Donde vem a doença?

● Os mitos da queda

● A existência de uma Idade de Ouro Primitiva – Grécia ● Arcádia ● Caixa de pandora – Judaísmo e Cristianismo ● Paraíso ● A queda do paraíso – Ao serem expulsos do Paraíso, Adão e Eva tornam-se mortais e sujeitos à doença.

A Arcádia

Friedrich August von Kaulbach (1850–1920). In Arcadia

● O poeta grego Hesíodo escreveu, c. 700 a.C.: – Que no início dos tempos existira uma Idade de Ouro, – a Arcádia, onde a vida decorria “sem males, trabalho duro e doenças graves”. – Depois, tudo mudou: ● “milhares de misérias caminham entre os homens, a terra está cheia de males e cheio também se encontra o mar. Por si mesmas, as doenças atingem os homens, algumas de dia e outras de noite, e trazem males aos mortais”. Mito de Pandora

● Caixa de pandora – Ao abrir a caixa (pithos), Pandora libertou os demónios e as doenças.

● John William Waterhouse (1849- 1917). Pandora, 1896

O Paraíso

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Hieronymus Bosch (c. 1450 – Lucas Cranach o Velho (1472– 1516), Painel do tríptico O Jardim 1553). O Jardim do Eden (1530). das Delícias (1490 -1510). Museo Gemäldegalerie Alte Meister, del Prado, Madrid Dresden. Queda do Paraíso

● Ao serem expulsos do Paraíso, Adão e Eva tornam-se mortais e sujeitos à doença.

Adão e Eva Albrecht Dürer (1471–1528).1507 Igreja Abreha e

Atsbeha, Étiópia Estudo da medicina pré-histórica

● Paleopatologia

Múmia, Egipto

● Povos “primitivos” ● Primeiras sociedades com escrita Hadza, Tanzânia Pré-História a t i r

Primeiros seres c humanos sobre s a Terra E Idade dos Idade da Pedra Metais

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. Do Paleolítico para o Neolítico

● Paleolítico ● Neolítico – (ca. 500.000-10.000 a.C.) – (ca. 5.000 a 3.000 a.C.)

Por David Steinlicht http://www.smm.org/catal/mysteries/ what_were_they_eating/ hunting_and_gathering/

Paleolítico (ca. 500.000-10.000 a.C.)

● Doenças transmissíveis – Densidade populacional abaixo do necessário para a difusão de muitas doenças de carácter epidémico – gripe, varíola, sarampo, etc. – Mobilidade – menor contaminação do solo e água – Ausência de animais domesticados – reservatórios ● Doenças relacionadas com – ferimentos – gangrena, tétano – animais selvagens – raiva (lobo) – alimentos crús ou mal cozinhados – f. tifóide (caça), brucelose, febres hemorrágicas. – homem – Treponema e outros – pouca diversidade genética Neolítico (ca. 5.000 a 3.000 a.C.)

● Agricultura - Cultivo do solo – Parasitas – Águas paradas (arrozais) ● Pastorícia – Domesticação – partilha de espécies patogénicas – Doenças epidémicas ● Tuberculose, varíola - bovinos ● Gripes – porcos e patos ● Rinovirus – cavalos – Ex. actuais - Creutzfeldt-Jacob ● Concentração populacional - fixação – Maior difusão por contágio directo, águas fecais

Grandes epidemias

● Condições – Grandes civilizações urbanas – Trocas comerciais, guerras ● Epidemias – Pragas do Egipto – Grande epidemia de Atenas – 430 a.C. ● Durante guerra do Peloponeso (431—404 a.C.) ● Descrição: Tucídides (460-...404 a.C.) ● Origem: África -> Pérsia -> Atenas. Durou 4 anos na região. Terá morto um quarto do exército e população ateniense. Causa incerta – Impéro romano ● Peste antonina (165-180). Varíola? Trazida do Próximo Oriente por tropas romanas. Dizimou um quarto da popul. nas regiões afectadas. ● 2.ª epidemia – 211-266. Chegou a 5.000 mortes/dia. ● Peste de Justiniano (Egipto, 540; Constantinopla 542). P. bubónica. O Crescente Fértil

– Primeiras sociedades com escrita surgem no Crescente Fértil e vale do Indo – Grande desenvolvimento desde o 4.º milénio a.C. ● Egipto – Vale do Nilo ● Mesopotâmia – Planície do Tigre e do Eufrates ● Corredor sírio-palestiniano – Faixa mediterrânica que liga o Egipto à

Mesopotâmia Crescente Fértil

Civilizações do Crescente Fértil

● Egipto – unificado ca. 3000 a.C. – Antigo Império (2850-2052 a.C.). Capital em Mênfis – Médio Império (2052-1570 a.C.). Tebas – Novo Império (1570-715 a.C.). Tebas e depois Sais ● Mesopotâmia – Sumérios (3000-1900 a.C.) – Babilónios (1900-1200 a.C.) – Assírios (1200-612 a.C.) ● Corredor sírio-palestiniano – Fenícios – Hebreus Mais antigas fontes escritas médico- farmacêuticas

● Mesopotâmia – Tabuinhas de argila gravadas com estilete em escrita cuneiforme – Bibliotecas ● Hammurabi (ca. 1700 a.C.) em Mari ● Assurbanípal (ca. 630 a.C.) em Nínive – Mais antigo documento farmacêutico conhecido – Tabuinha suméria de Nippur. ● ca. último quartel do 3.º milénio ● 15 receitas medicinais

– Centenas de tabuinhas médicas do primeiro milénio Mesopotâmia Deuses com funções concretas

● Deuses da doença e de doenças específicas ● Deuses pessoais ● Deuses protectores, confidentes e amigos ● Primeiros deuses a quem é pedida intervenção ● Não agem directamente ● Intercedem junto de deuses poderosos: e Ea ● Marduk – Deus tutelar da Babilónia, senhor dos deuses – Deus da luz, do exorcismo, da arte de curar e da sabedoria – Pai de , deus da escrita e da literatura ● Ea (Bab.) <> (Sum.) – Seu reino é o oceano de água doce sob a terra. – Deus da sabedoria e da arte mágica. – Criador da vegetação e dos seres humanos Deus ou Génio protector Palácio de Assurnasípal II, Kalah, Síria

Oração de Apiladad

«Ao deus, meu pai, dirijo: isto diz Apiladad, teu servo: porque te desentendeste comigo ?, quem te proporcionará algum que possa tomar o meu lugar ? Escreve ao deus Marduk, que é teu amigo, para que possa terminar o meu cativeiro; então olharei o teu rosto e beijarei os teus pés. Considera também a minha família, tanto os mais velhos como os pequenos: tem piedade de mim, por eles, e concede-me o teu auxílio.»

Deuses invocados

● Ea – Todo-poderoso, convém não recorrer directamente a ele ● Marduk, Shamash, Isthar

● Intercessores mais invocados, mais fortes que «deus pessoal» ● por vezes recitam-se largas listas com outros deuses como , Belit, ● Deuses que protegem os actos médicos

● Invocados pelos médicos – Edin-mugi ● protector dos partos difíceis; – Ninurta e Gula ● com acção sanitária

Gilgamesh

● Lenda de – Visão negativa da vida depois da morte – Busca da vida eterna ● Histórico – Rei sumério de Uruk (3.º milénio) ● Poema de Gilgamesh – 12 tabuínhas da bibl. Assurbanípal no BM ● Engidu - companheiro de G. – Homem c/ força do javali, crina do leão e velocidade do pássaro ● Ishtar - deusa do amor e da sexualidade pretende casar com G. – Depois da morte de Engidu (Ishtar), procura Shamash-napishtim que sobrevivera ao Dilúvio e se tornara imortal. Serpente – Engidu conta a G. sobre o mundo dos mortos

Do Poema de Gilgamesh

«A vida, que tanto anseias, nunca a poderás alcançar. Porque, quando os deuses criaram o homem, infundiram-lhe a morte, reservando a vida para si mesmos. Gilgamesh, enche o teu ventre, alegra-te de dia e de noite, que os dias sejam de completo regozijo, cantando e bailando de dia e de noite. Veste-te com roupas frescas, lava a tua cabeça e banha-te. Contempla o menino que agarra a tua mão, e deita-te com a tua mulher, abraçando-a,

porque isto é tudo o que se encontra ao alcance dos homens.» Conceito de doença

● Doença – Mal causado por espíritos malignos, demónios; – Aproveitando a falta de protecção dos deuses ● Shêrtu – “Pecado”, “cólera divina”, “castigo” ● Génese da doença – Acção directa dos deuses – Posse por demónio ● Deuses retiram a protecção ● Magia negra ● Destino (Suméria) ● Causas naturais – as conhecidas são consideradas acessórias

Espíritos malignos causadores de doenças

● Edimmu ou Ekimmu – espíritos dos mortos que não conseguiram descansar ● Mortos por enterrar ● A que não se dedicavam oferendas ● Que não tinham cumprido a sua missão na terra ● Lilû, Lilîtinou Ardatlilî – Resultantes da união entre demónio e humano (M/F) ● Deuses inferiores ou diabos – - peste – Ashakku - Febre – Ti’u - Cefaleias , demónio das – Sualu - Doenças do peito tormentas. M. Louvre Demónios

«Febre (Ashakku) no homem, invadiu a sua cabeça. Enfermidade (Namtaru) no homem, invadiu a sua vida. Um espírito mau (Utukku) invadiu o seu pescoço. Um demónio mau (Alú) invadiu o seu peito. Um fantasma mau (Ekimmu) invadiu o seu ventre. Um diabo mau () invadiu a sua mão. Um deus mau (Ilu) invadiu o seu pé. Estes sete juntos sequestraram-no Devoram o seu corpo como um fogo consumidor.»

Interrogatório

● «Semeaste a discórdia entre pai e filho? Semeaste a discórdia entre mãe e filha?

● Semeaste a discórdia entre irmão e irmão? Semeaste a discórdia entre amigo e amigo?

● Recusaste deixar partir o prisioneiro, tirar as correntes ao acorrentado?

● Cometeste não sei que pecado contra o seu deus, não sei que pecado contra a sua deusa?

● Disseste "sim" em vez de "não"?

● Empregaste falsas balanças?

● Expulsaste o filho legítimo? Instalaste o filho ilegítimo?

● Arrancaste cercas, limites, separações?

● Entraste na casa do teu próximo?

● Tiveste comércio com a mulher do teu próximo?

● Expulsaste da tua família um bom homem?

● Roubaste a roupa do teu próximo?

● Dividiste uma família unida?

● Dirigiste-te contra o teu superior?

● Foi a tua boca recta (mas) ou teu coração falso?

● Cometeste crimes, roubaste, mandaste roubar?

● Ocupaste-te de bruxarias ou de encantamentos?«

Impureza moral por contágio

«Enquanto caminhava por ruas e caminhos foi a uma libação que se tinha vertido, ou meteu o pé em água suja, ou olhou a água de lavar as mãos, ou tocou numa mulher que tinha as mãos sujas, ou olhou para uma rapariga que não tinha as mãos limpas, ou a sua mão tocou numa mulher embruxada, ou tocou num homem que não tinha lavado as mãos, ou viu alguém que não tinha lavado as mãos, ou a sua mão tocou em alguém cujo corpo estava sujo.»

Diagnóstico

● Objectivos – Que pecado cometeu ? – Que demónio se apoderou do seu corpo ? – Quais os propósitos do deus ? ● Métodos – Adivinhação ● Processo pelo qual os deuses manifestam sua vontade. ● Ex. Piromancia (interpr. chama e fumo), hepatoscopia (fígado dos animais sacrificados), oniromancia (sonhos), presságios a partir de nascimentos anormais (homens/animais), astrologia.

Adivinhação

«Se um homem acode a casa de um homem doente (e) um falcão voa paralelamente à sua direita, o doente melhorará.

Se o falcão voa paralelamente à sua esquerda, o doente morrerá. Se pela manhã na parte posterior da casa do homem doente um falcão vai de uma cerca do lado direito a outra do lado esquerdo, o doente melhorará rapidamente.

Se pela manhã na parte posterior da casa do homem doente um falcão vai de uma cerca do lado esquerdo a outra do lado direito, a sua enfermidade aumentará.

Se pela manhã na parte posterior da casa do homem doente, sai um falcão voando, o doente morrerá.»

Terapêutica

● Objectivos e métodos – Reconciliação com os deuses ● Oração – Marduk e outros intermediários – Por mandato de Ea, o sacerdote representa o doente perante o tribunal dos deuses ● Sacrifícios – Alimentício (dos deuses), expiatório (destruição do bem) e substitutivo (do homem) – Expulsão dos demónios ● Encantamentos e purificações por magia – Dirigidos ao tribunal dos deuses; – Dirigidos directamente contra os demónio – Profiláticos; amuletos – Dirigidos a objectos (para lhes incutir espírito)

Encantamento

«Oh sal, criado num local puro. te destinou para alimento dos deuses. Sem ti, nenhuma comida se condimenta em . Sem ti, deus, rei, senhor, príncipe, o incenso não exala o teu aroma. Sou fulano de tal, o filho de sicrano. Encontro-me preso de um encantamento. Tenho febre devido a um feitiço. Oh sal, rompe o sortilégio ! Destrói o feitiço ! Afasta de mim o encantamento ! E te louvarei como ao meu criador.»

O justo doente

● Pecado inconsciente – Nomear o pecado cometido, mesmo que inconsciente ● poder da palavra – Nome - representação espiritual de objecto ou pessoa ● Mencionar algo aprox. possuí-lo ● Recitar listas de possíveis faltas ● Pecado de família – Na cultura judaica: cura do cego de nascença

– Discípulos a Jesus: “Rabi, quem foi que pecou para este homem ter nascido cego ? Ele ou os seus pais ?” (São João, 9, 2) – Fariseus ao cego: “Tu nasceste coberto de pecados e dás-nos lições ?” (São João, 9, 34)

O justo doente: ausência de cura

«A enfermidade de Alu cobre o meu corpo como um manto, o sono prende-me na sua rede os meus olhos parecem olhar, mas não vêm; os meus ouvidos estão abertos, mas não ouvem, a debilidade apoderou-se do meu corpo.» Dado por morto, roubam-lhe os bens, os seus inimigos riem-se dele, os deuses desamparam-no. Porquê ? Os juizos dos deuses são por vezes insondáveis: «O que a um lhe parece louvável é, em vez disso, desprezível para os deuses.

O que parece mal ao coração é bom para o deus pessoal. Quem pode compreender a mente dos deuses na profundidade do céu ?

Os pensamentos do deus são como as águas profundas, quem as pode sondar ?.»

Fontes no Egipto

● Papiros – Papiro de Ebers (ca. 1550 a.C.) ● Mais importante ● Estudado por Georg Ebers (1837-1898) em 1875 ● Escrita hierática ● + de 20 metros com referências a – + de 7000 substâncias medicinais – + de 800 fórmulas ● Actualmente na Universitats Bibliothek de Leipzig. – Outros: papiros de Hearst, de Londres e de Berlim ● Contrariamente às mesopotâmicas, as fórmulas egípcias são quantitativas Aspectos da mitologia egípcia relacionados com a saúde

● Imhotep – Médico egípcio, primeiro-ministro do faraó Zoser (ca. 2700-2650 a.C.) e arquitecto da pirâmide de Sakkara e do templo de Edfu – Deificado ca. 2.500 anos após a morte – Tornou-se principal deus egípcio da medicina – Considerado pelos gregos como representação de Asclépio.