Diagnóstico Da Descentralização Fiscal Em Angola
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DIAGNÓSTICO DA DESCENTRALIZAÇÃO FISCAL EM ANGOLA Maria Cristina Mac Dowell (Coordenadora) Érika Amorim Araújo Alexandre Sobreira Cialdini Nicoletta Ferruglio Luanda, agosto de 2006 1. INTRODUÇÃO O Governo de Angola tem ressaltado como uma de suas prioridades a criação de autarquias locais, com seus representantes eleitos directamente. Esse processo deve ocorrer tentativamente até o ano 2010, conforme tem sido referenciado por autoridades governamentais. Na compreensão dessas autoridades, as actuais administrações municipais constituir-se-ão nos futuros governos autónomos formados pelos poderes executivo e legislativo. A criação de autarquias locais, entretanto, não se encerra na realização de eleições. É fundamental que essas autarquias, uma vez instituídas, gozem de um mínimo de autonomia na gestão dos recursos públicos, que deve ser baseada na busca da eficiência e eficácia dos gastos públicos, com vista à maximização dos resultados. O problema é que, mesmo levando em consideração o processo de desconcentração em curso no país, poucas funções são actualmente atribuídas às administrações municipais, restritas principalmente à manutenção de algumas actividades governamentais já existentes, mediante recursos limitados, que são definidos e geridos pelos governos provinciais. Sendo assim, as administrações municipais não exercem nenhuma função relativa à elaboração e execução de um plano de desenvolvimento económico e social para sua localidade, por exemplo, nem tampouco têm experiência na gestão dos recursos fiscais. Percebe-se, então, que as administrações municipais, na sua grande maioria, não estão aptas a exercer as funções que lhes serão atribuídas quando se tornarem governos autónomos. Aqueles que são resistentes à conversão das administrações municipais em governos autónomos ou até mesmo à descentralização fiscal argumentam que a falta de capacitação dos administradores locais em relação à gestão pública dificulta ou até mesmo pode impedir a transferencia de recursos para as administrações locais. Segundo os defensores desse argumento é necessário ter capacidade para se transferir responsabilidades e, por sua vez, recursos. Dessa forma, como as administrações locais não têm capacidade de gestão então não se lhes pode atribuir funções e recursos. É necessário então quebrar esse ciclo vicioso capacitando as administrações locais na gestão dos recursos fiscais por meio da transferencia de um mínimo de recursos que permita aos gestores locais aprenderem a gerir com responsabilidade os recursos públicos. Para tanto, são também transferidas às administrações locais responsabilidades também mínimas, vinculadas principalmente ao desenvolvimento social, de tal modo que ao mesmo tempo em que esse mecanismo permite a capacitação na gestão dos recursos públicos também auxilia na redução da pobreza. Nesse sentido, o Ministério da Administração Territorial – MAT, em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, propõe a criação do Fundo de Desenvolvimento Municipal – FDM que tem como objectivo transferir recursos não afectados do governo central para as administrações municipais. A proposta do FDM é exactamente de prover as administrações municipais desses recursos mínimos que permitam a capacitação das futuras autarquias locais tanto para a gestão do ciclo fiscal quanto para a promoção do desenvolvimento social permitindo, por conseqüência, a redução da pobreza. Inicialmente, o FDM será implantado nas quatro Administrações municipais que são objecto do Projecto de Descentralização Fiscal e Boa Governação do MAT e do PNUD. Ao longo dos próximos anos até a realização das eleições locais, o MAT tem como meta replicar a mesma experiência em mais 37 administrações municipais, entre as quais as 18 sedes das províncias. O objectivo é capacitar pelo menos um total de 41 administrações municipais de tal forma que as mesmas estejam preparadas para assumir a sua gestão fiscal e ao mesmo tempo permitir a implementação de acções que colaborem com o desenvolvimento social de suas localidades com vista à redução da pobreza. O projecto prevê a implementação do FDM antes do advento das eleições locais, com vista a preparar as administrações municipais – futuras autarquias locais – para as novas funções que vão assumir com o advento das eleições. Com vistas a obter uma visão geral do estado das artes das relações intergovernamentais em Angola bem como dos obstáculos a serem superados para a implementação do FDM, foi proposta a realização de um diagnóstico acerca do estágio em que se encontra a descentralização fiscal no país. Este é justamente o objectivo deste relatório. Na construção desse diagnóstico, buscamos inicialmente apresentar uma síntese das características sócio-econômicas do país conforme apresentada na secção dois. Nas cinco secções seguintes fornecemos uma avaliação dos pilares das relações fiscais intergovernamental. Assim, na secção três apresentamos o contexto político e institucional da descentralização fiscal e Angola, quando destacamos a estrutura do sector governamental e as legislações pertinentes. A atribuição das responsabilidades e das receitas entre o governo central e os governos locais bem como uma análise dos indicadores fiscais estão descritas nas secções quatro e cinco, respectivamente. Na secção seis, ressaltamos a inexistência de um sistema formal de transferências intergovernamentais em Angola e descrevemos o mecanismo de transferencia de recursos do governo central aos governos provinciais. A secção sete busca apresentar e analisar os princípios e o ciclo orçamental em Angola. Por fim, na secção oito são apresentados alguns desafios para a descentralização fiscal em Angola. O último pilar das relações fiscais intergovernamentais, que são os empréstimos subnacionais, ainda não foi desenvolvido em Angola. Os governos locais não são autónomos e, portanto, não possuem autorização legal para contraírem dívidas. Portanto, não tratamos deste tema neste relatório. Este relatório foi elaborado com base nas entrevistas realizadas com autoridades governamentais durante missão técnica à Angola durante o mês de Agosto deste 2006. Além disso, foram analisadas as legislações relativas à descentralização e os relatórios já existentes. 2 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DE ANGOLA 2.1 – Aspectos Sócio-Econômicos1 Angola é um país da costa ocidental de África, limitado a norte e a leste pela República Democrática do Congo, a leste pela Zâmbia, a sul pela Namíbia e a oeste pelo Oceano Atlântico. Angola inclui também o turbulento enclave de Cabinda, através do qual faz fronteira com a República do Congo, a norte. O território é divido em 18 províncias e 163 administrações municipais. A capital do país é a cidade de Luanda localizada na província de mesmo nome. Seu território de aproximadamente 1,2 milhões de Km2 coloca Angola na posição de 22° maior país do mundo. Segundo informações obtidas junto ao Ministério das Finanças, a população angolana totalizou 17,7 milhões de habitantes em 2005. Este número pode variar tanto para mais ou para menos uma vez que o último Censo Demográfico realizado pelo Governo de Angola foi em 1974. De acordo com os relatos obtidos nas entrevistas que precederam a elaboração deste relatório, a população do país pode variar entre 10 e 20 milhões. Mais da metade da população de Angola tem idade menor ou igual a 20 anos e a expectativa de vida média é estimada em 42 anos. Cerca de 63% da população vive abaixo da linha da pobreza e 80% das pessoas estão desempregadas. Mais da metade da população, cerca de 58%, é analfabeta e a taxa de matrícula no ensino primário atinge apenas 74% das crianças em idade escolar2. O acesso da população aos serviços básicos é muito precário: 59% das pessoas não têm acesso à água potável, 60% ao saneamento e 76% aos cuidados médicos. A parcela da população que necessita de algum grau de auxílio alimentar corresponde a mais de 22% do total e 13% das pessoas sofrem de desnutrição. De acordo com os dados oficiais do UNHCR as pessoas deslocadas internas (IDPs) são estimadas em 3,5 milhões e mais de 350.000 angolanos estão refugiados nos países estrangeiros vizinhos, na maior parte na República Democrática de Congo e na Zâmbia (UNHCR, 2003). Considerando que os 17,7 milhões seja uma boa estimativa da populacional, a densidade populacional do país é de 14,2 habitantes por Km2. A Província de Luanda, cuja extensão territorial é de apenas 2.257 Km2, reúne mais de ¼ da população do país, o que resulta em uma imensa densidade populacional – cerca de 2.069 habitantes por Km2. Luanda é também a Província de Angola mais industrializada e com o maior crescimento económico, que se deveu ao facto de praticamente não ter sofrido directamente os efeitos da guerra civil. Isto também explica a grande densidade populacional. 1 Os indicadores sociais bem como as estatísticas macroeconômicas de Angola ainda são precários. O país está em processo de organização dessas informações e, em razão disso, os dados apresentados a seguir devem ser vistos como uma estimativa. As fontes de informações nem sempre são oficiais. 2 UNDP, 2003. A guerra comprometeu profundamente a estrutura produtiva do país: retirou forças de trabalho das actividades produtivas e destruiu a maior parte da infra-estrutura básica e do sistema do transporte (somente 10% das estradas existentes são asfaltadas - WB, 2004). Grande parte do território está inacessível devido às minas (há ainda 6-7.000.000 de minas em cerca de 35% da superfície do total do país, INAROE, 2002). A economia de Angola apoia-se essencialmente