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Ana Cristina Carmelino ARTIGOS A RELAÇÃO ENTRE A POSIÇÃO DA ORAÇÃO HIPOTÁTICA ADVERBIAL TEMPORAL INTRODUZIDA POR ENQUANTO E AS CATEGORIAS TEMPO, ASPECTO, MODO E MODALIDADE Ana Cristina CARMELINO1 RESUMO: Este artigo visa apresentar os resultados da análise do estatuto informacional das orações hipotáticas adverbiais temporais introduzidas por enquanto nos textos romanescos do português escrito contemporâneo do Brasil, bem como da relação entre a posição desse tipo oracional e as categorias tempo, aspecto, modo e modalidade. PALAVRAS-CHAVE: Oração temporal; conjunção enquanto; posição da oração; estatuto informacional. Introdução A posição que as orações temporais podem ocupar no período – antepostas, pospostas e intercaladas à nuclear – está relacionada à organização discursiva. Certos autores afirmam que o falante é livre para organizar a informação de acordo com o seu interesse, bem como privilegiar certos constituintes, considerando os limites permitidos pelo sistema. Outros autores, no entanto, não são dessa opinião. Diante das diversas considerações ao assunto, algumas até desencontradas, pretendeu-se, com este trabalho, estudar a posição da oração hipotática adverbial temporal iniciada por enquanto em relação àquela que com ela se articula, a nuclear. Os principais objetivos foram verificar se há uma posição preferencial desse tipo oracional nos textos romanescos, constatar os efeitos relacionados às diferentes possibilidades da posição da oração de tempo, se e quando essa construção funciona como tópico e foco, bem como verificar se a ordem estabelece algum tipo de relação com as categorias tempo, aspecto, modo e modalidade. Referencial teórico A análise tem como referencial teórico a gramática funcional, que considera a língua em 2 Multiciência, São Carlos, 7: 7-16, 2006 A RELAÇÃO ENTRE A POSIÇÃO DA ORAÇÃO HIPOTÁTICA ADVERBIAL TEMPORAL INTRODUZIDA POR ENQUANTO E AS CATEGORIAS TEMPO, ASPECTO, MODO E MODALIDADE uso. Desse modo, as noções de distribuição de informação dentro de cada enunciado são avaliadas no que apresentam para o discurso em que aparecem. De acordo com Halliday (1985), o falante é livre para organizar a informação de acordo com o seu interesse bem como privilegiar certos constituintes, considerando-se, é claro, os limites permitidos pelo sistema. A oração é estruturada em tema, ponto de partida da mensagem, e rema, o que se comenta sobre o tema. Para Dik (1989), são as noções pragmáticas que determinam a ordem dos constituintes da cláusula, como é o caso do tópico, constituinte sobre o qual se predica alguma coisa, e foco, informação mais saliente, porção da cláusula sobre a qual recai a ênfase. Segundo Givón (1990), os efeitos relacionados às diferentes possibilidades da ordem das orações adverbiais são de domínio pragmático-discursivo. Ao analisar os estudos de Thompson (1985) e de Ramsay (1987), que comparam o comportamento pragmático-discursivo de orações adverbiais antepostas e pospostas em narrativas do inglês escrito, Givón verifica que as orações adverbiais antepostas operam na coerência pragmática dos discursos, enquanto que as orações adverbiais pospostas são mais relevantes ao estado ou evento codificado na oração nuclear. Como características das orações adverbiais pospostas e antepostas detectadas pelos estudos de Thompson e de Ramsay, Givón (op. cit., p. 847) observa que (i) as pospostas apresentam mais comumente coerência referencial com a oração nuclear, ou seja, correferencialidade do sujeito; são mais fortemente integradas à sua oração nuclear (e com pequena freqüência ocorrem separadas por pausa ou quebra entonacional) e tendem a aparecer em posição medial no parágrafo; já (ii) as antepostas têm base contextual anafórica, as suas ligações referenciais e temáticas são com o discurso precedente; normalmente são separadas da oração nuclear por pausa ou quebra entonacional e tendem a aparecer em posição inicial no parágrafo. A partir dessas características, depreende-se que além de as orações adverbiais pospostas apresentarem maior integração sintática e semântica à oração nuclear do que as orações antepostas, desempenham um papel menor na coerência pragmático-discursiva do que as orações antepostas, uma vez que não estabelecem relação anafórica com um segmento precedente do discurso. Thompson e Longacre (1985) observam que as orações adverbiais, cuja função é manter a coesão discursiva, atuam como um tópico em relação à oração à qual se vinculam. Neves (2001), em oposição, afirma que se a construção subordinada funciona como satélite, é regra que “o satélite apresente a informação saliente, focal, de primeiro plano” (p. 60), pois “os satélites têm um certo grau de ‘focalidade intrínseca’ porque se a informação do satélite não fosse importante, não haveria por que acrescentá-lo” (ibidem). Mateus et al. (1983) consideram, ao tratarem das construções de tempo, que a posição da oração temporal depende de fatores de estrutura temática do texto e de distribuição de informação: “se a oração temporal contém uma informação já conhecida, é topicalizada e ocupa a posição inicial na construção; se a oração temporal contém uma informação nova e é focalizada, ocupa a posição final. Se é nova toda informação contida nas duas proposições, a construção não inclui pausa e a oração temporal é normalmente posposta” (p. 482). Multiciência, São Carlos, 7: 7-16, 2006 3 Ana Cristina Carmelino Diante das diversas considerações ao assunto, algumas até desencontradas [como é o caso da de Thompson e Longacre (1985) e de Neves (2001)], é que se justifica o estudo aqui proposto. Procedimentos metodológicos Para a realização deste estudo, foram selecionadas duzentas e cinqüenta (250) orações a partir do Banco de Dados informatizado pelo Laboratório Lexicográfico do Departamento de Lingüística da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara (SP). Constituíram exemplos do estudo, portanto, as orações plenamente realizadas – ou seja, as que são introduzidas por conectivo temporal enquanto e apresentam verbo explícito (na forma finita) –, oriundas dos textos romanescos na modalidade escrita do português contemporâneo do Brasil. Por opção terminológica, na análise, adotaram-se critérios e conceitos provenientes da teoria funcionalista proposta por Dik (1989), o qual considera que a ordem dos constituintes é feita pelas noções pragmáticas de tópico e foco. Acrescente-se que, além dessas noções, há casos em que as duas proposições apresentam uma informação nova. Análise das orações e resultados Considerando a disposição da oração hipotática adverbial temporal introduzida por enquanto, observou-se que tais orações podem vir intercaladas, antepostas ou pospostas à nuclear. Ressalte-se, também, que pode ou não existir pausa entre a oração nuclear e a temporal anteposta ou posposta. Essa pausa é representada na língua escrita por meio de um sinal de pontuação, geralmente uma vírgula. Desse modo, há cinco tipos de construções temporais: as pospostas com pausa, as pospostas sem pausa, as antepostas com pausa, as antepostas sem pausa e as intercaladas, que nos exemplos estudados vêm sempre entre vírgulas. a) orações antepostas (com ou sem pausa) Ao se analisar os exemplos em que a oração temporal ocupa a posição inicial na sentença, observa-se que as antepostas com pausa geralmente funcionam como tópico em relação à oração nuclear, retomando uma informação mencionada anteriormente (1). Já as orações temporais antepostas sem pausa atuam como tópico (2) ou foco (3). Há casos, no entanto, em que as duas proposições, temporal e nuclear, apresentam informação nova, como se observa em (4). (1) “Irma só não esbofeteou o homem por falta de força. Mas teve a energia para empurrá-lo e empurrar os outros, que já lhe davam passagem boquiabertos, para finalmente, sozinha, perdida do Rodezindo, reconquistar a solidão, entre um grupo de árvores onde só lhe 4 Multiciência, São Carlos, 7: 7-16, 2006 A RELAÇÃO ENTRE A POSIÇÃO DA ORAÇÃO HIPOTÁTICA ADVERBIAL TEMPORAL INTRODUZIDA POR ENQUANTO E AS CATEGORIAS TEMPO, ASPECTO, MODO E MODALIDADE chegava um rumor confuso, em lugar das palavras do marido. Sentou-se no chão e deixou que os sentidos lhe escapassem pelas pontas do corpo. Enquanto o rumor confuso persistiu, Irma deixou-se ficar no seu meio desmaio e quase sono”(ASS) (2) “O significado, se existe algum, é puramente sexual, daí o fato de durante séculos o beijo público ter sido proibido por lei, sendo passível até de multa. Enquanto esteve banido foi motivo de muita controvérsia no Japão” (FH) (3) “A casa regurgitava. Todos queriam saber como tinha acontecido e D. Maria chorava sem parar a relatar sua desgraça. Havia duas horas que seu filho, jovem de 25 anos, sofrera um acidente, estando em estado grave em cidade distante. Enquanto aguardava um parente que deveria conduzi-la ao lado do filho a pobre senhora não podia dominar seus nervos” (PCO) (4) “Eu estava escutando o discurso que você fazia àquela gente. Salviano não respondeu nada. Mas enquanto tirava o chapéu de carnaúba e desenrolava do pescoço o lenço vermelho dos dias de caminhada, fez uma coisa que ainda não fizera na frente de Irma. Foi apanhar num canto da sala a Bíblia que Mr. Wilson tinha deixado, sob protestos seus, e começou a folheá-la” (ASS) b) orações pospostas (com ou sem pausa) As orações temporais pospostas à nuclear, com ou sem pausa, podem ser topicalizadas (5) ou focalizadas (6) e (7). Há também casos em que as duas proposições apresentam uma informação nova, como em (8) e (9). Ressalte-se, porém, considerando os exemplos estudados, que a maior parte das