O Drama Público De Raul Pompeia Sexualidade E Política No Brasil Finissecular
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
O DRAMA PÚblico DE Raul Pompeia Sexualidade e política no Brasil finissecular Novo conceito em pesquisa com acesso gratuito Richard Miskolci www.cis.org.br Fernando de Figueiredo Balieiro O que é o Consórcio de Informações Sociais? É um sistema de intercâmbio de informações que visa reforçar a infra-estrutura de pesquisa dos cien- tistas sociais. Ele resultou de um convênio entre a ANPOCS e o NADD/USP, apoiado pela Fundação Ford e coordenado pelo prof. Brasilio Sallum Jr. Qual o objetivo principal do CIS? O CIS é um site de pesquisa para os cientistas sociais, possibilitando o acesso a bancos de dados sobre diferentes aspectos da sociedade brasileira. Os bancos de dados do acervo podem auxiliar no ensino de métodos e técnicas de pesquisa e servir como fonte de informação para a elaboração de artigos, relatórios, dissertações de mestrado e teses de doutorado. O que o site disponibiliza para pesquisa? No site do Consórcio você terá acesso gratuito, por assunto, aos bancos de dados já incluídos em nosso acervo e a mais de 300 links para bancos de dados ou tabelas on line disponibilizados por ins- tituições brasileiras e internacionais. À Notícia e ao Brasil declaro que Questionando os julgamentos ou as conjectu- sou um homem de honra. ras sobre o “caráter” de Pompeia, é possível recons- Como posso obter dados das pesquisas incluídas no acervo do CIS? RAUL POMPEIA – 25-12-1895 tituir historicamente e analisar de forma sociológica Os bancos de dados do acervo do CIS são transferidos gratuitamente para os pesquisadores interes- o que sua tragédia oculta sobre os valores, os ideais sados. O usuário terá a sua própria senha de acesso, bastando apenas um cadastro com alguns dados Salta aos olhos este bilhete deixado pelo jovem e os fantasmas da sociedade brasileira de então. Seu pessoais. As informações fornecidas pelo usuário serão utilizadas internamente pelo CIS, sem qual- e talentoso intelectual no natal de 1895, quando lacônico bilhete suicida revela o caráter público de quer divulgação para terceiros. se matou com um tiro no coração, surpreendendo seu drama pessoal. Nele, tem como interlocutor seus contemporâneos e entrando para a história de não alguém próximo, um familiar ou amigo, mas a Como faço para disponibilizar um banco de dados no acervo do CIS? forma trágica. Nacionalista sintonizado com a ver- esfera pública unificada na referência a um jornal e tente jacobina da Primeira República, envolveu-se à nação brasileira. Exposto ao escrutínio de todos, Se você quiser participar do Consórcio de Informações Sociais disponibilizando um banco de dados, em contenda política com outros intelectuais entre envergonhado, demanda, com seu derradeiro sacri- acesse o nosso site e siga as instruções. 1892 e 1895 e, impossibilitado de se defender à al- fício, o reconhecimento social de sua honra. Basta preencher o formulário de doação no site e enviar os arquivos para o e-mail: tura dos ataques dos adversários, sucumbiu ao de- Segundo J. Pitt-Rivers (apud Rohden, 2006) [email protected] sespero. O suicídio de Raul Pompeia (1863-1895) é possível compreender a honra como o valor que terminou por corroborar as especulações sobre seu uma pessoa tem a seus olhos e aos olhos de seus Em caso de dúvidas, entre em contato conosco por e-mail: suposto caráter doentio e “esquisito”, julgamento contemporâneos por meio da confirmação de de- 1 [email protected] ou por telefone (11) 3091-1110 que marca suas narrativas biográficas e as críticas de terminadas formas de conduta. Ou seja, a honra suas obras há mais de um século. liga os ideais coletivos à sua reprodução nos com- Artigo recebido em maio/2010 portamentos individuais. A vergonha, por sua vez, Visite o nosso site, participe da expansão deste Aprovado em novembro/2010 revela-se na preocupação com a reputação, o que sistema e contribua divulgando este serviço. RBCS Vol. 26 n° 75 fevereiro/2011 11015-RBCS75_inicio_af4.indd 73 11/04/11 13:21 74 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 75 faz a pessoa sensível à pressão exercida pela opinião como parte da “imoralidade” presente na decaden- pública. Honra e vergonha não são opostas, pois a te ordem imperial. Movido por intenções de crí- falta de vergonha é que equivale à desonra. Assim, tica política, o autor acabou retratando uma nova são dois lados da mesma regra de valorização social forma de compreensão da masculinidade e das re- que define os ideais de uma sociedade, consolidan- lações afetivo-sexuais que se impunha aos homens do sua unidade. brancos da elite nacional. Além de indissociáveis, honra e vergonha variam Sua obra-prima estampava a primeira página histórica e culturalmente. Raul Pompeia, enredado do distinto jornal carioca Gazeta de Notícias, no em um rígido sistema de valores morais, buscou re- ano emblemático de 1888, apresentando as memó- cuperar a honra perdida em um drama pessoal que rias de Sérgio sobre seu tempo de aluno, naquele demonstra como – a despeito de seus idealizadores que descreve como o internato da “fina flor da mo- na teoria social – a esfera pública é um espaço de cidade brasileira”, instituição dirigida por Aristarco reforço de normas baseado na publicização do priva- Argolo de Ramos, fictício pedagogo de importan- do.2 O caráter dramático da tragédia individual nu- tes contribuições à educação nacional. O romance bla suas causas coletivas, em particular a ruptura nor- apresenta as experiências e os sentimentos do pro- mativa que se faz ao trazer a público certas suspeitas tagonista-narrador em meio à disciplina opressiva sobre a vida privada de alguém. A suspeita, nascida do diretor e seus bedéis. Contexto em que ganham do rumor e da fofoca, torna-se ameaça e – nos casos centralidade as relações afetivas entre os estudantes, mais graves – motivo de horror coletivo. No caso de apresentadas como o polo vexaminoso do qual to- Pompeia ou, para fugirmos a qualquer personalismo dos deveriam se afastar. Também expõe de forma enganador, no caso de seu drama público, a polê- contundente as violências em que se apoiava esta mica em que se envolveu tinha motivação política, pedagogia do sexo voltada à formação dos homens mas – algo que pretendemos esclarecer – se desen- das classes dominantes. volveu na gramática da sexualidade e do gênero. Narrativa densa sobre (homos)sexualidade, ela Roberto Ventura (1991) sublinha o fato curio- se insinua como um fantasma em torno do qual so de que, no Brasil de fins do século XIX, domi- giram as preocupações do diretor, a organização nava um clima acirrado de desafio e disputa políti- do internato e o verdadeiro aprendizado a que são ca no meio intelectual. Estas polêmicas traduziam submetidos os estudantes. Araripe Jr. (1978), pri- disputas simbólicas do período sobre um ideal de meiro crítico do romance, o compreendeu – em nação que se criava junto com a consolidação do tom darwinista – como um livro de resistência ao regime republicano. Um fato crucial, mas pouco meio em que Sérgio seria um resistente ao horror explorado, é que tais polêmicas se davam entre ho- da “sequestração sexual” do internato, não sem sur- mens de elite. A associação entre nação e masculi- preender o leitor com suas “mórbidas” sensações nidade vinculava-se à preocupação com o caráter íntimas, leia-se, suas menções indiretas às intera- modelar destes homens, de sua suposta missão vi- ções homoeróticas que vivera ali. Mário de Andra- ril de representar e encarnar os ideais políticos que de (1974) sublinhou o conteúdo autobiográfico do se confundiam com rígidos valores morais. Neste livro, interpretando o romance como uma obra de sistema de valores normativos, a adesão aos ideais vingança contra o ambiente educacional marcado era premiada no mesmo grau em que era temida e por uma pedagogia vivenciada pelo próprio autor. perseguida qualquer suspeita de dissidência. Perce- Dentre as análises contemporâneas, a de Alfre- be-se, assim, o enquadramento em que se inseriu do Bosi (1988) ressalta como a caracterização do Pompeia tanto em seu engajamento político quan- “meio”, discutida pelos outros críticos, toma uma to em sua criação artística. forma de interpretação histórica, sendo a violên- Raul Pompeia trouxe ao discurso literário re- cia vivida no internato, apesar de não se resumir lações “escabrosas”, na qualificação utilizada pelo a isto, representativa do Segundo Império. Mais jornal em que publicou seu romance O Ateneu recentemente, Silviano Santiago sublinhou a com- (1888), no qual descreve relações entre meninos plexidade do enredo de O Ateneu, apontando as in- 11015-RBCS75_inicio_af4.indd 74 11/04/11 13:21 O DRAMA PÚBLICO DE Raul POMPEIA 75 suficiências de uma interpretação unilateral: “cada dos símbolos da monarquia – convida o leitor ao análise do romance permitia uma outra interpre- riso, sem deixar de revelar também o aspecto tene- tação, oposta ou lateral, igualmente válida e justa. broso que marca a vivência dos alunos. A atmosfera Todos os críticos iam tendo razão, sem a ter inteira- do colégio é de medo e tensão, assombrada pelo es- mente” (Santiago, 2000, p. 67). Para ele, adentrar pectro das sexualidades divergentes à norma social integralmente na obra só é possível a partir das con- que ganham – pouco a pouco – centralidade nas tradições inerentes a ela. páginas do romance. A leitura de O Ateneu, para além de sua apre- As relações entre os garotos corroboravam as ciação estética, pode ser feita de forma sociológica se valorações morais do período de Pompeia, no qual encararmos o romance como um “arquivo histórico” se vivia uma ordem política e social em decadência que revela aspectos importantes das mudanças cultu- em que as experiências subjetivas refletiam a ordem rais e políticas pelas quais passava a sociedade brasi- política corrupta. Não obstante, O Ateneu carrega leira de fins do século XIX.3 A narrativa de Pompeia também marcas de uma “nova” sociedade que se for- capta tensões e ambiguidades sociais que percorrem mava no contexto em que era publicado.