<<

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

RAQUEL DUAIBS ZIEGLER

ÊXITO OU REVÉS? O DILEMA DAS COOPERATIVAS QUE PROSPERAM

CAMPINAS 2016

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 29/03/2016, considerou a candidata Raquel Duaibs Ziegler aprovada.

Profa. Dra. Marcia de Paula Leite Profa. Dra. Angela Maria Carneiro Araújo Prof. Dr. Marcio Pochmann Profa. Dra. Lorena Holzmann Prof. Dr. Fabio Jose Bechara Sanchez

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

Agradecimentos Uma tese é muito mais do que um bom texto repleto de inovações e descobertas. Ela faz parte da vida do autor. Precisamente neste caso, a tese foi o centro da minha vida profissional (e em muitas ocasiões da minha vida pessoal também) por pelo menos sete anos, pois além de todo o período de desenvolvimento e construção, houve o período de preparação e de enfrentamento de todo o processo seletivo. Enfim, um belo ciclo que se encerra, e que merece um momento para que eu possa expressar a minha gratidão a todos aqueles que de algum modo foram muito importantes para que eu, com grande satisfação, pudesse finalizar esse longo processo. Em primeiro lugar deixo registrada aqui a minha eterna gratidão à Profa. Dra. Marcia Leite, que desde o início se interessou em me orientar, me apoiou ao longo de todo esse período e, principalmente, acreditou e investiu em mim, antes mesmo de eu ser oficialmente sua orientanda. Como grande sábia que é, me tranquilizou nos momentos difíceis e contribuiu de forma generosa para que eu chegasse até aqui. Falando em generosidade, tenho muito o que agradecer ao meu amado marido Arthur, que acompanhou grande parte deste trabalho e que contribuiu com muita paciência, muita espera, muitos sorrisos, muito carinho e muitos mimos. Aproveito também para agradecer a minha família pela paciência, amor e compreensão nos momentos de ausência: minha mãe Celia, meu irmão Daniel, minhas queridas avós Albertina e Julieta, meus padrinhos Cirene e Amadeu, minha Tia Líria e os primos Ana Paula e Bruno. Também não posso deixar de mencionar e agradecer ao meu pai José Marcos, à Cláudia, ao Renanzinho, à Marina e ao Camillo, que sempre foram muito atenciosos e amorosos comigo. Devo um agradecimento especial à Ligia e ao Ismael, que em um momento de dúvidas e incertezas me apoiaram e me impulsionaram a seguir com os planos de pesquisa na Itália. Incluo ainda nesse grupo aqueles que são a minha família do coração: à Paty, minha amiga querida que acompanha todo o meu desenvolvimento desde a infância; ao Fê, que hoje é um grande exemplo para mim, o qual tenho muito orgulho de chamar de Prof. Dr. Fernando Balieiro e que sempre me apoia e auxilia nos momentos difíceis; a querida Marcela, que me ajudou a obter o foco em todos esses sete anos; a Natália Silveira, a Ana Paula Mondadore e a minha inestimável amiga Ligia Damas, que apesar de distantes, sempre estiveram por perto. Agradeço ainda as amigas Juliana Oliveira e Adriana Capuano, que são dois grandes exemplos de mulheres fortes e de profissionais da sociologia nas quais sempre tento me inspirar. Já que estou falando de exemplos, não posso deixar de mencionar aquele que teve papel decisivo para eu chegar até aqui: o Prof. Dr. Jacob Carlos Lima. Com muita paciência e empenho, foi meu orientador durante o mestrado e contribuiu imensamente para o meu progresso como ser humano e como pesquisadora. Faço também um agradecimento especial ao Prof. Dr. Leonardo Altieri, que me co-orientou por seis meses durante o meu período de estágio de pesquisa na Itália. Agradeço ainda aos Professores Dra. Ângela Araújo, Dr. Marcio Pochmann, Dra. Lorena Holzmann, Dr. Fábio Sanchez, Dr. Jacob Carlos Lima, Dra. Bárbara Castro e Dr. José Dari Krein por terem aceitado tão gentilmente participar da defesa da minha tese. Aproveito para ressaltar que tenho uma gratidão profunda com todos aqueles que foram entrevistados para esta pesquisa: Stefano Pedini, Roberta Trovarelli, Danilo Salerno, Simone Mattioli, Marzia Montebugnoli, Rita Linzarini, Sergio Prati e todos os cooperados e trabalhadores do grupo Limci. Aprendi muito com cada um deles, e estou certa de que esse aprendizado vai me acompanhar por muito tempo ao longo da minha carreira. Faço um agradecimento especial para Elisabetta Marchetti, Sandra Pareschi e Nilson Tadashi Oda, que realmente fizeram a diferença no meu trabalho. Agradeço também a todo o apoio e suporte dos funcionários e colegas do IFCH, em especial à Maria Rita, ao Reginaldo e à Beatriz. E por fim, mas não menos importante, agradeço a todo o financiamento oferecido pela Capes e, especialmente, pela Fapesp, que me concedeu bolsa de doutorado no Brasil e bolsa de estágio de pesquisa no exterior durante o período em que estive na Itália. Sem o investimento dessas duas agências, essa pesquisa não teria sido possível.

Resumo O presente estudo tem por objetivo investigar a prática de internacionalização produtiva das cooperativas italianas, que é definida pela estratégia de criar empresas em outros países, situação que vem se difundindo sistematicamente. A nossa análise mostrou que esse processo vem ocorrendo de forma pontual desde a década de 1960, mas ganhou força após a crise econômica que eclodiu em 2008, quando os cooperados e as agências de fomento cooperativo perceberam que os empreendimentos que haviam se internacionalizado anteriormente conseguiam superar a crise mais facilmente do que aqueles que ainda concentravam o seu foco apenas nos mercados italianos. A grande questão está no fato de que apenas a empresa matriz é uma cooperativa, e as demais empresas do grupo constituem-se como sociedades de capital aberto. Nesse contexto, as filiais se tornam um corpo estranho ao universo cooperativo e acabam por dissolver os princípios solidários e democráticos que predominam sobre os associados, pois minimiza as convicções cooperativas e intensifica a divisão entre capital e trabalho, além de admitir claramente um amplo beneficiamento da exploração do trabalho assalariado. Como um modelo exemplar desse processo de internacionalização produtiva, elegemos uma cooperativa de produção industrial para o nosso estudo de caso, que em 2016 possui 77 empreendimentos distribuídos em 29 países, sendo que apenas a fábrica matriz é uma cooperativa.

Palavras-chave: cooperativas, internacionalização produtiva, cooperativismo italiano, economia social.

Abstract The present study aims to investigate productive internationalization by Italian , defined by the strategy of starting companies in other countries, a situation that have been disseminating systematically. Our analysis showed that this process has been taking place sporadically since the 1960s, but gained momentum after the economic crisis that erupted in 2008, when workers and cooperative development agencies noticed enterprises that had previously internationalized could overcome crises more easily than those who have focused only on the Italian market. The issue is that only the headquarter is a cooperative, and the other group companies are constituted as publicly traded corporations. In this context, the branches become a foreign body to the cooperative universe and eventually dissolve the solidarity and democratic principles thay that prevail on cooperative members because it minimizes cooperative convictions and intensifies the division between capital and labor, clearly admiting ample exploitation of wage labor. As an exemplary model of this productive internationalization process, we elected an industrial production cooperative for our case study, which in 2016 has 77 projects spread over 29 countries, with only the parent company idem as a cooperative.

Keywords: cooperative, productive internationalization, Italian cooperative, social economy.

Sumário

Prólogo: as três descobertas ...... 10 Introdução ...... 14

1. Um pouco de história: a economia italiana e a Emilia-Romagna ...... 20 1.1. Breve contextualização sobre a economia italiana ...... 20 1.2. A Emilia-Romagna ...... 25

2. Os distritos industriais ...... 29 2.1. Os sindicatos e sua relação com os distritos industriais ...... 36

3. A gênese do conceito de economia social ...... 39

4. A história das cooperativas na Europa e na Itália ...... 45 4.1. As primeiras experiências cooperativas ...... 45 4.2. O florescimento do cooperativismo italiano ...... 50 4.3. As sociedades cooperativas italianas no século XX ...... 55 4.4. A questão identitária e as transformações do movimento cooperativo ...... 61 4.5. A relação entre os sindicatos e as cooperativas ...... 67 4.6. O cooperativismo em Imola ...... 68

5. Tese sobre a degeneração das cooperativas ...... 73

6. O processo de internacionalização das PMI e das cooperativas ...... 79 6.1. A internacionalização das PMI ...... 81 6.2. A internacionalização das cooperativas ...... 86 6.3. A legislação italiana e a internacionalização produtiva ...... 101

7. As empresas que lançam as cooperativas no exterior ...... 106 7.1. Indaco ...... 106 7.2. Coopermondo ...... 107 7.3. Innovacoop ...... 108 7.4. Nexus Emilia-Romagna ...... 111

8. Reflexões e perspectivas sobre o cooperativismo e a internacionalização ...... 115

9. A Limci como um estudo de caso ...... 129 9.1. Os negócios do grupo Limci ...... 157 9.2. O cooperativismo do mutualismo ...... 158 9.3. Limci do Brasil: sindicato X manutenção do emprego ...... 162

Considerações finais ...... 169 Bibliografia ...... 174 Anexos ...... 186 10

Prólogo: as três descobertas Ao entrar no doutorado, lembro-me de ter claramente o meu projeto de pesquisa na cabeça: estava empolgada para estudar as fábricas recuperadas italianas, fazer um estudo comparativo destas fábricas recuperadas presentes na região do ABC Paulista em São Paulo e descobrir o que os trabalhadores dessas fábricas italianas tinham para ensinar às cooperativas do Brasil. A escolha da Itália se deu por que além de o país ser um grande símbolo do cooperativismo mundial, os sindicalistas da CGIL e da CISL tem laços bastante estreitos com os sindicalistas da CUT no Brasil e ajudaram de maneira decisória nos primeiros projetos cooperativos desenvolvidos pelos sindicalistas brasileiros. Durante os primeiros semestres do curso foquei a minha pesquisa no caso brasileiro, não apenas porque eu ainda estava aprendendo e me adaptando ao idioma italiano, mas também porque o acesso a livros e artigos italianos aqui no Brasil é muito restrito, comparado à facilidade que o livre acesso a todas as bibliotecas da Itália nos proporciona quando estamos lá presencialmente. Com toda a base teórica do contexto brasileiro bem fundamentada, fui realizar o estágio de pesquisa em Bologna. Mas, após muitas conversas com professores, sindicalistas, cooperadores e pesquisadores, fiz a minha primeira grande descoberta: a recuperação de fábricas pelos próprios trabalhadores não se constitui ainda como um fenômeno na Itália. Elas começaram a surgir lentamente após a crise econômica de 2008, que atingiu gravemente o país. E mesmo assim, ninguém ainda se interessou em realizar um estudo sobre o tema, sendo que apenas os jornais locais se importaram em lançar algumas notas sobre o assunto. Após várias pesquisas, encontrei o Prof. Aldo Marchetti, pesquisador de Milano especializado no movimento de fábricas recuperadas argentinas, que me confirmou não existir nada científico registrado sobre o assunto na Itália. Ainda que naquele momento ele estivesse começando a se dedicar a este tema, não havia nenhum estudo concluído. Eu tinha a opção de enfrentar o desafio de reunir os recortes de jornais que havia encontrado e de correr o país atrás das poucas fábricas recuperadas de que eu tinha notícia (cerca de 7 ou 8 empreendimentos) mas, após muita reflexão e diálogos com a Profª. Marcia e com o Profº Leonardo, meu coorientador na Itália, achamos que a empiria da pesquisa poderia ficar comprometida, por não haver nenhum fundamento científico anterior. E eu também pensei muito sobre não conhecer a realidade do país tão bem como eu conheço a realidade brasileira, fator que poderia dificultar algumas análises sem um embasamento teórico consubstanciado como pano de fundo. Contudo, em meio a este grande dilema, eu estava começando a conhecer a realidade da Limci, uma cooperativa que sindicalistas brasileiros conhecedores da realidade italiana já haviam comentado comigo. Fundada por nove mecânicos em 1919, atualmente a 11

Limci é líder mundial na fabricação de máquinas que produzem cerâmicas. À primeira vista, o que me chamou a atenção foi o fato de ser uma cooperativa com porte de grande empresa, de ser um ícone da cidade de Imola, onde todos os cidadãos a conhecem e a respeitam e, também, por ser uma cooperativa extremamente exitosa. Fiquei impressionada porque estava finalmente conhecendo um exemplo de cooperativa de produção industrial que realmente deu certo. Em um segundo momento, após começar a adentrar este universo e conhecer um pouquinho mais sobre a cooperativa, fiz minha segunda grande descoberta na Itália: a Limci é uma cooperativa de sucesso presente em muitos países com inúmeras filiais. Contudo, a cooperativa só existe na matriz, a Limci Imola. Todas as demais empresas do grupo, até mesmo aquela Limci que fica a 1km de distância da empresa matriz, são empresas de capital aberto. E foi aí que eu fiquei com um nó na garganta e um aperto no coração: como uma cooperativa, estando ela vinculada aos princípios da economia solidária ou da economia social, pode abrir diversas empresas ao redor do mundo e começar a agir como uma multinacional, de modo a não oferecer a possibilidade de tornarem-se sócios todos os seus empregados? E foi nesse momento que eu vi o quão importante seria conhecer melhor essa cooperativa. Ao contar a minha descoberta para a professora Marcia, tivemos a oportunidade de escolher qual caminho seguir: persistir na pesquisa que já estava com a parte brasileira consolidada ou começar do zero um novo tema. A escolha foi guiada não apenas pela empolgação e pelo desejo de me aprofundar em uma investigação extremamente instigante, mas também pelo fácil acesso a uma sólida base teórica disponibilizada nas bibliotecas da Emilia-Romagna. Após alguns dias de muita ansiedade e reflexão, a decisão foi tomada, e confesso que não foi fácil nem indolor: toda a pesquisa que já tinha feito no Brasil e os três primeiros anos do doutorado ficaram para trás, e eu teria que iniciar o novo tema já no período final do doutorado. Optei pelo caminho mais difícil e menos cômodo, pois começar uma pesquisa sobre um assunto desconhecido e ter pouco tempo para concluí-la não é uma tarefa nada confortável. E foi por isso mesmo que valorizei tanto produzir uma reconstituição, mesmo que de maneira breve, do contexto histórico e econômico da Itália, bem como resgatar a história do cooperativismo italiano e europeu. Mas logo eu percebi que estava no caminho certo: a cada nova descoberta, a cada nova leitura e a cada nova entrevista eu ficava completamente extasiada. Eu vivi intensamente esse momento: nunca me diverti e me entusiasmei tanto com uma pesquisa. E um bom exemplo para explicar esses sentimentos foi o caso da entrevista “clandestina” com uma trabalhadora. Como fui proibida pela diretoria da Limci de entrevistar os trabalhadores, consegui fazer uma entrevista secreta com uma trabalhadora da empresa. E ela só poderia me conceder a entrevista 12

em um domingo, que foi um dia em que os metroviários do país decidiram fazer greve nacional. Eu não me importei, fui para Imola de ônibus, com a maior determinação. Quando acabou a entrevista, já não havia mais ônibus para voltar para Bologna, e também não havia trem. Passei a madrugada toda acordada na estação de trem, esperando a greve acabar para voltar para casa. Estava cansada, com muito sono, com frio, mas extremamente feliz, porque tinha conseguido uma entrevista com uma trabalhadora, e tudo o que eu estava passando valia a pena, porque no fim, foi a única entrevista com um trabalhador de Imola que eu consegui mesmo. Outro exemplo interessante foi o caso do diretor de uma das empresas que negociou a concessão de uma entrevista comigo em troca de eu conversar com a filha dele e conscientizá-la do quão importante é estudar o idioma italiano – coisa que fiz com muito prazer, pois me encantei com essa língua e aprendê-la foi um belo privilégio que só me foi possível graças ao doutorado. Eu me lembro que passei muitas noites sem conseguir dormir porque estava empolgada demais com o caso Limci e a adrenalina no meu corpo se recusava a abaixar. Lembro também de ligar várias vezes para o Brasil para conversar com a professora Marcia (naquela época, liguei mais para ela do que para a minha própria mãe) e contar sobre as minhas grandes novas descobertas e sobre o meu inconformismo com tudo o que eu havia descoberto. Lembro ainda, com muito carinho, da professora Marcia sempre dizer que eu precisava me acalmar e tomar um chazinho de maracujá para conseguir dormir e domar a ansiedade naquelas noites em que eu sentia uma grande euforia com a pesquisa. Sei que muitos cientistas sociais desaprovariam esse entusiasmo que senti na época pelas descobertas sobre o meu objeto de estudo, mas hoje, ao final de cinco anos de doutorado, posso afirmar com convicção que aquele momento de euforia foi o mais importante em todo o meu doutorado, e ele foi imprescindível para me impulsionar a fazer o meu melhor na discussão bibliográfica e na análise dos dados da tese. Ao voltar para o Brasil, preparei o texto para o exame de qualificação. Foi uma discussão extremamente profícua, e os professores da banca (além da professora Marcia, os professores Jacob Lima e Angela Araújo também estavam presentes) me ajudaram bastante a encaminhar a tese e a refletir sobre o que eu já havia escrito. Todavia, após finalizar boa parte das minhas leituras (eu trouxe uma mala cheia de livros e cópias de textos da Itália para terminar a revisão bibliográfica aqui no Brasil), veio a minha terceira e última descoberta, que no fim configurou- se como a mais importante de todas: a Limci não deveria ser o objeto central da pesquisa pois ela não é um caso isolado, mas faz parte de um grande movimento que vem cada vez mais ganhando fôlego e sendo incentivado por agências de fomento cooperativo, empresas privadas e governos. Dessa forma, dei uma última guinada no enredo da tese, e acredito que seu resultado final reflete todo o percurso que caminhamos até aqui. 13

A razão deste prólogo é explicar o caminho que percorremos até chegar a este produto final: uma tese que surgiu quase no fim do curso de doutorado, com um tema que não poderia ser ignorado. Ela foi construída por etapas dirigidas por descobertas e aprendizados. Por isso houve diversas escolhas e renúncias, e certos elementos não puderam ser aproveitados como, por exemplo, algumas das preciosas orientações acolhidas durante o exame de qualificação. Mas isso não ocorreu por indisciplina ou por falta de tempo (embora eu reconheça que o tempo foi um dos meus principais obstáculos). Ocorreu porque as descobertas nos levaram para um caminho desconhecido, e que, conforme analisávamos a bibliografia e as entrevistas realizadas, fomos construindo o objeto e organizando a tese ao redor dele. O resultado que aqui temos é fruto de um golpe de sorte (sim, foi sorte, porque eu poderia ter passado toda a minha estadia na Itália sem ter olhado para o fenômeno da internacionalização produtiva) que passou sobre nós e que agarramos com muito empenho e dedicação. Volto a dizer que a tese foi produzida com muito entusiasmo, muita empolgação e muita paixão por esse tema. E espero, sinceramente, que ela ajude, a partir de agora, a suscitar questões e debates em torno do cooperativismo, dos princípios levantados pelas bandeiras da economia social, da autogestão e da internacionalização produtiva.

14

Introdução A cooperativa é reconhecidamente uma empresa com um papel peculiar no interior do sistema capitalista. O elemento característico que a distingue das demais empresas é a proposta da propriedade coletiva dos trabalhadores, que, em teoria, é gerida sob a égide de princípios como a solidariedade, a democracia, a igualdade, o mutualismo e a coletividade. Apesar de uma grande parcela daqueles que estão envolvidos com o tema (incluindo aqui pesquisadores, associados e instituições) interpretar que a cooperativa tem como premissa primordial beneficiar os seus próprios associados, espera-se que ela vá muito além, contribuindo para melhorar o seu entorno e a sua comunidade, e espera-se ainda que ela tenha a incumbência de promover o acesso dos trabalhadores ao emprego e à distribuição igualitária dos resultados que são frutos do trabalho coletivo no interior da cooperativa. Pelo menos, em teoria, esses são alguns dos princípios que a Aliança Cooperativa Internacional defende em âmbito mundial. Entretanto, quase sempre a prática destoa da teoria. Ao observar a dinâmica de crescimento das cooperativas na Itália – onde o sistema cooperativo é um dos mais desenvolvidos do mundo – pudemos verificar que quanto mais as cooperativas se expandem, mais elas se aproximam das características de uma empresa capitalista comum e se distanciam dos propósitos cooperativos. E nos últimos anos muitas delas têm aderido à internacionalização produtiva, que é uma estratégia empresarial comum entre as pequenas e médias empresas dos distritos industriais. Contudo, por meio dessa prática, as cooperativas crescem, criam filiais em outros países e aumentam o número de funcionários sem, no entanto, expandir sua base social de acordo com o próprio crescimento. A escolha da Itália se deu pelo fato de que o país possui uma longa tradição no cooperativismo, tendo sua primeira experiência cooperativa registrada em 1806, com a criação de uma cooperativa de produção de produtos derivados do leite na cidade de Osoppo. Outro fator que foi decisivo para que optássemos pelo país são as parcerias e o diálogo estreito entre a CGIL – Confederazione Generale Italiana del Lavoro,1 a Unisol Brasil2 e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Durante a pesquisa de mestrado,3 constatamos que o apoio deste Sindicato foi imprescindível para o florescimento de diversas cooperativas na região do ABC

1 Confederação Geral Italiana do Trabalho. Fundada em 1906, é a principal confederação sindical da Itália. 2 A Unisol – Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários, foi criada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em 2000 e incorporada pela CUT – Central Única dos Trabalhadores, em 2004. Sua principal função é assessorar e articular cooperativas e empreendimentos solidários. 3 A dissertação de mestrado intitulada Movimento sindical e fábricas cooperativas: experiências no ABC Paulista, orientada pelo Prof. Dr. Jacob Carlos Lima na Universidade Federal de São Carlos, teve por objetivo investigar a motivação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em apoiar e estimular a criação de cooperativas de produção que surgiram a partir de 1996, com o grande movimento de falências na região do ABC Paulista. 15

Paulista por meio da recuperação de fábricas em situação de falência. Sua ação foi inspirada essencialmente pelo movimento cooperativo italiano, que proporcionou ao Sindicato uma grande troca de experiências, ideias e informações. De acordo com Buonfiglio (2004) o sindicalismo italiano, em especial a CGIL, exerce sobre a CUT4 uma importante influência, especialmente no que concerne ao apoio ao cooperativismo. Todo este contexto foi substancial para nos estimular a conhecer de maneira aprofundada a realidade do cooperativismo italiano, de forma a verificar as possíveis contribuições que a Itália ainda poderia proporcionar para o movimento cooperativo brasileiro. No decorrer do doutorado, tivemos a oportunidade de realizar um estágio de pesquisa na Università di Bologna, localizada na cidade de Bologna, na Itália, por um período de seis meses, que ocorreu entre 30/10/2013 e 29/04/2014, a fim de coletar os dados necessários para avançar no desenvolvimento da tese. A nossa escolha por essa universidade, que é a mais antiga do mundo ocidental (criada em 1088), não ocorreu de forma aleatória: ela está presente na região que concentra a maior parte das cooperativas da Itália, a Emilia-Romagna. Estar próximo do nosso campo de pesquisa e ter acesso a professores experientes no tema nos impulsionou para essa decisão. O professor que nos recebeu e acolheu a pesquisa em Bologna, Dr. Leonardo Altieri, possui laços estreitos com a cidade de São Bernardo e inúmeros contatos com sindicalistas italianos e brasileiros, devido ao papel que desempenha no “Comitato Sao Bernardo”, um comitê católico da região de Imola fundado em 1989 com o intuito de financiar projetos sociais em São Bernardo do Campo, no Brasil. Desta forma, a nossa pesquisa foi bastante facilitada pelos contatos que o professor nos forneceu no decorrer do estágio. Em seguida o nosso foco foi direcionado para o conhecimento da bibliografia italiana sobre o cooperativismo. A região de Bologna possui um sistema bibliotecário excepcional, e tivemos o privilégio de nos beneficiar com a possibilidade de realizar pesquisas bibliográficas em 195 bibliotecas que somam juntas 4.295.952 volumes.5 Nossas consultas foram realizadas por intermédio de um sistema de pesquisa unificado denominado Sebina Open Library, que pode ser consultado através do site http://sol.unibo.it/SebinaOpac/SebinaYOU.do#.6 Com todo o acervo da região de Bologna à nossa disposição, debruçamo-nos nas pesquisas sobre a história do cooperativismo italiano.

4 A Central Única dos Trabalhadores (CUT) é a maior central sindical brasileira, fundada em agosto de 1983. 5 Dados de abril de 2014, período em que encerramos nossas pesquisas nas bibliotecas. 6 Acessado em 23/01/2015. 16

Pelo que pudemos observar durante nossas entrevistas com o sindicato da Federazione Impiegati Operai Metallurgici coligado à Confederazione Generale Italiana del Lavoro (FIOM/CGIL) e da Federazione Italiana Metalmeccanici coligado à Confederazione Italiana Sindacato Lavoratori (FIM/CISL) que representam os trabalhadores da cooperativa que pesquisamos em Imola, os cooperados recebem a mesma atenção que os trabalhadores contratados recebem do sindicato, e podemos dizer que a nossa impressão é de que os sindicatos estavam sempre presentes no cotidiano da fábrica. Contudo, identificamos que não existe uma atenção especial voltada para as necessidades específicas dos cooperados, e os sindicalistas que entrevistamos relataram que há uma grande dificuldade em lidar com os trabalhadores associados, por eles serem ao mesmo tempo trabalhadores e donos do próprio negócio, já que muitas vezes eles próprios não conseguem distinguir as diferenças entre seus papéis. No decorrer das pesquisas, descobrimos um caso interessante: o caso da Limci,7 uma cooperativa fundada em 1919 por nove mecânicos e que em 2016 está presente em 26 países (inclusive no Brasil) por meio de 77 empresas próprias ou em sociedades. A Limci possui uma forte presença mundial nos negócios da fabricação de máquinas que produzem cerâmicas e alimentos, e que realizam o processo completo de envasamento de bebidas e recipientes. Além disso, possui uma empresa específica que controla os serviços administrativos do próprio grupo e outra que se ocupa do setor de expedição e logística na gestão do transporte internacional, sendo esta última uma empresa que não trabalha exclusivamente para o grupo Limci, e possui clientes em diversas partes do mundo. Com uma forte presença internacional, o grupo garante 90% do seu faturamento proveniente das atividades de exportação. A grande questão da cooperativa Limci é que ela seria um caso de sucesso se não fosse o “detalhe” de que apenas a empresa matriz é uma cooperativa, e todas as demais 76 unidades são empresas de sociedade anônima que pertencem e que são exploradas pelo grupo Limci. Por outro lado, seria um caso típico de sucesso de uma empresa de sociedade anônima ou limitada se a matriz não tivesse se desenvolvido sob o véu do cooperativismo e não fizesse uso de todas as perspectivas que envolvem as premissas cooperativistas, entre as quais se incluem união, solidariedade, coletividade e autonomia entre os trabalhadores envolvidos. Em sua tese de doutorado, Mondadore (2013) investigou no Complexo Cooperativo Mondragon, localizado na região do país Basco na Espanha, este mesmo fenômeno que encontramos na Itália: uma

7 Limci – Lavoratori dell’Industria Metalmeccanica Cooperativa di Imola (Trabalhadores da Indústria Metalmecânica Cooperativa de Imola), é o nome fictício que utilizaremos para tratar da cooperativa que pesquisamos em Imola. Todas as informações e dados da empresa são verdadeiros e corretos, apenas o nome da empresa foi alterado com o objetivo de preservar a sua identidade. 17

cooperativa que foi fundada sob os princípios sociais do cooperativismo e que, com o passar do tempo, se transformou em um complexo multinacional no qual apenas a matriz ou a minoria de seus empreendimentos se configura como cooperativas. Ao nos aprofundarmos mais sobre o assunto, descobrimos que não raro ocorre a internacionalização das cooperativas. Existem dois tipos de internacionalização: a comercial e a produtiva. Enquanto a primeira ocorre sob a forma de importação e/ou exportação de produtos, a segunda é a responsável pela emergência de filiais das cooperativas ao redor do mundo, de forma a baratear os custos com matéria-prima e com mão de obra, tornando a empresa ainda mais competitiva no mercado global. O processo de internacionalização da produção das cooperativas tem se tornado muito comum no território italiano e está se difundindo cada vez mais e de maneira veloz. Portanto, esse fenômeno não é um caso isolado do grupo Limci ou do Complexo Cooperativo Mondragon, mas é uma tendência que vem tomando fôlego nos últimos anos, especialmente após a crise econômica de 2008. Tendo essa experiência em vista, constatamos que é um caso que pode iniciar reflexões sobre os rumos que as cooperativas tomam quando prosperam, seja no Brasil, na Itália ou em qualquer parte do mundo. Desse modo, o tema pode contribuir para a análise do comportamento daquelas cooperativas que são vistas como “exitosas”. Mas porque exatamente a internacionalização das cooperativas italianas chama tanto a atenção? Em primeiro lugar, porque a Itália é um dos países onde a experiência cooperativa mais tem se desenvolvido e, de acordo com nossas pesquisas, possivelmente essas tendências deverão se difundir para o resto do mundo. Em segundo lugar, porque a dinâmica de internacionalização, da maneira como é realizada, coloca em contradição os princípios cooperativos. O histórico de internacionalização produtiva das cooperativas que conhecemos na Itália aponta que ela geralmente é praticada de um modo no qual apenas a matriz se configura como uma cooperativa, e as demais filiais que pertencem a essa cooperativa funcionam como empresas privadas comuns que, por meio de seus lucros adquiridos em outros países (ou até mesmo em outras regiões italianas), subsidiam a existência da cooperativa e de seus poucos sócios.8 A grande questão é que o ideal cooperativo e solidário se dissolve nesse processo, pois minimiza os princípios cooperativos e intensifica a divisão entre capital e trabalho, além de admitir claramente um amplo beneficiamento da exploração do trabalho assalariado.

8 Geralmente essas cooperativas possuem poucos sócios em comparação com o número total de funcionários. O Grupo Limci, por exemplo, em 2014 possuía 389 associados para um total de 4.000 trabalhadores. Isso significa que menos de 10% dos trabalhadores do Grupo são sócios. Entretanto, de acordo com a entrevista concedida pela sindicalista Marzia, do Sindicato dos Metalúrgicos da CISL, a Limci é uma das empresas da região de Imola que mais incorpora associados em sua base social. 18

Mondadore (2013) já havia verificado esse mesmo fenômeno em sua tese de doutorado sobre o processo de internacionalização produtiva do Complexo Cooperativo Mondragon, e um dos resultados mais importantes de nossa pesquisa é a revelação de que esse processo não se restringe a Mondragon. Ao contrário, ele se encontra já avançado na realidade europeia. Esse achado de pesquisa nos leva a defender a tese de que a internacionalização da produção cooperativa, da maneira como vem sendo realizada, é uma consequência do processo de degeneração das cooperativas e que acaba por soterrar os princípios do cooperativismo. Isso significa que, de um modo geral, quando as cooperativas se internacionalizam, é porque elas já se degeneraram em um momento anterior, abrindo mão dos princípios fundamentais da economia social. Por outro lado, esse fenômeno gera um grande paradoxo: considerando que há um contexto de crise econômica, as empresas/cooperativas decidem abrir seus mercados no exterior com o intuito de sobreviver à crise, crescer e/ou aumentar seus lucros. Porém, essa situação de buscar mão de obra em fontes internacionais contribui para que o desemprego cresça e, com isso, a Itália permaneça em situação de crise, já que o movimento contrário (de empresas do exterior entrando no território italiano) não tem se verificado na mesma intensidade. Essa dinâmica, que geralmente tende a acentuar a exploração do trabalho nos países que abrem as portas para a internacionalização, pode comprometer a autonomia e o desenvolvimento econômico italiano, conforme veremos adiante no depoimento do sindicalista da CGIL de Imola, que deixou clara essa situação de que o ingresso das fábricas nacionais em outros países compromete o desenvolvimento econômico e social da Itália. Evidentemente a tese não trata de como o movimento cooperativo deve enfrentar esses obstáculos. O foco do presente estudo é demonstrar como esse processo de degenerescência está ocorrendo e como ele está se contrapondo a todos os princípios estruturantes do cooperativismo que estão sendo ignorados em benefício da lucratividade. Tendo isso em vista, apresentamos os capítulos que compõem a pesquisa, que estão divididos de forma a contextualizar o histórico do cooperativismo italiano antes de abordarmos propriamente o tema da internacionalização. No primeiro capítulo colocamos o leitor a par do contexto econômico italiano, informação fundamental para entender a realidade do país e como as cooperativas e os distritos industriais, que são parte importantíssima da engrenagem que move a economia, se encaixam na história da produção italiana. Também neste capítulo abordamos a Emilia-Romagna, principal região que abriga as cooperativas e os distritos industriais da Itália. O segundo capítulo é dedicado aos distritos industriais, pois é no interior deles que a maioria das cooperativas da 19

região estão localizadas. O capítulo contempla ainda a relação dos sindicatos com os distritos, que trouxeram novas questões para serem debatidas no interior desses arranjos produtivos locais. O terceiro capítulo traz a história da economia social, movimento bastante presente na realidade europeia. Esse capítulo se apoia na história do movimento cooperativo para ilustrar de forma breve as primeiras linhas que foram esboçadas pelo movimento e suas respectivas posições políticas. No quarto capítulo entramos de fato no tema do cooperativismo, apresentando como esse movimento se propagou pela Europa e pela Itália: as primeiras manifestações do cooperativismo em diversos países projetaram uma noção de como ele foi desenvolvido e de como foi concebido no contexto italiano. O seu desenvolvimento levou a uma série de consequências, e no quinto capítulo tratamos de uma delas: a degeneração das cooperativas. O tema da degenerescência começa a ser debatido logo no início do século XX, mas vem tendo desdobramentos e reconfigurações até a atualidade. Já no sexto capítulo discutimos a questão da internacionalização das cooperativas, no qual verificamos que essa prática é uma das principais portas de entrada para o processo de degeneração na atualidade. Esse capítulo ainda contempla as principais leis italianas que favorecem e facilitam esse processo de internacionalização. No decorrer da pesquisa constatamos que o governo italiano é um dos principais responsáveis por estimular esse processo, mas não é o único: as instituições que representam o movimento cooperativo também se agarraram na oportunidade de internacionalizar a produção, e o sétimo capítulo discute um pouco sobre o trabalho dessas instituições, que na maioria das vezes criaram empresas específicas com o propósito único de alçar os empreendimentos cooperativos ao exterior. O Oitavo capítulo se constitui como um espaço para a reflexão das perspectivas lançadas durante nossas entrevistas de campo com os mais diversos tipos de atores sociais presentes no universo cooperativo: os sócios, os sindicalistas, os trabalhadores e também os presidentes das empresas que atuam no processo de internacionalização produtiva. Trata-se de um rico debate que nos remete ao raciocínio das pequenas questões que compõem o conjunto da problemática central da tese, ou seja, a internacionalização produtiva. Dedicamos o nono capítulo ao estudo de caso de uma cooperativa da cidade de Imola, que elegemos para aprofundar a pesquisa sobre o seu processo de internacionalização. A escolha se fez devido à grande representatividade que esse empreendimento tem no contexto da internacionalização produtiva das cooperativas italianas. Por fim, o último capítulo traz uma síntese geral do problema acompanhado de nossas considerações finais. 20

1. Um pouco de história: a economia italiana e a Emilia-Romagna Para compreender o contexto em que as cooperativas italianas se encontram hoje é fundamental entender um pouco sobre como a economia do país se desenvolveu ao longo das últimas décadas. Também se faz necessário conhecer algumas informações sobre a Emilia- Romagna, região símbolo do cooperativismo no país. Por isso, este capítulo é dedicado a uma pequena explanação histórica, para que o leitor se familiarize com o cenário italiano.

1.1. Breve contextualização sobre a economia italiana A história da economia italiana registra altos e baixos, com maior ênfase nos períodos de crise do que nos de prosperidade. De acordo com Bianchi (2013), a Itália se tornou um país extremamente pobre após a sua unificação – que ocorreu em 1861 – e entre 1875 e 1915 cerca de 14 milhões deixaram suas terras em busca de uma condição de vida mais favorável em países distantes. No ano de 1915, o país ingressou na Primeira Guerra Mundial por meio do Pacto de Londres, um tratado secreto que formou uma base aliada composta por Itália, França, Grã- Bretanha e Império Russo. Ao final da guerra, em 1918, esse bloco saiu como vencedor dos confrontos contra o bloco liderado pela Alemanha, e a Itália se beneficiou com a conquista de alguns territórios, entre eles as regiões de Trentino-Alto Adige e Venezia Giulia. Contudo, as consequências econômicas e sociais para o país foram duríssimas, pois como a Itália tinha sua economia baseada na agricultura e perdeu grande parcela de sua força de trabalho durante a guerra, esse cenário provocou a ruína de muitas famílias que não tinham mais condições de trabalhar a terra e se sustentar. A situação econômica negativa era generalizada, e uma das diversas consequências foi a escassez de matérias-primas no âmbito da produção. Além disso, os cofres do Estado encontravam-se praticamente vazios, considerando que naquele período a lira havia sido bastante desvalorizada. A fragilidade socioeconômica na qual a Itália se encontrava levantou rumores de uma possível revolução comunista, assim como tinha ocorrido na Rússia em 1917. Diante do descontentamento de todas as classes sociais, Benito Mussolini fundou na cidade de Milano em março de 1919 um movimento que pregava a vontade de transformar, se preciso com métodos revolucionários, a vida italiana. O movimento, conhecido como fascismo, denominava-se como uma terceira via, que seria alternativa ao capitalismo e ao comunismo. Em 1920 o movimento se consolidou como partido político, criando o Partido Nacional Fascista. Com a “marcha sobre Roma” em 1922, os fascistas pressionaram o Rei Vittorio Emanuele III a nomear Mussolini como Primeiro Ministro da Itália. Ao conquistar o poder, ele 21

conseguiu articular as políticas nacionais até que implementou em definitivo sua ditadura totalitarista, que teve fim apenas em 1945. Em setembro de 1939 iniciou-se a Segunda Guerra Mundial, impulsionada por dois blocos hegemônicos: de um lado Alemanha, Itália e Japão, e de outro França, Reino Unido, Estados Unidos e União Soviética. Os confrontos cessaram em setembro de 1945, e o bloco liderado pelos Estados Unidos saiu como o vencedor da Guerra. Além de ter sido derrotada nos confrontos, a Itália teve como principais consequências o declínio de Mussolini no poder, que foi capturado e executado pelos combatentes partigianos9 que lutavam contra o fascismo; as diversas cidades que foram reduzidas a escombros devido aos bombardeios; as inúmeras regiões que foram ocupadas por tropas americanas; e, de acordo com Martino (2005), o alto número de italianos mortos durante a Guerra, que se estima em torno de 415.000, entre militares e civis. Todos esses elementos contribuíram para que o caos se instaurasse no país, mas, surpreendentemente, logo após a queda de Mussolini a Itália retomou sua recuperação e seu desenvolvimento. A indústria italiana atingiu o limiar dos anos 1950 com uma estrutura que era orientada em grande medida pelo desenvolvimento de atividades que antecederam o período bélico. Esse contexto foi se alterando após a Segunda Guerra Mundial, que estimulou o progresso e beneficiou a situação econômica do país. A Itália do pós-guerra não era um país subdesenvolvido, mas continha zonas amplamente subdesenvolvidas e outras completamente por desenvolver-se, que funcionavam sob economias rurais e artesanais. Contudo, na cena internacional, o país era visto com todas as características de um país industrializado, contendo indícios de alta industrialização, como elevado volume de atividades financeiras, boa estrutura do mercado de crédito, organização sindical e grandes conflitos operários, ainda que esses fossem duramente reprimidos. Os governos do período seguinte ao pós-guerra foram forçados a alcançar um grau maior de abertura econômica, seja pelo fato de haver exigências de blocos políticos aliados que requeriam tal abertura, seja porque perceberam que o aumento da exportação se mostrava como a única saída para o renascimento da economia do país. Devido a tais exigências, foi necessário um ajuste que alavancasse um rápido desenvolvimento da indústria: para que ela fosse competitiva, seria fundamental colocar em prática a recuperação das plantas produtivas, além de fomentar uma abundante oferta de mão de obra a baixo custo.

9 Os partigianos eram pessoas civis que se tornaram combatentes armados sem pertencer a nenhum exército oficial, mas que lutavam pelo movimento de resistência contra o Pacto Tripartite durante a Segunda Guerra Mundial, assinado inicialmente por Alemanha, Itália e Japão. 22

O período em que a Itália vivenciou o seu “milagre econômico” foi marcado especialmente entre 1955 e 1963, com taxas inéditas de crescimento econômico sustentadas pela expansão industrial, as quais variaram entre 6% e 8% ao ano, e pelo aumento da renda per capita de 5,6% entre 1948 e 1962. Em pouco tempo, a economia se transformou e modificou o país, de forma a deixar as tradições agrícolas em segundo plano para se consolidar enquanto uma potência econômica e industrial. Como consequência direta desse fenômeno, a produção de aço, de automóveis e de produtos têxteis e alimentares foi impulsionada, favorecendo as taxas de investimento e o consumo das famílias. A situação econômica positiva beneficiou inclusive os mais pobres, como os camponeses e os operários. O nível de desemprego conseguiu decrescer de maneira expressiva, especialmente durante o decênio de 1960. Entre 1951 e 1981 os salários triplicaram, fomentando o mercado interno e movimentando ainda mais a economia (BERTONHA, 2005), embora o período de maior crescimento econômico tenha se encerrado no final dos anos 60. O desenvolvimento dos anos 50 foi possibilitado pela oferta de trabalho completamente elástica, situação peculiar à Itália, que não necessariamente era encontrada nos países vizinhos. Contudo, esse quadro teve o seu fim próximo e, no final dos anos 60, eclodiu de maneira generalizada um grande conflito operário sem precedentes no país, fator que demonstrou que a crise estava continuamente tomando o lugar daquele período econômico positivo para os trabalhadores. Os anos 70 se iniciaram com uma profunda crise, que encerrava as fases de estabilização monetária, de produção em massa e do sistema de controle social que havia sustentado o período de desenvolvimento graças às políticas públicas e ao controle da inflação.10 Essa situação se acentuou entre 1972 e 1973, quando os investimentos diminuíram e a inflação cresceu. Houve ainda um aumento expressivo no preço das matérias-primas, impactado essencialmente pela crise do petróleo no ano de 1973. A crise se ampliou nos dois anos consecutivos e, em 1976, iniciou-se um período de estagnação econômica (BIANCHI, 2013). De acordo com Barca (2010b), entre 1973 e 1993 a moeda italiana da época (lira) perdeu mais de dois terços do próprio valor. Essa depreciação, que se iniciou no período em que ocorreu a crise do petróleo, desencadeou a inflação e fomentou o crescimento da dívida pública, situação que se revelou insustentável: em 1962 a dívida pública italiana atingiu o patamar de 33% do PIB. Em 1973 esse número saltou para 55% e, em 1990, o valor da dívida pública

10 No ano de 1980 o Ministro da Participação Estatal revelou em um documento público que o governo estava perdendo o controle da situação financeira e administrativa das empresas públicas (BIANCHI, 2013). 23

alcançava os 100% do PIB nacional. Entre 1995 e 1996 a lira sofreu novas depreciações, situação que obrigou o país a encarar graves sacrifícios econômicos. Diante desse quadro, se iniciou uma profunda reorganização do sistema produtivo e uma intensa necessidade de reformar as instituições públicas do país. De acordo com Bianchi (2013), a concorrência assumiu um aspecto dinâmico e alterou a natureza das empresas, que passaram a gerir sob inúmeras estratégias diversos produtos e mercados. O mercado iniciou sua aderência ao que hoje conhecemos como globalização, situação na qual se expõem ao ápice da concorrência sem barreiras protetivas. A reordenação da produção exigiu um leque maior de tipos de produtos ao mesmo tempo em que impôs a redução de unidades produzidas. Esta grande reestruturação que envolveu as empresas italianas entre o final dos anos 70 e os primeiros anos da década de 80, não pode ser resumida a apenas uma aceleração nos investimentos em maquinários. Mais do que isso, ela produziu uma reorganização global da produção e dos mercados. Bianchi (ibidem) afirma que esse fenômeno nasceu de uma necessidade oriunda na metade dos anos 70 de superar a produção em massa e os restritos mercados nacionais. O autor ainda demonstra como a organização da produção se modificou ao longo dos anos em que o país se desenvolveu: em 1931, 47% da população economicamente ativa estava empregada na agricultura, 31% na indústria e 22% no setor de serviços. No ano de 2011, após 80 anos, a situação se mostrou bastante distinta: apenas 4% da população ainda se dedicava ao trabalho agrícola, enquanto que 30% permanecia ocupada com o trabalho industrial e 66% estava empregada no setor de serviços. Esses dados apontam para o abandono da terra e para a mecanização do trabalho agrícola, assim como para a permanência das atividades industriais sem grandes alterações e para o crescimento continuado das atividades relacionadas ao setor de serviços. Ainda que o crescimento econômico fosse um evento generalizado na maior parte da Europa, a Itália conseguiu aproveitar as circunstâncias (como a estabilidade política da década de 1950 e a proteção financeira e militar dos Estados Unidos mediante o Plano Marshall) e se beneficiar dos momentos de prosperidade para avançar e se desenvolver. Todos os índices sociais que impactavam na qualidade de vida aumentaram consideravelmente, aproximando a Itália dos tradicionais índices europeus. Os italianos tiveram acesso ao consumo de bens duráveis que até então eram restritos a poucos, como televisores, máquinas de lavar, geladeiras e automóveis. Se em 1951 o país contava com apenas 425 mil automóveis, em 1965 esse número saltou para 5,5 milhões (BERTONHA, 2005). Contudo, ainda que neste período a Itália tenha conquistado um patamar de renda, de bem-estar e de poder de consumo maior do que já 24

houve em qualquer época anterior, as desigualdades econômicas e sociais não foram abolidas e a pobreza continuou presente, especialmente nas regiões do sul do país. Além disso, a partir da década de 1960 a economia passou a desacelerar e a alternar períodos de crise, como na década de 70 com a crise do petróleo, e períodos de crescimento econômico, como ocorreu nos anos 80. Os anos 90 foram marcados por grandes mudanças no cenário industrial italiano. Entre elas, estavam presentes as privatizações, o surgimento de novos empresários – principalmente nos distritos industriais – e a reorganização dos velhos grupos familiares que administravam a produção. A Itália iniciou o século XXI com uma situação econômica positiva. No ano 2000, o PIB do país era o sétimo no ranking mundial, atingindo cerca de 1,1 trilhões de dólares. A renda per capita ultrapassou os vinte mil dólares e quase se equiparou a renda per capita da França (BERTONHA, ibidem). O euro, a moeda única europeia a que grande parte dos países do continente aderiu gradativamente, foi lançado em 2001. A Itália aderiu à moeda em 2002. A falta de investimentos em educação e formação é um dos principais elementos responsáveis pela dificuldade estrutural de crescimento e desenvolvimento da indústria italiana. Bianchi (2013) analisou os dados sobre educação lançados pela OCDE11 em 2012 e, entre os países membros, a Itália ocupa o último lugar no quesito gastos públicos com educação sobre o montante total de gastos públicos, com cerca de apenas 9% reservados à educação, enquanto que a França destina 10,4% de seus recursos, a Alemanha 10,5% e a Grã Bretanha 13,1%. Os gastos públicos refletem diretamente no nível de escolaridade de cada país. Em se tratando de diploma da escola secundária, apenas 54% da população italiana concluiu seus estudos, enquanto que 70% dos franceses, 74% dos britânicos e 85% dos alemães terminaram os estudos de nível secundário. Com relação ao terceiro grau, os dados apontam que a Itália registra apenas 15% de estudantes que ingressaram no ensino superior após concluírem o ensino secundário, enquanto que os países mais avançados registram em torno de três ou quatro vezes mais do que o patamar italiano. Entre os países que integram a OCDE, a média se estabelece em torno de 30%. No interior desse grupo, a Itália é um dos países – se não o país – com a menor taxa de instrução, seja no âmbito do ensino secundário ou do ensino superior. Acompanha esse índice ainda as taxas mais baixas de formação profissional, de investimento em pesquisa e de remuneração para aqueles que conseguem o diploma do ensino superior. De acordo com dados

11 A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma instituição internacional formada por 34 países que visa, entre outros objetivos, comparar políticas econômicas, solucionar problemas comuns e coordenar políticas nacionais e internacionais. 25

de 2013 publicados pelo jornal Corriere della Sera,12 apenas 30% dos jovens com 19 anos se matriculam na universidade e, entre eles, 17% abandonam os estudos ainda no primeiro ano letivo. Esses dados dificultam o crescimento econômico do país, assim como o desenvolvimento social e cultural da população italiana.

1.2. A Emilia-Romagna As cooperativas possuem uma forte presença em todo o território italiano, mas é nas regiões mais ricas e industrializadas (norte e nordeste do país) que elas estão aglomeradas, que se desenvolveram mais e que têm mais força na atuação política. De acordo com Menzani (2007), em 1915 a região da Emilia-Romagna era a que registrava a maior concentração de cooperativas, com cerca de 1.575 unidades (quase todas de orientação socialista), sobre um total de 8.341 em todo o reino da Itália. Após a segunda Grande Guerra, elas cresceram ainda mais tanto na Emilia-Romagna quanto em Trentino-Alto Adige, duas regiões em que a comunidade local era mais receptiva às atividades coletivas empreendedoras e, ao mesmo tempo, possuíam grande força política local – especialmente as forças católicas e de esquerda, desenvolvendo um papel importante na organização e na educação para a cooperação. Devido a sua grande magnitude para a história do cooperativismo italiano, o foco de nossa pesquisa está na região da Emilia-Romagna e, por este motivo, explanamos abaixo um pouco do contexto da região, a fim de fornecer alguns elementos para a compreensão da importância da região. A Emilia-Romagna é uma região situada ao norte da Itália e tem como sua capital a cidade de Bologna. Foi constituída oficialmente em sete de junho de 1970, sendo composta pela união de duas regiões históricas: a Emilia, que compreende as províncias de Piacenza, Parma, Reggio Emilia, Modena, Ferrara e a maior parte da província de Bologna, o que inclui a capital, e a Romagna, com as restantes províncias de Ravenna, Rimini, Forlì-Cesena e a parte oriental da província de Bologna. A região se divide em nove províncias, que englobam diversas comunas em cada uma delas. A comuna de Imola, cidade em que realizamos o nosso estudo de caso, está localizada na província de Bologna, e é um dos principais expoentes dos distritos industriais italianos. Abaixo é possível observar o mapa da região e sua localização no interior do país.

12 Dados publicados em 06/12/13 no jornal Corriere della Sera. Disponível em http://www.corriere.it/scuola/13_dicembre_06/scuola-solo-30percento-19enni-si-iscrive-universita-cbaabcca- 5e7d-11e3-aee7-1683485977a2.shtml. Último acesso em 07/03/2016. 26

Mapa das províncias da Emilia-Romagna e sua localização no mapa da Itália

Fonte: Wikimedia Commons. Imagem de domínio público.

A economia da região é bastante desenvolvida, e existem inúmeras pequenas empresas familiares com produções de diversos tipos. Assim como os distritos industriais, as cooperativas na região também são muito difundidas, sobretudo nas províncias de Reggio Emilia, Modena, Bologna e Forlì-Cesena. Sendo considerada uma das regiões mais ricas do país, com uma taxa de desocupação abaixo da média italiana, a Emilia-Romagna enfrenta um movimento massivo de imigrantes em sua região, especialmente após a crise de 2008. Como consequência, uma das situações mais comuns nas ruas de Bologna é se deparar com imigrantes pedindo ajuda e esmolas ou exercendo atividades de vendas de forma ambulante. Segundo Capecchi (1992), a região da Emilia-Romagna vivenciou algumas situações entre 1900 e 1950 que contribuíram para o desenvolvimento da especialização flexível. Na primeira parte do século XX as trabalhadoras em campos de arroz, juntamente com a mão de obra agrícola masculina da região, iniciaram uma série de lutas rurais. As consequências dessas lutas se projetaram na criação de uma espécie de sindicato, denominado Camera del Lavoro, que incorporou todos os trabalhadores da região, assim como criou também diversas associações de trabalhadores agrícolas que foram instituídas em várias províncias. Entre 1904 e 1925, a Federação Nacional de Trabalhadores Agrícolas foi dirigida por Argentina Altabelli, uma agricultora da província de Bologna. Ter uma mulher no poder da Federação constituiu um importante feito para a época e suscitou importantes mudanças na orientação política dos trabalhadores.13 Neste período, as ideias socialistas passaram a ser

13 De um modo geral, a relação entre homens e mulheres sempre foi mais igualitária na região da Emilia-Romagna do que no restante da Itália e isso significa, segundo Capecchi (1992), que as mulheres dessa região tiveram/têm muito mais poder do que as de outras regiões. Apesar de elas terem sido excluídas das escolas técnicas e, consequentemente, da indústria de engenharia naquele período, tomaram a frente de setores como confecção e cerâmica e sempre participaram da direção de empresas (principalmente as pequenas) e conquistaram assentos em universidades, sindicatos e partidos políticos, lutando ativamente, inclusive contra o regime fascista. 27

difundidas massivamente tanto nas cidades quanto nos campos da região da Emilia-Romagna. Em 1909, os socialistas representavam 40% do eleitorado local e, quando se estabeleceu o sufrágio universal masculino, em 1913, as províncias de Bologna, Ferrara, Reggio Emilia e Parma votaram em candidatos socialistas. A existência de uma veia socialista na Emilia- Romagna rural inspirou a criação de associações, cooperativas, bem como a disseminação de ações progressistas. Em 1948, 52% dos votos computados na região eram destinados aos partidos comunista e socialista enquanto que, no resto da Itália, essa estatística caía para 31% (CAPECCHI, ibidem). Assim, a região ficou cunhada nesse período como “zona vermelha” e, segundo Menzani (2007), foi nela que o marxismo italiano encontrou a sua primeira base. Os ideais socialistas juntamente com os princípios anarquistas e sindicalistas foram os principais elementos que envolveram o Partido Comunista da Emilia-Romagna naquele período e que influenciaram o seu norte a partir da década de 1950. Uma particularidade que deve ser ressaltada sobre esse partido é o fato de que defendeu a formação de pequenas empresas e auxiliou os trabalhadores a criá-las e a se tornarem autônomos. Tanto o partido comunista quanto o partido socialista eram próximos da maioria dos sindicatos da região e também se inseriram na organização de pequenas empresas artesanais e de cooperativas. Cocco et al (1999), assinalam que o Partido Comunista Italiano permaneceu no poder entre as três maiores instâncias políticas do governo da Emilia-Romagna durante cinco décadas, e foi o responsável por organizar uma rede destinada ao desenvolvimento local, que envolvia associações patronais, sindicatos de trabalhadores e instituições do terceiro setor. As associações de artesãos e as cooperativas, coordenadas por membros dos partidos comunista e socialista, foram importantes centros de poder econômico e serviram de base para a formação em administração e gestão de pequenas empresas. Deste modo, desenvolveu-se uma espécie de “comunidade política” comunista e socialista, na qual os simpatizantes dessas tendências políticas se organizaram na administração do governo local e regional, bem como na direção de sindicatos, associações, indústrias artesãs e cooperativas (CAPECCHI, 1992). De acordo com Cocco et al (ibidem), a organização da produção e a governança dos territórios integram uma mesma dinâmica no interior dessas regiões. Entender essa particularidade é fundamental para compreender as diversidades que fazem da região da Emilia-Romagna um ambiente de êxito para as cooperativas e as pequenas empresas que compõem os distritos industriais. A Universidade de Bologna também contribuiu para o fortalecimento dessa “zona vermelha”, oferecendo diversas disciplinas acadêmicas que colaboraram para o 28

estabelecimento de relações entre as comunidades econômicas e sociais da região. Esta ação favoreceu o papel ativo de grupos de intelectuais que difundiram a cultura socialista de maneira científica e popular em todos os níveis sociais. Como resultado, fundou-se em Bologna no ano de 1901 a Universidade Popular Giuseppe Garibaldi que, por sua vez, se converteu no centro de um movimento que estabeleceu a cidade como a sede da Federação Nacional de Universidades Populares. A importância internacional que o sistema industrial da região obteve entre as décadas de 1950 e 1970 se deveu especialmente pela combinação entre o modelo de desenvolvimento econômico e o modelo de desenvolvimento social. Nesse período, a expansão da industrialização coincidia com um momento de grande mobilidade social, em que as classes camponesa e operária iniciavam suas atividades autônomas nas pequenas empresas. No final da década de 1980, o cenário na Emilia-Romagna era positivo: a região tinha conquistado um aumento em suas exportações, um acréscimo no produto regional bruto e um elevado nível de emprego. Esse êxito se deveu, sobretudo, aos esforços das instituições regionais, tais como as organizações cooperativas, as associações industriais e de pequenas empresas, as universidades e as administrações locais, que se ocuparam da resolução de problemas, em particular das necessidades dessas empresas e das questões relacionadas ao avanço das tecnologias. Capecchi (1992) e Brutti e Calistri (1992), conferem especial destaque para a flexibilidade que essas instituições ofereciam, de modo que os serviços prestados se configuravam como bastante flexíveis e adaptados de acordo com as necessidades das diferentes empresas espalhadas pela região. Ao todo, a região contém cerca de 4.000 cooperativas. No universo das médias empresas italianas as cooperativas não representam um número muito expressivo: são cerca de 75 empresas que realizam em torno de 3% do total de vendas do país. Contudo, na Emilia- Romagna elas se destacam com uma presença mais incisiva: a região possui 32 cooperativas que juntas representam 5,5% do total de empresas da região e chegam a conquistar 10% do volume de negócios. Entre as cooperativas que são classificadas como empresas de porte médio/grande, o volume de negócios chega a 15% do total da região e o número de empregados gira em torno de 12% (HANCOCK, 2007; CANNARI E FRANCO, 2012). 29

2. Os distritos industriais No início dos anos 1950, a estrutura da indústria italiana era composta em sua maioria por grandes empresas que empregavam mais de 500 funcionários e por pequenas unidades produtivas que davam emprego a não mais do que onze funcionários. Juntas, as grandes empresas e as pequenas unidades produtivas representavam mais de 57% do total das empresas presentes no país. Essa estrutura acabou se modificando entre as décadas de 1960 e 1970 (BRUSCO e PABA, 2010). Nesses anos, a indústria italiana se modernizou e conquistou destaque em diversos nichos, como o automobilístico, o químico e o mecânico. O país desenvolveu uma nova organização da produção, baseada na aglomeração de pequenas e médias empresas, que passaram a despertar o interesse de estudiosos a partir da década de 1970, período em que a crise do petróleo e as mudanças no sistema monetário internacional afetaram sobremaneira a economia mundial. Entre os pesquisadores pioneiros que estudaram essas pequenas e médias empresas aglomeradas estão Piore e Sabel (1984), que defendem que esse modelo de organização poderia ser a resposta para a crise da produção em massa e para a superação do fordismo. Progressivamente, os italianos se apropriaram de alguns setores que haviam sido deixados de lado pelos países mais ricos e mais industrializados, como o setor calçadista, o de vestuário e os de outros bens de consumo. Surgiram inúmeras pequenas empresas localizadas em regiões específicas, que passaram a dividir as tarefas de uma mesma produção.14 Elas se estabeleceram em pequenas áreas definidas geograficamente, que se caracterizam por agrupar um grande número de pequenas e médias empresas especializadas em um tipo de produção dominante, e são conhecidas como distritos industriais. Esses distritos, segundo Menzani (2007), possuem um vínculo com as atividades manufatureiras locais pré-industriais, e em cada distrito há pelo menos uma cooperativa de produção. Parte dessas empresas produz para o mercado final, e parte integra uma cadeia de produção formada pelo trabalho conjunto com outras fábricas. Essas empresas, que em grande parte funcionam com menos de vinte trabalhadores, constituem na maioria das vezes negócios familiares e estão conectadas entre si pela dinâmica da divisão das diversas fases e formas da produção dos produtos que fabricam. A organização social e econômica de cada distrito é uma das chaves para se entender o êxito desse modelo de organização regional: cada empresa é responsável por uma etapa da produção, e cada uma complementa o processo produtivo das

14 Segundo Vittori (2013), cerca de 97% da estrutura econômica italiana se baseia em microempresas com até 10 funcionários. 30

outras empresas do distrito. Para Brusco (1992) os distritos podem ser definidos como um conglomerado de empresas que possuem uma relação particular entre si. Além de visarem o mercado interno, essas empresas passaram a desenvolver um foco substancial na exportação de seus produtos.15 Versace, Prada e Benetton são exemplos de sucesso que surgiram no interior dos distritos industriais italianos – frequentemente utilizando a mão de obra familiar e o trabalho em domicílio – e que se firmaram como sinônimos de status, luxo e bom gosto. Bertonha (2005) acredita que o desenvolvimento dos distritos industriais proporcionou à Itália uma sociedade pós-industrial sem, de fato, ter completado absolutamente o seu processo de industrialização, o que possivelmente seria nocivo, uma vez que com esse sistema de produção, o país estaria perdendo a sua capacidade industrial sem tê-la desenvolvido completamente. A maior parte deste tipo de produção industrial é desenvolvida na Terceira Itália,16 mas, segundo Sengenberger e Pyke (1999), o cerne desse sistema está localizado na província da Emilia-Romagna e em sua capital, Bologna. Cada distrito é especializado em um produto diferente, de acordo com a região em que se encontra. Um ponto interessante dessa organização é que na Itália, de um modo geral, os distritos industriais se localizam em regiões em que um partido político (geralmente os democratas cristãos ou os comunistas) possui mais força política do que os demais partidos. O desenvolvimento das unidades produtivas dos distritos industriais é diretamente influenciado pelas políticas promovidas pelos partidos políticos dominantes, seja em âmbito local ou nacional. Para Brusco e Pezzini (1992), uma parcela dessas políticas é resultante do papel que as ideologias políticas conferem às pequenas empresas. Assim, essas forças políticas foram muito importantes, especialmente entre as décadas de 1980 e 1990, para legitimar, apoiar e deliberar políticas específicas para as pequenas empresas inseridas nesses distritos. Os estudiosos do tema (entre eles Piore e Sabel, 1984; Campi, 1992; Brutti e Calistri, 1992; Pyke e Sengenberger, 1992 e 1999; Brusco, 1992; Brusco e Paba, 2010; Becattini, 1992 e 1999; Sforzi, 1992; Mosconi, 2012) apontam que o êxito e a eficiência desta organização industrial decorrem da dinâmica específica que há entre o sistema social local e o sistema

15 Marini, Oliva e Toschi (2012), afirmam que entre as empresas localizadas nos distritos industriais, 60,7% delas declararam possuir relações com o mercado externo, seja de natureza comercial ou produtiva. 16 A terceira Itália compreende a região nordeste do país, composta por Emilia-Romagna, Toscana, Marche, Abbruzzo e Veneto. De acordo com Cocco et al (1999), o termo Terceira Itália foi cunhado no final da década de 70, para diferenciar a região do tradicional movimento de hostilização entre o norte desenvolvido (que seria a primeira Itália) e o sul atrasado (a segunda Itália). Segundo Cannari e Franco (2012), entre as décadas de 1950 e 1980 a terceira Itália contribuiu para que o país se consolidasse como um dos polos mundiais da indústria manufatureira. Atualmente, essa região concentra cerca de 1/5 da população nacional, produz 1/4 do PIB do setor privado e quase 1/3 das exportações. 31

produtivo, que tendem a fundir-se no interior do distrito e são baseados na confiança e na colaboração. A confiança possibilita que os empresários façam grandes investimentos, pois sabem que os outros membros da comunidade sempre comprarão os produtos que foram frutos do investimento, ao invés de comprarem em outra fábrica. A confiança também permite que os empresários troquem ideias sobre o negócio, informações comerciais e conhecimentos sobre processos técnicos, pois eles têm a ciência de que os demais não irão se aproveitar das informações que lhe foram confiadas e que haverá reciprocidade em um momento futuro quando alguma empresa pretender compartilhar suas informações. Deste modo, cria-se uma rede de auxílio mútuo, em que o empresário pode confiar na ajuda dos outros em um momento difícil, da mesma forma que ele também sempre oferece a sua ajuda. Nesse sistema baseado na cooperação e na confiança, é interessante para todos que os demais empresários permaneçam como parte da comunidade, pois a sua capacidade e a sua perícia são recursos importantes que beneficiam de alguma forma as demais empresas. A confiança alcança tal patamar que os empresários visitam uns aos outros para debater sobre os problemas de produção e de administração. Há a ideia de um crescimento coletivo, em que cada empresa se beneficia com o crescimento das demais (SENGENBERGER e PYKE, 1999). Brusco (1992) ressalta que há um misto de competição e cooperação entre as empresas que compõem os distritos industriais, de forma que aquelas que desempenham a mesma atividade ou elaboram os mesmos produtos competem fortemente entre si, enquanto que as empresas que possuem atividades distintas no processo de produção, praticam uma relação de colaboração entre elas, principalmente no que diz respeito à inovação técnica e ao projeto do produto. De acordo com Piore e Sabel (1984), Brutti e Calistri (1992) e Pyke e Sengenberger (1992), uma das características dos distritos industriais é que estão organizados por um forte vínculo entre as esferas social, política e econômica, de forma que o êxito de cada uma delas está relacionado ao funcionamento e a organização das outras. Assim sendo, o sucesso ou o fracasso dos distritos depende da dinâmica de funcionamento entre cada uma dessas esferas. As relações entre os membros da comunidade local, juntamente com alguns fatores culturais (como o orgulho de pertencer a determinada cidade, o forte vínculo familiar e entre vizinhos de um mesmo território) e políticos (por exemplo, a forte herança socialista dos antepassados que ainda inspira algumas políticas locais) também têm bastante influência no fortalecimento dos distritos. Outra característica que também é encontrada nos distritos é a capacidade de responder rapidamente às demandas de produtos que se modificam constantemente, condição que exige 32

flexibilidade da mão de obra e das redes de produção. Como consequência, há um impacto direto na organização e no desempenho das funções exercidas pelos trabalhadores. Piore e Sabel (1984) sinalizam a presença de trabalhadores qualificados e polivalentes, em contraposição à mão de obra especializada e pouco qualificada presente no modelo taylorista-fordista de produção. Brutti e Calistri (1992) e Sengenberger e Pyke (1999), por sua vez, afirmam que os distritos industriais italianos não podem ser resumidos a uma aglomeração de pequenas e médias empresas instaladas em regiões que se beneficiaram de terra ou de capitais a um custo reduzido e que oferecem vantajosamente mão de obra intensa e desprotegida, com baixa remuneração. É inegável que este tipo de situação está presente na dinâmica desta forma de organização do trabalho, porém, defendem que não é uma regra geral. Ao que tudo indica, os autores acima mencionados percebem o modelo de especialização flexível disposto nos distritos industriais como bastante positivo, mas não se atentam que suas raízes estão fundadas no projeto neoliberal, e que se utilizam de inúmeras técnicas para extrair o máximo de comprometimento, produtividade e eficiência do trabalhador, em proporções impensáveis no interior do modelo fordista de produção. Harvey (2014) sustenta que a especialização flexível se tornou um mecanismo fundamental para disciplinar e reprimir a força de trabalho. Becatini (1989; 1992) traça um paralelo entre os distritos industriais italianos e as organizações produtivas teorizadas por Marshall em 1919. De acordo com Marshall, a concentração de indústrias especializadas em regiões que possuem determinadas particularidades constitui um sistema que, graças à sua organização, pode competir com as grandes empresas que produzem em larga escala. Sforzi (1992) salienta que os distritos industriais marshallianos também podem ser identificados a partir das interações internas de um sistema de pequenas empresas manufatureiras, que intervém em diferentes fases de um mesmo processo de produção e que compartilham um território relativamente delimitado. Os primeiros distritos italianos, os quais Brusco (1992) denominou de distritos industriais de primeira geração, foram observados em meados da década de 1970,17 momento de grande êxito econômico para inúmeras empresas e cidades italianas, com destaque para a indústria têxtil, calçadista, moveleira e metalúrgica. Esse período foi marcado pelo desenvolvimento e pela expansão da produção, mesmo sem a intervenção do governo local. Os distritos industriais de segunda geração surgiram, de acordo com o autor, no início dos anos 80, a partir do desenvolvimento de novos mercados e novas tecnologias, que se tornaram um problema para as pequenas empresas dos distritos industriais. Com o intuito de auxiliar esses

17 Entretanto, Capecchi (1992) aponta a existência de distritos industriais especializados a partir da década de 1900, que se transformaram e se adaptaram ao avanço da tecnologia durante o período entre 1950 e 1970. 33

problemas que se tornaram constantes, os partidos de esquerda elaboraram uma espécie de intervenção pública. Esta intervenção, que se iniciou entre as décadas de 1970 e 1980, especialmente na Emilia-Romagna, pode ser sintetizada como a criação de centros que oferecem certos tipos de “serviços reais”, o que na realidade se configura como a oferta de assessoria para serviços que as pequenas empresas não poderiam encontrar sozinhas e que o mercado não disponibiliza espontaneamente (BRUSCO E PEZZINI, 1992). Assim, ao invés de oferecer crédito para essas empresas, as zonas onde estão localizados os distritos atuam de forma a sanar a própria necessidade que a empresa possui, seja um produto, uma máquina, uma pesquisa de mercado ou a busca de alguma informação que seja crucial para a produção. Auxiliados por essas medidas, os distritos conseguiram conquistar o mercado nacional e internacional, e algumas empresas possuem sua produção voltada apenas para a exportação. Há um consenso entre os estudiosos do tema de que a produção no interior dos distritos industriais está baseada na especialização flexível, que pode ser entendida como um modelo de organização do trabalho que visa superar a rígida estrutura de produção presente no fordismo. Caracteriza-se pela flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e dos padrões de consumo (HARVEY, 1992). Com o propósito de atender às exigências singulares das empresas e de seus clientes, os empregadores passam a impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis, e exigem cada vez mais trabalhadores qualificados e polivalentes, que sejam capazes de construir e desconstruir habilidades, conhecimentos e competências para atender às necessidades do capital. Para elucidar os conceitos sobre este modelo de organização do trabalho, Capecchi (1992) compara algumas características existentes nesse modelo e no modelo fordista de produção. Na especialização flexível, as fábricas se dedicam à produção em pequena escala e a produtos personalizados, o que vai na contramão da produção em massa encontrada nas empresas que adotam o sistema fordista. No que tange à organização do trabalho, pode-se dizer que ela se baseia em três níveis: trabalhadores de escritório, trabalhadores qualificados e trabalhadores não qualificados, enquanto que, no fordismo, presencia-se uma clara separação entre os trabalhadores, havendo um número reduzido de funcionários qualificados e um grande número de trabalhadores não qualificados. De acordo com Capecchi, na especialização flexível os trabalhadores costumam aperfeiçoar suas habilidades e experiências, e muitos deles conseguem se transformar em pequenos empresários autônomos. Esta, por sinal, é uma situação bastante comum nos distritos industriais italianos. Os produtos desenvolvidos sob a especialização flexível exigem uma colaboração entre a fábrica e sua clientela, e espera-se que o resultado final seja um produto 34

sob medida para as necessidades de seu cliente. A produção, que no fordismo é organizada em grandes fábricas, altera-se substancialmente quando realizada pelo sistema de especialização flexível, pois se desmembra para muitas fábricas de pequeno e médio porte que estão concentradas nos distritos industriais urbanos. É comum encontrarmos estudos que associem a especialização flexível ao modelo toyotista de produção. Mas ao pesquisar sobre a organização de empresas e cooperativas no distrito industrial de Imola, Baglioni e Catino (1999) evidenciam a enorme distância que há entre o sistema toyotista de organização da produção e o modelo de especialização flexível. O método japonês, que nasce no âmago da indústria automobilística, associa uma grande variedade de produtos a um alto volume de produção segundo o tipo de produto e o modelo. Já a maioria das empresas localizadas em Imola, por exemplo, possuem uma dimensão menor e atuam em outros setores que não o automobilístico, e por isso exigem outro modo de organização para funcionar melhor. Os pesquisadores, que veem as empresas imolesas como pós-fordistas e pós-tayloristas, afirmam que há outros meios e modelos de organização da produção que se adequam às mais diversas realidades e que são mais apropriados a características específicas do mercado, e defendem que a saída do modelo fordista de produção não necessariamente impõe o ingresso no sistema toyotista. A especialização flexível encontrada nos distritos industriais identificados por Marshall em 1919 e analisados por autores como Piore e Sabel (1984) e Becattini (1989; 1992) em seus estudos sobre a organização da produção no eixo centro-norte da Itália, pode ser descrita como uma produção flexível que satisfaz as necessidades dos clientes, organizada em inúmeras pequenas e médias empresas em um território determinado geograficamente que utilizam o mesmo modelo de produção e que possuem liberdade para venderem seus produtos diretamente ao consumidor final ou para integrarem parte do processo que constitui determinada cadeia de produção. A dicotomia competição/colaboração que a relação entre essas empresas enseja, ocorre de forma a não prejudicar o distrito industrial, que por sua vez possui estreitas relações com as esferas familiar, social e política na cidade que o acolhe. Para Becattini (1992), uma característica importante da comunidade local é o sistema de valores e ideias que se estabelece praticamente homogêneo, e que resulta de uma ética de trabalho, de família, de reciprocidade e de trocas. Esse sistema interfere nos aspectos principais da vida e constitui um dos pré-requisitos para o desenvolvimento e para a reprodução de um distrito. Outro aspecto bastante marcante é a presença de uma grande quantidade de trabalhadores em domicílio e em tempo parcial. Becattini ressalta que essas categorias são o laço que une as atividades produtivas (compreendidas no sistema de empresas) e a vida 35

cotidiana (compreendida no sistema de famílias) do distrito. Os trabalhos em domicílios e em tempo parcial possuem presença constante nos distritos industriais, pois ainda que em alguns momentos haja uma fase positiva para a situação do emprego, a população se utiliza dessas atividades para incrementar a renda mensal.18 Os distritos, que tiveram importância histórica para a economia italiana entre as décadas de 1950 e 1980,19 começaram a apresentar sinais de declínio no início dos anos 2000. De acordo com Cannari e Franco (2012), a taxa média de crescimento do produto per capita da região nordeste era de 2% a.a.. Entre 2000 e 2007, período anterior à crise que comprometeu diversas economias entre os países da Europa, esse crescimento foi praticamente anulado. O peso da exportação dessa região sobre o total do comércio mundial foi reduzido de 1,4% no final dos anos 90 para 1,1% em 2007. Segundo Ricciardi (2012), entre 2008 e 2009 – os anos mais afetados pela crise econômica – os distritos da Emilia-Romagna perderam cerca de 92 mil postos de trabalho, prejudicando particularmente as pequenas empresas (que possuem de 10 a 49 trabalhadores), que concentram 32% da ocupação na região. Com essas transformações, a região perdeu sua importância para outras regiões europeias, mostrando que suas dificuldades estavam acompanhando a realidade do restante do país. Apesar da situação dos distritos, a região nordeste apresenta uma taxa elevada de ocupação, se comparada às outras áreas do país. Na Emilia-Romagna, a taxa de ocupação apresentou em 2011 e 2012 uma leve ascensão em relação às demais regiões que compõem o nordeste italiano. Segundo Cannari e Franco (2012) a taxa de ocupação é alta para a população masculina e demonstra crescimento para a população feminina. Antes da crise, a taxa de ocupação da região estava acima da média verificada na Alemanha. Contudo, os jovens e os trabalhadores com idade elevada representam o ponto fraco: a taxa entre eles é bem inferior àquela verificada na Alemanha, e a diferença é ainda maior entre as mulheres jovens ou com

18 O trabalho feminino em domicílio reforça as diferenças de gênero entre homens e mulheres. Na maioria das vezes, a mulher opta pelo trabalho realizado no lar na intenção de dar conta, ao mesmo tempo, de exercer uma atividade remunerada e de cuidar dos filhos, da família e da casa. Por não se envolver, na maior parte dos casos, com a responsabilidade de cuidar do lar e dos familiares, o homem tende a trabalhar fora, enquanto a mulher, muitas vezes, encontra nas atividades realizadas no domicílio como a “salvação” para os seus problemas de conciliar todas as atividades que lhe são socialmente atribuídas. Geralmente, o trabalho em domicílio é menos valorizado, mais precário, e pior remunerado. De encontro a este tema, Leite (1996) explicita que o trabalho feminino nos distritos industriais italianos, por ser na maior parte dos casos instável e mal remunerado, cumpre-se como um meio imprescindível para garantir a flexibilidade do sistema. 19 De acordo com Menzani (2007) entre 1951 e 1981 a ocupação manufatureira no território italiano aumentou em uma média de 72%. Enquanto algumas regiões tiveram um crescimento mais tímido, a Emilia-Romagna registrou um crescimento de 179%. Para o autor, as razões dessa grandiosa expansão centram-se em três elementos que caracterizam a estrutura industrial da região: a diversificação que possibilitou que a região pudesse responder as mais variadas oportunidades do mercado; a flexibilidade propiciada pela estrutura das pequenas e médias empresas que permitiu uma atualização mais rápida das habilidades; e a coesão obtida por meio da cooperação entre as empresas em todas as instâncias, mas especialmente nas áreas conhecidas como distritos industriais. 36

idade elevada. As oportunidades de trabalho flexíveis e precárias aumentaram significativamente no decorrer dos anos 2000. A taxa de jovens que não trabalham e nem estudam na região nordeste (16,2%) é inferior à média apresentada no restante do país (23,4%), mas, durante o período entre 2008 e 2010, registrou um crescimento superior à média nacional. Cannari e Franco (ibidem) observam que o futuro da região nordeste e, consequentemente, dos distritos industriais, depende da capacidade das empresas de conseguirem renovar suas próprias estratégias e crescer. Depende ainda das políticas públicas desenvolvidas em todos os âmbitos do governo e da criação de condições favoráveis para o crescimento econômico. Porém, nem todos os estudiosos observam possibilidade da retomada do crescimento no interior dos distritos. Caselli (2012), por exemplo, afirma ser evidente que esse modelo de produção entrou em sua fase terminal. De fato, o número de distritos industriais tem diminuído ao longo das décadas. Brusco e Paba (2010) afirmam que em 1991 existiam aproximadamente 200 distritos industriais que empregavam cerca de 42,5% de todos os trabalhadores da indústria manufatureira italiana. Em 2001, segundo o Istat,20 havia 181 distritos distribuídos em todo o país e, em 2011, esse número foi reduzido a 141 distritos. Contudo, ainda é cedo para arriscar previsões. É importante considerar que os distritos industriais ingressaram na crise assim como a região nordeste, o país e a Europa de uma forma geral. Portanto, o que vemos atualmente é uma crise generalizada na economia europeia, e não um evento exclusivo no interior dos distritos. Apenas o tempo poderá anunciar se os caminhos escolhidos pelos governos e pelas empresas foram certeiros o suficiente para dar uma guinada na situação econômica e social da Itália.

2.1. Os sindicatos e sua relação com os distritos industriais Brutti e Calistri (1992) identificam que as características e a dinâmica dos distritos industriais projetaram questões bastante complexas para os sindicatos. Eles suscitam problemas como a dificuldade de os sindicatos estarem presentes nos distritos industriais, especialmente nas regiões em que a mão de obra é mais precária e afirmam que as estratégias sindicais tradicionais e seus respectivos instrumentos de negociação parecem não ser adequadas a esta forma distinta de organização do trabalho. Os autores sinalizam que os distritos compreendem uma boa parte da mão de obra fixada na manufatura italiana, e que ignorar esta realidade pode trazer importantes consequências e contribuir para a auto exclusão dos sindicatos e para a perda da representação de sua base. Dessa forma, defendem que seria primordial definir estratégias

20 O Istat é o Instituto Nacional de Estatística Italiano. Para conhecer mais dados sobre os distritos industriais e sobre a Itália de um modo geral, cf. http://www.istat.it. 37

adaptadas a esse público específico de trabalhadores e intervir de modo focado no desenvolvimento dos distritos industriais e na garantia dos direitos dos trabalhadores, em vez de elaborar propostas genéricas para as pequenas e médias empresas. A partir de meados dos anos 60, houve um esforço no sentido de criar uma aliança entre os pequenos empresários locais. A esquerda, por sua vez, passou a oferecer certo respaldo para as políticas sindicais que distinguiam as grandes e as pequenas empresas de modo a beneficiar essas últimas. Brusco e Pezzini (1992) salientam que as mesas de negociações das pequenas empresas se separaram das mesas de negociação das grandes empresas e as formas de luta se tornaram menos incisivas. Além disso, os contratos trabalhistas nacionais que afetavam as pequenas empresas frequentemente eram mais favoráveis aos empresários, do que no caso dos convênios específicos com as grandes empresas. De acordo com Sengenberger e Pyke (1999), as pequenas empresas são favorecidas com a isenção de certas cláusulas sociais que são impostas às grandes empresas e, dessa forma, ficam isentas de adotar a regulamentação que protege os trabalhadores. Parte significativa dessas empresas não possui relações industriais formalizadas e tampouco têm acesso à representação sindical e às comissões de fábrica. Para os autores, a relação entre as pequenas empresas e os sindicatos é fraca devido à falta de organização sindical. Eles afirmam que os sindicatos apresentaram reservas quanto às políticas de promoção das pequenas empresas devido às limitações de sua organização no interior desse grupo, que se diferencia amplamente dos trabalhadores das grandes empresas. Um dos principais problemas é que organizar e oferecer serviços sindicais para as pequenas empresas acaba sendo mais complicado, difícil e oneroso. Contudo, os autores afirmam que essa situação se configura como uma preocupação e todos reconhecem que este problema precisa ser enfrentado e solucionado. Lazerson (1992) sinaliza o paradoxo de que as vitórias sindicais no passado proporcionaram o crescimento de oportunidades para que os trabalhadores se tornassem empresários.21 Por outro lado, ainda dentro deste debate, Trigilia (1992) afirma que a sindicalização foi intensificada pelas características dos sistemas políticos locais. Quanto mais forte é a cultura política de uma região, maior é a taxa de sindicalização. Esta, que cresceu expressivamente nos anos 70, obteve maiores índices nas pequenas empresas do que nas grandes, chegando a quase 50% a média de sindicalizados nos maiores sindicatos como a CGIL e a CISL, nas regiões

21 Na maior parte das vezes, os trabalhadores das pequenas empresas localizadas nos distritos industriais adquirem bagagens técnica e administrativa suficientes para abrirem sua própria empresa. Como o decorrer da vida profissional traz o conhecimento e a experiência sobre a rede de empresas e as atividades técnicas e gerenciais necessárias, é comum que os ex-empregados mais versados consigam abrir o seu próprio negócio (SENGENBERGER E PYKE, 1999). 38

centrais e quase 40% na região noroeste do país. Contudo, Trigilia ressalta que como essas taxas ocorrem por efeito de ondas de cultura política, elas tiveram impacto limitado sobre as relações de trabalho. Nas regiões onde há as pequenas empresas, as administrações locais realizaram uma importante intervenção como intermediadoras entre os sindicatos locais e os empresários. Mais do que isso, ofereceram uma gama de benefícios coletivos, como serviços sociais direcionados aos trabalhadores (centros de assistência, transporte, educação, moradias populares) e benefícios para as empresas, como a concessão de terrenos industriais, auxílios com infraestrutura, formação profissional, apoio a serviços de exportação e comercialização. Esses benefícios resultaram na redução dos custos de vida e de produção para trabalhadores e empresários e contribuiu para fortalecer o compromisso local de ambas as partes. 39

3. A gênese do conceito de economia social O termo economia social tem origem francesa – économie sociale – e está relacionado ao movimento associativista operário que ganhou corpo na primeira metade do século XIX, e que se difundiu por diversos países da Europa, como uma reação às transformações econômicas e sociais provocadas pela Revolução Industrial. Influenciado pelo pensamento dos socialistas utópicos daquele período, o movimento possuía uma forte dinâmica de resistência popular, que fez emergir um grande número de experiências solidárias baseadas na ajuda mútua, na associação e na cooperação, mas até hoje não há muito consenso entre os estudiosos do tema sobre a definição do conceito de economia social. Caeiro (2008:64), define-a como “um intervalo entre o Estado e o mercado, quer no sentido da concretização das acções que o Estado não pretende resolver, quer no daquelas [em] que a economia privada não vislumbra interesses lucrativos para a sua realização”. A economia social é composta por cooperativas, associações e organizações de ajuda mútua. Muitos pesquisadores, principalmente oriundos da Europa e da América do Norte, consideram as instituições vinculadas à economia social como pertencentes ao terceiro setor, justamente por não se enquadrarem entre as instituições públicas e privadas e, em teoria, caracterizarem-se como organizações sem fins lucrativos. O conceito de terceiro setor tem origem na tradição anglo-saxônica e é carregado com os ideais da filantropia, se materializando por meio dessas organizações sem fins lucrativos. França Filho (2002) apresenta essas organizações do terceiro setor como formais, privadas, independentes, que comportam certo nível de voluntariado, que não visam à distribuição de lucros e que não sejam políticas (ligadas a partidos políticos) ou confessionais (ligadas à igreja). Contudo, discordamos da ideia de que a economia social pertença ao terceiro setor, pois além de existirem inúmeras associações ao redor do mundo que são constituídas por obras sociais da igreja católica (vide como exemplo o caso da Sincredi22 localizada no Rio Grande do Sul ou o caso do Complexo Cooperativo de Mondragón), grande parte dessas organizações, em especial as cooperativas, não possuem um teor de filantropia, além de claramente possuírem fins lucrativos (basta consultar o balanço de qualquer cooperativa de médio porte). De acordo com Caeiro (2008), o termo economia social passou a ser utilizado pelos autores que contestavam o modelo dominante, responsabilizado por separar as regras do sistema econômico das regras morais da época. Nesse período, a difusão das teorias sobre economia social ocorreu de maneira rápida e ganhou bastante repercussão. Por volta de 1830, Charles

22 A Caixa de Economias e Empréstimos Amstad de Nova Petrópolis, hoje conhecida como Sincred, foi fundada em 1902 por um padre Suíço. 40

Dunoyer (1786-1862) publicou uma espécie de tratado da economia social em Paris. Na mesma década, surgiu na Universidade de Lovain, na Bélgica, um curso sobre economia social, e logo apareceram diversas escolas teóricas em que seus precursores foram os denominados socialistas utópicos, e que tiveram a contribuição de pesquisadores como Marcel Mauss (1872-1950) e Benoit Malon (1841-1893), que defendiam uma economia de socialização voluntária. Por um caminho menos revolucionário, Fréderic Le Play (1806-1882), grande expoente da escola social cristã reformista que fundou uma sociedade de economia social e uma revista sobre o tema, pregava o desenvolvimento das cooperativas por uma ótica reformista que não favorecesse a transformação radical da sociedade. Como princípio básico, a escola defendia a liberdade da economia, a ausência da intervenção estatal e a premissa da autoajuda. A essa escola se associaram, além de Charles Dunoyer, Leon Walras (1834-1910), que atribuiu grande importância às associações populares, e John Stuart Mill (1806-1873), que defendeu na Inglaterra a superação do proletariado por meio das associações de trabalhadores. Naquele período, uma terceira via se apresentou para contribuir ao tema: a escola solidária, que teve como grandes mentores Auguste Ott (1814-1892) e (1847- 1932). Professor de economia política, Gide ofereceu grande contribuição à economia social francesa, caracterizando-a de forma determinante. Ligado à burguesia protestante e às correntes cristãs sociais, buscava o equilíbrio entre o socialismo associativista e o cristianismo social. Esforçou-se para conduzir a emancipação da classe operária pelos seus próprios meios, entretanto, abdicando da luta de classes, que considerava incompatível com a introdução do evangelho na vida social. Gide contribuiu ainda de forma a consubstancializar o espírito do solidarismo com a teoria de que seria possível a renúncia ao capitalismo e o fim do proletariado sem sacrificar a propriedade privada e as liberdades conquistadas com a revolução, bastando colocar em prática a ajuda mútua e a educação econômica através da cooperação (CAEIRO, 2008). Caeiro (ibidem) observa a evolução da economia social e classifica-a em cinco períodos distintos. Abaixo apresentamos esses períodos e contextualizamo-los seguindo as linhas do autor: 1) 1791-1848 – O florescimento da economia social: Oriunda de um período revolucionário em que prevaleciam os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade, a economia social respaldou-se na Revolução Francesa para florescer a partir do movimento associativo articulado pelo proletariado e por organizações obreiras. Nesse momento, as cooperativas começaram a despontar, na tentativa de reduzir o desemprego e as desigualdades sociais latentes da época. Esse período se encerra 41

com a Comuna de Paris e com a tentativa de criar um governo autogestionário liderado pelo proletariado, momento em que alguns idealistas como Louis Blanc esforçaram-se para promover as cooperativas e as associações de trabalhadores. 2) 1850-1900 – A intervenção da igreja no movimento operário: Com a derrocada da Comuna de Paris, o Estado e a repressão voltaram a ser os protagonistas deste cenário. Foi nesse período em que ocorreu a encíclica Rerum Novarum, na qual o Papa Leão XIII condenou o liberalismo, o socialismo e a luta de classes, e reivindicou o direito natural do homem à propriedade particular, o que seria um claro retrocesso para o desenvolvimento da economia social. Contudo, os movimentos associativos operários não deixaram de se reproduzir, e buscaram respaldo nas correntes abominadas pelas classes dominantes: anarquismo, marxismo e socialismo revolucionário. 3) 1901-1945 – Os regimes totalitários e a dispersão da economia social: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa de 1917 inauguraram um período violento no início do século XX. Neste contexto, os movimentos que contestavam o liberalismo ganharam destaque, assim como o papel totalitário do Estado na condução da sociedade, sendo o fascismo italiano e o nazismo alemão seus grandes expoentes. Até o fim da Segunda Guerra Mundial verificou-se uma fragmentação do movimento cooperativo e mutualista, dadas as dificuldades imanentes do movimento operário naquele período e também as graves consequências ocasionadas pelas duas grandes guerras. Esses acontecimentos impactaram na divisão do movimento associativo em várias direções, no distanciamento e na falta de coesão no interior das atividades das cooperativas e das associações mutualistas. 4) 1949-1975 – O Estado providência e o enfraquecimento da economia social: A Grande Depressão iniciada em 1929 e o New Deal americano promoveram grandes mudanças na mentalidade e nas preocupações sociais e contribuíram para o início de um período com maior intervenção estatal, que foi embasado pelas teorias keynesianas do Estado providência. A partir do momento em que o Estado passou a intervir no mercado, alguns países (o que não foi o caso da Itália, que sempre investiu muito em cooperativismo) deixaram em segundo plano o conceito de economia social. Ao mesmo tempo, a expressão economia social vai sendo utilizada cada vez mais em sentidos mais amplos e diferentes do seu original, o que gerou uma grande dispersão do conceito. Contudo, é a partir da crise do Estado providência iniciada 42

na década de 1970 que a questão da economia social volta a adquirir espaço e importância, principalmente na França. 5) 1975-2006 – A queda do Estado providência, as crises econômicas e o fortalecimento da economia social: Com a crise do Estado providência e com as sucessivas crises econômicas ocorridas neste período, observa-se o desenvolvimento e o crescimento dos movimentos cooperativo, associativo e mutualista, e a economia social volta a adquirir dimensão e importância, conquistando apoios políticos e financeiros. Observa-se ainda um aumento na criação de organizações e nos postos de trabalho relacionados à economia social, e esta vem adquirindo cada vez mais espaço fora do contexto francófono. Conforme é possível observar no decorrer da história da economia social, esta adquire dimensão e importância em momentos em que o Estado não se faz tão presente e grandes crises econômicas eclodem, e permanece em uma magnitude de segundo plano quando a intervenção Estatal prevalece no cenário econômico controlando o mercado e subsidiando de alguma forma as necessidades básicas dos trabalhadores. Ao ganharem reconhecimento dos poderes públicos a partir da segunda metade do século XIX, as associações passaram a elaborar seus quadros jurídicos, o que resultou em sua legitimação e existência legal. A partir deste momento elas começaram a dispersar a essência do movimento associacionista original e fragmentaram a economia social em estatutos jurídicos específicos de organizações cooperativas, mutualistas e associativas. França Filho (2002) faz uma crítica em direção a essa postura, defendendo que nesse momento houve uma tendência dessas organizações a se isolarem em função de seus respectivos estatutos jurídicos e a se integrarem amplamente ao mercado inserindo-se no sistema econômico dominante. Assim sendo, o autor reconhece que a partir dessas experiências ocorre uma mudança no comportamento dos personagens que lideravam o movimento: os militantes políticos que antes eram envolvidos pelos ideais da luta operária, gradualmente foram substituídos por profissionais com caráter tecnoburocrático. Com isso, as perspectivas políticas e sociais das organizações cederam espaço cada vez mais ao tecnicismo e à burocracia, deixando no esquecimento os motivos originais dessas instituições existirem. Bastidas-Delgado e Richer (2001) fazem coro às críticas de França Filho, e complementam que as associações ligadas à economia social perderam sua vocação de questionamento das estruturas socioeconômicas existentes. Dessa forma, defendem que a economia social se converteu em um setor da economia formado por organizações que combinam a associação de pessoas a uma empresa cuja produção está destinada a satisfazer as 43

necessidades do grupo de pessoas que são seus proprietários. Essa na realidade é uma percepção muito clara para a Emilia-Romagna, que em sua publicação de 2004 deixa evidente que “o objetivo de uma cooperativa é oferecer benefícios aos próprios sócios” (p. 57 – tradução própria). Diante desta afirmação, fica a questão: se o objetivo das cooperativas é oferecer benefícios para os seus associados, tal como o objetivo de uma empresa é oferecer benefícios para os seus acionistas, porque a Legacoop se apodera do discurso dos princípios da economia social? E qual a razão de se formar cooperativas, considerando que elas não se diferenciam em nada das empresas comuns? Continuando o raciocínio de que os princípios da economia social se dispersaram, Laville (2001) cita o caso da Itália e argumenta que as cooperativas de produção italianas foram favorecidas pelo lento processo de industrialização do país e pela organização dos distritos industriais. Mas mesmo se beneficiando com arranjos produtivos locais e acordos com o Estado, elas foram submetidas à concorrência e se viram obrigadas a se impor. A preocupação com a permanência no mercado fez com que o projeto político delas enfraquecesse, a ponto de se transformarem em verdadeiros grupos financeiros que progressivamente se tornam instituições típicas de economias capitalistas desenvolvidas. Em seu estudo publicado em 2014, Laville conclui que com o passar do tempo acentua-se a semelhança entre as cooperativas e as empresas próprias do mercado capitalista. A inclusão em grupos externos ao cooperativismo e a criação de filiais que os associados não conseguem controlar fazem parte do cotidiano de muitas cooperativas e Laville questiona em ambos os artigos a identidade desses empreendimentos e a possibilidade de manter a essência da economia social em um cenário de intensa competição e de concentração rápida de capitais. Por fim, o autor constata: “(...) a economia social não conseguiu pesar nas escolhas da sociedade e promover de modo amplo a emancipação humana que ela encerra (2014:65)”. Laville (ibidem) crê que a economia social foi banalizada ao longo do tempo porque ilusoriamente previa uma reforma que viria a partir do simples fato de existir uma empresa diferente. O que não foi previsto é que essas empresas seriam inseridas compulsoriamente no mercado e deveriam se adequar às regras que foram impostas antes mesmo delas surgirem, caso quisessem conquistar o seu espaço em vez de desaparecerem. Outro ponto que o autor indica como problemático é que a economia social é constituída, em teoria, por empresas não capitalistas, apesar de o seu sucesso ser medido sempre pelo crescimento do volume de atividades mercantis, fator que dificulta a compreensão e a legitimação de uma economia dita social. A grande questão centra-se no fato de que uma empresa, ainda que inserida na economia social, não consegue existir por muito tempo se não atuar na esfera mercantil se adequando a 44

todas as regras presentes no mercado e se utilizando de todos os meios competitivos possíveis. Em resumo: no interior do sistema capitalista, uma empresa diferente só consegue se desenvolver e se expandir na teoria e no imaginário social, e no fim, as cooperativas acabam se tornando empresas que servem para beneficiar os seus associados apenas, assim como uma empresa mercantil tem por finalidade principal beneficiar os seus próprios acionistas. 45

4. A história das cooperativas na Europa e na Itália Os princípios da empresa cooperativa são muito antigos, e na Europa datam do período medieval. Battilani e Schröter (2013a) recordam que as guildas e as associações comerciais da liga hanseática tiveram como base a ideia de cooperação. Ainda que essas tenham sido as primeiras ocorrências, o movimento cooperativo moderno surgiu como uma resposta ao intenso processo de industrialização, quando a preocupação com os problemas por ele criados impulsionaram diversas intervenções civis, públicas e privadas, que buscavam maior segurança e justiça social naquele contexto econômico que estava transformando a vida de milhares de trabalhadores. Na primeira metade do século XIX emergiram em diversos países da Europa importantes experiências que delinearam as principais características do cooperativismo. Esses casos, que logo foram noticiados ao redor do continente, inspiraram de diversas maneiras o movimento cooperativo italiano. Com o objetivo de compreender melhor como as cooperativas se consolidaram na Itália, relataremos brevemente algumas dessas experiências europeias que antecederam ou que ocorreram simultaneamente com os primeiros casos italianos.

4.1. As primeiras experiências cooperativas A cooperação, compreendida pela autogestão econômica e social de grupos de trabalhadores que pretendem a realização de objetivos comuns, surgiu na Inglaterra, na primeira metade do século XIX. A grande transformação econômica ocasionada pela Revolução Industrial afetou de maneira dramática determinadas áreas do país e suscitou um impacto social sem precedentes para os trabalhadores ingleses, tendo em vista que a mecanização da produção propiciou subitamente condições de trabalho insalubres e reduções expressivas no pagamento das jornadas dos trabalhadores. De acordo com Hancock (2007), as primeiras cooperativas foram organizadas com o objetivo de se firmarem como um instrumento de defesa e de sobrevivência dos trabalhadores. Sob os princípios da solidariedade, igualdade e coletividade, eram organizadas como uma espécie de resposta ao capitalismo da época, que provocava problemas como o desemprego, o déficit na habitação e o alto custo dos alimentos praticados pelos comerciantes. Diante desse cenário, inúmeras sociedades de ajuda mútua e cooperativas foram criadas para auxiliar os trabalhadores. O caso mais famoso da época é o de um grupo de vinte e oito tecelões ingleses que decidiu criar em 1844 a primeira associação cooperativa de consumo do país, fundada em Rochdale, um importante e populoso centro agrícola e industrial localizado ao norte de Manchester, que se tornou o exemplo mais emblemático das cooperativas que 46

surgiram naquele período. A cooperativa tinha por objetivo vender aos seus associados artigos de primeira necessidade pelo preço de mercado. Os eventuais “lucros” das atividades de distribuição dos produtos seriam repartidos entre os próprios sócios como forma de desconto proporcionalmente às compras realizadas. Os sócios também possuíam o direito de manifestar um único voto individual em cada eleição do corpo administrativo da cooperativa. Em poucas décadas as cooperativas de consumo do Reino Unido constituíram uma rede de sociedades, difundidas especialmente nas áreas mais industrializadas do país. Após vinte anos da criação da experiência em Rochdale, os cooperados ingleses fundaram em Manchester a Cooperative Wholesale Society, que articulava 59 cooperativas de consumo que juntas contabilizavam 18.337 sócios, com o propósito de aquisições e de compras em grandes quantidades. Em 1872 a associação conquistou um departamento bancário que, entre as suas tarefas, incluía o financiamento das compras dos sócios. No ano de 1868, em Glasgow, na Escócia, foi criado o Scottish Cooperative Wholesale, um armazém semelhante ao de Manchester que organizava 57 sociedades cooperativas. Ambas se desenvolveram e adquiriram grande importância, inaugurando filiais em diversos países. Em 1887 o número de cooperativas inglesas chegou a 1.661 e, em 1891 ultrapassaram a marca de um milhão de associados. Essas experiências anteciparam um fenômeno que se difundiu por todo o continente europeu. O grandioso desenvolvimento das cooperativas de consumo da região proporcionou o crescimento de outros setores cooperativos, como o de produção e trabalho. Contudo, as diversas áreas que haviam aderido ao modelo cooperativo sempre estavam condicionadas ao sucesso das cooperativas de consumo (FORNASARI e ZAMAGNI, 1997). O pensamento e as ações de , um rico e influente empresário inglês do ramo algodoeiro, engendraram uma significativa importância no desenvolvimento do movimento cooperativo da época. Na vila de New Lanark, no Reino Unido, iniciou uma espécie de empresa modelo que oferecia serviços para os seus trabalhadores. Não se restringindo apenas a essa questão, travou uma batalha em favor de uma legislação social que regulamentasse e limitasse o trabalho feminino e infantil, defendeu o combate à opressão no interior das fábricas e estimulou a construção de alojamentos para os operários. Com suas ideias reformadoras, Owen foi um dos primeiros a exprimir um discurso socialista e a compor a corrente dos socialistas utópicos. Ainda de acordo com Fornasari e Zamagni (ibidem), a França também se destacou na formação de empreendimentos, proporcionando contribuição especial para as cooperativas de trabalho. Um dos grandes nomes que influenciou o percurso do cooperativismo francês foi Saint-Simon, um conde que se dedicava particularmente às instituições sociais que 47

beneficiavam de alguma forma o bem-estar dos trabalhadores. Saint-Simon se pronunciou em favor das formas de colaboração entre capital e trabalho, e defendeu o desenvolvimento industrial como uma via possível para a ascensão das classes baixas. Afirmava ser decisivo o papel desempenhado por associações e cooperações entre as categorias de produtores, que unidas seriam capazes de prevalecer sobre as antigas classes sociais que viviam da renda agrícola e do sistema financeiro, possibilitando, deste modo, uma barreira para a desordem do capitalismo de sua época. Assim como os ideais do conde de Saint-Simon influenciaram as ideias de muitos pensadores, o filósofo Charles Fourier também influenciou e contribuiu para a construção do movimento cooperativo francês. Crítico da linha de pensamento produtivista de Saint-Simon, Fourier é conhecido como o idealizador do falanstério, uma espécie de comunidade autônoma organizada sob os conceitos da harmonia e da conciliação, onde cada um trabalharia segundo as suas paixões e vocações. Seu projeto foi constituído entre agricultores, que deveriam distribuir aos seus associados os meios de produção necessários, oferecer eventuais adiantamentos nas vendas dos produtos e armazená-los em depósitos específicos. Tratava-se de instituições adequadas à estrutura econômica da França, caracterizada pela larga difusão da pequena propriedade de terra, que na maior parte dos casos funcionavam em condições técnicas precárias. Outro nome que teve sua importância entre as primeiras linhas da formação de cooperativas de trabalho na França foi o de Louis Blanc, que por meio de suas ideias socialistas, instituiu em 1848 os “ateliês nacionais”, verdadeiras oficinas onde os trabalhadores urbanos desocupados procuravam empregos em áreas de utilidade pública. No mesmo ano, dois decretos inspirados nas idealizações de Blanc foram assinados autorizando a criação de um fundo em favor das sociedades cooperativas operárias e estabelecendo pela primeira vez a preferência por acordos com cooperativas em contratos públicos. No final de 1849 já existiam em Paris cerca de 255 associações cooperativas de operários, que se tornaram um importante modelo de referência. O crescimento do movimento cooperativo obrigou o imperador Napoleão III em 1867 a dedicar uma atenção particular para as associações de trabalhadores por meio de medidas legislativas, de forma a organizar as sociedades de capitais – entre elas, as cooperativas, que a princípio eram conhecidas como sociedades de capital variável (FORNASARI e ZAMAGNI, 1997; HOYT e MENZANI, 2013). Com o forte crescimento do movimento cooperativo francês, foi criada em 1884 a Câmara consultiva das cooperativas operárias de produção, que tinha como principais funções a coordenação, a orientação e a assistência das cooperativas. A princípio apenas 29 cooperativas 48

aderiram à Câmara, mas em 1904 esse número saltou para 200 unidades, o que correspondia a cerca de 56% das cooperativas de produção do país. Para auxiliar o desenvolvimento das cooperativas e possibilitar que elas participassem efetivamente dos contratos públicos, foi fundado em 1893 o banco cooperativo da sociedade operária de produção. As primeiras experiências de sociedades de consumo começaram a florescer entre as décadas de 1830 e 1840, em cidades como Lion e Lille, além de Paris. Contudo, a consolidação das cooperativas de consumo no país ocorreu apenas após o início do século seguinte. A forte influência do pensamento marxiano sobre o movimento socialista francês induziu inicialmente a uma verdadeira subestimação sobre o fenômeno cooperativo. De maneira menos intensa do que as cooperativas de produção e de consumo, as cooperativas agrícolas também se desenvolveram. A cooperação entre as atividades do campo consistia em oferecer a seus associados os elementos necessários para as práticas agrárias, envolvendo a produção, a transformação, a conservação e as vendas dos produtos finais. Para subsidiar essas atividades foi criado em 1860 o primeiro banco central de crédito agrícola (FORNASARI e ZAMAGNI, 1997). A Alemanha, por sua vez, se destacou na criação de caixas rurais e bancos populares de crédito. A primeira sociedade cooperativa de crédito rural de que a história teve conhecimento surgiu em 1840, na comunidade de Anhausen. Idealizada por Friedrich Wilhelm Raiffeisen, possuía algumas peculiaridades que a distinguia das demais agências de crédito: sua ação estaria limitada a pequenas comunidades locais; os sócios possuíam responsabilidade ilimitada pela instituição, e seriam os únicos que poderiam se beneficiar do crédito ofertado; as taxas de juros dos empréstimos seriam mais suaves e flexíveis; os associados deveriam possuir um perfil popular. Na década seguinte, já existiam diversas sociedades de crédito regionais em algumas regiões do país. Em 1876, elas se agruparam no Instituto Agrícola Alemão de Crédito que, com fortes tendências católicas, posteriormente passou a se chamar Banco Alemão Raiffeisen. No início de 1900 surgiu um segundo instituto agrícola de crédito: com inspirações mais liberais, foi denominado de União Nacional das Cooperativas Agrícolas Alemãs. Além das pequenas sociedades de crédito rurais, foram criados outros institutos de crédito cooperativo e também alguns bancos populares. Essas instituições foram fundamentais para oferecer um respaldo econômico para os demais setores cooperativos, sobretudo as cooperativas de produção industrial. Enquanto as caixas rurais estavam focadas nas regiões camponesas do país e atendiam as necessidades dos pequenos agricultores, os bancos populares se destinavam ao meio urbano e suas bases eram constituídas por representantes das classes médias urbanas. O 49

idealizador do modelo de banco popular foi o liberal Hermann Schulze-Delitzsch, que fundou a primeira cooperativa de crédito em 1850. Apesar do grande avanço das associações e cooperativas de crédito na Alemanha, as cooperativas de consumo não tiveram o mesmo espaço para se desenvolver. Enquanto a base social das cooperativas de crédito alemãs era formada por pequenos e médios burgueses, a base social das cooperativas de consumo era constituída por trabalhadores operários, fator que ocasionou um imenso conflito social. Em 1902, ao se sentirem ameaçados pelos preços inferiores praticados pelas cooperativas de consumo, os comerciantes locais impediram o funcionamento de diversas delas, expulsando-as da região onde atuavam (idem, ibidem). Segundo Fornasari e Zamagni (1997), a Dinamarca teve suas primeiras experiências cooperativas a partir da segunda metade do século XIX, com a produção de artigos pecuários. As cooperativas se difundiram rapidamente e contribuíram de forma determinante para o desenvolvimento do país. Um dos principais nomes que deram vida ao cooperativismo dinamarquês foi o do teólogo e bispo luterano Nikolaj Frederik Severin Grundtvig, que estimulou os agricultores de sua diocese à formação de cooperativas agrícolas e de escolas populares. Após a difusão das cooperativas agrícolas, surgiram as cooperativas de consumo, que por sua vez começaram a se propagar. A primeira cooperativa de consumo foi fundada em 1866 no norte do país. Com a proliferação do movimento, elas se inspiraram no modelo inglês e começaram a se organizar em armazéns centrais de cooperativas a partir de 1884. Logo em seguida surgiram as sociedades de seguros e os bancos cooperativos, o que contribuiu para o desenvolvimento das cooperativas no país. Ainda que o cooperativismo dinamarquês tenha se diversificado, o seu ponto forte sempre foram as cooperativas agrícolas, com especial foco na produção de laticínios. Na América do Sul, a primeira cooperativa de que se tem notícia foi registrada na cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais no Brasil. Fundada em 1889, a cooperativa de consumo era denominada como Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto.23 Em 1902 surgiu o segundo registro de experiência cooperativa no país, que foi idealizada pelo padre suíço Theodor Amstad, na cidade de Nova Petrópolis, localizada no Rio Grande do Sul. Inspirado no modelo cooperativo de Raiffeisen, o padre fundou a cooperativa de crédito Caixa de Economias e Empréstimos Amstad de Nova Petrópolis, hoje renomeada para Sicredi Pioneira RS. Até a sua morte, em 1938, Amstad coordenou a criação de 38 cooperativas no Rio Grande do Sul, e sua obra inspirou a fundação de diversos

23 Dados fornecidos pela OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras. Para mais informações, cf. http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/evolucao_no_brasil.asp. Último acesso em 10/03/2016. 50

empreendimentos solidários na região, incluindo cooperativas agrícolas, de crédito e recentemente de produção e de serviços. A partir de 2010, Nova Petrópolis passou a ser considerada a capital brasileira do cooperativismo.24 No País Basco, região localizada no extremo norte da Espanha, também há uma experiência cooperativa que merece ser mencionada. Fundada em 1956 pelo sacerdote Don José Maria Arizmendiarreta, a primeira cooperativa industrial teve grande êxito e após anos de expansão, é conhecida na atualidade como Complexo Cooperativo de Mondragon, que reúne mais de 150 cooperativas associadas nas mais diversas áreas, que vão desde supermercados até universidades. A partir desses casos e de suas respectivas ideologias que foram sustentadas e difundidas amplamente, surgiram experiências em outros países, como Bélgica, Suíça, Islândia, Finlândia e Noruega. A Itália também escreveu a sua história no movimento cooperativo europeu e contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento de associações e cooperativas em inúmeras esferas sociais. Os ideais cooperativos se difundiram da Europa para grande parte do mundo, alcançando regiões como América do Norte, América do Sul, África do Sul e Japão. Todas essas regiões participaram de alguma forma da difusão do movimento cooperativo ainda no século XIX, e ele tem crescido e se desenvolvido por todos esses anos, especialmente após o início do século XXI. Entretanto, conforme veremos adiante, seu desenvolvimento vem acompanhado de novos problemas.

4.2. O florescimento do cooperativismo italiano A primeira cooperativa italiana, segundo Barberini (2009), surgiu na cidade de Osoppo, norte do país, em 1806. Foi a primeira cooperativa no mundo a produzir produtos derivados do leite. Após essa experiência o movimento cooperativo italiano começou a despontar e em 1854 a Associação Geral dos Operários de Turim criou a primeira cooperativa de consumo sob a forma de um comitê de previdência. Em 1856, na pequena comunidade de Altare, em Savona, foi fundada a primeira cooperativa de produção dos trabalhadores locais de arte em vidro. Assim como na Inglaterra, as primeiras associações populares estavam ligadas às sociedades de ajuda mútua. Em poucos anos, os trabalhadores urbanos especializados se reuniram em

24 Informações retiradas do site da cidade de Nova Petrópolis (http://www.novapetropolis.com.br) e do site da cooperativa Sicredi Pioneira RS (http://www.sicredipioneira.com.br). Última visualização em 23/02/2015. Ivano Barberini, ex presidente da Aliança Cooperativa Internacional, faz menção à experiência da Sicredi em sua publicação de 2009. 51

corporações de artes e ofícios e dentro de algumas décadas criaram dezenas de sociedades de ajuda mútua em diversas regiões do reino.25 A ausência de uma legislação social, o enfraquecimento do tradicional corpo eclesiástico, o início de uma transformação econômica focada nas tendências da industrialização e as consequentes dificuldades pelas quais as relações de trabalho e emprego foram expostas, contribuíram para o desenvolvimento das sociedades operárias de ajuda mútua no período anterior à unificação do país. Essas entidades, que eram articuladas em torno da solidariedade e da identidade social e profissional, se organizavam com base nos ofícios de artesãos e, por isso, se assemelhavam mais às antigas corporações de arte do que à nova organização do trabalho que estava se formando ao redor das atividades industriais. Os principais objetivos das sociedades de ajuda mútua pautavam-se na educação dos sócios e no auxílio em casos de enfermidade e de previdência, mas muitas delas também ofereciam apoio ao crédito, matéria-prima privilegiada e venda de produtos de primeira necessidade a preço de custo para os seus associados. Para tanto, requeriam aos sócios o pagamento regular de uma parte do salário, ainda que nem todos conseguissem cumprir essa regra, tendo em vista a difícil situação econômica da época. Essas características das sociedades de ajuda mútua – que em 1860 registravam cerca de 206 unidades e em 1862 já contabilizavam 443 – indicavam o florescimento do embrião do cooperativismo (FORNASARI e ZAMAGNI, 1997). Assim como nos outros países europeus, a Itália também tem seus personagens responsáveis pela difusão do movimento cooperativo no país. Os pais do cooperativismo italiano dedicaram seus esforços para a organização de uma ordem econômica e social que fosse alternativa à empresa privada. Entre esses nomes, podemos citar Giuseppe Mazzini (1805- 1872), Francesco Viganò (1807-1891), Luigi Luzzatti (1841-1927) e Ugo Rabbeno (1863- 1897). As ideias de Mazzini foram fundamentais e tiveram grande importância na propagação dos ideais e valores cooperativos na Itália. Seus princípios se baseavam na livre associação de produtores e na aliança entre capital e trabalho. As ideias mazzinianas logo foram absorvidas por sapateiros, carpinteiros, joalheiros, artesões, tipógrafos e barqueiros de Genova e Sampierdarena (ambas na Liguria) e de Firenze (na Toscana).

25As associações de ajuda mútua e as cooperativas surgiram no reino da Itália antes mesmo do processo de unificação dos Estados italianos ser concluído, tendo em vista que, a princípio, a região se configurava como um aglomerado de pequenos Estados submetidos a potências estrangeiras. Não existe um consenso entre os historiadores quanto a real data de unificação do país, mas a maioria deles considera que esse processo se iniciou em 1815 com o congresso de Viena e terminou em 1871 com a anexação do Estado de Roma. Contudo, 1861 foi considerado o ano da proclamação do Reino da Itália e, portanto, o ano oficial da união do país. 52

Francesco Viganò, um jornalista liberal e simpatizante das ideias mazzinianas, ofereceu sua principal contribuição publicando diversos estudos sobre a cooperação. Sua obra de grande destaque foi publicada em 1873 com o título “La fratellanza umana, ossia le società di mutuo aiuto, cooperazione e partecipazione ed i municipi cooperativi”,26 onde explanava sobre os princípios cooperativos e sobre as experiências que a Europa já havia experimentado, com enfoque sobre o caso inglês e como o movimento do país havia inspirado a Itália para a criação de seus armazéns de consumo. Viganò, que tinha seus princípios baseados na conciliação, na paz social e na fraternidade universal, acreditava que a cooperação seria o futuro da classe operária. Luigi Luzzatti, conservador posicionado à direita da política italiana, contribuiu para o desenvolvimento do cooperativismo no país a partir de sua ideologia que consistia no determinante papel do Estado em intervir de modo a assegurar o desenvolvimento industrial e ao mesmo tempo prover a proteção das classes mais baixas. Ele se destacava dos tradicionais filantropos iluministas por defender que não se poderia deter a crítica questão social com o controle da classe trabalhadora por meio de práticas paternalistas e benevolentes. A seu ver, a alternativa ao paternalismo seria as cooperativas que, apoiadas pelas autoridades e por órgãos estatais, poderiam integrar a classe trabalhadora na estrutura econômica que vinha se renovando e assim promover o seu próprio bem-estar material. Como forma de fomentar o cooperativismo, fundou em 1867 a revista Cooperazione e industria, e publicou inúmeros artigos sobre o tema. O maior envolvimento de Luzzatti com o cooperativismo foi no âmbito do crédito e dos bancos populares (idem, ibidem). Ugo Rabbeno foi um intelectual que ofereceu uma importante contribuição para o desenvolvimento de pesquisas sobre o cooperativismo no país. Em 1884, finalizou os estudos da graduação defendendo o seu trabalho sobre a cooperação na Inglaterra e, já no ano seguinte, publicou dois importantes estudos sobre a cooperação na Itália e sobre as sociedades cooperativas de produção, que foram consideradas algumas das primeiras tentativas de reflexão científica que poderiam estar imunes de condicionamentos ideológicos. Para Rabbeno, a cooperação consiste na união de pessoas que buscam coletivamente suprir as necessidades comuns entre todos, por meio de um espírito liberal envolto na simpatia e na fraternidade. Apesar dos grandes expoentes que contribuíram para o desenvolvimento e a promoção do cooperativismo no país, a experiência italiana, que foi amplamente baseada nos exemplos que estavam acontecendo no exterior, se apresentava ainda fragmentada e marginalizada, sem

26 A fraternidade humana, isto é, a sociedade de ajuda mútua, a cooperação, a participação e os municípios cooperativos (tradução própria). 53

representar uma parcela minimamente significativa da economia do país. Naquele período da segunda metade do século XIX, o movimento cooperativo enfrentava uma séria crise de desenvolvimento. Muitas cooperativas de produção tiveram que encerrar suas atividades porque adotaram comportamentos econômicos especulativos e não respeitaram os princípios cooperativos. As cooperativas de consumo, por sua vez, não puderam oferecer muito apoio, considerando que estavam focadas em negociar com empresas privadas para aumentar seu próprio capital, que certamente não seria investido em iniciativas voltadas para a promoção do associacionismo cooperativo. Diante desta situação, Rabbeno propôs que as cooperativas não poderiam ser consideradas como um modelo de organização econômica, mas sim como uma forma de organização de empresa em que os associados não aspiravam a valores especulativos. A princípio, o movimento cooperativo experimentou momentos muito próximos de ascensão e de declínio. Em 1865, Francesco Viganò contabilizou oito cooperativas de produção, sendo uma em Bologna, duas em Genova, quatro em Milano e uma em Napoli. Em 1872 foi publicada a primeira relação oficial de cooperativas no país, por meio dos Anais do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e, nesta contagem, apenas uma cooperativa entre aquelas que Viganò apontou continuava em atividade, a dos alfaiates de Bologna. Contudo, na contramão do movimento de declínio que se formava com a dissolução das cooperativas, foram criadas entre os anos de 1873 e 1875, novas cooperativas de produção. Em 1874, por exemplo, foi criada em Imola pelo mazziniano Giuseppe Bucci uma Cooperativa de produção de cerâmica. Bucci confiou a gestão a seus empregados e em seguida cedeu-lhes a propriedade da empresa. Este é um caso notório em que a filantropia se associa a uma classe operária profissionalmente qualificada. As cooperativas que começaram a surgir tinham em comum a forte especialização profissional de seus sócios (FORNASARI e ZAMAGNI, 1997; FABBRI, 2011). Com a ascensão do movimento, o Parlamento italiano conseguiu atribuir relevância jurídica ao cooperativismo, assim como já ocorria nos principais países europeus. O novo Código do Comércio, aprovado em 31 de outubro de 1882, dedicou uma sessão especial à legislação cooperativa, decretando que as sociedades cooperativas se configurariam como anônimas e teriam um tratamento particular com relação à efetiva igualdade entre os sócios. Dessa maneira, as sociedades resguardariam o direito a um único voto por sócio e impediriam a venda de ações sem a aprovação em assembleia, assim como estariam isentas do pagamento das taxas oficiais de registro. Apesar de não oferecer grandes avanços no tocante à autonomia das cooperativas, o novo código comercial beneficiou o crescimento e o desenvolvimento do fenômeno do associacionismo em todo o país. Contudo, de acordo com Fabbri (ibidem), o novo 54

Código do Comércio aumentou o interesse especulativo das classes sociais intermediárias que, vislumbrando vantagens econômicas com o sistema cooperativo, acabaram por sufocar a via solidária original dos princípios do cooperativismo. O surgimento de diversas iniciativas cooperativas, nos mais variados setores, instigou o interesse de algumas entidades culturais e também da academia. O crescimento da atenção voltada para o tema incentivou a criação da Federação Nacional das Cooperativas em 1886. Com sede em Milano, tinha como principal escopo ser porta-voz das necessidades das cooperativas a fim de obter do poder legislativo condições favoráveis para o seu desenvolvimento. No primeiro momento, aderiram 148 cooperativas que agrupavam em torno de 74 mil sócios. No ano seguinte esse número saltou para 195 adesões. O promotor da iniciativa de fundação da instituição foi Francesco Viganò, que também foi eleito o primeiro presidente da instituição. Sete anos mais tarde, em 1893, a Federação adotou o nome de Lega Nazionale delle Società Cooperative Italiane.27 Em 1890, o Ministério da agricultura, indústria e comércio lançou um quadro aproximado sobre o número de cooperativas existentes no país. Entre aquelas contabilizadas, as cooperativas totalizavam cerca de 1.190 unidades, sendo 681 de consumo, 69 de construção e 440 de produção e trabalho, divididas em cooperativas de laticínios (208), trabalhadores do campo (49), pedreiros (43), abastecimento (9) e cooperativas industriais (109), além de 22 cooperativas diversificadas, que não foram especificadas no relatório estatístico (FABBRI, 2011). Ainda que esses dados sejam imprecisos e apontem para uma maior concentração de unidades no setor de consumo (57% dos casos), é evidente que houve um crescimento significativo no número de sociedades cooperativas em todos os setores. Entretanto, a estabilidade do movimento cooperativo ainda dependia de muitos fatores, inclusive da economia do país. Nos anos sucessivos, inúmeras cooperativas tornaram a se dissolver, principalmente porque a situação econômica gerou uma grave crise no sistema bancário italiano, ocasião na qual o Banco Cooperativo Operário de Milano se viu sem condições de se manter funcionando e declarou falência em 1892. Esse acontecimento colocou à prova a credibilidade sobre o movimento cooperativo, assim como houve um grande risco de inviabilizar os depósitos das classes trabalhadoras e de suas instituições. No interior de todo

27 Liga Nacional das Sociedades Cooperativas Italianas (tradução própria). Fundada em 1886, é a organização cooperativa mais antiga da Itália, e tem como seus principais objetivos representar as cooperativas e desenvolver projetos e serviços de promoção à cultura cooperativa. Popularmente conhecida como Legacoop, a instituição representou, no ano de 2014, mais de 15 mil cooperativas em todo o território italiano. 55

esse cenário de instabilidade provocado por ascensões e declínios das associações, o universo cooperativo italiano se encontrava fragmentado.

4.3. As sociedades cooperativas italianas no século XX Os historiadores consideram os primeiros quinze anos do século XX como o período giolittiano, devido à forte influência que as ações de Giovanni Giolitti – diversas vezes eleito presidente do Conselho dos ministros – exerceram sobre a base da moderna Itália industrial, a qual manifestava uma economia dinâmica e próspera nesse momento. O movimento cooperativo também foi beneficiado, apresentando um crescimento considerável, provavelmente influenciado pela legislação que se mostrou bastante favorável. Entre 1904 e 1910, foram criadas doze medidas legislativas que estavam de certa maneira relacionadas às cooperativas. O impacto dessas medidas foi explícito: Fornasari e Zamagni (1997), afirmam que em 1902 o país registrava 2.199 unidades cooperativas, enquanto que, em 1914, eram estimadas 7.429 cooperativas que ocupavam cerca de 1.500.000 associados. Essas empresas estavam agrupadas em cooperativas de consumo (2.408 unidades), de produção e trabalho (3.015), agrícolas (1.148), de construção (751) e de seguros (107). Apesar de muitos estudiosos considerarem esse período como glorioso para o movimento, os autores declaram que a Itália se encontrava em um relativo atraso no desenvolvimento das cooperativas, já que no início do século eram registradas 19.556 cooperativas na Alemanha, 7.942 na França e 1.671 na Inglaterra que, apesar do número de unidades inferior, compreendia 2.022.208 associados. Apesar das sérias consequências econômicas e sociais que a primeira guerra mundial (1914-1918) trouxe, foi a partir deste período que o processo de industrialização se consolidou no país e que as cooperativas ganharam forças e conquistaram outras dimensões. As relações que o movimento cooperativo estabeleceu com o Estado no período de guerra alavancaram o crescimento das cooperativas agrícolas, de consumo e de produção e trabalho. O movimento cooperativo católico permaneceu durante muito tempo sem uma instituição em âmbito nacional que centralizasse as forças católicas italianas, assim como os simpatizantes de esquerda fizeram ao constituir a Lega Nazionale delle Società Cooperative Italiane. Apenas em 1921 os católicos conseguiram inaugurar a sua própria instituição – com sede em Treviso, na região do Vêneto – denominada Confederazione Cooperativa Italiana.28 Aderiram a ela todas as federações de categoria católica até então existentes. Dessa forma, a Itália passou a contar com duas centrais cooperativas: uma “vermelha”, na qual a maioria dos

28 Confederação Cooperativa Italiana. 56

seus membros possui uma orientação política de esquerda, e uma “branca”, em que a maioria de seus filiados tende para as políticas focadas nos ideais católicos (FORNASARI e ZAMAGNI, 1997).29 Neste mesmo ano instaurou-se um clima de incertezas sobre o cenário econômico italiano. Além disso, o crescente movimento fascista que tomou fôlego a partir de 1919, deflagrou uma agressiva campanha contra o cooperativismo, alegando que as cooperativas danificavam o sistema de finanças públicas. Mas não é difícil deduzir que as cooperativas, por serem uma forma de organização autônoma da classe trabalhadora, representavam um grande perigo para a supremacia do poder fascista. Assim sendo, a violência recaiu diretamente sobre as associações socialistas e católicas, as quais tiveram diversas empresas destruídas. Em seguida, os fascistas se empenharam em constituir organizações autônomas que estivessem coerentes com sua própria ideologia. Ainda em 1921 foram criadas duas instituições: com sede em Roma, o Partito Nazionale Fascista e, com sede em Milano, o Sindacato Italiano delle Cooperative – o qual foi declarado pelo próprio partido fascista como órgão central e diretivo da cooperação nacional. O governo Mussolini continuou perseguindo as cooperativas que não se declaravam fascistas e instaurou um rigoroso controle institucional sobre elas. Enquanto o número de cooperativas filiadas ao sindicato fascista crescia, o número de cooperativas coligadas à Lega caía vertiginosamente, contando com apenas 600 adesões em 1925 (idem, ibidem). Devido à pressão do governo ditatorial, o encerramento das atividades desta última foi decretado pelo prefeito de Milano em novembro desse mesmo ano, sob a alegação de “obra política antinacional com a direta subversão da instituição e do regime” (FABBRI, 2011:147 – tradução própria). Em seguida, a central cooperativa católica foi dissolvida: o governo fascista determinou o enquadramento de todas as cooperativas a uma única instituição nacional e, deste modo, todas as cooperativas do país seriam controladas pelo Estado. Com essas medidas, o movimento cooperativo italiano foi remodelado no decorrer dos anos seguintes e transformado em um organismo do regime fascista. Em 1921 a Itália calculou que havia 19.510 cooperativas constituídas legalmente. O governo fascista registrou seus dados oficiais sobre as cooperativas pela primeira vez em 1927 e, a partir daquele momento, foi possível constatar os efeitos do regime sobre o movimento cooperativo. Com a interdição das centrais cooperativas, o avanço da ditadura e a crise econômica que pairava sobre a Europa naquele momento, os dados censitários registraram

29 A posição política de uma instituição ou de uma pessoa é uma informação muito relevante entre os italianos, e em determinadas situações chega a ser até determinante. Na Itália, as pessoas se posicionam decididamente sobre determinadas correntes políticas e geralmente os seus valores estão alinhados com essa questão. 57

7.776 cooperativas enquadradas sob a nova legislação, uma considerável diminuição comparada ao período anterior. Contudo, esses dados se modificaram com o passar dos anos: em 1938 o número de cooperativas saltou para 11.233, que reuniam cerca de 2.500.000 associados. Se considerarmos junto a essas cooperativas as associações de ajuda mútua, o número atinge 15.737 unidades (FORNASARI e ZAMAGNI, 1997). Muito provavelmente esses números cresceram impulsionados pela crise de 1929, que causou severos estragos na economia italiana. A fim de tentar aliviar os altos índices de desocupação, o governo passou a investir em obras públicas, e dessa forma muitas cooperativas de produção foram beneficiadas. Ainda que esse aumento no número de associações salte à vista, é preciso ter em mente que os princípios do movimento cooperativo, tal como ele foi idealizado por seus preceptores com caráter socialista ou católico, foram eliminados. A queda do regime fascista foi concluída praticamente em concomitância com o final da segunda grande guerra.30 Com os novos ares políticos, os trabalhadores das cooperativas, que na maioria dos casos se identificavam como neutros ou antifascistas, se mostraram dispostos a reconstruir o movimento. Em 1944, ocorreu em Roma uma campanha para resgatar a união do movimento cooperativo, de forma a dissolver as estruturas criadas pelo governo fascista e reconstruir um novo organismo democrático e político. Naquele momento, a Itália possuía aproximadamente 12 mil cooperativas com três milhões de associados (BARBERINI, 2009). Em dezembro de 1947 foi aprovada a primeira lei orgânica sobre o cooperativismo. Denominada como Legge Basevi, a lei fixa os princípios solidários e democráticos nos quais as cooperativas deveriam se inspirar, além de regulamentar que todas as cooperativas do país devem estabelecer reservas indivisíveis em um fundo direcionado para conservar o capital excedente. Com esta lei em vigor até os dias de hoje, o valor destinado a este fundo não pode ser repassado para os associados, e deve apenas ser reinvestido na própria cooperativa quando não há mais recursos em fundos divisíveis. Caso a cooperativa encerre suas atividades ou seja vendida para a iniciativa privada, o valor deste fundo deve ser obrigatoriamente destinado a um fundo mutualístico voltado para a promoção e o desenvolvimento da cooperação. Em maio de 1945 um grupo de cooperados católicos reconstituiu a Confederazione Cooperativa Italiana (CCI). Em setembro do mesmo ano, a Lega, agora sob o nome de Lega Nazionale delle Cooperative e Mutue (LNCM) foi restabelecida, com a presença de

30 Em julho de 1943, Mussolini foi destituído e preso. Em setembro do mesmo ano, uma ação planejada por nazistas alemães conseguiu resgatá-lo e libertá-lo. No norte da Itália, região que ainda era controlada pelas tropas nazistas durante a segunda guerra, ele exerceu influência sobre o governo por meio da constituição da República Social Italiana até abril de 1945, quando novamente foi capturado e executado pela chamada resistência italiana, o principal movimento antifascista do país. 58

representantes da esquerda nacional. Em 1952, um grupo de dissidentes da Lega renunciou à instituição e fundou uma terceira central cooperativa, a Associazione Generale delle Cooperative Italiane (AGCI).31 No ano de 1975, uma nova central foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho italiano: a Unione Nazionale Cooperative Italiane (UNCI),32 formada a partir de uma divergência interna entre grupos da CCI. Entretanto, a legitimidade dessa quarta central foi contestada pelas outras três centrais, o que acabou por forçá-la a realizar em 1977 um acordo com a CCI. Segundo Fornasari e Zamagni (1997), as fortes ideologias estimularam uma grande cisão no interior do movimento cooperativo, e resultaram na falta de incentivo por parte das cooperativas para se filiarem a alguma central cooperativa. Em 1990, por exemplo, cerca de 69% das cooperativas não se associaram a nenhuma central cooperativa. Verificou-se, no decorrer dos anos 60, o que Serenari (2005) chamou de ajuste do crescimento das cooperativas na Itália, fenômeno que propiciou a redução da expansão do movimento, possivelmente oportunizada pelos resultados positivos da economia italiana entre a década de 50 e início dos anos 60. Ao que tudo indica, o movimento cooperativo italiano reagiu de acordo com a realidade econômica da época, pois a partir da segunda metade dos anos 70 assistiu-se à recuperação da força do cooperativismo, motivada pela crise petrolífera que perdurou entre o início da década e o começo dos anos 80.33 Com a crise do petróleo, a década de 1970 e os primeiros anos da década de 1980 foram marcados pela crítica situação de desemprego em algumas regiões do país – principalmente aquelas localizadas no Sul – e pelo intenso processo de reestruturação de diversas empresas que resultou na eliminação de inúmeros postos de trabalho em todo o país. Com esse cenário que só agravava a crise financeira italiana, o governo lançou em 1985 algumas medidas que tinham como objetivo amenizar a situação, por meio do incentivo ao cooperativismo. A primeira medida foi uma lei, conhecida como Legge Marcora,34 que instituiu a oferta de crédito para as cooperativas e para as medidas urgentes que visassem incrementar o nível de ocupação. A segunda ação foi a instituição de um decreto que tinha o propósito de incentivar o desenvolvimento de jovens empresários a criar empresas com sede no Sul do país. A proposta era contribuir com orientação, cursos de formação, tutoria, subsídios e empréstimos em condições favoráveis. Essa medida que se tornou

31 Associação Geral das Cooperativas italianas. 32 União Nacional das Cooperativas Italianas. 33 A história tem apontado que o fenômeno de retração e de expansão do movimento cooperativo sempre como uma resposta à situação econômica vigente não é caso específico ao contexto italiano. No Brasil, por exemplo, houve um “boom” no surgimento de fábricas recuperadas por trabalhadores e de cooperativas de um modo geral a partir do início dos anos 90, quando a crise neoliberal se instaurou no país. Com a recuperação da economia e dos índices de empregos formais a partir da segunda metade dos anos 2000, as cooperativas deixaram de ter forças e notoriedade. 34 Lei n. 49 de 27/02/1985. 59

lei no ano seguinte,35 estimulou a criação de diversas cooperativas no Sul do país e, em 1994 havia 875 projetos aprovados com 6.260 sócios. Uma nova lei foi criada em novembro de 1991,36 que ficou conhecida como a lei das cooperativas sociais. Focada especificamente em cooperativas sociais, a lei define a cooperação em termos mais amplos sobre os princípios de solidariedade e permite que existam sócios voluntários – ou seja, que não serão remunerados. O objetivo dessas cooperativas é administrar serviços educacionais e sócio-sanitários, por meio da inserção de pessoas com desvantagens sociais, como deficientes físicos e mentais, ex-internos de hospitais psiquiátricos, alcoólatras, dependentes químicos, ex-presidiários e menores de idade com problemas familiares estruturais. Em 1992 foi criada uma importante lei para estimular o desenvolvimento cooperativo:37 denominada Nuove norme in materia di società cooperative,38 ela permite que as cooperativas possam contrair recursos por meio de financiamentos para aplicá-los no incremento tecnológico, na reestruturação e no crescimento da empresa. Analisando o contexto do cooperativismo italiano, inferimos, contudo, que a partir dos anos 1950 o movimento cooperativo não conquistou grandes progressos no que se refere às propostas de democratização, participação e autogestão. Segundo Hoyt e Menzani (2013), as centrais cooperativas italianas seguiram o rumo de outros países europeus e decidiram redimensionar seus princípios políticos, enfatizando mais as questões de mercado do que propriamente os ideais sociais. De fato, a partir da década de 1950, o movimento cooperativo dos países industrializados foi marcado por uma série de importantes modificações. Muitas cooperativas se transformaram em grandes empresas com um número considerável de sócios e de funcionários, que deram a elas vantagens em economia de escala. Neste cenário, a desmutualização e a má gestão de algumas grandes cooperativas nos fazem observar que elas não se diferenciam muito das grandes corporações. Assim, dos anos 1970 até o início dos anos 2000, as cooperativas italianas se ocuparam do objetivo de expandir seus negócios, constituindo algumas grandes empresas que se destacam no cenário econômico nacional. Empenharam-se ainda em construir novas redes e ampliaram seus interesses sobre novos setores produtivos. Gori (1988), sustenta que no decorrer da primeira metade dos anos 80 assistiu-se a uma mudança no modo de produção das empresas na região da Emilia-Romagna, o que inclui também as cooperativas: a economia de escala deixou

35 Lei n. 44 de 28/02/1986. 36 Lei n. 382 de 8/11/1991. 37 Lei n. 59 de 31/01/1992. 38 Novas normas referentes a sociedades cooperativas (tradução própria). 60

de ser a única forma de perseguir a eficiência produtiva, e cada vez mais e com mais frequência necessitavam de outras alternativas para viabilizar as vantagens da produção, como políticas de flexibilização e o afrouxamento das estruturas organizativas e financiarias. O cooperativismo italiano passou então a se liberar gradativamente da tutela dos partidos políticos e dos sindicatos, aos quais sempre esteve muito vinculado no passado. A partir da primeira década de 2000, ano após ano o movimento cooperativo vem se caracterizando pela presença de cooperativas de grande dimensão, com números expressivos de funcionários que trabalham na base nacional da empresa e também em suas filiais internacionais, demonstrando uma capacidade organizativa inquestionável e alto nível de eficiência. As consequências dessas diretrizes são bastante sentidas nos dias atuais, em que presenciamos grandes empresas cooperativas que se configuram como importantes casos de sucesso, mas que certamente se afastam cada vez mais de seus ideais sociais e democráticos. De acordo com Fabbri (2011) em 1999 havia 160 mil cooperativas na Itália que empregavam mais de 500 mil pessoas e concentravam 10 milhões de sócios. Em 2011, elas produziam cerca de 7% do PIB, empregavam 1,1 milhão de trabalhadores e possuíam 12 milhões de sócios. Além disso, muitas delas ocupam posição de excelência em diversos setores da economia nacional. Apesar dos números animadores, Fabbri afirma que, independente da importância que o movimento tem assumido nos últimos anos no âmbito político e econômico, existe uma lacuna entre prática e teoria, entre realidade e academia, e entre ciência e política. Essa reflexão demonstra que o movimento cooperativo, apesar de ter se desenvolvido bastante nos últimos quase 200 anos, ainda precisa alinhar sua prática cotidiana com a teoria que esteve em sua origem no século XIX e que é tão cara para os defensores do movimento nos dias de hoje. No início de 2011, com o objetivo de unificar as diretrizes das centrais cooperativas em uma única instituição, foi criada a Alleanza delle Cooperative Italiane, que se formou a partir da associação entre as três maiores centrais cooperativas da Itália: Legacoop, Confcooperative e AGCI. A princípio, isso pode significar que não haverá mais distinção entre a representação das cooperativas definidas por inclinação socialista, católica ou liberal, conforme essas centrais defendiam suas bandeiras anteriormente. Em certa medida, o ato de deixar suas raízes históricas em segundo plano pode indicar uma grave crise de identidade no interior do movimento cooperativo. Questionamos Sergio Prati, ex-presidente da Legacoop de Imola,39 sobre essa

39 No momento em que nos concedeu essa entrevista, em abril de 2014, Sergio Prati ainda estava empossado no cargo de presidente da Legacoop Imola. Contudo, no decorrer do ano houve novas eleições e o presidente que assumiu o lugar de Prati foi Domenico Olivieri, ex-presidente da Limci e ex-presidente da HPL Holding, empresa 61

fusão e o que ela representa para os valores defendidos por cada central, e sua resposta serviu para reforçar a nossa hipótese:

Nascem, digamos, inspirações políticas de veias de pensamento, porque havia a Legacoop que tinha mais inspiração socialista, Confcooperative de inspiração católica, e a AGCI de inspiração social-democrática, republicana. É claro que com o tempo essas veias de pensamento permaneceram, contudo, as diferenças foram muito atenuadas. Hoje o problema é procurar dar vida a uma associação cooperativa única muito mais forte porque aquelas empresas que têm como referência a associação cooperativa hoje têm necessidades de serviços e de assistência muito mais forte do que antes. Porque aqui entre nós estamos ainda em uma fase onde a crise é bastante pesada, a crise econômica. E então temos empresas que naturalmente têm como referência a própria associação e pedem para serem adequadas (Sergio Prati, ex-presidente da Legacoop Imola – tradução própria).

Ao que tudo indica, a luta política das cooperativas perdeu o seu valor e ficou em último plano, cedendo o foco para a assistência e os serviços, como única opção para o enfrentamento da crise.40 A Alleanza delle Cooperative Italiane,41 que em 2015 já computava que as cooperativas do país representam 8% do PIB, também informou que 13,4% dos bancos do país são cooperativas de crédito e que o cooperativismo é responsável por 34% da distribuição e do consumo no varejo italiano. Em 2016, a Alleanza englobava 43 mil cooperativas e representava cerca de 90% das cooperativas italianas.

4.4. A questão identitária e as transformações do movimento cooperativo Menzani (2007) explica que entre as décadas de 50 e 60, o cooperativismo italiano – em especial na região da Emilia-Romagna – sofreu profundas transformações, que foram em parte acometidas pelo reflexo da mudança socioeconômica das empresas tradicionais, mas principalmente pela redefinição dos próprios objetivos, dos próprios meios, dos próprios valores e, basicamente, da própria identidade. O cerne da questão da identidade do cooperativismo e de sua transformação não se resume a um único elemento, mas a uma multiplicidade de aspectos e problemas que nem sempre são fáceis de discernir. O que deve ser

que também pertence ao grupo Limci. Em janeiro de 2015 Olivieri iniciou seu mandato como presidente da Alleanza delle Cooperative Italiane. 40 Um movimento semelhante vem ocorrendo nas últimas décadas no Brasil com uma parcela dos sindicatos, em que a assistência e os serviços, que em grande parte dos casos se resumem a colônias de férias e torneios de truco, ganham a centralidade da essência sindical, em vez de concentrarem-se efetivamente na luta pela manutenção dos empregos, por melhores condições de trabalho e por salários dignos. 41 Para mais informações sobre a Associação ou sobre os números por ela publicados, cf. a revista Imola Insieme 2011 e o web site http://www.alleanzacooperative.it/l-associazione. Último acesso em 03/03/2015. 62

considerado é que gradualmente o discurso cooperativo foi substituído por uma abordagem menos política, que passou a analisar as cooperativas como um constructo econômico-social que sucessivamente foi convertendo o centro dos aspectos solidários para o centro dos aspectos de mercado: da organização de resistência, de luta, de associação entre os mais fracos e de proteção ao trabalho, a cooperativa se transformou em um elemento capaz de pensar e agir como empresa puramente capitalista e, como tal, de competir de acordo com as regras do mercado. Ainda que debalde, esse cenário de mudanças não foi recebido sem a forte resistência daqueles que lutaram para conservar os ideais cooperativos brandidos no início do século XX. Mas perante a consolidação desta nova ideologia cooperativa e seu progressivo desenvolvimento, legitimou-se uma espécie de “seleção natural” entre as cooperativas da época e aquelas que teimaram em permanecer ancoradas na velha ideologia solidária, acabaram rumando sucessivamente para a falência ou para a liquidação. Deste modo, os desafios do mercado, da competitividade e da concorrência corromperam os precedentes valores da cooperação que não faziam referência à economia e, ao contrário, os identificavam como algo a se defender, por ser característico a uma esfera social, solidária e comunitária. De acordo com Menzani (ibidem), esses aspectos não foram eliminados em definitivo, mas sobreviveram em um segundo plano, “em uma dimensão parcialmente retórica que buscava uma nova colocação e um novo equilíbrio” (p. 119 – tradução própria). O autor ilustra esse argumento com o contraditório discurso do presidente de uma cooperativa de trabalhadores mecânicos da região de Ravenna nos anos 70: “Em nós o espírito de solidariedade cooperativa é muito desenvolvido, mas isso não pode significar a renúncia a todas as vantagens do livre mercado” (Op. Cit. – tradução própria). Este exemplo demonstra que o ideal solidário ficou mais limitado ao discurso dos associados, e que, de fato, o mercado e a eficiência econômica tornaram-se um parâmetro e um estímulo para a cooperação, em detrimento das convenções político-sociais orientadas à solidariedade e à comunidade. Aos poucos, essas ideologias estavam presentes em todas as categorias de cooperativas italianas: as liberais, as católicas, e também as consideradas com orientação política à esquerda. Segundo Bassani et alii (1986), o movimento cooperativo pode ser percebido como uma espécie de equilíbrio em uma relação dialética entre a concessão solidária do pacto social e a concessão dos propósitos individualistas, isto é, ele sempre estará dividido entre os princípios solidários e coletivos, e os desejos individuais. Ao basear os seus valores em princípios de mercado o cooperativismo italiano deixou para trás os ideais de seus precursores que envolviam, entre outros pontos, o mutualismo, o desenvolvimento e a solidariedade da comunidade, e passou a ser compreendido como uma 63

organização que propõe a centralidade de seus associados, reconhecidos como os legítimos e principais beneficiários das ações empresariais autogeridas. Ainda de acordo com Menzani,

A cooperativa “vermelha” não era mais uma escola de socialismo, um instrumento a serviço de todo o proletariado, ou um meio para a ruptura do sistema econômico ocidental, mas recuperava uma dimensão mais realista de veículo para a promoção social dos próprios associados, que encontravam no trabalho a satisfação das próprias exigências socioeconômicas (2007:119 – tradução própria).

A aproximação das cooperativas a esta nova condição que omite os ideais utópicos e ideológicos anteriormente visados, revelou um sério problema de identidade, tendo em vista que os associados que viveram com o ideário de uma cooperação focada no espectro político como uma alternativa ao sistema capitalista, nem sempre aceitaram de forma positiva essa postura de orientação ao mercado. Menzani (ibidem) cita a difusão de sentimentos como desilusão e desorientação que repercutiam na perda do entusiasmo e da motivação no cotidiano laboral da parcela dos associados mais velhos, enquanto que os cooperados mais jovens, especialmente aqueles que não participaram ativamente das lutas contra o fascismo e que não vivenciaram o período subsequente ao pós-guerra, admitiam certa indiferença emocional pela base social e lutavam para acelerar a transição das cooperativas para um modelo mais moderno e mais sólido economicamente. O problema identitário também dificultou a relação entre as cooperativas e os sindicatos – especialmente os de orientação mais à esquerda – já que ambos viam a empresa autogestionária e o papel dos associados de formas distintas. Além disso, é possível que a CGIL também tenha mudado a sua postura diante dos ideais cooperativos, como aponta Menzani (2007). No decorrer dos anos 1960 essa central sindical percebia as cooperativas como sujeitos políticos ativos na luta de classes, que privilegiavam primeiramente as reivindicações de âmbito econômico, tanto que a CGIL regional não atribuía ao movimento cooperativo nenhum papel específico, e não fazia distinção entre as estratégias de luta e de reivindicações adotadas nas cooperativas e nas empresas tradicionais. A prioridade era que as cooperativas estivessem de acordo principalmente com a tutela sindical e, assim sendo, as plataformas reivindicativas estariam em consonância com os empreendimentos, garantindo benefícios tanto para os sócios quanto para os funcionários. Contudo, no final da mesma década, a CGIL passou a defender que as cooperativas deveriam seguir o modelo contratual das empresas privadas, de forma a buscar a melhor remuneração possível. Dessa forma, o sócio passaria a ser representado quase como um trabalhador comum, não havendo muitas distinções entre os associados e seus 64

funcionários. Durante toda a década de 1960 as greves foram uma fonte de grande tensão entre os sindicatos e as cooperativas. Não apenas a CGIL, mas também a CISL42 e a UIL43 determinaram naquele período que as cooperativas deveriam aderir às greves para apoiar os trabalhadores das empresas privadas, sustentando o argumento de que a greve valia para todos, já que o sindicato representava a todos. Os associados, por sua vez, argumentavam que não havia lógica em realizar uma greve contra eles mesmos, tendo em vista que eram os próprios administradores do empreendimento. O cooperativismo de orientação socialista da Legacoop percorreu gradualmente um caminho que visava à afirmação identitária de sua própria autonomia e dos próprios interesses da empresa. Embora Menzani afirme que não havia prejuízo aos valores fundamentais do cooperativismo e ao projeto político em prol da luta de classes, ele reconhece que “a sociedade autogerida era em primeiro lugar uma organização democrática de trabalhadores com finalidade econômico-produtiva” (2007:355 – tradução própria). Fornasari e Zamagni (1997) identificam o papel das centrais cooperativas para com os seus associados, que podem ser sintetizados como: a representação e a tutela das cooperativas no confronto com organismos externos ao movimento; a assistência técnica para as cooperativas; o controle sobre as cooperativas que não se enquadram no comportamento do “espírito” do movimento cooperativo; a promoção da imagem do movimento e da realidade cooperativa; a coordenação das cooperativas, com ações de mediação e projetos de desenvolvimento cooperativo. Apesar de a teoria sistematizar essas diretrizes para a orientação das cooperativas, verificam que o movimento cooperativo tem se configurado como uma “série de sistemas de empresas”. Este pode ser um indicativo de que mais uma vez o movimento se afasta dos seus princípios originais, idealizados ainda no século XIX por seus expoentes britânicos, franceses, alemães e também italianos. Os autores discutem ainda o comportamento das centrais. Para eles, durante os anos 1960 e 1970 a Lega empenhou seus esforços para transformar a cooperação na “terceira força nacional”, competindo com as empresas privadas e com as empresas públicas, por meio de grandes cooperativas centralizadas, com atuação em âmbito regional ou nacional. Para tanto, a Lega passou a estimular a competição dos mercados e focou a administração das grandes cooperativas em uma lógica mais mercantil. Essa ação resultou na transformação de algumas

42 A CISL, ou Confederazione Italiana Sindacato Lavoratori (Confederação italiana sindicato de trabalhadores) foi fundada em 1950 com o propósito de ser uma central sindical de inspiração católica. 43 A Unione Italiana del Lavoro – UIL (União Italiana do Trabalho), é a terceira maior central sindical italiana. Com tendências republicanas, a central foi fundada em março de 1950. 65

cooperativas entre as maiores e mais eficientes empresas nacionais, que certamente provocaram problemas de coerência com os princípios cooperativos originais. Já a CCI sempre voltou suas atenções para as pequenas cooperativas, com pequenos proprietários, agricultores e artesãos, que necessitavam do respaldo de um banco popular ou de uma caixa rural. A falta de um empenho mais incisivo para promover o crescimento dessas cooperativas fez com que a CCI deixasse em segundo plano as questões sobre a expansão e a consolidação dessas pequenas e fragmentadas cooperativas. Ao nosso olhar, esse é um momento importantíssimo na história do cooperativismo italiano, pois são as diretrizes assumidas nesse momento que definiram e traçaram o modelo cooperativo existente na atualidade. Identificamos que é justamente entre as décadas de 1960 e 1970 que a Lega começou a mudar os seus princípios quando buscava o êxito das cooperativas por meio da competição com as demais empresas existentes no mercado. Dessa forma, o principal objetivo dos empreendimentos por ela orientados, passou a ser o próprio crescimento e os ganhos econômicos advindos da produção e da comercialização. Ao investir para que as cooperativas se tornem a “terceira força nacional”, o bem-estar dos associados, a solidariedade, a democracia e o ideal de igualdade entre todos os membros ficaram em segundo plano. Ou seja: os cooperados deixaram de ser o principal motivo de o empreendimento existir, e cederam lugar à visão empresarial, em que o crescimento econômico e a solidificação no mercado passaram a ter mais importância do que os próprios associados. Foi neste momento que as primeiras cooperativas impulsionadas pela lógica feroz de conquistar mercados começaram a aderir à globalização e passam a internacionalizar seus produtos e sua produção. E também foi neste momento que a degeneração das cooperativas começou a tomar corpo. Contudo, se pensarmos na postura antagônica entre a Lega e a CCI, vemos que há uma séria contradição: se por um lado, a Lega propõe um comportamento mais agressivo no sentido de fortalecer as cooperativas e torná-las exitosas, se afastando, consequentemente, cada vez mais dos ideais do cooperativismo, por outro, a CCI não adota essa postura e vê as suas cooperativas sucumbirem. A partir dessa reflexão, aparentemente parece que as cooperativas não têm muitas escolhas, pois ou elas avançam e competem em situação de igualdade com o mercado nacional e internacional, ou perdem território e acabam sendo abatidas pela concorrência. Parece-nos que uma alternativa plausível, mas não tão fácil de ser colocada em prática, seria encontrar um equilíbrio entre esses dois extremos, de modo que a competição no mercado seja forte e constante, mas que nunca prevaleça sobre os princípios cooperativos. Para ingressar em uma cooperativa, os associados devem pagar um valor referente à sua adesão, denominado quota-parte. Esse empreendimento pode ser muito custoso, já que parte 66

considerável das cooperativas de Imola estipulam suas cotas sociais em um valor bem alto, e em muitos casos chega-se ao teto máximo estipulado pela legislação italiana, atualmente fixado em € 100.000. Hancock (2007) justifica o alto valor da cota social como uma das formas de selecionar a entrada de novos sócios, e complementa dizendo que existe uma correlação entre o porte da cooperativa e o valor estipulado para a cota: as cooperativas com maior porte que necessitam de mais capital para seus investimentos e que competem nos mercados internacionais, tendem a exigir um valor mais elevado para a cota social. Essas empresas precisam desse capital para investir e ampliar os negócios, e argumentam que o alto valor cria um vínculo mais estreito entre sócio e cooperativa. É raro encontrar um trabalhador que disponha dessa quantia e, ainda que o pagamento seja facilitado pelos bancos cooperativos, essa é uma questão importante quando se pensa que a cooperativa deveria ser, antes de tudo, um meio alternativo ao sistema para inserir os trabalhadores no mercado de trabalho, de modo que atuem e produzam solidária e coletivamente. Mas com o montante de capital envolvido em cada nova adesão, o dinheiro vem acima de tudo, tanto para a cooperativa, quanto para os seus associados, que em casos como este também podem ser vistos como investidores. De acordo com o ex presidente da Cefla,44 Claudio Casini: “Os associados devem estar dispostos a arriscar o próprio dinheiro... Sem dinheiro, os valores sociais são apenas conversa fiada. Os valores se tornam reais quando há dinheiro no meio”.45 Quando o dinheiro vira o foco central da cooperativa, é porque já houve um distanciamento dos valores históricos que haviam no momento de sua fundação. Assim, a solidariedade e os vínculos criados entre os trabalhadores vão sendo progressivamente substituídos por interesses comuns de uma empresa, como o lucro e a competitividade no mercado global, até que a cooperativa pouco se diferencie ou não se diferencie em nada das empresas comuns. La Rosa (1994) defende que enquanto as empresas capitalistas têm como objetivo principal a remuneração do capital investido, as cooperativas têm como objetivo prioritário o ser humano, a proteção dos postos de trabalho e a valorização das necessidades sociais. Segundo ele, para a cooperativa os lucros não são um objetivo único, mas constituem apenas uma medida de eficiência industrial na qual o empreendimento deve ter ciência de que opera em um sistema

44 A Cefla é uma cooperativa com sede em Imola, fundada em 1932. A empresa iniciou suas atividades na área de instalações elétricas e termo-hidráulicas. Atualmente ela investe na expansão internacional: atua em diversos setores e possui 22 empresas ao redor do mundo. De acordo com informações do site Guida Finestra (http://www.guidafinestra.it – visualizado em 22/07/2015), apesar de a crise econômica persistir, a empresa fechou seu balanço de 2014 com as maiores vendas de sua história, com um valor em torno de 415 milhões de euros. 45 Depoimento dado à Matt Hancock, em entrevista pessoal. Cf. Hancock (2007:62). Tradução própria. 67

em que o mercado é quem dita as regras. Mas isso, de fato, não impede a cooperação de colocar na base de suas ações os princípios do mutualismo e da solidariedade. Assim sendo, a cooperativa deve ser definida como uma “sociedade de homens”, antes de ser concebida como uma sociedade de capitais, porque a cooperativa é uma empresa na qual os trabalhadores socializam os meios de produção com o objetivo de valorizar os recursos e de satisfazer coletivamente as necessidades sociais, privilegiando sempre o homem às exigências dos interesses econômicos da empresa. Fizemos esse recorrido histórico para mostrar que o processo de internacionalização aparece como consequência de um afastamento das cooperativas em relação aos ideais que motivaram a sua criação e existência. Contudo, ela é apenas mais um elemento que contribui para a degeneração dos empreendimentos, e quando essa degeneração se firma, seguramente é porque a maioria dos associados foram cooptados ou descartaram os seus princípios.

4.5. A relação entre os sindicatos e as cooperativas Conforme observamos em nossas pesquisas na cidade de Imola, o relacionamento entre os trabalhadores das cooperativas e os representantes dos sindicatos é considerado, de uma forma geral, bom, harmônico e pacífico, sem grandes desentendimentos entre as partes envolvidas. Os estudos de Baglioni e Catino (1999) também confluem nesse sentido, e apontam essas relações como “normais”, marcadas por discussões e respeito recíproco, com debates frequentes e, em muitos casos, acordos informais. Existem tensões, mas raramente elas se tornam um grande conflito, situação que seria delicada e arriscada tanto para a empresa cooperativa, quanto para o sindicato. Apesar de as manifestações e conflitos sindicais serem reduzidos, especialmente em Imola devido às razões ambientais e locais já discutidas no capítulo sobre os distritos industriais, os autores (idem, ibidem) identificam os sindicatos como colaborativos, mas revelam que o sindicalismo tem se mostrado um pouco resignado e sem vontade de explorar novas possibilidades sobre a esfera participativa das cooperativas. Somam-se a esta posição as diversas críticas que encontramos em autores como Buonfiglio (1996; 2002; 2004), Buonfiglio e Dowling (2000) e Pietrantoni (2006), sobre a falta de atenção dos sindicatos aos trabalhadores cooperados. Existem sérias críticas por parte desses autores de que os sindicatos de uma forma geral, e especificamente o sindicato NIdiL – Nuove Identità di Lavoro,46 deveria dedicar uma parcela de sua atenção aos trabalhadores cooperados.

46 O sindicato Nuove Identità di Lavoro (Novas Identidades de Trabalho – tradução própria), filiado à CGIL, foi fundado em 1997 e se dedica especificamente à representação sindical da crescente parcela de trabalhadores 68

Alguns sindicalistas que participaram de nossa pesquisa relataram que veem como um problema o fato de os cooperados não serem considerados trabalhadores atípicos, e também chegaram a argumentar que o NIdiL poderia voltar sua atenção para eles. Pelo que pudemos observar durante nossas entrevistas com os Sindicatos da FIOM/CGIL e FIM/CISL de Imola, os cooperados recebem a mesma atenção do sindicato que os trabalhadores contratados, e podemos dizer que a nossa impressão é de que os sindicatos estavam sempre presentes no cotidiano da fábrica. Contudo, não existe uma atenção especial voltada para as necessidades específicas dos cooperados, e os sindicalistas que entrevistamos relataram que há uma grande dificuldade em lidar com os trabalhadores associados, tendo em vista que são ao mesmo tempo trabalhadores e donos do próprio negócio, e que muitas vezes eles próprios não conseguem distinguir as diferenças entre seus papéis.

4.6. O cooperativismo em Imola De acordo com o censo realizado na Itália em 2011, há 67.971 pessoas residentes em Imola. Esta é uma cidade particularmente interessante, pois se trata de um distrito industrial que abriga empresas de médio e pequeno/médio porte, sendo boa parte delas empresas cooperativas: mais da metade da produção da cidade é realizada por cooperativas, que atuam principalmente no campo metalmecânico e cerâmico. A cidade, que sempre foi extremamente ativa com as atividades políticas e sindicais, teve sua primeira cooperativa fundada em 1869, uma cooperativa de consumo chamada Magazzino Cooperativo. Em 1874 foi criada a Cooperativa Ceramica, empreendimento com mais de cem anos de tradição, que atua no setor cerâmico até os dias de hoje. Em 1893 nasceu a Cooperativa Ortolani, cooperativa de agricultores que vendem e exportam seus produtos até a atualidade. Em 1900 surgiu a Cooperativa Tipografica Galeati, que foi criada a partir da união de quatro empresas tipográficas privadas e prestou serviços de tipografia e impressão como cooperativa até 1999, quando se tornou uma sociedade de capitais. Em 1908 surgiu a Cooperativa per la Lavorazione del Legno, empresa de carpintaria especializada na confecção de portas e janelas, e que hoje está entre as maiores cooperativas de Imola, sob o nome de 3elle (BENATI, 2009). E, em 1919, foi constituída a Limci, cooperativa que atua principalmente no ramo das cerâmicas e das embalagens e que atualmente possui inúmeras empresas ao redor do mundo. Após o surgimento

atípicos na Itália, ou seja, aqueles trabalhadores que, entre outras situações precárias, executam trabalho familiar e/ou em domicílio, e atuam em tempo parcial ou sem contrato de trabalho. Os sócios de cooperativas na Itália, apesar de geralmente não estarem inseridos em uma situação precária, possuem uma situação diferente dos demais trabalhadores que não são associados e, por isso, precisam de um acompanhamento que identifique as suas próprias demandas. 69

dessas cooperativas, que podem ser consideradas as primeiras inspirações para o movimento cooperativo da cidade, diversas outras surgiram, algumas funcionaram por um tempo e faliram, outras fizeram história no seu ramo de atuação. Atualmente Imola conta com 132 cooperativas distribuídas em todos os setores econômicos, sendo que 14 delas contemplam a área de produção e trabalho. Entre elas estão a Limci, 3Elle, Cefla e Cooperativa Ceramica que, como vimos, estão entre as maiores e mais antigas cooperativas da cidade. Juntas, as cooperativas industriais de Imola são responsáveis por 47% do emprego fixo presente no movimento cooperativo, assim como detêm 47% do total do faturamento anual e 71% do patrimônio líquido total de todas as cooperativas da cidade (HANCOCK, 2007; 2008). Com informações mais precisas e atualizadas, Sergio Prati, ex- presidente da Legacoop da cidade, sinaliza que

Em Imola temos [em 2014] 125 cooperativas que fazem referência à Alleanza delle Cooperative Italiana, então pelas 3 associações cooperativas [Legacoop, Confcooperative e AGCI] temos cerca de 9 mil funcionários, 9 mil pessoas que trabalham nessas 125 cooperativas, um pouco mais de 78 mil47 sócios sobre uma população de 133 mil habitantes, onde há uma difusão cooperativa muito enraizada, muito profunda e em todas essas cooperativas fazem cerca de 2,5 bilhões de euros de faturamento. Desses 2,5 bilhões, um pouco menos da metade, um pouco menos de 1 bilhão é feito fora da Itália (Sergio Prati, ex- presidente da Legacoop Imola).

Além de ser uma das cidades onde são mais difundidas as cooperativas de produção industrial,48 ela está situada na Emilia-Romagna, região onde o cooperativismo tem mais força e tradição em todo o país. As empresas industriais da cidade atuam sob o modo da manufatura clássica, mas nem por isso deixam de ser eficientes e fortemente competitivas no mercado internacional. De acordo com Baglioni e Catino (1999), a indústria imolesa tem respondido às novas mudanças econômicas com uma ampla flexibilidade na produção, além de as empresas estarem focadas na inovação, na diferenciação dos produtos, e com grande atenção à qualidade e à satisfação do cliente final. Os autores ainda relatam que as principais características

47 Dentre os 78 mil associados estão inclusos os sócios das cooperativas de consumo, que compõem parte considerável do montante. 48 Entre as cooperativas de produção e trabalho, estão aquelas de produção industrial, de construção ou de serviços. Na Itália, elas são organizadas pela Lega por meio da ANCPL (Associazione Nazionale Cooperative di Produzione e Lavoro), e pela CCI através da Federlavoro (Federazione delle Imprese e dei Lavoratori Autonomi). As cooperativas de produção industrial participam de quase todos os setores, estando presente nos ramos têxtil, calçadista, metal mecânico, produtor de cerâmicas e de vidros, papel e celulose, mobiliário, construção civil, entre outros. Em geral se configuram como pequenas e médias empresas, mas também há casos de cooperativas de grande porte e que possuem filiais internacionais. Muitas dessas empresas consolidam-se como líderes de mercado em seu segmento. Pérotin (2013) estima que a Itália possua atualmente mais de 25 mil cooperativas de produção e trabalho, espalhadas por todo o seu território. 70

encontradas nas empresas e cooperativas de médio porte em Imola que alcançaram o sucesso são: - Possuir a mentalidade de que devem se consolidar no mercado; - Incluir-se nos mercados internacionais impreterivelmente; - Dispor de especialização e inovação produtiva; - Possuir responsabilidade administrativa. Estas características peculiares da industrialização que raramente são encontradas em outras regiões49 ou outros países, fazem com que os autores considerem esse um modelo dificilmente exportável, ainda que a participação dos trabalhadores no capital e na administração desperte propostas e experiências positivas. Seguindo uma linha de raciocínio similar, Zattoni (2001a) afirma que as cooperativas localizadas em Imola trilharam um percurso original e que dificilmente pode ser imitado. Para ele, uma das peculiaridades da região é que a maioria dos associados e dos empregados de suas cooperativas viveram sua infância nos arredores do município. Essa informação é relevante porque demonstra que são poucos os que nasceram e cresceram longe da sede da empresa em que trabalham e por isso o vínculo entre o trabalhador e a empresa se torna mais estreito do que quando se trata de uma empresa desconhecida. Outro fator relevante é que facilmente se constata a presença do mesmo sobrenome entre os sócios e os empregados. Isso ocorre devido ao forte enraizamento territorial da cooperativa e também pela presença de vínculos familiares no interior do empreendimento. Além disso, as cooperativas imolesas em alguns momentos adotaram regulamentações que se posicionavam à frente das regras vigentes no país e, em alguns casos, anteciparam ou incentivaram de maneira importante as mudanças legislativas com o intuito de adotar formas de gestão consideradas mais eficientes. As características presentes no modelo de cooperativismo atual resultam da consolidação de diversas mudanças institucionais que foram propostas primeiramente por órgãos sociais, em seguida testadas em experiências no interior das empresas e enfim aceitas e incorporadas ou rejeitadas pela base social das cooperativas, com base em sua adequação ou não à cultura corporativa local. Segundo Hancock (2007), as cooperativas de Imola contribuíram significativamente para a criação de uma economia sólida na cidade, assim como elas têm uma grande parcela de responsabilidade no aumento da qualidade de vida e na redução da taxa de desocupação da

49 Baglioni e Catino crêem que essas características podem até ser encontradas em alguma medida em empresas de outros distritos industriais italianos, mas não em outras cooperativas que não estejam circunscritas no interior da cidade de Imola. 71

população local, fazendo com que Imola seja uma das cidades italianas menos afetadas pela crise econômica que o país enfrenta. Não se pode esquecer, entretanto, que esse bom desempenho das cooperativas é devido especialmente às altas taxas de exportações e às filiais das cooperativas que produzem no exterior. Quase todas as cooperativas imolesas analisadas nos estudos de Zanotti (2001a) e de Hancock (2007) foram criadas por trabalhadores que mantiveram por um longo período uma forte tendência operária que é refletida na composição da base social e da gerência das cooperativas. Com o aumento da dimensão e das articulações das empresas, elas decidiram expandir os negócios de seus empreendimentos assumindo um número crescente de empregados nas áreas técnicas e administrativas e, assim, estão atualmente em um processo de admitir essas categorias profissionais na base social a fim de envolvê-los nas principais decisões sobre a gestão da cooperativa. Com relação à remuneração, sócios e não sócios são remunerados de acordo com o contrato coletivo de trabalho vigente, e geralmente respeitam a média de valor do mercado; a remuneração dos cargos de alto escalão como de administradores, gerentes e presidentes também seguem a média de valor estipulada pelo mercado. Conforme dados de Hancock (ibidem), nas cooperativas de Imola a variação de salários entre os cargos mais baixos e os cargos mais altos variam entre 1:4 e 1:10, dependendo da cooperativa.50 Uma característica enfatizada por Hancock nessas cooperativas se refere à proporção de trabalhadores sócios e não sócios em um mesmo empreendimento. Encontrada principalmente nas cooperativas de produção e trabalho, há alguns casos, que o autor classifica como raros, de a presença dos sócios somar cerca de 10% do total dos trabalhadores, prevalecendo uma média de 85% da força de trabalho entre os trabalhadores não associados. Apesar de confessar que esta é uma questão complicada, Hancock defende, sob o ponto de vista da empresa, que esta última necessita de certa flexibilidade para empregar trabalhadores não associados, considerando que oferecer espaço para novos sócios sem a segurança de garantir melhores condições de trabalho ou a permanência deles na base social não é uma ação responsável. Continuando a defesa, afirma que há trabalhadores que não têm o interesse em se tornar cooperados, seja pelo investimento exigido, seja pelos riscos e pela responsabilidade. Por fim, explicita que muitas cooperativas preferem manter uma base social enxuta a fim de assegurar a homogeneidade do empreendimento e garantir uma participação real de seus associados.

50 Perguntamos ao vice-presidente da Limci quais eram os valores pagos mensalmente ao cargo mais alto e ao cargo mais baixo da cooperativa, mas ele se recusou a nos responder. 72

A questão é que se tornar sócio de uma cooperativa é sinônimo de conquistar benefícios e privilégios disponíveis apenas para essa pequena parcela de trabalhadores, o que deixa de fora todos os demais trabalhadores (a grande maioria) que não conseguem alcançar este nível. Com relação a isso, Hancock (2007), ao final de sua pesquisa, admite que há certo egoísmo por parte dos associados ao dificultar e restringir o acesso à base social da cooperativa. Conversamos com alguns trabalhadores de diversas cooperativas de Imola que estavam plenamente insatisfeitos por tentarem por mais de uma vez se tornarem sócios das cooperativas nas quais trabalhavam, sem obter êxito. Na fala desses trabalhadores, eles tinham o perfil desejado e preenchiam todos os requisitos exigidos pela empresa, mas nunca foram escolhidos como sócios. Acreditamos que este não é um problema específico de Imola, mas como essas cooperativas são reconhecidas mundialmente como exitosas (pelo menos no sentido financeiro, e no fim talvez seja esse o sentido que realmente importa para os trabalhadores), a seleção se faz muito mais rígida e a insatisfação de seus trabalhadores por não se tornarem sócios, se torna ainda maior. De acordo com o raciocínio de Hancock, a base social da cooperativa precisa ser pequena para que haja homogeneidade e coesão na tomada de decisões. É inegável que há maior facilidade em tomar decisões em um grupo pequeno do que em um grupo grande de pessoas, mas esta postura sacrifica o que há de mais caro aos princípios cooperativos: a solidariedade, a democracia, a coletividade e a inclusão. As cooperativas de Imola realmente trabalham a fim de desenvolver o próprio território, oferecem boas condições de trabalho, estabilidade e solidariedade entre as gerações de sócios, mas grande parte disso fica restrito à pequena parcela de associados. Tanto as cooperativas de consumo como as de trabalho foram criadas inicialmente com o intuito de incluir seus associados em melhores condições de consumo e de trabalho, conforme endossa Fornasari e Zamagni (1997) e conforme consta nas premissas da Aliança Cooperativa Internacional.51 Dessa forma, excluir a grande parcela de trabalhadores da base social de uma cooperativa significa abandonar os princípios solidários e voltar-se apenas para o mercado, da forma mais pragmática possível. Essa questão relaciona-se a uma discussão antiga sobre o cooperativismo que se refere a sua tendência à degeneração, como veremos no próximo capítulo.

51 A Aliança Cooperativa Internacional é uma instituição fundada em 1895 com o objetivo de representar, apoiar e desenvolver o movimento cooperativo ao redor do mundo. Entre as premissas que regem essa organização não governamental e independente, estão circunscritos sete pontos fundamentais: 1) Adesão livre e voluntária; 2) Controle democrático dos membros; 3) Participação econômica dos associados; 4) Autonomia e independência de cada cooperativa; 5) Educação, formação e informação sobre o cooperativismo; 6) Cooperação entre as cooperativas; 7) Preocupação com as comunidades locais.

73

5. Tese sobre a degeneração das cooperativas Um dos problemas mais contundentes da cooperação é a questão da degeneração, que consiste no desvio dos objetivos sociais das cooperativas. De acordo com Baglioni e Catino (1999) as cooperativas possuem uma gênese social e forte acepção com os partidos e sindicatos de esquerda, mas, com o tempo, adquirem objetivos, competências, vícios e requisitos que pertencem à lógica e ao processo de racionalidade econômica. Beatrice Webb, em seu estudo denominado The Cooperative Movement in Great Britain (1891), introduziu o conceito sobre degeneração ao descrever o processo que pode levar as cooperativas à perda de suas características democráticas, transformando-as em empresas acionistas comuns. Esse processo pode ocorrer quando os associados decidem mudar o caráter da cooperativa ou quando o voto democrático é abandonado gradativamente. De fato, o compromisso democrático é uma das partes mais sensíveis das cooperativas: em muitos casos, os membros não querem se dar ao trabalho de decidir e votar, e essa ação, a princípio inofensiva, certamente fornece poder para os cargos administrativos e gerenciais atuarem sem a organização e a fiscalização coletiva, elementos essenciais para o controle conjunto e democrático da empresa. A falta de participação democrática representa uma ameaça para o sucesso da empresa enquanto um empreendimento social. Luxemburgo (1999), ao expor suas críticas contra Bernstein,52 traz à luz outras questões sobre as cooperativas que já se configuravam como problemas no início do século XX. Ela identifica as cooperativas, especialmente as de produção, como “instituições de natureza híbrida” no interior do capitalismo, já que se constituem como uma “produção socializada em miniatura”, ao mesmo tempo em que conservam a troca capitalista. A concorrência presente no sistema capitalista determina que a empresa que participe do mercado realize uma cruel exploração da força de trabalho para que consiga sobreviver e se manter ativa, o que a autora denomina como a “dominação completa do processo de produção pelos interesses capitalistas”. Essa prática reflete-se em uma necessidade de intensificação do trabalho, capaz de reduzir ou prorrogar a sua duração conforme a urgência do capital, assim como da contratação ou demissão da força de trabalho de acordo com a conjuntura do mercado, o que não só permite como também exige a utilização de todos os métodos possíveis para que as empresas consigam se manter na concorrência. A cooperativa de produção, que obrigatoriamente se aventura nesse

52 Nesta obra finalizada em 1900, Rosa Luxemburgo desenvolve uma crítica contundente sobre as teorias de Eduard Bernstein. Segundo a autora, o político alemão idealizava realizar a reforma socialista por meio de um sistema progressivo de estabelecimento das cooperativas e dos sindicatos, de forma a reduzir os lucros dos capitalistas e enriquecer os trabalhadores operários, o que para ela seria incapaz de transformar o modo de produção capitalista. 74

contexto quando inserida no mercado, acaba por se contradizer, pois, apesar de sua natureza democrática, precisa governar a si própria com mãos de ferro, com toda a autoridade necessária e com os papéis dos empresários bem definidos. Assim sendo, para Luxemburgo é nessa contradição que morre a cooperativa de produção: quando a ideologia de seus associados permite que ela se transforme em uma empresa capitalista ou quando a ideologia deles permanece consistente com os princípios sociais e a cooperativa acaba por não conseguir sobreviver. A autora ainda ressalta que a cooperativa só consegue persuadir a sua existência no interior da economia capitalista quando elimina a contradição existente entre o modo de produção e o modo de troca, de forma a subtrair-se artificialmente às leis da livre concorrência. E mesmo assim, só é possível quando se assegura um grupo constante de consumidores. Diante desses fatos, ela percebe as redes entre cooperativas de produção e de consumo como uma opção para a construção desses grupos. Por fim, sustenta que uma reforma socialista baseada no sistema de cooperativas como Bernstein propõe, faz com que a luta contra o capital na produção seja abandonada e que persevere apenas a luta contra o capital comercial, que na realidade não seria o ramo principal do sistema capitalista, mas um ramo secundário. Para Luxemburgo, a luta contra o capitalismo tem que se centrar no capital produtivo, que a seu ver é o setor fundamental da economia capitalista. Kramper (2013) alerta para o ceticismo que se criou em torno da capacidade de sobrevivência das cooperativas e cita a lei da transformação de Oppenheimer. A teoria, formulada em 1896, versa sobre as dificuldades que as cooperativas têm em prosperar e, ainda assim, quando prosperam, deixam de ser uma cooperativa de trabalhadores. Para explicar esse fenômeno, Kramper se pauta na teoria marxista de Cornforth (1995) e afirma que as cooperativas isoladas não podem sozinhas transformar as relações de produção desenvolvidas no sistema capitalista e sempre estarão submetidas a ele: a necessidade de sobrevivência na acirrada competição que o mercado impõe, obriga as cooperativas a maximizarem seus lucros da mesma maneira que as empresas capitalistas o fazem e, dessa forma, em geral acabam adotando as mesmas formas de organização. O autor ainda se fundamenta nas teorias de Webb e Webb (1914),53 que sustentam a ideia de que uma gestão confiada aos trabalhadores conduz em certa medida à falta de disciplina e a resistência à inovação tecnológica, o que geralmente prejudica a sobrevivência desses empreendimentos.

53 Kramper se refere ao texto de Sidney Webb e Beatrice Webb: Special supplement on co-operative production and profit sharing, publicado em , 2, 45, 1914. 75

Vinte e cinco anos antes dos estudos de Kramper, os pesquisadores Daudi e Sotto (1988) já abordavam o assunto e sinalizavam a complexidade do tema. Os autores defendem que a acumulação de capital é uma condição essencial para a sobrevivência de quase todas as organizações. Como as cooperativas não fogem a esta regra, também devem acumular. A partir dessa posição, argumentam que elas não podem se isolar no mundo ao qual estão inseridas e com o qual interagem, não podem impor seus ideais e mentalidade a um público de forma a pedir sua aprovação, assim como não devem esperar compaixão das empresas que não são cooperativas já que não serão poupadas da perturbada concorrência do mercado. Michels (2001), também contribuiu para o tema afirmando em sua “lei de ferro da oligarquia” que qualquer tipo de democracia será danificado em algum momento pelo surgimento de uma elite dominante, inclusive quando se trata das cooperativas. Kramper (2013) afirma que muitos desses pensamentos se firmaram no final do século XX na escola denominada New Institutional Economics, no âmbito da teoria econômica moderna e do conceito de direito de propriedade. A ideia principal dessa escola de pensamento segundo o autor é que a ineficiência das cooperativas aflora porque os direitos de propriedade não são bem definidos, assim como porque muitas vezes as cooperativas são formadas com o intuito de perseguirem múltiplos objetivos. O autor assinala ainda que não são menos importantes questões como a dificuldade de controle oriunda de uma possível divergência de interesses entre sócios e dirigentes, dos problemas que surgem nas negociações e nos papéis que os sócios representam enquanto proprietários e funcionários ao mesmo tempo e, ainda, de um conservadorismo aparentemente inevitável que as cooperativas nutrem. Cornforth (1988) se posiciona nesse debate defendendo que a permanência da democracia e de objetivos alternativos no interior da cooperativa não é impossível, mas dependerá de diversas condições internas e externas como, por exemplo, limitação à dimensão do empreendimento, crítica recíproca entre os associados e participação em movimentos coletivos. Sob a luz das pesquisas sobre organizações coletivas de Rothschild-Whitt (1976;1979), Cornforth argumenta que as associações democráticas e participativas devem fixar um limite à sua dimensão, considerando que até Weber compreende que a democracia direta é possível apenas em certas condições, particularmente onde as tarefas são relativamente simples e o número de pessoas envolvidas é pequeno. Contudo, em outro estudo, Cornforth (Cornforth e Paton, 1981) alerta que mesmo em cooperativas relativamente pequenas (com menos de quarenta sócios) é difícil para o trabalhador expressar e encontrar apoio em ideias que se oponham às opiniões dos gerentes e administradores. Como exemplo, explica que muitos 76

trabalhadores relutam em falar durante as assembleias porque não sabem se encontrarão apoio em suas opiniões. Por outro lado, Pérotin (2013) defende um segundo ponto de vista. De acordo com a autora, o preconceito relativo às cooperativas se funda sobre a ideia da democracia econômica, que conforme a opinião da maior parte dos estudiosos, dificilmente pode funcionar. As empresas geridas por trabalhadores subvertem a hierarquia burocrática, uma das características fundamentais atribuídas às empresas. Pérotin ainda pondera que as análises desenvolvidas sobre as cooperativas de trabalho geralmente são realizadas em comparação principalmente com as empresas capitalistas tradicionais, que sempre são orientadas a maximizar o lucro. Em sua visão, essas análises seriam mais interessantes se ocorressem de forma a comparar as cooperativas com outras tipologias de empresas com características semelhantes, como por exemplo, o trabalho autônomo em empresas familiares ou até mesmo com outros tipos de cooperativas. Não existem muitos estudos que analisam ou explicam as razões pelas quais o número de cooperativas que vão à falência é relativamente elevado ou os motivos de algumas cooperativas conquistarem mais sucesso do que outras, ainda que possuam a mesma estrutura organizativa. Contudo, querer obter a resposta de como ou porque uma cooperativa se sobressai mais do que outra, é como querer compreender porque algumas empresas tradicionais conquistam mais sucesso do que outras. Existem inúmeras razões para isso, e essas motivações abstratas são difíceis de categorizar, pois não há um padrão ou uma fórmula para os fatores que determinam o sucesso ou o fracasso de um negócio, como por exemplo, a afinidade e o entrosamento entre os trabalhadores da produção e a gerência, o tino comercial daqueles que são responsáveis pelo departamento de vendas, a motivação em fazer o empreendimento ascender, ou ainda, o que muitos chamam de “sorte” ao conquistar uma ótima oportunidade com um bom contrato ou com a realização dos contatos certos que garantam bons fornecedores e clientes. Mas porque as cooperativas continuam surgindo até os dias atuais, se muitos já constataram a sua ineficiência? De acordo com Zamagni e Zamagni (2010) e Kramper (2013), as cooperativas surgem como uma alternativa a algum tipo de falência do mercado. Elas nascem como uma resposta à incapacidade de as empresas públicas e privadas satisfazerem algumas necessidades sociais ou resolverem uma situação de crise. Contudo, conforme Kramper sustenta, quando o mercado volta ao seu equilíbrio, as empresas convencionais retornam à cena competindo com as cooperativas e evidenciando as fragilidades dessas últimas. Com essa dinâmica, as cooperativas cedo ou tarde caminham para a falência ou então, para se manterem 77

competitivas no mercado, transformam-se em empresas capitalistas convencionais. Assim sendo, o autor considera que as cooperativas possam vir a ser apenas “projetos transitórios”. A ideia sustentada de que as cooperativas estão condenadas ao fracasso ou à falência centra-se em grande medida na questão econômica. Entretanto, elas não podem ser mensuradas apenas pela função econômica que desempenham. Está implícito que este fator é importante, mas o ideal cooperativo transcende a questão financeira e abrange necessidades políticas e sociais que muitas vezes possuem uma importância maior para os seus associados do que as demandas puramente econômicas. Valores como a democracia, a solidariedade e até mesmo a preocupação com a comunidade, quando aplicados, são diferenciais que não devem ser esquecidos ou relativizados e que distinguem as cooperativas das empresas convencionais. Entretanto, sempre há o perigo de uma atenuação do “espírito cooperativo”, que ocorre quando os sócios não se interessam mais pelos valores cooperativos e se concentram apenas nas funções econômicas de seu empreendimento. Os motivos que levam as cooperativas à degeneração, como vimos, são diversos, e entre eles se destacam a falta de democracia no interior dos empreendimentos e a necessidade de se adequarem aos mercados capitalistas para não sucumbirem ao falimento. Entretanto, iniciado o século XXI, observamos um outro momento, que difere daquele já teorizado pelos autores que apontaram a degeneração cooperativa no final do século XIX e no decorrer do século XX. Com o desenvolvimento e a propagação da globalização, as ações praticadas pelas cooperativas que resultam em sua própria degeneração acompanham as modificações que vêm ocorrendo no mercado mundial e se complexificam. Não existem mais barreiras ou limites para a exploração da mão de obra assalariada, e muitas cooperativas já lançam mão deste artifício para expandir seus lucros em países que oferecem vantagens econômicas mais favoráveis do que aquelas presentes em seu país de origem. Considerando esses aspectos, defendemos que o processo de degeneração atual é muito mais intenso do que aquele descrito pelos autores acima mencionados, pois além de permanecer a necessidade de competir no mesmo nível das empresas capitalistas – utilizando-se também da força de trabalho estrangeira que se regula com condições de trabalho e salário mais precárias –, as cooperativas passaram a impor uma severa limitação do acesso à sua base pelos trabalhadores assalariados que compõem o seu quadro de funcionários ao redor do mundo, e este é apenas um dos indícios de que a democracia no interior dos empreendimentos não tem sido respeitada. A autogestão é um processo. Negar a possibilidade de os trabalhadores assalariados se tornarem sócios da cooperativa não é um processo de construção ou implantação da economia social, mas sim um processo de afastamento dos pilares fundamentais do cooperativismo de 78

novos associados à base. Quando a cooperativa internacionaliza a sua produção sem propor aos seus trabalhadores as mesmas oportunidades e vantagens oferecidas para os seus associados e funcionários vinculados à matriz, é porque ela já alterou os seus princípios e valores, se degenerando nos moldes citados por Luxemburgo.

79

6. O processo de internacionalização das PMI e das cooperativas A maior parte das empresas e cooperativas italianas são de pequeno e médio porte. Inseridas nos distritos industriais e conhecidas na Itália como PMI – Piccole e Medie Imprese (pequenas e médias empresas), estão presentes em diversos países da Europa, mas é no território italiano onde elas mais se propagaram. Em maio de 2005 a União Europeia uniformizou as características das PMI com o objetivo de que sua classificação seja padronizada em todos os países pertencentes à Comunidade Europeia. Desta forma, ficou estabelecido que são microempresas aquelas que possuem menos de 10 trabalhadores e um faturamento anual inferior ou igual a dois milhões de euros; pequenas empresas aquelas que contam com menos de 50 trabalhadores em seu quadro e faturamento anual inferior ou igual a dez milhões de euros; e são consideradas empresas de médio porte aquelas que contabilizam menos de 250 trabalhadores e um faturamento anual inferior ou igual a 50 milhões de euros. A presença dessas empresas – sejam elas cooperativas ou não – no mercado externo tem se mostrado extremamente relevante. De acordo com a pesquisa realizada pela Legacoop Emilia-Romagna em 2004, cerca de 80% das empresas italianas que atuam no exterior possuem menos de 500 funcionários, e as empresas com menos de 250 funcionários constituem 60% do montante, enquanto houve um recuo de 13% das grandes empresas que investem fora do país. Motivadas a se destacar no mercado internacional e a aumentar os lucros, as PMI estão cada vez mais se aventurando em atividades produtivas e comerciais no exterior, e as cooperativas, enquanto membros desse grupo, estão trilhando o mesmo percurso. O primeiro passo para as empresas iniciarem suas atividades internacionais é a exportação de seus produtos. É o passo mais simples e mais seguro, e é conhecido como a forma mercantil ou comercial da internacionalização, pela qual são enviados para outros países produtos como máquinas, materiais, componentes e produtos finais para serem revendidos em outros mercados. A exportação pode ser indireta ou direta: é indireta quando a empresa não adota nenhuma política específica de adaptação da produção ao mercado externo, e direta quando há toda uma estrutura e planejamento voltados para a venda desses produtos no exterior, que geralmente se adaptam ao mercado ao qual são enviados. Para Serenari (2005) a internacionalização consiste em um conjunto de atividades integradas que não apenas ampliam a performance comercial, mas também aumentam a capacidade de ser competitivo em um ambiente econômico internacional. Vittori (2013), por sua vez, define o processo de internacionalização como um desprendimento geográfico completo da cadeia de produção da empresa, com o objetivo de alcançar as melhores condições nos diversos mercados, por meio de investimento direto no exterior, que possibilite a essas empresas incrementar a penetração 80

de sua produção sobre mercados externos específicos e aumentar a eficiência do próprio ciclo produtivo. Além da exportação, a expansão no exterior também contempla a produção indireta, que ocorre por meio de licença concedida aos produtores estrangeiros, assim como a venda e a produção direta por meio da implementação de plantas produtivas no exterior, até finalmente se tornar uma empresa estabelecida em outros mercados. Para o autor, o processo de internacionalização não é apenas a exportação direta ou a produção indireta, mas trata-se do resultado final, que é produto de um longo e complexo processo estratégico que envolve a empresa como um todo. Conforme as atividades de exportação e importação foram se desenvolvendo e apresentando resultados positivos, surgiram novas formas de investimento, e o processo de internacionalização se inovou assumindo outras características. Na concepção de Serenari (ibidem), a intensificação dessas atividades tem desenvolvido nas empresas uma crescente capacidade de assumir “comportamentos internacionais”, em que há uma interação muito maior com potenciais parceiros. Desse modo, as parcerias internacionais, os investimentos externos e a criação de redes entre fronteiras representam as novas estratégias econômicas internacionais das PMI. Além disso, essas empresas conseguem adentrar mercados externos por meio de algumas opções, e entre elas, podemos citar: as joint-ventures, que permitem às empresas participar da propriedade de uma outra empresa, exercendo certa influência sobre a gestão; os subcontratos e os contratos por comissão, que possibilitam que a produção possa ser executada no próprio local onde ela será comercializada; as diversas formas de cooperação internacional, como exemplo, os contratos de assistência e o fornecimento de serviços; e os acordos internacionais para pesquisa e desenvolvimento, que possuem ação estratégica muito forte. Serenari preza por ressaltar que a internacionalização não se limita à exportação, mas se configura como uma atividade bem mais diversificada, que compreende o comércio, a formação de instituições de operadores econômicos entre fronteiras, a própria colaboração entre fronteiras, a constituição de alianças e/ou filiais, sucursais e joint-ventures no exterior, além da criação de centros descentralizados de produção. Na maior parte das vezes, essas características se unem, se transformam e se adaptam para beneficiar os interesses de cada empresa. Contudo, a internacionalização deveria ser, especialmente quando se trata dos empreendimentos cooperativos, não apenas uma maneira de reduzir os custos de produção sem propiciar o crescimento e o desenvolvimento local, mas uma oportunidade positiva, que se consolide em uma fonte de riqueza econômica, cultural e social para todos aqueles que estão envolvidos nesse processo. Vejamos abaixo como se apresenta o processo de internacionalização produtiva das pequenas e médias empresas e das cooperativas italianas. 81

6.1. A internacionalização das PMI A crise econômica que gradativamente vem se agravando no interior da Itália tem impulsionado ao longo dos anos as empresas a deslocarem sua produção para outros países. Esse fenômeno, que antes era percebido como um processo natural para o crescimento das grandes empresas, agora também é visto com bastante frequência entre as PMI, que em muitos casos utilizam essa estratégia para tentar reverter a grave crise que assola sua região. Segundo o Istituto Nazionale per il Commercio Estero (1997), na metade da década de 1980 já havia um movimento modesto, porém crescente, de empresas italianas que alçavam novos rumos por meio da internacionalização produtiva. O número de empresas industriais que mantinham atividades no exterior era 2,5 vezes superior ao número de empresas estrangeiras que se estabeleciam na Itália. Na época, de acordo com o senso realizado no início de 1996, foram registradas 622 empresas italianas com ao menos um estabelecimento produtivo no exterior. Apesar de esse movimento ter ganhado corpo apenas nos anos 1980, muito antes já havia registros de empresas que deslocavam sua produção para o exterior. É o caso da Limci, cooperativa da área da indústria de transformação com sede em Imola que no início da década de 1960 já possuía negócios na Espanha. Os principais motivos que impulsionam as empresas a transferirem suas atividades para o exterior são os atrativos que os outros países podem oferecer, como, por exemplo, isenções ou diminuições fiscais, custos de mão de obra mais baixos, ausência de benefícios trabalhistas, redução da burocracia e, em muitos casos, a inexistência de sindicatos e de outras formas de assistência aos trabalhadores. Desse modo, as empresas se aproveitam de regras e leis trabalhistas menos favoráveis aos trabalhadores em determinados países para conseguir obter um grande lucro se comparado com uma mesma produção no país de origem sem, necessariamente, ter que burlar ou infringir a legislação do país. Essas facilitações que os governos de diversos países utilizam como verdadeiros incentivos para as empresas estrangeiras resultam em uma diminuição generalizada dos custos de produção e acabam por atrair a atenção de diversos empresários de todos os portes, inclusive os italianos, que nos últimos anos têm arriscado cada vez mais a deixar de investir no interior dos distritos industriais e a apostar em novas formas de atividades no exterior. Nas palavras de Vittori (2013:49 – tradução própria), “o primeiro estímulo para o deslocamento [produtivo] é a redução dos custos de produção. Procura-se deslocar para países com um menor custo do trabalho para transferir etapas da produção que não requerem pessoas especializadas, mas força de trabalho não qualificada”. Corò, Tattara e Volpe (2006:30 – tradução própria) também engrossam a lista de pesquisadores que defendem que o maior estímulo para a 82

internacionalização produtiva é a redução dos custos operativos: “Nas plataformas produtivas no exterior, a estratégia é principalmente orientada à redução dos custos de trabalho”. A transferência dessas atividades para outros países é bastante vantajosa para as empresas que buscam competitividade, pois alia a alta produtividade e o elevado nível tecnológico característico dos países industrializados com o baixo custo do trabalho estabelecido nos países em desenvolvimento. A literatura internacional vem descrevendo essa dinâmica de deslocar a produção parcial ou total das empresas para outro país como parte importante do processo de internacionalização produtiva, mas Vittori, (ibidem) faz uma crítica nesse sentido e afirma que internacionalizar significa enfrentar o mercado global, e não apenas produzir no exterior se beneficiando dos custos mais baixos para em seguida vender esses produtos na Itália. Para ele, este não é o processo de criar valor, mas sim de arrancar a própria riqueza da terra de origem. A posição do autor não é contrária ao deslocamento produtivo, mas suas reflexões vão no sentido de que se os empresários italianos, especialmente aqueles que possuem uma PMI, não tomarem ciência de que esse processo é apenas uma das muitas ferramentas disponíveis para competir, certamente o modelo de sucesso das pequenas e médias empresas, que representa uma parcela bastante significativa dos empreendimentos italianos, acabará sucumbindo. A opção pelo deslocamento produtivo para determinados países varia de acordo com o porte da empresa: geralmente as multinacionais acionam esse deslocamento com o objetivo preciso de estar mais próximo aos consumidores finais, enquanto que as pequenas e médias empresas tendem a construir plantas produtivas em países que oferecem os mais baixos custos de gestão e de mão de obra. Quando se trata das PMI, a localização dos consumidores finais quase sempre está desvinculada do país que recebe o deslocamento, que é determinado exclusivamente por fins especulativos. Referindo-se a essas especificidades que envolvem as empresas de pequeno/médio e de grande porte, Vittori (op. cit.) especifica que enquanto as grandes empresas preferem investir em países já desenvolvidos, as pequenas e médias optam por investir em países em desenvolvimento. Quando se investe em países desenvolvidos, a tendência é de que esse investimento seja direcionado para a aquisição de ações de empresas já estabelecidas no mercado, enquanto que, geralmente, os investimentos nos países em desenvolvimento são focados na criação de uma nova empresa. Há também casos de empresas que decidem internacionalizar-se para seguir um grande cliente que já efetivou o deslocamento de sua produção. Em todas essas situações, o país que por fim é escolhido para receber a produção de uma empresa estrangeira certamente oferece benefícios concretos muito mais vantajosos (como, por exemplo, valor da matéria-prima, valor da produção e um conjunto de 83

regras, leis, práticas e costumes) se comparado aos outros países que também poderiam ser uma opção. No caso italiano, a grande maioria das empresas opta pelos países com custos mais baixos de produção, mantendo o seu foco nos consumidores finais italianos ou de regiões próximas. A preferência das PMI italianas na hora da escolha em qual país investir tem sido principalmente por aqueles do Leste Europeu, da região balcânica e do norte da África, pois além de possuírem custos de produção reduzidos, estão geograficamente próximos à Itália e este fator facilita a logística para transferir parte das atividades (ou a produção inteira da empresa) e para enviar novamente para a Itália os produtos quando forem finalizados. A Romênia é um país onde comumente os italianos optam por empreender o deslocamento de sua produção. O país oferece um custo com mão de obra extremamente baixo, um idioma latino de fácil aprendizado e uma distância geográfica relativamente pequena. Esses elementos proporcionam uma relação custo/benefício bastante vantajosa para os empresários italianos, que em sua maioria atuam principalmente nos setores têxtil, de vestuário e calçadista. Na análise de Vittori (2013), apesar de atualmente ser muito competitiva por oferecer mão de obra qualificada com baixo custo, a Romênia sofre com sua herança estatista, que muitas vezes se traduz em falta de motivação dos trabalhadores e baixa produtividade. Com relação à Bulgária, tem se verificado nos últimos anos um incremento no número de empresas italianas que deslocaram sua produção para o país. Os setores em que operam a maioria dessas empresas são os de vestuário, calçadista, produtos em madeira e fabricação de maquinários industriais. No setor têxtil, em especial, é fácil encontrar a oferta de força de trabalho qualificada com baixo custo. Entre as vantagens que os investidores encontram na República Tcheca estão, principalmente, a tradição de um país industrializado, a presença de força de trabalho especializada e qualificada e um sistema fiscal favorável aos investimentos. As oportunidades para as pequenas e médias empresas estão nos setores de vestuário, de produtos plásticos e de processamento de metais. Além disso, há muitas vantagens no âmbito da logística, pois é possível distribuir os produtos rapidamente pela Europa Central. O custo da mão de obra na República Tcheca não é dos mais baixos, mas ainda assim é muito mais vantajoso do que o custo estabelecido no mercado de trabalho italiano. A Itália está presente na produção local do país, mas mesmo diante dessas vantagens, ela não é um dos países com maior presença no território Tcheco. Possivelmente esse fato corrobore a ideia de que as PMI são atraídas pelos baixos custos de produção. Assim como a República Tcheca, a Eslováquia também possui grande tradição industrial. Mas não é apenas essa característica que atrai os investidores ao país: a força de 84

trabalho com custos competitivos e sua posição geográfica (oportunamente localizada entre a Europa Central, a Europa Oriental, a Ucrânia e a Rússia) são os principais motivos que atraem a atenção dos empresários internacionais. Segundo Vittori (ibidem), a Itália é o quarto país que mais investe na Eslováquia, com 7,2% do total do investimento realizado por empresas que internacionalizam sua produção, perdendo apenas para Holanda, Alemanha e Áustria. Estima- se que existam cerca de 300 empresas italianas produzindo na Eslováquia, a maior parte delas são PMI oriundas do nordeste do país. Essas empresas estão concentradas naqueles setores em que se exige mão de obra intensiva, como o setor têxtil, de vestuário, calçadista e madeireiro. Atualmente a Índia é um dos países em franca ascensão que mais tem se desenvolvido. O governo indiano está lentamente abandonando suas políticas protecionistas e abrindo oportunidades para investimentos estrangeiros, inclusive em setores que sempre foram muito restritos, como a área farmacêutica, de telecomunicações e de turismo. Vittori estimou em 2013 que as empresas italianas presentes na Índia são cerca de 150 e, estão principalmente entre os setores automotivo, mecânico, têxtil e de vestuário. Cerca de 75% dessas empresas são de grande porte, mas as PMI começaram há alguns anos a observar o potencial indiano e possivelmente em breve elas devem estar cada vez mais presentes nesse mercado. O grande empecilho é a falta de apoio de organismos italianos e indianos que façam uma ponte e ofereçam certo suporte para essas empresas estabelecerem sua produção na Índia. Entre as principais vantagens encontradas pelos investidores, além do baixíssimo custo da mão de obra que geralmente é altamente especializada, está a conquista do próprio mercado indiano, a difusão do idioma inglês, a ampla disponibilidade de engenheiros qualificados e a força do sistema legal. Estima-se que atualmente exista em torno de 900 empresas italianas estabelecidas no leste da China, número que de acordo com Vittori, cresceu 291% entre 2006 e 2013. Entre os principais benefícios em se estabelecer uma empresa na China, estão a redução dos recursos no acesso à matéria-prima e, principalmente, a diminuição significativa dos custos com a mão de obra. Outro fator interessante que atrai o olhar dos investidores é a possibilidade de fabricar produtos que geralmente não possuem vantagens de ser fabricados na Itália devido à grande necessidade de mão de obra que aquela produção exige. O custo com a mão de obra chinesa pode variar de acordo com a localização geográfica, com o perímetro urbano ou rural, bem como se a empresa for estatal ou de capital estrangeiro.54 A maneira mais tradicional de uma empresa ingressar no país é por meio das joint-ventures, onde sempre há um sócio chinês na

54 Para entender melhor como ocorre o sistema de remuneração chinês, cf. o estimulante estudo de The Institute of Contemporary Observation, 2011. 85

sociedade. Contudo, é possível criar uma sociedade com capital totalmente estrangeiro, a qual exclui a participação do capital chinês, que é o caso das WFOE.55 Permitida apenas em alguns setores produtivos (como a indústria de transformação, por exemplo), esse tipo de empresa tem por objetivo criar unidades produtivas e comerciais no território chinês, e uma de suas maiores vantagens é ter o controle total da sociedade, evitando assim os problemas típicos que uma joint-venture ou qualquer outra sociedade com diversos sócios pode proporcionar. O que pode ser um grande problema ao migrar para a China por meio da internacionalização produtiva é a falsificação. Os chineses são os maiores falsificadores do mundo, e há inúmeros casos de plágio de modelos, de desenhos industriais, de produtos e, inclusive, de tecnologias. O tradicional setor de produtos “made in Italy” é um dos mais copiados, e em nossas entrevistas um cooperado nos confessou que os chineses já haviam falsificado uma máquina de produzir cerâmica da cooperativa cujo valor de mercado é de um milhão de euros. A internacionalização produtiva tem motivado, em muitos casos, a desindustrialização do local de origem dessas empresas, causando a eliminação de postos de trabalho, o empobrecimento econômico da região e, consequentemente, a pauperização generalizada dos consumidores finais da empresa. Para alguns estratos sociais, o fator agravante dessa situação é o baixo nível de escolarização e de qualificação, que obstaculiza ainda mais a busca por uma nova ocupação. A crise estrutural que vem golpeando a Itália nos últimos sete anos tem afetado também os jovens, que possuem grande dificuldade para se inserirem no mercado de trabalho. Conforme explica Vittori (2013), na metade da década de 2000, diversas empresas que haviam deslocado sua produção para os países da região balcânica retomaram suas atividades na Itália após perceberem que o deslocamento havia feito elas perderem o contato com seu próprio território e, apesar da vantagem advinda do custo da mão de obra e da baixa fiscalização, a lucratividade se tornou reduzida, assim como acabaram perdendo a capacidade de supervisionar os mercados tradicionais. Muitos empresários, especialmente aqueles que possuem pequenos empreendimentos, têm percebido que a dificuldade de gerir empresas no exterior e os custos de logística para reimportar os produtos manufaturados acaba não justificando a vantagem do baixo custo de produção que encontraram nesses países. Esse fenômeno não é observado apenas na Itália, mas está presente em quase todos os países industrializados que no passado optaram por transferir suas empresas ou sua produção para outras nacionalidades.

55 WFOE – Wholly Foreign Owned Enterprise (Empresa de posse totalmente estrangeira – tradução livre). 86

Serenari (2005) complementa o raciocínio de Vittori afirmando que nem sempre a existência de diferenças significativas no custo da mão de obra é o suficiente para justificar o deslocamento da produção, pois há uma série de fatores que podem frustrar as vantagens desse baixo custo do trabalho, como, por exemplo, o nível de produtividade da mão de obra, a falta de qualidade nos processos produtivos (o que normalmente acaba gerando custos extras), absenteísmo, aumentos salariais, diversidades culturais, capacidade de aprendizagem, disponibilidade para mudar o modo de trabalho e ausência de vantagens típicas da proximidade da empresa junto aos distritos industriais. Portanto, na visão desses autores, as vantagens com a redução dos custos operativos são relativas, e muitas vezes acabam não compensando o deslocamento da produção. As cooperativas, por serem empresas que juntamente com as PMI compõem os distritos industriais, acabam passando pelas mesmas situações que acabamos de citar. Contudo, faz-se necessário mergulhar especificamente no universo da internacionalização cooperativa, para melhor conhecer suas particularidades.

6.2. A internacionalização das cooperativas Os primeiros contatos que as cooperativas italianas tiveram com o mercado externo data do início dos anos 1960, mas foi a partir da década seguinte que esse processo começou a tomar forma. Em 1988, Gori já expressava a sua preocupação com a questão da crescente descentralização produtiva das cooperativas da região da Emilia-Romagna e o efeito dessa prática sobre a identidade desses empreendimentos. Contudo, naquela época ele jamais poderia prever que o agudo processo de descentralização culminaria com a internacionalização de uma parcela significativa dessas cooperativas. Atualmente, diversas cooperativas italianas, por um lado, tendem a consolidar-se no mercado no qual já estão inseridas e, por outro lado, esforçam- se para expandir sobre novos mercados no exterior. De fato, essas empresas possuem ciência da importância estratégica e das vantagens comerciais que a expansão sobre mercados externos proporciona. Serenari (2005) justifica o ingresso das cooperativas na internacionalização produtiva como a única alternativa para elas não sucumbirem e não perderem o que as gerações anteriores de associados conquistaram em seu território:

Competir em mercados internacionalizados já é uma iniciativa ousada que reflete a divergência irreconciliável de interesses na área, pelo menos nas interpretações clássicas da teoria de mercados e negócios: uma empresa cooperativa se internacionaliza para não sucumbir, não para secar o patrimônio de rentabilidade e sociabilidade que gerou no próprio território. 87

Para conseguir isso, a PMIC56 deve estender a outros territórios sua inteligência, sensibilidade e seu valioso know-how: deve alargar o âmbito da sua ação para sistemas maiores e criar neles as próprias políticas corporativas (SERENARI, 2005:17 – tradução própria).

As cooperativas industriais na Itália geralmente se constituem de forma autônoma e se conectam entre si por meio de suas próprias redes, também conhecidas como network. São empresas de pequeno e médio porte, e Zamagni (2013) compara-as com as típicas pequenas multinacionais italianas, que são competitivas a nível global, mas não possuem grande dimensão. De acordo com Pontiggia (2001), as cooperativas de Imola possuem uma presença competitiva muito forte no mercado, e a maior parte delas percorreu o caminho da internacionalização, de modo a fixar unidades nos principais mercados externos. O histórico dessas cooperativas, segundo Zattoni (2001b), é marcado por uma contínua redefinição de combinações entre produto e mercado nas empresas em que operam, sendo três as principais diretrizes para alcançar o próprio desenvolvimento: - A contínua expansão da gama de produtos ofertados em torno do produto principal; - A ampliação da extensão geográfica por meio da propagação em novos mercados; - O aumento do grau de diversificação de setores mediante o ingresso em novas áreas de atividade. No decorrer dos anos, a tendência observada entre as cooperativas de Imola é de um aumento na série de produtos e serviços disponibilizados aos clientes, com o objetivo de oferecer uma oferta diversificada e completa, de modo a destacar esses empreendimentos em relação aos principais concorrentes. A determinação de expandir a área geográfica de atuação, uma decisão obrigatória para todas as empresas que queiram atingir uma boa posição competitiva, se estende também às cooperativas, o que inclui desbravar novos territórios em todos os continentes. É comum observar que algumas cooperativas iniciam a produção em determinado país devido à necessidade de manutenção ou suporte aos clientes daquela região. Já a diversificação na atuação dos setores de um modo geral ocorre quando a empresa encontra dificuldades em continuar a crescer com o seu produto principal, sendo a única possibilidade de alcançar um maior desenvolvimento a diversificação em áreas que não são muito distantes daquela em que a empresa já compete. Outra estratégia que tem sido muito recorrente na região de Imola pelas cooperativas para expandir suas expectativas de mercado é a criação ou aquisição de empresas de sociedades de capital aberto. Dependendo da negociação, as cooperativas adquirem 100% ou parte de

56 Piccole e Medie Imprese Cooperative (Pequena e Média Empresa Cooperativa). 88

alguma empresa que julgue interessante para os seus negócios. Esse processo facilitou sobremaneira a penetração dessas cooperativas em outros países e, desse modo, elas também se favorecem com a separação jurídica de seus negócios. Essa separação jurídica – ou seja, a divisão em diversas empresas dos negócios controlados pela cooperativa, que geralmente se configura como uma holding – beneficia a cooperativa, principal empresa do grupo, a não assumir riscos patrimoniais maiores do que aqueles investidos nas empresas por ela adquiridas, assim como não colocar em perigo os postos de trabalho pertencentes às outras empresas do grupo em uma situação de crise financeira com a empresa recém adquirida. Ressaltamos, contudo, que a aquisição ou criação dessas empresas não as transforma em cooperativas e nem favorece a ampliação de sua base social. Ao contrário, essas empresas se configuram como qualquer sociedade anônima ou de capital aberto, com o diferencial de que são controladas por uma cooperativa. Conforme afirma Pontiggia (2001), os sócios, ou seja, a base social da cooperativa, corresponde geralmente a cerca de 30% dos trabalhadores da empresa. Mas há casos que observamos em Imola, em que a cooperativa se constitui como uma multinacional com mais de 75 empresas ao redor do mundo, e sua base social representa menos de 10% do total de trabalhadores. De acordo com Hancock (2007; 2008), não há possibilidade de empregados das filiais ascenderem a sócios, e geralmente há bastante ceticismo quando se fala em replicar o modelo cooperativo em empresas fundadas ou adquiridas pelas cooperativas. Para ele, é fundamental que as empresas privadas administradas por uma cooperativa sejam um instrumento para o sucesso dela, contribuindo para fortalecer e consolidar a posição da cooperativa no mercado: “É importante destacar que as empresas que pertencem às cooperativas cumprem um papel decisivo no êxito das cooperativas, ou seja, a aquisição ou criação destas empresas não é especulativa, mas contribui para fortalecer o posicionamento das cooperativas no mercado” (2008:102 – Tradução própria). Negar a oportunidade de os empregados se tornarem cooperados é uma decisão puramente estratégica do ponto de vista empresarial, que visa tão e somente as conveniências da empresa, sem considerar sob qualquer aspecto a perspectiva do trabalhador, bem como os princípios da economia social e do cooperativismo. Manter o número de cooperados sempre muito restrito e dispor de grande parte dos trabalhadores como assalariados permite que tanto a cooperativa quanto suas filiais (nacionais e internacionais) continuem funcionando e garantindo a situação dos cooperados em momentos de crise. Nesse sentido, Leite (2015) ressalta que a opção de não incluir os trabalhadores na base social da cooperativa está 89

relacionada com a necessidade de contratá-los ou demití-los, conforme as decisões baseadas na empresa e no mercado.

De acordo com entrevista fornecida pelo presidente do empreendimento, essa relação precisa ser assim, tendo em vista as flutuações do mercado, que exigem que a empresa possa demitir nos momentos de crise; como os associados não podem ser demitidos, é necessário que haja um número relativamente grande de celetistas, que permitam que os ajustes de pessoal possam ser feitos sem dificuldades (Leite, 2015:264).

Considerando que o sucesso do empreendimento e o bem-estar dos cooperados ocorre em grande medida às custas da expansão do assalariamento e, de certa forma, da precarização do trabalho – tendo em vista que empregado e cooperado exercem a mesma função mas recebem remunerações diferentes ao longo do ano – é inegável que esta prática se configura como uma questão central para o processo de degeneração das cooperativas. As PMIC possuem uma forte tradição de relação íntima com seu próprio território, tanto pelo fato de serem empreendimentos mutualistas, quanto porque surgiram “de baixo”, ou seja, foram fundadas por trabalhadores sem grandes recursos financeiros. Entretanto, Serenari (2005) alerta para o fato de que estes valores se tornam menores no contexto internacional, considerando que no exterior uma pequena empresa geralmente não possui recursos ou tempo para criar relações privilegiadas com fornecedores ou clientes como ocorre nos distritos industriais, e que dificilmente surge uma oportunidade de poder contar com as vantagens de uma rede cooperativa. O autor defende que “a atividade internacional de uma PMIC – quando ocorre – não se desvia em nada daquela de uma PMI privada” (p. 173 – tradução própria). Ainda que os cooperados sejam empreendedores com o coração, para usar a expressão utilizada por Serenari (p. 174), os concorrentes no exterior não se mostrarão benevolentes só pelo fato de estarem competindo com um empreendimento social. E é a partir dessa premissa que as cooperativas deixam os princípios solidários de lado para conquistar o seu espaço no mercado internacional. Assim como Serenari, os pesquisadores Balzani e Marcucci (1999) são categóricos ao afirmarem que quando a cooperativa possui acesso ao mercado internacional, transforma-se de fato em uma empresa capitalista, dotada de uma gestão empresarial suficientemente preparada e capaz por meio da constituição de holdings e de sociedades controladas por ações, que acaba por concentrar fora das assembleias entre os associados os momentos verdadeiramente decisivos da vida da empresa, ou seja, com isso os autores afirmam que as expectativas de democracia, solidariedade, coletividade e participação no interior das cooperativas 90

internacionalizadas se tornam pouco viáveis. A Legacoop Emilia-Romagna (2004) revela a sua preocupação nesse sentido, ressaltando que um dos maiores desafios das cooperativas na atualidade é equilibrar o processo de internacionalização com os direitos e deveres da base social. O grande risco, segundo a Legacoop, é que as cooperativas de grande dimensão (seja no tamanho ou na presença em espaços territoriais) percam de vista o interesse dos sócios e, dessa forma, criem espaço para comportamentos oportunistas por parte da tecnoestrutura. São inúmeros os casos de internacionalização produtiva em que as cooperativas italianas criam novas empresas no exterior ou iniciam uma sociedade com empresas estrangeiras participando de negócios em outros países. Abaixo relacionamos alguns exemplos: A CMC (Cooperativa Muratori & Cementisti) foi constituída na cidade de Ravenna em 1901 e é considerada a maior cooperativa italiana do setor da construção. Atualmente é uma empresa internacionalizada com filiais em Moçambique e Estados Unidos, e sua especialidade está no setor de infraestrutura, com a construção de barragens, instalações elétricas, linhas ferroviárias de alta velocidade, aquedutos, entre outros. De acordo com Zamagni (2013), a empresa possuía em 2013 quase seis mil trabalhadores (entre os quais apenas 500 eram fixos) com um total de 377 associados. A Limci é uma cooperativa pertencente à indústria metalmecânica fundada em 1919 por nove trabalhadores mecânicos na cidade de Imola. Sua principal atividade é a produção de máquinas para a indústria cerâmica, mas a empresa também possui uma ampla gama de máquinas para a produção de produtos alimentícios, de bebidas e de garrafas plásticas. O grupo Limci, que pertence a maior e mais importante cooperativa de produção de Imola, possui uma cooperativa, que é a empresa matriz, e outras 76 sociedades distribuídas entre 29 países. A matriz contava, em 2015, com cerca de 1.100 trabalhadores, dentre os quais 389 são associados. Além disso, o grupo possui ao redor do mundo aproximadamente mais três mil empregados, totalizando assim cerca de quatro mil trabalhadores, entre associados e funcionários. Apesar de sua sede estar localizada em Imola, pode-se dizer que a Limci é uma empresa global, pois cerca de 90% de seu faturamento advém do exterior. A Cefla, que está entre as quatro maiores cooperativas da Itália, começou suas atividades em maio de 1932 e, assim como a Limci, também foi fundada por nove associados. Com sede em Imola, a empresa atua em setores bastante distintos: móveis para o comércio como racks, prateleiras e expositores; soluções e produtos para a prática da odontologia; acabamentos, o que inclui pintura em madeira, decoração, impressão digital de madeira e seus derivados, e acabamentos em vidros, plásticos, fibras de cimento e outros materiais; sistemas para instalações civis e industriais para a produção e recuperação de energia, o que inclui também a 91

exploração de fontes energéticas alternativas e renováveis. Foi na década de 1980 que a empresa iniciou seus negócios internacionais, e pode-se dizer que a exportação é uma espécie de força motriz da cooperativa, pois ela atua no mercado global comercializando seus produtos em praticamente todos os continentes, sendo que cada um de seus nichos possui mais força em determinados mercados do globo. Além das sociedades de comercialização no exterior – que estão presentes em países como Alemanha, Brasil, Índia, Emirados Árabes, Espanha, França, Polônia, China e Estados Unidos – a cooperativa também tem fábricas fora do seu país de origem. Além de produzir em Imola, Bologna, Verona e Pesaro, também possui fábricas na Rússia, China e Estados Unidos. Assim como ocorre com a Limci, apenas a empresa matriz de Imola é uma cooperativa e as demais filiais são empresas de sociedade anônima. Em 2015 a empresa decidiu investir ainda mais no mercado internacional e, neste mesmo ano, contabilizou um total de 1.800 funcionários (entre eles os cooperados), distribuídos em 22 filiais ao redor do mundo, dentre as quais 13 delas são plantas produtivas. 57 A Nord Est e a Coop Italia, que estão entre as cooperativas de consumo mais populares da Itália, criaram em 2002 um moderno centro comercial em Zagreb, capital da Croácia, com um investimento de cerca de 70 milhões de euros. Na época a Coop Nord Est tinha um planejamento para se expandir no país abrindo quatro hipermercados. Com foco na gestão de restaurantes, cozinhas e cantinas, em especial cozinhas escolares, hospitalares, militares, hoteleiras, de empresas e de centros comunitários, a CIR Food, cooperativa localizada na Reggio Emilia, criou em 2002 sua primeira empresa no exterior, com sede também em Zagreb. Atualmente, além de ter participação acionária em sete empresas italianas, possui empresas ou participação em sociedades controladas na Bélgica, Bulgária, Estados Unidos e Vietnã.58 Com sede em Modena, a Coop Bilanciai é uma cooperativa especializada em diferentes tecnologias para a pesagem. Entre os seus produtos, estão balanças eletrônicas, plataformas de pesagem, controladores de peso, sistemas de pesagem para empilhadeiras, balanças eletrônicas para cargas suspensas e softwares relacionados a pesagem. Transformada em sociedade cooperativa em 1963, iniciou o seu processo de internacionalização trinta anos mais tarde, em 1993, por meio da aquisição de ações de empresas na Europa e no norte da África. Com diversas empresas e joint-ventures ao redor do mundo, em 1999 a cooperativa passou a se chamar

57 Informações coletadas no balanço da empresa do ano de 2013 e no web site da Cefla acessado em 22/07/2015. Para um maior aprofundamento nas complexas áreas de atuação do Grupo Cefla, conferir http://www.cefla.com/it. 58 Dados retirados do web site da empresa: http://www.cir-food.it. Acessado em 13/04/2015. 92

Bilanciai Group. Atualmente possui empresas na Espanha, França, Estados Unidos, Portugal, Holanda, Alemanha, Suíça, Inglaterra e China. Por meio da fusão entre a Cooperativa Silvestri di Modena e a Cooperativa Armamento e Manutenzioni Ferroviarie di Bologna em 1976, nasceu a CLF (Cooperativa Lavori Ferroviari) – Costruzioni Linee Ferroviarie, 59 cooperativa que oferece serviços integrados como desenvolvimento, concepção, construção, manutenção e assistência técnica no domínio de obras ferroviárias, civis e de infraestrutura. Com sede em Bologna, a cooperativa conta com a participação da cooperativa Unieco60 em 40% de seu capital. Em 2003 venceu uma concorrência na Croácia para realizar a reconstrução de um trecho de uma ferrovia do país. Atualmente a CLF, que possui um faturamento anual superior a 60 milhões de euros, disputa concorrências em diversos países, e está presente além da Itália e da Croácia, em países como Marrocos, Argélia, Sérvia, Montenegro e Bulgária. Com sede em San Lazzaro di Savena, cidade vizinha a Imola, a Conserve Italia foi criada em 1976 e começou suas atividades com a comercialização dos produtos de 15 cooperativas do setor de transformação de frutas, vegetais e tomates.61 Com seu sucesso, o negócio se transformou em um consórcio e em 1983 ele se internacionalizou, criando em Londres a Società Mediterranean Growers Ltd, com o objetivo da comercialização dos produtos na Irlanda e na Grã-Bretanha. Em 1994, a gestão das cooperativas associadas se concentrou diretamente sob o núcleo da Conserve Italia, que passou a administrar todas as atividades industriais e comerciais. Atualmente, a forma jurídica do consórcio é de sociedade cooperativa agrícola, e seus sócios são as cooperativas a ele associadas. Apesar de não haver informações claras sobre todas as cooperativas associadas e seus respectivos sócios, a base social da Conserve Italia é composta por: 39 cooperativas de sócios ordinários; 10 sócios investidores dos quais 8 são cooperativas e organizações de produtores que fornecem matéria-prima para a Conserve Italia, e 2 são investidores institucionais; 1 sócio ordinário e investidor; e 1 sócio financiador.62 O conselho

59 CLF (Cooperativa de Obras Ferroviárias) – Construções de Linhas Ferroviárias (Tradução própria). Dados retirados do web site da empresa. Para mais informações, cf. http://www.clfspa.it. Último acesso em 09/04/2015. 60 A Unieco foi fundada em 1904 e se auto intitula como uma cooperativa “multi-business”. Com cerca de 1.500 trabalhadores e um faturamento anual em torno de 600 milhões de euros, a empresa atua em diversas áreas, entre elas a construção civil e os setores ferroviário, ambiental e de materiais para construção. Para conhecer mais sobre a empresa e sua história, cf. http://www.unieco.it. Última visualização em 09/04/2015. 61 Informações retiradas do web site da empresa: http://www.conserveitalia.it. Último acesso em 15/07/2014. 62 A legislação italiana permite que as cooperativas tenham em seu quadro de sócios, investidores que não necessariamente trabalham na produção ou administração do empreendimento (Lei nº 59/1992). Sua vaga na sociedade está garantida por meio do investimento realizado. Com a promulgação dessa lei, os sócios que possuem uma cota maior de investimento podem ter um poder de decisão maior do que os demais associados, desde que não supere a proporção de 1/3 dos votos de todos os associados. Além disso, o sócio investidor pode ser nomeado como administrador, na condição de que a maioria dos administradores seja composta por sócios cooperados. 93

de administração é nomeado pelos sócios delegados das cooperativas associadas. As relações com as cooperativas são geridas e reguladas por meio de comitês técnicos adequados aos produtos. Nos últimos 15 anos, o consórcio adquiriu algumas empresas dentro da Itália e também no exterior, e todas sob a forma jurídica de sociedade anônima ou limitada:  Cirio De Rica S.p.A., empresa italiana adquirida em 2004 e incorporada ao Consórcio em 2007. Possui oito unidades produtivas na Itália, que até 30/06/2013 havia gerado um faturamento de € 701 milhões, empregando um total de 1.980 funcionários (sendo 877 fixos e 1.103 sazonais). Além de administrar a empresa Cirio, a Conserve Italia fundou na Itália em 2009 a Tera Seeds S.r.l. consortile, empresa focada na produção e comercialização de sementes;  Conserves France S.A., possui três empresas no Sul da França, que empregam um total de 699 funcionários (entre eles 424 trabalhadores fixos e 275 trabalhadores sazonais) que produziram um faturamento de € 170 milhões até o primeiro semestre de 2013;  Juver Alimentación S.L.U., adquirida na Espanha em 2003, a empresa é líder em sucos de frutas no mercado espanhol. Com 362 funcionários (dentre os quais 12 são sazonais), a unidade produtiva gerou um faturamento de € 168 milhões até o período de 30/06/2013;  Adquirida em 2010, a Conserve Italia Deutschland GmbH é a sociedade comercial do grupo para os países de língua alemã e escandinava. Sua principal função no grupo são os serviços de representação comercial para os países compreendidos nessa região;  Assim como a Deutschland GmbH, a Mediterranean Growers Ltd foi transformada em 2009 em uma sociedade de serviços de representação comercial para a região da Irlanda e da Grã-Bretanha. As empresas do grupo são controladas em nível estratégico e comercial pela matriz italiana e todas são integradas em nível informacional e logístico. Em 2007 foi criada uma nova divisão, a Conserve Italia International, com o objetivo de administrar todos os mercados (com exceção dos mercados domésticos que as empresas possuem na Grã-Bretanha, França, Espanha e Alemanha). Essas cooperativas – e todas as outras que estão na mesma situação – poderiam ter escolhido criar novas cooperativas nos países em que decidiram investir, como veremos mais adiante com o exemplo Conapi. Mas, em vez disso, optaram por empresas de sociedades por ações. Esta escolha expõe as cooperativas a uma série de contradições, já que a natureza do 94

cooperativismo exige democracia, solidariedade e mutualismo. As empresas que foram adquiridas após a fundação da cooperativa, sejam elas nacionais ou internacionais, e que se configuram como sociedades por ações, acabam se tornando um corpo estranho ao universo cooperativo e, em vez de ampliar os valores cooperativos, contribuem para afastar a cooperativa e seus associados do seu ideal original, aproximando-os cada vez mais das empresas capitalistas comuns. A internacionalização das cooperativas é uma questão que deve ser pensada com seriedade, pois tem se tornado cada vez mais comum e a tendência é de que este fenômeno se expanda para os demais países. Conforme explicamos anteriormente, esse processo pode ocorrer pelo viés comercial ou produtivo: a internacionalização comercial das cooperativas acontece por meio da exportação de seus produtos, e a internacionalização produtiva tem como objetivo a criação de empresas de capital aberto, que se configuram como filiais da cooperativa ao redor do mundo. Roberta Trovarelli, presidente da Innovacoop, instituição que fomenta a internacionalização das cooperativas na Itália, argumenta sobre a diferença entre as internacionalizações comercial e produtiva:

É fundamental, é uma diferença incrivelmente importante. O primeiro instinto de qualquer tipo de empresa é a exportação comercial. Enquanto que o processo de internacionalização é diferente. O processo de internacionalização é uma extensão da sequência dos valores em um outro país. Então quero dizer criar alianças, estruturar-se em outro país. Fazer investimentos produtivos ou investimentos organizativos até que nos países de destino exista a penetração da sua empresa (Roberta Trovarelli – Tradução própria).

Os principais objetivos para as cooperativas e as empresas de um modo geral aderirem à internacionalização produtiva são: tornar ainda mais barato os custos com mão de obra e matéria-prima; facilitar os processos de logística, de representação comercial e de assistência técnica; e possibilitar que a matriz aumente sua competitividade no mercado global. Apesar de reconhecer que essas questões são primordiais e que a redução de custos (com logística e, principalmente, com a mão de obra) é a motivação com maior potencial para a internacionalização, Serenari (2005) nos alerta que a questão de se expandir para o exterior não ocorre apenas por essas razões, mas há junto a elas um atraente processo de conquistar o conhecimento do “saber fazer”, de ampliar o diálogo com os mercados e de descobrir novas tecnologias úteis que reforcem a competitividade tanto das PMI, como das PMIC. Pensando apenas nas cooperativas, ele define os motores que as levam à internacionalização, que vão além do fator de redução de custos: 95

- Acessar novos mercados de consumidores finais, bem como a novos mercados de matérias-primas, bens e serviços; - Reorganizar a capacidade produtiva em excesso; - Garantir a manutenção do trabalho dos próprios sócios e funcionários; - Aumentar a competitividade; - Desfrutar no exterior da própria capacidade de trabalhar com menores margens de lucro com relação às PMI; - Melhorar sua tecnologia e seu conhecimento. Contudo, parece não haver uma unanimidade quando se trata das motivações que levam as cooperativas a internacionalizar sua produção. Hancock defende em seu estudo de 2007 o modelo de internacionalização produtiva afirmando que as cooperativas de Imola, em vez de irem para o exterior em busca de mão de obra mais barata, vão com o objetivo de marcar presença por meio da abertura de filias, aumentando assim sua fatia no mercado global. Essa estratégia, de acordo com o autor, conquistou um acréscimo nas vendas e na participação no mercado, além de resultar em um incremento na taxa de ocupação em Imola. Entretanto, Vittori, ao apresentar em 2013 seu estudo sobre exportação, internacionalização e deslocamento produtivo, foi categórico ao afirmar que a partir dos anos 80 houve, a nível global, uma nova modalidade de divisão do trabalho entre empresas e países, e que o aspecto mais evidente desse arranjo é, sem dúvidas, representado pelo custo da mão de obra, que é mais baixo nos países que recebem as plantas produtivas estrangeiras, o que acaba por incidir diretamente sobre o custo unitário dos produtos e serviços. A teoria de Hancock se mostra, contudo, bastante questionável, considerando o estudo realizado pela CISL na província chinesa de Guangdong63 – onde há a presença de pelo menos uma cooperativa imolesa, a Limci – sobre as condições de trabalho e salário dos trabalhadores na China em empresas italianas serem mais precárias do que as condições de trabalho no interior da Itália. Conforme nos relata Marzia, dirigente sindical da CISL,

63 O referido estudo foi realizado em parceria entre a CISL e o The Institute of Contemporary Observation durante os anos de 2009 e 2011 na província de Guangdong, com 16 empresas italianas ou de capital italiano (entre elas a cooperativa de Imola pesquisada por nós) que possuem fábricas na região. Por meio das entrevistas realizadas com 300 trabalhadores, o estudo constatou que a maior parte das empresas pesquisadas adotam uma postura diferenciada no tratamento dos trabalhadores italianos (nas plantas da Itália) e dos trabalhadores chineses (nas fábricas chinesas) e não respeitam os princípios dos padrões internacionais do trabalho estabelecidos pela OIT. A pesquisa ainda explicita que a maioria dessas empresas oferecem salários e benefícios sociais abaixo do padrão mínimo necessário fixado pela legislação chinesa, impõem longos turnos de trabalho, não atentam para as normas de saúde e de segurança do trabalho e violam a liberdade de associação e contratação coletiva. Assim sendo, a pesquisa conclui que essas empresas apresentam os mesmos problemas existentes entre as empresas de origem chinesa. Para mais detalhes sobre esse interessante estudo, cf. The Institute of Contemporary Observation, 2011. 96

Sabemos perfeitamente que na China tem uma grande precariedade, uma coisa alucinante. Eu conversei com uma moça que trabalha na China e tem contato com organizações não governamentais que seguem os trabalhadores na China e ela me contou de condições em que as pessoas estão dentro do recinto onde te impedem de falar com qualquer um de fora, situações de trabalho não digamos do terceiro mundo, mas pior. Onde se as pessoas tentam abrir a boca são procuradas e estão fora. Não na Limci. Na Limci havia o mínimo de tratamento. [Mas] os dirigentes são sempre chineses, né? E então se fala de uma situação na qual é normal para eles essa coisa. Depois, Guangdong é uma região que está crescendo, está criando no seu interior uma consciência de crescimento social. Mas uma coisa eu digo, as indústrias estão se transferindo para outras regiões (Marzia, sindicalista FIM/CISL – tradução própria).

Consideramos ainda a entrevista que nos foi concedida por Stefano Pedini, sindicalista da FIOM/CGIL, que deixou bastante clara a sua preocupação com a taxa de ocupação no território de Imola, já que a tendência atual é de que as cooperativas invistam mais no exterior, deixando de investir em postos de trabalho na própria cidade. Para ele, os cooperados que passam a investir no exterior em vez de investirem em seu próprio território estão visando apenas o lucro e não consideram mais a coletividade e até mesmo a própria família, pois deixar de investir em Imola é um risco para que a crise econômica entre com maior força na região, feche mais empresas e, consequentemente, deixe a mulher e os filhos sem trabalho em um futuro próximo. Vittori (ibidem) e Castellani (2007), respectivamente, fazem uma reflexão na mesma direção, e afirmam que quando uma empresa desloca sua produção para outro país, o território que perde a produção sofre uma diminuição dos trabalhadores empregados naquele setor, e ainda perde sua competitividade estrutural, já que com menos trabalho o setor tende a se desenvolver e expandir menos. Esse fenômeno ocorre em uma espécie de círculo vicioso, e as suas consequências se desdobram como em um “efeito dominó”: quando há o deslocamento produtivo, reduz-se a exportação significativamente e, diminuindo a exportação, a atividade econômica também é reduzida, o que impacta certeiramente a redução da taxa de ocupação do país. Vale lembrar que as empresas que se internacionalizam têm a opção de continuar utilizando os produtos de seus fornecedores do país de origem ou então de encontrar novos produtos nos países alvo do deslocamento produtivo, mas quase sempre a segunda opção é escolhida pela maioria das empresas, devido ao impacto que essas opções geram nos custos finais do produto. Antigamente a tendência era de que as empresas deslocassem apenas funções simples da produção, mas na atualidade estão deslocando funções importantes, como a projeção ou o desenvolvimento de softwares, que certamente terão um impacto ainda mais negativo sobre o 97

sistema econômico e social. Compartilhando desta mesma linha de raciocínio, Corò, Tattara e Volpe (2006) relatam que nos países onde ocorre o deslocamento da produção a tendência é de que haja uma redução da demanda por trabalhos com atividades de baixa qualificação, fenômeno que cria desempregos, pressões para a redução dos salários e, também, um enfraquecimento dos sindicatos. Por fim, Hancock (2007) se contradiz mais uma vez e acaba por corroborar nossa posição, pois admite que embora alguns aspectos da produção estejam descentralizados entre as filiais, a pesquisa, as estratégias, as inovações tecnológicas, o conhecimento e a produção de peças de maior valor permanecem no interior da cooperativa, ou pelo menos o mais próximo possível dela. Assim sendo, se o conjunto de elementos que constituem o “cérebro” do negócio estão delimitados no interior da cooperativa, resta às suas filiais a tarefa de apenas produzir o que foi decidido na matriz e, logicamente, produzir com o menor custo possível, já que a alma da produção, que é aquela que incrementa o valor de cada operação, está fixada na cooperativa. A discussão sobre o favorecimento das cooperativas com o processo de internacionalização pode ser complementada com o estudo da Legacoop Emilia-Romagna que defende que a internacionalização pode significar, entre outros benefícios para as cooperativas, a produção com menores custos operativos. O estudo ainda defende os privilégios que a ideia de cooperativa transnacional pode conceder ao aliar as vantagens que as cooperativas italianas já possuem aos benefícios que a internacionalização pode oferecer para além das fronteiras de um país:

Um dos elementos estratégicos fortes – desenvolvido no âmbito da cooperação internacional – para o lançamento e implementação do processo de internacionalização é a ideia de cooperativa transnacional, que permite o uso das vantagens decorrentes das características das cooperativas nacionais no mercado interno, combinando a forma de empresa cooperativa com os processos de internacionalização, numa base de cooperação transfronteiriça (LEGACOOP EMILIA-ROMAGNA, 2004:98 – tradução própria).

A Legacoop Imola se posiciona favoravelmente à internacionalização das cooperativas de sua região, e acredita que esse processo que já vem sendo praticado há muitos anos pelas cooperativas de grande porte pode se transformar em um modelo de desenvolvimento para todo o movimento cooperativo. Rita Linzarini, secretária da instituição, nos revelou que

com a crise que estamos enfrentando nesse momento na Itália, se queremos ter uma oportunidade devemos procurar internacionalizar as nossas cooperativas. (...) E existem os instrumentos [para isso]: a Legacoop regional colocou junto um instrumento que ajuda, que olha também para eventuais 98

possíveis financiamentos que possam existir na região, na província, na câmara de comércio, para suportar as operações que levem à internacionalização nos confrontos de certos países. E tem uma sociedade que foi constituída para ajudar as cooperativas a fazer isso [a Innovacoop].

Entretanto, é preciso estar claro que as vantagens que as cooperativas transnacionais conquistam não são extensíveis para a maior parte dos trabalhadores envolvidos, mas ficam restritas ao pequeno número de trabalhadores que são associados ao empreendimento. A primeira ideia que vem à mente quando pensamos em internacionalização produtiva de cooperativas é que estas encontrem novos sócios no exterior, afinal, em tese, a alma da cooperativa e o motivo de ela existir é a sua base social. Entretanto, Battilani e Schröter (2013b) argumentam que a existência de inúmeros obstáculos legais torna esta opção impraticável, e mesmo que a questão legal não se configure como um problema, as diferenças culturais e linguísticas poderiam complicar a relação entre os sócios de diversos países e isso consequentemente dificultaria em grande medida a gestão do empreendimento. Em suas pesquisas, Lima (2012) também encontrou esse tipo de argumentação. Ao citar o Complexo Cooperativo de Mondragon, que não reproduz seu modelo fora do País Basco, relata que a justificativa do grupo para não propagar o cooperativismo entre suas empresas está nas barreiras legais e na dificuldade de socialização do capital da cooperativa com os trabalhadores de outras regiões da Espanha, assim como de outros países. Mondadore (2013), que se aprofunda nessa questão, corrobora Lima e destaca outros argumentos para que não haja filiais cooperativas no exterior: 1) geralmente nos países em que se investe na produção não há uma legislação cooperativa adequada; 2) em grande parte dos casos, as plantas produtivas no exterior se constituem como joint-venture com outros sócios; 3) a maioria dos trabalhadores não está acostumada à cultura cooperativa; 4) a matriz precisa conservar o controle sobre suas filiais.64 Ao entrevistarmos profissionais que trabalham com o movimento cooperativo cotidianamente, nos deparamos com alguns comentários sobre o Complexo Cooperativo de Mondragon. Simone Mattioli, ex-presidente da Lega delle Cooperative Italiane da região de Marche, nos revelou que alguns sócios de cooperativas da América do Sul têm comentado constantemente que não aprovam o comportamento que Mondragon possui na região, por se tratar de uma lógica que destoa em grande medida dos valores cooperativos aplicados no País

64 De acordo com Mondadore (2013), o processo de internacionalização das cooperativas do Complexo Cooperativo de Mondragon iniciou-se em 1994, desenvolvendo os seus negócios sob duas frentes: uma com a ampliação da exportação de seus produtos (principalmente para o mercado europeu); e outra com a aquisição de empresas já existentes no mercado, ou ainda por meio de sociedade com empresas já estabelecidas no exterior. A autora ressalta que Mondragon conta com 94 filiais produtivas em todo o mundo, o que abrange cerca de 15 mil funcionários. Todas as fábricas implantadas no exterior são sociedades anônimas ou Ltda. 99

Basco. Sandra Pareschi, presidente da Nexus Emilia-Romagna, organização não governamental que atua na área de cooperação para o desenvolvimento internacional, também compartilha desta visão e tem uma opinião bastante clara sobre Mondragon. Assim como Mattioli, ela alerta que as condições dos trabalhadores são bastante discrepantes entre aqueles que trabalham no País Basco e aqueles que são empregados em outras regiões do mundo.

Um dos modelos cooperativos que contam os meus amigos da América Latina, um dos modelos cooperativos mais conhecidos no mundo é Mondragon, [que possui] suas 50 ou 60 atividades industriais em torno da América Latina. Seu comportamento não é muito cooperativo, e isso vem sendo criticado muitas vezes pelos cooperados sul-americanos, argentinos, brasileiros, etc. Mondragon não é um modelo na América Latina. É um modelo na Europa, Espanha, mas sem que a Espanha saiba que coisa faz Mondragon na América Latina. Na América Latina Mondragon é como uma multinacional, porque adotaram outra lógica. Ali o problema não é na fábrica cooperativa, o problema é na cabeça dos dirigentes. (...) O fato é que a Espanha invade a América Latina faz 500 anos, com a lógica da conquista, toda a lógica da presença de empresas espanholas todas grandes que na América Latina não tem, é tudo diferente. Eu lamento que essa lógica seja representada também por uma realidade importante em um movimento cooperativo como Mondragon. É muito fácil quando se é um modelo – e indiscutivelmente Mondragon é um modelo – [e por isso] não ser também colocado sob observação, e assim é mais fácil fazer coisas que não funcionam, não correspondam ao modelo. E de certo, a presença, o operar de Mondragon na América Latina não é muito pertinente com aquilo que é Mondragon em Mondragón, Espanha, País Basco. Então faz bem a América Latina colocar essa questão e elevar criticamente essa coisa (Simone Mattioli).

Em Mondragon, que tantos amam e que eu amo muito pouco, as cooperativas que vivem dentro da Espanha e do País Basco, elas são cooperativas e tomam muito cuidado ao explicar os valores cooperativos. Fora daquele país são todas empresas capitalistas que usam o processo de exploração do trabalho. Então, é outra escolha, eu acho que isso é errado. Eu acho que uma cooperativa pode criar uma outra cooperativa, ajudar um incubador de cooperativas, levar valores, conhecimentos, aumentar a relação e ser propositivo. Mas depende de como é feita a cooperativa, digamos, filha da cooperativa mãe (Sandra Pareschi).

Ainda que na grande maioria dos casos as cooperativas privilegiem a criação de sociedades por ações no exterior, a Europa já registrou experiências positivas de cooperativas transnacionais. Os próprios Battilani e Schröter (ibidem) relatam que em 2003 a comunidade europeia reconheceu a possibilidade de as cooperativas constituírem-se formalmente em nível europeu e em 2006 foi fundada a primeira sociedade cooperativa europeia, a Copernic, que atua com vendas no varejo. Até 2013 foram criadas cerca de vinte sociedades cooperativas europeias, todas atuando nos limites da zona do Euro. 100

Outro exemplo que podemos citar é a Conapi, um consórcio de apicultores e agricultores de produtos orgânicos que também decidiu expandir seu mercado internacionalizando-se. Criada em 1983 na região de Bologna, é composta por cerca de duzentos apicultores individuais, onze cooperativas italianas e dois grupos de apicultores, para uma base social com cerca de 1.300 produtores em todo o território italiano. Especializada na produção de mel orgânico e outros produtos derivados de colmeias, em 2001 a cooperativa começou a produzir produtos orgânicos de outros tipos, como arroz e produtos derivados de frutas. Em 2003 a assembleia dos sócios aprovou a abertura do consórcio para a entrada de novas cooperativas oriundas da América Central e América do Sul. As primeiras cooperativas que aderiram ao consórcio foram: Prodecoop, Apibo e Cosatin da Nicarágua; Appta e La Alianza da Costa Rica; Cepicafé no Perú e Cosar na Argentina (LEGACOOP EMILIA-ROMAGNA, 2004). Atualmente, são nove as cooperativas associadas no exterior, que além de produzirem mel orgânico, produzem também açúcar, café, cacau e suco de frutas, todos produtos orgânicos. A Conapi participa de um projeto de cooperação internacional denominado Cooperativa Sin Fronteras (CSF), que viabiliza uma rede de cooperação entre agricultores de produtos orgânicos de diversos países que produzem e comercializam de forma justa e solidária. A Conapi é um exemplo que, a princípio, refuta o argumento de que a cultura, o idioma e a legislação são barreiras intransponíveis para o desenvolvimento de uma rede de cooperativas internacionalizadas. Para Hancock (2007), as estratégias empresarias que as cooperativas industriais de Imola perseguem resultam da tensão entre os valores sociais e o desígnio de se manterem competitivas no mercado global. Considerando a postura que essas empresas vêm tomando ao longo dos anos e a forma como a internacionalização produtiva tem sido realizada, se torna evidente que a competitividade global tem mais prioridade do que os valores sociais, por isso, cooperativas desenvolvidas sob o modelo da Conapi não são interessantes para aqueles empreendimentos que visam única e exclusivamente vencer a concorrência e abocanhar maiores taxas de lucro. Geralmente as cooperativas realizam atividades para promover o desenvolvimento local da comunidade à qual sua sede pertence e em muitos casos elas se empenham em realizar projetos sociais nos diversos países em que atuam (com o devido beneficiamento das deduções de impostos locais e da imagem empresarial positiva que essas atividades promovem), e muitas vezes elas confundem essas ações com o lado solidário e comunitário da cooperativa. Contudo, essas ações são pequenas se comparadas ao lucro que essas companhias obtêm por meio de benefícios fiscais e das condições vantajosas que encontram no exterior ao implementar uma 101

empresa com mão de obra assalariada a um custo bastante inferior àquele que seria destinado à manutenção de um associado. Pode-se dizer até que existe democracia, mutualismo e solidariedade entre os sócios no interior de uma cooperativa, mas esses princípios existem com um único propósito: unir forças para alcançar o lucro e aumentar o capital da empresa. Pois se a solidariedade, a democracia e o mutualismo não servem para ampliar o acesso dos trabalhadores à base social de uma cooperativa, então é presumível que esses princípios só existem na base do discurso teórico, com o intuito de beneficiar aqueles que a ela conseguem se associar. Lima (2012) reconhece que as cooperativas precisam demonstrar eficácia enquanto um negócio, mas que a sua diferença para as empresas capitalistas reside na forma como a gestão é realizada e na apropriação coletiva de seus resultados. Ou seja: se a questão da divisão dos resultados se torna um problema e a apropriação coletiva ocorre em torno dos poucos associados, devemos refletir até que ponto a economia social é uma alternativa ao modelo capitalista vigente.

6.3. A legislação italiana e a internacionalização produtiva Pensando em beneficiar as pequenas e médias empresas que compõem os distritos industriais, a legislação italiana vem estabelecendo há algum tempo uma série de leis que facilitam e incentivam o desenvolvimento de projetos que visam à internacionalização, seja ela comercial ou produtiva. As razões que levam uma cooperativa a expandir seus horizontes no exterior são as mesmas que estimulam qualquer outro tipo de empresa: elevar as vendas, diversificar a produção, conquistar novos mercados, destacar-se sobre a concorrência. Quando isso ocorre, seja a empresa uma cooperativa ou não, ela deixa de se focar apenas em seus produtos e passa a visionar uma proposta empresarial em que prevalecem as diretrizes econômicas e políticas. Ao analisar algumas dessas leis, observamos que a internacionalização das empresas não é um fenômeno espontâneo que penetrou nas pequenas e médias empresas dos distritos industriais, mas que faz parte de um contexto bastante complexo com diversas variáveis, o que inclui o aval e o incentivo do governo italiano para essa prática, por meio de empréstimos facilitados e concessões financeiras previstos em diversas leis. Dentre essas leis, destacamos alguns apontamentos realizados pela Legacoop Emilia-Romagna (2004):  Lei 1083/54 (atualizada com Decreto de 24/07/03) – Concessão de contribuições financeiras a institutos, órgãos e associações que promovam a exportação: Concede às instituições sem fins lucrativos (o que inclui as cooperativas) determinadas 102

contribuições financeiras para promover projetos de atividades promocionais que alavanquem o desenvolvimento da exportação italiana.  Lei 518/70 – Reconhecimento do governo e contribuições financeiras para as câmaras de comércio italianas no exterior: Esta lei regula o setor de câmaras de comércio italianas fora do país e estabelece os critérios para o seu funcionamento. Regula ainda os critérios para a concessão de incentivos financeiros para o desenvolvimento de atividades promocionais e de projetos que visam o estímulo à internacionalização de pequenas e médias empresas.  Lei 227/77 (Decreto Legislativo 143/98 integrado ao Decreto Legislativo 170/99) – Seguro dos créditos para exportação: É uma lei que apoia o crédito às empresas italianas que exportam para o exterior. Garante suporte público para a exportação sob a forma de um seguro contra catástrofes e riscos políticos, econômicos, comerciais e cambiais.  Lei 394/81 (art.2) – Financiamento facilitado para construção de estabelecimentos permanentes no exterior: Este artigo tem por objetivo facilitar a penetração de empresas italianas em mercados externos à comunidade europeia, por meio da construção de estruturas permanentes que suportem atividades comerciais e industriais.  Lei 394/81 (art. 10) – Contribuições financeiras aos consórcios agroalimentares e turístico/hoteleiro: Regulamenta o fornecimento de contribuições financeiras para a manutenção de consórcios multiregionais sem fins lucrativos, tendo como único objetivo a exportação de produtos agroalimentares, assim como beneficia o incentivo aos consórcios multiregionais entre empresas hoteleiras e turísticas que têm por objetivo impulsionar a demanda turística externa.  Lei 49/87 (art. 7) – Empréstimo facilitado para a constituição de joint-ventures em países em desenvolvimento: Essa medida regulamenta o incentivo à criação de empresas mistas (parte italiana, parte do país onde a empresa será instalada) em países em situação de desenvolvimento, e a iniciativa é válida para os setores agrícola, industrial e de infraestrutura.  Lei 83/89 – Contribuições aos consórcios de exportação entre pequenas e médias empresas: Beneficia os consórcios entre pequenas e médias empresas que objetivam promover e/ou exportar os produtos das empresas consorciadas. Para se favorecer com essa lei, os consórcios devem ser multiregionais, compostos por pelo menos oito pequenas e/ou médias empresas e devem atuar nos setores da indústria, comércio, artesanato e serviços relacionados a essas áreas. 103

 Lei 100/90 (Decreto Legislativo 143/98) – Participação no capital de empresas estrangeiras: A lei institui a financeira de economia mista SIMEST S.p.A., que tem por finalidade incentivar a criação de empresas no exterior. Seu papel é gerir os instrumentos de internacionalização das empresas por meio de financiamentos, privilegiando a formação de sociedades mistas e os investimentos diretos de investidores italianos em todos os países que não pertencem à comunidade Europeia, mas que possuem acordos com o governo da Itália.  Lei 304/90 (art.3) – Financiamento para a participação em concorrências internacionais: O artigo estimula a participação de empresas, associações e consórcios italianos a participarem de disputas de concorrência em países localizados fora da comunidade europeia, através de empréstimo em condições favoráveis para as despesas necessárias durante a participação na disputa.  Lei regional da Emilia-Romagna 3/99 – Reforma do sistema regional e local: A lei estabelece que a região se adeque para apoiar e oferecer suporte para a exportação e para a internacionalização. Além disso, deve realizar eventos e projetos que promovam a penetração das empresas em mercados externos, oferecer suporte com serviços informativos e assistência para a internacionalização, e propiciar os investimentos externos na Emilia-Romagna, monitorando os investimentos e a participação de empresas estrangeiras no território local. Além das leis acima relatadas, foi desenvolvida em 2011 a ICE – Agenzia per la promozione all'estero e l'internazionalizzazione delle imprese italiane,65 instituição pública criada a partir da Lei 214/11 e regulada pelo Ministério do Desenvolvimento Econômico italiano. O objetivo da agência é facilitar, desenvolver e promover as relações econômicas e comerciais italianas com o exterior, com particular atenção voltada às pequenas e médias empresas, associações e agrupamentos, bem como desenvolver a internacionalização das empresas italianas e a comercialização de produtos e serviços em mercados internacionais. Suas atividades compreendem a informação, a assistência, a formação e a promoção de empresas, instituições e jovens graduados, além da promoção da cooperação entre os setores agrícola, industrial, agroalimentar, terciário e de distribuição. Ao articular o processo de internacionalização, a agência pretende promover a imagem dos produtos italianos no mundo e também na Itália, por meio do investimento estrangeiro.66

65 Agência para a promoção no exterior e a internacionalização das empresas italianas (tradução própria). 66 Informações retiradas do site oficial da agência: http://www.ice.gov.it . Último acesso em 08/04/2015. 104

O Ministério das atividades produtivas (Ministero delle Atività Produttive) coordena o “departamento para a internacionalização”, no âmbito do comércio exterior e da internacionalização do sistema econômico italiano. Entre suas principais atividades, estão a colaboração a ações de cooperação internacional, coordenação de atividades voltadas à política comercial com o exterior, relações com atores públicos e privados que desenvolvem ações de promoção de trocas com o exterior e tutela da produção italiana no exterior. Abrir o mercado internacional para a Itália e a Itália para o mercado mundial é uma das atividades à qual o Ministério das relações exteriores (Ministero degli Affari Esteri) se dedica: ele também se ocupa da questão da internacionalização das empresas italianas por meio do Sistema Paese, programa que tem por objetivo principal apoiar e incentivar a presença das empresas nacionais em mercados internacionais, seja fortalecendo aquelas que já atuam no exterior, seja auxiliando a inserir novas empresas nesses mercados. Para tanto, o Ministério coloca à disposição dos interessados todo o suporte às empresas, como informações, análises e dados dos mercados externos, bem como ferramentas de coordenação e promoção para o incentivo à internacionalização.67 De acordo com Serenari (2005), se trata de valorizar os pontos fortes da produção nacional, do tradicional made in Italy e da excelência dos setores de tecnologias do país. Diversas instituições – como empresas, centros de pesquisa, associações, universidades, embaixadas e consulados – firmaram acordos com o Sistema Paese com o objetivo de promover uma visão integrada da Itália em seus componentes econômicos, culturais e científicos. A partir de primeiro de janeiro de 2016 entrou em vigor a Lei nacional 125/2014, que versa sobre a disciplina geral da cooperação internacional para o desenvolvimento, a qual substituiu a Lei 49/1987, que estabelecia a disciplina da cooperação da Itália com os países em desenvolvimento. Essa nova lei, que tem como princípio a legislação anterior de 1987, se modernizou e se adequou às necessidades da cooperação italiana atual. Entre as novas resoluções, estão a alteração da nomenclatura do Ministero degli affari esteri para Ministero degli affari esteri e della cooperazione Internazionale (Ministério das relações exteriores e da cooperação internacional), bem como a instituição de uma nova agência vinculada a este ministério, a Agenzia italiana per la cooperazione allo sviluppo (Agência italiana para a cooperação ao desenvolvimento). Com sede em Roma, a agência tem por objetivo atuar nas políticas de cooperação para o desenvolvimento, de modo a realizar atividades de caráter técnico-operativo relacionadas à instrução, formulação, financiamento, gestão e controle das

67 Para mais informações, cf. http://www.sistemapaese.esteri.it. Último acesso em 02/09/2015. 105

iniciativas de cooperação, além de ser responsável pela distribuição de serviços, assistência e suporte técnico aos setores da administração pública que atuam com a cooperação para o desenvolvimento, regulando as respectivas relações e acordos específicos. Esta lei, assim como a anterior (de 1987), não consiste em uma legislação específica para o cooperativismo, mas engloba as organizações civis e instituições sem fins lucrativos do país, o que inclui também as empresas cooperativas e as cooperativas sociais. Como se pode notar, existe um grande interesse do governo italiano no investimento das empresas nacionais no exterior, com foco especial nas pequenas e médias empresas, o que inclui a maior parte das cooperativas. Isso significa que uma grande parcela do movimento de internacionalização produtiva e comercial é fomentado pelo governo desde a década de 1950. Entretanto, como sempre foram muito enraizadas em seu próprio território e sempre tiveram interesse em seu próprio mercado interno, as cooperativas começaram a prestar mais atenção nos processos de internacionalização, de um modo geral, somente após a eclosão da crise econômica de 2008. E, nesse período, o governo italiano também se esforçou para lançar um estímulo maior para a exploração de mercados externos, na tentativa de encontrar uma alternativa para a crise interna em que se encontrava o país naquele período. O que queremos dizer é que ainda que o governo sempre tenha prezado pelo incentivo ao comércio exterior, esse movimento fortalecido e coeso sobre a internacionalização produtiva que alia agências públicas de desenvolvimento e promoção a instituições, associações e cooperativas focadas em fomentar esta ideia é um processo extremamente recente, que está ganhando forças gradativamente e ainda tem muito para avançar.

106

7. As empresas que lançam as cooperativas no exterior Ao considerar a possibilidade de internacionalizar a produção, as cooperativas contam com todo o apoio e incentivo dos governos local e nacional para empreender esse projeto. Mas além do suporte oferecido pelo setor público, há também empresas especializadas em conduzir os trâmites de todo o processo, desde uma pesquisa inicial para sondar mercados internacionais até a completa implantação de uma nova fábrica em território externo. Essas empresas que informam, auxiliam, fomentam e coordenam todo o procedimento podem ser caracterizadas como associações, cooperativas ou pertencer à iniciativa privada. E nos últimos anos, elas têm sido bastante procuradas por pequenas/médias empresas e cooperativas que desejam expandir seus negócios ou mesmo escapar da crise econômica nacional. Abaixo apresentamos mais detalhadamente três delas: a Indaco, a Coopermondo e a Inovacoop.

7.1. Indaco O projeto de lançar a Indaco no mercado partiu de Simone Mattioli, que por duas vezes foi eleito presidente da Legacoop da região de Marche. Com larga experiência no universo cooperativo, ele viu a oportunidade de um nicho de mercado que até 2008 não era explorado. A ideia de formar a cooperativa surgiu entre 2006 e 2007, e foi inspirada pelas atividades que realizava na Legacoop, onde tinha relações desenvolvidas com a América Latina, em especial Argentina, Brasil e Uruguai. Para ele, essas relações

serviram para aumentar a formação necessária, o conhecimento com relação a que coisas fazem as outras cooperativas no mundo, com relação também ao conhecimento sobre o mercado, sobretudo internacional. A ideia de constituir uma empresa como a Indaco que se ocupasse de sustentar as cooperativas no processo de internacionalização nasceu propriamente na América Latina em um primeiro momento, no qual iniciamos uma atividade que se desenvolveu no Brasil (Simone Mattioli, presidente da Indaco – Tradução própria).

Constituída oficialmente em 2008, a Indaco é uma cooperativa de segundo grau, formada por doze cooperativas,68 que desenvolve suas atividades em países específicos. Além da América Latina, seu campo de atuação está focado em países como Rússia, Turcomenistão, Azerbaijão, Cazaquistão, China, África do Sul e alguns países da costa do continente africano, como os da região que se estende de Moçambique até Senegal. O foco de suas atividades está em apoiar e administrar o desenvolvimento do comércio exterior de empresas e cooperativas

68 Na Itália existem cooperativas de primeiro grau, que são formadas por pessoas físicas, ou seja, os trabalhadores, e as cooperativas de segundo grau, que são criadas por pessoas jurídicas, especificamente outras cooperativas, como uma espécie de consórcio. 107

italianas. Desse modo, a Indaco incentiva, acompanha e gerencia o processo de comércio exterior em mercados específicos, de modo a proporcionar o conhecimento necessário sobre a área onde haverá o investimento, sobre a organização e o funcionamento local, e os conhecimentos especializados necessários para o desenvolvimento da internacionalização produtiva ou comercial de cada cliente. A Indaco é uma empresa que tem como ferramenta principal o networking, ou seja, uma rede de contatos, recursos humanos e influências, e por meio deles consolida e estabelece relações comerciais entre a Itália e os demais países. Os principais serviços oferecidos pela empresa são:  Consultoria – realiza a análise dos mercados e setores estrangeiros, a delimitação de planos estratégicos e operacionais de internacionalização e, ainda, pesquisa por modalidades de financiamentos;  Administração temporária internacional – a Indaco se responsabiliza pela gestão comercial e/ou pela gestão de projetos. Além disso, inclui-se a possibilidade de administrar temporariamente a empresa no exterior;  Networking e lobbying – promove relações e intercâmbios de conhecimentos e cumpre a representação de interesses por meio de um sistema de redes com o intuito de concatenar parcerias com os contatos internacionais da empresa, bem como entre seus próprios clientes. Além dessas atividades, a Indaco também oferece serviços de traduções, acompanhamento e interpretação no exterior, marketing e comunicação internacional, cursos de formação e coaching sobre a internacionalização, monitoramento de financiamentos e subsídios, bem como assistência a registros de produtos e certificações no exterior. Nas palavras de Mattioli: “Nós te pegamos pela mão e fazemos todo o processo para toda a sua empresa”.

7.2. Coopermondo A Coopermonodo é uma associação criada pela Confcooperative em 2007 e tem por objetivo o desenvolvimento do cooperativismo internacional por meio da cooperação entre pessoas, territórios, centros de pesquisa e instituições italianas e internacionais. Seus sócios não são pessoas físicas ou jurídicas, são federações: a Federcasse, a Federação Italiana dos bancos de crédito cooperativo, a Federcoopesca, a Federação Italiana das cooperativas de pesca, e a Confcooperative, que está dividida em federações que representam nove áreas distintas: agricultura; crédito cooperativo; pesca; trabalho e serviços; cultura, turismo e esporte; saúde; habitação; consumo e sociedades mútuas. 108

A filosofia de trabalho da Coopermondo se desenvolve sob três eixos: 1) gerir diretamente projetos de cooperação internacional; 2) propor-se como uma agência de serviços para os seus sócios e para os sócios da Confcooperative; 3) formar operadores da cooperação internacional segundo os valores do modelo cooperativo. A ocupação principal da associação é desenvolver serviços para os seus associados e para os associados da Confcooperative, e sua atividade se baseia na pesquisa e descoberta de informações para as cooperativas que desejam iniciar projetos internacionais, que vão desde linhas de financiamentos até parcerias com outras organizações ou outros países. Além disso, cria oportunidades em nível internacional para seus associados por meio de formação, de representação perante o Ministério das relações exteriores, e de ações como projetos internos e externos. Também faz parte do hall de atividades a consultoria, no sentido de ajudar a construir um projeto de acordo com os parâmetros solicitados, que possa promover o intercâmbio de práticas e informações entre a empresa italiana e a realidade do país no qual ela vai operar. A Coopermondo também desenvolve projetos comunitários de cooperação internacional. Um deles está em Togo, país da África ocidental, onde a associação está financiando duas instituições de micro finança, com o objetivo de que elas possam desenvolver a agricultura de sua região de acordo com o modelo cooperativo. Há também um projeto em Benin, também na África, onde ela auxilia um centro local que visa intervir no fenômeno do tráfico de menores. Neste projeto as atividades sociais são ofertadas junto com atividades empresariais, de modo que as crianças e adolescentes que atingem a idade adulta são encaminhadas para um projeto de formação com o objetivo de criar empresas e cooperativas. Há outros dois projetos no continente africano, localizado em Serra Leoa: um deles é desenvolvido em Port Loko – capital administrativa e segunda maior cidade do país – e financiado pela Conferência Episcopal Italiana. Seu objetivo é criar cooperativas para realizar o uso cooperativo da terra, e assim desenvolver a agricultura local e garantir a segurança alimentar da população que vive nessa região. O outro projeto, que também investe recursos visando a segurança alimentar, está localizado no distrito de Bo, e produz tanques para a aquacultura. O projeto contempla ainda um centro de formação para constituir cooperativas que possam gerir a cultivação e a venda de peixes.

7.3. Innovacoop Com o objetivo de promover o desenvolvimento internacional e estimular inovações, a Legacoop Emilia-Romagna fundou em setembro de 2012 a Innovacoop, uma sociedade que se encarrega da internacionalização e da inovação tecnológica e organizativa de suas 109

cooperativas.69 O foco de atuação da Innovacoop está na sensibilização, informação, suporte e assistência às cooperativas que optam por inovar processos e produtos, bem como melhorar e estruturar a própria presença em mercados estrangeiros. Além da Legacoop Emilia-Romagna, fazem parte desse projeto: Legacoop Piacenza, Legacoop Modena, Legacoop Ferrara, Legacoop Romagna, Legacoop Bologna, Legacoop Agroalimentare e a Associazione Nazionale delle Cooperative di Produzione e Lavoro70. Com dois eixos de atuação bem delimitados – a inovação e a internacionalização de empresas e produtos – a Innovacoop desenvolve atividades de informação e promoção sobre cada um deles. Com relação à inovação, suas ações são voltadas para serviços informativos e serviços direcionados ao crescimento da empresa como, por exemplo, formação e educação, concepção e desenvolvimento e chamadas públicas e programas de financiamento. No que tange à internacionalização, suas atividades se desenvolvem de maneira mais complexa, e versam sobre:  Serviços informativos – informações sobre chamadas públicas, oportunidades de financiamento para a internacionalização, análises de mercados, e também sobre a possibilidade de inserção de produtos em mercados estrangeiros;  Consultoria especializada – intermediação e facilitação de relações institucionais na Itália e no exterior, estudos de viabilidade de projetos das empresas, acompanhamento da estruturação de redes de empresas direcionadas à exportação, e organização de encontros e parcerias empresariais;  Planejamento – coautoria e assistência em todas as fases de desenvolvimento e de evolução dos projetos de internacionalização, projetos de promoção das empresas sobre mercados externos, assistência e acompanhamento na temática da cooperação mútua, e projetos de cooperação para o desenvolvimento.71 A Innovacoop tem ainda como metas desenvolver no interior do sistema cooperativo a cultura da inovação e da internacionalização; sensibilizar, de maneira contínua, a importância dos processos de internacionalização para as cooperativas; e apoiar a inclusão das cooperativas em um amplo sistema de relações.

69 A Legacoop apoia abertamente a aquisição ou criação de empresas privadas pelas cooperativas italianas e, em seu estatuto é permitida a admissão de empresas privadas que são controladas por cooperativas. A HPL, holding do grupo Limci, por exemplo, é uma empresa filiada à Lega delle Cooperative Italiane da região de Imola. 70 Associação Nacional das Cooperativas de Produção e Trabalho. Integram essa associação as cooperativas do setor industrial, setor de projeção e setor da construção civil. 71 Informações obtidas por meio do web site oficial da empresa: http://www.innovacoop.eu. Último acesso em 20/01/2016. 110

Roberta Trovarelli, presidente da Innovacoop, nos explicou como a sua instituição trabalha no dia a dia com a questão da internacionalização:

Antes de tudo fazemos relações internacionais e nos ocupamos de relações internacionais. (...) Primeiro de tudo difundimos, informamos as nossas cooperativas sobre as chamadas públicas, sobre as oportunidades que existem. Essa região tem um escritório de informação ao público que se chama Sprint, um escritório da região da Emilia-Romagna que anualmente faz chamadas públicas para empresas que querem ir para o exterior, organizando missões, business to business, feiras, e nós difundimos essas informações e fazemos alguma coisa a mais: nos sentamos na mesa de negociação com as outras sociedades de representação como a Confindustria, os artesãos, etc, e nessa mesa ajudamos a região a criar essas chamadas públicas e nós em particular defendemos um pouco de identidade cooperativa, pela qual buscamos verificar e controlar se essas chamadas são acessíveis também para as nossas cooperativas, ou criamos condições para que sejam. (...) [Há também casos de] empresas que querem se colocar juntas para se regulamentarem através de um contrato chamado contrato de rede, que não é uma fusão, é só uma entidade jurídica, acima de três, no mínimo três cooperativas juntas, e fazem uma entidade jurídica de objetivos comuns e isso serve para qualquer coisa, e nesse caso para internacionalizar-se. Então são empresas que se juntam para ir para o exterior, escolhem um setor, escolhem um país e essas chamadas te ajudam a fazer a análise de mercado, a identificação do business to business, um escritório comercial, virtual, etc. Nós descobrimos com a cooperação que o modelinho da rede funciona mais do que o modelo do consórcio ou modelo de agregação para uma feira. Nós estudamos a região e realizamos essas chamadas ad hoc. E também fazemos assistência ao projeto. Se três empresas chegam e querem apresentar um projeto sobre essa chamada, ajudamos a escrevê-lo. Nós ajudamos na contabilidade, para contabilizar os custos, devemos acrescentar os objetivos, com o tempo, com os custos. Chamamos esse tipo de projeto de projeto management (Tradução própria).

Quando uma cooperativa chega até a Roberta Trovarelli solicitando auxílio para a internacionalização de sua produção, a Innovacoop coordena as ações necessárias para que a empresa abra uma filial no exterior. Primeiramente inicia-se um estudo sobre o setor dos produtos e o país no qual deverá ocorrer a migração. Após essa etapa, há uma pesquisa sobre os recursos públicos e privados disponíveis e como obtê-los. A fase seguinte é aquela das relações internacionais, das influências e dos contatos, também conhecida como network: procura-se por associações de representação cooperativa no país em questão ou por cooperativas que já se estabeleceram naquela região a fim de obter informações, auxílios e parcerias. No passo seguinte é necessária a consultoria de um advogado e de um consultor de empresas para ajudar a formular a forma jurídica da empresa no exterior e qual banco local utilizar para fazer investimentos e financiamentos, bem como para abrir a empresa ou firmar uma joint-venture. Geralmente após a implantação da empresa existe um acompanhamento da Innovacoop por um período determinado. De um modo geral, as empresas que se ocupam da 111

internacionalização produtiva costumam agir de uma maneira mais ou menos padronizada, seguindo esse passo a passo. Elas lidam com pesquisas sobre o mercado internacional, pesquisas sobre os produtos, pesquisas sobre os recursos disponíveis e, o mais fundamental, contatos e influências internacionais, que são fundamentais para oferecer informações e facilitar todo o processo no exterior.

7.4. Nexus Emilia-Romagna Diferentemente das instituições acima relacionadas, a Nexus Solidarietà Internazionali Emilia-Romagna não tem como escopo lançar empresas cooperativas no exterior explorando a internacionalização comercial e produtiva. Trata-se de uma ONG criada em 1993 pela CGIL Emilia-Romagna que tem por objetivo principal promover a cooperação para o desenvolvimento por meio da interculturalidade e da solidariedade, o que inclui, entre outras atividades, o fomento do cooperativismo internacional. A Nexus já completou mais de 150 projetos de cooperação em cerca de 24 países, e atualmente está desenvolvendo atividades em 14 deles. Por estar vinculada à CGIL, tem uma atenção particular ao viés sindical, mas também atua em propostas que visam as questões de gênero e o cooperativismo. Entre os projetos que a instituição lidera, estão aqueles voltados para o desenvolvimento sustentável, a soberania alimentar, o acesso a recursos, os direitos de gênero, os direitos à cidadania e os direitos sobre o trabalho. A Nexus possui uma forte atuação na África, fomentando cooperativas na Tunísia, no Sudão, em Moçambique e em Senegal. Também promove pequenas cooperativas nos campos de refugiados no Sul da Argélia. Além disso, possui uma grande presença na América Latina, desenvolvendo trabalhos com cooperativas da Argentina, Uruguai e Brasil, onde tem uma sólida relação com o sindicalismo brasileiro e com a Unisol Brasil. No Chile, participa de uma atividade que visa a salvaguardar a identidade indígena, em especial dos povos Mapuchi. Sandra Pareschi, presidente da organização, nos relatou sobre como funciona o trabalho da Nexus:

A nossa ação é aquela de entrar em contato principalmente com entidades que estejam próximas do sindicato, ou pode ser o próprio sindicato. Por exemplo, no Senegal, o sindicato está muito preocupado com a organização das mulheres sobre esse fenômeno de escravidão e exploração sexual que acontece em relação a meninas que chegam do campo para trabalhar na cidade como empregadas domésticas, então pediram para nós ajudarmos na criação de cooperativas de mulheres. Aqui ajudamos diretamente o sindicato a fazer uma formação para as meninas sobre todos aqueles que são os direitos trabalhistas como empregadas domésticas, e fazer uma espécie de prevenção contra a 112

exploração e [ensinar como] organizar essa cooperativa. No começo é uma espécie de incubadora que fica dentro de estruturas do próprio sindicato.

Ela também nos contou como foram suas primeiras atividades realizadas no Brasil:

No Brasil foi muito diferente, nós tentamos apoiar cooperativas que vinham de falências de empresas, então empresas recuperadas. Quando nós entramos no Brasil a primeira foi no Rio Grande do Sul, a Erechim, que era uma cooperativa de leite, e nós ajudamos o sindicato a recuperar essa fábrica e transformá-la em cooperativa e também tentar uma conexão entre aquela cooperativa e a Granarolo, que tem uma presença aqui na Emilia-Romagna que era concorrente da Parmalat, a qual estava tentando a aquisição de todas as fábricas do Brasil. A Granarolo apoiou a formação desse grupo que estava formando a dirigência para poder controlar melhor a fábrica. Então assim começou. Depois apoiamos a Unisol como instância de segundo grau que dava serviço para as empresas, e algumas redes e cooperativas específicas, principalmente a Justa Trama, que é do algodão orgânico, e ajudamos a Justa Trama a resolver problemas que tinham na constituição da cadeia do algodão orgânico seja em relação aos produtores de algodão, fazendo formação, ajudando com pequenos equipamentos, e também a parte que era mais difícil para a Justa Trama resolver, que era aquela dos modelos e do jeito no qual fazer uma costura de camisetas e de outros objetos. Trabalhamos com a cadeia do mel, para ajudar na certificação ou com a mandioca, sempre através de formação, ajudando também a Unisol para ter recursos para fazer diretamente a formação com esses produtores que estavam organizando essa cadeia da mandioca que estava na Bahia. Depois também tentamos ajudar uma relação regional entre o Uruguai e o Brasil, através principalmente dos projetos, agora estamos elaborando o terceiro [projeto].

Contudo, a proposta mais interessante em que a Nexus está envolvida, é a promoção da Red del Sur, projeto que articula uma rede de cooperativas internacionais, onde cada uma delas é responsável por determinada parte da cadeia produtiva. A Red del Sur é administrada e financiada pela ONG italiana COSPE,72 e tem como objetivo dedicar-se à representação dos empreendimentos cooperativos dos países que constituem o Mercosul, de modo a promover as organizações que integram a economia social e solidária do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e a colaborar com a expansão da democracia econômica, social e política da região. De acordo com Sandra Pareschi, o trabalho que a Nexus desenvolve dentro do projeto Red del Sur se baseia no apoio e suporte aos recursos necessários para que a cadeia produtiva seja viabilizada:

72 A COSPE – Cooperazione per lo Sviluppo dei Paesi Emergenti, ou Cooperação para o desenvolvimento de países emergentes, é uma organização sem fins lucrativos fundada em 1983 que visa o desenvolvimento local por meio de projetos que viabilizam a diversidade, a solidariedade, a autonomia, a democracia e a participação. Para conhecer mais sobre o seu trabalho, cf. http://www.cospe.org. Último acesso em 21/01/2016. 113

Nós ajudamos com os nossos próprios recursos a promover as cooperativas dentro de um projeto que se chama Red del Sur. Foram organizadas numerosas cooperativas também com o apoio do poder público, com recursos públicos do Rio Grande do Sul. As cooperativas de catadores se organizaram e receberam armazéns locais e também pequenos equipamentos do poder público, que organizou essas cooperativas especialmente para recolher o pet das garrafas de pet e limpá-las para fazer a primeira parte do processo que é aquela de dividir em pedacinhos pequenos o pet. Eles enviaram para uma empresa recuperada do Uruguai, a Copima, que está tentando renascer, ela tinha sido fechada, então os próprios trabalhadores estão voltando a organizar essa Copima, e ela transforma esses pedacinhos pequenos em flake, que é a pequena pluma de material [da garrafa pet]. Daí essa pluma é enviada para uma parte da cadeia da Justa Trama, que fica em Minas Gerais, transforma esse flake em fio, faz o tecido, e manda de volta para o Rio Grande do Sul [para] outras cooperativas também fazerem sacolas e outros produtos. Então está tudo dentro de uma relação de economia solidária que envolve dois países da região e esse foi o primeiro apoio que nós demos. Então o que acontece, você ajudou a organizar catadores, recuperar uma empresa e organizar também a relação entre catadores do Brasil e do Uruguai que estão muito mais atrasados no trabalho de organização. Isso foi ajudar no processo de inclusão social, não é exatamente business, mas principalmente inclusão social.

A Nexus também se envolveu em outros projetos em que as cooperativas se beneficiavam da internacionalização de parte de seu processo produtivo. Um deles trata de uma cooperativa uruguaia de mulheres que se responsabilizam pelos cuidados de idosos e que também produzem cosméticos naturais. O papel da Nexus foi colocar essa cooperativa em contato com a Justa Trama no Brasil,73 para que pudessem trabalhar em conjunto na produção de estojos a fim de agregar valor aos cosméticos:

Pusemos em contato todo o processo da Justa Trama do algodão orgânico com uma cooperativa muito interessante do Uruguai que se chama Caminos, e que tem dois tipos de processo produtivo: um é a “ajuda”, eles chamam de ajuda, isto é, eles lidam com idosos, tudo aquilo relacionado à terceira idade, são serviços sociais de acompanhamento de ajuda para fazer compras nas casas, de uma pequena parte de enfermagem assim para idosos. É uma cooperativa quase toda de mulheres, são umas 150 mulheres muito organizadas. Também tem uma linha de cosméticos naturais. Então nós colocamos em contato a Justa Trama com essa cooperativa, por enquanto aquilo que foi desenvolvido foi a produção de pequenos estojos de algodão orgânico para dar um valor agregado a esses produtos e fazer como estojos de produtos de beleza. Mas agora estão organizando também os produtores de matéria-prima. Então da parte da agricultura natural, que faz produtos, que cultiva produtos que são usados por

73 A cooperativa Central Justa Trama se denomina como uma cadeia produtiva que trabalha sob os valores da economia solidária e do comércio justo. É composta por sete cooperativas que reúnem um total de 700 trabalhadores que estão localizados em seis estados diferentes: Rondônia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O início da cadeia produtiva se dá por meio do plantio do algodão agroecológico e é finalizada na comercialização de peças de confecção produzidas a partir da produção desse algodão. Para conhecer mais sobre a cooperativa, cf. http://www.justatrama.com.br. Acessado pela última vez em 21/01/2016. 114

essa rede. Então as cooperativas são quase todas de mulheres, e estamos ajudando nisso. E agora estamos também organizando para novembro desse ano [2014] um encontro no Brasil entre os cooperados do Brasil e os cooperados do Uruguai, metalúrgicos, têxteis, químicos e catadores e tudo, porque são dois países de fronteira para ver tudo aquilo que o Mercosul pode oferecer para uma troca direta de experiência entre os cooperados. Então essa é uma atividade que nós proporcionamos diretamente.

Conforme mencionamos acima, os objetivos da Nexus são bastante distintos das demais instituições que promovem a internacionalização das cooperativas. Enquanto a Nexus baseia suas ações em programas de inclusão social por meio da economia social e solidária, a Indaco, a Coopermondo e a Innovacoop – ainda que incluam a possibilidade de realizar trabalhos comunitários conjuntamente com suas atividades – focam suas ações em uma política de resultados para resolver questões como expansão comercial, concorrência, competitividade e lucratividade de um modo geral. Mas a Nexus está aqui para mostrar, com esses exemplos citados por Sandra Pareschi, que é possível organizar e internacionalizar a produção entre cooperativas de diversos países. A lógica de criar empresas em outros países com o objetivo de internacionalizar a produção é uma escolha puramente baseada nas vantagens que isso proporciona dentro do sistema capitalista. Desenvolver relações de solidariedade dentro do mercado capitalista é uma opção para aqueles que desejam continuar sob os princípios cooperativos, mas deixa de ser uma possibilidade viável quando o que está em evidência são apenas vantagens competitivas e lucros. Acreditamos que internacionalizar a produção das cooperativas por meio da criação de uma empresa não é o único jeito, é uma escolha consciente. Contudo, é possível que a opção por uma internacionalização mais solidária se configure como um modelo que possa ser aplicado mais facilmente em alguns setores produtivos (como, por exemplo, nas cooperativas de apicultores, de reciclagem, de costura e de artesanato), mas se torne um grande desafio para outros setores, como o industrial, que exige um grande investimento de capital e de tecnologia, e que está inserido em mercados muito mais competitivos.

115

8. Reflexões e perspectivas sobre o cooperativismo e a internacionalização Ao entrevistarmos os representantes de diversas instituições que se ocupam especificamente dos trabalhadores, seja no movimento sindical, no movimento cooperativo ou no fomento à internacionalização produtiva, percebemos aspectos, ideias e perspectivas tanto semelhantes quanto destoantes, que revelam um pouco da cultura e da dinâmica das cooperativas italianas. O primeiro aspecto levantado diz respeito à relação que as cooperativas possuem com o território e com o processo de internacionalização. Até muito recentemente, a expansão dos negócios por meio da internacionalização produtiva não estava no topo da lista de desejos das cooperativas italianas. Ao contrário, por serem muito enraizadas ao território, elas nunca olharam para fora, apenas para o seu próprio país.

As cooperativas, pela sua natureza, são muito ligadas ao território. A base social, ou seja, os proprietários da cooperativa que são os sócios, pertencem ao território. E as cooperativas são preguiçosas, porque especialmente até esse último período importante no qual ocorreu a crise mundial, as cooperativas em média estavam muito bem em suas casas. Era fácil trabalhar no território, era fácil trabalhar e fornecer serviços e produtos no nosso território. Nascemos na Itália, uma região de fronteiras, e então não havia essa grande vontade de ir para o exterior (Roberta Trovarelli, predidente da Innovacoop – tradução própria).

Entre as cooperativas, são poucas aquelas que começaram o próprio percurso de internacionalização antes da crise, e algumas possuem experiência. Mas a maioria das cooperativas na realidade estão dentro de casa, estão na Itália, interessadas no mercado interno. Algumas tentaram também o mercado internacional, porque o mercado interno não é suficiente para quem faz coisas inovadoras. Outras começaram a entender essa coisa com a crise, porque o mercado interno se reduziu drasticamente. Hoje todos falam de internacionalização. (Simone Mattioli, presidente da Indaco – tradução própria).

O marco decisório que fez com que as cooperativas mudassem o seu olhar e a sua postura foi a crítica situação econômica em que o país se viu após a crise mundial que aflorou em 2008, a partir da qual começaram a perceber que aquelas empresas e cooperativas que já haviam internacionalizado sua produção anteriormente conseguiam superar a crise com mais facilidade do que aquelas empresas que estavam confinadas apenas em seu próprio território. Esse momento também foi bastante propício para que o governo e as agências de fomento cooperativo investissem fortemente na internacionalização. Os entrevistados são unânimes ao dizer que a mola propulsora para que as cooperativas começassem a se interessar pela possibilidade de internacionalizar seus produtos e sua produção foi a crise econômica. 116

A globalização aliada à crise, à grande crise de 2008, demonstrou a falência do modelo de privatização das empresas e forneceu dados estatísticos nos quais entendemos que as cooperativas e todas as empresas que trabalhavam com o exterior estavam melhores do que aquelas que trabalhavam só na Itália ou só nas regiões [italianas]. As cooperativas internacionalizadas resistiam melhor à crise. O prolongamento desse ano de crise impulsionou as cooperativas a procurar novas metas e novos mercados, também para compensar um pouco aquilo que não podiam vender aqui e então houve um novo impulso (Roberta Trovarelli).

Por causa da crise, porque não tem mercado em todo o país e assim motivou todos a pensarem em internacionalizar. Ocorreu também um grande investimento por parte de entidades públicas italianas para apoiar processos de internacionalização colocando condições de financiamento, investindo em conhecimento, organizando agências, e tudo isso motivou sempre cada vez mais empresas desse país a sentir a necessidade de ir para outras fronteiras nacionais (Simone Mattioli).

Cada cooperativa se internacionaliza buscando um nicho de mercado para um produto, ou as cooperativas se internacionalizam buscando nichos de mercado para trabalhar, porque com a crise italiana sabemos que está fechando sempre cada vez mais o mercado italiano, e assim as cooperativas buscam oportunidades para trabalhar no exterior, fazendo no exterior aquilo que já fazem há tantos anos na Itália (Danilo Salerno, diretor da Coopermondo – Tradução própria).

Essa situação expõe as cooperativas a uma importante contradição, pois por mais que elas estejam ligadas ao seu território e se esforcem para lá permanecerem de modo a fortalecer o vínculo com a comunidade local, se veem obrigadas a internacionalizar seus produtos e sua produção para conseguir superar a crise econômica. Certamente, em um futuro não muito distante, o processo de internacionalização vai refletir de alguma maneira na relação que as cooperativas e as pequenas e médias empresas possuem com seus distritos industriais e com seu território. A lógica do pertencimento comunal e a dinâmica do regionalismo italiano poderão passar por importantes transformações. Contudo, é importante enfatizar que o processo de internacionalização produtiva entre as cooperativas já existia há algumas décadas e inclusive antecede à difusão do fenômeno da globalização entre os anos de 1970 e 1980. O movimento que aqui descrevemos trata precisamente do fenômeno de massificação dessa internacionalização que já ocorria anteriormente de maneira pontual. Cooperativas como a Limci e a CMC, por exemplo, já deslocam a sua produção para o exterior há mais de 40 anos, mas são exceções. Devido ao fato de as pequenas e médias empresas e cooperativas italianas sempre estarem muito vinculadas ao seu próprio território, a ideia de internacionalização nunca agradou a maioria que, ao ser afetada 117

pela crise econômica, passou a encarar esse processo como um remédio amargo, mas necessário. Ao perguntarmos para os nossos entrevistados se as cooperativas já se internacionalizavam antes da crise de 2008, eles são precisos ao responder que a internacionalização, tanto produtiva quanto comercial, já ocorria há muito tempo.

Na realidade o que eu digo é que isso sempre aconteceu, só que agora é muito mais evidente, porque as cooperativas são um movimento internacional que aderiu à International Cooperative Aliance, e desde o início sempre olharam para o exterior. Olharam como? Ou em um ponto como oportunidade de trabalho com a internacionalização de um produto, ou através de ações de solidariedade de cooperação para o desenvolvimento. Existem grandes cooperativas ou consórcios de cooperativas penso que em Melinda ou em Trentino ou até mesmo grandes cooperativas na Emilia-Romagna que ocupam espaço de mercado, por exemplo, nos Estados Unidos, no Canadá ou no exterior. Mas também existem pequenas cooperativas ou cooperativas médias que fazem projetos internacionais de negócios ou de solidariedade e isto sempre existiu. Neste momento é mais evidente porque há uma necessidade de responder à crise, buscando novos espaços de trabalho, então muito mais evidente em relação ao que aconteceu no passado (Danilo Salerno).

Temos as empresas que historicamente são internacionalizadas, mas por escolhas dos gestores. (...) Não tem um momento em que se começa, é um processo. (...) Fundamentalmente as cooperativas são preguiçosas, e então permanecem presas ao território. Mas seguramente a crise, a modernização e a globalização também começaram a chegar nas orelhas das cooperativas. Mas nas pequenas empresas não tem um momento, tem uma conjuntura de fatores no último decênio. (...) Temos grandes cooperativas que já faziam, faziam há muito tempo. Contudo, começamos a estruturar essa assistência há pouco tempo, e essa região vem promovendo um movimento para ajudar a internacionalização. As câmaras de comércio produzem chamadas públicas para a internacionalização, e assim que efetivamente nós começamos naquele período a fazer atividades de fusão, informação, para procurar ajudar também a buscar oportunidades, inclusive para as cooperativas pequenas e médias, não apenas aquelas grandes que são tradicionalmente internacionalizadas. Não apenas a Limci, mas há também a CMC da construção que tem grandes obras em Xangai e muitas também no centro da África do Sul. Temos cooperativas como a Granarolo, que não é uma cooperativa, é uma sociedade integralmente de propriedade da cooperativa, que tem uma boa experiência de internacionalização. Temos a [cooperativa] Cantine Riunite, o maior grupo europeu de vinhos que tem sede na Reggio Emilia, que adquiriu três distribuidores no Brasil. Tivemos tentativas de internacionalização também do consumo, que foi para a Croácia, depois voltou atrás. Tivemos experimentos de internacionalização de sementes, da cultura agrícola em Cuba, então existem variados exemplos que foram precedentes a nós, precedentes a mim, a esse serviço [de internacionalização produtiva]. Comigo começamos a trabalhar um pouquinho sobre a sistematização da informação, sobre a convergência também de cooperativas de média dimensão e de pequena dimensão para começar a fazê-los saber que existe um mundo no qual eles podem se desenvolver (Roberta Trovarelli).

118

Os profissionais que lideram essas empresas de fomento à internacionalização produtiva são atores do universo cooperativo e trabalham diretamente com os empreendimentos. Mas como eles percebem as cooperativas? Como empresas que precisam enfrentar a concorrência e garantir o seu lugar no mercado ou como cooperativas que, acima de qualquer questão, priorizam o trabalhador, a democracia, a solidariedade e a autogestão? Roberta Trovarelli foi enfática ao dizer que a cooperativa, antes de ser uma cooperativa, é uma empresa:

A empresa cooperativa é uma empresa antes de tudo. Depois tem a responsabilidade ambiental e social. Mas, principalmente, a responsabilidade econômica. Como toda empresa está sob o mercado, como toda empresa faz as suas escolhas. Não se vai a uma empresa da Confindustria [Confederação das Indústrias italianas] condenar as exigências das suas empresas de internacionalizar, porque faz parte da estratégia de mercado. Não tem diferença entre a cooperativa e uma outra empresa. (...) As empresas cooperativas são empresas antes e depois são cooperativas. Ou melhor, socialmente e para responsabilidade social primeiro são cooperativas, mas estamos falando de estratégia de internacionalização, não estamos falando de valores, de princípios, de sociologia, antropologia. Estamos falando de economia. E na economia devo dizer que as cooperativas são empresas. Então estão dentro do distrito colaborando com as outras empresas, vivem o mesmo movimento (Roberta Trovarelli).

Ao perguntarmos se concordavam que “uma cooperativa antes de ser uma cooperativa é uma empresa”, os outros entrevistados tiveram respostas semelhantes, e concordaram, de maneira mais branda, com o argumento de Trovarelli. Em diversas ocasiões ouvimos de pessoas envolvidas com o movimento cooperativo a justificativa de que a cooperativa deve se portar como uma empresa para conseguir manter e criar novos postos de trabalho, elemento que é um dos pontos cardeais do cooperativismo. Contudo, não existe mágica: o êxito empresarial advém da redução de custos, que quase sempre recai principalmente na exploração do trabalho.

Para que você possa continuar a produzir, a oferecer trabalho, a manter o trabalho, etc, deve ser uma ótima empresa. Deve ter uma ótima capacidade de administrar e gerir. Então entendo, o cooperado deve dizer: primeiro também é uma empresa. Porque se vou mascarar este aspecto com o fato de que nós somos uma cooperativa, podemos fazer conversas superficiais sobre argumentos sérios, podemos perder tempo. Eu também [que sou] da sociedade que se ocupa da internacionalização te digo que as dificuldades principais das cooperativas são a lentidão nas decisões, os tempos difíceis, a incapacidade de assumir riscos, de correr riscos e não saber ousar. São todas limitações de uma falta de empreendedorismo, uma falta de ações de gerenciamento empresariais, de gestão forte e qualificada. Então, estou de acordo com isso. Mas devo dizer, a lógica empresarial não pode passar por cima daquele lado mais social, aquele elemento que a cooperativa representa. É uma empresa cooperativa, não é que aquele vem primeiro que o outro, ambos vem juntos. (Simone Mattioli). 119

As cooperativas são empresas, absolutamente, as cooperativas são empresas. E isso é muito claro. São empresas que estão sob o mercado, que devem saber estar no mercado, mas ao estar sob o mercado possuem uma atenção particular para desenvolver determinadas necessidades sociais, culturais, etc dos próprios sócios (Danilo Salerno).

Seguramente essa é a realidade, porque também a cooperativa é uma empresa. Não sei o que quer entender com empresa, contudo, é uma entidade que deve criar trabalho, deve dar trabalho, deve gerar custos de trabalho. É claro que tudo que é pela própria empresa deve fazer bem, deve fazer o possível. E depois é também uma cooperativa, é algo a mais, eu acredito nisso. Mas o que acontece é que aquela cooperativa é uma empresa, certo? Uma empresa que nesse caso há os sócios cooperados que devem fazer a gestão, devem fazer a produção, devem fazer tudo (Mattia,74 sócio e montador da cooperativa Limci – tradução própria).

A cooperativa é como uma outra empresa sobre o mercado. Então há os mesmos problemas, as mesmas vantagens de uma sociedade de patrões, uma sociedade por ações (Giovanni, sócio e vice-presidente da cooperativa Limci – tradução própria).

Fizemos a mesma indagação para Sandra Pareschi, que não lida diretamente com a internacionalização produtiva, mas que atua diretamente com internacionalização e cooperação para o desenvolvimento cooperativo. A sua lógica de pensamento é um pouco diferente, e em sua fala ela defende que o trabalhador vem antes da empresa. Contudo, todos estão de acordo que a cooperativa deve ser uma empresa para gerar trabalho e mantê-lo.

É também uma empresa, tem que ser sustentável, mas tem cooperativas de várias naturezas. Então por exemplo tem as cooperativas sociais. Elas começam muitas vezes sem sustentabilidade, tem que mirar para a sustentabilidade. Mas se você fala antes de tudo é uma empresa já está com uma visão capitalista, né? Antes de tudo são os trabalhadores, não antes de tudo é uma empresa. Antes de tudo é um grupo de trabalhadores que se colocam juntos para chegar a um objetivo. Entre os objetivos é também ter um salário digno, então claro que mira a sustentabilidade, mas se você fala que antes de tudo é uma empresa, quer dizer que todo o resto... (Sandra Pareschi).

Ao se inserir no universo cooperativo é muito comum encontrar atores envolvidos com a causa, que enxergam a paridade de postura e de comportamentos entre uma empresa capitalista e uma cooperativa como algo plenamente normal e aceitável. Mas para aqueles que ao falar sobre cooperativismo se atentam minimamente aos princípios da economia social e solidária, este fato não é tão aceitável quanto parece, e na realidade revela problemas estruturais

74 Os nomes dos trabalhadores da cooperativa Limci foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados. 120

que podem se traduzir na ruína dos valores cooperativos. Quando falamos em deslocar a produção para outro país, é inegável que existam grandes vantagens à vista e que elas são, acima de tudo, a real motivação que move os esforços para se internacionalizar. Mas a principal questão é que a internacionalização produtiva aproxima a postura da cooperativa ao padrão mercantilista do sistema capitalista, e isso descaracteriza completamente a essência do empreendimento e do movimento cooperativo. Está claro, por exemplo, que as cooperativas vão para o exterior na tentativa de remediar a sua situação financeira às custas dos trabalhadores e dos consumidores de outras nações. Conforme esclarece o diretor da Coopermondo,

A cooperativa aqui na Itália que decide internacionalizar-se vai trabalhar no exterior e por meio dos lucros que realizam com o processo de internacionalização, contribui para consolidar uma estrutura, uma organização na Itália que talvez esteja sofrendo por conta da crise, e que graças a um mercado externo resulta em compensar os efeitos da crise no território italiano (Danilo Salerno).

O que distingue uma cooperativa de qualquer empresa multinacional quando ambas adotam esse tipo de estratégia empresarial? Será possível a internacionalização caminhar lado a lado com os valores cooperativos? Será que as cooperativas exportam para suas filiais no exterior os princípios da economia social presentes em sua matriz? Nossa aposta é que isso seja possível, contudo, não acreditamos que efetivamente aconteça. Se uma cooperativa caminha verdadeiramente por esse lado da economia social, não irá optar, em primeiro lugar, por buscar novas rotas produtivas a fim de minimizar custos e tampouco irá privar os seus trabalhadores do acesso à sua base social, onde quer que eles estejam alocados. Mas os nossos entrevistados acreditam que possivelmente as filiais das cooperativas reproduzam a mesma postura da matriz italiana.

Isso fazem automaticamente aplicando essa ética com a qual eles operam como cooperativa, é evidente que é um valor que transmitem a todas as suas [empresas] controladas (Rita Linzarini, Legacoop Imola – tradução própria).

Não sei. Espero que imponha o respeito dos valores, do trabalho, a consulta democrática, os seguros, as melhores vantagens, a segurança no trabalho, talvez a bolsa de estudos para o seu filho que vai para a universidade, etc, coisas que fazem aqui que é um pouco desses valores, dessa matriz, desse DNA cooperativo, que esteja também em todas as empresas satélites da Limci. Me deixa com esse sonho se você sabe que não é assim (risos). Eu faria assim se tivesse uma cooperativa para internacionalizar. Iria para os países onde devo ir e faria justamente os negócios, [sendo uma] boa empresa, mas com relação às pessoas que estão no centro exato da cooperativa (Roberta Trovarelli). 121

É importante que quando uma cooperativa entra no mercado internacional, o faça com esse espírito cooperativo, com os mesmos valores cooperativos, que há no interior de seu país de origem. É igualmente importante que a cooperativa não faça a cooperativa na Itália e uma sociedade por ação, [de modo a] comportar-se como uma multinacional na África. Seria complicado. Acredito que os mesmos valores que são difundidos no cooperativismo na Itália, por exemplo, devem ser apresentados também em outro lugar quando a cooperativa deixa o país (Simone Mattioli).

Depende de como é feita essa internacionalização. Se você procura agregar valor levando também a sua competência em lugares que são menos desenvolvidos, ou que tem um outro jeito de se desenvolver diferente do seu e isso cria intercâmbios, maiores oportunidades de mercado e crescimento recíproco, é muito positivo. Se a internacionalização é entrar em outros mercados para desfrutar com a força maior de um país que talvez tenha mais competência em um processo de industrialização mais antigo, explorar outros mercados piorando talvez a situação de quem está lá, não gosto, então depende de como é feita a internacionalização, mas isso vale também para os mercados locais. Então depende de quais são os valores que mexem a cooperativa ou que mexem as empresas. Podem não perder esse valor cooperativo, pode ser até uma coisa que cresça esse valor cooperativo, depende. (...) Falando dos brasileiros, por exemplo, na construção civil, me fizeram uma crítica que muitas vezes as cooperativas chegam da Itália achando que elas vêm para fazer um business e se apoiam em cooperativas brasileiras, mas não para mutualmente se ajudar no crescimento comum, mas para fazer um business. Às vezes mesmo explorando os conhecimentos e as relações de cooperativas que estão no Brasil, mas não arrecadando, por exemplo, recursos, fundos e outras coisas assim (Sandra Pareschi).

Acreditamos que formar uma cooperativa em outro país, ou ainda, fazer sociedades e parcerias com cooperativas de outros países, em vez de simplesmente abrir filiais, seja uma solução coerente para preservar os valores cooperativos e ainda assim continuar competindo no mercado com as demais empresas. Mas a justificativa para barrar essa possibilidade, como mencionamos anteriormente, está nas distintas leis entre os países.

A complicação está na lei. Não existe uma legislação única para a cooperação. Nós tentamos fazer, criar e fundar a cooperativa europeia, havendo a possibilidade de constituir cooperativas europeias, consórcios de países, consórcios de outros países, de mais países e é uma coisa que não decolou, apesar de trabalharmos desde 2004, porque a legislação local, dos governos locais, é muito diferente. (...) Sei que o que impede a difusão da cooperativa italiana como cooperativa italiana no exterior é a legislação (Roberta Trovarelli).

Não sei se pode existir... Não acredito que exista na legislação italiana duas cooperativas que fazem parte de um mesmo grupo, eu não acredito. (...) Eu acredito que [existir] duas cooperativas no mesmo grupo não é possível, acredito. Nunca vi nada como uma estrutura assim, para ser sincero. Deve ser 122

complicado de existir. Deve ser complicado. Se havia criado como princípio a assembleia social, depois seriam duas [assembleias]. Não acredito que funcione direito (Francesco, sócio da Limci, técnico – tradução própria).

Aqui vale evidenciar uma grande contradição: ao internacionalizar a produção, as empresas estão motivadas principalmente pela mudança de legislação, justamente porque será através dessa mudança que elas irão se beneficiar. Se a legislação fosse universal, ou seja, idêntica em todos os países, nenhuma empresa ou cooperativa se internacionalizaria, e obviamente iriam preferir investir no próprio território. Mas como essas empresas estão buscando flexibilização de custos, especialmente custos trabalhistas e custos com impostos, elas transferem sua produção para um local onde exista uma legislação que as beneficie mais do que as leis presentes onde se localiza a matriz. Dessa forma, o argumento para não propor cooperativas no exterior se justifica no empecilho da legislação, sendo que é justamente ela que as empresas perseguem com a internacionalização. Ao entrevistarmos as lideranças da Legacoop Imola, Rita Lanzarini nos deu uma visão mais específica sobre a questão de a legislação se configurar efetivamente como um problema. Apesar de fazer uma análise mais profunda sobre a complexidade de se internacionalizar a produção de forma cooperativa, sua resposta não nos pareceu muito convincente:

- Qual é a opinião da Legacoop sobre o fato de que a Limci nasceu como uma cooperativa e depois não optou pela criação de novas cooperativas no seu processo de crescimento e de internacionalização? Como é feita a legislação hoje, a Limci, por exemplo, participa às vezes de consórcios, mas não é possível, da forma como é feita a legislação italiana, controlar uma cooperativa por uma só pessoa, no sentido de que as cooperativas são organizações democráticas. Então a cooperativa poderia entrar e pode entrar ainda, em outras cooperativas, mas não no controle. Então no momento em que uma cooperativa opta pelo crescimento e pelo desenvolvimento, duas são as oportunidades que existem: ou cria um novo negócio dentro da cooperativa e cresce nesse sentido ou decide por não sobrecarregar muito a Limci, mas desenvolver-se com as [empresas] controladas. Contudo, se ela criasse outras sociedades cooperativas, não seria mais o seu negócio. Isto é, ajudaria, daria suporte para criar outras sociedades, mas que não seriam mais controladas pela Limci, porque isso seria impossível, na cooperativa tudo vale um. Então se a Limci tivesse investido 1 bilhão, não seria controlado. Agora, no momento em que os seus sócios devem decidir gastar 1 bilhão para dar vida a um outro negócio, gastar 2 bilhões na pesquisa, não podem pensar que isso vai para o benefício de todos. Podem pensar que vai para o benefício da coletividade, que se cria uma outra sociedade, que se criam outros postos de trabalho, mas ligados à Limci. Não sei se consigo fazê-la me entender. As oportunidades eram: ou fazemos a Limci crescer e colocamos tudo dentro da Limci, tudo o que fazemos, com um problema logístico de espaço, de móveis, de investimento, isto é, a Limci, você viu, não tem outro espaço, ou deveria deslocar, ir para outros lugares, coisa que ela não quer fazer, porque a Limci é ligada e enraizada ao território. Mas não poderia expandir-se, não? 123

Não se pode ter filiais, não como empresas privadas, mas como cooperativas? Sim. De fato, poderia fazer. Ou essa escolha e então deslocar e manter tudo dentro do grupo Limci, ou desenvolver-se criando outras sociedades controladas, onde ela poderia, contudo, definir quais seriam os âmbitos de intervenção, os desenvolvimentos, os investimentos. A Limci considerou oportuno fazer desse modo, mas são escolhas pessoais do grupo dirigente. São escolhas empresariais.

E como a Legacoop vê essas escolhas empresariais? São escolhas, eu acredito que estratégicas-administrativas, que são todas as vezes avaliadas, na medida em que, se eu digo minha opinião pessoal, talvez todas as vezes você poderia avaliar se um determinado negócio é melhor inserí-lo dentro da cooperativa ou deixá-lo como controlada. [...] Quando se desenvolve assim em outra parte do mundo, talvez também seja difícil ter funcionários, no sentido de que eu assumo você no Brasil como funcionária da Limci e depois no dia seguinte, será que isso pode me dar o direito, se eu fecho a Limci do Brasil, de te chamar para Imola? É complicado. Nesse sentido é complicado muitas vezes para administrar. Pode ser um negócio no qual eu gostaria de entrar, mas pode ser que depois não haja pernas, força, ou que não seja indispensável ao meu negócio principal como eu acreditava. Então se estamos todos dentro, como eu faço para dizer que demito você e não demito ele, no momento em que somos todos trabalhadores da Limci? Acredito que teria problemas também com a linha de crédito que você iria pedir como Limci, entende? Existem coisas que acredito que estejam ligadas também à legislação dos vários países onde se opera, nem tudo é sempre possível. E depois existem as escolhas objetivamente estratégicas. [...] Precisa avaliar. Para mim isso é importante, que as escolhas estratégicas importantes partam da cooperativa, da matriz e ali onde se avalia que coisa faz, onde ir e como ir. Isso eu acredito que seja uma coisa importante porque quero dizer que fica tudo nas mãos dos sócios de Imola. Se ao contrário existem sócios no Brasil, não digo que sejam menos importantes, contudo, o diálogo, a relação seria muito mais complexa (Rita Linzarini).

Em seu depoimento, Rita evidencia que se trata de estratégias puramente empresariais e que nesses momentos de decisão, a identidade cooperativa desaparece. O argumento que diz respeito à legislação nos parece bastante frágil, porque de fato não existe na constituição italiana nenhum ponto que diga claramente que é ilegal o ato de criar parcerias com cooperativas ou mesmo criar cooperativas no exterior, tanto que já mencionamos com exemplos que essas relações são possíveis. É uma questão de decisão estratégica que visa tão e somente o êxito dos negócios na empresa. Além disso, a legislação se altera em todos os países, independentemente de se tratar de uma cooperativa ou de uma empresa comum e, portanto, quando uma cooperativa abre uma filial no exterior, ela seguirá a legislação daquele país obrigatoriamente. E se a cooperativa tem que se adequar às distintas leis que existem nos outros países de qualquer modo, qual a diferença entre formar uma empresa, uma joint-venture ou uma cooperativa? Mas a questão que Rita traz à luz é muito importante para o debate: se a cooperativa decide fechar 124

suas portas em determinado país, o que ela fará com os cooperados daquela unidade? Demitir funcionários é uma das ações mais simples que uma empresa realiza em seu cotidiano. Mas demitir ou incorporar em outra planta um trabalhador cooperado talvez seja uma tarefa mais complexa, que exija um pouco mais de boa vontade. Ao falarmos em estratégias empresariais, o dirigente sindical da FIOM/CGIL, Stefano Pedini, demonstrou grande preocupação com o processo de internacionalização que vem tomando corpo nos últimos anos em Imola. Ele acredita que cada vez mais estão desaparecendo determinados valores que faziam parte do mundo da cooperação. Para exemplificar sua preocupação, nos contou que em 2013 o sindicato lançou uma ação de denúncias públicas contra as cooperativas imolesas que internacionalizam a sua produção, visando apenas o aumento de seus lucros. A denúncia tinha por objetivo sensibilizar todas as cooperativas, mas ele nos revelou que o alvo principal era a cooperativa Limci, que é o principal empreendimento da cidade e também o que mais fornece trabalho para as outras empresas e cooperativas locais.

No ano passado fizemos um pouco de denúncias confrontando-os, porque em uma lógica de reduzir custos, de ter sempre um ganho positivo, o que fez a empresa? Começou a se mudar, a deslocar [a produção], os trabalhos que vinham fazendo no território transferiram para outros postos ao redor da Itália ou transferiram para o exterior. (...) Digamos que fizemos essa denúncia publicamente no território, no sentido de que dizíamos que com a crise que tínhamos, como o território de Imola é um território principalmente cooperativo e a Limci tem um papel central, o que havíamos solicitado no território para afrontar essa crise necessita que antes de tudo ajude o território que está à frente de tudo, e que há a possibilidade de poder ajudar a todos. Então antes de fazer uma operação, de transferir para fora outras atividades, outros trabalhos, vamos entender como podemos ser capazes de fornecer trabalho dentro do território. (Stefano Pedini, sindicalista da FIOM/CGIL – tradução própria).

Em resposta à denúncia, a cooperativa afirmou que é uma empresa que compete com outras empresas e teve que agir dessa forma para reduzir custos, porque outras empresas também produzem na China, onde a mão de obra é mais barata e os custos de produção são menores.

Nos disseram diretamente: nós somos para todos os efeitos uma empresa na qual competimos com outras empresas. E havendo uma redução de margem [de lucro] nós devemos procurar qualquer maneira de reduzir custos do nosso produto, porque tem uma competição a nível mundial, existem outros que produzem na China onde a mão de obra custa menos. Por isso nós também olhamos ao redor para procurar trabalho (Stefano Pedini).

125

Danilo Salerno menciona muito apropriadamente que as questões que ferem os princípios cooperativos não se limitam apenas à internacionalização produtiva, mas são inúmeros elementos do cotidiano que podem fazer com que o empreendimento não seja verdadeiramente uma cooperativa:

Como em cada coisa, há exemplos positivos e podem existir também exemplos negativos. Seguramente ninguém duvida, mas mesmo na Itália onde existem cooperativas, há casos de cooperativas administradas muito bem e há casos de cooperativas que não respondem por nada, que são cooperativas apenas no nome, mas que não respondem por nada, princípios, valores, não há modalidade de trabalho cooperativo (Danilo Salerno).

Sandra Pareschi partilha da opinião de Salerno, e relata que, independentemente de a cooperativa internacionalizar sua produção ou não, ela corre riscos de transcender os parâmetros cooperativos. Sandra exemplifica seu argumento utilizando o caso das fábricas recuperadas brasileiras, que em muitas circunstâncias tornam insalubre o trabalho do sócio às custas da rentabilidade e da eficiência do empreendimento cooperativo.

Olha, também tem cooperativa e cooperativa. Nem todas as cooperativas têm uma boa condição de trabalho. Nem todas. Eu visitei cooperativas no Brasil que têm uma relação com cooperativas italianas, mas também cooperativas no Brasil que surgiram como proposta de sócios e que são afiliadas à Unisol, conheci várias cooperativas, nem sempre as condições de trabalho são adequadas a aquilo que no papel é a declaração do que é a economia solidária/cooperativismo. Porque? Porque os próprios sócios no momento em que recuperam uma fábrica e passam da condição de ser trabalhadores dependentes a ser sócios-trabalhadores, entram numa outra lógica aonde antes de tudo tem que salvar a empresa custe o que custar, [mesmo que haja] exploração do trabalho. Ou muitas que vêm de uma situação de não inclusão social e conseguem montar uma cooperativa e quando conseguem ser sócios, donos deles mesmos, acham que a exploração [faz parte] da cooperativa, então vi coisas que não são boas, não são boas. Por exemplo: 14 horas de trabalho se você é sócio. Não é uma boa coisa. O não reconhecimento de doença ou das férias se você é sócio: não é uma boa coisa. Não usar equipamentos de segurança na empresa, mesmo se você é sócio: não é uma boa coisa. No final, os sócios, se não conseguem garantir o trabalho decente, não estão operando dentro dos valores cooperativos, mesmo se você é sócio e dono de você mesmo. Então essa é uma contradição que eu achei forte, seja de empresas que são internacionalizadas, seja de empresas que são locais. Mas esse problema das condições do trabalho existe e deve ser totalmente recuperado. Como também deve haver investimento de recursos nos processos do trabalho. Porque você tem que tomar muito cuidado para que essa cooperativa seja um lugar agradável de trabalho. Você põe ao centro o trabalhador com a felicidade do trabalhador, então tem que buscar essa felicidade que não é só ser dono do seu trabalho, mas ser dono de um trabalho digno (Sandra Pareschi).

126

Stefano Pedini, dirigente sindical da FIOM/CGIL, complementa que em algumas cooperativas, independente de elas internacionalizarem ou não a sua produção, os cooperados já são chamados de acionistas, e que essa prática descaracteriza completamente o empreendimento, considerando que, se essa nomenclatura foi adotada, é porque toda a sua dinâmica está sendo percebida a partir da lógica empresarial:

Em algumas cooperativas mudou o modo de ser chamado, não é mais o sócio da cooperativa, se tornou o acionista, e isso já muda muito, muda o significado da palavra em si, não? Porque no momento em que você é acionista, muda a natureza da empresa e também do papel que você exerce no interior da cooperativa, porque o único elemento que tem é aquele do lucro, lucro no curto prazo, e contam sobretudo os interesses da empresa e não aquele dos trabalhadores e da coletividade. E isso é um elemento que sempre avança mais (Stefano Pedini).

Essas falas apontam que os conflitos do cooperativismo não estão limitados apenas ao processo de internacionalização, mas se encontram em todo o âmbito cooperativo. Simone Mattioli nos explica que as contradições de valores não estão presentes no estatuto das cooperativas ou nas leis que regem o cooperativismo, mas surgem por meio do comportamento dos personagens que estão inseridos nesse meio (provavelmente no conselho de administração e em cargos de chefia, que são os postos onde há voz e influência no interior dos empreendimentos), que muitas vezes são inapropriados para quem deseja basear a orientação da cooperativa de acordo com os princípios e valores solidários. Stefano Pedini também defende a mesma posição, e vai além ao afirmar que o problema central está no sistema, onde a sociedade individualista da atualidade não consegue mais raciocinar coletivamente.

Internacionalização produtiva é aquela na qual uma cooperativa desenvolve sua atividade e seus negócios em um local, há uma planta produtiva na América Latina ou na África ou na Índia, e deve produzir dentro daquela planta as lógicas da planta da Itália, não pode comportar-se como geralmente fazem as multinacionais, ou o que se faz tem uma contradição, mas não se entende porque se deve pensar em fazer assim em outro país. Mas a contradição não é no estatuto da cooperativa ou nas leis que assistem a cooperativa, a contradição é no comportamento idiota de uma pessoa. Entendeu? Não tem a contradição clara, existem perigos (Simone Mattioli).

Sempre mais há o risco de permanecer uma fachada mais do que um fundamento concreto, mas que não é culpa da cooperativa em si, eu acredito. Para mim é culpa dos sócios, das pessoas, da sociedade de hoje, do sistema. Porque veja como é paradoxal, as cooperativas aqui em Imola, acredito que em todo o mundo, nascem em situação de crise. Sempre nascem em situação de crise, propriamente para buscar juntos saírem da crise. Hoje se encontra, em vez disso, mecanismos que são opostos. No momento você tem as cooperativas que estão em dificuldades e se fecham no seu interior, não fazem 127

mais raciocínio solidário. Isso que falo é sobre a Cooperativa Ceramica, onde tem poucos sócios e é uma cooperativa importante: há um ano [em 2013] abriram a cassa integrazione ordinaria, que é um amortizador social. A cassa integrazione é [um recurso] para [o trabalhador] permanecer em casa sem trabalhar e sendo pago. A cassa integrazione é um amortizador social que consente à empresa suspender os trabalhadores quando tem pouco trabalho, suspender, deixá-los em casa e receber um subsídio do governo. Não digo que é uma licença, mas é um rodízio para permanecer em casa um trabalhador, uma vez por semana a cada 4 semanas. O subsídio é mais baixo que o salário, cerca de 50% com relação ao seu salário. Que coisa deliberou o conselho de administração dessa cooperativa, que é a Cooperativa Ceramica?75 Que a cassa integrazione não seria feita pelos sócios, mas por todos os outros trabalhadores. Que é uma coisa que acredito ser contrário ao espírito cooperativo, completamente contrário. Se tornou a salvação dos acionistas. Acredito que isso seja de toda forma também a sociedade de hoje que lentamente está levando ao individualismo, pelo qual não pode raciocinar coletivamente, e isso é seguramente um problema (Stefano Pedini).

São essas lideranças que optam por comportamentos que podem alavancar a cooperativa no mercado mundial tornando-a uma multinacional a qualquer custo, ou que podem também optar por não a transformar necessariamente em um império, mas em um empreendimento que possa garantir que sua produção e seus recursos sejam suficientes para preencher a base social com seus trabalhadores, de modo a gerar e manter postos de trabalho com condições dignas e salários apropriados para todos. O que estamos defendendo aqui é que as lideranças cooperativas italianas perderam parte considerável da essência dos valores da economia social e solidária. E Pareschi reforça a nossa observação a partir de uma breve reflexão sobre o contexto do movimento cooperativo atual, argumentando que algo importante se perdeu no meio do trajeto percorrido pela realidade italiana.

Algumas pequenas cooperativas sim, [praticam alguns elementos da economia solidária]. E sobretudo cooperativas de pessoas que estão muitas vezes conectadas com a agricultura, que se formaram dentro dos conceitos próprios dessa economia solidária. Então pode acontecer. Se você me fala do grande movimento cooperativo, não, não mais. Tem ainda alguns valores, algumas cooperativas tem uma relação com o próprio território e com as comunidades, mas a grande parte, a maioria das grandes cooperativas não conseguiu salvar muito desse valor. Não chegam a ser totalmente da economia capitalista, mas é muito difícil que exista uma verdadeira democracia interna e participação entre os sócios e os trabalhadores, ainda mais sócio-trabalhador. E quem governa a empresa é muito difícil de ver que não se manteve essas práticas de

75 Marzia, sindicalista da FIM/CISL, também comentou sobre o caso da Cooperativa Ceramica com grande pesar: “Infelizmente eu vi em outras realidades sobre o território, em cooperativas muito grandes que estão enfrentando situações dramáticas e eu tenho visto essas atitudes dos sócios que não são considerados muito éticos com relação aos próprios colegas. [Se trata da] Cooperativa Ceramica, em que estamos falando de 1000, 1200 funcionários, onde na assembleia dos sócios foi decretado que a cassa integrazione seria ativada apenas sobre os empregados e não sobre os sócios. (...) Foi realmente ruim, porque [quando] os sócios decretaram na assembleia que não usariam o amortizador junto com todos os colegas, o espírito cooperativo desapareceu”. 128

participação que a gente conhece no Brasil. Você não vê isso mais (Sandra Pareschi).

É possível que determinadas decisões sejam tomadas de modo equivocado pelas cooperativas justamente por haver a perda da essência dos valores sociais e solidários. Ao se verem obrigados a imergir na lógica de mercado e a enfrentar a concorrência, os empreendimentos adotam posturas que não se assemelham em nada aos princípios que um dia já foram cooperativos. E é desse processo que decorre sua própria degeneração, enquanto instituição social de propriedade coletiva dos trabalhadores.

129

9. A Limci como um estudo de caso A história76 da Lavoratori dell’Industria Metalmeccanica Cooperativa di Imola, ou simplesmente Limci, começou oficialmente em 2 de dezembro de 1919, data em que a cooperativa foi registrada no cartório de notas da cidade de Imola, por nove mecânicos, que eram também os associados e os trabalhadores do empreendimento. A história deles se assemelhava a tantas outras daquele período: era o ano seguinte ao término da Primeira Guerra Mundial, e a grande taxa de desocupação aliada ao alto custo de vida no país impulsionavam as pessoas a “se virar” constituindo cooperativas para tentar criar alguma fonte de renda e escapar da fome. A princípio, a cooperativa iniciou suas atividades com trabalhos de reparação em locomóveis (máquina à vapor utilizada para movimentar cargas pesadas), máquinas agrícolas, máquinas para produção de vinho e máquinas industriais de diversos tipos. A primeira oferta de trabalho ocorreu por meio da Cooperativa Macchine Agrarie, que solicitou a reparação de algumas máquinas agrícolas. Mas a oportunidade que mudou o destino da Limci foi a proposta da Cooperativa Ceramica para que a Limci ficasse responsável pela reparação de suas máquinas que produziam cerâmicas. Esse foi o primeiro contato da Limci com o setor cerâmico, e naquela época ninguém imaginava que algum dia o empreendimento se tornaria líder mundial no desenvolvimento de máquinas que produzem cerâmicas. Nas palavras de um dos sócios e diretores da empresa:

A Cooperativa Ceramica é uma cerâmica que está em Imola e é uma das cooperativas mais antigas do mundo porque foi fundada em 1874. Ela tinha muito maquinário que as bombas [da segunda guerra mundial] destruíram. Como existe muita solidariedade entre as cooperativas, os mecânicos da Limci foram lá para acertar e consertar as máquinas destruídas pelas bombas. Então acho que esse foi um dos motivos pelo qual a Limci entrou com certeza no setor de cerâmica e foi o negócio que trouxe mais sucesso para a Limci, no qual é a líder no mundo (Pietro, 77 sócio da Limci Imola e diretor da Limci do Brasil).

Com relação ao estatuto da cooperativa, Bassani (1999) aponta para algumas mudanças interessantes entre a redação do primeiro estatuto, que foi formulado pelos cooperados em 1919,

76 O objetivo deste capítulo é realizar um breve relato de grande parte das negociações concretizadas pelo grupo Limci, contudo, ele não contempla a totalidade das transações efetuadas pela cooperativa. Nos propomos a apresentar os fatos mais importantes, em um contexto geral e suscinto, bem como a sua dinâmica no processo de crescimento e de desenvolvimento no exterior. Temos o intuito de mostrar a maneira como uma empresa cooperativa conseguiu ascender ao longo dos anos e tornar 90% do seu faturamento produzido por empresas internacionais. Para um acompanhamento mais detalhado sobre a história da empresa, cf. Bassani (1999), Benati e Mazzoli (orgs) (2009) e Pagani (2013). 77 Assim como o nome da cooperativa, o nome dos entrevistados é fictício e tem o intuito de preservar o anonimato nos depoimentos. 130

e a sua primeira modificação, em 1927. No primeiro estatuto, o trabalhador poderia se tornar associado a partir dos 18 anos de idade; ao ingressar como sócio, deveria adquirir ao menos 10 cotas de ações; e o período de trabalho temporário não poderia ser inferior a um ano.78 Os lucros79 deveriam ser repartidos anualmente da seguinte maneira: 50% para o fundo de reserva, 25% para as organizações de resistência,80 20% para os sócios em partes proporcionais ao salário recebido durante o ano, e 5% destinado à propaganda cooperativa. A primeira alteração do estatuto previa diversas modificações e, entre elas, podemos citar que o ingresso de novos sócios só poderia ser permitido entre os trabalhadores que já eram funcionários da cooperativa, tendo no mínimo 25 anos de idade completos e, ao ingressar como associado, a quantidade de cotas mínimas para aquisição seriam 30, em vez das 10 que eram exigidas no estatuto de 1919. Quanto ao período de trabalho temporário entre os funcionários, não poderia ser inferior a três anos, o que significa que os trabalhadores deveriam permanecer como temporários por dois anos a mais antes de a empresa decidir se os contrataria ou não. A distribuição dos lucros também foi modificada: embora os 50% destinados ao fundo de reserva continuassem intocados, 40% (o dobro do montante anterior) seriam distribuídos em partes iguais entre os sócios e 10% seriam destinados a institutos de cultura e beneficência. Um rápido olhar para essa comparação entre os estatutos evidencia, a grosso modo, o aumento da utilização do trabalho temporário e a imposição de maiores dificuldades no ingresso dos trabalhadores à base social da cooperativa. Além disso, a redivisão dos lucros indica que em um espaço de tempo de apenas oito anos, a cooperativa deixou de investir em ações para a comunidade local e passou a engrossar os ganhos de seus associados. Seriam essas mudanças no estatuto as primeiras sementes fecundas que possibilitariam o florescimento da degenerescência dos princípios cooperativos? Conforme mostraremos, a degeneração é um processo que antecede a internacionalização. A crise financeira que eclodiu em 1929 nos Estados Unidos se refletiu em todo o mundo, inclusive na Itália, que na época já passava por grandes dificuldades. Uma das soluções encontradas em 1933 pela Limci para a falta de trabalho foi a busca de novas atividades. Após alguns estudos, nasceu o primeiro equipamento produzido pela cooperativa: uma máquina

78 Na Itália, geralmente os trabalhadores permanecem na empresa como empregados temporários por um longo período antes de serem contratados. Seria algo similar ao período de experiência no Brasil, que precede a contratação por tempo indeterminado e que tem o prazo máximo determinado pela CLT de até 90 dias. 79 Talvez cause estranheza o fato de ver relacionado o termo “lucro” ao meio cooperativo, mas na Itália é comum ouvir dos próprios cooperados ou sindicatos as palavras utile ou profitto quando se referem aos ganhos, que na tradução literal são sinônimos de lucro. No Brasil, utiliza-se o termo sobras em vez de lucro para distinguir os resultados financeiros de uma cooperativa e de uma empresa privada comum. 80 A resistência italiana, também conhecida como resistência partigiana, foi um movimento bastante ativo na luta contra o fascismo e se encerrou em 1945, quando finalmente Mussolini foi preso e executado. 131

capaz de selecionar e lavar laranjas. Os primeiros pedidos das máquinas Limci foram feitos no Sul do país, na Calabria e na Sicília. E junto com esses pedidos, nasceu também a atividade do montador da máquina, que é o profissional que vai até a empresa oferecer total assistência ao cliente. Nas palavras de Bassani (ibidem), a Limci “agora se tornou uma empresa industrial”. Em 1945, após a Segunda Guerra Mundial e a derrocada do fascismo, a Itália estava destruída, Imola estava devastada e as empresas locais, por consequência, também estavam. Um dos estabelecimentos que mais sofreu estragos com a guerra foi a Cooperativa Ceramica, que teve sua planta produtiva bombardeada por aviões americanos e alemães. Como a Limci já havia reparado as máquinas desta cooperativa durante a guerra, surgiu a ideia de que ela poderia tentar também construir uma máquina nova, com seu próprio logotipo. E após alguns estudos e protótipos nasceu a segunda máquina elaborada pela Limci: uma prensa de fricção com comando manual para produzir cerâmicas. O ano de 1946 trouxe grandes mudanças tanto para a Itália quanto para a Limci. O país passou a permitir o acesso das mulheres às urnas eleitorais, algo inédito após a unificação do reino italiano, e a Limci também trouxe novidades para as mulheres: com uma nova alteração no estatuto, elas também poderiam se tornar sócias. Conforme diz o artigo 4º do estatuto, no qual Bassani (1999:77) recupera:

É admitido a fazer parte da Cooperativa qualquer um, homem ou mulher, tendo a capacidade legal, que exerça a arte mecânica ou uma arte afim complementar, seja de notória boa conduta moral e civil, tenha cumprido o vigésimo primeiro ano de idade e não superado o trigésimo sexto e tenha prestado um período de trabalho temporário de pelo menos três anos. (Tradução própria)

Outras mudanças consideráveis foram inseridas na alteração do estatuto com relação aos sócios. E a mais importante delas, ao nosso ver, é a estipulada no artigo 5º, que limita o número de sócios, conforme pontua Bassani (1999:77): “O número de sócios é limitado às possibilidades técnicas de equipamentos e produção da Cooperativa”. O autor, que concorda com as escolhas da equipe administrativa do empreendimento, argumenta: “É como dizer: se queremos que o barco veleje bem, temos que considerar o número daqueles que estão a bordo” (idem, ibidem – tradução própria). A entonação da frase demonstra que o importante é o sucesso financeiro da empresa, e que se for preciso reduzir o acesso de novos membros em favor daqueles que já foram admitidos, isso acontecerá sem nenhuma crise de consciência, já que o bom andamento da empresa está acima de tudo, inclusive dos princípios do cooperativismo e da economia social. Esse dado é extremamente importante, pois mostra que a empresa já tinha 132

uma tendência de afastamento dos princípios solidários antes mesmo de iniciar seu processo de internacionalização produtiva. A divisão dos lucros também sofreu novas mudanças na alteração do estatuto em 1946. A partir desse momento, o lucro líquido, que seria o valor restante após todas as deduções de qualquer espécie relacionadas às obrigações da cooperativa (incluindo encargos, taxas, salários, etc), seria repartido da seguinte maneira: 20% para o fundo de reserva ordinária, 50% para o fundo de reserva extraordinária, e 30% para objetivos mutualísticos, como moradias para sócios, cursos profissionalizantes, bolsas de estudo e outras destinações de acordo com as indicações das assembleias. Dois anos depois, em 1948, o estatuto social da cooperativa sofreu novas modificações. As atenções se voltaram para o já conhecido artigo 4º, que determinava na admissão de novos sócios a preferência pelos veteranos de guerra, pelos combatentes e pelos partigianos que estivessem compreendidos na faixa etária de 21 a 40 anos de idade. O artigo 5º, que trata da limitação da base social, também foi alterado, abrindo a possibilidade de funcionários técnicos e administrativos se candidatarem (antes apenas os operários poderiam ascender à base social). Contudo, houve a adição de um novo requisito: a quantidade anual de novos associados admitidos não poderia ser maior do que 4% dos sócios. (BASSANI, 1999). Nessa nova alteração, as mulheres foram ofuscadas e ignoradas no estatuto. Nenhuma menção a elas. Ao que tudo indica, as mulheres sempre foram preteridas pela Limci. De acordo com informações de uma sindicalista que conversou conosco sobre a cooperativa e que acompanha há muitos anos o desenvolvimento dela, nunca houve nenhuma mulher no conselho de administração. Além disso, uma trabalhadora da matriz – que tentou por diversas vezes sem sucesso se tornar uma associada – nos contou que existem em torno de 10 mulheres ativas na base social da cooperativa. Nas palavras dela:

São [pouco mais de] 350 sócios, sobre [aproximadamente] mil pessoas. Há um percentual, não sei a explicação sobre esse percentual, contudo, há um percentual que deve se tornar sócio. Todos os anos fazem um determinado número de sócios, e no interior desses sócios existem 10 mulheres. São [pouco mais de] 350 sócios, só 10 são mulheres. Contudo, quero dizer para você entender que sobre 350 sócios, haver somente 10 mulheres significa que nem todas as mulheres começam do mesmo jeito que os homens, porque caso contrário, seria metade e metade. Também há o percentual [dos empregados], porque nós vemos que trabalham muito menos mulheres no interior da Limci e muito mais homens, todavia, para mim é um percentual muito baixo, muito baixo (Chiara, secretária, trabalhadora da cooperativa Limci. Tradução própria).

133

A Limci cresceu, se tornou uma cooperativa com produção internacional, investe parte considerável de seu orçamento em pesquisa e desenvolvimento, sempre esteve à frente de seu tempo, mas continua atrasada no que concerne à luta contra a desigualdade de gênero. Impulsionada pela conquista do sufrágio universal na Itália, abriu sua base social para as mulheres no estatuto (sem eleger nenhuma durante muitos anos), e depois não houve mais progressos. Ao contrário, houve retrocesso quando elas deixaram de ser mencionadas nas resoluções do estatuto alterado em 1948. E dessa data até os dias atuais, quase 70 anos depois, as mulheres não avançaram muito no interior da cooperativa: conquistaram algumas vagas na base social e nenhuma no conselho de administração. Realizamos uma pesquisa nos documentos da Limci a fim de verificar quantas mulheres já conseguiram se associar à cooperativa até o ano de 2012. Considerando que algumas delas já se aposentaram e não trabalham mais na empresa, salientamos que nem todas pertencem atualmente ao corpo de associados.

Tabela 1 – Mulheres associadas à Limci 1919-2012 Ano de associação Nº de ingressantes 1977 1 1979 2 1980 2 1981 3 1984 1 1988 1 1994 1 1998 1 2000 1 2005 1 2008 1 2010 1 2011 1 Fonte: Bassani (1999) e Pagani (2003). Elaboração própria.

Quando se trata de uma cooperativa, devido às condições na qual se originou, espera-se que ela seja referência na luta contra as desigualdades sociais. Mas e se a profissão de mecânico 134

não fosse majoritariamente masculina? Será que as oportunidades para as mulheres seriam diferentes? Perguntamos a Chiara quantas mulheres trabalham na sede da Limci e quais são suas funções. A resposta dela, apesar de bem consciente, não foi muito animadora:

Não sei. Mas aqui quase todas estão no nível do escritório. São poucas mulheres que trabalham na oficina, e se trabalham, trabalham no depósito, fazem as bolhas, etc. Mas propriamente do ponto de vista material e mecânico, existem pouquíssimas mulheres. Talvez porque essa área possua pouquíssimas mulheres. Mas eu acredito que ainda que existissem mais mulheres na área, teriam que se esforçar muito para entrar [na Limci] e se tornarem sócias (Chiara – tradução própria).

A partir do depoimento de Chiara, analisamos os dados do Sustainability Report 2014 da matriz, a cooperativa Limci (que reflete o cenário de todas as demais empresas do grupo), sobre a participação das mulheres na cooperativa. Como pode ser constatado, não há dirigentes femininas e certamente elas estão em minoria, se comparadas com a quantidade de homens que trabalham na empresa.

Tabela 2 – Cargos de acordo com o sexo: Cooperativa Limci/2014 Categoria de trabalhadores Homens Mulheres Total Dirigentes 29 - 29 Trabalhador (a) de escritório 458 136 594 Operários (as) 459 3 462 Total 946 139 1.085 Fonte: Sustainability Report 2014. Elaboração própria.

A presença feminina gira em torno de 13% de toda a mão de obra da cooperativa, e é praticamente concentrada entre os trabalhadores de escritório, onde ela corresponde a 23% dos funcionários. De acordo com a Limci, é um dado que “respeita a situação de um setor (mecânico e mecatrônico) no qual a presença feminina é, por questões históricas e culturais, tipicamente baixa” (Sustainability Report 2014:22. Tradução própria). Contudo, não há explicações plausíveis para a ausência de mulheres em cargos de diretoria ou no conselho de administração da cooperativa.81

81 Embora na Limci o número de trabalhadoras do sexo feminino seja bastante reduzido, nas cooperativas da região da Emilia-Romagna a ocupação feminina representou, em 2010, 53% do total dos ocupados. Contudo, a presença das mulheres nos conselhos de administração das cooperativas é notadamente inferior à presença masculina, e a média de presença delas nos conselhos é de 23,9%. A única exceção está nas cooperativas de grande porte do setor de serviços sócio-assistenciais, em que elas figuram 78% da presença nos conselhos de administração. Além disso, 135

Retomando a história da Limci, por volta de 1950 seus trabalhadores presenciaram novos desafios. Em 1949 um construtor de tampinhas metálicas de garrafas procurou a cooperativa para propor um estudo e possivelmente a construção de uma máquina semiautomática para produzir as tampinhas. Foi por meio dessa oportunidade que a Limci passou a se dedicar ao setor de produção de tampas de garrafas. Em 1951 o conselho administrativo delimitou novas prioridades: com a ideia de alcançar a modernização, começou a investir em equipamentos e maquinários e a prezar pela sua integração para uma maior organização dos serviços e maior funcionalidade. Além disso, previa ainda o incremento da produção por meio de pesquisas e novas fontes de trabalho. Com todas essas ideias em movimento, decidiram aperfeiçoar a prensa de cerâmicas já existente e automatizar o setor criando outras máquinas que completassem o ciclo de produção. O objetivo era conquistar o mercado nacional e, gradualmente, o mercado externo. As máquinas passaram a ser enviadas a milhares de quilômetros de distância e, junto com elas, mecânicos preparados e especializados para instalarem-nas e realizarem a assistência técnica necessária. Em 1957 houve novas alterações no estatuto da Cooperativa. A repartição dos lucros foi mais uma vez modificada. Desta vez, o lucro líquido seria distribuído em 20% para o fundo de reserva ordinário, 20% para o fundo de reserva extraordinário e 60% para objetivos mutualísticos. Mas a alteração mais importante foi aquela sobre a admissão de novos sócios, que novamente dificultou o acesso à base social. A partir dessa data, o trabalhador de boa conduta e que exerça a atividade mecânica poderia se associar desde que tivesse no mínimo 24 e no máximo 40 anos de idade, e estivesse trabalhando na Cooperativa há pelo menos cinco anos. Além disso, o conselho de administração passou a propor para a assembleia, após o exame dos requisitos necessários, quem seriam os candidatos a sócios. O trabalhador que já teria sido pré-selecionado pelo conselho, só poderia se tornar sócio efetivamente se ainda obtivesse 50% + 1 dos votos dos cooperados. É importante ressaltar que as decisões da assembleia são inapeláveis. Bassani, que legitima as resoluções da empresa, justifica: “A Limci, com razão, nesse sentido tem cautela. Se não tivesse reivindicado desde o início essa qualidade de ingresso, hoje não seria aquilo que é” (1999:102 – tradução própria). Bassani tem razão em dizer que a Limci não seria o que é se não tivesse cautela com o ingresso de seus associados. Se houvesse um processo mais democrático para a admissão de novos sócios, provavelmente ela se

apenas em 14% das cooperativas de grande porte a presidente é uma mulher, e entre as cooperativas de pequeno porte, esse número não se distancia muito, computando cerca de 17% delas. Esses dados nos foram fornecidos por Roberta Trovarelli, funcionária da Legacoop Emilia-Romagna responsável pela promoção cooperativa e por projetos internacionais da instituição, e tem como fonte a Unioncamere Emilia Romagna, que é a associação das câmaras de comércio da região. 136

assemelharia mais com uma cooperativa, e menos com uma empresa. Essa postura evindencia que a autogestão82 não se estende a todos os sócios, ficando restrita apenas aos membros do conselho. Com relação aos avanços da empresa em ampliar o seu mercado exportador, é interessante mencionar que em 1957 o país aderiu ao Mercado Comum Europeu, o qual tinha como objetivo inicial criar um amplo mercado em que poderiam circular livremente pessoas, matérias-primas, produtos, mão de obra e capital. Com o acordo, as taxas alfandegárias e as restrições para importações e exportações estariam suspensas entre os países aderentes. Essa novidade beneficiou claramente a Limci, que já tinha grandes intenções de expandir seus negócios para o exterior. Em 1959, as exportações da cooperativa já representavam 26% de sua produção anual. Nesse mesmo ano, contrataram um engenheiro para tratar do trabalho comercial e, para enfrentar a crescente concorrência, em 1960 criaram um escritório comercial em Milano para se dedicar aos assuntos relacionados ao exterior. Nesse mesmo ano, as exportações saltaram para 35% da produção total. No último trimestre de 1960 o estatuto foi novamente modificado. No que diz respeito à admissão dos sócios, a idade mínima para ingresso na cooperativa foi reduzida do 24º aniversário para o 21º. Mas desta vez, as modificações importantes versam sobre o destino do lucro líquido, que a partir de então passou a ser flexível de acordo com as necessidades da empresa, conforme segue: de 20% a 40% compõe a reserva ordinária, de 20% a 40% compõe a reserva extraordinária e de 20% a 60% compõe a reserva para objetivos referentes ao mutualismo. A escolha do percentual destinado a cada fundo passou a ser decidido em cada assembleia ordinária anual e essa maior liberdade proporciona, sem dúvidas, uma maior mobilidade no que diz respeito aos investimentos para o progresso e a modernização da empresa, em vez de investir efetivamente nos temas relacionados ao cooperativismo e ao bem- estar de seus associados. O ano de 1961 foi muito importante para a cooperativa, não apenas porque ela consolidou sua presença nos setores cerâmico e de tampas para garrafas, mas principalmente porque foi nesse momento que realizou o primeiro passo para as suas atividades produtivas internacionais: a Limci se tornou acionista da Fatmi Española S.A., que produz máquinas para empresas de produtos cerâmicos. Conforme Giovanni, sócio e vice-presidente da cooperativa nos relata,

82 De acordo com Guimarães (2006) a autogestão pode ser concebida como uma proposta de gestão democrática e coletiva, orientada pelo ideário socialista, no qual a propriedade, as decisões e o controle do empreendimento são exercidos conjuntamente pelos trabalhadores. 137

O conselho de administração e a direção daquele tempo decidem que de simples fabricantes de maquinários, para poder se tornarem grandes era necessário tornar-se implementadores, isto é, construir todo o processo de produção até o empacotamento do azulejo. E ali decidiram se tornar. Antes disso, eram produtores de máquinas, e a partir daquele momento decidiram construir a implementação. E foi isso que fez a Limci grande, porque uma empresa que te fornece a implementação pode ser uma solução para se tornar grande. E isso abriu no início o mercado espanhol, que era o mercado vizinho à Itália e assim seria mais fácil, pois eles também sendo latinos, havia a possibilidade de criar azulejos e a possibilidade de não abandonar nunca o cliente. Isso era o objetivo porque conquistar o cliente leva tempo e perdê-lo é um instante. O objetivo e a visão de futuro dos meus predecessores eram criar uma vizinhança ao cliente da implantação, de não o abandonar nunca. E foi por isso que nasceu a internacionalização. Criar sedes nos vários estados onde vendíamos muitas implantações nas cerâmicas ou nas bebidas. Então nós temos sedes em várias partes do mundo, onde temos assistência técnica e peças de reposição para nossas várias máquinas e para os clientes (Giovanni, sócio e vice-presidente da Limci – tradução própria).

Em 1963, enquanto a área comercial (em especial relacionada ao comércio exterior) progredia com muito sucesso, a companhia decidiu dar mais um passo adiante adquirindo parte de uma empresa em Sassuolo, distrito que também está localizado na Emilia-Romagna. Desse modo, a Limci comprou 51% da sociedade da empresa A.Miglioli SpA, que fabricava aparatos eletrônicos e hidráulicos, bem como equipamentos mecânicos. Em 1985 a Limci adquiriu 99% das ações da empresa e a converteu em Limci Sassuolo, que se tornou líder italiana no setor de azulejos. Contudo, o balanço final dos anos 1963 e 1964 apontam que esses foram anos de crise para a empresa e que as vendas nacionais decaíram sobremaneira. Enquanto isso, o mercado externo absorvia cerca de 50% da produção total. Não restavam dúvidas entre os sócios e o conselho administrativo: deveriam investir na expansão da presença da cooperativa no mercado externo. Seguindo esse ritmo, a cooperativa constituiu, em 1965 na cidade de Bologna, a Limci Impianti Società per Azioni, uma sociedade técnico-comercial de engenharia cerâmica que tem por objetivo a aquisição e a venda de máquinas e implementações em geral, especialmente no que concerne ao setor cerâmico, assim como a representação comercial e as operações de importação e exportação. A participação da cooperativa na sociedade começou em 55%, mas logo nos anos seguintes sua participação nas ações saltou para 99%. De acordo com Bassani (1999), a Limci Impianti, que tinha como sede operacional uma unidade em Milano, foi o motor de uma expansão rápida e funcional para o comércio com o exterior e oportunizou a abertura de vários escritórios comerciais em diversas áreas geográficas interessantes para o grupo Limci. A partir daí, criou-se a sede de Fiorano Modenese, em Modena, para acompanhar o mercado de Sassuolo. 138

Ao que tudo indica, a cooperativa altera o seu estatuto frequentemente, sempre de forma a adaptá-lo às suas necessidades. Em 1966 foi acrescentado um parágrafo permitindo a participação acionária em outras sociedades, estejam elas fixadas na Itália ou em áreas geográficas internacionais. Esse foi um ponto importante para que fosse possível alavancar ainda mais a presença da cooperativa no exterior. O artigo 4º, que se refere à admissão de novos sócios, também sofreu modificações. A idade do candidato à sócio voltou a ser 24 anos. Todavia, começou a ser exigido também “provas de capacidade, disciplina, e espírito cooperativo, e ter demonstrado, em relação à sua idade, comprovada capacidade prática e técnica inerentes à tecnologia do trabalho, adquirida em escola profissionalizante ou mediante instrução equivalente” (BASSANI, 1999:122 – tradução própria). Além disso, outras provas de habilidade e capacidade de preparação para a execução do trabalho que foi designado ao candidato também foram previstas nas alterações do estatuto desse ano. Ou seja: apenas aqueles que mais se destacam no ambiente de trabalho, que são considerados os mais preparados são passíveis de serem escolhidos para adentrar no seleto grupo de sócios. Esse tipo de seleção se assemelha em grande medida à seleção de uma promoção para um cargo maior em uma empresa privada. Além de todas as ressalvas acima citadas, a partir desse momento a candidatura a sócio deveria ser efetuada entre 30 de abril e 31 de outubro de cada ano e deveria ser acompanhada da ficha de antecedentes criminais. A quantidade de sócios admitidos a cada ano também teve modificações: se antes o número de sócios admitidos não poderia ultrapassar os 4% do total de associados, a partir de então estabelecia-se apenas que “o número de sócios é limitado à possibilidade técnica de equipamentos e produção da Cooperativa” (idem, ibidem). Para concluir as alterações mais importantes, ficou estabelecido ainda que a admissão de novos sócios passaria a ser responsabilidade do conselho de administração da cooperativa, excluindo a instância da assembleia e, consequentemente, a opinião dos demais associados. Alguns sócios nos revelaram como é o processo seletivo para se tornar trabalhador cooperado na atualidade:

Digamos que existem os requisitos que são necessários: ter completado uma certa idade, ter completado 25 anos, ter menos de 40, precisa ver praticamente um número de coisas que eu não lembro... Precisa ter cinco anos já na Limci, ou seja, ser funcionário há cinco anos e também a vontade de trabalhar, uma boa relação primeiro entre os colegas, obviamente, para quem vai [trabalhar] fora ou para quem tem relação externa à Limci, então ter uma boa relação com fornecedores, clientes, essas coisas aí, e um bom desempenho, fazer bem o próprio trabalho, ter conhecimento naquilo que se deve fazer. E depois, mantendo esses requisitos, tem o seu chefe de serviço, que é uma pessoa que é o seu primeiro contato que pode te propor como sócio e depois todos os outros níveis, os conselheiros. É uma avaliação que se faz, digamos, falando 139

entre os sócios, como veem aquela pessoa, quem conhece aquela pessoa? Ok, eu conheço. Trabalha bem? Trabalha mal? Se comporta bem? Tem uma boa relação com os clientes? Então, todas essas coisas, digamos, recolhendo um pouco de informações no interior da empresa, entre os colegas, os sócios, os não sócios, todos (Mattia, cooperado da Limci, montador – tradução própria).

Você é julgado para ser [sócio]. Digamos que deve ter um comportamento cooperativo, não deve trabalhar sozinho, deve ser capaz de trabalhar em grupo, deve ser positivo e não negativo, são tantos aspectos não escritos, tantas regras não escritas que fazem parte da seleção no fim. (...) Todos os anos votamos quantas pessoas devem entrar, todos os anos o conselho faz com que as pessoas votem, buscando ter o equilíbrio, buscando utilizar um instrumento que alguns são subjetivos, outros não são subjetivos. O conselho de administração, antes de tomar a decisão, porque são eles quem decidem, te perguntam que coisa você pensa, é uma coisa muito positiva envolvida, depois não é dito se te escutaram, porque faz parte do trabalho deles. Contudo é dado com o voto de falar, de escutar, que coisa penso daqui, que coisa penso de lá, e que coisa faria. (Francesco, sócio da Limci, técnico – tradução própria).

Tem uma seleção. Tem que ver os números. Sobre 1100 pessoas, 389 são sócios. Então o conselho de administração depois faz uma avaliação e faz entrar na base social essa pessoa. Cada ano tem uma avaliação do conselho de administração. O candidato a sócio faz uma solicitação todos os anos para poder entrar na base social. O conselho de administração a avalia e diz se pode entrar ou não pode entrar (Giovanni, sócio e vice-presidente da Limci).

Questionamos o diretor geral da Limci Beverage sobre qual a razão de não haver maior mobilidade dos trabalhadores para ascender à base social. Para ele, a resposta está no estatuto, que impõe diversas regras e acaba limitando o seu acesso:

O mecanismo com o qual pode se tornar sócio, que nasce na origem do nosso estatuto, é bastante limitante no sentido que você pode se tornar sócio depois de 5 anos como funcionário da empresa. Depois de 5 anos como funcionário da empresa, pode solicitar, com um ato oficial, de ser levado em consideração para se tornar sócio. A partir do 5º ano, todo ano você pode fazer essa solicitação. Contudo, se você completou o 40º ano de idade e não se tornou sócio, não pode mais se tornar (Jacopo, diretor geral da Limci Beverage, sócio da Limci – tradução própria).

Diante dessa resposta, que vai ao encontro de todas as demais que foram fornecidas pelos outros sócios, perguntamos a ele porque há tanta restrição no quesito idade. Sua resposta revela uma estratégia puramente empresarial, que beneficia e salvaguarda os conhecimentos e o saber fazer da empresa.

Porque acredita-se que os sócios mais jovens sejam muito mais leais à empresa por um tempo longo. Então, a garantia de poder permanecer na empresa por um tempo longo dá estabilidade ao pessoal, então a competência e o know- how dessa pessoa fica na empresa. Não tem mais risco que essa pessoa seja 140

levada [para outra empresa]. De fato, uma coisa que acontece na Itália muitas vezes, quando uma empresa é bem-sucedida, surgem empresas parecidas, porque se desligam [dela] grupos de pessoas que fundam uma empresa que faz a mesma coisa, e se cria um distrito produtivo, onde nos distritos muitas empresas fazem a mesma coisa. Por exemplo: na etiquetagem em Verona. Porque estamos em Verona fazendo etiquetadeiras? Porque aquela empresa nasce em um mundo onde existem 50 empresas que fazem etiquetadeiras. Porque nasce uma, depois essa se divide em duas, se divide em quatro, oito, e nasce um distrito de empresas que se especializam em fazer aquela coisa ali. Aqui em Imola isso nunca aconteceu. Porque na cooperativa, com esse sistema que eu te disse antes, não digo que impede, mas limita muitíssimo esse fenômeno. Porque uma vez que o rapaz se torna sócio, está aqui porque com tudo tem satisfação, entusiasmo, tem uma garantia de poder trabalhar (Jacopo).

Prosseguindo com o histórico da empresa, em 1969 foi criada a Limci do Brasil LTDA. Com sede em São Paulo, 99% do capital social da empresa pertence a cooperativa Limci, e seus objetivos visam oferecer assistência técnica e vender peças de reposição aos clientes brasileiros e de alguns outros países da América Latina. Entrevistamos o diretor da Limci do Brasil, que nos contou um pouco como foi que a empresa decidiu montar um escritório comercial no país:

A primeira sociedade da Limci no Brasil foi construída em 1969. Vendíamos equipamentos para as cerâmicas que estavam localizadas em Suzano e Santo André. (...) Em 1969 vendemos os primeiros contratos, foram desembarcadas as primeiras máquinas que chegavam no Brasil com uma pessoa no escritório e com um técnico para fazer montagem dos equipamentos que chegavam. O escritório foi montado em São Paulo, na rua Peixoto Gomide. (...) E tudo isso ficou em pé até 1993 quando foi levado para a assembleia dos sócios [a ideia de abrir uma fábrica] e ficamos autorizados a abrir uma Limci do Brasil para a produção. (Pietro, sócio da Limci e diretor da Limci do Brasil).

Pietro nos explicou que durante muitos anos a Limci do Brasil foi composta por apenas dois funcionários, um responsável pelas relações comerciais e outro responsável pela assistência técnica das máquinas. A empresa tentou fazer algumas sociedades com empresas brasileiras, que nunca deram certo efetivamente. Até que em 1993 foi aprovada na assembleia dos sócios da Limci de Imola a construção de uma planta produtiva no Brasil, após esse projeto ter sido barrado duas vezes em outras assembleias:

Era a terceira vez que se levava na assembleia dos sócios esse projeto para construir no Brasil, mas sempre falavam não. Em 1993 falaram sim, porque entrou um pedido de equipamentos que não seria construído em Imola, mas seria construído em Casalgrande, perto de Bologna. Então eles [os dirigentes da Limci de Imola] não estavam sentindo que iam perder alguma coisa, mas estavam vendo, praticamente, um crescimento de outro tipo. E depois que a assembleia decidiu ir, eu participei para conhecer, fui convidado a ir, mas não 141

conhecia o Brasil. Fui lá com um contrato de dois anos e estou até hoje (Pietro).

Em 2001 a assembleia dos sócios decidiu adquirir um terreno no interior de São Paulo, na cidade de Mogi-Mirim, para fixar a nova sede da Limci no país, uma empresa 100% controlada pela Limci Imola. Na avaliação de Pagani (2013:61 – Tradução própria), “hoje a Limci do Brasil que no curso do tempo se tornou uma empresa multibusiness, representa um pedaço insubstituível de um ponto de vista seja estratégico ou econômico do grupo Limci”. A Limci se fazia cada vez mais presente no exterior, não apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo. Nesse período, ela não poupou investimentos em pesquisa, tecnologia, inovação e, principalmente, relações comerciais com o exterior. E os resultados positivos sempre se fizeram presentes: em 1977 a cooperativa já estava presente em cerca de 80 países. No final de 1979 foi constituída a Limci Impianti S.A. Argentina. Com sede em Buenos Aires e com 70% do capital social nas mãos da Limci, a empresa tinha por objetivo fornecer assistência técnica e comercial para os clientes argentinos. Após rescindir sociedade com a Fatmi Española, a Limci decidiu investir mais no mercado cerâmico espanhol, razão pela qual criou em 1980 a sociedade comercial Limci Ibérica S.A., onde detinha 50% das ações. Em 1988 a cooperativa decidiu adquirir um lote de terreno na mesma região, com o intuito de construir um prédio que comportasse um escritório, um galpão/armazém e uma oficina para o serviço de assistência ao cliente. Com essa nova empreitada, a Limci se tornou a acionista majoritária, com 99% das ações. Enquanto isso, ela continuou investindo fortemente no exterior e, já no início da década, cerca de 65% a 75% da produção era destinada ao mercado externo. Sua política comercial sempre se voltou para o mercado internacional. E no decorrer dos anos 80 ela continuou estabelecendo pontos comerciais e de assistência técnica no exterior. Em 1984 a assembleia dos sócios decidiu criar uma empresa em Miden, na Alemanha, a Deutsche Limci Gmbh (que posteriormente se tornou Limci Deutschland). Com 60% das cotas acionárias, a cooperativa tem no início dois sócios alemães. Essa mesma assembleia decidiu pela criação de outra empresa, dessa vez em Portugal. A Limci Portuguesa Lda, com sede estabelecida na cidade de Oeiras, tem os mesmos objetivos da Limci alemã: representar os equipamentos industriais e as implantações, importação e venda de maquinários, peças de reposição e acessórios para a produção de materiais para a cerâmica e refratários, bem como a prestação de assistência técnica, tecnológica e comercial (BASSANI, 1999). Em janeiro do ano seguinte a Limci de Imola fez uma nova aquisição: a Limci Singapore Pte Ltd. Localizada em Singapura, essa sociedade (na qual a cooperativa detém 99% das ações) 142

com localização estratégica em relação ao sudeste asiático, tem por objetivo oferecer peças de reposição e assistência técnica aos clientes concentrados na Malásia, Indonésia, Tailândia, Filipinas, Vietnã, Sri Lanka e, havendo possibilidades, também na Austrália (BENATI, 2009). Foi criada também, dez anos mais tarde, a Limci Singapore Jakarta Branch, que passou a oferecer assistência técnica aos clientes da Indonésia. Ainda em 1985 a assembleia geral autorizou a constituição de uma nova sociedade, a Limci Forni SpA, dessa vez na Itália, em Casalgrande, região da Emilia-Romagna. Nessa sociedade, a Limci Imola entrou com 70% das ações com o objetivo de se dedicar à criação e ao aperfeiçoamento de fornos e secadores para a indústria cerâmica. Após alguns anos, a Limci Forni se tornou líder mundial no próprio setor e a Limci de Imola aumentou o seu investimento e participação na empresa, onde passou a deter 99,36% das ações. Em 1986 outra empresa italiana é incorporada ao grupo Limci. Se trata da Poppi SpA, que também está localizada na região da Emilia-Romagna, com a sede principal em Sassuolo e a produção em Castellarano, e que produz fornos e secadores para a indústria cerâmica em geral (tal como a Limci Forni). A cooperativa iniciou sua participação na empresa com 80% das ações, mas logo em seguida adquiriu mais um montante que configurou um total de 88,75% das ações. Dez anos depois, a Limci de Imola adquiriu mais cotas de ações detendo no total 95%, e transferiu suas dependências para Fiorano Modenese (próximo à Modena, também na Emilia-Romagna) e modificou sua razão social para Eurotech. Na mesma assembleia de sócios que decidiu sobre a Eurotech, os sócios decidiram ainda comprar a participação acionária da Inpak Imola SpA. Com sede em Imola, a sociedade, que tem 80% de suas ações nas mãos da cooperativa, produz para os setores agrícola, químico e alimentar. Em pouco tempo, a Limci garantiu 99% da participação na empresa, e 60% de sua produção passou a ser exportada (BASSANI, 1999). Com o intuito de aperfeiçoar as pesquisas e desenvolvimento de seus produtos, a cooperativa decidiu criar em 1989, na própria sede da Limci Imola, um centro de pesquisa e desenvolvimento, que é composto por laboratórios químico e físico, laboratório tecnológico e departamento experimental para o teste de protótipos específicos para a cerâmica. Ao longo dos anos, o núcleo de pesquisas da cooperativa foi estabelecendo relações de colaboração com importantes universidades e outros centros de pesquisa na Itália e no exterior. A cooperativa sempre prezou por investir em pesquisa e desenvolvimento, e conforme afirma Benati (2009), só no ano de 2008 o grupo Limci empregou mais de 20 milhões de euros em pesquisa. Nesse mesmo ano, a assembleia deliberou a constituição da Limci de Mexico, subsidiando 80% das cotas de participação, que mais tarde em 1999 se converteu em 99% das 143

ações da empresa. Em 1996 a Limci de Mexico adquiriu uma participação de 60% na Moldes Ceramicos, uma empresa do setor cerâmico com clientes na América do Norte (o que inclui o México) e América Central. A década de 90 presencia uma rápida aceleração em relação ao processo de crescimento do grupo. Em 1990 a Limci chegou na Índia por meio da Limci Bombay, um escritório de representação comercial e de vínculo do grupo Limci com a região. Em 1999, ela se tornou a empresa Limci India. Ainda em 1990 foram realizadas mais duas aquisições na Itália: a Limci Sassuolo e a Limci Impianti compraram 30% cada uma da S.M.I. Srl, uma empresa de Sassuolo que atuava no setor cerâmico, e a Inpak Imola, a qual citamos acima, adquiriu 70% da Benco Pack SpA. Esta última, com sede em Piacenza, tem sua especialização na projeção, produção e comercialização de máquinas que produzem produtos alimentares termoformados. 1992 é o ano de dedicação da Limci à China. Logo em janeiro foi inaugurada a Limci Hong Kong Ltd. Com o objetivo de comercializar os produtos Limci na China, a empresa criou mais duas sucursais: A Limci Hong Kong (Foshan Branch), localizada na região de Foshan, e a Limci Hong Kong (Beijing Branch), localizada na região de Pequim. Também nesse ano foi criada uma joint- venture entre a Limci e dois parceiros chineses, sendo 40% do capital social de propriedade da cooperativa. Denominada Shanghai Limci Ceramics Machinery Co. Ltd, a empresa tem por objetivo a produção de máquinas para a cerâmica, em especial a prensa PH 980 da Limci. Ainda nos anos 90, a Limci decidiu investir em outros setores, incluindo o setor de serviços. Na primeira metade da década, por meio da Limci Impianti SpA adquiriu 30% da SpedImola Srl83 e, logo em seguida, dobrou sua participação para 60%. Com sede em Imola, a SpedImola é uma empresa de expedição e logística, o que inclui transporte de bens e produtos por terra, ar e mar. A Limci é um de seus clientes, mas não o único. Com escritórios na China, Indonésia, Rússia e México – além de Imola, Bologna e Milano na Itália – a empresa atende clientes em todo o mundo, mas em particular na América do Sul, Extremo Oriente e Leste Europeu. Em 1996 a Limci Impianti vendeu sua parte da sociedade para a Limci em Imola e, atualmente, ela detém 100% da participação na empresa. Entrevistamos o diretor geral da SpedImola e ele nos contou um pouco de sua história:

A empresa foi fundada em 1970 em Genova, não era uma empresa do grupo Limci. A Limci entrou nessa sociedade em 1987 com uma pequena participação que depois se tornou grande e adquiriu toda a sociedade em 1994. De Genova foi transferida para Imola, a sede é aqui vizinho [à Limci de Imola] e somos 80 pessoas, das quais 50 se ocupam de expedição e 30 de logística.

83 O nome da empresa foi modificado visando garantir o anonimato da Limci. 144

SpedImola, no âmbito do grupo Limci, é a sociedade dos serviços e se ocupa de expedição. (Luigi, sócio da Limci e diretor geral da SpedImola).

Com 90% da participação acionária, a Limci constituiu em 1994 a Limci USA. Com sede em Iowa, ela fornece assistência técnica e comercial e peças de reposição aos clientes do país. Com o mesmo propósito da filial americana, em 1995 nasceu uma sede na Turquia, a Limci Istanbul. Nesse mesmo período foi constituída a sede Russa, na cidade de Moscou, intitulada Limci Mosca. Ainda em 1995 a cooperativa comprou participação nas empresas Iprel Progetti Srl (40%) com sede em Imola, e Keratech Srl (43,72%) com sede em Romans d’Isonzo, distrito italiano da região de Friuli-Venezia Giulia. O ritmo da Limci para comprar empresas continuou bastante dinâmico em 1996. Com 40% da sociedade pertencente ao grupo Limci, foi inaugurada a Prototipo Srl, com sede em Imola. Seu objetivo principal é fornecer assistência, programação e consultoria de hardware e software para a Limci de Imola. No ano seguinte, a Prototipo adquiriu 33,3% da E.I.T., outra empresa do setor de tecnologia da informação. Também foi constituída, com 60% da sociedade adquirida pela Limci, a empresa Euromac Srl, com sede em Fiorano Modenese, em Modena. Na China, outros dois escritórios comerciais foram inaugurados nesse mesmo ano: um em Zibo e outro em Jingdezhen, que foram adicionados à estrutura de Foshan e Pequim (idem, ibidem). Logo no início de 1997 passaram a fazer parte do grupo Limci mais três empresas: a Eurokeram Anlagenbau Gmbh, com sede em Aachen, na Alemanha, a Sama Maschinenbau Gmbh, com sede em Weissenstadt, também na Alemanha, e a Netzsch Italiana Srl, com sede em Verona, na Itália. A participação da Limci no capital social dessas empresas é, respectivamente, 95%, 55% e 87,5%. Em 1999 outra Limci foi implementada em Mumbai juntamente com um escritório. A Limci Mumbay ficou responsável por desenvolver atividades comerciais, assistência técnica, venda de peças de reposição e também pela construção de projetos de carpintaria desenhados pela Limci. Na mesma assembleia em que a constituição da Limci Mumbay foi aprovada, os sócios aprovaram também a criação de uma nova sociedade nos Estados Unidos, a Molds & Dies, com participação majoritária da Limci em 60%, que ficaria responsável pela regeneração dos moldes para as prensas de cerâmica e a constituição de parte deles. Alguns meses depois a assembleia de sócios aprovou a criação de uma nova empresa na Indonésia, que seria responsável pela regeneração dos moldes cerâmicos, a construção de parte deles e a venda importação-exportação. Para ajustar-se à realidade de uma empresa detentora de um grupo de empresas, a cooperativa realizou novas alterações em seu estatuto e a mais relevante é aquela que se refere às regras para a admissão de sócios, pois, conforme acompanhamos desde o início do 145

surgimento da cooperativa, seu estatuto foi modificado diversas vezes, sempre dificultando cada vez mais o ingresso de novos sócios e selecionando rigorosamente aqueles que se associam. A mudança ocorrida em março de 1999 determinou que o candidato a sócio deve ser funcionário da cooperativa ou de outra sociedade desde que se torne um destaque em seu trabalho (BASSANI, 1999). A princípio esse incremento no artigo 4º do estatuto parece querer incluir legalmente os trabalhadores das empresas do grupo Limci na seleção dos sócios. Mas conhecendo o histórico de inclusão de novos membros, percebemos que apenas os funcionários da matriz podem ser aspirantes a sócios. Não houve, até o presente momento, nenhum caso de funcionário de uma filial que se destacou tanto em suas atividades a ponto de conseguir participar do processo seletivo para se tornar sócio. A seleção já é extremamente rígida entre aqueles que trabalham no interior da cooperativa e parece-nos praticamente impossível, diante da realidade que se expõe, algum trabalhador externo a ela conseguir se associar. Acreditamos que os trabalhadores das empresas do grupo não saibam que o estatuto da cooperativa prevê que eles podem tentar se candidatar a sócios, considerando que em nenhuma das entrevistas que realizamos eles argumentaram com relação a este ponto. Pelo contrário, as falas nos indicam que essa não é uma oportunidade para eles, pois não trabalham na Limci de Imola. Todos os entrevistados, incluindo sindicalistas, diretores de empresas Limci, sócios e trabalhadores (tanto do Brasil quanto da Itália) foram unânimes em dizer que só quem ingressa no hall de sócios são os trabalhadores da matriz. De acordo com o sócio Jacopo, “nessas empresas [da divisão Limci Beverage] não tem nenhum sócio, porque o sócio pode ser só em Imola, pode ser só um funcionário de Imola”. Questionamos os trabalhadores entrevistados no Brasil se em algum momento eles já pensaram em se tornar cooperados da Limci. Alguns responderam prontamente que gostariam de se tornar associados, se houvesse a possibilidade. Outros, já são mais pragmáticos por estarem cientes que tornar-se um associado trabalhando na Limci do Brasil não é uma possibilidade.

Ah, todo dia, todo dia, não tenha dúvidas, todo dia, da Limci, todo dia [eu penso em ser sócia]. Porque a gente vê o crescimento, sabe? Eu queria ser assim, uma cooperada participativa, que participa mais, que dá mais pela empresa, que não simplesmente uma vez a cada três meses vai na assembleia. Não, sabe? Eu queria ser mais participativa, eu gosto disso. Gosto de saber o que está acontecendo, gosto de saber quem está precisando, eu gosto de saber quem quer ajuda, eu gosto de ajudar. Nossa, todo dia, se me quisessem, eu tô pronta! (Cássia, gerente de vendas, Limci do Brasil).

Sim, se eu pudesse, se a Limci do Brasil, não em outra cooperativa, tá? Deixa eu deixar claro do começo, uma Limci virar uma cooperativa no Brasil, seria 146

o maior prazer trabalhar. Mesmo porque a filosofia já está encarnada, então seria transformar isso que está encarnado numa realidade. Realidade de papel, porque do dia a dia já é. Só não é no papel. Ou seja, chega no fim do ano eu não sou cooperado, então não tem aquela participação, mas o resto é tudo igual. Para mim, é o que é (Silvério, diretor administrativo financeiro, Limci do Brasil).

Não, isso nunca me passou pela cabeça, porque no caso aqui no Brasil não é uma cooperativa, né? A gente responde para lá. Lá sim é uma empresa cooperativa. Mas sabe, não me passou pela cabeça isso não. Se tivesse aqui é lógico que a gente gostaria de participar com certeza, de ser um dos cooperados (Paulo, contador, Limci do Brasil)

Eu não posso me tornar um trabalhador cooperado porque não satisfaço as regras impostas para isso. Então, desconhecendo exatamente como é a cooperativa no Brasil, nunca tive essa vontade (Pascoal, diretor comercial, Limci do Brasil).

Há também o caso da trabalhadora da Limci de Imola que, assim como tantos outros trabalhadores, por muitos anos tentou, sem sucesso, se tornar uma associada.

Eu fiz a solicitação para me tornar uma sócia. Quando eu fiz, fiz uma única vez e depois a minha solicitação permanecia ativa. Agora, ao invés, se faz todos os anos a solicitação. Eu permaneci com a solicitação por diversos anos. Quando eu já estava praticamente segura que a minha solicitação nunca seria aceita, não a fiz mais. (...) Quando se trabalha em uma cooperativa, a coisa mais espontânea que você vai querer é tornar-se sócia da empresa na qual trabalha. É a coisa mais espontânea e humana que se tem a dizer (Chiara, secretária, trabalhadora da Limci Imola. Tradução própria).

Percebemos na fala da maioria dos entrevistados – tanto na Limci do Brasil quanto na Limci de Imola – certa frustração por não terem a oportunidade de se tornarem sócios da empresa. Os trabalhadores da empresa brasileira estão mais distantes da realidade cooperativa e, por isso, não ser associado não é um elemento tão impactante. Mas com relação à trabalhadora de Imola, ela convive com essa realidade diariamente e, assim como diversos outros trabalhadores e trabalhadoras, tem que saber lidar com o fato de que não cumpre com os requisitos impostos pela empresa para ascender à base social, sem saber exatamente o porquê de não ser escolhida. Jacopo, diretor geral da divisão de bebidas do grupo Limci, também acredita que ser funcionário e não se tornar um associado da cooperativa pode ser uma situação frustrante:

Para os trabalhadores não sócios a única diferença é a frustração de não sê-lo. Contudo, do ponto de vista da perspectiva, do empenho que se pode dedicar, da vontade, não deveria ser diferente. Mas para mim, não participar das 147

decisões estratégicas da empresa de maneira oficial, como é a assembleia social, que é o órgão, digamos, determinante para guiar essa empresa, acredito que seja frustrante (Jacopo, diretor geral da Limci Beverage, sócio da Limci Imola – tradução própria).

Perguntamos para o sindicalista Stefano Pedini se existem diferenças entre o trabalhador empregado e o trabalhador cooperado. Ele respondeu de maneira categórica, explicando que a diferença está essencialmente nos ganhos: há uma grande distância entre o valor das remunerações entre um e outro, e é por essa remuneração que os sócios arriscam deixar para trás os valores cooperativos.

Uma diferença tem, seguramente tem. E talvez seja um dos elementos que arrisca sempre mais perder aqueles valores que estão dentro da cooperação. Que é esse: tornar-se sócio, dentro de uma cooperativa como a Limci, é dobrar o próprio salário. Um sócio ganha o dobro, leva para casa no final do ano o dobro do dinheiro de um não sócio. Se em média um trabalhador não sócio ganha 40 mil euros, um trabalhador sócio ganha 80 mil. Essa é a diferença entre ser sócio e não ser sócio. O grande risco é que sempre mais o fato de se tornar sócio não é pelo valor de gerir a cooperativa, não. É simplesmente para poder obter ganhos mais altos. Esse é o impulso que existe muitas vezes para o fato de se tornar sócio. Mas também porque a Limci nesses anos sempre cresceu. Não houve um momento em que diminuiu. Não é visto o fato de se tornar sócio para poder sair de uma condição de dificuldade. Mas é visto como o fato de poder ganhar mais. Mas há a mudança... não é mais o sócio, mas é o acionista (Stefano Pedini).

Como a maior parte das empresas e cooperativas de Imola trabalham para a Limci, Pedini acredita que nos próximos anos, motivadas pela crise e pela falta de trabalho ofertado pela Limci (considerando que a sua internacionalização produtiva deixe cada vez mais o território sem trabalhos, já que a maior parte de toda a produção é realizada no exterior) muitas empresas irão à falência, restando apenas a Limci como planta produtiva. O dirigente sindical complementa seu discurso em tom de preocupação, afirmando que os sócios da Limci não pensam em suas próprias famílias, porque com essa medida não estão oferecendo oportunidades de trabalho para eles:

De um lado, acredito poder dizer tranquilamente que o fato de que exista a Limci em Imola é uma sorte para Imola, porque se não fosse a Limci, acredito que estaríamos verdadeiramente em uma outra situação, uma outra condição. Contudo, é claro que o fato de haver a Limci aqui em Imola em uma situação como essa atual [de crise] tem um risco muito grande, que é aquele onde no movimento agora dos próximos anos permaneça apenas a Limci, unicamente os trabalhadores da Limci, as mil pessoas da Limci, e em torno tenha um vácuo absoluto. Porque os sócios e os trabalhadores da Limci olham unicamente para eles próprios, porque para mim se um olha para si próprio deve olhar também 148

a sua condição, a sua mulher, os seus filhos, e todos os outros. Que se houver apenas a Limci em Imola e não houver nenhuma outra empresa, onde vão trabalhar os próprios filhos, a própria mulher? A Limci, sob esse ponto de vista aqui precisaria trabalhar, buscar de qualquer maneira positiva criar as condições para que as outras empresas que estão no território possam continuar a trabalhar para a Limci. Por isso é uma grande responsabilidade, sob um certo ponto de vista. Uma grandíssima sorte que possuímos, um grandíssimo recurso, mas também uma grandíssima responsabilidade para o futuro de Imola, porque é a primeira empresa, a maior empresa, por isso é uma grande responsabilidade para que o território não se prejudique completamente com relação a essa crise (Stefano Pedini – tradução própria).

Prosseguindo com o histórico da companhia, no final da década ela vislumbrou investir em um novo mercado e, logo no segundo semestre de 1998, começou a pesquisar sobre o ramo das máquinas etiquetadoras. Em 1999, com o projeto “Limci Labelling”, os sócios decidiram ingressar no setor que se ocupa da projeção, construção e comercialização de máquinas etiquetadoras para a indústria de embalagens. Dessa forma uma nova sociedade foi criada, e em alguns anos ela se tornou uma divisão da Limci Verona. Alguns meses depois a cooperativa decidiu investir em outro setor, o de engarrafamento. Para entrar em definitivo nessa área, a Limci adquiriu a empresa Cortelazzi Fintec S.r.l., em 2000. Localizada em Mantova (Lombardia), tinha o seu foco no setor de engarrafamento e de enchimento. Em 2004 a Cortelazzi se tornou Limci Filling e estabeleceu sua sede em Parma. De acordo com Pagani (2013:34), as aquisições do grupo Limci não se tratam apenas de “adquirir as ações de uma outra empresa, mas de adquirir um profissionalismo, uma competência, uma tecnologia para construir uma nova tipologia de máquinas”. Com essas ações, o grupo Limci iniciou o novo milênio inserido em dois novos ramos de negócios. Mas como se dá a relação da cooperativa Limci com as suas filiais? Jacopo, que é diretor geral de um grupo que compõe quatro empresas, todas pertencentes à divisão Limci Beverage, e Pietro, diretor geral da Limci do Brasil, relatam que essa é uma relação de dependência das filiais para com a Limci Imola, sendo esta última a “empresa chefe”, que administra e supervisiona todas as demais. Os sócios da cooperativa são estrategicamente deslocados para cargos de direção nas filiais, de modo que elas sejam sempre guiadas pela filosofia empresarial da matriz. Giovanni, o vice-presidente da cooperativa, frisa que no conselho de administração das filiais sempre participa um ou mais sócios da cooperativa. Sob a ótica da organização do trabalho, Pascoal, diretor comercial da Limci do Brasil que conhece a organização do trabalho nas empresas da Itália, afirma que o modo de produção também é padronizado entre todas as empresas.

149

O esquema de trabalho é muito padronizado. Então o segmento de pisos é muito igual ao segmento de sanitários, é muito igual ao segmento de plásticos. É muito padronizado, então você não consegue identificar a diferença. A forma de trabalhar é sempre a mesma, a conduta é sempre a mesma, é muito padronizado, então não tem diferença de trabalho (Pascoal).

Essas empresas possuem com a Limci cooperativa uma relação de dependência, no sentido que veem a cooperativa como um patrão. E elas são empresas que para todos os efeitos possuem um patrão que é a cooperativa, e são geridas como se fossem empresas normais, como uma organização. A relação é no sentido de que a empresa tem um diretor geral, tem o seu conselho de administração, e a cooperativa entra no conselho de administração. E então gerencia aquela empresa como um patrão. (...) Normalmente temos os sócios que entram nos pontos nevrálgicos da empresa ou no conselho de administração, ou em cargos de altíssimo nível, como diretor geral, diretor administrativo, diretor de produção. Normalmente são sócios e assim se pode governar a empresa entre os sócios que são colocados nesses pontos-chaves da empresa. Por exemplo, a pessoa com quem você conversará daqui a pouco é diretor geral de uma empresa que faz serviços. E é um sócio que desempenha o papel de diretor geral em uma outra empresa. Esse é o sistema de governo que temos no interior das empresas não cooperativas (Jacopo).

Digamos que nas várias sociedades do grupo há um conselho de administração próprio. Aqui em Imola tem um conselho de administração eleito pelos sócios. Nas várias sociedades, nas mais de 70 sociedades do grupo tem um conselho de administração próprio, com o qual tem seguramente qualquer um de Imola no conselho de administração. Ou trabalha ou está no conselho de administração. Nós nos vários postos temos pessoas que são sócias em Imola, para ter um maior controle. Sempre tem um ou mais (Giovanni).

Estamos completamente integrados. Do ponto de vista comercial aqui se segue exatamente as diretrizes e as regras da Limci Itália. O contrato está feito da mesma forma, da mesma maneira. Portanto, com as mesmas leis. As diretrizes que estão aqui são as diretrizes que estão na Limci Itália. Se tem que fazer modificação na produção, no que se refere a uma máquina, nós podemos propor, mas a aprovação da modificação tem que ser feita lá. Esta é a maneira para manter no mundo inteiro um produto Limci, padrão Limci, no mundo inteiro. A China opera da mesma forma. A direção e a responsabilidade técnica ficam só na matriz. Visto que aqui se compra produto com o nome Limci, se eu faço coisa malfeita, vou prejudicar o nome Limci, consequentemente nossa obrigação é respeitar as regras do jogo. Não podemos aqui criar uma república independente (Pietro).

Diante de seu visível sucesso e com inúmeras filiais ao redor do mundo, a preocupação da cooperativa em garantir a organização de suas empresas tornou-se evidente. E a maneira encontrada para não perder o controle e conservar a gestão de seu grupo de empesas de modo integrado, homogêneo e eficiente foi a criação de uma holding. Desse modo, ainda em 1999 nasceu o projeto para a fundação da Holding Partecipazioni Limci (HPL), e seu propósito seria centralizar na matriz as decisões entre todas as empresas do grupo e uniformizar procedimentos 150

e resoluções, independente do país ou continente que a filial se encontra. Esse procedimento de controle e conformidade é imprescindível para garantir e manter o sucesso de sua expansão no exterior. Entre as principais ações da HPL estão as atividades oferecidas para todas as empresas, de forma a padronizar todas as operações de cada uma delas. Entre essas atividades, podemos citar: serviço de tesouraria, de consultoria e assistência no âmbito societário, assistência fiscal, monitoramento do valor patrimonial de cada empresa, serviço jurídico e serviço de informação e telecomunicação. Ao defender a criação da holding, Pagani (2013) afirma que determinar uma linguagem comum e um mesmo modelo comportamental transmite também a formação e a cultura cooperativa, de modo que cada sujeito pertencente ao grupo, ainda que nas filiais mais decentralizadas e distantes, se sinta um componente útil e necessário para a “família”. Certamente parte dos funcionários sentem-se pertencentes à “família Limci”, pois encontramos esse mesmo discurso nas falas de nossos entrevistados no Brasil. Ao perguntarmos se existe diferença em trabalhar para uma empresa comum e para uma cooperativa, obtivemos uma resposta interessante, que vai ao encontro desse argumento expressado por Pagani:

Existe. Como eu falei dos meus empregos anteriores, eu era um número. Aqui eu e meus colegas temos um nome. Qualquer lugar, qualquer Limci sabe que aqui tem uma pessoa com esse nome, que ali tem a minha colega e tem o nome dela ali. Eu acho que eles são mais humanos, eu não sei se é essa forma de falar, mas essa é a forma de eu ver, sabe? Aqui, quando o nosso presidente do grupo chega, ele entra cumprimentando todo mundo. Não é como uma corporação, uma limitada, sei lá o que, o diretor, presidente, tem lá a sala dele, a secretária dele, e fica lá, se você quer alguma coisa, você manda um e-mail. Aqui não, nosso diretor geral sai da mesa dele e vem na nossa mesa, não é que ele liga para gente ir na mesa dele. E eu acho, penso, que isso é uma particularidade da cooperativa de cooperar, de ajudar. (Cássia, gerente de vendas, Limci do Brasil).

O diretor da SpedImola também faz uma reflexão nesse sentido, argumentando que os funcionários possuem um forte vínculo com a empresa e trabalham em um ambiente amigável, fator que reduz o número de pedidos de demissão.

Sim, também os funcionários que não entram na base social são muito ligados à empresa. Dificilmente, e eu digo pela SpedImola, existem funcionários que se demitem para ir para outra empresa. Permanecem dentro da empresa. Muito provavelmente também porque o ambiente é um ambiente no qual não tem um proprietário, mas existem colegas. É uma relação muito amigável. Tem... Não digo autogestão, mas tem um compartilhamento de projetos (Luigi).

151

A questão que colocamos é: de que forma o trabalhador realmente se beneficia ao pertencer a esta “família”? Considerando que a “família” não o inclui no grupo de associados e, por consequência, nas tomadas de decisões de tudo o que rege esse conglomerado de empresas, seria a satisfação desse trabalhador apenas a ideia de se sentir integrado e pertencente a um determinado grupo? E que vantagens trariam esse pseudo pertencimento que o exclui do que realmente importa e é relevante? É interessante salientar que esse clima familiar em todas as empresas do grupo é extremamente benéfico para o empreendimento. O clima de proximidade por meio das relações pessoais, que além de tudo são inspiradas no movimento cooperativo, é capaz de potencializar a força de trabalho de modo que tanto os aspirantes a cooperados, quanto aqueles que não possuem essa oportunidade, tenham alguma motivação pessoal para “oferecer o seu melhor” no desempenho do trabalho. Na matriz, essa motivação ocorre por meio da possibilidade de um dia tornar-se sócio, e nas filiais, ocorre com o sentimento de pertencimento, de que a empresa é de todos. Contudo, nem todos os trabalhadores são seduzidos por essa ideologia. Há aqueles que veem a filial como uma empresa privada comum, sem nenhum vínculo com o cooperativismo. Fizemos a mesma pergunta a outros trabalhadores sobre haver diferença entre trabalhar em uma cooperativa e em uma empresa privada, e eles afirmaram não haver diferenças ou benefícios por se tratar de uma empresa que pertence a uma cooperativa:

Para mim especificamente não, porque eu trabalhava em [empresa] privada anteriormente e agora na cooperativa para mim é o mesmo esquema de trabalho. Para mim, que estou aqui no Brasil, trabalhando dentro da Limci do Brasil, não (Pascoal, diretor comercial, trabalhador da Limci do Brasil).

Eu já trabalhei em empresa privada, eu não vejo diferença nenhuma (Josué, soldador, trabalhador da Limci do Brasil).

Eu acho que não, para mim, não. Porque eu vou ter que trabalhar mesmo e sei lá... O que a empresa determinar a gente tem que cumprir, né? Para mim não vai fazer diferença nenhuma (Miguel, pedreiro refratarista, trabalhador da Limci do Brasil).

Os depoimentos desses trabalhadores nos revelam que trabalhar na filial de uma empresa cooperativa não faz dela uma cooperativa, e tampouco oferece benefícios que realmente estejam além do que uma empresa multinacional é capaz de oferecer para seus empregados ao redor do mundo. 152

Perguntamos para Stefano Pedini, que há muitos anos atua como dirigente sindical na Limci por meio da FIOM/CGIL, se ele classificaria a Limci como uma empresa ou como uma cooperativa. Sua resposta, que foi bem direta, explicitou que para ele se trata de uma empresa, pois o número de funcionários na matriz sempre permanece estagnado, o número de sócios não se altera muito, mas o número de empresas e de trabalhadores ao redor do mundo sempre crescem.

Honestamente falando é uma empresa. É uma empresa para todos os efeitos. Por hora posso dizer que é uma multinacional, quase. Uma multinacional, mesmo porque a Limci detém muitas empresas na Itália e em todo o mundo. Por isso seguramente não se permaneceu uma simples cooperativa. Também porque, honestamente falando, a preponderância dos sócios no interior da empresa é sempre menor. São [mais de] 350 sócios sobre [aproximadamente] 1000 funcionários. Nos últimos anos permaneceram mil, mas os funcionários aumentaram, porque aumentaram no exterior. Permanecemos sempre com o mesmo número. O nosso [número de funcionários] permaneceu pequenininho e engrossou o bolo todo no entorno. Então sempre mais tende a ter mais empresas (Stefano Pedini).

No início do novo milênio (mais precisamente entre 2001 e 2002) o grupo Limci, por meio de sua holding, adiquiriu o controle de mais 18 empresas (BENATI, 2009), entre as quais citaremos algumas. Parte delas pertencia a novos ramos de negócios, como o de máquinas para o setor alimentício e para o setor plástico. Com relação ao setor de plásticos, a Limci comprou no ano 2001 a Negri Bossi, empresa fundada em 1947 em Milano que se dedica à construção de máquinas injetoras de material plástico. No mesmo ano, constituiu juntamente com um parceiro italiano a Limci e Catelli, sociedade com o objetivo de adquirir tecnologias e/ou participação em outras sociedades que desenvolvem o processo de produção no âmbito de alimentos e bebidas. O foco da cooperativa era se dedicar à excelência dos setores de tomate, vegetais, frutas, leite e seus derivados (em especial o sorvete), chocolate, vinho e licores, e bebidas de um modo geral (cerveja, refrigerantes, água mineral, suco de frutas). Ainda em 2001 a Limci e Catelli comprou 100% das ações do grupo dinamarquês Gram, que estava inserido no campo dos sorvetes e tinha filiais também na Itália e nos Estados Unidos. No ano seguinte foi adquirida também 84% das participações na Raytech, empresa que produz equipamentos eletrotécnicos com raio-x para controlar a qualidade dos produtos. No mesmo período foi comprada a totalidade da Carle & Montanari, empresa italiana que trabalha no setor do chocolate. Em 2003, a família Catelli acrescentou à sociedade da Limci e Catelli a Fbr-Elpo, empresa que atua na produção de máquinas e implantações para a indústria alimentar com a tecnologia asséptica nos alimentos que exigem a técnica da esterilização (PAGANI, 2013). 153

No ano de 2002 alguns eventos importantes também foram registrados no grupo Limci. A cooperativa mirou o Egito, e a partir da Limci Molds & Dies, com sede em Sassuolo, foi criada a Limci Molds & Dies Egitto, na zona industrial da cidade do Cairo. Também nesse ano a Limci comprou mais 30% das participações da Benco Pack S.p.A., passando então a ter o controle total da empresa italiana adquirida no início dos anos 90. Além disso, a cooperativa conduziu uma reestruturação na empresa Inpack, com sede em Imola, e transformou-a em Limci Packaing. Um projeto interessante iniciado também nesse período foi a constituição de uma empresa que desenvolve serviços técnicos para as oficinas mecânicas, a Proteli – Produzione Tecniche Limci. A empresa vende seus serviços para a Limci, para as demais sociedades do grupo e também para terceiros, da mesma forma que a SpedImola (a empresa de expedição da Limci). Em 2003 a cooperativa decidiu ingressar no mercado polonês, criando em parceria com um sócio local um centro que se dedicasse ao pós-venda dos produtos Limci. No mesmo período houve um novo investimento na Limci Mosca, a filial Russa. Com um novo aporte financeiro, a empresa cresceu e além de ter mantido seu escritório comercial, também inaugurou um depósito para acomodação de seus produtos. Nesse mesmo ano, a Sama Maschinenbau Gmbh, empresa alemã pertencente ao grupo Limci, aproveitou a oportunidade em que sua concorrente direta, a Thuringia Netzsch, apresentava falência e adquiriu a preços módicos um armazém, as licenças e os desenhos para produzir peças de reposição. Ainda no mercado alemão, a cooperativa, por meio da Limci Forni, aproveitou mais uma situação de crise para comprar sua concorrente direta no âmbito dos sanitários, a empresa alemã Riedhammer. A princípio a Limci adquiriu 30% da empresa, mas em 2004 conseguiu comprar mais 60% das ações da empresa se tornando a sócia majoritária e, com plena responsabilidade sobre a gestão da empresa, conseguiu resgatá-la da crise econômica na qual entrou anteriormente e a consolidou como líder no mercado em que atua. Também em 2003 a assembleia dos sócios aprovou a compra de 100% da Laies Bucher Tecnology. Com sede em Trier, na Alemanha, a empresa de origem suíça era outra forte concorrente da Limci, com sua área de atuação voltada para a produção de prensas para azulejos e refratários (idem, ibidem). Motivada a reduzir custos de produção e enfrentar a concorrência dos produtores chineses, a Limci começou a investir pesadamente no mercado chinês em 2005, com o “Projeto China”. A ideia principal era desenvolver in loco produtos específicos para as necessidades do mercado chinês e, para concretizá-la, a cooperativa construiu uma nova filial, a Limci Nanhai Foshan que custou mais de quatro milhões de euros. Em 2007 a Limci fez um novo aporte de 4,5 milhões de euros no mercado chinês, aumentando a planta produtiva da Limci Nanhai e da 154

Limci Shanghai, além de investir em novas máquinas e tecnologias para incrementar sua produção. Em 2016 a Limci detém 9 filiais – compreendidas entre escritórios comerciais e plantas produtivas – na China. É importante não esquecer do baixo custo produtivo que o país oferece a seus investidores, principalmente no que concerne à mão de obra. Marzia, uma de nossas entrevistadas, sindicalista da Federazione Italiana Metalmeccanici da CISL, comentou conosco brevemente sobre a situação dos trabalhadores da província chinesa de Guangdong, região onde se encontra a Limci Hong Kong, e explicitou que trabalhar em uma filial Limci pode ser uma opção melhor do que trabalhar em uma empresa local, contudo, a situação ainda fica aquém daquela encontrada na Limci Imola.

A Limci é a matriz e depois há muitos satélites, e esses estão muito bem. Não possuem o contrato cooperativo, possuem o contrato da indústria privada, não é aquele o problema, porque no fim das contas é a Limci que dá as diretrizes. E aquelas que estão na Itália são todas empresas satélites da Limci que bem ou mal, são empresas do âmbito privado italiano, estão melhores do que em outras pequenas empresas, seguramente. Uma coisa diferente é nas empresas dos outros países, que são um pouco melhores se comparadas ao padrão local. Por exemplo: a Limci que está na China foi vista e analisada pelos nossos colegas que fizeram uma investigação em Guangdong e entrevistando os trabalhadores encontraram uma situação que não é aquela que é aqui na Itália, óbvio que não é. É uma situação melhor do que o padrão local, contudo, é uma situação local. Então uma coisa assim na Itália não seria aceitável. (...) Seguramente, trabalhar na sede da Limci no seu país, trabalhar na sede da Limci na China é melhor do que trabalhar em uma empresa de lá. Contudo, não é como trabalhar na Limci em Imola (Marzia, sindicalista FIM/CISL – tradução própria).

Em 2006 a Limci decidiu investir no território italiano. A assembleia dos sócios aprovou a aquisição, por meio da Limci Forni, de 30% de uma empresa de Modena, chamada Sima, que atua na área de armazenamento de produtos cerâmicos e de sua movimentação. No ano seguinte a cooperativa comprou mais 25% da empresa e se tornou sócia majoritária, mas já noticiou que tem como meta adquirir num futuro próximo a totalidade da empresa. Inspirada pelo “Projeto China”, a Limci criou em 2007 o “Projeto Índia”, que tinha objetivos comuns com o projeto anterior: desenvolver e investir no mercado indiano, mas agora com máquinas mais econômicas como fornos, pulverizadores e carpintaria em geral. O projeto se iniciou por meio da Limci Impianti de Fiorano, que investiu cerca de dois milhões de euros na criação da Limci Engineering. Ainda em 2007 a Limci adquiriu a cota restante de sua empresa alemã Riedhammer tornando-a uma empresa 100% controlada pelo grupo Limci. Com relação à sua divisão de alimentos, a cooperativa avaliou nesse ano que estava tendo prejuízos e que não seria mais interessante continuar a sociedade com a família Catelli. Decidiu pela 155

dissolução da sociedade Limci e Catelli, e optou por continuar apenas no ramo do chocolate, por meio da sociedade com a Carle & Montanari. A partir dessa resolução, a Limci determinou que passaria a se concentrar no ramo das bebidas, das embalagens, dos plásticos e dos serviços. Mais uma empresa italiana é comprada pela Limci. Dessa vez é a Matrix S.r.l., localizada em Anzola, na região de Bologna, e especializada em um nicho de mercado, o de prensagem de materiais refratários e sinterizados. A cooperativa fechou negócio com os proprietários da Matrix de modo que em 2008 eles adquiriram a maior parte da sociedade e, dois anos depois, comprariam o restante da empresa. A compra da empresa foi um excelente negócio para a Limci, pois além de tê-la adquirido a um preço bem abaixo do mercado – 500 mil euros de acordo com Pagani (2013) – ela também teria conquistado um nicho de mercado que possui uma tecnologia útil para o seu ramo de cerâmicas. Em 2008 também houve uma reestruturação na Negri Bossi, que passava por graves dificuldades financeiras (houve uma perda de 15 milhões de euros só nesse ano). Para que ela acontecesse, a Limci adquiriu 100% de suas ações e reestruturou a empresa levando em consideração 5 pilares principais: redução de pessoal, incremento da produção interna, reconfiguração dos modelos produzidos, reorganização das filiais no exterior e, obviamente, redução de custos (PAGANI, ibidem). O grupo Limci encerrou o ano de 2008 com um total de 67 empresas, considerando também a cooperativa Limci Imola e a holding HPL (BENATI, 2009). Dentre elas, 27 estavam localizadas na Itália, 17 espalhadas pela Europa, 13 na Ásia e 10 nas Américas. A fim de aumentar o controle sobre suas empresas do ramo de bebidas, comprou, entre 2008 e 2009, a participação de seus sócios nas empresas Limci Filling e Limci Labelling. Realizada esta etapa, a Limci buscou lançar sua divisão de bebidas com maior força no mercado, seja para a promoção, vendas ou assistência técnica de suas máquinas. A crise econômica de 2008 se alastrou por diversos países ao redor do mundo e prejudicou de maneira importante grande parte da economia mundial, especialmente economias da América do Norte e da Europa. A Itália, que estava entre os países mais atingidos, sentiu a crise de modo considerável, e a Limci, por sua vez, também não conseguiu passar incólume por esta fase, considerando que 90% de seu faturamento é obtido por meio de suas empresas no exterior e que este cenário nebuloso se tratava de uma crise internacional. Portanto, de acordo com Pagani (2013), a empresa apresentou um plano econômico para enfrentar e superar esse momento de adversidades. A primeira atitude foi reforçar o controle e a coordenação de todas as empresas conscientizando-as a realizar planos de economia, de contenção de despesas e de reorganização empresarial. Assim, a cooperativa fez uma criteriosa revisão de seus orçamentos e o reduziu em comparação aos anos anteriores. 156

Mas economizar e conter custos não significa necessariamente parar de investir. Em 2009 a Limci fez a aquisição de duas empresas: uma na região de Sassuolo, chamada Nuova Firma, que atua na área de aparelhagem para automação de fábricas, e uma empresa controlada pela própria Nuova Firma, denominada Surface Inspection, líder em sistemas de inspeção automática. Também nesse ano a cooperativa deu outro passo importante criando, em sociedade com a Ingegneria Ceramica di Sassuolo, a Inteli, uma empresa voltada para a decoração digital sobre alto nível no âmbito das cerâmicas. Nesse mesmo ano o grupo Limci optou por continuar investindo no exterior: no final do segundo semestre, elaborou um plano de reorganização para a Limci Istanbul e adquiriu 100% da sociedade, assim como deu início à criação da Molds & Dies Iran, empresa que tem como finalidade a produção e regeneração de moldes. Em 2010 a cooperativa constituiu um escritório vinculado à Limci Singapore na cidade de Bangcoc. Seu objetivo inicial seria oferecer serviço técnico e suporte para as vendas de peças de reposição e posteriormente abrir um estabelecimento comercial local que se estendesse para o mercado vietnamita. Neste mesmo ano a Limci inovou ingressando no ramo da energia renovável. Constituiu uma nova sociedade, mas neste caso uma sociedade bastante interessante, pois seus sócios, todos imoleses, são a Com.Ami, um consórcio público voltado para a área de infraestrutura, e outras duas cooperativas, a Cefla, que atua no setor moveleiro e de acabamentos, e a CTI Trasporti, empreendimento histórico fundado em 1930 que foca suas atividades principalmente na área de escavações de concreto e produção de asfalto, cimento, concreto e materiais para a construção. O objetivo dessa nova sociedade, a Bryo SpA, é oferecer energia a partir de fontes renováveis, principalmente no setor de energia fotovoltaica através de instalações em coberturas, no solo e em bacias flutuantes, e na realização e gestão de implementações a biogás. Esse modelo de companhia é particularmente interessante por se tratar de uma sociedade que inclui entidades públicas e cooperativas, considerando que os resultados das operações fortalecerão, pelo menos em teoria, as cooperativas e o movimento cooperativo, ao contrário do que ocorre com a criação de inúmeras empresas privadas, que fortalecem apenas o nome do grupo e a cooperativa enquanto uma empresa, e não enquanto um instrumento coletivo que tem por objetivo socializar a propriedade coletiva e propagar a autogestão. Essa parceria trará bons frutos para o movimento cooperativo se conseguir fortalecer essas empresas enquanto cooperativas, expandindo as oportunidades para novos sócios ingressarem na base social de cada uma delas. Ainda dentro do contexto italiano, a Limci se alçou, em 2011, em um projeto de criação de um polo italiano de chocolate por meio da fusão entre a Carle & Montanare e a Opm, – que estão entre as maiores empresas do ramo no país – criando uma nova sociedade capaz de realizar 157

todo o processo de implementação para se trabalhar o cacau na produção do chocolate. Esse projeto é controlado pela holding Cmh, que é fruto de parceria entre a Limci e a Ima, empresa que também atua no ramo alimentício. Nesse mesmo período a cooperativa arrematou uma de suas fornecedoras, a Vallicelli S.r.l., empresa que produzia moinhos no setor cerâmico para o grupo Limci. Alguns meses depois surgiu a oportunidade de adquirir no exterior, por meio da Limci Istanbul, uma cota de participação na empresa C.M.T., que também é uma fornecedora da Limci há muitos anos e atua no setor de sanitários e na assistência técnica das implementações. A partir dessa aquisição a Limci encontrou novas possibilidades de expandir sua presença no território turco. Em 2012 a Limci realizou um investimento total de cinco milhões de euros na construção de um novo prédio na Índia, na região de Sanand, próximo à Ahmedabad, para se dedicar às divisões de plástico e bebidas. No mesmo ano, procedeu com a capitalização da Limci Nanhai com um aporte de dez milhões de euros, motivada pelo surpreendente crescimento da empresa, que em 2011 obteve um faturamento de 87 milhões de euros e contabilizou 470 empregados. O grupo Limci encerrou o ano de 2012 com 3.919 funcionários presentes em todo o mundo, sendo 368 sócios (que representam menos de 10% do total de trabalhadores),84 e um patrimônio líquido de 585 milhões de euros.85 Segundo Pagani (2013), nesse ano o grupo Limci consolidou um faturamento de cerca de 1 bilhão e 250 milhões de euros e um lucro líquido de 23 milhões de euros. Em 2014, o patrimônio líquido saltou para 601 milhões de euros, e o número de funcionários permaneceu quase o mesmo, 3.917 funcionários em todas as suas filiais, dos quais são 389 associados à cooperativa.86 Atualmente, para se associar à cooperativa, o trabalhador deve desembolsar o valor de 100 mil euros para pagar sua cota social. É inegável que se trata de cifras impressionantes e grandiosas para uma empresa cooperativa.

9.1. Os negócios do grupo Limci A cooperativa Limci Imola administra todas as atividades do grupo Limci por meio de uma direção geral, que supervisiona as atividades dos cinco setores de atividade, que são: a cerâmica, as bebidas e as embalagens, os plásticos, os alimentos e os serviços. Para cada um

84 É interessante observar que mesmo com um número tão baixo de associados (se considerarmos o número total de trabalhadores da empresa), comparativamente à realidade das cooperativas italianas se trata de um número alto. De acordo com Marzia, sindicalista da FIM/CISL, a Limci possui “um percentual maior de sócios com relação à outras cooperativas, com peso em relação ao número total”. 85 Dados retirados do Annual Report 2012 do Grupo Limci. 86 Dados obtidos no Annual Report 2014 do Grupo Limci e no Sustainability Report 2014. Até o momento da conclusão desta tese não havia sido divulgado os dados referentes ao exercício de 2015. 158

desses setores há um responsável pelos negócios no qual atua com todas as empresas do grupo que possuem atividades relacionadas àquele ramo. O setor cerâmico produz, vende e instala máquinas e implementações para produzir produtos cerâmicos, como azulejos, telhas e artigos sanitários. O setor de bebidas e embalagens produz, vende e instala máquinas e implementações que produzem recipientes em material plástico, em especial o material PET. As máquinas fazem todo o processo para deixar o recipiente pronto para a venda, desde a confecção do recipiente, passando por seu preenchimento e fechamento, até o processo de etiquetação do produto e a embalagem final. Há também máquinas que trabalham com recipientes de vidro e com tampas metálicas para garrafas. O setor de plástico se dedica à produção, venda e instalação de máquinas e implementações para a produção de objetos de plástico, nos mais variados tamanhos e modelos. O setor de alimentos produz, vende e instala máquinas e implementações para o ciclo completo da produção do chocolate, desde a manipulação do cacau até a embalagem do produto final. O setor de serviços compreende doze sociedades que trabalham para o grupo Limci e também para terceiros. São empresas que atuam na área administrativa, contábil, logística e transporte, serviços técnicos de oficina e projeção, serviços imobiliários, serviços financeiros e serviços de manutenção.

9.2. O cooperativismo do mutualismo Ao escrever um livro sobre a história da Limci, Pagani (2013) dedicou um capítulo inteiro ao mutualismo da cooperativa. Ele afirma que antes de mais nada o mutualismo se entende por criar oportunidades de trabalho sob as melhores condições econômicas, sociais e profissionais para os sócios e para os operários. Menciona também que a gestão cooperativa tem como objetivo adicional manter a empresa economicamente saudável para entregar sua gestão para as gerações futuras.

Mutualismo significa ainda procurar obter melhores condições para os sócios e para os trabalhadores, ou seja, destinar recursos para melhorar as condições econômicas através do instrumento de desconto cooperativo e prêmios de produção. E significa também melhorar continuamente o ambiente e as condições de trabalho, fornecer uma tutela previdenciária, sanitária e de seguro (PAGANI, 2013:51 – Tradução própria).

Contudo, nos questionamos a razão pela qual o capítulo de Pagani não ser sobre a economia social e cooperativismo, e sim sobre o mutualismo, que é apenas um componente do cooperativismo. Ao ler seu livro, temos a impressão de que o cooperativismo se resume ao 159

mutualismo. E tivemos a mesma impressão quando conversamos com os sócios da Limci sobre o cooperativismo. Quando perguntamos quais são os princípios cooperativos que os sócios entrevistados conhecem, eles levaram mais tempo do que o normal para responder e possuíam muita dificuldade em raciocinar e elaborar uma resposta sobre o assunto.

Mutualidade, porque deve dar trabalho a todos. Não sei... Não sei quais são. (...) O princípio da cooperativa é que todos podem dizer aquilo que pensam, todos podem expressar a própria opinião e que todos, nesse caso quando estão em assembleia, possam expressar aquilo que pensam e todos te escutam sobre tudo. Não é como em uma empresa que um diz as coisas e se faz assim e todos devem fazer assim porque é um que decide. Lá [na cooperativa] se diz: “eu farei isso” e depois se julga, se escuta várias opiniões e se decide se efetivamente se faz isso, e deve ser a maioria quem decide, então é uma coisa mais aberta, mais justa, eu acredito (Mattia, sócio da Limci Imola, montador – Tradução própria).

Segundo a minha modesta opinião, entrar na empresa, levar adiante a empresa, e dar a seus herdeiros alguma coisa a mais com relação a aquilo que tinha na herança de seus pais. Não sei se me expliquei. Criar sempre bem-estar aumentando o trabalho, aumentando tudo aquilo que se possa fazer para que a empresa vá para frente, criar postos de trabalho... Participação, participação nas ideias dos outros. Claro que quanto maior você é, menores são esses aspectos, porque se é uma cooperativa com 10 pessoas, é 1/10, a sua ideia vale 1/10. Mas se você é 1/350, é uma coisa um pouco diferente. Contudo, isso não é geral, na Limci tem muita democracia (Francesco, sócio da Limci, técnico – tradução própria).

Ao longo de toda a sua trajetória, a cooperativa investiu bastante em seus trabalhadores. Em 1971 foi estabelecido um check-up médico oferecido a cada 2 anos para todos os trabalhadores acima de 40 anos de idade, incluindo aqueles que já se aposentaram. Em 1990 instituiu-se um fundo de pensão, visando a complementação da aposentadoria dos sócios e trabalhadores e, no ano 2000, foi criado o seguro saúde complementar, que também pode ser extensível aos familiares do trabalhador em condições vantajosas. É interessante que os trabalhadores tenham acesso a esses benefícios, contudo, isso não se trata de mutualismo. Mas tanto a Limci quanto Pagani (2013) percebem esses feitos, que se resumem apenas à benefícios trabalhistas, como exemplos de mutualismo. Nas palavras de Pagani (2013:51 – tradução própria) “Se trata apenas de alguns exemplos que nos dão o valor do que a Limci entende por mutualismo interno, ou seja, a atenção e a sensibilidade à qualidade da vida no interior da cooperativa”. Vale ressaltar, e é importante que esteja esclarecido, que esses benefícios são exclusivos para os trabalhadores da Limci em Imola, ou seja, para quem é trabalhador (empregado ou sócio) da cooperativa. As demais empresas são regidas de acordo com os contratos coletivos realizados em cada país. No caso italiano, as empresas do grupo Limci 160

seguem os acordos coletivos realizados com as empresas privadas de cada categoria. No caso brasileiro, os benefícios citados pelos trabalhadores foram: seguro em grupo, plano de saúde, refeitório (o funcionário paga uma porcentagem de cada refeição oferecida pela empresa) e PLR – Participação nos Lucros e Resultados. Mas estes são benefícios historicamente conquistados pelos trabalhadores, previstos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e oferecidos pela maioria das empresas que atuam no Brasil, sejam elas nacionais ou multinacionais. Esses itens não devem ser associados ao mutualismo. A Limci também realiza generosas doações para a sua comunidade, e Pagani (2013:52) também relaciona essas, digamos, benfeitorias, ao mutualismo: “Mas, dizíamos, existe também um mutualismo externo, ou seja, uma atenção à sociedade, ao território no qual a empresa se ergue, para contribuir para o desenvolvimento econômico e social da coletividade”. Entre as ações mutualistas realizadas pela Limci que Pagani relata, estão contribuições para a sociedade esportiva de Imola; a doação de equipamentos médicos para o hospital da cidade, como uma máquina de ressonância magnética e uma sala de cirurgia; a doação da climatização de uma casa de repouso para os idosos; o patrocínio da restauração da Basílica de Piratello (também em Imola); além de doações para o exterior, como a construção de um ambulatório médico em Togo, um asilo na Etiópia e uma escola no Brasil, na cidade de São Bernardo do Campo, que se trata de um projeto também financiado por outras instituições imolesas. O vice-presidente da cooperativa também nos contou um pouco sobre as atividades sociais que a empresa realiza:

Nós estamos muito atentos à realidade local. Digamos que há cinco anos atrás entregamos a segunda ressonância magnética ao hospital de Imola, [em comemoração ao] nosso aniversário, e é um maquinário que custa um milhão de euros, porque é um bem-estar que temos êxito ao obter, (...) procuramos também distribuir em benefício de todos que estão nessa área. Então não é só uma empresa que tem uma função para lucrar e basta. Mas também para dar a quem está nas situações menos favoráveis, menos positivas do que nós. E nós fazemos também as atividades sociais, enviamos contribuições às associações para idosos, jovens, esportivas, então fazemos um pouquinho de tudo. (...) Também [contribuímos] no mundo, por exemplo, no ano passado presenteamos uma parte de um hospital em Uganda para os doentes de aids. Nós sustentamos em São Bernardo um centro profissional que podemos dizer que nós que construímos. Aquele é o nosso centro onde ensinamos aos brasileiros com menos possibilidades, um trabalho. E para nós é um valor muito grande ajudar aquela população que tem necessidades (Giovanni, vice- presidente da Limci).

Os dados acima mencionados revelam que a Limci associa o cooperativismo ao mutualismo e o mutualismo a obras sociais, seja em seu território ou fora dele. E acreditamos que esse entendimento de que o cooperativismo resulta apenas em ações de mutualismo não 161

seja um conceito exclusivo da Limci, mas consideramos que essa seja a ideia de cooperativismo na Itália hoje, ou seja, a economia social e o cooperativismo italianos, na atualidade, consistem em praticar algumas doações para a própria comunidade na qual a cooperativa atua, além de fortalecer a condição econômica dos cooperados. Contudo, ser uma cooperativa não se resume apenas a obras sociais e a benefícios para os seus trabalhadores. Uma empresa não precisa estar na condição de multinacional para oferecer um fundo de pensão, um check-up médico regular e um plano de saúde a seus trabalhadores. Muitas empresas criam fundações, realizam obras sociais, inauguram escolas, oferecem assistência a crianças, contribuem para o hospital do câncer, ofertam generosas doações à grandes causas, e fazem todo o tipo de “caridade” em busca de redução de impostos, de ações de marketing, de maior visibilidade na mídia e da simpatia de seus clientes (atuais e futuros). Mas para isso não é necessário ser uma cooperativa, basta ser uma empresa que perceba o quão vantajoso é tirar proveito desse tipo de situação. Stefano Pedini, faz uma crítica à Limci no sentido de que, se hoje ela é essa potência e esse exemplo de empreendedorismo de sucesso para toda a região de Imola, ela deve isso também ao território, que a acolheu e lhe proporcionou as condições necessárias para que ela se desenvolvesse e crescesse como uma empresa multinacional.

Quando se fala de redistribuição da riqueza, talvez também a Limci – porque nós a consideramos uma cooperativa então não pode ser transferida para uma outra parte – E se a Limci chegou onde chegou, seguramente chegou porque encontrou um contexto, um território que lhe garantiu poder chegar onde chegou. Então se você não raciocina sobre manter ainda aquele território, aquele contexto que te trouxe até onde você chegou, arriscará de poder seguir em frente um pouco mais. Digo isso porque não queremos que a Limci continue a raciocinar como muitos raciocinam e entretanto concentram a riqueza de tudo e os outros não importam, não interessam. Ao contrário eles também deveriam tentar raciocinar eventualmente sobre uma distribuição da riqueza que produzem (Stefano Pedini).

Pedini defende uma real distribuição da riqueza e, ao que tudo indica, o mutualismo realizado pela empresa não é suficiente para retribuir ao território tudo o que ele fez por ela. Perguntamos como deveria ocorrer essa redistribuição da riqueza que a cooperativa produz, e a resposta do sindicalista sinalizou que ano após ano a Limci teve aumento nos seus lucros, mas essa riqueza não permaneceu no território, permaneceu apenas no interior da empresa. Houve lucros maiores, mas eles não foram repassados para a cidade, de forma a gerar novos postos de trabalho, por exemplo. Para ele não há problemas em internacionalizar a produção, desde que 162

continue havendo investimentos no território, o que, pelo visto, apesar de todas as generosas doações, não tem acontecido.

Procurando não perseguir ano após ano exclusivamente um aumento dos ganhos que você tem, um aumento das margens que você tem. É um argumento que como sindicato não quisemos mais entrar dentro. Mas se você for ver, como te disse antes, ano após ano a Limci teve sempre ganhos maiores, os lucros sempre maiores, mas as solicitações no território, permanecem sempre as mesmas. Não diminuíram, mas permaneceram sempre as mesmas. [...] Não se deve simplesmente olhar para onde te fazem pagar menos aquele trabalho, mas procurar ter junto um pouco de tudo (Stefano Pedini).

A Limci considera que o mutualismo de uma cooperativa é um valor que se refere “à qualidade e à especificidade das ações que disciplinam as atividades dos sócios e da empresa internamente, e também fora da própria empresa” (PAGANI, 2013:49 – Tradução própria). Mas o mutualismo está além disso: se caracteriza como uma entidade mútua que se baseia na contribuição de todos os envolvidos para o benefício individual de cada um, entre todos aqueles que contribuem para tal finalidade. O mutualismo não prevê exclusão. E limitar a base social de uma cooperativa significa excluir. Ademais, os princípios cooperativos não se restringem ao mutualismo: a solidariedade, a democracia e a coletividade, além da inclusão, também são valores associados ao cooperativismo. É ótimo que uma empresa como a Limci possa destinar oito milhões de seus lucros, no decorrer de doze anos, para beneficiar a sociedade da qual sempre se beneficiou. Mas limitar-se a apenas esse feito não é ser uma cooperativa. É ser benemérito.

9.3. Limci do Brasil: sindicato X manutenção do emprego A Limci do Brasil, localizada na cidade de Mogi Mirim, interior do Estado de São Paulo, é uma planta produtiva que produz e vende a implementação para o setor cerâmico e fornece assistência técnica para os clientes que possuem máquinas injetoras da Negri Bossi. A empresa não trabalha sob o sistema de linha de montagem, mas sim por encomendas e, por conta disso, o número de trabalhadores varia muito. Em 2011, ano em que a economia brasileira vislumbrou um verdadeiro boom econômico, especialmente no setor da construção civil, impulsionado pelo programa do governo federal “Minha casa minha vida”, a empresa contava com 130 funcionários. Com a estagnação da economia e a diminuição das vendas em 50% no ano de 2014, a empresa contabilizou em torno de 65 trabalhadores, sendo cerca de 10 deles admitidos através de contratos de terceirização, que atuam na portaria e no refeitório, trabalham como 163

ajudantes na fábrica e fazem serviços de jardinagem e limpeza. O horário de trabalho é das 7h30m às 17h30m, com intervalo de 1h para o almoço. De um modo geral, os funcionários demonstram bastante apreço pela empresa. Uma parte deles afirmou em nossas entrevistas que não vê nenhuma diferença em trabalhar na Limci do Brasil, que é a filial de uma cooperativa e em uma empresa privada comum. Mas mais da metade dos entrevistados acreditam que por ela ser uma cooperativa no exterior, oferece vantagens no ambiente de trabalho na empresa brasileira. Entre as vantagens citadas, estão a acessibilidade ao diretor da empresa, que sempre demonstra ser muito próximo aos trabalhadores, a liberdade, a tranquilidade no local de trabalho e a polivalência – todos são treinados para executar diversas funções na empresa. Em uma fábrica com um número reduzido de funcionários, esse fator é extremamente importante para o bom andamento da produção.

Bem tranquilo, como que eu posso dizer... Tranquilo, não tem nenhuma pressão, ninguém fica aqui te cobrando produção, produtividade, produzir isso pra ontem, então tranquilo, não há ninguém que fica com o chicote nas costas querendo produção sua. Então é praticamente tranquilo, não tem nenhuma cobrança, exigência... é claro que a gente trabalha com empenho e qualidade para representar o nome da Limci lá fora. Mas é tranquilo (Josué, soldador).

Contudo, parte dos trabalhadores, especialmente aqueles que estão em cargos de direção, descrevem suas atividades como corridas e estressantes.

Bom, vamos dizer assim... Corrido. É bastante corrido... Como a minha equipe na parte da Limci é a maior, tem mais subordinados. Então é uma tarefa complexa, que tem que ter metas a serem cumpridas, planejamentos para serem elaborados. Tem a parte também de atendimento ao cliente de forma indireta. Sigo um cronograma de elaboração de cronogramas, segmento dos cronogramas, contatos com fornecedores, desenvolvimento de fornecedores, acompanhamento do processo de fabricação que os fornecedores fazem para gente, resumidamente é isso. É um pouco estressante (Marcelo, gerente industrial).

Ao visitar a fábrica e conversar com trabalhadores e diretores, dois temas chamaram a nossa atenção: a estabilidade no emprego e a relação com o sindicato. A manutenção do posto de trabalho foi citada por vários trabalhadores como sendo algo extremamente positivo e a maior vantagem oferecida pela empresa.

Olha, quem trabalha em uma empresa que tem o espírito de cooperativa, se possível nunca mais vai trabalhar em uma empresa tipo americana, alemã, porque eles visam o que só? O lucro. E aqui a gente não visa o lucro, a gente visa a manutenção do emprego. Evidentemente que o lucro faz parte dessa 164

manutenção do emprego, porque se eu não tiver o lucro, eu não vou conseguir manter o emprego. E isso é muito diferente, tem uma multinacional americana por exemplo, autopeças. Caiu a venda de carros, é a cadeia, né? Caiu a venda do carro e caiu os empregos. O valor da pessoa fica em segundo ou terceiro plano, a pessoa profissional falando. Para ele tanto faz se é o Paulo, se é o Antônio ou se é o Benedito. Hoje: “Ah, o Paulo ganha 50 mil por mês, está ganhando muito e não está vendendo, então manda todo mundo embora”. Aí retomou o mercado, contrata todo mundo. Essa filosofia destrói a empresa, custa caro, destrói a sequência de trabalho, e na cooperativa é o inverso, né? Pela manutenção de emprego, tem sequência, muitas vezes há economia. Tem necessidade de dispensa? Tem também, é óbvio. Você não vai ficar com 100 pessoas, precisando só de 30. Aí você está indo contra a filosofia, né? Explica o momento para essas pessoas, fica com aquela qualidade de mão de obra e os profissionais que você tem dentro dos 30. Retomou o mercado? Então você tem uma pessoa treinada que vai te ampliar depois esses membros aí que vão tocar. Caso contrário, não vai. E é o que uma empresa que não é cooperativa, faz. Eu citei 2 exemplos, mas também tem tantas outras, as japonesas também fazem. Sendo cooperativa, a filosofia maior que eu vejo é essa: manutenção de empregos, que é o princípio da cooperativa. (...) A vantagem maior é que a gente busca manutenção de emprego, e quando você tem, pelo menos no horizonte, que isso é o princípio, a manutenção de empregos, você trabalha muito mais tranquilo. Aí você fala assim: O meu emprego, entre aspas, está garantido, então deixa eu trabalhar para mantê-lo. Agora numa outra situação, outra empresa como você chama aí, o que acontece: você trabalha no dia a dia. Cadê o horizonte? “Ah, eu posso chegar a presidente dessa empresa”. Só se o mercado estiver como está hoje, você pode até chegar, mas se o mercado cair amanhã, você pode não estar aqui amanhã. E aqui é o inverso. Se você trabalha direitinho e com essa filosofia da manutenção, você tem todo o horizonte para descortinar. Entendeu? Hoje eu estou enxergando só isso aqui, o horizonte vai abrindo para gente, pela manutenção de emprego. Essa é a maior virtude que eu acho. Óbvio que eu estou falando do ponto de vista pessoal. Agora, do ponto de vista empresarial, a filosofia maior aqui é o que? Que o resultado seja reinvestido no próprio negócio. Sendo que numa S.A. o que se visa? Dividendo para todo mundo. Se for uma companhia familiar? Família rica e empresa pobre. E a cooperativa não é isso, né? É a manutenção de empregos. Ela reinveste exatamente para gerar empregos (Silvério, diretor administrativo financeiro).

A vantagem é que se você for um bom funcionário, se você demonstrar isso para empresa, ela geralmente, independente da situação que ela estiver, não te manda embora. Eu já tive uma situação dessa de ficar seis meses sem fazer nenhum trabalho e a Limci manter o funcionário. Seis meses sem fazer nada. E ela pagou o salário todo em dia, essa é uma grande vantagem. E ela não deixa a desejar em nenhuma outra empresa que eu já trabalhei, muito boa (Josué, soldador).

Entretanto, quando nos relatou sobre a queda nas vendas entre 2011 e 2014, o diretor geral argumentou que muitos trabalhadores ficaram ociosos e acabaram sendo demitidos.

Porque nossa produção, ou melhor, nossa venda diminuiu mais do que 50%. Consequentemente uma parte do pessoal de produção estava ocioso, tivemos que reduzir. Temos que manter uma empresa com custos adaptados à 165

produção que se faz. Caso contrário, a gente acha que é muito. Tem custo elevado, e não tendo faturamento, não dá para manter em pé (Pietro).

O discurso de pertencer à “família Limci” é tão difundido no Brasil quanto na Itália, mas como não poderia deixar de ser em uma empresa comum, os lucros estão em primeiro plano. Conforme discutimos no capítulo sobre a internacionalização, é importante para a cooperativa que haja uma margem de trabalhadores que possam ser contratados ou demitidos em épocas de crise para manter a empresa funcionando e para proporcionar os recursos necessários para os cooperados.87 Embora as relações de trabalho pareçam ser democráticas e menos autoritárias, e a fala dos trabalhadores nos dê a impressão de que o emprego na filial da cooperativa é mais estável comparativamente a qualquer outra empresa privada, a exploração do trabalho não deixa de estar presente. Tanto que no dia de nossa visita à fábrica um trabalhador reclamou durante sua entrevista que há poucos trabalhadores no chão de fábrica, e algumas horas depois presenciamos engenheiros no interior da empresa que dedicavam-se ao estudo de meios para reestruturar e enxugar ainda mais a produção. Ademais, não há ressalvas para que a demissão de trabalhadores em períodos de menor produção também ocorra, conforme o próprio diretor da empresa afirmou. Diante de situações como estas, o ideal do cooperativismo se mantém fragilizado e não há argumentos que possam sustentá-lo. A relação com a entidade de classe foi uma descoberta bastante surpreendente pelo fato de os trabalhadores rejeitarem com veemência o órgão da categoria. O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas Mecânicas e de Material Elétrico de Mogi Mirim, que é filiado à Força Sindical, não possui a aprovação de nenhum dos nossos entrevistados. Apesar de o diretor geral qualificar a relação da empresa com a entidade de classe como normal, os trabalhadores demonstram certa irritação com relação ao sindicato, especialmente com as questões do dissídio coletivo e da contribuição sindical.

O sindicato veio aqui algumas vezes para fazer alguns pedidos, uns a Limci atendeu, outros não atendemos, mas vivemos em grande tranquilidade. Normalmente eu já fiz e propus algumas vezes, quando o sindicato está pedindo alguma coisa que eu não concordo, eu peço aos funcionários para votarem, já que estamos na democracia, por duas vezes os funcionários votaram contra o sindicato. Então o sindicato tinha que ficar fora. Não se conformou muito, mas teve que engolir, pelo menos duas vezes (Pietro).

87 Um exemplo que ilustra essa situação é o caso já relatado da Cooperativa Ceramica de Imola, que a princípio não demitiu seus empregados, mas os colocou sob um programa social do governo, o Cassa Integrazione, em que eles trabalhavam menos horas e recebiam um salário menor, com o intuito de equalizar as contas da empresa. Vale ressaltar que apenas os empregados foram submetidos a esse programa, e os cooperados continuavam a receber normalmente a sua remuneração mensal. 166

É interessante observar a fala de Cássia, gerente de vendas e funcionária da empresa há mais de 17 anos, que demonstra mais do que um simples descontentamento com o sindicato e que acredita ser injusto o dissídio coletivo, por acreditar que algumas pessoas merecem menos do que outras o aumento salarial.

Você é filiada a algum sindicato? Infelizmente ao Sindicato dos Metalúrgicos, mas por obrigação. Se eu tivesse o livre arbítrio de ter ou não o sindicato me representando, sinceramente eu preferia que não.

Por que? Porque eu acho que cada um tem o seu valor diante do trabalho que executa e da empresa em que trabalha. Entendeu? Você não pode chegar em novembro e falar que eu mereço, assim como várias outras pessoas, 8% de aumento.88 De repente tem uma pessoa que não agregou nada e merece o mesmo do que uma pessoa que agregou. Então eu prefiro discutir o meu salário direto com o meu diretor, com o meu chefe, entendeu? Mas infelizmente no Brasil a gente é obrigado. Não sei em outros países, mas no Brasil a gente é obrigado. Mas eu não gostaria. Já trabalhei em instituição financeira, já trabalhei em empresa americana... Eu acho que os americanos são mais rígidos com relação à hierarquia. Mas eu sempre conversei com meus diretores na instituição financeira e aqui também. Então, se você falar: você gostaria de ser sindicalizada? Não. Não. Essa é a minha visão particular.

E qual é a sua satisfação com o Sindicato? Nenhuma. Nenhuma. Eu não gosto. Não gosto das imposições, não gosto das negociações, não gosto das fachadas, entendeu?

Você acha que não é um sindicato legítimo? Nem me preocupo em saber, nem me preocupo. Quando eu trabalhava em um banco e teve greve dos bancários, o gerente falava assim: olha, (em um exemplo com 10 funcionários) 5 vão fazer piquete na rua e os outros 5 ficam dentro da agência e a gente vai atendendo os principais clientes escondido. Então quer dizer: a gente tinha que ir para rua fazer, digamos, algazarra. Mas é muito... Sei lá, eu não me sentia bem. Parece que regride um pouco o seu ser, sabe? Eu não gosto de sindicato. Sou anti.

E como é a relação entre o Sindicato e a Limci? Hum... Não consigo analisar essa sua pergunta. Como eu vejo o sindicato de uma maneira negativa, eu não sou a pessoa que tem uma amplitude para essa resposta. Não sei responder.

Você acha que o Sindicato acaba atrapalhando e sendo injusto com os trabalhadores? Muitas vezes sim. Aqui na Limci antes de ter a PLR, a gente convivia do mesmo jeito, aí o que o sindicato fez, infernizou a vida de todo mundo dizendo que todos os funcionários tinham que ter a PLR, por quê?

88 Na Itália não há dissídio coletivo. O aumento na remuneração do trabalhador ocorre de acordo com o nível que ele conquista no interior de sua profissão. São nove níveis, e quanto maior o nível que ele alcança, maior é a sua remuneração. Essa avaliação é feita individualmente e é determinada pela própria empresa, de acordo com o que ela avalia sobre o desenvolvimento do trabalhador em sua profissão. É possível que a Limci do Brasil tenha convencido seus trabalhadores de que esse tipo de incremento na remuneração é uma forma mais justa do que o dissídio coletivo. 167

Porque para mim, em cima desse valor da PLR, o sindicato leva uma porcentagem. Então eu acho que ele só pensou nele, né? E teve uma votação aqui dentro da Limci e nós dissemos para o Sindicato que não queríamos PLR, entendeu? Então eu acho que é complicado (Cássia).

Miguel, que trabalha como pedreiro refratarista na empresa há mais de quatro anos, também se posiciona contrário ao sindicato. Assim como os demais, ele acredita que seu salário pode ser negociado diretamente com a empresa, e sua maior indignação com a entidade de classe está na contribuição sindical.

Sindicato só dá trabalho, eu não gosto dessas coisas. Eu acho que todo mundo pode reivindicar alguma coisa. Desde que não prejudique ninguém, né? E o sindicato é mais... Se eu tiver que pedir um aumento, eu não vou lá no sindicato pedir um aumento, eu vou no meu chefe e falo com ele. Eu sei os meus direitos, eu não preciso do sindicato, e eu acho que a empresa também sabe o que ela tem que fazer, não tem que ficar correndo atrás de sindicato. Eu não gosto disso. Pode até ser uma coisa boa, mas eu não gosto. (...) Eu não gosto, por isso já não quis ser sócio. Esse débito que tem todo ano num dia só, a contribuição sindical, eu acho que não é de lei isso daí, não é constitucional. Porque que eu tenho que pagar, dar um dinheiro para eles? Sabe que é um dinheiro do governo, é um dinheiro do sindicato, né? Eu sou contra isso daí. Eles já ganham porque eles querem. Agora eu tenho que dar mais um dia para eles? Eu sou contra, eu não gosto. Não por um dia, isso daí não é legal. Eu acho que você contribui se quer. Se você pedir uma ajuda para mim, é uma ajuda. Você não vai por um preço na ajuda, né? Então eu sou contra isso daí. Pode ser que eu esteja errado, mas eu não gosto (Miguel, pedreiro refratarista).

Enquanto na Itália o sindicato está presente na fábrica o tempo todo por meio dos sindicalistas e dos RSU, que são os Representantes Sindicais Unitários, no Brasil o sindicato se mantém distante enquanto os trabalhadores da Limci nutrem certa ojeriza por ele. É possível que o sindicato não tenha conseguido cativar os trabalhadores e explicar que a sua função é defender os interesses e melhorar as condições de trabalho dos funcionários da empresa. Mas a Limci, com a sua filosofia cooperativa, provavelmente conseguiu modificar a opinião dos trabalhadores com relação à presença e as ideias do sindicato. Paulo, o diretor administrativo financeiro que está na Limci há mais de 17 anos, admite que a forma como a empresa conduz o cotidiano de trabalho contribuiu para o afastamento do sindicato:

Na Limci, por ter esse espírito de cooperativa que foi implantado aqui dentro, o sindicato não tem muita ação aqui dentro, não. Teve uma reunião uma vez, há alguns anos atrás no sindicato para participação nos resultados [PLR], vieram aqui votar, porque o sindicato queria entrar aqui dentro, fazer votação, e todos os funcionários falaram: “não, não queremos”, ponto final. O presidente do sindicato falou: “nunca vi um negócio desse na minha vida, mas aqui aconteceu”. Ele virou as costas e foi embora. É uma situação que a Limci, por essa abertura que dá, por essa convivência que dá, essa liberdade que dá, 168

ela consegue ser mais transparente do que o próprio sindicato dos funcionários. Essa é a verdade (Silvério).

Ao que tudo indica diante da fala dos entrevistados, nunca houve um grande confronto entre a empresa e o sindicato. Pelo contrário, os trabalhadores descrevem a relação entre ambas como tranquila. O diretor industrial Marcelo, por exemplo, relata que a relação entre elas é “saudável, não tem problema não. Na verdade, nunca tivemos problema com o Sindicato, nunca. Pelo menos nesse período que eu estou aqui nunca houve atrito”. Entretanto, o descontentamento desses funcionários com o sindicato seria apenas uma coincidência? Será que é resultado da falta de dedicação da entidade de classe? Ou será que há um discurso por parte da Limci que desmobiliza a ação sindical? Pode ser que ocorra uma combinação de todas essas hipóteses, mas certamente a filosofia cooperativa e as boas condições de trabalho que a empresa oferece (tanto no Brasil quanto na Itália) são elementos que contribuem para que não haja grandes confrontos com o apoio do sindicato. 169

Considerações finais A aceitação, o sucesso e o prestígio que as empresas italianas têm ao redor do mundo são incontestáveis: seus produtos vendem pela qualidade e pela exclusividade que apenas a etiqueta “made in Italy” é capaz de oferecer. O universo empresarial da Itália é um dos poucos que ainda possui em sua essência a característica do trabalho familiar e artesanal que é tão apreciado e tão escasso no mundo globalizado. Isso sucede porque qualquer empresa privada italiana, quase sempre, é conduzida por uma família ou por um sócio majoritário, e é neste fato que as raízes da história empresarial italiana estão fundadas e onde elas se distinguem abruptamente das demais empresas, pois enquanto a tendência mundial é de padronização e massificação da produção, as empresas italianas nascem da capacidade pessoal de cada empreendedor que cria sua própria empresa, a qual, ainda que cresça e se torne um empreendimento de grande porte, mantém as características gerenciais (e muitas vezes operacionais) de uma empresa familiar. E é esse detalhe que diferencia as pequenas e médias empresas presentes nos distritos industriais italianos (entre as quais estão incluídas as cooperativas), das demais pequenas e médias empresas e cooperativas que existem ao redor do mundo. Ao nosso olhar, é esse ponto que determina que a dinâmica dos distritos industriais italianos não pode ser reproduzida em outros países, pois as raízes familiares e territoriais não podem ser repetidas ou transpostas. Mas o cooperativismo italiano se configura como um modelo a ser exportado, e se tornou referência no universo da economia social. O movimento cooperativo, especialmente o “vermelho”, enfrentou duas grandes guerras, o fascismo e o neoliberalismo juntamente com suas respectivas crises econômicas e, ao longo da história, se mostrou a opção mais válida para salvar e proteger os trabalhadores do desemprego e da fome. Com o passar dos anos, ele foi se fortalecendo, se institucionalizando, e conquistou diversas leis federais e regionais que favoreceram o seu desenvolvimento dentro do país. O processo de internacionalização produtiva, que tem o apoio e o suporte dos governos regionais e federal, dos sindicatos e das instituições de representação cooperativa, surgiu primeiramente de maneira pontual nas decisões empresariais de algumas cooperativas, mas nos dias atuais está ganhando cada vez mais espaço com a situação econômica que se instalou no país a partir da crise de 2008. Com a crise, a internacionalização produtiva se mostrou um caminho viável para as cooperativas escaparem das dificuldades econômicas, e o próprio movimento cooperativo percebeu que aqueles empreendimentos que já haviam se internacionalizado anteriormente não se abateram com as dificuldades econômicas ou as superaram mais facilmente do que aqueles 170

que concentravam os seus mercados apenas no interior do país. Entretanto, vale frisar que esse processo não está restrito apenas à Itália, mas está ganhando dimensão na realidade europeia. Conforme verificamos em nossas pesquisas e entrevistas, a internacionalização produtiva está bastante desenvolvida no Complexo Cooperativo Mondragon, localizado no País Basco, Espanha. E acreditamos que esse fenômeno não esteja restrito apenas a esses dois países, mas que já se encontra em desenvolvimento em outras regiões do continente europeu. As cooperativas italianas de produção industrial, que geralmente estão alocadas no interior dos distritos industriais, estão seguindo o curso do movimento empresarial de toda a região composta pela terceira Itália: exportar e produzir no exterior para competir e se sobressair na acirrada e implacável concorrência do mercado. Mas, ao seguir esse caminho, passam a se orientar cada vez mais ao mercado, distanciando-se das necessidades dos próprios trabalhadores. A grande questão que envolve esta tese é a de que a internacionalização produtiva, da maneira como vem sendo praticada, conduz as cooperativas a se tornarem competitivas e a se comportarem exatamente como as empresas capitalistas, que visam à realização da produção em outros países a fim de se beneficiarem de um conjunto de vantagens, tais como os baixos salários, a flexibilização da mão de obra e a redução de impostos, o que contribui para a precarização do trabalho nesses países que acolhem as filiais das cooperativas. Apuramos que os trabalhadores assalariados são um recurso importante para garantir o sucesso do empreendimento, pois diferentemente dos associados, eles podem ser demitidos em momentos de crise ou de reestruturação da produção. Verificamos, inclusive, que a Limci do Brasil se utilizou desta prática quando suas vendas declinaram. De todo modo, vale evidenciar que a abertura de plantas produtivas no exterior prejudica a economia do país sede da cooperativa: conforme o sindicalista da FIOM denunciou, a prática de criar empregos em outros países contribui em grande medida para que o desemprego cresça (ou para que as taxas de emprego deixem de crescer) e a Itália permaneça em situação de crise, considerando que o movimento contrário, no qual empresas internacionais migram sua produção para o território italiano, não é suficiente para suprir a demanda de postos de trabalho. Diante deste cenário, a nossa hipótese inicial de que o processo de internacionalização é um dos principais elementos, se não o principal, que colabora para o processo de degeneração das cooperativas na atualidade, se confirmou. Contudo, acreditamos que as cooperativas não se degeneram ao iniciar a internacionalização de sua produção, mas elas o fazem porque já estão mais próximas dos valores capitalistas do que dos princípios sociais e solidários e, portanto, já se degeneraram em algum momento anterior. 171

Constatamos que as empresas de fomento à internacionalização produtiva avaliam as cooperativas como empresas mercantis que devem se inserir na competição do mercado internacional e que os cooperados percebem a cooperativa como qualquer outra empresa, que deve primeiramente vislumbrar os negócios e derrubar a concorrência. A maior parte de nossos entrevistados defende que a cooperativa é uma empresa antes de ser uma cooperativa. Embora alguns tenham utilizado palavras mais brandas para explicar sua teoria, acreditamos que na prática a situação se dê de maneira mais enfática, pois esse é o trabalho habitual deles: defender e representar os interesses das cooperativas no país ou no mercado internacional. E, atualmente, os maiores interesses das cooperativas com as quais tivemos contato na Itália estão em torno de sua expansão e da lucratividade. É importante frisar que historicamente as cooperativas nascem em momentos de dificuldades e se configuram como um movimento de trabalhadores que cooperam para um mesmo ideal, por meio da ajuda mútua de seus membros, com o objetivo de enfrentar as adversidades impostas pelo capital. Mas os resultados da pesquisa indicaram que a centralidade do trabalhador cedeu lugar para a centralidade do mercado. Quando escutamos das agências de fomento cooperativo e das próprias cooperativas que o empreendimento é acima de tudo uma empresa, se torna evidente que os princípios sociais e solidários não estão em primeiro plano. Observamos que a autogestão está cada vez menos presente no interior dos empreendimentos, e as cooperativas que estão se internacionalizando tendem a se afastar cada vez mais dela. Tudo indica que na atualidade não há, entre essas cooperativas, um processo de construção da autogestão, mas sim um processo de afastamento dela. Ao pensarmos sobre o movimento cooperativo, é interessante observar que existem empreendimentos centenários que cresceram, se desenvolveram, se firmaram enquanto liderança no seu ramo de atuação, e que investem na comunidade ao seu entorno. Contudo, quando uma cooperativa detém o controle de 77 empresas espalhadas em 29 países com menos de 10% de seus trabalhadores incluídos em sua base social, os princípios do cooperativismo e da economia social se distanciam daqueles ideais que eram tão caros aos idealizadores do movimento e que foram proclamados pelas primeiras cooperativas do século XIX, no contexto em que surgiu a cooperativa de Rochdale. E não se trata de um caso isolado: gradativamente as cooperativas estão aderindo à internacionalização produtiva com o respaldo e o apoio do movimento sindical, e percorrendo um caminho que cada vez mais se torna antagônico aos valores e ideais da economia social. O êxito das cooperativas que internacionalizam sua produção se baseia na exploração do trabalho realizada em cada filial ao redor do mundo. Por meio do assalariamento, dos baixos 172

salários (muitas vezes oportunizados pelo câmbio e pela legislação vigente nos países), da flexibilização das leis trabalhistas e da exclusão dos trabalhadores da base social, as cooperativas obtêm inúmeras vantagens econômicas que não seriam possíveis se a produção estivesse concentrada exclusivamente no território italiano. Não há dúvidas de que se trata de um grande êxito com relação ao sucesso empresarial, mas definitivamente é um revés para o movimento cooperativo e para a economia social. Possivelmente a Aliança Cooperativa Internacional, a Confcooperative, a Legacoop, a Alleanza Cooperative Italiane e tantas outras instituições de representação cooperativa não preveem como lidar com as limitações do movimento em seus discursos e, desse modo, se torna ainda mais difícil orientar as cooperativas no cotidiano. Certamente o cooperativismo se fortaleceria enquanto movimento se essas instituições tivessem um olhar mais acurado para essas questões. O que encontramos em nossas pesquisas nos leva a acreditar que estamos frente a um processo muito profundo de degeneração das cooperativas na Itália, tal qual ocorre em Mondragon. A realidade está nos apontando que esses empreendimentos estão perdendo as características da economia social, e o movimento cooperativo, por sua vez, não está buscando formas de manter o espírito da cooperação, mas, ao contrário, está incentivando as cooperativas a se tornarem mais competitivas e rentáveis. Seria possível evitar a degeneração das cooperativas que prosperam no atual contexto de globalização em que estamos vivendo? Talvez a degeneração não seja inevitável, mas ela está acontecendo, indubitavelmente. O objetivo deste estudo não é propor soluções sobre como o movimento cooperativo deve enfrentar esse desafio, mas é possível que haja alternativas que contribuam para que a degeneração das cooperativas não ocorra ou seja minimizada. Especificamente nesse caso da internacionalização produtiva, para que ela se realize sem necessariamente ferir os princípios e os ideais do movimento cooperativo, poderiam ser buscados outros caminhos, diferentes daqueles seguidos pelas empresas privadas. A possibilidade de inclusão dos funcionários de todas as plantas produtivas da cooperativa em sua respectiva base social seria um caminho viável para conter o problema da exploração dos trabalhadores não associados. E realizar a internacionalização produtiva a partir de acordos e parcerias com cooperativas do exterior também poderia abrir uma possibilidade para que ela pudesse crescer dentro do mercado, sem que para isso deixasse de ser um empreendimento social e solidário. Entretanto, é importante ter em mente que a dificuldade em encontrar meios para concretizar uma internacionalização mais solidária pode ser maior ou menor, dependendo do setor ao qual a cooperativa pertence. Empreendimentos de caráter mais social, como aqueles encontrados na área da reciclagem ou 173

do mel, por exemplo, tendem a possuir um mercado menos competitivo e a exigir menos investimentos, tanto da cooperativa quanto de cada cooperado. Certamente esses fatores refletem no espírito e nas decisões dos empreendimentos. Tanto a extensa pesquisa bibliográfica que analisamos quanto as entrevistas que realizamos indicaram que o cooperativismo está descolado da economia social e a impressão que temos é de que se trata de duas coisas distintas sem nenhuma relação entre elas. Uma informação relevante que devemos considerar é que durante as entrevistas, a economia social não foi citada em nenhum momento e os trabalhadores cooperados tiveram dificuldades em comentar sobre os princípios do cooperativismo. E uma questão importante a ser pensada é que a economia social é bastante debatida no âmbito acadêmico, mas no cotidiano dos trabalhadores, dificilmente ela se faz presente. Na atualidade, os conceitos de economia social e de cooperativismo se embaralham e se resumem a unir a capacidade dos associados para criar um suporte único que beneficie a todos aqueles que conseguiram se tornar sócios. As cooperativas modernas se propõem apenas a beneficiar os seus sócios. Não há planos de erguer uma economia solidária alternativa. Não há estratégias para lutar por um mercado mais justo e igualitário. A cooperação ocorre efetivamente quando aqueles que estão à margem do sistema se juntam para sobreviver: seja a partir das cooperativas de reciclagem, seja por meio das cooperativas de artesanato ou de associações similares. Mas nesses casos a cooperação só ocorre porque esses indivíduos estão à margem do sistema. Se a partir do momento em que estão inseridos não conseguem refletir sobre alternativas concretas para inserir mais trabalhadores no projeto, eles deixam de ser solidários. E certamente, não fazem cooperação.

174

Bibliografia

ARRIGHETTI, Alessandro; SERAVALLI, Gilberto. Istituzioni e dualismo dimensionale dell’industria italiana. In: BARCA, Fabrizio (org.). In: Storia del capitalismo italiano dal dopoguerra ad oggi. Rome: Donzelli Editore, 2010.

BAGLIONI, Guido; CATINO, Maurizio. Operai e ingegneri: Cooperazione e partecipazione nel distretto industriale di Imola. Bologna: il Mulino, 1999.

BALZANI, Roberto; MARCUCCI, Loris. La storiografia sulla cooperazione in Italia: approcci generali e casi di studio padani. In: VARNI, Angelo. Alla ricerca del lavoro – Tra storia e sociologia: bilancio storiografico e prospettive di studio. Turim: Rosenberg & Sellier, 1999.

BARBARESCO, Gabriele; COLTORTI, Fulvio. Dinamiche evolutive del “Quarto capitalismo” in Emilia-Romagna. In: MOSCONI, Franco (Org.). La metamorfose del “Modello emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti industriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012.

BARBERINI, Ivano. Come vola il calabrone: Cooperazione, etica e sviluppo. Milano: Baldini Castoldi Dalai editore, 2009.

BARCA, Fabrizio. Italia Frenata: Paradossi e lezioni della politica per lo sviluppo. Roma: Donzelli Editore, 2006.

______. Prefazione. In: BARCA, Fabrizio (org.). In: Storia del capitalismo italiano dal dopoguerra ad oggi. Rome: Donzelli Editore, 2010a.

______. Compromesso senza riforme nel capitalismo italiano. In: BARCA, Fabrizio (org.). In: Storia del capitalismo italiano dal dopoguerra ad oggi. Rome: Donzelli Editore, 2010b.

BASSANI, Aureliano; BENNI, Raffaele; CERVELLATI, Ivano; VISANI, Mario (orgs.). Pagine di vita e storia Imolesi. Imola: Edizione Cars, 1986, n. 3.

______. C’erano una volta nove meccanici... Ottan’anni di crescita SACMI. Imola: Editrice La Mandragora, 1999. 175

BASTIDAS-DELGADO, Oscar; RICHER, Madeleine. Economía social y economía solidaria: Intento de definición. In: CAYAPA Revista Venezolana de Economía Social. Ano 1, N. 1, Maio 2001.

BATTILANI, Patrizia; SCHRÖTER, Harm G. Introduzione. Problemi e sviluppi dell’impresa cooperativa. In: BATTILANI, Patrizia; SCHRÖTER, Harm G. (orgs.). Un’impresa speciale – Il movimento cooperativo dal secondo doppoguerra a oggi. Bologna: Il Mulino, 2013a.

______; ______. Conclusioni. Gli elementi decisivi per il futuro delle cooperative: natura, longevità, ruolo e contesto. In: BATTILANI, Patrizia; SCHRÖTER, Harm G. (orgs.). Un’impresa speciale – Il movimento cooperativo dal secondo doppoguerra a oggi. Bologna: Il Mulino, 2013b.

BECATTINI, Giacomo. Riflessioni sul distretto industriale Marshalliano come concetto socioeconomico. In: Stato e mercato, nº. 25 (reeditado), 1989.

______. El distrito industrial marshalliano como concepto socioeconomico. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

______. Os distritos industriais na Itália. In: URANI, André; COCCO, Giuseppe; GALVÃO, Alexander Patez (Orgs.). Empresários e Empregos nos Novos Territórios Produtivos: o caso da Terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

BENATI, Benito; MAZZOLI, Marco (Orgs). Partecipazione, ricerca, innovazione – La Sacmi di Imola da Bottega artigiana a multinazionale della tecnologia. Imola: Editrice la Mandragora, 2009.

______. Novant’anni, in gran forma. In: BENATI, Benito; MAZZOLI, Marco (Orgs). Partecipazione, ricerca, innovazione – La Sacmi di Imola da Bottega artigiana a multinazionale della tecnologia. Imola: Editrice la Mandragora, 2009.

BENTIVOGLI, Chiara; GALLO, Massimo. Nord-Est: metamorfose di um modello. In: MOSCONI, Franco (a cura di.). La metamorfose del “Modello emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti industriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012. 176

BERTONHA, João Fábio. Os italianos. São Paulo: Contexto, 2005.

BEYNON, Huw. As práticas do trabalho em mutação. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Neoliberalismo, trabalho e sindicatos: reestruturação produtiva na Inglaterra e no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 1997.

BIANCHI, Patrizio. La rincorsa frenata: L’industria italiana dall’unità alla crisi globale. Bologna: il Mulino, 2013.

BRUSCO, Sebastiano. El concepto de distrito industrial: su genesis. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

______.; PEZZINI, Mario. La pequeña empresa en la ideologia de la izquierda italiana. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

______.; PABA, Sergio. Per uma storia dei distretti industriali italiani dal secondo dopoguerra agli anni novanta. In: BARCA, Fabrizio (Org.). In: Storia del capitalismo italiano dal dopoguerra ad oggi. Rome: Donzelli Editore, 2010.

BRUTTI, Paolo; CALISTRI, Franco. Distritos industriales y sindicatos. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

BUONFIGLIO, Maria Carmela. Reestruturação produtiva e o Renascimento da Resistência dos Trabalhadores nos Anos 90. In II Congresso Latino-Americano de Sociologia do Trabalho, Águas de Lindóia, 1996.

______. Trabalhadores flexibilizados e precários e ação sindical na Itália. Texto apresentado no III Seminário Internacional Universidade, Trabalho e Trabalhadores - Transformações, Desafios e Perspectivas no Mundo do Trabalho: Autonomia e Autogestão. UFMG, Belo Horizonte, 2002. 177

______. Relações Perigosas: a flexibilidade das relações de trabalho na atualidade. Cadernos do CRH, Salvador - Bahia, v. 17, n. 41, pp. 183-197, 2004.

______.; DOWLING, Juan Alfonso. Flexibilidade das relações de trabalho e precarização: uma análise comparativa. In XXIV encontro anual da ANPOCS, Petrópolis, 2000.

BURSI, Tiziano; MESTURINI, Manuela. Imprese cooperative e internazionalizzazione. Milano: Franco Angeli, 1990.

CACCIA, Giuseppe. Modelos empresariais e figuras do trabalho no nordeste da Itália. In: URANI, André; COCCO, Giuseppe; GALVÃO, Alexander Patez (Orgs.). Empresários e Empregos nos Novos Territórios Produtivos: o caso da Terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

CAEIRO, Joaquim Manuel Croca. Economia social: conceitos, fundamentos e tipologia. In: Revista katálysis. vol.11, n.1, pp. 61-72, jun. 2008.

CAMPI, Maria Teresa Costa. Presentación a la edición española. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

CANNARI, Luigi; FRANCO, Daniele. L’economia del Nord-Est: caratteristiche e recenti trasformazioni. In: MOSCONI, Franco (Org.). La metamorfose del “Modello emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti industriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012.

CAPECCHI, Vittorio. Un caso de especializacion flexible: los distritos industriales de Emilia Romagna. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

CASADIO, Quinto; ANDALÒ, Paola (Orgs.). 1911-2011: le donne, gli uomini, le cooperative, l’assciazione – Mostra fotografico-documentaria in occasione del centenario di Legacoop Imola. Imola: Editrice La Mandragora, 2011.

CASELLI, Guido. Emilia-Romagna 2.0, una comunità resiliente. Dal modello del “non più” al modello del “non ancora”. In: MOSCONI, Franco (Org.). La metamorfose del “Modello 178

emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti industriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012.

CASTELLANI, Davide. L’internazionalizzazione della produzione in Italia: caractteristiche delle imprese ed effetti sul sistema. In: L’industria – Rivista di economia e politica industriale. Bologna: Il mulino, nº 3, p.p. 487-528, 2007.

COCCO, Giuseppe, GALVÃO; Alexander Patez, SILVA; Mirela Carvalho Pereira. Desenvolvimento local e espaço público na Terceira Itália: questões para a realidade brasileira. In: URANI, André; COCCO, Giuseppe; GALVÃO, Alexander Patez (Orgs.). Empresários e Empregos nos Novos Territórios Produtivos: o caso da Terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

CONTI, Giuseppe; FERRI, Giovanni. Banche locali e sviluppo economico decentrato. In: BARCA, Fabrizio (org.). In: Storia del capitalismo italiano dal dopoguerra ad oggi. Rome: Donzelli Editore, 2010.

CORNFORTH, Chris. Le condizioni per mantenere la democrazia e le priorità alternativa delle cooperative. In: CARBONARO, Antonio; GHERARDI, Silvia (Orgs.). I nuovi scenari della cooperazione in Italia: problemi di efficacia e legittimazione sociale. Milano: Franco Angeli, 1988.

______. Patterns of Cooperative Management: Beyond the Degeneration Thesis. Economic and , vol. 16, n. 4, nov., p. 487-523, 1995.

______.; PATON, R. Participation and Power: The Case of the Jewellery Co-operative. Paper presented to the first International Conference on Producer Co-operatives, Copenhagen School of Economics and Social Science, 1981.

CORÒ, Giancarlo. Distritos e sistemas de pequena empresa na transição. In: URANI, André; COCCO, Giuseppe; GALVÃO, Alexander Patez (Orgs.). Empresários e Empregos nos Novos Territórios Produtivos: o caso da Terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

______.; TATTARA, Giuseppe; VOLPE, Mario. I processi di internazionalizzazione come strategia di riposizionamento competitivo. In: CORÒ, Giancarlo; TATTARA, Giuseppe; VOLPE, Mario. Andarsene per continuare a crescere. La delocalizzazione internazionale come strategia competitiva. Roma: Carocci editore, 2006. 179

CRUZ, Antônio Carlos Martins da. A diferença da igualdade: a dinâmica da economia solidária em quatro cidades do Mercosul. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2006.

DAUDI, Philippe; SOTTO, Richard. La spada di Damocle: la metamorfosi dell’homo cooperativus. In: CARBONARO, Antonio; GHERARDI, Silvia (Orgs.). I nuovi scenari della cooperazione in Italia: problemi di efficacia e legittimazione sociale. Milano: Franco Angeli, 1988.

FABBRI, Fabio. L’Italia cooperativa: centocinquant’anni di storia e di memoria, 1861-2011. Roma: Ediesse, 2011.

FABIANI, Guido; IACOBELLI, Dora. Reti, internalizazzione e innovazione del sistema cooperativo. In: La rivista della cooperazione. Fasc. 3, p. 96-120, 2006.

FAUQUET, Georges. Le secteur coopératif. Paris: Imprimerie coopérative ouvrière, 1935; reissued, Paris: PUF, 1942.

FORNASARI, Massimo; ZAMAGNI, Vera. Il movimento cooperativo in Italia. Un profilo storico- economico (1854-1992). Firenze: Vallecchi Editore, 1997.

FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. Terceiro Setor, Economia Social, Economia Solidária e Economia Popular: traçando fronteiras conceituais. In: Bahia análise e dados, v. 12, n.1, p.9-19. Salvador: SEI, jul. 2002.

GEORGES, Isabel P. H.; LEITE, Marcia de Paula (Orgs.). Novas configurações do trabalho e economia solidária. São Paulo: Annablume, 2012.

GIOVANNETTI, Enrico. Piccole imprese, grandi imprese e “più piccole” imprese: mercati monopsonistici delle risorce e crisi del modello distrettuale. In: MOSCONI, Franco (Org.). La metamorfose del “Modello emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti industriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012.

GORI, Mauro. Verso un sistema di imprese cooperative: riflessioni sulla realtà della Emilia- Romagna. In: CARBONARO, Antonio; GHERARDI, Silvia (Orgs.). I nuovi scenari della cooperazione in Italia: problemi di efficacia e legittimazione sociale. Milano: Franco Angeli, 1988. 180

GUELPA, Fabrizio. C’è ancora spazio per il modello distrettuale? In: MOSCONI, Franco (Org.). La metamorfose del “Modello emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti Legacooindustriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012.

GUIMARÃES, Valeska Nahas. verbete Autogestão. In: CATTANI, Antonio David; HOLZMANN, Lorena. (Orgs.). Dicionário de trabalho e tecnologia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006, v. 01, p. 36.

HANCOCK, Matt. Competere cooperando – Il distretto cooperativo di Imola. Imola: Bacchilega Editore, 2007.

______. El sistema cooperativo en Imola: patrimonio social y un nuevo paradigma para el desarrollo economico y comunitario. In: ALTUNA, Rafa; GRELLIER, Hervé; URTEAGA, Eguzki (Orgs.). El fenómeno cooperativo en el mundo: casos de Argentina, Brasil, Italia, País Vasco y Países Nórdicos. Arrasate-Mondragón: Mondragon Unibertsitateko Zerbitzu, 2008.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992.

______. Para entender O Capital: Livros II e III. São Paulo: Boitempo, 2014.

HOYT, Ann; MENZANI, Tito. Il movimento cooperativo internazionale: un gigante quieto. In: BATTILANI, Patrizia; SCHRÖTER, Harm G (a cura di). Un’impresa speciale – Il movimento cooperativo dal secondo doppoguerra a oggi. Bologna: Il Mulino, 2013.

IMOLA INSIEME 2011. Annuario della cooperazione imolese. Imola, 2011.

ISTITUTO NAZIONALE PER IL COMMERCIO ESTERO. Le trasformazioni strutturali dell’internazionalizzazione produtiva delle imprese italiane. Quaderno di ricerca nº 4, 1997.

KRAMPER, Peter. Perché le cooperative falliscono. Studio di casi: Europa, Giappone e Stati Uniti, 1950 – 2010. In: BATTILANI, Patrizia; SCHRÖTER, Harm G. (a cura di). Un’impresa speciale – Il movimento cooperativo dal secondo doppoguerra a oggi. Bologna: Il Mulino, 2013.

LA ROSA, Michele. Quadri teorici di riferimento. In: CONFCOOPERATIVE EMILIA- ROMAGNA. Monitoraggio delle imprese cooperative. Bologna: Confcooperative, 1994. 181

LAVILLE, Jean-Louis. Economia solidária, a perspectiva européia. Sociedade e Estado, Brasília: v. 16, n. 1-2, dez. 2001.

______; GAIGER, Luiz Inácio. Economia Solidária, In: Antonio CATTANI et al. (coords). Dicionário Internacional da Outra Economia, Coimbra: Edições Almedina, 2009.

______. Mudança social e teoria da economia solidária. Uma perspectiva maussiana. Sociologias, Porto Alegre, v. 16, n. 36, ago. 2014.

LAZERSON, Mark H.. La subcontratacion en la industria de articulos de punto de Modena. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

LEGACOOP EMILIA-ROMAGNA. L’internazionalizzazione delle cooperative: Analisi e promozione dela presenza delle picolé e medie cooperative nei mercati internazionali. Bologna: Editrice Emilia Romagna, set. 2004.

LEITE, Marcia de Paula. Estudos de caso no ABC Paulista. In: LEITE, Marcia de Paula; ARAÚJO, Angela Maria Carneiro; LIMA, Jacob Carlos (Orgs.). O trabalho na economia solidária: entre a precariedade e a emancipação. São Paulo: Annablume, 2015, p. 261-278.

______. A qualificação reestruturada e os desafios da formação profissional. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n.45, p. 79-96, 1996.

LIMA, Jacob Carlos. O trabalho autogestionário em cooperativas de produção: o paradigma revisitado. Rev. Bras. Ci. Soc., São Paulo , v. 19, n. 56, Oct. 2004.

______. Cooperativas, trabalho associado, autogestão e economia solidária: a constituição do campo de pesquisa no Brasil. In: GEORGES, Isabel P. H.; LEITE, Marcia de Paula. (Orgs.). Novas configurações do trabalho e economia solidária. São Paulo: Annablume, 2012, v. 1, p. 195-226.

LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução?. São Paulo: Expressão Popular, 1999.

MACPHERSON, Ian. “... Qual è l’obiettivo finale di tutto?” La centralità dei valori per il successo della cooperazione nel mercato. In: BATTILANI, Patrizia; SCHRÖTER, Harm G (Orgs.). 182

Un’impresa speciale – Il movimento cooperativo dal secondo doppoguerra a oggi. Bologna: Il Mulino, 2013.

MARINI, Daniele; OLIVA, Silvia; TOSCHI, Gianluca. La metamorfose dei distretti industriali del Nord-Est. In: MOSCONI, Franco (Org.). La metamorfose del “Modello emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti industriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012.

MARSHALL, Alfred. Industry and Trade. London: Macmillan, 1919.

MARTINO, Giulio de. La mente storica: orientamenti per la didattica geo-storico-sociale. Napoli: Liguori Editore Srl, 2005

MENDIGUREN, Juan Carlos Pérez de; ETXARRI, Enekoitz Etxezarreta; ALDANONDO, Luis Guridi. ¿De qué hablamos cuando hablamos de Economía Social y Solidaria? Concepto y nociones afines. Trabalho apresentado na XI Jornadas de Economía Crítica. Bilbao, 27 a 29 de março de 2008.

MENZANI, Tito. La cooperazione in Emilia-Romagna: dalla resistenza alla svolta degli anni settanta. Bologna: Il Mulino, 2007.

MICHELS, Robert. Political parties: A sociological study of the oligarchical tendencies of modern democracy. Kitchener: Batoche Books, 2001.

MONDADORE, Ana Paula Carletto. Mondragón é aqui? cooperativismo e internacionalização. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Gradução em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2013.

MOSCONI, Franco. Introduzione. Bologna e le altre: uma comunità in trasformazione. In: MOSCONI, Franco (Org.). La metamorfose del “Modello emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti industriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012.

NICOLAU, Isabel; SIMAENS, Ana. O impacto da Responsabilidade Social das Empresas na Economia Social. Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão, Lisboa, v. 7, n. 1, jan. 2008.

ODA, Nilson Tadashi. O ABC do cooperativismo e da economia solidária. In: JÁCOME RODRIGUES, I.; RAMALHO, J. R. (Orgs). Trabalho e sindicato em antigos e novos territórios produtivos: comparações entre o ABC Paulista e o Sul Fluminense. São Paulo: Annablume, 2007. 183

PAGANI, Andrea. L’avventura di una prodigiosa navigazione. Storia della Sacmi dal 1999 al 2012. Imola: Editrice La Mandragora, 2013.

PASTORE, Patrizia; TOMMASO, Silvia. Relazioni fra governance e performance economico- finanziarie nei distretti industriali. In: MOSCONI, Franco (Org.). La metamorfose del “Modello emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti industriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012.

PÉROTIN, Virginie. La performance delle cooperative di lavoratori. In: BATTILANI, Patrizia; SCHRÖTER, Harm G (orgs). Un’impresa speciale – Il movimento cooperativo dal secondo doppoguerra a oggi. Bologna: Il Mulino, 2013.

PIETRANTONI, Andrea. Il problema della rappresentanza sindacale dei lavoratori atipici In Bollettino Adapt (Centro Studi Marco Biagi), n. 21, 07-04, Trento, September 4-9, 2006.

PIORE, Michael. J.; SABEL, Charles F.. The second industrial divide: possibilities for prosperity. New York : Basic Books, 1984.

______. Obra, trabajo y accion: experiencia de trabajo en un sistema de produccion flexible. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

PONTIGGIA, Andrea. Uma visione d’insieme e di sintesi dei risultati. In: PONTIGGIA, Andrea (org.). Assetto istituzionale e modelli organizativi – Le cooperative industriali del compresorio di Imola e di Faenza. Castel Bolognese: Itacalibri Srl, 2001.

PYKE, Frank; SENGENBERGER, Werner. Introduccion. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

RICCIARDI, Antonio. I distretti tra crisi e represa: i risultati del III Raporto (2011) dell’Osservatorio Nazionale Distretti Italiani. In: MOSCONI, Franco (Org.). La metamorfose del “Modello emiliano”: L’Emilia-Romagna e i distretti industriali che cambiano. Bologna: il Mulino, 2012. 184

ROTHSCHILD-WHITT, Joyce. Conditions facilitating participatory democratic organizaton. Sociological Inquiry, 46, 1976.

______. The collectivist organization: an alternative to rational bureaucratic models. American Sociological Review, vol. 44, 1979.

SACMI. Rapporto annuale. Imola: 2013.

______. Annual Report 2014. Imola: 2015.

______. Sustainability Report 2014. Imola: 2015.

SENGENBERGER, Werner; PYKE, Frank. Distritos industriais e recuperação econômica local: questões de pesquisa e de política. In: URANI, André; COCCO, Giuseppe; GALVÃO, Alexander Patez (Orgs.). Empresários e Empregos nos Novos Territórios Produtivos: o caso da Terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

SERENARI, Sandro. Strumenti e processi di internazionalizzazione delle piccole e medie imprese cooperative. Bologna: Edizioni Pendragon, 2005.

SILVA, Gerardo. Sobre a “tropicalização” da experiência dos distritos industriais italianos. In: URANI, André; COCCO, Giuseppe; GALVÃO, Alexander Patez (Orgs.). Empresários e Empregos nos Novos Territórios Produtivos: o caso da Terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

SINGER, Paul; SOUZA, André Ricardo de. A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000.

SFORZI, Fabio. Importancia cuantitativa de los distritos industriales marshallianos en la economia italiana. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

SPEAR, Roger. I problemi di sviluppo dell’impresa cooperativa e le possibilità di sostegno. In: CARBONARO, Antonio; GHERARDI, Silvia (Orgs.). I nuovi scenari della cooperazione in Italia: problemi di efficacia e legittimazione sociale. Milano: Franco Angeli, 1988. 185

THE INSTITUTE OF CONTEMPORARY OBSERVATION. Indagine sulle condizioni di lavoro nelle imprese metalmeccaniche italiane nel Guangdong (Cina). Pesquisa realizada em parceria com a Iscos e com a Fim-Cisl nazionale. China, 2011.

TRIGILIA, Carlo. Trabajo y politica em los distritos industriales de la terceira italia. In: PYKE, F., BECATTINI, G., SENGENBERGER, W. (Orgs.). Los distritos industriales y las pequeñas empresas. I: Distritos industriales y cooperacion interempresarial en Italia. Madri: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.

VIGANÒ, Francesco. La fratellanza umana, ossia Le societá di mutuo ajuto, cooperazione e participazione ed i municipi cooperativi. Milano: Agnelli, 1873.

VITTORI, Rudi. Export, delocalizzazione, internazionalizzazione. Un’opportunità delle aziende italiane per superare la crisi. Milano: FrancoAngeli, 2013.

WEBB, Beatrice Potter. The Cooperative Movement in Great Britain. London: Swan Sonnenschein, 1891.

WEBB, Sidney; WEBB, Beatrice Potter. Special supplement on co-operative production and profit sharing. New Statesman: 2, 45, 1914.

ZAMAGNI, Stefano; ZAMAGNI, Vera. Cooperative Enterprise: facing the challenge of globalization. Cheltenham and Northampton: Edward Elgar Pub, 2010.

ZAMAGNI, Vera. Un mondo di varianti: settori e modelli. In: BATTILANI, Patrizia; SCHRÖTER, Harm G (orgs). Un’impresa speciale – Il movimento cooperativo dal secondo doppoguerra a oggi. Bologna: Il Mulino, 2013.

ZATTONI, Alessandro. Il modello di governo delle cooperative industriali. In: PONTIGGIA, Andrea (org.). Assetto istituzionale e modelli organizativi – Le cooperative industriali del compresorio di Imola e di Faenza. Castel Bolognese: Itacalibri Srl, 2001a.

______. Le performance economiche, competitive e sociali. In: PONTIGGIA, Andrea (org.). Assetto istituzionale e modelli organizativi – Le cooperative industriali del compresorio di Imola e di Faenza. Castel Bolognese: Itacalibri Srl, 2001b.

186

Anexo 1 Diário de campo

Colocamos à disposição do leitor o nosso diário de campo, onde registramos os principais passos da pesquisa. Ele se tornou uma ferramenta fundamental tanto para a construção do objeto, quanto para estruturarmos e consolidarmos a tese. O professor Altieri nos forneceu o contato de Pietro, diretor geral e fundador da Limci do Brasil. Ambos se conheceram por meio do Comitato Sao Bernardo, a organização italiana que doa recursos às crianças da periferia da cidade de São Bernardo do Campo, no Brasil. Pietro mora e trabalha no Brasil, mas por sorte quando lhe enviamos um e-mail, estava de passagem pela Itália. Marcamos uma entrevista com ele. Como a pesquisa sobre a Limci ainda estava muito incipiente, realizamos uma entrevista exploratória em fevereiro de 2014 e deixamos aberta a possibilidade de uma nova entrevista entre maio e junho, no Brasil. A entrevista esteve focada nos seguintes tópicos: 1) Apresentação geral sobre a história da Limci de Imola e sobre a Limci do Brasil. 2) Os aspectos comuns de organização entre a Limci de Imola e a Limci do Brasil. 3) As diferenças na organização entre a Limci de Imola e a Limci do Brasil. 4) As filiais da Limci ao redor do mundo. 5) Indicação de livros que falem sobre a história da Limci. 6) Indicação de nomes de pessoas para entrevistar na Limci de Imola: dirigentes de Imola e do Brasil, ativistas sindicais dentro da Limci do Brasil e da Limci de Imola, dirigentes da Legacoop que conhecem a história da Limci. A entrevista exploratória foi um pouco difícil. Pietro não se mostrou muito aberto, e mesmo dizendo que a pesquisa versa sobre o caso de sucesso da Limci, ele estava ressabiado. No decorrer da entrevista, relatou que nenhum dos funcionários da Limci do Brasil falaria bem da empresa e seria perda de tempo entrevistá-los. Expressou o seu descontentamento com o Brasil, com a cultura dos trabalhadores brasileiros e também com a cultura brasileira de uma forma geral, assim como condenou as políticas do governo federal durante os mandatos de Lula e Dilma. A entrevista com Pietro foi o primeiro passo em direção à pesquisa sobre a Limci. Em seguida, iniciamos uma extensa pesquisa bibliográfica nas bibliotecas do catálogo Sebina para encontrar todas as bibliografias que se referem à empresa. Essa pesquisa continuou em paralelo com o trabalho de campo até os últimos dias em que estivemos na Itália. Em relação às entrevistas, realizamos um total de 17. Para tanto, elaboramos sete roteiros de entrevistas para 187

contemplar todos os perfis de entrevistados. Os roteiros são direcionados a: presidência do grupo Limci, direção de filiais do grupo Limci, direção da Legacoop de Imola, dirigentes sindicais, sócios trabalhadores da Limci, trabalhadores da Limci e organizações de fomento à internacionalização. Assim sendo, elencamos cada entrevista realizada:  1 entrevista exploratória com o presidente da Limci do Brasil;  2 entrevistas com um executivo da vice-presidência do Grupo Limci. Uma com o questionário oficial e outra específica sobre o processo de internacionalização da cooperativa;  1 entrevista com um sindicalista da FIOM/CGIL89 de Imola que atua diretamente com a Limci Imola;  1 entrevista com uma sindicalista da FIM/CISL90 de Imola que atua diretamente com a Limci Imola;  1 entrevista com o ex-secretário da FIOM/CGIL de Bologna;  2 entrevistas com a Legacoop de Imola, sendo entrevistados o presidente e uma funcionária da organização;  1 entrevista com o presidente da SpedImola, uma empresa de logística do grupo Limci;  1 entrevista com o presidente da Limci Beverage italiana, o setor da Limci responsável pela produção de máquinas para produzir tampas e garrafas;  1 entrevista com um sócio cooperado que trabalha na Limci de Imola;  1 entrevista com uma funcionária da Limci de Imola;  1 entrevista com a presidente da Nexus Emilia-Romagna;  1 entrevista com um dirigente sindical da CGIL de Bologna;  1 entrevista com a presidente da Innovacoop/Legacoop;91  1 entrevista com o presidente da Coopermondo;92  1 entrevista com o presidente da Indaco.93

89 Federazione Impiegati Operai Metallurgici (Federação dos funcionários operários metalúrgicos). A FIOM é o sindicato da categoria metalmecânica pertencente à CGIL. 90 Federazione Italiana Metalmeccanici (Federação italiana dos metalmecânicos). A FIM, que é associada à CISL, é um sindicato de trabalhadores da categoria metalmecânica. 91 A Legacoop criou em setembro de 2012 a Innovacoop, uma sociedade específica para tratar das questões sobre a internacionalização das cooperativas. 92 A Coopermondo é uma organização pertencente à CISL que lida especificamente com a internacionalização das cooperativas 93A indaco é uma empresa privada criada pelo ex-presidente da Legacoop da região de Marche e tem por objetivo promover as cooperativas italianas por meio da internacionalização comercial e produtiva. 188

Nosso segundo entrevistado foi o vice-presidente do Grupo Limci, Giovanni. Ele foi extremamente simpático e atencioso, mas se recusou a responder uma pergunta referente ao maior e menor valor de remuneração e os respectivos cargos. No final da entrevista, pedimos para ele nos indicar sócios e empregados para que pudéssemos entrevistar. Ele disse que responderia todas as perguntas que quiséssemos fazer, mas que não gostaria que entrevistássemos outras pessoas além dele, porque essas pessoas poderiam dizer coisas que nós “talvez não entendêssemos direito”. Nesse momento, tivemos a certeza de que ele estava com medo de que os entrevistados falassem coisas que acontecem no cotidiano da empresa e que seriam prejudiciais para a imagem do grupo Limci. A ideia inicial era procurar essas pessoas por outro meio, mas os sindicalistas nos orientaram a pedir todos os contatos para o Giovanni (contudo, eles não sabiam que o vice-presidente iria negar essas entrevistas). Ao perguntarmos sobre os contatos, ele proibiu que conversássemos com outras pessoas. Perguntamos então se poderíamos conversar com os sócios que dirigem outras empresas na Itália, e Giovanni respondeu que tentaria organizar um dia para que os presidentes de outras duas empresas do grupo, uma localizada em Imola e outra em Parma comparecessem à sede da Limci para que as entrevistas pudessem ser realizadas. As entrevistas realmente aconteceram, mas sob forte pressão de Giovanni, que estava insistentemente cronometrando o tempo na porta da sala de entrevistas e pressionando para que elas acabassem logo. Ao final das entrevistas, ele nos perguntou se algum dos entrevistados tinha passado alguma imagem negativa da empresa. Nesse mesmo encontro, ele nos permitiu (depois de muita insistência de nossa parte) entrevistar Francesco, um trabalhador cooperado que aparentava estar nervoso e com medo da entrevista. Não sabemos ao certo como Giovanni orientou-o a responder as nossas questões, mas Francesco teve medo de responder algumas perguntas (como, por exemplo, qual o valor da quota parte que o trabalhador precisa desembolsar para se tornar associado) e pediu que essas questões fossem perguntadas ao vice- presidente. Embora Giovanni tenha barrado o nosso acesso aos sócios e funcionários do Grupo Limci, Amelia,94 ex-sindicalista da cidade de Imola, nos ajudou com diversos contatos, inclusive com uma entrevista “clandestina” com uma funcionária da Limci de Imola. Quando realizamos a entrevista com a Legacoop de Imola, percebemos que o processo de internacionalização produtiva não é algo exclusivo da Limci, mas é um movimento que vem ganhando espaço entre as cooperativas italianas, assim como ocorreu o processo de internacionalização dos distritos industriais. Os entrevistados nos informaram que existe um

94 Nome fictício para preservar sua identidade. 189

setor dentro da Legacoop que cuida especificamente do processo da internacionalização comercial e produtiva das cooperativas, e que ele já está institucionalizado há muito tempo. Essa entrevista foi crucial para entendermos que a internacionalização produtiva das cooperativas italianas é um processo generalizado, e vai muito além do caso Limci. Ainda por meio dessa entrevista, conseguimos o contato com Roberta Trovarelli, a responsável pelos projetos de internacionalização da Legacoop da região da Emilia-Romagna e também presidente da Innovacoop. Após a entrevista com ela, passamos a compreender melhor essa questão da internacionalização produtiva: as cooperativas começaram a se internacionalizar junto com o movimento de internacionalização dos distritos industriais e, com a crise de 2008, que foi um golpe muito duro contra a economia italiana, intensificou-se esse processo de internacionalização. Roberta também nos deixou muito clara a opinião da Legacoop de que uma cooperativa, antes de ser uma cooperativa, é uma empresa e, por isso, deve buscar o seu sustento sob todos os meios. Para fazer uma pesquisa mais acurada sobre o assunto, fomos até Roma entrevistar o diretor geral da Coopermondo e também fomos à Pesaro, na região de Marche, para entrevistar o presidente da Indaco. As entrevistas com essas três organizações (Innovacoop, Coopermondo e Indaco) foram essenciais para compreendermos melhor a lógica da internacionalização produtiva das cooperativas italianas. A partir delas, deixamos de focar apenas no caso Limci para abranger todo o contexto histórico que diz respeito ao desenvolvimento da iniciativa de internacionalização das cooperativas. Assim sendo, o objeto central da nossa pesquisa se tornou a internacionalização produtiva das cooperativas italianas, o que inclui um estudo de caso focado na experiência do grupo Limci, que é um caso emblemático nesse quesito no universo cooperativo italiano. De volta ao Brasil, agendamos em junho de 2014 a nossa entrevista com a Limci do país, localizada na cidade de Mogi Mirim, interior de São Paulo. Dadas as dificuldades que enfrentamos para conseguir entrevistas na Limci Imola, fomos para Mogi Mirim com a pretensão de realizar apenas duas entrevistas (uma com o presidente e outra com uma funcionária) e no fim conseguimos efetuar nove entrevistas, incluindo um sócio cooperado de Imola que estava trabalhando na Limci do Brasil por um período determinado. Desta vez o presidente da empresa, que havia se mostrado resistente e temeroso na entrevista realizada em Imola, se mostrou muito solícito e fez o possível para que pudéssemos realizar todas as entrevistas que precisássemos. Assim sendo, entrevistamos:  Pietro (diretor geral);  Josué (soldador); 190

 Silvério (diretor administrativo e financeiro);  Cássia (gerente de vendas de peças de reposição);  Alceu (contador);  Marcelo (gerente industrial);  Miguel (pedreiro refratarista);  Pascoal (diretor comercial);  Mattia (sócio cooperado e montador de máquinas para as filiais Limci externas à Itália; no Brasil, trabalha com assistência à produção e a peças de reposição); Passamos o dia todo no interior da empresa e pudemos observar um pouco de sua rotina. O fator mais intrigante que observamos foi a imagem negativa que o Sindicato dos Metalúrgicos de Mogi Mirim (ligado à Força Sindical) possui entre os funcionários da empresa, sejam eles de cargos mais elevados ou do chão de fábrica. Nossa primeira impressão quando conhecemos o site95 da organização também não foi das melhores, pois trata-se de uma página desatualizada que se dedica muito mais a promover os benefícios de associar-se ao Sindicato (como colônia de férias e convênios com descontos em comércio) do que precisamente informar e orientar os trabalhadores da categoria. Agendamos uma entrevista com um diretor do sindicato para esse mesmo dia, mas como passamos o dia inteiro entrevistando os trabalhadores da Limci, não conseguimos comparecer e também não conseguimos reagendá-la novamente. Já em 2016, telefonamos para o sindicato para tentar uma entrevista por telefone, mas o sindicato se recusou a conversar conosco pelo telefone. Outro ponto interessante que observamos foi a pequena quantidade de trabalhadores que a empresa mantém, totalizando cerca de 60 funcionários. A Limci do Brasil está organizada de um modo em que todos os funcionários sejam polivalentes e possam exercer diversas funções ao mesmo tempo, de acordo com as necessidades da empresa. Notamos essa questão no depoimento de todos os entrevistados, mas especialmente naqueles que não são diretores. Apesar de as máquinas que a empresa produz serem muito caras, grandes e complexas, a produção anual dos últimos anos não tem excedido 10 peças. Talvez esse fator justifique a quantidade de funcionários fixos. Trabalhadores por tempo determinado e terceirizados são contratados sazonalmente, conforme as necessidades da empresa. Outro fator que chamou a nossa atenção foi que mesmo com um quadro de funcionários extremamente enxuto (o qual foi

95 http://sindmetmm.com.br. Acessado em 16/06/2014. 191

alvo de reclamação do gerente industrial), o diretor geral contratou naquele momento um engenheiro para enxugar e dinamizar ainda mais a produção. De um modo em geral, tanto os trabalhadores da Limci de Imola quanto da Limci do Brasil que entrevistamos se mostraram bastante satisfeitos em trabalhar para esta empresa. Os sindicalistas e os representantes das cooperativas também a elogiaram, dizendo que é uma das melhores empresas do momento para se trabalhar e que ela, ao contrário de muitas outras, está bem no mercado e não teve até agora grandes consequências negativas devido à crise econômica que a Itália vem enfrentando na última década.

192

Anexo 2 Guida d’intervista con i soci della Limci Imola

Dati generali dell'intervistato: nome, età, livello d'istruzione, funzione sul lavoro Dati sul lavoro: - Da quanto tempo lavori nella Limci? Come ha iniziato a lavorare per l'azienda? La tua funzione è sempre stata la stessa? - Partecipa in qualche gruppo o qualche consiglio nella Limci? Quali? - Quali sono e come funzionano i principali canali di partecipazione dei soci nella gestione dell'azienda? - Come descrivi il suo quotidiano di lavoro? - Come si avviene la qualificazione dei soci? - Sei affiliato ad alcuni sindacato? Se sì, a qualli? Da quando? Com’è la tua soddisfazione con l'entità? - Com'è la relazione tra il sindacato e la Limci? - Hai lavorato in qualsiasi altra azienda del Gruppo Limci? Se sì, per quanto tempo e perchè hai lasciato? Dati sulla Limci Imola: - Come funzionano le quota parte dei azioni della Limci? - Come analizzi l'ingresso di nuovi soci? - Come vede l'assunzione di nuovi dipendenti? - Quando hai iniziato a lavorare qui, sapeva che la Limci è una cooperativa? Per Lei, che cosa questo rappresenta? - Quali sono i principi cooperativi che conosci? Qual è il più importante? Qual rappresenta meglio il quotidiano dell'azienda? - Come analisa le attività internazionali dell'azienda? - Secondo Lei, che cosa sono necessarie per l'azienda crescere di più? - Qual è il tuo impegno (e delle altri associati in generale) per migliorare la performance della Limci? - Come vede il futuro della Limci? 193

Dati sul Gruppo Limci - Qual è il più grande vantaggio e il più grande svantaggio di lavorare per il Gruppo Limci? - Com'è la relazione della Limci Imola con le altre aziende del Gruppo? - Secondo Lei, il fatto della Limci Imola essere una cooperativa ha contribuito per il successo e per la crescita del Gruppo? Perchè? - Secondo Lei, quali sono i vantaggi e gli svantaggi della Limci Imola essere l'unica cooperativa del Gruppo? - Per Lei, perchè solo la Limci Imola è diventata una cooperativa?

194

Anexo 3 Guida d’intervista con i sindacati della Limci Imola

Dati generali dell'intervistato: nome, età, livello d'istruzione, funzione sul sindacato Dati generali del Sindacato ad Imola: nome istituzionale, centrale sindacale a quale è collegata, data di filiazione alla centrale , chi rappresenta, quanti aziende rappresenta, quanti associati rappresenta, data di iscrizione alla centrale, chi e come rappresenta Dati sulla relazione con la Limci Imola: - Il sindacato c'è rappresentante sindacale nella Limci Imola? - Com’è la relazione tra il sindacato e: i impiegati: i soci: la Limci: - Ha qualche dipendente dell'azienda nella direzione del sindacato? - Quali sono le principali richieste dell'azienda per il sindacato? - Ci sono conflitti tra i soci e i dipendenti? Di che tipo? - Ci sono conflitti di lavoro tra la direzione ed i soci? E tra la direzione ed i dipendenti? - Come ocorre la risoluzione dei conflitti (stipendio, gli straordinari, partecipazione agli utili)? - Ci sono stati sciopero o blocco del lavoro? - Quali sono i mezzi d’azione del sindacato? - Quanti lavoratori della Limci sono sindacalizzati? - Il sindacato considera che i soci delle cooperative sono anche lavoratori? Perchè? - Per il sindacato, esistono differenze tra i lavoratori e soci della cooperativa? - Qual’è la posizione del sindacato per quanto riguarda la Limci Imola essere una cooperativa?

195

Anexo 4 Guida di intervista con le organizzazioni della internazionalizzazione

Dati generali dell'intervistato: nome: età: livello d'istruzione: funzione nell’organizazzione: Dati generali sulla organizazzione: nome istituzionale: chi rappresenta: quanti aziende rappresenta: Dati sull’organizazzione: - Potrebbe raccontare un po' la storia dell’agenzia? - Quali sono le principali attività e le forme di azione dell’agenzia? - Quali sono le principali richieste delle cooperative verso la sua agenzia? Sul processo di internazionalizzazione - Dove, come e quando è emersa l'idea di internazionalizzazione delle cooperative? - Secondo Lei, perché questa idea si è diffusa così rapidamente? - C'è qualche relazione tra il processo di internazionalizzazione delle piccole e medie imprese dei distretti industriali e il processo di internazionalizzazione delle cooperative? - Qual è la differenza tra internazionalizzazione commerciale e internazionalizzazione produttiva? - Può dare esempi di cooperative che hanno aderito all’internazionalizzazione produttiva? - Ha conoscenza di qualche caso in cui la cooperativa ha cercato di internazionalizzarsi e il progetto non ha funzionato? (Es:. coop ceramica) - Quali sono i paesi più ricercati dalle cooperative italiane per realizzare il loro business: Produttive Commerciale - Qual è il ruolo del governo nel processo di internazionalizzazione? C'è qualche legge che regolamenta o favorisce? Ci sono programmi di incentivi o politiche pubbliche che incoraggino l'internazionalizzazione delle cooperative? 196

- Conosce altri paesi che hanno aderito a tale processo di internazionalizzazione delle cooperative? - Come valuta le proposte di internazionalizzazione in relazione agli ideali del cooperativismo? Ci sono valori della cooperazione che voi ritenete di esportare nelle vostre filiali all’estero? Secondo Lei, è possibile che una cooperativa diffonda i valori cooperativi tra le proprie aziende che non sono cooperative? Secondo voi, può sorgere qualche contraddizione tra questo processo e gli ideali cooperativi? - Secondo Lei, le condizioni di lavoro di queste aziende in altri paesi sono le stesse condizioni che si trovano nella cooperativa italiana? - Secondo alcuni pareri che ho letto, ci sono critiche verso quelle esperienze, come la Limci e la Mondragón spagnola, che aumentano i loro guadagni attraverso una bassa remunerazione del lavoro salariato all’estero e che non prevedono che i salariati possano diventare soci della cooperativa. Lei che cosa può rispondere a queste idee? - Quali sono le principali sfide per le cooperative che si internazionalizzano? - Come vede il futuro del movimento cooperativo?

197

Anexo 5 Guida d’intervista con la Legacoop

Dati generali dell'intervistato: nome, età, livello d'istruzione, funzione sulla Legacoop Dati generali sulla Legacoop Imola: nome istituzionale; chi rappresenta; quanti aziende rappresenta; quanti associati rappresenta Dati generali sulla Legacoop nazionale: nome istituzionale; chi rappresenta; quanti aziende rappresenta; quanti associati rappresenta Dati sulla Legacoop: - Potrebbe raccontare un po' la storia della Legacoop? - Quali sono le principali attività e le forme di azione della Legacoop? - Che cosa differenzia la Legacoop dei sindacati? - La Legacoop considera che i soci delle cooperative sono anche lavoratori? Perchè? - Per la Legacoop, esistono differenze tra i lavoratori e soci della cooperativa? Dati sul il cooperativismo imolese: - Potrebbe raccontare un po' della storia delle cooperative di Imola? - Perchè Imola ha concentrato molte cooperative sul il suo territorio? - Come la Legacoop vede il movimento cooperativo italiano oggi? E come vedi il movimento cooperativo imolese? Dati sulla relazione com la Limci Imola: - La Legacoop c'è rappresentanti all'interno della Limci Imola? - Come è il rapporto tra Legacoop e: la Limci i soci i impiegati - Ci sono soci dell'azienda nella direzione della Legacoop? - Quali sono le principali richieste della Limci per la Legacoop? - Ci sono conflitti all'interno dell’azienda? Di che tipo? Ci sono conflitti tra la Limci e la Legacoop? Di che tipo? Come la Legacoop si colloca davanti dei casi di conflitti? - Come Legacoop vede il processo di internazionalizzazione della Limci? - Per Legacoop, perché la Limci è diventata un esempio di successo? 198

- Qual’è l'opinione della Legacoop sul il fatto di che la Limci è nata come una cooperativa e dopo non ha optato per la creazione di nuove cooperative nel suo processo di crescita e di internazionalizzazione? Per Lei, perché l’azienda ha preso questa decisione? - Secondo Lei, è possibile la Limci diffondere i valori cooperativi tra le sue aziende che non sono cooperativa? - Quale sono le maggiore sfide per la Limci adesso? - Come vede il futuro della Limci?

199

Anexo 6 Guida d’intervista con i lavoratori della Limci Imola

Dati generali dell'intervistato: nome, età, livello d'istruzione, funzione sul lavoro Dati sul lavoro: - Da quanto tempo lavora nella Limci? Come ha iniziato a lavorare nell'azienda? La tua funzione è stata sempre la stessa? - Partecipa di qualche gruppo o di qualche consiglio nella Limci? - Quali sono e come funzionano i principali canali di partecipazione dei lavoratori nella gestione della produzione? - Come descrivi il suo quotidiano di lavoro? - Ha fatto alcun corso di professionalizzazione attraverso la Limci? - È affiliato ad alcuni sindacato? Se sì, quali? Da quando? Quale è la tua soddisfazione con l'entità? - Com'è la relazione tra il sindacato e la Limci? - Come descrivi il tuo lavoro? Chi e come definisce il tuo modo di lavorare? - Il tuo orario di lavoro è flessibile? E le squadre e il lavoro da un modo in generale? Dati sulla Limci Imola: - Quando ha iniziato a lavorare qui, sappeva che la Limci è una cooperativa? Per Lei, che cosa questo rappresenta? - Ha pensato di diventarsi un lavoratore associato? Perchè? - Ha lavorato in qualsiasi altra azienda del Gruppo Limci? Se sì, per quanto tempo e perché ha lasciato? - Per te, c'è una differenza tra un'azienda comune e un'azienda cooperativa? Commente. - Ci sono vantaggi di lavorare in una cooperativa? Quali? - Secondo Lei, che cosa è necessaria per l'azienda crescere di più? - Qual è il tuo impegno (e di altri lavoratori in generale) per migliorare il rendimento della Limci? - Come vede il futuro della Limci?

200

Dati sul gruppo Limci: - Ha sentito parlare di altre società del Gruppo Limci? Come analizza le operazioni internazionali dell'azienda? - Ha avuto contatti con i dipendenti di altre aziende del gruppo? Se sì, commente. - Qual è il più grande vantaggio ed il più grande svantaggio di lavorare per il Gruppo Limci? - Per Lei, c'è una differenza nell'organizzazione del lavoro tra la Limci Imola e le altre aziende del Gruppo? Commente.

201

Anexo 7 Guida d'intervista con i dirigenti della Limci Imola

Dati generali dell'intervistato: nome, età, livello di istruzione, funzione sul lavoro Dati sulla Limci: - Quando e come è nata? - Attualmente, quanti sono il lavoratori collegati al gruppo Limci? - Potrebbe descrivermi l'organigramma della Limci Imola? - Oggi, ci sono quanti soci? E quanti operai e tecnici/ impiegati? - Come è il percorso per diventare socio? - Chi sono i principali clienti in Italia in Europa in USA In America Latina In Asia - E chi sono i principali fornitori? - Per favore, mi può parlare della presenza all’estero e delle operazioni internazionali dell'azienda: Quando, come e perché l’azienda ha deciso di entrare nei mercati esteri; Le ripercussioni per il business della Limci, vantaggi e svantaggi principali dell'internazionalizzazione. È stato possibile trasferire all’estero anche i valori cooperativi a cui la Limci si ispira? - Come si determina le decisione di chi cosa produrre e in quale struttura aziendale? - A Imola qual è lo stipendio più alto e quello più basso e le rispettive funzioni? C’è dentro l’azienda imolese una struttura sindacale? Come sono i rapporti con i sindacati sia internamente sia rispetto alle organizzazioni sindacali imolesi? - Come sono gestiti i residui finanziari attivi dell'azienda? - C'è alternanza/rinnovamento nell'equipe di direzione dell'azienda? - Nel bilancio della Limci Imola sono previsti fondi finalizzati (per esempio) - alla formazione professionale - per il tempo libero di soci e dipendenti - per attività sociali e culturali 202

- per altre attività? - L'azienda offre qualche beneficio per i soci? E per i dipendenti? - Ci sono corsi di formazione per i soci? E per i dipendenti? - Recentemente, si è verificato l'ammissione di nuovi soci ? - Ci sono casi di rinuncia alla posizione di socio? (motivazioni) - E casi di esclusione di soci? (motivazioni) - Quali sono e come funzionano i principali canali di partecipazione dei lavoratori nella gestione dell'azienda? - In generale, come sono organizzate le relazioni tra la Limci Imola e le altre società del gruppo Limci? Per esempio, come avviene la divisione del lavoro fra le varie società? Si decide solo in base al mercato locale o con altri criteri? Oppure: la contrattazione sindacale varia da paese a paese? - Ci sono relazioni organizzate con altre aziende economiche? Per esempio: accordi di partnership con altre aziende in Italia accordi di partnership con altre aziende all’estero accordi con banche specifiche ecc - Avete accordi con specifiche istituzioni? Per es. con governi stranieri Con governi regionali Con amministrazioni comunali Ecc - Perché il Gruppo ha deciso che solo la Limci Imola debba essere una cooperativa? - L'azienda sviluppa qualche tipo di progetto politico-sociale nelle comunità in cui opera? - Attualmente, qual è la maggiore sfida per il Gruppo Limci?

203

Anexo 8 Guida d'intervista con i dirigenti dell’aziende Limci

Dati generali dell'intervistato: nome, età, livello di istruzione, funzione sul lavoro Dati sulla Limci: - Nome dell’azienda - Quando e come è nata? - Per quale mercato l'azienda produce? - Come si determina le decisione di chi cosa produrre? - C'è alternanza/rinnovamento nell'equipe di direzione dell'azienda? - Qual è il rapporto con la Limci Cooperativa? Come è questo rapporto? - I profitti realizzati per l'azienda rimangono nell'azienda o sono destinati al Grupo Limci? - In generale, come sono organizzati i rapporti tra l'azienda e le altre società del gruppo Limci? - Ci sono rapporti consolidati con le altre imprese economiche come le aziende italiane, le società straniere o anche le banche? Sulla crise: - Nella sua analisi, l'Italia rimane in una situazione di crisi? - L'azienda è stata colpita dalla crisi? In che modo? Quali alternative avete trovato per superare la crisi? - Con la crisi, ha avuto una diminuzione della produzione o la dimissioni dei dipendenti? Dati sui lavoratori - Attualmente, quanti lavoratori sono legati all'azienda? - L'azienda offre alcun beneficio per i dipendenti? Quale? - Ci sono corsi di formazione per i dipendenti? - Quali sono e come funzionano i principali canali di partecipazione dei lavoratori nell'organizzazione della produzione? - C'è una struttura sindacale all'interno dell'azienda? Come funciona? - Come sono i rapporti con i sindacati? - Come avviene la contrattazione collettiva? Ci sono negoziati con il sindacato? - Come sono i contratti di lavoro? Ci sono lavoratori in outsourcing (esternalizzazione)? Contratti di lavoro flessibile? Contratti di lavoro per un periodo determinato? - Come è la rotazione (turnover) dei dipendenti dell’azienda?

204

Generale - L'azienda sviluppa qualche tipo di progetto politico-sociale nelle comunità in cui opera? - Attualmente, qual è la maggiore sfida per l’azienda?

205

Anexo 9 Guia de entrevista com os trabalhadores da Limci do Brasil

Dados gerais do entrevistado: primeiro nome, idade, grau de escolaridade, função na empresa Sobre o trabalho: - Há quanto tempo trabalha na Limci? Como começou a trabalhar na empresa? Sua função sempre foi a mesma? - Participa de algum grupo ou de algum conselho na Limci? - Quais são e como funcionam os principais canais de participação dos trabalhadores na gestão da produção? - Como descreve o seu cotidiano de trabalho? - Já fez algum curso de profissionalização através da empresa? - É filiado a algum sindicato? Se sim, qual? Desde quando? Qual a sua satisfação com a entidade? - Como é a relação entre o sindicato e a Limci? - Como você descreveria o seu trabalho? Quem e como define o modo do seu trabalho? - O seu horário é flexível? E as equipes e o trabalho de uma forma em geral? Sobre a Limci: - Quando começou a trabalhar aqui, sabia que a matriz italiana da Limci é uma cooperativa? Para você, o que isso representa? - Para você, existe diferença entre uma empresa comum e uma empresa cooperativa? Comente. - Na sua opinião, existem vantagens em trabalhar em uma cooperativa? Quais? - Alguma vez você teve vontade de se tornar um trabalhador cooperado? Porque? - Já trabalhou em alguma outra empresa do Grupo Limci? Se sim, por quanto tempo e porque saiu de lá? - Na sua opinião, o que é necessário para a Limci crescer ainda mais? - Qual é o seu compromisso (e dos demais trabalhadores de uma forma geral), para um melhor desempenho da Limci? - Como você analisa o futuro da Limci? Sobre o Grupo Limci: - Já ouviu falar sobre outras empresas do Grupo Limci? Como analisa a atuação internacional da empresa? 206

- Já teve contato com os trabalhadores de outras empresas do Grupo? Se sim, comente. - Qual é a maior vantagem e a maior desvantagem em trabalhar para o Grupo Limci?