Theresa Amayo
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Theresa Amayo Ficção e Realidade Theresa Amayo Ficção e Realidade Theresa Amayo São Paulo, 2009 Governador José Serra Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Hubert Alquéres Coleção Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho Apresentação Segundo o catalão Gaudí, Não se deve erguer monumentos aos artistas porque eles já o fize- ram com suas obras. De fato, muitos artistas são imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas. Mas como reconhecer o trabalho de artistas geniais de outrora, que para exercer seu ofício muniram-se simplesmente de suas próprias emo- ções, de seu próprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram à mais volátil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretan- do obras-primas, que têm a efêmera duração de um ato? Mesmo artistas da TV pós-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou são muitas vezes inacessíveis ao grande público. A Coleção Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memória de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participação na história recente do País, tanto dentro quanto fora de cena. Ao contar suas histórias pessoais, esses artistas dão-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a consciência crítica da sociedade. Suas histórias tratam do contexto social no qual estavam inseridos e seu inevitá- vel reflexo na arte. Falam do seu engajamento político em épocas adversas à livre expressão e as consequências disso em suas próprias vidas e no destino da nação. Paralelamente, as histórias de seus familiares se entrelaçam, quase que invariavelmente, à saga dos milhares de imigrantes do começo do século passado no Brasil, vindos das mais va- riadas origens. Enfim, o mosaico formado pelos depoimentos compõe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo político e cultural pelo qual passou o país nas últimas décadas. Ao perpetuar a voz daqueles que já foram a pró- pria voz da sociedade, a Coleção Aplauso cumpre um dever de gratidão a esses grandes símbo- los da cultura nacional. Publicar suas histórias e personagens, trazendo-os de volta à cena, também cumpre função social, pois garante a preservação de parte de uma memória artística genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem àqueles que merecem ser aplaudidos de pé. José Serra Governador do Estado de São Paulo Coleção Aplauso O que lembro, tenho. Guimarães Rosa A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de ma nei ra singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se recons- titui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória. A decisão sobre o depoimento de cada um na pri- meira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleção é que os resul - tados obtidos ultrapassam simples registros bio- gráficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e bio- grafado se colocaram em reflexões que se esten- deram sobre a formação intelectual e ideológica do artista, contextualizada na história brasileira. São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pen- samento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades. Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens. Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país. À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identida- de consolidada, constatamos que os sorti légios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filma- gem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram. É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de to do o Brasil. Hubert Alquéres Diretor-presidente Imprensa Oficial do Estado de São Paulo À Conchita e Dulcina de Moraes, extraordinárias atrizes que marcaram a cena brasileira e minha vida profissional. Theatro da Paz, Belém do Pará Capítulo I A Magia do Teatro A primeira vez que entrei num teatro eu era ain- da bem pequena. Fomos, minha mãe, titia, vovó e eu ver dançar uma menina prodígio, pequena bailarina de menos de 10 anos que se apresenta- va no Theatro da Paz, em Belém do Pará. Não sei se éramos vizinhas, se morávamos na mesma rua ou se nossas famílias eram amigas, mas o fato é que me levaram pela primeira vez ao teatro. 13 A sensação foi tão forte que ainda guardo na lembrança o espanto e a alegria que senti ao ver a menina andar na ponta dos pés! E a fazer spa- catto e correr e saltar fazendo os demais passos do balé clássico ao som de uma linda melodia. Chamava-se Sally Loretti. A pequena bailarina tinha um irmãozinho que estava no camarote ao lado do nosso e com quem fiz amizade naquele dia. Chamava-se Romeu... Ele me contou que a irmã só fazia spacatto por- que bebia muito azeite doce e que só andava na ponta dos pés por causa do sapato que usava. Além do mais ele era mais novo que ela, mas tinha que mentir a sua idade. E, em voz mais baixa, me contou que artistas não podem dizer a idade certa nunca. Que mundo estranho e fascinante devia ser o daquelas crianças. Fiquei encantada com aquele garotinho com quem brinquei educadamente no corredor do teatro durante o intervalo do espetáculo, cuidando para não amassar o lindo vestido branco de or- gandi que usava e nem deixar cair o enoooorme laço do mesmo tecido que mamãe, como sempre, caprichara no alto da minha cabeça... Num dos intervalos uma senhora pediu à minha mãe que me deixasse entregar um buquê de flo- res para a pequena artista quando o espetáculo 14 terminasse. Seria bonito uma criança homenage- ar outra criança. Mamãe concordou e, de mãos dadas com a senhora, fui aguardar o final do espetáculo na lateral do palco. Finda a apresentação a cortina abriu rapidamen- te e a bailarina curvou-se agradecendo os aplau- sos. Nesse momento me mandaram entrar. E lá fui eu naquela imensidão de palco carregando o enorme buquê. Só que o pano fechou e fiquei na frente da cortina sem cumprir minha missão. O público começou a rir e imediatamente voltei para a lateral do palco atendendo ao chamado da pessoa que tinha me levado para lá. Nova abertura de cortina, novo agradecimento da bailarina e de novo me mandaram entrar. Desta vez fui correndo para chegar a tempo e entregar o enorme buquê que eu carregava. Claro que a cortina tornou a fechar sem que eu conseguisse entregar as flores. O público começou a rir com o cômico da cena e a aplaudir também. Eu então fiquei parada no centro do palco, olhando a platéia por cima do enorme buquê e, quando a cortina abriu entreguei as flores e sai correndo do palco sob muitos aplausos. Apesar dos beijos que recebi da mamãe, titia e vovó levei uma bronca do irmãozinho da baila- rina. Ele disse que eu tinha estragado o trabalho da irmã puxando as palmas para mim... Claro que 15 fiquei sem entender o que era isso. Posso dizer, portanto, que minha estréia teatral foi no susto e aconteceu no maravilhoso Theatro da Paz, em Belém do Pará... Aos três meses, no colo dos pais Capítulo II O Começo do Começo Nasci em Belém-Pará numa família extrema- mente católica e sou uma mistura de variadís- simas etnias. Meu pai era peruano: Amayo (certamente trago nos meus genes algo da cultura Inca, ou melhor, dos quíchuas que restaram...). Minha avó materna era Del Castillo, espanhóis legítimos (por isso devo ter também gotículas de sangue árabe circulando nas minhas hemácias ou 17 algo dessa etnia misturada aos meus genes...). Meu avô materno era de família francesa: os Gui- chard (uma família enorme, de origem nobre). Minha mãe, Carmela, e os irmãos, Herman, Daniel e Josefina, apesar do sotaque espanhol que nun- ca perderam, são brasileiros, nascidos no Acre.