Departamento de Comunicação Social

O negro no cinema de Nelson Pereira dos Santos A realidade social do afrodescendente brasileiro por meio das telas

Aluno: Alex Braga Orientador: Gustavo Chataignier

Introdução Os dois primeiros filmes da carreira de Nelson Pereira dos Santos inovaram a forma de fazer cinema no Brasil, “Rio, Quarenta Graus”(1955) e “Rio, Zona Norte”(1957). A linguagem cinematográfica ficou mais próxima dos espectadores, e temas, nunca antes mencionados, entraram nas discussões do audiovisual nacional. O país, finalmente, se viu nas grandes telas. Essas mudanças tinham como objetivo principal trazer conscientização; criar engajamento nos espectadores, ou seja, ir além do entretenimento. Motivado pelo desejo de colocar o Brasil nas telas, o artista retratou fielmente as mazelas da nossa herança colonial. A principal delas, a escravidão, atravessa os dois filmes; o que serviu de inspiração para relacionar a sua filmografia com a produção intelectual do filósofo Achille Mbembe; pós-colonialista, que estuda o negro marcado pela herança do açoite.

Influência: A cinematografia pós-Segunda Guerra Mundial, que inspirou o início do Movimento Cinema Novo no Brasil, nasceu na Itália pobre e devastada pelos conflitos. Nomeado de Neorrealismo Italiano, o Movimento teve entre os seus principais diretores Vittorio de Sica, Luchino Visconti e Roberto Rossellini. Este último lançou o primeiro filme desta inovadora forma de fazer cinema que é o “Roma, a cidade aberta”, 1945, em que utilizou imagens gravadas durante a Segunda Guerra, retratando a devastação da capital italiana e as agruras deixadas pelos combates. O objetivo do Neorrealismo Italiano é retratar o mais fielmente possível o cotidiano das pessoas. Entre suas principais características está o abandono do uso de cenários elaborados em grandes estúdios, e o emprego de atores não profissionais. Tudo isso contribuía para aproximar a produção cinematográfica com a vida dos cidadãos médios do país. Por isso, o cinema era denominado como nova realidade. O fim do enredo foi considerado pela crítica a maior mudança que os neorrealistas fizeram. Segundo Cesare Zavattini, importante roteirista do Movimento, surgiu um novo modo de relatar os acontecimentos:

1

Departamento de Comunicação Social

“Antes disso, se alguém pensasse na ideia de um filme sobre, digamos, uma greve, inventaria imediatamente um enredo. E a greve propriamente dita se tornaria apenas o pano de fundo do filme. Hoje {...} descreveríamos a própria greve{...} temos uma confiança ilimitada em coisas, fatos e pessoas. ” (Zavattini,1953, Sight and Sound, v.23, 1). Todo esse pensamento é amplamente reconhecido no filme considerado síntese do movimento: “Ladrões de Bicicleta”, 1948, de Vittorio de Sica. O longa-metragem utiliza de atores não profissionais, os cenários são as ruas de Roma, e, principalmente, a história não é narrada de forma linear. Um exemplo da ausência de roteiro é o caso do atropelamento do filho do ator principal. Pelas imagens percebe-se um apavoramento e, também, o sentimento de culpa por levar seu filho para procurar a bicicleta em uma cidade tão perigosa como Roma. Porém, o fato não retorna no desenrolar da narrativa, como era de se esperar caso fosse um filme estilo Hollywood; pois o atropelamento “é um episódio solto em termos de narrativa pura, mas está no filme porque essas coisas acontecem na vida.” (Cousins, 2013, p.191) Contudo, não foram somente as frustrações e dores adquiridas com a Segunda Guerra que formaram o alternativo Cinema Pós-Guerra Italianas. As bases para as expressões surgiram no Centro Spirimentale de Cinematografia, inaugurado em 1935 e sediado em Roma, que serviu como uma incubadora de ideias para os conscientes cineastas da península Itálica. O período do Pré-Guerra, também, abriu espaço para o trabalho do cineasta Jean Renoir na década de 30. O famoso diretor teve como assistente dois dos principais cineastas do Neorrealismo que foi Visconti, assistente no filme “Um dia no Campo”, 1946; e Rossellini que conviveu com Renoir sendo fortemente influenciado por ele.

Cenário Nacional na Época: A segunda metade da década de 1950, período de lançamento do primeiro filme da carreira de Nelson Pereira dos Santos, “Rio, Quarenta Graus”, em 1955; trata-se de uma das épocas mais promissores na história recente do Brasil. Acabara de assumir democraticamente como Presidente da República o mineiro de Diamantina, Juscelino Kubistchek, cujo slogan eleitoral era: “Cinquenta anos em Cinco”; a frase tornou-se um resumo dos seus anseios por uma política econômica desenvolvimentista. O objetivo do presidente era aumentar o número de indústrias no país, o resultado da empreitada foi o crescimento do êxodo rural, cerca de 24% da população rural migrou para as cidades no período. O Brasil se tornava cada vez mais um país da modernidade.

2

Departamento de Comunicação Social

Na época, o principal veículo de comunicação do país, com as suas dimensões continentais, era o rádio. O veículo de massas viveu nesta década o seu apogeu, na qual ficou conhecido como “Era de Ouro”. Esse fenômeno é refletido nos dois filmes estudados: em “Rio, Quarenta Graus” o rádio está presente na transmissão dos campeonatos de futebol, que era uma alternativa para acompanhar a disputa por quem não podia comparecer pessoalmente aos estádios; mas foi no filme “Rio, Zona Norte” que a influência radiofônica nos comportamentos ficou mais evidente. O longa-metragem conta com a atuação da famosa cantora Ângela Maria, premiada como rainha do rádio em 1954, única intérprete negra entre as vocalistas contratadas pela maior emissora da época, a Rádio Nacional. A divulgação do samba foi o maior legado que o apogeu do rádio deixou ao Brasil, o ritmo recebe destaque no período como um produto nascido nestas terras, que expressava, assim, a identidade nacional. O samba teve uma elevação sobremaneira neste momento, pois se buscava pela arte a emancipação brasileira do seu passado colonial. A produção cinematográfica majoritariamente feita na época era inspirada nos filmes Hollywoodianos. Recebe grande destaque a Companhia Vera Cruz, que fez sucesso com o gênero chanchada, de forte apelo popular. Dentre os atores que se destacavam estão Oscarito, Grande Otelo, e Carmem Miranda. As produções eram realizadas quase que totalmente em estúdios; e eram frequentes as cenas musicais com cantores conhecidos do grande público, com a finalidade de aumentar a bilheteria das produções. A população tinha grande curiosidade em conhecer o rosto dos cantores de vozes tão bonitas. No cenário Internacionalmente o Brasil passava a ser conhecido como um país produtor de inovações. Um exemplo é a construção da nova Capital, Brasília, localizada no Planalto Central, que tinha na mudança o objetivo de levar o desenvolvimento para o interior do Brasil. A Arquitetura Modernista, com os traços do célebre Oscar Niemayer, ficou famosa além-fronteiras. Outro destaque é o esporte, o Brasil conquista a sua primeira Copa do Mundo em 1958. O futebol se torna a grande paixão nacional, e está presente no cotidiano de toda a população. O filme “Rio, Quarenta Graus” ressalta o amor do brasileiro pelos campeonatos futebolísticos quando exibe a aventura dos dois meninos vendendo amendoim no Maracanã. Outro aspecto abordado é a integração que o esporte proporciona na população, independente de classe social, todos se reuniam nos estádios e torciam pelo time de coração. Os jogadores também inspiravam orgulho, pois faziam um futebol arte, em que a prática, pautada pela beleza, transcende a disputa por ela mesma (Castro, 2016, cap. 3). Porém, a situação dos negros brasileiros não estava diferente dos tempos atrás.

3

Departamento de Comunicação Social

“Afinal, desde que o Brazil é Brasil, ou melhor, quando era ainda uma América portuguesa, o tema da cor nos distinguiu. Os primeiros viajantes destacavam sempre a existência de uma natureza paradisíaca, mas lamentavam a “estranheza de nossas gentes’” (Schwarcz, 2012, p. 11). Morando majoritariamente em favelas localizadas no morro ou nos distantes subúrbios, os pretos, quase setenta anos após a Lei Áurea, proclamada em 13 de maio de 1888, não tinham a possibilidade de inserção social. A celebração de cultos afro-brasileiros, como o Candomblé, ainda estava proibida judicialmente; e havia preconceito com todas as manifestações culturais da negritude. Apesar de as Escolas de Samba começarem a se estruturar na época, as manifestações populares ainda eram vistas com muita desconfiança pelos que detinham os poderes sociais. O discurso dominante categorizava as festas como coisas de vagabundo; e a moral determinava como lasciva as alegrias dos negros.

Características dos filmes A filmografia estreante de Nelson Pereira dos Santos quer trazer luz aos dramas sociais do Brasil, a sua arte busca consciência; e não só entretenimento como estava mergulhada a produção cinematográfica nacional. “Rio, Quarenta Graus” e “Rio, Zona Norte” formam o alicerce do Cinema Novo, “o cinema socialmente engajado no Brasil que floresceu na década de 1960” (Cousin, 2013, p. 311). Dessa forma, o cineasta sentiu a necessidade de retratar as complexas realidades nacionais de sua época com estilo estimulante inspirado nas táticas de choque do neorrealismo. As características de sua produção absorvem práticas do Neorrealismo Italiano. Não existe estúdio nesses filmes, as gravações são realizadas em áreas externas da Cidade do Rio de Janeiro. O espectador pode conhecer por meio do cinema as paisagens da cidade. Em “Rio, Quarenta Graus”, os bairros de Copacabana, Urca, Maracanã são cenários, igualmente como a favela do Cabuçu; já em “Rio, Zona Norte” a Central do Brasil, o Campo de Santana, o Hospital Souza Aguiar, o Meier, o Santo Cristo são os ambientes que se desenvolvem as cenas. Os atores, nestes filmes, são em sua maioria não profissionais, ou seja, são pessoas selecionadas para desenvolverem papéis muito próximos socialmente de sua realidade. E dentre estes atores, aparecem alguns personagens aleatórios que não compõem a narrativa principal, o objetivo é assemelhar o filme à vida corriqueira. Por exemplo, no “Rio, Zona Norte” é o caso da mulher com a vela na mão que acompanhava o socorro do personagem Espírito de Luz após a queda do trem; e também os residentes de medicina que retornam para

4

Departamento de Comunicação Social assistir a cirurgia deste mesmo personagem. Já em “Rio, Quarenta Graus”, aparecem alguns jovens banhistas de Copacabana falando de suas rotinas de festas e futilidades, contrastando com a difícil vida dos meninos, personagens principais, que vendem amendoim para sobreviver. Por essas características, o início do Cinema Novo Brasileiro pode ser considerado influência do Neorrealismo Italiano. Pois, os modos de produção convergem, e rompem com o modelo convencional de então. O cinema entra para um processo político, como foi o Construtivismo Russo, no início do século XX, com Dziga Vertov e Sergei Eisenstein; desejando , assim, esclarecer e engajar a população para as mazelas sociais. O recorte adotado neste trabalho é a condição dos negros, que apesar de estarem libertos ainda não conseguiram uma equiparação social com os membros de outras etnias da sociedade brasileira.

Corpos Negros objetificados e sem valor Segundo o filósofo Michel Foucault, o mundo a partir do século XX é regido por uma biopolítica, ou seja, mecanismos que atuam nos indivíduos impulsionando-os para que se tornem sujeitos. Os corpos dóceis a essa prática política se tornam emancipados, e tem suas vidas valorizadas, pois produzem de acordo com o proposto pela sociedade de mercado. A escola, a família, as produções culturais são as instituições formativas do sujeito, e para ter acesso é necessária uma inserção profunda na sociedade. Os negros, que vivem à margem, não tem acesso a esses direitos, dessa forma não alcançam autossuficiência, para contribuir segundo as expectativas sociais. O resultado é que a sua existência vale muito pouco. A partir disso, para manter a sua sobrevivência, os negros recorrem a práticas convencionadas como ilegal. Dessa forma, o Estado legitima sua limitada utilidade e promove o fim de vidas negras, “é a condição de aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalização” (Foucault, 1975, p. 304). Ao invés de proporcionar integração e acolhida, por intermédio de políticas públicas, que tragam dignidade aos negros; o “Estado promove uma política assassina racista” (Foucault, 1978, p. 306). O resultado é, como registrado nos filmes, o preto sobrevive, em sua maioria, por meio do roubo, do tráfico de drogas e de outros atos ilícitos. No filme “Rio, Zona Norte” o exemplo do desprezo dispensado aos negros está no drama do filho do Espírito de Luz; que após período de reclusão no Juizado de menores, pois de acordo com a justiça o pai não tinha condições de educar o filho, entra para o mundo do crime, e logo é morto. A eliminação do jovem carrega consigo um pensamento de que ele nada de bom pode fazer em vida, assim é melhor executá-lo pois pode trazer problemas mais

5

Departamento de Comunicação Social graves. Enfim, a vida do adolescente vale pouco, não tem comoção, somente a de seu pai, e não há quem defendesse sua existência. Neste mesmo filme, outro momento em que a vida negra é desvalorizada, ocorre quando o trem se movimento com as portas abertas e os trabalhadores viajam pendurados, neste momento uma queda é fatal. Foi dessa forma que o Espírito de Luz faleceu. A falta de segurança expressa uma política de Estado, onde a vida do pobre negro é pouco significativa para todos. Eles não desenvolvem nada substancial, seu trabalho apenas é uma soma pontual. Já no filme “Rio, Quarenta Graus” há a morte por atropelamento de um dos meninos que vendia amendoim. Percebe-se a precarização do trabalho, que é necessário para a sobrevivência; mas, por um deslize, pode causar a morte. Dessa forma, ao manter-se nessa realidade percebe-se que o fim da vida está muito próximo do cotidiano das crianças vendedoras de amendoim.

A colaboração e o reconhecimento entre os negros São várias as máculas deixadas pela escravidão dos negros, a principal delas é a separação das pessoas com a sua história. Quando vieram para a diáspora, os pretos, aos serem comercializados, se distanciaram de seus parentes, “o que lhe foi imposto pela lei e pela força” (Mbembe, 2018, p. 71). A realidade foi uma severa divisão, que maculou a identidade do ser negro; pois encontrava-se separado de sua terra, sua cultura, e, finalmente, de sua família. O negro não conhece sua história. Dessa forma, é necessário, para se compreender, resgatar a hereditariedade; o negro precisa se reconhecer nos seu, formar comunidade, “a tentativa de estabelecer uma comunidade racial visa, primeiro, fazer nascer um vínculo e fazer surgir um lugar com base nos quais nós possamos manter de pé em resposta a uma longa história de sujeição e de fratura biopolítica.” (Mbembe, 2018, p. 74) Nesse sentido, é necessário um revigorado apelo à raça, pois é preciso manter-se vivo diante das ameaças de extinção que é representado pela biopolítica. E como consequência dessa união, há uma valorização das obras, da aparência; sobretudo um retorno dos símbolos que foram maldosamente impossibilitados de serem apropriados. Nesse sentido, como o caso do Brasil, o samba, o cabelo black, as roupas coloridas são mecanismos de apropriação e engajamento no movimento negro. Ao comentar sobre a poeta Aimé Césaire, Achille Mbembé afirma que a exaltação da “raça” negra é um dispositivo para se manter salvo daquilo que foi condenado à insignificância: “exprime a vontade do escravos e colonizados de sair da sua resignação, de se unir, de se autoproduzir enquanto comunidade livre e soberana, de preferência por meio de

6

Departamento de Comunicação Social seu trabalho e de suas próprias obras; ou então de tomar a si mesmo como a própria origem, a própria certeza, e o próprio destino do mundo.”(Mbembe, 2018, p. 72) Em “Rio, Quarenta Graus’ a resistência está na convivência das crianças vendedoras de amendoim, que se unem para trabalhar e também nos pequenos momentos de lazer; e, assim, concomitantemente, vivenciam inconscientemente suas frustrações, angústias e decepções, que adquirem com a difícil vida que levam. Outro momento é a ajuda, por uma vizinha, dispensada à mãe de um deles, que se encontra doente em cima de uma cama no barraco da favela. Assistir a disponibilidade da vizinha que alimenta e fornece o mínimo para a subsistência da personagem enferma é inspirador. Já em “Rio, Zona Norte” a principal cena do longa-metragem é sobre essa solidariedade necessária para o reconhecimento da dignidade negra. Trata-se do momento em que o Espírito de Luz encontra a cantora Ângela Maria e pede para apresentar o seu samba, ela muito prontamente se coloca à disposição para ouvi-lo. O mais surpreendente acontece quando o Espírito de Luz começa a cantar o samba intitulado “Malvadeza Durão”, de autoria de Zé Katti, com apenas uma caixa de fósforo em mãos. Enquanto se apresentava alguns músicos, presentes no recinto, o acompanham com violão; e por fim Ângela Maria canta belamente o último refrão da canção Nota-se nesta cena uma típica solidariedade entre grupos de excluídos, o filósofo alemão Axel Honneth explica como esse fenômeno ocorre: “relações de grupo que se originam na experiência de resistência comum contra a repressão política; pois aqui é a concordância no objetivo prático, predominando sobre tudo, que gera de súbito um horizonte intersubjetivo de valores no qual cada um aprende a reconhecer em igual medida ao significado das capacidades e propriedades do outro”. (Honneth, 2003, p. 209)

Conclusão Em sua estreia como diretor, o cineasta Nelson Pereira dos Santos convoca toda a sociedade brasileira a falar do racismo, que é um mal impregnado na história nacional. Presente na organicidade social, a exclusão dos negros foi tratada de maneira velada pelas instituições ao longo do tempo. Como prova disso, tem-se o Hino da Proclamação da República, elaborado apenas um ano após a Abolição da Escravatura, em 1889; que diz em dois de seus versos: “Nós nem cremos que escravos outrora / Tenha havido em tão nobre País”. Essa letra só reforça o pensamento de que a nação dá oportunidades a todos, e que a escravidão após o seu fim não tem nenhum reflexo na população.

7

Departamento de Comunicação Social

Como demonstrou este estudo a realidade é bem diversa, e Nelson Pereira dos Santos não teve receio em revelar estes acontecimentos por meio de sua arte. Imbuído na proposta de conscientização do Cinema Novo, que visa levar a realidade a todos os espectadores; o cineasta ao tratar do racismo nos filmes promove cidadania; pois desvela a injustiça social presente no país. Por isso, Nelson Pereira dos Santos, pela sua obra, é inspirador. Pois todos aqueles que assistem ao “Rio, Quarenta Graus”, e ao “Rio, Zona Norte”, se reconhecem, ou conhecem alguém que vivencia as dificuldades expostas no filme. E como espectador, ocupando um papel característico de distanciamento, o público é motivado a dar sua contribuição na reversão dos quadros de mazela nacional.

Referências

CASTRO, Ruy. A noite do meu bem: a história e as histórias do samba-canção / Ruy Castro. – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2015

COUSINS, Mark. História do Cinema: dos clássicos mudos ao cinema moderno / Mark Cousins; tradução Cecilia Camargo Bartalotti. – São Paulo: Martins Fontes – selo Martins, 2013.

DELEUZE, Gille. Conversações, 1972 -1990 /Gilles Deleuze; tradução de Peter Pál Pelbart. – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder / Michel Foucault; organização e tradução de Roberto Machado. – Rio de Janeiro: edição Graal, 1979

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. 22. reimpr. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2012.

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais / Axel Honneth; tradução de Luiz Repa, - São Paulo: Ed. 34, 2003.

MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra /Achille Mbembe; traduzido por Sebastião Nacimento. São Paulo: n-1 edições, 2018.

Nietzsche, Friedrich. Escritos sobre história / Friedrich Nietzsche; apresentação, tradução e notas: Noéli Correia de Melo Sobrinho. – Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2005

SCHWARCTZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. 1º Ed – São Paulo: Claro enigma, 2012.

8

Projeto de pesquisa: Nouvelle Vague e Cinema Novo – paradigmas de cinema e suas relações

As pesquisas de PIBIC se inserem no contexto dessa pesquisa

Professor Doutor Gustavo Chataignier – depto. Com. Soc.

ÍNDICE

Introdução

I - O surgimento do cinema na França e no Brasil: uma arte, um ano... Um oceano? p.

II - Não há Odisséia sem Ilíada p.

Problema - I - Tradução é traição? p.

Delimitação Teórica do Objeto

I – Historicidade da recepção p.

II - Cinema Novo – conceito aberto p.

III - Dos desertos e suas travessias p.

IV - O papel da crítica p.

V - Eles por eles (olho por olho) p.

Referencial metodológico

I - A política dos autores p.

II - Política nas telas e (re)descoberta do Brasil: uma guinada? p.

Delimitação prática do objeto – estudos de caso

I - Por uma crítica da crítica – espelho comparativo Brasil e França p.

II - Política p.

III - Existência p.

Questões e objeto p.

Justificativa p.

Objetivos p.

Bibliografia p.

Filmografia p.

1

INTRODUÇÃO

“O cinema não é uma reprodução da realidade, é um esquecimento dela. Mas se esse esquecimento é gravado, podemos então nos lembrar e talvez chegar ao real”

(Godard, entrevista ao Le Monde, 10 de junho de 2014). O cinema, ou melhor, o “cinematógrafo”, nasceu em terras francesas1. Ele cinema passou do registro do cotidiano de trabalhadores na saída da fábrica e da chegada de trens para a captura de paisagens “exóticas” para o europeu (tomadas urbanas de Indochina, Egito, Austrália etc.), no que se pode chamar dos primeiros “documentários”. Não é absurdo afirmar que, desde sempre, sua vocação foi “viajar”, de trazer o longínquo para perto, de modo que museu algum jamais sonhara: enquanto os acervos retiram seus objetos do contexto vivo, o cinema nos transporta alhures, nos convidando à revelação de costumes e sobressaltos experenciados por culturas distintas.

Surpreendentemente, o Brasil não tardou a fazer parte do itinerário cinematográfico. Uma primeira exibição em nossas terras se deu em 1896, com a chegada do aparelho Omniographo, pelas mãos do exibidor Henri Paillie, na Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro2. A mescla de tecnologia estrangeira, produtos de fora e de imigrantes foi a combinação que nos deu o primeiro cinema brasileiro, bem como as primeiras filmagens por aqui registradas. Os irmãos italianos Affonso e Paschoal Segreto abriram no Rio de Janeiro, à Rua do Ouvidor, em 1897, o Salão das Novidades Paris. Em suas idas e vindas a Paris e Nova Iorque à caça de novos divertimentos visuais, filmaram, a bordo da embarcação de bandeira francesa Brésil, tomadas da Baía de Guanabara3.

Uma arte, um ano... Um oceano? O fosso que separa Brasil e França, em termos culturais e artísticos, seria intransponível? De pronto cabe postular que a proximidade nas datas de exibição não é fiadora da exatidão de paralelismos, ainda que aponte para a velocidade das trocas entre os países. As questões da capacidade de produção, tanto de tecnologia quanto de obras, parece assim ser deixada de lado. Do mesmo modo, há que se pesar as condições de recepção no seio de culturas distintas, bem como a fator econômico segundo o qual frações diferentes dos orçamentos familiares são destinadas à cultura.

Não nos prendamos a um “fenômeno originário”, no sentido de incondicionado e intocável, mas lancemos mão do poder metafórico irradiado por episódios historiográficos, cujo tom, em caráter introdutório, é mais ensaístico

1 Mesmo que, com todo rigor, sua genealogia passe também por outros lugares. Ainda no século XVII a anciã lanterna mágica germânica de Athanasius Kirchner (para não mencionar as experiências com a ampliação de imagens na câmara escura renascentista); já na primeira metade do XIX, Plateau e seu Fenacistoscópio, o Praxinoscópio de Reynaud, ambos franceses; próximo aos “inventores” lyoneses, os irmãos Louis e Auguste Lumière, encontra-se o Cinetoscópio do norte-americano Thomas Edison. 2 VIANY, Alex. Introdução ao Cinema Brasileiro. RJ: Alhambra-Embrafilme, 1987, p.33. Ver também “Primeira sessão de cinema do Brasil completa 115 anos”. O Estado de São Paulo, 8 de julho de 2011. Disponível na internet (ver bibliografia). 3 FINGUERUT, Silva. Cinema Brasileiro: 90 Anos. RJ: Fundação Roberto Marinho, 1986, p.3. 2 do que conceitual. Ora, o oceano foi filmado pelos Segreto. Se as águas turvas do deslocamento, de náufragos e de sentidos, afogam incautos aventureiros acostumados com empoçados clichês, suas imagens guardam ainda o segredo da travessia, disponível ao olhar: decifra-me enquanto te salgo e te curto; enquanto isso, o nado, e cenas de capítulos ora próximos ora tão só imaginados. Filmar é preciso, eis o dever ser praiano. Transmutado do perigo mítico de profundezas e monstros a desafiar Ulisses, o oceano se dá mais como meio para encontros do que como impossível simbiose ou intersecção. Imagens outras são possíveis.

As ondas dos novos cinemas que assolaram o mundo desde finais dos anos de 1950, em particular a Nouvelle Vague francesa e o Cinema Novo brasileiro, são pontos paradigmáticos para a compreensão não só da cinematografia desses países, mas dos rumos da Sétima Arte desde então: optar pela rua ao invés dos estúdios, câmera na mão, produções de baixo custo, politização da arte, lirismo não sentimental, novas relações temporais na montagem e assim por diante. Nos interessa capturar tanto as linhas de força formadoras desse acontecimento quanto a presença desse passado, a posteriori reapropriado, em epígonos, remanescentes e jovens criadores.

Apostando que o passado é reorganizado e reposto pelas urgências presentes, pretendemos problematizar o encontro dessas duas formas expressivas no período que vai do fim dos anos de 1950 até meados da década de 1970. Dessa troca, tanto ao nível da crítica especializada quanto da produção propriamente dita, testemunhou-se renovado fôlego para a arte cinematográfica e sua crítica4.

O que faz problema é tentar entender o que jaz de novidade no encontro cinematográfico dessas culturas. A dificuldade não se dissipa ao assumirmos a impossibilidade de estabelecer caixas estanques – por isso mais vale um modelo de “vasos comunicantes”, onde, ainda que um elemento seja preponderante, não é abstratamente isolado por algum desígnio ilusionista. Assim sendo, privilegiaremos questões estéticas e temáticas e seu mútuo imbricamento, sem todavia negligenciar as demais esferas e suas eventuais dosagens.

PROBLEMA - TRADUÇÃO É TRAIÇÃO?

Como relacionar França e Brasil? Assim colocada, a questão adquire dimensão hercúlea. Explicamo-nos: cinema. A disparidade quantitativa entre os elementos relacionados, afora suas especificidades internas, impõem um limite. Nossa estratégia é optar por um recorte em um só tempo temático e temporal, e então adentrar no surdo reino

4 “O encontro entre o Cinema Novo e a crítica francesa foi a ocasião de uma reaproximação entre as duas culturas, tendo os filmes como elementos de convergência. A dinâmica desse reencontro estabeleceu relações que podem ser consideradas, por um lado, uma reedição das relações cultivadas entre os intelectuais dos dois países depois de muito tempo e, por outro, uma renovação das ligações pelo viés de uma atualização das trocas praticadas, que, sem negar completamente aquilo que havia sido construído, ensaiava redimensionar os papéis dos atores das relações”. Filmes eram vistos em festivais e em pequenas salas de “arte e ensaio”, passando em algumas ocasiões aos cine-clubes. Os críticos, espectadores privilegiados, eram os primeiros interlocutores e divulgadores (FIGUEIRÔA, Alexandre. Cinema Novo – a onda do jovem cinema e sua recepção na França. Campinas: Papirus, 2004, p.18). 3 das imagens. Felizmente, para fins analíticos, temos boas razões para acreditar que os eixos se cruzam no tempo5, facilitando as eventuais correspondências6. É questão de saber até que ponto e em quais condições uma vertente influencia a outra ou, ao contrário, até que ponto existe autonomia; finalmente, há que se levantar a hipótese de “determinação recíproca” entre as esferas.

Obras, autores e temas serão elencados e comentados no intuito de, no choque comparativo com o outro, extrair novas possibilidades de interpretação. Tal leitura se pretende filosófica-conceitual, o que, aliás, justifica desde já nosso trabalho. Detalhado estudo acerca do papel da crítica francesa na criação do Cinema Novo nos parece ter satisfatoriamente esgotado a questão e o papel da recepção.

DELIMITAÇÃO TEÓRICA DO OBJETO - I – HISTORICIDADE DA RECEPÇÃO

Filmes não existem sozinhos7. Com isso quer-se dizer que seus “efeitos”, especiais ou não, só se tornam reais mediante um processo social de efetivação, conferindo-lhe visibilidade, ou seja, possibilidade de inteligibilidade e portanto de comunicação de sentido. Christian Metz assim resume a questão da criação de circuitos expressivos:

O que globalmente se nomeia ‘o cinema’ (e, em menor grau, o que se nomeia ‘o filme’) se nos oferece, em verdade, como um vasto e complexo fenômeno sócio-cultural, um tipo de fato social total no sentido de Marcel Mauss, e que compreende, como se sabe, importantes aspectos econômicos e financeiros: trata-se aí de um conjunto ‘multi-dimensional’ que, se tomado em bloco, não se presta a estudo rigoroso e

5 O momento intensivo de contato aqui evocado (Nouvelle Vague-Cinema Novo) não é, todavia, exclusivo nas relações entre os cinemas de França e Brasil. Aos primórdios de transferência técnica (evidentemente não institucionalizada), seguiram-se fenômenos como a “cavação”, os espetáculos vaudeville filmados, os “cinemas de atração”, e os ciclos regionais – boa parte deles com correlatos, mais ou menos próximos, nos grandes centros. Após o quê, um caso que exigiria todo um estudo à parte, se viu a influência da vanguarda europeia em Limite, de Mário Peixoto (1930). As empreitadas dos estúdios brasileiros, por seu turno e em se excluindo o quesito comercial, poderiam ser aproximadas da chamada “excelência francesa” do filmar, hegemônica até meados dos anos de 1950. O crítico Paulo Emílio Salles Gomes exilou-se em Paris durante a ditadura Vargas, tendo frequentado Henri Langlois, diretor da Cinemateca Francesa. Nelson Pereira dos Santos conheceu o cineasta brasileiro Rodolfo Nani na Cidade das Luzes, tendo acesso a seu círculo. Alberto Cavalcanti começou sua carreira europeia ainda nos anos 1920 na França, antes de partir para a Inglaterra (FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.37-38). 6 Uma vez mais, tentamos fechar o cerco e limitar nosso escopo. A revista Cahiers du cinéma número 176, de março de 1966, divide suas páginas entre os novos cinemas de Brasil, Canadá, Tchecoslováquia, Hungria e Polônia. Que se pense ainda em nossos vizinhos argentinos e no México. A expressão “novos cinemas” (nouveaux cinémas) surge na edição de maio de 1964. Em seguida, Luc Moullet apresenta, na edição de maio de 1965, “O contingente 65 1A”, elencando “calouros” como Glauber, Diegues, Polanski, Bertolucci, Bellocchio, Straub, Eustache, Oshima e outros. Na Argentina o manifesto “Hace um tercer cine” marcou época. Romper com uma concepção de cinema como mero “objeto de consumo” e com a ideia de que um cinema livre só poderia ser feito em países desenvolvidos. A busca é por uma arte que chegue às “causas”. Os autores citam Godard, para quem os “reformistas” do cinema terminaram “presos no interior da fortaleza” da indústria. Não desvinculada da política, a arte deve mobilizar. “Faço a revolução, logo existo”, eis o mote do cinema terceiro-mundista no manifesto assinado em 1969 por Solanas e Getino. Note-se a inversão do Cogito ergo sum (penso logo existo) de Descartes (Sobre o manifesto, disponível na internet (ver referência na bibliografia). Para Descartes, O Discurso do método, quarta parte (In: Os Pensadores. Trad. Enrico Corvisieri. SP: Nova Cultural, 2004, p.62). 7 Contrariamente ao desacreditado personagem Fritz, de O Céu de Lisboa (Wim Wenders, 1994), imagens não vistas não são imagens. Em meio à banalização, o cinema ainda cumpre sua “função” de encantar. É o que lhe propõe o sonoplasta Winter. 4

unitário algum, mas somente a um amontoado heteróclito de anotações implicando pontos de vista múltiplos e diversos (= pluralidade de pertinências)8. Nossa estratégia será, por assim dizer, “vesga” (da ordem do esforço ou não natural), pois comporta um duplo esforço, apenas aparentemente irreconciliável. A saber, em um só tempo se interessar em um olhar contextual e em um olhar analítico. O mediador do jogo social se liga ao mediador específico que é a obra. Se, por um lado, somos coagidos a pensar algo diferente e independente de nós (no caso, um filme, irredutível à quantificação), por outro, a construção simbólica se insere na (re)produção da própria sociedade, cujas forças relançam as potências de apropriação9.

Esse modelo é atingido graças a uma concepção não linear da história, entendida concomitante (ou estruturalmente) como linear e irruptiva (diacrônica e sincrônica), permitindo a delicada equação entre o geral e o particular. Tal reconstrução é não linear por dois motivos: 1) a cultura, supostamente o elo final da produção material, retroage e reorienta simbolicamente, com eficácia própria, todo o restante da cadeia (base tecnológica, organização da mão de obra e novos papéis culturais ou “posições de fala”): o efeito é também causa; 2) o inexorável passar do tempo é atravessado por acontecimentos, blocos de presente compostos por inúmeras vozes.

Eis porque, retornando ao universo fílmico, cremos dispor de referencial teórico que se coadune com as relações entretidas entre a Nouvelle vague e o Cinema Novo. Para além de decorrências mecânicas de cadeias produtivas e da expressão de incrementos tecnológicos, lidamos com movimentos artísticos cuja marca indelével de modernidade por vezes os levou a buscar radicais mudanças na sociedade – quer seja pela forma quer seja pela tomada de posição. Ao fim e ao cabo, a questão se concentra na análise do papel da arte na sociedade.

II - CINEMA NOVO: CONCEITO ABERTO

Ora romântico, ora regionalista ou mesmo voluntarioso, o Cinema Novo, na virada dos anos de 1950 para 1960, surge como uma expressão crítica da realidade brasileira. A expressão técnica do cinema deveria ter como meta a denúncia do subdesenvolvimento, o que torna a arte um instrumento, senão de mudança direta na sociedade, ao menos de denúncia de suas mazelas. Segundo Figueirôa, a unidade política precedeu e possibilitou a unidade profissional. Tal busca rompia com padrões narrativos tradicionais e com visões demasiadamente ordenadas. Assim, o engajamento levou também a uma pesquisa formal que tocasse e despertasse o público10. As tensões entre ordem narrativa e plástica das imagens é criativa e diferentemente tratada pelos autores brasileiros. Faz-se “sentir a câmera”, em estilo que põe a nu uma pretensa transparência de imagens, prontas para o consumo, e questiona a decupagem

8 METZ, Christian. Langage et cinéma. Paris: Librairie Larousse, 1971, p. 5. Em itálico no original. 9 COSTA LIMA, Luiz. “Introdução geral: comunicação e cultura de massas”. In: Teoria da cultura de massas. Org. COSTA LIMA, Luiz. RJ: Paz e Terra, 2010, p.54-55. 10 FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.31. 5 clássica11. Prova disso é que tanto O Bravo guerreiro, de Gustavo Dahl, eminentemente político, quanto O Padre e a moça, de Joaquim Pedro de Andrade, cujos dilemas existenciais de profundas minas e as indicações de ação à la Bresson, se encaixam na “categoria”.

É a cultura nacional que busca uma “cara”: construção de Brasília, Bossa Nova, Teatro Opinião, concretismo e assim por diante. Acreditava-se que o Brasil se encontrava numa via “pré-revolucionária”, seguindo os ventos de Cuba, Argélia e as lutas anti-coloniais. Um cinema ancorado na realidade social avoca a si a missão de esclarecer as massas, o que só seria viável ao se dotar o país de uma indústria cinematográfica12 – o que mobilizava os franceses. Nossa mestiçagem constitutiva ganhou um espelho com a Sétima Arte:

Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A plena construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro. O filme brasileiro participa do mecanismo e o altera através de nossa incompetência criativa em copiar13. O Cinema Novo, nas palavras de seu maior expoente, era, antes de mais nada, uma crítica à chanchada. A definição negativa frustrava expectativas de rápida rotulação por parte da imprensa; não obstante, em todo caso, não fugia do programa de um cinema de autor disposto a alcançar efeitos políticos14. Até porque, conclui-se o artigo de forma aberta (colada na expressão fílmica): “(...) este cinema não se definirá previamente: sua existência é a prática de anos vindouros, na busca inquieta e na criação possível dos jovens diretores brasileiros (...)”15.

Uma certa “tradição do oprimido” repousaria latente em terras brasileiras, rebelde aos desmandos dos vencedores: o passado do sertão de Canudos, fuzis e demais Waste land’s16 e secas vidas se redimiriam no futuro graças à violência revolucionária (organizada pelo cinema). Toda uma verdadeira “redescoberta” do Brasil se

11 XAVIER, Ismail. O Cinema brasileiro moderno. SP: Paz e Terra, 2004, p.17. 12 FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.17. 13 SALLES GOMES, Paulo Emílio. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. RJ: Paz e Terra, 1986, p.88. 14 ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. SP: Cosac e Naif, 2003, p.131. 15 Idem, ibidem, p.151. Em entrevista já próximo da morte em 1981, o autor assevera a mesma opinião de liberdade submetida à crítica (ou seja, liberdade que retorna a si, distinta do “vale tudo”): “O conceito de cinema novo, que muitas vezes nos acusaram no Brasil de ser um conceito escolástico e acadêmico, nunca existiu. Sempre foi um anticonceito, quer dizer, o movimento cinema novo nunca se proclamou como escola artística, nunca determinou pressupostos políticos ou estéticos para a criação da obra de arte, nunca procurou burocratizar ou normalizar nenhum princípio criativo. Se você perguntar o que então caracterizaria teoricamente o cinema novo, eu diria o seguinte: a necessidade de criar uma cultura revolucionária dentro de um país subdesenvolvido, isto do ponto de vista cultural; do ponto de vista cinematográfico, a necessidade de internacionalizar esse problema através do meio artístico internacional por excelência, do século XX que é o cinema” (“A Passagem das mitologias”. In: O Século do cinema. SP: Cosac Naif, 2006, p.327. Grifo do autor). 16 A inversão de sinais é, por assim dizer, meramente “climática”, e jamais nocional, da ordem do sentido. Cria-se a partir do que há: neve – e sertão – devem agasalhar, isto é, inusitadamente acolher: “Abril é o mais cruel dos meses, germina/ lilases da terra morte, mistura/ memórias e desejo, aviva/ agônicas raízes com a chuva da primavera,/ o inverno nos agasalhava, envolvendo/ a terra em neve deslembrada, nutrindo/ com secos tubérculos o que ainda restava de vida” (ELIOT, T.S. “A Terra Desolada”. In: Poemas. Trad. Ivan Junqueira. RJ: Nova Fronteira, 2006, p.103). 6 descortinava a olhos vistos – senão do público, ao menos das vanguardas, longe das amarras burocráticas dos estúdios17.

No caso de Glauber, a tensão entre religiosidade e política, ou o redimensionamento do sagrado duplamente mediado pelo dispositivo arte-miséria, se converte em uma estética que busca o espectador pela sensação e pela paixão negativa de futuro que corrói o presente. O mito não é anulado com desmandos cerebrinos de sonho iluminista18. Antes, é dotado, dialeticamente, de razão. A Dialética do esclarecimento nos ensina: “o mito já é esclarecimento e o esclarecimento acaba por reverter à mitologia”; este último, caso absolutizado, tem por consequência a cega dominação da natureza (inclusive do homem pelo homem) via cálculo e violência. Adorno e Horkheimer partem da consideração segundo a qual mito e ciência repousam sobre um mesmo impulso, a saber, o de autoconservação19.

Finito e fisicamente limitado, o homem criou instrumentos para dominar e explicar o meio hostil no qual se encontrava jogado. Todavia, a dominância do princípio de dominação fez com que o homem esquecesse seu inalienável quinhão de natureza. Instaurada está a contradição: quanto mais se esforça por se proteger da natureza (entendida como “meio circundante”, o que inclui portanto o socius), mais o homem nega a natureza que há nele – ou seja, desejo, impulso e tudo o mais que é irracional (isso explica aliás porque a arte, em tempos de reificação, perde visibilidade):

A essência do esclarecimento é a alternativa que torna inevitável a dominação. Os homens sempre tiveram de escolher entre submeter-se à natureza ou submeter a natureza ao eu. Com a difusão da economia mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob

17 O Nordeste dos primeiros filmes não teria sido escolhido por acaso na busca por uma autenticidade (ou, se não foi deliberado, o que pode ter ocorrido, produzia os seguintes efeitos): a região reuniria miséria (realidade social) e folclore (raízes culturais), em paisagem desértica propícia a um simbolismo compreensível ao estrangeiro. Talvez se trate mais do trabalho a posteriori da crítica ou das condições gerais de recepção no estrangeiro do que um ato consciente dos realizadores. O élan de descoberta por novos filmes levou a crítica, sobretudo a militante, à busca pelo exótico e pelo distante. Tal movimento é dúbio, pois se leva à alteridade de referenciais de socialização, desemboca em modelos baseados no colonialismo (ver FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.154 e 136). Todavia, a nova crítica tinha como meta a desconstrução de mitos românticos sobre os não-europeus. A valorização dos filmes de Jean-Rouch, na França, ilustram essa luta. 18 Contrariamente a Descartes, a verdade nunca é “clara e distinta”. A claridade deve ser claridade de algo, dentro de uma conjuntura. Esse novo conceito de claridade, postula Adorno, deve “dizer concretamente aquilo que ela não pode dizer, tentar explicar os limites imanentes da própria claridade”. Em suma, o não idêntico da experiência (o que não é pensamento) deve ser levado à expressão – mas não se trata de qualquer expressão ou da repetição de regras: o desconhecido deve falar por si. Haja vista uma tal reconfiguração, Adorno estabelece uma oposição entre os “fanáticos da claridade” com a “luz” que ilumina desde o interior, onde o “sujeito” (ou aquilo que dele resta) refaz seu centro a cada vez, em cada encontro (ADORNO, Theodor. Trois études sur Hegel. Trad. Éric Blondel. Paris: Payot, 1979, p.97). Amar as sombras nos remete ao prazeroso exercício de enxergá-las no escuro ao passar – em uma sala de cinema. Pode-se notar a passagem da negação do mito ao diálogo e produção mitológicas na filmografia de Glauber: enquanto Barravento recorre-se à pedagogia para a politização popular, as demais obras não se erguem senão enquanto narrativas. 19 ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido de Almeida. RJ: Jorge Zahar, 1987, p.15 e 42. 7

cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie. Forçado pela dominação, o trabalho humano tendeu sempre a se afastar do mito, voltando a cair sob o seu influxo, levado pela mesma dominação20. Por serem imagéticos e narrativos, mito e arte conservam ainda os liames com a natureza, explicando-a sem negá-la. A racionalidade proposta funda-se no desejo de felicidade, e não na dominação. Se a realidade tal qual a vivemos se demonstra fechada e hostil a mudanças, a arte é já uma realização local da liberdade, uma promessa de alteridade.

Gêneros narrativos, como o Western, são deslocados, dizendo/fazendo ver o invisível para o clichê. Manifestações populares são incorporadas não como “decoração” ou exotismo, mas com função narrativa de atravessar o reino do sentido e fazer o sertão virar mar. Alta e baixa cultura embaralham-se, e o filme não mais cede à compartimentalização exclusivamente temática21. O transe criador de Glauber desgarra o vivido do mito, resgatando e atualizando uma capacidade de agir coletiva22. Em sua recriação do faroeste o modelo S-A-S (ou S’) recebe outra significação, posto que as imagens também cambiam. Na leitura clássica, o filme de bangue-bangue mostra o herói que restaura a ordem por meio de uma ação. O meio, desértico, é, diz Deleuze, “englobante”: contração e dilatação empurram o herói em direção a seu destino. Deve ele, assim, se pôr à altura de um socius naturalizado para dar cabo à anomia23. Ora, em Glauber nada deve ser poupado, e tudo transformado – sertão e mar. O termo “ação” também se acomoda mal ao dispositivo cinemanovista de Glauber: os eventuais duelos não condensam as narrativas, cujos desfechos se encontram mais próximos ao simbolismo da morte e da busca.

Analogamente, no sentido de busca por, verificou-se grande número de adaptações literárias: não só Vidas secas, mas também, entre outros, Ganga Zumba (Carlos Diegues, 1963), A Falecida (Hirszman, 1965), Menino de engenho (Walter Lima Jr., 1965), A Hora e a vez de Augusto Matraga (Roberto Santos, 1966), Capitu (Saraceni, 1968), Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969), Lúcia McCartney (Davi Neves, 1971), São Bernardo (Leon Hirszman, 1972) e Tenda dos milagres (Nelson Pereira dos Santos, 1977)24.

20 Idem, ibidem, p.83. 21 Uma vez mais nos fazemos valer das apreciações benjaminianas, nem demagógicas e tampouco relativistas. Não poderia ele, a priori, rejeitar a “alta” cultura, taxando-a de reacionária (e mesmo a “baixa”, tida por inculta) – até porque “(...) está persuadido de que um bom número entre elas é aberta ou secretamente hostil à sociedade capitalista” (LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Avertissement d’incendie. Paris: PUF, 2001, p.64-65). 22 DELEUZE, Gilles. A Imagem-tempo – Cinema II. Trad. Eloisa de Araújo Ribeiro. SP: Brasiliense: 1990, p.265-266. 23 Idem. A Imagem-movimento – Cinema I. Trad. Stella Senra. SP: Brasiliense, 1985, p.183-184. 24 Consultar, nesse sentido, o trabalho de Salete Paulina Machado Sirino, Cinema Brasileiro: o Cinema Nacional Produzido a partir da Literatura Brasileira e uma Reflexão Sobre suas Possibilidades Educativas (Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2004, p.101). Disponível no endereço eletrônico: http://www.pitangui.uepg.br/propesp/ppge/dissertacoes/salete_sirino.pdf . Ver também XAVIER. Cinema brasileiro. P.18-19. 8

Parte-se de algo comum, de uma situação senão corriqueira no mínimo identificável. Os procedimentos técnico-cênicos de mostragem desvirtuam temas e fazem a imagem dizer o que não dizia: o Western existencial de subdesenvolvimento em Glauber, o romance noir com montagem supranarrativa em Godard (visível em descompasso com a narração), a história de amor e seus giros temporais em Resnais. Essa tendência se confirmava também na Nouvelle Vague. De acordo com Robert Stam, tais filmes franceses orbitavam em torno de um “cinema misto”. Em um só tempo tensamente unindo a vanguarda (disjunção entre áudio e visual) e os prazeres da narrativa (herança hollywoodiana do espetáculo)25.

III - DOS DESERTOS E SUAS TRAVESSIAS

O termo “Cinema Novo” ganha o público em 1962, com Os Cafajestes, de Ruy Guerra, produzido longe do esquema grandiloquente da Vera Cruz26 e das chanchadas. O anti-herói sem rumo com um carro na praia, afora os minutos de travelling focalizando Norma Bengell nua, não foi, porém, a primeira experiência nacional de produção alternativa. As filmagens são rápidas e Jece Valadão é dublê de produtor e ator. Antes disso, em 1960, Glauber saúda no Jornal do Brasil os mais recentes documentários brasileiros. A “nacionalização”, enfatiza Glauber, não é questão de nacionalismo, e sim de “expressão”27.

Em 1955, Nelson Pereira dos Santos rodou Rio 40 graus, filmado a realidade social na rua e abdicando de luzes artificiais; 1957 conta com Rio Zona Norte, do mesmo diretor. Marcado pelo viés social dos filmes italianos, Roberto Santos realiza, em 1958, O Grande momento. Todo o movimento é influenciado pelo neo-realismo italiano28, superando os rígidos e panfletários esquemas de um “realismo socialista”. A intervenção do “decano”

25 STAM, Robert. A Literatura Através do Cinema: Realismo, magia e arte da adaptação. Trad. Marie- Anne Kremer e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p.335.

26 Sua última produção, Floradas na serra, data de 1954. Glauber nota aí menos uma catástrofe do que uma virada (“Independentes”. In: Revisão crítica. P.99). O termo crise vem do verbo grego kríno: separar ou decidir (Dictionnaire Étymologique de la Langue Grecque de Pierre Chantraine). Em latim, tem-se o verbo cerno, de mesmo significado (origem do “discernir” em língua portuguesa) (Oxford Latin Dictionary). Dentre os usos correntes do termo ao longo do tempo destacam-se os seguintes: século XV, crise econômica; século XIX, crise de saúde, ápice de um mal estar. Porém, em sua origem, crise é portanto um discernimento subjetivo possível quando de uma ação; não é, em si mesmo, pejorativo. Assim, sem juízo moral, a crise é também uma chance de mudança, oportunidade de se exercer a crítica. 27 “Origens de um Cinema Novo”. In: Revisão Crítica. P.125. O mesmo processo é relatado por Glauber no artigo “O Cinema Novo 62”: tudo começara em rodas de cinéfilos no biênio 1957-1958 (In: Revolução do Cinema Novo. SP: Cosac Naif, 2003, p.50). 28 FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.21 e 40. “O início desse movimento de renovação que se dá ao nível de temática, da linguagem, das preocupações sociais e das relações com o público, pode ser datado de 1945, quando começa o Neo-Realismo italiano. A Itália que, cinematograficamente fora conhecida pelos seus melodramas, suas divas dos anos 20 e 30, suas superproduções bíblicas, estava saindo do fascismo mussoliniano, da monarquia da guerra, destroçada. Sobre as ruínas, enquanto paulatinamente se reergue um cinema comercial, desenvolve-se um cinema que cineastas e críticos vinham preparando clandestinamente nos últimos anos do fascismo” (BERNARDET, Jean-Claude. O que é Cinema. SP: Brasiliense, 2001, p.93). Aproveitamos o espaço dessa nota para mencionar o elogio glauberiano a Humberto Mauro e seu cinema regional e com poucos recursos nos anos de 1920 em Cataguases.

9

Nelson Pereira dos Santos no I Congresso Paulista do Cinema Brasileiro em abril de 1952, com o título “O Problema do conteúdo no cinema brasileiro” apontou a via a ser seguida, a saber a do mercado interno29..

Seguiu-se onda de debates, artigos jornalísticos e formação de cine-clubes. Três centros se destacavam: Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Produção francesa mas ligada às trocas ora estudadas, Orfeu Negro (1958), adaptação às telas de Marcel Camus a partir da peça de Vinícius de Moraes, ganha a Palma de Ouro no ano seguinte. Em 1959, Paulo César Saraceni e Mário Carneiro lançam o curta documental Arraial do Cabo, investigando o processo de urbanização e exploração de um balneário fluminense. Da Bahia, Trigueirinho Neto nos entrega sua Bahia de todos os santos, 1960. No mesmo ano Linduarte Noronha e Rucker Vieira documentam a vida de antigos escravos em Aruanda.

O ano de 1961 foi assaz marcante: a Cinemateca Brasileira exibe curtas-metragens dos jovens cineastas na Bienal de São Paulo, com curadoria de Jean-Claude Bernardet; o lírico Couro de gato, de Joaquim Pedro de Andrade, é aclamado. Da cepa soteropolitana veio A Grande feira, de Roberto Pires. Glauber Rocha finaliza seu primeiro longa, Barra vento, fracasso de público e crítica que, no entanto, aponta para um caminho inovador e autoral. O CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes) produziu o conjunto de curtas Cinco vezes favela, no qual se juntam ao episódio já citado de Joaquim Pedro os trabalhos de Carlos Diegues, Leon Hirszman, Miguel Borges e Marcos Farias30. Em 1962, Anselmo Duarte abocanha a Palma de Ouro com outra adaptação do teatro, em O Pagador de promessas31, de Dias Gomes; Roberto Farias lança Assalto ao trem pagador.

A efervescência não cessa em 1963: Nelson Pereira lança Vidas Secas, baseado em romance de Graciliano Ramos; Carlos Diegues executa seu primeiro longa, Ganga Zumba, posteriormente, em 1964, veiculado na Riviera francesa; Joaquim Pedro surge com o documentário Garrincha, alegria do povo; Ruy Guerra exibe Os Fuzis; Glauber Rocha irrompe com Deus e o diabo na terra do sol. De uma só vez os filmes de Glauber e de Nelson Pereira são exibidos em Cannes, causando grande alvoroço32. A produção de Guerra angariou o Urso de Prata, em Berlim. Joaquim Pedro leva Garrincha à mesma cidade33. Diante de restrições financeiras, políticas e de distribuição, o mercado europeu se apresentava como oportunidade, talvez única, de expansão e mesmo de sobrevida34.

29 RAMOS, Fernão. A História do Cinema Brasileiro. SP: Art Editora, 1987, p.303. 30 FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.22. 31 Essa película não é propriamente considerada da “família” cinemanovista; muito da crítica da época acreditava que seguia padrões da “qualidade francesa”, tendo sido produzida, portanto, para agradar. 32 Apesar do impacto temático e estético de ambas as produções, a Palma de Ouro foi para Os Guarda- chuvas de Cherbourg, de Jacques Demy (Idem, ibidem, p.42). Para além de um filme de clichês amorosos, a obra em questão aborda, com intimismo, diferentemente de um film à la clé ou filme de tese, o papel devastador da guerra na vida do cidadão comum. O personagem Guy tudo perde ao voltar da Argélia. (BAECQUE, Antoine de. L’Histoire-caméra. Paris: Gallimard, 2008, p.190-191). 33 FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.42. Advertimos desde já o leitor que elencar o percurso de cada película ultrapassa a visada desse trabalho. Esse exercício, fundamental e meticuloso, será melhor encontrado e chancelado junto aos historiadores. Intentamos tão só apresentar um panorama para dele extrair relações gerais (não factuais). O papel do corpo diplomático, com sua rede de contatos a abrir portas, além de 10

Fernão Ramos aponta para três fases ou momentos do Cinema Novo, permitindo o agrupamento de obras segundo uma certa homogeneidade temática e estética. O primeiro deles é uma busca de expressão nacional cinematográfica, se nutrindo tanto do documentário quanto da realidade nordestina. Vai-se da segunda metade dos anos de 1950 até 1964. Suas principais expressões são a “trilogia do sol”, com Vidas secas, Os Fuzis e Deus e o Diabo. O segundo momento marca a desilusão com a política, oriunda do golpe, bem como paisagens urbanas. As obras de referência são, dentre outras, O Desafio (Saraceni, 1965), A Derrota (Mário Fiorani, 1967), Terra em Transe (Glauber, 1967), O Bravo Guerreiro (Gustavo Dahl, 1969) e Fome de amor (Nelson Pereira dos Santos, 1968). O terceiro momento parte para uma tentativa de diálogo com o cinema existente, ao procurar figuras alegóricas e a carnavalização – o que, de certa forma, foi senão o fim ao menos uma mudança radical do ímpeto inicial: Brasil ano 2000 (Walter Lima Jr., 1968), O Dragão da maldade contra o santo guerreiro (Glauber, 1969, ganhador do prêmio de melhor direção em Cannes), Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969), Os Deuses e os mortos (Ruy Guerra, 1970), Os Herdeiros (Carlos Diegues, 1970 – esse híbrido entre o momento anterior e o de seu aparecimento), Quando o carnaval chegar (Carlos Diegues, 1972)35.

O ciclo histórico “forte”, por assim dizer, do Cinema Novo se encerra em meados dos anos de 1970. A concorrência de causas auxilia a explicitar os ares rarefeitos respirados por um cinema nacional com ambições tanto políticas quanto estéticas: repressão e censura por parte do Estado; dificuldades de financiamento; hegemonia da

financiamento de estudos, a realização de festivais e mostras tanto aqui (1965, no Rio, por exemplo) quanto no Velho Continente; Gustavo Dahl e Glauber publicam, respectivamente, nos Cahiers e na Positif (ver FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.41-42). Há aqueles que defendem, entretanto, que o fenômeno Cinema Novo foi lançado não pelos franceses, mas na Itália. A Rasegna del Cinema Latinoamericano de Gênova, 1965, premiou Os Fuzis e Vidas secas. Houve a primeira retrospectiva do Cinema Novo, o que lhe outorgava um caráter de movimento, e não um punhado esparso de filmes; foi o ensejo para Glauber apresentar seu “manifesto”, “Uma estética da fome”, visto pelos críticos franceses Louis Marcorelles, Robert Benayoun e pelo etnodocumentarista Jean Rouch. Em nossa leitura, a “violência da imagem” quase artesanalmente composta na proposta de Glauber fala mais alto do que estratagemas pour épater la bourgeoisie, ou seja, do que imagens violentas. No mesmo ano, o festival de Pesaro exibe São Paulo S.A., vertente “urbana” do movimento, de Luiz Sergio Person. Em 1966, o referido festival abrigou a polêmica entre Pier Paolo Pasolini, Luc Moullet, Jean-Luc Godard e Christian Metz. Em sua defesa do “cinema de poesia”, o diretor italiano evocou figuras do Cinema Novo (Idem, ibidem, p.43-45; SARACENI, Paulo César. Por dentro do cinema novo, minha viagem. RJ: Nova Fronteira, 1993, p.211). No que nos concerne, acreditamos na pluralidade de causas. 34 FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.45. Rachas internos, censura e problemas de distribuição abreviaram a vida do movimento. Sobre o desenrolar da Difilm (Distribuidora de Filmes), INC (Instituto Nacional de Cinema) e Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S.A), ver: Idem, ibidem, p.24-30. 35 RAMOS. História do cinema. P.347-348. Não mencionamos as demais produções brasileiras na época, o que inclui o chamado cinema comercial e o experimentalismo da “boca do lixo” sobretudo paulistana. Ainda que essa última expressão dialogue com o cinema novo, esforçando-se para dele se diferenciar, tal análise transcende nosso escopo. Em 1966, em artigo para os Cahiers (número 176, março), Gustavo Dahl traça cronologia dividida em “pré-história”, “fase embrionária”, “nascimento”, “adolescência” e “maturidade”. Respectivamente, há os documentários e primeiros filmes de Nelson Pereira; cineclubes e curtas; Arraial do Cabo e a Rassegna latino-americana; Barravento, 5 x Favela e Os Cafajestes; Vidas Secas, Ganga Zumba e Deus e o Diabo. 11 televisão e de princípios de mercado. Fernão Ramos assim coloca a questão: “A década de 70 vai explicitar uma nova situação para a cultura, com a esfera do mercado assumindo proporções surpreendentes” 36.

IV – O PAPEL DA CRÍTICA

Afirmar que filmes devem ser vistos não causa espécie a ninguém. Mas como ver os filmes? Levando adiante a hipótese de trabalho da eficácia específica dos bens simbólicos, depositários de afetos e hábitos, somos levados a postular que a visão se encontra para além da recepção e transformação da luz por retina e redes neurais. A visão é envolta, ou melhor, criada e emaranhada numa rede de referências. Uma tal grade, paradoxalmente, não aprisiona, antes liberando os sujeitos para o domínio da experiência. É tarefa do crítico estipular em que medida os discursos construídos e disponíveis se devem ao encontro com a obra em uma experiência (determinação material ou pela forma) e em que medida essa experiência é já mediada por circuitos expressivos (determinação imaterial ou mediada).

Muito da reputação das películas do nosso Cinema Novo se deve à atividade crítica exercida na França pela mídia especializada. Nossas referências primordiais se limitarão aos Cahiers du cinéma, publicação fundada em 1951 e ainda em circulação37. Do outro lado do Atlântico, teremos a oportunidade de perceber que a crítica brasileira, por vezes exercida por cineastas ou futuros cineastas, não foi muito acolhedora para com seus pares franceses38. Nos anos de 1950 e 1960, o jornal O Metropolitano, publicação da União Metropolitana dos Estudantes do Rio de Janeiro, abrigou caloroso e intenso debate sobre os rumos da Sétima Arte. O debate pode ser recuperado no detalhe em artigo de Alessandra Mallet Brum39. Chabrol é compreensivelmente criticado por seu Os Primos e suas

36 RAMOS. História do cinema. P.402 e 417. 37 Periódicos cuja contribuição não pode ser negligenciada, como Positif, Image et son e Arts, serão eventualmente mencionados. 38 Todavia, essa disposição parece não ter comprometido o destino dos filmes em questão – diferentemente do caso brasileiro diante da imprensa especializada francesa. 39 MALLET BRUM, Alessandra Souza. “A Nouvelle Vague sob o ponto de vista do jornal O Metropolitano”. In: Revista Estudos Históricos, volume 26, número 51, 2013. RJ: CPDOC/ Fundação Getúlio Vargas, p.193-212. Em 1960 Carlos Diegues assume a direção do jornal. Após uma guinada profissionalizante e aumento de quadros, o jornal passa por dificuldades financeiras. Anunciantes rareiam diante da atmosfera de radicalização política de apoio a reformas. Isso posto, o jornal circula apenas uma vez por semana. As efervescências brasileira e francesa não passaram desapercebidas pelos articulistas de então. Todavia, a tônica parece ter se concentrado ora na desconfiança em relação aos iconoclastas destruidores da “qualidade francesa”, ora no militantismo político próprio à conjuntura nacional avesso a tudo que não fosse diretamente denúncia. Tal combinação, salvo exceções, não favoreceu a leitura da nova onda francesa nas páginas de O Metropolitano. Claro está que o destino dessa cinematografia não foi exclusivamente determinado pelo jornal carioca. Além dele, há que se contar com o papel de outros críticos, notadamente Glauber Rocha. Ademais, a imprensa francesa, além da própria “máquina” internacional (em sua escala própria, não hollywoodiana), levaram adiante as ondulações francesas. A coluna de cinema logo passa de Dejean Magno para Davi Neves, em março de 1959. Em meados de 1960, juntam-se a ele na coluna de cinema Sérgio Augusto, Carlos Diegues e eventualmente Paulo Perdigão. Mallet Brum estabelece três fases para a construção de um discurso a respeito da Nouvelle Vague: as “primeiras impressões” (de 1959 a 12 saudações nazistas; Os Incompreendidos faz jus ao nome: reduzido a plágio de Jean Vigo. Os comentários sobre Resnais oscilam; Godard é saudado mais pela inventividade de produção do que pelo filme.

V - ELES POR ELES (OLHO POR OLHO)

A Nouvelle Vague não deve ser lida como uma totalidade fechada, como um movimento uniforme. Não se sabe onde arrebentam as ondas. Mesmo na França, e no interior da própria redação dos Cahiers, houve polêmica. De 1951, ano da fundação, até 1954, momento das primeiras intervenções em nome de uma “política dos autores” de Truffaut e Godard, a dominância era estética, e a temática política se situava nos comentários de alguns contribuidores, como Kast e Sadoul. De toda maneira, um denominador comum é o imbricamento necessário entre produção cinematográfica e crítica – não só em sua acepção de determinação simbólica, mas também pelo fato dos críticos terem passado à prática. Para um cinéfilo, sobretudo o educado pelos dispositivos Nouvelle Vague e Cinema Novo, “aprender a ver, em definitivo, é essencialmente criar o ver”40. Nesse sentido, nota-se uma primazia do olhar em relação a questões de ordem técnica e econômica.

Primeiramente exclusivamente estética; em seguida, de orientação de direita. Tão marcada ao longo do tempo, a identificação imediata com a esquerda, e com os cinemas emergentes e terceiro-mundistas, só se sucedeu a posteriori. Independentemente de filiação político-partidária, a revista foi responsável pela autonomia do cinema enquanto arte e por uma crítica baseada em critérios artísticos, capaz inclusive de mostrar questões prementes de uma época – air du temps ou Zeitgeist – sem abrir mão de sua maneira específica de comunicação: as imagens em movimento acompanhadas (ou não) por trilha sonora.

meados de 1960); um segundo momento, com “o movimento e o desencanto” (de meados de 1960 até meados de 1961); por fim, “o que interessa somos nós” (de meados de 1961 a 1962). 40 BAECQUE, Antoine de. Cinefilia – invenção de um olhar, história de uma cultura 1944-1968. Trad. André Telles. SP: Cosac Naif, 2010, p.54. Itálicos do autor. Essa consideração justifica nossa divisão. Não optamos por um paralelismo irrestrito entre Cinema Novo e Nouvelle Vague, o que acarretaria numa exposição do movimento francês imediatamente colada à do Cinema Novo. Isso faria com que as considerações sobre a crítica brasileira fossem seguidas pelas francesas. Como se percebe, ao invés disso, a especificidade do objeto é respeitada, nos levando à forma aqui presente. A relação assim estabelecida entre teoria e prática impõe um rearranjo em divisões clássicas. Nesse sentido, a comparação com o pensamento marxista e o idealismo alemão nos é útil. Desde os textos de 1843, até as célebres “Teses sobre Feuerbach”, de 1845, Marx não teria proposto o fim da filosofia em nome das armas (a “arma da crítica” não desaparece por passe de mágica...). Uma das contribuições marxianas à filosofia consiste na “realização” (dialética) da filosofia. Consultaremos com proveito a obra Marx et l’idée de critique (RENAULT, Emmanuel. Paris: PUF, 1995), onde o autor desenvolve o argumento de Georges Labica (Le Statut marxiste de la philosophie. Bruxelas: Complexe, 1976), segundo o qual pode-se perceber no pensamento de Marx uma “saída da filosofia” (graças, contudo, à filosofia, que não deixa de ser determinante – inclusive como referencial simbólico, recuperando os termos do presente trabalho). Ou, ainda, como o postula Renault, vê-se uma “deflação” filosófica: ao se renunciar à autonomia em relação à diversidade de lutas sociais e aos conhecimentos positivos da sociedade, a filosofia deve prolonga-los em seu caráter reflexivo. Tal postura desembocaria em uma “nova prática da filosofia”. Ver também RENAULT, Emmanuel. “Marx et sa conception déflationniste de la philosophie”. In : Actuel Marx, “PARTIS/ Mouvements”, numéro 46. Paris: PUF, 2009/2. 13

O desgosto com os descaminhos políticos da Nouvelle Vague bem como certo fascínio pelo estrangeiro levaram ao acolhimento entusiasta do Cinema Novo. A cinematografia brasileira ocupou um lugar então disponível, desempenhando ora papel substitutivo (Cahiers – o que a Nouvelle Vague prometeu e não “cumpriu”)41 ora confirmando a vocação política do cinema (Positif, quase indiferente aos trabalhos de Truffaut-Godard & Cia.). O que daí resultou não foi senão um “cinema ideal”, uma camisa de força que fez os Cahiers passarem à política e Positif pensar no problema autoral. Uma verdadeira troca de lugares no que concernem os respectivos hábitos editoriais42. Entrementes, o questionamento estético, haja vista tal conjuntura passada, parece ter ficado em segundo plano. Com o perdão da longa citação, eis o que a cinefilia guardou para os cinemanovistas:

O itinerário de um autor é sempre mais ou menos o mesmo: um cineasta, decerto conhecido mas incompreendido, ou invisível como artista em seu próprio país, é valorizado pela cinefilia parisiense. Seus filmes são vistos, notados, as revistas apoderam-se dele a golpes de críticas e filmografias comentadas e, logo, programações especiais são organizadas por algumas salas. Em seguida o próprio cineasta é contatado, convidado a ir a Paris por determinados cineclubes, convocado para longos encontros e entrevistas. A entrevista é publicada, acompanhada de um ou vários textos enaltecendo seu estilo, sua mise en scène marcante de cada filme – publicação aguardada de preferência nos Cahiers du cinéma (...). E alguns meses, alguns anos mais tarde, depois de os jovens críticos dos Cahiers du Cinéma ficarem famosos, aqueles ex-artistas secundários de Hollywood ou de Roma, já cineastas em Paris, são revistos, depois defendidos e estudados nas universidades americanas ou italianas43. O “anti-herói”, ou melhor, o personagem cujo caráter condensa esses conflitos seria Alain Leroy, eternizado nas telas por Maurice Ronet em filme de Louis Malle. Le Feu follet (com a bela, e livre, tradução de Trinta anos essa noite, 1963) é adaptação do romance de Pierre Drieu la Rochelle. A fotografia sombria de Ghislain Cloquet44 revela uma Paris nebulosa. Cinza, demonstra-se movediça aos pés de seu protagonista. O impasse pessoal de Leroy, rei sem reino, é o impasse da época. Seu passado militar de ação (o domínio colonial) se encontra bloqueado com a onda de independência – especificamente na Argélia. No jantar de sociedade no qual recai no alcoolismo admite: “Sou completamente apolítico”. A incapacidade de comunicação, quer seja a retomada de antigos relacionamentos quer seja na (re)invenção de si, traduz a desesperança no mundo do pós-guerra. Seu suicídio aponta para um limite45. Mas o que virá depois?

41 “A anarquia natural no Brasil funciona em favor da improvisão. Em 1959, começa-se a falar das promessas de nossa ex-Nouvelle Vague. Para esses jovens que vêm após Nelson Pereira dos Santos (hoje com 37 anos), que têm então apenas 20 anos, Truffaut e seu Os Incompreendidos representam o exemplo libertador. Ver-se-ão um pouco por toda parte, no mundo, jovens aprendizes-cineastas, sem se inspirarem no espírito de Truffaut-Godard, extrair lições econômicas apropriadas dessa produção a baixo preço, feita contra ou fora do sistema” (MARCORELLES. “Rencotre avec le Cinema Novo”. In: Cahiers número 176, março de 1966. 42 FIGUEIRÔA. Cinema novo. P.19-20 e 206. 43 BAECQUE. Cinefilia. P.45. 44 Diretor de fotografia de Resnais, Demy, Bresson, Becker e outros. 45 Ver BAECQUE. L’Histoire-caméra. P.166-168. 14

Sujeito e objeto, crítico e conteúdo, deveriam se debruçar exclusivamente no estilo, reflexo do autor. Ficam de lado assim aspectos políticos, econômicos e históricos46. O pensamento do autor se expressa pela mise en scène, “encenação”.

REFERENCIAL METODOLÓGICO - I - A POLÍTICA DOS AUTORES

Já consagrado, Godard afirma em sua História(s) do cinema que o pensamento de um autor se concretiza na mise en scène: “pensamento que toma forma/forma que pensa”47. Toda a atividade dos Cahiers aí se encontra sintetizada. A operação conceitual não separa arbitrariamente fundo e forma: “o fundo é a forma”48. O debate entre Luc Moullet e Godard é bastante ilustrativo. Em março de 1959, o primeiro escrevera que “a moral é uma questão de travelling”; ao que pouco depois replica o suíço: “o travelling é uma questão de moral”49. Dito de outra maneira, a moral (ou ideia) deve ser trazida pela forma, pela linguagem própria ao meio expressivo.

O que fundamenta a legitimidade do diretor é o domínio de sua arte ou mise en scène. Ela está para o cinema como a escritura está para a literatura, uma dimensão de experimentação. A lógica da consagração do autor passa pela forma literário-jornalística da entrevista, de preferência não editada, onde o criador ganha voz. “Pela entrevista, o autor se vê reconhecido como dupla autoridade: uma autoridade sobre a obra e uma autoridade sobre os discursos que lhes são relativos”50. A entrevista ganha coerência e se torna “política da conversação”. Com ela se chega à intimidade do autor51, antes de mais nada, um cinéfilo52.

O divisor de águas foi o artigo de Truffaut, redigido entre 1952 e 1954 e publicado na Cahiers número 31, de janeiro de 1954 – “Uma certa tendência no cinema francês”. O cinema o mais prestigioso, aquele da “qualidade”, é atacado. O dito “realismo psicológico” é tomado como falso. O alvo principal são os roteiristas, então gozando de imenso prestígio, visto como desmesurado, no que tange o sucesso das produções. Dois motivos são elencados para se pôr em questão a atividade de roteirista: em primeiro lugar, a adoção do princípio de “equivalência” entre obras literárias e cinema simplesmente redunda em clichês desrespeitosos; assim, a obra de cunho fílmico e independente se transforma em mera ilustração do texto. Os diálogos inseridos se prestam apenas para agradar o grande público – o “tapa buraco” uma vez mais violenta a imagem, calando-a, ao invés de deixa-la falar por si. Em segundo lugar, o

46 Idem, ibidem, p.178, 182 e 149. 47 Histoire(s) du cinéma, volume I. Paris: Gallimard, 1998, p.36-37. 48 Idem, Arts, 23 de abril de 1959. 49 Respectivamente MOULLET, Luc. “Sur les brisées de Marlowe”. In: Cahiers, março de 1959; e GODARD, Jean-Luc. “Table ronde autour de Hiroshima mon amour”. In: Cahiers, julho de 1959. 50 MARY, Philippe. La Nouvelle Vague et le cinéma d’auteur – sócio-analyse d’une révolution artistitque. Paris: Seuil, 2006, MARY. Nouvelle Vague. P.116. 51 BAECQUE, Antoine de. Cahiers du cinéma, histoire d’une revue, volumes I e II, À l’Assaut du cinéma e Cinéma, tours, détours. Paris: Cahiers du cinéma, 1991. Para a citação, tomo I, p.128. 52 A cinefilia tem que ver com práticas heterogêneas tecidas em torno do cinema, um bem cultural que se atualiza por meios “cultuais” (BAECQUE. Cinefilia. P.39-36). Evidencia-se um ato de inversão simbólica: o sacrilégio da “qualidade” e a correspondente sacralização do autor, onde o jogo discriminatório funda nova hierarquia (MARY. Nouvelle Vague. P.92-94 e 109). 15 roteiro parece pretender tomar o lugar do filme, e os roteiristas assim roubam toda espontaneidade e liberdade de criação do diretor. A pretensa qualidade, sentencia Truffaut, não rende senão filmes de roteiristas – quer dizer, não- cinematográficos. Cerca de um ano depois, o jovem crítico cunha o termo “política dos autores”, melhor definindo sua posição53.

Uma “leitura estética” credita à força do artigo a entrada do cinema francês na modernidade, liberando o diretor para o desenvolvimento de um estilo. Já uma “leitura política” concebe a intervenção como um conflito geracional: jovens buscam espaço e no entanto se acham bloqueados no seio do sistema produtivo. Um argumento que talvez faça justiça às duas leituras seja a compreensão do texto como instrumento de subversão simbólica, detonador de crise. Essa concepção especialíssima de política se funda na dupla construção da autoridade: impõe obediência e faz crer na unicidade da obra54.

Em “Crise de ambição no cinema francês”55 Truffaut elenca e cataloga o cenário que lhe era contemporâneo, onde os admirados Tati e Bresson ombreiam-se com representantes da “qualidade”, Clouzot, Carné e Becker, por exemplo. Em comum, a pretensão autoral, ainda que os apoiados nos roteiros estivessem fadados à extinção, acreditava. Seriam esses os “ambiciosos”. Às demais listas, os “semi-ambiciosos”, os “comerciais honestos” e os “deliberadamente comerciais”, faltam com o compromisso artístico que cria um traço identificável, mesmo que menosprezado – o gesto autoral. Todavia, o fetichismo do autor ronda telas e páginas: “não há obra, existem tão somente autores”, sentencia Truffaut a respeito de obra abertamente comercial de Jacques Becker, Ali Baba56.

II - POLÍTICA NAS TELAS E (RE)DESCOBERTA DO BRASIL: UMA GUINADA?

Em crise financeira, os Cahiers recompõem sua formação societária e mudam de redação, em julho de 1964. Jacques Rivette e Jean-Louis Comolli passam a ser figuras de proa. A orientação, depois da exaltação da “qualidade”, do formalismo e da “política dos autores”, chega em outra instância: o cinema político.

Modelos para os arautos da Nouvelle Vague tinham se exaurido, um fator que explica o abandono da “política dos autores”. Ademais, tal estratégia interpretativa é mais eficaz ao trabalhar com a acumulação do que com a aparição, com os polos “obra” e “filme”. Ora, nem sempre isso se confirma possível (ou, ao menos, leva tempo maior do que o espaço entre uma edição e outra). O fator explosivo foi a ebulição de cinemas periféricos no mundo, exigindo uma tomada de posição da prestigiosa publicação. Tal movimento foi acompanhado por uma nova geração de críticos57.

53 TRUFFAUT, François. Cahiers du cinéma 44, fevereiro de 1955. 54 MARY. Nouvelle Vague. P.96-97. 55 TRUFFAUT, François. Arts, 30 de março de 1955. 56 Idem, Cahiers 44, fevereiro de 1955, “Ali Baba e a ‘Política dos autores’”. 57 BAECQUE. Cinefilia. P.374-375. 16

O editorial de março de 1966, número 176, assinado por Comolli, aponta para os novos rumos, disposto a encontrar uma continuação da ruptura anterior58:

Ninguém pode contestar que existe hoje um novo cinema, e portanto perguntamos, quando as fontes hollywoodianas se reconhecerão completamente esgotadas e quando os estúdios do Quai du Point-du- jour voltarão à sua destinação original de terreno baldio: como é que ninguém compreendeu mais cedo que a nouvelle vague não era um impulso isolado, mas o fermento de uma revolução internacional, o sinal precursor de uma primavera furiosa do cinema que não terminou de nos fustigar com suas asas? A mise en scène passa a ser questionada. O filme passa a ser o lugar de reunião de elementos não fílmicos, como a história, a política, a cultura e a economia. O que explicaria a estética revolucionária em produções do terceiro mundo não seria senão sua miséria econômica59.

A derradeira pá de cal foi jogada não sem uma dose de tristeza. O editorial de novembro de 1965 guarda como epígrafe os versos do poeta René Char: “Enfim/ se destruíres/ que seja com ferramentas/ Nupciais”60. Uma morte fecundada por ferramentas nupciais só pode vir a fertilizar o que resta. A batalha em nome do estilo do autor já estava ganha, se justificam os redatores. Os “cinemas de revolução” são de amplitude societal, e não apenas “arte”61.

Foi no bojo desse deslocamento de forças que o Cinema Novo ganhou nova impulsão. As revistas especializadas francesas publicaram, ao menos em uma oportunidade, um dossiê a respeito do Cinema Novo. A cinematografia recebia vasto panorama sócio-histórico, abandonando o formalismo até então hegemônico. Acredita- se que a boa compreensão de um filme é possibilitada pelo conhecimento prévio de sua inserção cultural ou extra- fílmica. A crítica se somava então, necessariamente, à informação. Se tal procedimento é válido em seu didatismo e de fato ajuda a alargar horizontes, negligencia a capacidade de espanto diante de uma experiência; assim conduzido, o ato de se retirar o autor do altar acarreta numa identificação entre filme e referência, reduzindo o cinema a um conjunto de conhecimentos prévios. De todo modo, o decisivo era legitimar, convencendo o leitor-espectador, da relevância das obras mencionadas, muitas delas não disponíveis em solo francês. O acontecimento artístico busca sua tradução e divulgação na imprensa. Em termos de teoria da comunicação, a informação faz a mediação “entre uma realidade e a imagem dessa realidade”. Ou seja, entre o filme e sua recepção. A própria mensagem adquire status de “acontecimento” 62.

As descrições, assim sendo, não são exclusivamente visuais, pois remetem ao conhecimento prévio do crítico. Evidentemente, uma descrição jamais é “neutra”. Raras vezes a análise superará o aspecto temático. O matador de

58 Outro exemplo contundente da guinada política é verificado no editorial de maio-junho de 1965, também de Comolli. 59 BAECQUE. Cinefilia. P.378. 60 “Les Matinaux”. In: Rougeur des Matinaux, XXVII. Œuvres complètes. Paris: Gallimard/ Pléiade, 1983, p.335. 61 COMOLLI, Jean-Louis. “Situation du nouveau cinéma”. In: Cahiers número 176, março de 1966. 62 FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.97, 100 e 104. 17 cangaceiros, taciturno, marca a marcha da história; Os Fuzis reúne pobreza, seca e superstições63. Some-se a isso o traço comum de crítica aos cinemas comerciais64. O número especial de 1966 não deixa dúvidas. O jovem Marco Bellochio atribui o papel de uma “revolução terminada” ao neo-realismo italiano, enquanto que o Cinema Novo poderia efetivamente, acreditava ele, levar a uma revolução65. “O Cinema deve ser político”, sentencia66.

DELIMITAÇÃO TEÓRICA DO OBJETO – I - POR UMA CRÍTICA DA CRÍTICA – ESPELHO COMPARATIVO BRASIL E FRANÇA

Para Marcuse, o artista revolucionário não pinta chaminés e complexos fabris... Uma arte, ao se constituir como linguagem sensível que desloca o establishement, é um “fator político”, sem ser, imediatamente, política. Independente de seu “tema”, a arte é símbolo (inclusive utópico) que gera efeitos e pode ser apropriado, eis sua “finalidade sem fim”67. Deve ela fazer ver, ouvir e sentir diferentemente do que permitem os padrões – uma promessa que não necessariamente se realiza. A conclusão do frankfurtiano atribui um papel prático à arte, sem cair no panfleto. A mudança “real” não é obra do artista (ponto local de reunião de subjetividades), mas de uma organização política – na qual o artista pode tomar parte como “cidadão”68.

63 BENAYOUN, Robert. “Cangaço 65; cris du Brésil”. In: Positif número 73, fevereiro de 1966; DONIOL-VALCROZE, Jacques. Cahiers número 158, agosto e setembro de 1964. Os exemplos são numerosos, não nos cabendo esgotá-los nesse espaço. À guisa de exemplo, nos referimos ao comentário de Luc Moullet a O Dragão da maldade: “Trata-se, uma vez mais – pois todos os cineastas brasileiros retomam esse tema –, do conflito agrário que opõe não somente os proprietários aos camponeses, mas também uns e outros aos bandidos de honra, aos matadores de aluguel, aos idealistas e este últimos entre si” (“Le Congrès de Cannes”. In: Cahiers número 213, junho de 1969). 64 FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.153. 65 BELLOCHIO, Marco. “Révolution au cinéma”. In: Cahiers número 176, março de 1966. Curiosamente, um “não revolucionário” poupado por Bellochio, certamente por sua insubmissão criadora, foi Federico Fellini. Et pour cause... 66 A fase “urbana”, com filmes lançados a partir de 1967 e 1968, recebem ataques por não serem suficientemente políticos, por mostrarem, sem êxito, dramas pessoais – indevidamente chamados aos filmes de pretensão política (FIGUEIRÔA. Cinema Novo. P.177 e sq.). 67 O vocabulário aqui é kantiano. Para que serve a arte, se pergunta o filósofo de Königsberg? Ora, para nada, diferentemente da razão instrumental, sempre aplicável e portanto agindo segundo uma utilidade ou finalidade. Preservando a língua filosófica que herdara da tradição com os termos “utilidade” e “finalidade”, Kant os reorienta em função das especificidades de arte e sensibilidade. Se “servem” para alguma coisa, tais objetos só se prestam a seguidas reapropriações. Fazemos imagens que nos orientam, o que explica a “finalidade sem fim”. Ver KANT, Immanuel. Critique de la faculté de juger. Trad. Alain Renault. Paris: Flammarion, 1995, p.199 e 205-207. 68 MARCUSE, Herbert. “A Arte na sociedade unidimensional”. In: Teoria da cultura de massas. Organização COSTA LIMA, Luiz. Trad. Laís Mourão e Luiz Costa Lima. SP: Paz e Terra, 2010, p.270. Temas políticos não tornam, imediatamente, arte em política. Tampouco basta um desígnio da vontade para determinar a implicação política de uma obra, assim reduzida à projeção egoica (reificada). Vejamos, respectivamente, dois exemplos que nos sejam próximos. Se não bastou a existência do vasto cancioneiro de protesta para redemocratização do Brasil não se pode concluir que tais composições são “neutras” e nada influenciam na elaboração da realidade. Na outra vertente, argumentar a filiação de Xuxa em defesa ao MTST se choca com a materialidade da obra da apresentadora. A enunciação possível de “Xuxa é de esquerda” se revela, porém, falsa (enunciar um “cavalo com chifres” ou um “círculo quadrático” são “possibilidades abstratas”, pertinentes apenas na esfera da imaginação e sem verificação material: esse discurso recobre a realidade, erigindo-se como ideológico; longe do positivismo do “ou real ou 18

Cremos que as dimensões de reinterpretação e de não instrumentalização, presente em toda obra de arte, não compareceu devidamente às páginas das publicações francesas (e mesmo brasileiras) sobre a Sétima Arte. A nosso favor temos um hiato de tempo que de certa maneira nos “desapaixona” – não pelos filmes, mas em termos de apreciação. Se o passado nos interpela é porque somos chamados por uma alteridade que insiste em emitir sinais.

Não há “identidade” entre arte e política – mas relações cujos efeitos podem propiciar tomadas de posição. O jogo da mediação não permite juízos apressados, identitários: as referidas tomadas de posição podem ser de ordem contemplativa, causal-científica, cotidiana, privada, pública, passional, pacifista, violenta, institucional, iconoclasta etc..

Isso posto, chegamos à derradeira parte do trabalho. Nela proporemos um quadro de análise de filmes brasileiros e franceses do período. No intuito de investigar as eventuais relações de determinação recíproca, construiremos um “espelho” comparativo, propondo, quando verificável, diálogo direto entre obras – prioritariamente as pertinentes a nosso recorte, tendo consciência de suas irradiações em demais filmes. Tal esforço é deliberadamente interpretativo, sem pretensão de metodologia historiográfica.

A cronologia é maleável, mas temos como linhas gerais o espaço de duas décadas entre 1955-1975. Grosso modo, vamos da primeira produção de Nelson Pereira dos Santos até o período no qual o cinema brasileiro buscava maior aproximação com o público e o Cinema Novo se diluíra consideravelmente enquanto movimento69. O mesmo raciocínio é aplicado à Nouvelle Vague70.

Esse quadro interpretativo, privilegiando o universo ficcional, é tanto mais válido na medida em que, em consonância como nosso título, Cinema Novo e Nouvelle Vague são ainda referências para cineastas, cinéfilos e o público em geral. Paradigmas de criação, na cadeia produtiva e na feitura de obras, os movimentos ainda formam olhares71. Haja vista experiências, intensas e curtas, como a Nova Hollywood72 e suas crias: Pen, Scorsese, Coppola, ,

simbólico”, mesmo o papel da abstração é abaixado, posto que encontra descolada de contato com a realidade – sem transformar, naturaliza (eterniza) as relações existentes). 69 Pensamos nos seguintes filmes: da Silva (1975) e Bye, bye, Brasil (1979) de Carlos Diegues; Aleluia, Gretchen (1976, Sylvio Back); Se segura, malandro (1978, Hugo Carvana); O Casamento (1975), e Tudo bem (1978), de Arnaldo Jabor; Dona Flor e seus dois maridos (1976, Bruno Barreto). Ver PINTO, Leonor E. Souza. “O cinema brasileiro face à censura imposta pelo regime militar no Brasil – 1964/1988”. In: Classificação Indicativa no Brasil – desafios e perspectivas. Organizado por Claudia Maria de Freitas Chagas, José Eduardo Elias Romão e Sayonara Leal. Brasília: Ministério da Justiça, 2006, p.14. Disponível em www.memoriacinebr.com.br. 70 Temas políticos são menos frequentes, ainda que se observe a emergência de um Costa Gavras. Afora os contínuos experimentos de Godard e Resnais, e os seguidos filmes de Malle e Truffaut, as narrativas tendem a adotar formas mais estáveis; produções são realizadas exclusivamente para a TV, o que implica não raro em escolha de narrativas sem maiores surpresas. Epígonos existem nos anos 1970: Garrel, Tavernier, Eustache, Akerman e Denis. Esse dualismo persiste, ainda que um “realismo econômico mínimo” recoloque a questão.Ver MARY. Nouvelle Vague. P.238-240 e 245. 71 O paradigma produtivo, elemento comum às duas vertentes analisadas, parece ter perdido força ou ter se modificado em função das determinações do tempo presente. Não que as produções de baixo custo tenham desaparecido ou que não tenham relevância. Criaram-se sistemas de financiamento, público e privado, nacional ou em regime de co-produção, cuja meta é a de democratizar a produção, uma vez respeitada a lisura dos editais de concorrência. Por um lado, já se começa “grande”, por assim dizer, com 19

Lucas, Brian De Palma, Malick e mesmo Allen, entre outros. A violência do Cinema de Retomada brasileiro, a temática social de Walter Salles, a inspiração declarada de Lírio Ferreira, as errâncias (desérticas ou não) em Karim Aïnouz, a montagem não linear de Kleber Mendonça Filho73 apenas confirmam os ventos cinemanovistas a soprar em nossas velas e veias.

As análises a seguir serão dividias em dois grandes eixos, necessariamente ressoantes entre si: “política” e “existência”. Cabe ainda ressaltar que, uma vez que nos encontramos em pleno processo de pesquisa, os exemplos não podem ser exaustivos.

II – POLÍTICA

O Bravo guerreiro, de Gustavo Dahl, forma uma constelação urbana e desiludia, ao lado de Terra em transe, O Desafio e Os Herdeiros. Repressão e censura aumentam, culminando no AI-5, a 13 de dezembro de 1968, com o fechamento do Congresso nacional e prisões. Como prosseguir?

A epígrafe nietzscheana do Zaratustra predestina o filme a seu fim: “Eu amo o que quer criar algo melhor do que si mesmo e dessa arte sucumbe”74. O ocaso da política é transposto às telas. Deputado da oposição, jovem intelectual Miguel Horta está disposto a negociar com a situação, a de sempre. Nas tomadas iniciais é levado a uma conversa na sauna. Um de seus interlocutores começa por se defender, não sem razão: “somos o esteio da democracia, o poder vem a nós e não nós a ele”. Ao que outro conviva retorque que “sauna é lugar de emagrecer, e não de política!”. As “ideias fora do lugar” prezam seus lugares marcados. O mesmo personagem de cintura avantajada olha para a câmera me meditação, como a frontalidade de Monica, Doinel e Patricia (Bergman inspirando os personagens de Truffaut e Godard, e, mais tarde, Eugène Green). O face a face preenche o filme do presente, quer seja histórico quer seja da experiência subjetiva. Algo se passa: “somos aqueles que sabem que tudo é ilusão, salvo o

certa estrutura. Isso acaba por eliminar iniciativas mais ousadas. Por outro, porém, nunca foi tão simples filmar: o fenômeno da convergência tecnológica e sua portabilidade, com telefones celular e câmeras ultra leves, é um facilitador da criação em seu aspecto técnico. A distribuição continua fechada a segmentos de vanguarda, mas a internet é um canal que permite a expressão das novas gerações em imagens. 72 Consultar HARRIS, Mark. Cenas de uma revolução – o nascimento da Nova Hollywood. Trad. Alexandre Boide. Porto Alegre: LP & M, 2011. A inspiração na Nouvelle Vague se deu tanto em termos de produção quanto em termos artísticos. 73 Os Fuzis liga-se ao aclamado O Som ao redor (Mendonça Filho, 2012). Em ambos (como nos ruídos secos da vida emperrada de Nelson Pereira em 1963), o som é personagem. O que os une é o chamado “falso realismo”: cotidiano e cenas banais, ou até mesmo tão só cenas factíveis/críveis, são mostrados pela mediação da Sétima Arte. Na película de Ruy Guerra os personagens irrompem no quadro. Ora, a realidade (o plano) é primeira, e toda vida, prenhe de seus acasos e hesitações, deve nela inserir-se. Eis o procedimento técnico-artístico (não verbal, discursivo) do cineasta e seu faro historicista. Não que a câmera permaneça imóvel: antes, trata-se da solução encontrada pelo artista, que assim encontra alternativas à “câmera na mão”, mormente associada ao hic et nunc jornalístico.

74 NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. Trad. Mário da Silva. SP: Círculo do livro, sem data, p.80. 20 poder”. Nada mais atual para estudos do político em tempos de coalizões cuja institucionalização a tudo permite, malgrado os avanços da redemocratização.

A cena final é das mais marcantes de nossa cinematografia, quando o diretor, a despeito das críticas, obtém difícil êxito ao conjugar inspiração artística com aspiração política. O discurso é tenso, por sua duração de mais de cinco minutos, e seu teor de revisão do passado pessoal de traição e aposta futura na greve. Arrependido da adesão, Horta fala a sindicalistas, impávidos.

Ouvia vozes de amigos, ou vozes do além? Mais vale fazer poesia, como o Paulo Martins de Glauber. “Tua dor não serve”, retoma Horta no melhor estilo drummondiano de “Procura da poesia”75. Cinicamente, fingia não ser carrasco, convencendo que a vítima vítima não era. As vozes se misturam, entre poder e oprimidos. Os cortes secos desligam o som de seu lastro, como na desesperada confissão derradeira de Trinta anos essa noite.

Se palavras não destroem o poder, é preciso combater com as armas do inimigo. Contudo, o poder é dúbio. Arma e ópio, oscila entre o ter e o fazer, emana do povo e contra ele é exercido. Quem nele se reconhece? Eis que surge imagem irreconhecível com crossing over criando um rosto fantasmagórico. Também ele dialoga com a câmera.

A luta é salvação e não morte, declara ao postular a greve; é vaiado. A câmera gira, com close nos rostos, impessoalizados, destorcidos. Ele sai sozinho. Carrega as vaias no percurso, no Aterro. Já no quarto, sozinho diante do espelho, se mata, qual Leroy. Lento fade enegrece a tela, adormecida. O filme termina sem créditos (como em Malle), com composição de câmara de Remo Usai.

Fome de amor, do veterano Nelson Pereira, é também um filme de impasse. O primeiro revolucionário é um bon vivant com subempregos em Nova Iorque. Conhece-se e casa, por acaso, com moça intelectualizada e de boa família. O casal volta ao Brasil, para uma ilha herdada pelo rapaz. A vida na ilha os coloca em relação com outro casal, composto por bela dona de casa e um revolucionário, homenageado nos quatro cantos do mundo, e contudo surdo, mudo e cego. Nada pode fazer com traições da esposa, ainda que tenha um flerte com a jovem intelectual. Uma festa orgiástica, regada a uma desorientadora trilha dodecafônica, reúne os personagens que trocam indumentárias carnavalescas e carícias sem fim. Enquanto isso, o revolucionário jaz em ilhota vizinha, instado a permanecer fiel a si pela jovem. Nada mais desesperençoso do que tais alegorias.

O Desafio adota tom direto, quase confessional. Tanto que os diálogos perdem em angústia ao se aproximarem de palavras de ordem meticulosamente decoradas, chegando ao inverso do efeito desejado. Como

75 DRUMMOND de Andrade, Carlos. Reunião. RJ: José Olympio, 1974, p.76-77: “Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro/são indiferentes./Nem me reveles teus sentimentos,/que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem./O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia”. 21 mérito, o filme apresenta a modorra do cotidiano pequeno burguês, seu ennui. O aspecto formal mais relevante consiste na oscilação entre os longos e aprisionantes planos-sequências, seguidos por arroubos de câmera na mão, tentando romper o círculo vicioso de derrotas. De terras francesas convocamos La Guerre est finie (Resnais, 1966). O filme, em condução linear, conta a história de Diego, um militante comunista espanhol exilado na França. Em sua militância clandestina se coloca uma série de questões sobre o futuro da luta revolucionária; encontra-se com jovens franceses, que dispensam partido e greve – está-se em plena radicalização, na passagem geracional de maneiras de se fazer política.

Os Herdeiros (Diegues, 1970) compartilha do azedume das obras acima citadas. A história se inicia na Era Vargas, com a Revolução de 30, e logo em seguida se ambienta nos anos 1940. No palco, após uma apresentação à la Carmem Miranda, um dirigente do Partido (Comunista), Jorge Ramos, destila sua desilusão; antes de ser detido, solta que “se não houver vaias, não falo mais!”. Com o golpe militar, chega o isolamento do personagem de Mário Lago, representando as velhas oligarquias – junto com seus pares, se contorce de dor, imagem acompanhada por som de trilhos e tiros (procedimento usado por Glauber76).

O contraponto, político e estético, é dado por Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade. A festa não é sinônimo de desistência: trata-se de afirmação da vida. Muito pelo contrário, o esplendor de cores estilizado por Joaquim Pedro reatualiza o barroco e lhe dá ares de auto-ironia; retoma o modernismo de Mário de Andrade e critica a luta armada. As relações de laço familiar, de raça e de poder estão todas presentes nas desventuras do herói sem caráter: o banquete antropofágico está na mesa. O simbolismo literário em nada perde nessa transposição da cultura popular e seus mitos. Um índice disso é o comportamento dos personagens ser tipificado pela aparência grotesca e gestos efusivos. A busca pela pedra Muiraquitã se dá num enredo não linear, que auxilia a atenção do espectador. O narrador costura a trama, de modo que o filme se torna inteligível mesmo para aqueles não iniciados no livro77.

Um paralelo em nome da aposta no poder subversivo do humor se encontra em Lion’s love (1969), de Agnès Varda, única mulher do grupo inicial da Nouvelle Vague. Rodado na psicodélica Califórnia, os corpos nus interagem

76 O filme é uma curiosa mistura de linearidade diegética com apelo a temas glauberianos, como o misticismo pregado ao fim pelos personagens de Léaud e Caetano Veloso. De todo modo, o maior filme de Diegues continua sendo Ganga Zumba. Na fuga do canavial no início do filme a câmera percorre veloz a mata, como o personagem de Santoro em Abril despedaçado (Salles, 2001). O protagonista, vivido por Pitanga, namora, quando é chamado a buscar água para o capataz (espaço livre do amor, promessa) e então percebe chance de fuga. Antes do close, o casal não está no centro do enquadramento (integração com o espaço – uma indiferenciação em relação à natureza. Separam-se imediatamente após o beijo, apenas sugerindo a união (procedimento bressoniano). Palmares como horizonte utópico não se reduz a idealismos. No melhor estilo gramsciniano, a película se fecha com consideração estratégica de Ganga: “tem que lutar pra saber o dia da vitória”. Leiamos essa passagem dos Cadernos do cárcere do pensador italiano: “só se pode prever a luta”, e não seus “momentos concretos” (GRAMSCI, Antonio. Cahiers de prison, VI, VII, VIII et IX. Tomo II. Trad. Monique Aymard e Paolo Fulchignogni. Paris: Gallimard, 1992, p. 17). 77 Ver SILVA GRAÇA, Marcos; BOTELHO DO AMARAL, Sergio; GOULLART, Sonia. Cinema brasileiro – três olhares. Niterói: EDUFF, 1997, p.82-84. 22 com a paisagem. Passa-se deliberadamente, nesse clima, da política para a “razão cósmica”. O hippie tampouco se enquadra.

Carlos Diegues soube explorar as potências de deslocamento da imagem. A velha e combalida chanchada é recriada, em contra-tendência em relações a seus pares brasileiros, cujos filmes, o vimos, exalavam descrença. Ícones da canção de protesto, Chico Buarque, Maria Bethânia e Nara Leão formam um grupo que deve se apresentar a um rei, em Quando o carnaval chegar (1972). Mais do que a presença real de um Godot que nunca chega, a criação de sentido se dá na busca e no que pode advir da espera. Não cessam de cantar, insistem78.

III – EXISTÊNCIA

Certamente situações e realidades políticas são vividas e atravessadas por sujeitos desejantes particulares, o que por si só impede uma compartimentalização temática. Todavia, nos valemos da tônica presente em cada obra para justificar tal enumeração. O “desiquilíbrio” quantitativo entre as duas referência se explica na medida em que a política desponta fortemente como tema no período analisado.

Assim sendo, o polo “existência” tem como centro francês François Truffaut. A criança desorientada nas ruas de Paris em Os Incompreendidos, cuja origem humilde não impede de ler Balzac, criou um personagem com vida longa no cinema: no curta Antoire et Colette (1962) e nos longas Beijos roubados (1968), Domicílio conjugal (1970) e Amor em fuga (1979). Doinel guarda a inocência das descobertas, mesmo após infância e adolescência. Sua confusão para a vida prática, incluindo as relações amorosas, tem como contrapartida a percepção de nuances”79.

Sua prole é grande. O jornalista Paulo, de Todas as mulheres do mundo (Domingos de Oliveira, 1966), se atrapalha com as conquistas e tem que fazer de tudo para recuperar seu amor. Talvez não tenha sido por mal. O deslize infantil marca a passagem à maturidade. O intimismo do casal é recriado, como se presenciássemos as cenas. O público participa. A Lúcia McCartney (Davi Neves, 1971) é uma jovem que se prostitui. Acolhida pela narrativa não moralizante, acompanhamos sua intimidade com a leveza dos tropeços de Doinel. A câmera na mão dá ares de

78 O mesmo exercício ganha ares mais realistas e menos poético-metafóricos em Bye-bye, Brasil (1979), do mesmo diretor. O objeto explorado pela figura da trupe mambembe é menos a ditadura do que o crescimento desordenado e desigual do país. Guerra conjugal (Joaquim Pedro) participa da refuncionalização da chanchada. Mesmo com elementos reconhecíveis e situações de humor, o tratamento seco, com som direto e câmera fixa, devolvem as neuroses dos personagens à crueza de um cotidiano visto de perto. Evidentemente, não sem certa dose de humor. 79 É preciso ter tempo para ver os rostos e as paisagens. Para se evidenciarem a força e a atmosfera que eles emanam. O drama interior das pessoas, a serenidade dos lugares. Tudo aquilo que não se estampa de imediato” (BRISSAC-PEIXOTO, Nelson. “Ver o invisível: a ética das imagens”. In: Ética. Organização Adauto Novaes. SP: Secretaria Municipal de Cultura/ Companhia das Letras, 1992, p.301-19. 23 filme caseiro; a conversa no espelho onde reafirma sua profissão é uma tomada de voz que confere existência (pública, com o filme) à prostituição (inclusive para si mesma, personagem)80.

QUESTÕES E OBJETO

Partindo da análise das relações construídas entre as cinematografias brasileira e francesa entre os anos de 1950 e 1970 (graças aos movimentos Cinema Novo e Nouvelle Vague e a crítica especializada), verificamos que uma interpretação prioritariamente estético-filosófica não foi privilegiada e portanto ainda não rendeu todos os frutos possíveis. Assim sendo, dirigimos a tais filmes a seguinte indagação:

- que articulações imagéticas (montagem, movimento de câmera, iluminação, atuação etc.) constroem as obras do período? As influências de um movimento sobre o outro no quesito imagem são diretas (regime de determinação recíproca)?

Do desmembramento da questão principal, surgem questões auxiliares, incidindo sobre objetos secundários:

- quais procedimentos do fazer artístico permitem que o discurso político seja preponderante nos referidos filmes? (primeiro objeto secundário);

- como as questões individuais ou existenciais são tratadas, com indiferença ou ganham nova capacidade expressiva? (segundo objeto secundário);

- qual o legado desses filmes na cinematografia? Estudos comparativos. Nossa posição ao trabalhar com paradigmas é confortável e estimulante: podemos ir a diversas direções (para trás e buscar “origens”, por exemplo no Neo-realismo italiano; para os lados, e averiguar os cinemas emergentes de então; finalmente, adiante, com o legado) – (terceiro objeto secundário).

JUSTIFICATIVA

Os objetos por nós escolhidos, mesmo conhecidos por parcelas do grande público, ainda suscitam questionamentos teóricos. Sabe-se também que a academia não foi indiferente aos esforços da crítica a partir do pós- guerra; ademais, cineastas brasileiros (e também franceses) mereceram amplos estudos nos últimos anos. Todavia, nada disso invalida nossa proposta de ler tais filmes e as relações por eles construídas à luz de ferramentas conceituais atentas aos usos da linguagem cinematográfica. Essa estratégia deixaria uma expressão temática em segundo plano, podendo ser verificada ou não mediante exame. A própria natureza das obras analisadas empurra o pensamento

80 Não fosse a “agitação” que toma conta da segunda metade do filme, com cenas de luta e resgate, um paralelo plausível poderia ser estabelecido com os seis Contos morais de Rohmer (1963-1972) e suas reflexões sobre os relacionamentos humanos. 24 adiante, na medida em que tanto o Cinema Novo quanto a Nouvelle Vague são referências no fazer da Sétima Arte. Afinal, o que caracteriza o esforço crítico é sua inesgotabilidade. Não é por outra razão que diferentes gerações podem apreciar formas passadas.

Optamos pela linha de pesquisa “Comunicação e Experiência” pois cremos que a proposta de estudo de filmes e suas relações é, em um só tempo, produtora de sentido – subjetiva e objetivamente. Em termos subjetivos, as experiências políticas e existências de toda uma geração se condensam em imagens, tornando-se disponíveis para as demais; objetivamente, ou no bojo da história do cinema, modelos de produção e inovações de linguagem contribuíram decisivamente para que víssemos a nós e nosso mundo de outra maneira. “Produção de sentido” e “materialização” da experiência se encontram no cerne da questão.

OBJETIVOS

O objetivo geral do projeto é elaborar uma crítica de filmes calcada primeiramente em elementos estéticos. As obras dizem respeito aos movimentos do Cinema Novo, da Nouvelle Vague e dos respectivos legados.

Enquanto objetivos específicos, salientamos: 1) confrontar tema autodeclarado ou consolidado com construção estética; 2) estabelecer ferramentas críticas de análise, mediante investigação da imprensa especializada e principais correntes filosóficas; 3) repertoriar filmes do período e suas zonas de influência; 4) problematizar as condições de recepção dos referidos filmes (pergunta sobre a relação entre arte e sociedade).

RESULTADOS ESPERADOS

Como resultados diretos, esperamos atualizar a linguagem da crítica de filmes dos universos do Cinema Novo e da Nouvelle Vague, reatualizando suas questões em função do momento histórico presente. Em termos de resultados de médio e longo prazos, apostamos na criação de um ambiente de efervescência crítica, unindo corpo docente e discente, graças à implementação da vasta gama de atividades (aulas, palestras com convidados, seminários de alunos, reuniões de grupos de pesquisa). O conhecimento de dois dos maiores paradigmas do cinema munirá o corpo discente de subsídios para a reflexão do papel da comunicação via imagem na construção da vida social. A aplicação do debate na carreira dos futuros comunicadores não pode tampouco ser descartada: os proveitos para os alunos inclinados à pesquisa são diretos, haja vista as leituras conceituais esperadas. Para os demais, a Universidade os guarnecerá com ferramentas argumentativas para a elaboração de peças publicitárias e reportagens de cunho cultural (ou interpretação política de fenômenos culturais, por exemplo).

25

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- ADORNO, Theodor. Trois études sur Hegel. Trad. Éric Blondel. Paris: Payot, 1979

- ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido de Almeida. RJ: Jorge Zahar, 1987

- AVELAR, José Carlos. “Vento, Barravento – Glauber e Godard na porta da usina Lumière”. In: Grupo Dziga Vertov. Organização Jane de Almeida. São Paulo: Witz Produções, 2005

- BADIOU, Alain. Petit Manuel d’Inesthétique. Paris : Seuil/ L’Ordre Philosophique, 1998

- ______. Cinéma. Paris: Nova éditions, 2010

- BAECQUE, Antoine de. L’Histoire-caméra. Paris: Gallimard, 2008

- ______. Cinefilia – invenção de um olhar, história de uma cultura 1944-1968. Trad. André Telles. São Paulo: Cosac Naif, 2010

- ______. Cahiers du cinéma, histoire d’une revue. Volumes I e II : À l’Assaut du cinéma ; e Cinéma, tours, détours. Paris: Cahiers du cinéma, 1991

- BAECQUE, Antoine; TOUBIANA, Serge. François Truffaut. Paris: Gallimard, 1996

- BARTHES, Roland. O Prazer do texto. Trad. Jacob Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2013

- BAZIN, André. “Réflexions sur la critique”. In: Cinéma 58, número 32, dezembro de 1958

- ______. Qu’est-ce que le Cinéma? Paris: Éditions du Cerf, 1997

- BLANCHOT, Maurice. L’Espace littéraire. Paris: Gallimard/ Folio, 1988

- BECKETT, Samuel. En Attendant Godot. Paris: Minuit, 2006

- BELLOCHIO, Marco. “Révolution au cinéma”. In: Cahiers número 176, março de 1966

- BENAYOUN, Robert. “Éditorial”. In: Positif número 44, fevereiro de 1962.

- ______. “Cangaço 65; cris du Brésil”. In: Positif número 73, fevereiro de 1966

- BENJAMIN, Walter. “La Vie des étudiants”. In: Mythe et violence. Trad. Maurice de Gandillac. Paris: Denoël, 1971

- ______. “N [Re the Theory of Knowledge, Theory of Progress]”. In: Benjamin: Philosophy, Aesthetics, History. Organização Gary Smith. Trad. Hafrey e Sieburth. Chicago: University of Chicago Press, 1989

- BENTES, Ivana. “Sertões e subúrbios no cinema brasileiro”. In: Cinemais número 15. RJ, janeiro-fevereiro de 1999

- BERNARD, Franck. « Grognards & hussards ». In: Les Temps modernes, dezembro de 1952 (reeditado em Grognards & Hussards suivi de La Turquie. Paris: Le Dilettante, 1984)

- BERNARDET, Jean-Claude. O que é Cinema. São Paulo: Brasiliense, 2001

- BRESSON, Robert. Notes sur le Cinématographe. Paris: Gallimard/ Folio, 1995

- BRISSAC-PEIXOTO, Nelson. “Ver o invisível: a ética das imagens”. In: Ética. Organização Adauto Novaes. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura/ Companhia das Letras, 1992

- BUCK-MORSS, Susan. A Tela de Cinema como Prótese de Percepção. Trad. Ana Luíza Andrade. Florianópolis: Editora Cultura e Barbárie/ Parrhesia, 2009

26

- CALVET DA SILVEIRA, Carlos Frederico; PEREIRA DA ROSA, Thiago Leite. A Metafísica do cinema de Robert Bresson. RJ: Batel, 2011

- CERVONI, Albert. “Je suis né à Sestri Levante”. In: Image et Son, número 218, julho de 1968

- CHABROL, Claude. Et Pourtant je tourne. Paris: Robert Laffont, 1976

- CHAR, René. “Les Matinaux”. In: Rougeur des Matinaux, XXVII. Œuvres complètes. Paris: Gallimard/ Pléiade, 1983

- COMOLLI, Jean-Louis. “Éditorial”. In: Cahiers du cinéma números 166-167, maio-junho de 1965

- ______. “Situation du nouveau cinéma, 1”. Cahiers du cinéma número 176, março de 1966

- COSTA LIMA, Luiz. “Introdução geral: comunicação e cultura de massas”. In: Teoria da cultura de massas. Org. COSTA LIMA, Luiz. RJ: Paz e Terra, 2010

- DA CUNHA, Euclides. Os Sertões – campanha de Canudos. RJ: Livraria Francisco Alves/ Ministério da Educação, 1979

- DAHL, Gustavo. “Petit historique du Cinéma Novo”. In: Cahiers du cinéma número 176, março de 1966

- DEBORD, Guy. La Société du Spectacle. In: Œuvres. Paris: Gallimard/ Quarto, 2006

- DELEUZE, Gilles. A Imagem-movimento – Cinema I. Trad. Stella Senra. São Paulo: Brasiliense, 1985

- ______. A Imagem-tempo – Cinema II. Trad. Eloisa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense: 1990

- DESCARTES, René. O Discurso do método. In: Os Pensadores. Trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 2004

- Dictionnaire Étymologique de la Langue Grecque de Pierre Chantraine. Organizado por Jean Taillardat, Olivier Masson e Jean- Louis Perpillou. Paris: Klincksieck, 2009

- DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. Trad. Paulo Neves. São Paulo: 34, 1998

- DONIOL-VALCROZE, Jacques. “Berlin sans passion”. In: Cahiers du cinéma número 158, agosto e setembro de 1964

- DRUMMOND de Andrade, Carlos. Reunião. RJ: José Olympio, 1974

- ELIOT, T.S. “A Terra Desolada”. In: Poemas. Trad. Ivan Junqueira. RJ: Nova Fronteira, 2006

- O ESTADO DE SÃO PAULO. “Primeira sessão de cinema do Brasil completa 115 anos”. São Paulo: 8 de julho de 2011. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/geral,primeira-sessao-de-cinema-do-brasil-completa-115-anos,742363.

- FABRIS, Mariarosaria. O Neo-realismo cinematográfico italiano. São Paulo: Edusp, 1996

- FIGUEIRÔA, Alexandre. Cinema Novo – a onda do jovem cinema e sua recepção na França. Campinas: Papirus, 2004

- FINGUERUT, Silva. Cinema Brasileiro: 90 Anos. RJ: Fundação Roberto Marinho, 1986

- GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Meurer. Petrópolis: Vozes, 2008

- GETINO, Octavio; SOLANAS, Fernando. “Hace um tercer cine”, 1969. Disponível em http://www.cinefagos.net/index.php?option=com_content&view=article&id=437:hacia-un-tercer-cine-apuntes-y-experiencias- para-el-desarrollo-de-un-cine-de-liberacion-en-el-tercer-mundo&catid=30:documentos&Itemid=60

- GODARD, Jean-Luc. “Bergmanorama”. Cahiers du cinéma 85, julho de 1958

- ______.“Le jeune cinéma a gagné”. Arts, 23 de abril de 1959

- ______. “Table ronde autour de Hiroshima mon amour”. In: Cahiers du cinéma, número 97, julho de 1959

27

- ______. Histoire(s) du cinéma, volume I, "Toutes les histoires", "Une histoire seule"; II, "Seul le cinéma", "Fatale beauté"; III, "La monnaie de l'absolu", "Une vague nouvelle"; IV, "Le contrôle de l'univers", "Les signes parmi nous". Paris: Gallimard, 1998

- ______. Entrevista. In: Le Monde. Paris: 10 de junho de 2014

- GRAMSCI, Antonio. Cahiers de prison, VI, VII, VIII et IX. Tomo II. Trad. Monique Aymard e Paolo Fulchignogni. Paris: Gallimard, 1992

- HARRIS, Mark. Cenas de uma revolução – o nascimento da Nova Hollywood. Trad. Alexandre Boide. Porto Alegre: LP & M, 2011

- JAUS, Hans Robert. Pour une esthétique de la réception. Trad. Claude Maillard. Paris: Gallimard, 1978

- ______. A História da literatura como provocação à teoria literária. Trad. de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994

- KANT, Immanuel. Critique de la faculté de juger. Trad. Alain Renault. Paris: Flammarion, 1995

- KRACAUER, Siegfried. Theory of Film: Redemption of Physical Reality. Nova Iorque: Oxford University Press, 1960

- LABICA, Georges. Le Statut marxiste de la philosophie. Bruxelas: Complexe, 1976

- LÉVI-STRAUSS, Claude. La Pensée sauvage. In: Œuvres. Paris: Gallimard/ La Pléiade, 2008

- LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Avertissement d’incendie. Paris: PUF, 2001

- MALLET BRUM, Alessandra Souza. “A Nouvelle Vague sob o ponto de vista do jornal O Metropolitano”. In: Revista Estudos Históricos, volume 26, número 51, 2013. RJ: CPDOC/ Fundação Getúlio Vargas

- MARCORELLES, Louis. “Rencotre avec le Cinema Novo”. In: Cahiers du cinéma número 176, março de 1966

- MARCUSE, Herbert. “A Arte na sociedade unidimensional”. In: Teoria da cultura de massas. Organização COSTA LIMA, Luiz. Trad. Laís Mourão e Luiz Costa Lima. São Paulo: Paz e Terra, 2010

- MARDORE, Michel. “Un cinéma qui n’a rien à dire”. In: Cinéma 60, março de 1960

- MARY, Philippe. La Nouvelle Vague et le cinéma d’auteur – sócio-analyse d’une révolution artistitque. Paris: Seuil, 2006

- MERQUIOR, José Guilherme. A Razão do Poema. RJ: Topbooks, 1996

- METZ, Christian. A Significação no cinema. Trad. Jean-Claude Bernardet. São Paulo: Perspectiva, 1972

- ______. Langage et cinéma. Paris: Librairie Larousse, 1971

- MOULLET, Luc. “Sur les brisées de Marlowe”. In: Cahiers du cinéma número 93, março de 1959

- ______. “Le contingent 65 1A”. In: Cahiers du cinéma número 166, maio de 1965

- ______. “Le Congrès de Cannes”. In: Cahiers du cinéma número 213, junho de 1969

- NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. Trad. Mário da Silva. São Paulo: Círculo do livro, sem data

- Oxford Latin Dictionary. Editado por P. G. W. Glare. Oxford: Clarendon press, 1982

- PINTO, Leonor E. Souza. “O cinema brasileiro face à censura imposta pelo regime militar no Brasil – 1964/1988”. In: Classificação Indicativa no Brasil – desafios e perspectivas. Organizado por Claudia Maria de Freitas Chagas, José Eduardo Elias Romão e Sayonara Leal. Brasília: Ministério da Justiça, 2006, p.14. Disponível em www.memoriacinebr.com.br

- RAMOS, Fernão. A História do Cinema Brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987

28

- RANCIÈRE, Jacques. La Fable cinématographique. Paris: Seuil, 2001

- ______. O Destino das imagens. Trad. Mônica Costa Netto. RJ: Contraponto, 2012

- ______. As Distâncias do cinema. Trad. Estela dos Santos Abreu. RJ: Contraponto, 2012

- RENAULT, Emmanuel. Marx et l’idée de critique. Paris: PUF, 1995

- ______. “Marx et sa conception déflationniste de la philosophie”. In : Actuel Marx, “PARTIS/ Mouvements”, número 46. Paris: PUF, 2009/2

- RICŒUR, Paul. Temps et Récit I e III. Paris: Seuil, 1983 e 1985

- ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. São Paulo: Cosac e Naif, 2003

- ______. Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naif, 2003

- ______. O Século do cinema. São Paulo: Cosac Naif, 2006

- ROHMER, Éric. “La revanche de l’Occident”. In: Cahiers du cinéma, número 21, março de 1953

- ______. À qui la jaute? In: Cahiers du cinéma 40, outubro de 1954

- ______. “La vie était l’écran”. In: Le Roman de François Truffaut. Organizado por Bergala, Chevrie e Toubiana. Paris: Cahiers du cinéma, 1985

- SALLES GOMES, Paulo Emílio. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. RJ: Paz e Terra, 1986

- SARACENI, Paulo César. Por dentro do cinema novo, minha viagem. RJ: Nova Fronteira, 1993

- SILVA GRAÇA, Marcos; BOTELHO DO AMARAL, Sergio; GOULLART, Sonia. Cinema brasileiro – três olhares. Niterói: EDUFF, 1997

- SINGER, Ben. “Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular”. In: O Cinema e a invenção da vida moderna. Organização Organização Leo Charney e Vanessa Schwartz. Trad. Regina Thompson. São Paulo: Cosac Naif, 2010

- SIRINO, Salete Paulina Machado. Cinema Brasileiro: o Cinema Nacional Produzido a partir da Literatura Brasileira e uma Reflexão Sobre suas Possibilidades Educativas. Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR: Programa de Pós-graduação em Educação, 2004. Disponível no endereço eletrônico: http://www.pitangui.uepg.br/propesp/ppge/dissertacoes/salete_sirino.pdf

- STAM, Robert. A Literatura Através do Cinema: Realismo, magia e arte da adaptação. Trad. Marie-Anne Kremer e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008

- TRUFFAUT, François. “Une certaine tendance dans le cinéma français”. Cahiers du cinéma número 31, de janeiro de 1954

- ______. “Ali Baba et la ‘politique des auteurs’”. Cahiers du cinéma 44, fevereiro de 1955.

- ______. “Crise d’ambition dans le cinéma français”. In: Arts, 30 de março de 1955

- ______. Arts, número 15, 31 de maio de 1955

- ______. O Prazer dos olhos. Trad. André Telles. RJ: Zahar, 2006

- VEILLON, Olivier-René. “Critique au quotidien”. In: Cinématographe, número 56, 1980

- VIANY, Alex. Introdução ao Cinema Brasileiro. RJ: Alhambra-Embrafilme, 1987

- XAVIER, Ismail. O Cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2004

FILMOGRAFIA

29

- Limite (Mario Peixoto, 1930)

- Zéro de conduite (Jean Vigo, 1933)

- Monica e o desejo (Ingmar Bergman, 1953)

- Ali Baba et les quarente voleurs (Jacques Becker, 1954)

- Rio 40 graus (Nelson Pereira dos Santos, 1955)

- Nuit et brouillard (Alain Resnais, 1955)

- Rio zona norte (Nelson Pereira dos Santos, 1957)

- Glória feita de sangue (Stanley Kubrick, 1957)

- A Grande ilusão (Jean Renoir, 1958)

- O Grande momento (Roberto Santos,1958)

- Orfeu negro (Marcel Camus, 1958)

- Hiroshima mon amour (Alain Resnais, 1959)

- Os Primos (Claude Chabrol, 1959)

- Arraial do Cabo (Paulo César Saraceni e Mário Carneiro, 1959)

- Os Incompreendidos (François Truffaut, 1959)

- Bahia de todos os santos (Trigueirinho Neto, 1960)

- Aruanda (Linduarte Noronha e Rucker Vieira, 1960)

- Acossado (Jean-Luc Godard, 1960)

- O Ano passado em Marienbad (Alain Resnais, 1961)

- Domingo (Carlos Diegues, 1961)

- Barra vento (Glauber Rocha, 1961)

- A Grande feira (Roberto Pires, 1961)

- 5 x favela (Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman, 1961-1962)

- Os Cafajestes (Ruy Guerra, 1962)

- O Pagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962)

- Assalto ao trem pagador (Roberto Farias, 1962)

- Antoire et Colette (François Truffaut, 1962)

- Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963)

- Ganga Zumba (Carlos Diegues, 1963)

- Garrincha, alegria do povo (Joaquim Pedro de Andrade, 1963)

- Os Fuzis (Ruy Guerra, 1963)

30

- Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1963)

- Os Guarda-chuvas de Cherbourg (Jacques Demy, 1963)

- O Pequeno soldado (Jean-Luc Godard, 1963)

- Trinta anos essa noite (Louis Malle, 1963)

- Contos morais (Éric Rohmer, 1963-1972)

- São Paulo S.A (Luiz Sergio Person, 1965)

- O Padre e a moça (Joaquim Pedro de Andrade, 1965)

- Menino de engenho (Walter Lima Jr., 1965)

- O Desafio (Paulo César Saraceni, 1965)

- A Hora e a vez de Augusto Matraga (Roberto Santos, 1966)

- Todas as mulheres do mundo (Domingos de Oliveira, 1966)

- La Guerre est finie (Resnais, 1966)

- Suzanne Simonin, la Religieuse de Diderot (1966, Jacques Rivette)

- A Derrota (Mário Fiorani, 1967)

- Terra em Transe (Glauber, 1967)

- Fome de amor (Nelson Pereira dos Santos, 1968)

- Capitu (Paulo César Saraceni, 1968)

- Brasil ano 2000 (Walter Lima Jr., 1968)

- Beijos roubados (François Truffaut, 1968)

- O Dragão da maldade contra o santo guerreiro (Glauber, 1969)

- O Bravo guerreiro (Gustavo Dahl, 1969)

- Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969)

- Lion’s love (Agnès Varda, 1969)

- Os Deuses e os mortos (Ruy Guerra, 1970)

- Os Herdeiros (Carlos Diegues, 1970)

- Domicílio conjugal (François Truffaut, 1970)

- Lúcia McCartney (Davi Neves, 1971)

- São Bernardo (Leon Hirszman, 1972)

- Quando o carnaval chegar (Carlos Diegues, 1972)

- Xica da Silva (Carlos Diegues 1975)

- Guerra conjugal (Joaquim Pedro de Andrade, 1975)

31

- Aleluia, Gretchen (Sylvio Back, 1976)

- Dona Flor e seus dois maridos (1976, Bruno Barreto)

- Tenda dos milagres (Nelson Pereira dos Santos, 1977)

- Se segura, malandro (Hugo Carvana, 1978)

- Tudo bem (Arnaldo Jabor, 1978)

- Bye, bye, Brasil (Carlos Diegues, 1979)

- Amor em fuga (François Truffaut, 1979)

- O Céu de Lisboa (Wim Wenders, 1994)

- Histoire(s) du cinéma (Jean-Luc Godard, 1998)

- Abril despedaçado (Walter Salles, 2001)

- O Som ao redor (Kleber Mendonça Filho, 2012)

32