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DA LAVOURA AO PALCO: AS HISTÓRIAS DAS MULHERES TRABALHADORAS RURAIS E DO CORTE DA CANA, INTEGRANTES DO MOVIMENTO CANAVIAL, DE NAZARÉ DA MATA/PE

Ernandes Luiz Tavare da Silva1 Maria das Graças Andrade Ataíde de Almeida2

Resumo: O presente artigo será um recorte da dissertação de mestrado, “O Impacto do Movimento Canavial no cotidiano dos (as) trabalhadores (as) de Nazaré da Mata, , como desenvolvimento local”, do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Propondo-se a falar das histórias de vida e de luta das mulheres agricultoras, trabalhadoras rurais e do corte da cana de açúcar no município de Nazaré da Mata, Zona da Mata Norte de Pernambuco, e que fazem parte das manifestações culturais do Movimento Canavial na mesma região. Essas mulheres são componentes dos maracatus rurais e conciliam as atividades de trabalho com as artísticas. O Movimento Canavial surgiu na localidade como iniciativa de propagar e valorizar a cultura local, assim como despertar as potencialidades culturais, artísticas e socioeconômicas, destes (as) sujeitos (as) sociais, carentes de políticas públicas para o incentivo do mesmo. Para tanto, como metodologia serão usados os conceitos de gênero, culturas populares e considerações que regem o Movimento Canavial, além de entrevistas semiestruturadas e observação participante.

Palavras-Chave: movimento canavial; mulheres trabalhadoras rurais; Nazaré da Mata; culturas populares.

INTRODUÇÃO Vivemos num atual contexto, onde tudo pode ter sua propagação e divulgação na internet, daí temos as novas tecnologias a nosso favor. Dessa forma, a cultura em geral, e em especial a cultura popular pernambucana, mais especificamente, as manifestações populares da Zona da Mata Norte de Pernambuco, não poderiam ficar de fora. A cultura, seja ela de que localidade ou manifestação for, ao longo dos anos vem resistindo a sua maneira de existir e sobreviver sem o apoio e ajuda necessárias a sua manutenção. A falta de políticas públicas totalmente direcionadas e comprometidas no setor cultural é um dos sonhos e conquistas na vida de produtores culturais, artistas e demais sujeitos sociais envolvidos no fazer da arte brasileira. Para tanto, a árdua luta dos trabalhadores (as) rurais da Zona da Mata Norte do estado é outro caso a parte, digno de atenção e respeito, e que não se diferencia em sua realidade dos demais

1Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local, Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Bolsista Capes. E-mail: [email protected] 2Professora da Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local – POSMEX – UFRPE, e-mail: [email protected] 1

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agricultores rurais do país. Pessoas que vivem diariamente do sustento que a terra oferece e que estão à margem da sociedade, por se encontrarem e residirem em áreas rurais. Na sua maioria, essas pessoas são excluídas de todas as assistências e oportunidades que são oferecidas nas áreas urbanas. Educação, saúde, meios de locomoção, inclusão social e outros serviços tornam-se uma realidade quase que distante para essa gente que basicamente vive de tão pouco. O trabalho no sol a pino, cortando cana de açúcar ou dedicando-se a plantação de produtos oriundos da agricultura para o sustento familiar, os faz viverem numa constante limitação. E quando o assunto volta-se a questão de gênero, as mulheres de um modo geral acabam sofrendo em dobro todas essas agruras da realidade social de um país comandado pelo machismo. Se nos territórios urbanos, ser mulher já é uma luta diária, que dirá no campo, onde o patriarcado é quem determina as regras e tem o tom de fala mais elevado. Em meio a toda esta discussão, o acesso a bens e consumo culturais não é diferente. É muito tênue a distância que os separam daqueles que podem prestigiar qualquer que seja a apresentação cultural, como forma de socialização e divertimento nas horas e momentos de lazer fora do trabalho e responsabilidades cotidianas. O acesso às camadas consideradas marginalizadas no Brasil, como é o caso da população rural só para citar apenas um exemplo, deixa evidente o quanto os gestores públicos não honram um compromisso estabelecido nas leis, e por outro lado, mostra a criatividade de uma gente que tem na raiz cultural da manifestação popular a sobrevivência de seu divertimento. O aporte bibliográfico (referencial) deste trabalho acadêmico está fundamentado em autores (as) que dialogam com a questão de gênero, desenvolvimento local e culturas populares. Para tanto, a metodologia adota para tal estudo foram: entrevistas semiestruturadas e observação participativa.

NAZARÉ DA MATA: A CONSTRUÇÃO DE SUA HISTÓRIA

Considerada a capital dos Maracatus de Baque solto, Nazaré da Mata é um município brasileiro, que fica situado na Zona da Mata Norte do Estado de Pernambuco, distante 69 KM do . O total da população estimada em 2016, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) era de 32.174. As primeiras atividades que geraram renda no município foram as relativas ao cultivo da terra (agricultura, plantações de cana-de-açúcar, criação de animais) e às exportações das matas, pelo fato da localidade possuir mata atlântica. O Índice de Desenvolvimento Humano do município é de 0,789. Devido à imensa produção de pau-brasil em Nazaré da Mata, a tradição agrícola foi uma ocupação que se tornou algo característico do povo nazareno. Outro fator de forte importância para

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a identidade da região foi a cultura da monocultura açucareira, com o trabalho nas propriedades de engenho, como afirma Manoel Correia de Andrade3 além da agricultura, que foi implantada não só para servir economicamente aos detentores de engenhos na época, como para estabelecer um poder social e político. Tudo isso, fez com que grande parte da mão de obra local fosse empregada nessas áreas de plantação da cana de açúcar. Outras atividades que movimentam a economia do município de Nazaré da Mata são a avicultura, atividade esta que possui um dos maiores abatedouros de aves do Estado. Em seguida, a indústria de alimentos com sua produção de massas e biscoitos, dando suporte as panificadoras, e por fim, as fábricas de cerâmicas. A região encontra no turismo cultural/rural outra fonte de movimentação econômica na localidade. Atividade esta muito em alta nos espaços afastados do urbano. Todavia, a cidade como todos os outros municípios da Zona da Mata Norte de Pernambuco, também enfrenta seus percalços e dificuldades oriundas da conjuntura econômica no país. Desemprego, escassez de assistência aos agricultores (as) da região, falta de melhores condições e políticas públicas direcionadas aos produtores culturais, sem falar da crise hídrica nessa localidade. O que afeta em cheio o trabalho no campo e compromete o orçamento familiar, destes trabalhadores e trabalhadoras que vivem e sobrevivem do que plantam.

3 Ao lado de algumas dezenas de escravos, costumavam (os senhores de engenho) contratar trabalhadores assalariados – índios semicivilizados, mulatos, negros livres. (...) era freqüente, nessa região, os senhores de engenho, por não poderem adquirir escravos devido ao seu alto custo, para suprir a necessidade de braços, facilitarem o estabelecimento de moradores em suas terras, com a obrigação de trabalharem para a fazenda. Esses trabalhadores tinham permissão para derrubar trechos da mata, levantar choupanas de barros ou de palha, fazer pequeno roçado e dar dois ou três dias de trabalho semanal por baixo preço ou gratuito ao senhor-de-engenho. (ANDRADE, 1993: 104).

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Figura 1 Catedral de Nossa Senhora da Conceição e Casas Antigas. Foto: Internet Quem visita a cidade, não deixa de ter contato com a cultura popular, sendo os maracatus de baque soltos o carro chefe do folclore local. A referida Região de Desenvolvimento, localizada na mesorregião da Mata pernambucana, compreende cerca de 3,29% do território do Estado, com 3.256,5 km² de extensão composta por mais 18 municípios ao todo. A povoação de “Nasareth” obteve início em meados do século XVIII, numa localidade onde foi construída a capela de Nossa Senhora da Conceição de Nazaré. No ano de 1833, na data de 17 de maio, o município se desmembrou da cidade de Igarassu, tornando-se então vila. Em 31 de dezembro de 1943, por meio do decreto 952, seu nome ganhou uma modificação e o termo “da Mata” foi acrescentado, por localizar-se em zona fisiográfica. Anualmente, a região celebra no dia 17 de maio sua emancipação política. Nazaré da Mata ganhou o status e hoje é conhecida como a “Terra do Maracatu”, pois os diversos grupos de maracatus rurais existente na região encantam moradores da localidade e visitantes de outras cidades que vão a Nazaré da Mata prestigiar sua cultura popular, tão forte e resistente.

A CULTURA POPULAR COMO DIVERTIMENTO E LAZER DA REGIÃO

Nazaré da Mata é popularmente conhecida no Estado de Pernambuco e nacionalmente como a “Terra do Maracatu”. Ao todo, o município tem cerca de 19 grupos de maracatus de baque solto ou maracatus rurais, que tem todos os anos, no período carnavalesco, o encontro de maracatus, considerado o maior no estado. O evento atrai o olhar e atenção de muitos visitantes de outras

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cidades de Pernambuco, turistas de outros estados, estrangeiros que estão na região prestigiando o carnaval, políticos e gestores culturais. Além de oportunizar os grupos de Nazaré da Mata no encontro, mais de 50 de grupos de brincantes de outras cidades e municípios pernambucanos são convidados para se apresentarem na ocasião. A Praça dos Lanceiros é o local onde os caboclos de lança, as baianas, reis e rainhas mostram o brilho, colorido, animação e toda a beleza desta manifestação cultural, saindo em cortejo pelas ruas até o palco de apresentação, como também mostrando seu sincretismo religioso em homenagem aos seus orixás. No decorrer do ano, os grupos de maracatus rurais fazem apresentações esporádicas em algumas datas comemorativas da cidade. Para tanto, não tem-se ao certo uma data ou período, que sinalize o momento em que o maracatu rural passou a ser uma festa carnavalesca. A origem desta brincadeira vem das senzalas dos engenhos de cana-de-açúcar pernambucanos, o que segundo Real, (1990): “O maracatu rural é uma manifestação típica da zona da mata norte de Pernambuco que tem sua origem no sincretismo de vários folguedos populares existentes no interior de Pernambuco (pastoril e baianas, cavalo-marinho, caboclinhos, folia (ou ranho) de Reis, etc.)”.

Estes locais eram de muito trabalho e opressão por parte dos senhores de engenho, e então participar de um maracatu seria um momento alegria e divertimento, como bem define Medeiros (2005, p. 206), “este ambiente era opressor, pois, existia um forte coronelismo, autoritarismo, cerceamento da liberdade, violência. A disciplina nos engenhos era medieval, cheia de castigos, punições, privações de divergências políticas e religiosas”. Seguindo o mesmo raciocínio, Medeiros (2005, p. 206), o maracatu rural seria uma das primeiras maneiras de altercação dos integrantes (maracatuzeiros), cabendo aos mesmos expressarem suas histórias de vida, dor e revolta por meio da dança (coreografias), o lado da proteção espiritual, o manuseio de armas e o porte da gigantesca lança4, o ritmo cantado e o conteúdo em forma de protestos nas letras das loas5.

4A figura de destaque do maracatu rural é o caboclo de lança que usa uma indumentária belíssima composta por uma gola com desenhos feitos em lantejoula, uma cabeleira com fitas coloridas e usam uma lança de madeira pontiaguda recoberta com inúmeras fitas coloridas, chamada guiada. (ASSIS,1996). 5A música do maracatu rural é chamada de “samba de matuto” onde os versos se assemelham com o do aboio e do repente. (ASSIS, 1996) A improvisação própria deste tipo de música, permite que os Mestres deêm sua opinião sobre

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Como pode se notar, o maracatu de baque solto ou maracatu rural é o carro chefe da cultura popular local, algo promissor na arte e no folclore dos habitantes desta região. A cultura popular surgiu nestes espaços territoriais e ganhou força e dimensão, a partir do que foi sendo produzido como arte, nas festas comemorativas e construção da identidade cultural destes povos ligados às áreas rurais pernambucanas. Ao longo dos anos, muitas foram as pesquisas voltadas à temática da cultura popular, o que destaco aqui no estudo conceitual de Canclini: As culturas populares (termo que achamos mais adequado do que a cultura popular) se constituem por um processo de apropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou etnia por parte dos seus setores subalternos, e pela compreensão, reprodução e transformação, rela e simbólica, das condições gerais e especificas do trabalho e da vida. (CANCLINI,1983, p. 43).

Desta forma, a cultura acaba por tornar-se um objeto de estudo que implica vários sentidos e produção culturais nas práticas sociais atuantes de muitos sujeitos sociais. Para tanto, a cultura é vista nos estudos britânicos como algo que:

[...] não pode mais ser estudada como uma variável sem importância, secundária e dependente em relação ao que faz o mundo mover-se; tem de ser vista como algo fundamental, constitutivo, determinando tanto a forma como o caráter deste movimento, bem como a sua vida interior (HALL, 1997, p. 06).

É dessa forma, que estes personagens reais da vida, construíram sua identidade cultural numa região de pouco alcance de políticas públicas culturais há alguns anos atrás. Essa identidade deu respaldo e segurança, além de fazer com que aparecessem para o mundo. No sentido de serem visto e poderem adquirir meios que os fortalecem durante a trajetória e permanência de sua arte.

“Identidade” significa aparecer: ser diferente e, por essa diferença, singular — e assim a procura da identidade não pode deixar de dividir e separar. E, no entanto a vulnerabilidade das identidades individuais e a precariedade da solitária construção da identidade levam os construtores da identidade a procurar cabides em que possam, em conjunto, pendurar seus medos e ansiedades (...) (BAUMAN, 2003, p. 21).

diversos assuntos. “Isso confere a essas loas um caráter dinâmico possibilitando que o mestre imprima sua marca pessoal, conquiste o respeito dos demais e acrescente autoridade à sua figura.” (NASCIMENTO, 2005, p.97).

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Contudo, como se pode notar, a cultura popular fez-se plural na vida e cotidiano destes moradores e sujeitos sociais do município de Nazaré da Mata, que mesmo não objetivando tal feito, criaram naturalmente sua forma e maneira de divertimento, através da cultura. Fincaram sua estaca identitária na Zona da Mata Norte de Pernambuco, em meio aos intervalos de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar ou nos encontros com amigos e familiares, como forma de convívio de socialização entre sua gente.

O MOVIMENTO CANAVIAL TRANSFORMANDO VIDAS EM NAZARÉ DA MATA O Movimento ou Método Canavial surge na região da Mata Norte do Estado, na primeira década do século atual e desde então inicia-se algumas transformações no cotidiano dos agentes culturais de Nazaré da Mata. Seu objetivo inicial foi implantar um Programa de Ensino de Introdução a Produção Cultural e Sustentabilidade, logo em seguida, organizar o setor cultural de maneira sustentável na Zona da Mata Norte. Desta forma, o município de Nazaré da Mata torna-se uma das contempladas a sediar o curso. O curso teve duração de cinco meses e formou até o ano de 2011, mais de 100 produtores (as) culturais. Esses (as) novos (as) produtores (as) passaram a integrar a Rede Canavial, nome colaborativo que envolveu artistas, rádios comunitárias, associações, grupos culturais, empresas e Pontos de Cultura6, o que possibilitou ampliar o alcance e expansão nas atividades culturais. Tudo isso, foi possível a uma ação do governo federal, no ano de 2004, intitulado programa Cultura Viva7 e que serviu de incentivo cultural às áreas e localidades carentes e sem nenhum investimento a produção cultural. O Ponto de Cultura Canavial tem sua sede no Engenho Santa Fé, em Nazaré da Mata e funciona com Agência de Projetos Culturais que trabalha na captação de recursos financeiros para os devidos projetos da Rede Canavial, por meio de editais públicos. São muitos os grupos e movimentos culturais existente em Nazaré da Mata, como formadores da cultura popular do Estado: maracatus de baque solto ou maracatus rurais, caboclinhos, cavalo marinho, coco, ciranda, artesanato, bloco rural, boi de caboclinho, bois rurais, bandas musicais, audiovisual e outros.

6 Ponto de Cultura é um conceito de política pública. São organizações culturais da sociedade que ganham força e reconhecimento institucional ao estabelecer uma parceria, um pacto, com o Estado. Aqui há uma sutil distinção: o Ponto de Cultura não pode ser para as pessoas, e sim das pessoas; um organizador da cultura no nível local, atuando como um ponto de recepção e irradiação de cultura. (TURINO, 2010) 7Inaugurado pelo Ministério da Cultura em 2004, na gestão do então Ministro Gilberto Gil. A principal ação do programa Cultura Viva são os Pontos de Cultura, compostos por artistas, grupos e coletivos culturais contemplados pelo programa via editais públicos.

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Portanto, essas e outras iniciativas ao incentivo da produção cultural na região acabam naturalmente gerando uma série de transformações sociais que tem seu escoamento em outros setores da vida desses nazarenos, como: educação, saúde, renda familiar, acesso a alguns bens antes distantes de suas realidades, dentre outros. Para tanto, mais uma vez é posto no epicentro do debate a importância do Ponto de Cultura, como bem defendeu Turino: O Ponto de Cultura pode ser (ao menos esse é o desejo) um ponto de apoio a romper com a fragmentação da vida contemporânea, construindo uma identidade coletiva na diversidade e na interligação entre diferentes modos culturais. (TURINO, 2010, p. 66).

A MULHER NAZARENA NO MOVIMENTO CANAVIAL O processo de construção de uma história, seja ela qual for, se dá mediante muita luta, resistência e perseverança, e no caso das mulheres trabalhadoras rurais do município de Nazaré da Mata não foi diferente. Ao longo de muitos anos, e porque não dizer atualmente, o machismo e o poderio da hierarquia familiar, que coloca o homem como o centro e detentor de todas as regras e ordem ainda são características do cotidiano de muitas dessas mulheres nazarenas. Como diz Vasconcelos (2012, p. 30), “Os valores transmitidos a respeito das mulheres as colocam em um patamar inferior na sociedade, em posição subalterna e de dominação”. Com o início do curso de Introdução a Produção Cultural e Sustentabilidade, que teve como público alvo ambos os sexos, muitas moradoras da mencionada localidade da Zona da Mata Norte se inscreveram no curso e viram na oportunidade uma chance de alto se afirmarem por meio da cultura popular. Para tanto, Vasconcelos trás uma referência que reforça o sentido deste processo ao dizer que: “Fazemos um resgate acerca da trajetória histórica da mulher ou do conceito de mulher para compreendermos a construção identitária das mulheres da Zona da Mata Norte de Pernambuco. São mulheres trabalhadoras e que buscam, através de sindicatos, de movimentos de mulheres e nas expressões culturais, novas perspectivas de vida. O Maracatu Rural é o nosso principal exemplo, um folguedo de formação masculina, mas que atualmente possui grande presença feminina. Hoje,

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Maracatu Rural não sai mais sem as mulheres”. (VASCONCELOS, 2012, p. 31). A exemplo do que diz a autora acima ao se referir ao Maracatu Rural, temos como exemplo em Nazaré da Mata, o Maracatu Coração Nazareno, formado única e exclusivamente por mulheres. Essas por sua vez, participam da Associação das Mulheres de Nazaré da Mata (AMUNAM8) e algumas são trabalhadoras rurais e do corte da cana de açúcar. Para além dessas agentes sociais, são muitas as histórias de mulheres nazarenas que encontraram no Movimento Canavial uma alternativa na melhoria de vida em relação à rotina diária em que viviam. Como mencionou Certeau: “são as artes do fazer”. No ano de 2013 até o presente ano, o número de mulheres que se envolveram no Movimento Canavial a partir do curso de Introdução a Produção Cultural e Sustentabilidade aumentaram consideravelmente. O fato da AMUNAM se filiar ao Movimento Canavial deu origem a esse elevado crescimento. Em torno de 130 mulheres, segundo informou a presidenta do Movimento Canavial, Wanessa Santos, participam das manifestações culturais da região. Já 50 delas se envolvem diretamente em alguma produção cultural, sendo as responsáveis por tudo ligado ao grupo, desde a capitação de recursos financeiros até a negociação das apresentações. De fato, as políticas públicas voltadas para o setor cultural (Ponto de Cultura Canavial) favoreceram muito as mulheres desta localidade. Sem contar com a criação de outras políticas criadas nos últimos governos que beneficiam e dão algumas garantias ao gênero, como afirmam Lima e Leitão: “No Brasil, um marco importante na definição de políticas públicas de equidade de gênero foi a criação de, em 2003, da Secretaria Especial Políticas para as Mulheres, ação desenvolvida na direção do empoderamento e acesso das mulheres às políticas de governo”. (LIMA & LEITÃO, 2012, p. 194). Contudo, essas e outras práticas por meio da iniciativa governamental só reforçam e aumentam as chances de uma sociedade igualitária entre homens e mulheres. É o reconhecimento de potencial humano dessas agentes sociais nas diversas esferas do cotidiano, e em especial das áreas rurais do município de Nazaré da Mata.

8 É uma entidade sem fins lucrativos, titulada como organização de utilidade pública municipal, estadual e federal. É uma associação de luta e coragem pelos direitos das mulheres, o que inclui a devida ocupação do espaço social, a informação e a formação, o respeito e a dignidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Dedicar o registro da história de lutas, persistência e transformação social, cultural e econômica da vida dessas mulheres nazarenas, trabalhadoras rurais, do corte da cana de açúcar e outras atividades afins do seu cotidiano, é apenas um recorte, que por meio deste artigo, ficará como incentivo a outras pesquisas acadêmicas sobre gênero. É certo que essas lutadoras, mães e chefes de família ainda não alcançaram o empoderamento desejado, neste mundo que só reconhece o trabalho e a vida social masculina, mas há de se reconhecer, que muitas já desfrutam de uma sensível melhora nas suas vivências, a partir do fortalecimento da cultura popular na Zona da Mata Norte de Pernambuco, e em especial em Nazaré da Mata, localidade fruto desta pesquisa. Entretanto, os investimentos de políticas públicas nas áreas culturais são considerados por alguns gestores políticos como gastos desnecessários, sem levarem em conta que é através da cultura que se dão muitas mudanças na sociedade, haja vista o desenvolvimento social, intelectual, financeiro e outros como alguns deles.

REFERÊNCIAS:

ANDRADE, Manuel Correia de. O homem e a terra no Nordeste. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1993.

ASSIS, Maria Elizabete Arruda de. Cruzeiro do Forte: a brincadeira e o jogo de identidade em um maracatu rural. Recife, Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal de Pernambuco- UFPE, 1996.

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. : J. Zahar Editor, 2003.

CANCLINI, N.G. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: I. Artes de fazer. Rio de Janeiro: editora Vozes, 2009. HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, Alegre, v. 22, no2, p. 15-46, jul./dez, 1997.

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LIMA, C. M. de.; LEITÃO, M. R. F. A. Gênero e Diversidade na Comunidade Pesqueira de Brasília Teimosa. Gênero e trabalho: diversidade de experiências em educação e comunidades tradicionais /organizadoras: Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão e Maria Helena Santana Cruz – Florianópolis: Ed. Mulheres, 2012. MEDEIROS, Roseana Borges. Maracatu Rural: Luta de classes ou espetáculo? Fundação de Cultura Cidade do Recife. (Coleção Capibaribe 2). Recife 2005.

NASCIMENTO, M.C.M. João, Manoel e Maciel Salustiano: três gerações de artistas populares recriando os folguedos de Pernambuco. Recife: Ed. Associação Reviva, 2005.

REAL, Katarina. 1990 [1967]. O folclore no carnaval do Recife. Recife: Massangana.

TURINO, Célio. Ponto de Cultura: o Brasil de baixo para cima. 2 ed. – São Paulo: Anita Garibaldi, 2010. VASCONCELOS, Tamar Alessandra Thalez. A mulher no maracatu rural. (Coleção Maracatus e maracatuzeiros; v.4). Associação Reviva. Olinda, PE. 2012.

From farming to the stage: the stories of rural women workers and sugarcane cutting, members of the Canavial Movement, from Nazaré da Mata / PE Abstract: The present article will be a cut of the master dissertation, "The Impact of the Canavial Movement on the daily life of the workers of Nazaré da Mata, Pernambuco, as local development", of the Postgraduate Program in Rural Extension and Local Development, Federal Rural University of Pernambuco (UFRPE). Proposing to talk about the life and struggle of women farmers, rural workers and sugar cane cutters in the municipality of Nazaré da Mata, Zona Norte Mata de Pernambuco, which are part of the cultural manifestations of the Canavial Movement in Same region. These women are components of rural maracatus and reconcile work and artistic activities. The Canavial Movement emerged in the locality as an initiative to propagate and value the local culture, as well as to awaken the cultural, artistic and socioeconomic potential of these social subjects, lacking public policies to encourage it. Therefore, as a methodology, the concepts of gender, popular cultures and considerations that govern the Canavial Movement will be used, as well as semi-structured interviews and participant observation. Keywords: sugar cane movement; women rural workers; nazaré da mata; popular cultures.

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