Estudos Sobre a Filosofia De Louis Lavelle
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i i i i i i i i i i i i i i i i i i i i Américo Pereira Estudos Sobre a Filosofia de Louis Lavelle LUSOSOFIA:PRESS Covilhã, 2013 i i i i i i i i i i i i i i i i FICHA TÉCNICA Título: Estudos Sobre a Filosofia de Louis Lavelle Autor: Américo Pereira Colecção: Livros LUSOSOFIA Design da Capa: Madalena Sena Paginação: Filomena S. Matos Universidade da Beira Interior Covilhã, 2013 ISBN: 978-989-20-4398-2 i i i i i i i i i i i i i i i i Índice Apresentação1 1 Louis Lavelle na senda de uma milenar tradição metafísica5 2 Fundamentação ontológica da ética na obra de Louis Lavelle 85 3 Da Ética em Louis Lavelle 93 3.1 Filosofia como Escalada..................... 93 3.2 Do Acto da Pessoa........................ 96 3.3 Da Única Alternativa Ontológica: Acto ou Nada......... 99 3.4 A Construção Ética do Acto Humano............... 101 3.5 Ética, Ontologia e Antropologia................. 101 3.6 Do Valor como Transcendental Não-subjectivo.......... 104 3.7 O Bem como Único Verdadeiro Real............... 105 3.8 O Amor como Único Acto Real.................. 107 3.9 Da Angústia como Tensão Infinita para uma Plenitude Infinita- mente distante.......................... 110 4 Da posteridade do pensamento de Lavelle 113 i i i i i i i i i i i i i i i i i Apresentação Desde os mais remotos tempos, em que a humanidade surgiu não como coisa material magicamente arrancada a uma materialidade biológica absolutamente não-humana, mas como acto propriamente lógico, isto é, de colheita de sen- tido, que a afirmação da mesma humanidade passa pela posição de um «logos» que transcende a mera horizontalidade da materialidade sensível das coisas, apontando para uma transcendência de possibilidades, fonte de todo o movi- mento quer humano quer trans-humano. Primeiro nos genuínos mitos, como forma incoativa de encontro com um «logos» universal que permitisse encon- trar uma qualquer forma necessária de ordem que impossibilitasse o caos, de- pois já como forma propriamente racional, lógico-métrica, na filosofia e seus paralelos ou derivados científicos naturais, a humanidade tem buscado sempre isso que é o ponto de amarração para um possível sentido, sem o qual nada vale verdadeiramente a pena e a vida humana se transforma numa real pena que esmaga o ser humano, muitas vezes sem que o esmagado possa perceber qual a eventual razão de tal peso, a origem de tamanha ameaça, numa palavra, o porquê, o por quê e o para quê do mal. Após o desaparecimento dos grandes mitos fundadores, as explicações para o grande inimigo do positivo sentido para o humano vacilaram entre a construção de novos, frágeis mitos, que já não acreditavam na dimensão gran- diosa de isso que procuravam narrar, e esses outros mitos que são as cons- truções impossivelmente não metafísicas elaboradas pelos cientistas naturais, impotentes para encontrar explicações de pendor universalista capazes de con- ferir sentido à realidade humana, digno da sua mesma capacidade de sonho e de esperança, construções que mais não podem fazer, na necessária coerência filosófica com os pressupostos em que assentam, do que descrever uma caoti- cidade de coisas elementares que não podem mais fazer do que co-existir sem 1 i i i i i i i i 2 Estudos Sobre a Filosofia de Louis Lavelle outro cimento que as una para além do acaso. O «logos» próprio da esperança humana parece perdido para sempre e mesmo as grandes religiões quantas ve- zes mal disfarçam uma redução funcional a formal agitação de incensório cujo perfume já não transpõe a atmosfera, pois já não há deuses a cujas narinas o incenso possa chegar. Mesmo um Prometeu mal interpretado faria melhor filosofia e teologia, pois, mesmo o Titã supostamente em «hybris» contra os deuses possuía mais piedoso cuidado com o bem da humanidade do que qualquer movimento de pensamento dominante nos últimos séculos: por isso, procurou salvar a pos- sibilidade do «logos» humano, furtando o fogo lógico aos olímpicos céus. A filosofia de Louis Lavelle partilha este mesmo desejo e esta mesma vontade de salvação lógica da humanidade: sem ir ao Olimpo furtar a cente- lha ígnea, não deixa, no entanto, de propor a necessária escalada até ao cume da montanha, não da filosofia, o que é espúrio e vão, mas da mesma reali- dade humana e cósmica. Esta eventual chegada ao cume, esta sim, coincide com o momento da filosofia em acto pleno, mas também, como Platão bem percebeu, com o momento da transformação do máximo acto filosófico no acto da sabedoria. A filosofia é o caminho até Sofia e esta é o fim de cada ser humano, fim único em que cada pessoa pode coincidir com o melhor de si pró- pria enquanto possibilidade: é esta a lição platónica fundamental, que Lavelle tão bem soube perceber e tão bem procurou dizer de modos tão diferentes, construindo todo um sistema ontológico, com fundamental amarração meta- física, que fica como um dos grandes monumentos do pensamento do século XX, passados modalismos efémeros e decantada a espuma da agitação psico- noética que o pavor dos fascismos mal combatidos e finalmente subtilmente triunfantes provocou. A filosofia de Lavelle é um pensamento do absoluto da positividade do ser, na sua infinita dimensão metafísica, mas também na sua imensa tradução ontológica de que a humanidade é privilegiada colaboradora. Lavelle compendia o que de melhor há nas filosofias de Platão, Aristóteles, Agostinho e Tomás, filtradas por um cogito, que recupera o melhor de Des- cartes, procurando mostrar o quanto a afirmação divina sete vezes presente no início do Génesis é correcta: o ser criado é bom, absolutamente bom (e belo), pois é a afirmação absoluta que absolutamente nega o nada, este, sim, matriz pensável de todo o mal possível. No entanto, por mais abjecto que seja o mal feito – e ele é sempre produto da incompetência do agente humano –, nada há que não tenha em si presente o absoluto do bem que o faz ser. As- www.lusosofia.net i i i i i i i i Américo Pereira 3 sim, absolutamente, o mal não existe: existe, sim, o mal provocado pelo ser humano, como absoluto da diferença entre o melhor bem possível – por sua acção possível – e o bem realmente concretizado. É sobre alguns destes temas, sobre este fundo de pensamento, que reflec- tem os textos que constituem este livro, situando o pensamento de Lavelle na tradição que é a sua, tradição que assume e eleva a uma altura digna de um Platão. Do seu trabalho, quisemos destacar a possibilidade de se fundamentar a ética na ontologia própria do ser humano, uma vez que este surge como um acto privilegiado, convocado desde sempre a contribuir positivamente para o acervo de bem que é o mundo. Finalmente, é apresentado um estudo so- bre as repercussões que o pensamento de Lavelle teve em alguns pensadores contemporâneos, caminho que se irá aprofundar, pois a riqueza intrínseca do pensamento deste nosso Autor transcende a efemeridade de modas de bem pensar e academismos enfeudados a oligarquias provisoriamente triunfantes. O triunfo é sempre da nobreza do pensamento, demore o que demorar. Queremos prestar a nossa homenagem à equipa que fundou e desenvolveu o projecto de serviço à comunidade cultural de língua portuguesa que é a lusosofia, manifestando a nossa maior admiração intelectual e pessoal pelas suas pessoas. Ao Prof. Doutor José Maria da Silva Rosa fazemos especial vénia de admiração pela sua inteligência e coragem. Américo Pereira Lusosofia.net i i i i i i i i i i i i i i i i 1 Louis Lavelle na senda de uma milenar tradição metafísica A filosofia de Louis Lavelle (1883-1951)1 foi, para nós, uma descoberta tar- dia. Descoberta tardia, mas descoberta extraordinária. Lendo e estudando a obra De l’acte, enquanto preparávamos a nossa dissertação de mestrado em Filosofia, por volta de 1995-96, fomos descobrindo um pensamento cuja gran- deza só era igualável pela profundidade. O pensamento de Lavelle, se bem que profundamente original no modo como se apropria dos temas de que se ocupa – os grandes temas de sempre da história do pensamento –, insere-se na continuidade de uma tradição muito antiga, que sempre porfiou por relevar a irredutível especificidade do espírito humano, em ligação com um horizonte espiritual, que o transcende, mas cuja maravilhosa notícia o visita. Esta tradição é, provavelmente, tão antiga quanto a própria humanidade, pois não se pode conceber esta sem a tomada de cons- ciência de si mesma como algo de diferente e mesmo de diverso do restante, diversidade dada pela capacidade de transformar em sentido e sentido unitá- rio isso que se lhe depara como experiência própria. É o desenvolvimento deste mesmo sentido experiencial que vai receber, mais tarde, o nome de es- 1Sobre a vida de Lavelle, remetemos para dois estudos: JEANTIN Paul, “Louis Lavelle (1883-1951): Notice Biographique”, in Louis Lavelle, Actes du colloque international d’Agen, Agen, Société Académique d’Agen, 1987, pp. 29-36; ÉCOLE Jean, Louis Lavelle et le renou- veau de la métaphysique de l’être au XXe siécle, Hildesheim, Zürich, New York, Georg Olms Verlag, 1997, 1ºcapítulo: “La vie et l’oeuvre de Lavelle”, pp. 17-51, que inclui um ponto muito desenvolvido acerca das obras do Autor. Estudos Sobre a Filosofia de Louis Lavelle, 5-83 i i i i i i i i 6 Américo Pereira pírito. Deste modo, a história do sentido propriamente espiritual do homem será gemelar irmão do próprio homem. Trata-se de uma nova forma de dizer a antiquíssima intuição do sentido unitário da realidade, que marca o absoluto da diferença entre o absoluto todo em que nos encontramos e de que fazemos parte – na linguagem de Lavelle, de que participamos – e o absoluto nada, única alternativa possível.