Kriolidadi 37
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2 A Semana - sexta-feira, 3 de Jun. 2005 K R I O L I D A D I CARLOS CARVALHO, presidente do IIPC “Tanto o Estado como os privados têm que fazer cedências” Na sequência da reportagem sobre património histórico privado, publicada neste suplemento há três semanas atrás, Kriolidadi mostra agora a resposta do presidente do Instituto da Investigação e do Património Culturais, Carlos Carvalho, às críticas dos proprietários. A discussão está em aberto, numa altura em que o IIPC prepara a candidatura do plateau da Praia a Património da Humanidade. POR: PEDRO MIGUEL CARDOSO Kriolidadi - Os proprietários de casas como uma mais-valia, como acontece em todo classificadas dizem que a lei do patrimó- o mundo, e agir de acordo com isso. Actual- nio em vigor encarrega-os de uma série de mente, os proprietários apenas vêem as suas obrigações mas não contempla os seus di- casas como algo que não lhes traz mais-valias reitos. Ao mesmo tempo, numa mesa-re- económicas e financeiras. donda recente onde esta questão foi discu- - Mas isto acontece porque o actual qua- tida, defendeu a revisão da lei. O que é que dro legislativo não os favorece. tem que mudar? - Concordo, mas mesmo que os favoreces- Carlos Carvalho - O dispositivo legal so- se, em muitos casos a questão manter-se-ia, bre o património é uma lei global datada de porque o que a maioria dos proprietários quer finais de 1990, cujo grande problema é não ter é rentabilizar um espaço que vale ouro, atra- sido regulamentada. Assim sendo, actualmen- vés da demolição das casas antigas e da cons- te não há nenhum dispositivo com força legal trução de outra, no seu lugar. Esse é que é o que enquadre a classificação do património. É grande problema. Mas se permitimos que os por isso necessário rever, regulamentar e ac- moradores derrubem os edifícios a seu bel-pra- Património Património tualizar a lei para ficarmos a saber, por exem- zer, daqui a pouco não há mais centro históri- plo, que critérios devem ser tomados em con- co na Praia nem em qualquer outro lado. ta na hora de classificar os bens ou que regime - Que alternativas poderão ser então cri- de compensações poderemos aplicar. Entretan- adas? to, já estabelecemos contactos com a UNES- - Terá que ser encontrada uma solução onde CO para nos ajudar com estas questões. ninguém saia prejudicado, que poderá passar, - Quando é que estes regulamentos es- por exemplo, pela atribuição de terrenos. No tarão prontos? entanto, penso que a alternativa devia ter sem- - É uma questão que permanece em aber- pre em conta, preferencialmente, a fixação das to, porque precisamos de meios financeiros. pessoas no Plateau, para evitar a desertifica- Mas ainda antes dos regulamentos precisamos ção do centro histórico. de inventariar todos os bens culturais a nível - Uma das queixas dos proprietários é a nacional, o que até agora só foi feito nos mu- de que não foram tidos nem achados ao lon- nicípios da Praia, Mindelo, S. Filipe e Ribeira go de todo o processo de classificação das Grande. Mas também estes inventários preci- casas, e que souberam que viviam num imó- sam de ser actualizados. Só depois de termos vel “especial” por acaso. concluído todo o levantamento é que passare- - A classificação das casas do centro históri- mos à fase da classificação. co da Praia foi feita pelo Gabinete de Salvaguar- - Fizeram já a calendarização destas ac- da do Plateau, não pelo IIPC. No entanto, duvi- tividades? do que as pessoas não soubessem que as suas - Para já, o que temos previsto é uma for- casas estavam a ser classificadas, ainda para mais mação em 2006, na Direcção-Geral do Patri- vivendo lá. Não digo que não se tenha passado mónio em França, onde vamos aprender no- desta forma, mas ponho as minhas dúvidas. vas técnicas de inventariação. - Um dos donos de uma destas casas, que - No que toca ao património, de que for- Kriolidadi entrevistou, falou de um “ping- ma se podem compatibilizar os interesses pong” de responsabilidades entre o Minis- públicos e privados? tério da Cultura e a Câmara Municipal da - Acima de tudo, tem que haver uma deci- Praia, quando chegou o momento de pro- são política quanto ao património que já foi curar respostas sobre o porquê da sua casa classificado e inventariado. E, muito impor- ter sido classificada. Essa alegada falta de tante, tanto o Estado como os privados têm que coordenação entre poder central e autárqui- estar dispostos a fazer cedências, de forma a co, no que toca ao património, é efectiva? alcançarem um equilíbrio de interesses. Por- - O que posso garantir é que, pelo menos que as duas partes têm responsabilidades e di- no caso no caso que li na reportagem, nunca reitos, na sequência dessa classificação. Por um ninguém contactou o IIPC sobre esse assunto. lado, o Estado tem que proteger o património No entanto, admito que não há uma definição e ter em conta a eventual falta de meios finan- clara da forma como “as coisas” do património ceiros dos proprietários, mas por outro, o dono devem desenrolar-se, onde acaba o papel de um tem também que começar a ver o património e começa o do outro. As câmaras têm feito a A Semana - sexta-feira, 3 de Jun. 2005 3 K R I O L I D A D I PATRIMÓNIO DO ESTADO EM INVENTARIAÇÃO “Inventário” parece ser a palavra de ordem também no que toca ao pa- trimónio não cultural do Estado. Como adiantou António Soares ao Kriolidadi, “neste momento esta- mos a fazer o levantamento e a iden- tificação do património construído, de forma a sabermos com precisão onde está e em que estado está”. Após a conclusão deste instrumen- to, a DGP fará, então, uma estimativa do montante necessário para a remo- delação do património. Embora o processo ainda esteja sua gestão do património, mas cabe unicamen- - Em que ponto se encontra o dossier de outro, é o mesmo Estado que se desleixa em curso, o Director-Geral do Patri- te ao Ministério da Cultura a classificação. candidatura? em relação aos imóveis que possui. Como mónio antecipa-se: “O nosso patri- - O Ministério da Cultura está a desen- - Na próxima semana vou para o Benin, reage a estas críticas? mónio encontra-se muito degradado volver algum trabalho para acabar com esta participar num atelier de formação da UNES- - Não lhes reconheço qualquer fundamen- e vamos precisar de um grande in- indefinição? CO sobre a preparação de propostas de inscri- to. Quando dizem que o Estado deixa cair o vestimento distribuído por várias fa- - Numa reunião que fiz em Santo Antão ções de bens culturais candidatos à inscrição património histórico que detém é porque des- ses, para que chegue a um estado aceitável. Somos um país sem mui- com os autarcas, depois das últimas eleições na Lista de Património Mundial. A partir daí conhecem o que temos estado a fazer um pou- tos recursos, e por isso o restauro municipais, decidimos concertar esforços para vamos ficar mais capacitados para tentarmos co por todo o país. É lógico que não temos dos imóveis que nos pertencem sem- definir os perímetros dos vários centros histó- levar o processo a bom porto. [Este atelier de dinheiro para reabilitar tudo de uma vez. E por pre foi secundarizado”. ricos, para depois podermos fazer o inventá- formação decorreu durante uma semana e ter- isso estas recuperações têm ser suportadas, A inventariação está a ser condu- rio e a classificação dos espaços. Mas às ve- mina hoje.] Na minha opinião temos que ca- quase obrigatoriamente, pelo financiamento de zida pela DGP, em conjunto com as zes o que se programa não se cumpre e para minhar para transformar aquele planalto num entidades externas. câmaras municipais. Segundo Antó- já, pouco foi feito nesse sentido. No entanto centro cultural com salas de espectáculo, mu- - O que é que o IIPC está a fazer nesta nio Soares, esta parceria permitirá estamos todos empenhados em criar as condi- seus, com o Palácio da Cultura. área, em concreto? “clarificar que património é da autar- quia e que património é do Estado”, ções para que isso aconteça, até porque as pró- - Essa aposta passará, decerto, pela cri- - Em S. Nicolau, por exemplo, estamos dada a indefinição “que se coloca em prias Câmaras Municipais precisam de ter esse ação do tão falado Museu Nacional, no a investir na recuperação da Igreja da Nossa várias situações e que criou já algu- instrumento para a gestão urbana. Quartel Jaime Mota. Em que ponto está esse Senhora do Rosário, do Forte da Preguiça, mas confusões entretanto resolvi- Património - Uma vez que a revisão da lei, a neces- processo? estamos a ver as possibilidades de intervir- das”. No entanto, garante, “não va- Património sidade de a regulamentar e de encontrar - No que toca ao IIPC, a recolha do espó- mos também no antigo campo de concen- mos expulsar ninguém dos nossos um regime de compensações parece reu- lio museológico está em fase de conclusão. tração do Tarrafal e de criar um museu de edifícios, esta é apenas uma forma de nir consenso de todas as partes envolvidas, Pela informação que tenho, as negociações arte sacra no Seminário; em Santo Antão definir quem detém o quê”. porque é que esta questão apenas está a para a desafectação do quartel do Ministério queremos recuperar a Igreja de Ribeira Entre o património a ser inventari- ser equacionada pelo Estado quinze anos da Defesa estão na fase final. Por isso, parece Grande e vamos criar no Paul um género de ado estará também o de índole histó- rica e cultural.