VILA VELHA DE ITAMARACÁ(PE) Imagens, Percursos E Memórias
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Roseline Vanessa Santos Oliveira VILA VELHA DE ITAMARACÁ(PE) Imagens, percursos e memórias Sede da primeira feitoria, oficialmente instalada no Brasil por Cristóvão Jacques em 1526, a Vila de Nossa Senhora da Conceição (atual Vila Velha) foi, por mais de dois séculos, um ponto muito importante para a instalação de portugueses nas terras brasílicas e das suas lutas contra as investidas francesas e holandesas, atraídos pelo potencial econômico da cana-de-açúcar. O contato desses viajantes com o novo território resultou na elaboração de diversos registros dessa experiência. Manuscritos, descrições do sítio, das batalhas, desenhos e mapas, oriundos de um pensamento racionalizado do mundo, mas, também, carregados de mitos e simbolismos, estão acessíveis hoje, colocando essa antiga Vila em situação privilegiada para estudos históricos. Vale-se desse legado dos viajantes para a investigação do conteúdo patrimonial da Antiga Vila de Nossa Senhora da Conceição. A investigação sobre seu passado permite a identificação de seu patrimônio arquitetônico e urbanístico dos séculos XVI e XVII, que permaneceu até a atualidade, indicando o valor desse sítio dotado de história. Assim, inicialmente marginalizados pela pesquisa histórica, por carregarem impressões pessoais de quem os produziu, esses registros de viajantes, hoje valorizados pelas conquistas da nova história, constituem importantes instrumentos na investigação do passado de Vila Velha. Introdução A história do sítio de Vila Velha remonta aos primeiros anos depois da descoberta das terras brasílicas. A área onde o povoado está instalado foi freqüentada por europeus desde 1526, quando ainda era feitoria. Sede da capitania de Itamaracá, a então chamada Vila de N. Sra. da Conceição tinha muitos aspectos que atraíram o interesse desses europeus pela Ilha durante os dois primeiros séculos após o descobrimento: ...primeiro, era um dos lotes mais próximos da Europa, dispondo de mata com abundância de pau-brasil, uma grande diversidade de recursos muito disputados pelo mercado europeu, e compreendia terras no litoral, rios navegáveis para embarcações da época, áreas de manguezais, além de colinas e de várzeas que se prestavam para a criação de gado e à cultura da cana-de-açúcar. (ANDRADE, 1999, p.53). Para além do interesse de exploração, os europeus também eram atraídos pela peculiaridade insular da Ilha de Itamaracá. A região caracterizava-se por sua condi- ção de isolamento e confinamento, considerada uma vantagem natural de segu- rança para a instalação de povoamentos (REIS FILHO, 1968, p. 71). As potencialidades reconhecidas da Ilha renderam à antiga Vila da Conceição a condi- ção alternativa de sediar o Brasil Holandês em meados do século XVII, indicada juntamente com a Vila de Olinda e a Ilha de Antônio Vaz (MELO, 1987, p.56-61). Entretanto, desde a transferência da condição de matriz de sua principal igreja1, do mesmo nome, para a Igreja de N. Sra. do Pilar no ano de 1866, situada às mar- gens do mar ao norte da Ilha, a antiga sede de Itamaracá começou a ser chamada de Vila Velha, como é conhecida até hoje (Fig 1). Vila Velha situa-se na região mais elevada da Ilha de Itamaracá, a 7km de subida, partindo-se do acesso principal ao município em direção à sua região sul. A Ilha está localizada a cerca de 50km da cidade do Recife-PE. As atividades econômicas 97 Cadernos 2.p65 97 17/11/03, 11:00 VILA VELHA DE ITAMARACÁ(PE): IMAGENS, PERCURSOS E MEMÓRIAS Figura 1 Localização do povoado de Vila Velha, ao Sul da Ilha de Itamaracá. Fonte: GUIA BRASIL QUATRO RODAS, 2000, p.1992 da Ilha, atualmente, são a pesca, a coleta de coco, o artesanato e, sobretudo o turismo, devido, dentre outros aspectos, à proximidade com o continente e com a capital pernambucana. O início das atividades turísticas em Itamaracá remonta ao ano de 1939, com a construção da Ponte Getúlio Vargas, por ocasião da instalação da Penitenciária Agrícola de Itamaracá, situada na rodovia PE-1, que liga a ilha ao continente. No entanto, o turismo comercial só tomou maior impulso no início da década de 1960 com a elevação da Ilha a município. A emancipação da Ilha de Itamaracá ocorreu em 1959, mas só foi efetivada oficialmente em março de 1962, quando deixou de ser distrito da antiga cidade de Igarassu-PE. Passou, então, a receber um constante fluxo de turistas nos finais de semana e nos períodos de férias, devido à singularidade insular, que tem tornado Itamaracá uma área de descompressão metropolitana, voltada para as atividades de lazer e turismo, incentivadas pelos planos e projetos da Região Metropolitana do Recife, desde a sua criação em 1973. O crescimento acelerado do turismo nessa região, no entanto, tem ocasionado um rápido processo de transformação das suas paisagens, desde o início da segunda metade do século XX. Como exemplo do desdobramento do impulso do turismo na Ilha, pode-se citar a situação da faixa litorânea, expressivamente ocupada por co- queirais que, a partir da década de 1970, começam a diminuir, com a valorização da praia e a crescente especulação imobiliária para as construções das residências secundárias. Possuindo um conjunto arquitetônico que vem se compondo desde os primeiros anos da ocupação portuguesa, a Ilha de Itamaracá apresenta a região de Pilar, que comporta um patrimônio edificado do século XVIII, e a de Jaguaribe, que, por esta- rem ainda localizadas às margens do mar, são áreas ainda mais atraentes para os turistas. Da mesma maneira, o forte Orange, datado de meados do século XVII, 98 Cadernos 2.p65 98 17/11/03, 11:00 também é um dos resíduos importantes da Ilha, o que dota seu entorno de espe- cial valor turístico. A insularidade associada à presença de monumentos históricos representam atrati- vos que motivam os empreendedores imobiliários a investir na instalação das segun- das residências e estabelecimentos comerciais. O povoado de Vila Velha situa-se dentre as áreas indicadas como pontos turísticos da região. Nota-se a velocidade com que esse sítio urbano vem se modificando desde as últimas décadas do século XX, mesmo sendo tombado em nível estadual, desde 1985. Em um curto espaço de tempo, percebem-se expansões da ocupação do sítio, devido ao aumento do núme- ro de habitantes e de novas necessidades da comunidade local. Essas ocupações se deram mais expressivamente em frente da Igreja de N. Sra. da Conceição e em torno de uma área descampada bem definida, no espaço desse sítio. A atual tendência de se proporem intervenções nos pólos de interesse turístico, a partir das exigências de uma infra-estrutura adequada para atender aos visitantes, indica a possibilidade de a configuração de Vila Velha mudar rapidamente. Segundo o Projeto de Valorização Turística de Vila Velha, proposto pela Prefeitura Municipal de Itamaracá, em 1997, a falta de infra-estrutura básica, adequada para atender aos viajantes que visitam esse povoado, inibe o desenvolvimento da atividade turística nesse sítio, interferindo, por extensão, no circuito turístico da Ilha. Dentre as propos- tas de intervenção na perspectiva da otimização da atividade turística, situa-se a preocupação com os aspectos arquitetônicos. Pretende-se manter o perfil arquitetônico do casario, corrigindo distorções porventura introduzidas. Manter o casario sempre pintado, com jardins e arborização, bem como instalar equipamentos de atendi- mento ao turista como bares e lanchonetes (PROJETO, 1997, p. 6). Nota-se, ainda, que as pressões do turismo sobre esse povoado e as novas neces- sidades dos próprios habitantes sugerem o comprometimento de seu patrimônio antigo, natural e edificado, não reconhecido. Um dos principais aspectos que com- prometem a riqueza de seu conteúdo patrimonial, assim como a capacidade de suporte turístico desse povoado, consiste no desconhecimento da representatividade histórica desse sítio, que não é reconhecida pelos moradores, pelos que divulgam a imagem da Vila, por aqueles que estão por trás das propostas de intervenção e pelo próprio IPHAN, pois o sítio de Vila Velha não existe no mapeamento do patrimônio nacional. Considerando a carência de maiores estudos sobre sua memória de longa duração, o propósito deste trabalho consistiu em investigar o passado do sítio antigo de Vila Velha, buscando identificar o patrimônio cultural e natural dos séculos XVI e XVII, partindo-se do pressuposto de que muitos aspectos que permearam o início da construção desse sítio estão bem presentes no povoado hoje. Assim, tendo em vista a possibilidade de o sítio de Vila Velha ser alvo de intervenções, devido ao turismo, identifica-se seu conteúdo patrimonial, originário dos primeiros anos da construção desse sítio, como forma de contribuir para a conservação de sua iden- tidade e de seus valores culturais, através de um trabalho de pesquisa histórica e de análise crítica de questões sobre sua memória. Para tanto, foram utilizadas bases multidisciplinares arquitetura, urbanismo, his- tória, geografia, literatura para ampliar as perspectivas da pesquisa sobre Vila 99 Cadernos 2.p65 99 17/11/03, 11:00 Velha. Essa multidisciplinaridade é adotada para abordar o tema das viagens, e, mais especificamente, os registros dos viajantes, como mecanismo cultural que dá margem para a investigação do passado, considerando-a um instrumento para a prática arquitetônica e urbanística. Tendo em vista que muitas marcas desse distante contexto da história ainda estão bem presentes no sítio urbano de Vila Velha hoje, empreende-se a identificação de suas permanências, através da análise de iconografias dos séculos XVI e XVII, to- mando as descrições dos