Telenovela E Imprensa: Quando O Jornalismo Investiga a Ficção1
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1 Telenovela e Imprensa: quando o jornalismo investiga a ficção DANIEL, Arthur Ovidio (Mestrando)2 Universidade Federal de Juiz de Fora / MG Resumo: O sucesso da telenovela no Brasil influencia diretamente o mercado das revistas especializadas, que acompanham a evolução do gênero enquanto consagram práticas tradicionais para atrair e fidelizar leitores. Trata-se de uma lógica mútua: o público compra a revista buscando a telenovela, a revista promove a telenovela conquistando o público, e a telenovela renova o interesse de ambos, diluindo as emoções diariamente. Para entender este processo, o presente artigo faz um levantamento histórico das publicações; mostra o potencial da teledramaturgia em extrapolar os limites do jornalismo especializado; identifica algumas estratégias de apuração, cobertura e divulgação de notícias; explica momentos de tensão no relacionamento entre as emissoras de televisão e as revistas; e apresenta os instrumentos para a opinião dos leitores. A conclusão versa a respeito do fascínio que a telenovela exerce, o objeto ideal para alcançar as subjetividades de um público que, ao mesmo tempo, é leitor e espectador. Palavras-chave: Mídia Impressa; Telenovela; Imprensa Especializada; Revista. 1 INTRODUÇÃO A década de 60 seria marcada pela revolução: na música popular (com os festivais televisivos), no espetáculo midiático (com a chegada do homem à Lua e a aplicação do sistema de transmissão via satélite), nas relações sociais (com a contracultura e a pílula anticoncepcional) e na política (com o início da Ditadura Militar). Entretanto, a primeira das revoluções se daria na televisão – através de um verdadeiro fenômeno de massa chamado “telenovela diária”. Era um formato importado da Argentina que acabou por estabelecer a noção moderna de hábito no telespectador. A estreia deu-se na TV Excelsior, a partir de julho de 1963, com a produção 2-5499 1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Impressa, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF (2012-2014) com linha de pesquisa na área de Comunicação e Identidade. Bacharel em Comunicação Social pela UFJF (2010). Ocupado3. A telenovela era então uma fórmula mais barata e mais rentável de se produzir, em comparação ao teleteatro (na época um dos formatos televisivos de maior repercussão). O produto “surge como uma narrativa apropriada para ampliar o público das emissoras [...] o que chama a atenção é que sua introdução se faz claramente dentro de uma estratégia de conquista de mercado” (ORTIZ et al., 1989, p.58-59), resumem José Mário Ortiz e Silvia Borelli. Títulos posteriores como A Moça que Veio de Longe (1964), O Direito de Nascer (1965), A Deusa Vencida (1965), O Cara Suja (1965), Eu Compro Essa Mulher (1965), O Sheik de Agadir (1966), A Rainha Louca (1967), Antônio Maria (1968), Sangue e Areia (1968) e Beto Rockfeller (1968), dentre outros, foram os responsáveis por despertarem no público também a ligação passional – necessária, pois, ao hábito. Roberta Manuela Barros de Andrade falou sobre um engajamento pessoal, pois “assistir à telenovela é muito mais do que vê-la, é estar envolvido em sua trama, é se deixar levar pelo suspense, é compartilhar emoções com as personagens, discutir suas motivações psicológicas e suas condutas.” (ANDRADE, 2003, p.52) Tratava-se de um convite aceito pela audiência que se materializava na repercussão obtida. Consideramos que parte desta ‘materialização’, decorrente do encontro entre telespectador e telenovela, tem se realizado por meio da imprensa – em especial, as revistas especializadas. A lógica é a seguinte: a telenovela desperta o interesse da audiência e esta procura uma revista especializada para se inteirar das próximas emoções a seguir. Com uma cobertura de promoção à novela, a revista renova aquele interesse e garante a audiência dos próximos capítulos, num eterno ciclo. Entretanto, se o papel deste tipo de imprensa é manter a devoção do público para com as novelas, que ferramentas têm sido utilizadas para investigar a ficção? 2 UM MERCADO EM EVOLUÇÃO Historicamente, a imprensa especializada em telenovelas tem como público- alvo a mulher. Portanto, sempre abrigou temas “supostamente” interessantes a esta leitora: narrativas romantizadas, poesias, dicas para o lar, conselhos amorosos e serviços de utilidade pessoal. Em seus estudos sobre estes tipos de publicação, Dulcília 3 A princípio, a novela 2-5499 Ocupado era exibida três vezes por semana. Em setembro de 1963, passou a ser diária. Schroeder Buitoni explica como a revista pode ser considerada a feminização da imprensa: Lazer e um certo luxo foram-se associando à ideia de revista no século XX. E a imprensa feminina elegeu a revista como seu veículo por excelência. Revista é ilustração, é cor, jogo, prazer, é linguagem mais pessoal, é variedade: a imprensa feminina usa tudo isso. Com o desenvolvimento da indústria de cosméticos, de moda e de produtos para a família e a casa, e com o respectivo progresso da publicidade, as revistas femininas tornaram-se peças fundamentais no mercado dos países capitalistas. (BUITONI, 1986, p.17-18) Ao contrário das outras mídias, que buscam o factual e a rapidez em divulgar notícias, a mídia revista trabalha sob outro prisma: a novidade. Este é um elemento que pressupõe uma relação de presença efetiva no mundo histórico. Nas palavras de BUITONI, “a ancoragem temporal desloca-se para uma relação mental: a revista (ou a indústria, a publicidade) inventa um modismo que logo é apresentado como o que existe de mais ‘atual’” (1986, p.13). Estar em sintonia com as demandas de seu entorno histórico-social é a garantia de sobrevivência das revistas – em especial, das que cobrem a telenovela e seus desdobramentos culturais. Totalmente concebida e focada para o público feminino (pela utilização clara do apelo à “leitora”, pelo uso de cores e diagramação e linguagem convencionalmente associadas à mulher, dentre outras questões) a imprensa especializada em telenovelas e mundo artístico tem, paulatinamente, reconstruído seu discurso para atender às expectativas destas leitoras e fazer frente à concorrência. Ao debruçarmos sobre a história da dramaturgia eletrônica brasileira, é possível verificar um crescente interesse da imprensa para com as produções unitárias e seriadas do rádio e da televisão. Concomitantemente à evolução dos formatos, artigos a respeito destes programas em revistas de variedades e jornais já podiam ser lidos na década de 30. No final dos anos 1940 e início dos anos 1950, com a televisão sendo a grande novidade, a mídia impressa começa a se organizar sistematicamente para a cobertura do meio. Publicações radiofônicas criam colunas sobre a TV e surgem títulos especializados (7 Dias na TV4, Revista da Televisão, São Paulo na TV5, Show TV, TV 4 A primeira revista especializada em televisão, lançada em 25/08/1952, em São Paulo. (RIXA, 2000, p.280) 5 Publicada entre 1959 e 1969, em São Paulo (RIXA, 2000, p.223). Programas6). Na década seguinte, a exibição diária da telenovela deu novo fôlego à cobertura da imprensa especializada, que tratou de refazer o esquema básico utilizado na era das clássicas radionovelas: apresentavam o resumo dos capítulos já exibidos, entrevistas com atores e autores, segredos dos bastidores, pôsteres dos artistas, cartas dos leitores, promoções. Mais títulos surgiram: Revista do Rádio e TV, Intervalo, Contigo!, Ilusão, Grande Hotel7, Cartaz8, Sétimo Céu9 e TV Guia10 foram algumas das publicações que, em maior ou menor grau, acolheram o mercado ávido por notícias sobre as novelas da televisão. Entrementes, era um contexto benéfico para estas coberturas, segundo Muniz Sodré: A partir de 1960, com o desenvolvimento das agências noticiosas e o aprimoramento da notícia, do serviço fotográfico e do segundo caderno dos jornais, com a multiplicação das revistas especializadas, com o grande boom da televisão, em suma, com o bombardeio do público pelos veículos de massa, o jornalismo de revista mudou. (SODRÉ, 1975, p.42) Importante frisar que a força do gênero e a diversidade de tematizações chegaram a ultrapassar os limites do jornalismo especializado, gerando capas e matérias em revistas de diferentes editorias. A mídia impressa pautada pela teledramaturgia foi um dos temas abordados por Maria Lourdes Motter no livro Ficção e Realidade – A construção do cotidiano na telenovela. A hipótese do agenda-setting inspirou o trabalho de Motter, que explicou suas ponderações: O agenda-setting pressupõe que a compreensão que as pessoas têm de boa parte da realidade social vem através dos meios [...] Devemos esclarecer que ela não está sendo considerada por nós do ponto de vista de sua influência sobre o público, especificamente. Para nós, o que importa é a pauta que uma mídia elabora e difunde para outras mídias [...] as emanações da mídia, sejam oriundas da ficção ou de outros gêneros, impregnam a cultura e passam a ser mais um traço na sua composição, entendida a cultura como um processo em permanente movimento [...]. (MOTTER, 2003, p.128-129) Motter deteve-se em matérias que transcendiam o simples comentário sobre 6 Publicada entre 1955 e 1963, no Rio de Janeiro (RIXA, 2000, p.223). 7 Publicada desde 1947, a partir dos anos 1970 passará a pautar-se também pelas telenovelas. 8 Publicada entre 1971 e 1973. 9 Publicada entre 1964 e 1991. 10 Título de uma publicação dos anos 1960. O mesmo nome seria usado por outra revista, publicada pela Editora Abril em 1976. a história narrada; seu interesse foi verificar como a ficção televisiva