Departamento de Comunicação Social O negro no cinema de Nelson Pereira dos Santos A realidade social do afrodescendente brasileiro por meio das telas Aluno: Alex Braga Orientador: Gustavo Chataignier Introdução Os dois primeiros filmes da carreira de Nelson Pereira dos Santos inovaram a forma de fazer cinema no Brasil, “Rio, Quarenta Graus”(1955) e “Rio, Zona Norte”(1957). A linguagem cinematográfica ficou mais próxima dos espectadores, e temas, nunca antes mencionados, entraram nas discussões do audiovisual nacional. O país, finalmente, se viu nas grandes telas. Essas mudanças tinham como objetivo principal trazer conscientização; criar engajamento nos espectadores, ou seja, ir além do entretenimento. Motivado pelo desejo de colocar o Brasil nas telas, o artista retratou fielmente as mazelas da nossa herança colonial. A principal delas, a escravidão, atravessa os dois filmes; o que serviu de inspiração para relacionar a sua filmografia com a produção intelectual do filósofo Achille Mbembe; pós-colonialista, que estuda o negro marcado pela herança do açoite. Influência: A cinematografia pós-Segunda Guerra Mundial, que inspirou o início do Movimento Cinema Novo no Brasil, nasceu na Itália pobre e devastada pelos conflitos. Nomeado de Neorrealismo Italiano, o Movimento teve entre os seus principais diretores Vittorio de Sica, Luchino Visconti e Roberto Rossellini. Este último lançou o primeiro filme desta inovadora forma de fazer cinema que é o “Roma, a cidade aberta”, 1945, em que utilizou imagens gravadas durante a Segunda Guerra, retratando a devastação da capital italiana e as agruras deixadas pelos combates. O objetivo do Neorrealismo Italiano é retratar o mais fielmente possível o cotidiano das pessoas. Entre suas principais características está o abandono do uso de cenários elaborados em grandes estúdios, e o emprego de atores não profissionais. Tudo isso contribuía para aproximar a produção cinematográfica com a vida dos cidadãos médios do país. Por isso, o cinema era denominado como nova realidade. O fim do enredo foi considerado pela crítica a maior mudança que os neorrealistas fizeram. Segundo Cesare Zavattini, importante roteirista do Movimento, surgiu um novo modo de relatar os acontecimentos: 1 Departamento de Comunicação Social “Antes disso, se alguém pensasse na ideia de um filme sobre, digamos, uma greve, inventaria imediatamente um enredo. E a greve propriamente dita se tornaria apenas o pano de fundo do filme. Hoje {...} descreveríamos a própria greve{...} temos uma confiança ilimitada em coisas, fatos e pessoas. ” (Zavattini,1953, Sight and Sound, v.23, 1). Todo esse pensamento é amplamente reconhecido no filme considerado síntese do movimento: “Ladrões de Bicicleta”, 1948, de Vittorio de Sica. O longa-metragem utiliza de atores não profissionais, os cenários são as ruas de Roma, e, principalmente, a história não é narrada de forma linear. Um exemplo da ausência de roteiro é o caso do atropelamento do filho do ator principal. Pelas imagens percebe-se um apavoramento e, também, o sentimento de culpa por levar seu filho para procurar a bicicleta em uma cidade tão perigosa como Roma. Porém, o fato não retorna no desenrolar da narrativa, como era de se esperar caso fosse um filme estilo Hollywood; pois o atropelamento “é um episódio solto em termos de narrativa pura, mas está no filme porque essas coisas acontecem na vida.” (Cousins, 2013, p.191) Contudo, não foram somente as frustrações e dores adquiridas com a Segunda Guerra que formaram o alternativo Cinema Pós-Guerra Italianas. As bases para as expressões surgiram no Centro Spirimentale de Cinematografia, inaugurado em 1935 e sediado em Roma, que serviu como uma incubadora de ideias para os conscientes cineastas da península Itálica. O período do Pré-Guerra, também, abriu espaço para o trabalho do cineasta Jean Renoir na década de 30. O famoso diretor teve como assistente dois dos principais cineastas do Neorrealismo que foi Visconti, assistente no filme “Um dia no Campo”, 1946; e Rossellini que conviveu com Renoir sendo fortemente influenciado por ele. Cenário Nacional na Época: A segunda metade da década de 1950, período de lançamento do primeiro filme da carreira de Nelson Pereira dos Santos, “Rio, Quarenta Graus”, em 1955; trata-se de uma das épocas mais promissores na história recente do Brasil. Acabara de assumir democraticamente como Presidente da República o mineiro de Diamantina, Juscelino Kubistchek, cujo slogan eleitoral era: “Cinquenta anos em Cinco”; a frase tornou-se um resumo dos seus anseios por uma política econômica desenvolvimentista. O objetivo do presidente era aumentar o número de indústrias no país, o resultado da empreitada foi o crescimento do êxodo rural, cerca de 24% da população rural migrou para as cidades no período. O Brasil se tornava cada vez mais um país da modernidade. 2 Departamento de Comunicação Social Na época, o principal veículo de comunicação do país, com as suas dimensões continentais, era o rádio. O veículo de massas viveu nesta década o seu apogeu, na qual ficou conhecido como “Era de Ouro”. Esse fenômeno é refletido nos dois filmes estudados: em “Rio, Quarenta Graus” o rádio está presente na transmissão dos campeonatos de futebol, que era uma alternativa para acompanhar a disputa por quem não podia comparecer pessoalmente aos estádios; mas foi no filme “Rio, Zona Norte” que a influência radiofônica nos comportamentos ficou mais evidente. O longa-metragem conta com a atuação da famosa cantora Ângela Maria, premiada como rainha do rádio em 1954, única intérprete negra entre as vocalistas contratadas pela maior emissora da época, a Rádio Nacional. A divulgação do samba foi o maior legado que o apogeu do rádio deixou ao Brasil, o ritmo recebe destaque no período como um produto nascido nestas terras, que expressava, assim, a identidade nacional. O samba teve uma elevação sobremaneira neste momento, pois se buscava pela arte a emancipação brasileira do seu passado colonial. A produção cinematográfica majoritariamente feita na época era inspirada nos filmes Hollywoodianos. Recebe grande destaque a Companhia Vera Cruz, que fez sucesso com o gênero chanchada, de forte apelo popular. Dentre os atores que se destacavam estão Oscarito, Grande Otelo, e Carmem Miranda. As produções eram realizadas quase que totalmente em estúdios; e eram frequentes as cenas musicais com cantores conhecidos do grande público, com a finalidade de aumentar a bilheteria das produções. A população tinha grande curiosidade em conhecer o rosto dos cantores de vozes tão bonitas. No cenário Internacionalmente o Brasil passava a ser conhecido como um país produtor de inovações. Um exemplo é a construção da nova Capital, Brasília, localizada no Planalto Central, que tinha na mudança o objetivo de levar o desenvolvimento para o interior do Brasil. A Arquitetura Modernista, com os traços do célebre Oscar Niemayer, ficou famosa além-fronteiras. Outro destaque é o esporte, o Brasil conquista a sua primeira Copa do Mundo em 1958. O futebol se torna a grande paixão nacional, e está presente no cotidiano de toda a população. O filme “Rio, Quarenta Graus” ressalta o amor do brasileiro pelos campeonatos futebolísticos quando exibe a aventura dos dois meninos vendendo amendoim no Maracanã. Outro aspecto abordado é a integração que o esporte proporciona na população, independente de classe social, todos se reuniam nos estádios e torciam pelo time de coração. Os jogadores também inspiravam orgulho, pois faziam um futebol arte, em que a prática, pautada pela beleza, transcende a disputa por ela mesma (Castro, 2016, cap. 3). Porém, a situação dos negros brasileiros não estava diferente dos tempos atrás. 3 Departamento de Comunicação Social “Afinal, desde que o Brazil é Brasil, ou melhor, quando era ainda uma América portuguesa, o tema da cor nos distinguiu. Os primeiros viajantes destacavam sempre a existência de uma natureza paradisíaca, mas lamentavam a “estranheza de nossas gentes’” (Schwarcz, 2012, p. 11). Morando majoritariamente em favelas localizadas no morro ou nos distantes subúrbios, os pretos, quase setenta anos após a Lei Áurea, proclamada em 13 de maio de 1888, não tinham a possibilidade de inserção social. A celebração de cultos afro-brasileiros, como o Candomblé, ainda estava proibida judicialmente; e havia preconceito com todas as manifestações culturais da negritude. Apesar de as Escolas de Samba começarem a se estruturar na época, as manifestações populares ainda eram vistas com muita desconfiança pelos que detinham os poderes sociais. O discurso dominante categorizava as festas como coisas de vagabundo; e a moral determinava como lasciva as alegrias dos negros. Características dos filmes A filmografia estreante de Nelson Pereira dos Santos quer trazer luz aos dramas sociais do Brasil, a sua arte busca consciência; e não só entretenimento como estava mergulhada a produção cinematográfica nacional. “Rio, Quarenta Graus” e “Rio, Zona Norte” formam o alicerce do Cinema Novo, “o cinema socialmente engajado no Brasil que floresceu na década de 1960” (Cousin, 2013, p. 311). Dessa forma, o cineasta sentiu a necessidade de retratar as complexas realidades nacionais de sua época com estilo estimulante inspirado nas táticas de choque do neorrealismo. As características de sua produção absorvem práticas do Neorrealismo Italiano. Não existe estúdio nesses filmes, as gravações são realizadas em áreas externas da Cidade do Rio de Janeiro. O espectador pode conhecer por meio do cinema as paisagens da cidade. Em “Rio, Quarenta Graus”, os bairros de Copacabana,
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