RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 92 [ 14/6/2012 a 20/6/2012 ] Sumário

CINEMA E TV...... 3 Folha de S. Paulo - BBC HD produzirá série sobre o Brasil selvagem para 2014...... 3 Correio Braziliense - Corte no tempo ...... 4 Correio Braziliense - Vitrine documental ...... 5 Correio Braziliense - O anarquista que (também) amou Brasília ...... 5 Correio Braziliense - Um roteiro para ser filmado ...... 7 O Estado de S. Paulo - Mais Jobim...... 8 TEATRO E DANÇA...... 9 Folha de S. Paulo - Grupo apresenta espetáculo no escuro...... 9 Folha de S. Paulo - 'Borboleta Azul' faz viagem a Brasil rural de tempos remotos...... 10 Folha de S. Paulo - Roberto Alvim adapta texto de Ésquilo para cenografia radicalmente reduzida ...... 11 Estado de Minas - Fernando Pessoa ganha as ruas...... 12 O Estado de S. Paulo – De dentro para fora...... 13 O Estado de S. Paulo - O teatro do país em papel de destaque editorial...... 15 Folha de S. Paulo - Greve de sexo real inspira peça em SP...... 17 Correio Braziliense - Conexão África-Ceilândia ...... 18 O Globo – Família Tablado...... 19 ARTES PLÁSTICAS...... 20 O Estado de S. Paulo - Goeldi a luz que vem das trevas...... 20 O Globo - Exposição reúne 70 obras de arte popular no Paço Imperial ...... 22 O Globo - Duas individuais abrem no local...... 23 Folha de S. Paulo – Eduardo Kobra pinta 'explosão de amor' em mural de Nova York...... 23 O Globo – Os trilhos de uma trilha...... 24 O Globo – Quarteto fantástico...... 26 O Globo - Obra coletiva recria, em tempo real, imagem clássica do Rio...... 30 MÚSICA...... 31 O Globo - Roberto Silva mostra a classe e a bossa com que canta aos 92...... 31 Estado de Minas - Tradição ameaçada...... 33 O Estado de S. Paulo - Uma noite democrática...... 36 O Estado de S. Paulo – Nelson Pereira e “A Luz do Tom”...... 38 O Estado de S. Paulo - Pegou geral...... 39 O Estado de S. Paulo - Defensor de uma música viva...... 40 Folha de S. Paulo - Criolo leva 3 troféus em prêmio nacional...... 42 Folha de S. Paulo - Viper comemora 25 anos de primeiro disco com turnê...... 43 O Globo – Festival Santa Música leva hoje 42 atrações às ruas do Centro...... 43 Il Sole 24 Ore - ...... 44 Carta Capital – Até a última vela...... 44 LIVROS E LITERATURA...... 46 Folha de S. Paulo - Livro inédito flagra maturação de Drummond...... 46 Folha de S. Paulo – Painel das Letras/ Coluna / Raquel Cozer...... 47 OUTROS...... 48 O Estado de S. Paulo - O cangaço longe da armadilha do mito...... 48 Folha de S. Paulo - Filme mostra arquipélago de Marajó além do cartão-postal / Crítica...... 49 O Globo - Berna Reale, a ‘Marina Abramovic do Pará’...... 49

2 CINEMA E TV

FOLHA DE S. PAULO - BBC HD produzirá série sobre o Brasil selvagem para 2014

Presente na Net, canal deve chegar a outras empresas até o fim do ano; rede planeja lançar emissora infantil Rede anunciou ontem a exibição de "Planet Earth Live", uma espécie de reality show sobre história natural

ALBERTO PEREIRA JR.

(14/06/2012) Com 25 escritórios em 20 cidades pelo mundo, sendo um deles, agora, em São Paulo, o braço de entretenimento da BBC Worldwide fincou sua bandeira no Brasil.

A rede britânica, que no último dia 28 estreou no país o canal a cabo BBC HD, já iniciou parcerias com produtoras nacionais para realizar conteúdo original. Além disso, exibirá seu portfólio, famoso internacionalmente.

"É um ótimo momento para começar a ter presença no Brasil, crescer e ter um negócio rentável", diz à Folha Jana Bennett, presidente da BBC WorldWide Networks.

A executiva se refere tanto ao momento econômico do país, que chegou a 14 milhões de assinantes do serviço de TV paga, quanto à nova lei 12.485/2011, que regulamenta o setor e determina cota de produtos nacionais e independentes no horário nobre.

Fã dos filmes "Cidade de Deus" (2002) e "Tropa de Elite 2" (2010) e da novela "Caminho das Índias", da Globo, Bennett revelou à reportagem já ter iniciado conversas com a BossaNovaFilms e a Mixer para atrações originais.

Por enquanto, para atingir a primeira meta da cota, em setembro, a BBC HD adquiriu a série "Recortes do Brasil", que já foi levada ao ar pelo Canal Futura.

Uma das apostas da rede é uma série chamada "Wild ". Com estreia prevista para 2014, a atração mostrará rincões naturais do país.

"Será o momento em que os olhos do mundo estarão voltados para cá, por causa da Copa", afirma o produtor-executivo Tim Scoones.

Scoones está no país para o lançamento de "Planet Earth Live", espécie de reality show que acompanha a vida de alguns animais -leão, macaco, elefante- pelo mundo, durante um mês.

A partir da terça que vem, cada um dos seis episódios da série vai mostrar em detalhe o cotidiano de um mesmo indivíduo de uma espécie.

INVESTIMENTOS

Sem revelar valores, Jana Bennett diz que a versão brasileira do BBC HD é o maior investimento da matriz inglesa neste ano. O canal chegou aqui com atraso de alguns anos em relação aos similares da América Latina.

"Estamos fortalecendo a imagem da BBC como produtora de diversos tipos de conteúdo, não só notícias", diz.

Por ora, a série "Sherlock", uma versão atualizada do detetive Sherlock Holmes, e o sucesso "Top Gear", sobre o universo do automobilismo, são alguns dos destaques da programação.

Transmitida apenas pela Net, no pacote Top HD, a BBC HD deverá chegar até o fim do ano a outras operadoras.

3 Além do sinal na TV, a Net também disponibiliza, sob demanda, conteúdo do BBC Entertainment e do CBeebies.

Este último, um canal com programação infantil, pode- rá em breve ganhar espaço próprio no line-up da TV por assinatura.

"Vamos ter programas sobre música brasileira e outros gêneros também. Estamos muito entusiasmados como geradora inglesa e local". conclui Jana Bennett.

CORREIO BRAZILIENSE - Corte no tempo

Apontada como uma decisão anacrônica, a separação das mostras para ficção e documentário acende o debate do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Yale Gontijo

(14/6/2012) Existe uma interessante relação legada historicamente pelos filmes clássicos dos irmãos franceses Auguste e Louis Lumière — inventores do aparelho cinematógrafo e pioneiros do cinema. Em A saída da fábrica, por exemplo, reside uma considerável encenação no registro dos funcionários da Usine Lumière, deixando as dependências da fábrica como se fosse um documento de ato cotidiano. É possível dizer, portanto, que o cinema nasceu como uma mistura de documentário e de ficção. Um híbrido, livre de separações de gênero.

Avançando no tempo, a separação entre documentário e ficção, intensificada ao longo das últimas décadas, serviu como estratégia política de mercado. A opinião é do documentarista Joel Pizzini, diretor de longas-metragens experimentais como 500 almas (2005): “O documentário não é um gênero. É uma palavra que o John Grierson criou nos anos 1930 para ganhar apoio político. Esse termo é uma camisa de força porque coloca o realizador refém de série de procedimentos de como o imaginário das pessoas acredita que deva ser essa forma de expressão”, analisa o diretor do filme colagem Mr. Sganzerla — Os signos da luz (2011), atualmente em cartaz.

Agora, coube ao Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB), o mais antigo do país, retomar essa polêmica ao anunciar a cisão da mostra competitiva em duas categorias: uma para documentário e outra para ficção. Seguindo a nova regra, seis documentários, seis ficções e seis curtas-metragens de cada categoria serão selecionados para concorrer em dois embates paralelos, marcados para ocorrer de 17 a 24 de setembro, no Teatro Nacional (as reformas do Cine Brasília não terão terminadas até lá).

É a primeira vez que o Festival de Brasília adota essa classificação anunciada como uma das mudanças para revitalizar a competição da 45ª edição. O secretário de Cultura, Hamilton Pereira, explicou a decisão: “Nós acreditamos que a linguagem documental seja diferente da ficção e achamos relevante fazer essa divisão".

É justamente nesse ponto que as opiniões divergem. Para muitos cineastas, pesquisadores, realizadores e críticos de cinema, a cisão entre as linguagens de filmes documentais e ficções não segue critérios rígidos. A ausência de fronteiras entre os gêneros inspirou cineastas a criar obras- primas da cinematografia mundial, como Close-up (1990), do iraniano Abbas Kiarostami. No Brasil, em 2007, o filme Jogo de cena, de , borrava os limites por meio de depoimento de mulheres atrizes ou não e foi amplamente assistido no circuito comercial. Dentro da trajetória do próprio Festival de Brasília, existem vários exemplos de filmes participantes em que as linguagens se relacionavam sem distinção. O híbrido O céu sobre os ombros, do diretor mineiro Sérgio Borges, prêmio de melhor filme em 2010, é sustentado por um elenco formado por não atores, que encenam pedaços do cotidiano de cada um.

Na época, a inscrição entre diferentes categorias era requisitada pela organização do festival apenas como elemento catalográfico e o diretor assinalou a opção “ficção”. “O filme está no misto entre as

4 duas coisas. Tratei como ficção por achar que o Festival de Brasília valoriza menos os documentários. O Céu participou de festivais de documentários e foi premiado. A demarcação de gêneros não é um valor intrínseco para a arte. Os dois sempre coexistiram desde os irmãos Lumière. Está na gênese do cinema”, discorre o realizador. “Brasília sempre foi o lugar do cinema autoral e de resistência, mas a lógica de premiação dessa edição é a mesma do mercado, que, de alguma maneira, acredita que o circuito de ficção vale mais do que o documentário. É uma visão anacrônica fazer esse tipo de distinção em premiações” acredita. Em 2008, o FBCB premiou outro título de difícil classificação: Filmefobia, de Kiko Goifman, foi definido como uma “autoficção” por incluir no elenco atores fóbicos atuando diante de objetos que verdadeiramente lhes causavam medos.

Nós acreditamos que a linguagem documental seja diferente da ficção e achamos relevante fazer essa divisão"

Hamilton Pereira, secretário de Cultura do DF

CORREIO BRAZILIENSE - Vitrine documental

(14/6/2012) Para o documentarista Evaldo Mocarzel, participante de várias edições de Brasília com À margem do lixo (2008) e Quebradeiras (2009), a iniciativa da organização do Festival de Brasília deve ser vista como uma vitrine criada para os documentários. “Os filmes híbridos estão em moda no cinema contemporâneo. É o must da crítica cinematográfica. Enquanto isso, a sensação que eu tenho é que o boom do documentário no Brasil aconteceu e, mesmo assim, os filmes ficaram restritos a um espaço marginal. Tenho produzido muito e não tenho conseguido dar vazão à produção. É injusto que os documentários tenham ficado restritos à janela de exibição de canais de tevê paga”, acredita o realizador.

Mocarzel avalia que o prêmio de R$ 100 mil contra R$ 250 mil para a ficção, que será ofertado para os vencedores em cada categoria, é justo já que os custos de produção são maiores na ficção do que no documentário. A opinião é compartilhada pelo cineasta pernambucano Marcelo Gomes, diretor da ficção Cinema, aspirinas e urubus (2005), que inclui os custos com uma equipe maior no caso da ficção e gastos com distribuição. Porém, o diretor do híbrido Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009), em dupla com Karim Aïnouz, acha que a iniciativa dificultará a seleção para a competição. “Só acho que vai dar mais trabalho para os jurados, mas não há razão para mudar em nada a execução de filmes. A questão é do festival e eles precisarão arcar com isso. Os cineastas estão aqui para fazer filmes, não para classificá-los. Existimos para reinventar, avançar ou recuar na linguagem”, elabora Gomes.

Com a separação da mostra competitiva em duas, a responsabilidade pela classificação dos filmes ficará a cargo dos próprios produtores, que devem indicar o gênero do filme no ato da inscrição marcada para se encerrar em 30 de junho. “Quando for se inscrever, o diretor vai ter de optar por uma categoria ou outra. No caso dos filmes híbridos, o diretor é que deverá se posicionar. Se escolher a ficção, ele será analisado pela comissão de ficção e, o documentário, pela de documentário. A ideia de separar surgiu porque a gente percebeu a grande quantidade de documentários produzidos no Brasil e a pouca quantidade de mostras relacionadas ao gênero. É uma tentativa, uma experimentação. Pode ser que ano que vem a gente volte atrás”, explica o atual diretor do Festival de Brasília, Sérgio Fidalgo.

CORREIO BRAZILIENSE - O anarquista que (também) amou Brasília

Carlos Reichenbach, um dos ícones do cinema brasileiro, gostava de destacar seu amor pela cidade onde ganhou prêmios e homenagens

5 (16/06/2012) A frase “meu sangue é nobre, mas meu coração está na zona”, saída do roteiro do filme Lílian M., relatório confidencial (1974) — apresentado em caráter de homenagem, há quase dois anos, em Brasília —, diz muito do diretor Carlos Reichenbach, que, a partir do seu cinema, em fins dos anos de 1960, assumiu a dualidade de contemplar “o erudito e o popular”. O contraste extremo — uma das marcas dele, que assumiu êxitos como os 500 mil espectadores de Lílian M. e acumulou fracassos comerciais como Filme demência (1986) — se delineou até na morte, por parada cardíaca fulminante, ocorrida justamente no dia de nascimento: 14 de junho, com 67 anos de distância.

Cinéfilo incorrigível, o gaúcho criado em São Paulo manteve uma relação estrita com Brasília. Se a acolhida do filme Alma corsária foi uma “catarse pública”, consagrada no Festival de Brasília, Reichenbach soube pontuar a gratidão: “Foi o melhor momento da minha vida, diante de uma enorme receptividade. Era o primeiro filme, nos anos 1990, a retratar um período traumático da história brasileira”.

Incentivado ao fazer cinematográfico justamente por Paulo Emílio Salles Gomes, criador do Festival de Brasília, Carlos Reichenbach, o Carlão, manteve íntimo o contato com a capital do país, pela inclusão de filmes como Garotas do ABC (2003) e Falsa loura (o último trabalho, em 2007) no certame local. Sem constrangimentos, o diretor — que adotou escrita autobiográfica, em muitas das fitas — mantinha pública a comunicação, até em momentos de agravamento da saúde. No palco da Sala Villa-Lobos, em 2010, escancarou: “Tenho uma catarata nuclear — não estou enxergando muito bem, mas estou pensando muito bem”.

Boca do Lixo Com afiada racionalidade, seguia desarmando supostas contradições, como a de entrelaçar conceitos de cinéfilo experimentado — formado sob a tutela de Luís Sérgio Person — com dados da “chanchada underground” e destacadas experiências pela famosa Boca do Lixo (em que compareceu com A ilha dos prazeres proibidos e O império do desejo).

Em ação, depois da passagem pela Escola Superior de Cinema São Luis (SP), Reichenbach mesclava de Jean-Luc Godard a José Mojica Marins, passando pelo cinema japonês e por pegada marginal (ou “pós-novo”, como cunhou), com autenticidade ímpar. Bebendo de Humberto Mauro a Dercy Gonçalves, em Alma corsária, se disse influenciado, na verdade, pelo “cinema brasileiro”. Neto do primeiro litógrafo do Brasil e filho de editor, a literatura deu muita base para o desenvolvimento em

6 cinema, numa estrada de grandes méritos como o fato de ter sido considerado o Fassbinder brasileiro, no importante festival holandês de Roterdã.

Longe da elite Ainda com láureas como as conquistas de prêmios em Pesaro (Itália) e Locarno (Suíça), o que interessava ao diretor era conquistar um público C e D, de preferência, por meio da “poética do prosaico”. As classes menos favorecidas, provando a veia de Carlão (como sempre foi chamado) de “aluno anarquista” , bateram ponto em fitas como Garotas do ABC (2003), ficção em torno das batalhadoras operárias têxteis e Anjos do arrabalde (1987), com os dramas multifacetados de professoras da rede pública. Falsa loura, com a brasiliense Rosanne Mulholland inserida no universo do proletariado, foi outro título que explorou a fragilidade feminina diante do amor. Pelo humanismo e por aspectos políticos (a inaugural greve das operárias foi fator decisivo para Garotas do ABC), Reichenbach foi identificado pelo diálogo com estrangeiros como Roberto Rossellini e Vittorio de Sica.

Resistente ao período do regime militar brasileiro, o diretor enfrentou a ação da censura, por fitas como O império do desejo (1980), no qual se despiu “em nível existencial” e foi rotulado de autor de “espetáculo pornográfico”, e Amor, palavra prostituta (1979), perseguido pela pressão, supostamente, exercida para a liberação do aborto. Tolhido nas artes, Reichenbach respondeu, a longo prazo, dotando de ampla sensibilidade os protagonistas, e ex-guerrilheiros, de Alma corsária (com Bertrand Duarte, na pele de um poeta) e Dois córregos (1999), protagonizado por Carlos Alberto Riccelli e Beth Goulart. Crítico antenado, Carlos Reichenbach não fez vista grossa às mazelas do Brasil contemporâneo: em Bens confiscados (2004), atacou instâncias da corrupção endêmica e da mais- valia da escala de influências das ditas autoridades.

CORREIO BRAZILIENSE - Um roteiro para ser filmado

Cena de O império do desejo: o olhar popular de um especialista em cinema

(16/06/2012) A importância de Carlão para o cinema paulista e brasileiro é indiscutível, não apenas como cineasta influente, mas como mestre generoso e solidário. Em declaração oficial, publicada no site do Ministério da Cultura, a ministra Ana de Hollanda o definiu como “um cineasta inquieto, vanguardista que, por trilhar caminhos menos usuais entre os cineastas tradicionais, foi taxado como autor de filme marginal e da Boca do Lixo”. Na nota, uma gafe: a referência ao cinema marginal e ao polo Boca do Lixo soa pejorativa.

7 Sara Silveira, que fundou a Dezenove Som e Imagens ao lado do diretor em 1991, conta que o amigo via o tratamento do coração com otimismo. As células tronco o deixaram com esperança de retomar a rotina de trabalho. Ele fez uma cirurgia no ano passado, que terminou com complicações. Antes de partir, deixou quase pronto o roteiro de Um anjo desarticulado. Sara quer levar o projeto adiante. “Estava com dificuldades de escrever, mas estava terminando. Eu gostaria muito de fazer essa história. É uma procura pela verdade, que também toca questões de religiosidade. Mas só vou pensar nisso semana que vem”, disse a produtora.

A atriz Djin Sganzerla, filha de Rogério e Helena Ignez, considera o realizador um gentleman do cinema. “Ele dava espaço para o ator contribuir, criar, dava liberdade para o ator no set. Coisa que só os grandes fazem. E era também um grande conhecedor de cinema. Ter feito Falsa loura com ele foi uma honra, um privilégio mesmo”, revela a intérprete.

Daniel Chaia foi aluno de Carlão na Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP). Logo depois, colaborou por mais de 10 anos com o gaúcho. “É notável como o Carlão era querido pelas equipes, pelos técnicos, por causa da generosidade e da compreensão em torno do processo dele de fazer cinema. Foi meu pai no cinema”, conta o assistente de direção de Dois córregos — Verdades submersas no tempo (1999) e Falsa loura e roteirista de Bens confiscados (2004). “Foi ele quem me ensinou a ser assistente. Em Dois córregos, sentou-se do meu lado e ensinou a analisar tecnicamente o roteiro, a executar um plano de filmagem. Estamos órfãos”, conclui.

O ESTADO DE S. PAULO - Mais Jobim

Em A Luz do Tom, o cineasta Nelson Pereira dos Santos apresenta seu segundo retrato do compositor de clássicos como Garota de Ipanema e Águas de Março

Luiz Zanin Oricchio

Em Floripa. Nelson e Helena Jobim, a irmã de Tom

(18/6/2012) Em seu sítio, Tom Jobim trabalhava duro no piano sobre uma canção indomável, Matita Perê. Mexia de lá, mexia de cá e não ficava contente. Exausto, pegou o violão, tocou dois acordes com raiva e começou a cantarolar. “É pau, é pedra, é o fim do caminho…” Já viram, não é? Foi assim mesmo que nasceu o clássico Águas de Março. Além do cansaço, a inspiração veio de uma obra interminável na estrada do sítio. “Tinha muito pau e pedra por lá, atrapalhando a vida da gente”.

8 Quem conta a história saborosa é a primeira mulher de Jobim, Thereza Hermanny, no novo filme de Nelson Pereira dos Santos, A Luz do Tom. O documentário teve sua primeira sessão em Florianópolis, onde foi filmado em parte, na abertura do FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul). A estreia nacional está prevista para agosto.

A Luz do Tom é baseado no livro Antonio Carlos Jobim – Um Homem Iluminado, que Helena Jobim escreveu sobre o irmão famoso. Helena é também entrevistada do filme. Ela, Thereza e Ana, a última esposa de Tom Jobim. Uma vida narrada através de vozes femininas, as favoritas do compositor. O filme completa o retrato do maestro, composto por outro mestre, o diretor Nelson Pereira dos Santos. No primeiro filme, A Música Segundo Tom Jobim, Nelson Pereira trabalhava apenas com as canções que tornaram Tom referência no Brasil e no mundo. Um brasileiro universal. Agora, surge o Tom mais íntimo, familiar, narrado na primeira fase da vida por sua irmã.

A abertura é belíssima. Usa imagens de um antigo programa sobre Tom, gravado na extinta TV Manchete, e depois a câmera irá encontrar Helena numa praia bonita e ainda não destroçada pela especulação imobiliária. “Por isso filmamos em Florianópolis”, conta Nelson em conversa com o Estado. “Seria impossível encontrar no de hoje algo que se assemelhasse à cidade onde Tom passou a infância.” O maestro nasceu em 1928 e o bairro que ajudou a tornar famoso – Ipanema – era então apenas uma praia de poucas casas, semideserta e bucólica. Esse Rio antigo Nelson foi encontrar em Floripa, nas praias de Joaquina e Moçambique.

Através de Thereza, o filme evoca essa primeira fase de criação de Tom, a mais poderosa talvez. Ela conta a história do casamento, de como um insinuante e jovem Tom Jobim, ainda mais esportista do que músico, a abordou numa praia (sempre as praias) e como foi difícil levar adiante o namoro diante de um pai conservador como o dela. Por fim casaram e foram morar na casa da família, cheia de gente e de parentes. Tom, em início de carreira, não tinha dinheiro para casa própria. Por isso, já famoso, como ele dizia, gaiato, que precisava ganhar um dinheirinho para pagar o aluguel, sabia do que estava falando.

A fluência e a espontaneidade de Thereza espantam o espectador. Surpreenderam ao próprio Nelson que a procurou sem muita esperança, pois ela sempre teve fama de mulher discreta. “Mas acabou por se converter no fio condutor da história”, diz o diretor. Ele faz uma comparação com outro filme seu, este dedicado a Sergio Buarque de Holanda. Tentava entrevistar dona Maria Amélia, mulher de Sergio e mãe de , que encontrava sempre uma desculpa para escapar ao convite. Até que, diante da insistência do cineasta, topou a parada. E não só: converteu-se no centro de referência do filme sobre o marido famoso. Com Thereza deu-se o mesmo.

Mas a verdade é que as três mulheres – a irmã e as duas esposas – concorrem para formar o retrato multifacetado de Tom. De Helena, vêm-nos a infância e os anos de formação. De Thereza, os primeiros anos como músico, o estudo árduo, o primeiro sucesso. E de Ana, o Tom da maturidade, da serenidade e do contato profundo com a natureza.

Em seu filme, Nelson trabalha visualmente esse universo de Tom Jobim. São presenças constantes as praias, o mar, a mata, as árvores, o voo do urubu – esse pássaro soberano no céu e desgracioso quando em terra. Nelson conta uma história deliciosa a respeito. Vários cineastas tentaram fazer filmes sobre Tom Jobim, depois que ele se tornou unanimidade nacional. A cada um que o procurava, Tom perguntava: “Mas você sabe filmar um urubu no voo?” Senão, nada feito, ria o maestro.

Nelson pegou o touro à unha, ou melhor, o urubu no voo e concebeu um filme quase de um ponto de vista aéreo, pelo olhar de um pássaro livre. Daí a presença das aves não ser apenas referência plástica ao universo do músico, mas uma concepção mesma do filme. Da mesma forma, a água, sob a forma de regatos, fontes, ruído tranquilizador que entra como componente da trilha sonora. A Luz do Tom é um filme muito táctil em seu desenho fotográfico (assinado por Maritza Canefa), e incorpora os sons da natureza em sua música. TEATRO E DANÇA

FOLHA DE S. PAULO - Grupo apresenta espetáculo no escuro

9 Sem enxergar a ação, plateia depende dos demais sentidos para acompanhar a narrativa de "O Grande Viúvo" Diretores afirmam que o estímulo visual é supervalorizado no teatro; elenco da peça reúne três atores cegos

GABRIELA MELLÃO

(14/06/2012) Ir ao teatro não para ver, mas cheirar, ouvir, sentir. Essa é a proposta do Grupo Sensus e do Teatro Cego, projeto argentino de 1991 que ganha sua primeira versão brasileira nesta semana com a estreia de "O Grande Viúvo".

Na adaptação deste conto homônimo de (1912-1980), a trajetória do viúvo ao qual o título se refere é apresentada no escuro, tendo início no momento em que o protagonista se despede de sua mulher morta.

Logo na primeira cena, por exemplo, ao ser invadido por estímulos diversos, como entoar de orações, choro e sussurros, surpreende a rapidez com que se localiza que a cena se passa num enterro.

Sem poder contar com sua maior referência nas artes do palco, a visualidade, o espectador recorre a seus demais sentidos para se conectar com a peça.

"O que substitui um gesto para revelar um sentimento, uma reação ou intenção? Pode ser uma respiração, palavra ou forma diferente de fechar uma porta. Encontrar esta substituição é o grande desafio desse tipo de teatro", diz Paulo Palado, diretor e adaptador de "O Grande Viúvo" -peça interpretada por cinco atores (três deles cegos), além de quatro músicos.

Como Palado, Thereza Piffer, diretora do Grupo Sensus, acredita que o estímulo visual anda supervalorizado. Ambos o eliminam para que a plateia exercite percepções que consideram atrofiadas.

"Minha intenção é levar os espectadores à consciência de seus ritmos internos, colocando-os em contato com sensações que normalmente não são muito acessíveis", diz Piffer, que planeja para setembro a estreia de "Acqua".

O novo trabalho do grupo, que desde 2005 venda os olhos de seus espectadores ou encena peças no escuro, vai acontecer numa piscina.

"Quero fazer com que as pessoas percebam que são capazes de assimilar uma peça sem utilizar a visão. E, a partir daí, compreendam que isso pode ir além do teatro", sintetiza Palado.

FOLHA DE S. PAULO - 'Borboleta Azul' faz viagem a Brasil rural de tempos remotos

Peça da companhia Pessoal do Faroeste foi inspirada em "O Estrangeiro", de Camus Uma imagem do Brasil rural emerge de "Borboleta Azul", novo trabalho da companhia Pessoal do Faroeste.

(14/06/2012) A peça dá ao teatro a oportunidade de se apresentar como um trampolim para tempos remotos, convidando o espectador a empreender uma viagem ao passado.

É, aliás, também o caso de "Barafonda", do grupo São Jorge de Variedades, e "Breu", de Pedro Brício, obras atualmente em cartaz na cidade.

"Quis trazer para o centro urbano o universo sertanista, seus falares, seu imaginário, seu tempo suspenso. Busquei o marasmo profundo de um silêncio de moscas", diz Paulo Faria, autor e diretor de "Borboleta Azul".

Em vez da trama rocambolesca e da estética kitsch de "Cine Camaleão", criação anterior do coletivo, que buscava o exagero e misturava teatro e cinema, a opção foi a essencialidade, os espaços vazios de um tempo que só vive nas lembranças.

10 Faria criou "Borboleta Azul" em 1993, quando estudava Guimarães Rosa. "Toda a poesia do sertão estava entranhada em mim", conta.

A obra foi inspirada em uma tira de jornal descrita no livro "O Estrangeiro" de

Albert Camus. A notícia fala de um homem que parte de uma aldeia para fazer fortuna. Regressa 25 anos depois para visitar a mãe, que não o reconhece e o mata para ficar com seu dinheiro.

A história se passa em Doce Riacho, uma pequena cidade que foi desapropriada para se tornar represa. Todos os habitantes do lugarejo já partiram. "Acho interessante pensar que pessoas foram obrigadas a abandonar cultura e identidade em nome do progresso." A trama apresenta a vida dos dois últimos habitantes do local, proprietárias de uma antiga pensão que aguardam o retorno de um parente.

O autor faz de sua "Borboleta Azul" uma ode ao rito de passagem. "Falo sobre o momento em que temos que abandonar a espera de um sonho para inventar outro. Matar algo para que outra coisa surja. Romper com o passado", conclui Faria. (GM)

FOLHA DE S. PAULO - Roberto Alvim adapta texto de Ésquilo para cenografia radicalmente reduzida

LUIZ FERNANDO RAMOS

(14/06/2012) Cena mínima. "As Suplicantes", primeiro dos seis espetáculos que o Club Noir deve estrear neste ano a partir das sete tragédias de Ésquilo (525 a.C.-456 a.C.), reitera o foco do grupo na redução radical de elementos cênicos e numa estética antidramática, raras no atual teatro brasileiro.

"As Suplicantes" é a obra inaugural do autor e demarca a teatralidade ocidental.

Ali já se anuncia a forma do drama como apresentação de mitos arcaicos por meio de diálogos entre personagens e pontuada por um coro cantante e dançante que colabora para a narração.

Na peça, o coro predomina ao lado de três personagens individuais. Conta a saga das filhas de Dânaos.

Estas são descendentes de Io, a mortal por quem Zeus se apaixonou e que, transformada pela deusa Hera numa novilha, é fecundada pelo deus e foge para o Egito.

A ação da tragédia começa quando as 50 filhas de Dânaos, quinta geração de herdeiros de Io e Zeus, chegam a Argos fugindo de seus 50 primos egípcios -filhos do irmão de Dânaos, Áígiptos, que querem desposá-las à força- e suplicam proteção do rei local.

A adaptação de Roberto Alvim suprime qualquer referência ao universo mitológico e concentra-se em intensificar a percepção das palavras do antigo poeta. Depuradas de contexto histórico e sem a função coral de narrar, elas são potencializadas como último reduto de sentido.

Sem enfatizar a trama e mais interessado no modo de as falas soarem, o encenador evita mastigar as ações em curso para o espectador e exige deles uma escuta fina.

A síntese de toda a tragédia se dá de modo sutil, apenas na interlocução de um quinteto de vozes, com atores quase estáticos e parcamente iluminados por uma única lâmpada de luz fria.

O notável no desenho da cena, toda em branco e preto e demarcada por uma estrutura vazada a que cabe afinal despir o espaço, é a surpreendente tensão que gera entre o silêncio e as falas milimetricamente enunciadas.

O simples jogo de vultos postos em relação e criando linhas de força sugere um conflito indefinido.

11 A violência divina e tribal de machos contra fêmeas dá lugar a vozes ambíguas de paternidades vagas: tirânicas ou libertadoras?

Às lendas fixas, do tempo dos heróis, opõe-se o vazio vertiginoso de um presente prenhe de incertezas. Minimizando a narrativa e o drama dela advindo, Alvim, paradoxalmente, sintoniza um Ésquilo imprevisto.

ESTADO DE MINAS - Fernando Pessoa ganha as ruas

Em dois espetáculos inspirados na vida e na obra do poeta português, a Fondazione Pontedera mistura dramaturgia e coreografia com bicicletas. Grupo chileno traz montagem política ao FIT

Carolina Braga

Abito, da Fondazione Pontedera, convida os espectadores para uma viagem em direção à liberdade

(14/06/2012) “Quando um fantasma toma corpo ele deixa de ser fantasma”, brinca o diretor italiano Roberto Bacci. Ele se refere ao poeta português Fernando Pessoa, referência frequente no trabalho do “comandante” da Fondazione Pontedera de Teatro. “Sempre roubei dele imagens, textos e até um pouco do desassossego”, diz. Pois em Abito, espetáculo que estreia hoje no Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte, o diretor coloca não só Pessoa em cena, como vários de seus heterônimos.

Inspirado no Livro do desassossego, a peça será apresentada no Teatro Francisco Nunes. Bacci sabe o quão irrepresentável é a inquietação do poeta. Mesmo assim, ele se vale dela para propor uma reflexão sobre personalidade e liberdade. “Podemos observar a prisão que vivemos e pensar sobre ela”, diz. Assim, o Abito do título pode se referir tanto ao traje como ao comportamento.

“É claro que essa personalidade, o modo de pensar e de vestir foi construído. Será possível se livrar desse hábito?”, questiona. A trama do espetáculo é bastante simples. É a história de uma pessoa que, ao ser substituída por outra, perambula pela cidade. “É a viagem imaginária contra a liberdade da máscara que foi construída”, detalha Bacci.

Para representar essa trajetória, estarão em cena 15 atores e 11 bicicletas. “Elas nasceram de uma ideia muito simples de movimento. É mecânico, mas depende do ser humano. São como animais mecânicos que dialogam com os atores. Uma extensão da possibilidade expressiva do elenco”, garante o diretor.

Segundo Roberto Bacci, as bicicletas garantem a dinâmica de Abito, ao mesmo tempo em que chamam a atenção para as contradições da cena. Criadas para ser usadas para locomoção em

12 espaços amplos, só o fato de estarem presas em um palco já adianta a discussão sobre a liberdade. “Essa relação do andar de bicicleta e não poder andar cria um dinamismo especial”, completa.

A pesquisa com as bicicletas parece ter seduzido tanto Roberto Bacci e os atores da Fondazione Pontedera que gerou um segundo espetáculo. Fernando Pessoa também é a inspiração de Lisboa, montagem de rua. “É uma ideia muito simples. É como se Fernando Pessoa chegasse a Belo Horizonte e se encontrasse com 10 heterônimos”, conta.

Também nas “magrelas” os 11 atores fazem percurso nas redondezas dos locais escolhidos para as apresentações. Lisboa mistura acrobacia, coreografia e poesia. Havia, inclusive, cenas nas verticais dos prédios, porém essas cenas precisaram ser cortadas na versão que será mostrada no FIT-BH. De acordo com a organização, os lugares por onde a Fondazione Pontedera passará os prédios não ofereciam condições técnicas para cenas de rapel.

Sem espaço para metáforas

A recente história política do Chile é o mote dos espetáculos Villa + Discurso, trazidos ao FIT pelo Grupo Teatro Playa. Na verdade, são duas peças curtas que têm em comum discussões sobre o período da ditadura. A estrutura é a mesma, mas se em Villa três mulheres discutem maneiras de remodelar uma vila usada como centro de tortura, em Discurso as mesmas atrizes interpretam a ex- presidente Michelle Bachelet.

“O teatro não faz justiça. Isso é função dos tribunais. O que podemos fazer é trazer o tema à tona novamente e discuti-lo artisticamente”, diz o diretor Guillermo Calderón. Também responsável pela dramaturgia das peças, ele chama a atenção para o fato de não tratar o tema de maneira abstrata.

“Fazemos um teatro que reúne pessoas que pensam parecido. É um teatro explícito. Não fala de justiça em termos abstratos”, comenta Calderón. “É obra direta e contingente. Não é metafórica. Ela fala por meio de referências reais da história atual do país”, completa a atriz Francisca Lewin.

Villa + Discurso é o primeiro trabalho do grupo. Estreou em janeiro de 2011 e desde então a companhia não para de circular por festivais de teatro, principalmente na América Latina. Para Guillermo, apesar de tratar de uma situação específica do Chile, a peça aborda tema comum a vários países vizinhos.

BICICLETAS Já estão em Belo Horizonte, devidamente guardadas nas dependências do Teatro Francisco Nunes, no Parque Municipal, as 11 bicicletas especialmente fabricadas para a apresentação do espetáculo Lisboa, da Fondazione Pontedera Teatro. Como Lisboa será apresentada também em Salvador e em São Paulo, a produção do FIT- BH formou um pool com a produção das duas capitais para a fabricação das bicicletas no Brasil, mais especificamente em SP.

O ESTADO DE S. PAULO – De dentro para fora

Em espetáculo ambicioso, Teatro da Vertigem leva o público para vagar pelo Bom Retiro A partir de cenas improvisadas no bairro, o escritor Joca Reiners Terron construiu o texto da peça que tem direção de Antonio Araujo

13 Público precisa seguir os atores pelo bairro

(15/06/2012) É igual, mas é diferente. O Teatro da Vertigem, que completa 20 anos de trajetória em 2012, ganhou notoriedade pela maneira como se apropria de espaços públicos. Uma igreja, um presídio e até um rio já se tornaram palco para seus espetáculos. Vista por esse prisma, a estreia de Bom Retiro 958 Metros não constitui exatamente um desvio de rota. Trata-se de uma criação em que a companhia exercita aquilo que sabe fazer de melhor: ocupar e ressignificar áreas da cidade.

Mas a nova montagem, que abre temporada hoje, guarda suas particularidades. Aqui, não existe um único lugar a ser explorado. Há um bairro inteiro. O público também não está encerrado em uma sala. Ao contrário. Por quase um quilômetro, precisa seguir os atores. Faz um percurso que inclui uma galeria comercial, ruas desertas e um teatro abandonado. Submerge em uma improvável e desconhecida metrópole em ruínas.

Outra diferença, explica o diretor Antonio Araujo, é a relação que Bom Retiro 958 Metros estabeleceu com esse cenário. “O sentido nasce do próprio diálogo entre esses espaços. É uma obra que coloca em confronto diferentes lugares”, diz ele. “Em outros espetáculos havia um longo tempo de ensaio prévio antes que entrássemos nos espaços de apresentação. Agora, não. É uma mudança gritante. Tudo foi criado na rua, nesses lugares.”

Foi a partir das cenas improvisadas no bairro que o escritor Joca Reiners Terron construiu o texto do espetáculo. Um processo semelhante àquele experimentado por outros ficcionistas que já trabalharam ao lado do Vertigem, como Fernando Bonassi (Apocalipse 1,11) e Bernardo Carvalho (BR-3).

Shopping Center: Boa parte do espetáculo transcorre dentro do espaço de uma galeria comercial. As cenas acontecem à noite, quando as lojas estão fechadas

14 Os personagens que surgem desse primeiro experimento dramatúrgico de Terron são figuras reconhecíveis: uma consumidora voraz, uma costureira boliviana, um viciado em crack. Em todos eles, porém, não está um decalque da realidade. Ou mera alegoria. À medida que o percurso se aprofunda, esses seres também têm reforçados os seus contornos fantasmagóricos. Tornam-se espectros a vagar.

A ação começa diante de um pequeno shopping center, típica galeria comercial do Bom Retiro, com dezenas de lojas de confecção. Eis um chamariz para a questão do consumo desenfreado, para o descarte de humanos e objetos sem serventia. É, porém, quando sai desse espaço fechado e asséptico, e ganha as ruas ermas e escuras, que a peça encontra sua potência maior. Na fricção entre a cena e o real. A presença de um morador de rua, a intervenção de um policial desavisado, a passagem de algum carro. Pequenos acontecimentos que acabam alterando as feições da montagem a cada apresentação. “Existe um controle relativo do que acontece. O espetáculo está aberto para o imprevisto”, observa Araujo.

A agitação que toma o bairro enquanto o comércio está aberto cessa quando o dia termina. O alarido de lojistas e consumidores dá lugar ao silêncio. Ou, antes, a um falso silêncio. Por trás da quietude aparente existe uma vida que não se extingue, com catadores de papelão e costureiras que trabalham noite adentro. “Não estamos mostrando o Bom Retiro que todo mundo conhece. Mas um lado lunar, onírico”, diz o encenador, que nos arrasta para dentro de um pesadelo.

Aprofunda-se aqui o caráter político da pesquisa do grupo. Não que o traço já não aparecesse. Com evidente carga simbólica, os espaços escolhidos pela companhia ao longo destas duas décadas não deixam dúvida sobre o sentido de sua arte. Mas a procura por intervir diretamente na realidade ganha vulto. Escolhe a cidade, e suas contradições, como eixo preferencial. “É um interesse nosso desde o primeiro trabalho, quando ocupamos a igreja de Santa Ifigênia. Ocupar lugares esquecidos e chamar atenção para eles. Além disso, temos outros coletivos tomando caminhos parecidos”, comenta o diretor. Uma referência a grupos como a Cia. São Jorge de Variedades, Teatro de Narradores e Folias - todos com pesquisas relacionadas à problemática urbana.

O ESTADO DE S. PAULO - O teatro do país em papel de destaque editorial

Na esteira do lançamento do primeiro volume de História do Teatro Brasileiro, novos títulos chegam

Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo

(16/0-6/2012) A bibliografia sobre as origens e a evolução do teatro brasileiro não é muito extensa. Até o começo do século passado não havia nenhuma obra específica a respeito da dramaturgia brasileira. Foi só em 1904 que Henrique Marinho publicou alguns apontamentos que serviram de base aos pesquisadores da área. Nos anos 1920, Carlos Sussekind de Mendonça tentou contar essa história, mas só o primeiro volume de sua obra foi publicado. Nos anos 1930, Lafayette Silva fez nova tentativa. O resultado, segundo o estudioso João Roberto Faria, não difere dos exemplos anteriores: muita informação e pouca reflexão sobre o assunto. Vieram depois estudos mais densos, como os de Ruggero Jacobi (Teatro in Brasile, 1961) e Sábato Magaldi (Panorama do Teatro Brasileiro, 1962). Uma das últimas grandes tentativas historiográficas foi a de Décio de Almeida Prado (Teatro Brasileiro Moderno), mas a obra só contempla o período compreendido entre 1930 e 1980. O fundador da Editora Perspectiva, Jacó Guinsburg, dá agora sua contribuição com o lançamento de História do Teatro Brasileiro, obra ambiciosa com dois volumes sob direção do professor João Roberto Faria e planejamento editorial de ambos.

O primeiro volume chega à livrarias no dia 25. O segundo ainda não tem data de lançamento. Simultaneamente, a mesma Perspectiva lança Sábato Magaldi e as Heresias do Teatro, de Maria de Fátima da Silva Assunção (leia texto abaixo), que funciona quase como um complemento do primeiro volume de História do Teatro Brasileiro, que cobre desde o teatro jesuítico da colonização aos anos 1950 (o segundo volume vai dos herdeiros do teatro modernista aos contemporâneos). Magaldi analisa em seu livro a performance de atores como Jayme Costa (1897-1967), o "rei da Bronca" (atuante entre 1924 e 1964), e dramaturgos como Nelson Rodrigues (1912-1980), que revolucionou o teatro brasileiro com Vestido de Noiva (1943). Outro lançamento que complementa a História do Teatro Brasileiro chega pela Penguin Companhia das Letras: trata-se da Antologia do Teatro Brasileiro - Comédia, organizada por Alexandre Mate e Pedro M. Schwarcz, que reúne alguns dos

15 textos mais populares de dramaturgos do século 19, entre eles Arthur Azevedo, Martins Pena e Qorpo Santo.

Na introdução da obra, o professor João Roberto Faria lembra que foi justamente no período romântico que o teatro brasileiro se constituiu como um sistema integrado por escritores e artistas, incentivados pela nova condição política do País após a declaração de sua independência. Temas até então ausentes das peças - a natureza da escravidão e a integração entre brancos e índios - tomaram os palcos após a hegemonia do teatro jesuítico de catequese e o predomínio dos textos do barroco espanhol e italiano na era colonial. Pelo descrédito na profissão de ator, a participação de negros e mulatos, já marginalizados, cresceu muito nas peças do repertório setecentista, que revelou pelo menos um comediógrafo de peso, Antônio José da Silva (1705-1739), o Judeu. Sucesso de público e crítica, ele só não foi visto com bons olhos pela Inquisição, que o degolou amarrado a um poste, atirando-o depois à fogueira. A Censura, como se vê, sempre perseguiu o teatro brasileiro, do autor de Guerras do Alecrim e da Manjerona (1737) a Plínio Marcos (1935-1999), passando, naturalmente, por Nelson Rodrigues.

Relatar episódios como esses não poderia ser tarefa para um só homem. Da obra coletiva que é História do Teatro Brasileiro participam especialistas como Vilma Arêas, Maria Thereza Vargas (no primeiro volume) e Clóvis Garcia (no segundo), entre outros. Para contar a história de antigas companhias dramáticas, da consolidação do nome de alguns astros na década de 1950, da revolução modernista e do teatro contemporâneo brasileiro, a dupla de organizadores teve de dar unidade ao conjunto de textos, evitando o caráter de antologia que caracteriza trabalhos como esse. Em tempos passados, qualquer história de teatro privilegiaria a dramaturgia, concedendo importância menor ao papel dos atores e encenadores. A atual vai em direção contrária. "Não coloco o texto em segundo plano, mas considero que a consumação do ato teatral se dá no palco, no aqui e agora, ideia que vem da moderna fenomenologia estética", justifica Guinsburg.

O teatro, diz o editor, não foi sua paixão inicial. Somente depois de assistir a Dybbuk, peça seminal do teatro judaico, escrita em 1914 pelo russo S. Ansky (1863-1920), é que Guinsburg acabou fisgado pela paixão etnográfica do dramaturgo. Ansky apresentou sua peça a Stanislavski e foi por ele aconselhado a verter o texto para o ídiche, que teve um papel fundamental no desenvolvimento do teatro em Israel. Guinsburg traduziu o texto para o português no fim dos anos 1950 e publicou-o com introdução do diretor italiano Ruggero Jacobbi (1920- 1981). "Ziembinski quis montar a peça, mas houve oposição no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC)", revela o editor, que vai publicar a história do teatro brasileiro escrita pelo diretor italiano, influência decisiva na formação de encenadores como Fernando Peixoto (1937-2012).

A Perspectiva publicou seu primeiro livro de teatro em 1969 (O Sentido e a Máscara, de Gerd A. Borheim). Desde então, já são 200 títulos em catálogo, o que a transforma na editora com mais livros publicados na área. Apaixonado pela vanguarda teatral russa, Guinsburg traduziu e publicou obras de Maiakovski e Stanislavski logo ao ser convidado para dar aulas de teatro na Escola de Comunicações e Artes da USP (nos anos 1970) e constatar que nossa bibliografia teatral era pobre, para dizer o mínimo. A cruzada do editor teve êxito. Cada vez mais outras editoras seguem o exemplo da Perspectiva, lançando obras sobre teatro. A Iluminuras, por exemplo, acaba de colocar nas livrarias o único livro organizado e publicado em vida pelo diretor de teatro russo Vsévolod Meyerhold (1874- 1940), Do Teatro. A editora É Realizações lança esta semana, dentro da série Biblioteca Grotowski, Trabalho e Voz de Zygmunt Molik, que atuou sob as ordens do encenador polonês Jerzy Grotowski (1933-1999), também lembrado pela Perspectiva com a publicação de Trabalhar com Grotowski, de seu colaborador norte-americano Thomas Richards (leia texto sobre os dois livros na página ao lado).

Buscando a parceria de entidades comprometidas com o teatro no Brasil, como o Sesc, a editora de Guinsburg publicou outros livros fundamentais como História Mundial do Teatro, de Margot Berthold, e o Dicionário do Teatro Brasileiro, que teve 39 colaboradores. O crescimento no número de títulos é proporcional ao interesse da nova geração pela profissão de ator. "O status social de origem dos novos atores e diretores é bem diferente daquele da geração dos anos 1940, formada por amadores recrutados em outras áreas, ou na época de Alfredo Mesquita, quando operários, após o trabalho, ensaiavam peças à noite", conta Guinsburg. A trajetória do teatro operário e anarquista, aliás, é contada no primeiro volume de História do Teatro Brasileiro pela teórica e pesquisadora Maria Thereza Vargas, num dos mais surpreendentes capítulos da obra. Nele, a ensaísta relata que

16 existiram só no Maranhão e Pará 67 agremiações dedicadas ao teatro social, entre 1897 e 1967, quando o cerco da ditadura colocou um ponto final no movimento.

"Os atores e diretores, hoje, são mais informados, não é como na época de , que vinha do circo, ou nos tempos do teatro de revista", observa Guinsburg, atribuindo à formação dos atores o interesse por publicações na área. "Hoje, mais que os encenadores, são os atores formados na universidade que respondem pelo processo de renovação da cena teatral, embora existam diretores como Antonio Araujo, Cibele Forjaz ou William Pereira." Entre os dramaturgos contemporâneos, diz o editor, ainda está para surgir o autor de uma obra icônica como O Rei da Vela, do modernista (1890- 1954). "No passado, a crítica teve um papel importante na evolução de nossa dramaturgia, mas seu espaço parece cada vez mais reduzido", lamenta Guinsburg.

FOLHA DE S. PAULO - Greve de sexo real inspira peça em SP

Coletivo teatral atualiza a comédia grega "Lisístrata", de Aristófanes, tomando por base movimentos femininos

"A Greve das Pernas Cruzadas" utiliza como principal referência protesto de colombianas em 2011

Marcio Aquiles, de São Paulo

(15/06/2012) O Coletivo Teatral Commune estreia amanhã "A Greve das Pernas Cruzadas", adaptação da peça "Lisístrata", do teatrólogo grego Aristófanes.

Uma das inspirações para esta versão foi a greve de sexo realizada por cerca de 300 mulheres colombianas da cidade de Barbacoas, em 2011, que reivindicavam com o governo a reforma de uma estrada estratégica.

A ousadia formal da trupe dirigida por Augusto Marin é desenvolver a encenação com base nos artifícios da "commedia dell'arte" -surgida séculos após a comédia grega- e em referências atuais.

"O procedimento de trabalho que usamos é o da 'commedia dell'arte', suporte permanente das nossas pesquisas, com seus jogos de palavras, o duplo sentido, o quiproquó, as máscaras e o improviso", afirma Marin.

Além disso, a adaptação evoca acontecimentos contemporâneos, como a crise na Grécia ou a Marcha das Vadias. "A comédia tem relação com o hoje, o atual. Buscamos a essência das gags para resgatar a comicidade e o satírico", diz Marin.

Em busca de uma identificação imediata por parte do público, Marin optou por preservar o aspecto zombeteiro dos nomes das personagens: Clitória, Xânia, Chavaska e Metência, por exemplo.

"Na tradução, procuramos resgatar o espírito dos nomes em grego. As traduções que temos são geralmente muito literárias. Na peça, o simples chamamento de alguém já atinge o efeito cômico."

VIÉS FEMININO

O enredo do espetáculo é recheado de alusões a movimentos feministas e fenômenos sociais importantes.

Como a história de Leymah Gbowee, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2011, que mobilizara mulheres da Libéria a realizarem uma greve de sexo até que os homens cessassem os combates, fato que forçou o então presidente Charles Taylor a inclui-las nas negociações de paz.

Outra referência foi a greve promovida por prostitutas espanholas, que se negaram a fazer programas com banqueiros e agiotas, em protesto à crise econômica no país.

A atriz Janaina Porto, 30, que interpreta a personagem Liberatropa -responsável por convocar atenienses e espartanas a fazer greve de sexo na trama- destaca os questionamentos que a peça pode suscitar nos espectadores por meio da comédia.

17 "Para desenvolver o meu papel, eu procurei o que significava a Lisístrata hoje em dia, nesta busca de mulheres que acreditam em alguma coisa, nas mulheres guerreiras", conta Porto.

CORREIO BRAZILIENSE - Conexão África-Ceilândia

Hierofante volta de São Tomé e Príncipe e quer estender troca a outros países africanos

Mariana Moreira

A trupe levou seis espetáculos, além de oficinas, para São Tomé e Príncipe: trupe se emocionou com a recepção da população que abraçou a iniciativa do grupo da Ceilândia (16/06/2012) Criada e baseada em Ceilândia, a Hierofante Companhia de Teatro sempre teve uma sólida preocupação social, inserindo em suas peças noções de preservação do patrimônio, respeito ao meio ambiente e educação sexual. Essa forte vocação comunitária acabou por levar o grupo longe. Em abril, o coletivo de Ceilândia realizou a I Mostra de Teatro Brasil/São Tomé e Príncipe, no país insular localizado na costa ocidental da África. “Estamos tentando integrar os países de língua portuguesa”, conta Anderson Floriano, integrante, adiantando os projetos futuros: a intenção é levar a próxima edição do projeto para Guiné, Moçambique e Cabo Verde.

A relação entre o grupo e o país começou em 2008, com um convite da Unicef para apresentar por lá a peça O auto da camisinha, numa temporada que circulou por 15 cidades. “Gostamos e decidimos que tínhamos que voltar”, conta Wellington Abreu, cofundador da trupe. Em seguida, três atores do país vieram ao Brasil para fazer oficinas de hip-hop, capoeira, voz e kempô. Neste ano, por meio do patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), apoio das embaixadas e da Unicef, os membros do Hierofante conseguiram levar 17 pessoas, para a estadia de uma semana na capital, São Tomé, com o intuito de fazer a cidade respirar teatro.

Além de encenar suas montagens em espaços públicos, integrantes da companhia e profissionais convidados dividiram seu conhecimento em oficinas gratuitas. Daniela Gonçalves (do Espaço Mosaico) ministrou aulas de produção cultural. “Eles aprenderam a criar nomes artísticos, a fazer portifólio, coisas que não são tradicionais na cultura deles”, relata Anderson Floriano. Diogo Cerrado ensinou noções de percussão corporal e a maquiadora Cyntia Carla compartilhou seus truques com pincéis, sombras e pancake.

Choque cultural

18 Na bagagem, composta por incontáveis malas abarrotadas de cenários, figurinos e empanadas, os artistas levaram cinco espetáculos: Bacantes e brincantes, O auto da camisinha, A baba da pintada, As quatro estações e Ser tão celestial — Uma homenagem a Patativa do Assaré. O choque cultural começou logo na saída do aeroporto, com a multidão que os aguardava. “Vivenciamos, tocamos, passamos pelos lugares e nos sensibilizamos. Voltamos apaixonados pelo povo, alegre e generoso”, conta André Reis, ator que integra o elenco de Bacantes e brincantes. “O aplauso deles parece ser mais puro. Eles não entram tanto no lado analítico, Aceitam de forma generosa o que está sendo oferecido a eles”, emenda o ator.

Os locais onde o grupo se apresentava, praças, ruas, feiras, escolas e o auditório da embaixada, foram definidos pela produção local e ofereceram um panorama da realidade nacional. No Cantagalo, um bairro da capital, eles se postaram em uma esquina, onde o esgoto escorria a céu aberto, taxistas faziam ponto e ambulantes vendiam roupas. Na Praça Yon Gato, tiveram que lidar com o primeiro olhar, atravessado, dos moradores. De forma geral, a aceitação foi majoritária. “Quase me senti em uma peça de teatro do Zé Celso (do ), pela celebração. Eles queriam participar o tempo todo, aplaudiam, questionavam”, destaca Wellington Abreu. A língua facilita o entendimento e a paixão pelas novelas também. Nesse momento, a trama Avenida Brasil é exibida no país, com poucos dias de defasagem.

Enquanto compartilhavam suas lições cênicas, aproveitaram para observar e aprender. Um dos aspectos culturais que os fisgaram foi a variedade rítmica que se vê por lá. Nas avenidas da cidade, os moradores dançam o kuduro, que já invadiu o Brasil, um hip-hop com pegada própria e a tarrachinha sensual, uma dança coladinha, mais lenta do que o xote brasileiro, capaz de fazer corar os espectadores mais pudicos. “Eles só precisam se apropriar do que têm. Possuem as ferramentas, mas a inércia a que estão acostumados dificulta os passos à frente. Falta a autoestima”, afirma Abreu. Visto como colônia portuguesa até 1975, o país está aprendendo a andar com as próprias pernas e, no que depender do Brasil, o teatro está empenhado em ajudar nesse processo.

O GLOBO – Família Tablado

Enquanto a nova geração prepara versão século XXI de ‘A menina e o vento’ para comemorar os 60 anos do teatro criado por , artistas que passaram por lá recordam como a experiência marcou suas vidas

O ELENCO e a equipe técnica de “A menina e o vento” fazem festa no Tablado, onde o espetáculo de Cacá Mourthé com efeitos 3D estreia no dia 30

19 Luiz Fernando Vianna

(17/06/2012) Ao longo da temporada de “A menina e o vento”, que começa no próximo dia 30 e deve prosseguir até 2013, André Mattos contracenará com sua mulher, Roberta Repetto, e sua filha, Carolina Repetto. Aos 50 anos, reconhecido por papéis como o apresentador de TV e deputado Fortunato de “Tropa de elite 2”, o ator trabalhará de graça. E não é, necessariamente, pelo prazer de estar no palco com a própria família, mas porque o espetáculo acontecerá no Tablado, a casa teatral e de vida de André e incontáveis outras pessoas que ali se tornaram artistas.

— O Tablado é o lugar que nos acolhe, para onde a gente sempre volta. O espírito tabladiano é de família — afirma o “vento” da peça. — Amador é aquele que ama. Nada mais sensacional do que ser amador. Esse foi o maior legado que Clara nos deixou.

“Clara” é Maria Clara Machado, a mulher que fundou o Tablado em 28 de outubro de 1951, tornou-se o nome mais importante do teatro infantil brasileiro e marcou, sobretudo como professora, legiões de atores e diretores — de Rubens Corrêa a Miguel Falabella, de Cláudio Corrêa e Castro a Malu Mader, de Hamilton Vaz Pereira a Selton Mello.

A comemoração dos 60 anos da fundação — somada à lembrança dos dez anos da morte da dramaturga e diretora — deveria ter ocorrido no ano passado, mas faltou patrocínio. Para piorar, Bernardo Jablonski, ator, autor, diretor e professor dos mais importantes da história do Tablado, morreu exatamente em 28 de outubro.

O patrocínio (do governo do Estado e da Petrobras) surgiu neste ano e permitiu à diretora Cacá Mourthé fazer uma versão século XXI de “A menina e o vento”, peça que Maria Clara estreou em 1963: há efeitos em três dimensões quando o vento leva a menina (Isabella Dionísio) para sobrevoar o Brasil, e trechos do texto foram musicados para torná-lo mais animado.

Batizada Maria Clara Machado Mourthé e escolhida com apenas 14 anos pela tia para ser sua sucessora, Cacá recebeu em 1989, quando já tinha 30 anos, autorização para dirigir pela primeira vez uma peça de Maria Clara. E era “A menina e o vento”. Como num rito de passagem, a mestra aparecia, no início da encenação da pupila, rugindo, numa projeção à moda do famoso leão da Metro. A imagem ressurgirá agora.

— Não sou Clara, não escrevo nem escreverei como ela. Não sou uma “gênia”. Eu me considero boa diretora, professora, administradora, e minha função é dar continuidade ao que ela criou — diz Cacá, que, a partir do final dos anos 1990, saneou as contas do Tablado, mantido pelas mensalidades de seus cursos (hoje são 23 turmas, com cerca de 500 alunos).

‘Pluft’, o filme

No que depender dela, os festejos prosseguirão em 2013. Ao lado de José Lavigne — cria do Tablado e que dirige a versão em cartaz no Teatro dos Quatro de “Maroquinhas fru-fru”, de Maria Clara — e Rosane Svartman, Cacá está preparando a adaptação para o cinema de “Pluft, o fantasminha”, a peça mais famosa da autora. E quer levar ao palco “A viagem de Clarinha”, livro que a tia escreveu para ela.

As principais homenagens, que prescindem de datas redondas, são as lembranças da família Tablado, gente que ficou para sempre marcada pelo tempo que passou no teatro. Kalma Murtinho já integrava essa família antes de ela ser oficialmente formada por Maria Clara. Na adolescência de ambas, participaram do movimento bandeirante e, num acampamento, apresentaram uma versão da história de Joana D’Arc. ARTES PLÁSTICAS

O ESTADO DE S. PAULO - Goeldi a luz que vem das trevas

Exposição no MAM traz obras inéditas que vão na contramão da alegria solar e tropical dos modernistas

20 ANTONIO GONÇALVES FILHO - A mais antiga gravura da exposição Sombria Luz, no MAM, registra como data 1928, dois anos antes de Goeldi retornar ao território europeu com o dinheiro de seu álbum Dez Gravuras em Madeira, com prefácio do poeta Manuel Bandeira. Chama-se A Porta Estreita e, obviamente, deve fazer referência à porta bíblica por onde deverão passar poucos eleitos. Considerando o pessimismo goeldiano, a porta era mais do que estreita. A paisagem noturna de sua xilogravura é um purgatório para criaturas que vagam por ruas perigosas e mal iluminadas - em todos os sentidos, inclusive o religioso.

Essência. A xilogravura foi a técnica mais usada por Goeldi, que passa à cor em 1937.

Goeldi, numa carta exposta na mostra paralela da sala pequena do MAM, faz uma referência a essa viagem pela Europa que, por certo, foi decisiva para que ele começasse a experimentar a cor, em 1937, ilustrando o modernista Cobra Norato, de Raul Bopp, conforme deixou registrado. Nessa mesma carta, de 1944, o artista, como se respondesse a historiadores de arte, afirma nunca ter cedido à tentação de seguir movimentos ou grupos. "Nunca sacrifiquei a qualquer modismo o meu próprio eu", escreve. E conclui ter sido uma caminhada dura, ressalvando que valeu o esforço, ao citar colecionadores estrangeiros de suas obras, entre os quais destacou a International Machines Corporation de Nova York e acervos particulares na Suíça e Áustria.

"Está mais do que na hora de Goeldi voltar a ser exibido lá fora", diz o curador Paulo Venâncio Filho, responsável pela pequena mostra de 22 gravuras que a embaixada do Brasil promoveu em abril do ano passado, em Londres. Goeldi, de fato, poderia ter feito uma carreira brilhante na Europa, onde teve aulas com o artista suíço Hermann Kümmerly, que se tornaria seu colecionador. Filho do naturalista e zoólogo suíço Emílio Goeldi (1859-1917), responsável pela transformação do Museu Paraense num centro de referência sobre a região amazônica, o artista, de temperamento boêmio, logo virou a ovelha negra da família, muitas vezes confundido com os personagens sem destino de suas gravuras, um sem-teto que eventualmente encontrou repouso num ateliê modesto da Rua Dom Pedrito (hoje Oswaldo Goeldi), no Leblon.

21 É esse ateliê que foi reconstituído na mostra paralela no mesmo MAM (sala Paulo Figueiredo). A sobrinha-neta do artista, Lani Goeldi, resgatou alguns desenhos feitos em Belém do Pará por Goeldi e uma série de gravuras com flores que ele produziu a pedido da editora Agir. Amigo de escritores, ele ilustrou livros de Graça Aranha (Canaã) e (Mar Morto), entre outros brasileiros, mas foram as ilustrações feitas para as obras de Dostoievski (O Idiota, Recordações da Casa dos Mortos) que marcaram definitivamente sua linguagem artística. Há uma ou outra ilustração na exposição, mas o curador Paulo Venâncio Filho preferiu selecionar obras pouco vistas ou mesmo inéditas, nas mãos de colecionadores particulares há mais de 30 anos.

Ele evitou igualmente um percurso cronológico, agrupando conjuntos de gravuras e desenhos por afinidade temática. Assim, há uma sala com desenhos dos anos 1940 que fazem referência direta à guerra, mostrando paraquedistas descendo para a morte ou a própria figura da "indesejável das gentes" rondando o cenário de batalha. Outro conjunto expressivo é o das gravuras que retratam o cotidiano dos pescadores cariocas. O contraste entre as classes sociais foi um tema que Goeldi explorou de maneira até irônica, como acentua o curador, apontando para uma gravura que mostra dois esqueletos ensorianos vestidos em trajes de gala e despidos de pudor.

Os objetos recorrentes nas obras do artista - guarda-chuvas, armários abandonados pelas ruas - podem facilmente assumir uma dimensão simbólica. De maneira geral, os guarda-chuvas funcionam como elementos de proteção aos desamparados e os armários, como signos da privacidade exposta, traduzindo um comentário de Goeldi à promíscua invasão do espaço interno pelo externo na sociedade brasileira. "Talvez fosse uma maneira de mostrar a desorganização em que ela vive, a ponto de misturar vida privada e pública", complementa o curador.

Essa obras, lembra Venâncio Filho, viraram temas de reflexão de muitos artistas brasileiros contemporâneos, de Lygia Pape a Nuno Ramos, que reinterpretou uma gravura da primeira sala num de seus melhores trabalhos (Para Goeldi, de 1996). Na época, Nuno chamou a atenção para a potência dos objetos e seres abandonados nas gravuras de Goeldi, que, esquecidos, têm justamente a tarefa de lembrar aos brasileiros a natureza crepuscular dessa sociedade em que tudo se confunde, em que o abandono é permanente.

"A obra de Goeldi vai na contracorrente do modernismo, que viu o paraíso na luz tropical", observa o curador. "Com suas xilogravuras, ele mostrou que havia sombras sob essa luz solar, uma sociedade desequilibrada." Ao contrário da geração dos anos de chumbo, que recorreu a uma retórica menos sutil, Goeldi não precisou fazer discursos políticos para denunciar esse desajuste. Aníbal Machado disse que a experiência europeia de Goeldi não deixou que ele concluísse sua experiência brasileira, como se as sombras expressionistas perturbassem o gravador, a ponto de identificar objetos e pessoas num jogo surrealista em que ambos se equivalem. Às vezes ele é cômico, mas, de modo geral, termina trágico.

O GLOBO - Exposição reúne 70 obras de arte popular no Paço Imperial

Mostra que passou pelo chega hoje ao Rio

Audrey Furlaneto

ESCULTURA sem título, de 2010, do artista sergipano Veio

22 (14/6/2012) Exposições de arte popular em geral têm montagem caótica: obras competem com decoração, tudo em excesso. A constatação da curadora Germana Monte-Mór moveu seu trabalho para o lado oposto na montagem de “Teimosia da imaginação”, que o Paço Imperial abre ao público hoje, às 19h, simultaneamente às inaugurações das mostras dos artistas José Paulo e Fernanda Chieco (leia mais no quadro ao lado).

“Teimosia da imaginação” passou pelo Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e chega ao Rio com metade das obras, para que fiquem melhor acomodadas no espaço. São cerca de 70 trabalhos de artistas do Nordeste, além de e Rio.

— É preciso distanciar o artista popular do que cria artesanato, e a arte popular do folclore. Estamos falando de uma linguagem autoral que, às vezes, supera a arte contemporânea.

Germana destaca nomes como o de Cícero Alves dos Santos, o Véio, sergipano que abre o percurso no Paço com esculturas que ora lembram animais ora formas humanas. Como escreve o crítico Rodrigo Naves no prefácio do livro sobre a exposição, “os estranhos seres criados por Véio parecem um protesto da imaginação tradicional”.

A mostra tem ainda o cearense Manoel Galdino de Freitas (1924-1996) e suas formas surrealistas em cerâmica ou a mineira Izabel Mendes da Cunha, autora de bonecas cujas silhuetas parecem desdobramentos de moringas. Há também achados, como o baiano Aurelino dos Santos que pinta estranhas e minimalistas formas geométricas.

O GLOBO - Duas individuais abrem no local

“ROD” (2011), de José Paulo: texto sobre a dor em cerâmica

(14/6/2012) Tipos gráficos gigantes feitos de cerâmica explicam o que é a dor, “uma sensação desagradável que vai desde desconforto leve ao excurcitante”. A instalação do artista pernambucano José Paulo é parte da individual “Para nunca mais esquecer”, que o artista abre hoje no segundo andar do Paço Imperial. Em outra sala do mesmo andar, a paulista Fernanda Chieco apresenta “Trono de pescador”, série de desenhos sobre papel criados quando a artista fazia residência na Coreia do Sul. Nos trabalhos, ela parece lançar sobre cenas do cotidiano um olhar surrealista.

Nas obras de José Paulo, o cerne é a opressão e a importância de não apagar da memória efeitos da barbárie social. Os tipos gráficos remetem à documentação e ao registro perene de acontecimentos trágicos. Numa série de desenhos, o artista retrata divas como Brigitte Bardot e Elizabeth Taylor com o nariz decepado — referência ao caso da afegã que teve nariz e orelhas cortados pela família em punição por ter feito um passeio pela cidade. (A.F.)

FOLHA DE S. PAULO – Eduardo Kobra pinta 'explosão de amor' em mural de Nova York Grafiteiro recria, em cores fortes, a famosa cena de beijo entre marinheiro e enfermeira Silas Martí

(16/06/2012) No meio dos prédios cinzentos do Chelsea, antigo bairro industrial hoje saturado de galerias de arte em Nova York, o muralista paulistano Eduardo Kobra pinta uma "explosão de amor". Ele retoma a famosa fotografia de um marinheiro beijando uma enfermeira em plena Times Square no dia em que os Estados Unidos venceram o Japão na Segunda Guerra -14 de agosto de 1945.

23 Só que a imagem de Alfred Eisenstaedt (1898-1995), em preto e branco, que então ganhou página inteira da revista "Life", virou um "arco-íris, um momento de amor invadindo Nova York", nas palavras de Kobra, que faz agora o mural em um prédio.

"Eu já conhecia a foto, mas depois soube que a identidade do marinheiro jamais foi descoberta e que eles nunca mais se viram", contou Kobra à Folha. "Mas Times Square tem essa fantasia mesmo, aquela coisa majestosa."

De frente para o parque suspenso High Line, um antigo ramal ferroviário transformado em gramado elevado, a obra tem causado aglomerações de gente que se detém ali a observar o mural.

Kobra, que pintou um enorme mural na avenida 23 de Maio em São Paulo, sempre tenta estabelecer em sua obra uma ponte com a história do lugar em que trabalha.

Na fachada da casa noturna Round House, de Camden Town, em Londres, Kobra pintou, por exemplo, cenas de manutenção de locomotivas, antiga função do espaço.

Depois de Manhattan, Kobra se prepara para fazer um mural em Los Angeles a convite do grafiteiro Thierry Guetta, o Mr. Brainwash, que também usa imagens históricas em suas obras.

O GLOBO – Os trilhos de uma trilha

Os gemeos celebram no Maranhão os dez anos do Whole Train, primeiro grande projeto dos irmãos paulistanos que hoje são sinônimo de excelência na arte urbana mundial

Carlos Albuquerque Enviado especial • SÃO LUÍS

Vagão da linha de passageiros da Estrada de Ferro Carajás pintado com a ajuda de artistas convidados: a dupla surgiu em meio à cultura hip-hop de SP, nos anos 1980, e hoje vende obras em galerias por US$ 57 mil

Osgemeos estão esperando o trem chegar. É tarde de segundafeira, e Gustavo e Otávio Pandolfo passam o tempo circulando, com um grupo de amigos, por um dos galpões da oficina dos vagões da Vale, em São Luís, Maranhão, prestes a embarcar em mais uma etapa do projeto itinerante Whole Train, que está completando dez anos. Eles vão pintar quatro vagões da linha de passageiros da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que liga a capital maranhense — que completa 400 anos em setembro — à cidade de Parauapebas, no Pará. Os carros — que estão sendo lentamente manobrados para ficarem exatamente em frente ao arsenal de latas de spray do grupo, dispostas no

24 chão — vão servir, a partir de hoje, como telas em movimento para o trabalho da dupla, ao longo dos 892km que cortam 25 municípios entre os dois estados, transportando 1.300 pessoas por dia.

O calor dentro do local é enorme, e as roupas usadas pela equipe — que inclui um grupo de artistas urbanos convidados pela dupla, como os grafiteiros Todd James (Estados Unidos), Vino (Espanha) e Remio (Noruega) — esquentam mais as coisas. Por medida de segurança, todos devem usar blusas de mangas compridas e caneleiras, além de capacetes e óculos especiais. Por isso, alguns se refugiam numa das salas refrigeradas da oficina. Ali, Remio desenha sem parar em cima de uma mesa, enquanto Gustavo mexe no som portátil em busca de músicas para embalar o ambiente.

— Tem muito reggae em São Luís, e a gente deve utilizar alguns elementos dessa cultura nas pinturas dos vagões — diz ele, a blusa branca de malha já devidamente “adaptada”, com desenhos feitos ali mesmo pelos amigos. — Além disso, a cultura do bumba também é rica em histórias, cheias de misticismo. Vamos tentar usar essas figuras também. Em cada lugar por que passamos com o projeto, buscamos essas influências locais.

O Whole Train — que já passou por São Paulo, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, João Pessoa, Natal e Vitória — saiu do papel e entrou nos trilhos em 2002, quando Gustavo e Otávio estavam criando painéis em estações da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

— Para ver nossos trabalhos, as pessoas tinham que pegar os trens e parar em determinadas estações — lembra Otávio. — Aí começamos a pensar, junto com o ISE, outro grafiteiro de São Paulo, se não seria legal se, em vez disso, os trens levassem a arte para essas pessoas. Foi quando tivemos a ideia de pintar os próprios trens. — Mas, apesar de o Brasil ser um dos países mais liberais do mundo para a arte urbana, a gente achava que isso seria impossível, que teria uma tremenda burocracia e que as empresas não iam permitir — emenda Gustavo.

Mas elas permitiram, investindo no talento da dupla que começou, de forma improvisada, em meio à cultura hip-hop de São Paulo, no fim dos anos 1980, e hoje é sinônimo de excelência em arte urbana — os muros pintados por Gustavo e Otávio na Avenida 23 de Maio entraram numa lista, feita ano passado pelo jornal inglês “The Guardian”, dos dez melhores trabalhos de rua do mundo — ao mesmo tempo em que seus quadros são vendidos em galerias por até US$ 57 mil.

— A gente cresceu e evoluiu junto com esse projeto — lembra Gustavo, que, ao lado do irmão, explodiu no exterior em 2005, após o sucesso de uma exposição na galeria Deitch Projects, em Nova York (em 2008, eles foram selecionados pela Tate Modern, em Londres, para a exposição “Street Art”). — E foi muito legal que isso acontecesse com um trabalho que remonta às origens do grafite.

Agora, passados dez anos, queremos estendê-lo a todas as capitais do país e produzir um vídeo.

A parceria com a Fundação Vale começou em 2011, com a exposição Fermata, no Museu Vale, em Vitória, e também com uma etapa do Whole Train realizada na Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM). A etapa no Maranhão e no Pará vai incluir também oficinas de arte-educação inspiradas no projeto, que vão acontecer nas cidades de Alto Alegre do Pindaré, Açailândia (MA), Marabá (PA) e Parauapebas. Alguns trabalhos de alunos dessas localidades serão selecionados, levados para São Paulo, ampliados e depois retornarão, para que sejam pintados em painéis.

— Queremos mostrar o impacto que as pessoas dessas cidades, principalmente as mais jovens, sentiram com a passagem do trem pintado, alterando o seu cotidiano — diz Paulo Portella Filho, coordenador das oficinas, inspiradas também no livro “Se o jardim voasse, não seria jardim, seria avião”, de Thereza Peric.

— Esses painéis públicos vão servir ainda para despertar o interesse na arte urbana e no trabalho coletivo. O trem, finalmente, chega ao local desejado por Osgemeos e seus convidados. Desacostumados com aquela situação, os estrangeiros se mostram excitados com a possibilidade de pintar um vagão inteiro sem ter que fugir da polícia.

— Podemos fazer isso mesmo? — grita Remio, sem acreditar que pode. Logo ele está junto aos demais, todos desenhando em completa harmonia, o traço de um sendo completado pelo do outro, como se aquela fosse uma afiada banda tocando durante um show.

25 Veterano do grafite nos EUA, Todd James resume bem o espírito geral do projeto:

— Isso é espantoso. Comecei a pintar aos 12 anos, em trens em Nova York, na década de 1980, e nunca imaginava que essa cultura se espalharia pelo mundo — diz ele. — Na época, éramos perseguidos pela polícia. Hoje, pintar trens em Nova York também é difícil por causa das preocupações com o terrorismo.

Por isso, quando eles (Osgemeos) me disseram que iam pintar esses trens, com autorização, eu disse: “Cara, é sério? Eu quero muito participar disso.”

O GLOBO – Quarteto fantástico

Finalistas do prêmio Pipa, os artistas Marcius Galan, Rodrigo Braga, Thiago e Matheus Rocha Pitta despontam como fortes nomes de sua geração

Audrey Furlaneto

Otempo surge lírico nos trabalhos de Thiago Rocha Pitta. Matheus Rocha Pitta, seu irmão gêmeo, questiona a sociedade comercial com instalações. O espectador questiona o que vê diante das obras de Marcius Galan. E Rodrigo Braga aproxima homem e natureza em performances. Os quatro artistas plásticos foram selecionados entre 117 nomes para serem os finalistas do Pipa (Prêmio Investidor Profissional de Arte), que chega à terceira edição neste ano. O prêmio, um dos mais importantes das artes visuais no país, já consagrou Renata Lucas e Tatiana Blass. A partir de 6 de outubro, os quatro finalistas de 2012 farão exposição no MAM, e, em dezembro, será anunciado o vencedor do prêmio principal, de R$ 100 mil e uma residência artística em Londres.

MARCIUS GALAN

Limites Físicos e imaginários estão em jogo na obra de Marcius Galan, que busca alterar percepções

Para Marcius Galan, “arte é uma forma de entender o mundo”. Talvez seja por isso que, diante de suas obras, o espectador tente entender seu próprio lugar no espaço — ou, como diz o artista, seja levado a “repensar as relações com os limites físicos e imaginários”.

Aos 39 anos, Marcius é um dos principais nomes de sua geração. Já participou da Bienal de São Paulo, expôs no MAM do Rio e no de SP e fez várias individuais em galerias mundo afora. Trabalha geometria e matemática para, sutilmente, alterar a percepção do mundo. Foi assim que fez o som de um lápis sobre uma página tomar o ambiente do MAM do Rio, em “Interseção” (2010), e dividiu ambientes com imensas placas de vidro, em “Seção diagonal” (2008), que hoje ocupa parte da Galeria Mata, em Inho tim. Todo o pavilhão será refeito, mas “Seção diagonal” permanecerá, tamanho é seu sucesso entre os espectadores. Diante da obra, “muito frágil, no sentido de quase não existir”, o público desconfia do que vê.

26 — Não gosto de dizer que tem ironia. É uma maneira de repensar as relações com o espaço, a arquitetura, como fronteira. Mas nunca de maneira irônica. Prefiro pensar que é um questionamento que é ativado com a alteração da percepção.

Marcius nasceu em Indianápolis, nos Estados Unidos, por acaso. Seu pai fazia lá um mestrado em Odontologia e, quando ele tinha menos de 1 ano, já estava em Bauru, no interior de São Paulo (“Não deu nem tempo de aprender inglês”, brinca).

Aos 22 anos, mudou-se para a capital paulista para estudar na Faap. Um de seus professores, Felipe Chaimovich, curador do MAM de São Paulo, lembra de, entre 1998 e 2000, analisar suas obras ainda em produção.

— Marcius já se interessava pelos desvios sofridos entre o estágio do projeto de um objeto utilitário racional e o uso de fato desse objeto, que introduz marcas de sujeira e gambiarras, desequilibrando aquilo que deveria corresponder a uma forma ideal — conta o curador.

Na época, Marcius ajudou a criar o 3º Andar, ateliê e espaço cultural que dividia com Maurício Ianês e outros artistas. Lá, Chaimovich e Dora Longo Bahia davam palestras e analisavam as criações. Hoje pai de Isa, de 7 anos, e Miguel, de 3, Marcius, que já foi garçom e diagramador de “revista de fofoca”, como diz, vive de arte. Expõe no fim do mês na Galeria Vermelho, em São Paulo, e tem mostras marcadas para janeiro, nos EUA, e fevereiro, na Colômbia.

THIAGO ROCHA PITTA

Thiago Rocha Pitta montando “Projeto para uma pintura com temporal #5” (2010), no Parque Lage

Foi o pai, o pintor Fernando Pitta, morto em 2006, quem aproximou Thiago Rocha Pitta da arte. Ele, o pai, misturava ateliê e casa, sua vida era pintar. Thiago e o irmão gêmeo, Matheus (também finalista do prêmio Pipa), não estavam imunes, embora o pai tenha tido diferentes influências na vida de ambos.

Thiago, de 31 anos, tornouse um dos nomes fortes de sua geração em menos de dez anos. Está entre os convidados da próxima Bienal de São Paulo, venceu o Prêmio CNISesi Marcantonio Vilaça de 2004, já expôs no MoMA de Nova York e está no acervo da instituição. Não se vê, porém, como artista precoce.

— A arte era a vida do meu pai e, de certa forma, surgiu como caminho natural para mim — diz ele, que, como o irmão, mudou-se de Tiradentes, em Minas Gerais, para Petrópolis aos 7 anos.

Veio para o Rio a fim de estudar na UFRJ, mas logo deixou o curso. Era assistente de artistas como Lygia Pape e Tunga e “tinha que cortar algo para seguir trabalhando e, como trabalhava para sobreviver”, a opção foi cortar a faculdade.

Em 2002, um ano antes de deixar a universidade, fez seu segundo trabalho — e um dos mais emblemáticos de sua carreira —, “Homenagem a William Turner”, em que filma um barco sendo

27 incendiado na Baía de Guanabara. Na obra, elabora, “de forma muito solitária”, um outro tempo, lírico e lento.

— Como era um pouco mais inexperiente, apanhei bastante. Quando vi o copião, não gostei — lembra ele. — É preciso lidar com o acaso, este é um dos aprendizados da arte. Esse vídeo me ajudou a entender que há bastante diferença entre a ideia e o resultado final. Assim, é até melhor o processo. Um tanto mais maduro, há três anos Thiago deixou o Rio por amor. Apaixonou-se e foi para São Paulo, onde se tornou pai de Antônia, hoje com 1 ano e nove meses. Diz sentir falta do Rio, mas defende que o ideal mesmo era ser “uma baleia ou um passarinho, para poder migrar conforme a estação”.

Para o crítico Paulo Sergio Duarte, que o conheceu por meio de Tunga, ele é “um dos artistas mais instigantes de sua geração”. A obra de Thiago, diz, “comprova a vitalidade da arte contemporânea brasileira”:

— Thiago enfrenta os dilemas da nossa arte hoje, que são a perda de encanto e a excessiva valorização do mercado sobre a poesia.

RODRIGO BRAGA

“Comunhão II” (2006): performance fotografada em que Rodrigo Braga aparece abraçado a um bode morto

Rodrigo Braga cavou uma cova — para si mesmo e para um bode.

Queria reviver a “situação cíclica de vida e morte”. Ele e a natureza estão em comunhão na série de performances fotografadas que o tornaram conhecido por curadores como Paulo Herkenhoff.

— Rodrigo é um dos únicos artistas brasileiros que fazem um trabalho consistente no que diz respeito à ecosofia, a discussão da ecologia no campo da filosofia — diz Herkenhoff. — Eu o conheci há mais de cinco anos e levei sua obra para uma exposição em Belém. Ela é um desafio à percepção.

O trabalho de Rodrigo, de 35 anos, parece desafiar sensações e mantém o público em suspenso, entre o espanto e o sublime. Já ele sente “certo conforto” ao abraçar o animal morto (como se vê na foto acima):

— A arte nos mostra um espelho. Você percebe melancolia, há quem veja o sublime. Mas é tão tátil, tão próximo. Apesar de parecer grotesco, eu tenho muito respeito por aquilo tudo. Embora more no agito de Copacabana há dois anos — mudou- se para acompanhar a mulher, Clarissa Diniz, curadora que veio fazer mestrado na cidade —, cresceu perto da natureza.

Nasceu quando os pais, biólogos, estudavam na Amazônia. Aos 2 anos, a família se mudou para Recife, de onde ele carrega o sotaque e a formação de artista. Na adolescência, teve fobia social e tinha dificuldade para se relacionar até encontrar na rua um vira-lata doente.

28 — Eu me reconheci tão doente quanto o animal. Tive um ataque sério de pânico e me tratei. Só então consegui ir à faculdade para estudar arte — lembra.

Em 2004, revivendo a própria dor, criou um dos primeiros trabalhos: manipulou digitalmente uma imagem em que seu rosto ganha focinho de rottweiler.

— Misturar minha identidade com a de um animal é literalmente colocar uma máscara, mas a de alguém que é forte, sadio, como um cão feroz.

A obra, “Fantasia de compensação”, marca sua volta à natureza. Ele retornou à Amazônia em 2010 e se hospedou na mata. Decidiu ocupá-la com gritos por cinco minutos e 20 segundos, tempo do vídeo “Mentira repetida” (2011), selecionado por Herkenhoff para “Amazônia, ciclos de modernidade”, em cartaz no CCBB do Rio.

Antes da mata, ele passou três meses no sertão. Criou, entre outros, “Desejo eremita” (2009), em que mergulha em 200 litros de leite. A série, de 17 fotos, estará na Bienal de São Paulo, em setembro.

MATHEUS ROCHA PITTA

Matheus Rocha Pitta no “Circular” (2011), ônibus escolar cheio de materiais de construção que expôs na Maré

Ter um pai artista, o pintor Fernando Pitta, talvez não tenha sido tão bom, lembra Matheus Rocha Pitta, de 31 anos. Ele, afinal, nunca foi muito hábil em desenho e em pintura, como eram o pai e o irmão. Matheus descobriu que poderia ser artista apenas quando se deu conta de que seu diferencial não era exatamente a técnica.

— Meu trabalho exige habilidade mental, que não está ligada à imagem — diz Matheus, de fala rápida e confiante.

— Estou sempre questionando categorias, o que é uma exposição, o que é a arte. Eu me orgulho de ter coragem para questionar.

Os questionamentos, diz, nascem de “um certo incômodo com a realidade”. Foi dele que surgiu, por exemplo, “Dois reais”, mostra individual que fez recentemente no Paço Imperial, no Rio. Matheus usava entulho da demolição da Ala Sul do Hospital do Fundão, leiloado e arrematado por uma empresa pelo valor módico de R$ 1.

Matheus, então, comprou da mesma empresa lotes do entulho e uniu vídeo, fotografia e instalação com o material em diferentes estágios de demolição. “Dois reais”, para o artista, é um marco de sua trajetória (“Todo o meu vocabulário está ali”, diz) e “tem o poder de congelar um momento histórico de transformações no Rio” — ele vive na cidade desde os 17 anos (antes morou em Petrópolis, depois de crescer em Tiradentes, Minas Gerais).

Seu trabalho hoje chama a atenção de críticos e curadores jovens, como Felipe Scovino e Daniela Labra — foram eles, aliás, que apresentaram Inhoa obra de Matheus a Frederico Coelho, que, então,

29 convidou o artista para o projeto Travessias, no Complexo da Maré. Lá, Matheus encheu um ônibus escolar abandonado com materiais de construção.

— Os trabalhos de Matheus me são caros pelo seu diálogo crítico, diria mesmo corrosivo, sobre a materialidade, o desperdício, o absurdo e a força dos elementos mais crus da sociedade industrial — analisa Frederico Coelho. — Seu olhar privilegiado detecta como poucos os dejetos, os silêncios, os segredos, o aspecto nonsense das relações comerciais que permeiam e anestesiam nosso dia a dia, inclusive no mundo da arte.

O discurso é corrosivo, sim, concorda Matheus, mas sem perder o apelo poético. — Não acredito em arte sem poesia — defende.

O GLOBO - Obra coletiva recria, em tempo real, imagem clássica do Rio

O luxo do lixo: em galpão no Aterro do Flamengo, visitantes participam da montagem de uma instalação do artista plástico usando garrafas PET e latas limpas

IZABELLA TEIXEIRA, ministra do Meio Ambiente, ao lado de Vik Muniz

(17/06/2012) Latas de alumínio, garrafas plásticas, copinhos, rolhas de cortiça, sacos plásticos e até pedaços de computador. Materiais de toda sorte, que não têm mais serventia, começaram a tomar forma pelas mãos de crianças e adultos que visitaram ontem o projeto Paisagem, instalação colaborativa do artista plástico Vik Muniz no Museu de Arte Moderna (MAM), no Aterro do Flamengo. Uma imagem da Baía de Guanabara, vista do Mirante Dona Marta e projetada no chão, ganha cores e texturas a partir do lixo reciclável que o público em peso leva ao evento, montado ao lado da Cúpula dos Povos. O projeto é uma realização do GLOBO, do Ministério do Meio Ambiente e da Coca-Cola.

— Essa vista da Baía de Guanabara da ótica do Dona Marta é a mais comum da cidade nos 180 anos em que se fotografa o Rio. É a vista mais iconográfica da baía. Eu queria que as pessoas trouxessem essa imagem na cabeça e aqui encontrassem uma coisa completamente diferente. Ontem não tinha quase nada depositado sobre a figura. Mas hoje já está tomando forma. É muito legal ver as pessoas chegando porque toparam participar desse trabalho — comemora Muniz. Pelo menos 2.100 pessoas passaram pela tenda nos dois primeiros dias do evento, colaborando para a obra aberta e transformando a instalação — que se propõe a estimular a discussão sobre o destino do lixo — numa grande curtição.

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, também visitou o projeto na tarde deste sábado e deixou uma garrafa de água mineral no painel.

30 — O Rio fechou o Aterro de Gramacho e conseguiu resolver muitos passivos ambientais de indústrias que poluíam a Baía de Guanabara. Mas ainda é preciso avançar muito para tornar a cidade sustentável. Esse trabalho chama a atenção para isso. O Vik é irresistível de sustentável — brincou Izabella Teixeira.

O ator Vladimir Brichta, o Armane do seriado “Tapas e beijos”, da TV Globo, foi um dos que aproveitaram a tarde para visitar o projeto. Ele foi ao local com os filhos Vicente, de 5 anos, e Agnes, de 14. O grupo levou caixas de leite e garrafas PET para ajudar a compor a imagem.

— Quero ver de cima, para ter uma ideia do todo — disse o ator, antes de subir o mezanino de onde o público pode observar a obra em andamento.

A filha de Vladimir disse estar encantada com o projeto, que começou a ser construído anteontem e prossegue até o dia 22, sempre das 11h às 17h. — Está ficando lindo. Eu não sabia que dava para transformar lixo em arte — disse Agnes. MÚSICA

O GLOBO - Roberto Silva mostra a classe e a bossa com que canta aos 92

O ‘Príncipe do samba’ apresenta o repertório do disco ‘Descendo o morro’ hoje no IMS

João Máximo

ROBERTO SILVA interpreta os 12 sambas do LP de 1958 entre comentários do jornalista Tárik de Souza

(14/6/2012) Deve-se à ginástica matinal diária — incluindo 20 obrigatórios minutos de exercícios vocais — a impressionante forma com que Roberto Silva subirá ao palco do Instituto Moreira Salles, às 20h de hoje, para cantar os 12 sambas de seu LP “Descendo o morro”, de 1958. O recital é o sétimo da série dedicada a reviver clássicos da discografia brasileira.

“Descendo o morro”, lançado originalmente pela gravadora Copacabana e relançado em CD pela EMI, fez tanto sucesso que acabou resultando em mais três, os volumes de 2 a 4. Neles, a mesma categoria de um dos maiores intérpretes do “samba sincopado”, como ele mesmo define seu estilo: — Fui abençoado por uma voz que me permite cantar de tudo, canções, valsas, baiões e até bolero, mas é com o samba que mais me identifico.

17 anos na Rádio Tupi

31 Embora quase sempre as pessoas se refiram a ele em função do tempo — 92 anos de idade, quase 75 de música —, o que mais impressiona em Roberto é justamente a classe e a bossa com que ainda canta. — Fumei por 35 anos e parei há mais de 40 — informa. — Beber, só em festinha, sempre pouco. Drogas, nada disso.

O corpo é o mesmo de quando começou a cantar na Rádio Guanabara, em 1938. A voz só não é a mesma pelo natural timbre mais grave que o tempo lhe impôs. Mas o estilo ainda descende do melhor Orlando Silva das valsas e canções e dos grandes sambistas de bossa dos anos 1940. Nascido em Copacabana, criado em parte numa fazenda de Inhaúma, Roberto Silva sempre gostou de cantar.

A gravação do primeiro disco foi difícil: — Dois compositores meus amigos, Alvaiade e Djalma Mafra, queriam que eu gravasse dois sambas deles na Continental — recorda. — Procuraram João de Barro, o , diretor da gravadora. Ele não fez muita fé. Mas aceitou gravar por conta dos compositores, incluindo a divulgação, 50 exemplares de 78 rotações. Foi assim que gravei “Ele é esquisito” e “Errado sou eu”.

Tempos depois, já contratado pela Star (futura Copacabana), João de Barro o procurou. Meio arrependido, queria contratá- lo. Mas Roberto preferiu ficar onde estava e onde continuaria por 40 anos.

Ao mesmo tempo, o rádio. Da Guanabara transferiu-se para a Mauá e desta para a Nacional, graças a um pedido de Evaldo Ruy a seu irmão Haroldo Barbosa. Da Nacional, levado por , foi para Tupi.

— Ali, no chamado “Maracanã dos auditórios”, foram 17 anos inesquecíveis — conta antes de explicar a história do apelido que o locutor Carlos Frias lhe deu. — Uma noite, ao me anunciar, Frias disse, com aquele vozeirão: “E agora, senhoras e senhores, Roberto Silva, o príncipe do samba.” Quase caí sentado. Eu, príncipe?

O apelido pegou. Ao menos, pelo microfone da PRG-3. E o cantor de todos os gêneros ficou definitivamente ligado ao samba. Conheceu e gravou seus sambistas favoritos, como Ataulfo Alves, Geraldo Pereira, Haroldo Lobo, Bide & Marçal, todos representados nos quatro volumes da serie. A estes nomes ele soma o de um sambista menos conhecido, Raimundo Olavo, a quem é grato pelo sucesso de “Normélia”.

Quanto ao primeiro “Descendo o morro”, conta que foi ideia do editor Vicente Vitale: — Vitale me pôs em contato com o grande flautista , que produziu e arranjou as 12 faixas. A escolha dos sambas foi nossa, os três, cada qual dando um palpite aqui, uma sugestão ali, cortando ou acrescentando.

No Moreira Salles, eles serão ouvidos entre comentários do jornalista Tárik de Souza. No acompanhamento, Paulão Sete Cordas (violão, arranjos e direção), Márcio Almeida (cavaquinho), Alexandre Maionese (flauta) e Netinho Albuquerque (pandeiros).

Com tudo que já viveu na música, Roberto Silva se sente à vontade para dizer que este é o seu melhor momento. Ao lado da mulher e empresária Syone (“Toda a minha carreira está nas mãos e no coração dela”, garante), ele trabalha muito, mas com disciplina. Casaram-se há 18 anos, quando, ele viúvo e ela divorciada, reataram antigo romance.

A disciplina permite que Roberto faça três ou quatro shows por mês, numa agenda cheia até novembro. Syone explica como atua: lê os contratos, marca as datas, estabelece os cachês (jamais aceitando um pedido de abatimento), cuida das viagens e até do repertório, um para teatro, outro para show em praça pública. Canjas e cantoria em reunião de amigos não acontecem mais.

— Não é por nada, não — explica Roberto. — É que prefiro cantar com o som adequado, microfone, essas coisas. Serestas? Sim, já fiz muita seresta. E ainda faço. Quer dizer, não mais debaixo de janela, mas em teatro ou em praça.

32 Para provar o que diz, solta a voz numa de suas favoritas, versos do amigo Mário Lago: “Passaste hoje ao meu lado/ Vaidosa de braço dado/ Com outro que te encontrou/ E eu relembrei, comovido...”

ESTADO DE MINAS - Tradição ameaçada

Canto lírico vive momento de dificuldade em Minas, estado que já foi referência no setor. Com poucas óperas e concertos na agenda, artistas precisam procurar outros mercados

Sérgio Rodrigo Reis

(14/06/2012) O canto lírico em Minas Gerais já viveu dias melhores. Se num passado recente o estado era referência de vozes para concertos sinfônicos, óperas e apresentações musicais, hoje se assiste a uma crise no setor. Há exemplos por todos os lados. O Coral Lírico de Minas Gerais, da Fundação Clóvis Salgado, só continua atuando porque, a cada nova aparição, são contratados cantores temporários para complementar os naipes. O Ars Nova, grupo fundado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e referência na área, com trajetória internacional reconhecida e várias premiações no currículo, está parado há anos. As óperas e operetas realizadas em Belo Horizonte já não mais escalam os artistas que vivem e trabalham por aqui, o que não só dificulta a abertura de oportunidade para mão de obra local, como comprova o déficit qualitativo existente.

A situação parece ter chegado ao limite e, depois de várias manifestações dos artistas, começam a aparecer sinalizações que apontam para um futuro mais promissor. No início do ano, foi anunciado um concurso público, previsto para ser realizado nos próximos meses, para complementação do Coral Lírico de Minas Gerais. O Ars Nova também ensaia o retorno. Tanto a UFMG quanto antigos coralistas já se movimentam para retomar o grupo que, durante décadas, foi referência nacional, atraindo em suas audições cantores de vários estados brasileiros.

O interior de Minas, que desde o passado serviu de palco para a formação de músicos, também enfrenta dificuldades. Vários corais ligados a prefeituras agonizam com a falta de interesse dos políticos. Quem perde, como sempre, é o público, que se tem privado dessa importante manifestação cultural com vários capítulos importantes na história local.

Coube ao pesquisador alemão naturalizado uruguaio Franz Kurt Lange (1903-1997) desenvolver intensa pesquisa de valorização da musicologia histórica brasileira. Seus estudos apontam para a relevância que o canto lírico alcançou entre os séculos 18 e 19, sobretudo em cidades como Ouro Preto. A coleção de manuscritos musicais nacionais que ajudou a transferir para aquela cidade, no Museu da Inconfidência, entre 1940 e 1950, é prova da relevância da pesquisa. “Desde o século 18 existiam excelentes cantores aqui. Na época, só homens podiam cantar e eram pessoas respeitadas pelo fazer musical. Eram disputadíssimos”, afirma Márcio Miranda Pontes, maestro do Coral Lírico de Minas Gerais, pesquisador e autor de vários livros sobre a produção colonial. O cantor e professor Paulo Henrique Campos concorda: “No DNA de Minas Gerais há o canto lírico. Precisamos que essa vocação tenha condições de se realizar por completo. E não que seja gestada aqui e, na hora de florescer, dê o resultado fora.”

A crítica do músico evidencia uma situação comum. Por falta de mercado, a grande maioria dos cantores líricos que almejam postos de destaque só consegue oportunidade no eixo Rio–São Paulo ou em outros países. “Quando muito, são realizadas duas óperas por ano em BH. Isto limita bastante a atuação dos nossos artistas e acabamos perdendo-os para centros mais ativos. Há ainda o fato de os solistas sempre virem de fora”, lamenta Márcio Miranda. Se não há oportunidades para apresentações no estado, a cadeia produtiva e artística não se completa. Para um cantor mineiro chegar ao posto mais alto da carreira, atuando como solista, além de disciplina, estudo e talento é fundamental que caminhos estejam abertos. Não é o que ocorre. “Se não há recursos para se realizar produções em quantidade, que se façam mais e menores. É o que poderia qualificar a mão de obra”, sugere o maestro.

História Nos anos 1950, Belo Horizonte, com o seu Teatro de Emergência, hoje Francisco Nunes, passava por uma efervescência na área. Com a chegada do maestro italiano Sergio Magnani (1914- 2001) em 1951, com seu trabalho como professor e à frente da Sociedade Coral de BH, a capital assistiu a alguns dos principais momentos do canto lírico. Magnani foi responsável por grandes montagens operísticas realizadas no Francisco Nunes. O maestro Luiz Aguiar testemunhou aqueles

33 tempos. “A Sociedade Coral chegou a ter 120 integrantes. Fechávamos o Chico Nunes de julho a agosto para concorridas temporadas de seis títulos diferentes de óperas. Os 700 lugares eram sempre lotados para as récitas nas noites de quinta-feira, sexta, sábado e na tarde de domingo. Foi assim até os anos 1970.” Aqueles tempos não só deixaram saudades como ajudaram a formar plateia e cantores.

O resultado de décadas de produção intensa do canto lírico culminou com a repercussão conseguida pelo trabalho e visibilidade de corais como o Júlia Pardini, o Renascentista e o Ars Nova. Certa vez, quando se apresentava na Polônia com o Coral de Brasília, Lincoln Andrade, atual coordenador da área de regência da Escola da Música da UFMG, foi parado por uma alemã. “Ela me perguntou se tinha notícias do regente Carlos Alberto Pinto Fonseca e do seu Ars Nova! Disse que o maestro e seu grupo eram a maior referência brasileira do canto coral do país”, lembra Lincoln, que depois ficou sabendo que se tratava da secretária da Associação Europeia de Corais. “O alcance daquele trabalho era enorme. Minas sempre foi referência na história moderna do canto brasileiro.” Atualmente, o maestro trabalha no inventário do Ars Nova. Ele informa que já existe vontade institucional para a retomada do coro. “É só uma questão de tempo”, garante.

O clima de retomada do Ars Nova coincide com a fase produtiva na formação musical do estado. Além de cursos específicos na própria Escola de Música da UFMG e na Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), há oportunidade também no Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado, o Cefar. “Temos um processo intenso de formação. Infelizmente, não há mercado efetivo para absorver esse pessoal altamente qualificado. Não é uma situação recente. É um dado histórico”, explica Márcio Miranda. Como não há espaço suficiente em produções operísticas ou em apresentações sinfônicas, a alternativa para o cantor lírico, além do mercado como professor de música, são os eventos. De casamentos e formaturas a funerais, existem oportunidades que absorvem boa parte dos profissionais. Infelizmente, na maioria dos casos, sem tanta preocupação artística. “Não é raro pedirem música de novela”, conclui o cantor Paulo Henrique Campos.

O patrimônio está doente Mariana, que pleiteia reconhecimento mundial pela Unesco, tem 90% dos seus 25 templos católicos em risco. O segundo mais visitado, de São Francisco de Assis, está interditado

Gustavo Werneck

Do lado de fora, a Igreja do Rosário, no distrito de Padre Viegas, tem fachada encardida e com plantas.

A primeira cidade e capital de Minas não consegue mais ocultar as chagas do seu patrimônio barroco. Muito menos curá-las. Igrejas de quase 300 anos, na sede e distritos, estão com rachaduras profundas para desespero dos fiéis, casarões correm risco de desabamento afugentando visitantes, o coreto da praça sofreu interdição e um ato de vandalismo destruiu uma luminária histórica bem diante

34 da Catedral da Sé. Os problemas só deixam mais distante o tão sonhado título de Patrimônio da Humanidade, ainda não concedido pela Unesco a Mariana, que entrou com processo em 2007 reivindicando o reconhecimento mundial dado em Minas a Ouro Preto, Diamantina e ao Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. A dimensão dos estragos na cidade pode ser mensurada: o departamento de Patrimônio da Prefeitura estima que 90% dos 25 templos católicos históricos sofrem algum tipo de ameaça.

Para piorar, o município esteve prestes a devolver, este mês, cerca de R$ 3 milhões referentes a recursos do antigo Programa Monumenta, administrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Ministério da Cultura, por falta de prestação de contas e projetos não executados no período de 2004 a 2010. O caso está sob investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) e o dinheiro daria, conforme especialistas, para salvar pelo menos duas igrejas dos tempos coloniais e ícones das Gerais.

O Estado de Minas visitou a cidade e constatou problemas urgentes. O ponto de partida foi a Igreja Nossa Senhora do Rosário, no distrito de Padre Viegas, a 20 quilômetros do Centro. A joia ainda desconhecida pelos visitantes está com a fachada encardida e a torre direita servindo de canteiro para uma gameleira. A árvore está frondosa e as raízes atravessaram a parede do coro. Quando foi cortada, ela cresceu rapidamente, segundo o comerciante Ércio da Silva, de 46 anos, que mora em frente à construção. Para ele, a igreja é o orgulho dos moradores de Padre Viegas, um distrito surgido no século 18, onde nasceram o inconfidente Cláudio Manoel da Costa e o padre José Joaquim Viegas de Menezes, o “precursor da imprensa”, conforme a placa de sinalização turística.

De portas abertas, a chefe do Departamento de Patrimônio da Prefeitura, historiadora Érika Meyer, aponta para um dos problemas mais sérios da igreja, que já teve seu interior restaurado. Uma escada de pedra leva até o coro. A madeira usada no lugar foi trocada, mas por peças de eucalipto verde em vez do tratado. “Com isso, a madeira ficou retorcida. Com o tempo, os danos poderão ser maiores”, disse Érika.

No turístico distrito de Cachoeira do Brumado, famoso pela queda d’água e por tapetes de sisal, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, do século 18, pede socorro. A cobertura está em péssimo estado, faltam telhas na fachada e na torre direita a pinha (ornamento) entortou.

TAPUMES Já dentro de Mariana, na Praça Gomes Freire, o coreto construído em 1938 está escondido por tapumes. Ele fica em um espaço arborizado, cercado por casarões, e é um famoso ponto de encontro entre gerações da cidade. O piso e o teto estão caindo. Érika Meyer disse que as obras começariam na segunda-feira. “O jardim passou por obras de requalificação há alguns anos, mas o coreto, tão frequentado pelas crianças, está neste estado lastimável”, mostrou a chefe do patrimônio.

Dentro do templo do Rosário, o morador Geraldo Pereira mostra as fendas nas paredes

35 Talvez o pior exemplo seja o da Igreja de São Francisco de Assis. Ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e da Casa de Câmara e Cadeia, na Praça Minas Gerais, foi eleita uma das sete maravilhas da Estrada Real e está dentro do Centro Histórico tombado pelo Iphan desde 1938. Mas nada impediu que o templo fosse interditado pela Prefeitura de Mariana após laudo do Iphan constatando comprometimento da cobertura e estrutura da igreja, além de rachaduras nas cimalhas, que põem em risco a vida dos visitantes. A igreja é o segundo monumento mais visitado pelos turistas na cidade, ficando atrás da Catedral da Sé. Para recuperá-la, foi elaborado um termo de referência com tudo que deve constar na obra, que está em análise pelo instituto nacional, para depois captar os recursos. Atrás de São Francisco de Assis está a Casa do Conde de Assumar, também interditada.

Em nenhum dos prédios do patrimônio, a beleza e a história deixaram de existir. Dentro do templo ameaçado, o presidente da Ordem Terceira de São Francisco (proprietária da Igreja de São Francisco de Assis e da casa anexa), professor João Vicente de Souza, apresenta, entusiasmado, mostra as maravilhas e curiosidades. “Vejam só: do lado direito estão os santos que curam ‘as dores do corpo’ – São Luís de França, São Lázaro, São Sebastião, São Manoel e São Roque – e, do esquerdo, os ‘da alma’ – Santa Clara, São Vicente Ferrer, Santo Antônio, Santa Rita, Santa Rosa de Viterbo e Santa Isabel de Portugal.

Além de toda a degradação, no fim de maio, dois estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) depredaram o pelourinho de pedra sabão do século 19 com luminárias e 3,5metros de altura na Praça Cláudio Manoel, em frente à tricentenária Catedral da Sé, no Centro Histórico. O monumento está sob posse da prefeitura para ser restaurado. A área é tombada pelo Iphan há 70 anos.

POLÍTICA Nos últimos três anos e meio, Mariana teve sete prefeitos. O atual é Roberto Rodrigues (PTB), que assumiu o cargo pouco antes do Carnaval, num momento de tensão, pois a Justiça acabara de proibir a folia no Centro Histórico. Na semana passada, Roberto esteve com a secretária municipal de Cultura e Turismo, Walkíria Carvalho, na sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em Brasília. Para evitar a devolução dos R$ 3 milhões de recursos do Programa Monumenta, ele se comprometeu a prestar contas dos serviços executados entre 2004 e 2010. A Prefeitura também pediu uma auditoria para entender o que aconteceu nos seis anos. “Vamos resolver esta questão. Encontramos a prefeitura sucateada e o patrimônio cultural mais ainda. O quadro é grave e pedimos uma auditoria”, diz a secretária.

Na Praça Jardim, o coreto ameaça desabar e foi tampado para receber intervenções

O ESTADO DE S. PAULO - Uma noite democrática

ROBERTA PENNAFORT

36 (15/06/2012) O rap paulistano e o coco pernambucano brilharam na cerimônia do democrático Prêmio de Música Brasileira, anteontem, no Teatro Municipal do Rio. Criolo, sensação de 2011, e o desconhecido Herbert Lucena receberam cada um três troféus, de melhor CD e melhor cantor - o primeiro, na abrangente categoria pop/rock/reggae/hip hop/funk; o segundo, na regional. Criolo ganhou também como revelação e Lucena, pelo projeto visual de seu CD.

"Obrigado, rap nacional. Devo tudo isso a você!", agradeceu o rapper no Twitter depois da festa. "Fiquei doidinho, muito feliz. A gente manda o disco e espera entrar em alguma categoria. As indicações já foram uma surpresa. Isso dá visibilidade maior ao meu trabalho, vou ter mais espaço", vibrou o esperançoso Lucena, que bancou a gravação e contou com a ajuda de músicos amigos.

Dois artistas em seu segundo CD, duas realidades distintas: com uma legião de seguidores em todo o País, Criolo, avalizado até pela MPB, inicia turnê internacional pela Europa e pelos Estados Unidos; Lucena tenta tornar o coco, o gênero tradicional confinado a Pernambuco, conhecido nacionalmente.

Em sua 23.ª edição, o prêmio sempre teve caráter diverso. Só nele um artista de grande prestígio, mas pouca repercussão, como Dori Caymmi, é consagrado com dois troféus: melhor CD, Poesia Musicada, e melhor cantor.

Quem também venceu em dose dupla foi Alcione, melhor cantora e melhor CD na categoria canção popular, que abarca sertanejo, brega e artistas mais vinculados ao passado, como Cauby Peixoto (escolhido melhor cantor, e, aos 81 anos, saudado pela plateia de pé).

"Ganhar esses prêmios é muito importante para o meu trabalho. Perdi como arranjador e ganhei como cantor, é algo novo para mim", disse Dori, que mora em Los Angeles, mas está no Rio há três meses por conta do CD.

Na cidade só para a cerimônia, Dom Salvador, lendário pianista de 73 anos que fez fama na bossa nova e há 40 anos também se radicou nos Estados Unidos, era outro nas nuvens com o seu troféu. "Depois de tantos anos fora do Brasil! Nunca vou esquecer esta noite."

Outros vencedores denotam a abrangência do prêmio: Gilson Peranzzetta (melhor arranjador), Chitãozinho & Xororó (dupla de canção popular) e Hamilton de Holanda (solista na categoria instrumental).

A estrela da noite foi João Bosco, o "mineiro mais carioca da música brasileira", homenageado do ano, e sua obra de quatro décadas. Suas músicas mais emblemáticas foram cantadas por um time eclético. abriu o palco com uma emocionada Agnus Sei, dos primórdios da carreira de João, impregnada do espírito mineiro.

Zeca Pagodinho e Gaby Amarantos fizeram um medley de Coisa Feita e Incompatibilidade de Gênios, com direito a selinho ao fim. Ivete Sangalo foi de Corsário; Alcione deu nova cara a Quando o Amor Acontece; Mônica Salmaso e Renato Braz dividiram a recente Sinhá, parceria com Chico Buarque que logo em seguida seria premiada como canção do ano.

O maior sucesso foi o próprio João quem cantou, ao violão magistral: Papel Machê, acompanhada pela plateia do Municipal, O Mestre-Salas dos Mares, Desenho de Giz.

Emoção. De terno, boné e tênis nas cores do seu time, o Flamengo, o compositor fez um discurso breve e simples. "Agradeço aos amigos do passado e aos contemporâneos que me ensinam até hoje. Aos parceiros, desde , até os que eu ainda não conheço, e principalmente a meu parceiro de fé Aldir Blanc", disse, enfático. "Essa é uma homenagem à música brasileira, aos compositores, é assim que entendo. Aos grandes compositores que nos deixam esse legado, para continuarmos com a música, sorrindo."

Foi um dos momentos tocantes da cerimônia, ágil, mas um tanto engessada este ano - a dupla de apresentadoras, a atriz Luana Piovani e a cantora Zélia Duncan, apesar de correta, não tem o jogo de cintura e a graça natural de antecessores como Fernanda Torres, Débora Bloch e Lázaro Ramos.

37 Lido por José Wilker, o texto de Aldir Blanc, amigo de João desde 1970, entre idas e vindas, também emocionou. Para o letrista, as músicas "que pediam palavras" com que se deparou tinham "o uivo barroco da solidão de Ouro Preto, cidade onde João estudava engenharia e compunha, em silêncio, uma revolução musical".

"(Desde o início) já éramos, por temperamento e destino, uma parceria indissolúvel", pontuou. "João é um forte. Sofreu incompreensões e até maldades difíceis de suportar, a menos que o artista tenha um objetivo implacável. Estivemos afastados 20 minutos, 20 séculos - e esse tempo foi igual a observar as mesmas estrelas de navios diferentes, sentindo a água e o vento que nos reuniria. Se hoje, paradoxalmente, as dificuldades são maiores, também fomos claros sobre isso: 'Glória a todas as lutas inglórias!' E quando tentarem, mais uma vez, o aliciamento de má-fé para 'facilitar', lembraremos que, atrás dessas propostas aparentemente generosas, está a ponta dos aríetes, e responderemos, como há 40 anos atrás: não!"

O ESTADO DE S. PAULO – Nelson Pereira e “A Luz do Tom”

16.º FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul)

(15/06/2012) Hoje à noite, na abertura do 16.º FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul), o diretor Nelson Pereira dos Santos exibe o seu esperado segundo filme sobre Antonio Carlos Jobim, A Luz do Tom, segunda parte de uma trilogia prevista. O primeiro, A Música de Tom Jobim, fez sucesso (para um documentário, com 73 mil espectadores) ao lembrar a trajetória do maestro apenas através de suas canções, sem qualquer entrevista, diálogo ou análise de sua obra. Um filme de encher os olhos, e os ouvidos.

Esta segunda parte do tríptico promete ser diferente. Baseada no livro Antonio Carlos Jobim: Um Homem Iluminado, de Helena Jobim, irmã do compositor, fala da relação de Tom com as mulheres. Ou, pelo menos, com três delas, que tiveram importância fundamental em sua vida - a própria Helena e as duas esposas, Thereza e Ana. Há motivo concreto para o filme estrear em Santa Catarina - a entrevista com Helena foi gravada em Florianópolis.

Nelson Pereira. Cineasta ganha retrospectiva e mostra segundo documentário sobre Jobim

38 Além dessa estreia nacional, o FAM também promove uma retrospectiva da obra de Nelson Pereira dos Santos, com alguns dos seus mais importantes filmes, como Vidas Secas e Memórias do Cárcere. O primeiro é um dos mais importantes trabalhos da fase áurea do Cinema Novo, uma versão muito bem-sucedida de Graciliano Ramos. O segundo foi o "filme da abertura política", adaptando a obra homônima em que Graciliano narra sua passagem pela prisão durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas.

A mostra homenagem lembra ainda a fase experimental de Nelson com Asyllo Muito Louco, sua versão, digamos, tropicalista, para a novela O Alienista, de Machado de Assis. E seu diálogo com a música sertaneja comparece com Estrada da Vida, que põe em foco a dupla Milionário e Zé Rico. Aos 83 anos, membro da Academia Brasileira de Letras, Nelson é um ícone do cinema brasileiro, patrono do Cinema Novo e dono de uma obra expressiva e multifacetada.

Essa, a parte histórica do FAM, com a justa homenagem a diretor tão fundamental. Na vertente contemporânea, o festival traz uma série de produções do Mercosul, divididas em quatro mostras competitivas: Mostra de Curtas Mercosul, uma mostra infantojuvenil, outra catarinense, exclusiva dos filmes do Estado, e o Doc FAM, com seis documentários, entre eles o argentino El Polonio, de Daiana Rosenfeld, único representante estrangeiro nessa mostra. No mesmo segmento, Os Últimos Cangaceiros, de Wolney Oliveira, e Vai-Vai: 80 Anos nas Ruas, de Fernando Capuano.

Na parte não competitiva, estarão filmes como A Febre do Rato, de Claudio Assis, ainda inédito no circuito comercial, mas já veterano de outros festivais. Além dele (e de A Luz do Tom, também parte deste segmento), há os dois argentinos Las Malas Intenciones, de Rosario Garcia Montero, e El Ultimo Elvis, de Armando Bo. A mostra de curtas-metragens traz 20 filmes, entre documentários e ficções, de vários países do continente.

Na série de debates, estará presente o presidente da Ancine, Manoel Rangel, que discutirá os acordos bilaterais de produção entre Brasil e Argentina e Brasil e Uruguai. Além disso, está na pauta a polêmica Lei 12.485/2011, que impõe cotas de conteúdo nacional para as TVs a cabo.

O Estado de S. Paulo - Pegou geral

LAURO LISBOA GARCIA

(16/05/2012) Que mistério tem o paulistano Criolo pra guardar-se assim tão firme no coração? Com o recato da Clarice de , reservado e sensível, ele pegou geral. Ídolo de médio porte, hoje conquistou o "amor de SP". E do Brasil. Por onde passa comove legiões crescentes de fãs - Recife, Salvador, Belo Horizonte, Brasília. Para qualquer show na cidade natal os ingressos se esgotam rapidamente. Versos de suas canções já são repetidos como bordões - como "acostumado com sucrilhos no prato" e "cantar rap nunca foi pra homem fraco". "Ele tem uma linguagem muito direta e segura, aí pega mesmo, vai com os pés no peito mesmo, sem rodeios", aponta o baixista e produtor Marcelo Cabral.

Homenageado por Chico Buarque, cortejado por Caetano, acumulando prêmios, como os três que recebeu esta semana pelo álbum Nó na Orelha, agora o porta-voz do Grajaú (bairro periférico de São Paulo) se prepara para seu maior voo internacional.

Fora do País já é apontado como um dos nomes mais representativos da nova música brasileira. Depois de ter cantado em Nova York e Buenos Aires, ele embarca para uma turnê que começa no dia 30 pela Inglaterra e segue para França, Itália e Dinamarca. Por fim, retorna aos Estados Unidos para cantar em Los Angeles e Nova York.

De cara, vai dividir o palco do festival Back2Black, em Londres, com ninguém menos que Mulatu Astatke, o papa do ethio-jazz citado na canção Mariô (dele e Kiko Dinucci) e homenageado em Para Mulatu, que canta no CD de Gui Amabis. Kleber Gomes (ex-Criolo Doido) parece fazer valer o alerta pronunciado na abertura de Nó na Orelha: "Fique atento quando a pessoa lhe oferece o caminho mais curto."

Para quem acordava de manhã sem saber se teria o mínimo para suprir as necessidades vitais há pouco mais de um ano, é uma conquista de entorpecer. "Nem sei responder, é tudo tão mágico. Nem

39 no meu sonho mais ousado isso passaria pela minha cabeça", diz Criolo, entre um voo e outro, rumo a Fortaleza. "Estou muito contente. Fomos convidados pra todos os shows e receber esses convites é uma honra enorme. Estou ansioso. Tem um grupo de pessoas muito feliz em fazer parte e dividir esse sonho comigo. Quero fazer meu melhor e tenho certeza de que, acima de tudo, vou aprender e crescer muito. É inimaginável."

Mais de 20 anos de batalha se passaram para Criolo ganhar um significativo prêmio de... revelação. Por seu impactante álbum autoral Nó na Orelha (2011), o segundo da carreira, o cantor e compositor foi um dos que mais troféus levaram do Prêmio da Música Brasileira, quarta-feira, no Rio. Além de revelação, foi contemplado com os prêmios de melhor cantor e melhor álbum na categoria pop/rock/reggae/hip hop /funk. Para ele, esses prêmios representam "o reconhecimento de um encontro entre pessoas talentosas, que já eram contemporâneas, mas estavam sempre 'batendo na trave' pra se encontrar".

Engajado sem ser panfletário ou rancoroso, ele é um rapper melodioso e foi além do hip hop (Subirusdoistiozin, Grajauex, Mariô, Sucrilhos, Lion Man) com levadas de acid jazz e afro-funk nessas faixas, afrobeat (Bogotá), balada soul (Não Existe Amor em SP), brega/bolero (Freguês da Meia Noite), reggae/dub (Samba Sambei), afro-samba (Linha de Frente). O show já tem música nova, incorporando o ijexá da Bahia.

Gratidão ao rap. No entanto, ele faz questão de reforçar sua gratidão ao rap, não apenas como gênero musical. "Foi o rap que me ensinou a conviver com as pessoas, que me fez crescer como cidadão e isso vai além da sonoridade. Não tem como eu me esquecer do meu berço, da minha história, e num momento de importante reconhecimento como esse, nada mais justo do que agradecer ao meu berço", diz. "E mesmo que eu seja apenas mais um representante do rap nacional, faço questão de dividir com as pessoas essa arte que me ensinou a subir no palco, a construir meu texto e a me comunicar com as pessoas, com o público."

Criolo também reconhece que os produtores de seu disco e integrantes de sua afiada banda Marcelo Cabral e Daniel Ganjaman foram (e são) fundamentais na definição da sonoridade do disco que o levou a todos esses êxitos a partir dos antológicos shows de lançamento, nos dias 1.º e 2 de junho de 2011, no Sesc Vila Mariana. "Nada disso estaria acontecendo, não fosse pelo trabalho do Daniel e do Marcelo, e de todas as pessoas que eles convidaram pra participar do disco e que, me conhecendo há anos ou tendo acabado de me conhecer, tiveram uma entrega muito grande com o meu trabalho. Todos foram e continuam sendo muito generosos em dividir sua arte conosco", diz o cantor.

Cabral endossa: "O lado pessoal e musical entre todos nós é uma coisa só. A gente se conheceu e na primeira semana de produção já éramos amigos. E ele dormia em casa pra não precisar voltar tarde pro Grajaú e já estar de volta cedo no estúdio. Continua cantando e compondo sem parar no meio de tudo isso, não mudou em nada."

O saxofonista Thiago França, outro integrante da banda, diz que a ascensão de Criolo é, "antes de mais nada, o óbvio: Criolo tem um talento incomum, o disco é bom, o show é bom e o conteúdo gera muitas reflexões, que é raro, ponto a favor, deixa tudo em mais evidência ainda", diz. "Todo o resto, é cedo pra falar, deixemos para os historiadores. No mais, o nosso dia a dia não mudou: muita ralação e pouco glamour."

O ESTADO DE S. PAULO - Defensor de uma música viva

Rigor nas análises marcou a carreira do crítico J. Jota de Moraes, que morreu na quarta

JOÃO MARCOS COELHO

40 (16/06/2012) É dura, duríssima a vida do crítico musical. Ele tem de atuar simultaneamente em duas frentes: como catalisador, deve examinar e descartar o lixo sonoro que nos cerca, filtrando e incentivando a música de qualidade; e, como provocador, tem de surpreender os padrões de gosto, tirar os leitores da zona de conforto, levá-los a experimentar, descobrir o novo. Em ambas as frentes, deve ter consciência de que a própria escolha do concerto, livro ou gravação em suporte físico ou digital sobre o qual vai escrever já implica atitude política. E ser o menos previsível possível, isto é, não ter agenda fixa de dogmas. Fugir da resenha, crítica de livro, concerto ou gravação rotineira, feita com o piloto automático - em respeito ao leitor.

Como conseguir isso? Reinventando-se a cada instante, conhecendo novas reflexões sobre a música, correndo atrás de todo tipo de novidades - mesmo que elas se revelem depois descartáveis. Músicos e compositores esquecem que é tarefa do jornalista musical chafurdar neste lixão sonoro em busca de centelhas que valham a pena, que apontem caminhos, que pratiquem transgressões.

Esta foi a cartilha pela qual se pautou J. Jota de Moraes, que morreu na quarta, aos 69 anos. A estes pressupostos, acrescente-se o rigor de suas análises e comentários. E, sobretudo, o cuidado extremo com as palavras. Afinal, praticou durante 32 anos no Jornal da Tarde um credo semelhante a este que acabei de esmiuçar. Este é meu credo também. Parte dele aprendi lendo seus textos quando estudante de música e de filosofia.

Seu radicalismo era sadio, pois sua luta era pela música viva, que rompe padrões, estabelece novos paradigmas, entreolha o futuro. Recentemente o filósofo Vladimir Safatle escreveu que "a arte nunca é o reflexo da vida social. É, antes, a figura avançada daquilo que a vida social ainda não é capaz de pensar, daquilo que ainda não tem forma no interior de nossas formas hegemônicas de vida".

Concordo e acrescento que o crítico precisa praticar o princípio esperança tal como o formulou Ernest Bloch. Para ele, a música permite a antecipação de uma vida desalienada: "Não somos ainda nós mesmos, mas na música antecipamos esta realização futura." A música não é parte do futuro já presente, mas uma força que garante a possibilidade real do futuro esperado. Não por acaso, para Bloch a música é a única linguagem da utopia. Esta pode escapar do conceito, mas nunca da música.

Sempre dividimos - cada qual em sua trincheira - a paixão pela música contemporânea e, de modo mais abrangente, pela "de invenção", perfeita expressão de para definir a música que foge do entretenimento, descarta o óbvio e se questiona o tempo todo. Alimentamos uma polêmica nos anos 80 - eu na Folha de S. Paulo, J. Jota no Jornal da Tarde - sobre a música politicamente engajada. Naqueles anos em que se lutava pelas Diretas-Já, ficamos em campos opostos. Jota, contra, com os irmãos Campos; eu, a favor, com e Willy Corrêa de Oliveira. Desde então, não mais nos falamos. Não era preciso. Continuamos, cada um a seu modo, a praticar no dia a dia o único dogma que vale a pena: dar mais visibilidade às músicas contemporâneas.

41 A vida musical tradicional apoia-se no princípio da repetição. Ano após ano, empilham-se, um após outro, os mesmos Bachs, Beethovens e Brahms - e de preferência, com as mesmas obras. Já dizia o compositor argentino Mauricio Kagel que a vida musical convencional quer "atingir o maior número de pessoas possível com o menor número de obras". O público gosta disso, repete também os aplausos às mesmas obras repetidas "ad nauseam".

Cabe ao crítico desmontar esta narcótica engrenagem assim descrita pelo pesquisador Christopher Small: "O público age como se fosse criança. Gosta de ouvir/assistir na TV a mesma história/filme centenas, milhares de vezes." J. Jota mergulhou inteiro nesta desconstrução radical em mais de três décadas de crítica. Com pleno êxito.

FOLHA DE S. PAULO - Criolo leva 3 troféus em prêmio nacional

Rapper vence como revelação, cantor e disco de pop/rock/reggae/hip-hop/funk no Prêmio da Música Brasileira

Cerimônia previsível resultou sem graça, mesmo na homenagem a João Bosco; Cauby foi aplaudido de pé

Marco Aurélio Canônico, do Rio

(15/06/2012) "Esse é o cara", dizia João Bosco, apontando para Criolo, após a cerimônia do Prêmio da Música Brasileira, anteontem à noite, no Theatro Municipal do Rio.

Era o homenageado da premiação elogiando seu maior vencedor -o rapper paulista foi eleito a revelação do ano e levou ainda os troféus de cantor e disco ("Nó na Orelha") em sua categoria, a abrangente pop/rock/reggae/hip-hop/funk.

"Reconhecimento, de quem quer que seja, é sempre valioso", disse Criolo nos bastidores. "O fato de eu estar aqui é uma construção coletiva, muita gente me ajudou."

Sua consagração no mais tradicional prêmio musical do país fecha o ciclo de pouco mais de um ano desde o lançamento de seu primeiro disco. Nesse período, ascendeu como um foguete, colecionando troféus, fãs e elogios da nata da MPB.

Assim, sua vitória pode ser considerada correta, previsível e, por isso, sem maiores emoções -e o mesmo pode ser dito sobre a 23ª edição do Prêmio da Música Brasileira.

De onde mais se esperava algum frescor -as apresentações de convidados ilustres cantando sucessos de João Bosco-, não saiu nada memorável. O palco imenso, o clima formal, as músicas complexas e alguns problemas técnicos inibiram e limitaram boa parte dos artistas.

Os melhores foram , com uma canção menos conhecida ("O Cavaleiro e os Moinhos"), e Criolo, com uma das mais populares ("De Frente pro Crime").

A premiação, bem apresentada por Luana Piovani e Zélia Duncan, foi marcada por várias "dobradinhas", em que o melhor intérprete de cada categoria levou também o troféu de melhor álbum.

Além de Criolo, Dori Caymmi (MPB), Alcione (canção popular) e o desconhecido Herbert Lucena (regional) -um dos méritos do prêmio, aliás, é destacar artistas de fora do eixo Sul-Sudeste.

Nenhum vencedor faz discurso de agradecimento, o que acelera muito a já longa cerimônia, mas também elimina qualquer chance de emoção -o mais perto que se chegou disso foi com Cauby Peixoto sendo aplaudido de pé ao pegar seu troféu.

Além dele, só Bosco teve tal saudação da plateia, ao subir ao palco no final para cantar quatro sucessos.

A Globo exibe um compacto da premiação no próximo dia 24, após o "Fantástico".

42 FOLHA DE S. PAULO - Viper comemora 25 anos de primeiro disco com turnê

Thiago Rahal Mauro, de São Paulo

(15/06/2012) Poucos grupos brasileiros de heavy metal desbravaram o continente europeu e asiático nos anos 1980 e 1990 como os paulistanos do Viper.

Ao lado de Sepultura e Angra, o Viper foi uma das primeiras bandas a se apresentar fora do país, no Japão -onde gozam de grande prestígio. Por lá, conseguiram espaço graças a música "Moonlight", do trabalho "Theatre of Fate", com influências de música clássica e barroca.

Comemorando 25 anos de seu primeiro disco, a banda conta agora com o retorno do vocalista Andre Matos (ex-Angra, Shaman e Symfonia) após duas décadas fora do

Viper. Ao lado dele, Pit Passarell (baixo), Felipe Machado (guitarra), Guilherme Martin (bateria), Hugo Mariutti (guitarra) e Yves Passarell (guitarra).

O grupo tocará os discos "Soldiers of Sunrise" (1987) e "Theatre of Fate" (1989), pela primeira vez na íntegra.

"O nosso primeiro trabalho completou 25 anos, por isso resolvemos presentear os fãs com essa turnê", disse Felipe Machado.

O guitarrista Yves Passarell -atual Capital Inicial- não poderá tocar durante toda a turnê, apenas em alguns shows. Para o seu lugar, foi escalado Hugo Mariutti.

O GLOBO – Festival Santa Música leva hoje 42 atrações às ruas do Centro

Inspirado na Fête de la Musique de Paris, evento vai da Lapa à Praça Tiradentes

Luiz Fernando Vianna

Cancelado no ano passado por pressão de um grupo de moradores de Santa Teresa, o Festival Santa Música realiza hoje sua primeira edição em outra região da cidade: o circuito Lapa-Rua do Lavradio- Praça Tiradentes, no Centro.

A programação prevê 42 atrações, num total de cerca de 250 músicos, começando às 13h e indo até depois das 22h.

Mas não há muitos nomes de peso, pois a ideia é outra.

Tendo como referência a Fête de la Musique, a Festa da Música parisiense, que mobiliza milhares de pessoas na capital francesa todo 21 de junho, o evento carioca convida — sem pagar cachê — artistas e grupos jovens interessados em mostrar seus trabalhos e agitar a cidade por pelo menos um dia.

— É a antítese do megaevento. O objetivo é levar a música às ruas, ao rés do chão — afirma David Miguel, um dos integrantes do coletivo Santa Música, que organiza o festival, patrocinado pelo governo do Estado, em parceria com a Roda de Produção. — Como é a primeira vez, não temos a menor ideia de quantas pessoas aparecerão. Mas queremos que os shows sejam a trilha sonora de um sábado no Centro do Rio.

Diversidade como critério Sendo nas ruas, as apresentações são, naturalmente, gratuitas. Os palcos foram divididos por estilos. O mais ligado a samba e MPB fica na Avenida Mem de Sá. Na Rua do Lavradio há três, com espaços para jazz, blues, eletrônico e outros caminhos. As bandas de rock estão na Praça Tiradentes. E há ainda, na praça dos Arcos da Lapa, o espaço para cortejos: Afoxé Filhos de Gandhi às 14h, Rio Maracatu às 15h etc.

43 — O critério para escolher os convidados foi a diversidade. Queremos trazer para baixo do guarda- chuva do festival o maior número possível de estilos. E não são artistas de baixo nível. Há muitas pepitas no garimpo que fizemos — destaca David Miguel.

Para ficar em alguns nomes conhecidos, a harpista Cristina Braga (13h) e o saxofonista Leo Gandelman (16h45m) tocarão na esquina da Lavradio com a Rua Visconde de Rio Branco. E o cantor e compositor Mu Chebabi se apresentará às 19h15m na mesma rua, em frente ao número 133.

O nome Santa Música é exaltação à música, sem relação com Santa Teresa. O coletivo sonha espalhar gradativamente a festa pela cidade, tal como em Paris.

Um aspecto que vem se espalhando são as ações nas favelas com UPP. Clara Sverner já tocou piano de cauda no Morro da Mineira; Cristina Braga levou a harpa ao Chapéu Mangueira; Zé da Velha e outros tocaram sopros na Providência; e o Morro dos Prazeres recebeu representantes da música eletrônica.

— Levamos tipos de música a que os moradores não estão acostumados — ressalta Miguel, cujo grupo, em parceria com o Sebrae, também realiza oficinas nas favelas buscando formar produtores culturais. — Não somos ONGs e não queremos vender o que não podemos oferecer. Mas, se três, dez, 15 pessoas se interessarem por produção cultural, pode ser importante para aquelas comunidades. Os trabalhos em outras comunidades com UPP continuam a partir de julho.

IL SOLE 24 ORE - Gilberto Gil

18/06/2012

Tropicale. Nome simbolo della musica e dell'impegno politico per la lotta di liberazione del Brasile negli anni Sessanta, Gilberto Gil arriva col suo samba "tropicalista", che è musica e storia, pensiero che vola e va al cuore. Settant'anni, sessanta album, sette Grammy, la sua voce inconfondibile sarà qui accompagnata dalla chitarra del figlio Ben, col violoncello di Jacques Morelenbaum, Nicolas Krassik al violino, Gustavo di Dalva alle percussioni. Primiero, Pale di San Martino, Villa Welsperg, 25 luglio classici|Il Quartetto di Cremona (nella foto) rappresenta una delle realtà musicali più interessanti nel panorama della musica da camera: insieme dal 2000, i quattro musicisti vantano bella scuola, personalità, repertorio che spazia volentieri dai caposaldi del repertorio fino agli autori contemporanei. Per i «Suoni» presentano tre Quartetti di Beethoven, op.16 n.6, op.95 e op. 135, rappresentativi delle tre diverse scritture del musicista di Bonn. L'impaginato viene replicato nel nuovo "tabià" e nell'incredibile foresta dei violini, tra gli alberi di Stradivari. Paneveggio, 28 luglio, Val di Fiemme, 29 luglio a sorpresa Quarantaquattresimo appuntamento della maratona dolomitica, ormai agli scampoli dell'estate, chiude in crescendo la stagione 2012 dei «Suoni» il pianoforte amatissimo di Stefano Bollani: artista dal cuore classico e dalle mani jazz, ma anche viceversa, a seconda delle occasioni. Qui lo incontriamo affiancato dal Quintetto I Visionari e dalla voce graffiante di Irene Grandi (nella foto). L'impaginato è a sorpresa, il successo si può già dare per garantito. Val di Fassa, Rifugio Fuciade, 31 agosto

CARTA CAPITAL – Até a última vela

A noite gelada e garoenta não é convidativa. Às 9 horas em ponto, Paquera (derivação de pacuera, apelido de infância) inicia o ritual que há 12 anos cumpre todas as segundas-feiras. Aproxima-se da mesa e acende uma vela. É o sinal. Em minutos, o som que brota de cavaquinho, surdo, pandeiro e violão aquece a sala de pé-direito altíssimo e paredes brancas. Folheto com a letra em mãos, sambistas e espectadores entoam o hino, parceria entre Paquera e Edvaldo Galdino, a enaltecer o motivo que os une. É a convocação do Samba da Veia, cujo empenho em manter viva a tradição há muito ja ultrapassou as fronteiras de Santo Amarro, em São Paulo.

À medida que o público aumenta, mais cadeiras são chocadas em torno da mesa, num grande círculo em que todos podem ver todos. Entusiasmado, Chapinha, um dos fundadores da Comunidade Samba da Vela, se levanta e move os braços a reger o coro. Casais, jovens, velhos, diante do samba

44 todos se igualam e são bem-vindos. Inclusive Alemão, alegria natural potencializada pelo álcool consumido antes de entrar no templo do samba, pois lá dentro é proibido. Desajeitado, desenha no chãoi uma coreografia de passos erráticos, bate palmas descompassadas, batuca no ar um instrumento imaginário e cumprimenta a todos de forma efusiva.

"O samba está mais vivo do que nunca em São Paulo. Temos cerca de 50 comunidades dedicadas a ele. Sou padrinho do Samba da laje, Pagode da 27 e Samba do Cafofo, todos na periferia", orgulha- se o compositor cearense Chapinha, apelido herdado do hábito de se dirigir a todo mundo com um "oi, meu chapa". "Os movimentos são diferentes, o que é bom. Incentivamos composições na linha tradicional para que o samba não vire folclore. Esta é a verdadeira continuidade do género." Pelas contas de Chapinha e Paquera, o Samba da Vela já revelou cerca de 150 compositores.

Na roda de bambas das segundas, os autores se revezam apuxar a cantoria e o batuque. Em torno da luz amarela da vela, momentos de magia se alternam e a emoção mareja muitos olhos. "Isto aqui é minha cura", diz Paquera, cabeça envolta num turbante branco a protegelo do frio. Eli enfrenta uma doença rara e o contato com a comunidade o reabastece. "É uma troca de energia muito forte." Jucá Para-Brisa, 69 anos, que já teve Noite Ilustrada, Adauto Santos e Djalma Pirés como parceiros musicais, frequenta o Samba da Vela há seis anos. A convite da diretoria. 'Aqui para mim é uni renascimento." O compositor reclama que o samba traidicional não tem apoio da midia."A Vinda Cultura provou que há interesse do povo, é só divulgar."

Historiador informal do samba e preservador do género em tempo integral, embaixador do ritmo e figura emblematica da cidade, Osvaldinho da Cuíca, 72 anos, louva os bairros distantes do Centro como redutos autênticos. "Samba da Vela, Pagode do Cafofo, São Matheus são referencias hoje. Chapinha é discípulo, foi nosso aluno na Vai-Vai. Como ainda não dá dinheiro, o samba da periferia por enquanto permanece puro. Quando entram os cifrões surgem os interesses escusos. É incompatível", enfatiza. "Os redutos estão em toda a périferia devido à explosão demográfica. São Paulo cresceu muito, o samba perdeu suas origens nas escolas e passou a ser adotado pelas comunidades", diz o mestre batuqueiro, que na infância se encantava ao ouvir a avó a acompanhar cantigas na batida da colher.

O compositor, que de 1967 a 1999 integrou os Demónios da Garoa, afirma que no fim dos anos 1960 as escolas de samba começaram sua trajetória rumo a se tornar produto meramente comercial. "Virou empresa. A essência passou a terceiro plano, o importante é ganhar dinheiro e campeonato. Escola de samba é vitrine, lavagem de dinheiro, tudo menos samba." Osvaldinho não tem ilusões: o samba perdeu a pureza. Com registro de nascimento no bairro da Barra Funda, o género foi se diluindo até restar o que qualifica como padrão urbano. "Não há possibilidade de voita às origens. Hoje quem não pensa em dinheiro não ganha campeonato. O samba chegou a ser folclore, não tinha nome, não tinha dono, não dava dinheiro, por isso niguem fazia pensando em lucro. A essência escoou, tudo é feito com interesse."

Osvaldinho da Cuíca lamenta o atual estado de coisas. "A escola de samba ajudou a conservar o género, mas o samba mesmo vem da alma, do coração, dos batuques dos primórdios. Por isso é impossível dizer que haja tradição no que é feito hoje, pois é cópia da cópia da cópia." O ritmista em cuja casa, no Cambuci, um pandeiro enfeita a porta de entrada, um agogò adorna o portão interno e cuícas variadas têm lugar de destaque na sala, afia as garras ao comentar a "padronização burra das baterias". "Perdemos a identidade. No passado, identificávamos de olhos fechados cada escola pelo som. A única que mantém o padrão é a Mangueira, só que acelerou muito." Osvaldinho tem urna explicação para essa celeridade frenética: "Antigamente o samba era movido a cachaça, que relaxa. Hoje é movido a quê?", pergunta, o dedo sugestivamente a apontar o nariz. "Por isso acelera."

Em outro lado da cidade, na zona oeste, seu Carlão, 82 anos, presidente da Velha Guarda da Unidos do Peruche, garante que o samba resiste. "Às vezes parece que está em segundo plano, mas então ressurge com força e esplendor." O negro alto e elegante que fundou a Unidos do Peruche em 1956 é do tempo em que samba bom ganhava concurso na escola. "Venci dois sambas de enredo." Hoje ele lastima a indigência a imperar nas agremiações. "Os compositores se baseiam no refrão, não criam boas melodias, boas letras. O que se cantou no ano passado ninguém lembra mais”. O sambista que conheceu o jongo em Pirapora do Bom Jesus, interior de aponta para a resistência do samba de raiz na periferia. "São muitos lugares", diz, a interromper a entrevista porque uma garotinha

45 lhe procura a mão. "Pede a bênção para o seu Carlão, filha" diz o pai da me Vozeirão respeitado, Thobias da Vai-Vai preza o que:qualifica como "samba sem aditivos" ou preocupação em virar moda. "Para as escolas, o que interessa é o espetáculo. Wilson das Neves dizia que a música é a essência da alma e se hoje temos essa qualidade duvidosa é porque nossa alma não testa boa. Falta-nos educação, pois é por meio dela que o cidadão se aproxima de sua identidade. A música que chega à grande mídia é passageira, para atender ao mercado, é o fast-food musical." Bernaaete, 20 anos como cantora do Peruche, faz coro com Thobias. Conta que neste ano lança um CD próprio, mas já antevê as limitações. "A divulgação se restringe aos grandes nomes. É sempre assim. E aparecer na Globo, então, só por intervenção divina."

Na Lapa, amigos de Cássio Machado Gregório, o Cássio do Peruche, se reunem para planejar um encontro de bambas destinado a fortalecer o samba de raiz. "Esse projeto é uma forma de resistência. Eu dou aulas de capoeira e sou músico. Tudo o que sou devo à cultura popular", diz Rodrigo Dias, 27 anos, fundador do Projeto Virado à Paulista, de preservação das tradições do samba ruraj. "Nossa iniciativa nasceu espelhada no Kolombolo Diá Piratininga e busca Homenagear nossos mestres, baluartes a velha guarda." Antes de criar o próprio grupo, Rodrigo passou pelo Kolombolo. "Aprendi muito por lá. É irmandade, parceria."

Fundado em 2002 na Vila Madalena, o Kolombolo realiza pesquisas e oficinas culturais, promove encontros, produz CDs e shows (tom a finalidade de preservar e divulgar o samba paulista. Em parceria com a ONG Sambatá, a agremiação lançou a Coleção Memória do Samba Paulista. De 2009 até agora foram editados cinco títulos, de um total de 12 (Embaixada ao Samba Paulistano, toninho batuqueiro, tias baianas paulistas Velho Guarda da Escola de Samba Unídos da Peruche e Velha Guarda da Escola de Samba Nené da Vila Matilde). Ainda neste semestre saem Ideval Anselmo e Tio Mário. "Nosso objetivo é registrar a obra de sambistas que nunca haviam gravado. Também fizemos regravações de LPs não lançados no formato CD e recolhemos sambas de enredo que até agora viviam somente na memória de algumas pessoas", conta a produtora! Ligia Fernandes.

Na sala de Cássio também está Zé Maria, 64 anos, integrante da ala de compositores do Peruche e dono de rarissimo timbre de baixo profundo. Ele acompanha Osvaldinho da Cuíca na decepção com as escolas de samba. "De tempos para cá ficou pior, quase sempre o melhor samba é preterido. E uma questão de quem investiu mais, pagou torcida, levou canhão de papel laminado. Meu sobrinho ia gastar 18 mil reais só para concorrer. E o retornada", desabafa o sambista de voz de veludo pesado. Em seus planos, o sonho de gravar um CD autoral. "Um registro meu", diz o músico de longa ficha de trabalhos prestados à música. Cássio do Peruche engorda a lista de histórias sinistras: "Em uma escola de samba da zona norte o presidente fazia reunião com um 38 na mesa, já anunciando o samba que ia gagnar.”

Lá pelas tantas, o clássico samba, Agoniza mas não Morre, de (Samba, agoniza, mas não morre/alguém sempre te socorre/antes do suspiro derradeiro..) é lembrado e o tema esquenta o debate. Dificuldades, entraves, decepções, mercantilização, desvios de rota, nada é capaz de acabar com ele, o samba, é a conclusão geral. "Até para agonizar o samba faz charme", brinca Rodrigo. "O samba é dengoso, é melindroso, como aquela criança que sabe não ter se machucado, mas vê ospais preocupados e pede carinho." LIVROS E LITERATURA

FOLHA DE S. PAULO - Livro inédito flagra maturação de Drummond "Os 25 Poemas da Triste Alegria", reunião de textos do início dos anos 1920, apresenta a trajetória de formação do poeta Heitor Ferraz Mello (16/06/2012) Não há dúvida de que o primeiro livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) se chama "Alguma Poesia" e foi publicado em 1930. Está em qualquer manual escolar.

Surgia ali um poeta já inteiramente afinado com o espírito modernista, mas com uma personalidade poética muito própria, diferente de seus contemporâneos, como Mário (1893-1945) e Oswald de Andrade (1890-1954), ou Manuel Bandeira (1886-1968) e tantos outros.

46 No entanto, essa conversão ao modernismo não se deu sem um "impulso especulativo", para usar uma expressão do crítico John Gledson no seu famoso estudo "Poesia e Poética em Carlos Drummond de Andrade", de 1981.

O jovem Drummond revolveu com determinação cada um dos principais assuntos que movimentavam a vanguarda brasileira, como o tema do nacionalismo, da busca pela cor local, da linguagem coloquial, da nossa sempre intrincada relação com as influências externas (no caso, europeia) etc.

Adesão Modernista

A prova dessa buscada maturação é a edição agora de "Os 25 Poemas da Triste Alegria", que reúne poemas anteriores a "Alguma Poesia" e artigos escritos entre 1923 e 1924, em revistas e jornais.

Nesses poemas, encontra-se um poeta ainda muito ligado ao floreado "penumbrismo", corrente estética da belle époque, capitaneada pelo gaúcho Álvaro Moreyra. Era uma poesia marcada por uma melancolia e uma ironia pouco autênticas.

Apesar do uso do verso livre, havia muita ternura, humildade, jardins, quintais, estrelas e flores indiferentes, sombras inúteis e tantas outras imagens um tanto postiças e abstratas -muito diferente da poesia concreta que ele viria a realizar, pouco tempo depois, em "Alguma Poesia", na qual a melancolia e a ironia deixariam de ser um estilo para se tornar tema, com corrosivo humor.

Por este material, percebe-se que não foi uma trajetória fácil: houve uma complexa reflexão na trajetória de adoção da estética divulgada pelos paulistas da Semana de Arte Moderna de 1922.

O grande ponto de virada para o jovem poeta mineiro foi a passagem, em 1924, da animada "caravana modernista" pela provinciana Belo Horizonte, principalmente pela possibilidade de estreitar amizade com Mário, com quem Drummond começou a se corresponder.

LONGA HISTÓRIA

Mas vale recompor a história do datiloscrito de "Os 25 Poemas da Triste Alegria", como conta Antônio Carlos Secchin no prefácio da edição atual.

Uma cópia datilografada e organizada como um livro foi dada de presente pelo poeta, em 1937, ao amigo Rodrigo Melo Franco de Andrade, que depois a emprestou a Manuel Bandeira, que, por sua vez, a devolveu a Drummond.

A cópia desapareceu na quadrilha, surgindo muitos anos depois no acervo de um bibliófilo carioca.

Essa coletânea de versos contém algumas camadas: a dos poemas, escritos no começo dos anos 1920; depois, os comentários de Drummond, feitos em 1937.

Neles, o poeta também incluiu algumas observações de Mário de Andrade, enviadas por carta, em 1924.

São três leituras: a dos poemas em si, a do autor de "Pauliceia Desvairada" e a de um Drummond que, em 1937, já estava escrevendo os poemas decisivos de "Sentimento do Mundo" e que reconhecia que aqueles poemas eram "exercícios à moda do tempo, tímidos e mecânicos".

O livro ainda traz cinco artigos de Drummond essenciais para entender a sua transformação, em tão curto espaço de tempo.

Além disso, há também uma entrevista com o poeta Emílio Moura, de 1952, lembrando da vida literária de Belo Horizonte nos anos 1920.

Essa pequena reunião de textos, como "Sobre a Arte Moderna", "As Condições Atuais da Poesia no Brasil' e "Poesia Brasileira", por exemplo, permitem perceber, de perto, as especulações (e admirações) do poeta mineiro nessa época, avaliando a produção do período -com seus parnasianos, penumbristas e modernistas.

FOLHA DE S. PAULO – Painel das Letras/ Coluna / Raquel Cozer O homem da programação

47 (16/06/2012) Está definido o nome que coordenará a programação cultural do Brasil na Feira de Frankfurt de 2013. Fundação Biblioteca Nacional e Itamaraty concordaram em dar o cargo a Antônio Carlos Martinelli Jr., coordenador de programação do Sesc Belenzinho, elogiado pela atuação no Ano da França no Brasil.

Rosely Boschini e Sonia Jardim serão coordenadoras na área editorial. Outros nomes, como o do curador de literatura, subordinado a Martinelli, devem sair em breve.

A urgência se justifica: ao final da feira deste ano, em outubro, a Nova Zelândia passa o bastão de país homenageado ao Brasil. Atraso na organização existe, mas, como dizem, está melhor que a da Copa.

OUTROS

O ESTADO DE S. PAULO - O cangaço longe da armadilha do mito

Reeditado, Guerreiros do Sol, de Frederico Pernambucano de Mello, desmonta teses como a da 'face solidária' de Lampião

José Nêumanne

Várias circunstâncias favoreceram a divulgação da imagem romântica dos cangaceiros que infestaram o sertão nordestino no início do século 20. A sobrevivência no semiárido os forçava a usar trajes apropriados para sobreviver aos garranchos, carrapichos e espinhos da caatinga e esse costume, adotado hoje pelos artistas em cena, por exemplo, os diferenciava de bandidos comuns e lhes deu uma marca visual definida. A facilidade com que fugiam dos cercos policiais, ajudados pela topologia do terreno e da vegetação do sertão e também pela corrupção, lhes propiciava uma espécie de aura que funcionava quase como uma licença para delinquir.

Esses grupos de bandoleiros surgiram numa região remota e sem lei na qual os coronéis latifundiários reinavam sem prestar contas ao Estado e em territórios sem estradas e difíceis de serem percorridos até mesmo por animais de montaria. Deslocavam-se quase sempre a pé, guiados pelo conhecimento do terreno em que pisavam, que nem sempre os agentes da lei conheciam. Moviam-se também numa cultura peculiar que lhes facilitava a ação. O semifeudalismo vigente consagrou como legítimos e corriqueiros costumes bíblicos, como a vingança, praticada conforme a lei de talião ("olho por olho, dente por dente"), que não respeitava a justiça comum. Crimes de honra, cometidos por pais que puniam com a morte mancebos atrevidos que ousavam desvirginar suas filhas donzelas, também tidos como useiros e vezeiros, serviam de pretexto para esconder a brutalidade numa região inóspita de sol inclemente, água escassa e secas periódicas.

Logo chefes de bandos se tornaram mitos que protagonizavam notícias sensacionalistas, romances de aventura e folhetos de cordel. O Cabeleira foi imortalizado no romance de Franklin Távora, de 1876. Antônio Silvino tornou-se célebre como o inglês Robin Wood, o australiano Ned Kelly e o americano Billy the Kid. O mais famoso de todos eles foi Virgolino Ferreira da Silva, pernambucano de Serra Talhada e imortalizado nos meios de comunicação e no romanceiro literário e popular como Lampião, o Rei do Cangaço.

A lenda em torno de sua saga serviu a vários senhores. Na onda do banditismo social, consagrada pelo britânico Eric Hobsbawn, sociólogos marxistas o tornaram o vingador dos pobres nos latifúndios. Cangaceiros e Fanáticos, de Rui Facó, é um exemplo dessa falácia, que chegou a extremos como a tentativa de estabelecer um paralelo entre cangaceiros e guerrilheiros de Christina Matta Machado em As Táticas de Guerra dos Cangaceiros.

Frederico Pernambucano de Mello, do Instituto , é fiel aos fatos e respeita as leis da lógica, da sensatez e da clareza. Com serenidade e competência, desafia a mitologia do cangaço social, desfazendo "verdades" inventadas por biógrafos oficiais e analistas de esquerda. Quem lê seus livros vê-se tem acesso a relato e análises de fatos e não de lendas. O pretexto de Lampião se juntar ao grupo de Sinhô Pereira, em cujo comando depois ganharia fama, era vingar-se de um inimigo malvado de sua família. Pernambucano lembra que a vingança nunca foi consumada e, no fim, o cangaceiro e os desafetos de sua grei se reconciliaram. Em Guerreiros do Sol, livro em muito

48 boa hora reeditado pela Girafa Editora, o especialista desarma a armadilha do banditismo social, mostrando sua face violenta e nada solidária. Os cabras de Lampião roubavam em proveito próprio e nunca dividiram seu butim com os pobres.

Até tombar na gruta de Anjico, no sertão de Sergipe, o Rei do Cangaço sobreviveu graças à cumplicidade dos "coiteiros" que o abrigavam, protegiam e informavam a peso de ouro e recorrendo a estratagemas de esperteza incomum. Recebeu a patente fajuta de capitão das mãos do Padre Cícero Romão Batista, o Padim Ciço de Juazeiro do Norte, Ceará, outro mito popular sertanejo, para perseguir a Coluna Prestes, que ziguezagueava pelo sertão que seu bando percorria. Espertamente, tanto os militares rebelados quanto os rudes bandoleiros se evitavam pelas veredas do semiárido para não terem de se confrontar.

O autor mostra também como a vida aventureira, ao ar livre, enfrentando volantes das polícias estaduais, atraiu muitos jovens de famílias abastadas, que, a exemplo do que ocorre hoje, nas metrópoles do século 21, se tornavam criminosos profissionais em busca de fortuna e emoção. Este foi o caso do paraibano Chico Pereira, pai do padre, professor e escritor do mesmo nome, que escreveu um dos mais precisos e sensíveis textos sobre esse aspecto romanesco do cangaço, Vingança, Não, cujo título revela a decisão da família de não fazer o que mandava o figurino da honra sertaneja: vingar a morte do ascendente morto.

Em Guerreiros do Sol reluz a luz do sol do semiárido para dissipar as névoas de lenda e fantasia sobre o falso cangaço social.

FOLHA DE S. PAULO - Filme mostra arquipélago de Marajó além do cartão-postal / Crítica

Cássio Starling Carlos, crítico da Folha

(15/06/2012) A imagem mais persistente que os seres urbanos temos de Marajó é a ilha em que os búfalos chamam mais atenção do que os humanos.

O documentário "Viva Marajó" ultrapassa essa visão de cartão-postal registrando peculiaridades e dilemas desse pedaço desgarrado de Brasil com um olhar que vai além do "Globo Repórter".

A cineasta Regina Jehá percorreu cerca de 2.000 quilômetros de terra, ar e, sobretudo, águas do maior arquipélago flúvio-marinho do mundo e captou formas de vida, hábitos culturais, mistérios históricos e o quadro atual de desequilíbrios econômicos, sociais e ambientais.

A opção pela multiplicidade de perspectivas amplifica o painel para além do meramente turístico, que costuma se limitar ao exotismo e às belezas naturais. Mesmo sem recusar o encanto pela exuberância, o documentário procura e consegue adentrar os meandros do cotidiano.

Assim, emergem as peculiaridades de fato do arquipélago. A começar pela exuberância e os enigmas que cercam a cultura indígena marajoara, infelizmente apenas o mais remoto caso de extinção de uma série que prossegue.

A precariedade educacional, a falta de saneamento básico e a exploração da natureza sem preocupações com sustentabilidade são aspectos que completam essa visão honesta e nem por isso menos fascinada.

O GLOBO - Berna Reale, a ‘Marina Abramovic do Pará’

Artista que usa o próprio corpo em performances impactantes desponta em meio à efervescente cena cultural do estado

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BERNA REALE na foto “O papa” (na imagem maior) e as obras (a partir do alto) “Quando todos calam”, em que se deitou com vísceras de animais sobre o corpo, “Presença ausente”, em que cobriu um museu, e a performance sem título em que é carregada pelas ruas de Belém

Audrey Furlaneto

(17/06/2012) Quando a perita criminal Berna Reale decidiu deitar-se nua sobre uma toalha de linho e renda com vísceras de animais sobre o corpo, no Mercado Vero- Peso, em Belém, já havia estudado muito os urubus para saber que não seria atacada. Passou uma tarde deitada sob aves de rapina. Queria discutir “a banalidade do corpo e da violência” na performance que lhe rendeu o apelido de “Marina Abramovic do Pará” por Luiz Camillo Osorio, curador do Museu de Arte Moderna do Rio, em referência à grande artista sérvia.

Aos 45 anos, a paraense — artista e perita criminal no instituto de criminalística da capital do estado — desponta na efervescência cultural de Belém como um dos nomes fortes das artes plásticas. Foi convidada para falar sobre seu trabalho na USP, no mês passado, e fará, em 2013, exposições nas galerias Millan e Nara Roesler, em São Paulo. Arrebatando curadores Ela chamou a atenção de outros dois importantes curadores, Paulo Herkenhoff e Agnaldo Farias: o primeiro a selecionou para o programa Rumos, do Itaú Cultural, e o segundo a convidou para participar da mostra “Amazônia, ciclos de modernidade”, que ocupa dez salas do CCBB do Rio. Ele conhece Berna há quase dez anos e a vê como parte de uma “cena de arte totalmente própria, a do Pará”.

— É um dos seis centros brasileiros de arte (ao lado de São Paulo, Rio, Minas Gerais, Recife e Fortaleza) — avalia o curador. — Lá se produz uma arte de muita qualidade e precisão com relação à violência e à cultura popular, tudo trabalhado num mesmo contexto — completa.

Herkenhoff conta que há 30 anos visita o Pará a cada seis meses e que conheceu o trabalho de Berna quando, em 2005, ela cobriu o Museu do Estado do Pará com imagens de quando o prédio estava em recuperação (na obra “Presença ausente”). Questionava, então, a ocupação do museu, na época, com uma programação que achava pouco consistente. — Berna trabalha também muitas questões amazônicas e de violência. O Pará talvez seja um dos estados em que a violência institucional se dê de forma mais contundente no país — diz Herkenhoff.

Apesar das críticas positivas, Berna ainda não pode viver de sua produção artística. Ela prestou concurso para perita criminal depois de passar alguns dias pelo Instituto Médico Legal de Belém fotografando cadáveres para uma instalação no Ver-o-Peso — registrou vísceras humanas e distribuiu as imagens nas bancas de carne do mercado. Em sua primeira perícia, foi ao local em que um menino de 17 anos havia sido esquartejado.

50 — As pessoas me perguntam: “Berna, tu não te choca?” — lembra, com o sotaque carregado.

— Olha, o que me entristece é a situação de prémorte. O cadáver é apenas matéria, técnica e ciência. Quando se deitou com carniça no corpo sob os urubus, diz que queria questionar: “Quem é que está servido?”

— Meu trabalho é traduzir conflitos. Os artistas se debruçam sobre questões pessoais para ficar numa zona de conforto. Mas o presente é mais desconfortável que o passado, é caótico e irracional — diz. Para uma de suas performances, ela engordou dez quilos e foi carregada nua, pendurada pelas mãos e pés, pelas ruas de Belém, como se faz para transportar animais dos caminhões frigoríficos aos comércios de carne.

— O corpo tem um significado simbólico. É arte e não pode ser só política. No meu trabalho, tudo é milimetricamente pensado com o meu corpo. Na série de fotos que criou para o Rumos, ela se transformou em papa (com o cabelo curto e tingido de branco) e se vestiu como uma senhora elegante, com uma faixa feita de projéteis coletados em cenas de crimes.

— Berna tem uma pulsão artística muito forte. Os trabalhos têm a força dela — afirma Paulo Herkenhoff.

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