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Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC

Eu quero ver quando Zumbi chegar: a luta antirracista nas canções de Jor (1970-1980)

Camila Evaristo da Silva1

Resumo: Esta pesquisa buscou, por meio de um estudo da discografia de Jorge Ben, de entrevistas e outras matérias veiculadas em semanários da época, investigar as conexões entre a Música Popular e as lutas dos movimentos sociais. Pouco se sabe sobre este componente da produção artística de Jorge Ben Jor e sua contribuição para a disseminação de um discurso antirracista e de valorização das culturas africanas em nosso país. Jorge Duílio Lima Meneses, carioca, nascido em 22 de março de 1945, músico, cantor e compositor, lançou seu primeiro em 1963, quando era chamado Jorge Ben, e seu último em 2007. Em suas canções, que passeiam por diversos gêneros musicais, são exaltadas a cultura afro-brasileira e africana e as luas destas populações. Suas canções, configuradas nas décadas de 1970 e 1980, são expressão das novas formas de reivindicações do período. Paralelo a isso, a luta pelos direitos perpassava pelos países africanos e diaspóricos, assim como, se encaminhavam as independências dos países africanos. Tudo isto causou grande impacto nas comunidades afrodescendentes e, de algum modo, despertou em vários atores políticos, sociais e culturais o desejo de envolver-se. Este trabalho pretende discorrer sobre o envolvimento de Jorge Ben neste contexto. Palavras-chave: Jorge Ben Jor, movimentos sociais, luta antirracista.

INTRODUÇÃO

Mas houve uma carta, enviada por uma menina, uma menina de 10 anos que estudava em White Plains High School. Li essa carta e jamais a esquecerei. Ela simplesmente dizia: “Querido dr. King: sou aluna da White Plains High School. Embora não devesse importar, queria mencionar que sou uma menina branca. Li no jornal sobre o seu infortúnio e o seu sofrimento. E li que, se o senhor tivesse espirrado, teria morrido. Escrevo simplesmente para lhe dizer que estou muito feliz que o senhor não tenha espirrado”. (KING, 2006, p. 170).2

Em fevereiro de 2010 matriculei-me na disciplina História e Populações Negras em Santa Catarina, lecionada pela Professora Cláudia Mortari Malavota3, que me chamou a atenção para diversas questões relacionadas às populações afrodescendentes. Questões que

1 A graduar História na Universidade do Estado de Santa Catarina. E-mail: [email protected] 2 KING, Martin Luther. Eu estive no topo da montanha. In: Um apelo à consciência: os melhores discursos de Martin Luther King. : Jorge Zahar Ed., 2006. 3 Professora do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina, leciona as disciplinas de História da África. Desenvolve projetos de pesquisa e extensão no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – NEAB/UDESC. Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012, UDESC, Florianópolis, SC nunca eu tivera contato até então. Um mundo se abriu, e descobri as lutas das populações de origem africana em nosso país. Tal e qual a missivista do Dr. King4, uma menina autodenominada branca, que lhe escreveu em solidariedade em sua causa, senti-me envolvida pelo desejo de conhecer esses esforços por direitos civis dos negros brasileiros. Tomei parte de uma luta que não sou protagonista. No ano seguinte veio o contato com o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros desta Instituição e a atual bolsa de extensão, Centro de Memória e História das Populações de Origem Africana em Santa Catarina, que objetiva dar visibilidade5 às populações afrodescendentes em Santa Catarina. Posteriormente, quando cursava a disciplina de História do Brasil IV, lecionada pelo Professor Reinaldo Lindolfo Lohn6, a partir de um trabalho para a disciplina sobre modernas tradições brasileiras7, onde foi abordada a música de Jorge Ben Jor sob a influência pan-africanista, conheci mais a fundo a música de Jorge Ben Jor8, quando fiquei exaltada por toda esta sinergia. Em diálogo com Meu orientador, Prof. Paulino de Jesus Francisco Cardoso, articulamos este desejo ao projeto de pesquisa Um país impresso: entre culturas políticas e sociabilidades revistas semanais, projetos sociais e memória histórica no Brasil (1964-1990, coordenado pela Professora Silvia Arendt. Por meio da produção musical de Jorge Ben Jor, pretendo apreender outros aspectos da luta anti-racista, seus vínculos com a Música Popular Brasileira e seu envolvimento com os movimentos de redemocratização. Nas palavras de CUNHA Jr. (2006, p. 85)9:

______4 Martin Luther King Jr., pastor protestante estadunidense, foi um líder da luta pelos direitos civis de pessoas negras nos Estados Unidos. 5 Sobre o conceito de invisibilidade, de acordo com BOAVENTURA (1996, p. 40), “na literatura científica, o negro é invisibilizado, seja porque não intencionam revelar a efetiva contribuição destes, seja porque os textos vão se deter na sua ausência, na reafirmação de uma suposta inexpressividade.” LEITE, Ilka Boaventura. Negros no sul do Brasil. Invisibilidade e territorialidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996. 6 Professor do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina, vinculado ao Laboratório de Estudo de Cidades – LEC/UDESC e ao Programa de Pós Graduação em História do Tempo Presente – PPGH da mesma Instituição. 7 Sobre modernas tradições brasileiras, ver em ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1994. 8 O recorte aqui escolhido para a análise da produção musical de Jorge Ben Jor, década de 1970, se remeta à época em que este era conhecido por Jorge Ben. Porém, neste projeto, ele será chamado como ele se autoidentifica atualmente, Jorge Ben Jor. 9 CUNHA Jr., Henrique. História africana para compreensão da História do Brasil. In: História e cultura afro-brasileira e africana: educando para as relações étnico-raciais. Cadernos temáticos – Educação para as relações étnico-raciais. Curitiba: SEEDIPR, 2006.

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A história do Brasil sem o conhecimento da história africana era uma história unilateral, branca, marcada por concepções eurocêntricas. Por vezes essas concepções eurocêntricas eram marcadas pelos preconceitos e por concepções históricas racistas. Para termos uma história brasileira ampla e justa se necessita da imersão na história e na cultura africana, visto que a sociedade brasileira resulta da imensa participação de africanos e afrodescendentes, transmitindo conhecimento material e imaterial para a cultura brasileira.

Pouco é conhecido sobre este componente da produção artística de Jorge Ben Jor e sua contribuição para a disseminação de um discurso antirracista e da valorização das culturas africanas no Brasil. Este trabalho pretende contribuir para o acréscimo de conhecimento dos estudos da diáspora africana no Brasil. Que, por sua vez, contribui para uma história de não inferiorização das populações afrodescendentes no Brasil. Este artigo é fruto desses nossos primeiros movimentos de diálogo com a bibliografia especializada sobre o tema e os resultados devem apresentados como meu projeto de Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação e História na UDESC em 2013. Serve como um esboço de discurso, feito como os elementos já existentes, determinadas canções de Jorge Ben Jor e determinadas publicações sobre África e diáspora nas Revistas Veja e Visão, ambas na década de 1970. Com tais elementos, se pretendeu preencher as lacunas na construção de uma narrativa.

1 MANIFESTAÇÕES DE LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL

Em fins dos anos 1920 foram criadas organizações identificatórias raciais negras, no final dos anos 1940 teve início o Teatro Experimental Negro, no final dos anos 1970 foi dado início à formação do Movimento Negro Unificado.10 As canções de Jorge Ben Jor, configuradas nas décadas de 1970 e 1980, são expressões das novas formas de reivindicações do período, quando se encaminhava a redemocratização do Brasil. Esta época, de instituições em crise (Igreja, esquerdas, sindicalismo), fez “a política criar novos lugares para exercitar- se”, como conta CHAUÍ (2006, p. 11), complementa a autora (2006, p. 12)11:

______10 GONÇALVES, Luiz Alberto de Oliveira. Os movimentos negros no Brasil: Construindo atores sociopolíticos. Trabalho apresentado na XXI Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1998. P. 33. 11 CHAUÍ, Marilena. Prefácio. In: SADER, Eder. Quando os novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

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Que são as migalhas das pequenas vitórias das pequenas lutas? São a experiência que os excluídos adquirem de sua presença no campo social e político, de interesse e vontades, de direitos e práticas que vão formando uma história, pois seu conjunto lhes “dá a dignidade de um acontecimento histórico”.

Neste contexto de novas experiências e configuração do Movimento Negro no Brasil, o Professor Paulino de Jesus Francisco Cardoso 12, em uma de suas orientações, depõe: “a luta negra não era pela Revolução, mas por papel higiênico, e 5 minutos para o café”. Migalhas das lutas cotidianas que se tornam um acontecimento histórico para os excluídos, que visam “a criação de direitos, a partir da consciência de interesse e vontades próprias” (CHAUÍ, 2006, p. 12).13 A luta antirracista através música, não se dava pelos meios institucionais, mas por manifestações culturais com engajamento político. Napolitano em seu histórico sobre a música brasileira remete-se à importância das populações afrodescendentes para a música brasileira, que traz elementos diversos enraizados desde o século XVIII.

A esfera da música popular urbana no Brasil tem uma história longa, constituindo uma das mais vigorosas tradições da cultura brasileira. (...) A cidade do Rio de Janeiro, uma das nossas principais usinas musicais, teve um papel central na construção e ampliação desta tradição. Cidade de encontros e mediações culturais altamente complexas, o Rio forjou, ao longo do século XIX e XX, boa parte das nossas formas musicais urbanas. (NAPOLITANO, 2005, p. 39). 14

No recorte inserido no Pós-Abolição, a história de africanos e afrodescendentes é marcada pela organização de novos movimentos sociais (movimento negro), religiosos e culturais. Neste último seguimento, os movimentos culturais, insere-se a música e a performance de Jorge Ben Jor. O compositor segue a tendência dos movimentos negros da década de 1970. Em suas canções, diversos elementos musicais divulgam uma cultura negra.

2 JORGE BEN JOR E SUA MÚSICA

______12 Professor do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina. Desenvolve projetos de pesquisa e extensão no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – NEAB/UDESC. 13 Ver nota 11. 14 NAPOLITANO, Marcos. História & Música: história cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

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Eu vejo a música do Jorge como a que mantem elementos mais nítidos da complexidade negra na formação da música brasileira. Modos musicais diferentes vieram para o Brasil através de várias nações africanas. Jorge assume o que veio do norte da África, o muçulmano, como elemento básico do seu trabalho. Ele não gosta de perder a perspectiva primitivista, não deixa de se ligar no gege, ketu, iorubá. Mas ele tem um outro lado que inclui o moderno. ( sobre Jorge Ben Jor, em entrevista concedida a Marco Aurélio Luz, em 1977).15

Jorge Ben Jor, carioca, nascido em 22 de março de 1945, músico, cantor e compositor, lançou seu primeiro disco em 1963, Esquema Novo, quando era chamado Jorge Ben, e seu último em 2007, Recuerdos de Asunción 443. Em suas canções, que passeiam por diversos gêneros musicais, são exaltadas as culturas afro-brasileiras e africanas e as lutas destas populações, como a música que cedeu trecho para o título deste trabalho:

Angola Congo Bengela/ Monjolo Cabinda Mina/ Quiloa Rebolo/ Aqui onde estão os homens/ Dum lado cana de açúcar/ Do outro lado o cafezal/ Ao centro senhores sentados/ Vendo a colheita do algodão tão branco/ Sendo colhidos por mãos negras/ (...)/ Eu quero ver/ Quando Zumbi chegar/ O que vai acontecer (música África Brasil/Zumbi, do álbum África Brasil - Jorge Ben Jor, 1976, ).

Esta canção nos remete a uma memória de lutas das populações afrodescendentes, conectando nações dos cativos, usa a escravidão como metáfora do então presente, que um herói pode salvar, Zumbi, que representa os heróis do tempo da canção. Jorge Ben Jor berra ao chamá-lo (Eu quero ver/ Quando Zumbi chegar/ O que vai acontecer), para libertar os seus. As letras das canções de Jorge Ben fazem referência: à heróis africanos e diaspóricos; à chamada “mãe áfrica”, o que se inclui os já ditos heróis, os movimentos pela libertação das nações africanas e cultura, e à resistência diaspórica, isto desde o período colonial brasileiro, quando Ben faz alusões à escravidão. Porém, a “africanidade” nas canções de Jorge Ben Jor é muito mais que letra. A ligação com as questões afro-diaspóricas e africanas estão presentes nos instrumentos e nos ritmos afro-brasileiros, afro-cubanos, afro-americanos. No disco África Brasil, por exemplo, é demonstrado o engajamento político através do uso do atabaque - instrumento de percussão do candomblé brasileiro -, de congas e tumbas - da música afro-cubana-, e de influências da black music estadunidense, como o soul e o . Além de instrumentos como pandeiros, cuícas e surdos (samba), e bateria, sax, trompete, baixo elétrico e guitarra elétrica (música norte-americana).16

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15Jorge Ben Jor. Disponível em: . Acesso em: julho de 2012. 16 OLIVEIRA, Luciana Xavier. África Brasil (1976): uma análise midiática do álbum de Jorge Ben Jor. contemporanea| comunicação e cultura - vol.10 – n.01 – janeiro-abril - 2012.

É importante destacar que Jorge Ben Jor é um artista de fases. Toda sua obra compreende mesclas de samba, blues, rock, , soul, funk, reagge e também matrizes rítmicas de origem africana. Usa os gêneros sem a eles pertencê-lo. Nas palavras do próprio: "Meu trabalho não está consolidado, sempre estou procurando novas formas de composição. Penso que a música é como a matemática, estamos sempre descobrindo novas formas ou, simplesmente, formas diferentes ou mais eficientes"17.

Ao criar canções baseadas em várias matrizes musicais afro-derivadas, e incorporando marcas genéricas da black music norte-americana, diferenciando ou fundindo seus elementos básicos de diversas maneiras, Jorge Ben Jor complexifica sua música e a faz ir muito além do próprio gênero original do samba. Especialmente pela apropriação de recursos musicais específicos da black music, como a opção por técnicas de mixagem, arranjos e efeitos, aliados a estruturas de composição típicas do samba. 18

Nesse sentido, faz-se necessário também avaliar suas influências (principalmente estadunidenses) e seus pares musicais:

Mas a chave da inovação de Jorge tem raízes mais profundas. Tanto nas origens étnicas (é descendente de etíopes por parte de mãe) quanto no aprendizado percussivo em blocos como o Cometas do Bispo (é exímio no ganzá, tamborim e apito) e na mistura disso tudo com o rock que ouvia com a turma do bar Divino, na Tijuca: Erasmo e Roberto Carlos, , Edson Trindade, Arlênio e China, como descreve o “síndico” Tim no funkão “Haddock Lobo esquina com Matoso”. (SOUZA, 2003, p. 248).19

No período, os bailes blacks se espalharam por todo o país. Este cenário musical foi influenciado por um contexto de valorização da cultura negra:

África Brasil foi essencial para a materialização e difusão de uma tendência musical cuja proposta era baseada em hibridizações musicais delineadas dentro da música popular brasileira a partir da década de 50 diante de um contexto de mundialização, e tiveram seu ápice especialmente nas décadas de 60 e 70 com o maior contato dos músicos brasileiros com as produções negras norte-americanas. 20

______17Jorge Ben Jor. Disponível em: . Acesso em: julho de 2012. 18 Ver nota 16. 19SOUZA, Tárik de. Tem mais samba: das raízes à eletrônica. São Paulo: Ed. 34, 2003. 20 Ver nota 16.

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No disco Gil & Jorge: Ogum, Xangô (1975, Universal Music), que traz o nome dos dois orixás, Xangô e Ogum, no próprio faz referência às religiões de matriz africana. Jorge Ben Jor e Gilberto Gil tocaram juntos, em público, pela primeira vez no encontro das Semanas Afro-brasileiras no Museu de Arte Moderna.

3 A DISSEMINAÇÃO DA IMPRENSA

RACISMO Uma discriminação racial inversa Criada para defender as minorias raciais, a Lei de Oportunidades Iguais, acusada de discriminatória, suscita discussões acaloradas nos Estados Unidos. Uma nova forma de discriminação racial está surgindo nos Estados Unidos, como resultado da legislação que visa a proteger as minorias étnicas do país. Os prejudicados, porém, já não são mais os membros dessas minorias, mas, sim, os brancos. Em Chigago, no mês de janeiro, uma corte distrital deu um prazo de noventa dias para que a cidade contratasse quatrocentos novos policiais, duzentos dos quais teriam de ser negros ou latinos, além de 66 mulheres, impondo ainda uma cota similar para futuras contratações. Em Los Angeles, um estudante branco teve sua matrícula cancelada pela Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, no ano passado, mesmo tendo obtido notas mais altas do que 74 outros candidatos admitidos sob um programa especial de proteção de minorias. (...). (Visão, 22 de novembro de 1976, p.88).

A nota acima da Revista Visão do ano de 1976 mostra a não concordância do sistema de cotas por parte da grande imprensa nacional no período (o que não difere atualmente). Recentemente, o Supremo Tribunal Federal aprovou a constitucionalidade das cotas raciais. Sem dúvida, um fato que expressa um ponto de chegada de inúmeras lutas do Movimento Negro brasileiro por reconhecimento das suas experiências históricas. Nesta história muitos atores cumpriram papéis. Aqueles que lutaram nos meios institucionais, poetas, romancistas, jogadores de futebol, diretores de sociedades recreativas, sambistas de escolas de samba, atores de grupos de teatro, jornalistas, cantores, compositores, intérpretes... Entre eles, Jorge Duílo Lima Meneses, ou Jorge Ben Jor. Os semanários de veiculação nacional divulgavam com grande ênfase, pois foi percebido em diversos números das Revistas Veja e Visão, a luta pelos direitos que perpassava pelos países africanos e diaspóricos, como na seguinte nota veiculada na Revista Visão e na imagem veiculada na Revista Veja:

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NAMÍBIA Como chegar à independência Descrente da sinceridade da África do Sul em conceder a liberdadeà Namíbia, um líder da SWAPO reafirma a intenção dos nacionalistas em lutarem até o fim. No momento em que o destino da África Austral está em jogo, o correspondente de VISÃO em Estocolmo, João Lins de Albuquerque, entrevistou, naquela capital, Ben Amathila, um dos principais líderes da Organização Popular do Sudeste Africano (SWAPO). Em vista do importante papel que a SWAPO desempenha na luta pela independ~encia da Namíbia, a entrevista tem grande valor, uma vez que esclarece a posição dos líderes negros na região em confronto com os governos brancos minoritários da África do Sul e da Rodésia. (...). (Visão, 11 de outubro de 1976, p.88).

Figura 1: Angola: Terceira Guerra. (Revista Veja, Editora Abril, 3 de março de 1976).

Tudo isto causou grande impacto nas comunidades afrodescendentes e, de algum modo, despertou em vários atores políticos, sociais e culturais o desejo de envolver-se. Tal ligação, África e diáspora, pode ser explicada através dos movimentos pan-africanista e do movimento de afirmação da negritude. Outro elemento observado nos semanários foi a midiatização de Jorge Ben Jor. O compositor ganhou diversas notas na Revista Veja ao longo da década de 1970. Sendo que em 27 de maio de 1970, merece a capa da Revista:

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Figura 2: Capa: O mundo encantado e o som de Jorge Ben. (Revista Veja, Editora Abril, 27 de maio de 1970).

Tais números que mencionam Jorge Ben Jor fazem concluir que o compositor levava os elementos afro-diaspóricos e africanos de sua música para dentro e para fora da comunidade negra no Brasil. A valorização da cultura negra, no contexto da emergência de novos movimentos sociais e do processo de redemocratização do Brasil, fez com que diversas gravadoras se estimulassem a colocar no mercado produtos ligados a tal tendência. Os números analisados da Revista Veja, em especial, correspondentes à década de 1970, em sua estrutura (capa, publicidade, carta ao leitor, entrevista e os demais componentes da revista), negligenciam as populações afro-descendentes. E quando mencionam as populações africanas, esta menção é feita de forma negativa, a falar sobre os problemas econômicos e sociais dos países africanos. Quanto às populações afrodescendentes no Brasil, a menção está centralizada em músicos e jogadores de futebol, destaque para Pelé.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encerro este artigo com uma anedota. No dia 19 de julho de 2012, na ocasião do VII Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as, realizado pela Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as e pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB/UDESC), em Florianópolis, na atividade de apresentação de pôsteres, estava apresentando meu trabalho sobre o mesmo tema deste artigo. O Professor Hélio Santos, criador do Conselho de Participação da Comunidade Negra de São Paulo no início dos anos 1980 e atual Pesquisador do Programa Observatório do Desenvolvimento Humano, ao se deparar com meu pôster, lembrou os tempos em que frequentava os bailes blacks da noite paulistana e o impacto de Jorge Ben Jor naquela época, década de 1970. Muito feliz e aparentemente emocionado, me passou seu cartão. Será um entrevistado para o TCC.

Referências

CHAUÍ, Marilena. Prefácio. In: SADER, Eder. Quando os novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

CUNHA Jr., Henrique. História africana para compreensão da História do Brasil. In: História e cultura afro-brasileira e africana: educando para as relações étnico-raciais. Cadernos temáticos – Educação para as relações étnico-raciais. Curitiba: SEEDIPR, 2006.

GIL, Gilberto; JOR, Ben. Gil Jorge (Vinil). Universal Music, 1975.

GONÇALVES, Luiz Alberto de Oliveira. Os movimentos negros no Brasil: Construindo atores sociopolíticos. Trabalho apresentado na XXI Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1998. P. 33.

Jorge Ben Jor. Disponível em: . Acesso em: julho de 2012.

JOR, Ben. (Vinil). Universal Music, 1973.

JOR, Ben. A banda do Zé Pretinho (Vinil). Som Livre, 1978.

JOR, Ben. A tábua de esmeralda (Vinil). Universal Music, 1972.

JOR, Ben. África Brasil (Vinil). Universal Music, 1976.

JOR, Ben. Ben (Vinil). Universal Music, 1972.

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JOR, Ben. Força bruta (Vinil). Universal Music, 1970.

JOR, Ben. Jorge Ben à L'Olympia (Vinil). Phonogram, 1975.

JOR, Ben. Negro é lindo (Vinil). Universal Music, 1971.

JOR, Ben. Salve simpatia (Vinil). Cast, 1979.

JOR, Ben. Solta o pavão (Vinil). Universal Music, 1975.

JOR, Ben. Tropical (Vinil). Island Records/Phonogram, 1977.

KING, Martin Luther. Eu estive no topo da montanha. In: Um apelo à consciência: os melhores discursos de Martin Luther King. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

LEITE, Ilka Boaventura. Negros no sul do Brasil. Invisibilidade e territorialidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996.

NAPOLITANO, Marcos. História & Música: história cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. OLIVEIRA, Luciana Xavier. África Brasil (1976): uma análise midiática do álbum de Jorge Ben Jor. contemporanea| comunicação e cultura - vol.10 – n.01 – janeiro-abril - 2012.

ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1994.

Revista Veja, Editora Abril, 27 de maio de 1970.

Revista Veja, Editora Abril, 3 de março de 1976.

SOUZA, Tárik de. Tem mais samba: das raízes à eletrônica. São Paulo: Ed. 34, 2003.

Visão. Vision Inc; Said Farah; Henry Macksoud, 11 de outubro de 1976.

Visão. Vision Inc; Said Farah; Henry Macksoud, 22 de novembro de 1976.

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