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Riqueza e Distribuição de no Espírito Santo, Brasil M. Ribeiro¹*, A. Alves-Araújo² & A. L. Peixoto³

¹ Programa de Pós-graduação em Botânica, Escola Nacional de Botânica Tropical, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do . ² Universidade Federal do Espírito Santo, Centro Universitário Norte do Espírito Santo. ³ Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. *Autor para correspondência: [email protected]

Introdução O Espírito Santo, totalmente incluído no domínio fitogeográfico da Mata Atlântica, possui grande variação no relevo, altitude, temperatura, precipitação e tipos de solo, tendo consequentemente uma considerável diversidade de ecossistemas (Laniet al., 2008). Atualmente o estado possui apenas 11% de sua cobertura vegetal original, dispersa em muitos fragmentos (Fundação SOS Mata Atlântica & INPE, 2011). Três formações vegetais principais ocorrem no Espírito Santo, sobre as seguintes províncias geomorfológicas (Martin et al., 1993): as florestas de encosta, em terrenos do Pré- Cambriano (Assis, 2007; Assis et al., 2007; Saiter et al., 2011); as florestas de tabuleiro, nos Tabuleiros Terciários (Jesus & Rolim, 2005; Simonelli, 2007; Peixoto et al., 2008) e as restingas sobre a Planície Quaternária (Pereira, 2007; Giaretta et al., 2013). Lecythidaceae, uma família de plantas arbóreas, de folhas alternas e com casca fibrosa (embira), possui muitas espécies de valor econômico e exploradas comercialmente (Prance & Mori, 1979). Engloba 17 gêneros e cerca de 300 espécies de distribuição pantropical com principal centro de diversidade nas regiões Amazônica e das Guianas (Prance & Mori, 2004). No Brasil são encontrados 10 gêneros e 119 espécies dos quais, a maior parte na Amazônia (Smith et al., 2014). A Mata Atlântica com 19 espécies, e 60% é endêmica deste domínio, é um centro secundário de diversidade na família (Mori, 1995). Tratamentos taxonômicos para Lecythidaceae no estado do Espírito Santo ainda não foram realizados. Contudo, trabalhos como a Flora Neotrópica (Prance & Mori, 1979; Mori & Prance, 1990) e a sinopse para as espécies da região leste do Brasil (Mori, 1995) apontaram sete e nove espécies de Lecythidaceae para o Espírito Santo, respectivamente. Entretanto, Mori (1995) ressalta que coleções incompletas impedem a resolução de problemas taxonômicos de alguns táxons nessa região. A Lista de Espécies da Flora do Brasil registra quatro gêneros e 10 espécies do grupo para o estado (Smith et al., 2014). Diante do exposto, a presente pesquisa teve como objetivo inventariar as Lecythidaceae 253

254 RIBEIRO ET AL: RIQUEZA E DISTRIBUIÇÃO DE LECYTHIDACEAE ocorrentes no Espírito Santo, contribuindo com o conhecimento de sua distribuição geográfica e riqueza.

Material e Métodos As informações foram obtidas inicialmente na rede SpeciesLink (CRIA, 2013), por meio das coleções dos herbários BOTU, CEPEC, CVRD, ESA, FUEL, HPL, INPA, MBM, MBML, MO, NY, R, RB, SPF e UEC que tem dados disponibilizados nessa rede. Posteriormente, foram examinados os exemplares depositados nos herbários CVRD, MBML, RB e VIES, acrônimos segundo Thiers (2014), onde as identificações foram confirmadas ou corrigidas, quando necessário. Foi realizado um refinamento dos dados para excluir duplicatas de uma mesma coleta. As amostras sem coordenadas geográficas ou só com coordenada da sede do município, mas que possuíam referência quanto à sua localidade de coleta passaram por um refinamento da acurácia de sua localização obtidas a partir da ferramenta Google Earth, obtendo-se o localde coleta ou o mais próximo a este. Os mapas de distribuição, de densidade de coleta e o de grid de riqueza foram elaborados com auxílio do programa Diva-Gis7.5 (Hijmans et al., 2012), sendo a riqueza efetuada a partir de células de 0.2° X 0.2°, correspondente a um grid de aproximadamente 20 X 20 km.

Resultados e Discussão A coleção dos espécimes de Lecythidaceae soma 294 registros. Antes da análise dos espécimes, apenas 38% haviam sido identificados por especialistas no grupo. Sem identificação em nível de espécie eram 18% dos registros, a maior parte dos quais nos herbários VIES e MBML. A análise dos espécimes revelou que a família esta representada no Espírito Santo por 11 espécies e uma morfoespécie distribuídas em quatro gêneros (Tab. 1). Com relação à distribuição dos registros de ocorrência no território do estado, dos 78 municípios, apenas 37 possuem registros. Os registros estão concentrados nos municípios litorâneos, principalmente os da região nordeste e poucos são aqueles nas regiões noroeste, central e sul (Fig. 1).

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Figura 1. Distribuição de ocorrência de espécimes de Lecythidaceae e esforço de coleta em células de grid de0.2° x 0.2° no Espírito Santo, Brasil. O município de Linhares agrega 47% dos registros e também a maior riqueza de espécies, representados predominantemente por coletas na Reserva Natural da Vale onde se localiza oherbário CVRD (Fig. 2).

Figura 2. Porcentagem de coleta de Lecythidaceae por município do Espírito Santo.

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A concentração dos registros próximos aos centros de pesquisa é também registrada para grupos como Myrtaceae, considerada uma das dez famílias mais diversas e bem coletadas do estado, no qual ainda há carência de coletas em 33% do território (Giaretta, 2013) e também para Piperaceae por Sarnaglia-Junior et al. (2011). Os dois autores (l.c.) encontraram um maior número de registros, respectivamente em Linhares e Santa Teresa. Das três formações – floresta de encosta, floresta de tabuleiro e restinga – a segunda foi a que teve maior riqueza de espécies (11), além de mais registros de coletas, seguida da floresta de encosta (7) e restinga (1) (Tab. 1). A maior riqueza na floresta de tabuleiro em relação a outras formações possivelmente se deve às conexões pretéritas ocorridas com a Floresta Amazônica durante o Cenozóico, evidenciadas pela ocorrência disjunta de taxa de várias famílias, entre as quais os de Lecythidaceae (Rizzini, 1997; Fiaschi&Pirani, 2009). Eschweilera ovata (Cambess.) Mart. ex Miers (Tab. 1), uma espécie de pequeno a médio porte,foi a mais coletada no estado.Cariniana ianeirensis R.Knuth é uma nova ocorrência para o Espírito Santo,registrada anteriormente em populações restritas nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, e Mato Grosso, alcançando também a Bolívia (Smith et al., 2014; Mori et al., 2014). Tabela 1. Tabela de espécies ocorrentes nas formações vegetais presente no Espírito Santo, baseado nos dados obtidos pela rede SpeciesLink/CRIA. (NEC=Nº de espécimes coletados; F.=Floresta). Espécie Formação vegetal NEC / Herbário Cariniana estrellensis (Raddi) Kuntze F. Encosta e 14 / BOTU, CVRD, MBML, NY, SPF Tabuleiro Cariniana ianeirensis R. Kuntze F. Encosta 1 / MBML

Cariniana legalis (Mart.) Kuntze F. Encosta e 31 / BOTU, CEPEC, CVRD, NY, RB, VIES Tabuleiro Cariniana parvifolia S.A. Mori, F. Tabuleiro 9 / CVRD, NY, RB, VIES Prance e Menandro Couratari asterophora Rizzini F. Tabuleiro 1 / CVRD, NY

Couratari asterotricha Prance Floresta de 13 / CVRD, HPL, MBML, RB, VIES tabuleiro Couratari macrosperma A. C. Sm. F. Encosta e 12 / BOTU, CVRD, CEPEC, INPA, MO, Tabuleiro NY, RB, UEC, VIES Eschweilera sp1 F. Tabuleiro 2 / CVRD, NY Eschweilera ovata (Cambess.) Mart. F. Tabuleiro e 94 / CVRD, CEPEC, ESA, FUEL, HCF, ex Miers Restinga NY, MBM, RB, VIES lanceolata Poir F. Encosta e 13 / BOTU, CVRD, CEPEC, MBML, VIES, Tabuleiro INPA Lecythis lurida (Miers) S.A. Mori F. Encosta e 23 / BOTU, CVRD, CEPEC, HPL, MBML, Tabuleiro NY, RB, VIES Lecythis pisonis Cambess. F. Encosta e 25 / BOTU, CVRD, CEPEC, INPA, MBML, Tabuleiro NY, VIES, UEC

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Conclusão Conclui-se através dos registros existentes, que Lecythidaceae (Fig. 3) apresenta uma maior riqueza na floresta de tabuleiro, que se encontra próximo à região litorânea do Espírito Santo.

Figura 3 – Riqueza de espécies de Lecythidaceae em células de grid de 0.2° x 0.2° no Espírito Santo, Brasil.

Os registros dos espécimes demonstram que a família é pouco amostrada no estado, possivelmente devido ao grande porte dos espécimes que desencoraja e dificulta a coleta, além da equivocada concepção que o grupo é suficientemente conhecido. Portanto, o presente trabalho ampliou a representatividade da família em coleções, melhorando o entendimento da distribuição geográfica, ecologia e taxonomia do grupo, além de subsidiar também ações para sua conservação.

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Agradecimentos À Capes pela concessão de bolsa ao primeiro autor.Ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Herbário Virtual de Plantas e Fungos por possibilitar a vinda dos especialistas S. A. Mori e N. P. Smith, aos quais agradecemos por compartilharam seus conhecimentos em 30 dias em campo e herbário com o primeiro autor e, ao Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade (SISBIOTA) pelo financiamento do projeto “Rede Integrada em Taxonomia e Fungos” ao qual este estudo está vinculado. Agradecemos também aos curadores dos herbários consultados.

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