As Encenações E Contribuições De Luís Antonio Martinez Corrêa
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“Theatro Musical Brazileiro”: as encenações e contribuições de Luís Antonio Martinez Corrêa CÁSSIA ABADIA DA SILVA* Por detrás de quase todas as peças dirigidas por Luiz Antonio está uma grande música. E não é por acaso que ele convidou Caetano Veloso para musicar O percevejo, Cazuza para fazer a trilha de Ubu, montado na CAL (Casa de Artes Laranjeiras) e agora requisitou Tim Rescala para adaptar as músicas e fazer a trilha sonora de Mahagonny, junto com o pianista Luiz Antonio Barcas. “Estou sempre com um disco na vitrola eles variam de acordo com o texto que estou montando”. No espetáculo que mostrou ano passado no Paço Imperial, essa paixão pela música quase levou o diretor à loucura. Ele resolveu montar o Theatro Musical Brazileiro, com músicas do princípio do século, ilustrando textos de Artur Azevedo, Martins Pena e outros. (RITO, 1986.) Em 15 anos de carreira ele nunca foi objeto de tamanha unanimidade. Nem quando o sucesso de público permitiu que vivesse durante quatro anos por conta da bilheteria da peça Ópera do malandro, com texto de Chico Buarque. Nem quando recebeu o primeiro Mambembe pela direção de O percevejo, de Maiakóvski, em 81. Pela primeira vez, e com certo ar de perplexidade, o diretor e ator Luiz Antônio, Martinez Correa, 37, anos, assiste do palco à comunhão entre crítica e público. Não por acaso. Os aplausos vêm em resposta a seus dois últimos trabalhos: Theatro Musical Brazileiro 1860/1914, que estreou em 85, rendeu três Mambembes e continua em cartaz às terças-feiras na Villa Riso, em versão reduzida; e Theatro Musical Brazileiro 1914/1945, cartaz há um mês da Casa de Cultura Laura Alvim, que fez a imprensa reagir com expressões como “Imperdível”, “puro prazer” e “absolutamente imprescindível”. (CARONE, 1987) Esse trabalho tem o gostoso e instigante desafio de apresentar, em partes, a contribuição do teatrólogo, Luís Antonio Martinez Corrêa (1950-1987), para o teatro musical brasileiro, tendo em vista sua grande dedicação a tal gênero ao longo de toda sua trajetória artística. Ele que surgiu do porão do teatro Oficina, no início da década de 1970, em São Paulo, com o grupo Pão & Circo e ganhou os palcos, os aplausos e gosto da plateia brasileira e estrangeira. Luís Antonio dedicou a maior parte sua vida, em prol da cena brasileira, com 15 anos de carreira profissional enquanto diretor, ator, cenógrafo, tradutor, professor. Infelizmente deixou a cena inesperadamente, vítima de um crime bárbaro em dezembro de 1987, morto por mais de cem punhaladas. Doutoranda em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista Fapemig. [email protected] Na verdade, trata-se de um duplo desafio, pois, Luís Antonio faz parte dos inúmeras figuras e personalidades importantes e singulares que se encontra sem lugar na historiografia do teatro, por outro lado o teatro musical e/ou musicado também nunca foi visto com bons olhos, tido as vezes como um gênero menor. O pesquisador, Diógenes Maciel comenta em artigo que até em nossa contemporaneidade o teatro musical ainda é um, objeto de reflexão (ou mesmo de apreciação e consumo) não adequado para quem queira ser tomado como um pesquisador sério, na aérea de dramaturgia/teatro, o que, segundo relações de espelhamento, ainda pode responder a muito do que se falou das operetas ou das revistas no fin de sièle e, depois, na primeira metade do século XX. (MACIEL, 2013) As afirmações de Maciel servem como ponto de partida para pensar qual é a relação que nós pesquisadores, a historiografia e próprio teatro brasileiro têm com musical? E aqui concebo musical o mais amplo possível, “por Teatro Musical podem-se entender todas formas dramáticas que utilizam a música como expressão” (VENEZIANO, 2006: 1991) como escreve Neyde Veneziano, outra pesquisadora de grande relevância em seu verbete dedicado a teatro musical no Dicionário do teatro brasileiro. Muito embora, haja um boom dos musicais a partir dos anos de 1990, o qual se mantém em nossa contemporaneidade, isso tanto no eixo Rio-São Paulo como em boa parte da programação teatral do país, há que se ponderar as implicações desses empreendimentos. Pensar qual sua tradição em nossos palcos, Fernando Marques em seu livro sobre teatro musical e a sua estreita ligação com o político no Brasil dos anos 1960 e 1970, apresenta algumas características dessa tradição, A tradição do teatro musical brasileiro tem sido errática, irregular. Suas realizações se multiplicaram em determinadas épocas, enquanto noutras fases dão a impressão de estar esgotadas, prestes a desaparecer. Com algum exagero, diríamos que, a cada vez que se pensa em encenar um musical, é como se artistas, crítica e público devessem reaprender as convenções que tornam o musical possível. (MARQUES, 2014, p.11.) Neste sentido o autor toma como fio condutor de sua análise a encenação de O rei de Ramos, texto de Dias Gomes, encomendado por Flávio Rangel, com músicas compostas por Chico Buarque. O intuito de Marques é demostrar como a partir da década de 1960 vamos ver emergir peças marcadas pela musicalidade e por outro lado com conteúdo de cunho político. O grande marco dessa retomada do teatro musical na concepção do autor seria com essa encenação de Flávio Rangel e que será continuada por outros diretores e dramaturgos. Tania Brandão, importante pesquisadora do teatro brasileiro, ao confeccionar a introdução do livro de Eduardo Rieche e Gustavo Gasparani, Em busca de um teatro musical carioca, aponta que “o momento é mais do que oportuno para que se veja o teatro musical como vertente consolidada e significativa de trabalho artístico” (BRANDÃO, 2010: 15). Ela também aproveita para falar dessa relação que o teatro tem para com o gênero musical, sempre combatido e marginalizado, até mesmo pela sua origem, em suas palavras: A sua origem – se é que se pode falar nestes termos – seria a expressão popular, quer dizer, formas de manifestação sensível das pessoas comuns, das ruas, afastadas das academias e dos salões da grande arte. Ele seria um filho querido das feiras, mercados e praças, dos prostíbulos ou casas de diversão masculinas, das festas e manifestações do populacho, formas de passatempo urbano que, no caso brasileiro, começaram a se delinear com alguma clareza no século 18, para tomar forma mais nítida no início do século 19 e se impor como acontecimento social e – digamos – cultural na segunda metade do século 20. Um duplo estigma, portanto, levou à sua redução a um estatuto inferior, bastardo – a ligação às ruas e a consequente aproximação ao vasto edifício da comédia, que, na tradição erudita francesa, era o gênero associado ao universo das pessoas “comuns”. (BRANDÃO, 2010: 15-16.) O fato é que o gênero teve grande sucesso no cenário brasileiro, tendo um “longo reinado na cena, de 1884 a 1961”, mas segundo Brandão com advento, assim como a expansão do rádio, da televisão, de shows e desfiles de escolas de samba, acarretando a diminuição desse tipo de produção teatral, chegando quase a sua extinção, de acordo com a autora: Por um longo período de tempo, dos anos 1950 aos anos 1980, as décadas que poderiam ser chamadas de obscuras, as manifestações teatrais do gênero aconteceram como intervenções eventuais, descontínuas, resultados de personalidades ímpares, desejos transgressivos ou espíritos rebeldes, ou mesmo visionários. Alguns destes acontecimentos isolados, contudo, conquistaram grande repercussão. A rigor, eles atestam a existência de dois impulsos diferentes, que é essencial reconhecer – o amor brasileiro pela música e pelos musicais e o eterno olhar brasileiro para o mundo. (BRANDÃO, 2010: 23-24.) Tendo em vista “uma cena de muitas histórias”, título das considerações de Tania Brandão, ela esmiúça algumas influências, fruto talvez desse “olhar brasileiro para mundo”, uma delas são as produções norte-americanas, o que Neyde Veneziano também aponta em seu verbete sobre teatro musicado. Contudo, surgiu em meio às décadas “obscuras”, e esse obscuro também nos remete a repressão, controle e censura, que o teatro e a cultura passam a ter diante da conjuntura política brasileira, tendo em vista que a partir de 1964 é dirigida pelos militares. Deste cenário despontou espetáculos que apresentou uma grande carga musical, com conteúdo político e artistas engajados de esquerda, o que demostra Tania Brandão: Uma série de espetáculos que reaproximaram a música popular brasileira da cena sob uma nova forma - foi a série Arena conta..., de Augusto Boal – Arena conta Zumbi e Arena conta Bahia, de 1965, Arena conta Tiradentes, de 1967, Arena conta Bolívar, de 1970. Nas peças dedicadas a Zumbi e Tiradentes, Gianfrancesco Guarnieri foi coautor, situação que aponta uma trama de relações bastante curiosa, pois significa a reunião de artistas que transitam entre o teatro de texto e o musical, ou seja, revelam a condição híbrida do musical deste momento ou desta linha de produção. (BRANDÃO, 2010: 27-28) Entretanto, outros nomes e experiências artísticas, com essas características também emergem nesta mesma conjuntura, a exemplo disso O Show Opinião de 1964, tema da tese de doutoramento da historiadora Sírley Cristina Oliveira, intitulada O encontro do teatro musical com a arte de esquerda: em cena O Show Opinião (1964). Propondo pensar a relação arte e sociedade, a pesquisadora se volta para essa primeira experiência que coloca em questão o regime político que se instala em 1964, e a marca do espetáculo é justamente a música, que busca explorar o popular, o riso, o cômico, que estão na base da própria constituição do teatro musical. Outra figura que começa dar sua contribuição neste período ao teatro brasileiro é Chico Buarque, para além de seus álbuns, com seus vários textos teatrais e trilhas sonoras de algumas peças, somam um conjunto importante para essa “nova dramaturgia nacional” que busca aliar música e teatro, como destaca Neyde Veneziano num artigo da revista Poésis: Naquele mesmo ano de 1965, Chico Buarque de Holanda fazia sua primeira incursão no teatro ao compor as músicas de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto.