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Hitler conquista a União Soviética - origens do imperialismo nazista (SCHNEIDER, Samuel)

Book · June 2020

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Samuel Schneider Universidade de Passo Fundo

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SAMUEL SCHNEIDER

PASSO FUNDO SALUZ 2019 © 2019 Samuel Schneider

Edição: Editora do IFIBE Capa: Diego Ecker Revisão: Daniela Cardoso e Jenifer Bastian Hahn Impressão e Acabamento: Gráfica Berthier

Editora do IFIBE Rua Senador Pinheiro, 350 99070-220 – Passo Fundo – RS Fone: (54) 3045-3277 E-mail: [email protected] Site: www.ifibe.edu.br/editora

CIP – Catalogação na Publicação

S359h SCHNEIDER, Samuel Hitler conquista a União Soviética : origens do imperialismo nazista / Samuel Schneider. – Passo Fundo: Saluz, 2019. 222 p.; 23 cm.

Inclui bibliografia. ISBN 978-85-69343-56-1

1. Hitler, Adolf, 1889-1945. 2. Nazismo. 3. União soviética – Política e governo. 4. Guerra Mundial, 1939-1945. I. Título.

CDD 320.5 CDU 321.64

Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei nº 9.610 de 19/02/1998.

Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora

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forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos,

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Sumário

Prefácio ...... 9

Prólogo: O território da União Soviética como “espaço vital” alemão O legado do ultramar ...... 13 Manipulando a história...... 19 As três inspirações extra-europeias: Índia, África e Estados Unidos...... 22 As fontes primárias da pesquisa ...... 23 Revisão bibliográfica...... 26

Capítulo 1. O domínio britânico na Índia Símbolo de grandeza imperial...... 33 Dominando os “ridículos cem milhões de eslavos”...... 41 Subjugar e reprimir, mas sempre mantendo distância...... 46 Apoio para o aprendizado: o velho contato anglo-alemão...... 55

Capítulo 2. O imperialismo na África Explorando a mão de obra eslava...... 63 O legado do Império Colonial Alemão ...... 71 Ao invés do rio Níger, com a Marinha, o rio Volga com o Exército ...... 83

7 Outras comparações...... 87 A equiparação ideológica entre eslavos e negros...... 92

Capítulo 3. O desbravamento dos Estados Unidos Modelo para uma “colônia de povoamento”...... 105 Uma nova “Guerra Indígena”...... 111 A influência dos livros de Karl May...... 118 Justificando a “germanização”...... 123

Epílogo: Repensando a Nova Ordem nazista Reflexo, não negação, da modernidade ocidental ...... 135 “A melhor colônia do mundo” ...... 140 O racismo colonial instituído na Europa...... 144 Contradições e falhas do domínio nazista ...... 148 De invasor a invadido: a “metrópole” conquistada pela “colônia”...... 153

Notas de fim ...... 157

Bibliografia Fontes primárias ...... 207 Fontes secundárias...... 210 Artigos e dissertações acadêmicas ...... 218

8 Prefácio

Muito se escreve atualmente sobre o Holocausto judeu e sobre as grandes operações da Segunda Guerra Mundial, como Stalin- grado e o Dia D na Normandia. Há mais de 40 mil obras sobre o regime nazista, incluindo mais de 100 biografias famosas de Hitler. Por outro lado, a tragédia dos povos eslavos da Europa Centro-Oriental ainda é negligenciada. Preencher parte desse vácuo é o objetivo do presente estudo, centrado na campanha contra a União Soviética, que identifica como Hitler e seus par- tidários planejavam dominar, em longo prazo, a população eslava soviética, formada sobretudo por russos e ucranianos. Além disso, este livro contribui para as pesquisas recentes sobre a relação entre o nazismo e a expansão europeia no além- mar. O colonialismo e, sobretudo, o imperialismo europeus tiveram uma influência decisiva na invasão da União Soviética em 1941 (a maior operação militar da história, com 3,8 milhões de soldados alemães e aliados numa frente de quase 3 mil quilô- metros, desde o Círculo Polar Ártico até o Mar Negro). Por trás dessa invasão titânica, houve métodos e objetivos parecidos com os dos conquistadores que haviam se aventurado na América, na África e na Ásia. Inova-se aqui com uma análise teórica do nacional-socialismo, salientando a linguagem e a representação ideológica dos líderes do regime, a fim de desvendar suas “visões de mundo”. Sobre- tudo a de Hitler, que tinha uma percepção um tanto fantasiosa

9 do além-mar, expressa, por exemplo, em seu interesse juvenil pelos romances do alemão Karl May sobre o Faroeste dos Esta- dos Unidos. Ainda admirava as colônias do Império Britânico. Potências europeias como Esparta e o Império Romano (da Idade Antiga) e o Império Franco (da Idade Média) também influenciaram a identidade geopolítica hitlerista. Até o islamismo era admirado pelo ditador, devido às tendências militaristas de tal religião, ausentes no cristianismo. Não se enfoca, nesta pesquisa, como a postura bélica e ad- ministrativa do Terceiro Reich antes da derrota em Stalingrado refletiu, objetivamente, padrões usados anteriormente nas co- lônias. Ao contrário, dá-se mais atenção à mentalidade da alta cúpula nazista, ou seja, ao seu imaginário subjetivo, em especial aos planos geopolíticos para o novo “Império de Mil Anos”, ou seja, a superpotência que a Alemanha deveria se tornar caso derrotasse o Exército Vermelho de Stálin. É claro que tal abordagem implica analisar as declarações pessoais dos próprios nazistas, as quais se encontram em fon- tes como discursos, reuniões e memorandos, cujos conteúdos geralmente permaneceram inacessíveis ao público da época. É interessante que os registros das reuniões militares que Hitler co- mandou entre 1942 e 1945 só foram publicados na Alemanha em 1962, e algumas fontes de seus discursos secretos só apareceram nos anos 2000. Da mesma forma, por razões políticas, somente após o colapso do comunismo o governo russo permitiu o acesso aos arquivos da era soviética. Em 2013, o governo americano anunciou a descoberta de um diário perdido, escrito entre 1936 e 1944 pelo ministro Alfred Rosenberg – um dos nazistas mais atuantes no espaço soviético –, o que também revela a possibili- dade constante de novas interpretações.

10 P r ó l o g o

O território da União Soviética como “espaço vital” alemão

11 12 O legado do ultramar

Na obra Origens do totalitarismo, a filósofa Hannah Arendt mostra que alguns xenófobos alemães do século XIX, como Ernst Hasse, da Liga Pangermânica, já haviam proposto que a Europa fosse dominada com métodos usados fora do continente. Os alemães deveriam tiranizar seus próprios vizinhos – sobretudo judeus, poloneses e tchecos, além de povos latinos como o francês e o italiano, em menor escala. Segundo Hasse, os alemães “tinham o mesmo direito à expansão que outras grandes nações e, se não [lhes] fosse concedida essa possibilidade no além-mar, seriam forçados a fazê-lo na Europa1”. Hitler transformou tal utopia num programa oficial de Estado. Ele rompeu com a crença, expressa por Mussolini ao industrial italiano Pirelli, de que era “impossível tratar países europeus como colônias2”. Até ali intercontinental, eurocêntrica, a hierarquização imperialista se tornou uma realidade intra- -europeia, germanocêntrica. A formação da Nova Ordem nazista iniciou em março de 1939, quando a parte tcheca da Tchecoslo- váquia foi transformada, por decreto, no Protetorado da Boêmia e Morávia, sob controle de Berlim. À semelhança do que os franceses faziam na Tunísia e no Marrocos, os alemães impediram os tchecos de terem uma política externa soberana, reorganizaram a economia e criaram um sistema de jurisdição dual, que deixava os cidadãos alemães isentos da lei local. As instituições democráticas, inclusive o Parlamento, foram abolidas. Publicado em Londres, um livro pioneiro para a época chamava-se O primeiro protetorado europeu da Alemanha, referindo-se ao infortúnio dos tchecos: “Nunca antes se impu- seram condições semelhantes a uma nação pertencente à raça branca. Isso constitui o primeiro estatuto colonial alemão, na história moderna, para uma nação branca e civilizada3.”

13 Manifestada na Tchecoslováquia, a violência nazista se radi- calizou com a invasão da Polônia em setembro de 1939, que deu início à Segunda Guerra Mundial. Esse foi o primeiro “duelo entre povos e raças” da era hitlerista, destinado a escravizar e mes- mo exterminar parte da população conquistada. Muitos alemães que haviam servido na África acabaram convocados. Por outro lado, os “sub-humanos” polacos acabaram equiparados aos povos coloniais de cor: supostamente atrasados, vadiando na pobreza em meio a pulgas, doenças e sujeira, os polacos se tornavam assim “selvagens” incapazes de absorver a cultura europeia. Numa conferência em dezembro de 1939, o governador Hans Frank exigiu que, no Governo-Geral estabelecido em partes da antiga Polônia, fosse “considerada a vontade do Führer [Hi- tler] de que essa área será o primeiro território colonial da nação alemã”4. Mais de 11 milhões de pessoas viviam no Governo- -Geral, que incluía a ex-capital Varsóvia, Cracóvia e Lublin. Não era um “protetorado” como em Boêmia e Morávia, mas uma zona fora do Reich e além de sua lei, com os habitantes polacos sem Estado e sem direitos5. Críticos também reconheceram tal semelhança. Nascido no Império Russo mas morando na França, o pintor judeu Simon Segal escreveu que a condição jurídica do Governo-Geral era “semelhante à de uma colônia sob o siste- ma mercantilista do período anterior às Revoluções Francesa e Americana, com o diferencial de que fica em plena Europa6”. Manifestada na Tchecoslováquia e radicalizada na Polônia, a crueldade nazista chegou ao apogeu durante a invasão da União Soviética, iniciada em junho de 1941. Essa foi a campanha mais bem organizada de toda Segunda Guerra Mundial, a que mais teve motivação ideológica. Apesar de exposto, para o público, como uma “Cruzada europeia contra o bolchevismo7”, o conflito nazi-soviético também foi a consumação de um plano formulado por Hitler ainda nos anos 1920: a conquista de “espaço vital”, ou seja, um imenso território para exploração econômica e po-

14 voamento. Ao derrotar o arqui-inimigo comunista, a Alemanha fortaleceria seu progresso material com o trigo, o ferro, o car- vão e o petróleo do Leste. Entre 220 e 250 milhões de alemães deveriam viver na Europa pós-soviética. A nova pax germanica talvez se estendesse até os Montes Urais, na distante fronteira com a Ásia, muito maior que a de conquistadores como Alexandre Magno e Napoleão. O general Gotthard Heinrici imaginava um avanço ainda mais distante. Ao escrever à família em dezembro de 1941, quando lutava perto de Moscou, ele afirmou que os “proteto- rados” estabelecidos no Báltico e na Ucrânia (com o nome de Comissariados) tornar-se-iam “boas áreas coloniais”; o resto da Rússia até o Lago Baikal, na longíssima Sibéria asiática, perto da China, seria organizado em repúblicas dependentes da Alemanha. Já a Rússia banhada pelo Oceano Pacífico ficaria sob controle do Japão, aliado alemão8. Era no Leste Europeu – não na África ou na Ásia – que Hitler esperava tomar aquilo que definiu como “a melhor colônia do mundo9”, abrangendo “oportunidade de trabalho para vários séculos10”. Ele visava a um programa de metamorfose étnica em escala continental, não cogitada nem mesmo por fascistas e comunistas. Desprezava eventos como a Revolução Francesa que, supostamente, só tivera repercussões sociopolíticas. Ao conduzir a maior operação bélica de toda história, Hitler esperava que a Ale- manha talvez até superasse, em poder geopolítico, as duas principais potências do além-mar: o Império Britânico e os Estados Unidos. Todavia, não previu que a Alemanha acabaria derrotada ante o inverno russo, como a França de Napoleão em 1812. É claro que, nesse programa, a população nativa da Europa Oriental seria especialmente atingida. Humilhados como “coelhos eslavos” ou “animais humanos” completamente preguiçosos, de- sorganizados e imundos, russos e ucranianos formavam a “escória racialmente estranha” cuja desgraça, segundo Hitler, era o pres-

15 suposto para a nova grandeza alemã. “Nosso princípio basilar é que essa gente existe apenas por um motivo: ser economicamente útil para nós11.” Como o ditador, seus subalternos na Ucrânia também degradavam a gente local como cultural e biologicamente inferior: “Para ficar claro, estamos no meio de negros12”. Num regime moderno com milhões de membros, onde nem sempre se aceitou a autoridade de Hitler, naturalmente houve vozes contrárias. O jurista e diplomata Otto Bräutigam, por exemplo, criticou num memorando escrito o fato de os eslavos serem antropologicamente subestimados como “brancos de segunda classe”. Ele aprovava, tal como a maioria dos conser- vadores europeus, a meta de destruir o bolchevismo stalinista; entretanto, lembrou que prisioneiros do Exército Vermelho es- tavam “morrendo de fome como moscas”, algo que não ocorria com os prisioneiros poloneses e sérvios, nem com os franceses, muito menos com os ingleses, holandeses e noruegueses13. No pós-guerra, perante o Tribunal de Nuremberg, até nazistas de alta hierarquia depuseram que haviam desconhecido a amorali- dade facínora de Hitler. Colocar toda culpa no ditador foi uma simplificação comum para alegar inocência14. Usando o conceito do filósofo Georg Hegel, o “espírito do tempo” em que surgiu o Partido Nazista foi muito influenciado pela expansão imperialista na África e na Ásia, e pela expansão americana no Meio-Oeste. Hitler nasceu em abril de 1889. Desde jovem, ele ouvia falar dos projetos um tanto megalomaníacos da época, como a ferrovia Berlim-Bagdá, cobiçada pelos alemães, e a ferrovia transafricana do Cabo ao Cairo sonhada pelos ingleses; ainda lia os famosos livros do alemão Karl May sobre o Faroeste estadunidense, do gênero aventura que remetia aos relatos de Marco Polo. Conhecia bem o simbolismo da chamada Era dos Impérios (1875-1914). Vários partidários seus haviam realmente servido nas colônias alemãs, sobretudo na África subsaariana, como as atuais Namíbia e Tanzânia.

16 Com o confisco das colônias alemãs pelo Tratado de Ver- salhes, em julho de 1919, a Alemanha foi rebaixada à condição de primeira potência europeia pós-colonial. Para os nazistas, Versalhes marcou o apogeu da “balcanização” alemã, da “suicização” alemã – a transformação do país numa “segunda Suíça”, pacata e inofensiva, dominada pela corrupção degenerada de povos balcânicos como o romeno15. Fazia parte da solução retomar o passado nacionalista in- terrompido por Versalhes e pela República de Weimar. Em fevereiro de 1942, Hitler enalteceu seu hegemonismo como uma adaptação ou atualização, melhorada, do que ocorrera antes da Primeira Guerra Mundial na pequena colônia alemã de Kiauchau, no noroeste da China: “Hoje, nós temos os espaços russos. Eles são menos atraentes e mais inóspitos, porém valem mais para nós16”. Seria anacrônico vincular a política nazista ao colonialis- mo mercantilista, consolidado no século XV com a partilha da América por Espanha e Portugal. Antes de 1871, aliás, nem existia uma Alemanha como Estado unificado. Deve-se focar no imperialismo – um conceito polissêmico, explicado de várias formas, mas segundo Hannah Arendt referente a um conjunto de práticas e mentalidades só surgido nos anos 1880, inclusive no Império Alemão, e direcionado principalmente para a África e a Ásia17. Algumas semelhanças são inegáveis, a despeito das diferenças óbvias em tempo e espaço. Como o imperialismo além-mar, a conquista da Europa Oriental em 1941 foi realizada por uma potência industrial capitalista, interessada em recursos naturais e zonas para povoação. Tentou-se atrair o povo alemão para a causa, via promessas de melhoramento social, e com par- ticipação da “burguesia” financeira alemã (incluindo companhias como BMW, Mercedes-Benz e Auto Union, precursora da atual Audi, além de notáveis como o engenheiro Ferdinand Porsche). Empregou-se aparatos modernos de burocracia e combate militar. E como no imperialismo, por fim, justificou-se a arbitrariedade

17 com teorias racistas “científicas”, potencialmente genocidas, que rebaixavam a antropologia das vítimas. Essa combinação essencialmente contemporânea não pode ser observada nos fenômenos da história alemã continental que mais eram admirados pelos nazistas: o Império Franco, os Cavaleiros Teutônicos, o Sacro-Império e a Hansa, além da Áustria e da Prússia pós-medievais. Tampouco pode ser observada na figura do chanceler prussiano Otto von Bismarck. Apesar de elogiado por unificar a Alemanha em 1871 com seu militarismo “sangue e ferro”, por sua postura antipolonesa e por sua luta contra o movimento operário, Bismarck foi associado à uma aristocracia agrária que não planejara dominar a Europa eslava com o racismo do tipo hitlerista. Nem mesmo a invasão do Império Russo Czarista durante a Primeira Guerra Mundial – época do Kaiser Guilherme II – pode ser encarada como um bom precursor18. Embora Lênin tenha criticado essa “guerra imperialista (isto é, uma guerra de conquista, de pilhagem e de rapina)”19, denominação também usada por Stálin20, não houve uma sistemática importação, para a Europa, do que acontecia no além-mar. Em 1914-18 o gover- no monárquico alemão anunciara a criação de Estados eslavos aliados, um método rejeitado, duas décadas depois, como ex- cessivamente cortês e conservador pelo ministro da Propaganda nazista, : “O nacional-socialismo é muito mais impiedoso nessas questões. Ele só faz o que é proveitoso para seu próprio povo21.” Assim, mesmo com reservas, pode-se aceitar o que o inte- lectual francês Aimé Césaire escreveu na obra Discurso sobre o colonialismo, de 1955. Para ele, os nazistas “aplicaram à Europa processos colonialistas até então reservados exclusivamente aos árabes da Argélia, aos ‘coolies’ da Índia e aos negros da África22.” Ainda em 1943, a filósofa francesa Simone Weil escrevera que o hitlerismo consistia na “transposição, para o continente europeu,

18 dos métodos coloniais de conquista e dominação23.” E num panfleto clandestino da mesma época, o padre católico ucrania- no Ivan Hryniokh escreveu que a interferência nazista em sua pátria baseava-se no seguinte lema: “como não teremos colônias na África, elas devem ser estabelecidas na Europa24”. O próprio Stálin enfatizou esse ineditismo. O ódio religioso, nacionalista e classista-econômico era comum desde a Idade Média, ao passo que os eslavos foram excluídos até mesmo da “raça branca”, conceito pouco usado até ali em rivalidades no continente.

Manipulando a história

As lideranças nazistas geralmente dispunham de um nível inte- lectual alto, tendo escrito livros e discursos, com certa profun- didade, para expor suas fantasias. O ministro da Propaganda Goebbels tinha até doutorado em filosofia pela Universidade de Heidelberg25. Logo, o expansionismo nazista acabou ilustrado e justificado com uma interpretação tendenciosa do passado. Enquanto o comunismo proclamava um futuro (econômico) inédito, nunca alcançado antes pela humanidade, o nazismo bus- cou na história modelos ou inspirações para as práticas (racistas) do regime, que, teoricamente, repetia aquilo já feito por outras potências. Hitler escreveu em seu livro Minha luta: “A arte de pensar pela história, que me foi ensinada na escola, nunca mais me abandonou. A história universal tornou-se para mim uma fonte inesgotável de conhecimentos para agir no presente, isto é, para a política26”. Tal processo de figuração teórica estendeu-se à guerra contra a URSS. Chamada “Operação Barbarossa” – em homenagem ao imperador alemão medieval Frederico Barbarossa, ou Barba- -Ruiva, que participou das Cruzadas no século XII – a campanha oriental foi a mais ideologicamente embasada de toda era nazista. Com uma fascinação romântica e nostálgica, mencionou-se epi-

19 sódios como os Cavaleiros Teutônicos, que haviam dominado as margens do Mar Báltico na Idade Média, para atestar a velha presença alemã no “Oriente”27. Em novembro de 1941, ademais, Hitler inseriu sua campanha numa tradição milenar de expansão europeia: “Na Antiguidade, a Europa se restringia à parte sul da península grega; depois a Europa se confundiu com as fronteiras do Império Romano. Se a Rússia for derrotada nesta guerra, a Europa se estenderá até os limites da colonização germânica28”. Esse tipo de paralelo ainda foi usado num contexto geopo- lítico. Indicava quais os benefícios a serem alcançados em caso de vitória. Apelando para a geografia, Hitler chegou a definir o Mar Báltico como um futuro “Mediterrâneo alemão”; valorizou o sul da Ucrânia como uma “Riviera alemã” parecida com a da França, devido à sua beleza e ao seu clima quente; falou até mes- mo em “criar um Jardim do Éden29”. No futuro, Berlim seria reconstruída com uma arquitetura imponente e, renomeada como Germania, tornar-se-ia “uma capital mundial só comparável ao antigo Egito, à Babilônia ou a Roma30”, muito superior a Paris e Londres. Tais analogias foram parte essencial da linguagem nazista. O passado ajudava a explicar como os alemães deviam agir com os eslavos e o que ganhariam impondo sua hegemonia. Tratava-se, além disso, de mostrar a viabilidade de um projeto tão ambicioso. Nesse sentido, Hitler invocou a tradição da Igreja Católica e da República de Veneza imaginando que o Estado nazista poderia “durar de oito a nove séculos31”, com gestores notórios à altura dos Doges venezianos. Essa mesma lógica de esclarecimento e estímulo é que moti- vou as menções ao ocorrido na Ásia, África e América. Tratava- -se de conscientizar historicamente até os escalões mais baixos do regime para a ação prática. Só que havia uma vantagem: a atualidade, pois a supremacia da “raça ariana” pelo globo era uma realidade da época, especialmente sugestiva. Hitler exigia, ou pelo menos autorizava, que seus subordinados aplicassem

20 métodos capitalistas já conhecidos pelo grande público, também incentivando uma atitude de desdém, prepotência e rapacidade comum, talvez, desde as navegações espanholas e portuguesas no século XV, tempo de Cristóvão Colombo, radicalizada a partir de 1884. Queria que o comunismo soviético desaparecesse, do solo europeu, mais ou menos como os Impérios Asteca e Inca com a chegada dos cristãos. A identidade da época ainda incluía diversos fatores, que às vezes se complementavam em harmonia: o pangermanismo, o ro- mantismo nacionalista, o pensamento de autores como Nietzsche, Gobineau, Wagner etc. Tal cenário anterior, com suas aspirações latentes, serviu de base para a manipulação nazista das massas. Embora Hitler fosse vangloriado como um “Messias” e mesmo como um “Jesus Cristo alemão32”, ele só foi tão longe com dema- gogia histórica – focou-se, notavelmente, nos fracassos e traumas que a Alemanha testemunhara desde sua unificação em 1871. Com senso de urgência – algo comum a vários regimes genocidas, como o Império Otomano, o Camboja de Pol Pot e a própria União Soviética –, os nazistas olhavam para o mapa- -múndi da época com certa inveja. Tendiam a encarar o planeta como uma arena darwinista de competição, pois haviam testemu- nhado o confisco do território alemão, colonial e também metro- politano, pelo Tratado de Versalhes em junho de 1919, devido à derrota na Primeira Guerra Mundial. Não aceitavam a pequenez germânica perante as potências que mais se destacavam no ul- tramar. Os Estados Unidos contavam com um imenso território continental; a Inglaterra mantinha um império mundial baseado na Índia; a França controlava sobretudo o noroeste da África; até os pequenos Portugal, Holanda e Bélgica tinham colônias; os japoneses tinham entrado na Manchúria chinesa em 1931 e a Itália invadiu a Etiópia quatro anos depois. Em resumo, até países minúsculos e não-europeus dominavam terras exóticas. O Terceiro Reich, pretensamente, tinha ainda mais direito do que

21 eles, porque a Alemanha era a nação-núcleo ariana: após a China, “a mais numerosa estrutura política de uma única raça existente na Terra”, com mais de oitenta milhões de germânicos33. Hitler também tentava, de modo cínico, justificar os crimes nazistas. Ele dizia adaptar ou até repetir o que outros haviam feito, definindo seu antieslavismo não como algo inédito, e sim como aceitável e mesmo inevitável. Costumava invocar em discursos “a inexorável lei do Talião”, a “vontade eterna do Deus Todo- -Poderoso34”, apoiando-se numa combinação curiosa de biologia com teologia. Leitor de Nietzsche, zombava da paz perpétua advogada por Kant, e abominava a igualdade universal de Marx e Lênin. Ainda em 1937, numa reunião na Chancelaria do Reich com generais, Hitler já havia mencionado os Impérios Britânico e Romano como provas de seu fatalismo darwinista35. Dois anos depois, a eclosão da guerra viabilizaria a limpeza étnica totalitária.

As três inspirações extra-europeias: Índia, África e Estados Unidos

Nos cálculos do Terceiro Reich, aproximadamente 100 milhões de eslavos europeus acabariam subjugados. Eles habitavam mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, em dinâmicas regionais especificas devido a peculiaridades como clima e relevo. Não seria possível, nem conveniente, impor um único sistema de domina- ção a toda essa gente. No caso específico da União Soviética, o planejamento nazi pode ser explicado, esquematicamente, a partir de três tipos complementares de violência, para setores diferentes da população local; cada um desses modelos foi associado ao ocorrido em partes diferentes da Terra. Na Índia, os ingleses mantinham seus súditos numa condição de precariedade cultural e política. Na África subsaariana, os negros haviam sido explorados como mão de obra descartável, inclusive por alemães. E nos Estados Unidos, os índios haviam

22 sido exterminados em massa mediante a expulsão de suas terras. No imaginário nazista, tais episódios serviam de inspiração para o que fazer com a população soviética: controlar a maioria, explo- rar alguns (sobretudo ucranianos) e eliminar outros (sobretudo russos comunistas). Tal divisão lógica, ao estilo de Max Weber, é um mero recur- so metodológico de interpretação. Ela apresenta falhas, perante os enigmas da chamada Lingua Tertii Imperii, a linguagem do Terceiro Reich36. Mesmo assim, a historiadora Wendy Lower ressalta que nos devaneios nazistas “encontramos referências à fronteira norte-americana, ao senhorio britânico na Índia, e à exploração europeia sobre os africanos no final do século XIX37”. Paradoxalmente, o Império Britânico e os Estados Unidos foram inimigos da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Hitler lutou contra dois países cujos métodos esperava copiar: caso raro na história! Ele só expôs essa admiração em declarações privadas (“secretas”), em reuniões, memorandos e discursos que geralmente ficaram restritos à alta cúpula nazista, pois como era chefe de Estado desde 1933 não podia admitir oficialmen- te suas intenções. Em público, ele optou por criticar Londres e Washington, para desmerecer seus adversários Churchill e Roosevelt e, assim, melhorar a própria reputação. Enfim, acusava os inimigos “anglo-saxões” de agirem justamente com as táticas que esperava empregar: velha artimanha de ditadores, inclusive de Lênin, Stálin e Mussolini.

As fontes primárias da pesquisa

No quesito publicidade, a postura nazista foi muito diferente com relação a judeus e eslavos. O antissemitismo nazista foi explícito desde os anos 1920, sendo que mesmo o Holocausto acabou pu- blicamente reconhecido pelo regime38; afinal, o “problema judeu” teve uma “Solução Final” no genocídio. Só que o contato entre

23 alemães e eslavos perduraria por vários séculos, de modo que o máximo de sigilo devia evitar que os “Ivans” conhecessem seu destino e, então, combatessem o soldado alemão que depreciavam como “Fritz sanguinário”. Numa reunião em julho de 1941, Hitler enfatizou que se limitaria a “primeiro dominar, depois administrar e, por fim, explorar” o território soviético europeu, mantendo suas intenções em segredo39. Associava tal falsidade ao domínio britânico na Índia. Ele era, aliás, uma pessoa muito reservada, muito mais do que Churchill e Napoleão, talvez até mais que Stálin40. Como fonte primária, destacam-se as Conversas de Hitler à mesa: a compilação, editada no pós-guerra, do que ele declarou oralmente a seu círculo íntimo, sobretudo entre julho de 1941 e setembro de 1942. Ele autorizou que nessa época de euforia, marcada pelo avanço do Exército alemão, datilógrafos registras- sem por escrito o que confessou aos aliados mais confiáveis, sob supervisão de seu secretário pessoal Martin Bormann. Embora secretas na época, tais reflexões seriam publicadas no futuro para doutrinar os membros do Partido Nazista41. A maior parte das anotações ocorreu no quartel-general ultrassecreto Toca do Lobo, nas florestas da Prússia Oriental, onde Hitler se instalou logo após o início da guerra nazi-soviética. Nas Conversas à mesa percebe-se o quanto Hitler negligen- ciava o jus in bello dos conflitos europeus tradicionais, tomado pela dita “embriaguez do Leste”: o desejo de transformar seus pântanos e estepes como não se ousou fazer em países ocidentais como a França42. Rejeitava o direito intra-europeu, suas leis e tratados, julgando-os mediocridades jurídicas. Costumava evitar a companhia de advogados. A culpa por esses crimes ainda recai sobre outros personagens, como Heinrich Himmler. Especial- mente temido e odiado, Himmler foi o líder da SS: organização de elite responsável pelo povoamento de territórios estrangeiros

24 e pelo Holocausto, que cometeu os piores massacres do século XX, inclusive Auschwitz. Previsivelmente, até soldados e administradores de baixa hierarquia acabaram contagiados pela utopia da chefia nazi. Mais tarde laureado com o Nobel de Literatura, o jovem Heinrich Böll, apesar de não ser um combatente fanático, escreveu à mãe no final de 1943 a partir de um hospital militar na União Soviética: “Tenho muitas saudades do rio Reno, da Alemanha, mas ainda assim penso muito na possibilidade de uma vida colonial aqui no Leste depois de uma guerra vitoriosa43.” A mesma sedução envolveu vários empresários, industriais, aristocratas, servidores públicos e, sobretudo, membros das Forças Armadas. Numa carta para casa um soldado da Força Aérea escreveu, com me- nosprezo, que “no geral a Rússia é um imenso desapontamento para nós. Nada de cultura, nada de paradisíaco [...], um baixo nível, uma imundície, uma gente, que nos mostram que nossas grandes tarefas coloniais ocorrerão aqui44.” Tal terminologia foi usada até por estrangeiros. Às vezes num tom apologético e nostálgico, que glorificava os feitos alemães sem consideração pelo sofrimento alheio. Líder da divisão belga da SS, Léon De- grelle assim elogiou em suas memórias pós-guerra as ferrovias, rodovias, fábricas e usinas construídas por companhias alemãs na Ucrânia, nas bacias dos rios Donets e Dnieper: “Em um ano a Alemanha havia criado na Rússia a colônia mais rica de todo o mundo. Que trabalho maravilhoso!45” Tudo isso reforça a necessidade de contextualizar o ambiente psicossocial da época. Os nazistas não eram marginais niilistas, e muito menos loucos, já que aproveitaram a ambição de pessoas comuns que não eram criminosas patológicas, incluindo advoga- dos, médicos, professores e intelectuais. Também seduziram os grandes capitalistas alemães. Com algum exagero, os opositores comunistas denunciavam famílias proprietárias de cartéis indus- triais – Krupp, Röchling, Poensgen e Siemens – como os “clientes

25 imperialistas” na luta “pelos campos de grãos ucranianos e pelo petróleo do Cáucaso46.” A mesma acusação atingiu instituições financeiras, por exemplo o Deutsche Bank, e a fabricante de roupas Hugo Boss. A partir da derrota alemã na batalha de Stalingrado, no início de 1943 (“certamente a pior tragédia já conhecida por um exército alemão47”, que acabou com a possibilidade de subjugar a URSS), a euforia nazista deu lugar a certa decepção e medo. As menções ao ultramar se tornaram então mais raras. E o Ministério da Propaganda proibiu rigorosamente “expressões de que a Alema- nha está estabelecendo colônias no Leste48”. Conforme o regime foi chegando a seu fim desastroso em 1945, cresceu o temor de que a própria Alemanha conhecesse uma invasão estrangeira – como a que acontecera, sobretudo, na América pós-colombiana. Em novembro de 1944, por exemplo, militares alemães na frente oriental foram recomendados, por uma exortação do general Heinz Guderian, a usar táticas de guerrilha “semelhantes às dos índios”. Livros fantasiosos sobre o Faroeste dos Estados Unidos, sobretudo os do escritor alemão Karl May, como Winnetou, foram distribuídos a oficiais e soldados para que aprendessem a lutar com a bravura associada aos nativos americanos49. Antes de Stalingrado, os russos é que haviam sido comparados com os índios, devido à resistência encarniçada na defesa de sua terra. Mas no fim essa postura militar foi recomendada aos próprios alemães, que eram expulsos e aniquilados em massa pelo Exército Vermelho.

Revisão bibliográfica

Já nos Julgamentos de Nuremberg (1945-46), as potências vito- riosas na Segunda Guerra Mundial, inclusive a União Soviética, acusaram empresas alemãs como Bosch, Siemens, Krupp e I.G. Farben – que incluía BASF e Bayer – de conspirarem a favor da política externa nazi. O general Roman Rudenko, principal

26 promotor soviético, sintetizou o vocabulário marxista da época, usado até por socialdemocratas, ao anunciar que o “fascismo alemão” fora financiado por capitalistas “reacionários” de cartéis metalúrgicos e carboníferos50. Nos Julgamentos Subsequentes de Nuremberg (1946-49), realizados exclusivamente por americanos, uma linguagem mais cristã foi usada pelo promotor americano Telford Taylor, que identificou a “trindade profana de nazismo, militarismo e imperialismo econômico51” como a causa da ca- lamidade. Embora exposta nos anos 1940, tal interpretação se consolidou especialmente na última década, entre uma geração de estudiosos não comprometidos com assuntos oficiais e devi- damente apoiados pelo método científico. O historiador britânico Mark Mazower merece destaque. Na obra O Império de Hitler: a Europa sob o domínio nazista, ele alega que o nazismo refletiu o “velho desejo de controlar terri- tórios e povos, que tinha levado os europeus para a África, para as Américas e para as mais remotas ilhas do Pacífico”. Como agravante, os nazistas tentaram a liderança global numa velocida- de vertiginosa, em poucos anos, e com originalidade geográfica: tentaram governar o robusto povo russo, berço dos escritores Dostoiévski e Tolstói, como se fazia com as tribos canibais das selvas do Congo52. A historiadora Shelley Baranowski alega que, apesar de sua natureza superlativa, o nazismo contou com forte legado opera- cional da violência usada nas colônias alemãs na África. Na atual Namíbia, em especial, o Exército colonial alemão concebeu o extermínio dos negros hereró nativos, entre 1904 e 1907, como uma disputa por espaço contra semi-macacos similares a chim- panzés. Tal herança deixada pelo Segundo Reich de Bismarck influiu na competitividade desesperada do Terceiro Reich, no medo de ser sobrepujado por adversários melhor preparados53. Como Baranowski, outra mulher de destaque é a historiadora Wendy Lower. Ela insere o nazismo “num contexto europeu

27 maior de opressão, conquista, migração e destruição em massa de povos indígenas”, acrescentando: “A ocupação nazista da Europa Oriental demonstrou que tais práticas não eram exclusivas do além-mar, e que os piores aspectos do colonialismo podiam ser realizados em imensa escala, numa questão de poucos anos, no coração da Europa ‘civilizada’54”. É verdade que o ataque contra a URSS foi singular por, desde o início, intencionar uma escala monstruosa de devastação com forte significado ideológico. O resultado foi uma campanha ainda mais mortífera que a da Itália fascista contra a Etiópia em 1935-36, e que as travadas pelo Japão na China em 1931-1945. Mesmo assim, o filósofo canadense André Mineau enfatiza os elos de continuidade. Realça que os nazistas, com um enfoque sanitário, combateram um “conceito bio-político de inimigo”, avaliado inclu- sive mediante antropometria, ou seja, medições corporais de crâneo, altura, órgãos genitais e pigmentação. “O colonialismo europeu foi parte das origens ideológicas da Operação Barbarossa, e assim que a beligerância foi desencadeada na União Soviética, Hitler colocou em prática percepções mentais e modelos de gestão concebidos para a África e para a Ásia, mas pela primeira vez na Europa55”. Os pioneiros em abordarem o tema, de modo um tanto su- perficial, foram estudiosos judeus diretamente afetados. Foi o caso da filósofa alemã Hannah Arendt, que fugiu para Paris em 1933 e para Nova York em 1941. No clássico Origens do totalitarismo, ela descreveu o além-mar como um “laboratório”, um “estágio preparatório para as catástrofes vindouras56”. Outro pioneiro foi o jurista polonês Raphael Lemkin, que defendeu Varsóvia em 1939, mudou-se para os Estados Unidos e contribui para a ONU reconhecer, em 1948, o crime de “genocídio” – termo que Lemkin cunhou, considerando matanças como a dos armênios pelos turcos-otomanos durante a Primeira Guerra Mundial. À semelhança de Arendt, contudo, ele se focou no Holocausto quase sem considerar a tragédia de eslavos e ciganos.

28 No que tange à figura de Hitler, deve-se muito a seus bió- grafos, em especial ao alemão Joachim Fest. Nascido em 1926, ele serviu como soldado na guerra; também leu os romances de Karl May quando jovem, e uma de suas tias serviu como mis- sionária religiosa na África57. Logo, conheceu bem a atmosfera onde prosperou o hitlerismo. Fest define a invasão da União Soviética como uma obsessão formulada por Hitler no início de sua carreira e que liderou com um protagonismo único na história, com forte motivação geobiopolítica. Muito mais do que uma “Cruzada contra o bolchevismo”, esta foi “uma guerra de conquista colonial no estilo do século XIX, dirigida, é verdade, contra uma das grandes potências europeias58”. O sistema nazista desponta assim como uma negação das Revoluções Francesa e Russa, também revolucionário, porém sem universalismo, e atrelado a um único super-líder, quase que um super-homem nietzschiano disposto a arriscar tudo em nome dos fins. Outro biógrafo importante é o inglês Ian Kershaw. Recente- mente, ele deu mais atenção do que Fest para o meio social e para a complexidade gerencial do período. Sem reflexões metafísicas, trazendo informações empiricamente objetivas, Kershaw tenta comprovar que Hitler não foi uma personalidade de grandeza excepcional: ilustrou a máxima de Marx de que os homens fazem história sob pré-condições impostas. Sequer inventou uma filosofia própria, oferecendo, na verdade, uma “versão modernizada do antigo imperialismo, ajustado para o campo etnicamente misto da Europa Oriental, onde os eslavos seriam o equivalente germânico das populações nativas conquistadas na Índia e na África pelo Império Britânico59”. Junto com outras obras e dissertações acadêmicas, tal biblio- grafia contribui para uma problematização do nazismo que, já consolidada em países de língua inglesa e alemã, deve ganhar visibilidade em países de língua portuguesa e espanhola.

29 30 C a p í t u l o 1

O domínio britânico na Índia

31 32 Símbolo de grandeza imperial

Desde seus pronunciamentos iniciais nas cervejarias de Munique, em 1919, Hitler admirava as colônias britânicas fora da Europa, sobretudo a Índia60 (que na época incluía os atuais Paquistão, Bangladesh e até 1937 Myanmar). Segundo ele, o domínio sobre o sul da Ásia tornara a “Inglaterra” a maior economia capitalista do planeta, que chegou a derrotar a Alemanha na Primeira Guerra Mundial. A aristocracia baseada em Londres, como a do antigo Império Romano, combinava “o mais elevado valor genético com o mais claro espírito político61”. No fundo, tal aristocracia tinha um instinto predatório semelhante ao dos judeus, sempre competindo por mais lucro62. “Meros 65 milhões de ingleses” controlavam o maior império da história, superior mesmo ao mongol, com cerca de 1/4 da superfície continental da Terra: “mais de 40 milhões de quilômetros quadrados e 480 milhões de seres humanos63”. Hitler, apesar de não possuir muita escolaridade no sentido formal, até estudou o tema com alguma profundidade. Chegou a exigir que o ministro Alfred Rosenberg, considerado pesquisador sério, escrevesse para ele um estudo no outono de 1941, buscando compreender com detalhes a administração britânica na Índia. Depois ordenou que Joachim von Ribbentrop, o ministro do Exterior nazista, que fora embaixador em Londres entre 1935-38, formulasse um novo memorando com mais fontes sobre temas como “a arte britânica de divide et impera”, ou seja, a capacidade de mandar aproveitando divisões entre os próprios nativos64. Em agosto de 1942, quando estava em seu quartel-general Lo- bisomem em Vinnytsia, na Ucrânia, Hitler leu o livro Índia, do indólogo alemão Ludwig Alsdorf, que continuamente elogiou pelo retrato feito sobre os métodos ingleses. O ditador recomendou-o a vários de seus aliados, falando que todo alemão enviado para o exterior deveria lê-lo, sobretudo diplomatas65. De fato, tal

33 obra foi publicada e distribuída, mostrando o quanto a história pode ser manipulada na doutrinação política. Outras leituras ainda foram encorajadas, como o relato do viajante alemão Kurt Freber, Com minha mochila até a Índia, e A peste mundial judaica do nazista Hermann Esser66. A admiração de Hitler explica a forma como ele expôs seus planos para o território da União Soviética, nos monólogos pu- blicados no pós-guerra como Conversas à mesa. Para inspirar, na alta cúpula nazista, um senso de ambição e missão histórica, o ditador prometeu que na Europa Oriental haveria uma típica “colônia de exploração67”, assim que o Exército Vermelho de Stálin fosse derrotado e o regime soviético fosse extinto. “O que a Índia foi para a Inglaterra, os territórios da Rússia serão para nós68”. Acreditando na vitória da guerra-relâmpago, Hitler assim projetou ao visitar pessoalmente a frente de batalha na Ucrânia. Ele exigia que os alemães implantassem o progresso naquela paisagem – considerada suja e subaproveitada, devido à ineficiência corrupta do bolchevismo – construindo imensos portos, canais e ferrovias, além de luxuosos palácios para os administradores, até maiores que os construídos pelos ingleses em Calcutá e depois em Nova Delhi. Hitler abriu-se com vários aliados em reuniões privadas, inclusive o ministro da Propaganda Joseph Goebbels, que anotou em seu diário em dezembro de 1941: “No geral o Führer vê o Leste como nossa futura Índia. Essa é a zona colonial onde queremos nos estabelecer69”. Com sua frota de navios a vapor, e com a estabilidade da libra esterlina enquanto moeda forte, o capitalismo inglês gerara uma riqueza formidável através do acesso a recursos naturais como chá e a mercados consumidores. O sul da Ásia é que permitira a uma pequena ilha superar suas limitações malthusianas, fortalecendo a pujança advinda da Revolução Industrial. Hitler esperava que a Grande Alemanha (“Grande” por abranger quase todos alemães

34 do continente, inclusive os da Áustria) tivesse uma prosperidade parecida com a moeda marco. Refletindo com o almirante Kurt Fricke da Marinha alemã, ele definiu a Ucrânia como um “novo Império indiano”, ou uma “Índia europeia”, imaginando como usurpá-la após a vitória sobre Moscou70. Encarada como a re- gião soviética mais produtiva, a Ucrânia contribuiria para que a economia germano-europeia fosse uma autarquia, autossuficiente em recursos naturais como madeira, algodão, borracha, carvão, aço, níquel e manganês, ainda dispondo do precioso petróleo do Cáucaso. A Bielorrússia, apesar de pouco valorizada devido ao excesso de pântanos e florestas densas, também foi definida por planejadores do Exército alemão como “parte de nossa nova possessão colonial oriental71”. Além disso, adotar-se-ia uma prática essencial do capitalis- mo inglês: o comércio com os nativos dominados. Após o fim do comunismo soviético, a grande indústria alemã teria imensos mercados consumidores, vendendo produtos de baixa qualidade por preços acessíveis e deixando os eslavos na dependência da metrópole. Isso com o apoio de companhias responsáveis pela infraestrutura, como a elétrica AEG, a petrolífera Kontinentale Öl e talvez a Opel, subsidiária alemã da General Motors. Conforme Hitler previu numa reunião com seu embaixador na França, Otto Abetz, que registrou num memorando: “A Europa suprirá suas próprias necessidades de matérias-primas, e terá seu próprio mercado para exportação no território russo. Não dependeremos mais do comércio internacional. A nova Rússia, chegando até os Montes Urais, se converterá na ‘nossa Índia’, porém muito melhor localizada que a dos britânicos72”. Tal como as empresas inglesas, as alemãs deveriam comercia- lizar produtos adequados ao nível cultural dos súditos, conside- rados primitivos já acostumados à miséria comunista. Os eslavos receberiam “tudo que os povos coloniais gostam73”, basicamente

35 quinquilharias de mau-gosto como espelhos, bijuterias e roupas de algodão muito coloridas. Talvez aprenderiam a escovar os dentes e tomar banho, com os produtos “mais toscos” de fabri- cação alemã. Os eslavos ainda seriam estimulados a se viciar em nicotina e álcool, como, de certa forma, os chineses haviam se viciado no ópio inglês74. Mais importante, teriam medicamentos anticoncepcionais e abortivos a preço de custo, para que tivessem o mínimo de filhos visando ao controle populacional. Mesmo que proibidos de comprar armas, os nativos garantiriam um mercado consumidor permanente para os cartéis alemães de regiões como o Reno-Ruhr, que adaptariam as velhas estratégias comerciais das manufaturas inglesas de Manchester, Liverpool e Birmingham. A monarquia anglicana, com seus títulos hereditários, não foi parâmetro para o Terceiro Reich num ponto crucial: seu coletivis- mo “socialista”. O novo império deveria beneficiar todo o povo, não apenas uma classe ou uma dinastia. Não se imaginava uma elite com seus automóveis Rolls-Royces, comprando diamantes dos judeus Rothschild, e sim a massa da nação alemã com seus Volkswagens financiados a prazo. Hitler criticava o fato de os ingleses terem, certa época, cometido o erro de industrializar a Índia. Tal competição criara desemprego entre os operários da metrópole, inclinando-os ao marxismo. Pensando no apoio do proletariado alemão, o ditador previu que o Leste seria “apenas uma fonte de matérias-primas e área de comercialização, não um campo para a produção indus- trial. [...] Não precisaremos mais procurar um mercado ativo no Extremo Oriente. Nosso mercado está na Rússia75.” Ainda falou que a Romênia, apesar de aliada na Operação Barbarossa, seria desencorajada a possuir indústrias para exportar seus produtos agropecuários, em especial o trigo da Bessarábia, para o mercado alemão em troca de bens manufaturados. Hitler disse gostar do campesinato romeno, mas menosprezou seu proletariado como

36 incompetente76. Portanto, de modo distinto, outras nações também seriam envolvidas na autarquia continental. Numa época de insegurança jurídica, o Estado nazista pre- cisou de estímulos verbais para convencer a iniciativa privada a investir. Foi pensando no capital, de fato, que o ministro da Economia nazista, Walther Funk, teve uma conferência com industriais em Praga em dezembro de 1941, poucos dias depois do ataque japonês a Pearl Harbor. Lá descreveu “os vastos terri- tórios do Leste” como “a promissora terra colonial para o futuro da Europa”, que superaria o “poder naval anglo-saxão77”. Entretanto, Hans Frank, governador-geral da Polônia ocupa- da, rejeitava como excessivamente liberal a forma como os ingleses organizavam, juridicamente, suas empresas coloniais na Índia e na África do Sul, defendendo mais intervenção do Estado alemão no território polonês78. Consequentemente, abundaram reclama- ções por parte dos grandes capitalistas sobre a burocratização nazi. Mesmo assim, a colaboração da “burguesia” europeia já se manifestou durante a guerra. Conglomerados industriais ale- mães como Volkswagen, Krupp e Siemens, e empresas como a holandesa Phillips, a francesa L’Oréal e a americana IBM, entre várias outras, aceitaram as encomendas nazistas: em caso de vitó- ria possivelmente expandiriam seus negócios no Leste Europeu. O nazismo ainda cumpriria sua “missão europeia” ao per- mitir que outras potências com tradição além-mar participassem desse comércio. A Holanda, por exemplo, teve sua colônia na Indonésia ocupada pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Mas por serem “germânicos”, racialmente aparentados dos alemães, os holandeses poderiam conseguir um mercado substituto nas terras improdutivas da Bielorrúsia, conforme projeto do comissário-geral Wilhelm Kube79. O mesmo acon- teceria na Ucrânia. Em 1943, o ministro Rosenberg criou uma Companhia Holandesa de Comércio, com a esperança de que os

37 holandeses ajudassem a modernizar a paisagem oriental com o que haviam aprendido na Indonésia por trezentos anos, desde o século XVII80. Entre os holandeses, tal esboço foi aprovado por colaboracionistas como Meinoud Rost van Tonningen, nascido na Indonésia81. Hitler ainda idealizou que a Bélgica poderia tro- car seus produtos industriais – ninharias de consumo barato, de baixa qualidade – pelo trigo da terra preta ucraniana, conhecida antes de 1914 como a “cesta de pão da Europa”82. Assim, os belgas teriam uma compensação caso perdessem suas colônias, em especial o Congo, na África Central. Quanto ao espaço soviético, seu aproveitamento econômico demandaria dos alemães uma reorientação espiritual. Após a Segunda Guerra Mundial, nos anos 1960 ou 1970, eles teriam de consolidar uma mentalidade enérgica, como a do venerado conquistador e negociante inglês Cecil Rhodes (1853-1902)83. Os alemães ocupariam milhões de quilômetros quadrados, incluindo rios gigantescos à altura do Ganges e do Nilo, como o rio Volga russo, prognóstico este que excitava a insistência quase fanática de Hitler em transformar a face da Terra: “Os britânicos, mas também os russos, possuem a autoconfiança que se origina dos amplos espaços. Eu espero que, com o tempo, nós também tenhamos isso84.” Chegou a titular seus Comissários Imperiais como “uma classe de vice-reis”, referindo-se aos representantes da monarquia britânica na Índia: pessoas que não seriam empre- gadas em países ocidentais ocupados, como França e Bélgica85. Para Alfred Rosenberg, do Ministério do Leste nazista, a presença alemã era basicamente uma tarefa de melhoramento civi- lizatório, destinada a trazer progresso. Sugeria a criação de jardins botânicos no estilo vitoriano, para palmeiras e orquídeas, além de santuários para a proteção de bisões, ursos, cavalos selvagens, avestruzes e antílopes, onde os alemães realizariam safáris. Os jovens, em particular, adquiririam responsabilidade com armas,

38 sexo e filhos no rigoroso inverno russo86. Já Herbert Backe, um dos principais responsáveis pelo confisco dos alimentos soviéticos, escreveu os 12 mandamentos para os alemães no Leste. Tais jovens deveriam testar sua produtividade e camaradagem, aprenden- do as coisas por conta própria, não sendo mimados pelos pais, como a juventude que a Inglaterra transformara em “lideranças natas” por séculos87. (Era o caso do primeiro-ministro Winston Churchill, que durante sua carreira no exército presenciara ações militares na Índia britânica, no Sudão e na Segunda Guerra dos Bôeres de 1899-1902. Antes de tudo isso, em 1895, Churchill passara voluntariamente suas férias em Cuba, junto com militares espanhóis que combatiam na Guerra de Independência Cubana). Deve-se considerar que os nazistas não invejavam apenas as colônias do Império Britânico. Também invejam as bases navais que Londres estabelecera ao redor do planeta. Chegou-se a apelidar a Península da Crimeia, na Ucrânia, como uma futura “Gibraltar alemã”: os alemães deveriam dominar o Mar Negro da mesma forma que os ingleses dominavam o Mediterrâneo a partir da base naval de Gibraltar, ao sul da Espanha europeia88. Os nazistas ainda mencionaram regiões que, ao contrário da Índia, haviam sido povoadas em massa por ingleses. Além dos Estados Unidos, isso incluía Canadá, Austrália, Nova Zelândia e, em partes, África do Sul (que juridicamente não eram colônias, tornando-se, entre 1867 e 1910, domínios com grande autonomia política). Heinrich Himmler, líder-supremo da SS, era um apaixonado por crianças loiras que financiava pesquisas e escavações sobre a mitologia viking. Ele projetou que o oeste da Rússia seria administrativamente dividido, como Carlos Magno fizera no leste do Império Franco medieval; “os métodos seguidos seriam aqueles com os quais a Inglaterra transformara suas colônias em domínios89.” Chegou a mencionar as figuras de Lorde Halifax e

39 Sir Nevile Henderson para algo inusitado: convencer mulheres alemãs a tomarem mingau no café da manhã. Algumas recla- maram que engordavam, embora Himmler deixasse claro que “os lordes e ladies ingleses são praticamente criados com essa alimentação90”. Tratava-se, enfim, de um pedantismo intelectual que abran- gia os mais ínfimos detalhes. Às vezes sem consideração pela realidade prática, os nazistas gerenciaram um Estado moderno com o tipo de compulsão megalomaníaca que Hitler manifestara quando jovem na Áustria, desenhando edifícios colossais ao som de Wagner, Mozart e Beethoven. Naturalmente, fatos europeus também foram mencionados para ilustrar tais desígnios. Hitler garantiu, por exemplo, que a Rússia seria desbravada como os ro- manos de César haviam feito na Germania, penetrando em brejos, pântanos e florestas com estradas de qualidade91. Ainda elogiou a rede de transportes do Império Inca pré-colombiano92, além das modernas rodovias norte-americanas. Deve-se acrescentar que vários nazistas citavam a Hansa e os Cavaleiros Teutônicos da Idade Média como testemunho de que os alemães já haviam implantado sua cultura na própria Europa Oriental, especialmen- te nas margens do Mar Báltico. Na Idade Antiga, ademais, a tribo germânica dos ostrogodos ocupou partes da atual Ucrânia. Para evidenciar tal continuidade, buscando legitimidade para a anexação, Hitler e Rosenberg falaram em renomear a península ucraniana da Crimeia como “Terra dos Godos”, ou com o antigo nome grego de Tauride; sua cidade de Simferopol chamar-se-ia “Cidade dos Godos” e Sebastopol teria seu nome alterado para “Porto de Teodorico”, em homenagem ao célebre rei ostrogodo93. Essa paixão pela história talvez inexistiu no expansionismo ul- tramarino: britânicos e franceses raramente afirmaram, se é que o fizeram, estar recuperando terras que haviam pertencido aos antepassados.

40 Dominando os “ridículos cem milhões de eslavos”

É claro que, para usufruírem do novo império, os alemães teriam de manter a população nativa sob controle, após a extinção do stalinismo. Esperava-se cultivar entre os alemães a astúcia, o ma- quiavelismo e o egoísmo dos ingleses, que tinham “um orgulho parecido com o dos antigos romanos94”. No outro extremo, os eslavos orientais conheceriam a precariedade político-cultural, numa relação colônia/metrópole como a mantida por Londres com os hindus e muçulmanos do subcontinente indiano. Tratando cristãos, inclusive católicos fiéis ao Papa, de tal modo, Hitler só foi sincero em reuniões a portas fechadas. Muitos de seus monólogos, publicados no pós-guerra como Conversas à mesa, foram anotados no quartel-general Toca do Lobo, na Prússia Oriental, complexo de bunkers onde ele passou mais de 800 dias no período 1941-194495. A Himmler, por exemplo, ele reiterou que pretendia uma opressão duradoura: “Não é possível manter com meios democráticos aquilo que foi tomado pela força. Nesse ponto, eu partilho da opinião dos Tories ingleses. Se eu subjugo um país independente, com a intenção de depois devolver-lhe sua liberdade, qual a lógica disso?96”. Tratava-se de violar o cosmo- politismo democrático do direito internacional. Noutra ocasião, expôs que o povo alemão “deve saber ser honesto apenas consigo mesmo, enquanto com outros povos (como os tchecos) deve agir de modo tão hipócrita como fazem os ingleses97”, assimilando a habilidade em mentir e iludir. Acima de tudo, Hitler apreciava a capacidade de uma pe- quena elite de funcionários leais à Coroa dominar todo o sub- continente indiano, a segunda região mais populosa do mundo, atrás apenas da China. Contando todo Império Britânico, havia em média um inglês para cada nove estrangeiros98. O domínio sobre os eslavos também se basearia nesta hegemonia da qua-

41 lidade sobre a quantidade: “Vamos aprender com os ingleses, que, com uma totalidade de 250 mil homens, incluindo 50 mil soldados, governam 400 milhões de indianos99.” Nesse quesito, ainda costumava vangloriar os 6 mil gregos de Esparta (o “pri- meiro Estado racialista” da história) que, supostamente, haviam oprimido mais de 350 mil hilotas na Antiguidade100. Subordinado de Hitler, a quem jurava lealdade e obediência incondicionais, Heinrich Himmler foi ainda mais ambicioso. Num discurso em Zhytomyr, na Ucrânia ocupada, em setembro de 1942, ele exortou policiais da SS a compreenderem os ingleses “não apenas na teoria, mas também na prática”, de modo que uma única pessoa germânica mandaria sobre 100 mil eslavos101. Na cidade de Posen, Himmler novamente citou os ingleses pre- vendo o manejo de no mínimo 100 milhões de eslavos, e recursos energéticos em quantias ilimitadas102. Eventualmente, alegou-se que essa supremacia inglesa era parecida com a praticada no antigo Império Austro-Húngaro, onde uma “minoria de 12 milhões de alemães” havia “comandado 40 ou 50 milhões súditos de raças estrangeiras nos Bálcãs103”. Como os ingleses, os Habsburgos austríacos haviam dado certa autonomia cultural para seus súditos – inclusive tchecos, sérvios, poloneses e ucranianos – em troca de subserviência de política. Todavia Hitler, que nasceu no Império Austro-Húngaro, também criticava como excessivamente tolerante a gestão de Viena antes da Primeira Guerra Mundial. Certa vez presumiu que, caso os austríacos tivessem manifestado o auto-orgulho inglês, nunca teriam permitido que a Hungria ganhasse tanta autonomia a partir de 1867: como não eram germânicos, os húngaros deviam ter sido mantidos como submissos ao invés de parceiros104. Alfred Rosenberg, do Ministério do Leste, era o nazista da alta cúpula que melhor entendia do espaço soviético. Ele vivera no Império Russo até 1918, testemunhando a Revolução Bol- chevique em Moscou, também conhecendo pessoalmente regiões

42 como a Ucrânia e o Báltico, pois nascera como súdito dos Czares Romanov. Num discurso para seus burocratas e tecnocratas, comparou-os com os ingleses da Companhia das Índias Orientais enviados para a Ásia no século XVII – ainda na época mercanti- lista – em busca de chás, seda e ópio105. Noutra ocasião, tentou legitimar Berlim aproximando-a de Londres: ambas recusavam o marxismo em prol da “dominância racialmente definida”.106 Na bibliografia, os administradores nazistas já foram chama- dos de “sátrapas”107, uma referência aos governadores provinciais do Império Persa, e também de “mandarins”108, uma referência aos altos funcionários letrados do Império Chinês. Tais asso- ciações estão vinculadas ao excesso de pompa e burocracia que realmente apareceu na ocupação alemã. Num detalhado memo- rando escrito de dezembro de 1942, que seria usado como prova em Nuremberg, um subordinado de Rosenberg reclamou disso ao recomendar uma postura mais versátil e dinâmica, baseada em experimentos regionalizados em vez de dogmas ideológicos: “capacidade de liderança” que associou ao anglo-saxonismo. Na verdade, o funcionário de Rosenberg lembrava que os ingleses haviam, sim, permitido a alguns hindus estudarem na metrópole (como Mahatma Gandhi, que cursou direito em Londres). Ape- sar de levar à formação de uma “intelligentsia proletária hindu”, inclinada ao marxismo e a rebeliões, essa medida racionalizara a economia indiana109. Mais uma vez percebe-se a existência de agências rivais no interior da máquina nazista, que interpretavam a história de modo diferente. Numa reunião em Cracóvia, o governador-geral da Polônia, Hans Frank, citou os Impérios Britânico e Romano como teste- munhos de que “nenhum grande império existe sem um sistema de leis110”. Como advogado, Frank recomendava que a submissão dos polacos fosse regulamentada por escrito, tornando-se mais coerente e estável – algo que já acontecia com os tchecos, num sistema de recompensas por docilidade conhecido como “pão de

43 açúcar e chicote”. Condenado à prisão em Nuremberg, Paul Kör- ner, considerado o principal subordinado de Hermann Göring, defendeu-se com o álibi de que havia se espelhado nos ingleses visando à mera retirada de recursos para a indústria alemã, sem os excessos cometidos antes por Espanha e Portugal na América: “Eu não acreditava que essas áreas seriam cruelmente extorqui- das, e a população colocada numa posição de escravos, como no primeiro período do colonialismo europeu111”. Em público, Hitler até atacou o governo do primeiro- -ministro Winston Churchill por negar os direitos demandados pelo povo indiano na época. Em maio de 1942, chegou a receber em seu quartel-general , famoso defensor da libertação indiana, que também se encontrou com Himmler, buscando voluntários para a dita Legião Indiana do Exército ale- mão112. Contudo, tais medidas representavam demagogia pública, visando iludir correspondentes estrangeiros e mesmo parte do povo alemão. Contrariavam seu etnocentrismo doentio, inimigo da alteridade humana. Para ele, a essência do poder britânico não era a legalidade com os súditos, nem a chance dada a eles de conhecerem ferrovias ou papel higiênico; no Egito, esclareceu, os ingleses haviam construído barragens no rio Nilo pensando apenas na independência de seu algodão perante a concorrência americana113. Num discurso para estudantes nazistas em janeiro de 1936, ele mencionou a rapinagem do espanhol Hernán Cortés no atual México e a do inglês Robert Clive na Índia do século XVIII para justificar a supremacia mundial da raça branca114. E em janeiro de 1942, consta em Conversas à mesa, Hitler informou residir a riqueza da Grã-Bretanha na “exploração capitalista dos trezentos milhões de escravos indianos”, incluindo a venda de ópio e álcool, enquanto os alemães, ingênuos, haviam tentado evitar que os negros conhecessem os malefícios da nicotina: “O homem inglês é superior ao alemão em um aspecto – seu orgulho115”.

44 De fato, Hitler desconsiderava o mito do bom selvagem do francês Jean-Jacques Rousseau, as utopias do Iluminismo, pre- ferindo um egoísmo do tipo nietzschiano em escala planetária. Argumentava que os alemães não tinham qualquer obrigação com a dignidade dos “ridículos cem milhões de eslavos”, acrescen- tando: “e todo aquele [nazista] que falar em agradar o nativo ou civilizá-lo irá imediatamente para um campo de concentração116”. Para ele, um autodidata que nunca teve formação acadêmica, o paradigma a ser seguido era a aristocracia do outro lado do Canal da Mancha, cujo apogeu fora na era vitoriana, antes da conso- lidação do Partido Trabalhista. Eis um precedente duradouro, quase obsessivo na mente de Hitler, comparável ao rei prussiano Frederico II, seu personagem preferido da história alemã117. Tal influência é observável, além do mais, no jeito como Hitler rebaixava a antropologia das vítimas eslavas. Para ele, os russos estavam quase no mesmo patamar dos “intocáveis” que, no sistema de castas indiano, eram obrigados a defecar nas ruas e comer lixo como cães. Criticando a “mania” dos médicos de distribuir vacinas, disse alarmante o fato de a população da Índia ter aumentado 55 milhões nos dez anos anteriores, devido à tolerância inglesa: “Nós testemunhamos hoje o mesmo fenô- meno na Rússia. As mulheres têm um filho a cada ano118”. No caso, havia uma crítica indireta ao domínio britânico, que não adotara mecanismos adequados de contenção demográfica, po- rém os russos eram equiparados aos indianos em sua propensão reprodutiva, teoricamente originada da vulgaridade sexual desde a infância. Mesmo os eslavos mais a oeste foram excluídos da Europa, em termos civilizatórios. “A Ásia começa na Polônia”, declarara Hitler em outubro de 1939, colocando Varsóvia no mesmo continente de Bombaim e Calcutá119. Por incrível que pareça, e para o desgosto dos intelectuais soviéticos, Karl Marx e Friedrich Engels foram pioneiros a partir de 1853 ao difundirem a imagem da Rússia Czarista – que incluía a Polônia – como um

45 “despotismo asiático” ou “oriental”, intesamente mongolizado, que não pertencia ao Ocidente capitalista por ser tão estagnado quanto Índia e China120. Eis uma linguagem comum entre a intelectualidade comunista pré-1917, que acabou apropriada para fins diametralmente opostos.

Subjugar e reprimir, mas sempre mantendo distância

Hitler elogiava os ingleses por interferirem pouco na vida dos povos coloniais121. Segundo ele (e segundo Hannah Arendt), os ingleses não tentavam converter estrangeiros a uma civilização universal, como a da Grécia de Alexandre Magno e a do Império Romano. Ao contrário dos imperialistas alemães e, sobretudo, franceses, acusados de ingenuidade, os anglo-saxões adotaram um método de “domínio indireto” no século XIX: permitiram que os indianos continuassem tomando banho entre cadáveres, no rio Ganges, e cultuando vacas como divindades. Hitler visava a um utilitarismo similar para as regiões da Europa Oriental que não seriam “germanizadas”, ou seja, povoadas. Apesar de rejeitar o auxílio de autoridades locais, como os rajás e marajás mantidos em partes da Índia, e apesar de visar um senhorio muito mais baseado na intimidação que o inglês, Hitler pretendia deixar os eslavos num estilo de vida “asiático”, segregados em favelas de casebres e cabanas. Para ele, até a Itália fascista de Mussolini, aliada alemã, de- veria examinar como os britânicos “aprenderam a arte de serem senhores122”, esnobes e vaidosos, sem a afeminação francesa. Se os italianos conseguissem tomar o Egito dos próprios ingleses, teriam de continuar mantendo os muçulmanos com suas tradições, sem “perturbá-los” com a literatura italiana que Roma, na época, tentava difundir entre os gregos, albaneses e croatas conquistados.

46 Na Europa do Leste haveria uma negligência intencional de modo que a cultura alemã não seria exportada aos autóctones. Vegetando em casas com paredes de barro e tetos de palha, sem acesso a esgoto, infestadas por pulgas e carrapatos, o máximo de modernidade que os autóctones teriam seria bicicletas e eletro- domésticos alemães. Difundir a educação básica e fundar uma universidade em Kiev, como queria Rosenberg, representavam medidas contraproducentes a longo prazo. O estudo da história pré-comunista era especialmente perigoso. Afinal, num predo- mínio “semelhante ao da Inglaterra na Índia123”, não haveria conhecimento teutônico para que povos de uma “sub-raça” se organizassem politicamente ou modernizassem suas armas com tecnologia. Hitler nem cogitava beneficiar os eslavos como fizeram, em suas respectivas áreas, os aliados europeus da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. A começar pela Itália fascista, que colocou a difusão cultural na frente da pureza racial, com instrumentos como as escolas Dante Alighieri, os regimes pró- -nazistas do continente, apesar de frequentemente antissemitas, investiram na assimilação de estrangeiros. Na Iugoslávia ocupada, os croatas pró-nazistas tentaram converter os sérvios ortodoxos para o catolicismo, mesmo que à força. A Hungria permitiu que os povos das regiões anexadas durante a Segunda Guerra Mun- dial tivessem representação em seu Parlamento, que funcionava livremente. Ademais, os romenos que invadiram a Ucrânia com os alemães mantiveram parte do sistema educacional, adaptando- -o para a “romanização” da cultura ucraniana124. Mas Hitler recusava algo parecido, alegando que seria perda de tempo falar sobre Schopenhauer e Mozart com uma “escória bestial” que, no máximo, entendia sobre niilismo e o anarquismo de Bakunin. Nesse quesito, os aliados fascistas pouco o inspiravam: “Quan- to ao sistema educacional da população não-alemã nós nunca

47 devemos esquecer que, na extensão do Leste, empregaremos as mesmas técnicas dos ingleses em suas colônias125.” Ao contrário dos católicos alemães, os anglicanos ingleses não haviam importunado estrangeiros com noções de limpeza e higiene, mantendo-os no esgoto. De maneira afim, os eslavos só aprenderiam a escrever o próprio nome e teriam distrações como música alegre durante o trabalho manual: “Basta que contem até 100126”. Os eslavos não teriam chance de desenvolver uma intelectualidade científica, permanecendo como simples consu- midores dependentes da Alemanha, “isolados na imundície de seus chiqueiros127”, acostumados com bugigangas industriais de mau-gosto. Seriam proibidos de frequentar as aldeias alemãs. Em transportes públicos ocupariam espaços segregados. Não seriam vacinados, nem teriam acesso à medicina ou odontologia do tipo moderno. Essa marginalização foi mais estável nas zonas ocidentais da Polônia, anexadas pela Alemanha, onde os autóctones tinham de carregar cartões especiais de identificação, não tendo acesso às bibliotecas, livrarias, cafés, cinemas, hotéis e restaurantes re- servados aos alemães, incluindo austríacos. Homens poloneses, mesmo de origem aristocrática ou cultos, repentinamente tiveram de obedecer a alemães de origem proletária, inclusive mulheres alemãs, algo que causou polêmica128. Com relação ao espaço soviético, Hitler disse ser contra a colocação de avisos em ucra- niano, chamando a atenção para cruzamentos ferroviários; pois “o que importa se um nativo a mais ou a menos seja esmagado por nossos trens?129” Os alemães precisariam de devoção e fanatismo para manter a coesão entre si. Como paradigma institucional, mencionou-se o padre Inácio de Loyola. Loyola foi o fundador da Companhia de Jesus, os jesuítas, que como reação à Reforma Protestante empenharam-se por difundir o catolicismo romano ao redor do mundo a partir do século XVI, inclusive nas Américas e na

48 Índia, parcialmente ocupada por portugueses. Hitler apoiava a forma como Heinrich Himmler doutrinava os membros da SS, chamando-o de “nosso Inácio de Loyola130”. Todavia, tal associa- ção não significava que os eslavos, acusados até de canibalismo, seriam convertidos ao culto neopagão nórdico himmleriano. Referia-se exclusivamente à estrutura interna da SS, cujos valores de lealdade, obediência incondicional e espiritualidade – mas não a castidade católica, claro – seriam rigidamente inacessíveis aos de fora. O esforço de precarização também seria político. O fato de os eslavos não terem acesso à cultura ocidental devia impedir a formação de novos Estados, no padrão europeu. Hitler prestigiava os ingleses por usarem a estratégia de “Dividir para imperar”, estimulando o máximo de divisões internas na Índia, inclusive entre hindus e muçulmanos. De modo análogo, os alemães ex- plorariam as velhas divisões étnicas e religiosas entre os eslavos orientais, algumas agravadas pelo bolchevismo após 1917, e o autonomismo de regiões como a Chechênia; os eslavos seriam assim isolados em pequenas comunidades sem coesão nacional, que não resistiriam devido à sua insignificância. Hitler chegou a antecipar que, após o fim do comunismo, alguns vilarejos acabariam “adotando a magia negra, no padrão de negros e in- dianos131”. Seriam assim reduzidos a uma condição pagã, como aquela anterior ao cristianismo ortodoxo, não integrando um regime colaboracionista moderno como a França de Vichy ou a Croácia do Ustashe. Muito antes dos ingleses, a artimanha de dividir para sub- meter fora exposta por notáveis como César e Maquiavel, depois por Napoleão, todos lidos pelos nazistas. Acabou usada pelos imperialistas na África. Na atual Ruanda, a sangrenta rivalidade entre as etnias hutu e tutsi, culminando no genocídio de 1994, atesta como as metrópoles europeias (no caso, sobretudo a Bél- gica) favoreceram certos grupos nativos para controlar outros,

49 intensificando ódios. O Japão imperial, aliado da Alemanha nazista, fez o mesmo na China. Ao criarem o Estado fantoche de Manchukuo em 1932, os japoneses fortaleceram a alteridade da minoria local manchu com relação à maioria chinesa de etnia han. E os nazistas empregaram tal artimanha com destreza bem antes da Operação Barbarossa. Na ex-Tchecoslováquia, favorece- ram os eslovacos contra os tchecos; na ex-Iugoslávia, aceitaram a tese de que os croatas eram católicos ocidentais que ajudariam a controlar os sérvios, ortodoxos e pan-eslavistas; na URSS, por fim, incitaram os ucranianos contra os russos. Segundo o relato pouco confiável de Hermann Rauschning, Hitler já havia manifestado seu exclusivismo em 1934, numa con- versa informal entre os dois. Ele teria rejeitado a sugestão de “um Estatuto de Westminster para os Estados da Europa Central e Oriental, uma federação voluntária sob liderança alemã132”. (Pelo Estatuto de Westminster de 1931, australianos, canadenses, sul- -africanos, neozelandeses e irlandeses foram declarados parceiros co-iguais do Reino Unido, e não mais domínios dependentes). Deveras, salvo exceções como a Finlândia, o que Hitler ansia- va era a imposição racista unilateral, jamais a cooperação com parceiros compartilhando valores comuns. A longo prazo nem mesmo povos germânicos como o holandês teriam tal privilégio, devendo ser anexados à força na Grande Alemanha, mais ou menos como a Prússia de Bismarck fizera com outros reinos alemães nas Guerras de Unificação de 1864-1871133. Mais importante, os ingleses mostravam que era possível evitar a miscigenação com mulheres subjugadas, uma velha tentação enfrentada por homens militaristas. Ao contrário dos portugueses – que, segundo Rosenberg, haviam transado com hindus quando ocuparam a Índia, gerando uma linhagem mes- tiça134 – a aristocracia inglesa evitava ao máximo o contato físico e sexual com seus súditos. Embora as colônias alemãs na África tenham sido pioneiras na proibição de casamento e coabitação

50 “inter-raciais”, a partir de 1905, nem sempre tal experiência nacional com os negros foi valorizada. “Nós adotaremos a atitude britânica de arrogância135”, esclareceu Hitler num monólogo a seus companheiros de mesa, com seu elitismo vulgar. Previa que os alemães viveriam longe dos povoamentos eslavos e seriam praticamente proibidos de frequentá-los, não tomando cerveja em bailes de confraternização. A “contaminação” sexual entre mulheres alemães e homens eslavos seria punida com rigor especial. Isso evitaria a temível possibilidade de que uma herança civilizatória e genética fosse transmitida por meio de mestiços – de acordo com a versão nazi, o erro cometido pelos portugueses na Índia, e também pelos holandeses com os malaios136, mas pouco cometido pela aristocracia anglicana inglesa. O pequeno livro Política racial, publicado pela SS durante a guerra, mostrava negros de colônias inglesas sendo discriminados em escolas e hospitais. Também mostrava um criminoso negro sendo enforcado em público por brancos nos Estados Unidos. Comemorando a morte alheia, a legenda das fotos louvava a “forte consciência racial” dos anglo-saxões que não haviam sucumbido aos igualitarismos cristão, liberal e marxista, todos de “essência judaica”137. Em formatos específicos, a institucionalização do racismo ainda ocorreu noutros continentes. Na África do Sul, o regime de apartheid imposto aos negros por descendentes de ingleses e, sobretudo, de holandeses (africâneres), baseou-se em medidas discriminatórias parecidas com as nazistas. Em maior ou menor grau, esses africâneres, alguns de origem alemã, foram inspirados por ideias fascistas138. E na Austrália, os cidadãos britânicos de origem inglesa impuseram severa segregação aos nativos aborí- genes. Quanto aos nazistas, no pré-guerra eles já haviam impe- dido judeus e negros de se casarem com alemães, retirado sua cidadania e restringido seu acesso a locais públicos como escolas, hospitais e transportes. Realizada por meio de leis oficiais, essa

51 experiência na própria Alemanha prenunciou o que ocorreria no exterior a partir de 1939 – dessa vez sem muita preocupação com formalidades legais. Por fim, a elite alemã de “vice-reis” empenhar-se-ia na “paci- ficação”139. Puniria revoltas com rapidez e efetividade, abusando da pólvora ou cortando suprimentos para regiões amotinadas. O uso de armas talvez seja o pressuposto mais antigo do senhorio, constando no Antigo Testamento, sobretudo no livro de Samuel, que os filisteus não permitiam aos israelitas nem mesmo afiar suas ferramentas, temendo rebeliões. “Isso nós definitivamente devemos aprender com os ingleses140”: eis como Martin Bormann anotou a fala de seu Líder numa importante reunião em julho de 1941, na qual se pediu o uso de blindados e bombardeios estratégicos contra guerrilheiros. A mesma truculência vitimaria lideranças locais que empregassem nacionalismos e/ou o cristia- nismo ortodoxo para resistir. Diferentemente dos Cavaleiros Teu- tônicos e do Islã – cujo Alcorão era celebrado pela intolerância, de um tipo ausente na Bíblia141 – não se visava à vitória bélica para catequizar os vencidos. Defendeu-se algo parecido para a Polônia. Numa conferência que presidiu em Berlim em setembro de 1942, o marechal-de- -campo Erhard Milch, cujo pai era judeu, falou dos polacos: “Se essa gente faz um motim e não trabalha, então eu demando que ocorra um fuzilamento. Nós fazemos na Polônia o mesmo que os britânicos fazem na Índia, com a única diferença de que os britânicos lidam com seus próprios súditos, enquanto nós lidamos com o inimigo. Eu exijo que nenhum de nós mostre falta de atitude142.” Com requintes de maldade, a meta era uma moral essencial- mente soldadesca e viril para os encarregados de proteger o novo “espaço vital”. Os Montes Urais, 1,3 mil quilômetros ao leste de Moscou, seriam o limite final do domínio alemão, e cumpririam uma função militar semelhante à da fronteira norte-ocidental do

52 Raj britânico na Índia: um teste para a combatividade teutônica, palco de eventuais guerras fronteiriças com as forças russas da Ásia. Umas sessenta divisões alemãs manteriam uma Rússia enfraquecida permanentemente a distância, numa espécie de “quase paz” colonial. Tais divisões fariam, se necessário, incur- sões punitivas como as que o Exército Britânico fizera no século XIX nas montanhas paquistanesas e afegãs (Churchill participou na campanha de 1897-98, escrevendo seu primeiro livro como relato). No Egito, os ingleses haviam intimidado os nativos com canhões e metralhadoras, e algo correspondente deveria acontecer naquela paisagem mais fria: “No caso de uma nova revolução, nós devemos ter apenas de lançar algumas bombas sobre suas cidades, e a questão estará liquidada143.” Retrocedendo ainda mais no tempo, Hitler lembrava que no Império Romano inicialmente apenas cidadãos romanos podiam portar armas. Quando estran- geiros passaram a ser recrutados, ocorreu de o herói germânico Arminius tornar-se oficial e instruir-se nas táticas que, como traidor, usaria contra as próprias legiões romanas na batalha de Teutoburgo, sendo esta a desculpa do Líder nazista ao negar o pedido dos tchecos de formarem um exército nacional144. Mesmo em 1945, perto da derrota, Hitler manteve a sober- ba. Rejeitou a sugestão de que russos anticomunistas usassem uniformes alemães para lutarem contra o Exército Vermelho. Tal vestimenta, explicou, os ingleses nem cogitariam para seus vassalos de pele escura, mantidos com turbantes tribais145. Com tamanha arrogância, Hitler se afastou da maioria das potências europeias que haviam tentado a hegemonia continental. Elas geralmente anunciaram mensagens de progresso material ou espiritual para os estrangeiros que viveriam sob sua autoridade. Começando pelo Império Romano até a própria União Soviética, incluindo a Espanha católica de Felipe II, a França napoleônica e o Império Alemão durante a Primeira Guerra Mundial, quase todas as potências europeias tentaram difundir um sistema multi-

53 nacional de valores. De modo parcial, até a Inglaterra do século XVII defendeu a ideia universal de liberdade, como a França do século XVIII a ideia de razão. Mesmo à força, a Prússia tentou “germanizar” os poloneses para a cultura alemã. E elites de impérios europeus multinacionais como o russo e o austro- húngaro, além do turco-otomano, disponibilizaram o aparato estatal para massas de regiões distantes: o próprio Stálin nasceu como georgiano, frequentando escolas onde se difundia a cultura russo-ortodoxa no Cáucaso... Mas a tirania nazi rompeu com essa tradição146. Com seu racismo, ela invocou em plena Europa um conjunto de barreiras antropológicas que nem a Itália fascista usou no continente. Seu racismo era moderno, de um tipo surgido no século XIX, sobretudo na África, e por ser biológico não admitia a possibilidade de conversão cultural, mesmo forçada, que até ali marcara as rivalidades europeias, geralmente de cunho reli- gioso ou nacionalista, eventualmente de cunho ideológico. Ainda havia um agravante. O colonialismo inglês dominou sociedades rurais pouco coesas, de modo progressivo; já o nazismo tentou algo similar com sociedades industriais, que já dispunham de uma identidade consolidada, impondo sua autoridade de forma abrupta147. Tal excessiva prepotência foi reprovada, previsivelmente, mesmo por oficiais da SS, conhecidos pelo radicalismo implacável contra os judeus. Numa reunião em dezembro de 1942, Paul Zimmermann protestou que o fechamento de escolas, bibliotecas, teatros e cinemas “gerou um desapontamento incomensurável entre a população. Eles sentem que são tratados como um povo colonial.” Tal decepção era igualmente comum no Cáucaso, extremo sul da Rússia europeia, onde também habitavam povos não-eslavos como armênios e chechenos conhecidos por se ofen- derem facilmente, conforme se observa num relatório do general Karl von Roques. Nem os povos coloniais, escreveu ele, eram tão oprimidos em suas escolas, recomendando mais colaboração

54 com médicos, professores e burocratas nativos num ambiente de liberdade intelectual148.

Apoio para o aprendizado: o velho contato anglo-alemão

Embora o primeiro-ministro Winston Churchill pouco reco- nhecesse, insistindo na visão anti-prussiana adquirida durante a Primeira Guerra Mundial, a conexão entre alemães e ingleses era sólida. Representantes desses dois povos “germano-nórdicos” mantinham intercâmbio de ideias e experiências desde muito antes de Hitler nascer em 1889. Os próprios nazistas acolhe- ram a crença, usual na época, de que a classe dirigente inglesa, geralmente loira e de olhos azuis, era originária da região alemã da Saxônia, tendo migrado no final da Antiguidade149. Tal “afi- nidade racial” preexistente condicionou o programa nazista, que não foi totalmente original. O ex-imperador alemão Guilherme II, por exemplo, fora neto da célebre rainha Vitória do Reino Unido e, assim, primo do rei Jorge V – espantosamente, ambos reinavam quando seus países se enfrentaram na Primeira Guerra Mundial. Guilherme II passou boa parte de sua juventude em palácios ingleses, conhecendo bem, e muitas vezes invejando, o poder de seus parentes150. O escritor racista Houston Stewart Chamberlain, autor de Os fundamentos do século XIX, muito estimado por Hitler e Rosenberg, também testemunha essa afinidade anglo-germânica. Chamberlain nasceu no sul da Inglaterra, porém decidiu se mudar para a Alemanha, onde virou amigo pessoal do imperador Guilherme II e genro do músico Richard Wagner, depois membro do Partido Nazista, adotando esse país como seu151. Alguns alemães sem origem aristocrática também mantiveram contato com a sociedade inglesa. Na segunda metade do século

55 XIX, eles passaram períodos no exterior, sobretudo em Londres, conhecendo as áreas nas quais posteriormente se destacariam. Foi o caso do célebre imperialista Carl Peters152, conquistador da colônia “África Oriental Alemã”, atual Tanzânia, e do cartó- grafo August Petermann, pioneiro na Alemanha por insistir na importância de expedições ultramarinas e na nacionalização do conhecimento geográfico. Fundador da empresa Bosch, que pro- duziu armamentos para o regime nazista, Robert Bosch trabalhou na Grã-Bretanha nos anos 1880, como empregado da empresa Siemens. Esse foi o primeiro mercado estrangeiro de sua empresa. Não se pode esquecer que Karl Marx, nascido em Trier, mudou-se para Londres em 1849, onde morou pelo resto de sua vida. A Liga dos Comunistas também moveu sua sede para lá. O clássico de Marx, O Capital, centrava sua análise na econo- mia capitalista contemporânea da Grã-Bretanha, atestando que intelectuais alemães de esquerda foram igualmente provocados pelo mundo anglo-saxão. Por incrível que pareça, muitos alemães participaram do colonialismo inglês pré-imperialista desde o século XVIII, geralmente como militares mercenários. A partir de 1782, por exemplo, soldados do Estado alemão de Hanôver (que tinha ligação dinástica com a monarquia britânica) lutaram na Índia contra o reino nativo Mysore. Um desses oficiais hanoverianos era o irmão mais velho dos célebres intelectuais Friedrich e August Schlegel, que entre várias coisas foram pioneiros da Indologia alemã: esse irmão morreu em Madras em 1789, tendo escrito um importante manuscrito sobre a geografia e a sobrevivência naquele subcontinente. Antes disso, a partir de 1706, padres católicos alemães estabeleceram missões de conversão no litoral indiano do Oceano Índico. A participação de alemães no colonialismo inglês não ocorreu apenas na Ásia. Eles lutaram na América do Norte durante a Guerra dos Sete Anos e, mais famosamente, durante

56 a Guerra de Independência americana, quando quase trinta mil soldados alemães foram mandados por seus príncipes, sobretudo do Hessen-Kassel, para lutar pelos britânicos, representando pelo menos um terço das tropas antirrevolucionárias153. Outra constatação surpreendente: alemães integraram as tropas francesas que ocuparam partes do leste da Índia. Ainda participaram do mercantilismo holandês, com destaque para Maurício de Nassau, que chegou a ser governador do Brasil holandês154. Apesar de não mencionados pelos nazistas, tais episódios da era pré-imperialista revelam uma longa tradição alemã em assuntos ultramarinos. Séculos antes de o nazismo existir muitos alemães já conheciam bem, e invejavam, o poder de nobrezas estrangeiras. Pouco importava o fato de os alemães terem atuado como subordinados de Londres, Paris e Amsterdã, já que ainda não estavam unificados num Estado nacional. Os próprios nazistas mantiveram esse contato. Em outubro de 1937, Hitler recebeu, no seu retiro em Obersalzberg, uma visita emblemática muito divulgada pela propaganda nazi. Era o Duque de Windsor – aritocrata que no ano anterior fora rei do Reino Unido, como Eduardo VIII, antes de decidir abdicar; existem fotos suas fazendo a saudação hitlerista na ocasião, sendo que até o fim da vida foi acusado de pró-nazista por críticos155. A ligação com os ingleses ainda pode ser observada em Hermann Göring, o poderoso nazista responsável, entre outras coisas, pela exploração econômica do território soviético. Seu pai, o diplomata Heinrich Ernst Göring, chegou a ser enviado para Londres pelo chanceler alemão Otto von Bismarck, para estudar sobre impérios ultramarinos, lá se casando com a mãe de Hermann. Heinrich Göring foi amigo pessoal dos famosos imperialistas ingleses Cecil Rhodes e Joseph Chamberlain, figuras que tiveram influência decisiva sobre seu filho nazista.

57 Ministro da Economia do III Reich entre 1934 e 1937, o banqueiro Hjalmar Schacht chegou a doutorar-se pela Uni- versidade de Kiel, em 1900, com a tese O conteúdo teórico do mercantilismo inglês. Durante a carreira encontrou-se com vários banqueiros e diplomatas ingleses, já que era proveniente da alta sociedade alemã, igualmente elitista156. O general Karl Haushofer, considerado por muitos o mentor geopolítico de Hitler, visitou a Índia em 1908-09 a caminho do Japão, para onde foi mandado pelo exército alemão estudar o exército japonês. Na Índia, ele e sua esposa visitaram cidades como Bombaim e Calcutá, parti- cipando de passeios com elefantes e visitando templos hindus. Chegaram a almoçar como convidados de Horatio Herbert Ki- tchener, inglês com longa tradição em guerras coloniais, na época comandante-em-chefe da Índia; também encontraram-se com o escritor austríaco Stefan Zweig, que moraria no Brasil157. Mais uma biografia sugestiva nesse cenário: a de Ernst Wilhelm Bohle, membro da SS, deputado do Parlamento alemão nazificado e líder da Organização para o Exterior (AO) nazista. Bohle nasceu em 1903 em Bradford, Inglaterra, de pai alemão, e com três anos de idade mudou-se para a Cidade do Cabo, atual África do Sul, na época uma colônia britânica158. Caso igualmente notório é o de Joachim von Ribbentrop, o ministro do Exterior nazista. Ele morou em Londres quando jovem, depois no Canadá e em Nova York. Voltando ao Canadá – um domínio do Império Britânico, ainda não independente – Ribbentrop tornou-se amigo do governador-geral, o príncipe Arthur, terceiro filho da rainha Vitória, casado com uma prince- sa prussiana159. E o próprio Rudolf Hess, um dos aliados mais confiáveis de Hitler, tinha mãe britânica, tendo nascido em 1894 em Alexandria, no Egito, que na época já era controlado pelos ingleseses (o pai de Göring também serviu em Alexandria, como cônsul alemão).

58 Ribbentrop e Hess adquiriram essa experiência no exterior. Contudo, no futuro ideal nazista, o aprendizado ocorreria no próprio território da União Soviética. Buscar-se-ia uma cola- boração formal anglo-alemã, em vez de anglo-americana, para que os alemães fossem pessoalmente auxiliados pelos ingleses no Leste, com base na utopia de que a afinidade genética facilitaria a aproximação comportamental e diplomática. Num memorando de abril de 1941, capturado no pós-guerra entre os arquivos de Rosenberg, previu-se que famílias inglesas seriam convidadas a povoar as margens do Mar Báltico. Racial- mente selecionados, de alto padrão eugênico, tais ingleses seriam “membros do Reich” e poderiam inclusive se casar com mulheres alemãs160. Já os italianos, apesar de aliados, seriam rejeitados devido à pigmentação mais escura do sangue mediterrâneo. Se- gundo um projeto de Himmler, a Inglaterra futuramente poderia dominar o grosso da Sibéria russa na Ásia, a região entre os rios Ob e Lena, que seria integrada a seu império em colaboração com a Alemanha161. Previu-se até o envio de colonos holandeses para o Leste. Eles também poderiam se casar com mulheres alemãs, pois eram “germânicos” “puros”, sob a condição de que sua experiência ultramarina ajudasse a integrar os pântanos e estepes orientais num bloco comercial europeu162. Na Holan- da tal plano foi aceito por colaboracionistas. Antes da guerra, havia-se cogitado um povoamento holandês na Nova Guiné; o Leste foi aceito como novo destino, onde se previu uma colônia de camponeses como a dos bôeres na África do Sul163. Note-se que alguns holandeses que auxiliaram os nazistas a perseguirem judeus, como o líder policial Sybren Tulp, tinham experiência na Indonésia e no Suriname, onde a administração holandesa havia imposto rígida discriminação racial164. Assim os alemães, além de lerem livros e assistirem documentários, poderiam estudar in loco a ação colonial.

59 60 C a p í t u l o 2

O imperialismo na África

61 62 Explorando a mão de obra eslava

Na Europa conquistada pelo Exército alemão, o método inglês de domínio indireto, através de uma pequena elite “supervisora”, foi tentado especialmente nos países ocidentais, ou seja França, Bélgica e Holanda165. Mesmo entre os tchecos do Protetorado da Boêmia e Morávia, considerados eslavos, os alemães manti- veram parte da burocracia local e da produção industrial, como a fábrica Skoda, que se focou na produção de armamentos ao invés de automóveis. Mas a realidade foi diferente na União Soviética, devastada pela invasão alemã, cuja população aflita foi obrigada a trabalhar mediante humilhação e coação direta. Das 244 milhões de pessoas que viviam sob o Terceiro Reich em 1942 (90 milhões delas alemãs), os eslavos soviéticos conheceram o pior tipo de autoritarismo, sujeitados a ponta de pistola como se fossem gado sacrificável. O ministro Rosenberg chegou a reclamar para Hitler num memorando escrito: “Nesse ponto, a comparação muito mencionada com a Índia me parece comple- tamente equivocada166”. Assim, outro episódio fora da Europa foi modelo: a ação imperialista na África, a partir da Conferência de Berlim de 1884-1885, organizada pelo chanceler alemão Otto von Bismarck. Sem dúvida, o plano nazista era que milhões de russos e ucranianos fossem explorados como trabalhadores forçados. Tais eslavos, sobretudo homens adultos com saúde, seriam privados de sua liberdade civil ao lidarem em minas e fazendas ou construí- rem estradas, barragens e residências. Konrad Meyer – um dos principais orientalistas da SS, professor de agronomia na Uni- versidade Frederico-Guilherme de Berlim – orçou a penetração

63 germânica em 66,6 bilhões de marcos, prevendo que algumas tarefas demandariam quase nada de intelecto e tecnologia167. Já Hitler calculou que as dívidas de guerra chegariam a 200 ou 300 bilhões de marcos, a serem pagas, num prazo de dez a quinze anos, com o labor “principalmente dos povos que perderam a guerra168”. Isso abrangia muitos eslavos, depreciados como boçais de grande vigor físico, que não conheciam os con- ceitos europeus de propriedade privada, livre iniciativa e vocação profissional. Tratava-se de “hordas animalescas”, estupidamente ociosas. Os eslavos orientais viviam num “deserto” comunista, pouco influenciado por realizações culturais como a Reforma e a Renascença, e acostumado com o bizantinismo da Igreja Ortodoxa, de modo que não seriam disciplinados com ideais da modernidade ocidental. “A Rússia é a nossa África, e os russos são os nossos ne- gros169”. Hitler afirmou isso ao futuro ministro da República Federal da Alemanha, Theodor Oberländer, numa reunião em julho de 1941, empolgado pelas primeiras vitórias contra o Exér- cito Vermelho. Ele assim reiterava a crença de que os alemães eram uma “raça de senhores” ou “de mestres”, devendo manter a “raça de servos” eslava num patamar jurídico inferior e em con- dições insalubres. Na Ucrânia, o comissário nazista, Erich Koch, continuamente anunciava que os nativos deviam “ser tratados com o chicote, como os negros170”, de preferência chicoteados em público. Koch chegou a declarar: “Nenhum soldado alemão jamais morrerá por esse povo de negros”, acrescentando que sempre que encontrava um ucraniano inteligente, sentia-se na obrigação de fuzilá-lo171. Muitos ucranianos se sentiam oprimidos pelo regime soviéti- co desde o Holodomor (“extermínio por fome”, ou “Holocausto ucraniano”) causado por Stálin em 1932-33, e por isso acolheram

64 os nazistas como libertadores durante a invasão em 1941. Acei- taram inclusive seguir as ordens alemãs, algo que dificilmente aconteceu com os russos, considerados mais orgulhosos. Para os nazistas de linha-dura, tal docilidade era uma prova a mais de que os ucranianos deviam ser “tratados como negros” e seu território “reorganizado como uma colônia”, sem personalidade jurídica, conforme se escreveu num memorando. Difundiu-se o estereótipo de um povo covarde, servil, desorganizado e sujo, contaminado por malária e febre escarlatina. Segundo os comis- sários regionais de Koch, os ucranianos aceitavam obedecer por ninharias alemãs como panelas, escovas de dente, roupas colori- das e conhaque: exatamente como as “etnias negras” da África que, num sistema de escambo, trocavam bijuterias por marfim acreditando que lucravam172. Às vezes voluntariamente, os ucranianos se envolveram nas atividades mais vis, inclusive no Holocausto. Ajudaram a reunir judeus que foram fuzilados ou mandados para campos de extermínio, e muitos realizaram massacres por conta própria. Nos pogroms, causavam surpresa nos alemães por matarem com canos de chumbo, porretes, machadinhas e facões, uma vez que normalmente eram proibidos de portar armas. A alcunha dada aos policiais-auxiliares ucranianos que participariam da destruição do gueto de Varsóvia era “askaris”, um termo antes aplicado às tropas mercenárias alemãs com os nativos da África173. É claro que outros ucranianos, sobretudo intelectuais, dis- seram-se envergonhados com o ocorrido. Num panfleto de 1947, um socialista com pseudônimo P. Poltava identificou no fascismo hitlerista a mesma dialética “burguesa” que guiara os franceses na África Equatorial, os alemães em Camarões, os britânicos na atual África do Sul e os italianos na Etiópia. Ainda comparou Hitler diretamente com o imperador alemão

65 Guilherme II. Ambos, consoante Poltava, haviam criado mi- tos patrióticos para iludir a classe trabalhadora, na verdade financiando a mesquinhez da burguesia alemã contra operários e camponeses estrangeiros174. A primeira vez que nazistas, armados de pistolas e fuzis, “domesticaram” aquele universo quixotescamente sedutor foi durante a invasão da Polônia em 1939. Resumindo as ordens de Hitler, o governador-geral Hans Frank, advogado e principal jurista do regime, declarou na cidade de Posen que iria “tratar a Polônia como colônia. Os poloneses serão escravos do Grande Reich Alemão175.” Frank às vezes definia seu Governo-Geral como “um protetorado, uma espécie de Tunísia176”, referindo- -se à colônia francesa no norte da África (que não tinha uma população negra, e sim arabizada). No Ministério da Justiça também se decidiu que “os poloneses equivaliam a povos de cor” em sua capacidade jurídica, em assuntos como contratos, patrimônio e constituição de empresas. É o que consta na ata de uma reunião com a presença de juízes e advogados discutindo a aplicação do Código Civil alemão nas zonas anexadas177. En- quanto mulheres queixavam-se dos vermes e da sarna, do medo de serem estupradas por incivilizados assemelhados a bichos, um soldado alemão descreveu a resistência enfrentada em cidades polonesas como digna de “povos selvagens178”. O mesmo foi defendido por Hanns Johst, um dos principais escritores da era nazista, amigo pessoal e cronista de Heinrich Himmler, o líder da SS (cuja esposa tinha origem parcialmente polonesa, sobre- nome Concerzowo179). Acompanhando Himmler em viagens, ele publicou suas impressões num livro apologético de 1940 pela editora oficial do Partido Nazista, a Eher, amplamente divulga- do na época: “Os polacos não são um povo capaz de formação estatal, pois falta a eles os pré-requisitos mais básicos. [...] [A

66 Polônia] não tem direito a qualquer posição de poder soberana no espaço europeu. Trata-se de um território colonial!180” O livro de Johst é peculiar por expor hostilidade em público, e por escrito, enquanto a maioria das declarações registradas foi oral, em reuniões a portas fechadas. Espanta o fato de ele ser, na época, o presidente da Ordem dos Escritores do Reich, ocupando um cargo oficial internacionalmente reconhecido. Mas foi a partir da Bielorrússia, ainda mais ao leste, que o etnocentrismo nazi apareceu com toda intensidade. Os eslavos do território soviético não eram católicos, já estavam acostumados com a tirania bolchevique e ofereceram muito mais resistência como guerrilheiros. “Eu sou contra encorajá-los a qualquer lavor que demande um mínimo de esforço mental”, projetou Hitler em março de 1942, num trecho de Conversas à mesa. O ideal seria “ensinar a essa gente um tipo elementar de mímica”, para que após a vitória alemã, extinto o stalinismo em solo europeu, enten- dessem somente “tarefas humilhantes” como escavar pedreiras, recolher neve, varrer lixo e limpar esgoto181. “Matemática e esse tipo de coisa serão completamente desnecessárias182.” Quando soube que borracha já estava sendo cultivada na região ucra- niana de Kharkov, Hitler disse até que preservaria algumas das fazendas coletivas soviéticas, criadas por Stálin nos anos 1930. Elas funcionariam de modo ainda mais brutal num sistema de plantation inédito na Europa183. De modo previsível, a semelhança com a história da África também foi reconhecida por nazistas que planejavam tratar o povo soviético com moderação. Apesar de tolerarem o extermí- nio de judeus e comunistas, eles levavam a sério a promessa de “libertar” o campesinato da “ditadura judaica do Kremlin de Moscou”, pensando numa colaboração de longo prazo – como a tentada ali durante a Primeira Guerra Mundial. Alguns desses

67 documentos acabariam utilizados em Nuremberg, para o julga- mento de criminosos nazistas, tendo valor jurídico inestimável. Mostraram que muitos nazistas haviam trocado críticas entre si com relativa liberdade de expressão, algo que inexistiu no regime soviético, e assim enfraqueceram a tese de que Hitler havia sido uma autoridade absoluta ou inquestionável na chamada “poli- cracia” – governo de muitos – nazista184. Muito citado atualmente é Otto Bräutigam, diplomata e jurista com formação em locais como Oxford, na época atuando como assessor do ministro do Leste, Alfred Rosenberg. Num me- morando secreto de novembro de 1942, Bräutigam reclamou que a crueldade alemã “provavelmente tem sua origem nos períodos mais sombrios do tráfico de escravos185.” Ele se referia aos cida- dãos soviéticos recrutados à força para laborarem na Alemanha, às vezes até morrer, transportados em imensos vagões de gado sem qualquer higiene, forçados a comer sopa estragada e mesmo gatos e cavalos. Num memorando para a alta chefia do Exército e da SS em novembro de 1941, Bräutigam havia considerado equívoco “tratar como negros ou como escravos seres humanos que nós libertamos do bolchevismo”: até idosos tinham de limpar destroços a base de chicotadas e coronhadas, sendo fuzilados ou enforcados quando se negavam. Para Bräutigam, o fato de muitos ucranianos terem “sangue ariano” fazia com que, ao contrário dos russos, eles merecessem muito mais do que simples rações de cigarro e álcool – apesar de tão de resistentes ao frio e à fome, devido à sua robustez física186. “Atualmente, é generalizada a convicção de que a Alemanha quer colocar os eslavos no mesmo nível dos negros”. Assim, um representante do ministro Rosenberg denunciava a insatisfação entre agricultores e operários russos, que ansiavam pela volta do comunismo pré-guerra. Na China, segundo ele, os japoneses

68 também cometiam excessos, mas “nunca na história mundial” um império havia mostrado tanta falta de senso político quanto o nazista. Nesse memorando, já mencionado antes, o autor ain- da disse conhecer bem a gestão inglesa na Índia: como gregos e romanos, escreveu, os ingleses conseguiam a colaboração de súditos, algo que recomendava como emergencial ali187. Os con- servadores do Exército alemão, geralmente prussianos, também criticavam a “atitude negreira188” da SS. Escrevendo em Viena em 1944, já no fim da guerra, o ex-comissário encarregado da Crimeia, Alfred Frauenfeld, repudiou “os princípios e métodos só usados nos séculos passados contra povos escravos de cor189”. Nesses escritos, não se mencionava apenas a África da era imperialista, a partir de 1884. Também havia referências ao tráfico de escravos que remontava ao fim da Idade Média, que envolveu, além de europeus, traficantes árabes muçulmanos. De qualquer modo, a equiparação genérica com os negros era uma tentativa de denunciar o excesso de maldade, não tanto por razões jurídicas, humanitárias ou cristãs, mas especialmente porque isso contrariava os interesses germânicos. Havia a preocupação utilitária de evitar resistências desnecessárias: em alguns desses escritos, a mensagem implícita era que os eslavos, sobretudo os operários russos, simpáticos ao Kremlin, simplesmente não teriam a docilidade associada aos negros. O próprio Stálin, fiel à lógica comunista de Lênin, definia Hitler publicamente como um agente do capitalismo alemão interessado em mão de obra descartável190. Ele insistia que a Segunda Guerra Mundial fora causada por grupos burgueses rivais, que violavam os direitos da classe operária. Todavia, no caso nazista tal rapinagem fora acentuada por um racismo facínora, ausente nos aliados do regime nazi que participaram da cruzada anti-bolchevique, sobretudo a Finlândia, a antissemita Romênia

69 e a Itália fascista. Em novembro de 1941, por exemplo, Stálin discursou em Moscou: “O Partido Hitlerista é um partido de imperialistas, na verdade os imperialistas mais ávidos e predatórios do mundo”. Como já acontecia na época com tchecos, poloneses e sérvios, os cidadãos soviéticos poderiam sucumbir para “enrique- cerem os banqueiros e plutocratas alemães”, tornando-se “escravos dos príncipes e barões alemães” (Stálin ignorou, provavelmente de modo intencional, o fato de as dinastias alemãs da Primeira Guerra Mundial não estarem envolvidas). Com vocabulário afim, a Internacional Comunista definiu a Alemanha como “uma ditadura abertamente terrorista, dos elementos mais chauvinistas e imperialistas do capitalismo financeiro191”. Logo, a propaganda marxista incriminava a Alemanha de ata- car visando pilhagem, não a manutenção da soberania. Sua guerra era ofensiva, por ganância, não defensiva por sobrevivência. Hitler, mesmo sem dispor de energias sobre-humanas, foi o grande arquiteto da agressão; soube, como um “segundo Lutero192”, mobilizar a competividade a nível internacional latente na sociedade alemã. Ele desprezava a União Soviética por defender uma igualdade universal entre povos, a partir da revolução proletária. E ignorava o prognóstico, feito por Lênin, de que o imperialismo, como “fase superior do capitalismo”, permitiria a consumação do que Marx anunciara no século XIX. Ironicamente, Hitler esperava que os cartéis metalúrgicos e carboníferos alemães se tornassem os maiores do mundo justo no território da União Soviética; o plano era aniquilar este regime, e substituí-lo por um continente hierarquizado com método, onde raças, e não classes, explorar-se-iam193. Antes di- vididos, pelo marxismo, entre burgueses e proletários, no futuro todos os alemães progrediriam em uma única “comunidade nacional-socialista”, de base racial.

70 O legado do Império Colonial Alemão

A menção à África foi favorecida por um ponto: os alemães tam- bém haviam conquistado esse continente no final do século XIX, só perdendo suas colônias devido à derrota na Primeira Guerra Mundial. Entre 1884 e 1900, Berlim adquiriu cerca de 2,5 mi- lhões de quilômetros quadrados mundo afora, com 12 milhões de nativos – o terceiro maior império ultramarino, atrás apenas do britânico e do francês194. Tal império incluía uma pequena possessão na China, Kiauchau, além de Nova Guiné e Samoa na Oceania, mas foi na África que mais se investiu capital e mais se oprimiu os autóctones. Em resumo, a época da monarquia Hohenzollern deixou uma herança inquestionável na identidade nacional alemã, não representando um mero interesse intelectual dos nazistas, como aquele pelo ocorrido na Índia e nos Estados Unidos195. Mesmo na Primeira Guerra Mundial de 1914-1918, ofi- ciais com experiência extra-europeia acabaram mobilizados para os territórios ocupados do Império Russo Czarista. É o caso do prussiano Rochus Schmidt. Tendo auxiliado na formação das Forças de Proteção responsáveis pela defesa das colônias alemãs africanas, depois servindo na Síria e na Palestina em aliança com os turco-otomanos, Schmidt acabou enviado para o Báltico ocupado, sobretudo Lituânia e Curlândia, responsável pelo policiamento lo- cal. Talvez devido à sua perspectiva colonial, suas forças acabaram conhecidas pela brutalidade abusiva contra os nativos, levando a uma atmosfera de crise em 1917196. De acordo com outro militar alemão, o Báltico ocupado lembrava pouco a Europa: “era muito mais assemelhado com uma expedição no interior da África”, devido às ameaças constantes e à falta de infraestrutura197.

71 O mesmo ocorreu na Segunda Guerra Mundial. A partir da invasão da Polônia, veteranos das primeiras missões coloniais foram alistados para os territórios conquistados. Um bom exemplo é Viktor Boettcher, governador da província de Posen, tomada da Polônia, que fora governador-deputado na colônia alemã de Cama- rões, na África Central, antes de 1914. Um de seus colegas havia estabelecido filiais do Partido Nazista no sul africano198. Nessa época, veteranos também alcançaram proeminência diplomática, como Karl Ritter. Ele serviu na colônia de Camarões até o início da Primeira Guerra Mundial, afastando-se por contrair malária; entre 1936 e 1938 foi embaixador alemão no Rio de Janeiro, depois sendo um dos principais responsáveis pela assinatura do Tratado Nazi-Soviético de agosto de 1939, como subordinado do ministro do Exterior Ribbentrop199. Outro tipo de relação pode ser observado em Hermann Göring, o poderoso líder nazista encarregado, entre várias coi- sas, da exploração econômica dos territórios soviéticos. O pai de Göring foi o primeiro governador da colônia “África Sudoeste Alemã”, atual Namíbia, em 1885-1890, nomeado diretamente por Bismarck, e chegou a fazer amizade com os famosos impe- rialistas ingleses Cecil Rhodes e Joseph Chamberlain. Já o irmão mais velho de Göring, Karl Ernst, atuou como oficial nas Tropas de Proteção responsáveis pela defesa da colônia200. Interrogado no pós-guerra durante os Julgamentos de Nuremberg, o próprio Göring enfatizaria o quanto essa fase de sua juventude foi “sig- nificativa” para seu “posterior desenvolvimento201”. Apesar de nascido na Alemanha em 1893, Göring foi concebido no Haiti, ex-colônia francesa, onde seu pai fora designado cônsul-geral alemão após servir na atual Namíbia. Eleito deputado federal alemão pelo Partido Nazista em 1928, Franz Ritter von Epp provavelmente foi o principal ativista colo-

72 nial do regime, defendendo a restauração das colônias perdidas na Primeira Guerra Mundial. Sua popularidade, decorrente de longa carreira, foi relevante para a consolidação inicial do regime. Ele participou como voluntário do Exército alemão no combate à Rebelião dos Boxers na China, em 1900-1901; depois participou na repressão genocida aos nativos hereró e namaqua da atual Na- míbia, entre 1904 e 1906, considerado o primeiro genocídio do século XX. É possível que tais experiências tenham repercutido na ferocidade que von Epp mostrou, como paramilitar, ao per- seguir e assassinar comunistas após a Primeira Guerra Mundial, especialmente da República Soviética da Baviera de 1919. Ainda mais notável foi o caso de Richard Walther Darré. Membro da SS e um dos principais ideólogos da doutrina “san- gue e solo”, Darré foi ministro da Alimentação e Agricultura do Reich entre 1933 e 1942, fomentando a ascensão de um novo “campesinato nórdico”. Em 1914, Darré iniciara seus estudos na Escola Colonial de Witzenhausen, que preparava jovens moços para a vida pioneira nas colônias alemãs. Foi ali que ele começou a desenvolver suas teorias exóticas sobre uma “nova aristocracia rural”, em meio a aulas sobre temas como autossuficiência econô- mica, cultivo de plantas silvestres, fertilidade feminina e perigos da miscigenação racial202. Na figura de Darré, estudante dedicado de Witzenhausen, tem-se talvez o melhor testemunho de como os jovens preparados para a África alcançaram poder e notoriedade intelectual sob Hitler. Compreensivelmente, durante a guerra contra a União So- viética, num bioma temperado vizinho ao alemão, o regime na- zista tentou aproveitar partes dessa sabedoria adquirida décadas antes, em florestas tropicais e savanas milhares de quilômetros ao sul. A continuidade foi estimulada oficialmente. Após, claro, uma filtragem selecionando conteúdos compatíveis com a cen-

73 sura do governo. Em 1941, por exemplo, recomendou-se que os comissários nazistas na Ucrânia estudassem a obra de Paul von Lettow-Vorbeck: militar imperialista que defendera, durante a Primeira Guerra Mundial, a colônia “África Oriental Alemã” (atualmente Tanzânia e partes de Burundi e Ruanda)203. Ele era enxergado como modelo de patriotismo heroico, pois defendera a colônia durante toda a guerra com uma minúscula guarnição alemã e sem receber suprimentos. Quanto aos comissários atu- ando na Ucrânia, também foram recomendados a ler o relato do nazista Otto Schulz-Kampfhenkel, sobre suas experiências como pesquisador na Libéria: um símbolo de espírito aventureiro. Em 1935-37, Schulz-Kampfhenkel ainda liderou uma expedição na- zista na Amazônia brasileira; em 1943 acabou transferido para a Europa Oriental, onde usou sua experiência tropical para pesquisar a geologia, a hidrografia e sobretudo a vida selvagem de regiões como a Ucrânia e o Báltico, com um enfoque sanitarista204. Já o escritor alemão Fritz Spiesser serviu como militar na frente oriental. Em 1910, ele mudara-se com sua família para a cidade de Windhoek na atual Namíbia, então colônia alemã, es- crevendo uma série de romances coloniais nos anos 1930 e 1940, alguns publicados pela editora oficial do Partido Nazista, a Eher. No pós-guerra, toda população alemã deveria estar familiari- zada com o espírito colonial, sobretudo jovens no serviço militar. Visando a essa doutrinação de longo prazo, foram lançadas duas grandes coleções de livros entre 1940 e 1942, em colaboração com escritores famosos da época. Além de glorificarem a parti- lha da África no tempo de Bismarck, os livros abordaram seus supostos precedentes da era mercantilista. No século XVIII, por exemplo, o governo prussiano estabeleceu vários fortes na costa da África Ocidental, para o tráfico de escravos; chegou-se a fundar uma Companhia de Comércio para a Costa da Guiné. E muito

74 antes disso, entre 1528 e 1546, a família alemã de banqueiros Welser adquiriu da Coroa espanhola direitos coloniais na atual Venezuela. A busca dos Welser pelo ouro da cidade mítica de El Dorado levou, entre outras coisas, à fundação da cidade de “Nova Nuremberg”, atual Maracaibo205. Como os antepassados alemães haviam realizado isso, esperava-se que a nova juventude conse- guisse muito mais graças à tecnologia contemporânea, porque, na Europa pós-soviética, seriam suavizados os velhos problemas com doenças, armamentos e comunicações; também seria limitada a intervenção da Igreja Católica. Ainda mais significativa foi a estreia, em março de 1941, do filme Carl Peters, uma homenagem ao célebre explorador que, a partir de 1884, transformou partes da atual Tanzânia em colônia alemã. Embora um fracasso comercial, o filme de grande orça- mento seguia a tradição mitologizante dos livros de Karl May sobre o Faroeste Americano. Lançado pouco antes da invasão da União Soviética, ele descrevia Peters – geralmente armado, im- pondo sua vontade – como um protótipo do alemão nacionalista que desbravaria Europa Oriental (apesar de sua moderação no relacionamento com os negros, tratando-se de uma propaganda pública). Elogiava-se a dureza masculina, o gosto pelo exotismo de terras distantes e a importância do “princípio da liderança”, ou seja, da coordenação entre as diversas autoridades envolvidas. Ainda havia críticas duras ao judaísmo, à socialdemocracia e a debates parlamentares: tendo atrapalhado a missão de Peters no litoral da Tanzânia, tais valores deveriam ser repudiados pela ju- ventude alemã da paisagem pós-soviética, onde seriam construídos cinemas e estações de rádio para os povoadores206. No ambiente universitário alemão, pode-se citar o geógrafo Albrecht Penck (1858-1945). A partir de 1904 ele participou de várias comissões referentes ao desbravamento, exploração e admi-

75 nistração das colônias alemãs, também realizando viajens a locais como África do Sul, Egito e Estados Unidos; em 1917 tornou-se reitor da Universidade Frederico-Guilherme de Berlim, atual Uni- versidade Humboldt. Após a Primeira Guerra Mundial, assumiu um tom mais pangermanista, criando conceitos bioespaciais que seriam utilizados pelos nazistas, como “solo cultural alemão”207. Grosso modo, Penck era um apologista do social-darwinismo, assim como o escritor Gustav Frenssen, que ganhou destaque no período nazista por seus posicionamentos de extrema-direita. Em 1906, Frenssen publicou o romance A jornada de Peter Moor para Sudoeste: um relato de campanha. Nesse livro de sucesso e promovido pelo regime, um dos personagens participa do genocí- dio aos nativos hereró da colônia África Sudoeste, atual Namíbia, justificando-se: “Esses negros mereciam morrer, perante Deus e a humanidade... Deus permitiu que nós triunfássemos porque somos mais nobres e mais progressistas... O mundo pertence aos melhores e mais vigorosos. Essa é a justiça de Deus208.” Apesar de cristã, uma linguagem hobbesiana como a de vários universi- tários nazistas. Outro escritor famoso que ocupou cargos oficiais no regi- me nazista foi Hans Grimm (1875-1959). Tendo treinado em Londres, ele morou quando jovem certo tempo na África do Sul britânica como comerciante, depois atuando como jornalista na África Sudoeste Alemã, onde inventou o termo “política de espaço vital”. Várias noções de Grimm influenciaram a biogeopolítica nazista. Em obras como Povo sem espaço, de 1926, ele louvou o ocorrido na África dizendo necessário capturar espaços com natureza intocada para solucionar problemas sociopolíticos, num tom alarmista, antimarxista e contrário à miscigenação. Vendendo meio milhão de livros até 1939, ele de certa forma popularizou a mentalidade imperialista entre o público alemão209. As obras de

76 Grimm, embora inacessíveis aos nativos soviéticos, possivelmen- te estariam disponíveis para doutrinar os pioneiros alemães nas bibliotecas, escolas, universidades e livrarias a serem criadas na Europa Oriental, talvez até inspirando novos romances e relatos. Mesmo após a invasão da Polônia em 1939, entidades como a Escola Colonial de Witzenhausen, que preparava jovens mo- ços, continuaram defendendo que a prioridade era a recuperação das colônias tomadas pelo Tratado de Versalhes, não a expansão europeia. Outras instituições, contudo, compreenderam melhor os planos da chefia nazista. A Escola Colonial para Mulheres de Rendsburg, perto de Kiel, dirigida por Karl Körner, merece destaque. Fundada em 1926, ela preparava suas alunas em áreas como agricultura, jardinagem, enfermagem, cuidado de crianças, primeiros socorros, carpintaria, serviços domésticos, mecânica básica e mesmo noções de tiro. As “moças coloniais” deviam de- senvolver uma mentalidade autossuficiente, determinada e capaz de contribuir em situações inesperadas210. Inicialmente conce- bida para o serviço em colônias da África, caso recuperadas ou confiscadas, a Escola Colonial de Rendsburg passou a enfatizar, em 1940, a atuação intereuropeia em vez da intercontinental. O diretor Körner introduziu “Questões do Leste” no currículo e, em 1943, o estudo de língua russa, em vez de línguas africanas, como se fazia antes. Muitas dessas alunas realmente foram para a Europa Oriental. Geralmente atuaram sob supervisão da SS, auxiliando em questões administrativas e no cuidado de camponeses alemães reassentados. Uma enfermeira da Cruz Vermelha, que havia atuado na África Oriental Alemã, ficou impressionada com o ritmo frenético das atividades nazistas, comparando-as com o que havia testemunhado antes do Tratado de Versalhes: “Em todo lugar um pedaço da pátria alemã é criada com energia incansável e grande amor. Isso

77 também é reminiscência da África.” Mesmo nas áreas anexadas da Polônia, mulheres alemãs que haviam sido deportadas, pelos britânicos, das antigas colônias alemãs tiveram um novo chão com o auxílio das moças treinadas em Rendsburg. “As atividades aqui”, escreveu uma das veteranas, “têm realmente muita semelhança com as da África211.” Apesar de ter ocupado uma função marginal no conjunto ideológico do regime nazista, e ter sido insignificante na guerra, a Escola de Rendsburg indica bem como o sistema educacional concebido para o ultramar foi redirecionado para o “espaço vital” intereuropeu, preservando seu machismo. Nos anos 1930, adversários haviam denunciado seu sofrimento no interior da Alemanha. Foi o caso do economista alemão Moritz Bonn, perseguido por sua origem judaica; em 1906 ele viajara à África do Sul e, em seguida, à Namíbia entender a prática impe- rialista com base nas teorias do inglês John Hobson. Num ma- nuscrito sem data e não publicado, provavelmente escrito quando estava no exílio, Bonn comparou a perseguição dos judeus alemães, inclusive sua própria família, com o que acontecera com a tribo hereró da atual Namíbia: “Os nazistas aceitaram e amplificaram as teorias raciais com as quais o General von Trotha justificou sua política de extirpação dos hereró rebeldes, fazendo-os morrer de sede no deserto Omaheke”. “O credo nazista é baseado na mes- ma concepção barata de darwinismo”, segundo a qual as raças estagnadas sucumbem em contato com as progressistas212. Bonn foi um dos primeiros a estabelecer essa conexão. Ao contrário da filósofa Hannah Arendt, ele conheceu pessoalmente a realidade extra-europeia e, ao contrário dos pesquisadores atuais, foi perse- guido pelo regime: uma combinação preciosa de vivências. Como Bonn, vários eugenistas nazistas que o prejudicaram tinham experiência nos trópicos, distinguindo-se Eugen Fischer, um dos principais expoentes da “ciência racial” antissemita, mestre

78 do famoso médico da SS Josef Mengele. Em 1908, ele realizou uma viagem de pesquisa na atual Namíbia, onde identificou os “malefícios” da miscigenação entre colonos brancos (alemães e holandeses) com mulheres africanas nativas. Fischer coletou crâneos e esqueletos, e vários pênis, com o objetivo de denunciar os efeitos da mestiçagem nas colônias, contribuindo para que, em 1912, o casamento inter-racial fosse proibido. Mais tarde, suas conclusões influenciariam a legislação antissemita nazista, inclusive as Leis de Nuremberg de 1935, que proibiriam casamentos entre judeus e alemães213. Quando a Namíbia fora colônia alemã, os autóctones haviam sido obrigados a saudar os brancos, e proibidos de andar a cavalo e usar as calçadas. Tal simbolismo de submissão manteve-se na era nazi, permeando todo o cotidiano para reforçar a alteridade. Na Polônia, os moradores eram obrigados a remover seus cha- péus diante de funcionários alemães, só podiam fazer compras em determinados horários e foram proibidos de possuir bici- cletas, câmeras e rádios. Eram surrados quando se recusavam a obedecer. Colonizadores e colonizados eram julgados por leis diferentes, num “sistema legal dual” baseado em critérios de sangue214. Em formatos específicos, esse tipo de jurisdição imposto na Polônia era usado por vários impérios coloniais, inclusive o britânico, o francês, o holandês e, de certa forma, mesmo o japonês na Coreia. Até a perseguição de opositores políticos no interior da Ale- manha, como socialdemocratas e comunistas, seguiu parcialmente uma lógica colonial. Apesar de não baseada no racismo, tal perse- guição levou à criação de campos de concentração, usados antes contra os hereró e pelos ingleses contra os bôeres, na atual África do Sul215. Nos Julgamentos Subsequentes de Nuremberg, uma testemunha que fora internada em campos nazistas como Sach-

79 senhausen chegou a depor: “Quando eu era garoto li a história da colonização de Camarões. As agências coloniais alemãs antes de qualquer coisa estabeleceram delegacias policiais e prisões, e foi exatamente isso o sucedido nos campos de concentração216”. Hitler talvez visasse os opositores quando, em Minha luta, expôs seu conceito de “súditos do Estado”: pessoas no interior das fronteiras germânicas que não seriam cidadãs, ou seja, não teriam plenos direitos sociais, civis e políticos217, como acontecera com os nativos das colônias alemãs, considerados juridicamente incapazes tal qual crianças. É provável que, com uma vitória sob a União Soviética, os etnógrafos, antropólogos e cientistas do Segundo Reich fossem convocados, pelo Terceiro Reich, para transmitir seu conhecimen- to às novas gerações. A experiência deles nas florestas tropicais e savanas, ao sul do Saara, ajudaria nas estepes do núcleo da Eurásia. Entretanto, Hitler repudiava o fato de, nas colônias, ho- mens católicos terem tido autorização para se casar com mulheres negras, mas serem proibidos de ser casar com mulheres alemãs protestantes218. No futuro a Igreja Católica não exerceria qualquer interferência. Seus dogmas medievais seriam substituídos pelo pragmatismo racista, associado sobretudo aos ingleses, geralmente anglicanos; a “ingenuidade” dos missionários católicos, inclusive franceses, que haviam tentado converter os negros a todo custo, daria espaço à racionalidade de cobiça. A velha preocupação com a dita pureza racial devia ser radi- calizada por um motivo simples. As mulheres de Kiev e Moscou não eram canibais com ossos nos narizes e saias de palha – como se pintava o retrato das mulheres negras – mas, conforme os ro- mances da época, polonesas e russas sedutoras de cabelo negro, cujas façanhas sexuais tendiam a “contaminar” os heróis alemães, loiros, másculos e jovens, porém ingênuos219.

80 Manifestado na xenofobia totalitária, o legado do além-mar é ainda mais claro no plano econômico. Descontando-se as peculia- ridades, os nazistas mantiveram o raciocínio exposto pelo escritor colonial Paul Rohrbach em 1915, para os negros da África Su- doeste Alemã: só os que trabalhassem deviam ser poupados. Em casos de desobediência e rebelião a solução era enforcar. Contudo, esse impulso exterminista inicial levou ao mesmo dilema que o general Lothar von Trotha havia enfrentado na África Sudoeste em 1905, durante o massacre das etnias hereró e namaqua: sem braços incultos, dispostos a torrar no sol por migalhas de pão, seria difícil a reconstrução pós-beligerância da colônia. Como consequência, os nazistas passaram, em meados de 1942, lite- ralmente a caçar trabalhadores eslavos em florestas e pântanos, estilo de “recrutamento” que lembra o realizado pelos belgas no atual Congo220. Essa continuidade ainda pode ser observada nos grandes capitalistas alemães. Muitos dos que haviam lucrado com o império colonial alemão, confiscado pelo Tratado de Versalhes, corromperam-se perante o ouro apreendido no exterior221. Embora figuras como Hjalmar Schacht – que fora presidente do Banco Central Alemão e ministro da Economia do Terceiro Reich – não se entusiasmassem com o território soviético, considerado muito denso, ainda preferindo a África pouco povoada222, vários acei- taram a intervenção do Estado nazista na economia. Um bom exemplo é Alfred Hugenberg. Como magnata da mídia alemã, tendo conexões fortes com a indústria metalúrgica Krupp, Hugenberg foi um dos conservadores responsáveis pela chegada de Hitler ao poder em 1933, e até 1945 permaneceria como deputado “convidado” no Parlamento nazista. Seu papel de destaque remete ao final do século XIX. Em 1891 ele fundou uma associação ultranacionalista com figuras como o geopolítico

81 Friedrich Ratzel, o professor Ernst Hasse e Carl Peters, que de- pois conquistaria parte do império alemão na África. Em 1894 essa associação foi transformada na famosa Liga Pangermânica, talvez o grupo que mais pressionou pela aquisição de colônias e por medidas antieslavas, sobretudo contra poloneses; o sociológico Max Weber era um de seus membros223. Na figura de Hugen- berg, portanto, Hitler tinha um símbolo poderoso de como a elite econômica oriunda da época guilhermina colaborou com o regime. Pode-se acrescentar que vários aristocratas – incluindo o Príncipe August Wilhelm da Prússia, filho do ex-imperador Guilherme II – ingressaram na SS em busca de novos latifúndios e carreiras militares. Vários membros da família Bismarck filiaram-se ao Par- tido Nazista224. Tudo isso com aprovação de Heinrich Himmler, que desde jovem conhecia bem alguns aristocratas alemães (ele recebeu esse nome em homenagem a seu padrinho de batismo, o príncipe Heinrich da Baviera, dinastia Wittelsbach, que havia sido aluno particular de seu pai225). Sem origem nobre, o jurista Heinrich Schnee, último governador da colônia África Oriental Alemã, influente entre círculos burgueses, colaborou até 1945 como deputado do Parlamento alemão nazificado. O “velho” imperialismo alemão influenciou até a organização das empresas privadas atuando no Leste. Empreendedores com longo currículo acabaram atraídos, com apoio, ou pelo menos tolerância, do Estado nazista. Em 1942 a Companhia Togo, que plantara algodão com um sistema de plantation na colônia africa- na de Togo, foi reconstituída com mais capital – desta vez para modernizar a agricultura na região de Zhytomyr, na Ucrânia226. Também na Polônia, antigas companhias comerciais sediadas nos portos alemães de Hamburgo e Bremen foram encorajadas a buscar novos mercados. E agricultores alemães da atual Tanzânia, alemã até 1919, foram convocados como pioneiros-modelo na

82 região polonesa da Posen. Todo esse oportunismo da iniciativa privada foi excitado pelo rápido avanço militar, que atingiu os lon- gínquos campos de petróleo soviéticos no Cáucaso. Mesmo assim, executivos de companhias como Deutsche Bank e Daimler-Benz mostraram pouca animação, fazendo uma leitura mais realista do potencial bélico inimigo em todo o mundo227.

Ao invés do rio Níger, com a Marinha, o rio Volga com o Exército

Entre as colônias alemãs confiscadas pelo Tratado de Versalhes de 1919, as da África haviam sido as mais lucrativas228. Cons- tantemente exigiu-se a restauração delas, sobretudo após a ca- pitulação da França em junho de 1940 – uma grande potência havia sido derrotada, e o caminho parecia aberto para uma nova “Euro-Afrika” controlada por Berlim. De fato, houve a prepa- ração de leis criando o Ministério das Colônias e de decretos que estederiam as leis raciais nazistas aos negros subsaarianos. Grandes indústrias forneceram especialistas em matérias-primas tropicais, novos uniformes foram desenhados e a Universidade de Hamburgo – cidade cujo porto simbolizava a vocação ma- rítima alemã – chegou a oferecer cursos de treinamento para administradores coloniais, com centenas de inscrições recebidas. Entretanto, essa preparação teve vida curta. Iniciada a Ope- ração Barbarossa, decidiu-se que a prioridade não era disputar, com a força da Marinha alemã, espaços na linha do Equador seguindo o eixo latitudinal norte-sul229. Até o Mar Mediterrâ- neo seria negligenciado, de preferência ficando sob o controle da Itália fascista, em colaboração parcial com a Turquia, ambas visadas como aliadas alemãs. Hermann Göring, que comandava o maior conglomerado industrial do mundo – o Reichswerke HG,

83 propriedade do Estado, que chegaria a ter 400 mil empregados –, foi categórico: o bioma russo incluindo o rio Volga é que seria, “em longo prazo, economicamente explorado sob o ponto de vista colonial e com métodos coloniais230”. A prioridade era o avanço do Exército no eixo longitudinal oeste-leste, mediante tanques blindados e infantaria. “Nós temos as melhores e mais ricas colônias do planeta”, calculou Hitler em agosto de 1942. Ele sabia que, até o início da Primeira Guerra Mundial, o Império Russo havia sido o maior exportador agrário do mundo, com produtos como trigo e açúcar. “Em dez anos, as colônias dos demais países perderão seu valor231”. Consta no registro Conversas à mesa que, enquanto Franz von Epp insistia em recuperar as antigas colônias africanas, talvez tomar algumas da França conquistada, outros cogitando as de Portugal, Hitler reagiu com soberba: “Eu devo dizer, nenhuma colônia que controlemos noutro lugar do mundo será comparável com aquelas que nós já temos no Leste232”. No passado, as regi- ões alemãs da Turíngia e da Saxônia haviam suprido as colônias africanas com bugigangas, devendo exportar ainda mais para os futuros mercados233. Tais regiões teriam assim menos desem- prego, o que enfraqueceria a oposição política socialdemocrata e comunista: como na época de Bismarck, os nazistas pensavam em resolver assuntos internos através da expansão exterior. Numa conferência com Arthur Seyss-Inquart – advogado nazista e encarregado da administração na Holanda ocupada – em setembro de 1941, Hitler enfatizou que as colônias alemãs ficavam em frente às cidades de Königsberg e Thorn, na Prús- sia Oriental. Tais colônias eram “as mais seguras” e as “mais adequadas” para as intenções nazistas, estando num território

84 contíguo à metrópole: “Para administrá-las, não precisaremos mais realizar viagens marítimas234.” Não seria necessário temer um bloqueio naval – como o que os japoneses, com aprovação nazista, cogitavam na época para a Índia, e os que a Marinha inglesa impôs à França napoleônica e à Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial. Afinal, o novo sistema de transportes seria essencialmente terrestre. Haveria imensos trens circulando a 200 quilômetros por hora num trilho de quatro metros até a bacia do rio Donets, na Ucrânia. Outro sonho favorito de Hitler era uma autoestrada moderna de Hamburgo até a Crimeia, com três pistas para milhares de Volkswagens235. Aqui percebe-se que a opção de negligenciar aventuras marítimas não significava o abandono da mania tipicamente imperialista de superar recordes, de ostentar a qualquer custo. Pelo menos Hitler não prosseguiu com um dos projetos mais mirabolantes da época: engenheiros alemães haviam sonhado construir represas em Gibraltar e Ga- lípoli para diminuir o nível do Mediterrâneo, uma façanha que permitiria a construção de imensas pontes para conectar África e Europa236. Uma típica promessa hitlerista foi registrada por Otto Abetz, o embaixador nazista na França, e reproduzida por ele num livro lançado em 1951. Hitler teria dito que os franceses não preci- savam se aterrorizar com a possibilidade de perderem colônias africanas importantes como Argélia, Marrocos e Madagascar, ilha esta para onde, segundo um plano muito discutido nos anos 1930, seriam deportados os judeus europeus. A Alemanha tinha “pouco interesse em possessões ultramarinas” porque, com a retaguarda protegida, capturaria “suas colônias” na área-pivô da Eurásia237 – solo que não receberia judeus, na época assassinados aos milhões em lugares como Auschwitz.

85 Muitas promessas dessa época foram justamente para entu- siasmar pessoas resistentes, captando-as, junto com suas eventuais empresas e poupanças, para as prioridades urgentes do regime. Considerando o calculismo da iniciativa privada, era mais fácil mobilizar homens que sabiam da possibilidade de se beneficiar pessoalmente, em termos de carreira e dinheiro. Certa vez Hi- tler anunciou que, com tecnologia, o “espaço oriental” superaria as antigas colônias mesmo em produtos agrícolas tipicamente tropicais: chá, especiarias, açúcar, algodão, tabaco, sisal e soja, a serem cultivados em quantias quase ilimitadas na nova realidade climática – alguém teria de investir, e lucrar, nessas atividades238. Ainda disse que uma firma de Hamburgo havia produzido um tipo de celulose experimental muito superior ao algodão239. Já a planta kog-sagiz, cultivada pelos soviéticos como fonte de bor- racha, livraria a Alemanha das importações pré-guerra vindas do Brasil e da Malásia240. Ainda haveria iguarias tipicamente locais, como caviar, carne de rena e mesmo tipos de vodca. Se o domínio alemão se estendesse até a Sibéria, abrangeria as maio- res reservas de diamante do mundo e reservas consideráveis de ouro. Os alemães haviam perdido o monte Kilimanjaro, ponto mais alto da África, na atual Tanzânia, mas teriam acesso ao monte Elbrus, ponto mais alto da Europa no Cáucaso russo, perto da fronteira com a Geórgia. Por outro lado, naquela zona temperada dificilmente seria rentável produzir cacau e banana como nos trópicos. Diante da impotência alemã em furar o bloqueio naval britânico, e diante do crescente poder americano ao redor do mundo, o Leste Europeu aparecia como uma compensação para os capitalistas que haviam planejado investir no Oriente Médio e na África, mesmo em territórios que não haviam sido alemães.

86 Gostassem ou não, essa era a alternativa que lhes restava. Hitler falou que, embora fosse interessante recuperar Camarões para ter café, ou tomar parte do Congo belga e da África Equatorial Francesa, “nosso território colonial está no Leste. Lá se encontram terra preta fértil e ferro, as bases da nossa riqueza futura241”. Em outubro de 1941, ao almirante Kurt Fricke da Marinha alemã, Hitler já havia falado que as importações da marinha mercante alemã poderiam se limitar a três ou quatro milhões de toneladas por ano: “Será suficiente para nós receber café e chá do continente africano. Nós temos todo o resto aqui na Europa242”. Necessaria- mente, tal lucro pressupunha a degradação de seres humanos em ferramentas descartáveis, em figuras a-jurídicas sem dignidade.

Outras comparações

Possuindo escolaridade, até os eslavos acabaram se comparando com as vítimas de outros modelos produtivos. Em seu diário, por exemplo, a professora ucraniana L. Nartova, de Kiev, lembrou da escravidão praticada no sul dos Estados Unidos: “Nós somos como escravos. Continuamente me lembro do livro A cabana do Pai Tomás. Uma vez nós chorávamos por esses negros america- nos; agora nós próprios experimentamos a mesma coisa243.” A escravidão americana também se baseara no racismo; apesar de Hitler mencioná-la pouco, eventualmente condenou o fato de, na Guerra da Secessão (1861-65), os sulistas escravagistas terem sido derrotados pelos abolicionistas do norte244. Curiosamente, imperialistas alemães haviam explorado a África, sobretudo a colônia de Togo, tendo como parâmetro as plantações de algodão do sul americano. Mas na América os negros, como escravos, foram reduzidos a uma condição jurídica de propriedade privada, algo que inexistiu, pelo menos legalmente, sob jugo nazista.

87 Muitos alemães ainda admiravam os Estados Unidos pós- -escravidão. Em 1912, A. Rochs-Nordhausen, que morara no sul americano por vinte e cinco anos, tentou convencer o Parla- mento alemão – na época debatendo a miscigenação nas colônias alemãs – de que a estratégia americana de segregação era o único jeito de salvar a raça branca. Na era nazista, como forma de justificação, teóricos da SS usaram tal segregação para explicar sobretudo o acontecido com os judeus no interior da Alemanha. Até alguns americanos reconheceram tal afinidade. Num artigo de 1936, Kelly Miller, educador afro-americano da Universidade Howard, alegou a existência de “uma analogia impressionante entre as manifestações legais de preconceito racial contra o negro, na América, e contra o judeu na Alemanha245”. Num panfleto clandestino, o padre católico ucraniano Ivan Hryniokh mencionou o passado medieval de sua pátria ao amaldiçoar a grosseria nazi. Os anciãos, escreveu Hryniokh, recordavam-se “das épocas passadas, quando os invasores mon- góis, tártaros e turcos levavam as pessoas em cativeiro”. Ainda garantiu que crianças ucranianas refugiavam-se em matagais cantando músicas milenares sobre “os ataques a assentamentos ucranianos por parte das terríveis hordas ávaras”, só que desta vez não se referindo a nômades asiáticos, e sim aos alemães, descendentes dos teutões que haviam vandalizado Roma com seu “terror selvagem”. Assim, Hryniokh incentivava a resistên- cia contra os invasores, mencionando eventos que integravam o imaginário popular local, inclusive o folclore infantil. Seu escrito visava causar ódio entre as massas, não interpretar a história com um enfoque comparativo sério. De fato, chegou a anunciar que, “como Napoleão”, Hitler falharia ao tentar reestruturar a Europa sem consideração pela independência soberana da Ucrânia246:

88 um paralelo incorreto, já que Napoleão concebera, sim, planos para a região, criando um Estado vassalo para os poloneses, seus aliados, e planejando outro para o flanco sudeste da Ucrânia, Estado que aliás chamar-se-ia Napoleonida. Quanto aos nazistas, eles diziam adaptar até mesmo a escra- vidão praticada por Esparta e Roma na Antiguidade. Os eslavos acabaram apelidados de “hilotas”, e de “eunucos” aqueles que seriam castrados247. Aliás, desde os anos 1920, Hitler vanglo- riava os 6 mil gregos de Esparta que, conforme ele, haviam tido origem germânica, comandando 350 mil hilotas devido à sua pretensa superioridade racial248. Numa carta à esposa em abril de 1941, quando estava em Siedlce na Polônia preparando-se para a Operação Barbarossa, o general conservador Gotthard Heinrici assim historicizou o drama local: “Judeus e polacos servem para serem escravos. [...] Ninguém aqui tem nenhuma consideração por eles. Aqui é como nos tempos antigos, quando os romanos subjugavam outros povos249.” Chegou-se a mencionar o direito civil romano, no Ministério da Justiça nazista, para legitimar o plano de manter os eslavos numa condição jurídica inferior250. Nos Julgamentos Subsequentes de Nuremberg, o juiz americano Michael Musmanno fez outra analogia relevante ao condenar, em sua sentença, o marechal-de-campo Erhard Milch por crimes contra prisioneiros de guerra, principalmente soviéticos. Segundo ele, a exploração nazista “equiparou-se, em termos de crueldade e desumanidade, às práticas escravagistas mais perversas dos antigos egípcios, babilônios, assírios e persas. A construção das Pirâmides faraônicas, dos Jardins Suspensos da Babilônia, e outras obras, com base no chicote e no açoite, têm seus correspondentes modernos na construção nazista da Muralha Ocidental, da Linha Gótica, fortificações militares,

89 campos de concentração e fábricas de munições.” Como agra- vante, Musmanno lembrou que na Antiguidade a escravidão fora universalmente aceita, enquanto na Idade Contemporânea acabara banida em todas as nações “civilizadas”251. Enfim, vários fatos anteriores ao imperialismo – sem es- quecer o feudalismo da Idade Média252 – acabaram citados para explicar o ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial. Inclusive pelos próprios eslavos e por autoridades aliadas. Essa diversidade prevaleceu no imaginário nazista – fantasioso, sem rigor intelectual-metodológico e não restrito a Hitler. Porém, quando se usa um critério objetivo baseado em fatos, não em interpretações teóricas, percebe-se que o imperialismo além-mar provavelmente tenha sido superior, aos eventos citados acima, como precursor do abuso nazista. As potências imperia- listas, inclusive o Império Alemão, haviam agido com base em três elementos que foram parte essencial da prática nazista: conquista territorial, racismo pseudocientífico e burocracia estatal moderna. Segundo a filósofa alemã Hannah Arendt, foi na África do século XIX que esses três elementos foram usados simultaneamente pela primeira vez. Foi no Continente Negro – não na Ásia nem na Oceania – que os europeus perceberam o quão arbitrária podia ser sua gestão administrativa e mostraram uma insensibilidade inédita com outros povos, assustando-se ante eles a ponto de já não quererem mais pertencer à espécie humana comum253. Os fatos históricos recém-mencionados não apresentam a combinação, simultânea, desses três elementos. Por tal motivo, são limitados como analogia para o jugo nazista. Na escravidão dos Estados Unidos não houve a conquista do território nativo dos negros; na escravidão da Antiguidade não houve uma bu- rocracia moderna; e na tirania comunista, que seria parcialmente

90 mantida em operação, o racismo não teve função central. Pela primeira vez na história, segundo Hannah Arendt, as potências (industriais) imperialistas tomaram espaços estrangeiros tendo a raça como princípio de estruturação política e a burocracia como princípio de dominação no exterior – combinação que também inexistiu, vale lembrar, no colonialismo do século XVI, represen- tado especialmente pela conquista (pré-industrial e mercantilista) da América por Portugal e Espanha com uma fundamentação mais cristã. É possível afirmar, com suporte da bibliografia, que o perío- do 1884-1919 influenciou a supremacia dos “super-homens” nazistas sobre os “sub-humanos” eslavos. Pela primeira vez na vastidão da planície europeia-oriental, a partir dos rios Varta e Vístula, rejeitou-se tanto a premissa de igualdade horizontal em favor da hierarquização vertical. Entre as colônias alemãs, a de Camarões, onde se cultivou plantations de cacau com labor forçado, é a que, talvez, melhor exemplifique as inten- ções nazistas, mais ainda do que Togo254. Tudo isso, claro, apesar das diferenças cruciais entre a ditadura de Hitler e a monarquia constitucional de Bismarck e Guilherme II, que participara da partilha da África a partir de 1884. Na Ale- manha nazista não houve um parlamento livre, enquanto que, na antiga monarquia, opositores socialdemocratas e cristãos criticaram os massacres realizados nas colônias, e pediram o fim da proibição de casamento inter-racial. Ademais, a Ale- manha nazista usou uma brutalidade bélica extraordinária, não cogitando difundir a cultura alemã entre os nativos e não projetando uma paz jurídica formal no Leste – já na antiga monarquia, as colônias foram ocupadas através de tratados de proteção, assinados frequentemente de modo voluntário

91 pelas lideranças nativas; seguiu-se a penetração de professores e missionários cristãos, sobretudo católicos, com a intenção de converter os nativos para a cultura cristã-ocidental255. Finalmente, os nazistas tinham uma percepção um tanto clara sobre o Leste desde antes da guerra, sendo que Rosenberg e outros nasceram como súditos do Czar, enquanto que, antes do imperialismo, pouco se sabia sobre a África não-árabe afastada dos litorais (isso apesar de se conhecer a Índia desde a época de Marco Polo).

A equiparação ideológica entre eslavos e negros

Desde que surgira o racismo dito científico, após a Revolução Francesa, todo um arsenal de preconceitos foi usado para estig- matizar costumes e hábitos eslavos. Na obra História cultural da humanidade, de 1845, o antropólogo alemão Gustav Klemm rebaixou os russos como “uma massa servil, cujo estado se apro- xima ao dos negros dominados pelos mouros”. Os alemães eram uma “raça ativa” viril, oriunda de montanhas, e teriam direito a explorar essa “raça passiva” afeminada, oriunda de estepes256. Vários escritores racistas, como Gustav Freitag (1816-1895), afirmavam em seus livros que os camponeses poloneses eram “não-brancos” ou culturalmente “negrificados”, incapazes se organizar num Estado soberano. Devido à sua pele mais escura e rostos com ossos salientes, pareciam-se fisicamente com índios ou ciganos257. Num livro de 1888, uma jornalista inglesa com experiência na Ucrânia escreveu que, entre os camponeses adeptos da Igreja Ortodoxa Grega, o culto a santos “atinge um fetichismo quase tão mau quanto o encontrado na África.” Embora cristãs, esculturas toscas de madeira e de pedra eram veneradas como

92 faziam os negros pagãos, adeptos da magia negra: “o camponês russo é um bárbaro num nível baixíssimo de civilização258”. A negrofobia alcançou os mais diversos contextos. Na era vitoriana, antropólogos ingleses descreveram os irlandeses como “negróides”, devido à ineficiência e à desorganização manifes- tadas em ocasiões como a Grande Fome de 1845-1849259. Após a Segunda Guerra Mundial o escritor austríaco Gregor von Rezzori, nascido na Bukovina, difamaria os romenos, um povo não-eslavo, como “magrebinos”, ou seja, “africanos”260. Dois sintomas de uma xenofobia não restrita às fronteiras germânicas nem a grupos de extrema-direita e que sobrevive até hoje. No caso nazista, a apropriação desses velhos estereótipos visava, mesmo que indiretamente, a real degradação dos que fica- riam sob o tacão da suástica. Em 1933, ano que Hitler chegou ao poder, o teórico alemão Karl Zimmermann lançou Os fundamentos espirituais do nacional-socialismo. Nesse livro para doutrinamento público, colocou o “povo báltico-oriental-intraasiático da Rússia” no mesmo grau produtivo dos “homens de pele escura da Ásia e da África”. Logo, os russos integravam uma das “raças de felás” que habitavam a parte subdesenvolvida do planeta261 (felás era o nome dado aos trabalhadores rurais comuns no norte da África arabizada, sobretudo no Egito, descritos no imaginário europeu como submissos, fatalistas e até masoquistas). Hitler defendeu algo parecido em seu livro Minha luta. Ele repudiou o fato de, na República de Weimar, “qualquer filho de judeu, de polonês, de africano ou de asiático, poder, sem maiores dificuldades, tornar-se cidadão alemão262.” Os poloneses, portanto, eram tão alienígenas quanto africanos e asiáticos – apesar de não temidos como os judeus “conspiradores”.

93 Tal desprezo apareceu com força total durante a guerra nazi-soviética. Devido a fatores como o legado do bolchevismo, distância geográfica e semelhanças com povos asiáticos como o mongol, os habitantes do espaço soviético, sobretudo os russos, foram especialmente repudiados. Hitler assegurou que o regime soviético “destruíra tudo o que lembra a civilização”, acrescentan- do: “Em comparação com a Rússia, até a Polônia parecia um país civilizado263”. E mesmo num discurso público, em setembro de 1942, humilhou o russo como “um homem-do-pântano e não um europeu”, uma “criatura surgida no lodo” cuja existência sempre fora miserável264. No ano anterior, discursara ao povo alemão que o Exército Vermelho consistia “não de seres humanos, mas de animais, de bestas265”. Ele não ousou difamar publicamente tchecos, poloneses e sérvios desse modo. Como o ditador, vários de seus subordinados incorreram em preconceito – revelado inclusive na literatura oficial do regime, e entre os militares que invadiram a URSS. Numa carta para sua mãe, por exemplo, o soldado Hans- -Albert Giese reprovou aldeões russos como “negros do mato”, “uma gentalha pior que os ciganos”, cujas casas eram mais insalubres que os estábulos das vacas alemãs266. Ele se referia ao atraso e à sujeira dos russos, que não tinham banheiros no padrão ocidental. Outros preferiam humilhar os ucranianos como “negros brancos”: pessoas que frequentemente eram até loiras, mas cuja inteligência estava num patamar subsaariano267. Como acontecera na África, atual Namíbia, algumas esposas de autoridades nazistas se tornaram obcecadas com lençóis brancos, louças lavadas e chãos limpos – símbolos da “higiene alemã”. Nas cartas que enviavam para suas mães e irmãs, elas explicavam essa mania de limpeza como uma forma de auto-identidade naquele

94 ambiente estranho e machista, onde se sentiam isoladas268. O líder da divisão belga da SS, Léon Degrelle, escreveria em suas memórias pós-guerra que uma região da União Soviética havia sido “tão selvagem quanto a floresta do Congo”, sem qualquer infraestrutura que lembrasse a Bélgica ou a Alemanha. Ainda escreveria que as crianças russas, pobres e sujas, haviam se com- portado “como macacos269” – ficavam assim desumanizadas. O famoso livreto O sub-humano, publicado pela SS em 1942 em vários países, dizia que “o trabalhador soviético vive pior que um ‘homem do mato’”, fazendo referência, em tom pejorativo, à tribo san oriunda de regiões como a atual Namíbia, que fora colônia alemã. Pois as casas dos russos não serviam “nem mesmo para os animais domésticos alemães270”. Todas as fontes transcritas têm um ponto em comum: a igua- lação com os negros reforçava a proximidade dos eslavos com a natureza, ou seja, sua condição de primitivos ou selvagens. Teo- ricamente eles já estavam acostumados com pobreza, maus-tratos e altas taxas de mortalidade. Seu vigor físico era até superior ao dos alemães. A Revolução Russa de 1917 só agravara tal situa- ção, de base genética, pois a aniquilação da aristocracia czarista extinguira o já precário esforço de alfabetização e sanitarismo. Vale lembrar que a proximidade com a natureza havia sido a principal justificativa dos brancos, como os bôeres na atual África do Sul, para legitimar a escravidão dos negros271. Os militares alemães chegaram a massacrar crianças e mulheres da etnia hereró, na Namíbia em 1904-07, sob a alegação de que eram “não-humanos” equivalentes a primatas silvestres272. Até o filósofo Georg Hegel, muito antes, havia contraposto a “natureza” dos negros ao “espírito” dos alemães; médicos famosos de seu tempo falavam sobre a “animalidade” dos negros, colocando-os

95 mais perto de orangotangos e chimpanzés do que do homem europeu criado à imagem de Deus. A crença sobre uma infe- rioridade africana congênita foi partilhada, aliás, por diversos filósofos, incluindo Hume, Diderot e d’Alemberg, Voltaire, Herder, Schelling, Engels e Marx273. O nazismo foi a ideolo- gia que melhor adaptou esse preconceito, muito difundido com o imperialismo pós-1884, para os eslavos, sobretudo os russos, justamente para tirar deles a condição de europeus e civilizados. Como não mereciam dignidade antropológica, os eslavos podiam ser tratados com o tipo de indiferença mostrado pelo burocrata da SS Adolf Eichmann, que inspirou o conceito de “banalidade do mal” de Hannah Arendt. É revelador que, apesar da admiração pelo domínio britâni- co na Índia, quase não se equiparou os eslavos com os hindus, mesmo os párias das castas marginalizadas. Equipará-los com os subsaarianos de pele totalmente preta era algo ainda mais ofen- sivo na hierarquia nazi. Afinal, ao contrário de indianos e índios americanos, e também de árabes e orientais como os chineses, os africanos supostamente eram incapazes de qualquer realização intelectual ou institucional. Hitler debochou-os como “criaturas monstruosas, meio homens meio macacos274”, que poderiam “destruir para sempre todos os conceitos do belo e do sublime, todas as ideias de um futuro ideal da humanidade275”. De acor- do com Alfred Rosenberg, a miscigenação com sangue africano é que causara o declínio das civilizações grega, romana e persa na Antiguidade; na época, Estados Unidos, França e mesmo a Itália fascista deviam suas mazelas a essa herança genética276. Equiparados aos negros, portanto, os eslavos eram rebaixados ao patamar antropológico mais menosprezável, quase que excluídos

96 da espécie humana, tornando-se uma “escória” não protegida pelas leis consuetudinárias europeias. Notavelmente, tal maniqueísmo foi disseminado em todo Ocidente capitalista. Destaca-se o eugenista americano Lothrop Stoddard, muito promovido pelos nazistas por demonizar o igua- litarismo em prol do supremacismo conservador. Num artigo de junho de 1919, ele advertiu que o bolchevismo poderia rebaixar a cristandade “até a selvageria deplorável do Congo277.” E na obra A Revolta contra a civilização: a ameaça do sub-humano de 1922, redigiu que as manifestações do “bolchevismo cultural”, sobretudo a arte expressionista, “assemelham-se com os ídolos dos negros da África Ocidental – se é que significam algo278”. Ao reprovar a “negrificação” iminente da raça branca, o americano Stoddard referia-se nessas passagens à decadência civilizatória decorrente da Revolução Russa de 1917. No mesmo sentido, Alfred Rosenberg escreveu num livro que Lênin, uma cruza de judeu com tártaro-calmuco, apresentava uma “estreiteza espiritual digna de hotentotes”279, referindo-se ao grupo étnico khoikhoi, aparentado dos san, ambos nativos do sudoeste africano. A concepção apocalíptica de um sub-mundo foi muito divul- gada perto da derrota final para o Exército Vermelho. Como em 19 de abril de 1945, quando o ministro da Propaganda Joseph Goebbels fez seu último discurso radiofônico à nação alemã, por ocasião do aniversário de Hitler, que completaria 56 anos no dia seguinte. Goebbels bradou que caso os alemães se rendessem a Stálin, teriam “uma vida que ninguém ousaria mais chamar de digna mesmo nos cantos mais sombrios da África”; tal abismo de caos, miséria, fome e estupros “envergonharia mesmo as tribos africanas mais primitivas280”. Como o americano Stoddard, o ministro Goebbels – o nazista da alta cúpula que mais respeitava

97 a cultura russa, sendo leitor de Dostoiévski – focava-se não na população soviética, mas no sistema bolchevique, casualmente recorrendo a vocábulos cristãos como Inferno e Diabo. Quanto aos eslavos, eles ainda foram acusados de promis- cuidade sexual, de serem uma ameaça demográfica e de serem facilmente manipuláveis pelos judeus. Era frequente discriminar os negros justo com essas implicâncias. Os eslavos foram acusados até mesmo de transmitir doenças, como tifo, malária e cólera, apelando então sanitaristas alemães para técnicas de controle bacteriológico usadas nos trópicos281. No plano militar também se observa o paralelismo. Du- rante a Primeira Guerra Mundial, nativos negros da atual Tanzânia foram mobilizados, pelos alemães, para a defesa da colônia como combatentes auxiliares, ficando conhecidos como “askaris”, palavra árabe para soldados. Durante a Segunda Guerra Mundial, utilizou-se o mesmo termo para os auxiliares ucranianos que atuaram na perseguição de judeus e comunistas. Hitler, contudo, condenava esses dois casos de recrutamento de estrangeiros “askaris” – como, aliás, condenava o recrutamento de eslavos poloneses e tchecos que testemunhara no Império Austro-Hungaro282. Fundamentou-se sempre com os mesmos argumentos: ineficiência, insubordinação, falta de lealdade e perigo de miscigenação étnica. Num panfleto clandestino já mencionado antes, o ucraniano Ivan Hryniokh lamentou o fato de seus compatriotas e soldados bielorrussos, estonianos, cossacos e uzbeques derramarem seu sangue pela Nova Ordem germânica. Acusou-os de aceitarem o escambo alemão, vendendo-se pelo falso prestígio de portarem armas e assassinarem desafetos pessoais. As divisões de soldados

98 nativos lutavam, segundo Hryniokh, “da mesma forma que le- giões estrangeiras defenderam interesses franceses na África283.” Se os negros tinham o infame apelido de macacos, também ocorreu de os soviéticos serem desumanizados quando se abordou sua postura nos campos de batalha. No pós-guerra o belga Léon Degrelle, da SS, escreveria que os soviéticos haviam lutado como “javalis selvagens”, parecendo-se com “homens das cavernas” e com “monstros pré-históricos284”. É verdade que Degrelle escreveu nostalgicamente sobre “a vegetação semitropical, o sol africano” que encontrou na deslumbrante paisagem do leste da Ucrânia; todavia, lembrou com temor das fortificações defensivas construídas pelos soviéticos com madeira, “como fortes africanos”, para conter o avanço alemão com estocadas285. De acordo com Heinrich Himmler, líder-supremo da SS, em seu famoso discurso de Posen, outubro de 1943, os russos eram “animais humanos” que atacavam em massa e aos gritos, mas gemiam durante a morte, sempre supersticiosos: “Eles são – para se usar uma expressão realmente brutal – como um porco que foi esfaqueado e deve sangrar vagarosamente até morrer286.” Outros casos poderiam ser citados. Além de comparados a bestas, os soldados russos foram acusados de serem traiçoeiros, desleais, imprevisíveis, saqueado- res e sanguinários, que fugiam e se camuflavam com facilidade, utilizavam veneno e armadilhas, e que cometiam atrocidades como esquartejamentos e mesmo o canibalismo. Um conjunto milenar de acusações, sem dúvida, porém muito perceptível nas narrativas coloniais. Mais ou menos assim, ingleses e bôeres haviam demonizado os oponentes zulu da atual África do Sul, e os alemães os nativos da atual Namíbia.

99 Hitler, em especial, foi igualmente verborrágico em suas ca- lúnias sobre capacidade laboral, em sua depreciação do trabalho alheio, pronunciando incontáveis deboches. No livro Minha luta, de 1925, ele caracterizou os negros como “primitivos, preguiçosos e incapazes”, uma raça de “meio- -macacos” que só se empenhava quando submetida “a um ades- tramento, como o do cão poodle287”. Os negros não compreen- diam o conceito europeu de progresso e dependiam de senhores estrangeiros para fazerem algo produtivo. Coerentemente, em seus monólogos de 1941 e 1942, publicados postumamente como Conversas à mesa, Hitler adaptou tal linguagem para subestimar os eslavos. Russos e ucranianos eram “uma massa de escravos natos, que sentem a necessidade de um senhor288”; tratava-se de “massas estúpidas” que só lidavam mediante vodca e açoite289. “Se outros povos, começando pelos vikings, não tivessem im- portado alguns rudimentos de organização para a humanidade russa, os russos ainda estariam vivendo como coelhos290.” Eram preguiçosos fedorentos, tomados pela letargia, que não pensavam em deixar legado para os filhos. Desde o feudalismo agrícola dos Czares até a tirania industrial de Stálin, só entendiam pro- fissões que não requerem esforço mental, vagueando nômades com carroças puxadas por camelos e pôneis da Mongólia. Esta imagem foi muito mais pejorativa que a feita sobre os tchecos e mesmo sobre os poloneses, desumanizados por Hitler, em 1939, como “mais animais do que seres humanos, totalmente burros e amorfos. [...] A imundície dos polacos é inimaginável291”. Pregava-se assim o determinismo de que uma estirpe-elite mais loira, consequentemente mais enérgica e melhor organizada, tinha direito a tiranizar uma gentalha menos loira para civilizar seu território. “Pois o russo não é tão estúpido para não conse-

100 guir trabalhar numa mina292”. Nessas ocasiões, apelando para o etnocentrismo social-darwinista, Hitler recusava duas doutrinas eventualmente usadas por imperialistas para justificar a submissão: doutrinas filantrópicas (que pregavam ser necessário promover a civilização, livrando os nativos, através da educação cristã, de seus “costumes bárbaros”) e doutrinas utilitaristas-pragmáticas (o progres- so, sobretudo econômico, a ser estendido aos nativos). De certa forma, essas duas doutrinas impulsionaram nazistas moderados como Rosenberg, quando prometeram incluir povos eslavônicos numa nova Europa livre das mazelas associadas aos judeus. É prudente ressalvar que tal rejeição não envolveu todos os povos do continente. Embora pouco estimados na hierarquia nazi, povos não-eslavos como o grego, o húngaro, o romeno, o bósnio e mesmo o turco eram definidos como arianos293. Além disso, eventualmente reconhecia-se que povos latino-europeus como o francês, o italiano e mesmo o espanhol tinham proeminência cultural. O ministro Goebbels chegou a exaltar a França como “o país supercivilizado da Europa”, a antítese da Polônia e da Rússia, “os países mais primitivos da Europa294”. Apesar desse respeito pelos povos latinos do sudoeste, o ódio pelos eslavos, ou eslavofobia, foi habitual – sobretudo entre o pessoal mais jovem do Partido Nazista e da SS, que desde os anos 1930 passava por intensa doutrinação, cuja pedagogia provavelmente seria radicalizada nas gerações seguintes.

101 102 C a p í t u l o 3

O desbravamento dos Estados Unidos

103 104 Modelo para uma “colônia de povoamento”

Os nazistas não queriam somente uma “colônia de exploração” nas estepes e planícies da Europa Oriental295. Suas regiões mais férteis seriam povoadas por milhões de camponeses teutônicos, que modernizariam a paisagem com capital e conhecimento. A missão dessas famílias colonas era “europeizar” a “estepe monó- tona do tipo asiático”, ou seja, “transformar o Leste num lugar onde seres humanos consigam viver296”, reproduzindo-se com a riqueza local para que o número total de alemães na Europa talvez chegasse aos 250 milhões297. Consoante o dogma de que “só se pode germanizar um território, mas nunca seu povo”, rejeitou- -se a hipótese de converter os geneticamente eslavos em alemães, tentativa que havia fracassado no Império Austro-Húngaro298. Pode-se dizer que a história dos Estados Unidos era a principal inspiração moderna para tal esboço. Hitler admirava a forma como a América fora povoada por europeus “germâni- cos”, sobretudo ingleses e alemães, além de escandinavos, que haviam subitamente formado uma potência mundial a partir da Independência em 1776299. Os Estados Unidos comprovavam a valentia reprodutiva hegemonista da dita raça ariana; nem mesmo os territórios do Canadá e da Austrália haviam sido tão modifica- dos300, enquanto a multiétnica África do Sul ainda contava com milhões de nativos negros. Entre as ex-colônias alemãs, a atual Namíbia fora a única com potencial para povoamento, mas só abrigara uns 14 mil alemães, número irrelevante301. “Uma coisa que os americanos têm, e nos falta, é o senso dos vastos espaços abertos302”. Apesar de continuamente apelar para clichês anti-americanos, Hitler reconhecia assim a capacidade desbravadora desse povo, derivada da origem anglo-saxã inglesa. Em seu Segundo livro de 1928, não publicado em vida, ele havia

105 descrito os Estados Unidos como “uma verdadeira colônia eu- ropeia, que por séculos recebeu as melhores forças nórdicas da Europa através da emigração”, formando uma “nação jovem e selecionada do mais elevado valor racial”. “Como os vikings de outrora”, vários europeus haviam abandonado suas monarquias e cruzado o Atlântico para tal república “com o solo mais fértil e rico303”. É relevante que, até hoje, alemães e seus descendentes formam o maior grupo étnico dos Estados Unidos. Superam em número até ingleses, irlandeses e italianos. Evidência inusitada disso é que, na Primeira e na Segunda Guerra Mundiais, os comandantes do Exército americano que combateu na Europa tinham origem alemã: John J. Pershing e o general Dwight Ei- senhower, respectivamente304. Estimulado pelo Mito da Fronteira americano, Hitler espe- rava que os alemães ocupassem a paisagem da União Soviética como os pioneiros haviam feito do outro lado do Atlântico. Tendo pouco interesse por colônias africanas como a Nigéria, chegou a declarar, em outubro de 1941, que o rio Volga, na Rússia, seria transformado num “Mississipi alemão”, equivalente ao rio americano e superior a qualquer africano ou asiático: “Nosso Mississipi deve ser o Volga, não o Níger305”. Tratava-se de uma missão tipicamente progressista, como a dos britânicos na Índia, mas muito mais profunda por envolver povoação em massa. Nesse sentido uma publicação da SS definiu a Ucrânia – a região sovié- tica que mais receberia famílias do oeste – como a “Califórnia da Europa”, um potencial “paraíso” devido à sua riqueza agrícola306. Para os planejadores de agências econômicas nazistas, como a Frente do Trabalho, que substituiu todos os antigos sindicatos, a eficiência americana em aproveitar seus recursos naturais – bem observável no New Deal posterior à Crise de 1929 – podia servir de paradigma para acabar com desigualdades sociais no interior da Alemanha307.

106 Erhard Wetzel, jurista de formação com experiência na Polô- nia ocupada, envolveu-se na preparação do Plano Geral para o Leste encomendado por Himmler, da SS, para nortear a ocupação alemã. Em 27 de abril de 1942 ele escreveu um relatório onde expunha suas opiniões, especialmente para a região do Báltico. Mostrou otimismo quanto à difícil meta de, em trinta anos, 8 milhões de alemães estarem vivendo numa vastidão que na época contava com 45 milhões de estrangeiros: “Hoje, quando se defi- ne como impossível uma povoação alemã nesse espaço, deve ser lembrado que os EUA, Canadá e Austrália foram ocupados pelos anglo-saxões”; também mencionou a reprodução “formidável” dos franceses no leste do Canadá. Na América do Norte, segundo Wetzel, havia “imensidões infinitas” parecidas com as do Leste Europeu, o que reforçava a viabilidade de alemães prosperarem em tal habitat. Temendo a força da nação russa na fria Sibéria, que não seria povoada por alemães, Wetzel ainda fez uma sugestão curiosa. Alegou que vários europeus não-germânicos – italianos, húngaros, belgas valões etc. – haviam emigrado para a América; logo, no futuro tais emigrantes poderiam ser encaminhados, sob supervisão alemã, para zonas da Sibéria que contavam com população russa, expulsando-a ainda mais para o leste. Nessas zonas o resultado seria “uma população com composição étnica um tanto diversificada, como a dos EUA308”. Muito antes do nazismo, o territorialismo americano já havia sido elogiado pelos grandes expoentes da geopolítica alemã. É o caso do Professor Friedrich Ratzel, criador do conceito “espaço vital”, que foi muito influenciado pela tese da fronteira americana de Frederick Turner. Também é o caso de Karl Haushofer, da Universidade de Munique, aliado de Hitler nos anos 1920, con- siderado por muitos o mentor de sua ideologia geopolítica309. Em março de 1926, o geógrafo alemão Leo Waibel, que moraria nos Estados Unidos e no Brasil, escreveu um artigo interessante para

107 a revista fundada por Haushofer. Tendo realizado uma viagem de pesquisa a partir de 1914 na colônia alemã África Sudoeste, atual Namíbia – a única que fora designada para povoamento, recebendo uns poucos milhares de colonos –, Waibel comparou-a diretamente com os Estados Unidos: “Com sua natureza silvestre, ela foi para nós uma espécie de fonte de juventude para a nação, ou poderia ter sido. Ela era o nosso ‘Oeste Selvagem’310”. E em 1940 o geopolítico Otto Maull, professor da Universidade de Graz e colaborador de Haushofer, lançou um pequeno livro no qual definiu as etnias norte-europeias como a essência do poder estadunidense; nos anos 1930, ele havia feito viagens de pesquisa no Brasil e no Paraguai, publicando seus detalhados escritos311. Ainda mais antiga, e mais significativa, foi a percepção do rei prussiano Frederico II sobre a região Warthebruch no Brandemburgo, povoada nos anos 1770. Conhecedor da história americana, ele costumava comparar essa região com o Canadá, e eventualmente definia seus habitantes poloneses como “iroque- ses”, referindo-se aos índios dos Grandes Lagos canadenses. O governo da Prússia incentivou a formação de novas aldeias alemãs protestantes, que aliás receberam nomes de cidades e regiões americanas como Filadélfia, Maryland, Flórida, Nova América e até Jamaica312. Considerando-se tal projeto de povoamento, percebe-se que Hitler – admirador de Frederico II – não foi o primeiro estadista europeu a usar a história americana como orientação para uma política de Estado. Mesmo assim, a fúria de planificação nazista ultrapassou o que fora tentado pelos alemães do passado. Num momento em que, ironicamente, a Alemanha e o Japão lutavam juntos contra os Estados Unidos – a partir de Pearl Harbor, em dezembro de 1941 –, buscou-se um projeto cuja escala dificilmente fora concebida por Frederico II, Ratzel ou Hashofer.

108 Nos anos 1970 haveria, por exemplo, o maior sistema de autoestradas e ferrovias do mundo, desde Paris até as cidades de Rostov e Kazan na Rússia. Hitler disse inspirar-se no sistema construído pelos americanos para ligar sua costa atlântica até o Pacífico. O automobilismo alemão, em especial o Volkswagen, deveria superar o estadunidense em qualidade por funcionar na fria e inóspita natureza russa; como símbolo dessa supremacia, uma imensa ponte seria construída em Hamburgo para ultrapas- sar em tamanho a Golden Gate de São Francisco313. Havia até o projeto de trazer os “alemães étnicos” morando nos Estados Unidos, Canadá, Brasil e Argentina de volta à Europa, para que participassem da colonização do Leste314. Esperava-se que a experiência no ultramar desses alemães, talvez 200 mil deles, inclusive os sem cidadania oficial, fosse reaproveitada na enorme superfície a ser anexada. Nesse cenário, discutiu-se a proposta de forçar os poloneses a emigrar, talvez para o Brasil (“que necessita urgentemente de pessoas”), trocando-os pelos alemães em solo brasileiro que seriam usados como pioneiros na península da Crimeia, sul da Ucrânia315. Mesmo alguns nazistas de alta hierarquia haviam morado na América, preservando lá sua identidade e sua lealdade nacio- nais. Isso confirmava que a “germanidade”, como fator mental e biológico, resistia em regiões distantes. Caso interessante foi o de Richard Walther Darré, ministro da Agricultura e Alimentação entre 1933 e 1942, notório expo- ente da filosofia “sangue e solo”. Ele nasceu numa vizinhança rica de Buenos Aires, na Argentina, em 1895, e mudando-se jovem para a Alemanha chegou a estudar na Escola Colonial de Witzenhausen, que preparava jovens para o além-mar. Após a Primeira Guerra Mundial cogitou retornar para a Argentina como agricultor pioneiro316. Outro que morou na Argentina, trabalhando em ranchos de gado entre 1920 e 1926, foi Günther

109 Pancke, alta liderança da SS responsável pelo policiamento da Dinamarca ocupada317. O ministro do Exterior nazista, Joachim von Ribbentrop, viveu no Canadá e nos Estados Unidos na maior parte do pe- ríodo entre 1910 e 1914. Chegou a trabalhar como jornalista em Nova York. E Ernst Röhm, o importante líder das SA, até ser assassinado a mando de Hitler em 1934, morou na Bolívia entre 1928 e 1930, como bem-sucedido conselheiro do Exército boliviano que atuaria na Guerra do Chaco. O pai do banqueiro Hjalmar Schacht, ministro da Economia do III Reich entre 1934 e 1937, morou por sete anos nos Estados Unidos antes de concebê-lo. Entre os nazistas, não se pode esquecer de Baldur von Schirach, comandante da Juventude Hitlerista e governador de Viena. Seu avô paterno lutou na Guerra da Secessão americana como major, contra os confederados do sul, e até foi guarda de honra no funeral do presidente Abraham Lincoln. Seu pai tinha cidadania alemã e americana, casando-se com uma americana de uma família abastada da Filadélfia, de sobrenome Tillou. Fluente em inglês desde a infância, Schirach gostava de se gabar que, por parte de mãe, descendia de dois signatários da Declaração de Independência americana318. Wolfgang Kapp não chegou a se filiar no Partido Nazista, morrendo antes de sua difusão a nível nacional. Conhecido por liderar uma tentativa de golpe contra a República de Weimar em março de 1920, com tendências conservadoras, Kapp nasceu em Nova York em 1858. Ainda se pode citar Elisabeth Förster- -Nietzsche, irmã do célebre filósofo Friedrich Nietzsche, que apoiou e conheceu pessoalmente Hitler. Em 1887, ela e um grupo que incluía seu marido fundaram um “assentamento puramente ariano” no Paraguai, chamado Nueva Germania, destinado a provar a grandeza dos valores germânicos.

110 Mesmo no outro lado do Atlântico, esses alemães haviam se mantido ligados espiritualmente à sua pátria e retornado quando possível: a típica lealdade do pan-germanismo, também visada para os que seriam massa de manobra nazista. Entretanto, nem todos haviam mostrado essa lealdade. In- clusive imigrantes originários de outras nações norte-europeias. Hitler lamentava o fato de tantos alemães, holandeses, dinamar- queses, noruegueses, suecos e mesmo ingleses terem abandonado o continente no passado, querendo reverter esse fluxo popu- lacional transatlântico. “Em vinte anos, a emigração europeia não será mais direcionada para a América, e sim para o Leste Europeu319”. Na metade do século XIX, demorou vinte anos para que meio milhão de americanos percorressem o caminho até os assentamentos no Oregon e na Califórnia, banhados pelo Pacífico. Só que os nazistas, usando o poder da burocracia mo- derna de tempos de guerra, fizeram muito mais do que isso em apenas três anos320. Muitas famílias alemãs avançaram na neve europeia em comboios de carroças puxadas por cavalos, como os americanos haviam feito nas pradarias, montanhas e desertos de seu país321. O objetivo final era que a Alemanha superasse os Estados Unidos como a maior potência demográfica e econômica da raça ariana: “A Europa, e não mais a América, será a terra das possibilidades ilimitadas322”.

Uma nova “Guerra Indígena”

Para Hitler, o desbravamento anglo-saxão só fora possível graças a algo destrutivo: a expulsão, e mesmo o extermínio, dos índios que originariamente ocupavam a América do Norte. Muito mais que a escravidão dos negros, abolida com a Guerra da Secessão, a brutalidade contra os nativos é que permitira o desenvolvimento dos Estados Unidos, este país “de riquezas incalculáveis, capaz

111 de sustentar meio bilhão de pessoas com tudo”, onde cada pessoa dispunha de “dez vezes mais recursos que cada alemão323”. Na obra Minha luta, de 1925, Hitler elogiou os americanos por terem preservado sua origem racial germânica. Já as Amé- ricas “Central e do Sul” haviam sido colonizadas sobretudo por europeus latinos, como espanhóis, portugueses e italianos, con- siderados racialmente medíocres, e que haviam “se miscigenado em grande número com os habitantes indígenas324”. Os Estados Unidos haviam superado países como México e Brasil basica- mente devido à sua composição étnica. Talvez em nenhum outro país americano, mesmo a Argentina, a população indígena havia sido tão reduzida – apesar dos 65 milhões de “negros, judeus, latinos e irlandeses” entre seu povo de 130 milhões325. Num famoso discurso de 1932, Hitler novamente louvou a falta de piedade dos ingleses que haviam sujeitado a América do Norte e a Índia. Isso reforça a tese de que ele já manifestava tendências genocidas antes de chegar ao poder, inclusive publicamente. Além de admirar a forma como os ingleses haviam construído campos de concentração para prisioneiros bôeres na África do Sul (que, segundo ele, inspiraram os campos de concentração nazistas326), Hitler interessava-se pela decadência dos indígenas americanos, graças à fome e doenças, devido à política do go- verno federal americano de confinar tribos inteiras em reservas. Para ele, as migrações forçadas dos índios por grandes distâncias fora uma estratégia deliberada de extermínio327. Mesmo que superficial, há um paralelo com o plano nazista de deportar os judeus europeus para uma “reserva judaica” em volta da cidade polonesa de Lublin, um terreno pantanoso onde morreriam em massa por doenças e fome. Esquemas genocidas similares foram concebidos para a inóspita ilha africana de Madagascar, colônia francesa, e depois para a Sibéria russa com seu clima glacial.

112 Não se tratava de um assunto novo entre a intelectualidade alemã. No início do século XIX, o jurista e historiador - no Johann Reitemeier havia comparado a tomada de territórios eslavos por alemães, na Idade Média, com o acontecido na América do Norte. Em ambos os casos, conseguiu-se afugen- tar em massa os autóctones com o pavor de banhos de sangue impactando desde bebês até idosos328. Num livro de 1847, o historiador Moritz Wilhelm Heffter escreveu que os eslavos só realizavam as atividades mais básicas, como coleta de frutas, caça e pesca, “mas nada além disso, como acontece entre os nômades rudes da Ásia e os índios da América.” A falta de educação especializada, indústrias e tecnologia explicava por que tais po- vos haviam sucumbido, às vezes num colapso total sem deixar vestígios, como acontecera com partes do Egito e Babilônia na Antiguidade329. Num ensaio de 1864, o escritor polonês Ludwik Powidaj equiparou a decadência de seu próprio povo com a dos ameríndios330. Também Heinrich von Treitschke (1834-1896), famoso nacionalista e deputado do Parlamento alemão, associou o genocídio dos índios com aquele sofrido pelos habitantes origi- nários da Prússia, pagãos de etnia báltica, que foram derrotados pelos Cavaleiros Teutônicos na Idade Média331. Os escritos e discursos de Treitschke eram muito difundidos entre a direita alemã, e foram lidos – junto com obras de Nietzsche e outras – por Hitler quando esteve preso na penitenciária de Landsberg, onde escreveu a primeira parte de Minha luta. De modo previsível, a desgraça ameríndia também foi um modelo para o horror nazista na União Soviética. Em registros como Conversas de Hitler à mesa, abundam menções ao tema ao se explicar a utopia criminosa de ampliar a etnicidade alemã mil quilômetros no sentido Oriente, afetando eslavos e, de modo distinto, judeus e ciganos. Deve-se lembrar que a Operação Barbarossa – a maior invasão da história em número de solda-

113 dos – foi concebida como uma “guerra de aniquilação”, com métodos incomuns não usados nem mesmo nas invasões nazistas na Polônia e na Iugoslávia332. Num período em que pilhas de cadáveres se amontoavam sobre milhares de vilarejos incendiados, com cifras astronômicas de mortalidade, Hitler talvez pensasse nos EUA ao antever: “Nossa penetração colonizadora deve ser progressiva, até que o número de nossos colonos seja superior aos dos habitantes locais333”. Sem dúvida, esta era a inspiração hitlerista de fora da Europa que mais simbolizava violência. Causar-se-ia uma “catástrofe racial” abrangendo duas táticas: “depopulação”, ou seja, deportar comunidades inteiras para a Sibéria, e “dizimação”, eliminando- -as direta e imediatamente334. Planejadores da SS previram que 45 milhões de pessoas seriam expulsas de suas casas, num pro- cesso homicida de desapropriação, incluindo 64% da população ucraniana e 75% da bielorrussa. Já no planejamento econômico comandado por Hermann Göring, imaginava-se dizimar de fome entre 30 e 40 milhões de pessoas na URSS335. Logo, a ocupa- ção alemã também era um instrumento de agressão biológica, no caso etnológica, configurando um tipo de hostilidade talvez inédito no continente: certamente não usado quando Napoleão invadiu o Império Russo em 1812, nem durante a invasão alemã na Primeira Guerra Mundial336. Responsável pelo confisco dos alimentos locais, Göring previu “a maior mortandade por fome desde a Guerra dos Trinta Anos337”. Contudo, esse conflito reli- gioso do século XVII, causado pela rivalidade entre católicos e protestantes, não fora acompanhado da colonização racista típica do nacional-socialismo. É claro que os nazistas valorizavam outros casos de povoamento, como o realizado na época pelos japoneses na Manchúria, China338, e a ocupação por alemães do território austríaco-Habsburgo vizinho do Império Turco, a partir do século

114 XVI339. Mesmo assim, a escala humana e geográfica desses casos não se comparava com o que acontecera na América. Reforçada, espacialmente, nas zonas destinadas ao povoa- mento de 8-10 milhões de alemães, a truculência seria reforçada, sociologicamente, contra os nativos que jurassem lealdade ao Esta- do soviético de Stálin, participando da Grande Guerra Patriótica. Hitler determinou “fuzilar qualquer um que pareça suspeito”, ou seja, exterminar sem o devido processo legal340. “Aqui nós enfrentamos criaturas que são completamente estranhas a nós”, falou noutra ocasião, ainda desejando “aniquilar Kiev, Moscou e São Petersburgo341”. Foi nesse enredo que se invocou a desgraça dos ameríndios. Na planície europeia-oriental, entre os Mares Báltico e Negro, os alemães fariam algo muito mais duradouro e intenso que o massacre dos negros hereró na atual Namíbia, pelos imperialistas alemães. Afinal, na África quase não houve colonização europeia, enquanto no Leste Europeu, como nos Estados Unidos, os próprios colonos, definidos como “camponeses-soldados”, parti- cipariam da matança para tomar a terra dos nativos342. A grande originalidade nazista foi buscar uma destruição intencional e de- liberada de vidas humanas. Na América, a hecatombe dos índios nem sempre foi premeditada, muitas vezes ocorrendo devido à falta de imunidade contra doenças trazidas – involuntariamente, é provável – pelos europeus, como a varíola. No caso nazista, contudo, desde o início projetou-se milhões de eslavos mortos por fome, frio, trabalhos forçados, fuzilamentos e até mesmo impedidos de se reproduzir mediante castração em massa343. Numa reunião com seu ministro dos Transportes, Fritz Todt, em outubro de 1941, Hitler declarou que havia “somente uma missão” na Rússia: “germanizar o país através da infiltração de alemães, e encarar os nativos como índios Peles-Vermelhas.” Indicava que os alemães deviam “europeizar” aquele habitat

115 pitoresco, almejando glória, com “sangue frio” e a “completa indiferença” das estirpes marciais344. Da mesma forma que a pólvora sobrepujara o arco e flecha, amparada pela cruz cristã, a suástica triunfaria absoluta. “Aqui no Leste, repetiremos um processo pela segunda vez, como na conquista da América345.” Os espanhóis que haviam sobrepujado o Império Asteca teoricamente haviam sido ibéricos com muito sangue nórdico, no caso godo, experimentados na expulsão dos mouros muçulmanos. Depois, os estadunidenses, com sua racionalidade protestante, haviam desenvolvido uma tecnologia industrial inexistente na época de Colombo. Foi mais ou menos esse o raciocínio de Hi- tler, ao indicar como precursor “o descobrimento da América e a expulsão de seus habitantes pelos europeus, nos últimos 300 anos346”. Duas décadas antes, um alemão dos Corpos Livres – as milícias patriotas que combateram as primeiras forças bolchevi- ques no Báltico – relatara “uma peleja com a selvageria do tipo Guerras Indígenas, acompanhada de um romantismo do tipo Oeste Selvagem347”. Hitler prosseguiu em suas fantasias mesmo perante a resis- tência feroz do Exército Vermelho. Em agosto de 1942, a poucos meses da fatal derrota alemã em Stalingrado, ele divagava no quartel-general Lobisomem em Vinnytsia, na Ucrânia, região que hoje deveria estar cheia de aldeias teutônicas. Num momento em que as guerrilhas ordenadas por Stálin infernizavam a retaguarda, seriam caçadas mesmo em matagais e pântanos distantes: “Nossa luta contra os guerrilheiros assemelha-se muito com a luta, na América do Norte, contra os Índios Vermelhos. A raça mais forte vencerá, e essa somos nós”. Portanto, a cruzada ideológica também tinha um caráter biológico-sanitário, contra vândalos que rejeitavam os valores europeus de “lei e ordem348”. Poucos dias depois Hitler novamente exigiu que os “bandidos” e “terroris- tas” a mando de Stálin fossem sumariamente executados, sem o

116 humanitarismo judaico-cristão: “Nós faremos uma invasão geral, metro quadrado por metro quadrado, e sempre enforcaremos! Será uma verdadeira guerra contra os índios349”. Tais registros indicam que a repressão seria implacável con- tra os considerados ameaça. Se os ucranianos geralmente eram comparados a negros, por sua docilidade, os guerrilheiros eram comparados a índios por sua resistência e coragem – sobretudo os russos, devido a seu longo passado militar e sua identificação com Moscou. Chacinados para a dita “limpeza” ou “higienização” do Leste, perderiam seu chão para os próprios carrascos, conforme o dogma hitlerista: “O sucesso justifica tudo. [...] O mais forte sempre impõe a sua vontade, pois esta é a lei da Natureza. Deus fez as coisas assim350”. Na verdade, estrangeiros também mencionaram o Novo Mundo – porém, com intenções bem diferentes. Ressalta-se Pedro Martínez Cruces, espanhol que em 1942 escreveu um longo poema épico para vangloriar os voluntários espanhóis da Divisão Azul que invadiu a URSS em aliança com a Alema- nha. Compartilhando o espírito católico, conservador e fascista do regime de Franco, ele escreveu que os espanhóis deveriam seduzir o campesinato russo como seus antepassados – os con- quistadores do século XVI – hipoteticamente haviam tratado os indígenas americanos: com pão e simpatia, levando-lhes o Deus cristão351. Todavia, é claro que outros espanhóis da Divisão Azul depreciaram os nativos como mongoloides alheios à cultura ocidental-católica. Nesse desdém, suas cartas lembravam muito as que haviam escrito sobre a população berbere do império es- panhol no norte da África, atuais Marrocos e Saara Ocidental, onde haviam servido352. Não é de causar surpresa que nativos norte-americanos te- nham apontado o terror nazista para sensibilizar a opinião pública com seu próprio drama. Em 1983, por exemplo, um índio da

117 Reserva Pine Ridge, na Dakota do Sul, reclamou numa carta a um jornal que o governo americano homenageava os judeus sobreviventes do Holocausto, exigindo tratamento igual: “Nós, o povo nativo, por muitas e muitas gerações vivemos um Holo- causto causado pelo Governo Americano, aqui na nossa terra.” Os nazistas teriam aprendido a lição genocida com os anglo-saxões, lendo livros, e então “aplicaram-na com rigor contra a tribo ju- daica”. À semelhança de alguns afro-americanos, esse indígena recorria ao passado europeu para pleitear uma reparação histórica do governo federal dos EUA, por meio de medidas afirmativas em reservas como a Pine Ridge353.

A influência dos livros de Karl May

A retórica de Hitler reflete um fascínio que vinha desde sua problemática juventude na Áustria: o “Oeste Selvagem”, ou “Faroeste”, dos Estados Unidos. Ele era obcecado pelas obras do escritor alemão Karl May (1842-1912) sobre o Sudoeste ameri- cano, que venderam milhões de cópias e foram traduzidas para várias línguas354. Trata-se de estórias fantasiosas, escritas sobre- tudo nos anos 1890, nas quais os índios “Peles-Vermelhas” eram excelentes guerreiros porém eventualmente acabavam massacrados por cowboys brancos, como o personagem Old Shatterhand, que aliás tinha origem alemã. Hitler apreciava a ambientação cruel e rústica desses livros, repletos de brutamontes se gabando de tiros certeiros com rifles. Pensava diferente de alemães como Albert Einstein, e os socialistas August Bebel e Karl Liebknecht, que valorizavam essa literatura com um olhar mais cosmopolita. “Eu devo a ele [Karl May] minhas primeiras noções de geografia e o fato de que abriu meus olhos para o mundo”, consta num trecho de Conversas de Hitler à mesa355.

118 No escritório de seu retiro alpino no sul da Alemanha, Hitler mantinha, numa caixa especial, uma edição completa de May encadernada em couro. Presente do marechal Göring, os livros, segundo um relato durante a guerra, eram bem manuseados e lidos, e geralmente um ou dois podiam ser encontrados na pe- quena estante de livros do ditador. “O fato de serem leitura de cabeceira de Hitler sugere que, como muitos meninos alemães aos treze anos, ele ia dormir com as aventuras de Old Shatterhand desenrolando em seu cérebro356.” Pode-se dizer que o Hitler do duelo nazi-soviético, talvez o estadista mais temido do planeta, adaptou tais fantasias juvenis ao visualizar uma espécie de “Leste Selvagem” alemão. Os índios da tribo kiowa tornaram-se os sub-humanos eslavos, sobretudo aqueles com capacidade bélica. Já a fronteira dos EUA tornou-se a superfície eurasiana que iria da Prússia até além dos Montes Urais – uma reencenação, no sentido inverso, da Marcha para o Oeste americana até o Pacífico357. De fato, Hitler encontrou tempo para ler Karl May mesmo na agitação da campanha oriental, relaxando com ele. Chegou a declarar que todo oficial alemão devia carregar consigo estes livros: assim aprenderia a neutralizar os russos, que tinham a astúcia e a mobilidade dos ameríndios. Em 1943, ordenou que 300 mil cópias fossem impressas e distribuídas especialmente aos soldados da frente oriental, como forma de doutrinação358. Percebe-se a busca por uma ferocidade marcial não usada antes na Europa, afastada de escrúpulos conservadores e do direito internacional359. Vale lembrar que ainda em 1939, quando pro- gramava a invasão da Bélgica e da Holanda, Hitler acusou seus generais de serem “muito convencionais” em estratégia militar, por lerem Clausewitz em excesso, desdenhando: “Eles deveriam ter lido mais Karl May!360”

119 Nessa perspectiva, a epopeia alemã na Europa Oriental seria uma espécie de Faroeste, sem desertos, destinada a durar séculos. Haveria tiroteios e perseguições por vingança, além de caçadores de recompensa, com juristas nazistas exercendo o papel de xeri- fes. Os camponeses alemães teriam armas superiores, incluindo motocicletas em vez de cavalos, massacrando assim muitos “sub- -humanos”, como feito com os “selvagens” indígenas (e, de certa forma, como os romanos confrontaram os “bárbaros” e os cristãos os “pagãos”361). O principal ícone talvez fosse Old Shatterhand, personagem fictício de May, que invocava a Bíblia para embasar seu direito de matar os nativos no Arizona, no Texas e no Novo México362. Os veteranos alemães contariam seus causos em livros parecidos, só que sem o apoio espiritual do cristianismo, a ser substituído por crenças pagãs de inspiração nórdica363. Digno de nota é um artigo publicado em 1940 pelo escritor alemão Klaus Mann, filho do famoso Thomas Mann, que mo- rava como exilado nos Estados Unidos. Era intitulado O mentor cowboy do Führer e defendia, com certo exagero, a seguinte tese: “O Terceiro Reich é o triunfo supremo de Karl May, a realização sinistra de seus sonhos.” Mann denunciava o legado perverso que estórias de Faroeste haviam deixado sobre toda uma geração de leitores alemães, culminando na aceitação da desumanidade hitlerista. O que Hitler apreciava era “a mistura de brutalidade e hipocrisia” do personagem Old Shatterhand, que cometia as piores atrocidades com a consciência tranquila, julgava seus ini- migos racialmente inferiores e se considerava um super-homem de inspiração divina, personagem que, nas obras de May, tinha sua barbárie louvada como heroísmo e sua falta de moral como inocência juvenil. Segundo Mann, Hitler absorvera essa ética depravada ainda jovem, mantendo-a na idade adulta: “Ele não acha que as convicções e táticas de Old Shatterhand devam ser

120 ignoradas na política nacional e internacional. Alguém pode conquistar a civilização retornando aos princípios da selva...” Quando jovem, Karl May fora um ladrão delinquente que passara anos da prisão, com fama de mentiroso patológico e mania de grandeza: Hitler supostamente vinha da mesma camada social desajustada364. Ainda em 1934, o escritor alemão Erich Kästner, perseguido por seu pacifismo, condenara a infantilidade envolvida no culto generalizado às estórias de May, que incluíam emboscadas, per- sonagens arrancando o escalpo dos inimigos e usando prisioneiros como escudo humano365. Para o desgosto de alguns fãs, a divulgação de tal literatura entre o povo alemão – na época um dos povos que mais liam e publicavam no mundo – realmente esteve ligada ao armamentis- mo nazi. O regime incentivou, entre a juventude, os já populares Jogos Oeste Selvagem, nos quais se simulava com fantasias as escaramuças entre índios e cowboys. Tais jogos serviam como preparação psicológica para a vida militar, como se observa atualmente em filmes e jogos digitais americanos. Consequên- cia típica disso: era comum na Força Aérea alemã chamar os caças inimigos, inclusive americanos, de “índios”366. Outro detalhe expressivo: em 1944 Klara May, segunda esposa do escritor, ingressou no Partido Nazista antes de falecer. Aparentemente irrelevantes, tais dados desvendam, quando reunidos, uma sis- temática maior percebida por muitos na época, tanto que, anos depois, as obras de May seriam proibidas na Alemanha Orien- tal comunista devido à associação com o “fascismo”367. Ainda hoje a fascinação pelo Velho Oeste tem contornos sanguinários, inclusive em Hollywood. Bom sintoma é o sucesso recente Bastardos Inglórios, filme dirigido por Quentin Tarantino, no qual o ator Brad Pitt interpreta o sádico personagem “Aldo, o Apache”: tenente americano que tortura nazistas indefesos na

121 Europa ocupada, tirando-lhes o escalpo com facas, tal como faziam os índios. Outros fatos mostram o quanto o devaneio nazista esteve ligado a livros e filmes. Na noite anterior ao ataque à União Soviética, o ministro da Propaganda Goebbels recebeu uma delegação italiana que incluía seu colega de pasta Alessandro Pavolini, o ministro de Cultura Popular fascista. Eles então assistiram ao filme americano E o vento levou..., ambientado na Guerra Civil Americana, mostrada a partir dos confederados do sul368. Hitler admirava muito esse filme, tendo-o como parâ- metro para os alemães. Além disso, o ditador disse ter lido O Último dos Moicanos, de James Cooper, sobre a participação de índios no conflito entre britânicos e franceses de 1754-1763, no território nordeste dos Estados Unidos. No mesmo monólogo, Hitler elogiou a obra A cabana do Pai Tomás, sobre o drama dos escravos negros no sul americano e Robinson Crusoe, romance de Daniel Defoe sobre um náufrago inglês (de origem alemã) que, participando de uma viagem para trazer escravos da África, naufraga numa ilha do Caribe onde interage com canibais locais. Hitler ainda elogiou Dom Quixote, de Miguel de Cervantes; o romance As Viagens de Gulliver, cujo protaganista é um viajante inglês; e o escritor francês de ficção científica Júlio Verne. Tinha a todos como mestres da literatura que deviam estar acessíveis à mocidade alemã369. Embora pouco interessado em ouro e prata, Hitler às vezes engrandescia o espaço soviético com uma pompa romântica que lembra a usada por Marco Polo ao retratar os tesouros persas, chineses e indianos no século XIII. Possivelmente conhecia os relatos do viajante veneziano sobre o exotismo da Ásia medieval. Em termos de ambição, julgava o inglês William Shakespeare superior a alemães como Goethe e Schiller. Em obras como O mercador de Veneza, Shakespeare teria excitado a imaginação ou-

122 sada e astuta do Império Britânico emergente sem a ingenuidade iluminista de alguns poemas alemães370. A biblioteca pessoal de Hitler, dividida entre sua residência na Chancelaria de Berlim e sua casa de campo nos Alpes báva- ros, incluía outros livros que merecem alusão. Havia uma obra sobre a Guerra do Chaco de 1932-35, entre Paraguai e Bolívia, escrita pelo general alemão Hans Kundt; a obra de Theodore Roosevelt sobre a Guerra Hispano-Americana de 1898; e um livro do general alemão Friedrich von Steuben, que treinou as tropas de George Washington durante a Revolução Americana. Não se pode afirmar com certeza que o ditador leu tais livros, disponíveis entre os mais de 16 mil exemplares de sua biblioteca, que envolvia especialmente literatura militar371.

Justificando a “germanização”

Numa tentativa de autolegitimação, os nazistas definiam sua agressividade – camuflada de “autodefesa” “por sobrevivência” – como algo historicamente comum e, assim, moralmente aceitá- vel. Tal dissimulação foi típica dos regimes totalitários do século XX. Eles não definiam seus crimes como inéditos (julgamento da filósofa alemã Hannah Arendt), mas sim como parte de uma tradição eterna e universal de violência. O comunismo da União Soviética alegava que as classes se superavam economicamente, levando à ditadura proletária; de modo parecido, o nazismo alegava que as raças se aniquilavam biologicamente, levando à supremacia ariana. Num famoso discurso de 1932, para 650 industriais alemães como o magnata metalúrgico Fritz Thyssen, na cidade de Düs- seldorf, Hitler já havia apontado a América proclamando que a Europa submetera o mundo “não com base numa reivindicação legal, mas com um absoluto sentimento de superioridade.” Tal

123 rapinagem, equivalente à relação predador/presa do reino animal, é que afastara a “raça branca” da superpopulação encontrada na China e a fizera dominar o planeta a partir do século XVI372. Discursando em abril de 1939, Hitler mencionou a formação dos EUA, inclusive as Guerras da Independência e da Secessão, para mostrar que “nos últimos sete ou oito milênios” a evolução de “todos os povos” contrariava o cosmopolitismo do tipo Liga das Nações. E abominou o esquema de paz global defendido décadas antes pelo presidente Woodrow Wilson373. Ao invadir a União Soviética em 1941, Hitler focou-se nas políticas oficiais do auge da tirania nazista. Em sua mente predatória e paranoica, como os anglo-saxões haviam exterminado os ameríndios, os alemães também tinham o “direito” – não legal-jurídico, mas natural- -biológico – de fazer algo parecido para tornar-se superpotência. Debochando da Igreja Católica, pregadora do amor divino, Hitler mostrou frieza e insensibilidade pela dor alheia: “Quando comemos trigo do Canadá, não nos preocupamos com os índios expulsos de suas terras374.” Não era necessário se atormentar com o fato de que o “pão alemão” seria ganho “pela espada”, com egoísmo ultranacionalista, já que mesmo os franceses, conside- rados afeminados e frágeis, haviam agido sem sentimentalismo. Os alemães já haviam progredido assim na Idade Média, ao capturarem os territórios eslavos a leste do rio Elba, inclusive a posterior Prússia. A crueldade do conquistador espanhol Hernán Cortés, contra os astecas do México, convencia Hitler de que a espoliação de raças tolas e covardes era inexorável, como as leis da matemáti- ca375. Nos anos 1930, ele também havia aprovado a impiedade do espanhol Francisco Pizarro contra os incas, na América do Sul376. A própria Igreja Católica foi acusada de “profanar” as “riquezas espirituais da América Central377”, no caso dos maias. E se os moralistas cristãos haviam feito isso com uma civilização rica

124 em tradições, os alemães tranquilamente podiam fazer o mesmo com a pseudocultura russa, avaliada anárquica e subversiva, que facilitara a inversão de valores marxista. Nascido como católico, Hitler detestava a estratégia da Igreja Católica de enviar missionários para converter povos coloniais, como os jesuítas na América do Sul. Segundo ele, ademais, tal estratégia tivera resultados modestos se comparada com a difusão global do islamismo. O que ele aplaudia era a “fanática intole- rância” da Igreja Católica ao destruir templos pagãos378, como as religiões pré-colombianas e as bibliotecas da Antiguidade Clássica – intolerância do tipo que visava contra estátuas de Karl Marx. O antissemitismo nazi foi justificado mesmo em público, com uma franqueza chocante. Numa entrevista publicada em Nova York em 1923, Hitler afirmou que desconfiava dos judeus como os americanos encaravam os japoneses em sua pátria, ou seja, como “forasteiros379”. No Tribunal de Nuremberg, o advogado do jurista nazista Wilhelm Stuckart garantiu que, nos Estados Unidos, os negros eram discriminados como os judeus haviam sido na Alemanha380. Nos anos 1920, Alfred Rosenberg eventual- mente elogiou o Ku Klux Klan; teóricos da SS lembravam que trinta Estados americanos tinham algum tipo de restrição legal a casamento com negros381. É oportuno constatar o entusiasmo de Hitler pelo industrial americano dos automóveis Henry Ford, autor de O Judeu Internacional: o principal problema do mundo. No início da carreira, Hitler recomendava tal leitura a seus colegas, enaltecendo Ford como um nórdico que enfraquecia o vírus judaico-bolchevique nos Estados Unidos, onde, alegava, os judeus eram os “regentes”, a serem hostilizados globalmente382. Outros nazistas, como Walter Gross – alto funcionário de políticas populacionais – estimavam as Leis de Imigração ame- ricanas, que haviam selecionado europeus nórdicos ao barrarem chineses e japoneses, como ideal de “discriminação racial defi-

125 nida383”. Ainda vangloriavam o eugenista americano Madison Grant. Na biblioteca pessoal de Hitler havia uma tradução do clássico de Grant, O declínio das grandes raças, ou a base racial da história europeia384. E no Tribunal de Nuremberg, o advogado defensor dos médicos da SS tentou minimizar a monstruosidade dos experimentos “médicos” realizados em campos de concentra- ção. Para isso, delatou que cientistas americanos haviam realizado testes contra tuberculose em índios, infectando-os, e que pacientes de beribéri da Malásia e Cingapura haviam morrido devido à dieta experimental de arroz fornecida por médicos americanos385. Em todos esses casos, o exclusivismo nazista era exaltado como algo tolerável, até instintivo, como a atração sexual entre macho e fêmea. No sentido inverso, a apologia feita por dois intelectuais americanos ao Terceiro Reich também evidencia essa compatibi- lidade teuto-americana. Em 1931, o eugenista Harry Laughlin apresentou um programa para esterilizar uns 15 milhões de americanos de “cepa biológica inferior”, até os anos 1980. Em 1936, ele recebeu um doutorado honorário da Universidade de Heidelberg, alemã, por promover a eugenia. Gabava-se com orgulho que suas ideias haviam moldado parcialmente as leis nazistas de esterilização, que visavam erradicar doenças heredi- tárias, mentais e mesmo alcoolismo386. Já o eugenista e historia- dor americano Lothrop Stoddard, que estudou em locais como Harvard, teve seus escritos destacados até nos livros didáticos das crianças alemãs. Em 1939 e 1940, ele passou um tempo na Alemanha, conversando pessoalmente com lideranças como Himmler, Ribentropp e Hitler, e com eugenistas de peso como Hans Günther, Eugen Fischer e Fritz Lenz ao visitar várias instituições387. Fascinado, Stoddard assegurou que “o programa nazista de eugenia é o mais ambicioso e mais amplo já realizado por uma nação.388” Todavia, a ligação desses eugenistas com o

126 Terceiro Reich logo se tornou impopular nos EUA, expondo o quão tênue era a afinidade entre os dois países. As críticas vindas da “imprensa judaica” intensificaram o esforço de validar perante o mundo a proeminência alemã. Nessa espinhosa tarefa, recorreu-se à Doutrina Monroe. “A América para os americanos”, pregara Washington no século XIX, im- pedindo as monarquias europeias de interferirem no continente anunciado seu. “A Europa para os europeus!”, adaptou Hitler389, visto que Berlim afastaria qualquer competidor na área desde a Península Ibérica até os Bálcãs e os Urais. Num discurso em abril de 1939, provocando o presidente Franklin D. Roosevelt, ele evocou a Doutrina Monroe ao sustentar a anexação da Áustria e o protetorado recém-imposto aos tchecos390. Além dos próprios EUA, a Inglaterra ficaria fora do quintal alemão que incluía a Polônia, a ser defendido “do mesmo jeito que os Estados Unidos rejeitariam firmemente qualquer interferência de um governo europeu nos assuntos do México, por exemplo391.” Somente os alemães, respeitando a esfera mediterrânea da Itália fascista, de- cidiriam os rumos daquela parte do planeta. Nas extensões não anexadas, mandariam com auxílio de Estados-pigmeus dóceis, como as repúblicas bananeiras do Caribe. O jurista Carl Schmitt, especialista em direito constitucional, foi um dos mais enfáticos propagandistas de uma Doutrina Mon- roe pró-alemã, desde a invasão da Tchecoslováquia em 1939392. Os japoneses defendiam algo equivalente para sua dita Esfera de Coprosperidade da Grande Ásia Oriental393. A própria Rússia de Vladimir Putin emprega hoje a concepção de Exterior Próximo, ingerindo-se nos países que integravam o bloco comunista. Apesar de não simbolizar xenofobia, e de não se referir tanto ao espaço soviético, a menção nazista à Doutrina Monroe enfatizava que não se devia respeitar um sistema internacional de Estados – como

127 o da Liga das Nações e o da atual ONU – e que se adotavam princípios tradicionais de competitividade. No contexto específico da apropriação de terras eslavas, Hi- tler parece ter sido muito influenciado pelo Destino Manifesto394. Difundida no século XIX para legitimar a perseguição dos índios, tal doutrina alegara que os americanos – brancos e protestantes –, pela pretensa grandeza de suas virtudes e instituições, tinham o “direito divino” de cultivar o máximo de solo em nome do “progresso”. Tornavam-se assim merecedores ou herdeiros da extensão desde o Centro-Oeste até a Califórnia. Mesmo revistas alemãs de grande circulação, como Minerva, que fora lida por Goethe e Schiller, publicavam ensaios nos quais racionalizavam as chacinas atribuindo sua culpa à psicologia infantil, estagna- da, indolente e supersticiosa dos índios395. Hitler pregava algo similar sobre as vítimas eslavas, embora rejeitasse o cristianismo e a democracia americana. Achava “inconcebível” o fato de “massas preguiçosas, que nada contribuem à civilização, ocuparem trechos infinitos de um solo que é um dos mais férteis do mundo396.” Para denunciar a rudeza dos russos, Hitler chegou a equipará-los com “os cavalos selvagens da América”: “Da mesma forma, no russo há uma força instintiva que invariavelmente o leva de volta ao estado de natureza. [...] É tão fácil para um animal retornar às suas ori- gens!397” Se a menção à Doutrina Monroe devia tornar aceitável a hegemonia alemã perante outras potências, o Destino Manifesto era um precedente para caracterizar o eslavismo como uma raça desprezível, condenada ao declínio ou ao desaparecimento, que perderia terras para estrangeiros darwinisticamente mais aptos. Como os americanos, de fato, Hitler romantizava a expansão do campesinato alemão como algo apoiado pela “Providência”, pelo “Destino” ou pelo “Deus Todo-Poderoso”, correspondendo à marcha inexorável da história. Definiu o Leste inclusive como

128 “uma terra de leite e mel398”, mesma designação usada pelos israelitas, na época de Moisés, para a terra prometida de Canaã. Como na Bíblia, anunciou-se uma nova era de trigais ondulantes onde famílias multiplicar-se-iam em incontáveis gerações. Isso no “Oriente”, termo usado na Bíblia para situar o Jardim do Éden e como a origem dos presentes dados a Jesus pelos Três Reis Magos (ouro, incenso e mirra), ou seja, um lugar denotando opulência. Às vezes, esse tipo de nomenclatura refletia o sadismo nazista para com as vítimas. Inclusive judias. No campo de extermínio de Auschwitz, perto da cidade polonesa de Cracóvia, o apelido maldoso e debochado dado ao local onde se armazenavam os bens dos judeus assassinados com gás era “Canadá”399. Tal país representava abundância material – o que desejavam os algozes da SS ao saquearem dentes de ouro, joias e relógios. O Novo Mundo ainda foi abordado por Heinrich Himm- ler, cujas leituras iam desde o Alcorão até ocultismo. Consta nas memórias de seu terapeuta Felix Kersten, publicadas no pós-guer- ra, que Himmler negou, numa conversa informal, o ineditismo dos crimes praticados pela SS: “As medidas que estamos tomando não são, na realidade, tão originais. Todas as grandes nações têm usado alguma dose de força ou têm feito a guerra para alcança- rem o seu status de poder, de maneira muito semelhante à nossa: os franceses, os espanhóis, os italianos, os poloneses, e também, em grande escala, os ingleses e americanos. Há muitos séculos, Carlos Magno nos deu o exemplo de redistribuição de povos, pela sua ação com os saxões e com os francos; os ingleses com os irlandeses; os espanhóis com os mouros; e o sistema americano de lidar com seus índios foi o de evacuar uma raça inteira400”. Nessa analogia genocida, se a SS “evacuasse” milhões de ucranianos e bielorrussos para a Sibéria, apenas repetiria o que os americanos haviam feito com as tribos apache, navajo, comanche

129 e sioux de seu território. Em novembro de 1941, similarmente, Himmler tentou suavizar a aversão ao Holocausto, que era desen- cadeado justamente nas margens do Báltico e na parte ocidental da Ucrânia, geralmente por pelotões de fuzilamento, atingindo por fim uns 6 milhões de inocentes. Conforme anotado pelo te- rapeuta Felix Kersten, seu confidente: “Himmler me respondeu que sabia que o extermínio significava muito sofrimento para os judeus. Mas o que fora feito pelos americanos, antes disso? Eles tinham exterminado os índios – que desejavam, apenas, viver nas terras de seus antepassados – da maneira mais abominável401”. Líder nazista que mais se preocupou com questões morais, e que sofria de autoestima baixa, Himmler buscava consolo para o peso psicológico do que acontecia sob sua autoridade hierárquica. Ele dizia fazer algo inevitável. Assim, reputava-se isento de cul- pa, não devendo sentir angústia nem remorso, sentimentos que lhe causavam problemas físicos, sobretudo estomacais, desde a juventude católica na Baviera e que os faziam consultar Kersten. (Curiosamente, em 1922 Himmler cogitara emigrar como agri- cultor pioneiro para o Peru, instigado por um artigo de jornal, desabafando sobre o assunto em seu diário402). É importante frisar que os monólogos de Hitler não tinham essa função psicológica. Muito mais sangue-frio e com possíveis traços de psicopatia, ele tentava instruir seus subalternos numa visão cínica e maquiavélica do estadismo, sem uma descarga de consciência do tipo freudiana. É claro que a história europeia também foi manejada por ele. Após a Primeira Guerra Mun- dial, por exemplo, milhões de alemães haviam sido expulsos de suas terras devido ao Tratado de Versalhes; num discurso para lideranças do Exército ainda em 1933, Hitler antecipou que so- mente chão, nunca gente, seria re-germanizado: “Como a França e a Polônia depois da Grande Guerra, é preciso deportar alguns

130 milhões de pessoas403.” Nessa conjuntura, a ofensividade demo- gráfica tornava-se um revide defensivo àquilo que estrangeiros, sobretudo franceses, haviam feito contra o germanismo desde a Idade Média. Em 1939, Hitler autorizou que a campanha para o assassinato de lideranças polonesas se chamasse Tannenberg: o nome representava uma retaliação simbólica contra os poloneses pela derrota por eles infligida sobre os Cavaleiros Teutônicos na cidade prussiana de Tannenberg, no início do século XV. E, num discurso para comandantes alemães, o ditador mencionou os massacres cometidos pelos mongóis da Idade Média para fundamentar a ordem de assassinar poloneses, “sem piedade nem remorso”: “Gêngis Kahn conscientemente caçou milhões de mulheres e crianças até a morte com um coração jubiloso. A história vê nele apenas o fundador de um grande Estado404.” Ordenando a destruição da cidade soviética de Leningrado, atual São Petersburgo, Hitler falou que os alemães deviam “retornar à prática dos tempos antigos405”, aniquilando os residentes como fizera Roma, dessa vez com pólvora mediante bombardeios por avião e artilharia. Segundo uma fonte, ele teria associado a calamidade polonesa com o genocídio de pelo menos 800 mil armênios cristãos pelos turcos muçulmanos, durante a Primeira Guerra Mundial406. Tal genocídio, aliás, fora testemunhado por Max Erwin von Scheubner-Richter, cônsul alemão na Anatólia Oriental turca em 1915, que depois seria um dos associados mais próximos de Hitler. Noutra ocasião, o Líder aproximou os abusos que ocorriam na Polônia com o ocorrido na Bélgica na Primeira Guerra Mundial, quando os próprios alemães, para punirem sabotagens contra suas ferrovias, incendiaram vilarejos, fuzilaram prefeitos e evacuaram vizinhanças sob as ordens do marechal Colmar von der Goltz407.

131 132 E p í l o g o

Repensando a Nova Ordem nazista

133 134 Reflexo, não negação, da modernidade ocidental

Hitler sequer teve chance de participar do imperialismo além-mar, ao contrário de seu rival Winston Churchill, que atuou em locais como Índia e Sudão. Afinal, nasceu no Império Austro-Húngaro, única potência ocidental que não teve colônias, à semelhança do Império Russo, e só mudou-se para a Alemanha em 1913, pouco tempo antes de a Primeira Guerra Mundial inviabilizar o acesso às colônias alemãs. Contudo, a origem pequeno-burguesa de Hitler não o impediu de absorver os modismos, preconceitos e fobias da Europa pré-1914, dominada por monarquias hereditárias. Em Minha luta ele escreveu que quando era uma criança na Áus- tria entusiasmou-se muito com a Segunda Guerra dos Bôeres (1899-1902) e a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), episódios do ultramar que marcaram sua mentalidade juvenil408. Também apreendeu a filosofia de poder da época, formulada por autores como Nietzsche, além da crença, amparada em Darwin, de que os homens competem instintivamente como os animais na selva. Não à toa, gostava de seu apelido, “Lobo”, denotando a ousadia de uma fera. As virtudes universalistas do Iluminismo davam espaço, nas relações internacionais, ao espírito comercial de concorrência competitiva. E o racismo, com origens remotas, emergia em todos os países ocidentais como uma ideologia plena, alegadamente capaz de explicar os “enigmas” das leis “ocultas” do universo409. Hitler foi um resultado perverso dessa época. Quando ele escreveu que a Alemanha devia se expandir porque “não era um povinho qualquer de negros”, e sim uma nação altamente “civilizada410”, apenas resumia o que várias elites oci- dentais pensavam na época. Tudo isso, claro, apesar de o nazismo rejeitar a bandeira mais usada até ali no além-mar: o cristianismo,

135 invocado pelos espanhóis que descobriram a América no século XV, pelos americanos que forjaram a doutrina do Destino Ma- nifesto e pelo imperador alemão Guilherme II, quando ordenou que soldados alemães aniquilassem sem piedade os chineses envolvidos na Rebelião dos Boxers. O período 1875-1914 foi definido pelo historiador marxista inglês Eric Hobsbawm como a Era dos Impérios. Sem dúvida, ali surgiram as condições materiais e espirituais para as atrocidades cometidas na primeira fase da Era dos Extremos (1914-1991), encerrada em 1945411. No vasto e diversificado catálogo de valo- res nazistas, havia a seguinte versão das relações internacionais: o planeta Terra como um campo de batalha entre raças e seus respectivos Estados, regido pela oposição amigo/inimigo do jurista Carl Schmitt, no qual o sacro egoismo é o valor supremo e a grande meta é a reprodução biológica através do progresso material. Crianças aprendiam tal cosmovisão em escolas. Conhe- cida até mesmo pelo grande público, a expansão europeia noutros continentes era um recurso imperdível para mostrar a falsidade das “mentiras judaicas” – o cosmopolitismo, o pacifismo, a de- mocracia, a legalidade, a socialdemocracia, o comunismo – e para atestar que, em plena modernidade, “os homens se comportam como macacos, à sua maneira peculiar412”. Investiu-se alto em educação e propaganda, geralmente chauvinista, para convencer as mentes suscetíveis à demagogia totalitária. Entre várias mensagens, havia a vitimização da própria Alemanha: o país mais populoso da Europa também poderia se tornar uma colônia, caso mostrasse a covardia e a ineficiência dos povos não-arianos. Num apelo ao povo alemão em setembro de 1942, Hitler declarou que o objetivo da Inglaterra e dos Estados Unidos era impor à Alemanha “um tipo de escravidão semelhante ao que ocorre na Índia413”. Nesse enredo, era-se ameaçado pelo mesmo

136 sistema que, justamente nessa época, Hitler pretendia usar contra o eslavismo da URSS. O que se criticava nos “judeus capitalis- tas plutocratas” era aquilo que se esperava aprender com eles. “Sempre pensando em interesses materiais”, discursou Hitler em janeiro de 1940, os ingleses haviam iniciado várias guerras “para expandir o comércio, para forçar os outros a fumarem ópio, e para controlar minas de ouro e diamante414,” e até mesmo inventado os campos de concentração durante a Guerra dos Bôeres: “Nós apenas lemos sobre isso em enciclopédias, e depois copiamos415”. Na célebre provocação ao governo americano em abril de 1939, mencionou “as incontáveis guerras durante a conquista gradual da América do Norte”, e comparou o Tratado de Versalhes im- posto aos alemães com a tragédia dos ameríndios. Em Versalhes, os delegados alemães haviam sido intimidados “de um modo tão degradante que não se aplicaria nem mesmo aos chefes sioux416”. Tal hipocrisia revela o desacordo entre as linguagens pública e privada do regime nazista. Hitler, verdadeiro ator, com uma frieza de psicopata, em público acusava seus inimigos de agirem justamente com os métodos que empregava e que enaltecia em confidências íntimas. Pouco importava se os recursos da Índia eram mobilizados contra a Alemanha, ou se os cowboys americanos bombardeavam o país e se preparavam para invadi-lo. O Ocidente anglo-saxão foi admirado mesmo quando era combatido militarmente. Diante disso, pode-se questionar o retrato de autores pró-Ocidente que viveram na época nazista, como o jornalista americano William L. Shirer e o historiador judeu-americano Hans Kohn. Eles des- creveram o nazismo – com seus dogmas ditatoriais e militaristas – como uma “negação” dos princípios “democráticos”, “liberais” e “cosmopolitas” da civilização anglo-saxã da Inglaterra e dos Estados Unidos, defensora dos direitos humanos417. Com razão, insistiram que o nazismo desprezava a cultura liberal inglesa, além

137 da democracia norte-americana e seu capitalismo individualista. Contudo, a realidade é outra sob um enfoque geobiopolítico. O que prevaleceu foi a veneração, não o repúdio, pelos anglo-saxões que haviam ocupado as imensidões da Índia e dos Estados Uni- dos. Invejava-se a capacidade desbravadora anglo-saxã; queria-se aprender com o egoísmo, o maquiavelismo e o utilitarismo que supostamente marcava a “alma racial” desses povos, isso apesar do ódio pessoal de Hitler por Churchill e Roosevelt. No geral, insere-se o nazismo num contexto europeu-conti- nental de ditaduras pós-Primeira Guerra Mundial, que inclui o fascismo italiano e o bolchevismo soviético. Tal aproximação talvez explique a forma como a democracia da República de Weimar foi destruída no interior da Alemanha. Mesmo assim, em nível de planejamento imperial, Hitler sentia-se mais próximo dos países ocidentais capitalistas que de seus generais prussianos e de seus aliados fascistas em países como Itália, Hungria, Croácia e Ro- mênia. Como ditador, Hitler talvez foi um “fascista”, mas como aspirante à imperador tal termo – tão usado por intelectuais de esquerda – não é muito apropriado. Ainda é possível questionar, total ou parcialmente, a concep- ção de que o nazismo originou-se de um “Caminho Especial” exclusivamente alemão. Tal abordagem foi popularizada no pós- guerra por historiadores como Friedrich Meinecke e o francês Edmond Vermeil. Eles descreveram Hitler como um resultado inevitável da história alemã, refletindo uma índole germânica que remetia aos dias de Lutero, senão antes, e que se consolidou com fatores como a ascensão da Prússia, o romantismo e a Unificação consumada por Bismarck no século XIX. O biógrafo alemão Joachim Fest adotou essa abordagem um tanto fatalista, escre- vendo que “não houve fenômenos ‘inocentes’ na história alemã; mesmo nos momentos idílicos, era possível perceber os fantasmas

138 da obediência, do militarismo, do expansionismo. Enfim, tudo isso culminou em Hitler418”. Na verdade, o nazismo pode ser inserido num padrão inter- nacional de competitividade, comum à maioria das potências da modernidade. Inclusive potências não-ocidentais, como o Japão419. Apesar de seu ultranacionalismo e seu comprometi- mento único com o racismo biológico, o regime nazista talvez não se afastou tanto, em plena Europa, daquilo feito no ultramar por ingleses, franceses, americanos e outros povos. Na mente de Hitler, apropriar-se da União Soviética era uma oportunidade de adaptar os métodos dos países do oeste, não apenas de dar continuidade aos paradigmas imperiais alemães (basicamente, a tradição católica-austríaca Habsburgo e a tradição protestante- -prussiana Hohenzollern420). É claro que o passado germânico, sobretudo a Idade Média, foi mencionado para provar que os nazistas tinham direito a “retomar” a terra de seus “antepassa- dos” na Europa Oriental. Os godos, os vikings, os Cavaleiros Teutônicos e a Hansa supostamente forneciam uma legitimidade histórica. Só que as potências industriais capitalistas da Idade Contemporânea é que mostravam como essa “reconquista” traria benefícios concretos. Como diz o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em seu estudo sobre o Holocausto, o nazismo não foi uma “barbárie anacrônica”: deve ser compreendido segundo princípios modernos lógicos e racionais421. O sociológico alemão Norbert Elias também considera problemático explicar o nazismo por sua germanidade, pois ele refletiu tendências de agir e de pensar comuns em todo globo, inclusive hoje422. Tal atualidade é preocupante, e obriga os estudiosos a reverem as análises que vinculam o nazismo a estereótipos negativos do povo alemão, às vezes grosseiros, típicos de sátiras como O Grande Ditador, de Charles Chaplin.

139 “A melhor colônia do mundo”

Discursando para operários alemães em 1936, Hitler garantiu que caso seu regime controlasse “as matérias-primas dos Montes Urais, as ricas florestas da Sibéria e os vastos campos de grãos da Ucrânia”, todo o povo alemão “nadaria na abundância423”. O petróleo do Cáucaso e o carvão da bacia do rio Donets também faziam parte do butim que ambicionava ao atacar a União Soviéti- ca. Começando na planície germano-polonesa e talvez penetrando alguns quilômetros na Ásia, o novo império deveria superar até o Império Romano, sendo o mais próspero e bem localizado de toda história. Seus monumentos de granito apequenariam a Basílica de São Pedro, no Vaticano, o Palácio de Westminster em Londres e o Capitólio de Washington. O alemão tornar-se-ia, então, a língua oficial europeia. Apesar de, em público, apelar-se para a ideia de uma “Cruzada europeia contra o bolchevismo” – ideológica em vez de religiosa –, o sacrifício dos soldados alemães contra o Exército Vermelho só se justificaria com a posse sobre o coração geográfico da Eurásia: aquilo que o geopolítico britânico Halford Mackinder havia definido como a “Terra Central”, a chave para o controle de todo o planeta424. Desde jovem, Hitler chamava a atenção de pessoas próximas por sua mania de superar recordes. Encarava o estadismo com uma presunção faraônica, e via-se como um líder majestoso que por milênios seria associado a suas façanhas superlativas. Da mesma forma que as pirâmides falam até hoje sobre o esplendor dos faraós, Hitler esperava construir em Berlim um edifício co- lossal com capacidade para 200 mil pessoas e quase 300 metros de altura, a maior sala de reunião do mundo, e em Nuremberg um estádio para 400 mil pessoas425. Vários nazistas partilhavam dessa interpretação romântica, quase mitológica da expansão territorial visando à glória, do tipo aparecida no negociante inglês Cecil Rhodes, que lamentara não poder anexar outros planetas426.

140 Em grande parte – como escrevera Lênin – essa busca ilimitada por poder foi a transposição, para a política, da permanente busca capitalista por crescimento econômico e acúmulo de capital. A filósofa alemã Hannah Arendt foi uma das primeiras a identificar essa relação entre o imperialismo surgido nos anos 1880 e o posterior totalitarismo nazista. Nos dois casos, segundo ela, defendeu-se um conceito até ali inexistente de expansão, pro- pondo conquistas quase infinitas (diferentemente das campanhas nacionalistas por fronteiras, e também das campanhas para a for- mação de impérios cosmopolitas, ao estilo de Alexandre Magno e Roma427). Com enfoques específicos, outros autores também reconheceram tal extremismo. Já se escreveu que “a guerra de Hitler por Lebensraum [espaço vital] foi a maior guerra colo- nial da história428”. E, em seu estudo sobre a economia nazista, Adam Tooze avaliou a Operação Barbarossa como “a última grande apropriação de terras na longa e sangrenta história do colonialismo europeu429”. É claro que a riqueza anglo-saxã não servia de molde para tudo. Pelo menos no discurso oficial, Hitler autodefinia-se socia- lista, contrário ao hedonismo consumista de ostentação. Dizia ter como meta acabar com a desigualdade social – algo que associava à aristocracia da Inglaterra, elitista e hereditária, e à iniciativa privada dos Estados Unidos, baseada no culto competitivo do dólar. Ao contrário dessas potências “liberais”, a Alemanha usaria os recursos do Leste para garantir comida e emprego para todo o povo430. Alcançando a tão visada autossuficiência, a economia alemã ficaria livre de bloqueios navais e das oscilações do comér- cio internacional, controlado pelas “bolsas de valores judaicas de Londres e Nova York”. Trata-se de um binômio complexo. Por um lado, há a noção marxista de que o nazismo representava os interesses do grande capitalismo alemão. Nessa rapinagem econômica voltada para

141 o exterior, realmente houve certa semelhança entre os métodos nazistas e os britânicos e americanos – como enfatizava Stálin. Por outro lado, o capitalismo nazista foi acompanhado da promessa “socialista” de que toda “comunidade racial alemã” seria beneficia- da. Como consequência previsível, vários conservadores alemães e aristocratas ingleses como Churchill sentiram-se desconfortáveis com o populismo da propaganda nazista, conduzida pelo “proletário” ministro Goebbels, que de fato tendia para o socialismo (apesar de seu enteado Harald Quandt ter se tornado depois um dos maio- res bilionários alemães, atuando em companhias como BMW). Mas uma coisa é certa: pensando mais nas empresas alemãs ou no bem-estar do povo, Hitler tinha um desejo bem definido desde os anos 1920 – a subjugação da Europa Oriental, que levaria ao espaço vital alemão. Pode-se dizer que essa era a principal meta de sua política externa, seu “Grande Plano431”, ligado à destruição do bolchevismo e dos judeus europeus. Tal obstinação fanática expli- ca, parcialmente, a cifra monstruosa de 26 milhões de cidadãos soviéticos mortos na Segunda Guerra Mundial, incluindo 15 milhões de civis, segundo alguns cálculos432. A partir de 1960, os historiadores H. Trevor-Roper e Andreas Hillgruber foram pioneiros nessa abordagem “intencionalista” que destaca o prota- gonismo e a coerência de Hitler como expansionista bio-militar, juízo assim abreviado pelo historiador húngaro-americano John Lukacs: “Temos que ressaltar a opinião largamente aceita, se- gundo a qual o antijudaísmo e a conquista da Rússia europeia, que levariam ao Lebensraum, foram não só os dois elementos fundamentais mas também imutáveis da estratégia de Hitler433”. Portanto, a despeito das fraquezas, Hitler foi um ideólogo de convicções inabaláveis que se manteve, durante duas décadas, obsessivamente devotado à sua utopia messiânica de redenção. Isso desmente a imagem do ditador como um “niilista” sem qual- quer modelo histórico ou projeto político-partidário. Inicialmente

142 difundida por Hermann Rauschning434 – nazista dissidente que se mudou para o exterior em 1936, fazendo fama como escritor –, essa imagem de Hitler como um simples oportunista, despro- vido de um esquema ideológico pré-estabelecido, também foi difundida pelos historiadores ingleses Allan Bullock e A. J. P. Taylor435. Trata-se de uma imagem superficial e desatualizada. Afinal, quando se considera a constante apologia nazi às torturas e carnificinas pelo espanhol Hernán Cortés, além da herança deixada pelos alemães que haviam chicoteado negros na África, fica difícil desmerecer a ideologia nazista como “bobagem” a ser ignorada devido à falta de seriedade. Dizer que o nazismo foi um acidente histórico, sem ligação com um planeta circundante já globalizado, à beira da era atômica, é quase aceitar a fetichização do tema por Hollywood, como no filme Bastardos Inglórios. É claro que o hábito de negar a coerência ideológica nazista está ligado a interesses. Normalmente, aos interesses de países e classes sociais hegemônicos antes da Segunda Guerra Mun- dial ter início, e afetados por ela. Quando alguns conservadores alemães demonizavam Hitler como uma maldição sobrenatural, anti-alemã, tentavam negar o potencial destrutivo das ideias e tradições que compõem sua própria história; e quando ingleses como Churchill, por exemplo, descaracterizavam Hitler como um monstro, tentavam negar as semelhanças evidentes entre o Império Britânico e o tentado pelos “hunos” teutônicos. Na mídia exportada pelos Estados Unidos também se observa tal hipocrisia. No fundo, a imagem do imperialismo nazista como um empreendimento de alemães malvados, sanguinários e sem qualquer escrúpulo moral-jurídico provém de países que, no século XX, também cometeram excessos. O Holocausto foi uma tragédia singular, claro, mas as metas geopolíticas por trás de tamanha maldade foram comuns em todo hemisfério norte. Chega-se a uma constatação intrigante. Caso a Alemanha ga-

143 nhasse a guerra e empregasse mecanismos de doutrinação como o de seus inimigos, sobretudo a União Soviética, o império na- zista possivelmente seria, hoje, um fato consumado aceito pela maioria na Terra.

O racismo colonial instituído na Europa

“A Europa chega ao fim, no leste, no ponto extremo alcançado pelo espírito germânico436”. Noutro monólogo, Hitler afirmou que a fronteira com a Ásia “é aquela que separa o mundo germâni- co do mundo eslavo. É nosso dever colocarmos essa fronteira onde acharmos melhor437.” Excluídos da Europa enquanto unidade cultural-racial, geograficamente mutável, os eslavos tornavam-se asiáticos indignos de liberdade e soberania, como os povos con- siderados selvagens por estarem fora da dita civilização. Não se tratava de mera retórica. Quando Hitler previa que os russos, por apresentarem uma expectativa de vida restrita a cinquenta anos, não teriam acesso a medicina e odontologia de padrão europeu, definia-os como naturalmente condenados a uma degradação já operante, economicamente motivada: “Mas deixemos eles comprarem toda bebida e tabaco que quiserem438”. Pouco se fala que foram 600 prisioneiros de guerra soviéticos – não civis judeus – as primeiras vítimas fatais de Auschwitz, gaseadas com Zyklon B em setembro de 1941. Herbert Backe, futuro ministro da Agricultura nazista, nas- cido no Cáucaso do Império Russo, resumiu bem essa tese de que só aproveitava-se o primitivismo das próprias vítimas: “O russo enfrenta a pobreza, a fome e a abstinência há séculos. Seu estômago é elástico, a compaixão é assim desnecessária439.” Ainda na Polônia invadida, crianças haviam sido proibidas de consumir leite e chocolate, e de assistir a filmes alemães de contos de fadas,

144 sob o pretexto de que não os entenderiam440. Num discurso para o Parlamento alemão nazificado, Hitler justificou o desmembra- mento da Polônia alegando que o país havia se mostrado “incapaz de existência441”. Por trás de tudo isso, havia a crença de que os eslavos formavam uma raça meramente “depositária de cultura”, incapaz de criar algo nos terrenos da arte e da ciência que fosse aproveitável no exterior. Eles não compreendiam a cultura dita ariana – que Hitler exaltara como uma mistura criativa de “es- pírito helênico e técnica germânica442” –, de modo que, sem a “luz” trazida por estrangeiros em seu território, vegetariam nas “trevas” cercados por miséria, imundície, desordem, doenças, confusão e criminalidade443. “Se deixado por conta própria, o eslavo nunca teria ultrapassado a mediocridade de comunidades familiares444”. Tal desumanização afetou nações eslavas fora da União So- viética, como a tcheca, a polonesa e a sérvia. Ao eliminarem os Estados independentes da Tchecoslováquia e da Polônia em 1939, os nazistas reverteram a suposição liberal e progressista de que a soberania, uma vez merecida, não poderia ser abolida nem enfra- quecida (a Itália fez algo parecido na Etiópia, pois esse Estado africano submetido a um status colonial havia integrado a Liga das Nações). Contudo, a guerra contra a URSS foi que marcou o apogeu da progressiva barbarização do Terceiro Reich445. Essa foi a única campanha que combinou antieslavismo, antibolchevismo e antissemitismo redentor, no contexto da maior operação militar da história, ainda destinada a tomar aquela que seria a principal colônia alemã. Antes da guerra nazi-soviética, apesar de alguns excessos, a Alemanha seguiu a lógica das “guerras tradicionais europeias”, conforme examinou o historiador conservador alemão Andreas Hillgruber446. Buscou-se especialmente a incapacitação das Forças Armadas inimigas, tal como Napoleão, Bismarck, Guilherme II e outros haviam feito no continente. Mas durante

145 a “guerra de aniquilação” contra Moscou, a história europeia enfraqueceu como referência para magnitude tão mortífera, destinada a tomar o que seria a cidadela da supremacia global quase sem nenhum formalismo. Em 1942, Karl Korsch, marxista alemão émigré ligado à Escola de Frankfurt, foi um dos primeiros a perceber que “os na- zistas simplesmente estenderam para povos europeus ‘civilizados’ os métodos até agora reservados para os ‘nativos’ ou ‘selvagens’ vivendo fora da chamada ‘civilização’447”. O mesmo foi alegado por intelectuais defensores da negritude, como o francês Aimé Césaire que, no célebre Discurso sobre o colonialismo de 1955, falou sobre um “efeito bumerangue”: inicialmente lançadas para o ul- tramar, as táticas de violência bio-militar acabaram voltando para a própria Europa, alcançando ali sua maturação final448. O mais categórico nesse paralelismo talvez tenha sido o pan-africanista americano W. E. B. Du Bois449. Há a ressalva de que tais reflexões tinham fins políticos. Ao aproximarem as potências imperialistas ocidentais do nazismo, os marxistas tentavam elogiar a União Soviética como potência não- -imperialista; e quando os defensores da negritude faziam essa asso- ciação, visavam legitimar os processos de descolonização ocorrendo na África e na Ásia, sobretudo do Império Francês. A despeito de tal parcialidade, vários notáveis traçaram a conexão com o ultramar, inclusive durante a Guerra Fria, quando o tema era amplamente discutido no mundo acadêmico. Não o fizeram apenas no plano psicossocial, ou seja, descrevendo a autoidentidade dos nazistas – algo subjetivo, ideológico. Também descreveram o que ocorreu nos planos bélico, institucional e jurídico – algo objetivo, fático. Sob essa perspectiva, mostra-se problemática a forma como a filósofa alemã Hannah Arendt interpretou o Terceiro Reich no conjunto da história universal. No clássico Origens do totali- tarismo, de 1951, ela narrou o nazismo como um rompimento

146 com toda tradição judaico-cristã, um fenômeno que não podia ser avaliado por suas categorias legais, morais, lógicas ou de bom senso. Arendt esclareceu que “a estrutura essencial de toda civilização atingiu um ponto de ruptura450,” negando os elos de continuidade. No Tribunal de Nuremberg chegou-se a comparar os nazistas com os marcianos da obra A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, como se suas regras viessem de outro planeta451, noção mantida por autores do dito exoterismo: “Eles eram, de fato, marcianos – no sentido de que pertenciam a um mundo diferente daquele que nós conhecíamos nos últimos seis ou sete séculos452”. Alguns cristãos e judeus tipificaram Hitler como um “filho de Satã” ou um “bicho dos abismos”, excluindo-o da espécie humana criada por Deus453. O julgamento de Hannah Arendt é exagerado. Em sua intensidade, o totalitarismo nazista realmente parece algo único, mas em sua essência ele talvez não diferiu tanto do que aconte- cera em vários locais fora da Europa. O que se planejou para os eslavos, pelo menos, era, segundo os nazistas, incomum apenas na medida em que trazia para o continente europeu aquilo que só havia acontecido fora dele. A originalidade era geográfica, não ontológica – diferencial bem explicado por Césaire e Du Bois. Até o Holocausto, tão salientado por Arendt, é definido por pes- quisadores atuais, como o alemão Jürgen Zimmerer, como um genocídio colonial com precedentes noutras partes do mundo; ele contou, ademais, com o legado do morticínio causado pelos próprios alemães na África, sobretudo na atual Namíbia454. Talvez seria etnocentrismo descrever eslavos e judeus como vítimas de um horror totalmente especial, único, quando povos com menos voz conheceram um destino razoavelmente similar. Sob um enfoque étnico, portanto, é possível desconstruir o retrato convencional sobre o binômio opressores/oprimidos no século XX. É comum a simplificação vitimista do passado,

147 dizendo-se, por exemplo, que a história contemporânea se resume à supremacia do “homem caucasiano” sobre a “raça negra” e os “amarelos asiáticos”. O período 1939-1945, contudo, mostrou que mesmo povos de pele branca acabaram dominados num parâmetro colonial. Aliás, dominados de modo extremo e numa velocidade vertiginosa. Como lembra Mark Mazower, os nazistas pretendiam um império perpétuo, baseado na ideia de hierarquia racial imutável, que negava a possibilidade de assimilação cultural: noutras palavras, os eslavos nunca seriam capazes de se autogovernar segundo o “padrão de civilização”. Notavelmente, no Tratado de Versalhes de 1919, ingleses e franceses não ousaram impor um domínio permanentemente colonial nem mesmo aos árabes “semi-civilizados” do Oriente Médio, que haviam integrado o Império Otomano: estes fo- ram organizados em mandatos transitórios, supervisionados pela Liga das Nações, para aprenderem a cultura ocidental. Só entre os “selvagens” da África e do Pacífico, as potências ocidentais visaram a um domínio estrangeiro por tempo indeterminado – como alguns nazistas conceberam para os tchecos, poloneses, ucranianos e russos455.

Contradições e falhas do domínio nazista

Como qualquer experiência colonial, a nazista nem sempre agradou os que dela participaram. Muitos alemães e aliados estrangeiros decepcionaram-se com o Leste, devido à infra- estrutura precária, o clima inóspito, perigo de doenças, além da possibilidade constante de tomarem tiros em emboscadas. Como acontecera na África, esposas de administradores nazis- tas pressionaram para voltar para casa, reclamando da falta de limpeza e higiene; seus maridos, aliás, nem sempre mostraram

148 a dureza e o prestígio que lhes era requerido naquele ambiente machista. Além disso, a ocupação alemã levou ao florescimento de corrupção, contrabando e mercado negro, sendo que muitos nazistas se interessavam mais por armas, cigarro e álcool do que pelo futuro teutônico. Muitos sabotaram diretamente as ordens de Berlim, já que, como os governadores coloniais, dispunham de um poder quase despótico nas “suas” localidades456. Os pomposos “vice-reis” designados por Hitler às vezes eram, na verdade, in- competentes sem utilidade na Alemanha ou dissidentes políticos, logo conhecidos como os “fracassados do Leste”. Alguns não re- sistiram à pressão, havendo muitos casos de alcoolismo, depressão e mesmo suicídio457. Manifestando seu desgosto numa carta à família, o general Gotthard Heinrici escreveu que a devastação causada pela mistura de bolchevismo com guerra ultrapassava de longe a que a Alemanha conhecera durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)458. Outra analogia com as colônias dos trópicos: a União So- viética ocupada tornou-se uma arena experimental onde atuaram vários tipos de especialistas. Agricultores, pecuaristas, empre- sários, militares, tecnocratas e burocratas, inclusive de outros países europeus, tiveram de dividir espaço com racistas fanáticos, escritores em busca de inspiração e estudantes de culturas eslavas, os “pesquisadores do Leste”. Entre os civis do Partido Nazista, havia idosos desacreditados em busca de novas chances, ou jovens cansados da vida burocrática na Alemanha, além de veteranos da época que haviam espancado judeus e comunistas nas ruas alemãs, buscando um novo palco para seus instintos sádicos459. Vários impérios ao longo da história tiveram de lidar com essa multiplicidade humana. No caso nazista, contudo, o conflito entre agências rivais foi quase hobbesiano, estimulando a ineficiência. Violando a reputação alemã de exatidão e qualidade, ainda hoje valorizada na engenharia, a falta de coesão naquela imensidão multiétnica torna ainda mais desconcertantes as estatísticas do

149 Holocausto, ineditamente mortal devido ao gerenciamento ri- goroso da SS. Eis um reflexo da confusão operacional no interior da Ale- manha. Organizada às pressas desde 1933, a ditadura nazista não contou com a longa tradição da monarquia inglesa, com a estabilidade da democracia americana nem com a centralização tirânica do sistema soviético. O próprio Hitler eventualmente é descrito como um “ditador fraco”: ao contrário de Stálin e mesmo Lênin, ele nem sempre conseguiu impor sua vontade, apesar de ter sido muito mais poderoso que Mussolini460. Logo, não se pode reduzir o nazismo ao hitlerismo. É neces- sário cautela com biógrafos de Hitler que insistem em narrativas excessivamente personalizadas. É o caso do alemão Joachim Fest: para provar a “grandeza histórica” do Führer, numa abordagem potencialmente apologética, Fest afirma que ele controlou qua- se sozinho os rumos da Alemanha nazista, regime que criou e que se extinguiu com sua morte em 1945. Mais atualizada é a biografia do britânico Ian Kershaw. Partindo do conceito de “poder carismático” do sociólogo alemão Max Weber, Kershaw enfatiza que Hitler valeu-se de expectativas pseudo-religiosas preexistentes, só exercendo seu mando graças ao apoio de mi- lhões na Alemanha e no exterior. Outro britânico que merece realce é o historiador Mark Mazower. Com rara profundidade, ele mostrou que a queda do Terceiro Reich deveu-se, em grande parte, à incompetência e improvisação ao se implantar a Nova Ordem na Europa, um dos sistemas de dominação mais efêmeros da história – o regime nazista durou pouco mais de doze anos, porém só dominou territórios não-alemães por seis anos. Impérios europeus anteriores, como o de Napoleão, e impé- rios ultramarinos como o britânico e o francês, mostraram-se mais efetivos na administração dos territórios conquistados. Eles alcançaram certo equilíbrio na relação autonomia/centralização, e seus diversos agentes mantiveram uma coesão mínima ao longo

150 do tempo. Além disso, apesar da imposição, tais impérios dei- xaram uma série de legados. Os administradores de Napoleão difundiram códigos civis, modelos de governo e comportamento, aboliram guetos e recrutaram estrangeiros; da mesma forma, as colônias britânicas e francesas acabaram absorvendo instituições políticas, línguas e manifestações culturais, que permaneceram mesmo após a partida dos conquistadores. O império colonial de Portugal durou quase 600 anos. E o legado do Império Romano se perpetua por dois milênios. Mas a ocupação nazista na URSS – e na Polônia e em partes da Iugoslávia – pouco deixou além de cidades destruídas, paisagens estéreis e pilhas de cadáveres. Enquanto alguns países pouco sofreram em mãos nazistas, como a nórdica Dinamarca, e enquanto a França conheceu certa esta- bilidade através do colaboracionismo, as regiões habitadas por povos considerados eslavos foram tiranizadas para beneficiar quase que exclusivamente os alemães. (Lembrando-se que croatas, eslovacos e búlgaros, apesar de falarem línguas eslavas, não eram considerados eslavos pelos nazistas, recebendo um tratamento mais moderado461). Entre os estudiosos atuais que não consultam fontes primá- rias, ou que insistem na demonização estereotipada do assunto, um erro comum, às vezes intencional, é ignorar as discordâncias e difamações entre os próprios nazistas. Mesmo entre os mem- bros da SS, conhecidos pela bravura e lealdade incondicionais, o medo de punição no pós-guerra gerou censuras – às vezes pouco sinceras – à “política colonial” do comissário Erich Koch na Ucrânia, como se observa no depoimento de Gottlob Berger em Nuremberg462. Já o especialista econômico Paul Körner depôs que, quando usara o termo “exploração” em documentos oficiais, não o fizera no sentido de pilhagem, mas sim de modernização463. Os conservadores do Exército alemão, geralmente prussia- nos, foram ainda mais persistentes ao buscarem a simpatia da população eslava com promessas de reforma agrária, liberdade

151 religiosa e mesmo a formação de um Estado nacional russo. A rejeição deles, aliás, foi exposta ainda durante a guerra, por es- crito, sem o oportunismo hipócrita de alguns depoimentos orais pós-guerra. Com a mesma terminologia dos generais Max von Schenckendorff e Hermann Hoth, o general Rudolf Schmidt esclareceu aos subalternos: “Não se pretende, de modo algum, tratar os territórios orientais ocupados como colônias ultrama- rinas464.” Tais documentos contradizem a falsa crença de que todos militares alemães aprovaram a desumanidade da SS, crença difundida, recentemente, pelas polêmicas exposições do Instituto de Pesquisa Social de Hamburgo sobre os crimes cometidos pelas Forças Armadas no período 1941-1944465. Ou seja: a política nazista variou muito em tempo e espaço. Eis algo frequentemente ignorado em obras panorâmicas sobre todo período 1919-1945, como o superficial clássico Ascenção e queda do Terceiro Reich, do jornalista americano William Shirer. A mesma tendência para generalização afetou autores que analisaram o nazismo a partir da psicanálise, geralmente com um enfoque marxista, como Wilhelm Reich, autor de Psicologia de massas do fascismo. Ainda hoje surgem análises simplificadas sobre o Terceiro Reich, baseadas em rótulos nacionalistas ou sistemas de análise pré-concebidos. Muitas vezes, devido à existência de correntes ideológicas hegemônicas – e intolerantes – no meio acadêmico. Além disso, a vontade de vender livros a todo custo, somada à pressão de algumas editoras, faz com que sejam divulgadas obras que apenas repetem generalizações, clichês e tabus, destinadas a gerar prazer no leitor com o sensacionalismo de curiosidades frívolas, como os testículos de Hitler, e até especulações absurdas, como a suposta sobrevivência pós-guerra de Hitler na Argentina e a suposta ligação entre nazistas e extraterrestres. Também em Hollywood, salvo exceções como A Lista de Schindler, difunde-se o retrato errôneo de que todos alemães aceitaram voluntariamente as ordens recebidas.

152 Talvez por seu apelo comercial entre as massas, a Operação Barbarossa é um desses temas eventualmente abordados sem um devido rigor sistemático. Desconsidera-se que, no curto espaço de quatro anos, a guerra nazi-soviética mobilizou setores diferentes de uma sociedade plural e complexa como a alemã. Na URSS, o Exército não agiu com a truculência da SS; am- bos, todavia, empregaram métodos diferentes dos que vinham usando na França. Criados pelo sistema educacional nazi, jovens frequentemente foram mais intolerantes que seus superiores de mais idade. Alemães da Baviera, geralmente católicos, pensavam diferente dos alemães da Prússia, geralmente protestantes. E alemães de origem proletária naturalmente eram mais suscetíveis à ideologia comunista do que alemães de origem burguesa ou aristocrática, preocupando a alta cúpula pela possibilidade de serem “infectados” pelo bolchevismo ao adentrarem na União Soviética. Considere-se, ainda, as diferenças entre camponeses e urbanos, entre intelectuais e homens de negócio, a singularidade dos austríacos etc. Hitler, enfim, não foi uma simples versão teutônica de Mussolini, mobilizando uma nação onde, ademais, havia interpretações diversas sobre a Rússia e seu potencial.

De invasor a invadido: a “metrópole” conquistada pela “colônia”

A Operação Barbarossa teve início no dia 22 de junho, exatamente o mesmo dia em que Napoleão invadiu o Império Russo em 1812, 129 anos antes. Apesar dessa coincidência histórica, no fim os alemães acabaram atingidos por uma hecatombe desconhecida pelos franceses, e muito pior que a derrota na Primeira Guerra Mundial. O fatal fiasco em Stalingrado foi um divisor de águas nesse sentido, mostrando que, a partir dali, mesmo alguns na- zistas de alta hierarquia presenciariam a destruição de seus lares e famílias. Conforme declarou em 1945 o ex-marechal nazista

153 Friedrich Paulus, então prisioneiro dos soviéticos: “Agora toda a Alemanha está se transformando numa gigantesca Stalingrado466.” Muito antes de o Exército Vermelho tomar Berlim, ficou claro que uma das principais causas da derrota fora a incapacidade de conseguir – na verdade, de aproveitar – o apoio da população soviética rendida. Sobretudo na Ucrânia e na Bielorrússia, onde muitos nativos rejeitavam a autoridade do Kremlin por terem sofrido com a coletivização forçada stalinista nos anos 1930. So- mente nas repúblicas bálticas da URSS, ou seja Lituânia, Letônia e Estônia, cuja população não era eslava, aceitou-se que muitos nativos “racialmente adequados” fossem culturalmente germani- zados. De qualquer modo, as repúblicas bálticas só haviam sido anexadas por Stálin em 1940, representando um caso à parte. Também em seu fim apocalíptico, a tentativa nazista de fundar um império diferiu do acontecido com os rivais ultrama- rinos. No pós-guerra, os ingleses aceitaram voluntariamente a independência de suas colônias, inclusive a Índia; as guerras que marcaram o fim dos Impérios Francês e Português ocorreram fora da Europa. Mas no caso nazista, a tentativa de fundar um império levou a uma ruína completa da própria “metrópole”. A pior devastação ocorreu na região da Prússia Oriental, cuja administração civil, ironicamente, servira de base para o quadro de funcionários do Comissariado nazista na Ucrânia. Parecia a consumação profética das seguintes palavras atribuídas ao líder militar ucraniano Mykhailo Kolodzinsky, divulgadas na propa- ganda antialemã: “Na Europa Oriental, não existem colônias para ninguém; qualquer um que tentar isso encontrará nada além da própria cova467”. Durante a derrocada final, sublimada como um Crepúsculo dos Deuses wagneriano, a vaidade de muitos nazistas evaporou-se. Eles claramente haviam se equivocado na imagem que tinham de si mesmos, e também dos russos. Os alemães se identificavam com personagens heróicos da mitologia grega, Atlas e Prometeu,

154 julgando-se um povo altamente civilizado – os herdeitos legítimos de Lutero, Kant, Goethe e Beethoven –, porém provaram que um elevado desenvolvimento cultural nem sempre é capaz de impedir um comportamento desumano e perverso, que até hoje causa vergonha. Os russos, por sua vez, haviam sido subestimados como uma corja talvez tão atrasada quanto as tribos pré-históricas da Oceania, que rapidamente sucumbiria à “guerra-relâmpago” com blindados e aviação. Mesmo assim, os russos acabaram se mostrando uma superpotência militar, capazes de comprometi- mento, organização e produção industrial, ocupando a Alemanha para então anexarem parte de seu território e imporem o sistema comunista em meia Europa468. Para Werner Best, jurista nazista ligado à SS, a Alemanha não soube diferenciar os conceitos de “liderança” e “dominação” na Europa. Num artigo onde abordou os motivos da queda da Roma Antiga, ele ainda fez menção a Genghis Kahn, compa- rando-o indiretamente com Hitler: o comandante cujos poderes destrutivos tinham superado os construtivos, e cujas conquistas desmoronaram após sua morte, sem formar uma unidade469. De fato, a Operação Barbarossa havia sido o erro fatídico do ditador nazista. Ele próprio admitiu que subestimara a fabricação soviética de tanques, as incontáveis divisões de infantaria adver- sárias. Só que houve uma diferença crucial entre as carreiras de Hitler e a do imperador germânico Frederico Barbarossa, seu suposto antecessor da Idade Média. Frederico morreu afogado num rio da Anatólia, antes de poder enfrentar Saladino na Ter- ceira Cruzada, enquanto Hitler suicidou-se numa Berlim com- pletamente tomada pelas “hordas mongóis” de Stálin. O povo alemão sofreu junto. Numa visita após a capitulação, um membro do governo americano comparou as ruínas de Berlim com as de Cartago, cidade aniquilada pelos romanos na Antiguidade470.

155 156 Notas de fim

Prólogo: O território da União Soviética como “espaço vital” alemão 1 Hasse escreveu isso em seu famoso livro A política alemã, vol. 4: O futuro do povo alemão, de 1907 (apud ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 254). Sobre a visão colonialista especificamente para a Polônia, antes da Primeira Guerra Mundial, ver KOPP, Kristin Leigh. Germany’s wild east: constructing Poland as colonial space. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2012, p. 1-5, 14. 2 Apud SCHWARTZ, Michael. Ethnische “Säuberungen” in der Moderne: globale Wechselwirkungen nationalistischer und rassistischer Gewaltpolitik im 19. und 20. Jahrhundert. Munique: Oldenbourg Verlag, 2013, p. 233. 3 ERDELY, Eugene. Germany’s first european protectorate: the fate of the Czechs and Slovaks. Londres: R. Hale, 1942, p. 40, 41. 4 Frank declarou isso na “Conferência sobre as Tarefas da Administração do Governo-Geral”, em 2 de dezembro de 1939. O protocolo dessa conferência pode ser encontrado em: INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal, Nuremberg, 14 November 1945 - 1 October 1946. 42 volumes. Nuremberg, Germany, 1947- 1949, vol. XXIX, p. 366. 5 EVANS, Richard. O Terceiro Reich em guerra. São Paulo: Planeta do Brasil, 2012, p. 34. 6 SEGAL, Simon. Nazi rule in Poland. Londres: R. Hale, 1943, p. 12. 7 O slogan “Cruzada europeia contra o bolchevismo” foi lançado, no fim de junho de 1941, pelo chefe do Escritório de Imprensa do Reich, Otto Dietrich, que também fazia parte da SS. Contudo, essa ideia cristã foi combatida – com sucesso – pelo ministro da Propaganda Joseph Goebbels, rival de Dietrich, que, por seu anti- cristianismo, não queria fazer uma reverência desnecessária às igrejas, desejando na verdade que elas fossem sistematicamente ignoradas e rebaixadas durante a campanha oriental, sobretudo a Igreja Católica (LONGERICH, Peter. Joseph Goebbels: uma biografia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 453, 454. Ver ainda

157 GELLATELY, Robert. Lênin, Stálin e Hitler: a era da catástrofe social. Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 485). 8 HÜRTER, Johannes. “Es herrschen Sitten und Gebräuche, genauso wie im 30-jährigen Krieg”. Das erste Jahr des deutsch-sowjetischen Krieges in Doku- menten des Generals Gotthard Heinrici. Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, vol. 48, n. 2, 2000, p. 391. 9 HITLER, Adolf. Hitler’s Table Talk, 1941-1944: his private conversations. Organizado por H. R. Trevor-Hoper. Nova York: Enigma Books, 2007, p. 472. 10 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 302; versão em alemão em HITLER, Adolf. Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier, 1941-42. Organizado por Henry Picker e Gerhard Ritter. Bonn: Athenäum-Verlag, 1951, p. 64. 11 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 319; versão em alemão em HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 72. 12 Essa e outras declarações racistas foram reproduzidas num memorando de 19 de agosto de 1942, escrito por um funcionário do ministro Alfred Rosenberg, para denunciar os excessos da administração alemã. Segundo ele, tal declaração ocorrera numa reunião do Departamento Cultural em abril de 1942. Ver: OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression. Washington: US Government Printing Office, 1946, vol. VIII, p. 54; essa mesma passagem tam- bém é citada em INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XI, p. 543. Na bibliografia, citada por MAZOWER, Mark. O império de Hitler: a Europa sob o domínio nazista. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 40. 13 Trata-se de um memorando secreto escrito por Otto Bräutigam, representante do Departamento Político do ministro do Leste, Alfred Rosenberg, em outubro de 1942. Documento original em: NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals under control council law. 15 volumes. Washington DC: US Government Printing Office, 1950, Vol. II, “The Medical Case”, p. 411-413. 14 Depondo em novembro de 1945 para o iminente Tribunal de Nuremberg, Hans Fritzsche, alto funcionário do Ministério da Propaganda, alegou que somente no segundo ano da guerra compreendeu “toda dimensão das intenções imperialistas de Hitler no Leste”. A transcrição do depoimento de Fritzsche pode ser encontrada em: OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression, Supplement B, p. 1510. 15 Ver HITLER, Adolf. Hitler’s Second Book: the unpublished sequel to Mein Kampf. Nova York: Enigma Books, 2006, p. 104. Sobre o termo “suicização”, ver também LONGERICH, Peter. Heinrich Himmler: uma biografia. Rio de

158 Janeiro: Objetiva, 2013, p. 240. Os termos “balcanização” e “suicização” não foram inventados pelos nazistas, sendo usados até hoje. 16 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 247. 17 Para o conceito de imperialismo segundo Hannah Arendt, ver Origens do totali- tarismo, p. 35, 38, 147, 153, 155, 156, 166, 167, 173, 189. Sobre o surgimento do imperialismo, e sobre suas diferenças com o colonialismo pré-imperialista, destaca-se o seguinte trecho escrito por Arendt: “Poucas vezes o começo de um período histórico pôde ser datado com tanta precisão, e raramente os observadores contemporâneos tiveram tanta possibilidade de presenciar o seu fim definitivo, como no caso da era imperialista. Porque foi só a partir de 1884 que o imperia- lismo – surgido do colonialismo e gerado pela incompatibilidade do sistema de Estados nacionais com o desenvolvimento econômico e industrial do último terço do século XIX – iniciou a sua política de expansão por amor à expansão, e esse novo tipo de política expansionista diferia tanto das conquistas de característica nacional, antes levadas adiante por meio de guerras fronteiriças, quanto diferia a política imperialista da verdadeira formação de impérios, ao estilo de Roma” (p. 147). Para uma análise sobre os diferentes conceitos de “imperialismo”, como formulados por John Hobson, Lenin, Karl Kautsky, Joseph Schumpeter e Arendt, ver GOLLWITZER, Heinz. O imperialismo europeu: 1880-1914. Lisboa: Verbo, 1969, p. 197-201. 18 O historiador Mark Mazower é um dos que traçam diferenças fundamentais entre a política nazista e a realizada na Primeira Guerra Mundial (O império de Hitler..., p. 65-69). Já o historiador alemão Jürgen Zimmerer assume um enfoque diferente, afirmando que Hindemburg e Ludendorff haviam tido uma “imagem colonial” do Báltico ocupado na Primeira Guerra Mundial (ZIMMERER, Jür- gen. Von Windhuk nach Auschwitz? Beiträge zum Verhältnis von Kolonialismus und Holocaust. Munster: LIT 2011, p. 26, 27). O argumento de Zimmerer, contudo, é bem menos profundo e convincente que o de Mazower. 19 LÊNIN, Vladimir. O imperialismo, fase superior do capitalismo. Obras Escolhidas em Seis Tomos, Tomo 2. Lisboa: Avante!, 1984. p. 293. 20 Num discurso em 3 de julho de 1941, transmitido por rádio, Stálin definiu a Pri- meira Guerra Mundial como “a primeira guerra imperialista”, estabelecendo uma relação de continuidade entre os eventos de 1914-18 e invasão “fascista” de Hitler. O discurso de Stálin pode ser encontrado, integralmente, em: UEBERSCHÄR, Gerd R. “Unternehmen Barbarossa”: der deutsche Überfall auf die Sowjetunion 1941. Berichte, Analysen, Dokumente. Paderborn: Ferdinand Schöningh, 1984, p. 326-329. Aqui citado na p. 326. 21 GOEBBELS, Joseph. The Goebbels diaries, 1942-1943. Edited, translated, and with an introd. by Louis P. Lochner. Westport: Greenwood, 1970, p. 126. Hitler também não considerava a história alemã recente como modelo, alegando, em 5

159 de maio de 1942, que a política racial da Prússia “nos últimos 150 anos” havia sido “completamente equivocada”. Ainda falou em “corrigir os erros cometidos no ultimo século nos territórios orientais” (HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 303, 304). 22 CÉSAIRE, Aimé. Discourse on colonialism. Nova York: Monthly Review, 1972, p. 36. 23 Apud BAYART, Jean-Francois. Les études postcoloniales: un carnaval académique. Paris: Karthala, 2010, p. 24. 24 Usando o pseudônimo “I. M. Kovalenko”, Hryniokh escreveu isso no panfleto Os objetivos e métodos da política imperialista alemã no território ocupado. Tal panfleto foi reproduzido, integralmente, na coletânea de documentos POTICHNYJ, Peter J.; SHTENDERA, Yevhen (Eds.). Political thought of the Ukrainian underground, 1943-1951. Edmonton: Canadian Institute of Ukrainian Studies, University of Alberta, 1986, p. 32. 25 Sobre o doutorado de Goebbels, ver LONGERICH, Joseph Goebbels..., p. 36, 37. 26 HITLER, Adolf. Minha luta. São Paulo: Centauro, 2001, p. 17. 27 Quanto à admiração de Hitler pelos Cavaleiros Teutônicos, ver Minha luta, p. 106. Quanto à admiração de Himmler, da SS, pelos Cavaleiros Teutônicos, ver LONGERICH, Heinrich Himmler... p. 281, 282. Patrick Geary explica que o expansionismo nazi baseava-se “na suposição de que esses territórios [de povos vizinhos] teriam sido as terras nativas originais dos povos germânicos. Assim, a expansão germânica em direção ao leste, no século XIII, e a do Terceiro Reich, no século XX, poderiam ser tomadas simplesmente como retornos, e não conquistas. Mais recentemente, argumentos arqueológicos semelhantes têm sido usados, como nos conflitos entre húngaros e eslovenos, albaneses e sérvios, estonianos e alemães” (GEARY, Patrick. O mito das nações: a invenção do nacionalismo. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004, p. 94, 95). 28 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 86. 29 Quanto a Hitler querer transformar o Mar Báltico num “Mediterrâneo alemão”, num monólogo em agosto de 1942, ver p. 475; quanto à sua definição da Península da Crimeia, na Ucrânia, como uma futura “Riviera alemã”, em julho de 1941, ver p. 6, ambos em HITLER, Hitler’s Table Talk... Numa reunião em 16 de julho de 1941, ele declarou: “Devemos criar um Jardim do Éden nos territórios orien- tais recentemente ocupados; eles são de importância vital para nós; comparadas com eles, colônias [ultramarinas] têm uma função completamente subordinada” (NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals…, vol. XII, p. 1293). 30 HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 53. 31 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 293.

160 32 O biógrafo de Hitler, Joachim Fest, cita a declaração de um religioso alemão da Turíngia: “O Cristo veio até nós através da pessoa de ” (FEST, Joachim C. Hitler. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, p. 525). Ainda cita o declarado em uma festa de Natal de uma seção do Partido Nazista em Munique: o nacional-socialismo “devia realizar os ideais de Cristo. A obra que Cristo iniciara mas não pudera concluir, ele, Hitler, levaria a bom termo” (p. 275). 33 HITLER, The complete Hitler…, p. 1984. Discurso de Hitler em 3 de maio de 1940, no Sportpalast de Berlim. 34 A expressão “inexorável lei do Talião” foi empregada por Hitler em Minha luta, p. 17. Quanto ao uso da expressão “Deus Todo-Poderoso” em discursos públicos, ver, por exemplo, HITLER, The complete Hitler…, p. 1936. Ver ainda LUKACS, John. O Hitler da história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 61, 86, 92. 35 HITLER, The complete Hitler…, p. 966. 36 Ver o clássico KLEMPERER, Victor. LTI - A Linguagem do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. 37 LOWER, Wendy. Nazi Empire-building and the Holocaust in Ukraine. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2005, p. 19. 38 Recentemente, alguns estudiosos vêm mostrando que a linguagem do regime nazista sobre o Holocausto foi muito mais explícita do que se dizia nas décadas de 1950 e 1960, por estudiosos como Hannah Arendt. Em discursos e artigos a partir de 1941, Hitler e o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, praticamente admitiram em público que os judeus eram “exterminados” ou “aniquilados”. Ver, sobretudo, HERF, Jeffrey. The “Jewish War”: Goebbels and the antisemitic campaigns of the nazi Propaganda Ministry. Holocaust and Genocide Studies, v. 19, n. 1, primavera de 2005, p. 55. 39 Hitler declarou isso numa importante conferência em 16 de junho de 1941, abordando a organização e a administração do território soviético ocupado. Ele se reuniu com Rosenberg, Lammers, Keitel, Göring e Bormann, que anotou num memorando o que foi dito na conferência (NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. XII, p. 1292). Usado pela acusação em Nuremberg, tal documento foi ampla- mente citado pela bibliografia, por exemplo BULLOCK, Alan. Hitler. Londres: Penguim, 1962, p. 694. 40 LUKACS, O Hitler da história, p. 44. 41 EVANS, O Terceiro Reich em guerra, p. 204, 205. 42 As Conversas de Hitler à mesa são empregadas, como fonte primária, por prati- camente todos os estudiosos que abordam a política externa nazista a partir de 1941. Contudo, o historiador John Lukacs recomenda certa precaução com esse documento. Em primeiro lugar, Lukacs ressalva que Hitler era uma pessoa muito reservada e desconfiada. Por isso, ele não teria exposto suas verdadeiras inten-

161 ções, com uma sinceridade plena, nem mesmo a seus amigos íntimos do Partido Nazista. Em segundo lugar, Lukacs ressalta que os monólogos de Hitler tinham um forte significado político. Em vez de ilustrarem seus planos para o Leste, tais declarações tinham como objetivo impressionar e, assim, estimular a alta cúpula nazista; além disso, os monólogos de Hitler visavam fornecer um objetivo racional para a guerra nazi-soviética, que teria sido desencadeada especialmente por razões estratégico-militares, não geopolíticas (LUKACS, O Hitler da história, p. 45, 100, 116). De qualquer modo, a maioria dos autores não partilha dessa desconfiança de Lukacs quanto à confiabilidade das Conversas à mesa. 43 Apud BESSEL, Richard. Nazismo e guerra. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014, p. 119; e apud GELLATELY, Lênin, Stálin e Hitler..., p. 614. 44 Apud ZIMMERER, Von Windhuk nach Auschwitz?..., p. 31. 45 DEGRELLE, Léon. Campaign in Russia: the Waffen SS on the Eastern Front. Torrance: Institute for Historical Review, 1985, p. 130. 46 Trecho da Proclamação do Comitê Central do Partido Comunista ao povo alemão para a formação de uma Alemanha antifascista-democrática, de 11 de junho de 1945. Ver em: ZENTRALKOMITEES DER KOMMUNISTISCHEN PARTEI DEUTSCHLANDS. Aufruf des Zentralkomitees der Kommunistischen Partei an das deutsche Volk zum Aufbau eines antifaschistisch-demokratischen Deutschlands vom 11. Juni 1945. Original em: Bundesarchiv, RY 1/I 2/8/108, Bl. 36. Disponível em: . Acesso em: jul. 2016. Sobre as expectativas da iniciativa privada alemã quanto à Operação Barbarossa, ver UEBERSCHÄR, “Unternehmen Barbarossa”..., p. 177, 178. 47 Tal julgamento é do historiador alemão Walter Goerlitz, em History of the German General Staff, 1657-1945. Nova York: Praeger, 1953, p. 431. 48 Apud SANDLER, Willeke Hannah. “Here too lies our Lebensraum”: colonial space as german space. In: SZEJNMANN, Claus-Christian; UMBACH, Mai- ken (Eds.). Heimat, region and empire: spatial identities under National Socialism. Nova York: Palgrave Macmillan, 2012, p. 158. 49 LUKACS, O Hitler da história, p. 213. Sobre a utilização dos livros de Karl May como forma de doutrinar os soldados alemães contra os soviéticos no final da guerra, ver também FISCHER, Klaus P. Hitler and America. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2011, p. 21, e RYBACK, Timothy W. Hitler’s private library: the books that shaped his life. Nova York: Alfred A. Knopf, 2008, p. 180. 50 Rudenko disse: “Os fascistas alemães não são nacionalistas, e sim imperialistas, cuja principal meta era a tomada de terras estrangeiras para a expansão do capitalismo militante alemão” (INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of

162 the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XXII, p. 313). 51 NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. VI, p. 32. 52 MAZOWER, O império de Hitler..., p. 36, 658, 659. Apesar de reconhecer a influência do imperialismo, sobretudo na vertente britânica, Mazower ressalta o ineditismo da forma como os nazistas violaram o direito internacional: “Por mais brutal e mortífero que tenha sido, nenhum poder colonial, britânico ou de outro país da Europa, jamais lidou com o problema do “poder dos números” de forma tão áspera e violenta quanto os nazistas” (p. 656). 53 BARANOWSKI, Shelley. Império Nazista: o imperialismo e o colonialismo alemão de Bismarck a Hitler. São Paulo: Edipro, 2014, p. 16, 17, 19, 72, 73, 78. 54 LOWER, Nazi Empire-building..., p. 19, 20. 55 MINEAU, André. Operation Barbarossa: ideology and ethics against human dignity. Amsterdam; Nova York: Rodopi, 2004, p. 16. 56 ARENDT, Origens do totalitarismo, p. 153. Na verdade, Arendt equivocou-se ao definir a Rússia stalinista como um regime demasiadamente parecido com a Alemanha hitlerista; entre várias diferenças, os soviéticos repudiavam o racismo e o capitalismo, e não tinham experiência ultramarina, pois o Império Russo não havia tomado colônias no padrão europeu-ocidental. A expansão russa na Ásia foi por via terrestre, diferindo muito daquela por via marítima das potências imperialistas. 57 FEST, Joachim C. Not I: memoirs of a German childhood. Nova York: Other, 2012, p. 6, 116, 118, 318. 58 FEST, Hitler, p. 738. 59 KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 667.

Capítulo 1. O domínio britânico na Índia 60 Sobre a admiração de Hitler pelo imperialismo britânico, ver KROLL, Frank- -Lothar. Geschichte und Politik im Weltbild Hitlers. Vierteljahrshefte für Zeit- geschichte, vol. 44, n. 3, 1996, p. 346-348; ver também MAZOWER, O império de Hitler..., p. 652, 653; ver ainda BARANOWSKI, Império nazista…, p. 153. Sobre a admiração de Hitler pelo domínio inglês na Índia, mais especificamente, ver SCHWARTZ, Ethnische “Säuberungen” in der Moderne..., p. 228; ver também HASENCLEVER, Jörn. Wehrmacht und Besatzungspolitik in der Sowjetunion: Die Befehlshaber der rückwärtigen Heeresgebiete 1941-1943. Munique: Pader- born, 2010, p. 40; ver ainda HILDEBRAND, Klaus. Vom Reich zum Weltreich: Hitler, NSDAP und koloniale Frage 1919-1945. Munique: Fink, 1969, p. 715, 716, 727. O autor que mais explorou o tema provavelmente foi Johannes Voigt:

163 “Nos anos 1941 e 1942 Hitler mostrou um interesse ‘teorético’ pela dominação britânica na Índia. Isso serviu para ele como um modelo, a orientar a estruturação de seu Império-Leste” (VOIGT, Johannes H. Hitler und Indien. Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, vol. 19, n. 1, 1971, p. 49; ver ainda p. 33-35, 47). Entre os biógrafos, um que muito abordou o tema foi Ian Kershaw, que assim escreveu sobre o planejamento no início da campanha oriental: “Para Hitler, o modelo de dominação e exploração continuava a ser o Império Britânico. Sua inspiração para o futuro governo de sua raça de senhores era o Raj. Em várias ocasiões, ele ma- nifestou sua admiração pelo modo como um país pequeno como a Grã-Bretanha fora capaz de estabelecer seu domínio pelo mundo num imenso império colonial. O domínio britânico na Índia, em particular, mostrava o que a Alemanha poderia fazer na Rússia” (KERSHAW, Hitler, p. 663; ver também p. 696). O respeito de Hitler pelos ingleses também foi abordado pelo biógrafo Joachim Fest: “Além do mundo antigo, a Inglaterra provocava sua admiração e seu espírito de emulação. A Inglaterra soube aliar o forte sentimento de nação compacta, a consciência de sua superioridade à capacidade de pensar grande: o exato oposto do cosmopolitismo alemão, da pusilanimidade e da estreiteza de espírito” (FEST, Hitler, p. 621). Entre os biógrafos, ainda se pode citar o britânico Alan Bullock: “O que a Índia havia sido para os britânicos, Hitler declarou, o império no Leste que ele estava fundando às custas da Rússia seria para os alemães. Este ainda era o tema que mais excitava sua imaginação” (BULLOCK, Hitler, p. 671). 61 HITLER, Hitler’s Second Book..., 141. 62 Em Minha luta, Hitler fala de “um esforço pelo domínio da terra por parte do povo judeu, um processo que é tão natural como o instinto anglo-saxão de apropriar-se deste mundo. E assim como o anglo-saxão segue esse caminho a seu modo e luta com as suas armas, assim também o faz o judeu” (p. 489). 63 Discurso público em novembro de 1939, em Munique (HITLER, Adolf. The complete Hitler. A digital desktop reference to his speeches and proclamations, 1932-1945. Organizado por Max Domarus. Wauconda: Bolchazy-Carducci Publishers, 2007, p. 1867). Num discurso em 23 de novembro de 1937, em Son- thofen, Hitler declarou que o mundo era comandado por “gigantescas potências mundiais”, sendo que “no topo: o povo inglês, que realmente domina hoje quase 34 milhões de quilômetros quadrados com seus 445 milhões de habitantes” (HI- TLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 443). Ele apresentou números diferentes dos que apresentaria no discurso em novembro de 1939, o que mostra sua falta de exatidão estatística. 64 VOIGT, Hitler und Indien…, p. 50-52. Sobre o – superficial – estudo que alguns nazistas fizeram sobre o imperialismo inglês, ver STROBL, Gerwin. The Germanic Isle: nazi perceptions of Britain. Cambridge; Nova York: Cambridge University Press, 2000, p. 51, 52.

164 65 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 495. Basicamente, Hitler recomendou essa obra ao ministro Rosenberg, para que ele tivesse uma visão mais “realista”, ou seja, cruel e darwinista, sobre os povos coloniais: “Eu andei lendo alguns livros, que todo alemão indo para o exterior deveria ser compelido a ler. O primeiro deles é o livro de Alsdorf, que deveria ser lido por todo diplomata. Segundo ele, não foram os britânicos que ensinaram o mal aos indianos; quando os primeiros homens brancos desembarcaram no país, encontraram os muros em volta de várias cidades construídos com crâneos humanos.” Hitler tinha os eslavos em mente quando declarou isso. Como os indianos, os eslavos supostamente já estavam acostumados à crueldade antes da chegada de estrangeiros, de modo que a violência nazista se tornava a simples continuação, historicamente aceitável, de um status quo anterior a 1941. 66 LOWER, Nazi Empire-building..., p. 26. 67 O termo “colônia de exploração”, para definir a Índia, foi empregado pelo alemão Ludwig Alsdorf (1904-1978) no livro Indien, o qual, como se verá adiante, foi lido por Hitler e moldou sua visão sobre o imperialismo britânico. LOWER, Nazi Empire-building..., p. 25, 26. 68 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 21; versão original em alemão em HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 45. 69 Tal trecho do diário de Goebbels, de dezembro de 1941, foi reproduzido na coletânea de textos STACKELBERG, Roderick; WINKLE, Sally A. The Sourcebook – an anthology of texts. Londres; Nova York: Routledge, 2003, p. 29. Em março de 1942, novamente, Goebbels assim anotou em seu diário o que Hitler declarou a ele: “A Rússia será então para nós o que a Índia é para os britânicos” (GOEBBELS, The Goebbels diaries, 1942-1943…, p. 76). 70 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 73; citado por BULLOCK, Hitler, p. 657. 71 Segundo o governo soviético, tal expressão foi empregada numa ordem secreta de um oficial do Exército alemão (General Weigang) que inspecionava o potencial econômico do território ocupado pelo Grupo de Exércitos Centro, basicamente a Bielorrússia. Tal documento foi capturado pelo Exército Vermelho em março de 1942, e citado num relatório do ministro soviético do Exterior, Vyacheslav Molotov, de 27 de abril de 1942, que seria usado como prova de acusação no Tribunal de Nuremberg (INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. VIII, p. 153). 72 O memorando que contém as recomendações de Hitler a Abetz, em 16 de setembro de 1941, foi reproduzido integralmente em: UNITED STATES DEPARTMENT OF STATE. Documents on German foreign policy: 1918-1945. Washington: United States Government Printing Office, 1962, vol. 13, n. 327, p. 518-520; aqui p. 520.

165 73 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 29. 74 Hitler se justificou dizendo que “os russos não envelhecem muito. Eles dificil- mente passam dos cinquenta ou sessenta anos, de modo que é uma ideia ridícula vaciná-los. [...] Mas deixemos eles comprarem toda bebida e tabaco que quiserem” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 242). Ainda na obra O mito do século XX, de 1930, Alfred Rosenberg havia citado a Guerra do Ópio, contra a China, como exemplo dessa tática britânica de comercializar estimulando vícios (ROSENBERG, Alfred. Der Mythus des 20. Jahrhunderts – Eine Wertung der seelisch-geistigen Gestaltenkämpfe unserer Zeit. Munique, Hoheneichen Verlag: 1934, p. 653, 654). 75 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 34, 35. Tal passagem é reproduzida em KERSHAW, Hitler, p. 665. Neste dia, Hitler ainda declarou: “Toda entrega de máquinas terá de passar por um intermediário alemão, de modo que a Rússia definitivamente não será suprida por meios de produção, exceto pelo que é abso- lutamente necessário.” 76 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 13. Ver ainda p. 53. 77 Apud FURBER, David. Near as far in the colonies: the nazi ocupation of Poland. The International History Review. vol. 26, n. 3, 2004, p. 541. 78 Frank expôs essa opinião numa reunião com administradores e banqueiros nazistas, em 23 de abril de 1940, referente à organização financeira do território polonês conquistado. O texto integral da ata dessa reunião, em alemão, está em: INTER- NATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XXIX p. 394, 395. 79 REITLINGER, Gerald. The house built on sand: the conflicts of German policy in Russia, 1939-1945. Nova Iorque: Viking, 1960 p. 155. 80 LOWER, Nazi Empire-building..., p. 28. 81 KÜNZEL, Geraldien von Frijtag Drabbe. Germanic Brothers: the Dutch and the germanization of the occupied East. In: WEISS-WENDT, Anton; YEO- MANS, Rory (Eds.). Racial science in Hitler’s New Europe, 1938-1945. Lincoln: University of Nebraska Press, 2013, p. 96. 82 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 24, 99 83 Sobre a admiração de Hitler por Cecil Rhodes, ver HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 74. 84 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 465. Em seu Segundo Livro, escrito em 1928 mas nunca publicado em vida, Hitler já havia escrito: “Faz parte do instinto racial anglo-saxão a busca por espaço” (HITLER, Hitler’s Second Book..., p. 141). Ver também LAQUEUR, Walter. Russia and Germany: a century of conflict. New Brunswick; Londres: Transaction Publishers, 1990, p. 162. Segundo Laqueur, o pensamento de superioridade de muitos nazistas repercutiu na crença de que

166 tinham uma “missão colonial” semelhante à dos “construtores de império britânicos e franceses”. 85 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 17; versão original em alemão em HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 196. Segundo o relato pouco confiável de Hermann Rauschning, Hitler já havia usado o termo “vice-reis” numa conferência no verão de 1934, referindo-se a seus futuros representantes em países conquistados (RAUSCHNING, Hermann. The voice of destruction. Gretna: Pelican, 2003, p. 147). 86 MINEAU, Operation Barbarossa…, p. 135. Ver ainda ROSENBERG, Alfred. Letzte Aufzeichnungen: Ideale und Idole der nationalsozialistischen Revolution. Göttingen: Plesse Verlag, 1955, p. 166. 87 O texto integral dos 12 Mandamentos escritos por Backe, na versão original em alemão, está em INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XXXIX, p. 367-371. O que foi citado aqui está na p. 368. Em maio de 1942, Hitler previu que “como o jovem britânico faz sua aprendizagem na Índia, o jovem alemão terá suas lições inspecionando a fronteira mais oriental do Reich, a Noruega ou qualquer outro limite de nosso domínio” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 372). 88 FEST, Hitler, p. 776. 89 KERSTEN, Felix. The Kersten memoirs 1940-1945, with an introduction by H. R. Trevor Roper. Londres: Hutchinson, 1956, p. 257, 258. 90 Himmler escreveu isso em 12 de dezembro de 1941, reiterando a recomendação de que mães alemãs fossem estimuladas a se alimentar com mingau (apud MAN- VELL, Roger; FRAENKEL, Heinrich. Himmler. Rio de Janeiro: Record, 1965, p. 111). 91 HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 101. 92 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 86. 93 Ver, por exemplo, o memorando secreto escrito por Rosenberg em 16 de dezembro de 1941, referente a um encontro que teve com Hitler dois dias antes (INTER- NATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XXVII, p. 272). Quanto aos novos nomes para regiões da Ucrânia, ver também FEST, Hitler, p. 766. 94 Hitler elogiou o “elevado valor racial do anglo-saxonismo”, comparando os ingleses com os romanos, no Segundo livro de 1928 (HITLER, Hitler’s Second Book..., p. 140-143). Em Minha luta, Hitler já havia elogiado o “caráter firme do anglo-saxão”, em tom adulatório: “É apenas uma triste prova de que o alemão não compreendeu as lições da [Primeira] Guerra Mundial e não compreende o caráter firme do anglo-saxão, quando imagina que a Inglaterra deixaria a Índia tornar-se independente. Isso prova a completa ignorância dominante na Alemanha

167 quanto aos métodos com que a Inglaterra administra aquele império. A Inglaterra jamais deixará a Índia separar-se, a não ser que ela caia na confusão racial (hipótese completamente afastada na Índia), ou a não ser que ela seja forçada a isso pela espada de um poderoso inimigo. Os levantes indianos jamais terão êxito. Nós alemães conhecemos bem, por experiência, quanto é duro contrariar a Inglaterra. Além de tudo isso, falando como alemão, eu prefiro ver a Índia sob o domínio da Inglaterra do que sob o de qualquer outra nação” (p. 486). 95 Ver KERSHAW, Hitler, p. 658, 659. 96 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 268; versão em alemão em HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 50. 97 HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 75. 98 A proporção de 1 inglês da “metrópole” para 9 súditos do “Império” foi men- cionada por Hitler em 5 de novembro de 1937, numa reunião na Chancelaria do Reich com seus principais generais da época, registrada por seu ajudante militar Friedrich Hossbach. Original em: HITLER, The complete Hitler…, p. 967. 99 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 14. Dois meses depois, em setembro de 1941, Hitler novamente falou: “O espaço russo é a nossa Índia. Como os ingleses, do- minaremos esse nosso espaço colonial com um punhado de homens” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 28; versão original em alemão em HITLER, Adolf. Monologe im Führer-Hauptquartier 1941-1944. Hamburgo: A. Knaus, 1980). 100 Ver HITLER, Hitler’s Second Book..., p. 37; Hitler’s Table Talk..., p. 90, e Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 204. 101 Himmler declarou isso num discurso em Zhytomyr, Ucrânia, em 16 de setembro de 1942. Apud LOWER, Nazi Empire-building..., p. 26. 102 CONNELLY, John. Nazis and Slavs: from racial theory to racist practice. Central European History, vol. 32, n. 1, p. 29, 1999. 103 Himmler declarou isso num discurso a lideranças da SS em Posen, a 4 de ou- tubro de 1943, discurso esse muito citado desde os Julgamentos de Nuremberg (INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war crimi- nals before the International Military Tribunal…, vol. XXIX, p. 120, 121). Num monólogo em janeiro de 1942, Hitler também reconheceu a semelhança entre o que acontecia na Índia e o que acontecera na Áustria, segundo ele até meados do século XIX: “Nós já provamos que somos capazes de governar povos. A Áustria é o melhor exemplo disso. Se os Habsburgos não tivessem se misturado tanto com os elementos [racialmente] estrangeiros de seu império, os nove milhões de alemães teriam facilmente continuado a dominar os outros cinquenta milhões. Diz-se que os indianos lutam pelos ingleses. Isso é verdade, mas era exatamente a mesma coisa com nós. Na Áustria todo mundo lutava pelos alemães” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 175; versão em alemão em HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 48). Noutra ocasião, Hitler assim elogiou a Áustria do

168 período anterior à introdução do sufrágio universal: “Até esse momento, a minoria alemã segurou tão bem em suas mãos o poder que ninguém tem o direito de dizer que o governo por uma minoria é monopólio do gênio britânico” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 508). 104 HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 123. 105 Apud WILHELM, Hans-Heinrich. Rassenpolitik und Kriegführung. Sicherheits- polizei und Wehrmacht in Polen und in der Sowjetunion 1939-1942. Passau: Wissenschaftsverlag Richard Rothe, 1991, p. 132. 106 Apud STROBL, The Germanic Isle…, p. 93. 107 Sobre a designação de administradores nazistas como “sátrapas”, ver, por exemplo, SCHUMAN, Frederick. Hitler and the nazi dictatorship: a study in social patho- logy and the politics of fascism. Londres: R. Hale & Co., 1936, p. 247; ver ainda STEINBERG, Jonathan. The Third Reich reflected: german civil administration in the occupied Soviet Union, 1941-4. The English Historical Review, vol. 110, n. 437, p. 636, 1995; e UEBERSCHÄR,“Unternehmen Barbarossa”…, p. 148. 108 O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas usou, num famoso artigo de 1986, o termo “consciência de mandarim” ao definir o chauvinismo nacionalista da intelligentsia do Terceiro Reich. Em: STACKELBERG; WINKLE. The nazi Germany Sourcebook..., p. 423. 109 Trata-se do memorando Problemas políticos e econômicos da administração civil e militar dos Territórios Orientais Ocupados, escrito por um representante do ministro Rosenberg em dezembro de 1942. Tal documento depois seria usado no Tribunal de Nuremberg. Original em: OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression, v. III, p. 950, 955. 110 O registro integral dessa reunião em Cracóvia, em 18 de agosto de 1942, está em: INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XXIX, p. 558. 111 O depoimento integral de Körner está em: NUERNBERG MILITARY TRI- BUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. XIII, p. 909. 112 Por ocasião da visita, um communiqué oficial foi emitido: “O Führer recebeu em seu quartel-general, na presença do ministro do Exterior do Reich, von Ribbentrop, o pioneiro do movimento de libertação indiano, Subhas Chandra Bose, para uma longa conversa” (HITLER, The complete Hitler…, p. 2639). Sobre o – superfi- cial – envolvimento de Bose com os nazistas, desde os anos 1930, ver VOIGT, Hitler und Indien…, p. 40, 56-59. 113 HITLER, Hitler’s Second Book…, p. 143.

169 114 HITLER, Adolf. The speeches of Adolf Hitler, April 1922-August 1939, an English Translation of Representative Passages arranged under Subjects and edited by Norman H. Baynes. Londres: Oxford University Press, 1942, p. 1258 e ss. 115 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 11. 116 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 466. Na bibliografia, tal passagem é citada por SHIRER, William L. Ascensão e queda do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962, vol. 4, p. 31. 117 Sobre a admiração de Hitler pelo rei prussiano Frederico II, ver LUKACS, O Hitler da história, p. 116, 117, 170. 118 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 159. Quanto ao peso demográfico soviético, Rosenberg havia escrito que “os povos do leste continuam a crescer em número. A Rússia, apesar de sua miséria, ganha anualmente cerca de três milhões” (RO- SENBERG, Der Mythus des 20. Jahrhunderts…, p. 593). 119 Apud KERSHAW, Hitler, p. 557. 120 WITTFOGEL, Karl A. The marxist view of russian society and Revolution. World Politics, vol. 12, n. 4, p. 490-495, 1960. 121 Em Origens do totalitarismo, Hannah Arendt explicou bem como os britânicos, ao contrário dos franceses, não tentavam converter estrangeiros à sua cultura: “A nação britânica cultivou o modelo grego de colonização, mas revelou desconhecer a arte romana de criar um império. Em lugar de conquistar povos estrangeiros, impondo-lhes a sua lei, os colonizadores estabeleceram-se nos territórios recém- -conquistados, mas, onde quer que estivessem, nos quatro cantos do mundo, permaneciam membros da mesma nação britânica. [...] Os britânicos procuraram criar o império abandonando os povos conquistados aos mecanismos de sua pró- pria cultura, religião e lei, mantendo-se afastados e evitando disseminar a lei e a cultura britânicas. Isso não impediu que os nativos desenvolvessem o sentimento de consciência nacional e clamassem por soberania e independência, embora possa ter retardado o processo. Agindo assim, os britânicos fortaleciam o conceito imperialista baseado em superioridade fundamental de ‘elementos elevados’ sobre os ‘inferiores’” (p. 158, 160). 122 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 433. 123 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 28. 124 Ver MAZOWER, O império de Hitler..., p. 390, 394, 405, 406. 125 HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 116. 126 Num memorando datado de 19 de agosto de 1942, um funcionário do ministro Rosenberg assim resumiu o que Martin Bormann, representando Hitler, teria dito a Alfred Rosenberg sobre o tratamento da população eslava. Tal memorando, já citado, pode ser encontrado em: OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression, vol. VIII, p. 52-59, aqui p. 53. Na bibliografia,

170 tal memorando foi citado em GLASER, Hermann. Das Dritte Reich: Anspruch und Wirklichkeit. Freiburg; Basel; Viena: Herder Verlag, 1962, p. 149, 150. 127 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 466. Na bibliografia, tal passagem foi citada em SHIRER, Ascenção e queda do Terceiro Reich, vol. 4, p. 31. 128 KOSLOV, Elissa Mailänder. “Going east”: colonial experiences and practices of violence among female and male Majdanek camp guards (1941-44). Journal of Genocide Research, vol. 10, n. 4, p. 570, 571, 2008. 129 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 444. 130 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 130. Na biografia que escreveram de Himmler, Roger Manvell e Heinrich Fraenkel citam um trecho da obra Memórias, de Wal- ter Schellenberg, oficial da SS que dirigiu a inteligência alemã durante a guerra: “A organização da S.S. fora feita por Himmler sobre os princípios da Ordem dos Jesuítas. Os estatutos de serviço e os exercícios espirituais apresentados por Inácio de Loyola formaram um padrão que Himmler tentou copiar... com toda fidelidade.” (MANVELL; FRAENKEL, Himmler, p. 65). Sobre as menções nazistas a Inácio de Loyola, ver ainda ZIEGLER, Herbert. Nazi Germany’s new aristocracy: the SS leadership, 1925-1939. Princeton: Princeton University Press, 1989, p. 7, 8, e SCHUMAN, Hitler and the nazi dictatorship…, p. 78. 131 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 320; versão em alemão em HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 72. Na bibliografia, mencionado por HASENCLEVER, Wehrmacht und Besatzungspolitik in der Sowjetunion…, p. 273. Quanto à tradição europeia de aproveitar intrigas já existentes entre os nativos, é relevante o que o conquistador espanhol Hernán Cortés escreveu numa de suas cartas ao rei da Espanha, Carlos V. Relatou que, numa província do Império Asteca, os locais não aprovavam a autoridade do governante asteca Montezuma, algo visto como vantajoso por Cortés: “Eu simplesmente fazia de conta que confiava em quem vinha me falar e usava a discórdia para subjugá-los ainda mais” (CORTÉS, Hernán. A conquista do México. Porto Alegre: L&PM, 1996, p. 47). 132 RAUSCHNING, The voice of destruction, p. 124. 133 Ver FEST, Hitler, p. 774. 134 ROSENBERG, Der Mythus des 20. Jahrhunderts…, p. 663, 664. 135 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 508. “Nesta esfera, eles ainda têm muito a nos ensinar”, reconheceu Hitler noutra ocasião, fazendo apologia aos ingleses (p. 22). 136 Quanto à acusação de Hitler de que os holandeses haviam se miscigenado com os malaios, ver Hitler’s Table Talk..., p. 526. 137 DER REICHSFÜHRER SS, SS-HAUPTAMT. Rassenpolitik. Berlim: Der Reichsfuhrer SS, SS - Hauptamt, 1943, p. 64, 65. 138 BEINART, William; DUBOW, Saul. Introduction: The historiography of segregation and apartheid. In: BEINART, William; DUBOW, Saul (Eds.).

171 Segregation and Apartheid in Twentieth-century South Africa. Londres; Nova York: Routledge, 1995, p. 12. 139 Em Minha luta, Hitler elogiou os ingleses por “pacificarem” a Índia e o Egito “com o fogo das companhias de metralhadoras e chuvas de bombas” (p. 487). Num famoso discurso de 1932, para grandes industriais alemães, ele citou o imperialismo inglês como prova de que a “raça branca” só conquistara o mundo por meio da força: “Vocês podem escolher qualquer área, como por exemplo a Índia: a Inglaterra não obteve a Índia de um modo legal ou legítimo, mas sem respeitar os desejos, opiniões ou declarações de direitos dos nativos. E ela manteve seu domínio, se necessário, com a mais brutal crueldade” (HITLER, The complete Hitler…, p. 96). 140 O memorando dessa reunião em julho de 1941 foi reproduzido em Kriegstagebuch des Oberkommandos der Wehrmacht: (Wehrmachtfuhrungsstab), p. 89, 90. 141 Sobre Hitler elogiando as tendências militaristas do Islã, ver SPEER, Albert. Inside the Third Reich: memoirs. Nova York: The Macmillan Company, 1970, p. 96. Sobre o interesse de Himmler pelo Alcorão, ver MANVELL; FRAENKEL, Himmler, p. 121. 142 Texto original em: NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. II, p. 606. 143 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 21. 144 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 328, 366, 367. 145 Segundo a transcrição estenográfica do que foi registrado numa reunião em 27 de janeiro de 1945, Hitler afirmou: “Os britânicos nem pensariam em colocar roupas inglesas em um indiano. [...] Os britânicos mantêm os indianos se comportando como selvagens”. Original em: OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression, vol. VI, p. 677. 146 Sobre o ineditismo da postura nazista no contexto da tradição cultural europeia, ver KOHN, Hans. The mind of Germany: the education of a nation. Nova York: Harper Torchbooks, 1965, p. 11; ver também FEST, Joachim C. No bunker de Hitler: os últimos dias do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005, p. 171, 172; ver ainda DRIJARD, André. Alemanha – panorama histórico e cultural. Lisboa: Dom Quixote, 1972, p. 163. 147 Ver KROLL, Geschichte und Politik im Weltbild Hitlers…, p. 347, 348. 148 Apud HASENCLEVER, Wehrmacht und Besatzungspolitik in der Sowjetunion…, p. 270. 149 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 175. Hitler alegou isso mesmo em discursos públicos: ver HITLER, The complete Hitler…, p. 2588. 150 Em 1909, o imperador (Kaiser) Guilherme II chegou a receber a visita de Winston Churchill, que já era parlamentar e militar britânico. Fotos mostram os dois juntos

172 durante exercícios do Exército alemão, que durante a Primeira Guerra Mundial, iniciada cinco anos depois, enfrentaria os britânicos – inclusive Churchill. 151 Sobre o envolvimento de Houston Chamberlain com o imperador Guilherme II e com Hitler, ver SHIRER, Ascenção e queda do Terceiro Reich, vol. 1, p. 167-174. 152 Quanto ao legado, para a formação ideológica de Peters, do período em que ele passou em Londres, ver PERRAS, Arne. Carl Peters and german imperialism 1856-1918: a political biography. Oxford; Nova York: Clarendon, 2004, p. 20-30. 153 TZOREF-ASHKENAZI, Chen. German soldiers in colonial India. Londres: Pickering & Chatto, 2014, p. 5, 17, 18. 154 No colonialismo holandês, alemães ainda foram governadores da Colônia do Cabo, na atual África do Sul, e participaram do desbravamento da atual Indonésia e do atual Sri Lanka, vizinho da Índia, que em 1802 tornar-se-ia colônia britânica (TZOREF-ASHKENAZI, German soldiers in colonial India, p. 15, 17, 19). 155 COCKROFT, Steph. The moment Edward VIII gave a nazi salute: photographs showing former king flanked by Hitler’s henchmen during 1937 visit to Germany emerge at auction. Daily Mail Online, Londres, julho de 2015. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2016. 156 Ver EVANS, Richard. O Terceiro Reich no poder. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011, p. 395 e ss. 157 HERWIG, Holger. The demon of geopolitics: how Karl Haushofer “educated” Hitler and Hess. Lanham: Rowman & Littlefield, 2016, p. 17, 18, 19. 158 Sobre a infância e a juventude de Bohle, na Inglaterra e na atual África do Sul, ver HAUSMANN, Frank-Rutger. Ernst-Wilhelm Bohle: Gauleiter im Dienst von Partei und Staat. Berlim: Duncker & Humblot, 2009, p. 21-39. 159 BLOCH, Michael. Ribentropp. Londres: Abacus, 2003, p. 8. 160 Rosenberg previu a participação de colonos ingleses (e dinamarqueses, noruegueses e holandeses) num memorando de 2 de abril de 1941, encontrado no pós-guerra entre os arquivos de Rosenberg. Documento original integral em: OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression, vol. III, p. 674- 681. O interesse de Rosenberg por colonos ingleses também foi mencionado em HEIBER, Dokumentation: der Generalplan Ost, p. 288, 289, e em FEST, Hitler, p. 774. 161 MANVELL; FRAENKEL, Himmler, p. 205. 162 Planejando a futura colonização do Leste, Hitler previu: “Nós não devemos mais permitir que alemães emigrem para a América. Pelo contrário, nós devemos atrair os noruegueses, os suecos, os dinamarqueses e os holandeses para nossos territó- rios orientais. Eles se tornarão membros do Reich alemão. Nosso dever é buscar

173 metodicamente uma política racial” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 21, 22, ver ainda p. 15 e 29; original em alemão em HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 45). Segundo Hitler, o fato de muitos holandeses terem experiência colonial, mostrando-se bons marinheiros, fazia com que eles facilmente pudessem ser convertidos ao “espírito soldadesco” dos alemães no Leste (HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 119). 163 KÜNZEL, Germanic Brothers: The Dutch and the germanization…, p. 95. 164 Ver BARANOWSKI, Império nazista…, p. 325.

Capítulo 2. O imperialismo na África 165 Na Europa Ocidental, geralmente não houve uma postura muito brutal contra os trabalhadores locais, mas sim uma subordinação econômica comandada por um pequeno número de administradores alemães. Conforme escreveu o historiador Mark Mazower, sobre a presença alemã na França no final de 1941: “Na realidade, aquilo se parecia bastante com o que Hitler reclamava – o domínio britânico na Índia” (MAZOWER, O império de Hitler..., p. 292). 166 O memorando de Rosenberg a Hitler, datado de 16 de março de 1942, pode ser encontrado integralmente, na versão original em alemão, em: INTERNA- TIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XXV, p. 98. A versão traduzida para o inglês está disponível em: OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Agression, Suplement A, p. 335, 336. 167 Em seu Plano Geral para o Leste, de junho de 1942, Meyer recomendou “o emprego, num padrão colonial, de prisioneiros de guerra e da força-de-trabalho racialmente estrangeira”. MEYER, Konrad. Generalplan Ost. Rechtliche, wirtschaftliche und räumliche Grundlagen des Ostaufbaues, Juni 1942. Original em: Bundesarchiv de Berlim, R 49/157a. Disponível em: . Acesso em: mar. 2016. Ver p. 53; ver também p. 40. 168 KERSHAW, Hitler, p. 696. 169 Citado por REITLINGER, The house built on sand…, p. 176; por FRITZSCHE, Peter. Life and death in the Third Reich. Cambridge, Londres: The Belknap Press of Harvard University Press, 2008, p. 154, e citado por CRAIG, Gordon A. Germany 1866-1945. Nova York: Oxrford University Press, 1981, p. 744, 45. É interessante Hitler ter declarado isso a Theodor Oberländer, na época um espe- cialista agrário e populacional da “Pesquisa para o Leste” nazista; no pós-guerra, Oberländer tornar-se-ia deputado e ministro da República Federal da Alemanha.

174 170 Koch defendeu isso num decreto de 22 de novembro de 1941. É o que consta num memorando datado de 19 de agosto de 1942, escrito por um funcionário do ministro Rosenberg, já mencionado anteriormente (OFFICE OF THE UNI- TED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression, volume VIII, p. 55). Essa – e outras – declarações racistas de Koch ainda foram reproduzidas pelo ministro Rosenberg, no memorando a Hitler de 16 de março de 1942, como testemunho da excessiva brutalidade usada no Leste (INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XXV, p. 97, 98). Na bibliografia, essa declaração de Koch é citada por HORVITZ, Leslie Alan; CATHERWOOD, Christopher. Encyclopedia of war crimes and genocide. Nova York: Facts on File, 2006, p. 268, e citada por DALLIN, Alexander. German rule in Russia, 1941-45: a study of occupation policies. Londres: Macmillan, 1957, p. 138; ver ainda p. 140. 171 Citado por REITLINGER, The house built on sand…, p. 162, e por BERKHOFF, Karel C. Harvest of despair: life and death in Ukraine under nazi rule. Cambrid- ge; Londres: Belknap Press of Harvard University Press, 2004, p. 37. Quanto às declarações de Koch menosprezando os ucranianos como “negros”, ver ainda BARANOWSKY, Império Nazista..., p. 304, e MAZOWER, O império de Hitler, p. 200, 525. 172 LOWER, Nazi Empire-building…, p. 109. Ver ainda SANDLER, “Here too lies our Lebensraum”..., p. 158. 173 LOWER, Nazi Empire-building…, p. 19. 174 Um jornalista desconhecido, usando o pseudônimo “P. Poltava”, escreveu isso no panfleto O conceito de uma Ucrânia independente e as atuais tendências políticas no mundo, publicado em 1947 na Ucrânia e republicado em 1948, 1951 e 1959 na Alemanha. Tal artigo foi reproduzido, integralmente, na coletânea de documentos POTICHNYJ, Peter J.; SHTENDERA, Yevhen (Eds.). Political thought of the Ukrainian underground, 1943-1951, p. 175-222. O que foi citado aqui, p. 186, 187. 175 Frank declarou isso numa reunião em 3 de outubro de 1939, em Posen, resumindo as diretrizes passadas a ele por Hitler para a administração do Governo-Geral da Polônia (INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. III, p. 577, e vol. V, p. 77). Na bibliografia, tal passagem foi citada por SHIRER, Ascensão e queda do Terceiro Reich, vol. 4, p. 21. 176 Apud MAZOWER, Império nazista..., p. 118. Hitler também mencionou os métodos franceses na Tunísia como um modelo para a administração alemã, como mostrado por SCHWARTZ, Ethnische “Säuberungen” in der Moderne..., p. 231, 232.

175 177 Trata-se da ata de uma reunião no Ministério da Justiça nazista em 6 de agosto de 1940. Original em: OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression, v. VIII, p. 213. 178 Ver KUNDRUS, Birthe. Continuities, parallels, receptions. Reflections on the “colonization” of National Socialism. Journal of Namibian Studies, vol. 4, p. 40, 2008. 179 MANVELL; FRAENKEL, Himmler, p. 34. 180 Apud CONRAD, Sebastian. Deutsche Kolonialgeschichte. Munique: C. H. Beck, 2008, p. 104; e apud BURLEIGH, Michael. Die Zeit des Nationalsozialismus. Eine Gesamtdarstellung. Frankfurt am Main: S. Fischer, 2000, p. 515. 181 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 268. 182 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 444. 183 Sobre a manutenção das fazendas coletivas soviéticas, ver LOWER, Nazi Empire- -building…, p. 104, 109; e LAQUEUR, Walter. Russia and Germany: a century of conflict. New Brunswick; Londres: Transaction Publishers, 1990, p. 278, 279. 184 STEINBERG, The Third Reich reflected: german civil administration…, p. 624. 185 Bräutigam escreveu isso num memorando secreto de outubro de 1942, referente aos efeitos do programa de trabalho escravo no Leste. Documento original em: NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. II, p. 412; também mencionado na p. 802. Tal passagem ainda foi citada por SHIRER, Ascensão e queda do Terceiro Reich, vol. 4, p. 16. 186 Apud MINEAU, Operation Barbarossa…, p. 146. 187 Trata-se de um longo e detalhado memorando (já citado antes), escrito por um subordinado do ministro Rosenberg, em dezembro de 1942, onde se resume o que ficou deliberado em várias conferências com os comandantes do Grupo de Exércitos Centro. Documento integral em: OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRI- MINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression, vol. III, p. 950, 956. 188 A expressão “atitude negreira”, para definir a postura da SS (e dos planejadores econômicos de Göring) com relação aos ucranianos, foi empregada por Ernst- -Anton von Krosigk, oficial do Exército alemão, num protocolo escrito de 25 de novembro de 1941 (HASENCLEVER, Wehrmacht und Besatzungspolitik in der Sowjetunion…, p. 291). 189 O comissário-geral para a Crimeia, Alfred Frauenfeld, escreveu isso num Memo- rando sobre os problemas de administração nos Territórios Orientais Ocupados, escrito em Viena em fevereiro de 1944. Documento original em: NUERNBERG MI- LITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. XIII, p. 331.

176 190 A visão marxista-leninista “ortodoxa”, segundo a qual o nazismo era consequên- cia de uma postura imperialista alemã anterior, oriunda da época de Bismarck, naturalmente implicava uma noção de continuidade com a história alemã (SMI- TH, Woodruff D. The ideological origins of nazi imperialism. Nova York: Oxford University Press, 1986, p. 4). O historiador Richard Evans escreveu: “Como um marxista-leninista dogmático, Stálin estava convencido de que Hitler era uma ferramenta do capitalismo monopolista alemão” (EVANS, O Terceiro Reich em guerra, p. 199). Trata-se, claro, de uma visão com muitas limitações, criticada por historiadores ocidentais, inclusive marxistas. 191 Apud OVERY, Richard. Os ditadores: a Rússia de Stalin e a Alemanha de Hitler. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 404. Ver ainda p. 451, 452, 495. 192 O biógrafo de Hitler Joachim Fest cita o depoimento de Kurt Luedecke, que durante um tempo figurou entre os dirigentes do séquito de Hitler. Ele assim descreveu como se sentiu em seu primeiro encontro com o orador Hitler: “Não sei como descrever os sentimentos que me afogaram quando ouvi aquele homem. Suas palavras eram como chicotadas. [...] Ele me pareceu um segundo Lutero” (FEST, Hitler, p. 168). De acordo com relato de Albert Speer, o próprio Hitler gostava de associar sua figura à de Lutero (SPEER, Inside the Third Reich, p. 65). 193 Joachim Fest assim diferenciou as duas ideologias totalitárias: “Se o comunismo proclamava a utopia de uma sociedade igualitária, o nacional-socialismo lhe contrapunha a utopia de uma sociedade hierarquizada com método; apenas o predomínio ‘historicamente determinado’ de uma classe era substituído pelo senhorio ‘racialmente determinado’ de uma raça” (FEST, Hitler, p. 768). 194 ARENDT, Origens do totalitarismo, p. 154. É claro que nem todos os alemães haviam tido oportunidade de atuar fora da Europa. Afinal, o Império Austro-Húngaro (onde Hitler nasceu) não teve colônias ultramarinas. Assim, os alemães da Áustria, anexada em 1938, e dos Sudetos, região da Tchecoslováquia anexada em 1939, eram inexperientes no quesito ultramarino (apesar de episódios isolados, como a participação do Império Austro-Húngaro no combate à Rebelião dos Boxers na China, em 1900-1901). O mesmo se aplica aos alemães que haviam habitado o Império Russo Czarista, outra potência que não teve colônias ultramarinas no padrão ocidental. Por outro lado, é muito provável que alemães da Alsácia-Lorena – região perdida para a França após a Primeira Guerra Mundial, recuperada em 1940 – tenham visitado colônias francesas e mesmo servido nelas. 195 Sobre o legado ideológico dos antigos nacionalistas alemães, sobretudo os pan- -germanistas, para o conceito nazista de Lebensraum (espaço vital), p. 83-105, e sobre o legado deixado pelo imperialismo alemão na África, p. 113 e ss, ambos em SMITH, The ideological origins of nazi imperialism. Segundo o biógrafo Joachim Fest, o objetivo de Hitler era “retomar a fase imperialista da evolução alemã, que

177 se frustrara, e, como retardatário da história, obter o prêmio mais alto possível, a supremacia na Europa, assegurada por uma vasta expansão para o leste...” (FEST, Hitler, p. 846). 196 LIULEVICIUS, Vejas Gabriel. War land on the Eastern Front: culture, national identity, and german occupation in World War I. Cambridge: Cambridge Uni- versity Press, 2000, p. 77, 78. 197 LIULEVICIUS, War land on the Eastern Front…, p. 240. Sobre a percepção, entre os militares alemães da Primeira Guerra Mundial, do Império Russo ocupado como uma zona colonial, ver também p. 59, 78, 95, 96, 239, 198 MAZOWER, O império de Hitler..., p. 655. 199 Ver o depoimento de Ritter nos Julgamentos Subsequentes de Nuremberg, em: NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. XIII, p. 17, 18. 200 Ver HILDEBRAND, Vom Reich zum Weltreich…, p. 99. 201 Durante seu julgamento pelo Tribunal de Nuremberg, Göring foi questionado a dar “um pequeno resumo de sua vida até o início da Primeira Guerra Mun- dial”. Ele, então, identificou “uns poucos pontos que foram significativos com relação a meu posterior desenvolvimento: a posição de meu pai como primeiro governador da África Sudoeste; suas conexões naquela época, especialmente com os dois estadistas britânicos, Cecil Rhodes e o Chamberlain mais velho [Joseph Chamberlain]. Então, a forte ligação de meu pai com Bismarck...” (INTERNA- TIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. IX, p. 236). 202 Uma análise interessante sobre as origens de Darré e sua participação na Escola Colonial de Witzenhausen foi feita por Karl Hildebrand, em Vom Reich zum Weltreich..., p. 325-329. 203 LOWER, Nazi Empire-building…, p. 26. 204 Sobre a atuação de Schulz-Kampfhenkel durante a Segunda Guerra Mundial, ver FLACHOWSKY, Soren; STOECKER, Holger (Orgs.). Vom Amazonas an die Ostfront: der Expeditionsreisende und Geograph Otto Schulz-Kampfhenkel (1910-1989). Colônia: Bohlau Verlag, 2011, p. 240. Schulz-Kampfhenkel relatou suas experiências no livro de memórias Na selva africana como coletor de animais e caçador (Im afrikanischen Dschungel als Tierfänger und Urwaldjäger), sendo que esse livro acabou recomendado aos comissários nazistas na Ucrânia. 205 FRIEDRICHSMEYER, Sara L.; LENNOX, Sara; ZANTOP, Susanne. Introduction. In: FRIEDRICHSMEYER, Sara L.; LENNOX, Sara; ZAN- TOP, Susanne (Eds.). The imperialist imagination: german colonialism and its legacy. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2011, p. 24. 206 Sabine Hake assim definiu a função doutrinária do filme Carl Peters: “O filme é longo para mostrar Peters como um homem além de seu tempo, um homem cuja

178 missão só poderia ser completada pelos nazis na busca agressiva por Lebensraum [espaço vital] na Europa Oriental” (HAKE, Sabine. Mapping the native body: On Africa and the colonial film in the Third Reich. In: FRIEDRICHSMEYER, Sara; LENNOX, Sara; ZANTO, Susanne (Eds.). The imperialist imagination: german colonialism and its legacy. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2011, p. 180). O filme pode ser facilmente encontrado na internet. 207 Ver ZIMMERER, Jürgen. In service of Empire: geographers at Berlin’s University between Colonial Studies and Ostforschung (Eastern Research). In: GIACCA- RIA, Paolo; MINCA, Claudio (Eds.). Hitler’s geographies: the spatialities of the Third Reich. Chicago; Londres: The University of Chicago Press, 2016, p. 83-85. Sobre as tendências nazistas de Penck, ver também MOSES, Dirk; STONE, Dan. Colonialism and genocide. Londres; Nova York: Routledge, 2007, p. 120. 208 FRENSSEN, Gustav. Peter Moor’s journey to Southwest Africa: a narrative of the German campaign. Boston; Nova York: Houghton Mifflin, 1908, p. 233, 234. 209 Sobre a carreira de Hans Grimm, ver sobretudo SMITH, The ideological origins of nazi imperialism, p. 223, 224, 225. 210 Sobre a Escola Colonial para Mulheres de Rendsburg, ver SANDLER, “Here too lies our Lebensraum”..., p. 160-161. Uma narrativa pertinente sobre profes- soras, enfermeiras, secretárias e esposas que aceitaram a oportunidade de ir para o Leste pode ser encontrada em: LOWER, Wendy. As mulheres do nazismo. Rio de Janeiro: Rocco, 2014, p. 51-88. 211 Apud SANDLER, Willeke Hannah. “Colonizers are born, not made”: creating a colonialist identity in nazi Germany, 1933-1945. Tese (Doutorado em Filosofia), Departamento de História da Universidade Duke, Durham, 2012, p. 436-441. 212 Apud GORDON, Robert J. Hiding in full view: the “forgotten” Bushman geno- cides of Namibia. Genocide Studies and Prevention: An International Journal, v. 4, p. 48, 2009. Tal artigo analisa com profundidade a figura de Bonn, inclusive seu manuscrito sobre o colonialismo nazi. A passagem citada ainda pode ser encon- trada em OLUSOGA, David; ERICHSEN, Casper W. The Kaiser’s Holocaust: Germany’s Forgotten Genocide. Londres: Faber and Faber, 2010, p. 329. 213 Ver MADLEY, Benjamin. From Africa to Auschwitz: how German South West Africa incubated ideas and methods adopted and developed by the Nazis in Eastern Europe. European History Quarterly, vol. 35, p. 450, 2005. 214 Ver ZIMMERER, Jürgen. Colonialism and the Holocaust. Towards an ar- cheology of genocide. In: MOSES, Dirk A. (Ed.). Genocide and settler society: frontier violence and stolen indigenous children in Australian history. Nova York: Berghahn, 2004, p. 56. 215 Em O nazismo como colonização da sociedade, um capítulo de sua tese Capítulos sobre a história do século XX, Luiz Dario Ribeiro também reconhece tal seme- lhança entre a discriminação realizada nas antigas colônias alemãs – sobretudo as

179 da África – e a perseguição nazista de opositores políticos, através de campos de concentração: “Podemos dizer que o nazismo alemão, enquanto visão política e de mundo, representava uma radicalização e um transbordamento das posições do imperialismo capitalista. [...] O modelo de sociedade que se organizava na Alemanha, a partir de 1933, era baseado no modelo de uma sociedade colonial, na qual a raça superior – os alemães – era o grupo dominante. [...] Essa colonização, por um lado, correspondia às práticas do imperialismo adotadas na Ásia e, prin- cipalmente, na África, a partir do final do século XIX” (RIBEIRO, Luiz Dario Teixeira. Capítulos sobre a história do século XX. Tese de Doutorado em História, UFRGS, Porto Alegre, 2013, p. 56, 65, 66). 216 Depoimento em: NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals…, vol. V, p. 470. 217 HITLER, Minha luta, p. 329, 330. 218 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 526. Em fevereiro de 1942, ele assim repudiou a forma como os imperialistas alemães haviam agido: “Assim que dominamos uma colônia instalamos creches para as crianças, hospitais para os nativos. Tudo isso me enche de raiva. Mulheres brancas se degradando a serviço dos negros!” (Hitler’s Table Talk..., p. 242; ver também p. 38). Em Minha luta, Hitler já havia critica- do as missões de católicos e protestantes na África, enfatizando que o islamismo fora muito mais bem sucedido em suas tentativas de conversão (p. 198). Alfred Rosenberg, em O mito do século XX, também repudiou os religiosos alemães que haviam atuado em missões fora do continente (ROSENBERG, Der Mythus des 20. Jahrhunderts..., p. 12). 219 Ver BARANOWSKI, Império Nazista..., p. 69, 70. 220 A semelhança entre a postura do escritor colonial Paul Rohrbach e a postura dos nazistas na URSS, em termos de exploração de mão de obra, bem como a seme- lhança entre os “recrutamentos” nazistas e os realizados pelos belgas no Congo, foram identificadas por David Olusoga e Casper Erichsen, na obra The Kaiser’s Holocaust: Germany’s Forgotten Genocide, p. 327, 339, 341. 221 Quanto à colaboração de empresas alemãs com o regime nazista, ver o caso da Krupp, que recebeu um julgamento próprio nos Tribunais Subsequentes de Nuremberg (NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. IX, p. 21). Quanto à estrutura da economia alemã durante a guerra, e a forma como essas grandes empresas se beneficiaram, por exemplo, através da utilização de trabalho escravo, ver EVANS, O Terceiro Reich em Guerra, p. 394, 396, 404, 417. 222 Ver HILDEBRAND, Vom Reich zum Weltreich…, p. 769, 770. 223 Sobre Hugenberg, e a fundação da Liga Pan-Germanista, ver SMITH, The ideological origins of nazi imperialism, p. 91-100. 224 BARANOWSKI, Império Nazista..., p. 183.

180 225 LONGERICH, Himmler, p. 25, 34. 226 LOWER, Nazi Empire-building…, p. 27, 28. 227 BESSEL, Nazismo e guerra, p. 136. 228 Referente à visão nazista, nos anos 1930, sobre as diferentes colônias alemãs confiscadas pelo Tratado de Versalhes, ver o artigo A questão colonial, escrito pelo general Franz Ritter von Epp, em: RIBBENTROP, Joachim von (Org.). Germany speaks by 21 Leading Members of Party and State. Londres: Butterworth, 1938, p. 293-311. Nesse artigo, fica claro que, economicamente, as colônias na África haviam sido as mais importantes do Império Alemão. 229 Sobre o planejamento colonial nazista após a queda da França, e seu abandono com o início da guerra nazi-soviética, ver MAZOWER, O império de Hitler..., p. 161-163. Da mesma forma, Klaus Hildebrand escreve sobre o período 1941-1943 com o título O fim dos planejamentos e discussões coloniais (HILDEBRAND, Vom Reich zum Weltreich…, p. 711-741). 230 Trata-se de um memorando secreto, datado de 18 de novembro de 1941, de uma reunião em Berlim em que Göring expôs a organização econômica dos territórios soviéticos recém-ocupados. Sem dúvida, um dos documentos mais completos (entre os que sobreviveram à guerra) sobre as metas econômicas da Operação Barbarossa. Documento original integral, em alemão, em: UEBERSCHÄR,“Unternehmen Barbarossa”..., p. 387-391. Versão do documento em inglês em: NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. XIII, p. 854-856. Na bibliografia, tal memorando é citado por BESSEL, Nazismo e guerra, p. 118, e por HASENCLEVER, Wehrmacht und Besatzungspolitik in der Sowjetunion…, p. 295. 231 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 472. 232 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 523. 233 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 469 234 Apud HILDEBRAND, Vom Reich zum Weltreich…, p. 716, 717. 235 Sobre os planos de Hitler para a nova rede de transportes, incluindo o rio Danúbio, ver HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 10, 11, 152, 336, 337, 435, 436, 502, 546. Ver ainda MAZOWER, Império nazista..., p. 172, 173. 236 BARANOWSKI, Império nazista..., p. 163. 237 Citado pelo próprio Abetz em sua obra Das offene Problem; ein Ruckblick auf zwei Jahrzehnte deutscher Frankreichpolitik. Colônia: Greven, 1951, p. 219. Hitler teria dito isso em janeiro de 1942. 238 Alguns nazistas defendiam a restauração das colônias africanas alemãs, ou a for- mação de uma “Euro-Afrika” comandada por Berlim como um bloco unificado, ou mesmo uma nova África Central exclusivamente alemã. Hitler, contudo, tinha pouco interesse pelo ultramar. Ele preferia se focar na “extraordinária oportuni-

181 dade de matérias-primas do espaço-oriental” (HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 124). 239 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 302. 240 O cultivo da planta kog-sagiz, ou kok-sagy, foi ambicionado sobretudo por Hein- rich Himmler, e parcialmente realizado em algumas regiões da Bielorrússia, mas com resultados desapontadores (LONGERICH, Himmler, p. 688, 89). 241 Apud KERSHAW, Hitler, p. 748. 242 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 72. 243 Apud BERKHOFF, Karel. Hitler’s clean slate: everyday life in the Reichskom- misariat Ukraine, 1941-1944. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidade de Toronto, Toronto, 1998, p. 505. 244 Apesar de Hitler mencionar pouco a escravidão dos negros nos Estados Unidos, pode-se dizer que aprovava sua essência. Segundo o depoimento pouco confiável de Hermann Rauschning, Hitler lamentou, numa conversa em junho de 1933, o fato de os sulistas terem sido derrotados na Guerra Civil Americana, o que levou à “libertação dos negros nos estados do sul”, desencadeando um período “de decadência política e popular” nos EUA (RAUSCHNING, The voice of destruction, p. 68, 69). Opinião similar foi exposta por Hitler num monólogo de 2 de setembro de 1942, que se encontra em Conversas à mesa. Hitler criticou o fato de a Grã-Bretanha não ter apoiado os estados do sul na Guerra Civil Americana (Guerra da Secessão). Repudiou, inclusive, o presidente americano Abraham Lincoln, que na época liderava os estados do norte e defendia a abolição da es- cravidão (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 518) Na bibliografia, tal opinião de Hitler é mencionada por Gerhard L. Weinberg e ainda por Robert Gellately, que escreveu: “Nos anos 1930, [Hitler] passou a ver os Estados Unidos como fracos porque seus líderes vinham do ‘lado errado’ da Guerra Civil Americana. Disse que havia miscigenação em excesso – o que, no seu dicionário, significava degeneração e declínio –, de forma que a América havia se transformado numa ‘sociedade mestiça’” (GELLATELY, Lênin, Stálin e Hitler..., p. 408). 245 Ver GRILL, Johnpeter Horst; JENKINS, Robert L. The nazis and the American South in the 1930s: a mirror image? The Journal of Southern History, vol. 58, n. 4, p. 670, 674, 675, 688, 689, 1992. 246 Usando o pseudônimo “I. M. Kovalenko”, Hryniokh escreveu isso no panfleto Os objetivos e métodos da política imperialista alemã no território ocupado. Tal panfleto foi reproduzido, integralmente, na coletânea de documentos POTICHNYJ, Peter J.; SHTENDERA, Yevhen (Eds.). Political thought of the Ukrainian underground, 1943-1951, p. 31-52. Aqui p. 32, 45, 47, 48. 247 Quanto ao costume nazista de designar alguns eslavos como “hilotas”, ver MA- ZOWER, O império de Hitler..., p. 261, 302. Tal expressão também foi utilizada por estudiosos. Num artigo sobre as metas da política externa hitlerista, por

182 exemplo, Hugh Trevor-Roper escreveu que os eslavos seriam transformados numa “classe de hilotas”, ou seja, Heloten-Klasse (Hitlers Kriegsziele. Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, vol. 8, n. 2, p. 131). Da mesma forma, o biógrafo Joachim Fest escreveu que os russos seriam mantidos pelos alemães como um “povo de hilotas” (Helotenvolk) (FEST, Joachim C. Hitler: eine Biographie. Berlin: Ullstein, 2010, p. 965; infelizmente, tal expressão não foi corretamente traduzida para a versão em português do livro). Ver ainda HASENCLEVER, Wehrmacht und Besatzun- gspolitik in der Sowjetunion…, p. 40. Quanto ao fato de Hitler dizer se inspirar na escravidão praticada por Roma, ver KERSHAW, Hitler, p. 696. Segundo Hermann Rauschning, Hitler disse que as “raças estrangeiras subjugadas” tornar- -se-iam a “quieta versão moderna dos escravos”, enquanto os alemães seriam “a nova aristocracia superior”, capaz de reconduzir o continente à sua forma original pré-cristã (RAUSCHNING, Voice of Destruction, p. 41). 248 A crença de Hitler de que os gregos dóricos (sobretudo os espartanos) tinham origem germânica, foi mencionada por Albert Speer em suas memórias pós-guerra (SPEER, Inside the Third Reich..., p. 97). Sobre a admiração por Esparta, no regime nazista, ver ainda o artigo de ROCHE, Helen. Spartanische Pimpfe: the importance of Sparta in the educacional ideology of the Adolf Hitler Schools. In: HODKINSON, Stephen; MORRIS, Ian Macgregor (Eds.). Sparta in modern thought. Politics, history and culture. Swansea: Classical Press of Wales, 2012, p. 315-42. 249 HÜRTER, “Es herrschen Sitten und Gebräuche, genauso wie im 30-jährigen Krieg”…, p. 367. Na bibliografia, tal passagem é citada por EVANS, O Terceiro Reich em guerra, p. 133. 250 Em 1940, numa reunião no Ministério da Justiça nazista, já mencionada antes, em que se decidiu que a lei alemã não poderia ser aplicada aos poloneses, um dos presentes argumentou que “em Roma uma lei especial (jus civile) vigorava para os cidadãos, uma lei subsidiária para os coloniais e nenhuma lei para os escravos” (OFFICE OF THE UNITED STATES CHIEF OF COUNSEL FOR PROSECUTION OF AXIS CRIMINALITY, Nazi Conspiracy and Aggression, v. VIII, p. 213). Tratava-se de um precedente para a forma como os poloneses seriam juridicamente rebaixados, sob domínio alemão. 251 A sentença de Musmanno está em NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. II, p. 798, 799. 252 Numa conversa que supostamente teve com Hitler em 1934, Hermann Raus- chning, após escutar as críticas do ditador ao liberalismo e seu elogio à nobreza da Idade Média, teria declarado: “Mas isso significa o estabelecimento de uma nova ordem feudal” (RAUSCHNING, Voice of Destruction, p. 231). Rosenberg, conhecido por sua postura moderada com os eslavos, não queria escravizá-los, e sim

183 submetê-los a uma espécie de feudalismo, baseado no “código de honra nórdico” (ver WHISKER, James Biser. The philosophy of Alfred Rosenberg: origins of the national socialist myth. Costa Mesa: Noontide, 1990, p. 9 e 10). Em setembro de 1941, Hitler chegou a declarar que o sistema soviético – que seria parcialmente preservado no pós-guerra – era “um tipo de regime feudal, em benefício do Es- tado” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 27, 28). 253 ARENDT, Origens do totalitarismo, p. 215: “Dois novos mecanismos de organi- zação política e de domínio dos povos estrangeiros foram descobertos durante as primeiras décadas do imperialismo. Um foi a raça como princípio da estrutura política; o outro, a burocracia como princípio do domínio no exterior. [...] Ambas as descobertas foram realizadas no Continente Negro. A raça foi uma tentativa de explicar a existência de seres humanos que estavam à margem da compreensão dos europeus, e cujas formas e feições de tal forma assustavam e humilhavam os homens brancos, imigrantes ou conquistadores, que eles não desejavam mais pertencer à mesma comum espécie humana.” O mesmo foi defendido por Celso Lafer, em A reconstrução dos direitos humanos. Ele assim resumiu o que Arendt escreveu em Origens do totalitarismo: “De fato, de acordo com a reflexão arendtiana, o imperialismo moderno – enquanto o processo político-econômico de exportação para o resto do mundo do capital supérfluo na Europa, administrado através da dominação imperial – provocou: (I) com o racismo, a perda do senso de realidade dos europeus no contato com outros povos – uma perda que gerou insensibilida- des que propiciaram o advento do genocídio; (II) com o expansionismo, a vocação para a dominação global do totalitarismo; e (III) com a burocracia colonial, uma solução administrativa para a ubiquidade da gestão imperial, que iria prefigurar o alcance da arbitrariedade do totalitarismo (LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 105). 254 Sobre as diferenças entre as colônias alemãs, ver CONRAD, Deutsche Kolonialges- chichte, p. 28 e ss. Segundo Conrad, a África Sudoeste Alemã (atual Namíbia) – a primeira colônia – foi a única usada para povoamento alemão, com 70% da terra confiscada pelo governo. Togo foi, sobretudo, uma colônia comercial. As colônias na Oceania – Nova Guiné e Samoa – representaram, basicamente, “projetos de prestígio” quase sem importância militar ou econômica. Kiauchau, na China, foi uma colônia comercial, mas também serviu para experiências de planejamento urbano. 255 Para um histórico resumido do império colonial alemão, ver CRAIG, Germany 1866-1945, p. 116-124; 239-247. 256 KLEMM, Gustav. Allgemeine Kultur-Geschichte der Menschheit. Vierter Band: Die Urzustande der Berg- u. Wustenvolker der activen Menschheit und deren Verbreitung uber die Erde. Leipzig: Teubner, 1845, p. 252. Na bibliografia, citado

184 por POLIAKOV, Leon. O mito ariano: ensaio sobre as fontes do racismo e dos nacionalismos. São Paulo: Perspectiva; Ed. da Universidade de São Paulo, 1974, p. 237, 38. 257 KOPP, Germany’s wild east… p. 14, 77, 78. 258 VERNEY, Frances Parthenope. How the peasant owner lives in parts of France, Germany, , Russia. Londres; Nova York: Macmillan and Co., 1888, p. 110. 259 METRESS, Seamus. British racism and its impact on anglo-irish relations. In: REYNOLDS, Larry; LIEBERMAN, Leonard (Eds.). Race and other misad- ventures: essays in honor of Ashley Montagu in his ninetieth year. Dix Hills: General Hall, 1996, p. 56. 260 Ver HOBSBAWM, Eric J. Sobre história: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 233-237. Em A Era dos Impérios, Hobsbawm ainda mostrou como a linguagem coloquial de países europeus absorveu palavras oriundas da experiência colonial, resultando em gírias: “Os operários italianos chamavam os fura-greves de crumiri (nome de uma tribo do Norte da África) e os políticos italianos chamavam as legiões de dóceis eleitores sulistas, levados às urnas pelos chefes locais, de ascari (tropas coloniais nativas). Caciques, os chefes índios do império espanhol da América, tornaram-se sinônimo de qualquer chefe político; caids (chefe indígena da África do Norte) foi o termo aplicado a líderes de gangues criminosas na França” (HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios: 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 129). 261 ZIMMERMANN, Karl. Die geistigen Grundlagen des Nationalsozialismus. Lei- pzig: Quelle & Meyer, 1933, p. 74. Na bibliografia, tal trecho foi reproduzido na compilação de documentos nazistas HOFER, Walther. Der Nationalsozia- lismus: Dokumente 1933-1945. Frankfurt am Main: Fischer Bucherei, 1957, p. 33, e citado em GLASER, Das Dritte Reich…, p. 37. 262 HITLER, Minha luta, p. 329. 263 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 57. 264 HITLER, The complete Hitler…, p. 2676. 265 HITLER, The complete Hitler…, p. 2493. Discurso de Hitler em 3 de outubro de 1941, no Sportpalast de Berlim, organizado por Goebbels. 266 Apud EVANS, O terceiro Reich em guerra, p. 231. Sobre a comparação entre eslavos e negros, na correspondência dos militares alemães lutando no Leste, ver também KIPP, Michaela. “Großreinemachen im Osten”: Feindbilder in deutschen Feldpostbriefen im Zweiten Weltkrieg. Frankfurt am Main: Campus Verlag, 2014, p. 123. 267 Sobre o uso da expressão pejorativa “negros brancos”, ver LOWER, Nazi Empire-building..., p. 109, 195; e VOLKMANN, Hans Erich. Das Russlandbild im Dritten Reich. Colônia: Bohlau, 1994. p. 154.

185 268 A historiadora americana Nancy Reagin abordou a forma como etnologistas nazistas, além de esposas de colonos e militares alemães, desprezavam as casas eslavas como locais de sujeira, miséria, desordem e doenças: “O vocabulário usado para descrever as casas eslavas (fossem romenas, russas ou polonesas), contudo, era claramente reminiscente das representações feitas sobre as casas [dos negros] na África Sudoeste [colônia alemã] [...] Como na África, as esposas alemãs e o cuidado com suas casas na Europa Oriental (especialmente seu alegado gosto por ordem e por lençóis brancos, cortinas e assim por diante) foram usados para definir a identidade e a superioridade alemãs” (REAGIN, Nancy R. German brigadoon? Domesticity and metropolitan perceptions of ethnic Germans in Eastern Europe during the interwar period. In: O’DONNELL, Krista; BRIDENTHAL, Renate; REAGIN, Nancy (Eds.). The Heimat abroad: the boundaries of Germanness. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2005, p. 255, 256). 269 DEGRELLE, Campaign in Russia…, p. 20, 114. 270 DER REICHSFÜHRER SS, SS-HAUPTAMT. Der Untermensch. Berlim: Nordland Verlag, 1942, p. 34. 271 ARENDT, Origens do totalitarismo, p. 222, 223, 224. 272 OLUSOGA; ERICHSEN, The Kaiser’s Holocaust…, p. 140. 273 Ver POLIAKOV, O mito ariano..., p. 97, 145, 148, 150, 157, 154, 223, 225, 229. Norberto Bobbio assinala que Hegel considerava o negro como o “homem no Estado bruto”, “o homem natural na sua total barbárie e ausência de freios”, afir- mando que na África, região que “não tem propriamente uma história”, podiam-se encontrar “manifestações espantosas da natureza humana” (BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 152). 274 Hitler, Minha luta, p. 306. 275 Hitler, Minha luta, p. 292. 276 ROSENBERG, Der Mythus des 20. Jahrhunderts…, p. 103 e 104. 277 STODDARD, Lothrop. Bolshevism: the heresy of the under-man. The Century Magazine, Nova York, v. 98, n. 2, p. 237, 1919. 278 STODDARD, Lothrop. The revolt against civilization: the menace of the under- -man. Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1922, p. 137, 138. Entre os nazistas, também se acusou a arte “degenerada” expressionista de imitar a arte africana, algo visto como insulto ao ideal racial ariano. Ver KAISER, Fritz. Entartete Kunst Ausstellungsführer. Berlim: Verlag für Kultur- und Wirtschaftswerbung, 1937, p. 6 e 7. 279 ROSENBERG, Alfred. Pest in Russland; der bolschewismus, seine haupter, handlanger und opfer. Munique: Franz Eher, 1937, p. 7. 280 GOEBBELS, Joseph. Goebbels – Reden. Bd. 2. 1939-1945. Editado por Helmut Heiber. Düsseldorf: Droste Verlag, 1971, p. 450, 451.

186 281 Ver BARANOWSKI, Império Nazista..., p. 104, 105. 282 HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 68. 283 Usando o pseudônimo “I. M. Kovalenko”, Hryniokh escreveu isso no panfleto Os objetivos e métodos da política imperialista alemã no território ocupado, já citado antes (POTICHNYJ, Peter J.; SHTENDERA, Yevhen (Eds.). Political thought of the Ukrainian underground, 1943-1951, p. 43). 284 DEGRELLE, Campaign in Russia..., p. 111, 151. 285 DEGRELLE, Campaign in Russia..., p. 81, 135. 286 A versão integral, em alemão, do discurso de Himmler em Posen, 4 de outubro de 1943, está em INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XXIX, p. 110-173. Aqui p. 115. 287 HITLER, Minha luta, p. 306, 324. 288 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 27. 289 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 5. 290 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 28. 291 Apud KERSHAW, Hitler, p. 554. 292 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 122. 293 Sobre os turcos como “europeus” e “arianos”, ver o livreto O sub-humano, da SS (DER REICHSFÜHRER SS, SS-HAUPTAMT. Der Untermensch. Berlim: Nordland Verlag, 1942, p. 29). 294 GOEBBELS, Joseph. Diário – últimas anotações, 1945. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978, p. 190.

Capítulo 3. O desbravamento dos Estados Unidos 295 No planejamento nazista, houve uma diferença clara entre o que aconteceria nas zonas a serem apenas exploradas economicamente e aquelas que seriam povoadas. Isso pode ser observado num memorando secreto, datado de 18 de novembro de 1941, de uma reunião onde Göring expôs a organização do espaço soviético. Lê-se: “A longo prazo, os territórios orientais recém-ocupados serão explorados sob um ponto de vista colonial, e com métodos coloniais. As únicas exceções são aquelas partes do [comissariado] Ostland que estão designadas para germanização, segundo ordens do Führer” (NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals…, vol. XIV, p. 722). Portanto, as zonas a serem povoadas não seriam exploradas, a longo prazo, com uma rapacidade colonial, apesar de, a curto prazo, também deverem servir ao esforço de guerra alemão. 296 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 54, 221.

187 297 HITLER, Minha luta, p. 500. Ver também p. 100-106, 350, 480-484. 298 HITLER, Minha luta, p. 296. 299 A influência dos Estados Unidos para Hitler foi mencionada, entre seus biógra- fos, por Joachim Fest: “Referindo-se ao exemplo dado pelos Estados Unidos, [Hitler] relembrava sem cessar que só a conquista de um continente pela guerra devia ser levada em consideração” (FEST, Hitler, p. 235). Da mesma forma, a historiadora Shelley Baranowski assim escreveu sobre a ideologia nazista nos anos 1920: “Como argumentaria anos mais tarde, Hitler afirmava que a colonização dos Estados Unidos, com suas dimensões continentais, era o modelo mais próximo da combinação de vasto mercado interno, prosperidade material e reprodução biológica que o Lebensraum ofereceria à Alemanha” (BARANOWSKI, Império nazista..., p. 157; ver também p. 75 e 76). Ainda em Minha luta, Hitler sugerira que a Alemanha deveria “atingir a grandeza geográfica da União Americana” (p. 482). 300 HITLER, Adolf; BORMANN, Martin. The testament of Adolf Hitler; the Hitler- -Bormann documents, February-April 1945. Londres: Cassell, 1961, p. 43, 44. A grande questão é que na Austrália, segundo Hitler, havia apenas um número pequeno de europeus que, pela fraqueza demográfica, corriam o risco de serem demograficamente sobrepujados por povos asiáticos (p. 46, 47). 301 Segundo Hitler, as “condições climáticas” das colônias alemãs, sobretudo na África, haviam impossibilitado um povoamento europeu em grande número (HITLER, Hitler’s Second Book..., p. 79). Em 1937, numa reunião com mili- tares na Chancelaria do Reich, ele reiterou que não planejava povoações alemãs fora da Europa: “O objetivo da política nazista é preservar a massa racial alemã e aumentá-la. Trata-se de uma questão de espaço. [...] Então, se nós encararmos nossa segurança alimentar como a principal questão, o espaço necessário para isso só poderá ser buscado na Europa, e não, como na visão liberal-capitalista, na exploração de colônias [ultramarinas]” (HITLER, The complete Hitler…, p. 964-966). 302 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 536. 303 HITLER, Hitler’s Second Book…, p. 101, 102, 105. Hitler escreveu algo simi- lar em Minha Luta. Segundo ele, na época em que morou em Viena, até 1913, passando por dificuldades econômicas, ele tivera os emigrantes que iam para o Novo Mundo como suas referências de empreendedorismo e perseverança: “Colocava-me, por isso, no ponto de vista daqueles que sacodem dos pés a poeira da Europa, com o irremovível propósito de, no Novo Mundo, criar uma nova vida, construir uma nova pátria. Libertados de todas as noções até aqui falhas sobre profissão, ambiente e tradições, pegam-se a todo ganho que se lhes oferece, agarram-se a todo trabalho, lutando sempre, com a convicção de que nenhuma atividade envergonha, pouco importando de que natureza esta possa ser” (p. 25).

188 304 Sobre a presença alemã nos Estados Unidos, ver MAZOWER, Império nazista..., p. 654, 655. Com soberba, Hitler declarou que os americanos “responsáveis pelo desenvolvimento da engenharia eram quase todos de origem alemã, da Suábia e do Württemberg” (HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 202). Meses antes ele havia declarado que “dois-terços dos engenheiros ame- ricanos são alemães” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 35). 305 Apud KERSHAW, Hitler, p. 685; também citado por FRITZ, Stephen G. Ostkrieg: Hitler’s War of Extermination in the East. Lexington: The University Press of Kentucky, 2011, p. 93. Tal identidade vinha se manifestando desde a invasão da Polônia em 1939. Segundo Richard Evans, os alemães que ocuparam a Polônia “com frequência consideravam-se pioneiros”, enxergando a terra confiscada dos nativos como “um lugar ideal para povoamento colonial” (EVANS, O Terceiro Reich em guerra, p. 61, 63, 64). 306 DER REICHSFÜHRER SS, SS-HAUPTAMT. Der Untermensch. Berlim: Nordland Verlag, 1942, p. 3; ver ainda LOWER, Nazi Empire-building…, p. 19. 307 STEINWEIS, Alan. Eastern Europe and the Notion of the “Frontier” in Ger- many to 1945. Germany and Eastern Europe, Yearbook of European Studies, n. 13, p. 65, 1999. 308 O relatório de Wetzel foi reproduzido integralmente em HEIBER, Helmut. Dokumentation: der Generalplan Ost. Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, v. 6, n. 3, p. 297-324, 1995. Os trechos citados estão nas p. 309 e 321. 309 Sobre a admiração de Ratzel pela ocupação do território americano, ver RATZEL, F. Ubicación y espacio. In: RATTENBACH, Augusto B. (Comp.). Antología Geopolítica. 2. ed. Buenos Aires: Pleamar, 1985. p. 31, 45, 50, 51; sob a admiração de Haushofer, ver HAUSHOFER, Karl. Poder y espacio. In: RATTENBA- CH, Augusto B. (Comp.). Antología Geopolítica. 2. ed. Buenos Aires: Pleamar, 1985. p. 86, 89, 91. Sobre a influência das conquistas dos EUA para a geopolítica alemã, sobretudo para Ratzel e Haushofer, ver também MAZOWER, O império de Hitler..., p. 653; e LOWER, Nazi Empire-building…, p. 20, 21. 310 Apud SANDLER, “Here too lies our Lebensraum”…, p. 155. 311 Ver STEINWEIS, Eastern Europe and the notion of the “Frontier”…, p. 61. 312 BLACKBOURN, David. Landschaften der deutschen Geschichte: Aufsatze zum 19. und 20. Jahrhundert. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2016, p. 270. 313 Referindo-se à indústria automobilística americana, Hitler declarou: “Numa perspectiva econômica, devemos seguir apenas o modelo dos EUA” (HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 139). Sobre a admiração hitlerista pelos trens americanos, e a alegação de que estes eram superiores aos trens alemães, ver p. 154. Sobre a admiração de Hitler pelo “desenvolvimento tecnológico-industrial americano, que frequentemente considerava como um

189 exemplo para a Alemanha”, ver LUKACS, O Hitler da história, p. 79, 90. Muitas opiniões de Hitler sobre questões técnicas podem ser encontradas nos escritos de Albert Speer, seu arquiteto preferido, depois nomeado ministro dos Armamentos nazista. Segundo Speer, Hitler se orgulhava de que os Mercedes alemães eram muito superiores aos automóveis americanos, e insistia para que fosse construí- da, em Hamburgo, uma ponte que superasse a Golden Gate de São Francisco (SPEER, Inside the Third Reich, p. 36, 82). 314 Em outubro de 1941, Hitler assim definiu como planejava colonizar o Leste: “Quanto aos dois ou três milhões de pessoas necessárias para realizar tal tarefa, acharemos elas muito mais rápido do que imaginamos. Elas virão da Alemanha, Escandinávia, dos países ocidentais e da América” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 54). Gottlob Berger, chefe do setor auxiliar no Departamento Central da SS, mostrou-se ainda mais ambicioso: “Em termos de alemães étnicos no mundo, ainda temos à disposição: na América do Norte e no Canadá, em torno de 5,5 milhões, na América do Sul 1,2 milhão, na Austrália 77 mil pessoas” (apud LONGERICH, Heinrich Himmler..., p. 506). Em seu Plano Geral para o Leste, de junho de 1942, o especialista da SS Konrad Meyer previu o recrutamento de “160 mil” “alemães do ultramar” para colonizar os territórios orientais ocupados (MEYER, Generalplan Ost..., p. 77). 315 Tal sugestão foi discutida por Erhard Wetzel, em seu relatório de abril de 1942, já mencionado antes (HEIBER, Dokumentation: der Generalplan Ost, p. 308). 316 HILDEBRAND, Vom Reich zum Weltreich…, p. 326, 327. 317 Ver LONGERICH, Himmler, p. 325. 318 KATER, Michael H. Hitler youth. Cambridge, Londres: Harvard University Press, 2004, p. 17, e WISTRICH, Robert S. Who’s who in nazi Germany. Lon- dres; Nova York: Routledge, 2002, p. 222. 319 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 35. 320 Informação trazida por MAZOWER, O império de Hitler, p. 655. 321 Na capa do livro The American West and the Nazi East, de Carrol Kakel, há duas fotos: a primeira mostra um comboio de carroças no Oeste americano, e a segunda, muito parecida, mostra um comboio de carroças no Leste nazista. 322 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 43; citado por KERSHAW, Hitler, p. 685. 323 Discurso de Hitler em 28 de abril de 1939, criticando o presidente americano Franklin Roosevelt (HITLER, The complete Hitler…, p. 1594, 1595). 324 HITLER, Minha luta, p. 212, 213. Hitler explicou a suposta superioridade dos Estados Unidos sobre a América Latina com uma análise racial, que incluía críticas sobre a miscigenação com os índios: “A América do Norte, cuja população, deci- didamente, na sua maior parte, se compõe de elementos germânicos, que só muito pouco se misturaram com povos inferiores e de cor, apresenta outra humanidade e cultura do que a América Central e do Sul, onde os imigrantes, quase todos

190 latinos, se fundiram, em grande número, com os habitantes indígenas. Bastaria esse exemplo para fazer reconhecer clara e distintamente, o efeito da fusão de raças. O germano do continente americano elevou-se até a dominação deste, por se ter conservado mais puro e sem mistura; ali continuará a imperar, enquanto não se deixar vitimar pelo pecado da mistura do sangue.” Nas conversas que alegou ter com Hitler em 1933 e 1934, Hermann Rauschning mencionou o desprezo de Hitler por países latino-americanos como Brasil e México (RAUSCHNING, The voice of destruction, p. 62, 66). É notável que, em julho de 1941, menosprezando a cidade italiana de Nápoles, devido à sujeira e bagunça, Hitler garantiu que ela “poderia ser qualquer lugar na América Latina” (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 11). 325 HITLER, The complete Hitler…, p. 1984. Nos discursos em que criticou a mis- cigenação racial americana, Hitler não mencionou a existência de indígenas; era como se eles já não existissem mais nos Estados Unidos. Ver também HITLER, The complete Hitler…, p. 1254, 2163. 326 Sobre a admiração de Hitler pelos campos de concentração britânicos, ver os comentários de Max Domarus em HITLER, The complete Hitler…, p. 53. Em pelo menos dois discursos públicos transcritos por Domarus, Hitler mencionou que os ingleses haviam inventado os campos de concentração, em 30 de janeiro de 1940 (p. 1930) e em 30 de janeiro de 1941 (p. 2360), ambos no Sporpalast de Berlim, durante as comemorações da “tomada do poder” nazista ocorrida em 30 de janeiro de 1933. 327 Sobre a admiração de Hitler pela forma como o governo americano havia confinado os índios em reservas, e também pelos campos de concentração ingleses usados contra os bôeres, ver TOLAND, John. Adolf Hitler. Nova York: Anchor, 1976, p. 702. 328 WIPPERMANN, Wolfgang. Der “deutsche Drang nach Osten”: Ideologie und Wirklichkeit eines politischen Schlagwortes. Darmstadt: Wissenschaftliche Bu- chgesellschaft, 1981, p. 27. 329 HEFFTER, Moritz Wilhelm. Der Weltkampf der Deutschen und Slaven seit dem ende des funften Jahrhunderts nach Christlicher Zeitrechnung, nach seinem Ursprunge. Hamburgo Gotha: F. und A. Perthes, 1847, p. 462. 330 BLACKBOURN, Landschaften der deutschen Geschichte…, p. 270, 283. 331 WIPPERMANN, Der “deutsche Drang nach Osten”…, p. 93. 332 Hitler usou o termo “guerra de aniquilação” num discurso em 30 de março de 1941, que foi anotado pelo general Franz Halder em seu diário. HALDER, Franz; JACOBSEN, Hans-Adolf. Generaloberst Halder: Kriegstagebuch. 2, Von der geplanten Landung in England bis zum Beginn des Ostfeldzuges: (1.7.1940- 21.6.1941). : W. Kohlhammer, 1963, p. 336. 333 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 321.

191 334 Um dos que reconhecem, parcialmente, essa semelhança entre o exterminismo nazista e o que aconteceu na América foi Dietrich Eichholtz (“Generalplan Ost” zur Versklavung osteuropäischer Völker. “UTOPIE kreativ”, vol. 167, 2004, p. 800). Contudo, como marxista, este autor enfatiza que o papel do “capital” foi diferente no caso do expansionismo nazista. 335 Dados trazidos em EVANS, O Terceiro Reich em guerra, p. 208. Quanto aos planos de Himmler para “dizimar a população soviética em cerca de trinta milhões de pessoas”, ver LONGERICH, Heinrich Himmler, p. 528. 336 Apesar de não fazer qualquer referência a colônias ultramarinas, o historiador Saul Friedländer traça diferenças fundamentais entre a política nazista e a realizada na Primeira Guerra Mundial pela Alemanha do Kaiser Guilherme II. Em seu livro sobre o Holocausto judeu, referindo-se à invasão da Polônia em 1939, afirma: “Seria uma luta não obstruída por ‘entraves legais’, e os métodos usados seriam ‘incompatíveis com nossos princípios’. Nesse ponto essencial, a política de Hitler se afastava radicalmente das metas do expansionismo pan-germânico, amplamente aceitas durante os anos finais do império guilhermino. A Volkstumskampf [luta étnico-racial] não significava a mera vitória militar e o domínio político; ela visava à destruição dos eixos vitais da comunidade nacional e racial inimiga; em outras palavras, ela envolvia o assassinato em massa” (FRIEDLÄNDER, Saul. A Alemanha nazista e os judeus – Vol. II – Os anos de extermínio, 1939-1945. São Paulo: Perspectiva, 2012, p. 41). 337 Göring declarou isso numa reunião em 8 de novembro de 1941, com a presença do ministro Alfred Rosenberg e outros, discutindo a política econômica a ser implantada no Leste. O registro dessa reunião, datado de 13 de novembro, foi transcrito integralmente – na versão original em alemão – por UEBERSCHÄR, Gerd R. “Unternehmen Barbarossa”: der deutsche Überfall auf die Sowjetunion 1941. Berichte, Analysen, Dokumente. Paderborn: Ferdinand Schöningh, 1984, p. 385-386. Na bibliografia, citado por BERKHOFF, Harvest of despair..., p. 168. 338 MAZOWER, O império de Hitler..., p. 270. 339 Ver, sobretudo, DER REICHSFÜHRER SS, SS-HAUPTAMT. SS Leitheft, v. 8, n. 3. Berlim: Der Reichsfuhrer SS, SS-Hauptamt, 1942, p. 19, 20, 21. Ver também HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 15. 340 Hitler declarou isso numa reunião em 16 de julho de 1941, cujo registro já foi citado várias vezes nesse estudo (NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals…, vol. XII, p. 1292-1296). 341 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 57. 342 Na introdução de The American West and the Nazi East, escreveu Carroll P. Kakel: “É o argumento central desse livro que os projetos nacionais americano e alemão-

192 -nazista de expansão territorial, limpeza étnica e colonização povoadora – apesar de diferenças óbvias em tempo e espaço – foram projetos muito similares de ‘espaço’ e ‘raça’, com consequências letais para os grupos ‘alienígenas’ na metrópole e para os povos indígenas ‘indesejáveis’ no novo ‘espaço vital’ colonial” (KAKEL, Carroll P. The American West and the Nazi East: a comparative and interpretive perspective. Nova York: Palgrave Macmillan, 2011, p. 7). Kakel ainda cita o historiador Norman Rich, que afirmou que a expansão americana no sentido oeste “serviu de modelo para todo conceito de Lebensraum de Hitler”, e o estudioso de genocídio Robert Cribb, que afirmou haver um “claro paralelo” entre “as ações dos colonos ocidentais nas terras dos povos indígenas e as políticas da Alemanha nazista na Europa oriental” (p. 1, 2). Sobre as semelhanças entre os dois processos históricos, ver ainda PENNY, H. Glen. Kindred by choice: Germans and American Indians since 1800. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2013, p. 151-155, 237, 238. 343 BARANOWSKI, Império nazista..., p. 282. 344 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 55. 345 Apud KERSHAW, Hitler, p. 685, 686; apud KAKEL, The American West and the Nazi East…, p. 1; e apud FRITZ, Ostkrieg…, p. 93. Tal declaração de Hitler em 17 de outubro de 1941 não pode ser encontrada na obra Conversas à mesa, pois foi anotada por Werner Koeppen, oficial de ligação do ministro Rosenberg no quartel-general de Hitler. 346 HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 80. Quanto ao fato de Hitler ter mencionado a América, nessa ocasião, como um “modelo histórico” (historisches Vorbild) para a política nazista, ver KROLL, Geschichte und Politik im Weltbild Hitlers…, p. 347, 348. 347 Apud LIULEVICIUS, War land on the Eastern Front…, p. 240. Ver também BARANOWSI, Império nazista..., p. 123. 348 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 469. Citado por SCHWARTZ, Ethnische “Säuberungen” in der Moderne..., p. 232. 349 HITLER, Monologe im Führer-Hauptquartier 1941-1944, p. 377. 350 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 31, 32. 351 Na verdade, a conquista espanhola da América foi muito mais brutal do que alegado por Pedro Martínez Cruces. Tal conquista, aliás, apresentou diversas semelhan- ças com a breve ocupação nazista da Europa Oriental, conforme se observa no clássico Brevíssima relação da destruição das Índias, do espanhol Frei Bartolomé de Las Casas, onde ele denunciou os excessos espanhóis durante a subjugação dos impérios asteca, maia e inca, entre outras regiões. Embora tal episódio tenha sido pouco mencionado pelos nazistas, que focaram-se na América anglo-saxônica, os abusos de Cortés e Pizarro premeditaram parcialmente os cometidos pelos imperialistas do século XIX e pelos nazistas.

193 A necessidade urgente de nativos como intérpretes; a prática do escambo para corromper nativos com bens materiais baratos; a exploração de nativos (in- clusive idosos, mulheres e crianças) como escravos descartáveis; o fornecimento de uma “quota” ou “lote” de escravos para lideranças conquistadoras, que atuariam como supervisoras responsáveis pela punição: tudo isso ocorreu tanto na Amé- rica espanhola quanto na Rússia sob tacão nazista. Em ambos os casos, ademais, intimidou-se a população nativa com massacres, frequentemente por motivos fúteis, para se criar um ambiente de intimidação por terror sobre os sobreviventes. Las Casas relata que, na Ilha Hispaniola (atual República Dominicana), os espanhóis assassinavam cem nativos inocentes para cada espanhol morto; os nazistas fizeram o mesmo na Europa ocupada, executando um número determinado de estran- geiros (que chegou a trinta, cinquenta e mesmo cem) para cada militar alemão morto. Além disso, as afinidades são claras no plano genocida. Nos dois casos: (I) apelou-se para a “expatriação”, ou seja, matar um grande número de nativos arrancando-o de seus lares e mandando-os para áreas designadas, geralmente insalubres, montanhosas ou áridas; (II) esforçou-se para diminuir a taxa de na- talidade nativa, com incentivo ao aborto de mulheres grávidas e a separação entre homens e mulheres para que não tivessem relações sexuais; (III) a “decapitação” nativa, ou seja, a morte dos senhores locais como forma de deixar a massa restante sem lideranças em potencial. Os espanhóis massacraram nobres incas e astecas, enquanto os nazistas fizeram-no na Polônia (assassinando intelectuais, padres, etc.) e na União Soviética, assassinado lideranças bolcheviques (LAS CASAS, Bartolomé de. Brevíssima relação da destruição das Índias: o paraíso destruído: a sangrenta história da conquista da América espanhola. Porto Alegre: L&PM, 1985, p. 33, 41, 42, 55, 80, 81, 99-101, 106, 109, 107, 131, 134, 137). Nos dois casos, utilizou-se um conjunto de eufemismos para tornar a violência mais aceitável, através da manipulação de palavras. No caso nazista, as medidas genocidas eram descritas, em documentos oficiais, como “tratamento especial”, “reassentamento”, etc. No caso espanhol, a título de exemplo, em 1556 proibiu-se oficialmente o uso das palavras “conquista” e “conquistadores”, que deveriam ser substituídas por “descobrimento” e “colonos”, respectivamente. A similaridade é observável até na historiografia. Nos dois casos, costuma-se pintar um retrato muito simplificado dos processos históricos, desconsiderando as divergências políticas/ideológicas entre os próprios conquistadores. Entre os espanhóis, houve aqueles que aprovavam a arbitrariedade sobre os índios (como Gonzalo Fernández de Oviedo e Juan Gines Sepulveda) e aqueles que a criticavam (com destaque para Las Casas). Da mesma forma, houve nazistas que pregavam uma arbitrariedade racista sobre os eslavos (como Heinrich Himmler, da SS) e aqueles que a criticavam (com destaque para Alfred Rosenberg, o Ministro do Leste). Nos dois casos, os grupos antagônicos trocaram acusações verbais e mesmo ofensas, tentando sabotar os esforços contrários, geralmente visando mais poder.

194 Las Casas acusou alguns espanhóis de serem mulherengos e viciados, homens excessivamente gananciosos que ignoravam a teologia cristã-católica. Tais espanhóis atacavam os índios “como lobos, como leões e tigres cruéis”, ver- dadeiras “feras” só interessadas em acumular riquezas (LAS CASAS, Brevíssima relação da destruição das Índias..., p. 28, 30, 35, 45, 46, 88, 132, 138). Durante a Segunda Guerra Mundial, alemães foram criticados com as mesmas acusações, por supostamente desconsiderarem os dogmas da ideologia nazista. Alguns deles até se orgulhavam da associação com os predadores do reino animal. Nas cartas que escreveu para o rei da Espanha, Carlos V, Las Casas mes- clou denúncias sobre opositores com uma linguagem subserviente, bajuladora, provavelmente para não irritar seu soberano e mostrar lealdade. Algo equivalente é observável nas cartas de Rosenberg para Hitler, onde denunciou a brutalidade racista da SS. Las Casas esperava, como religioso, converter os índios ao catolicis- mo como súditos livres; Rosenberg, por sua vez, imaginava alguns eslavos como vassalos libertos do comunismo. Os dois, claro, frequentemente foram ignorados em seus apelos por moderação. De qualquer modo, a similitude é muito evidente na percepção que muitos espanhóis e alemães tiveram sobre suas vítimas. A desumanização dos nativos como “animais”, comparados a bestas de carga; a justificação por meio da doutrina do “direito natural”, segundo a qual alguns povos são naturalmente “senhores” e outros “servos”: eis algo comum aos espanhóis do século XVI e os nazistas do século XX (apesar dos primeiros terem se baseado na teoria aristotélica da “ser- vidão natural”, mesclada com teologia cristã, enquanto os nazistas basearam-se no racismo social-darwinista). Ademais, nos dois processos históricos a conquista foi louvada como um empreendimento masculino e viril, com ares de prazer sexual: muitos alemães engravidaram mulheres russas, enquanto Cortés manteve sua fa- mosa amante indígena, Malinche. Uma forma comum de legitimar a opressão foi rebaixar as vítimas como naturalmente más, perversas. Espanhóis alegaram, para isso, que os indígenas realizavam imensos sacrifícios humanos, não mostrando dó; num de seus monólogos durante a guerra nazi-soviética, Hitler mencionou tais sacrifícios indígenas, sobre os quais disse ter lido na obra de Ludwig Alsdorf, para alegar que os povos coloniais de todo o mundo (inclusive os eslavos, precursores do bolchevismo) tendiam a uma psicologia malvada e violenta. Por fim, houve a valorização idealista do espaço subjugado. Tanto a América quanto a Rússia foram louvadas como um “paraíso”, real ou potencial, “a mais bela e rica parte do mundo”, que esperava a chegada de estrangeiros para ser integrada à civilização (LAS CASAS, Brevíssima relação da destruição das Índias..., p. 23, 59, 70, 71, 126, 130, 146). 352 Sobre o poema de Pedro Martínez Cruces, antes mencionado, e sobre a retórica colonial dos espanhóis da Divisão Azul, ver SEIXAS, Xosé M. Núñez. ¿Eran los rusos culpables? Imagen del enemigo y políticas de ocupación de la División

195 Azul en el frente del este, 1941-1944. HISPANIA. Revista Española de Historia, vol. 66, n. 223, p. 724, 728, 2006. 353 Apud PENNY, Kindred by choice: Germans and American Indians since 1800, p. 230. 354 Sobre o interesse juvenil de Hitler por Karl May, desde a época em que morava em Linz, na Áustria, ver KERSHAW, Hitler, p. 41-43; LUKACS, O Hitler da história, p. 114 e HEINZ, Heinz A. Germany’s Hitler. Londres: Hurst & Blackett, 1938, p. 21, 68. Numa entrevista para a revista Veja em novembro de 1999, o biógrafo Joachim Fest assim declarou sobre “os limites da visão de mundo de Hitler”: “A América Latina representava um enorme vazio para os nazistas. Hitler não sabia quase nada sobre outros países e continentes, salvo o que lera quando jovem nas novelas de aventura de Karl May, que ambientava suas intri- gas em lugares exóticos e distantes. Eram histórias idealizadas, como as do índio Winnetou. Hitler conheceu apenas a Itália, em viagem oficial. Esteve uma única vez em Paris, na manhã seguinte à derrota francesa. E tinha somente uma vaga ideia do que fossem os Estados Unidos, do seu tamanho e de sua força. Seus horizontes terminavam nas fronteiras do antigo ‘Reich’ alemão” (FEST, Joachim. A outra face de Hitler. Revista Veja, São Paulo, ano 32, n. 1625, p. 15, 1999). 355 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 239, 240. Joachim Fest, referindo-se a essa declaração de Hitler, escreveu que “no conjunto, o mundo, que se achava à beira da era atômica, tornava-se a seus olhos idêntico ao que descobrira nos romances de Karl May, como viria a declarar pela derradeira vez em fevereiro de 1942, com um toque de gratidão” (FEST, Hitler, p. 848). 356 Trata-se de um relato publicado em 1942 por Friedrich Oechsner. Ver documento integral em RYBACK, Hitler’s private library…, p. 235-239. O que é citado aqui está na p. 237. 357 Essa ligação de continuidade entre o interesse juvenil de Hitler por Karl May, seu “escritor favorito”, e suas declarações durante a guerra nazi-soviética é reconhecida por HAIBLE, Barbara. Indianer im Dienste der NS-Ideologie: Untersuchungen zur Funktion von Jugendbuchern uber nordamerikanische Indianer im Natio- nalsozialismus. Hamburgo: Kovač, 1998, p. 83. 358 Ver FISCHER, Hitler and America, p. 21, 22; ver também KAKEL, The American West and the Nazi East…, p. 18. 359 Sobre a postura militar alemã na primeira fase da campanha oriental, escreveu a historiadora Wendy Lower: “Para ficar claro, a euforia inicial da vitória encorajou a maioria dos alemães. Da mesma forma, percepções do território conquistado como um ‘Leste Selvagem’ incitaram uma extrema falta de lei e brutalidade” (LOWER, Nazi Empire-building…, p. 67). 360 Apud LUKACS, O Hitler da história, p. 213.

196 361 Sobre as semelhanças entre o conceito greco-romano “bárbaro”, o conceito cristão “pagão” e o conceito nazista “sub-humano”, ver KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contra- ponto, 2006, p. 197-231, sobretudo a partir da página 229; e KOSELLECK, Reinhart. Historias de conceptos – Estudios sobre semántica y pragmática del lenguaje político y social. Madrid: Editorial Trotta, 2012, p. 191 e 196. 362 Sobre a semelhança entre o personagem Old Shatterhand e o colonizador nazista “ideal”, ver SCHWARTZ, Ethnische “Säuberungen” in der Moderne..., p. 228. 363 MINEAU, Operation Barbarossa…, p. 135. 364 MANN, Klaus. Cowboy mentor of the Führer. The Living age, Boston, v. 359, p. 218, 222, 1940. 365 GORAL, Pawel. Cold war rivalry and the perception of the American West. Basin- gstoke: Palgrave Macmillan, 2014, p. 22. 366 Sobre o hábito, comum na Força Aérea Alemã, de definir os caças inimigos como “índios”, ver SPICK, Mike. fighter aces. Barnsley: Frontline, 2011, p. 167, e KUROWSKI, Franz. German fighter ace Hans-Joachim Marseille: the life story of the Star of Africa. Atglen: Schiffer Pub, 1994, p. 168. 367 GORAL, Cold war rivalry and the perception of the American West, p. 26. 368 LONGERICH, Goebbels…, p. 458. 369 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 240. 370 RYBACK, Hitler’s private library…, p. xi-xiii. 371 RYBACK, Hitler’s private library…, p. 170, 235. 372 HITLER, The complete Hitler…, p. 96. 373 HITLER, The complete Hitler…, p. 1587. 374 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 55; versão original, em alemão, em HITLER, Monologe im Führer-Hauptquartier 1941-1944, p. 91. Na bibliografia, citado em BERKHOFF, Harvest of despair..., p. 36. 375 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 495. Hitler disse ter lido sobre os astecas no livro Índia, do indólogo alemão Ludwig Alsdorf. Ele recomendava este livro ao ministro Rosenberg para convertê-lo a uma visão mais darwinista dos povos coloniais. 376 HITLER, The complete Hitler…, p. 96. Hitler mencionou os espanhóis Cortés e Pizarro, como representantes da “raça branca”, em seu discurso a industriais alemães em Düsseldorf, janeiro de 1932. Em janeiro de 1936, num discurso para estudantes em Munique, Hitler novamente citaria as conquistas de Cortés na América como prova do “direito” que a raça branca tinha de dominar o mundo (ver HITLER, The speeches of Adolf Hitler, p. 1258). 377 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 70. Noutra ocasião, Hitler ainda elogiou o sistema de estradas construído pelos incas, equiparando-o ao do Império Romano

197 e definindo ambos como modelos para o sistema de estradas a ser construído no Leste (p. 86). 378 HITLER, Minha luta, p. 340. 379 Ver GELLATELY, Lênin, Stálin e Hitler: a era da catástrofe social, p. 137. 380 INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XIV, p. 242. 381 Ver GRILL; JENKINS, The nazis and the American South in the 1930s…, p. 675, 676, 688, 689. 382 RYBACK, Hitler’s private library…, p. 69, 70, 71. 383 No que tange à composição étnica do povo americano, Hitler elogiou muito, no Segundo livro, as “cotas de imigração” que, segundo ele, quase só permitiram a entrada de europeus “nórdicos” nos Estados Unidos (Hitler’s Second Book..., p. 105). Em março de 1933, quando membros do Partido Nazista preparavam-se para realizar o primeiro boicote aos judeus da era nazista, Hitler declarou a seus partidários que os americanos não tinham direito de reclamar contra tal medida. Segundo ele, mesmo com um território imenso, os Estados Unidos “impuseram cotas de imigração e mesmo impediram certos povos de imigrar” (HITLER, The complete Hitler…, p. 299). Ver ainda Minha luta, p. 330. Num artigo públi- co para simpatizantes da Inglaterra, Walter Gross, alto funcionário das políticas populacionais nazistas, também alegou que as medidas de discriminação impostas pelo regime não eram inéditas: “As Leis de Imigração americanas, vale lembrar, são baseadas numa discriminação racial definida. Os europeus e os habitantes da Índia, das ilhas do Pacífico, etc., instintivamente se afastaram da mistura de sangue, e ambos os lados genuinamente encararam qualquer miscigenação como algo ruim” (RIBBENTROP, org. Germany speaks by 21 Leading Members of Party…, p. 75). 384 RYBACK, Hitler’s private library…, p. 110. Sobre a apologia a Grant, ver ainda ROSENBERG, Der Mythus des 20. Jahrhunderts..., p. 673. 385 Tal alegação foi feita em 22 de julho de 1946 pelo advogado Horst Pelckmann, que defendeu a SS nos Julgamentos de Nuremberg (INTERNATIONAL MI- LITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XIX, p. 91). 386 Ver EVANS, Richard. O Terceiro Reich no poder. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011, p. 581. Sobre Laughlin, ver ainda JACKSON, John; WEIDMAN, Nadine. Race, racism, and science: social impact and interaction. Santa Barbara: ABC-CLIO, 2004, p. 118. 387 Ver, sobretudo, KÜHL, Stefan. The nazi connection: eugenics, American racism, and German national socialism. Nova York: Oxford University Press, 1994, p. 61-63. Sobre a relação entre os eugenistas americanos e o Terceiro Reich, ver

198 CROOK, Paul. Darwin’s coat-tails: essays on Social Darwinism. Nova York: Peter Lang, 2007, p. 232-240. Especificamente sobre Stoddard, ver p. 238. 388 Apud KÜHL, The nazi connection…, p. 53. 389 HITLER; BORMANN, The testament of Adolf Hitler…, p. 46. 390 HITLER, The complete Hitler…, p. 1589. Paul Kluke usa o termo “Doutrina Monroe biológica” para definir a concepção nazista de supremacia racial numa zona delimitada (KLUKE, Paul. Nationalsozialistische Europaideologie. Vier- teljahrshefte für Zeitgeschichte, vol. 3, n. 3, p. 271, 1955). 391 HITLER, The complete Hitler…, p. 1943. 392 BARNES, Trevor; MINCA, Claudio. Nazi Spatial Theory: the dark geographies of Carl Schmitt and Walter Christaller. In: Annals of the Association of American Geographers, 2012, p. 10. Ver também GRUCHMANN, Lothar. Nationalsozia- listische Grossraumordnung: die Konstruktion einer “deutschen Monroe-Doktrin”. Stuttgart: Deutsche Verlags-Anstalt, 1962, p. 12. 393 MAZOWER, O império de Hitler..., p. 648, 649, 651, 652. 394 Semelhança reconhecida por FRITZ, Ostkrieg..., p. 93, por KAKEL, The Ameri- can West and the Nazi East…, p. 4, 13-18, e ainda por BARANOWSI, Império nazista..., p. 330. Contudo, Baranowski lembra que tal comparação com os índios americanos é pertinente apenas para a política nazista contra os eslavos, e não contra os judeus. Afinal, os judeus não foram definidos como uma raça desprezível, fadada à “decadência” devido à sua “passividade”, mas sim como um poderoso inimigo “conspirador” que ameaçava a própria existência da Alemanha. A aniquilação dos judeus geralmente foi figurada como algo necessário para a sobrevivência do povo alemão, não como uma forma de aumentar seu território ou poder geopolítico. 395 Ver PENNY, Kindred by choice: Germans and American Indians since 1800, p. 235. 396 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 31. 397 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 5, 6. 398 HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 314. 399 FRIEDLÄNDER, A Alemanha nazista e os judeus - Vol. II..., p. 606. 400 KERSTEN, The Kersten Memoirs 1940-1945, p. 256-7. 401 KERSTEN, The Kersten Memoirs 1940-1945, p. 120. 402 LONGERICH, Himmler, p. 65. Ver também p. 84. 403 A versão mais recente para o discurso de Hitler em 3 de fevereiro de 1933 está em: WIRSCHING, Andreas. “Man kann nur Boden germanisieren”. Eine neue Quelle zu Hitlers Rede vor den Spitzen der Reichswehr am 3. Februar 1933. Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, vol. 49, n. 3, p. 547, 2001. Na bibliografia, esse trecho é citado por BESSEL, Nazismo e guerra, p. 44. Em maio de 1942, Hitler novamente disse que “nós podemos aprender muito com a forma como os franceses

199 agiram na Alsácia” (HITLER, Hitlers Tischgespräche im Fuhrerhauptquartier…, p. 305). 404 Apud EVANS, O Terceiro Reich em guerra, p. 32. 405 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 469. 406 A historiadora Shelley Baranowski assim resumiu o legado do genocídio armênio pelos turcos, durante a Primeira Guerra Mundial: “Ao envolver no mínimo 800 mil vítimas – número que possivelmente tenha dobrado –, o massacre dos armê- nios foi um presságio da ‘solução’ do próprio regime nazista para os problemas de desintegração imperial, da competição étnica, de conflitos e de visões políticas divergentes do pós-Primeira Guerra Mundial na Europa. Aliás, o próprio Hitler teria reconhecido isso quando lançou o ataque alemão à Polônia” (BARANOWSKI, Império nazista..., p. 106). Ela se refere ao discurso de Hitler a comandantes das Forças Armadas alemãs em 22 de agosto de 1939, no Obersalzberg, uma semana antes do ataque alemão à Polônia. 407 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 25.

Epílogo: Repensando a Nova Ordem nazista 408 HITLER, Minha luta, p. 119, 120. 409 Ver ARENDT, Origens do totalitarismo, p. 166, 167, 189. Ver ainda KING, Ri- chard. Race, Culture, and the Intellectuals. Washington: Woodrow Wilson Center, 2004, p. 104. 410 HITLER, Minha luta, p. 483. 411 Sobre o legado do final do século XIX, no desenvolvimento ideológico de Hitler, ver FEST, Hitler, p. 847, 48, 49. 412 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 364. 413 HITLER, The complete Hitler…, p. 2663. Noutro discurso, em 8 de novembro de 1942, Hitler assim ironizou a presença inglesa na Índia: “Nos últimos trezentos anos, esse povo subjugou Estado após Estado, povo após povo, tribo após tribo. Se eles realmente são bons governantes, então eles poderiam ir embora – como desejado expressamente pelo povo da Índia –, podendo esperar que os indianos os chamem de volta. De modo estranho, eles ainda não foram embora, apesar de saberem que governam de modo tão maravilhoso” (HITLER, The complete Hitler…, p. 2697). 414 HITLER, The complete Hitler…, p. 1925. 415 HITLER, The complete Hitler…, p. 1930. Referindo-se ao bloqueio naval que Churchill ordenou contra a Alemanha em 1939, Hitler declarou: “No fundo, essa guerra de bloqueio nada mais é que uma guerra contra mulheres e crianças, como foi o caso da Guerra dos Bôeres. Foi nesta época que os campos de concentração foram inventados. O cérebro inglês deu luz a essa ideia. Nós apenas lemos sobre

200 isso nas enciclopédias e depois copiamos – com uma diferença crucial: a Inglaterra trancafiou mulheres e crianças nesses campos. Mais de vinte mil mulheres bôeres morreram terrivelmente naquela época. Por que a Inglaterra iria lutar de modo diferente hoje?” 416 HITLER, The complete Hitler…, p. 1588. 417 Em seu excelente estudo The mind of Germany, Hans Kohn escreveu que os alemães, nos tempos modernos, “desenvolveram atitudes que os separaram das tendências gerais características da civilização ocidental moderna. [...] Esse processo de alienação do Ocidente ocorreu num longo período; primeiramente, de modo lento e com uma forte resistência, entre 1812 a 1870; depois, de modo mais rápido e contra uma resistência um tanto menor, entre 1871 e 1918; por fim, com uma aceleração vertiginosa e contra uma oposição desmoronando, entre 1919 e 1933” (KOHN, Hans. The mind of Germany: the education of a nation. Nova York: Harper Torchbooks, 1965, p. IX, 19). 418 FEST, Hitler, p. 392-397. Erroneamente, muitos ingleses como Churchill insis- tiam, e ainda insistem, nessa visão simplificada da Segunda Guerra como uma mera continuação do velho “prussianismo”, ou seja, da cultura alemã moldada pela Prússia, percepção esta menos frequente entre franceses, americanos, russos e também alemães (ver LUKACS, O Hitler da história, p. 139). 419 Neste sentido, o historiador A. J. P. Taylor escreveu certa vez, maldosamente, que “nos assuntos internacionais a única coisa errada com Hitler estava no fato dele ser alemão” (TAYLOR, A. J. P. A Segunda Guerra Mundial – nova edição aumentada com um apêndice, Como as guerras começam. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 25). Taylor enfatizava, com ironia, que Hitler basicamente repetia o que acontecia em vários locais pelo mundo. Ele zombava dos que caracterizavam o ditador alemão como um homem de perversidade excepcional. 420 Ver SLOTERDIJK, Peter. Se a Europa despertar: reflexões sobre o programa de uma potência mundial ao final da era de sua letargia política. São Paulo: Estação Liberdade, 2002, p. 52. 421 Referindo-se ao Holocausto, Bauman escreveu que “esse exercício de explicar o crime por sua germanidade é um exercício que absolve todos os demais e, em particular, tudo o mais nele envolvidos” (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 14). Bauman é contrário às abordagens, como a do historiador americano Daniel Goldhagen, que explicam o Holocausto a partir de uma vertente exclusivamente alemã de antissemitismo. Apesar de focado no Holocausto, o estudo de Bauman ajuda a compreender todo o conjunto da máquina administrativa alemã durante a Segunda Guerra Mundial. 422 Elias escreveu: “Muitos eventos contemporâneos sugerem que o nacional-socialismo revelou, talvez de uma forma particularmente clamorosa, condições comuns de sociedades contemporâneas, tendências de agir e de pensar que também podem ser

201 encontradas em outros lugares” (ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 271). 423 HITLER, The complete Hitler…, p. 835. 424 Sobre a influência de Mackinder sobre o pensamento geopolítico de Hitler, ver FEST, Hitler, p. 238, 239 e MAZOWER, O império de Hitler, p. 39. 425 Ver OVERY, Os ditadores..., p. 232, 33. 426 Em 1928, Hitler já escrevera em seu Segundo livro: “Mediremos nossos próprios sacrifícios, avaliaremos o peso do possível sucesso e marcharemos ao ataque, pouco importa que isso nos leve a dez ou a mil quilômetros da linha atual. Pois qualquer que seja o local em que pare nossa vitória, será sempre o ponto de partida de uma nova luta” (Hitler’s Second Book, p. 57). 427 ARENDT, Origens do totalitarismo, p. 147. 428 OLUSOGA; ERICHSEN, The Kaiser’s Holocaust…, p. 327. 429 TOOZE, Adam. The wages of destruction: the making and breaking of the nazi economy. Londres: Allen Lane, 2006, p. 462. 430 Nesse apelo à classe operária com fins populistas, o nazismo deu continuidade a uma longa tradição, tipicamente alemã, de discurso igualitário. O imperialismo social de Max Weber e Friedrich Neumann tentara, a partir de 1880, difundir entre as massas alemãs desfavorecidas a esperança de avanços, para que aceitassem o status quo, ao invés de instabilizá-lo (ver GOLLWITZER, O imperialismo eu- ropeu: 1880-1914, p. 140, 141, 146, 147). O mesmo ocorreu na Primeira Guerra Mundial. Em março de 1918, o Tratado de Brest-Litovski imposto aos soviéticos liderados por Lenin e Tróstski foi divulgado como uma “Paz do Pão”, suprindo remessas de trigo ucraniano para o proletariado alemão (ver VALENTA, Jaroslav. O Tratado de Brest Litovsk. In: História do Século 20, Enciclopédia Semanal, n. 28. Rússia 1917. A Revolução Bolchevique: os dias que abalaram o mundo. São Paulo: Abril, 1974, p. 832, 834). Como nesses episódios do Segundo Reich, vários escritores e jornalistas tornaram o hegemonismo do Terceiro Reich atraente para o povo, às vezes, em colaboração direta com a grande iniciativa privada. 431 Apesar de as políticas nazistas envolvendo o “espaço vital” terem sido menos co- erentes que a política antissemita do regime, a conquista territorial era a principal meta nazista. Nesse sentido, merece destaque a tese do historiador alemão Andreas Hillgruber, segundo a qual a conquista da Rússia foi a “Grande Estratégia” (Stufenplan) de Hitler, ou seja, a principal intenção do ditador durante todo o tempo, sendo que a derrota ou a aquiescência da França e da Grã-Bretanha eram secundárias a este objetivo. Ver o artigo de Hillgruber: Die “Endlösung” und das deutsche Ostimperium als Kernstück des Rassenideologischen Programms des Nationalsozialismus. Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, v. 20, n. 2, p. 133-153, 1972. O argumento de que Hitler seguia um programa expansionista fixo, visando

202 sobretudo a Europa, foi feito primeiramente por H. Trevor-Roper no artigo Hitlers Kriegsziele. Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, vol. 8, n. 2, p. 121-133, abril 1960; ver sobretudo p. 129, 130. 432 EVANS, O Terceiro Reich em guerra, p. 809, 810. 433 LUKACS, O Hitler da história, p. 101; ver também p. 113. 434 Em A Revolução do Niilismo, escrito em 1937-38, Rauschning definiu Hitler como um “niilista” sem qualquer programa pré-estabelecido, só interessado em conquistar mais poder: “O movimento nazista não tem objetivos fixos, sejam econômicos ou políticos, seja na política interna ou externa. Em 1932 Hitler liberou-se de todas as doutrinas partidárias em política econômica, e fez o mesmo em todos os outros campos; e essa atitude ‘realista’ foi adotada, e ainda o é, não apenas pelo líder mas por todo membro que possui alguma posição oficial no partido. O único objetivo era a vitória do partido, e mesmo as doutrinas favoritas foram abandonadas para se alcançar isso” (RAUSCHNING, Hermann. The Revolution of Nihilism: warning to the West. Nova York: Alliance Book Corporation, Longmans, Green & Co., 1939, p. 21). 435 O historiador A. J. P. Taylor negou a teoria de que Hitler buscasse um espaço vital. Para Taylor, Hitler era apenas um oportunista, que não seguia um progra- ma ideológico pré-concebido e pré-estabelecido. “O Lebensraum [espaço vital] merece apenas sete das 700 páginas [do livro Minha luta][...] No meu sentido, Hitler jamais teve um plano de Lebensraum. Não houve estudos dos recursos dos territórios que deviam ser conquistados; nenhuma definição nem mesmo de quais seriam esses territórios. Não houve o recrutamento de um quadro capaz de realizar tais ‘planos’, nenhum levantamento dos alemães que poderiam ser transferidos, e muito menos sua inscrição. Quando grandes áreas da Rússia Soviética foram conquistadas, seus administradores viram-se desorientados, sem qualquer instrução sobre se deveriam exterminar a população existente, explorá-la, ou tratá-la como amiga ou inimiga” (TAYLOR, A Segunda Guerra Mundial..., p. 22). 436 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 97. 437 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 31. 438 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 242. 439 Backe escreveu isso em seus 12 Mandamentos para a postura dos alemães no Leste, de 1º de junho de 1941. Documento original integral em: INTERNATIONAL MILITARY TRIBUNAL. Trial of the major war criminals before the International Military Tribunal…, vol. XXXIX p. 367-371. O que foi citado aqui está na p. 371. Quando fez esta afirmação, Backe era chefe do Departamento de Nutrição do Plano de Quatro Anos; seria ministro da Agricultura apenas depois. 440 MAZOWER, O império de Hitler..., p. 136.

203 441 Hitler declarou isso num discurso ao Reichstag alemão, em 6 de outubro de 1939, comemorando a vitória sobre a Polônia (HITLER, The complete Hitler…, p. 1831, 1832). 442 Sobre a distinção feita por Hitler entre “fundadores, depositários e destruidores de Cultura”, essa última expressão referindo-se aos judeus, ver Minha luta, p. 214-216. 443 As expressões “luz” e “trevas” foram empregadas, nesse contexto, no panfleto O sub-humano, da SS (DER REICHSFÜHRER SS, SS-HAUPTAMT. Der Untermensch. Berlim: Nordland Verlag, 1942, p. 3). 444 HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 28. 445 Sobre o conceito de “progressiva barbarização” nazista, ver principalmente BAR- TOV, Omer. The eastern front, 1941-45. German troops and the barbarisation of warfare. Londres: Macmillan, 1993. 446 Segundo Hillgruber, a Segunda Guerra Mundial na Europa consistiu, na verdade, de duas guerras um tanto diferentes. A primeira delas foi aquela entre a Alemanha e as potências ocidentais: uma “guerra normal europeia” (europäisches Normalkrieg), causada por Hitler mas não desejada muito por ele, e travada com métodos de guerra convencionais. Já a guerra nazi-soviética foi muito mais selvagem e brutal, um conflito simultaneamente racial e biológico marcado por um exterminismo inédito na história europeia, que Hitler causou, pois a desejava desde os anos 1920. Hillgruber cita um discurso de Hitler na Chancelaria do Reich, em 30 de março de 1941: “A luta será muito diferente do que tem sido no Ocidente. No Leste, a dureza é bondade para com o futuro” (HILLGRUBER, Die “Endlösung” und das deutsche Ostimperium…, p. 143, 144). No mesmo sentido, Joachim Fest, o biógrafo de Hitler, escreveu sobre a guerra nazi-soviética: “Em todo caso, saía completamente do esquema e das noções de ‘guerra normal’, no sentido europeu do termo, cujas regras, até então, tinham sido observadas em todos os conflitos, embora na Polônia já se tivesse tido uma amostra de certas táticas inovadoras mais radicais” (p. 736). 447 Apud OLUSOGA; ERICHSEN, The Kaiser’s Holocaust…, p. 329 448 CÉSAIRE, Discourse on colonialism, p. 41. 449 Referindo-se especialmente ao ocorrido na Polônia e na Rússia, Du Bois escreveu em 1947: “Não houve atrocidade nazista – campos de concentração, mutilações e assassinatos, depravação de mulheres ou blasfêmias sinistras contra crianças – que a civilização cristã da Europa não estava há muito tempo praticando contra povos de cor, em todas as partes do mundo, em nome e para a defesa de uma Raça Superior nascida para dominar o mundo” (DU BOIS, W. E. B. The World and Africa: an inquiry into the part which africa has played in world history. Nova York: International Publishers, 1965, p. 23).

204 450 ARENDT, Origens do totalitarismo, p. 11 e 12. Ver ainda o livro de Iltomar Siviero, Sentido da política: estudo em Hannah Arendt. Passo Fundo: Instituto Superior de Filosofia Berthier, 2008, p. 45-52. 451 Ver as declarações do juiz americano Michael Musmanno em: NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. V, p. 1128. 452 PAUWELS, Louis; BERGIER, Jacques. The morning of the magicians. Nova York: Stein and Day, 1963, p. 179. 453 Sobre a tendência de “demonizar” a figura de Hitler, comum mesmo entre inte- lectuais, ver FEST, Hitler, p. X. 454 Para a influência do imperialismo alemão no Holocausto, ver principalmente ZIMMERER, Jürgen. The birth of the Ostland out of the spirit of colonialism: a postcolonial perspective on the nazi policy of conquest and extermination. Patterns of Prejudice, vol. 39, n. 2, p. 202-224, 2005; ver também MOSES, A. Dirk. Con- ceptual blockages and definitional dilemmas in the “racial century”: genocides of indigenous people and the Holocaust. Patterns of Prejudice, vol. 36, n. 4, p. 7-36, 2002; ver ainda MADLEY, Benjamin. From Africa to Auschwitz: how German South West Africa incubated ideas and methods adopted and developed by the Nazis in Eastern Europe. European History Quarterly, vol. 35, p. 429-64, 2005. 455 MAZOWER, O império de Hitler..., 657-660. 456 Ver sobretudo KOSLOV, “Going east”: colonial experiences and practices…, p. 569-573. Apesar de se referir aos guardas do campo de concentração de Majda- nek, na Polônia, tal artigo resume bem o que também aconteceu nos territórios conquistados da URSS. 457 Sobre os problemas psicológicos entre os membros da SS, durante a campanha oriental, ver LONGERICH, Himmler, p. 329-342 e 355-360. 458 HÜRTER, “Es herrschen Sitten und Gebräuche, genauso wie im 30-jährigen Krieg”…, p. 378. Carta de Heinrici para a família, escrita em 19 de setembro de 1941. 459 Ver STEINBERG, The Third Reich reflected: german civil administration…, p. 621. 460 Sobre as diversas interpretações a respeito de Hitler, inclusive a que o define como um “ditador fraco”, ver KERSHAW, Hitler, p. 24-28. 461 Por razões um tanto utilitárias, os nazistas negavam a condição eslava de povos geralmente considerados eslavos devido ao fator linguístico. Tais povos recebe- ram um tratamento diferenciado. Hitler admirava os croatas, “mais germânicos do que eslavos”, “descendentes dos godos” que “por acidente” haviam adotado uma língua eslava (HITLER, Hitler’s Table Talk..., p. 9, 75, 356). Também alegava que os búlgaros “originariamente eram turcomanos”, só tendo adotado a identidade eslava no século XIX devido às promessas do pan-eslavismo russo

205 (Hitler’s Table Talk..., p. 356). Himmler, por sua vez, defendia que os eslovacos podiam ser selecionados em grande número para germanização (LONGERI- CH, Heinrich Himmler..., p. 613, 681). Tal classificação etno-racial tinha um fundamento geopolítico. Ao contrário de russos, ucranianos e poloneses, esses povos “não-eslavos” não ocupavam as terras destinadas ao povoamento alemão e geralmente se mostraram dóceis – havia pouco interesse em submetê-los a uma condição colonial do tipo imperialista. 462 O depoimento de Berger pode ser encontrado em NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. XIII, p. 479. 463 O depoimento de Paul Körner – um dos principais assessores econômicos do “Marechal do Reich” Hermann Göring – em Nuremberg se encontra em NUERNBERG MILITARY TRIBUNALS. Trials of war criminals before the Nuernberg Military Tribunals..., vol. XIII, p. 907. 464 Apud HÜRTER, Johannes. Hitlers Heerfuhrer: die deutschen Oberbefehlshaber im Krieg gegen die Sowjetunion 1941/42. Munique: Oldenbourg, 2007, p. 462. Num memorando, o general de infantaria Max von Schenckendorff alertou que “numa Rússia como colônia alemã o russo nunca se conformará, preferindo tolerar o terror do bolchevismo” (HASENCLEVER, Wehrmacht und Besatzungspolitik in der Sowjetunion…, p. 247). 465 Houve duas exposições organizadas pelo Instituto de Pesquisa Social de Ham- burgo, a primeira delas percorrendo várias cidades alemãs e austríacas em 1995, para denunciar os crimes das Forças Armadas no período 1941-1944. Muitos veteranos e seus familiares ficaram ultrajados com as exposições, associadas à esquerda socialdemocrata, encarando como insulto a equiparação entre o Exército e a SS. Sobre as exposições, ver BESSEL, Nazismo e guerra, p. 185; ver ainda SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Os fascismos. In: REIS FILHO, Daniel Aarão et al. (Org.). O século XX. Vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 116, 117. 466 BEEVOR, Antony. Berlim 1945: a queda. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 116. 467 Passagem citada nas Resoluções da Terceira Grande Assembleia Extraordinária da Organização dos Ucranianos Nacionalistas, 21-25 de agosto de 1943. Tais resoluções foram reproduzidas, integralmente, na coletânea de documentos POTICHNYJ, Peter J.; SHTENDERA, Yevhen (Eds.). Political thought of the Ukrainian underground, 1943-1951, p. 333-351. Aqui, p. 351. 468 LAQUEUR, Walter. Russia and Germany: a century of conflict. New Brunswick; Londres: Transaction, 1990, p. 282, 283. 469 Best escreveu isso num artigo sem assinatura intitulado “Classe Dominante ou Povo Líder”, publicado em 1942 numa revista que ajudara a fundar. Ver MA- ZOWER, O império de Hitler..., p. 302, 303. 470 FEST, No bunker de Hitler, p. 7.

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