Revista Brasileira 67

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Revista Brasileira 67 Revista Brasileira Fase VII Abril-Maio-Junho 2011 Ano XVII N.o 67 Esta a glória que fica, eleva, honra e consola. Machado de Assis ACADEMIA BRASILEIRA REVISTA BRASILEIRA DE LETRAS 2011 Diretoria Diretor Presidente: Marcos Vinicios Vilaça João de Scantimburgo Secretária-Geral: Ana Maria Machado Primeiro-Secretário: Domício Proença Filho Conselho Editorial Segundo-Secretário: Murilo Melo Filho Arnaldo Niskier Tesoureiro: Geraldo Holanda Cavalcanti Lêdo Ivo Ivan Junqueira Membros efetivos Comissão de Publicações Affonso Arinos de Mello Franco, Antonio Carlos Secchin Alberto da Costa e Silva, Alberto José Murilo de Carvalho Venancio Filho, Alfredo Bosi, Marco Lucchesi Ana Maria Machado, Antonio Carlos Secchin, Ariano Suassuna, Arnaldo Niskier, Produção editorial Candido Mendes de Almeida, Carlos Monique Cordeiro Figueiredo Mendes Heitor Cony, Carlos Nejar, Celso Lafer, Revisão Cícero Sandroni, Cleonice Serôa da Motta Berardinelli, Domício Proença Filho, Gilberto Araújo Eduardo Portella, Evanildo Cavalcante Projeto gráfico Bechara, Evaristo de Moraes Filho, Victor Burton Geraldo Holanda Cavalcanti, Helio Jaguaribe, Ivan Junqueira, Ivo Pitanguy, Editoração eletrônica João de Scantimburgo, João Ubaldo Estúdio Castellani Ribeiro, José Murilo de Carvalho, José Sarney, Lêdo Ivo, Luiz Paulo Horta, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS Lygia Fagundes Telles, Marco Lucchesi, Av. Presidente Wilson, 203 – 4.o andar Marco Maciel, Marcos Vinicios Vilaça, Rio de Janeiro – RJ – CEP 20030-021 Merval Pereira, Murilo Melo Filho, Telefones: Geral: (0xx21) 3974-2500 Nélida Piñon, Nelson Pereira dos Santos, Setor de Publicações: (0xx21) 3974-2525 Paulo Coelho, Sábato Magaldi, Sergio Fax: (0xx21) 2220-6695 Paulo Rouanet, Tarcísio Padilha. E-mail: [email protected] site: http://www.academia.org.br As colaborações são solicitadas. Os artigos refl etem exclusivamente a opinião dos autores, sendo eles também responsáveis pelas exatidão das citações e referências bibliográfi cas de seus textos. Sumário CULTO DA IMORTALIDADE Murilo Melo Filho Deolindo Couto, acadêmico e médico . 5 PROSA Fernando Henrique Cardoso Democracia e memória em Joaquim Nabuco . 11 Lêdo Ivo A poesia do Narciso de Apipucos . 35 Ivo Pitanguy Carlos Chagas Filho . 45 Celso Lafer “O processo do Capitão Dreyfus”de Rui Barbosa – o texto, seus contextos e desdobramentos . 51 Arnaldo Niskier José Sarney: política e literatura . 71 Eduardo Portella Desconstrução dos gêneros literários . 81 Alberto Venancio Filho Constâncio Alves . 89 Antonio Maura Crônica de um encontro entre Rubén Darío e Machado de Assis . 99 Laura Sandroni Dez anos sem Maria Clara Machado . 107 Jorge Sá Earp Fonte da juventude . 121 Ricardo Vieira Lima O nervo do confl ito . 129 Marcos Santarrita Releituras . 153 Mauro de Salles Villar O olho de Bluteau, o de Cândido Lusitano e outras viagens lexicográfi cas . 165 António Carlos Cortez Carlos Nejar: meditações sobre o homem . 177 João Roberto Maia Pais e fi lhos na ordem escravocrata: o conto machadiano “Pai contra mãe” . 181 Rodrigo Rossi Falconi Visita dos Acadêmicos Olavo Bilac e Coelho Neto . 195 POESIA Márcio Catunda . 217 POESIA ESTRANGEIRA Cesare Pavese Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti . 227 GUARDADOS DA MEMÓRIA Getulio Vargas Mensagem dirigida ao povo brasileiro . 253 Culto da Imortalidade Deolindo Couto, acadêmico e médico Murilo Melo Filho Ocupante da Cadeira 20 na Academia Brasileira de Letras. omemora-se em 2012 nada menos de 110 anos do nasci- C mento de Deolindo Augusto de Nunes Couto, um piauiense nascido na cidade de Teresina, no dia 11 de março de 1902. Trata-se de um médico e escritor que, no dia 14 de outubro de 1963, foi eleito para suceder o poeta Adelmar Tavares, na Cadeira 11. Havia vários candidatos, entre os quais Deolindo Couto, que se candidatava pela segunda vez e que, logo no 1.º escrutínio, realizado exatamente durante 13 minutos apenas, conseguiu eleger-se, perma- necendo na ABL durante 29 anos. A imprensa deu destaque à eleição, porque um competidor der- rotado não se conformou com ela, atacou Deolindo violentamente e, até, logo depois, publicou um livro contra a Academia. Em seu discurso de posse, ele começou dizendo: “– Desde que aqui fui eleito, senti em mim, como nas redondilhas de Camões, que: ‘... lembranças contentes, n’alma se representaram; e minhas coisas ausentes se fizeram tão presentes, como se nunca passaram’.” 5 Murilo Melo Filho E acrescentou: “– Nesta prática acadêmica, que Machado de Assis e Nabu- co firmaram desde o princípio, residem a causa principal da nossa grandeza e o elemento fundamental do nosso prestígio.” A medicina e as letras Abordou a seguir o entendimento da medicina com as letras, referindo-se ao caso do cirurgião e acadêmico francês, Henri Mondor, que, nas pausas do seu trabalho, em uma ambulância de guerra, conheceu a grandeza de Mallar- mé, iniciando uma exaustiva análise de sua poesia simbolista. E pergunta: “– Por acaso não estão na obra de Camões aspectos originais das doen- ças de então? – E William Litke, um grande ortopedista inglês, por acaso não encon- trou em Shakespeare as anormalidades genéticas, descritas em Ricardo III? – E a doença de Pickwick, inspirada na rotunda e sonolenta personagem de Charles Dickens? – E a síndrome de Münchausen, copiada do Barão mitômano, que Erich Raspe tão bem descreveu? – E o complexo de ‘Alice no país das maravilhas,’ em que Charles Dodg- son, dito Lewis Carroll, o notável escritor inglês, expôs os distúrbios da personalidade, nos períodos de enxaqueca? – E o bovarismo, que Jules de Gaultier retirou da heroína de Flaubert? – E a epilepsia, referida várias vezes por Dostoievsky?” Elogio dos antecessores Deolindo Couto faz em seguida o elogio dos antecessores, começando pelo Patrono Luís Nicolau Fagundes Varela, prosseguindo com os elogios ao fun- dador Lúcio de Mendonça e os ocupantes seguintes: Pedro Lessa, Eduardo Ramos, João Luís Alves e Adelmar Tavares. Foi saudado pelo Acadêmico Luís Viana Filho: 6 Deolindo Couto, acadêmico e médico “– É luminoso o caminho pelo qual, partindo de onde nascestes, na rua da Glória, em Teresina, chegastes até aqui, seguindo a frase de Maurice Barret, para o qual ‘cada um de nós segue a estrada que começa em sua aldeia’. – Aqui, os vossos admiradores de ontem serão os vossos companheiros de amanhã e de sempre. Lembro Catão: ‘As raízes das letras são amargas, mas os seus frutos são doces’”. Dia 21 de agosto de 1964, Deolindo estreia como acadêmico, falando sobre o Centenário da morte de Gonçalves Dias. E analisa a figura do poeta como cientista, suas origens raciais, seu tipo físico e sua formação intelectual, que criou a imagem épica e romântica do índio brasileiro, através de Os timbiras, o Dicionário da Língua Tupi, os Primeiros, os Segundos e os Últimos cantos, dos quais os pontos mais altos foram “I-Juca Pirama” e “Canção do exílio”. Gonçalves Dias atingiu o ápice da poesia nativa, graças à sua força dramática e ao seu ritmo exuberante, com um indianismo que misturava o natural e o so- brenatural; o mítico e o lógico; o lendário dos índios e o universo dos cristãos. Foi um virtuose nas Sextilhas de Santo Antão e, com José de Alencar, constituiu a “dobradinha” que libertou a incipiente literatura brasileira do colonialismo português. Avanços na neurologia Deolindo foi também um pioneiro de grandes avanços na Neurologia bra- sileira, com novas e revolucionárias técnicas e procedimentos. Desenvolveu a angiografia cerebral, permitindo revelar radiograficamente a circulação do sangue no cérebro, após a injeção do contraste na artéria carótida. Introduziu a lobotomia pré-frontal, um processo cirúrgico muito eficiente no tratamento da paranoia e da esquizofrenia. Certa vez, Deolindo recebeu, em seu consultório, um cliente complicado: tratava-se de um marido traído e que chorava copiosamente a sua desventura 7 Murilo Melo Filho conjugal. Receitou-lhe um calmante, levou-o à porta e lhe disse, à guisa de consolo: – Não se preocupe, meu filho, porque uma das poucas pessoas honestas na nossa vida é mesmo a mãe da gente. Num dos chás na ABL, Osvaldo Orico estava sufocado com um acesso de tosse, quando Josué Montello lhe deu uma pastilha de hortelã. Deolindo ia chegando, assistiu à cena e advertiu: – Cuidado, Josué. Você pode ser processado por exercício ilegal da me- dicina. Ao aceitar outra pastilha, dada também por Josué, Deolindo acrescentou: – E eu vou terminar depondo no processo, para testemunhar que também fui medicado por você. Deolindo foi, ainda, um discípulo da medicina judaica de Romberg e da medicina francesa de Jean-Martin Charcot, mestre de Freud e da patologia nervosa, com a definição dos primeiros sintomas da histeria. Deolindo foi igualmente um cientista atento e antenado aos solavancos modernizadores e aos cânones de sua profissão. Médicos antecessores Seus discursos eram límpidos e fluentes, sem um adjetivo a mais e um ad- vérbio a menos, que transcorriam, escorregadios, como um rio no seu leito, a deslizar de sua nascente até o estuário no oceano. Em sua vida, combinou maravilhosamente a arte de medicar com a magia de escrever. Camiliano fanático, chegou a possuir uma das maiores bibliogra- fias sobre Camilo Castelo Branco. Na ABL, Deolindo prosseguiu na linhagem dos magníficos médicos e cientistas, alguns dos quais por ela haviam passado antes dele, e outros fo- ram nela seus contemporâneos: Francisco de Castro, Osvaldo Cruz, Aloísio de Castro, Fernando de Magalhães, Miguel Couto, Miguel Osório, Antônio Austregésilo, Clementino Fraga, Afrânio Peixoto, Guimarães Rosa, Peregrino Júnior, Maurício de Medeiros, Silva Melo, Moacyr Scliar e Carlos Chagas, 8 Deolindo Couto, acadêmico e médico além de Ivan Lins e Afrânio Coutinho, que não chegaram a exercer a profis- são; e, atualmente, Ivo Pitanguy, um dos maiores nomes da cirurgia plástica em todo o mundo. No dia 9 de abril de 1992, a ABL comemorou o nonagésimo aniversário de Deolindo Couto, que disse: – Estou entrando na faixa etária dos 90 anos, onde encontro, já instalados, três outros colegas de velhice: Abgar Renault, Austregésilo de Athayde e Bar- bosa Lima Sobrinho. – Quero dizer-lhes apenas, imitando aquela anciã, que, nesta Casa, preten- do viver, no mínimo, mais 20 anos.
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