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Romilson Marco Dos Santos.Pdf

PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ROMILSON MARCO DOS SANTOS

TELENOVELA E RECEPTOR: DOS MEIOS ÀS PARTICIPAÇÕES

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO 2

2013

ROMILSON MARCO DOS SANTOS

TELENOVELA E RECEPTOR: Dos meios às participações

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica sob a orientação do Prof. Dr. Lucrecia D`Alessio Ferrara. 3

BANCA EXAMINADORA

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Pesquisa de Doutorado realizada com o auxílio da bolsa de estudos, concedida pela CAPES. 5

AGRADECIMENTOS.

À minha orientadora Lucrecia D`Alessio Ferrara, Machado de Assis e Platão por serem minhas inspirações.

Agradeço também aos meus alunos/amigos Rose Ferroni e Luan Fonseca.

À Cida Bueno pela ajuda sempre.

Ao professor Adirson Procópio da Silva pelo incentivo sempre. 6

RESUMO

O objeto de estudo é a telenovela do horário nobre e as transformações que a definem, tendo em vista a relação que estabelece com o indivíduo que a assiste, o telespectador. O estudo se desenvolve sobre a análise da estrutura narrativa das , suas modificações e, por fim, as conseqüências que se estabeleceram a partir delas. Demarcamos, como início desta análise, o ano de 1964.Trabalharemos, portanto, com uma seleção das telenovelas diárias tal qual ocorrem desde aquela data. O problema de pesquisa concentra-se na relação que se estabelece entre as transformações da estrutura narrativa, a linguagem visual própria da telenovela e a participação do telespectador. Para tanto elencamos as seguintes hipóteses: 1.na telenovela, os atores não interpretam nenhum personagem, mas recriam atos e circunstâncias ocorridas no cotidiano social simulado pelas tramas, o que permite afirmar que a telenovela representa a própria vida e, por certo tempo, o jogo ficcional se transforma em vida real.2. a tradução da sociedade pelas telenovelas resgata uma tradicional e conservadora percepção da sociedade brasileira. 3.da combinação entre mediações e suas configurações, chega-se à geração de uma linguagem onde o visual constitui base para a projeção de desenhos sociais e, como conseqüência, para a identificação do modo como aquela sociedade se deixa ver e/ou ser apresentada. A base metodológica da pesquisa se apóia no levantamento, seleção, justificativa e análise comparativa das estruturas narrativas e a interferência da visualidade como moldura da própria estrutura narrativa. O eixo mais importante dessa estratégia metodológica contempla a comparação dos processos de configuração e suas tendências comunicativas, tendo em vista resgatar uma possível evolução daqueles desenhos enunciativos da sociedade brasileira. A base teórica se fundamenta nos estudos de Lucrécia Ferrara, Roland Barthes, Mikhail Bakhtin, Charles Sanders Peirce: autores responsáveis por conceitos como interação, análise da estrutura narrativa, autor , personagem e semiose.

Palavras-chave: telenovela; estrutura narrativa, interação, visualidade, semiótica áudio-visual. 7

Abstract

The object of study is primetime soap operas and the transformations that define it, with the objective of establishing a relationship with the individual, the viewer. The study is conducted on the analysis of the soap operas narrative structure, their modifications, and finally, the consequences were established because of them. The beginning of this analysis, is the year 1964. We will therefore work, with a selection of daily soap operas such which have occurred since that date. The research problem focuses on the relationship established between changes in the narrative structure, its own visual soap opera language and the viewers' participation. Therefore we list the following assumptions: 1.Durring the soap operas actors do not interpret any character, but recreate the acts and circumstances occurring in everyday social life simulated by the plots, which allows us to affirm that the soap opera is life itself, and durring some time, the fictional game turns into life real.2. translation society by soap operas reaferms the traditional and conservative perception of Brazilian society. 3. the combination of mediation and its settings, where one comes to the generation of a visual language which constitutes the basis for the projection of social and drawings, as a consequence, to identify the way that society is allowed to see and / or be presented . The methodological basis of this research is based on the survey, selection, justification and comparative analysis of narrative structures and interference of the visability as a frame narrative structure itself. The most important area of this methodological strategy involves the comparison of the configuration processes and their communication trends in order to rescue a possible evolution of the enunciation of the outline of the Brazilian society. The theoretical basis is based on studies of Lucrece Ferrara, Roland Barthes, Mikhail Bakhtin, Charles Sanders Peirce: authors responsible for concepts such as interaction, analysis of narrative structure, author, character and semiosis.

Keywords: soap opera, narrative structure, interaction, visual, audio-visual semiotics. 8

Lista de Ilustrações:

Fig. 01 – cena O Direito de Nascer...... 59

Fig. 02 – cena O Direito de Nascer...... 59

Fig. 03 – cena O Direito de Nascer...... 60

Fig. 04 – cena O Direito de Nascer...... 60

Fig. 05 – cena O Direito de Nascer...... 60

Fig. 06 – cena O Direito de Nascer...... 61

Fig. 07 – cena ...... 68

Fig. 08 – cena Beto Rockfeller...... 68

Fig. 09 – cena Beto Rockfeller...... 69

Fig. 10 – cena Beto Rockfeller...... 69

Fig. 11 – cena Beto Rockfeller...... 70

Fig. 12 – cena Beto Rockfeller...... 70

Fig. 13 – cena Beto Rockfeller...... 71

Fig. 14 – cena Beto Rockfeller...... 71

Fig. 15 – cena Beto Rockfeller...... 72

Fig. 16 – cena Beto Rockfeller...... 72

Fig. 17 – cena Beto Rockfeller...... 73

Fig. 18 – cena Beto Rockfeller...... 73

Fig. 19 – cena Beto Rockfeller...... 74

Fig. 20 – cena Beto Rockfeller...... 74

Fig. 21 – cena Beto Rockfeller...... 75

Fig. 22 – cena Beto Rockfeller...... 76

Fig. 23 – cena Beto Rockfeller...... 77

Fig. 24 – cena Beto Rockfeller...... 77 9

Fig. 25 – cena Beto Rockfeller...... 78

Fig. 26 – cena Beto Rockfeller ...... 78

Fig. 27 – cena ...... 81

Fig. 28 – cena O Rei do Gado...... 82

Fig. 29 – cena O Rei do Gado...... 82

Fig. 30 – cena O Rei do Gado...... 83

Fig. 31 – cena O Rei do Gado...... 84

Fig. 32 – cena O Rei do Gado...... 85

Fig. 33 – cena O Rei do Gado...... 85

Fig. 34 – cena O Rei do Gado...... 86

Fig. 35 – cena O Rei do Gado...... 86

Fig. 36 – cena O Rei do Gado...... 87

Fig. 37 – cena ...... 88

Fig. 38 – cena O Clone...... 88

Fig. 39 – cena O Rei do Gado...... 89

Fig. 40 – cena O Rei do Gado...... 89

Fig. 41 – cena O Rei do Gado...... 90

Fig. 42 – cena O Rei do Gado...... 90

Fig. 43 – cena O Clone...... 92

Fig. 44 – cena OClone...... 93

Fig. 45 – cena O Clone...... 93

Fig. 46 – cena Torre de Babel...... 94

Fig. 47 – cena Torre de Babel...... 95

Fig. 48 – cena Torre de Babel...... 97

Fig. 49 – cena Laços de Família...... 99

Fig. 50 – cena Laços de Família...... 100

Fig. 51 – cena Laços de Família...... 100 10

Fig. 52 – cena Laços de Família...... 101

Fig. 53 – cena ...... 103

Fig. 54 – cena Mulheres Apaixonadas...... 104

Fig. 55 – cena Mulheres Apaixonadas...... 104

Fig. 56 – cena Mulheres Apaixonadas...... 104

Fig. 57 – cena Mulheres Apaixonadas...... 105

Fig. 58 – cena Mulheres Apaixonadas...... 105

Fig. 59 – cena Mulheres Apaixonadas...... 105

Fig. 60 – cena Mulheres Apaixonadas...... 106

Fig. 61 – cena Laços de Família ...... 108

Fig. 62 – cena Laços de Família ...... 108

Fig. 63 – cena Laços de Família ...... 109

Fig. 64 – cena Laços de Família ...... 109

Fig. 65 – cena Laços de Família ...... 110 11

SUMÁRIO

Capítulo 1 - INTRODUÇÃO 1 Capítulo 2 - DO ROMANCE ÀS CENAS DOMÉSTICAS COTIDIANAS. 7 Capítulo 3 - DO NARRADOR AOS COGESTORES. 27

Capítulo 4 - DAS PERSONAGENS AOS TELESPECTADORES. 43 Capítulo 5 - VISUALIDADE COMO FICÇÃO PARA O ENTRETENIMENTO 54

Capítulo 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 113 Capítulo 7 - BIBLIOGRAFIA. 119 1

A narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura (recorde-se a Santa Úrsula de Carpaccio), no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no fait divers, na conversação. (BARTHES, 1971, p.19)

1. INTRODUÇÃO Neste trabalho, propõe-se o estudo da telenovela do horário nobre e as transformações necessárias para estabelecer relação com o indivíduo que assiste a ela: o telespectador. Para tanto, as telenovelas foram se reformulando para se tornarem um produto atrativo, transformando-se em entretenimento e consolidando-se como produto de comunicação de massa.

O estudo se desenvolve sobre a análise da estrutura narrativa das telenovelas do horário nobre, também conhecidas como “novela das oito”, suas modificações e, por fim, as consequências que se estabeleceram a partir dessas transformações, verificando se estava intrínseca a diluição da estrutura narrativa, substituída pela sedução da imagem que passa a desempenhar a função básica de entretenimento.

Logo, a análise se pautará no modo como os espaços das telenovelas foram organizados, a fim de estabelecerem uma mediação com o telespectador. Sabe-se que todo limite não é mais talvez que um corte arbitrário num conjunto indefinidamente móvel. Sendo assim, objetiva-se analisar, dentro da faixa mais ampla possível das telenovelas do horário nobre, as mais significativas posturas de se apresentarem ao telespectador. O eixo que guia esta análise são aquelas telenovelas cujos deslocamentos de configuração apontaram nova postura no modo através do qual se poderia produzir telenovelas.

Demarcou-se, como início desta análise, o ano de 1964, uma vez que, de 1950 até 1962, as telenovelas eram transmitidas, somente, algumas vezes por semana. Serão estudadas, portanto, as telenovelas diárias, tal qual ocorrem desde aquela data. Esse período foi escolhido, também, uma vez que, antes de 1964, “a TV era uma mídia politicamente ainda muito fraca, sem o mesmo poder de negociação com os clientes 2 que tinham o rádio, as revistas, os jornais” (Walter Clark, 1991, p.64). Daquele ano de 1964, foi selecionada a primeira telenovela para análise, O Direito de Nascer - marco inicial, por ser uma das primeiras telenovelas diárias e, principalmente, por ser a primeira telenovela de sucesso junto ao público, nos moldes contemporâneos.

É evidente que um período tão amplo comporta uma diversidade de formulações, que compõem um elenco amplo bastante para embaraçar a quem se propõe a apresentá-las em conjunto. Tais formulações não formam uma rede fechada de proposições que se explicam por si mesmas, mas propõem ser inteligível na base de uma classificação que forneça um “quadro” de suas diferenças e o modo como a telenovela foi se transformando, a fim de continuar a estabelecer relações com o telespectador.

É necessário, também, esclarecer a escolha do horário, partindo de como foi a estruturação dos horários para cada telenovela. A definição dos horários surgiu como estratégia de implantação de programação. A programação determinava que os programas tivessem horários fixos, diante dos quais tentavam promover um hábito para o público. Tinha-se: Novela das 19h, das 20h, das 22h. (...) Com o advento da novela das 18h, a Globo mantém quatro novelas em horários distintos e com temáticas bem definidas. A importância desses horários não se limita apenas à liderança com que a Rede vai dominar o país. Todo o Brasil passou a ser demarcado com os contornos das novelas da Globo, criando marcas inconfundíveis. Basta mencionar “novela das sete” que todos já sabem que se trata de uma novela global, às 19h, com características próprias. Em 1979, a emissora elimina a novela das 22h e passa a utilizar o horário para os novos investimentos da casa: os seriados e minisséries (FERNANDES, 1987, p130,131).

A escolha das telenovelas do horário nobre recai, primeiramente, na busca para atingir o maior número de telespectadores. A motivação da pesquisa está, justamente, no modo como essa telenovela se configura, para tentar estabelecer uma relação com distintos públicos. As demais telenovelas como, por exemplo, telenovelas das 18h têm temática mais romântica ou de época. As telenovelas das 19h focam as comédias. Além disso, o horário nobre recebe maior atenção na sua elaboração, ou seja, os melhores profissionais e os maiores investimentos são concentrados nessa programação. E, finalmente, segundo Fernandes: (...) é no horário das 20h que o telespectador vai encontrar a maior identificação. Lá estavam seus problemas debatidos e comentados juntos aos enlaces e desenlaces dos heróis da noite. Os maiores sucessos estão nessa faixa, o chamado horário nobre. Selva de Pedra, em sua primeira exibição, arrebata o Brasil. exibe um cidadão sendo corrompido pelo 3

poder do dinheiro, e de um viúvo solitário (mesmo vivendo ao redor dos filhos e de uma dezenas de puxa-sacos) que reencontra o amor. O Brasil ficou atento ao desenrolar dos fatos da vida desses homens comuns. Lauro Cesar Muniz encontra a plateia ideal para prosseguir seu ciclo sobre a história de São Paulo, através de e O Casarão (1987, p.132).

O recorte da pesquisa é também decorrente dessa complexidade e da dimensão cultural e financeira que uma telenovela desse horário estabelece na sociedade brasileira. A dimensão cultural corresponde a todo o movimento que esse folhetim provoca, seja na imprensa, na moda ou nos programas de televisão - o chamado crossmedia (assuntos ou atores que se destacam na telenovela e viram pauta para programas da própria emissora ou das concorrentes). Faz-se necessário observar, também, que as telenovelas desse horário são as responsáveis por concentrarem a maior arrecadação do mercado publicitário, que desloca grande parte dos seus investimentos para esse horário. Portanto, é o produto que merece maior atenção por parte da emissora.

Buscou-se, nesta pesquisa, entender a atmosfera da telenovela como estrutura narrativa. Este estudo visa a trazer contribuições que venham alicerçar a compreensão de um novo paradigma do estudo sobre telenovelas que nos obriga a pensá-las como processos em construção e não como um resultado acabado de conversas após cada capítulo. Observaram-se, ainda, as interações(FERRARA) que se estabelecem na atmosfera da telenovela.

O problema de pesquisa a ser investigado concentra-se na relação que se estabelece entre as transformações da estrutura narrativa, a linguagem visual própria da telenovela e a participação do telespectador.

O que se espera é entender o modo como a telenovela se organiza, a fim de verificar a posição do indivíduo que assiste a ela, sua posição dentro da própria telenovela, até o ponto de se tornar coautor, em um processo de interação entre autor, atores, imprensa e direção da própria emissora.

É necessário, portanto, que se levantem algumas hipóteses, a fim de melhor compreender o universo das telenovelas. Para tanto, elencam-se as seguintes hipóteses:

1. Na telenovela, os atores assumem, em determinados aspectos, uma autonomia sobre a personagem, ao recriarem atos e circunstâncias ocorridas no cotidiano social simulado pelas tramas. Isso permite afirmar que a telenovela representa a própria 4

vida e, por certo tempo, o jogo ficcional se transforma em vida real.

2. A tradução da sociedade pelas telenovelas se apoia na simulação do próprio cotidiano do espaço doméstico do receptor e resgata uma tradicional e conservadora percepção da sociedade brasileira.

3. Da combinação entre mediações e suas configurações, chega-se à geração de uma linguagem na qual o visual constitui base para a projeção de desenhos sociais e, como consequência, para a identificação do modo como aquela sociedade se deixa ver e/ou ser apresentada.

4. O telespectador evolui na sua passividade, essa mudança se processa de modo constante e acaba por exigir nova e outra caracterização da sua posição ante a telenovela que passa a fazer parte do seu cotidiano. O desenvolvimento desta investigação se justifica porque se busca analisar as múltiplas interações que a atmosfera da telenovela desencadeia. Mais do que isso, objetiva-se verificar se existe uma superioridade ou uma equivalência na relação que se estabelece entre telenovela e telespectador.

Também percebemos certa dificuldade de o intelectual aceitar o gênero telenovela como gênero artístico porque, por tradição, o intelectual é o competente analista do discurso e da aura da obra, e a telenovela não é apenas discurso nem obra, mas produto da relação desta com o receptor. Tal relação rompe com a postura autoritária do autor enquanto criador absoluto, substituindo-a por um expediente ambíguo: o autoritarismo do sistema produtor (ideologia) mesclado com a democrática consulta ao receptor (público). Sendo a estética envolvida muito mais à relação do capítulo com o público do que à proposta isolada do autor, a telenovela sugere critérios novos de leitura e análise críticas, impossíveis de caber nas formulações estéticas de gêneros anteriores, pré-eletrônicos, nas quais a obra e o autor eram o mais importante. (TÁVOLA, 1996, p. 38-41) Parece, porém, que há efetiva interferência de outros agentes na configuração do todo acabado da obra. Logo, há necessidade de analisar quais são esses outros agentes que têm uma função determinante no resultado da telenovela.

É nesse sentido que a edição da Revista Época de 13 de outubro de 2003, destacava: Como se faz uma novela. , a nova novela das oito, representa o apogeu do refinado quebra-cabeça de equipamentos e profissionais que tornam realidade a telenovela brasileira. A reportagem mostra os números de uma telenovela do horário nobre: 200 pessoas na equipe de produção; uma média de 60 atores; cem mil reais por capítulo. 5

Segundo a revista:

Desde que as novelas passaram a ser o carro-chefe da programação – responsável por cerca de 70% do faturamento da TV Globo -, a busca pela maior audiência possível passou a significar que havia a necessidade de saber o que o telespectador pensa do que está vendo. “Hoje já se testa desde a sinopse, antes mesmo de a novela ir ao ar” diz Maria Teresa Monteiro, diretora de Retrato Consultoria, que desde 1987 realiza grupos de discussão sobre os programas da TV Globo, em especial as novelas. Depois de quatro semanas no ar, há o primeiro teste sobre a aceitação e a compreensão da trama. “Se o público não captou a história ou há problemas com algum personagem ou situação, normalmente o autor mexe na história”, comenta Maria Teresa. Alguns personagens morrem. Outros sofrem para ganhar a compaixão do público. Há casais que se desfazem. “Apesar do trabalho que dá, a ideia da obra aberta é positiva e prazerosa”, afirma o novelista Manoel Carlos. A interação entre o espectador e a novela deve ser total (p.63-64). Nessa medida, é necessário pesquisar a telenovela em um contexto mais amplo, de modo a entender as razões pelas quais é dispensado todo esse cuidado à telenovela. A revista Veja, na edição de 12 de fevereiro, 1997, destacava: Entre a tela e a vida real. Pesquisa mostra como o Brasil da novela das oito interfere na vida do Brasil de carne e osso. Um dos resultados dessa pesquisa apresentada pela VEJA foi que a telenovela é: “Assistida por toda família, e não apenas pelas mulheres, como muitas pessoas querem acreditar (...)”. Portanto, a telenovela – apresentada no horário nobre - é um produto que tenta falar com todos os públicos, ao contrário das telenovelas dos demais horários.

Outra questão relevante para esta pesquisa é o estudo dos profissionais que produzem as telenovelas. Já em 1998, o Jornal Folha de São Paulo, no Caderno Mais de 12 de abril, destacava na capa o seguinte título: A cultura de massas emergentes. Segundo uma das reportagens: Os “menos favorecidos” não só consomem, mas também produzem o entretenimento televisivo.

Teixeira Coelho nos diz na mesma reportagem que:

Com as exceções habituais, as pessoas que produzem, escrevem e comentam programas na TV tiveram e ainda têm sua origem nessas mesmas “classes menos favorecidas” econômica ou culturalmente (o que significa, sem juízo de valor, que não passaram por uma universidade ou não puderam exercitar um gosto variado). Essas pessoas, como todas, tendem a tomar suas próprias preferências pelas preferências gerais e não podem evitar de entregar-se gozosamente a elas quando percebem uma convergência de predileção. Essa “cultura” quase sempre foi, em suma, uma cultura “da massa” mesmo, não “para a” massa, e essas emissoras e essas pessoas sempre foram autênticos “intelectuais orgânicos” das “classes menos favorecidas”. No início da TV Tupi foi possível assistir a uma encenação paulista de “Os rinocerontes” de Ionesco , em horário nobre. Mas, com a expansão do mercado, os responsáveis por essas audácias logo se retiraram para outros redutos 6

(inclusive para a publicidade, a partir de onde passaram a oferecer sua contribuição valiosa para a liquidação geral dos gostos). Essa foi, na verdade, a grande revolução silenciosa: a ascensão das classes menos favorecidas ao controle da produção, se não cultural, pelo menos do entretenimento. O que ocorre hoje, pelo menos no Brasil, é de certo modo uma consequência daquela tomada indolor do poder simbólico.(FOLHA DE SÃO PAULO, CADERNO MAIS, 12/04/1998, p.7) Ora, para entender essa atmosfera, temos que examinar as relações funcionais dentro de uma telenovela.

De fato, ainda falta conhecer as relações funcionais existentes nesta atmosfera. E é nesse sentido que se verificará o modo como se estruturou a narrativa das telenovelas. Sabendo-se que a narrativa se sustenta em vários elementos, observaremos quais são esses elementos estruturadores e como eles interferem no modo de se construir uma telenovela. É bom lembrar que a telenovela é um produto de comunicação de massa e, como tal, tem seus objetivos claramente definidos. Segundo Morin, “A procura de um público variado implica procura de variedade na informação ou no imaginário; e a procura de um grande público implica procura de um denominador comum” (1975, p.28). O que se objetiva é analisar a evolução da estrutura narrativa das telenovelas em estudo comparativo-histórico que constitui o elemento vital da metodologia desta parte do trabalho. Para isso, é necessário entender que:

Todo sistema sendo a combinação de unidades cujas classes são conhecidas, é preciso primeiramente dividir a narrativa e determinar os segmentos do discurso narrativo que se possam distribuir em um pequeno número de classes; em uma palavra, é preciso definir as unidades narrativas mínimas. Segundo a perspectiva integrativa que foi definida aqui, a análise não se pode contentar com uma definição puramente distribucional das unidades: é preciso que a significação seja desde o princípio o critério da unidade: é o caráter funcional de certos segmentos da história que faz destas unidades: donde o nome de “funções” que se deu imediatamente a estas primeiras unidades. Desde os Formalistas russos constitui-se em unidades todo segmento da história que se apresenta como o termo de uma correlação (BARHTES, 1971, p.27,28). Para melhor compreensão, o trabalho foi dividido nos seguintes capítulos: no capítulo 1- Do romance às cenas cotidianas; capítulo 2 - Do narrador aos cogestores; capítulo 3 - Das personagens aos telespectadores; capítulo 4 - A visualidade como ficção para o entretenimento; 5 – Considerações Finais; 6 - Bibliografia.

CAPÍTULO 2 -

DO ROMANCE ÀS CENAS DOMÉSTICAS COTIDIANAS. 7

As telenovelas se transformaram, no decorrer dos anos, para atender à necessidade de se tornarem atrativas aos olhos dos telespectadores. Essas transformações estão relacionadas ao modo através do qual se organizaram para conseguir entreter os telespectadores, responsáveis pelas flutuações dos índices de audiência e pela tabela de preço de inserção de peças publicitárias na programação. Se os telespectadores não consideravam atraente aquilo a que estavam assistindo, os índices de audiência declinavam, juntamente com o faturamento da emissora. É evidente, desse modo, que as emissoras precisaram modificar suas telenovelas para atender às expectativas daquele telespectador. O modo de apresentar as telenovelas estava relacionado às suas bases temáticas eleitas e à modificação da sua estrutura narrativa. É necessário, portanto, entender como as telenovelas se transformaram no produto que vemos hoje.

A seguir, será demonstrado, em um percurso diacrônico, como a telenovela abandonou a base temática das adaptações dos romances folhetinescos para, ao longo dos anos, sofrer transformações e chegar à eleição dos relatos das cenas cotidianas que dominam as telenovelas atuais.

Muito embora se saiba que o folhetim engendrou grandes obras da literatura, busca-se nesta pesquisa verificar o modo pelo qual a televisão o engendrou como telenovela. Portanto, o folhetim será analisado como obra para a televisão.

Assim sendo, sabe-se que as referências iniciais das telenovelas foram os romances-folhetins. Segundo Meyer:

No rodapé do jornal vão se sucedendo as fatias de romance-folhetim traduzidas dia após dia do Francês, introduzindo angústia e suspense com o fatídico “continua-se”. (...) Entre 1839 e 1842 os folhetins-romances são praticamente cotidianos no Jornal do Comércio (Brasil)...)(1996, p.283). Essas publicações tiveram uma clara razão de ser: “As declarações, reclames, o afã em preencher o famigerado rodapé indicam claramente a imprescindível necessidade do pasto ficcional para alimentar a curiosidade do leitor e rechear o bolso dos donos de jornal, já que o negócio se estende à republicação em volumes” (MEYER, 1996, p. 288).

No entanto, nem tudo que os jornais brasileiros publicaram como folhetim teve 8 semelhança ao produto original. O que se viram foram imitações e/ou modificações que promoveram mais vendas.

Meyer afirma que:

Em que medida essa produção folhetinesca nacional lembrava realmente o gênero consagrado, caracterizado pela extensão, pelas infinidades e atraentes peripécias se alongando no tempo, desenvolvendo uma temática quer de aventuras, quer de capa e espada, quer histórica, quer judiciário-policialesca, quer realista-sentimental, quer... tudo misturado? Comum a todos, e importantíssimo, era o suspense e o coração na mão, um lencinho não muito longe, o ritmo ágil de escrita que sustentasse uma leitura às vezes ainda soletrante, e a adequada utilização dos macetes diversos que amarrassem o público e garantissem sua fidelidade ao jornal, ao fascículo (...)(1996, p.303) Dado esse fato, obteve-se um produto que promoveu uma fruição, ao mesmo tempo em que narrava uma história, aparentemente, despretensiosa.

E, no entanto, sabe-se, pelo ardor com que os contemporâneos se entregavam à nova leitura, que a fruição existia e continuou a existir. (...) Essa fruição do já sabido pode ser compreendida à luz do sucedâneo atual do folhetim, a telenovela. O leitor de Amiga ou Contigo e agora dos suplementos de TV de toda a imprensa cotidiana fica sabendo das coisas de antemão, mas nem por isso é menos fanático acompanhador da novela dia após dia ( MEYER, 1996, p.315,316). Desse modo, parece-nos que, já naquela época, a preocupação foi promover divertimento. A fruição daquele produto não estava no que aconteceu, mas, sobretudo, no modo como se narrou o que aconteceu.

E, com o tempo, esse universo romanesco, pelo habitual caminho de jornais recortados e fascículos, lidos ou contados oralmente, teria alcançado aquelas classes subalternas, as historicamente exploradas e sofridas massas da América Latina. Não é de espantar, portanto, a fácil aclimatação nesses países, onde “a desgraça pouca é bobagem”, de um gênero romanesco que, além de cativar auditórios e leitores pelas engenhosas tramas, tematizava subcondições de vida e exacerbadas relações pessoais e familiares. (...) Uma literatura romanesca despudoradamente expressiva, o que vinha ao encontro daquela já mencionada tradição, que também é ibérica do gosto pelo excessivo gestual e empolado da palavra que compõem a oratória, tão apreciada pelas populações. Reflexo paroxístico de sua secular desgraça e permanente aspiração a um universo moral no qual finalmente reinasse a justiça. E o amor (MEYER, 1996, p. 383, 384). Todo esse universo romanesco invadiu as radionovelas. “Folhetim-melodrama matriz da radionovela” (MEYER, 1996, p.385). O Direito de Nascer “já havia sido sucesso no rádio” (FERNANDES, 1987, p.51). E esse sucesso invadiu a atmosfera da televisão. “Com a primeira grande gestão da integração latino-americana, do rádio para a televisão, de Cuba ‘para o mundo’ veio O Direito de Nascer” (MEYER, 1996, p.386). Daí ser possível afirmar a convergência e a diferença entre o rádio e a televisão 9 no modo de contar histórias. Com a televisão, o público pôde ouvir e ver as histórias. Segundo Meyer:

Um produto novo, de refinada tecnologia, nem mais teatro, nem mais romance, nem mais cinema, no qual reencontramos o de sempre: a série, o fragmento, o tempo suspenso que reengata o tempo linear de uma narrativa estilhaçada em tramas múltiplas, enganchadas no tronco principal, compondo uma “urgidura aliciante”, aberta às mudanças segundo o gosto do ‘freguês’, tão aberta que o próprio interprete, tal como na vida, nada sabe do destino de seu personagem. Precioso freguês que precisa ficar amarrado de todo jeito, amarrado por ganchos, chamadas, puxado por um suspense que as antecipações anunciadas na imprensa especializada e até na cotidiana não comprometem, na medida em que a curiosidade é atraída pelo “como” quanto pela expectativa dos diversos reconhecimentos que dinamizam as tramas (1996, p.387). Nessa medida, uma profissional, sozinha, naquele período, definiu o modo de produzir telenovela no Brasil. Falamos de Glória Magadan.

Uma senhora cubana que viveu nos Estados Unidos e ganhou notoriedade como grande conhecedora dos mistérios que transformavam uma telenovela em sucesso absoluto. Sua especialização, no entanto, estava intimamente ligada aos folhetins, já bastante conhecidos de nossos autores. Portanto, não trouxe nenhuma contribuição prática. Ao contrário, o estilo Magadan recheava os lares brasileiros de condes, duques, ciganos, vilãs sem qualquer lógica, mocinhas ingênuas e galãs totalmente comprometidos com a bondade ( FERNANDES, 1987, p.67). Magadan determinou a base temática das telenovelas. Com o sucesso de suas escolhas, a telenovela tornou-se um elemento estratégico, ao tentar prender a atenção do telespectador, diariamente.

Naturalmente, as emissoras logo descobrem que estão diante de algo que, além de ser mais rentável que o teleteatro, contribui para consolidar uma média de audiência para o canal onde é apresentado. Raciocina-se que, na hipótese de a telenovela cair no agrado geral, é possível prever de antemão que, de segunda a sexta, naquele horário específico, a luta pela audiência (restam os outros horários) está vencida por meses a fio. Não são necessários exercícios mirabolantes para demonstrar como tudo isso se configura atraente, se comparado à instabilidade crônica do teleteatro, que numa semana alcança grande audiência para, em outra apresentação, despencar para números irrisórios. (SIMÕES, 1986, p.52). E foi nessa perspectiva que Walter Clark, então diretor da TV Rio, pensou: “Com o formato diário, começaram a fazer muito sucesso e eram ótimas para fixar uma grade de programação, porque mantinham o telespectador ligado na emissora todos os dias (1991,p.140). Por conseguinte, a telenovela funcionou como uma estratégia mercadológica de audiência e faturamento. E Clark foi além, ao explicar a lógica de exibição da telenovela - O Direito de Nascer.

Nesse momento, aproveitando de Dercy ao México, encarregamos 10

David Raw de contatar o procurador de Felix Cagnet, o famoso novelista cubano, e comprar os direitos de suas histórias, (...) e trouxe três novelas, pela módica quantia de 20 mil dólares, financiadas pela Lever, através da Lintas: O Preço de uma vida, O Direito de Viver e a celebérrima O Direito de Nascer. Ela havia sido um enorme sucesso no rádio, e nós apostávamos que conseguiríamos repetir a dose na TV. Uma novela forte, com muita audiência, era o que precisávamos para amarrar a nossa programação (1991, p.140,141). De fato, em pouco tempo, “O Direito de Nascer se transformou no maior sucesso da telenovela desde o início da televisão. (...) Com o Direito de Nascer, que ficou um ano e meio no ar, conseguimos estabilizar a queda da TV Rio e recuperar a liderança. A novela funcionava tanto que puxava a audiência para toda a estação” (CLARK, 1991, p.146).

Esse fato comprova o que já foi relatado: tal qual no folhetim dos jornais, as emissoras também estiveram interessadas no potencial de audiência e faturamento que a telenovela podia propiciar. Portanto, desde o início, a telenovela diária surgiu não como um produto ingênuo de contar histórias, mas, sobretudo, como um produto altamente rentável e estratégico de comunicação de massa.

Em decorrência disso, surgiu a primeira base temática das telenovelas - a adaptação dos clássicos melodramáticos da literatura. De fato, as primeiras telenovelas, tão logo se consolidaram como diárias, visualizaram um padrão da maneira como selecionar a base temática, e as adaptações surgiram como fator de certeza de audiência. Essa base temática contemplou a apresentação de algo que proporcionou um mundo de fantasia, ilusão, ou mais comumente, um melodrama, com o qual se buscou contaminar a audiência, envolvendo-a na atmosfera de catarse e sedução do drama narrado.

É necessário, portanto, demonstrar como essa base temática determinou a estrutura narrativa das telenovelas. Desse modo, deve-se observar a telenovela O Direito de Nascer, exibida em 1964. Nota-se, na sequência narrativa, a permanência de uma trama central do início ao fim da telenovela. Poucas tramas paralelas e todas subordinadas à trama principal. Isso, em virtude de a televisão ter uma audiência dispersa e desatenta, diante da qual, a configuração da narrativa permitiu uma rápida retomada do que estava acontecendo, além de uma redundância nos acontecimentos. Observou-se, também, a busca de uma sequência narrativa linear, com os acontecimentos se desenvolvendo em linha coerente, até o desfecho da trama. Uma 11 forma de criar um entendimento lógico, para que o receptor acompanhasse a telenovela, como a um folhetim. Aqui, encontra-se a utilização da técnica da narrativa folhetinesca, como estratégia de tentar provocar a curiosidade e assegurar que o telespectador acompanhasse, no dia seguinte, o que aconteceria na trama. É evidente, desse modo, que a narrativa televisual buscou entreter a audiência com dramas, estruturando-se de forma a condicionar quem assistia a ela, a querer saber como aquelas personagens se comportariam no dia seguinte. Esse condicionamento girou em torno dos sofrimentos e dramas pelos quais se atraía a atenção para as personagens que, na dramaticidade da trama, escapavam do ficcional para atingir o cotidiano.

Segundo Alencar:

Tinha sido dada a saída de um verdadeiro delírio, este de proporções nacionais. Todas as noites, de 21h30 às 22 horas, o país parava (inclusive com acentuada queda no uso da rede sanitária; os banheiros das casas não eram usados durante o horário de O Direito de Nascer) porque as pessoas estavam acompanhando as peripécias daquele emocionante drama da paternidade perdida, num tempo em que o DNA ainda não tinha entrado em cena no palco da vida real (2004, p.18) Analisando com maior cuidado, vê-se, nessa configuração, um reflexo da utilização de uma temática, tal qual o sucesso na radionovela e entendido como fator fundamental para a estruturação da narrativa televisual. Esse sucesso esteve atrelado também às personagens.

As personagens reforçaram o quadro oficial de uma época distante, lançando um desenho conservador sobre ela: as imagens das personagens são imagens da tradicional família aristocrática em confronto com os desequilíbrios sociais.

Nota-se, nessa telenovela, que as personagens ricas foram colocadas como os vilões e opressores da história, enquanto os empregados e as personagens de baixa renda assumiram o posto de vítimas, em uma clara relação maniqueísta e estereotipada entre o bem e o mal. É evidente, desse modo, que buscaram uma forma de fazer a audiência se colocar ou se imaginar na posição daquelas personagens, dentro da trama.

Os diálogos das personagens em O Direito de Nascer estiveram enraizados na estrutura clássica da narrativa literária. Essa relação configurou os diálogos trabalhados dentro da norma culta e da formalidade no tratamento interpessoal. Esse tipo de tratamento formal não prejudicou, a princípio, o andamento das telenovelas. 12

Ressalta-se que as emissoras apostaram em adaptações cujos enredos foram sucessos consagrados, como O Direito de Nascer. Em 1966, por exemplo, estreou a telenovela Eu compro essa Mulher. Na TV Rio, estreou, no mesmo ano, Ana Karenina. Essa telenovela “tinha dado 50 pontos. (...) A novela (Eu compro essa mulher) foi escalando a audiência, até atingir 45, 50 pontos. Um estouro. A partir daí, a Globo começou a ganhar dinheiro” (CLARK, 1991, p.182). Outras telenovelas vieram. Surgiu O Sheik de Agadir, ambientada na África.

Esses desenhos das tramas, no decorrer dos anos, configurou uma ingênua afirmação de valores culturais irreais, através do duvidoso abuso de estereótipos que, certamente, por si sós, indicavam conteúdos de alto valor, mas que, em razão das transformações sociais, perderam, em grande parte, a sustentação da qual se nutriram. Tramas que, na maioria dos casos, assumiram, já em 1968, um sabor de equívoco. Depois de quase duas décadas, havia uma movimentação de vários setores das telenovelas, para terem uma representação nacional através das narrativas. Pode-se dizer que a adaptação literária foi uma forma encontrada, pela televisão, para contar histórias em audiovisual, como primeira base temática. É bom lembrar que, muitas vezes, a narrativa se tornou lenta e monótona, porque as histórias eram muito parecidas a fim de que não se corresse o risco de um fracasso. Por isso, as adaptações sempre repetiram a configuração do sucesso vigente e habitual.

Porém, há um fato extremamente importante que mudou o rumo da base temática que vigorava até então. Nem todas as redes observam, entretanto, a mesma política: reconhecida como o verdadeiro laboratório da telenovela brasileira, a TV Excelsior, por exemplo, favorece as produções nacionais em estilo pomposo e grandioso (MATTELART, 1989, p.29). A postura inovadora da TV Excelsior determinou a elaboração de uma nova base temática. Iniciou-se, assim, uma busca por uma telenovela genuinamente brasileira. Dessa forma, destaca-se a segunda base temática das telenovelas - a sociedade brasileira, que explode com uma multiplicidade de racionalidades “locais” – minorias étnicas, sexuais, religiosas, culturais ou estéticas em contraposição à ideia de que só existia uma única forma de contar uma história, com base na literatura. A libertação de uma narrativa de contexto distante permitiu apresentar a diversidade da sociedade brasileira, embora a estratégia foi apresentar algo de fácil reconhecimento e do contexto da população brasileira. Nota- se que o objetivo dessa base foi explorar os acontecimentos dos espaços públicos da 13 sociedade brasileira. Logo, essa modificação na base temática promoveu também uma transformação na estrutura narrativa das telenovelas.

Como consequência das transformações ocorridas na base temática, observou-se a seguinte modificação na estruturação das narrativas: a implantação de outras tramas como principais. Portanto, a telenovela não se edificou mais em uma única trama principal. Dessa maneira, buscou-se ampliar o leque de opções, para atender aos interesses de quem assistia à telenovela e adequar a atração àquela nova base temática. De fato, para manter o interesse do telespectador, as telenovelas inseriram outras histórias, a fim de que fosse possível atender à variedade de interesses, ao mesmo tempo em que se poderia evitar que a telenovela ficasse enfadonha. Esse potencial estava atrelado à possibilidade de narrar o modo de viver em ambientes distintos. O telespectador pôde assistir a histórias que ocorreram em bairros populares, assim como em bairros nobres. Essa diversidade de ambientes funcionou como um elemento de curiosidade, ao menos na medida em que o telespectador considerou interessante conhecer o modo como um rico vivia, por exemplo. Nota-se que esta nova base temática esteve relacionada ao fato de manter a telenovela como um produto atrativo aos olhos do telespectador.

Beto Rockfeller (1968), na TUPI, foi a telenovela representativa dessa mudança. “Surge Beto Rockfeller, o anti-herói que passa a ocupar o lugar dos personagens íntegros, monolíticos, absolutamente sensatos, absolutamente honestos, absolutamente puros, absolutamente tudo, e que se coloca mais próximo das pessoas comuns”. (SIMÕES, 1986, p. 84). Conforme a nova configuração das narrativas, a trama dessa personagem oscilou entre ambientes da classe privilegiada e aqueles desprovidos financeiramente, o que permitiu a exibição de várias cenas com potencial de atrair a audiência, uma vez que somente o público conhecia a condição suburbana de Beto.

Um dos truques de Beto Rockfeller foi brincar com o público consumidor de novelas, colocando-o no vídeo. Assim o dia a dia dos telespectadores – tão cheio de dramas e conflitos quanto o dos condes e ciganos de Glória Magadan – provocou a reação positiva que absorveu toda a televisão. E todos seguiram o mesmo rastro (FERNANDES, 1987, p.106). De fato, as narrativas acompanharam o sucesso de Beto Rockfeller, seguindo seu desenho que se insinuou como um padrão a ser copiado, ao menos na medida em que tentava se aproximar do público brasileiro. A Globo, muito mais organizada, “contando com departamento de pesquisa, vale-se de métodos eficazes de apuração do gosto 14 popular e suas determinantes, desenvolve critérios e prioridades que reduzem sua margem de erro – pelo menos no que concerne às telenovelas – a uma taxa ínfima” (SIMÕES, 1986, p.85). Conforme esses resultados, buscou-se uma telenovela que refletisse o gosto popular, como um espelho antropológico da sociedade. Foi necessário, então, entender a sociedade brasileira, como ela se organizava, o que faziam as pessoas, como eram as práticas sociais, utilizando esses elementos como atrativo para o telespectador.

Analisando com maior cuidado, vê-se que, em Beto Rockfeller (1968), encontra- se uma trama que se desenvolve pela caracterização das personagens em confronto. Em consequência, verifica-se um panorama de vários tipos de personagens, com um acentuado destaque para a polaridade entre ricos e pobres. As tramas permitiam um leque de opções suficientemente eficazes, entre as quais os telespectadores podiam selecionar aquelas com as quais queriam se identificar, entreter e divertir.

Nessa seleção, permitiam-se mudanças radicais e o anti-herói surge como protagonista. A eleição desse tipo de personagem permitiu a liberdade, também, na organização da estrutura narrativa. As tramas estiveram atreladas ao perfil transgressor da personagem. Ou seja, essa forma de narrar permitiu inserir tramas das personagens em ambientes distintos do seu contexto original. De fato, esse tipo de organização não era permitido na base temática anterior, pela rigidez hierárquica da trama e, como consequência, da própria estrutura narrativa. É evidente, desse modo, que colocar um suburbano em um ambiente da alta sociedade criava, por si só, um conflito que instigava o público a acompanhar as aventuras daquela personagem. Ao fazer essa mudança, a telenovela proporcionou uma aproximação com o telespectador, porque ampliou as opções de tramas que se estruturaram de forma a colocá-lo como cúmplice daquelas subversões da personagem. Tanto que se verifica a reprodução dos diálogos tal como essas pessoas se expressam. Nota-se que essa reprodução conferiu maior realismo à base temática, ocasionando mais um elemento de subversão e transformação na estrutura narrativa da telenovela. De fato, ao romper com os moldes clássicos da literatura, toda a estrutura narrativa se rompeu. Essa ruptura possibilitou à telenovela se configurar a partir da necessidade de entreter e envolver o telespectador em várias tramas de aventuras com as personagens.

A principal mudança de Beto Rockfeller – que inspirou o futuro da telenovela – foi a agilização dos diálogos e o seguimento livre da história, libertando-se 15

radicalmente do estilo até então. O gosto popular, que aceitava os dramalhões grandiloquentes, passou a ser duvidoso, antigo, fora de moda. Assim, o mesmo público passou a se interessar e a se divertir com as trapaças criadas por Beto Rockfeller (Luiz Gustavo) - o personagem-protagonista, que se infiltra na alta sociedade paulista para tirar proveito próprio. A linguagem, obviamente, também mudou. As velhas declarações de amor foram substituídas por formas de expressões mais coloquiais, num reflexo fiel do nosso modo de falar. Até a gíria passou a ser saudada como bem-vinda. (FERNANDES, 1987, p.106) Faz-se necessário observar que a modificação na relação dos diálogos objetivou ser mais um elemento de atração dos telespectadores e abriu precedente para provocar uma contribuição para o universo do telespectador, com a introdução dos famosos bordões e expressões populares que tornaram a telenovela cada vez mais atrativa para diversos públicos.

As frases feitas e grandiloquentes, que marcavam até então os diálogos, ficam substituídas por expressões coloquiais. O resultado foi o melhor possível em termos de audiência. Trouxe para a frente da TV gente que até então permanecia totalmente alheia ao aparelho. Interessou os setores mais jovens, mas nem por isso escapou da derrapagem comprometedora: foi alongada demasiadamente e, com isso ficou menos interessante. De qualquer forma, o fato não chega a diminuir a sua importância como marco decisivo, como instante de superação de uma tradição bolorenta, cultivada inclusive pelos anunciantes (SIMÕES, 1986, p.82, 83,84). Tudo isso deixou claro que essa base temática promoveu um vínculo comunicativo familiar com o telespectador, a partir dos desenhos das personagens, das relações entre os diálogos e da sequência narrativa.

Entretanto, não se pode iludir com essa aproximação entre os desenhos sociais que Beto Rockfeller apresentou. Existia ainda um abismo entre os desenhos apresentados na telenovela e o que, efetivamente, ocorria nos espaços públicos da sociedade brasileira. Existiu, é claro:

uma nova galeria de personagens, mais ajustados aos novos padrões de vida na metrópole, onde a mulher e o jovem participam ativamente do mercado de trabalho, tornando-se não só consumidores como também agentes desestabilizadores do controle familiar e, dentro dele, da autoridade da figura paterna. No mundo em que a mulher ocupa gradativamente espaços exteriores ao lar (e a telenovela é dirigida preferencialmente a ela), fica difícil aceitar os estereótipos tradicionais. O bem e o mal absolutos, polarizados nas telenovelas na figura da freira e da dançarina cigana, por exemplo, ficam inviabilizados. A mocinha virginal, discreta, passiva, bondosa, suave vira uma chata. Por outro lado, herói não é mais Demian, o justiceiro que na calada da noite deixa escrito - “Demian esteve aqui”. Nada disso. Agora ele chega no seu possante automóvel personalizado e dá três buzinadas, o sinal combinado para que uma moça vestida esportivamente saia correndo do saguão do edifício em direção ao carro. A polarização, relativizada, se dá entre o bem-sucedido e o mal sucedido. E entre os últimos estão os negros, os índios, que só aparecem para dançar e brincar; quase nada de gente feia, suja 16

ou pobre. Uma redundância, pois se excluem das imagens os já socialmente excluídos, cuja aparição fica na dependência de expressarem alguma exceção ou exemplaridade tipo operário-padrão (SIMÕES, 1986, p.93). Nessa base temática há, sobretudo, uma tentativa de apresentar a telenovela como uma sugestão do modo de viver. Elegeu uma base conservadora da sociedade e inaugurou uma pedagogia inusitada, mostrou ou demonstrou como deve ser a vida de uma pessoa para ascender socialmente e ser bem sucedida. Em decorrência disso e após o sucesso de Beto Rockfeller, a TV Globo demitiu Glória Magadan permitindo, assim, a contratação de Bráulio Pedroso, autor de Beto Rockfeller.

O choque que a telenovela Beto Rockfeller provocou nas emissoras, aliado a uma profissionalização cada vez mais incisiva, propiciaram novos paradigmas temáticos. A TV Globo que se profissionalizou, com o acordo de troca de experiências com o grupo de mídia americano Time-Life, transformou-se em uma verdadeira indústria cultural.

Também nessa fase, primeira metade dos anos 70, a Globo sofisticou ao extremo o planejamento de sua programação, usando intensamente a pesquisa. Eu (Clark) e o Boni, que tínhamos formação de publicidade, éramos ligadíssimos em pesquisa e sabíamos analisar os dados que elas apresentavam, sabíamos converter o desejo do telespectador em programas (CLARK, 1991, p.240). A TV Globo transformou a escolha da base temática, em algo definitivo para estabelecer uma relação com a audiência. Logo, a gestão das telenovelas acompanhou essa tendência.

Com o tempo, o trabalho de Homero (Icaza Sanches – analista das motivações da audiência – por que assistiu, como e o que achou) foi se tornando essencial na produção das novelas. Tudo era testado por ele. Primeiro o argumento, para ver se a novela emplacaria ou não. Depois, as personagens, para saber quem merecia viver e quem deveria morrer, ou ter um destino cruel. E, no início dos 70, essa linha de pesquisa, sobre a programação de TV, já estava se transformando em um negócio científico. O padrão Globo de Qualidade era também um padrão de pesquisa em televisão. A aplicação cada vez maior, o planejamento quase científico da programação, a procura incessante dos melhores talentos em cada área, tudo isso produzindo bons resultados. A Globo transformou-se em fenômeno de audiência, atingindo índices jamais sonhados por qualquer outra emissora. Seus programas eram imitados, lançavam modas em todo o país, e suas estrelas tornavam-se nomes nacionais. Obviamente, isso deu um enorme prestígio a todos os profissionais da Globo e aumentou consideravelmente o poder de seus dirigentes. (CLARK, 1991, P.242) É necessário, portanto, entender que a existência de profissionais de prestígio com uma gestão quase científica permitiu à TV Globo ter uma visão mais ampla de como estabelecer uma relação cada vez mais envolvente com o telespectador. Essa 17 visão tornou evidente a necessidade de investir em um produto que trouxesse prestígio à emissora e, como consequência, uma audiência mais qualificada em termos de consumo, possibilitando, portanto, reajustes na tabela de publicidade. Logo, a vinda desses profissionais de prestígio contribuiu para o desenvolvimento de nova base temática.

A televisão acolheu mais cedo ou mais tarde inúmeros artistas, autores e alguns repórteres da esquerda que permaneceram no país sob a ditadura ou que regressaram antes do período de abertura. Um cantor como Caetano Veloso, depois de preso e exilado em Londres, foi levado a trabalhar para programas da Globo e a compor as canções de sucesso utilizadas nas novelas (MATTELART, 1989, p.117). Com a proliferação de profissionais de prestígio nacional e de “esquerda”, a TV Globo estabeleceu uma nova base temática para as telenovelas. A terceira base temática concentrou-se na crítica de núcleos de personagens representativos da sociedade brasileira. Essa base permitiu explorar e criticar determinados segmentos da sociedade, possibilitando à telenovela, traçar um desenho moralizador. Porém, visto que essa mudança procurou envolver a audiência, não se pode iludir com esse desenho moralizador, pois ele só permaneceu porque atraía a atenção do telespectador. Por conseguinte, a telenovela passou a promover uma dramaturgia crítica, ao menos na medida em que buscou tornar a telenovela um produto questionador, mesmo que de forma sutil, em virtude da ditadura vigente.

Um dos profissionais que implantou esse modo de fazer telenovela foi Dias Gomes, autor de várias telenovelas, dentre elas, O Bem Amado (1973) e Saramandaia (1976). Surgia uma base temática promovida por um grupo de profissionais de “esquerda”, embora esse fator não retire o objetivo da telenovela de gerar lucro. O que a televisão fez foi: se as reivindicações da “esquerda” podem expandir o faturamento, vamos colocá-las no horário nobre. A consequência está justamente na remissão aos interesses comerciais da emissora. Nota-se que até questões políticas e ideológicas são úteis na busca para estabelecer contato com a audiência. Todavia, essas questões estabeleceram um contato também com a imprensa, ao menos na medida em que a telenovela apresentou discussões que serviram de pauta para a própria imprensa. Do mesmo modo como a imprensa exerceu sua função ao levantar questões sociais relevantes, a telenovela se apresentou como produto socialmente responsável, como estratégia para se promover: 18

Só que agora estes velhos sentimentos estão agora expostos ao sol, tornaram- se públicos na imagem ambígua e tosca de . Enquanto o sociólogo Muniz Sodré chegava até a falar de ‘injeção de civismo’ e assinalava a maneira como o público vivia sua relação com a novela àquela como vivera a relação semirreligiosa com seu presidente, Tancredo Neves, o escritor Roberto Drummond avançava, por sua vez: “Roque Santeiro está discutindo o que deve ser discutido na Constituinte”. (...) Se preciso fosse, aí teríamos uma vez mais a prova do espaço desmedido que ocupa o dispositivo televisivo num país como o Brasil. Esta competência exorbitante faz com que se possa legitimamente ter a impressão de que um determinado Brasil exige hoje de sua televisão bem mais do que ela estruturalmente pode oferecer; e ainda, que a televisão se encontra invadida por pedidos e desejos demasiados incomensuráveis para sua condição de instituição do espetáculo com as características políticas, econômicas e técnicas inerentes (MATTELART, 1989, P.130-131). De fato, em determinados momentos, a telenovela assumiu o papel da imprensa, no ato de contaminar a sociedade com discussões político-sociais relevantes para o desenvolvimento do país. Nesse contexto, os núcleos das tramas das personagens foram decisivos nessa função.

A fim de melhor compreender como essa base temática modificou a narrativa televisual, tivemos que nos concentrar nos núcleos das tramas das personagens, a partir dos quais a telenovela se organizou. Cada grupo de personagens assumiu suas próprias histórias. Elas se relacionavam com outros núcleos, a partir de um tema ou situação comuns. Nota-se que a estrutura narrativa tentou envolver o telespectador no maior número possível de histórias com as quais passou a ter contato. Portanto, a telenovela distanciou dos romances folhetins, na medida em que se transformou em uma coletânea de histórias sem a obrigatoriedade de estar atrelada a uma trama principal: a telenovela se pluraliza. Por exemplo, em Roque Santeiro, o tema principal foi a vida cotidiana de uma cidade que viveu do culto ao mito de um Santo. Nos núcleos das personagens, tivemos o núcleo da equipe de filmagem, cujo tema foi como fazer um filme sobre Roque Santeiro, sofrendo os abusos e desmandos dos políticos e dos poderosos da cidade; o núcleo religioso consistiu em como manter a moral e os bons costumes na cidade de Asa Branca; o núcleo familiar de Zé das Medalhas apresentou uma mulher frustrada no casamento e um marido ambicioso que só pensava em dinheiro. Desse modo, mais uma vez a telenovela ampliou o leque de elementos com potencial para atrair e manter a atenção do telespectador, ou seja, as histórias das personagens foram estruturadas com questões políticas, sociais e econômicas com grande potencial para promover discussões na própria sociedade. Essa pluralidade de núcleos esteve diretamente relacionada ao modo como a telenovela tentou atrair públicos distintos. De 19 fato, sendo a telenovela do horário nobre composta por uma gama plural de telespectadores, esses núcleos buscaram ser um elemento suficientemente atraente para chamar a atenção de públicos distintos.

Estruturar a sequência narrativa dessa forma desencadeou a exibição de personagens com desenhos estereotipados, bem demarcados, para facilitar sua identificação. Ao observar as personagens estereotipadas de (1986/87), Vale tudo (1988/89) vê-se a representação de um universo de núcleos facilmente reconhecidos no cotidiano público da sociedade brasileira. Logo, as tramas caracterizaram as personagens, reproduzindo o modo como elas se classificavam socialmente, tais como médicos, advogados etc. No entanto, encontramos a ascensão de um tipo de trama até então deixado em segundo plano, ou mesmo ausente, que nos chamou a atenção – as tramas focadas no cidadão comum trabalhador e honesto. Verificamos, em 1989, com O Salvador da Pátria, uma valorização do trabalhador honesto que, ao ocupar um espaço significativo na narrativa, acaba por sugerir uma moralização da sociedade. Nota-se que a telenovela se estruturou com histórias que valorizaram o comportamento conservador e moralmente aceito pela sociedade. As tramas visaram a colocar as personagens em situações de conflito entre a impunidade e a punição. Quando as personagens com os estereótipos do mal foram punidas, surgiu uma relação de cumplicidade com o telespectador, mostrando a ele que o mal não compensa. Nota-se a valorização do conhecido recado moral de prêmio e castigo que poderia roteirizar o padrão de uma sociedade mais justa. A punição exemplar, na telenovela, resgatou uma espécie de esperança no telespectador. Essa punição, também, o envolveu e o levou a manter-se atento, a fim de encontrar, na telenovela, uma expansão da sua possibilidade de atuação social.

Sendo assim, cada núcleo de personagens fez um revezamento de posição de destaque com os outros núcleos. A eleição de vários núcleos polêmicos, exóticos ou até mesmo banais determinou que as telenovelas se estruturassem de modo a permitir ao telespectador uma variedade de opções com as quais pudesse se identificar. Essa forma de narrar funcionou como um modo de mensurar os núcleos, que mais agradaram ao telespectador, estabelecendo, portanto, uma hierarquia. Verifica-se a importância cada vez mais pertinente do telespectador na gestão das telenovelas. Isso é comprovado com a reportagem de capa do caderno Mais da FOLHA DE SÃO PAULO DE 2003, através da qual se discutiram as razões que levaram milhares de brasileiros a rejeitar, em 1991, 20 o início da novela .

Pois bem, logo nos primeiros dias da novela, de grande sucesso, como era de esperar, ela se completa com o desligamento em massa e uma comoção da opinião pública, que vai acossar fortemente o seu autor nas semanas que se seguiram ao imprevisto apagão. (...) Imediatamente após o acontecimento dramático, político e sexual, ainda durante o capítulo, o ibope despenca: enquanto nos dois dias anteriores a novela perdera quatro pontos de audiência em relação aos 48 pontos da sua estreia na segunda-feira, apenas no fatídico quarto capítulo a novela perdeu nada menos do que nove pontos de audiência, em um fenômeno jamais visto em semelhantes casos. O melhor produto realizado pela televisão brasileira em sua história teve uma queda de 13 pontos de audiência em seus primeiros quatro dias de exibição. (...) Impacientes, os espectadores, alguns ofendidos, outros humilhados, desligaram o aparelho antes mesmo de o episódio terminar. Ainda me recordo de que nos dias seguintes a empregada doméstica de minha mãe, com seu radinho de fofocas, fazia coro com uma boa parte da elite carioca sobre o desrespeito (a quem?), a pouca-vergonha, como dizia em seu baixo moralismo impotente, proporcionada a todos pela perversa novela. (SABER, 2003, p.7). Esse fato demonstrou que a configuração das telenovelas teve que levar em consideração um forte elemento externo a ela, ou seja, quem assistia a ela. O telespectador se tornou uma espécie de cogestor da telenovela, uma vez que sua opinião sobre o rumo tomado pelo tema na estrutura narrativa se manifestou através do poder de mudar de canal ou até mesmo de desligar a televisão. Daí decorreu a necessidade e a preocupação de as telenovelas trabalharem em função da manutenção da relação com esse gestor. Portanto, para que essa relação não se tornasse um conflito entre a eleição de uma base temática e o desejo do que efetivamente o telespectador desejasse ver, as telenovelas abandonaram a eleição de uma base temática. Nota-se, portanto que, para se estabelecer como um produto de entretenimento e consolidar-se como comunicação de massa, a telenovela teve que se transformar mais uma vez e sua gestão, obrigatoriamente, teve que ser compartilhada com outros gestores como o telespectador, a direção da emissora, a imprensa. Nesse contexto, a existência de uma base temática devia ser refeita/revista constantemente. De fato, se antes a base temática era determinada em comum acordo entre autor e direção da emissora, nesse contexto, esses dois agentes precisaram respeitar o poder de veto de um terceiro agente, que era o telespectador. Dessa maneira, as telenovelas passaram a se sustentar com relatos das cenas cotidianas, com forte apelo atrativo.

É nesse sentido que se detecta uma transformação que foi fruto da nova atmosfera que passou a se sustentar em relatos das cenas do cotidiano doméstico dos telespectadores. Essa estrutura consistiu em eleger cenas de indivíduos no seu 21 cotidiano doméstico, ou seja, enquanto a base temática anterior explorou espaços e pessoas públicas da sociedade, aqui surgiu a exploração dos ambientes privados do próprio telespectador. A consequência foi a transformação das telenovelas em retalhos resgatados no dia a dia, que teve como base as histórias individuais dos personagens/telespectadores. Foi nesse sentido que a telenovela relatou a vida dos próprios telespectadores, como forma de estabelecer uma interação. De fato, cada vez mais a telenovela adentrou o universo do telespectador, para resgatar possíveis estímulos e os reelaborar em forma de relatos audiovisuais. Por conseguinte, as telenovelas passaram a ser uma extensão da vida dos telespectadores, estabelecendo com eles um nível de intimidade que desencadeou uma cumplicidade, ao mesmo tempo em que estabelecia um vínculo afetivo.

A partir de 1997, houve várias telenovelas que passaram a se estruturar com essa configuração. Examinando a história de Helena (), em Por Amor, constata-se a manipulação do amor materno, para estabelecer um vínculo com as mulheres, já que a telenovela possui uma grande parcela de mulheres como telespectadoras. Manoel Carlos queria mostrar uma mãe que se sacrificasse de maneira radical por um filho, ou uma filha (AUTORES, 2008, vol.2, p.66). Além disso, aquela telenovela buscou, no espaço comezinho do próprio telespectador, outros relatos que pudessem ser atraentes para satisfazer as expectativas variadas. Não surpreende, portanto, que, a partir do momento em que essa configuração conseguiu atrair a atenção, passou a se consolidar como estrutura básica das telenovelas e foi confirmada pela repercussão desencadeada na imprensa pelas telenovelas posteriores. Selecionamos exemplos de capas semanais das revistas ISTOÉ e VEJA que demonstraram a consolidação desse modo de estruturar telenovelas.

Em janeiro de 2001, a revista Veja (10/01/2001) mostrou o triunfo dessa estruturação das telenovelas. A manchete de capa dizia: Nos laços da novela. Por que 32 milhões de brasileiros assistem à novela das 8 da Globo, o maior sucesso da televisão nos últimos anos. E a revista dedica oito páginas para explicar o sucesso de público da telenovela Laços de Família e relata:

Manoel Carlos, por sua vez, é o artífice das tramas em que a grande protagonista é a classe média. Em suas novelas não há uma disparidade grande entre ricos e pobres. Todos são mais ou menos remediados, mais ou menos parecidos com o grosso dos telespectadores das novelas da Globo. ‘O sujeito que acompanha as minhas tramas gosta de reconhecer ali situações parecidas com as que ele vive e personagens semelhantes aos seus próprios 22

parentes’, diz Manoel Carlos. (...) os personagens aparecem indo à padaria, abrindo uma conta no banco ou dirigindo o carro para ir ao trabalho. A pesquisa qualitativa sobre Laços de Família, encomendada pela Globo, demonstra que o autor acerta em cheio ao aproximar a novela do cotidiano mais comezinho. Segundo esse levantamento, uma das maiores razões para o sucesso do folhetim é o fato de o espectador achar a trama verossímil e os personagens críveis.1 O próprio título da telenovela - Laços de Família, já seria motivo para ratificar esse modo de estruturar as telenovelas que visou relatar os acontecimentos do espaço doméstico do telespectador. A busca em ser fiel a esses fatos atinge o nível de as doenças serem apresentadas tão verossímeis quanto na vida real. O drama da personagem Camila (Carolina Dickmann) exemplifica bem esse modo de organizar a telenovela. Em uma cena, não há diálogos, apenas a enfermeira, Camila e uma trilha sonora. Essa cena rendeu à TV Globo um pico de audiência de 61 pontos.2 A telenovela buscava não apenas representar a vida real dos telespectadores, mas ser a própria vida real. Nota-se que toda a estruturação da telenovela buscou envolver o telespectador em uma atmosfera de simulação. Segundo Baudrillard

Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é mais complicado, pois simular não é fingir: “Aquele que finge uma doença pode simplesmente meter-se na cama e fazer crer que está doente. Aquele que simula uma doença determina em si próprio alguns dos respectivos sintomas” (Littré). Logo fingir, ou dissimular, deixam intacto o princípio da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada, enquanto que a simulação põe em causa a diferença do ‘verdadeiro’ e do ‘falso’, do ‘real’ e do ‘imaginário’. O simulador está ou não doente, se produz ‘verdadeiros’ sintomas? Objetivamente não se pode tratá-lo nem como doente nem como não doente. A psicologia e a medicina detêm-se aí perante uma verdade da doença que já não pode ser encontrada. Pois se qualquer sintoma pode ser produzido e já não pode ser aceite como um fato da natureza, então toda a doença pode ser considerada simulável e simulada e a medicina perde o seu sentido, uma vez que só sabe tratar doenças verdadeiras pelas suas causas objetivas (1991 p.9-10). Muito embora, as telenovelas sejam obra de ficção, é necessário analisar que essa forma de estruturar as telenovelas rompe com a distinção entre o que é ficção e o que é realidade, ao menos na medida em que as cenas são uma simulação e se apresentam como a própria realidade do telespectador. Logo, a telenovela se torna a própria vida real. De fato, ao se tornar vida real, a telenovela estabeleceu um elo de confiança entre as pessoas na tela e as pessoas que assistiam a ela. De que forma? Apresentando

1 LIMA, João Gabriel de; CAMACHO, Marcelo. A novela que hipnotiza o país. Revisa VEJA - 10 de Janeiro de 2001. P.86-93

2 Fonte: Revista VEJA, 10/01/2001. 23 os dramas e conflitos mais íntimos das personagens que, na verdade, passaram a ser os mesmos de quem assiste. A telenovela funcionou e funciona como um grupo de ajuda ou reabilitação psicológica. Cada novela levava o telespectador para o seu íntimo e lhe propiciou a confidência de todos os seus segredos. Como as cenas foram simulações do que ocorreu no cotidiano desses mesmos telespectadores, despertou-se a curiosidade sobre o modo como aqueles personagens resolveriam uma situação, que já acontecera ou poderia vir a acontecer, nos mesmos espaços dos indivíduos que assistiam. Em Mulheres Apaixonadas (2003), o público adentrou os quartos, banheiros, cozinhas e ficou conhecendo todos os dramas e conflitos relatados. Nesses ambientes, presenciaram-se as simulações das próprias ações dos telespectadores na tela. No entanto, foram simulações com forte apelo catártico, como comprova a revista VEJA (edição de 9/07/2003), que destacou quatro picos de audiência: 14 de abril – Pico de 53 pontos(média 41 pontos) – Cena: Surra que a personagem Dóris ( ) leva do pai por humilhar os avós; 21 de maio – Pico de 58 pontos(media 46 pontos) – Cena: Heloísa () ataca Sérgio com uma faca; 9 de junho – Pico de 51 pontos(média de 47 pontos) – Cena: Raquel () apanha do marido ( ) com uma raquete de tênis; 2 de julho – Pico de 56 pontos (média de 50 pontos) – Cena: Paulinha ( Ana Galda) xinga Clara ( Aline Moraes) de “sapatona”. Ambas se atracam. São cenas que se destacaram por simular situações com forte carga emocional e funcionaram como momentos para desenvolver reflexões das atitudes dos próprios telespectadores.

Outro ponto importante dessa telenovela foram os vários tipos femininos simulados como personagens: a mulher obsessiva, a espancada, a outra, a liberada, a romântica, a alcoólatra, as lésbicas, a órfã, a assanhada e a malcriada. Em consequência, as pessoas ficam íntimas e se tornam cúmplices do que ocorreu com aquelas mulheres. Em 2003, a reportagem de capa da revista Veja (9/07/2003) explicou o sucesso daquela telenovela:

No começo de Mulheres Apaixonadas, parecia que ganharia destaque a velha técnica de manter o suspense na base do “quem vai ficar com quem? Esse elemento ainda existe, mas tornou-se bastante secundário na trama. Manoel Carlos optou por uma outra maneira de contar a história. Ou talvez fosse melhor falar em histórias. Desde , que foi ao ar em 1991, Manoel Carlos prefere dar o mesmo peso a várias tramas paralelas em vez de privilegiar um único enredo. “É um jeito de evitar aqueles períodos cheios de flashbacks dos protagonistas, em que a história começa a chover no molhado e nada acontece” diz ele. Em Mulheres Apaixonadas, a técnica das muitas histórias paralelas chegou às últimas consequências. A cada uma ou duas 24

semanas uma das histórias chega ao seu clímax. Cada vez que isso acontece, há um pico de audiência. O maior deles ocorreu em 9 de junho, quando Heloísa atacou Sérgio() com uma faca. O ibope registrou 58 pontos quando a cena foi ao ar. Depois de um desses clímax, o personagem pode ser deixado de lado por algum tempo, enquanto outras peripécias acontecem.”3 Nota-se que essa forma de estruturar as telenovelas ignorou toda distinção entre personagens e espectadores, como aconteceu em (2004/2005), de , que mereceu capa da revista IstoÉ (3/11/2004) e também da revista Veja(9/02/2005). Segundo a Veja, o autor retirou o mote da telenovela de diversas manchetes de jornais: “o sequestro do garoto Pedrinho por Vilma Martins Costa que levou o bebê de uma maternidade de Brasília, em 1986 e o criou como se fosse seu filho até ser desmascarada, em 2003; a história de corrupção do prefeito Reginaldo; a gravidez na adolescência de Lady Daiane; a relação harmoniosa de um casal de lésbicas; a Baronesa de Bonsucesso lidando com a doença de Alzheimer; a esposa submissa Rita que é espancada pelo marido”4. Logo foi a própria vida do telespectador que se estabeleceu como fator para a telenovela e se manifestou como estratégia sutil para manter uma cogestão harmoniosa. Nesse sentido, além de as personagens se fundirem com o telespectador, a diversidade de personagens e, consequentemente, a quantidade elevada de atores na telenovela funcionaram como uma forma de tentar simular, na tela, o maior número possível de telespectadores.

A obsessão de Manoel Carlos pelo realismo é tanta que já virou piada até na Globo. Comenta-se que, se um funcionário da emissora bater dois segundos de papo com o autor no elevador, corre o risco de ter algum episódio de sua vida levado ao ar. A brincadeira não está tão longe assim da verdade. Certa vez, o veterano galã Paulo Figueiredo, que interpreta Rodrigo em Laços de Família, pediu licença das gravações para fazer uma cirurgia de próstata. Manoel Carlos concedeu, mas pediu autorização para fazer com que o personagem tivesse o mesmo problema médico. Algo parecido ocorreu com as coadjuvantes Inez Viana, que vive Márcia, secretária da Clínica de Helena, e Arlete Heringer, que faz Marta, funcionária de Pedro. A primeira teve deslocamento de retina. A segunda fez uma operação para corrigir a miopia. Nos dois casos, por arte do autor, os problemas médicos reais das atrizes apareceram nas personagens fictícias da novela.5 Sendo a própria vida que se apresentou, as personagens ficcionais perderam sua função, ao mesmo tempo em que o cotidiano assumiu a posição de protagonista no comando da seleção temática e do modo de organizar a telenovela. 3 VALLADARES, Ricardo. Mulheres apaixonadas e apaixonantes. Revista Veja, 9 de Julho, 2003. P. 68-77.

4VALADARES, Ricardo. Acima do bem e do mal. Revista VEJA - 9 de Fevereiro de 2005. P.58-68.

5 LIMA, João Gabriel; CAMACHO, Marcelo. A novela que hipnotiza o país. Revista Veja, 10 de Janeiro, 2001, p.88-93. 25

Em, 9 de julho de 2003, a revista Veja estampou em sua capa a telenovela, Mulheres Apaixonadas e nos relatou:

Os personagens de Manoel Carlos – 105 nesta telenovela – nunca são daquele gênero absurdo e estereotipado tão comum em folhetins. Até os malucos agem segundo uma lógica. Quando um deles tem um problema esquisito, como Heloísa (Giulia Gam), atormentada por uma síndrome amorosa que já a fez esfaquear o marido e arrebentar-se em um acidente de carro, o autor se esmera para não errar nos detalhes. Para escrever Mulheres Apaixonadas, Manoel Carlos conta com a assessoria de duas pesquisadoras, Leandra Pires e Juliana Peres, que além de assistirem a aulas de colégio, para registrar o comportamento juvenil, têm visitado vários tipos de centro de apoio psicológico para conferir se aquilo que vai ao ar bate com a realidade.6 Outro exemplo vem da capa de Veja de 2005, na qual se explicaram os motivos do sucesso da personagem Maria do Carmo, vivida por Suzana Vieira em Senhora do Destino.

As razões do sucesso de Maria do Carmo ficaram claras numa pesquisa recente conduzida pela Globo. Ela é uma mulher de fibra e elemento agregador de uma família grande, que tem gente de todas as índoles: trabalhadora, vadia, gentil ou calhorda. Como dizem os sociólogos, a sociedade brasileira é historicamente patriarcal, mas a casa e a vida íntima do brasileiro sempre foram regidas por mulheres com perfil parecido ao de Maria do Carmo, em qualquer classe social. Ao lado dessas características mais tradicionais, Maria do Carmo encarna também a determinação de uma nova brasileira. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de famílias chefiadas por mulheres cresceu 30% na última década. Na imensa maioria dos 14,6 milhões de lares nessas condições, a mulher é divorciada ou o pai abandonou a família, como no caso da personagem de Senhora do Destino.7 A telenovela colocou-se como um espelho do cotidiano doméstico atuando na tela. Assim, os elementos de diálogos estão impregnados, em toda sua diversidade, da unidade da cultura cotidiana. Por trás das mais fantásticas imagens, desenharam-se acontecimentos reais, figuraram pessoas reais. Essa simultaneidade e similaridade com o cotidiano permitiram à telenovela simular um modo de vida que propiciou o consumo, enquanto provocou uma sensação de intimidade entre novelista, personagens e telespectador.

Por conseguinte, se a proposta foi simular a vida cotidiana como elemento estruturador, faz-se necessário observar a representação detalhada e fiel do fato imediato desejando “parecer verdadeiro”. Isso, porém, se efetivou com um mergulho nas

6 VALLADARES, Ricardo. Mulheres apaixonadas e apaixonantes. Revista Veja, 9 de Julho, 2003. P. 68-77.

7 VALADARES, Ricardo. Acima do bem e do mal. Revista VEJA - 9 de Fevereiro de 2005. P.58-68. 26 mediações desse mesmo cotidiano do telespectador brasileiro, nos seus usos e costumes, para apresentar algo verossímil, uma simulação da crônica cotidiana brasileira. Para tanto, é mister conhecer quem foram os narradores dessas telenovelas, observando, principalmente, seu histórico de vida e sua relação com o telespectador, mas, principalmente, sua relação com as mediações cotidianas.

CAPÍTULO 3 -

DO NARRADOR AOS COGESTORES. 27

Verificou-se, no capítulo anterior, que as telenovelas passaram por várias transformações que determinaram desenhos diversos no que diz respeito à sua configuração. O narrador, nesse contexto, não ficou imune, teve que se adaptar, progressivamente, a essas modificações. Por conseguinte, a visão do narrador acentuou a presença dos dois lados da moeda que essas transformações impuseram ao seu papel, a combinação entre a herança deixada pelo papel do narrador na literatura, juntamente, com o fato claro e distinto de que sua visão teve que abarcar as necessidades de um veículo de comunicação de massa.

O jogo instituído por esse binômio supôs regras que deveriam mudar; convenções que tendiam a sucumbir. De fato, as transformações nas bases temáticas impuseram, ao narrador, novos papeis e, consequentemente, o surgimento de novos agentes atuantes.

É necessário demonstrar as consequências dessas transformações no papel do narrador, partindo das telenovelas que tinham como base temática a adaptação literária. Essas telenovelas contavam suas histórias a partir da utilização de um narrador onisciente. Para melhor compreender como se processou a utilização desse narrador, é bom lembrar o seu papel na literatura:

É o agente da unidade tensamente ativa do todo acabado, do todo da personagem e do todo da obra, e este é transgrediente (elementos externo em relação à composição interna do mundo do herói) a cada elemento particular desta. Na medida em que nos compenetramos da personagem, esse todo que a conclui não pode ser dado de dentro dela em termos de princípios e ela não pode viver dele nem por ele guiar-se em seus vivenciamentos e ações, esse todo lhe chega de cima para baixo – como um dom – de outra consciência ativa: da consciência criadora do autor. A consciência do autor é a consciência da consciência, isto é, a consciência que abrange a consciência e o mundo da personagem, que abrange e conclui essa consciência da personagem com elementos por princípio transgredientes a ela mesma e que, sendo imanentes, a tornariam falsa. O autor não só enxerga e conhece tudo já que cada personagem em particular e todas as personagens juntas enxergam e conhecem, como enxerga e conhece mais que elas, e ademais enxerga e conhece algo que por princípio é inacessível a elas, e nesse excedente de visão e conhecimento do autor, sempre determinado e estável em relação a cada personagem, é que se encontram todos os elementos do acabamento do todo, quer das personagens, quer do acontecimento conjunto de suas vidas, isto é, do todo da obra (BAKHTIN, 2011, p.10-11). A telenovela O Direito de Nascer (1964) exemplifica esse modo de narrar. Nela, a posição do narrador determinou um ponto de vista que lhe garantiu privilégios ao narrar/descrever os acontecimentos. O percurso da narração foi linear e permitiu atrair telespectadores letrados ou não letrados, pela facilidade de entendimento, na 28 forma de apresentação da história. O número reduzido de personagens permitiu, também, a fácil memorização dos respectivos perfis das personagens. E, ainda que pudesse parecer que a história se tornaria monótona, a intenção foi atrair o telespectador pelo melodrama, despertando os mais variados sentimentos; mostrando como as personagens reagiriam a determinados fatos dramáticos. Em outras palavras, o narrador buscou narrar a condição do ser humano, portador de uma dor que se reproduziria em qualquer pessoa, por consequência, a substância do drama pôde ser reproduzida nas respectivas vidas dos telespectadores. A instância midiática acha-se, então, “condenada” a procurar emocionar seu público, a mobilizar sua afetividade, a fim de desencadear o interesse e a paixão pela informação que lhe é transmitida (CHARAUDEAU, 2006, p.68). Portanto, o narrador carregou as cenas com uma adequada exacerbação sentimental para estabelecer uma ponte entre o drama narrado e o coração do público, ocasionando uma espécie de solidariedade.

Por outro lado, nota-se que a primeira base temática elegeu um narrador (narrador onisciente) fruto de um sucesso verificado em outro suporte midiático, a radionovela. Certas afinidades entre o rádio e televisão permitiram trabalhar uma noção clássica de adaptação válida nos dois suportes. Por isso, O Direito de Nascer não foi uma escolha aleatória, foi uma escolha baseada no sucesso conseguido a partir da sua veiculação como radionovela. Logo, a escolha desse tipo de narrador ocorreu por uma necessidade de repetir os mesmos índices de audiência alcançados, anteriormente, no rádio. Buscava-se promover, no telespectador, a mesma fruição obtida na adaptação radiofônica. Como forma de esgotar essa forma de fazer telenovela, várias outras foram produzidas mantendo o mesmo tipo de narrador.

No horário nobre, supervisionado pela produtora e escritora cubana Glória Magadan, investe em superproduções, diretamente plagiadas ou ligeiramente adaptadas de folhetins do século XIX, de romances consagrados ou de filmes Hollywoodianos.(...) por exemplo, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, levado ao ar em março a agosto de 1966, aparece com o nome apelativo Eu Compro esta mulher(...) O Sheik de Agadir substitui o conde numa adaptação de Taras Bulba, de Gogol, com pequena variação do elenco anterior.(CAMPEDELLI, 1985, p.32). É fato, porém, que um paradoxo se estabeleceu - como conciliar o papel de um narrador onisciente com a instância de recepção, que é portadora de um “conjunto impreciso de valores ético-sociais e, acrescentemos, afetivo-sociais, os quais devem ser levados em conta pela instância midiática para poder apresentar uma informação mais ou menos de acordo com suas expectativas (CHARAUDEAU, 2006, p.79). De fato, a 29 autoridade do narrador colocava o telespectador em uma posição marginal na solicitação de elementos de fruição. Por conseguinte, a telenovela precisava de um narrador que ajudasse o telespectador a fruir, como quem observava fatos diante dos olhos, um mundo ficcional dotado de aparente autonomia e coerência própria, minimizando a presença de uma figura externa mediadora – o narrador onisciente, tal qual na literatura. A tendência, portanto, foi a expulsão de um narrador “intruso” na fruição dos telespectadores, ou seja, a telenovela, como momento de entretenimento, não comportava um narrador onisciente, que interrompia, vez por outra, o entretenimento do telespectador.

Como em todo ato de comunicação, a comunicação midiática põe em relação duas instâncias: uma de produção e outra de recepção. A instância de produção teria, então, um duplo papel: de fornecedor de informação, pois deve fazer saber, e de propulsor do desejo de consumir as informações, pois deve captar seu público. A instância de recepção, por seu turno, deveria manifestar seu interesse e/ou seu prazer em consumir tais informações. (CHARAUDEAU, 2006, p.72) Assim sendo, surgem hipóteses sobre o melhor modo de despertar o interesse e o prazer do telespectador em consumir as telenovelas.

A mudança da eleição da base temática se revelou uma hipótese pertinente. Desse modo, o narrador se viu obrigado a se adequar a essas transformações.

Muitos profissionais, já havia algum tempo, estavam incomodados com o modo como eram contadas as histórias. “Muitos autores cobravam de “La Magadan” um posicionamento mais coerente com o Brasil e sua gente. Ela respondia que o brasileiro não era povo para lhe sugerir dramas e novelas.” (FERNANDES, 1987, p.67). Não obstante, os profissionais consideravam que tinham que contar histórias de outra forma. Isso provocou rupturas na forma de narrá-las. É nesse sentido que surgem modificações significativas. A insatisfação dos autores sobre o modo como eram contadas as histórias - a fórmula de adaptações literárias-, propiciou outras tentativas de produzir um novo modo de fazer telenovela.

Era o momento certo para mudança. O essencial era transformar o gênero numa arte genuinamente brasileira. Para tanto, se fazia necessário o rompimento drástico com as fórmulas marcadas até então. Curiosamente, os fatos se precipitaram, depois de um estonteante fracasso. O cenário era a TV Tupi de São Paulo com seus estúdios no bairro Sumaré. Entre abril e junho de 1968, a emissora pioneira tentou fazer frente aos concorrentes com uma reformulação radical em sua programação. As novas atrações, porém, não atingiram o público – e a audiência foi a zero. Foi nesse contexto caótico que Cassiano Gabus Mendes – voltando a dirigir a emissora – decidiu 30

experimentar fórmulas novas e introduzir uma linguagem adequada aos padrões de vida brasileiros. Antônio Maria estimulou os profissionais paulistas a investirem na reformulação. E por que não ousar ainda mais? Foi assim que, em novembro de 1968, foi lançado Beto Rockfeller. (FERNANDES, 1987, p. 105,106). Em Beto Rockfeller (1968), encontramos outro tipo de narrador. É necessário, então, identificar esse outro narrador e as transformações implementadas. Referindo-se à localização das histórias, o narrador as deslocou para o contexto da própria sociedade brasileira com situações conhecidas, que facilitavam ainda mais a compreensão da telenovela. De fato, ante a cobrança de uma telenovela genuinamente brasileira impunha-se a liberação das adaptações folhetinescas. Pela mesma razão, o narrador criou personagens originadas dessa mesma sociedade brasileira e de fácil reconhecimento. Se antes o narrador buscava narrar histórias apelativas e sentimentais para emocionar o telespectador, nesse contexto, o narrador buscou provocar um efeito de reconhecimento, além de levá-lo a participar de aventuras. Segundo Charaudeau o discurso de informação é uma atividade de linguagem que permite que se estabeleça nas sociedades o vínculo social sem o qual não haveria reconhecimento identitário (2006, p.12). Essas modificações refletiram a tentativa de manter a telenovela como um produto que proporcionasse fruição para o público. Assim sendo, possibilitou uma aproximação com esse elemento externo, chamado telespectador.

Bráulio Pedroso inovou nesse modo de narrar a história. O seu narrador tentou aproximar-se de quem estava assistindo, apresentando elementos desse universo. Esse narrador, sob certos aspectos, compartilhava informações com o telespectador. É, dessa forma, que o narrador perde a autoridade de narrador onisciente, porque se notou a importância do telespectador. De fato, a visão do narrador se acentua na busca de uma estratégia de manutenção do interesse da audiência. Nessa medida, o narrador tornou-se um narrador cúmplice, mais do que isso, tornou-se um narrador participativo que se confundiu com a própria personagem. Esse modo de narrar trouxe consigo uma carga muito tendenciosa e manipulativa no modo de narrar, pois resgatava estratégias encontradas no universo dos espaços públicos da sociedade. O narrador buscava narrar como se fosse um malandro daqueles espaços. Um jeito de narrar que envolveu o telespectador, que passou a torcer para que as armações contra a alta sociedade fossem concretizadas com sucesso. Outro fator que demonstrou o modo de narrar do narrador- participativo, pode ser verificado quando passou a narrar somente as angústias e pensamentos das personagens que caíram nos golpes e malandragens de Beto. Dessa 31 maneira, o narrador induziu o telespectador a tomar partido a favor de Beto, pois corria o risco de ser penalizado, tal qual aquelas personagens. Assim, verificou-se uma nítida estratégia de buscar a participação da audiência. O narrador mostrou como Beto foi esperto, como ele conseguiu ludibriar as pessoas, induzindo o telespectador a se posicionar ao lado dele em uma clara relação de demonstração de esperteza. O narrador ratificou a cumplicidade com Beto, escondendo seus pensamentos, ou seja, sabia-se o que Beto fizera porque o narrador levou o público a participar das malandragens da personagem, mas esse público não tinha acesso aos pensamentos dele. O narrador objetivou envolver o telespectador a viver emoções e aventuras ao lado de Beto, ao mesmo tempo em que demonstrava certo poder, chamando o telespectador a participar e com ele dividir o poder.

Rompe-se a estrutura clássica de narração de histórias, ao mesmo tempo em que surge um narrador que foi se posicionando e tentando se adequar a um produto de comunicação de massa, como a telenovela. E, pela mesma razão, posicionou-se de forma mais coerente com a condição que o produto exigia: atrair e entreter a audiência.

Quando o narrador passou de onisciente para participativo, o que se notou foi uma movimentação em direção a uma cooperação: iniciou-se uma aproximação com o telespectador, através do modo participativo, ainda que indireto, de narrar a história; no jeito de conduzir e convencer o telespectador a acompanhar as aventuras de Beto. Nessa cumplicidade, a direção da emissora não se constrangeu ao solicitar um prolongamento da telenovela para satisfazer a fruição do telespectador.

O sucesso fez com que a emissora ‘espichasse’ sua história, e o autor em grande estafa abandonou provisoriamente sua obra (foi substituído por três autores liderados por Eloy Araújo). Os próprios atores ausentaram-se para tirar férias, e muitos capítulos eram preenchidos com qualquer “criação” de emergência: um grupo de jovens dançando numa festinha, um personagem caminhando indeciso ou então uma determinada ação – sem diálogo – era acompanhada por músicas de sucesso (FERNANDES, 1987, p.117). É evidente, desse modo, que a preocupação foi manter a satisfação do telespectador, mais do que contar uma história, tal qual na literatura. Nessa medida, constatou-se que não foi o que se narrou, mas o modo como se narrou que despertou o interesse do telespectador. Esse modo sugeriu ao narrador que a telenovela era uma construção que poderia ser interrompida no momento em que o telespectador assim o decidisse. Não há que esperar por uma conclusão lógica regida pelas leis da causalidade, que vinculariam um episódio a outro até o final, quando o último capítulo se 32 transformaria em “destino” das personagens, tal como ocorria na narrativa tradicional, cujo enredo se estruturava através da sequência, apresentação, complicação, clímax e desfecho.

De fato, a telenovela, definitivamente, estabeleceu-se como um produto de entretenimento. O narrador buscou se preocupar muito mais em manter o telespectador entretido, do que em seguir uma sequência narrativa lógica, do início ao fim da história. Em consequência, começaram a contar histórias variadas. Tudo para atrair os mais variados públicos. Tudo para divertir o telespectador no final da noite.

Nota-se que a segunda base temática na qual esse narrador participativo esteve imerso ainda permitiu outros modos de narrar. A condição de veículo de comunicação de massa obriga a dotar-se de meios que lhes permitam abranger o máximo de acontecimentos, selecioná-los e verificá-los. É na escolha dos critérios que regem tais atividades que se põe em jogo a imagem de marca de cada organismo de informação (CHARAUDEAU, 2006, p.74). Sendo assim, outro tipo de narrador que essa base fez surgir foi um narrador pesquisador que passou a estimular o debate com o telespectador, à medida que retirou fatos daquela sociedade, com forte potencial de discussão.

A telenovela passou a ter um narrador que procurou observar os problemas da sociedade brasileira para vivenciá-los, através das atitudes das personagens. O narrador descreveu as estratégias e atitudes, tal qual acontecia na sociedade brasileira. Como o Brasil estava sob censura, a forma de burlá-la foi criar personagens exóticos e sobrenaturais. Com isso, a partir de um entretenimento, de uma diversificação de personagens do povo, o narrador foi descrevendo e direcionando o modo como desejou explicar certas situações da sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que implantava a crítica subtendida no exótico e no absurdo (Saramandaia, 1976; Bem Amado, 1977). Esse narrador, diferentemente dos anteriores, posicionou-se de maneira que, ao entreter com elementos exóticos e absurdos, buscou catalisar o debate da situação vivenciada. Ou seja, tentou-se levar o telespectador, no seu bate papo diário, a discutir a própria realidade, a partir dos fatos e grupos de pessoas representados nas telenovelas. Nota-se uma incipiente movimentação do que, posteriormente, tornar-se-ia o merchandising social, ou seja, a inserção de temáticas sociais como forma de mostrar que a emissora exercia sua responsabilidade social. 33

Catalisar a discussão foi o modo pelo qual os narradores buscaram se relacionar com o telespectador. Porém, ainda que essas discussões funcionassem para promover um diálogo entre a telenovela e o público, a forma de encaminhar o desenvolvimento da trama procurou, sempre, satisfazer as expectativas do telespectador. As telenovelas atualizaram uma forma particular de espetáculo com certas regras de representação, trazendo uma concepção peculiar de sua função na sociedade.

Surge, então, uma terceira base temática cujo objetivo foi criticar núcleos de pessoas representativas da sociedade. E, embora, essa base fosse uma ampliação da anterior, o narrador teve que se enquadrar na nova proposta.

De fato, após o fim da censura, foi preciso que o narrador se adequasse novamente. E é, nesse sentido que surgem telenovelas como: Vale Tudo (1988), O dono do Mundo (1991) e Pátria Minha (1994). Nessas telenovelas, havia um narrador pesquisador que estabeleceu uma nova postura. As personagens foram construídas de tal forma, que não havia mais necessidade do uso de metáforas, como um homem com asas que representava o anseio de liberdade, em uma época de ditadura (Saramandaia). Após a abertura, essa forma de narrar não tinha mais sentido. O narrador pesquisador resgatou personagens para gerar revolta (Felipe Barreto de O dono do Mundo, 1991) e compaixão (Raquel de Vale Tudo, 1988). Buscou-se uma forma para que o telespectador se manifestasse sobre a telenovela, sobre as personagens, sobre as atitudes e comportamentos. De que forma? Colocando essas personagens em situações que depunham contra o que se estabeleceu como moralmente aceito, ou situações de ética duvidosa. O narrador pesquisador transformou a telenovela em uma pesquisa de opinião daquilo que o telespectador julgava moral e ético. A cada situação moralmente não aceita, despertou-se a indignação do telespectador (O Dono do Mundo, 1991), na mesma medida em que ele se aproximou, acompanhando e opinando sobre as atitudes daquelas personagens.

O narrador transformou-se em pesquisador de temas que pudessem catalisar debates junto ao telespectador, através de elementos cada vez mais apelativos e de fácil reconhecimento. Todas essas situações foram supervisionadas de perto pelo cogestor, que era a própria direção da emissora, a fim de assegurar seus interesses, principalmente, econômicos, pois, caso contrário, aquele narrador pesquisador poderia ferir a política editorial e comercial da emissora. 34

Segundo o jornal FOLHA DE SÃO PAULO, no caderno MAIS, no episódio da telenovela O Dono do Mundo: O autor foi logo enquadrado dentro e fora da empresa e teve que dar declarações explícitas de que Felipe Barreto seria punido, de que ele mesmo, , era um moralista e de que a novela passaria a se comportar melhor (Caderno MAIS, Folha de São Paulo, 2003, p.7), esse fato obrigou o autor a dispensar o narrador, pois ele já não dava conta de reverter tal situação criada na telenovela. O autor teve que vir a público para se explicar e manter um compromisso com a audiência de reformular a telenovela, como uma espécie de negociação entre autor/narrador e o telespectador. Esse fato fez o autor, não só a repensar sua posição na telenovela, mas o papel do narrador em uma configuração de telenovelas, na qual novas tecnologias midiáticas (e as tradicionais) permitiram que o mesmo conteúdo fluísse por vários canais diferentes e assumissem formas distintas no ponto de recepção (JENKINS, 2009, p.38). Para não enfrentar fracassos de audiência, os autores tiveram que vir a público para promover e negociar, ou até mesmo justificar, acontecimentos ocorridos na telenovela. Acresce a isso que:

com o surgimento de novos suportes midiáticos aliados aos já tradicionais, as redes de televisão testemunharam também um colapso da fidelidade do espectador(...) houve uma proliferação de opções de meios de comunicação(...); agora, no ambiente de TV por assinatura, são centenas de canais mais especializados, além de formas alternativas de entretenimento caseiro, incluindo internet, vídeo, DVD e videogame.(JENKINS, 2009, p.101) Diante desse acontecimento, a preocupação foi fazer com que a telenovela não fugisse ao objetivo de ser, simplesmente, diversão. Nesse sentido, o autor assume o papel que era do narrador para melhor conduzir o jogo que se estabelece entre o que é apresentado na telenovela e a instância de recepção. Porque, como diz Philip Swann: o espectador de hoje precisa de gratificação constante – se não for entretido ou intrigado por algum tempo, irá mudar de canal (In: JENKINS, 2009, p.112).

Em reportagem de 22/03/1995, a revista VEJA mostrou que a Globo, atenta a essa lógica de gratificação em relação ao telespectador, escala um autor/narrador jogador.

A revista elenca os elementos que Silvio de Abreu utilizou para recuperar a audiência do horário nobre. A Próxima Vitima é diferente por três motivos. O primeiro é que ela investe, como nunca antes, nas tramas de mistério para prender a atenção do público. Esse expediente não é novidade na televisão. Antes, viram-se os assassinatos de Salomão Hayala em O Astro (1977), Miguel Fragonard em Água Viva (1980) e Odete Roithman em Vale Tudo (1988). Só que desta vez é uma carnificina só, a partir do primeiro capítulo 35

(...). A segunda novidade é que, para que a novela não acabe no capítulo 20 por falta de personagens, a Globo reuniu em A Próxima Vitima o maior elenco da história da telenovela brasileira. São cinquenta atores no total. (...) terceiro A Próxima Vitima é ambientada em São Paulo, o que não acontecia desde 1990 em . (...) Como todas as novelas, ela mistura uma maioria de temas convencionais com uma parte menor, mas provocante, de assuntos polêmicos. Silvio de Abreu montou uma família de negros de classe média, destoante do estereótipo consagrado na tela da televisão. Haverá também um casal homossexual, formado por Jefferson (Lui Mendes), que é negro e Sandro Rossi (André Gonçalves), que é branco. É necessário observar que o autor/narrador/jogador estabeleceu duas estratégias para jogar com o telespectador: a primeira foi promover o telespectador a detetive. Assim sendo, o autor/narrador/jogador inseriu o telespectador em uma cultura participativa.

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras (...)(JENKINS, 2009, p.30) Sendo assim, a busca de estratégias que possibilitassem atingir esse conjunto de regras na qual os participantes passaram a estar imersos, leva o autor/narrador/jogador a buscar a cooperação do telespectador no desenvolvimento da telenovela. Nota-se que a função desse autor/narrador foi apresentar pistas de modo a manter a expectativa do telespectador até o último capítulo. Esse modo de apresentar a telenovela conduzia o telespectador a acompanhar a telenovela, diariamente, para não perder nenhuma pista deflagrada pelo autor/narrador/jogador. De fato, as pistas lançadas diariamente permitiam ao telespectador fazer apostas sobre o assassino. É necessário, portanto, que se note que o assassino poderia ser modificado se os telespectadores se aproximassem de quem era o assassino escolhido, a princípio, pelo autor/narrador/jogador. Dessa maneira, o autor/narrador não segue uma sequência lógica de fatos. Ele a subverte a partir da cooperação do telespectador.

A segunda estratégia foi aguçar a curiosidade com temas velados pela sociedade. Segundo Charaudeau,

A instância midiática constrói hipóteses sobre o que é mais apropriado para tocar a afetividade do sujeito alvo. Ela se baseia, para isso, em categorias socialmente codificadas de representações das emoções tais como o inesperado que rompe com as rotinas, os hábitos, o previsível; o repetitivo que parece proveniente de um espírito maligno, o qual insistiria em fazer com que se reproduzisse sistematicamente, patologicamente, os males do mundo; o insólito que transgride as normas sociais de comportamento dos seres vivendo numa coletividade que pretende ser racionalmente organizada; 36

(2006, p.81) O autor/narrador/jogador estimulou a audiência apresentando duas representações que rompiam com a rotina encontrada nas telenovelas. De fato, há uma família de negros bem sucedidos e um casal homossexual. Nota-se a provocação do autor/narrador para que o telespectador entrasse no jogo da telenovela: rompe a organização racional e moral até então promovida nas telenovelas, a fim de despertar a discussão.

É fato, porém, que, no final da telenovela, a revista VEJA (01/11/1995) voltou a fazer nova reportagem com Sílvio de Abreu que havia dado várias entrevistas para diversos órgãos da imprensa que tentavam descobrir quem era o assassino de A Próxima Vítima. Decorre daí que a telenovela estava imersa em uma cultura da convergência. A cultura da convergência, onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis (JENKINS, 2009, p. 29). Logo, essa convergência insere novos agentes no jogo. De fato, essa telenovela estava imersa em um contexto retratado por Jenkins como o spoiling – um processo antagônico – uma competição entre fãs e produtores, um grupo tentando pôr as mãos no conhecimento que tenta proteger (2009, p. 76). Na atmosfera dessa telenovela, os fãs são substituídos pela imprensa, na competição por informações. E o autor/narrador teve que lidar com outro agente atuante no jogo já estabelecido com o telespectador. Aqui o autor/narrador tem que negociar com os spoiler- o praticante de spoiling. Essa negociação tinha sua razão de ser para que esse spoiler não antecipasse a revelação do assassino. Nota-se que esse jogo permitia a participação coletiva: todos podiam jogar, contribuir com sua expertise, aplicar suas habilidades em solucionar crimes e, assim, todo mundo sentia que havia contribuído para o resultado. Assim sendo, o papel do autor/narrador, além de ser jogador, foi de relações públicas de sua própria telenovela. É necessário, portanto, que se entenda que o autor/narrador como relações públicas de sua telenovela, requereu a competência para estabelecer parcerias, em um movimento de coautoria com os agentes que compõem a atmosfera da telenovela. A imprensa investigou os bastidores e divulgou informações sigilosas que, supostamente, o telespectador não deveria saber. Para manter a expectativa do telespectador e evitar o risco de uma decepção antecipada, o autor/narrador muda os acontecimentos na telenovela. Não obstante, não pôde desprezar o papel 37 importantíssimo da imprensa (spoiler) para a canalização de pistas que funcionaram como elementos para aguçar a curiosidade do telespectador.

Silvo de Abreu relatou que:

Um dos principais problemas era a briga diária com a imprensa, porque eu estava fazendo uma história de suspense e não queria que eles divulgassem os capítulos. Mas eles divulgavam todos os dias. Então eu mandava capítulo falso, fazia outra história. Os jornais publicavam uma história, e eu fazia acontecer outra no vídeo, um trabalho de cão. Era fundamental esconder da imprensa quem morreria, para que o público tivesse o impacto quando assistisse (AUTORES, vol. 2, p.307). Logo, havia a necessidade, cada vez mais impositiva, de negociações com outros agentes atuantes. Tudo poderia ser mudado, levando a telenovela a novos lugares. Inevitavelmente, com essa proliferação de suportes midiáticos e novos agentes atuantes, a telenovela se viu imersa numa atmosfera transmídia, com atuações em múltiplas plataformas midiáticas.

Uma história transmídia desenvolve-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversão (JENKINS, 2009, p.138). Existem revistas especializadas em fazer a cobertura jornalística da televisão, em específico, das telenovelas; os jornais impressos com seus cadernos sobre o assunto; o site da própria telenovela; os sites sobre as telenovelas; os programas de televisão que tentam ampliar a discussão sobre o que aconteceu durante a semana na telenovela; lojas virtuais com produtos da telenovela (...) há fortes motivações econômicas por trás da narrativa transmídia. A convergência das mídias torna inevitável o fluxo de conteúdo pelas múltiplas plataformas de mídia (JENKINS, 2009, p. 148). Portanto, o autor/narrador tem a função de catalisar a audiência dessas múltiplas plataformas, fazendo com que elas promovam a própria telenovela. A narrativa transmídia espalha- se por diferentes mídias, elegendo uma principal que todas vão acompanhar e se divertir. Portanto, os autores/narradores tentam, da melhor forma, obter resultados da colaboração entre mídias.

Portanto, foi a atenção dos autores/narradores para o que diz Jenkins: muitas vezes, personagens de narrativas transmídia não precisam ser apresentados ou reapresentados, pois já são conhecidos a partir de outras fontes (2009, p.173). Sendo 38 assim, os autores/narradores começaram a contar as histórias dos próprios telespectadores nas telenovelas. Ao colocar as histórias dos telespectadores, os narradores/autores potencializavam sua cooperação, visto que se reconhecem nos próprios protagonistas .Não necessitava de apresentações. Autores como Benedito Ruy Barbosa ratificaram essa forma de escrever telenovela:

O fundamental vem das experiências de vida. São personagens com os quais cruzei nos meus caminhos. Eu rodei três mil quilômetros no sertão baiano para escrever , por exemplo (...) Escrevi alguns capítulos de Terra Nostra com os olhos cheios d`água, porque continham reminiscências da minha infância, lembranças muito fortes (AUTORES, vol. 1, p.214). A partir desse posicionamento, o autor/narrador passou a estabelecer um bate papo com o telespectador. As histórias pitorescas vividas tinham efeito, tal qual uma conversa no fim de noite. Portanto, o papel do autor/narrador foi contar histórias de pessoas com as quais já tivemos contato através de outros suportes ou em diferentes contextos. Colocar as histórias dos telespectadores na tela pressupõe que o autor/narrador está (...) trabalhando junto com o próprio público, membros do público conseguem processar mais informações sobre a história do que se imaginava. Para atingir seus objetivos estão desenvolvendo um modelo de autoria mais cooperativo (...) (JENKINS, 2009, p. 139). A cooperação está justamente no resgate das histórias de telespectadores que já passaram pela vida do autor/narrador. Funcionava como uma homenagem ao elemento mais importante dessa relação, o próprio telespectador.

Acrescente-se a isso que outros autores se propuseram a estabelecer uma relação com os telespectadores levando-os às viagens. Temos, então, um autor/narrador/viajante que transformou a telenovela em um diário de viagem e se configurou com as impressões desses locais. É evidente que as telenovelas passaram a ser uma miscelânea de elementos culturais, resgatada de vários lugares, por onde esse autor viajou. O autor/narrador compreendeu que relatar contrastes culturais, fazendo-os dialogar, pôde ser uma forma de continuar a entreter o telespectador. O que se verificou foi um emaranhado de relatos de culturas diferentes convivendo em um mesmo contexto, a telenovela. O contraste entre os relatos teve um forte efeito apelativo, que instigou o telespectador. A ânsia de apresentar vários elementos distintos ou até mesmo conflitantes obrigou a autora a vir a público se justificar sobre a miscelânea de elementos da telenovela Explode Coração. A revista VEJA de 10/01/1996 destacou: O samba do cigano doido. Em Explode Coração, a Globo abusa 39 da ‘licença poética’ ao falar de ciganos e da internet e provoca protestos. A autora Glória Perez misturou várias elementos para estimular a audiência, entre elas o universo cigano e a internet. Segundo a revista: polêmicas na telinha são comuns, e elas costumam ser até úteis para aumentar a audiência. A novela das 8, que vinha arrastando-se em burocráticos 40 pontos no Ibope, subiu para 47 depois da liminar da virgindade e chegou aos 52 ao mostrar Dara e Júlio Falcão rolando na areia como bife à milanesa. Explode Coração vem provocando discussão não por tocar em temas realmente polêmicos, mas pelos próprios erros e por mexer em um vespeiro: a comunidade cigana. A autora, segundo a revista, foi muito criticada por utilizar esses elementos multiculturalistas, ou seja, a autora/narradora teve como única preocupação a diversidade, como elemento para sustentar a telenovela até seu último capítulo. Em 2001, a autora novamente reúne vários elementos díspares para relatar em sua telenovela - a criação de um clone humano, junto com a cultura mulçumana, vivendo todos em um bairro boêmio do (O clone 2001). Essa disparidade concentrada em um bairro carioca despertou a atenção do telespectador pela sua impropriedade, mas ao final, tudo se reduz a um hábito confinado em um horário canônico: horário da novela.

Desde o início da análise do narrador vemos que, em cada modificação, há uma movimentação para se aproximar do telespectador, para colocá-lo participando, cooperando, mesmo que de forma indireta, na cogestão da telenovela. Segundo Glória Perez, o telespectador interfere nas suas telenovelas:

É claro que interfere, porque eu escrevo para ter audiência. Não fico lendo críticas, leio a audiência, porque essa é a maneira de saber se o público está querendo ouvir a história que estou contando. Assisto à minha novela com a maquininha que registra a audiência do lado, acompanho os números. Se, durante uns 15 dias, os números continuam caindo toda vez que aparece determinado cenário, é porque existe algo de errado ali. Quando você escreve uma cena, está, ao mesmo tempo, construindo emoção em quem assiste. Se não emocionou, eu mudo a forma de contar (AUTORES, vol. 1, p. 480, 481). Portanto, o multiculturarismo apresentado na telenovela funcionava como uma forma de mensurar o que interessava ao telespectador. Segundo Charaudeau, a finalidade é a condição que requer que todo ato de linguagem seja ordenado em função de um objetivo. Ela se define através da expectativa de sentido em que se baseia a troca, expectativa de sentido que deve permitir responder à pergunta: Estamos aqui para dizer o quê?(2006, p.69). Nota-se que o autor/narrador/viajante quis testar o que o telespectador gostaria de ver. 40

À medida que passam por essas transformações, as empresas de mídia não estão se comportando de forma monolítica; com frequência, setores diferentes da mesma empresa estão procurando estratégias radicalmente diferentes, refletindo a incerteza a respeito de como procede (JENKINS, 2009, p.47). De fato, vamos encontrar telenovelas que, para se tornarem mais íntimas do telespectador, tentaram torná-lo seu cúmplice e parceiro. Para isso, simulou-se uma abolição da divisão que se estabeleceu entre o universo ficcional do não ficcional. E, embora, todos saibam que a telenovela é uma ficção, o autor/narrador se posicionou nesse contexto a fim de transformar a telenovela em uma extensão da vida doméstica de quem assistia a ela. Por conseguinte, o autor/narrador passa a ter função de uma espécie de etnógrafo da vida doméstica do telespectador.

A aldeia, símbolo da força de campanário conservadora, que lança as raízes da identidade, bem fundo, na terra mãe, a terra dos ancestrais, da família, dos vizinhos, dos amigos, das relações íntimas; a aldeia que delimita o horizonte de vida, o campo de ação do homem, àquilo que lhe é mais próximo, em que ele pode tocar ou reconhecer imediatamente como familiar (CHARAUDEAU, 2006, p. 137). O próprio Aguinaldo Silva afirmou que Senhora do Destino (2004) foi inspirada no sequestro do menino Carlinhos, minha história tinha mais a ver com o sequestro do menino Carlinhos, em 1973, que acompanhei porque trabalhava em jornal. Conheci bem aquele caso e seus personagens (AUTORES, vol.1, p.44). Apesar de ter ocorrido na década de 70, o fato só foi descoberto algum tempo antes de a telenovela entrar no ar. O autor transformou sua telenovela em relatos da cena cotidiana. Esses relatos, segundo os índices de audiência, refletiram, sob certa medida, uma preferência do público. Em manchete da revista ISTOÉ de 03/11/2004 – Brigas entre a heroína e a vilã de Senhora do Destino dá ao folhetim global um ibope de 58 pontos, o maior na sua faixa em oito anos. Segundo a revista, foram 58 de média e um share de 79%, ou seja, de cada 100 televisores ligados, 79 estavam sintonizados na emissora. Esses dados mostraram que a telenovela utilizou as personagens, para manipular, estrategicamente, a atração e/ou manutenção da audiência. É necessário, então, atentar para o que a revista Veja de 9/02/2005 relatou, na conclusão da matéria sobre essa mesma telenovela:

O sucesso de Senhora do Destino mostra que a novela das oito ainda é uma instituição que paira acima das mudanças de hábitos do público brasileiro. Nos últimos dez anos, tudo contribuiu para que a audiência desse tipo de programa erodisse. A Globo passou a enfrentar concorrência mais acirrada, e a televisão paga se consolidou como alternativa à programação das grandes redes. Além disso, o controle remoto, se já era difundido, tornou-se um artefato universal, fazendo com que o brasileiro incorporasse de vez o hábito de “zapear” pelos canais. Isso torna o triunfo do folhetim mais retumbante. 41

Assistir a uma boa novela das 8 continua sendo uma experiência que os brasileiros gostam de compartilhar( Revista Veja, 9/02/2005 p58-68). Logo, a telenovela do horário pairou acima das mudanças de hábitos do público, porque se modificou junto com ele. Atento a essas mudanças, o autor/narrador, percebeu que a telenovela poderia ser muito mais do que contar histórias. O autor/narrador passou a relatar cenas do cotidiano doméstico como uma consultora ora de dramas familiares, ora de beleza e estilo, ora como conselheira sentimental, ora como denúncia. Tudo isso como forma de buscar a cooperação do telespectador.

É necessário observar que, ao reproduzir acontecimentos cotidianos, a telenovela passou a ser uma colcha de retalhos, sem qualquer obrigatoriedade de relação coerente entre os fatos e personagens. Nesse sentido, o autor/narrador ficou atento ao que acontecia com o telespectador para compor sua telenovela. De fato, apesar da existência de um autor/narrador que detém um mínimo de domínio sobre a telenovela, ele tinha que estar atento a essa lógica de lances imprevisíveis. Na cultura da convergência, todos são participantes – embora os participantes possam ter diferentes graus de status e influência ( JENKINS, 2009, p. 189). Segundo Manoel Carlos:

Para mim, a reação do público é importantíssima, não digo que paute totalmente, mas exercem uma grande influência na medida em que ouço tudo o que me dizem sobre a história que estou narrando. Sou um pesquisador nato da minha novela. Todos os dias, ando pelo – conheço todo mudo, moro há quase 30 anos no bairro, converso com o homem da banca de jornais, com o sujeito que vende pipoca. Vou a todas as livrarias, paro na sorveteria, na padaria, falo com o caixa do banco, com o entregador da farmácia. Assim, vou tirando a temperatura das coisas (AUTORES vol.2.p.69) As telenovelas de Manoel Carlos são exemplos mais substanciais desse processo de simulação do espaço doméstico do telespectador. Essas telenovelas ganharam várias capas da revista VEJA exaltando o sucesso, do modo através do qual o autor elegeu a sua forma de escrever telenovelas, entre os exemplos, a capa de 10/01/2001- Nos laços da novela. Por que 32 milhões de brasileiros assistem à novela das oito da Globo, o maior sucesso da televisão nos últimos anos. Segundo a revista, Laços de Família foi a telenovela das oito mais vista desde 1997. Segundo entrevista, a essa mesma edição, o autor nos diz: “O sujeito que acompanha as minhas tramas gosta de reconhecer ali situações parecidas com as que ele vive e personagens semelhantes aos seus próprios parentes. Eu me empenho para que ele não se decepcione.” Esse fato foi ratificado por outra reportagem de Veja de 09/07/2003. Mulheres Apaixonadas. A paixão pela novela das oito. Segundo a revista “Mulheres Apaixonadas atingiu a excelente média de 50 42 pontos de Ibope na Grande São Paulo. Nacionalmente, estima-se que 35 milhões de pessoas venham sintonizando a novela todos os dias”. Há, sobretudo, nessa telenovela, a busca do autor/narrador de fundir o universo da telenovela com o universo do telespectador, em clara tentativa de estimular a participação e a colaboração por parte do público.

As transformações ocorridas nas bases temáticas das telenovelas obrigaram o narrador a se adequar. Essa adequação o levou a se distanciar do seu papel na literatura, para abarcar as necessidades do veículo de comunicação de massa, que é a televisão. O que ocorreu foi que, para atender a essas necessidades, o narrador assumiu papéis distintos. Nessa atmosfera, novos agentes assumiram suas posições requerendo a cogestão das telenovelas, resultado da cultura da convergência. Segundo Jenkins:

A indústria midiática está adotando a cultura da convergência por várias razões: estratégias baseadas na convergência exploram as vantagens dos conglomerados; a convergência cria múltiplas formas de vender conteúdos aos consumidores; a convergência consolida a fidelidade do consumidor, numa época em que a fragmentação do mercado e o aumento da troca de arquivos ameaçam os modos antigos de fazer negócios (...) Em outros casos, a convergência está sendo estimulada pelos consumidores, que exigem que as empresas de mídia sejam mais sensíveis a seus gostos e interesses.(...) Estamos num importante momento de transição, no qual as antigas regras estão abertas as mudanças e as empresas talvez sejam obrigadas a renegociar sua relação com os consumidores ( JENKINS, 2009, p. 325). Logo, o papel do autor/narrador se transformou em um gestor de impressões variadas de cogestores. Esse contexto obriga os autores de telenovela a repensarem antigas suposições, ou mesmo posições do que é escrever telenovela no Brasil.

CAPÍTULO 4 - DAS PERSONAGENS AOS TELESPECTADORES. Analisando os dois capítulos anteriores, verifica-se que, desde o estabelecimento da telenovela diária, a eleição temática e, como consequência, a estrutura narrativa, assim como o narrador, foram se modificando ao longo dos anos. Nesse contexto, as personagens, como elementos decisivos dessa configuração, também se modificaram. 43

Logo, é preciso identificar as transformações pelas quais essas personagens passaram, para melhor compreensão da sua efetiva função (papel) dentro das telenovelas. A respeito das primeiras telenovelas diárias, o aparecimento ou desaparecimento das personagens estavam diretamente relacionados a uma estrutura narrativa. Cada personagem desempenhava suas funções (PROPP, 1984) de acordo com aquela estrutura. Tinha seu papel pré-definido do princípio ao fim. De modo geral, as personagens desempenhavam um papel, tal qual, na literatura (Barthes, 1971). Segundo Bakhtin: o autor conhece e enxerga mais não só no sentido para onde a personagem olha e enxerga mas também em outro sentido, que por princípio é inacessível à personagem; é essa posição que ele deve ocupar em relação à personagem. Para encontrar o autor assim concebido numa dada obra, cumpre escolher todos os elementos que concluem a personagem e os acontecimentos de sua vida, por princípio transgredientes à sua consciência, e definir a unidade ativa, criativamente tensa e de princípio desses elementos; o agente vivo dessa unidade de acabamento é o autor, que se opõe à personagem como portadora da unidade aberta do acontecimento vital, que não pode ser concluída de dentro da personagem. Esses elementos ativamente concludentes tornam passiva a personagem, assim como a parte é passiva em relação ao todo que a abrange e lhe dá acabamento (2011, p.12).

Logo, essas personagens estavam atreladas à autoridade de um autor que determinava as funções que elas deveriam exercer. Segundo Propp, por função compreende-se o procedimento de uma personagem, definido do ponto de vista de sua importância para o desenrolar da ação. Sendo assim, em O Direito de Nascer (1964) verifica-se que as personagens executaram funções bem definidas. Naquela telenovela, ao se analisar a metodologia engendrada por Propp, verificar-se-ão as seguintes funções executadas pelas personagens: transgressão, proibição, dano, afastamento, herói sofre perseguição, fornecimento (recepção do meio mágico), início da reação, salvação e reparação do dano. Portanto, a lógica da existência dessas personagens se estabelecia motivada para o desenvolvimento da narrativa até o seu desfecho. Por outro lado, é legitimo supor que, de maneira geral, o telespectador tinha que conviver todas as noites com personagens afastados do seu universo que agiam segundo a autoridade de um autor, e a caracterização das personagens traçava um desenho distante do cotidiano do telespectador. Não obstante, essas personagens rompiam esse estranhamento com os sentimentos que suscitavam nos telespectadores. Isso mostra o quanto incontrolável e imprevisível é a relação com o telespectador. Segundo Baudrillard: As massas, elas não escolhem, não produzem diferenças, mas indiferenciação – elas mantêm a fascinação do meio, que preferem à exigência crítica da 44

mensagem. Pois a fascinação não depende do sentido, ela é proporcional à insatisfação com o sentido. Obtém-se a fascinação ao neutralizar a mensagem em benefício do meio, ao neutralizar a ideia em proveito do ídolo, ao neutralizar a verdade em benefício do simulacro (1994, p.33)

O telespectador neutralizou o fato de já ter o conhecimento prévio das personagens, devido à veiculação dessa mesma história no suporte radiofônico (ver cap. 1), em benefício dos sentimentos suscitados por essas mesmas personagens. Sendo assim, aquelas personagens, mais do que exercerem funções que determinavam uma sequencialidade narrativa, funcionavam como elementos para estabelecer uma ligação entre a atmosfera da telenovela e o telespectador. As massas resistem escandalosamente a esse imperativo da comunicação racional. O que se lhes dá é sentido e elas querem espetáculo. Nenhuma força pôde convertê-las à seriedade dos conteúdos, nem mesmo à seriedade do código. O que se lhes dá são mensagens, elas querem apenas signos, elas idolatram todos os conteúdos desde que eles se transformem numa sequência espetacular (BAUDRILLARD, 1994, p. 14,15).

De fato, verifica-se que as personagens tinham um forte apelo emocional, a fim de promover uma adesão ou revolta afetiva, a partir de sentimentos que as personagens poderiam promover. Segundo Charaudeau, A identidade dos parceiros engajados na troca é a condição que requer que todo ato de linguagem dependa dos sujeitos que aí se acham inscritos. Ela define através das respostas às perguntas: ‘ quem troca com quem?’ ou ‘quem fala a quem?’ ou ‘quem se dirige a quem?’ em termos de natureza social e psicológica, por uma convergência de traços personológicos, de idade, sexo, etnia etc., de traços que sinalizam o status social, econômico e cultural e que indicam a natureza ou o estado afetivo dos parceiros. (2006, p.69).

Sendo assim, entender que o objetivo das personagens poderia ser mais eficaz como parceiros engajados em estabelecer uma ligação com o telespectador, detonou uma revisão na lógica de estabelecer funções previamente do início ao fim das personagens. Essa revisão determinou redefinir os rumos das personagens, ou seja, se o telespectador estava interessado não na história, mas sim, no que as personagens suscitavam; a ligação que se estabelecia com o telespectador estava justamente no estado afetivo que lhe despertava. Segundo Martín-Barbero: compreender a comunicação significava então investigar não só argúcias do dominador, mas também aquilo que no dominado trabalha a favor do dominador, isto é a cumplicidade de sua parte, e a sedução que se produz entre ambos (2004, p.21). Nota-se que a concepção das personagens nas telenovelas necessitava de que o autor/narrador conhecesse e fosse 45 capaz de formular pressuposições acerca do que, efetivamente, ligaria aquelas personagens ao telespectador. O reconhecimento experimental de certas pressuposições direcionaria a concepção das personagens para estabelecer uma partilha com os telespectadores, ou seja, promover uma ligação entre o que ele conhecia e esperava encontrar na telenovela. Portanto, ao perceber que a lógica dos telespectadores não estava em acompanhar ações das personagens previamente definidas, os autores reduzem as funções das personagens, tornando-as mais flexíveis para que pudessem estabelecer elos com o telespectador. Para que haja esse elo, uma condição necessária seria a colaboração. Os autores passaram a utilizar as personagens, com o objetivo de despertar tal colaboração por parte dos telespectadores. Com efeito, as poucas funções exercidas pelas personagens recaíam justamente naquelas que promoviam tal ligação com o público. Sendo assim, no que concerne à modificação, encontra-se uma nova caracterização e contextualização das personagens com a telenovela Beto Rockfeller (1968). Ao resgatar a metodologia de Propp, têm-se as seguintes funções: ardil e cumplicidade. Logo, as personagens estavam imersas em apenas duas funções durante toda a telenovela. O que corresponde a dizer que durante toda a telenovela há apenas as seguintes ações:1. A tentativa de ludibriar sua vítima para apoderar-se dela ou de seus bens; 2. Personagens se deixam enganar, ajudando assim, involuntariamente, seu inimigo. Faz-se necessário observar que, talvez, não fossem apenas as funções suficientes para atrair a atenção do telespectador. Era necessário que essa personagem/estereótipo despertasse ligação com quem estava assistindo. Embora isso fosse construído aos poucos, percebe-se que essas personagens/estereótipos criaram cumplicidade com o telespectador. De fato, a personagem/estereótipo de Beto, um típico malandro facilmente reconhecível pelos mais variados telespectadores, foi envolvendo a todos com seu jeito e sua forma de seduzir as outras personagens e o público. Logo, estabeleceu-se um contrato de comunicação, em que o telespectador se divertia ao participar como cúmplice da personagem, nas suas aventuras na alta sociedade. Esse modo de apresentar as personagens estava ligado, sobretudo, ao que diz Charaudeau: todo discurso depende, para a construção de seu interesse social, das condições específicas da situação de troca na qual ele surge (2006, p. 67). De fato, para desencadear o interesse do telespectador, as personagens passaram a solicitar a 46 colaboração, juntamente com aquelas duas funções estipuladas. Girando em torno de apenas duas funções, o interesse do telespectador se concentrava, não em uma história, mas em uma situação de troca, na qual, as personagens lhe ofereciam momentos de fruição. Por conseguinte, verifica-se que essa redução das funções das personagens abriu espaço para que elas fossem conduzidas, no decorrer da telenovela, com uma liberdade vigiada, atenta aos movimentos da audiência.

O sujeito falante deve não somente tomar posição com relação ao tema imposto pelo contrato (aceitando-o, rejeitando-o, deslocando-o, propondo um outro), escolhendo um modo de intervenção(...)Nenhum ato de comunicação está previamente determinado. Se é verdade que o sujeito falante está sempre sobre determinado pelo contrato de comunicação que caracteriza cada situação de troca (condição de socialidade do ato de linguagem e da construção do sentido), é apenas em parte que está determinado, pois dispõe de uma margem de manobra que lhe permite realizar o seu projeto de fala pessoa, ou seja, que lhe permite manifestar um ato de individuação: na realização do ato de linguagem, pode escolher os modos de expressão que correspondam a seu próprio projeto de fala. Contrato de comunicação e projeto de fala se completam, trazendo, um, seu quadro de restrições situacionais e discursivas, outro, desdobrando-se num espaço de estratégia, o que faz com que todo ato de linguagem seja um ato de liberdade, sem deixar de ser uma liberdade vigiada (CHARAUDEAU, 2006, p. 71).

Pode-se, também, afirmar que tão logo se verificou que a existência das personagens estava muito mais ligada ao interesse despertado no telespectador, permitiu-se a redução das funções e uma flexibilidade na intervenção das personagens. Com efeito, os autores poderiam intervir nos rumos das personagens para manter aquele interesse. Desse modo, a estrutura narrativa perde sua base de sustentação; ao mesmo tempo em que as personagens se estabelecem como elementos estratégicos de troca com o telespectador e base de sustentação do interesse pela telenovela. Conforme a audiência foi se manifestando, acusavam-se de forma sutil, as modificações nas personagens, quando conveniente. A necessidade de apresentar personagens que os telespectadores já conhecessem levou a telenovela a ter uma gama de estereótipos da sociedade brasileira desfilando nas telas. Portanto, têm-se personagens de fácil reconhecimento e identificação, com uma aproximação do que é encontrado no dia a dia do telespectador. Essa aproximação funcionou como estratégia para manter o interesse do telespectador, principalmente, na medida em que essas personagens apresentavam aventuras que promoviam fruição no telespectador, ou seja, essa mudança nos desenhos das personagens transformaram as 47 telenovelas em um produto, que se estabeleceu não em contar uma história pré-definida do início ao fim, mas em um produto que se sustentava ao manter o interesse do telespectador, a partir do elo que as personagens conseguiam estabelecer com ele. Logo, sabendo ser incerta a previsão do comportamento do telespectador, aproximaram-se as personagens do contexto social dos próprios telespectadores, de modo a promover tal interesse. O que pode incitar os indivíduos a se interessar pelas informações difundidas pelas mídias? É possível determinar a natureza de seu interesse (segundo a razão) ou de seu desejo (segundo a afetividade)?(...) Esse segundo espaço constitui um lugar de práticas, e também se acha pensado e justificado por discursos de representação sobre o “como fazer e em função de qual visada” – para um destinatário que pode ser cogitado apenas como alvo ideal, receptivo, embora impossível de dominar totalmente. Eis por que se dirá que tais práticas e tais discursos circunscrevem uma intencionalidade orientada por “efeitos de sentidos visados”, pois a instância de produção não tem uma garantia de que os efeitos pretendidos corresponderão àqueles realmente produzidos no receptor (CHARAUDEAU, 2006, p.25,26).

De fato, para tentar fazer com que as personagens continuassem a promover um elo com os telespectadores, os autores testavam novas formas de apresentar as personagens. Foi assim que, quando a telenovela esteve sob censura, esses autores, ao mesmo tempo, que tinham que manter o interesse e a ligação do telespectador à telenovela, tinham que driblar as intervenções dos censores. O que se verificou foi que os autores elegeram personagens/figuras, de fácil reconhecimento porque são figuras eleitas dentro do universo político, religioso, moral, dentre outros. Segundo Genette, a figura não é, pois, nada mais que a sensação de figura, e sua existência depende totalmente da consciência que o leitor toma ou não da ambiguidade do discurso que lhe é proposto ( 1972, p.207). A eleição dessas figuras levava em consideração os grupos de pessoas ou figuras desse universo, que deveriam ser criticadas ou exaltadas, ao mesmo tempo em que funcionavam como estratégia para ludibriar a censura. O Bem Amado (1973) é um exemplo desse desenho. Nessa telenovela, havia um prefeito que queria apenas inaugurar um cemitério, em uma cidade onde ninguém morria. As personagens se configuravam, exatamente, com esta ambiguidade que a figura carregava. Essas personagens dependiam de o público tomar consciência de que a sua caracterização ocultava um discurso, que ultrapassava a simples diversão e curiosidade pelo exotismo. Se o público não tomasse essa consciência, essas figuras funcionavam, apenas, como algo exótico ou extravagante, que proporcionava diversão despretensiosa toda noite. Após o fim da censura, essas figuras perdem sua razão de existir. As personagens passaram a representar pessoas dessa sociedade tal qual eram encontradas. 48

Elas tinham o objetivo claro de promover uma irritação e/ou revolta do público pelas suas atitudes. É, dessa forma, que são encontrados empresários e políticos mercenários e corruptos (Roque Santeiro, 1985,86), filha desnaturada (Vale tudo, 1988,89). Dessa maneira, a personagem Maria de Fátima (Glória Pires),em Vale Tudo, tinha o objetivo de estabelecer uma ligação com o telespectador, a partir da revolta que conseguia promover. As atitudes das personagens funcionavam como motivação para que o telespectador pudesse discutir problemas da sociedade brasileira, como o fato de ignorar princípios éticos e morais estabelecidos pela própria sociedade, para atingir objetivos pessoais. Ao mesmo tempo, em contrapartida, há personagens eleitas para despertar sentimentos de solidariedade e compaixão. Exemplos são: o trabalhador honesto a ser exaltado (O salvador da pátria, 1989) e a trabalhadora que vence na vida (Vale Tudo, 1988,89; Rainha da sucata, 1990). No caso dessa primeira telenovela, houve uma clara semelhança com o momento político, quando a possibilidade da eleição de um operário (Lula) coincidiu com o perfil da personagem protagonista da telenovela. Com isso, compreende-se que o espaço público se confunde com o próprio acontecimento midiático, tal como aparece em sua configuração discursiva (CHARAUDEAU, 2006, p.103). Dessa maneira, as pessoas encontradas no espaço público se confundem com o próprio acontecimento midiático, a telenovela. Entretanto, o objetivo principal dessas personagens, talvez, não fosse promover uma consciência crítica. A partir de um contexto social propício, aproveitou-se desse contexto para transformá-lo em estratégia de entretenimento. Entenda-se que esse entretenimento estava revestido de uma postura que buscava retratar o momento pelo qual passava a sociedade brasileira, exaltando o compromisso de responsabilidade social. Com efeito, as personagens desonestas eram penalizadas com castigos exemplares. Dessa maneira, vemos, nesse contexto, uma clara intenção de satisfazer as expectativas do telespectador, que esperava punição cruel para os vilões e exaltação das personagens trabalhadoras. Essas punições não estavam atreladas às funções de Propp. Pelo contrário, essas punições só tinham razão de existir pelo fato de o telespectador acenar para a continuidade do jogo estabelecido pelo autor. Ou seja, o autor propunha o jogo de provocar a revolta do telespectador, ao mesmo tempo, que o telespectador sabia que essa revolta, alimentada durante toda a telenovela, seria recompensada com uma punição exemplar no final da telenovela. Por sua vez, se o telespectador acenasse contrariamente àquela provocação, o percurso da personagem seria corrigido. E, embora 49 essas punições pudessem soar como uma crítica ao comportamento não ético, ou uma função moralizadora da sociedade brasileira, não passava de uma estratégia para promover a manutenção da audiência à frente da televisão, satisfazendo uma expectativa, cultivada pela sociedade e alimentada durante toda telenovela. Sendo assim, as personagens tinham o objetivo de trazer, em sua existência, uma carga catártica. Logo, os desenhos dessas personagens estabeleciam uma ligação entre telespectador e a telenovela, pelo jogo proposto pelo autor. Nota-se que o papel desempenhado pelas personagens foi de satisfazer as expectativas dos telespectadores e simular as pessoas do espaço público como forma da manutenção do contrato de comunicação. De fato: Este enfoque é chamado de transferência e é um fenômeno geral nas relações humanas. É uma característica universal de toda interação entre pessoas porque, afinal de contas, a forma do que aconteceu entre você e eu ontem evolui para moldar como reagimos um ao outro hoje. E essa modelagem é, em princípio, uma transferência do aprendizado do passado (BATESON, 1986, p. 23)

Logo, essa transferência entre as personagens, telenovela e telespectador evoluiu para moldar uma nova forma de estabelecer uma ligação entre esses agentes. As interações entre a telenovela e o telespectador apontaram que já se ultrapassaram as personagens literárias, os estereótipos da sociedade, as figuras dessa sociedade e as personagens do espaço público de fácil reconhecimento. Assim sendo, para continuarem a estabelecer um elo entre o telespectador e a telenovela, os autores elegeram o próprio telespectador como personagem. A consequência disso foi que, ao simular o telespectador no seu espaço doméstico, ele se viu trocando confidências com as personagens, viu sua intimidade sendo simulada na telenovela e suas discussões privadas ganharem as telas. Rompeu- se o limite tênue que separava a atmosfera da ficção da não ficção. Por conseguinte, as personagens se transformaram em personagens/telespectadores. Em poucas palavras, nosso achado foi este: a maioria das pessoas frui muito mais a telenovela quando a conta, do que quando a vê. Isso porque começa contando o que se passou na telenovela, mas logo o que aconteceu no capítulo narrado se mistura com o que acontece às pessoas na vida delas, e tão inextricavelmente que a telenovela termina sendo o pré-texto para que as pessoas nos contem sua vida. (Martín-Barbero, 2004, p.32,33)

Analisando isso com maior cuidado, talvez não seja o que as pessoas contam que as fazem fruir muito mais do que quando assistem à telenovela. Trata-se do fato de os telespectadores serem as personagens das telenovelas que desencadeia tal fruição. 50

O “interesse humano” registra o momento em que o público se tornou o espetáculo. Nesse momento, uma revolução política radical é posta em movimento. E o instante do nascimento de um meio de comunicação de massa é o veículo no qual a mensagem não é dirigida a um público, mas através de um público, por assim dizer. O público é tanto o espetáculo quanto a mensagem. (MCLUHAN, 2005, p48)

Logo, a fruição estava na medida daquela simulação com o próprio telespectador. O elo foi se ver apresentado na tela. Com efeito, as personagens mais interessantes e importantes eram os próprios telespectadores. Fato suficiente para se estabelecer um elo forte entre a telenovela e o telespectador. Por outro lado, esse modo de apresentar as personagens/telespectadores obrigou os autores a elegerem um contingente suficientemente elevado para simular os vários tipos de telespectadores. Temos então (...) um produto e uma prática comunicativa na qual se fazia evidente o melhor e o pior da cumplicidade entre o popular e o massivo (...) (Martín-Barbero, 2004, p.25). Com efeito, a gestação das personagens/telespectadores ocorria juntamente com o próprio telespectador. De fato, quando os autores elegeram o próprio telespectador, obrigaram os atores a buscar uma interação com o próprio telespectador para dramatizar a personagem/telespectador. Logo, o ator passa a ser coautor da telenovela, na medida em que, sob certos aspectos, passa a conhecer a personagem/telespectador mais que o próprio autor/novelista. Sendo assim, os atores, também, adquirem uma autonomia na sugestão do direcionamento para aquelas personagens/telespectadores. Os atores (de Mulheres Apaixonadas) também são estimulados a fazer esse tipo de pesquisa de campo. Os casos tratados no grupo Mada (sigla para Mulheres que Amam Demais Anônimas) ajudam a dar substância às histórias de Heloísa. Para compor Raquel, Helena Ranaldi já foi visitar o Ciam (Centro Integrado de Atendimento à Mulher) e participou de uma sessão incorporando sua personagem. Até para o ator Dan Stulbach, que interpreta Marcos, o marido brutamontes de Raquel, foi encontrada uma boa fonte de informações: o Instituto Noos, onde se reúnem maridos que surram as mulheres e depois se arrependem8.

Com efeito, esses atores precisavam conviver com tais telespectadores para poder simulá-los na telenovela. Logo, o objetivo das personagens foi estabelecer uma interação (no sentido de participação ativa) com quem estava sendo simulado, o próprio telespectador. Essa interação se estabelecia antes e durante a própria gestação da personagem/telespectador. Essa configuração determinou o interesse do telespectador

8 VALLADARES, Ricardo. Mulheres apaixonadas e apaixonantes. Revista Veja, 9 de Julho, 2003. P. 68-77. 51 em acompanhar a vida dessa personagem/telespectador para saber se estavam respeitando a simulação fielmente. De fato, o que encontramos são ilustrações do modo de vida do telespectador. O que nos permite afirmar que a telenovela representa a própria vida e, por certo tempo, o jogo se transforma em vida real. As personagens/telespectadores se tornaram tão íntimas do telespectador que, em muitos momentos, a personagem/telespectador ficava sozinha em cena sugerindo a quem a estava assistindo que lhe desse um conselho, ou o contrário. Uma reportagem da revista VEJA de 09/07/2003, a respeito do sucesso da telenovela Mulheres Apaixonadas, afirma: Manoel Carlos consegue abordar, no horário nobre, coisas que só costumam ser discutidas em consultórios de especialistas, na justiça ou em programas policiais, diz Teresa de Góes Negreiro, professora do departamento de Psicologia da PUC-RIO. Desse modo, o nível de cumplicidade que se fixou entre a personagem/telespectador e o próprio telespectador foi e é elevado, uma vez que o primeiro invade diariamente o espaço doméstico do segundo que, por sua vez, é convidado diariamente a ser cúmplice das situações mais íntimas; de presenciar o ex- marido espancando a mulher; a neta maltratando os avôs. Sendo assim, essa influência recíproca determinava um contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2006) que permitia manter os índices de audiência elevados, ao mesmo tempo em que as expectativas do telespectador eram satisfeitas. Portanto, a preocupação da TV Globo em satisfazer essas expectativas passava e passa por pesquisas minuciosas, análise de cartas, grupos de discussão, e-mails e telefonemas recebidos pela emissora, a fim de apreender o que o público anseia. E, longe de refletir uma filantropia em querer retratar o povo, isso só ocorreu porque resultados de pesquisas detectaram que o telespectador gostaria de se ver melhor representado. O exemplo mais recente é o da personagem de (Griselda/Pereirão) vivida por Lília Cabral. Essa personagem mereceu a capa da revista VEJA (16/11/2011) como um retrato da ascensão social que os brasileiros almejam. Segundo a revista: A protagonista, ao mesmo tempo simples e orgulhosa, cheia de fúria e também de humor, devota de Nossa Senhora de Fátima (católica, a atriz reza para a mesma santa) e moradora de um sobradinho no Quebra-Mar, região humilde da Barra da Tijuca, ilustra o cuidado da Globo para atingir com mais sensibilidade a classe C. Em entrevista, nessa mesma edição, Aguinaldo Silva afirmou: Ela (classe C) quer ver o povo como ele é – não apenas no núcleo cômico das 52

novelas, como sempre faziam, ou ridicularizados nos programas humorísticos. Ela quer ver sua própria ascensão, e ter orgulho disso. O fato de a heroína ser batalhadora e ascender, mas também lutar para que a fortuna ganha na loteria não lhe mude o caráter, faz com que essas pessoas se identifiquem com Griselda. Elas têm orgulho da personagem. Griselda é um símbolo da ascensão social que ocorreu no Brasil nos últimos anos. (Revista VEJA, 6/11/2011, p. 146-153).

A telenovela, portanto, ganha um desenho de fragmentos das cenas cotidianas e/ou domésticas. As personagens evoluem para as transferências que o próprio telespectador acena. Logo, não basta observar as mediações geradas por uma telenovela, é necessário verificar, agora, como o telespectador interfere sobre os meios e os obrigam a adotar uma nova postura, sugerindo a promoção do telespectador a coautor das telenovelas. Nota-se que a existência das personagens se estabeleceu pela simulação de quem assistia a elas. De fato, a personagem/telespectador, para ter existência durante toda a telenovela, precisava promover uma empatia junto ao telespectador, caso contrário, poderia sucumbir sem maiores explicações. Logo, os autores necessitavam reconhecer a coautoria do telespectador, para que a telenovela conseguisse manter índices de audiências compatíveis com as expectativas da direção da emissora. Sendo assim, a estrutura narrativa que tinha, nas personagens, sua base de sustentação, na telenovela, sucumbe. O autor/narrador perde sua autoridade, tendo que dividir os rumos das personagens com o próprio telespectador e a direção da emissora. E as personagens que tinham funções (PROPP) previamente definidas do princípio ao fim na telenovela, perdem essa direção e passam a ter, como objetivo, ser o elo entre a atmosfera da telenovela e o telespectador, assumindo-lhe a própria vida para atingir tal objetivo 53

CAPITULO 5 –

VISUALIDADE COMO FICÇÃO PARA O ENTRETENIMENTO.

As questões discutidas nos três primeiros capítulos repercutem neste quarto capítulo. As sucessivas transformações pelas quais as telenovelas passaram engendraram outra organização que desencadeou experiências visuais. Considere-se que a visualidade ampliou os recursos de expressão, potencializando o sentido dos fatos, dos gestos e o apelo dos dramas vividos, até o ponto de ela mesma, a visualidade, apresentar-se como ficção. Evidencia-se que a visualidade, em sua capacidade de superar as convenções da linguagem verbal, assume um papel importante, tendo em 54 vista a necessidade de preencher lacunas expostas pelas transformações verificadas nos três primeiros capítulos. De fato, as constantes transformações no eixo temático descaracterizaram aquilo que se entendia como estrutura narrativa, ou seja, na quase ausência de uma estrutura narrativa sobre a qual deveria imperar relatos de vidas conectados ou não entre si, abrem-se fissuras narrativas que precisavam ser preenchidas de algum modo. Daí decorre, por consequência, o narrador perder sua autoridade- onisciente, sendo obrigado a dividir a autoria da telenovela com outros cogestores e conforme esse narrador insistia em contar histórias, demasiadamente conhecidas pelo telespectador, acentuava-se sua fragilidade nessa estrutura televisual. Da mesma maneira, as personagens deixam de exercer funções (PROPP) que determinavam seus papeis e o desenrolar da narrativa. Logo, essas personagens desempenhavam um papel variável, conforme o grau de preferência do telespectador. Nesse sentido, o eixo de decisão do entretenimento cotidiano passou a se processar conforme as expectativas de quem fielmente assistia e, rapidamente, desencadeou-se a ascensão do telespectador como as próprias personagens das telenovelas. Diante desse contexto, a telenovela passou a se sustentar a partir da visualidade, como produto atrativo que preenche as fissuras ou perdas anteriores e se promove como fator de fruição visual do telespectador. Mais do que nunca, a imagem cumpre seu papel no caráter mediativo da televisão.

Elencam-se, abaixo, os elementos de configuração visual que, juntamente, com os enquadramentos (escolhas dos planos) e a edição formam o arcabouço responsável pela visualidade da telenovela.

ELENCO “Uma novela reúne quase 300 profissionais, mas parece que tudo gira em torno deles. São elas (atrizes e atores) que as telespectadoras sonham ser e que os telespectadores sonham ter, mesmo que, por uma fração de segundo, em frente à telinha. Na escolha, tudo é feito para convencer o telespectador, tirar seu fôlego, fazê-lo suspirar de emoção.”

DIRETOR DE FOTOGRAFIA “A locação pode ser perfeita, os atores 55

lindíssimos e a trilha sonora um complemento excitante num capítulo de novela. Mas o que garante o prazer visual do telespectador a cada cena é algo que ele não percebe conscientemente: a harmonia entre cenário, gente, figurino e iluminação. O responsável pelo mágico jogo de luz e cores é o diretor de fotografia. Ele escolhe, decide as posições e a melhor forma de usar os equipamentos, em estúdio ou externas. Nas gravações, lidera uma equipe de operadores de câmera, assistentes de operador, maquinistas e eletricistas – a turma técnica, que não para um segundo no momento da gravação.”

FIGURINO “Marília Carneiro, figurinista de novela há 30 anos, ela é a criadora do guarda-roupa de cada personagem. ‘O que uma pessoa veste sempre diz muito sobre ela’, explica Marília, (...) Em Celebridade, a personagem de Cláudia Abreu usa quase sempre um lenço ou uma gargantilha colados ao pescoço. Tendência primavera- verão a caminho...”. 56

CENÓGRAFO Há 34 anos, o cenógrafo Mário Monteiro trabalha em televisão. Sua equipe constrói cada cenário, interno e externo. O trabalho é árduo e detalhado. A Andaraí de Celebridade, por exemplo – que tem casas, prédios, campinho de futebol, sinuca, salão de beleza -, levou quatro meses para ficar pronto. Fotografaram e mediram o bairro real para depois projetar e colocar a mão na massa. O que está dentro do cenário é da responsabilidade da direção de arte. Cristina Médicis e Andrea Penafiel, produtoras de Celebridade, brincam com a função: “Somos responsáveis pela parte de cama, mesa e banho”, dizem. Trabalhando com a cenografia, elas definem que objetos estarão em cena. Porta-retratos com fotos de família. Computadores. Uma caneta. Uma agenda. Vaso de centro de mesa. Cada objeto tem uma linguagem. O telefone da casa de uma família milionária é diferente de um telefone de um personagem que mora no subúrbio.

FIGURANTES FAMOSOS Em Celebridade têm-se figurantes famosos. Como a personagem de é uma produtora musical, vários artistas internacionais de passagem pelo Brasil gravaram pequenas pontas ao lado da atriz.

Fonte: Como se faz uma novela. Revista Época, 13 de outubro, 2008.

A partir dessas unidades mínimas, as telenovelas foram se organizando, a fim de 57 se apresentarem ao telespectador.

Essa organização coloca em evidência o suporte, transformado em meio de comunicação através do modo como organiza a materialidade e se identifica enquanto elemento constitutivo daquele mesmo material. O modo como se organiza uma informação, linguagem ou mídia acaba por transformar o material, dando-lhe outros e sutis elementos comunicativos, quando não persuasivos. Portanto, o espaço se transmite através de espacialidades que o superam como suporte, para evidenciar a transmissão do modo como se organiza a cultura que agencia. A espacialidade reinventa o espaço a cada manifestação do modo pelo qual o organiza, ou seja, através da espacialidade, interinfluenciam-se o espaço e todo o significado ou comunicação que sobre ele se inscreve. (FERRARA, 2007, p. 33) Logo, a análise se pautará no modo como os espaços das telenovelas foram organizados, a fim de estabelecerem uma mediação com o telespectador. Objetiva-se analisar, dentro da faixa mais ampla possível, as mais significativas posturas de se apresentar ao telespectador. O eixo que guia esta análise parte daquelas telenovelas que, a partir desse modo de se organizar, promoveram repercussões na imprensa/mídia e, também, na audiência.

Não adianta, para o deciframento das imagens técnicas, analisar tais cenas em função do mundo lá fora. Não adianta perguntar se a casa fotografada está “realmente” lá fora ou se é falsa. Não adianta perguntar se a batalha mostrada na TV se passou “realmente” ou se foi encenada. Não adianta perguntar se o avião a ser construído é ou não realizável. Tais perguntas não são “boas” porque a imagem não permite que sejam respondidas. As cenas mostradas devem ser analisadas em função do programa a partir do qual foram projetadas. Ora, isto exige critérios novos, não mais do tipo “verdadeiro ou falso” ou do tipo “ belo ou feio”, mas do tipo “informativo ou redundante”. A razão é que o significado das imagens técnicas é de espécie jamais vista antes da invenção dos aparelhos. As imagens técnicas significam programas inscritos nos aparelhos produtores e manejados por imaginadores, eles também “programados” para manejá-los. Por detrás de todos estes programas coimplicados e conflitivos reside a intenção de conferir significado a um universo absurdo, de dar sentido a uma vida em universo absurdo (FLUSSER, 2008, p.54). Esse universo consiste na imprevisível e instável relação que se estabelece entre o telespectador e a telenovela. É nesse sentido que identificam-se momentos bem definidos, cuja visualidade foi se organizando de forma distinta, até se posicionar como entretenimento.

5.1. PRIMEIRO MOMENTO DA VISUALIDADE.

A ficção fabricada pelo novelista supunha um percurso estipulado por uma 58 estrutura narrativa e, como consequência, uma hierarquia do verbal sobre o suporte audiovisual.

No primeiro momento da telenovela, a narrativa se sustentava pelos diálogos das personagens e não pela visualidade. Em outras palavras, eram os diálogos que permitiam o entendimento da narrativa.

Evidencia-se que um primeiro modo de organização da visualidade pode* ser exemplificado com a adaptação da obra O Direito de Nascer (1964) do rádio para a televisão. Apostou-se no potencial de mobilizar o mesmo público do rádio, trazendo os mesmos atrativos e a mesma história, trabalhando com os mesmos critérios dramáticos, mas agora apoiada em nova técnica, o suporte audiovisual. Nessa medida, não foram apenas os princípios dramáticos, o estilo dos gestos, o tipo de ação e a vontade de fazer as emoções circularem entre a telenovela e o telespectador, foi, também, o próprio suporte audiovisual que se posicionou para cumprir tal objetivo, a partir dessa telenovela. Esse entrelaçar entre melodrama e experiência visual legitimou a ponte entre tais elementos e a fruição em assistir à telenovela.

Se a telenovela se configurava em um suporte audiovisual, como explicar a sua sustentabilidade em um suporte verbal (literário/radiofônico)? Verificou-se que as cenas eram diálogos entre as personagens, o que permite afirmar que há uma hierarquia do verbal sobre o audiovisual. Logo, a narrativa e, como consequência, a telenovela, foi engendrada pelos diálogos, ou seja, foi organizada por esse arbitrário literário, reduzindo o visual ao silêncio do simples fruir. Na estrutura narrativa, o signo verbal se apodera do silêncio das representações visuais obrigando-a a ser o signo verbal que as nomeou. Sendo assim, as cenas das telenovelas eram um amálgama de diálogos, que subestimava a existência da imagem, embora, estivesse apoiado em um suporte audiovisual. Pareceu necessário organizar o arbitrário figurativo a partir do modelo arbitrário linguístico (DEBRAY, 1993, p.55). Considera-se que a influência do rádio/radionovela foi mais relevante para a imposição do verbal sobre a visualidade que a Literatura.

As histórias contadas, a partir dos diálogos, fizeram com que a visualidade fosse uma informação imagética ou ilustração daqueles diálogos. Por outro lado, todo diálogo é constituído, não apenas de palavras, mas também de reações mudas a essas palavras. É bom que se note que são essas expressões mudas que conferiram o caráter 59 melodramático a essas telenovelas, ou seja, foram as expressões exageradas de sofrimento que captaram o emocional do telespectador (Ver figura 1 a 5).

FIGURA 1 - Cena do O Direito de Nascer.

Figura 2 Cena O Direito de Nascer. 60

Figura 3 Cena O Direito de Nascer.

Figura 4 Cena O Direito de Nascer.

Figura 5 Cena O Direito de Nascer. 61

Foi necessário, então, primeiramente, constatar que a força de encantamento de O Direito de Nascer (1964) adveio muito da história contada, porque se apostou na apropriação de um gênero tradicional (universo literário, depois radiofônico). Não obstante, nota-se a emergência do apelo dramático das personagens como forma de engendrar o espetáculo televisual, organizado no sentido teatral. Segundo Xavier:

Por volta de 1530 se configura na Itália uma ordem espacial do espetáculo definida pelo que depois ficou consagrado como “palco italiano”: plateia toda de um lado, ação teatral do outro, ambos encarando-se em oposição frontal, separados por uma fronteira nítida na qual “fosso” e cortina materializam a diferença de estatuto dos espaços, o da representação e da realidade. Tal fronteira emoldura o espetáculo, funciona como uma janela que se abre para o mundo imaginário da cena que se desenrola suspensa numa plataforma, à disposição do olhar do espectador que, embora cheio de empatia, permanece ciente do “hiato” que os separa (XAVIER, 2003, p.62). Portanto, a telenovela se organizou com um distanciamento, tanto do que exibia, como do modo pelo qual foi exibida. De fato, o dado crucial em jogo não foi a imitação do real na tela - a reprodução integral das aparências - mas a simulação de certo tipo de olhar potencializado pela estrutura narrativa. Sendo assim, os registros visuais como cenários, figurinos, primeiro em p/b e depois em cores, além da gestualidade de forte capacidade dramática seguiram as regras implícitas naquela narrativa.

Decorre daí, como centro dos registros visuais, a própria imagem das personagens protagonistas. (Ver Figura 6)

Figura 6 Cena O Direito de Nascer.

Verificou-se que os enquadramentos se concentraram em acompanhar as ações 62 dessas personagens durante todos os capítulos e, consequentemente, durante toda a telenovela. As personagens secundárias somente eram enquadradas em comunhão com as personagens centrais, porque a narrativa exigia rigorosa hierarquia entre elas. Logo, a escolha do elenco foi o componente de registro visual mais importante nessa fase da telenovela. É evidente, desse modo, que com um sistema de cor preto e branco e parcos recursos tecnológicos, o elemento de maior poder de atração foi a configuração imagético-dramática dos atores e atrizes, fator decisivo para promover tal espetáculo.

(...) topei a história, e ali mesmo nós já começamos a escalar o elenco. Eu anotava os nomes numa agenda que até hoje possuo, como documento. Pensamos de cara no , que era um craque desde o tempo das radionovelas, mas estava parado. Pensamos também no Ziembinski, mas ele estava fazendo só teatro naquela época. E os outros nomes foram surgindo: Amilton Fernandes, Cláudio Marzo, Mário Lago, Henrique Martins e Régis Cardoso, para dirigir. Quando saí dali, a novela já estava praticamente escalada. Mas ainda faltava o par romântico, que só foi aparecer alguns dias depois. Primeiro, me lembrei de Yoná Magalhães. Ela já não era aquela colegial que eu conheci na Rádio Tamoio, mas estava ainda mais deslumbrante e tinha acumulado uma enorme experiência nos teleteatros e novelas da Tupi. Andava afastada da televisão. Fazia parte do Grupo dos Sete, um grupo teatral da , e vinha de um ótimo papel em Deus e o Diabo na Terra do Sol, do Glauber Rocha. Eu imaginei que ela pudesse se interessar por um novo papel e mandei chamá-la. (...) Eu ia investir numa parada difícil, a novela de época, e não queria nenhum galãzinho mirrado, convencional, para o papel principal. Queria um cara pesado, um macho latino incontestável, que pudesse dar estatura ao nobre espanhol, que compra a fazenda do pai de Maria Teresa só para tê-la. Foi então que, assistindo ao Carlos Alberto na novela da Globo que estava no ar, me liguei no layout de Clark Gable que ele tinha e tive certeza: era ele o meu Rett Butler. Chamei-o também para conversar (CLARK, 1991, p. 180-181).

A escolha de um elenco cativante colocou em sintonia as personagens e quem assistia a elas, a ponto de desencadear uma cumplicidade em relação aos sofrimentos, pelos quais aquelas personagens passavam.

O sucesso de O Direito de Nascer foi num crescendo tão intenso que, no final, fizemos uma festa com o elenco no Maracanãzinho. Mais de 25 mil pessoas lotaram o ginásio, para ver ao vivo a Natália Thimberg vestida de freira, o Amilton Fernandes abraçado com a Guy Loupe. Nunca tantos choraram tanto por tão pouco. Criou-se um clima tão emotivo naquela festa que todo o mundo que estava no ginásio debulhou-se em lágrimas. Eu mesmo não aguentei, chorei de esguicho. Ridículo, ridículo. Eu tinha mais é que chorar de alegria, porque O Direito de Nascer foi o nosso direito de sobreviver à decadência da TV Rio (CLARK, 1991, p.147). Ficou claro, então, que a configuração imagética do elenco foi o fator primordial. Os equipamentos, por serem ainda limitados, não permitiam grande mobilidade à produção das outras unidades imagéticas, tais como, efeitos visuais e 63 cenografia. O dinheiro disponível mal dava para as despesas de produção, como a cenografia que improvisamos no terraço da emissora. Nós não tínhamos equipamentos adequados para fazer cenas externas. (CLARK, 1991, p. 182). De fato, a falta de recursos tecnológicos inviabilizava cenas de paisagens ao ar livre; e, quando existiam, eram tentativas, em estúdio, de reproduzir tais cenários. Com efeito, as telenovelas eram obrigadas a ter um padrão de enquadramento concentrado em planos fechados, principalmente, plano médio, primeiro plano e close, que desencadeavam cenas com enquadramentos muito próximos dos atores.

Por outro lado, a diferença entre um plano geral e um close-up, por exemplo, muitas vezes não pode ser entendida como “olhar a distancia” versus “olhar de perto”, mesmo quando se focaliza o mesmo objeto, mas como confronto de duas imagens de valores distintos (XAVEIR, 2003, p. 46). A diferença, talvez, estaria na função que se objetivava, ou seja, a telenovela com fortes características melodramáticas carregava traços, tais como gestos largos, sentimentalismo nas interpretações dos atores, as nuances das cenas que somente os enquadramentos mais fechados poderiam captar, com precisão. Daí dizer que aquela cumplicidade era favorecida também pelo padrão de enquadramento.

Uma cadeia de palavras tem um sentido; uma sequência de imagens tem mil. Uma palavra pode ter larguíssimo número de acepções, mas suas ambivalências são identificáveis em um dicionário, exaustivamente enumeradas: pode-se chegar ao fim do enigma. Uma imagem é para sempre e definitivamente enigmática (...) tem cinco bilhões de versões potenciais (ou seja, o número de seres humanos) nenhuma delas pode impor-se como referência única (nem mesmo a do autor). Polissemia inesgotável (DEBRAY, 1993, p.59).

Logo, essa polissemia é fator que conduz à participação, ou seja, como superfície aberta às possibilidades, ela não permite ou não é passível de uma imposição única de sentido. Com efeito, essa possibilidade de participação através dos enquadramentos das personagens entrava em conflito com a imposição de um percurso. Em consequência, sabe-se que submeter a atmosfera da telenovela à palavra e à escrita incorre na possibilidade da perda de interesse, se a narrativa não instigar o interesse do telespectador, já que: “que peso tem um grito escrito face de um grito berrado, angústia ou explosão de alegria bruta, imediata e plena?” (DEBRAY, 1993, p. 49). 64

A imagem é benéfica porque simbólica. Isto é, remembrante e reconstituinte, para usar termos equivalentes. Mas para fazer ou refazer um só todo, em virtude do mecanismo lógico da incompletude, vai ser preciso incluir em seu jogo um parceiro escondido. (DEBRAY, 1993, p.61)

Nota-se que a estrutura narrativa, talvez, impunha restrições diante das imagens, uma vez que a telenovela, como audiovisual, é uma obra para se ver e não para se ler. Por exemplo, os planos duravam o tempo do desenrolar dessas ações/diálogos das personagens em cada cena. É dessa maneira que o ritmo da edição era lento, com planos longos em um mesmo cenário. Verifica-se que os cortes, nas imagens, eram uma necessidade advinda da estrutura narrativa, de tal modo que se excluía qualquer possibilidade de manifestação ou participação por parte do telespectador em relação a sua possível insatisfação. Isso leva a repensar a configuração das telenovelas e sua base de sustentação. Como audiovisual, a telenovela deveria estabelecer mediações não pela verbalização, mas, sobretudo, pela simbolização imagética. Tanto isso é verdade que a emoção começa onde acaba o discurso (DEBRAY, 1993, p. 50). A imagem é mais contagiosa, mais viral do que o escrito (DEBRAY, 1993, p.91).

A dinâmica da imagem não tem a mesma natureza da dinâmica da palavra, nem está orientada no mesmo sentido. As palavras projetam-nos para a frente, a imagem para trás; ora, este recuo no tempo do indivíduo e de espécie é um acelerador de poder. (DEBRAY, 1993, p.112). Portanto, a telenovela, no seu primeiro momento, construiu um registro visual a partir das imagens engendradas pelo signo verbal (adaptações literárias/rádio). No esquema representativo, a parte do texto era a do encadeamento ideal das ações, a parte da imagem era a do suplemento de presença que lhe dá carne e consistência (RANCIERE, 2011, p. 65).

A potência das palavras não é já o modelo que a representação pictural deve adotar como norma. É aquela que escava a superfície representativa para nela fazer aparecer a manifestação da expressividade pictural. Isto significa que esta não está presente na superfície enquanto não existir um olhar que a escave, palavras que a qualifiquem, fazendo aparecer um outro tema por baixo do tema representativo.(RANCIERE, 2011, p. 104) Logo, o excesso de estrutura narrativa rígida contrariava o livre jogo dos afetos desencadeados pelo desbravar da superfície imagética por parte do telespectador.

A pintura não transmite um sentido, mas faz sentido por si mesma, para aquele que olha, segundo o que ele é”. Como seria possível não compartilhar, à primeira vista, a opinião de Soulages, já que “aquele que olha faz a pintura segundo o que ele é” a artista não tem as chaves; no final de contas, sou eu, espectador na extremidade da fila, quem abre ou fecha as portas (DEBRAY, 65

1993, p.51). De fato, no decorrer dos anos, a televisão sofreu algumas influências, que por sua vez, apontaram reformulações no modo de organização das telenovelas. Verificou- se, após O Direito de Nascer, que o primeiro modo de organização da telenovela, que refletia a organização do espetáculo teatral, com a tônica da quarta parede – uma cena autobastante, absorvida em si mesma, contida em seu próprio mundo, ignorando o olhar externo a ela dirigido, evitando qualquer sinal de interesse pelo espectador, pois os atores estão “em outro mundo” (DIDEROT, In: Xavier, 2003, p. 17), rompeu-se, em decorrência da cumplicidade que se estabeleceu entre telespectador e personagens.

5.2. SEGUNDO MOMENTO DA VISUALIDADE

Verificou-se um segundo momento, cuja principal diferença, em relação ao momento anterior, foi o deslocamento do olhar das telenovelas para a sociedade brasileira. Tal deslocamento sugeriu outra relação entre a própria telenovela e o telespectador. De fato, assistiu-se à presença de uma configuração imagética, cuja essência era, agora, familiar aos telespectadores.

Essa similaridade perceptiva dinâmica que caracteriza a iconicidade da imagem constitui o primeiro elemento de uma lógica da imagem de feitio analógico. Nessa dimensão, a questão da imagem vai muito além da sua visibilidade, ao contrário, ela é polissensorial e sua visibilidade é uma forma abrangente de alcançar sua semiótica; desse modo, enquanto visibilidade, a imagem representa uma percepção mais complexa da realidade envolvendo- se, aí, sua ideologia e o amálgama das suas relações com a memória de um passado ou a insinuação de um futuro possível ou sugestivo (FERRARA, 2000, p. 58). Quando a telenovela deslocou o olhar para a sociedade brasileira, a configuração imagética engendrou uma relação mais fluida e menos rígida a respeito da estrutura narrativa. De fato, essa similaridade perceptiva, que caracteriza a iconicidade da imagem, permitia o rompimento da hierarquia do verbal sobre o suporte audiovisual. Com efeito, esse suporte audiovisual passa a se configurar como visualidade, ou seja, é um artefato de registro que possibilita o pronto reconhecimento do mundo (FERRARA, 2007, p.13). Portanto, esse artefato engendra imagens que pedem para serem pensadas. Como percepção, a imagem é uma constatação e um hábito de ver e, como recepção, é uma fruição. Como percepção, o imaginário exige um juízo perceptivo e, como recepção, supõe a participação, o compromisso marcado pela experiência que permite a comparação (...) (FERRARA, 2000, p.120,121) do que é visto, com o já conhecido por parte do telespectador. Logo, não é necessário verbalizar para simbolizar. Sendo assim, 66 olhar pressupõe uma ação a distância. Nesse sentido, deve-se questionar se a imagem composta de vários elementos em uma cena seria dependente de uma narrativa, ou a imagem como superfície permitiria ora por saturação, ora por rarefação, uma narrativa subtendida ante o olhar de cada telespectador?

A visualidade não diz, não pode ainda dizer: é a partir da exploração e, por consequência, da participação que aquela visualidade começa a dizer algo. Portanto, o que a visualidade irá dizer, está na iminência do percurso que o telespectador desenvolve. Um modo de tentar conhecer o objeto enfocado a partir de outras experiências já vividas. Percepção enquanto controle da experiência e associação enquanto controle da inferência (FERRARA, 2000, p. 61). Daí, questiona-se a existência de uma estrutura narrativa, em uma atmosfera que se pauta pela participação e pela cogestão. Com efeito, olhar não é receber, mas colocar em ordem o visível, organizar a experiência (DEBRAY, 1993, p. 30). A telenovela, como superfície imagética, não tem o monopólio do sentido; a palavra e a escrita também não. Pensar a imagem supõe, em primeiro lugar, que não se confunda pensamento e linguagem. Já que a imagem faz pensar por meios diferentes de uma combinatória de signos (DEBRAY, 1993, p. 49).

Sendo assim, aquelas unidades mínimas engendraram configurações imagéticas das telenovelas, a partir dos enquadramentos: Chamamos enquadramento a determinação de um sistema fechado, relativamente fechado, que compreende tudo o que está presente na imagem, cenários, personagens, acessórios (DELEUZE, 1985, p.22). Portanto, o enquadramento elimina o que não se deseja mostrar ao telespectador. No entanto, esses enquadramentos, ao serem justapostos a outros enquadramentos, formam uma superfície e (...) quando o quadro passar a valer enquanto superfície opaca de informação, ora perturbada pela saturação, ora reduzida ao conjunto vazio, à tela branca ou negra (DELEUZE, 1985, p.23), o telespectador deve assumir uma postura ativa para percorrê-la. Outro aspecto pelo qual o telespectador deve ter tal postura advém de a visualidade requerer a participação pelo seu caráter técnico.

Na foto e no cinema, a imagem existe fisicamente. Um filme é a sucessão de fotogramas visíveis a olho nu, em curso de projeção. No vídeo, materialmente, deixa de haver imagem. Mas um sinal elétrico em si mesmo invisível, passando vinte e cinco vezes por segundo sobre as linhas de um monitor. Somos nós quem recompomos a imagem. (DEBRAY, 1993, p.249). Portanto, a hierarquia que sustentava a estrutura verbal da narrativa se desloca 67 para a ascensão da visualidade que busca estabelecer certo equilíbrio entremeando-se e misturando-se com a narrativa. Essa ascensão acarretou consequências advindas do fato de a visualidade ser constituída de imagens configuradas em superfícies e, como tal, necessitar da participação do telespectador para percorrê-la. Nota-se que a organização das telenovelas apresentava uma configuração audiovisual que buscava a semelhança com a atmosfera da sociedade brasileira, de tal modo que a aproximava do telespectador.

Com efeito, a visualidade, por suas características próprias, não se pauta pela ficção fabricada de uma história, mas, sobretudo, pelos altos e baixos descontínuos da superfície imagética que supera a sequência narrativa.

Na telenovela Beto Rockfeller, verificou-se o início desse deslocamento hierárquico. Naquela telenovela, passou-se a engendrar a visualidade a partir de imagens resgatadas da sociedade. Por conseguinte, a imagem já não é uma ilustração da cena determinada pela narrativa, ao contrário, agora a visualidade se abre à participação no preenchimento dessa superfície. De fato, estabeleceu-se uma organização menos rígida, apontando para uma configuração que se distanciava da cena contida em seu próprio mundo ficcional/imaginário, que ignorava o olhar e o interesse do telespectador, para projetar-se em uma organização visual, cujo eixo principal foi aproximar-se da atmosfera da sociedade brasileira, assim como ficar atenta aos acenos dos telespectadores. Essas imagens começaram a rejeitar uma composição das intrigas herdadas da tradição romanesca. (...) a imagem vale então como potência de desligação, forma pura e puro pathos desmantelador da ordem clássica dos agenciamentos de ações ficcionais, de histórias (RANCIERE, 2011, p. 50), o que sugere a tendência de um novo modo de organização da telenovela.

Dessa maneira, verificar-se-á novo modo de organização feito pela telenovela Beto Rockfeller. O elenco ainda permaneceu como um dos elementos principais de atração, mas divide espaço, agora, com outros elementos. A aquisição de novos e mais modernos equipamentos permitiu que se inserissem, nessa organização dos enquadramentos, imagens dos atores percorrendo pontos principais da cidade. Se antes as telenovelas eram organizadas nos ambientes fechados de estúdio pela falta de recursos, nessa telenovela temos uma leveza nas imagens com as cenas de externas, ou seja, a câmera poderia passear pelas ruas onde os telespectadores passavam. Em termos 68 cenográficos existiu um revezamento entre ambientes, como sala de visita ou jantar, a fim de deslocar as cenas para locais públicos das cidades, como praças e ruas principais. As cenas de externas engendravam aventuras, tal como uma disputa de moto, em que o protagonista se envolve, cercado de perto pelo telespectador. Tal revezamento entre cenas de estúdio e externa abriu mais opções de fruição desse espetáculo televisual.

Figura7 Cena Beto Rockfeller.

Figura 8 Cena Beto Rockfeller. 69

Figura 9 Cena Beto Rockfeller.

Figura 10 Cena Beto Rockfeller. 70

Figura 11 Cena Beto Rockfeller.

Figura 12 Cena Beto Rockfeller. 71

Figura 13 Cena Beto Rockfeller.

Figura 14 Cena Beto Rockfeller. 72

Figura 15 Cena Beto Rockfeller.

Figura 16 Cena Beto Rockfeller. 73

Figura 17 Cena Beto Rockfeller.

Figura 18 Cena Beto Rockfeller. 74

Figura 19 Cena Beto Rockfeller.

Figura 20 Cena Beto Rockfeller. 75

Figura 21 Cena Beto Rockfeller.

Logo, há uma expansão do terreno das ações, pela inclusão do mundo da rua e dos espaços tradicionalmente considerados públicos das cidades, que revelam novos pontos de fuga, criando um campo de visão em que o pano de fundo amplia-se para introduzir uma teia mais diversificada de caminhos.

Nota-se que o ritmo da edição e das escolhas dos enquadramentos adveio mais das necessidades imagéticas do que da narrativa. Por conseguinte, nesse exemplo da corrida de moto, verificada nas imagens acima, temos um ritmo mais acelerado típico de cenas de ação verificadas no cinema. Em outras palavras, a edição das imagens, os cenários/locações começam a ganhar importância, apontando para um enfraquecimento da estrutura narrativa.

Desse modo, é evidente que a telenovela se organizou apontando para uma aproximação com a atmosfera do telespectador. As cenas poderiam ser organizadas em qualquer lugar do planeta, todavia, essa telenovela preferiu se organizar em um contexto de fácil reconhecimento.

Em consequência, a resposta à pergunta “como significam as imagens técnicas?” estabelece: as imagens técnicas significam apontando na direção do nada insignificante lá fora. Todas essas fotos, esses filmes, TV, vídeo e imagens computadas são significativos precisamente porque o mundo apontado por elas é insignificante. Deduz-se que, se quisermos decifrar as imagens técnicas, cometemos um erro ao analisarmos apenas o que as imagens mostram. Não é analisando a casa fotografada ou o avião mostrado em tela de computador que descobriremos o significado das imagens. Casa e avião não passam de significado “aparente” e “pretendido” de tais imagens. Nas imagens técnicas o que conta não é o significado, mas o significante: o seu ‘sentido’ é a direção para a qual apontam. Por certo, podemos continuar 76

“explicando” as imagens – por exemplo, dizendo que a casa é a ‘causa’ da fotografia e o avião, o “efeito” da imagem. Mais tais explicações “profundas” (cuja vacuidade discutimos em parágrafos anteriores) são pouco interessantes. O importante é que as imagens técnicas são projeções que projetam significados de dentro para fora, e que é precisamente isto o seu “sentido” (sinn, meaning) (FLUSSER, 2008,p. 51). Evidencia-se, também, a constatação de cenas nas quais a ausência do protagonista era verificada. Nota-se, que a visualidade, lentamente, começa a se desvencilhar da estrutura narrativa rígida, suportando a permissão de algumas cenas com somente personagens secundários. Logo, essa organização acena para uma telenovela não com um ponto de vista único, obrigando o telespectador a acompanhar o protagonista a todos os lugares. Abre-se a possibilidade de outros elementos, daquelas unidades mínimas de uma obra audiovisual, destacarem-se como elementos de fruição.

Figura 22 Cena Beto Rockfeller. 77

Figura 23 Cena Beto Rockfeller.

Figura 24 Cena Beto Rockfeller. A semelhança impõe vizinhança, uma semelhança ligada ao espaço, na forma da aproximação gradativa. Nota-se, também, que é a partir da devastação da superfície imagética que o telespectador poderá identificar tais marcas ou assinalações. Portanto, distinguir as semelhanças simpáticas a ele, das antipáticas.

Tal semelhança com a atmosfera da sociedade brasileira engendra, também, outro modo de organizar os planos. Rompe-se com o “hiato” verificado na organização do primeiro momento da telenovela, pois se reconhece a existência de um telespectador do outro lado da tela. Portanto, o elenco - que já era considerado elemento de forte promoção da fruição porque contracenava entre si - em muitos momentos, passa a contracenar, embora de maneira indireta, com o próprio telespectador. 78

Figura 25 Cena Beto Rockfeller.

Figura 26 Cena Beto Rockfeller.

De fato, outro apontamento que ratifica essa busca é a configuração visual das personagens, que se apresentavam tal como quem as via. Se antes a identificação com o elenco era por meio do sofrimento pelos quais a personagem passava, agora a identificação tende pela simulação com o próprio modo como o telespectador fala e se veste. A emissora imprimia uma nova visualidade para as telenovelas, aproximando-se daquilo que o público vivia e facilitando a identificação, ao apresentar um visual mais 79 leve e divertido, em oposição aos pesados figurinos das telenovelas anteriores. O próprio protagonista se apresentava como um galã completamente atípico, configurado como um homem com mau comportamento e mal educado, seu figurino era descuidado, sem nenhuma preocupação estética com a boa aparência. É preciso, pois, compreender que, quanto ao figurino, apesar de se aproximar da atmosfera encontrada na sociedade brasileira, ainda não conseguia estabelecer elos de sedução pela persistência do padrão preto e branco no sistema de cor da televisão, embora funcionasse como elo de identificação para o telespectador.

A encenação dos atores partia de princípios realistas, ou seja, reproduzir um modo encontrado na sociedade brasileira da época. Verificou-se a intenção dos atores em “parecer verdadeiros”, uma reprodução fiel das aparências imediatas dos espaços públicos da sociedade. Esse realismo diz respeito ao mundo social representado pelas imagens, tal como os acontecimentos verificados nas ruas brasileiras.

Quando a emissora imprimiu uma configuração imagética próxima à visualidade de quem assistia às telenovelas, determinou uma proposta de jogo entre ambas as partes. E, nessa proposta, a visualidade foi o fator determinante para a consolidação de um novo modo de fazer telenovela. A imagem funciona como mediação efetiva (DEBRAY, 1993, p. 14). No momento em que colocaram a atmosfera do telespectador no campo da telenovela, ela capta a atenção e constrange o telespectador a entrar na telenovela, designando-lhe um lugar ao mesmo tempo privilegiado e obrigatório, apropriando-se de sua luminosa e visível espécie e projetando-a sobre a superfície da televisão. Nota-se a importância do poder da pessoa retratada para quem a retratava. Estar na imagem determinava uma busca de proximidade, por parte da telenovela, com aquele telespectador. A imagem, qualquer imagem, é, sem dúvida, essa astúcia indireta, esse espelho em que a sombra captura a presa (DEBRAY, 1993, p. 30).

A existência das imagens dos espaços intitulados públicos da sociedade brasileira significou que algo foi negociado com a telenovela. Supõe igualmente, para com aquele que olha, um ato de confiança, uma adesão prévia e não explicitada. O papel do telespectador identificando-se com a câmera e cooperando ativamente de muitas outras maneiras, contribuiu para a produção dos mais diversos e imprevisíveis efeitos de sentido. Se tivermos como dado adquirido que esta ordem hierárquica foi abolida, que a potência das palavras e a do visível se libertaram desde há dois séculos dessa medida 80 comum, tem lugar a pergunta: como pensar o efeito dessa desligação?(RANCIÉRE, 2011, p. 57)

O fato de haver um desligamento, ou melhor, uma nova hierarquia em que a visualidade se sobrepõe ao verbal, permite que os elementos das unidades mínimas, de uma obra audiovisual, ganhem destaque como elementos de fruição para o telespectador. É nesse sentido que se verificará a espetacularização da imagem.

5.3. TERCEIRO MOMENTO DA VISUALIDADE.

A visualidade, desse terceiro momento, não exclui completamente a narrativa, no entanto, comporta, sob certos aspectos, as superfícies imagéticas engendrando um arcabouço de opções de percursos para fruição do telespectador. As telenovelas, portanto, passaram a valorizar aquelas unidades mínimas da obra audiovisual como fator de entretenimento, mais do que a própria narrativa. É nesse sentido que a visualidade estabeleceu uma hierarquia mais eficaz na função de entreter o telespectador.

Não nos esqueçamos de que o motor dessa imagem é o imaginário nutrido por um corpo de outras imagens memorizadas; um imaginário naturalizado, concretizado em vestígios. Em consequência, a leitura é a montagem de fragmentos relacionados, lembrados. Essa operação vai muito além da física descrição da imagem visual fixada referencialmente no espaço e, por isso, emblemática dele ( FERRARA, 2000, p.125).

Logo, esse ver é um pensar, refletir (FERRARA, 2000, p. 120,121). De fato, a lógica da organização das telenovelas refletia a construção de uma visualidade carregada de vestígios a serem montados pelo telespectador, (...) a imagem não é produto do imaginário, mas se constroem mutuamente. Mediados pelo pensamento cognitivo, imagem e imaginário se reconhecem à própria medida em que se concretizam, um é a própria existência do outro; confere-se o imaginário pela imagem e vice-versa (FERRARA, 2000, P.116,117). Dessa maneira, a telenovela apresenta-se aberta às intervenções do meio onde era exibida.

Trata-se, pois, de propor a seguinte análise: qual a postura diante dessas unidades mínimas de uma obra audiovisual, o que vemos nelas, o que é passível de entretenimento? A visualidade apresentou um jogo imagético que consistia em 81 oscilações, ora como entretenimento distraído, ora como uma interatividade. No entretenimento distraído vemos a organização de uma visualidade apresentando, por exemplo, um pôr do sol, que não sugestionava uma concentração, apenas uma fruição visual.

Figura 27 Cena O Rei do Gado.

Em outros momentos, a visualidade sugestionava uma interatividade, resultante da coexistência entre imagem e imaginário se reconhecendo. Pode-se verificar esse jogo nas cenas (Rei do Gado) em que fazendas de café e gado predominavam. A cenografia/locações se estabeleceram em cinco polos de gravação: Itapira, Ribeirão Preto e Amparo no estado de São Paulo; Guaxupé em Minas Gerais e Aruanã em Goiás. São fazendas de café e gado que primavam pela exuberância e dimensão espacial. Nota- se que a motivação dessas imagens era fruto de um imaginário nutrido por um corpo de outras imagens memorizadas, carregadas de vestígios dramáticos a serem lembradas pelo próprio telespectador. 82

Figura 28 Cena O Rei do Gado.

Figura 29 Cena O Rei do Gado.

83

Figura 30 Cena O Rei do Gado.

Nota-se que tal jogo imagético ratifica o que Arlindo Machado afirmou: o vídeo não pode assumir uma forma linear, progressiva, com efeito de continuidade rigidamente amarrados como no cinema, senão o espectador perderá o fio da meada cada vez que a sua atenção se desviar da tela pequena ( In: Costa, 1995, p. 59). Logo,

Uma das conquistas técnicas da televisão é sua capacidade de utilizar uma grande quantidade de deixas simbólicas, tanto de tipo auditivo quanto visual. Enquanto a maioria dos meios técnicos restringe a variedade de deixas simbólicas a um único tipo de forma simbólica (a palavra falada ou escrita), a televisão tem uma riqueza simbólica com as características da interação face a face: os comunicadores podem ser vistos e ouvidos, movimentam-se através do tempo e do espaço da mesma forma que os participantes na interação social cotidiana, e assim por diante (THOMPSON, 2012, p. 129). De fato, as telenovelas buscaram a excelência simbólica na configuração da visualidade. Em alguns momentos, preencheram a própria estrutura daquilo que estava sendo narrado. Por outro lado, essas deixas simbólicas ratificaram, a partir da organização da visualidade, mais uma face daquele jogo imagético. O confronto entre imagens de paisagens exageradamente rurais e aquelas exageradamente urbanas sugestionava uma interatividade pelo modo como foi organizada tal visualidade. Esse modo de organizar convidava o telespectador a esboçar alguma reação diante desse confronto. Sendo assim, tinha-se o encantamento resultante da direção de fotografia, com planos longos e tratamento de luz que alcançavam a excelência. A telenovela impressionou com imagens vistas apenas em cinema, mas agora, com usufruto do conforto no espaço privado:

Para dar o tratamento da luz na primeira fase da novela conta que se inspirou em pinturas italianas, do final do século XIX até a era romântica. A intenção era captar a atmosfera dos imigrantes do interior de São Paulo na década de 40. Segundo o diretor, em vez de luz dilacerada, de cores fortes e altos contrastes de Renascer (1993), quando estudou os pintores baianos, em O Rei do Gado a luz criava uma atmosfera mais tênue, clara sem muitos claros e escuros. “Tinha que passar a impressão de que a luz tem cheiro, um perfume, não é ardida, não bate no rosto da pessoa, mas perfuma, como se estivesse em volta dela, e não sobre ela”, afirmou ele na época do lançamento da novela. (Memória Globo).9

A câmera passeava calmamente sobre aquelas paisagens, em ritmo muito diferente do tempo acelerado das telenovelas exclusivamente urbanas. E, em

9 http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-230346,00.html 84 consequência, os enquadramentos eram focados nos planos gerais, plano de conjunto para apresentar toda a exuberância do local.

Figura 31 Cena O Rei do Gado.

Figura 32 Cena O Rei do Gado.

Em contrapartida, verificou-se uma organização da visualidade que permitia demarcar o contraste entre o ritmo calmo típico do Pantanal e o universo urbano e estressante de quem assistia. Ao mesmo tempo em que esses enquadramentos dimensionavam a leveza e calmaria de um lado, por outro, tínhamos opressão e frieza. 85

Figura 33 Cena O Rei do Gado.

Figura 34 Cena O Rei do Gado.

Logo, esse modo de organizar a visualidade pautada em um jogo imagético promoveu uma reorganização no modo de editar essas telenovelas. Assim sendo, a edição não se organizava em função de uma ordem narrativa, mas para uma ordem da fruição. O tempo diegético, preocupação de toda edição, sucumbiu ao tempo de fruição que aquelas imagens promoviam junto ao telespectador. Portanto, os planos de conjunto e gerais do espaço aberto das paisagens denotavam a valorização de imagens como visibilidade das próprias telenovelas. Desse modo, como visibilidade, a imagem representa uma percepção mais complexa da realidade envolvendo-se, aí, sua ideologia e o amálgama das suas relações com a memória do passado ou a insinuação de um futuro possível ou sugestivo (FERRARA, 2000, p.58). 86

Figura 35 Cena O Rei do Gado.

Figura 36 Cena O Rei do Gado.

Nota-se que esses planos gerais sugerem a complementação da imagem. Essas sugestões são grãos, fragmentos de legibilidade não evidentes, mas completados pelo imaginário/memória de imagens do leitor. Portanto, ler é montar fragmentos de imagens, completados de sentidos imaginários que objetivam e se revelam concretamente pela montagem da leitura (FERRARA 2000, p. 125).

Logo, esse modo de organizar a telenovela buscava, também, valorizar os resíduos, aparentemente, sem significados ou irrelevantes como matéria para serem contemplados como espetáculo. O exemplo mais evidente foi a telenovela O Clone. Com uma visualidade distante da atmosfera afetiva do telespectador, todavia, próxima como atmosfera de fruição. Os planos abertos captavam os pontos mais exuberantes e 87 exóticos do Marrocos (O Clone), funcionando como um guia turístico mostrando os pontos mais visitados, o que havia de mais interessante para se conhecer naquele lugar. Tais imagens podiam resultar tanto como uma possibilidade de consumo turístico potencial por parte de quem assistia, como apenas um deleite aos olhos, pela exuberância de outro país ou cultura transformados em cores e luz.

Figura 37 Cena O Clone.

Figura 38 Cena O Clone.

Logo, a imagem é concretamente construída, o imaginário é estimulado ou desencadeado pelas características urbanas que se comunicam pelas imagens. Assim sendo, a sintaxe do imaginário está diretamente vinculada à identificação desses estímulos e imagens (FERRARA, 2000, p. 120,121). Dessa maneira, a ficção dessa telenovela não advém da narrativa, mas, sobretudo, dessa sintaxe do imaginário, a partir 88 das imagens. A percepção da imagem supõe, de um lado, entendê-la como depósito de marcas e sinais do tempo (...) (FERRARA, 2000, p. 169). Por sua vez, essas telenovelas buscaram marcas e sinais de fácil reconhecimento, principalmente na caracterização das personagens.

Figura 39 Cena O Rei do Gado.

Figura 40 Cena O Rei do Gado. 89

Figura 41 Cena O Rei do Gado.

Figura 42 Cena O Rei do Gado.

Na ordem dispersa de apresentação e atuação das personagens, apresentava-se uma galeria com Patrícia Pillar como uma sem-terra; Antônio Fagundes como o rei do gado e Sílvia Pfeiffer como uma esposa insatisfeita com o marido. Dessa maneira e sem ordem exigida pela trama, as personagens que estabeleciam, a partir de suas marcas e sinais, uma relação de empatia com o telespectador ampliavam seu tempo de exposição na telenovela. Ante tantos elementos concorrendo para ocupar a posição de centro nessa organização da matéria, a existência de personagens protagonistas com funções demarcadas na narrativa não se justificava.

Evidencia-se que, como espetáculo, a organização das telenovelas conseguiu 90 estabelecer uma relação com o telespectador. Segundo a revista Amiga: A emissora de Roberto Marinho não economizou na hora de realizar os desejos da dupla Luís Fernando Carvalho/Benedito Ruy Barbosa. E acabou apostando alto em O Rei do Gado. A novela gasta 100 mil dólares em cada capítulo que vai ao ar. Ou seja, caso a trama de Benedito se mantenha nos 180 capítulos previstos, sem nenhuma esticada, a Globo vai ter que desembolsar cerca de 18 milhão de dólares para bancar esta superprodução. Ainda de acordo com a revista, todo esse investimento na visualidade da telenovela, rendeu excelentes frutos. Desde que estreou, só na primeira fase da novela, ambientada na década de 40, o resultado do Ibope surpreendeu: teve uma média de 53 pontos, com picos de 62 pontos, o melhor resultado das cinco últimas novelas da Globo. A segunda fase não ficou atrás. O Rei do Gado vem obtendo uma média de 51 pontos, com picos de 57.

Tudo isso deixa claro que a visualidade proporcionada pelos elementos imagéticos promove deleite aos olhos de quem assistia e repercussão na mídia, sobretudo, quando O Rei do Gado entrou em crise, em virtude dos problemas de saúde do autor Benedito Ruy Barbosa. A revista VEJA de 6 de novembro de 1996 fez uma reportagem com o seguinte título: Crise no campo. Cúpula da Globo intervém em O Rei do Gado para tirar a novela do marasmo. Os capítulos foram entregues com atraso e a direção inundou a telenovela de cenas de flashback, longos planos nas paisagens do Araguaia.

Na segunda feira passada, por exemplo, foram dois minutos de lembranças do personagem Geremias Berdinazi, vivido por . Enquanto ele se consumia em recordações, apareciam na tela cenas do início da novela, com a música Italiana, de Vicente Celestino, ao fundo. No capítulo seguinte, foi a vez de Lia (Lavínia Vlasak) lembrar-se de quando seduziu o caipira Pirilampo (Almir Sater). Foram quatro minutos de flashback com sexo no feno. Em seguida, mais três minutos de um ‘videoclipe’ de Orlando Moraes, o marido de Glória Pires, enquanto a atriz, que interpreta Marieta Berdinazi vivia uma longa e insossa cena de amor com . (Revista VEJA, 6/11/1996). Fica evidente que a visualidade tinha uma carga, ora de exuberância, ora de despertar emoções. Essas imagens tinham a função de proporcionar distração e entreter a audiência, além de preencher os hiatos deixados pela narrativa. É bom que se note, antes de tudo, que a audiência continuou em alta. Ainda segundo a edição de VEJA de 06/11/1996, O Rei do Gado, apesar dos pesares, ainda é um sucesso. Tem uma média de 56 pontos, superior a Explode Coração, a novela anterior. Por essa razão, ninguém fala mal de Benedito, na Globo. Por conseguinte, fica evidente que foi a visualidade que 91 sustentou os altos índices de audiência. A visualidade se sobrepôs à estrutura narrativa permitindo que o telespectador, na qualidade de cogestor, se manifestasse pelas emoções ou memórias afetivas sugeridas pelas imagens. No entanto, esses elementos imagéticos chamavam a atenção e despertavam, também, o consumo ou o desejo.

A caracterização dos atores e atrizes desencadeou momentos de delírio visual, com fortes emoções consumistas. A caracterização de Jade (O clone) - turbantes, túnicas, joias e maquiagem personalíssima - promoveu uma tendência de moda no país.

Segundo o site Memória Globo:

Um acessório saiu das telas da TV diretamente para as bancas de camelô: o anel-pulseira usado pela protagonista, Jade. O figurinista Paulo Lois teve a ideia de incorporá-lo ao figurino da personagem depois de vê-lo na professora de dança da atriz. Jade também chamou a atenção na segunda fase da novela, quando se transformou em uma mulher sofisticada. A figurinista Marília Carneiro juntou uma saia e uma blusa importada, um autêntico pano marroquino na cabeça e completou o visual da personagem com brincos tailandeses. Além de suas roupas esvoaçantes, dos lenços coloridos e da joias, sua maquiagem - com destaque para os olhos pintados com cajal – arrebatou o público feminino.10

Figura 43 Cena O Clone.

10 http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-229915,00.html 92

Figura 44 Cena O Clone.

Figura 45 Cena O Clone.

Outro elemento da organização dessa telenovela foi a aparição de figurantes famosos no bar da dona Jura. Os famosos apareciam, comiam o pastel famoso e iam embora. Não havia nenhuma função narrativa, apenas um elemento de atração ou celebridade reconhecida pelo público a comer prosaicamente o famoso pastel da dona Jura. Nota-se a transformação da telenovela em suporte de entretenimento, distante da exausta cadeia narrativa.

De fato, a visualidade é de fundamental importância para a sustentabilidade de uma telenovela e para a manutenção dos seus altos índices de audiência. Todavia, aquelas que ousaram trabalhar visualidades que não respeitassem o seu potencial 93 dialógico com o telespectador logo foram penalizadas.

Segundo McLuhuan, “Em vez de conceitos antiquados, como o de tornar o público mais consciente dos novos produtos, fala-se agora de tornar o produto mais consciente de seu público, ou alvo” (2005, p. 40). Embora o autor se refira ao design industrial de hoje, podemos relacionar e aplicar, certamente, às telenovelas brasileiras. Uma vez que A audiência está cada vez mais envolvida no ato criativo, para escândalo das elites que durante tanto tempo adotaram nas artes uma orientação voltada para o consumidor (MACLUHAN, 2005, p.56).

A telenovela Torre de Babel é o exemplo mais contundente da ilusão do autor mítico e impositivo e, principalmente, da importância da visualidade como base de sustentação das telenovelas. Segundo a revista VEJA de 03/06/1998, a telenovela:

Logo no início do primeiro capítulo, o personagem de flagra a esposa traindo-o com dois homens ao mesmo tempo. Na hora ele mata um deles a golpes de pá e com uma estaca fincada no tórax. Na sequência, é a vez de a mulher infiel morrer assassinada, com sangue espirrando por todo o cenário. Era só o início. No final do primeiro capítulo, um bando de traficantes encapuzados invade uma festa do empresário vivido por Tarcísio Meira, o ameaça com uma arma na cabeça e metralha os lustres e janelas da mansão. Pelo realismo da cena, até parece que o autor Silvio de Abreu conta com a colaboração do traficante Escadinha para escrever o folhetim. Na quarta-feira, foi a vez de o personagem de Marcelo Anthony dar um tiro no ombro de Silvia Pfeifer. Mais sangue em cena (VEJA de 03/06/1998).

Figura 46 Cena Torre de Babel 94

Figura 47 Cena Torre de Babel

Parece ser lícito inferir que essas cenas estavam justificadas na narrativa proposta pelo autor/novelista. Ou seja, não estavam sendo exibidas gratuitamente. No entanto, entre telenovela e telespectador, verificava-se uma nova relação para a qual tende uma reciprocidade criativa. Logo, ele reage, manifestando sua posição diante do que estava assistindo. De fato, essa visualidade, mesmo justificada por uma suposta narrativa, rompia com as expectativas do público que, ao considerar que aquelas cenas não proporcionavam nenhuma fruição, fez os índices de audiências declinarem. Segundo essa mesma edição da revista, a telenovela estreou com 42 pontos no primeiro dia e caiu para 35 no quarto. Fato suficiente para fazer Marluce Dias da Silva, então superintendente executiva da Globo, declarar não enxergar a violência fora de propósito em Torre de Babel. Segundo ela, ‘É uma novela forte, mas não apelativa’. Mesmo a superintendente querendo justificar que a violência tinha um propósito muito provavelmente atrelado à história, não foi suficiente para sensibilizar a audiência:

Nessa radical metamorfose da compreensão dos meios, envolvem-se comunicação e semiótica. Porém passa-se a entender a semiótica como ciência que supera sua rígida, embora eficiente, estratificação metodológica, para considerar os meios nas singularidades da sua codificação sígnica e nas possíveis interfaces que podem ocorrer entre elas, gerando outros meios e interações como elementos inevitáveis que estão presentes no imprevisto emaranhado das redes culturais: a interação submete a mensagem à semiose dos signos que evidenciam um modo de comunicar em expansão. Entretanto, o processo que nos leva das mediações aos meios supõe submissões e revisões: da comunicação que deve considerar a interação para perceber que o receptor é cogestor do processo comunicativo; e da semiótica que deve considerar a semiose de todos os signos e linguagens que relativiza os significados e impõe a percepção de que todos os enunciados constroem a cultura e são por ela construídos (2008, p.5). 95

Parece que não levaram em consideração que o meio é constituído de signos - por isso mesmo, passível de semiose - que, pela sua expansão, não permitem ser controlados ou estabilizados, apenas interagir:

Desse modo, se de um lado, o significado de um signo não é inerente ao objeto que representa ou substitui, mas, ao contrário, produz-se como consequência específica de um modo também singular de representar, de outro lado, um meio nada transmite, mas cria, pelo seu modo de ser, uma interação que lhe é consequente. Assim, cria-se uma operativa simetria entre signo e meio, entre representação e interação e a citação de Mcluhan (O meio é a mensagem) sugere a possível inversão do título da obra de Barbero, além de deixar claro que os meios, acompanhando a semiose dos signos, organizam-se, transformam-se nos processos interativos e transitam no espaço da cultura, constituindo-o. Situadas entre o signo e o meio, exige-se que a semiótica e a comunicação subvertam seus pressupostos tradicionais: à comunicação exige-se abandonar a linearidade funcional e instrumental que parte da atividade do emissor para circunscrever a passividade do receptor; à semiótica exige-se abandonar a instrumentação metodológica que disciplina a análise e submete o significado à imanência dos próprios recursos do método e à hermenêutica do sentido. Nessa subversão, ambas, comunicação e semiótica são obrigadas a abandonar o roteiro das mediações pressupostas para aderir à interação que, na sua reiterada circularidade, transforma o modo de ser signos ou meios em elementos de uma semiótica comunicativa (FERRARA, 2008, p.9). Dessa maneira, depois da queda brusca na audiência, as cenas sofreram uma reformulação visual que mereceu nova reportagem da revista VEJA de 01/07/1998, na qual se relatam as modificações visuais promovidas pela direção.

Nas últimas duas semanas, os telespectadores começaram a sentir os efeitos da faxina promovida em Torre de Babel. A cara de cão hidrófobo e o olhar furioso do ex-presidiário Clementino (Tony Ramos) foram amansados. De quebra, deram-lhe longas cenas de amor com Clara (Maitê Proença), tornando o personagem mais humano e romântico. Nos capítulos levados ao ar semana passada, até sua barba, sempre por fazer, foi aparada. O espanador eletrônico também eliminou as brigas, palavrões e cusparadas de Agenor (), as crises de abstinência do viciado em drogas Guilherme (Marcelo Anthony) e uma simulação de sexo oral entre Sandra () e Alexandre (). Tudo muito pesado (...). No Rio, os resultados dessas primeiras pesquisas foram piores do que em São Paulo. O que mais afugenta os telespectadores é o clima sombrio da novela. Para atender às sugestões emitidas na pesquisa, Torre de Babel mostrará as pernas de Ângela (Claudia Raia), até agora escondidas em terninhos. Ombros nus ela já exibiu nas recentes cenas em que aparece de camiseta. A sapeca Sandra fará o contrário: trocará as saias curtas por modelos mais discretos. Os entrevistados criticaram a vulgaridade da personagem. O asqueroso Agenor, seus filhos e o ferro-velho do qual é dono, por sua vez, serão recauchutados. Ficarão limpinhos. A Globo sabia que as cenas fortes de Torre de Babel criariam polêmica. Mas a emissora não soube avaliar que essas cenas, ao invés de eletrizar os telespectadores, os afastariam. Agora, corre para recuperar o prejuízo. (VEJA de 01/07/1998) 96

Figura 48 Cenas Torre de Babel

De fato, quando se reposiciona no modo de olhar a telenovela, verifica-se que ela deve olhar muito mais para o telespectador, do que ele a olha. Na indeterminação da narrativa como base de sustentação, a telenovela foi obrigada a olhar mais do que aqueles que a veem.

(...) o uso dos meios de comunicação implica a criação de novas formas de ação e de interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e novas maneiras de relacionamento do indivíduo com os outros e consigo mesmo. Quando os indivíduos usam os meios de comunicação, eles entram em formas de interação que diferem dos tipos de interação face a face que caracterizam a maioria dos nossos encontros cotidianos. Eles são capazes de agir em favor de outros fisicamente ausentes, ou responder a outros situados em locais distantes. De um modo fundamental, o uso dos meios de comunicação transforma a organização espacial e temporal da vida social, criando novas formas de ação e interação, e novas maneiras de exercer o poder, que não está mais ligado ao compartilhamento local comum (THOMPSON, 2012, p.26,27). E, assim, é possível entender a organização das telenovelas, ou seja, ela passou a perceber o telespectador, muito mais do que ele a ela, ao menos na medida em que buscou manter uma relação de cumplicidade e fidelidade. As telenovelas apontavam sua visualidade para a existência e a importância de quem se encontrava do outro lado da tela.

Essa operação supõe uma redistribuição, se é que não se trata de uma completa inversão, de ênfase no modelo anterior do olhar: já agora, é o fato de ser olhado que é generalizado e virtualmente separado do próprio ato de olhar. Foucault: “Tradicionalmente, o poder é o que se vê, se mostra, se manifesta e, de maneira paradoxal, encontra o princípio de sua força no movimento com o qual a exibe. (...) Na disciplina, são os súditos que têm que ser vistos. Sua iluminação assegura a garra do poder que se exerce sobre eles. É o fato de ser visto sem cessar, de sempre poder ser visto, que mantém 97

sujeito o indivíduo disciplinar. E o exame é a técnica pela qual o poder, em vez de emitir sinais de seu poderio, em vez de impor sua marca a seus súditos, capta-os num mecanismo de objetivação... O exame vale como cerimônia dessa objetivação ( JAMESON, 1995, p.116).

Há não uma relação de poder, mas uma forma de ratificar, mesmo que de forma distorcida, uma busca para estabelecer uma relação cada vez mais íntima entre telenovela e telespectador. Portanto, a visualidade perdeu seu caráter ilustrativo da trama narrada, para assumir um caráter sensível à fruição do telespectador.

As obras televisuais não podem ser produzidas mais como obras de culto para serem contempladas. A reprodutibilidade técnica rompeu esse caráter ritual. As obras precisam ter o traço da cooperação, subtendido pela sua característica de reprodutibilidade. Nota-se que a reprodutibilidade faz o valor de culto da imagem perder espaço para o valor de cogestão dessa mesma visualidade. Com a perda do valor de culto da imagem, as telenovelas ficaram no seguinte dilema: o valor da obra como objeto de culto e o seu valor como realidade exibível (BENJAMIM, p. 69). Como valor de culto, impõe-se a verticalidade de uma visualidade; como valor de realidade exibível, fazem-se necessários elos dessa visualidade, para não ser colocada no ostracismo. Ou seja, a visualidade deveria se estabelecer pela relação que conseguia manter com o telespectador. Portanto, a telenovela buscou, naquelas unidades mínimas, tornar-se exibível, pela cenografia, locações, adereços, maquiagem, cabelos das atrizes e figurinos. Já que com a fotografia, o valor de exibição começa a empurrar o valor de culto – em todos os sentidos – para o segundo plano (BENJAMIM, p. 71). Logo, as visualidades se posicionaram como determinantes no valor de exibição das telenovelas.

5.4. QUARTO MOMENTO DA VISUALIDADE

Em contraponto ao momento anterior, neste 4º momento passaram-se a apresentar fragmentos das cenas cotidianas, ocorridos nos espaços domésticos dos telespectadores. Se no momento anterior, a visualidade era configurada pela exuberância das paisagens, onde predominavam os planos de conjunto e planos gerais, neste momento, configurava-se a visualidade do detalhe, cujos primeiros planos, closes e planos médios determinavam a atmosfera.

Tal posicionamento apontava para uma visualidade constituída de retalhos resgatados no dia a dia que, sincronizados, sugeriam que a telenovela se transformara na 98 vida real. De fato, a telenovela, desse modo, posicionou-se não como um estrangeiro e invasor, pelo contrário, esse modo de organização da matéria denota uma igualdade entre pares. Apontava para um compartilhamento de experiências. Tal compartilhamento se configurava com a vida familiar do telespectador sendo exposta na tela, após pesquisa e captação de experiências íntimas com potencial de compartilhamento coletivo. Logo, aquelas unidades mínimas da obra audiovisual proporcionaram um ambiente para promover uma interação com o telespectador, pelo modo como foram organizados.

De fato, as cenas constituíam uma visualidade assimilada ao inventário dos ambientes domésticos e cotidianos. Ou seja, as ações que podiam ocorrer nesses ambientes flutuavam na situação que se encerrava muito mais na atmosfera do telespectador do que na ficção do novelista. Logo, é o cotidiano que sempre se organiza como espetáculo ambulante (DELEUZE, 2007, p. 14). Um espetáculo distinto do terceiro momento da visualidade porque, agora, procura-se transformar em espetáculo mediático, ora a banalidade cotidiana, ora circunstâncias excepcionais ou limites acontecidos naqueles ambientes, como exemplo, a luta da personagem Camila contra um câncer, na telenovela Laços de Família. Desse modo, configurando como imagem fatos e situações que tinham potencial de atração e debate, a telenovela transformou-se em um arcabouço de acontecimentos cotidianos domésticos com forte apelo imagético. Sendo assim, a visualidade das telenovelas estabelecia uma potência de afetos.

Figura 49 Cena Laços de família. 99

Figura 50 Cena Laços de família.

Figura 51 Cena Laços de família. 100

Figura 52 Cena Laços de família.

Nessa medida, a visualidade desse momento, com efeito, libera forças mortas acumuladas iguais à força viva de uma situação-limite (DELEUZE, 2007, p. 16) Desta maneira, não se sabe mais o que é imaginário ou real, físico ou mental na situação, não que sejam confundidos, mas porque não é preciso saber, e nem mesmo há lugar para a pergunta. É como se o real e o imaginário corressem um atrás do outro, se refletissem um no outro, em torno de um ponto de indiscernibilidade (DELEUZE, 2007, p. 16).

Esses acontecimentos tinham o poder de gerar repercussão na sociedade e na imprensa, justamente, por esse ponto de indiscernibilidade. Esforçando-se para adivinhar onde o outro está e o que vai fazer, é o binômio por excelência. (DELEUZE,1985, p.180). Essa linha tênue permitia à telenovela assumir a função de consultoria sentimental, uma espécie de divã da população brasileira. Os dramas pessoais e individuais ganhavam visualidades que permitiam a quem estivesse assistindo e que, por ventura, tivesse o mesmo problema, entendê-lo melhor ou até mesmo encontrar uma saída para resolvê-lo. O agente age em função do que pensa que o outro vai fazer (DELEUZE, 1985, p.180).

Com essa organização, verificou-se que a visualidade se posicionou como ficção à medida que aquela configuração imagética já havia sido escrita pelos próprios telespectadores. Por certo, a visualidade se colocou como ficção para promover o entretenimento.

Portanto, nos relatos das cenas cotidianas não se têm encadeamentos 101 estruturados, apenas subtendidos. As junções ou ligações entre cenas são deliberadamente fracos. Por conseguinte, a imagem visual remetia a uma vida imediata que não precisava de linguagem.

Logo, o fio narrativo como meio de organizar dados tendeu a desaparecer em muitas artes. Na poesia terminou com Rimbaud, na pintura chegou ao fim com a arte abstrata e no cinema está acabando com Bergman e Fellini (McLuhan, 2005, p.76). E, na telenovela, esse fio narrativo também foi sobreposto pela visualidade. A visualidade apontou para o simbólico do reconhecimento. Em grego, o antônimo exato do símbolo é o diabo: aquele que separa. Dia- bólico é tudo o que divide, sim-bólico tudo o que aproxima (DEBRAY, 1993, p.61). Logo, as telenovelas passaram a ser um jogo de reconhecimento simbólico. O que olha e o que era olhado permutavam-se incessantemente. Essa permutação tornou o jogo instável, pois não se sabia quem era visto e quem estava vendo.

A função das imagens técnicas é a de emancipar a sociedade da necessidade de pensar conceitualmente. As imagens técnicas devem substituir a consciência histórica por consciência mágica de segunda ordem. Substituir a capacidade conceitual por capacidade imaginativa de segunda ordem. E é neste sentido que as imagens técnicas tendem a eliminar os textos. Com essa finalidade é que foram inventadas. Os textos foram inventados, no segundo milênio A.C., a fim de desmagicizarem as imagens (embora seus inventores não se tenham dado conta disto). As fotografias foram inventadas, no século XIX, a fim de remagicizarem os textos (embora seus inventores não se tenham dado conta disto). A invenção das imagens técnicas é comparável, pois, quanto à sua importância histórica, à invenção da escrita (FLUSSER, 2002, p. 16,17).

Verificou-se uma liberdade do próprio telespectador para montar sua história através de um scanning das imagens. As imagens técnicas são tentativas de juntar os elementos pontuais em nosso torno e em nossa consciência de modo a formarem superfícies e, destarte, taparem os intervalos (FLUSSER, 2008, p. 23,24).

É dessa forma que:

(...) as imagens postas ao alcance de todos pela telemática aparecerão, de repente, enquanto superfícies aptas a serem manipuladas dialogicamente, como o eram outrora as linhas dos textos. De repente, as pessoas se tornariam conscientes das virtualidades dialógicas inerentes às imagens: que são infinitamente maiores que as virtualidades dos textos, já que superfícies se compõem por infinidade de linhas. De tal consciência imaginística nova se abririam horizontes para diálogos infinitamente mais informativos que os diálogos unidimensionais da sociedade histórica precedente. Os diálogos, por intermédio de imagens sintetizadas (ou por intermédio de imagens pré- 102

fabricadas, mas telematizadas), seriam de riqueza criadora por ora inteiramente inimaginável. Seriamos, de repente, todos “artistas” (aqui, o termo “arte” engloba ciência, política e filosofia) (FLUSSER, 2008, p. 89). De fato, nesses diálogos, havia possíveis tentativas de promover entretenimento a fim de evitar o tédio em que se transformaram algumas telenovelas. No entanto, se pensarmos que essa interação permitia o engajamento do telespectador com a telenovela, talvez seja possível entender como tal visualidade fez emergir uma imagem pensativa.

Sendo assim, uma imagem pensativa é uma imagem que contém pensamento não pensado, um pensamento que não é suscetível de ser atribuído à intenção daquele que a produz e que causa um efeito naquele que a vê, sem que este a ligue a um objeto determinado. Deste modo, a pensatividade designaria um estado indeterminado entre o ativo e o passivo. (RANCIÉRE, 2010, p.157,158) Essa imagem pensativa é exemplificada pela sequência da telenovela Mulheres Apaixonadas.

Figura 53 Cena Mulheres Apaixonadas 103

Figura 54 Cena Mulheres Apaixonadas

Figura 55 Cena Mulheres Apaixonadas

Figura 56 Cena Mulheres Apaixonadas 104

Figura 57 Cena Mulheres Apaixonadas

Figura 58 Cena Mulheres Apaixonadas

Figura 59 Cena Mulheres Apaixonadas 105

Figura 60 Cenas de Mulheres Apaixonadas. Naquele momento, o telespectador via-se no direito de fazer sua avaliação social sobre as imagens que surgiam como elementos interativos que lhe possibilitavam dar sua opinião e discordar: Do próprio insignificante ele extrai o intolerável, com a condição de estender sobre a vida cotidiana a força de uma contemplação rica de simpatia ou piedade (DELEUZE, 2007, p. 29).

Logo, a visualidade se transformou em um jogo de evidências cotidianas e as cenas se processavam recorrentemente como memória coletiva. Imagens do ambiente doméstico/cotidiano que imprimiam à memória individual uma dimensão social. Essas imagens não são individualizadas, mas compartilhadas e com expressões próprias ao contexto de determinados grupos.

A realização bem-sucedida de uma quase-interação televisiva depende da capacidade dos receptores de transacionar efetivamente com as diferentes estruturas espaço temporais que estão em jogo. Se os espectadores sintonizarem o televisor no meio de um noticiário ou documentário, sem conhecer as coordenadas espaço temporais dos fatos transmitidos, eles podem se sentir confusos ou desorientados. Eles irão procurar deixas simbólicas que os orientem nas coordenadas espaço temporais do programa e do mundo veiculado por ele. Até que estabeleçam estas coordenadas, eles sentirão dificuldades de entender a mensagem e de relacioná-la com os contextos da vida cotidiana (THOMPSON, 2012, p. 132). Portanto, essa visualidade estava carregada de conexões reais entre o que se exibia e o telespectador. As unidades mínimas que compunham a visualidade configuravam-se com as mesmas coordenadas espaço-temporais do telespectador, a fim de que refletissem um ambiente propício às participações de quem estava assistindo. Segundo Debray, A imagem faz o bem porque cria vínculos (1993, p. 46). Por 106 conseguinte, aqueles elementos de visualidade deveriam simular tais informações para que, ao serem visualizados, pudessem resgatar tais informações.

As novelas escritas por Manoel Carlos são mais realistas que as de outros autores. Veja o que se faz em Laços de Família para torná-la mais parecida com a vida real: (1) A novela tem cerca de dezoito locações externas por semana. A média dos folhetins da Globo é de seis. A ideia é mostrar os personagens frequentando lugares como restaurantes, bancos e padarias, o que os aproxima do cotidiano dos espectadores; (2) Os atores usam aproximadamente doze figurinos por semana, o dobro do usual. Isso ocorre porque o autor faz questão de apresentá-los em diversos momentos do dia: de pijama ao acordar, de roupa de trabalho, produzindo para sair à noite etc.; (3) O folhetim tem oitenta personagens, contra uma média de quarenta nas novelas das oito da Globo. Esse número é inflado pelo imenso elenco de apoio. Manoel Carlos faz questão de dar voz aos médicos, jornaleiros, porteiros, padeiros etc. com quem os personagens convivem; (4) Laços de Família tem 4500 metros quadrados de cenário nos estúdios do Projac, contra uma média de 3200 das outras novelas globais. O motivo é que as cenas são gravadas em vários cômodos da casa dos personagens – cozinha, banheiro, quartos -, quando o costume é que o cenário primordial seja a sala de visitas; (5) O custo do capitulo é de 100 mil reais, cifra que corresponde à média orçamentária das novelas das 8 da emissora. O fato de ela ter mais figurinos e locações externas é compensado pelo baixo custo dos cenários de classe média. Ou seja, não é preciso criar ambientes suntuosos, como os que costumam aparecer nas novelas de Gilberto Braga (Revista VEJA, 10/01/2001). Nesses ambientes, os enquadramentos mais fechados (closes, primeiros planos) intensificavam o processo de identificação emocional do telespectador. Além disso, as ações que os atores praticavam nesses ambientes estavam atreladas às próprias atitudes corporais executadas pelos telespectadores. Logo, o ator se submetia às interações com o telespectador para reapresentá-las na tela. Evidencia-se que, ao restituir as imagens aos corpos dos quais foram tomadas, essas interações prolongavam a manutenção, desse mesmo telespectador, à frente da tela. Desse modo,

Cada vez mais semelhante às ciências sociais – ou antes a uma verdadeira sociologia aplicada da mass media – as telenovelas usam o clássico método antropológico da observação participante, enquanto o antropólogo permanece bloqueado na “observação observante”. “As telenovelas parecem acumular e socializar aquilo que, para alguns estudiosos, é a essência das obras de arte: elas olham, em primeira pessoa, o público dos espectadores, mais do que são propriamente olhadas”. (CANEVACCI, 1993, p. 51). 107

Figura 61 Cenas Laços de Família

Figura 62 Cenas Laços de Família.

De fato, basta observar o modo pelo qual os atores buscavam se apresentar como imagem visual, ou seja, eles se apresentavam não como uma personagem, mas tal qual aquela pessoa que estava assistindo à telenovela. Os figurinos não se pautavam pela exuberância, luxo ou exotismo. Logo, essa organização da visualidade apontava para o caráter sensível e afetivo contidos nessas imagens. Quando se torna capaz de abrir a cisão do que nos olha no que vemos, a superfície visual vira um pano, um pano de vestido ou então a parede de um quarto que se fecha sobre nós, nos cerca, nos toca, nos devora (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 87). Quando apontou para a vida doméstica do telespectador, a visualidade indagou sobre sua própria postura diante dela, o que vê nela, o que agarra dela face ao que nela o agarra. 108

Figura 63 Cena Laços de família.

Figura 64 Cena Laços de família. 109

Figura 65 Cena Laços de família.

Parece ser lícito inferir que, mais do que uma intimidade doméstica, os enquadramentos engendraram a superação da telenovela como ser invasor/estrangeiro em uma cena da família cujos cômodos da casa adentra, sem permissão, pela confiança adquirida durante anos de convivência.

Sendo assim, havia uma edição rápida percorrendo todos os cômodos das casas. São visitados os cenários da sala de visita, da sala de jantar, do quarto do casal, do quarto das crianças, da cozinha, do banheiro, da lavanderia, da portaria do prédio e do elevador, expandindo para locais externos ao ambiente doméstico, muito embora fossem locais da vida cotidiana, tais como a banca de jornal, a rua em frente ao apartamento, a praia, o trânsito e as pessoas dentro dos carros. São imagens carregadas de histórias, umas óbvias, outras absurdas, outras dramáticas, outras banais. De fato, o olhar imaginário faz do real algo imaginário, ao mesmo tempo em que, por sua vez, se torna real e torna a nos dar realidade. É como um circuito que troca, corrige, seleciona e nos persegue (DELEUZE, 2007, p. 18). Portanto, ao promover uma edição que perpassava todos os ambientes domésticos/cotidianos, permitia à telenovela trocar, corrigir ou selecionar as visualidades que despertassem maior simpatia ou identificação com o telespectador.

Estamos no limiar de aventuras, de situações imprevistas, de situações criadas disciplinadamente. O futuro jogador, o futuro apertador de teclas, se deixará tomar pela vertigem da criatividade e será engolido pelo seu jogo. Entretanto, não é correto dizer-se que “se perderá” no jogo. A redução eidética (esta nova antropologia) mostrou que o “eu” não passa de abstração, 110

logo, no diálogo lúdico com os outros, que o futuro jogador se concretizará sob forma de aventura. O jogo futuro fará a concretização da abstração “eu” sob a forma do “nós outros”. Bem: não creio que possa haver perspectiva mais entusiasmante do que esta. (FLUSSER, 2008, p. 107).

Entre a telenovela e o telespectador se alojaram as disposições de um jogo consentido. Nesse jogo, as cartas, e-mails, grupos de discussão, central de atendimento ao telespectador, entre outros meios funcionaram como um modo, através do qual, estabelecia-se uma interação. Quanto menos o dramaturgo sabe o que quer que o coletivo dos espectadores faça, mais sabe que devem em qualquer caso agir como coletivo, transformar a sua agregação em comunidade (RANCIÈRE, 2010, p, 26). Essa interação pressupôs o consentimento do telespectador no jogo proposto pela própria telenovela, através dos elementos de visualidade.

A sociedade contra a qual estão engajados é estruturada por feixes irradiados em cujos terminais assenta-se a humanidade solitária e dispersa. Os feixes visam sociedade estruturada em grupos por enquanto carentes de nomes, grupos compostos por pessoas ligadas entre si por imagens que servem como mediações intra-humanas. Tal reformulação revolucionária da sociedade informática, na qual as imagens deixariam de ser imperativas e passariam a ser dialógicas, seria ainda sociedade “informática”, mas com um significado novo para o termo. As imagens passariam a merecer o nome media, nome a que hoje injustamente se atribuem, e o propósito da sociedade seria o de criar informações em colaboração de todos com todos. “Cultura democrática” em vez de “cultura de massa”. O núcleo de tal sociedade não seria mais a circulação entre imagem e homem, mas sim a troca de informação entre homens por intermédio de imagens. Por certo não se trata de aldeia cósmica de McLuhan, já que nela não haveria nem espaço público, nem privado. Tratar-se-ia, sim, de “cérebro cósmico”, cérebro de que as pessoas seriam as células irradiantes de informação e as imagens, as fibras que reúnem as células a fim de formarem um todo (FLUSSER, 2008, p. 71).

A telenovela se sustentou nesse jogo imagético com o telespectador, ora fruindo, ora irritando, ora deleitando, ora promovendo recalques ou catarses. Esse jogo se ampliava na medida em que a imprensa especializada e não especializada entrou no jogo. Nesse momento, temos enquetes, debates, mesa-redonda etc. Uma troca simbólica que promovia entretenimento e faturamento durante mais ou menos oito meses. É nesse sentido que a telenovela conseguia promover uma repercussão na sociedade e a adesão do público ao jogo televisual. Os elementos de visualidade foram configurados para ser um elo que proporcionasse um ser visto no que se via. Ou, mais especificamente, no potencial de atração que essas imagens tinham de atrair o telespectador a entrar no jogo proposto, no qual ficava imperativo o quão incontrolável e imprevisível era e é a relação entre telespectador e telenovela. Uma indeterminação na linha tênue entre quem é o emissor e o receptor. A fita gravada que resulta do jogo pode ser infinitamente 111 multiplicada e facilmente destrutível; no entanto, é memória “eterna”. A mensagem elaborada durante o jogo significa o próprio jogo – seria absurdo querer procurar por outro significado. As regras que ordenam o jogo são exatas e matematicamente formuláveis, mas o propósito do jogo é modificá-las. (FLUSSER, 2008, p. 145). Daí a importância da participação do telespectador na cogestão da telenovela. Importância essa verificada no próprio modo de organização da visualidade. Sendo assim, o jogo que se estabelece entre telenovela e telespectador passa a ser de coparticipação na construção da obra audiovisual. 112

6. Considerações Finais

Nesta pesquisa nos deparamos com a tarefa de pensar as transformações das telenovelas e observamos que, nelas, estavam intrínsecas relações de participação que se concretizam através do entretenimento e da ocupação do tempo livre e se nutrem do melodrama até a sedução visual. Tal fato nos obrigou a rever o papel do telespectador nessa atmosfera.

Observando as organizações que se estabelecem entre telenovela, sociedade e mídia, este trabalho repensou a lógica dos Estudos Culturais e desenvolveu a investigação, analisando as relações que se processaram entre meios e interações. Como consequência, não bastava observar as mediações geradas por uma telenovela, tínhamos que verificar, como o telespectador interferia sobre os meios e os obrigava a adotarem uma nova postura, sugerindo a promoção do telespectador a coautor das telenovelas. Logo, este estudo visa a trazer contribuições que vêm alicerçar a compreensão de um novo paradigma do estudo sobre telenovelas que nos obriga a pensá-las como processos em construção e não como resultado acabado.

Nesse sentido, verificou-se um apontamento para uma equivalência entre pares que promovia uma atmosfera interativa sustentada pela visualidade, fator determinante nessa interação.

Da comunicação exige-se perceber que os meios não são instrumentos a serviço da linearidade mediativa como imaginava a indústria cultural repelida pela Escola de Frankfurt; da semiótica exige-se considerar que os signos são moventes à medida que sofrem a descontinuidade fenomenológica da alteridade presente em cada mediação, porém enquanto capacidade sígnica e representativa, essa descontinuidade tende a ser superada em novas e reabilitadoras representações sígnicas e enunciativas. Desse modo, nos dois casos, exige-se considerar que as interações correspondem ás fases processuais marcadas pela alteridade que não esgota o processo ou a capacidade sígnica do meio que, comunicador por excelência, se expande semioticamente, utilizando-se ou não das técnicas e tecnologias que lhe estão disponíveis (FERRARA, 2008, p 13).

A partir dessa perspectiva, analisamos exatamente as alteridades presentes nas mediações cujas transformações expandiram o modo de apresentar as telenovelas. Sendo assim, ao analisarmos, no primeiro capítulo, as bases temáticas, verificamos o quanto é insustentável manter uma estrutura narrativa rígida. Tal fato impunha um 113 posicionamento autoritário, desconsiderando, portanto, as solicitações do telespectador. Logo, essas bases temáticas, nas suas transformações, apontaram a dissolução daquela estrutura narrativa, para se organizarem em função daquelas alteridades advindas das interações com os telespectadores.

Sendo assim, o papel do narrador também é subvertido pelo caráter participativo ocorrido nas bases temáticas. Como participação, impõe-se uma nova função ao narrador, ou seja, o autor/novelista assume o papel de autor-narrador para ajustar a telenovela às solicitações e anseios advindos dos telespectadores. Portanto, a autoridade do autor cede espaço às participações dos telespectadores.

Com o efeito e em função da autonomia que passam a ter, os telespectadores passam a ser coautores, sobretudo, quando aquelas transformações determinaram que os telespectadores seriam as personagens a serem revividas na tela. De fato, os atores ao fazerem laboratórios (conviver com os telespectadores cujas características serão apresentadas na tela) passam a ter mais conhecimento do telespectador/personagem que o próprio autor/narrador. Portanto, podem compartilhar quais são os percursos a serem tomados.

Evidencia-se que, nessas transformações, a sedução da imagem substitui a estrutura narrativa. A telenovela passa a se sustentar pelo modo como é organizada e, nessa dimensão, a visualidade ocupa papel essencial. O suporte audiovisual deixa de ser apenas ilustração de uma narrativa, para engendrar uma visualidade que se posiciona para interferir ou se desenvolver como ficção para promover entretenimento. Esse modo de engendrar a visualidade denota o caráter participativo pelo qual se relaciona com o telespectador. De fato, a visualidade passa a corresponder à atmosfera do próprio telespectador, em decorrência disso, valoriza-se quem está do outro lado da tela.

De fato, as rupturas pelas quais as telenovelas passaram, nesse percurso diacrônico analisado, apontaram-nos para o fato de que o telespectador não é um ser imutável, que assiste à telenovela sempre da mesma forma. Está clara a posição ativa e atuante do telespectador na relação que se estabelece com a telenovela. Portanto, emerge uma relação não pautada pela imposição de um emissor sobre um receptor, mas uma equivalência nas posições que as emissoras ainda evitam admitir.

Logo, o que os quatro capítulos analisaram foi exatamente essa inesgotável 114 capacidade de produzir interações. De fato, essa constatação demonstra que a imposição vertical das emissoras cedeu, ao menos na medida em que as dinâmicas circulares permitiam, à semiose característica de todos os signos. É necessário notar, também, que essa constatação nos leva a romper com discussões apenas político-ideológicas. Ora, fica evidente que essas intervenções do telespectador reorganiza a obra telenovela, permitindo surgir outro modo de elaborar e de narrar através de um meio audiovisual. É necessário, então, analisar os pontos criativos, fruto dessas interações que se fizeram dinâmicas, no modo como a telenovela se configurou nesse percurso diacrônico. E, com efeito, entender como se transformaram as telenovelas.

Não é, portanto, de admirar que exista uma reserva de mercado que impede essa equivalência. É preciso, pois, entender que existe uma estrutura mediática que envolve toda atmosfera de uma telenovela: valores dos salários, repercussão na imprensa, suposta detenção de direitos autorais e a espetacularização da vida privada e pública de autores, atores e atrizes; tudo isso impede que se estabeleça uma atmosfera de equivalência entre os pares.

Além disso, essa forma de entender a telenovela entra em um contexto de tensão cujo cerne é o poder mítico criativo do autor, portanto, uma superioridade na determinação nos rumos das tramas. Segundo Flusser:

O mito do autor pressupõe que o “fundador” (o gênio, o Grande Homem) produz informação nova a partir do nada (da “fonte”). O autor mítico cria na solidão da geleira, nos mais altos picos (Nietzsche). Por certo, muitos mitólogos da criatividade admitirão que o autor está inserido em determinado contexto cultural do qual sorve as informações que o nutrem, mas também afirmarão que tais informações são elaboradas pelo autor em diálogo interno e solitário, e que há algo misterioso no íntimo do autor que faz com que algo de inteiramente novo se acrescente às informações recebidas. Destarte tais mitólogos projetam visão da história que passa a ser uma série de picos altos que se elevam sobre a bruma amorfa da planície a partir da qual os picos se nutrem. Ora, a informática torna inoperante essa visão histórica. Atualmente, a massa das informações disponíveis adquiriu dimensões astronômicas: não cabe mais em memórias individuais, por mais “geniais” que sejam. Por mais “genial” que seja a memória individual não pode armazenar senão parcelas das informações disponíveis. E tais parcelas armazenadas aumentaram, elas também, de modo que o consumidor médio detém atualmente mais informações do que o “gênio” renascentista. Tais parcelas de informação exigem processamento de dados para serem sintetizados em informação nova: a memória humana se revela lenta demais para poder processar semelhante quantidade de dados. O diálogo interno e solitário se tornou inoperante. Exigem-se grupos de memórias individuais assistidos por memórias artificiais (laboratórios, comitês, grupos de pesquisa e de realização) e, estes sim, produzem informação nova em quantidade e qualidade jamais sonhadas no passado. De forma que o autor, o Grande 115

Homem, não apenas se tornou redundante como estritamente impossível (FLUSSER, 2008, p.104).

Sendo assim, considerar a superioridade de um emissor sobre um receptor rompe com o laço que determinaria a lógica da existência da comunicação social. De fato, segundo Rancière, inteligência passa pela verificação do outro. Logo, é entender que o outro (telespectador) tem condições de se manifestar, de contribuir de alguma forma. Passa pelo fato de igual compreender igual.

Como, se perguntam eles, uma coisa como a igualdade das inteligências é pensável? E como sua opinião poderia se instalar, sem provocar desordem na sociedade? É preciso perguntar, ao contrário, como a inteligência é possível sem a igualdade? A inteligência não é potência de compreensão, que se encarregaria ela própria de comparar seu saber a seu objeto. Ela é potência de se fazer compreender, que passa pela verificação do outro. E somente o igual compreende o igual. Igualdade e inteligência são termos sinônimos, assim como razão e vontade. Essa sinonímia que funda a capacidade intelectual, de cada homem é também aquela que torna uma sociedade em geral possível. A igualdade das inteligências é o laço comum do gênero humano, a condição necessária e suficiente para que uma sociedade de homens exista (RANCIÈRE, 2002, p. 106). Nessa perspectiva e considerando essas transformações, é necessária uma avaliação da telenovela durante o processo de sua emissão e não após a sua conclusão. Portanto, estamos diante de um ambiente que nos obriga a repensar a postura de engendrar a própria telenovela. Dos meios às participações pressupõe-se a emancipação do telespectador:

A emancipação é a consciência dessa igualdade, dessa reciprocidade que, somente ela, permite que a inteligência se atualize pela verificação. O que embrutece o povo não é a falta de instrução, mas a crença na inferioridade de sua inteligência. E o que embrutece os “inferiores” embrutece, ao mesmo tempo, os “superiores”. Pois só verifica sua inteligência aquele que fala a um semelhante, capaz de verificar a igualdade das duas inteligências. Ora, o espírito superior se condena a jamais ser compreendido pelos inferiores. Ele só se assegura de sua inteligência desqualificando aqueles que lhe poderiam recusar esse reconhecimento. (RANCIÈRE, 2002, p. 65). Assim sendo, a emancipação aponta para as interações. Lucrécia Ferrara vai ampliar a discussão sobre interação, considerando-a a própria redefinição do conceito de comunicação, no seu artigo “Comunicação e Semiótica: das mediações aos meios” (2008), na qual afirma:

Entretanto, no título proposto para esse trabalho “Das Mediações aos Meios” sugere-se uma inversão que não se reduz a uma troca de vocábulos, mas propõe uma sutil ordem que deve considerar a possibilidade de subverter o anterior conceito de comunicação enquanto transmissão, para substituí-lo pela interação que, sistemicamente, cria um ambiente de informação sugerido pelos meios enquanto manifestação semiótica. Essa característica deixa evidente que meios são constituídos por signos e produzem linguagens que, 116

independente da maior ou menor versatilidade tecnológica do instrumento que lhe dá suporte e, exatamente por isso, evidencia inesgotável capacidade de produzir interações, subjetividades, trocas entre igualdades não hegemônicas e, por isso, capazes de contemplar ou fazer surgir diferenças. De modo inalienável, esse movimento ocorre entre interações que se fazem dinâmicas, circulares, comunicativas e solidárias na produção de outras matrizes culturais que, na história, multiplicam a comunicação e a informação (FERRARA, 2008 ,p 4). No entanto, não podemos tirar conclusões precipitadas de que a ação do telespectador seria assumir um engajamento completo diante das telenovelas. Não nos esqueçamos de que estamos diante de uma obra de fruição. Ou seja, a telenovela é um produto para entreter e divertir o telespectador, mas isso não impede que, em situações de imposição extrema do autor ou da emissora, ou de uma antipatia em relação a alguma personagem, o telespectador se manifeste de forma contundente sobre os rumos que gostaria que a telenovela tomasse.

Se a interatividade baseava-se já radicalmente nas relações tradicionais do autor, da obra e do espectador, a introdução de uma lógica da autonomia dessas relações torna esse relacionamento ainda mais complexo e profundo. Quer se trate de pôr em contato o espectador com simulações de seres humanos, organismos imaginários, ou simples imagens, nota-se que os dispositivos interativos imaginados pelos artistas tendem a solicitar a participação do corpo inteiro. Existe aí uma nova forma de hibridização entre a obra e o espectador que, longe de afastar a arte para uma pretensa desmaterialização em que o corpo seria negado em proveito de puras abstrações, abre-se para outros horizontes. A tensão colocada na corporeidade retoma o lugar que perdeu, em parte, em um certo tipo de arte contemporânea. Mas esse encontro entre a obra e o espectador solicita hábitos culturais que ainda estão longe de ser muito conhecidos. Se a arte interativa em geral pede, da parte do espectador, um engajamento profundo, paciência e disponibilidade, curiosidade, a autonomia exige do espectador, além disso, que ele dispense uma atenção aguda sobre o seu próprio corpo e sobre seus mecanismos perceptivos. (COUCHOT, 2003, p.37. In DOMINGUES(org.), 2003) De fato, abre-se um relacionamento complexo e profundo. Como afirma Couchot (2003), uma nova fronteira entre obra e telespectador que, em decorrência disso, não suporta a conceituação da comunicação como transmissão, justamente pelo caráter poroso que surge dessa relação.

Tradicionalmente, considerar o meio nos levou a perceber sua maior ou menor eficiência instrumental no transporte da mensagem, mas se considerarmos as mediações e seus processos interativos, aquela eficiência pode não ser válida ou ser bastante relativizada. Isto quer dizer que meios e mediações não se processam de modo linear, monovalente ou programado. Se o comunicar subjacente à mensagem tende a apresentar-se de modo exaustivo e monocórdico, ele impede ou abafa a característica dialogante do contínuo que dá origem às tensões e transformações culturais, impedindo, portanto, que a entonação semiótica dos meios se faça audível. Ao contrário, se superarmos a dicotomia tradicional que se observa entre meio e signo ou entre comunicação e semiótica, observaremos que, em processo, eles 117

assinalam o ambiente interativo que, cada vez mais e como consequência inalienável das próprias tecnologias da comunicação, constitui a realidade social e cultural dos nossos dias, apontada por Sodré (2003) como o novo ambiente biosmidiático (FERRARA, 2008, p. 10). Nessa perspectiva, esta pesquisa aponta ou sugere um repensar sobre a posição do telespectador como simples reprodutor da telenovela ao recontá-la, misturada com suas experiências pessoais. Propõe-se a verificar se esse telespectador deseja assumir uma postura de coautor, que ultrapasse as representações convencionais das tramas, manifestando uma semiose que expande e exige rever o próprio modo de se fazer telenovela no Brasil.

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