ELISA DE CAMPOS BORGES

O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO COMUNISTA CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS”

Pontifícia Universidade Católica São Paulo - 2005

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ELISA DE CAMPOS BORGES

O PROJETO DA VIA CHILENA AO SOCIALISMO DO PARTIDO COMUNISTA CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS”

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica – PUC de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em História Social, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Rago Filho.

Pontifícia Universidade Católica São Paulo - 2005 iii

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À minha mãe, poetisa, guerreira que muito me ensinou a lutar pelos meus sonhos.

À memória do meu pai, Dirceu Borges Ramos, militante estudantil que chorava quando nos contava a luta contra a ditadura brasileira.

À todos aqueles que acreditaram num novo projeto e resistiram aos canhões e porões da ditadura chilena.

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AGRADECIMENTOS

Ao final de cada trabalho parece que temos ainda muito mais a contribuir, a pesquisar e a questionar. É com esse sentimento que escrevo esse agradecimento, tendo a certeza que este trabalho terá continuidade, quem sabe, num futuro próximo. Gostaria de agradecer inicialmente à CAPES pela bolsa concedida, pois sem ela não seria possível a realização dessa pesquisa. Ao Professor Dr. Antonio Rago Filho, meu orientador, por acolher uma “estrangeira” e desde o primeiro momento incentivar e apoiar a realização deste trabalho. Obrigada pela paciência. À Professora Dra. Vera Lucia Vieira e à Professora Dra. Maria Aparecida de Souza Lopes por comporem a Banca de Qualificação, oferecendo sugestões importantes a esta pesquisa. A minha mãe, poetisa Heloisa, que foi sempre minha maior incentivadora a aprofundar meus estudos. Obrigada pelas correções dos meus textos que sempre chegavam muito em cima da hora! Aos meus irmãos Rogério e Carolina. Aos amigos do Partido Comunista do Brasil que sempre torceram por mim, com destaque para Ricardo Abreu, sempre a me incentivar e ajudar a concretizar a possibilidade de me tornar mestra; ao José Reinaldo que fez contato com o PC Chileno; ao professor Augusto Buonicori pelas sugestões. À União da Juventude Socialista, que possibilitou minha ida à . Ao Partido Comunista Chileno e às Juventudes Comunistas do Chile pela forma carinhosa que me acolheram neste fantástico país, tão marcado e ferido pela ditadura militar e ainda com um povo surpreendentemente lutador! Meus agradecimentos especiais à Marcela Spíndola, Sergio Sepulvida, César, Mônica, Cecília e tantos outros. Obrigada por me apresentar à obra de Vitor Jara, Violeta Parra, as empanadas Chilenas, pelas discussões no Café Brasil, pelas ajudas nos Arquivos, na articulação das entrevistas, nas visitas aos museus, ao Cemitério Central, parques etc. Sem vocês, esse trabalho não seria possível e tenho muita consciência disso. Aos dirigentes partidários Luis Corvalan e Eliana Aranivar pela entrevista. vi

Ao Instituto de Ciências Alejandro Lipschutz, que mesmo tendo sua sede em reforma, possibilitou a consulta de parte de seu acervo para minha pesquisa. Às minhas amigas de apartamento, Carla, Daniela, Kathia, Fabiana, que agüentaram por dois anos (no mínimo) a minha obsessão pelo Chile, meu mau humor, as angústias, as alegrias e tristezas. Obrigada por acreditarem no meu trabalho e me ajudarem a nunca desistir. Às amigas de muito tempo Alessandra, Juliana, Luiza e Fabiana Pinto. Agradeço sinceramente aos amigos André (que me cedeu a passagem de ida e volta para o Chile, nunca vou me esquecer disso), Wadson, George, Julio, Fernando e Luciano, por compreenderem o momento especial que é o de cursar um mestrado com a necessária dedicação que ele requer, saibam que vocês também são responsáveis por esse caminhar. A todos aqueles que de forma direta ou indireta tiveram sua contribuição neste trabalho, às vezes sem nem saber o quanto estavam ajudando. Àqueles que lutaram ou que ainda lutam pela construção de uma sociedade mais justa e não poupam esforços e nem a vida na luta em defesa de um novo projeto, contra a ditadura e à punição daqueles que tiraram e tiram a esperança de tanta gente.

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RESUMO

Este trabalho tem como proposta conhecer, compreender e acompanhar o esforço para a implantação do projeto “via chilena ao socialismo”, idealizado pelo Partido Comunista do Chile. Este projeto propunha a passagem do regime capitalista chileno para o socialista a partir da manutenção da institucionalidade, sem insurreições ou luta armada. Essa formulação teve uma grande repercussão no projeto político da Unidade Popular que levou à Presidência da República Salvador Allende em 1970. Para realizar essa pesquisa foram utilizadas como fonte uma bibliografia sobre a Unidade Popular, sobre o nosso objeto de pesquisa, diversos documentos do PC, assim como depoimentos pessoais que se constituem fonte oral para estudos da História. Na introdução, realizamos uma caracterização do PC e do projeto que se desdobrará no primeiro e segundo capítulo, assim como uma contextualização do sistema econômico e político chileno. No Capítulo I levantamos algumas discussões realizadas sobre a via “pacífica” ao socialismo. Também procuramos identificar o desenvolvimento político do Partido Comunista através da sua política de alianças e seus fundamentos em diversas eleições presidenciais. Procuramos no Capítulo II refletir como as questões apontadas no capítulo anterior vão influenciar na formulação da Revolução Chilena, sua repercussão entre os partidos de esquerda e a consolidação da Unidade Popular para disputar as eleições de 1970. No Capítulo III procuramos então, analisar a partir dos documentos partidários do PC escrito entre 1970 e 1973, o comportamento político desse partido no cotidiano do governo Allende.

PALAVRAS CHAVES: Partido Comunista do Chile, Socialismo, Unidade Popular, Via chilena ao Socialismo.

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ABSTRACT

This work have as purpose to know, to comprehend and to attend the effort for the introduction of the project “the chilean way to socialism” idealized by the . This project has purposed the passage from chilean capitalist regime to socialism based on the maintance of the establishment, without insurrections or armed conflicts. Such formulation had a great repercussion in the political project of the Popular Unity, wich had conducted Salvador Allende to Presidency of the Republic in 1970. To accomplish this research it was made use of a bibliography as source about the Popular Unity and about the subject of our research, many documents from the Communist Party, and personal witness by the same way, which constitutes oral source for the studies in History. In the Introduction, we had made a characterization from the Communist Party and from the original project of this research, that will be separated into the first and the second chapters, such as a chilean political and economical contextualization. In Chapter I we had upraised some arguments occurred about the “peaceful” way to socialism. We had tried even to identify the political development of the Comunist Party along it’s policy of alliances and it’s fundaments in several presidential elections. In Chapter II we looked forward to reflect how the mentioned questions from the past Chapter will influence the formulation of The Chilean Revolution, it’s repercussions among the left-side parties and the for the Popular Unity consolidation to face the 1970´s elections. In Chapter III then we looked forward to analyze, from the Communist Party documents written between 1970 and 1973, the political behavior of the Party in the Alludes government quotidian.

KEY-WORDS: Communist Party of Chile; Socialism; Popular Unity; Chilean Way to Socialism.

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SUMÁRIO

Lista de Ilustrações______x Lista de Tabelas ______xi Lista de siglas ______xii

INTRODUÇÃO______16

CAPÍTULO I______27 1.1 - Algumas considerações sobre a história do Chile ______27 1.2 - A fundação do Partido Comunista Chileno e suas primeiras dificuldades teóricas e práticas______38 1.3 - O XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e a política da via pacífica. ______54 1.4 - A repercussão do XX Congresso no Partido Comunista Chileno e a formulação teórica da Revolução Chilena ______69

CAPÍTULO II______79 2.1 - Algumas reflexões do PC sobre a realidade Chilena para elaboração do programa de 1969 ______79 2.2 - O programa político do Partido Comunista Chileno de 1969 ______96 2.3 - As divergências entre PC e PS quanto ao projeto da via chilena ______111 2.4 - O programa da Unidade Popular ______126

CAPÍTULO III ______137 3.1 – Análise dos documentos do PC (1970-1973) – Breves Considerações ______137 3.2 - Os documentos do PC de 1970 : Unidade, classe operária e mobilização social ______142 3.3 - Os documentos do PC de 1971: Mudanças econômicas, resistência, Comitês de Produção ______159 3.4 - Os documentos do PC de 1972: Crise econômica, Batalha da Produção, Ultra-esquerda _ 173 3.5 - Os documentos do PC de 1973: Transição, eleições, crise e golpe militar ______194

CONSIDERAÇÕES FINAIS ______213 BIBLIOGRAFIA______228 x

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 –Mapa do Chile ______xiv

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – INVERSÃO E TAXA DE RETORNO DAS COMPANHIAS NORTE AMERICANAS MULTINACIONAIS DO COBRE ANACONDA E KENNECOTT – 1945 – 1965 ______29

TABELA 2 – QUADRO DE VOTANTES E POPULAÇÃO CHILENA ______33

TABELA 3 – QUADRO DOS RESULTADOS ELEITORAIS PARLAMENTARES CHILENAS DURANTE O PERÍODO DE 1912 A 1969______34

TABELA 4 – QUADRO DA EVOLUÇÃO DA SINDICALIZAÇÃO NO CHILE: 1932 – 1970 ______99

TABELA 5 – RESULTADO DAS ELEIÇÕES SINDICAIS NACIONAIS DA CUT – 1972 ______100

TABELA 6 – PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NA ECONOMIA CHILENA ______103

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LISTA DE SIGLAS

ACHA – Ação Chilena Anticomunista API – Ação Popular Independente CAP - Companhia de Aço do Pacífico CC – Comitê Central CEN – Comitê Executivo Nacional CORA – Corporação de Reforma Agrária CORFO – Corporação de Fomento à Produção CUT – Central Única dos Trabalhadores DC – Democracia Cristã ENAP – Empresa Nacional de Eletricidade EUA – Estados Unidos FOCH – Federação dos Operários do Chile FRAP – Frente de Ação Popular FTR – Frente de Trabalhadores Revolucionários GMC – Grande Mineração de Cobre IANSA – Indústria Açucareira Nacional IC – Internacional Comunista MAPU – Movimento da Ação Popular Unificado MIR- Movimento de Esquerda Revolucionária PC – Partido Comunista do Chile PCC – Partido Comunista Chinês PCR – Partido Comunista Revolucionário PCUS- Partido Comunista da União Soviética PDC – Partido Democrata Cristão PIR – Partido da Esquerda Radical POS – Partido Operário Socialista PR – Partido Radical PS – Partido Socialista xiii

PSP – Partido Socialista Popular PSD – Partido Social Democrata UP – Unidade Popular URSS – União Soviética USOPO – União Socialista Popular VOP – Vanguarda Organizada do Povo

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Fonte: http://nossochile.vilabol.uol.com.br xv

“Meu povo tem sido o mais atraiçoado deste tempo. Dos desertos do salitre, das minas submarinas do carvão, das alturas terríveis onde jaz o cobre e onde as mãos de meu povo os extraem com trabalho desumano, surgiu um movimento libertador de importância grandiosa. Esse movimento levou à presidência da República do Chile um homem chamado Salvador Allende para que realizasse reformas e medidas de justiça inadiáveis, para resgatar nossas riquezas nacionais das garras estrangeiras.” , Confesso que vivi.

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa pretende estudar um dos acontecimentos mais intrigantes e singulares da história política em “Nuestra América”: o projeto de tornar o Chile um país socialista por meio da via institucional, que se concretizou em um programa político desenvolvido por alguns partidos chilenos, cuja efetuação foi possível com a vitória de Salvador Allende para presidente em 1970. Portanto, a discussão da via chilena ao socialismo será apresentada a partir das discussões formuladas pelo Partido Comunista Chileno (PC) para depois entender como essa discussão influenciou no programa da Unidade Popular (UP) e no governo de Allende. A via chilena ao socialismo, era a formulação de como deveria ser a Revolução Chilena, entendendo assim, como seria a mudança do sistema capitalista para o socialista, a ascensão do proletariado na nova sociedade que se construiria, o rompimento com as velhas instituições, a edificação de novas forças produtivas, as novas formas de democracia, etc. A América Latina, nos anos 60 e 70, passava por um momento de muita efervescência política, principalmente entre os partidos de esquerda, bastante influenciados pelo significado da Revolução Cubana e pela difusão da filosofia marxista. Por outro lado, havia uma intencional barreira por parte dos Estados Unidos para conter a disseminação de idéias socialistas, principalmente a da ascensão de possíveis governos de esquerda e movimentos revolucionários. Com todas essas peculiaridades, o Chile em 1970 elegia pela coalizão de partidos, a Unidade Popular (UP), da qual faziam parte: o Partido Socialista (PS), o Partido Comunista (PC), o Partido Radical (PR), o Movimento da Ação Popular Unificado (MAPU), Partido Social Democrata (PSD), Ação Popular Independente (API). Em 1971, o Partido de Esquerda Radical ingressou na UP permanecendo até 1972 e o Movimento de Esquerda Cristã (IC) se incorpora à UP em 1971. Cada um desses partidos tinham uma filosofia política e em torno dela se organizavam classes sociais, frações de classe, etc. 17

A construção da Unidade Popular e do seu projeto político foi um longo processo histórico que envolveu diversos partidos e movimentos sociais chilenos. Foi necessária a maturação de ideários políticos dentro principalmente do PC e do PS; a discussão de táticas e de estratégias montadas por esses partidos, visando sua consolidação na vida política chilena; a tentativa de se estabelecer um bloco de esquerda unificado para a disputa das eleições chilenas e uma ação para retirar antigos setores tradicionais do comando do país, além do debate de questões colocadas pelo movimento comunista e socialista internacional e, ainda, todas as diversas variáveis e ramificações que a essas questões nos remetem. A formulação da via não armada ou da “via pacífica” enfrentou muitos obstáculos, sobretudo preconceitos por parte de diversos partidos políticos. A apresentação de uma via alternativa à via armada, sem perder o seu caráter revolucionário e suas justificativas na teoria marxista, foi um desafio grande, porém, defendido entusiasticamente pelo Partido Comunista e por parte do Partido Socialista, destacando a figura de Salvador Allende. Nesta pesquisa, procuramos remontar a discussão sobre a via pacífica, partindo do pensamento do Partido Comunista Chileno, que apontamos como um dos principais formuladores do projeto da via não-armada para o Chile incorporado como um dos principais pontos no programa político da UP. Para tanto, apresentaremos sua história, sua composição social, mas, principalmente, o desenvolvimento de sua política para o país, utilizando resoluções partidárias, documentos, panfletos, entrevistas e publicações, no sentido de compreender a sua formulação e justificativa para achar possível uma via institucional para a transformação do Chile em um país socialista por meio do sufrágio universal. Portanto, a questão central deste trabalho é apresentar como a “revolução chilena” foi pensada pelo Partido Comunista do Chile e como essa formulação influenciou no programa da Unidade Popular e posteriormente no governo de Salvador Allende. Foi com bastante surpresa que nos deparamos com justificativas baseadas nas interpretações de leituras de Marx e Lênin e com a refutação de que o projeto não estava relacionado com as polêmicas revisionistas. Por isso, no texto, procuramos apenas situar algumas similaridades dessa discussão. As fontes também nos foram revelando com bastante clareza que o PS, enquanto partido (apesar de haver discordâncias internas 18 polarizada principalmente por Allende), não acreditava na possibilidade de uma revolução sem armas. A “via chilena” ou via não-armada foi uma formulação que propunha a passagem do regime capitalista chileno para o socialista a partir da manutenção da institucionalidade, sem insurreições ou luta armada, contando com a conquista do poder executivo. Daí, aconteceriam mudanças no sistema econômico com a nacionalização de setores da produção principalmente daquelas ligadas a extração de minérios (cobre, ferro, salitre), seria promovida a reforma agrária, o gasto público com saúde, habitação, educação e obras públicas seria incrementado; o setor bancário nacionalizado e, também, haveria a substituição do parlamento pela Assembléia do Povo como órgão nacional, ao lado do qual seriam criadas ainda outras instâncias de participação popular. Como a mudança do sistema capitalista para o socialista dar-se ia a partir da transformação do caráter privado da economia e da democratização da estrutura de poder na sociedade e no estado, a “via chilena” não previa o estabelecimento da ditadura do proletariado a priori, pois afirmava o pluripartidarismo. Salvador Allende expôs em entrevista à imprensa chilena o objetivo democrático, institucional e a tentativa de unir as forças progressistas. Ele pedia a colaboração de todos os setores que estavam decididos a conseguir a superação do atraso, da miséria e do sofrimento dos chilenos. Reafirmava que seu governo iria se situar dentro das leis vigentes até que se pudesse estabelecer novas leis, assegurando ao país um estado de direito. Allende assim se pronunciou no discurso da vitória, no dia 04 de setembro de 1970, aos partidários da Unidade Popular, na Federação de Estudantes (FECH):

A Vitória não era fácil, difícil será consolidar nosso triunfo e construir a nova sociedade, a nova convivência social, a nova moral e a nova pátria. Mas eu sei que vocês, que fizeram possível para que o povo seja governo, terão a responsabilidade histórica de realizar o que o Chile deseja para converter a nossa pátria em um país inserido no progresso, na justiça social, nos direitos de cada homem, de cada mulher, de cada jovem da nossa terra. Não basta falar da revolução. ... Juntos com o esforço de vocês vamos realizar as mudanças que o Chile reclama e necessita. Vamos fazer um governo revolucionário. A revolução não implica destruir, e sim 19

construir, não implica arrasar, e sim edificar; o povo do Chile está preparado para essa grande tarefa nesta hora transcendente de nossa vida.1

O Partido Comunista toma relevância em nossa pesquisa porque me intrigava muito a forma como a formulação do projeto da “via pacífica” vinha sendo discutida pela historiografia. O projeto da UP era analisado como um projeto repleto de divergências, mas elas eram pouco explicitadas ainda no momento de formulação do projeto da UP, ou eram utilizadas apenas para justificar os erros do governo. Pouco se falou nas diferenças internas do Partido Socialista, e desse partido com o PC enquanto articuladores de uma nova transição ao socialismo; pouco se falou na forma em que uma revolução sem armas fazia parte da estruturação ideológica de um partido comunista e de outras questões que perpassam essa discussão, sobre a maneira como foi construída a tática do PC, ponto que se apresentava como uma de suas características fundamentais e que permitiu em determinados momentos um caminho para alianças políticas mais amplas e, até mesmo, a consolidação da via não armada em seu programa político. O historiador Alberto Aggio2 enfatizava, que apesar do conservadorismo do PC em relação à ortodoxia marxista-leninista, não se podia dizer que havia um “seguidismo automático do PC chileno em relação aos Partido Comunista da União Soviética”, pois desde a década de 1950, os comunistas seguiam uma lógica própria em relação à temática de sua via nacional revolucionária, e que o XX Congresso do PCUS acabou por validar a estratégia das “vias nacionais”. Luis Corvalan, então presidente do Partido Comunista, dizia que os comunistas foram os primeiros a propiciar no Chile a via chilena, não a retendo apenas na sua mera formulação3. O autor Jorge Arrate dizia que a “força política que teve uma visão mais próxima do que era o projeto da UP e a postura frente a esse projeto foi o PC”.4 Estas questões me instigaram ao trabalho da pesquisa: poder dialogar com o objeto estudado e nele mesmo encontrar as pistas da discussão sobre o desenvolvimento da

1 QUIROGA,P.(orgs). Salvador Allende – Obras Escogidas 1970-1973.Santiago: crítica,1989, p.57-58. 2AGGIO, A. Democracia e Socialismo: a experiência chilena. São Paulo:Unesp,1993,p.83. 3 CORVALAN LEPEZ,L. El gobierno de Salvador Allende.Santiago de Chile:Lom,2003,p.124. 4 ARRATE, J. Protagonistas y Encrucijadas de la Unidad Popular. In: La Unidad Popular treinta años después. Santiago de Chile:Lom,2003,p.145 20 possibilidade de construção da via chilena, que foi anterior ao processo de 1970 e de sua atuação política durante o governo Allende. O Chile, em 1970, estava passando por um processo iniciado mais ou menos há quinze anos, de desenvolvimento econômico tecnológico extremamente concentrador e excludente. A economia crescia de forma desigual. Em determinados setores crescia de 4 a 5 %, já no setor moderno, o crescimento chegava a 8%. Esse processo acentuava as diferenças regionais, interferindo na estratificação social, na composição de classe e no aprofundamento de suas diferenças. Era possível distinguir o proletariado industrial moderno do outro tradicional, os setores médios ligados à burocracia estatal dos ligados à burocracia privada, sem contar com a presença de uma burguesia moderna, ligada a setores de maior concentração e dinamismo da economia. O sistema político chileno5, pluripartidarista e com representação proporcional desde 1925, era caracterizado pelo presidencialismo. Na década de 60, já era possível observar a divisão dos pólos políticos: a esquerda, onde se aliavam comunistas e socialistas; a direita que unia liberais e conservadores; e o centro geralmente se encontrava dividido em dois pólos, respectivamente o Partido Radical com uma trajetória anti-clero e os Democratas Cristãos. Uma observação: nenhum desses blocos sozinhos superava um terço do eleitorado. No Chile, a política de coalizão perpassa toda a sua história política, não só nas disputas governamentais, mas também nos movimentos sociais. Essas coalizões se dão principalmente em articulações polarizadas pela esquerda e com forte caráter de discutir programa e projeto político. Podemos dar como exemplo a construção da Frente Popular em 1936, a Aliança Democrática em 1946, a Frente do Povo em 1951, a FRAP em 1956, a UP em 1970. Cada uma dessas coalizões tem um caráter e uma concepção de aliança que acabaria por determinar se dela participariam os partidos do centro e da própria esquerda de forma unificada. Para o PC, sustentar, desenvolver e vencer, a revolução deveria contar com uma correlação de forças que fosse favorável e se basear em uma ampla política de alianças que pudesse incluir acordos e compromissos entre os mais vastos setores

5 Segundo reflexão de Manuel Castells, no Chile, o capitalismo dependente (em relação inicialmente à Inglaterra e depois das empresas norte americana) não interferiu de forma decisiva na autonomia política do país pelo menos até 1970, já que a grande maioria da população chilena não era requisitada para obtenção dos recursos minerais. Isso segundo ele, não quer dizer que não houve constantes interferências na política chilena, para inclusive manter sua exploração no setor de minérios, mas que em relação a outros países latino americanos foi relativamente pequena a interferência. 21 partidários do “progresso social”. Essa política de coalizão seria rompida pelo golpe militar em 1973, quando da instalação da ditadura militar. A expressão eleitoral do PC, assim como sua inserção social, sofria influência do desenvolvimento econômico, social e político. Nas zonas mineiras, onde as condições de trabalho eram terríveis havia uma elevada politização dos trabalhadores e uma forte tradição do Partido Comunista que nasceu fruto desses movimentos, principalmente nas zonas de mineração, a sua atuação eleitoral se destacava. Isso também foi fruto da sua proposta política que tinha uma profunda conexão com os conflitos e reivindicações de classe produzidos nos setores de extração de minérios e na indústria. Assim, o Partido Comunista era bastante enraizado entre os trabalhadores de regiões mineiras e industriais. Tinha grande destaque eleitoral nas províncias de Tarapacá, Concepción, Arauco Antofagasta e Valparaíso, tendo ainda bom aproveitamento em regiões como Atacama, Coquimbo, Santiago e Talca. Já em regiões agrárias como Osorno, Valdivia, Chiloé, Cutín, Colchagua, Nuble, Maule e Linhares tinha pouca inserção. O PC como resultante da sua atuação política, da sua inserção no movimento dos trabalhadores, da sua historicidade, do seu desenvolvimento teórico, acreditava na possibilidade da via não-armada para se chegar ao socialismo. Assim, quatro questões podem ser ressaltadas como de extrema importância para a formulação do PC: a primeira está relacionada com o fato de que o movimento dos trabalhadores mais organizados e politizados estarem agrupados em torno de dois partidos marxistas: o socialista e o comunista e de ser orientado politicamente pela Central Única dos Trabalhadores, diferentemente dos sindicatos de camponeses que se constituíram e foram patrocinados durante os governos da Democracia Cristã. A segunda seria a sua possibilidade real de aproximação com setores médios e a pequena burguesia, especialmente do setor terciário e parte da classe média. A terceira, era o papel das Forças Armadas que tinha um histórico de respeito à institucionalidade e a quarta, era a estabilidade política no sentido de respeito aos resultados eleitorais. Resumidamente, essas questões seriam fundamentais para a elaboração de um caminho em que se considerava possível a revolução para o socialismo com pluralismo, democracia e liberdade6.

6 GARCES, J,Chile: el camino político hacia el socialismo, Barcelona:Ariel,1972,p.11 22

Dividimos nossa pesquisa em três capítulos. No primeiro, o objetivo é realizar um resgate da história do PC chileno, sua trajetória desde a filiação à Internacional Comunista, de como isso influenciou em sua formulação política, tanto nos caminhos articulados para o desenvolvimento da revolução chilena, quanto nos campos teórico e prático. Procuramos discutir o fato do Partido Comunista ser filiado à IC, e a sua composição social bastante expressiva no âmago do proletariado chileno, e de que modo estes aspectos ajudaram a delimitar e a forjar um pensamento comunista voltado para a realidade chilena. Por mais que o PC procurasse implementar as políticas apresentadas pela IC, sempre criticou algumas das orientações em sua análise, como não condizentes com a realidade específica do país. Poderíamos citar, para exemplificar, o fato do PC, em diversas ocasiões, procurar consolidar uma aliança ampla entre os partidos políticos, incluindo os de centro, por entender que essa tática traduziria a composição social chilena. Neste primeiro capítulo ainda, levantamos algumas discussões realizadas no importante XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, e os seus reflexos para a consolidação, no Chile, da discussão de uma saída não armada para a Revolução, inclusive do ponto de vista da fundamentação teórica. No segundo capítulo, procuramos refletir sobre como todas aquelas discussões anteriores, juntamente com a análise da sociedade chilena, foram fundamentais para a formulação do programa do PC de 1969. Esse importante documento, talvez um marco na história política chilena, propôs concretamente os caminhos a serem percorridos pela revolução, assim como os seus limites e possibilidades. É um documento ousado, que transgride muitos conceitos e muitos exemplos de revoluções. Ele percorre o limiar de um caminho eleitoral, parlamentar e, ao mesmo tempo, que contém rupturas e se apresenta como via revolucionária. A política de aliança eleitoral do PC para as eleições de 1970, passa a ser intermediado pelo documento de 1969. É baseado nele que o PC negocia a sua aliança eleitoral para as eleições de 1970. Assim, este documento torna-se também referência para uma proposta de um governo popular. Apresentamos, então, as diferenças entre o posicionamento do PC e do PS sobre o processo revolucionário que deveria ser engendrado no Chile. São nítidas as diferenças de algumas das concepções fundamentais do projeto, o que acabaria por dificultar o 23 desenvolvimento das ações do governo Allende. As diferenças começavam pela leitura da realidade chilena, passavam pela política de alianças, e ainda, tocavam talvez no que fosse a questão principal no projeto do PC: não se acreditava na possibilidade de uma via não armada para a revolução no Chile. Tentamos entender como, com tantas diferenças, houve a formulação de um programa conjunto, defendido, pelo menos inicialmente, pelo PS e pelo PC e levado à população como um novo caminho para o país. No terceiro capítulo, propusemo-nos a analisar, a partir de documentos partidários do PC, escritos entre 1970 e 1973, o seu comportamento político no cotidiano do governo, levando em conta toda sua trajetória anterior e seus desafios para se construir a “via” da revolução chilena. Para constituir a opinião política do PC, utilizamos como fonte bibliográfica obras já escritas por historiadores, cientistas sociais, economistas, etc, documentos partidários que relatavam as reuniões políticas do partido, entrevistas com o presidente do PC, o senhor Luis Corvalan e com a deputada eleita, em 1972, Eliana Aranivar, além disso, acrescentamos músicas, poemas de Plabo Neruda etc. As fontes utilizadas, como bem lembra Jacques Ozouf7, são opiniões esclarecidas que quiseram exprimir-se por escrito e de conhecimento público. A ideologia política, no caso do PC, unificava sujeitos, grupos sociais, frações de classe em torno de uma série de aspirações, idéias, prática política, conferindo uma identidade a este grupo. Apresentamos o ideário político de um partido, construído a partir de seus sujeitos sociais, conferindo ao espaço político como um lugar de conflito e de disputas pelo poder. A história política aqui em questão, não está restrita à organização partidária ou à instituições do estado, mas apresenta-se no seu sentido amplo, na compreensão dos conflitos dos seus sujeitos sociais, as diferentes raízes, a relação do ser social com sua consciência e identidade, resultando na prática política. A partir do nosso sujeito, o PC, que ao mesmo tempo é composto por sujeitos sociais com vivências particulares e coletivas, é que vamos analisar os escritos e discuti-los em relação à via chilena. Assim, propomos que este trabalho seja visto como a releitura de um determinado fato histórico, com a intenção de reconstituir a memória e opiniões de um partido que

7 OZOUF,J. A opinião pública. IN: História: Novos Objetos, Rio de Janeiro: Francisco Alves,1998,pp.186- 198. 24 participou dos debates, tensões e decisões da formulação e desenvolvimento da via chilena. Cabe grifar: esse partido se apresenta como o primeiro a levantar a possibilidade de uma revolução sem armas no país. Além dos documentos escritos, também utilizamos como fonte a memória oral, a partir da metodologia da história oral. Isso foi feito para se obter, por meio de documentação oral, pontos de vista diferentes ou recuperar questões que os documentos escritos pudessem estar omitindo ou desprezando. Buscamos resgatar do esquecimento a memória de duas pessoas importantes para o processo estudado: Luís Corvalan Lepez, secretário geral do PC e Eliana Aranivar, jovem deputada do PC de então. Os desafios não foram poucos, mas de inegável significação para a compreensão das lutas sociais contemporâneas e o papel da esquerda nos processos revolucionários.

Trajetória da Pesquisa

A paixão pela história latino-americana foi algo despertado pelos professores da graduação em História da Universidade Federal de Goiás. Apesar das dificuldades, principalmente o acesso às fontes de estudos em outros países, senti-me mais e mais desafiada a estudar a experiência chilena. Desta maneira, a aproximação do tema escolhido ocorreu em 2000, por ocasião de uma participação em um seminário realizado na Universidade Federal de Goiás. A partir daí, iniciou-se a trajetória de pesquisas e leituras que culminou no trabalho de monografia para a conclusão do curso de graduação e, posteriormente, nessa dissertação de mestrado. No final das minhas leituras ainda no ano de 2000, sentia-me intrigada pela maneira de como alguns autores apresentavam a forma como havia sido pensada a “via pacífica”. Mostravam-na em suas diferenças somente a partir das crises institucionais, ou seja, depois do governo Allende já eleito; ou tratavam-na de modo a dar pouco relevo aos outros partidos que não fosse o PS. 25

Ficava, por isso, o questionamento de como um Partido Comunista que se dizia não revisionista, pudesse se envolver com um projeto tão inusitado e novo para o movimento comunista, pois que negava os preceitos de um processo revolucionário de acordo com Marx e Lênin. Para responder a essas indagações era preciso perpassar por questões e discussões levantadas pelos comunistas e, com surpresa, percebi estar diante de um dos principais formuladores da possibilidade de desenvolvimento pacífico para a revolução. Assim, com o desafio de tentar analisar a via chilena a partir do olhar do PC, obstáculos foram surgindo. À princípio, questionamentos sobre o aspecto de que o tema já era muito estudado, apesar de que nas pesquisas feitas o PC não recebeu relevância de protagonista. Ainda o constante desafio de desvendar as pistas que me levariam às fontes. Mas como o historiador tem uma ligação essencial com os arquivos, foram eles, já aqui em São Paulo, que me fizeram aproximar dos primeiros documentos. E, então, quanto mais me debruçava sobre eles, maior a certeza da riqueza deste tema e da necessidade de ir ao Chile para uma visita investigativa. Em oportunidade única, consegui chegar ao destino do meu objeto. Pude ir aos Arquivos da Biblioteca Nacional, da Fundação Salvador Allende, às casas de Pablo Neruda, ao palácio La Moneda, mas não consultei todo o arquivo do PC, porque estava fechado em decorrência de reformas na sede do Instituto de Ciências Alejandro Lipschutz. Mesmo assim, alguns comunistas responsáveis pelo acervo puderam me emprestar alguns documentos para fotocopiá-los. Entretanto, muitos dos Boletins, Atas, documentos em geral foram destruídos pela ditadura militar de Pinochet. Ainda em Santiago, pude conversar e entrevistar Luís Corvalan Lepez, secretário geral do PC no período estudado e Eliana Aranivar, jovem deputada eleita pelo PC, no governo Allende. Tive contato com livros, pesquisas, músicas, com a realidade da esquerda chilena (muito diferente da brasileira), que muito me ajudaram a pensar sobre a peculiaridade dos processos políticos latino-americanos. Nos materiais trazidos estão discos, livros de historiadores e sociólogos chilenos e sobretudo, documentos do PC. Por meio deles, inteirei-me das discussões apresentadas na revista La Izquierda Chilena (cerca de seis volumes) e em parte dos Boletins Informativos, 26 datados de 1969 a 1973, cujo volume com o registro das discussões corresponde ao ano de 1972, ano em que as articulações da direita para derrubar o governo ganharam grandes proporções. Essas fontes foram me revelando um lado formulador e conciliador do partido enquanto sujeito histórico ainda pouco explorado no Brasil, e que daí em diante tornou-se para mim um desafio. Essa pesquisa também se dá num momento importante para história chilena, já que o governo dá mostras de que quer apurar as atrocidades cometidas durante o regime militar. Segundo o presidente Ricardo Lagos, pedir desculpas em nome do Estado às pessoas torturadas e aos familiares daquelas que morreram é pouco. O principal para ele é certificar de que esse tipo de coisa nunca mais aconteça no Chile. Uma longa batalha judicial para identificação das vítimas, dos métodos de tortura, assim como a punição dos culpados (incluindo Pinochet) e indenizações daqueles que sofreram com a ditadura, está ocorrendo no país.

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CAPÍTULO I – O PROJETO DA VIA CHILENA DO PARTIDO COMUNISTA CHILENO: “NEM REVISIONISMO, NEM EVOLUCIONISMO, NEM REFORMISMO, NEM CÓPIAS MECÂNICAS”

1.1 – Algumas considerações sobre a história chilena

O Chile teve proclamada sua independência em 18 de setembro de 1810. Apesar de proclamada, os espanhóis contra-atacaram e enviaram tropas para tentar recuperar o território chileno. Após inúmeros combates, em 1814, os espanhóis acabaram vitoriosos e, por isso contaram com a ajuda de setores conservadores das elites e também de alguns grupos indígenas. Somente em 1817, houve uma contra ofensiva que terminou em 1818, expulsando definitivamente os espanhóis. O Chile passou, então, pelo que o sociólogo Emir Sader8, chama de período de anarquia, até a construção do aparelho de Estado nacional e do sistema político do país. Neste período, chamava-se de república conservadora, período que se estendeu de 1830 a 1860 e foi gestada pelo ministro Diego Portales. O direito de voto era limitado aos proprietários de terras e a economia caracterizada como agrária de exportação. Sader ainda afirma, que os objetivos dos governos conservadores no Chile, foi o de “pacificar” o país e ainda desenvolve-lo a partir da atração de capital estrangeiro. Os recursos minerais sempre tiveram papel importante na economia chilena, seja na conquista e colônia com o ouro e a prata, seja nos séculos XVIII e XIX com o cobre. A produção e exportação desses minérios e principalmente de salitre, modificou o caráter da economia chilena. Segundo Patrício Meller9, a história econômica do Chile sempre foi marcada pela exportação de matéria prima sob controle estrangeiro. Entre 1880 e 1930, as exportações de salitre eram a principal fonte econômica do país e estava dominada pelo capital britânico.

8 SADER, E.Chile (1818-1990) Da independência à redemocratização. São Paulo:Brasiliense,1991,p.15 9 MELLER, P. Um siglo de economia política chilena – 1890-1990.Santiago de Chile:Andrés Bello,1998,p.21 28

Entre 1940 e 1971, o cobre era o principal produto de exportação e as principais minas eram de propriedade norte-americana. O ciclo do salitre no Chile durou de 1880 e 1930, tendo suas grandes reservas nas províncias de Tarapacá e Antofagasta, que só foram pertencer ao Chile após a Guerra do Pacífico (1879-1884). A exploração, em grande escala, estava sob controle majoritário dos britânicos. O fácil acesso ao mar possibilitou ao Chile tornar-se o maior produtor também de nitrato, já que sua grande concentração estava ao norte. Entretanto, o salitre sem dúvida alguma era o principal produto exportado, sendo em 1890 o responsável, sozinho, pela metade das exportações chilenas até a primeira Guerra Mundial. O governo chileno passou a participar da produção salitreira, por meio da tributação das exportações, o que possibilitou o gasto público com obras de infraestrutura e educação10. Foi justamente no período de Guerra Mundial e com a Grande Depressão que as exportações caíram substancialmente. A crise afetou a economia chilena, totalmente dependente não só do mercado externo, mas de todo o processo da produção, desde técnicas específicas como conhecimentos bancários e de comercialização, questões operacionais e administrativas etc, dominados por empresários estrangeiros. Para o autor Patrício Meller, parece estar claro que para o governo chileno, a principal política do governo em relação ao setor de salitre foi o de extrair o excedente através da tributação. O auge das exportações possibilitou um grande impulso ao setor externo, transformando as estruturas fundamentais da economia inclusive no setor de bens de consumo, mas esse desenvolvimento dependia de mercado e tecnologia estrangeira. O cobre passa a ser explorado em grande escala, tornando-se um dos principais produtos de exportação, a partir de 1920 a 1971. A produção vinha de inúmeras minas pequenas, com baixa tecnologia e grande exploração do trabalho humano. As empresas norte americanas iniciaram sua exploração, a partir de 1904, na maior mina subterrânea do mundo, El Teniente e na maior mina a “céu aberto” do mundo, Chuquicamata. As empresas

10 Para se ter uma idéia, o número de estudantes da escola básica aumentou de 18.000 para 157.000; as ferrovias públicas passaram de 1.106km em 1890 para 4.579 km em 1920, diminuindo o percentual em relação às ferrovias sob controle estrangeiro: em 1890 chegava a 60% e em 1920 a 44%. Para mais informações ver MELLER, 1998. 29

estrangeiras detinham tecnologia moderna para a exploração do cobre, e, além disso, capital suficiente para esperar a lucratividade da exploração, pois esta não vinha de imediato. Para se ter uma idéia do retorno obtido pelas principais companhias norte americanas na exploração do cobre, a Anaconda e a Kennecott, apresentamos o quadro abaixo com uma comparação entre o retorno para o Chile e para o resto do mundo. Não foi por acaso que durante o governo Allende, essas duas empresas patrocinaram os boicotes ao governo socialista.

TABELA 1 : Inversão e taxa de retorno das Companhias norte americanas multinacionais de cobre – Anaconda e Kennecott, 1945-1965

Retorno sobre ativos (media anual %) Inversão (total do período US$ milhões)

Chile Resto do mundo Chile Total Mundial 1945-50 - - 35 195 1950-55 19,0 9,0 115 344 1955-60 25,9 9,5 168 519 1960-65 14,8 4,8 82 422 Fonte: Meller, p.39

Foi apenas em 1960, portanto quase quarenta anos após o início do chamado “ciclo do cobre”, que o governo chileno começou a utilizar mecanismos para incrementar sua participação na produção do cobre. Aumentaram os impostos à produção da Grande Mineração de Cobre (GMC), o que possibilitou na captação de 61% das utilidades brutas das exportações, aumentando inclusive as negociações entre governo e firmas norte- americanas. A tributação continuou sendo o principal mecanismo de participação do governo na produção do cobre realizado pelas empresas estrangeiras, o que tornava cada vez mais frágil a economia chilena. Toda técnica de produção era praticamente desconhecida pelos chilenos. Mesmo com a criação em 1955 do departamento do cobre, que buscava fiscalizar as operações das firmas norte-americanas da GMC, o que acabou gerando um corpo de 30 profissionais chilenos como engenheiros, economistas, advogados, contadores, etc, que analisavam as informações econômicas, mas tinham pouco acesso às informações vitais da produção. A crise ocorrida durante as guerras mundiais e a grande depressão ajudou a demonstrar como a economia chilena era vulnerável, e seu conjunto de implicações, era determinada pela conveniência da economia norte americana. Entretanto, os reflexos da crise no Chile, ajudaram o desenvolvimento interno, ou seja, a industrialização interna passou a ser o principal fator para o desenvolvimento da economia nacional, baseada no crescimento e na substituição de importação. A indústria manufatureira teve grande destaque, chegando ao índice de 24% na participação econômica, em 1970. Essa estratégia de substituição de importação como instrumento de desenvolvimento nacional foi muito criticada nos anos sessenta porque não estava se apresentando como alternativa à dependência da economia em relação ao setor externo. Anterior ao ciclo do salitre, o regime econômico era uma mescla de oligarquia latifundiária e mercantilista. A oligarquia agrária controlava o governo e a maior parte da população vivia em áreas rurais. Durante a expansão do salitre, a influência econômica da agricultura começou a diminuir e os impostos das exportações de salitre aumentaram a capacidade e tamanho organizativo do Estado. Em 1883, criou-se a Sociedade de Fomento Fabril (SOFOFA), que utilizou desde o princípio sua influência política para proteger indústrias nacionais incipientes. Alguns dos novos empresários eram estrangeiros (imigrantes) vinculados a bancos estrangeiros. Mas a maior parte eram capitalistas nacionais cuja riqueza vinha do minério ou da agricultura e mantinham laços estreitos com a oligarquia agrária. O Estado, para Meller11, durante o melhor período de produção salitreira, agiu como intermediário entre estrangeiros e a sociedade chilena, se utilizando para captar excedentes das exportações e ainda gerar empregos executivos para classe média. Apenas em 1939, o governo apresentou a proposta de criar a Corporação de Fomento da Produção (CORFO) que foi a primeira instituição pública no país que contava com recursos para financiar atividades de inversão. Os empresários industriais estavam de acordo com o papel mais ativo que o Estado estava tomando em relação a proteção da

11 MELLER, op.cit.,p.56 31 produção nacional e estavam de acordo com a maturação de um programa nacional de desenvolvimento. Entretanto, eram contra a criação de empresas estatais. As oligarquias apoiaram a criação da CORFO, mas sob a promessa de que o governo não pressionaria a criação de sindicatos na agricultura. A CORFO foi tornando assim, o principal instrumento para promover o crescimento através de políticas de desenvolvimento. Foram criadas as principais empresas estatais, como a ENDESA (Empresa Nacional de Eletricidade - 1944), CAP (Companhia de Aço do Pacífico – 1946), ENAP (Empresa Nacional de Petróleo – 1950), IANSA (Indústria Açucareira Nacional – 1952) e durante o período de 1939 a 1973 dominou a vida econômica chilena através da inversão direta em suas empresas estatais. Segundo dados apresentados por Meller, a CORFO entre 1939 e 1954 controlava 30% da inversão total em bens de capital, mais de 25% da inversão pública e 18% da inversão bruta total.12 Assim, aos poucos, durante os anos de 1940 a 1970, o Estado chileno adquiriu um caráter de impulsor do crescimento econômico, aplicando reformas sociais de caráter diverso, deixando nítido algumas das grandes contradições do processo de desenvolvimento chileno, ou seja, uma grande e rápida evolução política e um lento desenvolvimento econômico que refletiria na melhoria das condições de vida de grande parte da população chilena. Sintetizando, Meller13 define a trajetória do Estado chileno durante os anos de 1940- 1970 inicialmente, como “um Estado – promotor, que proporcionava o crédito para a inversão industrial privada; logo Estado-empresário, através das empresas estatais; e finalmente Estado-programador, que definia o horizonte de largo prazo do padrão chileno de desenvolvimento e especificava aonde devia ir a inversão futura, fosse pública ou privada, utilizando incentivos especiais de crédito impostos e subsídios”. Durante a maior parte do séc. XIX, a economia chilena é fundamentalmente agrícola. Até 1930, a população rural é superior que a urbana. Na agricultura predomina o latifúndio que estabelece relações sociais de forma semi-medieval: existe o senhor-patrão dono da terra, latifundiário e os inquilinos ou campesinos que produzem as terras do patrão. Estão isolados da vida urbana, cultural, educacional e política e ainda possuem um nível de

12 MELLER, op.cit.,p.59 13 Ibid.,p.59 32 vida bastante precário. A estrutura social do Chile se estabeleceu sobre bases agrárias. A vida no campo era difícil e organizada para manter o poder dos latifundiários, não tendo os trabalhadores direitos, mas apenas deveres. O latifúndio dificultava o desenvolvimento econômico, social e político do Chile. No econômico, utilizava-se tecnologia primitiva para a exploração da terra. Devido aos baixos salários não havia incentivos para a introdução da tecnologia moderna; no social, era um regime semipatriarcal e no político, uma reduzida oligarquia latifundista controlava a grande massa dos campesinos. Menos de 10% dos proprietários eram donos de 90% da terra. Segundo Patrício Meller, a questão agrária na metade do século XX podia se resumir da seguinte forma: das 400.000 famílias campesinas, 5% eram donas dos grandes latifúndios; 3% era minifundista; 30% era proprietária de fundos de tamanho mediano e 35% não tinham terras. O setor agrícola, o que menos crescia no Chile, apresentava uma taxa decrescente de geração de emprego, com a produtividade em baixa, sendo necessário importar produtos agrícolas. Os trabalhadores urbanos também possuíam sérios problemas, pelo crescimento acelerado das populações urbanas, gerando problemas habitacionais. Em 1910, 25% da população (cerca de 100 mil pessoas) viviam em cortiços. A taxa de mortalidade infantil chegava a 30%. Até 1920, as condições de trabalho eram precárias: não havia convênios coletivos, todos os acordos eram individuais e verbais; não existia indenização por acidentes, nem normas de higiene e segurança nas minas e nas fábricas, não havia jornada máxima de trabalho regulamentado, não era obrigado ter o descanso aos domingos, e o trabalho infantil representava 8,5% do emprego total em 1908. As primeiras greves surgem depois de 1880. Mais tarde, a questão social se transforma na bandeira de luta dos partidos de esquerda, não aceitando uma legislação reformista como solução definitiva. Alguns acreditavam que a industrialização por si só levaria o Chile ao desenvolvimento. De 1830 a 1920, prevalece no Chile o domínio de um grupo ligado a terra, conservadora e católica. A direita defendia o estabelecimento do que chamavam de voto plural, onde algumas pessoas que tinham determinadas condições sociais deveriam ter direito a mais de 33 um voto; defendiam a propriedade privada sem limitações; a intervenção do estado na economia seria admitido apenas para defender a propriedade privada; e ainda achavam que a pobreza era algo inevitável e até natural. A partir de 1920, com o investimento do Estado oriundo das taxas de exportação do setor de minérios, a classe média vai obtendo maior espaço na vida política do país. Neste mesmo ano, começa a gerar um desequilíbrio crescente entre a incorporação de grupos sociais ao processo político e o lento melhoramento econômico de parcela da população. Há um aumento significativo no número de votantes nas eleições, fruto do lento processo de urbanização e da maior pressão exercida por grupos sociais menos privilegiados. Considerando a população em idade para votar, o percentual de votantes era igual ou inferior aos 9%. O aumento do poder político do centro traz um aumento representativo no número de votantes atingindo14 15%, principalmente com sua vitória eleitoral em 1938, do centro e com o reconhecimento do voto feminino em 1947, os chilenos se sentem estimulados a irem às urnas votarem, diminuindo o poder político da direita, ou daqueles latifundiários que costumavam fazer alianças entre si e ainda utilizar atributos familiares para escolherem ministros, parlamentares, etc. É neste contexto que se associa o desenvolvimento econômico com a expansão dos partidos do centro e da esquerda.

TABELA 2: Quadro de votantes e população chilena (mil pessoas)

Participação relativa de votantes em Pop. total Pop. em idade de votar Votantes Pop. total Pop. em idade de votar (1) (2) (3) (%) (%) (4)=(3)/(1) (5)=(3)/(2)

1870 1.943 919 31 1,6 3,3 1876 2.116 1.026 80 3,8 7,8 1885 2.507 1.180 79 3,1 6,7 1894 2.676 1.304 114 4.3 8,7 1915 3.530 1.738 150 4,2 8,6 1920 3.730 1.839 167 4,5 9,1 1932 4.425 2.287 343 7,8 15,0

14 MELLER, op.cit.p,101. 34

1942 5.219 2.666 465 8,9 17,4 1952 5.933 3.278 954 16,1 29,1 1958 7.851 3.654 1.236 15,7 33,8 1964 8.387 4.088 2.512 30,0 61,4 1970 9.504 5.202 2.923 30,8 56,2 1989 12.961 8.240 7.142 55,1 86,7

Fonte: Meller,p.102.

TABELA 3: Quadro dos resultados eleitorais parlamentares chilenas durante o período de 1912 a 1969 (em percentuais)

Direita Centro Esquerda 1912 75,6 16,6 0,0 1918 65,7 24,7 0,3 1921 54,6 30,4 1,4 1925 52,2 21,4 0,0 1932 32,7 18,2 5,7 1937 42,0 28,1 15,3 1941 31,2 32,1 28,5 1945 43,7 27,9 23,0 1949 42,0 46,7 9,4 1953 25,3 43,0 14,2 1957 33,0 44,3 10,7 1961 30,4 43,7 22,1 1965 12,5 49,0 29,4 1969 20,0 36,3 34,6

Fonte: Meller,p.102

Assim, ainda segundo análise de Meller, a expansão dos partidos do centro e de esquerda estão relacionadas com a forma de desenvolvimento e com o papel protagonista 35 que o Estado foi adquirindo, principalmente quando nota-se que o setor público vinculado ao Estado constitui base importante de apoio para o centro, enquanto os trabalhadores mineiros se tornam base de apoio da esquerda, e os latifundiários para a direita. A concentração econômica e de propriedade no Chile continuava atingindo índices altíssimo. Em 1965, 2% das propriedades englobavam 55,4% da superfície. No setor mineiro, o controle estava sob direção de três companhias estrangeiras que dominavam a produção do cobre. Em 1963, 3% dos estabelecimentos industriais controlavam 51% do valor agregado, 44% da ocupação e 58% do capital de todo o setor. Das 271 sociedades anônimas os dez maiores acionistas controlavam pelo menos 50% da propriedade e em 230 delas. No setor de comercialização atacadista12 firmas distribuidoras controlavam 44% das vendas em 196715. Como resultado das características econômicas chilenas, estava a concentração da renda: em 1970, 25% da população encontrava-se em condições de extrema pobreza, sendo que dois terços viviam em área urbana. Segundo Bitar, os 10% mais pobres da população recebedora de renda receberam em 1967 1,5% da renda total, enquanto que os 10% mais ricos obtiveram 40,2%.16 Assim, conclui Bitar, a distribuição desigual da renda reforçava o círculo automantido: concentração econômica, concentração da propriedade e concentração de renda. Ele destaca ainda que inclusive a industrialização chilena foi moldada pelo padrão de industrialização dos Estados Unidos, com a expansão acelerada das grandes corporações transnacionais do setor industrial. O predomínio tecnológico e financeiro das empresas internacionais possibilitou a imposição de formas de produção e de consumo, o que significava que o setor industrial não era um componente com dinâmica própria, mas um apêndice do sistema internacional. Esta característica resultou na elaboração e produção de produtos de consumo duráveis destinados aos grupos de maiores renda, inserindo assim, apenas uma parte pequena da população ao consumo médio de países desenvolvidos. Passando rapidamente por dois governos anteriores ao de Allende, podemos destacar a vitória de Jorge Alessandri (1958-1964) com apoio da direita, e com um programa que dava prioridade ao controle da inflação e para o crescimento econômico

15 BITAR, S.Transição, Socialismo e Democracia. Chile com Allende.São Paulo: Paz e Terra,1989, p.34 16 Ibid.,p.35. 36 como forma de erradicar a pobreza. O governo de Eduardo Frei (1964-1970), democrata cristão, foi eleito com um programa que propunha reformas estruturais básicas, como a reforma agrária e a participação chilena na propriedade da GMC. A proposta era crescer para redistribuir. Foi em seu governo que houve a compra de 51% das minas de El Teniente e Chuquicamata, iniciando o processo que foi chamado pelo governo de “chilenização” da GMC. Esse fato gerou muitos protestos por parte da esquerda, já que entendiam que o Chile não deveria comprar as minas, mas sim tomar posse das riquezas do país, já que durante muitos anos tais empresas tiveram lucros muito altos, o que já compensaria a destituição dos territórios no momento. Frei também inicia o processo de reforma agrária, prometendo a industrialização da produção no campo e promove a sindicalização dos camponeses. Nesta perspectiva de aprofundamento das contradições entre as classes sociais, da organização dos trabalhadores, fortalecimento dos partidos de esquerda e da expansão das atividades econômicas do estado, com o aumento da intervenção estatal, mas ao mesmo tempo com uma dependência alarmante em relação aos norte-americanos, houve a tentativa de se formar a Unidade Popular em 1970, precedida por três alianças políticas importantes: a Frente Popular em 1938, com a coalizão entre os Partidos Radical, Comunista e Socialista, atingindo a vitória eleitoral, mas fracassando em seu projeto; a Frente do Povo, em 1952, que agrupou o PC parte do PS e o Partido Democrático, que lançaram pela primeira vez a candidatura de Allende; e a Frente de Ação Popular (FRAP), criada em 1956 no qual faziam parte os partidos socialista e comunista, lançando Allende também em 1958 e 1964. Diferenças à parte de cada uma dessas coalizões, o importante é observar como o desenvolvimento econômico, político e social foi gerando características e dinâmicas importantes que iriam, aos poucos, desenvolvendo a possibilidade de se pensar um outro projeto, que pudesse romper com as características desenvolvidas historicamente, algo alternativo ao que as elites apresentavam ao Chile. A avaliação principal que os partidos que se aglomeraram em torno da UP faziam era de que a concentração econômica, da propriedade e a penetração estrangeira, deixavam o poder em mãos de poucos, principalmente dos centros estratégicos de decisão. A relação entre poder econômico e poder político dava origem a um núcleo que reproduzia a situação atual do país. O predomínio tecnológico e financeiro das empresas internacionais deram a elas o poder para impor formas de produção e de consumo. Era preciso romper com essa 37 lógica e, para isso, segundo o PC, somente um novo sistema econômico e político: o socialismo.

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1.2 - A fundação do Partido Comunista Chileno e suas primeiras dificuldades teóricas e práticas

Neste capítulo, pretendemos abordar a questão do ideário político do Partido Comunista Chileno, especificamente como foi formulado e pensado o projeto da via chilena ao socialismo, e de que maneira se tornou um projeto da Unidade Popular, levada com muita convicção pelo Partido Comunista e também por Salvador Allende durante seu governo em 1970. O local e as forças sociais que participam desse partido desde a sua criação vão estabelecer ou pelo menos delinear seu ideário político, tornando-se, por isso muito importante analisar as condições, desde o surgimento do Partido dos Operários, que posteriormente, se transformaria no Partido Comunista. É a partir daí, efetivamente, que os ideais desse partido vão começar a se traduzir em ação concreta e com um objetivo maior do que apenas melhorar as condições de vida dos trabalhadores. O Chile, pelo menos de 1891 aos anos seguintes da Primeira Guerra Mundial, é marcado por uma economia oligárquica e mono exportadora, sustentada principalmente pela exportação do salitre. Sua estrutura social era extremamente polarizada e hegemonizada por uma forte oligarquia e excludente dos setores médios e baixos. O Chile era “civilizado para consumir e primitivo para produzir”.17 Este modelo econômico no qual o Chile estava inserido, entrou em crise na Primeira Guerra Mundial, o que proporcionou um contexto de mudanças na realidade política e econômica. Na política, houve a emergência de novos sujeitos sociais como a classe média e trabalhadora, o fim do regime parlamentar e das formas tradicionais das oligarquias. Na economia, principalmente depois da crise de 29, o Chile passou a desenvolver-se “para dentro”, empenhado em um projeto de industrialização, de substituição de importação e da implementação de um capitalismo regulado que previa a intervenção do Estado. No social, a classe alta foi se modernizando, os setores médios e os trabalhadores passaram a se organizarem melhor, o que fortaleceu sua capacidade de negociação dentro do sistema. No plano internacional, se configurava sua dependência em relação aos Estados Unidos.

17 PINTO, A. Et al. Chile Hoy. México: Siglo XXI,1970,p.17 39

A população rural chilena passa a migrar para as cidades e o fenômeno de urbanização e industrialização se acentua. Muitos homens e mulheres abandonam o campo e se desligam do regime agrário em busca de melhores expectativas e salários. As grandes cidades e centros urbanos aumentam a sua população. Com isso, o proletariado também cresce, como resultado da intensificação do comércio, do estabelecimento de novas indústrias e do desenvolvimento existente. Esse aumento da classe trabalhadora significa a diminuição dos camponeses e o crescimento da classe média18. Nesta época, no início do século XX, como no Chile não existia uma legislação nacional sobre o trabalho, os empregados se sujeitavam aos abusos e à exploração da sua força de trabalho. Foi, então, que eles sentiram a necessidade de se organizarem para expressar suas opiniões, para lutarem contra as péssimas condições de trabalho, contra os baixos salários, em defesa da criação de uma legislação que favorecesse o trabalhador dentre outras reivindicações. Essas organizações de trabalhadores e os novos partidos políticos tornaram-se referência desta época, como por exemplo, a “Federação Operária de Chile”, FOCH, fundada em 1919 e que, em 1922, registrava cem mil filiados. Nesse período, pode-se apontar como características da estrutura social chilena: o deslocamento demográfico da população para as províncias centrais; aumento da imigração, sobretudo, latino-americano; a polarização das classes sociais; a debilidade do poder executivo; a penetração do capital inglês e norte-americano na exploração mineira; a decadência da produção agropecuária e déficit alimentício; a organização do movimento de trabalhadores, etc. A nova dinâmica na economia chilena causou reflexos profundos em todos os aspectos da sociedade, inclusive o ideológico. Com isso, os trabalhadores passaram cada vez mais a se organizarem em sindicatos e partidos para lutarem por melhorias nas condições de trabalho e de vida. Foi um período de intensas greves, rebeliões e como resposta, o uso da violência por parte dos patrões e dos governos ligados às oligarquias. Não havia leis que dessem garantias aos trabalhadores. Em 1907 existiam relatos de episódios de violência, profundamente brutais, em decorrência de manifestações dos trabalhadores ligados à produção do salitre:

18 CASTELLS, M. La lucha de clases em Chile.Argentina: Siglo XXI,1974, p.10 et seq. 40

Uma manhã, de imediato, 20.000 grevistas das oficinas de salitre do árido pampa desceram pelas dunas amareladas até Iquique e tomaram a cidade. Não havia tropas disponíveis para fazer frente à situação. Os cidadãos estavam condenados a serem assassinados e se ia incendiar a cidade de forma simultânea, em vários lugares diferentes. Neste momento foram enviados mais tropas por um barco Iquique, mandadas por um oficial de grande decisão. Os militares anunciaram que abririam fogo as 4 horas se não se dispersassem. Deram mais cinco minutos para retirarem-se e logo começou o zumbido da metralhadora. Em poucos momentos se amontoaram mortos e feridos. Houve 200 mortos e 300 feridos e o resto escapou através das dunas.19

É neste contexto de lutas sociais e mudanças nas características econômicas do Chile que, no mês de junho de 1912, em um lugar conhecido como “El Despertar de los Trabajadores” (que era o local onde funcionava um periódico homônimo) reúnem-se mais ou menos trinta pessoas encabeçadas pelo líder Luis Emilio Recabarren Serrano20, para fundar um partido político da classe trabalhadora, denominado Partido Operário Socialista.21. Neste mesmo ano, é publicado o primeiro programa e estatuto desse Partido22 que explicitava seu objetivo:

O Partido Operário Socialista expõe que o fim de suas aspirações é a emancipação total da humanidade, abolindo as diferenças de classes e convertendo a todos em

19 GODOY, H. Estructura social de Chile.Santiago de Chile:Universitária,1971,p.260. 20 Luis Emilio Recabarren Serrano era tipógrafo e em 1894 ingressa no Partido Democrata, única organização política popular na época. Em 1906 é eleito deputado por Antofagasta, é perseguido politicamente por ser dirigente do sindicato Macomunal de Tocopilla e por escrever no periódico “La Democracia”. Vai para Argentina e tem contato com o Partido Socialista da Argentina e com o movimento sindical. 21 Segundo o autor Ivan Ljubetic Vargas, o Chile no seu processo de Independência, em 1810-1818, rompeu com a dependência do sistema colonial espanhol. A partir daí, houve uma intensa organização e mudança no sistema econômico e social. Aumenta-se a produção para melhorar a exportação com a Europa e os trabalhadores, agora livres vão se constituindo enquanto uma nova classe social. Em 1850, são mais ou menos trinta mil trabalhadores no Chile. Em 1900, o Chile tinha uma população por volta de 3 milhões de habitantes dos quais duzentos e cinqüenta mil eram trabalhadores. Segundo o autor, essas condições fazem com que, já em 1900, crie-se a primeira organização sindical: A Mancomunal de Operários do Chile. 22 VARGAS, I. Breve História Del Partido Comunista de Chile,p.12 41

uma só classe de trabalhadores, donos do fruto do seu trabalho, livres, iguais, honrados e inteligentes, e a implantação de um regime em que a produção seja um fator comum e comum também ao prazer de seus produtos.23

Assim, a dura exploração do proletariado mineiro, que segundo Castells24, estavam geograficamente e socialmente concentrados e foram influenciados por correntes ideológicas revolucionárias, tiveram papel decisivo para a formação do POS e posteriormente do PC. Esse proletariado, em seus diversos setores (minas de ferro, carbono, prata etc) em algumas regiões do país desenvolveu uma classe trabalhadora diferenciada e combativa. Esse movimento se estabeleceu desde o primeiro momento dentro de uma acirrada luta de classe e com uma forte luta ideológica entre as diversas tendências comunistas, socialistas, anarquistas trotskistas, etc. Esses trabalhadores fizeram numerosas greves e foram objeto de muitas repressões por parte do estado, sob o controle da oligarquia até 1920. Em março de 1919, é fundada a III Internacional Comunista25 (IC). Em janeiro de 1922 o POS aceita as condições para participar da IC e modifica seu nome para Partido Comunista de Chile26, já que desde a revolução soviética já se mostrava simpatizante

23 VARGAS.,op.cit.,p12. 24 CASTELS, M., op.cit,p.129. 25 A III Internacional Comunista foi criada por iniciativa de Lênin, inspirada na práxis de Marx e Engels e na necessidade de assegurar e ampliar a Revolução Russa. Ela continuou a projeto da Liga dos Comunistas, em especial, e da I Internacional que era chamada de Associação Internacional de trabalhadores durante o período de 1864 a 1872 e foi encabeçada principalmente por Marx. A II Internacional que funcionou durante 1889 a 1914 mas, com a participação de Engels até 1895 o de sua morte, tentou continuar o trabalho de dar coesão aos proletários e ampliar a propaganda do marxismo. Sua ruína esteve ligada aos esforços de guerra dos diversos países no sentido de colaborarem com a burguesia para recuperação do capitalismo e pela degeneração da maioria dos partidos participantes. A III Internacional Comunista criada em 1919 a 1943, tinha como objetivo principal intensificar a expressão da crescente internacionalização da luta de classe do proletariado nas condições da crise do capitalismo e da divisão do mundo em dois sistemas – o socialista e o capitalista e no seu enfrentamento. Como nosso objetivo não é entrar na discussão das Internacionais Comunistas, mas apenas apresentar algumas discussões que tiveram influência nos debates do Partido Comunista Chileno. 26 Apesar do Partido Comunista ter sido fundado em 1922 para todo movimento comunista internacional, porque é nesta data que ele entra na III IC e modifica o seu nome para Partido Comunista, na Conferência Nacional de junho de 1990 em Santiago, tomou-se a decisão de mudar a data de fundação do PC para a data de criação do POS em 4 de junho de 1912. A justificativa é de que mesmo mudando o nome, os militantes, os dirigentes, programa, estatuto e estrutura continuavam sendo a mesma. Por isso aqui neste trabalho, vamos nos referir aos congressos do PC pelas datas em que eles aconteceram e não pelos números porque ainda há diferença quanto a compreensão dos números dos Congressos, alguns autores tratam a fundação em 1922 e outros em 1912. 42 daquele país. A entrada do PC Chileno na internacional comunista provoca uma série de mudanças na sua forma de organização, assumindo uma estrutura centralizada e hierarquizada e também na sua condução política, que passa a ser orientada de acordo com as discussões internacionais. Como coloca Aldo Agosti27, cada partido era produto único de um encontro dos dois contextos: o movimento comunista internacional e o sistema político nacional. O problema é que isso pouco aconteceu até a Revolução Chinesa, e o que se via até então, era uma prática contínua que reduzia o que havia de nacional em cada tática e em cada Partido Comunista em algo universal. Em 1928, a Internacional Comunista deu uma guinada em suas orientações, aprovando o que ficou conhecido como 3º período ou da tática da classe contra classe. Nesta fase, negou-se a Frente Única colocando as alianças políticas dos comunistas com camponeses e trabalhadores como ponto central. Para o historiador Ivan Vargas28, essa linha era adequada para a Rússia ou para a Alemanha, mas muito contraditória para a realidade histórica do Chile, pois havia sido adotada uma linha ultra-esquerdista, que para ele significava, colocar como objetivo imediato a Revolução Socialista. Apesar desse questionamento, o texto sobre as perspectivas e tarefas, aprovado no VI Congresso da Internacional Comunista, deixava claro que o desenvolvimento da revolução proletária não podia se dar dentro de uma orientação dogmática, nem na obrigação de levar a revolução adiante, de forma rígida:

O desenvolvimento da Internacional Comunista na revolução proletária não implica na determinação dogmática de uma data determinada no calendário da revolução, nem a obrigação de levar a cabo mecanicamente a revolução em uma data fixa. A revolução era e segue sendo uma luta de forças vivas sobre bases históricas dadas. A destruição do equilíbrio capitalista devido à guerra em escala mundial criou condições favoráveis para as forças fundamentais da revolução para o proletariado. Todos os esforços da Internacional Comunista estavam e seguem estando dirigidos até o aproveitamento total desta situação29.

27 AGOSTI, Aldo. O mundo da III Internacional Comunista: os estados maiores. In: História do Marxismo - vol.6.São Paulo:Paz e Terra,s/d, pg.114. 28 VARGAS,I. op.cit,p.16 29 A Internacional Comunista – vol.II,p.103. 43

Entretanto, se de um lado a revolução proletária não podia se dar dentro do “dogmatismo”, constantemente eram “sugeridas” as linhas a serem adotado pelos PCs. Segundo José de Aricó30, até pelo menos 1926, (a maioria dos partidos que ganham o nome de comunista é formada próximo ao ano de 1922), a América Latina teve papel secundária na estratégia do Comitern, principalmente porque se conhecia pouco a nossa realidade. E isso levava a orientações pouco reais para esses países. Segundo ele, foi a partir de 1929, com a I Conferência dos Partidos Comunistas latino-americanos, que houve reais condições para um maior desenvolvimento das organizações comunistas, e também em uma orientação mais condizente com a realidade de cada país. Em 1924, é realizado o Congresso do PC do Chile e com ele sua primeira crise. Um grupo dissidente da província de Santiago consegue eleger quatro dos sete membros do Comitê Executivo Nacional e isolam Luis Emilio Recabarren. Essa disputa envolvia também o apoio ou não à junta militar considerada progressista que tinha a direção de Ibañez, para assumir a presidência no Chile. Recabarrem foi contra e acabou sendo muito criticado. Ele denuncia o grupo na imprensa partidária. Um novo Comitê Executivo é eleito e, em 1924, Recabarren se suicida. Um ano após, apesar da sinalização que mais tarde iria se consolidar na linha da Frente Única Proletária (extraídas das teses da Internacional Comunista), se constrói uma coalizão para disputar a eleição presidencial, em que participam operários, profissionais, comerciantes e industriais, tendo à frente a candidatura do médico do Exército José dos Santos Salas, que obteve 80.000 votos. A direita apresenta como candidato Emiliano Figueroa que, mesmo sob acusações de fraudes, obteve 180.000 votos. Em 1925, discute-se muito a necessidade de mudar a estrutura partidária e os métodos de seu funcionamento. Decidem, então, adotar a forma de organização e o método de trabalho leninista31. Criam-se comitês locais e regionais, transformam o CEN (Comitê

30 ARICÓ, J. O marxismo latinoamericano nos anos da III Internacional Comunista. In: História do Marxismo – Vol. 8,São Paulo:Paz e Terra,1985,p. 436. 31 Lênin foi um dos principais teóricos sobre a organização do partido bolchevique. Segundo ele, o partido era um instrumento a serviço da revolução e não tinha um fim em si mesmo. Levando em consideração o momento histórico que a Rússia passava, definiu alguns princípios nos quais muitos partidos comunistas no mundo passaram a ter como referência no momento de sua organização. Podemos citar alguns pontos principais como: um partido de vanguarda, orientado pelo marxismo e vinculado organicamente ao 44

Executivo Nacional) em Comitê Central e adotam o método do centralismo democrático. Ele era definido como método que ordenava a discussão, a direção e ação dos comunistas para desenvolver seus princípios e cumprir com seus objetivos políticos. Para eles, eram quatro os elementos essenciais do centralismo democrático: a democracia interna, a direção coletiva, a unidade de ação e sua relação permanente com o povo. Neste mesmo ano, segundo Vargas32, o então Ministro do Interior Emiliano Figueroa inicia uma voraz repressão contra o Partido Comunista, que se intensifica, em 1927, com a ditadura do General Carlos Ibáñez. Assim, as divergências quanto à ação do partido tornam-se uma polêmica interna: de um lado, alguns defendem somente a luta clandestina, deslegitimando o trabalho em algumas organizações ainda legais e, de um outro, defendia-se tão somente a atuação nas organizações legais contra a ditadura, abandonando, portanto, a ação clandestina. Prevaleceu a posição de combinar a luta legal com a clandestina. Os sindicatos e federações faziam um amplo movimento pela redemocratização do país, enquanto alguns comunistas partiam para lutar na clandestinidade. Dessa forma, a direção partidária tentava fortalecer o partido e intensificar a luta contra a ditadura. Segundo o historiador Luis Márquez33, com a devastadora crise de 1929, o então modelo oligárquico mono-exportador, com uma economia voltada para o mercado externo, principalmente devido à exportação de salitre, a estrutura social sob hegemonia de oligarquias e o regime político institucional parlamentar que expressava o predomínio das elites oligárquicas, entrou em crise. Economicamente, a sociedade chilena passou a se desenvolver internamente a partir de uma estratégia de substituição de importações e com um capitalismo regulado que requeria uma alta intervenção do estado. No campo social, houve uma diversificação e modernização da classe dominante, mas também uma maior organização e aumento da capacidade de negociação dentro do sistema por parte dos setores médios e dos trabalhadores. No campo político, houve a consagração do regime presidencialista. Na

movimento proletário, comprometido com a ruptura em relação à ordem capitalista e com a conquista do poder político para os trabalhadores, através da revolução. 32VARGAS, I., op.cit,p.18. 33Cf:MARQUEZ, L. Del anticapitalismo al neoliberalismo en Chile, p.14 É bom o leitor atentar que o historiador em questão, não é o dirigente do Partido Comunista que possui o nome de Luis Corvalan Lepez. 45 cultura, o pensamento liberal deu lugar para visões socializantes e internacionalmente continuou dependente dos Estados Unidos. Diante desses fatos, o autor diz que se constituiu um consenso34 majoritário no país em torno da industrialização e um estado regulador, fazendo com que setores de trabalhadores e das classes médias pudessem também ter uma participação institucionalizada. Desse modo os grupos oligárquicos reformularam as suas formas de dominação e as classes médias se inseriram em um crescente na gestação dessa política de Estado. As organizações dos trabalhadores ganharam reconhecimento político e jurídico e aumentaram sua capacidade de pressionar. O autor mostra que essa mudança no Estado aconteceu também na mudança da estratégia dos partidos de esquerda, especialmente o Partido Comunista, que passaram a dar ênfase na revolução centrada na democratização e tendo como núcleo principal os “sujeitos populares” que, de algum modo, poderiam passar a negociar dentro do estado suas reivindicações. Em 1933, é fundado o Partido Socialista35 (que sempre teve uma postura questionadora ao stalinismo36, da sociedade que estava se instalando na URSS e não quis se filiar a internacional) e, em julho deste mesmo ano, é realizada uma importante Conferência Nacional do PC. Nesta conferência, aprova-se uma linha política mais ampla denominada de Revolução democrático-burguesa, que tinha como objetivo central unir todos os setores democráticos do Chile para derrotar o imperialismo dos Estados Unidos, o latifúndio e as oligarquias nacionais. Portanto, não teria imediatamente um processo de revolução socialista. Esta seria fruto de um desenvolvimento gradual, onde deveria primeiro desenvolver várias etapas através de amplas alianças. Esta posição é levada ao VII

34 O autor Luis Marquez também destaca que esse consenso fortaleceu a ordem institucional que teve como expressão a constituição de 1925 que foi reconhecida por diferentes atores, que além de reconhecer os sujeitos sociais e políticos (da direita aos comunistas e socialistas, com exceção dos grupos ligados ideologicamente com modelos nazi-fascistas), também instituiu seus limites constitucionais. 35 O Partido Socialista, no momento da sua formação era um conjunto de grupos ideológicos que vinham de outras organizações como o Partido Radical, o democrático, grupos anarquistas, células comunistas, ex- militares, intelectuais etc. Em sua primeira Declaração de Princípios indicava sua aceitação pelos fundamentos do marxismo e da luta de classes, sua organização deveria ser por núcleos pequenos, na qual deveriam adotar o método do centralismo democrático. A partir do ano de 1946, as lutas internas no PS são intensas e em 1948 ele se divide em Partido Socialista Popular e Partido Socialista de Chile.Esta divisão durou mais ou menos dez anos.

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Congresso da Internacional Comunista realizado em 1935, que traça uma linha de união dos partidos de esquerda para se opor ao fascismo37. Essa visão foi chamada de etapista pelo PS e foi muito criticada, já que ele não via o socialismo como algo imediato. Entretanto, segundo Luis Márquez, o PS, na prática, se contradiz no momento em que ingressa em governos a partir de 1938 e deixa para construir uma sociedade socialista, no futuro. Esse fato gerou muita discussão e dissidências dentro do Partido Socialista, pois setores mais radicais acusavam a direção de colaborar com a burguesia e acomodar-se nos postos da burocracia. Alguns setores chegavam a dizer que o PS deveria adotar uma política que abolisse a aliança com setores da burguesia. Dentro dessas novas balizas, em março de 1936, é construída, no Chile, a Frente Popular em que participam o Partido Radical38 (sendo este controlado pela burguesia), o Partido Socialista, o Partido Democrático e o Partido Comunista, dando assim seguimento prático às políticas adotadas pela Internacional Comunista. Nas eleições de 1938, a Frente Popular conhece o seu primeiro êxito. O radical Pedro Aguirre Cerda derrota o candidato da direita Gustavo Ross Santa Maria. O Chile foi o único país da América Latina a conquistar o governo sob forma de Frente Popular seguindo as orientações da III Internacional Comunista. A Frente Popular no Chile tornou-

37 A análise que a Internacional Comunista fazia era a de que, a década de 30, configurava-se sob influência de dois fatores importantes: a da edificação do socialismo na URSS e a ofensiva do fascismo e da reação imperialista nos países capitalistas. Na década de 30, essa ofensiva fascista cresceu muito em resposta ao agravamento da crise do capitalismo e ao avanço socialista. A vitória dos hitlerianos na Alemanha levou a uma situação propícia para expansão do fascismo. Parte da burguesia européia queria aprovar medidas contra- revolucionárias como, por exemplo, a limitação das prerrogativas parlamentares, restrição e anulação das liberdades democráticas, abolição do direito a greve, etc. O fascismo ameaçava se alastrar por toda Europa e até a outros continentes. Como ele dirigia seu terror à classe trabalhadora principalmente, procurava também instaurar o medo nos partidos comunistas e em outras organizações operárias e impedir a coesão do proletariado como classe. Também era hostil a todas as camadas democráticas, inclusive burguesas. Diante desse quadro, o movimento comunista internacional orientou a lutarem pela frente única inclusive com os social-democratas contra o fascismo. 38 O Partido Radical emergiu na década de sessenta expressando pontos de vista da burguesia mineira, acreditavam nas idéias de progresso e liberdade. Ele atuava contra os setores mais tradicionais da oligarquia, apresentando proximidade com aqueles capitalistas mais modernos. Seu ideário modernizante o aproximou das classes médias urbanas. Sua retórica tende para a esquerda, mas suas ações tendem para a direita. Na sua convenção, em 1931, adotou um programa socialista e declarou que o sistema capitalista estava em crise e deveria ser substituído por um regime no qual os meios de produção fossem propriedade da comunidade, baseado na solidariedade social. Para eles, a classe assalariada precisava de liberdade econômica no sistema atual, e a atividade sindical era uma maneira de lutar por liberdade econômica. Também se declararam opositores a qualquer tipo de ditadura, seja militar, capitalista ou proletária. O Partido Radical tinha uma tendência de inclinar-se para a direita ou para a esquerda conforme seu interesse na conjuntura política: é definido por alguns autores como social-democrata. Para exemplificar essa dinamicidade de posições: em 1947 caçam os direitos dos comunistas, mas em 1970 participam da coalizão de esquerda da Unidade Popular. 47 se uma importante coalizão de esquerda e se materializou também no movimento social.Em 1940, o PS sob forte divisão, desliga-se da Frente Popular. O PC continua na sua linha de criar frentes contra o fascismo e contra a direita, colocando sempre a necessidade de impulsionar uma Revolução Democrático-burguesa39. O Partido Socialista dizia que a Frente Popular era uma transposição da proposta lançada por Dimitrov no VII Congresso da IC e também utilizadas pela Espanha e França. Segundo análises de Emir Sader, o fato da Frente Popular está sob direção do Partido Radical cuja formação era heterogênea e passava da classe média à setores latifundiários, debilitou as reformas propostas pelo programa de Aguirre Cerda. Um dos pontos mais afetados foi o do adiamento da reforma agrária. A aliança com os trabalhadores era sacrificada em favor de pactos com a classe dominante. Para Sader, apesar de na América Latina nesse momento, o fascismo não se constituir em uma força importante, sua base social se constituía por aqueles que recebiam concessões da Frente Popular que era o latifúndio. Em 1942, é formada a “Alianza Democrática” composta pelos partidos que participaram da Frente Popular e ainda a Falange Nacional40 e setores liberais. Lançam, então, um outro candidato radical, Juan Antonio Rios, que vence as eleições presidenciais41 de 1942 e morre em 1946, assumindo seu vice Alfredo Duhalde (radical com posições mais ligadas à direita).

39 Lênin refletia nas condições da Rússia no período da sua revolução o seu caráter burguês. Ele dizia que a revolução burguesa não saía do quadro do regime econômico e social burguês, ou seja, do quadro capitalista. Ela representava as necessidades do capitalismo em desenvolvimento, além de ampliar e se consolidar. Mas exprimia menos os interesses do proletariado do que o da burguesia, já que no regime capitalista a dominação da burguesia sobre o proletariado era inevitável.Para Lênin, a revolução burguesa eliminava os vestígios da “feudalidade” e assegurava o desenvolvimento do capitalismo e de suas relações de classe, aumentando sua diferenciação. Lênin ainda enfatizava que quanto mais completa e decisiva fosse a revolução burguesa mais se teria a possibilidade do proletariado lutar pelo socialismo e, portanto, a concretização da ditadura democrática revolucionária do proletariado e dos camponeses. 40 A Falange Nacional foi um movimento que se apoiou na tradição de sacerdotes e católicos preocupados com as condições de vida da classe trabalhadora, encabeçado por um grupo de jovens intelectuais católicos. Criticavam a atitude de liberalismo do laissez-faire do partido conservador e era hostil ao marxismo, ao comunismo e ao socialismo. Era a favor de um conceito comunitário ou corporativo da sociedade. Achavam que era preciso rever o sistema político, social e econômico e a partir daí reorganizá-lo à luz de novas idéias. A proximidade com essas posições são rompidas no período de 1938, anterior as eleições. A partir daí, tornou-se mais de esquerda, perdendo suas características próximas do falangismo de tipo espanhol. 41 A eleição da Alianza Democrática em 1942 também estava ligada ao contexto internacional, onde no período da II Guerra Mundial, havia um clima de horror ao nazi-fascismo e ao mesmo tempo um apelo à democracia e a um mundo sem guerras. A derrota da Alemanha para Rússia e a entrada dos norte americanos na guerra também foi fator importante para que houvesse um clima mais propício para que um campo mais democrático vencesse as eleições no Chile. 48

Neste governo, os sindicatos, os partidos de esquerda, os trabalhadores, são perseguidos e sofrem intensa repressão. O PC novamente levanta a necessidade de se reconstruir a “Alianza Democrática” para lançar uma candidatura à presidência da República. Gabriel González Videla é o candidato da chapa e vence as eleições de 1946. O Partido Comunista é convidado a participar do governo para ocupar três ministérios. Com essa política, o PC passa a ter uma intervenção cada vez maior no cenário político do Chile. Em 1943, acontece o fechamento da III Internacional Comunista. Segundo o texto do comunicado do Presidium do Comitê Executivo, 28 partidos comunistas aprovaram o encerramento da IC e ainda, nenhuma secção internacional havia se manifestado contrariamente. Portanto, estaria sendo dissolvida a IC, assim como os comitês executivos, e os assuntos pendentes seriam resolvidos por uma comissão na qual faziam parte Dimitrov, Ercoli, Manuilski e Pieck. Stalin dizia que a dissolução da IC era correto porque facilitava “o assalto comum de todos os povos amantes da liberdade contra o inimigo comum, o hitlerismo” além de desmistificar que Moscou interferia na vida de outras nações para bolchevizá-las; e que os comunistas não agiam em interesse do povo, mas sob ordens estrangeiras. Essas eram algumas das justificativas oficiais. Alguns autores como Fernando Claudin42, afirmam que Stalin usava tais justificativas apenas para não revelar que a IC necessitava dar garantias aos Estados capitalistas acerca dos objetivos políticos da URSS, ou seja, era decisivo dar sinais ao presidente Roosevelt para fechar acordos importantes neste momento de guerra. O fechamento da III Internacional Comunista seria exigência importante para a abertura das negociações com aliados. Para o historiador Eric Hobsbawm43, Stalin havia reduzido a IC em “um instrumento da política de Estado soviético, sob o estrito controle do Partido Comunista Soviético, expurgando, dissolvendo e reformando seus componentes à vontade”. A revolução mundial, sob a égide de Stalin, não passava de retórica, pois ela só seria considerada se não houvesse conflito com o interesse do Estado soviético e se pudesse estar sob seu controle direto. Ele ainda ressalta que a URSS desencorajou as investidas de outros

42 CLAUDÍN, F. A crise do movimento comunista vol.II. São Paulo:Global,1985,p.421 43 HOBSBAWM, E. A era dos extremos,São Paulo:Companhia das Letras,1995,pp.167-169 49 países que queriam estabelecer governos revolucionários, no pós-guerra. Tanto que as revoluções da Iugoslávia, Albânia e China se deram contra a opinião de Stalin. Para ele, a política do pós-guerra deveria ser abrangente, anti-fascista, buscando uma coexistência de sistemas capitalistas e comunistas e de uma maior mudança social e política através de transformações dentro do “novo tipo de democracia”. Isso fica muito perceptível para Hobsbawm, quando foram dissolvidos o Comitern em 1943 e o Partido Comunista dos EUA em 1944. Hobsbawm ainda levanta que “o socialismo se limitaria na URSS à área destinada por negociações diplomática como sua zona de influência, isto é, basicamente ocupada pelo exército vermelho no fim da guerra”. Nas eleições municipais de 1947 no Chile, os comunistas já se destacavam muito enquanto força política organizada do país, além disso, se colocavam à frente das lutas sindicais que a cada momento se intensificava. O fato não agradava às elites chilenas e nem ao imperialismo norte-americano, dentro de um universo marcado pelo cenário da Guerra Fria e da disputa de hegemonia com os comunistas. Os Estados Unidos adotam a doutrina Truman44 que significou para o Chile a ruptura da aliança entre o centro radical e a esquerda, principalmente no que dizia respeito ao Partido Comunista. A pressão sobre o governo é intensa e o presidente González Videla obriga a renúncia dos ministros comunistas, optando por uma linha pouco popular e mais ligada às elites, chegando mais tarde a denunciar um plano do comunismo internacional, no Chile. Recomeçam, então, as perseguições contra os comunistas por meio da censura nos meios de comunicação do Partido, da cassação dos registros eleitorais de mais ou menos quarenta mil chilenos, da exoneração de trabalhadores ligados ao PC, dentre outras sanções. Carlos Altamirano, ex-presidente do PS, expressa a importante experiência das Frentes Populares, destacando que os PC´s do Chile, França, Itália, Finlândia e Bélgica foram num mesmo período expulsos dos governos em que participavam. Em 1947 Videla no Chile, Spack na Bélgica, Ramadier na França e mais tarde De Gaspari na Itália.

44 A Doutrina Truman foi pronunciada em 1947 pelo presidente norte-americano Henry Truman no Congresso Nacional dos Estados Unidos sob um discurso assumindo o compromisso de defender o mundo capitalista contra a ameaça comunista. Juntamente com a Guerra Fria propagavam para o mundo o antagonismo entre os blocos capitalista e comunista. 50

Mesmo com a vitória da Frente Popular, não havia unidade no interior do governo pela abrangência de representatividade das esferas sociais em que os partidos que compunham a Frente representavam. O fim da Segunda Guerra Mundial impôs também uma nova estratégia norte-americana em relação aos partidos comunistas. Todos eles são colocados na ilegalidade na América Latina e Videla decreta então, a “Lei de Defesa da Democracia” tornando o PC do Chile ilegal. Parte dos socialistas rompem com o governo e outros permanecem. Dessa forma é rompida a unidade entre os principais partidos de esquerda. O Partido Socialista encontrava-se dividido internamente, e algumas facções internas chegaram a apoiar a chamada “proscripción” dos comunistas, e inclusive ingressam na Ação Chilena Anticomunista, ACHA, mostrando, assim, como era tensa a relação entre os dois principais partidos de esquerda do Chile: o Partido Comunista e o Partido Socialista. Essas experiências geradas nos governos de Duhalde e de Videla, fazem o PC refletir sobre a tática adotada de se realizar alianças mais amplas com setores da burguesia da sociedade chilena e, sobretudo, em tê-las como força hegemônica. Os partidos mais progressistas ficavam reféns das tensões geradas pelos setores mais conservadores e os radicais, por sua vez, eram vulneráveis às pressões do imperialismo norte-americano. O esforço para unir campos de aliados, democraticamente, e vencer as eleições não estava dando muito certo, principalmente a união de partidos não tão comprometidos com os ideais de mudança e, ainda mais, ocupando os principais espaços nas alianças. O PC transplantou, para o Chile, a política da “Frente de Libertação Nacional” que havia sido formulada no início dos anos cinqüenta, como uma resposta da URSS à doutrina Truman. De acordo com essa política, o mundo estava dividido em dois campos antagônicos: o imperialista e o socialista, sendo o imperialismo, dirigido pelos norte- americanos, tinha características antidemocráticas e bélicas, enquanto o socialismo, liderado pela União Soviética, tinha características com sentido democrático e pacifista. Também insistia na unidade com setores da burguesia, mas sob um núcleo que era constituído pelo proletariado coeso, o que dava a entender que, no Chile, teriam como aliados, prioritariamente, o Partido Socialista. 51

A partir daí, o PC tenta consolidar essa aliança. Ele se aproxima (apesar da clandestinidade) bastante do PS que já tem como liderança, Salvador Allende45. E, em 1951, é criada a Frente do Povo que apresenta um programa mais ofensivo contra o imperialismo, que, inclusive, falava na nacionalização das riquezas básicas, na reforma agrária e no fim do domínio da oligarquia financeira. Em 1952, Allende é candidato à presidência do Chile, pela primeira vez, pela Frente do Povo e consegue apenas um quarto lugar. Em 1953 é criada a CUT (Central Única dos Trabalhadores), que tentou unificar a maioria do movimento sindical. Neste mesmo período, destaca-se o processo de unificação do Partido Socialista. Esses passos seriam, sem dúvida, o início de um caminho que levaria à formação da Unidade Popular. Com o empenho do PC e, agora de Salvador Allende é fundada a Frente de Ação Popular (FRAP), em 1956. Dessa vez, conseguindo agregar mais partidos, sendo o PS, o PC, o Partido do Trabalho, o Partido Democrata de Chile e o Partido Democrata do Povo. Estavam dessa forma, “convidados” a participar enquanto sujeitos sociais, o proletariado, camponeses, pequena burguesia progressista, intelectuais e estudantes. A burguesia nacional havia ficado de fora, por acharem que ela era muito dependente do imperialismo, o que lhe tirava a capacidade de ser autônoma. Neste mesmo ano, o Congresso Nacional do Partido Comunista (realizado ainda na clandestinidade no mês de abril em Cartagena) aprova um novo programa que reflete as discussões geradas pelo campo comunista e também pela experiência prática de formação das coalizões políticas para disputar o poder. O programa tem como base a libertação nacional, a aliança com setores democráticos e em torno da classe trabalhadora. Em suas principais linhas de ação, a nacionalização das riquezas básicas, a reforma agrária, a estatização dos bancos e das grandes indústrias. É neste congresso que foi sustentada a possibilidade de avançar ao socialismo pela via não-armada a partir da conquista do

45 Salvador Allende Gossens nasceu em 1908 em Valparaíso, era médico, foi presidente do Centro de Estudantes de Medicina, vice-presidente da Federação de Estudantes do Chile (FECH), em 1926. Em 1937é eleito, aos 29 anos, deputado e depois assume o cargo de ministro da saúde do governo Pedro Aguirre Cerda. Em 1946,1952 e 1969 foi eleito Senador, sendo em 1966 presidente do senado. Teve papel destacado na fundação do Partido Socialista em 1933 assumindo inclusive a secretaria regional de Valparaíso e em1943 é eleito secretário geral do PS. No interior do partido, Allende lutou pela unidade da esquerda, inclusive para se concretizar a Frente Popular e mais tarde a Unidade Popular. Foi candidato presidencial nas eleições de 1952, 1958, 1964 e 1970. 52 governo pelo movimento popular. Em 1958, o Secretário Geral do PC falece e Luis Corvalan Lepez46 assume o partido, ficando no cargo principal até 1989. Para o PS, a FRAP era um bloco político revolucionário sólido, ideologicamente estável e compacto. Ela orientou a luta da classe trabalhadora durante 14 anos, ajudou na criação da CUT, o que possibilitou a se ter no Chile uma única entidade que expressava a classe operária e seus interesses. A FRAP é tida como uma experiência muito importante e o embrião de uma unidade verdadeiramente coesa da esquerda. Nas eleições presidenciais de 1958 e de 1964, Salvador Allende, candidato pela FRAP, ocupa o segundo lugar das eleições, mostrando um crescimento importante para o PC47 e também para o PS. O democrata cristão48 Frei Montalva49 é eleito presidente e declara realizar uma “revolução em liberdade”: é uma espécie de “façamos a revolução antes que o povo a faça” e assume algumas reivindicações da esquerda, por exemplo, a reforma agrária50, como uma importante política a ser desenvolvida durante o seu governo.

46 Luis Corvalan Lepez nasceu em 1916 em Puerto Montt, foi professor, trabalhou no diário da Frente Popular e também foi um dos fundadores do diário El Siglo. Em 1932 entrou no Partido Comunista no qual foi secretário geral de 1958 a 1989. Foi senador da República por dois mandatos, sendo o último interrompido pelo golpe militar em 1973. Durante a ditadura militar ficou preso em Dawson e passou pelos campos de prisioneiros de Ritoque e Três Álamos. 47 Somente para exemplificar, nas eleições legislativas de 1961 o PC teve 11,8% dos votos, em 1965 12,7%, em 1969 15,9% e em 1973 17,4%. Nesta eleição chega a obter 672 mil 712 votos. E ainda em 1970, dos 14.800 Comitês da Unidade Popular, 80% deles tiveram a participação dos comunistas. Esses dados são apresentados por Luis Corvalan Lepez. 48 O Partido Democrata Cristão surge a partir da união da Falange Nacional com os Conservadores Social Cristianos e alguns grupos provenientes do “Agrário Laborismo”. O PDC recebeu o apoio das classes médias altamente qualificada, profissionais técnicos de universidades, ou seja, estratos ligados de algum modo ao recente processo de modernização, grupos marginais que não estavam ligados a nenhum partido, e jovens atraídos pelo discurso de modernização, ética e renovação. A DC se opunha tanto à direita liberal capitalista quanto aos partidos socialista e comunista. Apresentavam como alternativa a terceira via. Defendiam então a unidade entre capital e trabalho, propondo que os donos do capital deveriam ser os trabalhadores e estes deveriam controlar administradores e gestores de suas empresas. O PDC dava ênfase na idéia da participação da comunidade. 49 A Igreja Católica apoiou a candidatura de Frei, pois via na DC um instrumento de contenção do avanço do marxismo. A Igreja Chilena, após o concílio Vaticano II que buscava renovar e se inserir no mundo mais ativamente, comprometendo-se inclusive com seus problemas, passou a apoiar a DC por ser uma alternativa ao socialismo e à direita. A preocupação do clero chileno com a força que os movimentos sociais de esquerda tomavam e com o avanço nas eleições dos partidos marxistas, chama 1957, um jesuíta belga Roger Vekemans para ajudar a deter o avanço marxista e difundir a doutrina social da Igreja. No governo Allende, nos momentos mais críticos a igreja chegou a pedir publicamente que a DC fizesse um acordo com a UP para evitar o aprofundamento do caos que se encontrava o país. 50 A reforma agrária do governo de Frei tinha como objetivo dar dinamicidade ao capitalismo, dada as características do bloco dominante no Chile que tinha como perspectiva as recomendações da Aliança para o Progresso do presidente Kennedy. Por isso, a reforma agrária foi fundamental para a reestruturação do bloco dominante e a constituição da classe de apoio sob direção da burguesia monopólica industrial. O caráter da Reforma agrária teve seus efeitos sobre a relação entre as classes. Tentava-se estabelecer com os camponeses 53

Frei procurou afastar o “perigo comunista” da vitória eleitoral e possibilitou o triunfo da política da “Aliança para o Progresso”, apresentando um programa baseado em reformas estruturais e assumiu para si o discurso da justiça social, retirando da esquerda o monopólio sobre essa questão. Frei foi muito apoiado pelo departamento de estado norte americano, pela direito e também pela direita apesar desta durante o governo acusar Frei de estar “pavimentando o caminho” dos partidos de esquerda, através de suas reformas estruturais. Assim, a proposta da DC vinha no sentido de conciliar a sociedade chilena, mas rompendo com os setores tradicionais da oligarquia agrária51. Já em 1969, no seu XVIII Congresso Nacional, o PC já adota um discurso de lutar por um governo realmente popular, utilizando o lema “Unidade Popular para conquistar um Governo Popular”. E, em janeiro de 1970, é anunciada a candidatura de Salvador Allende pela Unidade Popular.

uma nova hegemonia burguesa como criação de uma aliança política do proletariado do campo e a cidade. Assim, a lei de reforma agrária, promulgada em 1967, derivava de uma combinação das dimensões modernizantes , capitalista e reformista-popular. 51 CORVAN MARQUEZ,L.,op.cit., p.73-79. 54

1.3 – O XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e a política da via pacífica.

A linha e o programa adotado pela Unidade Popular da via pacífica ao socialismo52, faziam parte de anos de acúmulo e discussão interna do PC, e foi ratificada no Congresso de 1969. Foram publicados panfletos para serem distribuídos à população chilena, com importantes questões teóricas que justificavam a via pacífica. Esta via foi construída, principalmente, a partir das teses do XX Congresso da União Soviética, realizado em 195653, após a morte de Stalin em 1953. Foi neste congresso que Krushov apresentou o relatório contra Stalin, mostrando os abusos do uso da autoridade e de violência e desvios no caráter da revolução, além de pautar alguns debates que iriam dividir o mundo comunista principalmente entre os dois principais Partidos Comunistas: o da URSS e o da China54. Vamos nos ater aqui, principalmente à questão do aprofundamento das discussões sobre a via pacífica. Neste XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (P.C.U.S), as reflexões acerca da via pacífica ao socialismo foram feitas de maneira muito contundente. A partir da análise do plano internacional, em que o mundo estava dividido em regimes sociais diferentes, o Congresso desenvolveu o princípio da coexistência pacífica55

52 Mesmo sendo adotada como estratégia a via pacífica ao socialismo o Partido Socialista, apesar de ter sido um partido formado por setores da pequena burguesia e de intelectuais, declarava ser necessário a luta armada. Essa decisão foi ratificada no Congresso de Chillán, e, por isso, depois da eleição de Allende não tomou definições que pudessem levar à materialização da via pacífica. Essa era uma questão muito polêmica dentro do PS, pois, o próprio Salvador Allende achava que o melhor caminho era o pacífico. 53 O relatório apontava o “culto à personalidade”, tirania, vaidade, abusos contra seus adversários políticos, extrema centralização de poder, violência, regalias à alguns funcionários públicos, crimes políticos, imposição de trabalho forçado aos camponeses o que levou a milhares de mortes, dentre outros. A conduta política de Stalin,vinha causando muita polêmica também na maneira em que queria impor a subordinação aos outros Partidos Comunistas. Alguns autores como Eric Hobsbawm, Jean Baby e Fernando Claudin analisam esse momento com ênfases diversas, mas que permite, quem queria aprofundar o assunto ter um panorama de diferentes leituras. 54 Essas divergências tomariam proporções mais profundas, a partir do XXII Congresso do PCUS em 1961. Em 1963 o Partido Comunista Chinês escreve uma carta de 25 itens criticando abertamente as posições soviéticas e dos países ligado a elas. Por sua vez, o Partido Comunista da União Soviética escreve uma carta respondendo e atacando duramente o teor do documento chinês. 55 No XXII Congresso Kruschov definiu melhor o conceito de coexistência pacífica: “ela não é simplesmente a ausência de guerra, não se trata de uma trégua provisória e precária entre duas guerras; é a coexistência de dois sistemas sociais opostos baseada na recusa mútua em empregar a guerra como meio de acertar as questões entre os Estados”. Cf: BABY, J. op.cit.,p.92 55 dos países de diferentes sistemas sociais. Falava-se em desenvolver melhor as relações entre a URSS e os EUA sob alguns princípios: respeito mútuo da integridade territorial e da soberania, não agressão, não ingerência nos assuntos internos de outros países, igualdade e vantagens mútuas, coexistência pacífica e colaboração econômica. Esses eram os princípios básicos da política exterior soviética e, na época, para Kruschov, primeiro secretário do Comitê Central do Partido Comunista da URSS, só existiam dois caminhos: a coexistência pacífica ou a guerra. A coexistência era vista como um grande caminho nas relações internacionais entre países socialistas e países capitalistas. Esse importante Congresso do Partido Comunista Soviético, realizado em fevereiro de 1956, havia levantado questões importantes que teriam repercussões em todo mundo e, principalmente, no movimento comunista internacional. O relatório sustentava que a guerra não era algo inevitável mesmo com toda ofensiva imperialista, e, sendo possível, sem revolução violenta, países capitalistas passarem para o socialismo. Essa questão ligada à paz internacional, que foi um dos princípios para que se apresentasse a via pacífica como uma possibilidade, estava contida dentro de uma análise do momento específico de um mundo que acabara de sair de uma guerra mundial, onde o clamor pela paz era muito forte. A maioria da humanidade repelia a política “de posições de força”, diz o relatório, por ser uma política aventureira e antipopular e que poderia agravar o perigo da guerra. Também ficava claro que era impossível encontrar um período como o que se passava, em que se tinha amplitude e organização da luta das camadas populares contra o perigo de guerra. E ainda colocam a classe operária como uma das principais forças motrizes para evitar a guerra, mas desde que ela atuasse como força organizada e unida. Conforme o autor Jean Baby a coexistência pacífica para Lênin56 era a afirmação de que o Estado socialista não poderia ser por natureza agressor. O estado socialista não poderia manter com outros países uma relação de ameaça e sim manter relações de coexistência dentro de interesses recíprocos. Mas, também, pondera que para consolidar essa coexistência pacífica era necessário reunir, em torno da União Soviética, todos os países que sofressem a exploração capitalista. Não imaginava ser a coexistência pacífica mais do que uma forma de defender da agressividade permanente, inevitável e fundamental

56 BABY, J.,op.cit., p.44. 56 do sistema capitalista. Portanto, falar no sentido de se ter dois mundos de essências diferentes convivendo sob um acordo de não guerra, de convivência mútua sem violência, era impossível. Segundo ele, esses dois blocos, de alguma maneira, se confrontariam em algum momento e as guerras seriam, assim, inevitáveis. No XX Congresso, a coexistência pacífica apresentada por Krushov tinha o sentido de uma aproximação com os Estados Unidos para tentar manter a paz mundial, e, portanto, completamente diferente do sentido que Lênin tinha dado em tempos anteriores. Isso ratificava a idéia de que os conflitos que pudessem surgir entre as áreas de influência e de dominação dos dois países, esses poderiam ser resolvidos por acordos. Além disso, deixavam explícita a possibilidade de países com diferentes sistemas sociais poderem existir uns ao lado dos outros, como também de se estabelecer uma relação de confiança entre eles. Isso porque, agora, existiam poderosas forças sociais e políticas que disporiam de grandes meios para impedir conflitos ou guerras e estariam vigilantes e mobilizadas. Para alguns críticos, tomando como exemplo o Partido Comunista Chinês, isso desanimaria muitos movimentos revolucionários de tentarem a tomada de poder em alguns países, pois tudo acabaria em um acordo feito entre os dois principais países dos blocos capitalista e socialista. Para eles, no campo imperialista, os norte-americanos eram o principal adversário e sobre eles deveriam concentrar todos os ataques. Outra explicação revolucionária teria que ser tomada para apresentar como poderia haver revoluções nos países que tivessem condições de tornar-se um país socialista. Então, Kruschov expõe a “competição pacífica”, onde a URSS apresentaria um desenvolvimento rápido, que traria melhores condições de vida à população, graças ao planejamento da economia e à propriedade coletiva dos meios de produção. Dessa forma, os oprimidos dos países capitalistas, vendo todo desenvolvimento e superioridade do mundo socialista, iriam pressionar para mudança de sistema em seus países. Com esse raciocínio e dentro de uma perspectiva de coexistência pacífica, resolviam-se os questionamentos sobre os possíveis levantes das classes exploradas contra os governos dos países capitalistas. Parece-me aqui que todo esse discurso também era uma forma de tentar diminuir os riscos de um possível ataque aos países socialistas pelos países capitalistas, em especial, pelos Estados Unidos. Era uma forma de dizer que os russos não queriam guerra. Qualquer ataque que pudesse acontecer seria contra sua vontade, pois eles apenas reagiriam se fossem provocados. Essa 57 era também uma estratégia da URSS, para consolidar os estados socialistas e tentar diminuir as chances de um possível ataque ou envolvimento em guerras que pudessem desestabilizar o regime socialista, tanto política, quanto economicamente. Como os russos também desenvolveram a bomba atômica no caso de uma guerra, esse fato os colocavam em mais condições de igualdade para com os norte-americanos, fazendo com que as questões levantadas no XX Congresso passassem a ter repercussão na atuação política de muitos partidos comunistas. Apesar disso, houve muita reação contrária a tais orientações, como foi o caso do Partido Comunista Chinês que a denominou de revisionista. E foi, principalmente a partir dessas discussões que, nos anos sessenta, houve uma divisão no movimento comunista internacional. O fato da URSS ter aprovado e estar empenhada na política de coexistência pacífica, não significava que via no Chile um país de grande importância e com um processo revolucionário a se preservar. Os russos não estavam dispostos a colocar em risco a coexistência pacífica por causa de um país pequeno como o Chile. Por outro lado, o PC adotou uma postura de adesão à URSS e ao socialismo real, sem muita possibilidade de críticas, o que influiu nos momentos de aproximação com o Partido Democrata Cristão57. O Partido Comunista Chinês, que já apresentara sua discordância58 em relação à via pacífica, criticou duramente o Partido Comunista do Chile, o que provocou uma reação enfática. Segundo o documento “El pleno de agosto de 1957”, os chilenos acusaram os chineses de não procurar o comitê central para formalizar suas críticas e sim, os próprios militantes. O PC chileno que tinha relações de cooperação com os chineses, onde mandavam para a China pessoas ligadas ou militantes comunistas para ensinarem lá o idioma espanhol, acusavam chineses de aproveitarem disso para criticar e convencê-los do erro histórico que significava a via pacífica. Mais tarde, o Partido Comunista chinês criticou a via pacífica em uma carta dirigida ao Comitê Central do PC chileno, onde dizia que o caminho escolhido era um marco contrastante com o caminho revolucionário de Fidel Castro. Tal crítica foi contestada. Por sua vez, os chilenos diziam que as posições sustentadas pelo partido tinham como suporte as “teses marxistas-leninistas” da via pacífica, e que seria errado sustentar dogmas

57Cf: CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit.,p.32

58 sectários59. Entretanto, a escolha dos caminhos acerca da revolução deveria ser assunto interno dos revolucionários de cada nação. Os que achavam que podiam indagar sobre questões subjetivas de outros países, tendo em vista a sua experiência, poderiam cometer erros, tanto na elaboração, quanto na aplicação de sua linha. E ainda, argumentavam que os dirigentes do Partido Comunista da China estavam fazendo uma desonesta contraposição ao apresentar os fatos, pois eles declaravam a oposição da via armada para com a via pacífica, como se os mais tendenciosos pela via pacífica rechaçassem a via armada. Astutamente e ao mesmo tempo, jogavam o processo revolucionário chileno contra o cubano. Por fim, diziam que a China tinha um desconhecimento do valor teórico-prático das teses da via pacífica. No documento do Congresso Nacional do Partido Comunista Chileno, realizado em 1969, na análise da conjuntura internacional, diziam que as posições da China eram perigosas, pois adotaram o nacionalismo e o anti-sovietismo como balizas de sua política. E se, por um lado, reclamava-se da interferência dos chineses no processo chileno, por outro, diziam que a revolução cultural não tinha nada a ver com o comunismo e que causavam a todos um grande prejuízo, principalmente ao regime socialista e ao povo chinês. As críticas às condutas da URSS eram gigantescas por parte de alguns partidos comunistas, o que não era o caso do Chile. As discussões e as divergências entre os países socialistas e entre os partidos comunistas no mundo tomaram grandes proporções, mas na Declaração dos 8160, no ano de 1957, tentou-se unificar ou melhorar as divergências entre os partidos participantes da Conferência para que se pudesse aprovar uma resolução que levasse em conta os debates que haviam acontecido.

...a coexistência pacífica dos Estados não significa de maneira alguma, como afirmam os revisionistas, o abandono da luta de classes... Todos os partidos

59 O PC chileno dizia fundamentar a tese da via pacífica às teses marxistas-leninistas, assim como fez o XX Congresso do PCURSS, entretanto, sua linha prática se aproximava das levantadas no XX Congresso, tendo como forte sustentáculo a crença na possibilidade da coexistência pacífica entre capitalistas e socialistas, mesmo na América Latina. 60 A declaração dos 81 partidos comunistas foi fruto da Conferência realizada em 1960 para acertar as diferenças sino-soviéticas. Segundo Jean Baby, essa declaração significava um compromisso entre as teses de Kruschov e as teses chinesas, limitando a política de aproximação com os norte-americanos, a propaganda em favor do caminho pacífico para o socialismo, da coexistência pacífica e da competição pacífica separada de seu caráter de classe. Entretanto, a maioria dos países presentes se colocou à favor da URSS, mas sem dúvida 59

marxista-leninistas são independentes e iguais em direitos; cada um elabora sua política partindo das condições concretas do seu país e inspirando-se nos princípios do marxismo leninismo; eles prestam-se apoio mútuo. Os sucessos da causa da classe operária em cada país exigem a solidariedade internacional de todos os partidos marxista-leninistas. Cada partido é responsável diante da classe operária, diante dos trabalhadores de seu país, diante do movimento comunista e operário internacional.61

Para o relatório62 apresentado no XX Congresso, as condições contemporâneas, as modificações radicais produzidas no mundo, a existência e o fortalecimento do poderoso campo socialista, o aumento da sua força de atração, o desenvolvimento do movimento dos trabalhadores e da libertação nacional e a debilitação do sistema capitalista, haviam criado uma situação nova, propícia para se dar o passo em direção ao socialismo naqueles países, onde ainda predominava o capitalismo. Segundo o congresso, a posição leninista havia considerado, como uma possibilidade, o desenvolvimento pacífico da revolução em determinadas condições, como em abril de 1917:

A conquista de uma sólida maioria parlamentar que se apóie no movimento revolucionário de massas do proletariado, dos trabalhadores, criaria para a classe operária de alguns países capitalistas e antigas colônias condições que garantiriam a realização de transformações sociais radicais. Naturalmente, nos países onde o capitalismo é ainda forte, onde tem em suas mãos um enorme aparelho militar e policial, é inevitável uma acirrada resistência das forças reacionárias. A transição ao socialismo transcorrerá aí em meio a uma aguda luta revolucionária de classes. É plenamente possível que as formas de transição ao socialismo sejam cada vez mais variadas. Não é obrigatório que todas sejam através da guerra civil. Há diferentes formas de revolução social. Dizer que reconhecemos a violência e a

nenhuma havia necessidade de uma mediação no texto final mesmo que não significasse a correlação de forças apresentadas na conferência. 61 BABY,J., op.cit., p.75. 62 Estamos utilizando aqui a Revista “Problemas” organizado por Diógenes Arruda que traduziu o Informe de Kruschov, assim como as atividades do Comitê Central do PCUS e as falas dos membros efetivos e suplentes do Presidium do PCUS. Também utilizamos trechos reproduzidos por Fernando Claudín e Jean Baby. 60

guerra civil como único caminho de transformação da sociedade não corresponde à realidade.63

O historiador Augusto Buonicori, em artigo publicado, analisou o processo da revolução Russa e a proposta de desenvolvimento pacífico da revolução elaborada por Lênin. Ele que, em fevereiro de 1917 estava exilado na Suíça, afirmava que estava acontecendo na Rússia a primeira etapa da revolução, em que a burguesia e os latifundiários, ou seja, uma nova classe estava no poder. Dizia que a revolução democrático-burguesa estava consumada, mas o fato era de que existia naquele momento duas ditaduras, a burguesa e a do proletariado e do camponeses. Lênin também achava que não era possível implementar o socialismo imediatamente. Era necessário um período de transição inclusive no que se referia à derrubada do governo provisório. Segundo análise de Buonicori, Lênin havia anunciado uma tática que se baseava no processo de acumulação de forças e de “desenvolvimento pacífico da revolução” através da conquista da maioria pelos sovietes, aprovado na 7º Conferência nacional dos bolcheviques. Essa tática se expressava na frase “todo poder aos sovietes!” e criticou os que falavam “Abaixo o governo provisório”. Continuou também defender um processo de transição ao socialismo apresentando um programa para a Rússia: nacionalização da terra, controle do Estado sobre os bancos e sua fusão num banco central único, controle sobre os maiores consórcios capitalistas, sistema mais justo de impostos progressivos sobre rendimentos e bens. Reafirmava que mesmo durante a aplicação dessas medidas era preciso prudência e conquistar a maioria da população. Estas questões levantadas por Lênin tiveram grande influência no estabelecimento da “via chilena” e os caminhos que a revolução pacífica deveria trilhar, apesar das propostas de Lênin e do PC serem diferentes. Os reveses da política na Rússia durante o governo provisório dirigido por Kerensky, resultou em uma mudança de tática do caminho do desenvolvimento pacífico. Lênin dizia naquele momento de intensa repressão que ou ganhava a ditadura militar ou a insurreição armada dos operários. A palavra de ordem que simbolizava a via pacífica de desenvolvimento da revolução “Todo poder aos sovietes” foi deixada de lado e começou a preparar a insurreição armada.

63 Revista Problemas. XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética: Informes e Resoluções. 61

Segundo Buonicori, o desenvolvimento pacífico da revolução não tinha relação com a tese da “via pacífica para o socialismo”. Para ele, a proposta de Lênin não era a de conquista gradual de posições dentro da institucionalidade burguesa. Dizia:

O pressuposto de Lênin era a existência de um duplo poder, no qual o poder operário e popular (os sovietes) possuía força política, moral e militar reais – superior mesmo às do governo provisório burguês. Não se tratava, assim, de chegar ao socialismo respeitando a lógica e as regras do jogo eleitoral – criados para manter a dominação de classe da burguesia – e sim rompendo com elas e construindo e fortalecendo uma outra institucionalidade mais avançada e mais democrática: a institucionalidade operária e popular. Esta era a condição para o “desenvolvimento pacífico da revolução russa.64

A via pacífica foi debatida exaustivamente pelo XX Congresso. Nas intervenções dos membros do Comitê Central, a fala do A. I. Mikoian foi o que mais refletiu sobre esse assunto. Segundo ele, o que se via ali era a prova concreta de que não se havia limitado apenas em repetir conhecidas teses teóricas do marxismo-leninismo. Para ele, a coexistência pacífica sólida não podia ser concebida sem o comércio vantajoso entre todos os países. Para exemplificar, ele também cita “As teses de Abril”, já que, ali, falava-se na tomada do poder através da conquista da maioria de sovietes. E dizia que Lênin não havia pensado em um partido de dogmas: “toda palavra de ordem adquire capacidade de perdurar mais do que hoje”. Também cita Marx, que falava que na Inglaterra e em outros países, a classe operária podia chegar ao poder por meios pacíficos através da conquista parlamentar:

Sabemos ser necessário levar em conta as instituições, os costumes e as tradições de certos países. E não negamos existirem países como a América, a Inglaterra, e se eu conhecesse melhor vossas instituições talvez acrescentasse também a Holanda, nos quais os operários poderão chegar a seus objetivos por meios pacíficos.

Discursos dos membros efetivos e suplentes do Presidium do P.C.U.S. Editor Diógenes Arruda, 1956, p.43. 64 BUONICORI, A. Lênin e os dilemas da Revolução Russa de 1917, Sítio Vermelho, 10 e 17 de novembro de 2004. 62

No entanto, se assim é, devemos também reconhecer que na maioria dos países do continente, a força deve servir de alavanca para a nossa revolução é justamente à força a que deveremos recorrer em determinado momento para estabelecer definitivamente o domínio do trabalho65.

Justificava ainda que devido ao fato de Lênin ter escrito em 1917, e que na situação em que se encontrava o capitalismo, conforme a descrição acima feita por Marx sua opinião desapareceria. E criticava aqueles que procuravam exaltar “o caminho pacífico” para todos os países e épocas, dizendo que isso afastaria o proletariado da luta revolucionária pelo poder. Aqui me parece um ponto importante da análise: será que com o desenvolvimento capitalista, o fortalecimento dos Estados Unidos, principalmente depois da segunda guerra mundial, com o estabelecimento da guerra fria, a Revolução Cubana, em 1959, todos esses acontecimentos tornariam realmente possível uma “transição pela via pacífica”? Lendo as justificativas dos membros do CC do PCURRS, parece-nos pouco provável do ponto de vista da sua viabilidade, porém com argumentos construídos no sentido de que, a coexistência pacífica entre capitalistas e socialistas, levaria ao desenvolvimento pacífico do socialismo naqueles países que optassem por mudar seu sistema. Assim, os EUA principalmente, não interfeririam nos problemas internos dos países, respeitando sua auto-determinação. No Chile, parece-me que esse raciocínio juntamente com a expectativa do apoio em massa da população ao governo popular, tornou um dos principais argumentos em defesa da possibilidade da implementação do projeto da UP. Mikoian ainda ressalta em sua interpretação que, para Lênin, a classe operária preferia tomar pacificamente o poder, mas não podia restar dúvidas de que a violência revolucionária representou o modelo necessário e legítimo para a revolução em determinados momentos, pois mais determinante para a vitória do processo socialista é a organização dos trabalhadores. Ainda destaca que a situação no mundo havia se modificado e como a teoria não era algo permanente, viável à todas as situações, o CC do PCUS apontou novas maneiras de

65 Revista Problemas,1956,p.308. 63 transição ao socialismo, principalmente a partir do crescimento do “ poderoso campo do socialismo” que mudou a situação internacional. A conclusão que se chegava é de que em determinados países, onde existisse correlação entre as forças de classe no país e à situação geral favorável, a classe operária, em aliança com os camponeses, chegaria ao poder através das instituições parlamentares. A via pacífica era citada, pelo Partido Comunista do Chile, a partir de experiências de democracia popular e davam exemplos como a Tchecoslováquia66, onde segundo a interpretação chilena, a derrota do fascismo e daqueles que colaboravam com o governo foi fundamental para instaurar um governo de coalizão democrática que ia do proletariado à burguesia e que, perante mobilização e as pressões populares, sem guerra civil e sem insurreição popular, o país estava se transformando em uma democracia popular e em um governo do proletariado. A democracia popular teria que ser utilizada em consonância com as condições históricas e econômico-sociais concretas, e com as peculiaridades de cada país. Acreditava-se que na conquista de posições importantes, o estado democrático popular, no curso do desenvolvimento da revolução socialista seguia o caminho para transformar pacificamente a indústria e o comércio privados em parte integrante da economia socialista. Entretanto, o que houve na Tchecoslováquia não teve a ver com a via pacífica. O poder militar da URSS ajudou em muitos momentos nas tentativas de realização da transição de uma democracia popular para o socialismo, por meio do uso da força. Inclusive, dentro das divergências entre o Partido Comunista e o Partido Socialista, estava o fato do PS nunca ter apoiado a intervenção da URSS na Tchecoslováquia. De forma alguma, na visão deles, não se poderia ver a situação daquele país como um exemplo histórico. Os informes do XX Congresso ainda refletiam que o emprego da violência durante a transição ao socialismo não dependia do proletariado e sim da resistência dos exploradores. Outra questão importante era o de aproveitar o caminho parlamentar para a transição ao socialismo. Mas, para isso, era necessário o apoio da classe operária, pois a conquista da maioria do Parlamento poderia significar a sua transformação em um instrumento da verdadeira vontade popular e, assim, ser convertido em um órgão da autêntica democracia

66CORVALAN LEPEZ, L. Camino de Victoria.Santiago de Chile:1971, p.26. 64 para os trabalhadores, que daria condições para a realização de transformações radicais na sociedade. Esse era mais um argumento do Partido Chileno, que analisava sua realidade, de uma democracia já consolidada para acreditar que era possível a vitória de uma coalizão de esquerda em conjunto com a eleição de muitos parlamentares, o que poderia significar um importante avanço rumo à revolução chilena. Assim, a partir do XX Congresso da URSS, defendia-se então que nos países subdesenvolvidos e dependentes teria que se articular a luta antiimperialista, antimonopolista e contra as oligarquias locais, vinculando também à defesa nacional, a paz e a coexistência pacífica. Essas lutas seriam um passo intermediário ao sistema socialista, e deveria ocorrer de preferência dentro de uma via pacífica. No XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética as teses sobre a via pacífica continuaram sendo debatidas como uma possibilidade não muito excepcional. Mas, era preciso que os trabalhadores desenvolvessem uma ampla luta de massas fora do Parlamento para vencer as forças reacionárias e criar as condições necessárias para fazer a revolução socialista pela via pacífica. Segundo Luis Corvalán, o Partido Comunista Chileno, desde sua formação percorreu o caminho de unificar os trabalhadores e, posteriormente, convenceu-se da necessidade da própria construção de um projeto que extrapolasse a via eleitoral, mostrando, de fato, um caráter de mudança em relação aos rumos que a sociedade chilena vinha tomando, ou seja, do capitalismo extremamente dependente do imperialismo norte americano. Entretanto, o rompimento com o capitalismo, não poderia significar pelo menos inicialmente, rupturas no sistema democrático já consolidado e muito menos na economia67 pelo grau de dependência e pela própria constituição social chilena. O PC, pelo menos inicialmente, não queria se afastar de parte da burguesia chilena e foi desenvolvendo a sua política de acumular forças para estabelecer novas bases. Toda estratégia montada pelo Partido Comunista de participar e formar frentes, era no sentido de que só se poderia construir um projeto genuinamente chileno se as condições internas fossem as predominantes. Seria somente a partir de uma análise das condições reais do momento

67 O programa de 1969 do PC representa na parte econômica essa idéia de não haver rupturas na economia de forma imediata. Para tal, estabelece três níveis econômicos para preparar a transição ao socialismo: a economia estatal, mista e privada. No desenvolvimento desta pesquisa vamos desenvolver melhor esta questão. 65 vivido no Chile, que se poderia traçar um rumo político próprio, claramente fundamentado em teorias marxistas e de acordo com as suas interpretações. Dizia ele:

O triunfo da Frente Popular em 1938 e a Aliança Democrática em 1946 demonstraram, precisamente, a possibilidade de que a classe trabalhadora e o povo do Chile conquistem o governo por uma via que não é a da insurreição. Certamente não é fácil que o povo ganhe as eleições em nosso país. Mas os feitos indicam que tem sido capaz de ganhá-las uma vez e poderá ganhar com menos dificuldades no futuro, na medida que se fortaleça e se desenvolva mais o movimento popular e este possa impor novas e mais profundas ampliações de seus direitos políticos eleitorais.68

Dessa forma, não há dúvida de que ao se referir à via pacífica era preciso buscar fundamentação nos clássicos do marxismo, e faziam isso citando as “Teses de Abril”69 escritas por Lênin70, em 1917. A escolha por essa obra não foi de maneira aleatória, em várias falas de dirigentes do pleno do CC do PCUS também se reportavam a ela para justificar a teoria. Exemplo foi o discurso de A. I. Mikoian que, segundo sua interpretação, dizia que, nas “Teses de Abril”, Lênin formulou a tomada do poder pela classe operária e a realização da revolução por meio pacífico, através da conquista da maioria nos Sovietes. E foi somente em julho de 1917 depois de um enfrentamento de operários com o governo

68 CORVALAN LEPEZ, L.,op.cit,p.29 et seq. 69 As Teses de Abril foram escritas e apresentadas por Lênin, em abril de 1917. Ele apresentou as tarefas do proletariado, no dia 04 de abril, além de analisar o momento histórico no qual a Rússia passava e o papel do partido e dos operários em todas essas questões. Lênin definia a particularidade do momento, na Rússia, como o período de transição da primeira etapa da revolução burguesa (passagem do poder do estado para a burguesia) para a segunda, proletária, (dominação do proletariado e dos camponeses). Queria preparar o proletariado para derrotar o czarismo e implantar a ditadura do proletariado. 70 As questões colocadas tanto por Marx quanto por Lênin enquanto uma remota possibilidade de tomada de poder pela via não armada pela classe operária e em circunstâncias totalmente atípicas, não tem haver com o raciocínio proposto pelo XX congresso do PCURSS e da proposta do PC Chileno. Este, afirmava ser possível coexistir o sistema capitalista e socialista e que, se as massas quisessem realmente o socialismo, os capitalistas iriam respeitar a opinião e o processo interno de cada país. Lênin e Marx falavam em rompimento com o capitalismo, não postulavam que através de uma vitória no executivo ou no âmbito parlamentar pudessem modificar o estado e a partir disso abrir caminho ao socialismo. O XX Congresso apresentou resoluções que nos parece ter um sentido de dividir o mundo em áreas de influência e dar uma trégua às guerras entre as duas potências do que propriamente ter um sentido de desenvolvimento de um processo revolucionário. 66 provisório que o desenvolvimento pacífico da revolução foi retirada, pois a situação já não permitia. Em entrevista cedida à autora, Corvalán explica que:

A possibilidade de conquistar o poder através da via pacífica foi considerada por Marx já em 1872 quando falou sobre o tema em Amsterdan. Ele recordou que jamais tinha afirmado que a conquista do poder político para construir o socialismo conduzem necessariamente por formas iguais e que sempre se deveria considerar as instituições, os costumes, tradições dos diferentes países. Lênin em suas famosas Teses de Abril de 1917, nos primeiros meses que seguiram desde a queda do império czarista, estimou a possibilidade de que a revolução socialista se realizara na Rússia através de um caminho pacífico mediante a conquista da maioria dos soviets. Abandonou esta opinião quando mataram os trabalhadores em Petrogrado e a contra-revolução dava seus primeiros passos. Depois as teses cairam em esquecimento por muito tempo. E foi restabelecida pelo XX Congresso do partido da URSS.71

Segundo o Partido Comunista chileno, se faziam considerações sobre uma possível revolução socialista na Rússia, por meio de uma via pacífica, mediante a conquista no parlamento e nos espaços do governo burguês, análise essa feita sobre a passagem do estado capitalista ao estado socialista. Somente quando estava em marcha a contra- revolução de Kornilov que Lênin e o Partido Bolchevique se lançaram para preparar a insurreição. Isso não significava que o caminho pacífico não teria condições de se concretizar, mas porque naquelas circunstâncias não existiam as condições objetivas para que ela se desenvolvesse. Segundo as interpretações do Partido Comunista Chileno, tanto Marx como Lênin conceberam a via pacífica como uma possibilidade excepcional para se chegar ao socialismo, enquanto a via violenta era a mais aderida. Entretanto, essa excepcionalidade, segundo leitura do PC estava posta para o Chile e alguns fatores sempre eram ressaltados: o desenvolvimento de um forte movimento operário, com sindicatos atuantes e participativos; o histórico democrático e a sólida consolidação da institucionalidade; as dificuldades de romper com o imperialismo norte- americano e portanto, com as bases que a sociedade chilena se desenvolveu; a dificuldade

71 Entrevista de Luis Corvalan Lepez cedido à autora em Santiago, fevereiro de 2004. 67 também de romper com a burguesia em detrimento de um projeto de poder para o proletariado; eram questões postas na reflexão do PC. A Rússia, apesar de agrária, tinha um situação social, econômica e política totalmente diferente do Chile. Lá não havia sido possível a transição sem armas, mas no Chile, para o PC as condições estavam dadas. Lênin, no seu texto, referia-se à particularidade do momento que a Rússia passava. Haveria de ter tido por parte do Partido Chileno a preocupação de historicisar o momento em que Lênin estava escrevendo o texto. Não fica claro para quem lê “As teses de Abril”, que ali ele está defendendo a via não armada, fica explícito que falava de não adotar modelos, de não achar que a teoria é um dogma e de dar todo poder aos sovietes. Para Lenin, já acontecia a passagem da primeira etapa da revolução para uma segunda, sendo que a primeira deu o poder à burguesia porque o proletariado não tinha consciência e organização necessárias. Na segunda etapa, o poder seria passado para as mãos do proletariado e camadas pobres do campesinato. Assim, essa transição se caracterizaria “pelo máximo de legalidade (a Rússia é hoje o país mais livre dos países beligerantes); por outro lado, pela ausência da violência sobre as massas, e finalmente pela confiança inconsciente das massas no governo dos capitalistas, dos piores inimigos da paz e do socialismo”.72 Cabia, portanto, ao Partido explicar às massas que os Sovietes de deputados operários eram a única forma possível de governo revolucionário e ainda denunciar o Governo Provisório. Lênin não defendia uma república parlamentar e sim uma de deputados operários, assalariados, agrícolas e camponeses de todo o país. Propunha um programa agrário com intuito de transferir o centro para os Sovietes, confisco de terras, fusão de bancos, mas isso ainda não seria o socialismo, mas apenas um passo. Para ele não era correto naquele momento implantar o socialismo de forma imediata, mas passar para o controle dos sovietes a produção social e distribuição dos produtos, o que era de extrema importância para o trânsito à segunda etapa da revolução. Lênin ainda afirmava no documento que para aquela época de transição de uma dominação burguesa para uma dominação proletária, defendia a necessidade da existência do Estado, mas não de tipo burguês parlamentar, mas de um Estado sem exército permanente, sem polícia contra o povo e sem burocracia acima do povo. Entretanto, levanta questões importantes sobre a teoria. Fala em fórmulas já

72LENIN,V. As teses de Abril,1974, p4. 68 envelhecidas, que se modificam de acordo com os acontecimentos da realidade, levantando inclusive que um marxista deve sempre levar em conta a própria vida, os fatos da realidade e não somente continuar apegado à cristalização teórica. Para exemplificar, citava Goethe: “a vida é verde, a teoria é cinzenta”. Deixava claro, então, que era importante para um marxista não querer aplicar sua teoria sem uma profunda análise da realidade concreta, como um esquema abstrato:

A nossa teoria não é um dogma, mas sim um guia para a ação, diziam sempre Marx e Engels, zombando com justeza dos que decoravam e repetiam, sem as digerir, fórmulas que, no melhor dos casos só podiam delinear as tarefas gerais, que necessariamente mudam em correspondência com a situação econômica e a política de concreta de cada período particular do processo histórico. Agora é necessário compenetrar-se da indiscutível verdade de que os marxistas devem ter em conta à própria vida, os fatos exatos da realidade, e não continuar apegado à teoria de ontem, que, como toda a teoria, unicamente traça, no melhor dos casos, o fundamental, o geral, e só de um modo aproximado abarca toda a complexidade da vida.73

Florestan Fernandes74, que organizou coletâneas e analisou textos de Lenin sobre a extinção do estado e a revolução violenta, chega a ser categórico em dizer que Marx e Engels afirmaram como um dos princípios de suas teorias de que a revolução violenta era necessária e inelutável. Para ele, “está claramente dito que sem a revolução violenta, é impossível substituir o Estado Burguês pelo Estado proletário”.

73 LENIN, V., op. cit. p.10. 74FERNANDES, F.(org.). Lênin – Política. São Paulo: Ática,1989,p.152. 69

1.4 – A repercussão do XX Congresso no Partido Comunista Chileno e a formulação teórica da Revolução Chilena

O Partido Comunista Chileno enfatiza como o grande mérito do XX Congresso o restabelecimento da validez da tese da via pacífica que, desde a morte de Lênin tinha-se deixado de ser uma saída. Após este congresso, considerava a via pacífica como a via mais provável de mudança do capitalismo para o socialismo. Aqui, o PC do Chile comungava desta opinião. O PC compreendia que no Chile não havia espaço para uma ditadura do proletariado, pelo menos a priori, pela história de democracia no país. O PC não propunha inicialmente romper nem com o imperialismo, nem com setores da burguesia imediatamente. Dizia que era necessário um momento de transição para que o operariado fosse assumindo o setor produtivo e por isso, tomando a liderança do Estado. Para o PC, não havia espaço para rompimentos abruptos, justamente pela forma pelo qual, as bases econômicas chilenas foram construídas. Por isso via como central o sufrágio universal, a escolha do projeto político para o país através das urnas e do candidato para depois da eleição, iniciar a tomada hegemônica do Estado. O sufrágio universal era entendido como ponto de partida para a democracia, mas para que ela fosse “plena” não poderia apenas ser representativa, mas deveria ser direta, através da participação popular, do controle dos órgãos de decisão política e econômica. Inicialmente teria-se a vitória no executivo para depois trilhar a conquista do parlamento. Achavam importante primeiro obter a Presidência da República e, depois o parlamento, para modificar a natureza do Estado chileno. O PC achava que para implementar um projeto político das proporções que era a via chilena ao socialismo, teria que se apoiar na posição da maioria da sociedade. A idéia era a de que para criar algo e principalmente se lutar pelo socialismo, o povo tinha que ter consenso enquanto ao projeto e em relação à sua construção. Tratava-se de utilizar a democracia burguesa para modificá-la e iniciar a democracia proletária, onde quem iria ter o poder de mando seria principalmente o operariado.(Nelson Coutinho75 alertava para a

75 COUTINHO, N. Gramsci: Socialismo e democracia. A atualidade de Gramsci. IN: Gramsci a vitalidade de um pensamento. São Paulo:Unesp,1998,p.29. 70 concessão da “democracia como um caminho para o socialismo e não como o caminho para o socialismo”). O socialismo seria então instituído a partir da conquista, conservação e aprofundamento da democracia política. No discurso do PC a democracia se torna o meio e o fim para o socialismo, seria através dela que ocorreria a passagem do capitalismo para o socialismo e, ao mesmo tempo, a democracia só significaria o seu conceito filosófico pleno se houvesse o socialismo. Essa democracia no futuro seria mais que pluralista, seria hegemonizada pelos trabalhadores. Por isso, o discurso da responsabilidade dos trabalhadores para o desenvolvimento da revolução, foi apropriado pelo partido chileno que colocou uma grande parcela da responsabilidade da viabilidade desta via na classe trabalhadora, não dando a devida importância ao jogo político travado com setores mais reacionários chilenos e que utilizavam recursos violentos e muito sofisticados. Talvez o exemplo mais claro disso teria sido no próprio governo do presidente Salvador Allende, em que a direita tinha um aparato psicológico e mobilizador de parte dos trabalhadores, que, então, cobrava outras posturas do governo, inclusive apoiando o golpe militar mais tarde. As tramas políticas parecem-nos muito mais complicadas e cheia de armadilhas que extrapolam as dinâmicas do movimento social. Mas em tempo, dizia-se que a via não dependia apenas do proletariado. Alguns partidários defendiam que, ao mesmo tempo, era preciso preparar-se para situações difíceis no percorrer da via pacífica. Para isso, o PC tinha grande responsabilidade, pois era capaz de apreciar situações que obrigassem uma mudança de tática e até optar pela utilização das armas. Isso significaria ter uma dupla linha, em que os dois caminhos teriam que ser percorridos ao mesmo tempo, mas sem dispersão e exposição do movimento popular. O artigo do então presidente do PC, Luis Corvalán76, ressaltava o poder da classe trabalhadora. Segundo ele, as experiências da França, Espanha e Chile na época das Frentes Populares contra a guerra e o fascismo, deixavam claro que a classe trabalhadora tinha grande destaque pelo seu caráter de vanguarda, podia forjar uma frente de trabalhadores e popular ampla, criando condições de colaboração política com outros setores sociais e, por este caminho, agrupar a maioria do povo e conquistar o poder pela via pacífica. Ressaltava

76 Esse artigo cujo título é “Acerca de la via pacífica” foi publicado em janeiro de 1961 na Revista Princípios, também órgão de imprensa do Partido Comunista Chileno. 71 ainda, que para se formular uma via pacífica para o Chile não era necessariamente obrigatório contar com exemplos históricos concretos anteriores, até porque não existiam. Não era preciso ter uma prova prática de que poderia dar certo, mas era um caminho a trilhar, mesmo que formulando teorias para tal. As teses sobre a possibilidade da via pacífica não se referem apenas aqueles países que já estavam fazendo a transição do capitalismo para o socialismo, mas, também, para aqueles onde existia uma revolução democrática ou, simplesmente, uma revolução nacional libertadora. Utilizavam a declaração de Moscou aos 81 Partidos Comunistas e de Trabalhadores para corroborar desse pensamento:

Em caso das classes exploradoras recorram à violência contra o povo, tem que se ter em conta outra possibilidade: o passo ao socialismo por via não pacífica. O leninismo ensina e a experiência histórica o confirma, que as classes dominantes não cedem voluntariamente o poder. A dureza e as formas da luta de classes em tais condições não dependem tanto do proletariado, como da resistência que os círculos reacionários sobrepõem a vontade da imensa maioria do povo, do emprego da violência por esses círculos em uma ou outra etapa da luta pelo socialismo77.

Está claro na interpretação do PC, que em alguns países não se tinha a possibilidade de marchar pela via pacífica, inclusive porque eram obrigados pelos que queriam manter a ordem capitalista, mas, em outros, essa possibilidade existia. Porém, de qualquer forma, todos que optassem por uma via violenta teriam, mais tarde, de prosseguir pela via pacífica. E esta, poderia se fazer um caminho longo e contínuo. Dessa forma, tiravam as seguintes conclusões sobre o processo revolucionário: primeiro, em alguns países não havia ainda as condições e possibilidades de se seguir por um caminho pacífico, pois ele dependia de uma série de fatores internos; segundo, que em outros países, a revolução poderia se iniciar pela via pacífica e posteriormente optar pela via violenta sem que as classes inimigas obrigassem a isso, e então consolidar a ditadura do proletariado; em terceiro, que a revolução podia caminhar pela via violenta e depois passar

77 CORVALAN LEPEZ,L., op.cit.,p.27. 72 para a via pacífica; em quarto, que a via pacífica poderia ser um caminho contínuo. Ou seja, cada realidade teria uma condição própria para o seu desenvolvimento e sua consolidação. Para isso, os partidos comunistas teriam que ter uma análise da sua realidade muito aprofundada para possibilitar o desenvolvimento e a consolidação da revolução. No Chile, segundo avaliações, desde os tempos de Frente Popular, vinha se desenvolvendo a via pacífica, sob intensas análises das condições da realidade. Assim, segundo Luis Marquez78, a possibilidade da via pacífica, a partir das análises de discussões do movimento comunista internacional e da leitura realizada a partir da realidade chilena, principalmente por aqueles que defendiam tal projeto, davam elementos decisivos que permitiram o aprofundamento e a defesa por parte do Partido Comunista da premissa de uma revolução sem armas: 1) a existência da FRAP como um exemplo de frente política apresentava-se como forma de instigar o apoio da população para vencer as eleições; 2) a existência de um sistema eleitoral em que se houvesse apoio popular e mobilização de massas poderia constituir um conjuntura para eleição de um governo popular; 3) a vontade que animaria a maioria nacional relacionada a idéia de vitória, passando pela conquista de um poder popular sem ser através da via armada; 4) as tradições políticas do país, através do desenvolvimento da democracia burguesa e sua consolidação diante de pressões populares que reivindicavam a defesa e a ampliação das liberdades democráticas e que favoreciam a luta contra tentativas golpistas. Para o autor, apresentava- se então a via não armada como uma necessidade histórica. Parece-nos aqui que a fundamentação da via pacífica enquanto teoria não estava tão bem solidificada, mas em contraposição, estava melhor argumentada a fundamentação política partindo da interpretação da história chilena para consolidar o projeto da via não armada. Dentro do próprio PC e da esquerda chilena havia questões teóricas importantes que provocaram muitos debates, principalmente pelo fato de se estar formulando uma teoria da via pacífica para o Chile. Essas discussões estão condensadas em um texto publicado pelo PC em 1964 e que refletia os paradoxos vividos dentro dos Partidos Comunistas, principalmente depois do polêmico XX Congresso do PCUS. Inicialmente, podemos citar o próprio conceito de via pacífica: era uma via revolucionária, tendo como base a vontade e a

78 CORVALAN MARQUEZ,L.,op.cit., p.55 73 luta da população. O termo “pacífico” sugestivo de passividade parecia como algo distinto da revolução. Por isso, era importante utilizar termos que não dessem essa dubiedade de sentidos. Assim, falava-se em substituir o termo via pacífica por via não armada. Outra questão muito discutida está no teor revolucionário da via pacífica que, partidos como o MIR79 e parte do PS, achavam não ser ela uma via revolucionária. Ela se identificaria mais com uma via legal ou constitucional. No entanto, o PC defendia que mesmo sendo via pacífica, ela deveria infringir o tempo, o legalismo e a constituição burguesa. Uma nova legislação deveria ser feita, mas sob interesses da classe trabalhadora. Outro debate que se fazia no interior do partido, era o de que a via pacífica não seria obrigatoriamente uma via parlamentar, visto ser o Chile um país presidencialista e, portanto, sua conquista do poder passava também pelo executivo. Portanto, a via pacífica muito mais que uma via que iria modificar o Estado pelo parlamento, se instituiu como uma via identificada com a conquista do executivo através de eleições. A realidade política e social do Chile, segundo o PC, permitiam que se ganhasse as eleições presidenciais e a partir daí imprimir mudanças de fundo na sociedade, sendo que as eleições de 1958 apresentaram como a materialização política dessa linha traçada pelo Partido Comunista. As confusões sobre a definição de via pacífica eram grandes, e tentavam combater os chamados “esquerdistas chilenos” que não conseguiam vislumbrar um caminho sem guerra armada para se construir uma nação de fato socialista. O PC utilizava a política de coexistência pacífica no plano internacional, que era entendido como uma forma de luta de classes (limitada no plano econômico, político e ideológico), tentando estabelecer o compromisso entre capitalistas e socialistas de que cada povo fosse determinado por suas questões internas, ou seja, fosse auto-determinado, e, utilizava a via pacífica, referindo-se ao plano interno, com o sentido de não se ter uma existência amigável entre exploradores e explorados, e, caso fosse preciso, que se utilizasse as armas para a conquista do poder. O slogan utilizado pelo partido comunista no Chile era “nem revisionismo, nem evolucionismo, nem reformismo e nem cópias mecânicas”.

79 O Movimento de Esquerda Revolucionaria foi criado em 15 de agosto de 1965 quando foi aprovado sua declaração de princípios no congresso de fundação. Ele se define como a vanguarda marxista-leninista da classe trabalhadora e dos oprimidos e é regido pelo princípio do centralismo democrático. Sua estratégia de luta é orientada pela tática da luta de classe contra classe e tem como objetivo preparar e organizar a Revolução Socialista chilena. Critica claramente a via pacífica, a teoria das etapas para se construir a revolução e a política de alianças com a burguesia. 74

Realmente, tentavam elaborar diretrizes políticas que dessem consistência à teoria da transição ao socialismo que estava sendo pensada, entretanto, ainda sob um debate muito confuso entre a esquerda chilena e o próprio Partido Comunista. Era importante que todos assimilassem que a via pacífica nada tinha a ver com as concepções revisionistas que possuíam uma visão evolucionista do capitalismo para o socialismo, nem com a política dos reformistas que, na verdade, lutavam por reformas no interior do estado e do sistema vistos como o fim de sua ação, não mais vislumbrando a revolução adiante. Entretanto, esse discurso parece aproximar muito da realidade da experiência chilena, por mais que o PC quisesse negar. Neste debate sobre a via pacífica, o que mais era enfatizado talvez fosse o fato de tal via não ser um caminho obrigatoriamente eleitoral, porém, que abrigava diversas formas e situações. Essas, por sua vez, produziriam outras formas de luta, inclusive algumas mais intensas, que usariam, se fossem preciso, da violência ou da insurreição armada. Neste sentido, o documento do PC fala:

A greve geral, a tomada de terrenos pelos colonos, as lutas nas ruas e inclusive a conquista de terra pelos camponeses em algumas partes também são formas de violência e elas, por certo, se tem dado e se dão no caso chileno. Poderíamos dizer que, pelo contrario, tais tipos de violência formam também parte de um processo revolucionário que se desenvolve pela via pacífica80.

E ainda em outros documentos, o partido expunha questões importantes sobre a realidade chilena, como por exemplo, o da importância de se disputar uma eleição presidencial de forma articulada, através de um campo amplo, com chances de vitórias para, depois, disputar eleições parlamentares ou municipais. O poder executivo teria mais atribuições que o legislativo e, uma vez tendo sido conquistado, seriam muito melhores as condições de se obter uma maioria absoluta no parlamento. O poder executivo deveria utilizar o regime presidencial para realizar importantes trocas de toda ordem, prevendo passar para um regime parlamentar de novo tipo, que seria uma das formas de se

80 CORVALAN LEPEZ,L.,op.cit.,p.34. 75 desenvolver a revolução chilena. Não necessariamente que os caminhos cubanos tivessem de se estender a toda América Latina, mas, por outro lado, que a via pacífica também não fosse vista pela posteridade apenas como uma eleição parlamentar ou como uma eleição presidencial. Aliás, a questão cubana se tornava um desafio, quanto à explicação da via pacífica. O fervor causado na esquerda da América Latina pelo triunfo da Revolução Cubana81, através da via armada, e que implantou o socialismo no chamado “quintal do imperialismo”, voltava as atenções para o debate sobre a questão da revolução na América. O Partido Comunista Chileno se via na obrigação não só de explicar a via chilena, mas de fundamentá-la e, assim, insistir na necessidade de não se adotar modelos. Até porque, os que defenderam a via institucional, a reforma do sistema burguês incluindo aqui o Estado, o sufrágio universal e discordaram da necessidade da ditadura do proletariado, foram denominados de reformistas e revisionistas. O PC chileno queria demonstrar que suas teorias sobre a revolução chilena estavam fundamentadas nas discussões apresentadas por Marx, mas principalmente por Lênin. As desconfianças e, num primeiro momento, o estranhamento da via não armada era considerado até normal por causa das experiências da URSS e, principalmente, de Cuba. Por isso, o partido se debruçou profundamente para reforçar os argumentos pró-via pacífica. Segundo ele, o estudo das experiências enriquecia e abria novas perspectivas, mas tais experiências não tinham validez prática para todos os países latino-americanos:

...nunca apresentamos a chamada via pacífica ou via chilena como um caminho oposto ao que seguiu a revolução em Cuba. Sustentávamos e sustentamos ainda

81 A Revolução Cubana, foi um dos processos mais significativo e importantes que ocorreu na América Latina. Ela foi conduzida por Fidel Castro e Che Guevara, sem inicialmente propor uma transformação socialista, mas visando o desmantelamento do governo de Fulgencio Batista. O movimento se iniciou com objetivo antioligárquico em Sierra Maestra, a partir do “foco guerrilheiro”, ou seja, através da criação de um movimento armado por parte de um grupo de pessoas que desencadeava um processo de integração entre a luta armada e a população camponesa da região escolhida. Com a vitória em 1959, iniciou-se um programa de reformas com confisco dos bens de Batista, expropriação de latifúndios, distribuição de terras, reforma monetária, nacionalização de algumas empresas, etc. A resposta norte-americana foi cortar o petróleo que fornecia a Cuba e mais tarde o embargo econômico à Cuba de uma série de países. Isso fez com que Cuba se aproximasse de novos parceiros procurando o bloco socialista, em especial a URSS para ajuda, levando ao movimento em se converter em uma Revolução Socialista. Cf:C. Guazzeli. História Contemporânea da América Latina. 76

que todos os povos da América Latina, uns primeiros e outros depois, que cada qual de acordo com suas próprias condições, com suas próprias características romperiam com a opressão imperialista, da dominação de oligarquias e marchariam ou marcharão até o socialismo... nunca tentamos converter o Chile e o movimento popular chileno em algo como o centro das atenções que tornassem orientações que pudesse parecer contraditório com a revolução Cubana.82

Dentre as conclusões, vale apenas ressaltar que o exemplo de Cuba abria possibilidades de demonstrar a possibilidade real de se fazer revolução no continente. Porém, o apoio de outras nações socialistas era fundamental para que se enfrentasse a reação imperialista. Para o Partido Comunista do Chile, por mais que as justificativas de Kruschov na necessidade da via pacífica não fossem nenhum pouco satisfatória para alguns, e que aquele congresso por uma série de questões tornou o debate entre os partidos comunistas bastante acirrado, não justificava que o outros partidos quisessem fazer valer que a experiência Cubana teria que ser tida como um modelo para os outros países da América Latina. O Partido Chileno criticava a interferência nos seus debates internos, o que também não tirava a fragilidade da tese construída para justificar a via pacífica no Chile, e mais tarde no Governo de Allende, o não preparo da via armada como uma das formas de resistência a uma possível articulação de golpe militar. O Partido Comunista do Chile, em 1961, alertava para necessidade de se debruçar mais sobre a teoria e as formas práticas da revolução. Deixava claro que a via chilena só excluía a guerra civil ou a insurreição armada como forma de luta principal, e que as outras formas de luta poderiam se desenvolver no curso da experiência chilena. Mas, mesmo assim, era importante, no centro da via chilena, também preparar alguns destacamentos armados em caso de alguma reação contra o possível governo ou contra os trabalhadores. Portanto, era uma via que primava pelo institucional, mas que previa também uma estratégia armada para se defender de possíveis oposições e garantir a seguridade do partido e do seu trabalho de massas em qualquer instante. A Revolução Chilena, de qualquer forma que se desenvolvesse, teria de percorrer determinados aspectos da luta social para se concretizar. Por exemplo, impulsionar a frente

82 Luis Corvalan Lepez em entrevista cedida à autora em Santiago, fevereiro de 2004. 77 da luta de massas, fortalecer a unidade e a luta da classe trabalhadora, avançar na aliança entre trabalhadores e camponeses e trabalhar para agrupar a maioria da nação chilena em torno do proletariado e dos objetivos antiimperialistas e antioligárquicos. Era preciso compreender e assimilar que a revolução não estaria completa apenas com a conquista do poder. Esta seria uma primeira parte onde a luta de classes no âmbito econômico, político e ideológico teria que se aprofundar. Mas, sem impulsionar a luta das massas, nem mesmo essa primeira etapa poderia consolidar-se, muito menos uma revolução no seu termo pleno. Certos pontos das reflexões do PC são importantes, pois demonstram algumas das discussões no campo teórico e como foi pensada a Revolução Chilena: se no Chile fosse aberto o caminho para uma revolução violenta, ela talvez começasse na cidade, por meio de um levante do proletariado com uma combinação: de luta armada e apoio das massas no campo. Isso não duraria muito tempo, pois, tendo em conta os fatos das tradições da luta de classe da classe trabalhadora, no Chile, nenhum governo se sustentaria durante a interrupção das atividades econômicas que estavam sob controle da burguesia internacional e dos latifundiários. Segundo comentários do PC, isso não significaria uma subestimação da luta no campo, mas não seria como em Cuba, onde a revolução se iniciou no campo com a guerra de guerrilha e, depois, ganhou as cidades. Não parecia correto afirmar que a revolução social, obrigatoriamente, seguiria o caminho da violência nos países que não tivessem uma tradição democrático-burguesa e onde imperassem ditaduras. Ou também que teria um caminho pacífico naqueles países, onde existissem governos constitucionais. Se isso fosse levado em consideração, o Chile, necessariamente, teria de adotar a via pacífica, o que poderia paralisar a classe trabalhadora nos momentos em que fosse importante desenvolver outras estratégias. A mudança do sistema capitalista para o socialismo não podia estar aparado por esquemas e dogmatismos. Ela obedeceria a leis e riscos gerais comuns a todas as revoluções. Era importante que não se incorresse em ações oportunistas e em erros revisionistas. O andamento do processo revolucionário residia no caráter de massa que seus movimentos deveriam ter: o papel da classe trabalhadora e do partido de vanguarda. Dentro dessas balizas, torna-se fundamental lembrar que o conceito de revolução apresentado, era o de que ela só poderia ser resultado da obra de um gigantesco esforço da organização dos 78 trabalhadores e da luta das massas, caso o proletariado conquiste a direção do movimento. A via chilena só seria possível se houvesse o desenvolvimento da consciência política do proletariado e mais amplamente das massas populares que se agrupariam em torno de um amplo programa de reformas democráticas que iam contra a dominação do imperialismo e da burguesia monopolista. Para tal, o isolamento dos inimigos principais e a neutralização de setores vacilantes era no mínimo uma demonstração de que a revolução era possível. Assim como o desenvolvimento de uma política de entendimento, de unidade, de aliança da classe trabalhadora com outras classes, capaz de neutralizar setores vacilantes e de isolamento dos inimigos: a unidade comunista-socialista, também se fazia fundamental. As diferenças entre os dois partidos deveriam ser discutidas, mas não deveriam emperrar o desenvolvimento das lutas dos trabalhadores. Segundo o PC, o que unia os socialistas e os comunistas deveria ser mais forte do que as divergências. O grande desafio para os comunistas seria o de continuar sendo um partido da classe trabalhadora e estar enraizado nas massas. Ser um partido proletário, grande, com experiência e capacidade de luta, sempre atento às armadilhas da burguesia, educada em uma ideologia ‘marxista-leninista’ e com marco forte do internacionalismo proletário, tudo isso seria força principal do movimento popular. Essas questões, levantadas pelo Partido Comunista no ano de 1964, explicitam o objetivo de reforçar a peculiaridade de cada processo histórico, a partir de uma leitura da importância da via pacífica, discussão essa ainda anterior à experiência da Unidade Popular sobre o importante papel dos trabalhadores e a necessária harmonia entre comunistas e socialistas, que mais tarde se tornaria um apelo para a unidade de toda esquerda chilena.

79

CAPÍTULO II

2.1-Algumas reflexões do PC sobre a realidade chilena para a elaboração do programa de 1969

Diante das discussões relevantes que estavam sendo ressaltadas no mundo comunista, principalmente depois do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, das críticas principalmente feitas pela China à revolução pacífica e, à coexistência pacífica, o Congresso do Partido Comunista Chileno adotou linhas claras de atuação: o projeto da via pacífica era cada vez mais enfatizado e dissecado na sua imensa variante. Assim, algumas questões eram salientadas. Era importante a visibilidade que ela só seria possível se houvesse uma política de unidade do seu principal sujeito: a classe trabalhadora. Ela teria que se agrupar com a maioria do povo em torno de questões que passavam por: reformas democráticas, contra a dominação do imperialismo83 e da burguesia monopolista84. Era a chamada aliança de classes para neutralizar inimigos e setores mais vulneráveis. Para consolidar a via pacífica, a política de unidade, de aliança entre comunistas, socialistas e parte da burguesia, e para isso o entendimento entre eles era algo vital, tanto que o partido alertava para que fosse dada a essa questão muita atenção, pois ela poderia sepultar a possibilidade de revolução. As coalizões para disputar as eleições, eram encaradas pelo PC como um definidor do desenvolvimento de um processo que culminaria na possibilidade de abrir caminho para o socialismo.

83 Para Lênin, o imperialismo era a fase monopolista do capitalismo. Este só se transforma em imperialismo quando, do ponto de vista econômico, ocorre a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas. A livre concorrência converte-se em monopólio, criando nela a grande produção, eliminando dela a pequena, substituindo a grande por uma maior ainda, levando a concentração da produção e do capital a um ponto tal que fez surgir os monopólios: cartéis, sindicatos, patronais, trustes, fundindo com eles os capitais de poucos bancos que passam a reunir bilhões. Para Lênin, o imperialismo tende, de maneira geral para a violência e a reação. Ele caracteriza-se pela tendência de anexar não só regiões agrárias mas também industrializadas, pois constitui em sua nova essência uma nova partilha de territórios e a rivalidade entre grandes potências com vistas à hegemonia. Cf: Lênin-O imperialismo: fase superior do capitalismo. 84 A burguesia monopolista, era entendida pelo Partido Comunista Chileno como a classe dominante que era portadora do poder econômico e do poder político. Era a burguesia financeiro-industrial formado por grupos estrangeiros principalmente, que estavam assumindo o controle da economia chilena. A dependência era tal, que segundo Alberto Martinez, o domínio imperialista transformou-se no “aporte externo” na extração de excedentes e do desenvolvimento nacional. O processo de industrialização havia perdido o seu caráter nacional, assumido por empresas estrangeiras. Cf: Chile Hoy, p. 208 80

A Frente de Ação Popular (FRAP) é muito lembrada no sentido de se ter conseguido uma unidade histórica entre os partidos de esquerda, principalmente entre comunistas e socialistas não apenas por um programa comum, mas também no sentido de se ter consolidado um conjunto de relações de igualdade e respeito. Segundo análises de Eva Luna85, a unidade comunista-socialista abria possibilidade de um projeto único de mudanças. Muitos olhares se voltaram para o Chile, que estava tentando trilhar seu próprio caminho no momento em que a esquerda ia aumentando a cada eleição o seu eleitorado e sua base de apoio com o envolvimento dos trabalhadores e sindicatos. Dessa forma, a evolução do eleitorado chileno desde 1958 culminaria na vitória em 1970, observando que na eleição da FRAP Allende ficou em segundo lugar com 28,6%, tendo Allessandri em primeiro com 31,2%, diferença de 2,6%. Diante desse quadro, o Partido Comunista insistia na continuação da aliança para as eleições de 1964. Entretanto, para que isso ocorresse no futuro, um enorme esforço teria que se realizar, pois havia grandes divergências entre o PC e o PS que teriam que ser resolvidas, dentre elas a essência do governo, o programa de governo, o candidato, etc. Sobre a unidade entre o PS e o PC estava claro que para tentar articular qualquer programa de governo para lançar um candidato à presidência da república, era preciso que esses dois maiores partidos de esquerda estivessem juntos e afinados em relação à política de mudanças. O secretário geral do PC em 1956, Galo González, por ocasião do X Congresso afirmava:

No Chile, digo, começou desde um certo tempo, uma nova etapa nas relações entre os comunistas e os socialistas. No passado lutamos juntos muitas vezes. Mas também em certas ocasiões nos demos um pouco menos que as mãos. Não é o caso de discutir quem teria razão. Mas sim recordar que cada vez que caminhamos unidos a classe trabalhadora saiu ganhando e cada vez que nos separamos ou brigamos, o inimigo obteve vantagens. Em 1938 esteve o PS no governo. O PC não. Em 1946 estivemos no governo e o PS não. Outra coisa teria sido se comunistas e socialistas estivessem estado juntos tanto no governo como fora dele. Nosso partido tem o mais veemente desejo de estreitar sua amizade com os partidos

85 LUNA, E. Estúdios y materiales para la historia da América Latina – 1955-1990. Valencia:Universidad de Valencia,1998, p.162. 81

socialistas. Não queremos rivalizar com eles, disputarmos os sindicatos ou nada parecido. Desejamos um grande Partido Comunista, lutamos por nossos pontos de vista. Mas desejamos também um grande Partido Socialista e nos parece saudável que eles lutem como nós por seus pontos de vista. Ma,s todavia, olhamos com simpatia a idéia lançada para fundir os partidos socialistas em um só. Somos partidários de tudo isso no bom entendimento, claro está, que de outra parte haja sentimentos recíprocos e que todos juntos, comunistas e socialistas lutaremos pelo socialismo e um dia pela libertação nacional.86

Nesta fala do secretário geral do PC, torna-se claro que a política de entendimento com o PS tinha que ser levado adiante, porém existiam dificuldades grandes principalmente no que se refere às disputas nos movimentos sociais.Para que se consolidasse uma unidade desses dois partidos e principalmente entre seus militantes de base, se teria que distensionar na política e ter de fato um grande projeto a ser levado adiante. Além dessa dificuldade, tanto os movimentos sociais quanto o MIR atacavam duramente as teses da via pacífica, o que ficava cada vez mais difícil obter uma unidade entre a esquerda em torno dessa possibilidade e, principalmente com o aliado prioritário que era o PS por alguns de seus setores também criticarem a via não armada. Por essas questões em 1964 lançou um documento chamado “Aseguremos el camino pacífico”. Esse documento buscava além de justificar a via pacífica, apontar algumas discussões que grupos e partidos contrários realizavam. Levantavam inclusive a possibilidade de que se houvesse um golpe contra o povo, haveria uma reação armada para garantir a democracia. Em 1964 houve novas eleições e a FRAP obteve nova derrota. Esse fato abriu caminhos para que, dentro do PS, houvesse novas discussões sobre a utilização das eleições dentro da legalidade, tendo como horizonte à revolução socialista. Assim, os socialistas da chamada “ala de esquerda”, refletiram após as eleições de 1964 na necessidade de estabelecer posições mais claras sobre os caminhos da revolução no Chile, já que tinham um crescente apoio dos trabalhadores e camponeses87. Por sua vez, os socialistas moderados continuaram a defender que era preciso ampliar a coalizão de forças, inclusive

86 CORVALAN LEPEZ, L. El gobierno de Salvador Allende.Santiago de Chile:Lom,2003, p.7. 87 Cf: GARCÉS, J. 1970. La pugna política por la presidencia en Chile. 82 com partidos ou lideranças mais progressistas de centro, para chegar a uma vitória eleitoral. Esse debate perdurou até o final do governo Allende. Por ocasião da Conferência Internacional dos Partidos Comunistas e Trabalhadores em Moscou na data de junho de 1969, o Partido Comunista do Chile que já vinha mantendo discussões para consolidar a Unidade Popular - que no outro ano elegeria Salvador Allende- frisou muito a questão do internacionalismo proletário, assim como da unidade de todos os partidos progressistas. Um dos debates levantados foi a propaganda anti-soviética e anti-comunista adotada pelos norte-americanos principalmente na América Latina, e que mais tarde no governo Salvador Allende chega ao seu ápice no Chile. Dentro dessa discussão apresentava como era importante a unidade comunista. Dentro dessa perspectiva, também dava explicações sobre discursos que diziam que o partido chileno era extremamente dependente do partido na União Soviética. A resposta era direta:

...sobre alguns assuntos os comunistas soviéticos podem não gostar de nossas posições, mas tem que se reconhecer a importância deles para o mundo bipolar que existia em 1969, e como joga papel o seu desenvolvimento econômico e militar, seu peso político no mundo88.

Nessa reunião, o Chile também expressava que mesmo não tendo sido incorporadas suas emendas no documento final da Conferência achava que a questão das possibilidades de caminhos para a revolução precisava ter sido melhor abordada. Para eles, como este documento buscava diminuir as arestas existentes entre a URSS e a China, não se abordou este assunto para não causar mais polêmicas entre esses dois principais partidos. A preocupação principal da delegação do PC do Chile que participava da conferência era a respeito da via pacífica, termo, que para não deixar dúvidas quanto ao seu caráter revolucionário, os comunistas chilenos preferiram utilizar a terminologia não armada. Segundo sua argumentação, no Chile não havia mais espaço para chamar o momento de pacífico, pois além das pessoas estarem recorrendo a greves, ocupações, dentre outras formas de luta, também estavam acontecendo confrontos com a polícia, sem dizer na violenta reação da direita naquele país.O enfrentamento com o governo burguês e, portanto,

88 CORVALAN LEPEZ,L., op.cit.,p.270 83 com o capitalismo, já era um fato. E ainda, colocaram como necessidade o estreitamento do vínculo com os Cubanos. Chegando da União Soviética, a direção do Partido Chileno lança então o poeta Pablo Neruda89 para presidente da República, adotando uma postura de chamar os partidos de esquerda para debater um programa socialista e, depois, unificar o nome do candidato. Nesta ocasião, o projeto da via não armada, era caracterizado, no sentido de que um possível governo de esquerda deveria assegurar a independência econômica, mudar as estruturas para abrir o caminho para uma democracia mais real, onde o Chile seria a pátria de todos e não de apenas alguns. Chamam também a responsabilidade da esquerda para discutir projetos e unidos chegarem a um candidato que fosse toda essa expressão e ao mesmo tempo se colocam na disputa para encabeçar a coalizão:

Temos direito como os que mais desejam que o nosso candidato seja o da Unidade Popular. O Partido Comunista se tem convertido, por vontade do povo no primeiro partido da esquerda chilena. Ainda que, desde 1938 vimos apoiando candidatos radicais, socialistas e não seria mal que agora apoiassem o nosso. Entretanto, é claro, este legítimo desejo com o sentido de nossa responsabilidade total, com o dever de fazer todo o possível para forjar um triunfo do povo, por criar a Unidade Popular e levá-la a vitória. Isto quer dizer que também neste aspecto temos uma conduta unitária não só nas palavras. Não decidimos: Pablo Neruda ou nenhum outro. Não decidimos: ou o nosso candidato ou não há unidade90.

Por ocasião do Congresso Nacional do Partido Comunista, realizado em 23 de novembro de 1969, portanto num importante momento já que se deu às vésperas da consolidação da UP e também seria um importante espaço para reflexões e de tomada de diretrizes que iriam nortear a ação partidária, a análise que se fazia era de um profundo

89 Pablo Neruda, pseudônimo de Nefatli Ricardo Reys Basoaldo, nasceu em 12 de julho de 1904 em Parral no Chile. Começou a escrever ainda menino, em 1971 ganhou o Prêmio Nobel de literatura. Foi cônsul na Espanha de 1934 a 1938. Em 1969 foi indicado à Presidência da República pelo Partido Comunista, mas retirou sua candidatura em favor de Salvador Allende, participando ativamente de sua campanha. Com a vitória da UP, foi nomeado embaixador do Chile na França. Neruda dizia ter se definido como comunista durante a guerra da Espanha. Durante o governo da Frente Popular foi encaminhado pelo governo à França para tirar espanhóis da prisão e leva-los para o Chile. No Governo de González Videla teve-se uma forte repressão anticomunista e Neruda também teve que “cair” na clandestinidade. 90CORVALAN LEPEZ, L. Camino de Victoria. Santiago de Chile,1971, p.282 84 acirramento entre os movimentos populares e o governo de Frei. Para sua eleição, havia-se falado em uma verdadeira “revolução em liberdade”, que seria na essência um governo que havia prometido mudanças importantes para os setores mais pobres da população. Alguns setores populares caíram na descrença e diziam que não havia saída para os problemas do Chile. O PC parte então, para denúncias de que o governo Frei queria era salvar o capitalismo e por isso não iria realizar as mudanças necessárias para melhorar as condições de vida, e ainda iria impedir a revolução popular e o socialismo. Mas reconheceu que havia diferenças internas dentro da DC chamando-a de pluriclassista, o que demonstrava uma habilidade para jogar politicamente com setores mais progressistas da DC. De um lado estava parte da população e militantes importantes que haviam votado em Frei com intuito de que o seu governo tivesse a disposição de aplicar o que ele havia prometido nas eleições, ou seja, as chamadas mudanças estruturais e, por outro lado, estavam partidários da DC que tinham posições bem mais conservadoras e à direita, que pressionavam no sentido de que não se realizassem as promessas eleitorais. Diziam também, que não concordavam com os caminhos escolhidos por Frei. Declarava-se oposição ao governo, mas não uma oposição cega e sim ativa. Entretanto aprovou internamente, um documento cauteloso em relação ao governo, afirmando que era necessário isolar os inimigos principais e considerar as contradições internas no governo. Assim, a principal questão não passava entre governo e oposição, mas entre os inimigos principais, devendo inclusive apoiar o governo se servir para derrotar interesses dos inimigos. Aqui, tentava-se continuar o relacionamento de diálogo com a DC, principalmente com os setores mais avançados e por isso, o PC foi chamado várias vezes de colaborador do governo Frei. O jogo político que o PC tentava fazer era o de não isolar setores mais progressistas da DC, pensando inclusive nas eleições de 1970. Sua política de alianças sempre foi alvo de muita crítica por parte de setores da esquerda chilena.91 O PS teve uma postura extremamente crítica em relação à vitória de Frei. O documento aprovado na reunião do comitê central ia no sentido de mostrar que a coalizão de esquerda, portanto a FRAP não conseguiu denunciar a DC enquanto força atrasada, defensora da ordem e aliada ao imperialismo. E ainda apontava como mais grave a

91 Me refiro aqui, as críticas que partiam do PS e do MIR. 85 penetração que a DC obteve nas grandes massas, a partir de um discurso com roupagem popular. Nesta reunião ainda definiram impulsionar uma luta aberta contra a DC se negando a colaborar com o governo. Allende também teve uma postura de oposição ao governo Frei. Denunciava a lentidão dos processos de reforma agrária, o alto custo da nacionalização do cobre, o déficit habitacional, o aumento da inflação, etc. Também se colocava ativamente contra os inúmeros conflitos políticos que estavam acontecendo em “poblaciones” mais humildes. Neste congresso de 1969, é aprovado o enraizamento cada vez maior do Partido nos movimentos populares, principalmente na Central Única dos Trabalhadores, pois estavam diante de um governo que pelo menos no discurso, falava em mudanças estruturais:

Estamos diante de um desafio de quem ganha as massas: a burguesia para o reformismo e a colaboração de classe ou o proletariado para uma política independente e a verdadeira revolução chilena. A uma orientação e um trabalho de massas de nossos adversários que corresponde a uma orientação e um trabalho de massas do Partido em uma escala mil vezes superior a que temos aplicado até agora. Esta é a grande tarefa, e aqui está o central da questão92.

Segundo Luis Corvalan, a situação do Chile era difícil, pois se tinha um governo que era reformista conservador, utilizava o discurso da mudança, e tinha apoio de vários setores populares. Por outro lado, apontava a necessidade de estabelecer parâmetros para tentar ganhar as eleições de 1970, sem adotar posturas que isolassem o campo da esquerda com os Democratas Cristãos93. Além disso, denunciava que o Estado com apoio financeiro de organizações internacionais e da Igreja Católica combatiam o comunismo principalmente entre mulheres e jovens. Por isso era importante liderar o combate ideológico, tanto contra a direita e parte do centro, como com os partidos de esquerda que acreditavam apenas na luta armada e que, por muitas vezes, atacavam o Partido Comunista. Ao mesmo tempo, era preciso consolidar a tentativa de reunir a esquerda em um só bloco

92CORVALAN LEPEZ,L., op.cit,p.295. 93 Sobre a política de alianças, o PC achava que para a eleição de 1970 era importante tentar estabelecer uma composição mais ampla com partidos de centro que tivessem ou em sua totalidade ou em grupos internos setores mais progressistas. Estavam se referindo ao PR e a DC. O PS contestou tal posicionamento dizendo 86 para disputar as eleições. Com os chamados esquerdistas como o MIR, as atenções deveriam ser constantes principalmente porque vários deles atuavam juntos no movimento camponês, dos trabalhadores, estudantis, o que podia ser muito perigoso para o PC perder espaço para eles. Por isso, o documento deste congresso se ateve muito na crítica a esses grupos:

O Partido considera seu dever livrar o combate ideológico contra todo tipo de oportunismo. Daí que, junto com a luta contra o reformismo burguês, tem tido que fazer frente as tendências sectárias de esquerda. Este esquerdismo se expressa em fraseologia revolucionária, na conciliação com os grupelhos anticomunistas de esquerda, em posições irresponsáveis a luta armada, na tendência de restringir arbitrariamente o campo de aliança do proletariado... A experiência internacional e nacional, incluída a de nosso próprio Partido, indica que muitos deles podem evolucionar a posições corretas, assimilar a ideologia do proletariado e transformá-los em revolucionários conseqüentes. De outra parte, um plano ultra-esquerdista, operam grupos e grupelhos anticomunistas que recebem o esforço dos inimigos de classe do proletariado. Estes grupos atuam a margem das massas e recorrem ao terrorismo, método que favorece os propósitos dos reacionários e que por isso tem sido condenado desde muitos anos pelo movimento dos trabalhadores revolucionários.94

O MIR atuava politicamente nos mesmos setores sociais do PC, que eram prioritariamente com os trabalhadores que exploravam minério. O MIR crescendo em sua atuação política podia inclusive ter um maior espaço dentro da CUT, disputando a condução política de muitas organizações sociais, com uma opinião completamente distinta do PC, que era a possibilidade da constituição da luta armada para a tomada de poder. Para o PC, também era importante conduzir esses espaços, ter influência sob esta parcela dos trabalhadores porque estes seriam os protagonistas da revolução.

não apoiar a incorporação de setores da pequena burguesia porque desconfiguraria o projeto político, apesar deste não ser objeto de unidade nem entre PS e PC. 94CORVALAN LEPEZ,L., op.cit., p.301 87

Essas dificuldades com os chamados grupos de esquerda, também vão ter eco no governo de Salvador Allende, talvez de forma mais difícil pelo fato do que representava o governo da Unidade Popular. Uma das principais dificuldades do governo popular seria o diálogo com o Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR), pois tinham uma opinião mais radical dos rumos que a Unidade Popular deveria caminhar, além da sua inserção no movimento popular e de ser contrário a via pacífica. Também houve neste congresso um balanço do perfil dos militantes do PC. Pelo tempo na ilegalidade, não se sabia precisamente o seu tamanho, mas tinha-se uma idéia dos números dos militantes mais antigos e outros que haviam filiado ha pouco tempo, sendo entre eles 12.000 novos, 660 militavam há mais de 40 anos, 2.800 mais de trinta e 5.388 a mais de vinte anos. O número de mulheres havia crescido, chegando em alguns comitês locais como era o caso de Barrancas com 49% de mulheres. Do total de militantes, 66,6% eram trabalhadores ligados à mineração. 7,7% camponeses, e 20% eram comerciantes, industriais, artesãos, intelectuais, dentre outros. Dava-se destaque no fato do reitor da Universidade do Chile ser um comunista. Todos os militantes estavam organizados em 3.618 células95. E de maneira contundente demonstravam com os números de que as críticas sobre a passividade e o conservadorismo dos comunistas eram apenas discursos de parte da burguesia, já que a maioria dos filiados encontrava-se no meio dos trabalhadores, que era uma parcela importante e prioritária da atuação do Partido Comunista do Chile, pois achavam que eles teriam papel relevante no processo Revolucionário. Por outro lado, também suscitavam análises do êxito da linha política partidária, já que atingiram um número alto de filiados e acreditavam assim ser o maior partido de esquerda do Chile. Para eles, mesmo diante desse crescimento, do papel que jogavam para o desenvolvimento de novos rumos para o país, o aumento do entendimento de todas as forças antiimperialistas e antioligárquicas nacionais não seria fácil ganhar as eleições. Os reacionários também se agrupavam, se uniam para manter seu domínio e não mediam esforços para tal, inclusive se precisasse recorrer a um golpe de Estado e também à ajuda estrangeira dentre outras artimanhas.

95Ibid.,p.308 88

E, ainda no programa de 1969, descreve-se que o PC deveria ser de massa, combativo, compacto, homogêneo, firme, disciplinado, atento às necessidades dos distintos setores do povo. Ele determina, pelos seus organismos, a orientação das formas e métodos de luta. Quanto à revolução chilena deixava-se claro que o objetivo era alcançar o poder e fazer a transição ao socialismo, dentro de uma concepção de que não daria para realizar as mudanças para o socialismo sem antes preparar um processo em que se realizaria uma série de modificações de forma planejada na estrutura econômica e política do Estado, respeitando o caráter democrático do sistema chileno. Todas as discussões já realizadas nos congressos anteriores foram reforçadas como o caráter antiimperialista e antimonopolista, o não estabelecimento de esquemas artificiais, a aliança com os trabalhadores, a inserção internacional do processo chileno que deveria espelhar na sua realidade, etc. Avançam no sentido de já proporem mudanças na economia como, por exemplo, estipular a criação de seus diversos tipos como a pequena produção mercantil, o capitalismo privado, o “capitalismo de Estado”. A reflexão para transição era de estabelecer principalmente nos setores estratégicos (área de exploração norte americana) uma participação mais efetiva do Estado, conservando ainda uma parte sob exploração de setores privados para iniciar uma inversão na economia. Aqui, pensava-se claramente em aumentar o controle do Estado em relação à sua economia que era muito débil. Essa questão era importante par o PC porque via a possibilidade de abrir caminho ao socialismo, principalmente a partir das mudanças das estruturas econômicas do país. Era visível para o PC as diferenças entre o sistema político institucional e a economia. E alertavam que precisavam ter uma maioria no parlamento e grande apoio popular para vencer todos os obstáculos internos e externos que se colocassem contra as transformações:

O Chile necessita de um governo popular antiimperialista e antioligárquico, que tenha o apoio da maioria nacional, constituído por todos os partidos e correntes que coincidam em um programa de transformações revolucionárias. Nele devem estar os trabalhadores, os camponeses, os empregados, as mulheres, os jovens, os pequenos e médios empresários, não só através dos partidos que os representam, 89

mas também com representantes de suas organizações de massas nas instituições e escalões correspondentes da Administração do Estado96.

A revolução chilena era concebida no programa do PC como “movimento da classe trabalhadora e do povo organizado que mediante a luta das massas, retira do poder as atuais classes governantes, elimina o velho aparato do Estado, as relações de produção que paralisavam o desenvolvimento das forças produtivas e introduz transformações de fundo na estrutura econômica, social e política do país, abrindo caminho ao socialismo”97. Também concebiam o socialismo como o único regime que poderia dar de fato liberdade aos trabalhadores. Isso porque se eliminaria a exploração do homem pelo homem:

No regime burguês os trabalhadores não dispõem nem sequer da liberdade de vender sua força de trabalho. Se encontram muito restringidos ou são letra morta aos direitos à educação, cultura, à recreação, ao descanso e outros de que se tanto se propagandea. A liberdade de imprensa se traduz no monopólio dos capitalistas sobre os meios de difusão. A liberdade de opinião, de reunião, de associação e todas em geral existem somente em poucos países capitalistas, com fortes limitações e unicamente na medida em que os trabalhadores têm conquistado através de suas lutas ao custo de sangue.98

Destacavam ainda que o socialismo, diferente do capitalismo, não estabeleceria outras formas de opressão e, somente iria suprimir ou limitar as liberdades das classes que deixariam o poder, em detrimento das novas relações de produção que passariam a vigorar. Por outro lado, em função da criação de novas bases materiais e sociais haveria a ampliação da liberdade em relação aqueles setores oprimidos pelo antigo regime. Era possível também vislumbrar que na medida em que as transformações fossem avançando novos setores podiam se somar com os setores revolucionários, inclusive porque no que diziam ser o “socialismo chileno”, haveria um sistema pluripartidário, não iria se adotar o partido único porque não cabia nas condições históricas do país. O Chile tinha uma longa trajetória política consolidada em partidos políticos. Nos processos eleitorais já se tinha visto a

96Ibid.,p.325. 97 Programa Del Partido Comunista de Chile, 1969, pg. 14. 90 vitória da DC, da Frente Popular, da direita, do PR etc. Seria inviável pelo menos antes da consolidação do socialismo o estabelecimento de um partido único. Neste congresso, também se reafirma a linha vigente do partido comunista, mas se reformula o programa no sentido de apresentar uma nova estrutura, tentando ser mais concreto quanto ao possível funcionamento de um governo popular. Pensavam na revolução “como um processo múltiplo vinculado a todas as lutas que vem livrando o nosso povo e que suas vias se determinam em conformidade da situação histórica, mas sempre tem que se basear nas atividades das massas”99. Foi a partir de todas essas discussões que o Partido Comunista lançou propostas iniciais para serem discutidas em conjunto com outras idéias da esquerda chilena, para suscitar os debates a respeito da Unidade Popular e, sobretudo, assegurar a aliança com o Partido Socialista. Em determinados momentos, tem-se uma formulação quase que por completo, antagônico ao da revolução pensada por Marx, não somente em sua trajetória, mas no momento a posteriori da revolução, na configuração de uma sociedade socialista. Segundo o Manifesto Comunista, a finalidade dos comunistas e dos partidos proletários era a constituição do proletariado enquanto classe, a derrubada da dominação da burguesia, e a conquista do poder político pelo proletariado. Chegando ao poder, o proletariado iria acelerar o processo de desaparecimento de limites e antagonismos nacionais, suprimindo a exploração do homem pelo homem e também de uma nação pela outra. Marx também falava que a passagem da ditadura da burguesia para a ditadura do proletariado, não poderia acontecer apenas através da conquista do poder estatal, mas exigia a destruição das instituições e sua substituição por outras muito diferentes. Neste período de transição, o Estado não “poderia ser outro senão a ditadura do proletariado”, que era a ditadura de uma maioria de oprimidos sobre uma minoria de opressores que desapareceriam de forma gradual.

98 CORVALAN LEPEZ, L., op.cit., p.328 99 Ibid.,p.331. 91

Assim, Marx caracteriza o Estado de transição por dois elementos: apesar de destruir o Estado burguês anterior não destrói o Estado como tal, mas constrói um Estado novo, lançando as bases da sociedade sem Estado. Para Marx100, o Estado era o produto e a manifestação do fato das contradições de classe serem inconciliáveis. Ele era, portanto, um organismo de dominação de classe e de opressão. É a criação de uma ordem que legaliza e consolida esta opressão moderando o conflito de classes. Para ele, sem a revolução violenta era impossível a substituição do aparelho de poder do Estado que foi criado pela classe dominante, e, portanto, também era impossível a emancipação de classe. “O Estado burguês não pode ceder lugar ao Estado proletário (à ditadura do proletariado) pela via da “extinção”, mas só, em regra geral, por meio de uma revolução violenta.”101. A estrutura social e o Estado nascem para Marx, constantemente a partir do processo de vida de indivíduos determinados tal como são, ou seja, atuando e produzindo materialmente e desenvolvendo suas atividades sob determinados limites, pressupostos e condições materiais. Portanto, a produção de idéias, representação e da consciência estão ligadas com a atividade material, com o intercâmbio material dos homens. Era claro que o domínio político do proletariado e da sua ditadura, não poderia ser partilhada com ninguém, e só poderia se apoiar na força armada das massas. A burguesia então, só seria derrubada se o proletariado fosse transformado em classe dominante capaz de reprimir a resistência inevitável da burguesia e também de organizar um novo regime econômico das massas exploradas e trabalhadoras. A Revolução para Marx, consistia assim, na destruição pelo proletariado do aparelho administrativo e de todo o aparelho de Estado burguês, para substituir por um novo que seria constituído pelos operários armados. A Revolução deveria conduzir depois da destruição do Estado, que o proletariado comandasse e governasse com a ajuda de uma máquina nova. Assim, a ditadura do proletariado seria um poder especial de repressão exercido pelo proletariado contra a burguesia.

100 LENIN, V. O Estado e a Revolução, São Paulo:Democracia Proletária,s/d,p.32. 101 Ibid.,p.34. 92

O projeto da via pacífica102 do PC chileno, acreditava que existia a possibilidade de continuar trilhando, através do sufrágio universal, em conjunto com seus aliados - a coalizão da UP - para o socialismo. Acreditava que em conjunto com o Partido Socialista principalmente, fariam as mudanças necessárias no país, e por isso, não caberia ter um único partido e nem uma ditadura do proletariado, pelo menos a priori. A estrutura do Estado seria modificada, mas não a ponto de destruí-lo como colocava Marx. O que defendia o programa do PC e seus caminhos a serem percorridos para implementarem o que chamavam de “socialismo chileno”, pouco tinha haver com essas discussões levantadas por Marx, Engels e Lenin. O discurso do PC parece-nos ter mais similaridades com as discussões levantadas por Kautsky103, com quem Lênin teve uma grande discussão teórica. Kautsky, socialista da Segunda Internacional Comunista, um dos porta-vozes do revisionismo e do reformismo, admitia a conquista do poder sem a destruição da máquina de Estado burguês. E a partir do aprofundamento da democracia burguesa e do sufrágio universal, poderia se instituir o socialismo sem instalar a ditadura do proletariado. Essa era a questão colocada pelo PC chileno sob a ressalva que a política de alianças seria fundamental para a conquista do poder, e por isso, torna-se necessário nessa similaridade de

102 A Eleição e ascensão de um projeto socialista pela via eleitoral exerceram grande influência sobre o chamado eurocomunismo, mas principalmente sob a vida interna do Partido Comunista Italiano (PCI).Segundo Tom Bottomore, o eurocomunismo foi um movimento de mudança estratégica e teórica iniciado na década de 70 por vários partidos comunistas dos países capitalistas ocidentais como, por exemplo, o Partido Comunista Italiano, Espanhol (PCE) e Francês (PCF). Para o autor, o eurocomunismo significou uma resposta, inicialmente, ao XX Congresso do PCUS em 1956 e aos acontecimentos que o cercavam como a revolta húngara, polonesa dentre outras, além da cisão sino-soviética. O PCI foi o percussor desse movimento na Europa e acreditava que somente por meio de uma aliança com os democrata-cristãos é que se poderia se desencadear a trajetória de transição para o socialismo na Itália. Esta aliança se daria em torno de um vigoroso programa de reformas democráticas e ao mesmo tempo buscava adequar seu programa à hegemonia soviética no campo socialista e o sucesso da social democracia no ocidente. Tanto o PCF, PCE e o PCI buscavam organizar-se para uma reação frente ao movimento comunista internacional no sentido de se adequar às transformações na estrutura social do capitalismo avançado, que conquistou gradualmente o apoio da classe operária no pós-guerra, desmobilizando-a de seus propósitos de ruptura com o sistema democrático parlamentar. O eurocomunismo representou a busca de alguns partidos por um novo internacionalismo, a partir dos países de capitalismo avançado. Era a busca de um novo modelo que não fosse parecido com o soviético principalmente na questão econômica (da planificação) e na organização política da sociedade. Acreditava-se no sistema democrático representativo parlamentarista predominante na Europa Ocidental e no Welfare State, que dariam à classe operária, resultados sociais e direito à representação política. 103 Kautsky foi historiador e economista, teórico da social-democracia alemã e representante do socialismo democrático na Segunda Internacional. Ele foi contrário ao poder instaurado na URSS em 1917, classificando-o de poder usurpado por uma minoria de revolucionários profissionais. Defendia de forma genérica a democracia e liberdade e a emancipação do proletariado através do chamado “método democrático”. 93 pensamentos de projeto político, discorrer um pouco sobre o que Kautsky e os reformistas pensavam e desenvolveram sobre essas questões. Kautsky refletia que o socialismo sem democracia não era digno de consideração e por isso entendia por socialismo não só a organização coletiva da produção mas também a organização democrática da sociedade. Por isso, criticava os argumentos que diziam que o proletariado só tomaria o poder político pela revolução, porque as classes dominantes não hesitariam em recorrer a todos os meios de repressão para impedir a democracia no caso de uma vitória eleitoral de esquerda. Pensava que se os setores dominantes recorreriam a todos os meios para impedir que a democracia fosse respeitada era porque temiam pela possibilidade da vitória do proletariado, e por isso, era importante defende-la. O Estado democrático era formulado por ele, como algo que deveria se colocar acima das classes e, portanto, ser neutro. Ele afirmava, assim como o PC do Chile que, quanto mais o Estado é democrático, mais seus instrumentos de dominação dependiam da vontade do povo. Principalmente em lugares onde o proletariado era numeroso e poderoso para tomar o poder político através das liberdades já existentes, como por exemplo, nas eleições. O sufrágio eleitoral permitia as classes mais baixas tomar a palavra e ocupar cada vez mais um plano destacado. Num regime onde existisse o sufrágio universal, que se caracterizava como uma democracia completa, todas as classes e interesses seriam representados proporcionalmente numa constituinte. Acreditava que as eleições unificariam os operários, trabalhadores e camponeses contra um inimigo comum e tinha receio da ditadura do proletariado tornar-se a ditadura de um partido. Dentro dessa perspectiva de que o socialismo poderia ser instituído através da eleição e da maioria parlamentar, Kautsky criticava o conceito de ditadura do proletariado do partido bolchevique. Segundo ele, Marx não utilizava o termo ditadura enquanto poder de uns e nem pela ausência de democracia. Dizia que Marx não tinha “querido qualificar senão um estado político, e não uma forma de governo. Mas, presentemente, essa pequena palavra é utilizada para qualificar uma forma de governo, precisamente a do governo dos Sovietes.” Kautsky interpretando Marx, afirma que ele jamais havia dito que em certas circunstâncias pudesse realizar uma ditadura do proletariado, mas havia dito que era uma 94 etapa inevitável para a transição ao socialismo. Ainda faz a ressalva de que em países como a Inglaterra e a América era possível uma transição pacífica, mas somente se fosse construída sob uma base democrática. Pensava então, que o método da luta de classes, dito pacífico, como as discussões no parlamento, greves, manifestações, discussões na imprensa dentre outras formas, tinha maior probabilidade de persistirem nos países que tinham um histórico democrático constituído. Ele dizia assim, que poderia dar uma representação do conceito de revolução política, por uma inversão das relações de força das classes no Estado, graças à qual uma classe até então excluída do poder político, apodera-se do aparelho governamental. Quanto mais consolidada a democracia e enraizada nas classes trabalhadoras, a possibilidade de uma revolução política pacífica era maior. Lênin criticou muito essa teoria de Kautsky que propunha reformar o Estado através da vitória por sufrágio eleitoral, da classe trabalhadora. Expressava que para falar em democracia deveria primeiro perguntar: “democracia para que classe”; e logo em seguida também indagar se poderia haver igualdade entre explorado e explorador. Assim, democracia nos marcos burgueses não poderia ser mais do que a opressão das massas e dos operários. O parlamento burguês também se constituía enquanto um organismo de opressão aos proletários e de perpetuação do poder da burguesia. O Estado era então, um instrumento de dominação da classe dos exploradores sobre os explorados. Segundo Marx, a comuna não devia ser um organismo parlamentar, mas um corpo atuante. Em vez de decidir a cada espaço de anos que membro da classe dirigente representará o povo no Parlamento, o sufrágio universal serviria para o povo constituído em comunas recrutar operários, fiscais, contabilistas para estas empresas. O poder de Estado parasita deveria ser “amputado, demolido e abolido”. Marx deduziu que o Estado deveria desaparecer e que nesse momento de transição da passagem de um Estado para o não Estado, o proletariado deveria ser organizado enquanto classe dominante. Marx e Engels diziam que era necessário a ditadura do proletariado para destruir a resistência da burguesia, aterrorizar os reacionários, manter a autoridade do povo armado contra a burguesia e para que o proletariado pudesse derrotar a resistência de seus adversários. 95

O Estado burguês, para Lênin, deveria ser destruído, nenhuma grande revolução se efetivou sem a destruição dos aparatos de poder da antiga sociedade como o parlamento e o exército por exemplo. Nestes pontos, a “revolução chilena” se mostrou ineficiente porque manteve o parlamento, o sistema judiciário e o exército da forma em que se encontravam. E não teve força suficiente para implementar as mudanças na economia, que acabou tornando a principal tática do PC, ou seja, reformar a economia para passar para as mãos do Estado as riquezas, empresas e bancos principais, desestruturando as classes dominantes. A partir daí, as mudanças políticas estariam na prioridade da ação do governo, até a instituição do socialismo. Apesar do PC chileno negar que seu projeto era reformista104, me parece bastante razoável dizer que, essas discussões sobre reformismo e revisionismo tiveram influência na construção dos argumentos e do projeto da “via pacífica chilena”. Se não queriam ser rotulados de Kautkistas ou reformistas, não dá para negar a proximidade das discussões de questões que foram relevantes na formulação do PC chileno como conceito de democracia, sufrágio universal, ditadura do proletariado dentre outros termos. O que pareceu a partir das análises do processo chileno, é que de 1970 a 1973, tentou-se realizar uma reforma dentro do estado chileno nos marcos da democracia burguesa. E, como houve uma forte resistência dos que estavam no poder, o governo se preocupou em não ceder às pressões e continuar o mandato, mesmo que alguns pontos do programa da UP tivessem que ser sacrificados diante das dificuldades institucionais.

104 Nos diversos textos escritos por Luis Corvalan Lepez, ele se refere com certa irritação com as tentativas de vincular o projeto da via chilena ao reformismo, como nos livro Camino de Victoria. Podemos citar ainda o lema do projeto: “nem revisionismo, nem evolucionismo, nem reformismo, nem cópias mecânicas.” 96

2.2- O programa político do Partido Comunista do Chile de 1969

O programa do Partido Comunista, aprovado em 1969 por ocasião do XIV Congresso, fazia uma análise histórica do Chile e da necessidade da revolução: um país capitalista, dependente dos norte-americanos, dominado pelo imperialismo, pelos monopólios e latifúndios, cuja sociedade era marcada pela injustiça, pela fome, pelos baixos salários e pela exploração105. Estava bem claro para eles, que o capitalismo se mostrava incapaz de resolver os problemas do Chile e de libertá-lo do atraso. Apesar do Chile, até hoje, ter uma das maiores riquezas de cobre do mundo, ser um grande país hidroelétrico em potencial, riquezas marítimas, dentre outras, os chilenos viviam em situação precária, pois não dominavam a tecnologia de produção do país, estava tudo sob controle estrangeiro, como já mostramos anteriormente. Faltavam casas, água potável, luz, comida, educação dentre outros problemas. Era colocado com muita importância tentar unir a maioria do país para avançar, em uma primeira etapa, no caminho da revolução antiimperialista e antioligárquica e, assim, abrir espaço para as novas relações de produção. No plano internacional se destacava a edificação do socialismo na União Soviética, a derrota do fascismo e do militarismo japonês na Segunda Guerra Mundial, o triunfo da revolução na China e em países Europa e, principalmente, o aparecimento de Cuba como o primeiro país socialista na América. Acreditava-se estar consolidando a formação de um sistema socialista mundial que influenciava a luta mundial da classe trabalhadora e dava como perspectiva a vitória do socialismo, agora já com outros exemplos, além da URSS. Além disso, falavam na importância de três forças sociais na luta antiimperialista, que seria o sistema socialista mundial, a classe trabalhadora internacional e o movimento de libertação nacional. Tentavam aqui passar a idéia de que o mundo capitalista estava ameaçado pelo sistema socialista, mas principalmente pelo seu sujeito histórico: a classe trabalhadora que estava cada vez mais consciente e organizada. Já neste programa, deixava-se claro que o objetivo do Partido Comunista era o de abrir o caminho para a revolução. Para isso reafirmava que precisava de unidade em todas as suas vertentes, ou seja, internamente, dos trabalhadores, de aliados políticos etc. Era uma

105CORVALAN LEPEZ,L., op.cit, p.330 97 conjunção de fatores que consolidaria o caminho para o socialismo. Os que se opunham a isso, eram chamados de reformistas e aventureiros que não vislumbravam as condições objetivas do processo revolucionário. O debate sobre a via armada ou não também estava explícito ali.

Os comunistas sustentam que a revolução é um processo múltiplo vinculado a todas as lutas que vem livrando nosso povo e que suas vias se determinam em conformidade da situação histórica, mas sempre tendo como base a atividade das massas.106

Para resolver os problemas de fundo político da sociedade chilena, o caminho reformista para o PC era incompatível. O conceito de reformismo aqui não aparece de forma clara. Parecem ser reformistas, todos os que não tivessem a mesma opinião em relação tática e a estratégia do PC. O que se vê em vários outros partidos comunistas é inserir o estigma de reformista, naqueles que optam por mudar o sistema de um país através da conquista eleitoral, alcançando o socialismo pela reforma pacífica e gradual dentro do estado burguês, menosprezando a revolução armada. Defendia-se no programa o voto universal, direto e secreto para homens, mulheres, civis e militares, analfabetos e maiores de 18 anos, assim como o estabelecimento de uma câmara única, presidente, ministros e uma constituinte para redigir uma nova constituição política. O respeito e as garantias individuais do povo deveriam ser assegurados de qualquer maneira. Para isso, o governo popular e a construção do socialismo requereriam um Estado de Direito. O programa, por isso, apresenta uma plataforma de mudanças, de como o país poderia fazê-las acontecer:

Propiciamos que se modifiquem os códigos e leis, resguardando os direitos e interesses do povo, e se dá garantias de uma justiça gratuita e ativa. A missão da polícia deve ser atuar contra a delinqüência e demais fenômenos anti-sociais. Propomos que os juízes dos tribunais inferiores sejam eleitos por votação popular

106 Programa do Partido Comunista do Chile, p.16 98

e se substitua integralmente o atual sistema carcerário estabelecendo outro com um sentido de educação social.107

Por esse trecho do programa, se poderia falar que o PC realmente não só priorizava o caminho institucional como já delimitava suas responsabilidades em um outro tipo de Estado. A defesa da institucionalidade e do caminho eleitoral se dava também sob o argumento do crescimento da desenvoltura da esquerda chilena, diga-se PS e PC que desde 1937 (interrompida nos períodos de clandestinidade do PC) tiveram nas eleições de 1965 e 1969 um aumento de 6% e 5%. Houve também uma maior participação de votantes, chegando em 1964 a mais de 60% da população com idade para votar participando do processo108. A questão da democracia era muito discutida. Para eles, todo o novo momento teria que se reger tendo em vista a democratização em todos os níveis. O Governo Popular e a construção do socialismo requeriam um Estado de direito. A nova administração teria que ser eficiente, ágil, atenta e sensível às necessidades das massas populares.As assembléias provinciais, eleitas pelo voto direto, teriam atribuições e autoridade. Esta foi uma das principais questões para desenvolver o sistema institucional chileno. No governo Allende tinham a menção de fechar o Congresso e instituir uma Assembléia Popular. Suficiente para cumprir a missão de atender as necessidades e problemas de sua jurisdição.Os municípios também deveriam ter suas atribuições restabelecidas, o que facilitaria uma maior interlocução com o governo, agilidade e orçamento próprio para resolver os problemas locais. Seria também impossível falar de governo popular sem assegurar o respeito às garantias individuais de todo o povo como liberdade de consciência, palavra, imprensa, reunião, inviolabilidade de domicílio, de direito de organização em sindicatos ou qualquer tipo de associações, eleição democrática de todas as autoridades, com faculdade de revogar seu mandato quando não respondessem a confiança. A propósito, também havia menção para se modificar os códigos e as leis, dando garantias ao povo de uma justiça gratuita e imparcial.

107 Ibid., p.21 108 MELLER, P.,op.cit.,p.103. 99

No programa do PC fica explícito que as forças motrizes da revolução são o proletariado, os elementos avançados dos camponeses, os estudantes, a intelectualidade e alguns setores da classe média. Com exceção dos camponeses, os outros já constituíam uma parcela importante da sua composição social. Mas, era a classe trabalhadora a principal impulsionadora da revolução. Ela deveria ser o centro de aglutinação de todo o povo, pois suas lutas as fortaleceriam enquanto classe que, por missão histórica, encabeçaria a luta contra o capitalismo para construir o socialismo. Por esse papel fundamental, era preciso contribuir para elevar o seu papel, sua unidade, consciência de classe, combatividade e capacidade de direção, além da estruturação do movimento sindical, o fortalecimento de uma linha de classe própria e independente. O movimento sindical era muito forte, bastante polarizado principalmente pela esquerda, e vinha em um crescente no Chile. Em 1967, houve um crescimento de 144,4% de filiados nos sindicatos ligados à indústria. Os mineiros eram também muito organizados e atuantes, fruto de suas condições precárias e particulares de seu trabalho: concentração, isolamento geográfico, trabalho em equipe. Essas características conduziam às lutas e pressões contínuas para obter melhores remunerações e vantagens sociais. O programa também definia quem era o proletariado. Eles seriam os trabalhadores da indústria e das minas, mas também englobariam os assalariados de qualquer tipo.

TABELA 4: Quadro da Evolução da sindicalização no Chile, 1932-1970. ANO Setor Minério e Indústria Setor Camponeses Total ______n. de sindicatos n. de filiados n. de sindicatos n. filiados n. sindicatos n. filiados

1932 421 54.801 421 54.801 1952 1.982 283.383 15 1.035 1.997 284.418

1960 1.892 271.141 23 1.825 1.915 272.966 1965 2.026 290.535 33 2.126 2.059 292.661 1970 4001 436.974 510 114.112 4.511 551.086

Fonte: Meller,p.110.

100

O programa também ressalta a unidade, principalmente, entre socialistas e comunistas, conseguindo, nesta união espaço para as transformações revolucionárias, dentro de uma posição marxista-leninista. Esse entendimento também tinha o caráter de unidade da classe trabalhadora, já que o PS e o PC tinham grande influência no movimento dos trabalhadores. Para exemplificar isso, a tabela abaixo demonstra o resultado das eleições sindicais nacionais da CUT de maio a junho de 1972, por tendência política. Votaram nessas eleições 341.132 trabalhadores. Vamos notar que comunistas e socialistas sozinhos reúnem 61,65% dos votos, contando com os outros partidos que compunham a UP esse percentual sobe para 72%, sendo que a direita conta com 24% e a oposição de esquerda conta com 4%. Entretanto, não podemos deixar de notar a expressão de votos da DC respaldada pela direita que chegou perto dos setenta e nove mil votos, o que demonstra que tinha a terceira maior votação isolada e, portanto, também estava de alguma forma com bases importantes entre os trabalhadores. Essa inserção se dava a partir do seu discurso de implementação de reformas econômicas e agrárias tendo como questão fundamental a diminuição das diferenças sociais e também o papel da Igreja chilena no apoio à DC. Só para se ter um exemplo, a DC ganhou as eleições em Santiago e também obteve o cargo de primeiro vice- presidente. Neste período das eleições da CUT, as ofensivas contra o governo com os planos de desestabilização e a tentativa de se criar um clima de terror no país chegam a grandes proporções. São greves de caminhoneiros, passeatas de mulheres, saques em supermercados etc. Mesmo assim, nos trabalhadores sindicalizados, a UP tem ainda um grande apoio, mas sem dúvida esses atos influíram principalmente no resultado das eleições em Santiago.

TABELA 5: Resultado das eleições sindicais nacional da CUT - 1972 COMUNISTAS 118.028 SOCIALISTAS 92.294 MAPU 17.000 RADICAIS 15.113 ESQUERDA CRISTIANA 2.137

API 1.094 101

OPOSIÇÃO DE DIREITA DC (juntamente com nacionais) 78.914 PIR 2.387

OPOSIÇÃO DE ESQUERDA FTR 6.258 USOPO 4.400 PC revolucionário109 2.053 MSL 388

FONTE: Relatórios da CUT de 1972.

Ainda no programa de 69, havia um capítulo apenas para ressaltar a difícil luta antiimperialista, principalmente pelo fato dos minérios, a telefonia, um vasto setor do comércio interno, dentre outros estarem sob controle dos monopólios norte-americanos, que, mais tarde, já no governo de Salvador Allende a maioria deles participariam de alguma forma do golpe de Estado. Outra questão muito ressaltada era no fato do Chile ser um país extremamente dependente. Além disso, também havia convênios militares com os norte- americanos que segundo avaliações, eram lesivos à soberania, e tinham um caráter inclusive de intervenção militar. Era o caso da chamada Força Interamericana de Paz, em que utilizavam os Corpos de Paz para que diversos agentes da CIA, fizessem supostas investigações sociológicas, para desenvolver uma intensa espionagem contra o movimento popular. Segundo eles, a atuação norte-americana no Chile também incentivava a formação de grupos aventureiros cuja missão seria combater os comunistas, dividir o movimento popular e de trabalhadores, e ainda fomentar o anticomunismo de ultra-esquerda. Era tido como principal arma ideológica e política do anticomunismo. Num governo popular, seria necessário para alcançar a soberania, expropriação de todas as empresas e capitais pertencentes aos consórcios norte-americanos que passariam 102 para a propriedade do Estado, além de estabelecer relações comerciais com variados países, principalmente com os países socialistas. A relação comercial com os Estados Unidos não deveria ser rompida, mas deveria se basear em novos princípios como a igualdade de direitos, respeito à soberania nacional e mútua convivência. Nota-se mais uma vez que o central para o PC era conseguir nacionalizar as maiores fontes de exploração do capital internacional, para resolver um dos problemas mais sérios que o Chile tinha: a dependência econômica. Entretanto, também nos parece exageradamente idealizada a idéia da possibilidade de haver uma nova relação com o imperialismo norte americano dentro das noções de respeito mútuo, que o XX Congresso do PCURSS postulou, por ir contra inclusive à essência da acumulação imperialista. Neste sentido, frisavam:

Em resumo, exigimos uma política exterior que seja garantia em favor da soberania e dos interesses do país, decididamente oposta ao colonialismo; de amizade e solidariedade com todos os países socialistas, com todo os povos e de manutenção da paz mundial. Apoiamos todo o que tenta resguardar a autodeterminação das nações, a destruição de armas de extermínio massivo e o desarmamento geral. Estamos pelo fortalecimento das Nações Unidas, porque sejam reconhecido e incorporados a ela todos os países sem exclusão alguma e nos opomos aos blocos regionais de caráter agressivo como a OEA.110

Fica claro que o projeto explicitado até aqui era algo muito difícil de se desenvolver no Chile. Em um período onde os norte-americanos e russos tentavam implementar a coexistência pacífica que já se mostrava desde o seu início nada provável de se implementar na América Latina, Cuba desafiava o capitalismo tentando demonstrar que era possível o sonho de uma América Latina socialista. O governo norte americano tinha uma política de intervenção na política chilena111 mediante atores internos considerados como seus aliados e puseram em prática operações de interferência na política interna chilena112,

109 O Partido Comunista Revolucionário foi uma cisão pró-maoísta do PC em 1966. Em junho de 1972 foi formado também o “Partido Comunista Bandera Roja” que era uma outra cisão do PCR e do MIR. Eles se proclamam marxista-leninistas e maoístas. 110 Programa do Partido Comunista do Chile,p.30. 111 Cf:Corvalan Marquez, L. Del anticapitalismo al neoliberalismo en Chile. p.146. 112 Durante a campanha eleitoral de 1970, a CIA desenvolveu diversas ações clandestinas no Chile, chegando a gastar quase dois milhões de dólares em operações secretas. Toda ação norte americana está em um 103 que iam de verbas para derrotar candidatos políticos à conspirações de assassinatos dentre outros nos anos de 1963 a 1970. Parece-me uma leitura ingênua, para não dizer equivocada da realidade mundial, pois, o Chile se tornar um país socialista na América Latina não era algo simples que dependia apenas da vontade da população. Era o mesmo que afirmar que, na “democracia” (já que muitos autores exemplificavam o Chile como uma referência de democracia no continente até 1973) quase exemplar da América do Sul, o melhor caminho não era o capitalismo, pelo contrário, era a adoção do socialismo pela via institucional e sem grandes reações. Podia soar como exemplo para os demais países. Sem falar nos grandes interesses que estavam em jogo, tendo muitas empresas norte-americanas quase que dominando a produção do cobre, salitre, etc. Manuel Castells113, em sua análise econômica do Chile antes da eleição de Salvador Allende, publicou uma tabela com a participação estrangeira nas grandes empresas de diversos setores da economia chilena. Esse quadro nos ajuda a vislumbrar a participação dos norte-americanos na economia chilena, principalmente na exploração de minérios quando chegam a ter 79,6 % de participação nas empresas responsáveis em explorar esse tipo de riqueza e 87% na área de transporte e comunicação justamente onde Allende encontrou grandes dificuldades em seu governo. Além disso, observando no total a participação estrangeira chega a 53,6% e delas 63% o capital imperialista tinha o controle maioritário:

TABELA 6: Participação Estrangeira na economia Chilena %particip. %particip. %particip. %particip. Estrangeira sem Estrangeira com Estrangeira com Estrangeira com controle controle controle controle total minoritário maioritário

Agricultura 40,9 21,7 66 12,3 -----

Minério 79,6 8,7 0,2 91,1 -----

documento chamado de “Acciones encubiertas en Chile” apresentadas ao senado e transcrito no livro de Márquez. 113 CASTELLS,M., op. cit,p.67 104

Indústria 42,4 9,4 49,9 27,8 12,8 Eletricidade, 30,4 ------100 ----- Gás e Água

Comércio 52,5 6,5 14,1 3,5 75,9 Transportes e 87,3 25,6 ----- 72,6 1,8 comunicação

Serviços 19,3 ----- 34,7 46,6 18,7 TOTAL 53,6 10,2 16,9 63,7 9,2 FONTE: Castells, p.67.

A questão agrária também era fruto de muitos debates. Na avaliação do programa, ele era um dos fatores determinantes do atraso e da miséria do povo chileno. A lei da Reforma Agrária de 1967, apesar do avanço, não resolvia os problemas agrários e a questão dos grandes latifúndios. Os donos das terras obtinham leis, preços especulativos, tarifas ferroviárias mais baratas, melhores créditos, dentre outras regalias frente aos pequenos e médios produtores. Por essas questões, a produção agropecuária era menor que o aumento da população, além do Chile ser um país importador de carne, trigo, alimentos em geral e até matérias-primas. Por esse motivo, o valor dos alimentos era muito alto e o poder aquisitivo dos camponeses e dos trabalhadores baixo, gerando um alto índice de desnutrição. Propunha-se então, uma intensa reforma agrária, modificação da lei de 1967, a participação das organizações de camponeses nos debates para se definir uma outra lógica na política agrária, a expropriação e a organização114 de diversas formas de propriedade, incluindo a individual, a coletiva, e o desenvolvimento de cooperativas. A política de reforma agrária também requeria uma nova visão da atividade no campo, como a extensão de crédito para financiar a pequena e média produção, ajuda técnica, fixar preços de

114 A sindicalização no campo foi proibida até o ano de 1947, mas de fato somente depôs de 1965 é que se iniciou com maior fôlego o processo de organização e filiação dos trabalhadores do campo nos sindicatos. 105 produtos e realizar obras para facilitar a plantação e o escoamento da produção. Prtanto, o PC propunha mudar toda dinâmica imposta pela dependência econômica exacerbada e pela oligarquia latifundiária. A pequena e média produção teriam prioridade em detrimento às grandes extensões de terra. Essa análise do PC se baseava na incapacidade da agricultura chilena em responder às demandas do país. A lógica estabelecida de grandes propriedades, baixa produtividade e pouco incentivo para aqueles que de fato produziam, precisava ser rompida. O que Jacques Chonchol115 problematiza e que é corroborado pelo PC é que foi a junção da oligarquia agrária e o capital estrangeiro que determinou a crise no campo, pois provocou o financiamento de setores mais produtivos em detrimento de um deslocamento de capitais, do deterioramento dos preços agrícolas e de um empobrecimento da classe trabalhadora. A Aliança para o Progresso de Kennedy, uma nova etapa do imperialismo na América Latina, procurou dinamizar as estruturas capitalistas agrária que teve reflexo na lei agrária de Alesandri em 1962. Essa lei tinha como prioridade a tecnificação e o estímulo da produção agrária, assim como previa a expropriação de terras pouco exploradas. Entretanto, havia uma série de entraves legais que acabou por continuar a consolidar a dominação oligárquica. Não é sem razão que desde 1928 a 1964 somente 5.000 camponeses116 haviam recebido terra através de políticas do Estado. No plano social, só haveria desenvolvimento se os rumos da política fossem mudados. A lógica capitalista impunha uma realidade de injustiças e de aumento de desigualdades, por isso fazia-se necessário que o Governo Popular tivesse a responsabilidade de desenvolver uma economia planificada. Um novo Estado seria construído com a participação dos trabalhadores na sua formulação e no cumprimento das suas tarefas. O desenvolvimento econômico deveria afirmar-se sobre um impulso vigoroso da eletrificação, ampliação e diversificação da indústria siderúrgica, exploração do petróleo, racionalização da indústria carbonífera, intensificação da produção de ferro e cimento, aumento do número de refinarias e plantas industrializadoras de cobre, além de desenvolver a indústria química do salitre, petróleo e carbono, dentre outras. Por si só essas

115CONCHOL,J. Chile hoy,p.265-266. 116CASTELLS, M.,op.cit.,p.323. 106 questões aumentariam as ofertas de trabalho, reduzindo drasticamente o desemprego no Chile. A partir dessas condições de desenvolvimento, seria possível dar melhores condições de vida para a população, como a extensão da seguridade social, médica, garantias de subsídios de maternidade, assistência ao parto, funcionamento de jardins infantis, seguro contra enfermidade, acidentes, invalidez, etc. Outra política essencial para o novo estado, era o da moradia para toda a população. A revolução técnico-científica também seria uma necessidade para que se desenvolvesse uma educação que atingisse toda a população e que, de fato, planejasse o futuro do país sob novos princípios e uma cultura que refletisse esse novo estado. Ela deveria ter um caráter científico, popular e democrático. Um outro ponto que tomou grande destaque no Congresso e que também seria decisivo no governo de Salvador Allende: as Forças Armadas. Elas eram vistas como parte importante e constitutiva da política nacional. A crise econômica que o Chile passava, havia atingido as Forças Armadas como um todo, ou seja, problemas de ordem técnico- profissional. Para o Congresso, as Forças Armadas estavam ultrapassadas, tanto na sua estrutura como nos preceitos que regiam os institutos armados. Os soldados e sub-oficiais vinham das classes modestas da população, enquanto os que tinham efetivamente poder de mando dentro da estrutura provinham da burguesia e também da pequena burguesia. Na configuração social e política mundial, fazia-se a denúncia de que os norte-americanos e ingleses queriam educar e treiná-las para lutarem contra a subversão interna, contra o comunismo e contra qualquer tipo de manifestação popular como greves, passeatas dentre outros. Apesar disso, existiam também aqueles que, dentro das Forças Armadas eram contra esse tipo de educação e que eram muito críticos a essa proposta de treinamento. Para o Partido Comunista, uma das questões centrais residia justamente na forma em que estavam sendo treinados os militares ideologicamente. Naquele momento achavam que a educação que estavam recebendo tinham inspirações na luta contra subversão interna, aumentando a distância entre as Forças Armadas e o povo, trazendo um prejuízo para a sua unidade e também para capacidade de defesa da sua soberania. A nova preparação dos oficiais deveria levar em conta os interesses de fato do Chile como a paz, a amizade entre os povos e a independência nacional. A composição social da escola militar também 107 mudaria o seu caráter por isso achava necessário a inserção não só da classe média, mas da população mais pobre. Propunham dessa forma quebrar a elitização do serviço militar.Ela também não deveria se tornar um partido ou órgão político, mas um elemento para consolidar a vontade popular. O historiador Luiz Márquez117 enfoca que o respeito a institucionalidade por parte das FFAA não era tão real assim. Segundo seu raciocínio alguns fatos poderiam demonstrar essa questão: o processo de profissionalização do exército se baseava na influência prusiana, o que possibilitou a formação de uma legião de simpatizantes à Alemanha de Hitler, chegando a apoiar a Associação de Amigos da Alemanha; em 1939 o general Ariosto Herrera organizou um golpe contra o presidente Pedro Aguirre Cerda; muitos oficiais incorporaram na Ação Anti Comunista; durante o governo Gonzáles Videla houve duas conspirações golpistas a partir de uma organização cívico militar chamada de “Acción Chileno-Argentino”. Em 1954 formaram a “Línea Recta” para apoiar o auto golpe de Ibañez que propunha fechar o Congresso e os partidos, dentre outros atos citados. Seu raciocínio caminha no sentido de demonstrar que o ideologismo conservador alemão e norte americano estavam impregnados na formação dos oficiais e que na história chilena, em vários momentos se tinha elementos para não acreditar na cega defesa da institucionalidade por parte dos órgãos oficiais armados. No programa do Partido Comunista do Chile, ainda se tentava delimitar qual seria o seu papel na mudança de um país capitalista para um país socialista. Segundo ele, a grande arma seria acentuar a ofensiva de princípios da classe trabalhadora contra a ideologia burguesa. Isso seria feito a partir da “doutrina marxista-leninista” muito conceituada ao longo do documento e tendo como referência internacional a União Soviética. O documento dizia:

O marxismo-leninismo é a grande doutrina revolucionária que guia a classe trabalhadora e os trabalhadores do mundo em todas as etapas de sua batalha para conquistar a paz, a liberdade e uma vida melhor: para construir uma sociedade mais justa, o comunismo. Hoje não existe força no mundo mais influente que as idéias do comunismo. O Partido pratica a coordenação voluntária das ações entre os partidos para conjugar seus esforços na luta por objetivos comuns. É partidário 108

de intensificar o intercâmbio partidário de experiências entre os diferentes partidos membros do movimento comunista, articulando as ações conjuntas contra o imperialismo, a reação por reivindicações de massas, como uma parte inseparável da luta pela revolução socialista e pela liquidação de exploração do homem pelo homem. Valoriza os êxitos dos povos que constroem o socialismo e os avanços na edificação do comunismo na União Soviética.118

É importante ressaltar que o programa de um partido, que tem tradição e tempo de existência, resulta da construção histórica de um pensamento e de uma ideologia que foi se desenvolvendo durante muito tempo com experiências internacionais, fazendo com que esse programa exprima, então, o desenvolvimento da ideologia marxista, proveniente da luta cotidiana desses sujeitos históricos, à luz de uma determinada interpretação da realidade. E dentro dessa atuação política, o Partido Comunista Chileno se colocava como um elemento muito importante para que se consumasse de fato a “revolução chilena”. O papel que o PC tinha era o de formular a política dentro de um viés marxista-leninista e, ao mesmo tempo, organizar e canalizar a luta dos trabalhadores para a implementação, de fato, das grandes mudanças. Mais uma vez, aponta para sua principal base social, que eram os mineiros atuantes no movimento sindical, para serem agentes impulsionadores das mudanças no governo. A convicção de que as massas seguiriam a condução do PC constituía num grande desafio para esse partido. Por fim, chama atenção o modo enfático como foi feita a defesa da via pacífica ou via não armada, a partir de uma leitura histórica do Chile. Num texto publicado em 1977, pela direção do Partido sobre os méritos e causas da derrota da Revolução Chilena, já em plena ditadura militar, foi escrito: Cabe aqui uma reflexão geral. Havia algum outro caminho possível para a revolução chilena nesse período e nessas condições? Estamos convencidos que não. Dito de outra maneira, nesses momentos, a alternativa da via pacífica não era a via armada. Não havia outra alternativa revolucionária possível119.

117CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit., p.111. 118 Programa do Partido Comunista do Chile, p.61-62. 119 Partido Comunista de Chile - La Revolucion chilena:sus grandes méritos y las causas de su derrota, IN: Boletin Del exterior, nº 26/novembro-dezembro,1977. 109

O historiador Luis Márquez, citando um estudo sobre a questão soviética120 da autora Olga Ulinova, diz que uma das conclusões que se podia tirar, era a falta de compatibilidade entre as concepções da cúpula soviética e a via chilena. Ela foi muito criticada quanto a sua possibilidade de êxito. Segundo Ulianova, os soviéticos expressavam publicamente que achavam que aquela experiência não iria terminar bem, ao mesmo tempo que, seus analistas diplomáticos que passavam para a URSS informes sobre a situação interna chilena buscavam refletir também no seu sentido de reversibilidade, através inclusive de um golpe militar. Achavam que o fato de Allende firmar um pacto de garantias constitucionais com o PDC, constituía um obstáculo ao desenvolvimento da revolução. Dizia o documento citado por Olga:

... conservar a liberdade absoluta da imprensa, respeitar os direitos da oposição e manter a lealdade a constituição. Na prática isto significa o compromisso de conservar todas as instituições democrático-burguesa..., é dizer, repelir o rompimento revolucionário do antigo aparato estatal, incluindo o exército, os serviços de seguridade, etc121.

Também eram críticos em relação à idéia do PC chileno de transformar ao máximo a economia antes de 1976, para que, independente de quem ganhasse as eleições presidenciais, garantisse que não haveria retrocesso do processo conduzido. Exemplificava esse pensamento, através das empresas nacionalizadas ligadas à extração de cobre. Não acreditava que nenhum governo que viesse ganhar as próximas eleições, iria entregar tais empresas novamente ao capital estrangeiro. Os soviéticos criticavam os comunistas chilenos por pensarem dessa forma e diziam que, o movimento revolucionário não tomava o poder para depois devolve-lo à burguesia. No fundo, era uma crítica a crença na

120 Luis Marquez ressalta que a relação entre o governo da Unidade Popular e a URSS foi pouco estudada. Ele cita, para fazer algumas ponderações, um estudo de Olga Ulianova, editada pelo Centro de Estudos chamado La Unidad Popular y el golpe militar em Chile: percepciones y análisis. Este estudo utilizou documentos reservados do partido soviético que estavam temporariamente desclassificados em Moscou, além de ter realizado entrevistas com algumas pessoas importantes do PCUS. Dessa forma, vamos utilizar o comentário deste estudo apenas para demonstrar o que era perceptível durante o governo Allende, que havia resistências por parte da URSS quanto a visualização do processo chileno, o que acabou interferindo na sua ajuda econômica ao Chile. 121 CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit., p.167 110 democracia eleitoral. Para os russos era inadmissível pensar em entregar o poder numa possível derrota nas eleições de 1974. Acreditavam ser preciso mudar as bases institucionais para não depender do jogo eleitoral. Isso significaria além da derrota da revolução, um respeito exacerbado a institucionalidade burguesa. A desconfiança quanto ao projeto chileno se manteve nas relações comerciais entre os dois países. Na crise de 1972, o governo da UP pensava que a URSS iria ajudar com grandes quantidades de artigos de primeira necessidade, esperava que pudessem obter créditos para serem pagos a longo prazo, e que a URSS fossem importar alguns produtos chilenos além de pagarem de forma imediata. A URSS não ofereceu mais do que ajudas que já haviam disponibilizado e recusou os pleitos de novas colaborações econômicas para o Chile, sob a alegação de sofrerem limitações econômicas. Entretanto, parecia claro que não seria nada vantajoso para a URSS investir num projeto que achavam ser inviável. Segundo Márquez “a falta de confiança no êxito da via chilena foi um dos fatores que impediu a URSS de prestar um apoio maior ao governo da UP que efetivamente brindara”. E conclui que as considerações da direita e dos militares, posterior ao golpe, sobre eventuais propósitos da URSS instaurar sua hegemonia no país, mereceria um melhor fundamento empírico e mais parece uma justificativa ideológica para a queda do governo e dos direitos democráticos.

111

2.3 - As divergências entre PC e PS quanto ao projeto da via chilena

As discussões entre Partido Comunista e Partido Socialista não foram nada simples. O PS havia aprovado a revolução armada como forma de mudar o sistema e valores da sociedade chilena. Ele pregava que a institucionalidade democrática burguesa favorecia as classes dominantes, corrompia os revolucionários e, sugeria a todos que renunciassem à ilusão da legalidade vigente. Já, para o PC, dentro do sistema político havia espaços democráticos que poderiam ser utilizados em favor dos interesses das classes menos favorecidas e, por sua vez, chamava todos para se imbuírem da tarefa de, institucionalmente, aprofundar essas possibilidades democráticas. Para o PC, estava claro que só haveria condições para a proposta da via não armada, ou seja, de que mudanças ocorressem sem o desencadeamento de uma guerra civil, se houvesse um enfraquecimento do imperialismo e da oligarquia, isto é, dos inimigos principais. Para tanto, era preciso fazer alianças com determinados setores da sociedade, incluindo o PR e a DC, o que também causava muitas discussões com o PS. O Congresso do Partido Socialista, em Chillán-1967, o definiu como um partido marxista-leninista e apoiava a luta armada como única forma de se chegar ao socialismo. Diziam em suas resoluções que “a violência revolucionária era inevitável e legítima”, que resultava necessariamente do caráter repressivo e armado do estado de classe, e que se constituía na única via que conduziria o Chile à retomada do poder político e econômico, com a devida defesa e fortalecimento nacional. As formas pacíficas ou legais de luta não conduzem por si mesma ao poder. O Partido Socialista as considera como “instrumentos limitados de ação, incorporados ao processo político que nos leva a luta armada”. Ainda mais. Estabeleceu-se Cuba como espelho para a América Latina e, assim, a luta guerrilheira era a forma de se enfrentar o imperialismo e a burguesia. Era um processo único para a Revolução Socialista. Algumas análises, como a de Paul Drake122, afirmam que, neste congresso de Chillán, há uma supervalorização da violência como estratégia para tomada de poder. Por outro lado, não se valorizou a questão das alianças políticas como base para a destruição do Estado-burguês. Essas duas questões remetiam para a adoção do modelo cubano de

122 LUNA,E.,op.cit.,p. 163. 112 revolução, com o argumento de que o processo revolucionário vinha se continentalizando, desde o êxito de Fidel Castro e seus companheiros. Para Eva Luna123, o giro para a esquerda, dado pelo PS nesse congresso, pelo menos do ponto de vista teórico, deixava um vácuo entre a teoria radical e a prática reformista. Sem dúvida alguma, a linha política mais moderada, como a de Allende, continuava predominando nas alianças eleitorais. Algumas questões sobre a posição do Partido Socialista nos ajudam a entender de que maneira aconteceu o debate sobre a via chilena, o que não significa também que suas idéias representavam as posições de Salvador Allende. O PS achava que a revolução socialista deveria ser incorporada desde o início do processo, sem constituir uma fase anterior, no período de mudanças antiimperialistas e antioligárquicas. A revolução conformava uma aliança social e política da qual somente poderiam fazer parte aqueles que realmente queriam o fim das relações capitalistas. Era a chamada Frente de Trabalhadores. Por essas razões, aliar-se a setores da burguesia significava muito, visto que essa aliança significava a mudança dos objetivos e do caráter de uma revolução. O PC achava que a revolução possuía um caráter antiimperialista, antioligárquica e agrária, com vistas ao socialismo. Assim, as alianças deveriam englobar todos os setores que fossem contra ou que apresentasse contradições com o imperialismo. Ficariam de fora os grupos oligárquicos e o capital estrangeiro, seus inimigos principais, assumindo claramente uma divergência importante com o PS. Para o PC, criar-se-ia uma maioria social e política para dar desenvolvimento às ações transformadoras, o que deveria ser o ponto principal da Unidade Popular. O Partido Socialista, que também estava enraizado na classe operária chilena, aceitava com reservas o marxismo124 e preferia se identificar nas orientações em que tinham em comum como o antiimperialismo e o seu caráter revolucionário. Ele não se aliou nem à terceira, nem à segunda Internacional Comunista. Dizia-se contrário ao efeito “colonizador” de tendências internacionais e que nunca aceitaria imposições ideológicas. E, desde sua criação, segundo Carlos Altamirano125, atestava a inviabilidade da via pacífica. Todas essas questões estão presentes na Declaração de Princípios que dizia:

123 Ibid.,p. 164. 124 O PS só foi se definir enquanto um partido marxista leninista no seu Congresso de 1967 em Chillán. 125 Cf: ALTAMIRANO,C. Chile: dialética de uma derrota, p.14 113

... aceitava o marxismo como método de análise da realidade enriquecido e corrigido por todas as contribuições científicas integradas ao processo social. Reconhecia-se a luta de classes, reconhecia o caráter de classe do Estado e aderia ao internacionalismo proletário através de uma Federação de Repúblicas Socialistas. A classe dominante organiza corpos civis armados e impõe sua própria ditadura com o fim de manter os trabalhadores na miséria e impedir a sua emancipação. A doutrina socialista possui um caráter internacional e exige uma solidária e coordenada entre os trabalhadores do mundo. Para realizar este postulado, o PS lutará pela unidade econômica e política dos povos da América Latina, a fim de chegar à Federação das Repúblicas socialistas do continente.126

Assim, o PS tentava manter-se atuante em relação aos movimentos e partidos latino- americanos. No plano internacional, optou por não participar da II Internacional social- democrata e à III IC. Por isso também, sua relação com o Partido Comunista era bem crítica, o que se torna bastante evidente em uma das cartas escritas à direção do PC:

Nós socialistas, recusamos a submissão a qualquer centro dirigente. Em troca, oferecemos um intercâmbio ativo, democrático e multilateral de idéias e experiências, entre todas as forças, movimentos, partidos e estados anticapitalistas. Este intercâmbio baseia-se na mais rigorosa igualdade de direitos, para que cada qual possa encontrar por si mesmo a via mais rápida, eficaz e menos dolorosa para o socialismo.127

Portanto, parece-nos clara a leitura do PS sobre as posições políticas do PC. Seriam elas submissas à III IC e também à União Soviética, podendo mesmo ser caracterizadas fora da realidade do Chile, justamente por se tratar de orientações externas. O próprio secretário do PS geral, em 1939, Oscar Schnake chegou a dizer que era preciso ser dado um conteúdo nacional à prática política. O PS também reivindicava para si o esforço de dar unidade à classe operária. Argumentava que outros partidos socialistas na Europa e na América tornaram-se

126Ibid.,p.15. 127 Ibid.,p.16. 114 anticomunistas. No Chile, desde 1956, o partido sustentava a necessidade de um entendimento estratégico entre os partidos operários. Esta prática seria a base para qualquer política de alianças, tanto no plano sindical, quanto na totalidade da sua atuação. A correlação de forças entre o operariado chileno estava muito ligada à interação entre os partidos e a prática das massas determinada pelos diferentes níveis da luta de classes. A expressão política do movimento dos trabalhadores chilenos foi sempre original e diferenciada pela sua unidade e organização. A força dos partidos ligados aos trabalhadores, seu desenvolvimento e a flexibilidade do sistema burguês levou esse movimento para além do papel de apoiar os partidos políticos, mas ajudou na eliminação das tendências ultra-esquerdistas. A classe trabalhadora via brechas no sistema institucional para incorporação de suas reivindicações. Tanto o PC em maior proporção, quanto o PS asseguraram o “monopólio da esquerda sob o movimento dos trabalhadores”. O MIR e o PCR eram considerados ultra-esquerda e tiveram seu desenvolvimento no interior do movimento principalmente a partir da eleição de Allende, com a polarização política do país128. Pelo menos nos discursos, o PS mostrava que tinha como política própria e permanente a unidade com o Partido Comunista. Sem dúvida, as posições desses dois partidos eram diferentes, pois cada um tinha o seu entendimento e concepção da realidade chilena, mas pareciam convergir no sentido de buscar a aliança entre eles. O PC tentava se livrar do rótulo de “seguidor fiel das orientações da URSS”. Para isso, dá como exemplo, quando da constituição da Frente Popular, ele dizia encampar essa idéia, mesmo pouco antes de ela se tornar orientação da IC, baseando sua ação na leitura da realidade chilena. Mas, para os dois partidos, a consolidação da FRAP é que concretizou a aliança socialista-comunista, levando em consideração até mesmo as divergências no próprio movimento social. Sobre o processo revolucionário no Chile, o PS dizia que esse se apresentava em duas fases: a primeira, antiimperialista e democrática e, a segunda, quando se daria a construção da sociedade socialista. Refutavam a idéia da Revolução Democrático- Burguesa, pois achavam impossível que a burguesia se colocasse em contraposição às oligarquias locais e também ao imperialismo.

128CASTELLS, M.,op.cit.,pp.140-141. 115

O PS também discordava da via pacífica. Era claro para os socialistas, que as classes dominantes não assistiriam à sua própria expropriação sem utilizar a violência, e para eles, os exemplos cotidianos da América Latina comprovavam isso. Foi no XXII Congresso do PS, em 1967, que se reafirmou ser a via armada a saída correta dentro da realidade chilena. Foi dito que:

A violência é legítima e inevitável. Resulta necessariamente do caráter repressivo e armado do Estado de Classe. Constitui a única via que conduz à tomada de poder político e econômico e à sua ulterior defesa e fortalecimento. A revolução socialista só pode consolidar-se destruindo o aparelho burocrático e militar no estado burguês. As formas pacíficas ou legais de luta (reivindicatórias, ideológicas, eleitorais) não conduzem por si mesmas ao poder. O Partido Socialista considera-as como instrumentos limitados de ação, incorporados ao processo político que leva à luta armada.129

O PS foi muito criticado, principalmente pelo PC, em relação à linha política tirada no congresso de Chillán. Segundo tais críticas, o caminho esquerdista escolhido ali correspondia a um “infantilismo revolucionário”, além da adoção da tática de guerrilha, o que para os comunistas não cabia para a realidade chilena. Por outro lado, o PS rebate as críticas pontuando a via pacífica. Conforme sua opinião, nenhum partido revolucionário deseja a violência por si só, entretanto a busca das mudanças de uma sociedade e a sua transformação em socialista é fator que causa reações nas classes privilegiadas. A violência torna-se um recurso a ser usado para garantir tais transformações. Para eles, também, achar que seria possível construir pacificamente o socialismo sem levar em consideração a possibilidade de mudanças táticas e a preparação de uma possível luta armada era um equívoco. Para Altamirano, era de suma importância o debate sobre qual a via a ser seguida para se realizar a revolução no Chile e refletia a análise social concreta dos dois partidos. O problema era não ter uma tática flexível o suficiente para mudar o curso radical dos caminhos revolucionários. 116

Para ele, foi isso que aconteceu. A conduta do Partido Socialista desde os anos sessenta sempre esteve baseada numa interpretação marxista-leninista da realidade nacional e da estrutura dinâmica da luta de classes. Suas posições sempre foram a de tentar “devolver ao proletariado o seu papel de protagonista na libertação econômica e social do país; buscar esta libertação no contexto de uma verdadeira revolução que não separe as tarefas democráticas e socialistas e finalmente concluir que não é possível a transição pacífica ao socialismo, no âmbito da realidade nacional e continental.” Em relação ao caminho pacífico, ou seja, não armado para a revolução, o ex- secretário geral do PS levanta importantes discussões que também foram alvo de debates intensos no interior do PC. Para ele, a base da via pacífica era a utilização de formas pacíficas de luta, e por isso, a luta de massas, o emprego de métodos legais, a utilização da institucionalidade burguesa eram entendidas enquanto constituinte desse processo. A violência poderia até aparecer, mas em bases secundárias, não sendo o elemento gestor da revolução. A via armada poderia utilizar, por vários anos, a institucionalidade burguesa e as formas legais de luta. Por isso, a violência deveria ser prevista como recurso a ser utilizado e, para isso, era preciso a preparação da vanguarda revolucionária. A via pacífica somente seria possível quando as forças revolucionárias fossem superiores às forças da burguesia e as fizessem desistir da violência. Altamirano levanta que este “consenso” era discutido pelo PC Italiano: a superioridade de forças social e política exigiria uma ruptura da burguesia antes da destruição do seu aparelho repressivo. Dessa forma, haveria um deslocamento da maioria da classe média, reduzindo a classe dominante à sua expressão ínfima e natural. Ainda para Altamirano, os PC Francês, Italiano e Espanhol muito fizeram em relação à contribuição para a sua reflexão sobre a via pacífica. Talvez a primeira questão a ser colocada é a de que as condições objetivas ocorridas na Revolução Russa não se reproduziriam na Europa. Por isso, a situação revolucionária poderia surgir a partir de graves crises sociais e políticas. Os partidos comunistas e o conjunto das forças revolucionárias deveriam constituir-se enquanto uma força preparada para equilibrar os fatores objetivos e subjetivos.

129 ALTAMIRANO,C., op.cit.,p.25 117

Assim, para a via pacífica se concretizar seria preciso muito além de obter os 51% de votos e conquistar uma maioria eleitoral, inclusive no parlamento. Ela deveria, de fato, impor-se de forma a assustar a burguesia para que esta desistisse do uso da violência, o que Altamirano considerava muito difícil, principalmente nas eleições chilenas, onde os partidos de direita e de centro sempre tiveram grande expressividade de votos. Todas estas questões apresentavam diferenças em relação às discussões que o PC da URSS apresentava, tendo em vista a via pacífica no período de Krushov. Porém, esta seria a mais provável, se as condições favoráveis a esse caminho fossem de fato colocadas e a vanguarda revolucionária se preparasse para alterar as formas de luta, se necessário fosse. No Chile, essa preparação dos trabalhadores para a via armada não foi utilizada pela direção da UP, mesmo nos momentos propícios em que a reação dos trabalhadores contra a burguesia se radicalizava, sobretudo a partir do final de 1972. Um exemplo dessa falta de preparação da UP foi a ação dos Cordones Industriales. Estes foram organizações de trabalhadores organizados na greve de outubro de 1972 tinha como objetivo atuar de forma rápida e eficaz contra as manobras da direita. Sua primeira ação declarava a favor do controle dos trabalhadores à produção e pela implantação da Assembléia de Trabalhadores. O Cordón Cerrillos-Maipú foi o primeiro de uma série de outros cordones. Neles participariam integrantes do MIR, MAPU, PS, poucos do PC (que inclusive muitos se afastaram do partido comunista por este ter criticado de forma exaustiva a criação desses cordones por acreditarem ser um poder paralelo à CUT) e também trabalhadores não filiados a partidos. Essas organizações através de seus trabalhadores assumiram a produção em várias fábricas no “paro de 1972” dizendo inclusive que os trabalhadores não necessitavam dos patrões para fazer funcionar a economia. Após o término da greve, o governo pedia que esses trabalhadores devolvessem algumas das empresas tomadas aos antigos donos. Os Cordones achavam errada a postura do governo, pois tais empresas já estavam sob controle dos trabalhadores e deveriam no mínimo, serem incorporadas à propriedade estatal. Tais trabalhadores, agora organizados pelos cordones realizaram em resposta ao governo, novas ocupações, protestos e barricadas, havendo enfrentamento entre polícia e trabalhadores. Em 5 de setembro de 1973, escreveram um documento para Allende alertando do perigo do golpe militar que se articulava. Eles insistiam na necessidade de armar os trabalhadores. Do que adiantaria um 118 povo organizado mas sem armas? Chegou-se a uma tal situação que apenas passeatas em defesa do governo não bastava.

... conservar a liberdade absoluta da imprensa, respeitar os direitos da oposição e manter a lealdade a constituição. Na prática isto significa o compromisso de conservar todas as instituições democrático-burguesa..., é dizer, repelir o rompimento revolucionário do antigo aparato estatal, incluindo o exército, os serviços de seguridade, etc.130

No XXII Congresso do PS, em Chillán, no ano de 1967, o documento final deixava clara a sua posição:

O partido não menospreza a utilização de métodos pacíficos e legais como as lutas reivindicatórias, os trabalhos de conscientização, as atividades de massa, os processos eleitorais etc. Considera, contudo que tais métodos por si não conduzem à conquista do poder. São na verdade, fatores complementares de sua ação política global, que visa a derrota definitiva das forças reacionárias internas e a destruição de toda forma de penetração imperialista.131

Dessa forma ficava nítido, aqui, que conviviam duas concepções muito distintas a respeito do processo revolucionário e que dificilmente se chegaria a um acordo para engendrar o processo político chileno. Essa situação tornou-se relevante durante todo o governo Allende. O próprio presidente se tornou o centro de pressões entre o seu partido e o comunista. Essa falta de unidade e de um projeto único da esquerda provocou desencontros no plano político e muitas dificuldades na maneira de como se portar diante de alguns partidos como a DC, o MIR e o PR, na tentativa de ampliação da frente política para garantir inclusive a governabilidade e a institucionalidade. Todas essas questões iriam se agravar no caminhar do governo Allende, até se transformar, já no final de 1972, conjuntamente com a

130 CORVALAN MARQUEZ, L.,op.cit, p.167 131 ALTAMIRANO,C., op.cit, p.63 119 campanha realizada pela direita e pelos EUA para desestruturar o governo, em uma crise sem precedentes na história chilena. Se pudéssemos reunir alguns dos principais lemas do Partido Chileno ditos por ocasião de vários congressos e que impulsionaram o desenvolvimento da linha política do PC de acordo com sua leitura da realidade chilena e fruto da política de alianças, para se materializar na via pacífica e no governo da UP, poderíamos citar: inicialmente, já em 1962, “La conquista de um gobierno popular”, com o objetivo de construir uma aliança ampla; depois “La classe obrera, centro de la unidade y motor de los câmbios revolucionários” (que tinha como objetivo contribuir para evitar as divisões do povo, principalmente, dos que estavam seduzidos pelo reformismo e facilitar a possibilidade de promover alianças em torno da classe trabalhadora, justificando também a via pacífica, já que os trabalhadores unidos seriam os responsáveis por favorecer as mudanças até se estabelecer um estado socialista); e por último, em 1969, “Unidad Popular para conquistar um gobierno popular”, já às vésperas das eleições de 1970. Nas discussões entre PS e PC e ainda durante o governo de coalizão de partidos políticos, que, contudo, indicam que tinha como projeto principal questões defendidas mais pelos comunistas do que propriamente pelos socialistas, o presidente Salvador Allende ocupava espaço fundamental. Era ele quem fazia a mediação política durante os vários momentos de seu governo com as mais variadas forças políticas. Apesar de ter sido um dos grandes lutadores pela escolha tática da via pacífica e também responsável pelo peso das divergências dentro do PS, também possuía várias discordâncias com o PC. Ele dizia que era necessário haver um partido marxista que não tivesse vinculação internacional. Allende não gostava quando a mídia ou qualquer pessoa dizia que ele se parecia mais com os comunistas. Em relação a isso, era categórico: “Sou socialista, tenho sido e serei socialista”, pois para ele, havia diferenças importantes entre o PC e PS, como a vinculação e o compromisso com a Internacional Comunista e com acordos firmados entre os 81 PC do mundo; para Allende, o PS nasce como conseqüência de uma realidade social evidente e aglutina setores como trabalhadores, camponeses e classes médias, orientado essencialmente para lutar, para tornar possível conquistar a independência econômica e a justiça social, no Chile; destaca também que o PS tinha como tática e estratégia a Frente de 120

Trabalhadores e o PC a luta pela libertação nacional. Apesar das divergências que gostava de frisar, achava importante a aliança entre os dois partidos. Para o presidente Allende, o importante e talvez principal, na Unidade Popular, era o fato de não haver um partido hegemônico e sim uma classe hegemônica: a classe trabalhadora. Isso era substancialmente diferente da Frente Popular, na qual havia um partido hegemônico: o Partido Radical, que, por sua vez, atrelava seus interesses mais aos da burguesia, do que propriamente aos dos trabalhadores. Apesar de uma coalizão sem partidos preponderantes, pelo menos em tese, eram constantes as divergências entre o PS e o PC, cabendo ao presidente ser o mediador de todas essas tensões. Por ser a experiência chilena algo único, o presidente Allende era em todo momento cobrado pelo fato de não ter escolhido o caminho da luta armada. Sobre esta questão, dizia que entre os caminhos chilenos e cubanos certamente havia diferenças, mas as questões de fundo eram iguais. Citava a esse respeito uma dedicatória que Che Guevara havia escrito, dizendo: “Para Allende, que por outros caminhos trata de obter o mesmo”. Dizia Allende em entrevista dada a Augusto Olivares132, por ocasião da visita de Fidel Castro a Santiago:

Os povos que lutam por sua emancipação têm, logicamente, que adequar à sua própria realidade as táticas e a estratégia que vai conduzi-las às transformações. O Chile por suas características, por sua história, é um país onde a institucionalidade burguesa tem funcionado a plenitude e onde dentro dessa legalidade burguesa o povo sacrificadamente tem avançado e conseguindo conquistas, tem se conscientizado, tem compreendido que não é dentro dos regimes capitalistas e do reformismo que o Chile poderá alcançar a dimensão de país, dono de sua independência e capaz de chegar a níveis superiores da vida e da existência.133

Para ele, o que também fazia diferença nas discussões entre os partidos era a sua confiança na tática escolhida, porque segundo ele foi traçada e escolhida com base na

132 Augusto Olivares era jornalista vinculado ao governo da Unidade Popular e entrevistou Salvador Allende e Fidel Castro durante uma visita do cubano em dezembro de 1971 ao Chile. 121 análise da realidade chilena. Além disso, o povo havia escolhido nas urnas que queria o caminho da Revolução, mas desde o início da campanha deixava claro que o principal naquele primeiro momento era mudar o regime e o sistema. Estavam “conquistando o governo para conquistar o poder”, e, a partir daí realizar transformações revolucionários como o rompimento da dependência econômica, política, cultural, a elaboração de uma nova constituição, dentre outras. Salvador Allende ainda dizia que o histórico do movimento operário, que surgiu no Chile em zonas controladas pelo imperialismo, e que, portanto, desde o início tinha uma consciência antiimperialista, ajudava a comprovar a possibilidade da via pacífica. Entretanto, só isso não bastava, era preciso se obter a unidade comunista-socialista, principalmente depois da unificação dos movimentos e sindicatos dos trabalhadores na CUT em 1939. Em entrevista dizia:

... antes os campesinos, os trabalhadores haviam formado seus partidos de classe e aí temos que o PC é o mais antigo da Am. Latina, um dos mais antigos do mundo e por certo, com relação a filiados, um dos mais poderosos. De igual maneira o PS, um partido de classe, um partido marxista, que tem pontos divergentes em relação a aspectos internacionais, algumas vezes, tem mantido com o PC não só um diálogo mas um entendimento para encarar juntos os problemas do Chile. Daí que, desde 1951, o PC e o PS começaram a caminhar por processo de classe e com a decisão de fazer possível um vasto e amplo movimento que permitiria as mudanças estruturais na vida chilena e por isso, hoje em dia podemos dizer que a margem de um pequeno critério, se tem tido êxito sobre a classe trabalhadora e no campo sindical sob o pilar do PC e do PS...134

Dessa forma, para ele, o Chile se encontrava diante da necessidade de iniciar de maneira inovadora a construção da sociedade socialista. Para isso, adotaria uma “via chilena”, aplicada à sua realidade que também teria como característica marcante ser uma via pluralista. Segundo ele, o mundo estava atento para essa nova dinâmica, jamais

133 LUNA,E.,op.cit.,167. 134Ibid.,p.167. 122 concretizada e, nunca se imaginou que o seu desenvolvimento pudesse ocorrer em nações menos desenvolvidas. Allende sabia das dificuldades a serem encaradas, todavia, sob forte euforia, dizia em sua primeira mensagem ao Congresso:

...Todos sabem ou intuem que aqui e agora a história começa dar um novo giro, na medida que estamos conscientes da empreitada. Alguns entre nós, só vêm as enormes dificuldades da tarefa. Outros, a maioria, buscamos a possibilidade de enfrentá-la com êxito. Pela minha parte, estou seguro de que teremos a energia e a capacidade necessárias para levar adiante nosso esforço, modelando a primeira sociedade socialista edificada segundo um modelo democrático, pluralista e libertário. Os céticos e catastrofistas dirão que não é possível. Dirão que um parlamento que tão bem serviu as classes dominantes é incapaz de transfigurar-se para chegar a ser o parlamento do povo chileno.135

Allende, otimista em seu discurso na Câmara, mostrava-se seguro e confiante porque, além de acreditar decisivamente no projeto político da UP, precisava continuar empolgando sua base de apoio, que ele mesmo se orgulhava chamar: “los obreros de Chile”. Entretanto, parecia adivinhar o que sucederia mais tarde em seu governo em relação à postura do parlamento. Ele acreditava na possibilidade de criar sistemas produtivos para assegurar os bens fundamentais que somente uma minoria desfrutava no Chile. E para isso, estava certo que enfrentaria interesses diversos e esses seriam os verdadeiros obstáculos para a construção de uma nova sociedade. Para mudar tudo isso, era necessário definir e por em prática um novo modelo de estado, de economia e de sociedade, tendo agora como centro, o homem, suas necessidades e suas aspirações. Portanto, seu objetivo era a edificação progressiva de uma nova estrutura de poder fundida nas maiorias e centrada em satisfazer em curto prazo, se possível, as expectativas mais urgentes das gerações atuais. No discurso realizado em virtude do de 38º Aniversário do PS, Allende falou sobre os caminhos para a revolução chilena, com o intuito de refletir sobre a forma como estava sendo construído o caminho do Chile. Também estavam presentes inúmeros teóricos e companheiros de partidos contrários à “via pacífica” como Carlos Altamirano, e fez 123 questão de citar Che Guevara, Engels e Lênin para demonstrar de certa forma a consistência teórica e as justificativas para não adoção de dogmas ou receitas para desenvolver um processo revolucionário. Dizia:

...Engels por exemplo, haveria dito que a doutrina não é um dogma, mas um guia para a ação, e Lênin, o mais señero pensamento revolucionário do socialismo, afirmou que a revolução não se exporta, mas obedece à realidade e às condições determinadas da sociedade e que cada povo tem que buscar seu próprio caminho para o socialismo, o qual, por certo, não excluiu jamais do pensamento de Lênin a solidariedade proletária que transpassa a fronteira e que faz com que a luta de um povo que busca o caminho de sua libertação seja a luta de todos os povos que buscam também libertação136.

Além dessas questões, tinha o que achava principal para acreditar na defesa do governo, que era a tradição de luta da classe trabalhadora chilena e ter, o Chile, um povo consciente e organizado, politicamente. Como argumento, apresentava a fundação em 1909 da Federación Obrera, e em 1919 seu programa já falava em abolir o regime capitalista e contava com a grande maioria de filiados no PS ou no PC. Portanto, já existia uma ideologia de classe muito enraizada em setores que ele achava que iriam defender o governo e, sob nenhuma hipótese, desestruturá-lo ou mesmo derrubá-lo. O historiador Luís Corvalán Márquez fez uma análise da proposta de Allende sobre a via chilena. Ele acreditava que a liberdade burguesa e as suas reivindicações relativas às garantias individuais, não estavam ligadas apenas a superestrutura do capitalismo e da dominação burguesa, mas eram conquistas da humanidade. Elas se realizariam em sua plenitude quando se livrasse das amarras que as impunha o capital. Ele era a favor da construção de um consenso maioritário, político, social e ideológico que tornasse possível a confluência entre o centro e a esquerda em torno de uma estratégia não capitalista. Isso possibilitaria uma via gradualista, sem ruptura institucional, sustentada sob base jurídica e derivada das maiorias política e social. A via chilena seria uma articulação entre

135 QUIROGA, P. (org.).Salvador Allende: Obras Escogidas 1970-1973,p.79 136 Ibid., p.287. 124 democracia e socialismo, seria uma sociedade construída sob a democracia, pluralismo e a libertação. Uma questão central para o PC era a ruptura com a propriedade privada e para que ocorresse, não teria necessariamente que se ter rupturas no plano institucional. Essa questão corroborava com a idéia de que as instituições políticas funcionavam segundo princípios democráticos satisfatórios. Entretanto, havia um abismo em relação à economia e as questões sociais. Allende refutava a idéia de ditadura do proletariado e dizia não existir experiências anteriores que pudessem ajudar como modelo, era preciso desenvolver a teoria e a prática dessa nova forma de se chegar ao socialismo. Uma outra questão era a de que não haveria ruptura institucional acreditando que a flexibilidade do sistema institucional chileno se adaptaria às novas exigências que exigiam a substituição do capitalismo. Também sustentava que a via chilena consistiria na manutenção e ampliação das liberdades públicas além do seu caráter pacífico. Ele acreditava que o fato de se ter a unidade das forças populares com alguns dos setores médios (UP) teria uma maioria social importante para que os poucos privilegiados não recorresse facilmente a violência. Em 1972, em reunião do pleno do Partido Socialista ficou decidido dentre várias questões, que o Estado burguês não servia para construir o socialismo e que era necessário a sua destruição. Essa posição, entretanto, era contrária ao caminho institucional representado pela via chilena. Em discurso em maio de 1972, Allende ao contrário da resolução do pleno do PS manteve sua visão de que o aparato estatal chileno era resultado da evolução histórica da ordem chilena. Dizia que naquele momento, o Estado atuava em favor dos trabalhadores e não mais da classe dominante. E concluía:

... o caminho para o processo revolucionário não era a da via da violenta destruição do atual regime institucional e constitucional... o poder da grande burguesia não se baseava no dito regime, sem seus recursos econômicos e a completa ramificação de relações sociais ligadas ao sistema de propriedade capitalista.137

137 CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit., p.160 125

Segundo historiador Luís Márquez, era possível caracterizar o projeto de “via chilena” de Allende como uma via institucional, pluralista, pluripartidista, com pleno respeito e desenvolvimento das garantias individuais, que por não ter precedente histórico, era preciso desenvolver sua própria teoria.

126

2.4 – O programa da Unidade Popular

Mesmo com muitas divergências políticas no caráter que a coalizão de esquerda deveria assumir, os partidos da UP se reuniram antes de resolver o nome que concorreria pela coalizão para formular o programa básico de Governo, finalmente aprovado em 17 de dezembro de 1969. Fizeram parte da construção do programa os seguintes Partidos: Socialista, Comunista, Radical, Social Democrata, o Movimento de Ação Popular Unitária (MAPU) e a Ação Popular Independente (API). Esse programa foi fruto de muita discussão e mediação política, destacando o papel muito importante de Allende para conseguir que o PS fizesse parte da UP. Os partidos, ali representados em que, cada qual tinha sua ideologia e tentava fazer valer o que achava mais coerente em relação à sua representação, valores e formação social, tiveram que ceder em inúmeros aspectos para se ter um projeto único. A estratégia global colocada pela UP segundo Bitar138, era a transformação da base econômica com a ampliação da democracia, dentro da institucionalidade. As condições ideológicas e institucionais vigentes no Chile, deixava pelo menos em perspectiva a possibilidade de introduzir modificações importantes na propriedade dos meios de produção, principalmente se configurasse a aliança entre o proletariado e as camadas médias, ou seja , entre o operário, empregados, trabalhadores independentes, profissionais e pequenos empresários. A UP sustentava que o modelo de desenvolvimento chileno era concentrador e excludente, e que a indústria que de certa forma havia crescido nos últimos anos, foi gerada em torno de bens duráveis dos extratos de maiores rendas. As indústrias estrangeiras impunham o padrão de consumo e a tecnologia de seu país de origem, modelando a estrutura produtiva chilena. Inicialmente, estava colocado o desafio da análise profunda das questões sociais, econômicas e política da sociedade chilena. Esse não era um desafio simples, pois o Chile estava passando por um processo de consolidação de um sistema capitalista moderno, no qual a administração do governo Frei teve responsabilidade em seu desenvolvimento, como a reforma agrária, mudanças na política tributária, controle estatal na política bancária e

138 BITAR,S., op.cit.,p.65. 127 também dos preços de inúmeros produtos. Todos esses pontos encontraram resistência e crítica do Partido Nacional, de grandes empresários e latifundiários. Entretanto, ao mesmo tempo em que Frei propunha uma “revolução em liberdade” e de alguma forma estava implementando projetos de desenvolvimento nacional (mas dependente internacionalmente) e se indispondo com setores da direita, os problemas sociais, econômicos e políticos do Chile eram imensos. O governo Frei teve grande importância no desenvolvimento dinâmico no campo, favorecendo o grande proprietário e criando condições para o surgimento da pequena burguesia agrária. Frei também promoveu a sindicalização dos camponeses, o que possibilitou a formação de uma base de apoio político para o conjunto do projeto reformista. O processo engendrado de modernização capitalista no Chile provocou nas classes médias uma contínua diferenciação das classes mais altas. Isso se deu também pelo sentimento de radicalização, pela mobilização popular, além da crise econômica. Dessa forma, partidos como o Radical, que tinha como principal base a classe média, se incorporou na coalizão de partidos “proletários.” Assim, a UP ia se diferenciando da Frente Popular porque tinha os partidos marxistas com um programa de governo formulada por seus integrantes como principal eixo da coalizão. Esse ponto para nós é uma das características fundamentais. O fato de haver, anteriormente à escolha do candidato, a discussão do programa, só reforçou o sentido da UP: ter uma maior discussão dos rumos que deveriam adotar para o Chile e também não haver a preponderância de um partido da coalizão. Essa questão foi muito enaltecida por Allende depois da sua eleição. Como já colocamos aqui, havia inúmeras divergências entre os dois principais partidos que formariam a UP: o PS e o PC. A própria escolha do nome de Allende como candidato não havia sido feita de forma unânime, ou mais unificada. Entretanto conseguiu elaborar um programa que pontuava os principais problemas da sociedade chilena. Durante a campanha, com nível de polarização e a possibilidade de vitória foi animando setores do PS. O programa de governo da Unidade Popular procurava também fazer uma análise do momento atual do Chile, propunha iniciativas que o governo deveria ter para a 128 construção de um novo sistema e ainda apresentava além do pacto da UP quais seriam as primeiras 40 medidas do governo popular. É importante assinalar que o discurso vigente da UP era o de que as divergências ainda existiam, que cada partido tinha sua filosofia, seu método de ação, mas que todos estavam de acordo com aquele programa e lutariam para a sua implementação. Era uma espécie de pacto entre os partidos da UP:

Os partidos e movimentos que integram o Comitê Coordenador da UP, sem prejuízo de manter cada qual sua própria filosofia e seus próprios perfis políticos, coincidem plenamente na caracterização da realidade nacional exposta na continuação e nas preposições programáticas que seriam a base de nossa ação comum e que entregamos a consideração do povo139.

A crítica do programa à crise econômica, social chilena era direta e apontava como principal fator o fracasso do sistema capitalista, caracterizado pela dependência ao imperialismo e dominado internamente por uma burguesia ligada ao capital estrangeiro, que se traduzia no subdesenvolvimento, na concentração de riquezas, na exclusão das camadas mais pobres. A crise se expressava então, nas baixas condições sócio-econômicas de vida, distribuição desigual dos bens e limitações das possibilidades econômicas. O governo Frei, que tinha proposto realizar uma “revolução em liberdade”, era caracterizado como reformista e desenvolvimentista e não que passava de um governo da burguesia a serviço do capitalismo internacional e nacional. Por isso, não poderia se ter esperado do governo Frei as mudanças que tinha prometido140. O freqüente uso da violência contra os trabalhadores e as classes mais baixas também foram destacados, assim como a monopolização do ferro, salitre e cobre por parte de empresas estrangeiras, os empréstimos ao FMI, as péssimas condições de vida dos mais pobres. Todas as críticas vão num sentido de responsabilizar o sistema capitalista como grande impulsionador de todos os problemas e também das políticas adotadas pelo governo, até então. Sem dúvida, a introdução do

139 Programa basico de gobierno de la Unidad Popular, p.4. 140 Nota-se aqui uma maior radicalidade no discurso dos partidos que participariam da UP, incluindo o PC. 129 programa de governo tratava de ir inserindo a discussão que seria central no governo da UP: ou se muda o sistema e se constrói o socialismo, ou não há saída para superar a crise:

A única alternativa verdadeiramente popular e, portanto, a tarefa fundamental do que o governo do povo tem diante de si, é terminar com o domínio dos imperialistas, dos monopólios, da oligarquia latifundiária e iniciar a construção do socialismo no Chile141.

Para as mudanças acontecerem de fato, era constantemente destacado o papel da unidade e da ação do povo organizado, principalmente dos trabalhadores. É interessante notar que, segundo a CUT, em 1964, havia 270 mil 542 trabalhadores sindicalizados, sobretudo entre sindicatos industriais e sindicatos profissionais. Em 1970, decorrente também de uma política dos partidos que estavam formando a UP, esse número chegou a um total de 551 mil e 86 sindicalizados, destacando um grande crescimento nos sindicatos industriais, nos sindicatos profissionais e nos sindicatos agrícolas. Estes últimos tiveram um aumento significativo do número dos seus filiados, indo de 1658 para 114.112 mil sindicalizados, o que também tem a ver com a política de Frei de estimular a sindicalização no campo142, já comentada. Essa orientação de sindicalizar o maior número de trabalhadores possível também se dava nos Comitês da UP que foram articulados nos bairros e locais de trabalho, principalmente. Posteriormente, esses comitês seriam transformados em um importante instrumento de comunicação com o governo, pois ali seria igualmente um espaço de discussão e apresentação de reivindicações mais imediatas, comportamento que seria desenvolvido durante todo o governo. Eles seriam uma espécie de órgão extra-oficial de interlocução e, sem dúvida, o PS e principalmente o PC o vislumbravam como além de termômetro do governo da UP, um espaço importante para se organizar os trabalhadores. Essa forma de atuação para o PC significava por em prática algumas discussões do seu congresso de 1969, que dizia ser somente com o povo organizado e mediante a luta dos trabalhadores é que se poderia levar adiante qualquer mudança de sistema. Esse programa

141 Programa basico de gobierno de la Unidade Popular,p.11 130 também contemplava a resolução das necessidades da população, na medida que estabelecia, pelo menos teoricamente, um mecanismo ágil e sensível para escutá-la. Nada melhor para isso do que disponibilizar um método em que fosse incentivado o debate entre a população e as lideranças dos partidos integrantes da UP e também consolidada a visão de um governo popular que conversa com o povo. O filme do cineasta Patrício Gusmann, “La Batalla de Chile” mostra um pouco como funcionavam esses comitês. Eles aparecem como um local de discussão e, de certa forma, como o exercício de controle dos partidos da coalizão, porque ali, além de debates, havia também a tentativa de consolidar as opiniões da UP, através de lideranças sindicais, estudantis, etc. Outra discussão muito fomentada era a necessidade de preservar e de aprofundar os direitos democráticos, as conquistas dos trabalhadores e transformar as instituições para a instauração de um novo Estado, no qual os trabalhadores e o povo teriam real exercício do poder. O novo governo deveria se colocar enquanto pluripartidário. No governo, estariam integrados os movimentos, correntes e partidos políticos. O povo, por meio da sua organização sindical e social, elegeria representantes para compor os seus conselhos diretivos, que também seriam um canal de participação e diálogo com o governo popular. Este seria então, por concepção, um executor das decisões das prioridades do povo. Para isso, todo aparato administrativo seria reorganizado para descentralizar e tornar eficiente o governo. A polícia também seria reorganizada para agir, não como repressora, mas como uma parceira da população. Na política, merece destaque a proposta da criação da Assembléia do Povo que seria o órgão superior do poder, a Câmara Única, onde se confluiria as diversas correntes de opinião, item também discutido no programa de 1969 do PC. A eleição da Assembléia seria por sufrágio universal, secreto e direto de homens e mulheres, analfabetas e alfabetizadas maiores de 18 anos. A proposta era de incorporar o povo no poder estatal. Os integrantes da Assembléia do Povo estariam sujeitos ao controle dos eleitores, podendo inclusive ter o mandato revogado. A linha geral que rege o sistema político dessa proposta de governo da UP é a partir de uma sociedade em transição para o

142 BITTAR,S., op.cit.,p.40. 131 socialismo, incorporar ao máximo a população, principalmente aqueles que estão reunidos em algum tipo de organização, sindicatos etc. A Assembléia do Povo também aprovaria os planos de ação da nova economia, tendo em vista um sistema de planificação que seria coordenado e dirigido pelo estado. A justiça e o sistema de defesa nacional precisariam ser reformulados para ir ao encontro da nova realidade, em que a Assembléia do Povo seria a detentora do poder. Também seria função dela a indicação dos componentes do Tribunal Supremo. Em relação às Forças Armadas, elas teriam que passar por uma reformulação no que concerne sua finalidade e formação. Ela teria o papel de defesa da soberania, integrando-se em diversos aspectos da vida social, teria uma formação mais aberta e moderna com base na independência nacional, na paz e amizade entre os povos. O sentido geral do programa da UP, a propósito das Forças Armadas, é a de que elas teriam como objetivo a defesa nacional, principalmente se ocorresse uma reação do imperialismo ou de quaisquer outros setores internos da sociedade chilena, contra a instalação do regime socialista. No plano mais geral, o programa econômico da UP, as mudanças econômicas são complementares das mudanças sociais e políticas que afetariam toda estrutura básica do sistema. Portanto, a mudança econômica por sua natureza estrutural, possibilitaria a construção de um novo Estado através do aniquilamento dos monopólios da dependência estrangeira, reafirmando a idéia de que somente políticas reformistas143 não mudariam os rumos do Chile.A intenção era constituir uma área de propriedade social através da passagem para o Estado dos meios de propriedade. Sobre a nova economia propunha a nacionalização das riquezas básicas, como o cobre, ferro, salitre, sistema financeiro, comércio exterior, grandes empresas e os monopólios industriais estratégicos, distribuição de energia, transporte ferroviário, aéreo, marítimo, a produção, refinação e distribuição do petróleo e seus derivados, a siderurgia, cimento, petroquímica, celulose, química pesada e papel. Ou seja, a proposta era nacionalizar aquelas atividades que julgavam ser de grande importância para o desenvolvimento econômico e social.

143 A palavra reformista neste caso tem uma conotação de que realizar pequenas reformas que não viesse a confrontar os grandes monopólios que existiam no Chile não iria liberta-lo de fato. Essa era a idéia do Partido Comunista do Chile. 132

Teria-se três tipos de propriedade: estatal, mista (combinavam os capitais do Estado e os particulares) e a privada. Neste sentido, o programa do PC, em 1969, também apontava a criação dos três tipos de propriedade, mas com intuito de se conquistar uma maioria nacional, para se ter o controle efetivo dos meios produtivos do país e, assim, obter condições de possível transição para um estado socialista. Nesta fase, os três tipos de propriedade teriam de coexistir para preparar o caminho para o socialismo, pois a UP sabia que não poderia acabar com a propriedade privada de uma hora para outra, sem causar largos estragos ao Chile. Era visível a preocupação de se ter o domínio dos rumos da produção econômica do país. Sem isso, qualquer tipo de poder para o PC seria ilusão porque tudo que poderia impulsionar a um crescimento e a uma mudança efetiva estaria sob direção do capital externo. E na polarização existente na época entre capitalistas e comunistas, obviamente que as empresas capitalistas que dominavam a economia chilena iriam de qualquer maneira sabotar o novo governo. Por isso, pensou-se como saída os três tipos de propriedade, inclusive para preservar a burguesia nacional, que era prejudicada pelas grandes empresas estrangeiras, mas, também, para não haver uma ruptura econômico-social tão abrupta. Aos poucos a produção passaria para o controle do Estado. Sobre a economia dizia os objetivos gerais do programa:

As forças populares unidas buscam como objetivo central de sua política substituir a atual estrutura econômica, terminando com o poder do capital monopolista nacional e estrangeiro e com latifúndio para iniciar a construção do socialismo. Na nova economia de planificação jogará um papel importantíssimo. Seus órgãos centrais estarão em mais alto nível administrativo e suas decisões geradas democraticamente, terão caráter executivo144.

Quanto à questão agrária, o principal era aprofundar e acelerar o seu processo de reforma, organizando os novos agricultores em cooperativas. O programa agrário também apresentava muita semelhança com o programa do PC, mostrava o mesmo teor de mudanças.

144 Programa basico del gobierno de la Unidade Popular, p.20. 133

Ele igualmente estabeleceria profundas modificações na educação, cultura e ações sociais do governo. Para a UP, a cultura e educação eram questões que se complementavam. Elas teriam que ser reflexos das mudanças estruturais do país e, para isso, o desenvolvimento de duas exigências seria fundamental: a integração nacional e a democratização. Era preciso, assim, criar uma nova cultura diante da planificação e da democratização da sociedade sob novos valores. A cultura seria produto da luta de classes e suscitava novas formas como o da superação das contradições. No plano internacional, a política a ser adotada, era a de se relacionar com todos os países do mundo, independente da posição ideológica e política. Entretanto, aqueles países, em que o povo lutava pela construção do socialismo, receberiam toda solidariedade possível por parte do Chile. Assim, a proposta de governo da UP caminhava no sentido de criar um pacto entre representantes partidários e a população, principalmente a trabalhadora, para conquistar o poder político e gerir as mudanças que levariam o Chile ao socialismo, pois só se teria força suficiente para enfrentar os interesses monopolistas nacionais e estrangeiros se houvesse, de fato, uma mobilização das forças populares. Somente a radicalização dos movimentos sociais poderia dar ao governo o apoio suficiente para pressionar o parlamento no sentido de aprovar as mudanças radicais necessárias e, ao mesmo tempo, ajudar a paralisação das contra-ações da burguesia, as quais seriam afetadas pelas mudanças. Todavia, o governo precisava também mostrar sua eficácia e agilidade para as classes populares para elas, inclusive, continuarem acreditando no governo popular. Portanto, a luta de classes é que conduziria as mudanças. O programa da UP demonstra claramente a estratégia que seria adotada para a fase de transição ao socialismo. Primeiramente, aconteceria a mudança econômica para reforçar a mudança institucional e, depois, a ideológica. A base dessa estratégia de que através das mudanças econômicas seria possível realizar a transição para o socialismo estava “assegurada” no que se acreditava ser a flexibilização institucional. Pensava-se que o regime institucional estava aberto para as forças revolucionárias e que, eleitoralmente, seria possível obter o poder executivo e, com ele, o controle político total do país. Diferentemente de outras experiências em que as mudanças iniciavam no plano institucional porque as estruturas políticas impediam a transição econômica, no Chile, o 134 discurso da legalidade e, acima de tudo, da institucionalização ganhou uma cega conotação de realidade concreta. A crença nessa realidade em que a vontade popular através do voto por si próprio bastava para que a contra revolução não ousasse nenhuma radicalização contra o governo, era quase verdade absoluta para o PC e para Allende. O presidente eleito assim se pronunciou no Congresso Nacional, em 1971:

De minha parte declaro, senhores membros do Congresso Nacional, que fundando- se esta Instituição no voto popular, nada em sua própria natureza impede de renovar-se para converter-se de fato no Parlamento do povo. E afirmo que as Forças Armadas e o Corpo de Carabineiros, guardando fidelidade ao seu dever e à sua tradição de não intervir no processo político serão o respaldo de uma ordem social que corresponda a vontade popular expressa nos termos que a constituição estabeleça145.

Era relevante para a UP ser sustentada pelo pluralismo, pela democracia e pelo apoio popular. Fica claro que sem esses propósitos nem a própria UP resistiria aos seus mil dias de vida, pois suas divergências enquanto projeto, alianças, táticas eram profundas. Isso ficou mais que demonstrado no período das ofensivas contra o governo. Também nos parece bastante visível que as proximidades entre o programa do PC e da UP não são por acaso, mas demonstra que na realização do Congresso de 1969 (às vésperas da eleição, já que as articulações começaram antes e no final de 1969 já se tinha o programa de governo) consolidava traços e projetos políticos que o PC pensava para um possível governo popular e que iria disputá-los nas discussões internas da coalizão. Parece- nos que o Congresso do Partido Comunista foi uma prévia do que seria o projeto de um governo que eles achavam caminhar para o socialismo. E, mesmo com Allende dizendo que não havia um partido hegemônico, era visível que o PC e o PS, pelo seu peso político, trajetória e enraizamento nos setores que a UP achava fundamental, acabavam polarizando e direcionando muitos debates. Os indícios nos levam a pensar que, num debate sobre o programa de governo revolucionário no qual parte do PS já o encarava com ressalvas (pelo fato de parcelas deste 135 partido não acreditarem na “via pacífica”), existiam evidências de muita proximidade dos projetos políticos do PC. Luís Corvalán dizia que o êxito do programa da UP (pelo menos na teoria) era o fato de ele ter uma leitura clara e acertada da realidade chilena. Essa caracterização certamente ajudaria na escolha correta no objetivo principal que deveria enfrentar o possível governo popular: o capital imperialista, a burguesia monopólica e os latifundiários que constituíam o núcleo central e o centro de gravidade do sistema de dominação. Acreditava-se que, destruindo o seu poder econômico e político, a burguesia não teria condições de continuar implementando medidas capitalistas. O PC junto com um setor do PS, o PR e Allende defendiam que o projeto da UP deveria ter duas etapas. Uma, a principal, que tinha um caráter antioligárquico e antiimperialista, que aconteceria através da socialização das riquezas básicas, bancos, latifúndios e empresas monopólicas. Porém, sem ainda significar o início da construção socialista, entretanto uma preparação para a segunda etapa, com controle amplo do Estado, organização popular e consciência política. A partir daí, estaria pronto para se realizar todo o projeto. Contrariamente a essa posição estava parte do PS e o MIR (que não participava da UP) que achavam que era preciso já de início ter o poder total do Estado e realizar a transição para o socialismo urgentemente. A importância de se chegar a um “reconhecimento acertado do inimigo” existia no sentido de além de se ter claro com quem constituir uma aliança eleitoral, saber como fazer para neutralizá-lo. O fundamento de sustentação da aliança para o PC era a unanimidade construída na necessidade de se aniquilar o capitalismo monopólico dependente e também de desenvolver uma economia de transição que acabava com a propriedade imperialista, monopolista e latifundiária, dando, assim, um duro golpe na base de dominação burguesa. O programa da UP, portanto, depois da análise política da situação do país, apontava que era imprescindível para superar todas as contradições, ir além de políticas reformistas. Essa era a diferença de fundo com as outras propostas de governo. Apenas a solidariedade, a união entre classes e a ausência de tensão social não seriam possíveis para superar os problemas do Chile, pois a crise não se resolveria com ações pontuais, mas com

145 BITAR,S.,op.cit., p.67. 136 uma mudança de sistema. Até porque para os dois principais partidos da UP, dentro de um regime capitalista, não havia como se ter solidariedade e união de classes antagônicas. Para a UP, o novo Estado, que seria democrático, pluralista, descentralizado, autônomo institucionalmente falando, teria a presença de representantes do povo, das empresas do setor público e de organismos de estado e, como questão fundamental, garantir as conquistas das forças populares, através da Assembléia do povo. O desafio de conquistar um projeto político único estava consolidado, sendo então a questão de maior relevância para o momento, o convencimento da população chilena de comparecerem as urnas e escolherem o candidato socialista e marxista da Unidade Popular, Salvador Allende, e um futuro socialista para o Chile.

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CAPÍTULO III –

3.1 - Análise dos documentos do Partido Comunista (1970-1973) – Breves Considerações

Neste capítulo apresentaremos, para análise, dois tipos de documentos: textos escritos como intervenções especiais apresentados nas reuniões do pleno do Comitê Central do Partido Comunista e algumas entrevistas cedidas por membros do PC à jornais da época, referentes ao período de 1970 a 1973. Entretanto, a grande maioria dos documentos escolhidos para análise é constituída de intervenções apresentadas pelos membros de direção do PC em reuniões importantes, que buscavam fazer análise da situação política do país, além de constantes avaliações sobre o governo. É notável o desenvolvimento da tensão política durante os anos de governo Allende, e também a freqüência de determinados temas que, de certa forma, têm o objetivo de assegurar a estratégia montada pelo governo e pelo PC como: a confiança nos trabalhadores para garantir a continuação da revolução chilena, a reafirmação dos feitos do governo, os estranhamentos com o MIR, a prioridade que se dava para as mudanças econômicas, deixando a esfera das mudanças políticas para um segundo plano. Por outro lado, transparecem pouco as divergências com o PS, a não ser no ano de 1972 e parte de 73.O termo “via pacífica ou via chilena”, é pouco utilizado, preferindo conceituar o processo como revolução chilena, ainda mais porque, esse momento já era encarado como uma etapa da revolução chilena, como o início do processo de transição ao socialismo. Entretanto, no ano de 1973, diante das dificuldades, utiliza-se muito o discurso de que o governo Allende estava apenas solidificando as raízes para a implementação do socialismo. Luis Corvalan chegava a dizer que o próximo governo seria de fato uma transição ao socialismo. Para facilitar o reconhecimento e o discernimento das discussões apresentadas pelo PC, dividiremos a análise por ano. Algumas delas são revisitadas em outros anos, como por exemplo, o caso do debate sobre a “batalha da distribuição”, apontado pelo PC como uma questão fundamental para enfrentar a reação da direita. 138

No ano de 1970, as análises se fazem no sentido de como estruturar a campanha eleitoral dentro do PC. Depois do governo eleito, as questões apresentadas aparecem com o sentido de reafirmar o caráter do governo, por meio de suas primeiras medidas, mas também em outras que teria de realizar a longo prazo. Os informes no CC, que foram publicados, buscavam ressaltar os pontos positivos do governo, demonstrando o caminho acertado que se estava percorrendo. A partir de junho, há uma certa alteração no tom da propaganda dos feitos do governo por causa dos ataques promovidos pela direita. São apresentados alguns pontos em que era preciso aprofundar as mudanças. Também havia sido realizado um balanço do crescimento partidário, onde se destacava a necessidade de ampliar o trabalho de organização e formação com os novos filiados. O ano de 1972 é marcado por grande dificuldade política vivida pelo governo, principalmente por causa da derrota nas eleições complementares e da grande ofensiva da direita respaldada pelo governo norte americano. Foi um momento em que os informes do PC passaram a ser um pouco mais teóricos, refletindo o processo chileno do ponto de vista do pensamento leninista. Também há o resgate de várias ações do governo analisadas a partir do aprofundamento da implementação do programa básico do governo da UP e da apresentação de alguns pontos que deveriam ser colocados em prática imediatamente, com a finalidade de melhorar a situação do país. Há um destaque grande para o embate com os chamados esquerdistas, tendo como seu representante principal o MIR e também com alguns partidos da UP, por causa da reunião em Concepción. Em 1973, no ápice da crise e também quando acontece o golpe militar, em setembro, ocorreram eleições parlamentares, onde a UP saiu fortalecida no sentido de que, apesar do aumento da crise, houve um aumento em sua votação, mas não o suficiente para obter a maioria como se pensara. Foi neste momento que também se pontuou alguns erros do governo principalmente, e quase que exclusivamente, no que se refere à economia. Também é convocado o XV Congresso do PC que iria ocorrer no final do ano de 1973, com o intuito de ser marcado por grandes debates, atos políticos e reafirmar as posições políticas do PC, incluindo um caminho não armado como uma via já em andamento e com grande êxito, apesar das dificuldades. 139

Por fim, a DC e o PN são denunciados pelas tentativas de golpe. Aliás, temos a última declaração do Comitê Central no dia do golpe, um pouco antes da Rádio Magallanes perder o seu sinal de transmissão por ordem dos golpistas. É importante ressaltar a dificuldade de se conseguir estes textos na sua forma original porque muitos deles foram destruídos pela ditadura e outros estão esperando serem organizados pelo Instituto de Estudos e Pesquisa do Partido Comunista Chileno. Os informes foram selecionados a partir da publicação de um livro que contém inúmeros documentos de vários partidos chileno no período de 1969 a 1973, chamado La izquierda chilena.

A eleição de Salvador Allende foi um processo muito difícil e violento. Sua vitória nas urnas não significava que havia ganhado as eleições. Era preciso que o Congresso ratificasse a sua vitória, porque não havia sido atingida a maioria dos votos, como exigia a Constituição. Entretanto, até haver a confirmação do Congresso, tornaram-se públicas as articulações nos centros dominantes, que também envolviam o governo norte-americano, para impedir a posse do presidente. O PN chegou a propor à DC que o Congresso desse a vitória a Alessandri (PN) e em troca, assegurava que ele renunciaria ao cargo para, então, serem realizadas novas eleições. Este acordo pré-estabelecido sinalizava que o PN apoiaria um candidato da DC. Essa foi apenas uma das tentativas de não dar posse a Allende. Muitas outras foram pensadas, todavia a DC foi ponto fundamental no apoio ao respeito ao resultado eleitoral. O novo presidente tomaria posse em novembro e seu governo enfrentaria muitas dificuldades, já visíveis desde sua eleição. O ano de 1971 foi marcado pelo processo de implantação da Área de Propriedade Social. O projeto de nacionalização do cobre, apresentado em janeiro de 1971, só foi aprovado seis meses depois. Os embates entre a DC e a UP eram constantes e, muitas vezes, paralisavam o congresso. Neste mesmo ano, foi também apresentado ao parlamento o projeto de compra de ações de bancos e a expropriação de empresas que também tiveram a oposição da DC. A reforma agrária e a posição intervencionista do Estado também foram destaques e contaram com muita oposição da direita, dos latifundiários, dos norte-americanos etc. 140

Nas eleições municipais de 1971, a UP teve um crescimento importante na sua votação, uma ampliação política necessária e significativa para a continuidade da aplicação do programa da UP. Mas a reação da direita foi se revelando aos poucos: venceram as eleições para Reitoria da Universidade do Chile; as organizações patronais deflagraram uma greve no campo contra a reforma agrária; o crescimento da política de boicote ao governo aumentou a crise da produção etc. Também houve o assassinato de Pérez Zujovic por grupos de extrema esquerda etc. O ano de 1972 foi marcado por uma extrema polarização entre a direita e a esquerda, por desentendimentos entre os partidos que compunham a UP, pelo financiamento por parte do governo norte-americano a grupos paramilitares e às ações “terroristas”. Neste ano, a economia entrou em crise. Houve boicote à produção e distribuição de alimentos e mercadorias, causando problema sério de desabastecimento e, ainda, greve geral em outubro, indicando crise com radicalização da política interna. Com a desarticulação da greve de outubro e após vários dias de importante atuação dos trabalhadores para garantir a produção, os conflitos passaram novamente ao plano institucional, tendo como questões prioritárias os militares e as expropriações de empresas. Era a tentativa clara de acabar com a aproximação do governo com as Forças Armadas, pois que na greve de outubro o governo chegou a criar um gabinete cívico-militar, incorporando o general Prats nos altos escalões governamentais. Entre os próprios partidos de esquerda, que compunham a UP e também com o MIR, o desentendimento era cada vez maior. Eles pediam a preparação de uma luta de resistência mais ofensiva por parte do governo e dos partidos que participavam das entidades do movimento social, como a CUT, por exemplo. Em março de 1973, ocorreram eleições e a direita tentava se fazer maioria para comprovar que a população não apoiava o governo, e, assim, fortalecer a tese da possibilidade do impeachment. A UP não obteve a maioria dos votos, mas ampliou seu eleitorado. A direita passa, então, a se concentrar no caos econômico e na tentativa de ganhar a opinião das FFAA. Para isso, precisava questionar a autoridade do general Prats. Neste sentido, foi organizada 141 uma estratégia para confrontar a UP e os setores militares, instigando os desentendimentos e infiltrando pessoas na marinha. Prats renuncia, em agosto, depois de enfrentamentos públicos com manifestantes de direita e um longo período de desgaste ‘programado’. Em 22 de agosto, o Parlamento declarou a ilegalidade do governo que já estava sem interlocução com as FFAA, mas apoiado por um amplo movimento do povo. Em 29 de junho, houve uma tentativa frustrada de golpe militar, porém a situação parecia insustentável. Depois de todas as articulações da direita, uma ofensiva brutal estava a caminho. O 11 de setembro revelou para os chilenos a face mortal e repressora de um processo arquitetado pela direita em conjunto com o estado norte americano: o golpe militar.

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3.2 – Os documentos de 1970: Unidade, Classe Operária e Mobilização Social

Foram lidos e analisados documentos escritos por integrantes partidários, que pertenciam à direção do Comitê Central do Partido Comunista do Chile, neste período. Esses documentos são datados de fevereiro a dezembro de 1970, portanto, incluindo períodos anteriores à eleição de Salvador Allende, do período da campanha eleitoral e de após a sua vitória.

O primeiro artigo, escrito em 7 de fevereiro, é do deputado Jorge Insuza e tinha o objetivo de relatar a preparação da atuação do Partido Comunista na campanha eleitoral de Salvador Allende. Ele destacava a importância de se ter a esquerda unida em torno de um projeto político eleitoral consistente, apontando a unidade entre PS e PC como fundamental, sem desconsiderar a participação do Partido Radical, MAPU e API. Essa opinião, mesmo com toda imprensa de direita tentando provocar a ruptura entre eles, foi a que mereceu maior destaque. A Unidade Popular era caracterizada pelo deputado, como única capaz de resolver os problemas do Chile:

Desde 1938, o povo do Chile não conseguia reunir em uma só frente forças políticas e setores sociais tão vastos. A Unidade Popular está cimentada em um Programa definido e claro que propõe as mudanças revolucionárias que estão na ordem do dia, em uma concepção de poder e em um acordo sobre governo que garantisse a todas as forças políticas sua integração responsável pela condução dos assuntos do país. É uma aliança com qualidades novas, mais avançadas que as do passado, com um peso maior da classe trabalhadora e dos setores sociais e políticos mais conseqüentes. É portanto, uma unidade que está de acordo com a maturidade alcançada pelo movimento popular chileno, capaz de crescer e ampliar-se, de transformar-se no centro de atração para a imensa maioria da população.146

146 Cf:INSUNZA,J. Texto del informe rendido ayer por el miembro de la Comissión Política,1970,p.219. 143

O documento também busca fazer uma diferenciação das três candidaturas: Allende, Alessandri e Tomic, discernindo os grupos políticos e as camadas sociais que apoiavam cada uma delas. O objetivo era demonstrar que os responsáveis pela exclusão, pela pobreza e pela má distribuição de renda não estavam do mesmo lado da Unidade Popular. Allende era caracterizado como candidato ligado à luta do povo, às classes mais baixas e aos revolucionários e, por isso, havia recebido apoio do povo chileno desde sua primeira candidatura, apesar de não ter ganho. Ele na UP, era visto como um mandatário do povo já que não existiria um partido hegemônico dentro da coalizão. A candidatura de Alessandri era fruto do protótipo da representação da oligarquia, portanto não poderia propor modificações profundas. Ele e sua família tinham participação em 50 dos 150 grandes monopólios que existiam no país como: Codina, Copec, Papelera, Importado Wall, dentre outras. Ele também era muito bem visto pelos grandes bancos do Chile. Ora, a ligação e inserção de Alessandri neste setor da sociedade, era bastante significativo, pois dizia-se que por ele estar ligado a setores que usufruíam de privilégios econômicos, não romperia seus elos com eles. O deputado Jorge Insuza responsabilizava Alessandri e o Partido Nacional pelas políticas de incentivo aos grandes monopólios internacionais e pela política econômica estabelecida no Chile que, por muitos anos, empobreceu o trabalhador, além de gerar caos social. Ele também alertava para o fato de que a propaganda de Alessandri tentava mostrar independência frente aos interesses de empresários, dos latifundiários, das oligarquias, pois queria se contrapor à idéia de que existiam setores internacionais interessados em sua vitória, demonstrando o contrário. Segundo a sua compreensão, os países que integravam o bloco comunista (Cuba, URSS, China) estavam não só interessados, mas ajudando na eleição da UP para que, depois da vitória, fosse estabelecida a ditadura do proletariado para a integração do bloco comunista na América do Sul. Em contraposição, o deputado Insuza dizia que o governo da UP seria forte pela profundidade de sua ação e pelo apoio das classes sociais na escolha do caminho revolucionário. Portanto, um tipo de governo popular em antítese com o que seria um governo de direita. 144

Tomic, que era o candidato que representava o governo de Eduardo Frei, apresentava propostas para um possível mandato como, por exemplo, o aumento da participação popular e a substituição do capitalismo por algo que não era o socialismo. Tomic, segundo o PC, continuava a fazer promessas de mudanças, seguindo a mesma compreensão de quando Eduardo Frei fora eleito com o projeto orientado pela máxima “Revolução em liberdade”. Insuza afirmava que essa estratégia era para apresentar um discurso parecido com o da UP mas, ao mesmo tempo, mostrando que não tinham ligações com o comunismo. A candidatura de Tomic analisava o PC e ajudava a candidatura de Alessandri.Era uma estratégia importante porque mesmo não tendo chances de vencer, Tomic impedia os setores populares que sofriam influência da DC a votarem na UP, caso houvesse a disputa entre apenas as duas candidaturas. Apesar de não haver clima de polêmica entre Allende e Alessandri, neste período de fevereiro de 1970, formava-se a polarização de esquerda X direita. Ao mesmo tempo em que o PC tentava refletir sobre as posições do PN e da DC, ele precisava também responder aos debates levantados pelos chamados ultraizquerdistas que atacavam o projeto da UP. Esse enfrentamento também se dava no movimento popular, já que muitos deles tinham inserção em sindicatos, agremiações como o MIR, por exemplo. Para o PC, a eleição era uma batalha de classes e as camadas populares precisavam desenvolver ações, tanto para evidenciar suas reivindicações, quanto para mostrar claramente suas posições. Portanto, a campanha deveria ganhar as ruas para denunciar o atual governo e, ao mesmo tempo, apoiar a candidatura de Allende. Para isso, os comitês da campanha deveriam desempenhar também o papel de organizadores da luta reivindicatória. Dentro desses parâmetros, o papel do PC seria o de colocar no centro a classe trabalhadora, porque ela seria o “motor da Revolução”. Assim, o partido convocava, em especial, as regiões de grande concentração proletária como Santiago, Valparaíso, Concepción, Antofagasta para dar respostas às demandas feitas pelo Comitê Central do partido: colocar no centro e em atividade o movimento preparado pelo povo. E exemplificava algumas ações como: as atividades organizadas pelo Comando Nacional Feminino no centro proletário da povoação de La Victoria; as Brigadas Ramona Parra das Juventudes 145

Comunistas que estavam se mobilizando e pintando, nos muros das cidades, desenhos relativos à luta do povo, ao ideário comunista e à campanha de Allende. Desde a elaboração do programa do PC, em 1969, ficava claro que o centro do poder deveria ser ocupado pelo proletariado e, numa possível vitória eleitoral, ele seria o protagonista da campanha e posteriormente do governo. Essa questão sempre foi um princípio levantado pelo conjunto partidário. Não seria uma ou duas vezes que nesses documentos estariam destacados o papel da mobilização popular, o projeto da UP, fatores sem os quais a socialização de um país não é possível.

Em outro informe, datado de oito de fevereiro de 1970, o destaque era a intervenção de José Oyarce, membro do Comitê Central. O fundamental do seu enfoque era a importância dos Comitês de campanha da UP como tônica determinante para uma campanha de massas. Os comitês teriam de se converter em organismos vivos que impulsionassem a luta dos trabalhadores, além de desenvolver uma campanha ágil e vigorosa para desmascarar a DC e o PN. Para tanto, todos os organismos e militantes do PC tinham que estar de todo voltados para a campanha. Era preciso constituir os chamados comandos paralelos, principalmente nas frentes de juventudes e mulheres, que tinham características muito próprias e especiais. A orientação era preparar os comitês e a partir deles realizar atividades para conscientizar e difundir o programa da UP.

Para conquistar o poder, é necessário que todos os partidos como requisito essencial, desdobre a todo vento sua participação. Isto tornaria possível incrementar a organização da campanha em níveis impressionantes. O que permitiria cumprir a premissa fundamental de constituir comitês em cada fábrica, fundo, serviço, população, escola, ruas, conjunto de casas, ou lugar onde se desenvolva alguma atividade de qualquer natureza, até somar os milhares e milhares que necessitam.147

147 OYARCE,J. Intervención en el Pleno del Comite Central del Partido Comunista, 8de febrero de 1970,p.235. 146

O organismo da campanha estava dividido na seguinte estrutura: Comando Nacional da UP, o qual era integrado por três representantes de cada partido e movimento nacional pró UP; Comandos provinciais, regionais e locais. Todos esses comandos seriam integrados por representantes dos partidos e movimentos que formavam a UP e, se fosse necessário, poderia ser incorporado nos vários comandos personalidades ou setores que eles julgassem importantes. Ainda propunha-se a criação do Comitê de base, que determinaria o caráter popular da campanha. Esses seriam os comitês da indústria, escola, hospital, bairro, população, fundo, serviço etc. As atividades desses comitês deveriam ser constantes e teriam como desafio difundir o programa da UP em cada setor. A idéia era criar uma grande mobilização nacional. O PC alertava para possíveis desentendimentos com a ultra-esquerda ou com outros grupos. Enfatizava-se que os comitês não deveriam alimentar provocações quaisquer que fossem. Também diziam que setores da UP queriam que os sindicatos, grêmios, organizações diversas fossem integrados aos organismos da coalizão, mas o PC era contrário. Para ele, se isso acontecesse, tais organismos perderiam sua independência frente a UP, porque eram, antes de tudo, patrimônio de seus sócios, com idéias políticas independentes. O principal, então, era organizar o povo e, em conjunto com os aliados, serem os protagonistas decisivos. Cabe aqui, uma reflexão interessante. Ao mesmo tempo em que o Partido Comunista tinha um grande destaque no maior e importante sindicato de trabalhadores que era a CUT, portanto em um importante espaço para garantir a vitória de Allende, o PC era contrário à sua incorporação na campanha enquanto instituição. Isso não livrava seus principais dirigentes sindicais, estudantis, agrários de atuarem destacadamente na campanha eleitoral, participando inclusive nos comitês das respectivas áreas de atuação. A entidade não falava publicamente no apoio a Allende, mas atuava de forma muito marcante da sua campanha eleitoral. Entretanto, era quase impossível não caracterizar a CUT, por exemplo, como apoiadora da UP, pelo nível de envolvimento de suas principais lideranças, principalmente do PC e do PS, na campanha pela sua identidade, junto aos trabalhadores das minas de extração de minérios.

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No dia 7 de maio de 1970, o presidente Luis Corvalán faz seu informe sobre este período da campanha eleitoral que se tornava cada vez mais intensa. Ele alertava que para vencer era preciso conter a violência reacionária e passar para a ofensiva política. Corvalán cita, como exemplo da violência da campanha eleitoral, as invasões nas sedes CORA (Corporação da Reforma Agrária) e o assassinato de um de seus representantes, o engenheiro Hermán Mery Fuenzalida. Ele alerta à constituição de grupos anticomunistas de tipo terrorista, os ataques às sedes do Comitê Central do PC, do Comitê Central das Juventudes Comunistas, da CUT, do Comitê Regional de San Miguel e dos jornais Clarín e La Nación. Denuncia também o financiamento feito por empresas imperialistas à campanha de Alessandri e Tomic, que, conjuntamente com a embaixada norte-americana e agentes da CIA possibilitava desencadear campanhas de terror. Para interferir nessas iniciativas de violência, Corvalán dizia que a maneira mais eficaz era colocar o povo na rua, haja vista que:

As empresas imperialistas, os monopólios internos destinam milhões e milhões de dólares e de escudos as candidaturas de Alessandri e de Tomic. Mediante montanhas de dinheiro querem distorcer a vontade dos cidadãos. Apostam nos dois, mas se reservam ao direito de decidir-se por um deles ou de pressionar a favor de um entendimento entre os dois. Sabem que estão em jogo seus bastardos interesses, seu domínio sobre esta pequena e grande nação latino-americana e com a necessidade de defender seus interesses não trepidam em nada. Têm se dedicado inclusive ao contrabando. Estão dispostos a tudo, a armar quem sabe que provocações no futuro próximo, a desencadear o terror até o golpe de Estado, se não encontrarem outro caminho mais viável.148

Ele destacava ainda que o governo de Frei também ajudava as outras candidaturas, reprimindo as manifestações da UP. Era preciso colocar no centro das discussões políticas as posições de classe de cada candidato, os seus respectivos problemas e a divulgação do programa da Unidade Popular. Também era importante dar destaque às lutas

148 CORVALAN LEPEZ,L. Informe al Pleno del Comite Central del Partido Comuunista, 7 de mayo de 1970, p.252. 148 reivindicatórias das massas, como no momento estavam fazendo os trabalhadores do salitre, o movimento juvenil, comerciantes e os aposentados das Forças Armadas. Mais uma vez, neste documento, era reafirmado que a base da campanha deveria ser os trabalhadores porque eles iriam garantir a vitória da UP e, posteriormente, ajudariam a sustentar o governo eleito para realizar as transformações necessárias até chegar ao socialismo. Portanto, os sindicatos tinham papel extremamente importante pela sua dupla função: levar adiante as lutas reivindicatórias, denunciando as más condições de trabalho, baixa remuneração etc, e também tomar parte ativa e dirigente das tarefas próprias desta batalha eleitoral, sem colocar o sindicato propriamente como apoiador da UP. O discernimento entre o apoio do sindicato a uma candidatura, o aprofundamento das lutas por melhores condições de trabalho e o não apoio formal do sindicato, era uma situação delicada que perdurou em toda campanha. Durante o governo, essa separação era difícil de manter, pois fazia parte do programa de governo que os trabalhadores tomassem a frente da produção e se organizassem para conduzir as direções das fábricas e das indústrias. Por sua vez em grande parte, os trabalhadores estavam organizados nos sindicatos, e envolvidos nas políticas do governo, nos comitês de produção e nos convênios entre governo e CUT, desde o início. Corvalan alertava para o caso dos pequenos e médios empresários, comerciantes e mulheres. Era preciso ter um destaque especial com estes eleitores, pois a maioria estava sob a influência da direita ou da DC. Em relação aos intelectuais, Corvalan destaca com euforia o apoio da grande maioria de escritores, artistas, técnicos etc. A esquerda havia ganho também as eleições da Sociedade de Escritores, o que facilitou muito a obtenção do seu apoio. Outro problema grave destacado na campanha era a desigualdade do financiamento das três candidaturas. A publicidade na imprensa escrita e falada também era desfavorável porque os principais meios de comunicação estavam ligados à DC ou à direita. As forças políticas que compunham a UP deveriam resolver conjuntamente esses problemas. Os comitês deveriam se auto financiar para as atividades, além de confeccionar materiais próprios. Outro ponto levantado por Corvalan era a respeito da atuação da ultra-esquerda entre os trabalhadores, que, a todo momento, era estimulada pela direita com intuito de 149 atacar a UP. Os ataques se dirigiam sobretudo à via institucional para se construir o socialismo, já que para eles só havia um caminho: o armado. Esta questão continuaria fazendo parte dos discursos do PC, mesmo durante o governo Allende, quando chegavam a denunciar o investimento estrangeiro em algumas organizações, com a finalidade de desestabilizar o governo. O debate sobre a “via pacífica” foi acirrado, após o Congresso do PC, que definiu esta via como o seu referencial para a revolução chilena. Porém, mesmo após o XX Congresso da URSS, onde esta idéia também foi muito discutida pela esquerda mundial, a “via pacífica” era contestada por aqueles que, em 1970, aumentavam o tom do seu discurso contrário. Neste informe de Corvalan já era fácil de vislumbrar as dificuldades pelas quais passaria a UP caso vencesse as eleições: as divergências entre a esquerda, a ofensiva da direita e o financiamento da CIA para impedir o êxito do “governo dos marxistas”. Salvador Allende tinha a consciência disso, mas não nas proporções que foram tomando os fatos, tanto que em seu pronunciamento, após sua posse, afirmou que o processo de campanha havia sido difícil, mas a consolidação do governo popular seria ainda mais.

No dia 11 de maio de 1970, Volodia Teitelboim destacava que para se ganhar as eleições era preciso melhorar a campanha eleitoral já que o resultado deveria deixar transparecer o difícil e polarizado processo que estava ocorrendo. Para ganhar esse processo eleitoral, dizia-se ser necessário trabalhar e viver para a vitória. Era preciso que o espírito do Congresso do PC, de 1969, fosse levado adiante. O PC deveria estar em “pé de guerra” e com mobilizações permanentes. “Cada qual deve estar em seu posto de combate”. E também, essa batalha deveria ser considerada de toda UP e, para tanto, era fundamental melhorar a relação com os outros partidos que a compunham. Também era destacado que o maior compromisso que se poderia ter naquele momento era o de difundir a campanha nos lugares de trabalho e entre as populações de trabalhadores, enfatizando a importância de Santiago, porque ali estava 38% dos eleitores, e das outras cidades como Valparaíso, Concepción, Antofagasta e Cautín. A possibilidade de vitória, segundo Volodia era real, mas para isso alguns pontos deveriam ser destacados: 1 – Correta condução política, popularização do pacto político e 150 do documento sobre a condução da campanha. Era preciso divulgar massiçamente o programa, assim como todos os materiais da UP fazendo reuniões com setores da sociedade para explicar o que mudaria no seu cotidiano se a UP ganhasse as eleições; 2 – Dar forma orgânica e expressão da acolhida e do sentimento favorável à vitória da esquerda, imprimindo à campanha um caráter popular; 3 – Fazer mais propaganda, pintando mais murais, realizando atividades por conta de cada comitê, fóruns, atos grandes e regulares, etc; 4 – Estabelecer contato cotidiano entre os comitês e pessoas que os representasse. Realizar visitas nas casas de cada morador sob responsabilidade desses comitês; 5 – Realizar uma campanha documentadamente crítica às outras candidaturas, denunciando o governo de Frei e a direita. Utilizar as rádios e meios de comunicação das massas; 6 – Destruir cartazes e panfletos que fizessem parte da campanha do terror; 7 – Orientar o esforço das campanhas nas capitais e entre as mulheres. Adaptar os comitês em estruturas mais adequadas e flexíveis de organização com a participação de mulheres. Dar destaque à iniciativa da criação do Ministério de Proteção à família; 8 – Estimular o impulso revolucionário da juventude, desenvolvendo todas as iniciativas possíveis para que ela se expressasse; 9 – Dar maior atenção aos camponeses, mantendo a vinculação de suas lutas agrárias com a necessidade de sua incorporação na campanha (até porque Frei havia iniciado a reforma agrária e também havia estimulado a sindicalização dos camponeses em sindicatos ligados ao centro e a direita política do país); 10 – Melhorar a campanha nos povoados e bairros; 11 – Trabalhar pelo convencimento dos setores médios, demonstrando que o programa da UP não ia contra eles, como dizia a DC e a direita; 12 – Divulgar mais as adesões da grande parte dos intelectuais, aproveitando a vitória da UP na sociedade de escritores. Para Volodia, cumprindo esses pontos, não haveria como ser derrotado nas eleições e o PC sairia fortalecido e organizado em suas bases.

O próximo informe já era datado de 15 de setembro de 1970, portanto após a eleição de Allende. O texto é de Orlando Millas para o Comitê Central do PC. A importância da eleição da UP era vista como algo extraordinário e muito representativo, com claro objetivo de que o Chile deixasse de ser um país dependente no plano econômico, cultural e político, colocando as mudanças das classes dominantes 151 enquanto uma necessidade vital. Os representantes da dominação imperialista, os grandes detentores de terras, as oligarquias haviam sido derrotadas, pelo menos nas urnas. Como já estava previsto no programa da UP, as 40 medidas iniciais do governo iriam enfrentar resistência de muitos setores tradicionais e do imperialismo norte-americano: a nacionalização das riquezas do Chile, a eliminação do latifúndio, o incremento no setor industrial, plano de emergência para construção de casas, meio litro de leite para cada criança etc. Entretanto, outro desafio era mais urgente: garantir a posse de Salvador Allende, como presidente da República. Para isso, mais uma vez conclamava-se o povo para que o resultado das urnas fosse respeitado. Na constituição chilena, o candidato que não obtivesse maioria absoluta dos votos, precisaria de que o Congresso ratificasse sua vitória. Portanto,, a posse de Allende dependia da posição positiva do parlamento chileno. Também era desenvolvido no informe uma certa tendência de aproximação com a Democracia Cristã, utilizando da premissa de que muitos que votaram em Tomic como, por exemplo, parcela dos camponeses, não concordavam com a tentativa de não dar posse a Allende. Sabia-se que muitos setores da DC, em especial aqueles que tinham uma posição mais progressista, poderiam desempenhar um papel decisivo no comportamento do Congresso. Era também o reconhecimento de gestos da DC em favor de Allende como, por exemplo, a ida do candidato Tomic para cumprimentá-lo pela vitória. A atitude política em relação à DC foi alvo de muitos debates no interior da UP. O PC, em especial, sempre defendeu uma postura de aproximação e de diálogo. Para ele, não era possível pensar em mudanças estruturais no Chile sem tentar fazer acordos políticos um pouco mais amplos, até porque não havia maioria no congresso para garantir governabilidade. Parte do PS, sobretudo, sempre foi crítico a essa postura do PC. Allende obteve 1.075.616 votos, dos quais 631.863 de homens e 443.555 de mulheres. Ele conseguiu ampla maioria nas províncias de Tarapacá, Antofagasta, Atacama, Coquimbo, o`Higgins, Curicó, Talca, Concepción,Arauco e Magallanes e não atingiu sua meta de ter maioria em Santiago, Valparaíso e Cautín. Outra tática utilizada para consolidar o resultado eleitoral seria a divulgação das mensagens recebidas por países estrangeiros, parabenizando Allende pela eleição. Era uma maneira de consumar a vitória e chamar a atenção do mundo para o que acontecia ali. 152

Neste artigo, tentava-se ainda, esclarecer as articulações para impedir a posse de Allende. Dizia-se que Alessandri tentava articular novas eleições para lançar Frei como candidato do PN e de parte da DC. Mas a constituição não permitia a reeleição. A articulação do Partido Nacional com representantes de multinacionais e com a CIA era visível e denominada de plano antichileno e fascista. A tensão tomava conta da sociedade chilena. Sabotagens, enfrentamentos corporais, boatos falsos sobre a esquerda, intrigas, tentativas de desestabilizar o movimento popular. A CUT reagia energicamente contra essas ofensivas e realizava uma série de passeatas a favor de Allende. As Forças Armadas, segundo o PC, apresentavam uma “atitude profissional e institucionalista”. Apesar das pressões, o Comandante em Chefe do Exército reiterou fidelidade às normas constitucionais. Todavia, enquanto isso, os setores mais direitistas tentavam articular outras saídas. A ilusão com a posição das Forças Armadas já era algo perceptível em relação ao PC, desde o congresso anterior ao de 1969, quando falavam que, historicamente, elas permaneceram sem interferir diretamente na política chilena. Portanto, não parecia haver motivo de se pensar que elas mudariam sua posição neste momento. Nota-se que o poder das oligarquias e dos interesses internacionais, que não eram poucos, no país, foi subestimado. A orientação para os Comitês e movimento popular era de que continuassem mobilizados, realizando atividades, conversando de casa em casa, unindo as massas para que se tornasse mais difícil possíveis ações contra a UP.

Em outro informe do Pleno do Comitê Central de Luís Corvalan, já quando Allende havia tomado posse como presidente da República, são relatados os primeiros feitos do governo, todos eles com claro posicionamento de aproximação com o bloco soviético e interferindo em algumas indústrias sob controle norte-americano: foram reatadas as relações com Cuba, estabelecidas relações diplomáticas com a Nigéria, ampliadas relações comerciais com a Coréia, votou-se a favor da China para que esta passasse a integrar a ONU, foi acordada a gratuidade da atenção médica em postos e policlínicas, dissolvido o grupo móvel dos Carabineiros, feita intervenção na indústria Purina e Nibsa, criado o 153

Conselho Nacional de Economia, garantindo participação de representantes das organizações sindicais e sociais etc. E, ainda, cogitou-se sobre a possibilidade de aumento de salário em 100% para os chilenos com baixa renda. A idéia era redistribuir a renda a favor de setores assalariados, conter a inflação, aumentar o poder de compra da população e utilizar toda a capacidade de produção das indústrias instaladas no Chile. Essa era inclusive uma das estratégias levantadas pelo programa político da UP com o objetivo de incluir milhares de chilenos no mercado interno, por meio da redistribuição de renda. Entretanto, a principal ação do governo era a nacionalização do cobre e dos bancos, a estatização de indústrias monopólicas, a transformação profunda e acelerada das atividades no campo. Essas questões eram vistas como o início da reestruturação da economia e como o quê possibilitaria o Chile tornar-se um país socialista. As medidas eram prioridade no Programa e, na opinião do PC, uma maneira de logo, no início do governo, interferir no processo de produção do país. A participação popular neste sentido era assinalada como fundamental. A CUT teria a responsabilidade de apoiar a política econômica do governo e as organizações juvenis de mobilizar jovens para atuar nos trabalhos voluntários de construção de casas, ruas, piscinas, espaços para a realização de esportes, escolas etc; a Federação dos Estudantes teria de participar massiçamente nas tarefas de alfabetização, e nas discussões da reforma do ensino. Assim, para o PC, o êxito do governo dependia da força das reivindicações da população e do seu poder de mobilização. A estratégia utilizada durante a campanha eleitoral, que primava pela não declaração de apoio dos sindicatos à UP, havia sido deixada de lado. Agora, era primordial para o PC que houvesse o envolvimento de todos os sindicatos ligados à UP no desenvolvimento do governo. Somente assim, ele poderia superar as ameaças do poder econômico internacional. Corvalan relembra o momento especial pelo qual o Chile passava e destaca a forte ebulição política na América Latina, principalmente em relação à revolução Cubana. Ao mesmo tempo, intensificava-se a política norte-americana de repressão à democracia no continente, com ações e financiamento à direita em vários países, incluindo o Chile. 154

O PC faz notar que, para contrapor essas ofensivas, era preciso mobilizar o povo, pois a constituição política, os códigos e a organização institucional ainda não haviam sido mudados de acordo com os interesses da UP. Isso contribuía para a manutenção do poder da direita no parlamento, no sistema jurídico e nos meios de comunicação. No Congresso Nacional, a UP tinha apenas a maioria relativa, não a absoluta, ficando refém das posições da DC para aprovar as ações contidas no seu programa. Foi recordado também que o Presidente da República podia convocar um plebiscito para dissolver o Parlamento, caso precisasse. É importante perceber que era um erro minimizar as forças do inimigo e suas possibilidades de manobra, assim como subestimar a capacidade de governar da UP e da resistência do povo. Corvalan dizia que desde a instalação do governo, apesar da unidade da esquerda, existiam, por parte de alguns movimentos ou grupos partidários, atitudes com o objetivo de tentar impor posições unilaterais. Apesar de não citar de quem está falando, qual o partido ou tendência, Corvalan critica duramente aqueles que atacam medidas tomadas por todo o governo:

Em um movimento tão vasto e pluralista como é o da UP, pode dar-se o caso de um ou outro de seus militantes tenham uma opinião particular e divergente a respeito de uma ou outra decisão. Mas se estas têm sido tomadas por todo o Governo, por todos os integrantes da UP não cabe mais que compartilha-las ou acata-las. Esta disciplina política e social é indispensável para o êxito do governo popular.149

A crítica parece ser feita novamente a algum dos partidos que compunham a UP. Mal havia começado o governo, já com dificuldades e ameaças de golpe, parecia que a esquerda não conseguia caminhar conjuntamente. Não se sabe para quem e o porquê das críticas, mas já estavam delineadas as dificuldades que a UP iria atravessar. Os comitês de base da UP eram muito elogiados. Foram formados mais ou menos 14.800, dentre os quais, muitos continuavam a existir com tarefas concretas para ajudar a

149 CORVALAN LEPEZ, L. Intervención al Pleno del Comite Central del Partido Comunista Chileno, 26 de noviembro de 1970,p.498 155 impulsionar a implementação do Programa da UP e órgãos populares. Também seria sua função a vigilância contra as manobras e os planos de reação do imperialismo, principalmente no setor produtivo. Diante da nova realidade, Corvalan explicita com euforia de como a política do PC, embora muito criticada por alguns partidos, estava correta quando, antes de 1969, buscava a unidade da esquerda e mantinha o discurso da possibilidade de conquistar o governo e tornar o Chile um país socialista, por meio da institucionalidade e sem a utilização da via armada. Para o PC, se não fosse a unidade entre comunistas, socialistas, radicais e outras forças de esquerda e a manutenção firme de não mediar o combate ideológico com os ultraesquerdistas, não haveria UP. Corvalan critica o MIR como principal grupo ultra-esquerdista que estava causando danos à população com sua política, chamada de oportunista, de ser contra o entendimento com os radicais, contra as eleições e a favor da luta armada. Ele analisa ainda que perto das eleições, o MIR havia abandonado suas ações mais radicais, vendo a real possibilidade de vitória da esquerda. Entretanto, depois de quatro de setembro, a linha política do MIR não era muito clara. Denunciava os possíveis golpes da direita e, por outro lado, continuava a criticar a UP, o que ajudava a enfraquecê-la na visão do PC. Corvalan destaca, por último, a importância das eleições municipais, que aconteceriam em abril, como passo fundamental para a consolidação do governo popular.

No dia 29 de novembro de 1970, Victor Díaz, secretário nacional de organização da CUT e membro da comissão política do PC, faz sua intervenção na reunião do pleno. O seu discurso era um dos mais esperados pelo fato de, no final do ano, ele abriria as discussões para reajustes de salários, pensões etc. Claro era o papel que a CUT desempenhava naquele momento, principalmente porque tinha como responsabilidade garantir os direitos e reivindicações dos trabalhadores frente a um governo que, também, dizia-se popular e estar preocupado com a situação difícil em que vivia a maioria dos trabalhadores chilenos. Após reuniões com o ministro da Fazenda, Economia, Trabalho e com o próprio presidente Allende, formulou-se um projeto ata CUT - Governo que seria levado às Federações para ser aprovado ou não. Segundo Victor Díaz, o fato de o novo governo disponibilizar, para os trabalhadores, políticas sociais como: meio litro de leite para as 156 crianças, medicamentos, uniformes, material escolar, matrículas, controle dos preços dos produtos básicos, dentre outras medidas, demonstrava-se estar igualmente preocupado e resolvido em valorizar o salário do trabalhador. Esses incentivos faziam com que parte da remuneração do trabalhador com gastos essenciais fosse poupado, o que já ajudava muito na vida cotidiana dos chilenos de baixa renda. Díaz destacava que a direita iria atacar a postura da CUT, pois achava que os sindicatos e as federações deveriam se radicalizar para desgastar o governo. A contra resposta era no sentido de fazer cumprir as resoluções do V Congresso Nacional da CUT, que aprovara a luta por um governo popular e por mudanças revolucionárias. A posição da CUT era difícil, principalmente a dos militantes do PC que trabalhavam na área sindical por causa da orientação partidária. O PC era governo e era sindicato, e essa sua posição dual precisava estar clara o suficiente para não adotar políticas no movimento sindical que fossem ajudar a direita a paralisar o governo. Todavia, ao mesmo tempo, ela não podia negar o papel que tinham os sindicatos de reivindicar melhorias aos trabalhadores. O representante da CUT pedia calma aos sindicalistas que achavam que só pelo fato de Allende assumir a presidência da república, tudo iria mudar em apenas alguns meses. Para a CUT, os comunistas deveriam ser os sujeitos decisivos, junto às outras forças da UP, para alcançar êxitos e não ficar apenas no campo das reivindicações. Era necessário fazer propostas, mobilizar, organizar, ajudar na construção de uma nova sociedade.

No informe de 29 de novembro, Rodrigo Rojas faz sua intervenção ao pleno do PC, concentrando-se principalmente nos ataques à ultra-esquerda. Primeiramente, criticou aqueles que pensavam ou citavam ter, durante as eleições o MIR, dado algum tipo de contribuição positiva às eleições. Rojas lembrou que o MIR, em fevereiro de 1969, publicou o documento “No a las elecciones, único camino: lucha armada”. Neste documento diziam ser oposição ativa às eleições:

...oposição ativa às eleições e não passiva... participar na eleição, processo já desprestigiado no Chile, é dar apoio revolucionário, é reviver o que já nada crê solução, e não entregar a alternativa distinta que trabalhadores e 157

campesinos esperam... devem rechaçar as eleições e desenvolver a margem e contra ela, como expressão da legalidade que queremos destruir. Participar das eleições hoje, é impedir o fato de poder sentar nas bases para o início da luta armada no Chile, é seguir dando volta no círculo vicioso que tem frustrado gerações de revolucionário.150

Além de todos esses ataques, lembra o dirigente do PC, o MIR sempre questionou a formação da UP e a ampla aliança de todas as forças antiimperialistas dispostas a lutar pela realização das mudanças no Chile. Segundo o MIR, a frente ampla era “colaboração de classe” e iria levar a esquerda em geral a um retrocesso. O MIR caracterizava os partidos que compunham a UP da seguinte forma: o PC era o partido ligado à setores intelectuais, estudantis e acadêmicos, corroído por várias frações; o PS passava por um período de crise interna motivado pela sua ambigüidade política e estratégica. Ele era uma multidão de frações e feudos. E o PR era o mesmo partido que decretou a lei contra os comunistas quando estava à frente do governo. Para o MIR, o triunfo eleitoral aparecia como “evidência do fracasso da estratégia da luta armada para a conquista do poder no Chile”. Um possível apoio ao governo da UP também era descartado pelo fato de não acreditarem na via pacífica. O conjunto de atitudes do MIR era de oposição, apesar de que, em alguns momentos, atuou em conjunto com a UP, como na eleição da Federação dos Estudantes do Chile.

Por último, em 30 de novembro de 1970, Bernardo Araya falava sobre a participação dos camponeses no desenvolvimento da produção e levantava questões já colocadas sobre como ajudar o governo, sem perder a autonomia dos sindicatos e dos movimentos sociais. Para ele, uma das saídas era melhorar a qualidade orgânica e ideológica do PC, porque a participação no governo não poderia significar uma colaboração cega, nem a adoção de posições ultraesquerdistas ou direitistas. A atuação do PC deveria se apoiar na realidade, na unidade dos trabalhadores, tornando a base aglutinadora das forças populares

150 ROJAS,R.Intervención en el pleno del Comité Central Del Partido Comunista, 29 de noviembre de1970, pg.513. 158 pelo cumprimento do programa. Era preciso criar um novo estilo de trabalho revolucionário. A reforma agrária teria que ser encarada com certa prioridade e com um sentido de suprir os déficits alimentícios do povo, utilizando o seu próprio trabalho para produzir trigo, azeite, batata, carne, leite e milho, produtos esses que eram importados. Fazia-se urgente a necessidade de incorporar o povo Mapuche, no processo de Reforma Agrária. Esse projeto, se levado adiante pela UP, poderia resolver o problema do latifúndio e da produção de alimentos. A proposta era explorar ao máximo o potencial agrícola chileno. Os camponeses também deveriam ser incorporados nos conselhos campesinos, que teriam ter níveis diferentes: Nacional, Provincial e Comunal, com organizações representativas de cada nível. Tais conselhos interfeririam diretamente nas decisões. Eles corresponderiam a órgãos de poder popular no plano de desenvolvimento agropecuário, das expropriações, da organização do trabalho em terras expropriadas, no aumento da produtividade, nos créditos etc. Esses conselhos também eram apresentados como um importante espaço de organização de milhares de camponeses e de enraizamento do partido neste setor, já que o Congresso de 1969 havia declarado que o PC tinha baixo nível orgânico de atuação no campo.

159

3.3 – Os documentos de 1971: Mudanças econômicas, resistência e comitês de produção

Neste ano, o artigo em destaque do mês de janeiro é a saudação do presidente do PC, Luis Corvalan ao XXII Congresso do Partido Socialista. Ele reafirma a importância do momento vivido pelo Chile e diz que os 90 dias de governo davam mostras de que, em conjunto, comunistas, socialistas, radicais, social democratas, MAPU e a API, a ação política estava sendo capaz de propor soluções para os principais problemas do povo mais pobre do país e ainda de enfrentar a direita e os norte-americanos, os principais inimigos do novo projeto. Corvalan cita as medidas contra a inflação, os investimentos na indústria sem geração de novos impostos, a permanência de uma política em favor da pequena e média indústria, a nacionalização do cobre e do banco, a reforma agrária, a expropriação de grandes monopólios etc. No plano internacional, ele afirma que a UP estava mantendo relações políticas com inúmeros países, buscando a paz, o intercâmbio comercial, cultural e científico de forma recíproca. Entretanto, ele afirmava que as dificuldades e as resistências eram enormes e também não ter dúvidas de que a reação iria utilizar todos os subterfúgios, incluindo a violência, para derrotar o governo. Exemplifica esta última com o exemplo do assassinato do general René Schneider151.

Mas seria suicida de nossa parte se não víssemos como o inimigo, incluindo certos setores reacionários da Democracia Cristã, elaboram seus próprios planos para aproveitar as necessidades mais urgentes da população em busca de uma base popular para sua oposição ao governo. Devemos derrotar essas manobras, desmascarando-os politicamente e apresentando a solução dos problemas.152

151 O Comandante em Chefe do Exército René Shneider foi assassinado durante um atentado a bala de extremistas de direita que queriam desestabilizar o governo. Foi neste momento que a direita estruturou-se em torno da organização Pátria e Liberdade. Esta organização organizou mobilizações violentas contra o governo e os partidos da UP, envolvendo-se em vários atentados e em tentativas golpistas. Ela teve atuação durante todo período que Allende governaria o país. 160

É destacado o papel de comunistas e socialistas por terem grande influência na classe trabalhadora. Corvalan alerta que era fundamental para o êxito da política do governo e para manter o apoio popular, busca realizar, com agilidade, políticas visando a população mais carente, assim, política que absorvessem os desempregados e aumentasse a produção. Aponta também a importância das próximas eleições municipais para consolidar o projeto da Unidade Popular.

Outro artigo em destaque, datado de 04 de março de 1971, é o de Victor Diaz. Ele, inicialmente, levanta os feitos do governo para a melhoria da vida dos trabalhadores e ressalta a importância das mudanças na economia para a implantação do socialismo. Porém, a principal questão levantada por Victor era a resistência dos setores internacionais em relação à nacionalização e à estatização dos bancos153. Para o PC, era fundamental a estatização do setor bancário, pois que era visto como o centro de operações da oligarquia financeira e centro de resistência dos grandes grupos. Não adiantaria muito nacionalizar toda a produção chilena se o “coração” financeiro não estivesse sob controle do estado.

A nacionalização está sendo impulsionada de acordo com as resoluções tiradas conjuntamente pelo governo da Unidade Popular e pelos trabalhadores de banco do país. Se trata de uma dura batalha. Tem sido imprescindível intervir naqueles bancos surpreendidos em grandes fraudes, como é o caso em especial do Banco Edwards. A superintendência de Bancos, pela primeira vez na história, está tendo cautela nas operações creditícias, e está descobrindo e punindo os roubos das gerências. A Corporação de Fomento está comprando as ações dos bancos e já é dona de vários deles. Todo este processo seria impossível sem uma intervenção dinâmica, patriótica e vigilante dos empregados bancários. Por isso para confundi-

152 CORVALAN LEPEZ,L. Saludo Comunista al Congreso Socialista,enero-febrero de 1971,p.636. 153 No primeiro ano de governo, a UP deu início à implantação da Área de Propriedade Social, a compra de ações dos bancos sofreu contestações no Parlamento. O projeto de nacionalização do cobre só foi aprovado após seis meses, e a reforma agrária também sofreu resistência de muitos donos de terras, apesar de a priori defenderem uma reforma agrária planificada, apelando para uma postura técnica para evitar a radicalização da reforma por parte do governo. 161

los e enganá-los se lançou uma campanha demagógica de cooperativizar os bancos.154

Era ressaltado que nas empresas, onde havia ocorrido a intervenção do Estado, a produção estava aumentando e empregando mais pessoas, além dos trabalhadores terem assumido papel de dirigentes ativos. Entretanto, dizia-se que o governo precisava ter mais pressa para constituir os Comitês de Produção em todas as empresas e serviços estatais, passando a responsabilidade da produção para os trabalhadores, ao mesmo tempo que as relações de trabalho se modificavam. Toda questão ligada à produtividade, fosse no campo ou na cidade, estava relacionada ao papel que o trabalhador iria desempenhar. O PC achava que assim teria condições de sustentar, politicamente, o governo e a produtividade do país. Outra questão fundamental levantada era o problema da reforma agrária. Os números do governo falavam em 250 novos assentamentos, mais de 200 novas expropriações e um recurso totalizando um milhão e trezentos mil liberados para esse fim. Por causa dessa política, os donos de terra organizavam protestos e ações de resistências. Entretanto, para que a questão agrária pudesse ser resolvida, era preciso que os Conselhos Campesinos155 se transformassem em instrumentos mobilizadores. Também era necessário obter o apoio dos proprietários pequenos e médios para a luta pela Reforma Agrária. Notadamente, o PC falava implicitamente na importância de se estabelecer uma aliança entre não só os agricultores, mas com os donos pequenos e médios de terra, que também sofriam os reflexos do modelo de latifúndio historicamente imposto ao país pelas elites agrárias. A concepção do PC era de que para que o governo pudesse aplicar suas medidas de radicalidade no setor econômico, seria preciso ampliar sua base política para além dos trabalhadores, os quais também eram atingidos pela exclusão. Seria necessário fazer uma aliança com setores da burguesia nacional e médios produtores, já expresso no programa de 1969, mas retomados em inúmeros documentos do Partido.

154 DÍAZ,V. Informe al Pleno Del Comitê Central del Partido Comunista, 4 de marzo de 1971,p.698. 155 Em dezembro de 1970, a UP lançou os conselhos campesinos comunales (em âmbito nacional e provincial) como forma de participação dos camponeses não só nas áreas reformadas. Segundo Castells houve algumas falhas fundamentais no início de sua instalação: a) a composição do conselho foi predeterminado pelo governo;b) tinham funções somente consultivas e de assessoria, sem possuir personalidade jurídica e financiamento; c) foram constituídos sobre a base da representação das organizações sindicais, de assentamentos e pequenos proprietários, deixando a margem do processo a massa campesina não organizada. 162

Em março, é publicado um resumo da intervenção de Luis Corvalan em reunião do Pleno do Comitê Central. Inicialmente, ressalta o importante momento que o partido passava, sua maturidade e capacidade de governar. Diante da nova situação de ser governo e ter um peso político grande, novos desafios necessariamente iriam aparecer. As bandeiras principais ainda continuavam as mesmas: nacionalização do cobre, estatização do banco e reforma agrária. Em torno dessas questões é que estavam voltadas as energias partidárias para enfrentar, assim, o imperialismo e a oligarquia. Achava-se que dois problemas principais deveriam ser encarados com prioridade no governo: o drama do desemprego e da falta de moradia própria para as populações mais baixas. A falta de moradia era um problema que vinha se desenvolvendo ao longo da história chilena, principalmente quando houve um desenvolvimento maior nas cidades que recebiam a população, que havia abandonado o campo para tentar melhores condições de vida na cidade. O desemprego e até a falta de moradia eram vistos como uma questão relacionada com o sistema capitalista desenvolvido no Chile, o que não daria para esperar por um Chile socialista para ver resolvidos, na sua essência, esses problemas. Fazia-se necessário criar medidas paliativas para amenizar os grandes problemas chilenos156. Corvalan dizia que a UP estava se esforçando para realizar uma redistribuição social em favor dos trabalhadores, visando sobretudo o aumento do seu poder de compra, o que estimularia a produção e geraria mais emprego. Também expressava grande preocupação a respeito das eleições municipais. Suas ponderações vinham no sentido de aumentar o percentual da UP de 36,3% para 50% da votação, para que o programa revolucionário fosse acelerado. Estava na análise do PC, que se a maioria da eleição fosse da UP, seria mais rápido encaminhar mudanças no Parlamento e nos governos municipais.

156 Em 1971, a economia chilena através da política econômica expansiva, viveu um momento de muita euforia. Era visível a melhoria o das condições de vida das populações. A taxa de crescimento chegou a 8%, a inflação foi de 22,1% diminuindo 14% em relação ao ano anterior, o desemprego caiu de 5,7% para 3,8%. O salário mínimo dos trabalhadores que ganhavam baixos salários aumentou em 39%. O setor público iniciou um programa de construção de casas chegando ao número de 76.000 em 1971. Houve também controle dos preços dos produtos no setor privado e congelamento de tarifas e preços no setor público. Segundo P. Meller, já havia fortes indícios de um desequilíbrio que mais tarde ajudaria a gerar a forte crise econômica nos anos de 1972 e 1973, como o aumento do déficit público de 6,7 % para 15,3% e o déficit da balança comercial que chegou a U$ 90 milhões (nesta questão, o principal fator estava relacionado a violenta queda mundial do preço do cobre). Cf: Meller, p. 120-124. 163

Estamos a menos de um mês das eleições municipais, que estão se convertendo em uma grande batalha política entre o governo e seus inimigos, entre os partidários e os adversários da revolução. Os resultados destas eleições vão influir decisivamente no desenvolvimento dos acontecimentos. Se tivermos um grande avanço, se pudéssemos obter mais de 50% da votação ou algo próximo a isso, no qual depende de como se trabalhe, então, como disse Volodia, outro galo cantaria, cantaríamos e estaríamos em condições de golpear mais fortemente o inimigo e acelerar o cumprimento do programa e passar das transformações econômicas e sociais às mudanças institucionais157.

Em 5 de abril, o senador Volodia Teitelboim publicou a declaração do PC sobre as eleições municipais158. Primeiramente, ressaltou que, apesar de não terem encerrado o resultado total, já estava evidente a vitória da UP. Allende tinha confirmado seu respaldo com os cidadãos, o que provava o fortalecimento do governo. Para o senador, era impressionante o crescimento do Partido Socialista, o que, entretanto, encarava como lógico e natural, por ser o partido do presidente da República. O PC continuava o seu processo de desenvolvimento e crescimento constante, mesmo com toda a campanha anticomunista. A DC, segundo Volodia, havia errado politicamente nesta eleição. Pela utilização de discursos histéricos contra o governo e a UP, acabou por disputar cada voto com o Partido Nacional. Seu cálculo era o de se consolidar como única voz da oposição, mas não conseguiu. Nota-se que a polarização159 entre a DC e a UP, no caso exemplificado pelo discurso do PC, demonstra que uma possível colaboração entre os dois blocos seria cada

157 CORVALAN LEPEZ,L. Intervención de resumen del Pleno del Comite Central del Partido Comunista, 7 de marzo de 1971,p.715. 158 Comparando com os resultados das eleições de 1969 o PS obteve 22,89% dos votos aumentando sua votação em 10,66%. O PC obteve 17,35% aumentando em 1,45%. Os radicais diminuíram sua votação em 1,06%, atingindo 12,09%. A DC obteve 25,21% diminuindo em 6%, o PN obteve 18,53% diminuindo 1,47%. Entretanto o eleitorado havia crescido 5% em relação a eleição municipal de 1967 e 13,58 em relação à eleição presidencial. 159 Em setembro de 1971 as relações entre DC e UP iriam tornar-se cada vez mais difícil pelo assassinato de Edmundo Pérez Zujovic que havia sido ministro do presidente Eduardo Frei e responsabilizado por ações repressivas contra as mobilizações populares no governo da DC. O assassinato foi assumido pelo grupo de extrema esquerda chamado Vanguarda Organizada do Povo (VOP). A DC criticou a passividade do governo 164 vez mais difícil. O próprio PC insistia na necessidade de se fazer um pacto de governabilidade com a DC, ou mesmo de trazer setores mais avançados desse partido para próximo da UP, mas era algo que se configurava irreal, na prática. Poderia surtir algum efeito no discurso, porém parecia não ter reflexo nenhum no cotidiano. O MIR apoiou a UP nas vésperas da eleição, conclamando o povo a votar no PS e no PC, justificando que as eleições constituíam uma conjuntura tática do enfrentamento de classes.

No artigo de 26 de junho, Mário Zamorano escreve um artigo que foi apresentado ao pleno do Comitê Central com o intuito de comemorar os 95 anos de nascimento de Luis Emílio Recabarren, fundador do Partido Obrero Socialista, organizador do movimento dos trabalhadores. Mario Zamorano faz um levantamento das dificuldades percorridas pelo PC ao estabelecer uma linha política clara para a revolução no Chile, entretanto declara que foi por meio da análise do marxismo leninismo e sua aplicação de acordo com as características chilenas, que se conseguiu chegar à formulação da via pacífica. A teoria foi vista, não como um dogma, porém como instrumento para formulações mais condizentes com outras realidades. Por isso, ele dizia que as teses de Lênin estavam muito vivas e que norteavam a disciplina partidária a partir de três questões fundamentais: 1) pela consciência da vanguarda proletária e sua fidelidade à revolução, sua firmeza, espírito de sacrifício e heroísmo; 2) por sua capacidade de vincular-se, aproximar-se das maiores massas trabalhadoras, proletárias ou não; 3) pela correta direção política que levava a cabo esta vanguarda e pelo acerto de sua estratégia e tática política. O artigo ressalta também que o PC tinha crescido e fortalecido a constante luta contra as tendências oportunistas de direita e de esquerda, incluindo a ideologia burguesa da ultra-esquerda que, por sua vez, era uma colaboradora assídua da política da direita e da contra-revolução. Para o partido, a melhor maneira de saudar o aniversário do líder Recabarren seria ajudar a derrotar as forças de reação contra o governo. Para isso, era preciso entender que,

frente à organizações e grupos armados de esquerda. A UP se explicava a partir da justificativa que eram ações provocadas para desestabilizar o governo. 165 em um novo momento, os avanços dos movimentos populares implicavam em novas exigências e na elevação de suas premissas principais. Destacava neste sentido: 1) Trabalhar mais com a linha política partidária, que traçava uma perspectiva para continuar apontando a luta antiimperialista e antioligárquica no Chile; 2) Contribuir mais para a organização e unidade do povo, pilares fundamentais para assegurar novas vitórias; 3) Assegurar um maior fortalecimento ideológico e orgânico do PC como maneira eficaz de contribuir para a participação dos comunistas no grande combate que estava se desenhando. Destaca ainda que, neste período, o PC contava com algo em torno de 160 mil filiados, tendo como tarefas prioritárias estruturar o crescimento do partido e fortalecer o trabalho da célula partidária. Também era lembrada a necessidade de se reforçar e de criar novos organismos intermediários, como a formação política dos militantes e a propaganda partidária. Era prioridade, também, filiar mais trabalhadores, camponeses, mulheres profissionais e intelectuais. Estava sendo preparada uma grande campanha financeira para a compra de sedes, de veículos, de meios para propaganda audiovisual, recursos para a formação etc. As Juventudes Comunistas também elaboraram uma campanha de filiação de 25 mil novos jovens, sob o lema da promoção do quinquagésimo aniversário do PC. Era, sem dúvida, um novo momento de crescimento, organização e amadurecimento político.

Em 26 de junho, foi Luis Figueroa quem fez uma intervenção, alertando para a necessidade do partido esclarecer, aos trabalhadores, as dificuldades e sabotagens que o governo vinha sofrendo. A batalha por uma produção160 e abastecimento constantes era destacada como a mais importante e, só seria vitoriosa, se fosse ampliada à educação política das massas trabalhadoras e incorporadas efetivamente na direção das empresas da área social e da área mista.

160 O problema do desabastecimento atingia gravemente o povo chileno. A UP apresentou as JAPs (Junta de Abastecimento e Preço) como uma possível solução de organização popular vinculada ao governo. Entretanto elas se envolveram em inúmeros conflitos por causa da ascendência do mercado negro. No final de 1971, um grande protesto de mulheres contra o desabastecimento, que ficou conhecida como “panelas vazias” marcou a ofensiva de massas da oposição. Esse ato acabou por desdobrar em violentos atos de enfrentamento nas ruas que duraram uma semana. Houve depredações, barricadas em ruas, incêndios de veículos, ataque às sedes dos partidos da UP etc, o que provocou o governo a decretar estado de emergência, em Santiago. 166

Seriam publicadas as normas de participação dos trabalhadores, a partir do acordo firmado entre o governo e a CUT, que consistia em: 1) Assembléia dos trabalhadores da empresa, convocada pelo sindicato único ou por uma comissão indicada por todas as diretivas sindicais; 2) Assembléia da Unidade Produtiva composta por seções, departamentos etc. Estas nomeariam o Comitê de Produção da Seção que teria no mínimo três e no máximo sete membros. Esses comitês trabalhariam assessorando o Chefe de Seção ou departamento respectivo; 3) Seria criado o Comitê Coordenador dos trabalhadores da empresa, que se constituiria de cinco representantes dos trabalhadores, perante o Conselho de Administração, do diretório do sindicato único ou de uma comissão de representantes dos diretórios dos sindicatos, caso houvesse mais de um, e ainda, um representante por cada comitê de produção da seção e departamento da empresa correspondente. O Comitê Coordenador deveria ser o organismo que coordenasse a ação sindical junto aos Comitês de Produção e, também, que orientasse, impulsionasse a produção e encarasse os problemas que por ventura aparecessem na empresa. Era frisado que os papéis dos Comitês não podiam ocorrer no sentido de liquidar os sindicatos e, por isso, era incompatível acumular o cargo de diretor sindical e de representante do Conselho. O principal, para o governo e para o PC, era de impulsionar a formação dos Comitês de Produção, para que os trabalhadores pudessem obter o controle da produção e, também, modificar as relações de trabalho. Por tanto, era o momento do PC repensar o estilo de trabalho das organizações sindicais, de criar sindicatos únicos por ramos de atividade, mais dinâmicos e vinculados à base. Os sindicatos precisavam passar de requerentes para construtores, precisavam se tornar organismos autenticamente revolucionários que assumissem a responsabilidade de ser a base fundamental de respaldo ao governo. Era visível a preocupação do PC em fortalecer a CUT como único sindicato nacional dos trabalhadores. A apreensão, em relação aos Comitês, era de que esses se tornassem órgãos autônomos em relação à CUT, já que o seu potencial de organização dos trabalhadores em seu local de trabalho era a razão de sua existência, sob uma ação concreta de tomar, à frente, o processo da produção. O PC via essa questão com cautela e, por isso, tentava reforçar seu trabalho entre os trabalhadores para garantir sua inserção de forma decisiva nesses comitês. 167

Ainda, neste dia, Cláudio Alemany, responsável pela comissão sindical do PC também fez um informe, ressaltando as tarefas e dificuldades neste período de transição. O documento publicado sobre a participação dos trabalhadores nas empresas da área social,, feito pelo governo e pela CUT, era apresentado sob alguns aspectos principais: a) em todas as empresas do Estado existiria um Conselho Administrativo constituído por cinco representantes do governo e cinco eleitos por todos os trabalhadores da mesma empresa; b) existiria uma autoridade máxima designada pelo governo; c) os representantes deveriam ser eleitos por votação secreta e por pessoa. Destes cinco, três deles seriam ligados ao setor produtivo, um ao setor administrativo e outro ao setor técnico; d) os chefes da empresa não participariam dos Comitês de Produção; e) seria estabelecida a incompatibilidade entre o cargo de dirigente sindical com o de dirigente dos conselhos para impedir que o sindicato perdesse sua independência ou desaparecesse. O intuito desses desafios era de evitar as dificuldades que se produziam no aparato estatal de direção da economia de eliminar a sabotagem e ganhar a adesão dos técnicos das empresas para o projeto da UP. Em outubro, é realizada a convocação para a Conferência Nacional do PC. Este era um momento privilegiado para a reflexão da atuação do PC e sua linha partidária e do desempenho do governo. Também queriam utilizar o espaço para denunciar as sabotagens e a ingerência do governo norte-americano.

Já na conferência, em primeiro de outubro, o deputado Orlando Millas era o responsável por apresentar o texto base para o plenário. Inicia sua fala destacando que o momento atual, vivido no Chile, era importante no sentido em que abria caminho para a consolidação das mudanças estruturais necessárias para um país socialista. Dizia também que ou se consolidavam as mudanças e o governo obtinha êxito, ou o triunfo da contra revolução se concretizaria. Orlando Millas afirmava que a oligarquia chilena sempre foi esperta e aristocrática, não tinha escrúpulos e confabulava contra governos para manter-se no poder. Ele exemplificava com dois fatos da história do Chile, para comprovar tal questão: derrubada 168 do primeiro governo de Arturo Alessandri; trinta e dois anos depois abriram uma cruzada anticomunista que culminou numa ofensiva contra o governo da Frente Popular. Neste sentido, ele citava as várias declarações feitas pelo Partido Nacional, com o intuito de desestabilizar o governo e desacreditá-lo em âmbito internacional. Falava-se que Allende projetava uma boa imagem do Chile no exterior para obter credibilidade e em seguida transformar o país em um estado comunista e totalitário, abrindo caminho para a penetração soviética. Dizia o presidente do Partido Nacional, Sergio Onofre Jarpa:

Trata de projetar uma boa imagem do Chile no exterior, afirmando sua devoção a democracia e seu respeito as leis e aos direitos das pessoas, mas cada passo que se dá, cada medida que se toma, cada informação que se entrega, cada programa do governo que se transmite, tem um só propósito: transformar lentamente o Chile em um estado comunista totalitário, abrir caminho a penetração soviética na América Latina. Na política externa, fazem declarações líricas sobre a não intervenção, mas se segue apoiando e respaldando a ação desordenada que realiza a ditadura cubana em diversos países do continente para abrir caminho a influência soviética.161

Orlando Millas também descreve a luta contra as grandes empresas dominadas pelo capitalismo norte-americano, como a companhia de telefones ITT. Ao mesmo tempo, também era denunciada a destinação pela CIA de 14 milhões de dólares com o objetivo de por em prática planos para derrubar os governos da Bolívia, Peru, Argentina e Chile e, ainda, impedir o estabelecimento de governos de esquerda no Uruguai e na Colômbia. Ele prossegue dizendo que o governo da UP era o mais democrático em toda história do país porque, para eles, a democracia consistia em um governo com a participação dos trabalhadores. A UP havia chegado à presidência como conseqüência de combates das massas por garantias individuais e sociais, por direitos e liberdade. A essência do governo era o pluralismo, o respeito ao livre jogo das opiniões democráticas, o exercício da crítica e a participação do povo na solução dos problemas chilenos.

161 MILLAS, O . Informe a la Conferencia Nacional del Partido Comunissta del Chile, 1º de octubre de 1971,p.1108. 169

Entretanto, Orlando Millas, afirmava que pelo grau de dependência e comprometimento de setores políticos e da sociedade na, então, atual situação chilena, não seria fácil consolidar as necessárias mudanças para que o país realizasse o seu programa popular:

Também tem que ter em conta que toda transformação social, por qualquer via que se realize, tem que dar lugar, em seus começos, a uma série de transtornos. Assim, sucedeu, por exemplo, com a Revolução Francesa, com nosso processo de Independência nacional no começo do século passado e com a Revolução Soviética que, qual força locomotora, conduziu os povos até o progresso, onde não se desenvolveram nem podiam desenvolver em condições iguais. Mas também, no quadro de nossas dificuldades entram alguns erros, debilidades, incompreensões que surgem no próprio seio do povo, ações desorbitadas de determinados grupos, tendências de conciliação, tentações de certos elementos de deixar-se levar pelo jogo politiqueiro, assim como até o peso de hábitos nocivos formados nas condições do capitalismo.162

O PC, que completaria 50 anos, em 1972, colocava-se como um partido forte, mas suscetível de erros. Era destacado o papel da classe trabalhadora como motor principal para as mudanças. Para isso, era preciso que o PC se desenvolvesse em cada local de trabalho. O governo popular, que estava completando seu primeiro ano, a etapa inicial de sua ação, segundo o PC, entrava para a segunda etapa, visando o cumprimento integral do Programa Básico. Na primeira etapa, estava conseguindo reativar a economia, aumentar o poder aquisitivo dos trabalhadores, reduzir o ritmo do processo inflacionário, diminuir o desemprego e aumentar a produção. A Reforma Agrária, a nacionalização do cobre e a estatização dos bancos estavam sendo encaminhadas e estas ações seriam definitivas para atacar mortalmente o imperialismo e a aristocracia chilena. Completados esses passos, o objetivo seria a formulação e a aplicação de uma nova política financeira nacional, sempre com a participação ativa dos trabalhadores.

162 Ibid., p. 1115. 170

Ainda na Conferência Nacional, Victor Galleguillos faz um informe buscando analisar o trabalho de massas do PC. Inicialmente, ele diz que era preciso melhorar muito o trabalho de massas e orgânico, principalmente pela importância de organizar o povo, de estar à frente deles, inserindo-os no movimento social. Em 1970, a média mensal de crescimento do partido foi de 4.500 novos militantes. O desafio para o ano de 1971 era de se atingir uma média de 5.500 a 6.000 novos militantes por mês. Os Comitês regionais eram saudados por quase todos terem cumprido suas metas, com destaque para Linares, que havia crescido 103,8%, Talca, com 104%, Curicó, com 104,3%, Concepción e Talcahuano, com 106,8%, Arica, 107%, Valdivia, 112,5%, Orsono, 123,4% e Maule, com 232%. Porém, alguns comitês regionais não tiveram muito êxito como Aysén, Nuble e Carbón. Em contrapartida às propagandas anti-comunistas e à ofensiva antipatriótica, era colocado o desafio de se aperfeiçoar a ação do partido a fim de permitir o fortalecimento ideológico e orgânico para dinamizar e aprofundar o vínculo com as massas. Para tal, foram criados dois novos Comitês Regionais: Santiago Oeste e Talcahuano e mais outros quatro estavam em fase de criação: Ovalle, Viña Del Mar, O´Higgens Sur e El Loa. Foram criados também cinco comitês departamentais: Chañaral, Ovalle, San Antonio, San Bernardo e Angol, além de realizadas 189 Conferências de comitês locais. Outro ponto bastante ressaltado era o enraizamento do PC, nos setores agrários, com a criação de comitês locais em Paihuano, San Bernardo Sur, Coínco, Quirihue, Pemuco, Teno. Foram criados 51 comitês de sector e 69 comitês de empresa. Também era dado destaque para os comitês de empresa que eram considerados como espaço que permitia o funcionamento do partido com um método leninista de direção, terminando com as células gigantes,, tipo assembléia. Esses comitês impulsionavam a constituição dos comitês de produção e, por sua vez, constituíam o comitê de vigilância. Era importante que o partido crescesse nas áreas de produção, por entender que naquele momento, a batalha da produção e a política econômica do país, iriam consolidar a vitória do governo e do socialismo. Por isso, era preciso corrigir condutas erradas de alguns comitês, que subestimavam o trabalho sindical, apesar de ser uma área de extrema relevância para o PC em seu programa partidário.

171

Em 22 de outubro, Luis Corvalan faz discurso no ato do PC realizado no teatro Caupolican, e o inicia fazendo referência ao sub-secretário geral, Oscar Astudillo, que estava desaparecido. Ele denuncia também as investidas norte-americanas, sob a presidência de Nixon, para cancelar ajudas financeiras de organismos internacionais, ao Chile, como a do Exibank, por causa da política de nacionalizações de muitas empresas. As Juntas de Abastecimento eram apresentadas como possível solução ao problema do abastecimento e seriam integradas por representantes dos Centros de Madres, das Juntas de Vecinos, sindicatos e comerciantes em cada bairro. O governo teria, assim, uma radiografia dos problemas de abastecimentos e das possíveis medidas para contorná-los. Para o PC, o ano de 1971 significou internamente a afirmação do seu projeto político aprovado em 1969. O coletivo partidário acreditava ser possível tornar o Chile socialista com o apoio e trabalho dos “obreros y del pueblo”. Mesmo com as ações ainda pouco tímidas em relação às ofensivas no ano de 1972, o PC acreditava que, tentando ampliar o campo político, principalmente com a DC, seria possível continuar as mudanças. Segundo Corvalan, o Chile estava mudando para melhor e o povo sentia. O reflexo disso seria a ida voluntária de técnicos para Chuquicamata e em El Teniente para ajudar a melhorar a produção. Estava em curso o que chamavam de “marcha pela reconstrução do Chile”. Entretanto, tornava-se necessário corrigir erros nos serviços públicos. Era urgente o estabelecimento de incentivos materiais que favorecessem uma maior produção e aumentasse a participação dos trabalhadores na direção das empresas. Era preciso ampliar também a área da propriedade social. A situação impunha atitude de combate, ação e mobilização das massas para que o avanço das mudanças pudessem continuar. Corvalan destaca que nos dias 29 de agosto a 3 de setembro aconteceria em Santiago o Encontro Juvenil de toda América, em solidariedade ao Vietnan, Chile e Cuba. Jovens de toda América, combatentes vietnamitas e representantes da URSS e de outros países socialistas participariam. Por fim, Corvalan apresenta Victor Díaz como novo subsecretário geral do partido. Sem dúvida, o ano de 1971 foi um período de grande euforia para os partidários da UP. Parecia que o projeto para abrir caminho ao socialismo estava dando certo. A economia crescia, os trabalhadores estavam ganhando mais, o movimento cultural alternativo se 172 destacava, havia um grande envolvimento do povo com o programa da UP. Allende em seus discursos requisitava a atuação dos trabalhadores e estes davam respostas concretas e imediatas.

173

3.4 – Os documentos do PC de 1972: Crise econômica e política, batalha da produção e ultra-esquerda.

No ano de 1972 a luta política se acirrava a cada dia. Em 02 de janeiro, é publicada a intervenção de Luís Corvalan no órgão do Comitê Central do PCURSS, sobre os 50 anos do partido comunista no Chile. Depois de fazer um histórico do surgimento até os dias atuais e de reafirmar o compromisso com o proletariado e o desenvolvimento da sua consciência enquanto classe, Corvalán afirma que o PC era um partido homogêneo, de massa, com profundo conhecimento da realidade chilena e, por isso, capaz de exercer uma vasta influência na vida política do país. Ele pondera que a política do partido de unir a esquerda ajudou na constituição da UP, assim como a formulação da possibilidade de se conquistar o governo, por uma via não armada serviu para construir um país socialista. Além de enfrentar as posições dogmáticas da ultra-esquerda, sua tarefa principal foi organizar e elevar a consciência política das massas, permitindo a eleição de Allende em conjunto com os partidos da coalizão. Corvalan pontua que as mudanças já haviam sido iniciadas com a nacionalização163 da indústria do cobre e das minas, que pertenciam aos consórcios norte-americanos, com a expropriação de latifúndios e com a reforma agrária. Isso estava sendo realizado com apoio, em certa medida, da Democracia Cristã, já que a UP não possuía maioria no Congresso. Algumas limitações, como o “status jurídico” vigente, eram problemas que teriam de ser enfrentados. Outra dificuldade, era a ofensiva norte-americana contra o Chile, como por exemplo, as ações da CIA financiando grupos e partidos contra o governo. Ainda afirmava que achava reacionárias, para aquele momento, as teses da inevitabilidade do enfrentamento armado, por terem que fazer parar a luta de massas, debilitar os enfrentamentos cotidianos, na espera e preparação de um combate final. Segundo eles, a via escolhida para o Chile não negava, em absoluto, os princípios gerais da

163 Segundo Bitar, o projeto de nacionalização proposta por Allende, das 91 empresas que seriam nacionalizadas e estatizadas, 52 fariam parte da APS e 39 da área mista. Já no final de 1971, das 52 previstas, 20 já estavam sob controle do Estado e 10 das 39 já faziam parte da área mista. 174 luta de classes e sua concretização, mas era concebida por meio de formas variadas e originais. A UP, segundo Corvalan, tomaria medidas enérgicas para reprimir as manifestações fascistas que passavam a ser cada vez mais freqüentes, principalmente com o agravamento da crise econômica e política164. O esforço para aumentar a produção era ilimitado e se dava pelo trabalho voluntário, pelas metas de produção, ou seja, pela ação direta do trabalhador nas empresas, principalmente aquelas nacionalizadas. O povo, segundo ele, estava a favor da revolução e lutava por ela a cada dia, no trabalho e nas grandes mobilizações de massa. O partido, dizia ele, estava convencido de que, para lutar pelas transformações antiimperialistas e antioligárquicas e para abrir o caminho para uma sociedade socialista, era preciso estabelecer uma maioria nacional, por meio da qual deveriam “colaborar todos os partidos e correntes que representam os interesses do povo e atuam em conseqüência, mantendo a tradição chilena de respeito à lei e, sem prejuízo, de buscar a própria modificação da lei”. Para encerrar, disse que muitos avanços no Chile eram irreversíveis e a grande tarefa era fazer irreversível todo o processo.

Em 3 de fevereiro, é publicado um importante informe interno sobre a situação política por causa da derrota dos candidatos da UP nas eleições complementares em O`Higgins, Colchagua e Linares. Em O´Higgins, a perda foi de 3,5%, em Colchagua, de 3% e em Linares, 6,7%, em relação às eleições de abril. Nesta eleição, o PS se envolveu mais em relação ao PC pelo fato desse estar envolvido com o seu cinquentenário. Outro fato grave165 nas avaliações era de que a UP havia perdido as eleições entre as mulheres, chegando a se ter em O`Higgins e

164 O desabastecimento era um problema concreto e que tomava grandes proporções. No plano político os enfrentamentos nas ruas eram cada vez mais constantes, e a DC liderou ainda no Congresso uma acusação contra o ministro do interior José Tohá por não respeitar a ordem pública e deixar assim o caos instalado ventilando a possibilidade de ruptura institucional. Estava explícito pela primeira vez a oposição da DC em relação ao governo da UP. 165 Mas talvez o mais grave nesta eleição foi o fato da DC e do PN se aliarem para conseguirem vencer os candidatos da UP. Em Linhares a esquerda lançou uma temática rupturista em relação ao programa da UP com uma forte presença do MIR. Essa eleição já indicava a possível aproximação da DC com o PN e as situações difíceis que estariam por vir no interior da UP. 175

Colchagua uma diferença de 12.266 votos femininos. Entre os homens, nas zonas agrárias, em particular, também houve uma média de descenso no desempenho eleitoral. Diante da derrota, o PC orienta o aprofundamento da participação dos trabalhadores e do povo nas tarefas de transformação social, a intensificação da luta política e ideológica contra o adversário, a tomada de medidas para erradicar o burocratismo, combater o sectarismo, estabelecer disciplina social de todos os que queriam contribuir com o processo revolucionário, esclarecendo, de maneira sistemática, as posições ideológicas a fim de desmontar o jogo do inimigo. O resultado eleitoral mostrava que o PC, o governo e a UP, não tinham sido capazes de corrigir os desacertos do governo, já identificados pela Conferência do PC. Na direção partidária, a avaliação que se fazia era de que, desde julho de 71, a situação estava se agravando, a oposição questionava as medidas fundamentais do governo e este por sua vez, não dava respostas à altura. Também foi dito que, apesar dos problemas, existia saída para as dificuldades. Neste sentido, o PC propunha a revisão do seu trabalho no governo. Ao mesmo tempo, era preciso falar mais claro com a população sobre as dificuldades e defeitos enfrentados pelo governo. Era certo que a tática da oposição de desgastar e de criar dificuldades de ação para o governo se agravaria. O impacto dessas eleições foi grande entre alguns setores da UP e, tinha-se certo receio da forma como reagiriam os partidos, que compunham a coalizão, e o próprio governo. Entretanto, o que se afirmava era a consolidação da aliança da direita, setores freístas da DC com o PN. Para se opor a isso, o partido ponderava que o conjunto da UP havia abandonado, em certa medida, a política de isolar ou neutralizar o inimigo. De acordo com suas avaliações, foi isso que proporcionou, na eleição presidencial, a não unidade de Tomic e Alessandri. Assim, uma das questões centrais era neutralizar e ganhar a base social da DC166, aquela que era a favor da reforma agrária e das expropriações e, ao mesmo tempo, tentar abrir diálogo com a direção partidária da DC.

166 O diálogo com a DC era cada vez mais complicado. De março a junho de 1972 houve intensas negociações entre a UP e a DC diante do agravamento da crise e da desestabilização. Por outro lado, a direita fora das conversas, lançava uma nova ofensiva contra o governo alegando que ele era ilegal. Foi lançada a palavra de ordem “desobediência civil” levada adiante principalmente pelo grupo fascista “Pátria e Liberdade” que defendia abertamente um governo militar e nacionalista como saída para a crise no país. O MIR também se mostrava cada vez mais radical em suas atitudes, ocupando terras na província de Nuble e se envolvendo em 176

Para apresentar, com mais convicção, a necessidade de se estabelecer o diálogo com a base social da DC, ato que desagradava alguns setores da UP, era citada uma fala de Lênin para que as posições fossem reafirmadas:

Imaginamos que um representante comunista deve penetrar em um local em que os mandatários da burguesia fazem propaganda diante de uma reunião de trabalhadores bastante concorrida. Imaginamos que a burguesia nos exige um alto preço da entrada em dito local. Se pagamos muito caro para entrar no local, cometeremos sem dúvida um erro. Mas vale mais pagar caro – pelo menos enquanto não aprendemos a “pechinchar” como é devido, que renunciar a possibilidade de falar à operários que se tem encontrado até agora em poder exclusivo por assim dizer, dos reformistas, ou seja dos mais fiéis amigos da burguesia.167

O partido dizia que era preciso corrigir os erros, mas de forma coerente. Por isso, havia sido contra a proposta, levantada dentro da UP, de renuncia por parte de todo o gabinete. Era preciso mudar, sem dúvida, algumas pastas. A demissão de todo gabinete seria uma prova, para o PC, de que o governo estava no caminho errado, o que daria mais argumentos às posições direitistas. Allende havia pedido poder especial para fazer a correção administrativa, apesar do PC não comungar a idéia do presidente ter “excessivas” atribuições internamente, mas naquele momento achava correto. Para o PC, valia a máxima anterior à eleição de que, dentro da UP, não havia um partido hegemônico, porém um conjunto que deveria encaminhar as questões discutidas amplamente. Todos sabiam que nem sempre isso acontecia. O momento pedia saídas rápidas e respostas enérgicas, pois chegar a um consenso dentro da UP estava cada vez mais difícil e demorado. Outra questão que o PC destacava era a necessidade de reforçar a unidade da UP e, em especial, do OS porque o resultado eleitoral indicava a ofensiva de setores ultra- esquerdistas dentro do PS. É dito que Carlos Altamirano e outros líderes estavam criticando enfrentamentos em Melipa. Esses fatos por outro lado, exigiam uma atitude do governo que apresentava dificuldades em lidar com a situação, principalmente em relação aos grupos de esquerda. 167 Informe interno sobre la situación política, 1972,p.1889. 177 o governo por estar se aproximando da pequena e média burguesia. Criticavam a postura da UP na batalha da produção por achar “prematuro exigir da classe trabalhadora uma maior produtividade e formas elevadas de disciplina no trabalho, sem que tenha resolvido a conquista do poder”. Para o PC, não havia nada mais revolucionário, naquele momento, que atuar em defesa e pelo êxito do governo Allende. Também citam novamente Lênin para contrapor posições que chamam de ultraesquerdistas:

O maior perigo, e talvez o único, para um autêntico revolucionário, consiste em exagerar o revolucionarismo, em duvidar dos limites das condições para o emprego adequado e eficaz dos métodos revolucionários. É aí onde os autênticos revolucionários se “estilhaçam” com mais freqüência.... de que se deduz que a revolução, grande vitoriosa e mundial, pode e deve empregar unicamente métodos revolucionários. De nada. Isso é absolutamente e totalmente falso.168

Era necessário reforçar as posições contra o ultraesquerdismo. O partido tinha convicção que era preciso resolver os problemas concretos das massas para melhorar a ação do governo e achava que podia se materializar de duas formas: primeiro ganhar e convencer os demais da necessidade de corrigir e, segundo os comunistas, de realizarem concretamente certas medidas claras, maduras, assumindo claramente a responsabilidades por elas. Também era preciso definir uma política para reforçar os vínculos com a pequena e média burguesia, assim como estabelecer ações do governo para a juventude, principalmente em conjunto com o ministério da educação.169 A impressão que se tem, lendo esses documentos, é de que qualquer ataque à linha política delineada pelo PC, é encarada como desvios revolucionários e ultra-esquerdistas. O PC citava Lênin para demonstrar determinadas opiniões, mas, às vezes, nelas não cabia a realidade chilena ou, então, tinha-se uma interpretação diferente vinda de outros partidos, como o PS, que também se dizia marxista-leninista. O que ficava visível era que existia

168 Informe interno sobre la situación política, 1972. 169 Esse documento teve uma resposta dura do MIR por achar que o PC estava perdendo a condução política dentro da UP e por isso estava atacando o MIR e parte do PS denominando-os de ultraesquerdistas. Ainda reafirmam que eram contra a conversa com o PN e com a DC, mas eram a favor da unidade para avançar 178 uma tensão política dentro da UP pela busca da hegemonia de uma linha partidária. Essa disputa é bem identificada entre PC e PS, salvo o presidente Allende que parecia acima disso tudo. Também era explícito o caráter cada vez mais conciliador do PC, enquanto setores do PS, MAPU e MIR já pediam a preparação dos trabalhadores para um possível enfrentamento armado. Dentro do PC, nem se cogitava esta hipótese. Em 28 de maio, é publicado um texto de Orlando Millas reconhecendo que havia uma profunda crise dentro da UP. Muitas declarações assinadas em conjunto por direções provinciais do MAPU, PS, MIR, PR e Izquierda Cristiana estavam sendo realizadas, a principal delas ficou conhecida como “Documento de Concepción”170:

Na medida que as massas não reconhecem na oposição política outra coisa que a contra-revolução em cerne, entram em contradição com o aparato do Estado construído pela burguesia em seus largos anos de dominação política e social. É dizer que em sua luta para afastar a contra-revolução, que se reveste de oposição, as massas chocam permanentemente contra um estado construído basicamente para resguardar os interesses da reação burguesa171.

O Documento esclarecia que tal aliança buscava a discussão e a colocação prática de uma linha que assegurasse a irreversibilidade do processo revolucionário. Entretanto, foram desautorizados pelas direções nacionais de todos eles, com exceção do MIR. Orlando Millas, de forma tensa, explica que só poderia existir uma coalizão: a UP que tinha um programa básico a ser implantado, muito diferente do programa exposto no documento de Concepción, que segundo sua avaliação, esbarrava no anarquismo. Criticava o fato de parte de secções dos partidos que compunham a UP terem se reunido para se oporem ao governo, fazendo coro inclusive, aos partidos de direita.

superando as limitações que impunham o “parlamento fascista, a justiça de classes e a legalidade dos patrões”. 170 Em julho parte dos partidos da UP, com exceção do PC, aliadas ao MIR se reuniram em Concepción para se contraporem a política do governo. Esse acontecimento ficou conhecido como a Assembléia do Povo de Concepción. Essa assembléia propôs a dissolução do Congresso Nacional e sua substituição por uma Assembléia do Povo. Segundo Alberto Aggio, à primeira vista parecia uma reedição do projeto apresentado pela UP que pretendia suprimir as duas casas legislativas pela Câmara Única. Entretanto, a Assembléia de Concepción mostrava que parte das forças de esquerda queriam intervir na crise política através da instituição de um duplo poder. A ruptura com a política do governo era explícita e provocou a condenação pública por parte do presidente Allende e do PC. 171 MILLAS, O . Informe del Partido Comunista, 28 de mayo de 1972,pg.2444. 179

Dizia Millas:

Nós, comunistas, consideramos que na política de governo e da UP tem características reformistas. Isso é outra coisa. Mas, diga-se o que se quer do governo e da UP, o certo é que sob o governo da UP se tem feito grandes coisas, grandes transformações revolucionárias, e este governo está sob o assédio do imperialismo e da reação, porque tem ferido profundamente seus interesses.... Nem o presidente da República, Salvador Allende, nem os partidos da UP e, em primeiro lugar, o PC, pensamos que devemos tomar medidas repressivas contra aqueles grupos de trabalhadores, camponeses e estudantes que sobre passam a legalidade. Isto sabe o MIR e por isso abusa... A unidade da esquerda chilena é patrimônio fundamental que deve ser resguardado.172

O Partido Comunista pronuncia-se pela unidade, assim como a direção nacional do PS, que por meio do seu secretário geral Carlos Altamirano, e o dirigente da Comissão Política, Rolando Calderón, criticaram a dispersão da esquerda e reafirmaram a linha do programa da UP. Para o PC, a melhor saída era de que cada partido que compunha a UP buscasse o seu entendimento interno e reafirmasse o programa elaborado em conjunto.

Em entrevista à imprensa, Corvalan mostra-se muito preocupado com a “assembléia em Concepción”. Era um duro golpe na unidade dos partido da UP e também no governo. Segundo ele, as críticas feitas pelo MIR, anterior à eleição, à linha política do PC, já era algo dado e não esperavam que houvesse uma mudança de posição apesar das vitórias do governo. Ainda dizia que havia triunfado a política do PC, compartilhada pelos demais partidos da UP e que esta política teve como resultado a vitória da Unidade Popular e a eleição de Allende. Ele ressalta que as explicações da Comissão Política do PS sobre a reunião de Concepción foram boas, mas insuficientes porque “a festa segue em Concepción e ademais já expressei que estamos convencidos que aquelas atitudes e posições também têm suas ramificações no país. Não podemos dar por conforme com a declaração muito boa da superestrutura como se diz, quando sabemos que o fenômeno subsiste.”

172 MILLAS, O., op.cit.,p.2445. 180

Corvalan respondia ainda, às acusações feitas ao governo, por considerá-lo reformista:

Nós, comunistas, consideramos que na política de governo e da Unidade Popular tem traços reformistas. Isso é outra coisa. Mas fala-se o que se quer do governo e da Unidade Popular, o certo é que sob o governo da UP se tem feito grandes coisas, grandes transformações revolucionárias, e este governo está sob o assédio do imperialismo e da reação, porque tem ferido profundamente seus interesses. E nós acreditamos que o mais revolucionário é apoiar este governo. Pensamos que qualquer que seja a fraseologia que se empregue por parte de alguma pessoa, tudo aquilo que coloque em questão a autoridade deste governo favorece o imperialismo e a reação173.

Estava exposta novamente a ferida no seio da UP. As divergências sobre o projeto de governo da UP, que haviam sido debatidas muito antes da eleição que elegeu Allende, estavam novamente em evidência. Publicamente, o PC responsabiliza o MIR, poupando o PS, o que não impediu os dois partidos de trocarem cartas, muitas delas públicas, tirando satisfação entre eles.

O próximo documento era o de 05 de junho174 de 1972, onde Orlando Millas tenta explicar e resgatar a condução política da UP. Primeiramente, levanta a escolha do governo em atuar por caminhos revolucionários e não reformistas. Segundo ele, isso não era uma questão subjetiva. Esta era uma questão que se dava na forma em que se definia a posição na sociedade da classe trabalhadora, na forma pela qual se resolveriam os problemas da propriedade sobre os meios de produção, no caráter do processo de trabalho e nas alianças de classe que dependiam da correlação de forças.

173 CORVALAN LEPEZ,L. Conferencia de Prensa, 24 de mayo de1972,p.2445. 174 Neste mês os protestos voltam a tencionar, o setor varejista procurava fechar as lojas ao meio dia. O governo passou a multar estabelecimentos e a oposição utilizava o argumento que o governo fortalecia as JAPs para estatizar inclusive o comércio.O governo demonstrava aqui, a dificuldade de estabelecer sua aliança com os setores médios. A inflação e o desabastecimento já tomavam grandes proporções. Nas eleições para direção da CUT, em que pela primeira vez todos seus filiado haviam votado, a esquerda reforça sua direção, mas a DC tem uma votação expressiva atingindo muito próximo o percentual do PS. Só para exemplificar, a votação somente desses três partidos foram: PC 30,90%; PS 26,46%; DC 26,35%. 181

Pontua mais uma vez algumas questões indispensáveis para uma gestão revolucionária, como a nacionalização do cobre, o controle dos bancos, a formação da área social da economia e a reforma agrária. Entretanto, limitar as mudanças a um capitalismo de Estado era muito perigoso, as possibilidades de retrocessos eram grandes. Por isso, a UP deveria assumir um grande movimento social, principalmente entre a classe trabalhadora, para dirigir integralmente a economia e, posteriormente, mudar as regras políticas. O desafio da UP, dizia, era criar algo novo que funcionasse sob a base da participação democrática, com a disciplina dos trabalhadores e, em cada uma das instâncias do processo chileno, tornar realidade o programa da UP. Era preciso, urgentemente, consolidar e fazer mais funcional as políticas relacionadas às áreas sociais. Segundo o programa básico de governo, a área de propriedade social só se constituiria com as seguintes atividades: a) grande mineria de cobre, salitre, iodo, ferro, carbono mineral; b) o sistema financeiro do país em especial o banco privado e seguros; c) o comércio exterior; d) as grandes empresas e monopólios de distribuição; e) os monopólios industriais estratégicos; f) em geral, as atividades que condicionavam o desenvolvimento econômico e social do país, tais como produção e distribuição de energia, transporte, comunicação etc. Para o PC, a participação dos trabalhadores era algo possível se houvesse eficácia nos convênios de produção e salário, baseado em um plano econômico realista, onde se propusesse aumento de produtividade e reprodução ampliada. Tudo isso seria construído com a participação dos trabalhadores, empregados e técnicos. Eles teriam que se sentir integrantes da direção da sociedade e não mais explorados. Só com as mudanças nas relações de trabalho possibilitaria ir adiante a batalha da produção. Algumas dificuldades entre representantes da CUT e os trabalhadores eleitos para integrarem o Conselho de Administração precisavam ser resolvidas. Na avaliação do PC, os antigos quadros sindicais precisavam se adequar à nova experiência e não atuarem apenas no campo da reivindicação ou com base no corporativismo.

As discussões sobre transição ao socialismo e o ultraesquerdismo continuavam a causar polêmica e, em junho de 1972, Jorge Texier escreve um artigo pontuando o assunto. 182

A ultra-esquerda é caracterizada, de forma geral, como grupo que pregava uma alternativa diferente da defendida pela UP e, por isso, tentava caracterizar o atual governo como vacilante e reformista, procurando convencer os trabalhadores de que eles eram os únicos que tinham uma perspectiva revolucionária. O MIR é tido como o grupo que expressava de forma pública essa concepção, no ponto de vista do PC. Inicialmente, a ultra-esquerda, apresentou o debate sobre a revolução chilena ter apenas um caminho, que seria através do fuzil, o que não dava para conciliar com o caminho do “reformismo e do legalismo” dos comunistas. A seguir, apresenta-se como a autêntica alternativa revolucionária, além de dizer que estava em uma crescente influência entre camponeses e setores da classe trabalhadora. Ela caracteriza o processo chileno como mais uma forma capitalista de Estado e o governo da UP como vacilante e legalista. Para o PC, um dos erros da análise da ultra-esquerda, era o fato de não considerar a revolução democrática, antiimperialista, antimonopolista e antioligárquica que estava sendo realizada pela UP, como parte do processo para conquista de um Chile socialista. Também os acusam de não entenderem que o Chile passava por um momento de transição para o socialismo. Já os miristas, acusavam o governo de conciliar com a burguesia e com os donos de terras, o que era defendido pelo PC, já que se fazia necessário realizar concessões para poder avançar um pouco mais à frente. Os ultra-esquerdistas pediam o socialismo imediatamente, mas Jorge relembra que Lênin afirmava que o processo de transição na Rússia continha elementos, fragmentos do capitalismo e do socialismo. Havia uma diversidade de relações de produção, porém as socialistas eram predominantes. Para o PC chileno, estava acontecendo o mesmo: em 1970, os monopólios privados eram maioria, em 1972, tendia-se à consolidação da área social.

Se perde de vista o mais importante, que no Chile dominava a economia e as finanças de grandes oligarcas, de grandes monopólios estrangeiros e que é precisamente ali onde deve golpear a classe trabalhadora e o governo para assegurar o controle sobre o conjunto da economia, realiza uma aliança econômica com as classes ou capas que correspondem aos demais tipos econômicos (pequena e média produção e comércio). Permitir no Chile, quando inclusive não se produzem as transformações essenciais na superestrutura política e jurídica, necessárias para o socialismo, que exista um setor numeroso de 183

pequenos e médios capitalistas, tanto na indústria como na agricultura e o comércio, não é apenas ser fiel ao pensamento marxista, ao pensamento e a prática de Lênin, mas à experiência de numerosos Estados socialistas.175

O PC citava Lênin para dizer da importância de se ter o controle dos bancos e o controle dos trabalhadores na administração do setor produtivo, para se caminhar em direção ao socialismo. No Chile, dizia o PC, já estavam acontecendo esses dois processos. Por fim, afirmam que o mais grave, na ultra-esquerda, era que, pelas suas ações extremadas ela contribuía com as ações da direita.

Em 14 de agosto, uma reunião especial sobre reforma agrária é realizada no PC, onde foi publicada, em especial, a intervenção de Luis Corvalan. Ele inicia fazendo um balanço positivo, apesar das dificuldades, das ações para realizar a reforma agrária. A herança no setor agrário do governo da DC, foi de muita concentração de terras nas mãos de poucos e baixa produção. O Chile havia se tornado um grande importador e, para reverter a situação, era preciso aumentar a produção interna de alguns produtos como: frutas, vinhos, hortaliças etc. O primeiro passo era eliminar o latifúndio, depois planificar e organizar a agricultura, em terceiro, resolver questões importantes, como a participação massiva dos camponeses e a organização transitória do abastecimento. Além de todas essas dificuldades, pontuavam uma outra: a falta de infraestrutura. Faltavam tratores, fertilizantes, sementes, profissionais veterinários e agrônomos. Para tudo isso, o PC sabia que o governo precisava contar com o apoio dos camponeses, o que não era tão simples, devido à influência da DC e, também, pelo fato de serem contra muitas propostas da UP para o campo. Por exemplo, doar o excedente de produção para um fundo comum. Na tentativa de burlar os obstáculos, o governo conclamava os comunistas a fortalecer a estrutura partidária no campo, os trabalhadores das empresas estatizadas de prestarem ajuda aos camponeses e os partidos da UP a abraçarem com mais vigor o problema do campo. Resolver o problema da produção no campo significava resolver parte da questão do desabastecimento para o PC. Entretanto, outra questão que influía no desabastecimento era o boicote e o mercado negro, onde produtores,

175 TEXIER,J. Informe del Partido Comunista, mayo-junio de 1972,p.2469. 184 donos de empresas, caminhoneiros etc, faziam com que os produtos não chegassem às prateleiras dos supermercados e mercearias. Neste ano de 1972, chegou-se a ter racionamento de inúmeros produtos, causando enormes filas nos postos de venda de determinados produtos.

Em 31 de agosto, Corvalan publica a resposta do PC à carta que o presidente Allende havia enviado a todos os partidos da UP. Nessa carta, Allende pedia mais unidade, clareza e definição do caminho revolucionário, que o movimento popular estava tomando. Também tentava esclarecer a necessidade que aquele momento impunha de elevar o nível ideológico e a disciplina dos militantes para impulsionar a estratégia comum da UP. Condenava os que “publicamente e oportunamente de modo deliberado” buscavam alterar a linha política e programática do governo. O presidente Allende não diz claramente, mas condena nesta carta a reunião de Concepción: “é preciso elevar o nível ideológico de seus militantes, de sua disciplina e impulsionar a estratégia comum da Unidade Popular, rechaçando com resolução e energia os sucessivos ensaios divisionistas”. Entretanto, Corvalan alerta para as ações da oposição com a escalada de violência que o Chile estava vivendo. A ITT agia em conjunto com a oposição e, após descoberto planos para um possível golpe, o PC ainda achava que a DC estava contra uma ação desse tipo. O papel da UP era o de impedir a guerra civil e continuar o processo revolucionário. Para o PC, era preciso aplicar a lei aos que a descumprisse. Também era a favor que autorizassem os atos públicos dos partidos de oposição para comprovar que a UP primava pela democracia. Fez novamente duras críticas ao que chamou de “manobra divisionista” - a reunião ocorrida em Concepción – que teve o nome de Assembléia Popular. Os patrocinadores do evento falaram que não pretendiam estabelecer um duplo poder, um poder paralelo ao atual parlamento e ao executivo. O PC dizia que, apesar da distinta formação política dos partidos da UP, era necessário consolidar a unidade, principalmente entre comunistas e socialistas, porque o papel dos inimigos era tentar separá-los.

A Unidade Popular é uma coalizão de vários partidos enraizados em diversas classes e distinta formação política. É uma coalizão pluralista. Isso explica o direito de que cada uma das forças que integram a UP tenha seu próprio perfil. Isto é natural. Mas também devemos cuidar e fortalecer esta unidade e em especial 185

o entendimento socialista-comunista, porque o inimigo trata de nos separar, de lançarmos uns contra outros, de nos separarmos do próprio chefe de estado e sobre tudo, porque unidos não nos poderão derrotar. Representamos os interesses autênticos do povo e da pátria e atuando em um só bloco, somos capazes de faze- los prevalecer176.

Corvalan defendia que ser preciso pensar novas formas de organização do povo em apoio ao governo e era a favor de estruturar o Partido Federado da UP, em todos os níveis. Por fim, ele chama a atenção para o que se deveria dar nas eleições para o parlamento e resume as tarefas principais para modificar a correlação de forças no país: aplicar uma política firme contra a oposição; fazer novos esforços para aumentar a produção; conseguir que todos os trabalhadores e setores médios apoiassem a política econômica e financeira do governo.

Em entrevista cedida ao jornalista Eduardo Labarca, Corvalan explicita algumas questões sobre a atualidade chilena e o seu processo de revolução. Quando questionado sobre a forma em que se daria a resistência do povo se houvesse tentativa de golpe, Corvalan dizia que a principal arma de resistência era a greve geral. Se houvesse necessidade de recursos bélicos, os explosivos eram os escolhidos por já serem parte do equipamento de trabalho dos chilenos, que o empregavam nas minas. Mas achava plenamente possível não haver o enfrentamento e resolver as questões pelas vias institucionais. Dizia que os militares estavam dando provas de suas posições constitucionalistas. Acreditava ainda, que, ao longo da história, as Forças Armadas que, acreditava ser o braço armado do povo, sofreriam mudanças no sentido de se identificar com os ideais de um país socialista, ou seja, seus objetivos patrióticos se identificariam com os objetivos revolucionários do povo. Para tentar demonstrar esse raciocínio, ele dizia que desde a criação das Forças Armadas seu objetivo foi tornando mais completo: defesa, soberania nacional, ordem interna etc. Esses conceitos estariam também ligados ao desenvolvimento econômico do país. Corvalan também acreditava que a composição social

176 CORVALAN LEPEZ,L. Respuesta del Partido Comunista a la carta del Presidente Salvador Allende del 31 de julio sobre la Asamblea del Pueblo en Concepción, 31 de agosto de 1972,p.3006. 186 do exército estava mudando e que era necessário incentivar os filhos dos trabalhadores e camponeses a entrarem para o serviço militar. Quanto à DC, este partido era caracterizado como uma “arca de Noé”, por sua composição social abarcar extratos sociais diversos, o que aumentava as possibilidades de uma possível abertura para conversas políticas. Por isso, analisavam que sua posição era tão difícil: não podia opor-se a algumas mudanças por causa da sua base social, mas precisava do fracasso do governo da UP para voltar ao poder. Na análise de Corvalan, o que também atrapalhava as negociações era a falta de amplitude política de integrantes da UP, na administração pública, para lidar com setores da DC, PN e até com a população. Mas, na maioria das vezes, a intransigência, a prepotência e o sectarismo de grande parcela da direção da DC impossibilitava acordos. Sobre um possível golpe legal ou jurídico para depor177 Allende, Corvalan achava difícil acontecer na situação em que o Chile se encontrava, porque o povo apoiava o governo e a igreja e as Forças Armadas estavam dando sinais importantes a favor da institucionalidade e da democracia.

No dia 2 de outubro178, dois informes aparecem com aspectos importantes sobre o governo e a UP. O primeiro é de José Oyarce, conclamando os militantes do partido a iniciarem a campanha eleitoral de março de 1973, melhorando suas ações políticas e buscando incentivar novos eleitores a se inscreverem para estarem aptos a votar. Comunica

177 E janeiro e fevereiro de 1973, a oposição tentava obter a maioria de 2/3 no Congresso para submeter Allende ao processo de impeachment. 178 O mês de outubro ficou conhecido pela sua intensa dificuldade e representou a ofensiva mais incisiva e geral da oposição ao governo Allende. O Chile viveu uma paralisação quase integral de suas atividades conduzidas por organizações patronais que tinham um claro e perceptível apoio externo. A paralisação iniciou-se a partir de reivindicações pontuais e coorporativas de setores da classe média e setores empresariais, e somente depois tomou dimensões nacionais. Houve neste período uma série de greves organizadas pela direita. Aos poucos o movimento passou a ganhar um caráter contra a política econômica para inclusive atrair a Democracia Cristã. Em meados de outubro, é decretada a paralisação dos caminhoneiros em todo o país, provocando uma reação enérgica por parte do governo que instituiu o Estado de Emergência em dez províncias. Os estudantes e trabalhadores também organizaram protestos e atos de massa a favor (a partir da CUT e das JAP´s) e contra o governo tomando as ruas e ocasionando enfrentamentos entre os dois setores e a polícia. Mas, foi na segunda quinzena de outubro que governo e oposição passaram a se enfrentar de maneira mais dura, com a greve dos médicos e a recusa dos presidentes da Câmara e do Senado em dialogar com Allende. A oposição lança um documento chamado “Pliego en Chile” que visava nortear as negociações com o governo para alcançar uma solução para a crise. Entretanto, este documento expõe a autoridade do presidente. Neste momento, as greves já evidenciam momento de cansaço e muitos já procuravam o governo para negociar a parte. A UP conseguiu neste período neutralizar as Forças Armadas. 187 também que havia sido criado o Partido Federado da UP e que ele já era reconhecido por lei. Esse partido agrupava os partidos da UP, mas não interferia em suas diversas filosofias e princípios. Assim, explicava que o partido federado tinha como militante o conjunto de pessoas que faziam parte dos partidos da UP. A estrutura orgânica continuava sendo as mesmas dos Comitês da UP, ou seja, provincial, regional, comunal, local, empresa, população e serviço. Nas eleições, os candidatos seriam apresentados pelo Partido Federado e não mais por cada partido, em separado. Achavam mais fácil, dessa forma, eleger mais candidatos e manter a unidade interna.

O outro artigo de Mario Zamorano fala da necessidade de organização o movimento social para que a luta entre o novo e o velho, o combate entre as forças progressistas e setores reacionários, resultasse na vitória da nova sociedade que estava em construção. Para ele, um dos mecanismos principais para a vitória era superar os boicotes econômicos e, nesse sentido, destacava o papel das Juntas de Abastecimento e Preço (JAP). Havia se constituído 1.200 Juntas no país, sendo que, em Santiago, eram 720 mantendo contato com cerca de 7.000 comerciantes. Apesar dessa grande participação, a ofensiva da direita era grande, por isso a batalha da produção era a preocupação fundamental. Cidades como Taparacá, Antofagasta e o Atacama estavam sem alimentos. A inflação também era preocupante. A reação de direita contra o governo estava se dando, principalmente no que se referia à economia, justamente para afetar a questão mais sensível do trabalhador. É lembrado também que o General Alfredo Canales havia feito críticas ao governo, mas fora respondido pelo General Prats, que era o Comandante em Chefe do Exército. Segundo eles, os soldados não cometeriam nenhum crime que pudesse lesar a pátria. Eram também visíveis as diferenças de opiniões e condutas dentro dos órgãos armados do Estado.

Em outubro de 1972, o PS e o PC lançam documento em conjunto no sentido de esclarecer e coordenar ações para dar respostas às ofensivas políticas da direita, em curso. Frisavam que qualquer erro ou conciliação do governo introduziria elementos de contradição no meio da classe trabalhadora e de desconfiança em relação ao governo. Diziam que era chegada a hora de contra golpear com firmeza, aproveitando as debilidades 188 do inimigo e o fortalecimento da frente de classes. Foi neste sentido que fizeram um documento, em conjunto com, 11 pontos: 1) Ofensiva de massa: propunham a criação dos Comandos Comunales que seriam organismos de poder que canalizassem as inquietudes, os problemas dos trabalhadores e do povo em geral. A idéia era de que esses comandos pudessem resolver situações de emergências como, por exemplo, de transporte, controle do mercado negro de alimentos, ato de massas, jornadas de trabalho voluntário etc. 2) Ofensiva antiimperialista: propunha que se realizasse uma grande denúncia das ações imperialistas contra o Chile para todo o mundo, incluindo as Nações Unidas. A UP, em conjunto com a CUT, denunciariam as empresas multinacionais norte- americanas que estavam envolvidas nos planos de boicote ao governo e esperavam o apoio dos trabalhadores no âmbito internacional para resistirem a essa ofensiva. A CUT deveria realizar encontros com diversos organismos de trabalhadores internacionais. 3) Parlamento: neste ponto, propunham pressionar a direita no sentido de fazer com que ela se manifestasse sobre os projetos de lei propostos pela UP. Assim, dar-se-ia urgência aos projetos relacionados à economia, probidade administrativa, criação do sistema nacional de auto gestão, garantias da pequena e média indústria e a participação dos trabalhadores. Seriam aceleradas, também, as discussões dentro da UP sobre a lei de Reforma Agrária, para que ela pudesse ser enviada rapidamente ao congresso. 4) Transporte: O intuito era tomar medidas repressivas contra os empresários grevistas dos transportes, pela aplicação da Lei de Seguridade interior do Estado e rompimento dos contratos. 5) Comércio: também criariam medidas de repressão aos comerciantes e empresas que aderissem aos boicotes e, ao mesmo tempo, estabeleceriam políticas que os dificultassem e promovesse os comerciantes que continuassem a cumprir suas obrigações normalmente. Era anunciada a formação de uma frente de comerciantes sob a base dos sindicatos, câmaras e associações para constituir a nova Confederação do Comércio. 189

6) Abastecimento: Este era um problema sério por causa do boicote, do mercado negro e do aumento do poder aquisitivo do trabalhador. Propunham medidas para maior controle do Estado e incentivo à criação de cooperativas, supermercados etc. 7) Estudo de medidas repressivas: propunha criar uma comissão para estudar um esquema ofensivo contra a burguesia monopólica; 8) Fábrica de papéis: o intuito era passar para a área mista as propriedades florestais e as fixas para as empresas de obrigações, em relação à distribuição e produção; 9) Área Social: era preciso ampliar esta área e não devolver nenhum monopólio, nem empresas requisitadas para devolução; 10) Ofensiva administrativa: Propunha uma reordenação na administração Pública e nos organismos autônomos para dificultar ação de elementos contra revolucionários e sabotadores; 11) Ofensiva propagandista: Era necessário realizar uma grande ofensiva na mídia e entre o povo. Para pensar como seria essa campanha, propunham a formação de uma comissão especial para formular as ações.

Durante este período nasceram os Cordões Industriais, que eram organizações de trabalhadores com o objetivo de “atuar rápida e eficazmente contra as manobras da direita”. Os Cordões seriam um novo organismo de luta dos trabalhadores e pressionavam o governo para, principalmente, passar para a área de propriedade social uma série de empresas. O primeiro Cordão Industrial foi o de Cerrillos, que agrupava trabalhadores de 30 indústrias. Para Nicolas Miranda179, eles se transformariam em um órgão de poder dos trabalhadores pela sua base. Novos Cordões foram nascendo durante o ano de 1972. O governo da UP e o PC os criticaram e pediram inclusive a devolução das empresas tomadas pelos trabalhadores dos seus proprietários, ocorrendo o primeiro choque entre governo e Cordões, em janeiro e fevereiro de 1973. Eles criticavam a atuação da CUT por acharem que ela estava alheia às verdadeiras aspirações da classe trabalhadora.

179 MIRANDA, N. Los cordones industriales, la revolución chilena y el Frente populista, Sítio Clase contra clase,19 de novembro de 2004. 190

No dia 12 de novembro, vários pequenos artigos são publicados comemorando dois anos de governo popular e refletindo sobre as dificuldades e saídas para a crise. Uma das questões importantes levantadas está na constituição do gabinete cívico militar com a participação de três generais das Forças Armadas. O PC reafirmava que elas tinham politicamente uma importância grande, assim como um caráter patriótico e democrático, atuando junto ao povo, apoiando os trabalhadores contra a exploração burguesa e respaldando o desafio da libertação do Chile em relação ao imperialismo. Essa era uma das saídas encontradas pela UP para incorporarem as FFAA no processo democrático e tentar neutralizar alguns campos que já demonstravam contrários à política da UP. O MIR havia lançado documento contra esse gabinete militar e denominou o governo de “governo UP-Generais” que, nesta nova fase, queria paralisar a luta do povo. O PC criticou duramente as declarações e atitudes do MIR, chamando-o de irresponsável e de aliado da direita. Os Cordões Industriais criticaram as posições da UP em incorporar militares no governo. A direita também reagiu contra a incorporação de militares no governo e começou a agir no sentido de separar os quadros militares que formavam o governo do seu restante. O general Prats, que passou a compor o governo, esclarecia que o papel do novo gabinete era o de assegurar a paz social. Ele tinha a função de comandante em chefe do Estado Maior e o General o de general do Exército. Dizia ainda que aplicaria com autoridade as normas legais vigentes.

Em 16 de novembro, o PC comenta o editorial do pleno do PS, que assinalou a importância da unidade interna para fortalecer o governo, assim como a unidade da UP. Deixa explícito que o PS deveria lutar conjuntamente para a aplicação de todas as medidas do programa da Unidade Popular. Todos os partidos da UP estavam realizando reuniões para avaliar a situação chilena e segundo o PC: “Todos coincidiam no fundamental. Não há fenda na UP. Pelo contrário: fortalece a unidade para encarar juntos a batalha eleitoral de março próximo e conquistar um Parlamento para o povo. Traz o êxito dessa tarefa se mobilizarem os trabalhadores todos os chilenos patriotas, que são os motores de um processo até o socialismo que é irreversível.” Entretanto, por mais que tentassem passar a imagem de unidade, eram nítidos 191 e públicos as divergências entre os partidos, que chegavam até causar uma paralisia no governo, no sentido de se ter mais agilidade na contra ofensiva à direita.

No mês de novembro, houve reunião do pleno do Comitê Central para discutir os rumos da política chilena. A luta política entre esquerda e direita, o aumento dos boicotes na produção e no abastecimento, chegava no limite. A direita estava conseguindo se aproximar e ganhar a opinião da classe média. Entretanto, o PC dava mostras que os trabalhadores reagiam: várias indústrias passaram a funcionar 24 horas para aumentar a produção, os trabalhadores passaram a dirigir caminhões de grandes empresas, assim como colocaram tratores, seus próprios caminhões para transportar outros trabalhadores, a fim de conseguirem burlar a greve patronal e não deixar parar a produção e a distribuição. A juventude, no período de 14 de outubro a 4 de novembro (chamado de período de emergência) permitiu a distribuição de farinha, a fabricação de pães e o abastecimento das populações. Os trabalhadores fizeram, a partir do trabalho voluntário, que esse período de emergência não se tornasse um caos. Para isso, revezaram no trabalho 24 horas por dia, através de turnos. Dias depois, seria fundado o movimento “Voluntários da Pátria”. Também destacava-se que muitos jovens democrata-cristãos de base ajudaram nesses trabalhos voluntários. O PC, pelo menos nestes documentos, não falava no trabalho realizado pelos Cordões Industriais. O PC apresenta, então, oito conclusões sobre a crise de outubro: 1) a ofensiva política de outubro puxada pela burguesia e pelo imperialismo encontrou forte resistência dos setores que apoiavam a UP; 2) demonstrou o grau de combatividade e consciência do povo; 3) demonstrou o nível de organização do proletariado diante das responsabilidades essenciais e complexas; 4) reafirmou o papel do trabalhador como motor das mudanças revolucionárias e pilar de sustentação do governo; 5) pôs em relevo o poder de criatividade, organização e amplitude das massas; 6) demonstrou que o povo chileno estava disposto a defender o processo revolucionário iniciado pela UP; 7) reafirmou a unidade de todos os partidos da UP na base; 8) revelou a necessidade de readequar formas e estruturas orgânicas para dar conseqüência ao ímpeto renovado das massas. Diante da crise de outubro, era necessário ajustar algumas políticas do governo, mas principalmente não desmobilizar os trabalhadores, fortalecer os organismos como a JAP, 192

Junta de Vecinos, Centro de Madres etc, cuidar da unidade do proletariado, consolidar e aumentar a participação e a direção das massas. Ainda demonstrar a grande responsabilidade que cada um deveria ter durante a campanha eleitoral de março. A ordem era conquistar a maioria dos votos para acelerar a aplicação do programa em suas diversas áreas e superar a crise. O parlamento eleito, em 1969, era integrado por 94 deputados e 32 senadores de oposição e 56 deputados e 18 senadores das forças populares. O PC tinha 22 deputados e 6 senadores, sendo que desses, quatro tinham mandato até 1977 (Corvalan, Contreras, Montes e Valente). Nas eleições de março seriam eleitos 150 deputados e 25 senadores. Na lista disponibilizada pelo Partido Federado da UP, foram apresentados 05 candidatos a senador e 34 a deputados pelo PC. Nas últimas eleições o PC obteve 17% do eleitorado, o que significava por volta de 480 mil votos. Nas eleições de março estavam inscritos aptos a votar 4,5 milhões de chilenos, dentre os quais, mais ou menos 700, iriam votar pela primeira vez. Os jovens maiores de 18 anos e analfabetos participariam do processo eleitoral pela primeira vez. Também era destaque no PC, os quatros jovens comunistas militantes da JJCC que seriam candidatos ao cargo de deputado.

Jorge Insunza inicia sua intervenção que encerra a reunião do pleno do Comitê Central, relembrando os objetivos dos ataques da direita:

...pretendem instaurar uma ditadura reacionária, a fim de estabelecer os privilégios do passado, terminar com os processos de mudança... Queriam e querem impor a contra-reforma agrária, propunham terminar com a área social de produção. Seu plano era e é desconhecer, negar as massas populares toda participação na condução do Estado, ilegalizar a CUT, os sindicatos... Seu plano era e é terminar com as JAPs... não ocultam a necessidade de terminar com os comitês de vigilância, com os organismo de controle e participação dos trabalhadores,com tudo o que está relacionado com o povo, com as mudanças e com a revolução180.

180 INSUNZA,J.Informe, noviembre de 1972,p.3626. 193

A sua avaliação, feita em relação ao governo e ao enfrentamento com a direita, era positiva. Insunza acreditava que a experiência vivida na crise de outubro havia dado mostras de que o movimento popular estava mais organizado, consciente, sólido, amplo, unindo a classe trabalhadora com o povo e ainda cita de forma positiva a colaboração das Forças Armadas. O mês de outubro deu demonstrações, segundo Insunza, de organização e patriotismo. O desabastecimento e o mercado negro eram levantados como um dos principais problemas. As JAPs eram pensadas como uma forma de organizar e fiscalizar a distribuição e, ao mesmo tempo, de envolver os trabalhadores no processo de enfrentamento do governo com setores conservadores. Na questão econômica, dizia-se que o principal era revisar a fundo tudo o que entorpecia o desenvolvimento da produção e da produtividade na área social. A partir daí, as novas diretivas deveriam ser postas em prática por todo o partido e, principalmente, por aqueles que tinham responsabilidades na direção das empresas e nas frentes de produção. Para continuar as mudanças e enfrentar esses problemas, era necessário que se obtivesse êxito nas eleições de março. Essa não era uma tarefa fácil, pela tensão existente na sociedade chilena e também pelo fato de 64% dos meios de comunicação estarem vinculados à grande burguesia. Por isso, ressaltava-se que a principal atividade dos comunistas era trabalhar unidos desde já para mudar a composição do parlamento. A meta era reunir 500 mil pessoas para fazer campanha e constituir os comitês de base. Dizia-se que: “o triunfo dos candidatos comunistas, a vitória da UP era a garantia do desenvolvimento democrático e da revolução”.

194

3.5 – Os documentos do PC de 1973: Transição, eleições, crise e golpe militar.

Em janeiro de 1973, Orlando Millas181 redige um artigo analisando dois anos do governo Allende, tanto as conquistas, as dificuldades, no período de transição. As mudanças econômicas foram resumidas em sete questões principais: 1) a área de mineração, que representava 55% das divisas que dispunha anualmente o país e deixou de ser explorada pelas empresas do grupo de monopólios americanos Anaconda e Kenecott. Também foram nacionalizadas as áreas de exploração de ferro e de salitre; 2) a expropriação de algumas indústrias monopólicas, a aquisição, intervenção e requisição de outras havia conduzido, sob a direção da área social da economia, quase mais da metade da produção mineral-industrial; 3) os bancos particulares, que concentravam em suas mãos 45% dos depósitos e 53% dos créditos, em moeda nacional, haviam passado para direção estatal; 4) durante o ano de 1972, foi completada a expropriação e a transferência para os camponeses, de 35% do terreno agrícola do país; 5) houve modificação da correlação de forças em setores sociais ligados ao desenvolvimento econômico, em função da prioridade estatal dada pelo governo; 6) foi feita a assinatura de convênios para constituição de sociedades mistas automotrizes com empresas francesas e espanholas para garantir a produção de automóveis, caminhões, ônibus etc. 7) a diversificação do comércio exterior chileno diminuiu de 37% para 12% o total das importações provenientes dos EUA, aumentando o comércio com a América Latina de 20% para 34% e com países socialistas de 0,5% para 12%. O desafio naquele momento era que as áreas nacionalizadas e incorporadas à área social passassem a trabalhar mais e melhor. E, apesar da crise, o discurso utilizado pela UP era o de que o país precisava continuar a ter um balanço positivo da economia. Alguns

181 O chamado “Plano Millas” propunha enfrentar os efeitos negativos gerados pela política econômica imposta no primeiro ano. Sua estratégia era aumentar a produção da área social, em especial na agricultura e cobre, e por isso pedia maior disciplina no trabalho e defesa de hierarquia, o que para muitos contrapunha a idéia de administração direta dos trabalhadores. Ainda propunha um ajuste de preços das empresas estatizadas para diminuir o déficits do Estado e controlar as remunerações. No plano externo, priorizava ao máximo a poupança de divisas. Esse plano gerou muita discussão, inclusive dentro da UP. Na análise de Aggio, o plano tentava reverter o quadro desfavorável através de mecanismos econômicos, separando-o da esfera política. A 195 argumentos para tentar convencer os chilenos, que sofriam com sério problema do desabastecimento, eram apresentados: - o crescimento do produto bruto no governo Alessandri foi de 1,9%, no governo de Eduardo Frei de 6% e no de Allende de 7%; - a produção industrial havia crescido de 3,8% para 10,7%, em 1971; - a taxa de desocupação, em Santiago, havia caído de 8% para 3%, em Concepción e Talcahuano, de 10 para 6%; - houve melhora substancial no poder de compra dos trabalhadores; - a taxa de crescimento no ensino básico e médio foi de 18% e, do ensino superior, de 35%. Entre as crianças de 6 a 14 anos, houve aumento de 99% das matrículas e a taxa de analfabetismo havia caído de 12% para 10,8%; - procurava-se diversificar as linhas de crédito a curto prazo etc. Muitas dificuldades ainda existiam, principalmente referentes à produção e à inflação. Mas essas dificuldades de uma economia em transição eram, para o ministro, absolutamente normal. Citava Lênin para demonstrar as dificuldades que a URSS havia passado em sua revolução e concordava que o problema principal residia no plano econômico: controlar, produzir e distribuir a produção. Para a revolução chilena continuar avançando era preciso sanear e consolidar a economia, atravessar as dificuldades com pulso e, acima de tudo, lembrar que a mudança fazia parte de um processo. Dizia ainda:

Nossa transição é imensamente mais fácil que a dirigida por Lênin, porque estamos em uma conjuntura muito mais favorável, que deriva da criação socialista iniciada na URSS e das gigantescas lutas sustentadas nestes 55 anos por todos os povos do mundo, entre eles pelo nosso. Mas com tudo, a transição não deixa de ser difícil, de ter momentos em que aumentam as dificuldades e que requerer a firmeza necessária que não se demonstra com poses ou frases eloqüentes, nem com consignas negativas, mas abordando com tenacidade o aumento da produtividade do trabalho, da contabilidade e do controle mais rigoroso da produção e da distribuição, além do estabelecimento de uma forma superior de organização do trabalho182.

direção dos Cordões industriais e parte do PS também criticavam o plano Millas. Queriam atitudes mais radicais, que pudessem organizar o povo e tomar a frente do processo produtivo do país. 182 MILLAS, O. Hay que ganar la batalla en el tereno de la economia, enero-febrero de 1973,p.3799. 196

A crise de outubro para o ministro era um exemplo das dificuldades e, segundo ele, foram geradas pelos imperialistas, que haviam perdido os altos lucros com as nacionalizações. Fizeram em outubro a “conspiração da fome”, atingindo a maioria dos chilenos. Entretanto, o inimigo havia fracassado, enquanto a classe trabalhadora, as frentes patrióticas mantiveram o país funcionando e as Forças Armadas resguardaram a ordem pública. O artigo de Millas dizia que para avançar até o socialismo e mais adiante construir uma sociedade realmente socialista, era preciso desenvolver a produção em todos os campos da economia nacional. Quanto à melhoria das condições de vida e de trabalho dos chilenos, o essencial era que pudessem ter uma remuneração maior para terem acesso ao poder de compra de produtos de qualidade. Outras medidas econômicas também precisavam ser realizadas como o equilíbrio fiscal, política tributária mais ativa e moderna para que pudesse derrotar a inflação. A área social da economia era destacada como uma obra de incalculável perspectiva. A maioria parlamentária de oposição havia negado o estabelecimento de um estatuto legal de incorporação das empresas monopólicas à área social. Porém, na área do comércio exterior, 90% das exportações e 50% das importações realizavam-se diretamente por meio das empresas da área social. Por isso, achava-se que ela estava em condições de exercer a direção e de determinar o curso do desenvolvimento econômico. Mas para isso, era preciso burlar algumas dificuldades. A área social era vista como o alicerce para a construção do socialismo, sem a qual não dava para impor a consigna “construir o socialismo agora mesmo.” Não havia ainda no Chile as condições econômicas e nem políticas para consolidar o socialismo. Era necessário que o controle dos meios de produção estivessem nas mãos dos trabalhadores. A responsabilidade naquele momento era fortificar a área de Propriedade social e seu triunfo sobre a economia capitalista era o que iria permitir a sua transformação. O apoio da maioria daria forças para se passar para uma nova etapa. Explicava-se que no Chile, neste período de transição, coexistiam simultaneamente três tipos de economia: 1) Economia burguesa não monopólica representada pelas fazendas, fábricas, negócios comerciais e serviços que exploravam mão de obra; 2) Economia pequeno-burguesa: formada pelos pequenos agricultores, artesãos e trabalhadores 197 autônomos do comércio e serviços (pequenos comerciantes, ambulantes, taxistas, caminhoneiros etc), todos trabalhavam sem empregar assalariados; 3) Área social: que incluía as empresas do Estado ou dirigidas pelo governo popular e pelos trabalhadores, as economias da área reformada no campo, sejam cooperativas, assentamentos ou comitês de camponeses.

O período de transição, para o PC, estava acontecendo, desde a tomada do poder pelo proletariado até a construção completa do socialismo. Citavam, por meio da intervenção de Cademartori, que, na URSS, o período de transição havia durado 20 anos (1917-1937) e, nos países da Europa Oriental, ainda acontecia. No Chile, o PC dizia que o período de transição poderia ser dividido em duas etapas: a primeira desde a conquista do governo popular em 1970 e que duraria até a conquista do poder total pela classe trabalhadora em aliança com os camponeses e a classe média; a segunda começaria com a conquista do poder e duraria até o triunfo definitivo do novo modo de produção, o socialismo. O que se destacava, como característico do processo chileno, era o fato de que, apesar de não se ter conquistado todo o poder para o proletariado e sua coalizão popular, poderia ser dito que já se iniciava a primeira das etapas de transição, pois as forças populares contavam com a parte decisiva do poder: o poder executivo. Outra característica importante era a socialização dos meios fundamentais da produção e sua conversão em propriedade social. Por essas duas questões, acreditava o PC que já estava na primeira fase de transição.

O Período de Transição começa com a socialização dos meios fundamentais da produção e a conversão deles em propriedade social. No Chile a constituição de uma ampla e poderosa área de propriedade social, da área mista e da área reformada da agricultura davam o fundamento para sustentar que em nosso país já se iniciou o período de transição do capitalismo ao socialismo183.

183 CADEMÁRTORI,J.Perspectivas y tareas revolucionarias en el frente economico, enero-febrero de 1973,p.3811. 198

Entretanto, o imperialismo e a oligarquia eram os principais opositores do novo poder que estava tentando se solidificar. Neste momento de transição, de um lado estavam as forças populares e patrióticas encabeçadas pela classe trabalhadora e, do outro lado, o imperialismo, os monopólios e os latifundiários. Apesar destes setores não terem o respaldo do poder executivo, os imperialistas contavam com o poder judiciário, com grande parte do parlamento e com o chamado “quarto poder”, isto é, os meios de comunicação de massas. Na economia, mesmo que estivesse enfraquecidos no controle em setores importantes, ainda conservavam relevantes posições como na indústria de celulose e papel, refino do açúcar, no comércio atacadista, distribuição de combustível, transporte marítimo, navegação petroleira, indústria química, indústria de construção. O capital monopolista internacional controlava alguns centros importantes como monopólio de fósforo e tabaco, distribuição de combustíveis, detergentes, artigos eletrônicos etc. Assim, para continuar e fortalecer o período de transição era preciso “ganhar a burguesia e a pequena burguesia”, pois, ou estariam do lado da contra-revolução, ajudando nas sabotagens, ou estariam cooperando com o processo revolucionário. Para José, era difícil, mas não impossível atrair a burguesia nacional para a causa do socialismo, mas indicava os erros cometidos por funcionários e dirigentes sindicais da UP que exageravam no trato com a burguesia, como possível empecilho para a aliança. Ele relembra ainda, que no programa da UP não se falava em liquidação imediata ou violenta da propriedade privada, pois muitas delas cumpriam uma importante função na economia nacional. Portanto, conclui que o terceiro ano do governo Allende era importante e definitivo para o processo revolucionário chileno, e por isso, esforços não poderiam ser poupados. Já em dois posteriores documentos datados de final de janeiro e início de fevereiro, o PC envia carta ao PS, não entendendo sua reação quanto ao projeto de lei que propunha uma resolução jurídica ao problema da propriedade de algumas empresas que deveriam integrar a área social.O PS alegava que desconhecia o projeto e que o sub secretário de economia, que era socialista, iria pedir demissão ao presidente. O PC afirmava, por outro lado, que alguns partidos da UP em conjunto com o MIR, pediam que Orlando Millas (comunista e ministro da economia) pedisse demissão ou que fosse afastado por Salvador Allende. A crise entre PC e PS era pública e visível, poucos dias antes das eleições parlamentares. 199

Durante algumas semanas, nós comunistas temos suportado todo tipo de ataque. Mas nos estranhou que depois da reunião que houve no La Moneda e de havermos nos comprometido diante do país e diante de nós mesmos a chegar a um acordo sobre esta e outras questões que tiveram em discussão, se tenha realizado, no dia seguinte, em frente ao Palácio de Governo uma manifestação em que se pedia a cabeça de Orlando Millas, se atacava ao Partido Comunista e em tal ato haviam participado setores da Unidade Popular184.

Em março, Volodia Teitelboim cede algumas entrevistas em que reafirma o perigo de um possível golpe de direita. Em nenhum momento ele colocava em questão o apoio das Forças Armadas, como se o seu não envolvimento em uma possível ação contra a UP se resolvesse apenas pelo fato de estarem presentes no governo. As eleições de março seriam um termômetro para os próximos passos a serem dados pela direita. Se a UP ganhasse a maioria dos votos, certamente iriam endurecer sua política em relação ao governo. Para o senador do PC, depois de março o país seguiria seu caminho e independente de vitória ou derrota, só então se definiria o ritmo das mudanças. Volodia achava que o povo iria respaldar a UP. Volodia e Corvalan pediam a todos que votassem bem cedo no dia 4 de março e que ficassem atentos às provocações da direita. Também estavam apreensivos porque os principais representantes do PN estavam dizendo que essas eleições eram como um plebiscito e se a UP não tivesse 51% dos votos, Allende deveria renunciar. Tal entrevista gerou muito debate, porque isso não estava previsto na constituição e, ao mesmo tempo, tornava ainda mais claro os objetivos da direita. Em seis de março, o PC lança nota dizendo da vitória alcançada pela UP em conquistar 42% dos votos nas eleições. Era algo para se comemorar, porque a oposição, que tinha uma meta de atingir 2/3 dos votos para o senado com intuito de continuar a estratégia de utilizar uma acusação constitucional contra Allende para afastá-lo do governo, não conseguira atingir o estipulado. A vitória também era comemorada pelo fato da UP, a cada eleição, ter aumentado sua votação. Parecia se confirmar que a população, em geral, aprovava o governo Allende. 200

Corvalan, em discurso no ato promovido pelas Juventudes Comunistas no dia 7 de março, dizia que três surpresas haviam sido lançadas contra os inimigos: a primeira foi a celebração do segundo aniversário da vitória eleitoral da UP, onde se realizaram gigantescas passeatas por todo país, em especial em Santiago; a segunda foi a resposta do povo e das forças Armadas aos atos criminais dos donos dos transportes, que pararam suas atividades e incentivaram greve nas fábricas e indústrias. Os trabalhadores haviam dado, como resposta, a ida à pé até o seu local de trabalho para que a produção não parasse; a terceira, os resultados das eleições de março dado que comprovou o aumento de votos da UP. Encerrado os números, Corvalan anunciou que a UP havia conquistado 43,39% dos votos, mas com os sufrágios da União Socialista Popular a esquerda chegava a 43.67% dos votos e a oposição havia obtido 54,7%. Muitos pensavam que pela crise do abastecimento e dificuldades pelas quais o país passava, o governo seria derrotado, apesar do fato da direita ter obtido maioria na votação. Isso não aconteceu porque, segundo o PC, o povo chileno havia demonstrado responsabilidade social, patriotismo e consciência. Mais uma vez deixava claro que a classe trabalhadora era o pilar da revolução e a principal base do governo da UP. Entre os camponeses houve aumento dos votos no governo, mas a questão mais comentada foi a marcante vitória dos votos das mulheres. Dos quatro candidatos da JJCC, que estavam na lista do partido, duas haviam sido eleitas: Eliana Araníbar e Gladys Marín. E, entre as candidatas mulheres, mais quatro se elegeram, dando ao PC o posto de partido de esquerda que tinha no parlamento o maior número de mulheres e jovens da esquerda. Em entrevista, durante a viagem para realizar esta pesquisa, Eliana Araníbar contou como foi difícil aquela campanha pela tensão política existente no país. Sua candidatura apoiou-se muito no trabalho da juventude comunista, a chamada Jota (JJCC) que ao total tinha 80 mil filiados e contou com o apoio do músico Victor Jara. Eliana conta que teve 52 mil votos sendo a segunda candidata mais votada. “Tive uma excelente votação, era a primeira vez que me candidatava. Percorremos o país inteiro, incentivada muito pelo trabalho da juventude. Adorava sempre estar em movimento. Quando soube que o partido

184 CORVALAN,L. Carta al Partido Socialista, 7 de febrero de 1973,p.4187. 201 queria que eu fosse candidata, chorei,chorei porque não queria ser. Mas o partido me pedia que fosse e precisava como militante ajudá-lo. Então fui. A juventude, em especial a JJCC ficou muito animada e assim foi a campanha”185 Segundo Corvalan, a cada 100 votos do PC, 42 haviam sido femininos, um crescimento importante para os comunistas. Outro crescimento importante havia acontecido nas zonas agrárias, onde a votação do PC havia aumentado 78%, Elegendo 09 representantes. O PC se tornou o partido com maior representação pela UP, no senado. O PC havia, segundo suas avaliações, aumentado sua votação de 383mil 49 votos, em 1969, para 477 mil 868 votos, em 1971, e 627 mil 712, em 1973. Para Corvalan, o êxito eleitoral provava na prática a justeza da linha política não só da UP, mas do PC. Também não se duvidava mais de que o povo estava apoiando a revolução, o que possibilitava que o governo aplicasse seu programa e tivesse uma ação mais enérgica contra a direita. O PC obteve uma vitória importante. Com um crescimento, segundo o Comitê Central, de 17,1%, ele se manteve sua tradição de aumentar os números de votos nos últimos 15 anos. Volodia havia obtido, em Santiago, a segunda maioria e a primeira dentro da UP. Esses resultados davam ao PC a análise de que sua linha política era correta e de sua importância na condução da revolução. Acreditava-se ainda, que o governo deveria adotar medidas mais intensas para aplicação do programa e que era indispensável à unidade das forças populares. Para isso, o PC continuaria a rechaçar a proposta do MIR de “criação de um poder popular independente do governo”, que só traria divisões entre as forças populares.

Em abril, Sergio Ovale chamava a atenção da UP para a necessidade de aumentar o ritmo das mudanças dos rumos do país. Ele pedia maior empenho para que os problemas de infra-estrutura fossem resolvidos e a centralização do controle dos bens de consumo para solucionar o problema do desabastecimento e do mercado negro, por meio da Secretaria Nacional de Distribuição. Era preciso controlar a área de propriedade social e a área privada no que dizia respeito à produção e a importação. Fazia-se urgente assegurar, a cada família, o abastecimento mínimo necessário.

185 Entrevista cedida à autora na cidade de Santiago em fevereiro de 2004. 202

Sérgio Ovale também propunha, a criação de secretarias regionais de comercialização e distribuição em cada uma das províncias do país com a participação da CUT provincial, JAP, Centros de Madres. As empresas distribuidoras do Estado deveriam acatar e por em prática os programas elaborados pela secretaria. O papel dos comunistas, segundo Ovalle, era o de ter conhecimento concreto dos problemas da economia, produção, financiamento e rentabilidade, elevação da produtividade do trabalho das principais empresas. Deveriam assumir responsabilidades políticas quanto ao transporte, ao abastecimento e à aliança com setores médios. Tudo isso requeria de seus quadros dirigentes e militantes sério esforço para obter esses conhecimentos, estudar os fenômenos e processos da economia, ter participação ativa em conjunto com os partidários da UP. As eleições, segundo ele, haviam confirmado que o PC e o PS eram os pilares fundamentais do movimento popular e que o entendimento entre esses dois partidos era a chave para levar adiante a revolução chilena. Allende se manifestava a favor da realização de um Congresso Nacional do partido da UP para acertar as divergências internas. O PC, que também era a favor, criticava as posições de alguns partidos, que acertavam decisões na esfera dos dirigentes, mas que as cumpriam na base. Para o PC, até o momento, portanto início de 1973, não havia sido criada uma direção econômica claramente estruturada e definida. Inúmeros administradores e interventores de empresas e bancos estatizados atuavam por contra própria, sem prestar contas da gestão a ninguém. Assim, salários, contratações etc, eram pensados de acordo com as conveniências dos partidos aos quais se pertencia ou por razões pessoais. Também critica a forma que o governo havia designado seus representantes nos Conselhos de Administração das empresas na área social. Muitos deles nunca tinham trabalhado em tais empresas, mesmo depois de serem nomeados representantes, muitos o faziam de outra cidade. Nem sequer estavam nos locais de trabalho. Segundo o PC, a maioria das empresas da área social ou mista não se observava uma mudança real nas relações de produção. Era preciso rever urgentemente esses problemas. Propunha que os sindicatos e dirigentes sindicais, em conjunto com os executivos designados pelo governo, assumissem a direção das indústrias. 203

O PC, para impulsionar a batalha da produção, apresentava 10 pontos que dizia ser possível acatar de imediato: 1 – Obter organização do trabalho de modo que assegurasse o aproveitamento total das equipes e matéria prima da qual se dispunha. Existiam fábricas que poderiam estabelecer até três turnos; 2- Em cada unidade produtiva estatal, mista ou particular não deveria haver nenhuma inversão adicional para que fosse possível esgotar a capacidade de produção existente. As inversões deveriam facilitar o uso pleno das equipes de trabalho; 3- Deveria ser estabelecida uma relação cotidiana que, em conjunto, permitisse discutir e resolver questões para melhorar a produção e tomar novas iniciativas, fruto dessa convivência; 4- Obrigar os administradores, interventores e chefes de empresas e serviços a considerar posições que surgissem dos trabalhadores e responder por escrito e, no máximo, em 15 dias, às suas sugestões; 5- Estabelecer contato entre trabalhadores de distintas unidades produtivas com a finalidade de trocar de experiências e resolução de problemas comuns; 6- Oferecer, em cada unidade produtiva, estímulos morais e materiais em razão das iniciativas positivas que surgissem; 7- Aproveitar as equipes, matérias primas, iniciativas dos trabalhadores etc, o que resultaria em aumento da rentabilidade das empresas; 8- Firmar convênios que ligassem produção e produtividade com salários, créditos etc; 9- Outra questão decisiva era o caráter obrigatório do cumprimento das decisões adotadas; 10- Os executivos deveriam prestar contas do seu desempenho, periodicamente aos seus superiores e, também, para a assembléia dos trabalhadores de suas empresas. Estas idéias deveriam servir de base para a organização de um estatuto de normas comuns de administração das empresas da área social e mista. O PC também propunha a elaboração imediata do plano econômico para 1974 e o estabelecimento de um plano financeiro para o segundo semestre de 1973. O setor estatal para o PC, jogava papel decisivo na estruturação da nova economia. Assim, ele dizia:

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A luta entre o velho e o novo se expressa no terreno da economia como o fortalecimento do setor estatal e seu predomínio crescente. Isto não supõem a desaparição do setor privado, sem que, ao contrário, sua manutenção em uma dependência harmônica e não contraditória com a área social. Os pequenos e médios produtores têm um papel importante em jogar na batalha da produção e do desenvolvimento geral da economia. A única forma cientificamente correta de combinar as relações entre setor estatal e privado, de estabelecer as proporções adequadas entre os diversos ramos da economia, de assegurar movimentos financeiros proporcionais as necessidades da produção e sobre tudo de orientar e definir com precisão as metas e diretrizes para o desenvolvimento econômico, se encontra na confecção e aplicação de um plano186.

Reiteravam, neste documento, que a tarefa principal era o aumento da produção agrícola, mineira e industrial. Sobre a via da revolução chilena, que ela jamais foi considerada como uma via exclusivamente eleitoral e sim como um caminho de constantes enfrentamentos, de aguda luta de classes, onde o fundamental era a mobilização, das massas e a crescente elevação da consciência revolucionária. Entretanto, apresentava a perspectiva da UP ganhar a maioria do país e dos eleitores. Este documento também convoca o 15º Congresso Nacional do PC no período de 25 de novembro a 1º de dezembro de 1973, em Santiago, além de informar que, conforme anúncio em 25 de janeiro, havia sido feito uma revisão dos militantes recrutados para trabalhar na administração pública ou que se filiaram no PC durante o governo, para que igualmente participassem da administração. Foram revistos 215 casos. Deles, 5 foram expulsos, 10 afastados das filas do partido e 4 foram removidos de cargos de responsabilidade administrativa. Durante o ano de 1972, foram realizadas várias mudanças em postos de responsabilidade em organismos do governo e nas empresas da área social.

Em entrevista ao jornal Chile Hoy, no mês de abril, Luis Corvalan fala sobre o PC e o governo. Primeiro, afirma que o PC estava assinalando como obrigações fundamentais de seus filiados sustentar o governo, aprofundar o processo revolucionário e chegar às eleições

186 CORVALAN LEPEZ,L. Informe al pleno, 29 de marzo de 1973,p.4375. 205 de 1976, elegendo um novo governo popular. Para ele, essas três questões eram imprescindíveis para realizar a revolução antiimperialista e antioligárquica e construir o socialismo sem necessidade de enfrentamento armado. Os comunistas, dizia Corvalan, fazia muitos anos que sustentavam esta tese, e a vitória, em 1970, em conjunto com as transformações revolucionárias realizadas no Chile, neste período, mais confirmavam a aplicabilidade e a possibilidade real da via não armada. Corvalan explicava que era possível ganhar as próximas eleições porque, pelo estudo que estava fazendo dos resultados eleitorais de março, a UP não só aumentara a sua votação, mas obtivera 49,7% dos votos de novos inscritos que, em sua maioria, eram jovens de 15 e 18 anos. O governo de Allende era visto como o construtor das bases materiais, criando condições sociais e políticas para a construção do socialismo. O aprofundamento do processo chileno se daria com uma combinação do uso da lei com a ação de massas. O novo parlamento ajudaria a UP a obter maioria para aprovar algumas leis, como a da nacionalização da ITT. Entretanto, afirmava que, para conseguir êxitos no parlamento, era preciso ganhar a opinião da população sobre alguns assuntos, como foi feito no caso da nacionalização do cobre, o que ocasionou, no parlamento, a aprovação por unanimidade do projeto. Indagado sobre a impressão de que o PC havia descartado a necessidade de desenvolver organismos de poder popular independente do governo e ficado apenas com a conquista do Estado burguês, Corvalan nega esta visão. Ele diz que achava salutar a criação dos comandos “comunales”, dos conselhos campesinos, das JAPs, dos cordões industriais etc. Para ele, o problema estava quando esses organismos queriam constituir-se sob orientação de oposição à política do governo e para substituir outras organizações já historicamente constituídas como a CUT, as Juntas de Vecinos, Centros de Madres etc. Para ele, as ações dos organismos deveriam estar ligadas aos sindicatos. Por exemplo, os Cordões Industriais trabalhariam integrados à CUT. Quanto ao estado burguês, dizia Corvalan ser necessário se ter outro poder legislativo e outro judicial, porque eles travavam o desenvolvimento social. Mas, para isso, era preciso uma reforma constitucional que conduzisse à realização de um plebiscito, o que ocorreria num momento preparado pela UP, porque o embate com a direita não seria fácil. 206

Sobre o PS, apesar de grandes divergências em questões importantes como o limite da área social, a distribuição e a política de alianças, Corvalan apenas dizia que o diálogo era a melhor forma para se chegar a um consenso e ressaltava a importância da união entre comunistas e socialistas. Em relação ao MIR, ele afirma que era um fator de divisão do movimento popular e o acusa de utilizar os cordões industriais como organizações paralelas à da CUT. Corvalan definia o MIR como um setor revolucionário equivocado, com uma política também equivocada, divisionista e que nada quase favorecia ao povo, porém ajudava os seus inimigos. Sobre a reforma ministerial proposta por Allende187 e a saída dos militares do governo, considerava tudo estar dentro da normalidade de um governo. Segundo Corvalan, os ajustes nos ministérios visavam melhorar o desempenho do governo. Já, os militares, esses haviam sido integrados a um ministério, quando houve a crise de outubro, para que garantissem a ordem e as eleições de março. Finalizado esse processo e com o fortalecimento do governo nas eleições, Corvalan achava que se poderia voltar à forma tradicional dos governos, onde alguns altos oficiais das FFAA tinham importantes tarefas na Administração.

Estou seguro de que as FFAA, formando ou não parte do governo, seguirão mantendo sua defesa e respeito ao governo legitimamente constituído e por tanto, pensam errado aqueles que acham que a saída dos militares do gabinete deixam as

187 Na crise de outubro, Allende incorporou militares no ministério para enfrentar a crise. Após a eleição de março ele reorganiza a composição dos espaços políticos no governo tirando os militares do então ministério. Em abril de 1973, o governo enfrentou uma ofensiva de massas da direita contrária a reforma universitária apresentada pela UP. Esses atos acabaram tornando-se atos contra toda a política do governo. Os embates ideológicos entre oposição e governo eram cada vez mais violentos, e em muitas vezes tanto a igreja quanto as Forças Armadas (não em sua totalidade) se manifestaram em favor da direita. O Congresso, a Controladoria da República e os vetos presidenciais à matérias constitucionais, causavam discordância entre essas três esferas. Havia um confronto entre o executivo e a Controladoria. No campo, os Cordões Industriais e os Comandos Comunales aumentavam o nível de mobilização em defesa do governo inicialmente, mas também expressou a tensão existente entre esquerda e governo, o que foi chamado na época de pólo revolucionário. Esse pólo levou essas organizações se expressarem contra o poder central, o que não inviabilizou seu caráter autônomo. Em maio, a disputa interna da DC possibilitou dentro desse partido a ascensão do campo direitista, o que só aumentou as polarizações com a UP. A greve da mina de El Teniente também aumentou o desgaste do governo. Em 29 de junho, com o acirramento do clima político, houve uma tentativa de golpe militar conhecida como Tancazo. Uma unidade de Santiago atacou o Ministério da Defesa e cercou o palácio do governo, o general Prats agiu com energia para reprimir e dissolver os rebeldes. Neste momento, os cordões industriais foram importantes na defesa do governo, organizando grandes mobilização de massas. 207

portas abertas para lançarem, um movimento sedicioso como o de outubro. Se tal coisa ocorrer, encontrarão de novo com uma resposta mais enérgica dos trabalhadores e do povo, com a adesão das Forças Armadas ao governo do país.188

Em 30 de junho e 1º de julho, são publicados comunicados do PC e do Partido Federado da UP, condenando o levante encabeçado pelo Coronel Souper, que foi reprimido com a ajuda do Comandante em Chefe General Prats. Segundo os comunicados, a ação de pequena parte dos setores militares havia sido estimulada pelo PN e não representava a maioria da Instituição. Entretanto, alertavam para possíveis tentativas de golpes financiados pela CIA e arquitetados pela direita. O povo deveria se organizar e a CUT deveria estar vigilante, fortalecendo os comitês de proteção das indústrias e os cordões industriais, sob sua direção, com muita disciplina. Todos deveriam também estar preparados para combaterem em todos os níveis, inclusive no campo da luta armada. Nesta situação, não desejavam e queriam evitar o confronto, mas se fosse necessário, diziam que “não restaria nada, nem uma pedra que não usemos como arma de combate”. Neste caso, era preciso derrotar os reacionários com energia e rapidez, conclamava Corvalan.

Em agosto, Mario Zamorano convoca o XV Congresso Nacional do PC. A convocatória dizia que as principais tarefas do conjunto da militância para alcançar a vitória sobre o imperialismo, para vencer os monopólios e a oligarquia nacional eram: impedir a guerra civil, ganhar a maioria da população para mudanças revolucionárias, realizar uma efetiva participação das massas na vida política, aumentar a participação dos trabalhadores na direção das empresas, obter uma direção econômica única, ganhar a batalha da produção, e no terreno da cultura e da educação implementar mudanças substanciais etc. No Congresso anterior, a proposição era de levar adiante o processo de unidade de todas as forças populares para uma possível conquista do governo popular. Esse objetivo já estava cumprido: a classe trabalhadora e o povo haviam conquistado um governo popular. O PC tinha a tarefa e a responsabilidade de contribuir na direção, junto aos outros partidos da UP.

188 CORVALAN LEPEZ,L. Entrevista,1973,p.4513 208

Neste XV congresso, destacava-se a importância, para o processo revolucionário, de se ganhar a maioria da população para a causa da libertação e para fazer efetivas transformações nos trilhos do socialismo. O Congresso deveria se realizar quando o governo popular completasse três anos de mandato, num clima de enfrentamento com a direita e com o imperialismo. Entretanto, o PC e o PS unidos com a classe trabalhadora, a classe camponesa e outros setores podiam ganhar essa batalha. Portanto, o Congresso vivia um momento ímpar da história chilena e também serviria para ajustar as opiniões políticas do PC. Dessa forma, o objetivo do PC era transformar o seu Congresso em uma tribuna do povo, da classe trabalhadora e das forças patrióticas. Assim, as opiniões, críticas e sugestões do PC diante do processo vivido no Chile, deveriam ser questões fundamentais a serem debatidas não só entre os comunistas, mas com toda a sociedade, o que ajudaria no processo de conscientização dos trabalhadores. Por esta razão, as assembléias das células deveriam ser abertas, pois o que se queria era realizar uma discussão pública dos documentos para atingir à meta de um milhão de participantes do processo partidário. O ato de encerramento estava marcado para o dia primeiro de dezembro, no Estádio Nacional. Os debates do congresso deveriam abarcar a questão da batalha da produção com exemplos e tarefas concretas para melhorar a economia, a discussão de uma reforma educacional e o fortalecimento do PC em todos os âmbitos, inclusive na sua estruturação.

Em 11 de agosto de 1973, sob um clima de tensão189, o PC e o PS lançam uma declaração conjunta apoiando o novo gabinete e deixando transparecer a unidade

189 Com ambiente acirrado, agora perceptível no interior das FFAA, a autoridade do general Prats é colocada em discussão, insuflada principalmente pelos setores golpistas e pela direita. Os setores extremistas também atacavam Prats pela Lei de Controle de Armas e pelas invasões militares às fábricas ocupadas. Em 27 de agosto Prats renuncia. Nestes embates políticos, aumentavam as manifestações contra e a favor do governo (neste caso principalmente dos cordões e dos comandos comunales), gerando um alto grau de violência e radicalização. Em julho são computados 140 atentados. As greves contra o governo já deixavam claro, qual era a reivindicação principal: a renúncia do presidente e a intervenção das FFAA. Nas últimas tentativas de conversa com a DC, esta exigia que o governo reconhecesse sua atuação fora da legalidade e a formação de um novo gabinete sem a presença dos representantes dos partidos marxistas. A DC inviabilizaria um acordo. Em 22 de agosto o Parlamento anunciava a ilegalidade do governo, que já não tinha uma boa interlocução com as FFAA desde a saída do general Prats. 209 comunista-socialista, destacando que alguns setores das Forças Armadas havia se rendido aos golpistas, mas numericamente eram poucos.

Em 16 de agosto, uma nota do Comitê executivo da UP também é publicada para denunciar as investidas articuladas por Eduardo Frei, então presidente do Senado, contra o governo. Ele queria que Allende fosse retirado do seu cargo por manobras no parlamento. Foram denunciam ainda conspirações da DC com o PN, assim como outras articulações em curso com a finalidade de criar divergências entre governos e militares e de criticar a greve dos empresários de caminhões. Convoca-se a todos a ficar em Estado de Alerta.

Dia 27, é publicado o resumo do informe de Luis Corvalan ao pleno do Comitê Central do PC que se inicia informando o assassinato do comandante Arturo Araya – capitão de Navio, chefe da Casa Militar, ajudante naval do Presidente da República. Esse ato é destacado como uma escalada dos planos terroristas que querem derrubar o governo.Denunciam que muitas pessoas, sindicatos, jornais estavam recebendo cartas com ameaças de morte com o intuito de criar pânico social. Nova greve de transporte havia paralisado 14 mil caminhões com pretexto de que não se tinha cumprido os acordos feitos na greve de outubro, mas todos sabiam, segundo o PC, que se tratava de uma greve para tentar derrubar o governo. O PC conclamava a todos para colocarem em prática a experiência de outubro e que assumissem a produção e a distribuição dos produtos chilenos. Os trabalhadores precisavam se manter unidos e mobilizados e, para isso, era preciso fortalecer a CUT190. O presidente informava que estava buscando diálogo com a DC para evitar uma guerra civil. O PC acreditava ser possível acordos com a DC se houvesse respeito mútuo, sem renúncia de seus princípios partidários. Tentavam ganhar a DC para a governabilidade. Entretanto, um acordo não seria nada fácil, até porque o PN também se aproximava da DC para conversar.

190 A CUT havia chamado (mesmo sem conhecimento do PC, mas posteriormente apoiado por ele e pelo PS) a formação das comissões de defesa das industrias. O objetivo era de defender as fábricas das sabotagens e atos terroristas que aconteciam com intuito de piorar o problema do abastecimento. Chegou a se organizar nessas comissões 10 mil trabalhadores. 210

Por fim, o informe ratifica a validez da linha política do PC e diz que no XV Congresso ela deveria ser novamente aprovada. Corvalan levanta a preocupação para com alguns militantes que tinham participado de ações incompatíveis com a linha política partidária. Ele diz que isso não era fruto de correntes divergentes, mas de debilidades internas pelo fato do partido ter crescido muito e não ter organizado suficientemente seus muitos novos filiados, comitês locais, regionais. Daí, as deficiências na transmissão da linha partidária. Ressalta, pois que era preciso estar atento para essas dificuldades porque os militantes deveriam atuar sob a mesma orientação. Por fim, diz que o pleno deveria sair consciente da seriedade do momento e da capacidade de modificar a situação a favor do processo revolucionário.

Temos ainda a entrevista de Volodia Teitelboim, no dia 11 de setembro, dia do golpe militar, para um jornal italiano. Ele inicia a entrevista dizendo que a experiência chilena deveria ser estudada em sua totalidade, porque foi a primeira vez que foi realizada uma experiência como a da UP, que propunha o caminho socialista sem revolução armada. Era preciso extrair lições principalmente teóricas, mas, acima de tudo, acreditava-se que a experiência chilena confirmava as “verdades” conhecidas do marxismo, entretanto, de um modo por ele caracterizado como dramático. A linha partidária demonstrava que o campo reacionário, que se dizia “democrático”, “libertário” e “respeitoso aos direitos humanos”, não aceitava que o povo pudesse se aproximar do socialismo pela via das eleições, da democracia, aproveitando o que as instituições democráticas pudessem lhe oferecer. Volodia diz que não acreditava que o inimigo de classe pudesse aceitar a legitimidade constitucional representada pelo movimento popular, mas, por outro lado, a direita trabalhou com o crime, com complôs e com o imperialismo. Por fim, atacavam a igreja, o Cardeal Raul Silva Henríquez, que havia feito inúmeros pedidos para que se abrisse um canal de conversação entre o governo e os partidos políticos chilenos de centro e de direita. Volodia dizia que, para quem não estava participando do processo, era difícil imaginar a atmosfera de terrorismo promovida pela direita para tornar insustentável a vida dos chilenos. Porém, o povo chileno não queria guerra civil, nem golpe de estado, dizia Volodia. Exemplificava isso com a marcha do dia 4 de setembro, a maior realizada em 211 frente ao palácio La Moneda. Esse apoio, para ele, é resultado da política da UP, da implantação de um programa que tornou o Chile um país livre dos Estados Unidos e que dava prova de seus grandes avanços internos.

Hoje o cobre, o salitre, o ferro, tudo o que estava em mãos americanas tem terminado por estarem em mãos do povo chileno. Para o imperialismo é um golpe grave, um precedente muito preocupante. A nacionalização tem sido feita constitucionalmente, segundo o principio de recuperar as ganâncias excessivas realizadas pelas companhias estrangeiras que não têm obtido um centavo. O imperialismo está preocupado porque pensa no petróleo da Venezuela, em todas suas possessões na América Central e do Sul, na África, Ásia e em vários países da Europa. De verdade, é um mal precedente. Um representante norte-americano tem dito faz pouco, que ele estaria contemplado em receber um só dólar porque com isso estaria salvo o princípio da indenização191.

Volodia dizia que houve erros e insuficiências. Os erros, que poderiam ter sido evitados, não haviam sido cometidos pelos comunistas ou pela UP e, sim, por ações de gente estranha ao povo, com concepções subjetivistas e voluntaristas, que aboliram as leis da economia política, que ignoravam a tática, que desconheciam as etapas da revolução. Em geral, o país havia mudado muito, principalmente sua economia. Porém a estrutura política e o poder judicial não haviam mudado, o que, na avaliação de Volodia, dificultava as ações do governo, apesar da UP controlar o instrumento constitucional mais forte que era o poder executivo. Volodia dizia ser esta a última chance de uma ofensiva das forças reacionárias, que já havia tornado público o fim da esperança em recuperar o governo por meio das eleições, mas achava que, naquele momento, era preciso o governo ser muito amplo e continuar tentando conversar com todos os partidos para tentar impedir a guerra civil, e, diga-se, todos estavam cientes da importância da DC quanto a isso. Acreditava-se que as Forças Armadas sofriam influências e pressão por parte da direita e por setores da igreja, mas também acreditava-se que a grande maioria do exército era fiel ao sentido de sua missão constitucional, obedecendo ao poder civil.

191 TEITELBOIM,V. Entrevista a L´Unaitá, 11 de septiembre de 1973,p.5030. 212

Ele dizia que acreditava na resposta popular, na mobilização e na resistência, pois pensava-se que o movimento reacionário estava declinando e que se preciso o fosse o povo defenderia o poder com sua vida.

O povo enfrenta a ofensiva reacionária, não respondendo segundo o princípio do ‘olho por olho e dente por dente’, o qual significaria aceitar o desencadeamento da guerra civil, sem manter-se no quadro de uma tática própria. Hoje todo o povo se mobiliza para manter o país em movimento. Frente a greve da burguesia, não se tem paralisado nem uma só fábrica, nem um só camponês tem deixado de trabalhar. Diante da união dos proprietários de caminhões outros caminhoneiros têm organizado seu próprio movimento para trabalhar; jovens voluntários, estudantes que têm renunciado à suas férias, trabalham em todas as partes sem pausa. Nos hospitais, 100% das enfermeiras e muitos médicos têm trabalhado. Inclusive dois ou três turnos seguidos. Agora o movimento reacionário está declinando, mas é necessário atuar com uma perspectiva mais ampla...192

O último documento que temos da Comissão Política do PC é uma declaração publicada e lida pela Rádio Magallanes, na manhã do dia 11 de setembro. O documento fazia um chamado aos trabalhadores da cidade e do campo, ao povo chileno e às forças democráticas, com o fim de que cada um tomasse o seu posto de combate para derrotar os golpistas. O PC criticava duramente a DC, que havia declarado no dia 26 de julho, ser necessário achar uma solução pacífica. Entretanto, ela aparecia ao lado dos golpistas, no dia 11 de setembro, pedindo a renúncia de Allende e seus parlamentares. O Partido Comunista expressava ali que ainda achava possível uma saída democrática, aceitando, inclusive realizar um plebiscito para que o povo pudesse escolher os rumos do país. Dizia ainda que a mobilização das massas deveria acontecer todos os dias, de modo a não paralisar o país. Pedia reforço das atividades nos sindicatos industriais, profissionais, nos cordões industriais, nos comandos comunales, nas JAPs, nas Frentes Patrióticas, em torno dos serviços para garantir a produção e a distribuição. Conclamava

192 TEITELBOIM, V. Entrevista a L´Unita, 11 de septiembre de1973,p.5034. 213 ainda o povo a se mobilizar dia 15,16 e 17, além de acompanhar o presidente nas festas pátrias. Às 10:25 h, a transmissão da rádio foi interrompida.

214

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Salvador Allende venceu as eleições em 1970, apoiado em uma coalizão de partidos políticos, com um projeto de tornar o Chile um país socialista, através da institucionalidade, sem revolução armada, e por isso denominada de “via chilena ao socialismo”. A discussão sobre o projeto da “via chilena” foi iniciada muito anteriormente à eleição de 1970. Trata-se de um processo historicamente formulado, sendo que, nesta pesquisa, procuramos desenvolver essa formulação dentro da perspectiva do Partido Comunista Chileno. O PC fazia a análise de que o país era extremamente dependente do imperialismo norte-americano, submetido por mais de quatro séculos à exploração, com sistema agrário precário, baseado no latifúndio, mas com alto nível de organização sindical. Apontava como uma característica importante que possuía, o forte traço de respeito à institucionalidade, democracia, e à mobilização popular. Ressaltavam que o Estado Chileno, até 1970, tinha como referencial a democracia burguesa. Havia um desenvolvimento das liberdades democráticas, os partidos de esquerda tinham representações nos municípios e no parlamento, havia um processo de conquistas progressistas na legislação e o sistema eleitoral era proporcional. Para o PC, era possível desdobrar ao máximo as potencialidades democráticas e progressistas do sistema político, desde que apoiada em uma ampla política de alianças. A coalizão de partidos políticos, que compunha a UP, era sem dúvida mais ampla do que a que concorreu às eleições pela FRAP, entretanto, diante do resultado eleitoral de 1970, já era visto que ela não garantiria a maioria. Pelo contrário, consolidou-se uma maioria relativa e precária que não se resolvia apenas pela vitória eleitoral de Allende. As dificuldades seriam grandes e os partidos da UP já tinham consciência disso. Então, tanto o PC, quanto Allende tinham a convicção de que o governo teria de ser amplo suficiente para trazer novos aliados políticos, mas ao mesmo tempo não poderia deixar de lado a radicalidade do programa da UP. O PC, apesar de na retórica contestar a incorporação das orientações das IC sem levar em consideração a análise da realidade chilena, absorveu suas orientações como por 215 exemplo, a Frente Única Proletária, Frente Popular, Aliança Democrática, a Frente de Libertação Nacional, etc. Mas, foi a partir da aprovação das teses da Frente Popular, no VII Congresso da III Internacional Comunista que, segundo o historiador Luís Marquéz193, o PC, a partir de 1933, adota a tese de que a revolução chilena teria um caráter democrático burguês e não seria imediatamente socialista. O PC adotou, então, uma concepção gradualista para a passagem para o socialismo. Essa visão gradualista, por muitos foi chamada também de etapista, modificou a política partidária, onde, agora, o socialismo poderia tornar algo mais próximo e concreto a partir de alianças mais amplas, inclusive com setores da burguesia. Já com a III IC fechada e a partir da orientação da Frente de Libertação Nacional, a política partidária do PC vai se mostrando preocupada em consolidar um projeto político mais amplo, com alianças partidárias que refletissem esse novo momento de pós-guerra e doutrina Truman, porém sob um núcleo de direção prioritário que tivesse, no centro, os partidos de orientação marxista: leia-se PC e PS. Essa análise é feita sob a reflexão do sentido e da trajetória da aliança realizada com o Partido Radical, sendo esse o núcleo principal da coalizão na experiência de 1938 com a Frente Popular e, em 1942, com a Aliança Democrática, período em que o PC é até colocado na ilegalidade. Em 1956, no XX Congresso do PCURSS, foi apresentado o relatório contra Stalin, o princípio da coexistência pacífica e aberta a possibilidade da transição ao socialismo naquele país ocorrer pela via não armada. O PC chileno, que também neste ano colocou em evidência a possibilidade de uma revolução sem armas, buscou enriquecer, consolidar e fundamentar no marxismo-leninismo essa possibilidade para o seu país. Assim, os anos 50 foram marcados, no Chile, pela discussão acerca da possibilidade do acesso ao poder das camadas populares com vistas ao socialismo, sem a utilização de armas. Este debate se intensificou na década de sessenta e setenta. Luís Corvalán194 defende que os eixos norteadores da via não armada já vinham sendo trilhados desde a década dos anos 30, com a experiência da Frente Popular. O historiador Luís Márquez aponta que, desde 1935, o PC “havia atuado segundo uma via pacífica que foi sugerida com maior ênfase no seu X Congresso, em 1956. Dessa forma,

193CORVALAN MARQUEZ,L., op.cit.,p. 44. 194CORVALAN LEPEZ, L., op.cit., p. 122. 216 considerou-se que a tarefa de fazer mudanças de fundo no país supunha aperfeiçoar as instituições do Estado no seu sentido democratizador, a fim de poder ser um instrumento nas mãos do povo, ou seja, ser expressão dos interesses populares e não das classes dominantes”.195 Ainda segundo Márquez, posteriormente Allende chamaria esta opção de “via chilena ao socialismo” e a agregaria a uma série de outros elementos. O PC viu sua elaboração, mesmo que sob balizas teóricas e práticas diferentes, respaldada a partir do XX Congresso do PCURSS e converteu tal orientação em sua política oficial. Márquez destaca ainda, que a FRAP foi a materialização da política do PC, demonstrando que a via eleitoral era um caminho possível. A partir daí, o PC passa a qualificar sua política não mais como Frente de Libertação Nacional, mas passa a falar de uma revolução antiimperialista, antifeudal, antioligarquica e de perspectiva socialista. Nas conferências de 1957 e 1960, o Movimento Comunista Internacional havia definido os monopólios como o grande inimigo e, a necessidade de articular a luta contra as oligarquias locais, vinculando a defesa da paz com a coexistência pacífica196. O PC, mais uma vez, assumiu as posições do MCI, desenvolvendo-as para a realidade chilena. As justificativas, nos clássicos marxistas, segundo o PC chileno, estavam fundamentadas nos escritos de Marx (1872) quando ele dizia que não seria necessariamente pelos meios idênticos que iria se dar à conquista do poder político para construir o socialismo porém, nas Teses de Abril, escrita por Lênin, em 1917, quando “estimou possível que a revolução socialista se realizara na Rússia através de um caminho pacífico mediante a conquista da maioria dos soviets.”197 A partir dessa reflexão, Corvalan ainda afirma que os planejamentos sobre a via chilena foram se desenvolvendo a cada dia e o que se tornava central era afirmar, no cotidiano, que a unidade e a luta da classe trabalhadora, a mobilização das amplas massas populares, o combate dos interesses e direitos do povo e a aliança entre as forças democráticas eram imprescindíveis para a transformação de um Chile socialista. Essas discussões e teorização acabaram por culminar no programa do PC, de 1969, que julgo ser o mais importante documento de um partido. O programa é a expressão da

195CORVALAN MARQUEZ, L.op.cit., p. 47. 196 Ibid.,p. 48. 197CORVALAN LEPEZ, L.op.cit.,, p. 126. 217 política partidária. Ali se encontra-se o extrato de uma discussão teórica sobre a realidade chilena, sem falar nos referenciais estratégicos e táticos que conduzirão os rumos da atuação do partido. O programa propunha democratizar o Estado, ganhar o governo, e a partir daí, realizar mudanças antiimperialistas e antioligárquicas, para mudar a correlação de forças e avançar para o socialismo. Propunha para tal, a aliança entre camponeses, proletariado, classe média, pequena burguesia e outros setores burgueses que tinham seus interesses contrários à oligarquia e ao imperialismo. O programa reafirma a linha estratégica vigente na política do partido, entretanto, propõe uma nova redação e atualização frente ao “amadurecimento ideológico e político do partido que permitem fazer formulações mais acertadas e científicas”. Ressalta ainda que a “saída revolucionária” não estaria obrigatoriamente associada à uma via determinada. Assim, o programa reafirma o caráter antiimperialista e antioligárquico da revolução chilena, e analisa que a situação internacional estava propícia para tal batalha, pelo fato de existir um sistema socialista mundial, uma classe trabalhadora internacional e um movimento de libertação nacional. Nele, é explicitado ainda que um governo popular, se conquistado, abriria o caminho para a construção do socialismo. Para o PC, a possibilidade de chegar ao poder era algo real desde que fosse a partir da união da maioria do país, ou seja, das vítimas do regime capitalista. O governo popular possibilitaria realizar transformações que mudariam as relações de produção, desenvolvendo o setor estatal e cooperativo e, assim, tornando possível a mudança para a primeira etapa da fase da transição socialista. O PC deixa claro que, ao contrário dos reformistas, sabia do papel dirigente da revolução, por parte da classe trabalhadora e do Partido Comunista. Repudia também, qualquer argumento que demonstrasse a possibilidade de conciliação entre as classes, justamente pelo Chile se encontrar em uma aguda luta de classes. Entretanto, o PC, propunha uma coalizão com setores da pequena burguesia (PR e parte da DC), mas dizia que isso seria para consolidar um campo progressista que também queria realizar mudanças estruturais no país. Todavia, para ele, isso não poderia significar ou se traduzir em acordos que se colocasse em perspectiva a não implementação do processo revolucionário. Para o PC, o “motor da revolução” era justamente a opressão de classe canalizada na luta e 218 reivindicações dos trabalhadores. Entretanto, durante o governo e a partir dos documentos do PC, de 1970 a 1973, nota-se uma forte tendência de conciliação, principalmente com a DC. O programa demonstra também, que o PC entendia que, naquele momento, a via para a revolução se determinaria em conformidade com a situação histórica, mas deveria sempre se basear nas atividades de massas. Assim, nos parece claro que o PC entendia o governo popular, enquanto constituinte de sua tática para chegar ao socialismo, não descartando inclusive, num segundo momento, o estabelecimento da ditadura do proletariado. Para o PC, o pluralismo e o pluripartidarismo eram importantes para essa primeira fase de acumulação de forças e também para a transformação da economia, dependente do imperialismo, para uma nacional conduzida pelos trabalhadores. Segundo o cientista político Genaro Arraigada198, a polêmica do teor da “Revolução Chilena” e a instalação da ditadura do proletariado eram, sem dúvida, a principal e talvez a mais importante divergência entre Allende e o PC. Em sua primeira mensagem presidencial, Allende deixava claro que a via escolhida pelo Chile, ou seja, a via não armada já era a construção do socialismo, respeitando o pluralismo, a democracia e a maioria.

Na Rússia... ali se aceitou e se edificou uma das formas de construção da sociedade socialista que é a ditadura do proletariado... Como a Rússia então, o Chile se encontra diante da necessidade de iniciar uma maneira nova de construir a sociedade socialista: a via revolucionária nossa, a via pluralista, antecipada pelos clássicos do marxismo, mas jamais antes concretizada”...199

O PC discordava dessa visão de Allende e argumentava que haviam certas “leis científicas” na passagem para o socialismo que não se poderia evitar, e uma delas era a ditadura do proletariado. Entretanto, Corvalán não faz referência em seus discurso, durante

198 ARRAIGADA, G. La Crisis de la Unidad Popular y la República de 1925. IN: Unidad Popular 30 anos despues.Santiago de Chile:Lom,2003, p. 138. 199 QUIROGA, P.(org.).,op.cit., p. 78. 219 a sua atuação, desde 1956, e no próprio programa de 1969, na forma como seria estabelecida a ditadura do proletariado. Pelo contrário, também reafirmava a necessidade do pluralismo e do pluripartidarismo pelo menos inicialmente. Jorge Arrate200 apresenta que, apesar do PC ser naquele momento “uma grande força, sólida, organizada, disciplinada, que tinha políticas claramente definidas e largamente sustentadas e compartilhadas por todos os seus integrantes”, era prisioneiro de um escolaticismo teórico de uma forte adesão a esquemas teóricos construídos nos debates do MCI e por isso, nunca teve disposição de aceitar as teses de Allende de que o socialismo poderia se construir sem a ditadura do proletariado. O historiador Marquez201 pontua que as diferenças entre radicalizados e membros do PS e moderados membros do PC geralmente são analisados enquanto meros desencontros táticos, entretanto no fundo havia uma discordância nos projetos para engendrar a revolução chilena. O XXII Congresso do OS, em Chillán, no ano de 1967, conclamou a radicalização da linha política desse partido, onde o PS se definiu enquanto um partido marxista- leninista, assumindo a luta armada. Dizia ainda que se aproximava uma grande crise nacional que iria acabar com o “equilíbrio instável de muitos anos” e a “coexistência entre classes”, defendendo, assim, que havia viabilidade para a adoção da luta guerrilheira, tendo Cuba como exemplo, como um processo continental único. Todas essas formulações e, principalmente a adoção da tática de guerrilha, chocavam frontalmente com a política pregada pelo PC, que seria ratificada pelo congresso de 1969. Ainda na reflexão de Marquez, enquanto o PS conclamava os trabalhadores a renunciar à ilusão da legalidade vigente, o PC os chamava para aprofundar os elementos democráticos e ganhar posições no interior das instituições. O PS também não comungava com a visão etapista ou de transição ao socialismo, portanto, não achava que haveria de se constituir uma fase à parte e prévia para o desenvolvimento da revolução. Discordava, por isso, da inclusão de setores burgueses nas alianças sociais e políticas, defendo a constituição de uma Frente de Trabalhadores.

200 ARRATE, J. Protagonistas y Encrucijadas de la Unidad Popular. IN: Unidad Popular 30 años despues. Santiago de Chile:Lom,2003,p. 146. 201CORVALAN MARQUEZ, L., op.cit., pp .51-53. 220

Diante dessas profundas contradições acerca do projeto para a revolução chilena, o PS realizou, em junho de 1969, uma importante reunião do CC, quando houve o debate da posição do partido frente às eleições que viriam. Salvador Allende assumiu a defesa de uma ampla aliança popular e Carlos Altamirano defendeu uma aliança de tipo Frente de Trabalhadores, que excluía setores da burguesia e da pequena burguesia. O pleno do PS concluiu-se pela linha radicalizada do partido, aprovando a necessidade de se estabelecer um poder popular revolucionário, que iniciaria a construção socialista no Chile e se apresentaria para as eleições de 1970. O PC, então, no seu Congresso de 1969, propõe uma aliança ampla, mas tendo como centro comunistas e socialistas e, tentando trazer para um bloco político os socialistas, já com apoio de Allende. O PC chamava a “Unidade Popular para conquistar um Governo Popular”. Segundo Aggio202, o PS havia tirado, em sua linha partidária, o caráter da aliança que deveria sustentar a candidatura de 1970: com características rupturistas e de compromisso com a luta revolucionária. Entretanto, o PS indicou Allende como seu candidato.203 Toda essa trajetória identifica como o projeto da UP já se iniciara dividida, desde a teorização do processo revolucionário e seu desenvolvimento, até a escolha do nome a candidato à presidência, pois a votação interna do PS já demonstrava a falta de unidade dentro do partido político de Salvador Allende. Todas essas questões nos remetem a apresentar as discussões analisadas por Márquez, em que era visível o predomínio da concepção do PC no que diz respeito ao tipo de aliança que se constitiu e também em boa parte do conteúdo programático do governo. Segundo Marquéz, em pelo menos três pontos importantes se deu essa incorporação: a) a caracterização da revolução, em que ficou refletido o tipo de mudanças propostas – antiimperialista, antimonopolista e agrário – pelas quais propunham a nacionalização das riquezas básicas do país, alvo da expropriação dos grandes monopólios, formando uma Área de Propriedade Social, onde coexistiriam áreas mista e privada e ainda

202 AGGIO,A., op.cit.,pp.105-106. 203 Allende disputou com o secretário geral do PS a indicação interna para Presidência da República. Allende obteve 31 dos 34 votos regionais. Rodrigues retirou seu nome para ratificação da direção sobrando apenas o 221 a proposta de acabar com os latifúndios. Outras questões que permeavam essas discussões, como, por exemplo, a integração das organizações populares em toda a esfera do Estado, já era consenso entre a esquerda. Assim, o programa não apresentava as transformações estruturais com os seus objetivos socialistas, como também se limitava à concepção dos socialistas. Mas, adequava-se à estratégia de etapas, como no programa comunista. b) o programa defendia os interesses do capital monopolista expressado pelos pequenos e médios empresários, comerciante, apresentando, dessa forma, a importância do pluralismo ideológico e do pluripartidarismo, deixando explícito o caráter de Unidade Popular e não de Frente de Trabalhadores como pregava o PS; c) outro ponto importante, estava no caráter pacífico das mudanças, da via eleitoral institucional e da legalidade. Tratava-se de uma visão que “não possuía o conceito de ruptura revolucionária”, apresentando distinção com a via insurrecional, vinculada à revolução armada, postulada pelo PS. Muitas questões levantadas pelo OS, principalmente aquelas que Allende defendia também foram incorporadas como, por exemplo, a construção de um novo Estado e o processo de iniciação do socialismo. Entretanto, parece claro que houve uma preponderância das concepções do PC. Assim, tanto as concepções do PC, como as de Allende, acabaram por prevalecer, em determinados momentos, na formulação do projeto da UP e, mais tarde, no próprio governo. Durante o governo Allende, o PC teve uma postura, de acordo com seus documentos. Às vezes, conciliadora principalmente, no período de crise em relação à Democracia Cristã. A radicalidade política aconteceu mais em relação ao MIR por este ser um crítico à via chilena e à política do PC e estar identificado com a esquerda política chilena. O enfoque que se dava ao papel dos trabalhadores era consonante com o programa de 69 que os via como grandes protagonistas da revolução chilena. Portanto, como na política do PC as transformações econômicas eram fundamentais para consolidar o projeto de transição e para se estabelecer uma sociedade socialista, pois eram os trabalhadores é que estariam à frente da produção, nada mais previsível que o PC clamasse pela participação popular e pela organização dos trabalhadores.

nome de Salvador Allende. Em uma votação que demonstrou a divisão interna dos dirigentes do PS Allende obteve 12 votos a favor contra 13 abstenções. 222

Entretanto, o discurso da campanha não vinculava os sindicatos de trabalhadores, em especial a CUT, e nem buscava a participação de sindicalistas, nas esferas governamentais, o que não se traduziu após os primeiros meses de mandato, já que algumas lideranças da CUT passaram a fazer parte do governo. Logo após a vitória de Allende, o próprio presidente do PC, Luís Corvalan, credita à CUT a responsabilidade de apoiar a política econômica do governo. Ela também teria o papel de organizar a mobilização dos trabalhadores para ajudar na implementação do programa da UP. Mas, nestes documentos analisados, o principal ponto debatido e apresentado era sobre os rumos da política econômica, entendida na política do PC como fundamental e estratégico para abrir caminho ao socialismo. A base de toda formulação do partido era de que somente com o desenvolvimento do setor estatal e coorporativo haveria possibilidade de transposição da primeira fase rumo ao socialismo, pois que esse entendido enquanto um processo contínuo e único. Talvez isso explique porque, na composição dos ministérios204, o PC tenha desde o início ficado com o Ministério da Fazenda, inicialmente composto por Américo Zorilla e, posteriormente, na nova formação em 1972, com Orlando Millas. O Ministério da Economia era composto inicialmente por Pedro Vuscovic, que era independente, e em 1972, por Fernando Flores do MAPU. O PC via na viabilização da economia e na mobilização popular, os dois processos fundamentais para a condução do Chile ao socialismo pela via não-armada. Por isso, destacava em muitos documentos que a ação principal do governo deveria ser a concretização da nacionalização do cobre, dos bancos, a estatização das empresas monopólicas e a transformação profunda e acelerada no campo e a passagem das direções da APS para as mãos dos trabalhadores. Entretanto, a política econômica conduzida por Millas havia sofrido várias críticas por parte dos dirigentes sindicais do partido comunista, em especial de Luis Figueroa, presidente da CUT. O papel dos Conselhos dos Trabalhadores foi alvo de divergências internas no PC. Figueroa defendia a autonomia desses conselhos frente ao governo. Os

204 O PC em 1970 ainda compunha o Gabinete do Trabalho e Previdência social com José Oyarce; Pascual Barras em Obas Públicas. Em 1972 além da Fazenda, o PC compunha o Trabalho com Luís Figueroa e Sérgio Insunza na Justiça. 223 conselhos deveriam ser coordenadores e os impulsionadores das iniciativas de massa, sem se submeter à dependência do governo, para, assim, o seu papel não ficar limitado pelas regras do jogo imposto pela burguesia. Os conselhos trabalhistas seriam a consolidação de uma nova fase de luta de classes, mais radicalizada e com o objetivo de instalar um novo poder. Orlando Millas foi contrário a essa questão e passou a ser considerado pelos sindicalistas como defensor de uma linha direitista hegemônica.205 As eleições municipais e complementares também tiveram destaque por parte dos informes do PC, por entender que se fazia necessário a conquista gradual da institucionalidade burguesa. O parlamento deveria estar cada vez mais sob a direção do campo político da UP para garantir o avanço da aplicação do programa do governo. Também fica muito nítida a preocupação para com a estruturação partidária, ou seja, dever-se-ia aproveitar o governo popular para enraizar o PC nos setores em que sua participação era débil, como no caso da atuação no campo, e fortalecer por meio de células partidárias, principalmente entre os trabalhadores das empresas nacionalizadas. Essa preocupação era proveniente da necessidade de fortalecer a opinião do PC entre os sustentadores e apoiadores da política da UP e, estrategicamente pensando, seriam eles que, de acordo com a política desenvolvida para a revolução chilena pelo PC, seriam os protagonistas de todo o processo. O PC queria se ver fortalecido e ampliando o número dos seus militantes para, mais à frente, dar sustentação ao seu projeto de revolução. Os documentos destacavam a necessidade de aproximação com o campo socialista, esperando inclusive muito apoio dele para o processo chileno. Aliás, para justificar a via chilena sem armas, era apresentado como primordial o apoio material e político dos países socialistas, pois que se acreditava que este apoio era importante e propício à condução da via pacífica. Em 1972, há o reconhecimento público, frente ao resultado eleitoral de abril, de que os partidos da UP não estavam conseguindo corrigir os desacertos do governo. Fica claro o receio em relação à algumas posturas de vários partidos políticos, posturas denominadas pelo PC de ultraesquerdistas, por discordarem da política posta aos trabalhadores nos comitês e da chamada “batalha de produção”.

205CASTELLS, M., op.cit., p. 433. 224

Essa crítica vai atingir seu ápice depois da aprovação do documento de Concepcíon onde as antigas discordâncias de projeto vão tornar-se mais que públicas. Essas discordâncias se tornarão propostas mais radicais, que o governo deveria assumir. O episódio de Concepción estava demonstrando que o projeto, desde o início, não era único e muito menos tinha o apoio por completo do PS. Parte da direção dos partidos que compunham a UP criticaram a postura de dirigentes e militantes. Agora, já não se tinha dúvidas das profundas divergências que acabaram por paralisar o governo da UP. Retomar a direção política do governo seria uma operação muito difícil e delicada para não expor ainda mais o governo. Neste sentido, para o PC, a ultra-esquerda, leia-se MIR, e a direita souberam explorar as debilidades teóricas e práticas do governo e dos partidos que o compunham. A crise de outubro de 1972 foi um reflexo dessas questões, ou seja, da crise política em consonância com a crise econômica e exigiu da UP um plano próprio para superar aquele processo. Ela demonstrou um alto teor de disposição dos trabalhadores que, mesmo sem transporte, organizaram-se para chegarem aos locais de trabalho e darem continuidade à produção para amenizar o problema do desabastecimento. Esse fato inclusive gerou novamente divergências entre a esquerda e internamente no PC. Para muitos, a resposta dos trabalhadores, em 1972, já demonstrava a possibilidade de se estabelecer atuações mais radicais e, inclusive, preparar uma resistência armada. O PS, MIR, e o próprio MAPU já colocavam que a ditadura do proletariado e a destruição do estado burguês estavam na ordem do dia e era preciso, de imediato, o início das reformas socialistas. O informe político do MAPU dizia, em 1972, que o que estava posto naquele momento era que “não avançar não significava tão só ficar onde estavam, mas significava retroceder” e que somente avançando seria consolidada a vitória. Havia uma pressão, inclusive dos trabalhadores a partir dos Cordões Industriais, que foi muito atacado pelo PC, por achar que se tratava de um paralelismo sindical. Esses Cordões tiveram uma dimensão importante na mobilização dos trabalhadores, que queriam tomar logo a direção das fábricas. Tanto para o PC, quanto para Allende, não cabia ao Chile, naquele momento a radicalidade proposta por esses segmentos, chegando a dizer, em documentos de 1972, que a tese da inevitabilidade do enfrentamento armado era reacionário. Tratar a greve geral 225 como instrumento capaz de derrotar o plano golpista da direita era no mínimo desconsiderar a política implementada pelos norte-americanos para a América Latina. Também fica claro aqui que a retórica da possibilidade de utilizar a via armada era apenas mais um elemento do discurso do PC, que nunca se viabilizou na prática. Também torna-se claro o caráter pragmático e conciliador desse partido. Em 1973, diante da crise, o PC teorizava sobre o processo de transição ao socialismo, apresentando como uma primeira etapa já conquistada o fato de ter ganho as eleições de 1970, e que se chegaria à conquista do poder total pela classe trabalhadora em aliança com camponeses e com a classe média. Uma segunda etapa começaria com a conquista do poder e duraria até a transformação do modo de produção capitalista para o socialista. Como em sua avaliação o governo de Allende não conseguiria cumprir (apesar de estar em andamento) a primeira etapa do processo revolucionário, o PC via a necessidade de, nas próximas eleições presidenciais, ganhar novamente para continuar o processo de mudança. Mesmo com o acirramento político, as divergências entre PC e PS tornam-se cada vez mais públicas, assim como os embates com o MIR, com a DC e com o PN. Nos últimos momentos do governo, toda discussão partidária vai no sentido de denunciar o campo reacionário e o golpe que a direita queria dar. O PC ainda achava possível evitá-lo, conversando com todos os partidos, principalmente com a DC e acreditando que as FFAA, em seu conjunto, não iriam romper com sua “missão constitucional”. Seu traço conciliador só iria sendo reforçado, enquanto muitos trabalhadores organizados nas fábricas pediam logo a resistência armada, principalmente nos criticados Cordões Industriais. No último momento, pedia reforço do movimento de massas e achava possível uma saída democrática. As insuficiências da UP são apresentadas pelo sociólogo e dirigente comunista Oscar Azócar206, mas, em grande parte, elas são vistas também como deficiências da formulação do PC. Azócar inicia sua avaliação, citando a crença no fato dos cidadãos chilenos acharem que as classes dominantes e o imperialismo não iriam recorrer à violência para se contrapor àqueles que questionavam o seu poder. Entretanto, essa crença pertencia

206 AZÓCAR, Oscar. La transformacion del Estado. La Unidad Popular, el Estado y el Poder Popular.IN:A 30 Años de la Unidad Popular:El imperativo de la Memória.Santiago de Chile:ICAL,2000. 226 principalmente a Allende e ao PC, porque os outros partidos de esquerda, incluindo o PS, já alertavam para o perigo que se aproximava. Assim, a substituição do Estado burguês por um novo Estado democrático não era um problema a posteriori. Era preciso enfrentar a burguesia com um poder alternativo a partir do qual se fazia possível a destruição deste Estado. A fonte de poder alternativo estava na iniciativa revolucionária direta das massas. Para o sociólogo, a UP foi vítima do mito das particularidades da situação do Chile, atribuindo ao sistema institucional ilimitadas potencialidades e às FFAA um corpo profissional que não estava na disputa pelo poder. Essa formulação é, então, a negação do princípio básico da via chilena por parte do PC e do próprio Allende. Ozcar chega a dizer que era até ingenuidade achar que o enfrentamento seria possível de se evitar por vontade, inclusive do inimigo. Ele reconhece que faltava uma estratégia e um método para o avanço da conquista do poder. A instalação do governo não resolveu os obstáculos que o Estado burguês utilizou durante o processo. A estrutura burocrática, o aparato repressivo e a legislação vigente não foram utilizados para reprimir e combater os atos de sabotagem ao governo da UP. Em tempo, diz-se que a verdadeira peculiaridade do processo chileno não consistia em validar a teoria marxista do Estado, sem criar alternativa popular. Os Comitês da UP (CUP) surgiram durante a campanha eleitoral, segundo ele, como gérmen do poder popular. Entretanto, deixaram de existir durante o governo pela falta de vontade dos partidos desenvolvê-los. O poder popular era pensado como a mobilização revolucionária do povo, que era capaz de articular-se e não se restringir apenas à participação de decisões setoriais e sim, com um sentido global vinculado aos objetivos do processo revolucionário, ter em perspectiva o avanço do processo revolucionário. Para ele, houve fragilidade no aspecto das lutas de massa, não houve uma concepção estruturada e coerente dentro da UP, que tinha um papel de orientação dos organismos de base composta pelas massas. Azócar em nenhum momento cita a organização popular realizada pelos Cordões Industriais e que mesmo a parte da estrutura sindical da CUT, foi uma experiência relevante. Assim, podemos demonstrar que existiam diferentes visões do papel dos trabalhadores no processo: de um lado o PC e Allende que achavam que a partir da 227 conquista do poder executivo ganhariam outros órgãos de poder do estado, juntamente com a mobilização das massas, o que seria suficiente para impulsionar a revolução; e uma outra opinião, que era a da gestação de dois poderes, pela participação dos trabalhadores em organizações de camponeses, bairros etc, e que poderia se converter em um poder alternativo ao estado burguês. O que esta pesquisa tentou resgatar foi a importância da discussão política do Partido Comunista do Chile para o desenvolvimento do que seria chamado de “via pacífica” ou de “via chilena ao socialismo”, resguardando todos os debates contidos na nomeação do processo, que já expusemos ao longo do trabalho. A “via chilena”, sem dúvida, foi uma construção histórica muito anterior aos anos que precedem a eleição de 1970. Ela tem, pelo menos, raízes nas discussões do Partido Comunista, a partir de 1930, acentuando-se na década de 50 e tornando-se o centro de sua política nos anos sessenta e setenta. O PC foi, por defender essa opinião, o que mais desenvolveu este tema enquanto construção de um coletivo partidário, que mesmo apegado ou orientado pelo MCI, tentou refletir sobre uma possibilidade para a revolução chilena. Assim, mesmo preso em seus esquemas rígidos teórico, sem considerar o fluxo e refluxo do momento pelo qual passava o governo da UP e a dimensão que a luta de classes tomava, não podem ser, em conjunto com os outros partidos da UP, julgados como responsáveis pelo golpe militar e muito menos pode-se ter uma leitura de que, desde o início, o processo da “via chilena” estava condenado ao fracasso. De certo modo, tentou-se novas alternativas ao modelo Cubano que muitos diziam ser, naquele momento, a saída para a América Latina romper com o imperialismo e ter a possibilidade de se tornar socialista. O PC, por mais erros que tenha cometido, primou pelo menos no discurso e para corroborar com as teses da via não armada, pelo questionamento da utilização da teoria enquanto dogma. Parece-nos claro que nosso sujeito forjou uma retórica da combinação da via não armada com a via armada que nunca foi preparada de fato. Parecia que não estava convencido da possibilidade dos chilenos pegarem em armas. Analisar e entender a via pacífica sob o prisma do PC, estabelecer sua relação com os partidos da UP e com o MCI, permitiu-nos compreender a sua essência, enquanto 228 formulação, a partir da análise econômica, política e social para um projeto que não se concretizaria. Os dos canhões do exército, que não desfizeram laços com a burguesia e com o imperialismo norte-americano, trataram de não correr o risco de ver não só seus interesses suprimidos, mas de uma nova forma de transição ao socialismo para A América Latina.

BIBLIOGRAFIA

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Fontes Impressas:

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Entrevista:

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