Os Passos De Flora Na Vida De Jackson Do Pandeiro
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OS PASSOS DE FLORA NA VIDA DE JACKSON DO PANDEIRO Roberta Barbosa da Conceição* Ivonildes da Silva Fonseca** Resumo O trabalho ora informado neste resumo faz parte do Projeto de pesquisa intitulado “Flora, Sebastiana, a mulher do Aníbal e a mulher que virou homem: discutindo identidades de gêneros no cancioneiro de Jackson do Pandeiro” desenvolvido no Programa de Iniciação Científica da UEPB. O título do referido projeto é, em parte, auto explicativo do objetivo geral e de que as letras de músicas serão as fontes da pesquisa. Do andamento da investigação, elaboramos o presente artigo centrado na figura de Flora Mourão, mãe de Jackson do Pandeiro. Flora mulher negra, viveu em estado de pobreza e a atividade da música foi um de seus meios de sobrevivência. Cantando, tocando e dançando tornou-se coquista e este ofício influenciou sobremaneira a vida do homem e artista Jackson do Pandeiro. Esta influência é visível em muitas letras de suas composições das quais, três, serão selecionadas neste momento para a análise (Verdadeiro Amor, Boa Noite e Xéxeu de Bananeira). A partir dessas letras identificamos o significado dado à figura materna e que remete à construção social da mulher-mãe que será sublimada e ao mesmo aponta para um comportamento de respeito às diferenças, tão propalado em dias atuais. A influencia de Flora Mourão, a mulher- mãe, marcou toda a vida do “rei do ritmo” e a sua presença é visível em composições musicais e em ações do cotidiano. O apoio teórico que contribuirá para a problematização e análise virá de textos clássicos sobre gênero além da obra de Moura; Vicente (2001), esta última, fornecerá os dados das vidas da coquista e do seu filho cantor, compositor e ritmista. Palavras-chave: Flora Mourão e Jackson do Pandeiro, Mulher negra e música, Gênero e raça/etnia 1 OS PASSOS DE FLORA NA VIDA DE JACKSON DO PANDEIRO Ao iniciar este artigo, pretendíamos buscar apoio nas leituras sobre gênero enquanto conceito produzido no âmbito da cultura atentando para a forma como este é produzido e reproduzido em diferentes espaços sociais. Todavia, entendemos que a categoria mulher, sem fazer oposição a de gênero, possibilitaria trabalhar a ideia de que há “mulheres em contextos específicos”. (PISCITELLI, 2002, p.35) Nessa orientação trabalharemos a figura de Flora Maria da Conceição, a mãe do artista paraibano Jackson do Pandeiro, que traçou estratégias de sobrevivência em um contexto de extrema desigualdade social e de opressão ao povo negro e à mulher negra. Esta mulher de nome artístico Flora Mourão, foi uma mulher independente, que mesmo * Bolsista/PIBIC/UEPB/CH/DE ** Orientadora /UEPB/CH/DE tendo se desligado da família muito jovem, exatamente para desenvolver seus dotes artísticos foi um exemplo de mulher-mãe, que merece todo o nosso reconhecimento, pois: a mulher (principalmente a mulher tradicional brasileira), justamente pelos 6,7,8 anos começa a ser treinada para o casamento e inibida em seu relacionamento (por exemplo, não se concebe uma menina jogar futebol, ficar até de madrugada na esquina discutindo,etc). (STUDART, 1982, p. 6) É oportuno destacar e até interrogar se nessa expressão “mulher tradicional brasileira”, podemos inserir a mulher negra, sobretudo, a que viveu no início do século XX no interior da Paraíba. Entretanto, se, para a “mulher tradicional brasileira”, há limitações de deslocamentos espaciais, profissionais e há um direcionamento para a vida matrimonial, todos esses mecanismos não se verificam para a mulher negra e, soa como exagero, identificá-la como pobre. Flora, mulher negra e pobre deu os seus “pulos” na vida cotidiana para garantir o seu sustento e da sua prole. Para melhor ilustrar a leitura apresentaremos uma pequena biografia da mesma a partir da obra de Moura; Vicente (2001, p. 32-33): Flora Mourão era Pernambucana, de Timbaúba, a 85 quilômetros de Recife, em plena Zona da Mata, na microrregião da mata seca, chegando a Alagoa Grande ainda adolescente, entre os 17 e 18 anos. Pequena, com cerca de 1,50 m de altura, magrinha e pele bronzeada, desde cedo voltara-se para as rudimentares batidas e danças das rodas de coco do interior de Pernambuco, comuns no litoral nordestino e na zona canavieira entre a Bahia e o Rio Grande do Norte. Ainda menina, pula de coadjuvante a protagonista nas rodas de samba, nos forrós, nos cocos. Integra um grupo que passa a tocar em cidades vizinhas e até em outros estados. Foi com esse conjunto que chegou a Alagoa Grande, ficando por lá, depois de conhecer e casar com José Gomes, o fabricante de tijolos que lhe daria três filhos – José, Severina e João – e que lhe deixaria viúva antes dos quinze anos de convivência. Alagoa Grande no início do século XX achava-se em pleno desenvolvimento econômico e social. Era considerada a rainha do Brejo, onde funcionavam 26 engenhos moendo o açúcar da região, além da Wharton Pedroza, que beneficiava toda a região, exportando a produção algodoeira. Em meio a tantas conquistas, ganha destaque , a chegada do trem em 1901, trazido por Apolônio Zenaide, que era um político de grande prestígio na cidade, juntamente com o governador, Álvaro Machado, substituindo então as simples carroças puxadas a boi e caminhões no escoamento dos produtos, além é claro, de abastecer o comércio local com as novidades oriundas da capital, Parayba (hoje João Pessoa), de Cabedelo e de Recife. A linha férrea era uma extensão de Guarabira e Mulungu, controlada pela empresa inglesa Great Western Rail Way, que havia instalado estrutura semelhante no Velho Oeste norte-americano, no período de colonização. Dessa forma é notável os ares de progresso e expansão, deixando os alagoas-grandenses maravilhados com a chegada da energia elétrica em dezembro de 1920, iluminando uma nova etapa da cidade, beneficiando cerca de 20 mil habitantes, e consequentemente atraindo investimentos e serviços para toda a população. (MOURA; VICENTE, 2001) Imprimindo as marcas da modernização o primeiro cinema, o Cine Brasil, é inaugurado em seguida e dando seqüência a esse processo evolucionário. É construído o primeiro Hospital, o Centenário; o clube recreativo 31 e o Nordeste Esporte Clube abrem suas portas; a Caixa Rural instala-se com dinheiro para investir na agricultura. Duas grandes e pioneiras agências de revenda de automóveis a chegar no interior do estado, a Ford e Chevrolet, escolhem Alagoa Grande como ponto estratégico. Sendo que o colégio Nossa Senhora do Rosário e o Hospital Centenário já citados acima, foram erguidos, com contribuições dos senhores de engenhos, comerciantes e políticos, pois o dinheiro circulante permitia à elite local não aguardar pelas ações do poder público, então “ dava-se a esses mimos, respirando ares de civilização” ( MOURA; VICENTE, 2001, p. 28). Além de todo esse desenvolvimento econômico e social, os alagoas-grandenses começavam também a desfrutar de informação e cultura, através da Maria fumaça, que embarcava e desembarcava passageiros num ritmo frenético. Seus vagões partiam abarrotados de algodão, agave, rapadura, aguardente, açúcar, milho e feijão, voltando com mão-de-obra para a agroindústria, material de construção para a expansão do casario da cidade e das casas dos engenhos e o pesado mobiliário para seus interiores. Até pianos chegam aos montes, quinze na fase de pico. Diante desse progresso modernizador em que era privilegiada arquitetura de espaços públicos, nasce o menino José Gomes Filho, numa casinha paupérrima dentro dos limites das terras do Engenho Tanques, no dia 31 de agosto de 1919, “aquele menino magro, negro, solto no mato, sem nunca ter freqüentado qualquer escola, poderia ter sido qualquer coisa quando crescesse. Menos um rei.” (MOURA; VICENTE, 2001, p. 24). As condições do nascimento e da infância de Jackson, é dado inquestionável da pobreza em que viviam as pessoas negras.E apesar de todas as dificuldades enfrentadas na sua vida pessoal e profissional ele abraçou a carreira artística, sendo considerado “a segunda figura da trindade musical brasileira”. As outras figuras componentes da trindade são: Luiz Gonzaga e Waldeck Artur de Macêdo conhecido por Gordurinha. (ANÍSIO, 2011, p.128). Flora Mourão percorria feiras e sítios nos arredores de Alagoa Grande, cantando, tocando e dançando, e, com a arte ajudava no sustento de sua família, ganhando dessa forma uma certa liberdade, pois “o trabalho das mulheres não é uma fantasia, mas sim a possibilidade de sua autonomia”. (PERROT, 1998, P.142). Era ela no ganzá e o parceiro do dia no bombo. Era a arte do coco1. O coco é desenvolvido basicamente com instrumentos percussivos e o canto feérico do puxador recheado pela coreografia variável de região para região, o coro da audiência se encarrega do resto, “sempre respondendo ao refrão, como em Xexéu de Bananeira, composta por Jackson, em 1961, a partir dos cocos ouvidos da mãe.” ( MOURA; VICENTE, 2001 p. 35). Na letra da música Xexeu de bananeira são demonstradas as fortes lembranças de sua mãe, em especial de suas apresentações artísticas. Ó, menina bonita não dorme na cama Dorme na limeira, no colo da rama Meu xexéu de bananeira Cajueiro abaixa a rama... Ó, menina bonita, formosa, brejeira Que só sai de casa pra fazer a feira Arrastando a saia, levanta poeira Meu xexéu de bananeira Cajueiro abaixa a rama ( JACKSON DO PANDEIRO) Nesta letra, podemos identificar na primeira e na segunda estrofes palavras que qualificam a mulher na sua aparência física e demonstra as atividades cotidianas com restrição pois “ só sai de casa prá fazer a feira”. Mas, há momentos em que a mesma ganha o espaço da rua “arrastando a saia e levantando poeira”, o que sugere o movimento de dança. 1 A pesquisadora Ayala (1999,p.247), explica que :”A brincadeira do coco tem sido encontrada no espaço urbano da capital e de cidades do interior da Paraíba, na área litorânea de maior ou menor densidade populacional em que é grande a concentração de pescadores e trabalhadores rurais de usinas ou de plantações de coco, na zona rural de cidades do interior, em assentamentos de trabalhadores rurais, em comunidades negras isoladas e em aldeias indígenas.