Rappers Cabo-Verdianos E Participação Política Juvenil

Rappers Cabo-Verdianos E Participação Política Juvenil

Rappers Cabo-Verdianos e Participação Política Juvenil Redy Wilson Lima1 Resumo Numa altura em que os jovens cabo-verdianos parecem estar de- defender publicamente o voto obrigatório, o rap, quer seja na ver- tentesinteressados pan-africanista da vida quer política seja do na país, vertente levando gangsta alguns, surge políticos como a - sociedadeforma de expressão marcadamente política partida, por excelência em que ade politica uma juventude partidária pe é entendidariférica em como busca o de principal afirmação recurso pessoal, de ascensão social e identitária, social. numa Palavras-chave: juventudes, hip-hop, sociedade civil, participa- ção política, Cabo Verde Cape-Verdeans Rappers and Youth Political Participation Abstract At a time when the young Cape Verdeans seem uninterested in the political life of the country, leading some politicians to publicly de- fend mandatory voting, RAP, whether the pan-africanist strand ei- ther in part gangsta, emerges as a form of political expression par social and identity in a society markedly shattered, where partisan politicsexcellence is understood of a peripheral as the youth principal in search resource of personal for social affirmation, mobility. Keywords: youths, hip-hop, civil society, political participation, Cape Verde 1 Sociólogo. Doutorando em Estudos Urbanos na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e no Instituto Universitário de Lisboa, investigador e professor assistente na Universidade de Santiago e no Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais. 264 RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL Numa altura em que os jovens cabo-verdianos parecem estar de- defender publicamente o voto obrigatório, urge a necessidade de compreendersinteressados ada razão vida desse política desinteresse, do país, levando assim comoalguns a políticosrelação de a promiscuidade existente entre os jovens, associações juvenis e o a mútua instrumentalização existente entre esses atores. poder político, nomeadamente os partidos, e, consequentemente, - to da população juvenil na cidade da Praia, com algumas visitas exploratóriasDesta feita, partindo às cidades de uma de Assomada, pesquisa etnográfica Pedra Badejo em ecurso Mindelo, jun com o objetivo de perceber as dinâmicas e os circuitos juvenis, dos jovens, pretendo, com este artigo, perceber de que forma os bem como as formas de afirmação pessoal, social e identitário jovens cabo-verdianos se mobilizam para questões políticas.hip-hop cabo-verdiano, tendo os rappers como sujeitos de pesquisa, pro- curoA partir compreender, de incursões através teórico-empíricos de entrevistas no semiestruturadas mundo do e observação participante, por um lado se a forma excessiva como os jovens foram institucionalmente programados pelo partido único nos anos de 1980 e apressadamente desinstitucionaliza- dos e reinstitucionalizados no advento da democracia, em 1991, - - pendentesrepercutiu e,nas por suas outro, capacidades se o contexto reflexivas, de carência de modo em quea estrutu vivem rar a sua cultura política, tornando-os institucionalmente de influencia a sua consciência política. Da castração da sociedade civil à ascensão da casta partidária A falta de consolidação de uma economia que estabeleça pa- de uma onda generalizada de corrupção institucional (Alvazzi râmetros mínimos de redistribuição de riqueza; a perceção oportunidades juvenis (Martins, 2010); e o agravamento da si- del Frate, 2007); a segregação de oportunidades, sobretudo as 265 Redy Wilson Lima tuação social do país, desigualdades, pobreza e violência urbana do- poderão próprio proporcionar processo de construção algumas reflexões democrática. sobre Dea estruturação certo modo, nosda cultura últimos política anos, várias dos cabo-verdianos, sondagens de opiniãobem como têm uma revelado avaliação um comodeclínio ao acentuadopróprio sistema de confiança vigente. dos cabo-verdianos em relação às instituições políticas, particularmente à classe política, assim No que concerne à população juvenil, nas vésperas das últimas eleições autárquicas, o jornal A Nação, na sequência da divulga- ção dos dados do último recenseamento eleitoral pela Comissão Nacional de Eleições, publicou uma reportagem dando conta do desinteresse dos jovens cabo-verdianos pela política, visto que, o registro de eleitores jovens tinha ficado aquém das expetativas. Com a independência nacional, em 1975, houve a necessidade de- cial.se afirmar Sendo o assim, país enquanto tornava-se Estado-nação forçoso criar e organizaçõesfortalecer os laços contro de- ladasidentidade pelo partido nacional que – garantir anulassem a unidade uma sociedade nacional civil e a coesão dinâmica, so por um lado, e assegurar uma continuidade ideológica através sobretudo a nível intelectual, proveniente do contexto colonial, por outro. Partindo dessa premissa, foi posta em prática aqui- loda ainstrumentalização que Cardoso (1993) política chama juvenil de estratégia sob o prisma da destruição partidário, da autonomia da sociedade civil, visto que foi criada organizações 2 3, 5. Istode massa é, que distribuídas abarcasse4 toda por afaixas sociedade. etárias – OPAD-CV e JAAC-CV por sexo – OMCV ou por interesses profissionais – UNTC-CS 2 3 Organização dos Pioneiros do Abel Djassi – Cabo Verde. Juventude Africana Amílcar Cabral – Cabo Verde. 4 5 Organização das Mulheres – Cabo Verde. União Nacional dos Trabalhadores de Cabo Verde – Central Sindical. 266 RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL Segundo Cardoso, o sucesso foi conseguido devido à agenda alie- nadora assente numa ideologia exclusiva, de natureza fascista, que sob o lema ‘criação de um homem novo’, buscava-se “criar um ser social completamente preso no universo ideológico do - - ciaçãopartido-Estado” fora do alcance (Cardoso, da bússola 1993, p. partidária 185), procurando era tida como assim uma al afrontacançar umaao regime, certa apatiacatalogadas social dee cívica, trotskistas, em que antinacionais, qualquer asso ini- migos do progresso ou traidores do povo. - - rizada,Os resquícios tal como da ainstitucionalização própria administração e da dependênciapública e o Governo da socie a apresentadade civil sãocomo hoje parceira evidentes. na dinamizaçãoEla se encontra do bastantedesenvolvimento partida econômico e social e na aceleração da agenda de transformação. Évora e Costa (no prelo) são de opinião que a perceção positiva da sociedade civil, em Cabo Verde, poderá estar ligada à persis- - - tência de indicadores de promiscuidade política, prostituição in telectual e mútua instrumentalização entre líderes das organiza ções da sociedade civil e as estruturas político-partidárias, num contexto em que o Estado continua a ser percebido como um dos meios mais eficaz para se ascender económica e socialmente. 6, Aristides Pereira, em en- No entender de Cardoso, reforçado mais tarde pelas afirmações- litarismodo ex-presidente social tinha do partido-Estado por base “disfarçar a sede de poder e os trevista a José Vicente Lopes (2012), a imposição de um igua- - camenteprivilégios aceitáveis” reais da clique(Cardoso, dirigente, 1993, comop. 185). para Salienta impedir Cardoso a afir quemação nesse pessoal processo, dos indivíduos “critérios defora seleção dos circuitos e ascensão social social e politi que valorizavam o mérito pessoal, a criatividade e a iniciativa eram 6 De 1975 a 1991, Cabo Verde teve um sistema de partido único, autoritário, em que o Partido Africano de Independência de Cabo Verde (PAICV) era o único partido político legal, confundindo-se com o próprio Estado. 267 Redy Wilson Lima subordinados ou neutralizados, em favor do grau do emprenho posto em secundar o partido nas suas relações com a sociedade” (Cardoso, 1993, p. 185). - dades ideológicas que Pereira (apud Lopes, 2012) explicou acu- sandoNo interior os camaradas do partido-Estado de ganância havia desmesurada divergências e entre sede sensibilide poder de alguns dirigentes, que veio contribuir para a fulanização não só do partido-EstadoAs pessoas como já não da pensavamprópria sociedade.em mais nada senão no poder. Fulano é responsável do setor, ou coisa parecida, do parti- do, depois já está a pensar que tem que ir para o Conselho Nacional etc. A ganância de poder tinha-se apoderado de tal forma das pessoas que elas, nessa altura, perderam o senso comum (Lopes, 2012, p. 344). Pereira (apud 1980 só a expressão “sociedade civil” assustava as pessoas, di- cussão que teve Lopes, de ser 2012) retirada entende do III que, Congresso nos finais do dos PAICV, anos em de 1988, da qual eram participantes os atuais dirigentes governa- os mais renitentes à mudança e quem mais a expressão socieda- dementais civil incomodava. do país. Os jovens quadros do partido de outrora eram Um jovem vai para o partido, não verdadeiramente por uma questão política, mas para fazer carreira, não só no partido mas depois no Estado e tudo o resto. Não podemos esquecer carreiraque o partido e agora é que esses dominava fulanos tudo. vêm Acom ideia essa com ideia que que fiquei nos é podeque essa atrapalhar gente já a estava vida. Portanto, integrada para nesse eles, espírito. o que Vouconvinha fazer é que ficássemos na mesma. No partido único, e estariam tranquilos (Lopes, 2012, p. 344). - dros, mas igualmente em alguns militantes vanguardistas, con- témEste aquilotipo de que comportamento, Luz (2012) chama constatado de inversão entre de os tendência jovens qua ne- gativa para a formação de castas no período pós-colonial, visto 268 RAPPERS CABO-VERDIANOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

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