Dois Olhares Sobre O Mesmo Sujeito: Aproximações Em Arte E Direito Two Views on the Same Subject
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This version of Total HTML Converter is unregistered. DOIS OLHARES SOBRE O MESMO SUJEITO: APROXIMAÇÕES EM ARTE E DIREITO TWO VIEWS ON THE SAME SUBJECT: APPROACHES IN ARTS AND LAW Luciana Pedroso Xavier Marcelo Miguel Conrado RESUMO O presente trabalho tem como objetivo travar um diálogo entre as Artes Visuais e o Direito, demonstrando suas aproximações e contrapontos e levando em consideração a idéia de transdisciplinaridade. Tal intermediação será feita a partir das obras do artista plástico brasileiro Vik Muniz, o qual trabalha com retratos de pessoas feitos com materiais intimamente ligados ao(s) sentido(s) almejados – mas não limitados – pelo artista. Além disso, Muniz tem como característica produzir obras abertas à interpretação por parte do expectador. Desse modo, pretende-se refletir acerca do sujeito de direito contemporâneo, que passa a ser visto na dimensão da coexistencialidade, sendo aos poucos construído pelo olhar do outro. PALAVRAS-CHAVES: transdisciplinaridade; artes visuais; sujeito de direito; fotografia. ABSTRACT This paper aims to hold a dialogue between the visual arts and law, demonstrating their approaches and counterpoints and considering the notion of transdisciplinarity. Such mediation shall be made from the works of the Brazilian artist Vik Muniz, whose work depicts portraits of people made of materials closely related to the sense(s) desired - but not limited - by the artist. In addition, Muniz has the characteristic of producing works open to the interpretation of the viewer. Thus, a reflection is intended on the subject of contemporary law, who is to be seen in the dimension of co-existentiality, slowly being constructed through the gaze of others. KEYWORDS: transdisciplinarity; visual arts; subject of law; photography. 1 TRANSDISCIPLINARIDADE: O NECESSÁRIO DIÁLOGO ENTRE A ARTE E O DIREITO A "cultura"... aquilo que resta quando se esqueceu tudo da lei, da justiça, do poder, e é preciso inventá-los de novo... François Ost[1] Tem se verificado nos últimos anos um gradual declínio de uma visão isolada do Direito, cujo discurso tradicional pregava sua suposta completude, como se tal ramo fosse imune às interferências de outras áreas do saber. Como produto desta mentalidade, colheu-se a fragmentação dos saberes que tanto esvaziou o Direito.[2] A paulatina superação da visão segregada das áreas do saber passou inicialmente pela definição de interdisciplinaridade, a qual trazia como vantagem evitar "a delimitação estanque e rígida dos diferentes saberes na análise do referencial teórico nuclear. Ou seja, com a interação e a articulação interdisciplinar, evita-se o monopólio ou a apropriação unilateral do tema estudado por qualquer uma das áreas do conhecimento"[3]. Hodiernamente, contudo, ganha força a ideia da transdisciplinaridade das áreas do conhecimento, que vai além da ideia de interdisciplinaridade,[4] pois, no dizer de Nicolescu, "[a] transdisciplinaridade diz respeito ao que se encontra entre as disciplinas, através das disciplinas e para além de toda a disciplina". A importância em realizar uma leitura transdisciplinar reside, portanto, no reconhecimento de que nenhuma disciplina isolada é capaz de propiciar uma análise adequada de determinados objetos, pois estes são complexos e exigem em sua investigação uma leitura que privilegie a visão multifacetada levada a efeito pela contribuição de diversas áreas do conhecimento. Nesse contexto, a proposta do presente trabalho é travar um diálogo entre a Arte e o Direito, demonstrando não apenas sua factibilidade, mas acima de tudo, sua necessidade. Para intermediar tal diálogo, elegeu-se a obra do artista brasileiro Vik Muniz.[5] A escolha de Vik Muniz deu-se por vários motivos, dentre os quais ser ele um artista brasileiro contemporâneo de renome internacional que explora - na maior parte de suas criações - a técnica dos retratos fotográficos, sempre buscando inspiração na realidade cotidiana dos fatos, o que se reflete, inclusive, na escolha dos materiais utilizados em suas obras. Trata-se de um artista engajado socialmente, que, a partir das artes visuais, pretende contribuir para a transformação da sociedade. Contudo, impende ressaltar o desafio representado pela interlocução entre a Arte e o Direito. Em que pese, tal como acima afirmado, hodiernamente seja fértil o campo para o diálogo entre diferentes áreas do saber, a interlocução entre Arte e Direito é ainda incipiente no Brasil.[6] É mais comum encontrar trabalhos que versem sobre Direito e Literatura, os quais não apresentam como objeto de estudo as artes visuais. Todavia, ainda que não seja tão comum o recurso a tal diálogo, pretende-se demonstrar sua relevância no atual ensino e aprendizado do Direito. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 1956 This version of Total HTML Converter is unregistered. A pesquisadora de arte Maria José Justino, ao citar D'Annunzio, na obra Contemplazione della Morte, afirmou que "os acontecimentos mais importantes de nossa experiência tomam conta de nós muito antes de nos apercebermos deles, ou seja, quando abrimos os olhos para o visível, há muito que já estávamos aderentes ao invisível"[7]. Ora, tendo em consideração que a arte é o território do sensível e do imaginário, podemos dizer que muitos acontecimentos sociais iniciam-se no silêncio do invisível, nas entrelinhas do que é escrito ou no interdito, para somente depois atingirem nossos olhos e pertencerem ao território do visível. São acontecimentos que já existem, ainda que distantes de nossa compreensão e da abrangência do nosso campo de visão. Isso quer dizer que a gramática da realidade, por estar envolvida pela complexidade, nem sempre é de simples leitura, sendo decodificada somente pelos mais atentos. Sendo a realidade movida pela complexidade, há que observá-la por vários ângulos, visto que cada um deles irá demonstrar faces diferentes da mesma realidade. Surge então a necessidade de estabelecer uma aproximação entre o direito e as artes visuais, pois ambos constituem linguagens humanas e nos oferecem contribuições para a compreensão desta realidade social. Utilizando as palavras do escultor alemão Joseph Beuys[8] (1921-86) para relacionar arte com direito, "os processos da modelagem artística são metáforas para a remodelagem da sociedade"[9]. O que a arte produz é resultado das experiências humanas que se manifestam em cada momento da história. A arte é um observatório onde muitas vezes primeiro se revelam as características da sociedade. E por que relacionar as artes visuais com o direito? O campo da arte é, por natureza, experimental e investigativo. A arte não tem compromisso com a realidade. Não cabe a ela dar respostas aos problemas sociais, embora com eles se comunique. Diferente é o Direito, estruturado na racionalidade, cuja existência se justifica para impor regras ao comportamento humano. Se o direito se manifesta após os acontecimentos sociais estarem completamente visíveis, a arte os identifica em fase anterior. A transgressão da arte antecede os fatos, o direito os sucede com regras. A transdisciplinaridade nos permite uma nova maneira de ver a realidade e compreendê-la sobre outro olhar, antes não aparente. Se o direito é essencialmente uma ciência que trata das relações humanas, ele necessita estar associado a outros saberes que também se ocupam de captar o movimento das transformações sociais. Antes de regular um comportamento humano é preciso compreendê-lo, buscar suas origens e significados. E para se compreender é necessário estabelecer conexões possíveis, como exemplo entre o direito e as artes visuais. 2 A FOTOGRAFIA COMO ARTE O retrato de pessoas faz parte da História da Arte, inicialmente levado a efeito por meio da pintura, do desenho e, a partir do século XIX, também da fotografia. A análise do retrato produzido permite uma leitura do sujeito retratado, de seu tempo e do meio em que viveu. Desse modo, os retratos produzidos pela Arte possibilitam uma compreensão do sujeito de direito ali presente, de qual era sua posição na sociedade em que viveu.[10] Ocorre que a fotografia nem sempre foi entendida como pertencente ao gênero das artes visuais.[11] Inicialmente, entendia-se que a fotografia como a simples técnica de captar o real, desprovida, portanto, de uma "criação do espírito". Na atividade do fotógrafo não haveria, desse modo, nada de criativo, pois ele simplesmente registraria algo pronto. Paulatinamente, a fotografia foi adquirindo maior importância no contexto das artes visuais do que um mero registro, demonstrando que era sim uma forma de arte. Conforme esclarece Carol Strickland, Gradualmente, os fotógrafos começaram a insistir que seu ofício era mais que o negócio de bater retratos ou servir de base para a pintura, portanto, uma bela arte em si. [...] os 'fotógrafos de arte' começaram a bater imagens ligeiramente fora de foco, a retocar negativos, acrescentar negativos às fotografias impressas, a sobrepor negativos e, de outras maneiras, manipular as imagens produzidas mecanicamente. Tinha nascido uma nova forma de arte para o mundo pós-Revolução Industrial.[12] Independentemente de a imagem sofrer ou não interferência do fotógrafo, da escolha deste em registrar ou não a imagem fielmente ao objeto captado, a fotografia é arte, sendo esta discussão já resolvida com certo consenso nas artes visuais. O fotógrafo Henri Cartier Brenson afirmou que fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração. Sobre a inserção da fotografia como arte,