Em Torno De “Fluxo”, De Hilda Hilst Goiânia
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS DHEYNE DE SOUZA SANTOS AS PAREDES DO INDIZÍVEL: EM TORNO DE “FLUXO”, DE HILDA HILST GOIÂNIA 2018 DHEYNE DE SOUZA SANTOS AS PAREDES DO INDIZÍVEL: EM TORNO DE “FLUXO”, DE HILDA HILST Dissertação apresentada ao Programa de Pós- -Graduação em Letras e Linguística, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, para obtenção do título de mestre em Letras e Linguística. Área de Concentração: Estudos Literários Orientador: Prof. Dr. Marcelo Ferraz de Paula Faculdade de Letras, UFG GOIÂNIA 2018 Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG. SANTOS, DHEYNE DE SOUZA AS PAREDES DO INDIZÍVEL [manuscrito] : EM TORNO DE “FLUXO”, DE HILDA HILST / DHEYNE DE SOUZA SANTOS. - 2018. VI, 157 f. Orientador: Prof. Dr. Marcelo Ferraz de Paula. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Letras (FL), Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Goiânia, 2018. Bibliografia. 1. Hilda Hilst, . 2. Fluxo-floema, . 3. testemunho, . 4. indizível.. I. Paula, Marcelo Ferraz de , orient. II. Título. CDU 82 RESUMO Este trabalho objetiva analisar o texto “Fluxo”, do livro Fluxo-floema (1970), da escritora brasileira Hilda Hilst, considerando o contexto sociopolítico em que a obra foi escrita e publicada no país e o peso das barbáries do século XX, tendo como subsídio teórico- metodológico o testemunho. Para essa leitura, estabelecemos, primeiramente, uma breve conceituação a respeito do testemunho. Em seguida, buscamos levantar uma trajetória literária de Hilda Hilst, comentando fortuna e recepção crítica de suas obras e destacando características como a releitura da tradição lírica na sua poesia, o seu teatro ligado à necessidade de comunicação com o outro e a produção chamada erótica/pornográfica como uma transgressão literária e política. Posteriormente, propomos uma análise dos cinco textos que compõem o livro Fluxo-floema, destacando eixos entre eles, como a presença marcante da necessidade de dizer, a violência e o embate do escritor com o mercado editorial. Por último, optamos por uma análise literária mais detida da narrativa lírica “Fluxo”, observando a fragmentação, a fusão de gêneros, o caráter dialógico- dramático, a opressão sistêmica, a metalinguagem, o paradoxo, o ritmo, o silêncio, o silenciamento, entre outras marcas testemunhais. Nessa análise, o indizível é investigado a partir da chave do trauma, considerando a importância da necessidade de dizer em tensão com a impossibilidade de se expressar, o que se liga ao desejo de comunicação com o outro. Como conclusão, identificamos uma linguagem que sobreviveu às catástrofes, por isso uma linguagem-testemunha, e que diz, nas marcas de suas imagens poéticas, o indizível. Palavras-chave: Hilda Hilst, Fluxo-floema, testemunho, indizível. ABSTRACT The walls of unspeakable: about “Fluxo”, by Hilda Hilst This work aims at analyzing the text “Fluxo”, from the book Fluxo-Floema (1970), by the Brazilian writer Hilda Hilst, considering the sociopolitical context in which the work was written and published in the country and the barbarities burden in the twentieth century and also having the testimony as a theoretical and methodological subside. For this reading, we firstly established a brief conceptualization about testimony. Then, we traced Hilda Hilst´s literary trajectory pointing at literary fortune and critical reception of her works and highlighting characteristics such as the rereading of the lyrical tradition in her poetry, her theater connected to the necessity of communication with the other and her production known as erotic/pornographic as a literary and political transgression. Afterwards, we propose an analysis of the five texts that compose the book Fluxo-Floema outstanding main points such as the determined necessity of saying, the violence and the clash between the writer and the editorial market. At last, we opted to a literary analysis more focused on the lyric narrative “Fluxo”, observing the fragmentation, the fusion of genres, the dialogical-dramatic character, the systemic oppression, the metalanguage, the paradox, the rhythm, the silence and the silencing among other testimonial marks. In this analysis, the unspeakable is investigated as from the key of trauma, considering the importance of the necessity of saying in its tension with the impossibility of expression, which is linked to the desire of communication with the other. As a conclusion, we identity a language that survived to the catastrophes, therefore a witness-language, which says, in its poetical images marks, the unspeakable. Keywords: Hilda Hilst, Fluxo-floema, testimony, unspeakable. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 6 1. O TEOR TESTEMUNHAL E A LINGUAGEM-TESTEMUNHA 12 1.1. Do testemunho, da história 12 1.2. Das barbáries, das catástrofes 14 2. TRAJETÓRIA LITERÁRIA DE HILDA HILST E RECEPÇÃO CRÍTICA 21 2.1. Da década de 50 23 2.2. Da década de 60 25 2.3. Da década de 70 33 2.4. Da década de 80 36 2.5. Da década de 90 37 3. FLUXO-FLOEMA: A NECESSIDADE DE DIZER 47 3.1. “Fluxo” 63 3.2. “Osmo” 80 3.3. “Lázaro” 86 3.4. “O unicórnio” 88 3.5. “Floema” 96 4. “FLUXO” E O DIZER INDIZÍVEL 101 4.1. Memória, trauma, linguagem 103 4.2. O indizível do testemunho 127 CONSIDERAÇÕES FINAIS 144 DERRELIÇÃO 146 REFERÊNCIAS 149 “me deixa, me deixa, me deixa escrever com dignidade” (Hilda Hilst, em “Fluxo”) 6 INTRODUÇÃO o meu de dentro o teu a dor o vazio palavra morta da minha boca tudo trevoso queria amo não sei amo não sei demais paredões da memória memória memória cascalho confundindo o percurso das águas dor pátio onde os homens caminham chamados ai AAAAAAAAAIIIIIIIII que chamados estiletes a terra os dentes pó pó mas a memória (Hilda Hilst, em “Fluxo”, 1970) Esta pesquisa nasceu de um incômodo. Adorno insuflou a questão: é impossível escrever poesia após Auschwitz. Hilda Hilst regurgitou: “me deixa, me deixa, me deixa escrever com dignidade”. E então surgiu a indagação: o que e como pode testemunhar essa poética numa era de catástrofes, de barbáries, de extremos? Com as reflexões levantadas nesta dissertação, considera-se que a linguagem pode dar seu testemunho – fragmentado, vazado, perdido, açoitado, fraturado, indizível –, com todos os tropeços que a própria memória prega, afinal, “ao contar e revelar, está, ao mesmo tempo, escondendo” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 23). Assim, pretende-se investigar, na poética de Hilda Hilst, o conflito que surge de um campo de forças sobre o qual atua o testemunho. De acordo com Seligmann-Silva, um dos principais referenciais teóricos utilizados aqui, tem-se: de um lado, a necessidade premente de narrar; do outro, a percepção da insuficiência da linguagem e do caráter inimaginável, da inverossimilhança. Essas simultâneas necessidade e impossibilidade duelam no campo da linguagem, deixando cicatrizes de um dizer indizível. Esse dizer poético hilstiano é entrecortado por quebra de pontuações, não demarcação de falas, vozes que se misturam, gêneros que subvertem, temas que se tensionam, fragmentação, oralidade, violência, opressão, silêncios, urros. Essas são marcas testemunhais que permitem promover uma leitura, sem eliminar outras, que investiga o teor testemunhal, mais detidamente, no texto “Fluxo”, que abre o livro Fluxo-floema. Importa destacar que, evidentemente, não se pretende situar a produção de Hilda Hilst como “literatura de testemunho”, mas analisar o teor testemunhal nos seus temas e na sua linguagem. Afinal, uma das características mais tradicionais do testemunho não se estabelece ali, uma vez que não há a figura do eu-testemunha, o qual assume um pacto de veracidade e identidade diante do narrado. O caráter dramático e as vozes, como Anatol Rosenfeld (1970) e outros críticos apontaram sobre a autora, rompem o perfil consagrado de uma “literatura de testemunho”. Todavia, isso não elimina a possibilidade de encontrar um teor testemunhal na sua literatura. Afinal, como sublinhou Márcio Seligmann-Silva (2003), há o testemunho secundário, de alguém que não viveu diretamente uma barbárie: 7 “Não só aquele que viveu um ‘martírio’ pode testemunhar; a literatura sempre tem um teor testemunhal” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 48). Os organizadores do livro Catástrofe e representação validam: Não é preciso passar por uma catástrofe, no sentido geológico, biológico, ou histórico, para reconhecer as contingências traumáticas da experiência, como se representa em obras e textos fundamentais do presente. O que aconteceu deixou marcas. As marcas deixam que o acontecido retorne, presumivelmente num outro modo, não só traumático, nem reparatório. Quem tiver olhos para ver, saberá não ver o que há para não ser visto; quem tiver ouvidos para escutar, saberá distinguir, no tom controlado desses poemas, narrativas, diálogos, canções, um descontrole que resiste às formas, sem se deixar contaminar por elas, e modula a dicção em busca de maturidade. (NESTROVSKI & SELIGMANN-SILVA, 2000, p. 7-8) No livro Crítica em tempos de violência, Jaime Ginzburg (2017, p. 13), outro dos teóricos retomados ao longo desta análise, afirma que “a intensa presença da violência em nossa história está articulada com formas, temas, modos de produção, circulação e recepção de obras literárias”. Por essa razão, é possível afirmar que uma autora como Hilda Hilst também pode testemunhar o seu tempo ou mesmo ter consciência da opressão sistêmica no mundo contemporâneo – a sua linguagem poética está aí para dizer algo, ainda que no paredão da memória. Dessa maneira, considerando os frutos que se tem colhido de um século de horrores, catástrofes, barbáries, silêncios, gritos e guerras, a importância de lembrar fatos catastróficos não é só crucial para alimentar a história e evitar mais barbárie, mas também para examinar como a literatura, a poesia, a linguagem comportam-se ante o horror. Por isso, é preciso lembrar. Por isso, é preciso auscultar o dizer, os seus ruídos. O teor testemunhal, nesse contexto, auxilia a examinar a latência da memória e do trauma na escrita cerceada diante da necessidade de dizer, da insuficiência da linguagem e das maneiras de expressar o indizível.