e o Caminho Novo: Uma análise sobre a gestão pública do turismo e do patrimônio1

Joanna Darc de Mello Croce (UFJF) 2,3

Resumo: A pesquisa em questão tem como objetivo analisar a gestão pública do turismo no município de Juiz de Fora – MG através do seu vínculo com o Circuito Turístico Caminho Novo (CTCN) e a inclinação para o turismo histórico-cultural. A metodologia utilizada para a realização deste trabalho compreende uma revisão bibliográfica de base conceitual sobre o tema estudado, isto é, através da análise das políticas públicas de turismo no Brasil e das teorias do planejamento turístico, bem como do contexto histórico do Caminho Novo e do surgimento da cidade de Juiz de Fora através dele. Posteriormente, são realizadas análises documentais e entrevistas com representantes das entidades envolvidas. O principal resultado deste trabalho foi constatar que, embora exista um potencial para o “turismo histórico” ligado ao patrimônio na cidade, o atual foco da gestão pública está no segmento do “turismo de negócios e eventos”. Palavras-chave: Circuito Turístico Caminho Novo; planejamento turístico; turismo histórico-cultural;

INTRODUÇÃO

O município de Juiz de Fora, localizado na Zona da Mata, em , surgiu no século XVIII, no auge do período da mineração, e possui aspectos históricos e culturais de grande relevância. O Cine Theatro Central, Museu Mariano Procópio, Museu do Crédito Real, Morro do Imperador, Usina de Marmelos, Parque Halfeld, Museu Ferroviário e Catedral Metropolitana são alguns dos patrimônios juizforanos de suma importância que, no entanto, não são devidamente valorizados pela gestão pública, no processo de planejamento turístico municipal, e por grande parte da população, que acaba desmotivando os visitantes da cidade quanto a esses atrativos. Por sua importância histórica e localização geográfica, Juiz de Fora compõe o Circuito Turístico Caminho Novo (que ainda agrega os municípios de Simão Pereira,

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN. 2 Bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestranda pelo Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais (UFJF). E-mail: [email protected] 3 Nota de agradecimento: à FAPEMIG, pelo auxílio financeiro relativo à estadia durante a realização do evento em Natal/RN.

Santana do Deserto, Matias Barbosa e Santos Dumont). O circuito Caminho Novo recebe esse nome porque, a partir do século XVII, tornou-se uma rota mais curta e segura para a transferência do ouro (que ia de até o porto do ) do que o Caminho Velho, que chegava à . O Caminho Novo é um dos caminhos que compunham a Estrada Real, e hoje faz parte do Instituto Estrada Real, que é gerido pela FIEMG a fim de promover o turismo como forma de auto-sustentação dos municípios envolvidos. Diante disso, surge uma problemática: Por que o turismo histórico em Juiz de Fora não se afirma voltado para o patrimônio, embora a cidade seja uma das principais do Circuito Turístico Caminho Novo? A fim de responder a esta questão, essa pesquisa procura atender ao seu objetivo geral, que é “analisar a gestão pública do turismo no município de Juiz de Fora através do seu vínculo com o Circuito Turístico Caminho Novo e o potencial para o turismo histórico-cultural”. A pesquisa se justifica pela possibilidade do Circuito Turístico Caminho Novo constituir uma importante identidade turística que atrela o caráter histórico da região ao desenvolvimento desta. No entanto, há pouca abordagem acerca da relação Caminho Novo/Juiz de Fora/Turismo, no que diz respeito à falta de investimentos e preocupação para com a questão histórica. O método utilizado para a realização dessa pesquisa abrangerá três etapas fundamentais. A primeira compreenderá uma revisão bibliográfica de base conceitual e teórica sobre o planejamento voltado para o turismo, sobre as políticas públicas no Brasil, e sobre o contexto histórico de Juiz de Fora e do Caminho Novo. Além disso, uma coleta de dados por meio de entrevista, que é realizada com representantes da Prefeitura de Juiz de Fora e do Circuito Turístico Caminho Novo. Na segunda etapa são coletados dados através da análise dos documentos expostos por esses representantes através da análise documental. Na terceira etapa metodológica, os dados coletados em entrevista são, finalmente, analisados. Este artigo está dividido em três tópicos. O primeiro aborda o planejamento turístico e as políticas públicas no Brasil, fundamental para que se possa entender como elas se aplicam no contexto municipal. O segundo tópico trata do contexto histórico do Caminho Novo, bem como da origem da cidade de Juiz de Fora através dele. Já o terceiro tópico expõe a visão da prefeitura de Juiz de Fora acerca da atividade turística e

2 do turismo histórico-cultural, tanto na cidade quanto no Circuito Turístico Caminho Novo.

1. O Planejamento Turístico e as Políticas Públicas no Brasil

Para contextualizar a relação do Circuito Turístico Caminho Novo com o município de Juiz de Fora, é necessário que haja uma compreensão ampla sobre dois aspectos que regem e estabelecem essa relação: O Planejamento Turístico e as Políticas Públicas, que aqui serão abordadas especificamente as de Turismo em âmbito nacional. Por planejamento, entende-se que é: um processo que consiste em determinar os objetivos de trabalho, ordenar os recursos materiais e humanos disponíveis, determinar os métodos e as técnicas aplicáveis, estabelecer as formas de ação e expor com precisão todas as especificações necessárias para que a conduta da pessoa ou do grupo de pessoas que atuarão na execução dos trabalhadores seja racionalmente direcionada para alcançar os resultados pretendidos. (ESTOL et ALBUQUERQUE apud RUSCHMANN in ANSARAH, 2001, p.67)

A preocupação com o planejamento se dá desde a Idade Antiga e seu objeto de análise foi a cidade, visando a expansão territorial. Alguns marcos para o desenvolvimento da idéia de planejamento foram a Revolução Francesa, a Revolução Industrial e o Liberalismo Econômico, e neste contexto o planejamento assume um cunho essencialmente econômico, pois o principal objetivo era o desenvolvimento dos países marcados e/ou influenciados por tais eventos citados anteriormente. Tal período discutido difere do planejamento dos tempos atuais, posto que agora há uma preocupação maior com um modelo que possua aspectos paraeconômicos, ou seja, que vão além da questão econômica e levam em conta o caráter social, ambiental e cultural. O turismo, por sua vez, enquanto atividade a ser planejada, também participa destas tendências. A partir desse ponto de referência, este planejamento turístico é moldado levando-se em consideração toda a cadeia de relações sociais, econômicas, culturais e ambientais. E, mais do que isso, o planejamento turístico deve-se centrar na gestão do espaço público, que é o destino turístico, pois ele é a matéria-prima da atividade. Uma das formas de se verificar a gestão ou o envolvimento turístico de uma determinada localidade é através dos parâmetros, que deverão ser analisados e transformados em informações precisas e úteis para que se desenvolva o planejamento turístico. Para Mario Petrocchi (2009, p.02),

3 o planejamento do turismo deve considerar todas as formas possíveis de contribuição ao bem-estar dos moradores e desenvolvimento integral do destino. Porque o turismo não é um fim em si mesmo e nos núcleos receptores existem as aspirações da sociedade e outras atividades econômicas.

Desta forma, é possível perceber que os parâmetros utilizados por Petrocchi consistem no nível de bem-estar local e na intensidade com que o turismo se integra com as outras esferas de ação do município, tais como a educação, a saúde, etc. Assim, percebe-se que quanto mais próximo destas metas, melhor está sendo executada a gestão do planejamento. Um dos pontos cruciais para se executar o planejamento é considerar suas cinco principais fases. É claro que não há um método único, pois o planejamento é flexível a determinadas circunstâncias, porém existe uma base para se começar a desdobrar os diversos modelos de planejamento. Essas fases, como premissas, são: (1) Diagnóstico (análise do meio – oferta e demanda -, que é o levantamento da situação presente); (2) Objetivos (formulados a partir do que se quer alcançar); (3) Estratégias (são os meios, os recursos que serão utilizados para se atingir os objetivos); (4) Ações (é a execução, na prática, das estratégias estabelecidas); (5) Controle (acompanha todo o processo e verifica se o que foi planejado está sendo implementado, é a fase de monitoramento e avaliação). Essas cinco fases são essenciais para que se possa realizar um planejamento de forma eficaz e que seja sustentável entre os diversos setores envolvidos, pois sem elas o processo de planejamento pode se tornar equivocado e conseqüentemente culminar em algo que não contribua positivamente para o desenvolvimento da atividade turística; daí também a importância de se planejar o turismo, e não simplesmente implantá-lo sem um processo de reflexão e análise, uma vez que as conseqüências podem ser negativas e irreversíveis. Mas, para se executar de forma efetiva o planejamento proposto, é importante saber que existem três níveis de planejamento, sendo o “estratégico” (longo prazo) o das grandes proporções e o que irá comandar os outros dois, o “tático” (médio prazo) é o nível intermediário e tem um caráter gerencial, enquanto que o “operacional” (curto prazo) é o mais básico, mas é ele que irá tornar o planejamento funcional. Essa serialização, portanto, é que viabilizará a execução do planejamento. Nesse sentido, pode-se dizer que o responsável pela definição de orientações para planejamento turístico no Brasil é o governo federal, que desenvolve políticas públicas visando estabelecer diretrizes para a administração e o desenvolvimento da

4 atividade turística no país, caracterizando-se, assim, como nível estratégico. Dessa forma, fica à cargo dos Estados (em que prevalece o nível tático) adaptar tais diretrizes para suas regiões, e cabe aos municípios (num nível mais operacional) executá-las. Por políticas públicas, entende-se que são: diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. (TEIXEIRA, 2002, p.02)

Já política de turismo, pode ser definida como: Um conjunto de regulamentações, regras, diretrizes, diretivas, objetivas e estratégias de desenvolvimento e promoção que fornece uma estrutura na qual são tomadas as decisões coletivas e individuais que afetam diretamente o desenvolvimento turístico e as atividades dentro de uma destinação. (GOELDNER, RITCHIE et MCINTOSH apud CHAVES, 2011, p.69)

O planejamento se dá numa instância de decisão administrativa, e, portanto, a gestão do destino turístico deve ser feita pela governança territorial que, a partir das políticas públicas, tomará um caráter de indutor do desenvolvimento. No período de 1993-1994, a política pública de turismo visava à descentralização governamental do turismo através do PNMT – Plano Nacional de Municipalização do Turismo4. Notou-se, porém, que esse antigo plano não ganhou força suficiente para fomentar o desenvolvimento local, embora, segundo Chaves (2011), a criação deste programa fora um forte esforço do governo federal para enfatizar a atividade. É possível concluir que a falta de articulação intermunicipal fez com que não houvesse ganhos significativos para todos os municípios envolvidos, e daí viu-se a necessidade da criação de um produto articulado, que agregasse valor não só a um município, mas sim de toda uma região, e assim deu-se a criação do Programa de Regionalização do Turismo. Regionalizar o turismo mostra-se importante para compor a atratividade de uma determinada região, uma vez que tal política permite ofertar mais amplamente os atrativos, e isso faz com que haja uma demanda turística maior. Além disso, essa mesma demanda comumente retorna para conhecer melhor a região e as peculiaridades de cada

4 “O Programa Nacional de Municipalização do Turismo – PNMT, implantado no Brasil entre 1994 e 2001, previa uma abordagem comunitária participativa e a formação de Conselhos e Planos de Turismo com uma proposta teoricamente ascendente, cujos fundamentos derivariam das bases da sociedade.” (BRUSADIN, 2005, p. 87-88)

5 município. “Geralmente, a regionalização do turismo é vista como uma decisão capaz de incrementar o poder de atração dos destinos, onde efetivamente o turismo ocorre, com ações e produtos integrados.” (DREHER et SALINI, 2008, p. 03-04) Atualmente, a política de turismo no Brasil é o Plano Nacional de Turismo (PNT) 2007/2010, onde se insere o Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil, que define as regiões turísticas como estratégicas na organização do turismo para fins de planejamento e gestão. Tal programa iniciou-se no Governo Lula e ainda está atuante pois, embora haja diretrizes para a composição do novo programa (2011/2014), ele ainda não foi efetivado. De acordo com o Ministério do Turismo, o Programa de Regionalização do Turismo: Propõe a estruturação, o ordenamento e a diversificação da oferta turística no país e se constitui no referencial da base territorial do Plano Nacional de Turismo. É, dessa forma, um modelo de gestão de política pública descentralizada, coordenada e integrada, com base nos princípios de flexibilidade, articulação, mobilização, cooperação intersetorial e interinstitucional e na sinergia de decisões como estratégia orientadora dos demais macroprogramas, programas e ações do PNT. (BRASIL, 2007).

Nesse sentido, a estratégia do estado de Minas Gerais para executar tal programa federal foi o fortalecimento dos Circuitos Turísticos, que efetivam a idéia de regionalização ao agregar certos municípios a fim de estabelecer um produto turístico único, com características peculiares. De acordo com Gomes e Silva (2006), em 1999 foi criada a Secretaria de Estado do Turismo e foi elaborada a política de turismo para o estado tendo como eixo principal a criação dos Circuitos Turísticos. No caso específico de Minas Gerais, que efetivou essa idéia através dos Circuitos Turísticos, as concepções de cluster5 e de APL6 (Arranjo Produtivo Local) surgem como uma estratégia de desenvolvimento das regiões turísticas. De acordo com Gomes e Silva (2006, p.02), o turismo é um sistema onde suas partes estão integradas e se influenciam. Para vencerem no atual mercado globalizado, as organizações turísticas estão percebendo a importância de se articularem regionalmente para adquirirem vantagens competitivas frente aos concorrentes. Consciente das transformações no mercado e visando o

5 “Clusters são concentrações geográficas de empresas e instituições relacionados a um setor, que estão interligadas, que se complementam, visando alcançarem vantagens frente ao mercado.” (PORTER apud GOMES et SILVA, 2006, p.05) 6 “Um APL consiste de uma aglomeração produtiva circunscrita geograficamente, em geral fortemente vinculada a algum setor específico de atividade econômica (alto grau de especialização setorial) e composta por um grande número de firmas de pequeno e médio portes, que estabelecem entre si algum grau de cooperação, formalmente institucionalizada ou não.” (LINHARES, 2007, p.88)

6 crescimento da atividade no estado, o governo de Minas Gerais implantou a política de turismo denominada Circuitos Turísticos. Esta política busca agrupar organizações ligadas ao turismo localizadas em uma região com características turísticas próprias, formando um produto turístico integrado.

De acordo com essa concepção, os Circuitos Turísticos de Minas Gerais se organizam de forma a integrar certos municípios com características semelhantes a fim de obter vantagem competitiva em relação a outros produtos turísticos. Além disso, o governo de Minas Gerais se antecipou à iniciativa federal nessa idéia de integração, pois: Em 2001, dois anos antes do surgimento do Plano Nacional de Turismo (PNT), que através do Programa de Regionalização do Turismo, visa a formação de roteiros regionais integrados, o estado de Minas Gerais lançou uma política de turismo para estimular a criação de circuitos turísticos. O governo estadual já havia percebido que a importância da articulação regional para a expansão do número de produtos turísticos oferecidos pelo estado e o conseqüente aumento na taxa de permanência do turista no estado. (GOMES et SILVA, 2006, p.09)

No entanto, foram encontradas falhas na administração desses Circuitos. As principais lacunas encontradas, de acordo com Gomes e Silva (2006, p.12), foram: falta de infraestrutura básica; baixo apoio da Setur-MG para consolidar os circuitos; baixa participação do poder público e privado; descontinuidade dos trabalhos desenvolvidos pelos governos passados; falta de conhecimento sobre turismo por parte da população local; pouca integração entre os prefeitos; baixa integração dos circuitos. Dentre os circuitos turísticos mineiros, o Caminho Novo, o qual Juiz de Fora se vincula, ainda é perpassado por outro projeto turístico, denominado de Instituto Estrada Real. A Estrada Real é um conjunto de vias e caminhos criados pela Coroa Portuguesa durante o período do Brasil Colônia, principalmente no século XVII, cujo objetivo era o acesso a metais preciosos como ouro e diamantes do interior de Minas Gerais e o transporte para a metrópole portuguesa. O percurso (...) atravessa partes do estado de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro, capital do país no período. Inicialmente, o caminho ligava a antiga Villa Rica, hoje Ouro Preto, ao porto de Paraty, mas o trajeto original foi alterado a partir do século XVI para que o escoamento fosse mais facilmente controlado pela Coroa, evitando desvios e o não-pagamento de tributos. O “caminho novo” passou a ligar Villa Rica ao porto do Rio de Janeiro enquanto que a rota de Paraty passou a ser conhecida como o “caminho velho”. Com a descoberta das pedras preciosas Arraial do Tejuco (atual Diamantina), a estrada se estendeu até a região, deixando Ouro Preto como o centro de convergência da Estrada Real. Tal via ganhou o nome popular de “Rota dos diamantes”. (BATISTA, 2010)

Portanto, pode-se dizer que o Caminho Novo era uma rota mais curta e segura para a transferência do ouro (que ia de Ouro Preto até o porto do Rio de Janeiro) do que

7 o Caminho Velho, que chegava à Paraty. Segundo Gomes e Silva (2006), o governo de Minas criou, no período de 1999, o Programa de Desenvolvimento do Potencial Turístico da Estrada Real, que visava aproveitar o potencial ao longo do caminho denominado Estrada Real, transformando-o em um produto turístico. Atualmente, o Caminho Novo faz parte do Instituto Estrada Real, que é gerido pela FIEMG a fim de promover o turismo como forma de auto-sustentação dos municípios envolvidos. Esclarecido este ponto, distingui-se, assim, o Circuito Turístico Caminho Novo, que compreende somente cinco cidades de Minas Gerais, do Caminho Novo entendido enquanto estrada histórica. Assim, existe uma diferença entre o Circuito Turístico e a Rota Turística Caminho Novo. Embora eles se sobreponham em alguns momentos, eles também se distinguem e não se deve confundi-los. O próximo tópico abordará o contexto histórico do Caminho Novo, bem como a origem do município de Juiz de Fora, objeto deste estudo.

2. A origem da cidade de Juiz de Fora através do Caminho Novo

Historicamente, o Estado de Minas Gerais é marcado pela descoberta do ouro no século XVIII, fator esse que originou a exploração local a qual propiciou a ocupação demográfica com a formação de vilas e povoados. Levando em consideração que Minas Gerais é um Estado com uma imensa dimensão territorial e cercada por fronteiras com vários Estados, tal fato propiciou Minas Gerais articular com federações vizinhas relações socioeconômicas em cada ponto de seu território. De acordo com J. Whirth, Minas Gerais é um Estado que abstratamente se revela como um “mosaico”. Tal pensamento desse autor se vincula na visão de que a federação mineira é composta de sete sub-regiões, desintegradas e articuladas com Estados vizinhos, interação essa denominada por Whirth como o “mosaico mineiro” (WHIRTH, 1982, p.41). É dentro desse contexto que surgiu o Caminho Novo (vinculado à Estrada Real), uma vez que Minas Gerais se articulou com o Rio de Janeiro, e, consequentemente, originou a cidade de Juiz de Fora: “A descoberta do ouro em Minas Gerais levou a Coroa Portuguesa a fazer um caminho entre sua sede imperial, onde havia um porto, no caso a cidade do Rio de Janeiro, ao centro da região de Minas Gerais, onde o ouro era extraído” (CROCE, 2008, p.06).

8 A preocupação da Coroa Portuguesa em relação à invasão do Estado de Minas Gerais por contrabandistas e aventureiros na busca pelo ouro fez com que o Império mantivesse o caminho em difíceis condições de acesso e constantemente vigiado. Tal caminho foi denominado então como o “Caminho Novo”, via que permitiu o desbravamento da região da zona da Mata mineira, povoada por tribos indígenas como os índios Cataguás e Puris (OLIVEIRA, 2005, p.44). Em 1701, o bandeirante Garcia Rodrigues Paes, filho do bandeirante Fernão Dias Paes Leme, deu início a exploração do Caminho Novo, porém tal caminho foi concluído através das expedições do bandeirante Domingos Rodrigues da Fonseca. Segundo Wilson de Lima Bastos (2004, p.21), O arrastão ou picada, depois denominado Caminho Novo dos Campos Gerais, foi uma das mais notáveis empreitadas, (...), logo à entrada do século XVIII, abrindo-se ao trânsito uma rica região perdida nas ‘áreas proibidas dos sertões leste’. Evidenciada, como foi, tornou-se, ao longo do tempo, centro de manifesto dinamismo dos pontos de vista econômico, político, cultural e social.

O processo de conclusão do Caminho Novo através dos bandeirantes permitiu conforme o acordado entre as expedições e a Coroa que o território de ocupação dessa via fosse dividida em datas e sesmarias. 7 Foi cedida à Antonia Teresa Maria Paes, filha de Garcia Rodrigues Paes uma sesmaria aonde se concentrou o maior povoamento da zona da Mata mineira. Cento e cinqüenta anos após essa doação a sesmaria foi promovida à categoria de Vila, sendo batizada de Vila de Santo Antônio do Paraibuna, e no século XIX, mais precisamente em 1865, foi elevada à categoria de cidade sustentando o nome de Juiz de Fora (ESTEVES, 1915). A retração do ciclo do ouro, que se deu devido à quantidade do metal começar a entrar em período de escassez, propiciou que o Caminho Novo se desenvolvesse mais e acumulasse outras funções de utilização viária. Ao invés de agora servir somente para o transporte do ouro esse caminho agora já era referência comercial, permitindo à zona sul mineira negociar mercadorias com o Estado do Rio de Janeiro (CROCE, 2008, p.07).

7 Data se refere a uma grande porção ou quantidade de terras e Sesmaria tem a seguinte definição: “No português antigo deve-se este nome (sesmaria) às doações que eram feitas de terras incultas ou boas em abandono, isto é, aquelas cujos detentores da posse, em sendo avisados, continuavam a mantê-las em abandono. Tais propriedades eram doadas diretamente pela Coroa ou esta delegava poderes para que as Câmaras o fizessem, com a obrigação de os sesmeiros pagarem a sexta parte dos frutos. Como a mencionada sexta parte chamava-se, inicialmente, a sesma, (o sexto), o contemplado posseiro passou a ser conhecido por sesmeiro e a propriedade em si, semaria. (BASTOS, 2004, p.18)

9 O percurso do Caminho Novo, sendo uma via comercial, também propiciou nesse local a instalação de ranchos e roças que acumulavam a função de produção de bens alimentícios voltados para o mercado interno e pousada para tropeiros, dando início então a uma dinamização da economia local (ALMICO, 2001, p.57). A zona Metalúrgica, de onde provinha o ouro de Minas, com sua retração, fez com que agentes que adquiriram certa economia com a exploração desse local investissem na atividade agro-pastoril na zona das Vertentes-Mantiqueira. Tal local, que faz fronteira com a zona da Mata mineira, levou a um movimento migratório de fazendeiros, que, na busca de terras novas expandissem sua produção e mais tarde seriam produtores de café, produto esse que em meados do século XIX seria a referência da balança comercial brasileira e consolidaria a zona da Mata mineira como a economia de maior potencial em Minas Gerais, tendo a cidade de Juiz de Fora como pólo regional (OLIVEIRA, 2005 p. 106; CROCE, 2008 p.07-08). Os fatores interligando divisão de sesmarias e migrações de fazendeiros deram base para a formação de uma aristocracia rural em Juiz de Fora no início do século XIX, o que gerou uma relação comercial e financeira com a capital do Império, a cidade do Rio de Janeiro. As relações expostas acima permitiram com que, o avanço do povoado do Paraibuna fizesse com que o governo da província de Minas Gerais contratasse um engenheiro que ligasse Vila Rica, capital mineira do período, ao povoado de Paraibuna, maior referência demográfica e econômica da zona da Mata mineira. Então em 1836, Henrique Guilherme Halfeld “abre ruas e prolonga caminhos”, ligando essas localidades que se estendeu até os limites com o Estado fluminense (ALMICO, 2001, p.35). O desenvolvimento na estrutura viária envolveu fatores expressivos como aumento populacional, promoção do povoado à categoria de Vila e economicamente, na metade do século XIX, a zona da Mata mineira, tendo Juiz de Fora como seu centro, já perfaz 99% da produção cafeeira de Minas Gerais (ALMICO, 2001, p.36). Analisando historicamente a importância do Caminho Novo na origem da cidade de Juiz de Fora, é possível perceber que através dele, no decorrer dos anos, deu-se a formação de povoados, e estes, respectivamente, foram elevados à categoria de vilas e posteriormente cidades. Assim como Juiz de Fora, as outras cidades constituintes do circuito turístico Caminho Novo (a saber: Simão Pereira, Santana do Deserto, Matias Barbosa, Juiz de Fora e Santos Dumont) tiveram suas origens de modo semelhante, através da doação de sesmarias, como demonstra Bastos (2004, p.13): “Durante dois

10 séculos, desde a descoberta do Brasil, a região em que se situou Juiz de Fora e diversas comunidades da Zona da Mata de Minas Gerais era parte integrante das ‘Áreas Proibidas dos Sertões Leste’. Tratava-se de uma vasta extensão de terras, em sertão inculto, apenas freqüentada por algumas tribos indígenas”. E foi dessa semelhança entre tais municípios que se originou a possibilidade de efetuar um produto turístico integrado, com ênfase na vivência, no retorno, do caráter histórico e cultural, através do Caminho Novo, integrado ao Projeto Turístico Estrada Real. É possível concluir que a origem da cidade de Juiz de Fora, através do Caminho Novo, foi de suma importância para delinear marcos da história de Minas Gerais e também do país. A cidade se destaca por ricos aspectos culturais e históricos, aspectos estes que foram imprescindíveis para a construção de um legado que Juiz de Fora ostenta atualmente, mas que infelizmente corre o risco de se perder devido ao descaso em disseminar essa relevância tanto do poder público quanto da população local.

3. A visão da Prefeitura de Juiz de Fora a respeito da atividade turística na cidade e no Circuito Turístico Caminho Novo

No tópico anterior foi abordada a trajetória histórica da cidade de Juiz de Fora, e a partir disso é possível perceber a importância do legado histórico-cultural do município para o estado de Minas Gerais. Segundo Gomes (2009), o município de Juiz de Fora é considerado um importante centro cultural regional, por possuir escolas de arte, escolas de música, corais, cinemas, teatros, museus, espaços culturais, grupos folclóricos e entidades culturais. A presença da Universidade Federal de Juiz de Fora, de outras faculdades e de cursos técnicos faz com que a cidade seja muito procurada por estudantes, além de lidar também com o ramo de negócios (o que favorece o turismo de negócios). Somado a isto, tem-se os eventos que acontecem na cidade e a intensa atividade comercial, o que dá maior visibilidade para ao município. Além destes elementos notáveis de Juiz de Fora, a cidade possui um grande legado histórico-cultural atrelado ao século XIX, que vão desde fazendas históricas e casarões, tombados pelo patrimônio histórico municipal, até grandes construções que marcaram uma época. São variados os espaços e as instituições históricas importantes encontradas em Juiz de Fora, que, aliás, possui vários museus, dentre eles: Museu de Arqueoastronomia, Museu do Crédito Real, Museu Mariano Procópio, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Museu de História Natural, Museu do Folclore, Museu

11 Ferroviário, Museu do Rádio, Museu da Usina de Marmelos Zero. Outros atrativos culturais são: o Cine-Theatro Central, a Rua Halfeld, o Parque Halfeld, o Morro do Imperador, a Catedral Metropolitana, as fazendas históricas de Juiz de Fora (Fazenda Palmital, Fazenda Vista Alegre, Fazenda São Mateus, Fazenda Cachoeirinha, Fazenda Ribeirão das Rosas, Fazenda da Tapera), o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas e uma série de construções tombadas, muitas delas construídas pela outrora famosa firma Pantaleone Arcuri. Dentre os atrativos mais relevantes, estão a Usina de Marmelos Zero, que foi a primeira Usina Hidrelétrica da América do Sul, inaugurada em 1889 e idealizada pelo industrial Bernardo Mascarenhas. O momento histórico de sua instalação precede em dois meses à Proclamação da República, e tal fato – símbolo dos novos tempos – rendeu à Juiz de Fora o apelido de “Farol da América Latina” (JUIZ DE FORA, 2004). Outro atrativo é o Museu Mariano Procópio, que é constituído por um castelo e por um parque (um jardim inglês repleto de ornamentação rústica, lagos, ilhotas e arvoredos), que foram encomendados pelo Comendador Mariano Procópio a fim de hospedar o imperador D. Pedro II na ocasião da inauguração da Estrada União Indústria (outro marco importante para o município). O Museu possui um acervo com cerca de 45 mil obras (artísticas, históricas e científicas), sendo a maioria peças do Período Imperial (GOMES, 2009). Já o Banco de Crédito Real de Minas Gerais –– inaugurado em 1888, em plena abolição da escravatura - tornou-se Museu em 1964, com um acervo que representa a história econômica do Brasil. O Cine Theatro Central é outro importante atrativo para Juiz de Fora, pois representa o período áureo da cidade. Inaugurado em 1929, o Theatro Central era símbolo de sofisticação e modernidade, e garantia a Juiz de Fora estrutura para receber espetáculos nacionais e estrangeiros. Atualmente, a construção é tombada pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e gerida pela UFJF. Ainda em funcionamento, o Cine Theatro Central destina-se a eventos como formaturas, shows, peças teatrais, apresentações de dança, entre outros. Outro símbolo da cultura em Juiz de Fora é o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, que foi inaugurado em 1987, ocupando o prédio da antiga Cia. Têxtil Bernardo Mascarenhas. Nesse espaço encontra-se a Biblioteca Municipal Murilo Mendes, além da infra-estrutura para a realização de exposições, teatro, dança, oficinas de arte, cinema, entre outras manifestações artísticas. Apesar do forte potencial para o turismo histórico-cultural de Juiz de Fora, a cidade parece não ser apreciada pela sua população e nem mesmo pelos seus visitantes.

12 “O desinteresse da população juizforana pelo seu patrimônio torna desconhecido para o turista a relevância histórica do local. Muitas vezes os próprios moradores passam aos turistas (reais e potenciais) uma imagem negativa do lugar” (GOMES, 2009, p.13). O que ocasiona o problema da desvalorização turística do patrimônio histórico de Juiz de Fora são, provavelmente, a precariedade ou até mesmo a ausência de uma educação voltada para a conscientização acerca da importância histórica da cidade e a estruturação inadequada para se formar um produto turístico eficaz que desenvolva a atividade. Outro fator é a falta de articulação do trade turístico com o poder público, o que dificulta a valorização e o desenvolvimento desse potencial histórico e cultural. Segundo Gomes (2009, p.12), “a falta de informação juntamente com a má estruturação das atividades e a desunião do trade turístico contribuem para que a cidade não desenvolva seu potencial.” Mas, analisando mais a fundo, se a população juizforana não tem consciência da relevância de seu patrimônio, é porque a gestão pública peca em algum ponto no que diz respeito à promoção desta atratividade. Neste sentido, torna-se necessário analisar como é feita a gestão deste patrimônio atrelado ao turismo, isto é, é preciso saber como a prefeitura de Juiz de Fora lida com o Turismo e como este se vincula com o potencial histórico-cultural herdado do surgimento da cidade através do Caminho Novo. Com o intuito de fazer tal análise, foi realizada uma entrevista, no dia 27 de abril de 2012, com a gestora do Núcleo de Turismo de Juiz de Fora, a turismóloga Danielle Feyo, que também é presidente do Circuito Turístico Caminho Novo, o qual Juiz de Fora se vincula. Além desta entrevista, foi feita uma análise documental do Plano Estratégico do Circuito Turístico Caminho Novo. Com estes materiais, foi possível perceber a precariedade do modo como o Turismo é tratado na cidade, embora ela tenha sido considerada um dos onze “Destinos Indutores do Desenvolvimento Turístico Regional” pelo governo de Minas Gerais. Dizemos isto porque a gestão turística é feita por um Núcleo de Turismo, que está vinculado a uma sub-secretaria (de Desenvolvimento Econômico), e esta à Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Econômico. Isto nos mostra que a extinção da Secretaria de Turismo em Juiz de Fora constitui um regresso da atividade perante o poder público. Além disso, o Núcleo de Turismo conta apenas com quatro funcionários, sendo um a própria gestora (turismóloga) e os outros três estagiários do curso de turismo. Tal fato sugere uma dificuldade em articular o turismo em um grande centro como Juiz de Fora, pois a gestão turística pública conta com apenas quatro funcionários, sendo que somente um

13 deles tem formação profissional (no curso de Turismo) concluída. Mais do que uma questão profissional, o problema que se apresenta relaciona-se com a falta de estabilidade e, consequentemente, a descontinuidade dos projetos nos quais os estagiários se engajam, visto que se trata de um trabalho temporário, de curto prazo. Somado a este fato, foi possível identificar, por meio da entrevista realizada, o atual foco do poder público municipal no “Turismo de Negócios e Eventos”, deixando à mercê, então, o potencial para o turismo histórico-cultural. Isto faz com que não somente Juiz de Fora siga tal caminho, mas também as cidades que constituem o Circuito Turístico Caminho Novo, pois é justamente Juiz de Fora que “lidera” o Circuito. Lidera no sentido de ser a maior cidade, de ser a mais desenvolvida em alguns aspectos, de estar mais articulada com a proposta de regionalização do Governo Federal, do fato da presidente do Circuito ser da Prefeitura de Juiz de Fora, e da sede também ser em Juiz de Fora. Quando perguntada se a prefeitura tem alguma ação com o intuito de fomentar o turismo cultural na cidade, a gestora Danielle afirma que: Hoje, no momento, não. Tem-se a Funalfa, mas o Núcleo de Turismo não. Porque hoje o turismo conta comigo, como funcionária, e três estagiários. Seria até irresponsável a gente assumir várias coisas e não conseguir concluir nenhuma delas. E quando essa gestão assumiu, ficou muito claro que nós iríamos focar a questão do “Turismo de Negócios e Eventos”.

Tendo em vista essas informações, e sabendo que o Caminho Novo nos remete à retomada da memória histórica, ao contrário do que sugere “negócios e eventos”, foi feito uma análise do Plano Estratégico do Circuito Turístico Caminho Novo, e viu-se em que momento o patrimônio aparece nele. Após analisar todo o documento, foi possível concluir que não há uma preocupação clara em difundir e preservar o patrimônio cultural e histórico dentro da idéia do Circuito Turístico Caminho Novo. Embora uma das atribuições da Associação de Circuito Turístico seja “auxiliar as cidades em suas atividades de caráter turístico, histórico e cultural como: a promoção da atividade turística no município e na região, o desenvolvimento social e econômico, a preservação dos patrimônios cultural e ambiental” (JUIZ DE FORA, 2010, p.02), fica explícito que a grande maioria das ações volta-se para a promoção do destino num intuito essencialmente mercadológico, uma vez que todo o levantamento orçamentário é feito com base em realização de eventos e negócios de cunho privado. Não quer dizer que a ênfase no mercado seja de todo ruim, mas como pensar em um produto turístico integrado se o próprio circuito não consolida sua identidade cultural e histórica com base no nome proposto? Como comercializar uma marca sem que haja um trabalho pela

14 consolidação desta relacionado ao objetivo inicialmente pensado, o próprio Caminho Novo? Não se considera os interesses coletivos na busca pela identidade cultural da cidade e nem do Circuito, e isso faz com que haja uma perda da memória histórica relativa à idéia de Caminho Novo, acarretando assim em uma contradição entre o nome dado ao Circuito e os objetivos atrelados a ele. Porém, após a entrevista realizada com a gestora de Turismo, foi possível refletir sobre algumas questões que envolvem a problemática acima discutida. Se, por um lado, faltam incentivos à cultura no sentido de atrelá-la à atividade turística, por outro tem-se a questão de que o foco no “Turismo de Negócios e Eventos” – identificado por pesquisas da Fundação Getúlio Vargas - poderia trazer (e tem trazido) importantes parcerias para o fomento do Turismo na cidade. Estas parcerias, muitas das quais representam a iniciativa privada, colaboram com o poder público no que diz respeito à promoção de Juiz de Fora e do Circuito Turístico. Embora esse tenha sido o caminho encontrado pela Prefeitura para o desenvolvimento turístico de Juiz de Fora, isso não quer dizer que os interesses envolvidos nessa colaboração estejam ligados diretamente com os interesses comunitários e dos profissionais da área de turismo. A idéia de articular o “Negócios e Eventos”, de acordo com a gestão pública, é que esta proposta possa servir como indutora de outros aspectos turísticos, e um destes aspectos seria então o potencial histórico-cultural. De acordo com a gestora de turismo, a idéia “não é descartar as outras possibilidades, mas primeiro vamos estruturar o ‘Negócios e Eventos’ melhor, porque ainda estava pouco estruturado, para aí sim agregar valor aos demais segmentos. E a própria pesquisa do perfil do turista vai começar a trazer isso.” Outro fato que chama atenção relaciona-se com o nome dado ao Circuito Turístico, pois, segundo Danielle Feyo, tal nome empregado, o Caminho Novo, foi meramente uma coincidência, por ser um circuito existente que é anterior à certificação da SETUR-MG - Secretária de Turismo de Minas Gerais. Segundo ela, o circuito ficou parado de 2002 até 2005. Foi criado em 2002. Quando a gente foi até o Newton Hermógenes, que era o secretário de turismo, na época, de Santos Dumont, a gente resgatou o Circuito Turístico, e aí a gente não tem nenhum documento de 2005 para trás. Pelo que a gente sabe, por alguma briga política, rasgaram, jogaram fora... E a gente ficou de 2005 até 2008 tentando resgatar Estatuto..., para não precisar montar um outro circuito.

Além disso, a idéia de Caminho Novo, que se atrela à histórica rota da Estrada Real, quando contextualizada no Circuito Turístico, nada tem de ligação com o Instituto Estrada Real (IER), tampouco com a FIEMG. Ao contrário, as políticas do IER não se

15 aplicam aos circuitos mineiros, e algumas cidades são mais objetivadas do que outras dentro do Programa Estrada Real. Prova disso é que a ênfase do site8 do IER recai sobre as cidades fundamentalmente históricas, tais como Diamantina e Ouro Preto, e não abre muito espaço para as outras, e isso sabendo-se que o Programa Estrada Real abrange 199 municípios. Corroborando com essa questão, tem-se a opinião da gestora de turismo de Juiz de Fora, que afirma: A condição do Caminho Novo, do Circuito, é só uma coincidência de nome, porque não tem relação direta nenhuma o Circuito com a Estrada Real. Essa foi a nossa maior dificuldade, no início, e a gente teve que, inclusive, vender a Estrada Real, porque associavam o nome, mas aí depois a gente resolveu – isso junto com uma consultoria – desvincular. Isso porque – aí é uma opinião minha, enquanto profissional – é algo que foi muito propagado, mas pouco preparado.

Ainda na idéia de que o Caminho Novo nos remete a um resgate da memória histórica, a algo cultural, foi perguntado para a Danielle Feyo como a Prefeitura e o Circuito Turístico Caminho Novo pensam o patrimônio e a questão dessa inclinação para o turismo histórico-cultural. Segundo ela: A idéia é o Circuito começar, ele mesmo, ser a parte do lazer dentro de um contexto de Juiz de Fora, que foi selecionada pelo estado como “destino indutor do desenvolvimento turístico regional”, então é uma cidade que tem a capacidade de desenvolver o turismo em seu entorno. Fomos eleitos por isso, pelo segmento de Turismo de Negócios e Eventos. Só que a gente precisa ter outras possibilidades, primeiro para tentar fazer com que essa pessoa (turista) permaneça por mais tempo – que é o ideal, pois já que ela está aqui, ela amplia seu tempo de permanência e consequentemente o seu gasto médio. (...) Então o circuito sempre vai estar criando, através das agências de receptivo, roteiros para a valorização deste patrimônio. O foco do circuito é sempre cultural, todos. Só que a gente tem uma cidade - e Juiz de Fora está hoje na presidência - que o foco dela é Negócios e Eventos. Então você cruza isso, você dá a oportunidade a quem vem hoje aqui por essa motivação, para que ele desfrute das outras possibilidades.

Expostas tais informações, é possível dizer que, atualmente, a preservação e divulgação do legado histórico cultural do município fica, então, a cargo da FUNALFA - Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage – e das agências de viagem focadas no receptivo. A FUNALFA, fundada em 1978, é um núcleo de cultura que busca a inovação, a integração, a revitalização e o resgate do patrimônio artístico de Juiz de Fora. Ela realiza múltiplas atividades no sentido de assegurar o compromisso com a arte, além de promover a valorização do setor cultural na cidade. Já as agências receptivas tendem a incentivar o turista - que vem à cidade a negócios ou para

8 Disponível em . Acesso em 22 de março de 2012.

16 determinados eventos - a permanecer por um período maior, e assim poder conhecer melhor o aspecto cultural e histórico de Juiz de Fora. Conclui-se, portanto, que a gestão pública tem muito a fazer para promover o potencial histórico-cultural da cidade, e isto se torna um desafio ainda maior quando o foco atual paira sobre o “Turismo de Negócios e Eventos”. É claro que este último não se caracteriza como um empecilho, visto que foi um caminho escolhido para se atingir um objetivo, o de promover o Turismo na cidade. Resta saber se este caminho colaborará com o desenvolvimento da consciência patrimonial, ou a fadará de vez ao esquecimento da população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como demonstrado, o turismo em Juiz de Fora enfrenta uma problemática que engloba não só a cidade, mas outros municípios participantes do Circuito Turístico Caminho Novo. De um lado, tem-se um forte potencial da cidade para desenvolver o turismo histórico-cultural atrelado ao século XIX. Por outro, tem-se o foco atual de Juiz de Fora para a articulação do segmento do “turismo de negócios e eventos”. Tal fato descaracteriza a proposta inicial de “Caminho Novo”, uma proposta que nos remete à retomada da memória histórica ligada a Estrada Real. No entanto viu-se que o próprio Instituto Estrada Real, gerido pela FIEMG, não se relaciona com as políticas de turismo de Juiz de Fora, e esta, por sua vez, sendo eleita o “destino indutor do desenvolvimento turístico regional” passa a dar ênfase cada vez maior no “Negócios e Eventos”, sabendo que este segmento pode trazer maiores benefícios financeiros à cidade através de parcerias com a iniciativa privada e outras entidades de fora do município. Sendo Juiz de Fora a cidade presidente do Circuito Turístico, ela acaba por influenciar as outras cidades do entorno a aderir a este ramo também. A gestão pública acredita que, através do fortalecimento deste segmento, possa desenvolver outras potencialidades, e dentre estas está o “turismo histórico-cultural.” Como debatido no primeiro tópico, é possível concluir que o planejamento turístico, desenvolvido a partir das políticas públicas definidas, é um instrumento imprescindível para o desenvolvimento sustentável do turismo. O planejamento é a base para se pensar a atividade turística tendo em vista não só os benefícios econômicos que ela traz, mas também o desenvolvimento de outros aspectos, ou seja, aqueles ligados à

17 dinâmica social, cultural e ambiental. Porque o turismo deve levar em conta os interesses coletivos, e não só os interesses de alguns grupos específicos. Posteriormente a estas conclusões, foi possível verificar também a importância histórica da cidade de Juiz de Fora através de seu surgimento ligado ao Caminho Novo. A relevância da cidade para a constituição de uma dinâmica econômica no século XIX é indiscutível quando se tem em mente que a cidade foi palco de importantes eventos de extensão nacional, como a inauguração da primeira hidrelétrica da América do Sul, segunda do mundo, pelo industrial visionário Bernardo Mascarenhas, e a consolidação do Banco de Crédito Real, que funcionou durante cem anos e possuía agências na própria capital do Brasil na época, o Rio de Janeiro. Além disso, soma-se o fato do imperador D. Pedro II estar presente frequentemente na cidade, instalando-se na residência de seu amigo pessoal, o comendador Mariano Procópio, lugar este que tornou-se hoje um importante museu para Juiz de Fora, com um imenso acervo do período imperial. Embora sejam claros os fatos que fazem de Juiz de Fora um importante marco na construção da história no cenário nacional, sua população não demonstra entusiasmo em relação a estes fatos, muitas vezes por até mesmo não saber ou por não acreditar que este legado possa servir como um potencial para o turismo histórico, tendo em vista outras cidades como Ouro Preto e Diamantina. Porém, acredita-se que este problema esteja ligado a estruturação precária do turismo na cidade – sendo este um Núcleo de Turismo, que representa o terceiro escalão dentro da prefeitura, somado a má articulação entre o poder público e o trade turístico. Além disso, a profissional Danielle Feyo ocupa dois cargos representativos, o de gestora de turismo de Juiz de Fora e o de presidente do Circuito Turísico Caminho Novo: esse acúmulo de cargos pode acabar influenciando as decisões tomadas por parte de uma ou de outra instituição, pode ser tendenciosa e influenciar nas escolhas coletivas que envolvem ambos os cargos. A desvalorização da cidade pelos próprios juizforanos pode estar ligada, também, com a falta de uma educação voltada para a conscientização patrimonial, e da ausência de um engajamento destes com a identidade e com a memória do município. No que se refere à metodologia utilizada neste trabalho, podemos concluir que esta se deu de maneira positiva, atendendo às expectativas da pesquisadora, pois, ao confrontar a análise documental com a entrevista realizada com a gestora de turismo Danielle Feyo, foi possível delinear um panorama atual da atividade turística na cidade e no circuito que ela compõe. Além disso, foi possível entender melhor a problemática

18 pela qual o município vem passando, bem como as dificuldades para a articulação turística num âmbito em que sua própria população não acredita no poder multiplicador do turismo e em que seu próprio governo ignora a ascensão da atividade, e prova disso é a extinção da antiga Secretaria de Turismo. Assim, a problemática levantada no início deste trabalho - Por que o turismo histórico em Juiz de Fora não se afirma voltado para o patrimônio, embora a cidade seja uma das principais do Circuito Turístico Caminho Novo? – pôde ser respondida ao longo das discussões levantadas no processo de pesquisa, e esta, por sua vez, atendeu ao seu objetivo geral, que era o de analisar a gestão pública do turismo no município de Juiz de Fora através do seu vínculo com o Circuito Turístico Caminho Novo e o potencial para o turismo histórico-cultural.

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