso Centronic no dia 30/07/2012

Tempo total Tempo dedicado Percentual do total Telejornal (sem intervalos) ao caso (%) Paraná TV 15m44s 5m32s 34,45 Jornal da Tarobá 20m20s 15m10s 74,75

Ambos utilizaram esse tempo com escalada34, cabeça35, chamada de bloco36, vivo37, reportagem38 e VT39. Somente o Jornal Tarobá 2ª edição teve outros dois elementos: uma entrevista ao vivo e a fala do comentarista do telejornal.

34 Texto lido pelo apresentador do telejornal no início do 1° bloco, a sua função é apresentar quais são as principais matérias do dia. 35 Texto lido pelo apresentador do telejornal antes de entrar um repórter, seja numa reportagem, seja ao vivo, falando sobre a notícia. 36 Texto lido pelo apresentador do telejornal com a função de destacar o que há de mais importante no próximo bloco, ou seja, depois do intervalo comercial. 37 Matéria feita no momento da transmissão, em que o repórter pode informar ou entrevistar alguma autoridade que explique o assunto em pauta. 38 Matéria gravada por um repórter em que este não aparece no vídeo. 39 Matéria gravada por um repórter em que este aparece no vídeo transmitindo informações relevantes que não tem imagens para cobrir a sua fala.

112 Tabela 4: Elementos que compõem a exibição do caso Centronic em ordem de aparição (elemento/tempo)

Paraná TV 2ª edição Jornal Tarobá 2ª edição Escalada 21s Escalada 7s Cabeça 16s Cabeça 19s Vivo 33s Vivo 1m13s Reportagem 2m35s VT 2m42s Vivo 2 31s Vivo 2 1m17s Chamada de bloco 6s Cabeça 10s Chamada de bloco 9s Entrevista ao vivo 6m06s Cabeça 14s Cabeça 20s Reportagem 2 1m02s Comentário ao vivo 2m56s Cabeça 10s Vivo 3 35s

A técnica da valência foi aplicada em todos os elementos apresentados fora da bancada do telejornal, ou seja, os vivos, reportagens, VTs, entrevista e comentário ao vivo, como mostra a tabela 5. Isso porque, esses fragmentos são mais elaborados, possuem mais tempo em um telejornal e é onde a informação considerada mais relevante está contida A sessão de julgamento teve início na manhã do dia 30 de julho de 2012 e seguiu até o início da noite sem avançar. O motivo foram as seguidas tentativas de adiar a votação empregadas pela defesa de Barbosa. Algumas das alegações eram de que o prazo de direito da defesa não havia sido cumprido; a formação da CP da Centronic era irregular; alguns vereadores deveriam perder o direito de votar na sessão de julgamento por “ausência de imparcialidade”. Contudo, nenhuma tentativa logrou efeito. Os advogados de Barbosa conseguiram apenas que parte do relatório da CP fosse lido antes de abrir espaço para a fala dos vereadores, da defesa e, por fim, da votação. Para atribuir a valência a cada elemento do telejornal, que tratou do caso Centronic, baseou-se na interpretação das falas de jornalistas e entrevistados buscando as significações explícitas e implícitas, segundo o estudo da

113 lingugagem de Fiorin (2006). A semiótica social utilizada pelo autor possibilita encontrar, a partir da recontextualização histórica e análise profunda do texto, a ideologia implícita nele. O estudo faz uma reflexão somente sobre aquilo que está contido no texto, tornando assim, a atribuição das valências algo concreto e distante da opinião do pesquisador.

Tabela 5: Valência das matérias em relação a imagem de Barbosa Neto

Telejornal Elemento Valência Tempo Vivo Neutra 33s Reportagem Negativa 2m35s Paraná TV Vivo 2 Neutra 31s 2ª edição Reportagem 2 Neutra 1m02s Vivo 3 Neutra 35s Vivo Neutra 1m13s VT Positiva 2m42s Jornal Tarobá Vivo 2 Positiva 1m17s 2ª edição Entrevista ao vivo Positiva 6m06s Comentário Positiva 2m56s

O Paraná TV 2ª edição produziu uma cobertura mais neutra (55%), ou seja, de cunho mais informativo e sem elaborar uma abordagem que demonstrasse algum juízo de valor em relação a imagem de Barbosa. Nos outros 45% do tempo dedicado ao caso Centronic, o telejornal foi considerado negativo para a imagem do ex-prefeito. Isso não significa que não apresentou frases consideradas positivas, e sim que as negativas tiveram mais destaque. No caso da reportagem do Paraná TV 2ª edição considerada negativa, o repórter deu voz a dois entrevistados: um que estava na galeria da Câmara reservada para as pessoas que eram contra a cassação do prefeito e a outra pessoa da que era para os que eram a favor a cassação.

Entrevistado 1, José Felisberto, professor aposentado: Eu não acredito que o prefeito Barbosa Neto é um prefeito que deva tudo isso que estão falando.

114 Entrevistado 2, Fernando Teixeira, estudante: Eu sou a favor de um julgamento que seja justo pra Londrina e se for comprovado mesmo que houve algum desvio, algum caso de corrupção no governo ai do Barbosa Neto, que ele seja punido por isso.

A fala do professor, que acredita na inocência de Barbosa, foi a única menção de valência positiva a imagem do ex-prefeito na reportagem. Pode- se perceber que a fala do estudante, que na reportagem representava o lado a favor da cassação, não há uma condenação de Barbosa Neto. O seu discurso é de que “se for comprovado” a culpa do prefeito deve haver punição. Essa fala representa um discurso de senso comum, a qual não condena nem absolve o prefeito e, por isso, foi considerada neutra. A reportagem é composta também de uma entrevista com o advogado de Barbosa, explicando um dos pedidos de adiamento da sessão. O representante da defesa do ex-prefeito titubeia, pensa, guagueja e está com uma feição preocupada. A postura presente nesse trecho é negativa para o prefeito, pois ridiculariza o seu representante e insinua um despreparo. Os manuais de telejornalismo afirmam que deve-se preservar a fonte evitando a escolha de trechos da entrevista com erros de português ou em que a pessoa guagueja, com a intenção de não expor o entrevistado. Soma-se a isso a escolha de incluir na matéria a imagem de pessoas pró- cassação entoando “Fora Barbosa, fora Barbosa”, o que é considerado negativo, pois não teve o mesmo espaço para o outro lado.

Tabela 6: Porcentagem das valências atribuídas aos telejornais do dia 30/07/2014

Telejornal Positiva (%) Negativa (%) Neutra (%) Paraná TV 2ª edição 0 45 55 Jornal Tarobá 2ª edição 92,1 0 7,9

O Jornal Tarobá 2ª edição, teve apenas 7,9% de matérias neutras. Além disso, os outros 92,1% das matérias do dia foram consideradas positivas em

115 relação a imagem de Barbosa. No VT todas as valorações positivas encontradas foram na fala do repórter coberta por imagens, conhecida como off no jargão dos jornalistas. E as duas únicas valências negativas encontradas foram na escolha de trechos da leitura do relatória da CP por um servidor da Câmara de Londrina.

Repórter: Nas galerias gente a favor da cassação e gente que acredita na inocência de Barbosa Neto. Mas, foi a defesa que usou de vários recursos para manter o mandato. Pela manhã foram pelo menos quatro pedidos para adiar a votação, todos negados pela procuradoria jurídica. A defesa também aguardava a decisão de uma mandado de segurança, que entrou na primeira vara de fazenda pública, mas que acabou sendo indeferido. (grifo meu)

O trecho “acredita na inocência de Barbosa Neto” em oposição à “gente a favor da cassação” ressalta uma valoração positiva em relação ao prefeito. Isso porque o ideal, para anular a tendenciosidade da frase, seria “gente contra a cassação”. A utilização da palavra “acredita”, ligada a crença e fé, com “inocência”, que aponta a isenção de culpa e traz o significado de ingenuidade e pureza, é muito mais forte aos ouvidos do telespectador, porque é menos abstrata que a sugerida, e favorável a Barbosa. Outro exemplo de valência positiva é o seguinte texto:

Repórter: 220 páginas foram escolhidas e começaram a serem lidas por servidores da Câmara. Entre elas, a conclusão da Comissão Especial de Inquérito da Centronic, que apontou o que o Ministério Público já havia investigado. Vigias teriam trabalhado na rádio na família de Barbosa Neto e supostamente pagos com dinheiro público.

Uma Comissão Processante tem por finalidade investigar e julgar um caso. Na data da sessão de julgamento, já havia um relatório que apontava a culpa de Barbosa Neto. No entanto, ao invés de informar o resultado do relatório, o repórter preferiu explicar na sua voz o crime pelo qual Barbosa era acusado e considerado culpado. Ao fazer isso, elege o uso do verbo “ter” conjugado no futuro do pretérito, indicador de hipótese, e a palavra

116 “supostamente” que também condiciona a situação narrada a seguir. Essa postura revela uma omissão do resultado do relatório da CP e uma forma de atenuar a acussação feita ao prefeito. Assim, a fala é considerada positiva para Barbosa Neto. O Jornal Tarobá 2ª edição também dedicou 6 minutos e 6 segundos de seu tempo, o segundo bloco do telejornal inteiro, para uma entrevista ao vivo com o advogado de defesa de Barbosa. A entrevista foi considerada positiva em relação ao prefeito tanto pelo conteúdo da fala do advogado, quanto por ter somente a entrevista com uma pessoa representante do interesse da inocência de Barbosa. Para exemplificar o conteúdo dessa entrevista seleciono aqui um trecho:

João Gomes Filho, advogado de defesa de Barbosa Neto: Eu acho que tudo isso é uma grande bobagem, eu acho que as orientações vieram de cima para baixo, o que menos tem aqui é vontade e decência para cumprir a prova colhida. A prova hoje, a prova que foi colhida nessa Comissão Processante, ela é o que menos importa, o que importa aqui é facilitar a vida de quem quer ser prefeito de Londrina. Infeliz a cidade de 600 mil habitantes que se presta a esse papel.

O tempo dedicado a essa entrevista, fortemente tendenciosa e favorável ao ex-prefeito, também foi extensa para uma matéria inserida na televisão – em geral produz-se matérias de 2 a 3 minutos. Além disso, as perguntas dirigidas ao advogado são perguntas que ele não seria a fonte adequada para responder e ainda abria caminho para ele defender o prefeito ou desqualificar a CP e a sessão de julgamento. O comentarista do telejornal também produziu um discurso favorável a Barbosa, isso porque ele desqualificou a investigação afirmando que está não conseguiria provar a culpa de Barbosa; o movimento pró-cassação do prefeito ao dizer que este não era composto por entidades sérias; o caso, colocando-o como diferente do caso Ama/Comurb que cassou o mandato do ex-prefeito de Londrina, Antônio Belinati; a votação dos vereadores, por estar perto das eleições municipais, e por estes terem interesses políticos incompatíveis com a candidatura de Barbosa Neto.

117 Apoiando-se numa análise comparativa dos dois telejornais, percebe-se também que o Jornal Tarobá 2ª edição omitiu as manifestações feitas durante o dia pelas pessoas que foram assistir o julgamento, já o Paraná TV 2ª edição incluiu a informação. Este também não cedeu espaço para o advogado de defesa de Barbosa explicar porque ele acreditava que a sessão deveria ser adiada, preferiram colocar na fala do repórter uma explicação objetiva: “Advogados do prefeito Barbosa Neto alegaram que os prazos para a manifestação da defesa não foram respeitados pela Comissão Processante”, por exemplo. A imagem de Barbosa Neto não foi utilizada nenhuma vez no Jornal Tarobá 2ª edição, ao passo que, no Paraná TV 2ª edição, imagens de arquivo identificado o rosto do ex-prefeito aparece em três momentos. Essa utilização ocorreu para ilustrar sempre que se falava o nome dele antes de explicar pelo que ele havia sido incriminado. Usar a imagem da pessoa quando se fala dela em uma matéria de telejornal é comum e uma orientação, no entanto, isso poderia ser feito em outro momento que não o de explicar o motivo de estar na sessão de julgamento. A omissão da imagem do prefeito, por sua vez, é favorável a ele, uma vez que toda a situação já é negativa. Assim, não associar o julgamento, as denúncias à imagem, o rosto e expressões, do prefeito, o favorece.

Considerações Finais

O trabalho possibilitou perceber a tênue linha que divide a informação da opinião no telejornalismo local. Mesmo o Jornal Tarobá 2ª edição, que tem espaço dedicado à opinião, não consegue em todos os momentos produzir matérias essencialmente informativas. Pelo contrário, principalmente neste telejornal percebeu-se muitas frases com valorações, levando ao telespectador uma opinião favorável a Barbosa. O estudo comparativo enfatiza a tendência de defender a inocência de Barbosa no Jornal Tarobá 2ª edição e a postura contrária, colocá-lo como culpado, no Paraná TV 2ª edição, seja pela escolha das palavras, da informação

118 ou até mesmo da imagem que ilustra as matérias. Outra diferença entre os telejornais é que quando há uma valoração no Jornal Tarobá 2ª edição, ela é feita de forma mais explícita em textos dos repórteres e na escolha das fontes. Já no Paraná TV 2ª edição, aparece nas escolhas da edição das matérias, e não nas falas, estas são mais objetivas. A pesquisa revela assim que o telejornalismo de Londrina não é totalmente apartidário e livre de interesses políticos. Há a necessidade de o telespectador ser mais crítico e buscar outras fontes de informação para que o noticiário televisivo não seja tão eficiente no agendamento da opinião pública. Além disso, pode-se afirmar que a existência de um posicionamento no Jornal Tarobá 2ª edição não conseguiu surtir efeito sobre o desfecho da Comissão Processante do caso Centronic. Para futuros trabalhos foi possível colaborar com o entendimento de que dedicar mais tempo a um assunto não demonstra que o meio de comunicação tem interesses de informar e aclarar o entendimento de seu público, esta pode ser uma forma de reforçar o agendamento, por isso, é importante analisar o conteúdo de cada matéria.

Referências bibliográficas

BARBEIRO, Heródoto; LIMA, Paulo Rodolfo de. Manual de Telejornalismo: Os segredos da notícia na TV. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002.

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GOMES, Itânia M. Mota. Gêneros Televisivos e Modos de Endereçamento no Telejornalismo. Salvador, EDUFBA. 2011.

LIMA, Venício A. de. Mídia: Crise política e poder no Brasil. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.

MATOS, Carolina. Jornalismo e política democrática no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2008.

NEVES, Flora. Telejornalismo e poder nas Eleições Presidenciais. São Paulo, Summus, 2008.

119 ZANARDI, Reinaldo César. A produção de sentidos no telejornalismo: um estudo sobre a saúde pública no Jornal Nacional. 2012. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina. 2012.

120 Jornal Nacional e a Construção da Realidade: O Caso Mensalão

Guilherme Pereira Vanzela

Resumo O artigo aborda a construção simbólica e agendamento por meio de imagem e do texto da cobertura do julgamento dos envolvidos no episódio conhecido como “mensalão” em duas edições do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão. O objetivo é identificar e analisar a partir da construção simbólica discutida por Pierre Bourdieu o enfoque dado pelo telejornal ao caso. O corpus empírico foi construído a partir da cobertura pelo noticiário nos dias 30 e 31 de julho, onde foram apresentadas duas matérias especiais sobre o “mensalão”. O recorte escolhido antecede, em dois dias, o julgamento do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). Palavras-chave: Comunicação; Telejornalismo; Jornal Nacional; Poder Simbólico; Mensalão

Introdução

No Brasil, a televisão se constitui como um veículo de comunicação de fundamental importância é a principal fonte de informação dos brasileiros, além de ser considerada agente unificador da sociedade nacional. 40 O telejornalismo se coloca num lugar de senso comum, onde a maioria da população se informa e agenda suas discussões, especialmente, pelo Jornal Nacional noticiário televisivo mais assistido do país e referência para outros telejornais, jornais impressos e sites de notícia.41 A constituição política e social do brasileiro, muitas vezes, também se pauta pelo telejornalismo, por meio da exibição de temáticas que envolvem a sociedade. Em função do poder exercido pela televisão, os profissionais acabam assimilando o papel de investigadores sociais e defensores públicos transformando coberturas políticas em escândalos midiáticos (LIMA, 2006).

40 Segundo a pesquisa “Hábitos de Mídia 2011” do Instituto Datafolha, a TV aberta lidera como principal fonte de informação, chegando a 94% dos brasileiros. Disponível em: . Acesso em 02 de maio de 2012. 41 Dados da pesquisa “Hábitos de informação e formação de opinião da população brasileira” realizada pelo Instituto Meta para a Federação Nacional das Agências de Propaganda (Fenapro) em 2010. Disponível em: . Acesso em 27 de julho de 2012.

121 Na história política recente do Brasil, várias coberturas se transformaram em escândalos políticos midiáticos em função do abuso de poder nas abordagens. Um exemplo foi o “mensalão”, nome dado pela mídia ao escândalo político denunciado em junho de 2005. A denúncia partiu do ex- deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) Roberto Jefferson. Emaranhado por acusações de corrupção, o político acusou o governo federal, na época, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos trabalhadores (PT), de pagar um valor mensal aos deputados da base aliada para votarem a favor dos projetos governamentais. Esta denúncia gerou a maior crise da história do PT e abalou profundamente o primeiro mandato do governo Lula. De imediato, foi comprovada a existência de Caixa 2 para a campanha eleitoral do PT em 2002 e, ainda em 2005, os deputados Roberto Jefferson (deputado federal e, na época, presidente do partido) e José Dirceu (chefe da Casa Civil até o escândalo e também deputado federal) tiveram seus mandatos cassados. Mais recentemente o julgamento das pessoas envolvidas no esquema, chamado por muitos órgãos midiáticos como “o julgamento do século”, tornou-se um marco no campo político e jurídico do Brasil. Neste artigo, numa tentativa de compreender como se deu o processo de construção da imagem dos envolvidos no caso e levantando a hipótese de que em um julgamento, como o caso do “mensalão”, o que está em jogo vai além do que o futuro dos envolvidos no processo. A cobertura feita pelo telejornal agendou um cenário de forte pressão pública para a condenação dos envolvidos levando a agenda midiática para a agenda pública. Na busca de demonstrar este cenário selecionamos duas matérias apresentadas pelo Jornal Nacional às vésperas do julgamento. Elas recapitulam o caso e realizam uma construção histórica pouco favorável aos acusados, reforçando ainda mais o apelo midiático e a formação da opinião pública para a condenação dos envolvidos. A análise do corpus é realizada sob a perspectiva do conceito de poder simbólico desenvolvida por Pierre Bourdieu (2007). Segundo Bourdieu é um poder invisível que para existir é necessário haver cumplicidade das pessoas envolvidas, que ignoram sua existência ou simplesmente o desconhecem. Os estudos desenvolvidos por Pierre Bourdieu (2007) em relação ao poder

122 simbólico apresentam como conceito a construção da realidade e a crença do imaginário proposto pelo enunciador como realidade. O poder simbólico, na concepção de Bourdieu está no poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo.

(...) deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. (BOURDIEU, 2007, p. 14).

Mensalão

Denunciado em junho de 2005, pelo, então, deputado federal Roberto Jefferson (PTB), o “mensalão” acarretou na maior crise da história do Partido dos Trabalhadores (PT). No entanto, o esquema possui raízes anteriores à chegada do PT ao poder, mais especificamente no estado de Minas Gerais com Eduardo Azeredo do PSDB. Para conseguir recursos para a campanha ao governo do Estado de Minas Gerais, Azeredo utilizou-se de mecanismos irregulares para a obtenção de verbas, o que é comumente denominado como caixa 2. Neste contexto, surgiu a figura do publicitário Marcos Valério que, por meio de agências de propaganda, obtinha empréstimos irregulares. “Só há uma certeza: na campanha de Azeredo em 1998, o dinheiro jorrou. Sobretudo por meio das contas bancárias das empresas de Marcos Valério.” (FIGUEIREDO, 2006, p. 68). Apesar do dinheiro e todos os recursos irregulares obtidos, a reeleição de Azeredo fracassou. Porém, consolidou o esquema nocivo de caixa 2 para campanhas eleitorais de Marcos Valério. Em 2002 o publicitário aproximou- se do então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e apresentou seu esquema de obtenção de recursos. Atraído pelas facilidades apresentadas, Delúbio envolveu o PT no esquema e, com o conhecimento de outros integrantes da cúpula partidária, tornou-se prática comum empréstimos irregulares para o partido (FIGUEIREDO, 2006).

123 Mesmo tendo início muito antes de 2005, as denúncias do “mensalão” só surgiram após a divulgação de um vídeo pela revista Veja em que Maurício Marinho, então chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, apareceu recebendo uma propina de três mil reais, dizendo-se respaldado por Roberto Jefferson. Pressionado, Jefferson decidiu por revelar ao jornal Folha de São Paulo o esquema do que ele denominou como “mensalão” (DELMANTO, 2012). Segundo Jefferson, deputados de partidos da base aliada recebiam uma mesada para votarem em projetos favoráveis ao governo. Ele também disse que o esquema tinha sido montado pelo até então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, e que informou diversos membros dirigentes do PT, como José Dirceu e o próprio presidente Lula. No dia 2 de agosto de 2012, após forte pressão da mídia e de parte da sociedade, o julgamento do “mensalão” iniciou-se no Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, foram julgados apenas os réus do esquema petista. O “mensalão” mineiro, mesmo tendo ocorrido antes do esquema petista e de guardar grandes semelhanças, ainda aguarda julgamento. Após mais de 40 sessões, foram condenados um total de 25 réus e concluiu-se que houve compra de votos de parlamentares durante o primeiro mandato do governo Lula.

Jornal Nacional

A importância em se estudar a cobertura de um evento político na televisão justifica-se pelo grau de poder e capacidade de influência que a televisão exerce no Brasil. Há casos evidentes da construção de capital simbólico por meio do JN, como ocorreu no ano de 1989, na primeira eleição direta para presidente, pós-ditadura militar. Na época, houve a cobertura enviesada das campanhas culminando com a exibição de um debate, pelo Jornal Nacional, com predileção para o candidato Fernando Collor, que acabou eleito Presidente da República. A Rede Globo de televisão, que cresceu de maneira extraordinária durante o regime militar, tinha como presidente Roberto Marinho, que nutria grande simpatia por Collor. (NEVES, 2008)

124 Mas o que pode ter decidido mesmo a eleição de 1989 é o que se considerou como “manipulação” na edição do Jornal Nacional do dia 16 de dezembro, véspera do segundo turno da eleição. O que mais prendeu a atenção da maioria dos telespectadores não foi o debate, mas a forma como os editores do Jornal Nacional apresentaram no último telejornal antes das eleições as imagens e os discursos de Lula e Collor (NEVES, 2008, p. 54).

Outro fato no campo político que envolve o JN tange as duas candidaturas à presidência da república de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Segundo Neves (2008) na primeira eleição, em 1994, houve pouca cobertura por parte do JN das eleições e os assuntos discutidos eram somente aqueles favoráveis a Fernando Henrique. Em 1998 ocorreu algo semelhante, com o telejornal agendando temas favoráveis a ele e evitando questões problemáticas ao candidato do PSDB. (NEVES, 2008) Estes exemplos realçam o poder simbólico pertinente ao telejornal. Em ambos citados a construção da realidade feita pelo telejornal teve forte influência para o cenário político futuro. Isto, também, realça a importância de se estudar coberturas feitas pelo JN, visto seu forte poder de influência na sociedade.

O “mensalão” no JN

Nos dias 30 e 31 de julho de 2012 o JN dedicou 19 minutos e 27 segundos em um especial com a recapitulação do caso do “mensalão”. Em ambos os dias o programa foi apresentado pelos jornalistas William Bonner e Patrícia Poeta. Logo na apresentação do especial, o jornalista William Bonner, também editor-chefe do JN, deixou clara a intenção do telejornal.

W. B.: Hoje e amanhã o Jornal Nacional vai relembrar o surgimento e a evolução do caso, os fatos que ajudam a entender tanto as acusações quanto os argumentos dos advogados de defesa dos 36 réus. (JORNAL NACIONAL, 30/07/12)

125 No dia 30, logo de início, a reportagem relata o modo de como o escândalo veio à tona. Apontam que após denúncias de uma gravação revelada pela revista Veja prejudicial ao deputado Roberto Jefferson, o mesmo deu uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo dizendo que deputados do Partido Progressista (PP) e do Partido Liberal (PL), atual Partido Republicano (PR), recebiam mesadas em troca de apoio político ao PT. Também enfatizou diversas falas de Jefferson como as que ele inocenta o presidente Lula e que diz ter avisado o até então ministro da Casa Civil, José Dirceu, do esquema bem antes de ele vir à tona. Relata-se que após ataques de Jefferson o ex-ministro José Dirceu deixou o governo. O estilo teatral de Roberto Jefferson, denominado como o personagem central da história pelo próprio telejornal no dia 30, é extremamente explorado. Recordam que ele apontou que o dinheiro recebido pelos deputados vinha do Banco Rural e destacam o saque feito pela esposa do deputado federal João Paulo Cunha (PT) no valor de 60 mil reais. Depois colocam a figura de Marcos Valério no esquema, apontado como o responsável por obter os recursos para o “mensalão”. Logo depois citam outras figuras centrais do PT envolvidos no esquema e destaca-se a justificativa de José Genoíno (PT) que afirmou ter assinado documentos de empréstimos sem ler, em confiança a Delúbio Soares. Outros personagens petistas que se destacam na reportagem são Silvio Pereira e Luis Gushiken. Do primeiro relembrou-se o fato de ele ter ganhado um carro importado da construtora GDK, que tinha negócios com a Petrobrás. Já do segundo que houve uma acusação de ele ter mandado o Banco do Brasil assinar contrato de publicidade, sem licitação, com a empresa DNA de Marcos Valério. No entanto, depois relatam que o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, havia pedido a absolvição dele, por não haver provas suficientes. Falam também da alegação da defesa feita pelo PT, dizendo que o dinheiro circulado irregularmente era para a prática de Caixa 2 e não de “mensalão”. O publicitário Duda Mendonça foi outro envolvido que recebeu destaque na matéria. Lembrou-se que ele afirmou que, a mando de Marcos Valério, abriu contas no exterior para receber dinheiro que o PT lhe devia da campanha eleitoral. Outro momento enfatizado foi quando Roberto Jefferson

126 e José Dirceu ficaram frente a frente no congresso. São destacados momentos em que Jefferson realizou ataques a Dirceu, enquanto Dirceu se defendia. Ao final da matéria do primeiro dia mostra-se o posicionamento do presidente Lula com relação as escândalo. Revelam que após nove semanas do início das denúncias ele falou pela primeira vez do assunto e, sem citar a palavra “mensalão”, afirmou que o PT havia errado e que os culpados deveriam ser punidos. A reconstrução histórica do primeiro dia termina apontando os deputados que renunciaram para evitar a perca dos direitos políticos e os que foram cassados à época. Já no dia 31 a segunda parte da matéria foi ao ar. De início destacam que o julgamento político, realizado no congresso nacional, terminou em dezembro de 2006 após o trabalho de três CPIs. Enfatizam que diversas horas de depoimentos ocorreram na busca de comprovar o “mensalão”. Mostram que três deputados foram cassados: José Dirceu (PT), Pedro Corrêa (PMDB) e Roberto Jefferson (PTB). E diz que doze acusados mantiveram os mandatos. Relata-se que em abril de 2006 a denúncia do “mensalão” chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e que o Procurador-Geral da República à época, Antonio Fernando de Souza, denunciou 40 envolvidos e disse que o esquema havia sido dividido em três núcleos – político, operacional e financeiro. Relembram que em agosto de 2006 todos puderam se manifestar acerca do julgamento e apontam que o procurador aceitou a denúncia do “mensalão”. É enfatizada a caracterização feita por Antonio Fernando de Souza acerca de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares - todas negativas para com os envolvidos - mostrando supostos detalhes de suas funções no esquema. A reportagem mostra que em 2011 a procuradoria geral da República apresentou as alegações finais, que revelavam que o “mensalão” existiu e que foi comandado por José Dirceu. Diz que Roberto Gurgel pediu a condenação de 36 réus e que Sílvio Pereira, para se livrar do processo, fez um acordo e prestou serviços comunitários. Recordam que outro réu, José Janene, morreu em 2010 e que não há provas suficientes contra Luiz Gushiken e Antônio Lamas. Uma sonora de Roberto Gurgel aparece com ênfase, no especial: “Há provas suficientes para que o STF os condene como requerido pelo ministério público federal” (JORNAL NACIONAL, 31/07/12).

127 Com relação aos crimes cometidos pelos envolvidos, a reportagem destaca o fato de que a maior parte deles são acusados de formação de quadrilha. O telejornal, que havia apontado no dia anterior Roberto Jefferson como personagem central da história, mudou e disse que o personagem central era José Dirceu. O ex-ministro também é apontado como o chefe da quadrilha e que ele e outras pessoas são acusados de corrupção ativa. Falam que outros réus são acusados de corrupção passiva e que a pena é a mesma dos envolvidos na ativa. A caracterização dos outros crimes em que os envolvidos são acusados também aparece. O primeiro foi o peculato, que é descrito pelo telejornal como quando um funcionário público age sozinho para desviar dinheiro ou obter vantagem e quem se beneficia deste esquema. Outros crimes descritos são os de evasão de divisas e de gestão fraudulenta. Em todas as descrições aparecem imagens dos envolvidos e a pena que condenados pelos crimes podem receber. O telejornal ao final disse que caso forem comprovados desvios de recursos públicos os réus poderiam ser condenados a devolver o dinheiro público. Com relação ao ponto de vista da defesa dos acusados uma única nota pelada foi dada com a seguinte afirmação proferida pelo jornalista Willian Bonner:

W. B.: Os advogados dos réus afirmam que eles são inocentes, que não há provas para condená-los e que esperam um julgamento técnico e justo no supremo. (JORNAL NACIONAL, 31/07/12)

O poder simbólico na cobertura

Na prática do jornalismo é comum a seleção de fatos e trechos mais importantes de determinados assuntos. No entanto, para a realização de tal seleção há sempre a dificuldade de ter objetividade. Diversos fatores como ideologia e posicionamento político influenciam o trabalho jornalístico (ABRAMO, 2003). A pretensão de representar ao público neutralidade pelo JN nas matérias selecionadas denota a utilização de poder simbólico, que, para Bourdieu (2007), só ocorre quando há alguma assimilação do que é divulgado ou pregado.

128 Apesar do tom de isenção do telejornal, nota-se que ele utilizou-se de seu poder simbólico de modo a prejudicar a imagem dos acusados do esquema petista. Logo de início percebe-se que um dado essencial para o entendimento do esquema é deixado de lado, que são suas raízes. Como já comentado anteriormente, o esquema de empréstimos irregulares através das empresas de publicidade de Marcos Valério teve início em Minas Gerais, para a obtenção de recursos da campanha de Eduardo Azeredo do PSDB (FIGUEIREDO, 2006). Este recorte evidencia que no material analisado a construção simbólica do telejornal ignorou dados prejudiciais ao PSDB, como ocorreu nas eleições de 1994 e 1998 (NEVES, 2008). Segundo Pierre Bourdieu (1997) diversos fatores fazem com que ocorram alguns recortes daquilo que será televisionado, influenciando diretamente no material final.

(...)a televisão pode, paradoxalmente, ocultar mostrando, mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso se fizesse o que supostamente se faz, isto é, informar; ou ainda mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna insignificante, ou construindo-o de tal maneira que adquire um sentido que não corresponde absolutamente à realidade (BOURDIEU, 1997, p. 24).

Outro dado que merece ser destacado é que os políticos dirigentes do PT à época foram os mais representados no material selecionado. Inclusive o ex-ministro das comunicações, Luiz Gushiken, que foi considerado inocente no relatório final de Roberto Gurgel, ganhou destaque na cobertura. Outros envolvidos no esquema que não pertencem ao PT, como o deputado cassado Pedro Corrêa (PMDB) ou os que renunciaram como Valdemar da Costa Neto (PR) e Bispo Rodrigues (PR), são citados uma única vez na reportagem. Martino (2003) diz que a reconstituição de fatos é uma prática constante no jornalismo. Porém, tal processo altera substancialmente a realidade, apresentando uma seleção subjetiva dos fatos. A partir deste pressuposto pode-se isentar em partes a seleção do JN, que pode ter considerado mais importante dar enfoque aos envolvidos diretamente no governo Lula. Por outro lado, alguns termos utilizados durante o especial revelam que não houve isenção por parte do telejornal. Para demonstrar isto deve-se destacar

129 que em momento algum a palavra “inocente” foi usada na caracterização de algum envolvido, em especial do Partido dos Trabalhadores. Dois exemplos reforçam isto: o primeiro quando dizem que doze deputados mantiveram seus mandatos. O segundo quando diz que Roberto Gurgel pediu a absolvição de Luís Gushiken por falta de provas. Em ambos os casos cabia-se perfeitamente dizer que foram considerados inocentes, mas isto não ocorreu. Bourdieu (1997) aponta que os retratos feitos, de modo geral, pela televisão podem acarretar em sérios desequilíbrios para a sociedade.

Os perigos políticos inerentes ao uso ordinário da televisão devem-se ao fato de que a imagem tem a particularidade de poder produzir o que os críticos literários chamam o efeito de real, ela pode fazer ver e fazer crer no que faz ver. Esse poder de evocação tem efeitos de mobilização. (...) a simples narração, o fato de relatar, torecord, como repórter, implica sempre uma construção social da realidade capaz de exercer efeitos sociais de mobilização (ou de desmobilização) (BOURDIEU, 1997, p. 28).

O tom condenatório presente durante a reportagem também é algo que deve ser lembrado. Não há equilíbrio no que tange ao posicionamento dos acusados e daquilo que são acusados. Apenas uma nota pelada ao final do especial, no tempo total de dez segundos, traz o posicionamento dos advogados de defesa. Para o jornalista Paulo Moreira Leite (2013) o tom condenatório acompanhou o julgamento por grande parte da mídia, que apenas aguardava a sua confirmação.

A maioria dos meios de comunicação cobriu o julgamento em tom de celebração e cobrança. Quase todos consideravam que a culpa dos réus já fora demonstrada pela CPI dos Correios e pelas investigações posteriores. A versão dos acusados, que sempre se declararam inocentes, raramente foi levada em consideração. (LEITE, 2013)

Vale citar que Bourdieu (1997) aponta que o tom condenatório feito pela mídia em casos de jurisprudência pode acarretar em sérios prejuízos ao sistema judiciário. A frase destacada do Procurador Geral da República que afirma haver provas suficientes para a condenação dos envolvidos pode servir como um exemplo do perigo que este tipo de cobertura enviesada pode

130 acarretar no campo jurídico. Bourdieu diz que o apelo televisivo pode fazer com que decisões de juízes sejam orientadas pela pressão televisiva, na ânsia deles em tornarem-se referências para a sociedade.

Em um número de Actes de laRecherche em SciencesSociales que consagramos ao jornalismo, há um belíssimo artigo de Remi Lenoir que mostra como, no universo judiciário, certo número de juízes, que nem sempre são os mais respeitáveis do ponto de vista das normas internas do campo jurídico, pôde servir-se da televisão para mudar a relação de forças no interior de seu campo e provocar um curto-circuito nas hierarquias internas. (BOURDIEU, 1997, p. 81)

Considerações finais

Ao analisarmos o especial sobre o caso do “mensalão” feito pelo Jornal Nacional percebe-se que o telejornal encaixa-se no conceito de poder simbólico de Pierre Bourdieu. O discurso de neutralidade do JN reforça o intuito de mostrar que aquilo que é relatado é o real, buscando a assimilação do público de sua construção da realidade. A ausência de uma contextualização histórica completa sobre o esquema denominado “mensalão”, sem considerar que ele teve seus primórdios com políticos ligados ao PSDB e a forte caracterização dos crimes supostamente cometidos pelos envolvidos do PT denota uma cobertura enviesada do telejornal. Reforça-se a isto de que a versão dos advogados de defesa dos acusados aparece apenas em uma nota de 10 segundos no especial. A importância deste estudo reside no fato de que uma cobertura enviesada, sob o falso estigma de neutralidade, é prejudicial à sociedade, que busca informar-se e entender situações políticas por meio de telejornais. Demonstra que o conceito de Poder Simbólico é pertinente a atualidade e que é necessário uma atenção acerca do modo em que ele é utilizado pela mídia. Vale apontar também que de todos os réus que ganharam destaque no telejornal, apenas Duda Mendonça e Luiz Gushiken foram absolvidos ao final do julgamento, demonstrando o poder e a influência que o órgão midiático pode ter tido no resultado final do julgamento.

131 Referências bibliográficas

ABRAMO, P. Padrões de manipulação da grande imprensa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003

BOURDIEU, P. O poder simbólico. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007

______. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

DELMANTO, J. De Azeredo às 25 condenações no supremo. Caros Amigos. Ano XVI, Edição Especial nº 60. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2012

FIGUEIREDO, L. O operador. Rio de Janeiro: Record, 2006. GRUPO DE MÍDIA DE SÃO PAULO. Mídia dados Brasil 2012. São Paulo: Disponível em: http:www.gm.org.br. Acesso em 10 mar. 2013.

LEITE, P. M. A outra história do mensalão: as contradições de um julgamento político. São Paulo: Geração Editorial, 2013.

LIMA, V. A. de. Crise política e poder no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006.

MARTINO, L. M. S. Mídia e poder simbólico: um ensaio sobre comunicação e campo religioso. São Paulo: Paulus, 2003.

NEVES, F. Telejornalismo e poder nas eleições presidenciais. São Paulo: Summus, 2008.

132 TELEJORNALISMO REGIONAL TV Tarobá em Londrina: a formação histórica e a programação regional

Adriana Nakamura Gallassi

Resumo: objetivo dessa pesquisa é apresentar a história da TV Tarobá em Londrina, desde a sua fundação, ainda com o nome TV Londrina, e destacar o perfil de programação regional que orientou o jornalismo da emissora e influenciou emissoras locais. Para o estudo, além de pesquisa bibliográfica, a memória do veículo foi recuperada por meio de entrevistas, utilizando os recursos da metodologia da história oral. A pesquisa faz parte dos estudos sobre telejornalismo desenvolvidos no projeto “Construção Simbólica e Agendamento por meio de Imagem e das Linguagens na Produção Telejornalística”. Palavras-Chave: comunicação, TV Tarobá de Londrina, história, programação regional

Introdução

Esse estudo apresenta o desenvolvimento da TV Tarobá em Londrina, que começou como TV Londrina em 1996. O objetivo foi pesquisar a história da emissora considerada uma das precursoras na estruturação de uma programação regional no Paraná. A pesquisa se justifica pela importância da regionalização nas emissoras de TV. O projeto de lei de iniciativa da deputada Jandira Feghali defende a necessidade de estabelecer percentuais mínimos de veiculação de programas produzidos no local da sede da emissora de rádio e televisão.42 A Constituição Federal, no incisivo III, do artigo 221, reconhece que a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, deve ser estabelecida em lei. Por isso, existe a necessidade de recuperar a história de emissoras regionais, principalmente daquelas com a preocupação de produzir

42 Projeto de lei 256, de 1991, que regulamenta o disposto no inciso III do artigo 221 da Constituição Federal, referente à regionalização da programação artística, cultural e jornalística das emissoras de rádio e TV e dá outras providências. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ fichadetramitacao?idProposicao=15222>.

134 conteúdos locais, nesse momento em que a programação regional está sendo discutida e implantada em Londrina. Dados da pesquisa desenvolvida pelo Ibope em 2013 constataram que os brasileiros permanecem em média 5 horas e 45 minutos por dia assistindo à programação televisiva.43 Isso significa um aumento de 13 minutos em comparação a mesma pesquisa de 2012 e de 36 minutos se comparado com o resultado de 2008. A Pesquisa Brasileira de Mídia, apesar de atestar o crescimento do hábito de busca de informação pela internet, 47%, comprova também que a televisão continua sendo o meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros para esse fim, segundo a pesquisa 97% dos brasileiros assistem a televisão. 44 Segundo a pesquisa este é um hábito que une os brasileiros, independente de gênero, idade, renda, nível educacional ou localização geográfica. Esse artigo pretende registrar a trajetória da TV Tarobá em Londrina, por meio de revisão bibliográfica e depoimentos, apoiando-se na metodologia da história oral. Segundo Paul Thompson (2002), a credibilidade da história oral pode estar não no apego aos fatos e ao depoimento fidedigno a realidade por parte dos entrevistados, mas também em sua divergência com eles. “A realidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da história oral é que, em muito maior amplitude do que a maioria das fontes, permite que se recrie a multiplicidade original de pontos de vista” (THOMPSON, 2002, p.25). A subjetividade do entrevistado, para Sônia Maria de Freitas é um dado presente em todas as fontes históricas. “O que interessa na história oral é saber por que o entrevistado foi seletivo ou omisso, pois essa seletividade com certeza tem o seu significado” (FREITAS apud THOMPSON, 2002, p. 18) O desenvolvimento desse método não é aleatório, de acordo com José Carlos Sebe B. Meihy (2010) precisa da elaboração de projeto, gravação de entrevistas, transcrição, análise, arquivamento e devolução social. A partir desses passos é que se utiliza o material para registrar a história que anteriormente estava na memória de seus protagonistas.

43 Pesquisa do Ibope Media realizada em 2013. Disponível em: . 44 Pesquisa de 2014. Disponível em: .

135 A concessão

A TV Tarobá de Cascavel, Canal 6, foi a primeira emissora do grupo e também a que influenciou a estruturação da TV Londrina. O canal cascavelense teve sua concessão conquistada em junho de 1975 pelo empresário João Milanez, então proprietário de outras empresas de comunicação como a Folha de Londrina e as emissoras de rádio Folha FM e Cruzeiro FM, em Londrina, norte do Paraná. Ele conseguiu a concessão em decreto assinado pelo presidente da República Ernesto Geisel, quarto presidente da ditadura militar no Brasil. Segundo Darci Machado (2014), Milanez tinha o sonho de ter um canal de televisão em Londrina, cidade sede da Folha de Londrina e onde ele desenvolveu seus principais negócios em comunicação.45 Em 1988, no governo de José Sarney, houve uma tentativa de obter a concessão de um canal na cidade. No entanto, o ministro das comunicações, na época, Antônio Carlos Magalhães, acabou convencendo o presidente Sarney a não outorgar o canal para o grupo da Folha de Londrina, e sim para o Grupo Paulo Pimentel. Este canal, desde então, é a TV Cidade em Londrina, afiliada ao Sistema Brasileiro de Televisão (MACHADO, 2014).

Na época o pessoal da Folha ficou muito frustrado, mas isso aconteceu porque o jornal (Folha de Londrina) tinha uma linha de muita oposição ao governo Sarney, que era um desastre realmente político, e o Paulo (Pimentel), astutamente, fez um dossiê e levou para o ministro das comunicações, o Antônio Carlos Magalhães, da Bahia, que era seu correligionário, mesmo partido, (...) conhecido e disse: ‘olha, tá aqui pra quem vocês querem dar a televisão’. Ai o ministro levou ao presidente e disse: ‘esse pessoal não pode ganhar porque é um jornal que nos ataca sistematicamente’ (MACHADO, 2014).

No início dos anos 90, João Milanez conseguiu a outorga do canal 13 de Londrina em nome da Empresa Jornalística Folha de Londrina. Mesmo depois de obter um canal, a emissora não foi montada, “venderam a participação para o Zé Eduardo46, este, logo em seguida virou sócio majoritário, ai ficou com o

45 Darci Machado foi o primeiro Diretor de Jornalismo da TV Londrina. Também apresentou o telejornal da noite, participou de programas locais como comentarista e hoje é comentarista de esporte da Central Nacional de Televisão (CNT) de Londrina. 46 José Eduardo Andrade Vieira

136 canal parado, não montou também e acabou depois, vendendo para o pessoal da Tarobá” (MACHADO, 2014). O interesse era que a TV Londrina retransmitisse o sinal da Rede Bandeirantes, no entanto, a TV Tropical, em Londrina, já era afiliada a Band. Quando, portanto, esta passou a ter rede própria e liberou o sinal da rede, o Grupo da TV Tarobá teve oportunidade de assumir essa retransmissão, pois já era afiliado a Bandeirantes em Cascavel (NEGRÃO, 2014).

De TV Londrina a TV Tarobá

A filial londrinense, da TV Tarobá de Cascavel, entrou no ar, em 1996. De acordo com Negrão (2014) a emissora era para se chamar TV Folha de Londrina, por ser uma concessão outorgada a João Milanez, proprietário do jornal de mesmo nome. No entanto, o canal 13 foi inaugurado como TV Londrina, nome que a identificou por algum tempo. No primeiro momento, não havia uma estrutura fixa e uma equipe definitiva em Londrina, eventualmente jornalistas e cinegrafistas da TV Tarobá de Cascavel eram enviados a Londrina para produzir matérias. “Eu nesse começo vinha muito a Londrina para poder fazer material, mas ficou um bom tempo só repetindo o sinal da Tarobá de Cascavel” (NEGRÃO, 2014). Algumas entradas “ao vivo”, segundo Machado (2014), foram feitas da própria redação da Folha de Londrina.

Eu fui convidado para fazer um flash, um boletim, que era feito da redação da Folha (de Londrina) ao meio dia, meio dia e trinta, no Jornal da Tarobá, na hora do almoço, de Cascavel. Então, entrava daqui ao vivo, via Telepar na época, (...) e eu fazia essa participação, mostrando uma ou duas matérias de Londrina, cidades vizinhas, enfim. Essa foi a primeira etapa (MACHADO, 2014).

A TV Londrina começou de forma improvisada, utilizando equipamentos cedidos pela televisão de Cascavel, sem elevados investimentos em tecnologia. Consoante Negrão (2014) a TV Londrina foi o resultado muito mais da circunstância – da necessidade de manter a transmissão do sinal da

137 Rede Bandeirantes em Londrina – do que de um planejamento. O primeiro endereço da emissora foi a Rua Belo Horizonte, número 228, no centro da cidade.

Ali era a casa na frente e nós ocupávamos outro dois imóveis nos fundos. Tanto é que tinha uma rampa, a gente construiu uma rampa pra poder acessar os apartamentos que ficavam nos fundos, todos do mesmo proprietário. E ai, de uma maneira muito improvisada lá em cima funcionava a redação, funcionava a produção, ilhas de edição, aquela coisa toda. Embaixo a parte financeira, o comercial e o estúdio (NEGRÃO, 2014).

A nova emissora londrinense tinha apenas duas equipes de jornalismo. Havia um grupo que produzia conteúdo de manhã para o telejornal local transmitido na hora do almoço e a outra ficava encarregada da elaboração do telejornal local da noite. A programação elaborada em Londrina, no início, era basicamente “um jornal na hora do almoço, um jornal à noite, gravado, e depois o programa feminino, o programa de música regional” (MACHADO, 2014). Os canais de Londrina e de Cascavel sempre tiveram uma relação bem próxima: “a direção era a mesma, aqui a gente tinha só um gerente geral e eu no jornalismo e todos nós nos reportávamos ao Jorge (Guirado) lá em Cascavel, quem realmente comandava” (MACHADO, 2014). De acordo com Machado (2014), no início da TV Londrina, Jorge Guirado orientou-o a contratar somente profissionais novos no mercado, pessoas que não estivessem empregadas em nenhuma empresa de comunicação, com o intuito de não ter problemas com as empresas locais. Cerca de dois anos depois da inauguração em 1996, a TV Londrina passou a se chamar TV Tarobá. A alteração não implicou em nenhuma mudança na programação ou na equipe, foi uma medida administrativa e de unificação da marca Tarobá (MACHADO, 2014). Consoante Negrão (2014), como a TV Londrina era do mesmo grupo, dos mesmos acionistas, além de possuir a mesma cultura televisiva, mesma linha editorial, e retransmitir parte da programação da TV Tarobá de Cascavel a alteração do nome foi inevitável: “não fazia sentido ter uma emissora em Londrina que se chamava Londrina e não Tarobá” (NEGRÃO, 2014).

138 João Milanez foi sócio da Tarobá em Cascavel e em Londrina até o início dos anos 2000. Segundo Machado (2014), o empresário vendeu a sua parte nas duas emissoras em 2005. “Ele participava muito pouco, o seu João (Milanez) era uma pessoa muito querida, não incomodava em nada, não interferia em nada, cuidava da sua Folha de Londrina, que era o seu grande amor” (MACHADO, 2014).

A programação regional

A programação local foi uma exigência desde o início da TV Londrina e continuou sendo depois da mudança de nome, segundo Machado (2014). A relação entre a emissora de Cascavel e a de Londrina dizia respeito também à estruturação da programação local, mas considerando-se as características e as peculiaridades de cada região: “Praticamente é a mesma linha de programação: Você pode botar (...) o programa regional de música, aqui num estilo nosso, do Paraná, de São Paulo, do Sul de Minas, lá uma coisa mais gauchesca, enfim” (MACHADO, 2014). A limitação técnica também contribuiu para a necessidade de a emissora se voltar para o mercado regional. A filial londrinense se estruturou para cobrir Londrina e as cidades em seu entorno como Cambé, Ibiporã, Jataizinho e Rolândia. Em função da grande demanda jornalística em Londrina – segunda maior cidade do estado do Paraná e terceira maior da região sul do Brasil (NEGRÃO, 2014). Segundo Negrão (2014), a Tarobá é uma referência na implantação do Jornalismo Regional em Londrina. Até o início de 2009, a produção local do telejornalismo da RPCTV, afiliada da Rede Globo, principal concorrente da TV Tarobá de Londrina, tinha nove minutos enquanto o telejornal da Tarobá ocupava em torno de trinta minutos da programação, de acordo com Negrão (2014). 47 Isso permitiu que a TV Tarobá produzisse matérias sobre um maior número de assuntos que costumavam ficar a margem do telejornalismo de Londrina até então (NEGRÃO, 2014).

47 Matéria sobre o aumento de um bloco dedicado a notícias de Londrina e região no Paraná TV 1° Edição, da RPCTV. Disponívl em: .

139 O que faltava era gente pra fazer, (...) e faltava espaço (nas emissoras). Gente nós fomos embarcando, espaço a Rede Bandeirantes nos permitia. O know- how de televisão regional nós já tínhamos da Tarobá (de Cascavel), então nós nos fechamos em torno da comunidade e a proposta era falar da cidade de Londrina. Vai mostrar mais a cidade, as pessoas vão aparecer mais na sua televisão, e ai começou a construir um vínculo muito forte com a comunidade, (...) a gente começou a mensurar a importância que a Tarobá tinha para as pessoas na cidade, porque a gente passou a ser uma referência. ‘Ah, vou chamar a Tarobá, hein. Vou chamar o Camargo48!’, exemplifica (NEGRÃO, 2014).

Essa preocupação com a produção local e regional pode ser percebida até hoje, tanto na programação da TV Tarobá de Cascavel, quanto na de Londrina. A primeira possui, hoje, 19 programas produzidos em Cascavel, entre programas jornalísticos e de entretenimento, enquanto a segunda tem 15 programas locais, todos produzidos em Londrina. Não há mais repetição de sinal entre as emissoras, exceto pelo programa de entretenimento Game Over, que é produzido em Londrina e transmitido em Cascavel e pela programação de rede. Pode-se afirmar que cada uma se especializou sua programação local ao seu público.

48 Carlos Camargo é conhecido por seus programas policiais na televisão. O apresentador começou na televisão na TV Tarobá de Londrina, onde comandou programas como Tempo Quente e Brasil Urgente. Desde 2010, Camargo tem um programa policial na TV Cidade, da Rede Massa, afiliada do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), chamado Tribuna da Massa.

140 Tabela 1: Produção de programação local: comparativo RPCTV49 e TV Tarobá

RPCTV CURITIBA (Sede da emissora) LONDRINA Bom Dia Paraná Paraná TV 1° Edição* Caminhos do Campo Paraná TV 2° Edição* Globo Esporte Meu Paraná Paraná TV 1° Edição* Paraná TV 2° Edição* Revista RPC TAROBÁ CASCAVEL (Sede da emissora) LONDRINA Atualidades Brasil Urgente* Brasil Urgente* Canção e Viola Canta Paraná Entretendo Canal Geral Game Over Construshow Guest Gente Que Faz Jogo Aberto* Jogo Aberto* Jornal Tarobá 1° Edição* Jornal Tarobá 1° Edição* Jornal Tarobá 2° Edição* Jornal Tarobá 2° Edição* Onda Gospel Mercado & Cia. Primeira Hora* Ponto de Vista Tarobá Automóvel* Primeira Hora* Tarobá Cidade Raízes do Paraná Tarobá Esporte* Tarobá Automóvel* Tempo Quente* Tarobá Circulando Vitrine Revista Tarobá Esporte* Tarobá Rural Tempo Quente* Vitrine Revista *Programas com mesmo nome, mas que a produção é feita separadamente em cada cidade

49 A Rede Paranaense de Comunicação (RPCTV) é afiliada a Rede Globo.

141 As especificidades da TV Tarobá

Uma das características da TV Tarobá de Londrina é a utilização de muita interferência“ao vivo” em seus telejornais. Consoante Negrão (2014), no início não havia profissionais em número suficiente para produzir em torno duas horas de programação de jornalismo diário. Dessa forma, para otimizar o tempo, a Tarobá recorria ao recurso da inserção de repórteres em tempo real. As reportagens também são diferentes e não seguem o padrão tradicional de tempo, cerca de um minuto e meio para cada matéria. A TV Tarobá produz reportagens mais longas, também como um recurso para cobrir o tempo da programação local dedicado ao jornalismo, de acordo com Negrão (2014), para isso, eles precisam inserir mais informações nas histórias narradas nas reportagens para que estas fiquem maiores. Outra especificidade, que antes diferenciava a TV Tarobá de outras emissoras, consiste na separação de funções. A divisão de tarefas não era clara e organizada. A produção da TV Tarobá, passou por uma fase de menos rigidez e mais improviso na produção. Quando Gelson Negrão começou na Tarobá de Cascavel como repórter ele e os outros jornalistas desempenhavam diversas funções: “reportagem, editava, apresentava, fazia de tudo, não necessariamente ganhando por tudo isso, a remuneração não era ruim, mas era uma coisa muito mais de paixão” (NEGRÃO, 2014). No entanto, com o passar do tempo, a necessidade de aprimorar o conteúdo levou a TV Tarobá a uma maior organização de sua produção. Para Negrão (2014) isso aconteceu em 1997, quando ele voltou a Londrina, depois de passar uma temporada trabalhando na TV Tarobá de Cascavel, e começou a estruturar a produção jornalística.

Foi ai que nós conseguimos criar a estrutura de editor de imagem, editor de texto, pauteiro, criamos o padrão das equipes, repórter, cinegrafista, auxiliar, as escalas de plantão, editor é editor, apresentador é apresentador, repórter é repórter, pauteiro é pauteiro” NEGRÃO (2014).

142 Telejornalismo com Opinião

O Jornal Tarobá 2ª edição foi lançado em 2003 como uma forma de fortalecer o jornalismo na TV Tarobá de Londrina em uma época que o programa policial de Carlos Camargo ocupava grande parte da grade de produção local (NEGRÃO, 2014).

A intenção de fortalecer o jornalismo, era reforçar o vínculo, o nosso compromisso de cobertura local. (...) Porque o programa do Camargo estava focado na cobertura policial, mas o programa não alcançava tudo. Não alcançava política, não alcançava economia, não alcançava as artes, a cultura, o esporte, (...). Nós já tínhamos um modelo de referência na área de segurança pública, mas nós precisávamos avançar nas outras frentes. Para ampliar o nosso escopo, para ampliar a nossa atuação, para reforçar o nosso vínculo com a comunidade. Não tinha alternativa, tinha que ser o jornalismo (NEGRÃO, 2014).

Nessa fase de fortalecimento do jornalismo, a TV Tarobá fez algumas mudanças. Foram contratados mais profissionais. Além disso, os programas receberam uma modernização plástica para se adequar ao telejornalismo que estava cada vez mais estruturado, além do empenho em produzir matérias sobre temas locais, buscando mostrar as demandas da comunidade londrinense. O modelo opinativo foi outro aspecto explorado no Jornal da Tarobá 2ª edição. Segundo Negrão (2014), quando ele dividia a bancada com Júlio Oliveira, os dois perceberam que os telespectadores se interessavam em conhecer a opinião do jornalista. Isso porque, na época a TV Tropical, atual CNT, havia o Jornal do Meio Dia, um programa que fazia sucesso e que ficou conhecido como “Os três patetas”, apresentado por Oswaldo Militão, Moysés Lêonidas e Roberto Coutinho, no qual a cada matéria apresentada os três tinham um momento de debate sobre a informação da reportagem. Esse foi um modelo que inspirou a opinião no telejornalismo da Tarobá (NEGRÃO, 2014). A raiz da opinião enunciada no telejornal deveria seguir a linha editorial da emissora. De acordo com Negrão (2014) o compromisso da TV Tarobá sempre foi com a audiência, com os interesses da comunidade e, portanto, a linha editorial caminhava nesse sentido. Esse modelo de telejornal levou

143 o Jornal da Tarobá 2ª edição, de quarto ao segundo lugar na audiência em Londrina (NEGRÃO, 2014).

Considerações finais

A partir desse estudo, pôde-se conhecer os bastidores da busca pela concessão para constituir uma emissora do grupo da Folha de Londrina de João Milanez e as formas com que o canal foi utilizado – como um retransmissor da TV Tarobá de Cascavel e da programação da Rede Bandeirantes – até realmente se organizar uma emissora com produção própria. Percebe-se que essa estruturação não aconteceu na direção de João Milanez, ele era somente um sócio nessa época. O telejornalismo local produzido pela emissora, apesar de não ser a pioneira nesse tipo de produção em Londrina, também contribuiu para a construção do que hoje as emissoras de rede buscam inserir nas suas filiais locais e que tem funcionado e agradado os telespectadores. A inserção de repórteres em tempo real ajudou a TV Tarobá não só a preencher o tempo que a Rede Bandeirantes disponibilizava para o jornalismo local, mas também acrescentou dinamicidade ao seu conteúdo, outra característica muito utilizada em outros canais de televisão local. Uma evidência do quanto a Rede Bandeirantes foi decisiva para a consolidação da TV Tarobá é a presença da opinião em seu telejornalismo. Isso porque, esse modelo foi inspirado no programa Jornal do Meio Dia da CNT, o qual recebeu adaptações e até hoje figura no jornalismo da Tarobá. Nota-se, dessa maneira, que a TV Tarobá representou um estímulo a produção regional com o apoio de uma grande rede de televisão, a Rede Bandeirantes, que possibilitou o espaço na grade para o desenvolvimento das produções locais. Ter uma rede como suporte foi determinante, uma vez que a CNT – outra emissora que tinha um significativo conteúdo local e que foi, em alguns momentos, referência para a TV Tarobá – não conseguiu manter audiência devido a mudanças constantes na grade de programação.

144 Referências bibliográficas

Teses:

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Livros:

FREITAS, Sônia Maria de. Prefácio à edição brasileira. In: THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p.14-19. MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2002. 248p. ___. História oral: como fazer, como pensar. 2. Ed. São Paulo: Contexto, 2010. 176p. THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. 385p.

Entrevistas:

MACHADO, DARCI. Entrevista concedida a Adriana Nakamura Gallassi. Londrina, 19 fev. 2014

NEGRÃO, GELSON. Entrevista concedida a Adriana Nakamura Gallassi. Londrina, 14 jan. 2014

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 23 mar. 2014.

145 GALEMBECK, Glória. ParanáTV 1ª Edição produzido em Londrina ganha mais um bloco. Gazeta do Povo, Londrina, 28 fev. 2009. Disponível em: < http://www. gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo.phtml?id=862192>. Acesso em: 18 mar. 2014.

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