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19º Congresso Brasileiro de Sociologia 9 a 12 de julho de 2019 UFSC - Florianópolis, SC

GT25 - Estudos Culturais e Epistemologias Outras

O encontra o Rock: notas etnográficas sobre performance, resistência, socialização e solidariedade na diáspora africana

Karina Almeida de Sousa Universidade Federal do Tocantins/ Universidade Federal de São Carlos Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Contato: [email protected]/[email protected]

O Samba encontra o Rock: notas etnográficas sobre performance, resistência, socialização e solidariedade na diáspora africana

Considerarmos que a colonialização e a escravização atuaram, não apenas, como experiências de dominação, mas também como espaços de socialização, solidariedade e resistência entre os povos da diáspora africana no novo mundo (Du Bois, 1999). Deste modo, orientarei a reflexão proposta por meio de duas questões centrais, como os africanos escravizados se tornaram afro-brasileiros? Esta nova identidade pode ser reconhecida em suas performances culturais por meio da música e da dança? A colonização e a escravização pensadas enquanto processos históricos que resultaram em inúmeras formas de dominação e de resistência expressas por meio das práticas sociais e culturais, compõe o cenário para a análise das coletivas de resistência, socialização e solidariedade entre os descendentes de africanos a partir da perspectiva da diáspora africana. O termo diáspora encontra-se no interior de polêmicas contemporâneas entre as perspectivas e abordagens que disputam as interpretações sobre a locação de uma pluralidade de povos durante e depois do colonialismo nas formações nacionais que os rejeitaram (rejeitam) como cidadãos com os mesmos direitos. Os estudos subalternos (indianos), os estudos culturais e pós- coloniais (ingleses), os estudos decoloniais (latino-americanos), entre outros, compõem o conjunto de perspectivas que têm em comum o fato de que ao desnaturalizarem as narrativas dos estágios econômicos e da inferioridade dos povos construídos como sem história, tais perspectivas deslocaram a centralidade da Europa, enquanto lugar de enunciação, permitindo outras leituras contrastivas às hegemônicas do processo de constituição das sociedades contemporâneas, em especial no Novo Mundo. Os movimentos de luta e resistência dos povos da diáspora africana nas Américas não separaram a cultura da política, de modo que experiências estéticas e performáticas como a dança e a música não podem e não devem ser consideradas separadamente das experiências de opressão, resistência e superação dos efeitos adversos da colonização e dos regimes de discriminação e subalternização contemporâneos. Apresentações musicais e dançantes, como por exemplo, o Spiritual1, o Jazz2, o Soul3 e o Swing4 nos Estados Unidos, o Lundu5, o Maxixe6, o Samba7 e o Samba-Rock8 no Brasil, e a Rumba9, o

1 O Spiritual é um estilo musical que integra a expressão artística como expressão da cosmologia africana ao passo que também integra essa cosmologia. O Spiritual surge com os negros africanos na condição de escravos nos Estados Unidos da América. O estilo faz uso da voz como instrumento musical justamente pelas condições precárias e a ausência de instrumentos nos campos de trabalho. Deste estilo derivaram o Blues e o Gospel. Atualmente o Spiritual é considerado um dos mais importantes elementos da cultura expressiva da diáspora africana no “Novo Mundo”. 2 O Jazz é uma expressão musical oriunda das negros norte-americanos, a partir do encontro de várias tradições religiosas e musicais. Dentre os inúmeros elementos e influencias é possível destacar entre os elementos centrais do Jazz é a improvisação e sua execução em casas de show e sua influência desde o Swing até as Big Bands entre as décadas de 1930 e 1940. A cidade de New Orleans no estado da Louisiana/ EUA é considerada o berço do jazz justamente por sua multiplicidade de influencias caribenhas, africanas, europeias e indígenas. 3 A tradução de Soul da língua inglesa para a língua portuguesa é alma. É essa música/alma que representa a expressão da música popular negra que emergiu no século XX. O Soul é a fusão das do Blues e com a música gospel norte-americana e terá sua trajetória diretamente vinculada as lutas políticas do negros norte-americanos durante a luta por direitos civis. A entrada do Soul no Brasil, principalmente pelo movimento Black Rio, trará o posicionamento político expresso pelo lema “Black is beautiful” como centro de interesses e disputas internas e externas. Este termo será retomado no tópico “A rota do ritmo”. 4 O Swing tem duas denominações principais. A primeira como elemento ritmo central do Jazz e a segunda como um estilo musical nascido nos anos de 1930 (BERENDT, 2014, p. 39). No Brasil o termo se refere tanto a estilos de dança e de música executados nos bailes Black. Sua designação como balanço está presente desde os primeiros bailes dos Clubes Sociais. 5 Segundo historiografia, a referência mais antiga, usando este termo, data de 1780 de forma que o lundu é apresentado como uma música em que o ritmo era ditado pela percussão dos batuques dos negros escravos, mas com uma dança em que imitava em parte dos seus gestos a dança espanhola denominada de fandango (TINHORÃO, 1986, p. 51). Na descrição de Nei Lopes (2015) trata-se de uma música e uma dança que no início de sua trajetória era uma dança de par solto, com presença das umbigadas típicas das danças dos bantos angolanos, mas cuja coreografia apresentava certas características de danças ibéricas, com alteamento dos braços e estalar de dedos (LOPES, 2015, p. 177). 6 O maxixe surge, inicialmente, como dança por volta de 1870 enquanto uma alternativa as músicas em voga na época, como a polca, a schottisch e a mazurca. Aparece como a maneira livre de dançar tais gêneros, pertencentes aos salões das elites, e apresentam na coreografia volteios e requebros de corpo com que mestiços, negros e brancos do povo teimavam em complicar os passos das danças de salão, conforme aponta Tinhorão (1986). 7 De acordo com o Dicionário da História Social do Samba podemos elencar as seguintes variações de samba: samba batucado; samba de breque; samba de caboclo; samba de chave; samba de embolada; samba enredo; ; samba de matuto; samba de morro; samba de primeira; samba de raiz; samba de roda; samba de rua; samba de salão; samba de terreiro; samba de velho; samba do criolo doido; samba duro; samba esquema novo; samba moderno; samba sincopado; samba-canção; samba-; samba-exaltação; samba-jazz; sambalanço; samba-lenço; samba-reggae; samba-rock; samba-roda; samba-soul; samba de angola; samba joia/ romântico; samba trançado 8 O Samba-rock é uma prática que expressa a função estilos musicais e de dança. Sua origem remonta aos estilos afro-norte americanos, afro-brasileiros e afro-caribenhos. Em sua execução não há restrições quanto aos estilos musicais, por exemplo, é possível dançar Samba-rock no Samba, desde que o ritmo respeite a marcação do tempo necessária para a execução dos passos. Esses por sua vez, permitem que seus executores reproduzam movimentos já consagrados, mas que também criem movimentos respeitando-se a base de quatro tempos. O Samba-rock passa por significativas transformações que são anteriores a definição da prática, expressando o trânsito de experiências, práticas e memórias influenciadas pelo Atlântico Negro 9 A Rumba é uma dança cubana resultante de influências musicais africanas e espanholas, tendo sido incorporada ao flamengo. Atualmente é considerada uma dança de salão e pode ser utilizada como uma designação para diversos ritmos latinos. Merengue10 e a Salsa11 no Caribe são exemplos de expressões artísticas dos povos da diáspora africana em que podemos localizar a articulação entre cultura e política. Procuro estabelecer um diálogo entre formas de sociabilidade pelas quais música a dança desenvolvem papéis centrais enquanto estratégias de lazer, de organização social, de vivência comunitária, de processos de aprendizagem e de compartilhamento de modos de vida. Ou seja, como os Clubes Sociais Negros e os Bailes Black possibilitaram a construção de comunidades a partir do compartilhamento de identidades em sua experiência da/na diáspora africana circunscritas nas práticas musicais e de dança. A análise considera como arcabouço reflexivo que a performance estética afro-brasileira conecta historicamente, socialmente, politicamente e culturalmente às experiências socioculturais dos movimentos políticos e das práticas culturais afro-americanas, afro-latinas e afro-caribenhas. Isso inclui eventos, espaços e práticas tais como a Revolução Haitiana, Congo Square (Nova Orleans), o Renascimento do Harlem, a música do movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos, e os Clubes Sociais Negros, os Bailes Black no Brasil e os estilos musicais supracitados. Os dados que serão apresentados compõem o banco de dados da minha pesquisa de doutoramento, e foram coletados no período de 2016 a 2018. Os métodos adotados para coleta foram: observação participante, entrevistas semiestruturadas e incursões etnográficas realizadas em Clubes Sociais Negros, Bailes Negros e eventos festivos promovidos pela comunidade negra na região sudeste do Brasil. Durante a observação participante estive presente nas aulas de Samba-Rock em um Clube Social Negro- “Grêmio Recreativo Flor de

10 O Merengue é um tipo de dança e música vinculado a cultura latino-americana. Particularmente a países como Porto Rico, México, Venezuela, Cuba entre outros. O ritmo também te origem nas expressões artísticas africanas, o que torna possível encontra-lo também em países como Angola e sofreu influências da cultura norte-americana. O ritmo é alegre e continua inconfundível onde quer que este seja executado, assim como o samba. 11 A salsa, assim como o soul, tem sua origem vinculada ao espaço urbano. A salsa é um estilo que integra música e dança a partir da fusão de diversas influencias. Apesar as controvérsias sobre sua origem, a maioria das pesquisas indica a ilha de Cuba, localizada na América Central como seu local de surgimento por volta dos anos de 1960. A salsa recebe influências do Merengue (da República Dominicana), do Calipso (de Trinidad e Tobago), da Cumbia Colombiana, do Rock norte-americano, do Reggae jamaicano e do Samba brasileiro. O país com maior número de produções da Salsa é a Colômbia. Maio12”, de um grupo de Samba-Rock liderado por dois reconhecidos professores e militantes de Samba-Rock- “Família Samba-Rock”, ambos localizados no município de São Carlos-SP, de eventos no Clube Aristocrata- SP, além de diversos bailes dispersos pela região centro-oeste13 e na capital do estado. A reflexão utiliza-se também da etnomusicologia, e das pesquisas bibliográficas, documentais e audiovisuais enquanto métodos de investigação e coleta de dados. Respaldada pela literatura relativa ao tema e pelas observações e análises que venho desenvolvendo, afirmo que os Clubes Sociais, enquanto espaços de sociabilidade negra, por meio de bailes, reuniões, atividade educacionais e políticas forjaram e forjam elementos essenciais para a cultura negra. Felix (2015, p. 19) destaca a “importância do lazer como umas das práticas herdadas da ancestralidade africana. Há também o esforço em demonstrar que essas atividades acabaram por se tornar um importante veículo de sustentação emocional e psíquica para a sobrevivência grupal das populações negras”. Os bailes expressam a representação de uma reunião festiva, onde a finalidade central é a dança. “Os bailes em salões de gafieiras, clubes sociais, dancing clubs e mesmo em casas de família figuram, na história do samba, como espaços e momentos não só de lazer e entretenimento, mas também de socialização e afirmação artística (Lopes&Simas, 2015, p. 30). De acordo com João Batista Felix (2000), todos os bailes eram chamados de baile funk em referência ao estilo musical norte-americano que vigorava. No essa denominação permaneceu, enquanto em São Paulo, foi sendo alterado a medida em que se alteraram as referências e estilos musicais adotados pelos artistas, passando a ser chamados de bailes soul e na sequência de Bailes Black. Atualmente os bailes mantem as referências aos estilos musicais, sendo

12 O Grêmio Recreativo Flor de Maio em sua fundação recebeu o nome de “Grêmio Recreativo e Familiar Flor de Maio” segundo relatos dos membros mais antigos o nome sofreu uma alteração com a retirada do termo familiar, que segundo meus interlocutores estaria relacionado a práticas anteriores do clube relacionadas a empréstimos ou quitação de dívidas dos associados pelo clube. O nome “Flor de Maio” é o mais usual entre os associados, frequentadores e dançarino. Sendo assim, optarei por utiliza-lo como referência ao clube, 13Entre as cidades visitas por mim durante a pesquisa estão: Ribeirão Preto; São Carlos; Araraquara; Limeira; Rio Claro; Campinas e São Paulo. hoje conhecidos como Bailes Black, ou Bailes Charme ou Bailes de Samba- Rock. O que não exclui chamadas que unem as três denominações, levando- nos a compreensão de que estas são complementares e representam dinâmicas similares A partir da experiência da observação participante e da etnografia, a análise reflete a centralidade na experiência afro-brasileira da socialização, solidariedade racial e de resistência presente nos clubes e bailes (mas não restritos a esses espaços). Considerando que, mesmo com a redução drástica de outras atividades do clube, os bailes Black de Samba-Rock mantiveram sua vitalidade nas comunidades negras e podem ser considerados enquanto locais de memória cultural. A formação de clubes sociais negros e dos bailes Black representa parte do repertório cultural do Atlântico Negro (Gilroy, 2001) em que a estética negra e a prática cultural são traduzidas por meio da dança e da performance musical como resistência, socialização e solidariedade racial.

Agora eu faço parte da pista Entrar na pista de dança não é das tarefas mais fáceis, especialmente, quando aquele tipo de prática não faz parte de seu repertório de experiências. Àquela altura meus colegas das aulas de Samba-rock e, posteriormente de muitos bailes, já haviam se sensibilizado com a minha pouca aptidão com os passos e o ritmo. Foi assim que me deparei com a percepção de que o baile é também um espaço em que se ensina e se aprende, apesar de que os pressupostos de tal ensino e tal aprendizado serem diferentes dos acadêmicos. Enquanto neste último somos treinados a conter nossos sentimentos e expressar racionalmente os resultados de nossa aprendizagem, por exemplo, sobre o nosso próprio corpo. É, precisamente, o desprendimento, a soltura dos músculos, a flexibilidade e o improviso que que estão postos em questão nos bailes de Samba-Rock. Eu logo percebi, como iniciante na prática que era, que não tinha fluidez necessária para os movimentos, o que impedia a mim e ao meu parceiro/parceira o deleite dos mesmos. Aprendi com o passar dos dias, a prática e com a convivência junto aos grupos, nos bailes e nos eventos que é preciso parar, ter disciplina, concentração, aprender a entender os sinais- muitas vezes sutis- enviados pelo parceiro no momento da dança, é preciso se relacionar com o tempo, com o espaço, com o ritmo, com seu próprio corpo, com o corpo do outro e com os demais, sejam telespectadores ou dançarino. E então o Samba- Rock apresentou como algo extremamente complexo, não apenas em relação as redes de solidariedade e sociabilidade que ele intermedia, mas também pelas habilidades que exige de seus praticantes. Com o passar do tempo, o acompanhamento das aulas e a frequência aos bailes, adquiri um certo domínio da técnica, mas dançar não se restringe ao domínio da técnica, como mencionado. Em um primeiro momento, a ausência total de técnica foi o entrave. Agora, a dificuldade com o ritmo fazia sua vez. Durante os quase dois anos de intensa presença nos clubes, nos bailes e nas aulas de Samba-rock, nunca estive no hall das parceiras de dança consideradas mais habilidosas. Então, dessa vez decidi ir para a pista, não que nas demais não tenha ido, dancei em todos os eventos que participei, mas a insegurança e o reconhecimento da ausência significativa de “jeito” produziram frustações. Depois de experiências das mais difusas, do choro incontido ao riso e das sensações indescritíveis, naquele dia estava mais confiante e decidida, desejei dançar Samba-rock sem que fosse necessário qualquer tipo de orientação. Tentei deixar as lembranças das participações desastrosas e me concentrar nas bem-sucedidas. O fio de coragem ainda não era suficiente para o desafio da noite, então no primeiro momento consegui apenas me aproximar da pista de dança. Não era uma pista com espaços demarcados ou um piso especial, era um espaço em frente ao DJ em uma área cimentada de um parque municipal. Um espaço onde os casais dançavam. É possível que todo aquele emaranhado de sentimentos estivesse expresso em meu rosto, a vontade de dançar, o medo de mais uma vez não conseguir corresponder aos movimentos do cavalheiro, a dificuldade com o ritmo, a vergonha, a inabilidade em movimentar o corpo - principalmente sobre as orientações de um outrem, um misto de sentimentos e memórias. Acredito que de algum modo isso foi percebido por uma colega ao ponto da mesma direcionar uma fala aos rapazes do grupo “chama a Karina para dançar, ela quer dançar”. Dancei. Foi apoteótico. O próximo passo viria em breve, fui reconhecida por conhecidos e desconhecidos como uma parceira de dança. Agora, eu fazia parte da pista. Ao iniciar este texto com um relato pessoal pretendo aproximar a experiência pessoal vivida enquanto um indivíduo pesquisador posicionado, em termos das clivagens sociais convencionais ou não, com as observações e registros que o treino em pesquisa que a formação em ciências sociais em geral, e em sociologia em especial, me possibilita considerando que o meu processo de aprendizado da dança transformou-me no processo de realização de uma pesquisa acadêmica. Nesta análise, pretendo me debruçar sobre as estratégias de sociabilidade constituídas pela comunidade negra a partir de espaços de lazer, de tal modo, optei por fazer parte, compor essas dinâmicas, vivenciando- as. Essa decisão me permitiu reconhecer e me aproximar de diversos interlocutores e interlocutoras, reconhecer práticas, ampliar minhas percepções e reelaborar algumas reflexões. Meu primeiro contato com o universo dos bailes ocorreu no Grêmio Recreativo Flor de Maio durante o evento “Baile Dança para Todos”. O evento foi organizado por uma dupla de dançarinos e professores da região, Santa Maria e Danitielle, no dia 08 de abril de 2016. Mobilizada pela necessidade de construir uma aproximação com o espaço, seus gestores e frequentadores, fui ao baile. Naquela noite, o salão estava com mais de 100 pessoas, e as músicas transitavam entre o Soul, o Samba-rock, a Salsa, o Forró14, o Zouk15, Charme16 e a Bachata17. Todos dançavam os mais diversos ritmos. Porém, dois deles tinham maior adesão. No primeiro, eram interpretados pelos passos orquestrados através do movimento rápido dos pés, construindo uma base de quatro tempos, que se somava ao movimento rápido dos braços e a giros cadenciados. Tudo ao ritmo

14 A origem mais aceita para a palavra forró vem de forrobodó. Forrobodó por sua vez designa festa para a ralé, festa para o povo. O Forró, assim como a Salsa, é um estilo que integra música e dança. É comum ouvirmos “vamos dançar um forró?” ou ainda “Vamos num forró?”. Fruto de influências africanas e europeias o Forró recebe influências do Baião, Xote e Xaxado. Vinculado a cultura nordestina, acredita-se que o estilo tenha se difundido pelo Brasil a partir da dispersão dos nordestinos pelo país. No estado de São Paulo, o estilo é muito apreciado e suas variações, como o Forró Universitário e o Forró Pé de Serra, conquistaram muitos adeptos. 15 Zouk vem do Criolo, que significa festa. O estilo musical, que recupera passos da lambada em rimo mais lento, tem sua origem nas Antilhas, particularmente nos países que passaram pela experiência da colonização francesa. O Zouk foi inicialmente popularizado na região norte do país, e atualmente é ensinado nas academias do país. 16 O Charme é um estilo musica inspirado na Black Music norte americana, nascido da mistura do hip hop e do soul. Nos bailes de charme nota-se a predominância de música internacionais, com grandes nomes da cultura negra norte-americana. É uma dança coletiva, em que todo o grupo desenvolve passos idênticos ao ritmo da música. O baile Charme do Viaduto de Madureira, por exemplo, ocorre a 25 anos. Nos bailes Black do estado de São Paulo (capital e interior) o Charme ocupa os intervalos entre grupos musicais ou djs. 17 A Bachata é um estilo de música e dança com origem na República Dominicana durante os anos de 1960. O ritmo tem influências do Bolero, do Cha-Cha e do Tango e é conhecido como Bolero latino-americano. A Bachata é uma dança relacionada a sensualidade e por esse motivo foi não deveria ser dançada pelas classes altas da Republica Dominicana. de um estilo musical - o Samba-rock. No segundo, os dançarinos aglomeravam- se em filas, uma atrás da outra, e seguiam os passos de um dançarino posicionado na primeira fila, uma espécie de dança em linha18. Era o passinho, agora embalados pelo Charme. O Samba-rock é um ritmo influenciado pelos ritmos de samba sul- americano, da música norte-americana como Jazz, Soul, Rock'n'roll, e dos ritmos caribenhos como a Rumba, o Merengue e a Salsa, tendo surgido com essa alcunha na cidade de São Paulo na década de 1960 (Lopes & Simas, p.270, 2015). O samba-rock tem sido o principal ritmo (dança e música) em Clubes e bailes no sudeste do Brasil. Segundo Oliveira (2008, p.10), existem diferentes versões sobre o surgimento do termo samba-rock. Uma delas atribui o termo a ordem pela qual as músicas eram executadas nos bailes, alternando-se ora um rock, ora um samba. Assim, primeiramente se falou em “rock-samba”, e até mesmo se utilizava apenas o termo “rock”, para só depois o nome “samba-rock” ser adotado. Expressões como “É bom esse rock?” ou “Você sabe dançar esse rock?”, eram frequentemente utilizadas, mesmo que estivesse tocando no baile alguma música brasileira ou até mesmo um jazz americano. Os países sul-americanos e caribenhos produziram tipos específicos de organização comunitária negra desde o século XIX, quando os negros não podiam ir a clubes de lazer e não tinham apoio governamental (Andrews, 2007, pp. 160-161). Espaços como o “Flor de Maio” foram construídos por e para negros livres com o objetivo de fornecer atividades recreativas, culturais e beneficentes. Dentre essas atividades ocorriam os famosos bailes. Os bailes, desde a formação dos primeiros clubes ocuparam espaços proeminentes, agregando uma elite negra, representando espaços de sociabilidade do grupo, ao mesmo tempo em que refletiam para a sociedade externa a capacidade de organização, os valores morais e normas de comportamento daqueles que eram lidos como incivilizados, hiper-sexualidados e desorganizados. Além disso, a

18 As danças em linha (line dance) são conhecidas por passos coreografados que seguem o ritmo da música executada. A dança é executada por um grupo organizados em linhas sequenciais. Dançarinos e dançarinas seguem os passos definidos pelos dançarinos situados na primeira linha. O Charme-ritmo afro diásporos executado nos bailes Black no Brasil é considerada uma dança em linha. atividade refletia a própria dinâmica interna do grupo, já que os principais componentes dos bailes pertenciam a uma classe média negra ascendente. Os Clubes Sociais Negros são definidos como espaços de associação construídos para os afro-brasileiros a partir da necessidade de manter relacionamentos intergrupais (ESCOBAR, 2010, p. 61). O Flor de Maio, um dos mais antigos Clubes Sociais em funcionamento, foi construído por trabalhadores ferroviários, professores e advogados em 1928 na cidade de São Carlos, um município localizado no interior do estado de São Paulo, região sudeste do Brasil. Um dos mais importantes Clubes Sociais da história das organizações negras no Brasil, o “Flor de Maio” acolheu em seus bailes políticos e importantes cantores negros, como Zeca Pagodinho e Jair Rodrigues. Teve sua própria escola de samba, uma escola pública, realizou desfiles de mis e ficou reconhecido pelas festas de debutantes e bailes. Hoje em dia, Clubes Sociais Negros como “Flor de Maio” não representam espaços predominantes para a organização dos negros tanto quando foram centrais na manutenção dos espaços de socialização, lazer e resistência no passado. A alteração desta dinâmica pode ser interpretada a partir da alternância geracional e consequentemente a alternância de interesses e estratégias de sociabilidade, questões vinculadas as administrações dos clubes e seu alinhamento com as demandas da comunidade negra e ainda por questões financeiras que envolvem deste a manutenção das sedes até a capacidade de gestão financeira de elementos essenciais como suprimentos de água e energia elétrica. Hoje, a dança e a música praticadas nesses espaços, como o Samba- Rock, anteriormente chamado de Swing, têm representado uma estratégia de manutenção de uma identidade coletiva a partir dos bailes. A dinâmica dos bailes tem sido bastante intensa, mais intensa quando se trata de eventos de Samba e menos quando se trata de eventos de Samba-rock. Guardadas as dimensões da cidade de São Paulo, acredito que uma afirmação possa se estender para o interior do estado. Em um passado, não tão distante, os clubes tinham entre uma das suas principais atividades a realização de suntuosos bailes voltados para a população negra. Os eventos sofreram algumas transformações, no entanto, não perderam sua relevância. Chama a atenção as referências aos luxuosos bailes, como, por exemplo, as orientações para as vestimentas, os padrões de comportamento desejados, a relação entre seus participantes e, particularmente, os estilos musicais e de dança. Esse conjunto de características permitem que observemos algumas similaridades entre o passado e o presente dos espaços de lazer da comunidade negra do estado de São Paulo, constituindo o que hoje leva o nome de Baile Black. Essa afirmação pressupõe que negros e negras circulam, atualmente, pelos espaços de lazer e de produção artísticas com certo nível de autonomia. uma das narrativas predominantes no Brasil é que a cultura africana foi integrada, ou faz parte da síntese que deu origem a cultura mestiça brasileira e ao sentimento de brasilidade/nacionalidade, a partir desta perspectiva não haveria espaços fechados para a circulação dos sujeitos, de suas práticas e expressões, contudo, o processo de racialização sob o qual o país foi estruturado tem exposto uma lógica perversa em que elementos performativos e expressivos são dissolvidos nacional e portanto, destituídos de historicidade, memória e reconhecimento.

Sociabilidade, música e dança na diáspora africana Em larga medida essa nova condição de reflexão não apenas questiona a “homogeneidade” linguística, política e cultural, mas, por meio de elementos culturais, religiosos e mesmo étnicos torna possível que se estabelecem continuidades para além das fronteiras nacionais. Segundo Gusmão e Simson (1989, p. 219) a diáspora “envolveria processos de circulação de um povo, vivenciando mobilidade geográfica, induzida ou não, possibilidade contraditórias para o estabelecimento de “raízes”. (...) Assim, ações criativas dos povos como sujeitos de sua história, isto é, ações mobilizadoras em seu próprio proveito, formas e contextos de luta em mutação; transformações psicoculturais e ideológicas; redes sociais e dinâmicas institucionais constituem-se em exemplos de experiência histórica compartilhada”. A população da diáspora africana nas Américas tem seu reconhecimento restrito a espaços e dinâmicas específicas. Circunscritos as dinâmicas corpóreas entendidas como naturais que seriam a contribuição para formação do que viria a ser forjado como estados nacionais. Atribuir a contribuição a partir do que esses corpos “naturalmente” saberiam produzir é uma forma desumanizar os grupos. Daí que uma relação entre natureza e cultura pode ser instituída e atualizada cotidianamente quando se pensa nas dinâmicas dos negros e negras nas Américas. Em oposição a esse ideário, partimos da hipótese de que constituição de uma comunidade de memória seja elemento central na constituição de sociabilidades específicas dos povos da diáspora africana no Novo Mundo. Essas seriam as formas culturais estereofônicas e bilíngues originadas, mas não exclusivas, dos negros dispersos nas estruturas de sentimento, produção, comunicação e memória, a que Gilroy tem chamado de Atlântico Negro (GILROY, 2001). Os estilos musicais, mais do que seu local de execução, nos permitem definir um baile como Black ou não. Partindo deste dado é possível afirmar que são esses mesmos estilos que não são contidos pelas fronteiras do Estado-Nacional. Os estilos musicais vivenciados nos bailes são, em sua totalidade, produtos do encontro, da fusão e da tradução de referências transnacionais, locais, regionais e nacionais. No Oeste Paulista e na Capital, estilos musicais como o Charme, o Swing, e o que contemporaneamente se nomeia como Samba-rock, têm congregado o maior número de negros e negras e ocupado os salões dos clubes desde o início da década de 20 do século passado. Os eventos ocorrem desde as sedes dos clubes negros, sedes de clubes militares, clube de aposentados, Sesc, casas de eventos, pubs. Concomitantemente, o número de academias de dança que oferecem aulas de Samba- Rock tem crescido. Essas academias distribuem-se pela capital e pelo interior do estado, variando em número e perfil dos/as alunos/as. É possível localizar academias com aulas de Samba-Rock em regiões nobres da cidade de São Paulo, como por exemplo, a badalada região da Vila Madalena ou ainda em bairros mais distantes e periféricos. O perfil racial, econômico e etário dos grupos tende a mudar de acordo com a distribuição regional das academias. No interior os projetos são liderados por um número reduzido de instrutores e muitas vezes contam com apoio do setor público seja com o espaço ou por meio de projetos de fomento. As regiões do Brasil têm desenvolvido estilos musicais e formas de constituição de sociabilidades distintas. Na região analisada, a partir da intersecção entre as informações e dados obtidos até este momento, o Samba- rock, seguido do Charme, são os estilos musicais que congregam negros desde os quintais das casas de família, passando pelos clubes sociais negros, chegando as casas de festas. Essas distinções são resultantes da articulação entre as expressões da diáspora africana, as dinâmicas locais, regionais e nacionais. O que significa dizer que não é possível atribuir a mesma representatividade ou ação como elemento identitário e de sociabilidade ao Samba-Rock nas regiões Norte, o Nordeste e o Centro-oeste do Brasil. Posto isto, a diáspora enquanto trânsito é também ponto de encontro e de traduções constantes em negociação com elementos históricos, sociais e culturais no “novo mundo” (HALL, 2003). A seguir apresentamos registros fotográficos realizados em dois eventos distintos. A figura 1 exemplifica os passos do samba-rock. O samba-rock é uma dança de par, originalmente executada por um homem e uma mulher, no qual a condução e o direcionamento dos passos são indicados pelo homem. Cerca de 90% dos passos são executados com os dançarinos de mãos dadas. Compreende-se que a correta execução dos passos deve manter o contato entre as mãos dos dançarinos.

Figura 1: Características do samba-rock.

Fonte: acervo da pesquisado. Baile de Samba-Rock da “Festa do Carmo”. Araraquara. 2017.

Na figura 2, apresentamos o charme. Esse estilo é dançado individualmente. Como meu mencionado, os dançarinos se dispõem em fila e seguem os passos, normalmente do dançarino(a) mais experiente, que por sua vez conduz o grupo para os movimentos que deverão ser executados levando em consideração do ritmo da música. Figura 2: Dançarinos de Charme

Fonte: acervo da pesquisado. Portal do Samba. Araras. 2017

A manutenção de um determinado código de vestimenta expressa um dos elementos de vinculação entre as uma memória coletiva (HALBWACHS,2003) a memória dos bailes realizados pelos clubes e aos bailes Black da atualidade. Segue como exemplificação e comparação os dois flyers. Apesar da impossibilidade de estabelecermos a data exata do primeiro, acredita-se que ele foi publicado entre o final da década de 80 e início dos anos 90. Já o segundo, data do ano de 2017. Os clubes constituíram-se até meados do século XX nos principais espaços do que Medeiros (2013) denomina de associativismo negro. A partir da segunda metade do século XX os bailes, organizados pelos clubes e, posteriormente, após o fechamento de vários clubes, pulverizaram-se pelo interior e na capital. O luxo e a elegância dos bailes realizados nas sedes sociais dos clubes ou por eles organizados cedeu espaços para trajes menos formais, sem, contudo, deixar de manter certo rigor e padrão. A menor formalidade aqui, não pode ser lida como sinônimo de informalidade, já que na maioria dos bailes acompanhados por esta pesquisa, foi recorrente a presença de nítidas orientações quanto aos trajes adequados. Na quase totalidade dos eventos é exigido o traje conhecido como esporte fino. Não são aceitas roupas curtas, shorts, bonés, camisetas regatas, chinelos. Um certo padrão de retidão dos trajes dos bailes realizados pelos clubes tem sido reinscrito nos Bailes Black. Os bailes não eram as únicas atividades desenvolvidas pelos e nos clubes e, nem sempre ocorriam sem que tensões internas fossem estabelecidas. Em seu texto, o militante José Leite expõe essa realidade. No decorrer da sua obra apresenta uma postura crítica em relação aos bailes, principalmente por entender que nesses haveria um esvaziamento do debate político. O que não ocorria nos jornais da impressa negra e no próprio movimento negro da época. Nas palavras de Leite (1992, p. 113): [...] E o clube para manter-se tinha de fazer bailes, uma coisa que eu era contra. Era um mal necessário. Pouca gente pagava a mensalidade e, de qualquer jeito a gente tinha que arranjar dinheiro para manter a sede, pagar contas de luz e água e outras coisas, dando continuidade às atividades.

Mesmo em torno de controvérsias e transformações na história dos clubes, os bailes ocorrem desde o início do século XX. Na atualidade, com o contexto de distanciamento de alguns clubes em relação as demandas da população negra ou mesmo com a diminuição do número de associações, àquela que foi uma de suas atividades centrais se metamorfoseou, garantido sua continuidade, majoritariamente, fora das sedes sociais dos clubes.

Considerações finais

O terror vivenciado na sociedades escravocratas e imperiais será o marco da modernidade. Esse terror, apesar de ser indizível não era inexprimível. Gilroy (2001) localiza na música produzida pelos negros, a partir dos deslocamentos, a possibilidade de explorar como os traços dessas memórias dolorosas contribuem para a construção daquilo que seria o cerne da criação cultural afro- atlântica. As formas culturais expressivas, que aqui atribuímos à dança e à música produzidas pelos negros desde a colônia, seriam os marcos para o questionamento das hierarquias atribuídas a essas práticas na origem do pensamento moderno. As práticas expressivas elaboradas por negros desde o trânsito atlântico tencionam as hierarquias que centralizaram a razão e a palavra enquanto símbolos da modernidade. As expressões traduzidas na música e na dança tencionam os limites impostos pela língua e pela literatura como formas dominantes de consciência humana. É possível afirmar que o baile sempre esteve presente na constituição das sociabilidades negras. Ao nos referirmos ao baile, faz-se menção não ao baile em si, mas as vivências e experimentações desde muito cedo, da música e da dança como elementos constituintes das relações. Durante as minhas inúmeras conversas, observações e vivências foi recorrente a fala, principalmente entre adultos e idosos, de que os bailes ocorriam inicialmente nos quintais das casas, que comemorações simples muitas vezes tornavam-se bailes. Foi inclusive nesses bailes domésticos que uma geração aprendeu a dançar o Samba-rock. O baile antes mesmo de se pulverizar nos centros urbanos, emergiu das casas das famílias negras expressando uma rota anterior a escravidão. É possível ainda identificar que, assim como o baile foi se transformando, o que hoje é conhecido como Samba-rock também o foi. As variações ou transformações do ritmo e da forma de dança também são perceptíveis. Enquanto os clubes se veem envoltos em contextos diversos dos da sua fundação e auge, os bailes se emanciparam das sedes sociais, passando a ocorrer de modo espacialmente pulverizado. Atraindo, a depender de diversas características, jovens e adultos. Os bailes passam a representar, para fins desta reflexão, um continum das dinâmicas da sociabilidade negra. Um amadurecimento da reflexão indica a existência de conexões entre clubes e bailes, sendo os últimos possível refletir sobre um elo a partir de elementos considerados transversais na constituição da sociabilidade diaspórica entre negros e negras no estado de São Paulo. Não pretendo reafirmar um caráter imanente ou mesmo fixo aos elementos estudados, menos ainda ao que se denomina, como cultura negra transnacional. O Samba-rock é uma síntese, constantemente atualizada, expressa na transformação dos passos e das músicas. Essas transformações foram marcadas pela fusão de estilos, de passos e pela aceleração do ritmo que gerou a mudança de sua base. Praticantes mais velhos, relatam a dificuldade em acompanhar o ritmo dos mais jovens, particularmente alteraram-se a marcação e a complexidade dos enlaces (nós) dos braços. No Samba-rock considerado pelos praticantes como Samba-rock Moderno19 é perceptível ainda

19 É possível localizar três momentos distintos do Samba-rock. 1) Samba-rock Antigo- o ritmo é menos intenso, os enlaces mais simples e a dança presa pelo contato entre os dançarinos; 2) o Samba-rock Tradicional- esse estilo apresenta uma maior complexidade dos enlaces, recebe influências dos outros estilos de dança, como a gafieira, e sofre alterações quanto a sua marcação básica. Aqui o ritmo sofre uma aceleração; 3) Samba-rock Nó ou Samba-rock Moderno- nesse estilo há uma segunda aceleração do ritmo, a maior complexidade dos enlaces, sendo esses o aspecto central da dança. Fazer e desfazer-se dos nós mais complexos sem que a redução do swing sendo ocupada por passos marcados e movimentos bem delineados e definidos. A música e a dança, enquanto elementos de ligação entre as formas de sociabilidade exercidas nos Clubes Sociais e nos bailes traduzem práticas e dinâmicas anteriores a elas, além de formas de sociabilidade atuais, atualizando a centralidade das práticas culturais, artísticas e performáticas. Dessa forma, o samba-rock, reconhecido como um ritmo afro-paulistano, une passos de dança a estilos musicais. Como produto do encontro entre o Samba e o Rock, o Samba- rock, apresenta-se como uma prática da comunidade negra desde os bailes que ocorriam nos clubes até os bailes que ocorrem hoje, uma grande maioria fora dos clubes. Entre os clubes, considerando não apenas seus eventos festivos, mas nesse momento centrada neles, é possível observar a recorrência de orientações estéticas, valorativas e normativas. O baile não é, apenas, uma nova modalidade festiva. Os diversos elementos, remontam a memória desse grupo. Uma memória atualizada por meio de suas práticas. O baile não é, apenas, um espaço de lazer. Quando em um passado próximo ele tinha entre suas atribuições, garantir a circularidade das famílias, construir alternativas de lazer ante as interdições externas, hoje essas características não foram drasticamente alteradas e se somaram a outras. No Brasil, a formação de Clubes Negros e os chamados “Bailes Black” representam parte do repertório cultural do Atlântico Negro ao traduzirem manifestações da cultura negra associadas a política de resistência e de trabalho com o corpo por meio da dança e da música. O estabelecimento de formas de sociabilidade, transmitidas na recorrência da música e da dança, representam uma espécie de fio condutor para que possamos refletir sobre o estabelecimento de uma rede de relações e laços de solidariedade que extrapolariam o modelo da comunidade lógico-racional-ocidental indicando o estabelecimento de uma rede de solidariedade e um determinado modelo de coesão instituído com bases em elementos de identificação coletiva por meio de uma comunidade de sentimentos, no qual a dança e a música indicam ser os elementos que

se solte as mãos. Esse estilo recebe maior influência da música eletrônica e tem sido intensamente disseminado na capital do estado. Os estilos serão melhor explorados no tópico “A rota do ritmo”. expressam cadeias de similaridades. De acordo com Paul Gilroy (1993), a diáspora africana para as Américas configura-se em quatro pontos centrais: temporalidade; historicidade, memória e narrativa. Ao utilizar-se da metáfora da viagem e do exílio, Gilroy enfatiza os fluxos e as trocas como elementos questionadores das concepções centralizadoras sobre os povos da diáspora. Com base na hipótese de que a música e a dança são formas de expressão transversais de identificação e sociabilidade das comunidades transnacionais negras desenha-se a possibilidade de compreender clubes e bailes como espaços de realização da diáspora, ou seja, de criação e recriação de sociabilidade e elaboração/reelaboração de uma memória coletiva derivada da experiência comum da escravidão, das barreiras constituídas pela racialização e pelo racismo e, também, como espaços de entrelaçamento e produção de sentidos particulares, ao mesmo tempo, em que delineiam modos de ser, estar e fazer. Pretendemos, portanto, ter apresentado os primeiros esboços de uma reflexão orientada pela investigação da dinâmica dos clubes e bailes como elementos capazes de contribuir para o traçado das rotas e das raízes da diáspora africana, considerando dinâmicas próprias de organização, associação, sociabilidade em que a música e a dança extrapolam as funções de atividades recreativas/lazer para desenvolverem-se enquanto ações e interpretações políticas da desta. No caso do estado de São Paulo, o Samba-rock é tomado como um elemento representativo desta comunidade e das transformações estéticas, artísticas, políticas, rítmicas.

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