Rappers Cabo-Verdianos e Participação Política Juvenil

Redy Wilson Lima1

Resumo Numa altura em que os jovens cabo-verdianos parecem estar de- defender publicamente o voto obrigatório, o rap, quer seja na ver- sinteressadostente pan-africanista da vida quer política seja do na país, vertente levando gangsta alguns, surge políticos como a - sociedadeforma de expressão marcadamente política partida, por excelência em que ade politica uma juventude partidária pe é entendidariférica em como busca o de principal afirmação recurso pessoal, de ascensão social e identitária, social. numa Palavras-chave: juventudes, hip-hop, sociedade civil, participa-

ção política, Cabo Verde Cape-Verdeans Rappers and Youth Political Participation

Abstract At a time when the young Cape Verdeans seem uninterested in the political life of the country, leading some politicians to publicly de- fend mandatory voting, RAP, whether the pan-africanist strand ei- ther in part gangsta, emerges as a form of political expression par social and identity in a society markedly shattered, where partisan politicsexcellence is understood of a peripheral as the youth principal in search resource of personal for social affirmation, mobility. Keywords: youths, hip-hop, civil society, political participation,

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Sociólogo. Doutorando em Estudos Urbanos na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e no Instituto Universitário de Lisboa, investigador e professor assistente na e no Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais. 264

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Numa altura em que os jovens cabo-verdianos parecem estar de- defender publicamente o voto obrigatório, urge a necessidade de compreendersinteressados ada razão vida desse política desinteresse, do país, levando assim comoalguns a políticosrelação de a promiscuidade existente entre os jovens, associações juvenis e o a mútua instrumentalização existente entre esses atores. poder político, nomeadamente os partidos, e, consequentemente, - to da população juvenil na cidade da , com algumas visitas exploratóriasDesta feita, partindo às cidades de uma de Assomada, pesquisa etnográfica Pedra Badejo em ecurso Mindelo, jun com o objetivo de perceber as dinâmicas e os circuitos juvenis, dos jovens, pretendo, com este artigo, perceber de que forma os bem como as formas de afirmação pessoal, social e identitário jovens cabo-verdianos se mobilizam para questões políticas.hip-hop cabo-verdiano, tendo os rappers como sujeitos de pesquisa, pro- curoA partir compreender, de incursões através teórico-empíricos de entrevistas no semiestruturadas mundo do e observação participante, por um lado se a forma excessiva como os jovens foram institucionalmente programados pelo partido único nos anos de 1980 e apressadamente desinstitucionaliza- dos e reinstitucionalizados no advento da democracia, em 1991, - - repercutiupendentes e,nas por suas outro, capacidades se o contexto reflexivas, de carência de modo em quea estrutu vivem rar a sua cultura política, tornando-os institucionalmente de influencia a sua consciência política. Da castração da sociedade civil à ascensão da casta partidária

A falta de consolidação de uma economia que estabeleça pa- de uma onda generalizada de corrupção institucional (Alvazzi râmetros mínimos de redistribuição de riqueza; a perceção oportunidades juvenis (Martins, 2010); e o agravamento da si- del Frate, 2007); a segregação de oportunidades, sobretudo as 265

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tuação social do país, desigualdades, pobreza e violência urbana do- poderão próprio proporcionar processo de construção algumas reflexões democrática. sobre Dea estruturação certo modo, nosda cultura últimos política anos, várias dos cabo-verdianos, sondagens de opiniãobem como têm uma revelado avaliação um comodeclínio ao acentuadopróprio sistema de confiança vigente. dos cabo-verdianos em relação às instituições políticas, particularmente à classe política, assim No que concerne à população juvenil, nas vésperas das últimas eleições autárquicas, o jornal A Nação, na sequência da divulga- ção dos dados do último recenseamento eleitoral pela Comissão

Nacional de Eleições, publicou uma reportagem dando conta do desinteresse dos jovens cabo-verdianos pela política, visto que, o registro de eleitores jovens tinha ficado aquém das expetativas.

Com a independência nacional, em 1975, houve a necessidade de- secial. afirmar Sendo o assim, país enquanto tornava-se Estado-nação forçoso criar e organizaçõesfortalecer os laços contro de- identidadeladas pelo partido nacional que – garantir anulassem a unidade uma sociedade nacional civil e a coesão dinâmica, so por um lado, e assegurar uma continuidade ideológica através sobretudo a nível intelectual, proveniente do contexto colonial, por outro. Partindo dessa premissa, foi posta em prática aqui- loda ainstrumentalização que Cardoso (1993) política chama juvenil de estratégia sob o prisma da destruição partidário, da autonomia da sociedade civil, visto que foi criada organizações 2 3, 5. Istode massa é, que distribuídas abarcasse4 toda por afaixas sociedade. etárias – OPAD-CV e JAAC-CV por sexo – OMCV ou por interesses profissionais – UNTC-CS

2

3 Organização dos Pioneiros do Abel Djassi – Cabo Verde. Juventude Africana Amílcar Cabral – Cabo Verde. 4 5 Organização das Mulheres – Cabo Verde. União Nacional dos Trabalhadores de Cabo Verde – Central Sindical. 266

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Segundo Cardoso, o sucesso foi conseguido devido à agenda alie- nadora assente numa ideologia exclusiva, de natureza fascista, que sob o lema ‘criação de um homem novo’, buscava-se “criar um ser social completamente preso no universo ideológico do - - ciaçãopartido-Estado” fora do alcance (Cardoso, da bússola 1993, p. partidária 185), procurando era tida como assim uma al afrontacançar umaao regime, certa apatiacatalogadas social dee cívica, trotskistas, em que antinacionais, qualquer asso ini- migos do progresso ou traidores do povo.

- - rizada,Os resquícios tal como da ainstitucionalização própria administração e da dependênciapública e o Governo da socie a apresentadade civil sãocomo hoje parceira evidentes. na dinamizaçãoEla se encontra do bastantedesenvolvimento partida econômico e social e na aceleração da agenda de transformação. Évora e Costa (no prelo) são de opinião que a perceção positiva da sociedade civil, em Cabo Verde, poderá estar ligada à persis- - - tência de indicadores de promiscuidade política, prostituição in telectual e mútua instrumentalização entre líderes das organiza ções da sociedade civil e as estruturas político-partidárias, num contexto em que o Estado continua a ser percebido como um dos meios mais eficaz para se ascender económica e socialmente. 6, Aristides Pereira, em en- No entender de Cardoso, reforçado mais tarde pelas afirmações- dolitarismo ex-presidente social tinha do partido-Estado por base “disfarçar a sede de poder e os trevista a José Vicente Lopes (2012), a imposição de um igua- - privilégioscamente aceitáveis” reais da clique(Cardoso, dirigente, 1993, comop. 185). para Salienta impedir Cardoso a afir quemação nesse pessoal processo, dos indivíduos “critérios defora seleção dos circuitos e ascensão social social e politi que valorizavam o mérito pessoal, a criatividade e a iniciativa eram

6

De 1975 a 1991, Cabo Verde teve um sistema de partido único, autoritário, em que o Partido Africano de Independência de Cabo Verde (PAICV) era o único partido político legal, confundindo-se com o próprio Estado. 267

Redy Wilson Lima subordinados ou neutralizados, em favor do grau do emprenho posto em secundar o partido nas suas relações com a sociedade” (Cardoso, 1993, p. 185).

- dades ideológicas que Pereira (apud Lopes, 2012) explicou acu- sandoNo interior os camaradas do partido-Estado de ganância havia desmesurada divergências e entre sede sensibilide poder de alguns dirigentes, que veio contribuir para a fulanização não só do partido-EstadoAs pessoas como já não da pensavamprópria sociedade.em mais nada senão no poder. Fulano é responsável do setor, ou coisa parecida, do parti- do, depois já está a pensar que tem que ir para o Conselho Nacional etc. A ganância de poder tinha-se apoderado de tal forma das pessoas que elas, nessa altura, perderam o senso

comum (Lopes, 2012, p. 344). Pereira (apud 1980 só a expressão “sociedade civil” assustava as pessoas, di- cussão que teve Lopes, de ser 2012) retirada entende do III que, Congresso nos finais do dos PAICV, anos em de 1988, da qual eram participantes os atuais dirigentes governa- os mais renitentes à mudança e quem mais a expressão socieda- dementais civil incomodava. do país. Os jovens quadros do partido de outrora eram

Um jovem vai para o partido, não verdadeiramente por uma questão política, mas para fazer carreira, não só no partido mas depois no Estado e tudo o resto. Não podemos esquecer carreiraque o partido e agora é que esses dominava fulanos tudo. vêm Acom ideia essa com ideia que que fiquei nos é podeque essa atrapalhar gente já a estava vida. Portanto, integrada para nesse eles, espírito. o que Vouconvinha fazer

é que ficássemos na mesma. No partido único, e estariam tranquilos (Lopes, 2012, p. 344). - dros, mas igualmente em alguns militantes vanguardistas, con- témEste aquilo tipo de que comportamento, Luz (2012) chama constatado de inversão entre de os tendência jovens qua ne- gativa para a formação de castas no período pós-colonial, visto 268

RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL que, o acesso à organização está aberto a qualquer origem social, mesma exclusividade o acesso ao poder. mas a confissão política assume a função de casta e regula com a A ascensão na organização, só podia ser sustentada pela reivin- - pécie de ‘iniciados’ e os distinguia como casta à parte, chamada dicação de um estatuto espacial que os afirmara como uma es

Para Cardoso (1993),de “melhores a geração filhos do povo”atual, (Cardoso, a razão 1993, da p.revolução 189). de Cabral , corria o risco de vir sofrer com a ausência de modelos e 7 - -partidário, o que os levaria a uma espécie de alienação profun- da.referências Num discurso positivas por preconizadas ocasião das festividadespelo eudoutrimento dos quinze político anos diálogo entre as gerações e a aspiração juvenil manifestada pela inveja,da independência é apontada dopelo país, então segundo Presidente Cardoso da República(1993), a faltacomo de a subversão da dinâmica social e o perigo de desenvolvimento fu- turo do país. Processo esse que para o autor era o resultado da- espoliação de valores com início no momento em que qualquer ação social, política ou cultural era situada recorrendo, ao siste ma de valores do partido-Estado. Breve contextualização teórica e formas de empoderamen- to juvenil

A juventude cabo-verdiana é quase sempre considerada como uma categoria homogênea, isto é, como uma unidade social do- se fazer isso manipula a realidade, incorrendo ao erro de igno- tada de interesses comuns. Tal como afirma Bourdieu (2003), ao rar o facto de apesar dos jovens se identificarem com outros na mesma faixa etária, identificam-se a si mesmos, também, como

7 e AmílcarCabo Verde. Cabral. Fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), considerado o líder ideológico e o pai da nacionalidade de Guiné-Bissau 269

Redy Wilson Lima pertencentes a classes sociais, a grupos ideológicos ou a grupos

Paraprofissionais León (2005), diferentes. é necessário pluralizar o conceito, ou seja, tratar essa população de forma heterogénea, visto que, existem diferentes juventudes.

Isso ganha vigência e sentido a partir do momento em que concebemos a categoria juventude como uma construção sociohistórica, cultural e relacional nas sociedades contem- porâneas, onde as intenções e esforços na pesquisa social, em geral, e nos estudos de juventude, em particular, têm estado focados em dar conta da etapa da vida que se situa entre a infância e a fase adulta (León, 2005, p. 10).

Fugindo às noções hegemônicas sobre juventude em Cabo Verde, - sões e variáveis que possam tornar mais claros o conhecimento é necessário construir um campo analítico que delimite as dimen- empírico dessa camada populacional, que sirva de suporte na for Demulação pondo de de políticas vista metodológico, públicas adequadas as estratégias a esses de sujeitos. pesquisa social sobre a juventude, recorrendo ao uso de abordagens do tipo qua- litativo e centradas nas subjetividades juvenis, tem adquirido uma enorme importância (León, 2005), embora não ignorando as abor- dagens mais quantitativas. Invocando as estratégias de pesquisa qualitativa, se amplia o marco compreensivo, uma vez que, trans- formando o pesquisado em sujeito, se tem um maior aprofunda- a interpelação aos contextos e estruturas sociais, bem como às ins- mento analítico do seu quotidiano. A partir daí, se pode promover- xos compreensivos das questões constitutivas da condição juvenil, atravéstituições. da Do abordagem mesmo modo, a partir podemos de uma readequar leitura sociocultural ou modificar (León, os ei 2005), com destaque para os estudos sobre as culturas juvenis.

- ção das noções juvenil e cotidiano. A primeira nos remete ao A definição da categoria juventude pode ser articulada em fun 270

RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL processo psicossocial de construção de identidades e, a segun- da, ao contexto de relações e práticas sociais estruturantes.

A potência desta ótica reside substancialmente em ampliar a visão sobre o ator, incorporando a variável sociocultural

que correspondem às que tradicionalmente têm-se utiliza- à demográfica, psicológica ou a categorizações estruturais

do para sua definição (León, 2005, p. 14). Desta feita, segundo León (2005), a variável vida cotidiana é a

Reguillo (2000), citado por León (2005), permite evitar que se caiaque definena armadilha a experiência das análises do período sobre juvenil. a juventude Este olhar, que segundodeixam, de um lado, sujeitos sem estruturas e, de outro, estruturas sem sujeitos. Igualmente permitem reconhecer a heterogeneidade juvenil a partir de diversas realidades cotidianas nas quais se desenvolvem distintas juventudes.

Das abordagens pós-modernas da juventude, destaca-se o con- ceito estilos de vida, proposta essa que apresenta-nos como solução de compromisso entre o que seria o determinismo que - - rentemente,advém de uma de localização ligação estável social aos específica contextos e osociais que pode onde ser ocor en- remcarado determinadas como uma progressiva práticas (Simões, individualização, 2010). A novidadedestituída, desta apa de vida propriamente juvenis. abordagem está na sua possibilidade de identificação de estilos Na trajetória de socialização que vivenciam os jovens desde sua infância até a autonomia pessoal, vêem-se mergulhados simultaneamente a um sem-número de contextos culturais

companheiros de curso, meios de comunicação ideologias, e redes de relações sociais preexistentes – família, amigos, hierarquizam valores e ideais, estéticas e modas, formas de relacionamentopartidos políticos, ou convivência entre outros e –vida, dos que quais contribuem selecionam para e modelar seus pensamentos, sua sensibilidade e seus com- portamentos (León, 2005, p. 15). 271

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subjetividade juvenil na busca de uma identidade individual e geracional,Juntamente asa estesnovas espaços tecnologias da vida geram cotidiana, modos que de estruturamparticipação a mais globais que introduzem os jovens em uma nova experiên- cia de socialização distinta da familiar e escolar (León, 2005).

- - posEstas homogêneos, novas definições acabando devem por ser impor levadas a sua em visão conta na peloselaboração pensa e dores das políticas públicas, caso contrário tomam-nos como gru que Pais (2005) chama de lógicas de linearidades que nem sem- preexecução se ajustam das políticas às trajetórias para os não-lineares jovens, que dosacabam seus por cursos criar de aquilo vida. cabo-verdiana, tem surgido, nos últimos cinco anos, pesquisas sobreEm matéria dinâmicas de estudos protagonizadas socioantropológicos pelos jovens sobre(Barros a ejuventude Lima, no prelo; Bordonaro, 2010; Cardoso, 2012; Lima, 2012a, 2012b e 2010; Martins, 2010 e 2009; Roque e Cardoso, 2008), permitin- do um conhecimento mais amplo sobre essa nova geração glo- balizada, fugindo aos costumeiros estudos encomendados por instituições públicas que tutelam essa camada populacional, que tendem a apresentar a questão juvenil como um população de risco, destituídos de uma agencialidade. reivindicação,Em Cabo Verde, se bem a abertura que confuso. democrática, Logo, em em 1992, 1991, reagindo permitiu às que os jovens construíssem um novo lugar social, um lugar de - tóniopolíticas reagiram educativas de forma do então organizada, governo, estagnando os estudantes as atividades do Liceu educativasDomingos Ramosdurante e tododa Escola o dia, numaSecundária clara demonstraçãoda Achada Santo de forAn- ça. Nos anos seguintes, as reivindicações dos estudantes torna-

- ram-se constantes e mais violentas, fazendo com que a Polícia de Intervenção Rápida (vulgarmente designada de Polícia de Cho que) saísse à rua tentando controlá-los, sobretudo nas violentas manifestações estudantis no ano de 1994, tendo sido a primeira 272

RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL vez em que a juventude foi utilizada como arma de arremesso - dantis voltaram desta vez contra as provas de acesso ao ensino superior,político no embora país democrático. não tão violentos No ano como 2000, as que os oprotestos procederam. estu era a sua capacidade de anestesiar os jovens recorrendo a es- paçosConvém de lembrar disciplina que e umacontrolo, das maiores como no forças caso do das partido-Estado organizações juvenis de massa. A educação era usada como arma ideológica na instrumentalização partidária das crianças e jovens, através da introdução de manuais escolares do ensino básico com con- - crutamento para as organizações juvenis e garantia a alienação teúdo ideológico do PAICV (Évora, 2004), o que facilitava o re- - político-partidária dos mais novos, por conseguinte uma supos ta vitória final da “democracia nacional revolucionária e de par Osticipação recentes cívica” episódios (Cardoso, de violência1993, p. 183) de rua controlada. protagonizados por alguns jovens, inicialmente na cidade da Praia e, posteriormen- te, no Mindelo8, podem ser entendidos como uma nova forma de manifestação de descontentamento e de reivindicação social por numa sociedade em que o acesso aos recursos são limitados e controladosparte de uma por camada uma minoriade população com objetivos sedenta porde conservar espaço político o po- der social e simbólico adquiridos.

Percebendo isso a partir de pesquisas etnográficas iniciadas em dos2007, jovens junto éde uma crianças forma e jovensde empoderamento em situação de (social, rua, na cidadepessoal da e Praia, Bordonaro (2010) afirma que o uso da violência por parte visto que estes jovens se encontravam aprisionados na estrutura deeconômico), segregação que e de de marginalização outra forma seria vigentes. dificilmente conseguido,

8 nessas duas cidades, tendo os ajustes de conta entre grupos juvenis como pano de fundo. Os meses de Dezembro de 2009 e Janeiro de 2010 foram marcados por vários assassinatos 273

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- dário como uma outra forma de empoderamento (social, pesso- Considerandoal e econômico), verdadeira sobretudo tal por afirmação, parte dos entendo jovens o mais recurso próximos parti do centro, no sentido de proximidade ao espaço simbólico em que o poder está representado. Na entrevista concedida a Lopes, 9 no poder, há pes- soas que vêem nos partidos uma forma de singrarem na vida. O Pereira afirma que “seja o PAICV, seja o MPD (Lopes, 2012, p. 350-351). Isto é, cada um recorre aos recursos carreirismo e o oportunismo estão acima dos regimes políticos” cada um, conforme as suas possibilidades, segue os valores so- disponíveiscialmente estabelecidos conforme as como posições superiores. dispostas no espaço social e,

Buddha, MC dos República, é de opinião que os jovens ao entra- rem nas estruturas juvenis do partido perdem a sua identidade, uma vez que se tornam “yes man - rança de um dia, quando o partido chegar ao poder conseguirem um bom cargo.” Ser yes man pressupõe, sempre concordar disponíveis com ana agenda espe do partido, mesmo não estando de acordo, com medo de não - micos, quanto socias, num futuro hipotético. Quando não o faz, asconseguir consequências o tal almejado podem cargo ser nefastas. que trará benefícios tanto econô

“Olha o que está a acontecer com o Medina… querem o li- xar no partido apenas porque resolveu mandar umas bocas

e acham que ele tinha de dizer sempre tudo bem, mesmo tendocontra. consciência E as pessoas que do está partido mal” não (Batchart, o querem Hip compreender Hop Art).

Jovens e oportunidades sociais a população cabo-verdiana é muito jovem, uma vez que, o grupo Em termos dos indicadores demográficos, económicos e sociais,

9 Movimento para a Democracia. Partido vencedor das eleições em 1991, com a abertura democrática. 274

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de idade até os 24 anos representa 54,4% da população total- (INE,pondendo 2011). a 38%Segundo da população os dados doeconomicamente INE de 2005 (DECRP, ativa. 2008), a pobreza afeta em 48% a faixa etária dos 15 aos 24 anos, corres Segundo Fortes (2011), apesar da taxa bruta de escolarização no - - tunidadeensino secundário de formação, ser bastante a inserção alta no(78%) mercado e os que do nãotrabalho consegui tem sidorem terminarum problema. o ciclo Aliás, escolar em relaçãoter no ensino ao emprego profissional juvenil, uma a taxa opor de queocupação faz da no juventude, grupo etário um dos dos segmentos 15-24 anos da é populaçãode 32,4%, maiscom umapre- judicadataxa de 38,2% pelo desemprego, nos homens visto e 26,3% que, nas21,3% mulheres da faixa (INE, etária 2011), dos 15 o 10 a 24 anos encontram-se desempregados (INE, 2011), atingindo Asmais incertezas as mulheres, de conseguircom uma taxa um deemprego 25,5% (INE,estável, 2011). não obstante os investimentos escolares empreendidos, remetem os jovens a uma situação sentimental que varia entre aspirações e frus- ao mercado de trabalho cada vez mais segmentado, controlado, muitastrações. vezes, Essas por frustrações uma rede devem-se de compadrio, à incapacidade de familiares, de o de acesso ami-

Temzades sido sexuais recorrente e de militância o discurso política. iniciado em 2009, pelo então Mi- houve tantas oportunidades para os jovens em Cabo Verde, mas nãonistro o daquerem Juventude aproveitar e Desporto, porque Sidónio estão Monteiro, interessados de que em nunca fazer outras coisas. Evidentemente que o discurso do jovem perigoso, 10 - - res Em da 2011 sociedade, o INE vistomudou que o argumentava-secálculo que tinha que sido o objetivousado para era medir meramente a taxa eleitoralde desempre e não sego, adequava apresentando à realidade em 10,7%, cabo-verdiana. tendo sido porConvém isso alvolembrar de muitas que em críticas 2008, detrês vários anos sectoantes dessa mudança, no Documento de Estratégia de Crescimento e de Redução da Pobreza (DECRP) a taxa do desemprego corresponderia a 48% na faixa etária dos 15-24 anos. 275

Redy Wilson Lima preguiçoso, desordeiro e irresponsável não é novo e em Cabo Verde advém da época colonial. Novo é o discurso de culpabiliza- ção da juventude pelas altas taxas do alcoolismo e toxicodepen- rua. Falsa ou não, estas acusações acabam por consolidar ainda dência existentes no país, bem como do aumento da violência de- tura em que acusações de nepotismo chegam a conhecimento mais o mal-estar juvenil no país, especialmente numa conjun- tencentes a grupos dominantes. público, atingindo dirigentes político-partidários jovens, per a juventude cabo-verdiana na cidade do Mindelo, constata a exis- Martins (2010 e 2009), a partir de uma pesquisa etnográfica sobre- lham com esse segmento da população. Tais contradições podem sertência entendidas de contradições como resultado entre os dasjovens discrepâncias e os profissionais entre os que padrões traba - doras e as trajetórias desestandardizadas dos jovens (Pais, 2005). estandardizantes de planificação por parte das instâncias controla Por parte dos rappers, quer sejam gangsta, pan-africanistas, simpatizantes do PAICV, MPD ou apartidários, estas oportuni- dades encontram-se segmentadas e não se vislumbra nenhuma política públicaOs adequada sucessivos para governos os jovens. têm falhado nessa matéria e juven- tude é desenvolvimento… e todos os problemas que temos hoje de gangues, violência baseada no género, kasu bodi11

quero com isso vitimizar a juventude, mas pensa por exem- é devido a ausência dessa política ao longo dos anos… não- mado como eu, pensar em ter casa própria é uma utopia. Nasplo naoutras política ilhas habitacional, tens jovens queem quejamais um irão jovem conseguir recém-for sair da casa dos seus pais, porque chega na idade em que está

dos pais. Não consegue sair dali porque o emprego, se tiver, sexualmente ativo, faz um filho e o seu filho é criado na casa […] Sem falar a guilhotina que é do empréstimo universi- tário,não lhe que dará o jovem rendimento ao terminar suficiente o curso para terá pagar de pagaruma renda. cerca

11 Do inglês cash or body. 276

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superior ganha na administração pública 53 mil escudos mensaisde 40 mil (Batchart, escudos Hipmensais, Hop Art). num país em que um técnico

Job for the boys é algo que sempre teve em Cabo Verde, só - - que agora fala-se mais. […] E se repares é algo muito am plo.para Fui ele… à escola isto faz com parte o teu da pai, história os nossos cabo-verdiana. filhos estão Vai-se cres cidos… somos camarada, o meu filho chegou do curso, olha

dosreproduzindo pobres não e ficavencem. sempre Vendo quem bem, tem a melhoresmaior parte condições daque- lesnos que melhores hoje tem lugares. estatuto Mas social isto nãoem Cabo quer Verde dizer vieram que filhos de lares pobres e a maioria do interior. Agora obviamente que a questão partidária ajuda e os jotas são um bom começo (Buddha, República).

Se vermos bem, diria, que oportunidades até existem, em- bora pouco. Chegas agora ali na Achada Grande Trás e en- contras a maioria dos jovens desempregados e dizes como é - - pleto…possível, oportunidades tantos jovens talvezsentados até existem,num único mas bairro. para conheciOportu- nidades nada. E falo de jovens com o décimo segundo com

dos (J.Rex, Wolf Gang). Descoletivização social e a influência da cultura hip-hop nas identidades juvenis

1990,Poder-se-á trouxe dizer avanços que aimportantes liberalização para económica, um segmento nos finais popula de- cional,1980, seguidaenquanto, da a liberalização maioria, foi relegada política, ao no segundo início dos plano, anos sen de- - mação pessoal e social. do obrigada a buscar vias alternativas de sobrevivência, de afir Como recorda Hespanha (2005), o capitalismo funciona como uma enorme máquina de exclusão exercendo uma triagem sis- temática entre as camadas sociais, visto rejeitar tudo o que não pode integrar na sua lógica. Essa ideia é reforçada por Innerarity 277

Redy Wilson Lima

sociedades do capitalismo tardio. (2011) quando afirma que existe uma tendência excludente nas

- A passagem de um sistema de produção estatista – centralizador ainda,– para umcom sistema a agenda de deprodução reforma capitalista económica tardia adotada – desregulamen a partir das orientaçõestado – acarretou do Banco profundas Mundial modificações (BM) e do Fundo sociais Monetário no país. Inter Mais,- nacional (FMI). A reestruturação económica, que catapultou o ar- quipélago para um crescimento económico acima da média (cerca - 12 au- de 8,4 de média anual), fez com que a desigualdade na distribui ção do rendimento disparasse, uma vez que o Índice de Gini Dementou ponto de de 0,43, vista em ideológico, 1989, para a passagem 0.59, em 2002 inclinada (INE, de 2002). um sistema leninista-marxista (coletivista) para um sistema neoliberal (in- dividualista) passou a ideia de que a sociedade civil estaria livre sociedade civil tenha passado a se manifestar sem receio de re- presáliasdos mecanismos institucionais, de repressão o fez de do forma aparelho confusa, do Estado. quase sempre Embora no a bojo dos partidos, ainda que tentando rejeitar todos os tipos de -

Aminverdades (2011) oficiais, denomina não se de dando farsa contademocrática. que, ingenuamente, Ou seja, a substitui repro- çãoduzia da uma casta nova anterior verdade para oficial, uma nova,que foi em consolidando que os novos aquilo senhores que detinham não o status de libertadores da pátria, como aconteceu status de democratas, legitimados pela ideia de terem resgatado a pátria do totalitarismo da esquer- nos anos de 1970, mas sim o daPorém, e instalado para que um esta “verdadeiro” ideia se efetivasse Estado Democrático. e consolidasse, a marca ou o legado socialista teria de ser apagada da sociedade cabo- -verdiana. Isto é, era necessário reescrever a história de forma a

12 consumo) no seio duma população. Vai de 0 a 1 e tende para 1 quando as distribuições são O muitoÍndice desiguaisde Gini indica e para o grau0 quando de desigualdade são menos. na distribuição dos rendimentos (ou do 278

RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL legitimar uma nova verdade. Tal e qual aponta Cardoso (1993), quando descreve as estratégias de dominação ideológica dos “combatentes di mato”, nos anos de 1980, a nova estratégia dos democratas passava por uma nova revisão da história, colocan- do o discurso da segunda libertação popular, na ordem do dia.

- da, ressocializando à pressa os jovens, embora sem um modelo Deu-se então início a uma descoletivização social desplanifica- de referência, obrigando-os, a buscar novos símbolos de identi extensãoficação. Novas das experiências instituições anteriores, juvenis foram só que criadas, em novos teoricamente moldes. impulsionadores do livre arbítrio juvenil, mas na prática uma Neste quadro social, pela ausência de um modelo de referência institucional, a nova geração encontra nos grupos de pares os únicos agentes reprodutores de referência, com a ausência da gangsta rappers13 surgiram como subterfúgio, cujo estilo foi ra- figurapidamente de Cabral, importado que forae incorporado a referência ao cotidianoda geração juvenil. anterior. Os

Primeiro rapper trarabu14 - que ouvi e me influenciou foi o blackDMX. igual Ouvia a mim a dar e flowalguns outros, mas que me marcou foi o DMX. Iden- virtifiquei-me outros com com melhores o ritmo econteúdos cantava. […] (Kumbaa, Vi aquele Pompa Preto). e identifiquei-me. Só mais tarde comecei a ou Gostava da maneira de ser do 2 Pac, embora ele era muito re- belde… 2 Pac era um ativista, dava a cara pelos negros, BIG era mais hustler. Ouvi muito 2 Pac na minha infância… mas Gabriel,

O Pensador, também me influenciou (Buddha, República). A maioria dos rappers rap americano, mais concretamente o estilo gangsta, que os levou a cabo-verdianos foi influenciada pelo

13 Gangsta rap um subgénero do rap

que tem como característica a descrição do dia-a-dia violento Designação dos jovens para rap negros comercial, desafiliados sem qualquer das grandes mensagem cidades tido norte-americanas. como positivo pelos au- toproclamados14 rappers conscientes. 279

Redy Wilson Lima serem responsabilizados pelo aumento da violência de rua, mais pelo rapper brasileiro Gabriel, O Pensador, que inclusivamente es- teveconcretamente em Cabo Verde na cidade nos anos da de Praia. 1990. Outros Ao contrário foram influenciadosdaqueles que começaram a cantar nos anos de 1990, os chamados old school do rap rap americano, mas também pelo chamado rap lusófono, inicialmente conhecida cabo-verdiano, tiveram alguma influência do acedido pela internet - sobretudogação do rap pela atual, programação tanto do daque RTP se fazÁfrica, em masCabo hoje Verde, facilmente quanto além-fronteiras por cabo-verdianos, um dos veículos e/ou mais seus importante descendentes. na divul

Se realmente comecei a ouvir o rap americano foi no ano de

hip-hop lusófono. Não os old school, 1999/2000/2001,que na altura éramos altura muito em novos, que conheci mas tipo o Ex-Pavi. o Boss AC,[…] o Eu Vale e o- 4ARTK ouvíamos muito o rap americano veio depois num formato tipo Wu Tang Clan. Não apanhamos a te… no programa Solstício da RTP África. […]rappers O dos anos de 1990), mas acabei por vir estudar as suas músicas mais tarde, febre 2 Pac no Mindelo (que influenciourap os americano, até por- que não entendia as letras (Batchart, Hip Hop Art). embora não tenho muita influência do

Ocidental, Mbaye (2011) considera que o hip-hop encontrou ali Observando a cartografia da estética urbana dos países da África numa expressão musical emergente, uma vez que os jovens es- um contexto político, cultural e econômico ideal para se tornar desemprego. O hip-hop foi percebido como a maneira objetiva e alternativatavam desiludidos que os jovens com a tinham governação, de reivindicar perante osaltos seus índices direitos. de

Mais ao Sul, segundo Magubane (2006), é na apropriação da cul- tura afro-americana que os jovens negros sul-africanos vão se reestruturação das suas vidas. Poder-se-á dizer que o rap possibi- litoureformulando, a emergência articulando das invisibilidades as críticas esociais, buscando na medida respostas em paraque, que a música rap - tal como Rose (1994), citado por Magubane (2006), argumenta é a estética responsável por tornar visível o mal 280

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-estar urbano nas sociedades pós-industriais americanas, por um lado, assim como por permitir aos jovens negros guetizados criar uma forma de resposta à pobreza e à opressão a que estavam su- jeitos, tal como o desemprego, a brutalidade policial, as guerras

Éligadas de salientar ao narcotráfico que o hip-hop e a violência, enquando dos gangues um fenómeno (Kelley, 2006). pós-co - lonial (Prévos, 2001), transnacional (Kelley, 2006), glocalizado (Simões, 2010), transcultural e transurbano (Mbaye, 2011), fez emergir nos jovens dos centros urbanos africanos, em geral, e ca- - identidadesbo-verdiano, consoantes em particular, a sua identidades condição social, reflexivas condicionado e reflexivida pela de estética (Pais, 2007), na medida em que reorientaram as suas modernidade impositiva (Pais, 2007), mas buscando responder- car-sea partir com de estéticasuma reflexividade performativas transformadora urbanas outsiders (Pais, 2007).15, mesmo Ou sendoseja, em percebidos contextos inicialmentede desigualdades, como os culturalmente jovens buscam estranhos identifi ao seu universo, mas com capacidades atrativas globalizantes. - de foram apropriados dois estilos identitários do hip-hop, apa- rentementeDeste modo, distintos. tal e qual Onos estilo outros pan-africanista países africanos, e o estilo em Cabo gangsta Ver.

O hip-hop - nora, gestual), surgiu num no contexto início dos pós-industrial, anos de 1970, de no desindustriali South Bronx- zação(EUA), e como reestruturação uma linguagem social expressiva e econômica multiforme da sociedade (visual, norte so- -americana. Surgiu como uma espécie de cultura de resistência dos oprimidos (Simões, 2010) ou um contra-discurso dominan- te dos jovens negros marginalizados.

O gangsta rap, subgénero do rap que promove a violência e a misoginia, exalta a vida no gueto, romantiza a atividade dos gan-

15 Parto da ideia de que os hip-hoppers, no processo de construção identitária, procuram identificar-se com estéticas desviantes do padrão dominante. 281

Redy Wilson Lima

objeto de desejo ou troféu, ora como motivo de depreciação. Na suagues, origem aclama16 o tráfico de drogas e apresenta a mulher ora como de vangloriar o gangsta style, denuncia a violência estrutural e simbólica, principalmente, no South Central, a protagonizada Costa Oeste pelados EUA,corporação para além po- licial. Deste modo, convém não considera-lo como um movimen- to homogêneo, porque existe uma outra variante que produz uma representação crua da realidade, politicamente incorreta, da vida do gueto, sem, contudo, uma carga ideológica aparente, a sociedade dominante através de relatos marcados por experi- ênciasmas com individuais alcance político ou de grupo, evidente, que incorporamna medida em um que conjunto contesta de pela pobreza e violência. Para Simões (2010), embora o discur- dificuldadesso do gangsta associadas rap seja manifestamente à sobrevivência niilista em contextos e aparentemente marcados desideologizado, diferente do rap mensagem, politicamente en- gajado, poder-se-á considerar o gangsta rap também uma forma

Poder-se-ácultural de manifestaçãoconsiderar que política. o rap cabo-verdiano desenvolveu- de jovens dos grupos dominantes, nos dois maiores centros do -se em 4 fases. A primeira, nos finais breakdo ano dance de 1980, ou b-boying no seio, em que a nova vaga performativa afro-americana foi transferida ipsispaís, verbisPraia epara Mindelo, o contexto em formato cabo-verdiano. do A segunda, mais ou beats - menos na metade dos anos de 1990, muito influenciada pelos dos chamados caribenhos rappers – enquanto conscientes no Mindelo ou positivos, as mensagens uma jácaracte conti- nham alguma consciencialização social,rap se festa calhar era por mais influência eviden- periferia,rística mais mais afrocentrista, gangsta, associado na Praia, ào violência de rua, uma vez quete. A reproduzia terceira, no a início violência dos anosdos guetos de 2000, americanos já territorializada nos bairros na

16 - gaz With Attitude) e mundialmente popularizado por 2 Pac nos anos de 1990 Foi criado na segunda metade dos anos de 1980 por Ice T, glorificado pelos NWA (Nig 282

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- -africanista e decididamente afrocentrista, utilizando samplers da capital do país. A quarta, em finais da década 2000, mais pan grande parte pelo ativista e comunicador da rádio Kadamawe, segundode artistas o qual,e músicas percebeu populares rapidamente cabo-verdianas, que o rap influenciado poderia ser umem

- senvolvidoótimo veículo dessa de difusãoforma, nosde mensagens dias de hoje africanistas, encontramos visto rap que cabo os- jovens estavam cada vez mais a aderir a ela. Embora se tenha de das festa ou das atividades dos gangues. Digamos que hoje não existe-verdiano uma a varianteversar sobre dominante, conquistas havendo femininas, casos aem falar que de um África, gru- po apresenta num único mixtape

Não há dúvidas sobre a origem do todos rap, elemento os elementos oral dasdo hip-ho 4 fases.p, descendente direto do griot17, transportado nos barcos negrei- ros para as plantações das américas. Hoje ela representa um negócio de multibilhões de dólares americanos que permite o da sua transformação em propaganda ideológica de dominação modernista,EUA influenciar bem milhões como a exportaçãode pessoas daem misoginia todo o mundo, e da violência a partir

Appadurai(Abu-Jamal, (2000), 2006). segundo Magubane (2006), diz que é preciso

é um exportador de cultura, que se tornou virtualmente uma re- questionar de que cultura falamos quando afirmamos que o EUA é multiétnico. Nesta mesma linha, Gilroy (1993) considera a cul- ferênciatura negra de segundacomo uma cultura contracultura em todo o da mundo, modernidade já que aquele presente país histórico da escravidão é a razão central pelas quais as realiza- çõesnas Américas, intelectuais na eEuropa culturais e na das África. populações Para esse da diásporaautor, o legado negra existem apenas parcialmente dentro da grande narrativa do Oci- dente. Portanto, por isso, Magubane é de opinião que o rap é um

comunidade17 que através de suas narrativas passam de geração a geração as tradições dos Contadores seus povos. de estórias originários da África Ocidental. Considerados sábios da 283

Redy Wilson Lima bom exemplo de como uma arte pode ser exibida numa dupla tendência em relação à modernidade ocidental.

Por um lado, a música rap celebra o individualismo, chau- vinismo racial, consumismo, capitalismo e dominação se-

modernidade e seus frutos amargos, particularmente para asxual pessoas – valores de cor.fundamentais […] Por outro que lado, moldaram a música a trajetóriarap também da

(Magubane, 2006, p. 210). forneceu uma poderosa crítica à modernidade ocidental

- ção e o consumo da cultura americana via rap trouxe mixada no seu Embojo Cabo ambas Verde, as tendências, como em qualquer contribuindo outro dessa país africano,forma para a importa uma in- digenização18 (Magubane, 2006) da cultura juvenil cabo-verdiana.

Democracia e participação política juvenil

O conceito da desconsolidação democrática permite avaliar a saúde democrática de uma nação, dando conta do processo pelo qual as instituições públicas são usadas a partir de interesses privados (Baquero, 2001). Não pretendendo utilizá-lo da forma como normalmente é apresentado na literatura especializada, como um processo em que os poderes e os interesses econômi- para conservarem a sua dominação e seu regime de enriqueci- cos utilizam os poderes políticos e as instituições democráticas- micas de poder em Cabo Verde, uso a ideia para dar conta da mento, com legitimidade e eficácia. Mas, percebendo as dinâ utilizados pelos interesses individuais e familiares para, de for- forma como as instituições públicas e os partidos políticos são seu regime de enriquecimento, bem como para apropriarem-se indevidamentema legitimada eda eficaz, coisa nãopública. só conservarem a sua dominação e

18 Processo pelo qual os sujeitos da segunda geração de cidadãos nacionalistas pós-inde- resurgimento de valores nativos que se oponham aos valores ocidentais (Magubane, 2006). pendentes identificam o retorno dos valores nativos de um país descolonizado, ou seja, o 284

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Segundo Baquero,

Pensa-se que uma democracia se consolida meramente pela sua capacidade de sobreviver a atentados contra a sua insti- tucionalidade. O que constatamos no Brasil contemporâneo é que a democracia está se sustentando, mas suas institui- ções, longe de se consolidarem, estão cada vez mais subme- tidas aos interesses privados dos setores privados (Baque- ro, 2001, p. 2001).

Schmitter, citado por Baquero, faz uma avaliação sobre as demo- cracias latino-americanas e conclui que:

Apesar das instituições funcionarem anti-democraticamen- te com governos que não governam, parlamentos com mais

elegem candidatos mas não os legitimam, instituições po- representatividade privada do que política, eleições que privadas, dão lugar a uma desordem democrática capaz de desordenarlíticas que servem qualquer para ordem o linchamento e ordenamento político social, e vinganças mas que paradoxalmente, são naturalizadas por toda a sociedade

(Schmitter, 1994, citado por Baquero, 2001). em parte à realidade cabo-verdiana. São vários os exemplos no- ticiadosMesmo sendo dando a conta definição de situações de uma realidade de aproveitamento exterior, ela institucio aplica-se- uma das consequências da desordem democrática “é a ideia de nal para com benefícios individuais ou familiares. Para Baquero, - ticipaçãoque uma alternativarequer uma aos melhoria défices da de própria representação representação, política oseria que ema maior realidade participação não ocorre” política (Baquero, e, ignora-se, 2001, no p. 101).entanto, que a par

Para além das peculiaridades do ser cabo-verdiano, isto é, da mora- beza19 cabo-verdiana de que nos fala Pina (2006), tal como referi-

19 -

Entendida como uma categoria social que melhor caracteriza e identifica o cabo-ver diano – cordial, hospitaleiro, urbano, cosmopolita, democrático, etc.. Sobre este assunto ver Pina, 2006, pp. 73-90. 285

Redy Wilson Lima

do no início deste artigo, as privações sociais estruturam a cultura- política dos cidadãos, relegando-os à mercê dos apetites vorazes partirdos políticos de uma e perspetivaativistas partidários. socio-histórica, Se analisarmos perceberemos o défice os democondi- cionantescrático e o que défice impedem de representação o desenvolvimento democrático real da em democracia Cabo Verde ca a- tem possibilidade de criar riqueza, por outro, fruto do seu cunho neoliberal,bo-verdiana. constata-se, Se por um lado,simultaneamente, o modelo econômico um crescimento e político vigente de ex-

- caclusão ao invés social de e defender pobreza, as sobretudo necessidades a pobreza do povo, urbana defende (INE, apenas 2010), os interessestransformando individuais a sociedade e familiares cabo-verdiana. das elites. A representação políti

Perante este cenário, com naturalidade os rappers se posicionam no lote dos grupos sociais que não acreditam na democracia.

do povo. É feito pelo povo, é o povo quem manda e quem Democracia, se formos na raiz da palavra significa poder- -verdiano, porque estamos num sistema representativo, em quedecide. o povo Encontras vota na uma escolha grande dos contradição seus representantes no sistema e o cabo pro- blema disso é que quando analisares bem, a classe mais pri-

A classe mais privilegiada é a elite ou a classe governante, porquevilegiada estão no sistema a usufruir político do poderdesta sociedadetransmitido não pelo é o povo.povo, mas não estão a retribuir essa transferência. É o povo que os está a servir e não o contrário. Se o sistema democráti-

tanta violência juvenil, falta de valores […] A democracia estáco estaria a caminhar a funcionar para um bem campo não teríamos falacioso tanto (Anon-rá, desemprego, FARP).

A questão da liberdade de expressão é também apontada pelos rappers entrevistados como um indicador da farsa democrática, ainda mais depois que algumas músicas com mensagens mais corrosivas terem sido censuradas nas rádios públicas e privadas,

Hop Art diz que a música “NovaOrdeMundial”, do álbum “Raiz assim como na televisão. Em 2010, Ex-Pavi, um dos MC’s dos Hip 286

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-

& Kultura” foi ser censurada pela televisão nacional, por alega damente aparecer no vídeo a carregar uma cruz gigantesca. A Maisimagem recentemente, foi oficialmente Batalha, considerada MC principal de má qualidade.dos Sindykatto de

Guetto, viu o vídeo “Noz Morabeza”, do álbum “Golpe di Stadu primeiro-ministroII” ter o mesmo destino de mentiroso que o do e Ex-Pavi,demagogo. por parodiar sobre o narcotráfico, o enriquecimento ilícito, a corrupção e chamar o

até onde certos assuntos não for tocada. Há dois tipos de Aqui existe uma falsa democracia. Uma democracia que vai- res mal visto e há aquela que tem a ver com ideias. Lembro- -mecensura: quando há umalancei censura o mixtape do tipo‘Ken dizeres Ke Buddha’, palavrões havia eali a umafica música de nome ‘Nha Povo Nhos Corda’ e o gajo da rádio telefonou-me e disse que tinha interesse em tocá-la na rá- dio. [...] Perguntei se é mesmo essa música que ele queria to- car e ele disse que sim porque é tipo nosso povo acordem e queria tocá-lo logo de manhãzinha. Mas acho que não tocou muito, porque a música começa nosso povo acordem que trago aquela realidade censurada, aquela verdade que sabes que é verdade mas metes a cara de lado… […] És censurado - - balho.no trabalho, São os no yes corredor man. (Buddha, do Estado. República). Há pessoas desconten tes mas ficam calados com medo para não perderem o tra Devido à cultura da necessidade, muitos jovens tem chantageado os partidos, trocando o seu voto por migalhas, chegando ao pon- to de venderem o bilhete de identidade por mil e 500 escudos, - partidária,caso denunciado criaram publicamente este mercado por eleitoral, vários quepolíticos. agora Obviamenos assusta. te que foram os políticos e os ativistas, que usando a estrutura centros, como parte dos jovens das periferias, jogam o jogo elei- A participação política juvenil, tanto por parte dos jovens dos campanhas como um grande casino, onde quem tem mais skills etoral sorte tentando tira os melhores tirar o máximo proveitos. proveito possível, encarando as 287

Redy Wilson Lima

- gando o tempo da eleição, forma-se aquele grupo de ativis- Participação dos jovens do gueto na vida política é tipo, che voltando a agrupar-se na próxima eleição. […] Mobilizam-se portas, integra-secausa do dinheiro. um partido Vão político porque e recebem.passando Seisso não acabou, fosse

pago de certeza não estariam ali. As pessoas não identificam com os partidos políticos ideologicamente. Nem conhecem Sindykattoo objetivo político de Guetto). do partido para quem trabalham, muito menos saber se identifica com o seu estilo de vida (Batalha, rappers tem relação com a postura dos jotas, acusados de seguirem a agenda dos mais ve- Umalhos, incapazes outra crítica de se costumeira impor perante dos os vanguardistas do partido. Aliás, as constantes interferências dos seniores, trazidas a públi- co pela comunicação social nos bastidores das campanhas dos jotas, é sintomático a esse respeito.

com uma ideologia consolidada, trazendo algo de novo. ChegamJovens que e seguem entram a naideologia política, antiga nos partidos,e nada muda, não entramsai um entra outro, durante quatro anos. Isto quer dizer que não se conseguem impor. Ainda estamos perante ideologias de

vinte, trinta anos. (J.Rex, Wolf Gang). A perceção dos rappers um lugar de carreira, é também criticada: , de que os políticos fazem dos partidos - -te de ver a sua cara na parede do jardim-infantil quando erasVês umcriança, dinossauro vais para a fazero liceu carreira e começas na política.a votar e Lembrasainda ele está lá, mais tarde morre politicamente e dão-lhe um cargo numa empresa pública (Batchart, Hip Hop Art).

A instrumentalização dos rappers pela máquina de guerra dos partidos despoletou uma acerada discussão no ano de 2011, revigorando a luta simbólica de autenticação no campo do rap, entre os autoproclamados rappers conscientes e os tidos como rappers comerciais, que no passado desterritorializou-se do campo lírico para o espaço físico. A discussão centrou-se num 288

RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL evento realizado às vésperas das eleições legislativas de Feverei- ro, quando dias antes da comemoração de mais um aniversário organizar às pressas um concerto em homenagem ao herói na- da morte de Amílcar Cabral, alguém ligado ao PAICV lembrou de de se fazer notar, quiçá de gravar um cd coletivo ou de fazer um tourcional. pelas Uns, ilhas, ingenuamente, como chegou vendo a ser noprometido evento uma pelos possibilidade promotores do evento, ou ainda ganhar algum dinheiro extra, apresentaram- -se de imediato. Outros, sabendo os reais objetivos dos ativistas partidários, ajudaram amealhar mais simpatizantes jovens, na medida em que, cada vez mais o rap tem conseguido mobilizar centenas deles, principalmente nos meios rurais.

e também aceitas porque sabes que apanhas ali um públi- coEles mais nos amplo usam eporque aproveitas já sabem para passarque mobilizamos a tua mensagem. pessoas É igual a qualquer outro show… canto as músicas que sempre canto, contra o governo e contra os partidos. O problema é que muitas vezes, na hora do pagamento tentam fugir. Tentam adiar o pagamento para mais tarde. […] Na Praia houve casos em que rappers receberam cinquenta mil escu- dos. Com esse dinheiro tiras um mixtape para a rua na boa, com capa e tudo. É uma ajuda. Não deixas de ser menos ou

não para o partido. O que acho mal são rappers que recebem paramais. cantarSão oportunidades. músicas dos Estáspartidos, a cantar que parafala dosum públicopartidos, e acho mal porque não podes vender a tua ideologia aos par- tidos, não és nem simpatizante nem militante. Acredito que não se deve cantar só pelo dinheiro mas é uma boa chance

deTens ganhar rappers dinheiro que estão (J.Rex, vinculados Wolf Gang). em outras ideologias, ou-

mudar consciências não só da sociedade, mas também das po- pulaçõestras ideias, mais ideias desfavorecidas, políticas, que porque o usa enquanto rap veio instrumentode um contexto de de subjugação humana, em que o homem era muito reprimi- do, tempos de escravatura mesmo. Rap é um instrumento de revolta, que fala da realidade do homem negro… tens rappers -

que buscam afirmar-se nas ideologias de Amílcar Cabral e ou tros líderes que falam da reafricanização dos espíritos como 289

Redy Wilson Lima

ponto de partida para uma nova consciencialização de conhe- cimento com o objetivo de estabilizar a sociedade e tens um outro rap que não se preocupa com a questão identitária, que preocupa-se apenas com a moda ou com o que vem de fora…

em troca de dinheiro, compatibilizando assim com a propaga- então eles são um alvo fácil a ser usado pelos líderes políticos conscientes, de intervenção, com mensagens de que as pesso- asção devem da ideologia olhar adesse partir sistema de um político.outro ângulo, […] Podem ideias ter revolucio músicas- nárias, mas olha onde essa mensagem vai ser deixada? Numa

o sistema partidário e não para ouvir as mensagens que que- remcampanha passar. política, As pessoas onde lhes as pessoas vêem como estão uma todas parte voltadas de anima para- ção e não como um mensageiro ou um mestre de cerimónia

a serem ouvidas (Anon-Rá, FARP). (MC). Os MC ali são os líderes políticos, são as suas mensagens

Que tipo de movimento é o hip-hop cabo-verdiano?

Atualmente, dois polos sociológicos disputam teoricamente o conceito de movimento social. Num dos polos, estão sociólogos, politólogos e historiadores, que enquadram-no na teoria da mo- bilização dos recursos, considerando como tal os comportamen- detos recurso,racionais inclusive de atores a coletivosviolência; que de tentamoutro lado, instalar-se a teoria ao que nível o enquadrade um sistema nos setores político, de tentando pesquisa com sociológica, isso mobilizar percebendo-o todo o tipo en- quanto ação de um ator dominado e contestatário que se opõe a um adversário social para tentar apropriar-se do controle da historicidade20. Wieviorka (2010) é de opinião que essas duas grandes abordagens podem ser conciliadas, desde que se reco- nheça que elas não possuem os mesmos objetos e preocupações. operário, com o advento da noção sociedade pós-industrial, com Estando a história dos movimentos sociais ligada ao movimento

20 O controlo da sua história enquanto grupo social. 290

RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL a automatização e posterior informatização dos espaços de pro- capitalista ao polo mundial socialista, em que as lógicas neolibe- ralistasdução; assim tornaram-se como ao hegemónicas fim da Guerra e Fria, as ONG’s ligando ganharam o polo mundial maior importância, as lutas sociais ultrapassam as fronteiras estatais e tornam-se globais, o que consistiu no nascimento de um ou- tro tipo de movimento, chamado por Wieviorka (2010) e outros pesquisadores de movimentos globais. Tanto eles apresentam novos movimentos sociais, apresentando também elementos in- quietantescaraterísticas e alguma dos movimentos tendência para sociais a violência. clássicos quanto o dos

O movimento hip-hop - - tão menos integrados einscreve-se os movimentos nesta contestatários categoria, numa culturais confi guração em que a vida social, a vida política e a vida cultural es- nacionais, diaspóricos e nômades (Wieviorka, 2010). ultrapassam as fronteiras do Estado-nação, tornando-se trans No caso do hip-hop ou rap cabo-verdiano reconheço que, de ponto de vista sociológico, falar de movimento hip-hop é um pouco forçado, porque falamos de uma cultura com cinco ele- mentos basilares e mais uns tantos que paulatinamente foram constituindo como a sua estética, em que tirando poucos break dancing e d-jing e quase nenhum writer, não se encontra outros elementos constitutivas dessa cultura, a não ser o elemento oral, street hip-hop fashion e street language21.

rap pan-africanista e/ou afrocentrista po- deria se inscrever naquilo que hoje se chama de movimentos globais,A nível ideológico,mas a sua ofalta de interligação e solidariedade inter- nacional, sobretudo a outros movimentos pan-africanistas e afrocentristas ou mesmo ao hip-hop africano, sem falar da sua

21 Atualmente consideram-se 9 os elementos do hip-hop: break dancing, rapping, graffiti art, d-jing , beatboxing, street fashion, street language, street knowledge, street entrepre- neurialism. 291

Redy Wilson Lima incapacidade em associar-se de forma prática aos movimentos do hip-hop na diáspora cabo-verdiana, que daria lugar a um su- posto movimento de hip-hop crioulo, com alguma força de in- radicados no estrangeiros, como hip-hoppers afrodescendentes etervenção das demais social nações e político, crioulas, que entendo-o integraria mais não sócomo cabo-verdianos um antimo- - foravimento da esfera global, institucional, de entre outras bem caraterísticas, como de construir pela sua um tendên campo decia forçasectária na sociedadee dificuldade civil em e uma organizar identidade ações coletiva sociais ae partirpolíticas de interesses comuns, combinando princípios de solidariedades e sociabilidades horizontais, a partir da edificação de uma base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo- grupo, participando direta e indiretamente da luta política – não partidária – do país e contribuindo, desta feita, para o desenvol vimento e transformação da sociedade civil e política. -

Finalizando, apesar das constantes confusões entre o político e o par foitido, organizada transversal na à todapós-abertura juventude democrática, e à sociedade obrigando em geral, asresquícios popula- çõesdos tempos a tomar do partido, partido-Estado visto tal comoe da forma tinha comodito Pedro a própria Pires sociedade nos anos de 1980, segundo Cardoso (1993), “não se pode agradar a Deus e ao Diabo ao mesto tempo”, alguns rappers pesquisados reconhecem com isso consciencializar a juventude perante o perigo da bipartida- rizaçãoque a sua da participação sociedade e édo quase que elesque somentechamam ade nível falsa musical, democracia. tentando

A maioria vota por questões de cidadania e há um grupo, alguns rappers pan-africanistas e afrocentristas que se abstêm do voto, mas sentem-se ainda incapazes em forçar a criação de um mo-

Acham que a sociedade ainda não se encontra preparada para isso,vimento devido de apeloà sua àdesunião, abstenção mas como não formadeixam de de pressão lado a política.possibi- lidade de num futuro qualquer passarem da teoria à ação, tal e qual fizera o seu líder ideológico, Amílcar Cabral. 292

RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL

rap - -se atualmente incapazes de mobilizar os jovens para uma parti- Convém por fim realçar que embora façam político e sintam das esferas partidárias ou que não voltem as costas ao ativismo cipação política que não se limita aos domingos de voto e dentro- vejosocial ainda, junto possivelmente das comunidades, por culpa a nível das geral, dependências falando de institu movi- cionaismentos quesociais, transformam da forma oscomo rappers ela é, tal pensada como a e generalidade definida, não da o juventude cabo-verdiana da pós-abertura democrática, em ato- res apáticos, recorrendo quase sempre a esquemas informais, as instâncias de poder quando os outros recursos não surtirem efeitos,algumas mas ilegais pensando e ilícitas, sempre assim no como individual à hipocrisia e nunca na relação no coletivo, com

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Recebido em 01/10/2012 Aprovado em 15/11/2012