Universidade de Cabo Verde Université Catholique de Louvain- la-Neuve

Departamento de Ciências Sociais e Faculté des Sciences Économiques, Humanas Sociales et Politiques Département Sciences Politiques et Sociales

AS ELITES POLÍTICAS LOCAIS CABO-VERDIANAS: RECRUTAMENTO, REPRODUÇÃO E IDENTIDADE – ESTUDO DE CASO DOS MUNICÍPIOS DA , DE SANTA CATARINA E DE SANTO ANTÃO: 1991-2008

José António Vaz Semedo

Tese apresentada para obtenção do Título de Doutor em Ciências Políticas e Sociais Orientadores: Prof. Doutor: Cláudio Alves Furtado Prof. Doutor: Olivier Servais

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SETEMBRO DE 2012

AS ELITES POLÍTICAS LOCAIS CABO-VERDIANAS: RECRUTAMENTO, REPRODUÇÃO E IDENTIDADE – ESTUDO DE CASO DOS MUNICÍPIOS DA PRAIA, DE SANTA CATARINA E DE SANTO ANTÃO: 1991-2008

José António Vaz Semedo

Membros do Júri:

Profª. Doutora Ana Cristina Pires FERREIRA (Presidente)

______Prof. Doutor Cláudio Alves FURTADO (Co-orientador)

______Prof. Doutor Olivier SERVAIS (Co-orientador)

______Prof. Doutor José Carlos dos ANJOS (Arguente)

______Prof. Doutor Tangui DE WILDE (Arguente)

______Profª. Doutora Nathalie BURNAY (Arguente)

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Praia, 13 de Setembro de 2012 AGRADECIMENTOS

A realização desta tese só se tornou possível, devido ao contributo, ao longo destes quatro anos, de inúmeras pessoas, que julgamos fundamentais nesta nossa trajectória académica, e sem o apoio dos quais, seguramente, não teríamos alcançado este objectivo, o da finalização desta etapa tão importante. Este espaço afigura-se, de todo exíguo para nos referirmos a quantos participaram nesta caminhada, contudo, não nos coibiremos de nomear apenas alguns, estando certo que estaremos a homenagear e a agradecer todos quanto despretensiosamente contribuíram para este trabalho.

Em primeiro lugar, o nosso público agradecimento aos nossos orientadores, Professor Dr. Olivier Servais e o Professor Dr. Cláudio Furtado que se mostraram sempre disponíveis para nos ajudar e cujas observações e críticas contribuíram sobremaneira para uma maior compreensão do nosso objecto de estudo e a descoberta de novos caminhos.

Um agradecimento especial ao Professor Dr. Pierre-Joseph Laurent por ter acreditado em nós e pelo incessante incentivo ao longo desta caminhada. Ao colega e amigo Crisanto Barros pelas discussões e partilha de documentos sobre o tema em apreço.

À Professora Arminda Brito e ao Professor e amigo Daniel dos Santos, pela leitura, sugestões e correcção dos textos.

Queríamos deixar aqui também os nossos agradecimentos a todos os eleitos políticos municipais que se disponibilizaram a partilhar connosco o seu tempo e os seus conhecimentos.

Aos colegas da Afrosondagem pelo apoio e pelo incentivo dispensados ao longo destes quatro anos.

Por fim, um agradecimento especial aos meus pais, que me ensinaram os caminhos da vida, e a quem tudo devo, aos meus filhos Giselle e Tiago, razões da minha luta diária, e à minha mulher pelo suporte neste período difícil.

"O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. No final, não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos, mas do silêncio dos nossos amigos."

Martin Luther King

Resumo

O trabalho que ora se apresenta está focalizado na análise das elites políticas locais dos municípios da Praia, de Santa Catarina, da Ribeira Grande, do Porto Novo e do Paul, no período entre 1991 a 2008. Procura-se descortinar as fontes de recrutamento, compreender o processo da sua renovação e reprodução, bem como o seu posicionamento identitário, isto é, procura-se entender se essa elite política local, tem um comprometimento no sentido do desenvolvimento nacional ou dos seus respectivos municípios.

Os resultados da pesquisa indicam, em termos globais, que as elites políticas locais nos diversos municípios cabo-verdianos, são recrutadas, preferencialmente, entre indivíduos que desempenham uma actividade de algum relevo na administração pública, possuem uma trajectória de militância política e tenham um diploma universitário. A questão do género e geracional ocupam pouco peso neste processo, isto é, são variáveis que não emergem como significativas no momento de recrutamento.

Os resultados indicam, ainda, que as elites políticas locais do município da Praia têm um comprometimento no sentido do desenvolvimento nacional, contrariamente às demais elites políticas locais que possuem uma estratégia de comprometimento mais no sentido do desenvolvimento dos seus respectivos municípios. O capital escolar, o capital político e social, afiguram-se como os principais recursos utilizados no processo de reprodução.

Palavras chaves: elites políticas, recrutamento, renovação, reprodução, identidade.

Résumé

Le travail qui se présente est centré sur l'analyse des élites politiques locales des municipalités de Praia, de Santa Catarina, da Ribeira Grande, do Porto-Novo e do Paul, dans la période de 1991 à 2008. On cherche a découvrir les sources de recrutement, de comprendre le processus de renouvellement et de reproduction, ainsi que son positionnement identitaire, c'est-à-dire, chercher à comprendre si cette élite politique locale, a un engagement en faveur du développement national ou de leurs respectives municipalités.

Les résultats de la présente recherche montrent, de manière globale, que les élites politiques locales, dans la plupart des municipalités capverdiennes, sont davantage recrutées parmi les individus qui occupent une position de prestige, voire importante, dans l’administration publique. Ils ont généralement un parcours de militante politique et possèdent un diplôme universitaire.

Les résultats indiquent, de plus, que les élites politiques locales de Praia ont un engagement en faveur du développement national, contrairement aux autres élites politiques locales qui ont une stratégie d'engagement plus tourné vers le développement de leurs respectives municipalités. Le capital scolaire, politique et social, apparaissent comme les principales ressources utilisées dans le processus de reproduction.

Mots-clés: élites politiques, recrutement, renouvellement, reproduction, identité.

Summary

The work herein presented focuses on an analysis of local political elites based in the municipalities of Praia, Santa Catarina, Ribeira Grande, Porto Novo and Paul, during the period from 1991 to 2008. It seeks to uncover the recruitment sources of this political elite, while attempting to understand its renewal and reproduction processes, as well as its identity positioning. Finally, it seeks to understand whether the local political elite have more of a commitment towards national development or towards their respective municipalities.

Overall, the research results indicate that local political elites in the various Cape Verdean municipalities are recruited with preference from individuals who perform activities of some weight within public administration, have shown a path of political activism and hold a university diploma. The gender and generation questions hold very little weight in this process, i.e., they are variables that do not seem to be significant at the time of recruitment.

The results also show that the local political elites of the city of Praia do have a commitment towards national development, in contrast to other local political elites who show more of a commitment towards the development of their respective municipalities. Educational capital, political capital and social capital appear to be the main resources used in the reproduction process.

Key words: political elites, recruitment, renewal, reproduction, identity.

Índice Introdução ...... 1 Problemática ...... 4 Metodologia ...... 7 Capítulo I. Referencial teórico, contextualização e caracterização do espaço de pesquisa ...... 13 1.1. Algumas considerações teóricas sobre as elites ...... 13 1.1.2 Elites Africanas ...... 24 1.1.3 Elites Locais ...... 28 1.2 Contexto Histórico ...... 30 1.2.1Período do Povoamento ...... 31 1.2.2 Período do Partido Único ...... 35 1.2.3 Período democrático ...... 37 1.3 Caracterização do espaço de pesquisa...... 38 1.3.1 Contexto político-institucional ...... 38 1.3.2 Praia...... 39 1.3.3 Santa Catarina ...... 42 1.3.4 Ribeira Grande ...... 45 1.3.5 Porto Novo ...... 48 1.3.6 Paul ...... 51 Capítulo II. Fontes de Recrutamento das Elites políticas locais no contexto do estado pós - colonial ...... 55 2.1 Recrutamento em termos comparativos ...... 55 2.2 Competências e experiências profissionais...... 73 2.3 Notoriedade ...... 78 2.4 Representatividade geográfica ...... 81 2.5 Militância partidária ...... 102 2.6 Principais cargos ocupados ...... 109 2.7 Renovação geracional ...... 115 2.8 Género ...... 121 2.9 Partidos políticos e grupos de cidadãos nas eleições autárquicas...... 126 2.10 Conclusão ...... 136 Capítulo III. A circulação vertical das elites políticas locais ...... 140 3.1 Circulação vertical: especificidade africana? ...... 140 3.2 Circulação vertical no sentido nacional ascendente e descendente ...... 146 3.3 A evolução da circulação vertical nos diferentes ciclos eleitorais ...... 155 3.4 Circulação vertical nos diferentes partidos políticos ...... 162 3.5 Circulação inter-partidária ...... 178 Capítulo IV. Renovação e Reprodução das Elites Políticas Locais ...... 182 4.1 Das discussões gerais sobre a renovação de elites às especificidades africanas ...... 182 4.2 Operacionalização do conceito de reprodução de elite no contexto cabo-verdiano ..... 196 4.3 Perfis dos nomeados ao nível local de 1975 a 1990 ...... 201 4.4 Renovação e/ou continuidade dos indivíduos que ocuparam cargos ao nível local no regime do partido único ...... 205 4.5 Nomeação por confiança política após a abertura democrática ...... 212 4.6 Eleições municipais com efeitos de renovação de 1991 a 2008 ...... 216 4.7 Taxa de renovação dos Presidentes das Câmaras Municipais ...... 228 4.8 Duração média das carreiras políticas no período democrático ...... 231 4.9 A Renovação dos eleitos políticos locais na categoria dos professores...... 233 4.10 Taxa de renovação dos eleitos políticos locais em comparação internacional ...... 240 4.11 A reprodução dos eleitos políticos locais em Cabo Verde ...... 245 4.12 Volume e estrutura de capitais mobilizados para o acesso e manutenção no campo político...... 250 4.13 Profissão dos reeleitos e dos ascendentes ...... 256 4.14 O capital político e social na reprodução ...... 259 4.15 Reprodução e capital escolar dos eleitos ...... 265 4.16 Conclusão ...... 270 Capítulo V. Identidade e Perfil dos Eleitos Políticos Locais ...... 275 Capítulo V.1. Representação da Identidade Local versus Nacional ...... 275 VII.1.1. Constituição do espaço de centralidade de produção de elite ...... 285 VII.1.2. Inversão do espaço de centralidade ...... 292 Capítulo V. 2. Perfil dos eleitos políticos locais ...... 316 5.2.1 Idade ...... 317 5.2.2 Género ...... 322 5.2.3 Nível escolar ...... 326 5.2.4 Estatuto socio-profissional ...... 330 5.2.5 Local de nascimento ...... 335 5.2.6 Estado civil e familiares na política ...... 337 5.2.7 Conclusão ...... 340 Capítulo VI. Conclusão ...... 341 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 350 Anexos ...... 370 Questionário dirigido aos Eleitos Políticos Locais ...... 370 Guião de Entrevista ...... 376

Índice de Quadros

Quadro nº 1 – População da Praia de 1940 a 2010 …………………...... 40

Quadro nº 2 - Nível de estudo da população da Praia com 3 anos e mais……………...41

Quadro nº 3 – População de Santa Catarina de 1940 a 2010…………………………..43

Quadro nº 4 - Nível de estudo da população de Santa Catarina com 3 anos e mais……44

Quadro nº 5 - População da Ribeira Grande de 1940 a 2010…………………………..47

Quadro nº 6 - Nível de estudo da população da Ribeira Grande com 3 anos e mais…..47

Quadro nº 7 - População do Porto Novo de 1940 a 2010………………………………49

Quadro nº 8 - Nível de estudo da população do Porto Novo com 3 anos e mais………50

Quadro nº 9 - População de Paul de 1940 a 2010………………………………………52

Quadro nº 10 - Nível de estudo da população do Paul com 3 anos e mais……………..53

Quadro 11 - Listas concorrentes para a Câmara Municipal de Santa Catarina segundo a residência dos seus integrantes na Praia e em Santa Catarina de 1991 a 2008………...77

Quadro 12 - Nível escolar da população com 18 anos e mais nos concelhos da Praia, Santa Catarina e Santo Antão………………………………………………………….78

Quadro nº 13 - Início da carreira política dos eleitos políticos locais………………...108

Quadro nº 14 - Principais cargos ocupados pelos eleitos políticos locais…………….111

Quadro nº 15 - Funcionários da Administração Pública por naturalidade, segundo o concelho onde trabalham……………………………………………………………..112

Quadro nº 16 - Eleitos políticos locais que já trabalharam na Administração Pública e no Sector Privado………………………………………………………………………..115

Quadro nº 16 - Eleitos políticos locais que já trabalharam na Administração Pública e no Sector Privado………………………………………………………………………..118

Quadro nº 18 – Jovens que ocuparam o cargo pela primeira vez na Câmara e na Assembleia Municipal (em %)……………………………………………………….120

Quadro nº 19 – Resultados para a Assembleia Municipal dos Grupos independentes que participaram nas eleições autárquicas enfrentando o MPD e o PAICV………………135

Quadro nº 20 - número total de deputados eleitos e reeleitos por partidos políticos segundo os domínios de estudo……………………………………………………….167

Quadro nº 21 - número total de deputados reeleitos e eleitos pela primeira vez segundo os domínios de estudo…………………………………………………………………168

Quadro nº 22 - número total de deputados reeleitos e dos que passaram pela circulação vertical por partidos políticos, segundo os domínios de estudo………………………169

Quadro nº 23 - Membros dos Conselhos Deliberativos entre 1975 a 1990, segundo o sexo……………………………………………………………………………………202

Quadro nº 24 - Membros dos Conselhos Deliberativos entre 1975 e 1990, segundo profissão………………………………………………………………………………204

Quadro nº 25 - Percentagem dos indivíduos nomeados entre 1975 e 1990 e que vieram a ser eleitos entre 1991 e 2008 por ano………………………………………………....206

Quadro nº 26 - Lista dos eleitos locais entre 1991 e 2008 que já tinham sido nomeados ao nível local entre 1975 e 1990 na Praia……………………………………………..207

Quadro nº 27 - Lista de eleitos locais entre 1991 e 2008 que já tinham sido nomeados ao nível local entre 1975 e 1990 em Santa Catarina…………………………………….208

Quadro nº 28 - Lista dos eleitos locais entre 1991 e 2008 que já tinham sido nomeados ao nível local entre 1975 e 1990 em Santo Antão……………………………………209

Quadro nº 29 – Lista dos eleitos do MPD e do PAICV nas legislativas de 1991……212

Quadro nº 30 – Taxa de renovação interna dos eleitos políticos locais segundo o sexo, grupo etário e profissão……………………………………………………………….224

Quadro nº 31 – Taxa de renovação total dos eleitos políticos locais segundo sexo, grupo etário e profissão………………………………………………………………………227

Quadro nº 32 - Duração média do potencial da actividade política…………………..233

Quadro nº 33 – Cursos em grandes grupos, segundo os concelhos/lhas……………...258

Quadro nº 34 - Reeleitos com familiares na política por domínio de estudo…………261

Quadro nº 35 - Amostra de eleitos com familiares na política por domínio de estudo.262

Quadro nº 36 - Eleitos por faixa etária segundo formação superior no ano de 2004…269 Quadro nº 37- Eleitos por faixa etária com ou sem formação superior no ano de 2008…………………………………………………………………………………...269

Quadro nº 38 - Eleitos Políticos Locais por domínio de estudo, segundo a percepção do seu contributo no sentido do desenvolvimento local ou nacional………………………………………………………………………………..302

Quadro nº 39 - Eleitos Políticos Locais por domínio de estudo, segundo o tipo de debate na plenária da Assembleia Nacional onde fazem mais intervenções…………………302

Quadro nº 40 – Distribuição dos eleitos políticos locais segundo o grupo etário, em comparação com a distribuição da população de Cabo Verde segundo a idade……..319

Quadro nº 41 – Média de idade dos eleitos políticos locais…………………………..320 Quadro nº 42 - Proporção de mulheres eleitas para a Câmara Municipal e para a Assembleia Municipal em todos os ciclos eleitorais………………………………….323 Quadro nº 43 - Grau de instrução dos eleitos políticos locais………………………...328 Quadro nº 44 - Nível de ensino da população (3 anos ou mais) por meio de residência e concelho em percentagem (%)………………………………………………………..328 Quadro nº 45 - Profissão dos eleitos políticos locais da Praia, Santa Catarina e de Santo Antão………………………………………………………………………………….333 Quadro nº 46 – Eleitos políticos locais segundo o município de nascimento………...335

Quadro nº 47 – Crescimento da população por concelho, 1990-2000-2010………….336 Quadro nº 48 – Eleitos políticos locais e a população segundo e estado civil………..337 Quadro nº 49 – Eleitos políticos locais segundo familiares na política……………….339

Índice de Gráficos

Gráfico nº 1 – Eleitos para a Assembleia Municipal da Praia, S. Catarina e de Santo Antão em 2008, segundo a militância partidária……………………………………105

Gráfico nº 2 – Mulheres eleitas nas Autárquicas para a Câmara e a Assembleia Municipal na Praia, S. Catarina, Santo Antão e a média Nacional…………………125

Gráfico nº 3 - Listas concorrentes às eleições municipais de 1991 a 2008…………128 Gráfico nº 4 - Circulação vertical dos eleitos políticos locais segundo os domínios de estudo………………………………………………………………………………..149 Gráfico nº 5 - Evolução da circulação vertical dos eleitos políticos locais segundo os ciclos eleitorais………………………………………………………………………..161

Gráfico nº 6 – Circulação dos eleitos políticos locais segundo os partidos políticos…171

Gráfico nº 7 – Cirulação vertical dos eleitos políticos locais no seio de cada partido político em relação ao total da circulação em %...... 172

Gráfico nº 8 - Percentagem dos eleitos locais entre 1991 e 2008 que já tinham sido nomeados ao nível local entre 1975 e 1990, segundo o partido político……………...211

Gráfico nº 9 - % de eleitos para as Câmaras e Assembleias Municipais em 1991 que pertenceram às comissões deliberativas nomeadas pelo MPD………………………..215

Gráfico nº 10 - % dos nomeados pelo MPD para as comissões deliberativas que vieram a ser eleitos para as Câmaras e Assembleias Municipais em 1991…………………...216

Gráfico nº 11 – Taxa de renovação global dos eleitos políticos locais da Praia, de S. Catarina e de Santo Antão…………………………………………………………….219

Gráfico nº 12 – Taxa de renovação dos executivos camarários da Praia, S. Catarina e de Santo Antão…………………………………………………………………………...221

Gráfico nº 13 – Taxa de renovação das Assembleias Municipais da Praia, de S. Catarina e de Santo Antão………………………………………………………………………223

Gráfico nº 14 – Taxa de renovação dos Presidentes das Câmaras Municipais de 1991 a 2008 em %...... 231

Gráfico nº 15 - Taxa de reeleição dos eleitos políticos locais………………………...247

Gráfico nº 16 - Número de indivíduos reeleitos nos diferentes ciclos eleitorais segundo o seu nível de ensino………………………………………………………………….253

Gráfico nº 17 - Reeleitos políticos locais membros das estruturas partidárias locais...260

Índice de Figuras

Mapa nº 1. Distribuição dos bairros e lugares do concelho da Praia em 1991…………87 Mapa nº 2. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho da Praia em 2008…………………………………………………………………………..88 Mapa nº 3. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 1991...88 Mapa nº 4. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 1996...89 Mapa nº 5. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 2000...89 Mapa nº 6. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 2004...90 Mapa nº 7. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 2008...90 Mapa nº 8. Distribuição dos bairros e lugares do concelho da Santa Catarina em 2008...... 92 Mapa nº 9. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho de Santa Catarina em 2008...... 93 Mapa nº 10. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos em Santa Catarina em 2008...... 94 Mapa nº 11. Distribuição dos bairros e lugares do concelho da Ribeira Grande em 2008...... 95 Mapa nº 12. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho de Ribeira Grande em 2008...... 96 Mapa nº 13. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos em Ribeira Grande em 2008...... 96 Mapa nº 14. Distribuição dos bairros e lugares do concelho do Porto Novo em 2008...... 97 Mapa nº 15. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho do Porto Novo em 2008...... 98 Mapa nº 16. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos no Porto Novo em 2008...... 98 Mapa nº 17. Distribuição dos bairros e lugares do concelho do Paul em 2008...... 99 Mapa nº 18. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho do Paul em 2008...... 99 Mapa nº 19. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos no Paul em 2008...... 100

LISTA DE SIGLAS

ANC – Congresso Nacional Africano

BO – Boletim Oficial

CNE – Comissão Nacional de Eleições

CRCV – Constituição da República de Cabo Verde

EBI – Ensino Básico Integrado

GIDSP – Grupo Independente para o Desenvolvimento Socioeconómico do Paul

GIDPN – Grupo Independente para o Desenvolvimento do Porto Novo

GIGA – Grupo Independente para Avançar

GSTDT – Grupo Solidariedade, Trabalho e Desenvolvimento do Tarrafal

INE – Instituto Nacional de Estatística

JAAC-CV – Juventude Africana Amilcar Cabral - Cabo Verde

LOPE – Lei das Orientações Públicas do Estado

MPD – Movimento para a Democracia

MPRSV – Movimento Para a Renovação de S. Vicente

OMCV – Organização das Mulheres de Cabo Verde

OPAD-CV – Organização dos Pioneiros Abel Djassi - Cabo Verde

PAICV – Partido Africano da Independência de Cabo Verde

PAIGC – Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde

PCD – Partido da Convergência Democrática

PRD – Partido da Renovação Democrática

PTS – Partido do Trabalho e da Solidariedade

UCID – União Cabo-verdiana Independente e Democrática

Introdução

Pretende-se com o presente trabalho apresentar e analisar dados referentes às fontes de recrutamento, renovação, trajectória e posicionamento identitário das elites políticas locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão no período de 1991 a 2008.

Neste sentido, ao procurarmos analisar a trajectória dessa elite, seja ao nível regional seja nacional, torna-se necessário examinar os seus percursos no interior de, pelo menos, dois espaços privilegiados que se constituem em pontos incontornáveis para as suas projecções no plano nacional, quais sejam, as Câmaras Municipais e a Assembleia Nacional.

A literatura sociológica sobre as elites, apesar de não ser nova, não tem sido muito expressiva dentro do campo da Sociologia. Segundo Trivelin et al, “as pesquisas relativas às elites locais são ainda mais reduzidas. Essa situação é bastante paradoxal no momento em que, particularmente, as teorias de desenvolvimento colocam ênfase de uma forma ou de outra, no papel do local e do regional” (2003, p.9).

As investigações sobre as elites locais também não são abundantes na produção europeia. Isto deve-se, entre outros aspectos, segundo Baras (1983), “ao facto de que habitualmente são consideradas como eleições “não políticas”. Deste modo, são denominados de “administrativas”, e se considera que respondem a uma dinâmica própria, pouco receptiva à problemática política geral do país, cujos resultados dependem fundamentalmente de questões internas ao município, pelo que o resultado eleitoral favorece aos candidatos locais não necessariamente conectados com as opções políticas globais representadas pelos partidos políticos” (Baras, 1983: p.161).

Contudo, Baras argumenta que essa teoria não se aplica de forma linear a todos os países europeus, apontando o exemplo da França em que nos meios urbanos se nota um domínio claro dos partidos políticos com um forte peso no âmbito municipal, assim como na Itália, que, em 1972, registava uma proporção considerável de eleitos (22,3%) que não estavam inscritos em nenhum partido político, mas, já em 1987, esta cifra tinha diminuído para 16,7%. (Baras, op. cit. pág. 162)

1

Em Cabo Verde, os trabalhos sociológicos sobre as elites são recentes e não foram ainda objecto de uma abordagem sistemática na área de investigação científica. Os trabalhos de referência datam dos finais da década de 90 e início do ano 2000, com as obras de Cláudio Furtado (1997), José Carlos de Anjos (2002) e Gabriel Fernandes (2002), aos quais vieram juntar, recentemente, algumas teses e artigos, designadamente, de Luís Batalha (2004), Ângela Coutinho (2004), Maria Ramos e Matilde Santos (2011).

Entretanto, a temática sobre as elites políticas locais no período pós-independência1 ainda não foi objecto de uma abordagem sociológica em Cabo Verde, daí a pretensão de contribuir para uma primeira incursão nessa área com intuito de suprir a lacuna existente. Assim, poderá abrir-se espaço para novos estudos sobre essa temática, incluindo abordagens comparativas com outros municípios que não foram ainda objectos de estudo.

Estudar as elites políticas locais justifica-se, portanto, pela relevância que há em dar a conhecer as características desses grupos que estão em posições centrais do jogo político municipal. É pouco provável que os indivíduos que os compõem não tenham orientado suas decisões ou, ao menos, percebido a realidade social na qual interagiram, a partir do conjunto de valores e da experiência que adquiriram antes da entrada na vida pública e no interior de instituições políticas a que estiveram filiados.

Conhecer as fontes de recrutamento, a maneira como se reproduzem, as suas identidades e perfis, justifica-se pelo facto de nos permitir melhor compreender os principais atributos para se integrar a elite política local e perceber se existe ou não a diferença nesse processo entre as elites políticas locais dos diferentes municípios em Cabo Verde.

Para efeito deste estudo, são considerados elite política local os representantes do poder local, ou seja, os diferentes actores políticos que ocupam ou já ocuparam cargos políticos eleitos ao nível local (Presidentes de Câmaras Municipais, Vereadores, Deputados Municipais, Presidentes das Assembleias Municipais e membros das estruturas partidárias locais). Estes mesmos actores, nas suas trajectórias

1 Referimo-nos ao vazio em termos de produção nesse período, porque na verdade há pelo menos uma referência sobre as elites políticas locais em Cabo Verde no período do povoamento até aos finais do século XVIII num capítulo sobre a História Geral de Cabo Verde, III Volume, de autoria de Iva Cabral.

2 políticas/partidárias, poderão ter ocupado outros cargos eleitos ao nível nacional (Deputados da Nação, membros das estruturas partidárias de âmbito nacional) e/ ou nomeados (Ministros/Secretários de Estado). O recorte da elite política em termos locais/regionais permite-nos avançar na discussão sobre como emergem essas elites, se existe alguma especificidade regional que as particularizam, se comprometem-se com o desenvolvimento nacional ou dos seus círculos eleitorais, entre outras questões.

Este estudo circunscreve-se aos concelhos da Praia, de Santa Catarina e aos da ilha de Santo Antão (Ribeira Grande, Paul e Porto Novo), no período de 1991 a 2008, ou seja, a IIª República,2 que tem como marco a realização das primeiras eleições livres e pluralistas. A focalização do estudo sobre esses espaços deve-se a vários factores: Praia representa o centro do poder político nacional onde se concentram todos os poderes e constitui um espaço de confluência das elites políticas oriundas de todo o território nacional, em contraposição a Santa Catarina e aos concelhos de Santo Antão que convivem sistematicamente com a deslocalização das suas elites políticas para Praia e em menor proporção de Santo Antão para S. Vicente; o facto de serem municípios em que ocorreram alternâncias de governação ao nível do poder local (Praia, Santa Catarina e Paul) e onde os grupos independentes de cariz local tiveram uma implementação mais bem-sucedida (Ribeira Grande e Paul); por serem municípios que, de uma certa forma, representam os casos extremos de desenvolvimento ao nível nacional, em termos populacionais, do seu peso económico, das condições de conforto, das taxas de desemprego dos níveis de pobreza, etc.3; pela facilidade de acesso às fontes de documentos institucionais de várias ordens (arquivos locais tanto públicos como privados).

Dois objetivos mais específicos funcionaram como fio condutor desse estudo: por um lado, o de analisar as fontes de recrutamento das elites políticas locais e de compreender

2 A IIª República refere-se ao segundo grande momento histórico político em Cabo Verde (o primeiro diz respeito à independência do país alcançada em 1975), que se traduz numa profunda alteração da Constituição cabo-verdiana, garantindo deste modo a existência de um Estado de direito, com eleições livres e multipartidárias.

3 Consultar os dados do QUIBB do Instituto Nacional de Estatística (INE), referentes ao ano de 2007, que entre outros aspectos analisa os níveis de conforto em todos os municípios do país, para além do cálculo da incidência da pobreza.

3 o processo da sua reprodução, bem como descortinar a sua identidade e traçar o perfil deste setor específico da elite política cabo-verdiana; por outro, o de permitir desvendar a “lógica” que orienta o recrutamento, a reprodução e a circulação dessa elite. Esperamos com isso, contribuir para um melhor conhecimento do universo político cabo-verdiano.

Problemática

A questão principal a ser tratada neste estudo é a da identidade da elite política: se ela é local e se tem um comprometimento no sentido do desenvolvimento nacional ou dos seus respectivos municípios? Existe uma ruptura radical em termos identitários na medida em que os indivíduos que fazem parte das elites políticas locais de Santa Catarina e de Santo Antão (é extensivo aos indivíduos dos demais concelhos) se deslocam e se instalam na Praia, enquanto centro político, administrativo e económico, isto é, passam a assumir uma identidade nacional ou será que tentam reproduzir e utilizar suas influências através das suas redes de relação fazendo lobbies no sentido de beneficiar os seus respectivos municípios e com isso também obter ganhos ao nível pessoal que garantirá a sua sobrevivência política? Essa questão está correlacionada com a questão das fontes de recrutamento, ou seja, em que medidas as bases sociais estão emaranhadas nas relações de parentesco, compadrio, vizinhança, e outras relações de base geográfica. Está em jogo na tese entender se as fontes de recrutamento têm bases mais locais ou se fundadas em critérios mais universalistas.

Complementares a essa questão central, existem outros aspectos a serem tratados no estudo, designadamente o de saber qual o peso que os diferentes tipos de capitais, a saber, social, escolar, familiar tem não só no processo de recrutamento, mas também na estratégia de sobrevivência e de reprodução dessa elite política. A relação pessoal, seja ela familiar ou de amizade, tem um peso diferenciado em Santo Antão, na Praia e em Santa Catarina? Qual o peso da máquina partidária no recrutamento dessa elite política nos diferentes concelhos? A rede de relações familiares e de amizade sobrepõe-se ou é complementar às redes de base partidária, na definição da ocupação dos altos cargos políticos e daqueles que dependem dos políticos, referimos nesse caso, à administração

4 pública. A sua base de recrutamento política é alargada, ou pelo contrário, é restrita e de base endogâmica?

A consulta de várias obras referentes às elites cabo-verdianas e a conformação da identidade nacional e a revisão da literatura sobre as elites políticas, com maior enfâse nas elites políticas locais, particularmente nas questões relativas ao processo de recrutamento, reprodução e caracterização do seu perfil, impelem-nos a enunciar as seguintes hipóteses para o nosso objecto de estudo:

1. A descentralização e a criação de novos municípios juntamente com a deslocação das elites políticas para o centro do poder influenciam no desenvolvimento da democracia ao nível local, uma vez que desprovêem a sociedade civil de uma massa crítica, o que torna a autonomia local um pouco fictícia. Faz parte da aspiração das elites locais a deslocação para os dois centros urbanos mais importantes do país (Praia e Mindelo), contribuindo ainda que involuntariamente para o enfraquecimento de autonomia e de uma democratização de tomadas de decisão ao nível local, o que poderá pôr em causa a perspectiva de uma democracia descentralizada e o fortalecimento das regiões.

2. No caso de S. Catarina, a elite local não se dilui na Praia, apesar da proximidade entre os dois concelhos: A elite local de S. Catarina não assume a Praia e tão pouco assume o seu concelho. Na Praia, os postos importantes, por exemplo ao nível do sector público (incluímos não só os cargos directivos e equiparados ao nível da administração pública, mas também nos institutos públicos e nas empresas públicas) que funcionam como uma espécie de “prebendas” que os partidos políticos oferecem aos seus membros e aos indivíduos que pretendem cooptar, são detidos não só pela elite política originária da Praia (originária significa nascer na Praia, que veio estudar e tem uma ligação forte – de pertença em relação à Praia ou que nasceram nos outros concelhos, mas actualmente residem na Praia e também têm uma relação de pertença), mas é partilhada com a elite política de outros concelhos, designadamente de Santa Catarina que têm

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uma parte considerável dos seus quadros instalados na Praia, mas também de outros concelhos fora da ilha de Santiago.

3. Ao reconstruir a trajectória das elites políticas, procura-se analisar os seus comportamentos nas diferentes esferas de decisão, seus posicionamentos na defesa do local ou do nacional. No caso específico do Parlamento, nas diferentes sessões, parece-nos que os deputados de Santo Antão, de uma forma geral, comportam-se no sentido da defesa do local e isso poderá ser visto através das suas intervenções quer nas interpelações ao Governo, quer nas intervenções no período antes da ordem do dia, que são dois momentos de debates reservados, em boa medida, para a colocação de questões locais. Para os deputados da Praia e de Santa Catarina, parece-nos que as suas intervenções ficam reservadas mais para os grandes debates de âmbito nacional, colocando em segundo plano os problemas dos seus respectivos círculos.

4. Como se posicionam as elites políticas locais nas diferentes esferas do poder no que se refere à defesa do interesse nacional versus a dos seus respectivos municípios de origem. Em Santa Catarina e na Praia, de uma forma geral, parece que as elites políticas apostam na defesa do nacional, enquanto em Santo Antão observa-se uma maior preocupação por parte da sua elite política na defesa do local/regional.

5. O capital social que se traduz, em boa medida, na rede de relações familiares, de amizade e de compadrio constitui um recurso político fundamental na eleição da elite política local (Santa Catarina e Santo Antão), ao passo que na Praia, o capital político é o mais importante, se entendido como cargos que o indivíduo ocupa ao nível da máquina partidária e das estruturas do governo e os vínculos pessoais que ele estabelece com as figuras que detêm altos cargos na esfera partidária.

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6. Como as elites políticas são locais, as suas fontes de recrutamento tendem a ser redes geograficamente circunscritas

Metodologia

O estudo foi desenvolvido com base numa metodologia que triangula várias fontes de dados e que alia uma abordagem quantitativa a uma abordagem qualitativa. Vários informantes chaves foram ouvidos no processo e foi desenhado um questionário para recolha de informação quantitativa. A pesquisa empírica norteou-se pelo levantamento de dados que permitisse compor a origem social, o carácter das elites (local, nacional), as formas e os canais de recrutamento e de ascensão social das elites locais.

Neste estudo, aliada a outras fontes de informações, fizemos recurso à aplicação de um inquérito estruturado tendo em vista a obtenção de informações que nos permitisse uma análise mais diversificada sobre a reprodução, circulação e perfil das elites políticas locais da Praia, de Santa Cataria e dos três municípios de Santo Antão.

A escolha do inquérito deveu-se ao facto de que, muitas vezes, o contacto directo com o inquirido pode inibi-lo, condicionando as suas respostas. Segundo Silva (1994: p. 67), o anonimato que o questionário garante com alguma eficácia pode ser útil para obter dados mais rigorosos, pois nesta situação os inquiridos sentem-se mais a vontade para expressar pontos de vista que temam colocá-los em situação problemática ou que julgam não ter aprovação.

O questionário contém cerca de trinta e uma variáveis, é constituído na sua maioria por perguntas de tipo fechado, embora algumas sejam abertas, o que levou a uma posterior codificação antes da extração dos resultados. São os casos das perguntas referentes à profissão, aos principais cargos nos sectores privado e público e aos cargos políticos ocupados a nível local e/ou nacional.

O questionário encerra dois objectivos, a saber: por um lado, analisar a trajectória da elite política, seja ela local ou seja nacional e, por outro, determinar se o peso da preocupação da elite política local está mais centrado no desenvolvimento do seu

7 município ou do país. Os questionários foram aplicados directamente aos inquiridos o que permitiu uma elevada taxa de retorno, cerca de 91%. Em alguns casos, devido sobretudo à dificuldade da agenda dos inquiridos, recorreu-se ao envio do questionário para o auto-preenchimento, seja no formato papel, seja electrónico. Em qualquer dos casos, a aplicação foi sempre precedida de uma explicação sobre o sentido das perguntas via telefone, uma vez que a concepção do questionário pressuponha a sua aplicação directamente.

Por se tratar de um público-alvo diferenciado a aplicação do inquérito nem sempre foi fácil devido à constatação no terreno de algumas ausências e mortes entre a elite política dos três domínios de estudo em torno de 25 indivíduos. Deparamo-nos com algumas dificuldades na aplicação do inquérito o que se deve, essencialmente:

 Por se tratar de um público-alvo, de certa forma diferenciado, com uma agenda quase sempre apertada, fez com que vários encontros previamente marcados fossem cancelados na hora;

 Os indivíduos que fazem parte da elite política local também fizeram ou ainda fazem parte da elite administrativa, pois ocupam/ocuparam os principais cargos na administração pública, nos institutos públicos e nas empresas públicas. Assim sendo, muitos deles já tinham sido abordados por outros pesquisadores no âmbito de outros estudos tendo como objecto as elites cabo-verdianas;

 Alguns indivíduos seleccionados para fazer parte da amostra estavam ausentes do país por um período indeterminado e outros até já tinham falecido e ficamos informados a este respeito só no momento em que os procuramos para aplicar o inquérito.

Apesar disso, a disponibilidade em colaborar demonstrada por praticamente todos os inquiridos facilitou sobremaneira a nossa tarefa de campo.

Para a tiragem da amostra, definiu-se como o universo a lista dos eleitos publicada nos Boletins Oficiais, relativas às eleições autárquicas de 1991, 1996, 2000, 2004 e 2008 e as eleições legislativas de 1991, 1995, 2001 e 2006, para os concelhos da Praia, S. Catarina, Paul, Ribeira Grande e de Porto Novo em Santo Antão.

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Com base nessa lista criou-se uma base de dados contendo 751 nomes, correspondente ao mesmo número de vagas disponíveis, seja para as eleições municipais, seja para as legislativas. Na base, procurou-se identificar todos os indivíduos que ocuparam mais de um cargo ao longo desse período, seja a repetição do mesmo cargo, seja ocupando cargos diferentes. Descobriu-se um total de 252 indivíduos nessa situação, distribuídos da seguinte forma: Praia (65), Santa Catarina (64) e Santo Antão (123).

Assim sendo, o universo inicial de 751 reduziu-se para 499 nomes. Foi a partir deste número que se calculou a amostra com um intervalo de confiança de 95% e uma margem de erro de mais ou menos 3%. Como se pode ver pelo quadro 1 abaixo a amostra extraída é de 367 inquéritos, sendo na Praia (119), Santa Catarina (95) e Santo Antão (162). A diferença entre a amostra calculada e os inquéritos efectivamente aplicados é de 34 inquéritos com incidência quase exclusivamente em Santa Catarina onde se aplicou cerca de 2/3 do total.

A inclusão dos indivíduos inquiridos na elite política da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão, deve-se a dois critérios essencialmente: são indivíduos que nasceram nesses círculos e foram eleitos nas listas desses círculos eleitorais, ou, sendo indivíduos que já foram eleitos por mais de um círculo eleitoral, perguntou-se a qual dos círculos é que se sentem mais ligados e em função da resposta foram associados ao círculo por eles identificado.

Tínhamos consciência do sinuoso caminho da nossa investigação. A técnica de utilização das entrevistas foi selecionada e estruturada sobretudo após a administração e o tratamento dos inquéritos. Desta forma, há estreitamente uma ligação entre as abordagens dos inquéritos e as que as entrevistas pretenderam aprofundar e/ou questionar.

Isso permitiu-nos aprofundar algumas questões colocadas no inquérito e explorar outras que se mostraram pertinentes em função das respostas obtidas através do inquérito, o que fez com que, para além de algumas questões gerais, que eram colocadas a todos os entrevistados, as demais fossem aprofundadas em função do perfil de cada um. Nas questões gerais foram incluídas perguntas que nos permitem reconstruir a trajectória social e política dos eleitos políticos locais e a trajectória social dos seus ascendentes.

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Foram quatro os critérios que enformaram a selecção dos entrevistados: a) principais cargos políticos e profissionais exercidos; b) representação geográfica; c) representação partidária; d) género.

Neste contexto, foram conduzidas entrevistas aprofundadas de forma individual dirigidas a personalidades que, pelos cargos ocupados, experiências acumuladas e ligações profissionais, pudessem oferecer informações úteis a melhor compreensão dos contornos que enformam a problemática do estudo. Foram realizadas 53 entrevistas a eleitos políticos locais e a algumas personalidades próximas a esses eleitos, na Praia, em Santa Catarina e na ilha de Santo Antão. Em alguns casos, tivemos a necessidade de realizar uma segunda entrevista para clarificar algumas questões, confrontar outras que nos pareceram contraditórias e colocar novas que surgiram das entrevistas junto a outras personalidades.

Dependendo do grau de conhecimento/experiência e da disponibilidade manifesta, foram categorizados diferencialmente os informantes chaves, para efeitos de eleição do tipo de entrevista aprofundada adequada. Nesta senda, algumas entrevistas mais longas tiveram a duração de 70 a 80 minutos e outras não ultrapassaram 30 minutos. O tempo médio das entrevistas situa-se nos 45 minutos.

Consultámos as fontes primárias em vários arquivos na cidade da Praia, nomeadamente, no Arquivo Histórico Nacional, na sede da Comissão Nacional de Eleições (CNE), na biblioteca da Assembleia Nacional e nos arquivos dos partidos políticos (MPD e PAICV). Não foi possível consultar os dados nas Câmaras Municipais pela ausência ou pela falta de organização das mesmas. A recolha de informações nos locais acima descritos tinha como objectivo principal, por um lado, certificar algumas informações que nos foram fornecidas pelos nossos entrevistados/inquiridos relativas aos seus dados pessoais, mas também aos seus percursos políticos e profissionais e, por outro, servir de suporte para o levantamento de algumas hipóteses.

Na biblioteca da Assembleia Nacional, a nossa preocupação incidiu basicamente na análise de vários documentos, designadamente, das diversas actas produzidas na Assembleia Nacional referentes a todas as sessões de 1991 a 2008, com o objectivo de verificar o posicionamento recorrente dos Deputados da Nação que também já foram

10 eleitos locais, no sentido da defesa dos seus círculos de origem ou se as suas intervenções estão concentradas nas grandes questões nacionais. Na CNE, preocupámos em recolher as informações com as listas dos candidatos eleitos nas diferentes eleições autárquicas e legislativas, com o intuito de analisar a sua reprodução, mas também a circulação. Nas sedes dos partidos políticos, interessámos sobretudo pela composição geral das listas onde estão incluídos os nomes e as demais informações relativas aos indivíduos que não conseguiram eleger-se.

Tendo em atenção os objetivos propostos e as problemáticas levantadas, esta tese encontra-se dividida em cinco capítulos que pretendem dar conta do processo de recrutamento, da renovação e do perfil dos eleitos políticos locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão.

O primeiro capítulo, denominado “Referencial teórico, contextualização e caracterização do espaço de pesquisa”, introduz, para além de uma breve discussão teórica sobre as elites políticas, desde os clássicos até os autores contemporâneos, uma caracterização dos espaços de pesquisa e uma contextualização histórica atinente à, trajectória das elites políticas locais em Cabo Verde. “Fontes de Recrutamento das Elites políticas locais no contexto do estado pós - colonial”, é o título que suporta o segundo capítulo no qual descrevemos as principais fontes de recrutamento das elites políticas locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão, num período marcado pelas novas relações de poder em Cabo Verde, ou seja, da realização de eleições livres e multipartidárias, ao nível das eleições legislativas, presidenciais e autárquicas.

Com o terceiro capítulo, dedicado à “Circulação vertical das elites políticas locais”, explicitamos os diferentes percursos que enformam os eleitos políticos locais ao longo das suas carreiras com a passagem pelos órgãos eleitos de carácter local (Presidentes de Câmaras Municipais, Vereadores e Deputados Municipais) e aqueles de dimensão nacional (Deputados da Nação, Ministros e/ou Secretários de Estado).

No quarto capítulo, intitulado “Renovação e Reprodução das Elites Políticas Locais”, são analisadas as razões que estão por detrás da reprodução ou não das elites políticas locais da Praia, de Santa Catarina e dos concelhos de Santo Antão, designadamente os

11 tipos de capitais mobilizados para o acesso e manutenção no campo político, nomeadamente, o político, o social e o escolar. De igual modo, procuramos descortinar no seio de quais categorias profissionais a reprodução se processa com maior frequência. Por outro lado, analisamos também onde se processa a renovação e de que forma.

Por último, no quinto capítulo, a que demos o nome de “Identidade e Perfil dos eleitos políticos locais”, procuramos descortinar o posicionamento e as orientações das elites políticas locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão, isto é, apreender se elas se direccionam no sentido de uma identidade local/regional ou nacional. Intentamos ainda conhecer a composição dos eleitos políticos locais, traçando uma radiografia do seu perfil, ao mesmo tempo que efectuamos uma comparação com o perfil da população dos respectivos municípios com o propósito de descobrir as proximidades e/ou distanciamentos dos atributos que os distinguem.

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Capítulo I. Referencial teórico, contextualização e caracterização do espaço de pesquisa

1.1. Algumas considerações teóricas sobre as elites

No presente capítulo, procuramos, mostrar, em traços gerais, a construção da Teoria das Elites, no século XIX e início do século XX, através de pensadores considerados seus precursores, ou seja, Gaetano Mosca (1858-1941) e Vilfredo Pareto (1848-1923).

Consideramos importante recorrer aos clássicos da teoria das elites porque nos permite, apesar de ter um tratamento que está localizado no século XIX e início do século XX, abordar algumas questões fundamentais que só podemos recolocar ao nosso material se fizermos esse retorno. Ao mesmo tempo, procuramos retomar uma série de apontamentos que foram importantes no desdobramento da teoria das elites ao longo do século XX. O recurso aos clássicos justifica-se apenas na medida em que se afigura necessário para as questões que são importantes na articulação da discussão sobre as elites locais com suas projecções a nível nacional. Procuramos buscar naquela literatura sobre as elites, que ficou canónica ao longo do século XX, as questões que são fundamentais para que as possamos reequacionar e reformular a problemática com relação às elites políticas locais em Cabo Verde.

O conceito de elite é o referencial teórico em que se baseia o nosso trabalho. Segundo, Noronha (2006), o termo elite possui uma flexibilidade conceptual ampla, mas é utilizado maioritariamente em pesquisas para classificar sectores que detém o poder político ou económico. Além disso, o conceito nomeia estratos sociais vinculados à burocracia, ao conhecimento, à religião. (2006: 14)

Os primeiros desenvolvimentos daquilo que é designado “a teoria das elites” 4 têm por ponto de partida uma crítica das análises marxistas do Estado e do poder. Enquanto para

4 A esse propósito, consultar Falguières, Frédérique Leferme et Van Renterghem, Vanessa. Le Concépt d´élites. Approches historographiques et méthodologiques, Publications de la Sorbonne, Hypothéses, 2000-2001. p. 55-67).

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Marx, a dominação política é a consequência da dominação económica da classe que detém os instrumentos de produção, para os partidários da teoria das elites, é o exercício do poder, a submissão de facto à autoridade política, que define os diferentes grupos sociais. Com efeito, a “teoria das elites” contestava o postulado marxista da primazia da economia sobre a política e recusava que a análise dos fenómenos sociais decorresse das relações de forças económicas, colocando as relações de dominação política no centro da sua abordagem.

A teoria das elites começou a desenvolver-se entre os sociólogos italianos, nos finais do século XIX, designadamente Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca. O primeiro utilizou em 1916, no seu Tratado de Sociologia Geral, o termo elite (s) no singular e no plural, para definir diversas classes de indivíduos. Definiu, deste modo, “as elites” como “categorias sociais compostas de indivíduos tendo as notas a mais elevada no seu ramo de actividade”5. O termo cobria, deste modo, uma grande diversidade de populações, já que designava também grandes sábios, artistas, desportistas, etc. É a Pareto (1996) que se deve a abertura da discussão sobre a teoria da elite na modernidade, usando o conceito de elite dirigente.

De acordo com Norberto Bobbio (1992), “em toda a sociedade existe inexoravelmente, uma minoria que, através de várias formas – entre elas a económica, a política e a ideológica – detém o poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada. O estrato da sociedade que reúne condições para exercer estrategicamente o controle do poder decisório nos diferentes campos é essa minoria nomeada elite política. Bobbio destaca que este segmento detém o controlo do campo político na maioria das sociedades tradicionais ou modernas e, estando organizada institucionalmente, pode, em última instância, recorrer à força para tornar válidas suas decisões” (1992, p. 386).

Cabe aqui um destaque para a expressão “sociedade” uma vez que é possível empregá- la tanto nas macroestruturas do poder – tal como um Estado Nacional -, quanto em

5 Ver entre outros, TILLEUX, Olivier. Contribuition à l´étude des modes de fonctionnement des élites locales, in DASSETTO, Felice et TRIVELIN, Bruno (org). Elites et élites locales. Recherches Sociologiques, Volume XXXIV, numéro 1, 2003

14 pequenos núcleos – como, por exemplo, um grupo específico ou um município – e é exactamente sobre uma dessas pequenas instâncias de poder que o presente trabalho se delimita (op. cit. p. 386).

Para que esta minoria detenha o poder, faz-se necessário, que a maioria da sociedade esteja destituída deste. No que se refere especificamente à teoria das elites, Bobbio ressalta que está intrinsecamente relacionada com as elites políticas, segmento de suma importância para este estudo. Não constitui nosso objectivo empreender uma análise minuciosa das teorias clássicas das elites, visto não ser esse o objectivo principal. No entanto, torna-se fundamental destacar a importância das reflexões de Gaetano Mosca – precursor do estudo sobre a classe política em fins do século XIX – que reformulou conceitos fundamentais da teoria política tradicional, oferecendo explicações claras sobre o fenómeno. Mosca, nas suas obras, mostrou-se interessado no princípio da legitimidade do poder, nas instâncias legitimadoras e no aspecto ideológico de manutenção da elite dirigente no poder.

Segundo Mosca (2004), em todas as sociedades existem duas classes de pessoas, a dos governantes e a dos governados. A primeira, que é sempre menos numerosa, executa todas as funções políticas, monopoliza o poder e goza das vantagens que lhes estão associadas; enquanto a segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira de um modo mais ou menos legal, mais ou menos arbitrário e violento (2004, p. 43)

Para Pareto, essa elite divide-se em duas categorias: a “elite governamental” 6 ou classes dirigentes que detêm efectivamente o poder, e a “elite não governamental” ou classes dominantes, que, sem exercer o poder, apoiam a primeira e servem eventualmente de intermediário entre a elite dirigente e a massa. À volta dos desenvolvimentos de Pareto e de Gaetano Mosca (1858-1951) é formada uma escola sociológica, depois histórica, que considera, que, qualquer que seja a natureza do regime político, há sempre uma elite, uma minoria que governa, enquanto a massa da população é governada. Todas as sociedades vão assim estabelecer uma partilha desigual das riquezas, do poder e do prestígio; aqueles que concentram os privilégios nas suas mãos são as elites.

6 Ver Busino Geovanni. Élite et élitisme, Paris, Presses Universitaires de France, Coll. Que sais-je?, 1992, p. 19

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De acordo com aquele pensador italiano, a circulação permanente das elites era a única garantia que podia evitar o declínio destas. Na opinião de Busino (1993), “Pareto concebia a circulação das elites como um elemento vital para o processo de renovação das elites governantes. Esse fenómeno das novas elites que, mediante um movimento incessante de circulação, surgem das camadas inferiores da sociedade, ascendem às camadas superiores, ali se desenvolvem para depois caírem, serem aniquilados e desaparecerem, é um dos fenómenos principais da história e torna-se indispensável para termos em conta e compreendermos os grandes movimentos sociais. (…) A circulação produz-se precisamente quando elementos estranhos à classe da elite nela se integram, introduzindo as suas opiniões, qualidades, virtudes, os seus preconceitos ” (1993, p. 22).

Para Trivelin, Bajoit e Dassetto (2003), a definição da elite evolui na sequência dos avanços das correntes sociológicas. A elite e o seu conceito evoluem, renovam-se e eles não são mais do que o reflexo da evolução dos sistemas sociais, económicos, da geo- política, mas também dos avanços das correntes sociológicas que se interessam por esse fenómeno. Segundo Mannheim, que não pertence à escola elitista (da qual faziam parte G. Mosca, V. Pareto e Wright Mills)7, o poder é igualmente apanágio de uma elite, mas trata-se de uma nova elite, constituída por gestores, técnicos e administradores (2003:19).

Em sua opinião, as elites não constituem um bloco unitário. É preciso, com efeito, distinguir as elites políticas e organizacionais, das elites intelectuais, artísticas, morais e religiosas. As elites políticas e organizacionais trabalham para integrar um grande número de vontades individuais num consenso colectivo, enquanto as elites intelectuais, artísticas e religiosas contribuem para sublimar as energias físicas que a sociedade mobiliza na luta quotidiana pela existência (idem, ibidem, p. 30).

Para os elitistas, em todas as sociedades, capitalistas ou socialistas, liberais ou autoritárias, em vias de desenvolvimento ou industrializadas, o poder é detido pelas minorias, por uma classe política, por uma elite dirigente. Nenhuma estrutura jurídica ou constitucional, nenhuma democracia mais ou menos avançada, pode esconder ou

7 Definem a elite como “parte do grupo, da classe, que tenta assegurar a hegemonia sobre o seu próprio grupo, ou sua própria classe, ou mesmo sobre todos os grupos e sobre todas as classes da sociedade. (Busino G., Élites et élitisme, Paris, Presses Universitaires de France, Coll. Que sais-je? 1992).

16 turvar o facto minoritário. Os elitistas são, no entanto, menos unânimes quando se trata de interpretar a composição dessa minoria: para alguns, trata-se de uma minoria homogénea, fechada, solidária. Para outros, a minoria reúne todos aqueles que ocupam os postos de comando, o que lhes dá um carácter mais heterogéneo.

A discussão sobre a unicidade e a pluralidade das elites tem sido sobretudo relançada e sistematizada por Charles Wright Mills nos anos de 1950. Mills parte do princípio de que, na nossa sociedade, o poder é distribuído de maneira desigual, o que dá lugar às disparidades artificiais entre os homens. Artificiais, pois, as desigualdades não são naturais. A igualdade e a democracia são valores universais. Elas representam os ideais e as normas das quais a Sociologia deve tirar inspirações e sugestões para vivificar seu domínio de actividade. A democracia é, segundo Mills, o parâmetro último para julgar a estrutura social e para atribuir um sentido aos fenómenos sociais.

Conforme W. Mills (1956), uma elite de poder, unida pelos interesses comuns e agindo geralmente em segredo, toma o comando de todas as grandes decisões de interesse geral. Essa elite do poder existe porque a sociedade é composta de indivíduos apáticos propensos ao divertimento, submissos à persuasão e à manipulação, incapazes de transpor sua situação e seus interesses em termos colectivos (op. cit. p. 49-51).

Este autor defende que o exercício do poder nos Estados Unidos se desenvolve a três níveis: o nível superior, onde se regulamentam todas as grandes questões de importância nacional e internacional; o nível médio, consagrado às questões locais e sectoriais; o nível inferior, subordinado aos dois outros e executando as suas decisões. No nível superior, Mills vê três grandes hierarquias institucionais: o estrato económico, composto pelos dirigentes de duas ou três centenas de empresas gigantes; o estrato estatal, juntando os membros do directório político que estão à frente do Estado; o estrato militar, constituído pelos elementos do escalão superior do exército. Entre os três estratos, existe solidariedade e interconexão dos membros.

A crer em Mills, os dirigentes e os ricos não formam dois grupos distintos e separados. Tanto uns como os outros estão estreitamente implicados no sistema de propriedades e de privilégios da empresa, e, para os compreender, é preciso compreender os níveis superiores desse sistema de empresa.

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É, portanto, inadmissível afirmar que existe oposição, tal como James Burnham o via, entre proprietários e dirigentes. Uns e outros, pertencem, segundo Mills, ao mesmo meio e colaboram para o maior sucesso de uns e de outros (idem, ibidem, p. 54-55).

Garent Parry (1969) dedica uma parte da sua obra Political Elites, à análise do livro publicado por Mills, A Elite do Poder. Considera que, com essa obra, Mills suscitou um interesse novo para o estudo da “elite nacional”, em particular junto daqueles que pensavam encontrar um meio de análise radicalmente diferente do marxismo e provoca novas pesquisas junto daqueles que contestavam Mills em nome da pluralidade das elites (Apud Wilkinson, Rupert, 1969, p. 805).

Wright Mills advoga que o poder na sociedade moderna está institucionalizado e define a elite a partir do que denominou de “Sociologia de Posições Institucionais”. Certas instituições ocupam uma posição central na sociedade e os postos mais altos na hierarquia dessas instituições constituem os postos de comando estratégico na estrutura social. A elite é, deste modo, composta por aqueles que ocupam esses postos de comando nas hierarquias estratégicas. Sobretudo, Mills, dedica-se a mostrar que as ligações estreitas, existentes entre as diferentes hierarquias institucionais, são marcadas, nomeadamente pelo facto de os indivíduos trocarem entre si os papéis do comando de uma hierarquia institucional para outra. Podemos falar, segundo ele, de uma elite num plano nacional. Segundo Mills, para compreender essa elite, era preciso considerar a origem dos indivíduos que ocupavam os cargos superiores dessas organizações, conhecer seus valores, as estruturas das instituições que controlavam e as correlações entre os indivíduos dessas instituições. (op. cit. p. 806)

Para Dagostin (2011), Mills atira por terra a ideia de que haveria, em todas as sociedades, um grupo de indivíduos que, por razões específicas, se destacaria da massa, formando uma elite que chama a si as grandes decisões sociais. Segundo Wright Mills, “o poder não pertence a um homem. A riqueza não se centraliza na pessoa do rico. A celebridade não é inerente a qualquer personalidade. Ser célebre, ser rico, ter poder, exige o acesso às principais instituições, pois as posições institucionais determinam em grande parte as oportunidades de ter e conservar essas experiências a que se atribui tanto valor”. Sua discussão em torno do conceito de elite e suas descobertas sobre a

18 elite do poder não apontam para a naturalização das elites, mas para os condicionantes históricos da natureza e das dimensões de uma elite (Dagostin, 2011: 19).

O maior problema do trabalho de Mills, de acordo com Rodrigues (2006), é o conflito que se estabelece entre o conceito de poder que orienta sua concepção de elite e o método utilizado para a sua identificação. O sociólogo americano adopta o conceito weberiano de poder, o qual não leva em consideração os recursos como factor determinante para o exercício do poder. Para Weber, o poder é relacional e está representado na possibilidade da imposição de uma vontade, mesmo diante da resistência de outros. Apesar de esse conceito não descartar a importância dos recursos, a aplicação que Mills faz do conceito através de um método não-relacional abriu caminhos para críticas. Robert Dahl foi o autor que criticou de forma mais contundente o trabalho de Mills. Sua análise referia-se justamente à ineficácia da Sociologia das Posições Institucionais para a identificação daqueles que detinham o poder. Para ele, a pesquisa sobre a elite norte-americana não tinha fundamento científico, porque Mills não conseguiu delimitar completamente essa elite e nem comprovar que suas decisões prevaleciam (2006:16).

A abordagem de Mills é contestada por outros autores norte-americanos, designadamente, Parsons e Dahl. Talcott Parsons e Robert Dahl, partem de posições diferentes, tentando precisamente mostrar a inconsistência da construção de C. Wright Mills que, segundo eles, se baseia nas noções de poder e de centro de decisão oligárquico (Busino, G. op. cit. p.58).

Dahl (1970) considerava ainda que aqueles que detinham os recursos das instituições nem sempre conseguiam unidade e organização para obter a aprovação de suas demandas. O autor chamava a atenção para a possibilidade de um grupo com forte potencial de controlo ter um fraco potencial de unidade e grupos com potencial de controlo baixo serem altamente coesos e, dessa forma, fazerem prevalecer suas decisões. Também desconsiderava a existência de uma única elite com influência em todas as esferas de decisão, entendia que a sociedade americana se caracterizava por uma pluralidade de grupos que se inter-influenciavam. "Nem logicamente nem

19 empiricamente se depreende que um grupo que tenha um alto grau de influência de uma perspectiva terá necessariamente um alto grau de influência de outra perspectiva, dentro do mesmo sistema" (Dahl, 1970, p.94).

Robert A. Dahl8 é um dos autores que defende a teoria da pluralidade das elites, ou seja, uma multiplicidade de interesses entre os diversos segmentos da classe dirigente. Assim, “o governo é, deste ponto de vista, o ponto de encontro da pressão dos grupos e sua função é fazer uma política que reflecte os factores mais comuns das reclamações dos grupos. Nas sociedades pluralistas, diferenciadas, a direcção dos assuntos públicos tenderia a ser partilhada por um grande número de pessoas e de grupos que divergiriam frequentemente nos seus valores, suas fontes, seus métodos de recrutamento e seu modo de utilizar sua influência. Esses grupos seriam, aliás, rivais entre si pela vontade de exercer, cada um em detrimento dos outros, uma influência mais importante sobre a sociedade.

Longe de aceitar a tese de uma elite relativamente unificada, que dispusesse de um poder político estratégico, os teóricos das “elites pluralistas” estimam que as elites diferenciadas coexistem cada uma no seu domínio próprio (governamental, administração, negócios, militar, etc), e que a elite política é diferente das outras elites, dado que no seu seio encontram-se tipos diferentes de elites. Explica ainda Dahl que, a minoria influente em matéria de defesa não será a mesma minoria influente na política interna, ou ainda na política social. Deste modo, conclui G. Parry, “segundo os pluralistas como Dahl, nas democracias avançadas, as decisões políticas são influenciadas por um certo número de elites. O termo elite é então empregue num sentido em que designa uma categoria de pessoas importantes em todos os grupos de interesse ou em toda actividade, tendo uma relação com a política.

8 Sobre o posicionamento de Dahl face à teoria de Mills, consultar também Busino, 1992. Genieyes, William em Noveaux Régards sur les Élites du Politique (2006), faz uma discussão interessante baseada na ideia segundo a qual o conceito de elite constituí uma alternativa politicamente aceitável ao conceito marxista da classe dirigente.

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Nesta senda, Dahl (1971), procura demonstrar, num estudo de caso em New Haven, uma cidade pequena nos Estados Unidos, que a sociedade democrática americana é caracterizada por uma pluralidade de grupos de interesses que se inter-influenciam. A imputação de uma relação causal no processo de dominação entre os diferentes agrupamentos sociais requer, segundo este autor, uma análise caso a caso.

A abordagem pluralista das elites sofre contestação por parte de um conhecido autor marxista que é Nicos Poulantzas (1986). Para ele, a tese da pluralidade das elites, “não é senão uma reacção ideológica típica à teoria marxista do político: aquela de uma corrente funcionalista”. Essa tese tem por objectivo principal esconder a realidade da luta de classes e a natureza do poder do Estado. Considerando a política como o dispersar de um conjunto de direcção de grupos políticos e do Estado, as “elites pluralistas” pretendem fazer esquecer a realidade do poder da classe dominante e fazer contrariamente crer, que existe uma autonomia total do político e uma oposição fundamental de interesses no seu seio, assim como a neutralidade do Estado.

Se a tese da pluralidade das elites é rejeitada por Poulantzas, ele não é menos crítico em relação à tese da unicidade que, segundo ele, parece ter sempre por objecto reter o esquema geral da dominação política, esquema evidentemente inadmissível para um politólogo marxista. O desafio essencial dessas concepções é, que elas não dão nenhuma explicação sobre o fundamento do poder político, nem sobre as relações entre aquilo que eles afirmam ser as diferentes fontes do poder político. Através da crítica a essas duas teorias, segundo Wilkilson, entende-se que, no fundo, é a noção da elite que é rejeitada implicitamente por Poulantzas como não sendo um conceito usado por um marxista - o que estará explicitamente na controvérsia que ele manterá com Ralph Miliband.

Miliband (1973), defende que é possível para um marxista admitir o conceito de elite e de reconhecer mesmo a pluralidade das elites. Mas é preciso jamais perder de vista, que essas elites, mesmo diversificadas, pertencem todas à classe dominante. Para ele, existem diferentes elites na sociedade capitalista (elites económicas, elites do Estado…), mas todas igualmente pertences à classe dominante. O estudo de Miliband prova, com efeito, que quaisquer que sejam as suas motivações próprias, as diferentes elites e,

21 particularmente a elite do Estado, estão estritamente ligadas à classe dominante pela origem social, situação, meio, relações inter-pessoais e ideologia.

Seria assim, possível para um pesquisador marxista aceitar a tese da pluralidade das elites – à condição de todos considerarem aqueles como partes integrantes da classe dominante. Seria igualmente possível livrar-se, não somente das análises de estruturas e de ideologias, mas igualmente dos estudos de motivação e das pesquisas sobre a origem social das elites, para mostrar suas características distintivas próprias e sua relação com a classe dominante.

Numa posição intermediária entre Miliband e Poulantzas se coloca Bourdieu (1979 e 1989) que resguarda as dimensões de agência e inter-acção (sobre os conceitos de trajectórias, estratégias), ao mesmo tempo que coloca os agentes sob-estruturas, elas mesmas fragmentadas numa multiplicidade de campos com constrangimentos variados, conforme o peso dos capitais específicos em jogo. Uma análise mais detalhada desta proposta, será desenvolvida nos capítulos referentes à reprodução e identidade das elites políticas locais em Cabo Verde.

Olivier Tilleux afirma que, “globalmente, esses autores incontornáveis (Pareto, Mosca, Mills e Dahl) estão classificados entre os “clássicos” da Sociologia das Elites. Suas perspectivas trazem grandes vantagens para a análise da estrutura e do sistema de poder e sobre o modo de coesão dos membros” (Tilleux, 2003: p. 5).

Outros estudos foram desenvolvidos numa corrente mais larga relativa ao “poder”. Certos autores sublinham a emergência do indivíduo enquanto elite e membro de um grupo social superior. Outros inspiram-se na Sociologia das Organizações para estudar, de uma maneira mais dinâmica os dirigentes e os notáveis locais, as estratégias por eles implementadas, as relações nas quais os eleitos e os funcionários se encontram inscritos (Grémion, 1976; Crozier, 1963; Crozier/Friedberg, 1977; Dion, 1986) (op. cit. p. 5).

Mais recentemente, outros estudos no domínio da análise das redes, quer se trate de uma rede política partidária (Sawicki, 1997), quer ainda das redes de políticas públicas, no sentido anglo-saxão de policy network, tendem a enfatizar mais o funcionamento e a

22 reprodução de um sistema do que a estrutura interna do poder propriamente dita (idem, ibidem, p.5).

Interessa-nos, sobretudo, a perspectiva desenvolvida por Sawicki, pois procuramos entender se, no processo de recrutamento das elites políticas locais em Cabo Verde, mais precisamente, nos concelhos da Praia, de Santa Catarina e na ilha de Santo Antão, existe uma rede de relações, seja ela familiar, de amizade ou sob outras afinidades, que permite aos indivíduos pertencentes ao mesmo grupo familiar/relacional aceder ao poder ao nível local, bem como às estruturas electivas ao nível nacional, nomeadamente, o acesso ao Parlamento e aos cargos de Ministros/Secretários de Estado.

Essa estrutura de redes, ao nível local, é também abordada por Trivelin et al (2003). Os autores sustentam que a entrada na rede pode dar-se através da cooptação, que apresenta um duplo sentido:” de um lado, um grupo manifesta uma vontade de cooptar um actor no seio das suas posições dominantes e, do outro, o “cooptado” se comporta enquanto candidato interessado que tem identificado a oportunidade, sem que aquela se constitua um projecto preciso. Defende ainda que uma cooptação não pode ser unilateral, é preciso que o indivíduo seja candidato, embora caiba ao grupo demonstrar a vontade de acolher os novos membros identificados como vantajosos e desejáveis, jogando, deste modo, um papel chave na emergência dessas elites. Esses indivíduos são instalados nas suas posições pelas redes que são igualmente produtoras do seu sucesso (Trivelin et al, 2003: 99 – 103).

O seu modo de cooptação realiza-se através de afiliações e de implicações no seio de certas redes locais. Um cargo no seio de uma escola é um ponto de visibilidade importante para um mandatário político comunal tornar-se conhecido. Isso dá-lhe a oportunidade de frequentar um número muito importante de pais e de alunos que poderão constituir uma parte não negligenciável do seu eleitorado (op. cit. p. 104).

A entrada na rede pode também dar-se de uma forma diversa da cooptação. É o que sustenta Tilleux para quem, para além de a cooptação, o recrutamento pode efectivar-se em função da renda do indivíduo, do seu capital económico, fonte potencial de prestígio

23 social, ou em função das suas competências reais ou supostas e das suas qualidades de expert (op. cit. p 19-22).

Importa, no entanto, realçar, como demonstra Trivellin, que a emergência dos actores políticos está estritamente relacionada com as especificidades locais, ou seja, as formas de cooptação não se processam da mesma forma nas diferentes cidades analisadas, pois, as identidades são diferentes, as estratégias utilizadas pelas elites de poder são também diversas. A questão que colocamos é saber como, em Cabo Verde, as diferentes elites políticas locais utilizam estratégias diferenciadas no processo de cooptação dos seus membros?

1.1.2 Elites Africanas

Os estudos sobre as elites africanas são relativamente recentes, tendo em consideração que a maioria dos estados africanos iniciou o seu processo de independência na década de 50 do século passado. Com a independência, regista-se um incremento dos estudos relativos a essa matéria. Contudo, a discussão sobre esta temática é marcada sobretudo, por uma certa crítica que é dirigida a muitos autores “acusados” de fazerem uso de uma perspectiva etnocentrista, analisando as elites africanas a partir de uma visão europeia da história e das relações sociais (Serrano, 1981).

Essa visão tende a diminuir o papel das elites tradicionais e a atribuir uma maior importância à elite formada na Europa. Para Bakary (1990), toda a discussão sobre os grupos de elites nas sociedades africanas contemporâneas deve ter em conta as relações com todos esses grupos que parecem estar excluídos e sobretudo com a elite do período anterior. As elites tradicionais existem de facto na maioria dos países africanos, mesmo que o seu prestígio esteja diminuído. A elite tradicional difere da elite moderna, no sentido em que os chefes e os dirigentes tradicionais são elites com “status” na sua região, cidade ou aldeia. A elite moderna é uma elite “nacional”, mesmo se certos indivíduos que dela fazem parte sejam membros proeminentes da sua própria elite local ou regional (Bakary, 1990: 28).

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A justaposição dos dois grupos de elite permite questionar sobre a possibilidade de uma continuidade, de uma coincidência ou de um antagonismo entre eles. É preciso interrogar também sobre se os valores que cada grupo veicula são comparáveis, ou se os seus interesses políticos e económicos são coincidentes (op. cit. p. 28).

Segundo Bakary,9 a elite de instrução (os “letrados”, os “evoluídos”) tem sido objecto de uma constante atenção por parte daqueles que estudam a África. É a elite por excelência em razão do início da sua função de intermediário entre os colonizadores e os colonizados, o porta-voz desses últimos e o herdeiro do poder deixado pelos primeiros na governação dos novos Estados. Essa elite caracteriza-se por uma formação intelectual do tipo ocidental, com um nível bem modesto até a segunda guerra mundial. Num primeiro momento, valoriza a sua nova educação e, por razões diversas, distancia- se das culturas africanas, mas a elas retorna, para as adoptar como armas do seu combate.

No quadro profissional, tem fornecido os quadros subalternos dos serviços administrativos, das companhias comerciais e das empresas coloniais. Economicamente, era esse o grupo que detinha as rendas mais estáveis e uma parte importante das rendas mais elevadas. De sua situação de auxiliar do colonizador, passará a assumir a reivindicação da igualdade, da independência, e fornecerá os dirigentes dos partidos nacionalistas, e acabará por se constituir na camada dirigente dos novos Estados independentes (idem, ibidem. p. 30-31).

A evidência sugere que, entre outras, as características dominantes dessas novas elites estão longe de serem uniformes de um Estado africano para outro. A adopção de um conceito único, para dar conta de todas as situações, comporta os riscos extremos de simplificação.

Deste modo, no caso específico de Cabo Verde, Cláudio Furtado (1997) afirma que a grande diferença, entre a realidade africana continental e a cabo-verdiana, reside nos papéis institucionais, claramente diferenciados entre as instituições na sociedade cabo-

9 No caso de Cabo Verde ver a análise que é feita Anjos, José Carlos. Intelectuais, Literatura e Poder em Cabo Verde, Porto Alegre – UFRGS, 2002, em que retrata o papel desempenhado pelos intelectuais enquanto mediadores entre os colonizadores e os colonizados e que reclamam o papel de vanguarda no período pós-colonial.

25 verdiana. Não há sobreposições, nem interferência, ou menos ainda a quebra de determinadas instituições em favor de outras. Contrariamente, este parece ser o caso das sociedades africanas em que o poder militar, para além de os poderes que lhes são próprios, acumula outros poderes, normalmente destinados a outras instituições numa sociedade democrática, acabando por se tornar, em certos casos, na única instituição política (Furtado, 1997: 57).

Sob a direcção de Jean-Pascal Daloz (1999), uma série de autores estuda a problemática da renovação da elite política africana, sobretudo do ponto de vista quantitativo, medindo a importância efectiva da elite política na cúpula das estruturas do Estado (membros do governo, do parlamento e do círculo presidencial), em certos países africanos, nomeadamente no Benim, Quénia, Camarões, Mali, Burkina Faso, Botswana, entre outros países. Procuram ao longo dos textos demonstrar que, nos países atrás referidos, a renovação quantitativa das elites políticas processa-se de uma forma muito lenta. “Os inquéritos mostram frequentemente que os indivíduos que se encontram nas altas esferas do poder, são aqueles que já estavam no poder no momento da transição democrática, com uma longa carreira política e que demonstram uma grande capacidade de adaptação como é referenciado pelos teóricos da flexibilidade das elites como Schumpter e Lasswel” (Daloz, 1999: 19).

À excepção de um número reduzido de países africanos com alguns anos de experiência de vivência democrática, em que o processo de substituição das elites e de alternância de poder ocorre através da realização das eleições, na maioria dos casos, uma mudança expressiva do pessoal dirigente só ocorre pela substituição de um regime, seja pela via do golpe de estado ou pelas acções de guerrilha. Mesmo nesses casos, afigura-se raro que os novos actores se mostram disponíveis para uma abertura do sistema. “O núcleo duro dos militares ou dos guerrilheiros permanecem muito tempo como generais nos postos chaves, a exemplo da Uganda ou do Zimbabwe. Isso não exclui certas cooptações fora desses movimentos. A renovação das elites do poder permanece extremamente limitada e efectua-se segundo as lógicas de alargamento sob alta vigilância” (op. cit. p. 21).

Deste modo, se se procurar fazer uma análise relativamente à elite política africana, através da perspectiva clássica de Pareto, a tendência é para a conclusão de que não

26 existe nenhuma circulação das elites na maioria desses países, devido a uma falta de entrada significativa de elementos novos fora das lógicas consagradas e controladas da cooptação ou do nepotismo. Daloz defende que, de facto, mesmo nos sistemas onde se podem registar verdadeiras rotações, não se constata uma abertura real, mas estratégias teleguiadas da cúpula, visando assegurar que nenhum líder potencial possa fazer livremente o seu percurso, por se encontrar continuamente submetido a um elevado grau de controlo.

Para ele, a perenidade impressionante de certos homens políticos africanos, e, de uma maneira mais geral, o fenómeno da fraca circulação das elites nesta parte do mundo, devem ser interpretados à luz de certas premissas essenciais, quais sejam, para compreender as razões da não renovação, importa aprofundar o estudo das elites (quer dizer, os detentores das posições de poder) e sobre a liderança (quer dizer, as suas relações e inter-acções com o resto da população). Trata-se, aliás, de uma tendência maior da literatura política consagrada às elites que se justifica particularmente no que concerne à África subsahariana (idem, ibidem. p. 23).

Ao analisar as elites políticas do Benim no período da renovação democrática, Cédric Mayrargue (1999), afirma que dá a impressão que o poder está sempre ocupado pelas mesmas pessoas e que as mudanças ocorridas têm sido mais cosméticas, superficiais do que reais. Defende a hipótese de que a recomposição do pessoal político e a diversificação das trajectórias seguidas não tem provocado uma verdadeira renovação da elite, nem na sua composição social, nem no seu comportamento. Observa-se, ao contrário, uma permanência, uma exacerbação de certas práticas políticas ligadas à corrupção, a ponto de se perguntar se houve algum ganho real com a democracia. Desse ponto de vista, a renovação democrática inscreve-se na continuidade dos regimes políticos precedentes e não têm induzido a mudanças expressivas (Mayrargue, 1999: 34).

A renovação dos primeiros anos, iniciada após o golpe de Estado de 1972, foi seguida de uma cooptação entre as diferentes gerações. Os primeiros anos do poder foram acompanhados do surgimento na cena política de novos actores políticos. A partir de 1990, com a democratização do regime, ocorre uma mudança da elite no poder, mas,

27 uma parte do pessoal político do antigo regime que ficou de fora, reaparece rapidamente e faz progressivamente a sua reintegração na vida política do Benim (op. cit. p. 35).

A renovação democrática segue o seu ritmo, através das eleições. Nesse percurso, constata-se o retorno progressivo das elites pertencentes ao antigo regime. Defende que não somente as elites que emergiram não eram verdadeiramente novas, como também aqueles que saíram da cena, em 1990, ressurgem rapidamente na cena política.

Defende também que o retorno ao poder dos principais actores do antigo regime não significa enquanto tal um fracasso do processo democrático. Resulta da acção desses homens que vão mobilizar os seus recursos e as suas redes, numa perspectiva de reconquista. Traduz sobretudo a decepção criada pelos novos dirigentes. A reciclagem da antiga elite deve-se, em parte, à impressão ressentida por uma parte importante da população de que os governantes não cumpriram com a sua missão e que não se mostraram mais aptos a governar do que os seus antecessores.

Para melhor compreender o retorno da antiga elite política e a fraca renovação dessa mesma elite bem como o uso de novos recursos simbólicos, Cédric trabalha com um conceito interessante para analisar o caso de Benim, que é o de elites recicladas compostas pelos indivíduos que fizeram parte da cúpula do poder no antigo regime, que se readaptaram e reapareceram no regime democrático ocupando as suas antigas posições. As elites novas, são constituídas em boa parte pelos novos quadros, com uma experiência política recente, comparativamente aos demais (idem, ibidem, p. 40).

1.1.3 Elites Locais

A literatura sociológica relativa às elites, enquanto actores na cena social, é relativamente reduzida. Os trabalhos biográficos e monográficos sobre os homens e mulheres do mundo político, cultural, financeiro e industrial, etc., são mais frequentes, embora levantem sobretudo questões de tipo jornalístico. As pesquisas relativas às elites locais são ainda mais reduzidas. Essa situação é ainda mais paradoxal no momento em que as teorias do desenvolvimento colocam ênfase no papel do local e do regional (Trivelin, 2003: 30).

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Num estudo de base empírica sobre as elites locais de três cidades médias da Bélgica (Wavre, Verviers, Lier), Trivelin (2003), utiliza o conceito de elite “local” numa perspectiva que ultrapassa o conceito do poder. Ora, se a elite é reputada de ter o privilégio de influenciar o futuro de uma população, de uma nação ou simplesmente de uma cidade, não deve negligenciar os aspectos indirectos do poder, tudo o que pode influenciar um território e os seus habitantes (op. cit. p. 29).

Nesse sentido, ele define a elite como sendo “uma pessoa ou um grupo de pessoas que terá adquirido uma posição reconhecida como importante no seio de um ou de vários domínios de actividade. Essa pessoa ou grupo ocupa um lugar elevado na hierarquia social e, pela sua posição e legitimidade, tem a capacidade de influenciar de uma forma ou de outra o futuro de um território determinado, e dispõe de uma consciência dessa posição elititária (idem, ibidem, p. 42).

Sendo o seu objecto de estudo uma elite local, ele não poderia deixar de atribuir uma definição mais particular dessa elite ao relacioná-la com um território específico. Na nossa óptica, as elites locais ou mantêm uma ligação de residência ou exercem uma actividade nas cidades médias. Em consequência, as elites podem sair do nível local, para exercer as actividades em outros lugares, e investir até ao nível nacional ou mesmo internacional. Trata-se, em resumo, de elites residentes num território de uma dada cidade que exercem uma ou várias funções no seio de um ou de vários domínios de actividades, ou de elites que não residem num território de uma determinada cidade, mas que aí exercem uma ou muitas funções no seio de um ou de vários domínios de actividades, ou ainda, de elites residentes num território de uma determinada cidade e que exercem uma ou várias funções no seio de um ou vários domínios de actividade fora do território dessa cidade.

Reynaert e Steyvers (2003), outros dois autores que se empenharam no estudo das elites locais, constataram que, a maior parte dos casos, nos escritos sobre as elites e sobre as elites políticas em particular, os autores debruçam-se sobre as elites (políticas) nacionais. “É evidente que as elites nacionais e locais se situam em níveis diferentes. As elites locais, com efeito, formam a fase inicial do processo de selecção, enquanto as elites nacionais se encontram no fim do processo. Deve ser-se prudente quando se utilizam as conclusões que têm sido elaboradas no quadro do estudo das elites

29 nacionais. Muitas dessas conclusões deverão ser relativizadas e não poderão mesmo ser aplicadas às elites locais” (Reynaert e Steyvers, 2003: 43-44).

Esses autores consideram ainda, que os políticos locais detêm uma parte determinante na tomada de decisão política ao nível local e que se distinguem claramente dos cidadãos no que concerne ao poder. Desse modo, entendem, portanto, por elite política local os eleitos locais (op. cit. p. 45). Partilhamos esse conceito, contudo, pretendemos alargar essa definição de elite política local, de modo a nele incluir, para além dos eleitos nos cargos municipais (Presidente da Câmara Municipal, Vereadores e Deputados Municipais), os membros eleitos para as estruturas partidárias ao nível local, seja dos partidos que estão no poder, seja dos que estão na oposição.

1.2 Contexto Histórico

Faz-se necessário apresentar, sucintamente, o quadro político em que as mudanças político-administrativas relacionadas ao poder municipal estão inseridas. Para alcançar tal propósito, procuramos resgatar na história os diferentes períodos da constituição das elites políticas locais em Cabo Verde e a sua relação com o poder central.

Neste sentido, a finalidade deste sub-capítulo consiste em fazer uma análise da reconstrução histórica da trajectória das elites políticas locais em Cabo Verde, desde o seu povoamento no século XV até o presente.

Na verdade, não cabe aqui produzir uma análise detalhada sobre a elite política local em Cabo Verde desde o seu descobrimento, tendo em vista não ser este o nosso objecto de estudo e também pelo facto de existir uma vasta historiografia e de grande qualidade sobre o período. Contudo, faz-se necessário apresentar, ainda que breve, o quadro político em que as mudanças político-administrativas relacionadas ao poder municipal estavam inseridas.

Para isso, foi dividido em três subcapítulos, sendo o primeiro correspondente ao período colonial e os dois seguintes ao período pós-colonial, cada um correspondente a um momento histórico determinado, quais sejam: o período do povoamento no século XV e

30 o seu prolongamento que vai até a independência de Cabo Verde em 1975; o período do regime do partido único, que tem como marco a data da independência nacional em 1975, até 1990, que culmina com o processo de mudança de regime para um sistema multipartidário; o período democrático que se inicia em 1991, com a realização das primeiras eleições livres, democráticas e multipartidárias que vigora até o momento.

1.2.1Período do Povoamento

Quando nos referimos ao período do povoamento, um dos aspectos interessantes a ressaltar é o facto de o poder local ter sido instalado desde muito cedo nas ilhas de Cabo Verde, acompanhando, desde logo, o processo de fixação dos primeiros moradores na ilha de Santiago, a primeira a ser povoada. Como afirma Cabral, “O primeiro documento, que menciona a Câmara como uma instituição já estabelecida no espaço cabo-verdiano é de 1497” (Cabral, 2002 e Lopes, 2005). Importa lembrar que o descobrimento aconteceu por volta de 1460 e o povoamento um pouco mais tarde, isto é, em 1462, com os portugueses vindos da metrópole e os escravos trazidos da costa ocidental africana.

A apetência pelo poder por parte da elite local manifestou-se desde o primeiro momento em que as Câmaras foram instituídas e representava para os seus ocupantes um importante elemento de diferenciação social. Assim, desde cedo, o desempenho dos cargos camarários interessava à elite local, não só pelo prestígio que lhes era inerente, mas também pelas possibilidades de obtenção de vantagens económicas que a situação de proeminência social e política proporcionava (Cabral, 2002: 241).

Esse processo repete-se durante o período da colonização ao longo dos séculos, pois a Câmara era praticamente a única esfera de poder que a elite política local podia almejar, uma vez que o cargo de governador era quase sempre ocupado por alguém que vinha da metrópole representar o reino. Como afirma Cabral, “o exercício das funções concelhias e a actuação na Milícia era o único modo que a elite cabo-verdiana, dessa época tinha para adquirir honrarias e receber mercês do rei. Não podemos esquecer que a participação na Câmara era procurada pelos moradores poderosos das ilhas de Cabo

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Verde, porque essa era nos séculos XVII e XVIII a única forma de ascensão social possível para os filhos da terra. Esta não era possível, sem a passagem pelo concelho camarário ou pela direcção da milícia” (Cabral, 2002: 237).

Se, por um lado, o processo de constituição do poder local nas ilhas de Santiago e do Fogo foi conduzido de uma forma “célere”, o mesmo não se pode dizer relativamente às outras ilhas, ainda que o povoamento das mesmas se tenha iniciado bem mais tarde. A primeira experiência do poder local nas ilhas de Santo Antão, de S. Nicolau, da Boa Vista, do Maio e da Brava, viria a acontecer só a partir de 1732 e levou cerca de 13 anos para ser concluída, ou seja, para a instalação efectiva das Câmaras Municipais em todas as ilhas. Segundo Cabral, “na vila da Ribeira Grande, o ouvidor Costa Ribeiro conseguiu fazer o primeiro termo de vereação para a pauta e eleição de oficiais da câmara, em 7 de Maio de 1732… estavam assim as duas instituições do poder local, Câmara e Milícias adaptadas caso a caso e instaladas em todas as ilhas habitadas do arquipélago nos meados do século XVIII (1745) (Cabral, 2002: 267-268).

A ocupação dos cargos municipais obedecia a um processo electivo ainda que restritivo, pois, impunha uma série de condições para que o indivíduo habilitasse a concorrer, entre as quais se destaca o facto de ser proprietário. Este era um elemento que à partida excluía a maioria da população da possibilidade de almejar a fazer parte da elite política local. De acordo com Cabral, “podiam fazer parte das assembleias municipais apenas os indivíduos que fruíssem o estatuto de vizinho das ilhas, possuíssem no concelho bens de raiz e fossem considerados como “homens bons” “de qualidade e condição”, mais tarde designados “homens nobres e da governança” (Cabral, 2002: 240).

Como naturalmente eram poucas as famílias que se enquadravam dentro do perfil exigido, isso fez com que essa elite política local se tornasse endogâmica no seu processo de recrutamento, com praticamente os mesmos indivíduos se revezando nos cargos, exercendo, por mais de uma vez, o mesmo cargo em “períodos” diferentes e/ou desempenhando cargos diversos num mesmo período ou em datas diferentes. Isso demonstra a concentração do poder num grupo restrito e, em alguns casos, famílias que tiveram vários membros ocupando cargos públicos, o que ficou patente no mapeamento das famílias que ocuparam os cargos eleitos locais feito por Cabral.

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O processo de reprodução endogâmica da elite política local, em Cabo Verde, da sua introversão e autonomia é atribuído também, segundo Cabral, “ao desinteresse do poder central, ao arrefecimento da economia, à ausência de novos imigrantes livres ou escravos que levaram ao isolamento da elite” (Cabral, 2002: 263).

Essa conquista de autonomia pelo poder político local foi alcançada, por um lado, através de “lutas” internas no seu seio e, também, a luta desencadeada com outros actores políticos, designadamente os capitães que, segundo Cabral, são “confinados” quase exclusivamente à função militar (Cabral, 2002: 263).

Por outro lado, o desinteresse quase total da Coroa portuguesa, absorvida na Guerra de Sucessão espanhola e na administração e preservação dos seus direitos num território do “Mundo Novo”, deu margem à sociedade cabo-verdiana para criar hábitos de autonomia e de autogestão que só uma elite preparada podia tomar nas mãos, reforça Cabral (Cabral, 2002: 266).

A referida autonomia não se processou de uma forma contínua, mas sim por curtos períodos durante vários anos, constituindo-se num “jogo” no qual havia um certo consentimento implícito da coroa portuguesa. O supracitado período decorreu durante um século e meio de história do arquipélago e, os anos de auto-governação da câmara estenderam-se ao longo de, pelo menos, 38 anos. A experiência do poder e de autonomia influenciou necessariamente o comportamento dos poderosos, a sua forma de se relacionar com os representantes régios e com o “povo miúdo das ilhas”. Até ouvidores interinos eles chegaram a ser, o que demonstra a real extensão dessa autonomia (Cabral, 2002: 275).

Em razão dessa autonomia que foi bem aproveitada pela elite política local, conseguindo estender o seu poder a outras esferas da vida pública local, fez com que “dependendo das circunstâncias, ela se tornasse por vezes uma aliada preciosa e, outras, uma inimiga temível dos representantes da Coroa no arquipélago” (Cabral, 2002: 300).

Essa maior autonomia da elite política local não foi um caso específico de Cabo Verde, pois aconteceu em pelo menos uma outra colónia portuguesa na época, o Brasil. Segundo Campos, que estudou as elites locais de Niterói no Rio de Janeiro, ele constata que no que concerne ao poder local, num primeiro momento, até o século XIX, a

33 conquista de novas terras e a colonização empreendidas pelo Estado português, conviveram com momentos de maior ou menor centralização, variando de acordo com os interesses do governo central e das pressões por parte das elites locais. No entanto, mesmo nos momentos de maior descentralização em que os poderes administrativos locais obtiveram grande autonomia, o governo central não descuidou de manter a vigilância e tutela (Campos, 2004).

Contudo, nesses jogos, os interesses da Coroa acabaram-se por se impor quando de uma certa forma se sentiram ameaçados na sua autoridade, e a “ordem” reposta, segundo o relato da própria autora por meios violentos, demonstrando claramente à elite local quem detinha verdadeiramente o poder nas ilhas. “O desembarque na ilha, em 1774, de uma tropa estrangeira, com comando próprio, disciplinada e bem armada e, sobretudo, sem nenhuma ligação à oligarquia local e a decisão régia, em 1770, de que em nenhum caso a Câmara poderia ser governo, redefiniram o poder na ilha e deram aos governadores a possibilidade de agir na administração civil e militar sem depender da vontade dos homens poderosos” (Cabral, 2002: 338).

Esse retorno da vassalagem da elite política local à Coroa portuguesa aconteceu durante o denominado período Pombalino em que as medidas tomadas pelo Estado tinham como objectivo afirmar a sua autonomia e independência, tornando-o mais actuante, tutor de todo o país e das colónias, e perdurou até o período da independência nacional em 1975, passando por momentos em que os integrantes da elite política local eram nomeados como aconteceu durante a era do Estado Novo em Portugal, de 1925 até a revolução dos cravos em 1974, que restabeleceu o regime democrático em Portugal. Durante esse período, denominado de salazarista, as autarquias viveram enquadradas pelo Código Administrativo de 1936. Segundo os seus preceitos, os órgãos municipais tinham um carácter não electivo, sendo tutelados pelo Estado e dele dependendo em termos financeiros, diluindo-se os órgãos da administração local na esfera de actuação do Estado. A organização administrativa do Estado Novo criou a figura de Administrador do Concelho.

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1.2.2 Período do Partido Único

O período do regime do partido único, tem como marco a data da independência nacional, 5 Julho de 1975, e vai até 1990, quando se desencadeia o processo de mudança para um sistema multipartidário. O regime instituído possuía, desde os seus primórdios em 1975, um carácter centralizador evidenciado através da Lei da Organização Política do Estado (LOPE), como atesta Évora (2001) “A LOPE passou a ser uma espécie de constituição definindo os órgãos de poder do Estado e a orgânica jurídico-política para a governança e a administração do país até que fosse votada e promulgada, pela assembleia constituinte, a Constituição do Estado de Cabo Verde. Em vários artigos da LOPE, percebemos o caráter autoritário do regime” (Évora, 2001: 49).

Relativamente ao poder local, constata-se que, não obstante a mudança do estatuto do país, que criou um novo quadro político com a conquista da independência, a situação praticamente não sofreu alterações, ou seja, o sistema administrativo continuou centralizado,10 com o governo, neste caso, através do Primeiro-ministro detendo a prerrogativa de nomear os Delegados do Governo e, os membros dos Conselhos Deliberativos a serem nomeados pelos Ministros responsáveis pelas pastas da Administração Interna e/ou de Administração Local. Para além destes, foi criada também a figura do Secretariado Administrativo que funcionava enquanto executivo municipal, sendo dirigido por um funcionário administrativo experiente, também nomeado pelo Primeiro-ministro.

De acordo com Monteiro, “as competências das Câmaras Municipais e dos presidentes das Câmaras Municipais constantes da Reforma Administrativa Ultramarina transitaram-se para os novos órgãos criados: o Delegado da Administração Interna, o Conselho Deliberativo e o Secretariado Administrativo” (Monteiro, 2007: 8).

10 Cf o Decreto-Lei nº 47/75 inserto no Boletim Oficial nº 20 de 15 de Novembro de 1975 que cria as figuras de Delegados da Administração Interna e Secretários Administrativos nos diversos concelhos do país e o Decreto-Lei nº 58/75 de 13 de Dezembro de 1975, que extingue as Comissões Administrativas criadas pelo Decreto-Lei nº 5/75, de 22 de Janeiro pelo Governo de transição e cria em cada concelho enquanto órgão de administração municipal, um Conselho Deliberativo e um Secretariado Administrativo.

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Na realidade, vivencia-se uma situação em que os representantes locais carecem de autonomia, pois, segundo o estatuído no artigo 3º do Decreto-Lei nº 58/75 de 13 de Dezembro de 1975, é, dentro das directrizes do Governo, que se incumbe aos órgãos da Administração Municipal a tarefa de promover o desenvolvimento económico, social e cultural do concelho, a satisfação das necessidades colectivas e a defesa dos interesses das populações locais.

A situação permaneceu inalterada até o ano de 1989, quando foi aprovada na Assembleia Nacional Popular a Lei nº 47/III/89 de 13 de Julho de 1989, que define as Bases das Autarquias Locais. Essa Lei, no seu artigo 21º alínea b, previa a eleição das assembleias municipais, mas restringia a participação aos grupos de cidadãos para além do PAICV. Foi aprovado também o Decreto – Lei nº 52 – A/90 de 4 de Julho que determinou o funcionamento e a organização dos municípios.

Em vez do Conselho Municipal e Presidente do Conselho Municipal passaram a existir a Câmara Municipal e o Presidente da Câmara Municipal, recuperando assim as denominações das instituições municipais coloniais. No entanto, esses pacotes legislativos não passaram de boas intenções, uma vez que as eleições não foram realizadas, mantendo-se tudo na mesma, até às eleições realizadas em Dezembro de 1991.

O poder instituído desde a independência em Julho de 1975 tinha um carácter eminentemente centralizador, relegando o poder autárquico para um papel secundário. Neste sentido, a elite política local tinha uma expressão limitada e o seu processo de recrutamento se dava via de regra entre os quadros com alguma experiência na administração pública e ligados ao partido único. A sua escolha não era feita através de eleições, mas sim de nomeações por parte de um membro de governo responsável pela pasta da administração local.

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1.2.3 Período democrático

A mudança deste quadro só viria com a Segunda República, período iniciado a 13 de Janeiro de 1991 com a realização das primeiras eleições legislativas livres, democráticas e multipartidárias que vigora até o momento.

A Assembleia Municipal e a Câmara Municipal passaram a ser eleitas por sufrágio universal, livre, igual, directo e secreto, sendo eleito presidente da Câmara Municipal o candidato que encabeçar a lista vitoriosa para a Câmara Municipal. O municipalismo cabo-verdiano viu reforçado os seus poderes em termos de competência e a sua autonomia face ao poder central com a Constituição aprovada em 1992. O artigo 2º da Carta Magna diz: a República de Cabo Verde reconhece e respeita, na organização do poder político, a natureza unitária do Estado, a forma republicana de governo, a democracia pluralista, a separação e a interdependência dos poderes, a separação entre as Igrejas e o Estado, a independência dos Tribunais, a existência e a autonomia do poder local e a descentralização democrática da Administração Pública (Cfª Artºs 1º e 2º da Constituição da República).

Assiste-se à emergência de uma nova elite política local em função das primeiras eleições locais democráticas em Cabo Verde. O Movimento para a Democracia (MpD), partido que saiu vencedor nas eleições legislativas de 1991 e que assumiu o governo, também ganhou a maioria das Câmaras Municipais, inclusive as da Praia, de Santa Catarina e duas em Santo Antão (Ribeira Grande e Porto Novo, perdendo apenas a de Paul para um grupo independente).

Em 1991, dá-se a transformação do verdadeiro processo de descentralização e do poder local, com a introdução do regime multipartidário e com a realização das primeiras eleições democráticas dos órgãos municipais. A realização de eleições livres e democráticas, a aprovação de legislação que transfere aos municípios um conjunto de atribuições e competências, bem como a afectação de recursos humanos, materiais e financeiros, consolidaram a institucionalização das autarquias locais como um reflexo de um Estado de Direito Democrático e descentralizado, na construção de um poder local participativo e prestigiado, com capacidade empreendedora no processo de desenvolvimento local.

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O período da vivência do regime multipartidário, com a realização das eleições livres e independentes, trouxe consigo um revigoramento do poder local, sua maior atractividade e elevou também a visibilidade e a responsabilidade da elite política local, sendo estes os poderes mais próximos da população. A acrescentar, a insularidade das ilhas de Cabo Verde, faz com que os eleitos políticos locais e particularmente os presidentes das Câmaras Municipais, se constituam numa figura importante no cenário político nacional. As formas de recrutamento diversificaram-se e o perfil social da elite política local alargou-se, abrindo espaço para os indivíduos, oriundos das camadas mais baixas da população, ascenderam socialmente através da educação.

De acordo com o Estatuto dos Municípios (Lei 134/IV/95) são órgãos representativos do município: A Assembleia Municipal, órgão deliberativo, com competências, por exemplo, para a aprovação de orçamentos; A Câmara Municipal, órgão executivo colegial, formado pelo Presidente e os vereadores. O Presidente da Câmara Municipal, órgão executivo singular, pode delegar ou subdelegar vereadores, tendo a mesma competência que o executivo colegial. Neste momento, existem vinte e duas Câmaras Municipais eleitas.

São atribuições dos municípios domínios como a administração de bens, planeamento, saneamento básico, saúde, urbanismo e habitação, transportes rodoviários, educação, promoção social, cultura, desporto, turismo, ambiente, comércio interno, protecção civil, emprego e formação profissional.

1.3 Caracterização do espaço de pesquisa

1.3.1 Contexto político-institucional

O território de Cabo Verde encontra-se subdividido em concelhos que se subdividem em freguesias. A divisão oficial, desde 2005, contempla 22 concelhos e 32 freguesias. A nível administrativo, logo abaixo do governo, encontram-se os municípios que administram os concelhos. Os municípios, por sua vez, são constituídos por uma

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Câmara Municipal - órgão executivo colegial, formado pelo Presidente e os vereadores. O Presidente da Câmara Municipal é o órgão executivo singular ao qual estão conferidas todas as competências do órgão executivo colectivo, podendo delegar ou subdelegar nos vereadores o exercício da sua competência própria ou delegada. A Assembleia Municipal - é órgão deliberativo, à qual cabe aprovar os instrumentos de gestão e fiscalização da actividade governativa da Câmara (De acordo com o Estatuto dos Municípios Lei 134/IV/95).

As eleições autárquicas são realizadas a cada quatro anos, sendo que, até o momento, já foram feitas seis eleições autárquicas. A eleição nos municípios é por voto directo, secreto e simultâneo em todo o país. O mandato é de quatro anos.

A criação e a extinção das Câmaras Municipais, como também a alteração do seu território, são feitas por lei com prévia consulta aos órgãos autárquicos abrangidos (C.R.C.V., art. 174º).

1.3.2 Praia

O Concelho da Praia situa-se a sul da ilha de Santiago com uma superfície actual de 102 km2, representando 2,6% do território nacional e a maior densidade populacional do país com cerca de 1.305 habitantes por km2. Praia acolhe apenas uma única freguesia – Nossa Senhora da Graça. É uma das divisões administrativas mais antigas de Cabo Verde. Foi criado no séc. XVIII, quando a vila da Praia de Santa Maria passou a cidade, e passou a ser a nova capital de Cabo Verde11. Ao longo da sua história, o concelho foi sucessivamente reduzido. No fim do séc. XIX, o Concelho da Praia ocupava a metade sul da ilha, enquanto a metade Norte era o Concelho de Santa Catarina. Antes da década de 70 albergava sete freguesias, passando para cinco em 1971, com a criação do concelho de que passou a incluir as freguesias de São Lourenço dos Órgãos e Santiago Maior.

Após uma revisão no início do séc. XX, o Concelho da Praia passou a ocupar o terço sul da ilha. Em 1993, através do Decreto-Lei nº 96/IV/93 de 31 de Dezembro, duas

11 Cf entre outros, Silva, 2005

39 freguesias a norte, a de Nossa Senhora da Luz e de São Nicolau Tolentino foram separadas para constituir o Concelho de São Domingos. Em 2005, através do Decreto- Lei nº 63/VI/2005, de 9 de Maio, mais duas freguesias a oeste, a do Santíssimo nome de Jesus e a do São João Baptista foram separadas para constituir o Concelho de Ribeira Grande de Santiago.

População

É o concelho onde fica situado a capital de Cabo Verde, a cidade da Praia. É um concelho essencialmente urbano com mais de 97% da população correspondente a 127.832 indivíduos a residir na zona urbana, ao contrário de uma minoria (3.770) que mora nas zonas rurais12. A distribuição da população por sexo mostra-se bastante equilibrada, com um ligeiro predomínio das mulheres que representam 50,9% da população, correspondente a 67.015 indivíduos, contra 64.587 homens. Praia é o concelho mais povoado de Cabo Verde, abrigando pouco mais de um quarto da população do país (26,8%). De igual modo, representa 48% da população da ilha de Santiago, estimada em 273.919 pessoas, segundo os dados do Censo 2010.

De acordo com o quadro nº 1, a Praia registou um crescimento constante a partir da década de 60, quintuplicando a sua população. Na última década (2000-2010) a sua taxa de crescimento médio anual alcançou os 2,9%, muito acima da taxa registada a nível nacional (1,2%), sendo superada apenas pela Boa Vista e pelo Sal, com 7,8% e 5,5%, respectivamente.

Quadro nº 1 – População da Praia de 1940 a 2010

Ano 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 População 18.208 17.179 24.872 39.911 57.748 71.276 106.348 131.602

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE)

De acordo com os dados do Censo 2010, cerca de 11% da população residente na Praia com 3 anos e mais possui um nível de ensino médio ou superior. Estes resultados situam-se bem acima da média nacional que é de 6,1%. Da mesma maneira, os dados

12 INE - dados do Censo 2010.

40 indicam que a proporção da população deste concelho que detêm o ensino secundário (35,3%) está acima da média nacional que alcança os 31,2%. Por outro lado, entre os indivíduos que possuem os níveis de ensino mais baixo, a média da Praia é inferior à média nacional.

Quadro nº 2 - Nível de estudo da população da Praia com 3 anos e mais

Nível escolar Praia Cabo Verde S/ nível 9,6 12,5 Pré-escolar 4,4 4,6 Alfabetização 1 1,7 Ens. Básico 38,2 43 Ens. Secundário 35,3 31,2 Curso Médio 1,3 1 Curso Superior 9,6 5,1 ND 0,7 1 Total 100,1 100,1

Fonte: INE – Censo 2010

Economia13

A economia da Praia à semelhança da economia nacional, caracteriza-se por um forte peso do sector terciário. O comércio a grosso e a retalho, juntamente com a reparação de veículos automóveis representa 18,7% da população empregada. Segue-se-lhe o sector da construção civil que acomoda cerca de 10,7% dessa população e, a administração pública com 10,6%. Outro ramo de actividade importante é a indústria transformadora, designadamente alimentares, de bebidas e de produtos farmacêuticos entre outras com 5,6%. A agricultura, produção animal, caça e pesca é dos ramos que empregam menos, situando-se apenas nos 1,7%.

Numa análise segundo a situação na profissão, nota-se que o sector empresarial privado na Praia concentra o maior contingente de empregados com 31,5% do total. Em seguida, aparecem o subsetor dos trabalhadores por conta própria sem trabalhadores ao serviço

13 Todos os dados aqui apresentados referem-se ao Censo 2010 realizado pelo INE.

41 com 21,1%. A participação da administração pública ocupa a terceira posição com 14,4%.

A taxa de desemprego na Praia estimada em 11,3% ultrapassa ligeiramente a média nacional que é de 10,7%. A população atingida pelo desemprego é de 6.632, para uma população activa ocupada de 52.096 indivíduos.

Índice de conforto

Na Praia, de acordo com os dados do Censo 2010, 40,9% dos agregados familiares possuem um índice de conforto baixo/muito baixo. Esse valor situa-se abaixo da média nacional que é de 45,7%. Menos de metade da população da Praia (44%) tem acesso a água canalizada da rede pública, contra 50% a nível nacional. Mais de 90% dos agregados familiares vivem em alojamentos com acesso a electricidade, 69,3% vivem em alojamentos com instalações sanitárias com sanita, 73,5% da população tem acesso a redes de esgoto ou a fossa séptica, 34,3% dos agregados familiares têm acesso a um telefone fixo, contra 40,8% a nível nacional e 11,2% têm acesso a internet, contra 7,1%% a nível nacional.

A Câmara Municipal da Praia é constituída por vinte e um deputados municipais, sendo um deles o Presidente da Assembleia Municipal e nove vereadores, incluindo o Presidente.

1.3.3 Santa Catarina

O Concelho de Santa Catarina está localizado na parte noroeste e oeste da ilha de Santiago com uma superfície actual de 243 km2, representando cerca de 6,1% do território nacional e uma densidade populacional em torno de 179,8 habitantes por km2, superior à média nacional que é de 121,9 habitantes por km2. Actualmente é constituído por apenas uma única freguesia – Santa Catarina. A sede do Concelho é a cidade de . É uma das divisões administrativas mais antigas de Cabo Verde. Foi criado no séc. XVIII. Ao longo da sua história, o concelho foi sucessivamente reduzido. No

42 fim do séc. XIX, o Concelho de Santa Catarina ocupava a metade Norte da ilha, enquanto a metade Sul era o Concelho da Praia. Após uma revisão no início do séc. XX, o Concelho de Santa Catarina passou a ocupar o terço central da ilha, passando duas freguesias a norte da ilha a constituir o Concelho do Tarrafal. Em 1971, outra revisão separou as freguesias de Santiago Maior e São Lourenço dos Órgãos, passando essas duas freguesias a perfazer o Concelho de Santa Cruz. Em 2005, através do Decreto-Lei nº 63/VI/2005, de 9 de Maio, uma freguesia a sul foi separada para constituir o Concelho de São Salvador do Mundo.

População

A população de Santa Catarina foi estimada segundo os dados do Censo 2010, em 43.297 indivíduos. É o terceiro concelho mais povoado do país, a seguir à Praia e S. Vicente. É um concelho essencialmente rural com cerca de 72% da população, correspondente a 31.271 indivíduos a residir em áreas rurais, contra 27,8% (12.026) que moram nas zonas urbanas.14 Seu grau de urbanização é bastante inferior à média nacional que é de 61,8%. As mulheres constituem a maioria da população com 23.025 indivíduos, correspondente a 53,2%, contra 20.272 indivíduos do sexo masculino (46,8%). A população de Santa Catarina representa 8,8% da população total de Cabo Verde.

A população de Santa Catarina depois da década de 1940 tem registado um crescimento irregular. Na última década (2000-2010) a sua taxa de crescimento médio anual foi de 0,6%, abaixo da taxa registada a nível nacional para o mesmo período (1,2%)15.

Quadro nº 3 – População de Santa Catarina de 1940 a 2010

Ano 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 População 26.848 19.428 30.207 41.462 41.102 41.584 49.970 43.297

Fonte: INE

14 INE - dados do Censo 2010.

15 Isso deve-se ao facto da perda de uma das freguesias que veio a constituir o concelho de S. Salvador do Mundo, a partir do ano de 2005.

43

Os valores registados para o nível do estudo da população com 3 anos e mais estão muito próximos da média nacional em todos os níveis, à excepção da população analfabeta que ultrapassa a média nacional em cerca de cinco pontos percentuais (17.1% em Santa Catarina, contra 12.5% para a média de Cabo Verde), e da população com um nível superior de ensino. A média registada em Santa Catarina (47%) é ligeiramente inferior à assinalada para a média nacional (6.1%).

Quadro nº 4 - Nível de estudo da população de Santa Catarina com 3 anos e mais

Nível escolar S. Catarina Cabo Verde S/nível 17,1 12,5 Pré-escolar 4,6 4,6 Alfabetização 0,9 1,7 Ens. Básico 42 43 Ens. Secundário 30,3 31,2 Curso Médio 0,9 1 Curso Superior 3,8 5,1 ND 0,4 1 Total 100 100,1

Fonte: INE – Censo 2010

Economia16

O comércio a grosso e a retalho é o ramo de actividade de maior expressão na economia santa-catarinense sendo responsável por 15.6% da população empregada, seguida de perto por outros dois quais sejam, a agricultura (14.5%) e a construção (12.2%). Os dados indicam ainda que de acordo com a situação na profissão, 3 em cada 10 empregados são trabalhadores por conta própria sem pessoal ao serviço, superando os trabalhadores da administração pública e do sector empresarial privado responsáveis pelo emprego de 15.5% e 14.4% respectivamente, da mão-de-obra empregada neste concelho.

16 Todos os dados aqui apresentados referem-se ao Censo 2010 realizado pelo INE.

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A taxa de desemprego registada em Santa Catarina alcança os 9.9% e situa-se ligeiramente abaixo da média nacional. São 1.474 indivíduos desempregados, para uma população activa ocupada de 13.464 indivíduos.

Índice de conforto

Os níveis de conforto da população de Santa Catarina são relativamente baixos no contexto nacional. Mais de metade dos agregados familiares neste concelho (52.1%) desfrutam de um baixo índice de conforto, contra apenas 12.2% que gozam de um alto índice de conforto. Cerca de 40% da população de Santa Catarina tem acesso a água canalizada da rede pública, contra 50% a nível nacional. O acesso à electricidade ainda é deficitário neste concelho, pois, 66.4% dos agregados familiares dispõem desse serviço, contra 80% a nível nacional. 53.4% vivem em alojamentos com instalações sanitárias com sanita, 54% da população tem acesso a redes de esgoto ou a fossa séptica, 43.7% dos agregados familiares têm acesso a um telefone fixo, contra 40.8% a nível nacional e 2.8% têm acesso a internet, contra 7.1%% a nível nacional.

A Câmara Municipal de Santa Catarina à semelhança da Praia é constituída por vinte e um deputados municipais, sendo um deles o Presidente da Assembleia Municipal e nove vereadores, incluindo o Presidente.

1.3.4 Ribeira Grande

A ilha de Santo Antão está administrativamente dividida em três municípios, a saber, o da Ribeira Grande, do Paul e do Porto Novo. O Concelho da Ribeira Grande situa-se a noroeste da ilha de Santo Antão com uma superfície de cerca de 170 km2, representando 4.3% do território nacional e uma baixa densidade populacional com cerca de 112,6 habitantes por km2. É o Concelho com o maior número de freguesias – Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Livramento, Santo Crucifixo e São Pedro Apóstolo.

45

Até a década de trinta do século XVIII, segundo Maria José Lopes (2005: 46), as outras ilhas (incluindo a de Santo Antão) estiveram sob a “administração” de Santiago, com a excepção do Fogo que possuía estruturas administrativas próprias, incluindo uma Câmara Municipal. A primeira Câmara na ilha de Santo Antão, de acordo com Lopes, foi constituída em 1732 e tinha a sede na Ribeira Grande e jurisdição em toda a ilha (2005: 59)

Entretanto, devido à orografia da ilha e a dispersão da população, regista-se desde cedo a reivindicação por parte da população do Paul para a criação de mais um concelho. Esta situação viria a concretizar-se na segunda metade do século XIX, mais concretamente em 1867, através da Carta da lei de 3 de Abril do referido ano (Lopes, 2005: 61). O Concelho da Ribeira Grande viria a sofrer ainda uma nova divisão em 1971 com a criação do Concelho do Porto Novo (Lopes, 2005: 69)

População

Ribeira Grande é um concelho predominantemente rural com cerca de 75.5% da população correspondente a 14.265 indivíduos a residir nas zonas rurais, ao contrário de uma minoria (4.625) que vive nas zonas urbanas17. Este concelho à semelhança dos demais de Santo Antão, possui uma particularidade ao nível nacional por ter uma população masculina superior à feminina. Assim, os homens representam pouco mais de metade da população, 52.2%, correspondente a 9.858 indivíduos, contra 47.8% de mulheres (9.032). A população de Ribeira Grande representa 3.8% da população de Cabo Verde e 43% da população de Santo Antão, constituindo-se no concelho mais povoado desta ilha estimada em 43.915 pessoas, de acordo com os dados do Censo 2010.

Desde a década de 80 este concelho vem perdendo a sua população. Na última década, entre 2000 a 2010, a sua taxa de crescimento médio anual foi negativo, isto é, de menos 1.3%.

17 INE - dados do Censo 2010.

46

Quadro nº 5 - População da Ribeira Grande de 1940 a 2010

Ano 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 População 19766 15444 17246 22873 22102 20851 21560 18890

Fonte: INE

O nível escolar da população da Ribeira Grande é baixo, comparativamente à média nacional. Assim, a proporção de analfabetos que atinge os 18.1% é manifestamente superior à média nacional que é de 12.5%. Por outro lado, a proporção da população detentora do nível secundário e/ou superior mostra-se inferior à média nacional.

Quadro nº 6 - Nível de estudo da população da Ribeira Grande com 3 anos e mais

Ribeira Nível escolar Cabo Verde Grande S/nível 18,1 12,5 Pré-escolar 3,9 4,6 Alfabetização 2,8 1,7 Ens. Básico 44 43 Ens. Secundário 27,5 31,2 Curso Médio 1,1 1 Curso Superior 2,1 5,1 ND 0,4 1 Total 99,9 100,1

Fonte: INE

Economia18

A economia da Ribeira Grande é caracterizada por um peso considerável da agricultura que representa 19.1% da população empregada, seguida de perto pela construção, responsável por 16.2% da referida mão-de-obra. Para além destes ramos de actividade, outros que se afiguram importantes neste concelho do ponto de vista de criação de emprego, são a administração pública e a educação com 12.5% e 7.1%, respectivamente. A indústria transformadora e o comércio a grosso e a retalho completam o conjunto dos ramos de actividade que mais empregam neste concelho.

18 Todos os dados aqui apresentados referem-se ao Censo 2010 realizado pelo INE.

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O sector empresarial privado é responsável por cerca de 1/3 da população empregada. A administração pública ocupa também uma posição privilegiada absorvendo 21.3% dessa mão-de-obra. Os trabalhadores por conta própria sem pessoal ao serviço ocupam a terceira posição empregando 14.5% da mão-de-obra.

A taxa de desemprego na Ribeira Grande situa-se entre as mais baixas registadas ao nível nacional com 7.3%. São 488 o número de desempregados de acordo com o Censo 2010, para uma população activa ocupada de 6.212 indivíduos.

Índice de conforto Cerca de metade dos agregados familiares de Ribeira Grande (44.7%), possui um índice de conforto baixo/muito baixo. Contudo, em termos de acesso às infraestruturas básicas, este concelho apresenta um dos melhores índices de Cabo Verde. Deste modo, cerca de 79.4% dos agregados familiares têm acesso a água canalizada da rede pública (contra 50% a nível nacional), 82.3% têm acesso a electricidade (contra 79.7% a nível nacional), 66.5% têm acesso a saneamento, 71.6% têm acesso a rede de esgoto ou a fossa séptica e 56.9% utilizam o gás ou a electricidade como principal fonte de energia para cozinhar. 52.1% dos agregados familiares têm acesso a um telefone fixo, contra 40.8% a nível nacional. Por outro lado, a média dos agregados familiares que possuem acesso ao telemóvel e à internet situa-se abaixo da média nacional com 49% e 2.8%, respectivamente.

A Câmara Municipal da Ribeira Grande é constituída por dezassete deputados municipais, sendo um deles o Presidente da Assembleia Municipal e sete vereadores, incluindo o Presidente.

1.3.5 Porto Novo

O Concelho do Porto Novo está localizado na parte central e sul da ilha de Santo Antão com uma superfície de aproximadamente 558 km2, representando 14% do território nacional. Constitui-se assim, no segundo concelho de maior dimensão territorial em

48

Cabo Verde, a seguir ao da Boa Vista. Por outro lado, possui a segunda taxa mais baixa de densidade populacional em Cabo Verde, com cerca de 31,7 habitantes por km2, só superada pela ilha do Maio. Este Concelho tem duas freguesias: São João Baptista e Santo André.

Na segunda metade do século XX, mais concretamente em 1971, a povoação do Porto Novo foi elevada a categoria de vila criou-se um concelho de 3ª classe com sede na vila, com a respectiva Câmara Municipal como corpo administrativo do concelho, abrangendo as freguesias de S. João Baptista e de S. André. (Lopes, 2005: 69)

População

Porto Novo é o único concelho em Santo Antão em que a maioria da população encontra-se a residir no meio urbano. São 9.430 indivíduos, correspondente a 52,3% da sua população a viver nas zonas urbanas, contra 8.598, representando 47,7% da população a habitar as zonas rurais. A distribuição da população por sexo é praticamente igual a assinalada na Ribeira Grande, com 52,3% de indivíduos do sexo masculino (9.426), contra 47,7% de mulheres (8.602). A população deste concelho representa 3,7% da população de Cabo Verde e 41% da de Santo Antão, atrás da Ribeira Grande, com 17.993 pessoas, de acordo com os dados do Censo 2010.

A sua população vem crescendo desde a década de 60 e na última década, entre 2000 a 2010, a sua taxa de crescimento médio anual foi pouco expressivo, situando-se nos 0,6%.

Quadro nº 7 - População do Porto Novo de 1940 a 2010

Ano 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 População 10366 7565 10683 13750 13236 14873 17239 18028 Fonte: INE

O nível escolar da população do Porto Novo é baixo, comparativamente à média nacional. Assim, a proporção de analfabetos que atinge os 16,2% da população é superior à média nacional em cerca de quatro pontos percentuais. Por outro lado, a

49 proporção da população detentora do nível secundário e/ou superior mostra-se inferior à média nacional.

Quadro nº 8 - Nível de estudo da população do Porto Novo com 3 anos e mais

Nível escolar Porto Novo Cabo Verde S/nível 16,2 12,5 Pré-escolar 4,4 4,6 Alfabetização 4,3 1,7 Ens. Básico 42,7 43 Ens. Secundário 26,9 31,2 Curso Médio 0,7 1 Curso Superior 1,8 5,1 ND 2,8 1 Total 99,8 100,1

Fonte: INE

Economia19

A economia do Porto Novo apresenta uma estrutura semelhante à da Ribeira Grande, ou seja, os ramos de actividade de maior expressão em termos de criação de emprego são a agricultura que representa 17,1% da população empregada, seguida pela construção, responsável por 13,1% da referida mão-de-obra. Para além destes ramos de actividade, outros que se afiguram importantes neste concelho do ponto de vista de criação de emprego, são a administração pública e o comércio com 12,1% e 9,1%, respectivamente. A educação completa o conjunto dos ramos de actividade que mais empregam neste concelho.

A administração pública é o sector que mais emprego cria com uma taxa de 20,4%, ultrapassando o sector empresarial privado que responde por 18,8% da população empregada deste concelho. Os trabalhadores por conta própria sem pessoal ao serviço ocupam a terceira posição empregando 14,9% da mão-de-obra.

19 Todos os dados aqui apresentados referem-se ao Censo 2010 realizado pelo INE.

50

A taxa de desemprego no Porto Novo alcança os 9,9%, correspondente a 653 indivíduos desempregados de acordo com o Censo 2010, para uma população activa ocupada de 5.938 indivíduos.

Índice de conforto

Mais de metade dos agregados familiares do Porto Novo (55,8%), possui um índice de conforto baixo/muito baixo. No que diz respeito ao acesso às infraestruturas básicas, constata-se que os agregados familiares deste concelho dispõem de uma menor cobertura desses bens e serviços, comparativamente aos demais concelhos de Santo Antão. Cerca de 59% têm acesso à água canalizada da rede pública, 79,1% têm acesso à electricidade, 52,9% têm acesso a saneamento, 53,4% têm acesso a rede de esgoto ou a fossa séptica e 66,8% utilizam o gás ou a electricidade como principal fonte de energia para cozinhar. 40,1% dos agregados familiares têm acesso a um telefone fixo. Por outro lado, a média dos agregados familiares que possuem acesso ao telemóvel e à internet situa-se abaixo da média nacional com 63,7% e 2,8%, respectivamente. A Câmara Municipal do Porto Novo é constituída por dezassete deputados municipais, sendo um deles o Presidente da Assembleia Municipal e sete vereadores, incluindo o Presidente.

1.3.6 Paul

O Concelho do Paul está situado no extremo nordeste da ilha de Santo Antão com uma superfície de aproximadamente 54 km², o que lhe confere o estatuto de um dos municípios de menor dimensão territorial em Cabo Verde, representando 1,4% do território nacional. Paul apresenta uma taxa de densidade populacional de 141,3 habitantes por km2, a mais elevada assinalada entre os três concelhos de Santo Antão e superior à média nacional. É constituído por apenas uma freguesia, a de Santo António das Pombas.

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É uma das divisões administrativas mais antigas de Cabo Verde. A sua criação sempre gerou polêmica entre a população de Santo Antão. Segundo Lopes (2005) este Concelho foi criado em abril de 1867 através da Carta da lei de 3 de Abril (Lopes, 2005: 61) mas, vinte e cinco anos depois, mais concretamente em 1892 pelo decreto régio de 24 de Dezembro, foi implementada uma nova divisão administrativa que teve como resultado a integração deste Concelho no da Ribeira Grande, passando os dois a constituir o Concelho de Santo Antão. O mesmo viria a ganhar a sua autonomia praticamente meio século depois, isto é, no ano de 1917 (op. Cit. p. 65-68).

População

É um dos concelhos mais rurais de Cabo Verde, com cerca de 82% da sua população, correspondente a 5.734 indivíduos a viver no meio rural, contra 18% no meio urbano. Cerca de 54,7% da população residente é do sexo masculino (3.828), contra 45,3% de mulheres (3.169). Também é um dos menos povoados, com cerca de 6.997 habitantes, correspondente a 1,4% do total da população do país e 16% da população de Santo Antão, segundo os dados do Censo 2010.

Este concelho tem registado um ritmo lento de crescimento da sua população e, na última década vem perdendo a sua população, registando um crescimento negativo de menos 1,8, passando de 8.325 habitantes em 2000, para 6.997 no ano de 2010.

Quadro nº 9 - População de Paul de 1940 a 2010

Ano 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 População 5845 5370 6024 8000 7983 8121 8325 6997 Fonte: INE

Neste Concelho, a média do nível escolar da população é inferior à média nacional. Deste modo, cerca de 26,6% dos paulenses possuem o nível secundário, contra 31,2% a nível nacional, 1,5% detêm o nível superior, contra 5,1% a nível nacional. Cerca de 15,5% da sua população na idade escolar é analfabeta, contra 12,5% a nível nacional.

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Quadro nº 10 - Nível de estudo da população do Paul com 3 anos e mais

Nível escolar Paul Cabo Verde S/nível 15,5 12,5 Pré-escolar 3,7 4,6 Alfabetização 5,3 1,7 Ens. Básico 43,9 43 Ens. Secundário 26,6 31,2 Curso Médio 1,5 1 Curso Superior 1,5 5,1 ND 2 1 Total 100 100,1

Fonte: INE

Economia20

No contexto da economia deste município, figuram entre os maiores empregadores para além das actividades ligadas à agricultura e pecuária (22,4%), as indústrias transformadoras (18,5%), a construção (13,2%) e a administração pública (10,7%). Quando a alocação das ocupações é desagregada por setores económicos, observa-se que o maior contingente de ocupados encontra-se no sector empresarial privado (21,2%), seguido da administração pública (18,2%) e dos trabalhadores por conta própria sem pessoal ao serviço (15,9%).

Paul é dentre os concelhos de Santo Antão, aquele com a maior taxa de desemprego 10,1%, contudo, situa-se abaixo da média nacional clculda em 10,7, segundo os dados do Censo 2010. São 288 indivíduos desempregados, numa população activa ocupada de 2.593 indivíduos.

Índice de conforto

Paul é o terceiro concelho com maior incidência de pobreza, estimada em 54,4%, sendo superada apenas por dois concelhos do interior da ilha de Santiago. Entre os concelhos

20 Todos os dados aqui apresentados referem-se ao Censo 2010 realizado pelo INE.

53 em estudo, é aquele que apresenta o índice de conforto mais baixo, com 57,9% dos agregados familiares a viver com um índice de conforto baixo/muito baixo.

Dentro do contexto nacional os agregados familiares estão relativamente bem servidos em termos de infraestruturas básicas, designadamente, de acesso à água canalizada da rede pública (75,7%), à electricidade (77,9%), a instalações sanitárias com sanita (55,6%), a redes de esgotos ou a fossa séptica (61,8%), a gás e electricidade como principal fonte de energia para cozinhar (51,3%) e a telefone fixo (44,7%). Por outro lado, a média dos agregados familiares que possuem acesso ao telemóvel e à internet situa-se abaixo da média nacional com 41,8% e 2,1%, respectivamente.

A Câmara Municipal do Paul é constituída por treze deputados municipais, sendo um deles o Presidente da Assembleia Municipal e cinco vereadores, incluindo o Presidente. No próximo capítulo analisaremos as principais fontes de recrutamento das elites políticas locais em Cabo Verde.

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Capítulo II. Fontes de Recrutamento das Elites políticas locais no contexto do estado pós - colonial

2.1 Recrutamento em termos comparativos

No presente capítulo, interessamo-nos sobretudo pelas fontes de recrutamento das elites políticas locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão, num período marcado pelas novas relações de poder em Cabo Verde, ou seja, da primeira experiência democrática na perspectiva liberal21 com a realização de eleições livres e multipartidárias, a nível das eleições legislativas, presidenciais e autárquicas.

As mudanças político-institucionais implementadas em 1991 não só provocaram transformações no aparelho político-administrativo do Estado como também permitiram, com a realização das eleições autárquicas, ampliar os espaços de participação dos actores políticos a nível local. Nessas eleições, segundo o dispositivo constitucional, é permitido não só a participação dos partidos políticos registados, mas também candidaturas de grupos de cidadãos independentes22.

A ampliação das actividades públicas ao nível municipal, com a disponibilização de uma série de serviços nas áreas da educação, da saúde, das finanças, dos transportes e telecomunicações, entre outras, permitiu criar uma oportunidade de ascensão social para uma parte da população local, principalmente para os detentores de uma formação universitária ou secundária23.

21 Para uma leitura aprofundada do tema democracia liberal, consultar, entre outros autores, Norberto Bobbio (1987), Paulo Bonavides (2003), James W. Ceaser (1992), Giovanni Sartori (1994).

22 Constituição da República de Cabo Verde, 1992, artigo 113º

23 A importância da educação na ascensão social, é trabalhada no contexto cabo-verdiano por Elias Alfama Vaz Almeida na sua obra intitulada Africanidades versus Europeísmo: Pelejas Culturais e

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Tudo indica que, actualmente, é maior a diversidade dos indivíduos potencialmente interessados na actividade política. Daí, a pertinência em saber quais as fontes que servem geralmente de base de recrutamento aos partidos no âmbito local. Assim sendo, procuramos identificar algumas fontes que, de acordo com as entrevistas realizadas junto dos actores que fazem parte da elite política local, se prefiguram como as principais vias de acesso aos lugares de poder nos órgãos autárquicos. Para além disso, interessa-nos analisar as regras formais e informais do processo de recrutamento, o grau potencial de democratização no recrutamento e a existência ou não da descentralização partidária nesse processo.

Sulleiman (1997), ao analisar a questão da formação e do recrutamento das elites locais nos diferentes países europeus e nos Estados Unidos da América, considera que, em cada país da Europa Ocidental, as fileiras de recrutamento são muito particulares:

“Elles sont le produit d´un agencement complexe entre les institutions scolaires et universitaires, les institutions politiques et les grandes enterprises Elles reflètent aussi le système de stratification sociale et les rapports de pouvoir traditionnels.” (Sulleiman, 1997: 8)

Ainda de acordo com esta autora:

“certas sociedades possuem mecanismos para assegurar a formação das suas elites ainda que nenhuma instituição é formalmente encarregada dessa tarefa. Os postos ocupados por essa elite estão cobertos de um prestígio considerável e mesmo de um certo grau de carisma. Entre as sociedades do mundo ocidental, é a França que possui os mecanismos de formação das elites dos mais elaborados” (op. cit. p.13).

Diferentemente da experiência francesa em que o Estado, através das grandes escolas, garante a formação da sua elite, da experiência do Reino Unido e dos Estados Unidos em que é reservado ao sector privado, especialmente a algumas poucas universidades, o papel de recrutamento e de formação da sua elite, ou da China, em que as escolas do partido assumem um papel preponderante nesse processo, em Cabo Verde não se depara com nenhuma estrutura formal de recrutamento e de formação das elites políticas. Os

Educacionais em Cabo Verde, Praia: IBNL, 2009 e Maria Adriana Sousa Carvalho na obra, O Liceu em Cabo Verde: um imperativo de cidadania (1917-1975). Praia: Edições Uni-CV, 2011.

56 quadros superiores são formados em diversas universidades públicas e privadas de vários países do mundo, no âmbito de acordos de cooperação entre os governos de Cabo Verde e de diversos países e, mais recentemente, em instituições nacionais, com a abertura de uma universidade pública e de várias privadas, que absorvem uma parte considerável da demanda para o ensino superior, contudo, nível interno, não se identifica nenhuma instituição vocacionada para desempenhar este papel.

O que se constata é que, não obstante a ausência de mecanismos formais de formação da elite política nacional e local, as diversas fontes de recrutamento ao nível local (que indicaremos mais à frente), vão-se consolidando uma vez que os diferentes partidos políticos, que concorrem às eleições municipais, recorrem com maior ou menor ênfase às mesmas fontes para recrutarem os seus candidatos, pois a base social de recrutamento é a mesma para todos24.

Dos dados recolhidos das entrevistas dirigidas aos eleitos políticos locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão, sobre o nível escolar e a profissão dos pais, para aferir a origem social dos eleitos, constata-se que, quer entre os eleitos do MPD, quer entre os do PAICV, predominam casos em que as respectivas mães possuem maioritariamente a ex 4ª classe, mas nota-se também um forte peso das analfabetas. Essas mulheres eram, regra geral, domésticas. Entre os pais dos eleitos, o nível escolar também era baixo, com aproximadamente 7 em cada 10 entrevistados a afirmar que os pais tinham 4ª classe, contra uma minoria que possuía o ex 2º ano do ciclo preparatório ou o ex 5º ano do curso geral. Praticamente metade dos pais dos eleitos seja do MPD, seja do PAICV eram funcionários públicos e, de entre as restantes profissões, destacam-se os operários e artífices, seguidos dos agricultores e poucos comerciantes e proprietários agrícolas.

Isso leva-nos a considerar que existem determinadas condições e qualidades a serem preenchidas para que os indivíduos possam estar melhor posicionados enquanto possíveis candidatos aos cargos de vereadores e de deputados municipais nas eleições municipais.

24 Entendemos por base social, a origem social da elite política local recrutada pelos partidos políticos, ou seja, tanto um partido como outro, recruta os indivíduos oriundos, seja das classes mais baixas socialmente (trabalhadores urbanos ou rurais), seja da classe média, não obstante em todas elas podermos encontrar indivíduos com posições político-ideológicas diferenciadas.

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Com base nas entrevistas efectuadas, como iremos mostrar mais à frente, indicia-se a configuração de um padrão orientador do processo de recrutamento que absorve, entre outros: a competência e experiência profissional, a representatividade geográfica, a notoriedade, a militância partidária e os principais cargos ocupados. Procuramos ainda saber até que ponto a renovação geracional, a questão do género e os laços de parentesco têm ou não algum peso, enquanto critérios valorizados pelas lideranças político-partidárias, na escolha dos candidatos às eleições locais.

Interessa-nos saber também se no processo de escolha da elite política local nos três domínios em estudo (Praia, Santa Catarina e Santo Antão) os critérios são idênticos, ou se variam conforme os Concelhos em análise.

Procuramos também identificar se os critérios que estão na base da escolha dos indivíduos candidatos aos cargos de vereadores são os mesmos que para aqueles que concorrem como deputados municipais.

A primeira questão que se nos coloca, antes de mais, é saber como funciona o processo de escolha dos candidatos a Presidentes das Câmaras Municipais, ou seja, saber quem determina a escolha dos candidatos, se a comissão política nacional ou as comissões regionais/concelhias dos partidos políticos concorrentes e ainda procurar determinar o peso que detém o Presidente da Câmara em exercício nesse processo.

No que se refere aos candidatos apoiados pelos partidos políticos, centramo-nos no MPD e no PAICV por serem os partidos políticos que têm governado a maioria das Câmaras Municipais em Cabo Verde desde as primeiras eleições autárquicas realizadas em Dezembro de 1991. Ao analisarmos os estatutos quer de um, quer do outro partido, notamos uma enorme convergência nessa matéria, com os partidos a atribuírem a responsabilidade às comissões políticas concelhias e ou regionais, conforme o caso, de aprovar as listas de candidaturas aos órgãos das autarquias locais. Nos casos em que houver a disponibilidade manifesta de mais de um candidato a disputar a indicação do partido para cargos electivos de Presidente da Câmara Municipal, recorre-se às eleições primárias, o que acontece no seio no PAICV, conforme rezam os estatutos de 2006, no seu artigo 29º (XI Congresso do PAICV, 1996: 56). Essa é a regra que de uma forma

58 geral tem sido cumprida. Contudo, já se registou pelo menos um caso, num dos concelhos em estudo, em que um dos entrevistados assume que esta norma não foi aplicada, “conheço um único caso em que houve manifestação de interesse de um pré-candidato, mas o partido já tinha escolhido um outro indivíduo e esta manifestação não avançou porque não tinha apoio da estrutura do partido e nem houve a necessidade de se fazer a primária” (entrevista G). No MPD, não deparamos com nenhum dispositivo no seu estatuto que reporte à realização de uma primária. No entanto, tem sido prática nesse partido, como afirma um dos entrevistados, o recurso às sondagens25 de opinião como um importante instrumento para apoiar as direcções concelhias/regionais e nacional na escolha do candidato a ser apoiado pelo partido.

“Qualquer proposta de candidatura no MPD, passa pela aprovação da comissão concelhia e depois chega à comissão política nacional que valida a decisão das comissões políticas concelhias. Quando surge mais de um candidato, utiliza-se o sistema de sondagem para saber sobre o grau de aceitação de cada pré-candidato ao nível da população e então esta serve como instrumento de decisão” (entrevista C).

No entanto, existe um dispositivo legal no estatuto do MPD que, em dois casos específicos, transfere essa competência para a comissão política nacional. A comissão política nacional reserva-se ao direito de assumir a aprovação final das listas dos candidatos do partido às eleições autárquicas, homologadas pelas respectivas comissões políticas regionais, quando ponderosas razões de ordem política o recomendem ou quando a homologação não tenha sido feita no prazo estabelecido para o efeito.26

25 Convém salientar que vitória de um determinado pré-candidato nas sondagens de opinião pode estar relacionada com uma multiplicidade de variáveis, entre as quais merece maior destaque a trajectória de militância anterior do candidato. Para além desta, a implantação social das famílias do candidato no município, bem como o grau de capital de honra familiar, ou seja, o grau de reconhecimento social que a família goza, também constituí numa das variáveis a serem consideradas nesse processo.

26 Para obter informações mais detalhadas sobre o papel das diferentes comissões políticas nacionais, regionais e concelhias, consultar os Estatutos do MPD revistos em Outubro de 2006.

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Entretanto, na prática, nem sempre os procedimentos legais se processam exactamente como estão consagrados nos estatutos. Dependendo do peso político do candidato e do seu poder de influenciação junto dos membros da comissão política nacional, a sua indicação pode ser “preparada” ao nível dessa comissão que remete o nome à comissão política regional ou concelhia que assume o candidato como tendo sido escolhido por esta estrutura. A anuência da estrutura local do partido é importante, porque sem o seu engajamento e apoio, a preparação e organização da campanha eleitoral são sempre mais complicadas porque implicam a mobilização de uma capacidade para atrair/captar recursos humanos e materiais que, sem uma estrutura montada ao nível local, torna-se uma tarefa mais pesada.

“Em 2000, antes de ser candidato era membro da comissão política nacional. Num debate profundo dentro do partido ao nível do órgão nacional, a estratégia definida era no sentido de lançar novas lideranças, manifestei a minha disponibilidade e a comissão política indicou o meu nome e o conselho do sector veio confirmar o apoio após a escolha da comissão política nacional” (entrevista a V).

Na entrevista realizada a um outro membro da comissão política nacional do PAICV e, simultaneamente membro de uma das comissões concelhias, corrobora-se a ideia de que o processo de auscultação dos candidatos ao nível concelhio é realizado em paralelo com a consulta à comissão política nacional.

“Durante todos esses anos de 90 para cá, foi sempre a estrutura local do partido que sondava os possíveis candidatos e depois de ter as suas anuências indicavam o nome para a comissão política nacional. No único caso em que houve a manifestação de um candidato, o partido já tinha escolhido antes um outro nome e este último acabou por desistir porque não tinha o apoio da estrutura. Normalmente o presidente do partido sempre pilota esse processo e quando chega formalmente à comissão política nacional está praticamente “cozinhado”, o que quero dizer é que nessa matéria de candidatura autárquica há sempre uma sintonia entre esses dois órgãos, isso porque os membros da comissão política nacional têm assento no conselho do sector dos seus municípios de origem e acabam de uma certa forma por influenciar todo o processo”. (entrevista a G).

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Uma vez eleito, na recandidatura, o peso do candidato a presidente é determinante porque geralmente ao fim do primeiro mandato goza de maior notoriedade no seu município e esse trunfo normalmente não é desvalorizado pelos partidos políticos. Tanto é assim que, em todos os casos registados, dos candidatos apoiados pelos partidos políticos que se disponibilizaram para renovar o seu primeiro mandato, regista-se somente um único caso em que o candidato viu a sua pretensão negada pela estrutura local do partido27, o que confirma a tendência no sentido de os candidatos terem a garantia do partido para concorrerem a um segundo mandato. A notoriedade do candidato, quando associada a um bom desempenho no exercício das suas funções na Câmara, contribuí para alguma autonomia do mesmo, mas não o faz descurar do aspecto negocial e nem de procurar o apoio da comissão política ao nível local.

No aspecto negocial, referimo-nos à sua maior ou menor capacidade de barganha na indicação dos nomes para constituírem a equipa de vereadores e de deputados municipais, no qual a interferência das estruturas locais do partido é maior porque os seus integrantes procuram, de alguma forma, influenciar a indicação dos nomes para fazerem parte da lista, tendo em atenção um dos aspectos muito valorizados neste momento que é o da confiança política. De acordo com um dos nossos entrevistados, “A “pressão” exercida pelas estruturas locais do partido é maior, até porque “a preocupação maior da comissão política nacional é com a cabeça de lista para a câmara onde se verifica uma pilotagem apertada. Para os restantes membros da lista esse papel é reservado à comissão política local” (entrevista G).

A autonomia do candidato não é total, uma vez que os nomes escolhidos têm de ter sempre o respaldo das estruturas locais do partido como afirma um ex-presidente de câmara municipal eleito pelo PAICV: “sempre negociei com o partido para a composição do executivo camarário, eu formava a lista, embora ouvindo o partido para a sua aprovação. Nos órgãos deliberativos propunha a cabeça de lista, o resto era a escolha do partido. Tive apenas um caso polémico no executivo que o partido rejeitou e tive que procurar alternativa” (entrevista a V).

27 Referimo-nos ao candidato do PAICV, João Baptista Freire de Andrade que, em 2008, não obteve o apoio da estrutura local do seu partido para concorrer a um segundo mandato, enquanto cabeça de lista.

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Entretanto, acontecem situações em que o peso do candidato é considerável, o que lhe confere maior autonomia nesse processo. Ainda no seio do PAICV, é citado o caso do candidato José Maria Neves em 2000, na corrida para a Câmara Municipal de Santa Catarina, em que este mostrou ser detentor de uma maior autonomia face à estrutura local do partido, como assevera um membro da comissão concelhia na época.

“Normalmente é o conselho do sector que propõe os nomes para vereadores e para a assembleia municipal, mas em um e outro caso para vereadores há uma certa negociação entre a estrutura e o candidato. O único caso diferente aconteceu com o José Maria Neves que conseguiu enquanto candidato “impor” a lista, isso deveu-se ao seu peso político e também ao facto de ter sido primeiro secretário do partido” (entrevista a G).

A citação acima referida é corroborada pela opinião exposta pela maioria dos entrevistados no PAICV. No MPD, o processo não é muito diferente, embora os entrevistados afirmem que a interferência dos órgãos locais do partido é mais frequente na discussão da lista para a assembleia municipal, outorgando maior liberdade ao candidato na composição da lista para o executivo municipal. Esta é a opinião expressa por um dos presidentes de Câmara, eleito em Santo Antão, para quem: ”o candidato a presidente de câmara tem uma opção fundamental na escolha da lista dos vereadores, mas para a assembleia municipal é uma questão mais partidária e aí a interferência das estruturas partidárias locais afigura-se mais natural” (entrevista a A).

Neste partido, a questão do peso político do candidato também é levado em consideração no momento da constituição da lista. Este facto é corroborado pela opinião expressa por um dos entrevistados apoiados pelo MPD que sublinha: “na verdade não senti nenhuma diferença em termos de apoio e de interferência da estrutura local do partido na constituição da lista, porque no primeiro mandato exercia o cargo de um dos vice- presidentes do partido quando disponibilizei-me para candidatar-me à Câmara, aí tive toda a liberdade para constituir a minha lista sem que a estrutura local impusesse algum nome para a Câmara, embora tenhamos negociado algum nome para a Assembleia Municipal. Para a renovação do mandato seguimos o mesmo processo” (entrevista a A).

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Freire e Pinto (2003), ao analisarem o recrutamento parlamentar em Portugal, comparando-o com o dos demais países com uma longa vivência democrática, consideram a existência de três graus diferenciados de democratização potencial no recrutamento, a saber: “(1)“democratização forte” (os militantes de base intervêm na escolha dos candidatos, eventualmente a par dos dirigentes regionais e nacionais; (2) “democratização média” (os militantes de base não intervêm na escolha dos candidatos, ou seja, só os dirigentes locais/regionais e, eventualmente, os dirigentes nacionais intervêm na escolha dos candidatos; (3) “democratização fraca” (os dirigentes nacionais têm uma intervenção exclusiva na escolha dos candidatos)” (Freire e Pinto, 2003:191).

Portugal, juntamente com a Itália, a Noruega e a Suíça, são classificados como sendo países de grau médio em termos de grau de democratização potencial na selecção dos candidatos, enquanto os Estados Unidos, o Reino Unido, Canadá, Alemanha, Dinamarca e Finlândia, aparecem no grupo de países com uma democratização forte, contrariamente ao Japão que é classificado como um país de democratização fraca neste item. (op. cit, p.192)

Em Cabo Verde, seja das informações contidas nos estatutos dos partidos políticos (MPD e PAICV), seja pelos dados recolhidos nas entrevistas aos dirigentes, constata-se que não há nenhuma intervenção dos militantes de base no processo de recrutamento dos eleitos políticos locais. Nota-se que o peso da decisão está atribuído às estruturas locais/regionais dos partidos, ainda que seja reservado algum papel aos órgãos nacionais, configurando-se num caso de grau médio no que diz respeito à democratização na selecção dos candidatos, ou seja, em tese, os estatutos dos dois partidos apontam para uma elevada descentralização no processo de recrutamento das elites políticas locais.

Os critérios para o recrutamento dos candidatos a vereadores e a deputados municipais não se encontram consagrados em nenhum dos grandes documentos orientadores dos partidos como os estatutos ou as moções de estratégias que são produzidos nos congressos. Fazem parte da estratégia eleitoral dos partidos políticos e, em cada acto eleitoral, nomeadamente no caso concreto as eleições autárquicas, cabe às comissões

63 políticas regionais/concelhias discutir e traçar o perfil dos eleitos locais. Estas decisões, segundo vários entrevistados, estão lavradas em actas referentes às reuniões das comissões políticas regionais ou concelhias28.

Definido o candidato concorrente ao lugar de Presidente da Câmara Municipal, este, em maior ou menor concertação com as estruturas locais do partido, escolhe os integrantes da lista para a Câmara Municipal e para a Assembleia Municipal, de acordo com os critérios previamente definidos, que analisaremos a seguir.

Iremos analisar as fontes de recrutamento, entendendo como fontes de recrutamento os diferentes canais mobilizados pelos partidos políticos, lideranças partidárias, grupos de cidadãos e indivíduos singulares, que facilitam o acesso dos indivíduos às listas concorrentes às eleições políticas, ao nível local e/ou nacional.

Para operacionalizar este conceito, baseamo-nos em sete dimensões de análise, a saber: competência e experiência profissional, notoriedade, representatividade geográfica, militância partidária, principais cargos ocupados, renovação geracional e género.

Conhecer as fontes e as lógicas de recrutamento da elite política, seja no âmbito local e/ou nacional, tem sido objecto de estudo de diversos autores que procuram de uma certa forma conhecer quem são os governantes, de onde vêm, ou seja, a que camada social pertencem e quais os perfis que os caracterizam, entre outros aspectos.

As fontes de recrutamento variam conforme o país e, dentro do mesmo país, assumem formas diferentes, dependendo da época em análise. Tendo em atenção esses aspectos, iremos revisitar a literatura europeia, que trata esta questão em vários países, designadamente, Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e França, a literatura brasileira e a africana, antes de entrar no caso de Cabo Verde, procurando descortinar as similitudes e as particularidades do caso de Cabo Verde que poderão eventualmente diferenciá-lo dos demais.

28 Entretanto, não conseguimos ter acesso nem às actas produzidas pelo MPD, nem pelo PAICV, sobre esta matéria.

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A França constitui um dos países europeus onde, nas últimas décadas, se tem debruçado muito sobre o estudo das formas de recrutamento das elites locais e nacionais (Dogan, 1967; Garraud, 1988; Le Bart, 1994; Petrux, 1994; Sawicki, 1999; Sawicki et Mathiot, 1999; Offerlé, 1999; Latté, 2002; Dulong et Lévêque, 2002).

Mattei Dogan, no estudo sobre “Les filiéres de la carrière politique en France”, ao levar em consideração o predomínio de determinadas fontes de recrutamento em cada época, afirma que a França já teve a República dos ducs, a República dos notáveis, a República da boa burguesia e que a IVª República era a da média e da pequena burguesia (Dogan, 1967: 470). Para o autor, os caminhos utilizados para conduzir um político ao Parlamento são múltiplos e a importância de cada um varia segundo os meios sociais, os partidos e as épocas (op. cit, 475). Neste sentido, o autor apresenta uma variedade de fontes de recrutamento da elite política francesa, até a IVª República, que são as seguintes: a posse de um diploma universitário, a experiência na administração municipal ou departamental, a colaboração com os jornais, a militância partidária, a actividade num sindicato ou numa organização profissional, a vocação hereditária e a participação na resistência contra a ocupação durante a segunda guerra mundial, para a IVª República, ou a participação na oposição antes de 1870, para a primeira fase da IIIª República.

Para o autor, na França, como em toda a velha Europa, o diploma universitário serve de trampolim sociopolítico, chamando a atenção para o facto de não ter o mesmo peso nos diversos partidos e nas diferentes épocas (idem, ibidem, 476-477).

A experiência na administração municipal, seja na função de Presidente de Câmara, seja na de Conselheiro municipal, passou a assumir relevância a partir do início da IIIª República quando deixou de ser juridicamente incompatível com o mandato parlamentar.

Quanto ao jornalismo, considera como sendo uma importante fonte de recrutamento porque, segundo Dogan, contribui para proporcionar uma maior visibilidade aos candidatos, tornando-os mais conhecidos junto dos eleitores das suas circunscrições.

O militantismo partidário, ou seja, a ligação ao partido durante a trajectória política dos políticos, que se traduz na passagem pelos departamentos do partido, permite um

65 melhor posicionamento a priori dos candidatos ao Parlamento e ao Senado face aos não militantes.

O sindicalismo também é considerado por Dogan como sendo uma importante fonte de recrutamento entre os políticos originários do sector industrial. Outra fonte de recrutamento apontada pelo referido autor é a herança política que ele divide em três tipos, a saber: os herdeiros das grandes famílias políticas da monarquia ou do império; os herdeiros dos nobres e grandes proprietários de terra; e por último, fruto do sufrágio universal, são herdeiros recrutados na alta e média burguesia. A última dimensão de análise de Dogan refere-se à oposição ao regime anterior, isso para os deputados eleitos no início da IIIª e da IVª Repúblicas.

Phillipe Garraud é outro autor francês que também apresenta estudos direccionados para as fontes de recrutamento das elites políticas francesas, mas com o foco virado para as realidades locais. As fontes enfatizadas por Garraud convergem com algumas indicadas por Dogan, nomeadamente, a militância partidária, a posse de um diploma universitário e a herança política. Estas fontes são consideradas como sendo importantes no processo de recrutamento dos Presidentes das Câmaras Municipais na França.

Relativamente à educação e a estrutura socioprofissional dos Presidentes das Câmaras Municipais, Garraud afirma que:

“les profession les moins qualifiés ne sont que très faiblement représentées et les élus étudiés se recrutent de façon prédominante dans les couches sociales les plus favorisées, non pas nécessairement par la naissance ou la fortune, mais par l´éducation et le statu socioprofessionnel qu´elle permet d´acquérir ou la notoriété locale ” (Garraud, 1988: 408).

Quanto à herança política, ele demonstra que tem um peso considerável, indicando que “vingt et un maires sur 82, soit plus de 25% des élus interrogés, ont une hérédité politique marquée. Tous appartiennent à la gauche. Ce sont alors plus de 58% des 36 élus de gauche interrogés dont le père était militant politique (17) ou sympatisant (4) communiste, socialiste ou radical” (op. cit., 404).

Em Portugal, este tema também já foi objecto de análise de vários autores, designadamente (Santos, 1993; Mendes, 1993; Monteiro, 1997; Pinto e Freire, 2002; Pinto, 2002; Fernandes, 2006; Almeida e Pinto, 2005; Almeida, Pinto e Bermeo, 2006).

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Monteiro, Santos e Fernandes, são autores que trabalham, sobretudo o recrutamento das elites políticas locais entre os períodos denominados do antigo regime e do liberalismo, ou seja, entre os séculos XIX e XX. O traço comum destes períodos, não obstante as variações dependentes dos Concelhos em estudo, como Lisboa, Évora, Mértola, Montemor, entre outros, é que no período do antigo regime predominava o carácter hereditário e oligárquico do recrutamento que se restringia aos homens nobres e de governança, naturais da terra, ou seja, o poder era sempre controlado pelas mesmas famílias e passava de geração para geração.

Com a implantação do regime liberal, alteraram significativamente as formas de recrutamento das elites políticas locais, que passaram a ser escolhidas, de acordo com critérios censitários, e não mais através do sangue e do parentesco, levando com isso a uma maior diversificação social na composição das vereações camarárias, com a abertura a novas categorias sociais em ascensão, designadamente, comerciantes, funcionários públicos e membros das profissões liberais (Fernandes, 2006: 73).

Maria Manuela Mendes, ao estudar os autarcas eleitos nas eleições locais de 1982, 1985 e 1989, na região metropolitana do Porto, identifica três fontes de recrutamento, designadamente, a participação nas associações locais, de carácter desportivo, cultural, recreativo e outras, a posse de um diploma universitário e a militância partidária, como sendo os viveiros de recrutamento das elites políticas locais (Mendes, 1993: 191).

Almeida e Pinto analisam o impacto das mudanças do regime na composição e nos modelos de recrutamento da elite ministerial portuguesa, desde o liberalismo, passando pela instalação da República, a Ditadura militar, o Estado Novo, até à democratização, constatam um denominador comum entre as fontes de recrutamento nos diferentes regimes, que é a posse de um diploma universitário. O peso da militância partidária varia consoante a época, sendo que ela foi particularmente fraca durante o período do Estado Novo, contrastando com a prática das demais ditaduras no sul da Europa.29 O recrutamento entre os militares foi uma constante até à instalação da democracia assim como entre uma categoria profissional específica, os professores universitários, que

29 Confira Pedro Tavares de Almeida, António Costa Pinto, Nancy Bermeo (Orgs.), Quem governa a Europa do Sul? O recrutamento ministerial, 1850 – 2000, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2006.

67 perderam espaço para outras profissões, como os economistas e os gestores, após a democratização do regime.

O recurso a essas formas de recrutamento das elites ministeriais em Portugal foram muito semelhantes ao ocorrido na Espanha e na Itália durante o período em análise como se pode constatar ao consultar os textos de Almeida, Pinto e Bermeo (2006).

No Brasil, o estudo sobre as elites tem despertado maior atenção a partir da metade da década de 80, acompanhando o processo de redemocratização vivido naquele país. Vários são os autores que se dedicam a estudar a composição dos grupos que integram a Câmara dos Deputados e os partidos políticos a nível federal. O interesse pelas elites políticas locais tem também registado um crescimento considerável, citando apenas alguns exemplos (Fleischer, 1971; Coradini, 1998 e 2001; Bilac, 2001; Lameirão, 2008; Souza, 2009).

Numa análise sobre a composição e recomposição das elites políticas locais numa cidade média de São Paulo, entre 1900 e 1964, Maria Bilac descreve as fontes de recrutamento dessa elite que (sublinhado nosso) apresentam muita similitude com o que se passou nos municípios portugueses entre o período do antigo regime e o período liberal, ou seja, nota-se a existência de um carácter oligárquico nos recrutamentos, com o domínio das famílias tradicionais (grandes proprietárias), associada a uma forte hereditariedade política. A partir da “revolução” de 1930, data em que a burguesia cafeeira foi deslocada de poder, assiste-se a uma diversificação das fontes de recrutamento, com a inclusão de indivíduos pertencentes aos estratos médios, como profissionais liberais e funcionários públicos. Para além disso, aumentou a proporção de escolarizados, inclusive com formação superior entre os recrutados, bem como dos indivíduos com passagem pelos cargos públicos. (Bilac, 2002: 129-132).

Coradini, em alguns estudos que levou a cabo no estado do Rio Grande do Sul (Brasil), procura mostrar as relações entre a mediação social e o recrutamento de candidatos, quer em eleições municipais, quer em eleições ao nível do estado acima referido, ou seja, procura compreender os mecanismos e modalidades de reconversão de recursos sociais presentes na apresentação de candidatos, visando a eficácia eleitoral. Nesse sentido, ao analisar os atributos sociais que estariam na base de legitimação da condição

68 dos candidatos, apresenta entre outras fontes de recrutamento, a filiação partidária, a filiação em associações de cariz empresarial, sindical, religiosa e filantrópica, a competência profissional, os recortes territoriais e o exercício anterior de cargos públicos. No entanto, ele procura sobretudo demonstrar que essas fontes de recrutamento não são usadas de forma isolada, mas cumulativamente, dando maior ênfase àqueles que considera poder constituir em recursos presumidos como eleitoralmente relevantes (Coradini, 2008: 8 - 9).

Para os demais autores que estudam as elites políticas locais brasileiras num período mais recente, destacamos, de entre outros, o trabalho de Lameirão, que estuda as elites político-administrativa, a partidária e a parlamentar no estado do Paraná, durante a gestão do Governador Jaime Lerner, de 1995 a 2002. Para a elite política administrativa e partidária, evidencia-se o predomínio dos indivíduos com formação superior nas áreas de direito e de engenharia, provenientes do funcionalismo público e das profissões liberais e com uma forte militância partidária, particularmente para a elite partidária. Para a elite parlamentar, nota-se também uma maior incidência dos indivíduos com formação superior na área do direito, com militância partidária, mas com uma proporção menos relevante de funcionários públicos, uma vez que apresenta uma maior heterogeneidade em termos de tipo de ocupação das fontes de recrutamento (Lameirão, 2008: 240-241).

Os trabalhos sobre as elites políticas africanas, realizados pelos intelectuais africanos, são ainda pouco numerosos, e o caso concreto do tema sobre as fontes de recrutamento não foge à regra. Entretanto, esse debate é suscitado por alguns autores, nomeadamente (Ngayap, 1983; Bakary, 1984; Daloz, 1999; Augé, 2005; Ritaine, 2005)

Bakary (1984) é um dos autores que dispensa particular atenção a este tema. Num trabalho que versa sobre as condições de recrutamento das elites políticas em Côte d´Ivoire, procura identificar os critérios subjacentes à escolha dos candidatos aos cargos, nomeadamente: o tempo de activismo, de preferência em primeiro lugar, os serviços prestados ao partido, a lealdade e fidelidade aos ideais e à liderança do partido, habilidade e nível de escolaridade, em relação a um equilíbrio regional de nomeações administrativas, ou seja, é atribuída uma importância particular ao militantismo

69 partidário sem descurar a posse de um diploma escolar30 e o equilíbrio regional, relacionado também com a questão étnica. Segundo o autor, a questão étnica não se constitui num critério exclusivo de integração política, mas é combinada em estreita colaboração com os critérios posse de título académico, as ocupações e o militantismo (Bakary, 1984:28-29).

Ngayp (1983), num estudo sobre as classes dirigentes nos Camarões, procura demonstrar quem são os indivíduos que detêm realmente o poder nas diferentes esferas, seja no governo, seja no parlamento, nas forças armadas, no partido, etc., e como têm acesso a uma posição de poder quais foram os critérios que estiveram na base de recrutamento das elites dirigentes dos Camarões, durante os 24 anos de presidência de M. Ahijdo. Analisando particularmente o governo, ele destaca essencialmente quatro formas de recrutamento, a saber, a “competência e experiência profissional, o equilíbrio geopolítico e regional, a idade e o sexo dos candidatos e as afinidades políticas e/ou pessoais com o Presidente da República” (Ngayp, 1983:55). A competência e a experiência profissional estavam por um lado associadas à posse de um título académico, que foi ganhando cada vez mais peso ao longo dos seus 28 anos de mandato, e por outro, à passagem pelo gabinete do Presidente da República, pelo Parlamento, pela alta administração dos ministérios e pela direcção dos aparelhos do partido, que eram exercidos cumulativamente ou sucessivamente as outras funções políticas (op. cit. p. 65-67). Para os altos funcionários da Presidência da República, os critérios são basicamente os mesmos, aos quais se acrescenta a origem étnica. (idem, ibidem, p. 100).

Augé (2005), num estudo com enfoque sobre o recrutamento das elites políticas no Gabão, entende que as trajectórias individuais dos homens políticos neste país estão centradas em dois âmbitos: um interno, que se constrói em primeiro lugar no contexto do partido único e que continua com o multipartidarismo (que se inicia a partir de 1990, com a liberalização política) e é influenciado por três lógicas: uma dominada pelos clubes de jovens, uma centrada na linhagem familiar e uma que mobiliza uma liderança

30 A relação da posse de um diploma académico com a vida política no Gabão é tratada por alguns autores, entre os quais, Rossatanga, 1993 e Nzé Nguéma, 1998.

70 local; outro externo, ligado aos políticos que fazem o seu percurso universitário no exterior, geralmente na França, no seio das associações de estudantes. (Augé, 2005: 109) A essas fontes, Augé acrescenta ainda as relacionadas com as coligações étnica e regionais e à filiação partidária, o que dá uma ideia de uma diversidade de fontes que são conjugadas e enformam o processo de recrutamento. Segundo o autor, “a homogeneidade das trajectórias individuais (participação em clubes de jovens, grupos culturais, partidos políticos, as associações escolares e de estudantes), o activismo durante os primeiros anos da juventude, os processos de surgimento dos líderes políticos locais e sua socialização política durante os estudos e nas entidades colectivas, (como instituições de ensino superior) ajudam a unir a elite política nacional” (op. cit. p. 139).

Segundo Augé, os mecanismos de selecção individual parecem ter conhecido poucas alterações desde a independência dos diferentes países africanos, independentemente da natureza civil ou militar do regime. (idem, ibidem, p. 110).

A posse de um título académico, a militância partidária e, em muitos casos, a passagem pela administração pública, configuram-se como traços comuns nos processos de recrutamento verificados tanto nos países europeus analisados como no Brasil e nos países africanos, designadamente, Côte d`Ivoire, Camarões e Gabão, seja ao nível das elites políticas locais, seja ao nível nacional. Para além destas, a ênfase numa ou noutra fonte varia conforme o contexto onde estão inseridos. No caso europeu, e particularmente na França, a hereditariedade, por exemplo, constitui uma importante fonte a ter-se em consideração, assim como o género, esta última, com particular incidência a partir de 1981, período em que a problemática de género foi instituída legalmente nas eleições municipais.31 No Brasil, esta não é uma questão recorrente no tema de recrutamento das elites políticas, de acordo com a literatura a que tivemos acesso, e nos países africanos por nós abordados não aparece, em algum momento, no

31 Sobre este assunto, confira Latte, 2002; Guionnet, 2002, Dulong e Lévêque, 2002.

71 rol das fontes de recrutamento, provavelmente devido a questões culturais, o que se traduz numa menor participação das mulheres nas actividades políticas32.

As associações nas suas diferentes dimensões, sindicais, desportivas, recreativas e culturais, fazem parte das fontes de recrutamento. Em França, realça-se o sindicalismo muito ligado aos partidos de esquerda, enquanto em Portugal são as associações de carácter desportivo/recreativo, aquelas que costumam servir de fontes de recrutamento. A questão étnica, enquanto fonte de recrutamento, constitui uma “particularidade” da realidade africana e não encontrámos paralelismo em outros países/continentes analisados. Por exemplo, no Brasil, a questão étnica e racial, é fracamente discutida em relação às evidências empíricas da importância. Na verdade, os candidatos aos cargos políticos electivos, são, na sua imensa maioria, constituídos por brancos e os negros são excluídos, mas não se discute, a mesma coisa acontece na Europa. No fundo, o que se constata é que a literatura faz essa discussão em relação à África e não em relação aos outros espaços nacionais. Na verdade, esta é uma lacuna na literatura comparativa sobre a conformação de elites relativamente à Europa e ao Brasil.

Posto isto, analisamos de seguida as sete dimensões de análise propostas para as fontes de recrutamento em Cabo Verde (Praia, Santa Catarina e Santo Antão), a saber: competência e experiência profissional, notoriedade, representatividade geográfica, militância partidária, principais cargos ocupados, renovação geracional e género.

Antes de analisar as dimensões atrás referidas, importa realçar uma fonte de recrutamento, que vem ganhando importância seja nos países europeus, para além da França aqui referenciada, seja nos Estados Unidos, que é a hereditariedade. Em Cabo Verde, contrariamente aos demais países citados, o fenómeno da hereditariedade33

32 Sobre a participação das mulheres na política, consultar - Monteiro, Eurídice: Mulheres, democracia e desafios pós-coloniais: uma análise da participação política das mulheres em Cabo Verde, Praia, Edições UNICV, 2009.

33 Importa referir que estamos a restringir o conceito de hereditariedade, levando em consideração que existe uma série de capitais ou recursos que são importantes na maneira como algumas famílias se apresentam hoje na política. Deve ter-se em atenção que uma parte dos políticos, que se foram impondo no contexto político ao nível local, são indivíduos oriundos de famílias que, regra geral, não tiveram uma carreira política durante o período colonial, mas ocuparam cargos importantes ao nível administrativo durante o referido período. Deste modo, podemos inferir que existe um elemento de permanente

72 política no sentido de transmissão do capital político de pais para filhos, praticamente não tem expressão, devido, por um lado, à juventude democrática do país com apenas duas décadas de experiência, tempo insuficiente para a reprodução de gerações e, por outro, à inexistência de famílias com uma longa tradição na política. Normalmente, depara-se com casos de familiares na política, irmãos (ãs), primos (as), tios (as), mas as suas entradas na política costumam acontecer ao mesmo tempo, o que quer dizer que não há um acúmulo do capital político e de prestígio de um determinado familiar que é transmitido para os restantes membros da mesma família.

Regista-se somente duas situações na Praia que se configuram como fenómeno de hereditariedade na política, ou seja, de filhos que entram na política aproveitando o capital político e o prestígio acumulado pelos pais. Em 2004, Augusto Veiga, filho do ex-Primeiro Ministro Carlos Veiga (1991 a 2000), foi eleito deputado municipal na Praia nas listas do MPD e, em 2008, Janira Hopffer Almada filha de David Hopffer Almada – que já foi ministro de diferentes pastas durante o regime do partido único e que também já exerceu o cargo de deputado da nação eleito por duas vezes nas listas do PAICV (em 1991 e em 2006), foi eleita deputada municipal na Praia nas listas do mesmo partido.

São casos isolados que ainda não nos permitem falar de uma tendência para o recurso à hereditariedade como uma fonte de recrutamento na política em Cabo Verde, portanto, não estamos ainda na posse de elementos que nos permitem de forma conclusiva determinar o peso das heranças familiares.

2.2 Competências e experiências profissionais

No quadro da minha tese, entendo por competência e experiências profissionais, a posse de um título académico, aliada a uma experiência profissional na área da formação e um reconhecimento social entre os pares do domínio técnico da sua área específica.

reprodução de famílias que já se encontravam bem posicionadas nas esferas administrativas e económica no período colonial.

73

A competência e a experiência profissional foram citadas por todos os Presidentes das Câmaras Municipais entrevistados, como sendo um critério importante a ser levado em consideração no momento da discussão da composição das listas, particularmente para os cargos de vereadores. São unânimes em considerar que nos pelouros básicos responsáveis pelas áreas jurídicas, administrativa, económica, ordenamento do território, urbanismo e infra-estrutura, a escolha de um indivíduo com uma elevada competência e experiência profissional na área em causa é um factor que contribuí a priori para aumentar a expectativa dos munícipes em relação a um bom desempenho da Câmara.

Entretanto, alguns ex-Presidentes de Câmaras Municipais entrevistados, embora subscrevendo essa mesma ideia, consideram que existem áreas na vereação em que o critério técnico pode, em algum momento, não ser entendido como não ser determinante, o que lhes dá alguma margem de manobra para negociar e ceder às pressões da máquina partidária local no sentido de integrar na lista um elemento escolhido, não com base no critério competência técnica, mas em outros atributos que poderão constituir uma vantagem no momento de atrair o eleitorado. “Normalmente procuramos integrar na lista indivíduos de alguma competência técnica, mas, em alguns casos, na negociação com o comité do sector do partido, podemos aceitar integrar um militante que não se adequa nos parâmetros técnicos que procuramos, mas, desde que seja um indivíduo que demonstre capacidade de captar votos, não fazemos finca-pé porque depois na distribuição dos pelouros damos-lhe um de menos visibilidade técnica para não comprometer os nossos objectivos” (entrevista B).

Dos entrevistados que se candidataram à Câmara Municipal como cabeça de lista, isto é, candidatos a Presidente de Câmara, 12 abordaram essa questão, três dos quais asseguram ter vivenciado essa experiência e ter feito essa concessão. Dos três, um não chegou a ser eleito.

Tendo em consideração o carácter mais técnico que assumem as áreas de governação nas Câmaras Municipais e que requerem por isso maior cuidado na escolha dos seus representantes, os partidos políticos têm privilegiado cada vez mais, desde as primeiras

74 eleições autárquicas em 1991, o critério competência técnica, na escolha dos vereadores. Segundo um dos entrevistados: “tendo presente os desafios e o quadro institucional que orientava o município, precisava de indivíduos com algum perfil técnico- profissional para vereadores, pois, as funções de vereadores tornaram- se mais complexas, mais técnicas como as áreas administrativa, económica, jurídica, ordenamento do território, infra-estrutura e urbanismo, por isso é necessário ter pessoas com formação específica nessas áreas, com capacidade para apresentar planos bem elaborados para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, pois, a expectativa por parte da população tem aumentado e nós precisamos corresponder minimamente aos novos desafios que se nos coloca” (entrevista a J).

Essa tendência registada pelas diversas candidaturas em valorizar a competência técnica é também assinalada noutros países. Num estudo sobre o recrutamento parlamentar português, sob a coordenação de André Freire, apresentado pelos sociólogos Tito Matos e Vanessa Duarte, eles afirmam que: “no que concerne aos níveis e tipos de competências profissionais, todos os entrevistados, quer ao nível distrital, quer ao nível nacional, consideram que a profissão e experiência profissional em determinadas áreas são sem dúvida critérios de peso na elaboração das listas de candidatos à Assembleia da República. Todos reconhecem que é importante para qualquer partido ter na sua bancada parlamentar especialistas em determinadas áreas (finanças, economia, defesa, saúde, toxicodependência, direito, relações internacionais, juventude, etc.)” (Freire, 2001: 132-133)34. ´ Para os municípios de menor dimensão em termos populacionais, principalmente os de cariz mais rural, esta questão provavelmente se coloca com mais acuidade devido a uma menor oportunidade de escolha entre os profissionais de determinadas áreas, daí a necessidade de se fazer recurso a quadros técnicos naturais desses municípios, mas residentes noutros, designadamente nos centros urbanos da Praia ou do Mindelo, para

34 Entendemos que há uma convergência em termos do conceito de competência utilizada por nós e a apresentada por Matos e Duarte (2001), pois, consideramos que, para os autores, a ideia da posse de um título académico está explícita, assim como a experiência profissional que advém não só de vários anos do exercício da profissão, mas também de diversas formações complementares e do reconhecimento do trabalho que é feito pelo profissional no exercício da sua profissão.

75 colmatar essas eventuais ausências de quadros técnicos munidos de competências técnicas. Ao analisarmos as listas vencedoras das eleições para as Câmaras Municipais em Santa Catarina, do Porto Novo e Paul, em Santo Antão, de 1991 a 2008, nota-se uma presença frequente de vereadores naturais desses concelhos, mas com residência na Praia e em S. Vicente no momento em que integraram as listas, o que indicia alguma predisposição por parte dos mesmos em contribuírem in loco para o desenvolvimento dos seus municípios.

No entanto, nem todos partilham a mesma opinião, relativamente à predisposição dos indivíduos com competência técnica, que residem fora dos seus municípios de origem, de trabalhar nos seus respectivos municípios de origem, enquanto eleitos municipais, como podemos constatar num extracto de entrevista de um ex-Presidente de Câmara Municipal de Santa Catarina:

(…) “A maioria dos profissionais qualificados de Santa Catarina reside na Praia, quando convidados para integrarem as listas para a disputa da câmara municipal principalmente no lugar de vereadores, não se mostram disponíveis para este tipo de sacrifício para sair de um grande meio urbano como a Praia, para residirem em Santa Catarina” (entrevista F).

Entretanto, os dados recolhidos corroboram apenas em parte o discurso acima citado, como poderemos constatar. Entre os partidos vencedores das eleições para a Câmara Municipal de Santa Catarina, de 1991 a 2008, registamos duas situações, uma em 2000 e outra em 2008, em que a proporção dos integrantes da lista para a Câmara, que residiam na Praia, era superior à dos residentes em Santa Catarina. Em 1996, a proporção era muito próxima, ou seja, 55,6% para os residentes em Santa Catarina, contra 44,4% para aqueles com domicílio fixado na Praia. Somente em 1991 e em 2004, é que a proporção dos residentes locais em Santa Catarina, foi superior a dos que moravam na Praia, representando cerca de 2/3, contra 1/3 dos residentes fora deste município.

Somente entre os suplentes de todas as listas eleitas é que os dados tendem a mostrar uma maior proporção dos residentes locais. No seio das listas concorrentes, que

76 perderam as eleições para a Câmara Municipal de Santa Catarina, constata-se o mesmo cenário, ou seja, a tendência vai no sentido de as listas dos efectivos serem constituídas quase sempre, na sua maioria, pelos indivíduos residentes na Praia, enquanto entre os suplentes, o predomínio dos moradores de Santa Catarina é notório.

Deste modo, os dados indicam que os partidos políticos a nível local, neste caso concreto em Santa Catarina, conseguem superar uma eventual dificuldade de preenchimento da lista para a Câmara com indivíduos com um determinado perfil técnico, recorrendo sistematicamente, isto é, em todos os pleitos eleitorais municipais, aos indivíduos naturais deste concelho que residem na Praia. Quadro 11 - Listas concorrentes para a Câmara Municipal de Santa Catarina segundo a residência dos seus integrantes na Praia e em Santa Catarina de 1991 a 2008

1991 1996 2000 2004 2008

SC PR SC PR SC PR SC PR SC PR

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Lista vencedora - efectivos 6 66,7 3 33,3 5 55,6 4 44,4 3 33,3 6 66,7 6 66,7 3 33,3 2 22,2 7 77,8

Lista vencedora - suplentes 8 88,9 1 11,1 7 77,8 2 22,2 5 100 0 0 6 85,7 1 14,3 6 75 2 25

Lista perdedora 1 - efectivos 5 71,4 2 0 4 44,4 5 55,6 4 44,4 5 55,6 4 44,4 5 55,6

Lista perdedora 1 - suplentes 5 100 0 0 8 88,9 1 11,1 4 50 4 50 8 88,9 1 11,1

Lista perdedora 2 - efectivos 1 11,1 8 88,9 0 0 0 0 1 11,1 8 88,9 9 100 0 0 3 33,3 6 66,7

Lista perdedora 2 - suplentes 0 0 0 0 7 100 0 0 4 100 0 0 2 40 3 60 Fonte: Boletins Oficiais e Comissão Nacional de Eleições

Por outro lado, na Praia, onde se concentra cerca de ¼ da população e a maioria dos quadros técnicos do país, o universo de escolha dos partidos políticos que concorrem às eleições municipais é maior e isto reflecte-se na composição das listas formadas quase sempre, na sua maioria, por indivíduos com formação superior.

Segundo os dados do Censo 2010, residiam na Praia cerca de 10.980 indivíduos com formação superior, destes, 1.066 têm um mestrado e 192 o doutoramento, representando deste modo, mais de metade (53,6%) dos técnicos superiores do país, o que reforça a ideia da existência de um universo de escolha mais alargado e com maiores opções de recrutamento entre as diferentes profissões. Santa Catarina alberga 1.379 técnicos

77 superiores, correspondentes a 7% do total e, Santo Antão, um número bem inferior, ou seja, 562, o que perfaz apenas 2,7% do total.

Ao analisarmos o rácio número de técnicos superiores pelo número total de população com 18 anos e mais, verifica-se que na Praia, por cada 100 habitantes, existem 13,4 técnicos superiores, número superior à média nacional que é de 6,8 técnicos superiores por cada 100 habitantes. Em Santa Catarina, o rácio desce para 5,6 técnicos superiores por cada 100 habitantes e, em Santo Antão, é de 2,1. Isto quer dizer que o universo de escolha entre os diplomados é bem mais alargado, comparativamente a Santa Catarina e Santo Antão.

Quadro 12 - Nível escolar da população com 18 anos e mais nos concelhos da Praia, Santa Catarina e Santo Antão

Praia S. Catarina Santo Antão Total Cabo Verde Nº % Nº % Nº % Nº % Pré-Escolar 61 0,1 19 0,1 9 0,0 21179 5,3 Alfabetização 1205 1,6 374 2,0 1571 7,5 7698 1,9 Ensino Básico 27453 37,1 9053 47,4 11112 53,0 198426 49,5 Ensino Secundário 31664 42,7 7689 40,3 6989 33,3 144188 36,0 Curso Médio/Bacharel 2378 3,2 526 2,8 691 3,3 7621 1,9 Licenciatura 9722 13,1 1280 6,7 515 2,5 18486 4,6 Mestrado 1066 1,4 87 0,5 37 0,2 1643 0,4 Doutoramento 192 0,3 12 0,1 10 0,0 345 0,1 N/Sabe 344 0,5 63 0,3 23 0,1 1001 0,2 Total 74085 100,0 19103 100,0 20957 100,0 400587 100,0 Fonte: INE – Censo 2010

2.3 Notoriedade

Para efeito desta análise, a notoriedade refere-se ao destaque que é dado aos indivíduos nos seus bairros/localidades em razão das suas autoridades morais e intelectuais e dos seus prestígios sociais. A definição de notoriedade a que chegamos é construída empiricamente através da diversidade de informações recolhidas nas entrevistas. A notoriedade dos integrantes das listas para as Câmaras Municipais é considerada pelos partidos políticos e pelos próprios candidatos a Presidente de Câmara como um critério importante, mas não determinante, porque normalmente nas eleições municipais

78

é a figura do candidato a Presidente da Câmara Municipal que colhe maior protagonismo e que lidera os integrantes da sua lista. Este protagonismo do candidato a Presidente da Câmara Municipal decorre, num primeiro momento, da própria lei que diz que o Presidente da Câmara Municipal é o primeiro da lista mais votada. Deste modo, toda a composição da lista e a maneira como é dirigida a campanha eleitoral autárquica baseiam-se na estratégia de, a todo momento, potencializar a notoriedade do candidato cabeça de lista. É o que nos afirma um ex-Presidente de Câmara Municipal: “a cabeça de lista é uma figura que se presume dispor de uma maior capacidade de mobilização e notoriedade. É o próprio candidato que dirige a campanha, em articulação com a estrutura do partido ao nível local, ele é o factor de aglutinação dos eleitores dos diversos quadrantes da sociedade” (entrevista a J).

Entretanto, os candidatos procuram sempre integrar na lista indivíduos que, aliados a outras características, se supõe gozarem de alguma notoriedade e de um certo respeito na sua comunidade porque as pessoas reconhecem neles algum mérito social e poder de influenciação. Esses atributos dos integrantes da lista são aferidos geralmente através das consultas que os partidos fazem às diferentes comunidades, seja directamente, seja através das informações que lhes são transmitidas pelos seus representantes nessas comunidades.

“Através da consulta que se faz à comunidade, sabe-se quem tem mais notoriedade e que vai agregar a sua à notoriedade maior que é a do candidato a Presidente da Câmara. Realiza-se sondagens, mas, também através do conhecimento do percurso dos indivíduos, sabe-se se ele reúne os requisitos elencados para o perfil dos integrantes da lista” (entrevista a J).

A notoriedade, enquanto critério de recrutamento dos eleitos locais, foi referenciada por todos os entrevistados de Santo Antão e de Santa Catarina e pela maioria dos da Praia, o que indicia que é um critério bastante valorizado nos diferentes municípios em estudo.

Nesse particular, pelo menos nos municípios com características mais rurais, a realidade cabo-verdiana não se difere por exemplo da portuguesa como podemos constatar pelas afirmações de Tito Matos e Vanessa Silva para quem “a notoriedade e o prestígio regionais assumem-se como critérios dependendo, no entanto, do contexto territorial -

79 em meios rurais este é um aspecto relevante o que já não acontece nos meios urbanos”. (Idem, ibidem: p.142).

O tema da notoriedade política vem ganhando espaço na literatura política europeia devido ao surgimento nas últimas duas décadas, seja nos países da europa ocidental, a exemplo da França, da Grã-Bretanha e da Itália, e nos países como o Japão e a Tailândia, de um fenómeno que alguns autores como Blondel e Thiébault (2010), denominam de “personalização das lideranças” que consiste numa nova forma de fazer política. Os referidos autores procuram examinar a influência das relações pessoais no surgimento e desenvolvimento de laços entre os cidadãos e as elites.

Blondel e Thiébault consideram que a maneira como esses políticos, a exemplo de Blair e Tacher na Inglaterra, Mitterrand, Chirac e Le Pen na França, Berlusconi e Bossi na Itália, L. Walesa e A. Lepper na Polónia, Koizumi no Japão e Shinawatra na Tailândia, se comportavam não devem ser analisadas em função dos modelos relacionados com a estrutura social por entenderem que esses modelos de explicação do comportamento eleitoral, neste momento, afiguram-se obsoletos. (Blondel e Thiébault, 2010: 161)

Segundo os autores, uma tal abordagem requer especificar um certo número de conceitos. Deste modo, traçam um definição de "liderança personalizada" distinguindo- a de outras formas de liderança, através de uma análise crítica das três formas de relações existentes entre os líderes personalizados e os cidadãos: (1) os discursos utilizados pelos líderes, (2) a forma como os dirigentes estão procurando o apoio dos cidadãos; e (3) a forma como os cidadãos reagem ao comportamento do líder personalizado. A estes três tipos de relações correspondem vários conceitos psicológicos, nomeadamente o nepotismo, o clientelismo, a notoriedade política, a popularidade política ou mesmo o carisma. (Idem, ibidem, p. 162)

Na verdade, a análise incide por um lado, sobre o poder pessoal do líder no seio do partido, e, por outro, sobre a sua capacidade para reforçar a posição do seu partido dentro do espaço de competição eleitoral do país. A análise contém dois eixos principais. Em primeiro lugar, trata-se de considerar em que medida os novos partidos

80 estão a revolucionar o equilíbrio do sistema partidário. Em segundo lugar, trata-se de compreender como, tanto no seio dos partidos tradicionais como no dos novos partidos, alguns líderes exploram seu poder "personalizado", simultaneamente no seio do seu próprio partido, mas também fora dele para chegar a reforçar o seu partido aos olhos dos cidadãos. (Idem, ibidem, p. 162 -163)

Esse fenómeno de “liderança personalizada”, ao nível da realidade local cabo-verdiana, está mais associada a algumas lideranças locais que assumem o papel do candidato ao Presidente da Câmara Municipal, que conseguem um protagonismo acima do próprio partido que os suporta para as eleições, e acabam por se projectar dentro do próprio partido e, através das suas imagens, ajudam o partido a se fortalecer perante o eleitorado.

2.4 Representatividade geográfica

Para efeitos desta análise, entendemos por representatividade geográfica, o princípio de equilíbrio nas listas para a Assembleia Municipal, com a inclusão de candidatos oriundos dos mais diversos bairros e/ou localidades, alargando deste modo, a possibilidade de uma maior inserção das candidaturas em todos os estratos sociais.

A questão da representatividade, enquanto critério de recrutamento das elites políticas, seja a nível nacional seja local, é abordada por diferentes autores brasileiros, a exemplo de Coradini (1998), africanos como Ngayap (1983), Augé (2005), embora nestes casos importa assinalar que ela vem associada à questão étnica. No continente europeu, este aspecto também faz parte do estudo de diversos autores, entre os quais citamos De Borman & Marissal (2001), Bussi & Badariotti (2004), Van Hamme & Marissal (2008), De Maesschalck (2010). Estes dois últimos centram seus estudos na cidade de Bruxelles, analisando a distribuição dos bairros de residência dos eleitos no Parlamento, dos eleitos regionais e das comunas.

De Maesschalck, na sua análise sobre o lugar de residência dos parlamentares de Bruxelas, procura demonstrar que os bairros mais pobres são fortemente sub-

81 representados e que a representação aumenta globalmente, ao mesmo tempo que aumenta o nível de bem-estar dos bairros. Constata-se, no entanto, diferenças nas representações espaciais em função das tendências políticas dos eleitos. Associa a sub - representação dos bairros mais pobres aos lugares ocupados pelos candidatos nas listas, ou seja, a presença menos forte dos candidatos dos bairros mais pobres nas listas deve- se à ocupação dos lugares essencialmente não elegíveis nas listas. Contudo, no curso dos últimos 20 anos, ou seja, de 1989 a 2009, a representação dos bairros menos abastados e mais centrais aumentou bastante (Maesschalck, 2010:1- 17).

Para Van Hamme, a residência dos eleitos constitui-se potencialmente numa questão política, particularmente nas eleições locais. Na verdade, os eleitos são chamados a tomar decisões que moldam os espaços de vida dos cidadãos ou que favorecem certas formas de recomposição urbana nos espaços dominados por intensos conflitos de interesse. Nesta perspectiva, segundo o autor, pode colocar-se a hipótese de que o lugar de residência não é neutro. Considerando, ainda, os candidatos às eleições como minorias activas representativas dos grupos sociais a que pertencem, o autor entende que a análise dos locais de residência dos candidatos dos diferentes partidos permite apreender as recomposições sociopolíticas no seio das classes médias e altas que representam a grande maioria dos candidatos (Van Hamme, 2008: 35).

Ele classifica os lugares de residência dos candidatos de acordo com os indicadores de rendimento das famílias, dividindo-os em cinco quintis, os primeiros representando os mais pobres e os últimos os mais ricos. Constatou que nas eleições regionais de 2004, os indivíduos elegíveis e, mais ainda, os efectivamente eleitos, apresentavam um perfil socio-geográfico bastante selectivo: apenas 16% dos indivíduos elegíveis e 8% dos eleitos eram provenientes dos quintis dos bairros mais pobres; por outro lado, 50% dos elegíveis e 60% dos eleitos eram provenientes dos bairros dos dois quintis superiores em termos de renda (op. cit. p. 38)

Atesta que os candidatos dos bairros mais pobres ocupam os lugares menos elegíveis nas listas eleitorais. Segundo ele, pode interpretar-se isso “comme une instrumentalisation des candidats issus de ces quartiers, utiles aux partis en termes

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électoraux, mais dont les positions personnelles au sein des formations politiques ne sont pas suffisamment puissantes pour obtenir une bonne place sur les listes électorales » (idem, ibidem, p. 39). Mostra, ainda, que nas eleições comunais de 2006, ao se fazer um exercício de cruzamento do nível socioeconómico dos bairros com a classe social dos candidatos, nota-se que os candidatos são provenientes, em média, de um nível social mais elevado que os habitantes do seu bairro de residência. Isso é válido, qualquer que seja o nível socioeconómico do bairro, mas a diferença é particularmente acentuada quando se trata dos bairros mais pobres (idem, ibidem, p. 46).

As mudanças político-institucionais implementadas em 1991 não só provocaram transformações no aparelho político-administrativo do Estado como também permitiram, com a realização das eleições autárquicas, ampliar os espaços de participação dos actores políticos a nível local. Nessas eleições, segundo o dispositivo constitucional, é permitido não só a participação dos partidos políticos registados, mas também candidaturas de grupos de cidadãos independentes35.

Em todas as entrevistas dirigidas seja aos candidatos à Câmara Municipal, seja aos representantes das comissões políticas concelhias/regionais, e a membros das comissões políticas nacionais dos partidos, o critério representatividade geográfica é sempre referenciado por todos como um critério de importância crucial que contribui para uma maior penetração da candidatura nos diferentes bairros.

Importa confirmar se o que é enfatizado ao nível discursivo tem correspondência na prática nos diferentes concelhos em estudo. Assim, ao analisarmos, por exemplo, os eleitos municipais da Praia, de 1991 a 2008, nota-se que praticamente todos os bairros deste concelho figuram pelo menos uma vez na lista das candidaturas. Se é certo que quase todos os bairros constam das diferentes listas de candidaturas, interessa verificar se os mesmos fazem parte frequentemente da lista dos eleitos.

35 Constituição da República de Cabo Verde, 1992, artigo 113º

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O que se constata na Praia, ao analisar as listas para as Assembleias Municipais, é que a maioria dos eleitos reside em um grupo restrito de bairros, curiosamente os de classe média e média alta.36 Em 1991, dos 21 eleitos para a Assembleia Municipal da Praia, doze residiam nos bairros de classe média e média alta e nove nos bairros de classe baixa. Em 1996, a diferença é de treze a oito, a favor dos eleitos residentes nos bairros de classe média e média alta. A mesma proporção foi registada nas eleições de 2000. Em 2004, mantém-se a diferença favorável aos eleitos que moram nos bairros de classe média, ou seja, doze a nove e, em 2008, alarga-se a diferença para valores de que não se tem registo anteriores alcançando os 4/5 das cadeiras, a favor dos eleitos residentes nos bairros de classe média.

De 1991 a 2008, dos 105 indivíduos eleitos para a Assembleia Municipal da Praia, 67, ou seja, praticamente 2/3, residiam nos bairros da Achada de Santo António (ASA), do Palmarejo, do , da Terra Branca, da Fazenda e da Prainha. De notar que, nos bairros da ASA e do Palmarejo, moravam 44 dos eleitos no período em referência. Contrariamente, na lista dos suplentes, constata-se um maior equilíbrio em termos de representatividade e a lista de 91 a 2008 abrangeu mais de 30 bairros/localidades, ou seja, a maioria dos bairros da Praia, através dos seus moradores, sempre estiveram representados nas listas dos partidos políticos na qualidade de suplentes.

36 Procurou-se classificar os bairros/zonas em função de alguns indicadores, designadamente, o acesso ao emprego, à formação e à habitação. Devido à dificuldade encontrada em conseguir todos os dados desagregados ao nível dos bairros/localidades, optou-se por um outro indicador, qual seja o acesso aos equipamentos colectivos. Seleccionou-se um conjunto de equipamentos colectivos, nomeadamente, as escolas de todos os níveis de ensino, as unidades de saúde, incluindo as farmácias, as esquadras de polícia, os serviços de correios, telecomunicações, bancos, postos de combustíveis, serviços de lazer e de cultura, órgãos de soberania e outros serviços públicos, etc, e, em função da existência de pelo menos metade dos equipamentos acima referidos, o bairro é classificado como sendo de classe baixa, média ou média alta. Entretanto, por não se mostrar exaustivo, procurou-se agregar outros indicadores, nomeadamente, os bairros que possuem um planeamento urbano, que são servidos por redes de água e esgotos, em que a maioria das casas têm um bom nível de acabamento e pintura exterior e são habitações mono-familiares. Assim na Praia, os bairros que integram a categoria média e média alta de acordo com o critério apresentado são, os do Palmarejo, da Prainha, do Meio de Achada Santo António, da Terra Branca, do Plateau, da Fazenda e da Achada de S. Filipe (parte urbanizada). Em Santa Catarina é a Assomada, no Paul é a Vila das Pombas, na Ribeira Grande, a Povoação e a Ponta de Sol e, em Porto Novo, a cidade do Porto Novo, mais concretamente, nos bairros de Alto Peixinho, Armazém, Abufador, Chã de Camoca, Bairro e Ribeira Corujinha.

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No que diz respeito àqueles que ocupam os lugares menos elegíveis na lista, ou seja, as últimas posições, nota-se uma maior preponderância dos indivíduos oriundos dos bairros de classe baixa, comparativamente aos de classe média e média alta, em todos as eleições de que temos registo, ou seja, de 2000 a 2008.

No que se refere aos lugares nas listas de suplentes, a situação inverte-se comparativamente aos eleitos, ou seja, as listas são compostas maioritariamente pelos indivíduos que residem nos bairros de classe baixa, em torno dos 4/5, para todo o período em análise.

Não se constatou nenhuma diferença digna de registo entre os partidos políticos (MPD, PAICV, PCD/PRD) e o grupo de cidadãos independentes, relativamente aos lugares ocupados nas listas, ou seja, os primeiros lugares nas listas são invariavelmente ocupados pelos indivíduos residentes nos bairros de classe média e média alta e, à medida que se distanciam dos lugares elegíveis, aumenta a proporção nas listas dos indivíduos residentes dos bairros de classe baixa.

Entretanto, nota-se uma diferença na UCID (União Cabo-verdiana Independente e Democrática), relativamente às demais candidaturas para as Assembleias Municipais na Praia, pois, nas duas eleições em que este partido participou (2004 e 2008), embora não tendo conseguido eleger nenhum deputado municipal, verifica-se que os lugares elegíveis foram maioritariamente preenchidos por indivíduos residentes nos bairros de classe baixa, o que se deve provavelmente a uma política deliberada por parte deste partido que procura, deste modo, uma maior inserção nos bairros mais periféricos da Praia.

Um outro aspecto interessante a reter nas listas de candidaturas apresentadas na Praia, seja pelo MPD, seja pelo PAICV, tem a ver com a relação entre a estratificação social e a mobilidade espacial, ou seja, nota-se que os indivíduos oriundos dos bairros de classe baixa que ascendem económica e socialmente, tendem a fixar residência nos bairros mais estruturados da cidade, isto é, os de classe média e média alta.

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Esses indivíduos entram nas listas para a Assembleia Municipal dos respectivos partidos não na condição de representantes dos bairros onde residem actualmente (por exemplo, Palmarejo, Achada Santo António e Terra Branca), mas sim, como representantes dos seus bairros de origem (, Vila Nova, Eugénio Lima, Calabaceira, etc.,).

Levantamos como hipótese a possibilidade de os partidos reconhecerem nesses indivíduos as suas capacidades de funcionarem como uma espécie de “opinion makers” nos seus bairros de origem, o que permite aos partidos uma chance maior de garantir mais votos. Interessa saber que tipo de recursos utilizam esses indivíduos para se constituírem em fazedores de opinião. Aqueles que têm uma certa pretensão política utilizam uma determinada linguagem corporal, gestual e de relacionamento. Criam um capital de relação, pois, são indivíduos “populares”37 na sua zona. Tudo isto constitui uma certa competência que está em jogo e quem domina essa competência tem mais hipótese de se apresentar como representante dos indivíduos do seu bairro de origem. Além de possuir essa rede de relações, detém também uma certa competência em estabelecer as relações. Consideramos que esta linguagem, este tipo de relacionamento, é especificamente cabo-verdiana, diferenciando Cabo Verde de outros países.

37 Em Cabo Verde, entende-se por popular os indivíduos que, apesar de a sua ascensão social, continuam a relacionar-se pessoalmente bem com as famílias dos seus bairros de origem que continuam empobrecidas.

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Mapa nº 1. Distribuição dos bairros e lugares do concelho da Praia em 1991

Fonte: Mapas do INE

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Mapa nº 2. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho da Praia em 2008

Fonte: Mapas do INE

Mapa nº 3. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 1991

Fonte: Mapas do INE e dados da CNE

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Mapa nº 4. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 1996

Fonte: Mapas do INE e dados da CNE Mapa nº 5. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 2000

Fonte: Mapas do INE e dados da CNE

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Mapa nº 6. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 2004

Fonte: Mapas do INE e dados da CNE Mapa nº 7. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos na Praia em 2008

Fontes: Mapas do INE e dados da CNE38

38 Os símbolos verdes representam os eleitos municipais pelo MPD, os amarelos correspondem aos eleitos do PAICV e os laranja aos eleitos pelo PCD.

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Em Santa Catarina e nos três concelhos de Santo Antão, devido às dificuldades encontradas em conseguir as listas com as residências dos candidatos, optou-se por analisar somente os dados relativos às eleições de 2008. Neste sentido, o cenário não se afigura diferente do assinalado na Praia, ou seja, continua-se a observar que os lugares elegíveis nas listas são dominados pelos indivíduos que residem nos bairros de classe média, média alta, ao contrário das posições menos elegíveis e as de suplentes onde a preponderância dos residentes dos bairros de classe baixa é notável.

Em Santa Catarina, dos vinte e um lugares em disputa para a Assembleia Municipal, 14 são ocupados pelos residentes dos bairros de classe média, média alta, contra sete dos residentes dos bairros de classe baixa, assim distribuídos: 1/3 em Assomada, 1/3 na Praia (Palmarejo, Achada Santo António e Achada S. Filipe) e 1/3 em diferentes localidades do concelho. Importa referir que neste concelho, os três primeiros lugares eleitos nas listas do PAICV e os dois primeiros na lista do MPD são ocupados pelos indivíduos que residem nos bairros de classe média e média alta na Praia. Nas posições menos elegíveis nas listas, regista-se uma ligeira preponderância dos indivíduos residentes nos bairros de classe média, ao contrário das listas dos suplentes em que os residentes dos bairros de classe baixa representam o dobro dos da classe média e média alta. Os resultados entre os dois partidos são muito próximos.

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Mapa nº 8. Distribuição dos bairros e lugares do concelho da Santa Catarina em 2008

Fonte: Mapas do INE

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Mapa nº 9. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho de Santa Catarina em 2008

Fonte: Mapas do INE

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Mapa nº 10. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos em Santa Catarina em 2008

Fontes: Mapas do INE e dados da CNE

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Em Santo Antão, segue-se a mesma tendência assinalada na Praia e em Santa Catarina, ou seja, os lugares elegíveis das listas nos diferentes concelhos são ocupados pelos indivíduos que moram nos bairros de classe média e os restantes lugares, ou seja, os menos elegíveis e os de suplente, são dominados pelos indivíduos que residem nos bairros de classe baixa.

No concelho da Ribeira Grande, dos 17 lugares em disputa na Assembleia Municipal, nove são ocupados pelos indivíduos que residem na Povoação e na Ponta do Sol que, segundo os critérios por nós apresentados, configuram-se em bairros de classe média, contra sete eleitos que moram nos bairros de classe baixa e um que reside num bairro de classe média da Praia.

Mapa nº 11. Distribuição dos bairros e lugares do concelho da Ribeira Grande em 2008

Fonte: Mapas do INE

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Mapa nº 12. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho de Ribeira Grande em 2008

Fonte: Mapas do INE Mapa nº 13. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos em Ribeira Grande em 2008

Fonte: Mapas do INE e dados da CNE

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Em Porto Novo, dos 17 eleitos, nove residem nos bairros de classe média, dois em S. Vicente e seis em bairros de classe baixa. No Paul, dos treze eleitos para a Assembleia Municipal, somente três residiam na vila das Pombas no momento da eleição. Dos restantes, cinco residiam em bairros de classe média em outros concelhos, nomeadamente Praia, Boa Vista, S. Vicente e Ribeira Grande e cinco nos bairros de classe baixa do Paul.

Numa análise por filiação partidária, nota-se que a UCID continua a diferenciar-se dos demais partidos e candidaturas independentes, ao disponibilizar nas suas listas os lugares mais elegíveis aos indivíduos que residem nos bairros de classe baixa, o que demonstra que existe uma tendência deliberada por parte deste partido político em procurar uma maior representação entre os indivíduos deste tipo de bairro/localidade.

Mapa nº 14. Distribuição dos bairros e lugares do concelho do Porto Novo em 2008

Fonte: Mapas do INE

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Mapa nº 15. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho do Porto Novo em 2008

Fonte: Mapas do INE Mapa nº 16. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos no Porto Novo em 2008

Fonte: Mapas do INE e dados da CNE

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Mapa nº 17. Distribuição dos bairros e lugares do concelho do Paul em 2008

Fonte: Mapas do INE Mapa nº 18. Distribuição dos equipamentos urbanos por bairros e lugares do concelho do Paul em 2008

Fonte: Mapas do INE

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Mapa nº 19. Distribuição espacial dos deputados municipais eleitos no Paul em 2008

Fonte: Mapas do INE e dados da CNE

A preocupação com a representatividade geográfica tem um efeito na extensão da base de recrutamento dos indivíduos pertencentes às categorias sociais mais baixas, residentes nos bairros e/ou localidades em que o nível de rendimento das famílias é mais baixo.

Este aspecto é visível não somente nos municípios urbanos. O reflexo deste aspecto é provavelmente ainda mais notório nos pequenos municípios rurais, a exemplo de Paul em Santo Antão. Tendo em atenção que o universo de escolha é definido por um conjunto de dimensões de critérios, que incluem além de a representatividade geográfica, a competência e experiência profissional, os principais cargos ocupados, entre outros, constata-se que, neste município, a base de recrutamento dos indivíduos que, cumulativamente ou maioritariamente preenchem todas as dimensões estabelecidas dentro do perfil definido, é mais reduzida, notadamente por causa de uma variável em

100 concreto, por exemplo, a competência técnica. Este critério, como foi definido anteriormente, está associado à posse de um diploma universitário, e o que se verifica, ao comparar Paul com os demais municípios em estudo, é que neste primeiro o rácio de quadros superiores com a população de 18 anos e mais é de 1,7, a mais baixa registada em Santo Antão, com uma média de 2,1. Na Praia, esse rácio é de 13, 4 e, em Santa Catarina, de 5,6.

Se, por um lado, a inclusão dessa categoria social na lista deve-se ao factor representatividade das zonas/localidades, por outro, deve-se à própria estratégia das candidaturas de ter representantes de todos os estratos sociais, aumentando com isso a sua base eleitoral.

Um antigo presidente de Câmara Municipal assinala, a este propósito que

“ (…) é a própria dinâmica da localidade que “obriga” a essas mudanças de nomes, porque constantemente somos confrontados com vários indivíduos que são líderes nas suas comunidades e quando assim é, a rotatividade é uma necessidade natural, claro, respeitando sempre também o aspecto da fidelidade/proximidade partidária” (entrevista a JA).

Ainda em Santo Antão, um ex-presidente de outro município coloca a ênfase no aspecto partidário afirmando que “são orientações que decorrem do próprio princípio defendido pelo partido que nos leva a ter em atenção a representatividade de todos os estratos sociais, ao nível da assembleia municipal” (entrevista a A).

Num estudo sobre o recrutamento e a trajectória das elites políticas do Rio Claro, município no interior de São Paulo (Brasil), constata-se que, ao contrário do que se regista no caso dos municípios em estudo em Cabo Verde, não há espaço para a inclusão dos estratos sociais mais baixos na categoria da elite política local.

Com efeito, “Em Rio Claro, os membros da elite política acabaram sendo elementos pertencentes aos sectores médios da sociedade, sendo significativa a ausência das classes mais baixas. Estas foram excluídas,

101

ao lado dos impedimentos de ordem estrutural, por obstáculos como a falta de meios económicos para entrar na disputa eleitoral ou pelo restrito círculo de influência, elementos fundamentais para a entrada na vida política, como os contactos importantes e as amizades, reflectindo o processo nacional mais amplo (Bilac, 2001: 124 - 125).

2.5 Militância partidária

No quadro da minha tese, entendo por militância partidária o engajamento dos individuos nos partidos políticos, seja na condição de simples militantes, seja na de activos e colaboradores nas estruturas partidárias. Nesta última condição, encontram-se indivíduos que muitas vezes utilizam o partido para poderem aceder aos cargos que as disputas eleitorais proporcionam.

Mendes (1993) define militância partidária como um certo percurso que é exigido ao militante se quiser converter-se num potencial eleito local. Com efeito, é a direcção do aparelho partidário que determina a formação das listas propostas ao sufrágio. A sua actuação é condicionada em grande medida pela avaliação que faz à experiência, vivência e dedicação demonstrada pelo (s) potencial (is) candidato (s), no que respeita ao seu empenhamento nas actividades autárquicas e intra-partidárias. Neste caso em particular, a secção local do partido desempenha um papel chave na emergência e na formação dos líderes políticos locais. Em consequência, o aparelho partidário funciona para alguns individuos, como um “trampolim” de acesso aos lugares de poder da autarquía (Mendes, 1993: 188).

Recuperando Gaxie (1997) que, ao abordar a questão da militância partidária, procura demonstrar que nem sempre a militância está asociada aos motivos ideológicos, e que outros motivos, ligados à procura de uma recompensa pelos serviços voluntários prestados ao partido, ajudam na mobilização dos militantes. A recompensa assume, por exemplo, a forma de ocupação de cargos em assembleias nacionais e locais, em numerosos cargos de direcção na burocracia do Estado e, também, nas empresas públicas. Segundo o autor, “lóccupation des postes de direction de l`appareil d`État est

102 le premier bénéfice non collectif que les dirigeants retirent de leur activité” (Gaxie, 1997: 128).

A abordagem de Mendes (1993) é muito próxima daquela que desenvolvemos para definir a militância partidária, pois, enfatiza o percurso pelo qual normalmente passam os activistas, ou seja, prestam apoio nas estruturas partidárias antes de se converterem num potencial eleito local.

Panebianco, num estudo sobre modelos de partidos em que analisa as formas de organização partidárias, afirma que os militantes formam o núcleo duro do partido, a minoria restrita que tem participação real e continua em todo o partido, embora com intensidade variável, e que com a sua actividade faz funcionar a organização (Panebianco, 2005: 53).

Anna Brenner, ao analisar a militância de jovens universitarios nos partidos políticos, divide-os em dois grupos. O primeiro grupo é dos jovens que assumiram cargos públicos comissionados, que permitem trabalhar melhor para o partido, que se dedicam com maior intensidade à militância e à organização partidária. O segundo grupo é constituído por militantes que receberam apoio financeiro directamente do partido para desempenhar determinadas funções, notadamente o apoio às organizações estudantis. Afirma ainda que poderia haver um terceiro grupo de trabalhadores do partido: aqueles que ocupam cargos remunerados na hierarquia partidária para melhor servir o partido. (Brenner, 2011: 171)

No nosso caso em concreto, as informações recolhidas nas diversas entrevistas junto dos dirigentes dos diferentes partidos políticos levam-nos a considerar três tipos de militantes: Militantes voluntários, aqueles que prestam serviços de forma voluntária nos partidos e que aparecem sobretudo nos períodos eleitorais, desenvolvendo trabalhos de mobilização no terreno a favor dos seus partidos; Militantes profissionais, aqueles que

103 fazem parte dos quadros profissionais e são remunerados pelo partido; e, Militantes que exercem funções de responsabilidade no partido39.

Faz parte da ainda curta experiência política democrática cabo-verdiana a nível local a participação de grupos de cidadãos independentes nas eleições municipais. As experiências vivenciadas com algum grau de sucesso em Santa Catarina, em 1991, e em Santo Antão até 2004, são extensivas a outros municípios do país, designadamente Maio, S. Vicente, S. Nicolau, Sal e S. Filipe e Santa Catarina no Fogo.

Contudo, a conquista de um cargo político ao nível local sem algum laço de proximidade com os partidos políticos, seja na condição de militante ou de simpatizante, afigura-se uma tarefa cada vez mais difícil de se concretizar nos municípios em estudo, daí a importância que assume este critério enquanto fonte de recrutamento para a Câmara Municipal, com particular incidência na Assembleia Municipal.

A pouca importância atribuída às candidaturas independentes é-nos demonstrada por Teixeira, ao analisar o recrutamento parlamentar em Portugal de 1990 a 2003. A autora assegura que os deputados à Assembleia da República são recrutados maioritariamente entre o universo dos filiados dos respectivos partidos, sendo o espaço reservado aos independentes nas listas de candidatura – ou seja, àqueles que, embora simpatizem e se identifiquem com as propostas dos partidos, não mantêm com eles nenhum tipo de compromisso formal é meramente residual. Os candidatos independentes ocupam apenas 5% dos lugares não elegíveis, valor que decresce para 3% nos lugares elegíveis (Teixeira, 2009:656).

A autora assevera ainda que estes dados não podem deixar de nos revelar a forte partidarização que caracteriza o processo de recrutamento parlamentar em Portugal e papel absolutamente marginal que neles assumem os candidatos independentes (op. cit. p. 657).

39 Para uma análise mais aprofundada desta questão, confira, por exemplo Agrikoliansky (2001), Teixeira (2009).

104

Os dados relativos aos municípios em estudo em Cabo Verde apontam também para uma partidarização cada vez maior do processo de recrutamento dos eleitos políticos locais, e os independentes são utilizados como uma espécie de “trunfo” dos partidos, indicando a sua abertura à sociedade civil e procurando como afirma Teixeira, “assegurar uma maior representatividade e credibilidade das suas listas de candidatura, atraindo candidatos que se destacam pela sua notoriedade pessoal e pelo seu curriculum socioprofissional, mais do que pela sua fidelidade e serviço partidário (idem, ibidem, p. 657).

Neste sentido, o quadro nº 4 é bastante elucidativo no concernente à importância da militância partidária para aceder a um cargo de deputado municipal, indicando que 9 em cada 10 eleitos na Praia e em Santa Catarina gozaram deste estatuto em 2008, e 8 em cada 10, em Santo Antão, contra somente 14,3%, 9,5% e 21,3%, respectivamente, dos candidatos que aparecem nas listas na condição de independentes.

Gráfico nº 1 – Eleitos para a Assembleia Municipal da Praia, S. Catarina e de Santo Antão em 2008, segundo a militância partidária

90,5 85,7 78,7

37 Militante partidário Sem Militância 21,3 18 19 14,3 9,5 10 3 2

Nº % Nº % Nº % Praia S. Catarina S. Antão

Fonte: Inquérito dirigido aos eleitos municipais

Esta particularidade refere-se à necessidade de os partidos reforçarem as suas bancadas nas Assembleias Municipais com indivíduos políticamente engajados e identificados

105 com as linhas programáticas do partido, à qual acrescentam a capacidade argumentativa, um atributo bastante considerado, tendo em atenção que a Assembleia Municipal é por excelência um espaço de debate. Nesta linha de ideia, os individuos que possuem esta qualidade, e que são afiliados ou simpatizantes de um partido político, partem em vantagem no momento de escolha para a composição das listas, pois,

“são indivíduos que, a priori, dão garantia de um maior combate político na assembleia municipal em defesa dos interesses da equipa camarária” (entrevista J).

Para a Câmara Municipal, em algumas situações, os partidos políticos têm recorrido a indivíduos fora do quadro partidário para concorrerem às eleições municipais com o apoio do partido. Os escolhidos são indivíduos que reúnem consenso em termos de perfis para Presidente de Câmara e que gozam de enorme simpatia no seio da população.

Contudo, o recrutamento de um indivíduo para a lista, seguindo o critério exclusivamente político, não é totalmente pacífico, principalmente quando o candidato escolhido pelo partido para encabeçar a lista para a Câmara Municipal é uma figura independente40.

Neste caso, não obstante a confiança demonstrada pelo partido no momento em que escolhe o seu candidato, não lhe confere toda a autonomia, pois, tende sempre a interferir na composição da lista, indicando alguns nomes da sua confiança, pessoas identificadas com o partido para a Câmara Municipal e para a Assembleia Municipal.

Referimo-nos concretamente ao concelho da Ribeira Grande em 2000, em que a candidatura independente encabeçada por Jorge Santos teve o apoio do MPD. Este candidato, que nas eleições anteriores tinha concorrido contra o candidato apoiado pelo MPD, afirma que, após a base negocial do processo de apoio, o partido submeteu alguns nomes para a Assembleia Municipal, que vieram a ser aceites, mas a barganha do partido, segundo ele, ficou por aí, porque o seu grupo se encontrava muito bem

40 São considerados independentes os indivíduos que não são militantes de cartão de nenhum partido político, mas que têm afinidade com as linhas programáticas do partido que os convida para integrarem a lista de candidatos à Câmara Municipal.

106 implantado em todas as localidades do concelho e estava em condições de combater em pé de igualdade com os partidos políticos nas eleições autárquicas.

Pode inferir-se que a maior ou menor cedência do candidato em relação às pretensões dos partidos, em garantir um certo número de lugares para indicar os nomes da sua inteira confiança no momento da composição das listas, irá depender do seu peso e da sua capacidade negocial41. Entretanto, não é de se descurar, como neste caso concreto, que a estrutura do partido ao nível local acaba sempre por indicar nomes, pelo menos ao nível da Assembleia Municipal42. Os nomes propostos, regra geral, são de militantes do partido que fazem parte da estrutura do mesmo ao nível local. Nesta senda, a militância partidária torna-se importante, pois,

“sendo membro do comité do sector do partido é uma garantia considerável, embora não suficiente para integrar a lista” (entrevista F).

A importância da militância partidária na constituição das listas para as Assembleias Municipais é também demonstrada por Mendes, relativamente aos municípios da área metropolitana do Porto, quando afirma que “para a Assembleia Municipal… é dada prioridade aos individuos que são seus militantes de base ou “quadros partidarios” (op. cit. p. 193).

O currículum partidário, enquanto critério para o recrutamento dos candidatos, é uma questão transversal a todos os partidos políticos concorrentes às eleições municipais na Praia, em Santa Catarina, em Santo Antão e nos outros municípios do país de uma forma geral, uma vez que os partidos políticos que disputam essas eleições são

41 Entende-se por capacidade negocial uma certa competência política e de relacionamento de que os candidatos podem dispor para indicar os nomes que compõem as listas dos restantes candidatos para a Câmara Municipal e para a Assembleia Municipal.

42 Ao comparar a lista com os nomes dos integrantes das comissões políticas concelhias do PAICV e do MPD, na Praia, em Santa Catarina e nos três concelhos em Santo Antão, com a lista dos eleitos políticos locais para as Assembleias Municipais, nota-se a presença em todas as listas de eleitos de pelo menos dois ou três membros das respectivas comissões concelhias no caso do MPD e do conselho do sector para o PAICV.

107 praticamente os mesmos, à excepção de S. Vicente que inclui ainda a UCID e o PTS (Partido do Trabalho e da Solidariedade), partidos de âmbito marcadamente regional.

Importa realçar que, quando o candidato proposto é um destacado membro do partido, inclusive em alguns casos o seu representante máximo ao nível local, esta questão não se coloca com tanta acuidade porque as duas figuras (candidato e representante do partido) diluem-se numa só, diminuindo, ou melhor anulando o espaço de possíveis dissensos.

O peso deste critério torna-se evidente quando procuramos identificar por onde as elites políticas locais iniciaram as suas carreiras ao nível político. Os resultados indicam claramente que quase 1/3 de entre eles assumem ter sido na estrutura partidária ao nível local, com maior peso em Santa Catarina (37%), seguida da Praia (34%), mas com alguma diferença relativamente a Santo Antão (30%), que se deve provavelmente ao facto de se ter registado uma maior participação dos grupos de cidadãos nas eleições municipais realizadas nos concelhos desta ilha até o ano de 2004.

Quadro nº 13 - Início da carreira política dos eleitos políticos locais

DOMÍNIO Total Santo Antão Santa Catarina Praia Count Col % Count Col % Count Col % Count Col % Onde Na estrutura partidária ao 48 29,8 20 37,0 34 34,3 102 32,5 começou a nível local sua Como Deputado 70 43,5 13 24,1 20 20,2 103 32,8 carreira a Municipal nível Como Vereador 23 14,3 7 13,0 9 9,1 39 12,4 político Como Presidente da 2 1,2 1 1,9 3 1,0 Assembleia Municipal Como Presidente da 2 1,2 2 0,6 Câmara Municipal Como Ministro ou 1 0,6 2 3,7 3 3,0 6 1,9 Secretário de Estado Na estrutura partidária ao 1 1,9 10 10,1 11 3,5 nível nacional Organização de massa 9 5,6 6 11,1 13 13,1 28 8,9 Associação 3 1,9 4 4,0 7 2,2 Comunitária/ONG Como Deputado da 3 1,9 4 7,4 5 5,1 12 3,8 Nação Outra 1 1,0 1 0,3 Total 161 100,0 54 100,0 99 100,0 314 100,0 Fonte: Inquérito dirigido aos eleitos municipais

Se no caso cabo-verdiano não se notam diferenças entre os partidos políticos no que concerne à importância atribuída ao critério militância partidária, já em Portugal por exemplo, para citar apenas um caso, o posicionamento sobre o peso atribuído a este

108 critério nas eleições municipais depende do partido político, alguns dando-lhe maior importância, outros nem por isso.

“No PCP, o curriculum partidário não parece assumir-se como critério relevante para a selecção dos candidatos. Sugere-se mesmo que é necessário diferenciar o exercício de cargos dirigentes no partido do exercício de outros cargos políticos” (...) Pela parte do PS assume-se que o curriculum partidário é especialmente relevante no domínio das distritais e concelhias, se bem que as competências técnicas se possam sobrepor à experiência partidária. À semelhança do PS, o PSD atribui uma relevância significativa ao curriculum partidário dando especial importância àqueles que pertencem a órgãos internos do partido. (Freire, André: op. cit, p. 137-138)

2.6 Principais cargos ocupados

No quadro da minha tese, entendo por principais cargos ocupados os diversos cargos de direcção na Administração Pública e nas empresas públicas e privadas que fazem parte do curriculum dos indivíduos antes de alcançarem as posições que os identificam como elites políticas locais.

Analisando o recrutamento das elites político-administrativas, parlamentar e partidária no estado do Paraná no Brasil, Lameirão (2008) anuncia que existem condições que são requeridas para a ocupação dos respectivos cargos como, por exemplo, no que toca à elite político-administrativa do governo Lerner em que a passagem pelo sector público antes de ingressar no governo esteve próximo de constituir uma unanimidade.

Coradini, ao analisar as eleições no Estado do Rio Grande do Sul (Brasil), em 1998, levanta o problema da possibilidade ou não da conversão de relações estabelecidas no exercício profissional em recursos eleitorais. Após estudar um grupo de políticos, considera que as grandes empresas e burocracias públicas se constituem num dos maiores fornecedores ou “vivier”, no sentido de Dogan (1999), de carreiras sindicais e políticas (Coradini, 2001: 86). E constata ainda que, para praticamente a totalidade dos candidatos que já ocupou cargos públicos, em particular para os de maior destaque, isso se constitui na principal base de recursos eleitorais utilizados nas eleições, embora reconhecendo que essa experiência administrativa, proveniente da ocupação de um

109 cargo público, deve ser conciliada com a capacidade de liderança que irá potencializar a sua base eleitoral (op. cit. p. 153-159).

No estudo sobre o recrutamento ministerial na Europa do sul, Pinto (2002), ao comparar os canais e padrões de recrutamento ministerial nas ditaduras ibéricas, declara que tiveram como viveiros altos cargos de chefias, nomeadamente de directores gerais. Estes casos foram recorrentes em Portugal e na Espanha e aconteceu com menor ênfase na Itália, segundo a autora (Pinto, 2002: 169- 172).

Os dados das entrevistas recolhidos junto dos indivíduos que pertencem às elites políticas locais permitem-nos afirmar que uma parte do recrutamento dessa elite é feita recorrendo aos indivíduos que fazem parte da classe dirigente nacional, os indivíduos que desempenham ou desempenharam altos cargos seja na Administração Pública, incluindo os institutos públicos, seja nas empresas estatais e nas privadas, onde o estado detém capital social e tem poderes de nomear administradores.

Os resultados do inquérito dirigido aos eleitos políticos locais corroboram essa ideia, pois indicam que cerca de 16% já ocuparam algum cargo de direcção no sector privado e que, praticamente o dobro, cerca de 28% já ocupou diversos cargos de direcção e/ou equiparados na Administração Pública. O facto de o mesmo indivíduo ter ocupado vários cargos, indica uma proporção de 55% para os cargos dirigentes na Administração Pública e 53% no sector privado. Entre os técnicos superiores, a proporção dos que ocuparam os cargos nessa categoria, é mais elevada no sector público (65%), comparativamente ao sector privado (48%). Praia destaca-se pela proporção de inquiridos, que afirmam ter desempenhado cargos de chefias no sector público (71%), superior ao assinalado entre os eleitos locais de Santa Catarina (66%) e de Santo Antão (37%). No sector privado, pelo contrário, Santo Antão ressalta com uma taxa de 63%, contra 52% na Praia e 38% em Santa Catarina.

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Quadro nº 14 - Principais cargos ocupados pelos eleitos políticos locais

Administração Pública Sector Privado Cargos exercidos na AP e no Privado Praia S. Cat S. Antão Total Praia S. Cat S. Antão Total Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Pessoal dirigente e equiparados 63 70,8 35 66 46 38,7 144 55,2 33 51,6 12 37,5 37 62,7 82 52,9 Técnicos superiores, directores/chefes de Serviços, professores universitários 70 78,7 33 62,3 66 55,5 169 64,8 33 51,6 19 59,4 23 39 75 48,4 Técnicos/administrativo e professores do EBI 30 33,7 18 34 49 41,2 97 37,2 15 23,4 8 25 19 32,2 42 27,1 Outro Pessoal 0 0 0 1 0,8 1 0,4 0 0 0 0 1 1,7 1 0,6 Fonte: - Inquérito dirigido aos eleitos municipais

Como se pode constatar, um grupo delimitado de indivíduos ocupou já diversos cargos de direcção na Administração Pública e no sector privado, o que indicia a existência de uma circulação dessa elite entre as altas esferas do sector público e do privado. Essa tendência para recrutar os quadros dirigentes provenientes principalmente do sector público mantem-se desde 1991.

No período de 1991 a 2000, em que se presencia uma coincidência em que o governo e as Câmaras Municipais da Praia, de Santa Catarina e de dois dos três municípios de Santo Antão, eram suportadas pelo mesmo partido político, o MPD, a Administração Pública serviu de base de recrutamento de uma proporção significativa dos eleitos políticos locais.

Entre 200l a 2008, nota-se novamente a Administração Pública a servir de palco privilegiado de recrutamento dos eleitos políticos locais da Praia e de Santa Catarina. Este período é marcado pelo retorno do PAICV ao poder, após dez anos na oposição, retorno este que se concretiza não só ao nível do governo, mas também em duas Câmaras de relevo no cenário político nacional, a saber, Praia e Santa Catarina.

Perante esta constatação, somos compelidos a inferir que não existem diferenças político-organizacionais entre os dois principais partidos políticos cabo-verdianos, em relação ao recurso à Administração Pública, enquanto base onde vão buscar os recrutáveis ao nível local.

Nota-se também que, devido a uma elevada concentração dos serviços governamentais na capital do país, a maioria dos recursos humanos qualificados, que ocupam posições de chefia nos serviços da Administração Pública ou nas empresas estatais, acabam por ter como concelho

111 de residência a Praia. Assim, no processo de recrutamento das elites políticas locais, o concelho que está localizado no centro do poder, que é a capital do país, tende a ser o mais beneficiado em termos de universo de escolha dos indivíduos que preencham esses requisitos, em detrimento dos restantes concelhos do país.

O benefício da Praia acaba por se traduzir num maior grau de concentração de funcionários naturais de outros concelhos do país, inclusive de países estrangeiros, o que confere uma dimensão mais cosmopolita a este concelho, permitindo-lhe, na composição das listas, ser mais heterogénea do ponto de vista da origem geográfica (naturalidade) dos candidatos,

Contrariamente, em Santo Antão e em Santa Catarina, os funcionários da Administração Pública, que trabalham nesses concelhos, são na sua maioria naturais dos respectivos concelhos, contribuindo, deste modo, para que o universo de escolha dos eleitos políticos locais assuma um carácter mais localista, visto que o recrutamento desses eleitos é feito como nos indicam os dados, maioritariamente entre os funcionários públicos.

O quadro nº 15 retrata o aspecto acima referido, indicando que na Praia, somente 1/3 dos funcionários públicos são originários deste município, contra uma proporção significativa (21,6%) do Interior de Santiago, 10,6% originários de outros países e 22% provenientes do Fogo, S. Vicente e de Santo Antão. Em Santa Catarina, a proporção dos naturais deste concelho, que trabalham nos serviços da Administração Pública, sediados neste município, é de cerca de 77% e, em Santo Antão, onde se nota a maior concentração dos naturais de uma ilha que trabalham nos concelhos dessa mesma ilha, é de 85%.

Quadro nº 15 - Funcionários da Administração Pública por naturalidade, segundo o concelho onde trabalham Concelho onde trabalha Naturalidade Praia Santa Catarina Santo Antão % % % Praia 33,5 4,3 1,5 S. Catarina 7,5 76,7 0,4 Resto Interior Santiago 21,6 6,9 0,1 S. Vicente 7,1 0,9 7,8 Fogo 7,2 1,2 0,2 Santo Antão 7,5 0,5 85,1 Resto CV 4,5 1 1,1 Outros países 10,6 7,2 2,9 Em branco 0,7 1,0 0,5 Total 100,2 99,7 99,6 Fonte: Direcção Geral da Administração Pública

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Essa hipótese da ampla circulação das elites em Cabo Verde é retratada também por Coutinho e Anjos num artigo sobre as elites43, em que os autores declaram que “neste estudo, dados qualitativos nos impelem à hipótese de uma ampla circulação dos mesmos indivíduos por uma multiplicidade de posições de direcção.” (Coutinho e Anjos, 2010: 33).No estudo em referência, mais de 1/4 dos entrevistados afirmaram ter ocupado postos de direcção na Administração Pública, e 16% fizeram-no no sector privado. Esses dados, vão de encontro aos por nós obtidos, indiciando a existência da circulação desses indivíduos entre altos postos na administração pública e na direcção das empresas estatais

O recrutamento também é feito entre os jovens quadros técnicos superiores, como teremos a oportunidade de discutir mais à frente. O comportamento da classe política em geral não é consentânea com o discurso altruísta que transcrevemos a seguir, a qual não conseguimos generalizar para o universo político cabo-verdiano, seja local, seja nacional. “A motivação na política, é sempre um acto de servir. Costumo dizer também que é um acto missionário, trabalhar em defesa de um conjunto de causas e de valores. Todos queremos o bem-estar e a felicidade das pessoas, e isto faz-se, entregando de corpo e alma a estas causas, e sobretudo fazer com que a colectividade sinta-se também como dono desta causa. A minha motivação é sempre servir, ajudar, é sempre a entrega total para a promoção do bem comum e para a promoção da coesão social e da colectividade, portanto viver em paz e em harmonia e sobretudo viver com aquilo que são os bens essenciais, ou seja, ter aquilo que as pessoas necessitam para se manterem num ambiente de coesão, de paz e de tranquilidade” (Entrevista a V).

Para além desse espírito altruísta de ajudar o outro que é enfatizado em algumas das entrevistas, fica por referenciar os canais de ascensão social e política que a participação nas listas potencia a esses jovens quadros, designadamente a oportunidade de virem a ser contemplados com cargos de chefias intermédias e, em alguns casos, altos cargos de direcção na Administração Pública.

43Os resultados deste artigo são tomados com alguma reserva, pelo facto de se tratar de um estudo com um universo reduzido, mas que nos interessa particularmente, porque uma proporção considerável dos entrevistados fazem parte da elite política da Praia.

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Importa assinalar ainda a ocorrência de recrutamento entre um grupo específico de profissionais que, pelo papel desempenhado e prestígio que detêm junto das famílias principalmente nos meios rurais, acabam por se constituir num grupo de “eleição” entre os demais. Referimo-nos concretamente aos professores, particularmente em Santo Antão e em Santa Catarina, que acabam por constituir uma parcela significativa dos eleitos locais nas assembleias municipais em praticamente todas as eleições municipais realizadas de 1991 a 2008.

Essa categoria profissional é particularmente valorizada devido à importância que as famílias cabo-verdianas atribuem à educação no processo de ascensão social. Manuela Afonso, no seu estudo sobre a Educação e as Classes Sociais em Cabo Verde, afirma que “a posse das habilitações e de bens credenciais é a principal via de acesso a cargos de chefias e de decisão. Ela permite, por isso, a mobilidade social ascendente, tornando- se muito valorizada socialmente e aumentando a sua procura. A educação cria expectativas positivas, as quais são estimuladas pelo próprio Estado”44. (Afonso, 2002: 93)

Os serviços da Administração Pública configuram-se como uma das passagens obrigatórias das elites políticas locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão, antes de ocuparem cargos electivos ao nível municipal. Cerca de 88% afirmam ter trabalhado na Administração Pública, embora muitos também tenham passagem pelo sector privado (52%) que se consubstancia, regra geral, após a experiência no sector público, onde quase sempre ocuparam algum cargo de chefia por vários anos.

A menor proporção dos indivíduos que já trabalharam no sector privado em Santo Antão, comparativamente à Praia, deve-se, entre outros factores, ao menor tecido empresarial e oportunidade de desenvolvimento de negócios nesta ilha, relativamente aos concelhos da Praia e de Santa Catarina.

44 Para uma análise mais aprofundada do tema sobre a educação, enquanto veículo de reconversão e de mobilidade social em Cabo Verde, consultar ainda os autores Elias Alfama Vaz Moniz na sua obra intitulada Africanidades versus europeísmo: pelejas culturais e educacionais em Cabo Verde, Praia, IBNL, 2009 e Maria Adriana Sousa Carvalho na obra A construção Social do Discurso Educativo em Cabo Verde (1911-1926): um contributo para a história da educação, Praia, IBNL, 2008.

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Quadro nº 16 - Eleitos políticos locais que já trabalharam na Administração Pública e no Sector Privado S. Praia Catarina S. Antão Total Ad. Pública 90,9% 94,7% 82,8% 87,5% Sector Privado 65,7% 57,9% 42,3% 52,4% Fonte: - Inquérito dirigido aos eleitos municipais

Num estudo sobre a elite política e administrativa do governo Lerner no Paraná, entre os anos de 1995 e 2002, Lameirão, ao traçar a trajectória dessa elite e descortinando quem são e de onde vêm, para assim identificar as características definidoras do padrão de recrutamento, revela dados que mostram que a grande maioria dos integrantes dessa elite (91%) teve passagem pelo sector público antes de ingressar no governo, “o que leva a crer que a ocupação desses cargos exige a obtenção de “capitais” conquistados ao longo de anos de experiência política nos quais são construídas a reputação desses quadros e suas alianças de apoio.” (Lameirão, 2008: 241)

2.7 Renovação geracional

No quadro da minha tese, entendo por renovação geracional a preocupação demonstrada pelas diferentes candidaturas em não manter nas listas os mesmos nomes em duas eleições consecutivas e de integrar nessas listas indivíduos mais jovens, isto é, com menos de 35 anos de idade.

Segundo Feixa e Leccardi, no pensamento social contemporâneo, a noção de geração foi desenvolvida em três momentos históricos que correspondem a três quadros sociopolíticos particulares: durante os anos de 1920, no período de entre guerras, as bases filosóficas são formuladas em torno da noção de “revezamento geracional” (sucessão e coexistência de gerações), existindo um consenso geral sobre este aspecto (Ortega y Gasset, 1923; Mannheim, 1928). Durante os anos 1960, na época do protesto, uma teoria em torno da noção de “problema geracional” (e conflito geracional) é fundamentada sobre a teoria do conflito (Feuer, 1968; Mendel 1969). A partir de

115 meados do ano 1990, com a emergência da sociedade em rede, surge uma nova teoria em torno da noção de “sobreposição geracional”, isto é, de coexistência parcial entre gerações. Isto corresponde à situação em que os jovens são mais habilidosos do que as gerações anteriores em um centro de inovação para a sociedade: a tecnologia digital (Feixa e Leccardi, 2010: 185-186)

O conceito de geração pode ser delimitado em termos sociológicos pelas referências a Comte e Dilthey, dois autores do século XIX que, apesar de as diferenças entre suas abordagens teóricas, lançam as bases para reflexões subsequentes no século XX. Em seguida, pode ser considerado à luz do pensamento de Mannheim, visto como o fundador da abordagem moderna do tema gerações; posteriormente, de forma sumária, a partir de Ortega y Gasset e Gramsci e, finalmente, pela teoria apresentada por Abrams (1928). As duas primeiras teorias – uma positivista (Comte), outra histórica-romântica (Dilthey) – são as que Mannheim (1928) usou como base para as suas reflexões sobre gerações.

A palavra-chave que Comte procura para a objectividade histórica é continuidade. Neste quadro analítico – e ao contrário do iluminismo -, o progresso é identificado com as novas gerações, o que não significa desvalorização do passado, que coincide com as gerações mais velhas. O tempo social é “biologizado”. De modo semelhante ao organismo humano, também o organismo social é sujeito ao desgaste. Mas, para este, as “partes” podem ser facilmente substituídas: as novas gerações tomarão o lugar das antigas.

Para Dilthey, ao contrário de Comte, a sucessão das gerações não é importante. As gerações – asseverou – são definidas em termos de relações de contemporaneidade e consistem num conjunto de pessoas sujeitas em seus anos de maleabilidade máxima a influências históricas comuns (intelectuais, sociais e políticas). Em outras palavras: consiste em pessoas que partilham o mesmo conjunto de experiências, o mesmo “tempo qualitativo”. A formação das gerações foi consequentemente baseada em uma temporalidade concreta, constituída de acontecimentos e experiências compartilhadas. (Feixa e Leccardi, 2010: 187 -188).

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Segundo Feixa e Leccardi, a análise de Mannheim sobre gerações (1952) foi, como se sabe, um divisor de águas na história sociológica do conceito. Quando Mannheim desenvolveu sua teoria de gerações, teve um duplo objectivo: distanciar-se do positivismo – a abordagem biológica das gerações -, bem como da perspectiva romântico-histórica. Para Mannheim as gerações podem ser consideradas o resultado de descontinuidades históricas e, portanto, de mudanças. Em outras palavras: o que forma uma geração não é uma data de nascimento comum – a “demarcação geracional” é algo “apenas potencial” (Mannheim, 1952) – mas é a parte do processo histórico que jovens da mesma idade-classe de facto compartilham (a geração actual) (op. cit. p. 189).

Nesta perspectiva, gerações é o lugar em que dois tempos diferentes – o do curso da vida, e o da experiência histórica – são sincronizados. O tempo biográfico e o tempo histórico fundem-se e transformam-se criando desse modo uma geração social (idem, ibidem, p.191).

Da Motta e Weller (2010), ao estudarem a actualidade do conceito de gerações na sociologia, também fazem referência a esta questão de “demarcação geracional” tratada por Mannheim. Segundo esses autores, com relação à posição geracional no meio social, Mannheim destaca que ela não se constitui a partir do facto de alguém haver nascido, se ter tornado jovem, adulto ou velho no mesmo tempo cronológico, mas, da possibilidade – dada a partir desse facto concreto – de “participar dos mesmos acontecimentos, dos mesmos conteúdos de vida, etc., e, sobretudo, de fazê-lo a partir do mesmo padrão de estratificação de consciência”. Em outras palavras, a posição geracional pode ser definida como uma espécie de “força social”, que se constitui a partir da vivência de acontecimentos biográficos paralelos, e que leva indivíduos pertencentes a grupos de idades próximas a desenvolverem perspectivas similares sobre determinados acontecimentos históricos. (Da Motta e Weller, 2010: 176-177).

No entanto, a simples presença em um momento histórico-social não é suficiente para o desenvolvimento de uma perspectiva ou visão comum do mundo entre indivíduos de idades próximas. Segundo Mannheim, é preciso existir uma conexão geracional entre os mesmos, ou seja, um tipo de participação em uma prática colectiva, seja ela concreta ou virtual, que produz um vínculo geracional a partir da vivência e da reflexão colectiva em torno dos mesmos acontecimentos. O autor chama ainda a atenção para o facto de

117 que, em uma mesma conexão geracional, existirem distintas unidades geracionais que correspondem a diferentes perspectivas ou posições em relação a um mesmo acontecimento (op. cit. p. 177).

De acordo com Mannheim, não basta haver nascido em uma mesma época, ser jovem, adulto ou velho nesse período. O que caracteriza uma posição comum daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico é a potencialidade ou possibilidade de presenciar os mesmos acontecimentos, de vivenciar experiências semelhantes, mas, sobretudo, de processar esses acontecimentos ou experiências de forma semelhante (idem, ibidem, p. 212).

A população cabo-verdiana, segundo os dados do censo de 2010, continua a ser maioritariamente jovem, com 7 em cada 10 indivíduos a situar-se na faixa etária dos 0 aos 34 anos. O nosso estudo recai sobre a população com 18 e mais anos, por ser aquela que possui a capacidade eleitoral activa, ou seja, são eleitores dos titulares dos órgãos electivos dos municípios.45 Dentro deste universo, delimitamos a população jovem como sendo aquela que tem idades compreendidas entre os 18 e os 34 anos. Estes representam, no universo em estudo, um pouco mais de metade (51,7%) da população, distribuída de forma diferente pela Praia (56,8%), Santa Catarina (53,5%) e Santo Antão (41,0%).

Quadro nº 17 – Distribuição da população com 18 anos e mais por grupo etário Santo Antão Santa Catarina Praia Cabo Verde Grupos Etários Total Total Total Total N.º % N.º % N.º % N.º % 18 a 24 5.840 21% 7.293 29,6 21.559 26,4 76.271 25,4 25 a 34 5.589 20% 5.901 23,9 24.634 30,2 78.845 26,3 35 a 44 5.455 20% 3.859 15,6 15.295 18,7 53.527 17,8 45 a 54 4.301 16% 2.961 12,0 11.204 13,7 41.673 13,9 55 e + 6.144 22% 4.660 18,9 8.983 11,0 49.683 16,6 Total 27.329 100% 24.674 100,0 81.675 100,0 299.999 100,0 Fonte: INE - Censo 2010

45 Para mais informações sobre a capacidade eleitoral activa dos titulares dos órgãos municipais, consultar o Código Eleitoral de 2010

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Deste modo, procuramos saber junto dos nossos entrevistados até que ponto a renovação geracional é levada em consideração no processo de recrutamento dos eleitos políticos locais. Não se trata de um requisito determinante, pois não foi referenciado enquanto tal por nenhum dos presidentes eleitos das Câmaras Municipais que, no entanto, reconhecem que é quase uma exigência para qualquer candidato demonstrar o seu comprometimento com uma política voltada para a resolução dos problemas dos jovens e, mais importante ainda, confiar na capacidade destes em participar activamente nas soluções, ocupando posições de responsabilidade. Neste particular, todos parecem estar de acordo que,

“é sempre necessário procurar ter a representatividade de jovens nas listas com o intuito de mobilizar o eleitorado jovem” (ex Presidente da Câmara Municipal de Paul – Santo Antão).

O que nos interessa saber aqui é a importância dada a esse requisito que, se traduz na prática, em contabilizar a proporção de jovens eleitos nas diferentes listas, nos diversos concelhos em estudo. Pelos dados recolhidos, constata-se que o discurso proferido sobre o papel reservado aos jovens e a importância atribuída aos mesmos são coerentes com a prática em termos de recrutamento, pois regista-se que cerca de 29% dos eleitos políticos locais eram jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 34 anos no momento em que foram eleitos pela primeira vez para ocupar um cargo ao nível local, com diferenças consideráveis entre Santo Antão (36%), Praia e Santa Catarina, com 26%, ex-aequo.

Na Praia, verifica-se que, a partir do ano 2000, a tendência é no sentido de recrutar para a Câmara Municipal uma proporção reduzida de vereadores jovens, (0% em 2000 e 11% em 2004 e em 2008), enquanto para a Assembleia Municipal, a proporção situa-se num patamar mais elevado, mas mesmo assim, está abaixo dos 30% para o mesmo período.

Em Santa Catarina, o cenário é muito próximo do assinalado na Praia, registando uma propensão para o crescimento da idade dos vereadores acima dos 35 anos, a partir do ano 2000, e a proporção dos deputados municipais jovens a situar-se nos 22% em 2000 e 11% em 2004 e 2008.

Em Santo Antão, vivencia-se uma realidade distinta da observada na Praia e Santa Catarina, já que a proporção dos jovens eleitos para a Câmara Municipal esteve sempre

119 num patamar superior a 30%, tendo em 1991 alcançado os 58%. Quanto à Assembleia Municipal, a tendência também é para a diminuição da proporção de jovens. Em 1991, representava cerca de metade dos eleitos (51%), mas vem diminuindo desde 1996, até 2004, ano em que alcançou a proporção mais baixa (11%) mas em 2008 inverteu-se essa tendência, passando para 34%.

Com isso, nota-se que, na Praia e em Santa Catarina, a tendência para integrar na lista indivíduos com uma certa competência e experiência profissional diminui a oportunidade de os mais jovens participarem nessa mesma lista, porque, normalmente nesta fase, encontram-se ainda no início da carreira profissional, sem um percurso que os habilite a se encaixarem no perfil do eleito procurado para o cargo de vereador. Em Santo Antão, este critério também é bastante valorizado, mas a menor dimensão do universo de escolha, em termos de quadros superiores com muita experiência acumulada nas suas respectivas áreas profissionais, faz com que os jovens quadros tenham maior oportunidade de serem convidados a fazer parte da lista dos candidatos para a Câmara.

Quadro nº 18 – Jovens que ocuparam o cargo pela primeira vez na Câmara e na Assembleia Municipal (em %) 1991 1996 2000 2004 2008 Total Câmara Assembl Câmara Assembl Câmara Assembl Câmara Assembl Câmara Assembl % % % % % % % % % % % S. Antão 58 51 37 39 37 32 42 11 32 34 36 S. Catarina 22 34 33 38 22 10 11 29 11 29 26 Praia 22 43 44 19 19 11 33 11 29 26 Fonte: - Inquérito dirigido aos eleitos municipais

Para além de a competência e experiência profissional, a militância partidária e a representação geográfica, são critérios bastante valorizados e estão geralmente associados aos indivíduos com idades mais avançadas, justificando, desse modo, a forte presença de indivíduos com idades superiores a 35 anos.

A idade relativamente jovem dos eleitos políticos locais, com uma média que se situa nos 40 anos, e a baixa taxa de recondução, inferior a 25%, como poderemos verificar mais adiante, no capítulo sobre a renovação da classe política local, indiciam uma fraca

120 profissionalização dessa elite e uma menor propensão para um certo fechamento no processo de recrutamento.

No caso em apreço, como poderemos atestar mais adiante, a continuidade das elites políticas locais é baixa, com poucas reconduções, dada a ruptura geracional que se verifica constantemente nesse processo de recrutamento, não permitindo deste modo, uma profissionalização alargada neste nível.

2.8 Género

No quadro da minha tese, entendo por género as políticas públicas conducentes à promoção de igualdade e não à discriminação entre homens e mulheres. Nos estudos sobre o género, o termo é usado para se referir às construções sociais e culturais de masculinidade e feminilidade. Neste contexto, género exclui explicitamente referências às diferenças biológicas e focaliza-se nas diferenças culturais. Retomando as ideias de Murphy (2000), género, para alguns autores, serve para descrever os papéis diferentes, cultural e socialmente atribuídos aos homens e às mulheres; para outros, inscreve-se numa análise das relações sociais e reconhece que as relações de poder entre homens e mulheres dentro dos vários níveis da sociedade (família, comunidades, mercados, estado-nação, mundo) são responsáveis por uma distribuição desigual dos recursos, das responsabilidades e do poder entre mulheres e homens. Esta abordagem do conceito de género, que adoptamos, tem a ver com as relações de acesso ao poder político local por homens e por mulheres.

A variável género ainda é pouco considerada quando se discute a questão dos requisitos para o recrutamento das elites políticas locais em Cabo Verde. As máquinas partidárias, a nível nacional e local46, são dominadas pelos homens. A presença feminina nos principais órgãos dos partidos políticos em Cabo Verde, designadamente do PAICV e

46 Referimo-nos, em concreto, às comissões políticas nacionais, regionais e concelhias.

121 do MPD, é de 22% e 15%, respectivamente, o que condiciona, de facto, uma fraca representação das mulheres, quer nas assembleias locais, quer na nacional47.

De todo o modo, é de se realçar que a participação das mulheres nos mais diversos cargos de natureza política e administrativa vem aumentando significativamente no decurso dos últimos 20 anos. Assim, entre 1991 e 2006, a proporção das mulheres com presença no parlamento quase que triplicou, passando de 6,6% para 16%. Quanto à sua participação no governo, nota-se que o crescimento é muito mais significativo, passando de 6% em 1991, para 30% em 200648.

O enfoque sobre o género neste estudo não está relacionado com a forma de a mulher fazer política como, por exemplo, se existem singularidades no estilo de fazer política que a diferenciam do homem49, mas tão somente procurar descortinar se, do ponto de vista dos eleitos políticos locais, a participação das mulheres na lista constitui um factor diferencial no sentido de atrair mais o eleitorado e conseguir mais votos.

A problemática da participação das mulheres nos centros de decisão política vem ganhando espaço nas agendas políticas de uma forma cada vez mais incisiva a partir da década de 80. Exemplos da crescente saliência desta questão são as várias recomendações das organizações internacionais, bem como a adopção de medidas regulamentares, no âmbito dos partidos políticos, e de medidas legislativas (vulgarmente designadas como “quotas”), no âmbito dos parlamentos, no sentido do aumento da participação das mulheres nos cargos políticos (Viegas e Faria, 2001:57).

47 Cf. PAICV: Órgãos de direcção eleitos no XI congresso e MPD: site www.mod.cv

48 Cf. Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade do Género, Plano Nacional para a igualdade e equidade do género, 2005- 2009, Praia, 2005.

49 Sobre este tema consultar MIGUEL, Luís Filipe. “Política de interesses, política do desvelo: representação e singularidade feminina”. Rev. Estudos Feministas, ano 9, 2ºsem. 2001.

122

Em Cabo Verde, a pressão exercida pelas mulheres ao nível dos órgãos nacionais dos partidos políticos, no sentido de aumentar a sua quota de participação, vem-se alargando, o que demonstra uma maior preocupação das mulheres na conquista de mais espaço na política pelo menos ao nível do parlamento. Nos órgãos do poder local, a situação não é diferente. De todos os pleitos eleitorais realizados no país de 1991 a 2008, somente em dois municípios, S. Vicente em 2004 e 2008 e Paul em 2008, conseguiram eleger uma mulher para o cargo de Presidente da Câmara Municipal.

No Paul, apesar de a lista vencedora ser liderada por uma mulher, esse trunfo não se traduziu num aumento significativo de mulheres quer na Câmara Municipal, quer na Assembleia Municipal, o que indicia que a atenção à questão do género é pouco expressiva no momento da composição das listas. Esse facto torna-se ainda mais relevante quando se tem em atenção que Paul é um dos poucos concelhos que já tem aprovado o seu plano de igualdade e equidade de género50, mas que não se reflecte ainda na composição dos seus órgãos eleitos. Para a Presidente desta edilidade, isto deve-se sobretudo à dificuldade de encontrar mulheres disponíveis para integrarem a lista nos lugares elegíveis. “Na composição da lista enfrentei a recusa de algumas mulheres que contactamos, mas que não se mostravam disponíveis para integrarem a lista. Outro problema que não se deve descurar, é que num meio pequeno como Paul, a dificuldade de encontrar mulheres com o perfil adequado para a lista da Câmara é maior. Mesmo para a Assembleia Municipal, muitas mostram receio em ser candidatas” (entrevista a VA).

A questão da indisponibilidade feminina não é pacífica entre os políticos. Segundo a opinião expressa por um ex-presidente do MPD, “sobretudo aqui em Santiago, temos uma dificuldade enorme de conseguir nomes femininos para fazerem parte das listas ao nível das eleições autárquicas. O estatuto do partido obriga a que as listas tenham uma representação de 30% de mulheres. Na verdade cumpre-se esse dispositivo estatutário, mas as mulheres não aparecem nos lugares elegíveis. Isso deve-se sobretudo aos lobbyes dentro das estruturas partidárias, seja a nível nacional ou local. As mulheres batalham menos, ou seja, fazem menos lobbye para que os seus nomes constem das listas. Não está escrito em nenhum lugar, mas na prática é isso que

50 Este plano foi aprovado em 2009, portanto data posterior às eleições autárquicas de 2008.

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acontece. A indisponibilidade feminina é desculpa inventada pelos homens. No meu caso, enquanto presidente do partido, nunca enfrentei nenhuma situação em que convidei uma mulher e tive uma recusa” (entrevista a L).

A questão da participação política das mulheres em Cabo Verde tem merecido a atenção de algumas autoras, entre as quais destacamos Eurídice Monteiro (2009), que tenta mostrar, num ensaio sobre este tema, que não obstante o crescimento registado ao longo dos últimos anos, a participação feminina nas eleições legislativas ainda é muito fraca.

”Verifica-se que o número de mulheres nas listas eleitorais a nível nacional – tendo em atenção as três categorias analisadas (cabeças de lista, efectivos/as e suplentes) – aumentou durante o multipartidarismo, em Cabo Verde, salvo as excepções registadas nas legislativas de 2006. Entretanto a presença feminina nas listas eleitorais ainda é fraca… em termos gerais, entre as legislativas de 1991 e 2006, o número de mulheres eleitas passou de 3 para 11” (op. cit. p.117).

A autora estende a sua análise às eleições autárquicas, procurando demonstrar que nessa instância, a participação feminina também é deficitária, não obstante o crescimento registado. Deste modo, “em relação aos resultados eleitorais com projecção a nível nacional, registou-se uma tendência crescente, quer para as Câmaras Municipais, quer para as Assembleias Municipais. Em termos gerais, entre as Autárquicas de 1991 e as Autárquicas de 2004, o número de mulheres eleitas para as Câmaras Municipais passou de 6 para 25, ou seja, um aumento de 316,7% e, para as Assembleias Municipais, passou de 20 para 44, ou seja, um aumento de 120%” (idem, ibidem, p. 127).

Analisando a participação política das mulheres nas listas eleitas nos concelhos da Praia, de Santa Catarina e nos três concelhos de Santo Antão, verifica-se que, para as Câmaras Municipais, a proporção das mulheres eleitas é baixa seguindo a tendência a nível nacional. Contudo, apresenta diferenças consideráveis entre os três domínios em estudo, de 1991 a 2008, sendo relativamente mais elevada na Praia, comparativamente a Santo Antão e a Santa Catarina.

De 1991 a 2000, cresceu o número de mulheres eleitas para a Câmara Municipal da Praia, de Santa Catarina e Santo Antão e, em 2000, é a primeira vez que se regista a eleição de mulheres para a Câmara Municipal de Santa Catarina. Em 2004, assinalam-se

124 um decréscimo no número de mulheres eleitas, situando-se nos 5, e um aumento para 7 em 2008, impulsionado, sobretudo pelo crescimento do número de vereadores femininos eleitos na Praia que passou de 1 no anterior mandato para 3 no presente mandato.

No que diz respeito à Assembleia Municipal, constata-se que, no conjunto dos três domínios de estudo, essa proporção tem crescido constantemente de 1991 a 2008, passando de 9 eleitas no primeiro mandato para o dobro actualmente. Na Praia, o crescimento tem sido contínuo, passando de 2 em 1991 para 6 em 2008, em Santo Antão, tem variado entre 6 e 7 e, em Santa Catarina, tem sido muito irregular, variando ao longo dos ciclos eleitorais. De referir que nesse concelho, não foi eleita nenhuma mulher para a Assembleia Municipal em 2004, à semelhança do que tinha acontecido para a Câmara em 1991 e, em 1996, apresenta-se como o concelho em estudo onde, de uma maneira geral, se registou a menor proporção de mulheres eleitas ao nível municipal. Globalmente, a proporção de mulheres eleitas para as respectivas Assembleias Municipais é superior à registada ao nível nacional, com excepção feita para Santa Catarina. Os dados apresentados no gráfico 2 vão na mesma direcção dos apresentados por Monteiro (2009), ou seja, mostram que ainda persiste uma fraca participação das mulheres nas listas eleitas, seja para a Câmara Municipal, seja para a Assembleia Municipal.

Gráfico nº 2 – Mulheres eleitas nas Autárquicas para a Câmara e a Assembleia Municipal na Praia, S. Catarina, Santo Antão e a média Nacional

Cabo Verde Praia S. Catarina S. Antão

33 33 29 29 24 22 2122 2122 21 22 19 16 16 15 15 13 1314 14 14 13 12 11 11 910 10 10 6 5 0 0 0 CM Ass CM Ass CM Ass CM Ass CM Ass 1991 1996 2000 2004 2008

Fonte: Boletins Oficiais e Comissão Nacional de Eleições

125

2.9 Partidos políticos e grupos de cidadãos nas eleições autárquicas

A nossa experiência de eleições autárquicas tem consolidado cada vez mais o domínio dos partidos políticos na apresentação das candidaturas em detrimento do grupo de cidadãos. Entretanto, convém ressaltar que, nas primeiras eleições autárquicas, diferentes grupos de cidadãos conseguiram dar o seu contributo ao nível local apresentando candidaturas e, em alguns casos, ganhando as Câmaras e as Assembleias Municipais. Nas eleições municipais realizadas em 1991, das catorze Câmaras Municipais em disputa somente em duas, a saber, as da Boa Vista e da Brava, não houve participação de grupos de cidadãos. Os resultados alcançados foram notáveis, pois os diferentes grupos de cidadãos, com apoio partidário ou não, conseguiram eleger quatro presidentes de Câmaras Municipais, designadamente no Paul, em S. Vicente, no Sal e no Maio. Nos demais municípios, estiveram representados nas Assembleias Municipais, à excepção da Praia, onde a experiência não tem sido bem sucedida, não tendo nunca sido eleito um único deputado municipal.

Em 1996, surgiram mais dois municípios, elevando para dezasseis o total das Câmaras Municipais em disputa. Em oito delas não se registou a participação de grupos de cidadãos independentes, nos quais incluem-se Praia e Santa Catarina. Os independentes renovaram os respectivos mandatos nas Câmaras Municipais do Paul, de S. Vicente e do Maio e conquistaram pela primeira vez a Câmara Municipal da Ribeira Grande. Elegeram deputados municipais nas Assembleias Municipais no Porto Novo, em S. Filipe e no Sal. Na Boa Vista, o grupo independente não conseguiu nenhum assento na Assembleia Municipal.

Em 2000, o número de Municípios passou para dezassete e grupos independentes concorreram em nove Municípios tendo conquistado três, sendo duas de renovação de mandatos (Ribeira Grande e S. Vicente) e a de S. Nicolau, pela primeira vez. Conseguiram, ainda, assentos nas Assembleias Municipais do Paul, do Porto Novo, do Maio e do Tarrafal. Entretanto, não conseguiram nenhum mandato nas disputas nas Câmaras Municipais da Praia e de Santa Cruz.

Em 2004 manteve-se o número de municípios, ou seja, dezassete. Os grupos independentes participaram somente nas eleições realizadas em seis municípios, tendo

126 conquistado as Câmaras Municipais da Ribeira Grande e do Sal e elegido deputados municipais em S. Domingos e em S. Vicente. Participaram nas eleições nos concelhos de Santa Catarina e do Maio sem sucesso, pois ficaram de fora do executivo camarário e das Assembleias Municipais. Pela primeira vez, desde 1991, não se registou a participação de grupos independentes nas eleições municipais realizadas no Paul e no Porto Novo.

Em 2008 o número de municípios cresceu, situando-se nos vinte e dois. Contudo, a participação dos grupos independentes continua a decrescer e, nesse ano entraram na disputa somente em quatro municípios, tendo renovado o mandato no Sal. Em S. Filipe, conseguiram eleger um vereador, para além de deputados municipais e, em Santa Catarina do Fogo, elegeram deputados municipais. Por último, em S. Vicente, espaço onde tiveram presença assídua desde 1991, desta feita não lograram eleger sequer um único deputado municipal. Nos concelhos da Praia, de Santa Catarina e do Paul, Porto Novo e Ribeira Grande em Santo Antão, os grupos independentes não apresentaram nenhuma candidatura às eleições autárquicas.

Face a este cenário de diminuição da participação dos grupos independentes nas eleições autárquicas, os partidos políticos afiguram-se neste momento como os canais quase exclusivos da mediação política ao nível local, assumindo-se, em consequência, como os principais responsáveis pela mobilização e participação dos actores políticos. O gráfico que segue ilustra claramente esta situação, mostrando o domínio do MPD e do PAICV nas eleições autárquicas, partidos políticos esses que vêm governando o país desde 1991, tendo o primeiro governado de 1991 a 2000 e o segundo, dessa data até o presente.

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Gráfico nº 3 - Listas concorrentes às eleições municipais de 1991 a 2008

25 Listas concorrentes às eleições municipais de 1991 a 2008 22 20 20 Grupos Independentes 16 15 15 15 MPD 14 14 13 13 PAICV 11 10 10 PCD 8 UCID 7 6 6 5 5 5 PTS 4 2 1 1 1 0 1991 1996 2000 2004 2008

Nota: Em 2004, o PCD apresentou candidaturas conjuntas com o PRD.

Fonte: Boletins Oficiais e Comissão Nacional de Eleições

Perante este cenário de diminuição da participação dos grupos de cidadãos nas eleições autárquicas, importa analisar como é que, no contexto cabo-verdiano, a sociedade civil está organizada, pois a participação política dos grupos de cidadãos, enquanto uma das dimensões de manifestação da sociedade civil cabo-verdiana, tem demonstrado alguma debilidade, nas últimas eleições, após um período de relativo dinamismo.

Fazemos uso do conceito de sociedade civil utilizado por Bobbio (1994), para quem “ a esfera das relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam as instituições estatais. Em outras palavras, sociedade civil é representada como o terreno dos conflitos económicos, ideológicos, sociais e religiosos que o Estado tem a seu cargo resolver, intervindo como mediador ou suprimindo-os; como a base da qual partem as solicitações às quais o sistema político está chamado a responder; como o campo das várias formas de mobilização, de associação e de organização das forças sociais que impelem à conquista do poder político” (Bobbio, 1994: 1210).

O conceito de sociedade civil foi utilizado pelos analistas que estudaram as transições dos regimes autoritários na Europa do Sul e na América Latina, a exemplo de

128

O`Donnel, Schmitter e Whitehead (1986), Mainwarning e Viola (1984), Eckstein (1989).

No contexto africano, vários são os autores que se dedicaram a este tema, entre os quais podemos mencionar Bayart (1986), Bratton (1989 e 1994), Harbeson et al (1995), Gyimah-Boady (1996).

Os autores insistem que, após a independência dos diferentes países africanos, a partir da década de 60, as elites dominantes africanas, apesar de terem investido fortemente na construção de um partido único e nos regimes militares, nem sempre foram bem sucedidas na tentativa de desencorajar o desenvolvimento de organizações autónomas com forte enraizamento na sociedade civil.

O papel desempenhado pela sociedade civil no processo de democratização da África é discutido por vários autores, entre os quais Bratton (1994), que questiona sobre qual o papel que a sociedade civil desempenhou na democratização. Gyimah- Boady (1996) considera que o advento da democracia formal em África é atribuído ao aumento dos grupos da sociedade civil. Para este autor, a sociedade civil esteve na vanguarda do processo de abertura da democracia formal nos diversos países do continente africano no início da década de 90, juntamente com outras forças que procuraram banir a cultura autoritária em diversos países africanos. No entanto, a fraqueza inerente a estes grupos, relacionada com restrições organizacionais e financeiras, a repressão estatal e cooptação impedem a sua eficácia enquanto pilares da democracia.

A cultura do autoritarismo constitui-se numa das barreiras impeditivas ao desenvolvimento de uma sociedade civil forte e autónoma do Estado, pois o partido único sempre controlou e reprimiu a participação política.

No contexto cabo-verdiano autores como Correia e Silva (1997), Fonseca (1998), Furtado e Évora (2001), entre outros, analisaram a questão do desenvolvimento da sociedade civil cabo-verdiana e todos apontam para uma debilidade da referida sociedade civil.

Para Furtado (2001), só se pode falar da possibilidade em termos jurídicos, políticos e de legitimidade da construção do Estado, da Nação e da emergência de uma sociedade

129 civil, a partir da independência de Cabo Verde em 1975. Este autor elenca uma série de factores que influenciaram a pouca autonomização da sociedade civil face ao Estado, começando desde logo em 1975, com a exclusão do campo político emergente de algumas forças políticas, designadamente a União dos Povos das Ilhas de Cabo Verde (UPICV) e a União Democrática Cabo-verdiana (UDC) (Furtado, 2001: 42).

Apresenta entre outros factores, a relativa unanimidade em relação ao novo Estado e o forte discurso de unidade para a reconstrução nacional que desfizeram, pelo menos nos dois primeiros anos, espaços para confrontações político-ideológicos a nível interno. De igual modo, a consagração constitucional, primeiro no LOPE (Leis das Orientações Políticas do Estado) e, depois, na constituição de 1980, que consagrava o partido no poder como força política dirigente da sociedade do Estado, acabou por criar as condições que dificultariam a organização de movimentos da sociedade civil não tutelados e/ou cooptados pelo Estado (op. cit. p. 42).

Reforça ainda que, além de as condições jurídico-políticas e institucionais atrás referidas, as condições económicas de Cabo Verde e o peso excessivo do Estado na vida económica do país constituem um dos fortes empecilhos à autonomia da sociedade e, por conseguinte, à própria constituição de uma sociedade civil autónoma e plural (idem, ibidem, p. 43).

Para o autor, mesmo com o processo de democratização político iniciado em 1990, em que se assiste a uma nova dinâmica que se traduz no surgimento de inúmeras organizações não-governamentais, de associações socioprofissionais e de grupos de desenvolvimento a nível de base (organizações de desenvolvimento comunitário), os valores políticos continuam internalizados e corporificados num habitus eminentemente autoritários e a praxis assenta-se no princípio de exclusão (idem, ibidem, p. 44-45).

Para Évora (2001), “o regime mono partidário freou qualquer tipo de oposição política e impossibilitou qualquer tentativa de organização da sociedade civil” (Èvora, 2001: 11). Para esta autora, o domínio do PAICV, durante o regime mono partidário em Cabo Verde, dá-se em todos os níveis. No plano económico, há um controlo rígido do Estado,

130 fazendo com que a economia seja centralizada e estatizada. No plano social, o domínio do partido dá-se a partir de organizações sociais criadas por ele e dele dependentes que serviram como canais de mobilização da sociedade e de recrutamento político. Criou-se assim a OMCV (Organização das Mulheres de Cabo Verde), a JAAC-CV (Juventude Amílcar Cabral de Cabo Verde), a OPAD-CV (Organização dos Pioneiros de Cabo Verde). Essas organizações dependiam inteiramente do partido e todo aquele que quisesse fazer parte delas tinha que passar por uma formação ideológica baseada nas orientações do partido (op. cit. p. 55).

A ideia da falta de organização da sociedade civil cabo-verdiana também é defendida por Fonseca, que a atribui ao regime mono partidário e à cultura autoritária a ele ligado. Nessas condições e, sobremaneira, em atenção à circunstância de o partido único constitucionalizado ter, naturalmente, uma vocação globalizante e totalizante no que respeita às suas relações com a sociedade, em nada favorecia a emergência ou a consolidação da sociedade civil (Fonseca, 1998: 118-119).

Como quer que seja, a sua análise não se restringe apenas ao período do partido único. Ao abordar o regime multipartidário mostra reservas em relação aos avanços conseguidos que considera serem ainda poucos e de ficarem a dever-se a um conjunto de factores, nomeadamente: a habituação a uma cultura relativamente autoritária, praticamente sem hiatos, e de dependência face ao Estado; a falta de tradição democrática no país; a ausência de referências de uma prática político-partidária que não seja a do partido único, de funcionamento centralizado e fundado na obediência messiânica a um líder, que não permite ou não suporta a sã competição entre personalidades ou hipóteses de liderança; a inexistência de pólos ou instituições de cariz profissional, científico ou técnico que permitam a formação ou consolidação de elites qualificadas e organizadas em torno de interesses comuns; a fragilidade e a dependência da imprensa; o enraizamento de uma mentalidade que promove e premeia a mediocridade, escarnece da inteligência e da reflexão e oscila entre o coitadismo nacional e uma repentina e infundamentada auto-suficiência geral são factores que condicionam fortemente o aparecimento de uma sociedade civil capaz de funcionar como instância crítica e de controlo face a eventuais excessos do poder (op. cit. p. 120).

131

Essa análise permite-nos admitir que existe uma certa debilidade da sociedade civil cabo-verdiana organizada enquanto tal. Ao analisar a participação de grupos de cidadãos independentes nas eleições autárquicas, nota-se que muitas vezes esta participação é escamoteada com o suporte dos partidos políticos, seja o MPD, seja o PAICV.

Em Santo Antão, temos o caso do grupo independente na Ribeira Grande que verdadeiramente só em 1996 concorreu como independente, enfrentando o MPD, partido do qual era originária a maioria dos seus membros. O que provavelmente poderia estar na forja da consolidação do grupo foi a cisão registada no MPD que deu origem à criação do PCD. Uma vez que nas legislativas de 1995, realizadas antes das autárquicas, o score eleitoral do PCD ficou aquém das expectativas dos seus dirigentes, elegendo somente dois deputados nacionais, terá provavelmente levado os apoiantes deste partido em Ribeira Grande a optar por apostar em uma candidatura independente, porque, inclusive do grupo, faziam parte indivíduos que também eram militantes do MPD, mas que resolveram salvaguardar os seus interesses locais, suportando uma candidatura independente. A partir de 2000, esse grupo, ao qual veio juntar-se os ex- eleitos para a Câmara Municipal na lista do MPD, concorreu sempre com o apoio explícito ou velado deste partido, até que em 2008, os seus membros aparecem na lista do MPD e não como candidatura independente.

Nesta mesma ilha, no concelho do Paul, o grupo independente esteve sempre próximo do PAICV, provavelmente à excepção do ano de 1991. Nesse ano, devido às fragilidades que este partido apresentava, após a derrota nas primeiras eleições livres e democráticas realizadas no mês de Fevereiro, e, particularmente, em Santo Antão, onde o PAICV não conseguiu eleger sequer um único deputado, registando nessa ilha um número inexpressivo de votos. Nesse sentido, eventualmente por uma questão de estratégia política relacionada com: 1- a imagem na comunidade do candidato Alcides Tavares, que tinha exercido o cargo de delegado do Governo e ter tido provavelmente uma penetração e um grau de aceitação social no Paul, maior que o próprio partido; 2- o candidato Alcides Tavares ter tido um capital social e simbólico muito forte, o que não acontecia por exemplo, em relação aos outros ex-delegados de governo do PAICV nos outros dois municípios de Santo Antão; 3- o partido político, sabendo que seria mais

132 fácil averbar uma vitória se apresentasse uma pessoa e não a figura da legenda do partido, porque a figura da legenda do partido podia concentrar uma imagem negativa do partido, o que não acontecia em relação ao candidato; 4- o próprio candidato Alcides Tavares poderia ter interesse em continuar no Paul, movido pelos seus interesses e trajectória política, por todas essas razões acima expostas, o partido considerou mais prudente apoiar uma candidatura “independente” do que apresentar uma candidatura própria. Mas a partir de 1996, a aproximação da candidatura independente com o PAICV tornou-se mais evidente, com a inclusão na lista desta candidatura de indivíduos identificados com o PAICV.

S. Vicente constitui-se, até o presente, no único município em que um grupo independente ganhou as eleições autárquicas sem o apoio de um partido político. Porém, essa experiência não vincou por muito tempo, visto que, em 2000, este grupo esteve na origem do surgimento de um partido político, o PTS. A partir daí, a performance dos grupos de cidadãos em termos de mandato nas eleições autárquicas em S. Vicente diminuiu consideravelmente.

O que se nota é que, as demais experiências dos grupos de cidadãos, que conquistaram as Câmaras Municipais no Maio, no Sal, em S. Nicolau, no Paul e em Ribeira Grande, foram sempre bem sucedidos graças ao apoio dos partidos políticos, o que indicia um certo grau de dependência dos grupos de cidadãos independentes em relação aos partidos políticos para alcançarem sucessos eleitorais ao nível autárquico. Essa ideia é defendida por Lima na análise referente às eleições municipais de 1991. Segundo o autor, “as eleições municipais de 1991, puseram em competição, nos 14 municípios do país, os dois partidos parlamentares, que não apresentaram listas em todos os círculos, e 14 grupos de cidadãos que nuns casos concorreram entre si apenas, e noutros contra partidos. Os grupos de cidadãos contaram, nos casos em que os partidos não apresentaram candidatos com os apoios contrários desses, pelo que, de certa forma, lá onde havia grupos concorrentes, ou um grupo e um partido frente a frente, a disputa se revelou, na prática, como disputa eleitoral entre os partidos parlamentares” (Lima, 1992: 23).

Praia (1991 e 2000), Santa Cruz (1991 e 2000), Boa Vista em 1996, Tarrafal de Santiago em 2000, Maio e Santa Catarina de Santiago em 2004, S. Vicente e S. Filipe

133 em 2008, afiguram-se os casos em que os grupos independentes enfrentaram os partidos políticos nas eleições autárquicas. Os resultados do ponto de vista eleitoral podem ser considerados bastante insatisfatórios, visto não terem eleito sequer um deputado municipal, à excepção do grupo GSTDT (Grupo de Solidariedade, Trabalho Desenvolvimento do Tarrafal) que conseguiu um assento na Assembleia Municipal do Tarrafal em 2000 e o GIGA (Grupo Independente Ganhar para Avançar), em S. Filipe que elegeu um vereador e vários deputados municipais em 2008.

O quadro 19 ilustra a dificuldade dos grupos independentes em conseguir resultados expressivos nas eleições autárquicas quando não têm suporte de um dos partidos políticos. Na Praia, os grupos de cidadão que concorreram em 1991 e no ano 2000 não alcançaram os 4% dos votos para a Assembleia Municipal. Para os grupos independentes, no Maio e em Santa Catarina, os resultados foram ainda mais inexpressivos, alcançando 1,2% e 1,3%, respectivamente. Em Santa Cruz, no ano de 1991, chegaram próximo dos 10% do eleitorado, o que representou uma certa penetração social desse grupo no referido concelho. No Tarrafal, no ano 2000, o GSTDT conseguiu eleger um deputado municipal, assim como o GIGA em 2008 no concelho de S. Filipe, com uma performance considerável, pois obteve cerca de 22% dos votos expressos para a Assembleia Municipal deste concelho.

S. Vicente, no entanto, constitui-se num caso particular por ser o único município em que um grupo independente enfrentou e ganhou os partidos políticos nas eleições autárquicas até o ano 2000. A partir daí, a performance dos grupos independentes diminuiu consideravelmente, como podemos atestar no ano de 2008, em que não conseguiram ultrapassar os 3,1% de votos para a Assembleia Municipal.

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Quadro nº 19 – Resultados para a Assembleia Municipal dos Grupos independentes que participaram nas eleições autárquicas enfrentando o MPD e o PAICV

1991 1996 2000 2004 2008 Concelhos Candidaturas Nº de votos % Nº de votos % Nº de votos % Nº de votos % Nº de votos % GINCP 232 1,2 − − − − − − − − Praia PROJD 512 2,7 − − − − − − − − PRF − − − − 792 2,9 − − − − MACIP 564 9,9 − − − − − − − − S. Cruz JIDSC − − − − 430 4,5 − − − − Boa Vista MPCBV − − 61 3,6 − − − − − − Maio MDM − − − − − − 32 1,2 − − S. Catarina NUBAI − − − − − − 145 1,3 − − GSTDT − − − − 296 6,5 − − − − Tarrafal GUDT − − − − 227 5 − − − − S. Vicente ASV − − − − − − − − 928 3,1 S. Filipe GIGA − − − − − − − − 2.150 21,8

Fonte: Comissão Nacional de Eleições

É evidente o predomínio cada vez maior dos partidos políticos nas eleições locais em Cabo Verde, ao mesmo tempo que diminui o espaço de actuação dos grupos independentes que tendem a desaparecer, registando-se “bolsas de resistência” a esse fenómeno em espaços cada vez mais reduzidos.

Essa realidade não é específica da experiência democrática cabo-verdiana, tendo sido vivenciada também em outros países com uma maior vivência democrática, como são os casos da Espanha e da Itália, como nos descreve Jordi Capo Giols.

“Asi, aunque pueda parecer paradójico en un país de partidos sin massas, se hai reduciendo considerablemente le presencia de agrupaciones independientes en las elecciones locales. Em 1983, en España, las listas sin identificación partidista lograron el 16,79% de los cargos (en Cataluña, los datos mas completos permiten ver un descenso del 42% em 1979 al 27,5% em 1983 y al 17,6% en 1987: por lo que extrapolando los datos parece que crece el predomínio partidista en todo el país). La cifra española resulta muy parecida a la italiana em 1987 – también un 16,7% (Barberis, 1988) -, aunque en este caso se incluyen los independientes elegidos en listas de partidos, y muy lejana a la francesa, que todayía en 1965 presentaba 200.523 representantes de listas de Acción Local y de intereses municipales.” Giol, 1992: 134).

No nosso sistema político, os partidos constituem-se num espaço privilegiado de intermediação da relação dos cidadãos com a política. Os partidos têm um carácter permanente, ao contrário dos grupos independentes que, pela sua natureza, são ad hoc,

135 pois não são considerados como associações políticas. Neste sentido, devemos ter em atenção que, do ponto de vista da lógica do sistema político cabo-verdiano, a participação dos grupos independentes é sempre subsidiária, por conseguinte, nesta perspectiva, o aumento, a estabilidade ou diminuição do número dos grupos independentes não constituem um problema. Ao analisarmos esta questão a partir da sociedade, das comunidades que não se revêem nas lógicas partidárias, da problemática do desenvolvimento local, nesta perspectiva, a diminuição da participação dos grupos independentes significa de uma certa forma um esmorecer da relevância que a nível local se dá à questão da expressão não partidária dos interesses municipais, uma mudança de uma visão, ou um sistema de bloqueio político-institucional e social à participação.

2.10 Conclusão

Em Cabo Verde, o processo de recrutamento das elites políticas locais caracteriza-se pela não existência de normas nos estatutos dos partidos políticos e das candidaturas dos grupos de cidadãos independentes que estabelecem as regras formais sobre o modo como se deve processar a selecção dos candidatos. As orientações dos órgãos nacionais dos partidos sobre esta matéria, que tem variado pouco ao longo dos anos, deixam margem para um certo grau de informalismo no processo de recrutamento. Neste sentido, os dados por nós recolhidos vão de encontro à tese defendida por Teixeira (2009) relativamente ao processo de recrutamento parlamentar em Portugal que, segundo a autora, é caracterizado por, “uma débil institucionalização do processo de selecção dos seus candidatos à Assembleia da República, dada a inexistência de regras formais que codifiquem de forma detalhada e explícita todas as fases do processo e as competências que cabem a cada um dos actores intrapartidários envolvidos” (Teixeira, 2009: 385).

Ao analisar os dados das entrevistas aos eleitos políticos locais, ficou evidente que alguns critérios de recrutamento têm repetido ao longo dos diversos ciclos eleitorais autárquicos, nomeadamente a competência e a experiência profissional, associadas a um

136 diploma universitário, a notoriedade, a representatividade geográfica, a militância partidária, os principais cargos ocupados, a renovação geracional e o género.

Contudo, esses critérios apresentam pesos diferenciados, sendo os mais importantes a militância partidária, a competência e experiência profissional, a representatividade geográfica e os principais cargos ocupados. Na selecção dos candidatos, a preferência recai nos indivíduos que cumulativamente ou maioritariamente preenchem esses requisitos.

A militância partidária por si só representa um atributo de peso. Para a conquista de um lugar na lista na disputa de um cargo político eleito ao nível local, a existência de um laço de proximidade para com os partidos políticos, seja na condição de militante ou de simpatizante, afigura-se de enorme importância, com particular incidência nas eleições para a Assembleia Municipal. Isso ficou demonstrado nas eleições autárquicas de 2008, em que 9 em cada 10 deputados municipais eleitos na Praia e em Santa Catarina e 8 em cada 10 em Santo Antão exibiam esse requisito. A importância da militância partidária na constituição das listas para as Assembleias Municipais é também demonstrada por Mendes, relativamente aos municípios da área metropolitana do Porto, quando afirma que “para a Assembleia Municipal… é dada prioridade aos indivíduos que são seus militantes de base ou “quadros partidários” (op. cit. p. 193).

A competencia técnica do candidato é um critério levado em muita consideração, particularmente para os cargos de vereadores, devido a complexidade técnica da gestão camarária em áreas como o ordenamento do território, o urbanismo e infraestruturação, o jurídico e o económico. A apresentação de candidatos com estes perfis aumenta a expectativa dos munícipes em relação a um bom desempenho da Câmara.

A representatividade geográfica é referenciada por todos os candidatos como sendo um critério de importância crucial que contribui para uma maior penetração da candidatura nos diferentes bairros. No entanto, a disposição dos candidatos oriundos dos diferentes bairros nas listas mostra um tratamento diferenciado, sendo os lugares elegíveis ocupados maioritariamente pelos indivíduos provenientes dos bairros de classe média e

137 média alta, enquanto os indivíduos residentes nos bairros mais pobres predominam nos lugares menos elegíveis das listas.

Um outro aspecto a reter é a mobilidade espacial dos eleitos políticos locais que ascendem económica e socialmente, tendem a fixar residências nos bairros mais estruturados da cidade, isto é, os de classe média e média alta e surgem nos lugares elegíveis nas listas em detrimento de novas figuras que emergem nos seus bairros de origem. Esta é uma questão transversal a todos os partidos políticos e aos grupos independentes concorrentes às eleições autárquicas, à excepção da UCID que tem por hábito integrar nos lugares elegíveis das listas os indivíduos que residem nos bairros de classe baixa.

Uma parte considerável dos eleitos políticos locais (praticamente metade) é constituída pelos individuos que, na sua trajectória profissional, ocuparam cargos dirigentes seja na Administração Pública, seja nas empresas estatais e nas privadas, onde o Estado detém capital social e tem poderes de nomear administradores, o que indicia que a passagem pela administração do Estado constitui-se numa das principais fontes de recrutamento dos eleitos políticos locais. Neste sentido, a realidade local cabo-verdiana aproxima-se da brasileira, mais específicamente do estado do Paraná, como afirma Lameirão (2008), num estudo sobre a elite política e administrativa do governo Lerner no Paraná, entre os anos de 1995 e 2002, no qual demonstra que “a grande maioria dos integrantes dessa elite (91%) teve passagem pelo sector público antes de ingressar no governo, “o que leva a crer que a ocupação desses cargos exige a obtenção de “capitais” conquistados ao longo de anos de experiência política nos quais são construídas a reputação desses quadros e suas alianças de apoio.” (Lameirão, 2008: 241).

De entre os critérios menos determinantes no processo de recrutamento das elites políticas locais em Cabo Verde surgem a notoriedade do candidato, a renovação geracional e o género. A notoriedade ganha alguma visibilidade quando é associada a algum outro critério. A renovação geracional ainda que não seja determinante é um aspecto reconhecido pelos candidatos quanto mais não seja pelo facto de a população cabo-verdiana ser maioritariamente jovem.

138

A variável género ainda é pouco considerada quando se discute a questão dos requisitos para o recrutamento das elites políticas locais em Cabo Verde. As máquinas partidárias a nível nacional e local são dominadas pelos homens. A presença feminina nos principais órgãos dos partidos políticos em Cabo Verde, designadamente do PAICV e do MPD, é minoritária, o que determina, de facto, a fraca representação das mulheres, quer nas assembleias locais, quer na nacional onde as decisões sobre a selecção dos candidatos são tomadas. Neste caso, a realidade cabo-verdiana está muito mais próxima da brasileira e da africana em que a participação das mulheres nas actividades políticas é manifestamente baixa.

Importa realçar ainda que os critérios de recrutamento como a pertença às associações nas suas diferentes dimensões, sindical, desportiva, recreativa e cultural, a hereditariedade, entre outros, não fazem parte dos critérios levados em consideração no processo de recrutamento das elites políticas locais em Cabo Verde.

O processo de recrutamento é normalmente caracterizado por uma enorme conflitualidade interna, pois trata-se da defesa de jogos de interesse entre indivíduos com relações de força diferenciadas. O facto de ser militante constitui uma vantagem adicional para os potenciais candidatos a recrutamento e a qualidade de membro das estruturas partidárias ao nível local representa uma vantagem ainda maior.

Nota-se que os modelos de recrutamento adoptados pelas candidaturas dos grupos independentes não diferem dos apresentados pelos partidos políticos.

A participação dos grupos de cidadãos nas eleições autárquicas em Cabo Verde tem diminuído consideravelmente nos últimos ciclos eleitorais, permitindo que os partidos políticos se constituam neste momento como os canais quase exclusivos da mediação política ao nível local, assumindo-se, em consequência, como os principais responsáveis pela mobilização e participação dos actores políticos.

139

Capítulo III. A circulação vertical das elites políticas locais

3.1 Circulação vertical: especificidade africana?

Iremos debruçar sobre a circulação vertical dos eleitos políticos locais, entendendo como circulação vertical a passagem, ao longo das carreiras políticas dos eleitos políticos locais, de cargos de dimensão nacional (deputados da nação, Ministros e/ou Secretários de Estado), para cargos de dimensão local (Presidentes de Câmaras Municipais, Vereadores e Deputados Municipais) e vice-versa.

A abordagem teórica incidirá basicamente nos autores clássicos da teoria da elite que discutem a questão da circulação, nomeadamente Pareto e Mosca, para, de seguida, fazermos uma incursão pelos casos concretos de alguns países e sua discussão com a realidade cabo-verdiana. A análise procurará entender se existe circulação vertical ou não, se existe, em que sentido a incidência é maior, ou seja, do local para o nacional ou do nacional para o local, e como se distribui pelos diferentes municípios. No momento seguinte, a análise é centrada na evolução diacrónica da circulação vertical ao longo dos diversos ciclos eleitorais desde 1991 até 2008. Por último, procuramos levantar eventuais hipóteses explicativas sobre as condicionantes e dinâmicas internas aos partidos políticos que tendem a favorecer uma maior circulação num sentido ou noutro.

Pareto entende por circulação das elites “um processo pelo qual os indivíduos transitam entre a elite e a não elite, um processo pelo qual os membros da elite são progressivamente substituídos por outros. A circulação das elites torna-se necessária, pelo declínio dos interesses estabelecidos e pelo nascimento de novos interesses. Ele percebe as elites como os representantes de interesses sociais particulares” (Apud Tilleux, 2003: 22).

“ En autre, il faut considérer la manière dont les divers groupes de la population se mélangent: celui qui passe d’un groupe à autre y apporte généralement certaines tendances, certains sentiments, certaines aptitudes qu’il a acquis dans le groupe dont il vient. Il faut tenir compte de cette circonstance. On donné le non de circulation de élites à ce phénomène, dans le cas particulier où l’on ne considère que deux groupes, l’élite et le reste de la population” (Pareto, 1968: 1299).

140

Para Pareto, as elites governantes têm mais hipótese de durar se elas forem relativamente abertas aos indivíduos superiores das camadas inferiores, se renovarem continuamente, eliminando os elementos degeneradores e incorporando elementos de estratos sociais inferiores, dotados de qualidades e disposição para o governo da sociedade. Se tal circulação se interrompe, gera-se um desequilíbrio que pode provocar uma transformação violenta e revolucionária no sistema social. A elite capaz é aquela que dá prova de habilidade e de criatividade para se renovar e rejuvenescer continuamente (Apud Brites, 2009: 30).

Em virtude dessa circulação de elites, a elite governante está sempre num estado de lenta e contínua transformação. Contudo, as revoluções ocorrem por meio de acumulações nos estratos superiores da sociedade de elementos decadentes que não mais possuem meios para se manterem no poder e que temem o uso da força. Essas revoluções são sempre comandadas por líderes de estratos superiores (contra-elite) como Pareto nos indica.

“ Les révolutions se produisent parce que, soit à cause du ralentissement de la circulation de l’élite, soit pour une autre cause, des éléments de qualité inférieures s’accumulent dans les couches supérieures. Ces éléments ne possèdent plus les résidus capables de les maintenir au pouvoir, et ils évitent de faire usage de la force; tandis que dans les couches inférieures se développent les éléments de qualités supérieure, qui possèdent les résidus nécessaires pour gouverner, et qui sont disposés à faire usage de la force ” (Pareto, op. cit. p. 1305).

No entanto, a circulação dos indivíduos, passando das camadas inferiores para as superiores e vice-versa, é imprescindível, não só para permitir que o raciocínio e os sentimentos se estabilizem (embora de forma desproporcional) no interior de cada classe social, mas também para alcançar um equilíbrio a nível geral na sociedade. Assim, é mesmo desejável que os elementos degenerados das classes superiores retrocedam para as classes inferiores e, mais desejável ainda, que os elementos dinâmicos das segundas possam ter acesso às primeiras.

Pareto admite que a restauração da classe governante acontece porque nos estratos superiores acumulam-se ideias que já não têm mais o reconhecimento dos estratos inferiores, nos quais há excesso de elementos preparados para o governo. A circulação

141 de elementos é necessária, então, para que se mantenha o equilíbrio entre elite e não- elite.

Pareto aborda a questão da circulação das elites diferenciando as elites governamentais das elites não-governamentais. Michels, por sua vez, analisa-a no âmbito do estudo sobre os partidos políticos na Alemanha e faz uma crítica à teoria de circulação das elites de Pareto ao considerar que na maioria dos casos não se assiste à substituição de um grupo de elites por outra, mas a um contínuo processo de intercomposição. Chama a atenção para que esta tese seja entendida como um mecanismo de assimilação de novos elementos para o estrato superior e não como mera substituição de elites. Essa circulação não é mecânica e nem necessariamente numérica, mas essencialmente qualitativa.

Michels (1982), ao estudar os fenómenos de poder dentro dos partidos políticos, chama atenção para a circulação das elites. Para ele, a classe dominante em uma organização qualquer alterna papéis sem necessariamente trocar as pessoas. Há, no entanto, uma “renovação” no sentido em que esses dirigentes, por diversas vezes, precisam incorporar e agregar novos elementos a fim de garantir a manutenção do poder.

Segundo Blanchet, no estudo sobre as elites e mudanças na África e no Senegal, a circulação das elites, a qual Pareto se refere e que consiste na emergência no seio da massa de elementos que integram a classe governante e na degenerescência paralela de elites do poder que lhes cede os seus espaços, é a circulação “vertical” das elites. O autor procura diferenciar este tipo de circulação daquele, que denominou de horizontal, que trata da integração dos indivíduos pertencentes seja a um outro segmento da elite política seja a um outro tipo de elites, económica, administrativa, militar ou ainda social (Blanchet, 1983: 38).

Norris também constrói esta diferenciação ao estudar as elites políticas na Europa e nos Estados Unidos, conferindo o mesmo sentido que nós atribuímos à circulação vertical, enquanto uma trajectória dentro de uma carreira política. Neste sentido, o autor identifica uma diferença fundamental entre o modelo europeu e o norte-americano: para ele, no primeiro, predominam trajectórias políticas verticais (caso britânico, alemão e

142 norueguês), enquanto nos Estados Unidos, uma forte presença de carreiras políticas horizontais (Apud Norris, 1997:3).

André Freire (2001), num estudo sobre os padrões de recrutamento e sobre a composição das elites parlamentares portuguesas desde a Assembleia Constituinte até à VIII Legislatura, analisa, entre outros aspectos, as carreiras verticais nos partidos políticos portugueses, através de dados recolhidos nas entrevistas a alguns dirigentes partidários nacionais e locais. O autor afirma que: “em termos de carreiras verticais, a passagem pelas autarquias locais para aceder ao Parlamento parece assumir uma importância relevante no CDS/PP e no PS, bem como no PSD. Ainda, de acordo com o autor, a partir da V legislatura, a passagem pelo governo local é uma característica de cerca de 50% ou mais dos parlamentares portugueses. Neste caso, a experiência autárquica dos deputados portugueses está em linha com a média europeia. Desde a segunda guerra mundial até final dos anos 1990: entre 40% a 50%. Portanto, a passagem pelo poder local é cada vez mais um ponto importante na carreira política dos deputados” (Freire, 2001: 117-118).

Neste contexto, a ênfase da análise recai sobre a circulação vertical no sentido local nacional. Essa perspectiva de análise também é desenvolvida por Maluf (2006) no estudo sobre a carreira política na Câmara Municipal de S. Paulo, no Brasil, em que procura demonstrar que os eleitos políticos locais, nomeadamente dos órgãos executivos e legislativo camarário, nas suas trajectórias políticas, a partir do momento em que conseguem eleger-se para cargos políticos, como deputados estaduais ou federais, governadores ou senadores, não retornam, em momento algum, para serem eleitos para os cargos municipais, à excepção do cargo de Prefeito (Presidente de Câmara), por considerarem esse cargo como sendo de uma categoria inferior. De acordo com Maluf, “da literatura existente sobre carreiras políticas (Leoni&Pereira&Rennó: 2003), infere-se que o mandato parlamentar municipal é considerado um retrocesso na carreira para alguém que já esteve em outro cargo público electivo de maior abrangência, pois os cargos locais, são tidos como a sua primeira etapa. Ainda que se desconheçam estudos específicos que tratem do retorno, está implícito neste raciocínio que se trata de uma perda de status.” (Maluf, 2006: 116)

Esta situação específica do maior município brasileiro contrasta com a situação cabo- verdiana, como poderemos constatar mais à frente, em que os eleitos políticos locais

143 fazem a circulação vertical nos dois sentidos, ou seja, do local para o nacional e vice- versa. Iremos demonstrar casos de indivíduos que foram eleitos Deputados da Nação, ou que foram nomeados ao nível do governo como Secretários de Estado ou Ministros e que, posteriormente se candidataram a cargos políticos ao nível local, seja como Presidentes de Câmara Municipal, Vereadores, ou Deputados Municipais. Provavelmente, o retorno para a disputa dos cargos eleitos políticos ao nível local, por parte dos políticos que ocuparam cargos de dimensão nacional, constitui-se numa espécie de “trunfo” que os partidos políticos utilizam para conferir uma maior credibilidade e uma maior valorização às suas listas por reconhecer neles figuras com uma certa dimensão ao nível político nacional. Norris também estabelece essa diferenciação ao estudar as elites políticas na Europa e nos Estados Unidos, conferindo o mesmo sentido que atribuímos à circulação vertical, enquanto uma trajectória dentro de uma carreira política.

Ao nível do continente europeu, importa, neste particular, fazer referência ao caso francês em que, nas estratégias de recrutamento político, os partidos políticos procuram candidatos com fortes posições ao nível local, assim como na Bélgica, em que os sujeitos políticos de maior relevância nacional têm também uma forte posição ao nível local, participando nas eleições locais.

Em França, é comum deparar-se com políticos que acumulam cargos políticos locais, por exemplo, Presidentes das Câmaras Municipais com cargos de Deputados da Nação.51 Em Cabo Verde, o Código Eleitoral, com a alteração efectuada em 2010, não permite esta acumulação de funções. Essa situação de incompatibilidade é extensiva aos demais membros dos órgãos executivos camarários, ou seja, os Vereadores. Portanto, nenhum Presidente de Câmara ou Vereador pode exercer simultaneamente este cargo local e as funções de Deputado da Nação. Nessas circunstâncias, a circulação vertical só acontece entre mandatos, ou seja, o político cessa (renuncia ou suspende, conforme o caso) um mandato para exercer o outro. O eleito local, que pretenda durante o seu

51 A este respeito, ver entre outros Gallagher e Marsh, 1988.

144 mandato, concorrer a um cargo de Deputado da Nação, só o pode fazer num círculo diferente daquele em que foi eleito e deverá renunciar ao seu mandato local. Para um Deputado da Nação, a lei permite que ele suspenda o mandato para concorrer a um cargo local e, caso seja eleito, terá que optar por exercer um dos dois cargos eleitos. Contudo, a lei permite a acumulação do cargo de Deputado da Nação com cargos nas Assembleias locais, a exemplo do que acontece em Portugal52.

Relativamente à elite política africana, segundo Daloz, se se procurar fazer uma análise desta elite, através da perspectiva clássica de Pareto, a tendência é para a conclusão de que, na maioria desses países, não existe nenhuma circulação das elites, devido à entrada pouco significativa de elementos novos, fora das lógicas consagradas e controladas de cooptação ou nepotismo. O autor afirma ainda que, de facto, mesmo nos sistemas em que se pode registar verdadeiras rotações, não se constata uma abertura real, mas estratégias teleguiadas da cúpula, visando assegurar que nenhum líder potencial possa fazer livremente o seu percurso, dado que se encontra permanentemente submetido a um elevado grau de controlo (Daloz, 1999: 21-22).

Gagliardi-Baysse (2009), ao estudar as dinâmicas de formação e de reprodução das elites políticas na República Centro Africana, considera, à semelhança do que Daloz e vários autores constataram, ao analisar o processo de renovação política em diferentes países da África subsahariana53, que se está na presença de uma elite monolítica relativamente fechada e de circulação limitada.

52 Sobre esta questão de incompatibilidade, conferir o Código Eleitoral, no seu artigo nº 404, ponto 1, em que se diz o seguinte: Para além de as inegibilidades gerais, previstas neste Código, são ainda inelegíveis no círculo eleitoral onde exercem a sua actividade: 1. Os Presidentes e Vereadores das Câmaras Municipais. O Estatuto dos Deputados, no seu artigo nº 24, ponto i, diz o seguinte: Não podem exercer o mandato de deputado enquanto exercem o respectivo cargo: os Presidentes das Câmaras Municipais e os Vereadores a tempo inteiro.

53 Consultar Jean-Pascal Daloz (direction). Le (non) renouvellement des élites en Afrique subsaharienne, 1999.

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“Le système politique centrafricain favorise cette reproduction en ne permettant pas une réelle intégration de nouvelles personnalités au sein de l`élite politique. La circulation des élites est alors limitée, malgré les évolutions que nous avions pu constater précédemment. On constate donc une permanence relative des personnalités au pouvoir, qui après des périodes plus ou moins longues réussissent grâce à leur connaissance de la scène politique, à se réintégrer » (2009: 205).

Considera ainda que se vivencia uma situação marcada por uma fraca circulação vertical, no sentido em que « la circulation horizontale des élites est parfois limitée mais peut être constatée, la circulation verticale, dans le cas centrafricain du moins, est pratiquement inexistante. L`analyse de l`évolution de la structure de l`élite politique montre par ailleurs que l`on assiste plus à une rotation des élites qu`à une réelle circulation » (op. cit. p. 202).

3.2 Circulação vertical no sentido nacional ascendente e descendente

Para o entendimento do caso cabo-verdiano, consideramos que a abordagem teórica que melhor se adequa à sua explicação é aquela avançada por André Freire e Rui Maluf já que as suas análises de circulação são feitas não numa perspectiva de renovação de uma elite por outra, à semelhança das abordagens dos autores como Pareto, mas de troca de posições dentro do campo dominante, permitindo uma circulação no sentido ascendente ou descendente, conforme se trata de mudança na ocupação de um cargo de dimensão local para outro de âmbito nacional ou vice-versa. É esta a nossa perspectiva, ou seja, procuramos entender como é que se dá esse processo de circulação vertical das elites políticas locais em Cabo Verde, seja no sentido ascendente, seja no descendente.

Para a análise da circulação vertical das elites políticas locais em Cabo Verde, tivemos como suporte de recolha de informações algumas fontes, nomeadamente a Comissão Nacional de Eleições, através da publicação dos resultados dos actos eleitorais municipais e legislativas, os Boletins Oficiais para os casos de nomeação dos membros do governo e as entrevistas dirigidas aos eleitos políticos locais. Procuramos identificar todos os casos de eleitos políticos locais que passaram pelo processo de circulação vertical, seja no sentido ascendente ou descendente, e descortinar as possíveis razões que justificam essa circulação.

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Ao analisar os dados relativos à circulação vertical entre 1991 e 2008, constata-se que cerca de 14% dos eleitos políticos locais da Praia, de Santa Catarina e dos três municípios de Santo Antão, foram abrangidos pelo processo de circulação vertical durante o referido período. Essa circulação foi mais intensa no sentido nacional/local e atinge, em maior proporção, os indivíduos que, nas suas carreiras políticas, ocuparam em primeiro lugar um cargo político de dimensão nacional, designadamente, Deputado da Nação, Ministro, ou Secretário de Estado e, secundariamente, um cargo ao nível municipal.

Um dos casos emblemáticos de circulação no sentido descendente, do nacional para o local, é o actual Presidente da Câmara Municipal da Praia – Ulisses Correia e Silva que descreve a sua trajectória da seguinte maneira:

“Comecei no Conselho de Jurisdição do MPD, acho que foi esse o meu primeiro cargo ao nível partidário, depois fui eleito deputado em 1995, de seguida fui nomeado Secretário de Estado das Finanças e em 1998 Ministro das Finanças. Estive na direcção nacional, na comissão política, fui e ainda sou vice-presidente do partido e já fui líder parlamentar do MPD, e neste momento sou presidente da Câmara Municipal da Praia” (entrevista US).

São 47 indivíduos nesta situação, de acordo com os dados do gráfico 4, o que corresponde a pouco mais de metade (56,5%) dos que passaram pelo processo de circulação vertical no período em referência, contra 43, representando 43,5% dos que vivenciaram uma trajectória no sentido contrário, ou seja, os que iniciaram as suas experiências políticas ocupando um cargo eleito ao nível local antes de serem eleitos ou nomeados para um cargo de dimensão nacional. Para ilustrar o percurso de circulação ascendente no sentido local/nacional, realçamos o caso do eleito político local Rui Semedo:

“Já fui membro do Conselho do Sector do PAICV na Praia, deputado municipal eleito em 1991 e em 1996. A nível nacional, creio que já fiz tudo. Fui eleito deputado da nação em 2001, membro da Comissão Política, do Conselho Nacional, da Comissão Permanente, já exerci o cargo de líder parlamentar, de secretário-geral e um dos vice-presidentes do PAICV. Acho que já desempenhei as maiores funções dentro do partido, faltando-me somente a função de presidente” (entrevista RS).

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Numa análise por domínio de estudo, nota-se que, em Santiago, particularmente no concelho de Santa Catarina, praticamente 6 em cada 10 eleitos políticos ao nível local, entre os que passaram pelo processo de circulação vertical, experimentaram em primeiro lugar um cargo político nacional. É o caso de praticamente todos os Deputados da Nação eleitos nas listas do MPD em Santa Catarina, no mês de Fevereiro de 1991, que viriam a ser eleitos Vereadores e Deputados Municipais no mês de Dezembro do mesmo ano, no âmbito das eleições autárquicas.

Encontram-se ainda na mesma situação quase todos os Deputados da Nação eleitos nas listas do MPD por este círculo nas eleições legislativas de 1995. O percurso contrário é observado em apenas dois casos, ou seja, referimo-nos aos indivíduos que ocuparam, em primeiro lugar, um cargo eleito ao nível local e, posteriormente, foram eleitos e/ou nomeados para um cargo político de dimensão nacional54.

54 Citamos o exemplo de Simão Monteiro que, nas eleições autárquicas de 1991, foi eleito Deputado Municipal, nas eleições legislativas de Dezembro de 1995 foi eleito Deputado da Nação e, no mês de Março de 1996, foi nomeado Ministro da Justiça e da Administração Interna. Outro caso análogo diz respeito a João Baptista Pereira Correia que também foi eleito Deputado Municipal em 1991 nas listas do MPD. Mais tarde, muda de partido e, nas autárquicas de 2000, é eleito também Deputado Municipal nas listas do seu novo partido, o PAICV. Nas eleições legislativas de 2001, concorre e é eleito Deputado da Nação nas listas deste partido e, em 2004, foi nomeado Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, ainda no primeiro governo de José Maria Neves. Já este último foi eleito Deputado da Nação pelo círculo de Santa Catarina nas eleições legislativas de 1995. Em 2000, na qualidade de cabeça de lista do PAICV, concorreu e ganhou a Câmara Municipal de Santa Catarina, e permaneceu nesse cargo até às eleições legislativas de 2001. Foi eleito novamente Deputado da Nação, liderando a lista dos Deputados do seu partido no círculo da Praia e, enquanto líder do PAICV, na sequência da vitória do seu partido nestas eleições, foi indicado para ocupar o cargo de Primeiro-Ministro de Cabo Verde, cargo que vem ocupando até esta data.

148

Gráfico nº 4 - Circulação vertical dos eleitos políticos locais segundo os domínios de estudo

47

Nacional/Local 17 Local/Nacional 14 43 16 8 17 16 10 2 4 5 7 4

Fonte: Boletim Oficial

Para além de Santa Catarina, Porto Novo afigura-se como outro caso em que se constata que a proporção dos eleitos políticos locais com uma trajectória no sentido do nacional para o local é superior à daqueles que iniciaram as suas carreiras políticas ao nível local. Assim, entre os eleitos deste município que passaram pelo processo de circulação vertical, oito, correspondente a 53,3%, tiveram uma circulação vertical descendente, ou seja, fizeram um percurso no sentido nacional/local, enquanto 7 fizeram o movimento no sentido contrário, tendo experimentado primeiro um cargo político local e só depois um cargo de dimensão nacional. Essa diferença pouco significativa entre a circulação vertical no sentido ascendente e descendente, no seio dos eleitos políticos locais do Porto Novo, pode estar relacionada com uma certa homogeneidade entre os eleitos políticos locais que passaram por esse processo, pois trata-se, quase na sua totalidade, de indivíduos que ocuparam cargos de destaque ao nível político local, seja a do Presidente da Câmara Municipal, do Presidente da Assembleia Municipal ou de Vereador55. Estes dados indiciam uma certa limitação no acesso ao grupo dos eleitos

55 Relativamente aos Vereadores, merece destaque a situação de Rosa Rocha que, enquanto cabeça de lista do PAICV na disputa para a Câmara do Porto Novo em 2004, foi eleita juntamente com mais dois

149 politicos locais beneficiados pelo processo de circulação que se restringe basicamente aos indivíduos que ocuparam os principais postos ao nível do poder camarário neste concelho.

Na entrevista de um dos eleitos políticos locais, este coloca enfâse na questão do peso político do eleito no momento da indicação dos nomes para a composição das listas seja para um cargo de cariz local ou nacional:

“após ter cumprido três mandatos de responsabilidade ao nível da Câmara Municipal, o partido entendeu que era chegado o momento para proceder a uma mudança interna na liderança da Câmara. Sou um militante e estou sempre ao serviço do meu partido e disponível para exercer os cargos para os quais o meu partido considerar que tenho condições de os exercer. Neste sentido, naturalmente o meu nome surgiu nas listas para as eleições legislativas. Tinha todo o apoio das estruturas locais do partido, embora dependia dos órgãos nacionais que têm um papel preponderante na indicação dos nomes para as listas. Considero normal a minha eleição, assim como a de outros colegas na mesma situação, porque o partido procura preservar os seus activos e potencializar as suas forças nas diversas campanhas eleitorais. Isto não acontece somente com o MPD, veja o exemplo do Josefá Barbosa no PAICV, ele foi o único deputado da nação eleito nas listas deste partido aqui em Porto Novo em 1996 e em 2001. É por isso que ele aparece a liderar a lista para a Assembleia Municipal da candidatura do PAICV no Porto Novo em 2004, pois, tinha um percurso político que lhe dava uma certa garantia de ser aquele que poderia nos dar combate de uma forma mais intensa” (Entrevista JB).

O grande peso da circulação das elites políticas locais deste município, no sentido local/nacional pode dever-se especialmente ao domínio da Câmara Municipal local por parte do MPD que conseguiu conquistar essa instância do poder local nas cinco eleições realizadas até o momento, o que terá proporcionado uma maior solidez às elites políticas locais deste partido, em particular, e isso reflecte-se numa maior proporção de eleitos locais com uma trajectória local/nacional neste partido do que no seio dos eleitos locais do PAICV, como poderemos constatar mais à frente.

No município da Ribeira Grande, a trajectória no sentido local/nacional dos eleitos políticos locais tem tido mais peso comparativamente ao percurso nacional/local. O colegas na lista por ela liderada, levando pela primeira vez a uma situação de equilíbrio em termos de mandatos nesta Câmara Municipal, pois, conseguiu eleger três dos sete vereadores para o executivo camarário do Porto Novo e oito dos dezassete deputados municipais.

150 menor peso da circulação vertical no sentido descendente, no município da Ribeira Grande, pode dever-se ao facto de o MPD, que tem sido o partido que conquistou praticamente todos os mandatos em disputa nas eleições legislativas, tendo eleito até 2008, doze dos catorze Deputados da Nação neste concelho, dispor de poucas ou nenhumas referências ao nível local a partir das eleições legislativas de 1995. Por essa altura já tinha ocorrido a cisão interna que deu origem ao PCD e o “núcleo duro” dos eleitos locais, apoiado pelo MPD nas eleições autárquicas de 1991, surge agora a disputar a eleição na condição de grupo independente. O MPD recorre às suas lideranças nos outros concelhos de Santo Antão, fazendo emergir outros candidatos e figuras locais para integrar as listas ocupando lugares cimeiros como cabeças de lista56.

Nas eleições de 2001, após concertação com o grupo independente nas eleições autárquicas realizadas no ano anterior, que culminou com a não apresentação de candidatura por parte do MPD e com o apoio a este grupo, este partido acabou por apresentar candidatos sem nenhuma ligação com o poder local, ao mesmo tempo que incluía nas listas um dos integrantes do grupo independente. Nas eleições de 2006, após o retorno à militância do MPD do ex edil da Ribeira Grande – Jorge Santos, este veio a fazer parte da lista para as legislativas ao lado do responsável da comissão concelhia deste partido. É esta ausência de referências locais que leva o MPD a recorrer a outras figuras que em momento algum tinham ocupado um cargo ao nível local neste concelho.

Por outro lado, ao analisar os dados dos eleitos políticos locais neste concelho que fizeram uma trajectória ascendente, no sentido local/nacional, nota-se que, à semelhança do que se tem registado no município do Porto Novo, os eleitos políticos locais com esse tipo de percurso ocuparam também posições de destaque na Câmara Municipal,como Presidentes ou Vereadores. Mais uma vez, a posição de destaque ocupada na Câmara aparece como um “trunfo” no momento da disputa por inclusão de nomes nas listas apresentadas para as eleições legislativas.

56 António Espírito Santo como cabeça de lista em 1995, acompanhado de Francisco Silva, residente na Praia, e mais duas figuras locais, sendo que um deles António Vicente Leite, tinha sido eleito Vereador nas autárquicas de 1991 e contrariamente à maioria dos Vereadores eleitos em 1991, manteve a sua ligação ao MPD.

151

Nos municípios da Praia e do Paul, assiste-se a um equilíbrio na circulação vertical nos dois sentidos, do nacional para o local e vice-versa, o que quer dizer que o peso das circulações das suas elites políticas locais em cada um dos sentidos situa-se nos 50%. No Paul, a circulação vertical tem-se concentrado exclusivamente num grupo restrito de indivíduos que tiveram a oportunidade de serem eleitos Deputados da Nação. Por ser um círculo de menor dimensão comparativamente aos demais círculos em estudo, pois, elege apenas dois deputados nacionais, a oportunidade de circulação por essa via, que não tem sido exclusiva, mas claramente maioritária, acaba por restringir o universo dos que acedem a este cargo. Os Deputados eleitos já tinham ocupado anteriormente um cargo eleito ao nível local ou fizeram-no posteriormente à sua experiência parlamentar.

À semelhança do que se observou relativamente aos municípios do Porto Novo e da Ribeira Grande, os eleitos políticos locais, que passaram pelo processo de circulação vertical, descendente ou ascendente, partilham em comum o facto de terem sido os cabeças de listas dos seus respectivos partidos nas diferentes eleições autárquicas, seja para a Câmara, seja para a Assembleia Municipal57.

Como tinhamos verificado relativamente às eleições autárquicas de 1991, 1996 e de 2000, o grupo independente concorreu sempre contra o MPD e, a partir das eleições de 2004, este grupo “cede” espaço ao PAICV que passou a disputar as eleições tendo como único adversário o MPD.

Na Praia, nota-se que 17 indivíduos fizeram já uma trajectória no sentido nacional/local e igual número já experimentou o movimento contrário. Neste concelho depara-se com uma situação distinta uma vez que, tanto se encontram-se políticos que fazem uso das suas posições políticas locais para se projectarem nacionalmente, como aqueles que ocupam cargos de dimensão nacional e que procuram posicionar-se localmente. Isso acontece porque a Câmara Municipal da Praia pode ser percebida como um espaço de enorme visibilidade política que ajuda na construção da imagem daqueles que procuram alcançar posições políticas de maior destaque, designadamente as lideranças partidárias.

57 Alcídio Tavares é o único, entre estes eleitos políticos locais no Paul, que tinha sido eleito numa lista independente, muito embora ele próprio, tal como alguns dos integrantes da sua lista, tivessem nas suas trajectórias políticas passadas uma ligação ao PAICV.

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Numa das entrevistas com uma das lideranças locais na Praia, é notória a importância que o mesmo atribui à sua gestão à frente desse município com vista a sedimentar a sua posição de liderança no seu partido ao nível nacional.

“A liderança da Câmara Municipal da Praia juntamente com o controlo da estrutura partidária local constituí um instrumento privilegiado que garante à partida um maior suporte político interno ao seu Presidente nos órgãos partidários nacionais. Por ser uma Câmara que exige uma gestão mais complexa devido ao facto de ser a maior do país, quer em termos populacionais, de receitas geradas e de problemas também, faz com que com o nível de sucesso alcançado na sua gestão se possa mobilizar um maior número de apoio entre os militantes do partido neste município e por arrastamento tem um reflexo enorme nas estruturas dos outros municípios na ilha de Santiago. Também por se constituir num círculo que fornece um dos maiores números de deputados, pode fazer aumentar o teu poder de barganha no momento em que as questões relativas a este município são discutidas nos diferentes espaços de decisão política e também ao nível interno do partido, dependendo da tua capacidade em mobilizar os representantes deste município” (entrevista F).

Um outro ex-presidente da Câmara Municipal da Praia coloca clara enfâse no domínio do aparelho partidário ao nível local visando garantir a sua reeleição e preparar-se para disputar a presidência do partido no momento em que este cenário se colocar:

“Na minha primeira eleição eu não era responsável pela estrutura local do meu partido aqui na Praia. Entretanto fui percebendo ao longo do mandato que era necessário ter a estrutura mais próximo. Terminei como líder da comissão política regional da Praia, porque percebi que para renovação do mandato tinha que ter mãos sob o partido. A concorrência era muito forte, e ninguém está ingénuo na política, embora de vez em quando somos apanhados por alguma ingenuidade” (entrevista J).

Para além de o controlo da estrutura do partido local, reconhece também que ser Presidente da Câmara Municipal da Praia contribui para projectar o seu líder ao nível nacional:

“Nós podemos ter um excelente autarca que faz um óptimo trabalho num pequeno município rural, não tem a projecção política que um autarca possa ter na cidade da Praia. Como a Praia é a capital e é um símbolo nacional, o seu autarca é percepcionado pela sociedade, pela comunidade política, naturalmente como um potencial líder a nível nacional, um Primeiro-ministro ou líder partidário. Acho que injustamente, há uma leitura simplista de dizer que os Presidentes da Câmara Municipal da Praia estão lá só para fazer dela um trampolim para outros voos, mas mesmo que isso seja verdade é legítimo.

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Estou na política, tenho um projecto, quero fazer uma carreira política, Praia dá-me visibilidade e se eu tiver essa ambição... o problema é diferenciar a minha prestação como autarca e a minha prestação como alguém que se serve do posto para projectar nacionalmente, porque um bom trabalho de um autarca numa cidade capital, naturalmente o catapultará a outros patamares da política se quiser, mas que também é válido para um autarca que está na Brava. Mesmo não tendo a mesma projecção, a mesma visibilidade, desde que tenha um projecto político e está num sistema político que proporciona-lhe visibilidade, não vejo porque não conceberá, que esse autarca não possa ter projecção a nível nacional? Até porque no caso do MPD, foi válido, teve um líder partidário, candidato a Primeiro-ministro que veio de um concelho meio rural, meio urbano, maioritariamente rural (Ribeira Grande de Santo Antão). Esse factor não impediu que ele tivesse projecção nacional e aí entra o papel da média, da comunicação, da maneira como está presente na comunicação social, da maneira como cria a sua notoriedade, mas é evidente que um autarca da cidade da Praia, mesmo não tendo qualidades excepcionais, só o facto de gerir a capital, dá-lhe uma projecção, e todas as condições para ambicionar outros voos” (entrevista J).

Neste sentido, é curioso notar que todos os três Presidentes da Câmara Municipal da Praia já disputaram em algum momento das suas carreiras políticas, normalmente no decurso dos seus mandatos como Presidentes da Câmara Municipal da Praia, a liderança dos seus respectivos partidos políticos, MPD e PAICV58. Outros políticos que têm como base eleitoral o município da Praia, também ocuparam o cargo de Presidente ou de Vice-Presidente do MPD59.

É evidente que dos projectos políticos apresentados por qualquer um dos concorrentes ao cargo de Presidente da Câmara Municipal da Praia não constam as suas pretensões de

58 Estamos a referir aos ex-edis praienses Jacinto Santos e Felisberto Vieira. Este denominador comum a estes eleitos políticos locais da Praia, ligados aos partidos da esfera do poder local, também é extensivo a outros postulantes deste cargo vinculados a outros partidos políticos, a exemplo de Eurico Monteiro. Neste caso, as suas experiências de disputa das lideranças partidárias (em 1993 no MPD e em 1995 no PCD) antecederam a disputa da presidência da Câmara da Praia que ocorreu nas eleições autárquicas de 2000, na qualidade de líder do PCD. Posteriormente, surge o caso de Ulisses Correia e Silva do MPD que concorreu, pela primeira vez nas eleições de 2004, para a Câmara Municipal da Praia e, dois anos mais tarde, iria a concorrer à liderança do seu partido, tendo sido eleito como um dos Vice-Presidentes. Na eleição autárquica seguinte, em 2008, seria eleito Presidente da Câmara Municipal da Praia.

59 A exemplo de Agostinho Lopes, José Filomeno e Filomena Delgado, já encabeçaram as listas deste partido para a Assembleia Municipal da Praia. Os dois primeiros não conseguiram os seus intentos nas eleições autárquicas de 2000 e 2004, mas a última conseguiu ser eleita no cargo de Presidente deste órgão fiscalizador da Câmara em 2008.

154 desempenhar as funções de líder dos seus respectivos partidos e, em última instância, a de Primeiro-Ministro do país. Entretanto, das entrevistas realizadas junto dos ex- ocupantes deste cargo, e ao analisar as suas próprias práticas políticas, nota-se o desejo manifestado por ambos em assumir as respectivas lideranças dos seus partidos políticos.

A importância de ser Presidente da Câmara Municipal da Praia também é expressa pelo actual edil Ulisses Correia e Silva que encara a sua gestão como um desafio.

“acho que é tão ou mais importante ser Presidente da Câmara da Praia do que ser ministro, porque ela não só é a capital do país, representa 25% da população de Cabo Verde, gera quase 50% da riqueza nacional e tem problemas estruturais muito graves, mas ela exige um empenho para além daquilo que tinha sido o percurso da cidade. Por isso é que entrei nesse desafio, precisamente para conseguir fazer algo de diferente, conseguirmos ter aqui uma capital que possa ser bem gerida e que possa também lutar pelo seu espaço próprio” (entrevista US).

O actual edil praiense, que na sua trajectória política já ocupou um cargo importante e de visibilidade ao nível do governo, que é a de Ministro das Finanças, ao colocar o cargo de Presidente da Câmara Municipal da Praia num patamar de importância superior ao do Ministro, pode indiciar que, para ele, este se constitui no principal cargo para além de o do Primeiro-Ministro.

3.3 A evolução da circulação vertical nos diferentes ciclos eleitorais

A circulação vertical dos eleitos políticos locais da Praia, de Santa Catarina e dos três municípios de Santo Antão, cresceu sistematicamente desde o ciclo eleitoral de 199160

60 Entende-se por ciclo eleitoral o período que abrange a realização das eleições municipais e legislativas que é o que interessa para efeitos deste estudo. Assim, temos cinco ciclos completos para as eleições municipais e quatro para as legislativas. Relativamente aos eleitos políticos locais, que já foram nomeados Ministros ou Secretários de Estado, o seu enquadramento em cada ciclo é feito tendo em atenção a data das eleições municipais e legislativas até o término do mandato legislativo, desde que esta não ultrapasse a data da realização de uma nova eleição municipal. Por exemplo, os indivíduos que foram nomeados membros do governo no ano de 1998 ou de 1999, são contabilizados dentro do ciclo eleitoral 1995/96, aqueles que foram nomeados em 2005, são contabilizados no ciclo 2004/06.

155 até o de 2001/2002 mas vem registando uma diminuição a partir do ciclo 2004/06. Neste último ciclo (2008), em que as eleições municipais se distanciaram temporalmente das eleições legislativas por um período de três anos, por terem ocorrido só no ano de 201161, o decréscimo afigura-se mais acentuado.

Na verdade, no ciclo de 1991, foram 11 os eleitos locais que passaram pela circulação vertical, sendo que a maioria destes casos aconteceu em Santa Catarina (5) e em Santo Antão (5), contra apenas um único caso na Praia62. Aliás, relativamente a Santo Antão, o MPD adoptou para todas as Câmaras Municipais a estratégia de colocar nas presidências das Câmaras Municipais todos os indivíduos que foram nomeados durante os meses de Fevereiro e Março de 1991 para desempenhar o cargo de Delegado do Governo por forma a garantir uma maior presença deste partido também ao nível do poder local63.

Os restantes dois casos de circulação vertical em Santo Antão neste ciclo eleitoral, assim como os cinco registados em Santa Catarina, referem-se também à circulação no sentido nacional/local, mais concretamente, de indivíduos que foram eleitos Deputados da Nação em Fevereiro e que, no mês de Dezembro, concorreram e foram eleitos Vereadores ou Deputados Municipais nos seus círculos eleitorais de origem. Nesta

61 Os casos de circulação vertical registados em 2008 diminuíram substancialmente porque na nossa análise levamos em consideração somente os dados das eleições municipais e, não incluímos os relativos às eleições legislativas que ocorreram em 2011. Tal omissão deve-se ao facto de esta investigação abranger o período de 1991 a 2008 e, como a parte referente a 2011 não faz parte do objecto de estudo, a mesma não foi analisada.

62 Trata-se do Presidente da Câmara local eleito, Jacinto Santos, que tinha sido eleito Deputado da Nação nas eleições legislativas de Janeiro do mesmo ano. Situação idêntica foi vivenciada pelos Presidentes das Câmaras Municipais eleitos nos municípios de Ribeira Grande e do Porto Novo em Santo Antão, Jorge Santos e César Almeida, respectivamente.

63 Contudo, não teve efeito positivo no Paul, onde o ex Deputado da Nação Fernando Wahnon perdeu a disputa da Câmara Municipal local para o então candidato do grupo independente Alcídio Tavares.

156 situação específica, a única via de circulação vertical só poderia acontecer no sentido nacional/local visto que, após a abertura democrática, as primeiras eleições legislativas multipartidárias precederam as primeiras eleições municipais, também elas multipartidárias.

No ciclo eleitoral de 1995/96, em que a realização das eleições legislativas e municipais estiveram separadas por um curto período de três meses, assinala-se um aumento de 11 para 18 as ocorrências de circulação vertical, devido essencialmente ao crescimento do número de casos verificados na Praia e em Santa Catarina, uma vez que em Santo Antão não se registou nenhuma alteração em termos numéricos. Na Praia, dos cinco casos registados, todos se reportam à circulação vertical no sentido local/nacional, sendo que dois dizem respeito a indivíduos que tinham sido eleitos Vereadores e Deputados Municipais em 1991 e que, neste ciclo eleitoral, concorreram a Deputados da Nação em outros círculos eleitorais, nomeadamente no Sal e na Boa Vista64. Dos restantes três, dois se referem a eleitos locais de 1991, que viriam a ser nomeados Ministros no decurso do ano 199865 e, o último, reporta-se a um Deputado Municipal eleito em Fevereiro de 1996 que, pouco tempo depois seria nomeado para ocupar um cargo no governo investido nas funções de Secretário de Estado do Turismo, Indústria e Comércio.

64 Na Praia, tem sido frequente, nas eleições municipais, deparar-se com situações desta natureza, e também de indivíduos que concorreram, em outros círculos eleitorais, para as eleições municipais e legislativas e, posteriormente, integraram as listas concorrentes às eleições municipais na Praia e foram eleitos, seja no MPD em 2000 e em 2008 (referimo-nos a Júlio Almeida eleito Deputado Municipal e Deputado da Nação no Paul em 1991 e 1995, e Glória Silva eleita Deputada da Nação pelo círculo da Europa em 1991) ou no PAICV em 2004 (citamos o exemplo de Alcídio Tavares que tinha sido eleito Presidente da Câmara Municipal de Paul em 1991 e 1995 e eleito Deputado da Nação por este círculo em 2001). Em Santa Catarina anotamos dois casos de indivíduos que tinham sido eleitos Deputados da Nação em outros círculos eleitorais e, posteriormente, vieram a ser eleitos Deputados Municipais neste concelho. Trata-se de Jorge Figueiredo, que foi eleito Deputado da Nação pelo círculo do Tarrafal em 1991, e José António Pinto Monteiro que tinha sido eleito Deputado da Nação pelo círculo da Brava em 1995. Ambos foram eleitos Deputados Municipais em Santa Catarina nas eleições de 2000, o primeiro nas listas do PCD e, o segundo, nas listas do MPD.

65 São eles António Fernandes e Armindo Ferreira.

157

Em Santa Catarina, os dois movimentos de circulação vertical ascendente e descendente repartem-se de forma quase equitativa, com um ex-Ministro e um ex-Deputado da Nação a serem eleitos para a Câmara Municipal local, assim como os eleitos locais de 1991 (Vereador e Deputado Municipal), que foramr eleitos Deputados da Nação em 1995. Em Santo Antão, assiste-se a um movimento idêntico ao registado na Praia, ou seja, no sentido local/nacional. Quatro dos cinco eleitos locais em 1991 seriam eleitos Deputados da Nação em 199566. No Porto Novo, assinala-se ainda o caso do candidato67 eleito Presidente da Câmara Municipal deste concelho em 1991 e Presidente da Assembleia Municipal deste mesmo município em 1996. Pouco tempo depois, era convidado para o governo, na qualidade de Secretário de Estado da Descentralização.

No ciclo eleitoral de 2000/01, o número de casos de circulação vertical passou para 27, ou seja, registam-se mais nove situações, comparativamente ao ciclo anterior, devido particularmente a um considerável crescimento registado na Praia, passando de 5 para 13. Em Santo Antão, o aumento é de mais dois casos, passando de 5 para 7, enquanto em Santa Catarina assinala-se um abrandamento de casos desta natureza, passando de 8 para 7. Na Praia, ocorrem sete casos de circulação vertical no sentido nacional/local, contra seis no sentido contrário, dos quais cinco no seio do PAICV. Destes seis, metade tinha sido eleito Deputado Municipal em 1991, contra outra metade que fez parte da lista nas eleições municipais de 2000, tendo um sido eleito na qualidade de Vereador e os outros dois na de Deputado Municipal. Praticamente, todos foram eleitos Deputados da Nação nas eleições legislativas de 2001 em que o PAICV saiu vencedor, permitindo pela primeira vez a alternância do partido no poder no período democrático68.

Dos eleitos políticos locais que fizeram um percurso no sentido nacional/local neste ciclo eleitoral, seis tinham sido eleitos nas listas do MPD, contra um que tinha sido

66 São eles: António Vicente Leite na Ribeira Grande, Carlos Reis no Porto Novo, Orlanda Ferreira e Júlio Almeida no Paul, sendo que este último já tinha sido eleito Deputado da Nação em 1991.

67 Referimo-nos a César Almeida.

68 Somente um, Manuel Frederico, que viria a ser nomeado Secretário de Estado adjunto do Ministro das Finanças em 2002.

158 eleito por dois mandatos consecutivos, na qualidade de Deputado da Nação, nas listas do PAICV. É este indivíduo69 que viria a ocupar o cargo de Presidente da Câmara Municipal da Praia nesta eleição, substituindo, desta feita, o ex edil70 que não concorreu a um terceiro mandato.

Em Santa Catarina, são quatro os casos de circulação no sentido nacional/local, contra três no sentido inverso. Na circulação nacional/local, destaca-se o Presidente da Câmara Municipal eleito71 que, um ano mais tarde, nas eleições legislativas de 2001, protagonizava a alternância no poder, que referimos anteriormente, ao liderar o PAICV nessas eleições e nesta condição ser indigitado para ocupar o cargo de Primeiro- Ministro. Neste ciclo eleitoral, este candidato passou por um duplo processo de circulação vertical, o primeiro em 2000, no sentido nacional/local e, o segundo, em 2001, no sentido local/nacional. Neste mesmo município, assistimos a um fenómeno pouco frequente nas eleições em Cabo Verde que é da mudança partidária72. Este facto

69 Felisberto Vieira

70 Jacinto Santos

71 José Maria Neves

72 Nos municípios em estudo, de 1991 a 2008, registamos, para além deste, mais quatro casos de mudança partidária com sucesso ao nível eleitoral, isto é, estes indivíduos conseguiram eleger-se nas suas novas siglas. São os eleitos pelo PCD, que antes tinham sido eleitos nas listas do MPD. Aconteceram três casos na Praia (Eurico Monteiro e Luís Leite em 2000 e Maria Deolinda Monteiro em 2004) e um em Santa Catarina (Jorge Figueiredo, em 2000). Para além destes, pode citar-se os eleitos políticos locais em Santo Antão que conseguiram eleger-se nas listas independentes de cidadãos e que, posteriormente, integraram as listas partidárias. Referimo-nos a Alcídio Tavares que foi eleito presidente da Câmara Municipal do Paul em 1991e 1996 e no ano 2001, seria eleito Deputado da Nação nas listas do PAICV. A mesma situação foi vivenciada pelos eleitos locais de Ribeira Grande, Orlando Delgado e Leonesa Fortes, eleitos na lista de um grupo independente de cidadãos nas eleições locais neste município em 1996, em que, o primeiro, nas eleições legislativas de 2001, concorreu e foi eleito nas listas suportadas pelo MPD. Leonesa Fortes integraria o elenco governamental do PAICV em 2006, na qualidade de Secretária de Estado das Finanças. Não incluímos aqui os restantes eleitos políticos locais no município da Ribeira Grande, que nas eleições locais de 1996, 2000 e 2004, integraram uma lista independente, e nas eleições de 2008, concorreram nas listas do MPD.

159 aconteceu com um candidato73 que, em 1991, tinha sido eleito Deputado Municipal nas listas do MPD e, em 2000, surge nas listas do PAICV, tendo sido eleito para o órgão deliberativo deste município. Em 2001, integrando as listas deste último partido, viria a ser eleito Deputado da Nação, constituindo-se num dos três casos de circulação vertical no sentido local/nacional em Santa Catarina, neste ciclo eleitoral.

Em Santo Antão, dos sete casos de circulação vertical anunciados, três foram no sentido nacional/local e quatro no sentido local/nacional. Destes, dois viriam a ser eleitos Presidentes de Câmara Municipal no ciclo eleitoral seguinte (2004/06)74.

No ciclo eleitoral de 2004/06, os casos de circulação vertical sofreram uma ligeira diminuição, relativamente ao ciclo anterior, passando de 27 para 22, em consequência dos decréscimos registados em Santa Catarina (de 7 para 3) e na Praia (de 13 para 9). Em contrapartida, em Santo Antão, cresceu, passando de 7 para 10. Nesta ilha, pouco mais de 2/3 da circulação vertical, correspondente a 7 casos, aconteceu entre os eleitos políticos do Porto Novo, contra 3 da Ribeira Grande. Foram observados 6 casos de circulação no sentido local/nacional, contra 4 no sentido inverso. Em Santa Catarina, constata-se um número reduzido de circulação vertical nesse período, somente 3, constituindo-se no registo mais baixo entre os eleitos políticos locais deste concelho em todos os ciclos eleitorais analisados até o momento. Na Praia, o decréscimo também é notório e regista-se um equilíbrio entre a circulação no sentido local/nacional com 5 casos, contra 4 no sentido contrário. De referir que um dos casos da circulação no sentido local/nacional abrange um indivíduo que tinha sido eleito em 1991 nas listas do PAICV e que “ressurge” depois de uma década para ocupar um cargo a nível governamental.

A diminuição de casos de circulação vertical nos últimos dois ciclos eleitorais pode estar relacionada com o surgimento de novas lideranças que vêm ganhando espaço ao nível local e substituindo as lideranças que já tinham passado pelo processo de

73 João Baptista Pereira

74 São eles, Orlando Delgado e Amadeu Cruz que foram eleitos Presidentes das Câmaras Municipais da Ribeira Grande e do Porto Novo, respectivamente.

160 circulação. Estas novas lideranças não conquistaram ainda as projecções ao nível nacional.

Para o ciclo eleitoral de 2008, como referimos anteriormente, analisamos apenas os dados das eleições autárquicas, visto que as legislativas seriam realizadas no ano de 2011. Devido a esta ausência de dados relativos às eleições legislativas, registam-se 12 casos de circulação vertical entre os eleitos políticos locais, o que representa uma diminuição de quase metade dos casos, comparativamente ao ciclo eleitoral de 2004/06. O número de ocorrências dessa circulação em Santa Catarina permaneceu estável no último ciclo, ou seja, apenas três, enquanto em Santo Antão passou de dez para três à custa da ausência de registo deste tipo de circulação na Ribeira Grande e, sobretudo, de uma queda substancial no Porto Novo, relativamente ao último ciclo eleitoral. Nesta ilha, assim como em Santa Catarina, todos os casos de circulação vertical aconteceram no sentido nacional/local. Esta tendência também é verificada na Praia, onde cinco dos seis casos assinalados em 2008 dizem respeito à circulação nacional/local, sendo que um deles se refere ao Presidente da Câmara Municipal eleito.

Gráfico nº 5 - Evolução da circulação vertical dos eleitos políticos locais segundo os ciclos eleitorais

27 Total 22 S. Antão 18 S. Catarina 7 Praia 10 12 11 5 7 3 3 5 8 13 3 9 5 5 6 1 1991 1995/96 2000/01 2004/06 2008

Fonte: Boletim Oficial

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3.4 Circulação vertical nos diferentes partidos políticos

A circulação vertical entre os eleitos políticos do PAICV na Praia, Santa Catarina e nos três municípios de Santo Antão, entre 1991 e 2008, representa apenas 1/3 do registado entre os eleitos do MPD. Deste modo, constatam-se 60 casos de circulação vertical entre os eleitos políticos locais do MPD, contra 22 entre os do PAICV, 5 entre os do PCD, dois entre os do grupo de cidadãos independentes na Ribeira Grande e um entre o grupo independente de cidadãos no Paul, que esteve à frente do poder local deste município por dois mandatos consecutivos, entre 1991 a 2000.

O número inexpressivo de casos de circulação vertical entre os eleitos políticos locais dos grupos independentes justifica-se pelo facto de o âmbito da actuação política dos referidos grupos se limitar somente à gestão municipal75. Assim, os casos de circulação vertical, que registamos junto desses grupos, devem-se à integração dos seus membros nos partidos políticos que concorreram às eleições legislativas.

É o caso de Alcídio Tavares que, nas eleições municipais de 1991 e de 1996, concorreu no Paul na condição de cabeça de lista do denominado Grupo Idependente para o Desenvolvimento do Paul (GIDSP), mas, em 2001, surge nas listas do PAICV, como candidato a Deputado da Nação por este círculo. Na Ribeira Grande, Orlando Delgado, eleito nas listas do grupo independente neste concelho, integra as listas do MPD para as eleições legislativas de 2001 e é eleito, e a seguir, no ciclo eleitoral de 2004/06, volta a concorrer nas eleições municipais na lista do grupo independente. Outro caso diz respeito à Leonesa Fortes que foi eleita Vereadora pelo mesmo grupo em 1996 e, posteriormente, em 2006, integraria o elenco governamental na qualidade de Secretária

75 De acordo com o Código Eleitoral Cabo-verdiano, no seu artigo 425º, é permitido que as listas para as eleições dos titulares dos órgãos municipais sejam apresentadas por grupos de cidadãos recenseados nas áreas do município e não filiados em partidos políticos. Essa referência é exclusiva às eleições municipais, visto que só os partidos e/ou coligações de partidos estão autorizados a apresentar listas de candidaturas nas eleições legislativas que são de âmbito nacional.

162 de Estado das Finanças. São esses os casos de circulação vertical que abrangem os grupos independentes de cidadãos.76

No que diz respeito ao PCD, partido que surgiu da primeira cisão ocorrida no MPD em 2004, disputou a sua primeira “batalha eleitoral” nas eleições legislativas de 1996, na qual elegeu dois Deputados da Nação, mas alguns dos seus membros já tinham sido eleitos Deputados da Nação em 1991 nas listas do MPD.

No ano 2000, o PCD participou pela primeira vez numa eleição autárquica, apresentando candidatos em alguns municípios. Na Praia, dos candidatos eleitos, contabilizam-se dois Vereadores e cinco Deputados Municipais e, em Santa Catarina, somente um único Deputado Municipal. Destes, três já tinham sido eleitos Deputados da Nação em 1991, sendo que um deles foi reeleito em 1996.

Para as eleições legislativas de 2001, o PCD conseguiu eleger apenas um Deputado, o seu líder77, constituindo-se, assim, no único caso de circulação vertical no sentido local/nacional nesse partido. Os demais (quatro), inclusive uma Deputada Municipal eleita em 2004 nas listas deste partido para as eleições autárquicas na Praia, passaram somente pela circulação vertical no sentido nacional/local. A extinção do partido e a não apresentação de candidatura nas eleições legislativas e autárqucas seguintes impediram

76 É o caso de Alcídio Tavares que, nas eleições municipais de 1991 e de 1996, concorreu no Paul na condição de cabeça de lista do denominado GIDSP, mas, em 2001, surge nas listas do PAICV, como candidato a Deputado da Nação por este círculo. Na Ribeira Grande, Orlando Delgado, eleito nas listas do grupo independente neste concelho, integra as listas do MPD para as eleições legislativas de 2001 e é eleito, e a seguir, no ciclo eleitoral de 2004/06, volta a concorrer nas eleições municipais na lista do grupo independente. Outro caso diz respeito à Leonesa Fortes que foi eleita Vereadora pelo mesmo grupo em 1996 e, posteriormente, em 2006, integraria o elenco governamental na qualidade de Secretária de Estado das Finanças. São esses os casos de circulação vertical que abrangem os grupos independentes de cidadãos.Na nossa análise, não incluímos o ex-edil ribeira-grandense Jorge Santos porque, apesar de ter sido eleito Presidente da Câmara Municipal nas listas deste grupo, nas eleições municipais de 1996 e de 2000, o mesmo passou pelo processo de circulação vertical, sempre na qualidade de membro do MPD. Em Fevereiro de 1991, foi eleito Deputado da Nação nas listas do MPD, em Dezembro do mesmo ano seria eleito Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande nas listas do MPD e, em 2006, quando foi eleito Deputado da Nação, já tinha deixado a Câmara, não concorrendo às eleições autárquicas realizadas em 2004, e desde essa altura tinha se vinculado novamente a aquele partido.

77 Eurico Monteiro

163 a possibilidade do surgimento de mais ocorrências de circulação vertical, seja num sentido ou noutro.

Quanto ao PAICV, a grande diferença de circulação vertical dos seus eleitos políticos locais nestes municípios, comparativamente ao MPD, deve-se provavelmente à maior acumulação do número de eleições autárquicas vencidas por parte deste partido face ao PAICV. Em vinte e cinco actos eleitorais nas autárquicas, o MPD ganhou quinze e o PAICV cinco. Os restantes cinco foram vencidos pelos grupos independentes.

Os municípios da Praia e de Santa Catarina são aqueles onde se assinala um maior equilíbrio em termos de eleições autárquicas vencidas pelos dois partidos, com o MPD a registar três vitórias em cada um dos referidos municípios, contra duas para o PAICV.

Na ilha de Santo Antão, a diferença entre os dois partidos tende a aumentar, com o MPD a vencer nove eleições autárquicas em disputa, contra cinco dos grupos independentes e apenas uma para o PAICV. As possíveis razões que podem explicar os sucessivos insucessos eleitorais por parte do PAICV nesta ilha ao nível autárquico, e não só, podem estar relacionadas com os ressentimentos e o impacto negativo principalmente junto dos proprietários e da própria população da apresentação do ante- projecto da Lei das Bases de Reforma Agrária78 e da crispação criada entre as estruturas locais do PAICV e a população que culminou com o conflito entre as forças da ordem representadas pelos militares e a população local em finais do mês de Agosto de 1981. Na sequência deste acontecimento, as torturas cometidas pelas forças militares e as penas de prisão aplicadas aos envolvidos neste acontecimento79 contribuiram para o distanciamento entre a população local e as estruturas representativas do regime do partido único, particularmente o PAICV.

78 Sobre a questão da reforma agrária em Cabo Verde, conferir o autor Cláudio Furtado (1993). A transformação das estruturas agrárias numa sociedade em mudança, Santiago de Cabo Verde, ICL, Praia.

79 Para informações aprofundadas sobre esta questão, conferir os livros de Onésimo Silveira, A tortura em nome do partido único – O PAICV e a sua polícia política, Mindelo, 1991, Germano Almeida, O dia das calças roladas, Ilhéu Editora, Mindelo, 1992 e César Almeida, A recomposição do espaço social cabo- verdiano, Gráfica do Mindelo, Mindelo, 2001.

164

Os acontecimentos de 31 de Agosto de 1981 são também considerados por um dos nossos entrevistados na ilha de Santo Antão como o maior obstáculo do PAICV nas primeiras eleições nesta ilha, mas também entende que houve um aproveitamento político por parte do MPD que garantiu as suas vitórias eleitorais nas diferentes eleições autárquicas explorando de forma exagerada estes factos:

“Com a dimensão da derrota nas legislativas realizadas no mês de Janeiro de 1991, o partido ficou numa posição extremamente fragilizada para a disputa das eleições autárquicas. Considerou-se e bem na época não apresentar nenhuma candidatura nas eleições autárquicas realizadas no mês de Dezembro de 1991. A questão da reforma agrária constituiu-se num cavalo de batalha utilizado pelos nossos adversários, sem contar que havia mágoas e ressentimentos por parte da população em relação ao PAICV que pesou ao nosso desfavor. Houve, entretanto, uma exacerbação e exploração do ponto de vista emocional desta matéria por parte do MPD. O PAICV era visto como um partido autoritário que a população local queria ver banido do espectro político nacional, mas o seu percurso nos dez anos de democracia mostrou um PAICV mais maduro, crescido e mais tolerante… com a vitória do PAICV nas legislativas ao nível nacional e com os investimentos que o governo tem feito nas infraestruturas nesta ilha tem levado a um aumento do entusiasmo, da esperança da população e uma diminuição do fantasma do PAICV do período do regime do partido único” (entrevista IC).

Entretanto, um outro entrevistado em Santo Antão atribuí um grande peso à revolta da população local face aos acontecimentos de 31 de Agosto de 1991, somente nas primeiras eleições, e considera que o crédito na vitória nas demais eleições deve-se ao trabalho feito pelas equipas camarárias eleitas:

“Concordo que o acontecimento de 31 de Agosto deixou marcas na população de Santo Antão formada por gente pacata e acolhedora que sentiu-se ofendida, desrespeitada e humilhada pelo PAICV. A nossa vitória em 1991 deve-se muito a este facto, assim como em 1996. Mas as nossas acções não se sustentaram apenas nesse facto, trabalhamos com uma visão integrada do desenvolvimento da ilha. Criamos a associação dos municípios de S. Antão, o gabinete técnico inter-municipal, tudo isto para chamar a atenção, para ter capacidade técnica de resposta, porque uma coisa é chamar a atenção sobre os problemas, outra é a capacidade para os resolver. A arma com que nós conseguimos chegar aos recursos foi a organização, reforço da capacidade técnica. Aí apareceram os holandeses, o próprio governo começou a acreditar na ilha e foi por essa via que conseguimos eliminar muita coisa ruim. Santo Antão tinha os piores índices de desenvolvimento do país, hoje temos a maior taxa de electrificação rural do país, temos a maior cobertura de água canalizada do país, nas vilas e cidades a percentagem de água canalizada chega aos 99%, agora falta uma

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coisa fundamental, que é potencializar toda essa infraestruturação pública e criar desenvolvimento e empregos” (entrevista a JS).

O maior número de eleições autárquicas vencidas pelo MPD, e por inerência a conquista de um maior número de mandatos seja nos executivos, seja no deliberativos municipais, tem-se traduzido num maior número de casos de circulação vertical dos eleitos políticos locais afectos a este partido, comparativamente aos do PAICV. É assim nos municípios de Santo Antão e em Santa Catarina e também na Praia, embora neste último, a diferença de casos de circulação vertical a favor do MPD seja menor, comparativamente aos registados nos demais municípios.

Uma possível explicação para essa menor diferença assinalada na Praia pode estar relacionada com um maior equilíbrio em termos do número de eleitos nas eleições legislativas de 1991 a 2006. O MPD conseguiu 31 mandatos contra 25 do PAICV. Em Santa Catarina, o MPD conquistou 18 e o PAICV 10. Em Santo Antão, a diferença é maior, com o MPD a conquistar 27 deputados durante esse período, contra 8 do PAICV, sendo que pela primeira vez, em 2006, nota-se um equilíbrio em termos de número de mandatos alcançados por cada um destes partidos, com 4 eleitos para cada um. Essa diferença em termos do número de eleitos também reflecte nos casos de circulação vertical. Na Praia, assinalam-se 11 situações de indivíduos eleitos nas listas do MPD, que passaram pela circulação vertical, contra 8 entre os eleitos do PAICV. Em Santa Catarina, verificam-se 9 casos para o MPD e 3 para o PAICV e, em Santo Antão, 13 para o MPD e 4 para o PAICV. Estes dados indiciam que o partido que elege o maior número de deputados tende a apresentar o maior número de casos de circulação vertical.

Outro aspecto a observar é a repetição dos nomes dos eleitos nas eleições legislativas.80 Nota-se alguma dificuldade, por parte dos partidos políticos nos actos eleitorais, a uma maior abertura na composição das suas listas eleitorais. Este aspecto é transversal aos dois partidos do arco do poder, embora tenda a demonstrar uma maior incidência nos eleitos do MPD. A taxa de reeleição atinge cerca de 1/3 dos Deputados da Nação eleitos na Praia, em Santa Catarina e em Santo Antão, com distribuição diferenciada,

80 Devido à dificuldade em encontrar as listas dos candidatos do PAICV e do MPD para as legislativas de 1991, 1996, 2001 e 2006, trabalhou-se apenas com a lista dos eleitos o que de certa forma acaba por condicionar as conclusões porque a lista dos eleitos constitui-se apenas numa das dimensões da renovação.

166 dependendo do município/ilha em análise. Assim, na Praia, assinalam-se valores acima da média, ou seja, 38%, enquanto em Santo Antão a taxa alcança cerca de 29% dos eleitos. Em Santa Catarina, registam-se valores próximos da média, ou seja, 32%. Esses dados indiciam uma certa repetição dos nomes nas listas.

Quadro nº 20 - número total de deputados eleitos e reeleitos por partidos políticos segundo os domínios de estudo

1991 1995 2001 2006 Total Partidos Eleitos Reeleitos Eleitos Reeleitos Eleitos Reeleitos Eleitos Reeleitos Eleitos Reeleitos MPD 11 0 8 5 5 3 7 3 31 11 PAICV 5 0 4 2 8 3 8 4 25 9 PCD 0 0 1 1 1 1 0 0 2 2 MPD 7 0 6 4 3 1 3 2 19 7 PAICV 1 0 1 0 4 0 3 2 9 2 MPD 10 0 8 3 5 2 4 2 27 7 PAICV 0 0 1 0 3 1 4 1 8 2

Fonte: CNE e o autor

Interessa-nos saber onde o fenómeno de circulação tende a concentrar-se mais, entre os deputados reeleitos ou entre os deputados eleitos pela primeira vez? Ainda entre os deputados reeleitos, procuramos saber qual é a tendência que se desenha: será que os deputados reeleitos são compostos na sua maioria por indivíduos com uma trajectória de circulação?

Os dados do quadro número 21 revelam que as situações de circulação têm acontecido mais entre os deputados reeleitos (21) do que entre os deputados eleitos pela primeira vez (16), particularmente em Santa Catarina, com sete registos de circulação vertical entre os reeleitos e apenas dois entre os deputados eleitos pela primeira vez. Na Praia, são nove os casos de circulação vertical entre os reeleitos contra cinco entre os eleitos pela primeira vez e, em Santo Antão, passa-se o contrário, os casos de circulação têm sido mais frequentes entre os eleitos pela primeira vez (9), comparativamente aos deputados reeleitos (5).

Os dados tendem a indiciar que os Deputados da Nação reeleitos são aqueles que maioritariamente passam pelo processo de circulação vertical comparativamente aos deputados eleitos pela primeira vez.

167

Quadro nº 21 - número total de deputados reeleitos e eleitos pela primeira vez segundo os domínios de estudo

1995 2001 2006 Total Reeleitos 0 4 5 9 PRAIA Eleitos 1ª vez 0 4 1 5 Reeleitos 4 1 2 7 S. CAT. Eleitos 1ª vez 1 1 0 2 Reeleitos 1 1 3 5 S. ANTÃO Eleitos 1ª vez 3 3 3 9

Fonte: CNE e o autor

Entre os deputados reeleitos, constata-se que a circulação tem sido uma prática frequente. São vinte e um o número de deputados reeleitos que passaram pelo processo de circulação, correspondente a 51% do total dos reeleitos, contra praticamente o mesmo número - vinte que não foram eleitos uma única vez ao nível das eleições autárquicas.

Em Santa Catarina, dos nove deputados reeleitos, a maioria (7) passou pelo processo de circulação. Em Santo Antão, entre os dez deputados reeleitos, regista-se um maior equilíbrio, pois, cinco desses reeleitos já foram eleitos em algum momento nas suas trajectórias políticas para ocupar cargos ao nível autárquico, contra a outra metade que fez o seu percurso político, ocupando somente os cargos políticos de dimensão nacional. Na Praia, assiste-se o contrário, ou seja, o número de casos de deputados reeleitos que também já foram eleitos ao nível local (9) é inferior ao número dos deputados reeleitos que não desempenharam nenhum cargo político autárquico (13).

Nas eleições legislativas de 1995, o número de casos de deputados reeleitos, que ainda não tinham sido eleitos ao nível local (dez), corresponde ao dobro dos deputados reeleitos que já passaram pela experiência electiva local com sucesso em 1991. Nas eleições legislativas de 2001, a situação inverte-se, ou seja, assinala-se um maior número de casos de reeleitos, que passaram pelo processo de circulação (6), do que aqueles que não o foram (5). Nas eleições legislativas de 2006, os casos de deputados reeleitos com uma trajectória de circulação vertical tende a aumentar, passando para dez contra cinco dos reeleitos sem uma trajectória de circulação.

168

Quadro nº 22 - número total de deputados reeleitos e dos que passaram pela circulação vertical por partidos políticos, segundo os domínios de estudo

1995 2001 2006 Total circulação 0 4 5 9 PRAIA S/circulação 8 3 2 13 circulação 4 1 2 7 S. CAT. S/circulação 0 0 2 2 circulação 1 1 3 5 S. ANTÃO S/circulação 2 2 1 5

Fonte: O autor

Procuramos entender as razões que explicam essa considerável taxa de reeleição dos deputados bem como a maior frequência dos casos de circulação vertical entre os deputados reeleitos. Das entrevistas realizadas junto dos eleitos políticos, que já tiveram a experiência de participar do grupo encarregado para a composição das listas no PAICV e no MPD, nota-se a existência de uma multiplicidade de factores, seja do ponto de vista da estratégia individual dos militantes seja da do partido político, que influenciam no processo de repetição dos nomes nas diferentes eleições.

É interessante notar que, pelo menos ao nível das eleições legislativas, os partidos políticos têm o hábito de publicitar internamente os critérios que orientam a escolha dos candidatos para a composição das listas. Todavia, na prática, como afirma um dos nossos entrevistados,

“os critérios são adulterados no processo de jogo de forças dentro dos partidos. No momento da discussão da composição das listas, alguns dirigentes com mais peso ao nível local costumam reclamar as suas integrações nas listas bem como a dos colegas que lhes são mais próximos. Caso não consigam os seus intentos à primeira, utilizam todos os seus poderes de barganha para pressionar os órgãos de decisão, utilizando inclusive a “ameaça” do não engajamento pessoal e a da estrutura do partido local bem como dos militantes que lhes são mais próximos, comprometendo desta forma a capacidade de mobilização ao nível local e a sua possibilidade de sucesso eleitoral” (entrevista EF).

169

Denota-se, assim, a utilização de uma rede de contactos que potencia a influenciação dos órgãos de decisão nacional dos partidos. O peso destes dirigentes ao nível local permite-lhes um certo peso ao nível nacional porque são eles que, regra geral, fazem a intermediação entre a cúpula do partido e a base. Este peso que está associado ao controlo das estruturas do partido, seja ao nível local ou nacional, é referenciado também por um dos nossos entrevistados pertencente a um outro partido político.

“a influência que as pessoas têm derivada do facto de pertencerem às estruturas e aos órgãos de decisão, algumas delas acabam por aproveitar dessa situação e condicionam as suas presenças e a dos companheiros que lhes são próximos. Desta forma, os militantes que estão fora desses órgãos são prejudicados nesse jogo de relações de força” (entrevista RS).

Para além desse aspecto, há dois outros que influenciam a composição das listas. Um deles tem a ver com o capital político, com o nível de popularidade de um militante que o partido resolve explorar para mobilizar o maior número de eleitores. Nesses casos, esses indivíduos são sempre convidados para fazer parte das listas, seja ao nível autárquico, seja ao nível nacional. Um outro aspecto diz respeito à representatividade geográfica referenciada muitas vezes pelos partidos políticos. Em certas situações, o partido enfrenta dificuldades em diversificar os integrantes nas suas listas porque não encontra alternativa em termos de notoriedade entre os seus militantes e acaba por apostar invariavelmente nas mesmas figuras.

É a conjugação destes factores, que instala a relação de forças dentro do partido, com vantagem para certos dirigentes que controlam os órgãos do partido ao nível local e ao nível nacional, e os interesses do partido, que procura os candidatos que lhe possam render maior número de votos, que acaba por influenciar fortemente a composição das listas nas eleições legislativas e autárquicas.

170

Gráfico nº 6 – Circulação dos eleitos políticos locais segundo os partidos políticos

33

Nacional/Local Local/Nacional

10 27 4 12 0 0 1 1 2 MPD PAICV PCD GIDSP GIDR

Fonte: Boletim Oficial

Um outro aspecto que merece análise é o facto de o MPD ter sido um partido que até o presente tem registado um maior número de casos de circulação vertical no sentido nacional/local entre os seus eleitos políticos locais. No MPD, são 33 os casos de circulação vertical no sentido nacional/local, correspondente a 55% do total registado neste partido, contra 27 casos no sentido contrário, ou seja, do local para o nacional, correspondente a 45%.

Contudo, numa leitura dos dados relativos a cada um dos municípios, constata-se que é em Santiago, especialmente em Santa Catarina, que o MPD tem construído a maior diferença na circulação vertical no sentido nacional/local (12) sobre a circulação local/nacional (8). Na Praia, a discrepância é menor, tendo-se constatado 10 casos de circulação vertical no sentido nacional/local, contra 8 no sentido local/nacional. Em Santo Antão, regista-se um claro equilíbrio com onze situações de circulação vertical ascendente e onze descendentes, sendo que, na Ribeira Grande e no Paul, a incidência de casos de circulação no sentido local/nacional é maior e, no Porto Novo, a vantagem está do lado da circulação nacional/local.

Entre os eleitos políticos locais do PAICV, a Praia aparece como o município onde os casos de circulação vertical, no sentido local/nacional (8), superam os casos no sentido oposto (4). Em Santa Catarina e em Santo Antão, pelo contrário, a preeminência, ainda

171 que mínima, está do lado dos eleitos políticos locais que passaram por uma circulação vertical no sentido descendente, ou seja, nacional/local.

As situações de circulação entre os eleitos políticos locais do MPD, no sentido nacional local, representam 7 em cada 10 casos de circulação vertical assinalados entre os ciclos eleitorais de 1991 a 2008. O PAICV não ultrapassou os 21%, ou seja, 3,5 vezes menos do que o registado com o seu principal adversário político. O PCD surge em terceiro lugar com 8,5% dos casos.

No que diz respeito à circulação vertical no sentido local/nacional, de acordo com os dados constantes do gráfico nº 7, o MPD detém também o registo do maior número de casos, mas a diferença é menor comparativamente aos demais concorrentes. Este tipo de situação entre os eleitos políticos locais do MPD representa cerca de 63% do total dos casos registados para o período em análise, contra 28% para o PAICV que, neste particular, reduz a diferença para o MPD, mas, mesmo assim, representa menos de metade dos casos assinalados por este partido. A performance quer do PCD, quer dos grupos de cidadãos independentes nos concelhos da Ribeira Grande e do Porto Novo, afigura-se residual, representando menos de 10% do total da circulação vertical no sentido local/nacional.

Gráfico nº 7 – Cirulação vertical dos eleitos políticos locais no seio de cada partido político em relação ao total da circulação em %

70,2

Nacional/Local Local/Nacional

21,3 62,8 8,5 27,9 2,3 4,7 2,3 0 0 MPD PAICV PCD GIDSP GIDR

Fonte: Boletim Oficial

172

Não se descortina nenhuma estratégia política deliberada por parte do MPD e do PAICV no sentido de privilegiar a circulação dos seus eleitos políticos locais mais no sentido ascendente ou descendente. Uma das razões que poderá justificar o maior número de situações de circulação descendente entre os eleitos políticos locais do MPD pode estar relacionada com a conjuntura política num determinado momento. Referimo- nos à mudança política ocorrida em 1991, que ditou primeiro a realização das eleições legislativas, seguidas das presidenciais e, por último, as eleições autárquicas. O MPD, um partido recém formado, participou nas eleições legislativas, apostando em praticamente todas as figuras disponíveis que participaram na sua formação. Da mesma forma, viria a apostar numa parte desses dirigentes para as eleições autárquicas realizadas praticamente um ano após a realização das legislativas. As entrevistas realizadas junto dos dirigentes deste partido, que participaram nas listas para as legislativas e autárquicas em 1991, indiciam que as suas participações nas listas para as autárquicas, após terem sido eleitos deputados da nação, enquadra-se não numa estratégia deliberada de circulação preparada pelo partido, mas numa aposta para a vitória nas eleições locais, aproveitando a dinâmica e toda a confiança conquistada pelos seus dirigentes junto do eleitorado nas eleições anteriores:

“Fui fundador do MPD, mas o grupo que formou o partido começou a reunir- se uns anos antes, 89, com o objectivo de participar numa lista de cidadãos para a Câmara da Praia… Praticamente os principais protagonistas da fundação do partido acabaram por ser também dirigentes e assim entrei logo para a direcção do partido, para a comissão política e nas listas para as legislativas” (entrevista JR).

“Foi em 1990, altura da mudança. Havia uma necessidade de ser político no sentido restrito do termo, e eu, e mais alguns colegas decidimos entrar. Fui contactado para realizar trabalhos para o partido que surgiu na altura (MPD), e logo depois entrei na lista para as primeiras eleições legislativas multipartidárias e de seguida eu e boa parte dos meus colegas continuamos a desenvolver o nosso trabalho agora dirigido para dar combate ao PAICV nas eleições autárquicas, participamos nas listas e conseguimos mais uma vitória. Em 90 o partido não estava totalmente organizado, tivemos uma convenção e havia a necessidade de entrada, portanto quem estava na frente foi convidado para fazer parte das listas” (Entrevista MM).

Há registo também de indivíduos que não participaram nas legislativas em 1991, mas que viriam a ser convidados para integrarem as listas para as eleições autárquicas nos seus respectivos municípios e a partir daí continuaram com as suas participações nas

173 estruturas de dimensão nacional, seja de deputados da nação, seja de ministros, fazendo um percurso contrário, ou seja, no sentido local/nacional.

“Numa determinada altura recebi uma visita de um conhecido do concelho do Paul, nesta altura eu vivia em S. Vicente e ele fez-me o convite para integrar as listas da administração local. A sua primeira proposta foi que eu me candidatasse a Presidente da Câmara do Paul, isso em 1991, mas nesta altura como ainda não havia muitas mulheres na política em Cabo Verde, tive alguma dificuldade em aceitar o convite, e entendendo que tenho alguma responsabilidade com a população do Paul, o município onde nasceram os meus pais, onde nascemos eu e os meus irmãos e o lugar onde sempre vivi, então fiz a contra proposta, porque não integrar então a lista para a assembleia municipal? E foi assim que iniciei na assembleia municipal, não como cabeça de lista, porque se calhar foi logo após a abertura política, mas sim como a segunda da lista para a assembleia municipal, onde passei nessa altura a exercer o cargo de vice-presidente. Em 1995 fui convidada para integrar a lista de deputados no meu concelho e tempos depois fui convidada para ser ministra”(entrevista OF).

A precedência das eleições legislativas face às autárquicas em 1991 e a consequente vitória do MPD terão contribuído em parte para um maior número de casos de circulação dos eleitos políticos locais deste partido no sentido nacional/local. Esta estratégia de incluir nas listas das autárquicas os indivíduos que tinham sido eleitos nas legislativas de 1991 foi implementada em todos os municípios em disputa, sendo que o MPD acabou por sair vitorioso na maioria deles. O PAICV, com a derrota sofrida nas eleições legislativas, em que as listas eram compostas maioritariamente pelos ex- dirigentes, mudou de estratégia para as eleições autárquicas, recorrendo a um maior número dos seus militantes de base constituídos por indivíduos mais jovens. São alguns destes eleitos nas autárquicas de 1991 e 1996 que viriam a fazer parte das listas deste partido que venceriam as eleições legislativas em 2001. As duas derrotas sucessivas nas eleições legislativas de 1991 e de 1995, condicionaram a circulação dos eleitos políticos locais deste partido no sentido nacional/local.

“Comecei como voluntário, como cidadão que queria dar a sua contribuição para o desenvolvimento do país na altura. Comecei em 1973, mas formalmente foi em 1974 como militante do PAIGC… Era preciso um processo de selecção, então levava-se algum tempo até ascendermos a um cargo de direcção. A partir das eleições autárquicas em 1991 procedeu-se a uma maior abertura na

174

composição das listas dentro do partido à medida que os ex-dirigentes foram cedendo lugar aos militantes mais jovens” (entrevista EM).

Entre os Presidentes de Câmara Municipal, eleitos nos municípios em estudo, entre 1991 a 2008, nota-se a tendência para o registo de um maior número de casos de circulação vertical no sentido nacional/local do que do local para o nacional. Assim, do total destes eleitos (16), somente quatro passaram por um processo de circulação vertical ascendente no sentido Câmara Municipal – Assembleia Nacional, contrariamente à maioria (9) que vivenciara uma circulação vertical no sentido descendente, ou seja, tiveram uma experiência política no Parlamento (8) e no governo (1) antes de concorrer para o cargo de Presidente de Câmara Municipal.

Na Praia todos os Presidentes de Câmara Municipal eleitos desde 199181, fizeram um movimento descendente nas suas trajectórias políticas no sentido nacional/local, ou seja, foram eleitos primeiro para o Parlamento antes de serem eleitos Presidentes de Câmara. Em Santa Catarina, dos cinco Presidentes de Câmara Municipal eleitos, três82 passaram pelo processo de circulação vertical no sentido nacional/local, ou seja, ocuparam cargos de Deputados da Nação ou de Ministros antes de serem eleitos Presidente da Câmara Municipal. Os restantes dois não foram eleitos para mais nenhum cargo para além do de Presidente de Câmara.

Em Santo Antão, dos oito Presidentes de Câmara eleitos, três passaram pelo processo de circulação vertical no sentido nacional/local83, contra quatro que passaram pelo processo

81 Jacinto Santos, Felisberto Vieira e Ulisses Correia e Silva.

82 Pedro Freire, José Maria Neves e Francisco Tavares.

83 Jorge Santos, César Almeida e Vera Almeida.

175 de circulação vertical no sentido ascendente84. Um único entre estes eleitos ocupou somente o cargo de Presidente de Câmara Municipal, não passando por nenhum processo de circulação vertical, seja ascendente ou descendente.

Em Santo Antão, dos três casos de circulação vertical descendente entre os Presidentes de Câmara Municipal, dois aconteceram no ciclo eleitoral de 1991 e o terceiro somente nas eleições de 2008. Esse menor registo em termos percentuais de circulação vertical entre os edis dos municípios de Santo Antão pode estar relacionado com uma certa dificuldade dos partidos em apresentar candidatos que gozam de uma grande notoriedade ao nível nacional ao mesmo tempo que possuem um nível de prestígio superior ao dos eleitos locais residentes em Santo Antão. A Associação dos Municípios de Santo Antão, a primeira do género criada no país, concomitantemente à criação de um órgão técnico de suporte designado de Gabinete Técnico intermunicipal, constituiu- se numa entidade de referência ao nível da ilha ao contribuir para uma planificação integrada através da implementação de vários projectos financiados pela cooperação estrangeira, entre os quais se destaca o da electrificação rural apoiada pela Cooperação Luxemburguesa. A implementação destes projectos poderá ter contribuído para o fortalecimento da visibilidade dos eleitos políticos locais face aos eleitos Deputados da Nação geralmente residentes na Praia e mais distantes na resolução dos problemas imediatos da população.

Esta hipótese é corroborada pela opinião de um dos entrevistados em Santo Antão: “Em Santo Antão, desde 1991 a nossa preocupação foi no sentido de apostar na construção de uma liderança local forte e presente. Tínhamos alguns casos de quadros qualificados como o António Espírito Santo, o Jorge Delgado entre outros, mas não tinham muitas raízes em Santo Antão porque já residiam há muito tempo em outros lugares – Praia e S. Vicente, e isso pesa muito nesta ilha que contrariamente a Santa Catarina, por exemplo, as pessoas apreciam que as listas sejam compostas maioritariamente por políticos residentes em Santo Antão. Tendem a apoiar uma candidatura das pessoas que lhes estão próximas. Neste sentido apostamos em quadros locais tecnicamente fortes e para as legislativas defendemos a entrada de técnicos fortes que residem fora da ilha juntamente com outros candidatos com uma certa aceitação ao nível local, mas desprovidos de perfil para a liderança das Câmaras” (entrevista OD).

84 Alcídio Tavares, Orlando Delgado, Joel Barros, Amadeu Cruz e Américo Silva.

176

O espaço Câmara Municipal acaba por se constituir no principal espaço de actuação destes eleitos políticos locais, conscientes da valorização dos seus capitais políticos ao nível local que tende a dispersar-se nos espaços de disputa pelo poder ao nível nacional. Esta tendência de circulação vertical descendente verificada entre os Presidentes de Câmara pode estar, por um lado, relacionada com as dinâmicas partidárias, ou seja, os partidos procuram sempre que possível colocar nas eleições locais figuras nacionalmente fortes, como uma forma de arregimentar o eleitorado, por outro, dependente do jogo de forças internas no momento em que os pré candidatos manifestam a sua disponibilidade em concorrer. Praticamente todos os Presidentes da Câmara entrevistados são unânimes em considerar que a notoriedade e visibilidade dos candidatos são dois factores de peso no momento em que o partido faz a sua escolha. A motivação pessoal do candidato também merece destaque por parte dos entrevistados:

“Para o cargo de Presidente de Câmara o partido aposta nos dirigentes com maior prestigío social e notoriedade. O partido apresenta a sua escolha, mas é preciso também que o candidato esteja motivado e preparado antecipadamente para este desafio. No meu caso conciliamos as duas coisas porque concorrer para a Câmara da minha cidade já fazia parte do meu projecto e do meu desafio político” (entrevista F).

Os Presidentes e ex Presidentes das Câmaras Municipais da Praia e de Santa Catarina ocuparam cargos que lhes garantia visibilidade acima da média antes de concorrerem para as respectivas Câmaras Municipais85.

Entre os Presidentes de Câmara Municipal de Santo Antão que passaram pelo processo de circulação vertical descendente, dois86 tinham ocupado o cargo de Delegado de Governo na fase de transição entre Março a Dezembro de 1991.

85 Na Praia, Jacinto Santos, Felisberto Vieira e Ulisses Correia e Silva desempenharam o cargo de líder parlamentar do MPD e do PAICV na Assembleia Nacional e, entre os de Santa Catarina, Pedro Freire foi Ministro da Justiça, José Maria Neves - vice-Presidente da Assembleia Nacional e Francisco Tavares – líder parlamentar do MPD e posteriormente Presidente do Instituto Nacional de Estatísticas, cargo que ocupou durante praticamente dez anos.

86 Jorge Santos e César Almeida.

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3.5 Circulação inter-partidária

Uma outra dimensão da circulação dos eleitos políticos locais diz respeito à mudança partidária. Interessa-nos saber o grau de fidelidade partidária em Cabo Verde e, nos casos em que ocorrem mudanças de partido, se tal se deve a uma transformação na maneira como o eleito político local concebe o seu papel na política, ou se é uma questão puramente estratégica do ponto de vista da sua carreira política e profissional.

A experiência política multipartidária em Cabo Verde é recente, pois teve o seu início em 1991,87 e os registos de mudanças de partido aconteceram em 1993 em decorrência de uma fractura no seio do partido que acabara de ganhar as eleições legislativas em 1991 – o MPD. Tal cisão levou ao surgimento de um novo partido político, o PCD, que viria a participar nas eleições legislativas realizadas nos finais do ano de 1995. Foram vários os quadros dirigentes do MPD que passaram para o PCD, de entre os quais se destacam os que interessam para o efeito deste estudo que são os eleitos políticos locais88. Importa realçar que o número de dirigentes eleitos nas listas do MPD em 1991 e que mudaram para o PCD é de longe superior ao número daqueles que vieram a ser eleitos posteriormente ao nível local.

O fenómeno de cisão interna no MPD viria a ressurgir nos finais do segundo mandato em 1999 e desta vez com uma “sangria” menor dos dirigentes em termos numéricos, mas que não deixou de ser significativo e veio dar origem a um novo partido político, o PRD. Entre as figuras de relevo deste novo partido, destacam-se alguns que foram

87 Os casos de mudança partidária reportam apenas aos eleitos políticos a partir das primeiras eleições legislativas livres e multipartidárias realizadas em Janeiro de 1991. Nesta senda, não se incluem as situações dos indivíduos que, até 1990, militavam no PAICV ou tinham sido eleitos e/ou nomeados pelo governo do regime de partido único para desempenhar um cargo político, e que nas eleições de 1991 (legislativas e autárquicas) integraram as listas do MPD.

88 Designadamente, Eurico Monteiro, Luís Leite e Jorge Figueiredo.

178 eleitos políticos locais89. Em relação a estes casos nota-se que as mudanças partidárias ocorreram de um modo colectivo e culminou com a criação de um novo partido político, o que pode indiciar uma tentativa de ruptura com as práticas políticas e/ou ideológicas sustentadas pelo MPD. Segundo a opinião expressa por um dos entrevistados,

“Creio que a ruptura de 1993 tem a ver fundamentalmente com a insuficiência de maturação política e com um passado de poucas afinidades entre os dirigentes do MPD. A cúpula do partido era formada pelo menos por dois grupos distintos: um composto pelos indivíduos que partilharam uma vivência académica em Portugal, maioritariamente constituído pelos indivíduos que passaram pelas faculdades de direito e, outro, formado por aqueles que ainda de uma forma isolada tinham um passado comum em muitos aspectos no que concerne a uma certa luta ao PAICV e que procuravam espaços de intervenção política. O factor ideológico pode ter tido o seu peso, mas não foi determinante nesta ruptura. Já em 1999, a cisão tem uma componente ideológica muito forte, para além da contestação da prática governativa. Questionamos a centralização das estruturas do poder e o afunilamento das estruturas de tomada de decisão em órgãos não eleitos e sem mandatos para o efeito” (entrevista JS).

Fora desse quadro, o mais frequente são as situações particulares dos eleitos políticos locais nas listas dos grupos independentes, que por força da lei (artigo 429º do Código Eleitoral), não podem estar vinculados a nenhum partido político e que em alguns casos surgem nas listas dos partidos para as eleições legislativas. Na verdade, integram as listas dos partidos aos quais se sentem mais próximos90.

89 Como Jacinto Santos, Simão Monteiro, César Almeida e Deolinda Monteiro.

90Temos o exemplo do ex-edil do Paul Alcídio Tavares eleito Presidente da Câmara deste município durante dois mandatos consecutivos e que posteriormente em 2001, após ter perdido a disputa para um terceiro mandato nas autárquicas de 2000, surge como candidato a deputado nas listas do PAICV. Na Ribeira Grande, pode citar-se os caos da ex-vereadora Leonesa Fortes, eleita em 1996, nas listas do grupo independente e que viria a integrar o governo do PAICV em 2006; a do Orlando Delgado, eleito Presidente da Assembleia Municipal da Ribeira Grande em 2000 pelo grupo independente e eleito Deputado da Nação em 2001 nas listas do MPD; e, do ex-Presidente de Câmara Municipal Jorge Santos que veio a ser reeleito deputado da nação nas listas do MPD, assim como a maioria dos integrantes do grupo independente na Ribeira Grande que vieram a integrar as listas do MPD nas eleições autárquicas de 2008. Nos casos dos eleitos a deputados, o exemplo mais emblemático é a de Jorge Santos que viria a ser eleito Presidente do MPD e com isso nota-se a mudança no seu discurso de um cariz marcadamente local, enquanto Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande e um dos impulsionadores da criação da

179

Como tinhamos referido anteriormente, constata-se uma enorme fidelização partidária entre os eleitos políticos ou militantes destacados, ou seja, activos politicamente. À excepção das mudanças partidárias, ocorridas com a criação do PCD e do PRD, registamos sete casos de eleitos políticos locais que trocaram de partido político, sendo dois na Praia, dois em Santa Catarina e três em Santo Antão. Destes, quatro dizem respeito aos indivíduos que deixaram de militar no MPD e passaram para o PAICV, ao contrário de três que fizeram o percurso inverso, ou seja, mudaram do PAICV para o MPD. Em Santa Catarina, os dois casos dizem respeito aos indivíduos que mudaram do MPD para o PAICV, enquanto na Praia assinala-se o contrário, ou seja, os eleitos políticos locais trocaram o PAICV pelo MPD. Em Santo Antão, regista-se um maior equilíbrio, com duas situações favoráveis ao PAICV e uma ao MPD.

As razões ligadas à mudança de partido enquadram-se essencialmente numa estratégia de natureza estritamente pessoal e estão relacionadas com uma “luta” para a melhoria das carreiras políticas e profissionais, como se pode apreender do discurso de um dos nossos entrevistados que se repete em outros casos:

“Fui eleito em 1991 e fazia parte dos jovens que estavam entusiasmados com a mudança política e o surgimento do MPD. Por razões de estudo tive que ausentar do país e não concluí o meu mandato. No meu regresso enfrentei enormes adversidades na administração pública provocadas por alguns dirigentes do MPD, devido a minha discordância pelo facto de não existir naquela altura critérios que definiam o ingresso no curso de magistratura em Portugal. Por não haver condições afastei-me do partido e em 2000, na qualidade de independente o candidato do PAICV para a Câmara Municipal de Santa Catarina – José Maria Neves, convidou-me para fazer parte da sua lista e é nesta mesma condição que me convidou para integrar as listas das legislativas em 2001. O meu ingresso no PAICV enquanto militante aconteceu no momento em que o presidente do PAICV convidou-me para fazer parte das listas dos órgãos do partido no Congresso realizado em 2003” (entrevista JC).

Os poucos casos de mudança partidária indiciam que em Cabo Verde o universo partidário é hermético, contrariamente a outros países, como Portugal91 e o Brasil92, para

Associação dos Municípios de Santo Antão, para um discurso mais nacional na qualidade de líder de um partido com pretensões de assumir o governo do país.

91 Ester Silva (2002), 146-147

180 só citar alguns exemplos de casos em que se regista uma enorme circulação interpartidária.

Portanto, verificamos que no caso cabo-verdiano, em lugar de uma circulação inter- partidário, assiste-se a uma forte circulação entre as posições políticas locais e nacionais. Nos ciclos eleitorais curtos com muita frequência os deputados que ocupam posições na Assembleia nacional aparecem a disputar cargos nas eleições locais. Cabe- nos no próximo capítulo analisar a correlação entre esta estratégia de circulação dos eleitos políticos locais com as lógicas de acumulação de capitais tendo em vista a sua reprodução.

92 Maluf, 2006: 67- 68

181

Capítulo IV. Renovação e Reprodução das Elites Políticas Locais

4.1 Das discussões gerais sobre a renovação de elites às especificidades africanas

É propósito do autor analisar a renovação dos eleitos políticos locais, entendendo a renovação como a mudança dos políticos locais eleitos entre um mandato e outro nas eleições locais e/ou eleitos de forma intercalar. Para isso, discutiremos, num primeiro momento, as abordagens de diferentes teóricos sobre esse tema, passando, num segundo momento, para os autores que analisam o caso concreto da realidade de diversos países, o que nos dará suporte para a análise do caso cabo-verdiano. Para além de a renovação, debruçar-nos-emos também sobre a questão da reprodução das elites políticas locais, no sentido definido por Bourdieu (1989), e analisaremos as razões que estão por trás da reprodução ou não das elites políticas locais da Praia, de Santa Catarina e dos concelhos de Santo Antão.

As elites políticas passam constantemente por um processo de renovação. A problemática sobre a renovação ou não das elites, assim como a sua intensidade, bem como se o processo de renovação é feita através de uma revolução ou de uma forma pacífica, como acontece normalmente nos regimes democráticos, tem sido objecto de estudo de diversos autores, entre os quais se destacam os clássicos como Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels, Charles Wright Mills, Elias Sulleiman, Pierre Birnbaum, entre outros.

Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto, considerados os pais fundadores da teoria das elites, demonstraram nas suas obras preocupação com a necessidade de uma constante renovação das elites para que fosse assegurado aquilo que denominam o “governo para o povo”.

Mosca, apesar de concordar que existe uma tendência natural das classes políticas para se transformarem em castas hereditárias, entendia que, se estes mecanismos funcionassem completamente, nunca existiriam guerras ou conflitos. O poder estaria concentrado nas mãos das mesmas linhagens desde o início dos tempos. Contudo, considera que a história não é simples, nem linear, que em todas as épocas há revoluções e violência política e, mesmo em tempo de paz, existem mudanças profundas na composição das classes dominantes.

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Neste sentido, Mosca não deixa de sublinhar a importância da renovação daqueles que integram o grupo minoritário que controla o poder e sustenta que a composição das classes dominantes é o reflexo de duas tendências contraditórias: a tendência aristocrática das classes dominantes para conservarem o poder e o transmitirem aos seus filhos, e a tendência democrática das novas forças políticas para destruírem o status quo e as classes estabelecidas. A primeira rege-se por um princípio de inércia, visa a preservação da ordem existente e favorece a estabilidade dos regimes políticos. A segunda, pelo contrário, combate o imobilismo do establishment, procura uma renovação contínua das classes dirigentes e promove a dinâmica social (Mosca, 2004: 14-15).

Ainda, segundo Mosca,

“Se todas as aristocracias permanecessem fechadas e imóveis, o mundo nunca teria mudado e a humanidade não teria saído do estádio das monarquias homéricas ou dos antigos impérios orientais” (op. cit., pp. 16).

Pareto, com base na análise da História, acredita que as aristocracias não são eternas. E, por isso mesmo, define a história como o cemitério da aristocracia. No seu Tratado de Sociologia Geral, Pareto afirma: “les aristocraties ne durent pas. Quelles qu’en soient les causes, il est incontestable qu’après un certain temps elles disparaissent. L’histoire est un cimetière d’aristocraties” (Pareto, 1968a).

Para Tine, esse aspecto descrito por Pareto não significa o fim da dominação elitista, mas a sua mobilidade ou sua lei de constituição e de continuidade. Uma elite capaz é aquela que se rejuvenesce e se renova continuamente, pois é nela que se coloca o essencial da vida política e social. No dizer de Pareto, esse fenómeno de substituição das antigas elites para as novas está na base das mudanças de regimes. Frequentemente, as velhas elites monopolizam abusivamente o poder e as jovens elites não têm acesso ao poder. Essas situações de bloqueio e de desequilíbrio levam a uma espécie de paralisia do Estado e provocam uma pressão que conduz a uma explosão violenta. Deste modo, nascem as revoluções (…) A Revolução francesa de 1789 nasce precisamente do bloqueio da circulação das elites (Apud Tine, 2003: 11).

Para Pareto, as elites só perduram se se renovarem continuamente, eliminando os elementos degeneradores e incorporando elementos de estratos sociais inferiores, dotados de qualidades e disposição para o governo da sociedade. Se tal circulação se

183 interrompe, gera-se um desequilíbrio que pode provocar uma transformação violenta e revolucionária no sistema social. A elite capaz é aquela que dá prova de habilidade e de criatividade para se renovar e rejuvenescer continuamente. Por isso, a autora Brites afirma que Pareto dedica grande parte da sua análise à decadência das elites burguesas (Apud Brites, 2009: 30).

Ainda, segundo Vilfredo Pareto, à semelhança de Mosca, pertencer à uma elite não é um facto necessariamente hereditário, pelo que se assiste constantemente à substituição das elites antigas por outras novas, que provêem das camadas inferiores da sociedade. Tal significa que a elite não é inteiramente aberta, nem inteiramente fechada, e que está exposta à pressão das massas, sendo impelida a renovar-se incessantemente por meio de contribuições vindas do exterior (Apud Teixeira, 2009: 638-639).

Como nos diz Pareto, nem todos aqueles que integram a “elite” possuem as qualidades necessárias para a ela pertencer, do mesmo modo que nem todos aqueles que pertencem à “classe não eleita” são destituídos das qualidades exigidas para poderem vir a ser parte da “elite”. Daí que exista um movimento constante e cíclico que tende a elevar os indivíduos mais qualificados das massas ao estrato superior da sociedade, e a deslocar os membros menos capazes da “elite” governante para o estrato inferior. Este processo tende a adquirir formas e ritmos distintos consoante o modo de governo da “elite” e a resistência que esta opõe à entrada de novos elementos, e ainda à energia que estes imprimem à sua própria ascensão (op. cit. pp. 641).

Do seu lado, Michels (1876-1936) constatou, num estudo sobre três grandes partidos socialistas europeus - alemão, francês e italiano - num período de 17 anos, de 1893 a 1910, que o índice de estabilidade das chefias era muito alto. Se isto se associar ao facto de que esses partidos eram operários e democráticos, teremos uma elite oligárquica que se perpetuou no poder dentro do socialismo operário. Conforme Michels, a lógica democrática deveria reger-se pela substituição contínua dos mais antigos pelos mais jovens para não deixar que os cargos de direcção se incrustem no poder. No entanto, o que acontece é exactamente o inverso. Os partidos socialistas têm uma sólida organização, fazendo que a representação se assente mais no passado do que no presente. É a lei da inércia que a isso leva, uma preguiça gregária que renova o mandato dos mesmos chefes. Contudo, isso não ocorre por falta de normas. Há uma

184 determinação de que, em cada congresso anual, o partido deva renovar-se pelo voto secreto, bem como, com maioria absoluta, todo o comité de direcção composto por sete pessoas. No entanto, o que se observa é que, em cada congresso, se distribuem aos delegados cédulas impressas com os nomes dos membros da direcção anterior. Isso mostra não somente uma continuidade de mandatos, como também uma forma de pressão para consegui-lo. Evidentemente, quem prepara as cédulas são as pessoas que exercem o mandato naquele momento. Dessa forma, alguém investido em algum cargo de direcção do partido, exercê-lo-á até que bem entender. A missão temporária de um membro do comité transforma-se em cargo, e o cargo num posto fixo (Malfati, 2008: 6- 7).

Borralheiro (2000), num estudo sobre a renovação das elites políticas locais na Câmara da Vila de Amarante - Portugal, no período entre 1758 e 1834, em que o processo de escolha dos indivíduos que possuíam o perfil que a lei impunha para serem sujeitos a votos era extremamente restrito, constata duas situações distintas. No caso dos cargos de vereadores, regista-se uma fraca renovação dos eleitos ao longo do período em análise, ao contrário do cargo dos procuradores que, segundo o autor, experimentou uma elevada renovação no mesmo período. Importa ressalvar que, para cada ano de mandato, eram eleitos três vereadores e apenas um procurador.

Num total de 178 indivíduos, considerados com o perfil, segundo os parâmetros legais, foram indicados 109 para vereadores e 69 para procuradores. Deste total, a primeira evidência é que 106 nunca tiveram assento na Câmara significando isto que muitos fizeram parte do rol, mas nunca chegaram a constar das pautas, e outros, constando delas nunca foram nomeados para desempenhar o cargo. Dos restantes 72, que chegaram a ocupar a cadeira do governo municipal da Câmara de Amarante, 56 foram vereadores e 16 foram procuradores. Logo se vê que muitos eram os arrolados, mas poucos os eleitos, ficando à partida 60% dos arrolados fora do exercício efectivo do poder (Borralheiro, 2000:17).

Numa observação dos restantes 40%, por ocupação dos cargos e mandatos, verificamos ainda que dos 56 vereadores, 22 deles exerceram 77 mandatos de um total de 207, que corresponde a 37% do total de mandatos de vereador, tendo exercido o cargo três vezes ou mais, havendo depois 12 indivíduos a ocupar a cadeira de vereador por duas vezes e

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22 por uma vez apenas. Para procuradores, dos 69 mandatos, um por cada ano, a fonte não esclarece e só nos informa do mandato exercido por dezoito deles. Parece-nos, contudo, haver uma grande rotação neste cargo, ao contrário do que acontece para os vereadores, surgindo as listas de nomes indicados para procuradores renovadas de triénio para triénio, às vezes aproximando-se do total de renovação. Enquanto para os vereadores, como pudemos ver, se verifica uma forte concentração de mandatos em poucos nomes, para os procuradores apenas dois se repetem nos cargos, João Teixeira da Silva, negociante e Manuel Teixeira Marinho boticário (op. cit., p. 17).

Monteiro (1997), num estudo dirigido também aos eleitos locais, em 34 das 43 sedes de comarcas existentes em Portugal em 1801, acaba por abarcar uma parte do período analisado por Borralheiro. Ao analisar o perfil daqueles que ocupavam os principais cargos camarários, concorda, à semelhança de Borralheiro, que o universo dos eleitos se restringia basicamente ao círculo dos mais nobres e da governança da terra, filhos e netos de quem já tivesse servido. Neste sentido, afirma que, “não só eram poucos os elegíveis, como se revelava muito diminuto o número daqueles que participavam efectivamente nas vereações municipais” (Monteiro, 1997: 356).

Contrariamente a Borralheiro, Monteiro considera que, não obstante essa situação, no que diz respeito aos cargos de vereadores e procuradores, assistia-se a uma significativa taxa de renovação, com grande parte dos vereadores a exercerem apenas um único mandato. Para o autor, a ideia de um investimento preferencial de todas as elites locais nas administrações camarárias ignora o lugar relativamente subalterno do estatuto que as mesmas conferiam a quem nelas participava, o que parece ter motivado principalmente nos municípios pequenos a resistência das elites sociais locais a integrarem directamente as instituições camarárias, incluindo as vereações.

De acordo com Monteiro, as explicações para esta atitude são fáceis de entrever. “Em primeiro lugar, era, no mínimo, duvidoso que a participação nas pequenas câmaras acrescentasse prestígio social (status) sobretudo a quem já o tinha: uma grande parte dos juristas considerava, como se disse, que só o desempenho de ofícios nos senados de «cidade e vilas notáveis» conferia nobreza. Além disso, ser-se oficial camarista num município de reduzidas dimensões e com escassíssimos rendimentos podia revelar-se ruinoso para juízes ordinários, vereadores e procuradores, que, conforme muitas vezes

186 se queixavam, tinham de pagar parte do imposto das terças devido à coroa dos seus próprios bolsos. Mas mesmo nos municípios de maiores dimensões a imagem uniforme das elites municipais apresenta-se, em larga medida, distorcida. (op.cit., p. 357).

Deste modo, a renovação das elites municipais tendia a ser elevada devido ao desinteresse demonstrado pelas grandes famílias em realizarem mais de um mandato, ao contrário dos grupos em ascensão que, como vimos, intentavam em primeiro lugar aceder aos ofícios das ordenanças (idem ibidem, p. 363).

Ainda relativamente a Portugal, mas num contexto mais contemporâneo, cingindo ao período entre 1975 e 2002, Teixeira aborda a questão da renovação no seio da Assembleia da República e constata uma elevada taxa de sobrevivência dos candidatos em lugar elegível à Assembleia da República que se aproxima, em termos médios, dos 60%. Ora, segundo a autora, os candidatos que disputaram as eleições ao Parlamento na legislatura imediatamente anterior não só continuam a constar das listas de candidatura no acto eleitoral subsequente, como ocupam preferencialmente os lugares elegíveis, o que constituí uma tendência transversal a todos os partidos sem quaisquer excepções – se bem que tal tendência se manifesta de forma mais significativa no Partido Socialista, em que os “candidatos sobreviventes” em lugares elegíveis ultrapassam os 60%, e no Partido Comunista, os candidatos em igualdade de circunstâncias ultrapassam os 70%. (Teixeira, 2009: 642)

Ainda de acordo com Teixeira, estes dados permitem inferir a importância que os partidos atribuem à “titularidade”, o mesmo é dizer à experiência parlamentar e às provas dadas no desempenho do mandato, o que parece justificar a “recompensa” de uma recandidatura segura e em posição elegível. Mas permitem sustentar também que a renovação das listas, sempre presente no discurso de todos os partidos políticos aquando do momento da sua elaboração, se faz fundamentalmente à custa dos lugares não elegíveis. (op. cit., p. 642)

Não obstante, no período em referência, em cada legislatura, metade do Parlamento é, pelo menos, “numericamente”, renovado, o que de acordo com Teixeira, não pode deixar de apontar no sentido de uma escassa profissionalização parlamentar dos

187 deputados portugueses, quando comparados com os seus congéneres de outros países da Europa Ocidental (idem, ibidem: p. 644).

Num estudo sobre a renovação das elites municipais em Lyon – França, entre 1935 e 1953, o autor atesta a ocorrência de dois períodos distintos: o primeiro situa-se entre 1935 a 1944 e é marcado por uma certa continuidade em matéria de recrutamento municipal que fica a dever-se a uma estratégia de manutenção e de reforço de uma certa oligarquia.

O segundo período, que se inicia após o fim da IIª guerra mundial em 1945, é caracterizado por uma mudança de perfil dos eleitos, com a entrada na Câmara de uma maior proporção de eleitos mais jovens, de uma maior presença feminina, e de outros perfis profissionais. Essa mudança dos parâmetros mais valorizados pelos eleitores, que antes assentavam sobretudo na experiência dos homens, na sua idade e sua importância social, e que no pós guerra assentam em outros valores, contribuiu para uma diferenciação dos perfis dos eleitos deste período, comparativamente aos dos anos 30. Ainda segundo o autor, “mais do que notáveis dos bairros, tornaram-se agentes dos seus partidos e agora conta sobretudo sua filiação política” (Rives méditerranéennes, 1998: 6-7).

Essa renovação deve-se também, segundo o autor, à mudança nas relações de força na Câmara entre os principais partidos e, com isso, o perfil dos eleitos associados a cada um deles.

“Dès 1947, en effet, nous assistons à un nouveau renouvellement très important du Conseil municipal. Il est directement lié à la poussée du R.P.F. qui touche Lyon comme l'ensemble de la France. Les électeurs envoient ainsi à l'Hôtel de Ville 23 représentants du R.P.F., 16 radicaux, 13 communistes et 6 démocrates chrétiens. Parmi les hommes qui ont émergé à la Libération le Conseil municipal n'en compte plus que 19. Pourtant, à côté de ces derniers, on dénombre encore 11 élus d'avant guerre! Plus de 50% des conseillers qui ont été élus pour la première fois en 1945 disparaissent donc après un très court mandat de deux ans ” (op. cit. p. 5).

Nas eleições de 1953 a situação parece estabilizar-se com a permanência da maioria dos eleitos locais, ou seja “34 conseillers sur 58 proviennent de l'Assemblée municipale précédente” (idem, ibidem, p. 5).

188

Ainda em França, direccionando a atenção para a sua capital – Paris, procuramos analisar a contribuição de Nagai na renovação dos eleitos políticos locais dessa cidade, no período que decorre entre 1834 e 1914, marcada pela realização de treze eleições.

Segundo Nagai, mesmo a introdução do sufrágio censitário não teve uma repercussão significativa na taxa de renovação dos eleitos locais que continuou a ser baixa.

“À l`issue du premier scrutin qui a eu lieu en novembre 1834, la moitié des 24 conseillers ont retrouvé leur siège, et seul trois sortants ont été rejetés par les électeurs. Les résultats étaient favorables à l`ordre établi et au régime en place. Peu de renouvellements également lors des élections de décembre 1837 et de novembre 1840: en 1837, en seul sur les 12 sortants a été battus: en 1840, les 12 sortants ont été réélus dès le premier tour … Les élections de novembre de 1846 ont entraîne moins de modifications que les précédentes: 10 sortants ont été réélus, et les deux nouveaux ont occupé des sièges non revendiqués par les sortants” (Nagai, 2002: 28).

Todavia, o autor constata uma considerável renovação dos eleitos locais de Paris, a partir de 1870-1871. “Entre juillet 1871 et août 1914, 452 conseillers ont siège au Conseil municipal de Paris. La plupart d`entre eux ont été élus à un des 13 scrutins généraux, mais certains l`ont été à des élections partielles organisées à la suite d`un décès ou dune démission. Le rythme du renouvellement exprimé dans le tableau suivant nous montre comme les vicissitudes politiques de la capitale étaient traduites par le renouvellement du personnel politique municipal” (op. cit., p. 70).

De acordo com Nagai, a renovação é relativamente forte e constante até 1900, data a partir da qual sofre uma ligeira diminuição, mas sem interferir no ritmo de renovação: “de 30 a 35 nouveaux membres entrent à chaque Conseil entre 1871 et 1900 (sauf en 1887-1890), et de 16 à 24 après 1900… Mais ce chiffre n`a rien d`excepctionel par rapport au rythme du renouvellement des décennies précédents; en effet, nombre des vétérans ont continué à siéger après mai de 1900. Il n`y a pas un moment précis où une masse d`élus promus durant une certaine période soit éliminée: à tous les conseils, des anciens étaient présents, et le rythme du renouvellement semble plutôt constant” (idem, ibidem, p. 70).

189

No caso do Brasil, analisamos um estudo levado a cabo por Rodrigues sobre a renovação das elites políticas do município de Ponta Grossa, ou seja, os indivíduos que ocuparam posições formais nos poderes Executivo e Legislativo, no período compreendido entre 1993 e 2004. O autor procura perceber se ocorreu um processo de renovação qualitativa no Legislativo no período em análise, ou seja, se registou uma mudança de perfil dos eleitos, assim como uma certa circulação das ideias. O que o autor acaba por constatar é que realmente há renovação, mas ela se efectiva somente no plano quantitativo, ou seja, um mudança dos indivíduos eleitos entre um mandato e outro, como atestam os dados

“O índice de renovação quantitativa do segundo grupo é de 66% e do terceiro grupo é de 54,16%, se considerarmos apenas a formação da legislatura do período de 1997 a 2000. Se a participação na primeira legislatura for incluída no referencial para renovação da elite, ou seja, se forem considerados apenas aqueles membros que não estiveram presentes em nenhum momento do período analisado, esse índice cai para 45,83%. (Rodrigues, 2006: 80)

Vários autores procuraram analisar o processo de renovação da elite política em diferentes países africanos após a denominada terceira onda de democratização que se iniciou em Portugal em 1974, com a revolução dos cravos e que se estendeu aos demais países do sul da Europa, do leste europeu, da América Latina e na década de 90 no continente africano.

No caso concreto do continente africano, os autores afirmam que, é preciso reconhecer, em todo caso, na maioria dos países que evoluem no “caminho da democracia”, a renovação das elites dirigentes continua extremamente limitada e faz-se mais de acordo com as lógicas de alargamento sob alta vigilância (Daloz, 1999: 21).

Ao abordar a questão da renovação das elites políticas do Benin, após as mudanças políticas registadas neste país no período de transição dos anos 90-91, Mayrargue (1999), questiona se efectivamente o país vivenciou uma renovação da sua elite política. Não obstante a entrada de “novos actores” nas esferas do poder, seja no governo, seja na assembleia nacional, constata-se não só a permanência na cúpula do poder de indivíduos ligados ao antigo regime, como também o retorno dos demais, pouco tempo depois de deixarem o poder, na sequência das eleições seguintes realizadas em 1995.

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Como afirma o autor “Le devant de la scène politique donne ainsi l`impression d`être toujours occupé pas les mêmes personnes. Faut-il alors en conclure que rien n`a changé au pays du renouveau démocratique…le renouvellement des premières années étant suivi par une cooptation entre les différentes générations et non seulement les élites qui ont émergé n`étaient pas vraiment nouvelles, mais en plus, celles mises sur la touche en 1990 ont rapidement resurgi sur le devant de la scène politique”. (Mayrargue, 1999: 33-39)

Contudo, Mayrargue afirma que esse retorno dos actores ligados ao antigo regime não significa o fracasso do processo democrático e que esta situação resulta, sobretudo, da decepção dos eleitores com os novos dirigentes, e da acção desses homens que vão mobilizar seus recursos e suas redes numa perspectiva de reconquista do poder (op. cit, p. 40).

Em Cabo Verde, no período de mudança do regime político em 1991, consubstanciado na realização das primeiras eleições multipartidárias, nota-se, ao nível do governo, a emergência de novos actores políticos que, em momento algum, fizeram parte dos órgãos do poder ligados ao regime anterior93. Ao nível legislativo, não obstante a vitória da oposição, que ocupa a maioria dos assentos no Parlamento, constata-se a permanência de uma parte dos actores políticos que fizeram parte do antigo regime, pois, dos eleitos nas listas do PAICV, a maioria era constituída pelos ex-membros do governo. Este é o período em que se nota a maior presença dos “velhos actores políticos” nos órgãos eleitos. Mesmo nas eleições de 2001, que ditaram o regresso do PAICV ao poder, o retorno dos políticos do antigo regime não é expressivo, pelo menos no que concerne aos membros do poder legislativo e aos membros do governo.94

Deste modo, em Cabo Verde, diferente do Benim, à excepção da eleição do Presidente da República que tem a particularidade de ser somente o Chefe do Estado, uma vez que

93 Na realidade, dois dos vários Ministros nomeados em 1991, José Tomás Veiga e Manuel Faustino, fizeram parte do governo do regime do partido único, mas por incompatibilidades ideológicas com as estruturas do partido, abandonaram o governo, três, quatro anos após a independência. Para além deles, o Primeiro-ministro Carlos Veiga, tinha sido eleito deputado da nação na III legislatura, entre 1985 a 1990, ainda que na condição de independente.

94 A excepção é feita, relativamente às eleições presidenciais realizadas neste ano e que ditaram a vitória do candidato apoiado pelo PAICV, o comandante Pedro Pires, que tinha ocupado o cargo de Primeiro- ministro, durante os 15 anos de vigência do período do partido único.

191 quem tem a responsabilidade de governar é o Primeiro-ministro, não se regista um retorno em grandes proporções da elite política ligada ao antigo regime.

No Quénia, ao contrário de Benim, a renovação quantitativa da sua elite política aconteceu não somente durante o período de transição em 1992, mas continuou nas eleições seguintes realizadas em 1997. Segundo Grignon,

« Les élections de décembre 1992, premières élections générales multi partisanes depuis trente ans, avaient déjà provoqué un fort renouvellement des parlementaires Kényans… le renouvellement du personnel politique avait atteint un niveau record – seul un quart des parlementaires sortants réussissant à garder leur siège… Le renouvellement n`a pas été inférieur cinq ans plus tard. Comme l`indique le tableau ci-dessus, le taux de réélection des parlementaires sortants, sensiblement supérieur à celui de 1992 (35% contre 26%) ” (Grignon, 1999: 61-63).

Ainda para Grignon, os eleitos locais também conheceram uma renovação intensiva. Chama, no entanto, a atenção para o facto de a renovação da elite política se proceder apenas no plano quantitativo e não qualitativo, uma vez que a classe política queniana não alterou as suas práticas políticas desde o antigo regime do partido único.

“aucun des partis politiques d`opposition ne fait preuve d`un fonctionnement qui s`approche de près ou de loin de la norme démocratique et le retour au multipartisme paraît avoir seulement permis le clonage répété de l`ancien parti unique ” (op. cit, p. 57).

À semelhança de Benim, a prática de cooptação dos parlamentares é um dos meios privilegiados para manter a classe política na dependência do chefe de Estado e dos seus próximos. (idem, ibidem. p. 65)

Na Uganda, assistimos a uma renovação das elites políticas, num sistema que se diferencia dos demais no contexto africano, pois, a liderança política que dirigiu o período de transição fê-lo instituindo um sistema de democracia sem partidos políticos, ao mesmo tempo que reforça o processo de concentração do poder nas mãos dos simpatizantes do Movimento criado pelo Presidente o que, segundo Sandrine, teve como consequências, o alargamento do recrutamento das elites políticas, e a divisão da oposição, impedindo-a de se organizar (Sandrine, 1999: 86).

192

Esse sistema permitiu a renovação da elite política e, nas eleições realizadas em 1994, o Parlamento foi renovado em cerca de 70%, relativamente a 1989 (op. cit, p. 82).

Nos Camarões, segundo Eboko (1999), a análise do grau de renovação da elite política em 1992, período em que se realizaram as primeiras eleições multipartidárias, é complicada devido ao boicote promovido por metade dos partidos registados legalmente na época. Deste modo, o autor prefere centrar a sua análise no ano de 1997, em que se realizaram as segundas eleições legislativas no período democrático e que contou com a participação dos partidos políticos, num total de 69. Nestas eleições, de acordo com Eboko, assiste-se a uma elevada taxa de renovação, seja no Parlamento, seja no Governo, afirmando que “le Parlement camerounais a été renouvelé à plus de 80%, le gouvernement remanié à prés de 45%” (Eboko, 1999: 99).

Eboko adianta ainda que, essa renovação não está dissociada de práticas de cooptação dos adversários e assenta numa distribuição étnico-regional do poder, favorecendo o retorno hegemónico do partido no poder e as mudanças dentro da continuidade, o que parece marcar o retorno do pensamento único (op. cit, p. 1000).

O Mali vivenciou uma experiência de transição democrática sob controlo, uma vez que, segundo Thiriot, o pessoal político que assegurou a transição foi o do regime anterior. A transição realizada num período curto permitiu a chegada ao poder de novas personalidades ligadas à sociedade civil que, juntamente com os militares, integraram o denominado Comité de Transição para a Saúde do Povo (CTSP). Entretanto, os membros do CTSP, assim como os membros do governo de transição, foram impedidos de se apresentar às eleições organizadas por eles, pois este era o princípio de base. (Thiriot, 1999: 138-140).

As personalidades do novo regime são diferentes daquelas que asseguraram a transição. Assim sendo, constata-se que a composição do grupo dirigente, antes e após a transição, mostra que os mesmos grupos continuam no topo: advogados, professores, altos funcionários. A renovação foi importante durante a transição, com a chegada ao poder de numerosas figuras estranhas à política, mas após as eleições nota-se o retorno dos profissionais da política nas funções legislativas e executivas, em detrimento dos membros da sociedade civil e das associações. Após a transição, época inovadora, o

193 novo regime encarna finalmente uma renovação muito relativa das elites (op. cit., 141- 150)

Ao analisar a transição política no Burkina Faso, Thiriot afirma que a mudança do regime no Burkina Faso tem pouco em comum com as transições democráticas que ocorreram por exemplo no Mali ou no Benim. A equipa dirigente permanece no poder sem alterações significativas. Desde o golpe de Estado de 1987, esse regime baseava-se principalmente no controlo do exército e na cooptação dos políticos da revolução de 1983. Ao longo do processo, a iniciativa vem do poder que não deixa nenhuma decisão para a oposição impotente, dividida e paralisada. Nesse contexto, o pessoal político que assegurou a transição foi o do regime anterior (Thiriot, 1999: 156).

Ainda segundo Thiriot, “a transição propriamente dita começa a 16 de Junho de 1991, com a criação do primeiro governo aberto a todas as tendências. Trata-se de uma etapa essencial, pois, o melhor meio de conter a rua e de parar as confrontações é cooptar a oposição ao governo. Em Julho de 1991, a oposição representada pelos seus principais líderes entra no governo de “união nacional” (op. cit., p. 158).

Deste modo, os dirigentes da IVª Republica não foram renovados com a mudança do governo em 1991. Na verdade, paradoxalmente, a renovação não se constitui num produto da transição democrática que, de acordo com Thiriot, foi conservadora nesse domínio, mas, teve lugar em 1983, após um golpe de Estado. “Il date de la révolution de 1983, où, de manière très radicale, les dirigeants et élites bureaucratiques de l`époque ont été renvoyés et remplacés par des gens plus jeunes, sans grande expérience, provenant de milieux différents, plus modestes, qui constituaient ce que l`on appelait les cadets sociaux de la société ” (idem, ibidem, p. 165-166).

Em África do Sul, com a transição democrática, o Congresso Nacional Africano (ANC), partido vencedor das eleições presidenciais e legislativas no período pós-apartheid, é também o vencedor das eleições na maioria dos conselhos municipais. Segundo Crouzel, a maioria dos 10.000 novos eleitos é constituída pelos antigos líderes comunitários socializados nos assuntos públicos durante as mobilizações de massas nos anos 80. Ela representa no essencial as populações negras, até aí excluídas das instituições democráticas.

194

No entanto, além da renovação, essas eleições permitiram também a reciclagem de uma parte da velha elite política local do apartheid. Dada a forte territorialização política que dominava África do Sul, os antigos conselheiros das autoridades locais do antigo regime foram realmente eleitos nas circunscrições tradicionalmente brancas e mestiças das províncias de Western Cape. A manutenção dessa antiga elite foi favorecida devido a um arranjo político negociado entre os principais partidos a fim de garantir de modo transitório, para as primeiras eleições locais unicamente, uma representação mínima dos grupos minoritários (Crouzel, 1999: 175).

Nas circunscrições brancas, segundo Crouzel, um florescimento de candidatos independentes fez acreditar numa renovação da elite local do apartheid se bem que boa parte dos candidatos tivessem já exercido funções municipais. Foram muitas vezes suportados pelos partidos tradicionais brancos, mas estavam estrategicamente distanciados dos símbolos partidários do antigo regime (op. cit., p. 176).

Gagliardi-Baysse, ao estudar as dinâmicas da formação e da reprodução das elites políticas Centro-Africanas nos anos 70 sob o regime de Bokassa, constata uma fraca renovação dessa elite. Segundo ele,

“l`ancienneté est privilégiée au détriment des « bilans politiques» ou de l` appartenance partisane passée, comme modalité du recrutement et devient ainsi un critère fondamental de reproduction de l`élite politique… On préfère rappeler une personnalité politique connue, avec laquelle on aura probablement déjà travaillé sous d`autres régimes, ou lors de mobilisations contre les régimes précédents, que recruter des jeunes novices dont on ne connaît rien” (Gagliardi-Baysse, 2009: 195).

Da revisão da literatura sobre o processo de transição democrática em diferentes países africanos, os diversos autores apontam para uma fraca renovação da elite política. Blanchet afirma que, as transições democráticas em África deveriam nos deixar com uma expectativa no sentido da emergência de novas elites políticas, de um novo tipo de liderança, devido à introdução da competição eleitoral multipartidária. Contudo, o que se constata, é que, na maioria dos casos, assiste-se o contrário, ou seja, à manutenção ou o retorno dos velhos políticos (Blanchet, 1983: 205).

195

Ainda segundo Blanchet, dependendo das mudanças de regime, somos confrontados com o reaparecimento dos políticos que foram marginalizados por um tempo, que conheceram o exílio ou se dedicaram a outras actividades enquanto esperavam pela sua vez. Essa renovação da classe política é o resultado das modalidades de reprodução da elite política, incluindo a valorização da antiguidade, da credibilidade, e sobretudo das capacidades redistributivas dos políticos que já tiveram uma experiência significativa no seio do Estado (op.cit., 205).

No contexto dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), Cabo Verde, juntamente com Moçambique e S. Tomé e Príncipe, são os países em que, até o momento, foram realizadas eleições ao nível do poder local. Angola e Guiné-Bissau não vivenciaram ainda uma experiência democrática neste particular. Assim sendo, iremos comparar a experiência cabo-verdiana com a moçambicana e são-tomense, no que diz respeito à renovação dos eleitos políticos locais.

4.2 Operacionalização do conceito de reprodução de elite no contexto cabo-verdiano

Pierre Bourdieu, ao analisar a questão da reprodução, associa a reprodução de determinadas frações de classe à posse de determinados tipos de capitais, nomeadamente o económico, o social, o cultural, o simbólico, e o político. Segundo Campenhoudt, para Bourdieu, «les différents classes sociales et fractions de classes se caractérisent d’abord par ce qu’il appelle la structure de capitaux, que procurent principalement l’origine social et l’instruction» (Campenhoudt, 2007: 131).

Importa, antes de mais, conhecer a distinção e a importância que Bourdieu atribui aos diferentes tipos de capital. O económico é o conceito mais importante em Bourdieu. O capital económico aparece associado aos bens e recursos detidos e que conforma uma posição associado ao rendimento profissional, património mobiliar e imobiliário.

A importância das formulações de Bourdieu reside, sobretudo, na forma como articula o conceito de capital económico às outras formas de capitais. Essa articulação dá-se pelo conceito de reconversão. Isso permite interligar as diferentes modalidades de capital.

196

Por capital social, Bourdieu entende: “um conjunto de recursos efectivos ou potenciais relacionados com a posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizados de conhecimento ou reconhecimento mútuo” (Bourdieu, 1985: 248) O capital social é o conceito mais pertinente do quadro teórico de Bourdieu tendo em vista a forma como se articula com o próprio conceito de redes sociais e reconversão.

O capital cultural é o conceito mais estratégico, mais flexível, permite pensar a estratégia dos actores. Na verdade, os actores jogam com diferentes tipos de capitais, na medida em que possuem um capital de relação social que permite a reconversão. O capital cultural é dependente do capital social. É como se o capital social acabasse por ser o núcleo do conceito de reconversão, ou seja, toda a reconversão passa pelo capital social, embora o capital económico seja aquele que detém mais peso. O capital social é aquele por onde passa toda a reconversão e o capital cultural é o capital dependente do capital económico e do capital social. Seu peso depende bastante da capacidade de reconversão que o capital social lhe proporciona.

O capital simbólico é o conceito mais geral do capital em Bourdieu, de certa forma todas as outras formas de capital são formas específicas do capital simbólico, portanto, é um conceito de nível mais geral, menos operacionalizado.

Capital político é o conceito mais específico de Bourdieu e o mais pertinente para a nossa análise, que, basicamente, procura focalizar a maneira como o capital político depende do capital social. O capital social é a forma de reconverter todas as outras formas de capital e a lógica mais importante subjacente ao caso cabo-verdiano é verificar que há uma tendência de trajectórias políticas fortemente alicerçadas no capital social que conduziu a um processo de sucesso, enquanto acumulação de capital político, e permitiu uma reconversão posterior do capital político em capital económico, ou seja, o enriquecimento pela via da política.

Nesse caso, estamos perante uma especificidade cabo-verdiana porque basicamente a trajectória de sucesso dos políticos passa por um forte investimento do capital social na consolidação de um capital político. Na verdade, os actores políticos só têm o seu sucesso garantido na medida em que seus capitais políticos se transformam em capital económico. Isso é, basicamente a trajectória ideal incorporada do sucesso dos políticos.

197

Os políticos cabo-verdianos fazem sucesso na política porque dispõem de um capital social, são vistos devido aos seus capitais sociais, por isso acabam por se projectar na política, e só se sentem alicerçados de facto quando conseguem converter esse capital político numa posição no campo económico, ou seja, quando conseguem criar suas empresas.

Em Cabo Verde, de um modo muito específico, é o capital social que permite a reconversão do capital político em capital económico. É preciso saber manipular a rede de relações sociais com atores em posições estratégicas dominantes, criar a rede e manipulá-la de modo a se fazer e se fazer crer como um entre pares. O capital económico possui uma certa perenidade, enquanto o capital político e o capital cultural dependem do peso variável que ganham dentro do campo do poder. No campo de poder, diferentes tipos de capitais têm pesos diferentes, e o capital cultural é um tipo de capital tanto mais vulnerável quanto é o mais disputável numa sociedade sem fontes intrínsecas de acúmulo de capital económico. O capital económico tem uma certa perenidade, só solapado em períodos de fortes crises económicas. É comum em Cabo Verde se dizer o indivíduo que tem um património consolidado “consegue se garantir95”, por isso, numa sociedade em que campos especializados não estão estabilizados, as fronteiras entre os campos são porosas e os trunfos e princípios de consagração estão mesclados, os riscos de decadência social são elevados, os atores de todos os campos correm no sentido da consolidação do capital económico. Na ausência de fontes intrínsecas ao país, de acumulação de capital económico o processo para se chegar ao capital económico depende basicamente da articulação de capital social e capital político. Os atores sociais bem-sucedidos geralmente passam por uma trajetória de acúmulo de capital social antes de entrar na vida política o que lhes permitem serem reconhecidos como alguém com potencialidades políticas e portanto como uma boa aposta. O capital social é aumentado durante a trajectória política, o que por sua vez permite a reconversão em capital económico.

95 É comum em Cabo Verde as pessoas usarem a expressão “garanti” para se referir ao acúmulo económico que permite uma estratégia posterior mais relaxada de gozo, expressão comumente usado nos jogos e disputas quotidianas e que tem servido de metáforas para/na vida política.

198

Para Bourdieu, o sistema escolar, em vez de oferecer o acesso democrático a uma competência cultural específica para todos, tende a reforçar as distinções de capital cultural do seu público. Predispondo os agentes a agir sob estratégias de distinção social por via do acúmulo e rarefacção dos títulos, o sistema escolar limitaria o acesso e o pleno aproveitamento dos indivíduos pertencentes às famílias menos escolarizadas, pois cobraria deles o que eles não têm, ou seja, um conhecimento cultural anterior, aquele necessário para se realizar a contento o processo de transmissão de uma cultura culta. As estratégias dominantes de distinção escolar são também formas de violência simbólica, pois impõem o reconhecimento e a legitimidade de uma única forma de cultura, desconsiderando e inferiorizando a cultura dos segmentos populares.

Desse ponto de vista, numa sociedade como a cabo-verdiana, onde o acúmulo de capital económico e a notabilização são recursos pouco consolidados, a diferente localização dos grupos na estrutura social deriva da desigual distribuição dos recursos e poderes derivados do capital escolar. Assim, a posição de privilégio ou não-privilégio ocupada por um grupo ou indivíduo é definida de acordo com o volume e a composição de um ou mais capitais (recursos) adquiridos e ou incorporados ao longo de trajectórias escolares e profissionais.

Analisando o contexto cabo-verdiano, nota-se que, à semelhança de muitos países africanos, também sofreu a influência da “terceira vaga da democracia”, no início dos anos 1990, que levou à mudança do regime político de cunho monopartidário para um regime multipartidário.

Esta mudança de regime produziu modificações ao nível autárquico com a realização das eleições a esse nível do poder, conduzindo a alterações nos critérios de recrutamento da até então “elite política-administrativa” nomeada para exercer cargos de responsabilidade político-administrativa ao nível do “poder local”, para uma elite política eleita ao nível local.

No que respeita aos indivíduos que ocupavam os cargos ao nível do poder local, antes da abertura democrática (delegados do governo e membros do conselho deliberativo), de 1975 a 1990, não obstante terem sido os responsáveis pela gestão descentralizada ao nível local, importa referir que a sua base de legitimação se processava num nível

199 diferente, comparativamente aos eleitos pós 1991, não passando pelo voto porque não se realizavam eleições, mas pela nomeação, e, neste sentido, dependiam em grande parte da confiança política, seja dos órgãos do partido ao nível local, no caso dos membros do conselho deliberativo, seja do ministro que tutelava a pasta da administração interna e/ou do próprio primeiro-ministro no caso do delegado do governo.

Por outro lado, o seu grau de autonomia era bastante limitado. Como afirma Monteiro “institui-se, assim, um sistema administrativo claramente centralizado, na esteira da herança da administração colonial e que seria rompido, em termos teóricos, só com a Constituição de 1992” (Monteiro, 2007: 4)

Posto isto, podemos afirmar que estes indivíduos estão mais próximos de se constituir numa elite administrativa local do que numa elite política local, por se tratar mais de agentes administrativos com autonomia limitada e que respondiam hierarquicamente perante um membro do governo. “O Conselho Deliberativo era, na expressão muito corrente no direito administrativo da época, corpo administrativo do concelho, ou seja, o órgão colegial de gestão permanente do concelho, enquanto autarquia municipal”. (op. cit, p. 9).

Neste sentido, importa ainda que brevemente elencar aquilo que entendemos como sendo os pontos que diferenciam e os que aproximam a elite administrativa local (de 1975 a 1990) e a elite política local (a partir de 1991). Consideramos que partilham um único ponto comum, qual seja, configuram-se, os responsáveis da administração local, ainda que em graus diferenciados, sendo que o âmbito das competências dos eleitos políticos locais ultrapassa em larga medida aquelas que eram conferidas à elite administrativa local. No que diz respeito às suas diferenças, o ponto principal de ruptura tem a ver com o seu processo de legitimação, sendo que a base de legitimação dos eleitos políticos locais é alcançada através do voto, ao contrário da elite administrativa que, em momento algum foi legitimado por este processo. Em função dessa legitimidade e da sua autonomia, definidas na Constituição, a sua relação com o Governo é totalmente distinta daquela que era estabelecida entre a elite administrativa e o Governo de então, que se caracterizava mais por ser uma relação de subordinação do que de autonomia, ainda que relativa.

200

Neste sentido, ao procurarmos conhecer melhor a elite política local da Praia, de Santa Catarina e dos três municípios de Santo Antão, de 1991 a 2008, importa questionar se se processou a continuidade dessa elite ao nível local, ou se pelo contrário, se assistimos a um processo de renovação dessa mesma elite.

Para isso, num primeiro momento, recuamos um pouco no tempo, para traçarmos os perfis dos indivíduos nomeados no período de 1975 a 1990 e, de seguida, analisar o processo de renovação dos indivíduos que ocuparam cargos ao nível local de 75 a 1990, e de 1991 a 2008.

Num segundo momento, debruçar-nos-emos sobre o processo de renovação que ocorre no período de transição, ou seja, entre os nomeados ao nível local pelo governo do MpD em Fevereiro de 1991 (após a vitória eleitoral nas primeiras eleições legislativas livres e multipartidárias realizadas em Cabo Verde), e os eleitos nas primeiras eleições autárquicas no mês de Dezembro do mesmo ano. Num terceiro momento, a análise centra-se no processo de renovação registada nos ciclos eleitorais subsequentes, ou seja, nas eleições autárquicas de 1996, de 2000, de 2004 e de 2008. Num quarto momento analisaremos o processo de renovação dos Presidentes das Câmaras Municipais de 1991 a 2008 e, no último momento, procuraremos comparar a taxa de renovação dos eleitos políticos locais de Cabo Verde com os dos outros países da sub-região, da Europa, do Canadá e do Brasil.

4.3 Perfis dos nomeados ao nível local de 1975 a 1990

Entre 1975 a 1990, foram efectivadas pelo menos seis nomeações96 para os cargos de membros dos conselhos deliberativos97 e delegados de governo em cada um dos

96 Cf. por exemplo para a Praia, os BO nº 24/75 de 13.12.75, nº 15/78 de 15.04.78, nº 50/80 de 13.12.80, nº 48/83 de 26.11.83, nº /88 de 05.01.88, nº 34/89 de 26.08.89, nº 39/90 de 29.09.90.

97 O Decreto-Lei nº 58/75 de 13 de Dezembro publicado no Boletim Oficial nº 24 de 13 de Dezembro de 1975 define a composição, as atribuições e competências do Conselho Deliberativo. O Conselho é composto por cidadãos nacionais que exercem uma profissão ou actividade social útil, residentes na área

201 concelhos em estudo. No período em análise, o número de indivíduos nomeados para exercerem o cargo de membro do conselho deliberativo, varia de 99 na Praia, 58 em Santa Catarina e 123 em Santo Antão, aos quais se acrescem seis indivíduos que exerceram o cargo de delegado de governo na Praia, cinco em Santa Catarina, e dezassete em Santo Antão.

Os diferentes conselhos deliberativos eram compostos quase exclusivamente por indivíduos do sexo masculino. Deste modo, na Praia, do total dos membros nomeados entre 1971 a 1990, 92% eram do sexo masculino, contra apenas 8% do sexo feminino, situação praticamente idêntica repetiu-se em Santa Catarina (90% de homens, contra 10% de mulheres) e em Santo Antão (84% dos homens, contra 16% de mulheres). O cargo de delegado do governo foi ocupado unicamente por homens.

Quadro nº 23 - Membros dos Conselhos Deliberativos entre 1975 a 1990, segundo o sexo

Praia Santa Catarina Santo Antão

Sexo Nº % Nº % Nº %

Masculino 91 91,9 52 89,7 103 83,7

Feminino 8 8,1 6 10,3 20 16,3

Total 99 100,0 58 100,0 123 100,0

Fonte: Boletins Oficiais

No que diz respeito à profissão, constata-se uma enorme diversidade de grupos profissionais, abarcando um leque abrangente de estratos sociais, o que parece configurar-se numa estratégia do então partido no poder, no sentido de passar a imagem para a sociedade da sua implantação em todos os estratos sociais, procurando desta forma uma maior base de apoio e de legitimação, uma vez que ao nível do poder central,

do respetivo concelho. O número de membros de cada Conselho Deliberativo é fixado por despacho do Primeiro-ministro, de acordo com as necessidades locais. O Conselho Deliberativo é, na sua circunscrição territorial, o órgão local máximo do poder do Estado e exerce as atribuições e competências anteriormente cometidas às ex Câmaras Municipais. Contudo, as linhas de ação da administração municipal não eram autónomas e eram definidas seguindo as diretrizes do Governo.

202 o poder estava reservado aos históricos do partido, como afirma Cláudio Furtado, “os dirigentes das estruturas e órgãos do Estado e do governo foram recrutados preferencialmente entre os militantes do PAICV, sendo que as posições dominantes estavam directamente relacionadas com as posições ocupadas nas estruturas partidárias” (Furtado, 1997: 139).

Ainda nesse período, segundo Furtado, os titulares dos órgãos municipais eram designados e escolhidos pela cúpula do partido no poder. Era, portanto, uma escolha totalmente centralizada, que não dependia sequer das escolhas dos munícipes de cada ilha.

Não obstante, entre alguns dos nomeados ao nível local entrevistados, prevalece a ideia de que o partido procurava incluir nas estruturas administrativas municipais indivíduos provenientes de todas as camadas sociais. Segundo a opinião expressa por um dos ex- delegados de governo em Santo Antão,

“No poder local, o partido tinha a preocupação em ter representantes de todos os estratos sociais. (…) eram pessoas de destaque, agricultores de sucesso, funcionários de respeito, enfim, pessoas idóneas e credíveis para a população”(entrevista JMS).

Apesar de a diversidade das profissões, nota-se o predomínio na Praia, de funcionários públicos, representando ¼ de todos os membros dos conselhos deliberativos nomeados entre 1975 e 1990 neste concelho, seguidos de professores (16%), engenheiros e administradores/gestores98, com 14% ex-aequo e médicos/enfermeiros (10%). A maior inclusão de profissionais mais qualificados neste concelho deve-se provavelmente a uma maior disponibilidade de técnicos superiores na capital do país. Em Santa Catarina, regista-se a maior proporção de professores (26%), seguida de funcionários públicos (14%), de comerciantes e de proprietários, com 12% e 9%, respectivamente. Em Santo Antão, a categoria profissional requisitada em maior proporção foi a de funcionários públicos (27%), seguida de professores (11%), agricultores e proprietários, com 9%

98 Entre os administradores/gestores incluem-se indivíduos que exerciam cargos de chefia (directores gerais) ao nível da administração pública e empresas estatais, constituída em grande parte por técnicos superiores.

203 cada. Os técnicos superiores, seja em Santa Catarina, seja em Santo Antão, não conseguiram alcançar o peso conquistado na Praia.

Quadro nº 24 - Membros dos Conselhos Deliberativos entre 1975 e 1990, segundo profissão

Santo Antão Santa Catarina Praia

Profissão Nº % Nº % Nº %

Professor 13 10,6 15 25,9 16 16,2

Funcionário Público 33 26,8 8 13,8 25 25,3

Médico/Enfermeiro/Veterinário 4 3,3 4 6,9 10 10,1

Engenheiro/Arquitecto 2 1,6 4 6,9 14 14,1

Administrador/gestor 1 0,8 1 1,7 14 14,1

Bancário 1 0,8 1 1,7 0 0

Agricultor 11 8,9 3 5,2 0 0

Proprietário/Empresário 11 8,9 5 8,6 2 2

Técnico Médio 12 9,8 3 5,2 1 1

Comerciante 5 4,1 7 12,1 2 2

Quadro do Partido 8 6,5 3 5,2 3 3

Condutor 2 1,6 2 3,4 2 2

Outros 8 6,5 1 1,7 7 7,1

Advogado/Juiz 0 0,0 0 0 1 1

NS/NR 12 9,8 1 1,7 2 2

Total 123 100,0 58 100,0 99 99,9

Fonte: Boletins Oficiais

204

4.4 Renovação e/ou continuidade dos indivíduos que ocuparam cargos ao nível local no regime do partido único

As alterações instituídas na Constituição em 1990, visando a adopção de um sistema multipartidário em Cabo Verde, criaram as condições jurídico-institucionais para uma maior autonomia das autarquias locais face ao governo, ao mesmo tempo que aproximaram o poder local dos cidadãos, uma vez que os representantes dos órgãos municipais passaram a exercer os seus mandatos através da realização de eleições.

Este novo cenário político permitiu não só o aumento quantitativo dos actores que desempenham cargos ao nível do poder local, mas também, uma maior concorrência no desempenho destes cargos o que poderá influenciar uma maior ou menor renovação dos eleitos locais.

Neste sentido, ao procurarmos saber em que medida se regista a renovação da elite local, que desempenhou cargos ao nível das estruturas municipais no período do regime do partido único, importa colocar algumas questões, designadamente: quais os concelhos em que se regista a maior taxa de renovação e porquê? Dos indivíduos que ocuparam cargos na administração municipal entre 1975 a 1990, qual a proporção que continuou activamente a exercer cargos políticos eleitos ao nível local e quem os “recuperou”, ou seja, vieram a integrar a lista de que partido político ou grupo de cidadão? Estamos perante uma nova elite ao nível local, ou apenas face à recuperação da antiga elite burocrática/administrativa?

Ao analisar os dados relativos aos resultados das primeiras eleições autárquicas realizadas em 1991, e nos pleitos eleitorais seguintes, de 1996, 2000, 2004 e 2008, na Praia, em Santa Catarina e em Santo Antão, constata-se que, do total dos indivíduos que foram nomeados para exercer cargos ao nível da administração municipal (membros do conselho deliberativo e delegados do governo), entre 1975 a 1990, somente 7.9%, correspondente a 24 indivíduos, figuram entre os eleitos ao nível local no regime pluripartidário.

Destes, 12 (correspondente a metade) aparecem entre os eleitos locais em 1991, seja na condição de Presidente de Câmara Municipal, de Presidente da Assembleia Municipal, de Deputado Municipal e de Vereador. Nos embates eleitorais seguintes, destaca-se o do

205 ano 2000, em que 7 destes indivíduos foram eleitos nas diferentes listas. Em 2008, repete-se o mesmo número registado em 1996, ou seja, dois destes indivíduos foram eleitos numa das listas concorrentes às eleições autárquicas.

Quadro nº 25 - Percentagem dos indivíduos nomeados entre 1975 e 1990 e que vieram a ser eleitos entre 1991 e 2008 por ano

Ano Nº %

1991 12 50

1996 2 8,3

2000 7 29,2

2004 1 4,2

2008 2 8,3

Total 24 100

Fonte: O autor

Na Praia, de 1991 a 2008, foram eleitos oito indivíduos que foram membros do conselho deliberativo deste município entre 1975 e 1990. Este número equivale a 1/3 dos eleitos locais de 1991 a 2008 que já tinham sido nomeados entre 1975 a 1990, o que corresponde a 7.6% do total dos nomeados na Praia nesse mesmo período. Destes indivíduos que regressaram à cena política local na condição de eleitos, três experimentaram esta condição pela primeira vez em 1991, um em 1996, três em 2000 e um em 2008. De referir que, alguns de entre eles, vieram a ocupar posições de destaque ao nível da Câmara Municipal da Praia. Dois foram eleitos Presidentes de Câmara, cada um exercendo dois mandatos consecutivos, aos quais se deve acrescentar mais um que desempenhou o cargo de Presidente da Assembleia Municipal deste município durante um mandato.

206

Quadro nº 26 - Lista dos eleitos locais entre 1991 e 2008 que já tinham sido nomeados ao nível local entre 1975 e 1990 na Praia

Ano da nomeação Ano da eleição Partido ou grupo Nome entre 1975 a 1990 entre 1991 a 2008 de cidadãos

FV 1983 2000 e 2004 PAICV

JR 1983 2008 MPD

MO 1983 1996 e 2000 PAICV

FF 1983 1991 PAICV

RA 1988 1991 PAICV

JS 1988 1991 e 1996 MPD

LL 1989 2000 PCD

AF 1988 2000 PAICV

Fonte: Boletins Oficiais

Em Santa Catarina, de 1991 a 2008, foram também eleitos oito indivíduos que tinham sido membros dos conselhos deliberativos99 deste município entre 1975 e 1990. Este número equivale a 1/3 dos eleitos locais de 1991 a 2008, que já tinham sido nomeados entre 1975 e 1990, correspondendo a 12.7% do total dos nomeados de Santa Catarina nesse mesmo período. A distribuição da sua eleição no tempo é idêntica à assinalada na Praia, ou seja, três em 1991, um em 1996, três no ano 2000 e um em 2008. Dois destes indivíduos vieram a ser eleitos na qualidade de Presidentes da Assembleia Municipal de Santa Catarina. Um terceiro indivíduo, que ocupou o cargo de deputado municipal viria a ser eleito num outro município do país como Presidente da Câmara Municipal.

99 Na realidade, três destes eleitos de Santa Catarina, tinham sido nomeados na qualidade de membros do Conselho Deliberativo da Praia no ano de 1983.

207

Quadro nº 27 - Lista de eleitos locais entre 1991 e 2008 que já tinham sido nomeados ao nível local entre 1975 e 1990 em Santa Catarina

Ano da nomeação Ano da eleição Partido ou grupo Nome entre 1975 a 1990 entre 1991 a 2008 de cidadãos

AF 1975 2000 PAICV

FG 1981 1996 PAICV

JF 1986 2000 PCD

FR 1986 1991 e 2008 MPD

ER 1986 1991 MPD

CV 1983 1991 e 1996 MPD

JPM 1983 2000 MPD

JMM 1983 2008 MPD

Fonte: Boletins Oficiais

Em Santo Antão, há também oito indivíduos que fizeram parte dos diferentes conselhos deliberativos entre 1975 e 1990 e que vieram a ser eleitos ao nível local no período pós 90. Este número equivale a 1/3 dos eleitos locais de 1991 a 2008 que já tinham sido nomeados entre 1975 a 1990, o que corresponde a 5.8% do total dos nomeados de Santo Antão no período atrás referido. A maioria desses indivíduos foi eleita no concelho do Paul com 5, contra 2 em Porto Novo e apenas 1 em Ribeira Grande. Dos cinco eleitos no Paul, quatro foram-no em 1991 e apenas um em 2004. Convém assinalar que um desses eleitos em 1991 conseguiu este feito na qualidade de Presidente da Câmara eleito. No concelho do Porto Novo, do total dos eleitos em 1991, somente um tinha exercido função ao nível local no período de 1975 a 1990, enquanto membro do conselho deliberativo. Só mais tarde, em 2004 é que veio a ser eleito um indivíduo que foi nomeado em 1987, na qualidade de membro do conselho deliberativo deste concelho.

Na Ribeira Grande, somente um indivíduo que fez parte de um dos conselhos deliberativos, nomeados antes de 1991, veio a integrar a lista vencedora das eleições

208 municipais realizadas neste concelho em 1991. Este indivíduo veio a ser eleito Presidente da Assembleia Municipal da Ribeira Grande por duas vezes.

Esta diferença registada no Paul, relativamente aos demais municípios de Santo Antão, na recuperação dos indivíduos que já tinham ocupado um cargo ao nível local, deve-se ao facto de o grupo independente, que venceu as eleições autárquicas no Paul em 1991, estar mais próximo do PAICV, que foi repescar para as suas listas um número considerável de indivíduos que já tinham exercido cargos nos conselhos deliberativos, contrariamente às listas vencedoras na Ribeira Grande e no Porto Novo que promoveram uma ruptura com os ex-membros destes conselhos, reintegrando apenas os “independentes”, ou seja, indivíduos que, apesar de terem pertencido aos conselhos deliberativos, não eram militantes/simpatizantes do PAICV.

Quadro nº 28 - Lista dos eleitos locais entre 1991 e 2008 que já tinham sido nomeados ao nível local entre 1975 e 1990 em Santo Antão

Ano da nomeação Ano da eleição Partido ou grupo Nome entre 1975 a 1990 entre 1991 a 2008 de cidadãos

Ribeira 1991,96,2000, Grande AR 1988 2004 MPD

P. Novo CB 1987 2000, 2004, 2008 PAICV

P. Novo CB 1987 1991 GIDPN

Paul PS 1975 1991 MPD

Paul JS 1978 2004 PAICV

Paul JV 1978 1991 GIDSP

Paul OS 1980 1991 GIDSP

Paul AT 1989 1991 e 1996 GIDSP

Fonte: Boletins Oficiais

Segundo os dados constantes do quadro nº 26, verificamos que, na Praia, o PAICV constitui-se no partido que, em maior proporção, recuperou na sua lista de eleitos

209 indivíduos que fizeram parte dos conselhos deliberativos durante o regime do partido único, com 5 eleitos, mais do que o dobro alcançado pelo MPD (2) e pelo PCD (1).

Em Santa Catarina, de acordo com os resultados do quadro nº 27, a situação inverte-se comparativamente à Praia, ou seja, neste concelho o MPD assume a liderança no que diz respeito ao resgate, na sua lista, dos indivíduos que fizeram parte dos conselhos deliberativos entre 1975 a 1990, com 5 eleitos, contra 2 do PAICV e 1 do PCD.

Em Santa Catarina, provavelmente as duras derrotas sofridas pelo PAICV nas eleições autárquicas realizadas em 1991 e 1996, tendo eleito nestes pleitos eleitorais somente, quatro e três deputados municipais, respectivamente, obrigaram este partido a uma maior abertura nas suas listas aos cidadãos independentes, isto é, sem nenhum vínculo com o PAICV e, consequentemente, um maior afastamento dos indivíduos relacionados com a administração autárquica antes de 1991. Na Praia, pelo contrário, o maior equilíbrio registado nas duas primeiras eleições autárquicas, permitiu ao PAICV ter uma maior margem de manobra na composição das suas listas o que resultou no resgate dos seus quadros que ocuparam cargos administrativos ao nível autárquico no período do partido único.

Em Santo Antão, a situação afigura-se um pouco mais equilibrada, com quatro eleitos na lista dos grupos independentes, dois na lista do PAICV e dois na do MPD. De referir que, na Ribeira Grande, o indivíduo que foi eleito na lista do MPD, em 1991, surge na lista do grupo independente nas eleições seguintes.

Globalmente, o PAICV e o MPD foram os partidos que mais recuperaram nas suas listas de eleitos os indivíduos que integraram as diversas comissões deliberativas entre 1975 a 1990, ambos com 9 eleitos cada, enquanto o PCD resgatou dois indivíduos. Os grupos independentes, em Santo Antão, elegeram nas suas listas 4 indivíduos nesta situação, sendo três no Paul e um no Porto Novo. Esses dados indiciam a hegemonia dos dois maiores partidos não só ao nível legislativo, mas também autárquico.

210

Gráfico nº 8 - Percentagem dos eleitos locais entre 1991 e 2008 que já tinham sido nomeados ao nível local entre 1975 e 1990, segundo o partido político

GIDPN GIDSP 4,2% 12,5% 1 PAICV 3 37,5% PCD 9 8,3% 2

MPD 37,5% 9

Fonte: Boletins Oficiais

A renovação dentro do partido que governou o país durante 15 anos (PAICV) foi mais intensa nas eleições autárquicas do que nas legislativas realizadas nove meses antes. O recrutamento de novos quadros políticos fez-se na sua maioria entre militantes jovens que não tinham ocupado nenhum cargo seja ao nível das estruturas do partido, seja ao nível do governo, ou mesmo na administração local.

De referir que ao nível do poder local, seja na Praia, em Santa Catarina ou em Santo Antão, verificou-se uma taxa de renovação no seio do PAICV superior à registada nas eleições legislativas. Provavelmente, a derrota nas legislativas ditou a necessidade de uma maior abertura à sociedade, com o intuito de rejuvenescer e de mudar a composição dos seus integrantes, respondendo, de certo modo, ao apelo de mudança manifestada pela população durante a realização das eleições legislativas.

Nas eleições legislativas de 1991, do total dos eleitos no círculo da Praia, onze pertenciam ao MPD e cinco ao PAICV. Destes, todos já tinham ocupado algum cargo no governo, no partido ou nos conselhos deliberativos. Em Santa Catarina100, o PAICV elegeu somente um deputado que tinha sido ministro durante a Iª República e, em Santo

100 Inclui a freguesia de S. Salvador do Mundo.

211

Antão, dos candidatos apresentados, nenhum foi eleito. De referir que nesta ilha, assim como em Santa Catarina, a maioria dos candidatos nas listas do PAICV, já tinha exercido algum cargo político durante o período do partido único.

Quanto ao partido vencedor das legislativas em 1991, (MPD), este congregou no seu seio actores que pela primeira vez militavam num partido político, e outros que já tinham tido alguma experiência nos conselhos deliberativos, mas que não estavam filiados no PAICV. É o caso de dois eleitos em Santa Catarina e um na Praia pelas listas do MPD.

Quadro nº 29 – Lista dos eleitos do MPD e do PAICV nas legislativas de 1991

MPD PAICV Total

Círculo eleitoral Nº % Nº % Nº %

Praia 11 68,8 5 31,3 16 100,0

Santa Catarina 7 87,5 1 12,5 8 100,0

Santo Antão 10 100 0 0 10 100,0

Total 28 82,4 6 17,6 34 100,0

Fonte: Comissão Nacional de Eleições

4.5 Nomeação por confiança política após a abertura democrática

Após à realização das primeiras eleições legislativas livres e multipartidárias em Janeiro de 1991, vencidas pelo principal partido de oposição na época, o MPD, com uma maioria qualificada de 70.9% dos assentos parlamentares, o mesmo veio a constituir governo poucas semanas após a realização das eleições. Com a sua entrada no governo, iniciou-se o processo de destituição de todos os conselhos deliberativos e delegados do governo nomeados pelo ex-governo do PAICV, e a nomeação de novas comissões que exerceriam os seus mandatos até Dezembro do mesmo ano, data em que se realizariam também as primeiras eleições ao nível municipal.

212

É no quadro desta (re)configuração do espaço político e da emergência de novos actores que se assiste a uma recomposição da elite política local e se torna pertinente a questão da sua renovação ou não. Neste sentido, interessa-nos saber em que medida se regista a renovação e ou continuidade dos membros dos conselhos deliberativos da Praia, de Santa Catarina e dos três concelhos de Santo Antão, nomeados entre os meses de Março e Abril do mesmo ano.

As comissões deliberativas da Praia e da Ribeira Grande em Santo Antão, nomeadas pelo MPD em 1991, eram constituídas na sua maioria por indivíduos com formação superior, diferenciando-se daquelas nomeadas em Santa Catarina, no Porto Novo e no Paul, com poucos técnicos superiores.

Na Praia, em Santa Catarina e no Porto Novo, as novas comissões deliberativas nomeadas pelo MPD não incluíam nenhum indivíduo que tivesse feito parte da comissão destituída. Na Ribeira Grande e no Paul, pelo contrário, dos indivíduos nomeados para os conselhos deliberativos pelo MPD, dois já tinham sido nomeados pelo PAICV durante o regime do partido único.

Na Praia, dos 14 indivíduos que integraram o conselho deliberativo, nomeado pelo MPD no mês de Março de 1991, nenhum veio a fazer parte da lista eleita para a Câmara Municipal deste concelho em Dezembro do mesmo ano, seja na lista de vereadores, seja na de deputados municipais. Este configura-se no único caso em estudo, em que o delegado do governo nomeado pelo MPD não veio a ser indigitado para encabeçar a lista concorrente para a Câmara Municipal nas eleições realizadas no mês de Dezembro de 1991. Segundo a opinião expressa pelo ex delegado do governo nomeado pelo MPD na Praia,

“apesar de ter sido um militante deste partido, a minha escolha deveu- se mais ao critério técnico, ou seja, devido ao facto de ter tido experiência na administração do gabinete técnico da Câmara naquela época … o meu mandato restringia-se apenas aquele período de transição e também pessoalmente já tinha manifestado a minha indisponibilidade para integrar a lista concorrente nas eleições do mês de Dezembro” (entrevista a RF).

213

Efectivamente, o cabeça de lista eleito pelo MPD para a Câmara Municipal da Praia em 1991, confirma que,

“estávamos preocupados naquele período de transição em colocar à frente do município pessoas com certo conhecimento e experiência ao nível da Câmara e o indivíduo escolhido preenchia aqueles requisitos básicos. A iniciativa de convidar as pessoas para exercer o cargo de delegado do governo e membros do conselho deliberativo partia do então Secretário de Estado da Administração Interna, com o consenso da estrutura local do partido. Entretanto, para as autárquicas, a decisão da escolha dos candidatos esteve ao cargo da estrutura regional do partido, que realizou as primárias e o meu nome foi escolhido entre outros dois apresentados. Sempre defendi que os membros do então conselho deliberativo foram colocados numa missão e no término dela não deveriam surgir como candidatos e consegui escolher os membros da minha equipa sem nenhuma pressão da estrutura local do partido” (entrevista a JS).

Deve assinalar-se, contudo, o facto de que o candidato escolhido para encabeçar as listas do MPD, na Praia, exercia naquele momento o cargo de coordenador regional do partido, daí a figura do candidato e do responsável local do partido se fundir num só o que pode ter facilitado, de certo modo, a liberdade de escolha dos restantes integrantes da lista e, naturalmente isso pode explicar a ausência dos ex-membros da última comissão deliberativa na lista candidata, uma vez que o cabeça de lista já tinha manifestado o seu desacordo em relação a esta estratégia da continuidade desses indivíduos nos órgãos que viriam a ser eleitos ao nível municipal em 1991.

Em Santa Catarina, dos 16 indivíduos que foram nomeados para o conselho deliberativo deste concelho, incluindo o delegado de governo, metade (8) veio a constar da lista dos eleitos para a Câmara Municipal. Destes, 2 foram eleitos para o órgão executivo da Câmara, sendo que um na qualidade do Presidente da Câmara e outro na de Vereador. Estes representam cerca de 22.2% dos eleitos na Câmara e 12.5% dos nomeados e que vieram a ser eleitos. Os restantes seis foram eleitos para a Assembleia Municipal e representam cerca de 28.6% dos eleitos deste órgão e 37.5% dos nomeados que vieram a ser eleitos.

214

Gráfico nº 9 - % de eleitos para as Câmaras e Assembleias Municipais em 1991 que pertenceram às comissões deliberativas nomeadas pelo MPD

% de eleitos para as Câmaras e Assembleias em 1991 que pertenceram às comissões deliberativas nomeadas pelo MPD

71,4

33,3 28,6 26,7 22,2 17,6 17,6 14,3 16,7 7,7 5,6 0 0 0 0

Praia S. Catarina R. Grande P. Novo Paul

Câmara Assembleia Total

Fonte: Boletins Oficiais e Comissão Nacional de Eleições

Em Santo Antão, no concelho do Porto Novo, dos dez indivíduos nomeados pelo MPD para integrarem o conselho deliberativo, quatro, correspondente a 40%, fizeram parte da lista vencedora das eleições em Dezembro. Neste concelho, o delegado do governo também foi eleito Presidente da Câmara Municipal. Para a Câmara foi eleito apenas um indivíduo que veio do conselho deliberativo, representando cerca de 14.3% dos eleitos deste órgão e 10% dos nomeados. Para a Assembleia Municipal, foram eleitos três dos ex-membros do conselho deliberativo, representando cerca de 17.6% dos eleitos para este órgão e 30% dos ex membros do conselho deliberativo.

Na Ribeira Grande, assistimos ao único caso em que a maioria dos membros de um conselho deliberativo integrou a lista concorrente para a Câmara Municipal. Assim, dos onze nomeados pelo MPD para o conselho deliberativo deste concelho, incluindo o delegado do governo, oito, correspondente a 72.7%, foram eleitos em Dezembro de 1991. O órgão executivo da Câmara foi constituído quase exclusivamente por estes indivíduos, pois, dos sete elementos, cinco vieram do conselho deliberativo, representando cerca de 71.4% dos eleitos para a Câmara e 45.5% dos nomeados para o conselho deliberativo. Os restantes três foram eleitos na lista para a Assembleia

215

Municipal, representando cerca de 17.6% dos eleitos deste órgão e 27.3% dos nomeados para o conselho deliberativo.

No Paul, a lista concorrente para a Câmara local, apoiada pelo MPD, constituída em grande parte pelos membros do conselho deliberativo, perdeu a eleição para um grupo independente. Para a Assembleia Municipal, apresentou-se uma lista em que nos lugares elegíveis surge apenas um membro do conselho deliberativo e os demais membros foram constituídos por outros indivíduos ligados ao partido, mas que não fizeram parte do conselho deliberativo. Assim, para a Câmara não passou nenhum membro do conselho deliberativo de 1991 e para a Assembleia Municipal apenas um indivíduo, representando 7.7% dos eleitos deste órgão camarário e 11.1% dos nomeados.

Gráfico nº 10 - % dos nomeados pelo MPD para as comissões deliberativas que vieram a ser eleitos para as Câmaras e Assembleias Municipais em 1991

72,7

50 45,5 37,5 40 30 27,3

12,5 10 11,1 11,1 0 0 0 0

Praia S. Catarina R. Grande P. Novo Paul

Câmara Assembleia Total

Fonte: Boletins Oficiais e Comissão Nacional de Eleições

4.6 Eleições municipais com efeitos de renovação de 1991 a 2008

Nesta parte focalizamos a análise sobre a renovação das elites políticas locais de 1991 a 2008. Não constitui nossa intenção procurar descortinar se houve uma renovação numa

216 perspectiva qualitativa, ou seja, se assistimos a alguma mudança no estilo da liderança local e nas práticas do pessoal político mas somente analisar a renovação do ponto de vista quantitativo, isto é, se são os mesmos indivíduos a dominar a política local ou se se constata a abertura para novos recrutamentos.

Nesta perspectiva, procuramos perceber em que medida assistimos à renovação das elites políticas em cada um dos domínios de estudo, se existe diferença no que diz respeito à renovação entre os órgãos executivos e legislativos em cada um dos municípios, se existe ou não diferenças na renovação em termos de sexo, grupo etário e profissão.

Ao analisar os dados do gráfico nº 11, nota-se a ocorrência de uma significativa taxa de renovação dos eleitos políticos locais, alcançando uma média de 76.0% ao longo das cinco eleições municipais realizadas desde 1991. Praia é o município onde sucede a maior taxa de renovação com valores muito acima da média, alcançando os 90.%. Santa Catarina e Santo Antão apresentam também valores consideráveis, mas situam-se abaixo dos registados na Praia, com 79.2% e 68.2%, respectivamente.

Na Praia, no segundo ciclo das eleições municipais realizadas em 1996, assinala-se uma taxa de renovação dos eleitos políticos locais na ordem dos 86.7%, taxa que se manteve nas eleições seguintes realizadas no ano 2000. Só veio a alterar-se nos dois ciclos eleitorais subsequentes, de 2004 e 2008, situando-se desta feita nos 93.3%.

Em Santa Catarina, a taxa de renovação global, ainda que elevada, é menor do que aquela que se regista na Praia. Em 1996, assiste-se a uma taxa de renovação de 86.7% numa situação em que o partido vencedor das eleições autárquicas neste concelho em 1991, renova o seu mandato, embora apresentando um novo candidato para encabeçar a lista para a Câmara Municipal. Em 2000, com a mudança da governação camarária para o PAICV, a taxa de renovação sobe para os 90%, mas volta a cair em 2004 para 66.7%, com a renovação do mandato deste partido e, em 2008, alcança os 73.3% com a reconquista do executivo camarário pelo MPD.

Em Santo Antão, nota-se uma tendência no sentido de uma menor taxa de renovação, comparativamente à Praia e Santa Catarina, a média encontrada nessa ilha é de 68.2%,

217 registando-se uma ligeira variação entre os ciclos eleitorais. A taxa mais baixa ocorreu nas eleições de 2000 (63.6%) e a mais elevada até o momento, em 2008, com 72.7%.

Constata-se, contudo, uma diferença significativa nos três municípios, sendo o da Ribeira Grande aquele que apresenta, em média, uma taxa de renovação mais baixa, à volta de 61.5%, seguida do Porto Novo, 65.6%, ao contrário do município do Paul que consegue uma média de 80.6% para o mesmo período em análise.

A diferença entre Paul e os demais municípios de Santo Antão, em termos de taxa de renovação, poderá dever-se à mudança da equipa camarária que, neste concelho, já passou pela gestão de um grupo independente de cidadãos e pelos dois maiores partidos políticos nacionais, enquanto na Ribeira Grande e no Porto Novo não ocorreu nenhuma mudança profunda no que concerne às respectivas lideranças locais, sendo que no Porto Novo, o MPD foi sempre o partido vencedor e na Ribeira Grande, como veremos mais adiante, praticamente o “núcleo duro” dos indivíduos que ganharam a Câmara Municipal, em 1991, continuou no poder até o momento, não obstante a mudança de sigla. Esclarece-se que este grupo, apresentou-se pela primeira vez em 1991 numa lista do MPD para, na eleição seguinte, surgir como grupo independente e, em 2008, voltar a integrar a lista do MPD.

A taxa de renovação tem sido mais elevada no momento em que se regista a mudança do partido no poder, do que nos momentos em que se assinala a continuidade da equipa no poder, a exemplo do que se passou nas eleições de 2000 na Praia, em Santa Catarina e no Paul, em que as equipas até então no poder perderam as eleições. Para além disso, a mudança dos cabeças de listas para as Câmaras Municipais também interfere em alguma medida na taxa de renovação, ainda que o partido/grupo de cidadãos permaneça no poder, este é o caso de Santa Catarina nas eleições de 1996, do Porto Novo e da Ribeira Grande nas eleições de 2004. No concelho da Ribeira Grande, a continuidade do mesmo grupo no poder autárquico pode explicar a mais baixa taxa de renovação registada nos municípios em estudo de 1991 a 2008. Assim, pode inferir-se que a continuidade do partido ou de grupo de cidadãos no poder municipal, favorece a renovação dos mandatos.

218

Gráfico nº 11 – Taxa de renovação global dos eleitos políticos locais da Praia, de S. Catarina e de Santo Antão

93,3 93,3 86,7 90,0 90,0 86,7 86,7 72,7 79,2 69,7 73,3 66,7 66,7 68,2 63,6

Praia S. Catarina S. Antão

0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1991 a 96 a 2000 a 2004 a Média 1996 2000 2004 2008

Fonte: Boletins Oficiais e Comissão Nacional de Eleições

Ao nível do executivo camarário, a taxa de renovação média na Praia é idêntica à registada em Santa Catarina, ou seja, de 86.1%, e ambas encontram-se a uma distância considerável de Santo Antão, com uma média de 64.5%.

Na Praia, regra geral, os Presidentes das Câmaras reeleitos até o momento, têm mudado por completo os seus colaboradores no executivo camarário101. Deste modo, as taxas de renovação na Câmara têm sido superiores a 78% em todos os ciclos eleitorais.

Nas eleições de 2000, nenhum partido conseguiu a maioria absoluta, o que levou a uma situação inédita de partilha do poder neste concelho entre as três forças políticas, o PAICV, o MPD e o PCD, com quatro, três e dois eleitos, respectivamente. É nestas eleições que se regista um caso excepcional de um vereador do MPD que transita de um mandato para outro, configurando-se no segundo caso de renovação de mandato de um

101 No entanto, o ex-edil Jacinto Santos, quando renovou o seu mandato em 1996, abriu uma excepção ao integrar na sua lista de vereadores, uma das colaboradoras que fez parte da equipa anterior, enquanto responsável pelo pelouro da promoção social.

219 vereador neste concelho. Deparamos, ainda neste mandato, com uma situação de circulação horizontal interna no MPD, em que um indivíduo que tinha sido eleito para a Assembleia Municipal em 1996, foi reeleito, mas desta feita para ocupar o cargo de vereador.

Em Santa Catarina, o executivo camarário afigura-se um caso particular entre os municípios em estudo, por se tratar do único caso, até às eleições de 2008, em que nenhum Presidente da Câmara eleito veio a concorrer para a eleição seguinte. Esse facto contribuiu para que a taxa de renovação neste órgão do poder camarário, em praticamente todos os ciclos eleitorais, tivesse sido de 100%, à excepção das eleições de 2004 em que transitaram quase metade dos vereadores, em número de quatro, aos quais se veio juntar mais um eleito que transitou da Assembleia para a Câmara, constituindo- se num caso de renovação horizontal interna do PAICV. Em consequência desses números, a taxa de renovação baixou para os 44.4%.

Em Santo Antão, a taxa mais baixa de renovação dos eleitos municipais para a Câmara Municipal foi registada nas eleições de 1996, com 52.6%, aumentando para 63.2% e 73.7% nas eleições de 2000 e de 2004, mas vindo a baixar ligeiramente nas eleições de 2008 para 68.4%. As diferenças entre os municípios são marcantes, enquanto no Paul a taxa média de renovação no executivo camarário é elevada, alcançando os 85%, no Porto Novo é de 60.7% e na Ribeira Grande é ainda mais baixa, ou seja, de 53.6%.

Neste último concelho, as taxas de renovação do executivo camarário em 1996 e em 2000, situaram-se nos 42.9% e 28.6%, respectivamente, constituindo-se nas taxas mais baixas de renovação entre todos os municípios em estudo. Em 2004, com a escolha do novo cabeça de lista para a Presidência da Câmara Municipal, este veio a implementar mudanças no que concerne aos integrantes da lista, substituindo todos os vereadores do mandato anterior. Todavia, a renovação só não foi total porque o próprio já tinha sido eleito nos mandatos anteriores. Deste modo a taxa de renovação situou-se nos 85.7%, mas voltou a decrescer em 2008 para 57.1%, com a renovação dos mandatos de três dos sete eleitos em 2004.

No Porto Novo, a taxa de renovação no executivo camarário não ultrapassou os 42.9% em 1996, com três vereadores a transitarem de 1991 para 1996 e uma circulação

220 horizontal de uma deputada municipal de 1991, que desta feita foi eleita Vereadora. Nas eleições seguintes, a taxa de renovação situou-se nos 71.4% e voltou a decrescer em 2008 para 57.1%. O Paul, como referimos anteriormente, contrariamente aos outros dois concelhos de Santo Antão, tem apresentado taxas de renovação na Câmara acima da média registada nesta ilha, à excepção das eleições de 2004, em que a equipa que renovou o mandato fê-lo com dois integrantes da lista anterior, sendo um deles o próprio Presidente.

Gráfico nº 12 – Taxa de renovação dos executivos camarários da Praia, S. Catarina e de Santo Antão

Praia S. Catarina S. Antão

100,0 100 100 86,1 88,9 77,8 77,8 86,1 73,7 68,4 63,2 64,5 52,6 44,4

0 0 0 0 1991 a 96 a 2000 2000 a 2004 a Média 1996 2004 2008

Fonte: Boletins Oficiais e Comissão Nacional de Eleições

De um modo geral, é nas Assembleias Municipais que efectivamente se assinalam, as taxas mais elevadas de renovação das elites políticas locais. Referimo-nos à Praia e a Santo Antão em que as taxas de renovação registadas nos órgãos legislativos das Câmaras Municipais, foram superiores às assinaladas nos órgãos executivos. Situação diferenciada é aquela vivenciada em Santa Catarina onde as taxas de renovação para a Câmara Municipal foram quase sempre superiores às registadas para a Assembleia.

221

Assim, na Praia, a taxa média de renovação dos eleitos para a Assembleia Municipal de 1991 a 2008 foi de 91.7% e em momento algum, situou-se abaixo dos 90%. Neste concelho, os partidos vencedores das diferentes eleições para a Câmara (MPD e PAICV), renovam constantemente os nomes dos integrantes das suas listas para esse órgão e são poucos os casos dos indivíduos que ocupam posições elegíveis nas listas em dois mandatos consecutivos.

Em Santa Catarina, a média da taxa de renovação na Assembleia Municipal é de 76.2%, tendo sido mais elevada em 1996 e 2000, com uma taxa de 81% e 85.7%, respectivamente, mas nas duas últimas eleições apresentou uma tendência de diminuição, situando-se nos 76.2% e 61.9%, respectivamente, o que indicia uma tendência para uma maior estabilização de um pequeno núcleo de deputados. Registam- se quatro casos de circulação horizontal dos eleitos nos diferentes ciclos eleitorais repartidos equitativamente, sendo duas da Assembleia para a Câmara e outras duas no sentido contrário.

Em Santo Antão, a média de renovação da Assembleia Municipal neste período é de 69.7%. Em 1996, foi de 72.3% e em 2000, diminuiu para 63.8%. A partir das eleições de 2004, constata-se uma inversão, ou seja, as taxas indiciam uma tendência de crescimento, situando-se nos 68.1% neste ano e nos 74.5% em 2008. Ao analisar a sua distribuição nos diversos concelhos desta ilha, verifica-se que a taxa média assinalada em Ribeira Grande é de 64.7% e no Porto Novo, de 67.6%, ambos com valores inferiores à média da ilha, que regista valores mais consideráveis no Paul, à volta de 78.8%.

222

Gráfico nº 13 – Taxa de renovação das Assembleias Municipais da Praia, de S. Catarina e de Santo Antão

72,3 63,8 68,1 74,5 69,7

85,7 81,0 71,4 76,2 66,7 S. Antão S. Catarina Praia 90,5 90,5 95,2 90,5 91,7

0 0 0 0 0 1991 a 96 a 2000 a 2004 a Média 1996 2000 2004 2008

Fonte: Boletins Oficiais e Comissão Nacional de Eleições

Como já tínhamos referido anteriormente, importa também descortinar, dentro de cada um dos domínios de estudo, o processo de renovação das elites políticas locais, em termos de sexo, de grupos etários e de profissões, ou seja, procuramos saber se determinados grupos têm beneficiado de uma maior continuidade no exercício dos seus mandatos, comparativamente a outros. A análise que se segue é feita em duas perspectivas, a primeira é no sentido de avaliar a taxa de renovação interna a cada grupo e a segunda a da taxa de renovação de cada grupo em relação ao total geral.

Globalmente, a taxa de renovação entre os eleitos políticos locais do sexo feminino é superior ao assinalado nos homens. De acordo com os dados constantes do quadro 6, a taxa de renovação nas mulheres situa-se nos 88.9%, contra 73.4% nos homens. Na Praia, essa diferença não é perceptível uma vez que as taxas registadas nos indivíduos de cada sexo aproximam-se dos 90%. Em Santo Antão e em Santa Catarina, verifica-se uma situação em que a taxa de renovação nas mulheres é manifestamente superior à assinalada nos homens. Em Santa Catarina, a diferença é de dezasseis pontos percentuais a favor das mulheres mas, em Santo Antão, aumenta para vinte e um pontos percentuais.

223

Numa análise por grupo etário, constata-se que a taxa de renovação dos eleitos até 34 anos é de 93.5%. No entanto, baixa consideravelmente no interior das outras faixas etárias, seja a dos indivíduos entre os 35 a 54 anos, com 70.3%, seja a dos indivíduos acima dos 55 anos, com 65.8%. Em todos os domínios do estudo, a taxa de renovação dos indivíduos com idades acima dos 55 anos é sempre mais baixa, comparativamente às demais faixas etárias. As categorias profissionais agraciadas com uma menor taxa de renovação interna são a dos agricultores (28.6%), seguida dos bancários, com 50%. Os médicos afiguram-se como a categoria profissional com a maior taxa de renovação interna, alcançando os 84.6%. Importa registar ainda que os professores e os funcionários públicos, como veremos mais adiante, são as categorias que, ao nível geral, se destacam como sendo aquelas que apresentam taxas de renovação menos elevadas, contrariamente, ao nível interno em que são ultrapassados por outras categorias, situando-se numa posição intermédia, com uma taxa de renovação interna de 79.4% e 71.4%, respectivamente.

Quadro nº 30 – Taxa de renovação interna dos eleitos políticos locais segundo o sexo, grupo etário e profissão

Domínios Praia S. Catarina Santo Antão Total

Nº % Nº % Nº % Nº %

Masculino 79 89,8 81 77,1 144 65,2 304 73,4 Sexo Feminino 29 90,6 14 93,3 37 86,0 80 88,9

Até 34 anos 27 100 27 93,1 75 91,5 129 93,5

Grupo 35 a 54 anos 72 88,9 61 75,3 97 58,8 230 70,3 Etário

55 e + 9 75,0 7 70,0 8 50,0 25 65,8

F. Públicos 16 88,9 13 72,2 21 61,8 50 71,4

Profissões Professores 12 100 39 81,3 52 76,5 100 79,4

Econ/Contabilsta 11 91,7 2 100 12 66,7 22 68,8

224

Engenheiros 16 94,1 9 90,0 31 68,9 56 77,8

Advogados 7 87,5 8 61,5 5 83,3 21 77,8

Sociól/Psicólogo 2 50,0 1 100,0 7 77,8 10 71,4

Administ/Gestor 12 92,3 3 75,0 5 50,0 20 74,1

Bancário 1 50,0 1 100,0 6 50,0 7 50,0

Médico/Enferm 7 87,5 4 100,0 11 78,6 22 84,6

Agricultores 2 28,6 2 28,6

Assistente social 2 50 1 50,0 3 50,0

Outras 114 95,0 115 95,8 237 89,8 466 92,5

Fonte: Boletins Oficiais e inquérito dirigido aos eleitos

Os dados do quadro 31 indicam que a taxa de renovação global nas mulheres situa-se nos 98%, ou seja, do total das mulheres eleitas de 1991 a 2008, apenas 2% delas foram reeleitas, enquanto nos homens, a taxa de renovação ainda que elevada é relativamente menor, pois, é de 78%, o que quer dizer que, durante o período em análise, a proporção dos reeleitos do sexo masculino é superior à verificada nas mulheres. A diferença na taxa de renovação dos sexos é maior em Santo Antão, alcançando 96.2% das mulheres, contra 70.8% dos homens, enquanto na Praia as proporções são mais próximas, ou seja, atingem 97.5% das mulheres e 92.5% dos homens. Em Santa Catarina, a taxa de renovação mostra-se claramente favorável aos homens, alcançando 80% dos eleitos masculinos, contra 99.2% dos eleitos femininos.

A taxa de renovação é maior nas duas faixas etárias extremas, os eleitos mais jovens, com idades compreendidas entre os 18 e 34 anos e os mais idosos, ou seja, os indivíduos na faixa etária acima dos 55 anos, alcançando os 98.2% e 97.4%, respectivamente. Para os indivíduos na faixa etária entre os 35 e 54 anos que constituem a maioria dos eleitos, a taxa de renovação é menor, rondando os 81%. Essa tendência global reflecte-se em cada um dos domínios do estudo, sendo que na Praia, constata-se

225 uma particularidade, qual seja, do total dos indivíduos reeleitos, nenhum se encontrava na faixa etária entre os 18 a 34 anos.

Os professores e os funcionários públicos fazem parte das categorias profissionais que foram atingidas em menor proporção pelas taxas de renovação no conjunto das profissões. Mesmo assim, assinalaram taxas elevadas, a rondar os 95% e 96%, respectivamente. Todavia, o grupo dos médicos/enfermeiros, bem como dos agricultores e dos sociólogos/psicólogos, são as profissões mais atingidas pela renovação, com uma taxa de 99.4%, 99.2% e 99%, respectivamente.

Na Praia, as profissões mais atingidas pela renovação são as dos professores e dos médicos que alcançaram uma taxa de 100%. Os eleitos das demais categorias profissionais foram também amplamente renovados ao longo desses ciclos eleitorais, com taxas superiores a 98%. Em Santa Catarina, os eleitos de praticamente todas as profissões foram renovados acima dos 99%, à excepção dos professores que obtiveram uma taxa de renovação de 92.5%, seguidos dos funcionários públicos e dos advogados, com 95.8% ex-aequo.

Em Santo Antão, são os professores e os engenheiros, as categorias profissionais que apresentam as taxas de renovação abaixo dos 95%, mais concretamente, 93.9% e 94.7%, respectivamente e para as demais, as taxas situam-se acima dos 95%. No concelho da Ribeira Grande, são os professores e os engenheiros, as categorias com as taxas de renovação menos elevadas, no Porto Novo, são os funcionários públicos e os economistas/contabilistas e no Paul, os funcionários públicos e os professores.

226

Quadro nº 31 – Taxa de renovação total dos eleitos políticos locais segundo sexo, grupo etário e profissão

Domínios Praia S. Catarina Santo Antão Total

Nº % Nº % Nº % Nº %

Masculino 111 92,5 96 80,0 187 70,8 394 78,2 Sexo Feminino 117 97,5 119 99,2 254 96,2 494 98,0

Até 34 anos 0 0 118 98,3 257 97,3 495 98,2

Grupo 35 a 54 anos 111 92,5 100 83,3 196 74,2 407 80,8 Etário

55 e + 117 97,5 117 97,5 256 97,0 491 97,4

F. Públicos 118 98,3 115 95,8 251 95,1 484 96,0

Professores 120 100 111 92,5 248 93,9 479 95,0

Econ/Contabilista 119 99,2 120 100 255 96,6 494 98,0

Engenheiros 119 99,2 119 99,2 250 94,7 488 96,8

Advogados 119 98,3 115 95,8 263 99,6 497 98,6

Sociól/Psicólogo 118 98,3 120 100,0 262 99,2 500 99,2 Profissões Administ/Gestor 119 99,2 119 99,2 259 98,1 497 98,6

Bancário 119 99,2 120 100,0 258 97,7 497 98,6

Médico/Enferm 120 100,0 120 100,0 261 98,9 501 99,4

Agricultores 0 0 0 0 259 98,1 499 99,0

Assistente social 0 98,3 0 0 263 99,6 503 99,8

Outras 119 99,2 116 96,7 258 97,7 494 98,0

Fonte: Boletins Oficiais e inquérito dirigido aos eleitos

227

4.7 Taxa de renovação dos Presidentes das Câmaras Municipais

No sistema eleitoral cabo-verdiano, o cidadão escolhe directamente o presidente do seu município, no entanto, este não é eleito uninominalmente, mas numa lista de que é parte integrante.102 Neste particular, a legislação eleitoral cabo-verdiana é idêntica à portuguesa, mas difere da de um número considerável de países da União Europeia, entre os quais se incluem, entre outros, a Itália, Alemanha e Áustria, em que o Presidente da Câmara é eleito através de uma lista uninominal.

Demonstramos anteriormente a ocorrência de uma elevada taxa de renovação entre os órgãos colectivos eleitos para as Câmaras municipais da Praia, de Santa Catarina e as de Santo Antão. Relativamente, à eleição dos Presidentes das Câmaras, nota-se também a mesma tendência, ou seja, uma taxa de renovação considerável, ainda que numa proporção menor, comparativamente à totalidade dos respectivos órgãos colectivos eleitos. Na Praia, de 1991 a 2008, 3 indivíduos foram eleitos Presidentes da Câmara Municipal, correspondente a uma taxa de renovação de 60%. Este valor situa-se abaixo do registado para a totalidade dos eleitos deste município, no período em referência, que é de 90%, ou dos eleitos apenas do órgão executivo ao qual pertence o Presidente que é de 86.1%.

Ribeira Grande é, no conjunto dos municípios, aquele que apresenta a mais baixa taxa de renovação dos Presidentes das Câmaras (40%), elegendo apenas 2 Presidentes neste período, sendo que o primeiro ocupou o lugar por três mandatos consecutivos e o seu sucessor já está a completar o seu segundo mandato. No Paul, a taxa de renovação do Presidente da Câmara é de 60% tal como na Praia, a mudança do Presidente coincide com a alternância do poder na Câmara. No Porto Novo, a Câmara local tem sido conquistada sempre pelo MPD e este partido tem promovido a substituição dos cabeças de lista nas diferentes eleições e, até este momento, foram 3 os eleitos pelas listas suportadas pelo MPD, contribuindo assim para uma taxa de renovação de 60%. Nos três municípios de Santo Antão, as taxas de renovação dos seus respectivos Presidentes de Câmaras, estão abaixo das registadas relativamente aos respectivos colectivos camarários.

102 Cf os artigos 430 e 433 do Código Eleitoral que retratam a eleição dos titulares dos órgãos municipais.

228

Santa Catarina constitui-se num caso único no contexto nacional até o presente momento em que se assiste a uma taxa de renovação do seu Presidente de Câmara na ordem dos 100%, ou seja, nenhum Presidente eleito exerceu mais do que um mandato103.

As possíveis razões que podem estar associadas à não renovação dos mandatos dos edis em Santa Catarina, são várias. O primeiro Presidente eleito, Celestino Almada, demonstrava ser uma figura politicamente fraca, pois, diferente dos outros presidentes das Câmaras Municipais eleitos em 1991 nas listas dos partidos políticos, era o único que não acumulava esta função com a do responsável máximo do partido ao nível da estrutura local. O segundo presidente da Câmara Municipal eleito, Pedro Freire, não concluiu o seu mandato devido a desavenças internas protagonizadas com uma das figuras fortes do partido ao nível local, que tinha sido reeleito Presidente da Assembleia Municipal. Nas eleições de 2000, o Presidente eleito, José Maria Neves, deixou a Câmara Municipal em 2001 para concorrer às eleições legislativas na qualidade de líder do seu partido, o PAICV. Na sequência da vitória deste partido, veio a assumir o cargo de Primeiro-ministro e, por essa razão, não concluiu o mandato. Por último, o edil João Baptista Freire, eleito em 2004, não obteve o apoio do PAICV para concorrer a mais um mandato e foi substituído na condição de cabeça de lista por Alcides Tavares. Entretanto, a eleição seria ganha pelo MPD que apresentou Francisco Tavares como candidato ao cargo de Presidente da Câmara Municipal.

Contudo, ao compararmos a taxa de renovação dos Presidentes das Câmaras dos municípios em estudo, com os demais municípios do país104, constata-se que, em seis, a

103 Na verdade, o ex edil João Baptista Freire Andrade exerceu um mandato de 2001 a 2004 e outro de 2004 a 2008. No primeiro caso fê-lo na qualidade de presidente substituto, uma vez que o presidente eleito em 2000, José Maria Neves veio a concorrer em 2001 para as legislativas e com a vitória do seu partido, o PAICV, veio a ser convidado pelo Presidente da República a constituir governo na qualidade de Primeiro-ministro. Nas eleições de 2004, João Baptista surge efectivamente como cabeça de lista do PAICV e nessa qualidade foi eleito presidente da Câmara de Santa Catarina.

104 Dos 22 municípios do país exclui-se neste contexto os mais recentes, ou seja, aqueles em que as primeiras eleições foram realizadas no ano de 2008, a saber: Ribeira Grande de Santiago, São Lourenço dos Órgãos, São Salvador do Mundo, Santa Catarina do Fogo e Tarrafal de S. Nicolau.

229 taxa de renovação dos Presidentes das Câmaras têm sido inferior à registada na Praia, em Santa Catarina e nos municípios de Santo Antão, à excepção da Ribeira Grande e, nos restantes seis, as taxas têm sido muito próximas. S. Filipe, S. Domingos e S. Miguel constituem casos paradigmáticos no contexto autárquico cabo-verdiano, pois, são os únicos concelhos em que até 2008, não se assistiu à renovação dos seus Presidentes desde as primeiras eleições realizadas em cada um dos concelhos. Em S. Filipe, o Presidente da Câmara local completou já 5 mandatos, em S. Domingos 4 e em S. Miguel 3.105

Nos concelhos de Santa Cruz, do Tarrafal de Santiago e do Maio, a taxa de renovação dos respectivos Presidentes situa-se nos 40%, enquanto na Boa Vista, na Brava e em S. Vicente, essa taxa é de 60% e no Sal e na Ribeira Brava106 é ainda maior, situando-se nos 80%. Como se pode constatar, em alguns concelhos vivencia-se uma situação marcada pela elevada taxa de continuidade dos Presidentes de Câmara. Para além de os casos de S. Filipe, de S. Domingos e de S. Miguel, incluem-se ainda os do Maio em que o seu edil já está no 4º mandato107 consecutivo, da Boa Vista, da Brava, de Santa Cruz e do Tarrafal, em que os respectivos Presidentes estão a concluir o terceiro mandato. É caso para afirmarmos que, nestes concelhos, as reeleições dos Presidentes de Câmaras têm sido mais uma regra do que uma excepção.

105 As primeiras eleições para a Câmara Municipal de S. Domingos aconteceram no ano de 1996 e em S. Miguel no ano 2000.

106 Em S. Nicolau, as eleições autárquicas são realizadas desde 1991. A partir de 2008, a ilha foi dividida em dois concelhos, o de Tarrafal de S. Nicolau e o da Ribeira Brava.

107 Os concelhos do Maio, da Ribeira Grande em Santo Antão e de S. Nicolau, apresentam uma particularidade nas eleições dos Presidentes das Câmaras Municipais, por se constituírem nos únicos casos em que se assistiu até as eleições de 2008, a renovação de mandato dos Presidentes de Câmaras que mudaram de lista. No Maio, o Presidente eleito em 1996 fazia parte da lista de um grupo independente de cidadãos, mas a partir do ano 2000, concorreu e ganhou nas listas do MPD. Na Ribeira Grande, o edil eleito em 1991 fazia parte da lista do MPD, mas conseguiu reeleger-se em 1996 numa lista independente. Mais tarde, em 2004, o seu sucessor, Orlando Delgado, elegeu-se Presidente nesta lista independente, para em 2008 eleger-se nas listas do MPD. Em S. Nicolau, o edil Benvindo Oliveira eleito em 1996 nas listas do MPD, conseguiu reeleger-se como independente com o apoio do PAICV nas eleições de 2000.

230

Gráfico nº 14 – Taxa de renovação dos Presidentes das Câmaras Municipais de 1991 a 2008 em %

100

80 80 75,0 60 60 60 60 60 60

40 40 40 40

0 0 0

Fonte: O autor

4.8 Duração média das carreiras políticas no período democrático

Procuramos analisar os dados relativos à taxa de renovação tendo em atenção duas outras variáveis, nomeadamente, a idade média do início da actividade política dos eleitos políticos locais entre 1991 e 2008, calculada a partir da idade declarada pelos eleitos políticos locais na sua primeira eleição depois de 1991e a média da esperança de vida da população cabo-verdiana no mesmo período, através dos dados fornecidos pelo INE108, tendo como objetivo determinar a duração média potencial da atividade política109.

108 As projeções do INE relativas às esperanças de vida são calculadas para o país de uma forma global e não encontramos os dados desagregados por ilha e/ou concelho. Por isso, para efeitos de cálculo, assumimos que a distribuição por cada um dos concelhos em estudo é igual ao total nacional.

109 A duração média potencial da actividade política resulta do cálculo da diferença entre a média da esperança de vida e a idade média do início da actividade política.

231

Considerando que a média da esperança de vida dos cabo-verdianos entre 1991 e 2010 situa-se nos 70.8 anos, sendo maior entre as mulheres (74.9 anos), do que entre os homens, e que a taxa média do início da actividade política dos eleitos políticos locais110 é de 40 anos, a duração média do potencial da actividade política desses eleitos, deveria situar-se nos 30.8 anos, ou seja, os eleitos políticos locais deveriam ter, em tese, cerca de 31 anos de exercício das suas actividades políticas, o que representaria cerca de oito mandatos, uma vez que cada mandato tem uma duração de quatro anos.

Na realidade, a média do início das actividades políticas dos eleitos políticos locais varia segundo os municípios, sendo mais elevada na Praia com 42 anos, seguida de Santa Catarina com 41 anos e, por último, Santo Antão, com uma média de 39 anos. Nesta ilha, a média varia segundo o concelho, sendo menor no Paul com 37 anos, Porto Novo com 38 anos e Ribeira Grande com 41 anos. Assim, de acordo com os dados constantes do quadro nº 32, os eleitos políticos locais de Santo Antão têm uma duração média potencial de actividade política mais elevada, com 31.8 anos, ao contrário da Praia que apresenta a média mais baixa no conjunto dos municípios em estudo, ou seja, 28.8 anos. Em Santa Catarina, a média afigura-se mais elevada do que na Praia e ronda os 29.8 anos. Os concelhos do Paul e do Porto Novo, por apresentarem uma taxa média do início da actividade política mais baixa, são, em consequência, aqueles com uma duração média potencial das actividades políticas dos eleitos políticos locais das mais elevadas, alcançando os 33.8 e os 32.8 anos, respectivamente. Na Ribeira Grande regista-se uma média semelhante à assinalada em Santa Catarina, ou seja, de 29.8 anos.

Neste sentido, ao analisar os dados da renovação dos eleitos políticos locais em todos os concelhos em estudo, constata-se uma elevada taxa de renovação, o que significa que a duração efectiva média da carreira política é menor do que a carreira média em potencial. Por exemplo, na Praia verifica-se uma taxa de renovação média de 90% entre 1991 e 2008 e uma duração média potencial de actividade política de 28.8 anos, o que quer dizer que a esmagadora maioria dos eleitos políticos locais têm uma média efectiva

110 Referimo-nos à data da primeira eleição ao nível local a partir de 1991. Não levamos em consideração a idade da primeira eleição para aqueles que foram eleitos para ocupar cargos no período da Iª República. Esse recorte temporal deve-se essencialmente à dificuldade de encontrar os dados relativos a todos os eleitos de 1975 a 1990.

232 das suas carreiras de apenas quatro anos, o que é manifestamente inferior à carreira média em potencial.

Ribeira Grande é o concelho onde se regista uma maior aproximação entre a média da taxa de renovação dos eleitos políticos locais que é de 61.5%, e a duração média potencial de actividade política, que é de 29.8 anos, o que significa que uma parte considerável dos seus eleitos políticos locais, tem um potencial para conseguir cumprir na íntegra a média potencial do mandato que é de aproximadamente 30 anos. A situação diferenciada do município da Ribeira Grande, comparativamente aos demais, deve-se à elevada taxa de continuidade entre um grupo restrito dos eleitos políticos locais desde 1991. Situação praticamente idêntica é vivenciada no município do Porto Novo, com uma média da taxa de renovação dos eleitos políticos locais na ordem dos 65.6% e uma duração média potencial da actividade política de 32.8 anos, deixando margem a pouco mais de 1/3 desses eleitos de aproximar da média potencial do mandato neste município. Esses são os dois únicos municípios em que, até o momento, não se registou mudança do grupo no poder, não obstante o facto de ter havido mudança de sigla no poder em Ribeira Grande, se bem que sob a liderança do mesmo núcleo dirigente.

Quadro nº 32 - Duração média do potencial da actividade política

Praia S. Catarina S. Antão R. Grande P. Novo Paul Total Taxa média do início da actividade política (em anos) 42 41 39 41 38 37 40 Taxa média de renovação (em %) 90% 79.2% 68.2% 61.5% 65.6% 80.6% 76% Média de esperança de vida (em anos) 70.8 70.8 70.8 70.8 70.8 70.8 70.8 Duração média potencial da actividade política (em anos) 28.8 29.8 31.8 29.8 32.8 33.8 30.8 Fontes: INE e o autor

4.9 A Renovação dos eleitos políticos locais na categoria dos professores

Entre as diversas categorias profissionais, que compõem o universo dos eleitos políticos locais, a dos professores, juntamente com a dos funcionários públicos, constitui certamente uma referência por ser uma das poucas que possuem um peso significativo em todos os municípios em estudo. Em Santa Catarina, praticamente 4 em cada 10 eleitos desde 1991 são professores, em Santo Antão, cerca de ¼ dos eleitos políticos locais pertencem a esta categoria profissional, enquanto na Praia o seu peso é menor,

233 pois, não ultrapassa os 7%. Uma das razões que pode justificar a elevada procura desses profissionais na composição das listas candidatas às eleições municipais, devem-se ao prestígio que os professores gozam junto das suas comunidades, com uma ênfase maior nos municípios rurais.

Em Santa Catarina, o seu peso ficou mais evidente nas eleições realizadas em 2004, com um total de 18 num universo de 30 eleitos, constituindo a maioria seja na Câmara Municipal, com 7 em 9 eleitos, seja na Assembleia Municipal, com 11 em 21 eleitos. Uma outra razão que poderá estar associada ao peso dessa categoria na composição das listas e no lugar que ocupam nas listas e que contribui para as suas eleições, diz respeito ao vínculo que possuem com as estruturas locais dos partidos, seja o MPD, seja o PAICV. De realçar que esta é uma situação específica de Santa Catarina, que não possui os mesmos contornos nos municípios de Santo Antão, devido à forte presença dos grupos independentes, tendo inclusive conservado o poder por dois mandatos no Paul e por três na Ribeira Grande. Deste modo, relativamente aos grupos independentes, as razões estão ligadas quase que exclusivamente ao prestígio que os professores emprestam às listas.

O elevado número de professores entre os eleitos locais, contribui também para uma elevada taxa de renovação nesta mesma categoria, uma vez que uma parte dos novos eleitos é escolhida dentro dessa categoria, ainda que não exista nenhuma norma expressa nesse sentido, mas a prática tem indicado que as renovações se processam desta forma.

Esta categoria é constituída maioritariamente pelos professores do Ensino Básico Integrado e pelos professores do Ensino Secundário, com uma presença pouco significativa dos professores universitários, até porque, na ilha de Santo Antão, não existem instituições de ensino neste nível. Assim sendo, o seu universo restringe-se aos concelhos da Praia e de Santa Catarina, sendo que este último passou a dispor de instituições universitárias muito recentemente, limitando, assim, a presença destes profissionais nas listas concorrentes. Mesmo na Praia, não obstante a proliferação das

234 instituições ligadas ao ensino superior a partir do ano 2000, dos doze professores eleitos desde 1991, somente um exerceu a sua actividade em instituições do ensino superior111.

Em Santa Catarina registaram-se três casos, sendo dois eleitos nas listas do MPD.112 Contrariamente ao eleito municipal da Praia, estes eleitos municipais de Santa Catarina tinham vínculo partidário e eram oriundos das estruturas dos respectivos partidos ao nível local. Os dois eleitos do MPD em Santa Catarina eram jovens que no momento das suas respectivas eleições tinham menos de 40 anos de idade113.

Essa situação de vínculo partidário entre os eleitos pertencentes à categoria de professores do ensino superior em Cabo Verde é particular ao município de Santa Catarina. Relativamente aos professores do ensino básico e do ensino secundário, essa situação não é exclusiva de Santa Catarina, não obstante o facto de se observar que é neste concelho que ela se manifesta com maior acuidade114. Regra geral, a reeleição dos

111 Trata-se de Mota Gomes eleito deputado municipal em 2000, nas listas do MPD. Não detinha nenhuma ligação formal com as estruturas do partido, seja a nível local, seja nacional.

112 Francisco da Moura que ocupou o cargo de deputado municipal eleito em 2004 e, outro - António Jesus, na condição de vereador eleito em 2008, ambos com ligação à Universidade de Cabo Verde e, um eleito nas listas do PAICV, trata-se de Joaquim Furtado líder da bancada do seu partido na Assembleia Municipal de Santa Catarina em 2008.

113 Joaquim Furtado 44 anos, diferente do Mota Gomes na Praia que tinha mais de 50 anos quando foi eleito.

114 Entre os vários exemplos de professores eleitos neste município, seja nas listas do MPD, seja nas do PAICV e que faziam parte das estruturas locais do partido, pode citar-se, entre outros, Arsénio Silva Moreira, Moisés Gomes Monteiro e Jorge Heclitone do MPD, Olívio Pereira, Arsénio Furtado, Higino Semedo Gonçalves, José António Cabral, Joaquim Mendes Furtado do PAICV. Curiosamente, todos os nomes atrás referenciados foram reeleitos pelo menos uma vez e isso aconteceu, na maioria das vezes, na sequência da renovação dos mandatos dos seus respetivos partidos.

235 professores, assim como dos eleitos políticos locais pertencentes a outras categorias profissionais, está associada ao vínculo partidário, como veremos mais adiante115.

Importa assinalar que, na Praia não se verifica, até o momento, nenhuma situação de reeleição entre os professores. O reduzido número de professores eleitos neste município (doze), no conjunto das profissões, limita em alguma medida a possibilidade de ocorrência de reeleição nessa categoria. O seu pouco peso expressa-se também ao nível das estruturas partidárias. Somente três eleitos, oriundos desta categoria profissional, estavam vinculados às estruturas partidárias no momento das suas eleições. Destes, dois foram eleitos em 1996, um na qualidade de Vereador116 e outro ocupou o número dois da lista para a Assembleia Municipal117. Ambos pertenciam aos órgãos locais do MPD. A sua não reeleição pode estar relacionada, por um lado, com a mudança do cabeça de lista apresentada pelo MPD nas eleições de 2000, o que os pode ter deixado numa posição menos elegível na lista e, por outro, pela perda de eleição deste partido e, consequentemente, o número de eleitos deste partido neste ano ter sido inferior face às eleições municipais de 1996118.

115 Contudo, assinalam-se casos de professores sem nenhum vínculo partidário, os denominados “independentes” que fazem parte da lista restrita dos reeleitos, é o caso de Luzia Mendes de Oliveira, eleita vereadora em 2000 nas listas do PAICV e que viria a ser reeleita em 2004 nas listas deste mesmo partido. A outra mulher que faz parte do grupo dos reeleitos é Maria Ivone dos Reis, também vinculada ao PAICV não na condição de membro de algum órgão do partido, mas sim de militante. Esses dois casos reflectem a situação geral vivenciada no órgão local do partido que se caracteriza pela ausência das mulheres.

116 Luís Filipe Tavares.

117 O deputado Carlos Alberto Lopes.

118 Na Praia, o terceiro eleito entre os professores que goza desta situação, ou seja, com vínculo às estruturas partidárias, é Filomena Delgado. Nas eleições municipais de 2008 encabeça a lista do MPD para a Assembleia Municipal e, nesta condição, assume a presidência deste órgão do poder autárquico. No momento da realização das eleições pertencia às estruturas partidárias, desta feita não ao nível local, mas sim nacional, como a mesma nos revela.

No partido já fui Presidente interina do MpD, Secretária Executiva, Vice-Presidente e neste momento sou membro da Comissão Permanente. (entrevista FD)

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Nos municípios de Santo Antão, particularmente no da Ribeira Grande, a questão da reeleição de políticos locais que, profissionalmente são professores, se coloca não só em termos de ligação às estruturas partidárias, mas, também, relativamente ao “núcleo duro”119 do grupo de cidadãos que liderou a Câmara Municipal na maioria das eleições realizadas até o momento. São cinco os exemplos dos eleitos políticos locais entre os professores que têm sido reeleitos sucessivamente120.

Do lado do PAICV, partido que começou a apresentar candidatura própria neste concelho a partir das eleições de 2000, tem apostado forte na eleição dos indivíduos pertencentes à esta categoria, colocando-os nos lugares elegíveis nas listas para a Assembleia Municipal. Assim, dos três eleitos nas listas deste partido nessa eleição todos são professores. Na eleição seguinte realizada em 2004, três dos quatro eleitos também pertencem a esta categoria e, em 2008, foram eleitos dois professores no total de cinco mandatos conseguidos pelo PAICV. Por isso, não obstante o número reduzido de eleitos nas listas do PAICV, a taxa de reeleição tem sido expressiva porque este partido tem apostado em manter alguns dos nomes nas listas121.

A situação de Filomena Delgado na Praia, assim como a de Moisés Gomes Monteiro em Santa Catarina, constitui um dos poucos casos entre os eleitos políticos locais nos municípios em estudo, pertencentes à categoria dos professores e que já foram membros dos órgãos nacionais dos partidos políticos, seja do MPD, seja do PAICV. Uma das razões explicativas desse facto, deve-se provavelmente ao facto dos professores eleitos nesses municípios serem figuras com cariz marcadamente mais local do que nacional.

119 Designamos como “núcleo duro”, os indivíduos que foram nomeados pelo governo do MPD para fazerem parte do Conselho Deliberativo e que vieram a integrar a lista eleita para a Câmara Municipal nas primeiras eleições autárquicas realizadas no mês de Dezembro de 1991.

120 Importa destacar o caso de Anísio Nobre Rodrigues que, vem sendo reeleito desde 1996, tendo ocupado cargos de destaque nesta Câmara Municipal, tais como de Vereador e de Presidente da Assembleia Municipal. Para além deste, regista-se o caso de António Augusto Coutinho, eleito nas duas primeiras eleições e depois de um interregno de dois mandatos, ressurge nas eleições de 2008, sempre na qualidade de número dois da lista para a Assembleia Municipal.

121 São dois os professores reeleitos até o presente, trata-se de Armindo Santos Cruz e de Humberto Elias Freitas, contra três que não renovaram os seus mandatos (Nair de Rosário, António Cristino Gomes e José Lourenço Nascimento).

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No concelho do Paul, a maioria dos professores eleitos não renovou os mandatos à excepção de três, sendo uma nas listas do MPD122, e os outros dois nas listas do grupo independente123. No concelho do Porto Novo, a maioria dos professores também não renovou os respectivos mandatos. Assinalam-se somente dois casos de reeleição e dizem respeito aos eleitos nas listas do PAICV124.

A análise dos dados revela que os professores eleitos são relativamente bem representados nas estruturas partidárias ao nível local, como atesta o caso particular de Santa Catarina, e gozam de alguma representação nos demais concelhos. Contudo, a situação é diferente no que concerne à sua representação nos órgãos partidários de cariz nacional onde a sua representação se afigura bem mais modesta.

A taxa de reprodução nos eleitos políticos locais na condição profissional de professor no município de Santa Catarina é elevada, comparativamente aos demais municípios em estudo. Entretanto, ela assume proporções significativas nos concelhos de Santo Antão, contrariamente ao da Praia.

Um outro dado interessante a explorar na análise desta categoria socioprofissional, diz respeito à taxa de renovação entre os sexos, isto é, trata-se de determinar o grau de renovação interno e total dos eleitos políticos locais na condição profissional de professor em cada um dos municípios. Na Praia, os dados indicam que, durante o período em análise, a taxa de renovação registada entre os eleitos políticos locais na condição profissional de professor, de ambos os sexos, atinge os 100%. Em Santa

122 A deputada municipal Maria Roberta Nascimento.

123 Jorge Humberto Duarte é um dos nomes e o outro é João Fortes Rodrigues que carrega uma particularidade no contexto político local no Paul por ser o único eleito político local que já foi eleito para quatro mandatos no âmbito municipal, sendo três na condição de deputado municipal e o último ocupando um cargo de vereador.

124 Trata-se de Carlos Alberto Delgado e de Cipriano Quirino Barbosa, figuras de destaque no seio das estruturas locais do PAICV no Porto Novo, o primeiro enquanto Presidente do conselho do sector deste partido e o segundo, enquanto membro do mesmo conselho, indiciando mais uma vez um vínculo entre a pertença às estruturas locais do partido e a reeleição.

238

Catarina, a taxa de renovação interna entre os sexos é ligeiramente favorável às mulheres, situando-se nos 75% entre os eleitos deste sexo, contra os 80% entre os homens. Ao analisar a taxa relativamente ao total dos eleitos desta categoria, nota-se uma inversão na tendência, ou seja, a taxa de renovação feminina é muito mais elevada (96.6%) do que a registada nos homens (82.8%).

Em Santo Antão, a taxa de renovação nestes eleitos políticos locais do sexo feminino tem sido sempre superior à assinalada entre os do sexo oposto, seja ao nível interno, seja ao nível global. Assim, ao nível interno, a taxa de renovação interna feminina alcança os 93.7%, contra os 80.3% nos homens. O cenário tende a repetir-se ao nível global com uma maior taxa de renovação nas mulheres (98.7%), do que nos homens (84.4%). A menor taxa de renovação assinalada nas mulheres é evidente em todos os concelhos desta ilha, com maior incidência na Ribeira Grande e no Porto Novo, onde nenhuma professora passou por um processo de reeleição. No Paul, a taxa de renovação tem sido elevada em ambos os sexos, pois, somente dois professores e uma professora foram reeleitos.

A taxa de renovação interna é mais elevada nos homens (88.9%) do que nas mulheres (80%), enquanto ao nível global a situação se inverte, assistindo-se a uma taxa de renovação ligeiramente superior nas mulheres (95.7%), do que a registada nos homens (91.3%).

A clara preferência pelo recrutamento de um maior número de homens, comparativamente às mulheres no seio dos eleitos políticos locais na condição profissional de professor, tem conduzido a uma situação de “masculinização” dos eleitos políticos locais desta categoria, principalmente em Santa Catarina e nos municípios de Santo Antão, contrastando com a situação real do universo onde são escolhidos, em que o domínio feminino é evidente. Ao questionar alguns líderes políticos locais sobre as razões dessa diferenciação no recrutamento a favor dos homens, entre os eleitos políticos locais na condição profissional de professor, os argumentos apresentados invariavelmente resumem-se à falta de disponibilidade de mulheres capacitadas para assumirem os compromissos políticos.

Na maioria das vezes que convidamos uma mulher para integrar a lista, elas declinam o convite por falta de tempo porque os compromissos

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familiares absorvem muito tempo, ou por considerarem o ambiente político violento, no sentido de que as suas vidas são expostas e muitas vezes difamadas (entrevista a JF).

As professoras eleitas que foram entrevistadas têm outro entendimento sobre esta questão. Elas consideram que,

os homens têm medo de perder o domínio do poder, por isso fazem de tudo para manter por perto um número reduzido de mulheres (entrevista FD).

Na verdade, um dos obstáculos à maior participação política das mulheres ao nível local está relacionado com a sua não integração nos órgãos políticos locais que têm sido constituídos maioritariamente por indivíduos do sexo masculino. É o caso, por exemplo, de Santa Catarina e do Porto Novo, onde os órgãos locais, seja do PAICV, seja do MPD, têm sido compostos maioritariamente por homens. Na Ribeira Grande, o “núcleo duro” do grupo independente tem sido constituído também quase exclusivamente por homens e uma parte significativa destes não só têm sido eleita como consegue renovar os seus mandatos. A situação é idêntica a vários integrantes das estruturas locais dos partidos o que indicia que, fazer parte destas estruturas, afigura-se um dos factores que contribuem para a eleição e/ou reeleição dos indivíduos ao nível local.

4.10 Taxa de renovação dos eleitos políticos locais em comparação internacional

A análise dos resultados das eleições autárquicas de 1991 a 2008 na Praia, em Santa Catarina e Santo Antão indica taxas elevadas de renovação dos eleitos políticos locais, na ordem dos 90%, 79.2% e 68.2%, respectivamente. Importa, numa análise comparada dos dados, confrontar as taxas de renovação dessas elites políticas locais cabo-verdianas com as taxas registadas em outros países africanos, particularmente da região oeste africana na qual Cabo Verde está inserida, e as registadas em alguns países do velho continente com uma longa experiência autárquica, bem como também no Canadá e no Brasil.

240

Nos países da sub-região, designadamente, Senegal125, Mauritânia, Mali, Níger, Burkina Faso, Camarões, Benim e Costa do Marfim, a experiência autárquica é recente, sendo que, na maioria desses países, o processo de descentralização ocorreu nos anos noventa após a terceira onda da democracia que percorreu o continente africano e que culminou nas mudanças constitucionais, permitindo a realização de eleições livres e multipartidárias. Nestes países, segundo Poulin, “a propagação do multipartidarismo criou uma demanda para uma maior participação local nas tomadas de decisão”. (Poulin, 2004: 3)

Contrariamente à experiência cabo-verdiana, em que as primeiras eleições autárquicas aconteceram poucos meses após a realização das eleições legislativas e presidenciais, nesses países, a distância na realização dos dois tipos de eleições tem sido mais considerável, alcançando em alguns casos quatro ou cinco anos.

É o caso do Burkina Faso que no processo de transição democrática realizou as eleições presidenciais no mês de Dezembro de 1991 e as legislativas em Julho de 1992, ainda que, as primeiras eleições autárquicas só foram realizadas em 1995, (Nignan, Dabire et Sawadogo, 2004: p.14). Nos Camarões a liberalização política foi iniciada em 1992, com a realização das eleições legislativas seguidas das presidenciais, mas as eleições municipais tiveram lugar quatro anos depois, ou seja, em 1996 (Essomba, Tanjong et Ndongo, 2004: 19).

No Mali, as primeiras eleições municipais aconteceram em Janeiro de 1992, antes das legislativas e das presidenciais que foram rea1izadas nos meses de Fevereiro e Março do mesmo ano. Este é dos poucos casos que se assemelha ao de Cabo Verde, no que se refere à proximidade da realização das primeiras eleições legislativas, presidenciais e autárquicas no período democrático na sub-região oeste africana. Mesmo nesse caso, nota-se alguma diferença, pois, as primeiras eleições autárquicas nesse país não abrangem todo o território nacional e, segundo Ongoiba, “c’est à partir de juin 1999 qu’ont eu lieu les premières élections communales systématiques sur l’ensemble du territoire national” (Ongoiba, 2005: 12).

125 O Senegal constitui uma exceção neste contexto, pois neste país a experiência de descentralização iniciou-se em 1962. Para mais informações relativas à política de descentralização no Senegal, consultar entre outros autores, Poulin 2004 e Ouedrago 2003.

241

No Níger, as primeiras eleições municipais foram realizadas em 2004, dez anos após os acordos de paz, assinados em 1994, que permitiram a realização das eleições multipartidárias. (Décentralisation au Sahel, p.11).

No Benim, o processo de democratização teve início em 1991, mas as primeiras eleições locais só foram organizadas em Dezembro de 2002 e Janeiro de 2003. Na Mauritânia, no início dos anos 90, foi aprovada a nova Constituição e os partidos políticos foram legalizados. Em 1992, foram organizadas as primeiras eleições multipartidárias e as primeiras eleições locais ocorreram dois anos mais tarde, ou seja, em 1994126.

No Senegal, as primeiras eleições multipartidárias foram realizadas em 1978, mas no que diz respeito às eleições municipais, não obstante uma longa experiência de descentralização que vem desde o ano de 1962, somente em 1996 se implementou o princípio da livre administração das colectividades locais e dos conselhos (regional, municipal e rural), eleitos através do sufrágio directo e universal, no respeito às leis e regulamentos, conforme os artigos 56 e 90 da Constituição (Diouf, 2006: 21).

Na Costa do Marfim, as primeiras eleições multipartidárias foram realizadas em 1990 e as eleições locais só tiveram lugar no ano de 2002, embora o processo de descentralização tenha sido iniciado muito antes, em 1985 (Beyna, p.2).

Nem todos os países atrás referidos, vivenciaram com regularidade as eleições autárquicas, legislativas e presidenciais, devido a situações de instabilidade política e social que culminaram, em alguns deles em golpes de Estado. Nos países em que as eleições municipais não sofreram interrupções, como é o caso do Mali e do Senegal, as taxas de renovação dos eleitos políticos locais variam entre os 70% e 80% após a realização da última eleição local (Décentralisation au Sahel, 2011: p.11). Na Costa do Marfim, Guiné Konacri e Burkina Faso, essa taxa de renovação, segundo Beyna, é estimada em mais de 50% (Beyna. p.14).

Uma das razões associadas à essa elevada taxa de renovação dos eleitos políticos locais nesses países tem a ver com o perfil dos eleitos, pois, por exemplo, no Senegal e no

126 Mauritânia. In Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012 [Consult. 2012-02-20]

242

Mali, 70% dos conselheiros municipais são analfabetos (IIED, p.9), reflectindo nas suas performances que normalmente ficam aquém das expectativas dos munícipes, “le très faible taux de formation scolaire et universitaire parmi les élus constitue un sérieux handicap dans la compréhension et la mise en oeuvre des textes de la décentralisation (qui sont en français). Les formations à l’endroit des collectivités sur les textes de la décentralisation par l’Etat sont très insuffisantes et très peu d’élus communaux maîtrisent leurs droits et devoirs » (op. cit. p.13).

Em Cabo Verde, a elevada taxa de renovação dos eleitos políticos locais não está directamente associada ao nível escolar desses eleitos que é alta, como iremos ver mais adiante, mas poderá estar associada a outros factores, designadamente a pouca atractividade do cargo dos deputados municipais, que não é remunerado, de acordo com o estabelecido no estatuto dos municípios, e também pelo facto de ser considerado pelos políticos com ambições maiores como uma etapa para alcançar postos maiores, como deputados da nação ou ministros. Para além destes aspectos, há que ter em conta a visibilidade associada ao cargo. Ao nível autárquico, regra geral, à excepção da figura do Presidente de Câmara, os demais cargos autárquicos têm pouca visibilidade e, consequentemente, os seus actores gozam de pouca notoriedade, contrariamente aos cargos de âmbito nacional, a exemplo dos deputados da nação e dos ministros que gozam no nosso contexto de uma relativa exposição mediática.

Em qualquer dos casos, as taxas de renovação dos eleitos políticos locais nesses países africanos revelam muita proximidade com as taxas de renovação registadas nos municípios em estudo. Contudo, chama a atenção, o facto de as taxas de renovação registadas ao nível local contrastarem com as que vêm sendo assinaladas nas eleições legislativas nos diferentes países dessa sub-região em que se constata uma baixa taxa de renovação da elite política.127

Comparando com a realidade europeia, particularmente o caso português, nota-se que a taxa de renovação dos eleitos políticos locais portugueses tende a ser menor do que a

127 Sobre este tema, consultar entre outros autores, Jean-Pascal Daloz no seu estudo intitulado Le (non) renouvellement des elites en Afrique subsaharienne, CEAN, Bourdeux, 1999.

243 assinalada em Cabo Verde. Provavelmente, a maior longevidade da experiência autárquica, tende a estabilizar a continuação no cargo de uma parcela considerável dos eleitos locais. De acordo com Silva, ao analisar os resultados das eleições autárquicas portuguesas de 1997 e de 2001, os dados “revelam que em todas as eleições realizadas até ao momento, a percentagem de reeleições foi superior a 50%, representando quase 70% do número total de eleitos em 1997 e em 2001” (Silva, 2002: 145-146).

A mesma tendência é verificada ao comparar os dados de Cabo Verde com os do Canadá. Simard, ao analisar a taxa de renovação em 2001, em cinco cidades do Canadá, nas quais inclui as de Québéc e Montréal, aponta para uma baixa taxa de renovação dos mesmos. “Nos données indiquent que près de 70% des élus (155/222) étaient en poste au moment du déclenchement des élections. À Montréal et à Québec, ces taux sont supérieurs et atteignent 75 %. En somme, il n’est pas exagéré de soutenir que le 4 novembre 2001, les réélections ont été la règle plutôt que l’exception ». (Simard, 2004: 151-152)

No Brasil,128 a situação não se difere muito do contexto português e canadense atrás referido, pelo menos no que diz respeito aos dois maiores municípios do país, a saber, São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, nas eleições de 1992 a 2004, as taxas de renovação dos vereadores situavam-se em torno dos 50%, sendo de 52.7% em 1992, 50.9% em 1996, 58.2% em 2000 e 52.7% em 2004. Nas últimas eleições municipais realizadas em 2008, a taxa de renovação baixou consideravelmente para 29.1%. No Rio de Janeiro, as taxas de renovação dos vereadores têm decrescido nas últimas eleições, passando de 57% em 2000, para 48% em 2004 e 40% em 2008. Na verdade, as taxas de renovação dos eleitos municipais nessas duas cidades brasileiras, particularmente nas últimas eleições realizadas em 2008, são idênticas às registadas nos países com uma certa vivência de eleições municipais. Segundo Maluf, num estudo sobre a carreira política na Câmara Municipal de S. Paulo, as razões da renovação prendem-se essencialmente com o alto índice de descontinuidade das candidaturas, das eleições para outros cargos no transcurso da legislatura (deputados estaduais, deputados federais,

128 No Brasil, as funções deliberativas na Câmara são desempenhadas pelos Vereadores, contrariamente a Cabo Verde em que os Vereadores desempenham funções executivas. Ainda no Brasil, as eleições para o executivo camarário restringem-se ao Prefeito e o seu Vice. Os responsáveis pelos diferentes pelouros são nomeados pelo Prefeito e são designados de Secretários Municipais.

244 senadores e governadores) e também com a desistência da vida política, ainda que em menor medida. (Maluf, 2006: 57)

4.11 A reprodução dos eleitos políticos locais em Cabo Verde

Importa neste capítulo fazer uma breve referência à reprodução dos eleitos políticos locais, para analisar a dimensão dos políticos locais que foram reeleitos ao longo da sua vida política. Para isso, intentamos saber que tipos de capitais (recursos) os eleitos políticos locais mobilizam para se manterem dentro do espaço político, partindo do princípio de que a permanência não é algo que esteja a priori garantido, pelo contrário, implica a posse de um conjunto de capitais, designadamente o capital escolar, político, cultural, económico.

Neste caso concreto de Cabo Verde, consideramos que o acesso aos cargos políticos locais resulta da acumulação de vários tipos de capital. Deste modo, interessa-nos saber o tipo e o volume de capitais que os políticos mobilizam para conseguirem o acesso e a manutenção no campo político. Interessa-nos saber ainda se se registou uma diferenciação no tipo de capital mobilizado nos diferentes ciclos eleitorais entre 1991 a 2008.

Ao analisar os dados do gráfico nº 15, nota-se que a taxa de reeleição global situa-se na ordem dos 24% ao longo do período em análise, com incidências diferenciadas segundo os municípios. Praia é o município onde se tem assinalado a menor taxa de reeleição dos eleitos políticos locais, aproximadamente de 10%, contrariamente aos municípios de Ribeira Grande e o Porto Novo em Santo Antão, com taxas a rondar os 38.5% e os 34.4%, respectivamente. Os municípios de Santa Catarina e do Paul apresentam taxas muito próximas da média, ou seja, 20.8% e 19.4%, respectivamente.

Ao comparar os dados da reeleição dos eleitos políticos locais nos órgãos executivos camarários e nas Assembleias Municipais, constata-se que, de uma forma geral, as taxas de reeleição nos órgãos executivos das Câmaras Municipais são superiores às assinaladas nos órgãos fiscalizadores, à excepção do município do Paul. As taxas de

245 reeleição para estes órgãos nos municípios da Ribeira Grande e do Porto Novo, são bastante consideráveis, alcançando os 46.4% e os 39.3%, ao contrário dos valores mais modestos registados na Praia e em Santa Catarina, com 13.9% ex-aequo, e os 15% no Paul.

Para as Assembleias Municipais, mantém-se a mesma tendência, ou seja, a reeleição continua a ser mais elevada nos municípios da Ribeira Grande e do Porto Novo, com taxas na ordem dos 35.3% e 33.4%, respectivamente, seguidas do Paul com 21.2%, Santa Catarina com 13.8% e, por último, a Praia, com 8.3%.

Nos municípios em que não se registou alternância no poder, em que houve a continuidade do mesmo partido político ou grupo de cidadãos, como são os exemplos do Porto Novo e da Ribeira Grande, as taxas de reeleição assumem proporções mais consideráveis, contrariamente aos municípios em que ocorreram revezamentos no poder, indiciando uma forte correlação entre a renovação do mandato do partido e/ou grupo de cidadãos e a reeleição de uma parte dos seus eleitos. Uma das possíveis razões associadas a uma taxa de reeleição mais elevada nos executivos municipais, comparativamente às Assembleias Municipais, prende-se com o facto de o primeiro proporcionar uma remuneração fixa aos seus ocupantes, para além de o prestígio associado ao exercício destes cargos. No município do Paul, contrariamente aos demais, a taxa de reeleição nas Assembleias Municipais tem sido mais elevada do que a observada nos executivos camarários. O facto de três grupos diferentes terem passado pela administração deste município ao longo desses cinco mandatos (Grupo independente de cidadãos e MPD com dois mandatos cada um e o PAICV com um mandato) pode justificar a menor taxa de reeleição do executivo camarário, comparativamente às Assembleias Municipais.

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Gráfico nº 15 - Taxa de reeleição dos eleitos políticos locais

35,5 31,8 30,3

20,8 Praia

13,9 13,9 13,8 S. Catarina 10 Santo Antão 8,3

Câmara Assembleia Total Municipal Municipal

Fonte: Comissão Nacional de Eleições

Ao analisar o quadro dos eleitos políticos locais, que conseguiram reproduzir-se nas diversas eleições municipais decorridas entre 1991 a 2008, destacam-se alguns aspetos comuns em termos de capital de suporte à sua reprodução. Trata-se essencialmente do capital social e do capital político aos quais se juntam em várias situações o capital escolar, como iremos constatar mais a frente.

Para o estudo da reprodução da elite política local em Cabo Verde, procuramos fazer uso do marco teórico adoptado por Bourdieu que recorreu à análise de diversos tipos de capitais para explicar o fenómeno de reprodução social numa sociedade desenvolvida como a francesa. Impõe-se, contudo, um certo cuidado ao tentar transplantar de uma forma mecanicista determinados conceitos utilizados por Bourdieu, a exemplo do conceito da cultura erudita. Parece-nos que em Cabo Verde não existe uma classe que incorpora a cultura erudita e, assim sendo, a dinâmica da distinção social processa-se de uma forma diferente da registada na sociedade francesa. A classe média local não possui a capacidade de incorporar de uma forma duradoura aquilo que se pode designar de um habitus ou de um ethos de classe que permite uma dinâmica de distinção cultural, pelo contrário, assiste-se a um processo de importação, de descodificação e de mediação desses produtos culturais.

247

Nota-se, no nosso caso, uma certa facilidade com que os indivíduos provenientes dos estratos sociais mais baixos conseguem penetrar nas esferas mais altas da elite política e, isso deve-se, contrariamente à França, ao facto de não existir uma cultura erudita que distinga e que funcione com um forte factor de distinção social.

Assim, o facto de não se estar na presença de uma cultura erudita, não significa que o capital cultural, entendido no seu sentido mais amplo, não seja relevante. Para isso, devemos relativizar o conceito de cultura erudita. Esta relativização justifica-se porque as classes médias e média alta locais, diferentemente da classe média alta francesa, não dispõem de um acesso frequente aos museus, às obras de arte, ao cinema e, provavelmente, não possuem um poder de consumo que possa sustentar a independência económica dos produtores desses bens simbólicos. Além do mais, essa classe média cabo-verdiana não constitui aquilo que Bourdieu denomina de “o público cultivado” (Bourdieu, 1987: 105), isto é, aquele que está dotado de instrumentos de apropriação destes bens culturais, provenientes da sua educação, da sua origem familiar, da sua fortuna.

Todavia, nota-se um crescimento dos produtores culturais nas mais diversas vertentes, desde escritores, artistas plásticos, músicos, etc., e isso indicia o seu consumo, ainda que o mesmo possa estar concentrado nos principais centros urbanos e, particularmente, no município da Praia. Neste sentido, podemos perguntar se não estamos perante um processo de mudança significativa ao nível da produção e do consumo dos produtos culturais? Entendemos que sim uma vez que tem aumentado o campo de oferta dos produtos culturais e a sua apropriação tem sido diferenciada em função dos diversos estratos da população. Deve salvaguardar-se o facto de que não se nota este distanciamento tão marcante entre esta elite cultural e o povo.

A sociedade cabo-verdiana não é uma sociedade em que o capital económico possui uma importância maior no processo de reprodução. Uma das razões explicativas dessa situação deve-se ao facto de ter sido ao longo da sua história uma sociedade marcadamente pobre, desprovida de recursos naturais e dependente de uma agricultura sazonal, que não teve capacidade para criar uma elite económica forte.

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Contrariamente, o capital social (rede de relações), o capital político, associado à pertença aos partidos políticos (particularmente aos do arco do poder, nomeadamente o MPD e o PAICV), e aos órgãos decisórios dos partidos, seja a nível local, seja a nível nacional e, a posse do capital escolar são os principais capitais utilizados, os que fazem a diferenciação e contribuem para o processo de reprodução.

Um exemplo de conversão do capital escolar em capital social é-nos dado pelos indivíduos maioritariamente provenientes das ilhas de barlavento, nomeadamente, de S. Vicente, de Santo Antão e de S. Nicolau, que fizeram parte da elite política durante o período de 1975 a 1990. Estes indivíduos, conseguiram, regra geral, converter o seu capital escolar em capital social, ocupando postos de comando seja na administração pública, seja nas empresas estatais, indiciando a formação de uma rede de relações sociais, tendo como referência comum entre eles a frequência dos mesmos estabelecimentos do ensino, primeiramente em S. Nicolau e, posteriormente, em S. Vicente129. Importa lembrar que o primeiro liceu na capital do país foi inaugurado em 1960.

Ao analisar o acesso ao ensino superior nos primeiros anos da década de 90, deve ter-se em atenção uma certa distinção que diferencia os filhos desses indivíduos daqueles provenientes das classes sociais mais baixas, pelo facto de os primeiros terem beneficiado de um capital social construído pelos seus pais, fruto das redes de relações a que nos referimos anteriormente.

Na verdade, o alargamento da base social de recrutamento do ensino superior, na sequência do processo de democratização do ensino, permitiu aos indivíduos, oriundos dos estratos sociais mais desfavorecidos, ascender socialmente e ocupar cargos importantes no universo político como iremos ver. Neste sentido, a mobilidade social continua fortemente correlacionada com a posse do capital social, que se constitui num recurso de peso e permite a esses indivíduos manterem uma certa dimensão da reprodução social.

129 Para uma análise mais aprofundada sobre esta questão, consultar Crisanto Barros. Génese e formação da elite administrativa em Cabo Verde, Tese de doutoramento, UCL/UNICV, 2012.

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4.12 Volume e estrutura de capitais mobilizados para o acesso e manutenção no campo político.

Como se referiu anteriormente, partiu-se do princípio de que, no processo de reprodução política em Cabo Verde, as elites políticas locais fazem mais frequentemente uso de determinados capitais, designadamente, o político e o escolar. Para a análise do capital político, recorreu-se à observação de algumas variáveis, tais como, a existência de familiares na política e a ocupação de cargos nos órgãos dirigentes do partido, seja a nível local, seja nacional. Para o capital escolar, aproveitaram-se variáveis como o nível escolar e a profissão dos eleitos, bem como o nível escolar e a profissão dos seus ascendentes.

Os dados acima referenciados, foram obtidos da quase totalidade dos indivíduos que passaram pelo processo de reeleição até 2008. Assim, em Santo Antão, obtiveram-se informações de 60 dos 65 indivíduos que foram reeleitos, correspondentes a cerca de 93.3% do total; em Santa Catarina, 28 num total de 30, o que perfaz 93.3% e, na Praia, de 12 dos 13 reeleitos, num total de 92.3%.

Os dados revelam que o nível de ensino predominante entre os reeleitos é o curso superior universitário como o grau de licenciatura, à semelhança do que acontece com os eleitos políticos locais de uma maneira geral. Assim, metade dos inquiridos (49.1%) assume ser detentor de um diploma de formação superior, seguido daqueles que possuem o 9º ano (26.9%) e o 12º ano (18.5%). Os casos dos reeleitos, que apresentam um baixo nível de ensino, concentram-se basicamente no concelho de Santa Catarina. Neste concelho tem entre os reeleitos, quatro indivíduos concluíram a 6ª classe e um não foi além da 4ª classe. Na Ribeira Grande, regista-se outro caso de um reeleito que também é habilitado com apenas a 4ª classe.

Em Santa Catarina, esta situação remonta às eleições municipais de 1996 e o reeleito é Procópio José Rodrigues. O caso torna-se mais interessante porque, como iremos constatar, foge do padrão do perfil dos reeleitos que é constituído, regra geral pela combinação da mobilização de pelo menos dois capitais que podem aparecer associados ou de forma isolada. Trata-se do capital escolar que normalmente é elevado e do capital político relacionado com o pertencimento às estruturas partidárias ao nível local e/ou a

250 nível nacional e/ou ter familiares na política, seja eleito ou nomeado para algum cargo político. Curiosamente, nenhuma das situações atrás referidas aplica-se ao caso em apreço, pois, para além de um baixo nível escolar, ele não pertencia à estrutura local do partido e não possuía familiares na política, pelo que teriam de ser outros os atributos a estar na base da sua reeleição. No entanto, deve ter-se em consideração que Procópio foi militante do MPD, ainda que esta constatação não constitua um factor de peso no processo de reeleição.

Como afirma um dos nossos entrevistados também reeleito em Santa Catarina,

“o Procópio à semelhança de outros comerciantes em Santa Catarina tinha desavenças profundas com os representantes do partido único neste concelho, integrou e apoiou desde o primeiro momento a rede de indivíduos que suportariam o MPD nas suas campanhas. Fê-lo nas eleições legislativas e devido ao seu algum poderio económico (tinha loja e possuía carros de aluguer) possuía uma rede de contatos de eleitores que era importante para o partido. Não se deve esquecer também que ele possuía uma relação muito próxima com Carlos Albertino Veiga, o homem forte da estrutura local do MPD em Santa Catarina” (entrevista a JBC).

Depreende-se deste depoimento de um colega do partido, que também fez parte da lista dos eleitos pelo MPD, em Santa Catarina, nas eleições municipais de 1991, que este eleito político local, para além de alguma posse económica que o terá ajudado a integrar a lista do partido para a eleição municipal, beneficiou de uma certa forma de uma rede de relações privilegiadas, particularmente da sua relação com um dos indivíduos de destaque na época, na indicação dos nomes para integrar as listas deste partido nas eleições.

Situação com contorno muito semelhante também é notada na Ribeira Grande com a reeleição de João Gabriel dos Reis. Procuramos saber junto dos integrantes do “núcleo duro” do grupo independente as razões da sua integração na lista em 1991 e em 1996. Segundo um dos entrevistados,

“ele era uma figura carismática e fazia parte do grupo de agricultores que sofreram com o conflito de 31 de agosto, entre as forças da ordem e os agricultores no processo de reforma agrária levada a cabo pelo governo do PAICV. Apesar do seu baixo nível escolar ele era uma pessoa culta e também com alguma posse, pois para além dos seus

251

terrenos agrícolas era um comerciante bem instalado na Ribeira Grande e que granjeava algum respeito junto da população” (entrevista a FD).

É nos concelhos de Santo Antão que se depara com o maior número de reeleitos que possui níveis de ensino inferiores à licenciatura, nomeadamente, 12º ano e 9º130 ano, representando 46 indivíduos num total de 91. Na Praia, nove dos treze reeleitos são detentores de uma formação superior e, em Santa Catarina, os licenciados representam dezoito dos trinta e cinco131 reeleitos.

Ao analisar a composição dos diferentes níveis de ensino entre os indivíduos reeleitos, constata-se que o número de licenciados entre os reeleitos tem aumentado nos diferentes ciclos eleitorais, passando de catorze em 1996 para dezoito em 2000 e em 2004, alcançando os vinte e dois em 2008. Na Praia, os números permanecem praticamente constantes desde as eleições de 1996, enquanto em Santa Catarina e nos concelhos de Santo Antão, nota-se uma tendência, ainda que não seja tão acentuada, para o aumento do número de reeleitos com formação superior. Em Santa Catarina, passou de dois indivíduos em 1996 para seis em 2008 e, em Santo Antão, passou de nove para catorze no mesmo período. Em contrapartida, os indivíduos com níveis escolares mais baixos tendem a desaparecer entre os reeleitos. Deste modo, aqueles que possuem a 4ª classe foram reeleitos somente em 1996 e dos com a 6ª classe, dois foram reeleitos em 2000 e somente um nas eleições seguintes, com a particularidade de terem acontecido exclusivamente no concelho de Santa Catarina.

130 Agregou-se na categoria de 12º ano todos os indivíduos que, no sistema de ensino em vigor até 1990, tinham concluído o ex-7º ano que correspondia ao último ano da frequência do ensino secundário. Da mesma forma, converteu-se na categoria 9º ano, aqueles que completaram o ex-5º ano, e na 6ª classe, os detentores do ex-2º ano do ciclo preparatório dos liceus.

131 A diferença entre o total do número dos indivíduos reeleitos e o total do número dos reeleitos por nível de ensino, deve-se ao facto de alguns indivíduos terem sido reeleitos mais do que uma vez, assim sendo, ocorrem casos de nomes que se repetem em diversos ciclos eleitorais. São situações que aconteceram com bastante frequência em Santo Antão e com menor incidência em Santa Catarina. Na Praia, pelo contrário, não se registou nenhum caso em que um indivíduo tenha sido reeleito mais do que uma vez.

252

O crescimento do número de indivíduos com formação superior em Cabo Verde teve seus reflexos no alargamento da base de recrutamento dos eleitos políticos locais e, a partir de 1991, assiste-se cada vez mais a um aumento de indivíduos com formação superior na composição das listas de candidaturas para as eleições municipais e não só. Ao mesmo tempo, no processo de reeleição, nota-se que o grau escolar do eleito é um capital valioso a ter em conta seja nos municípios urbanos como a Praia, seja nos municípios predominantemente rurais como Santa Catarina e os de Santo Antão.

Gráfico nº 16 - Número de indivíduos reeleitos nos diferentes ciclos eleitorais segundo o seu nível de ensino

14 12 10 9 9 9

6 6 5 5 5 5 5 4 4 3 3 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

1996 2000 2004 2008 1996 2000 2004 2008 1996 2000 2004 2008 PRAIA S. CATARINA SANTO ANTÃO

licenciatura 12º ano 9º ano 6ª classe 4ª classe

Fonte: Boletins Oficiais

Uma outra informação que interessa analisar diz respeito ao nível de ensino dos ascendentes dos reeleitos políticos locais. Procuramos, por um lado, saber se existem diferenças entre os níveis de ensino dos pais dos reeleitos dos diversos domínios de estudo e, por outro, vislumbrar qual a tendência que se delineia em termos da importância do capital escolar, se esta passa a ser um elemento fundamental para a reprodução política. Para isso, analisamos o grau escolar dos pais dos eleitos mais jovens, referimo-nos à geração com menos de quarenta anos, comparando com os pais dos eleitos com idades entre os quarenta e um e cinquenta e quatro anos e aqueles que possuem idades acima dos cinquenta e cinco anos. O pouco tempo de experiência

253 política plural em Cabo Verde certamente não nos permitirá ser conclusivos nesta matéria, mas poder-nos-á nos ajudar a apontar as tendências.

Primeiramente, o nível de instrução dos pais dos reeleitos parece estar em conformidade com a situação vivenciada no país antes da independência em 1975, caracterizada por uma reduzida proporção de cabo-verdianos com acesso ao ensino secundário, devido à inexistência de escolas deste nível de ensino por todo o país até porque, só a partir do início da década de 60, se inaugurou um liceu na cidade da Praia que veio juntar-se ao de S. Vicente em funcionamento há várias décadas.

Mais de metade dos pais (55.6%), correspondente a 60 indivíduos, possuíam a antiga 4ª classe e somente 11% alcançaram níveis de ensino mais elevados, obtendo 4.6% a 6ª classe, 2.8% o 9º ano e 3.7%, o 12º ano. Cerca de 1/5 dos pais, correspondente a 18 indivíduos, são analfabetos. Na Praia, cerca de 62%, correspondente a 8 indivíduos, concluíram a 4ª classe, contra 56.9% em Santo Antão (37 indivíduos) e 50% em Santa Catarina (15 indivíduos). Relativamente aos indivíduos que concluíram a 4ª classe naquela época, pode considerar-se que detinham uma “situação privilegiada” se tivermos em consideração que aproximadamente 80% da população não tinha acesso à escola e que concluir este nível de ensino constituía em muitos casos uma garantia para o acesso aos serviços do Estado, o maior empregador do país.

É o concelho de Santa Catarina que se depara com a maior proporção de analfabetos entre os pais dos reeleitos políticos locais, com 23%, correspondente a 7 indivíduos, contra 15,4% em Santo Antão (10 indivíduos) e 8% na Praia (1 indivíduo). Em Santo Antão, cinco concluíram o 9º ano ou o 12º ano (ex 5º ano e 7º ano, respetivamente), contra um caso de 12º ano registado na Praia e um de 9º ano em Santa Catarina. Os casos assinalados de conclusão de níveis mais elevados de ensino em Santo Antão dizem respeito aos pais que nasceram nesta ilha, mas estudaram, pelo menos a partir do ex-1º ano do ciclo preparatório dos liceus, em S. Vicente, ilha onde a oportunidade de ensino era maior.

Para as mulheres o acesso ao ensino era ainda mais complicado e, em função da discriminação a que estavam submetidas, a taxa de analfabetismo neste sexo era muito mais elevada do que nos homens. Por essa razão, não é de estranhar que a proporção de

254 analfabetas entre as mães dos reeleitos políticos locais alcance a cifra dos 48.1% (52 indivíduos), superando em onze pontos percentuais das mães que concluiu a 4ª classe (40 indivíduos). Este pode ser considerado um valor assinalável se tivermos em conta que nessa época a maioria das mulheres não frequentava um estabelecimento do ensino e que o acesso ao mercado do emprego era-lhes vedado. Poucas mulheres estudaram para além deste nível e, no caso das mães desses eleitos, somente uma mulher na Praia concluiu o 9º ano. A proporção de mães analfabetas é maior em Santa Catarina, alcançando os 2/3, correspondente a 20 mulheres, contra 43.1% em Santo Antão (28 mulheres) e 31% na Praia, representando 4 mulheres.

Para analisar a existência ou não de diferenças nos níveis de ensino dos pais dos eleitos políticos locais das diferentes gerações pós 90, seleccionamos alguns nomes dos reeleitos em cada um dos municípios, de acordo com as suas idades, e comparamos o nível de instrução dos seus pais.

Ao analisar os dados dos pais dos reeleitos de diferentes idades nos diversos ciclos eleitorais, não se nota diferença marcante em termos de níveis de ensino nos pais dos reeleitos com idades acima dos 55 anos, comparativamente aos pais dos reeleitos com idades compreendidas entre os 41 e 54 anos, constata-se que para ambos os casos, regra geral, os pais possuem a 4ª classe e a maioria das mães é analfabeta.

Relativamente aos pais dos reeleitos mais jovens, ou seja, aqueles que em 2008 tinham completado no máximo 40 anos, a tendência é no sentido da manutenção do mesmo nível de ensino verificado entre os pais dos reeleitos com mais idade, seja nos municípios de Santo Antão, seja em Santa Catarina. Na Praia, nas duas últimas eleições municipais, verifica-se a tendência para um aumento do nível escolar dos pais desses eleitos.

Procurou-se estender a análise no sentido de abranger os pais dos eleitos de uma forma geral, em cada um dos ciclos eleitorais, e os resultados indiciam em alguns casos um aumento do nível escolar dos pais dos eleitos mais jovens, com uma maior proporção de pais a ultrapassar a barreira da 4ª classe. Estes resultados são mais notórios na Praia, comparativamente a Santa Catarina e aos municípios de Santo Antão. Nota-se neste concelho uma maior mobilização do capital escolar no sentido ascendente e

255 descendente, entre os eleitos, constituídos na sua quase totalidade por indivíduos com formação superior e, entre os pais dos eleitos que possuem níveis cada vez mais elevados. Registam-se também diferenças marcantes no nível de ensino dos pais dos eleitos com idades acima dos 50 anos, quando, comparados com as idades dos pais dos eleitos com menos de 30 anos, estes tendem a possuir um nível de ensino mais elevado. Contudo, com o alargamento da base de ensino a partir de 1975, o nível de ensino da sociedade como um todo melhorou significativamente pelo que a tendência que se desenha vai no sentido de um aumento progressivo do nível de ensino dos pais dos eleitos e do número de indivíduos que concluem o 12º ano e a formação universitária132.

4.13 Profissão dos reeleitos e dos ascendentes

Os professores são a categoria profissional que têm contribuído com o maior número de reeleitos (29), seguidos dos funcionários públicos e pelos engenheiros, com 17 e 15 reeleitos, respectivamente. Os professores são a profissão dominante entre os reeleitos, sobretudo em Santa Catarina, onde representam 43% do total dos reeleitos, ou seja 13 indivíduos. Em Santo Antão, o peso desta categoria também é elevado, representando ¼ dos reeleitos nesta ilha, ou seja 16 indivíduos, sendo que metade (8) está localizada no município da Ribeira Grande, contra 4 no Paul e 4 no Porto Novo. Na Praia, os professores não fazem parte dos reeleitos pelo que possuem um peso pouco expressivo no conjunto dos eleitos neste município.

As profissões relacionadas directamente com a posse de uma formação superior, tais como, a dos engenheiros, dos advogados, dos economistas e dos gestores, representam cerca de 1/3 do total, com 34 reeleitos, dos quais 22 em Santo Antão, 8 em Santa Catarina e 4 na Praia. Em Santo Antão e na Praia, o conjunto dessas profissões representa 1/3 do total dos reeleitos, enquanto em Santa Catarina não ultrapassa a cifra de ¼ dos reeleitos.

132 Para mais informações sobre a evolução do nível de ensino da população cabo-verdiana, consultar os dados estatísticos do Ministério da Educação através do site www.miniedu.gov.cv

256

Os funcionários públicos constituem também uma categoria de referência entre os reeleitos com 17 indivíduos, a maioria em Santo Antão (10), contra 5 em Santa Catarina e 2 na Praia (ver quadro em anexo).

Ao relacionar o peso dessas profissões entre os políticos locais reeleitos e o peso que as mesmas ocupam no conjunto das profissões em cada um dos domínios de estudo, nota- se que, em alguns casos, como por exemplo dos professores, o seu peso entre os reeleitos aproxima-se daquele que ocupa no conjunto das profissões, ou seja, é uma categoria profissional que potencialmente consegue fornecer um elevado número de recrutáveis para as listas que concorrem às eleições autárquicas seja nos municípios de Santo Antão, seja em Santa Catarina, por ser a categoria profissional de maior dimensão em Santo Antão e que ocupa a segunda posição em Santa Catarina. Na Praia não se sobressaem provavelmente por haver outras profissões que ganham maior destaque, seja nas áreas do direito, da gestão, da engenharia, etc., deste modo, os professores surgem apenas como mais uma referência entre tantas outras.

De acordo com os dados do Censo 2010, os professores são a categoria profissional que absorve o maior número de empregados em Santo Antão, com 285 indivíduos. Em Santa Catarina, posicionam-se em segundo lugar com 161 profissionais, enquanto na Praia ocupam uma posição mais modesta no conjunto das profissões, ou seja, a sexta posição com 501 indivíduos. As profissões associadas às ciências sociais, gestão e direito são as dominantes na Praia e em Santa Catarina, com 3.351 e 222 profissionais, respectivamente, embora com maior incidência em Santa Catarina do que na Praia. Em Santo Antão, o seu peso no conjunto das profissões também merece destaque ocupando a segunda posição com 220 indivíduos. As profissões de engenheiros e dos economistas, contrariamente às demais, ocupam uma posição de maior destaque nos reeleitos do que no conjunto das profissões nos municípios em estudo. As razões de uma maior proporção desses profissionais nas listas dos reeleitos locais devem-se provavelmente à enorme importância que é atribuída pelos Presidentes das Câmaras Municipais às áreas ligadas à infraestruturação e às finanças locais. Segundo o relato de um ex-Presidente de Câmara Municipal,

“ao assumirmos a gestão camarária um dos maiores desafios que se nos coloca tem a ver com a infraestruturação porque as carências são

257

enormes principalmente nos municípios periféricos como o nosso e a população cria uma grande expectativa em relação à nossa capacidade de superarmos essa dificuldade pelo fato de sermos o poder mais próximo deles. Por isso, precisamos ter pessoas nas listas capazes de transmitir essa imagem de capacidade de fazer as coisas e de mobilizar recursos para fazer as coisas acontecerem. Na nossa lista como nas demais a preocupação é ter sempre principalmente engenheiros para mostrarmos que iremos fazer obras e que temos capacidade para isso” (entrevista a CA).

Para além desta questão, um outro aspecto a ter-se em consideração diz respeito ao peso social e ao prestígio que determinadas profissões, como a dos engenheiros, dos professores e dos advogados, gozam na sociedade cabo-verdiana, constituindo num atributo a ter em conta no momento da indicação dos nomes que integram as listas para a reeleição.

Quadro nº 33 – Cursos em grandes grupos, segundo os concelhos/lhas

Santo Antão Santa Catarina Praia

CURSO EM GRANDES GRUPOS Nº % Nº % Nº %

Programas Gerais 0 0% 0 0% 0 0%

Ensino 285 27% 161 21% 501 7%

Humanidades e artes 144 14% 127 16% 746 10%

Ciências sociais, gestão e direito 220 21% 222 28% 3.351 45%

Ciência, Matemática e Computação 96 9% 92 12% 901 12%

Engenharia, transformação e 140 13% 71 9% 866 12% construção

Agricultura e Veterinária 29 3% 14 2% 134 2%

Saúde e bem-estar 88 8% 81 10% 537 7%

Serviços 48 5% 13 2% 329 4%

Total 1.050 100% 781 100% 7.365 100%

Fonte: INE – Censo 2010

258

Para os ascendentes, a situação afigura-se diferente, pois não se observa nenhuma profissão directamente relacionada com a posse de uma formação superior. As profissões predominantes entre os pais dos políticos locais reeleitos são as dos agricultores com 35 citações, seguidas dos funcionários públicos com 22, os proprietários com 10 e os comerciantes com 9. Entre as mães, praticamente 4/5, correspondente a 75 mulheres, estavam incluídas na categoria de domésticas, ou seja, não se dedicavam a uma actividade remunerada, ao contrário de uma minoria (25) que trabalhava basicamente como agricultoras e comerciantes com 10 e 7 casos, respectivamente. (ver quadro em anexo)

A situação das mães dos eleitos políticos reeleitos assemelha-se à da maioria das mulheres no país neste período que era caracterizada por uma fraca frequência a um estabelecimento de ensino e um acesso bastante reservado ao mercado do emprego. Os dados referentes à profissão dos eleitos políticos locais indiciam claramente uma mudança no perfil das profissões dos políticos em relação aos seus ascendentes.

4.14 O capital político e social na reprodução

Como referimos anteriormente, para a análise do capital político incidimos basicamente em duas variáveis, quais sejam, a relação entre os reeleitos e os órgãos dos partidos, pretendendo-se saber se eram membros ou não dos órgãos do partido ao nível local e/ou nacional, no momento em que foram reeleitos e se possuíam ou não familiares na política ocupando cargos também eleitos e/ou nomeados.

Os dados do gráfico nº 17 revelam que oito dos treze indivíduos que foram reeleitos na Praia pertenciam aos órgãos locais dos seus respectivos partidos no momento da reeleição. Em Santa Catarina, o peso dos órgãos locais do partido no processo de reeleição mostra-se elevado, com vinte e três dos trinta reeleitos a assumir que pertenciam às comissões políticas concelhias. Em Santo Antão, a situação afigura-se mais equilibrada com 31 reeleitos a afirmar que faziam parte dos órgãos locais do partido quando foram reeleitos, ao contrário dos 34 que não tinham nenhuma relação

259 com esses órgãos. Nesta ilha, a situação coloca-se de uma forma diferenciada em função do município em análise. Naqueles em que os grupos independentes ganharam as Câmaras Municipais, a exemplo da Ribeira Grande e do Paul, o número de reeleitos políticos locais que não pertenciam aos órgãos locais, dos partidos, supera o de aqueles que eram membros dessas estruturas. Na Ribeira Grande, são dezassete contra sete e no Paul, nove contra seis. No Porto Novo, as eleições locais foram desde sempre vencidas por um partido político, o MPD, e neste município, contrariamente aos demais nesta ilha, a maioria dos reeleitos (dezoito) eram membros das estruturas locais dos partidos, contra oito dos que o não eram.

Do total dos reeleitos, 62 eram membros dos órgãos locais dos seus partidos políticos contra 46 que não se reelegeram nessa condição. Os dados indiciam que, ser membro dos órgãos políticos, ao nível local e/ou nacional, seja no MPD ou no PAICV, faz parte dos capitais que contribuem para a reeleição dos políticos locais, juntamente com outros capitais que são mobilizados.

Gráfico nº 17 - Reeleitos políticos locais membros das estruturas partidárias locais

62

46

Sim 23 Não 17 18 9 8 8 6 7 5 7

Paul Ribeira Porto Praia Santa Total Grande Novo Catarina

Fonte: O autor

260

A existência de familiares na política é, de entre os capitais incorporados, aquele que menor influência parece ter no processo de reeleição dos políticos locais. Dos 108 reeleitos, 22, correspondente a 1/5, declaram ter familiares na política, ao contrário dos 86 que afirmam não ter nenhum familiar na política. Os casos de familiares apontados não se referem a filhos ou pais, mas quase exclusivamente a irmãos, primos e tios. Em Santo Antão, são 12 os reeleitos que assumem ter familiares na política, contra 53 que não possuem nenhum laço de parentesco na política. Em Santa Catarina, são 8 os reeleitos nesta situação, representando um pouco mais de 1/3 do total dos reeleitos neste município e, na Praia, apenas 2 assumem ter familiares na política, contra 11 que responderam negativamente a esta questão.

Os dados do inquérito aplicado aos eleitos políticos locais, mostram que pouco mais de 1/3 desses eleitos, correspondente a 110 inquiridos, têm familiares na política. Na Praia e em Santo Antão, a proporção dos eleitos com familiares na política (35% ex aequo) é superior à proporção dos reeleitos com familiares na política, 15% e 23%, respectivamente. Em Santa Catarina os valores registados aproximam-se. Isso indicia, como tínhamos afirmado, o pouco peso que é atribuído a esse capital no momento da reeleição, pois, os dados mostram que a proporção dos reeleitos que possui familiares na política é relativamente menor à dos eleitos de uma forma geral.

Quadro nº 34 - Reeleitos com familiares na política por domínio de estudo

Reeleitos com Familiares na Política Total Domínio Sim Não

Nº % Nº % Nº %

Santo Antão 12 18,5% 53 81,5% 65 100,0%

Santa Catarina 8 26,7% 22 73,3% 30 100,0%

Praia 2 15,4% 11 84,6% 13 100,0%

Total 22 20,4% 86 79,6% 108 100,0%

Fonte: O autor

261

Quadro nº 35 - Amostra de eleitos com familiares na política por domínio de estudo

Amostra de eleitos com Familiares na Política Total Concelho Sim Não

Nº % Nº % Nº %

Santo Antão 57 35,0% 106 65,0% 163 100,0%

Santa Catarina 18 31,6% 39 68,4% 57 100,0%

Praia 35 35,4% 64 64,6% 99 100,0%

Total 110 20,4% 209 79,6% 319 100,0%

Fonte: O autor

Dos capitais utilizados pelos eleitos políticos locais procuramos saber quais são aqueles que, utilizados isoladamente, têm contribuído em maior proporção para o processo de reeleição. Na realidade, a reeleição implica, regra geral, o uso combinado de dois ou mais capitais. Neste sentido, mais de metade (60) dos reeleitos fizeram uso em simultâneo de vários capitais, seja o escolar, através da posse de um grau de licenciatura, seja o político, consubstanciado na qualidade de ser membro dos órgãos do partido, seja por possuir laços familiares na política.

Dos capitais utilizados isoladamente, o que tem evidenciado mais é o capital político, mais concretamente, ser membro da estrutura partidária local. Cerca de ¼ dos reeleitos, correspondente a 25 indivíduos, apresentaram como principal capital no momento da reeleição a sua posição de membro da comissão política local, seja entre os eleitos nas listas do MPD, seja entre os do PAICV. É nos municípios do Porto Novo e de Santa Catarina que se tem o registo do maior número de casos, com 10 e 9 reeleitos, respectivamente nesta situação.

262

Na Praia, na Ribeira Grande e no Paul, somente dois reeleitos em cada um dos municípios atrás referido tinham esse capital como referência, uma vez que nenhum deles possui uma formação superior e não dispõe de familiares na política133.

Quando referimos ao capital escolar, consideramos exclusivamente os eleitos que possuem um grau escolar equivalente a uma licenciatura ou a um nível mais elevado. Entre os eleitos políticos reeleitos que utilizaram este capital de forma isolada, ou seja, estavam desprovidos do capital político e social, deparamo-nos com sete reeleitos, dos quais dois na Praia, e cinco em Santo Antão134.

Na Praia, a vereadora é formada em serviço social e o deputado municipal em economia. Devido às suas áreas de formação e ao desempenho foram convidados para integrar as listas pela segunda vez como afirma um dos entrevistados:

“Aquando da realização das eleições em 1996 o Presidente convidou- me para o acompanhar na sua equipa para disputa de mais um mandato. Estranhei um pouco porque os meus colegas da lista anterior não constavam da presente lista e alguns deles eram membros do partido. Aceitei o convite, pensando que o mesmo se devia ao facto desta ser uma área sensível na Câmara e o Presidente quis apostar na continuidade da equipa que estava a trabalhar e que mereceu uma

133 Na Praia, Marcos Oliveira do PAICV e Mário Semedo do MPD foram reeleitos nas autárquicas de 2000. Ambos são habilitados com o ex-5º ano dos liceus, são funcionários de carreira do Instituto Nacional de Previdência Social, tendo ambos chegado ao topo de carreira. Afirmam não possuir familiares na política, mas fazerem parte das estruturas locais dos seus respetivos partidos aquando da realização das eleições de 2000. No Paul, os dois casos referem-se a João José Andrade Sousa, reeleito em 2004 nas listas do MPD e, Maria Roberta Nascimento, reeleita em 2008 nas listas do PAICV. O primeiro concluiu o 9º ano e é funcionário público e a segunda completou o 12º ano e exerce a profissão de professora. Ambos têm em comum o fato de fazerem parte das estruturas locais dos seus respetivos partidos no momento em que ocorreram as suas reeleições. Na Ribeira Grande, assinalam-se os casos de António Augusto Coutinho, eleito em 1991 e reeleito em 2008 sempre nas listas do MPD e Anísio Rodrigues com uma trajetória diferente por ter começado com o MPD em 1991 e continuado com o grupo independente nas três eleições seguintes, tendo sido reeleito sistematicamente desde as eleições de 1996. Retornou e reintegrou as listas do MPD nas eleições de 2008, assim como todos os demais integrantes do “núcleo duro” do grupo independente na Ribeira Grande. Nesse ano, tomaria parte na comissão concelhia do MPD. Ambos são professores, concluíram o 12º ano e declaram não ter familiares na política.

134 Na Praia, a vereadora Ana Margarida Martins e o deputado municipal Claudino Semedo, ambos eleitos nas listas do MPD, foram reeleitos em 1996 e em 2000, respectivamente.

263

avaliação positiva da sua parte. Naquela época também não era fácil encontrar pessoas formadas e com sensibilidade para trabalhar nessa área” (entrevista a AM).

Um outro entrevistado, quando confrontado com as razões da reeleição,135 apontou a área de formação, bem como a sua experiência profissional como os principais requisitos que ditaram a proposição do seu nome para a reeleição:

“Ele é formado em economia, é quadro do Ministério das Finanças com uma longa experiência na área do orçamento do Estado e tem sido uma mais-valia importante para esta Câmara no momento da apresentação e discussão do orçamento municipal. Essas valências não são fáceis de encontrar e quando assim é temos que saber aproveitar esses indivíduos” (entrevista a PJM).

Nessas entrevistas a enfâse foi colocada sempre nas qualidades técnicas desses eleitos provenientes das suas áreas de formação e que representam um ganho para o partido. É neste sentido que é atribuída uma maior importância ao capital escolar desses eleitos. Em Santo Antão um dos casos emblemáticos do uso exclusivo do capital escolar na reeleição dos eleitos locais, diz respeito ao deputado municipal nas listas do PAICV na Ribeira Grande136.

O uso exclusivo do recurso familiar no processo de reeleição, isto é, de reeleitos que têm como único capital os familiares na política, não tem sido uma prática corrente entre os eleitos políticos locais em Cabo Verde. Assim se compreende o registo de apenas um caso, no município de Santa Catarina, em que o reeleito não apresentou outro tipo de capital.

Quanto aos indivíduos dotados simultaneamente de todos os capitais atrás referidos, que possuem formação superior, são membros das estruturas partidárias e possuem laços

135 De Claudino Semedo.

136 Amadeu Oliveira, advogado de formação, integrou as listas deste partido na condição de independente. No Porto Novo, assinalam-se os casos do vereador Cláudio Lopes dos Santos, engenheiro de formação reeleito em 2004 e, do deputado municipal Justino Crisóstomo, engenheiro técnico reeleito em 2000, ambos nas listas do MPD. No Paul, trata-se do eleito municipal o engenheiro Noé Silva Santos reeleito nas listas do MPD em 2004.

264 familiares na política, constituem uma minoria entre os reeleitos políticos locais. Assinalam-se três casos em Santa Catarina, três na Ribeira Grande e um na Praia137.

Contudo, constatam-se casos de indivíduos que foram reeleitos e que não se enquadram em nenhuma das categorias acima referidas, isto é, não são detentores de uma licenciatura, não foram membros dos órgãos partidários e não têm familiares na política. Provavelmente, a posse de outros tipos de recursos, nomeadamente a rede de relações poderá ajudar-nos a melhor perceber as razões subjacentes à reeleição destes indivíduos. São oito nesta situação, dois na Praia138, dois em Santa Catarina139, dois no Porto Novo140, um no Paul141 e um na Ribeira Grande142.

4.15 Reprodução e capital escolar dos eleitos

A questão da reprodução tem sido particularmente estudada por Bourdieu que a associa às posições ocupadas pelos indivíduos num determinado campo. Esse campo configura- se num espaço de disputa por posições dominantes em que a relação de forças entre os

137 Neste município, trata-se do eleito municipal Rui Semedo, licenciado em Sociologia, que foi durante muitos anos membro do conselho do sector do PAICV e possui um familiar próximo que já foi eleito deputado da nação, embora nas listas de um outro partido. Na Ribeira Grande esta situação aplica-se ao ex-Presidente da Câmara Municipal, Jorge Santos, formado em engenharia, coordenador local do MPD que já teve um irmão que ocupou o cargo de Secretário de Estado no primeiro governo do MPD em 1991. Em Santa Catarina, um dos nomes que sobressai nesta lista é o do ex-vereador José Manuel Veiga, formado em administração pública, que fez parte durante vários anos do conselho de sector de Santa Catarina e tem um irmão que já exerceu o cargo de vereador na Câmara da Praia, para além de deputado da nação e outras funções partidárias.

138 Augusto Elísio e Carlos Leão Monteiro.

139 Nataniel Varela Ribeiro e Procópio José Rodrigues.

140 Teodora Santos Neves e Alcindo Rocha.

141 João Fortes Rodrigues.

142 Carlos António Lopes Rodrigues.

265 agentes engajados nesta luta é desigual, sendo que os agentes na posição dominante possuem um maior volume de capital que procuram manter e os dominados procuram estratégias no sentido de mudar as suas posições no campo. (Barros, 2012)

No caso das elites políticas locais em Cabo Verde, procuramos descortinar se estamos perante um processo de mudança de posição no campo que sirva de base social do seu recrutamento. Para isso, recorremos a análise intergeracional, com incidência na geração dos pais e dos filhos, eleitos locais, com o objectivo de apreender se a mobilização do capital escolar tem vindo a ser um dos factores importantes no processo de recrutamento e de eventual reprodução dos eleitos locais e se tem aumentado o seu peso relativo entre as duas gerações.

Procuramos também analisar a diferença interna do capital escolar entre os eleitos da geração dos mais jovens, comparativamente a da geração mais velha e, ainda comparar o capital escolar entre os indivíduos da mesma faixa etária e a sua evolução relativamente à eleição anterior.

Ao abordar a questão da reprodução, levamos em consideração não somente a elite política local reeleita, mas também aos novos eleitos pelo facto de a reeleição constituir- se apenas numa das variáveis que permite apreender o grau de profundidade dos mecanismos de reprodução no campo político local.

A variável que nos interessa analisar, sobremaneira, é a base social de recrutamento porque através dela temos a possibilidade de observar como é que se processa a dinâmica da (re) produção. Se a base social do recrutamento das elites políticas locais mantém-se, significa que estamos face a uma reprodução do status quo, ou seja, a posição dos indivíduos no campo continua a mesma ainda que, eventualmente, mude o sujeito em concreto.

Ao analisar o capital escolar dos eleitos políticos locais e dos seus ascendentes nota-se que, globalmente, o grau escolar desses eleitos tem sido superior ao dos seus pais. Segundo os dados recolhidos nas entrevistas, seja dos indivíduos eleitos uma única vez, seja dos reeleitos, constata-se que a maioria dos pais dos eleitos possui a 4ª classe, à qual se associa uma percentagem significativa de indivíduos analfabetos. A proporção dos pais que detinha níveis escolares superiores ao ex-2º ano era, muito reduzida. No

266 entanto, entre os eleitos políticos locais predominam os indivíduos com formação superior, com praticamente 6 em cada 10 eleitos a assumir que concluiu uma licenciatura ou um nível ainda superior, designadamente o mestrado ou doutoramento. A proporção dos que possuem o 12º ano situa-se próxima de 1/5. A proporção dos eleitos que possui o ensino básico é pouco significativa, à volta de 5% e tem-se registo de apenas dois eleitos políticos locais que não tenha frequentado um estabelecimento de ensino.

Estes dados revelam a mudança radical do nível do ensino dos eleitos políticos locais relativamente aos seus ascendentes, devido às melhorias nos indicadores do ensino que o país conheceu no período pós-independência e, sobretudo na década de 90, alargando o acesso ao ensino e à progressiva valorização do diploma no mercado político, como indiciador de competência técnica e de prestígio social e político. Regista-se ainda uma particularidade nos eleitos políticos locais, comparativamente à população cabo- verdiana, seja no que tange à percentagem da população com ensino superior, que, segundo os dados do censo de 2010, não ultrapassa os 6%, enquanto entre os eleitos políticos locais ronda os 60%, seja entre os analfabetos que, para a população total, está à volta dos 18% e entre os eleitos políticos locais, há registo de apenas dois analfabetos. Assim sendo, nota-se que o nível de ensino dos eleitos políticos locais está muito acima do nível escolar da população.

Ao analisar os dados relativos ao nível escolar dos eleitos políticos locais, por faixa etária (até 40 anos, entre 41 a 54 anos e 55 e mais anos), nas duas últimas eleições municipais, seja numa perspetiva sincrónica, seja diacrónica, os dados revelam o seguinte. Relativamente às eleições municipais de 2008, nota-se que os eleitos mais jovens são constituídos maioritariamente por indivíduos com formação superior, ou seja, 34 contra 26, não alcançaram este nível de ensino. Na Praia, praticamente todos os jovens eleitos (dez em onze) possuem formação superior e, em Santa Catarina, a vantagem para os jovens, que possuem formação superior, também é expressiva, isto é, oito contra quatro. Nos municípios de Santo Antão, pelo contrário, o cenário é distinto, não obstante um número considerável de jovens eleitos com formação superior, em número de dezasseis, mas, ainda assim, em inferioridade numérica comparativamente àqueles sem nenhuma formação superior que são vinte e um. Entre os indivíduos na

267 faixa etária situada entre os 41 a 54 anos, o número de eleitos com formação superior é inferior relativamente àqueles desprovidos desse nível de ensino (26 contra 32).

É esta a situação que encontramos para os eleitos nesta faixa etária em Santa Catarina e em Santo Antão, contrariamente aos da Praia em que 8 dos 14 eleitos nesta faixa etária possuem formação superior. Neste município, nota-se uma particularidade relativamente a todas as faixas etárias nas eleições de 2008, ou seja, em todas o número de eleitos com formação superior ultrapassa os eleitos que não possuem formação superior. Assim, entre os eleitos com idade igual ou superior a 55 anos, três dos cinco eleitos possuem formação superior. Em Santa Catarina, foram eleitos dois indivíduos nessa faixa etária, ambos com formação superior. Em Santo Antão, pelo contrário, o único eleito nessa faixa etária não possui formação superior.

Ao analisarmos os dados numa perspectiva diacrónica, constata-se que, globalmente, aumentou o número de eleitos com formação superior das eleições de 2004 para 2008, passando de 56 para 65. Esse crescimento é notório nos municípios da Praia e de Santa Catarina. No entanto, diminuiu ligeiramente em Santo Antão, passando de 30 para 28. Essa diferença processa-se em função da faixa etária em análise. Entre os eleitos com idades até aos 40 anos, regista-se uma evolução positiva do número de eleitos com formação superior na Praia, em Santa Catarina e em Santo Antão de 2004 para 2008. Na faixa etária entre 41 e 54 anos, decresceu ligeiramente o número de eleitos com formação superior na Praia e em Santo Antão, ao mesmo tempo que aumentou em Santa Catarina. Entre os indivíduos com idades igual ou superior a 55 anos, cresceu no mesmo período o número de eleitos com formação superior na Praia e em Santa Catarina e, em Santo Antão, pelo contrário, assinala-se um decréscimo.

268

Quadro nº 36 - Eleitos por faixa etária segundo formação superior no ano de 2004

2004

até 40 anos 41 a 54 55 e + Total

Domínio Nível escolar Nº % Nº % Nº % Nº %

Formação superior 5 45,5 10 62,5 1 33,3 16 53,3 PR S/formação 6 54,5 6 37,5 2 66,7 14 46,7 superior

Formação superior 5 45,5 5 27,8 0 0 10 33,3

SC S/formação 6 54,5 13 72,2 1 100 20 66,7 superior

Formação superior 15 44,1 13 44,8 2 66,7 30 45,5 SA S/formação 19 55,9 16 55,2 1 33,3 36 54,5 superior

Fonte: O Autor

Quadro nº 37- Eleitos por faixa etária com ou sem formação superior no ano de 2008

2008

até 40 anos 41 a 54 55 e + Total

Domínio Nível escolar Nº % Nº % Nº % Nº %

Formação superior 10 90,9 8 57,1 3 60 21 70 PR S/formação superior 1 9,1 6 42,9 2 40 9 30

Formação superior 8 66,7 6 37,5 2 100 16 53,3

SC S/formação superior 4 33,3 10 62,5 0 0 14 46,7

Formação superior 16 43,2 12 42,9 0 0 28 42,4 SA S/formação superior 21 56,8 16 57,1 1 100 38 57,6

Fonte: O Autor

269

Estamos perante um processo que nos indica uma tendência para a mudança da base social de recrutamento com uma propensão para o seu aprofundamento e consolidação. Essa mudança ocorre tanto ao nível intergeracional, isto é, entre gerações de pais e de filhos na política, em termos de capital escolar, mas também tende a aprofundar-se entre as diferentes gerações dos eleitos políticos locais a partir de 1991, com os eleitos com a idade até 40 anos a mobilizar um capital escolar tendencialmente superior aos eleitos mais velhos, entre os quais aqueles com idade superior a 55 anos. Essa tendência deve- se não só ao alargamento da democratização do ensino que criou maiores oportunidades de acesso ao ensino secundário a todos os jovens, mas também, provavelmente, a uma maior atracção das atividades políticas, que vêm mobilizando cada vez mais um maior número de jovens. Esta pode, provavelmente estar a se constituir numa das vias de ascensão social.

4.16 Conclusão

A transição cabo-verdiana permitiu uma mudança radical dos dirigentes na cúpula do Estado em 1991. Ao nível municipal, a mudança também é expressiva nos concelhos em estudo.

A taxa de renovação dos eleitos políticos locais, desde as primeiras eleições autárquicas realizadas em 1991, tem sido elevada e constante. A renovação dos eleitos é expressiva relativamente aqueles que ocuparam os cargos ao nível autárquico (membros do conselho deliberativo e delegados do governo) no período entre 1975 e 1990, alcançando os 92.1%, ou seja, do total dos indivíduos que estiveram à frente dos municípios nesse período, somente 24 voltaram a ser eleitos no período pós 1990, sendo que metade conseguiu esse feito logo nas eleições de 1991.

Relativamente às novas comissões deliberativas nomeadas pelo MPD ainda em 1991, antes da realização das eleições autárquicas em Dezembro do mesmo ano, no âmbito da (re) configuração do espaço político e da emergência dos novos actores, coloca-se a questão da sua renovação nas eleições realizadas em Dezembro. Praia configura-se no

270

único caso em estudo, em que nenhum dos 14 indivíduos que integraram o conselho deliberativo, nomeado pelo MPD no mês de Março de 1991, veio a fazer parte da lista eleita para a Câmara Municipal deste concelho em Dezembro do mesmo ano, o que representa uma taxa de renovação de 100%.

Em Santa Catarina, dos 16 indivíduos que foram nomeados para o conselho deliberativo deste concelho, incluindo o delegado de governo, metade (8), veio a constar da lista dos eleitos para a Câmara, ou seja, a taxa de renovação situou-se nos 50%.

Em Santo Antão, no concelho do Porto Novo, dos dez indivíduos nomeados pelo MPD para integrarem o conselho deliberativo, quatro, fizeram parte da lista vencedora das eleições em Dezembro, pelo que a taxa de renovação foi de 60%. Na Ribeira Grande, assistimos ao único caso em que a maioria dos membros de um conselho deliberativo integrou a lista concorrente para a Câmara Municipal. Assim, dos onze nomeados pelo MPD, para o conselho deliberativo deste concelho, incluindo o delegado do governo, oito foram eleitos em Dezembro de 1991. Este é o único concelho onde assistimos a uma baixa taxa de renovação, na ordem dos 27.3%.

No Paul, a lista concorrente para a Câmara local, apoiada pelo MPD, e constituída em grande parte pelos membros do conselho deliberativo, perdeu a eleição para um grupo independente. Assim sendo, somente um indivíduo do conselho veio a ser eleito, o que perfaz uma taxa de renovação elevada, em torno de 87.5%.

A taxa de renovação dos eleitos políticos locais, ao longo das cinco eleições municipais realizadas desde 1991, alcança uma média de 76.0%, contudo, notam-se diferenças entre os domínios do estudo. Praia é o município onde sucede a maior taxa de renovação com valores muito acima da média alcançando os 90.%. Santa Catarina e Santo Antão apresentam também valores consideráveis, mas situam-se abaixo dos registados na Praia, com 79.2% e 68.2%, respectivamente.

Poucos são os casos de reeleição sucessiva dos candidatos políticos locais por três ou mais mandatos. Esses casos aconteceram com mais frequência na Ribeira Grande e abrangeram um núcleo restrito de eleitos que fez parte do executivo camarário em 1991 e que, na sua maioria, integrou o conselho deliberativo nomeado pelo governo do MPD

271 em 1991. Os casos de circulação horizontal dos eleitos também são mais frequentes neste concelho, com os eleitos a transitarem da Câmara para a Assembleia e vice-versa.

As elevadas taxas de renovação são promovidas pelos dois maiores partidos políticos, o MPD e o PAICV. Relativamente aos grupos independentes, particularmente na Ribeira Grande, que esteve mais tempo no poder autárquico, a lógica da disputa para os lugares electivos não parece ser a mesma da registada nos partidos políticos, nestes o poder municipal constitui-se apenas numa das esferas da luta pelo poder. Nas listas partidárias, a constituição dos nomes, particularmente do cabeça de lista, é discutida nas comissões políticas concelhias, mas nada obsta a “interferência” dos outros órgãos partidários, ainda que isso possa não ser decisivo na escolha final, ao contrário dos grupos independentes em que as decisões são tomadas num único nível, sem a possibilidade de interferências externas, a exemplo das comissões políticas e direcções nacionais dos partidos. Assim sendo, as decisões ficam confinadas às lideranças desses grupos e as “entourages”, daí a tendência para uma maior “solidariedade” entre os membros, reduzindo, deste modo, o alargamento do universo de escolha, particularmente nos órgãos executivos das Câmaras, ou então recorrendo com mais frequência à circulação horizontal desses indivíduos entre os órgãos da Câmara.

Este “recurso” foi bastante utilizado pelo grupo que está no poder local em Ribeira Grande desde 1991. Ao longo dessas eleições, registaram-se nesse concelho nove casos de circulação horizontal, beneficiando seis indivíduos, todos eleitos pela primeira vez em 1991. No Porto Novo, assinalam-se cinco casos de circulação horizontal favorecendo igual número de indivíduos, mas somente dois deles fizeram parte dos eleitos de 1991. Em Santa Catarina, dos três casos de circulação horizontal, dois foram eleitos em 1991 e, no Paul, das duas ocorrências, nenhum dos indivíduos tinha sido eleito em 1991.

O feito do grupo independente na Ribeira Grande consiste na construção de uma ampla hegemonia social ao nível local que vem permitindo a sua reprodução eleitoral e a consequente manutenção do poder neste município. A referida hegemonia social foi construída em grande parte em torno de um projecto regional pautado pela defesa dos interesses da ilha, acima dos interesses partidários. O que tem acontecido no cenário

272 político local na Ribeira Grande, vai na contramão da trajectória observada nos outros concelhos em estudo, com uma considerável taxa de renovação.

A taxa de renovação entre os eleitos do sexo feminino é maior comparativamente à dos homens, seja quando se analisa essa taxa apenas entre os eleitos do sexo feminino, seja quando se analisa numa perspectiva global. A taxa de renovação é maior nas duas faixas extremas, ou seja, entre os mais jovens e os mais idosos. Professores e funcionários públicos são as categorias atingidas em menor proporção pelas taxas de renovação no conjunto das profissões, mas, numa análise interna de cada categoria, são superados pelos agricultores, bancários, economistas/contabilistas. Deste modo, pode concluir-se que a actividade profissional originária dos candidatos a uma eleição municipal é uma variável importante a levar-se em consideração quando se analisa a renovação dos mandatos e, consequentemente, da “carreira política” que gera uma competição permanente entre os aspirantes aos cargos políticos.

A taxa de renovação das elites políticas locais cabo-verdianas é muito elevada comparativamente a dos eleitos políticos locais em Portugal, no Canadá e no Brasil, países com uma experiência democrática mais consolidada e com uma maior estabilidade na composição das autarquias locais. No caso de Cabo Verde, a estabilidade reflecte-se em maiores proporções na composição do Parlamento do que nos órgãos autárquicos.

Relativamente aos países da sub-região africana, nomeadamente o Senegal e o Mali, as taxas de renovação dos eleitos políticos locais são muito próximas. Importa ter em atenção que a sua renovação, não se deve a factores como, o elevado índice de analfabetismo entre os eleitos, como acontece nos dois países acima referidos, prende-se muito mais com questões que têm a ver com a pouca atractividade particularmente do cargo dos deputados municipais que não é remunerado, de acordo com o estabelecido no estatuto dos municípios. Pesa também o facto de ser considerado pelos políticos com ambições maiores como uma etapa para alcançar postos maiores, como Deputados da Nação ou Ministros.

Para além destes aspectos, há que se ter em conta a maior ou menor visibilidade associada ao cargo. Ao nível autárquico, regra geral, à excepção da figura do Presidente

273 de Câmara, os demais cargos autárquicos têm pouca visibilidade e, consequentemente, os seus actores gozam de pouca notoriedade, contrariamente aos cargos de âmbito nacional, a exemplo do Deputados da Nação e do Ministro que gozam, no nosso contexto, de uma relativa exposição mediática.

Mas também deve considerar-se que, para alguns eleitos locais, a ocupação de um cargo eleito político local, não é entendida como uma via privilegiada de ascensão para outros cargos ao nível nacional, mas apenas como a expressão do seu reconhecimento à escala local.

274

Capítulo V. Identidade e Perfil dos Eleitos Políticos Locais

Capítulo V.1. Representação da Identidade Local versus Nacional

No âmbito deste estudo, não constitui nossa intenção fazer uma resenha bibliográfica sobre a identidade, mas apenas recorrer aos autores que melhor nos possam ajudar a compreender o fenómeno da construção da identidade local/regional em contraposição à nacional.

O desafio de operacionalizar os conceitos de identidade local e nacional é a pretensão deste capítulo que procura entender o posicionamento e as orientações das elites políticas locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão, isto é, apreender se elas se direccionam no sentido de uma identidade local/regional ou nacional. A hipótese que formulamos aqui assenta na premissa de que as elites políticas locais da Praia e de Santa Catarina, particularmente as da Praia tomam com mais frequência posicionamentos no Parlamento que vão no sentido da defesa de uma identidade nacional enquanto as de Santo Antão, assim como as das outras ilhas do norte do país, tendem, de forma maioritária, a defender uma identidade mais marcadamente local/regional.

Para o efeito deste estudo, construímos uma definição de identidade local e nacional a partir dos materiais recolhidos, nomeadamente as entrevistas realizadas junto dos eleitos políticos locais. Deste modo, entendemos por identidade local um conjunto de valores sustentados pelas elites políticas locais, relacionados com a defesa dos interesses dos municípios/regiões de sua origem, em contraposição à identidade nacional, que privilegia a defesa dos interesses nacionais acima dos do local que esses políticos locais representam.

Na discussão sobre o fenómeno da construção da identidade aplicada à realidade cabo- verdiana, fizemos recurso, principalmente, à perspectiva do estruturalismo genético de Pierre Bourdieu e à perspectiva pós-colonial de Boaventura Santos. A opção justifica-se uma vez que outros estudos já realizados sobre a construção nacional da identidade cabo-verdiana se apoiaram incisivamente nestes dois autores, sobretudo Anjos (2002) e

275

Monteiro (2009). A aplicação do mesmo referencial teórico para um outro recorte empírico parece-nos particularmente fecundo, tendo em vista a possibilidade de acúmulo e o alargamento de hipóteses circunscritas em outros estudos. Um dos resultados que este capítulo visa contemplar são o dos efeitos que se pode produzir pelo facto de se pesquisar sobre o mesmo referencial teórico e no mesmo contexto sociológico um outro recorte empírico para a temática da identidade. A análise que se segue, procura fazer uma discussão entre os dois tipos de abordagem e descortinar os seus pontos de contacto. Para compreender melhor a maneira como os autores cabo- verdianos se apropriam dos dois paradigmas, o estruturalismo e o pós-colonial, recorremos a José Carlos dos Anjos (2002) e a Gabriel Fernandes (2002).

Anjos discute a questão da identidade cabo-verdiana via Bourdieu e Fernandes retoma os traços do pós-colonialismo recorrendo a vários teóricos pós-coloniais com os quais dialoga, nomeadamente Boaventura Sousa Santos.

O conceito de identidade é entendido por diversos autores como sendo uma construção histórica, por conseguinte, mutante e a sua historicidade faz com que não seja possível pensar numa identidade estática, como um ser, mas apenas como um vir a ser (Cf. Da Silva, 2008: 3; Matos, 2002: 135; Felizes, 2000:10) e é suportada por diferentes elementos entre os quais a consciência de pertença a uma cultura e a uma língua diferenciada, dos saber-fazeres da tradição popular a todo um património antropológico em larga medida comum – todos estes traços podem alimentar a identidade nacional (Matos, 2002: 135).

Matos defende ainda o papel das elites intelectuais como um dos agentes dinamizadores da consciência da identidade nacional, “sem esquecer o papel do poder político, não se deve todavia esquecer o sentido localista e quase espontâneo da consciência de pertença à comunidade nacional, a função das memórias colectivas e, não obstante todas as suas limitações, a função social das elites intelectuais” (Matos, 2002: 137).

Nessa mesma linha, Roca e Mourão (2004) sustentam que se deve sublinhar o papel das elites intelectuais na criação das identidades nacionais, pois, “são quem estuda a língua e elabora o corpus literário que virá a ser definido como literatura nacional. São produtores das narrativas históricas que estabelecem a continuidade entre o passado

276 mais distante e o presente, ligam o cidadão anónimo aos “grandes personagens”, instituem relações imaginadas de parentesco entre antepassados e contemporâneos” (Roca e Mourão, 2004:11-12)

De qualquer das formas, quer se trate da discussão do conceito da identidade local quer nacional, deve-se ter em atenção que a sua formulação é feita por intelectuais com interesses diversos e sua aceitação e legitimação pressupõe o consentimento por parte da população.

Segundo Roca e Mourão, não há definição comumente aceite da noção de identidade local. Dependendo do âmbito, contexto e propósito das análises, a noção de “local” é algumas vezes referida como “territorial”, “regional” ou “da comunidade”, enquanto a de “identidade” geralmente assume o significado de “cultura”, “carácter” ou “singularidade”. Deve-se a Rose (1995) um grande avanço quanto à clarificação das complexidades inerentes à interpretação dessa noção. (Roca e Mourão, 2004: 2)

A ideia comum é a de que características físicas, culturais e outras, específicas de determinados lugares e regiões, são elementos constitutivos da sua “identidade local”. Embora as características ambientais, sociais e económicas locais sejam mutáveis, é precisamente a sua identidade que confere originalidade e singularidade aos lugares e regiões e os distingue de outros territórios, vizinhos ou distantes (Roca e Mourão, 2004: 2)

Para Felizes (2000), a referência a uma identidade local, para além de remeter para um espaço geográfico limitado, envolve uma partilha de modos de vida ou de estilos de vida comuns e ainda um contexto de relações sociais que, embora, diferenciando cada indivíduo, imprime um quadro de atitudes e de valores (Felizes, 2000: 10)

A existência de identidades locais não deriva unicamente da existência de instituições políticas locais. No entanto, a relação entre estes dois universos, o político e o identitário, aparece como uma das características estruturantes dos discursos “locais”. Por um lado, a autarquia tem, na sua adesão ao “espírito do lugar”, uma das fontes da sua legitimidade: deste modo, afirma reiteradamente uma defesa intransigente dos

277 valores locais, dos interesses da população que representa. De resto, o eleito local que não seja claramente identificado com a população que representa ou quer representar (nomeadamente por ser natural ou residir há muito tempo no concelho), terá certamente dificuldades acrescidas para fazer valer os seus argumentos (Felizes, 2000: 10)

Relativamente à identidade nacional, Andrade (2010:2) entende-a como uma representação, sendo, portanto, construída por grupos que possuem interesses em impor a sua visão ideológica.

Em síntese, apesar das divergências entre autores quanto aos interesses, conceitos, importância e existência da Identidade Nacional, ela ainda está presente nos dias de hoje, seja ela utilizada como um instrumento de exaltação da nação ou como um recurso do poder simbólico, no qual se tornou um mecanismo para unir os ditos iguais e excluir ou submeter o outro, considerado diferente, o inimigo incômodo, estando ele em território alheio ou não. (Andrade, 2010: 10)

O termo identidade nacional, segundo Andrade, tem gerado várias divergências entre os estudiosos da área, alguns advogando a sua objetividade, ou seja, para eles, identidade nacional seria um elemento imutável e integrador, para outros, identidade nacional seria algo subjetivo, sendo assim, construído, transformado, podendo um mesmo indivíduo se sentir fazendo parte de diversas identidades e a qualquer momento se desvincular de uma delas; é por esta concepção subjetiva de identidade, que podemos situá-la como uma representação. A concepção objetiva da identidade mostra-se demasiadamente fechada, primeiro porque vários foram os modelos de identidades presentes em um mesmo país, isso demonstra transformação de ideias e não imutabilidade, segundo porque não existe nada que nos tornem iguais, por isso mesmo, tal homogeneização tem que ser construída. (Andrade, 2010: 3)

Apesar do significado do termo identidade nacional apresentar divergências entre diversos autores, tanto Benedict Anderson quanto Maria Stella Martins Bresciani concordam com as concepções subjetivas do termo. Para Bresciani, a identidade nacional seria lugares comuns, “ou seja, um fundo compartilhado de ideias, noções teorias, crenças e preconceitos, permitindo a troca de palavras, argumentos e opiniões sobre uma comunidade política efetiva” (Bresciani, 2007: 31). Já para Benedict

278

Anderson as identidades seriam discursos construídos, imaginados. Dizer que a identidade nacional é uma construção, uma narrativa inventada, não quer dizer que ela seja irreal. Segundo José Carlos Reis (2006: 17) ela é uma realidade tão profunda que “envolve as mais viscerais paixões de um indivíduo. Foi essa fraternidade construída que, a crer em Anderson, tornou possível nestes dois séculos, tantos milhões de pessoas tenham-se dado não tanto a matar, mas, sobretudo a morrer por criações imaginárias limitadas”. (Andrade, 2010:1-2)

Boaventura Sousa Santos (1994), uma referência na literatura pós-colonial, faz uma discussão interessante sobre a identidade racial e étnica. Santos faz um discurso onde enfatiza que, de certa forma, os Estados-nação carregam uma dinâmica onde toda a identidade étnica, toda a identidade regional é condenada a ser abafada, renegada, reduzida de tal forma que só uma identidade protegida pelo Estado é que acaba por se impor de facto. Na verdade, esconde a sua cara racialista e apresenta-se como universal.

Há uma identidade branca dominante que é absorvida no conceito de nação que, segundo Santos, é um “conceito inventado ora para legitimar a dominação de uma etnia sobre as demais, ora para criar um denominador sociocultural comum suficientemente homogéneo para poder funcionar como base social adequada à obrigação política geral e universal exigida pelo Estado auto designado assim como Estado-nação” (Santos, 1994: 37).

Todavia, Fernandes (2002) ensaia um diálogo com Santos num sentido um tanto ou quanto crítico, fazendo uma apropriação selectiva do seu texto que presta pouca atenção à precisão da relação entre Estado, raça e etnicidade. Fernandes faz uma crítica a Santos, na qual procura demonstrar que este autor não deu conta do facto de que Portugal, embora tenha sido um país periférico, continuou a exercer sobre as ex- colónias africanas uma relação colonialista que é tão etnocêntrica quanto o colonialismo britânico e francês.

A crítica de Fernandes a Santos está patente neste extracto:

“A nosso ver a despeito da sua real possibilidade de caracterizar formas socioculturais significativas, esse carácter fronteiriço ou plástico da cultura portuguesa, aduzido como hipótese explicativa da peculiaridade do encontro do colonizador português com os

279

colonizados africanos e brasileiros, carece de um enquadramento e ratificação histórico-sociológicos, sob pena de se constituir num mero constructo ideológico, idílico e complacente, tendente a dessubstancializar e por essa via, ilibar um tipo de identidade que embora fragilizada e socialmente sitiada nunca perdeu seu pendor etnocêntrico e auto-referencial” (Fernandes, 2002: 115).

Uma leitura, diria, mais atenta de Santos, dá conta de facto que o autor percebe que todo o Estado-nação carrega sempre consigo uma dimensão racializante ao afirmar que, “quanto ao vínculo étnico, a sua descaracterização teve lugar através de uma anátema lançado sobre todas as formas de “primordialismo” que não correspondessem à base étnica do racismo dominante e da sua absorção no conceito da nação” (Santos, 1994: 37).

Não obstante a crítica de Fernandes a Santos, de qualquer forma, a sua concepção de identidade encontra-se inserida dentro do paradigma pós-colonial no qual constitui uma referência.

Bourdieu (1989) traz para o debate a questão da identidade regional tendo em atenção a produção do discurso regionalista enquanto um discurso performativo que procura dar conta de uma certa relação de tensão que normalmente existe entre as elites da região (periférica) e a elite central (da capital). Bourdieu desenvolve este discurso regionalista em relação a “Occitânia” e afirma que: “O discurso regionalista é um discurso performativo, que tem em vista impor como legítima uma nova definição das fronteiras e dar a conhecer e fazer reconhecer a região assim delimitada - e, como tal, desconhecida – contra a definição dominante, portanto, reconhecida e legítima, que a ignora. O acto de categorização, quando consegue fazer-se reconhecer ou quando é exercido por uma autoridade reconhecida, exerce poder por si: as categorias “étnicas” ou “regionais”, como as categorias de parentesco, instituem uma realidade usando do poder de revelação e de construção exercido pela objectivação no discurso. (Bourdieu, 1989: 116)

De certa forma, o que está subjacente ao texto de Bourdieu é uma tese mais geral de que a reivindicação de uma identidade regional é uma forma de instituir uma realidade, um grupo que não existe de facto enquanto realidade, senão na medida em que aparece alguém que faz o processo de proclamação daquela identidade, que a reivindica

280 enquanto identidade periférica contra o centro. Ao mesmo tempo, esse é um processo que realça o grupo que é periférico, defensor de uma identidade regional, à condição de protagonista de um processo histórico de reclamação de identidade.

Provavelmente constituem-se em actores sociais que passavam relativamente despercebidos, marginalizados no campo de disputa pelo poder. Este parece ser, de entre outros, o caso de Onésimo Silveira, em Cabo Verde, cuja maneira de se inserir de novo politicamente é reivindicando uma identidade regional.

“Os fundamentalistas de uma utópica “República de Santiago”, que não ganhou corpo nos dias de luta pela independência e que tendo então falhado, vive hoje o seu sonho fundamentalista de alma penada: sonham como tribo maioritária, detentora de maior superfície territorial e, também, de uma maior população, facto que apregoam ao voltar de cada esquina, urbi et orbi. Não surpreende, pois, que actuem nos nossos dias, com pompa e galhardia, como senhores de um continente bordado de ilhas periféricas.

(…)Por representar, a um nível elevado, valores paradigmáticos da crioulidade, São Vicente transformou-se em alvo preferido da sanha fundamentalista” (2012).

Então, “fabrica-se” o norte do arquipélago, enquanto região, porquanto se faz uma reivindicação da identidade nacional e se acaba por instituir o norte do arquipélago enquanto região diferenciada do arquipélago. Isto constitui um benefício político, uma estratégia que se imprime de auto promoção e de definição de um caminho dentro de um espaço político que se encontra reduzido. Simultaneamente, é uma forma de institucionalizar a região enquanto realidade incontornável. Há uma frase chave de Bourdieu que dá conta dessa situação onde afirma que “a região é aquele tipo de produção de realidade submetida à crença e tão credível quanto a família, a nação, etc.” (Bourdieu, 1989: 124)

O que Bourdieu procura demonstrar é que, na verdade, as identidades regionais, as identidades minoritárias só teriam condições de lutar em pé de igualdade com as identidades dominadas pelo Estado se constituíssem um Estado à parte. Provavelmente, por não haver condições do norte constituir-se um estado à parte dentro de Cabo Verde, tendo em conta a característica unitária do Estado, conforme reza a Constituição, a identidade regionalista está condenada a ser uma identidade, digamos, marginal em

281 relação ao centro, sendo, por conseguinte, periférica mas que, ao mesmo tempo, concede a alguns actores um espaço estratégico de se proclamarem enquanto porta- vozes de região.

Bourdieu afirma que a questão regional ou nacional é objectivamente posta na realidade social, embora seja por uma minoria actuante (que pode tirar partido da sua própria fraqueza jogando com a estratégia propriamente simbólica da provocação e do testemunho para arrancar réplicas, simbólicas ou não, que impliquem um reconhecimento), qualquer enunciado sobre a região funciona como um argumento que contribui – tanto mais largamente quanto mais largamente é reconhecido – para favorecer ou desfavorecer o acesso da região ao reconhecimento e, por meio, à existência. (Bourdieu, 1989: 120) No caso cabo-verdiano, vimos a elite de Santo Antão, associada à do Mindelo, cristalizada como elite do norte, a jogar com a estratégia simbólica da provocação de testemunho destinada a arrancar ou a construir réplicas simbólicas de uma realidade fantasma.

Bourdieu introduz a questão do estigma em relação à região que é marginalizada e leva- a a encetar uma luta contra esse estigma. A reivindicação regionalista, por muito longínqua que pareça deste nacionalismo sem território, é também uma resposta à estigmatização que produz o território de que, aparentemente, ela é produto. E, de facto, se a região não existisse como espaço estigmatizado, como “província” definida pela distância económica e social (e não geográfica) em relação ao “centro”, quer dizer, pela privação do capital (material e simbólico) que a capital concentra, não teria que reivindicar a existência: é porque existe como unidade negativamente definida pela dominação simbólica e económica que alguns dos que nela participam podem ser levados a lutar (e com probabilidades objectivas de sucesso e de ganho) para alterarem a sua definição, para inverterem o sentido e o valor das características estigmatizadas, e que a revolta contra a dominação em todos os seus aspectos – até mesmo económicos – assume a forma de reivindicação regionalista. (Bourdieu, 1989: 126).

No caso de Cabo Verde, em concreto, é um pouco diferente, porque o estigma foi produzido em primeira instância contra o “badiu”, oriundo da ilha de Santiago onde está

282 localizada a capital do país. Este estigma foi alimentado pelos intelectuais das ilhas do norte do arquipélago que se formaram no liceu do Mindelo, que por longos períodos, ocupou uma centralidade ao nível cultural.

Para o caso cabo-verdiano, a análise de Bourdieu pode ser operacionalizada desta maneira – as pessoas que defendem o norte, portanto, uma região, se instalam enquanto porta-vozes de uma região periférica em contraposição ao centro. Quando fazem isso promovem uma carreira, uma estratégia política de inserção num debate nacional em que começam a aparecer em nome da região.

À laia de exemplo, existe o caso de Onésimo Silveira. Estrategicamente, posiciona-se, amiúde, como um político marginalizado para depois reaparecer enquanto protagonista da sua região em nome da qual reivindica os seus interesses, atitude que, no fundo, não é mais do que uma forma de reinventar a oposição entre os políticos de Santiago e os de S. Vicente. Esse extracto de um texto de Onésimo evidencia a estratégia do político que se coloca a si e a sua região numa posição de marginalização para maximizar o efeito de defesa da sua região.

“Em noite de tocatina, apareceu na Ofélia (bar da Ofélia, na Avenida da Holanda em Chã de Monte Sossego, nos tempos agitados da independência) um jovem ministro da cultura que se encontrava de visita à ilha. Manuel de Novas, militante do PAIGC, reconheceu-o logo e, em gesto de morabeza muito mindelense, anunciou que iria dedicar uma morna ao Camarada Ministro da Cultura. Deu o tom aos companheiros e arrancou: “esse ê qu’ê Mindelo coração de Cabo Verde…” Foi a flecha que ele, inadvertidamente, atirou ao coração do fundamentalista. Sem hesitar, o Camarada Ministro ordenou que acabassem imediatamente com aquela música, “porque Mindelo não é nenhum coração de Cabo Verde”. Quando Manuel de Novas nos contou esse caso, em Cascais/Portugal, onde se encontrava em tratamento, já tínhamos tido notícias desse ataque brutal de um fundamentalista contra a morna e contra Mindelo ao mesmo tempo” (Onésimo, 2012).

Mais ainda do que Onésimo, Silvino Lima (2010) faz a genealogia das famílias de Santo Antão, traçando uma linhagem de uma série de famílias desta ilha, nomeadamente Lima, Fonseca, Wahnon e reconhece que essas famílias brancas originárias dos países europeus pertencem aos seus ascentrais e no fundo deixa subentendido a ideia de que se os badius (oriundos da ilha de Santiago) quiserem resgatar a sua identidade fula,

283 mandjacu, enfim, africana, também podem fazê-lo, porém, reconhecendo a inferioridade dessa ancestralidade.

Neste contexto, Lima surge como um indivíduo que resgata a tradição de grandes famílias de Santo Antão. Para além de Lima, importa ressaltar a posição de Américo Silva, um político importante desta ilha, que, num texto publicado no jornal , procura enfatizar o resgate europeu da ascentralidade das famílias “nobres” de Santo Antão. No fundo, este resgate é importante enquanto tentativa de consagração da elite desta ilha que possui uma linhagem da qual há memória, o que a enobrece, segundo este político local, ao contrário da linhagem popular que muitas vezes se encontra desprovida de memória.

“Ao desvendar as origens das pessoas e famílias por intermédio do levantamento sistemático de seus antepassados, locais onde nasceram e viveram e seus relacionamentos interfamiliares localiza a origem na Europa, concretamente de linhagens portuguesas de Lima e Melo e porventura, também, espanhola, de Gomes da Fonseca! As linhagens dos antepassados africanos, essas, não foi possível localiza-las, o que prova que em Cabo Verde, não existe uma memória da escravatura, como tão bem nos elucida Humberto Cardoso no ensaio intitulado "O erro de Carreira"! Perderam-se nos longínquos séculos e nos horizontes temporais antiquíssimos as nossas linhagens da Costa Ocidental de África! Quem sabe no futuro com o avanço das ciências e da novas tecnologias seja possível através do DNA identificar as nossas linhagens africanas” (Silva, 2012).

Essa é uma posição recorrente entre os eleitos políticos locais de Santo Antão que, ao incorporar uma identidade local, acabam por explicitar uma dimensão racialista subjacente ao discurso regionalista.

Esse fundo racialista quem o defende é quem faz a defesa da região e não do centro porque estrategicamente busca apresentar-se como representantes de uma região marginalizada. No fundo, o que procura resgatar é uma identidade branca, é a centralidade perdida, aproximando-se do que Bourdieu afirma: “O poder sobre o grupo que se trata de trazer a existência enquanto grupo é, a um tempo, um poder de fazer o grupo impondo-lhe princípios de visão e de divisão comuns”. (Bourdieu, 1989: 117)

No caso cabo-verdiano, trata-se de verificar como uma identidade de ilhas do norte, do barlavento, é construída por indivíduos que se projectam enquanto intelectuais,

284 enquanto políticos fazendo crer que existe em Cabo Verde uma região que é o norte, portanto, contribuem para a sua realização enquanto região. Quando produzem essa divisão, produzem simultaneamente princípios de visão da forma como Cabo Verde deve ser visto, bem como de sua divisão.

Bourdieu afirma ainda que “o que está em jogo, nas lutas pela identidade é esse ser percebido que existe fundamentalmente pelo reconhecimento dos outros” (Bourdieu, 1989: 117). No contexto cabo-verdiano, o que está em jogo é fazer reconhecer que o norte do arquipélago é uma região, mas o norte do arquipélago não existe como região senão na medida em que existe o conjunto de protagonistas que reivindicam essa existência. Para o fazer existir impõem um reconhecimento ao resto da população do arquipélago, impõem o reconhecimento de que é necessário descentralizar o arquipélago.

Como sugere Bourdieu,

“Logo que a questão regional ou nacional é objectivamente posta na realidade social, embora seja por uma minoria actuante (que pode tirar partido da sua própria fraqueza jogando com a estratégia propriamente simbólica da provocação e do testemunho para arrancar réplicas, simbólicas ou não, que impliquem um reconhecimento” (Bourdieu, 1989 120).

VII.1.1. Constituição do espaço de centralidade de produção de elite

Bourdieu (1989) analisa a questão da tensão existente entre as elites das regiões e as elites do centro, ou seja, da capital, em que as primeiras reivindicam a centralidade localizada na capital. Em Cabo Verde, ao examinarmos o processo de produção das elites, damos conta da ocorrência de uma inversão no sentido de que num determinado e curto período histórico (período colonial), as regiões actualmente “periféricas” foram as principais responsáveis pela produção das elites locais, no caso, as elites intelectuais (Mindelo e S. Nicolau).

Na verdade, entre as regiões periféricas sobressai a ilha de S. Vicente como lugar de formação do ensino secundário e como ponto de referência identitária da elite do norte

285 e, particularmente, de Santo Antão que disputa, historicamente, a centralidade com a cidade capital – Praia. S. Vicente é uma ilha de povoamento tardio que após várias tentativas de povoamento intenso iniciadas em 1781, as autoridades conseguiram os seus intentos nos finais do século XVIII, como afirma Silva:

“ (…) Numa pomposa cerimónia, em que participaram as principais autoridades do arquipélago, (o governador geral inclusive), são finalmente instalados, em Julho de 1797, depois de peripécias várias, os primeiros colonos” (2005: 41).

A partir do seu povoamento, a disputa pela centralidade configura-se num acto constante como iremos ver, seja em termos políticos e administrativos, seja em termos económicos, seja ainda em termos culturais.

No que diz respeito à disputa pelo centro político e administrativo, nota-se que a vila da Praia ascendeu à categoria da cidade em 1858, data da sua elevação ao estatuto da cidade e capital de Cabo Verde, concentrando as funções de centro político, económico e religioso. Entretanto, a disputa pela centralidade política envolveu em momentos históricos diferentes diversas ilhas, nomeadamente a Brava, a Boa Vista, S. Nicolau e apenas recentemente, do ponto de vista histórico, S. Vicente. A disputa entre Praia e S. Vicente inicia-se antes da elevação da Praia à categoria da cidade como demonstra Silva,

“é com Pusich [governador de Cabo Verde] que surge pela primeira vez a proposta da mudança de capital do arquipélago para S. Vicente, a mais modesta comunidade insular do arquipélago. A proposta tem algo de extemporâneo, já que a vila da Praia, então capital, se encontra prestes a obter a categoria de cidade por que, há muito, a sua câmara se vinha batendo”. (Silva, 2005: 56)

Essa proposta de transferência da capital da Praia para outros sítios e, particularmente para S. Vicente, vai-se repetindo ao longo da história de Cabo Verde. Para além de Pusich, outro governador que impulsionou esta ideia foi Pereira Marinho. Assinala Silva que

“A 31 de Maio de 1837, o governador recebe do Secretário de Estado da Marinha e Ultramar a autorização para proceder às diligências de modo a transferir, num prazo breve, a capital da Província da vila da Praia, em Santiago, para a ilha de S. Vicente (…) A 11 de Junho de 1838, a Coroa aprova um decreto, a ela submetido pela Secretaria de

286

Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, determinando a transferência das principais autoridades do Governo-geral de Cabo Verde para a ilha de S. Vicente”. (2005: 64-72)

Essas tentativas de transferência da capital de Praia para S. Vicente não tiveram o efeito desejado, ou seja, não se consumaram devido a factores de diversa ordem sobre os quais não pretendemos, por fugirem do âmbito do objecto do presente estudo, tecer quaisquer comentários. Contudo, a procura de mudança de centralidade também se desenvolve no plano económico, com contornos diferentes dos experimentados ao nível político, pois, em alguns momentos, a ilha de S. Vicente assumiu efectivamente a liderança do país do ponto de vista da sua performance económica. É que o governador Pereira Marinho desloca o paradigma do desenvolvimento económico das ilhas baseado na agricultura para uma aposta na posição estratégica do arquipélago, onde o Porto Grande aparece como o seu principal activo.

“Com Perreira Marinho, projecta-se para S. Vicente a construção de um espaço comercial, internacionalmente aberto às correntes de tráfego transatlântico, objecto de novos e avultados investimentos tecnológicos e institucionais, até então desconhecidos no arquipélago”. (Silva, 2005: 74-75)

Essa aposta, num determinado momento, mostrou-se acertada como nos relata Silva:

“(…) em 1857, o Porto Grande é sem dúvida o maior porto carvoeiro no médio atlântico. Nenhum outro coaling station da Macaronésia se lhe compara, quer em volume de tráfego quer em importância estratégica para as rotas que ligam a Europa e o Atlântico Sul (…) S. Vicente torna-se um ponto estrategicamente incontornável em matéria de transporte e comunicações atlânticas. O vapor e a telegrafia por cabo submarino são dois apports tecnológicos que vão promover o Porto Grande, arrancando-o da sua sorte obscura e marginal, para o colocar no centro do turbilhão dos fluxos da economia internacional” (2005: 104).

Nos momentos auges do desenvolvimento do Porto Grande, S. Vicente acabou por se constituir no principal espaço económico de Cabo Verde e, com a queda da economia ligada ao Porto, perde novamente a sua centralidade económica a favor de Santiago. Do ponto de vista cultural, Mindelo assume por muito tempo durante o século XX a centralidade em detrimento da Praia. Neste caso, podemos afirmar que é a região que teve a oportunidade de ganhar a centralidade de ponto de vista da produção de elite

287 devido ao seu processo de escolarização, ou seja, a criação das primeiras escolas que permitiram o acesso aos níveis de ensino secundário surgiram fora da ilha de Santiago, a maior e a mais populosa do país. Primeiro, na ilha Brava, depois em S. Nicolau, com a criação do seminário-liceu nos finais do século XIX e, posteriormente, em S. Vicente em 1917 com a implantação do primeiro liceu em Cabo Verde denominado Liceu Gil Eanes por onde passaram vários dos protagonistas do movimento claridoso – revista literária que teve a participação intensa da elite intelectual da época.

O ensino secundário só entra em funcionamento, de facto, na segunda metade do século XIX. Pelo decreto de 23 de Novembro de 1847, instalou-se a Escola Principal de Cabo Verde na menor ilha povoada, mas de concentração de influentes famílias brancas: a ilha Brava (Anjos, 2002: 49).

A cidade capital do país seria beneficiada por um liceu somente em 1860,

“dois anos após ter sido elevado a cidade, a Praia de Santa Maria inaugura um estabelecimento de ensino secundário, criado pela Circular 313-A, de 15/12/1860. Teve lugar nos Paços do Concelho, “a abertura em nome d`El-Rei, o Senhor D. Pedro V, do Liceu Nacional desta Cidade e Província” (Carvalho, 2011: 145).

Contudo, este funcionou por um curto período de pouco mais de um ano e viria a ser cancelado. Segundo Carvalho, “o liceu entrou em crise, à nascença, por alegadas dificuldades financeiras que provocaram a demissão de professores, nomeadamente os de Francês e de Inglês (Portaria, de 4/12/1861) e de Latim (Portaria, de 24/7/1863) (Carvalho, 2011: 146).

Alguns anos mais tarde, mais concretamente, em 1866, surge o liceu de S. Nicolau, provavelmente o maior investimento do ensino feito até então em Cabo Verde. Segundo Anjos (2012), são os mesmos docentes que possuíam um currículo ambicioso para a época e que tiveram de se demitir do liceu da Praia um ano após o início do seu funcionamento, por falta de pagamento das gratificações e ordenados é que reaparecem nos arquivos, a desempenhar as funções do seu cargo no Seminário-Liceu estabelecido na ilha de S. Nicolau (2012: 6).

288

O seminário foi instalado na vila da Ribeira Brava, na ilha de S. Nicolau, sede da diocese de Cabo Verde e capital da comarca de Barlavento, “facto que levava a que nele residissem [além do bispo], o juiz e todos os funcionários judiciais, o que favorecia o desenvolvimento de uma vida cultural” (Carvalho apud Oliveira, 1998, p. 77).

Esta opinião é também corroborada por Anjos que afirma que

“o extinto Seminário-Liceu de S. Nicolau foi a principal instituição de formação de uma geração de poetas nomeada de romântico-clássica, considerados dos mais consagrados poetas da literatura cabo-verdiana do primeiro terço do século: José Lopes (de S. Nicolau), Pedro Cardoso (da ilha do Fogo), Januário Leite (de Santo Antão) e Eugénio Tavares (da Brava). (2002: 51)

O seminário funcionou por mais de cinquenta anos na ilha de S. Nicolau e viria a ser extinto em 1917 por força da Lei número 701, de 13/7/1917 (cf. Carvalho, 2011: 154), e com ele a hegemonia sociocultural da ilha. Viria a ser substituído pelo Liceu Infante D. Henrique em S. Vicente no mesmo ano e, em 1937, daria lugar ao Liceu Gil Eanes no momento em que esta ilha e o seu Porto se encontravam em crescimento atingindo o porte da maior cidade de Cabo Verde. A mudança do Liceu de S. Nicolau para S. Vicente carregou consigo a mudança da centralidade intelectual crioula de uma ilha para a outra. Como afirma Ramos,

“Graças ao Liceu, São Vicente transformou-se no centro da intelectualidade do arquipélago. Às aulas juntavam-se tertúlias, competições desportivas, bailes, passeios, teatro, a par de uma entusiástica actividade literária traduzida em folhas de imprensa que circulavam dentro e fora da escola. Todo este fervor intelectual impulsionou a fundação, em 1936, da revista por parte de Baltazar Lopes da Silva, Jorge Barbosa e Manuel Lopes, todos com ligações ao Liceu”. (p.15)

Entre 1917 e 1960, o Liceu Gil Eanes, em S. Vicente, foi praticamente a única escola liceal de Cabo Verde por onde passou a maioria da elite instruída do país, herdando o carácter exclusivo que antes pertencia ao seminário-liceu de S. Nicolau, mas com a particularidade de ser uma escola laica. Ali tomou corpo a revista 'Claridade', nasceu a revista '', como também ali nasceram várias gerações de poetas. Dizíamos

289 praticamente a única porque surgiu na Praia no mês de Outubro de 1932, o Colégio- Liceu Serpa Pinto que, segundo Carvalho, “representa o primeiro projecto estruturado de superação do atraso educativo na capital (2011: 189).

Mais tarde, em 1955, o aumento da demanda de alunos no estabelecimento de ensino não oficial na Praia, levou à criação de uma Secção do Liceu Gil Eanes na cidade da Praia que, ainda de acordo com Carvalho, veio dar “satisfação a uma aspiração de parte da população de Sotavento, que desejava ver instalado na capital da Província um serviço oficial de instrução secundária oficial. (2011: 198)

Este foi o primeiro passo rumo à criação de um liceu na Praia que aconteceria cem anos após a inauguração do primeiro liceu nesta cidade.

“Atendendo a que a frequência da Secção do Liceu Gil Eanes, na Praia ascendeu a cerca de 400 alunos, “passa a funcionar como liceu, a partir do ano lectivo de 1960-1961 (Decreto 43.158, de 8/9/1960). Com o título “Mais um liceu em Cabo Verde”, o Cabo Verde Boletim anunciou a promoção da Secção do Liceu Gil Eanes na Praia a Liceu Nacional. (Carvalho, 2011: 202) A criação de um liceu, na cidade da Praia, respondia aos anseios da sociedade que julgava não ser

“justo nem tão pouco equitativo que na mesma colónia, uma parte da população tenha regalia de poder prolongar os seus estudos, conquistando o mínimo de habilitações literárias exigido por lei para o ingresso nos quadros do funcionalismo público, enquanto que a outra, por absoluta impossibilidade de se deslocar para S. Vicente, se veja para sempre forçado a permanecer fora deles”. Estas considerações integram um documento assinado por pais e cidadãos da capital (Petição, de 13/4/1933): (Carvalho, 2011: 191)

A disputa pelas instituições de ensino, bem como a importância desses centros de ensino, está relacionada com o surgimento da elite intelectual e o papel por este assumido enquanto mediador nas relações entre os naturais da terra e o poder colonial (Anjos: 2002, Fernandes: 2002).

Segundo Fernandes (2002), as condições para o surgimento dessa elite e o desempenho do seu papel de mediador parecem ter sido lançados a partir da criação do seminário- liceu de S. Nicolau, em 1869, que, ministrando formação nos moldes da tradição

290 cultural lusitana e clássica, possibilitou aos filhos da terra o acesso aos códigos simbólicos ocidentais necessários à criação do mínimo compartilhado. A partir desse acesso, o reconhecimento paterno, que até então funcionara como principal recurso de mobilidade e ascensão social, é transcendido e substituído pela cultura, cuja posse permitiu à elite letrada proceder à reinterpretação e negociação do seu papel e status no processo de colonização, fazendo com que se convertesse em presunção a sua almejada equiparação estatutária ao metropolitano (Fernandes, 2002: 14).

Em Santiago, pelo contrário, devido provavelmente, por um lado, à ausência de uma elite intelectual e, por outro, ao peso da elite económica, o processo de mediação é feito num determinado momento pela elite económica representada pelos grandes proprietários de terra, como afirma Anjos,

“Até meados do século XIX, entre os grandes proprietários da ilha de Santiago e as autoridades coloniais, estabeleciam-se relações complexas de clientelismo e conflitos de autoridade. A ausência de representantes do poder público em vastas regiões do interior das ilhas, sobretudo de Santiago, fazia dos morgados a única autoridade até grande parte do século XIX (2002: 43-44).

Enquanto nas ilhas do norte – S. Nicolau e S. Vicente, particularmente - essa mediação era assegurada pela elite intelectual, na ilha de Santiago, esse papel era exercido pelos morgados. Entretanto, com a decadência dos morgados, foram, lentamente, substituídos por famílias de camponeses com membros “emigrantes”. Essas famílias, regra geral, possuíam um nível escolar baixo. Nas demais ilhas, a substituição da elite branca por um grupo de comerciantes, proprietários, emigrantes e, sobretudo, profissionais liberais (não necessariamente brancos) levou a uma nova forma de mediação: a mediação cultural. (Anjos, 2002: 55). Essa mediação cultural é realizada pela elite intelectual que, segundo Anjos, estava mais bem posicionada para assumir o papel de mediador (2002: 48).

As razões da emergência dessa elite intelectual nas ilhas do barlavento em detrimento da de Santiago devem-se a uma multiplicidade de factores, entre as quais não se pode descurar, por um lado, a implantação dos liceus primeiramente nas ilhas do norte aproveitada pela classe dos comerciantes que tiveram maiores oportunidades para investir na formação escolar dos seus filhos e, por outro, devido às redes patronais de

291 mediação em que a população de Santiago esteve enquadrada por mais tempo, obstaculizando o desenvolvimento da mediação cultural (Anjos, 2002: 55).

Em função disso, os espaços de intermediação antes ocupados pelas famílias dos morgados vieram a ser ocupados pelos “brancos de terra” escolarizados em S. Nicolau e depois em S. Vicente (Anjos, 2012: 5)

Nesse sentido, as ilhas do norte e, particularmente, S. Vicente, onde a existência do Liceu potencializou a emergência dos intelectuais e com ela os intermediários na relação entre os colonizadores e a população local, Praia, enquanto capital política, viu- se privado desse papel, pois, o ensino liceal viria a ser implementado de forma definitiva a partir de 1960 com a construção do Liceu Adriano Moreira. Para Anjos,

“à ilha de Santiago, o liceu apenas chega quando as velhas famílias morgadias que basearam sua dominação na grande propriedade agrícola, insuficientemente brancas e suficientemente debilitadas, haviam cedido espaços, na disputa pelo controle dos cargos administrativos da intermediação colonialista, para metropolitanos e “brancos da terra” escolarizados em São Nicolau e depois em São Vicente” (Anjos, 2002: 5).

VII.1.2. Inversão do espaço de centralidade

Num primeiro momento, procurámos demonstrar a existência da partilha de centralidade entre Praia, a capital do país, e S. Vicente, que se constituiu enquanto “capital cultural” de Cabo Verde durante o período colonial devido a toda uma produção cultural que emergiu com a criação do Liceu Gil Eanes, beneficiando com o facto de ser o único após a criação do Liceu seminário de S. Nicolau, e de ter contribuído com grande parte dos intelectuais que serviram de intermediários na administração entre os locais e os colonizadores. Registámos também o facto de a sua economia, impulsionada pelo desenvolvimento do Porto Grande, ter atingido momentos auges em comparação com a de Santiago. Deste modo, podemos afirmar que se configurou uma situação de bipolarização, pois, nota-se uma divisão da centralidade entre S. Vicente e a capital política e administrativa do país que estava sedeada na Praia.

292

A elite de S. Vicente reclama algum feito por Mindelo ter sido, por algum tempo, capital cultural de Cabo Verde. Na verdade, o liceu criou toda uma efervescência cultural em S. Vicente que permitiu a produção de uma elite intelectual durante um certo período colonial e cujas influências ainda se notaram no período pós- independência. Então, de certa forma, do ponto de vista cultural, constituiu-se efectivamente num centro e a Praia numa periferia. No campo económico, Praia constitui-se enquanto centro na maior parte do tempo e Mindelo numa periferia.

Nesta parte, procurámos demonstrar que, no período pós-independência, a partir de 1975, e com maior incidência a partir dos anos 90, assistimos à ocorrência de uma inversão do espaço de centralidade, ou seja, S. Vicente vem-se tornando num espaço periférico sabido que, para além da perda da centralidade económica que gozou em algum momento, deixou de ser uma referência enquanto espaço de centralidade cultural a favor da capital do país, que passa a constituir-se num espaço de centralidade em todos os sentidos. Praia acumula não somente a centralidade política/administrativa e económica, mas também a cultural que historicamente não teve antes. Uma mudança do espaço de centralidade cultural que passa de S. Vicente para Praia e que tem provocado uma exacerbação de estratégias e de discursos regionalistas da parte das elites políticas e intelectuais do norte que antes estavam concentradas na ilha de S. Vicente.

Referimos que um dos suportes da centralidade cultural de S. Vicente estavam relacionados com a existência de um único liceu em Cabo Verde nesta ilha até 1960, data em que foi inaugurado o da Praia. Nos primeiros anos pós-independência, os quadros dirigentes do partido no poder, o Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC/CV), assim como a maioria dos dirigentes ao nível administrativo, eram compostos, quase exclusivamente, por indivíduos oriundos das ilhas do norte devido ao facto de grande parte dos quadros do país, até então, se terem estudado no liceu de S. Vicente que beneficiou não só esta ilha, mas também as duas mais próximas, a saber Santo Antão e S. Nicolau. Com a independência, dez anos depois, surge o primeiro liceu fora do eixo Praia/S. Vicente, em 1985, no concelho de Santa Catarina beneficiando praticamente todos os alunos do interior de Santiago. Com a criação deste liceu aumentaram consideravelmente a oferta e a oportunidade da frequência dos estabelecimentos do ensino secundário aos indivíduos residentes no

293 interior de Santiago. Antes da abertura democrática seriam inaugurados mais dois liceus em Cabo Verde, um na ilha do Sal, em 1988 e outro na cidade de S. Filipe, na ilha do Fogo, em 1989. A partir de 1990, a criação dos liceus foi-se disseminando para todas as ilhas do país e actualmente existem liceus em todos os concelhos. Segundo Reis,

“encontra-se em Cabo Verde 33 Escolas Secundárias oficiais (das quais 4 oferecem cursos de Ensino Técnico) e 22 Escolas Secundárias privadas”. (2009: 6)

Se, por um lado, os estabelecimentos de ensino secundário já são uma realidade em todos os concelhos do país, por outro, os do ensino superior, que surgem a partir do ano 2000, concentram-se ainda praticamente nos centros urbanos da Praia (5), do Mindelo (5) e Assomada (1), registando-se uma oferta ligeiramente superior na ilha de Santiago, em função de uma maior demanda nesta ilha.

Aliás, o crescimento das escolas secundárias e a oportunidade de frequência dos cursos de formação superior no exterior143 contribuíram consideravelmente para o aumento do número de quadros superiores, especialmente em Santiago, ilha que dispõe de quase a metade dos estabelecimentos de ensino secundário oficiais do país. Em função disso e do crescimento da oferta dos estabelecimentos do ensino superior no país e da maior oferta de emprego na Praia, é mister que nesta se concentre o maior número de quadros superiores do país, mudando com isso o espaço da centralidade cultural do país.

Procurámos também resgatar, numa primeira parte, um pouco o discurso regionalista dos actores políticos de S. Vicente e, numa segunda, a discussão irá incidir essencialmente sobre a identidade dos eleitos políticos de Santo Antão que levantámos a hipótese de ser local, ao contrário da dos eleitos políticos locais de Santiago e da Praia que entendemos afigurar-se mais como sendo portadores de uma identidade nacional. Consideramos que, em certa medida, a elite política local de Santo Antão acaba por se rever na de S. Vicente, devido a razões de diversas ordens, entre as quais se destacam o sentimento comum contra a centralidade da Praia, a proximidade seja geográfica seja

143 Devido a não existência de estabelecimentos de ensino superior no país e a necessidade de formação de quadros os sucessivos governos no período pós-independência apostaram fortemente na formação de quadros nas universidades de vários países, desde os do extinto bloco de leste, da europa ocidental, sobretudo em Portugal, do Brasil, Estados Unidos e alguns países africanos, embora em menor proporção.

294 histórica. Essa proximidade vem-se construindo desde o período anterior ao povoamento intenso de S. Vicente em que esta ilha servia de campo de pastagem para o gado de algumas famílias de Santo Antão e S. Nicolau (Silva, 2005: 23) e veio consolidar-se com o desenvolvimento do Porto Grande e, mais tarde, com o surgimento do liceu de S. Vicente que levou que as famílias, geralmente as mais abastadas, enviassem os filhos para estudar nesta ilha, o que contribuiu para a criação de uma rede de relações muito forte entre as elites das duas ilhas em contraposição à de Santiago, da Praia.

Esta inversão da centralidade provocou uma exacerbação de estratégias de alocação de recursos de reivindicação regionalista. Aparece de uma forma bastante explícita em várias situações, uma das quais é um texto de Onésimo Silveira,144 publicado no jornal A Semana, em que, dirigindo-se à “República de Santiago”, contesta a oficialização do crioulo e diz que a variante de Santiago, em sua opinião, estaria a ser forçosamente oficializada:

“o recente discurso do Primeiro-Ministro na Assembleia Geral das Nações Unidas, vazado em “Krioulo de Santiago”, deixou eufóricos os fundamentalistas, que o louvaram com hossanas. A intervenção do primeiro- Ministro, com carácter mais político do que linguístico, cauciona o crioulo da maioria para-africana e relega para espaços periféricos outros crioulos, com destaque para o de S. Vicente” (Silveira, 2012).

Bourdieu (1989) desenvolve uma análise do discurso regionalista em relação a “Occitania” como baseado na língua e aponta para a existência de dois tipos de estratégias da elite. Por um lado, para ocuparem as posições chaves, as elites das regiões periféricas têm que se deslocar para a capital e, por outro, ao ocuparem esses postos na capital, utilizam-nos para a canalização de recursos para as suas regiões de origem. Essa estratégia leva-os a exacerbar o discurso regionalista. Um discurso regionalista que os eleitos políticos locais da Praia de uma forma geral não utilizam provavelmente porque faz parte da sua estratégia assumir uma posição mais cosmopolita, mais da defesa do conjunto do país. Essa postura do compromisso com a defesa do nacional em

144 Onésimo Silveira foi o primeiro Presidente de Câmara Municipal eleito em S. Vicente em 1991 numa lista independente denominado Movimento para o Renascimento de S. Vicente (MPRSV).

295 detrimento do local é corroborada por um dos eleitos políticos locais da Praia que já foi eleito deputado da nação durante três mandatos.

“Praia é um círculo específico. Enquanto em relação aos outros círculos vê-se uma maior ligação dos deputados aos seus círculos, o caso da Praia pelo facto de ser a capital, dilui um bocado essa representação, e sentimos isso. Há mais tendência para os deputados da Praia terem uma representação nacional do que o círculo em si, noto isso nas intervenções e nas acções que são feitas a nível do Parlamento. O facto de ser capital, às vezes tem essa desvantagem de ter que representar o todo da nação. Ao longo dos anos em que estive no Parlamento, vi poucas iniciativas viradas para a Praia em concreto, isso tirando o período de antes da ordem do dia em que se fala alguma coisa relativa ao círculo. Há quase que uma identificação por parte de quem vive na Praia com o resto do país. Tem aqui a administração, o governo, por isso partilha uma responsabilidade mais a nível nacional do que local. (…) Aqui na Praia, mesmo na composição da lista a preocupação é mais de âmbito nacional do que local. A começar pelo cabeça de lista que normalmente é o líder do partido. Pode ser uma pessoa originária, ou que em outros momentos viveu ou defendeu um círculo eleitoral diferente, mas quando chega ao cargo de presidente do partido em que representa o nacional, ele é colocado na lista da Praia” (entrevista a US – eleito pela Praia).

Há um outro aspecto na questão da disputa regionalista que merece alguma atenção e que diz respeito ao funcionamento das redes de relações. Referimo-nos às redes de relações de clientelismo que se manifestam através de tentativas de monopolização e de ocupação de postos por parte das elites políticas locais no seio do aparelho do Estado, seja na administração pública, seja nos institutos públicos e nas empresas estatais.

Durante o período do regime do partido único, assiste-se a uma relativa monopolização das estruturas do Estado por parte das elites políticas oriundas das ilhas de barlavento, particularmente de S. Vicente, Santo Antão e de S. Nicolau, pelo facto de a maioria dos dirigentes do partido no poder, o PAIGC/CV, ser originária dessas ilhas e, proporcionalmente, representavam o maior número de indivíduos com formação superior e com experiência técnica e profissional, pois, vários entre eles já tinham ocupado cargos intermédios na administração durante o período colonial145. Com a

145 Para informações mais detalhadas sobre as elites administrativas, Cf. Crisanto Barros. Génese e formação das elites político-administrativas cabo-verdiana. Tese de doutoramento, UCL/UNICV, 2012.

296 monopolização da estrutura administrativa estatal, nota-se uma considerável canalização de recursos para as ilhas do norte, particularmente para S. Vicente, que se traduziu num maior investimento em termos de infra-estruturas de saneamento, portuárias, industriais, comparativamente à ilha de Santiago. Relativamente a Santo Antão, dos recursos investidos nesta ilha, uma parte significativa foi captada, sobretudo, através da cooperação internacional após a abertura democrática em 1991. Entretanto, hoje cada vez mais devido a uma maior transparência que o processo democrático impõe, a transferência de recursos depende em parte do equilíbrio de relações de forças entre as elites políticas locais que se reestruturaram, gerando uma maior oferta destinada à ilha de Santiago, a maior e a mais populosa do país, e com um grande défice principalmente em termos de infra-estruturas básicas.

Deste modo, a rede de relações das elites políticas do norte provavelmente não se manifesta tanto na forma de levar recursos para a ilha de origem, ainda que continuem a funcionar importantes lobbies. Neste sentido, como podemos atestar no discurso deste entrevistado, que já desempenhou o cargo de Secretário de Estado:

“Há sempre pressão, lobbies de várias ordens, mas a minha postura tem sido sempre, nos cargos nacionais de defender o equilíbrio nacional nas intervenções, defendi e defendo que os investimentos devem ser feitos por ordem de prioridade e através de um instrumento orientador. Não se pode ficar aqui a sabor das boas vontades, nem em função das pressões e dos lobbies. Tem havido lobbies, mas tenho pautado a minha actuação de forma mais transparente, mais equilibrada. (…) Em termos teóricos sim, todos defendem a teoria do nacional, mas há sempre lobbies, mesmo tentação de pertença de uma zona, de um bairro, de um município de tentar criar alguns benefícios a essas zonas”. (entrevista a VC – eleito pela Praia)

O que se nota com frequência na conversa com os entrevistados é a percepção de que o lobby é tomado como algo ligado à natureza humana. Associam-no a um processo histórico para o justificar. Num outro extracto, o nosso entrevistado afirma que:

Há essa tentação natural humana, mas acredito que os deputados e os membros do governo[oriundos]de Santiago são menos defensores, cedem menos às pressões e lobbies da ilha, do regionalismo. Das outras ilhas, acho que têm mais tendência para responder a algum lobbie local. (…) De Santiago menos, pode ser também por causa disso porque a direcção máxima dos partidos é ocupada pelas pessoas oriundas de Santiago, os presidentes dos partidos quase todos são de Santiago e a nossa curta história dos partidos políticos indica que

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quase todos os presidentes dos partidos, a grande maioria são de Santiago. Possivelmente isso sim, parece uma obrigação, a perspectiva até de ascensão dos outros membros dos órgãos colegiais ou da direcção do partido, uns têm tendência ou apetite para serem amanhã presidente, têm sempre essa obrigação de ter uma postura mais nacional do que local” (entrevista a VC – eleito pela Praia).

Como dizíamos, essa rede de relações favorece a elaboração, de uma forma mais enfática, de um discurso regionalista que tenda, de certo modo, a ser extremamente tenso, porque pensado, articulado e produzido para pleitear recursos para as ilhas de origem de quem o constrói. Isso leva que essa elite do norte reforce uma estratégia de criação de um entorno de relações baseadas em alianças e afinidades regionais no momento em que ocupa posições-chave na administração do Estado.

Aliás, a tentativa de monopolização e de ocupação de postos constitui uma estratégia importante tendo em vista, por um lado, a influenciação da distribuição dos recursos e, por outro, a imposição da sua visão de identidade.

A análise de Bourdieu (1989), já referenciada, é interessante porque ela procura mostrar que é essa busca de imposição de uma identidade por parte da elite regional é parte do processo da construção da própria região, quando afirma que:

“o poder sobre o grupo que se trata de trazer à existência enquanto grupo é, a um tempo, um poder de fazer o grupo impondo-lhe princípios de visão e de divisão comuns, portanto, uma visão única da sua identidade, e uma visão idêntica da sua unidade. O facto de estar em jogo, nas lutas pela identidade – esse ser percebido que existe fundamentalmente pelo reconhecimento dos outros -, a imposição de percepções e de categorias de percepção explica o lugar determinante que, como a estratégia do manifesto nos movimentos artísticos, a dialética da manifestação detém em todos os movimentos regionalistas ou nacionais” (1989: 117)

É esta postura que verificamos em relação à elite política local do norte, ou seja, os seus constituintes trabalham no sentido de impor um tipo de sentimento identitário a uma massa da população que não necessariamente tem os seus interesses vinculados aos da elite mas, fazem-na se os perceber de forma regionalista. Em Santo Antão, por exemplo, observa-se que a massa da população pouco ou nada beneficia com esse discurso

298 regionalista, contrariamente à elite política, que tende a “monopolizar” seja os recursos que chegam à ilha, seja as redes de relação de parentesco e de afinidades que transportam consigo quando se estabelecem na capital do país.

Neste âmbito, o discurso regionalista passa a ser um discurso mais do que uma estratégia. Bourdieu (1989) desenvolve toda uma discussão sobre como a região é construída enquanto ilusão bem fundamentada, assim como a religião, a família, a nação, etc. O autor considera que existe um esforço da parte da elite no sentido de passar a ideia de que a sua concepção da região é aquela que deve ser levada em consideração pela população que a habita. Assim, aparecem todo o jogo de representação e a possibilidade de definição da região etc.

“Quando os dominados nas relações de força simbólicas entram na luta em estado isolado, como é o caso nas interacções da vida quotidiana, não têm outra escolha a não ser a da aceitação (resignada ou provocante, submissa ou revoltada) da definição dominante da sua identidade ou da busca da sua assimilação a qual supõe um trabalho que faça desaparecer todos os sinais destinados a lembrar o estigma (no estilo de vida, no vestuário, na pronúncia, etc.) e que tenha em vista propor, por meio de estratégias de dissimulação ou de embuste, a imagem de si o menos afastada possível da identidade legítima” (Bourdieu, 1989: 124).

No caso em concreto, não estamos perante uma situação tipo ideal em que um grupo dominante que sempre esteve no centro é contestado por uma força regionalista periférica. Aqui, contrariamente, a situação indica a existência de um grupo que já esteve no centro e perdeu a sua centralidade. Na verdade, está-se perante um processo de perda de uma hegemonia regional que normalmente conduziria a elite política regional do norte a pensar não em termos regionais, mas sim nacionais, no quadro de uma estratégia que lhe permitiria criar entourages, mais concretamente, uma rede de sustentação de relações no poder,

“a revolução simbólica contra a dominação simbólica e os efeitos de intimidação que ela exerce tem em jogo não, como se diz, a conquista ou a reconquista de uma identidade, mas a reapropriação colectiva deste poder sobre os princípios de construção e de avaliação da sua própria identidade de que o dominado abdica em proveito do dominante enquanto aceita ser negado ou negar-se ( e negar os que, entre os seus, não querem ou não podem negar- se) para se fazer reconhecer” (Bourdieu, 1989: 125).

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É isso que está basicamente em jogo, uma disputa pela definição colectiva da identidade. Nesta senda, afigura-se inconsistente a “divisão” do país entre o norte e o sul. Entretanto, a elite política do norte precisa de promover essa divisão em função das suas estratégias de luta pela apropriação do Estado, dos bens colectivos do Estado. E é interessante notar que não estamos perante uma situação de estigma dos indivíduos da região como é tratada por Bourdieu porque aqui, ao contrário, o estigma se exerce contra o outro que está no centro, “o badiu”, e é este que é estigmatizado. Então, de certa forma, temos uma situação completamente diferente em que não se teve a necessidade de, por exemplo, reivindicar o black is beautiful dos norte-americanos. Aqui em Cabo Verde, em função dos efeitos demográficos e de uma maior democratização do acesso ao ensino superior, os estigmatizados de outrora tendem cada vez mais a ocupar um maior número de posições-chave no aparelho do Estado, que outrora foram ocupadas quase exclusivamente pela elite do norte. Esse processo de reconversão gera ressentimentos e uma exacerbação da estratégia regionalista por parte das elites políticas locais do norte sob o efeito de perda do poder de estigmatizar o outro.

Essa luta, no sentido de manter a centralidade e o poder dominante por parte da elite do norte, transporta consigo uma ideia de reivindicação de um reconhecimento cultural, de uma certa superioridade cultural que procura no Estado a garantia de que são culturalmente dominantes. Está em jogo a luta de poder de divisão, ou seja, como as elites disputam o poder não apenas de dividir o país, mas de impor as suas visões. Essa visão está implícita no discurso de Onésimo Silveira:

“A defesa da identidade regional, que implica necessariamente a autonomia política e administrativa como corolários de uma situação geográfica e cultural específicas, tem sido apontada pelos fundamentalistas como “expressão de bairrismo”, uma qualificação, pobre de autenticidade e objectividade, para promover o seu proselitismo. A defesa da regionalização política e administrativa não é um acto vergonhoso como pretendem os fundamentalistas utópicos mas sim, pura e simplesmente, um acto dotado das mais fortes legitimidades – a histórica e a cultural. Devotar afeição especial e particular à sua cidade não pode ser confundido com bairrismo, como pretendem os fundamentalistas crer e aceitar” (2012).

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A proposta de regionalização feita por Onésimo Silveira tem subjacente não apenas a ideia de uma divisão administrativa, mas implica também a de um certo reconhecimento da sua centralidade, ou seja, que devem ser considerados enquanto a capital do país, pelo menos ao nível cultural. Bourdieu (1989) demonstra que o discurso regionalista é feito normalmente por aqueles em que a região está invisível e procuram o reconhecimento junto das outras e, isto pressupõe ser reconhecido em igualdade com as demais. No caso em concreto, Onésimo Silveira apresenta um discurso que aparentemente é regionalista, mas que na verdade procura o reconhecimento da sua hegemonia, enquanto acto de legitimidade histórica e cultural.

Neste processo, ao colocarmos a questão sobre como se posicionam as elites políticas locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão, se no sentido da defesa da identidade local/regional ou nacional, iremos, num primeiro momento, tratar os dados de um inquérito aplicado a uma amostra dos eleitos políticos locais dos concelhos/ilhas acima referidos e, de seguida, debruçar-nos-emos sobre os dados das entrevistas realizadas junto dos eleitos políticos locais que já exerceram cargos de dimensão nacional, ou seja, já foram eleitos deputados de nação e/ou nomeados Ministros ou Secretários de Estado.

Ao serem questionados sobre qual é que consideram como sendo os seus principais contributos enquanto políticos, se foi no sentido de desenvolver o seu círculo eleitoral ou se tiveram uma preocupação virada para o desenvolvimento nacional, os dados indicam que os eleitos políticos locais da Praia, na sua maioria (62.6%), assumem ter tido uma postura da defesa do nacional, contrariamente aos de Santo Antão que declaram, na sua maioria (78.4%), que tiveram uma preocupação maior com a defesa dos interesses dos seus círculos. Entre os de Santa Catarina, regista-se um equilíbrio maior, embora com a predominância daqueles que consideram ter dado um contributo maior para o desenvolvimento nacional (57.4%) do que aqueles que defendem o contrário (42.6%).

É interessante assinalar que se constata uma forte correlação entre o nível de instrução dos eleitos políticos locais e a percepção do seu contributo, se foi mais no sentido do desenvolvimento do seu município ou do país como um todo. À medida que aumenta o nível de instrução dos eleitos, tende a ser maior a proporção dos que assumem ter tido

301 uma maior preocupação com o desenvolvimento nacional, passando de 12% entre os indivíduos que possuem o Ensino Básico Integrado (EBI), para 86% dentre os que detêm o nível de doutoramento.

Quadro nº 38 - Eleitos Políticos Locais por domínio de estudo, segundo a percepção do seu contributo no sentido do desenvolvimento local ou nacional DOMINIO Total Santo Antão Santa Catarina Praia Count Col % Count Col % Count Col % Count Col % P29. No sentido de Considera desenvolver o seu círculo 127 78,4 23 42,6 37 37,4 187 59,4 que o seu eleitoral principal Teve uma preocupação contributo com o desenvolvimento a 35 21,6 31 57,4 62 62,6 128 40,6 enquanto nível nacional Total 162 100,0 54 100,0 99 100,0 315 100,0 Fonte: O autor

Relativamente aos espaços da plenária da Assembleia Nacional onde intervêm mais frequentemente, nota-se que uma maioria expressiva dos eleitos políticos locais de Santo Antão que exerceu o cargo de deputado da nação, ou seja, 74%, concentrou as suas intervenções no período antes da ordem do dia e nas perguntas ao governo que são dois momentos por excelência onde debatem quase exclusivamente questões de ordem local que têm a ver com os problemas que os municípios enfrentam. Por outro lado, a maioria dos deputados da nação eleitos por Praia e por Santa Catarina e que fazem parte dos eleitos políticos locais, 83% e 80%, respectivamente, afirmam que fizeram mais intervenções em outros momentos (nos debates sobre o estado da nação, da justiça, na discussão sobre o orçamento, etc.) onde se discutem os assuntos de carácter mais geral e poucos são aqueles que direccionam as suas intervenções para as questões eminentemente locais. Quadro nº 39 - Eleitos Políticos Locais por domínio de estudo, segundo o tipo de debate na plenária da Assembleia Nacional onde fazem mais intervenções DOMINIO Total Santo Antão Santa Catarina Praia Count Col % Count Col % Count Col % Count Col % P30. No No período antes da 10 43,5 1 6,7 5 16,7 16 23,5 Parlamento ordem do dia , as suas Nas perguntas ao 7 30,4 2 13,3 9 13,2 intervençõe Governo s estão Nos debates sobre o 1 4,3 1 6,7 6 20,0 8 11,8 mais Estado da Nação centradas Noutros debates/Feitura 5 21,7 11 73,3 19 63,3 35 51,5 de leis Total 23 100,0 15 100,0 30 100,0 68 100,0 Fonte: O autor

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Na verdade, em todos os círculos eleitorais depara-se com deputados com posturas mais locais e outros mais nacionais nas suas intervenções. Para os deputados de Santo Antão, de uma forma geral, e, em particular, para aqueles que já exerceram o cargo de Presidentes de Câmaras Municipais, nota-se uma tendência para uma maior preocupação com as questões locais que dizem respeito aos seus círculos, como nos relata um dos eleitos: “Tenho que confessar que gosto de ver as coisas no âmbito nacional, ver o Cabo Verde como um todo, mas sinto-me de facto como um defensor das coisas do meu círculo. É evidente que naquilo que temos que ter solidariedade, porque defender o nosso círculo, não quer dizer que não seja um deputado de âmbito nacional, porque é importante conhecermos toda a realidade do nosso país, para que possamos saber exigir e saber também onde é que os outros necessitam de determinados benefícios, por isso enquanto deputado procurei defender o meu círculo eleitoral, mas sem pôr de parte o todo nacional, as metas, as ambições e as estratégias a nível do país. Acho que são esses os requisitos que gosto de defender, independentemente de serem do meu círculo ou de âmbito nacional. A questão da liberdade, da democracia, a questão de todas as pessoas terem o mínimo para sobreviverem com dignidade, para mim são esses os três pilares que defendo para o meu círculo, e se faço isso para o meu concelho, seguramente estarei também, a dar uma grande contribuição a nível nacional” (entrevista - eleito pela Ribeira Grande).

Um dos aspectos que ressaltam das diferentes entrevistas é que os eleitos políticos locais fazem de forma diferenciada o que entendem como o processo de construção de interesse nacional. Nesse caso concreto, os entrevistados constroem o conceito da defesa do interesse nacional por via da sua particularidade, partindo do princípio de que todos o fazem da mesma maneira e que a agregação das diferentes defesas dos interesses locais acaba por se converter na identidade nacional.

Na concepção de um dos eleitos, ao defender os interesses do seu círculo eleitoral está a contribuir também para a defesa desses interesses a nível nacional. Outros eleitos políticos locais de Santo Antão demarcam-se dessa posição ao considerarem que o deputado deve ter uma preocupação com a defesa do nacional deixando de lado as questões locais. “Considero-me ser uma deputada nacional. Porque acho que com a abrangência do ponto de vista nacional, consigo também alcançar os objectivos locais, e consigo defender de uma forma muito generalizada todos os princípios

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que devem nortear a administração central, como também a administração local. Assim fica muito mais fácil a minha intervenção” (entrevista O - eleito por Paul).

Entretanto, importa diferenciar o posicionamento na defesa do sentido local e do nacional que varia segundo a proveniência dos eleitos políticos locais. Há um outro aspecto que varia que é a definição do nacional. Um dos entrevistados de Ribeira Grande, ao mesmo tempo que afirma que está a defender o local, faz uma definição do que consiste numa contribuição para o desenvolvimento nacional “quando defendo os interesses da Ribeira Grande estou a defender o interesse nacional”, enquanto um entrevistado do Paul faz uma definição da defesa do interesse nacional de uma forma diferente.

Relativamente aos deputados da nação, eleitos pelo círculo da Praia, o sentimento dominante é o da defesa da nação, ou seja, consideram-se deputados da nação e que foram eleitos por um determinado círculo, mas não se sentem vinculados a este círculo a ponto de trazerem as questões do círculo para o debate na plenária da Assembleia Nacional. “Como deputado sempre tive uma dimensão nacional. Este exercício de funções em duas ilhas diferenciadas, sempre deu-me uma projecção nacional para a política, então quando regressei à Praia em exercício de mandato como deputado, sempre tive essa perspectiva nacional, Sempre introduzi temas ligados à educação, à família, ao desenvolvimento social, à juventude e à criminalidade, portanto, um conjunto de temas que lendo as actas da Assembleia Nacional, é possível constatar essa minha perspectiva, digamos de temas que são transversais, que dizem respeito a toda a sociedade. Isto ajudou- me também a projectar como uma figura simultaneamente regional e ao mesmo tempo nacional” (entrevista F – eleito pela Praia).

A lógica do eleito político local da Praia é o inverso da demonstrada pelo entrevistado da Ribeira Grande em Santo Antão. Enquanto o eleito político local deste município explora o local e se posiciona na defesa de um interesse local como uma forma de fazer a defesa do interesse nacional, o da Praia faz a defesa de um interesse nacional para poder se projectar regionalmente. Há claramente uma inversão da lógica. Ao mesmo tempo que o entrevistado afirma que Praia é um círculo específico, a sua especificidade, de certa forma, é universal. Isso denota uma contradição nos termos porque quando se

304 afirma que algo é específico quer dizer que constitui uma particularidade. Nesse caso, o entrevistado diz que Praia é específica para mostrar que o deputado da Praia se projecta ao nível nacional.

Entre os deputados de Santa Catarina, deparamo-nos com as duas situações, embora, como já tínhamos referenciado anteriormente, com o predomínio entre os que defendem que são deputados da nação, como nos afirma um dos eleitos: “Sempre me considerei como um deputado da nação. Acho que sou eleito para ser um deputado da nação, com particulares preocupações em relação ao meu círculo eleitoral. É por isso que intervenho sobre todos os assuntos que têm interesses na Assembleia, independentemente de dizerem respeito a esse ou aquele círculo. Porque acho que é esse o papel do deputado e é isso que é o estatuto do deputado. O deputado não é do círculo, mas sim da nação eleito por um círculo eleitoral” (entrevista H – eleito pela Santa Catarina).

O nosso entrevistado resgata o estatuto do deputado para sustentar um certo distanciamento em relação aos assuntos concretos da defesa do seu círculo e sustentar o seu posicionamento da defesa do nacional. Aqui o círculo eleitoral, segundo o nosso entrevistado, aparece associado ao regional, aos interesses particulares, contraposto à ideia de legislador enquanto associado à ideia da nação, portanto, ao interesse universal. A defesa do nacional por parte deste eleito político local de Santa Catarina tem a ver com a sua própria estratégia. Certamente, ele é mais visível perante os seus eleitores não na medida em que consegue levar, particularidades, um chafariz, por exemplo, para o seu círculo, mas, porquanto aparece como um protagonista importante numa disputa importante codificada como nacional.

Efectivamente, não se trata de um eleito político local comum de Santa Catarina, pois não nos deparamos com muitos casos dos deputados deste círculo que fazem este tipo de discurso de dimensão mais universalista. Quando um deputado o faz é porque tem pretensões e tem uma trajectória de projecção a nível nacional que é diferente, que é excepcional. Na verdade, trata-se de um indivíduo que tem demonstrado a sua pretensão para ocupar o cargo de Presidente da República e já foi candidato ao cargo de Presidente da República nas eleições presidenciais de 2001 e surgiu como pré-candidato para a disputa deste cargo em 2011.

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Diversamente, encontramos um deputado que declara ter sido mais um representante do seu círculo do que da nação.

“Embora teoricamente, o deputado é um deputado da nação, fui essencialmente um deputado do meu círculo. Recordo-me que colocava sempre os problemas de Santa Catarina em fóruns dentro dos órgãos partidários. Inclusive tinha colegas muito mais bem posicionados do que eu nas estruturas partidárias, que me apelidavam de bairrista, por ser bastante insistente em exigir dos membros do governo, que resolvessem nas suas respectivas áreas, problemas do meu concelho, mas também fui um deputado nacional, no qual considero um ponto mais alto, quando eu e outros colegas tivemos um papel, no chamado caso ENACOL” (entrevista S – eleito de Santa Catarina).

Estamos perante dois deputados do mesmo círculo em que um enfatiza a defesa de interesses particulares e o outro põe a tónica no interesse nacional. Essa contraposição deve-se a uma trajectória diferenciada e a uma expectativa de projecção diferente. De certa forma, a entrevista do eleito H constitui uma excepção entre os deputados eleitos fora do círculo eleitoral da Praia. É um deputado de um círculo do interior de Santiago que tem pretensão em exercer o cargo de Presidente da República, o que o torna diferente dos demais e desse em particular (entrevista S) que, para ser reconhecido, precisa canalizar recursos para Santa Catarina.

Procuramos saber como os deputados dos diferentes círculos avaliam a actuação do outro, ou seja, se um deputado de Santo Antão considera que um deputado da Praia ou de Santa Catarina demonstram uma postura de defesa dos seus círculos nas suas intervenções no Parlamento ou se suas posições vão no sentido da defesa do nacional e vice-versa. Nas diferentes entrevistas o sentimento comum a todos é o de que o outro se identifica mais com a sua localidade/região do que com os problemas nacionais, ou seja, não pensam o país como um todo, mas resumem os problemas do país aos das suas localidades. Os extractos das entrevistas a seguir transcritos são elucidativos quanto à visão que têm do outro. “Tenho que ser franco. Acho que os deputados de Santo Antão, são os que mais têm uma noção daquilo que é o País no seu todo. Quando estive no Parlamento e vi como determinados deputados esquecem-se daquilo que é o todo nacional, para cingirem-se exclusivamente a uma defesa do seu bairro, vi que nós de Santo Antão temos uma visão mais ampla. Talvez também por isso, temos uma

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excelente relação com todas as ilhas, porque eu, e seguramente outros deputados, defendemos o nosso círculo sim, mas também temos essa capacidade para ver aquilo que é Cabo Verde, ver o crescimento de uma forma integrada (…) Acho que os outros têm uma visão mais local, nesse caso tenho que ser franco. Os deputados, sobretudo os da Praia e de Santa Catarina, muitas vezes têm essa visão mais local, pensando mais no eu, esquecendo o nós. Estou a falar dos deputados de uma forma global, seja de um partido ou de outro” (entrevista O – eleito por Ribeira Grande).

Quando o entrevistado de Santo Antão faz a defesa dos interesses específicos da sua ilha pensa que isto não é ser bairrista e sim nacionalista, porque a particularidade de algo, tido como mais periférico, congrega a nação, enquanto a defesa da particularidade do espaço que é mais central fere o sentido da universalidade. É dentro dessa gramática que exibe algum grau de profundidade que os eleitos políticos locais de Santo Antão se movimentam. Partem do princípio de que os eleitos políticos locais da Praia não precisam de defender a Praia porque ela já é central. Defender Praia, que é um espaço central, defender os seus interesses, constitui num particularismo na óptica desse eleito político local de Santo Antão. Por outro lado, defender os interesses da periferia não constitui um particularismo, porque é uma visão do todo, é uma visão de particularidade que está fora do olhar de deputados, fora do olhar do centro. Na sua óptica, o centro não precisa de ser defendido porque já se encontra no centro, enquanto a periferia precisa de ser conhecida. Portanto, quem conhece a periferia conhece melhor o país do que quem está somente no centro e que defende os interesses do centro. Essa perspectiva é defendida pela maioria dos eleitos políticos locais que estão a exercer ou que já foram deputados da nação. E ao procurar entender dentro de que lógica é que ele opera, nota- se que a sua lógica funciona de uma forma distorcida. Neste sentido, o posicionamento do entrevistado da Ribeira Grande não é necessariamente contraditório. O que ele procura demonstrar é que se um eleito defende o interesse do centro, estando no centro, na Praia, está a ser particularista, o eleito, por exemplo, da Brava que demonstra a particularidade desta ilha está a acrescentar algo à nação que não está presente. É dentro desta gramática que os eleitos políticos locais de Santo Antão funcionam e nesse ponto o entrevistado está a ser lógico e consequente. O que está subjacente a esta gramática é que ninguém deve defender os interesses da Praia porque, sendo centro, não precisa de ser defendido.

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O posicionamento de alguns deputados da Praia vai no sentido de reconhecer que alguns eleitos deste círculo são detentores de uma visão local, mas que a maioria não partilha dessa visão. Quanto aos deputados de Santo Antão, avaliam as suas posturas como sendo da defesa do local. “Do meu ponto de vista, não posso dizer que não haja alguns deputados da Praia que tenham sido ao longo dos tempos deputados com uma visão local. O problema dos deputados do círculo da Praia é que normalmente consideram os problemas da Praia como sendo sempre de cariz nacional. É raro teres um problema que seja específico da Praia. Pelo menos em termos de intervenção política, a análise que faço até hoje é que é difícil, pois, temos sempre a tendência de considerar uma questão que seja meramente de um bairro, com uma questão que pode ser tratada a nível das assembleias municipais ou das reuniões do partido, muito mais do que a nível da Assembleia Nacional. Temos a tendência em transformar os assuntos que se passam na Praia em assuntos nacionais; por exemplo, na questão da energia, da segurança, do emprego etc., abordamos a problemática no sentido de avaliar a política do governo nestes sectores de uma forma global e não cingimos a discussão à volta da Praia. (…) Os assuntos que nós trazemos normalmente para a plenária do grupo parlamentar, são sempre transformados no mínimo em declaração política. Já os deputados de todos os outros círculos inclusive São Vicente, fazem mais intervenções, mais perguntas e normalmente trazem mais questões dos seus círculos” (entrevista AL – eleito pela Praia).

O que se constata, inclusive ao fazer a leitura das actas referentes a algumas sessões plenárias na Assembleia Nacional, é que os deputados da Praia, contrariamente aos de Santo Antão e de outras regiões periféricas de Cabo Verde, por norma, fazem pouco uso de um espaço onde os deputados têm a oportunidade de colocar as questões que vão no sentido da defesa do local, ou seja, do círculo que representam. É o período antes da ordem do dia e as perguntas ao governo onde nas suas intervenções, os deputados preenchem os seus tempos quase sempre exclusivamente focalizando sobre as questões dos seus círculos. Por exemplo, na questão relativa aos frequentes cortes de energia eléctrica que o município da Praia, à semelhança de outros vem sofrendo, nos últimos anos, pouco se nota dos deputados da Praia nessa matéria em termos de intervenção na plenária da Assembleia Nacional, seja nas perguntas dirigidas ao governo, seja no período antes da ordem do dia. No entanto, a questão da energia eléctrica é tratada sob a forma de uma declaração política em que a questão da Praia aparece diluída. Os deputados da Praia questionam o “fracasso” da política energética do governo onde,

308 entre outros, citam o exemplo da Praia, ou seja, não colocam os problemas da Praia de uma forma isolada, mas no conjunto de problemas que perpassam também outros municípios do país.

Nota-se na fala do entrevistado uma contraposição entre a declaração política de perguntas e intervenções a favor do círculo. Este deputado parte do princípio de que fazer uma formulação a respeito do círculo não constitui uma declaração política porque define a declaração política como uma declaração de defesa de uma agenda de dimensão nacional. Na verdade, em princípio, todas as declarações proferidas na Assembleia Nacional a favor de qualquer interesse são declarações políticas, mesmo a declaração política. Entretanto, o nosso entrevistado faz uma restrição da definição da declaração política para poder excluir as outras actuações como não sendo uma declaração política e isso leva-o a colocar as suas questões como sendo mais políticas do que as dos outros pelo facto de estas incorporarem uma agenda nacional.

O sentimento de que os deputados de Santo Antão possuem uma postura mais local nas suas actuações no Parlamento é partilhado por outros deputados eleitos pelo círculo da Praia. “Creio que os deputados de Santo Antão têm uma perspectiva mais local e regional. A experiência é a seguinte: quando se tratava de questões nacionais os deputados de Santo Antão tinham um determinado tipo de comportamento, mas quando tratava-se de questões regionais ou questões que têm a ver com a ilha correspondente, a actuação dos deputados tem sido de uma grande homogeneidade, mesmo entre deputados de bancadas diferentes. Infelizmente, e digo isso com algum amargo na boca, em Santiago não acontece isso. Os deputados de São Vicente e de Santo Antão, quando se trata destas ilhas, os seus deputados actuam praticamente em bloco. No debate sobre o Orçamento Geral do Estado na distribuição do bolo, era difícil encontrar pontos dissonantes entre os deputados das diferentes bancadas. Na Praia conseguimos alguns ganhos, mas falando a nível de Santiago enquanto região, não conseguimos isso. Voltando à sua pergunta, concretamente à questão de Santo Antão, nitidamente a actuação dos deputados é mais local do que nacional” (entrevista F- eleito pela Praia).

Aqui nota-se uma enfâse na transversalidade das bancadas parlamentares devido ao facto dos deputados que, de forma acirrada, se contrapõem enquanto MPD e PAICV, mas que podem aparecer juntos no momento da defesa dos interesses regionais. Aqui,

309 para os deputados de Santo Antão, segundo o entrevistado, os interesses da região sobrepõem os interesses partidários.

Um deputado de Santa Catarina reconhece a postura da defesa do local de uma parte dos eleitos do seu círculo que, segundo ele, é uma questão transversal a todos os círculos nacionais em Cabo Verde, com a excepção do da Praia. “Eu acho que os deputados de S. Catarina são mais local do que nacional, embora alguns tenham questões nacionais que são transformadas em causas para determinados deputados, mas a grande maioria tem uma perspectiva de exercício do mandato mais local do que nacional. Eu acho que o que eu digo em relação a S. Catarina, reflecte um pouco a situação a nível nacional” (entrevista N – eleito por Santa Catarina).

Procuramos saber as razões por que os deputados da Praia de uma forma geral possuem uma postura mais nacional comparativamente aos deputados de Santa Catarina e de Santo Antão. Levantamos as seguintes hipóteses: o facto de ser a capital do país que representa simbolicamente a nação leva a que os deputados da Praia tenham uma postura mais nacional; o facto de a lista dos deputados da Praia ser liderada, regra geral, pelos líderes do partido e candidatos a Primeiro-Ministro poderá influenciar essa atitude; uma maior ou menor proximidade dos eleitos com os eleitores, bem como uma maior cultura reivindicativa por parte dos eleitores, também pode justificar uma atitude mais localista ou nacional dos deputados.

A centralidade da Praia que advém do facto de ela ser a capital do país, a sede política e administrativa, onde concentram o Parlamento e o Governo, pode gerar um certo “conflito” aos deputados da Praia no sentido de estarem numa posição dúbia de representantes da Praia, enquanto espaço do círculo, do município e da Praia enquanto capital do país que representa o todo nacional. Essa dupla função constitui uma particularidade exclusiva de quem tem a função de representar o município que assume a capitalidade do país. “Relativamente aos deputados da Praia ficam mais diluídos, pelo facto de aqui ser o centro do poder, a Assembleia Nacional estar aqui, portanto os deputados aqui ficam mais diluídos. Portanto pelo facto de ser a capital, os deputados têm uma tendência a exercer o mandato numa perspectiva mais nacional do que local. A população de S. Vicente exige muito dos deputados, espera que eles

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tenham uma perspectiva local muito forte. Aqui na Praia há mais diluição, não porque não se preocupam, mas porque os deputados estão entre muitas outras entidades, entre elas, a câmara, o governo, as diferentes instituições públicas etc., e por isso esse exercício é menos visível do que nas outras ilhas” (entrevista N – eleito por Santa Catarina).

Pelo mesmo diapasão alinha um outro deputado: “Os deputados da Praia já sentirão os problemas que são locais, mas estarão talvez mais em condições de se sentirem como deputados da nação, porque são da capital, e a capital é da nação e não do círculo. Por exemplo, Assomada é capital de Santa Catarina e só, mas a Praia é a Capital não só dessa zona, mas também é a capital do país, ou seja, os problemas que rodeiam as pessoas que aqui estão, que os fazem mover e tomar posições, ficam mais perto dos problemas nacionais, do que propriamente dos problemas do círculo” (entrevista A – eleito por Santa Catarina.)

Nota-se que os deputados da periferia defendem o local em nome da nação, enquanto os deputados da Praia não conseguem defender o local em nome da nação, defendendo directamente esta sem a mediação do local. O entrevistado de Santa Catarina afirma que a capital não é a capital do círculo. O círculo é a Praia e na sua concepção, Praia não pertence à Praia, mas sim a Cabo Verde. O que está subjacente ao seu discurso é um princípio de alienação, ou seja, tenta alienar a Praia da sua própria identidade. A capital não tem uma identidade em relação a si mesma, mas somente em relação ao país. Desdobra a Praia em duas entidades para depois afirmar que uma não está ligada à outra. Na verdade, não existe uma zona da Praia que não é a Praia. Há, claramente, um paradoxo quando o entrevistado tenta separar a capital do círculo tentando alienar um lugar de si mesmo recorrendo à criação de duas entidades abstractas, uma é a capital e a outra é o círculo, como duas entidades exógenas onde uma não cabe dentro da outra.

Na realidade, a existência de vários espaços de intervenção política que se concentram na Praia, todos com visibilidade ao nível nacional, provavelmente permite à maioria dos deputados eleitos pelo círculo da Praia de prescindir das suas intervenções ao nível das sessões plenárias no Parlamento, cientes de que esse papel de reivindicação de carácter mais local poderá ser preenchido ao nível da Assembleia Municipal da Praia que goza de maior visibilidade comparativamente às demais Assembleias Municipais dos outros

311 municípios. Na Praia, esse papel é reservado regra geral aos deputados municipais que fazem uso das plenárias ao nível da Assembleia Municipal para colocar as questões relativas ao município. Esta particularidade da Praia é defendida por um dos entrevistados eleitos pelo círculo da Praia: “É curioso, mas sempre fiquei com essa sensação de repartição das coisas em relação à Praia, por outro lado a Assembleia Municipal da Praia tem uma visibilidade muito maior e nesse sentido, suponho que os deputados da Praia não teriam tanta necessidade de intervenção sobre as questões do município. O deputado aqui, também pode convidar um membro do governo a visitar junto com ele determinada zona, o que não acontece noutros círculos. A Praia é uma particularidade e não se pode comparar com as outras localidades, e em relação às questões locais, a AM tem um papel muito mais forte e complementar em termos de acção partidária e de realização do que propriamente em relação aos outros concelhos” (entrevista JR- eleito pela Praia).

Essa posição dúbia, de ser ao mesmo tempo o centro do poder e o centro do município, levanta a possibilidade, segundo o entrevistado, do deputado da Praia “transferir” a defesa das questões de cariz eminentemente local para um outro espaço de actuação política, que é a Assembleia Municipal da Praia.

De facto, como não se encontram deputados para fazer a defesa da Praia, os problemas locais são transferidos para um problema de âmbito nacional. Estamos perante um processo de alienação da Praia em que os deputados alienam a Praia de si mesma e para conseguirem isso precisam de duplicar a identidade da Praia. Partem do princípio de que Praia é um espaço próprio e que também é uma outra coisa que é a capital. Praia, enquanto capital, não é especificamente uma região do país. Na verdade, essa separação da Praia não existe, pois, o círculo e a capital fazem parte de apenas uma única entidade, que é a Praia.

Em todas as eleições legislativas realizadas, até o presente, os líderes dos partidos do arco do poder (MPD e PAICV) e candidatos a Primeiro-Ministro são presenças constantes nas listas dos candidatos que concorrem pelo círculo eleitoral da Praia. A escolha dos líderes partidários para encabeçarem as listas dos partidos para Praia, deve- se, por um lado, ao facto de este ser o maior círculo eleitoral do país e o de maior

312 visibilidade, mas também pelo facto de ser a capital do país. Praticamente, todos os indivíduos que concorreram na Praia, na condição de líder, são oriundos de outros círculos eleitorais. Normalmente, a composição da lista para os deputados nacionais na Praia é mais nacional porque os presidentes tendem a incorporar nas listas elementos da sua confiança e que fazem parte dos órgãos nacionais dos partidos, embora a lista inclua também os indivíduos que integram os órgãos locais do partido.

Nos demais círculos eleitorais, as comissões políticas regionais têm um papel mais activo na composição das listas, ainda que este papel seja da competência da comissão política nacional. “Os órgãos regionais têm muita força na composição das listas, mas a Praia como capital acaba ficando como o feudo dos órgãos nacionais superiores do partido. Nessas periferias a composição das listas tem muito a ver com a relação que o fulano tem com o seu círculo” (entrevista LC).

A composição das listas de deputados na Praia, baseada na relação de lealdade dos integrantes das listas para com o presidente do partido, de certa forma, acaba por interferir no processo de legitimação desses eleitos que passa a se efectivar preferencialmente através de relações de lealdade para com o líder do partido do que com o eleitorado. Esse tipo de procedimento acaba por interferir na relação que os deputados da Praia, de uma forma geral, estabelecem com o eleitorado e com o seu círculo. Se no caso dos deputados dos demais círculos eleitorais o processo de legitimação se opera claramente via eleitores “obrigando” os deputados a demonstrarem os seus comprometimentos com os seus círculos, através da defesa dos interesses locais no Parlamento, os deputados da Praia, de uma forma geral, por possuírem um vínculo de compromisso mais forte com o presidente do partido do que com os eleitores da Praia, mostram-se mais ciosos na defesa dos interesses nacionais o que contribui também, de certa forma, para as suas projecções ao nível nacional juntamente com o líder do partido.

Essa maior preocupação para com questões ligadas aos interesses do partido e do seu líder, em particular, deve-se ao facto de que nas diversas eleições legislativas se tem constatado, quase sempre, um equilíbrio na divisão de votos e de mandatos, o que

313 proporciona uma certa garantia de reeleição desses deputados desde que não haja mudança de liderança partidária.

Nos demais círculos, a composição das listas implica uma maior participação das comissões políticas regionais e os lugares de cabeças de lista são, regra geral, preenchidos pelos indivíduos oriundos desses círculos. Os demais integrantes das listas também possuem uma maior ligação com os círculos para os quais foram eleitos, aliado ao facto de que o processo da sua legitimação depende em maior grau dos seus compromissos com a defesa dos interesses locais. A necessidade de busca da sua aprovação junto do eleitorado é maior.

“Eu acho que os deputados da Praia sabem que o voto na lista não penaliza o mau deputado. Eles sabem que se integrarem uma lista que por exemplo tem José Maria Neves, sabem que as pessoas votam na lista e não nos integrantes, por isso querem cair nas boas graças do líder, não se importam nem com um colega para caírem nas boas graças do líder, porque sabem que o líder consegue votos e ele embarca nessa boleia. Na teoria é a comissão política na região que deve organizar as listas, mas na Praia são os órgãos nacionais que acabam por ditar a composição das listas. Desde logo aqui na Praia, o primeiro secretário, o presidente da comissão política de Santiago sul do PAICV, não vai aparecer como a cabeça de lista neste círculo. A cabeça de lista será sempre o candidato a Primeiro-Ministro. Mesmo na oposição acontece o mesmo fenómeno. Aqui na Praia há um grande peso do partido, o partido partiu daqui, os órgãos nacionais estão aqui, então a definição das listas tem muito a ver com o presidente do partido, com os homens do presidente, do que propriamente com o mérito, a popularidade e as mais-valias que o pretendente a candidato pode trazer. Já em Santo Antão e nas outras periferias, o fenómeno é tanto ou quanto diferente. Aqui na Praia é normal encontrar um indivíduo de Santo Antão, de Santa Catarina na lista, até como cabeça de lista, mas é impensável pensar-se um fulano de Santiago Sul como cabeça de lista em Santo Antão ou em S. Vicente. Veja, José Maria Neves é de Santa Catarina, mas vai ser cabeça de lista de Santiago Sul e não de Santiago Norte nas eleições de 2011” (entrevista LC).

A ruralidade também tem influência no posicionamento dos deputados. Nos municípios mais rurais, a exemplo dos de Santo Antão, há um maior contacto dos deputados com os eleitores, ou seja, as relações inter-pessoais são mais intensas devido à existência de um menor número de espaços de socialização em contraposição aos da Praia onde foram desenvolvendo vários polos. O espaço de confrontação entre os deputados e os eleitores

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é mais disperso, o que faz com que, por exemplo, os eleitores que residem na zona norte da Praia tenham mais dificuldade de acesso aos deputados que na sua maioria residem nos bairros da zona sul. Essa situação facilita um maior distanciamento do deputado em relação aos eleitores e, muitas vezes, quando fazem as visitas às comunidades se fazem acompanhar do líder do partido e dos membros deste que têm uma presença mais constantes nessas comunidades. Esse é um dos factores que ajuda a explicar a menor pressão que os deputados da Praia sofrem junto dos eleitores comparativamente aos deputados dos demais círculos e, em função disso, o menor comprometimento para a defesa dos interesses eminentemente locais no Parlamento.

Um outro aspecto a ser levado em consideração na postura dos deputados dos municípios em estudo na defesa mais do local e do nacional, é a questão do grau de cobrança por parte da sociedade civil, ou seja, a defesa ou não do local pode estar relacionada com a existência ou não da pressão por parte do eleitorado para que o deputado que os represente defenda os seus interesses no Parlamento. Os deputados dos municípios, sobretudo, rurais, são confrontados com uma maior “pressão”, provavelmente pela maior proximidade que o eleitor tem com os deputados devido a uma menor segmentação de espaços no mundo rural, que contribui para que o sentimento de pertença do município/ilha seja maior, aumentando, destarte, o compromisso no sentido da defesa do local. “Do meu ponto de vista, o facto de ser cidade é um factor decisivo para essa ausência de reivindicação por parte dos deputados. O mundo rural tem outros problemas, a relação de proximidade é maior, portanto mesmo que o deputado vá mensalmente ou trimestralmente ao seu concelho, acaba necessariamente, pelas próprias características do mundo rural, por ser confrontado com a população em directo. Os deputados de Santo Antão possivelmente têm essa vivência muito mais próxima, devido as vezes às dificuldades e também ao meio muito rural e no mundo rural as relações são muito mais próximas, por essa razão eles se identificam mais com a ilha, assim como os do Fogo sentem-se como do Fogo. Aqui na Praia por ser um centro urbano, a parte mais pobre está na periferia, lugar onde normalmente o deputado não vai. Ele circula no coração da cidade, onde existe a classe média e média alta que normalmente não têm necessidade de falar com o deputado, porque as suas necessidades são diferentes e não precisam do deputado para os resolver. Têm canais de acesso ao poder e de uma forma geral, pode resolvê-los facilmente. A periferia é que precisa de alguém para levar os seus problemas a quem de direito, mas o deputado não vai aí, só vão na altura de campanha, então o deputado do centro

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urbano, do meu ponto de vista não tem pressão e também não tem iniciativa, até porque a maior parte deles é originária da cidade, não têm a mesma sensibilidade sobre os problemas de pobreza que os deputados têm no campo” (entrevista SM).

Para além disso, há o aspecto relativo à formação e à própria ambição do deputado, que tem a ver com aquilo que ele estabelece como meta durante o seu percurso político. “Nós sabemos que há deputados que por razões pessoais ou políticas não têm uma ambição ou uma perspectiva nacional, de atingir um cargo que seja nacional, então circunscreve a sua actuação ao círculo, colocando apenas os temas que têm a ver com o seu concelho e não mais do que isso” (entrevista F – eleito pela Praia).

O que se delineia para o sub-capítulo seguinte é o estabelecimento de correlações entre as disputas pela definição do que é local e nacional e o perfil dos eleitos políticos locais.

Capítulo V. 2. Perfil dos eleitos políticos locais

Pretendemos, através de uma radiografia detalhada, traçar o perfil dos eleitos políticos locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão no período compreendido entre as eleições municipais de 1991 e de 2008. A principal questão que se coloca relativamente a esta matéria é saber quem são os eleitos políticos locais. Para isso procuramos descrever as suas principais características, comparando-as com as da população cabo- verdiana, no sentido de descortinar as proximidades e/ou distanciamentos dos atributos que os distinguem.

A comparação do perfil dos eleitos políticos locais, em particular, ao da população, em geral, segundo Bolognesi, “nos dá indícios de que modo diferentes grupos da população estão ou não se lançando na política” (2009: 14). Ainda segundo o mesmo autor, “apenas comparando as características desses grupos com as características da população em geral é que poderemos desvendar quais os grupos alijados da actividade

316 política, quais são as categorias sociais sobrerepresentadas e sub-representadas ou ainda, quais são os que simplesmente não se lançam na política” (2009: 21).

Para alcançar esse objectivo, recolhemos informações sobre os candidatos junto da CNE e através de um inquérito aplicado a uma amostra representativa146 dos referidos eleitos. Para esmiuçar o seu perfil social e político, as seguintes variáveis foram analisadas: sexo, idade, nível de instrução, profissão, local de nascimento e de residência, estado civil e nível de instrução dos pais dos eleitos. As quatro variáveis iniciais foram recolhidas junto da CNE e as demais extraídas do inquérito.

5.2.1 Idade

Na Praia, os indivíduos na faixa etária entre os 25 e os 34 anos são aqueles que em maior proporção foram eleitos, situando-se nos 35%, seguidos de perto pelos indivíduos na faixa etária entre os 35 e 44 anos com 32%. Numa análise diacrónica, verifica-se que nas eleições de 1991, 1996 e 2000, os indivíduos com idades compreendidas entre os 35 e 44 anos constituem a maioria dos eleitos, mas, a partir das eleições de 2004 foram ultrapassados pelos indivíduos na faixa etária dos 45 a 54 anos. Aliás, os eleitos nessa faixa etária vêm registando um crescimento desde as eleições de 1991. Os jovens na faixa etária entre os 18 e os 24 anos praticamente não fazem parte da lista dos eleitos, assinalando-se apenas um caso nas eleições de 1991 de um eleito nas listas do MPD para a Assembleia Municipal.

Em Santa Catarina, a faixa etária predominante em todas as eleições é a de 35 a 44 anos, à excepção das eleições de 2008 em que esta foi ultrapassada pelos eleitos na faixa etária entre os 45 e 54 anos. À semelhança do registado na Praia, neste concelho também se assinala um crescimento constante dos indivíduos eleitos nesta faixa etária,

146 As informações detalhadas sobre esta questão estão explicadas no capítulo I na parte relativa à metodologia.

317 passando dos 17% em 1991 para 40% nas eleições de 2008. Embora se tenha registado também um único caso de um jovem eleito com menos de 25 anos147.

Em Santo Antão, os indivíduos na faixa etária entre os 35 e 44 anos representam a maioria dos eleitos políticos locais nesta ilha (41%), assumindo esta posição a partir das eleições municipais de 1996, visto que nas de 1991, praticamente metade dos eleitos (48%) era mais jovem com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos. Os eleitos com idades acima dos 45 anos vêm crescendo ao longo dos pleitos eleitorais, mas esse crescimento não alcançou ainda o destaque assinalado na Praia e em Santa Catarina. Os jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos continuam a figurar em menor número entre os eleitos, registando-se apenas seis casos nas diferentes eleições, sendo três no município do Paul e os outros três no do Porto Novo. Praticamente, todos os jovens eleitos nesta faixa etária faziam parte das listas para a Assembleia Municipal, à excepção de um indivíduo que foi eleito Vereador em 2000 nas listas do MPD no Paul. Importa assinalar que dos oito jovens até 24 anos eleitos ao nível local, cinco pertenciam às listas do MPD e três às dos grupos de independentes, ao contrário do PAICV, que tem canalizado para os lugares elegíveis aos indivíduos numa faixa etária mais elevada, provavelmente aqueles com mais experiência nas lides políticas. Presume-se que, no MPD, pelo facto de ser um partido de criação recente no contexto político cabo-verdiano, pois, surgiu com a abertura política em 1990, os jovens tenham mais oportunidades de conquistar um lugar elegível do que no PAICV, partido composto pelos indivíduos que lutaram pela independência conquistada em 1975, n seio do qual a luta inter-geracional se afigura mais intensa.

Na Praia, deparam-se-nos dois grupos etários com um peso muito semelhante entre si. Trata-se do grupo etário dos 35 a 44 anos (35%) e 45 a 54 anos (32%) o que nos leva a afirmar que neste concelho o poder local está nas mãos de políticos na faixa etária dos 35 a 54 anos, representando 7 em cada 10 eleitos. Em Santo Antão, as duas faixas etárias mais representadas são as de 25 a 34 anos e 35 a 44 anos, alcançando os 75% do total e, em Santa Catarina, o grupo etário dos 35 a 44 anos com 40% aparece a uma

147 Trata-se de João Baptista Correia

318 distância considerável das demais faixas etárias. Nesta senda, os dados revelam que são os eleitos políticos locais da Praia aqueles que apresentam uma estrutura mais envelhecida, comparativamente aos de Santa Catarina e de Santo Antão.

Ao comparar os dados dos eleitos políticos locais, segundo o grupo etário em relação à população de Cabo Verde, verifica-se que a população jovem da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão, com idades compreendidas entre os 18 e 24 anos, está sub- representada em relação à população total nessa faixa etária, pois o seu peso entre os eleitos políticos locais não ultrapassa os 2%, enquanto ao nível do país representa 11% da população total. Contrariamente, os eleitos na faixa etária entre os 25 e 54 anos estão sobre-representados, pois o seu peso entre os seus pares representa na maioria dos casos mais do que o dobro do seu peso na população geral.

A juventude da democracia cabo-verdiana com cerca de vinte e um anos poderá explicar em parte o não envelhecimento das elites políticas locais em estudo. Somente 8% dos eleitos políticos locais da Praia e de Santa Catarina tinham 55 e mais anos no momento em que foram eleitos e em Santo Antão baixa para 5%. Não se assinalam diferenças significativas no peso desse grupo entre os eleitos políticos locais e o seu peso no conjunto da população cabo-verdiana.

Quadro nº 40 – Distribuição dos eleitos políticos locais segundo o grupo etário, em comparação com a distribuição da população de Cabo Verde segundo a idade

Santo Antão Santa Catarina Praia Cabo Verde Grupo Etário N.º % N.º % N.º % N.º % 18 a 24 6 2 1 1 1 1 52886 11 25 a 34 111 34 37 25 36 24 78795 16 35 a 44 134 41 60 40 53 35 53515 11 45 a 54 59 18 38 25 48 32 41668 9 55 e mais 18 5 12 8 12 8 49677 10 NS/NR 2 0 2 1 0 0 358 0 Fonte: INE – Censo 2010 e o autor

A média de idade dos eleitos políticos locais dos domínios em estudo é de 40 anos, sendo mais elevada na Praia onde alcança os 42 anos, contra 41 anos em Santa Catarina

319 e 39 anos em Santo Antão. A média de idade vem aumentando desde a realização das primeiras eleições municipais em 1991, passando de 37 anos em 1991, para 39 em 1996 e, a partir das eleições de 2000 situa-se nos 42 anos. Na Praia e em Santa Catarina, a média de idade dos eleitos em 2008 é manifestamente superior à registada nas eleições de 1991 com uma diferença de nove e quatro anos, respectivamente. Em Santo Antão, a média de idade dos eleitos políticos locais registou um menor crescimento comparativamente aos municípios de Santiago passando de 37 anos em 1991 para 39 nas eleições de 2008.

Numa análise diacrónica dos dois órgãos camarários, nota-se que a média de idade nas Assembleias Municipais tem sido mais elevada do que a registada nas Câmaras em todos os ciclos eleitorais à excepção do de 2008. A média de idade entre os eleitos para a Câmara Municipal tem vindo a aumentar sistematicamente em todas as eleições, passando de 36 anos em 1991, para 42 nas eleições de 2008. Para a Assembleia Municipal o comportamento tem sido semelhante até as eleições de 2000 e, a partir de 2004, vem diminuindo. Em 1991, era de 37 anos e em 2008 situa-se nos 41 anos. Em Santo Antão, em praticamente todas as eleições municipais, a média de idade dos eleitos políticos locais, seja para a Câmara, seja para a Assembleia Municipal, tem sido inferior à registada na Praia e em Santa Catarina. Nessa ilha, é no concelho do Paul onde se depara com os eleitos políticos locais com a menor média de idade em praticamente todas as eleições realizadas até 2008, contrariamente à Praia, que, a partir das eleições de 1996, surge como o concelho que detém a média de idade mais elevada entre esses eleitos.

Quadro nº 41 – Média de idade dos eleitos políticos locais

Ano que foi eleito ILHA Total 1991 1996 2000 2004 2008 Santo Antão 37 38 40 41 39 39 Santa Catarina 39 39 43 42 43 41 Praia 36 39 45 44 45 42 Total 37 39 42 42 42 40 Fonte: O autor

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Baras (1983), ao analisar os eleitos políticos locais na Espanha, faz referência à realidade de alguns países europeus, designadamente a França e a Itália, e procura demonstrar a diversidade europeia em termos de estrutura etária dos eleitos políticos locais. Assim, citando um estudo de V. Barbiers, Baras afirma: “en Francia el poder municipal reside en hombres maduros de entre 30 y 50 años y que hay una cierta tendencia hacia el envejecimiento (el 42,1 por 100 tiene en 1977 más de 50 años. En Italia, tanto C. Barberis como Melis y Martinotti reconocen una evolución discontinua. En los años setenta, con la mayoría de edad a los 18 años y una mayor difusión de la instrucción, la edad de los concejales baja. En 1972 hay un fuerte núcleo de centro de 30 a 60 años. (…) Pero a partir de 1982, y sobre todo en 1987, disminuye la presencia de jóvenes en todos los partidos, incluso en el PCI, que habían sido las listas más jóvenes de todos los partidos” (Baras, 1983: 169).

Se a tendência nos países como a França e a Itália, segundo Baras, é no sentido do envelhecimento dos eleitos políticos locais, na capital belga, embora o perfil desses eleitos demonstre um certo amadurecimento dos eleitos políticos locais com cerca de 1/4 com 55 e mais anos, a sua estrutura etária assemelha-se à registada em Cabo Verde, pois, tende a concentrar-se entre os indivíduos na faixa etária dos 35 a 54 anos. Segundo Delwit, “a l’examen de la structure d’âge des mandataires locaux bruxellois, trois groupes se détachent.- Le premier est celui qui rassemble le coeur des actifs professionnels (35-54 ans). C’est dans cet ensemble que l’on retrouve l’essentiel des conseillers communaux bruxellois puisque pas moins de 62,8% d’entre eux se situent dans cette tranche d’âge. Le deuxième agrège les personnes, dont la grande majorité d’entre elles ont terminé leur vie active professionnelle (55 ans et plus). Ce segment totalize 22,3% des mandataires locaux. Les pourcentages cumulés de ceux deux tranches d’âge mettent en lumière le (très) faible nombre de jeunes mandataires locaux. Ils ne sont en effet qu’un peu moins de 15% à avoir moins de 35 ans. La difficulté de décrocher un premier mandat électif est ainsi confirmée” (2006: 8).

A realidade espanhola em 1983 aponta para a juventude dos eleitos políticos locais. De acordo com Giol, “insistir en la juventud de este grupo de concejales no hace falta. En la España de 1983, más del 30 por 100 tienen menos de treinta y cuatro años. Cerca de la

321 mitad tienen menos de treinta y nueve, y si se considera hasta los cuarenta y cuatro años se engloba en este grupo joven un 60,9 por 100 del total. Por el contrario, las clases de edad superiores a los cincuenta y cinco años no llegan al 15 por 100” (1992: 138).

Entretanto, a realidade espanhola actual alterou-se à semelhança do que se verificou na Itália onde os dados estatísticos produzidos pelo organismo responsável pela produção de dados relativos ao perfil dos eleitos políticos locais, revelam que a idade média dos eleitos tem vindo a crescer. “Aunque en las últimas elecciones la edad media de los electos aumenta, todo indica que converge en una edad media entre 44 y 45 años. Concretamente, la edad media de los concejales actuales es de 44,9, frente a 44,5 años en los anteriores Ayuntamientos” (FEMP: 2007).

Apesar de a população cabo-verdiana ser essencialmente jovem, esse estrato etário não aparece devidamente representado ao nível dos eleitos políticos locais, o que indicia um certo conflito inter-geracional.

5.2.2 Género

A política, ao nível local em Cabo Verde, ainda é um domínio quase exclusivo dos homens, pois, no exercício dos cargos autárquicos nota-se uma diferença bem marcante entre os indivíduos dos dois sexos, favorável aos homens. A sub-representação das mulheres nas elites políticas locais constitui um denominador comum em todos os municípios do país, observando, contudo, diferenças significativas entre eles.

A Praia é o concelho onde a representação das mulheres na elite política local assume uma proporção mais elevada, alcançando os 24%, correspondente a 36 eleitas entre as eleições de 1991 a 2008. Santa Catarina aparece no lado oposto, na condição do município onde as mulheres têm tido pouco espaço para ocupar os cargos políticos eleitos ao nível local, pois foram eleitas 17 mulheres correspondentes a 11% do total dos eleitos. Em Santo Antão, a exemplo de Santa Catarina, as mulheres enfrentam dificuldades para conquistar o seu espaço entre os eleitos políticos locais, tendo sido eleitas somente 51 mulheres entre as eleições de 1991 e de 2008. Nesta ilha, Paul, o concelho de menor dimensão e que dispõe de menor número de eleitos locais (18),

322 contra 24 da Ribeira Grande e do Porto Novo, é aquele que proporcionalmente elegeu até o momento a maior percentagem de mulheres (19%), correspondente a 17 eleitas, contra 15% do Porto Novo (18 eleitas) e 13% da Ribeira Grande (16 eleitas).

O quadro, ao nível nacional, indica que a proporção de mulheres eleitas no plano local tem sido baixa em todos os concelhos do país, em todos os ciclos eleitorais e que a proporção das eleitas ao nível local, seja para a Câmara Municipal, seja para a Assembleia Municipal, tem sido inferior comparativamente à Praia e a Santo Antão. Em Santa Catarina, o comportamento tem sido irregular e nota-se que, em determinados ciclos eleitorais, a proporção de mulheres eleitas neste município é superior à registada ao nível nacional e, noutros, tem-se revelado inferior.

Um outro aspecto a realçar diz respeito à eleição de as mulheres para os dois órgãos autárquicos (Câmara e Assembleia Municipal). O que se constata é que na Praia a percentagem de mulheres eleitas para a Câmara tem sido superior às eleitas para a Assemblea Municipal nas duas primeiras eleições e, a partir de 2000, nota-se uma inversão, ou seja, a proporção de mulheres eleitas para o órgão fiscalizador tem sido superior à registada entre as eleitas para o órgão executivo autárquico. Em Santa Catarina, a eleição das mulheres para a Câmara ocorreu pela primeira vez nas eleições autárquicas de 2000, enquanto para a Assembleia Municipal acontece desde as eleições de 1991, ainda que o seu número tenha sido pouco expressivo. Em Santo Antão, a proporção de mulheres eleitas para o executivo autárquico tem sido superior à assinalada para a Assembleia Municipal em todas as eleições autárquicas realizadas de 1991 até o presente.

Quadro nº 42 - Proporção de mulheres eleitas para a Câmara Municipal e para a Assembleia Municipal em todos os ciclos eleitorais

1991 1996 2000 2004 2008 CM Ass CM Ass CM Ass CM Ass CM Ass Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Cabo Verde 8 8,3 20 8,5 9 8,5 27 10,4 17 14,9 40 15,0 25 21,4 43 15,1 29 20,7 76 22,0 Praia 2 22,2 2 10 3 33,3 4 19 2 22 5 24 2 22 6 29 3 33,3 7 33,3 S. Catarina 0 0 1 5 0 0 3 14 2 22 2 10 2 22 0 0 2 22 5 24 S. Antão 3 15,8 6 13 3 16 6 13 4 21 8 17 3 16 6 13 4 21 8 17 Fonte: Boletins Oficiais e o autor

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Numa análise por partido político, o MPD é o partido que elegeu o maior número de mulheres nas suas listas (54) na Praia, em Santa Catarina e em Santo Antão, contra 34 do PAICV, 13 dos grupos independentes, todos sedeados em Santo Antão, e 3 do extinto PCD. No entanto, se analisarmos o número de mulheres eleitas em relação ao total dos eleitos por cada partido ou grupo independente, constata-se que o PCD é o partido com a percentagem mais elevada de mulheres eleitas (33%), seguido de perto pelo PAICV e pelo grupo independente do Porto Novo, que já elegeram 27% de mulheres nas suas listas. O MPD apresenta uma performance mais reduzida comparativamente aos demais concorrentes tendo eleito somente 14% de mulheres do total dos eleitos políticos locais nos concelhos acima referenciados. A sub-representação feminina não é um fenómeno exclusivo dos partidos políticos, abrangendo também as candidaturas dos grupos independentes. Em Santo Antão, o grupo independente da Ribeira Grande, que já participou em quatro pleitos eleitorais, tendo saído vencedor na sua maioria (3), apresenta uma percentagem baixa de mulheres eleitas, somente 10%, e o grupo independente do Paul, que já venceu duas eleições municipais e perdeu uma, elegeu apenas 14% de mulheres nas suas listas, o que nos leva a questionar sobre as razões para uma taxa tão baixa de representação das mulheres entre os eleitos políticos locais.

Uma das possíveis razões está relacionada com a posição das mulheres nos órgãos políticos locais, que são estruturas dominadas por homens com um peso importante na indicação de nomes para a composição das listas, principalmente para as Assembleias Municipais. Esta fraca participação das mulheres nos órgãos políticos eleitos contrasta com uma participação cada vez maior das mulheres em diversos sectores de actividade seja público, seja privado. Segundo Mendes (1993), “paradoxalmente, ainda que, nas sociedades hodiernas, o espaço de possibilidades para ser mulher se tenha ampliado, a inserção das mulheres em estruturas associativas e político-partidárias não se tem feito com a mesma intensidade que se denota noutros domínios (como, por exemplo, no mercado do trabalho e no ensino). Parece justificado concluir-se que as hipóteses de uma mulher aceder aos cargos políticos mais proeminentes são escassas, o que não resulta tanto de especificidades inerentes à região ou ao concelho em análise, ou aé ao próprio cargo em si, mas sim da repercussão no plan da política local de “determinismos sociológicos” mais gerais” (Mendes, 1993: 181).

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Um outro aspecto a ter em consideração é o facto de o peso da população feminina no total da população cabo-verdiana (50,5%) ser ligeiramente superior ao dos homens (49,5%). Contudo, se nos concelhos da Praia e de Santa Catarina, à semelhança do que se verifica na maioria dos concelhos do país, a proporção de mulheres é superior à dos homens, nos concelhos de Santo Antão constata-se o contrário, ou seja, a diferença a favor dos homens situa-se na ordem dos 4,4% de acordo com os dados do Censo 2010. Essa diferença a favor dos homens na população total da ilha de Santo Antão não justifica a disparidade existente em termos de eleitos políticos locais em benefício dos homens nesta ilha e, muito menos ainda nos concelhos da ilha de Santiago, onde a presença da população feminina é mais marcante.

Comparando os dados de Cabo Verde com os de outros países, incluindo aqueles com uma maior experiência democrática, nota-se que este fenómeno perpassa muitos países. Por exemplo, na Espanha, de acordo com Giol (1992), a presença de mulheres entre os eleitos políticos locais afigura-se mais baixa do que a registada em Cabo Verde. Giol, ao estudar os eleitos locais na Espanha no período entre 1987 e 1997, afirma que: “El primer punto a destacar es la escasa presencia de mujeres entre el personal político local. El 95,5 por 100 de los representantes municipales son hombres, por lo que las mujeres no llegan ni tan sólo al 5 por 100 (…) sin embargo, conviene señalar que la cualificación de estas mujeres, por sus estúdios o por sus profesiones, es superior a la de los hombres. Esto significa, por consiguiente, que son mayores los requisitos que «inconscientemente» exigen los partidos a la representación femenina para su presencia en las listas. La discriminación se produce en un doble sentido: por su escasa presencia electoral y por los elevados requisitos que se exigen para su participación cuando se produce” (Giol, 1992: 137).

Um outro exemplo da fraca representação das mulheres ao nível político local é-nos revelado por Delwit relativamente à Bélgica. Segundo este autor, contrariamente à França, “comme l’avaient relevé Steyvers et Reynaerts (2000:15) pour la Belgique, le mouvement de féminisation n’a que partiellement abouti parmi les mandataires exerçant une responsabilité exécutive. Sur les dix-neuf maires en Région bruxelloise, trois seulement sont des femmes. Et parmi les cent soixante-cinq échevins, elles ne sont que cinquante-quatre échevines (32,7%), ce qui est témoigne néanmoins d’une évolution significative” (Delwit, 2006: 9).

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A crer nos dados recolhidos, nota-se que de facto a luta das mulheres, embora se reflicta ao nível da composição ministerial e da administração pública, com uma presença significativa nos cargos de ministros, de directores-gerais, de presidentes de institutos e de empresas públicas, já no quadro do poder político local, a sua presença até o presente, tem sido pouco expressiva e, em consequência, mostra-se sub-representada.

5.2.3 Nível escolar

O nível de instrução dos eleitos políticos locais da Praia, de Santa Catarina e dos municípios de Santo Antão está acima da média nacional. Enquanto para o conjunto do país, os dados do Questionário Unificado dos Indicadores do Bem-estar divulgados pelo INE, referente ao ano de 2007, a proporção de licenciados na população geral era de 3%, na elite política local dos municípios acima referenciados situa-se nos 49%. Na Praia, regista-se uma proporção acima da média (62%), seguida por Santa Catarina com 48% e, por último, pelos municípios de Santo Antão com 43% de licenciados entre os eleitos políticos locais.

Na Praia e em Santa Catarina nunca foi eleito nenhum político local analfabeto, mas em Santo Antão, nas duas primeiras eleições municipais em 1991 e em 1996, verificou-se a eleição de dois indivíduos analfabetos para a Assembleia Municipal da Ribeira Grande.

Constata-se uma tendência global no sentido do aumento do número de eleitos políticos locais que possuem o grau de licenciatura, passando de 54 em 1991 para 79 nas eleições municipais de 2008. Para o executivo camarário, o número de eleitos com o nível académico mais elevado tem crescido sistematicamente, passando de 22 em 1991, correspondente a 60% dos eleitos, para 32 em 2008, relativos a 87% dos eleitos. Para o órgão fiscalizador da Câmara, nota-se também uma propensão para o aumento do número de eleitos detentores de um nível pós-secundário, registando 32 casos em 1991, correspondente a 36% dos eleitos e 47 em 2008, representando pela primeira vez mais de metade dos eleitos (57%) para as Assembleias Municipais.

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Praia e Ribeira Gande são os municípios que apresentam a maior proporção de eleitos para o órgão executivo da Câmara que possuem o nível pós-secundário. Nas duas primeiras eleições autárquicas em 1991 e em 1996, a liderança pertencia à Praia com 89% dos eleitos para este órgão a serem recrutados entre os indivíduos que possuem um nível pós-secundário. A partir das eleições municipais de 2000, Praia é superada pelo município da Ribeira Grande com 100% de eleitos com o nível superior nas eleições de 2004 e de 2008. Em Santa Catarina e no Paul, assinala-se também uma tendência no sentido do aumento do número de Vereadores e de Presidentes de Câmaras com o nível de licenciatura. No Porto Novo, o comportamento tem sido mais irregular, mas nota-se mesmo assim uma maior apetência para a eleição de indivíduos com níveis de instrução mais elevados.

A valorização do capital escolar não constitui um requisito exclusivo de recrutamento entre os eleitos do órgão executivo camarário. Para as Assembleias Municipais, ainda que em menor proporção, o grau escolar dos eleitos políticos locais vem ganhando importância em praticamente todos os municípios em estudo. Na Praia, a percentagem de deputados municipais com o grau de licenciatura alcançou 71% em 2008 contra 52% em 1991. Em Santa Catarina, nas três primeiras eleições situou-se, nos 29%, uma percentagem relativamente baixa, mas em 2008 ultrapassou a barreira dos 50%, atingindo 57%. Em Santo Antão, situou-se nos 43% em 2008, mas nota-se uma diferença na Ribeira Grande relativamente aos demais concelhos desta ilha. Enquanto na Ribeira Grande, alcançou 59%, no Paul não ultrapassou 39% e no Porto Novo ficou num nível ainda mais baixo (29%). Em verdade, é a primeira vez que a proporção dos deputados municipais com o nível de licenciatura na Ribeira Grande ultrapassa a registada nos demais concelhos de Santo Antão.

Neste sentido, o recrutamento dos eleitos políticos locais para as Assembleias Municipais parece ter sido efectuado com recurso a uma base social mais alargada comparativamente ao órgão executivo camarário porque se depara com uma proporção maior de eleitos políticos locais que possuem o EBI e o Ensino Secundário.

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Quadro nº 43 - Grau de instrução dos eleitos políticos locais

Escolarização máxima Praia S. Catarina Santo Antão Total completada N.º % N.º % N.º % N.º % S/Instrução 0 0 0 0 2 0,6 2 0,3 EBI 24 16 34 22,7 128 38,8 186 29,5 Secundário 33 22 44 29,3 57 17,3 134 21,3 Pós-secundário 93 62 72 48 143 43,3 308 48,9 TOTAL 150 100 150 100 330 100 630 100 Fonte: CNE e o Autor

Quadro nº 44 - Nível de ensino da população (3 anos ou mais) por meio de residência e concelho em percentagem (%)

NÍVEL DE ENSINO DA POPULAÇÃO (3 ANOS OU MAIS) Meio de Residência e SEM Bacharel Pré- Alfabetiz Ensino Secundár Curso Concelho / Nível de Ensino NIVEL / ou ND Escolar ação Básico io Médio NUNCA Superior FREQUEN CABO VERDE 12,5 4,6 1,7 43,0 31,2 1,0 5,1 1,0 Urbano 9,9 4,5 1,3 39,9 34,8 1,3 7,5 0,9 Rural 16,8 4,7 2,3 47,8 25,5 0,6 1,2 1,1 Ribeira Grande 18,1 3,9 2,8 44,0 27,5 1,1 2,1 0,4 Paul 15,5 3,7 5,3 43,9 26,6 1,5 1,5 2,0 Porto Novo 16,2 4,4 4,3 42,7 26,9 0,9 1,8 2,8 Santa Catarina 17,1 4,6 0,9 42,0 30,3 0,9 3,8 0,4 Praia 9,6 4,4 1,0 38,2 35,3 1,3 9,6 0,7 Fonte: INE, Censo 2010

À luz dos dados apresentados observa-se que os eleitos políticos locais são compostos por indivíduos com níveis escolares superiores à média da população. Esta situação não é exclusiva de Cabo Verde, ocorre igualmente em países europeus como, Portugal, Espanha e Bélgica. Relativamente à Espanha, de acordo com Baras (1983), os eleitos políticos locais não têm uma qualificação elevada, ainda que seja maior do que a da população no seu conjunto:

“Los cargos locales tienen un nivel de instrucción inferior a otros cargos políticos de elección, pero superior al de la población general española. Globalmente, el 66,55 por 100 de los concejales tiene sólo estudios elementales, el 26,12 por 100 estudios medios y sólo el 7,33 por 100 tiene título universitario. Esta proporción es claramente inferior a los niveles educativos de los administradores locales italianos, en donde, en 1985, el 22,4 por 100 tiene estudios elementales, el 23,4 por 100 estudios medios, el 34,8 por 100 estudios superiores y el 19,8 por 100 son licenciados. Pero como reconocen estos autores y también ha sido subrayado por Barberis, el nivel de instrucción

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ha crecido notablemente desde 1975 en la población italiana, y esto há tenido un reflejo de aumento en la élite local” (Baras, 1983: 173).

Contrariamente à Espanha e à Itália, na Bélgica, particularmente na região de Bruxelas, assinala-se um nível escolar bastante elevado entre os eleitos políticos locais, superando o registado nos municípios em estudo em Cabo Verde.

“Mesuré, à l’aune du dernier diplôme obtenu, celui-ci se révèle, en moyenne, très élevé. Près de 80% des mandataires locaux ont décroché un diplôme du supérieur, universitaire ou non universitaire. Et parmi ceux qui n’ont pas suivi d’études supérieures, la grande majorité a obtenu le niveau de secondaire supérieur. Bref, la situation de faible diplômation n’apparaît que de manière marginale parmi les répondants. Et elle est évanescente dans les personnes exerçant des responsabilités exécutives. En effet, neuf échevins et bourgmestres sur dix sont titulaires d’un diplôme du supérieur” (Delwit, 2006: 10).

No caso da Bélgica, à semelhança do registado em Cabo Verde, a valorização do diploma superior entre os eleitos políticos locais é mais forte entre os Vereadores e os Presidentes das Câmaras Municipais, comparativamente aos Deputados Municipais.

À guisa de exemplo, Eliana Brites Rosa, ao procurar caracterizar quem desempenhou cargos de direcção e administração da vida política local do Porto, durante o período de transição do regime republicano para o regime ditatorial e na fase de consolidação do Estado Novo, constata que:

“a maior parte dos vereadores (no total 31 indivíduos) eram licenciados, sendo que 18 indivíduos tinham diploma do ensino superior, 9 indivíduos não eram licenciados e de outros 4 não foi apurada qualquer informação. Mesmo, com dados provisórios relativos à formação escolar/académica deste grupo é possível verificar, que as vereações eram constituídas por indivíduos que tinham formação escolar acima da média da grande maioria da população portuguesa, o que demonstra que a administração dos negócios municipais estava a cargo de um grupo de indivíduos letrados e que ocupavam posições sociais e cargos profissionais de destaque na cidade do Porto, com por exemplo os professores universitários” (Rosa, 2009: 138).

Os dados indicam que a elite política local na Praia, em Santa Catarina e em Santo Antão é composta por indivíduos com níveis escolares superiores à média da população.

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Em primeiro lugar, os indicadores mostram que os escolarizados ao nível local apostam na política como uma via de ascensão social e, em segundo lugar, põem em destaque a existência de uma articulação entre os diferentes tipos de capitais (social, escolar, etc.) que impedem efectivamente a mobilidade social dos sectores sociais mais desfavorecidos, pois, estes não estão representados na política ao nível local.

5.2.4 Estatuto socio-profissional

Os eleitos políticos locais da Praia, de Santa Catarina e de Santo Antão possuem um estatuto socio-profissional relativamente elevado no contexto cabo-verdiano. Cerca de 35% são profissionais liberais (engenheiros/arquitectos, advogados, economistas/contabilistas e médicos/enfermeiros), 23% são professores, grande parte dos quais licenciados, e 5% são constituídos por administradores/gestores 1igados aos serviços públicos, empresas públicas e alguns a empresas privadas. Os funcionários públicos são também uma categoria importante, pois, representam 14% do total dos eleitos. Os empresários constituem 3% do total dos eleitos, assim como os agricultores.

Os aposentados e os estudantes fazem parte de uma categoria que é inexpressiva entre os eleitos políticos locais, pois, não chegam sequer a 1% dos eleitos. De acordo com os dados do Censo 2010, os trabalhadores não qualificados representam pouco mais de 1/3 da população activa em Santo Antão e em Santa Catarina e cerca de 21% na Praia. Entretanto, ao analisarmos os dados dos eleitos políticos locais em cada um dos municípios em estudo, demo-nos conta de que esta categoria profissional não se afigura entre os eleitos políticos locais da Praia e de Santa Catarina e é inexpressiva nos de Santo Antão. Para além desta, outras categorias profissionais menos qualificadas, a exemplo do pessoal dos serviços e vendedores, operários, operadores de instalações de máquinas e agricultores, possuem um peso considerável no seio da população activa de Santo Antão (48%), da Praia (53%) e de Santa Catarina (55%), mas são sub- representadas entre os eleitos políticos locais.

A somar, no grupo das profissões mais qualificadas onde se incluem os profissionais liberais e os administradores/gestores que representam mais de metade dos eleitos

330 políticos locais, entre a população activa, as referidas profissões representam menos de 10% dos trabalhadores, ou seja, nota-se uma inversão da base quando se comparam as profissões dos eleitos políticos locais com as das respectivas populações, o que indicia uma maior qualificação dos eleitos políticos locais comparativamente à população em geral.

Na Praia, os funcionários públicos constituem a categoria profissional mais importante entre os eleitos políticos locais, com 26 eleitos até as eleições municipais de 2008, representando cerca de 17% do total dos eleitos, seguidos dos engenheiros/arquitectos com 15% e os administradores/gestores com 11%. Os funcionários públicos constituíram uma categoria de maior peso nas duas primeiras eleições autárquicas, mas, a partir de 2000, vêm disputando o espaço com outras categorias profissionais. Numa análise pelos diferentes órgãos autárquicos, constata-se que as categorias profissionais, que contribuíram com o maior número de eleitos para o órgão executivo camarário são os engenheiros/arquitectos (8), seguidos dos administradores/gestores (7) e dos economistas também com 7. Para o órgão fiscalizador surgem, em primeiro lugar, os funcionários públicos com 22 eleitos, após os engenheiros/administradores (15) e os administradores/gestores (10).

Em Santa Catarina, os professores aparecem destacadamente como a categoria profissional de maior peso entre os eleitos políticos locais com 58 eleitos, correspondentes a 39% do total, seguindo-se-lhes os funcionários públicos com 22 (15%) e os advogados com 19 (13%). Seja para a Câmara, seja para a Assembleia Municipal, os professores representam a maioria dos eleitos. Se no tocante à primeira, as categorias que contribuíram com o maior número de eleitos são, para além de os professores, os engenheiros/arquitectos com 10 eleitos e os economistas com 5, todavia, no que tange à Assembleia Municipal, os funcionários públicos surgem na segunda posição com 19 eleitos, seguidos dos advogados com 17.

Na ilha de Santo Antao, os professores ocupam a primeira posição entre os eleitos, políticos locais com 77 eleitos correspondentes a 23% do total, seguidos dos engenheiros/arquitectos com 63 eleitos e dos funcionários públicos com 42. De realçar

331 que é nesta ilha, e particularmente no concelho da Ribeira Grande, que se assinala a eleição em maior proporção dos agricultores. São 16 o número total de agricultores eleitos, representando cerca de 5% dos eleitos nesta ilha. O número de eleitos desta categoria vem diminuindo desde 1991 quando foram eleitos 8 indivíduos, passando para 6 na eleição seguinte e para um na última, em 2008.

Para o órgão executivo camarário, cerca de 1/3 dos eleitos pertence à categoria de engenheiros/arquitectos, situando-se à frente dos professores com 18% e os administradores/gestores com 9%. Para as Assembleias Municipais, nota-se o predomínio dos professores, pois, foram eleitos cerca de 60, correspondentes a 26% do total dos eleitos neste órgão, seguidos dos funcionários públicos com 38 indivíduos (16%) e dos engenheiros/arquitectos com 31 eleitos (13%).

Em todos os municípios em estudo, o da Praia é o único em que os professores não constituem uma categoria dominante. Neste concelho, para além de os profissionais liberais (engenheiros, economistas, advogados, médicos e empresários) com 44% dos eleitos, sobressaem, os administradores/gestores e os funcionários públicos com 11% e 17%, respectivamente. Os profissionas liberais alcançam também uma importância considerável entre os eleitos políticos de Santo Antão (35%) e em Santa Catarina (29%).

O perfil das profissões praticamente não se altera de um ciclo eleitoral para outro. Nas eleições de 1991, as profissões de maior peso entre os eleitos políticos locais foram os funcionários públicos, os engenheiros e os professores, representando cerca de metade (48%) dos eleitos. Nas eleições de 2008, continuam a ser as mais importantes, representando 46% dos eleitos. Os advogados e os economistas constituem outras profissões de referência seja em 1991, seja em 2008.

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Quadro nº 45 - Profissão dos eleitos políticos locais da Praia, Santa Catarina e de Santo Antão

Santo Antão Santa Catarina Praia Total Profissão N.º % N.º % N.º % N.º % Administrador/Gestor 13 4 4 3 17 11 34 5 Advogado/Juiz 7 2 19 13 10 7 36 6 Professor 77 23 58 39 12 8 147 23 Funcionário Público 42 13 22 15 26 17 90 14 Engenheiro/Arquitecto 63 19 13 9 23 15 99 16 Médico/Enfermeiro/Veterenário 19 6 5 3 11 7 35 6 Bancário 15 5 1 1 3 2 19 3 Agricultor 16 5 0 0 0 0 16 3 Economista/Contabilista/Estatí 25 8 6 4 15 10 46 7 Empresáriostico 4 1 8 5 8 5 20 3 Sociológo/Jornalista/Psicólogo 9 3 1 1 5 3 15 2 Técnico Médio 10 3 2 1 6 4 18 3 Comerciante 7 2 6 4 2 1 15 2 Informatico 1 0 0 0 1 1 2 0 Piloto 1 0 0 0 1 1 2 0 Assistente Social 2 1 1 1 5 3 8 1 Marítimo 2 1 0 0 0 0 2 0 Linguas 1 0 0 0 0 0 1 0 Jornalista 1 0 0 0 1 1 2 0 Estudante 2 1 0 0 0 0 2 0 proprietário agrícola 10 3 0 0 0 0 10 2 Geólogo 0 0 1 1 0 0 1 0 Biólogo 0 0 0 0 2 1 2 0 Diplomata 0 0 0 0 1 1 1 0 NS/NR 2 1 3 2 1 1 6 1 Total 329 100 150 100 150 100 629 100 Fonte: CNE e o autor

Se compararmos os dados dos municípios em exame com os da Espanha, depreende-se que, em Cabo Verde, as categorias sociais mais baixas estão menos representadas entre os eleitos políticos locais, relativamente às categorias mais elevadas. Na Espanha, de acordo com Giol,

“No es elevada la cifra de profesionales liberales, de técnicos, de funcionarios, de enseñantes (categorías que muy a menudo en otros países se han dedicado a la acción política); tampoco de trabajadores autónomos, comerciantes, directivos o empresarios. Todos ellos, en conjunto, superan en poco una cuarta parte de los concejales. En cambio, son numerosos los concejales procedentes de categorías en retroceso social, como los campesinos, con un 36,6 por 100, o

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de sectores que ocupan trabajos dependientes o de nula dirección social: trabajadores, 18,1 por 100, y empleados, 11,3 por 100. Parece así configurarse que las capas más desfavorecidas socialmente encontrarían en la representación municipal una cierta forma de promoción y representación, aunque esta última quizá e nalgún sentido pueda entenderse como vicarial” (1992:141).

Baras (1983), ao analisar a profissão dos eleitos políticos locais na Espanha, associa, entre outras razões, a sobre-representação dos camponeses entre os eleitos devido à existência de um grande número de municípios rurais neste país. “Puede observarse que el núcleo profesional más representado es el agrario, consecuencia directa de la sobrerrepresentación de los municipios rurales escasamente poblados. Y sorprende, en cambio, la escasa presencia de comerciantes y empresarios autónomos; una explicación posible pudiera ser la escasa rentabilidad personal de esta función pública y la dificultad de compatibilidad entre ambas dedicaciones. Explicación que también sería aplicable a la igualmente escasa presencia de profesiones liberales. (1983: 175)

Contrariamente à situação espanhola, Delwit (2006), procura demonstrar que na região de Bruxelas existe uma fraca representação das categorias sociais mais baixas cujas causas se explicam através de duas ordens de razão:

“Chez les actifs professionnels, on note une très faible représentation du monde ouvrier. Ceci est dû à au moins deux raisons. La première est bien connue des sociologues et des politologues, le monde ouvrier est sous représenté dans toutes les fonctions de représentation politique, y compris à l’échelon local (Magnier 2004: 174). La deuxième tient à la réalité socio-économique de la Région bruxelloise. Bruxelles est devenue une ville-Région de services dans laquelle le secteur tertiaire prédomine. Plus de la moitié des emplois exercés en Région bruxelloise le sont par des travailleurs, ayant un diplôme universitaire. Et à quelques exceptions près (par exemple l’usine Volkswagen), il n’y plus une grande entité industrielle dans la Région” (Delwit, 2006: 9-10).

Os dados indicam uma forte relação entre os níveis escolares dos eleitos políticos locais e as profissões dominantes, ou seja, mais de metade desses eleitos desempenha profissões para cujo exercício se lhes pede um nível de ensino superior. Mais uma vez, nota-se um certo distanciamento entre os eleitos políticos locais e os seus representados,

334 pois, as profissões liberais e o pessoal dirigente constituem o grosso das profissões, enquanto entre a população as profissões dominantes são aquelas menos qualificadas.

5.2.5 Local de nascimento

Os dados do quadro 41 indicam que a maioria dos eleitos políticos locais nasceu no município onde foi eleito pela primeira vez. Assim, 91% dos eleitos político locais de Santo Antão nasceram nos municípios desta ilha. Proporção idêntica foi registada em Santa Catarina, onde 9 em cada 10 eleitos políticos locais são oriundos deste município, o que indicia um forte enraizamento dos eleitos na comunidade local. Na Praia, assiste- se a uma situação um pouco diferente, pois, a proporção dos eleitos políticos locais ali nascidos é de 65,5% contra 1/3 proveniente de outros municípios de Santiago ou de outras ilhas.

Quadro nº 46 – Eleitos políticos locais segundo o município de nascimento

Domínio Município de nascimento Santo Total Praia S. Catarina Antão Ribeira Grande 1,8% 44,0% 22,1%

Paul 25,9% 12,7%

Porto Novo 21,1% 10,3%

S. Vicente 6,4% 1,6% 5,4% 5,0% R. Brava - S. Nicolau 1,8% 0,6%

Sal 1,8% 0,6%

Boa Vista 0,9% 1,8% 1,2%

Tarrafal 1,8% 3,2% 1,2%

Santa Catarina 1,8% 90,5% 0,6% 17,7% Santa Cruz 4,5% 1,6% 1,8%

Praia 65,5% 21,2%

S. Domingos 0,9% 0,3%

S. Miguel 0,9% 1,6% 0,6%

R. Grande - Santiago 2,7% 0,6% 1,2%

Mosteiros 0,9% 0,3%

S. Filipe 6,4% 2,1%

Santa Catarina - Fogo 0,9% 0,3%

Brava 0,9% 1,6% 0,6% 0,9% Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Fonte: O autor

335

No caso presente, o grau de enraizamento desses eleitos poderá ser menor, visto que uma parte dos eleitos, que reside actualmente na Praia, mas que nasceu em outros municípios do país, tende a identificar-se mais com o seu muncípio de origem. Este exemplo ilustra que uma parcela dos eleitos políticos locais da Praia, oriundos de outros concelhos, carrega um certo sentimento de nostalgia em relação aos seus municípios de origem que poderá ter influência no seu grau de comprometimento em relação aos problemas da Praia, o que eventualmente não acontece quanto aos eleitos políticos locais que nasceram no município onde foram eleitos.

“Apesar de residir na Praia, identifico-me mais com S. Catarina. Sofro mais com os problemas de S. Catarina do que com os da Praia” (entrevista S, eleito por Santa Catarina).

O facto de ser a capital do país e o município com a maior capacidade de oferta de oportunidades de emprego acaba por se reflectir num maior fluxo migratório, o que contribuiu para que a cidade da Praia fosse nas últimas décadas um dos concelhos com as taxas mais elevadas de crescimento populacional (3.0) e, consequentemente, uma das edilidades que suportam a maior percentagem de eleitos políticos locais oriundos de outros concelhos do país.

Quadro nº 47 – Crescimento da população por concelho, 1990-2000-2010

RGPH Concelho 1990 2000 2010 R. Grande 20.851 21.480 18.890 Paul 8.121 8.383 7.032 Porto Novo 14.873 17.179 17.993 Praia 71.276 104.953 132.317 S. Catarina 41.584 49.829 43.297 Cabo Verde 341.491 431.989 491.575 Fonte: INE – Censo 2010

Ao procurar conhecer a ascendência desses eleitos através do mapeamento do município de nascimento dos pais, os dados reforçam a ideia de a Praia ser tida como o município de convergência dos eleitos políticos locais de todos os recantos do país. Praticamente

336 metade (46%) dos eleitos políticos locais da Praia inquiridos afirma que os seus pais são oriundos de outros concelhos, destacando-se os de S. Filipe (14%), de S. Vicente (9%) e de Santa Catariana (4%). Contrariamente, quer nos municípios de Santo Antão, quer no de Santa Catarina, 93% e 83%, respectivamente, dos inquiridos declaram que os seus pais nasceram nesses concelhos.

5.2.6 Estado civil e familiares na política

Mais de metade (55%) dos eleitos políticos locais é casado, sobretudo em Santa Catarina e na Praia com 60% e 62,5%, respetivamente. Em Santo Antão, a proporção de casados nos eleitos políticos locais é de 47%. Em todos os casos, a proporção dos casados nos eleitos políticos locais é muito superior à registada na população de cada um dos municípios em análise. Por outro lado, a proporção de solteiros nos eleitos políticos locais não ultrapassa 22%, sendo mais elevada a taxa em Santo Antão (30%) e mais baixa na Praia (11.6%).

Os resultados indicam que quanto mais urbano maior é a proporção da elite política local casada e que nos meios mais rurais a incidência de solteiros na elite política é maior. A maior proporção de jovens com até 34 anos, na elite política local de Santo Antão (36%), comparativamente à da Praia e à de Santa Catarina, com 25% e 26%, respectivamente, poderá constituir-se numa das razões que, eventualmente, podem explicar a menor incidência de casados nestes eleitos em Santo Antão.

Quadro nº 48 – Eleitos políticos locais e a população segundo e estado civil

Santo Antão Santa Catarina Praia Total

Eleitos População Eleitos População Eleitos População Eleitos População Estado Solteira(o) 29,8% 46,2% 19,0% 36,4% 11,6% 39,7% 21,9% 40,8% Civil Casada(o) 47,0% 16,5% 60,3% 30,1% 62,5% 19,6% 54,5% 20,9% União de facto 17,8% 29,7% 15,9% 23,6% 17,9% 33,3% 17,5% 30,4% Separada/Divor 5,4% 7,5% 4,8% 9,8% 8,0% 7,3% 6,1% 7,9% ciada/viuva(o) Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Fonte: INE – Censo 2000 e o autor

337

Esses dados mostram uma certa estabilidade familiar como condição de lançamento na política dos eleitos políticos locais.

Ao compararmos os dados do estado civil dos eleitos políticos locais em Cabo Verde com os do Brasil, por exemplo, nota-se uma certa proximidade em termos de perfis. Pessoa Jr. (2009: 18), ao traçar o perfil dos eleitos políticos locais de municípios de Inhamuns no Ceará, revela que o percentual dos indivíduos casados é bastante alto, cerca de 70%, entre 1998 a 2008, valor ligeiramente acima do registado nos municípios em estudo em Cabo Verde para praticamente o mesmo período, que é de aproximadamente 55%.

Procuramos analisar também o peso da importância da instituição familiar no processo de recrutamento dos eleitos políticos locais em Cabo Verde. Para tal, perguntamos aos eleitos políticos locais se possuem algum familiar a exercer ou que já tenha exercido algum cargo electivo na política ao nível local e/ou nacional.

Relativamente aos familiares na política, os dados revelam que pouco mais de 1/3 dos eleitos políticos locais admite que algum familiar próximo (pais, irmãos, tios, primos e sobrinhos) já tenha exercido algum cargo político importante seja ao nível local e/ou nacional. Na Praia, cerca de 32% dos inquiridos da elite política local assumem que têm ou tiveram familiares próximos na política. Em Santa Catarina, aumenta para 34% e em Santo Antão para 36%.

Os familiares desses políticos ocuparam um maior número de cargos ao nível nacional (54%) do que local (46%), particularmente em Santa Catarina e na Praia, onde a proporção dos que exerceram cargos no plano nacional alcança 64% e 61%, respectivamente. Em Santo Antão, pelo contrário, o peso dos familiares dos eleitos políticos locais que ocuparam um cargo ao nível local, é maior, 53%, contra 47% ao nível nacional. É no seio do MPD que se registam os valores acima da média com 41% dos eleitos políticos locais a declarar que possuem um familiar próximo que já exerceu um cargo político contra 30% do PAICV.

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Quadro nº 49 – Eleitos políticos locais segundo familiares na política

Algum familiar próximo (por exemplo: pai, mãe, irmãos, tios, primos, sobrinhos) já Praia S. Catarina Santo Antão Total exerceu algum cargo político importante: Sim 31,9 34,4 36,3 34,5 Não 68,1 65,6 63,7 65,5 Total 100 100 100 100 Fonte: O autor

No que diz respeito ao cônjuge, apenas 11% dos inquiridos entre os eleitos políticos locais afirmam que o seu cônjuge/companheiro (a) já exerceu um cargo político importante, com distribuição quase idêntica na Praia, Santa Catarina e Santo Antão. A maioria das esposas (57%) já exerceu um cargo político de dimensão nacional, contra 43% que já ocuparam algum ao nível local. Em Santa Catarina, a maioria das esposas desses eleitos exerceram um cargo ao nível nacional, enquanto na Praia e nos municípios de Santo Antão se constata uma distribuição mais equilibrada (50% para cada lado). Importa realçar que dos eleitos políticos locais do PAICV, 18% declararam que as suas esposas/companheiras já exerceram um cargo político importante, o dobro do registado nos do MPD (9%).

No município de Inhamuns no Brasil, estudado por Pessoa Jr. (2009), a proporção de eleitos políticos locais que afirmam possuir familiares na política é praticamente o dobro da registada em Cabo Verde: “a porcentagem de membros dessa elite que possuem ou possuíram familiares ocupando algum cargo eletivo na cidade é bastante alto, em média 70%, constituindo-se numa oligarquia familiar, uma vez que o pertencimento a famílias tradicionais credencia os indivíduos a assumirem posições de mando. Esse valor só diminuiu nas duas últimas legislaturas, mas não chegou a modificar o quadro em geral” (Pessoa Jr., 2009: 20).

Ainda segundo o autor, “as relações pessoais tiveram um grande peso na inserção desses indivíduos na política, permitindo-lhes desenvolver desde cedo habilidades que os credenciam a posições de elite” (op. cit. p. 21).

339

5.2.7 Conclusão

Do que fica aduzido ao longo do presente capítulo, conclui-se que existe um certo afunilamento no perfil dos eleitos políticos locais, o que acaba por se reflectir num perfil de eleitos diferente dos seus representados, seja em termos geracionais e de género, seja no tocante ao nível escolar e socio-profissional. O que se constata é que diversos grupos sociais se lançam na política com capitais diferenciados e isso se reflecte-se no perfil dos eleitos.

O facto de não haver uma grande presença de mulheres no seio dos eleitos políticos locais significa que, apesar de intensas campanhas de luta em Cabo Verde em prol da promoção da equidade e igualdade do género, o campo político ainda é dominado pelos homens que, de certa forma, conseguem “impedir” o acesso e a circulação das mulheres nessa esfera do poder. Ao nível geracional, nota-se também um fraco acesso dos jovens na elite política local, dominada por indivíduos que tenham idade mais avançada e detentores de um certo percurso político e profissional.

340

Capítulo VI. Conclusão

Os resultados da presente tese de doutoramento indicam, em termos globais, que as elites políticas locais nos diversos municípios cabo-verdianos, são recrutadas preferencialmente entre os indivíduos que desempenham uma actividade na administração pública, possuem uma trajectória de militância política e tenham um diploma universitário.

A questão do género e geracional ocupam pouco peso neste processo, isto é, são variáveis que não emergem como significativas no momento de recrutamento. Para as candidaturas aos cargos no executivo camarário, privilegiam-se sobretudo a posse de um diploma universitário e a experiência profissional, aliados à militância partidária e à ocupação de lugares de chefia na administração pública. Já no tocante às Assembleias Municipais, o critério de recrutamento situa-se entre a militância partidária, a representatividade geográfica e a notoriedade.

À laia de conclusão, importa ainda observar que, em Cabo Verde, o processo de recrutamento das elites políticas locais se caracteriza pela ausência de normas nos estatutos dos partidos políticos, bem como nas práticas que enformam o processo de elaboração das candidaturas dos grupos de cidadãos independentes que estabeleçam as regras formais da selecção dos candidatos. Se é verdade que o processo de recrutamento das elites locais não é uniforme, por não se tratar de uma questão específica que é decidida ao nível dos órgãos locais dos partidos políticos, se acha dependente de algumas orientações dos órgãos nacionais dos partidos sobre a matéria em apreço.

É interessante notar que as orientações das candidaturas dos grupos de cidadãos independentes não inovaram neste aspecto, repetindo os mesmos procedimentos adoptados pelos partidos políticos. O facto de muitas ditas listas independentes terem sido suportadas pelos partidos políticos poderá explicar em parte a reprodução das estratégias partidárias no seio dessas candidaturas.

No recrutamento dos candidatos, a preferência recai sobre os indivíduos que cumulativamente ou maioritariamente preenchem esses requisitos. A militância partidária por si só representa um atributo de peso na esteira do qual a conquista de um

341 lugar na lista em disputa de um cargo político electivo ao nível local e a existência de um laço de proximidade com os partidos políticos, seja na condição de militante seja na de simpatizante, afiguram-se de enorme importancia, com particular destaque nas eleições para a Assembleia Municipal.

A competência técnica do candidato é, por igual, um critério levado em muita consideração no processo de recrutamento, sobretudo para os cargos de vereadores, devido à complexidade técnica da gestão camarária em áreas como o ordenamento do território, o urbanismo e infra-estruturação, além de outras de natureza jurídica e económica.

Uma das conclusões importantes relativamente às fontes de recrutamento é a de que, de facto, a importância atribuída pelas diferentes candidaturas à representatividade geográfica não tem correspondência prática e isto porque os lugares elegíveis são maioritariamente distribuídos entre os candidatos que residam nos bairros de classe média e média alta.

A representatividade geográfica emerge como um critério de importância crucial que contribui para uma maior penetração da candidatura nos diferentes bairros. No entanto, a disposição nas listas dos candidatos oriundos dos diferentes bairros mostra que existe um tratamento diferenciado, sendo os lugares elegíveis ocupados maioritariamente por indivíduos provenientes dos bairros de classe média e média alta, enquanto os residentes nos bairros mais pobres predominam nos lugares menos elegíveis. Associado a este aspecto está a questão da mobilidade espacial dos eleitos políticos locais que ascendem económica e socialmente, e que tendem a fixar residência nos bairros mais estruturados da cidade, isto é, os de classe média e média alta, e surgem nos lugares elegíveis nas listas em detrimento de novas figuras que emergem nos seus bairros de origem.

O estudo indica que a tomada em conta da variável género na conformação das listas de candidaturas ainda é pouco expressiva, significando uma prática discriminatória no que tange ao recrutamento de mulheres. Isso reflete-se no número de mulheres eleitas que é manifestamente inferior ao dos homens, o que se explica pelo facto de um dos espaços onde se decide a formulação das listas, ou, mais exactamente, as comissões concelhias locais dos partidos políticos, ser constituído maioritariamente por homens.

342

Levantámos a hipótese da importância do capital social, político e escolar no processo de recrutamento e nas estratégias de sobrevivência e de reprodução das elites políticas locais. Os resultados do estudo corroboram-na, embora com maior incidência na Praia, onde o universo de escolha entre os licenciados é maior. O capital social que se manifesta através das redes de relações garante, em grande medida, a sobrevivência e a reprodução das elites políticas locais. São os indivíduos que utilizam as redes de relações familiares e políticas que conseguem uma maior longevidade em termos de carreira política, beneficiando, inclusive, em maior grau, do processo de circulação vertical ascendente e descendente, pois consolidam as suas posições políticas ao nível local e jogam com as suas redes de relação e de influência para se projectarem ao nível nacional.

A taxa de reprodução entre a elite política local não ultrapassa, em média, uma franja superior a 25% dos eleitos, embora nos municípios de Santo Antão, particularmente no da Ribeira Grande, conquistada na maioria dos pleitos eleitorais por um grupo independente, tenha sido das mais elevadas em Cabo Verde, situando-se à volta de 40%. Uma das categorias profissionais que sobressai entre os eleitos é a dos professores com uma representação acentuada em todos os municípios em estudo à excepção do da Praia. A sua inclusão nas listas das diferentes candidaturas deve-se ao prestígio que esta categoria goza junto das comunidades com um destaque especial para as de cariz rural.

O peso do capital político na reprodução dos eleitos é evidente, pois os eleitos políticos, que têm renovado os seus mandatos, são constituídos maioritariamente por militantes que fazem parte das estruturas partidárias, seja ao nível local e/ou nacional.

A reprodução das elites políticas locais cabo-verdianas, diferentemente de outras realidades, ainda não se radica na hereditariedade, provavelmente devido à juventude da democracia. No entanto, nota-se nela um peso significativo de familiares na política entre os integrantes de todos os partidos políticos, o que indicia o fortalecimento das redes de relações familiares, enquanto capital utilizado pelos políticos nas suas estratégias de reprodução política e na defesa dos interesses particulares, na forma politicamente passível de ser universalizada.

343

No que se refere à renovação dos eleitos políticos locais, ela tem-se mostrado elevada quer, num primeiro momento, em relação aos indivíduos que fizeram parte da cena política local durante o regime do partido único que vigorou de 1975 a 1990, quer entre os nomeados no período de transição, entre Fevereiro de 1990 a Janeiro de 1991, com a tomada de posse do governo do MPD eleito na sequência das primeiras eleições livres e multipartidárias realizadas em Cabo Verde. A incidência da renovação tem sido diferenciada em função dos municípios, sendo mais elevada em Santa Catarina e na Praia e menos nos de Santo Antão, particularmente no da Ribeira Grande constituído por um “núcleo duro” que sofreu poucas alterações no decorrer das cinco eleições autárquicas realizadas até 2008. A taxa de renovação dos eleitos políticos locais, alcançou uma média de 76.0% ao longo das cinco eleições municipais realizadas desde 1991. Praia é o município onde sucede a maior taxa de renovação com valores muito acima da média, alcançando 90.%. Santa Catarina e Santo Antão apresentam também valores consideráveis, mas situam-se abaixo dos registados na Praia, com 79.2% e 68.2%, respectivamente.

Constata-se, contudo, uma diferença significativa entre os três municípios de Santo Antão, sendo o da Ribeira Grande aquele que apresenta, em média, uma taxa de renovação mais baixa, à volta de 61.5%, seguida do Porto Novo, 65.6%, ao contrário do município do Paul que consegue uma média de 80.6% para o mesmo período em análise. A diferença entre Paul e os demais municípios desta ilha, em termos de taxa de renovação, poderá dever-se à mudança da equipa camarária que, neste concelho, já passou pela gestão de um grupo independente de cidadãos e pelos dois maiores partidos políticos nacionais, enquanto na Ribeira Grande e no Porto Novo não ocorreu nenhuma mudança profunda no que concerne às respectivas lideranças locais, sendo que no Porto Novo, o MPD foi sempre o partido vencedor e na Ribeira Grande, o “núcleo duro” dos indivíduos que ganharam a Câmara Municipal, em 1991, continuou no poder até o momento, não obstante a mudança de sigla, ou seja, apresentaram-se pela primeira vez em 1991 numa lista do MPD para, na eleição seguinte, surgirem enquanto grupo independente e, em 2008, voltaram a integrar a lista do MPD.

Importa realçar também que a taxa de renovação tem sido mais elevada no momento em que se regista a mudança do partido no poder. No concelho da Ribeira Grande, a

344 continuidade do mesmo grupo no poder autárquico pode explicar a mais baixa taxa de renovação registada entre os municípios em estudo de 1991 a 2008. Assim, pode inferir -se que a continuidade do partido ou de grupo de cidadãos no poder municipal, favorece a renovação dos mandatos.

O feito do grupo independente na Ribeira Grande traduziu-se na construção de uma ampla hegemonia social ao nível local que vem permitindo a sua reprodução eleitoral e a consequente manutenção no poder neste município. A referida hegemonia social foi construída em grande parte em torno de um projecto regional pautado na defesa dos interesses da ilha acima dos interesses partidários. O que tem acontecido no cenário político local na Ribeira Grande, entretanto, vai na contramão da trajectória observada nos outros concelhos em estudo, com uma considerável taxa de renovação.

A taxa de renovação é maior nas duas faixas extremas, ou seja, entre os mais jovens e os mais idosos. Professores e funcionários públicos são as categorias atingidas em menor proporção pelas taxas de renovação no conjunto das profissões. Deste modo, pode concluir-se que a actividade profissional originária dos candidatos a uma eleição municipal é uma variável importante a levar em consideração quando se analisa a renovação dos mandatos e, consequentemente, a “carreira política” que gera uma competição permanente entre os aspirantes aos cargos políticos.

A taxa de renovação das elites políticas locais cabo-verdianas é elevada comparativamente à dos eleitos políticos locais em Portugal, no Canadá e no Brasil, países com uma experiência democrática mais consolidada e com uma maior estabilidade na composição das autarquias locais. Relativamente aos países da sub- região africana, nomeadamente o Senegal e o Mali, as taxas de renovação dos eleitos políticos locais são muito próximas umas das outras. Importa ter em atenção que a sua renovação, não se deve a factores como, o elevado índice de analfabetismo dos eleitos, como acontece nos dois países acima referidos, mas prende-se muito mais com questões que têm a ver com a pouca atractividade particularmente do cargo dos deputados municipais, que não é remunerado.

Uma outra pergunta que colocámos é a de saber como se posicionam as elites políticas locais nas diferentes esferas do poder no que se refere à defesa do interesse nacional

345 versus dos seus respectivos municípios de origem. Apresentámos como hipótese os casos de Santa Catarina e da Praia, onde, de uma forma geral, as elites políticas apostam na defesa do nacional, enquanto em Santo Antão se observa uma maior preocupação por parte da sua elite política na defesa do local/regional.

Na verdade, os dados corroboram a hipótese da defesa do nacional por parte das elites políticas locais da Praia e do local pelas elites políticas locais de Santo Antão. No entanto, relativamente aos de Santa Catarina, os dados testemunham a nossa hipótese apenas em parte, visto que, de forma geral, a defesa do local faz parte do comportamento dos eleitos políticos locais de todos os círculos do país à excepção do da Praia.

A questão da defesa do local e do nacional está ligada à disputa da centralidade entre as elites políticas locais da capital (Praia) e as do norte, representadas por Mindelo, que, em determinado momento histórico, disputou a centralidade com a Praia. Como acabamos de afirmar, em Cabo Verde, num certo período histórico (período colonial), as regiões actualmente “periféricas” foram as principais responsáveis pela produção das elites locais, no caso, as elites intelectuais. Entre as regiões periféricas sobressaem as ilhas do entorno da ilha de S. Vicente como ponto de referência identitária da elite do norte e, particularmente, de Santo Antão, que disputa, historicamente, a centralidade com a cidade capital – Praia.

Parte da elite política das ilhas a norte de Cabo Verde tende a promover a divisão do país entre o norte e o sul em função das suas estratégias de luta pela apropriação do Estado e dos bens colectivos deste. Em abono da verdade, em todos os círculos eleitorais, nota-se que existem deputados com posturas mais locais e outros mais nacionais nas suas intervenções. Para os deputados de Santo Antão, grosso modo, há uma tendência para uma maior preocupação com as questões locais que dizem respeito aos seus círculos. Alguns dos eleitos políticos locais de Santo Antão, ao defender os interesses do seu círculo eleitoral, consideram que estão a contribuir também para a defesa desses interesses a nível nacional. Outros eleitos políticos locais de Santo Antão demarcam-se dessa posição porque acham que o deputado deve ter uma preocupação com a defesa do nacional deixando de lado as questões locais.

346

Nos deputados, eleitos por Praia, o sentimento dominante é o da defesa da nação, ou seja, embora se considerem deputados, eleitos por um determinado círculo, não se sentem de todo a ele vinculados a ponto de trazerem as suas questões para o debate na plenária da Assembleia Nacional. A lógica do eleito político local da Praia é inversa à demonstrada pelos de Ribeira Grande em Santo Antão. Enquanto o eleito político local deste município explora o local e se posiciona na defesa de um interesse local como uma forma de fazer a defesa do interesse nacional, o da Praia faz a defesa de um interesse nacional para se poder projectar regionalmente. Há claramente uma inversão da lógica e de comportamento.

No caso dos políticos locais fora da Praia, apenas quando já têm uma projecção nacional e ambicionam cargos políticos mais relevantes, têm a estratégia de promover discursos de carácter mais universalista.

Quando o eleito político local de Santo Antão sai em defesa dos interesses específicos da sua ilha, pensa que isto não é ser bairrista e sim nacionalista, porque tende a pensar que a particularidade de algo, tido como mais periférico, congrega a nação, enquanto a defesa da particularidade do espaço, que é mais central, fere o sentido da universalidade. Os eleitos dessa ilha partem do princípio de que os da Praia não precisam de defendê-la porque ela já é central. Defender Praia, que é um espaço central, defender os seus interesses, constitui um particularismo, pois o centro não precisa de ser defendido, uma vez que já se encontra “naturalmente” no centro da atenção política nacional. A centralidade da Praia, que advém do facto de ela ser a capital do país, a sede política e administrativa, onde estão sediados o Parlamento e o Governo, pode gerar um certo “conflito” aos olhos dos deputados da Praia no sentido de estarem numa posição dúbia de representantes da Praia, enquanto espaço do círculo, do município, e da Praia, enquanto capital do país, que representa o todo nacional. Essa dupla função constitui uma particularidade exclusiva de quem tem a função de representar o município que assume a capitalidade do país.

Note-se que os deputados da periferia defendem o local em nome da nação, enquanto os da Praia não o conseguem fazer. Defendem directamente a nação sem a mediação do

347 local. Na realidade, a existência de vários espaços de intervenção política que se concentram na Praia, todos com visibilidade ao nível nacional, provavelmente, permite à maioria dos deputados, eleitos pelo círculo da Praia, prescindir das suas intervenções ao nível das sessões plenárias no Parlamento, cientes de que esse papel de reivindicação de carácter mais local poderá ser preenchido na Assembleia Municipal da Praia que goza de maior visibilidade comparativamente às demais Assembleias Municipais dos outros municípios.

As elites políticas locais da Praia e de Santa Catarina, particularmente as da Praia, tomam com mais frequência posicionamentos no Parlamento que vão no sentido da defesa de uma identidade nacional, enquanto as de Santo Antão, assim como as das outras ilhas do norte do país, tendem, de forma maioritária, a defender uma identidade mais marcadamente local/regional.

Por último, os dados do estudo levam-nos a concluir que os eleitos políticos locais de uma forma geral se diferenciam, em termos médios, da maioria da população em termos escolares, e socioprofissionais. O perfil dos eleitos mostra-se diferente dos seus representados, seja em termos geracionais e de género, seja no tocante ao nível escolar e socioprofissional.

O que se constata é que diversos grupos sociais se lançam na política com capitais diferenciados e isso se reflecte no perfil dos eleitos. Por exemplo, o facto de não haver uma grande presença de mulheres entre os eleitos políticos locais significa que, apesar de intensas campanhas de luta em Cabo Verde em prol da promoção da equidade e igualdade do género, o campo político ainda é dominado por homens que, de certa forma, conseguem “impedir” o acesso e a circulação das mulheres nessa esfera do poder. Ao nível geracional, nota-se também um fraco acesso dos jovens à elite política local, dominada por indivíduos que têm idade mais avançada e que são detentores de um certo percurso político e profissional digno de nota.

Um outro aspecto interessante entre os eleitos políticos locais é o elevado número de casados, o que demostra uma certa estabilidade familiar como condição de lançamento na política por parte dos eleitos políticos locais.

348

Estudo desse tipo não permite colocar a termo debates que opõem vertentes mais estruturalistas nos estudos de elites do tipo que propõe Poulantzas com o conceito de bloco no poder e vertentes mais inter-acionistas que colocam enfâses em micro análises nas relações entre as elites económicas e políticas.

Contudo, permite-nos descortinar empiricamente e de modo relacional, como se imbricam as lógicas de reprodução de velhas elites com as lógicas de renovação em estados pós-coloniais recentes. Conceitos como de redes (Sawicky) e de capital social (Bourdieu), nos permitem sair da oposição entre estruturalistas e inter-acionistas de modo relacional.

Os resultados da pesquisa fornecem pistas para novos estudos que podem correlacionar as discussões sobre as elites e as conformações sobre o estado de direito, formulação de políticas públicas e equidades sociais. A resposta às questões sobre as possibilidades de instauração de um estado de direito com equidade depende em larga medida das transformações nas lógicas de recrutamento e de reprodução das elites políticas locais.

As principais conclusões a que chegámos encorajam-nos a prosseguir com as investigações deste jaez, sendo certo que, não obstante as suas limitações temporais e espaciais, impostas pela própria delicadeza da abordagem, o caminho a seguir trará resultados bem maiores do que os até agora dados aqui à estampa.

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Estatuto dos deputados, Lei n.º 35/V/97 de 25 de Agosto

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Resultados das Eleições Autárquicas

BO (Suplemento), nº 50 de 18 de Dezembro de 1991

BO, II Série, nº 7 de 12 de Fevereiro de 1996

BO, II Série, nº 8 de 19 de Fevereiro de 1996

BO, II Série, nº 9 de 26 de Fevereiro de 1996

BO, II Série, nº 10 de 04 de Março de 1996

BO, II Série, nº 11 de 11 de Março de 1996

BO, II Série, nº 22 de 03 de Junho de 1996

BO, II Série, nº 25 de 24 de Junho de 1996

BO, II Série, nº 45 de 11 de Novembro de 1996

BO, II Série, nº 46 de 18 de Novembro de 1996

BO, I Série, nº 6 de 06 de Março de 2000

BO, I Série, nº 10 de 05 de Abril de 2004

BO, I Série, nº 20 de 04 de Junho de 2008

Resultados das Eleições Legislativas

BO (Suplemento), nº 3 de 25 de Janeiro de 1991

368

BO (Suplemento), II Série, nº 52 de 27 de Dezembro de 1995

BO (Suplemento), I Série, nº 2 de 22 de Janeiro de 2001

BO (Suplemento), I Série, nº 11 de 14 de Março de 2006

Outros Boletins Oficiais

BO nº 20 de 15 de Novembro de 1975

BO nº 24 de 13 de Dezembro de 1975

BO nº 15 de 15 de Abril de 1978

BO nº 50 de 13 de Dezembro de 1980

BO nº 48 de 26 de Novembro de 1983

BO nº 88 de 05 de Janeiro de 1988

BO nº 34 de 26 de Agosto de 1989

BO nº 39 de 29 de Setembro de 1990

369

Anexos # Questionário |___|___|___| Questionário dirigido aos Eleitos Políticos Locais

A aplicação do presente questionário tem como objectivo principal recolher informações sobre a trajectória dos indivíduos que integram a elite política local nos concelhos da Praia, de Santa Catarina, do Paul, de Porto Novo e da Ribeira Grande no período compreendido entre 1991 e 2008. O mesmo enquadra-se no âmbito da realização de uma investigação, tendo em vista a elaboração de uma tese de doutoramento em Sociologia Política. As informações por si disponibilizadas serão utilizadas estritamente para os fins académicos a que se propõe o estudo, garantindo, assim, a sua confidencialidade. Agradeço antecipadamente a sua preciosa colaboração.

Código

1. Praia □ 2. Santa Catarina □ 3. Ribeira Grande □

4. Paul □ 5. Porto Novo □

NOME ______Data: ___/___/___

1. Sexo: 1.1. M □ 1.2. F □ 2. Idade: ___/___/

3. Município de nascimento: ______

4. Município de nascimento dos seus pais ______

5. Município de residência no momento da 1ª eleição ______

6. Município de residência actual ______

7. Bairro/Local de residência actual ______

8. Estado civil: 8.1. Casado□ 8.2. Solteiro□ 8.3. União facto□ 8.4. Separado□

370

9. Escolarização máxima completada:

9.1. Doutoramento □

9.2. Mestrado □

9.3. Licenciatura □

9.4. Bacharelado □

9.5. Ensino Secundário □

9.6. EBI □

9.7. Analfabeto □

10. Indique a sua profissão: ______□

11. Neste momento encontra-se a trabalhar no? Assinale a(s) resposta(s) correcta(s).

11.1. Sector Privado |__|

11.2. Adm. Pública/Empresa Pública |__|

11.3. Cargo Público |__|

12. Alguma vez trabalhou no Sector Privado? 12.1. Sim □ 12.2. Não □

13. Alguma vez trabalhou na Administração Pública? 13.1. Sim □ 13.2. Não □ 14. Em que ano começou a trabalhar?

14.1. Sector Privado ano |______|

14.2. Adm. Pública ano |______|

15. Indique os principais cargos que ocupou no sector privado e os respectivos anos

15.1. ______Ano: ______

15.2. ______Ano: ______

15.3. ______Ano: ______

371

15.4. ______Ano: ______

15.5. ______Ano: ______

15.6. ______Ano: ______

16. Indique os principais cargos que ocupou na Admin. Pública e os respectivos anos

16.1. ______Ano: ______

16.2. ______Ano: ______

16.3. ______Ano: ______

16.4. ______Ano: ______

16.5. ______Ano: ______

16.6. ______Ano: ______

17. Indique qual foi o seu primeiro cargo político e os anos em que o exerceu:

______Ano: ______

18. Indique os restantes cargos políticos que exerceu e os respectivos anos em que os exerceu:

18.1. ______Ano: ______

18.2. ______Ano: ______

18.3. ______Ano: ______

18.4. ______Ano: ______

18.5. ______Ano: ______

18.6. ______Ano: ______

18.7. ______Ano: ______

18.8. ______Ano: ______

372

19. Actualmente exerce algum cargo político?

19.1. Sim □ 19.2. Não □ passar a 21

20. Se sim, qual: ______

21. A relação pessoal já foi fundamental na eleição de algum dos cargos políticos que ocupou? 21.1. Sim □ 21.2. Não □ passar a 23

22. Se sim, indique quais:

22.1. Familiar □

22.2. Amizade □

22.3. Outra ______□

23. Por que optou pela carreira política: (aceita-se mais do que uma resposta)

23.1. Pelo incentivo familiar e de amigos □

23.2. Por convicções políticas; □

23.3. A remuneração é mais elevada; □

23.4. Por vocação □ 23.5. Outra razão: ______

24. Onde começou a sua carreira a nível político: (assinale com x dentro da quadrícula apenas a resposta correcta)

24.1. Na estrutura partidária ao nível local: □

24.2. Como Deputado Municipal: □

373

24.3. Como vereador: □

24.4. Como Presidente da Assembleia Municipal: □

24.5. Como Presidente da Câmara Municipal: □

24.6. Como Ministro ou Secretário de Estado: □

24.7. Na estrutura partidária ao nível nacional: □

24.8. Organização de massa: □

24.9. Sindicato: □

24.10. Associação Comunitária/ONG: □

24.11. Como Deputado da Nação □

24.12. Outra: ______□

25. Algum familiar próximo (por exemplo: pai, mãe, irmãos, tios, primos, sobrinhos) já exerceu algum cargo político importante:

25.1. Sim □ 25.2. Não □ passar a 27

26. Se sim, qual: ______

27. A sua esposa(o)/companheira(o) já exerceu algum cargo político importante:

374

27.1. Sim □ 27.2. Não □ passar a 29 27.3. N/Se Aplica□ passar a 29

28. Se sim, qual: ______

29. Considera que o seu principal contributo enquanto político foi: (assinale apenas uma única resposta)

29.1. No sentido de desenvolver o seu círculo eleitoral □

29.2. Teve uma preocupação com o desenvolvimento a nível nacional □

30. No Parlamento, as suas intervenções estão mais centradas: (assinale apenas uma única resposta)

30.1. No período antes da ordem do dia □

30.2. Nas perguntas ao Governo □

30.3. Nos debates sobre o Estado da Nação □

30.4. Noutros debates/Feitura de leis □

30.5. N/se aplica □

31. Enquanto Ministro/Secretário de Estado alguma vez tentou canalizar/influenciar verbas do orçamento do seu ministério para o seu município de origem:

31.1. Sim □ 31.2. Não □ 31.3. N/Se Aplica □

32. Sente-se (ou já foi) próximo de algum partido político:

32.1. Sim □ 32.2. Não □

33. Se sim, qual: ______FIM

Contacto do respondente: (tel, email) ______

Obrigado pela sua colaboração

375

Guião de Entrevista

Tópicos para as ENTREVISTAS dirigidas aos deputados nacionais, Ministros/Secretários de Estado, Presidentes das Câmaras Municipais, Vereadores, Deputados Municipais, Membros da Direcção do Partido a nível Local e indivíduos próximos desses políticos

Como vieste a política, como começaste? (pergunta dirigida a todos)

O que te motiva na política (porque dizes isso, o que isso quer dizer, dê-me um exemplo) (pergunta dirigida a todos)

1. Você considera ser um deputado nacional ou um deputado do seu círculo eleitoral? Entende que os deputados dos outros círculos eleitorais agem da mesma forma que você age em relação ao seu círculo (defendendo os interesses do seu círculo) ou não e porquê? (sim, porquê) (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Deputado da Nação)

2. Você considera que os deputados de todos os círculos eleitorais têm como preocupação maior a defesa dos interesses nacionais ou a dos seus círculos eleitorais? Sim ou não, justifique se possível com exemplos. (pergunta dirigida a todos)

3. Enquanto deputado da nação já conseguiu sensibilizar os ministros das diferentes pastas para fazerem algum tipo de investimento no seu concelho. Se sim, indique que Ministros e quais os investimentos. Se não, diga-nos porquê não actua dessa forma. (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Deputado da Nação)

376

4. Enquanto deputado enumere aquelas que você considera como sendo as suas principais intervenções no Parlamento. (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Deputado da Nação)

5. O que motiva as suas intervenções no Parlamento? (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Deputado da Nação)

6. Existem outras intervenções que você gostaria de ter feito e não fez? Se sim indique quais e as razões que o impediram de fazer tais intervenções? (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Deputado da Nação)

7. Você mudou a sua maneira de ver os problemas de Cabo Verde depois que passou a residir na capital do país ou não? Sim ou não, porquê? (pergunta dirigida a todos que migraram para a Praia)

8. Considera que a capital do país é privilegiado pelo governo ou não? Sim ou não, porquê? (pergunta dirigida a todos)

377

9. Você se identifica mais com o seu município de origem ou com o município onde reside actualmente? Porquê? (pergunta dirigida a todos)

10. Já fez algum lobbye para o seu município, se sim de que tipo, se não porquê? (pergunta dirigida a todos) Consideras que os políticos de outros municípios, particularmente de Santa Catarina e de Santo Antão fazem lobbye para os seus municípios?

11. Qual a frequência que visita o seu círculo eleitoral? Nessas visitas fala sempre dos problemas do seu círculo ou costuma falar com os seus eleitores dos problemas de Cabo Verde de uma forma geral? (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Deputado da Nação)

12. Considera o seu círculo injustiçado em relação aos outros? Se sim indique as razões? (pergunta dirigida a todos)

378

13. A sua actuação no parlamento é determinada pela sua posição conjuntural de estar do lado do partido que está no poder ou na oposição? Até que ponto isso influencia o seu comportamento numa defesa mais forte dos interesses nacionais ou locais? (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Deputado da Nação)

14. Enquanto Ministro ou Secretário de Estado teve alguma preocupação em defender os interesses do seu círculo de origem, canalizando recursos para o seu círculo? Sim ou não e porquê? (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Ministro ou Secretário de Estado)

15. Na preparação do orçamento do seu ministério já deu alguma atenção especial ao seu círculo eleitoral? Conhece ou tem informações de colegas que procuram beneficiar os seus círculos eleitorais? Poderia exemplificar? (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Ministro ou Secretário de Estado)

16. Indique quais são as suas principais realizações enquanto esteve a frente do seu Ministério? (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Ministro ou Secretário de Estado)

379

17. Que projectos gostaria de avançar durante o período que esteve à frente do seu ministério e não conseguiu avançar e quais os motivos o impediram de fazer isso? Onde seriam executados esses projectos? (pergunta dirigida apenas aqueles que ocupam/ocuparam o cargo de Ministro ou Secretário de Estado)

18. Tens amigos na política? (onde, o que fazem, trabalham juntos ou não, qual é a tua definição de amigo) (pergunta dirigida a todos)

19. Para você a partir das suas experiências para que serve a descentralização/municipalidade? (pergunta dirigida a todos)

20. Porque é importante para você se engajar na política local, porque ficas aqui no teu município e não concorres a Assembleia Nacional? (pergunta dirigida só aqueles que fazem a política ao nível local)

21. O que te levou a concorrer a outros cargos a nível nacional? (pergunta dirigida aqueles que ocuparam o cargo de deputado da nação ou Ministro/Secretário de Estado)

22. Consideras que tens dado o teu contributo para o desenvolvimento do teu município? (Sim, dê exemplos, se não porquê) (pergunta dirigida a todos)

380

23. Consideras que tens dado o teu contributo para o desenvolvimento de outros municípios do país? (Sim, indique quais e dê exemplos, se não porquê) (pergunta dirigida a todos)

24. Consideras fazer parte da elite local? (Sim ou não, porquê) (pergunta dirigida a todos)

25. Como avalias a elite política local do teu município? (forte/fraca, importante ou não, qual o seu papel no desenvolvimento do municipalismo – se sim, desde quando, onde, de que forma) (pergunta dirigida a todos)

Identificação

Nome: ______

Idade ______

Cargos políticos ocupados: ______

______

______

381

Cargos profissionais ocupados: ______

______

______

Concelho que representa: ______

Proximidade Partidária: ______

Grau Máximo de escolarização ______

Profissão ______

O que faz/fazia o teu pai?

Grau de escolaridade ______

Profissão ______

O que faz/fazia a tua mãe?

Grau de escolaridade ______

Profissão ______

Quantos irmãos tens?

Quantos têm formação superior?

O que fazem profissionalmente?

Quanto dedicam à política activa?

Obrigado pela sua colaboração

382