Manuel Heitor Pensar o Ensino Superior para 2020/30 J O 2º Ciclo do Básico: textos de Isabel Alçada, Ana Mª Bettencourt, P. Guinote e P. Abrantes /Educação

Edgar Pêra As suas 30 dimensões no Festival de Roterdão JORNAL Reportagem de Manuel Halpern PÁGINAS 6 E 7 DE LETRAS, ARTES E Mark Deputter IDEIAS Culturgest: 25 anos

Ano XXXVIII * Número 1261 * De 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 PÁGINAS 22 E 23 * (Cont.) €3,20 * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos com ligação a Lisboa Nélida Piñon A vida e a literatura Uma das grandes escritoras da nossa língua vai lançar em Portugal o seu novo livro, Uma Furtiva Lágrima. E aqui nos fala do seu singular percurso e da sua obra. Entrevista de Luís Ricardo Duarte e pré-publicação PÁGINAS 14 A 18

Biografia(s) Os testemunhos de Benjamin Moser, Freitas do Amaral, Joaquim Vieira, J.P. Castanheira e Leonor Xavier Camões Cooperação, cultura e língua DIANA TINOCO jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 J 2 * destaque ›breve encontro‹

David Lopes Não perceções, mas factos

A Pordata, uma base de dados estatísticos, uma coleção de estudos sobre temas atuais, uma linha editorial que tem procurado cobrir as diversas áreas de interesse dos portugueses, de uma forma acessível e fundamentada, e uma série de encontros com grandes especialistas portugueses e internacionais, o próximo no dia 12 de fevereiro, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, dedicado ao tema A mu- lher, hoje. Em 10 anos, a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) impôs a originalidade da sua missão, passando dos 'livros do pingo doce' a núcleo fundamental de conhecimento da realidade portuguesa. Em entrevista ao JL, David Lopes, diretor geral da instituição, fala-nos do trabalho realizado, já com os olhos no futuro.

Que balanço faz destes 10 anos da FFMS? David Lopes: A avaliação é muito positiva, sobretudo se tivermos em conta que somos uma organização jovem, ainda a cimentar a sua identidade e Obras da Coleção Arco Cordoaria Nacional Ana Jotta, Ângela Ferreira, os seus caminhos futuros. Também por isso permanecemos sempre insa- Antoni Muntadas, Carlos Bunga, Christian Boltanski, Filipa César, tisfeitos, na procura de sermos mais lidos e debatidos. Temos noção que 1,1 milhão de livros nas mãos dos portugueses é uma boa marca... Francesc Ruiz, Francisco Tropa, Gil Heitor Cortesão, Helena Almeida, Jarbas Lopes, John Chamberlain, Jorge Molder, Lucia Koch, Miguel Uma excelente marca... Ainda mais por se tratar essencialmente de Palma, Pedro Cabrita Reis, Rui Toscano, Thomas Ruff, Vasco Araújo, ensaios e estudos, por regra com baixas tira- Von Calhau! e Wolfgang Tillmans são alguns dos gens. Temos sido surpreendidos pela fome de conhecimento em relação a alguns temas. artistas representados em Criteria – Obras da Coleção Fundación ARCO/IFEMA, que se inaugura Por exemplo? Prevenir doenças e conservar a saúde, de hoje, 30, às 18h, na Cordoaria, galeria do torreão Francisco George, para referir um título já nascente, em Lisboa. A curadoria é de Miguel editado este ano. É o livro com mais vendas numa sessão de lançamento e já esgotou. Claro que o efeito cole- von Hafe Pérez que escolheu as 37 obras, respeitando o espírito ção também é importante. E tenho a certeza de que o volume sobre assumidamente internacional e multicultural da coleção, criada Inteligência Artificial, de Arlindo Oliveira, grande especialista português e internacional da matéria, vai ser outro grande sucesso. em 1987. Até 21 de abril.

Pela atenção à atualidade e novas áreas de conhecimento? Sim. São temas que ainda não tinham sido tratados em profundidade para o grande público. Como os do desperdício alimentar e da saúde mental dos portugueses. Por outro, ao abrir novas frentes descobrimos FESTIVAL DE DANÇA MOLDER REABRE JOÃO BARRENTO MIÚDOS A VOTOS que o que à partida podia parecer um subtema é, por si só, uma área EM GUIMARÃES CARPINTARIAS SOBRE CELAN isolada de investigação e divulgação. A sensibilidade do António Araújo, Debates, comícios e cartazes o diretor editorial, tem sido decisiva. Temos de falar dos temas centrais Victor Hugo Pontes é o Jeu de 54 Cartes, a mais re- João Barrento apresenta animam desde 26 de janeiro e clássicos (fiscalidade, demografia, educação ou ciência), mas podemos coreógrafo em destaque cente série de Jorge Molder, a conferência O poema é as mais de 600 escolas que já encontrar formas originais de o fazer. Numa época de retrocesso das no Guidance, que vai numa exposição que assinala solitário e vai a caminho sobre aderiram a «Miúdos a Votos: vendas em livraria, temos feito a diferença. ocupar vários espaços de a abertura das Carpintarias Paul Celan, a 9 fev, às 16, na quais os livros mais fixes?», Guimarães, de 7 a 17 de fev, de S. Lázaro, depois de sala Sophia de Melo Breyner, uma iniciativa da revista VISÃO Como definir a 'missão' da FFMS? com duas criações, Drama, obras de renovação. Com no Centro Cultural de Belém, Júnior e da Rede de Bibliotecas Há dois traços identitários muito fortes e sempre que nos afastamos que estreia no arranque do dois pisos e um terraço, Lisboa. O ensaísta, professor que cruza cidadania e literatu- deles nada corre bem. O primeiro é produzir conhecimento baseado Festival Internacional de este novo centro cultural de aposentado da Faculdade de ra. A ideia é que os alunos or- não em perceções mas em factos. Se possível estatísticas oficiais, numa Dança Contemporânea, e a Lisboa, num bairro histórico Ciências Sociais e Humanas ganizem um processo eleitoral, incorporação total com a Pordata. Partilhamos os factos e as pessoas fa- reposição de Fuga sem Fim, da cidade, propõe uma da Universidade Nova de campanha eleitoral incluída, zem com eles o que quiserem. O segundo, ainda mais definidor da nossa de 2011. programação vocacionada Lisboa e tradutor, nomeada- para votarem nos livros que identidade, é a forma como apresentamos as investigações aos leitores, Ao todo são apresentados 11 para a criação contemporâ- mente da obra de Celan, irá mais gostaram de ler. Aberta quer em edições em papel e digitais, quer em formatos novos (como espetáculos, seis dos quais nea. Além das artes visuais, refletir sobre a sua poética, a todas as escolas dos ensinos os televisivos). Só chegando ao maior número de pessoas cumprimos a em estreia, coproduções apresentará nos seus espa- num ciclo sobre a solidão que básico e secundário, esta nossa missão. com A Oficina e o programa ços teatro, dança, cinema, toma como nome o seu ver- iniciativa conta com o apoio da integra ainda conferências, música e haverá também so, "Sete Rosas mais tarde", Comissão Nacional de Eleições, Como vê a Fundação daqui a dez anos? debates, encontros em esco- lugar à gastronomia, em que decorrerá no CCB. Do ci- da Fundação Gulbenkian, da O desafio é não criar esse horizonte como objetivo e deixar que tudo las e oficinas para famílias. ligação com a comunidade clo, faz parte a peça A Criada Pordata e da Rádio Miúdos. A evolua naturalmente, sem nunca cercear ideias. Vamos continuar à Do estrangeiro vêm Wang multicultural envolvente. Zerlina, a partir de Hermann campanha eleitoral decorre procura de temas para os nossos livros, quem sabe se numa terceira Ramirez, com Everyness e Com o apoio da Fundação Broch, numa encenação de até 13 de março. As eleições coleção, evoluir em obras digitais, sabendo que o vídeo e o documentá- Michael Clark, que encer- Gulbenkian, decorre atual- João Botelho, com interpre- realizam-se a 15 de março. As rio são meios muito importantes de comunicação. O êxito da Fundação rará esta nona edição do mente a residência artística tação da atriz Luísa Cruz e escolas interessadas em parti- está na sua estratégia e organização, mas sobretudo na capacidade de Guidance, com To a simple, AiR Carpintarias 2018, com cenografia de Pedro Cabrita cipar ainda se podem inscrever agregar ideias, pessoas e talento. J LUÍS RICARDO DUARTE rock ’n’ roll… song. Miriam Simum. Reis. Estreia a 21 fev. em www.visaojunior.pt. J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt destaque * 3

Imprensa Nacional: um 2019 COMENTÁRIO com muitas e boas novidades JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS

É um ano, este de 2019, cheio de no- Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, vidades e de excelentes, e muitos deles incluindo desenhos dos dois cadernos Jorge, amado: ambiciosos, lançamentos da Imprensa de viagem de Ivens. Destaque especial Nacional. Começando pelas primei- merece também a edição, com a Casa ras, vem aí, com o apoio do Instituto da Achada, da importante e extensa a vida inteira Italiano de Cultura de Lisboa, uma obra de Mário Dionísio A Paleta e o coleção "Itálica", dirigida por António Mundo, um ensaio, há muito esgotado, Mega Ferreira, e que se iniciará com as que marcou uma época. E, em parceria Rimas de Michelangelo Buonarroti e com a Quetzal, a Conta-Corrente, de o último nº referi que, se possível, a propósito do tema de Guido Cavalcanti, em traduções de Vergílio Ferreira, ou seja: os Diários dessa e desta edição, lembraria aqui algumas obras e João Ferrão e A. Filipa Santos, seguin- que começou a escrever em 1969, aos coleções que tiveram largo curso entre nós, com títulos do-se a Poesia Completa de Giuseppe 53 anos, e a publicar a partir da década como A Obra e o Homem ou Vida e Obra, as quais não Ungaretti, traduzida por Vasco Gato. de 1980. sendo biografias de certa forma também o 'pretendiam' Num domínio que constitui uma das Haverá, como sempre, muitos ser. Impõe-se-me, no entanto, escrever antes sobre 'especialidades' da Casa que agora clássicos da Literatura Portuguesa, uma biografia para mim muito especial, acabada de sair no Brasil - e chega aos 250 anos de existência, Mário Soares Obras Completas incluindo uma nova edição da Poesia Nque espero sem demora seja editada, ou pelo menos distribuída, em a maior novidade será a edição das de Sá de Miranda, a continuação dos Portugal. Uma biografia que li com um raro misto de interesse, de gosto Obras Completas de Mário Soares, Ensaios Pessoanos, etc. E prossegui- e até de uma espécie de prazer mesclado de melancolia - por ter sido coordenadas por José Manuel dos rão, ampliando-se, as coleções de verdadeiramente muito amigo e admirador do biografado, uma das Santos, coadjuvado por uma equipa de do Campo - Os Meus Primeiros Contos, poesia (com a edição, por exemplo, pessoas (se não a pessoa...) de maior sabedoria e riqueza humana que investigadores e um conselho cientifi- publicados em 1876. Continuam do livro de José Luís Tavares que conheci: e já conheci muitas, incluindo escritores de primeiro ou pri- co. A coleção começará com As Ideias também, claro, as Edições Críticas venceu do Prémio INCM/VGM 2018, meiríssimo plano. Políticas e Sociais de Teófilo Braga, de Pessoa e Garrett. E na "Biblioteca de versos do brasileiro Paulo Leminksi A biografia é de e dela se dá breve notícia na p. 11. sua dissertação de licenciatura em Eduardo Prado Coelho" sairão as e de uma antologia de Nemésio, por Comecei a lê-la, confesso, também com um certo receio. Como conse- Histórico-Filosóficas, com anotações Crónicas — Política Cultural, com orga- Pedro Mexia), de design, de pequenas guir dar, revelar, contar o essencial de uma vida tão intensa, tão diversa, inéditas de António Sérgio. Segue-se, nização de Margarida Lages. biografias, de "o essencial sobre", de tão cheia de ação, de combates, de participação em acontecimentos his- despertando desde já 'curiosidade', o Duas outras novas coleções serão a ensaios ("olhares"), da "Série PH", de tóricos, de encontros, convergências e divergências, com outras figuras 1º volume da Correspondência Cultural. de Estudos de Religião, organizada pelo infanto-juvenis, etc. famosas do século XX? Uma vida tão cheia histórias, viagens, livros, mu- Em matéria de Obras Completas, Centro de Estudos da Universidade Uma série de projetos e lançamen- danças mas sempre por convicção e na busca do melhor caminho, com além da continuação das que estão em Católica Portuguesa, com A tos numerosos e excelentes, de que uma imensa generosidade e um profundo humanismo. Dar o essencial curso - como as de Bocage, Manuel Teologia Ficcional de José Saramago: aqui só de pode dar uma ideia, que e também, se assim me posso exprimir, o circunstancial significativo, Teixeira Gomes, Vitorino Nemésio e Aproximações entre o Romance e a se conclui com mais três destaques indispensável para ter cor, sabor e até autenticidade a narrativa? José-Augusto França, noutro campo Reflexão Teológica, de Marcio Cappelli, avulsos: o Teatro Completo de Natália Felizmente, com a ressalva que à frente se faz, esse receio não tinha Aristóteles -, haverá outras novas. como um dos primeiros títulos; e a Dos Correia, e, enfim, uma coletânea de razão de ser. O início da obra parece por vezes um pouco vacilante, po- Casos das de Maria Ondina Braga, em Itinerários Portugueses, dirigida por crónicas de Nuno Brederode Santos, dendo não prender logo o leitor para a história de uma vida mais do que de coleção coordenada por Isabel Cristina Ana Paula Avelar, com as obras que a organizada por sua irmã Maria Emílis romance, mas de imediato se vê estar-se perante um trabalho sério, com Mateus e Cândido Oliveira Martins, e integrarão quase sempre acrescidas e por Maria do Céu Guerra, e, num só uma investigação ou, na expressão das de Francisco Teixeira de Queirós, de novos conteúdos - como acon- volume, Espelho do Príncipe e Invenção brasileira, uma "apuração" apro- com edição de Manuel Curado, Ana tecerá com o 2º volume de Viagem do Desenho, os dois livros das Ficções fundada, cuidada e criteriosa. E o Lúcia Curado e Patrícia Gomes Leal. A de Capelo e Ivens pela África (1884- da Memória de , livro vai sempre ganhando ritmo abrir esta o 1º volume da série Comédia 1885) ou De Angola à Contracosta, de Prémio Camões em 2014.J e interesse de leitura, constituindo Uma francamente boa uma biografia francamente boa. biografia de quem Na qual, porém, como não podia “teve como divisa deixar de ser, falta muita coisa Gonçalo M. Tavares Correntes d’Escritas: que lá poderia estar, a valorizaria “viver ardentemente” e tornaria ainda mais completa e em hindi e bengali 20ª edição em grande e não cabe em atrativa. Mas como num só livro caber tudo de uma vida assim? - do nenhum livro precoce "menino grapiúna", com experiências e aventuras formi- Gonçalo M. Tavares foi Sergio Ramirez, Milton Hatoum, Juan Vicente dáveis, ao escritor com o primeiro um dos convidados do Piqueras, Juan Gabriel Vásquez, Luis Sepúlveda, Ignácio romance aos 19 anos e aos 23 já chegando à fama, autor de livros com a Festival de Jaipur, na Índia, de Loyola Brandão e David Toscana são alguns dos qualidade de Jubiabá; ao dirigente comunista, Prémio Staline, preso e onde esteve presente no cerca de 130 autores de 20 nacionalidades que vão estar exilado, companheiro de Chaplin, Picasso e Neruda no que então se cha- lançamento da tradução presentes na próxima edição das Correntes d’Escritas, o mava o combate pela "paz"; ao homem de enorme abertura de espírito, para duas das principais encontro de escritores de expressão ibérica organizado com amigos e admiradores em todos os quadrantes, militante defensor da línguas indianas do seu pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, que em liberdade e de todas as liberdades; ao romancista capaz da viragem, sem livro Os velhos também 2019 celebra em ritmo de festa duas décadas de promo- negação ou quebra de coerência, na sua obra que Gabriela iniciou; à força querem viver. A obra, publi- ção do livro e da leitura. Jorge Carlos Fonseca, escritor e da natureza, de vitalidade e sensual alegria de viver que sempre foi a sua, cada em 2014, na Editorial presidente de Cabo Verde, é o convidado para a confe- até aos tão injustos anos finais de grave doença cardíaca, quase cegueira e Caminho, foi traduzida rência de abertura, dedicada ao tema As Letras da Língua depressão; etc., etc. para hindi e bengali, respe- e a Mobilidade dos criadores na CPLP, nesta 20ª edição A autora, a jornalista Joselia Aguiar, teve bem a consciência dessa tivamente por Shiv Kumar em que outras figuras que ‘abriram’ as Correntes tam- impossíbilidade de meter numa biografia como esta todo o Jorge Amado. GMT em Jaipur Singh e Rita Rayg. bém estarão presentes, tal como antigos vencedores do E assumiu que muita coisa teve de deixar de fora, e mesmo que fossem Autor de dezenas principal galardão do festival, o Prémio Casino da Póvoa. vários os volumes sempre muito ficaria de fora. Até porque, talvez mais de títulos, entre os quais A máquina de Joseph Walser, A programação, que decorre no Cine-Teatro Garrett, e do que ninguém, Jorge, que tinha como divisa "viver ardentemente", Jerusalém, prémio José Saramago em 2005, Aprender a não só, principalmente entre 19 e 23 de fevereiro, com não 'cabe' em nenhum livro, nem nos livros todos. Pelo menos para rezar na era da técnica, Uma Viagem à Índia, Atlas do corpo atividades antes e depois, inclui ainda mais de 40 lança- quem teve a sorte de ser seu amigo e ter o privilégio da sua amizade, de e da imaginação, Canções mexicanas ou Uma menina está mentos, dezenas de mesas-redondas e uma multiplici- testemunhar e sentir, repito, a sua imensa generosidade e humanidade. perdida no seu século à procura do pai, Gonçalo M. Tavares, dade de atividades paralelas, de visita às escolas a ciclos Enfim, uma biografia a não perder - e que, para de certa forma a pro- nosso colunista, é um dos mais traduzidos escritores de cinema, das exposições às sessões de poesia, passado longar ou na medida do possível completar, não dispensa, antes exige, portugueses de sempre. Atualmente estão em curso tra- por oficinas de escrita criativa e um debate em Lisboa, a (re)leitura do seu excelente Navegação de Cabotagem - Apontamentos duções de obras suas para 40 línguas, em 54 países. J no Instituto Cervantes (a 27 de fev). J para um livro de memórias que jamais escreverei. J jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 J 4 * destaque

› breves‹ André Amálio (Hotel Europa) E PORTUGAL, a última das conversas em torno da obra do cineasta, no âmbito da Amores pós-coloniais no D. Maria II retrospetiva integral da sua obra, hoje, 30, às 18 e 30, na Cinemateca, Lisboa. Com António Preto, Augusto M. Seabra e Manuel S. Fonseca. O amor em tempos de coloniza- como se conta, mas retiradas, por ARNO BRANDLHUBER, arquiteto e ção, ou como a “História se reflete vezes até às suas línguas”. ativista alemão, que tem defendido uma na vida pessoal, em cada caso amo- E, em contraponto, surpreende- dimensão política da arquitetura, apresenta roso” e “as memórias permitem ram também as “histórias bonitas conferência, a 5 fev., no CCB. Integra-se no olhar criticamente a História que de soldados que amaram e voltaram ciclo Distância Crítica, da Trienal de arquite- julgamos saber”: esse é, segundo o com essas famílias”, assim como a encenador André Amálio, o ponto de uma mulher branca que casou tura de Lisboa. de partida do espetáculo Amores com um negro, apesar das reações Pós-Coloniais, que a companhia negativas dos familiares e que dizia AREAL/3, uma exposição que reúne Hotel Europa estreia a 7 de feverei- que “o namorado não era preto, três gerações de artistas de uma mesma ro, no Teatro Nacional D. Maria II porque os pretos eram criminosos família, António, Sofia e Martim, organi- (TNDMII), Lisboa. na sua cabeça”: “É um pensamento zada pelo Museu Carlos Reis e pela Galeria Em cena três atores, uma bai- que continua a existir na sociedade Neupergama, com o apoio da Fundação larina e dois músicos, para uma e ainda hoje os casais têm que lidar Gulbenkian - 34 obras de pintura, escultura, demanda: “Procuramos perceber com estas questões, porque há todo fotografia e desenho, na Praça do Peixe, como as relações amorosas eram um processo de descolonização do Torres Novas. Até 10 março. condicionadas e limitadas pelo pensamento que não foi feito e não pensamento colonial, e o modo é fácil”.

UMBRA, uma produção do coletivo como marcou o espaço privado, no FILIPE FERREIRA O teatro, em seu entender, pode Amores Pós-Coloniais Uma peça que procura perceber como as relações Bestiário, estreia a 7 Fev., na Escola de passado, e continua a marcar no contribuir para esse debate que, presente”, adianta o encenador ao amorosas eram condicionadas e limitadas pelo pensamento colonial aliás, acentua, está a ser feito em Mulheres, Clube Estefânia, Lisboa. Direção JL. “E olhamos para trás, para per- várias criações artísticas. “Há um de Miguel Ponte, interpretação de Afonso ceber como nos debatemos ainda movimento de pessoas e artistas Viriato, Teresa Vaz e Joana Petiz. com essas questões do colonialismo que querem discutir estas coisas que, embora silenciosas, continuam dida “o amor pode contribuir para zado na sociedade portuguesa, o e trazê-las para a praça pública”, PAULO REIS E TIAGO GONÇALVES a ter importância nas relações entre uma mudança de mentalidades, do que se consegue ver em diversas acrescenta. “O teatro documental lançam nova editora, a NO FRAME namorados, amantes, mesmo entre pensamento estruturante”. manifestações, como o vieram tem a capacidade de investigar e - CREATIVE PUBLISHING, dedicada à pais e filhos, porque olhamos o Nesse sentido, foram previa- demonstrar recentes incidentes”, procurar respostas noutras fontes fotografia, ilustração, design, publicidade amor em sentido lato”. mente feitas várias entrevistas sustenta. e recolher provas, documentos, e arquitetura, com quatro títulos iniciais. Amores Pós-Coloniais é o pri- com antigos soldados da guerra Foi a partir das memórias reco- ajudando a compreender melhor Apresentação a 9 Fev., às 16, na LX Factory. meiro espetáculo de um novo ciclo, colonial, pessoas que vieram para lhidas que se constituiu o corpo do a complexidade destas questões e da Hotel Europa, justamente sobre Portugal quando eram meninos, espetáculo. “O processo de entre- transmitindo-o a um público vivo”, ENRICO RAVA , o trompetista italiano, o amor, na sequência do tríptico órfãos adotados pelo Exército por- vistas orienta todo o nosso trabalho. salienta. “Agrada-me em particular referência do jazz, com o seu quarteto a 2 sobre o colonialismo que a compa- tuguês, casais de brancos e negros. Particularmente marcantes foram a possibilidade de articular pensa- fev., auditório de Espinho. nhia codirigida por André Amálio “Uma variedade de testemunhos”, os casos de relacionamentos, alguns mento e arte, ativismo e teatro”. e Tereza Havlíčková apresentou, faz notar Amálio, que “permite longos, de soldados portugueses A recetividade do público aos com os espetáculos Portugal não debater como afinal o amor é um com mulheres africanas, de que espetáculos tem sido encorajadora. CASAL ABERTO, de Dario Fo, com é um País Pequeno, Passa-Porte lugar político, como sobreviveu nasceram filhos, por vezes abando- E foi com o fito de pôr em cena as tradução de Io Appolloni, encenado por Rui e Libertação. Criada em 2015, na ao condicionamento da narrativa nados ou que nem sequer conhe- questões do pós-colonialismo e do Dionísio, um espetáculo do grupo Cegada sequência do encontro do ator e en- criada sobre o colonialismo por- ceram e reconheceram, quando multiculturalismo que desde logo , em cena no Teatro estúdio Ildefonso cenador português e da coreógrafa tuguês, o lusotropicalismo, todas voltavam ao país”, diz Amálio. nasceu a Hotel Europa. “A compa- Valério, Alverca do Ribatejo, até 10 fev. checa num mestrado no Goldsmiths essas questões que vêm à superfí- “E marcou-nos sobretudo pela nhia surgiu porque eu e a Tereza co- College, em Londres, a sua proposta cie, quando começámos a escavar dimensão da frequência, embora se meçámos a discutir os nossos pas- ALEGRIA que vem, um filme-ensaio É fazer um teatro documental, com as diversas camadas históricas”. O continue a fazer de conta que não sados, os esqueletos no armário que de Eduardo Jorge de Oliveira, resultado do o projeto de contribuir para “des- objetivo é também “olhar de forma existiu. Impressionou-nos também sempre existem, portas fechadas encontro do realizador com os filósofos colonizar o pensamento e a História crítica a história que nos tem sido o caso das crianças adotadas pelo que ninguém quer abrir”, explica. Jean-Luc Nancy, em Estrasburgo, e Maria portuguesa”, como adianta ainda contada, a narrativa que todos os exército português, muitas vezes os “Estamos agora a debruçar-nos Filomena Molder, em Lisboa, é apresentado Amálio. países que foram antigos impérios que ficavam para trás, depois dos sobre o colonialismo, mas também a 1 fev., às 21 e 30, na Cinemateca. Com Uma “missão” que no ciclo ante- coloniais construíram e que as raides às aldeias, ou mesmo aqueles queremos falar sobre o fascismo, o rior implicou a atenção a períodos verdadeiras histórias das pessoas a quem os soldados mataram os comunismo, o passado dos nossos conversa sobre a alegria, com o cineasta e e momentos históricos concretos, que viveram esses tempos acabam pais, as mães. E essas crianças, países e da própria Europa”. a filósofa. perscrutando experiências de vida por desconstruir, todo um lado agora homens, muitos anos mais A seguir a Amores Pós-Coloniais, em passadas, e que agora assume uma de opressão apagado dos nossos tarde, começaram a procurar as cena na sala estúdio do TNDMII, até SOPHIA, um espetáculo do Teatrão, maior amplitude presente, tentando livros”: “O pensamento colonial suas famílias de origem e percebem 24 de fevereiro, virão os Amores de construído com base na obra da escritora, compreender também em que me- ainda está profundamente enrai- que na verdade não foram salvas, Leste. J MARIA LEONOR NUNES integrado nas comemorações do seu cente- nário, em reposição na Oficina Municipal de Teatro, Coimbra, até 16 fev.

ANGÉLICA LIDDELL, dramaturga, Serralves: 20 anos de Museu, 30 de Fundação encenadora e atriz espanhola, traz o seu mais recente trabalho, The Scarlet Letter, a 1 e 2 fev., à sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa. Uma grande exposição, que irá Em outubro, uma mostra iniciativas que marcam as come- ou no domínio das artes perfor- percorrer seis décadas de arqui- monográfica das obras de Paula morações. mativas, da música e das confe- tetura de Álvaro Siza. Intitula-se Rego da coleção de Serralves e Os 30 anos da Fundação de rências. Para já, a 14 de fevereiro, LINDOS DIAS!, de Samuel Beckett, (in)disciplina e será um dos acon- uma antológica de Pedro Cabrita Serralves serão, entretanto, inaugura-se I’m your mirror, de uma encenação de Cucha Carvalheiro, com tecimentos que, em setembro, Reis, com peças dos anos 80 à festejados em Julho com uma Joana Vasconcelos, antológica produção das Causas Comuns, volta à cena assinalará os 20 anos do Museu atualidade, o regresso de um dos grande exposição, Celebrar a co- coorganizada com os Museus em fevereiro. Até 3, no Teatro Meridional, de Arte Contemporânea de artistas que esteve patente nas leção. Mas o programa das festas Guggenheim, Bilbao, e Kunstahl, Lisboa, no Teatro do Bolhão, Porto, a 8 e 9 e Serralves, cujo edifício foi proje- primeiras exposições depois da decorre ao longo do ano com Rotterdam comissariada por em Almada a 15 e 16. tado justamente pelo arquiteto. abertura do museu, são outras diferentes iniciativas expositivas Enrique Juncosa. J J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt * 5 VITORINO

Amor de Nunca Mais, a única peça de teatro de Vitorino Nemésio, foi publicada e representada em 1920, tinha o autor dezanove anos. A partir daí não voltou a ser editada. Dois livros de contos, Paço do Milhafre, de 1924, que o autor assume ser a sua primeira obra de ficção, e O Mistério do Paço do Milhafre, de 1949, definem a escrita insular de Nemésio, que faz da ilha um espaço simultaneamente de partidas e regressos. As três obras integram o primeiro volume da série Teatro e Ficção da Obra Completa de Vitorino Nemésio, coleção editada em parceria pela Companhia das Ilhas e pela Imprensa Nacional.

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Cayatte (soberba) e Dominique Pinon. A sessão estava cheia e Festival de Cinema de Roterdão o público parecia rendido às 30 dimensões do cinema de Edgar As 30 dimensões de Edgar Pêra Pêra. A CABEÇA DE CATARINA W. E O INTERIOR DE ICO COSTA Nem só de Edgar Pêra se fez a presença portuguesa em Até 3 de fevereiro, decorre o 48.º Festival Internacional de Cinema de Roterdão (Holanda), Roterdão. Uma das maiores um dos maiores da Europa, com largas dezenas de filme de todo o mundo. Uma das surpresas foi Tragam-me a cabeça de Carmen M, grandes ‘estrelas’ da presente edição é Edgar Pêra, com uma retrospetiva, em 26 sessões, filme realizado a meias por Felipe Bragança e Catarina que mostra a o extremo vanguardismo e originalidade do seu cinema. O JL falou com o Wallenstein. Uma inesperada realizador e acompanhou os primeiros dias do festival, que teve mais cinema português, estreia na realização da atriz portuguesa, em grande estilo. como a estreia na realização de Catarina Wallenstein, a primeira longa de Ico Costa e o novo O filme partiu de uma parceria documentário de Aya Koretzki com Felipe, numa outra obra, ainda em pós-produção, chamada Um Animal Amarelo. Manuel Halpern, A base é um jogo de espelhos Em Roterdão feito com a própria história de - uma portuguesa que emigrou Se nos pedissem para dividir para o Brasil e ousou cantar a a presente edição do Festival música dos negros, desafiando Internacional de Cinema de todas as convenções e sendo Roterdão em dois grupos, pioneira na ideia de mistura, poríamos de um lado as de fusão entre mundos. No diversas secções - com filmes filme, Catarina também é de novos realizadores, e de uma atriz portuguesa que outros já consagrados, curtas ousa ‘emigrar’ para um filme e longas, ciclos temáticos - e brasileiro e ‘apropriar-se’ do outro a Retrofuturospetiva daquelas canções. Realizado de de Edgar Pêra. O realizador forma enérgica e emergente, a português vem de um mundo obra com uma aberta intenção à parte. Um alienígena que política, cria uma ponte para a caiu nas malhas da sétima situação atual do Brasil. arte para construir uma outra Também em Roterdão, coisa. E o que é extraordinário estreou-se Alva, primeira é que, passados todos este longa de Ico Costa, realizador anos e filmes (mais de uma multipremiado. E, mais uma centena de filmes), em que vez, um grande filme. A criou um público próprio, de história de um crime numa culto, dentro e fora de portas, a ladeira da Beira Interior. Mas sensação permanece a mesma: Caminhos Magnétykos Um dos filmes de Edgar Pêra em destaque no festival de Roterdão mais do que um policial ou o cinema de Edgar Pêra um thriller, Ico propõe-se a a continua preso ao futuro. acompanhar a jornada de um Este título, homem, que vive isolado, num Retrofuturespektive, assim ou o pseudo-blockbuster uma ficção científica em que de Pimenta, também elas casebre na floresta, e se refugia chamado pelo programador Virados do Avesso. Muito dos faz do futuro o passado, com subversivas e fora dos durante dias no mato para Olaf Müller, não poderia ser seus filmes aparecerem em uma marcada mensagem sistemas. Uma intensa obra fugir à polícia. Um filme quase mais certeiro. Fica sempre novas versão, com Lx Manual política anticapitalista, poética e cinematográfica, sem palavras e também sem a sensação, ao olhar para de Evasão, que está que ganhou pertinência coerentemente frenética. qualquer julgamento moral, a produção do realizador em constante mutação, ou e novas leituras com os Não obstante tudo isto, que nos mergulha no abismo português, que todos este A Janela, desta vez na versão acontecimentos recentes na o momento alto do Festival humano e vive muito da passado faz parte de um Don Juan Mix. É que, como Europa, Estados Unidos e aconteceu quando no extraordinária expressividade futuro inalcançável. Não é se não bastasse a sua imensa Brasil. LantarenVensten, magnífico de Henrique Bonacho, um que se trate de um realizador produtividade, Edgar Pêra O ator francês Dominique cinema com projeto de Siza não ator (profissional) que de ficção científica - Edgar está constantemente a retocar Pinon faz o papel de um pai Vieira, o público holandês empresta ao filme um olhar já experimentou todos os várias das suas obras. desesperado com o casamento experienciou, com velhos quase documental. Esperamos géneros - referimo-nos antes Em Caminhos Magnétykos, da filha - que simboliza a óculos 3D nos olhos e a boca ansiosamente pela sua estreia a um estilo, de uma energia regressa ao seu estilo covarde submissão a um geralmente aberta, o cine- em Portugal. fervilhante, do qual sobressai formalmente mais arrevesado, regime fascista. Tem uma koncerto Lovecrafland. O festival também recebeu sempre a ideia de uma forma com constantes sobreposições interpretação visceral, Edgar Pêra faz este género o novo documentário de instintiva de fazer cinema, de imagens, efeitos sonoros assim como a surpreendente de performance desde o Aya Koretzky, A Volta de rasgar a tela, de atingir e e visuais. Ver o filme é uma participação de Ney início dos anos 90, sempre ao Mundo quando tinhas espantar o espectador. Um experiência visual intensa, Matogrosso, no papel de um com admiráveis resultados, 30 anos, que já se tinha realizador verdadeiramente um pouco como andar de médium/bruxo, líder da mas desta vez construiu estreado no DocLisboa, e independente e incansável. montanha russa, graças à revolução individualista. algo especialmente apurado. parte novamente de uma Em Roterdão, estão montagem e à ideia de loop O filme estrear-se-á em sala Partindo de textos de H.P. história pessoal. Passou agendadas 26 sessões com visual e narrativo - como ainda esta ano, assim como Lovecraft e de uma base de ainda Anteu, curta de João o realizador, com obras que se o próprio argumento se O Homem-Pykante, que talvez imagens, fez uma manipulação Vladimiro, que esteve no vão desde uma compilação construísse em espiral, no seja uma das obras maiores e fusão ao vivo de som e Curtas de Vila do Conde. O de curtas metragens dos diálogo entre a sucessão de de Edgar. Neste último, feito, imagem, com recurso a 3D, Festival, que mobiliza toda a primeiros temos, à antestreia factos e a angústia interior em parte, através de imagens em que os espectadores se cidade, decorre em espaços da longa Caminhos Magnéticos, da personagem. Partindo do seu imenso arquivo tornam, literalmente, parte do magníficos, com verdadeiras passando pelo documentário/ novamente de Branquinho da pessoal, a linguagem de filme. Isto com música ao vivo salas de cinema, muitas vezes homenagem a Alberto Fonseca (é a terceira vez que Pêra funde-se com a poesia de Paulo Furtado (Legendary cheias, que fazem de cada Pimenta, O Homem-Pykante, adapta o escritor), constrói e a atividade performativa Tigerman) e as vozes de Íris filme um acontecimento. J J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt destaque * 7

Não te sentes um extraterrestre no cinema? “O teatro é melhor do que o cinema” É como diz o Lovecraft, não inte- ressa se apenas sete pessoas vão compreender o meu trabalho, o que interessa é que seja a expres- são autêntica de mim próprio. Se Homenageado no Festival de com todos. Mas com alguns, como for verdadeiro na minha autoe- Roterdão, Edgar Pêra conversa com Manual de Invasão, em que o filme xpressão, com sorte vou parar a o JL, sobre a retrospectiva e o seu se transformou numa performan- caminhos por onde os outros não olhar sobre o cinema. ce. Todas as cópias são pintadas de foram. Claro que há outros filmes maneira diferente. Não existe um em que vejo que os realizadores JL: Quantos filmes já fizeste? original. Este último foi criado à também tentaram ir o mais longe Edgar Pêra: Não sei. Parei de contar volta da ideia de cinema puro, pin- possível. aos 100. tando-se na película, como fazia o Norman McLaren. Fizeste um filme concerto Como foi feita a seleção para deslumbrante aqui em Roterdão. O Roterdão? O cinema é tido como uma arte que há de fixo aqui? Eu tinha uma proposta, mas complexa e cara. Mas a tua É muito performativo. Depende da quem tomou as decisões foi o Olaf extraordinária produtividade sala, do ambiente, dos atores. As Müller. O mais inesperado é que faz sugerir que não tem que ser pessoas que foram àquele espetá- os Movimentos Perpétuos foram tão complicado como isso, que culo podem dizer que viram algo preteridos pelo Virados do Avesso, também há uma maneira mais que mais ninguém viu. E gosto porque ele viu o filme despido de rápida de fazer cinema... muito dessa ideia. É totalmente preconceitos e viu uma continui- Demorei quatro anos a fazer A definitivo. Por isso é que digo que o dade de A Janela, e outros filmes, Janela, um ano e meio a fazer Os teatro é melhor do que o cinema. apesar do guião não ser da minha Caminhos Magnétykos. A ques- Edgar Pêra "Talvez tudo isto parta do meu fascínio pelos Legos" autoria. Por isso, ele construiu uma tão é que sempre fiz coisas pelo Quanto mais perto de tocar no visão à volta dos meus filmes. meio. Enquanto estou à espera, na público. O teu ideal era que o fase de preparação, tenho tempo público entrasse para dentro Dizes que o teatro é melhor do para outros projetos, até porque técnicos... E não dás uma margem possam encaixar uns nos outros. do ecrã e o ecrã para dentro do que o cinema, por ter a nobreza uns filmes alavancam outros. Os muito grande a ti próprio na Os planos têm que ter esse lado público? de ser feito apenas para o público meus filmes mais longos são muito montagem? orgânico, de poderem existir em Sempre quis ter um ecrã que fun- daquele espetáculo. É por isso que bem preparados e pensado, não é Um guião só se escreve na mon- diferentes contextos. Essa permu- cionasse como espelho. Interesso- que refazes constantemente os experimentalismo puro. Sou um tagem. Eu vou filmando várias tabilidade permite-me centenas me pelo espectador tanto ou mais teus filmes, como uma tentativa de realizador experimental apenas em situações possíveis, acrescentando de hipótese em relação a uma do que Hollywood. Só que não é chegar a esse lado irrepetível do alguns projetos. ideias e depois na montagem junto sequência. Mas quando se começa para fazer dinheiro. Posso agredir, teatro? os pedaços. Talvez tudo isto parta a montar, como que se define um chocar, seduzir. Mas tudo isso O sarilho é quando tenho de ver os Trabalhas de forma muito livre, do meu fascínio pelos Legos. A padrão e tudo o resto tem que ir revela que estou muito interessado filmes outrasAmarante_jornal-letras_corrigido.pdf vezes. Não se passa 1 21/01/2019dando autonomia 09:44:29 aos atores e ideia é juntar elementos que se atrás. nele.J

Amarante_JL_1261.indd 1 21/01/2019 09:46:17 jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 J 8 * tema › Biografia(s) ‹

Como anunciamos, continuamos nesta edição o Tema sobre Biografia(s) iniciado na anterior com textos de Miguel Real, Eugénio Lisboa e Maria Antónia Oliveira, e entrevista a Ruy Castro. Assim, publicamos de seguida uma entrevista com o norte-americano Benjamim Moser, autor de uma magnífica biografia de , e de outra sobre Susan Sontag a sair em breve, e as respostas a um nosso inquérito de quatro autores portugueses de biografias de várias ‘espécies’, dimensões e ambições, aos quais JCV se referiu no seu comentário da última edição. Três desses autores - Diogo Freitas do Amaral, José Pedro Castanheira e Leonor Xavier - respondem em separado a cada uma das perguntas, Joaquim Vieira trata- as em conjunto: sendo este, aliás, quem entre nós mais tem cultivado o ‘género’, com biografias de fôlego entre as quais a muito recente sobre José Saramago, pedimos-lhe também que desta especificamente falasse. Damos ainda ‘notícia’, sem prejuízo do poder voltar a elas, de duas substanciais biografias acabadas de sair, respetivamente no Brasil e em Portugal, de Jorge Amado e de Calouste Gulbenkian. E no próximo nº publicaremos ainda o texto/testemunho do autor de uma biografia diferente, José Paulo Cavalcanti Filho, a “quase autobiografia” de Fernando Pessoa, já editada em 11 países Benjamin Moser ‘Se não fossem literatura, eu não as faria’

Manuel Halpern que permite o florescimento deste tipo Seria possível escrever sobre um escritor de História e biografia como ferramen- que admirasse menos. Na Clarice ta que ajuda a compreender o passado. comecei pelo lado de admiração, de Sei que antigamente alguns estudantes me aproximar e me apaixonar por ela. portugueses eram obrigados a me- Mas muitas vezes isso não basta, porque morizar excertos d’Os Lusíadas. Isso é tal até pode cegar ou deturpar o olhar. exatamente o contrário do espírito do Com a Sontag foi difícil. Porque ao lado historiador, que tem de ter liberda- de todas as coisas fabulosas, fez na vida de para interpretar. No Brasil, por muitas coisas que não admiro. O que exemplo, não sabem fazer biografias, compreendo, mas é difícil escrever sobre porque as pessoas se autocensuram isso sem que o leitor perca a simpatia muito. Em muitos países, funcionam por ela. Todas as pessoas têm coisas boas Autor de aPorquê este Mundo, a extensa como uma extensão do jornalismo e e más. E, se eu fizesse uma biografia de biografia de Clarice Lispector, na qual não da História ou da Crítica Literária uma santa, seria muito menos rica. trabalhou cinco anos, responsável pela e Cultural. tradução e coordenação editorial da Até onde o biógrafo pode ir? Há algum obra da escritora brasileira em língua Um bom biógrafo deve conciliar tudo ponto que não deve ultrapassar? inglesa, Benjamin Moser acaba de isso? A capacidade de investigação, de Há, mas é muito difícil saber qual, de- terminar um outro e extenso volume, a escrita e de análise e interpretação… pende das circunstâncias. Houve coisas biografia de Susan Sontag, que demo- Compilar e confirmar factos é impor- na Sontag que não incluí porque a ma- rou sete anos a escrever e será publica- tante, é o que faz o jornalismo. O en- neira como se lê é muito equívoca… Eu da nos Estados Unidos em setembro. saio requer uma sensibilidade própria, já briguei com muitas pessoas na vida, Este americano do Texas, nascido em uma maneira de trazer o passado para já tive várias relações que acabaram 1976, que domina o português e cinco a atualidade. Clarice Lispector tem mal e se calhar até disse coisas que não outros idiomas, fala das suas biogra- uma obra densa, complicada e vasta, devia. Se deixarmos isso dentro de um fadas como se falasse de filhas. Após que precisa de uma interpretação. Não retrato, fora do contexto, sem outras ter vivido vários anos na Holanda, bastam os factos. Há a tentativa de coisas que expliquem o sentimento, estabeleceu-se em França, sem nunca vincular as grandes figuras do passado dá-se uma imagem da pessoa que não abdicar de um olhar atento e inter- à atualidade. Infelizmente, o que se é justa. É verdade que tal pessoa disse ventivo sobre os países do seu coração. passou com a Sontag é muito atual. Ele isso, mas a verdade maior da pessoa é Recentemente escreveu um artigo, na Benjamin Moser O biógrafo de Clarice Lispector e Susan Sontag teve de lutar contra algumas políticas outra. Tem que se encontrar um equi- Folha de São Paulo, denunciando um que estão a aparecer hoje. líbrio. Não ocultei nada. O lado feroz discurso antissemita do governo de fica lá, de qualquer forma…. Mas todos Bolsonaro e regularmente intervém Uma biografia é um livro com dois nós sabemos que a vida não é fácil e é contra a América de Trump. que conheço bem, a biografia quase autores? muito longa. Para escrever os seus livros correu o não existe. Há um registo cronológico Não, a minha biografia da Clarice mundo a recolher informações sobre as de factos, mas enquanto objeto literário Lispector é um livro apenas meu. Ainda A biografia é sempre um trabalho escritoras, agora corre o mundo a falar a biografia é considerada um género Se a Clarice precisar há pouco estava a preparar um caderno inacabado? sobre elas. Mas confessa, ao JL que, se anglossaxónico. Em inglês, todo o de alguma coisa, eu de fotografias para a biografia da Sontag. O Alberto Dines dizia que uma vida pudesse, mudava-se para Portugal. grande escritor tem a sua biografia, E E nele percebe-se bem como cada olhar termina, mas uma biografia não ter- são geralmente obras complexas. Por “vou fazer, eu tenho que é diferente. Aqui é a mesma coisa. O mina nunca. E é verdade que surgem JL: A biografia pode ser considerada exemplo, a minha biografia de Susan cuidar dela biógrafo deve ser sensível, deixar trans- sempre coisas novas. O que soube um género ou subgénero literário? Sontag tem 832 páginas. E se não fosse parecer o seu olhar, caso contrário faz sobre a Clarice nos últimos seis anos Benjamin Moser: Na língua inglesa há literatura eu não a faria. uma mera compilação de factos. daria para rescrever várias partes do uma tradição magnífica de biografias, livro. Mas para mim o livro está termi- desde que James Boswell fez a famosa Podemos então chamar-lhe literatura tro género. Os anglo-americanos, ape- Clarice Lispector foi uma sua paixão. nado. Não há uma fotografia definitiva. biografia do dr Johnson, no século de não ficção? sar da suas decadência atual, sempre Seria possível escrever o livro sem esse Mas há uma fotografia tirada em deter- XVIII. Na França e na Holanda, países Sim. Como a História ou qualquer ou- tiveram liberdade de expressão. É isso sentimento profundo? minado momento e assim fica. Eu não J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt BIOGRAFIA(S) tema * 9

sou da escola de ficar mexendo numa › 1) O que faz uma boa biografia e qual a sua importância? É o mesmo, biografia o resto da vida. Já mudei coi- ou pode ser diferente, o necessário para isso caso se trate, sas no livro da Clarice porque são factos por exemplo, da biografia de uma figura histórica, de um político que objetivamente estavam errados. ou de um escritor ou artista? Duas ou três coisas. Eu não quero uma 8ª edição revista e aumentada. Querer 2) Deve uma biografia revelar a vida íntima, mormente sexual, ter a última palavra sobre qualquer as- dos biografados, só quando tenha relevância na sua ação sunto é um equívoco. O meu livro, no ou obra ou independemente? dela? Brasil, começou por se chamar Clarice vírgula, não fui eu que inventei o título, 3) As biografias têm necessariamente de dar relevo ao contexto mas dava exatamente a ideia de que histórico, social, etc, da vida do biografado, ou não? não se pode colocar um ponto final. 4) Qual o seu método de trabalho como autor de biografias? A informação continua a vir ter 5) O que mais lha agrada como biógrafo, e nas biografias que publicou? consigo? Está a fazer, ou gostaria de fazer, alguma nova biografia? ‹ Continua. O Brasil tem um lado místico, acreditam muito em bruxaria e afins. A Clarice ainda aparece em a imagem que do protagonista eu sessões de coisas astrológicas. Isso faz for construindo. parte da vida dela. O espírito vive desta Preocupo-me (talvez demasia- forma. E é algo que se poderia biogra- Tentar compreender do) com a exaustão. Os objetos do far - post-mortem. Tenho muitas fotos meu estudo têm sido figuras com do que aconteceu com ela depois da notoriedade social, cuja intimidade morte. Mas aposentei-me. Sou encar- está, ipso facto, mais exposta ao in- regado da gestão da sua obra em inglês, o sentido de uma vida teresse ou à curiosidade do público, que é trabalho para muitos anos, não e ajo em função disso (embora por vou fazer o resto. vezes ocultando a identidade de quem, nesse plano mais reservado, Foi mais fácil com a Susan Sontag? interage com o biografado, por não Foi ainda mais complicado. Apesar de possuir o mesmo grau de celebrida- ter nascido na Ucrânia e de ter seguido de). Pode parecer presunção minha, o marido diplomata na Europa, a vida mas quando escrevo uma biografia de Clarice passou-se basicamente em penso em deixar um registo para duas cidades brasileiras: Recife e Rio de o futuro. Nenhuma biografia de Janeiro. A vida da Susan, muito famosa Joaquim Vieira Beethoven estaria completa sem no mundo inteiro, foi muito interna- referir as suas paixões secretas, ne- cional, desde pequena. Pelo contrário, nhuma biografia de Wagner poderia Clarice não era famosa sequer no Entendo que toda a gente, de um deixar de mencionar as suas infide- Brasil, quando morreu, era conhecida anónimo sem-abrigo ao papa, tem lidades conjugais. Selecionar essa apenas no mundo cultural. A Susan uma biografia, na medida em que informação apenas em função da levou-me para a Bósnia, Hawaii, é protagonista de uma vida única e relevância ou influência que pode Portugal, todo o mundo. Sete anos de irrepetível, e que pô-la em livro de ter na ação ou na obra do biografado trabalho. Com Clarice, cinco. uma forma interessante depende- dependerá sempre de uma avaliação rá, por vezes, muito mais do ta- muito subjetiva, pelo que prefiro se- Cinco só a escrever a biografia… lento narrativo do autor do que da lecioná-la em função do contributo Sim, na verdade, o trabalho, no total, já notoriedade do biografado. Uma que pode dar à definição da sua se aproxima dos 20 anos... E de forma boa biografia é aquela que pode personalidade. Também é subjetivo, diária. A biografia coloca-nos uma gran- ser tão apaixonante como um bom claro, mas todo o ensaio o é. de responsabilidade entre mãos. Não romance – afinal, a ficção é quase SILVA DA ROSA GONÇALO Em qualquer trabalho bio- posso deixar cair a Clarice. É como uma toda ela composta de segmentos gráfico, considero imperiosa a filha ou um casamento, que ficam com de biografias, reais ou imaginárias. investigação e descrição do pano essa vida na nossa vida. A Clarice e a Memórias de Adriano surge, nessa de fundo histórico, político, social Susan são familiares que estão na minha medida, como obra paradigmática, e profissional característico da casa o dia inteiro, mesmo que eu não já que, num registo falsamente au- época em que o protagonista se queira. Não se podem largar dois filhos tobiográfico, Marguerite Yourcenar movimentou, elemento crucial porque temos falta de tempo. Porque se a esbate a fronteira entre biografia para a compreensão das suas atitu- Clarice precisar de alguma coisa, eu vou e ficção. Claro que, à partida, há des e motivações. Afinal, nenhum fazer, tenho que cuidar dela. Confesso biografados mais atraentes do que homem (ou mulher) é uma ilha. que quando comecei não sabia que a outros, e há também o critério de No caso particular da biografia de responsabilidade era tamanha. publicação de um editor, que passa José Saramago que publiquei há pela avaliação da massa crítica de dois meses (José Saramago – Rota Com a Susan Sontag é igual? potenciais leitores. de Vida, Livros Horizonte), tor- Vamos ver… o livro da Susan ainda não Além do prazer da sua leitura nou-se-me imprescindível estudar foi publicado… Quando publiquei o da e da satisfação da natural curio- e dar a conhecer o contexto inte- Clarice também não sabia que tudo isto sidade humana pela vida dos lectual em que o escritor passou a vinha por arrasto. outros (alargar o conhecimento integrar-se a partir de determi- nunca fez mal a ninguém), não nado momento da sua vida, em E agora? O que está a preparar? sei que importância possa ter uma particular o meio literário nacional Não quero fazer outra biografia. Alguém boa biografia, na medida em que (uma pesquisa que aliás me fasci- falou que é como o casamento, não há não altera nenhuma das marcas D.R. nou). Considero que a forma como espaço para mais do que um ou dois na deixadas na Terra pela personagem Mário Soares (em cima) e Jorge Saramago Dois dos biografados pelo autor se relacionou com o setor terá sido vida. Deus me livre, é muita responsa- central. Talvez possa ser inspira- determinante para a definição do bilidade, muitos bastidores, mexer em dora, talvez possa transmitir lições seu percurso literário. muita coisa pessoal, vida privada, sexo, de vida, mas atenção: nem todas as À semelhança de anteriores finanças... Estou a pensar fazer uma biografias são exemplares. No meu trabalhar com independência, projetos biográficos, o meu mé- coisa que nada tenha a ver com isso. caso, que julgo já muito ter apren- procurando traçar um retrato de todo de trabalho com Saramago dido acerca das complexidades da corpo inteiro da pessoa (na forma (em que contei com a inestimável Ficção? poesia? existência humana, não me inte- como a vejo, naturalmente), nas colaboração de Luísa Amaral para Não sei, tenho muitas ideias, estou a ressam as hagiografias, as biogra- suas vertentes tanto públicas como Uma boa biografia é a pesquisa) passou pela recolha sentir-me muito pronto para outras fias autorizadas, cuja publicação privadas, dispondo apenas de uma aquela que pode ser inicial de todas as parcelas de coisas. Gostaria de fazer algo a que depende da aprovação do próprio tábula rasa à partida, sem saber o “ informação com que me ia cruzan- ninguém presta atenção. Isso seria uma biografado ou daqueles que lhe que vou encontrar e nela inscre- tão apaixonante como do (livros, crónicas, entrevistas e liberdade para mim.J são próximos. Interessa-me, sim, ver, seja positivo ou negativo para um bom romance outras peças jornalísticas, cartas, J BIOGRAFIA(S) jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 1o * tema

registos oficiais, etc.), sendo que bos, e me foram reconhecidos pelos umas iam fornecendo pistas para comentários e críticas de então. procurar outras. Ao mesmo tempo, Quando me chegou a proposta para desenvolvia um plano de entre- Não se perder a biografia de Solnado, parecia-me vistas a pessoas cujo depoimento o trabalho assustador, a respon- considerei de interesse, não enjei- sabilidade, o género literário não tando a informação que algumas experimentado, procurei três preferiram dar-me sob anonimato, no espaço e no tempo opiniões. . Alberto Dines, veterano por se tratar de matéria que enten- jornalista brasileiro, e biógrafo de deram como demasiado sensível Stefan Zweig “Faça. Comece duas ou cuja revelação temeram poder gerações acima.” Sérgio Godinho: desagradar a alguém. Tive também “Cuidado. É tratar de um mito.” o cuidado de observar in loco os António Alçada Baptista: “Sim. três cenários mais importantes Deve ser feito.” da vida do escritor: a Azinhaga Para ambas as biografias, procu- da sua infância e adolescência, a rei testemunhos, li documentos e Lisboa da sua juventude e amadu- textos publicados nos jornais, tentei recimento e a Lanzarote dos seus chegar aos ambientes da infância e últimos anos. Leonor Xavier juventude, ao enquadramento que Por ironia, costumo designar esta lançaria as sequências futuras de fase inaugural como “acumulação vida. Tive o cuidado de citar fontes. primitiva de capital” – uma busca Uma boa biografia deve ser E de trabalhar um índice onomásti- e catalogação de informação que um bom texto. Que seja ri- co, para que constem e se localizem começa por ser desordenada e 1goroso em absoluto, mas não todos aqueles nomes de pessoas que, com o avanço da pesquisa, com demasiado nos pormenores. referidas no texto. Em vez de dedi- vou encaminhando para o que Que não admita fantasia. Que se car capítulos específicos a variados considero os núcleos fundamen- fixe no essencial e não disserte temas, nestas duas tão exuberantes tais do trabalho. Antes ainda de sobre o acessório. Que integre o vidas, segui a ordem cronológica, começar a escrever, esses dados biografado no contexto das suas em sequência narrativa. fornecem-me já uma ideia global fases de vida. Que mantenha a Acrescento que não demorei do que será a estrutura do livro, ou harmonia entre o público e o pri- horas sem fim em conversa com pelo menos os seus principais ca- vado. Que não se desenvolva em Raul Solnado Maria Barroso Maria Barroso ou Raul Solnado. MARCOS BORGA MARCOS pítulos – que costumam obedecer centenas de páginas, disuasoras BARRA LUÍS Falávamos, eu perguntava e pedia a um arco narrativo globalmente para os leitores. Penso que uma resposta para uma lacuna no tempo, cronológico. Recordo-me de que, biografia deve seduzir o leitor para a integração de um contexto, no arranque da minha escrita da desde a primeira linha escrita. sempenho por reconhecido talento. Posso dizer que a minha para a explicação de um facto, para biografia de Saramago, enviei à Deve envolvê-lo na narrativa, por Penso que é preciso definir o que se biografia de Raul Solnado, a descrição de uma imagem, de Livros Horizonte a lista do que acrescentar saberes, por ampliar entende por vida íntima. Ela pode 4 publicada na primeira versão uma voz, de uma personalidade. deveriam ser os capítulos – cor- cenários de mundo. ser sugerida, ou dita, através da em 1989, foi uma novidade edi- Como jornalista, autora de entre- respondentes às grandes fases de qualidade do texto. Não me parece torial, uma vez que entre nós não vistas, eu sabia como não me perder vida do autor –, a qual acabou por Aspetos pessoais, circunstân- importante a descrição pormeno- se escreviam biografias de pessoas no espaço e no tempo. não ser muito diferente da versão cias, parcerias de trabalho, rizada da vida sexual. O tema deve vivas. Seguiram-se mais duas ver- final (embora com acrescentos, em 2 amizades e circuitos de conví- ser tratado com a sensibilidade e o sões, pelos seus 50 anos de carreira, Gostei de saber o percur- função de necessidade de maior vio, pequenas histórias acontecidas, respeito devidos ao biografado. E às e pela comemoração dos seus 80 so dos meus biografados, desenvolvimento de certos pe- sim. Devem ser incluídos na bio- suas ligações familiares, sentimen- anos. Em 1995, foi editada a biogra- 5 desde o princípio. Gostei da ríodos: dos 18 capítulos previstos, grafia, para que a pessoa biografada tais, sociais. fia de Maria Barroso. Os subtítulos sensação de verdade. Gostei de passei para 25). tenha dimensão humana e não seja “A Vida não se Perdeu”, de Solna- poder preservar a memória de Não consigo fazer uma separa- apenas uma personagem de papel, Sim, como acima foi dito. do, e “Um Olhar sobre a Vida,” de Maria Barroso e de Raul Solnado. ção temporal absoluta entre a fase um ser desumanizado, uma figura Factos, acontecimentos, Maria Barroso, fazem-me pensar, Não vou a tempo de escrever a de recolha de elementos e a fase histórica ou pública, por protago- circunstâncias devem ser à distância, no tal tom de rigor e biografia de . 3 J de escrita (até porque esta, muitas nismo, por êxito na profissão ou de- referidos com citação de fonte. respeito com que escrevi sobre am- Tenho pena. vezes, suscita a necessidade de outras pesquisas), o que torna particularmente intensa a reta final da maratona, em que tudo se mistura. Porque faço questão quanto à autenticidade do que é publicado, nas minhas biografias Peças literárias, obras históricas mais recentes abundo em notas de rodapé com a menção às fontes, o que antes não fazia. Percebi que até para mim é útil ter a noção da origem de cada informação. devem ser. É também como atuação e, obviamente, muito Como autor ou diretor de co- obras históricas. São pedaços diferentes os efeitos (positivos leção, já tratei de perto de 25 bio- vivos da História: local, nacio- ou negativos) do que fizeram. grafias de personalidades das áreas nal ou universal. E permitem Por exemplo, embora contem- mais variadas da vida nacional, da ficar a conhecer, muito melhor, porâneos, tiveram vidas muito política às artes e letras, passando Diogo Freitas do Amaral determinadas épocas e o papel diversas Napoleão e Beethoven. pela economia e a religião. Talvez que nelas foi desempenhado As suas biografias têm de ser o por isso não tenha agora planos por certas pessoas. Já lá vai o espelho dessa diversidade. para biografar dúvidas sobre se há Uma boa biografia é aquela tempo em que se pensava que alguém em Portugal que eu ainda que nos dá a conhecer, em o indivíduo não tem qualquer Penso que a vida privada queira biografar. Mas não faltam 1bom português, a vida e a influência no devir histórico. dos biografados faz parte por aí à solta muitos biografáveis, obra de uma individualidade Parece-me que em todas as 2 da sua vida como seres vivos e mortos. marcante, assim como a sua biografias há elementos comuns. humanos. Mas não deve ser O que mais me agrada numa personalidade e maneira de ser. Mas não é a mesma coisa retra- pretexto para transformar um biografia é tentar compreender o Deve introduzir na galeria dos tar a vida de um chefe militar, texto histórico num exercício sentido de uma vida (se é que ele nossos conhecidos um novo de um governante ou de um de provocação erótica ou por- existe) e transmitir essa desco- personagem, um ser vivo, um músico célebre. Porque são di- nográfica. berta ao leitor de uma forma que morto regressado à vida. É uma versas as suas missões, diferen- lhe abra o apetite da primeira à ressurreição. A utilidade das tes as suas formações, distintos Claro que uma boa última página. Não é nada fácil, boas biografias é enorme. E não os contextos das suas vidas, Dom Afonso Henriques biografia tem de dar o bem sei.J é só como peças literárias, que diversificadas as suas formas de 3 necessário relevo ao J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt BIOGRAFIA(S) tema * 11

Uma biografia de Jorge Amado EXPOSIÇÃO

Jorge Amado - Uma biografia, de Joselia Aguiar, editora Todavia (São Paulo), publicado em dezembro último, traça de forma segura, ao longo de 640 páginas, o percurso da vida e da obra do grande escritor TUDO brasileiro, o mundialmente mais lido e traduzido de língua portuguesa até ao advento do 'fenómeno' (não exclusivamente literário...) . O livro está organizado em 40 capítulos, que vão de "O cordel e as putas", o primeiro, O QUE sobre a desde logo singular no Brasil mas em outros países, infância do escritor, até "Rive nomeadamente na Europa e Gauche", sobre os seus últimos nos Estados Unidos, por onde e atormentados, por força da o romancista, também aí doença, anos de existência, e famoso, viajou, onde esteve "Archanjo", página final. exilado ou até viveu largas Joselia Aguiar, 40 anos, temporadas. jornalista e mestre em Historia Fugindo ao habitual, no corpo pela Universidade de Sao Paulo, substancial do texto não há TENHO NO onde foi redatora da Folha, qualquer indicação de fontes curadora da bem conhecida ou remissão para notas, que Festa Literaria Internacional no entanto ocupam depois de Paraty (Flip) em 2017 e 25 páginas, antes das "fontes 2018, trabalhou durante e bibliografia" e do índice sete anos nesta biografia de onomástico. Notas divididas Jorge Amado (1912- 2001), por aqueles 40 capítulos, que há muito se impunha. A introduzidas só pelo nº de SACO autora, também baiana, teve a página , e em muitos casos, colaboração da família do autor também pela citação, em de Gabriela e da Fundação itálico, do trecho a que se Casa de Jorge Amado, de referem. Uma biografia que Salvador, com acesso a grande necessariamente despertará o quantidade de documentação interesse da imensa 'multidão' e correspondência inéditas de leitores que Jorga Amado do seu enorme acervo - além sempre teve em Portugal, e de, claro, ter feito numerosas a que esteve tão ligado (ler entrevistas e pesquisas, não só comentário de JCV na p. 3). J

contexto histórico, social e Nas duas biografias cultural. Se, como dizia cheio políticas que publiquei de razão Ortega y Gasset, “eu 5até hoje o que mais me sou eu e as minhas circuns- agradou foi – no caso de D. tâncias”, os biografados devem Afonso Henriques – perceber alertar os seus biógrafos para e mostrar como foi possível EÇA E o mesmo. O que não quer dizer fazer nascer uma nova nação que se possa ou deva explicar (nation building); e – no caso de tudo pelo contexto: a decisão D. Afonso III – revelar como, individual, ou de grupo, é 150 anos depois, foi necessá- sempre um elemento essencial; rio construir um Estado (state mas o contexto não o é menos. building). Não estou neste Os dois fatores têm de andar de momento a preparar nenhuma mãos dadas outra, nem sei se terei tempo OS MAIAS para a fazer. Mas, se tivesse, O meu método de traba- gostava muito de tratar, em 30 NOV 2018 – 18 FEV 2019 lho é simples: primeiro, conjunto, os dois grandes 4 sinto atração por uma construtores do Portugal Entrada Livre determinada figura; depois, moderno: Mouzinho da Sil- averiguo se há elementos sufi- veira, que ergueu com grande cientes para sobre ela escrever brilho o liberalismo político um livro; em caso afirmativo, e jurídico, e Fontes Pereira começo a investigar; a seguir, de Melo que, no contexto do seleciono o material rele- liberalismo económico, foi um vante; e por fim escrevo. Mas intervencionista, um genial escrevo com uma preocupação promotor de infraestruturas e PARCEIRO principal: ser claro e acessí- o primeiro grande apóstolo de vel, tornar a leitura agradável, um desenvolvimento acelerado atingir o grande público. de tipo europeu.J J BIOGRAFIA(S) jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 12 * tema Recusa de qualquer tentação ficcionista

privados) são de uma riqueza fan- já publiquei um livro sobre a cen- tástica. São uma autêntica mina sura. Mesmo assim, há que a saber de ouro, onde também é possível ler e interpretar. Infelizmente, há encontrar muitos outros minerais apenas um jornal diário dispo- valiosos. Quando vou, por exem- nível na sua totalidade na net: o José Pedro Castanheira plo, à Torre do Tombo, pesquisar Diário de Lisboa, uma iniciativa no Arquivo Oliveira Salazar, ou (entre muitas outras) altamen- no Arquivo da PIDE/DGS, nunca te meritória da Fundação Mário Em termos muito simples, uma sei o que vou encontrar – mas sei Soares. Mas isso não dispensa os biografia visa contar e tornar que não deixarei de descobrir uma investigadores de consultar outros 1pública a história de uma pes- qualquer pérola. É um desafio jornais, que, aliás, em certas épo- soa. Não de uma pessoa qualquer estimulante e uma surpresa cons- cas e sobre determinados temas, – porque nem todas as pessoas têm tante. Mas muita gente despreza são até mais ricos e fiáveis. o “direito” a ser biografadas. Mas de No meu trabalho procuro, uma pessoa que, pelo desempenho pois, cruzar o material recolhido que teve num qualquer domínio da junto destas três grandes fontes: os vida em sociedade, ou pelo caráter testemunhos orais de quem viveu verdadeiramente insólito da sua e participou nos acontecimentos, vida, valha a pena ser melhor co- No meu trabalho os arquivos e a imprensa. Na minha nhecida por um público mais vasto. procuro três grandes escrita, nunca deixo de ser jorna- Um público que tanto pode ser a sua “ lista, o que significa uma recusa de família como toda a humanidade… fontes: os testemunhos qualquer tentação ficcionista e o orais, os arquivos respeito escrupuloso pelos factos e Também no domínio da bio- SILVA DA ROSA GONÇALO respetivas fontes. Dá trabalho? Pois grafia há que fazer a distinção, Jorge Sampaio Biografia em dois volumes, de mais de mil páginas cada um e a imprensa dá. É aborrecido? Não é. Porque 2 que como jornalista devo fazer, acredito que é sempre possível entre o interesse público e o interes- adotar um estilo de escrita agradá- se do público. Sei bem que é difícil, vel, imaginativa e atraente, que não porque muitas vezes as fronteiras políticas, económicas, culturais… Talvez por defeito profissio- esses e outros arquivos, até porque engane os leitores, não adultere os não são claras. Entrar pela vida ínti- - que explicaram o sucesso ou o nal, dou um grande valor às dão muito trabalho e obrigam factos nem atraiçoe a verdade. ma e designadamente sexual de um insucesso do político biografado. 4 fontes orais, muitas vezes a queimar muitas pestanas… A biografado é a melhor receita para O país e o governo que herdou e a desvalorizadas e quase ignoradas imprensa também é uma fonte Há hoje uma corrida desen- obter um sucesso fácil e garantido. obra que deixou. É afinal a máxima – para não dizer desprezadas… que importa valorizar. Há muitos freada pela biografia. Melhor: Resta saber se é relevante. E se há o lapidar do filósofo espanhol Ortega - por algumas correntes da histo- investigadores que a desprezam. 5pelo ensaio biográfico, o que direito de. Só caso a caso será possí- y Gasset: “o homem é o homem e a riografia mais tradicional. Sempre Argumentam que, durante o não é a mesma coisa… Há quem vel atestar se se reveste de interesse sua circunstância”. O que é válido, que possível, procuro enquadrar Estado Novo, a imprensa esteve se atreva, sem conhecer bem a público ou é uma simples cedência assinale-se, não só para a biografia esses testemunhos na pesquisa sempre sujeita à censura prévia, personagem e muito menos a à curiosidade, à bisbilhotice e ao de políticos, mas também de mú- documental, que é essencial. A pelo que não é fiável, além de ser época em que se insere, e sem uma voyeurismo, quer do próprio biógra- sicos, escritores, pintores, líderes minha experiência diz-me que os incompleta e parcial. Tudo isso é investigação suficiente, a escrever fo, quer de um tipo de público mais religiosos, juízes, militares… arquivos portugueses (públicos e verdade – sei-o bem, até porque qualquer coisa e a encher duas ou sedento desse tipo de histórias… três centenas de páginas mais ou Ainda assim, no caso de figuras menos engraçadas, mais ou menos públicas, a regra parece bem mais imaginativas. Eu precisei de dez fácil e clara. Mormente quando haja Calouste Gulbenkian, retrato global anos – e de uma equipa de cinco jo- incoerências ou contradições entre vens investigadores, entre jornalis- o que se pensa e faz (ou não faz…) tas e académicos – para investigar na esfera privada, e a atuação, o Género literário exigente, a biografia pode ser alvo fácil de uma elite comercial radicada nas margens do Bósforo? e escrever a biografia do Presidente propósito ou até o discurso na esfera de tentações hagiográficas, branqueamentos, confirmação São muitas “vidas” extraordinárias, que poderiam ser Jorge Sampaio. Deu-me muito pública. É obviamente relevante, por de histórias oficiais ou lendas auto perpetuadas. E um manuseadas com pinças douradas. prazer fazê-la e é uma das obras de exemplo, na biografia de um moder- relato dedicado a Calouste Gulbenkian (1869-1955) Em O Homem Mais Rico do Mundo, o historiador norte- que mais me orgulho. Pena que não no pedagogo (seja ele professor ou poderia facilmente cair em qualquer uma destas quatro americano Jonathan Conlin usou ferramentas mais tenha tido o eco que, a meu ver, governante), que ele use de violência gavetas citadas. O "Senhor 5%" (assim designado devido robustas: um bisturi afiado, um telescópio de grande mereceria – mas não me fica bem em casa com os filhos… Ou que um à percentagem dos seus lucros na exploração petrolífera profundidade, medições extensas. O biógrafo assinou um falar de um trabalho com a minha sacerdote seja pedófilo. Ou que um do Médio Oriente, reforçada através do célebre Acordo da volume sólido, lúcido, bem ancorado numa investigação assinatura. Um outro Presidente político defensor de um conceito Linha Vermelha estabelecido em 1928 que de cinco anos que abrangeu arquivos sobre o qual gostaria de escrever tradicional e conservador da família delimitou um duradouro cartel petrolífero públicos, privados e corporativos mundiais seria António de Spínola. E não tenha afinal uma vida dupla. Cabe no antigo Império Otomano na Ásia), o (incluindo os acervos documentais desdenharia rever o meu livro sobre ao biógrafo (e, já agora, ao editor…) homem mais rico do mundo à data do seu da Fundação Gulbenkian a que teve o assassinato de Amílcar Cabral. Já decidir, no respeito de valores reais desaparecimento (cuja rede de influência livre acesso). Sem acanhamentos passaram 25 anos sobre a primeira ainda que um pouco difusos, como o atravessava fronteiras diplomáticas, genuflexórios, com um discurso seguro e versão, quem sabe se não seria pos- bom senso, a decência e o resguardo aduaneiras e éticas), o ávido colecionador descomprometido, Conlin traça um retrato sível ir mais fundo na investigação. de eventuais direitos de terceiros. que criou um valioso e diversificado tanto do homem como do seu tempo, Cabral merece-o – ou não fosse ele acervo com tesouros mundiais (incluindo iluminando as ligações políticas, sociais, o grande líder dos movimentos de É evidente que tem. Se não o quadros de Rembrandt do Museu económicas e familiares, que permitiram libertação das colónias portugue- fizerem, não só são incom- Hermitage, negociados com Staline), o a Calouste Gulbenkian transformar-se sas, muito acima e à frente dos seus pletas como falham redon- reservado homem de família (que preferiu no único arménio otomano a “prosperar camaradas. 3 › Jonathan Conlin damente. O que mais interessa na deixar a fortuna colossal a uma fundação extraordinariamente” no Ocidente. De momento, tenho vários proje- vida de um político é, por regra, benemérita em vez de aos filhos), o O HOMEM MAIS Contextos, explicações, causas, tos. Mas todos deparam com a mes- a relação que manteve com a mecenas que legou os seus bens a um RICO DO MUNDO - consequências, e a ocasional ironia, estão ma dificuldade: a necessidade de um sociedade em que emergiu, com os país então periférico como Portugal (por AS MUITAS VIDAS presentes e contribuem para esta (re) indispensável financiamento. Não eleitores que nele confiaram, com causa da isenção de impostos prometida) DE CALOUSTE construção biográfica - um retrato vívido para mim – que me basta a pensão o país que era suposto governar originando as exemplares Fundação e GULBENKIAN e revelador à altura da figura que o de reforma -, mas para apoiar todo e servir. O que implica expor ao Museu com o seu nome, o primogénito Ed. Objectiva, 496 pp., 21,90 euros inspirou. J S.S.C. um trabalho de equipa que é cada leitor as circunstâncias – sociais, vez mais imprescindível.J J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt * 13 jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 J 14 * Letras Nélida Piñon O sortilégio da vida e da literatura

Alegre, corajosa, pioneira, apaixonada pela história, grande defensora da literatura brasileira e da língua portuguesa, amiga dos amigos e apreciadora da abundância e das coisas boas da vida. A tudo se entrega sem medida, de coração cheio, mesmo quando se recolhe das luzes da ribalta que frequenta há mais de cinco décadas, com viagens por todo o mundo, prestigiosos prémios, reconhecimento da crítica e do público. Também gosta da solidão, de ter tempo para pensar e sentir. E em Uma Furtiva Lágrima, o seu próximo livro, a sair em Portugal antes do que no Brasil, dá-nos memórias, notas e reflexões registadas ao ritmo do fragmento, encontramos tudo isso. É, de certa forma, o "testamento literário" de uma autora, das mais destacadas do nosso idoma, distinguida com prémios como o Príncipe das Astúrias, o Juan Rulfo e o Jabuti, primeira mulher a presidir à Academia Brasileira de Letras. Em 2015 lidou com a inevitabilidade da morte. Como Xerazade, enfrentou-a sem medo - e com imaginação. Viveu os últimos meses em Lisboa, é homenageada nesta edição das Correntes d'Escritas, onde o livro, de que antecipamos algumas páginas será apresentado a 2o de fevereiro - e volta depois para o Brasil

Luís Ricardo Duarte anos depois, estou bem. Resisti, vivo, penso. Imagino, sobretudo escrevo". Eis o "segredo" da sua vida, também revelado nesta entrevista que assinala o fim dos muitos meses que passou em Portugal a preparar o próximo romance, e que termina com a sua participação nas Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim, homenageada na sua Revista e a 20 de fevereiro apresentando Uma Lágrima Furtiva.

Jornal de Letras: A 'lágrima' furtiva a deste novo livro é de alegria ou As histórias sucedem-se à medi- tristeza? da que Nélida Piñon passa de uma Nèlida Piñon: Das duas. E também de fotografia para outra. Em todas, uma melancolia. Mas nunca será de tris- aventura, o que faz do seu telemó- teza radical, que poucas vezes senti vel uma espécie de versão moderna na vida. Diante dos feitos e circuns- das Mil e Uma noites. Uma réplica da tâncias procuro entender que me espada de D. Pedro II que lhe oferece- toca viver cada momento, ser infeliz ram recentemente; a visita à cozinha se for o caso - mas provisoriamente. de uma famosa casa de leitões, um A minha tendência natural é para rir, encontro com leitores que se demorou relativizar a vida, estudar a história como uma boa história, os amigos da Humanidade. E precisamente por que nunca dispensa, os cães que ama conhecer os descalabros e as cruel- com a intensidade dos sentimentos dades feitas por humanos a humanos arrebatadores (o falecido Gravetinho dou graças ao que tenho, cultivo uma Piñon e agora Suzy Piñon, a alegria da certa serenidade. O livro não saiu de casa). Ver as suas fotografias, iniciar uma tristeza. Não sou dada a ela. uma conversa ou propor-lhe uma en- DIANA TINOCO trevista é entrar num mundo mágico, Nélida Piñon “Aprendi que a religião pouco tem a ver com a minha vida. Sou dona da minha consciência e pago o preço que É uma lágrima que sintetiza todas feito de sonhos e grandezas, histórias ela me exige” as sensações? e encantamentos. É aproximarmo- É uma lágrima de emoção. Abri o -nos de uma Xerazade contemporâ- meu coração. Tanto que quando o nea, uma mulher, brasileira, galega, sonagens. E a cadência dos livros, Andarilhos e O Livro das Horas, a que senti a fechar-se obriguei-o a reve- escritora e pensadora que se abre ao suas qualidades e ambições, são o juntará agora Uma Lágrima Furtiva, lar-se, a ter coragem de se emocio- Outro, ao espanto e à descoberta. testemunho desse destino literário. uma ediçãoTemas e Debates, As lágrimas salvam-nos, nar. As emoções são maravilhosas. Toda a sua obra tem a essa marca Publica depois Madeira Feita de Cruz, Distinguida com os principais como a arte, a literatura, Há uns anos um jornalista pergun- do conhecimento, que reinterpreta, Fundador, A Casa da Paixão, Tebas prémios brasileiros (como o Jabuti), tou-me como era vivê-las com o glosa e prolonga. Tem sido assim do Meu Coração, A Força do Destino e também internacionais (como “a língua. E, no caso dos avançar da idade, pois costuma-se desde o primeiro romance. Nascida e, em 1984, A República dos Sonhos, o Príncipe das Astúrias e o Juan escritores, as emoções dizer que vamos perdendo essa fa- em 1937, numa família que emi- um dos grandes romances em língua Rulfo), primeira mulher a presidir culdade e entrando numa espécie de grou da Galiza para o Brasil, Nélida portuguesa e obra que a consagra a Academia Brasileira de Letras (e proporcionam-nos limbo. E respondi-lhe que ainda me Piñon estreou-se, em 1961, com dentro e fora do Brasil. Essa obra também a primeira em todo o mundo ser muitas pessoas ao sentia no apogeu das minhas emo- Guia-mapa de Gabriel Arcanjo. Para maior foi também a sua "liberta- a liderar uma instituição com essas ções, sabia que poderiam declinar e trás ficara uma infância passada em ção", permitindo-lhe variar géneros características), doutora honoris mesmo tempo caso isso viesse a acontecer estava vários bairros do e e experimentar. É uma cultora do causa por diferentes universidades disposta a comprá-las.... também na Galiza, onde viveu dois fragmento e uma ensaísta reconheci- e embaixadora Ibero-americana da anos, e sobretudo, já no início da da, navegando frequentemente pelos Cultura, Nélida Piñon confrontou-se Estou no circo da Delas nunca abdica? idade adulta, o curso de jornalismo e territórios da memória. Da sua obra com a sua finitude. A 2 de dezembro literatura, mal Estaria perdida. E sei que nunca es- a entrada na profissão. destacam-se ainda os títulos Vozes do de 2015 a sentença do médico cor- tamos preparados para as emoções. Sempre soube que queria es- Deserto (ficção),Aprendiz de Homero tou-lhe a esperança: "Eu teria entre pressinto a chibatada, A sua força é nos derrotarem, elimi- crever, inventar mundos e per- (ensaios) e os mais pessoais Coração seis meses a um ano de vida. Três as palavras surgem narem os pilares que nos sustentam. J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt ENTREVISTA letras * 15

E mesmo quando nos especializa- não aceito; vamos consultar o que há Os portugueses são melancólicos, é mos numa, como a amorosa, a das de melhor; não posso perder você. verdade. Mas não precisa de ser ruim. exaltações físicas, a do espanto, com Sou uma mulher de amizades. É até curioso supor que os portu- a idade sempre podemos encon- gueses, como grandes articuladores trar outros campos petrolíferos de O que só pode ter uma explicação: a matrimoniais da Europa medieval emoção. Atualmente, o que mais de ser uma boa amiga também. e moderna, pois sabiam casar seus me agita, incomoda e faz chorar é a Parece que sim. E quando não sou príncipes e princesas, espalharam violência. Que está em todo o lado. imagino que os meus amigos já sa- a melancolia por todo o continente. Cada vez me emocionam mais as bem: é a literatura que não me deixa Filipe II, por exemplo, padecia dessa criaturas pequenas, as crianças e os em paz. Na verdade, ela cobra muito melancolia. A sua mãe era portuguesa. bichinhos. Somos de uma cruelda- de nós. É um tempo esplendoroso, de extraordinária com os animais, mas ingrato. Que imagem fez dos portugueses deslocados no mundo, que afinal nestes meses em que viveu em nós lhes roubámos. Não sabem o que A escrita ajudou a reagir à notícia Portugal? fazer no deserto em que vivem. da doença? São diferentes de nós, brasileiros. Escrever é uma experiência contí- Mais reclusos e formais, mas tam- Voltando ao título, a 'lágrima' é nua. Nesse sentido, não foi a notícia bém mais elegantes. Os pontos de comum a todo o ser humano, não que suscitou este livro, embora nela contacto, no entanto, são muitos, a difere entre raça, sexo, credo... esteja implicada. Gosto muito de es- começar na burocracia e a acabar na E as lágrimas salvam-nos, como a crever fragmentos. Alguns já tinha, conduta diária. arte, a literatura, a língua. E, no caso sobretudo sobre a família, outros dos escritores, tudo isto, no fundo as foram redigidos na altura, o que Passar uma longa temporada em emoções – proporcionam-nos um acabou por se revelar um exercício Portugal era desejo antigo? papel múltiplo, ser muitas pessoas muito harmonioso. O trabalho maior Só se tornou um desejo a partir do ao mesmo tempo. É por isso que foi o de dar sequência aos textos. não me entusiasmo com a chamada literatura de mulher, porque obriga Ao ler o livro ficamos com a a cancelar a feita por homens, até sensação de reação a um destino que a vedar-lhes o direito a falar sobre não se quer. nós. A grande literatura está na Mas não foi. A maior parte dos textos A literatura nunca foi capacidade de ser o outro, de nos revela a vida muito normal que fiz o meu pretexto para confrontarmos com o vizinho. questão de ter. Não fez sentido escre- “viver, foi sim o meu ver que a morte me estava a perse- É muito curiosa a sua obsessão, tão guir, por exemplo, porque também encanto, minha paixão presente neste livro, com o vizinho. não era o que eu sentia. Claro que e descoberta. Através Nessa palavra exorbito o conceito. tenho anotações, num registo mais Saio da vizinhança do prédio em que diarístico, que não incluí no livro. dela tenho feito um cada um de nós habita para conquis- percurso mágico tar uma plenitude coletiva. Tem um São demasiado íntimas? certo sentido cristão, como agora, Seriam um pouco excessivas, e não pela primeira vez, me apercebo. O queria fazer da doença um leitmotiv. A mão só escreve vizinho é o outro. Mas eu também Sou uma escritora, uma mulher que sou vizinha de mim mesmo. tem o hábito de pensar. Aliás, penso quando a cabeça o tempo todo. É até engraçado: com Nélida Piñon já o fez antes

Este livro surgiu de uma urgência, os anos ganhei a capacidade de res- DIANA TINOCO ditada por um um diagnóstico muito ponder na hora a qualquer pergunta grave? (ler pré-publicação) que me façam. Estou adestrada, Foi muito cruel. O médico sen- igual a bicho. Estou no circo da Além de testamento, é um retrato América do Sul mas também na momento em que decidi escrever um tenciou tranquilamente: tem seis literatura, mal pressinto a chibatada, muito fiel seu? Europa. E como estudei num colégio romance passado aqui. Quis voltar meses de vida. Tive de acreditar. as palavras surgem. Mas não me es- Também. Aqui estão todas as minhas alemão, depois em ensinos católicos, a sentir a paisagem e a sensibilidade Mas não fiz escândalo, não derramei capou a sensação, nem a vontade, de paixões pretéritas e atuais. As que beneditinos e jesuítas, as minhas ex- dos portugueses. uma lágrima, nada. Fui para casa, propor uma espécie de testamento. me formaram, desde o mundo grego periências e horizontes alargaram-se organizei certas coisas e comecei a Mesmo não o sentindo todos os dias, a muitas outras idades. Sou uma ainda mais. Permitiu-me circular Visitar os locais onde se passam os pensar em quem queria que me vi- a verdade é que achei que ia morrer. mulher apaixonada pelos séculos. E por diferentes culturas. Muito antes seus romances é importante? sitasse para o meu adeus. Hoje talvez Foi uma espécie de milagre, porque tenho as minhas preferências: sécu- de a Europa as ter derrubado, já Neste caso foi, sobretudo os rios. fosse diferente, mas foi uma reação depois se constatou que o diagnósti- los IV, XII, XVI. eu vivia sem fronteiras. E além de Adoro o Tejo. Quando estou cansada impressionante. co estava errado. literatura, gostava de música, ballet, ou mais abatida – e em Portugal tive Em qual gostaria de ter vivido? teatro, ópera. Infernizei os meus pais alguns problemas, fraturei um braço, Para sua própria surpresa? Parece uma situação romanesca. Para ser sincera, em nenhum. com as minhas paixões. etc – bastava-me ir à beira rio para Sim. Foi como se dissesse: calhou-me O problema é ser mais frequente do Gostaria de os ter visto de perto, mas me alegrar. Diante do Tejo vejo o esta notícia, só espero que a dor não que se pensa. Este livro também se podendo voltar. Gosto muito de água Sempre teve uma 'realidade início do Brasil. seja insuportável para ter dignidade apresenta como uma advertência. quente. É uma delícia. Nos aprimora. alternativa' para onde fugir? até ao fim. Daí também a ausência Todos os profissionais do ofício têm Além disso, o mundo passou por Muitas, e nunca as considerei in- E tem sido uma boa 'temporada'? de crises de choro. Pelo contrário, eu de tomar muito cuidado com a fala. muito sofrimento, até nas coisas compatíveis. Foi uma formação que Extraordinária. Consegui estar isola- ria, fazia coisas, embora a certa altura As palavras podem ser pernicio- mais básicas. Enfim, neste livro con- acabei adquirindo e que tenciono da, o que foi muito bom. Não precisei tenha ficado muito fraca, sem força. E sas, temos de as administrar bem, denso as minhas visões. Nele declaro continuar a incrementar até morrer. de me expor tanto e sair, o que no poucos amigos souberam. pois podem jogar uma pessoa num o meu desejo constante de conhecer Só isso me permite pensar de forma Brasil é muito mais difícil. Consegui abismo. Conheço quem tenha ficado o mundo e a história, como vejo as libertária, dessacralizando tudo. estar recolhida – a minha biografia Não quis divulgar? dominado pelo pânico e medo da coisas, como convivo comigo e com não me acompanhou. E sinto-me Nunca comentei, por vários motivos. morte depois de ouvir um diagnósti- os outros. Agora está muito na moda É por isso que gosta tanto da bem assim. A uma grande amiga minha não quis co semelhante. buscar a harmonização entre a co- solidão? dizer porque sabia que ia ficar muito mida e o vinho. Pois bem, aqui está a Sim, embora ela não resulte do Pôde ser anónima? desorientada, ao ponto de algum Referiu 'testamento'. Será um harmonização entre a minha pessoa repúdio do outro. É uma opção, uma Não o quis dizer nesses termos... modo me infernizar. Teria de lhe dar testamento literário? e o mundo. necessidade, uma vontade de poder Estava muito protegida. E me fez alento, quando era eu que precisa- Claro: a literatura sempre foi a minha rir, pensar e ler sozinha. É extraor- muito bem. Mas também revi os va dele. Mas contei a três grandes salvaguarda. Ajuda-me a viver E qual é a raiz desse seu mundo? dinário aprendermos a gostar de meus bons amigos portugueses, que amigos, homens, com quem almoço porque a vida não me chega. Mas Declarando-se uma mulher nós próprios, aceitarmos as nossas são muito carinhosos e gentis comi- regularmente e me tratam com atenção: a literatura nunca foi o meu múltipla, qual o ramo mais forte? atribulações e polissemias. go. E gosto de receber, da abundân- muita galanteria, sou a sua dama. pretexto para viver, foi sim o meu Nunca me canso de declarar a ale- cia, de coisas, comida e presentes. Ficaram abaladíssimos. E um, que encanto, minha paixão e descoberta. gria e o prazer de ter nascido no seio Diz-se que a auto-estima não é Sou uma mulher farta e alegre. tem uma situação financeira muito Graça à arte tornei-me uma pessoa de uma cultura dupla, a brasileira um dos fortes dos portugueses. boa e é imensamente generoso, rea- melhor, me aperfeiçoou. Através e a galega. Com isso romperam-se Tem confirmado essa ideia tão Diz que aprendeu com o avô... giu logo: isso não vai ficar assim, eu dela tenho feito um percurso mágico. diques extraordinários. Estou na generalizada entre nós? E foi. Ele gostava das coisas boas da J ENTREVISTA, PRÉ-PUBLICAÇÃO jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 16 * letras

vida. Tento seguir o seu exemplo. Mesmo quando não era eu a fazer as compras, quando a Carla, que me tem ajudado na estadia aqui Uma furtiva lágrima em Lisboa, chegava a casa era uma maravilha ver o que tinha compra- do. Tinha a sensação que dominava a cidade só vendo alguns produtos. E com eles criava história. A imagina- ção é o meu trunfo. SOU MÚLTIPLA A tarefa da arte narrativa, além de avaliar o Falar em primeira pessoa requer audácia Mas é que foi pretérito e hoje é presente, perpetua a Foi, nesse sentido, uma temporada uma opção natural. Enquanto falo por mim, ou fala da alma, restaura a crença no que há por literariamente produtiva? penso por mim, incorporo os demais à minha trás da harmonia e da discórdia. Muito. Já tenho pronto um livro de genealogia. Não ando sozinha pelo mundo. Apalpo o papel onde a escrita se homizia e ensaios sobre estética, o romance Ao ser múltipla, sou muitas. Minha lingua- me comovo. Estarei eu em suas linhas? Tento, está adiantado, escrevi o discurso gem reverbera, tenho a memória de todos na então, aferir a eficácia moral da narrativa que vou fazer na abertura do VIII minha psique. E o coletivo passa a me afetar, ora em curso. Questiono se o relato merece Congreso Internacional de la Lengua aloja-se na minha primeira pessoa, que é uma sobreviver, se encarna o anseio da liberdade. Española, em Buenos Aires, ao lado experiência dramática. Ao mesmo tempo é do Vargas Llosa. Não estive parada. bom saber que estamos sós no mundo, não SOU MULHER BRASILEIRA nascemos de uma ninhada. Sou mulher, brasileira, escritora, cosmopoli- E escreve nesse registo de fragmento Cumpro uma variedade de acordos ao narrar ta, aldeã, criatura de todas as partes, de todos todos os dias? minha história, enquanto conto com o enredo os portos.

Não, mas penso todos os dias, de todos. E reverencio aqueles com que com- DIANA TINOCO Onde me encontre, tendo a aprontar o portanto é como se escrevesse. partilho vida. Termina sendo uma experiência mundo ao meu jeito, e obrigo ao seu mistério Sinto que a mão só escreve quando que vai além da estética, da arte narrativa. que me faça feliz. Sobretudo garanta-me a a cabeça já o fez antes. Depois do conjugação de fatores que me ajudaram a esperança de não morrer nesta noite. pensamento a mão está preparada MEU OFÍCIO enveredar pelas civilizações antigas e pela Gosto de viver, de desfrutar das manhãs, para dar validade às ideias. E como Escrever é o que sei fazer. Narrar me insere na simbologia do mundo. Ainda pela história da das tardes, das noites, e ainda das madrugadas. não tenho medo de errar, nem sou corrente sanguínea do humano e me assegura arte, das religiões, do amor, e das amizades. A vida que palpita em torno diz-me respeito, perfecionista nessa etapa, escrevo que assim prossigo na contagem dos minutos Não creio nestes anos ter renunciado a contribuo para não ser ela acanhada.Afinal, sem constrangimentos. Difícil é dar da vida alheia. Pois nada deve ser esquecido, fundamentos que herdei a partir do berço. É desde a infância, dou relevo ao sagrado e ao um texto por terminado, aí sim são deixado ao relento. Há que pinçar a história um legado sobrecarregado de enredos, sem- profano do existente. E mereço. Todos nós. precisas várias retomadas. É preciso dos sentimentos a partir da perplexidade sen- pre inseparáveis. Portanto sou sociável, diria mundana. descobrir o verdadeiro rosto do tida pelo homem que na solidão da caverna Estive atenta, enquanto pude, aos mistérios Aceito o pão e o vinho do amigo. Sinto estar texto. E mesmo depois dessa difícil acendeu o primeiro fogo. da fé. Sorri e chorei diante das adversidades. sendo conduzida pelos deuses para confron- tarefa há conflitos fonéticos, pala- Amei e fui amada. Deixei que Deus pousasse no tar-me com o afeto, a euforia, o brinde, o vras que chocam entre si, inúmeras 2 DE DEZEMBRO DE 2015 meu regaço. Resta-me agora dizer Amém. ovo frito montado sobre o arroz branco. E o questões técnicas para resolver. Pensei fazer um diário breve, um resumo Aqui me detive ao longo dos meses. que mais pedir para me sentir querida? Senão Escrever com uma certa aspiração dos meus últimos dias, segundo sentença do Calada, poucos souberam que eu contava os evitar a melancolia que emerge do pântano não é tarefa simples. oncologista que, com parcimónia e convic- dias. O silêncio reforçou minhas energias. e tem canto de sereia. E dificulta o prazer de ção, antes mesmo dos resultados dos últimos Só não queria um sofrimento que danificasse encontrar-me. E escrever com a memória, com a exames, foi conclusivo. Eu teria entre seis minha dignidade. Contudo, em São Paulo, o investigação pessoal, dificulta ainda meses a um ano. Retornei à casa, disposta a veredito mostrou-se equivocado, e submeti- UM REFÚGIO mais a empreitada? me preparar. -me aos tratamentos devidos e corretos. Minha casa é o coração dos que amo e amei . Neste caso, não. Aliás, é muito No meu quarto, Gravetinho pressente Quase três anos depois, estou bem. Resisti, Meu escritório é uma caverna, onde brotam as interessante porque sinto que estou minha vulnerabilidade. Ainda que sua natu- vivo, penso. Imagino, sobretudo escrevo. Eis palavras que servem de refúgio dos mortais. numa fase muito intensa de memó- reza não domine meu mistério, ele intui que, os segredos da vida. Aí incluindo-me. rias, lembranças, até de analogias segundo sentença médica, estou à beira da entre o que estou a contar e o que se morte. Uma cercania impiedosa. PROVA DE AMOR IMERSÃO anuncia na esquina do pensamento e Com ele e Suzy ao meu lado, como se me Narrar é prova de amor. O amor cobra decla- Sinto-me às vezes imersa em uma placidez pode ser convocado para a fala. protegessem, dou início ao diário da mor- rações, testemunho do que sente. Fala da de- quase ameaçadora. Em especial ao exercer o te. Como sua única redatora. Ninguém está sesperada medida humana. Como amar sem os direito de me isentar de prestar contas dos A que atribuiu essa profusão de autorizado a acrescentar o que seja. A palavra vizinhos saberem? Sem tornar pública a paixão meus sentimentos, de tornar públicas minhas memórias? que se atreva a adicionar, envenenaria o final que alberga os corpos na penumbra do quarto? admoestações relativas às impiedosas normas A possibilidade da morte me deu de minha vida. A partir da escrita tornaram-se valiosas da contemporaneidade. muita seiva e me fortaleceu. Embora Minha morte não é inspiradora, não pode as confidências humanas. E ampliou-se o Reflito sobre a banalidade metafísica e cós- hoje não esteja ameaçada, constatei ter traços poéticos, emenda ou salpicos me- horizonte verbal, estabelecendo-se corres- mica e dou-me conta do quanto é penoso ser a minha modéstia, o fim da minha tafóricos. Não há poesia na morte. Os lances pondência entre o afetivo, o conceitual e as mortal. Como consequência enveredo pelas vigência física. Estou também com que adornam a beleza eu os alijei. Não quero palavras. A fim de verbo e sentimentos não trilhas traiçoeiras do pensamento e sujeito- um problema grave de visão. A vida próximos. Condeno quem formule o que extraviarem de suas representações. -me à incómoda finitude humana, ao silêncio esta a tentar me castigar ao dificul- jamais pensei, ou sequer mencionei. A escrita abraça o drama e o que a máscara res- que apaga de vez meu alvoroço verbal, e tudo tar-me a capacidade de escrever, Ao atrelar a imaginação ao pensamento guarda. Assegura o papel de desvendar o real, de mais que amealhei ao longo das estações. De mas vou resistir. E sei que vou con- desregrado,mas sem punição, tudo se cruza subvertê-lo ao longo da narração. Não lhe sendo nada valendo pedir prorrogação dos dias, ou seguir escrever sempre. Estou-me a partir deste instante com a ideia da partida. lícito esquivar-se do que equivale à trama. fazer valer meu falso protagonismo. fingindo de Homero, de Borges, de Sou mortal. A mortalidade se avizinha, prova todos os grandes cegos da História. que a vida é breve. RAZÃO DE VIVER E estou a lutar. Devo ser muito Sucumbo, porém, sem protestos. Sem emi- Crio com a esperança de que a narrativa jamais irresponsável, porque a sensação que tir sons que soem à despedida. Ou confessar me deixe, esteja em todas as partes. Como tenho é que é outra pessoa que está que não me ufano da morte. Sem pedir que me companheira de jornada, irradie os caprichos perdendo a visão, não eu. Vivo um cubram com a mesma mortalha da mãe. humanos, os interstícios do mistério, frequen- jogo, um dualismo. Sei, porém, quem quero ao meu lado na te os pontos cardiais da minha existência. hora da despedida. Faltarão certamente Escrevo porque o verbo provoca-me de- Será a resposta da alma à ditadura do alguns nomes que não posso invocar agora sassossego, afia os mil instrumentos da vida. corpo, de que fala neste livro? porque estão distantes ou porque me prece- E porque, para narrar, dependo da minha Talvez seja. É preciso aprender que deram na partida. crença na mortalidade. Na fé de que um en- o corpo é um átimo, viveu seus es- Penso na hora de dizer adeus instalada na redo provoca pranto. Sobretudo quando, em plendores e agora é tempo de deixar casa que amo, onde fui frequentemente feliz. › Nélida Piñon meio à exaltação narrativa, menciona amores esta plataforma estética maravi- O território onde julguei fácil viver. UM LÁGRIMA contrariados, despedidas pungentes, senti- lhosa. Também por isso nunca fiz Despeço-me assumindo o que sempre fui, FURTIVA mentos ambíguos, destituídos de lógica. plástica, nem nada do género. E olha sem descartar nenhum estado. Como mulher, Temas e Debates, Escrevo, então, para ganhar um salvo-con- que fui muito amiga de , brasileira, galega também, e escritora. Uma 296 pp, 17,70 euros duto com que circular pelo labirinto humano.J o grande cirurgião plástico brasi- › J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt ENTREVISTA letras * 17

›leiro. Ele, muito gentil, sempre me uma escritora cativa do mistério e da dizia: Nélida, você não precisa. Mas beleza do mundo. eu também sempre lhe respondi: Neste livro declaro o Tudo o que preside ao humano nunca quis, nem julguei necessária. provém do mistério. Amor, vida, Aceito a minha aparência. Amigas meu desejo constante morte, nada disto se explica. O minhas fizeram plásticas e ficaram “de conhecer o mundo mistério é puro encanto. A beleza, monstruosas. Cada um tem os seus por seu lado, é emocionante. E não apegos. O meu é entender o que e a história. Nele está a precisa de ser canónica, oficial ou sou e estou podendo ser. E a minha harmonização entre a institucionalizada. Pode ser uma cabeça, felizmente, está boa. fração de segundo, um gesto que minha pessoa e o mundo se esvai, um sorriso. A beleza é ne- Essas memórias em abundância cessária, como tantos já disseram, mudaram a forma como as fixa na tal como a feiura. Contudo, nunca escrita? Gosto de receber, da me coloquei sob o império do Não. Conheci muita gente ao longo abundância, de coisas, estético. Prefiro estar sob a égide da vida, fiz quase 180 viagens da ética. A estética tem de ser li- internacionais, mais de dez por ano, comida e presentes. Sou bertária, demoníaca, não pode ser tive uma vida muito pouco comum uma mulher farta e alegre dominada por questões morais. para uma brasileira. Digo-o sem exibicionismo, mas com ternura: sou E pela escrita indaga o mistério? uma grande defensora da Literatura A possibilidade da O que me define talvez seja a teolo- Brasileira e do Brasil. A Europa morte me deu muita gia do mistério, sim. O mistério roça não conhece nada do nosso país, DIANA TINOCO em Deus, no pecado, em tudo. Não interpreta-o à luz de preconceitos e Nélida Piñon e Suzy “Nunca me coloquei sob o império do estético. Prefiro estar seiva e me fortaleceu. sabendo o que é, sei que somos filhos sectarismos que as versões políticas sob a égide da ética” Estou também com um dele. vão impondo. Cada vez mais sinto que nos coube uma História muito problema grave de visão. Curiosa essa referência a Deus, original. isso? Fui muito atrevida, embo- minha alma. O que me permitiu ter A vida esta a tentar me também presente em muitos livros ra sempre discreta. Avançava e amigos de vastíssimas áreas e pro- seus. Essa história, cultura e originalidade pensava: eu vou chegar lá, mas veniências - e quebrar hierarquias. castigar, mas vou resistir Ele está sempre presente na minha brasileiras não são reconhecidas? ainda é cedo. Nunca me deslum- Na Academia, por exemplo, o vida, mas sem questionamentos. Julgo que não. O que se pode dizer brei. E nunca me preocupei com melhor elogio que me fizeram veio Não batalhamos. Deus foi um senhor quando se constata que um escritor balanços. Só agora com a doença, do porteiro, que numa entrevista Na minha adolescência maravilhoso, gentil, que não me da magnitude de e também com a Fotobiografia a propósito da minha eleição para repetia muitas vezes incomodou, porque desde cedo não é lido, inclusive em Portugal? de 2014, porque me confrontei presidente disse que, desde que eu descobri, com Dostoiévski, o peso Um dos maiores génios da Língua com toda a realidade da minha entrara, o ambiente da instituição uma frase: hei de da consciência. A partir daí aprendi Portuguesa é quase desconhecido trajetória. Nessa altura também mudara completamente. conseguir a chave da que a religião pouco tem a ver com dos seus falantes europeus! O que se aceitei voltar a fazer uma sessão a minha vida. Sou dona da minha pode esperar diante desta realidade? de lançamento de um livro meu, o Chegamos ao fim de Uma Furtiva casa da liberdade para consciência. E pago o preço que ela Nada. Por isso, quando me falam que não fazia há 20 anos. Lágrima e retemos a imagem de viver a vida que quero me exige. › em prémios, digo sempre que é bom recebê-los, mas mais importante é Por que deixou de fazer saber que posso comer feijão com lançamentos? arroz, de que gosto tanto, provar um Para não incomodar os amigos. bom queijo, estar com amigos, rir. Os meus lançamentos, passe a imodéstia, eram um sucesso: vinha Nas imensas viagens que fez houve muita gente, às vezes de longe, que algum espírito de missão, no sentido tinha de gastar dinheiro, com- de divulgar a cultura brasileira? prar o livro, etc. Mas nesse caso a Nunca usaria a palavra missão. editora insistiu, tal como um dos Sempre defendi a identidade bra- meus três amigos que referi. Ele sileira. O romance A República dos organizou tudo, foi um cocktail Sonhos, por exemplo, é uma tenta- extraordinário, com 80 garrafas de tiva de explicação de dois séculos de champanhe. E tanta gente, não só história brasileira por quem a vida amigos, mas também pessoas que inteira estudou o Brasil, a Espanha, a diziam me admirar! Fiquei emocio- Literatura, a Humanidade. Também nada. Lembro-me de ter pensado aceitei muitos convites porque me na altura: meu Deus, eu construí LUÍS BARRA LUÍS permitiam viajar e me confrontar isto! A vida é mesmo assim: uma com o Outro. E levei para os meus construção. Consegue-se ou não. livros todas essas experiências e É preciso estar atento o tempo todo memórias, muitas vezes caóticas. para que a marcha não se inter- O caos é muito importante para a rompa. arte. E agasalha a vida. O trabalho do escritor é selecionar o que deve É essa atenção permanente que faz a predominar no texto. diferença? Faz: não no sentido de se ser um Ser presidente da Academia 'vencedor', mas para se entender Brasileira de Letras, e no ano do seu o valor de um pedaço de pão e da centenário, também foi uma forma ancestralidade. Ser filha de quem de defender a cultura do seu país? sou, neta de quem fui, marcou-me Fez parte desse percurso, tal como muito. Mas construí a minha inde- ter tido uma cátedra em Miami, pendência. Na minha adolescência num concurso que disputei com 80 repetia muitas vezes uma frase: hei intelectuais do mundo inteiro; ou ter de conseguir a chave da casa da li- lecionado em Harvard, Columbia, berdade para viver a vida que quero. Georgetown, ter falado em muito mundo, ao ponto de por vezes não Nesse lançamento viu um saber onde estava. Hoje é diferente. reconhecimento da coerência do seu percurso? Porquê? Sim. Cedendo no necessário, de Tornei-me mais seletiva. Já outra forma uma pessoa quebra, penso: será que ainda posso fazer mas sem permitir que atingissem a

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›E coloca a ética no campo da CRÓNICA DE POESIA quece o que seria uma reprodução consciência? analógica da realidade. Como A ética nunca está acabada, é Fernando Guimarães dizia nos seus poemas Echevarria, um trabalho de ourivesaria. “vermos escuta”. Aqui também… Quando pensamos que resolve- Por sua vez, os poemas, que mos um problema ético, aperce- alternam página a página com bemo-nos que estávamos muito as imagens fotográficas, encon- pouco preparados. No mundo em tram essa plenitude expressiva que vivemos, somos como São na linguagem. O mínimo, que o Sebastião: com o peito cheio de A análise e o mínimo título do livro refere, converte-se flechas que nos desafiam. A vida no todo do que se evoca através da é uma aprendizagem. Sabemos imagem ou das palavras. “É um muito pouco. desenho nos seus vestígios o que se afasta em presença / lumino- Cada passo é uma porta que se abre? Fala-se aqui de dois livros que sa. Uma substância íngreme que É verdade, incluindo na criação. nos confrontam com o modo toca as narinas com / cheiros que Podemos dominar a técnica narra- como a poesia se institui como fulgem e suspendem os passos. tiva, falar longamente, como faço procura ou indagação para se Como se num / espelho a imagem tantas vezes, sobre literatura, mas encontrar a si mesma. Um deles, devolvida abandonasse a simetria há sempre um momento impon- Via Analítica, é da autoria de / ou despedisse a humidade do derável. Fernando Echevarria. A sua olhar. / Então a noite virá com poesia, que começa a aparecer as suas escamas escorrendo de Que momento é esse? nos anos 1950, sempre procurou lentidão / pelas paredes em ru- O da grandeza do texto. Aquilo que através da sua depuração alcan- mor cúmplice dos bichos até que faz com que o texto suba de nível. çar uma calculada e, ao mesmo na terra / se elevem as sementes Aquilo que, ao fim e ao cabo, não se tempo, espontânea realização trazidas pelo vento.” explica. verbal. Talvez seja essa a verda- O livro traz consigo a possi- deira “via analítica” que atraves- bilidade da fotografia e da poesia A República dos Sonhos é sa toda a sua obra. Leia-se estas se encontrarem sem que uma seja considerado um momento duas passagens de um poema, uma espécie de explicação ou ale- marcante da literatura em língua onde precisamente a palavra goria da outra. Não há qualquer portuguesa... análise aparece mais do que uma espécie de écfrase, como se diria Muitos me dizem isso, para minha vez: “Ia-se vendo o cômputo da em certos casos que tendem para alegria. Como é uma alegria o grande / claridade a subir para a mera representação ou imita- Gabriel García Márquez ter dito que a retina. / Esmiuçada se lhe expu- ção que se estabelecesse entre era um dos grandes livros contem- nha a análise. / O múltiplo diviso pintura e poesia. As fotografias porâneos. Porém, a frase que mais resistia, / enquanto, dentro, o Fernando Echevarria e os poemas criam um espaço de

me define não está nesse livro. uno, a fecundar-se, / alargava GRANADEIRO/EXPRESSO SÉRGIO comunicação em que a luz – que é a abundância pela vista. // Era a presença das imagens – e a voz Está em qual e qual é? tudo mental. […] Mas, sobretudo, – que é a harmonia da linguagem Está em Vozes do Deserto: unidade / da condição que ilu- falar-nos do mar, da terra ou do desvelamento da verdade faz-se – se tornam diferentes para que “Xerazade sabe-se instrumento mina / os poentes mais nítidos da céu. E o que apreende é a via para pela linguagem dos poetas, apon- ambas se apresentem com aquela da sua raça. Deus lhe concedera a análise, / antes de consumar-se a “a música, sendo a da língua”, tando o caso de Hölderlin que “nitidez e afastamento” a que o colheita das palavras, que são o seu sua via.” quando esta, “abstraída a ma- seria mesmo o poeta da poesia. seguinte poema na sua plenitude trigo.” Neste poema fala-se do uno e téria, sonoriza-lhe a estrutura”. Podemos dizer que o título também alude: “É a luz, dizias, do múltiplo. Estes termos que se Define-se aqui uma poética. Ora deste novo livro de Echevarria essa fístula. / E no limite os ves- Gosta de se ver na pele dessa figura opõem apontam para o sentido ela conduz-nos a uma espécie encontra aqui um sentido muito tígios da penumbra ou da tristeza mítica? que se divide – os linguistas fa- de ascese. Porquê, então, o lugar especial. Os seus poemas tendem / com que humedeces a música. Atualmente sim. E há quem a ela lam em polissemia – e se concen- privilegiado – o do título – que para uma análise que é também / Lambes a vertigem como num me compare, não só no texto como tram em cada palavra poética. O se reserva neste livro a uma ex- conhecimento e esse conheci- espelho / os líquenes devoram a quando estou a falar, a contar poema no seu todo que é múltiplo, pressão como a de “via analíti- mento acaba por pôr a questão do espessura da terra. / Um pastor histórias. Porque adoro o contacto isto é, no seu contexto, propor- ca”, marcadamente racional ou ser que é o sentido autêntico da vem e deixa indecifrável o seu com os outros, nomeadamente ciona uma leitura que traz consi- racionalizante? Vejamos… Análise realidade. Deste modo, surge uma rasto / como um rosto o seu des- partilhar com os mais jovens a go um significado em que aquela consiste num método resolutivo “análise / que vagarosa se institui tino. / E nos seus claustros a água minha experiência. Não é uma dispersão de vozes encontra “na em que se processa uma decom- […] abrindo a língua”, sendo esta a apenas varre / os lilases do medo despedida, é chamar a atenção unidade que ilumina”. É a “pre- posição de um todo em suas par- própria linguagem da poema que – . / São coisas mínimas / rugosas para a maravilhosa vida humana. cisão da vista”, o caminho ou o tes; analítica, que em Aristóteles se torna também a do conheci- na sua nitidez e afastamento -- / No caso, a de uma brasileirinha, “curso até se instituir em língua”: se reporta a análise e se situa na mento. como a morte que nas palavras / galeguinha. a visão ilumina, a linguagem lógica, ganhou noutros filósofos se repete.”J acaba por unificar. vários sentidos que, no entanto, Coisas Mínimas & Outras Coisas Xerazade impõe a palavra à lâmina, Há toda uma dialética que é o têm geralmente algo de comum, é um livro de Jorge Velhote onde a vida à morte. próprio trabalho ou labor poético, pois o objetivo que se tem em podemos ler poesias, poemas em A imagem é extraordinária: uma o qual se desenvolve, como o vista é atingir a verdade. prosa e, também, ver fotogra- história vale mais do que qualquer poeta confirma, sob a forma de Foi este o caso de Heidegger fias. Comecemos pela fotografia. construção arquitetónica, que uma “análise laboral”. A lingua- que desenvolveu uma interpre- Sobre a imagem da fotografia não todo o ouro do mundo. E na ver- gem do poema, a língua em que se tação do ser humano através de podemos esquecer o que Roland dade, o imaginário é o que de mais constitui, é o seu ritmo ou, para uma análise fundamental que Barthes nos diz no seu livro gratuito temos. Começa a desen- usarmos um termo ocorrente tem em vista a questão do ser. A L’Obvie et l’Obtus. Aí conside- volver-se assim que nascemos: na poesia de Echevarria, o seu verdade não está na lógica, nos ra o caso em que a fotografia se nas cantigas dos pais, nos cheiros timbre. Por isso o escutamos no enunciados que podem ser verda- apresenta como uma reprodu- e sons, nas conversas. Cabe-nos ato de leitura, mesmo que esta deiros ou falsos, mas é no ser que ção analógica da realidade. Ora nunca perder essa matéria-prima se faça em silêncio. Ela revela ou se desvela. O ser dá-nos – nele nessa reprodução, marcada pele fundadora. desvela. Há um conhecimento, o há uma intencionalidade que é sua objetividade, podem surgir qual equivale a um outro ato que reveladora – a verdade dos seres, também derivas significativas, as E os mundos da imaginação e o real é o de ver aquilo que é revelado. é através dele que a encontramos, quais a aproximam da expressão › Fernando Echevarria não se confundem? “Vermos escuta” ou “ver e dizê-lo de modo que o problema que aqui poética. É isso o que acontece nas VIA ANALÍTICA Desde o café da manhã! Assim que são lugar”. Esse lugar pode ser se põe deixa de ser lógico e passa fotografias de Jorge Velhote reu- Edi. Afrontamento, 532 pp., 22 euros acordo estou a contar e a pensar o de uma realidade onde cada a ser ontológico. Esta viragem que nidas neste livro. Aí, elas ganham em histórias. E a ouvir música. palavra nos traz o sentido “que se passa na área da filosofia aca- uma conotação como acontece Sou apaixonada por Wagner, fico difunde o seu tecido ardente de bou por conduzir Heidegger nas precisamente nas palavras de um › Jorge Velhote em estado de graça. Gosto de vida. verdade / transposta”. suas últimas obras para uma ou- poema. Há um trabalho imagina- COISAS MÍNIMAS É um sortilégio. Terei pena de ir O poeta pode referir-se a tra área que diz respeito à poesia. tivo, isto é, uma maneira de ver & OUTRAS COISAS embora. J essa realidade, a essa verdade, É que, para ele, essa revelação ou que perturba, diversifica e enri- Ed. Luz de Papel, 40 pp Burocracia versus O 2º ciclo do Ensino Básico deve acabar? planeamento na Escola As opiniões de Ana Maria Bettencourt, Textos de João Jaime Pires Isabel Alçada, Paulo Guinote e Pedro Abrantes p. 3 a 5 e Mariana Dias p. 6 e 7 J educação Nº 1261 * Ano XXXVIII * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * Diretor José Carlos de Vasconcelos Pensar o Ensino Superior para 2030

Começou no passado dia 7, no ISCTE, em Lisboa, a Convenção do Ensino Superior 2020-2030, organizada pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, como noticiamos no último JL/Educação - convenção que proseguirá a 15 de março e 17 de abril nas universidades de Aveiro e do Porto, respetivamente. O texto do atual ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que a seguir publicamos tem dados fundamentais sobre a atual situação e muito importantes para perspetivar a ação futura, em ordem a atingir as desejáveis metas nele explicitadas, num processo de efetiva convergência europeia. Recorde-se que o autor, doutorado em Londres, com pós-doutoramento na Califórnia, prof. catedrático do Instituto Superior Técnico, foi durante seis anos (2005-2011) secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, sendo ministro José Mariano Gago

Manuel Heitor cinco anos, em 2013, Mariana certamente a perceber as novas Mazzucato, ainda profª da realidades para o Ensino Superior. Universidade de Sussex, publi- O CONTEXTO cou uma obra muito divulgada e O PERCURSO Hoje vivemos um promovida no contexto interna- Para equacionar devidamente quadro novo para cional onde alerta a Europa para 2esta problemática, temos de pensar a evolução do as consequências da “privatiza- aprofundar a análise sobre onde é Ensino Superior em ção do conhecimento”, que tem que estamos e onde é que quere- Portugal no contexto emergido em associação com a mos estar em 2030? E os números europeu, sobretu- crescente “socialização de riscos são claros. A dotação orçamental do em termos da públicos”. É nesse âmbito que o para as instituições públicas de exigência crescente Ensino Superior e a sua articulação ensino superior cresceu 10% entre de melhor articular políticas e com a sociedade e a economia tem 2016 e 2019 (de 1002 M€ para 1105 estratégias para a coesão e para a que ser percebido sobretudo numa M€), com o número total de estu- 1competitividade, para garantir um ótica de maior coesão e maior dantes a crescer 4% entre 2015 e processo efetivo de convergência competitividade, juntamente com 2018 (de 358 mil para 373 mil estu- europeia até 2030. Este processo só a garantia efetiva da convergência dantes no público e privado). Deve pode ser feito com mais conheci- europeia, o que exige estimular a ainda ser notado que o número de mento, e sobretudo com a opção apropriação social e económica do bolsas de ação social escolar no pública, e certamente com o pen- conhecimento em associação com ensino superior cresce de cerca de samento político respetivo, para a noção de “bem público”. 64 mil em 2014/15 para mais de 80 garantir o conhecimento como Mas pensar esta problemática mil em 2018/19. Adicionalmente, um “bem público” e a sua relação de equacionar em simultâneo estes o número de estudantes inscritos com a criação de mais e melhores quatro vetores (ou C’s; coesão, pela 1.ª vez em instituições de empregos. competitividade, convergência ensino superior, públicas e priva- Devemos notar que 50 anos e conhecimento), exige perce- das, cresce de cerca de 87 mil em depois de John Ziman ter lança- ber o quadro temporal e espacial 2014/15 para mais de 103 mil em do a discussão na Europa sobre onde nos encontramos. Estando 2018/19, incluindo mais de 9 mil Conhecimento Público (1968) e 40 Manuel Heitor, ministro da Ciência e do Ensino Superior agora concluída a reprogramação estudantes em formações curtas

anos depois do seu trabalho sobre FRIAS ALBERTO para a conclusão da aplicação em de âmbito superior (i.e., TESPs). Conhecimento Confiável (1978), Portugal dos fundos estruturais Em paralelo com a implementação para compreender o significado europeus para 2020, e a dois anos do programa “Estudar e investi- da produção e difusão do conhe- dro de colaboração único para ga- de se concluir o atual quadro euro- gar em Portugal”, o número de cimento, é preciso entender a rantir o “conhecimento confiável” peu de investigação e inovação - o estudantes estrangeiros aumentou natureza da ciência como um todo como um “bem público” e devem Programa “Horizonte 2020”- urge cerca de 48% desde 2014-2015, complexo e em articulação com a ser considerados como um passo O Ensino Superior pensar o Ensino Superior quan- representando hoje cerca de 50 mil formação avançada. Mais tarde, no crítico na promoção da cultura e a sua articulação do se perspetiva a conclusão das inscritos, 13% do total. ano 2000, Ziman lembrou-nos que científica dos cidadãos europeus grandes opções financeiras para a Estes números devem ainda ser “a ciência é social”, referindo-se em geral. É neste contexto que as “com a sociedade e a Europa, incluindo o arranque do analisados face a um aumento efe- a “toda a rede de práticas sociais perspetivas para o ensino superior economia tem que ser novo quadro europeu de inves- tivo da despesa total em I&D, pú- e epistêmicas em que as crenças em Portugal e na Europa devem ser tigação e inovação, o Programa blica e privada, a qual cresceu 114 científicas realmente emergem e consideradas sob uma perspetiva percebido sobretudo “Horizonte Europa”, o futuro do milhões de euros em 2016 e 175 em são sustentadas”. Assim, sistemas realista do caminho percorrido e numa ótica de maior Programa ERASMUS e a prepa- 2017 (total de 289 milhões em dois de ensino superior, de investigação do passado recente. ração dos fundos estruturais para anos), tendo atingido 1,33% do PIB e de inovação adequadamente ar- Este debate é particularmen- coesão e maior Portugal. Daquilo que deverá vir a em 2017 e devendo atingir 1,7% até ticulados podem fornecer um qua- te oportuno pois há cerca de competitividade ser o período pós-2020, leva-nos ao final de 2019. Representa uma J ENSAIO jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 2 * educação

convergência efetiva para a Europa sitárias devem estar integrados sentar uma oportunidade única para do conhecimento desde 2016, em até 2023 em posições de carreira e fazer crescer o ensino superior em consequência de uma política clara dentro dessas posições de carreira, Portugal na próxima década, exi- de qualificação e emprego de re- o conjunto de professores cate- gindo uma vez mais a responsabili- cursos humanos e de valorização de dráticos e associados deve passar dade coletiva, entre as instituições carreiras científicas e académicas. a representar entre 50% e 70% e os empregadores, de modernizar É ainda de notar que o aumento dos professores (atualmente com e alargar a atual oferta, designa- da despesa em I&D tem sido sobre- valores médios nacionais de apenas damente ao nível da sua relativa tudo expressiva nas empresas, que cerca de 30%). Para o ensino poli- diversificação (incluindo processos aumentou 12% entre 2016 e 2017 e técnico público, 70% dos docentes de re-skilling) e, sobretudo, especia- representa agora mais de metade devem estar integrados em posi- lização (up-skilling), atraindo novos da despesa nacional em I&D. Por ções de carreira e dentro dessas públicos nomeadamente adultos, outro lado, o número de doutorados posições de carreira, o número de formando mais ao “longo da vida”. em empresas a realizar atividade professores coordenadores deve Alargar e diversificar as formações de I&D que beneficiam de apoio representar até 50% e o núme- curtas e especializar ao nível das fiscal, através do SIFIDE, cresceu ro de professores coordenadores pós-graduações são elementos críti- 30% desde 2015 e mais de 10% principais passar a representar até cos, como claramente abordados nos entre 2016 e 2017. A contratação 15% até 2023. últimos relatórios da OCDE (2018) de investigadores pelas empresas ou em particular no último relatório cresce 11% entre 2016 e 2017, com DESAFIOS E OPORTUNIDADES do de setem- o número de investigadores na po- O debate que emerge em bro (WEF, 2018) sobre o futuro do pulação ativa a crescer para 8,5‰ 3Portugal e na Europa sobre trabalho na Europa e no Mundo. em 2017 (enquanto 8,0‰ em 2016 financiamento para o ensino Por um lado, a ubiquidade da e 7,4 ‰ em 2015). superior, a investigação e a ino- Manuel Heitor internet móvel, mas por outro lado

Assim são estes os números que vação sugere, mais uma vez, que FRIAS ALBERTO a capacidade de processar dados e fundamentam o “otimismo respon- a ampliação da base social para ati- a relativa massificação de formas sável” para pensar Portugal com vidades baseadas no conhecimento de “inteligência artificial” e/ou de mais conhecimento. e o fortalecimento do sistema de os contribuintes (ver Heitor e comunicar resultados do proces- Mas onde é que queremos estar? produção de conhecimento ao mais Horta, 2014). samento de grandes quantidades Sabemos que não é suficiente esta alto nível devem ser considera- Isto leva-nos certamente à ne- de informação (big data analyti- evolução, pois não nos deve bastar dos juntamente com a crescente Há uma convergência cessidade de repensar e garantir a cs), assim como de massificar a ter atingido a média europeia na necessidade de promover proces- para a Europa desde sustentabilidade financeira da ação utilização de novas tecnologias participação do ensino superior e sos de interface e intermediação “2016, com uma política social escolar, assim como melhor de computação em rede, exigem ter apenas 4 em cada 10 jovens de com a sociedade e a economia em adequar a estrutura de financia- a modernização dos processos de 20 anos a frequentá-lo. A ambição geral (ver Heitor e Horta, 2014). de qualificação mento e operação das instituições ensino/aprendizagem num quadro de aumentar essa penetração em Requer, portanto, um enfoque na e emprego de de ensino superior face à atual de diversificação e especialização 50%, atingindo uma taxa média de qualificação avançada de pessoas, concentração em atividades de institucional, que urge concretizar frequência de 6 em cada 10 jovens nas instituições e nas suas ligações recursos humanos formação inicial de relativa longa nas instituições de ensino superior. com 20 anos deve ser a nossa com a sociedade. Implica perce- e de valorização de duração. A tendência normal num Exige, certamente, a responsabi- ambição para 2030. Deve ainda ber e reconhecer o conhecimento quadro de convergência europeia lidade de estimular a criação de considerar a ambição de alargar as como um processo cumulativo, carreiras científicas e seria reduzir, no prazo de uma novos empregos, partilhando essa qualificações de toda a população, contínuo e de longo prazo, em académicas. década, os custos diretos das fa- responsabilidade com a transfor- com 40% dos graduados de educa- mutação constante, que requer mílias dos estudantes em forma- mação do ensino superior. ção terciária na faixa etária dos 30- uma compreensão clara do papel ção inicial, sem aumentar a carga 34 anos até 2020 (enquanto apenas desempenhado pelas relações entre Devemos ambicionar fiscal, mas equilibrando a estrutura O TERCEIRO DESAFIO SURGE 35% em 2016) e 50% em 2030. conhecimento e sociedade, muito de financiamento das instituições, ASSIM dentro do contexto das Neste contexto devemos para além de estratégias de desen- alcançar um nível de para que sejam os beneficiários in- próprias instituições e da absoluta ambicionar alcançar um nível de volvimento económico de curto liderança europeu de dividualmente e os empregadores a necessidade de estimular a trian- liderança europeu de competências prazo, naturalmente impulsiona- ter maiores contribuições relativas gulação que emerge entre “conhe- digitais até 2030, em associação das pela procura. Neste quadro, competências digitais para cobrir os custos. cimento, educação e emprego”. com acesso e uso da internet, bem penso ser importante considerar até 2030 É neste contexto que a introdu- como a procura pelos mercados, hoje quatro principais desafios SEGUNDO DESAFIO, NESTE ção em 2018 de um novo regime desenvolvimento de negócios e para pensar o Ensino Superior em CONTEXTO, PARA ALARGAR a jurídico dos centros académicos desenvolvimento de competências Portugal, num quadro de referên- A dois anos de se base social passa pelo nível da mo- clínicos tem por objetivo, na área especializadas. Esta é a ambição da cia para a próxima década e num concluir o Programa dernização do processo de ensino/ da saúde, estimular a ligação cri- Iniciativa Nacional Competências horizonte de 2030. aprendizagem face a um processo tica entre ensino e a investigação Digitais, INCoDe.2030, em curso “Horizonte 2020” crescente e acelerado de transfor- clinica, reforçando a sua ligação desde 2017. PRIMEIRO DESAFIO, ALARGAR A devem-se promover mação digital da nossa sociedade às carreiras médicas e apoio na Adicionalmente, temos que BASE SOCIAL E A PENETRAÇÃO e de práticas pedagógicas que são saúde. Adicionalmente, o estimulo continuar o trajeto do aumento da do ensino superior num quadro e aprofundar novas certamente transformáveis face ao à criação de “laboratórios colabo- despesa em I&D, alcançando um de forte pressão demográfica. Se redes europeias de quadro de transformação digital rativos” e as mais de 20 iniciativas investimento global em I&D de 3% hoje temos 120 mil jovens com 18 onde vivemos. Por outras palavras, criadas em 2018 vêm reforçar ele- do PIB até 2030, com uma parcela anos a residir em Portugal e apenas ensino superior em exige mais especialização e sobre- mentos críticos de relacionamento relativa de 1/3 de despesa pública formamos a nível superior cerca de estreita articulação tudo mais diversificação institucio- institucional entre empregadores, e 2/3 de despesa privada. Implica metade deles, temos de conse- nal, sendo particularmente crítico investigadores e educadores. Exige, o esforço coletivo de aumentar 3,5 guir evoluir na próxima década com atividades de ao nível das ofertas relativas de contudo, um contexto institucional vezes o investimento privado em com a responsabilidade coletiva, investigação e inovação formação inicial, graduação e pós- claro para o desenvolvimento de I&D, juntamente com a criação de de atores públicos e privados, em -graduação, assim como ao nível carreiras académicas e científicas, cerca de 25 mil novos empregos alargar a penetração do ensino das práticas e dos ambientes dentro juntamente com o rejuvenesci- qualificados no setor privado, assim superior, reconhecendo a dimi- da “sala de aula”. Por exemplo, são mento das carreiras docente e de como duplicar o investimento pú- nuição em cerca de 30% que vai Estudantes do Ensino Superior, escassas as instituições de ensino investigação e a diversificação e o blico em I&D até 2030. emergir na população jovem até lançado em 2018, vem contribuir superior em Portugal que têm mais desenvolvimento dessas mesmas E para concretizar estes obje- 2030. Certamente reconhecendo claramente para este objetivo, de 40% de estudantes de pós-gra- carreiras. tivos, temos que desenvolver as também os benefícios individuais em associação com a opção de duação face ao total de estudantes É neste âmbito que colaborar, carreiras académicas e científicas e coletivos que a participação no considerar o conhecimento como de licenciatura e de mestrado. partilhar recursos e desenvolver no ensino superior. Neste contexto ensino superior facilitam, este de- um “bem público”. Exige que Os peritos da OCDE relembra- carreiras (científicas, académicas, foi revisto em 2018 o regime legal safio exige reduzir os custos diretos uma maior parte das despesas de ram-nos na última a avaliação de assim como a mobilidade entre de graus e diplomas, de modo a das famílias dos estudantes social e participação no ensino superior Portugal (OECD, 2018) que a nossa essas carreiras e o desenvolvimento reforçar as exigências de integra- economicamente mais vulneráveis seja gradualmente transferidas comunidade estudantil é das mais profissional) está hoje associado ção em carreiras do corpo docente e a responsabilidade de aumen- para os principais beneficiários do jovens da Europa. com uma idade ao desenvolvimento do emprego para efeitos de acreditação de ciclos tarmos o âmbito dos apoios sociais ensino superior, designadamente média de 25 anos (face a alguns científico como um elemento crítico de estudos. Por exemplo, 2/3 dos para além de 2020. O Programa os graduados e os empregadores, países nórdicos com uma média de no desenvolvimento do ensino supe- docentes das instituições univer- Nacional para o Alojamento de para além da sociedade e de todos 41 anos). Este facto só pode repre- rior e sempre em associação com J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt ENSAIO, INQUÉRITO educação * 3

atores externos, por exemplo através diversos atores, tanto nacionais das “redes regionais de formação e como internacionais, em termos especialização”. Ou seja, perceber de uma abordagem inovadora e a criação de emprego no contex- integrativa, em todas as áreas do to do desenvolvimento do ensino conhecimento com ênfase numa O 2º ciclo do Ensino superior, sempre em associação com agenda de investigação e inovação a produção e difusão do conheci- sobre “interacções atlânticas”, mento, é certamente um desafio em curso através da instalação que emerge no contexto do ensino do “Centro Internacional de Básico deve acabar? superior em Portugal e na Europa. Investigação do Atlântico – AIR Centre” e completada com o POR FIM, O QUARTO DESAFIO recente lançamento do programa SERÁ SEMPRE o do contexto “Atlantic International Satellite europeu e da internacionalização. Launch Program – Atlantic ISLP”. O facto de estarmos a dois anos de se concluir o atual quadro euro- EM JEITO DE CONCLUSÃO A hipóteses do 2º ciclo do Ensino Básico (5º e 6º anos) deixar de existir, peu de investigação e inovação A análise mostra claramente com as consequentes alterações, tem sido falado - como se pode ver (o Programa “Horizonte 2020”) 4que a coevolução da forma- e na perspetiva da conclusão das ção de capital humano e da capaci- nomeadamente no Relatório do Conselho Nacional da Educação relativo a grandes opções financeiras para a dade de investigação e de inovação 2017, a que aqui se deu o devido relevo - e deverá ser, naturalmente objeto Europa para 2021-2027, incluin- nas suas diversas formas (académi- do o arranque do novo quadro ca, translacional e aplicada/clíni- de mais reflexão e debate. Assim, o JL/Educação lançou o presente inquérito, europeu de investigação e ino- ca) é fundamental para promover vação (o Programa “Horizonte a capacidade de absorção que a cujas três perguntas respondem outros tantos especialistas. E, por nossa Europa”), deve servir de estimu- Portugal precisa de aprofundar sugestão, esse é o tema também da habitual coluna de Paulo Guinote lo para promover e aprofundar para continuar a melhorar a qua- novas redes europeias de ensino lidade de vida de toda a sociedade superior em estreita articulação de forma eficaz, convergindo para 1. Entende que o 2º ciclo do Ensino Básico se com atividades de investigação e a Europa do conhecimento. inovação. Certamente em arti- É neste contexto que os quatro deve manter ou deve acabar – e porquê? culação e complemento com o principais desafios identificados nosso posicionamento no mundo, acima para o ensino superior em 2. Caso seja de opinião que acabe, deviam os da nossa janela atlântica à relação Portugal oferecem um conjunto de atuais 5º e 6º anos integrar-se no 1º ciclo ou única que temos ou que podemos novas oportunidades importantes, haver outro tipo de ‘divisão’? vir a ter no desenvolvimento da designadamente: i) ao nível dos relação da Europa com África novos públicos, nomeadamente 3. Que alterações se imporiam, face e com a América Latina. Mas os adultos, e do desenvolvimen- internacionalizar não é apenas to da formação ao longo da vida; àquela eventual mudança, ou se impõem fomentar a atração e mobilidade ii) ao nível dos profissionais e do independentemente dela? de recursos humanos, devendo desenvolvimento de carreiras aca- cada vez mais incluir o desenvol- démicas e científicas, que têm hoje vimento institucional conjunto, uma oportunidade única de serem incluindo o recrutamento conjunto adequadamente desenvolvidas no de docentes e investigadores e o âmbito das instituições de ensino Isabel Alçada desenvolvimento programático a superior; iii) ao nível dos atores nível internacional. externos, incluindo novas relações ‘Tendência’ para apoiar a mudança A prossecução destes objetivos de proximidade com emprega- e a ambição de reforçar e duplicar dores e a administração pública; a participação de Portugal no pró- iv) ao nível dos financiadores e da ximo programa-quadro europeu diversificação das fontes de finan- de Investigação e Inovação (o ciamento, com a modernização Antes de responder confesso Alguns dos argumentos que então “Horizonte Europa”) face ao atual da estrutura de financiamento das que guardo do 2º ciclo do Ensino surgiram têm lógica, são pertinentes programa-quadro (o “Horizonte instituições e da redução do peso 1 Básico uma imagem muito e ainda hoje se mantêm: 1) as crianças 2020”), exige dotar a estrutura relativo do financiamento para a positiva, formada nos primeiros anos de 10/11 anos têm dificuldade em tran- nacional de responsabilidades formação inicial. da minha vida profissional. Comecei sitar de um regime de monodocência, acrescidas nesta matéria e de Nota-se que no último Fórum a trabalhar como professora em em que o horário é contínuo e as aulas instrumentos adequados e eficazes, de Financiamento da Associação 1976, precisamente nesse nível de são na sala da turma, para um regime incluindo a profissionalização Europeia das Universidades (EUA, ensino. Durante alguns anos lccionei com muitos professores e muitas dos atuais serviços centrais e ao 2018), Portugal foi classificado Português e História na escola prepa- disciplinas, com horário diferente nos nível das instituições, bem como como um dos “front runners” em ratória Fernando Pessoa em Lisboa, vários dias da semana, obrigando-as a a sua evolução para uma rede com termos de financiamento, junta- onde encontrei um corpo docente andar pela escola, de sala em sala; 2) as uma coordenação nacional de alto mente com a Suécia e a Noruega, bem preparado e bastante inovador. transições estão com frequência asso- nível, o “PERIN- Portugal in Europe por serem os únicos países que As minhas colegas (eram quase todas ciadas a um agravamento do insucesso Research and Innovation Network”. nos últimos três anos aumentaram mulheres) estudavam bastante para escolar e das retenções, que no nosso Ainda neste contexto, o desen- o investimento global no ensino ensinarem bem. Esforçavam-se por se país se mantêm em níveis considerados Isabel Alçada volvimento em 2018 da iniciativa superior e na ciência. Nesse fórum manterem atualizadas, tanto no que JOSÉ CARIA assustadores pelos peritos internacio- "GoPortugal – Global Science and ficou ainda claro mais uma vez de respeita aos conteúdos como à me- nais; 3) o clima de convívio e de traba- Technology Partnerships Portugal” que mais do que discutir formas todologia e à didática das disciplinas lho nas escolas não pode ser tão calmo, tem por objetivo aprofundar a de redistribuição do financia- que lecionavam. Na escola, havia uma significava que, para muitas crianças, tão estimulante e tão caloroso, como internacionalização da capacidade mento público às instituições de atmosfera positiva. Conversava-se o então chamado ensino preparatório o desejável, porque o relacionamento académica, científica, tecnológica ensino superior, a análise sugere muito sobre os progressos dos alunos, representava na verdade o último das crianças com um grande número e de inovação de Portugal, tendo a necessidade critica em reforçar trocavam-se ideias e preparavam-se ciclo da sua vida escolar. Quando a de docentes e é necessariamente mais por referência as melhores práti- a ação coletiva para aumentar o as aulas com cuidado e muitas vezes duração da escolaridade obrigatória impessoal e distante. cas internacionais, incluindo na total do financiamento disponí- em conjunto. Estou por tudo isto mui- se alargou para nove anos (em 1986) Concordando com estes argumen- relação com as empresas e o tecido vel, juntamente com a garantia da to grata ao 2º Ciclo do Ensino Básico, e mais tarde, quando se preparou o tos, a minha resposta à pergunta ten- produtivo, assim como fomentado diversificação das suas fontes. E pois foi onde descobri os segredos de alargamento para 12 anos (em 2009), de a apoiar a alteração, pese embora a a criação e crescimento de novas essa diversificação só é possível ser um ensino bem-sucedido, onde en- debateu-se a hipótese de alterar a velha relação afetuosa que tenho com empresas de base científica e tec- feita com um esforço coletivo, para contrei o meu próprio estilo profissio- estrutura do sistema aproximando- o 2º ciclo. Digo tende porque sei, por nológica. Enquadra-se ainda nesta o qual uma autonomia responsável nal e onde me comecei a dedicar com -a do que acontece na maioria dos experiência direta, que profissionais iniciativa a valorização do posi- do ensino superior é uma condi- entusiasmo à educação. países da União Europeia, onde os 5º competentes conseguem compensar cionamento atlântico de Portugal ção critica para encararmos este No entanto, é bom não esquecer e 6º anos são lecionados nas mesmas dificuldades e promover o sucesso no Mundo, potenciando a atração desafio com otimismo também que nessa época a escolaridade obri- escolas dos primeiros quatro, não dos alunos. No entanto, a estrutura de financiamento e mobilizando responsável. J gatória era apenas de seis anos, o que existindo um ciclo intercalar. do sistema de ensino deve criar boas J INQUÉRITO jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 4 * educação

condições para o trabalho docente coordenação da ação pedagó- e evitar dificultá-lo. Se existirem Ana Maria Bettencourt gica pelo professor titular da provas de que com esta alteração de turma. estrutura se beneficia a aprendiza- gem, então vale a pena introduzi-la. “Não se manter autónomo É necessário estudar apro- Considero, contudo, que o sistema fundadamente a situação educativo não pode ser mudado com existente, os problemas que base em opiniões, ainda que emitidas e com a atual estrutura” coloca3 e as mudanças necessárias, por personalidades de reconheci- estabelecer diálogos com todos os da competência. As mudanças em protagonistas: pais, professores, educação, mesmo as mais reduzidas, alunos, responsáveis por esco- exigem sempre prudência e mui- las. Entre as alterações neces- ta informação, pois geram efeitos A criação do Ciclo existência de uma primeira etapa sárias apontaria: a) mudanças colaterais turbulentos que é desejável Preparatório do Ensino que ultrapassa os quatro anos curriculares, designadamente prever e evitar para que a vida das es- 1Secundário, nos anos 60 do de escolaridade, em quase todos diminuição do leque de disci- colas e a educação dos alunos não saia século passado, a que corresponde os países, com uma organização plinas e redução dos conteúdos, prejudicada. As mudanças exigem hoje o 2º ciclo do ensino básico, variável. É opinião muito genera- bem como introdução de mais estudos prévios, estudos aprofunda- foi uma medida que contribuiu lizada que os alunos necessitam desafios de trabalho transdisci- dos que identifiquem e comprovem as para a generalização da escolari- de mais tempo para consolidar plinar; b) maior estabilidade dos deficiências no que existe e antecipem dade obrigatória de seis anos. A aprendizagens. Acreditei durante professores, com possibilidade previsíveis impactos positivos ou inovação proposta seduziu muitos muito tempo que seria possível de as escolas fixarem aqueles que negativos do que de novo se propõe. professores que para ele transita- atenuar a transição brusca entre realizam bom trabalho e que pre- ram. Na legislação que o definia os ciclos, designadamente através tendem aí continuar; c) mudanças Para responder a esta questão havia uma abertura do discurso do reforço da cooperação e arti- indispensáveis ao nível do perfil precisaria dos estudos que acabei pedagógico, apontando-se para culação vertical entre professores e da afetação dos professores aos 2de referir e não existem, mas o um ensino organizado por áreas, do mesmo agrupamento mas essa diferentes níveis de ensino. que conheço do Sistema de Ensino para o trabalho interdisciplinar, expetativa não se concretizou de Ana Maria Bethencourt Têm sido formados professores diz-me que vale a pena estudar a para uma maior preocupação com forma significativa. para lecionarem o 1º e o 2º ciclos possibilidade de aproximar mais os o conhecimento dos interesses e Com a generalização do en- que estariam aptos a viabilizar dois ciclos para garantir uma maior capacidades dos alunos. sino básico e a chegada de novos estas mudanças. Há porém que articulação e sobretudo uma maior As práticas desenvolvidas pos- públicos a escola tem de reforçar constitui, para muitos deles, uma salvaguardar a situação dos outros permeabilidade. Por um lado, a teriormente foram-se entretanto o acompanhamento das crianças frustração. Parece-me assim que professores, atualmente afetos monodocência do 1º ciclo devia ser re- afastando do espírito do projeto nos primeiros anos de escolari- o 2º ciclo não se deve manter como ao 2º ciclo, que poderiam transi- pensada. Considero que no 3º e 4º anos inicial, acentuando-se a dificul- dade, logo que estas encontram ciclo autónomo e com a estrutura tar para o 3º transportando uma pode surgir a intervenção de profes- dade de promover o ensino por dificuldades o que é mais fácil de existente. experiência muito útil. Poderiam sores especializados, os mesmos que área, de reduzir o número de pro- concretizar por equipas peque- contribuir designadamente para hoje lecionam apenas as disciplinas do fessores por turma e de prevenir nas e coesas. Tenho conhecido A mudança que menos atenuar as dificuldades existen- 5º e do 6º anos e que assim trabalha- o insucesso escolar. Temos assim situações dramáticas de bons convulsões provocariam tes na transição entre o 2º e o 3º riam nos dois ciclos. Algumas áreas um ensino básico caracterizado alunos que ficam “perdidos” após 2seria a passagem para o ciclos, muito brusca e responsável em que vejo vantagens desta prática por uma transição brusca e pre- a transição. Penso que a continui- 1º ciclo dos atuais 5º e 6º anos, por elevados níveis de insucesso são as Expressões Artísticas e Fisico- coce entre o 1º ciclo, da responsa- dade pedagógica e a existência de integrando-os numa primeira escolar. Motoras, o Inglês, ou a área da Leitura bilidade de um só professor, e um equipas coesas e pequenas podem etapa da escolaridade, se bem e Escrita, em que docentes especiali- 2º ciclo, lecionado por um número contribuir para percursos escola- que podendo aí intervir profes- * Ana Maria Bethencourt, profª de Ciências zados poderiam evitar o drama de um elevado de professores . res equilibrados. sores de algumas áreas. Seria da Educação do IP de Setúbal, foi assessora elevado número de crianças que, por O estudo da organização da Também do ponto de vista dos fundamental, porém, estabele- para essa área do Presidente Jorge Sampaio não dominarem estas competências maioria dos sistemas europeus professores a restrição da sua cer uma continuidade durante e presidente do Conselho Nacional da na fase inicial, ficam condenadas a revela uma tendência para a ação a um ciclo curto de dois anos os primeiros seis anos e uma Educação um percurso escolar de insucesso. Por outro lado, no 5º e 6º anos poderia manter-se um professor de referência em cada turma, lecionando várias A articulação entre ciclos áreas de forma integrada, a par de ou- Pedro Abrantes já está a ser reforçada. Nos tros professores em outras áreas, numa 3últimos anos, houve uma lógica de diversificação progressiva. aposta muito forte na promoção do sucesso escolar, na gene- Como é prática em alguns Mais inconvenientes do que benefícios ralidade dos agrupamentos e agrupamentos, que recorrem municípios, numa perspetiva 3apenas a medidas de gestão, preventiva, ou seja, com pla- deve atribuir-se um menor número nos de prevenção do insucesso de professores a cada turma do 2º No momento atual, vejo mais O exemplo espanhol é pa- adequados a cada contexto e que, ciclo. Atualmente as crianças de dez inconvenientes do que bene- radigmático, a este propó- em geral, incidem no início de anos chegam a ter dez professores, 1fícios de se acabar com o 2º 2sito, até pela proximidade a cada ciclo, precisamente com o quando bastaria que cada professor ciclo. A configuração dos ciclos de Portugal. Apesar do êxito notável objetivo de promover as tran- se encarregasse de duas disciplinas, ensino foi definida na Lei de Bases de um ensino básico de oito anos, sições. Além disso, estas estra- já que a maioria tem formação pro- do Sistema Educativo, depois de Espanha decidiu voltar a um ensi- tégias são definidas ao nível do fissional que o permite. No entanto, um debate de vários anos e de um no primário de seis anos, seguido agrupamento, ou seja, reforçam para avançar com uma aproximação consenso alargado na Assembleia de dois ciclos de educação secun- a cooperação entre docentes mais profunda entre os dois ciclos, da República. Teve como princi- dária. A verdade é que os resulta- dos vários ciclos. A já referida os estudos teriam queabordar vários pal inspiração o modelo escan- dos foram dececionantes. Espanha evolução das taxas de transição domínios e prever implicações rela- dinavo, hoje reconhecido como tinha há 20 anos indicadores edu- no 2º ciclo, com uma redução tivas aos edifícios e à rede escolar ao aquele que melhor tem compa- cativos bem superiores a Portugal muito significativa desde 2015, financiamento, aos grupos de recru- tibilizado qualidade e equidade. e hoje já não é assim. A verdade é é sinal de que esta política está a tamento dos docentes, à sua formação Em Portugal, este foi o modelo que as culturas institucionais do resultar. A autonomia e flexibili- inicial e contínua. Tornar-se-ia ainda que permitiu a democratização do Pedro Abrantes ensino primário e secundário são dade curricular vêm também dar necessário um consenso político acesso mas também a melhoria historicamente diferentes e isso mais liberdade aos agrupamentos alargado para que o Parlamento apro- continuada das aprendizagens ao tem gerado muitas dificuldades para aprofundar estas articula- vasse alterações na Lei de Bases do longo dos últimos 30 anos, sendo de transição, na generalidade dos ções entre ciclos e dirimir assim Sistema Educativo, o que, como bem hoje o nosso país apresentado vado há uns anos, mas registou- países. O 2º e º 3º ciclos do ensino dificuldades de transição que sabemos, não é fácil conseguir. como um exemplo internacional -se uma redução de 8,6% em 2015 básico, em Portugal, permitem que possam subsistir. em termos dos progressos educa- para 5,8% em 2017 (ainda não essa transição seja mais gradual e, * Isabel Alçada, professorae escritora, é assessora * Pedro Abrantes é prof. da Universidade para Educação do Presidente da República; foi co- tivos alcançados. Mesmo focando temos os dados de 2018), o que é portanto, facilitam a adaptação e missária do Plano Nacional de Leitura e ministra apenas a questão do insucesso no sinal de que estamos a vencer esta inclusão dos alunos, dificultando Aberta e técnico especialista no gabinete do da Educação 2º ciclo, é certo que era muito ele- batalha. formas de segregação precoce. ministro da Educação Nº 265 * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 Suplemento da edição nº 1261, ano XXXVIII, do JL, Jor­­nal de Le­­tras, Ar­­tes e Ideias com a colaboração do Camões, I.P.

Seminário sobre Cooperação, Cultura e Língua

Lisboa 7 e 8 de janeiro de 2019 jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 J 2 *

Seminário sobre Cooperação, Cultura e Língua Nova plataforma eletrónica para a ação cultural externa

Uma nova plataforma eletrónica permitirá uma gestão integrada dessa Instituto, tendo indicado que o pro- do Livro de Guadalajara [México, 2018] dedicada à ação cultural externa de ação, nomeadamente a “submissão e grama anual de ação cultural externa foi um sucesso”. Portugal vai entrar em funcionamento gestão do Plano Anual de Atividades para 2019 terá “a mesma lógica de Segundo ele, “começam a multipli- “muito em breve”, revelou o Presidente (PAA) do Camões, IP e redes externas”, sustentação dos avanços” registados car-se convites idênticos provenientes do Camões, I.P., embaixador Luís Faro o “acesso às funcionalidades em função em 2018, em que na projeção interna- de outras geografias”, sedimentando Ramos, ao falar na abertura do seminá- do perfil do utilizador” e a “geração de cional da cultura portuguesa se provou a ideia de que se pode “valorizar bas- rio sobre Cooperação, Cultura e Língua, relatórios e indicadores”. a sustentação da “fileira absolutamente tante” a língua e a cultura portuguesas promovido por aquele instituto público No seminário, que teve a sua essencial da literatura e do livro, com “de forma muito ativa nessas mostras a 7 e 8 de janeiro em Lisboa. sessão inaugural na sala de banquetes programas ativos de tradução de obras internacionais”. Em 2019, Portugal será A nova plataforma, que “contribuirá do Palácio das Necessidades com a portugueses e de participação em feiras o país convidado da Feira do Livro de para uma ação cultural externa mais presença da secretária de Estado dos e mercados ligadas à promoção de livro Sevilha e, em 2021, de Leipzig. eficiente, transparente e abrangente” Negócios Estrangeiros e Cooperação, e da literatura, como também progra- Na sessão de abertura, além da e que permitirá “articular e moni- Teresa Ribeiro, e prosseguiu depois nas mas muito importantes de divulgação, secretária de Estado Teresa Ribeiro, torizar, de forma eficaz e inovadora, instalações do Camões, I.P., partici- quer da riqueza patrimonial portuguesa intervieram também como convida- a realização de eventos culturais de param quadros do instituto e agentes quer da criação portuguesa contempo- dos Jorge Moreira da Silva, diretor da promoção de Portugal no exterior, da sua rede, nomeadamente, adidos, rânea”. Cooperação para o Desenvolvimento sejam eles de caráter pontual e setorial Luís Faro Ramos conselheiros e técnicos setoriais de da OCDE, e Isabel Pires de Lima, multidisciplinares e intersectoriais”, / CICL PORTUGAL ANTÓNIO FOTO cooperação para o desenvolvimento, PARTICIPAÇÕES professora da Faculdade de Letras da será utilizada para iniciativas como o coordenadores de projetos de coope- Na sua intervenção, Luís Faro Ramos, Universidade do Porto, que se debru- festival cultural China/Portugal, que ração bilateral e delegada, conselheiros que também abordou na abertura as çaram respetivamente sobre os Novos terá lugar em 2019, segundo indicou do Conselho Diretivo do Camões, I.P. culturais, responsáveis de cátedras, questões da cooperação portuguesa desafios da cooperação para o desen- Luís Faro Ramos, que falava da forma João Neves num painel do Seminário leitores e coordenadores de ensino de para o desenvolvimento, defendeu a volvimento no âmbito da agenda 2030 de melhorar a operacionalização do sobre os Eixos estruturantes 2019 português no estrangeiro e adjuntos, criação de “uma estrutura mais per- e o Entendimento global numa Babel de plano indicativo anual de ação cultural na Internacionalização da Cultura tendo ainda assistido embaixadores e manente que prepare e acompanhe” histórias, respetivamente. externa, coordenado desde 2016 pelos Portuguesa e da Língua Portuguesa cônsules-gerais. as participações de Portugal em feiras Na área da cultura e da língua, o ministérios dos Negócios Estrangeiros (v. texto neste suplemento), a nova Acompanhado pela ministra da do livro internacionais, bem como seminário contou com o investigado (através do Camões, I.P.) e da Cultura plataforma tecnológica, “com infor- Cultura, Graça Fonseca, o ministro dos o envolvimento de “outras entida- e programador cultural António Pinto e cuja edição para 2019 tinha apresen- mação agregada relativa às atividades Negócios Estrangeiros, Augusto Santos des, públicas e privadas, incluindo Ribeiro, que abordou o tema Do mundo tação prevista para depois do fecho de de promoção da cultura portuguesa Silva, encerrou os dois dias de trabalho o empresariado português”, depois à nossa volta aos fluxos culturais con- redação deste suplemento. no exterior desenvolvidas ou apoiadas preenchidos com sessões temáticas de considerar que “a participação de temporâneos e dirigiu uma oficina de Segundo revelou depois o vogal pelos organismos e serviços públicos”, dedicadas às áreas de intervenção do Portugal como país convidado na Feira reflexão com a participação da rede ex-

a Guiné-Equatorial, segundo os dados Língua portuguesa e ação cultural externa adiantados no painel. Uma das orientações estratégicas seguidas pelo Camões, I.P. para a pro- Magalhães, Sophia, China e feiras do livro em 2019 moção do português – a integração do seu ensino nos currículos oficiais pú- blicos de outros Estados – foi reforçada no ano transato, “contabilizando-se 22 Um total de 185 mil pessoas a estu- sário do restabelecimento das relações CD do Camões, I.P. mostraram que dos ligação direta ou indireta ao Camões países em 2018, com destaque para a darem a língua portuguesa no mundo diplomáticas entre Portugal e a China; referidos 185 mil formandos, 114.810 se I.P.” Aqui, o balanço de docentes é fa- Espanha, onde a integração foi alargada com o apoio do Camões, I.P. e 1.480 o centenário do estabelecimento de encontravam no ensino superior (mais vorável ao ensino básico e secundário: a todas as províncias autonómicas ações culturais promovidas no exterior relações diplomáticas entre Portugal e cerca de 14 mil do que em 2017) e 70.920 965, contra 852 no ensino superior. No raianas com Portugal”. Tal como foi também com o seu concurso são os Cuba; e o 20º aniversário da transferên- no ensino básico e secundário (um entanto, a evolução é mais acentuada reforçada a cooperação estratégica com dois ‘grandes números’ da atividade cia da administração de Macau para a pouco mais de 2 mil do que em 2017). nesta última área – mais 44 docentes Brasil, que viabilizou a introdução da desenvolvida ou apoiada por aquele China. O plano contempla ainda a pre- A evolução dos números é bastante do que em 2017 e +151% entre 2007 e língua portuguesa na United Nations instituto público em 2018 nas áreas da paração e participação portuguesa em significativa se recuarmos a 2007, em 2018. No básico e secundário, o número International School (UNIS). cultura e da língua, segundo o balanço feiras internacionais do livro (Sevilha, particular no ensino superior, em que se de docentes cresceu 24 de 2017 para Também a oferta de conteúdos que foi apresentado a 8 de janeiro, em 2019, e Leipzig, 2021) e a realização de registou um crescimento de +206%; no 2018 e +87% desde 2007. em plataformas digitais foi reforçada Lisboa, no Seminário sobre Cooperação, programas multidisciplinares como ensino básico e secundário, o cresci- No campo da língua portuguesa, o em 2018, quer ao nível de formações Cultura e Língua, pelo vogal do Conselho o Voces de Libertad, na Colômbia, e as mento foi mais moderado, +11%. Camões I.P. tem cooperação (proto- quer de títulos disponibilizados (3.600 Diretivo (CD) do Camões, I.P. João Neves. mostras Cultura Portugal, em Espanha, Os dados apresentados sobre o colada) com mais de 500 instituições objetos digitais), nomeadamente na Na sua intervenção, num painel do e Lusoscopie, em França. corpo docente para a língua portuguesa de ensino superior e não superior Biblioteca Digital Camões. Seminário sobre os Eixos estruturantes Aliás, nas Grandes Opções do Plano indicam a existência em 2018 de “mais estrangeiras, consórcios de ciência e Na sua exposição, João Neves 2019 na Internacionalização da Cultura para este ano, referidas no Seminário, de 1.800 docentes, formadores e inves- organizações internacionais, e a sua deteve-se nas ‘valências da língua Portuguesa e da Língua Portuguesa, em lê-se que “a internacionalização da lín- tigadores cuja atividade envolve uma ação estende-se a 77 países, incluindo portuguesa, vista como idioma de que também estiveram presentes as gua e cultura portuguesas, assim como trabalho e ‘poder de influência’, de responsáveis das direções de serviço da da ciência e ensino superior, conti- ciência e inovação, ativo económico, de Língua e da Cultura, respetivamente nuarão em 2019 a ser centrais na ação comunicação internacional e de cul- Madalena Arroja e Cristina Caetano, o externa”. Neste contexto, adianta o turas, relativamente ao qual o Camões, antigo diretor do Instituto Português do documento governamental, “é impor- I.P., e a sua rede de Ensino Português no Oriente, em Macau, entre 2012 e 2018, tante garantir a necessária articulação Estrangeiro (EPE) promove o ensino, a deu também indicações sobre alguns setorial, assim como as ligações com formação, a investigação, a criação de dos principais tópicos que integrarão outros eixos da política externa, como conteúdos, a certificação e a creditação. em 2019 o plano de ação cultural, que seja o económico e, na promoção da Sobre cada uma daquelas valências, descreveu como “abrangente e diversi- língua e da cultura em particular, o das o vogal do CD do Camões, I.P. apresen- ficado, em torno de 1.400 ações”. comunidades portuguesas.” tou os principais aspetos. Na qualidade Entre esses tópicos estão o V cente- de língua oficial, de trabalho ou de nário da viagem de circum-navegação OS NÚMEROS DA LÍNGUA documentação, e enquanto ‘poder de Fernão de Magalhães; o centenário No que toca à promoção do ensino da de influência’, o Camões, I.P. apoia a do nascimento da poetisa Sophia de língua portuguesa no mundo em 2018, / CICL PORTUGAL ANTÓNIO FOTO “preservação” e o “fortalecimento” dos Mello Breyner Andressen; o 40º aniver- os dados apresentados pelo vogal do Madalena Arroja, João Neves e Cristina Caetano (esqª/dtª) diversos estatutos que são reconhecidos J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt * 3

das instituições financeiras internacio- nais, numa sessão que contou como Isabel Pires de Lima oradores com Marta Mariz e Bernardo A importância da literatura Ivo Cruz, da SOFID - Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento para compreender o mundo - Instituição Financeira de Crédito, S.A, o Compacto para Países Lusófonos com Rosa Caetano, subdiretora-geral do GPEARI/Ministério das Finanças, e Uma defesa do ensino das línguas à uniformização da globalização”, A cooperação no âmbito da CPLP com que aposte no recurso à literatura acrescentando que “a língua co- Manuel Lapão, diretor de Cooperação foi feita pela professora catedrá- meça a ser encarada por faixas cada do Secretariado Executivo da CPLP. tica da Faculdade de Letras da vez mais amplas da população como Foram ainda intervenientes Susana Universidade do Porto (FLUP) património comum e como instru- Réfega, presidente da Plataforma Isabel Pires na sua intervenção mento cujo domínio é fundamental Portuguesa das ONGD, com o tema na sessão inaugural no Palácio para estabelecimento e sedimenta- Que cooperação com a sociedade civil?, das Necessidades, em Lisboa, ção de sentimentos de pertença”. e Sérgio Guimarães, chefe de Divisão do Seminário sobre Cooperação, Essa consciência linguísti- de Ação Humanitária, Sociedade Civil Cultura e Língua, promovido pelo ca situou-a Pires de Lima como e Cidadania da Direção de Serviços de Camões I.P. reação, “em época de globalização Cooperação Bilateral do Camões, I.P., “Ler e interpretar textos, desig- da informação, de circulação ao que apresentou O apoio do Camões, I.P. nadamente literários, é um precioso segundo dessa informação plane- à intervenção das ONGD nos domínio instrumento à mão dos professores tária, de uniformização dos seus da Cooperação para o Desenvolvimento, de línguas para fomentar o espírito conteúdos, a um processo imperial Educação para o Desenvolvimento e crítico e formar os seus estudantes de civilização em língua inglesa”, Ação Humanitária, e André Soares, na escuta do outro, no contacto que, “em pouco mais de um quarto chefe de Divisão de Apoio Jurídico e com múltiplas singularidades, na de século”, firmou a hegemonia da Contencioso do Camões, I.P., com o perceção das potencialidades que língua inglesa “à escala planetária tema da Reestruturação do Camões, I.P.: a palavra contempla para criar com tal poder de dominação que as novo pacote legislativo e seu impacto. mundos, resistindo ao presente. línguas europeias, e no seio delas as As sessões conjuntas incidiram nas Eis um precioso instrumento para latinas, sentem hoje necessidade de Graça Fonseca e Augusto Santos Silva temáticas do RGPD e as suas implica- a promoção do entendimento proclamar a sua existência”.

FOTO MÁRIO CRUZ / LUSA MÁRIO CRUZ FOTO ções no trabalho diário, apresentado global”, afirmou a antiga ministra A língua, sublinhou ainda re- por Manuela Afonso, do Gabinete de da Cultura de Portugal, entre 2005 presenta um “património simbó- terna, o professor e diretor da Cátedra Moura que se debruçou sobre o tema Avaliação e Auditoria do Camões, I.P., e 2008, que se insurgiu contra um lico reconhecido como relevante Eduardo Lourenço da Universidade de Do analógico ao digital na promoção da e Como comunicar? Construção de uma ensino “redutoramente funcionalis- para a sedimentação da identidade Bolonha Roberto Vecchi, que falou aprendizagem do Português L2. estratégia de comunicação numa entida- ta” das línguas. coletiva e sentido como elemento sobre Diversidade e inovação: a cultura Na área da cooperação, foram de pública, apresentado por Francisco Convocando vários especialistas, de confirmação dos sentimentos de portuguesa como plataforma de investi- debatidas as Oportunidades de finan- de Mendia, da Agência de Comunicação da filosofia à neurobiologia, passan- pertença de uma comunidade”, que gação e de ensino, e a professora Adelina ciamento do desenvolvimento por parte ‘Cunha Vaz & Associados’. do mesmo pela linguística, ramo o poder político “sempre iça” como que responsabilizou implicitamente “bandeira” e a tece “cânticos quer pela exclusão dos textos literários do em afirmação centralizadora quer ensino das línguas – estrangeiras ou autonómica, quer em dimensão ao português em 32 organizações inter- Língua Portuguesa) e instituições de en- sões artísticas”, como as artes visuais, a maternas –, “na sede de se afirmar regionalista quer nacionalista”. nacionais. Coopera assim na formação sino superior (consórcios e estudos) seja arquitetura, o cinema, a dança, o design, ‘neutra’ em relação ao seu objeto Esta importância da língua e do em língua portuguesa de quadros de através da rede EPE, que em 2019 vai es- a fotografia, a literatura, a música, o pa- de estudo”, Isabel Pires de Lima seu ensino levou a que a linguística organizações internacionais, “devendo tar presente em 82 países (mais 5 que em trimónio e o teatro, espalharam-se por 83 considerou que, na era da globali- passasse a ocupar “cada vez mais ascender a 8 [em 2019] os projetos neste 2018), com a oferta do ensino do idioma países (mais 8, relativamente a 2017). Por zação, “a experiência da literatura espaço na formação dos professores âmbito, com a colaboração com o BAD a ser levada a mais 21 novas instituições regiões, o maior número de ações ocorreu abre-nos para o diálogo intercultu- de língua, na pressuposição de que, [Banco Africano de Desenvolvimento], superiores e a criação de dois novos na Europa (655), seguido por África (357), ral, para o domínio da diversidade conhecendo melhor os mecanismos com a escola de CAESG/UEMOA [Centro centro de língua portuguesa, seja ainda América (235), Ásia e Oceânia (162) e do humano, para o universal mas da linguagem e os funcionalismos Africano de Estudos Superiores em pelo alargamento da sua integração cur- Médio Oriente e Magrebe (61). um universal em que a humanidade da língua, os professores estariam Gestão da União Económica e Monetária ricular a ser negociada com seis países Entre as ações culturais no exte- permanece no centro”. mais aptos a ensinar uma língua, do Oeste Africano] e com a UNIS”. (África do Sul, Botsuana, Suazilândia, rior estiveram a celebração de “datas Antes, a professora da FLUP materna ou estrangeira. Tal poder Na valência de língua de ciência e Zimbabué, Croácia e Turquia). e efemérides como o Dia da Língua traçou o percurso que levou à de influência da área da Linguística inovação, é apoiada a investigação em Esta vertente da “endogeneização do Portuguesa e das Culturas na CPLP recente “eclosão de uma espécie de tornou-se determinante no modo torno de temáticas associadas à língua, ensino da língua portuguesa” com- (cerca de 180 ações, em 57 países) ou consciência linguística por parte como hoje se ensina uma língua à cultura e à história de Portugal através preende igualmente o apoio, ou mesmo os 20 anos sobre o Prémio Nobel da dos povos, uma consciência da e muito especialmente a língua de 51 cátedras Camões e consórcios de a realização, de ações de formação Literatura – José Saramago (exposições, língua como elemento de identi- materna e como dentro desse modo investigação, num investimento que se de quadros, professores, tradutores e conferências, homenagens em Portugal dade coletiva ligada muitas vezes a foi sendo estreitado o campo reser- deverá situar em torno de 455 mil euros. intérpretes, nomeadamente através do e em cerca de 20 países).” uma territorialidade muito precisa vado ao texto literário”, na medida O potencial económico da língua Centro Virtual Camões (ensino a dis- Em 2018, foi ainda “assegurada ou a uma nacionalidade e transpor- em que foi legitimando “qualquer portuguesa, patente no Atlas da Língua tância). Em 2018, o número de docentes participação portuguesa em importan- tando uma certa forma de reação tipologia textual ou discursiva como Portuguesa, uma obra produzida por e formadores abrangidos por ações de tes feiras internacionais do Livro (Feira de idêntico interesse para o estudo investigadores do ISCTE sob encomenda formação foi de 11.156); e o de traduto- de Leipzig, Feira do Livro Infantil de dos mecanismos da linguagem e das do Camões, I.P., publicada em 2016 e res e intérpretes abrangidos por ações Bolonha, Feira de Bogotá), com des- línguas” já com edições em inglês, espanhol, de formação presencial foi de 3.339 e a taque para o programa especial da FIL Ora, para Isabel Pires de Lima, francês e chinês, vai ser posto em relevo distância de 43. de Guadalajara (Camões, I.P. e DGLAB “dominar as ferramentas necessá- com a apresentação de novos estudos Visando apoiar diretamente o ensi- [Direção-geral do Livro, dos Arquivos rias à compreensão e interpretação também patrocinados pelo Camões, no/aprendizagem de língua portuguesa e das Bibliotecas])”, em que foram do texto literário faculta maiores I.P. e realizados pela mesma institui- nas diásporas, o Camões I.P. apoia “apoiadas 61 candidaturas, de 31 edito- capacidades para o entendimento ção de ensino superior, um sobre a cursos complementares no Luxemburgo ras, de 8 países, referentes à publicação de qualquer outra tipologia textual “empregabilidade da língua portuguesa e África do Sul, desenvolve um plano de de cerca de 40 autores portugueses” ou discursiva”. em África” e outro sobre a “projeção incentivo à literatura dos alunos da rede traduzidos para espanhol. “De um modo mais terra a mundial do espanhol e do português”, EPE, que compreende o apetrechamen- Nos programas de apoio à edição e terra, diria que quem for capaz de este último também em parceria com o to de bibliotecas, e promove atividades tradução, em pareceria com DGLAB, fo- ler e interpretar uma novela de Instituto Cervantes. de coesão das comunidades portuguesas ram apoiadas, em 2018, 31 candidaturas, Cervantes ou um poema de Pessoa é Mas é enquanto língua de comuni- como seja o Dia da Língua Portuguesa e relativas a cerca de 20 autores. certamente capaz de ler e interpre- cação internacional que se torna mais o Dia de Portugal. No apoio aos planos de atividade das tar todos os livros de instruções do visível o empenhamento do Camões, redes externas de ação cultural foram mundo (mesmo os que se apresen- I.P. na promoção do português, seja CULTURA investidos pelo Camões, I.P., em 2018, tam tão mal escritos/traduzidos que através de alianças com países terceiros Já na área da ação cultural externa, as 1,5 milhões de euros, foi indicado no Isabel Pires de Lima interpretá-los constitui de facto um

(Espanha, Brasil, França), empresas 1.480 ações realizadas, “abrangendo um Seminário na intervenção feita por João / CICL PORTUGAL ANTÓNIO FOTO desfio para qualquer leitor).” (Programa Empresa Promotora da vasto leque de intervenções e expres- Neves. jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 J 4 *

estavam mais ou menos dispersas”. Produção cultural e artística Apesar da “orientação bicéfala”, permitiu que a Casa da Música e a Os últimos 45 anos em quatro ‘palavras de ordem’ Fundação de Serralves surgissem. O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO A partir dos anos 90, quando a glo- balização financeira e tecnológica se Um panorama histórico sobre a realidade social e sociológica”, tinha EUROPÁLIA instala definitivamente, “não mais se produção cultural em Portugal após “características metafísicas”. Outra No 3º ciclo, ‘Já somos internacionais, pode pensar em artistas portugueses, Abril de 1974 e um exercício em sala característica foi a inexistência de só nos falta ser cosmopolitas’, surge o como se [Portugal] fosse uma ilha”, de programação cultural deu corpo à qualquer conceito de programação. “momento determinante” da história considerou. Isso repercute-se, diz, intervenção do investigador e gestor “Tudo é mais ou menos anárquico” ou da produção cultural dos últimos 50 nas alterações dos esquemas de pro- cultural António Pinto Ribeiro (APR) episódico e “acontece de uma forma anos, na visão de APR: a Europália 91, dução, nos novos instrumentos tec- no seminário do Camões, I.P. sobre inesperada”. festival cultural em Bruxelas, naquele nológicos, que vêm facilitar a criação, Cooperação, Cultura e Língua, em A maior visibilidade vai para a ano dedicado a Portugal. “Foi uma fazendo com que haja “mais coisas a Lisboa, a 7 e 8 de janeiro último. intervenção dos cantores revolucio- experiência a todos os níveis extraor- acontecerem, mais produção”, mas Apresentado pelo vogal do nários, a par das cenas teatralizadas, dinária, porque de repente apareceu também “mais precaridade”, “algo Conselho Diretivo do Camões, I.P. “de um modo muito primário”, como um conjunto de profissionais que que continua a acontecer”. João Neves, APR, uma figura da eram as representações do capitalista aprendeu muito” na preparação, ini- APR evocou o impacto da internet programação cultural em Portugal, de e do operário de fato- ciada em 1989, sobre “o que era fazer na produção artística e cultural, da doutorado em Estudos Culturais pela -macaco, descreveu APR, antes de um festival, exposições internacio- velocidade de circulação das “coisas” Universidade Católica Portuguesa lembrar que ‘a cantiga é uma arma’ nais, concursos, bienais”, afirmou o e da própria dimensão crescente da e investigador do projeto Mémoires foi uma canção do Grupo de Ação programador cultural, que descreveu circulação das populações, com refle- do Centro de Estudos Sociais da Cultural. Esta linha de intervenção o nível de profissionalismo como “ab- xos nos tempos de trabalho e lazer e Universidade de Coimbra, foi o pri- social permite “grandes concertos e solutamente extraordinário” e “até obrigando a que uma política cultural meiro diretor artístico da Culturgest recitais nos espaços mais insólitos e inesperado”. Daí saiu uma “escola” se preocupe com acessibilidades, mas (1992-2004) e depois diretor de inesperados”. Representando a “cul- de gestores, comissários, curadores também com a globalização finan- programas da Fundação Calouste tura popular”, a canção apresenta-se e programadores, depois à frente de ceira ou com o franchising das marcas Gulbenkian (2004-2015), que acu- como uma “arte da libertação e de outras instituições. culturais. mulou com a consultoria e curadoria purificação da sociedade portugue- O festival representou “um enor- Neste contexto, Lisboa, e o Porto na área cultural. sa”, aglutinando as “massas popula- me sucesso da cultura artística, quer em menor medida, “é uma cidade Embora propondo-se falar Do res”, uma expressão da época. do património quer da cultura mais profundamente multicultural”, mas mundo à nossa volta aos fluxos cul- Outro traço é a ideia de coleti- inovadora”, “trouxe a experiência esta realidade “é bastante invisível”, turais contemporâneos, foi a história vo. “No período revolucionário, o da internacionalização” e permitiu devido à “falta de massa crítica” que da produção cultural artística em sujeito individual não tem direito à “credibilizar os agentes culturais e permita produções que não sejam Portugal no “regime democrático” existência”. Focou o caso dos murais os artistas” portugueses, ultrapas- portuguesas e europeias, aos poucos a ocupar Pinto Ribeiro, que dividiu de pintura coletiva, que “se trans- sando o “passivo” e a “suspeita” da apoios e por haver “alguma exclusão, esses quase 45 anos em 4 ciclos, formam num cânone da pintura de auto-exclusão de Portugal durante 50 em particular relação aos africanos”. designados por “palavras de ordem rua” e num marco na história da arte, anos dos circuitos internacionais. Mesmo assim, APR afirma que a ou categorias”, que “podem resumir como o mural pintado em Belém por Nasceram neste ciclo vários “amnésia” face ao colonialismo e à uma determinada produção cultural criadores reunidos num ‘Movimento exposições e eventos organizado por “equipamentos culturais” – “termo memória está a recuar. e artística”. Democrático dos Artistas Plásticos’ Ernesto de Sousa em Lisboa, em 1977. do léxico da década de 80”: o CCB; o Esta dimensão reflete já o ciclo O investigador sublinhou que a (MDAP), também responsável por um Influenciado pela Documenta, de Lisboa’94 Capital Europeia da Cultura dos últimos anos que APR batizou cultura não deve ser entendida apenas happening – “género que à época era Kassel, é considerado pelo investiga- – em que se integraram muitos dos ‘À procura da escala’, ou seja, aquilo como a produção cultural literária fácil de executar” –, a cobertura com dor como “um trabalho de vanguar- que trabalharam na Europália – e o que do seu ponto de vista ainda não e artística, considerando um “erro panos pretos da estátua do ditador da”, que “marcou o outro lado desta museu Arpad Szenes/Vieira da Silva. foi conseguido, “porque a política crasso” que em Portugal se tenha Oliveira Salazar no Palácio Foz, em produção artística”. Têm lugar experiências na fotografia, cultural não se adequa à realidade separado, da cultura, a cultura cientí- Lisboa, em que Vespeira escreveu ‘a Ainda do 1º ciclo (que dura até dança e teatro e a criação do primeiro portuguesa”. fica, situação que APR espera que “se arte fascista faz mal à vista’. 1980), outros aspetos evocados foram centro de pedagogia e de criação ar- Os anos de 2008 a 2015 “foram vá corrigindo”. Neste ciclo, os grupos de teatro que a descentralização cultural, em que tística no CCB. A culminar, a Expo’98, absolutamente avassaladores para a vão dar origem às companhias inde- “o povo continua a ser mais objeto “o momento mais moderno de Lisboa, produção cultural portuguesa”, re- ‘A ARTE FASCISTA FAZ MAL pendentes consolidam-se, segundo do que sujeito criador”, mas que pelo menos até esta data”, marcando duzindo a “zero” algumas produções À VISTA’ APR, que sublinhou a exclusão da criou alguma sensibilidade para as uma “grande alteração da produção e e tentativas de internacionalização. Sobre o 1º ciclo, cujo início situou dimensão comercial, a encenação de questões culturais nalguns municí- difusão cultural em Portugal”. “Estamos sempre a recomeçar qual- no 25 de Abril de 1974, afirmou que, dramaturgos até aí excluídos – caso pios; o lançamento da festa do jornal No entanto, “na viragem radical quer coisa. Isto não anda, apesar des- em Portugal, “a cultura artística, em de Bertold Brecht – e a influência de Avante!, “o festival daquilo que se para a Europa”, ficaram esqueci- ta capacidade e criatividade enorme especial as artes plásticas e as per- criadores da vindos América Latina, chama erradamente ‘músicas do dos África, Mediterrâneo, Brasil e até de fazer pontes interessantes” formativas”, “em termos de regime caso do brasileiro , sem o mundo’”; a experiência de habitação e América Latina, apontou Pinto com a Europa, a América e a África. democrático (…), começa exatamente qual “A Comuna não teria existido”. social do SAAL, com o contributo dos Ribeiro, que considerou que nesse “Se encontrarmos a escala adequada neste período em que ‘a cantiga é uma arquitetos; a “revolução audiovisual “corte” se perdeu alguma coisa. seremos cosmopolitas como muitos arma’ é a palavra de ordem”. Mas, AS “INSTITUIÇÕES SAGRADAS” e de costumes”, com a exibição da Neste passo, focou também a outros países e muitas outras cida- ao contrário de outras revoluções, Só em 1976, com o I governo consti- primeira telenovela brasileira na opção feita em Portugal por governo des”, concluiu enunciando obras que, “a revolução de Abril não produziu tucional, é que, no dizer de APR, “se televisão portuguesa Gabriela, Cravo e e autarquias do “modelo maioritaria- do seu ponto de vista, “encontraram de facto, nos momentos imediatos, começa a fazer o ensaio de uma po- Canela; uma maior exposição do jazz, mente francês” de gestão das políticas a escala adequada, do ponto de vista algo de substancialmente diferente lítica cultural”, com David Mourão- com ciclos pelo país; e o nascimento culturais, que “nem sempre foi mais simbólico, da linguagem e até da que marcasse aquela época”. Mesmo Ferreira na secretaria de Estado da do rock português. operativo” e que “continua a não relação custo-benefício”. assim, segundo ele, houve uma Cultura, centrada primeiro no livro e Na passagem da década, o 2º ciclo ser o mais adequado”, convidando à “revolução cultural e artística”, que na leitura e depois no teatro. marca os anos 80 com o sentimento reflexão. deixou marcas profundas. Se o impacto de 74 “alterou formas de ‘Querer ser desesperadamen- Entre 1995 e 2001 há muita produ- O que substantivamente define de funcionamento” nas “instituições te moderno’. Citando Eduarda ção, muitos concertos, novas galerias, estes anos imediatos ao 25 de Abril é a sagradas”, como a Fundação Calouste Dionísio, APR diz que é “o ciclo da as primeiras tentativas do mercado explosão, com “contornos absoluta- Gulbenkian, em que o “muito elitis- economia e do dinheiro que entra de arte e da internacionalização, “a mente compulsivos, catárticos, da in- ta” Ballet Gulbenkian faz descentrali- para desenvolver Portugal”, em que maioria das vezes de fora para den- Ca­­mões, I.P. tervenção social, a um nível imediato zação e se apresenta em empresas da “haverá mais siglas do que slogans”. tro”, mantendo-se contudo a uma Av. da Liberdade, n.º 270 e a maior parte das vezes de forma cintura industrial com os bailarinos É “a entrada para a Europa”, com o estruturação frágil do tecido cultural, 1250-149 Lisboa anónima ou coletiva”. “É o tempo de fato-macaco, já no Teatro de São receio da “perda da identidade da particularmente fora de Lisboa e do TEL. 351+213 109 100 da urgência de libertação de todos os Carlos “não há nada de novo”. Só 24 cultura popular portuguesa”, carac- Porto. FAX. 351+213 143 987 interditos”, com reivindicações de anos depois, Os dias levantados, de terística de um país que “continuava Porto 2001 inaugura o novo www.ins­­titu­­to-ca­­moes.pt natureza laboral, salarial, habita- António Pinho Vargas homenageia o ainda bastante rural, tremendamen- milénio e “mais uma vez aqui temos [email protected] cional e cultural. Havia “uma visão 25 de Abril, diz. te pacato e naïf, para quem o pós- a grande escala, as grandes obras”. PRE­­SI­­DEN­­TE Luís Faro Ramos romantizada, quer da cultura quer À parte, na época, coloca APR -modernismo (…) era apenas mais Aglutinou, sobretudo no norte COORDENAÇÃO Vera Sousa do povo”, o qual, “mais do que uma a Alternativa Zero, programa de um novo look” do país, “uma série de coisas que COLABORAÇÃO Carlos Lobato J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt OPINIÃO educação * 5 Os ciclos da escolaridade obrigatória

EDUCAÇÃO E MEMÓRIA de cinco ou seis anos, se a lógica é evitar a transição precoce para Paulo Guinote uma “escola grande”. Depois da forma como foi dizimada a rede escolar do 1º ciclo, com orgulho generalizado de quem passou A aprovação da escolaridade como se pretende eliminá-lo. A pela 5 de Outubro nos últimos obrigatória de 12 anos (lei n.º opção mais habitual é a da fusão 15 anos, não se percebe como 85/2009, de 27 de agosto) há entre o 1º e 2º ciclo e surgiu, de se poderá estender esse ciclo de cerca de uma década, feita em forma implícita (ou explícita em escolaridade com as instalações pleno período eleitoralista e com declarações públicas), como a escolares em funcionamento. unanimidade parlamentar, não preferida no parecer 8/2008 do Em contrapartida, a junção do correspondeu a um processo de CNE e no estudo que o precedeu 2º e 3º ciclo está na matriz da revisão da Lei de Bases do Sistema (A Educação das Crianças dos 0 construção das antigas escolas Educativo (LBSE), mas apenas aos 12 Anos) no qual se escre- C+S que se vieram a transformar a mais um remendo que lhe foi via que “o atual 2.º ciclo perde nas EB23. aposto, entre outros nos últimos sentido, quer quando se analisa à Para além disso, há que resol- 30 anos, ao ponto de ser difícil luz da evolução do ensino básico, ver um problema adicional que reconhecer coerência a algumas quer quando se compara a sua é o do reajustamento dos grupos partes do documento. Diferente estrutura com a dos sistemas de recrutamento para a docência, de uma escolaridade obriga- educativos europeus” e apresen- porque o fim do 2º ciclo acarre- tória até ao 12º ano, a extensão tam-se três possibilidades “desde taria a extinção dos grupos 200 a da escolaridade aconteceu sem a criação de um ciclo único, inte- JOSÉ OLIVEIRA 290 (decreto-lei 27/2006, de 10 de que fossem revistos os ciclos de grando o 1.º e 2.º ciclos, à divisão “Eliminar o 2º ciclo não pode ser mais uma medida avulsa” fevereiro) e a necessidade de re- escolaridade e tudo o que isso do 2.º ciclo associando um ano distribuir os respetivos docentes envolveria, que é trabalho mo- ao 1.º ciclo e um ano ao atual 2.º de acordo com critérios a definir, roso, pouco dado a calendários ciclo, ou ainda a associação do 2.º mas que teriam de passar por eleitorais e muito menos motiva a com o 3.º ciclos”, destaque para as deste mandato, tor) e o currículo começasse a uma solução que contemplasse a ação de governantes que preferem Em termos pessoais, em multiplicaram as áreas discipli- parecer um mosaico, tal como formação inicial e a profissionali- medidas em sucessão para ocupar especial num contexto de uma nares nos três ciclos do ensino os próprios horários dos alunos zação realizada. o espaço mediático e apresentar escolaridade de 12 anos, concordo básico, numa tendência inversa parecem paredes de peças de Este não é trabalho para resultados a curto prazo. que não faz sentido a existência à enunciação da preferência pela lego. Para além disso, os maiores governantes preocupados em Para além da falhada tentati- de quatro ciclos de escolaridade transversalidade das aborda- níveis de insucesso verificam-se medidas de curto prazo para va de revisão da LBSE em 2004, após o ensino pré-escolar, porque gens. O fim da disciplina de EVT, há bastante tempo, com raras consumo eleitoral, porque impli- devido a veto presidencial, têm em muitos casos o currículo se a introdução de disciplinas como exceções, no 7º e não no 5º ano, ca anos de preparação e um leque existido iniciativas do Conselho tornou redundantes. Concordo Formação Cívica/Educação para contradizendo a tese do “cho- alargado de participantes, para Nacional de Educação (CNE) para com a sua redução para apenas a Cidadania/Formação Pessoal que” com a pluridocência. além das cliques académicas ou repensar a Lei de Bases, mas nem três juntando o 2º com o 3º ciclo, e Social ou agora Cidadania e político-ideológicas no poder em sempre com grande clareza quan- por razões que não se limitam a Desenvolvimento voltaram a QUANTO AOS CONTEÚDOS dado momento. Uma reorgani- to à reforma dos ciclos de esco- questões conceptuais, mas ao que colocar o currículo do 2º ciclo PROGRAMÁTICOS, têm sido fei- zação dos ciclos de escolaridade laridade do ponto de vista da sua resulta dos dados disponíveis. E na dezena de disciplinas e o tas sucessivas revisões na maioria deve fazer-se no contexto de concretização, sendo muito mais gostaria de chamar a atenção para do 3º ciclo entre as 12 e 14, se das disciplinas, sem revogação uma reforma da LBSE que não comuns as digressões históricas e outros aspetos que resultam da incluirmos a Educação Moral e dos programas oficiais, através de aconteceu quando foi revisto o teóricas sobre o modelo em vigor, operacionalização de tal medida, Religiosa. A semestralização de metas ou “aprendizagens essen- modelo de gestão escolar, quando as comparações internacionais e não apenas no plano jurídico, mas algumas disciplinas só fez com ciais”, bem como se acrescenta- se introduziram substanciais al- outras considerações raramente também no pedagógico (como que se perdesse a sequência da ram novas áreas com novos con- terações na organização curricu- ligadas aos dados concretos da redefinir o currículo) e no logís- lecionação em algumas áreas teúdos. Uma reforma dos ciclos de lar ou sequer no recente processo realidade observável e mensu- tico, seja ao nível da rede escolar, (mais complicado na História escolaridade implicará, necessa- de maior descentralização de rável, não sendo raro que alguns seja dos grupos de recrutamento em que o tempo é o fio condu- riamente, uma reforma profunda competências na Educação para argumentos se baseiem em dados dos docentes e respetivas áreas de dos programas, de modo a que, os municípios. contraditórios (o mais comum é formação. de uma vez por todas, deixem de Eliminar o 2º ciclo, seja qual justificar-se a extensão do 1º ciclo Mas antes disso, gostava de ser mantas retalhadas ao gosto for a fórmula adotada para o para seis anos como forma de sublinhar que muito do que tem de cada grupo de especialistas efeito, não pode ser mais uma superar uma espécie de “trauma” sido feito ao longo da última que cada equipa governamental medida avulsa, mais uma peça na adaptação à pluridocência década já alterou de tal modo o 1º Concordo com a decide contratar para o efeito a na torrente legislativa que mar- no 5º ano, quando a maioria dos ciclo de escolaridade que é difícil redução dos ciclos, cada mandato. Não é possível ler cou os últimos 15 anos (desde dados aponta para o 7º ano como o reconhecer nele aquela imagem ou ouvir governantes a defender a falhada revisão de 2004) e ponto crítico ao nível do insuces- de monodocência que muitas “por razões que não estabilidade e a prevalência de transformou o enquadramento so). pessoas, mesmo tidas como es- se limitam a questões critérios “pedagógicos” quando legislativo do nosso sistema de Na mais recente tentativa de pecialistas no tema, mantêm em na maioria dos casos o que temos ensino num palimpsesto, em abordar o tema (Lei de Bases do visões que parecem ter parado, conceptuais, mas em causa são disputas de tipo que já é difícil perceber se o que Sistema Educativo – Balanço e algures, no final do século XX ao que resulta dos ideológico ou soluções em que está em vigor corresponde aos Prospetiva. Lisboa: CNE: 2017, 2 ou ainda antes, imaginando que o impacto financeiro é o fator desígnios explícitos ou implícitos volumes) por parte do CNE vol- os atuais estabelecimentos do 1º dados disponíveis. decisivo. da LBSE. Nem pode ser pretexto tam a encontrar-se aqueles traços ciclo se mantêm míticas “escolas (Isso) implicará, uma Quanto à rede escolar, a so- para mais nomeações de grupos nos textos do então presidente do primárias”. O currículo do 1º ciclo lução por estender o 1º ciclo para de trabalho ou para a realização órgão (David Justino) e do conse- foi atomizado, fragmentado para reforma profunda mais anos, a par da universaliza- de eventos de maior ou menor lheiro que mais vezes terá abor- albergar de tudo um pouco e os dos programas, para ção do ensino pré-escolar desde magnitude destinados a prever dado o tema (Joaquim Azevedo). alunos já conhecem três ou quatro os cinco anos e tendencialmente o que será a Educação do século Percebe-se que o 2º ciclo é o docentes, no mínimo, ao longo deixarem de ser dos três, parece-me incompor- XXI. Exige sentido de Estado e mal-amado, ali entalado como dos atuais quatro anos. mantas retalhadas ao tável em muitas zonas do país. Os não fidelidade a fações. Exige co- herança da extensão da escolari- E aqui entram em causa os chamados “centros escolares”, ragem a governantes num tempo dade para os seis anos nos anos 60 aspetos pedagógicos: as suces- gosto de cada equipa estão longe de serem suficientes em que predomina o fascínio pela do século XX, mas não se percebe sivas revisões curriculares, com governamental para dar resposta a um 1º ciclo popularidade rápida.J J PERSPETIVAS jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 6 * educação

INQUIETAÇÕES O CONTROLO - A auto- nomia perdida no tempo PEDAGÓGICAS 2 Contrariamente à retóri- ca em torno da autonomia da escola, uma promessa insisten- temente repetida, mas eterna- mente adiada, tem-se assistido a fenómenos que asseguram o protagonismo das equi- Burocracia nas escolas versus pas governativas e respetivos aparelhos administrativos com discursos autonómicos genera- listas, mas sem consequências planeamento e monitorização? visíveis. Houve um modelo de gestão democrática em 1998; em 2008, foi introduzido um outro modelo, no qual é criado o diretor, figura unipessoal, Ao escolher este tema para agregar o pen- dos” associados a uma conceção tradicional/ organização/gestão, não serão uma compo- transformando-se no principal samento de quem tem experiência da vida e ancestral da vida escolar? Essa burocracia não nente imprescindível da educação e formação responsável pela concretização da gestão de escolas e de quem tem estudado resultará de um peso do exercício das diferen- das crianças e dos jovens pelo que, no mundo de metas e objetivos. Passados e debatido políticas educativas tinha-se em tes funções e lideranças intermédias sobre a atual, não podem dispensar os procedimentos estes vinte anos como está a mente abordar algumas questões que fre- dimensão pedagógica no planeamento da vida e as plataformas digitais? autonomia das escolas? Como quentemente se levantam: Como traduzir a das escolas e na organização do seu dia-a-dia? É à volta de tudo isto que giram os artigos do organizar projetos educativos queixa de burocracia na vida das escolas? Em A avaliação quantitativa dos alunos e os tão João Jaime Pires com a pertinente referência a em ambientes verdadeiramente que consiste isso a que se chama burocracia? afamados “rankings” nacionais e internacio- “Labirintos Eletrónicos” e da Mariana Dias ao democráticos? O mais curioso e Que práticas são usadas visando a desburo- nais não serão contrários ao reforço da ava- fazer-nos refletir sobre os Cenários e Desafios perturbante é que, em cada dia, cratização da vida escolar? Será que o peso liação qualitativa e do acompanhamento de que hoje se poem na organização das escolas. É parece assistir-se ao retorno de da burocracia nas escolas resulta das orien- cada aluno como dimensão central da vida das também tudo isto que se torna ainda mais evi- conceções instrumentais, meca- tações/instruções dos diferentes serviços do escolas? Por outro lado, as práticas e rotinas de dente e talvez “preocupante” com as oportunas nicistas e técnico-burocráticas Ministério da Educação e de hábitos “ pesa- planeamento, de avaliação/monitorização e de e adequadas ilustrações do Filipe Duarte. da organização escolar. Voltamos novamente às plataformas, que possibilitam novas formas de ciente consideração por estes controlo, nas quais as decisões Plataformas: o tempo perdido princípios. Contrariando os que do poder central se transformam encontraram na informatização em operações técnicas de um dos serviços, um argumento mecanismo eletrónico rígido e para defender a superação do impessoal, numa máquina buro- nos labirintos eletrónicos modelo burocrático, verifica- crática com tendência a crescer e -se que a desmaterialização a desumanizar-se. dos processos organizacionais tem conduzido ao exagero João Jaime Pires ou radicalização de algumas dimensões da burocracia, levando a uma aceleração da Vou, uma vez mais correr atrás ação, limitando tempos para A escola que educa de todo o meu tempo perdido…, é atos e tarefas, partindo do pressupõe tomada um verso de uma das canções de pressuposto que os agentes “de decisões face Sérgio Godinho e gostaria que, estão constantemente acessí- conjuntamente com a ilustração veis, disponíveis, num estado ao contexto que de Filipe Duarte, fosse o mote de permanente prontidão para a a caracteriza e para desenvolver as ideias sobre realização de tarefas a partir de o tema da burocracia, controlo onde estiverem, quando estas aos alunos que e planeamento. Vou centrar-me eram anteriormente efetuadas a frequentam, sobre algumas preocupações no local de trabalho. As plata- sentidas na Escola e cujo fator formas eletrónicas, hoje utiliza- assunção de riscos e aglutinador é o tempo - o tempo das em cada vez mais campos e responsabilidades, perdido nas plataformas, a com cada vez maior frequência, autonomia perdida no tempo e o assumem-se como naturais processos tempo perdido com o excesso de em termos da sua utilização, democráticos missões. mas intensificam a preocupa- ção com a correção formal dos A BUROCRACIA - O tempo procedimentos e normas, num perdido nas plataformas exagero de registos minuciosos As escolas precisam de ver- 1Max Weber relacionou o e automáticos, garantes do rigor dadeira autonomia; é ineficaz estudo das organizações com da subordinação hierárquica, uma política que pretende im- o desenvolvimento histórico- no qual é exercido um poder por soluções a régua e esquadro, -social, em que, em cada época que obriga até o trabalho estar ou um diretor que fale grosso social se caracteriza por um feito! para baixo ou fininho para determinado sistema político, Não podemos, contudo, deixar cima, como diria Licínio Lima. cujo poder e legitimidade, ne- de reconhecer que as plataformas A escola que educa pressupõe cessita de um aparelho admi- podem realmente levar a uma necessariamente tomada de nistrativo para servir de supor- simplificação de tarefas, mas decisões face ao contexto que a te à autoridade. Contrariamente há que rever procedimentos, de caracteriza e aos alunos que a à ideia generalizada de que a forma a que se não se trate apenas frequentam, assunção de riscos burocracia se identifica com os de alterar o seu suporte – do papel e responsabilidades, processos defeitos do sistema, para Max para o eletrónico. Importa que democráticos de tomada de de- Weber significava a organiza- a sua introdução pressuponha cisões participada. A autonomia ção eficiente por excelência. uma mudança nas formas de e a responsabilidade são, simul- O que Weber não imaginava trabalhar, numa maior agilização taneamente, condições neces- era que a utilização crescente e otimização do que é feito, sem sárias às práticas democráticas dos novos meios eletrónicos redundâncias, num equilíbrio e o papel dos professores e de poderia assentar numa insufi- entre tarefas e tempo. outros agentes educativos é J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt PERSPETIVAS educação * 7

determinante para assegurar a financiamento estatal não negli- confiança no sistema educativo genciável. São inúmeras as oportu- e na escola pública. A organização da escola: nidades neste domínio, incluindo a capacidade de “capitalizar o desastre O PLANEAMENTO - O “ (“insucesso das escolas”): forma- tempo perdido com o cenários e desafios ção, avaliação e apoio à melhoria, 3excesso de missões O serviços de gestão e de suporte; re- que fica para a organização e cursos educativos e outros materiais; o planeamento? Atualmente exportação da “excelência”; design, tudo é pedido à escola. Só para disseminação e interpretação de referir um ou dois aspetos Mariana Dias novas políticas e programas. Neste muito particulares, em termos contexto, importará que nos interro- administrativos, espera-se que guemos sobre o que falamos quando o diretor, entre a sua missão de A institucionalização do modelo falamos hoje em democracia e cida- liderança, seja responsável por escolar nos séculos XIX e XX foi dania em educação. Se as decisões 25 plataformas nas quais tem acompanhada em muitos países por fundamentais em educação parecem de consultar ou inserir dados políticas educativas que atribuí- escapar cada vez mais aos atores de natureza diversa (forma- ram ao Estado o papel central na escolares diretos e mesmo aos seus ção, avaliação do desempenho produção e controle da educação representantes políticos (internacio- docente, dados de alunos…); desenvolvendo o que, geralmente, é nalização, globalização, edu-net e aos professores e diretores de designado por modelo burocrático- edu-business) não podemos escamo- turma pede-se o encaminha- -profissional de gestão das escolas. tear o risco de que a democracia na mento de alunos problemá- No entanto, ao longo do século escola continue a ser uma “prótese ticos para inúmeras equipas XX acentuaram-se as críticas ao democrática “num sistema que o não de trabalho e instituições, referido modelo: desenvolvimento é (para evocar a metáfora profícua de em múltiplas acomodações de uma tecnoestrutura “debilmente João Barroso). curriculares quando se verifica articulada” com o trabalho pedagó- Estas considerações não devem alguma situação de fragilidade gico; inércia organizacional, culturas ser entendidas como um cenário académica, pessoal ou fami- profissionais marcadas pela “persis- que legitime a inação em matéria de liar; em termos pedagógicos, tência da privacidade”, ausência de defesa da democracia nas escolas, para lá das experiências de abertura à família e comunidade. A em especial num momento em que aprendizagem relativas aos disseminação da agenda neoliberal o sistema democrático se encontra conteúdos programáticos de agudizou estas críticas, contribuin- em risco, mesmo em sociedades cada disciplina, pressupõe- do para uma profunda deterioração com longa tradição neste domínio. -se a abordagem de um sem da imagem das escolas públicas. Pretendem, apenas, sublinhar que o número de áreas transversais Em 2001 a OCDE, como parte in- campo da cidadania educativa cons- - educação ambiental, sexual, tegrante deste movimento, desenhou titui hoje um universo muito com- toxicodependência, igualdade diversos cenários para o futuro das plexo, que não pode ficar prisioneiro de género, segurança rodo- escolas e da respetiva gestão. Esse de discursos lineares de defesa da viária, violência doméstica e exercício prospetivo traduziu-se na nova gestão pública, municipaliza- abuso sexual ou a formação identificação de diferentes possibi- ção da educação ou boa governação. cívica dos alunos, pouco fica de lidades, que podemos sintetizar em De fato, os desafios que se colocam fora. Tudo isto é certo, mas será três orientações principais: 1) uma à democratização da educação nas que a escola pode fazer tudo lógica de continuidade burocrática, sociedades atuais não apagam a isto? Sufocada por um excesso incluindo a possibilidade de forta- margem de autonomia que carateriza de missões, a escola terá de lecimento da mesma; 2) a regulação os atores educativos. Estes podem recentrar-se nas atividades pelo mercado, geralmente apresen- reconstruir as visões do mundo que escolares, em projetos educa- tada como uma grande inovação, norteiam o seu comportamento mas tivos, num tempo com tempo, apesar de ser um elemento constitu- burocracia parcialmente desma- um papel aparentemente paradoxal: não o determinam. Necessitam, que possibilitem um verda- tivo da modernidade; 3) a emergên- terializada, capaz de aumentar por um lado, deve reforçar os laços contudo, de o fazer em condições deiro exercício da cidadania. cia de novas formas de organização e exponencialmente as suas capacida- entre a economia e a educação, o que muito difíceis: uma nova arquitetura Só uma comunidade educativa de (des) escolarização (aprendizagem des de cálculo, de mensuração e de implica uma conceção de educação de regulação que ultrapassa o quadro baseada na partilha do poder, organizacional e em rede). matematização da realidade social” enquanto bem público; por outro nacional; um imaginário neoliberal na igualdade e no respeito Decorridas quase duas décadas (Lima, 2012: 136). As plataformas lado, nesse processo este tende a que age acima, através e dentro das mútuo, com a revalorização do sobre este trabalho que reflexões eletrónicas constituem a parte mais transformar a educação num bem fronteiras do estado; redes dotadas papel do conselho pedagógico nos merecem esses futuros pros- visível deste fenómeno, embora a privado, gerido pelo mercado ou de um tal grau de mobilidade e flui- na tomada de decisões, o re- petivos? Sem negar que todos eles criação de novos artefactos nesta de acordo com os padrões que o cara- dez que quase as invisibilizam. Estes gresso ao exercício da colegia- se encontram, de algum modo, área permita pensar ainda estamos terizam. são aspetos que precisam de maior lidade, se pode ganhar de novo representados nas sociedades atuais no primeiro degrau do que poderá ser Tais mudanças obrigam a um atenção das comunidades académi- o tempo para o planeamento, parece difícil acreditar no eclipse dos uma longa caminhada. olhar muito atento sobre educa- cas, do universo profissional e dos para a aprendizagem. Apesar modelos “tradicionais” (burocracia Em Inglaterra, em contrapar- ção nas sociedades atuais, que não próprios representantes do Estado, se de todos os constrangimentos, e mercado) e na centralidade das tida, foi o próprio sistema educativo deverá fazer esquecer que a gestão quisermos contribuir para escolas e não devemos baixar os braços. novas formas de organização e (des) que se foi diluindo num universo das escolas está longe de constituir o sociedades mais democráticas. J Compete às comunidades edu- escolarização, que surgiam no traba- de novos modelos organizacionais, único aspeto relevante das trans- cativas dar visibilidade a uma lho da OCDE como as hipóteses mais impulsionados pelo Estado mas que formações verificadas nas últimas Referências: Lima, L. (2012). Elementos escola democrática, trabalhar prováveis e desejadas. A análise da tem no universo privado a sua matriz décadas. De fato, diversos autores de hiperburocratização da administração com e para os alunos, redobrar situação em Portugal e em Inglaterra constituinte: escolas confessionais têm analisado a complexidade dos educacional, In Lucena, C. A., Júnior, J. R. esforços para, com imaginação bastaria para invalidar essa repre- (faith schools), escolas autónomas processos de decisão educacional nas (orgs.) Trabalho e Educação no Século XXI, S. e ousadia, ganhar a opinião sentação. Seria, contudo, ingénuo (free schools), colégios tecnológicos e sociedades contemporâneas, onde se Paulo, Xamã; OECD (2001), What Schools for pública para as causas da es- pensar que a burocracia e o mercado academias (sendo que estas últimas entrecruzam processos de regulação the Future, OECD Publishing, Paris. cola pública, capaz de garantir de que falamos hoje ainda são os ainda se dividem em diferentes internacional, nacional e local e se um futuro para os jovens, modelos originários, desenvolvidos tipologias). Essas mudanças tiveram movimentam atores sociais muito *Mariana Dias, é profª coordenadora da fazendo valer a concretização por Max Weber ou Adam Smith. um impacto profundo nas dinâmi- poderosos, oriundos dos universos Escola Superior de Educação de Lisboa, inves- da ideia de justiça e equidade. Licínio Lima e outros investiga- cas organizacionais mas afetaram empresarial, financeiro, académico tigadora de Políticas Educativas E agora, vou uma vez mais cor- dores da Universidade do Minho têm igualmente as relações sociais e as e filantrópico. Estes atores atuam rer atrás de todo o meu tempo demonstrado, em relação à socie- identidades pessoais, doravante como consultores, mentores, pres- perdido, quem sabe foi usado dade portuguesa, que sob o discurso marcadas pela pressão de uma forte tadores de serviços, investigadores, links das inquietações pedagógicas e está arrependido o ladrão sedutor da autonomia e da descen- competição performativa. Alguns financiadores seletivos, críticos e [email protected] que andou vivendo com meu tralização podem ser identificados autores consideram que a situação avaliadores. Além disso, as reformas inquietacoespedagogicasii.blogspot.pt quinhão! J elementos de ultraburocratização. em Inglaterra, longe de constituir um educativas e a melhoria da (s) escolas Em que consiste esta “mutação” do modelo específico, representa a parte (s) podem constituir uma área de www.facebook.com/InquietacoesPedagogicas *João Jaime Pires é diretor da Escola modelo burocrático? À burocracia mais visível das mudanças atuais negócio bastante atrativa, na medida www.youtube.com/user/inquietPedagogicas Secundária de Camões, de Lisboa clássica parece estar a suceder uma em educação que atribuem ao estado em que contam, em regra, com um jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 J 8 * educação

alunos foram estimulados a fazer uma interpretação e avaliação pessoal de cada uma das curtas- Programar um festival, -metragens visualizadas, as quais foram seguidas de uma análise coletiva dos resultados, com a apresentação de argumentos e o confronto entre diferentes pontos educar para o cinema de vista. Na verdade, a decisão final quanto às curtas-metragens a apresentar resultou de um longo processo de busca de consensos e Conquistar os mais novos para o cinema é uma das principais missões do IndieJúnior Allianz, de tomada de decisão democrá- tica: “Há um pormenor de que não que decorre no Porto até ao próximo dia 4 de fevereiro. Além de sessões para todas as idades, dos nos podemos esquecer: o facto de bebés de colo aos adolescentes, envolve também os estudantes na escolha dos filmes, na rubrica termos feito esta escolha não quer dizer que outros alunos da mesma Eu Programo um Festival, promovido em parceria com o Teatro Rivoli. É essa experiência com idade, se pudessem escolher, fizes- enorme impacto pedagógico e formativo que a orientadora educativa da Escola Básica da Ponte, sem a mesma escolha. Somos todos diferentes” (Martim Martins, 12 da Vila das Aves, aqui relata, fazendo eco da opinião dos alunos envolvidos anos). Pedir a palavra para expres- sar a opinião, argumentar, saber ouvir e respeitar as ideias do outro, buscar consensos são exercícios de cidadania, de afirmação e de gestão da individualidade na construção coletiva: “Eu gostei muito desta experiência. Aprendi muito. Foi um momento que ficou no coração” (Ricardo Gomes, 14 anos). E, assim, surgiu a sessão denominada Casa, Escola, Cidade (dias 31 de janeiro, às 11 horas, e 1 de fevereiro, às 16, no Teatro Rivoli). Durante o Festival, os alunos mostrarão o rosto e o testemunho das escolhas e da experiência como programadores, apresentando a sessão que planearam, junto do público, que contará com alunos da sua faixa etária. A sua presença no Festival é, sem dúvida, deter- Sensibilizar para o cinema Alunos da Escola da Ponte aprendem a linguagem e a pensar a sétima arte minante para a valorização pública do seu contributo, para além do grupo poder ser testemunha das reações que a sessão despoleta nos Francisca Monteiro jovens e é cada vez mais usada -metragens, tínhamos de debater tação de Cátia Vidinhas, docente espetadores e, quem sabe, através como uma ferramenta pedagógica e decidir bem os critérios, pois, no Instituto Politécnico do Cávado deste exemplo concreto, incentivar para estimular e gerar aprendiza- assim, sentimo-nos mais incluídos e do Ave. Inspirando-se numa outras Escolas a aderirem a projetos “O cinema não tem fronteiras nem gem. A participação da nossa Escola em todo o processo e as nossas es- cena dessa curta-metragem, os como este. limites. É um fluxo constante de na programação deste Festival colhas são mais conscientes” (Isa- alunos, organizados em diferentes Com efeito, a sociedade atual sonho.” Internacional de Cinema Infantil bel Monteiro, 14 anos). Confluindo grupos de trabalho, formados de coloca novos desafios à Educação. Orson Welles e Juvenil do Porto estava centrada para o Perfil dos Alunos à Saída da acordo com os interesses, servi- A promoção da literacia em cinema na oferta para os alunos do 3.º Ciclo Escolaridade Obrigatória, através ram-se da sustentável reutilização favorece a aquisição e o desenvol- "Mas somos mesmo nós quem vai do Ensino Básico. Assim, depois de processos de experimentação, de de materiais para explorarem a vimento de competências e atitudes decidir, quem vai programar um da partilha coletiva e do esclare- interpretação e de fruição, desen- criatividade, experimentarem uma estruturantes da formação do in- festival de cinema no Porto?!" Foi cimento de dúvidas, a decisão foi volveu-se a sensibilidade estética e técnica de animação e reforçarem o divíduo, na medida em que amplia com esta estranheza que os alunos pessoal: “Os alunos escolheram artística dos alunos na exploração trabalho em equipa: “Gostei muito as possibilidades de abordagem, de da Escola Básica da Ponte recebe- livremente se queriam participar de critérios para o juízo crítico pro- de construir uma cidade de cartão cruzamento e de integração dos sa- ram o desafio lançado pela equipa ou não. Essa escolha individual posto pela equipa de programação com os meus colegas e de aprender beres, numa perspetiva interdisci- do IndieJúnior Allianz e do Teatro é boa, pois ninguém é obrigado a deste Festival. como se usa a técnica Stop Mo- plinar e holística do conhecimento, Municipal do Porto. envolver-se no que não quer e isso Uma das curtas-metragens tion. Não sabia que se podia fazer conduzindo à consciência de que o No projeto educativo Fazer a torna-nos mais responsáveis nas visualizadas e selecionadas pelos cinema assim” (Luís Cardoso, 15 diálogo com diferentes expressões Ponte, o envolvimento dos alunos opções que tomamos. O facto de o alunos foi Fogo na Cidade de Cartão, anos). O resultado deste trabalho artísticas favorece o autoconheci- na tomada de decisão é uma prática grupo ter alunos matriculados em do realizador Phil Brough, a partir integrou uma exposição sobre mento, a valorização do patrimó- do dia a dia, num exercício ativo de diferentes anos, de não haver essa da qual exploraram a técnica Stop cinema, realizada na nossa Escola, nio cultural e a compreensão do cidadania. Porém, esse reconhe- barreira, também foi positivo, pois Motion, com a colaboração e orien- para toda a comunidade educativa. mundo. cimento nem sempre tem espaço as opiniões são mais diversas e as Assim, ficou nos alunos, nos que Cada vez mais se exige que a Es- para germinar noutros contex- escolhas poderão ter mais hipóteses participaram e nos que apreciaram cola seja “uma formação social em tos: “Às vezes, por sermos ainda de agradar a quem vai assistir a este o trabalho dos colegas, a semente interação com o meio envolvente novos, não temos o direito de fazer Festival” (Margarida Andrade, 12 da curiosidade e da criatividade, e outras formações sociais, em grandes escolhas. Na nossa Escola, anos). aquela que cresce a querer saber que permanentemente convergem temos essa liberdade, mas parece Formado o grupo heterogéneo A promoção da mais e a procurar caminhos dife- processos de mudança desejada um mundo à parte. Sendo o cinema de 20 alunos que abraçaria este de- literacia em cinema rentes. e refletida” (in Projeto educativo algo que atrai muito os jovens, safio, iniciou-se a discussão sobre Para além de Fogo na Cidade de Fazer a Ponte). Para isso, neces- podermos ter voto na escolha dos os critérios que seriam aplicados na “favorece a aquisição Cartão, foram mais 12 as curtas- sita de derrubar os seus muros e filmes de que mais gostamos para seleção das curtas-metragens. O e o desenvolvimento -metragens apresentadas pela or- proporcionar aos alunos expe- um Festival faz todo o sentido. É debate desencadeado permitiu uma ganização do Festival, de múltiplos riências pedagógicas plurais, que mesmo importante para nós que exploração da linguagem cinema- de competências e géneros e de diferentes cantos do promovam a formação de cidadãos reconheçam a nossa opinião” (Ana tográfica até à construção de um atitudes estruturantes mundo, mostrando que a cultura criativos, capazes de pensar crítica Maria Azevedo, 12 anos). formulário que seria aplicado por cinematográfica não se restringe e autonomamente, com capacidade Na verdade, a sétima arte é um cada um dos alunos: “Se éramos da formação do à indústria de Hollywood e ao de trabalho colaborativo e plena- foco de interesse da maioria dos nós quem ia selecionar as curtas- indivíduo cinema comercial. Deste modo, os mente comprometidos. J J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt LIVROS letras * 19

OS DIAS DA PROSA Uma outra história corre paralela à da insurreição dos três jovens. A Miguel Real de Atlas, um gigante louro dedicado à “arqueoastronomia” que, 15 anos antes, fora viver para Alendabar (porventura um “hippie”). Do ponto de vista da estrutura de A nossa ale- gria chegou, Atlas é o elo unificador. Falecido, Úrsula, sua mulher, que conhecera Atlas quando, estudante, fora visitar a praia, e Félix, seu filho, retornam a Alendabar para espa- Alexandra Lucas Coelho lhar as cinzas do marido e do pai, e, seguindo a tradição da comuni- dade, ingerirem parte das cinzas misturada com a polpa de um fruto. A insurreição dos povos O que Aurora, Isso e Ira terão a ver com Atlas? O leitor lerá – é uma das descobertas mais interessantes e originais deste novo romance de Alexandra Lucas Coelho.J nossa alegria Aurora sabe que o bebé do Rei não é chegou, de deste, é produto de uma inseminação Alexandra artificial, é apenas filho de Clara, que Lucas morreu no parto, rouba-o e dá-lhe Coelho um nome, “Upa-la” (p. 122), o nome (ALC), ora da primeira canoa da comunidade publica- que partira para as terras geladas. do, será, Quando regressara, as crianças grita- porventura, vam “Upa-la te!”. O que significará? o seu melhor romance, realizando Estará de acordo com a frase “a em plenitude as duas características alegria é a revolução” (p. 182)? A re- que,A de certo modo, singularizam volta ou insurreição parece resultar, a autora no seio da nova geração o domínio do Rei é destruído, o Rei de romancistas portugueses: 1) deposto, mas um dos capangas deste a apropriação de um léxico e de despertou antes do final do tempo do › Alexandra Lucas Coelho uma gramática brasileiras; 2) uma sono do inalador e… O que aconte- A NOSSA ALEGRIA imaginação fabulatória que só tem cerá? Falhará a insurreição? Sairá CHEGOU paralelo com a de Afonso Cruz. vitoriosa? O leitor lerá. Terá mesmo Companhia das Letras, A prolixidade, a verbosidade e a chegado a “nossa alegria”? 183 pp., 16,50 euros. exuberância lexical existentes nos anteriores romances deram lugar Alexandra Lucas Coelho neste a uma sintaxe de frase curta, a ALEXANDRE BORDALO uma semântica contida (cada pala- vra para um único sentido concre- to), a um ritmo estrutural marcado todas as condições para acolher um Aurora, Isso e Ira revoltam-se pela passagem de 12 horas (de certo utopia, lugar onde o bem e a beleza secretamente contra o Rei, não por modo, reprodução diferida dos sete se confundem (areais paradisíacos, motivos ideológicos, políticos ou dias de deus-dará), a personagens peixe abundante, fruta copiosa, religiosos, mas simplesmente por dominadas por uma única caracte- uma comunidade humana simples, terem sido objeto, eles ou as suas Vem por este meio o Centro de Neurociências e Biologia ao rística (e não por um feixe delas) e a sem grandes ambições de riqueza famílias e, no caso de Aurora, a sua abrigo do Decreto n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela uma escrita concentrada no presen- e fama, apenas atravessada por maior amiga, Clara, da violência te da ação (resgatando igualmente conflitos ligados à vida sentimental: arbitrária e opressiva do Rei e dos lei 57/2017, publicitar a abertura de posições para investigador o passado), evitando as múltiplas, atracção sexual, ciúmes…). Porém, seus capangas, que acompanha doutorado (m/f). dispersas e laterais anotações ao devido à ganância delirante e à idêntica violência contra a comuni- Local de trabalho: Centro de Neurociências e Biologia Celular, desenrolar da descrição da ação. perversidade de uma personagem, dade (tratada como escrava) e contra Assim, do ponto de vista esti- designada por Rei, fonte do Poder, o a natureza (devastada e destruída). Pólo 1, Rua Larga, Edifício da Faculdade de Medicina. lístico, comparando com os três mal venceu o bem, a monstruosida- Existe, assim, uma amálgama de A remuneração mensal a atribuir é a prevista nível 33 da tabela romances anteriores de ALC, E a de a beleza e o território tornou-se razões que levam à insurreição dos remuneratória única, aprovada pela Portaria n.º 1553-C/2008, noite roda (2012), O meu amante de palco de uma violenta e repressiva três jovens e ao desejo de retorno às domingo (2014) e deus-dará (2016), distopia. formas de vida da Alendabar origi- 31 de dezembro, sendo de 2.128,34 Euros ilíquidos. A nossa alegria chegou parece abrir A nossa alegria chegou pode ser nal – os mitos primordiais, que lhe Os candidatos apresentam os seus requerimentos e uma nova fase na evolução da sua classificado como um romance explicavam a formação do mundo, documentos comprovativos, por carta registada dirigida obra, dirigida diretamente à des- distópico, evidenciando as atuais as canoas primitivas, a construção crição e à narração da essência do mazelas do planeta (alterações cli- artesanal dos tecidos das suas velas, a ao Presidente do Júri indicando a referencia do anuncio objeto do romance. De certo modo, máticas; mar abundante de plástico; gastronomia singular. Contra a ciên- para a morada: Centro de Neurociências e Biologia Celular, com esta contenção estilística, segue morte massiva e dolorosa de mana- cia ocidental provinda da “cidade” igualmente uma maior necessidade das para consumo humano; poluição e os barcos de “três mastros” dos Departamento de Recursos Humanos, Rua Larga, FMUC, 1.º de valorização de antigas categorias dos céus; desflorestação acelerada; brancos vindos do mar, que tinham Piso, Universidade de Coimbra, 3004-504 Coimbra, Portugal. do romance, como a do suspense, criação de pequenas Silicon Valley pervertido o ritmo natural de vida evidenciada logo na primeira frase como domínio do poder financeiro da comunidade, intenta-se utopi- AS DEMAIS CONDIÇÕES CONTRATUAIS PODEM SER CONSULTADAS EM: (“Alguns mamíferos sabem que vão e tecnocrático…). A novidade reside camente retornar a esse momento • http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global morrer. Estes três sabem que podem na ênfase dada à necessidade de os histórico originário em que o bem e &jobId=109371 morrer hoje”, p. 17), bem como o povos não só resistirem como sobre- a beleza se confundiam harmonica- • http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global destaque dado a situações insólitas tudo se revoltarem. Assim, defende mente. Agora, o mal está confundido &jobId=109428 e transgressoras (continuação dos a insurreição dos povos como obs- com o bem, e este é usado e manipu- • http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global romances anteriores), como a des- táculo à devastação calamitosa da lado para propagar o mal. &jobId=109496 crição inicial de três jovens amigos natureza por instituições não eleitas Mas já é tarde de mais. Os ex- • http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global deitados (uma rapariga, Aurora; um (o Rei, Zu) e à degradação ecológica plosivos que destruirão os símbolos &jobId=109593 rapaz, Isso; um homossexual, Ira) do planeta, as quais, no final, con- maléficos do Rei ativam-se, Zu e o • http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global numa rede a fazer amor. duzirão ao desaparecimento da vida capataz ficam presos na ilha selva- &jobId=109715 O romance decorre num na Terra, inclusive da humana, aliás, gem, a Pirâmide onde o Rei pratica território, Alendabar, provido de sobretudo da humana. os seus fetiches sexuais é estilhaçada, J ESTANTE jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 2o * letras

FICÇÃO Sócrates Apaixonado pela Manuel Frias Martins Fernanda Época Clássica da Botelho Grécia Antiga, o escritor espanhol Marcos Chicot Herberto Helder, Com A Gata e a recria, no seu segun- Fábula, a editora do romance, a figura Abysmo prossegue a maior do pensamento profeta da futuridade reedição das obras de ocidental, Sócrates. Fernanda Botelho, uma À semelhança do que fez em O das mais singulares Assassinato de Pitágoras, a morte do vozes portuguesas do filósofo é o pretexto para não só "res- século XX, nascida em suscitar" a sua vida, mas sobretudo 1926 e falecida em 2007. O projeto para recriar a época em que viveu da Máxima Concordância com muitas das disposi- tem coordenação de Paula Morão, e as grandes transformações que ções teóricas e críticas do seu tempo. que sobre a escritora afirma: "O estilo então ocorreram. Por considerar de Fernanda Botelho pode conciliar "fundamental que o leitor tenha uma Cobra continua, no entanto, a aparecer na segunda a visão crítica e ácida do mundo seu clara consciência da fronteira entre edição de Um silêncio de bronze. contemporâneo com a invenção cada a realidade e a ficção dentro do ro- Quer como peça fundamental da poética herbertiana vez mais elaborada da polifonia mos- mance", o escritor, numa carta final, quer como expressão e/ou validação de um tempo cul- trando, por dentro das personagens, destaca as fontes a que recorreu (a tural muito próprio. Cobra é o livro que melhor contri- os estilhaços e os limites do século que mais consultou foi História da bui para a identificação do perfil literário português que XX português". Publicado em 1960 Guerra do Peloponeso) e os episódios a pouco e pouco se foi tornando dominante a partir dos e distinguido com o Prémio Camilo que são melhor ou pior descritos anos 60 do século XX e, juntamente com Photomaton Castelo Branco, A Gata e a Fábula é a pelos documentos antigos. & Vox, o(s) que revela(m) a poética herbertiana mais terceira ficção longa da autora, reve- em profundidade. Ambos são textos de convergência lando, como os anteriores, carac- › Marcos Chicot Manuel Frias Martins de poemas passados e, ao mesmo tempo, testemunhos terísticas do romance de formação. O ASSASSINATO antecipadores de poemas futuros. Narra as andanças de uma mulher DE SÓCRATES nortenha, Paula Fernanda, rumo à Tradução de Filipe Guerra, Que essencialmente sublinha nessa poética? idade adulta e a uma vida lisboeta. Presença, 705 pp, 24,90 euros Três décadas depois, eis uma nova edição de Herberto Se a história da literatura nos traz ensinamentos úteis, Em prefácio, Marcelo G. Oliveira Helder. Um silêncio de bronze, de Manuel Frias Martins, a obra de Herberto Helder coloca-se perante dois hori- reforça as qualidades da escritora já uma edição da Nova Vega, título de referência nos es- zontes possíveis. Por um lado, ela dialoga tão bem com apontadas por Paula Morão: "Talvez OUTROS tudos sobre a obra do poeta. Nos textos nele reunidos, o o seu tempo, está tão consciente do presente que a sua uma das características fundamen- ensaísta, professor aposentado da Faculdade de Letras época reconhece essa obra como expressão privilegia- tais de todo o percurso de Fernanda de Lisboa, chama a atenção para a importância fulcral da de si mesma, elogiando-a pela confirmação da sua Botelho seja a forma como a sua obra Mitos do livro Cobra, retirado das edições da poesia comple- doxa e dos limites do inconsciente comum em que se sempre conseguiu escapar a rótulos ta, aquele que, em seu entender, “melhor contribui encerrou e naturalizou. Contudo, e por outro lado, é e a apreciações convencionais, revisitados para a identificação do perfil literário português que a também por aqui que se revela a diferença de autores revelando uma integridade inexcedí- Dois mitos intem- pouco e pouco se foi tornando dominante a partir dos como Herberto Helder. vel na sua constante e pessoalíssima porais revisitados por anos sessenta do século XX” e que, com Photomaton & busca por uma expressão justa da dois grandes escritores Vox, é revelador, como diz ao JL, da “poética herber- Em que sentido? condição humana nesse Portugal da contemporâneos, em tiana mais em profundidade”. É que a qualidade e a originalidade dessa obra é de uma segunda metade do século XX." títulos que ganham tal grandeza que, mergulhando fundo no seu tem- nova vida na Elsinore. Jornal de Letras: O que o moveu a fazer esta nova edição po e conhecendo a sua época até ao limite, consegue › Fernanda Botelho No primeiro, Margaret do seu livro sobre Helberto Helder? simultaneamente sugerir, numa espécie de vertigem A GATA E A FÁBULA Atwood propõe, em Manuel Frias Martins: Cumprindo com alguma ventura criadora, a ultrapassagem desse limite através de uma Abysmo, 264 pp, 15,30 euros registo ficcional, um o desejo de Italo Calvino de que deveria haver uma épo- série de novos possíveis literários ou, através de uma contraponto à Odisseia, ca na vida adulta destinada a revisitar as leituras mais abertura ao diferente, de uma porta para o futuro. Nesse de Homero, que se importantes da juventude, os novos ensaios aqui in- sentido, Herberto Helder, como acontece com os me- centra essencialmen- cluídos, escritos 30 anos depois da primeira publicação lhores entre os melhores, pode ser visto sem dificuldade Jenny te nas andanças de do meu livro, retomam a memória da obra herbertiana como uma espécie de profeta da futuridade. Esta visão Ulisses. Aqui narra-se com um distanciamento muito especial, tão especial otimista sofre, no entanto, de um mal que nos apo- Erpenbeck as vidas de Penélope e que não estarei também aqui, e mais uma vez, isento de quenta quando pressentimos situações de desgaste dos Eu Vou, Tu Vais, Ele das 12 servas de sua casa (enforca- polémica. nossos próprios valores. Não queremos que o futuro nos Vai, o mais recente das mais tarde), numa exploração abandone. Aquilo a que chamo de Princípio da Máxima romance da alemã Jenny das incoerências do relato clássico. Porquê? Concordância poderá fazer com que o interesse da obra Erpenbeck, é uma con- Já David Grossman regressa ao mito Defendo que os livros Cobra (1977) e Photomaton & herbertiana decorra menos de um diálogo com as inter- tribuição literária para a de Sansão, no qual vê uma subtil Vox (1979) são, de entre toda a produção herbertia- rogações e perplexidades dos futuros leitores e mais das reflexão, cada vez mais referência aos combates diários que na, os que registam mais distintamente os dados da trincheiras pedagógicas em que se processa a ilustração urgente, da condição dos cada um de nós trava nas suas vi- cultura crítica e teórica da segunda metade do século de uma época. migrantes, das questões das. "Além da impulsividade feroz, XX. Mas se Herberto Helder manteve o segundo na de raça, privilégio e nacionalidade. do caos, e do barulhos", escreve no sua formatação genérica, o primeiro foi literalmente Isso pode ensombrar a sua leitura no futuro? Toma como ponto de partida o muro prólogo, "podemos entrever uma obliterado da sua obra final. Cobra desapareceu do O importante efeito da sua representatividade elucidará as que em Berlim separou a mesma história de vida que, no fundo, é a volume Ofício Cantante (2009), dito de poesia com- fundações de uma mentalidade, que é a da segunda me- cidade, os mesmos habitantes, ao viagem atormentada de uma alma pleta e, é claro, do volume dito de Poemas Completos, tade do século XX e dos seus fulgores libertários (sexuais, estabelecer uma divisão entre "nós" isolada, solitária e turbulenta, que publicado em 2014. morais, filosóficos, etc.), ajudando tam- e "eles". Professor universitário nunca encontrou, em lado algum, bém a esclarecer os fundamentos da ideo- aposentado, Richard, o protagonista um verdadeiro lar no mundo, cujo Que significado atribui a essa logia literária de uma modernidade aberta deste romance, ocupa os seus dias em corpo era ele próprio um duro lugar ‘obliteração’? à experimentação e às respetivas violações passeios a pé, nomeadamente pela de exílio." Se todo o texto literário luta teimo- dos códigos normativos da escrita artística Alexanderplatz. Aí descobre uma › Margaret Atwood samente contra o tempo, fazê-lo de- e da tipologia estabelecida dos géneros comunidade de migrantes, recém- saparecer é, em certa medida, não só (poesia, romance, ensaio, etc.). Ao mesmo -chegados da aventura das suas vidas. A ODISSEIA DE PENÉLOPE um ato óbvio de destruição e morte, tempo, essa representatividade ajudará a Ao lidar com a nova etapa da sua exis- Tradução de Paula Reis, Elsinore, mas também pode ser uma forma de fazer luz acerca dos termos mais gerais de 160 pp, 15,98 euros tência, confrontar-se também com estigmatizar a época que o produziu e um modo de conhecimento assente so- percursos ainda mais sobressaltados. as respetivas circunstâncias. E é isso bretudo nas prerrogativas intelectuais do › David Grossman que, em última instância, decorre do › Manuel Frias Martins absoluto literário de matriz romântica que › Jenny Erpenbeck O MEL DO LEÃO apagamento que Herberto Helder fez HERBERTO HELDER. trouxe à cultura ocidental muitos dos seus EU VOU, TU VAIS, ELE VAI - O MITO DE SANSÃO de Cobra e, através dele, a tentativa UM SILÊNCIO DE mais portentosos fulgores artísticos, bem Tradução de Ana Falcão Bastos, Tradução de Paulo Osório de Castro, de contrariar (embora sem sucesso) BRONZE como os respetivos acolhimentos teóricos Relógio d'Água, 280 pp, 17 euros Elsinore, 128 pp, 14,99 euros o que se poderia chamar de Princípio Edição Nova Vega e críticos. J J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt * 21

5pagina_JL_1261.indd 1 25/01/2019 10:28:42 jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 J 22 * artes

AO ENCONTRO DOS PÚBLICOS A Culturgest tem hoje o seu público ou os seus públicos? Mark Deputter Sim. Esse é um aspeto importante, porque hoje em dia já não se consegue falar do público como uma entidade homogénea. Há vários públicos que Uma Culturgest ligada a Lisboa convivem dentro de uma cidade e de uma instituição como a Culturgest. Trabalhar para eles também é muito interessante. Em termos de progra- mação cultural é hoje fundamental, Mais do que um grande espetáculo, uma centena de pessoas em palco, é um momento “simbólico” aliás, ter um papel proativo e ir ao encontro dos vários públicos. da programação que o novo diretor artístico, Mark Deputter, pretende para a Culturgest. 100 % Lisboa, dos Rimini Protokoll, que estreia a 1 de fevereiro, no Grande Auditório, põe a “cidade Como? Convidando as pessoas a participar no centro”. Um envolvimento com a comunidade, tal como o assumir de “um papel ativo na ativamente, porque há outras formas produção cultural”, e a criação de “ressonâncias e ligações” entre as diferentes áreas, música, de relacionamento com as propostas artísticas e culturais, em vez de se dança, teatro, artes visuais, conferências, são as linhas de força para o futuro próximo da Casa assistir apenas aos espetáculos ou do Mundo lisboeta, que já fez 25 anos, e quer prosseguir um caminho na “continuidade”, como visitar as exposições. E temos projetos na Culturgest que vão nesse sentido. afirma o programador ao JL. Sempre contemporaneamente Por exemplo? Neste momento, estamos a trabalhar Maria Leonor Nunes Jornal de Letras: Com uma iden- com um grupo de pessoas que estão tidade já afirmada, aos 25 anos a criar uma exposição a partir da de existência, como é o futuro da coleção da CGD, que irá inaugurar em Culturgest? março. O projeto chama-se Coletivo Mark Deputter: O meu mandato é de Curadores e iremos desenvolvê-lo de três anos e só posso falar do que ao longo de quatro anos. gostaria que fosse no futuro próximo. É importante lembrar que, nestes São jovens curadores ou pessoas que 25 anos, a Culturgest soube estabe- não têm nada a ver com curadoria? lecer-se como um dos palcos mais Não têm nada a ver com essa ati- importantes de Lisboa, fazendo uma vidade, sendo acompanhadas no programação muito contemporânea trabalho de escolha das obras e de e arrojada, o que por si é um feito. E organização da exposição por uma l sendo uma fundação de direito priva- curadora profissional, este ano, Filipa Lisboa sobe à cena da Culturgest, de do, ligada à CGD, um banco público, Oliveira. Nesta primeira edição, 1 a 10 de fevereiro, com uma centena nessa medida, pertence a nós todos. decidimos convidar os que traba- de moradores da cidade, numa rela- lham na CGD, porque é uma coleção ção direta com as estatísticas que dão Esse perfil vai continuar a ser central que pertence a esta casa. E houve para um universo populacional de na programação? três vezes mais inscrições do que as 500 mil habitantes, 54% de mulhe- É muito importante esse perfil próprio, necessárias. Estão a trabalhar há três res, 25% com mais de 65 anos, e 1 em baseado na contemporaneidade e o meses. A Culturgest já tinha a prática cada 10 de outras nacionalidades. Os que gostaria de fazer na Culturgest vai de convidar curadores para partir lisboetas vão falar em palco das suas na continuidade do trabalho desenvol- desse acervo de arte e foram feitas vidas e vivências urbanas em 100% vido. Aliás, essa é uma evolução que várias exposições. E decidimos abrir Lisboa, dos Rimini Protokoll, um julgo que tem acontecido em grande essa possibilidade às pessoas que, em espetáculo já criado e apresentado parte da oferta cultural de Lisboa. cada ano, se inscrevem e depois são em 35 cidades do mundo. escolhidas. Evidentemente, tam- E há mais para ver e ouvir em A Culturgest teve um papel bém tem uma componente didática, fevereiro: uma retrospetiva da obra determinante nesse contexto? porque implica aprender a história de João Onofre, uma “deambulação Fez parte dessa evolução e foi com da arte contemporânea, fazer uma pela diversidade do seu trabalho”, certeza uma força fundamental, exposição, da escolha do tema aos com curadoria de Delfim Sardo, a embora obviamente não seja o único cuidados com o transporte das obras. inaugurar a 15, com performance do espaço que o fez. Sobretudo, acho que Outro elemento muito interessante é artista, concertos de Norberto Lobo, a Culturgest conseguiu demonstrar a multidisciplinaridade da programa- Marco Franco e Bruno Pernadas, que dentro das linguagens contem- ção da Culturgest. Montanhas Azuis, na mesma data, de porâneas é possível construir públicos Carla Galvão e Fernando Mota, Peixe Mark Deputter "Hoje em dia já não se consegue falar do público como uma e fazer uma programação aberta e Em que sentido? Lua, a 22. De destacar ainda, entre entidade homogénea" acessível. Passa pelas artes visuais, cinema, as propostas da Culturgest para este teatro, dança, música, conferências. ano, uma exposição, espetáculos, Um leque muito alargado daquilo que conferências, num ciclo dedicado ao espaço cultural, com dois auditó- Licenciado em línguas e literaturas a criação artística tem para oferecer. E coreógrafo norte-americano Steve rios e duas galerias de exposição, germânicas, com pós-graduação em nesse sentido, somos um dos poucos Paxton, uma mostra do Coletivo de da fundação criada por Emílio Rui dramaturgia e estudos em filosofia, centros culturais que tem este tipo Curadores, a partir da coleção de arte Vilar, então presidente do Conselho tem trabalhado como programador Nestes 25 anos, a de oferta. De certa maneira, o Centro contemporânea da Caixa Geral de de Administração da Caixa Geral cultural, especialmente no domí- Culturgest soube Cultural de Belém (CCB) também Depósitos (CGD), o regresso de Alain de Depósitos (CGD), fundação que nio das artes performativas. Foi a tem, embora desde a criação do Platel, com o músico português João teve Manuel José Vaz como primeiro um dos impulsionadores do festi- “estabelecer-se como Museu Berardo seja diferente, porque Barradas. presidente, Fátima Ramos na admi- val Danças na Cidade, mais tarde um dos palcos mais passaram a ser duas instituições É o arranque em força da pro- nistração e António Pinto Ribeiro na Alkantara, marcos fulcrais na cena naquele espaço. A multidisciplinari- gramação desenhada por Mark direção artística, mais tarde substi- cultural portuguesa. Dirigiu o Teatro importantes de dade é algo que, portanto, me parece Deputter, o novo diretor artístico. tuído por Miguel Lobo Antunes. Municipal Maria Matos (MM), nos Lisboa, fazendo uma importante continuar a desenvolver. Um futuro contínuo, como adian- Belga de nascimento, Mark últimos anos. Aceita agora o desafio ta ao JL, garantindo a intenção de Deputter adoptaria Portugal como da Culturgest. Uma ‘Casa do Mundo’, programação muito CRIAR SINERGIAS “dar continuidade” ao “perfil de pátria. Mudou-se para Lisboa, em como se assumiu, que agora quer ser contemporânea e Nesse contexto, o que é para si fun- contemporaneidade” construído 1995, por amor a Mónica Lapa. Após também morada de Lisboa. E essa damental? pela Culturgest, desde que abriu a morte da coreógrafa, decidiu ficar ligação à comunidade é uma das suas arrojada, o que por si é O que me parece interessante é criar portas em outubro de 1993. Um no país e constituiu de novo família. prioridades. um feito sinergias entre as várias áreas da pro- J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt ENTREVISTA artes * 23

gramação. Tenho noção que cada uma na história da Culturgest e da oferta alargar do círculo comunitário? no teatro, como nas artes visuais, na desafio é juntar as condições para que tem as suas especificidades, desde cultural de Lisboa, porque cha- É um trabalho que me interessa dança ou na música. A Culturgest pessoas das novas gerações tenham logo os prazos e modos de funciona- mou a atenção para essas criações, muito e julgo que é um desafio inte- tem uma sala fantástica de 600 acesso a este tipo de espaço, com es- mento, mas mesmo assim gostaria sobretudo para as não ocidentais. ressante também para a Culturgest. lugares, um palco enorme, e estamos tas características para uma primeira de criar ressonâncias e ligações entre Porque convidar companhias de Vamos ter vários projetos, nessa a desenvolver contactos com várias experiência. as várias áreas. É algo, aliás, que França, de Inglaterra, da Alemanha área da participação. Por exem- companhias de teatro e de dança já estamos a desenvolver na nossa ou dos Estados Unidos é comum a plo, mais à frente, para estrear em para criarem obras para esse espaço. E em relação aos criadores programação, mas queremos fazer vários espaços, mas uma atenção outubro, com a companhia de teatro O setor cultural sofreu muito com a internacionais? ainda mais. contínua a linguagens de outras Hotel Europa, de André Amálio, que crise e, ao longo dos últimos anos, os Gostaria de continuar realmen- culturas é uma característica da tem trabalhado sobre a questão da artistas foram obrigados a fazer so- te a política existente da ‘Casa do Quer destacar algum projeto em Culturgest. Claro que queremos colonização. É a continuação desse bretudo projetos de pequena dimen- Mundo’, lançada pelo António Pinto particular? continuar a fazê-lo. E, simultanea- trabalho e vamos criar um grande são, com poucos meios e pessoas, em Ribeiro, que fez um grande trabalho Em breve, iremos inaugurar uma mente, procurar um maior enrai- projeto em conjunto com as orga- salas pequeninas. Gostava de criar, nesse sentido e que foi de tal forma exposição sobre o coreógrafo Steve zamento em Lisboa e uma relação nizações da comunidade afrodes- aqui na Culturgest, uma resistência a um sucesso que não sinto necessida- Paxton, um criador muito im- forte com os seus habitantes. Esse cendente de Lisboa. Queremos a sua essa tendência. de de arranjar qualquer subtítulo. A portante da dança pós-moderna é, de alguma maneira, um novo efetiva participação, de modo que programação de dança, artes visuais, norte-americana, da Judson Church, acento que queremos desenvolver não seja apenas inventado por nós. De que maneira? teatro e música vai continuar com que teve uma enorme importância e com muita insistência. Terenos igualmente vários projetos Abrindo espaço e dando oportunida- linha aberta a tudo o que acontece no impacto na dança contemporânea, mundo, sem limites. Há um enorme através do seu trabalho e da técnica interesse de mostrar obras de dife- de contacto-improvisação, que ele rentes culturas e pontos de vista. inventou e desenvolveu e que tem seguidores em todo o mundo. Ao Prossegue também uma especial mesmo tempo que apresentamos atenção ao jazz? essa mostra sobre o seu trabalho, Ah, sim, sim. A nossa programação teremos as suas obras em palco, de música está interessada em en- workshops, em colaboração com es- contrar e mostrar propostas alterna- colas e cursos de dança, conferências tivas e de grande qualidade nas várias e conversas com o próprio e outras áreas. Ou seja, não queremos que pessoas que além da sua produ- esteja ligada a uma música específica, ção artística, vão analisar diversas jazz, erudita, world music, passa por questões. Porque o seu trabalho tinha todas estas linguagens, procuran- também implicações políticas fortes, do sempre em cada uma, projetos como acontecia com outros artistas especiais, com uma mais-valia capaz dos anos 60 e 70, algo que de resto de acrescentar alguma coisa mesmo está a voltar. ao próprio género em que se inserem. Muitas vezes, são mesmo de difícil Os artistas contemporâneos têm mais classificação, porque se encontram preocupações políticas? na fronteira entre vários géneros, Não serão todos, evidentemen- música eletrónica e world music ou te, mas há uns anos sinto que há jazz. E nessas combinações, não há uma vaga de criação artística que limites. procura mais ligações políticas, sociais, ecológicas, um relacio- A dança sempre foi uma presença namento com a sociedade. Todo o forte na programação da Culturgest. trabalho que fiz no MM e que quero E continuará a ser? prosseguir aqui insere-se nessa Absolutamente. Em parte por causa evolução. Não me coloco no lugar da própria história da Culturgest, mas de uma pessoa que inventa tudo, também porque o Grande Auditório mas de alguém a ver o que está a é uma das melhores salas para dança acontecer e a responder ao que VERA MARMELO do país. Aliás, em breve, vamos ter acontece como diretor artístico Espetáculo 100% Lisboa Representar uma cidade em palco Alain Platel, que já esteve várias vezes desta instituição. Acho que não po- em Lisboa, mas a última há uns anos. demos ficar de lado, é importante E é sempre bom voltar a tê-lo aqui, que as instituições culturais acom- com um grande espetáculo, em que panhem essa vontade de maior Simbólico dessa aposta é 100 % de para que os artistas portugueses trabalha com um elenco interna- ligação à sociedade dos criadores Lisboa? possam fazer obras de maior dimen- cional, com africanos e com um portugueses e internacionais. Exato. É um espetáculo em que Há uma vaga de criação são para o Grande Auditório. português. de facto a personagem principal é LAÇOS COM A COMUNIDADE Lisboa, representada por cem habi- artística que procura Há espetáculos a ser coproduzidos? Quem? Criar pontes entre as artes plásticas, tantes que vão estar em palco e falar “mais ligações políticas, Sim. Um com a Ana Borralho e o O acordeonista João Barradas. A dan- a música, a dança, as conferências é das suas vidas na cidade e de alguns João Galante, que se chama Romance ça continua a ser importante para a uma das linhas de força da progra- temas como o turismo ou o trânsito, sociais, ecológicas, Familiar, uma nova produção da Culturgest, tal como, por outro lado, mação? E quais as outras? problemáticas que as pessoas sentem um relacionamento Mala Voadora, nova criação de Tânia os ciclos de conferências. Exato. Acho que faz sentido apro- diariamente. Carvalho. São artistas já com muito veitar a diversidade que existe de com a sociedade. trabalho feito e com a experiência e a A direção artística da Culturgest é um uma forma extra. Por outro lado, São representativas de várias Todo o trabalho que capacidade para trabalhar para este grande desafio pessoal? gosto de pensar a Culturgest como profissões, estratos sociais…. tipo de espaço. Claro que sim. E o que acho inte- um espaço que precisa desenvolver Também de comunidades minoritá- quero prosseguir aqui ressante nesse desafio é obviamente laços muito fortes com a comuni- rias. Representam Lisboa em toda a insere-se nessa evolução E incentivos para os criadores mais a escala, maior do que o MM, e a dade em que estamos inseridos, no sua diversidade, tendo sido escolhidas jovens? possibilidade de trabalhar a multi- caso Lisboa e os seus habitantes. com base na sua proporção estatís- Tenho tido sempre muita atenção aos disciplinariedade. Sempre trabalhei tica. Por isso, serão 54 mulheres e 46 do serviço educativo, desenvolvidos jovens criadores, algo muito presente na área das artes performativas, com O ‘slogan’ da Culturgest tem sido homens e haverá pessoas de todas com escolas e jovens. Outro aspecto no meu curriculo, desde as Danças ligações à música, nos últimos anos, ‘uma Casa do Mundo’ e agora as idades, de crianças a mais velhas, relevante tem a ver com o papel da na Cidade ao Alkantara, passando mas as artes visuais são algo comple- também uma Casa da Cidade? de várias origens. É uma visão sobre Culturgest como co-produtora de pelo MM. Mas na Culturgest estamos tamente novo para mim, em termos Sim, sim. Essa ideia de ser uma casa Lisboa. Este espetáculo é um exemplo espetáculos. a programar para um teatro, um profissionais. E viver numa casa em do mundo refere-se à vontade de do tipo de trabalho que gostávamos espaço expositivo relativamen- que todas estas áreas estão presentes fazer uma programação internacio- de fazer. Um papel que pretende reforçado? te grandes. Gostava de convidar e têm as suas próprias necessidades, nal e mostrar propostas artísticas Acho que deve ser também uma criadores que tenham vontade de dar além da coleção de arte contempo- de várias latitudes, do norte, do sul, PAPEL DE RESISTÊNCIA entidade ativa na produção cultu- o salto para um espaço maior, mas rânea da CGD, outra novidade, que da América Latina, da África. Essa Um trabalho que, de resto, já tinha ral e queremos investir em novas necessariamente não poderão ser também requer os seus cuidados, é foi uma aposta muito importante desenvolvido no Maria Matos. É um produções dos artistas portugueses, jovens acabados de sair das escolas. O extremamente estimulante.J J ENTREVISTA jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 24 * artes

individual para um coletivismo. Uma vaga de migrantes que foi massiva. Saíram da Alemanha, para França e depois para Sul. E Portugal Nicholas Oulman tornou-se na porta para o ocidente.

Mesmo nos depoimentos, o filme é enriquecido por alguns pormenores, Portugal, o último refúgio como o concerto dos músicos judeus durante a guerra... Sim, havia essa necessidade de tentar manter uma certa normalidade, uma certa vida, apesar Manuel Halpern documentário mais clássico, mas das circunstâncias. É o caso desse achei que não funcionava. Quis concerto, em 1943, na Alemanha, então encontrar na montagem uma de que fala a Eva, com músicos Durante a II Guerra Mundial linguagem que coincidisse com os que tinham perdido o emprego passaram por Portugal milhares de testemunhos recolhidos. Acabei e alugaram uma sala para fazer refugiado judeus que encontraram por descobrir que havia um certo um concerto. Pensar nisso hoje é em Lisboa um porto de saída para as tipo de imagens de arquivo que extraordinário. Ou a história da Américas. Nicholas Oulman foi em funcionavam. Algo um bocadinho Anita que ia sempre nadar com busca destas histórias e destas pessoas. fantasmagórico, surreal, de um amiga, de um dia para o outra Viajou até ao Estados Unidos e ao memórias. Quis criar uma atmosfera disseram-lhe que já não podia e Canadá para recolher uma dezena de hipnótica, Decidi não mostrar os então ela ia para lá sentir o cheiro depoimentos, memórias e traumas de protagonistas, servir-me só da do cloro da piscina onde não podia uma fuga ao horror, de octogenários narração deles para construir o entrar. Estas pequenas coisas são que na altura então eram apenas filme. visíveis e sentidas por crianças. São crianças. Depois de Com que Voz, o detalhes muito elucidativos daquilo documentário que fez sobre o seu pai, Onde foi buscar estas imagens? que se está a viver. Alain Oulman, compositor de Amália, A todos os sítios e mais alguns... que deu um novo rumo à música Museu do Holocausto, arquivos Esses detalhe permitem uma portuguesa, Nicholas está de volta com do Steven Spielberg, a Kronos, a CARVALHO JOSÉ CARLOS identificação mais fácil com as outro precioso trabalho documental, Pathé Gaumont, a Pathé inglesa, Nicholas Oulman Um forte documentário sobre os refugiados judeus que personagens... contra o apagamento da memória. a Cinemateca, a RTP, a filmoteca passaram por Portugal É o que se pretende. Para que isto basca… Foi uma pesquisa muito não fique esquecido na memória,. JL: Este refugiados judeus que envolvente. Às vezes cinco Até porque estamos a viver tempos passaram por Portugal espalharam- segundos de imagens de arquivo estranhos, em que parece andarmos se pelo mundo. Como fez para os parecem uma eternidade, por isso Portanto, começou por fazer a para conjugar com o esqueleto para trás, com políticos malucos descobrir? fiz questão de descobrir as imagens montagem sonora e depois foi atrás sonoro. no poder, com teorias populistas Nicholas Oulman: Trabalhei com certas. Não queria estar a mostrar da imagens. e aberrantes. É importante não um pesquisador, que enviou umas campos de concentração, nem o Entrevistei 15 protagonistas e fiz Procurou, sobretudo, dar uma esquecer o passado para não cartas e foi obtendo informação. Hitler, nem aquilo que já vimos uma pré montagem sonora de dimensão humana? cometer os mesmos erros. Depois fizemos telefonemas para vezes sem conta. Tive que refinar cada entrevista. Foi complicado Sim, escolher coisas pequeninas, tentar ganhar confiança dessas a busca, ir a coleções privadas, porque cada entrevista tinha entre que parecem ser banais, mas Portugal aparece como um paraíso pessoas, para ir ter com elas e fazer encontrar pequenos filmes de uma hora e meia e três horas. que em contexto, tomam outra para esse refugiados. perguntas sobre esse tempo. Queria famílias. Um trabalho complicado e Tivemos de escolher quem faria dimensões. Apesar de serem Portugal foi muito importante, ter relatos na primeira pessoa, uma exasperante… Depois havia imagens parte do filme. Depois refizemos histórias íntimas e pessoais de permitiu que milhares de pessoas versão completa. Depois tivemos cujo preço não se enquadravam no a montagem sonora a nível de cada um, optei por não mostrar se salvassem. Claro que nem tudo de fazer uma seleção, atendendo ao nosso orçamento. estrutura e encontrar as imagens os refugiados. e assim parte do foi assim tão linear. Os Estados que seria comportável em termos Unidos não se portaram muito de orçamento. bem e durante muito tempo não deixaram entrar ninguém. E o A geração capaz de testemunhar evitou os clichés, não quis fazer sombra às muitas regime português também não sobre a II Guerra Mundial está a Debaixo do céu e excelentes obras que ha obre o holocausto e pro- era democrático. Isto não está no desaparecer. Sentiu alguma urgência curou, através da imagens e das vozes de outros, filme, porque optei por reproduzir na recolha destes depoimentos? um registo mais poético, de uma memória difusa apenas as memórias deles. Para estas A verdade é que desde o início do de um passado remoto, num mergulho numa pessoas, depois daquilo por que filme já desapareceram três dos Nicholas Oulman recolheu 15 testemunhos de infância sofrida. É por isso que o que vez é tantas passaram, Portugal era mesmo um protagonistas. Isso sempre foi uma refugiados judeus que passaram por Portugal, vezes onírico como devastador, funcional mas paraíso, embora não o fosse para os coisa a ter em conta. Mas as coisas têm todos com mais de 80 anos anos e que na altura simbólico. portugueses que viviam cá. um processo não podem ser feitas de não passavam de crianças. Para falar com eles, O que torna o filme de Oulman tão especial um dia para o outro. Estabelecemos deslocou-se até aos Estados Unidos e Argentina, é esta busca pelo detalhe, pelo episódio concre- O que o levou a este tema? os contactos e tivemos três semanas depois de um vasto processo de contactos e de to, pelas pequenas histórias que fazem a grande Quando fiz o Com que Voz descobri nos Estados Unidos e dez dias na conversa telefónica. Quando editou tudo aquilo, história. Tal acontece de forma particularmen- que foi durante esse período que os Argentina. Depois do trabalho estar tinha o material certo para uma emocional te intensa nos primeiros anos do nazismo, na meus tios fugiram para Portugal, de feito verifiquei que os depoimentos reportagem radiofónica. Testemunhos na menina que se dispõe a defender a sua condição onde foram para Londres, onde o recolhidos não coincidiram primeira pessoa, relatos de horror, sofrimento, judia nas manifestações do Dia do Trabalhador meu tio se alistou na RAF e a minha totalmente com a minha ideia inicial mas também de detalhes quotidianos, que e depois percebe que os judeus estão interditos outra tia foi enfermeira. Que os do projeto. Até pelo facto de todos humanizam o registo. de ir ao desfile. Ou daquela outra que costuma ir meus avós ajudavam refugiados que eles serem crianças e terem uma visão O cineasta precisava de transformar todo esse nadar com uma amiga e, de um dia para o outro, a passavam por Portugal durante esse diferente sobre as situações. Por isso, fruto oral em cinema. Poderia ter optado pelo piscina torna-se proibida a judeus. tempo. Que existiram campos de tive que repensar tudo. Porque ainda formato clássico, filmando os protagonistas e Portugal torna-se um paraíso ou última porta residência fixa e que Portugal teve um por cima não havia documentos, cruzando com alguma imagem que tivessem lá de esperança para todos estes refugiados. Um papel fundamental. Eram coisas que fotografias, praticamente nada que por caso. Ou seguir o estilo minimal de Susa- olhar condicionado e impressivo sobre o país que desconhecia. Depois conheci a Lolita ajudasse a criar uma narrativa. na Dias, em 48, documentário sobre vítimas os acolhe e serve de passagem para as Américas. Goldstein. Ela tinha uma luz e uma da PIDE. Oulman descobriu uma outra forma. Oulman apenas intervém na seleção de depoi- energia tão forte que lhe disse logo Foi por isso que teve que recorrer a Percorreu os arquivos de vários países e fez uma mentos e imagens. Não acrescenta mais nada ao que ia fazer um filme sobre isto. outras imagens? recolha minuciosa de imagens, Imagens que defi- filme, não analisa nem contextualiza, para deixar Entrei num processo criativo, nissem uma certa linguagem. E é aí que entra, de que as memórias dos protagonistas valham por E agora? Um novo documentário? para encontrar uma linguagem forma ainda mais profunda, a questão da autoria. si. Debaixo do Céu é certamente um dos últimos Depois desta pesquisa toda, queria ter cinematográfica adequada aos É nessa hábil combinação entre a escolha do som filmes que aborda este tempo com este estilo. Um uma estrutura fechada, com atores… testemunhos pré-montados. Fiz e das imagens que o autor se define. Oulman tema que é urgente não esquecer.J estou a trabalhar numa longa metragem várias experiências. Tentei fazer o de ficção com a minha mulher.J J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt ESPETÁCULOS artes * 25

TEATRO acessível a todos e visa estabelecer e João Vicente, em brilhante desempe- uma verdadeira comunicação com o nho, incluíram nos seus enunciados, Helena Simões público, subindo ao palco já vestido com natural e por vezes paródica para atuar, a introduzir a audiência ao afetação. que vai ver e com quem. Certamente que todos os motivos Numa cenografia e figurinos de da peça são integrados com graça e sa- Maria Gonzaga, exemplares de ade- ber, nomeadamente os jogos de poder quação à sala, aos atores e às situações através da desinformação e da maledi- Muito barulho por... muito ficcionadas e auxiliado pelas inteli- cência, ligados à sátira dos costumes e gentes e meticulosas coreografias de às fórmulas cristalizadas de classifica- Joana Chandelier, o elenco, que se tem ção dos géneros, numa sociedade for- mantido nas três comédias represen- temente patriarcal e repressiva sobre o Desde logo a agradável surpresa pelo tadas, constituído na sua maioria por comportamento das mulheres que, nas belo espetáculo que o grupo de teatro jovens atores, ajustou muito bem o tragédias posteriores, darão chão para Filho do Meio apresenta, até domingo, desígnio shakespeariano, com frescura ciúmes que serão fatais, por exemplo, no Teatro do Bairro que o acolhe, e simplicidade, a par das exigências para Desdémona de Otelo. Aqui, por com uma famosa comédia de William de elocução, movimento e contracena enquanto, fica assegurado o happy-end Shakespeare (1564-1616), Muito desta deliciosa e difícil comédia, es- da comédia, com o casamento dos dois Barulho Por Nada (1598-1599). De plendidamente traduzida por Fernando pares amorosos. facto, é já o terceiro espetáculo que a Villas-Boas. Como se sabe, as comédias Cabe-nos augurar também um final companhia dedica a Shakespeare, num de Shakespeare, assim genericamente feliz para o Filho do Meio que, a meio Ciclo que intitulou “Três Comédias, classificadas, combinam em gradação do percurso que se propôs avançar e Três Tragédias”, tendo levado à cena, subtil elementos cómicos mas também dirigir, faz prova de saber ao que vem e Noite de Reis, em 2017, e Sonho de Uma trágicos, tanto nas situações como nas ao que vai. Que assim seja reconhecido Noite de Verão, em 2018. personagens, e se esse trabalho poético o seu trabalho e valor, bem como o da Empresa altamente meritória, pois do autor surge nesta peça maravilho- sólida equipa artística que conseguiu dá a conhecer teatro de repertório, samente equilibrado, revela-se evi- reunir, e que aduz créditos ao projeto.J que devia estar na base de serviço dente nesta representação, tanto pelo público de oferta de conhecimento mérito dos atores como do encenador, › MUITO BARULHO POR NADA dos clássicos, mas também arriscada, CORAGEM VITORINO estilisticamente informados sobre a traduzido do original Much Ado About Nothing de pois embora formalmente apta, como Muito Barulho Por Nada de William Shakespeare com Encenação Luís Moreira harmonização desses elementos. William Shakespeare, Tradução Fernando Villas-Boas, Encenação Luís Moreira, Cenografia e Figurinos Maria associação cultural sem fins lucrati- Nesse sentido, o famoso par Beatriz Gonzaga, Movimento Joana Chandelier, Desenho de vos, a receber financiamento público e Benedito, que cinicamente desdenha Luz Rui Seabra, com Alice Medeiros, Ana Baptista, e privado, o Filho do Meio não logrou do enamoramento, é confundido pelo Frederico Coutinho, João Vicente, José Redondo, Luís alcançar nenhuma subvenção. Nada radas e com muitos atores em palco, E assim é, o espetáculo que vi apre- intrincado jogo que os amigos inven- Lobão, Luís Moreira, Paula Neves, Paulo Duarte Ri- beiro, Sandra Pereira e Valter Teixeira. Produção Leonor que tenha demovido o seu diretor ar- com o objetivo confessado de “contar senta maturidade na preparação artís- tam, e vai sucumbir ao amor românti- Buescu, Promotor: Filho do Meio — Associação cultural tístico e encenador, Luís Moreira, que uma boa história, que se perceba, com tica e técnica, na colocação em cena, co, em cenas hilariantes de verdadeiro sem fins lucrativos. tem encontrado formas alternativas personagens bem construídas, para o na direção de atores e na relação com a pugilato verbal, sempre dentro do para poder produzir, com qualidade e público se divertir e sair satisfeito da plateia. O seu labor surge consolidado adequado código retórico e de conduta Teatro do Bairro, de quarta a sábado, às 21h30, rigor, espetáculos em longas tempo- sala de teatro”. e vai para além de tornar Shakespeare isabelinos, que os atores Alice Medeiros domingo às 17h. Até 3 de fevereiro.

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CLÁSSICA CLÁSSICA Galo Cant'às Duas, duo de Abbado inédito Viseu, lançam A gravação de Dois grandes álbuns, um violinista finalmente um um concerto do primeiro álbum, maestro Claudio com oito faixas, Abbado, com onde expõem, a Orquestra de forma mais Filarmónica O violinista alemão Christian larga a sua linguagem. Talvez aqui de Viena, no Tetzlaff e dois grandes álbuns, não sobressaia tanto a ideia de jam Musikverein, vindos ainda de 2018, a concen- session. Os temas são mais curtos na capital austríaca, há 48 anos, trar atenção. No primeiro, os dois e o diálogo entre os músicos pa- em maio de 1971, foi descoberta concertos para violino e orquestra rece mais fixado a uma estrutura, recentemente, e está na base do de Béla Bartók, a associação rara contudo é desenvolvido um modo álbum agora editado. Reúne duas das duas obras, num só CD, em de fazer canções, partindo dessa das mais conhecidas e celebradas duas extraordinárias interpreta- linguagem anteriormente criada. sinfonias de Schubert – a 5.ª e a 8.ª, ções; no segundo, dois dos mais Coro a Cara é um bom exemplo dita a “Inacabada” – e apresenta o arrebatadores trios do romantis- desse desígnio, há uma maior maestro que sucedeu a Herbert von mo tardio, testemunhos do fervor preponderância melódica sobre o Karajan, na direção da Filarmó- de Antonin Dvorak. Em ambos o duelo entre o baixo elétrico e a nica de Berlim, muito antes de ter os discos, a visão determinante bateria. Surpresa maior é a intro- atingido um lugar na “primeira do violinista Christian Tetzlaff e, dução da voz. Se no primeiro EP tal fila”, entre os principais regentes com ele, intérpretes de eleição, acontecia de forma muito discreta da época. E, no entanto, já o era, da Orquestra Sinfónica da Rádio na última faixa, aqui aparece de como demonstram as gravações Finlandesa e do maestro Hannu modo assumido. Aliás, o primeiro agora reveladas. Aqui estão a Lintu, à violoncelista Tanja Tet- tema Serei eu Cantor? é sintomá- intensidade e o dramatismo da zlaff e ao pianista Lars Vogt. da maturidade, quando o nazismo tradicional e a sua energia muito tico. Com a voz tanto se ganha “Inacabada”, a par da superação A associação dos dois concer- alastrava, em vésperas do segun- particular. Christian Tetzlaff, quanto se perde. Há uma inversão serena e fascinante da 5.ª. Quando tos para violino de Béla Bartók do conflito mundial, expressas Tanja Tetzlaff e Lars Vogt dão-lhes no itinerário pós-punk e até parece dirigiu estas duas sinfonias, Abba- continua a ser rara, embora num virtuosismo extremo. Em o brilho devido, como só os intér- haver um constrangimento es- do estava a três meses de comple- se somem já décadas sobre a ambos os casos, duas leituras de pretes ideais o sabem fazer.J trutural autoimposto, que impede tar 38 anos, a um ano de assumir a descoberta do mais antigo, uma eleição. O álbum foi publicado no divagações mais livres. São ínvios direção do Scala, de Milão – onde obra inicial, dedicada à violinista ano passado, a tempo de receber os caminhos de Viseu. já era maestro principal –, e a três Stefi Geyer (que nunca chegou a o prémio Gramophone e de fazer anos de ser nomeado principal interpretá-la), publicada apenas parte de quase todas as listas dos › Galo Cant'às Duas maestro convidado da Filarmóni- após a morte do compositor. melhores discos editados em CABO DA BOA ESPERANÇA ca de Londres. O caminho estava Tetzlaff decidiu juntá-los num 2018. É mais do que merecido. Sony aberto, embora ainda no início, e, só programa, em duas brilhantes Quanto ao álbum dedicado a o fascínio, exposto. A gravação do interpretações, que testemunham Dvorak, publicado mais tarde, concerto dessa noite de 31 de maio uma justa causa de paixão. podia estar também nessas listas. Miramar de 1971 comprova-o. A edição em Tetzlaff aborda a música de Reúne dois dos mais empolgantes Em país onde disco surge quando passam cinco Bartók com inteligência, num trios com piano da literatura ro- a guitarra por- anos sobre a morte do maestro. E diálogo perfeito com a orquestra mântica, compostos por Dvorák: tuguesa é rainha também serve para dizer que ela e o seu regente, numa só vez. Do o Trio n.º 3, de maior escala, obra › Christian Tetzlaff e senhora, de não existe. primeiro concerto, fica marcada de uma grandeza arrebatadora, BÉLA BARTÓK E pleno direi- a ternura do jovem compositor; e o célebre “Dumky”, o Trio n.º ANTONIN DVORÁK to, é incrível › Claudio Abbado, Filarmónica de Viena do segundo, a tensão e a violência 4, com a inspiração da música CD+CD Ondinea a quantidade de talento- SINFONIAS N.º 5 E N.8, sos músicos que surgem ligados “INACABADA”, DE FRANZ à guitarra clássica ou elétrica, SCHUBERT batida acelerada. À medida que se acurada seleção um equilíbrio de referências entre que levam os sons das cordas por CD Deutsche Grammophon vai avançando na discografia nota- de reportório e de gerações. O início é de arrasar, caminhos mais distantes do fado M.A.G. -se um movimento de aproxima- arranjadores. Gal com Sublime, de Dani Black, um ou da canção de Coimbra. É o caso ção, como que para preparar este Costa não tem compositor da música popular bra- de Frankie Chávez e Peixe, músicos POP Plástico, que é o verdadeiro álbum aquela eferves- sileira de uma geração mais nova, com uma carreira diversificada e de rotura (apesar de se mante- cência, por vezes com um tema de grande beleza. já com provas dadas, que agora se Em português rem alguns elementos originais). quase histrió- Tal como bela é a canção que se juntam nesta join venture musical. Ao quar- Não é apenas a língua que faz a nica, as suas canções dos anos segue, Palavras no Corpo, em que O projeto chama-se Miramar e é to disco, os diferença, há uma revelação de 80, estas também já não são feitas Silva musica um poema de Wally exclusivamente instrumental. Os Glockenwise um tom delicodoce sobre o ruído, para passar nas bandas sonoras Salomão. Seguem-se originais de diálogos são feitos com diferentes descobriram a que transforma o som em algo das novelas. Trocou isso tudo por , Adriana Calcanhotto, timbres, o que diversifica e enri- língua portu- mais universal. A própria forma de uma certa contenção, sensibili- Emicida, Djavan, Guilherme Aran- quece o disco. Em Guitarras, por guesa. E faz toda cantar lembra-nos alguns projetos dade e bom gosto. A nova Gal faz tes, Hyldon, Nando Reis, Erasmo exemplo, Frankie responde à gui- a diferença, da Flor Caveira, embora a sofisti- jus aos melhores momentos da sua Carlos, , entre outros tarra clássica de Peixe, com uma pelo menos em cação dos arranjos seja superior. furtífera carreira, de fundadora e ainda duetos de Maria Bethânia e Weissenborn Guitar - uma guitarra termos de de repercussão junto do Há também a introdução do novos do tropicalismo. Esta nova fase de Marília Mendonça. A produção é de que se toca na horizontal espe- público e da crítica. A pergunta instrumentos e o habitual cuidado talvez tenha começado Pupillo, músico da Nação Zumbi, cialmente concebida para fazer poderá pois então ser: por que não de produção, que tornam temas em Recanto, em 2011, maravilhoso que se inspirou declaradamente slide. Pelo caminho, peixe também fizeram eles isto antes? A resposta como Sou Tão Moderno, Sempre álbum totalmente composto por na música negra dos anos 70. Gal se aventura na guitarra elétrica e é mais complexa do que aquilo Assim ou Dia Feliz tão conseguidos. e com produção está em grande forma e muito bem Frankie na guitarra portuguesa. que parece. E quase que dá para A língua portuguesa ganhou uma do seu filho (e afilhado de Gal) acompanhada. Na profusão de sons há um intenso um case stydy de quanto idioma nova banda. Moreno Veloso. Era como um novo e harmónico diálogo, livre, que escolhido condiciona ou pode disco de Caetano na voz de Gal. › Gal Costa os leva por diversos caminhos, influenciar a própria música. Se › Glockenwise Em 2015, sai Estratosférica, álbum A PELE DO FUTURO aproximando-se muitas vezes do compararmos este Plástico com PLÁSTICO que mostrou que os novos ares es- Biscoito Fino som dos blues, numa linha mais ou o seu álbum de estreia Building Norte Sul tavam para ficar, cruzando novos menos sofisticada, como a de Ry Waves, as diferenças ao nível do e velhos compositores, de Milton Cooder ou de JJ Cale. Miramar dá som são colossais. Primeiro, havia Nascimento a Mallu Magalhães, Os caminhos vvoz às guitarras. uma certa rudez primitiva, dos Gal sem igual num estilo solto e desprendido. resquícios do punk . Os primeiros A senhora tem 73 anos e está A Pele do Futuro é a consequência de Viseu › Frankie Chávez/ Peixe discos, diga-se são bastantes for- cada vez melhor. Os grandes e a confirmação de tudo isto. O Depois de um mais que pro- MIRAMAR tes e selvagens, com o som elétrico intérpretes têm essa capacidade álbum segue sobretudo o concei- missor EP, em que mostraram Rastilho das guitarras insubmissas e uma de se reinventar através de uma to de Estratosférica, procurando toda a sua capacidade telúrica,os MANUEL HALPERN 03_2019_agenda_cultural_MC_JL_1261_Agenda Cultural MC JL 24-01-2019 17:00 Página 1

| Agenda Cultural |

30 de janeiro a 12 de fevereiro 2019 Alice no País das Maravilhas Teatro Nac. São João acolhe, até 10 de fevereiro, obra de Lewis Carroll numa encenação de Maria João Luís e Ricardo Neves-Neves

G U E D A N G R A D O E R O Í S M O E A Capela do Fundador: Memória Revisitada e a participação de Geir Draugsvoll. Á A H até 14 de agosto obras de G. Gabrieli, s. Gubaidulina e I. stravinski. 9 de fevereiro – 17h Centro de Artes de Águeda Museu de Angra do Heroísmo R. Joaquim V. almeida, 30. Tel.: 234 180 151 Ladeira de são francisco. Tel.: 295 240 800 B R A G A E Topography Of Memory E Citius | Altius | Fortius mostra de vídeo, escultura/instalação até 3 de fevereiro Museu Nogueira da Silva Museu José Malhoa e de fotografia de alexandre Batista. E Coalescence: Re_Act av. Central, 61. Tel.: 253 601 275 Parque D. Carlos I. Tel.: 262 831 984 3ªaDom., Das 10h às 12h30 e Das 14h às 17h30 3ªasáB., Das 14h às 19h; Dom., às 14h às 18h Contemporary 2018 Edition 2ª a sáB. Das 10h às 12h30 e Das 14h às 18.30h até 14 de abril até 10 de fevereiro E Ver de Cor e Salteado E Impasse Trabalhos de Natacha antão e Carlos Corais. exposição de escultura de Carlos No. A L M A D A até 23 de fevereiro até 3 de março A V E I R O E João Leite: Uma História Imaginária Casa da Cerca até 23 de fevereiro Teatro Aveirense R. da Cerca. Tel.: 212 724 950 R. Belém do Pará. Tel.: 234 400 920 3ªaDom, Das 10h às 18h; eNCeRRa aos feRIaDos Theatro Circo C A S C A I S E O Futuro do Passado T Cinderela av. da Liberdade, 697. Tel.: 253 203 800 obras de amadeo de souza-Cardoso, De Lígia soares. Cocriação e interpretação T Amor de Perdição Centro Cultural de Cascais ana Jotta, Jorge Queiroz e matilde Campilho. de Cláudio da silva e Crista alfaiate. De Camilo Castelo Branco. encenação de sílvia av. Rei humberto II de Itália. Tel.: 214 848 900 até 3 de março 1 de fevereiro – 21h30 Brito. Interpretação de andré Laires, antónio 3ªaDom., Das 10h às 18h M Joana Espadinha Jorge, Carlos feio, eduarda filipa, entre outros. E Ted Witek: North South / East West Teatro Municipal Joaquim Benite 7 de fevereiro – 21h30 30 de janeiro – 11h e 15h até 17 de fevereiro av. Professor egas moniz. Tel.: 212 739 360 T A Casa de Bernarda Alba T Salvador Martinha: Cabeça Ausente E Fabrica de Loiça de Sacavém T Em Busca do Planalto Perdido Direção de João Garcia miguel. 31 de janeiro – 21h30 até 24 de fevereiro 9 de fevereiro – 21h30 Texto de Jorge Constante Pereira. encenação M Selma Uamusse de Raul Constante Pereira. Interpretação 1 de fevereiro – 21h30 C A S T E L O B R A N C O de Raul Constante Pereira e Rui oliveira. B A R C E L O S M Micah P Hinson 2 de fevereiro – 16h 1 de fevereiro – 23h59 Centro Cultura Contemporânea 3 de fevereiro – 11h Câmara Municipal de Barcelos T Prelúdio: A Mulher Selvagem Campo mártires da Pátria. Tel.: 272 348 170 T Uma Noite no Futuro Lg. do município. Tel.: 253 809 600 2 de fevereiro – 21h30 3ªaDom., Das 10h às 13heDas 14h às 18h a partir de textos de samuel Beckett E Da Coleção de Serralves T Pela Água E Mesa dos Sonhos: Duas e Gil Vicente. encenação de Nuno Carinhas. em Barcelos: Katharina Grosse Texto e encenação de Tiago Correia. Coleções de Arte Contemporânea Interpretação de alberto magassela, até 24 de fevereiro Interpretação de eduardo Breda e João melo. até 31 de março João Cardoso, João Lourenço, Paulo 8 de fevereiro – 21h30 freixinho e sara Barros Leitão. M 30 Anos Caum 2 de fevereiro – 21h B A T A L H A 9 de fevereiro – 21h30 C O I M B R A 3 de fevereiro – 16h T Do Alto Da Ponte Mosteiro da Batalha Mosteiro de Santa Clara-a-Velha De arthur miller. Interpretação de américo silva, Lg. Infante D. henrique. Tel.: 244 765 497 B R A G A N Ç A R. das Parreiras. Tel.: 239 801 160 Joana Bárcia, Vânia Rodrigues, antónio simão, 2ªa6ª, Das 9h às 18h 3ªaDom., Das 9h às 17h Bruno Vicente, andré Loubet, entre outros. E Gente de Batalha Centro de Arte Contemp. Graça Morais E Moscow XXI 9 de fevereiro – 21h exposição de fotografia de antónio Barreto. R. abílio Beça, 105. Tel.: 273 302 410 até 24 de fevereiro 10 de fevereiro – 16h até junho 3ªaDom., Das 10h às 18h30 E Graça Morais: Humanidade até 24 de fevereiro É V O R A E Corpo e Paisagem. Atravessar Casa de Burgos Culturas Através dos Tempos R. de Burgos, 5. Tel.: 266 769 450 até 24 de março 2ªa6ª, Das 9h às 12h30 e Das 14h às 17h30 E Alentejos Centro de Fotografia Georges Dussaud exposição de fotografias de Telmo R. abílio Beça, 75/77. Tel.: 273 324 092 Rocha, Rui Castela e Carlos Gasparinho. 3ªaDom., Das 9h às 12h30 e Das 14h às 17h30 até 1 de fevereiro E A Norte do Norte – Trás-os-Montes na Década de 1980 Igreja de S. Francisco até final de dezembro Pç. 1º de maio. Tel.: 266 704 521 ToDos os DIas, Das 9h às 17h C A L D A S D A R A I N H A E Presépios Europa: Coleção Canha da Silva Centro Cultural e Congressos até outubro R. Dr. Leonel sotto mayor. Tel.: 262 094 081 E Tambor F A R O exposição de pintura de manuel Taraio. até 10 de fevereiro Teatro das Figuras M Concerto Sinfónico horta das figuras, e. N. 125. Tel.: 289 888 100 Pela orquestra sinfónica Portuguesa, T Do Alto Da Ponte Do Alto da Ponte sob direção musical de Joana Carneiro De arthur miller. Tradução de ana Raquel 03_2019_agenda_cultural_MC_JL_1261_Agenda Cultural MC JL 24-01-2019 17:00 Página 2 03_2019_agenda_cultural_MC_JL_1261_Agenda Cultural MC JL 24-01-2019 17:00 Página 3

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fernandes e Rui Pina Coelho. Interpretação de L A M E G O E Margarida Jácome Correia Fundação Calouste Gulbenkian Museu Nacional de Arte Antiga E Reserva Visitável américo silva, Joana Bárcia, Vânia Rodrigues, até 30 de abril av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 3880 044 R. das Janelas Verdes. 213 912 800 do ‘Laboratorio Chimico’ antónio simão, Bruno Vicente, entre outros. 2ª, 4ª a Dom., Das 10h às 18h 3ª a Dom., Das 10h às 18h Museu de Lamego E Centenário de até 31 de dezembro 31 de janeiro – 21h30 E Pose e Variações. Escultura E Mitologia e História. Lg. de Camões. Tel.: 254 600 230 Eduardo Teixeira Coelho E Amphiteatro e Laboratorio D Carmen 2ª a Dom., Das 10h às 18h 5 de fevereiro a 20 de abril em Paris no Tempo de Rodin Desenhos de Sequeira Chimico da Escola Politécnica Produção Ballet español de múrcia / E “Só Existe Aquilo que o C História da Cultura em Portugal até 4 de fevereiro até 17 de fevereiro até 31 de dezembro Companhia Carmen y matilde Rubio. Público Sabe que Existe” (Salazar) no Século XX: Industrialização, E Lugares, Paisagens, Viagens. E O Pai dos Cristos E SPECERE 2 de fevereiro – 21h30 esculturas de manuel Dias (1688-1755). exposição do ephemera, arquivo Massificação, Mediações Atravessar culturas Através dos Tempos até 31 de dezembro M Concerto Pedagógico até 3 de março e Biblioteca de José Pacheco Pereira. 7, 8 e 9 de fevereiro até 3 de março Pela orquestra Clássica do sul, sob a até 10 de fevereiro E Em Demanda da Biblioteca E Corpo e Paisagens. Atravessar E Terra Adentro. Museu Nacional do Azulejo direção do maestro José eduardo Gomes. Culturas Através dos Tempos A Espanha de Joaquín Sorolla R. madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340 5 de fevereiro – 10h30 de Fernão de Magalhães 7 de fevereiro a 13 de maio até 24 de março até 31 de março 3ªaDom., Das 9h às 17h T Rui Sinel de Cordes: Memento Mori L I S B O A E MNAA. 12 Escolhas E Tempos Modernos. Cerâmica 8 de fevereiro – 21h30 Carpintarias de São Lázaro Galeria Avenida da Índia até 31 de maio Industrial Portuguesa entre M Orquestra Filarmónica Portuguesa Arquivo Histórico Ultramarino R. de são Lázaro, 72. Tel.: 213 815 891 av. da Índia, 170. M Solistas da Metropolitana Guerras. Coleção A.M. – J.M.V. obras de P.I. Tchaikovsky e J. Brahms. Calçada da Boa-hora, 30. Tel.: 210 30 91 00 ªa om Das h às heDas h às h E Jorge Molder: Jeu de 54 Cartes 3 D ., 10 13 14 18 Interpretação de Joana Dias até 31 de março 9 de fevereiro – 21h30 2ª. a 6ª, Das11h. às 18h até 30 de março E Carlos Motta: Corpo Fechado (violino), francisco sassetti (piano). M Vamos à Ópera: a Música e a Palavra E Colonizando África: até 10 de fevereiro obras de f. Poulenc, K. szymanowski, Museu Nacional do Teatro e da Dança Pela orq. Clássica do sul. Narração de Rui Baeta. Relatórios das Obras Públicas em Centro Cultural de Belém a. J. fernandes, m. Ravel. estrada do Lumiar, 10. Tel.: 217 567 410 10 de fevereiro – 12h 9 de fevereiro – 16h Angola e Moçambique (1875-1975) Pç. do Império. Tel.: 213 612 400 MAAT - Museu de Arte, 3ªaDom., Das 10h às 18h até 18 de abril 3ªaDom., Das 10h às 18h Arquitetura e Tecnologia E Peças de Teatro. As Coleções do Museu G U I M A R Ã E S M Fernando Tordo: Duetos - av. Brasília, Central Tejo Museu Nacional de Arte exposição permanente Arquivo Nacional Torre do Tombo Diz-me Com Quem Cantas 4ªa2ª, Das 11h às 19h Contemporânea - Museu do Chiado Casa da Memória de Guimarães al. da Universidade. Tel.: 217 811 500 30 de janeiro – 21h E O Processo: 12 Casas de R. serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 Museu Nacional do Traje 2ªa6ª, Das 9h30 às 19h30 ; sáB., Das 9h30 às 12h30 3ªaDom., Das 10h às 18h av. Conde margaride, 536. Tel.: 253 424 716 M Jack Broadbent Alberto Campo Baeza, 12 Casas Lg. Júlio Castilho. Tel.: 217 567 620 E Fernão Lopes. Guardador das E Loops Lisboa. 4ª edição ª a om Das h às h 3ªaDom., Das 10h às 13heDas 14h às 19h 31 de janeiro – 21h Para Alberto Campo Baeza 3 D ., 10 18 Escrituras do Tombo (1418-1454) até 3 de fevereiro E Depois do Tempo D Pink for Girls & Blue for Boys até 4 de fevereiro E O Traje em Portugal. Do Século até 31 de janeiro E Miguel Soares. Luzazul exposição de fotografia de Duarte Belo. Coreografia de Tabea martin. E Haus Wittgenstein XVIII à Contemporaneidade até 24 de fevereiro até 30 de dezembro E A Europa Começa Aqui. Interpretação de Pauline Briguet, maria de até 25 de fevereiro exposição permanente Marca do Património Europeu Dueñas Lopez, miguel do Vale, Carl staaf. E Jonah Freeman & Justin E Tomás da Anunciação (1818 - 2018). Centro Cultural Vila Flor até 26 de fevereiro 1 e 2 de fevereiro – 10h30 e 14h30 Lowe. Scenario In The Shade Bicentenário do Nascimento do Artista Padrão dos Descobrimentos Colonizando África no Arquivo Histórico Ultramarino av. D. afonso henriques, 701. Tel.: 253 424700 E Dona Maria da Glória M Huberman Filarmónica até 25 de fevereiro até 31 de fevereiro av. Brasília. Tel.: 213 031 950 M Jiboia / Dada Garbeck [Revolve] (1819-1853). Um Registo Intimista Nuno Côrte-Real - direção musical. E Tadashi Kawamata. Over Flow E Arte Portuguesa. Razões e Emoções 3ªaDom., Das 10h às 18h 2 de fevereiro – 23h até 6 de abril artur Pizarro – piano. até 1 de abril aLa RUa seRPa PINTo A Documentário: João Lourenço. Interpretação de Joana Brandão, M Festival Antena 2: até 31 de março D GUIdance 2019 obras de m. Ravel, N. Côrte-Real, s. Rachmaninoff E Artists’ Film International 2018 A Construção de um Símbolo miguel Guilherme, Patrícia andré e Paulo Pires. Os Músicos do Tejo - E O Poder da Imagem ªe áB às h om às h 7 a 17 de fevereiro Atelier-Museu Júlio Pomar 3 de fevereiro – 17h até 22 de abril até 12 de março 5 s ., 21 30; D ., 16 Uma Viagem pela Europa Barroca os retratos de adrien Demont e Virginie R. do Vale, 7. Tel.: 215 880 793 C Distância Crítica: Arno Brandlhuber E João Louro. Linguistic Ground Zero E Contar Áfricas! até 31 de março Direção musical de marcos magalhães. Demont-Breton por Veloso salgado. Centro Int. das Artes José de Guimarães 3ªaDom., Das 10h às 18h 5 de fevereiro – 19h até 22 de abril até 21 de abril T A Verdade 6 de fevereiro – 19h até 31 de março av. Conde margaride, 175.Tel.: 253 424 715 E Muitas Vezes Marquei Encontro MD Sete Rosas Mais Tarde. E Hello, Robot. Between De florian Zeller. Versão de João Lourenço M Festival Antena 2: Banda Sinfónica 3ªaDom., Das 10h às 13heDas 14h às 19h Comigo Próprio no Ponto Zero Palácio Nacional da Ajuda e Vera san Payo de Lemos. Dramaturgia Ciclo Sobre a Solidão Human and Machine Museu Nacional de da PSP: do Séc. XIX ao Séc. XXI E Constelação Cutileiro mostra coletiva, com curadoria de marta Lg. da ajuda. Tel.: 213 620264 de Vera san Payo de Lemos. encenação de João 9 de fevereiro a 28 de março até 22 de abril História Natural e da Ciência Direção de José ferreira Brito. até 10 de fevereiro Rema, vencedora da 3ª edição do Prémio ToDos os DIas (exCeTo à 4ª feIRa), Das 10h às 18h Lourenço. Interpretação de Joana Brandão, M Concerto Sinfónico E Ana Santos. Anátema R. da escola Politécnica, 56/58. Tel.: 213 9121 800 Participação de alberto Roque (saxofone). de Curadoria atelier-museu Júlio Pomar. E Uma História de Assombro miguel Guilherme, Patrícia andré e Paulo Pires. E José de Guimarães: A Dobra e o Corte Pela orquestra sinfónica Portuguesa, até 20 de maio ªa ª Das h às h áB e om Das h às h apresentação de fátima Juvantes. 3 6 , 10 17 ; s . D ., 11 18 4ªe6ª., às 21h30; Dom., às 18h30 até 10 de fevereiro 31 de janeiro a 21 de março sob direção musical de Joana Carneiro Portugal - Japão - Séculos XVI-XX 6 de fevereiro – 21h E Memória da Politécnica: Quatro GaLeRIa Do ReI D. LUÍs até 31 de março E Rui Chafes. Desenho sem fim e a participação de Geir Draugsvoll. M Festival Antena 2: Orquestra Museu Coleção Berardo Séculos de Educação, Ciência e Cultura até 26 de março até 10 de fevereiro Biblioteca Nacional de Portugal obras de G. Gabrieli, s. Gubaidulina e I. stravinski. CCB. Pç. Do Império. Tel.: 213 612 878 Metropolitana de Lisboa: Mozart, até 31 de dezembro E A Rota Marítima da Teatro da Politécnica Campo Grande, 83. Tel.: 217 982 000 10 de fevereiro – 17h 3ªaDom., Das 10h às 19h Brahms - da Luz e das Trevas E Francisco Arruda Seda - Museu da Cidade Proibida R. da escola Politécnica, 58. Tel.: 213 916 750 Câmara Municipal de Guimarães E Dar Voz aos que em M Wilko Johnson E Quel Amour!? Direção do maestro Pedro amaral Furtado, Discípulo de Darwin até final de março T Os Aliens Lg. Cónego José maria Gomes. Tel.: 253 421 200 Baixo Fazem Andar a História 12 de fevereiro – 21h até 17 de fevereiro e participação de sally Dean (oboé). até 31 de dezembro De annie Baker. Tradução de mariana E Cabrita Reis, Zulmiro de até 31 de janeiro E John Akomfrah. Purple M Recital de Piano por Tiago Mileu 7 de fevereiro – 21h E Cuidar e Curar. Medicina e os maurício. Interpretação de afonso Carvalho e Rui Chafes Esculturas da E Sob a Chama da Lucerna: Francisco Cinemateca Portuguesa até 10 de março Programa: homenagem a f. schubert. T Amores Pós-Coloniais Museus da Universidade de Lisboa 2 de fevereiro – 15h30 Lagarto, Pedro Batista e Pedro Caeiro. Coleção de Serralves em Guimarães de Holanda Entre Textos e Imagens R. Barata salgueiro, 39. Tel.: 213 596 200 Criação de andré amálio. Cocriação/ até 31 de dezembro 3ªe4ª, às 19h; 5ªe6ª, às 21h, sáB. às 16heàs 21h até 31 de março até 16 de fevereiro 2ªa6ª, Das 14h às 19h30 Museu de Arte Popular movimento de Tereza havlíčková. E Plantas e Povos até 2 de março E O Livro de Cinema. av. Brasilia. Tel.: 213 011 282 Interpretação de andré amálio, Júlio até 31 de dezembro E Sangue Branco na Sombra do Presente Viagem Através das Edições e da 4ªaDom., Das 10h às 18; sáB. e Panteão Nacional mesquita, Laurinda Chiungue, Pedro exposição de pintura de avelino sá. Imagem Gráfica da Cinemateca Dom., eNCeRRaDo Das 13h às 14h E Minerais: Identificar, Classificar Campo de santa Clara. Tel.: 218 854 820 salvador, Romi anauel e Tereza havlíčková. 3ªa6ª, Das 17h, sáB. Das 15h até 31 de dezembro E Sidónio Pais: o Retrato do 4ªesáB., às 19h30; 5ªe6ª, às 21h30; Dom., às 16h30 até final de julho E Físicas do Património aTé ao fINaL Do esPeTáCULo E Jogos Matemáticos 7 a 24 de fevereiro Português. Arquitetura e Memória País no Tempo da Grande Guerra até 2 de março Culturgest até 6 de março Através dos Tempos até 17 de março M Festival Antena 2: Quinteto até 31 de dezembro R. arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155 Teatro Nacional D. Maria II à Vent-Garde: Sopros de luz E Joias da Terra: 7 de fevereiro – 19h E As Raízes Também se Criam no Betão Museu do Oriente Pç. D. Pedro IV. Tel.: 213 250 800 av. Brasília. Tel.: 213 585 200 o Minério da Panasqueira exposição do artista franco-argelino Kader attia. S. Luiz Teatro Municipal T The Scarlet Letter M Festival Antena 2: 3ªaDom., Das 10h às 18h; 6ª, Das 10h às 12h até 31 de dezembro até 6 de outubro R. antónio maria Cardoso, 38. Tel.: 2132 57 650 De angélica Liddell. encenaçãode angélica L.U.M.E - Lisbon Underground E A Ópera Chinesa E 1ª Edição do Concurso Anual de T Marinho – Mergulho T O Crocodilo ou o Extraordinário Liddell. Interpretação de angélica Liddell, Music Ensemble: Jazz Blast até 31 de dezembro Fotografia em História Natural e Ciência Conceção e interpretação de margarida mestre. Acontecimento Irrelevante antonio L. Pedraza, antonio Pauletta, Borja 8 de fevereiro – 19h até 24 de fevereiro música original e ao vivo de henrique fernandes. E Três Embaixadas Europeias à China De Rui Neto, a partir de Dostoievski. López, entre outros. Espetáculo em espanhol T Festival Antena 2: By heart 30 e 31 de janeiro – 10h30 e 14h até 21 de abril E Moranças - Habitats Interpretação de ana Guiomar, e italiano com legendas em português. Criação e interpretação de Tiago Rodrigues. Tradicionais da Guiné Bissau miguel Raposo, miguel sopas e Rui melo. 1 de fevereiro – 21h 9 de fevereiro – 21h Fund.Arpad Szènes - Vieira da Silva Museu Nacional de Arqueologia até 29 de setembro 5ªasáB., às 21h; Dom., às 17h30 2 de fevereiro – 19h M Festival Antena 2: Segue-me à Pç. das amoreiras, 58. Tel: 213 880 044 Pç. do Império. Tel.: 213 620 000 E Mar Mineral. Ciência e Recursos 31 de janeiro a 9 de fevereiro T Clube dos Poetas Vivos Capela: Artes Fugidias 3ªaDom. Das 10h às 18h; eNCeRRa 2ªefeRIaDos 3ª, Das 14h às 18h; 4ªaDom., Das 10h às 18h Naturais no Fundo do Mar Com a presença do autor Nuno moura. 9 de fevereiro – 19h E Manuel Casimiro: E Religiões da Lusitânia. até 31 de dezembro Teatro Aberto Coordenação de Teresa Coutinho. C Festival Antena 2: Inteligência Da História das Imagens Loquuntur Saxa E A Aventura da Terra: Pç. de espanha. Tel.: 213 880 079 em parceria com Casa fernando Pessoa. Artificial, Desafiar o Futuro até 17 de março janeiro e fevereiro Um Planeta em Evolução T A Mentira 5 de fevereiro – 19h moderação de Luís Caetano. Participação de E Quando a Arte É Partilha. E Loulé: Territórios, até 31 de dezembro De florian Zeller. Versão de João Lourenço M Festival Antena 2: Palavras de Bolso alípio Jorge, amílcar Cardoso, hélder Coelho, Doações e depósitos no Museu Memórias, Identidades E Reis da Europa Selvagem e Vera san Payo de Lemos. Dramaturgia De ana Isabel Gonçalves e Paula Pina. Luís moniz Pereira, Paulo Novais, Pedro Lima. O Crocodilo ou o Extraordinário Acontecimento Irrelevante até 17 de março até 30 de abril até 31 de dezembro de Vera san Payo de Lemos. encenação de 6 a 9 de fevereiro – 18h30 9 de fevereiro – 15h 03_2019_agenda_cultural_MC_JL_1261_Agenda Cultural MC JL 24-01-2019 17:00 Página 2 03_2019_agenda_cultural_MC_JL_1261_Agenda Cultural MC JL 24-01-2019 17:00 Página 3

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fernandes e Rui Pina Coelho. Interpretação de L A M E G O E Margarida Jácome Correia Fundação Calouste Gulbenkian Museu Nacional de Arte Antiga E Reserva Visitável américo silva, Joana Bárcia, Vânia Rodrigues, até 30 de abril av. de Berna, 45ª. Tel.: 213 3880 044 R. das Janelas Verdes. 213 912 800 do ‘Laboratorio Chimico’ antónio simão, Bruno Vicente, entre outros. 2ª, 4ª a Dom., Das 10h às 18h 3ª a Dom., Das 10h às 18h Museu de Lamego E Centenário de até 31 de dezembro 31 de janeiro – 21h30 E Pose e Variações. Escultura E Mitologia e História. Lg. de Camões. Tel.: 254 600 230 Eduardo Teixeira Coelho E Amphiteatro e Laboratorio D Carmen 2ª a Dom., Das 10h às 18h 5 de fevereiro a 20 de abril em Paris no Tempo de Rodin Desenhos de Sequeira Chimico da Escola Politécnica Produção Ballet español de múrcia / E “Só Existe Aquilo que o C História da Cultura em Portugal até 4 de fevereiro até 17 de fevereiro até 31 de dezembro Companhia Carmen y matilde Rubio. Público Sabe que Existe” (Salazar) no Século XX: Industrialização, E Lugares, Paisagens, Viagens. E O Pai dos Cristos E SPECERE 2 de fevereiro – 21h30 esculturas de manuel Dias (1688-1755). exposição do ephemera, arquivo Massificação, Mediações Atravessar culturas Através dos Tempos até 31 de dezembro M Concerto Pedagógico até 3 de março e Biblioteca de José Pacheco Pereira. 7, 8 e 9 de fevereiro até 3 de março Pela orquestra Clássica do sul, sob a até 10 de fevereiro E Em Demanda da Biblioteca E Corpo e Paisagens. Atravessar E Terra Adentro. Museu Nacional do Azulejo direção do maestro José eduardo Gomes. Culturas Através dos Tempos A Espanha de Joaquín Sorolla R. madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340 5 de fevereiro – 10h30 de Fernão de Magalhães 7 de fevereiro a 13 de maio até 24 de março até 31 de março 3ªaDom., Das 9h às 17h T Rui Sinel de Cordes: Memento Mori L I S B O A E MNAA. 12 Escolhas E Tempos Modernos. Cerâmica 8 de fevereiro – 21h30 Carpintarias de São Lázaro Galeria Avenida da Índia até 31 de maio Industrial Portuguesa entre M Orquestra Filarmónica Portuguesa Arquivo Histórico Ultramarino R. de são Lázaro, 72. Tel.: 213 815 891 av. da Índia, 170. M Solistas da Metropolitana Guerras. Coleção A.M. – J.M.V. obras de P.I. Tchaikovsky e J. Brahms. Calçada da Boa-hora, 30. Tel.: 210 30 91 00 ªa om Das h às heDas h às h E Jorge Molder: Jeu de 54 Cartes 3 D ., 10 13 14 18 Interpretação de Joana Dias até 31 de março 9 de fevereiro – 21h30 2ª. a 6ª, Das11h. às 18h até 30 de março E Carlos Motta: Corpo Fechado (violino), francisco sassetti (piano). M Vamos à Ópera: a Música e a Palavra E Colonizando África: até 10 de fevereiro obras de f. Poulenc, K. szymanowski, Museu Nacional do Teatro e da Dança Pela orq. Clássica do sul. Narração de Rui Baeta. Relatórios das Obras Públicas em Centro Cultural de Belém a. J. fernandes, m. Ravel. estrada do Lumiar, 10. Tel.: 217 567 410 10 de fevereiro – 12h 9 de fevereiro – 16h Angola e Moçambique (1875-1975) Pç. do Império. Tel.: 213 612 400 MAAT - Museu de Arte, 3ªaDom., Das 10h às 18h até 18 de abril 3ªaDom., Das 10h às 18h Arquitetura e Tecnologia E Peças de Teatro. As Coleções do Museu G U I M A R Ã E S M Fernando Tordo: Duetos - av. Brasília, Central Tejo Museu Nacional de Arte exposição permanente Arquivo Nacional Torre do Tombo Diz-me Com Quem Cantas 4ªa2ª, Das 11h às 19h Contemporânea - Museu do Chiado Casa da Memória de Guimarães al. da Universidade. Tel.: 217 811 500 30 de janeiro – 21h E O Processo: 12 Casas de R. serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148 Museu Nacional do Traje 2ªa6ª, Das 9h30 às 19h30 ; sáB., Das 9h30 às 12h30 3ªaDom., Das 10h às 18h av. Conde margaride, 536. Tel.: 253 424 716 M Jack Broadbent Alberto Campo Baeza, 12 Casas Lg. Júlio Castilho. Tel.: 217 567 620 E Fernão Lopes. Guardador das E Loops Lisboa. 4ª edição ª a om Das h às h 3ªaDom., Das 10h às 13heDas 14h às 19h 31 de janeiro – 21h Para Alberto Campo Baeza 3 D ., 10 18 Escrituras do Tombo (1418-1454) até 3 de fevereiro E Depois do Tempo D Pink for Girls & Blue for Boys até 4 de fevereiro E O Traje em Portugal. Do Século até 31 de janeiro E Miguel Soares. Luzazul exposição de fotografia de Duarte Belo. Coreografia de Tabea martin. E Haus Wittgenstein XVIII à Contemporaneidade até 24 de fevereiro até 30 de dezembro E A Europa Começa Aqui. Interpretação de Pauline Briguet, maria de até 25 de fevereiro exposição permanente Marca do Património Europeu Dueñas Lopez, miguel do Vale, Carl staaf. E Jonah Freeman & Justin E Tomás da Anunciação (1818 - 2018). Centro Cultural Vila Flor até 26 de fevereiro 1 e 2 de fevereiro – 10h30 e 14h30 Lowe. Scenario In The Shade Bicentenário do Nascimento do Artista Padrão dos Descobrimentos Colonizando África no Arquivo Histórico Ultramarino av. D. afonso henriques, 701. Tel.: 253 424700 E Dona Maria da Glória M Huberman Filarmónica até 25 de fevereiro até 31 de fevereiro av. Brasília. Tel.: 213 031 950 M Jiboia / Dada Garbeck [Revolve] (1819-1853). Um Registo Intimista Nuno Côrte-Real - direção musical. E Tadashi Kawamata. Over Flow E Arte Portuguesa. Razões e Emoções 3ªaDom., Das 10h às 18h 2 de fevereiro – 23h até 6 de abril artur Pizarro – piano. até 1 de abril aLa RUa seRPa PINTo A Documentário: João Lourenço. Interpretação de Joana Brandão, M Festival Antena 2: até 31 de março D GUIdance 2019 obras de m. Ravel, N. Côrte-Real, s. Rachmaninoff E Artists’ Film International 2018 A Construção de um Símbolo miguel Guilherme, Patrícia andré e Paulo Pires. Os Músicos do Tejo - E O Poder da Imagem ªe áB às h om às h 7 a 17 de fevereiro Atelier-Museu Júlio Pomar 3 de fevereiro – 17h até 22 de abril até 12 de março 5 s ., 21 30; D ., 16 Uma Viagem pela Europa Barroca os retratos de adrien Demont e Virginie R. do Vale, 7. Tel.: 215 880 793 C Distância Crítica: Arno Brandlhuber E João Louro. Linguistic Ground Zero E Contar Áfricas! até 31 de março Direção musical de marcos magalhães. Demont-Breton por Veloso salgado. Centro Int. das Artes José de Guimarães 3ªaDom., Das 10h às 18h 5 de fevereiro – 19h até 22 de abril até 21 de abril T A Verdade 6 de fevereiro – 19h até 31 de março av. Conde margaride, 175.Tel.: 253 424 715 E Muitas Vezes Marquei Encontro MD Sete Rosas Mais Tarde. E Hello, Robot. Between De florian Zeller. Versão de João Lourenço M Festival Antena 2: Banda Sinfónica 3ªaDom., Das 10h às 13heDas 14h às 19h Comigo Próprio no Ponto Zero Palácio Nacional da Ajuda e Vera san Payo de Lemos. Dramaturgia Ciclo Sobre a Solidão Human and Machine Museu Nacional de da PSP: do Séc. XIX ao Séc. XXI E Constelação Cutileiro mostra coletiva, com curadoria de marta Lg. da ajuda. Tel.: 213 620264 de Vera san Payo de Lemos. encenação de João 9 de fevereiro a 28 de março até 22 de abril História Natural e da Ciência Direção de José ferreira Brito. até 10 de fevereiro Rema, vencedora da 3ª edição do Prémio ToDos os DIas (exCeTo à 4ª feIRa), Das 10h às 18h Lourenço. Interpretação de Joana Brandão, M Concerto Sinfónico E Ana Santos. Anátema R. da escola Politécnica, 56/58. Tel.: 213 9121 800 Participação de alberto Roque (saxofone). de Curadoria atelier-museu Júlio Pomar. E Uma História de Assombro miguel Guilherme, Patrícia andré e Paulo Pires. E José de Guimarães: A Dobra e o Corte Pela orquestra sinfónica Portuguesa, até 20 de maio ªa ª Das h às h áB e om Das h às h apresentação de fátima Juvantes. 3 6 , 10 17 ; s . D ., 11 18 4ªe6ª., às 21h30; Dom., às 18h30 até 10 de fevereiro 31 de janeiro a 21 de março sob direção musical de Joana Carneiro Portugal - Japão - Séculos XVI-XX 6 de fevereiro – 21h E Memória da Politécnica: Quatro GaLeRIa Do ReI D. LUÍs até 31 de março E Rui Chafes. Desenho sem fim e a participação de Geir Draugsvoll. M Festival Antena 2: Orquestra Museu Coleção Berardo Séculos de Educação, Ciência e Cultura até 26 de março até 10 de fevereiro Biblioteca Nacional de Portugal obras de G. Gabrieli, s. Gubaidulina e I. stravinski. CCB. Pç. Do Império. Tel.: 213 612 878 Metropolitana de Lisboa: Mozart, até 31 de dezembro E A Rota Marítima da Teatro da Politécnica Campo Grande, 83. Tel.: 217 982 000 10 de fevereiro – 17h 3ªaDom., Das 10h às 19h Brahms - da Luz e das Trevas E Francisco Arruda Seda - Museu da Cidade Proibida R. da escola Politécnica, 58. Tel.: 213 916 750 Câmara Municipal de Guimarães E Dar Voz aos que em M Wilko Johnson E Quel Amour!? Direção do maestro Pedro amaral Furtado, Discípulo de Darwin até final de março T Os Aliens Lg. Cónego José maria Gomes. Tel.: 253 421 200 Baixo Fazem Andar a História 12 de fevereiro – 21h até 17 de fevereiro e participação de sally Dean (oboé). até 31 de dezembro De annie Baker. Tradução de mariana E Cabrita Reis, Zulmiro de até 31 de janeiro E John Akomfrah. Purple M Recital de Piano por Tiago Mileu 7 de fevereiro – 21h E Cuidar e Curar. Medicina e os maurício. Interpretação de afonso Carvalho e Rui Chafes Esculturas da E Sob a Chama da Lucerna: Francisco Cinemateca Portuguesa até 10 de março Programa: homenagem a f. schubert. T Amores Pós-Coloniais Museus da Universidade de Lisboa 2 de fevereiro – 15h30 Lagarto, Pedro Batista e Pedro Caeiro. Coleção de Serralves em Guimarães de Holanda Entre Textos e Imagens R. Barata salgueiro, 39. Tel.: 213 596 200 Criação de andré amálio. Cocriação/ até 31 de dezembro 3ªe4ª, às 19h; 5ªe6ª, às 21h, sáB. às 16heàs 21h até 31 de março até 16 de fevereiro 2ªa6ª, Das 14h às 19h30 Museu de Arte Popular movimento de Tereza havlíčková. E Plantas e Povos até 2 de março E O Livro de Cinema. av. Brasilia. Tel.: 213 011 282 Interpretação de andré amálio, Júlio até 31 de dezembro E Sangue Branco na Sombra do Presente Viagem Através das Edições e da 4ªaDom., Das 10h às 18; sáB. e Panteão Nacional mesquita, Laurinda Chiungue, Pedro exposição de pintura de avelino sá. Imagem Gráfica da Cinemateca Dom., eNCeRRaDo Das 13h às 14h E Minerais: Identificar, Classificar Campo de santa Clara. Tel.: 218 854 820 salvador, Romi anauel e Tereza havlíčková. 3ªa6ª, Das 17h, sáB. Das 15h até 31 de dezembro E Sidónio Pais: o Retrato do 4ªesáB., às 19h30; 5ªe6ª, às 21h30; Dom., às 16h30 até final de julho E Físicas do Património aTé ao fINaL Do esPeTáCULo E Jogos Matemáticos 7 a 24 de fevereiro Português. Arquitetura e Memória País no Tempo da Grande Guerra até 2 de março Culturgest até 6 de março Através dos Tempos até 17 de março M Festival Antena 2: Quinteto até 31 de dezembro R. arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155 Teatro Nacional D. Maria II à Vent-Garde: Sopros de luz E Joias da Terra: 7 de fevereiro – 19h E As Raízes Também se Criam no Betão Museu do Oriente Pç. D. Pedro IV. Tel.: 213 250 800 av. Brasília. Tel.: 213 585 200 o Minério da Panasqueira exposição do artista franco-argelino Kader attia. S. Luiz Teatro Municipal T The Scarlet Letter M Festival Antena 2: 3ªaDom., Das 10h às 18h; 6ª, Das 10h às 12h até 31 de dezembro até 6 de outubro R. antónio maria Cardoso, 38. Tel.: 2132 57 650 De angélica Liddell. encenaçãode angélica L.U.M.E - Lisbon Underground E A Ópera Chinesa E 1ª Edição do Concurso Anual de T Marinho – Mergulho T O Crocodilo ou o Extraordinário Liddell. Interpretação de angélica Liddell, Music Ensemble: Jazz Blast até 31 de dezembro Fotografia em História Natural e Ciência Conceção e interpretação de margarida mestre. Acontecimento Irrelevante antonio L. Pedraza, antonio Pauletta, Borja 8 de fevereiro – 19h até 24 de fevereiro música original e ao vivo de henrique fernandes. E Três Embaixadas Europeias à China De Rui Neto, a partir de Dostoievski. López, entre outros. Espetáculo em espanhol T Festival Antena 2: By heart 30 e 31 de janeiro – 10h30 e 14h até 21 de abril E Moranças - Habitats Interpretação de ana Guiomar, e italiano com legendas em português. Criação e interpretação de Tiago Rodrigues. Tradicionais da Guiné Bissau miguel Raposo, miguel sopas e Rui melo. 1 de fevereiro – 21h 9 de fevereiro – 21h Fund.Arpad Szènes - Vieira da Silva Museu Nacional de Arqueologia até 29 de setembro 5ªasáB., às 21h; Dom., às 17h30 2 de fevereiro – 19h M Festival Antena 2: Segue-me à Pç. das amoreiras, 58. Tel: 213 880 044 Pç. do Império. Tel.: 213 620 000 E Mar Mineral. Ciência e Recursos 31 de janeiro a 9 de fevereiro T Clube dos Poetas Vivos Capela: Artes Fugidias 3ªaDom. Das 10h às 18h; eNCeRRa 2ªefeRIaDos 3ª, Das 14h às 18h; 4ªaDom., Das 10h às 18h Naturais no Fundo do Mar Com a presença do autor Nuno moura. 9 de fevereiro – 19h E Manuel Casimiro: E Religiões da Lusitânia. até 31 de dezembro Teatro Aberto Coordenação de Teresa Coutinho. C Festival Antena 2: Inteligência Da História das Imagens Loquuntur Saxa E A Aventura da Terra: Pç. de espanha. Tel.: 213 880 079 em parceria com Casa fernando Pessoa. Artificial, Desafiar o Futuro até 17 de março janeiro e fevereiro Um Planeta em Evolução T A Mentira 5 de fevereiro – 19h moderação de Luís Caetano. Participação de E Quando a Arte É Partilha. E Loulé: Territórios, até 31 de dezembro De florian Zeller. Versão de João Lourenço M Festival Antena 2: Palavras de Bolso alípio Jorge, amílcar Cardoso, hélder Coelho, Doações e depósitos no Museu Memórias, Identidades E Reis da Europa Selvagem e Vera san Payo de Lemos. Dramaturgia De ana Isabel Gonçalves e Paula Pina. Luís moniz Pereira, Paulo Novais, Pedro Lima. O Crocodilo ou o Extraordinário Acontecimento Irrelevante até 17 de março até 30 de abril até 31 de dezembro de Vera san Payo de Lemos. encenação de 6 a 9 de fevereiro – 18h30 9 de fevereiro – 15h 03_2019_agenda_cultural_MC_JL_1261_Agenda Cultural MC JL 24-01-2019 17:00 Página 4

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Teatro Nacional de São Carlos e a participação de miah Persson (soprano). R. serpa Pinto, 9. Tel.: 213 253 000 obras de R. strauss e R. Wagner. M Concerto Sinfónico 8 de fevereiro – 21h Com a soprano Camila Titinger P Música para Cinema e a orquestra sinfonica Portuguesa. Por Óscar Rodrigues. sob direção de Joana Carneiro. 9 de fevereiro – 14h obras de L. van Beethoven, M Luísa Sobral P. Teixeira da silva e h. Berlioz. 9 de fevereiro – 21h30 2 de fevereiro – 21h M Orquestra Jazz do Porto M Recital de Piano por Bruno Convida Jesus Santandreu Belthoise e João Costa Ferreira 9 de fevereiro - 23h obras de G. Bizet, s. azevedo, P Era Outra Vez Uma Vez… f. Lopes Graça, G. fauré, a.V. D’almeida. atividade pedagógica destinada a crianças 31 de janeiro – 18h30 dos 0 aos 18 meses (10h30), dos 18 meses M Concerto Foyer aos 3 anos (11h45) e dos 3 aos 6 anos (15h). Interpretação de Narine Dellalian 10 de fevereiro (curadoria/violino), Pedro saglimbeni M Banda Sinfónica Portuguesa muñoz (viola), hilary alper (violoncelo) francisco ferreira - direção musical. e marina Dellalyan (piano). obras de h. Zimmer, m. Peeters, obras de L. Tinoco, a.J. fernandes, J. alberto Pina, entre outros. h. Dellalian e G. mahler. 10 de fevereiro – 12h 7 de fevereiro – 18h30 M A Idade do Ouro M Ateliê de Ópera da Metropolitana Projeção do filme de Luis Buñuel, acompanhado Com a orquestra metropolitana por música ao vivo pelo Drumming – Grupo de de Lisboa e o Coro Voces Caelestes. Percussão, sob a direção de miquel Bernat. Direção musical de Pedro amaral. 12 de fevereiro – 19h30 Programa: W. a. mozart, Don Giovanni. 3 de fevereiro – 16h Centro Português de Fotografia Grid Cities - Pombaline M As Generais da Família Yang Campo mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310 Pela Companhia Nacional da Ópera de Pequim. 3ª a 6ª, Das 10h às 12h30 e Das 14h às 18h; 8 de fevereiro – 20h sáB., Dom. e feRIaDos, Das 15h às 19h P Ó V O A D E V A R Z I M V I A N A D O A L E N T E J O E Prémio Estação Imagem | 2018 Coimbra até 3 de fevereiro Cine-Teatro Garrett Castelo de Viana do Alentejo ToDos os DIas, Das 9h30 às 13heDas 14h às 17h30 P O R T O E Bolsa Estação Imagem | 2017 Viana R. José malgueira, 1/ 15. Tel.: 252 090 210 E Reflexos da Noite do Castelo: “Minhotos de Pele Salgada E Da Coleção na Póvoa de Varzim: Alfândega do Porto exposição de pintura de marta algarvio. exposição de fotografia de Leonel de Castro. Que Sais-Je?: Livros e Edições de Artista R. Nova da alfândega. Tel.: 223 403 000 até 31 de março até 3 de fevereiro até 17 de março 3ªa6ª, Das 10h às 13heDas 14h às 18h E Grid Cities – Pombaline E Boa Viagem, Senhor Presidente! exposição de fotografia de John frederick anderson. S A N T A R É M V I L A N O V A 100 Anos da Primeira Visita de Estado até 5 de maio até 31 de dezembro Teatro Sá da Bandeira D E F A M A L I C Ã O Fundação de Serralves Casa da Música R. João afonso. Tel.: 243 309 460 R. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500 Casa das Artes de av. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 D Perna Esquerda de Tchaikovski 3ªa6ª, Das 10h às 13heDas 14h às 17h; Vila Nova de Famalicão M Os Bardo Texto e Direção de Tiago Rodrigues. sáB., Dom. e feRIaDos Das 10h às 19h Interpretação de Barbora hruskova (bailarina) av. Carlos Bacelar. Parque de sinçães. 30 de janeiro – 21h30 E Anish Kapoor: Obras, e mário Laginha (música original e piano). Tel.: 252 371 304 M Tiago Nacarato Pensamentos, Experiências 2 de fevereiro – 21h30 E Fernando Pessoa 30 de janeiro – 21h30 até 17 de fevereiro em Vila Nova de Famalicão M Mova Dreva E Joan Miró e a Morte da Pintura mostra de trabalhos de cerâmica, 31 de janeiro – 22h até 3 de março S A N T O T I R S O ilustração, pintura e fotografia. M Paião E Conversas no Arquivo até 31 de janeiro Capela do Senhor Dos Passos 1 de fevereiro – 23h Álvaro Siza - Tom Emerson T Ter Razão R. Unisco Godiniz, 100. Tel.: 252 830 410 M Cantos da Noite até 10 de março Texto e encenação de Ricardo alves. 3ªa6ª, Das 9h às 17h30. sáB. e Dom, Das 14h às 19h Pela orquestra sinfónica do Porto Interpretação de emília silvestre, Jorge E Tacita Dean E Esculturas de Manuel Rosa. Casa da música, sob a direção musical até 5 de maio Pinto, Ivo Bastos, Teresa arcanjo. Obras da Coleção de Serralves de Ryan Wigglesworth e a participação D Staged? (2016) – Undressed 1 e 2 de fevereiro – 21h30 de Paula murrihy (meio-soprano). até 3 de fevereiro De maria hassabi. E Razões da Mente S obras de I. stravinski e m. mussorgski. 3 de fevereiro – 19h obre O Corpo + Conflito 2 de fevereiro – 18h SÃO MAMEDE exposição de pintura de Luís xavier. M Salto Galeria Municipal do Porto 2 de fevereiro a 31 de março 2 de fevereiro – 23h R. de Dom manuel II. Tel.. 226 081 063 DE INFESTA M Orquestra Bamba P Mini Mozart 3ªasáB., Das 10h às 18h; Dom., Das 14h às 18h Social & Tiago Nacarato atividade pedagógica de primeiros E Transantiquity Casa-Museu Abel Salazar 9 de fevereiro – 21h30 concerto destinada a crianças dos 0 até 17 de fevereiro R. Dr. abel salazar, 488. Tel.: 229 039 827 2ªa6ª, Das 9h30 às 13heDas 14h30 às 18h; sáB., aos 18 meses (10h30), dos 18 meses Casa do Território aos 3 anos (11h45) e dos 3 aos 6 anos (15h). Das 14h30 às 17h30 R. fernando mesquita, 2453. Tel.: 252 374 184 Por antónio miguel Teixeira e sofia Nereida. E Idiossincrasias E Da Coleção em Famalicão: 3 de fevereiro Teatro Nacional São João até 9 de março a Minha Casa é a Tua Casa M Quarteto de Cordas de Matosinhos Pç. da Batalha. Tel.: 223 401 900 até 2 de junho obras de a. Ginastera, L. Tinoco e a. Dvořák. T Alice No País das Maravilhas S E T Ú B A L 5 de fevereiro – 19h30 encenação de maria João Luís e Ricardo Neves-Neves. Interpretação ana amaral, M de Turquoise Galeria Municipal do Beatriz frazão, Joana Campelo, José Leite, 6 de fevereiro – 21h30 Antigo Banco de Portugal M Ricardo Coelho Trio Leonor W. Carretas, entre outros. GABINETE DE ESTRATÉGIA, 4ªesáB., às 19h; 5ªe6ª, às 21h; Dom., às 16h av. Luísa Todi, 119. Tel.: 265 537 890 7 de fevereiro – 22h PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO CULTURAIS 30 de janeiro a 10 de fevereiro 3ªa6ª Das 11h às 14heDas 15h às 18h;,sáB., Das 10h às 13heDas 14h às 18h; Dom., Das 14h às 18h. Palácio Nacional da ajuda. 1300-018 Lisboa M Quatro Últimas Canções 7 de fevereiro – 15h (escolas) Pela orquestra sinfónica do Porto Casa da E Virgílio Domingues. Desenhos Tel.: 213 614 500 | fax: 213 621 832 música, sob a direção musical de stefan Blunier até 7 de abril [email protected] J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt ideias * 27 Maria de Lourdes Soares O Tempo Brasileiro de Eduardo Lourenço

Saiu agora o 4º volume das Obras Completas do autor do Labirinto da Saudade, cuja organização em muito boa hora a Fundação Gulbenkian promoveu e está a editar. O seu título é Tempo Brasileiro: fascínio e miragem, reúne todos os numerosos textos do autor sobre o Brasil, incluindo inéditos. e sobre ele já aqui escreveu Guilherme d'Oliveira Martins, na nossa penúltima edição. Trata-se de uma obra importante, de que nos fala a sua competente organizadora e autora da introdução e do estudo final

Importa lembrar que a experiência brasileira de EL ocorre quando os mo- vimentos de libertação das colónias portuguesas em África se afirmavam. E foi nessa altura que começou a se “interessar pela temática do império, da colonização”: “não se podia ter uma leitura da história portuguesa, da cultura portuguesa, sem conhecer d esta outra parte do que tinha sido o Doutorada em Letras pela PUC, império português”. Como reco- Pontifícia Universidade Católica, do nheceu, “todo o arrière-plan de O Rio de Janeiro (com tese sobre Maria Labirinto da Saudade teve a ver com a Gabriela Llansol, após a dissertação [sua] estada na Bahia”. Essa temática de mestrado sobre José Saramago), é abordada no seminal “O mito da Maria de Lourdes Soares é profª de comunidade luso-brasileira” (ina- Literatura Portuguesa da PUC e da cabado, 1959), desenvolvida pouco UFRJ, ambas do Rio de Janeiro. A depois do período brasileiro em vários ela se deve a organização do livro trabalhos incluídos neste IV volume. Tempo Brasileiro: Fascínio e Miragem, publicado pela Gradiva, em 2015, nas É nesse contexto, e no da afirmação Obras de Eduardo Lourenço. O título do movimento de libertação das do volume agora publicado nas Obras colónias em África, que se situam as Completas do pensador e ensaísta edi- suas críticas a Gilberto Freyre, desde tadas pela Gulbenkian é o mesmo, in- logo no final de Brasil – Caução…? clui todos os textos da edição anterior, A veemente reação de Lourenço às mas acrescenta-lhe muitos outros. ideias de Freyre encontra-se em vá- De tal forma que a primeira tem 272 rios textos. E há uma estreita relação pp., e a segunda cerca de 700. Sobre a entre a contestação às teses gilbertia- edição agora saída, Eduardo Lourenço SILVA DA ROSA GONÇALO nas e o interesse em aprofundar refle- e o Brasil, aqui ouvimos a especialista Eduardo Lourenço “Considera que o ponto nevrálgico das relações, ou não-relações, Brasil-Portugal, encontra-se xões à volta do tema da colonização que a organizou. na situação colonial” portuguesa no Brasil. EL considera que o ponto nevrálgico das relações, Jornal de Letras: Como lhe foi ou “não-relações”, Brasil-Portugal, possível, vivendo no Rio, realizar a encontra-se na situação colonial, tão completa investigação no Acervo desvanecendo: guiada pela leitura dos tal com música concreta, a que fonte (inesgotável?) de complexos de Eduardo Lourenço que este textos de Lourenço e pela disponi- Lourenço assistiu. e ressentimentos mútuos, labirinto volume exigiu, depois estruturando, bilidade generosa de Alçada, com de complicada saída. Há um duplo apresentando e comentando os textos muita perseverança e intenso fervor, Aliás, Glauber deu a EL uma O Labirinto da Saudade ressentimento, que exige um longo da forma como o faz? consegui concluir a tarefa. E sou indicação preciosa… esforço, da ambas as partes para a Maria de Lourdes Soares: Graças à imensamente grata a ambos. Sim: a da “imperativa obrigação teve a ver com a estada mútua libertação. confiança que Eduardo Lourenço de ler” Grande Sertão: Veredas, que “ de EL na Bahia. A sua (EL) em mim depositou, ao aceitar Há aspetos da convivência de EL com depois daria a amar aos seus alunos Escreve na introdução que “Trágico a indicação do meu nome pelo João a avant-garde brasileira, em 1958-59 em França. E após deixar o Brasil es- temática é abordada e Sertão são categorias privilegiadas Nuno Alçada, responsável pela inven- pujante na vida cultural da Bahia, que creveria sobre as obras de Guimarães no seminal “O mito por EL para ler o Brasil através de tariação e catalogação desse Acervo. lhe deixou marcas? Rosa e Glauber, fundamentais para a imagens em que ele se contempla e se À medida que as remessas de textos Criação do CEAO (Centro de mitologia cultural brasileira. da comunidade luso- revela”. Porquê? sobre o Brasil chegavam às minhas Estudos Afro-Orientais), idealizado brasileira” A sua preferência por essas catego- mãos aumentava a minha surpresa e dirigido por Agostinho da Silva, Como escreveu também sobre Jorge rias evidencia-se no título dos dois diante da sua profusão e variedade. cujos projetos deixaram importan- Amado. ensaios sobre a literatura brasileira Com muitas versões rascunhadas, tes marcas no Brasil e influenciaram E assistiu ao lançamento de Gabriela, publicados em A Nau de Ícaro: “Da inacabadas, de difícil legibilidade, a formação de figuras emblemáticas Cravo e Canela (1958), marco de “um da sensibilidade brasileira, refratária literatura Brasileira como Rasura páginas sem numeração, quase como como e Caetano segundo” Jorge Amado, “que daí em ao trágico, firmando-se-lhe a con- do Trágico” e “Guimarães Rosa ou um indecifrável puzzle. A princípio Veloso. Ora, sabemo-lo por carta de diante oferecerá ao Brasil a sua utopia vicção da afinidade entre a trajetória O Terceiro Sertão”. Ao chegar ao fiquei temerosa diante da tarefa de or- Agostinho a Lourenço, foi este que onírica de país mágico e de magia”. do escritor e o modo como o Brasil se Brasil, já conhecia o segundo sertão. denar tão vasto e complexo material, intermediou a apresentação do seu Recordo que, antes de chegar ao concebe vocacionado para a felicidade. Durante o período brasileiro, através conjuntamente com os éditos disper- projeto ao reitor da universidade. O Brasil, EL já havia publicado o ensaio de Glauber como vimos, descobriu sos. Então tomei de empréstimo os antropólogo Vivaldo da Costa Lima “Novos romances brasileiros” (1945), Lourenço costuma dizer que foi no o terceiro sertão – “sertão-Mundo, olhos atentos de João Nuno: recorri guiou EL e Annie na descoberta da em que analisa obras de José Lins do Brasil que entendeu certas nuances sertão-miragem, sertão-lingua- inúmeras vezes à sua solicitude para Bahia dos Orixás e Glauber, então Rego e, sobretudo, de Jorge Amado. O da colonização portuguesa em África gem” – de Rosa, que transfigurou esclarecer dúvidas mormente de ainda estudante e cineasta princi- contacto direto com país permitiu-lhe e ‘entreviu’ o que se iria passar mais os dois sertões num terceiro sertão, originais com a peculiar grafia miúda piante, lançou a curta-metragem perceber que Amado captava a Bahia tarde, o que parece querer realçar na instalando “o imaginário brasileiro de EL. E pouco os temores foram-se Pátio (1959), filme experimen- profunda e a sua ficção ia ao encontro sua organização do volume. na terceira margem de si mesmo”. J ENTREVISTA, CRÓNICA jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 28 * ideias

Só mais tarde, ao ler Os Sertões, de , conheceu a pri- meira imagem do Brasil como sertão, diversa da eufórica e ufanista que terá no modernismo brasileiro, e na A PAIXÃO GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS utopia “centrada sobre o folclórico e o DAS IDEIAS mágico” do segundo Amado.

Entre os seus critérios de organização do volume está o da importância dada aos numerosos “textos inacabados (…), à espera de desenvolvimento e conclusão que, por diferentes razões, A atualidade de António Sérgio não ocorreram”. Porquê tantos textos “inacabados”? A autocensura pode ter sido um dos motivos da protelação da con- inquenta anos depois da sua morte, António Para Sérgio a escola era lugar natural de cidadania, e as mais clusão e do ineditismo de vários Sérgio (1883-1969) deve ser revisitado, na sua recentes investigações das neurociências confirmam a importância textos, como ocorreu com “O Mito obra multifacetada, com renovado interesse. de considerar desde a infância a aprendizagem da cidadania e do da Comunidade Luso-Brasileira” Preocupado, ao longo da vida, com o testemunho compromisso solidário. A sociedade não está fora da escola, faz parte (em carta a Jorge de Sena, Nice, pedagógico para as gerações futuras, o ensaísta foi intrínseca da vida escolar e da comunidade educativa. Do mesmo 14/6/1967, EL afirmou ter deixa- um cultor incansável do sentido crítico. E hoje, modo, o cooperativismo constitui não uma receita teórica, mas um do esse ensaio provisoriamente perante a crise do pensamento político, é neces- desafio prático, que ainda hoje continua por cumprir, sendo um parado, “na gaveta, com receio de sário lermos e ouvirmos os seus ensaios, nos quais elemento que a história recente tornou mais atual. A ação cooperati- que fosse reflexo de ressentido”). nos propõe, em lugar de receitas ou de caminhos vista de António Sérgio constitui, aliás, uma indelével marca política Esta explicação também pode ser pré-fabricados, vias múltiplas centradas na autonomia e na responsa- que, apesar das resistências, continua a ser relevante. De facto, nem atribuída, em alguns casos, a outros bilidade, articulando a importância da singularidade individual (ou não o Estado nem o mercado só por si podem responder às exigências de pendor mais ou menos polemi- fosseC ele um idealista racional) com a solidariedade voluntária (baseada da sociedade e da economia. Assim, para que não haja um Estado zante. Outro possíveis motivos: a no cooperativismo). Note-se que no fugaz tempo em que foi ministro da produtor, centralizado e burocrático ou um mercado vulnerável errância do autor por diversos países; Instrução Pública deixou duas marcas indeléveis que ainda hoje merecem e incapaz de garantir eficiência e equidade ou de assegurar uma o volume crescente de trabalho que referência: a criação da Junta de Orientação dos Estudos (decreto nº 9332, concorrência sã e equilibrada, impõe-se a criação de uma economia foi assumindo devido sobretudo à de 29/12/1923) e do Instituto do Cancro. A Junta foi criada no sentido da cooperativa, capaz de realizar um Estado catalisador e ordenador e sua imensa disponibilidade, à ética abertura dos nossos investigadores e estudantes ao contacto internacio- um mercado justo... de serviço, à dificuldade de recusar nal, através de bolsas de estudo e de formações A obra do escritor é rica de reflexão, mas os inúmeros convites de todo o gé- avançadas (que teria continuidade na Junta de pode dizer-se que o espírito de reformador nero, solicitações mais intensas nas Educação Nacional, no Instituto de Alta Cultura, está enraizado na sua atitude intelectual. últimas décadas, dada a projeção que chegando ao Instituto Camões). Daí a riqueza e atualidade da sua obra, na alcançou; a sua proverbial dispersão; Devemos lembrar ainda que José de qual pretende descobrir a chave das nossas a não-concentração afetuosamente Azeredo Perdigão, um sergiano confesso, limitações e das nossas fragilidades. Trata- apontada por amigos… desenvolveu, na linha do mestre, cora- se de procurar, na linha das “causas da josamente, o apoio ao conhecimento na Decadência” de Antero, linhas de orientação Que Annie tentava suster. Fundação Calouste Gulbenkian, com belos e de ação capazes de garantir a superação do Sim. Na deriva que foi a sua vida, frutos na abertura de horizontes e no apoio a nosso atraso. Daí a dualidade transporte/fi- Annie foi talvez o único ponto de personalidades, independentemente do seu xação, na qual há uma procura determinada estabilidade, como o próprio ensaísta alinhamento político. O Instituto Português no sentido de um maior e melhor aprovei- reconhece. É possível ainda que em para o Estudo do Cancro (decreto nº 9333, tamento dos recursos próprios – a come- certos momentos, sobretudo no caso de 29/12/1923), hoje Instituto Português de çar nas pessoas e a continuar nos recursos dos textos mais breves, quando toma- Oncologia, que o prof. Francisco Gentil ani- disponíveis – no território, na inserção do pela urgência que anima a escrita e mou, dando projeção internacional e grande António Sérgio internacional e na cooperação científica e impele a pôr no papel, Lourenço seja prestígio, é um exemplo premonitório da técnica. Quando António Sérgio publicou a um daqueles fascinados por começos necessidade de ligação estreita entre a ciência sua Antologia dos Economistas Portugueses a que se referiu Barthes. Ponderei e a saúde. Poucos governantes têm a seu favor (1924) ou quando proferiu a conferência muito sobre a inclusão de alguns uma tão importante marca simbólica de valor sobre “as duas políticas nacionais” (1925), destes textos inacabados, sobretudo perene. É notável como num período curtís- dada à estampa no volume II dos Ensaios, a dos que chamei textos-começos. simo encontramos duas decisões cruciais, por lembrou que três autores seiscentistas, Luís Por fim decidi ouvir os seus suspiros, partirem da compreensão de que o desen- A obra do escritor é rica de Mendes de Vasconcelos, Severim de Faria e tirá-los do limbo em que se encontra- volvimento humano tem de se centrar na reflexão, mas o espírito de Duarte Ribeiro de Macedo, iniciaram a dou- vam, deixá-los acordar, respirar, vir educação, na ciência e na cultura – e de que trina da política da Fixação, contra a política à luz. Textos inacabados e conclusos a dignidade humana só se defende com atos “reformador está enraizado do Transporte; e o reformismo português, formam um luminoso conjunto, concretos orientados para a abertura de hori- na sua atitude intelectual. desde aí até agora, será o desenvolvimen- iluminam-se reciprocamente. O ca- zontes e para a cooperação além fronteiras. to dos princípios que defenderam nas suas rácter fragmentário é uma forte marca Se António Sérgio foi um polemista Daí a riqueza e atualidade da obras. Em Vasconcelos é a Fixação, pela constitutiva e de certo modo, ainda aguerrido, o certo é que, hoje, na distância sua obra, na qual pretende agricultura; em Severim, pela agricultura que pareça contraditório, é nesta con- do tempo, podemos afirmar que, na senda de e pelas indústrias; em Macedo, finalmente, tinuidade descontínua, no convívio figuras que tanto admirou, como Herculano descobrir a chave das nossas são as minúcias de um programa de fomento entre textos acabados e inacabados, e Antero de Quental, preocupou-se em limitações e fragilidades industrial”. que o livro Tempo Brasileiro alcança a modernizar Portugal, seguindo a lição da Logo no final do século XVII, porém, o sua plenitude Geração de 1870, não na lógica do pessimis- dinheiro das minas do Brasil e mais tarde mo, mas na perspetiva de superar a mediocri- os empréstimos do constitucionalismo e as Sabemos que projeta publicar dade, sem iludir defeitos e limitações. O empenhamento na causa da remessas dos emigrantes adiaram a realização das ideias dos três a correspondência entre EL e Instrução Pública é significativo e facilmente o verificamos na leitura reformadores. Mas o seu espírito continua, ressalvadas as distân- Casais Monteiro. É significativa, da sua vasta bibliografia. Foi importante a passagem por Genebra com cias e qualquer anacronismo, vivo e pertinente, em nome de um importante? sua mulher D. Luísa Sérgio e compreendemos como António Sérgio reformismo que foi assumido por Herculano, pela geração de 1870, É bastante expressiva. O diálogo epis- pensou a modernização do País através do estudo e do conhecimen- pela Seara Nova e pelo moderno pensamento democrático. Como tolar entre os dois manteve-se cerca to das mais modernas tendências do pensamento. Leia-se a série de afirmou o ensaísta: “Parece-me que os males de que nos queixamos de 20 anos e além de constituir um ensaios publicados na revista A Águia, da Renascença Portuguesa, são fatalíssima consequência da estrutura da sociedade, - e que só importante documento sobre o con- sobre a “Educação Cívica”, que continua a ter interesse e atualidade portanto terão remédio se nos metermos firmemente a transfor- texto político de Portugal durante um pela defesa de uma cidadania ativa e pela ideia de República Escolar, mar essa estrutura, o que não é possível com pregações, nem com longo período do Estado Novo, dá um na linha do pensamento de John Dewey e dos mais fecundos pedago- políticas de autoritarismo, nem com reformas só pedagógicas, - mas precioso contributo para a reflexão gistas do seu tempo. E a verdade é que aí encontramos uma preocupa- com reformas sociais e pedagógicas concatenadas, entrelaçadas sobre as relações luso-brasileiras e ção fundamental em que o rigor, a exigência se aliam à motivação e à como fios de um tecido único, as quais preparem o nosso povo para para a história da cultura em Portugal tomada de consciência fecunda de cidadãos livres e iguais, autónomos um uso razoável da liberdade e para empreender por si mesmo a sua no século XX. J e responsáveis, empenhados e solidários. emancipação social-económica” J J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt COLUNA ideias * 29 Estratégias partidárias para lidar com os novos extremismos políticos

HETERODOXIAS POLÍTICAS grande coligação leva amiúde ao fortalecimento da direita radical e André Freire da extrema-direita, ou pelo menos dos populismos anti-sistémicos, pois abre o flanco para os ataques ao "cartel governativo" e à ideia de Num livro de 2012, A Esquerda Primero partilham a crença na que "eles são todos iguais". Vide o Radical em Portugal e na Europa nação como elemento estruturante resultado das reiteradas grandes - Marxismo, Mainstream e da polis, acima do individuo e de coligações na Áustria do pós-guer- Marginalidade, definimos esta quaisquer entidades supranacio- ra, com o claro fortalecimento do família política como o conjunto de nais, embora o nacionalismo da FPÖ, ou do surgimento e forta- partidos que se situam à esquerda direita radical e da extrema-direita lecimento da AfD, na Alemanha, dos socialistas, partilham um con- seja muito mais exacerbado, ten- na senda de várias alianças da junto de valores e estão divididos dendo para a eurofobia, enquanto CDU/CSU com o SPD. Além disso, em duas subfamílias: a esquerda os conservadores fazem parte dos devem levar-se a sério muitas das radical propriamente dita e a ex- habituais partidos de governo e críticas dos populismos antissis- trema-esquerda. que apoiam a UE, quando muito témicos à Europa e à globalização Na primeira, que inclui os "so- partilhando algum euroceticismo. neoliberal: só quando as forças cialistas de esquerda", as alianças Segundo, a questão do naciona- democráticas encararem de frente verdes-vermelhas e os renovadores lismo redunda num protecionismo a necessidade de democratizar a comunistas, temos um conjunto vincado da comunidade nacional, Europa e de domesticar a globa- de partidos que são radicais (ou o qual entre a direita radical e a lização, protegendo efetivamente seja, defendem mudanças de raiz extrema-direita é muitas vezes BARRA LUÍS os "perdedores da globalização", no sistema social e político) porque levado à xenofobia e/ou à pulsão Parlamento Europeu Da extrema esquerda à extrema direita as forças populistas antissistema são críticos do capitalismo, mas para comprimir os direitos das mi- verão uma parte importante da sua sem porem em causa a economia norias. Note-se que em matéria de agenda posta em causa. de mercado, opondo-se sobretudo políticas de imigração restritivas os A estratégia alternativa é às orientações resultantes do "con- conservadores (mais moderados) e pacionista e de defesa dos direitos e, em menor medida, da direita cooperar, aberta ou dissimula- senso de Washington". E embora a direita radical encontram muitas das minorias, até pela ancoragem radical. Bolsonaro está aqui situado damente, com as forças extre- aceitem a democracia liberal e vezes um terreno comum (vide o religiosa que muitos destes atores na extrema-direita. mistas e/ou dar-lhes a mão para representativa, dão também ênfase caso da Áustria). exibem (vide Bolsonaro e Trump). chegarem ao governo. Foi assim à democracia participativa. Estas Terceiro, a crença numa socie- Quinto, em matérias so- TEM HAVIDO DUAS GRANDES no Brasil: boa parte das elites dos forças caracterizam-se ainda por dade hierárquica, a valorização da cioeconómicas há uma notável ESTRATÉGIAS para lidar com o partidos do centro (PMDB/MDB) terem uma atitude crítica face à autoridade e de líderes fortes, mui- diversidade: nunca põem em extremismo político (deixo de lado ou centro-direita (PSDB) não herança do "socialismo real" e uma to mais pronunciada entre a direita causa a propriedade e a economia o radicalismo, de esquerda e de di- hesitaram em apoiar abertamente maior propensão para alianças de radical (e, sobretudo, a extrema de mercado, mas a partir daí há reita, que me parece bastante mais Bolsonaro na segunda volta das governo com os socialistas. direita) do que entre os conserva- uma enorme variabilidade desde aceitável, pois não põe em causa presidenciais; e mesmo alguns Na segunda, a extrema-esquer- dores, leva amiúde a apoiar uma os mais favoráveis à intervenção a democracia liberal), sobretudo que, embora não tenham declarado da, teríamos sobretudo os comu- agenda de "lei e ordem". do Estado na economia, como localizado à direita e com uma apoio ao capitão, se demarcaram nistas ortodoxos, os quais são ainda os partidos que vêm na linha de fortíssima componente eurofóbi- também do seu único challenger na mais céticos quer face ao capitalis- certos populismos tradicionais de ca. De um lado, a abordagem do segunda volta, como foi o caso de mo, quer face à democracia liberal, direita, ao neoliberalismo radical "cordão sanitário" (em França, na Fernando Henrique Cardoso, não e que, adicionalmente, se revelam (privatização, compressão dos Bélgica, recentemente na Suécia, contribuíram para a marcação de menos críticos face à herança do direitos dos trabalhadores, des- etc.), a qual passa por evitar a linhas vermelhas dos democratas "socialismo real" e menos propen- Estudos mostram que regulação), mesmo que tingido de todo o custo a cooperação com a face aos extremistas. A abordagem sos a alianças de governo com os a prática reiterada de algum nacionalismo económico. extrema-direita, mesmo quando de integrar a extrema-direita no socialistas. Neste campo, é preciso Podemos situar neste último caso há utilização de algumas das suas sistema político, esperando que “governos de grande o sistema de pesos e contrapesos ver que a situação evoluiu muito muitos dos novos radicalismos bandeiras (o tema da imigração: desde os anos 1970, com o euroco- coligação leva amiúde e extremismos, como Trump ou França 2007), e que, no limite, limite a sua ação, e obrigando-a a munismo, e desde o fim da guerra Bolsonaro. pode levar à política da grande provar o que vale governando, é fria. Além disso, os comunistas ao fortalecimento da Finalmente, o regime político: coligação, entre centro-esquerda e aparentemente mais democrática foram fundamentais no combate direita radical e da embora os conservadores sejam centro-direita. A Suécia, que tem e responsabilizadora. Mas, por às ditaduras de direita e/ou à ocu- forças com claro pedigree demo- uma longa tradição de alternância um lado, a história ensina-nos pação nazi, pelo que conquistaram extrema-direita, ou pelo crático, a verdade é que vemos al- entre coligações de esquerdas ver- que muitos ditadores chegaram ao assim o seu lugar nas democracias. menos dos populismos guns partidos desta família (como sus coligações de direitas, teve que poder por via eleitoral, em eleições Assinale-se ainda que a esquerda os conservadores da Hungria e da optar (numericamente falando) livres e justas, e convém aprender radical é tendencialmente mais antissistémicos Polónia, membros do PPE) a porem pela aliança entre os sociais-de- com as lições do passado… e, por eurocética do que eurofóbica, ou em causa o Estado de Direito, a mocratas e os conservadores, com outro lado, pode discutir-se da seja, tende a contestar as políticas separação de poderes e os direi- o beneplácito dos pós-comunistas pertinência de integrar os contes- da União Europeia (UE), algumas tos das minorias (tal como alguns e dos verdes. Esta estratégia tenta tatários da democracia no seu seio. delas nucleares, mas não neces- Quarto, a nova direita radical radicais populistas de esquerda: isolar os extremistas, sinalizando E tais reflexões devem servir tam- sariamente a ideia da UE no seu e a nova extrema direita podem vide Chavez e Maduro). Todavia, que os democratas não pactuam bém para o jornalismo. Pela nossa núcleo duro filosófico-político. ser vistas como tendo subjacente é óbvio que as orientações mais com aqueles que querem pôr em parte, parece-nos mais adequada Algumas forças da extrema-es- uma "contrarrevolução silenciosa" abertamente autoritárias (negação causa a democracia. a estratégia do "cordão sanitário", querda, porém, aproximam-se um face à "revolução silenciosa" da do caráter ditatorial dos regimes Referimos a grande coligação sobretudo se se evitar um recurso pouco mais da eurofobia. liberalização de costumes asso- autoritários prévios, negação do como um remédio possível para excessivo às grandes coligações e Passando à classificação da ciada ao Maio de 68 e a fenómenos holocausto, contestação da demo- evitar a chegada da extrema-direi- se tentar responder efetivamente a direita radical e da extrema-direi- congéneres Daí que, em oposição cracia liberal, defesa do esmaga- ta ao poder, mas tal não significa algumas das questões pertinentes ta, podemos dizer que os parti- à esquerda radical, sejam contra o mento dos opositores, sobretudo que a defendamos como regra. levantadas pelas direitas radicais e dos destas famílias são os que se casamento homossexual, a libera- os localizados mais à esquerda) são Vários estudos mostram que a extremas acerca da globalização e situam à direita dos conservadores. lização do aborto, a agenda partici- características da extrema-direita prática reiterada de governos de da europeização.J jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 J 3o * Ideias

VIRIATO SOROMENHO-MARQUES PROPRIETÁRIA/EDITORA: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA. ECOLOGIA SEDE: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte, Edifício Fernão de Magalhães, 8, 8A e 8B, 2770-190 Paço de Arcos NIPC: 514674520 GERÊNCIA DA TRUST IN NEWS: Luís Delgado, Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos. COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE PROPRIETÁRIA: 10.000,00 euros PRINCIPAL ACIONISTA: Luís Delgado (100%) Haverá uma natureza PUBLISHER: Mafalda Anjos

JORNAL DE LETRAS, ARTES E J invisível para os olhos? IDEIAS DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos

REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes, Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte, Afonso Cruz, Agripina Carriço Vieira, André s Nações Unidas estão - disse Arriano - como se cada homem pudesse Freire, André Pinto, António Carlos Cortez, António Mega Ferreira, Boaventura de Sousa Santos, Bruno Bénard-Guedes, Daniel Tércio, em busca de uma nova ter bebido a água que o rei deitara fora”. Como Eduardo Lourenço, Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme d’Oliveira Martins, Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, linguagem para a poderemos interpretar hodiernamente essa Jacinto Rego de Almeida, João Ramalho Santos, Lídia Jorge, Manuela crise ambiental. Uma ideia spengleriana de alma? Julgo que, para Paraíso, Maria Alzira Seixo, Maria Emília Brederode Santos, Maria João Cantinho, Maria José Rau, Maria João Fernandes, Maria Augusta linguagem que seja usar uma analogia moderna, poderemos lê-la à Gonçalves, Miguel Real, Miguel Sanches Neto, Onésimo Teotónio de capaz de expressar luz de uma relação do tipo software / har- Almeida, Paulo Guinote, Patrícia , Tiago Patrício, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-Marques a nossa interdepen- dware. A alma seria um conjunto complexo OUTROS COLABORADORES: A. Campos Matos, Álvaro Laborinho Lúcio, André Pinto, António Cândido Franco, Arnaldo Saraiva, Bernardo Pinto dência da natureza, e de programas e instruções operacionais que de Almeida, Carlos Fiolhais, Carolina Freitas, Fernando J. B. Martinho, dentro da natureza. regulam o modo como uma dada comunidade Eduardo Paz Ferreira, Francisca Cunha Rêgo, Gastão Cruz, Graça Morais, Hélia Correia, Inês Pedrosa, João Abel Manta, João Caraça, João Medina, Como traduzir isso numa linguagem jurídica e ou sociedade se situa ativamente no mundo, José Augusto Cardoso Bernardes, José-Augusto França, José Luís Peixoto, diplomática? A Casa Comum da Humanidade, como o constrói e o transforma. Joaquim Francisco Coelho, José Manuel Castanheira, José Manuel Mendes, Laura Castro, Leonor Xavier, , Manuel S. Fonseca. organização portuguesa recentemente formada No fundo é um património incorpóreo, Marcello Duarte Mathias, Margarida Fonseca Santos, Maria Fernanda A Abreu, Maria Helena Serôdio, Miguel Carvalho, Mário Avelar, Mário (mas com muitos anos de trabalho em torno que se deixa representar na e pela linguagem, Cláudio, Mário de Carvalho, Miguel Carvalho, Nuno Júdice, Ondjaki, da ideia de “Condomínio da Terra”, proposta que detém a chave para a construção dos Pilar del Rio, Ricardo Araújo Pereira, Rocha de Sousa, Rui Canário, Sofia pelo seu presidente, o jurista Paulo Magalhães) outros tipos de património. É a alma de várias Soromenho, Teolinda Gersão, Teresa Toldy esteve em Nairobi, a dar o seu contributo para culturas que encontramos, por exemplo, PAGINAÇÃO: Patrícia Pereira esse trabalho da ONU. Como podemos pensar a no Brasil. Portuguesa em Salvador da Baía, SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues natureza para além da sua apropriação vertical alemã ou italiana em muitas outras localida- CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO: Gesco REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS: Rua da Fonte da e territorial, através da indústria e atividades des desse grande país. Foi a alma dos grandes Caspolima – Quinta da Fonte, Edifício Fernão de Magalhães, 8, 8A e 8B, económicas extrativas? Como poderemos derrotados na II Guerra Mundial, que ajuda a 2770-190 Paço de Arcos - Tel.: 218 705 000 Fax: 218 705 001 - email: jl@ jornaldeletras.pt. Delegação Norte: Rua Roberto Ivens, 288 pensar e proteger a natureza incorpórea, que se The Fighting Temeraire, pintura de Turner explicar a sua rápida reconstrução a partir de 4450-247 Matosinhos - Tel.:220 993 810 esconde sob a natureza corpórea? (fragmento) um mar de ruínas. Para Weber, por outro lado, MARKETING: Marta Silva Carvalho (diretora) - mscarvalho@trustinnews. não poderíamos compreender a emergência pt e Marta Pessanha (Gestora de Marca) - [email protected] PUBLICIDADE: Vânia Delgado (Diretora Comercial) vdelgado@ UM SOL QUE DECLINA da riqueza capitalista sem a “alma” da ética trustinnews.pt; Maria João Costa (Diretora Coordenadora de Há milhares de anos que a grande Arte se protestante. Mesmo as paisagens que hoje Publicidade) [email protected]; Ana Ribas (Gestora de Marcas) [email protected]; Elsa Tomé (Gestora de Marca) dedica a desvelar o invisível que alimenta da riqueza de artefactos, e do zunido intermi- são protegidas em parques e reservas, e ainda [email protected]; José Maria Carolino (Gestor de Marcas) o visível. As representações de animais nas nável dos motores cola-se à figura sombria, mais os jardins, refletem esse software das [email protected]; Mariana Jesus (Gestora de Marca) [email protected]; Daniela Pereira (Gestora de Marcas) grutas pré-históricas, com 20 ou 30 mil anos, atarracada e antipática do rebocador. O sol ali culturas e do laborar dos povos (incluin- [email protected]; Carolina Alcoforado (Gestora de Marcas) contam-nos a energia que vincula caçadores pintado não está a nascer, mas sim a declinar… do a Wilderness do Yosemite, que tinha a [email protected]; Mónica Ferreira (Gestor de Marcas) [email protected]; Elisabete Anacleto (Assistente Comercial) e presas no ciclo das estações e no grande rio marca das queimadas sazonais dos índios [email protected]; Florbela Figueiras (Assistente Comercial) [email protected];DELEGAÇÃO PORTO: Margarida Vasconcelos da existência das coisas e dos seres. Em 2014, a ALMA E “NATURA NATURANS” Oswald Ahwahneechee). (Gestora marca) [email protected]; Rita Gencsi propósito dum fantástico filme sobre o pintor Spengler na sua teoria das culturas universais, Dessa forma, se queremos compreender a (Assistente Comercial) [email protected] BRANDED CONTENT: Turner, procurei chamar a atenção dos leitores entendidas como grandes organismos coletivos relação que existe entre os diferentes tipos de Rita Ibérico Nogueira (Directora)[email protected] do JL para o significado incorpóreo, espiritual, condenados ao desabrochar e ao perecimento, património (histórico e natural, por exemplo) Telf Lisboa – 21 469 80 00 da sua extraordinária pintura de 1838, The fala-nos de uma “alma” (Seele) de cada cultura e o património incorpóreo talvez possamos Telf. Porto – 22 099 0052 Fighting Temeraire (sobre um grande veleiro de que permaneceria incomunicável para além de recorrer a duas categorias da ontologia, desde PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS: Vasco Fernandez (Diretor), combate, participante na batalha de Trafalgar, e todos os seus testemunhos materiais. O mesmo Averróis a Spinoza, passando por Alberto Nuno Carvalho, Nuno Gonçalves, Pedro Guilhermino e Paulo Duarte que fazia a sua última viagem, para abate). poderá ser válido para as personalidades Magno e Tomás de Aquino entre outros, (Produtores). Helena Matoso (Coordenadora de assinaturas). Turner não tinha quaisquer pretensões a históricas. O que é que sobrevive dos “grandes refiro-me à diferença entre natura natu- SERVIÇO DE APOIO AO ASSINANTE. Tel.: 21 870 50 50 (Dias úteis das 9h às 19h) repórter. Aquela cena não deve, sequer, ter homens”? Onde está o fascínio, por exemplo, rata (que na nossa analogia corresponderia IMPRESSÃO: Lisgráfica – Casal de Sta. Leopoldina – 2745 Queluz de sido contemplada pelo autor. Ela foi totalmente de Alexandre o Grande, senão nas palavras do ao património em geral) e natura naturans Baixo. Distribuição: VASP MLP, Media Logistics Park, Quinta do Grajal. Venda Seca, 2739-511 Agualva-Cacém Tel.: 214 337 000. imaginada, procurando produzir no especta- historiador Arriano quando nos conta como (correspondendo, portanto, ao património Pontos de Venda: [email protected] – Tel.: 808 206 545, dor uma emoção, mesmo que para atingir esse o jovem rei, à frente de um exército sedento, incorpóreo). O património, em geral, assume- Fax: 808 206 133 efeito, a “realidade” tivesse de ser distorcida. recusou um capacete cheio de água dizendo: -se como o património constituído, enquanto Registo na ERC com o nº 112 348 Depósito Legal nº 127961/98 – ISSN nº 0872-3540 Com efeito, o rebocador a vapor, um pioneiro “Serei eu o único a poder mitigar a sede?” “Era o património incorpóreo deve ser assumido A Trust in News não é responsável pelo conteúdo dos anúncios da Revolução Industrial nesse longínquo ano como o património constituinte, como esse nem pela exatidão das características e propriedade dos produtos e/ou bens anunciados. de 1838, sulca o Tamisa arrastando um antigo e software dos fluxos e das trocas em rede de A respetiva veracidade e conformidade com a realidade, são da integral nobre veleiro de guerra, despido de velas, mas energia e matéria, que unem as criaturas na e exclusiva responsabilidade dos anunciantes e agências ou empresas publicitárias. Interdita a reprodução, mesmo parcial de textos, com a sua dignidade intacta. Nos factos, contu- (re)produção da existência. fotografias ou ilustrações sob qualquer meios, e para do, o rebocador teria transportado um navio já Aquilo que a ONU procura, O nosso Direito Internacional Público, das PORTE PAGO mutilado e incompleto, pois a prática habitual convenções, tratados e protocolos, apenas consistia em cortar, já na doca de partida, o aquilo de que a humanidade vislumbra o mundo como grandeza tangí- complexo de mastros, que o quadro deliberada- necessita para sobreviver, vel, cristalizada, como território (telúrico ou “ Ligue já 21 870 5050 mente conserva. O que ali está não é um navio marítimo), que se pode limitar em áreas de Assine o Dias úteis: 9h às 19h que vai ser abatido, mas uma reflexão sobre é de um novo direito, jurisdição circunscritas e mapeadas. Aquilo que uma idade que acaba e outra que começa. Uma capaz de dar conta dessa a ONU procura, aquilo de que a humanidade reflexão onde o pintor toma declaradamente necessita para sobreviver, é de um novo direito, partido. A multimilenar idade do músculo, natura naturans, desse ato capaz de dar conta dessa natura naturans, desse da coragem física, das forças de uma natureza genesíaco permanente, que ato genesíaco permanente, que é o Ser, em quase isenta de artificialismo aparecem ligados infinita vitória sobre o Nada. Também aqui, tem à figura majestosa do Fighting Temeraire. Em é o Ser, em infinita vitória razão a Raposa de Saint-Exupéry: “O essencial contrapartida, os tempos do fumo, da poluição, sobre o Nada é invisível para os olhos”.J J 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt debate-papo * 31

AUTOBIOGRAFIA VALTER HUGO MÃE O HOMEM IMAGINÁRIA DO LEME MANUEL HALPERN Monteverdi de Carmignani Undo

esde que instalei a funciona- lidade que as coisas têm an- dado mais estáveis. Eu sem- iz-se do contratenor ser singu- pre fui um pouco impulsivo lar por ter algo a mais e algo a e tu, digamos, demasiado menos do que seria um tenor ou sensível. Mas não te ofendas um soprano. É uma espécie de por te dizer isto, porque senão vou ter que género entre ser homem e ser desfazerD outra vez tudo e não me apetecia mulher, uma voz metade uma e gastar mais créditos, muito menos num outra, um pouco inacreditável texto escrito, onde tudo pode ser mais facil- de cada vez que a escutamos, mente antecipado. Queria com isto apenas sempre surpreendidos com sua dizer que, perante a minha espontaneidade peculiaridade, com sua androginia. O contratenor é insensata e abrutalhada tu tendes a reagir improvável, como adulto com voz de menino, com voz violentamente com um longo exercício de deD mulher, inclassificável. silêncio, que chega a durar dias. Mas a culpa Meu primeiro contratenor foi Alfred Deller, o dolen- é toda minha, claro. E não estou a ser irónico tíssimo cantor. O modo como gravou Henry Purcell, quando digo isto. A culpa é tanto minha que sobretudo esse The Plaint, tornou-se uma das mais im- tenho usado o Undo a torto e a direito. Tu pressivas artes da tristeza de que tenho conhecimento. não dás por nada, claro, é sinal que a função Amo-o. Mas necessito fugir-lhe, porque me decompõe não deixa lastro. Seria sempre possível usar o inteiro. Impede-me os movimentos. Ataca-me com sua Redo, mas teria de ser eu a fazê-lo. beleza demasiado desamparada. Comprei toda a dis- No outro dia, quando estava a pôr a mesa, cografia disponível. Guardo-a como quem aprisiona abri o armário e caiu desamparado um um raro pássaro. Um pesaroso animal que importa não copo no chão. Não era um copo qualquer, subir ao ar. Que estranha sensação a de querer algo que mas a caneca que a malta lá do ginásio me não posso deixar sair tinha oferecido pelos anos. E aquele maldito do silêncio, uma certa armário estava simplesmente armadilhado, escuridão deitada pro- Alessandro Carmignani "Se os contratenores são tesouros de séculos de forma a que quando alguém, despreve- positadamente à sua voz. passados, ele é o exemplo acabado de uma voz antiga" nido, o abrisse, aquela caneca se estatelasse Tolero John Dowland. no chão e se fragmentasse em mil pedaços. O lado folclórico de Sem exageros nem Fiquei fora de mim. E tu não imaginas a Dowland não me magoa qualquer vocação quantidade de vezes que tive de fazer Undo, tanto. Encanta-me. “circense, é um dos A sua experiência também como tenor faz dele um até que docemente me saísse aquele: “Não Ilude-me com noites à contratenor subtil, sem nada a provar. A voz assiste-o faz mal, querida, são coisas que acontecem, luz da vela, depois de meus heróis. com a mesma simplicidade com que a natureza inventa deixa estar que eu varro, cuidado para não te passeios entre árvores uma flor ou deita às folhas o orvalho. Ouço-o obstina- magoares com os cacos”. e chuvas miudinhas. As A voz assiste-o damente no lamento da ninfa de Monteverdi, onde a Ainda bem que o fiz. Não é verdade que suas canções inventam com a mesma pobre eternamente sofre de amor e tão poucas pessoas a reação a quente seja a mais honesta. As vinho à mesa e amigos simplicidade com sofreram tão lindas quanto ela. Carmignani é uma ninfa pessoas tendem a dizer grandes disparates, muito quietos a escuta- profunda, já num desespero suspensivo, muito íntimo, no tom errado, quando confrontadas com rem também, a lareira que a natureza sem grito. Seus agudos são educadíssimos, como quem situações inesperadas que exigem uma res- acesa. Uma companhia. inventa uma flor lamenta sem arrogar-se ao direito de se impor aos ou- posta rápida. Podendo pensar nos atos e suas Talvez porque o tros, sem poder criar ruído. Está tudo ali, mas há uma consequências tudo se torna mais autêntico. tempo do soprano ou deita às folhas espécie de vocação para o silêncio, uma finitude, ideia Sinto-me muito melhor assim. É como no masculino seja sobre- o orvalho intensa de que se usa um último suspiro, último som. É, cinema, mas sem aquela parte do conflito. tudo o da música antiga para mim, na minha própria mania de tristeza ou bela Eu escrevo as minhas próprias linhas rumo e barroca me fascinem vulnerabilidade, perfeito. É perfeito. à perfeição. Se não for perfeito, faço Undo, e os contratenores. Caio Não há em torno de Alessandro Carmignani o mes- tento outra vez. É incrível como esta ferra- para as lamentações da época, para os madrigais, as mo festivo sucesso que assiste a Jaroussky e Scholl, menta, que há tanto existia na linguagem es- orações, essa música focada na voz, no poema, que se mas considero que o seu registo é fundamental para crita, só agora foi aplicada à linguagem oral, fazia tantas vezes com um mínimo de acompanha- ponderar a voz dos contratenores do nosso tempo. Se onde é mais necessária. Uso no trânsito, no mento, aludindo tanto ao som quanto ao silêncio, lento, Jaroussky propende para um registo límpido, certa fili- trabalho, nas repartições públicas, e tudo à lentíssimo. Gosto dos lentíssimos, a música demorada, grana, timbre dificilmente adulto, já Scholl é cristalino minha volta parece mais feliz. austera. Coleciono as gravações do Nisi Dominus, de num sentido mais adulto, de aproximação mais vigo- E nós também, deixámos de discutir, Vivaldi, onde esse Cum dederit se prolonga e a voz se rosa, contundente, às vezes. Carmignani, por seu lado, passámos a ser um casal exemplarmente pode espraiar quase desumanamente (é ver a perfeita traz um delicadíssimo registo no meio dos outros dois, civilizado e comum. Tu sempre foste mais Sara Mingardo, que deve oxigenar-se sem pulmões). nada infantil, também não se define pelo ataque vigoro- ponderada, calma, é natural que não uses Gosto dos contratenores na sua dimensão mais sagrada, so, é um maturação diferente, que a mim me convence muitas vezes a função. Ou talvez uses apenas homens-anjo, indefinidos como criaturas meio fantas- de uma simplicidade desarmante e de uma naturalidade para refinar, procurar as palavras certas. E ma. Criaturas absurdas. absolutamente inesperada. Diria que sua voz é mais eu, curiosamente, até tenho vindo a usá-la De Philippe Jaroussky a Andreas Scholl, passando escura, bem mais perto do que era a de Alfred Deller, menos. pelo novíssimo Jakub Jósef Orlinski, os homens dos sendo capaz de, pelo timbre, identidade profunda, ime- Pois, meu amor, se agora te escrevo esta nossos dias são esplendorosos, entre eles, o discreto diatamente explicar o desalento a que vêm esses cantos carta com a função desligada, correndo Alessandro Carmignani (nascido em 1961), integrante antigos. Se os contratenores são tesouros de séculos todos os riscos de choros e amuos, palavras do grupo Delitiae Musicae, que gravou completos os oito passados, Carmignani é o exemplo acabado de uma voz fulminantes, setas feitas de letras, não é livros de Madrigais de Claudio Monteverdi para a Naxos antiga. Um absurdo viajando no tempo, transpondo as por embirrar com tudo o que é demasiado (direção de Marco Longhini). Carmignani, sem exageros épocas para ser um homem antigo. Um ser de fantasia e perfeito. É apenas porque, às vezes, muito às nem qualquer vocação circense, é um dos meus heróis. maravilhoso. J vezes, sinto saudades de fazer as pazes. J J 32 J jornaldeletras.pt * 30 de janeiro a 12 de fevereiro de 2019 PARALAXE Afonso Cruz DIÁRIO GONÇALO M. TAVARES Ler Morte e alegria

Caminhava à noite pelas ruas de Tunes ações ilegítimas e antidemocráticas de certos governos. acompanhado por um grupo de escritores A leitura que se propunha ser apenas um momento de Falo da morte e do suicídio. Um tunisinos, quando começámos a falar divulgação literária foi interpretada politicamente, ambiente pesado, concentrado. sobre os perigos de certas zonas da cidade. como uma ação panfletária de incitação à revolta: o O suicídio como direito humano, Fiz notar que achava Tunes uma capital texto lido foi entendido como uma mensagem contra o uma questão clássica. Há duas segura onde poderia andar tranquilo à regime. Kamel foi despedido, tanto do canal televisivo grandes decisões humanas: a noite, mas Mohamed, um dos escritores como da universidade onde lecionava, tendo-lhe decisão de entrar e a de sair. As que me acompanhava, garantiu-me que sido vedado o acesso a outros trabalhos, noutras outras decisões, por mais importantes eu era demasiado ingénuo. Apontou para universidades ou nos media. 1que pareçam, são sempre de intensidade umas ruas e contou-me um episódio recente em que Teve de emigrar para a Argélia para arranjar tra- média. Se a entrada na vida nunca é ele e dois amigos tinham sido assaltados precisamente balho. Um ano depois deu-se a revolução. A cultura escolha nossa, a saída terá de ser; pelo 1naquela zona. Levaram- é realmente uma menos como possibilidade. É um direito lhes os telefones e as ameaça. Não me humano – decidir quando abandonar em carteiras. Quando lembro de regimes definitivo os dias – podemos exercê-lo ou Mohamed chegou a autoritários que não não. casa com os amigos, tenham inaugurado A morte, a morte, a morte. Não há um deles, que levava a sua governação outro tema. Aí começa a filosofia; ou a às costas um alaúde sem ter perseguido lucidez. caríssimo, comentou artistas e censurado aliviado o facto de não ou destruído obras Francis Alys, artista essencial deste lhe terem roubado o de arte. século, passeou pela cidade do instrumento musical 2 México com uma arma na mão a e terem apenas levado Em setembro apontar para baixo; braço ao longo do a carteira – que tinha de 1931, García corpo. Ele queria ver como as pessoas pouco dinheiro – e 3 Lorca leu um reagiam. A morte portátil, morte na mão o telefone que valia manifesto titulado direita. pouco. Como é que os “Meio pão e um assaltantes não viram livro”, por ocasião A morte, sim, mas também a alegria o alaúde?, interrogava- da inauguração da de descobrir. se ele atribuindo a primeira biblioteca 3 Uma pessoa próxima mostra-me sua sorte (se é que se pública da província Jhon Douglas, um músico brasileiro que pode chamar assim) à de Granada, em vive em Portugal. Não o conheço. O Brasil distração dos ladrões. Fuente Vaqueros, é sempre bem-vindo! Ouço a música Eu tenho uma teoria sua terra natal. O Neuziana: diferente, os meliantes título lembra-me uns repararam no ins- versos de Saadi, que “Neuziana, diz que quer casar comigo, trumento (que não dizem: Se me dessem mas não sabe do perigo, é propriamente pe- dois pães, trocava um que tem lá na Amazônia. queno), mas acharam por uma flor. A ideia Lá tem mato! que não valia nada, de que a beleza (ou o Tem vida pura, por isso limitaram-se alimento intelectual) calma e água fresca. a roubar os telemó- é elementar surge Sem os vícios da modernidade pra cabeça, veis e as carteiras. Até também de forma que o perigo é não voltar e ficar lá. para roubar é preciso axial no discurso de Eu falo assim, que eu sou do mato, cultura. O ignorante Lorca, que cito de que eu tenho uma vida mansa. nunca saberá o que vale A primeira livraria do Kuwait seguida, começando De pé descalço, banho de rio, a pena roubar. Isso é por uma famosa frase chupando manga. válido para o ladrão de bíblica: “Nem só de Que o mundo é diferente rua bem como para o pão vive o Homem. para aquelas bandas de lá. especulador ou político Eu, se estivesse Aqui na Europa, é tudo lindo, corrupto. Mas há uma na rua esfomeado aqui tudo é de primeira. contradição evidente É muito difícil, senão impossível, explicar e desvalido, não Mas o glamour de ser artista quando se trata de fazer a um néscio a importância da cultura, pediria um pão; acho besteira. valer este argumento: é “ pediria, isso sim, Eu vou voltar pro mato muito difícil, senão im- pois ele não tem cultura para perceber meio pão e um livro. pra me desatualizar.” possível, explicar a um a falta dela E desde já ataco néscio a importância da violentamente os Canta descalço; uma voz malandra, diver- cultura, pois ele não tem que apenas falam tida. A alegria e o gozo quando canta: “Eu cultura para perceber a de reivindicações vou voltar para o mato/ para me desatua- falta dela. económicas sem nunca mencionar as reivindicações lizar.” culturais (...) Que gozem todos os frutos do espírito Kamel, num programa televisivo bastante humano porque se assim não for será convertê-los em grande e popular – género programa da manhã, máquinas ao serviço do Estado, será convertê-los em 2 com duração de cerca de três horas –, teve a escravos de uma terrível organização social (...) Como oportunidade de falar, em algumas dessas emissões, de disse o grande Menéndez Pidal, um dos mais autênticos escritores e literatura, mas não mais de dez minutos. sábios europeus, o lema da República deve ser: 'Cultura'. Numa dessas ocasiões, antes da revolução tunisina, Cultura porque só através dela se podem resolver os falou do Ensaio Sobre a Lucidez, de José Saramago, problemas com que o povo atual se debate, cheio de fé, lendo algumas passagens que abordavam o tema das mas sem luz.”J