O Panorama da Arte Brasileira do MAM SP: da formação de acervo aos projetos curatoriais PANORAMApaula signorelli

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IRA E BRASIL ar PANORAMA Paula Signorelli

O Panorama da Arte Brasileira do MAM SP: da formação de acervo aos projetos curatoriais

Volume 2 Anexos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo para obtençãoo do título de mestre em Estética e História da Arte

Linha de Pesquisa: Teoria e Crítica de Arte Orientação: Profa. Dra. Helouise Costa

São Paulo, 2017 2

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Signorelli, Paula S574p O Panorama da Arte Brasileira do MAM SP: da formação de acervo aos projetos curatoriais / Paula Signorelli; orientadora Helouise Costa. São Paulo, 2017. 2 v.

Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo. Área de concentração: Estética e História da Arte.

1. Museu de Arte Moderna de São Paulo. 2. Panorama da Arte Brasileira. 3. arte brasileira. 4. formação de acervo. 5. curadoria. I. Costa, Helouise, orient. II. Título. sumário

Tabela “Panorama da Arte Brasileira: 1969 a 2015” 5

Textos curatoriais das edições do Panorama de 1995 a 2015 43

MESQUITA, Ivo. “Panorama da Arte Brasileira”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 1995. São Paulo: MAM, 1995, p. 12-18 45

CHIARELLI, Tadeu. “Panorama 97. A experiência do artista como parâmetro”. In: MUSEU DE ARTE MODER- NA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 1997. São Paulo: MAM, 1997, p. 12-14. 50

CHIARELLI, Tadeu. “Panorama 99: O acervo como parâmetro”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 1999. Sao Paulo: MAM, 1999, p. 24-43. 55

BASBAUM, Ricardo. “O Artista como Curador”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2001. Sao Paulo: MAM, 2002, p. 35-40. 93

REIS, Paulo. “Um Mapa Possível”. Texto de Apresentação. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAU- LO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2001. Sao Paulo, 2002, p. 41-44. 100

RESENDE, Ricardo. “Panorama....”. Texto de Apresentação. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE MOSQUE- RA, Geraldo. “Desarrumado”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panora- ma da Arte Brasileira 2003 (DESARRUMADO). 19 DESARRANJOS. São Paulo, 2003, p. 21-27. 105

MOSQUERA, Geraldo. “Desarrumado”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálo- go. Panorama da Arte Brasileira 2003 (DESARRUMADO). 19 DESARRANJOS. São Paulo, 2003, p. 21-27. 111

CHAIMOVICH, Felipe. “Academia Contemporânea”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2005. Entre Gritando. São Paulo, 2005, p. 60-77. 122

ANJOS, Moacir dos. “Contraditório”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2007. Contraditório. São Paulo, 2007, p. 24-63. 141

PEDROSA, Adriano. “Mamõyaguara opá mamõ pupé”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAU- LO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2009. Mamõyaguara opá mamõ pupé. São Paulo, 2009, p. 22-39. 157

ALVES, Cauê; TEJO, Cristiana. “Itinerários, itinerâncias”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2011. Itinerários, Itinerâncias. São Paulo, 2009, p. 30-34. 167

LAGNADO, Lisette. “Museu em movimento, arquitetura sem construção”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2013. Formas Únicas da Continuidade no Espaço. São Paulo, 2013, p. 15-25. 176

MAIA, Ana Maria. “Museu de Cera, Pavilhão da Marquise, Pavilhão Bahia, Museu de Arte Moderna de São Paulo”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2013. Formas Únicas da Continuidade no Espaço. São Paulo, 2013, p. 29-39. 184

AMARAL, Aracy. “Conversa com a pré-história: Da pedra Da terra Daqui”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2015. Da pedra Da terra Daqui. São Paulo, 2015, p. 15-31. 192

MIYADA, Paulo. “Esta terra torturada”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálo- go. Panorama de Arte Brasileira 2015. Da pedra Da terra Daqui. São Paulo, 2015, p. 115-143. 203 4 5

Tabela “Panorama da Arte Brasileira: 1969 a 2015” 6

1969

Data: 22/04/69 (com duração de 6 meses) Edição: 1º Panorama Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Joaquim Bento Alves de Lima Neto; Vice-presidentes: Josias Carneiro Leão, Júlio de Mes- quita Neto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Obras expostas: 552; Artistas: 101

Artistas: Ado Malagoli; Agustin Urban; Aldemir Martins; Aldir Mendes de Souza; Alice Brill; Anésia Pacheco e Chaves; ; Anna Letycia Quadros; Antonio Henrique Amaral; Arcanjo la- nelli; Armando Balloni; Berco Udler; Bernardo Cid; Bin Kondo; Carlos Scliar; Carybé (Hector Julio Paride Bernabó); Chanina Luwisz Szejnbejn; Clóvis Graciano; Conceição Piló; Danilo Di Prete; Darcy Penteado; Darel Valença Lins; Dorothy Bastos; Edith Behrinq; Ely Bueno; ; Flávio de Carvalho; Flo- riano Teixeira; Francisco Rebolo Gonzales; Francisco Stockinger; Frank Schaeffer; Genaro de Carvalho; Gerda Brentani; Guilherme de Faria; Hans Grudzinski; Hansen-Bahia (Karl-Heinz Hansen); Heinz Kühn; Henrique Leo Fuhro; Iracema Arditi; Ismênia Coaracy; Italo Cencini; Izar do Amaral Berlinck; Jacques Douchez; João Câmara Filho; João Osório Brzezinski; José Antonio da Silva; José Claudio da Silva; José Corbiniano Lins; José Moraes; Juarez Paraíso; Judith Lauand; Kazuo Wakabayashi; lnimá de Paula; lonal- do Cavalcanti; lone Saldanha; Lothar Charoux; Lucilia de Toledo Mezzótero; Luís d’Horta; Marcelo Gras- smann; Maria Bonomi; Maria Guilhermina; Maria Helena Andrés; Maria Helena Chartuni; Maria Leon- tina Franco; Maria Polo; Marina Caram; Mário Gruber; Mario Zanini; Mira Schendel; Miriam Chiaverini; Moacyr Rocha; Newton Cavalcanti; Norberto Nicola; Odetto Guersoni; Oswald de Andrade Filho; Paulo Becker; Paulo Menten; Pedro Tort; Quissak Jr.; ; Rubem Valentim; Sachiko Koshikoku; Samson Flexor; Sepp Baendereck; Silva-Costa; Solange Botelho; Sonia Castro; Tetsuo Nomura; Thomaz lanelli; Tikashi Fukushima; ; Vilma Pasqualini; Waldemar da Costa; Walter Lewy; Wega Nery; Wilma Martins; Yara Tupynambá; Yolanda Mohalyi; Yutaka Toyota; Zélia Salgado; Zenon Barreto

Artistas premiados: não houve premiação

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): *consta em documentos do MAM SP que setenta e duas obras entraram para o Acervo nessa ocasião, por cessão dos artistas, porém não foi localizada uma lista- gem descritiva sobre estas doações.

Patrocínio: Prefeitura do Estado de São Paulo

Público visitante: não há registro 7

1970

Data: 23/06/70 (com duração de 6 meses) Edição: 2º Panorama - Pintura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira - Pintura

Presidente: Joaquim Bento Alves de Lima Neto; Vice-presidentes: Antônio de Pádua Rocha Diniz, Jú- lio de Mesquita Neto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arnaldo Pedroso Horta, Arthur Octávio Camargo Pacheco, Diná Lopes Coelho, Paulo Mendes de Almeida

Comissão de premiação: Carlos Cavalcanti, , Frederico Moraes, José Roberto Teixeira Leite, Paulo Mendes de Almeida

Obras expostas: 250; Artistas: 56

Artistas: Abelardo Zaluar; Ado Malagoli; Alberto Teixeira; Aldemir Martins; Aldo Bonadei; Alfredo Vol- pi; Alice Brill; Anatol Wladyslaw; Antonio Arney; Antonio Henrique Amaral; Arcanjo lanelli; Ascânio MMM; Benjamin Silva; Berco Udler; Bernardo Cid; Betty King; Carlos Vergara; Clóvis Graciano; Cybèle Varela; Danilo Di Prete; Décio Paiva Noviello; Fernando Lemos; Fernando Odriozola; Flávio de Carvalho; Francisco Rebolo Gonzales; Georgete Melhem; Helena Wong; Henrique Boese; Hermelindo Fiaminghi; Humberto Espíndola; João Osório Brzezinski; José Moraes; Kazuo Wakabayashi; lonaldo Cavalcanti; Lo- thar Charoux; Maria do Carmo Fortes Secco; Maria Helena Andrés; Maria Leontina Franco; Maria Polo; Paulo Becker; Pedro Tort; Quissak Jr.; Samson Flexor; Sepp Baendereck; Silvio Oppenheim; Thomaz la- nelli; Tomie Ohtake; Tomoshige Kusuno; Victor Gerhard; Vilma Pasqualini; Waldemar da Costa; Wal- deny Elias; Walter Lewy; Wanda Pimentel; Wega Nery; Yolanda Mohalyi

Artista premiado: Alfredo Volpi

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM: Alfredo Volpi, “Mastros”, 1970

Patrocínio: Loteria Federal

Público visitante: não há registro 8

1971

Data: 22/06/71 (com duração de 3 meses) Edição: 3º Panorama - Desenho e Gravura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Joaquim Bento Alves de Lima Neto; Vice-presidentes: Antônio de Pádua Rocha Diniz, Jú- lio de Mesquita Neto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arnaldo Pedroso D’Horta, Arthur Octávio Camargo Pacheco, Diná Lopes Coelho, Luís Arrôbas Martins, Paulo Mendes de Almeida

Comissão de premiação: Antonio Bento de Araújo, Clarival do Prado Valladares, Flavio D´Aquino, Ge- raldo Ferraz, Paulo Mendes de Almeida

Obras expostas: 478; Artistas: 101

Artistas: Abelardo Zaluar; Agi Straus; Anésia Pacheco e Chaves; Anna Bella Geiger; Anna Letycia; Antonio Lizárraga; Arthur Luiz Piza; Augusto Rodrigues; Babinski; Berco Udler; Bethy Giudice; Calasans Neto; Car- los Leão; Carybé (Hector Julio Paride Bernabó); Cláudio Tozzi; Colangelo; Conceição Piló; Danúbio Gonsal- ves; Darcílio Paula Lima; Décio Noviello; Dileny Campos; Dora Basílio; Dorothy Bastos; Edison da Luz; Edith Behrinq; Ely Bueno; Emanoel Araújo; Euridyce Bressani; Evandro Carlos Jardim; Fayga Ostrower; Ferenec Kiss; Flávio de Carvalho; Gerda Brentani; Géza Heller; Gilvan Samico; Giselda Leirner; Guilherme de Faria; H. Fuhro; Hans Grudzinski; Henrique Leo Fuhro; Irma Neumann; Isabel Pons; Ítalo Cencini; Izar do Amaral Ber- linck; Jaguaribe Ekman; João Luiz Chaves; João Suzuki; José Alberto Nemer; José Cláudio; José Lima; José Ronaldo Lima; Juarez Magno; Juarez Paraíso; Lothar Charoux; Lotus Lobo; Lourdes Cedran; Lucília de Toledo Mezzotero; Luís d’Horta; Luís Fernando Penteado; Luiz Paulo Baravelli; Maciej Antoni Babinski; Marcelo Gras- smann; Maria Bonomi; Maria Carmen; Maria do Carmo F. Secco; Maria Helena Andrés; Marília Rodrigues; Marina Caram; Massuo Nakakubo; Milton Dacosta; Mira Schendel; Miriam Chiaverini; Moacyr Rocha; Montez Magno; Newton Cavalcanti; Octávio de Araújo; Odetto Guersoni; Odila Mestriner; Paulo Menten; Quissak Jr.; Raimo; Rapoport; Ricardo Augusto; Roberto de Lamonica; Rossini Perez; Ruth Bess Courvoisier; S. Jaguaribe Ekman; Sara Ávila; Sérvulo Esmeraldo; Silvio Oppenheim; Sônia Castro; Sonia Castro; Sonia von Brüsky; Stella Maris Figueiredo Bertinazzo; Suzana Lobo; Thereza Miranda; Trindade Leal; Tuneu; Vera Bocayuva Mindlin; Vera Chaves Barcellos; Wega Nery; Wilma Martins; Yara Tupynambá; Zenon Barreto; Zorávia Bettiol;

Artistas premiados: Lothar Charoux e Maria Bonomi

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM Desenho - Lothar Charoux - 05 obras: Círculos I, 1971; Círculos II, 1971; Círculos III, 1971; Círculos IV, 1971; Círculos V, 1971; Gravura - Maria Bonomi - 05 obras: Balada do terror, 1970; Codex, 1970; Plena engrenagem, 1970; “U Sheridan”, 1970; Saldo conduto, 1970.

Patrocínio: Loteria Federal

Público visitante: não há registro 9

1972

Data: 10/10/72 (com duração de 3 meses) Edição: 4º Panorama - Esculturas e Objetos Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Joaquim Bento Alves de Lima Neto; Vice-presidentes: Luís Arrôbas Martins, Trajano Puppo Neto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arnaldo Pedroso Horta, Arthur Octávio Camargo Pacheco, Diná Lopes Coelho, Luís Arrôbas Martins, Paulo Mendes de Almeida

Comissão de premiação: José Roberto Teixeira Leite, Marcio Sampaio, Paulo Mendes de Almeida, Wal- mir Ayala, Wolgang Pfeiffer

Obras expostas: 192; Artistas: 71

Artistas: Adolpho Hollanda; Aldir Mendes de Souza; Alfredo Ceschiatti; Amilcar de Castro; Ana Maria Pacheco; Antonio Lizárraga; Ascânio MMM; Bruno Giorgi; Caciporé Torres; Carlos Tenius; Carmem Bar- dy; Cleber Lobo Machado; Clélia Cotrim; Clóvis Peretti; Cybèle Varela; Domenico Calabrone; Dorée Ca- margo Corrêa; Efisio Putzolu; Elke Bell Hering; Francisco Stockinger; ; ; Frederico Nasser; Gastão Manoel Henrique; Geraldo Jürgensen; Gustavo Ritter; Ilsa Wulff Monteiro; Ja- ckson Ribeiro; João Carlos Galvão; João Osório Brzezinski; Joaquim Albuquerque Tenreiro; José Corbi- niano Lins; José de Moura Resende Filho; ; Joyce Schleiniger; Károly Pichler; Liuba Wolf; Ione Saldanha; Lourdes Cedran; Lúcia Fleury; Luiz Paulo Baravelli; Marcello Nitsche; Mari Yoshimoto; Maria Guilhermi- na; Mário Agostinelli; Mário Cravo Neto; Mario Francisco Ormezzano; Masumi Tsuchimoto; Maurício Salgueiro; Montez Magno; Moussia Pinto Alves; MS-2 (Maria Bonomi e Salvatore Iannacone); Nelson Leirner; Nicolas Vlavianos; Osmar Pacheco Dillon; Pagnano; Paulo Becker; Paulo Roberto Leal; Quissak Jr.; Raymundo Colares; Reinaldo Eckenberger; Roberto Cidade; Teresinha Soares; Tereza Nazar; Vasco Prado; Waldemar Cordeiro; Yutaka Toyota; Zélia Salgado

Artistas premiados: Ascânio MMM e Yutaka Toyota

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM Escultura - Ascanio MMM - 03 obras: Escultura um/72, 1972; Escultura dois/72, 1972; Escultura três/72, 1972; Objeto - Yutaka Toyota - 01 obra: Espaço Negativo, 1972; Menção de estímulo (Sem prêmio em dinheiro e sem que as obras entrassem no acervo) - Escultura: Clóvis Peretti, Ilsa Monteiro, José de Moura Resende Filho; Objeto - Geraldo Meyer Jürgensen, Lucia Fleury

Patrocínio: Governo do Estado; Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo

Público visitante: não há registro 10

1973

Data: 02/10/73 (com duração de 3 meses) Edição: 5º Panorama - Pintura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Joaquim Bento Alves de Lima Neto; Vice-presidentes: Luís Arrôbas Martins, Trajano Pup- po Neto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arnaldo Pedroso D’Horta, Arthur Octávio Camargo Pacheco, Diná Lopes Coelho, Luís Arrôbas , Paulo Mendes de Almeida

Comissão de premiação: Clarival do Prado Valladares, Eduardo Rocha Virmond, Geraldo Ferraz, Marc Berkowitz, Paulo Mendes de Almeida

Obras expostas: 264 Artistas: 69

Artistas: (Dudi) Rafael Maia Rosa; Abelardo Zaluar; Ado Malagoli; Alberto Teixeira; Alfredo Volpi; Alice Brill; Aloísio Magalhães; Antonio Henrique Amaral; Arcanjo lanelli; Armando Sendin; Arnaldo Barbosa; Bernardo Cid; Bida Gomes de Mattos; Carlos Alberto Cerqueira Lemos; Carlos Alberto Fajardo; Carlos Bracher; Clarisse Gueller; Cláudio Tozzi; Clodomiro Lucas Filho; Danilo Di Prete; Darcy Penteado; Evany Fanzeres; Fernando Lemos; Fernando Odriozola; Francisco Rebolo Gonzales; Frederico Nasser; Fulvio Pennacchi; Gisela Eichbaum; Helena Wong; Helenos (Edson Heleno da Silva); Henrique Boese; Herme- lindo Fiaminghi; Ismênia Coaracy; Ivan Freitas; João Câmara Filho; Joaquim Albuquerque Tenreiro; José Antonio da Silva; José Moraes; José Paulo; Kazuo Wakabayashi; Loio; Lourenço; Luiz Paulo Baravelli; Manabu Mabe; Maria Leontina Franco; Maria Polo; Maria Tomaselli Cirne Lima; Marina Caram; Mau- rício Nogueira Lima; Noêmia Mourão; Orlando Morgantini; Pedro Tort; Pietrina Checcacci; Quirino da Silva; Quissak Jr.; Regina Vater; Reynaldo de Aquino Fonseca; Rubem Ludolf; Rubens Gerchman; Samuel Szpigel; Silvio Oppenheim; Thomaz lanelli; Tikashi Fukushima; Tomie Ohtake; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Vilma Pasqualini; Waldemar da Costa; Walter Lewy; Wanda Pimentel; Wega Nery; Yolanda Mohalyi

Artistas premiados: Arcanjelo lanelli e Wanda Pimentel

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM Pintura: Arcangelo Ianelli - 02 obras: Sinfonia em branco, 1973; Superposição de quadrados, 1973; Prêmio-Estímulo Caixa Econômica Federal: Wanda Pimentel - 01 obra: Série “”Envolvimento”” (4), 1973

Patrocínio: Governo do Estado ; Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo ; Caixa Econômica

Público visitante: não há registro 11

1974 data: 17/10/74 (com duração de 3 meses) edição: 6º Panorama - Desenho e Gravura título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Joaquim Bento Alves de Lima Neto; Vice-presidentes: Luís Arrôbas Martins, Trajano Puppo Neto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arthur Octávio Camargo Pacheco, Diná Lopes Coelho, Luís Arrôbas Martins, Paulo Mendes de Almeida

Comissão de premiação: Carlos Scarinci, Jacob Klintowitz, José Simeão Leal, Paulo Mendes de Almeida, Quirino Campofiorito

Obras expostas: 423; Artistas: 114

Artistas: Aldary Henriques Toledo; Alexandre Rapoport; Alfredo Caetano; Aloísio Magalhães; Anésia Pacheco e Chaves; Ângelo Pignataro; Anna Bella Geiger; Anna Letycia Quadros; Anna Maria Maiolino; Arlindo Daibert Amaral; Arthur Luiz Piza; Beatriz Rota-Rossi; Bernardo Cid; Bethy Giudice; Boi (Jose Carlos Ferreira); Carlos Leão; Castaño Orlando; Celina Lima Verde; Charlotta Adlerova; Clodomiro Lucas Filho; Conceição Piló; Cos- ta; Danúbio Gonsalves; Darcy Penteado; Dirso José de Oliveira; Dora Basílio; Dorothy Bastos; Edith Behrinq; Eduardo Fagundes Cruz; Ely Bueno; Emanoel Araújo; Evandro Carlos Jardim; Fayga Ostrower; Ferenec Kiss; Floriano Teixeira; Gerda Brentani; Gianguido Bonfanti; Guel; Guilherme de Faria; Hannah Brandt; Hans Grud- zinski; Helena Maria Beltrão de Barros; Henrique Leo Fuhro; Hilda Weber; Irma Neumann; Isabel Bakker; Isabel Pons; Italo Cencini; Izar do Amaral Berlinck; José Alberto Nemer; José Carlos Moura; José Lima; José Ronaldo Lima; José Toledo; Juarez Magno; lazid Thame; Leda Watson; Lothar; Charoux; Lourdes Cedran; Lucilia de To- ledo Mezzótero; Luís d’Horta; Luiz Beltrame; Luiz Fernando Voqes Barth; Luiz Paulo Baravelli; Lyria Palombini; Manfredo de Souzanetto; Manoel Augusto Serpa de Andrade; Maria Bonomi; Maria do Carmo Fortes Secco; Maria Lucia Luz; Maria Tomaselli Cirne Lima; Marília Rodrigues; Marlene Hori; Massuo Nakakubo; Mira Schen- del; Miriam Chiaverini; Moacyr Rocha; Newton Rezende; Noélia de Paula; Octávio de Araújo; Odetto Guersoni; Odilla Mestriner; Orlando Dasilva; Osmar Fonseca; Otávio Roth; Paixão; Paulo Menten; Pedro Seman; Pérez Sola; Quissak Jr.; Raul Porto; Renina Katz; Ricardo Augusto; Rogério Luz; Romanita Martins; Rose Lutzenberger; Rubens Gerchman; Ruth Bess Courvoisier; Savério Castellano; Silvio Oppenheim; Sonia Castro; Tancredo de Araujo; Thereza Miranda; Tiziana Bonazzola; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Tunga (Antonio José de Bar- ros Carvalho e Mello Mourão); Valdir Sarubbi; Vera Bocayuva Mindlin; Vera Chaves Barcellos; Vinício Horta; Wilma Martins; Wilson Georges Nassif; Zenon Barreto; Zorávia Bettiol

Artistas premiados: Anna Letycia Quadros, Danúbio Gonçalves, Juarez Magno e Luiz Paulo Baravelli

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM Desenho: Juarez Magno - 03 obras - Desenho - via I, 1974; Desenho - via II, 1974 - Desenho - via IV, 1974; Gravura - Anna Letycia Quadros - 04 obras: gRAVURA 5/73, 1973, Gravura 8/74, 1974, Gravura 10/74, 1974, Gravura 15/74, 1974 ; Prêmio-Estímulo Caixa Econômica Federal Desenho - Luiz Paulo Baravelli - 01 obra: Jackie Montanha (do álbum “Mulher Montanha”), 1973; Gravura - Danúbio Gonçalves - 04 obras: “Demoiselle”, 1973, Habitat, 1973; Hora sete na capital do mundo, 1973; Monalisa, 1973.

Patrocínio: Caixa Econômica Federal CEF ; Governo do Estado de São Paulo ; Secretaria de Cultura, Es- portes e Turismo

Público visitante: não há registro 12

1975

Data: 27/11/75 (com duração de 3 meses) Edição: 7º Panorama - Escultura e Objeto Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Flavio Pinho de Almeida; Vice-presidentes: Luís Arrôbas Martins e Trajano Pupo Netto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arthur Octávio Camargo Pacheco, Diná Lopes Coelho, Luís Arrôbas Martins, Paulo Mendes de Almeida

Comissão de premiação: Clarival do Prado Valladares, Hugo Auler, Mario Barata, Olívio Tavares de Araújo, Paulo Mendes de Almeida

Obras expostas: 196; Artistas: 71

Artistas: Abelardo Germano da Flora; Alfredo Ceschiatti; Aluísio Carvão; Amélia Toledo; Anna Letycia Quadros; Antonio Lizárraga; Antonio Mir; Ascânio MMM; Astrid Hermann; Bené Fonteles; Caciporé Tor- res; Carlos Tenius; Carmem Bardy; Cleber Lobo Machado; Clélia Cotrim; Clóvis Peretti; Danúbio Gonsal- ves; Décio Ambrósio; Domenico Calabrone; Dorée Camargo Corrêa; Edo Rocha; Evany Fanzeres; Farnese de Andrade; Franz Weissmann; Geraldo Jürgensen; Gerty Saruê; Gilberto Jiménez; Gilka Vianna; Harol- do Barroso; Hisao Ohara; Ilsa Wulff Monteiro; Jackson Ribeiro; Jandyra Waters; João Carlos Galvão; Jo- aquim Albuquerque Tenreiro; José Corbiniano Lins; José de Moura Resende Filho; José Ronaldo Lima; José Tarcísio; Juarez Magno; Juarez Paraíso; Károly Pichler; Liuba Wolf; lone Saldanha; Lourdes Cedran; Lúcia Fleury; Luiz Paulo Baravelli; Márcia Barroso do Amaral; Mari Yoshimoto; Maria Guilhermina; Ma- rilia Kranz; Mário Agostinelli; Mário Cravo Junior; Mário Cravo Neto; Mario Francisco Ormezzano; Ma- sumi Tsuchimoto; Maurício Salgueiro; Megumi Yuasa; Nicolas Vlavianos; Pagnano; Pedro Pinkalsky; Ro- berto Moriconi; Rose Lutzenberger; Rubem Valentim; Sérgio Augusto Porto; Sérgio Camargo; Solange Escosteguy; Sonia Eblinq; Tatti Moreno; Ubi Bava; Vasco Prado; Vilma Rabello Machado; Yutaka Toyota; Zenon Barreto

Artistas premiados: Franz Weissmann, José Resende, Rubem Valentim e Sérgio Augusto Porto

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM Objeto - Rubem Valentim - 01 obra: Objeto em- blemático II, 1975; Escultura - Franz Weissmann - 01 obra: Cantoneiras, 1975. Prêmio-Estímulo Caixa Eco- nômica Federal Escultura - José Resende - 01 obra - Sem título, 1975 ; Objeto - Sérgio Augusto Porto -01 obra- Sem título, 1975.

Patrocínio: Caixa Econômica Federal ; Governo do Estado de São Paulo ; Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia

Público visitante: não há registro 13

1976 data: 30/11/76 com duração de 3 meses edição: 8º Panorama - Pintura título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Flavio Pinho de Almeida; Vice-presidentes: Luís Arrôbas Martins e Trajano Pupo Netto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arthur Octávio Camargo Pacheco, Diná Lopes Coelho, Luís Arrôbas Martins, Paulo Mendes de Almeida

Comissão de premiação: Aldo Obino, Aline Figueiredo, Flávio de Aquino, Francisco Bittencourt, Paulo Mendes de Almeida

Obras expostas: 248; Artistas: 85

Artistas: Agi Straus; Aldir Mendes de Souza; Alfredo Volpi; Alice Brill; Anatol Wladyslaw; Antonio Hen- rique Amaral; Antonio Maia; Arcanjo lanelli; Armando Sendin; Benjamin Silva; Bernardo Cid; Bia Wouk; Carlos Alberto Cerqueira Lemos; Carlos Bracher; Carlos de Aguiar Magano; Carlos Eduardo Zimmer- mann; Cláudio Tozzi; Cleber Gouvêa; Darel Valença Lins; Dirso José de Oliveira; Eli Heil; Emi Mori; Enéas Silva; Ermelindo Nardin; Estrigas (Nilo de Brito Firmeza); Fernando Coelho; Floriano Teixeira; Francisco Bioione; Francisco Rebolo Gonzales; Fulvio Pennacchi; Gilberto Salvador; Gisela Eichbaum; Glauco Pinto de Moraes; Glênio Bianchetti; Gregório Gruber; Gretta; Gudiño; Hedva Megged; Helena Wong; Helenos (Edson Heleno da Silva); Henrique Boese; Hermelindo Fiaminghi; Ilsa Wulff Monteiro; Irene Buarque de Gusmão; Ivan Freitas; João Adamoli; José Antonio da Silva; José Maria Dias da Cruz; José Moraes; José Toledo; Manoel d’Assumpção Santiago; Maria Helena Andrés; Maria Luiza Leão; Ma- ria Tomaselli Cirne Lima; Marília Gianetti Torres; Marly Döring; Maurício Nogueira Lima; Octávio de Araújo; Paulo Roberto Leal; Pedro Tort; Philip Charles Hallawell; Pierre Chalita; Pietrina Checcacci; Pín- daro Castelo Branco; Quissak Jr.; Reynaldo de Aquino Fonseca; Roberto Vieira; Sant’Clau (Vera Sant’An- na e Claudio Battaglia); Savério Castellano; Sepp Baendereck; Silvio Oppenheim; ; Takashi Fukushima; Tancredo de Araujo; Thomaz lanelli; Tikashi Fukushima; Tomie Ohtake; Tomoshige Kusuno; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Vilma Pasqualini; Waldemar da Costa; Walter Lewy; Wega Nery; Wil- ma Martins; Yolanda Mohalyi

Artistas premiados: Takashi Fukushima e Wilma Martins

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM: Wilma Martins - 01 obra - Cotidiano XV, 1976; Prêmio-Estímulo Caixa Econômica Federal: Takashi Fukushima 01 obra - Lindera Triloba, 1976.

Patrocínio: Caixa Econômica Federal (CEF)

Público visitante: não há registro 14

1977

Data: 15/12/77 (com duração de 2 meses) Edição: 9º Panorama - Desenho e Gravura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Flavio Pinho de Almeida; Vice-presidentes: Severo Fagundes Gomes e Trajano Pupo Netto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arthur Octávio Camargo Pacheco, Diná Lopes Coelho, José Nemirovsky, Luís Arrobas- Martins Comissão de premiação: Clarival do Prado Valladares, Eduardo Rocha Virmont, Ferreira Gullar, Márcio Sampaio, Wolfgang Pfeiffer

Obras expostas: 412; Artistas: 140;

Artistas: Alexandre Rapoport; Alfredo Caetano; Alícia Rossi; Aloysio Zaluar; Álvaro Apocalypse; Amilcar de Castro; Anatol Wladyslaw; Anna Carolina; Anna Letycia Quadros; Antonello l’Abbate; Antonio Lizárra- ga; Arlindo Daibert Amaral; Bathista Sena; Bia Wouk; Calasans Neto; Carlos Carrion de Britto Velho; Carlos Eduardo Zimmermann; Carmem Bardy; Celina Lima Verde de Carvalho; Chanina Luwisz Szejnbejn; Char- lotta Adlerova; Clarisse Gueller; Cláudio Tozzi; Conceição Piló; Danúbio Gonsalves; Darcy Penteado; Décio Paiva Noviello; Dirso José de Oliveira; Dorée Camargo Corrêa; Dorothy Bastos; Edith Behrinq; Eduardo Fagundes Cruz; Ely Bueno; Emanoel Araújo; Evandro Carlos Jardim; Fábio Magalhães; Francisco Neves; Gastão de Magalhães; Gerty Saruê; Gianguido Bonfanti; Gilberto Cardoso; Gilberto Salvador; Gilka Vian- na; Gisela Eichbaum; Giselda Leirner; Glauco Pinto de Moraes; Gregório Gruber; Gretta; Guilherme de Faria; Hannah Brandt; Helena Maria Beltrão de Barros; Henrique Leo Fuhro; Hipólito Rocha Junior; Ilsa Leal Ferreira; Inácio Rodrigues; Isabel Bakker; Isabel Pons; Itajahy Martins; Ivan Fernandes; Ivone Couto; Iza Costa; Izar do Amaral Berlinck; Jair Glass; João Câmara Filho; João Rossi; Joaquim Ariño Duran; José Carlos Moura; José Moraes; José Ronaldo Lima; José Zaragoza; Junia Dantas; lazid Thame; Leda Watson; Leopoldo Raimo; Lothar Charoux; Lourdes Cedran; Lúcia Fleury; Lucilia de Toledo Mezzótero; Luis Carlos Lindenberg; Luiz Beltrame; Luiz Fernando Voqes Barth; Luiz Paulo Baravelli; Lyria Palombini; Manfredo de Souzanetto; Marcello Nitsche; Marcos Augusto; Marcos Coelho Benjamim; Marcos Concílio; Marcos Fer- nandes; Maria Bonomi; Maria do Carmo Guardia; Maria Inês Rodrigues Kliemann; Maria Tomaselli Cirne Lima; Marília Rodrigues; Marilu Beer; Mário Gruber; Marlene Hori; Marly Döring; Massuo Nakakubo; Maty Vitart; Maurício Cals; Mira Schendel; Moacyr Rocha; Monica Barbosa; Nelson Padrella; Noélia de Paula; Norberto Stori; Octávio Costa Pereira; Odetto Guersoni; Odilla Mestriner; Olney Krüse; Orlando Dasilva; Paiva Brasil; Philip Charles Hallawell; Quissak Jr.; Renina Katz; Reynaldo de Aquino Fonseca; Ricardo Au- gusto; Roberto Franco; Roberto Galvão; Romanita Martins; Romildo Paiva; Rubens Gerchman; Ruth Bess Courvoisier; Savério Castellano; Sepp Baendereck; Tancredo de Araujo; Thereza Miranda; Tomoshige Kusuno; Valdir Sarubbi; Vasco Prado; Vera Bocayuva Mindlin; Vera Lucia Didonet; Vera Salamanca; Vera Salles do Amaral; Victor Gerhard; Walter Lewy; Wilson Georges Nassif; Yara Tupynambá; Zenon Barreto; Zorávia Bettiol

Artistas premiados: Amilcar de Castro, Emanoel Araújo, Ivone Couto e Jair Glass 15

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM - Desenho: Amilcar de Castro - 03 obras - Dese- nho (1), 1977; Desenho (2), 1977; Desenho (3), 1977 ; Gravura: Emanoel Araújo - 03 obras - Suíte afríquia I, 1977; Suíte afriquia II, 1977; Suíte afríquia III, 1977; Prêmio-Estímulo Caixa Econômica Federal - Gravura: Ivone Couto - 01 obra - Sem título I, 1977; Desenho: Jair Glass - 03 obras - A Renda V e VI, 1977; Corte e Costura - lição nº1 e Corte e Sutura nº1, 1977; Sem título (da série “O que será, ou Homenagem ao ”), 1977

Patrocínio: Governo do Estado de São Paulo; Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia; Prefeitura do município de São Paulo; INAP (Instituto de Artes Plásticas); Funarte (Fundação Nacional do Ministério da Educação e Cultura; Caixa Econômica Federal

Público visitante: não há registro 16

1978

Data: 23/11/78 (com duração de 2 meses) Edição: 10º Panorama - Escultura e Objeto Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Flávio Pinho de Almeida; Vice-presidentes: Severo Fagundes Gomes e Trajano Pupo Netto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arcangelo Ianelli, Arthur Octávio Camargo Pacheco, Diná Lopes Coelho, José Nemi- rovsky

Comissão de premiação: Alcidio Nafra de Souza, Geraldo Edson de Andrade, Hugo Auler, Mario Schenberg, Roberto Pontual

Obras expostas: 160; Artistas: 58

Artistas: Amilcar de Castro; Anca; Antonio Mir; Avatar Moraes; Caciporé Torres; Carmem Bardy; Cleber Lobo Machado; Clélia Cotrim; Domenico Calabrone; Emanoel Araújo; Haroldo Barroso; Helena Town- send; Hisao Ohara; Isabelle Rochereau; João Carlos Goldberg; Joaquim Albuquerque Tenreiro; José Cor- biniano Lins; Károly Pichler; Léon Ferrari; Liuba Wolf; Lúcia Fleury; Lucia Porto; Luiz Paulo Baravelli; M. Moura; Mari Yoshimoto; Maria Guilhermina; Maria Teresa; Marilia Kranz; Mário Agostinelli; Mário Cravo Neto; Mario Francisco Ormezzano; Mary Vieira; Masumi Tsuchimoto; Maurício Salgueiro; Megumi Yua- sa; Moussia Pinto Alves; Nelson Leirner; Nicolas Vlavianos; Paulo de Andrade; Paulo Laender; Pedro Pinkalsky; Pietrina Checcacci; Renato Brunello; Reynaldo Jardim; Richard Hideaki; Roberto Cidade; Ro- berto Gabriel Crivellé; Roberto Moriconi; Rubem Valentim; Sérgio Camargo; Sérvulo Esmeraldo; Sonia Eblinq; Sonia von Brüsky; Vasco Prado; Vilma Rabello Machado; Wilson Alves; Yutaka Toyota; Zenon Barreto

Artistas premiados: Amilcar de Castro, Avatar Moraes, Mário Cravo Neto, Mary Vieira e Wilson Alves

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM: Escultura - Amilcar de Castro - 01 obra - Carranca, 1978 ; Objeto - Mary Vieira - 01 obra - Luz-espaço: tempo de um movimento, 1953/55; Prêmio-Estímulo Cai- xa Econômica Federal: Objeto - Wilson Alves - 01 obra - Dimaxarion do Nascimento, mágico acrobata, 1978; Escultura - Mário Cravo Neto - 03 obras - Círculos Concêntricos, 1976; Sem título, 1976; Sem título, 1977; Prêmio Galeria Skultura: Avatar Moraes - 03 obras - Voluta I, 1977; Voluta II, 1977; Voluta III, 1977.

Patrocínio: Caixa Econômica Federal; Governo do Estado de São Paulo, Secretaria Da Cultura, Ciência e Tecnologia ; Prefeitura do Município de São Paulo ; INAP (Instituto Nacional de Artes Plásticas) ; Funarte (Fundação Nacional de Arte do Ministério de Educação e Cultura

Público visitante: não há registro 17

1979

Data: 27/11/79 (com duração de 2 meses) Edição: 11º Panorama - Pintura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Flavio Pinho de Almeida; Vice-presidentes: Severo Fagundes Gomes e Trajano Pupo Netto; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Arcangelo Ianelli, Danilo Di Prete, Diná Lopes Coelho, Fábio Magalhães, Fernando Cerqueira Lemos, Flávio Pinho de Almeida, José Nemirovsky , Norberto Nicola

Comissão de premiação: Não há registro de comissão de premiação

Obras expostas: 195; Artistas: 67

Artistas: Alberto Teixeira; Alcides Santos; Aldir Mendes de Souza; Alice Brill; Aloysio Zaluar; Anatol Wladyslaw; Antonio Henrique Amaral; Arcanjo lanelli; Armando Sendin; Bernardo Cid; Carlos de Aguiar Magano; Chien Kong Fang; Cláudio Tozzi; Cleber Gouvêa; Fernando Lemos; Francisco Rebolo Gonzales; Gilberto Salvador; Gisela Eichbaum; Glauco Pinto de Moraes; Gregório Gruber; Heinz Kühn; Henrique Boese; Hércules Barsotti; Hermelindo Fiaminghi; Inácio Rodrigues; Iracema Arditi; Israel Pedrosa; Ivald Granato; Ivan Freitas; Jaime Yesquénluritta; João Sebastião da Costa; José Antonio da Silva; José Maria Dias da Cruz; Juarez Magno; Lothar Charoux; Luís Sacilotto; Luiz Aquila da Rocha Miranda; Luiz Paulo Baravelli; Manabu Mabe; Manoel Martins; Marcello Nitsche; Márcia Barroso do Amaral; Maria Lídia Ma- gliani; Maria Tomaselli Cirne Lima; Mário Bueno; Mário Gruber; Maurício Nogueira Lima; Mira Schen- del; Newton Mesquita; Newton Rezende; Niobe Xandó; Paulo Roberto Leal; Pietrina Checcacci; Raul Cor- dúla Filho; Ricardo van Steen; Roberto Burle Marx; Rodrigo de Haro; Rubem Valentim; Sepp Baendereck; Silvio Oppenheim; Takashi Fukushima; Tikashi Fukushima; Tomie Ohtake; Tomoshige Kusuno; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Ubirajara Ribeiro

Artistas premiados: Ricardo van Steen e Tomie Ohtake

Patrocínio: Caixa Econômica Federal; Heubblein do Brasil Comercial e Industrial Federal

Público visitante: não há registro

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM: Tomie Ohtake - 01 obra - Obra C, 1979; Prêmio -Estímulo Caixa Econômica Federal: Ricardo van Steen - 03 obras - Tá na cara, 1979; Tá na hora, 1979; Tá na mesa, 1979. 18

1980

Data: 13/11/80 (com duração de 2 meses) Edição: 12º Panorama - Desenho e Gravura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Luiz Antonio Seráphico de Assis Carvalho; Vice-presidentes: João Baptista Pereira de Almeida, Torquato Saboia Pessoa; Diretora geral: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: Danilo Di Prete, Diná Lopes Coelho, Fábio Magalhães,Fernando Cerqueira Lemos, José Nemirovsky, Luiz Antonio Seráphico, Norberto Nicola

Comissão de premiação: Arcangelo Ianelli, Danilo Di Prete, Diná Lopes Coelho, Fábio Magalhães, Fer- nando Cerqueira Lemos, José Nemirovsky, Luiz Antonio

Obras expostas: 325; Artistas: 108

Artistas: Alcindo Moreira Filho; Alex Flemming; Anna Carolina; Antonio Henrique Amaral; Arlindo Daibert Amaral; Bal Moura; Bené Fonteles; Berenice Toledo; Bernardo Cid; Bia Medeiros; Bia Wouk; Carlos Clémen; Charbel; Christina Parisi; Ciro Cozzolino; Clara Pechansky; Claudio Mubarac; Cláudio Tozzi; Conceição Bi- calho; Danúbio Gonsalves; Darcy Penteado; Darel Valença Lins; Edith Behrinq; Elgul Samad; Ely Bueno; Em- manuel Nassar; Ermelindo Nardin; Evandro Carlos Jardim; Fábio Magalhães; Fayga Ostrower; Gabriel Borba; Gastão de Magalhães; Genilson Soares; Gerda Brentani; Gerty Saruê; Gianguido Bonfanti; Gilvan Samico; Gisela Eichbaum; Giselda Leirner; Glauco Pinto de Moraes; Guilherme de Faria; Gustavo Rosa; Hans Grudz- inski; Henrique Leo Fuhro; Hudinilson Jr.; Humberto Guimarães; Isis Braga; Italo Cencini; Ivald Granato; Ivone Couto; Jair Glass; José Alberto Nemer; José Guyer Salles; José Leonilson Bezerra Dias; Laurabeatriz; Lena Cecilia Bergstein; Léon Ferrari; Liliane Dardot; lole Di Natale; Lothar Charoux; Luciano Pinheiro; Luiz Aquila da Rocha Miranda; Luiz Ernesto Moraes; Luiz Fernando Voqes Barth; Luiz Paulo Baravelli; Marcia Rothstein; Marco Leoni; Marcos Concílio; Maria Lídia Magliani; Maria Tomaselli Cirne Lima; Marlene Hori; Massuo Nakakubo; Maty Vitart; Mauricio Fridman; Mauricio Nacif; Michèle Bril; Moacir Toledo; Nelson Is- rael; Newton Mesquita; Odetto Guersoni; Odilla Mestriner; Osmar Pinheiro Jr.; Otávio Roth; Paulo Cheida Sans; Paulo Houayek; Pilar Benet; Regina Silveira; Renina Katz; Romildo Paiva; Ruth Bess Courvoisier; Saint - Clair Semin; Samuel Szpigel; Sérgio Niculitcheff; Suzana Sommer; Tai Hsuan-na; Tania Kacelnik; Tito Ca- margo; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Ubirajara Ribeiro; Ursula Möllhoff; Vagner Dotto; Valdir Sarubbi; Valeriano; Walter B. Garcia; Walter Munhoz; Wega Nery; Zanellato

Artistas premiados: Gilvan Samico, José Nemer, Marlene Hori, Marco Leoni

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM: Desenho - José Nemer - 01 obra - Reflexões di- ante da paisagem, 1978; Gravura - Gilvan Samico - 03 obras - O encontro, 1978; O outro lado do rio, 1980; O guardião, 1979; Prêmio Caixa Econômica Federal: Gravura - Marlene Hori - 01 obra - Sem título, 1980; Desenho - Marco Leoni - 03 obras - Homem tatuado nº 1, 1980; Homem tatuado nº 2, 1980; Homem tat- uado nº 3, 1980.

Patrocínio: Caixa Econômica Federal; Banco Real S/A; Cia. Riomar Comércio e Construtora; De Cas- tro Loureiro Engenharia e Representações Ltda.; Duratex S.A; Esteve Irmãos S.A - Comércio e Indústria, Frefer S/A Ind. e Com de Ferro e Aço; Heublein do Brasil Comercial e Industrial; Itaú Seguradora S/A; Zanini S/A Equipamentos Pesados

Público visitante: não há registro 19

1981

Data: 01/12/81 (com duração de 2 meses) Edição: 13º Panorama - Escultura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Luiz Antonio Seráphico de Assis Carvalho; Vice-presidentes: Max Feffer e Torquato Saboia Pessoa; Diretora técnica: Diná Lopes Coelho

Comissão de arte: César Luis Pires de Mello, Edo Rocha, Emídio Dias Carvalho, José Zaragoza, Ladi Bie- zus, Luiz Antonio Seraphico de Assis Carvalho, Paulo Antonacio, Sonia Guarita, Torquato Saboia Pessoa

Comissão de premiação: *a partir de 1981, a Comissão de Arte fica a cargo da escolha de prêmios

Obras expostas: 171; Artistas: 44

Artistas: Amilcar de Castro; Abelardo Germano da Flora; Alfi Vivern; Amélia Toledo; Anca; Bruno Gior- gi; Caciporé Torres; Domenico Calabrone; Elvio Becheroni; Elvira de Almeida; Elvo Benito Damo; Ema- noel Araújo; Felícia Leirner; Franz Weissmann; Horacio Kleinman; Irineu Garcia; José Corbiniano Lins; José Guerra; Károly Pichler; Léon Ferrari; Liuba Wolf; Lúcia Fleury; Lucia Porto; Luiz Paulo Baravelli; Mar- cello Nitsche; Maria Guilhermina; Marilia Kranz; Mário Agostinelli; Mário Cravo Neto; Mary Vieira; Mau- rino de Araújo; Nicolas Vlavianos; Ninca Bordano; Paulo França (e Amélia Toledo); Paulo Laender; Pedro Pinkalsky; Pietrina Checcacci; Renato Brunello; Roberto Moriconi; Rubem Valentim; Sérgio Camargo; Sérvulo Esmeraldo; Sonia Eblinq; Vasco Prado; Yutaka Toyota

Artistas premiados: Emanoel Araújo e Nicolas Vlavianos

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MAM: Nicolas Vlavianos - 01 obra - Escultura III, 1981; Prêmio Caixa Econômica Federal: Emanoel Araújo - 01 obra - Estrutura Vermelha, 1981

Patrocínio: Caixa Econômica Federal. Colaboração: Eletropaulo ; Raízes Artes Gráfica ; Zanini Equipa- mentos Pesados

Público visitante: não há registro 20

1983

Data: 27/10/83 a 05/01/84 Edição: 14º Panorama - Pintura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Aparício Basílio da Silva; Vice-presidentes: José Zaragoza e Geraldo Abbondanza Neto; Diretora Técnica: Sema Petragnani

Comissão de arte: Alberto Beutenmüller, Aldemir Martins, Aurélio Martines Flores, Glauco Pinto de Moraes, Ilsa Leal Ferreira, José Zaragoza, Marcello Grassmann, Sema Petragnani (*Conforme texto do catálogo, neste ano foram feitas consultas a cerca de 27 críticos de arte de todo o país)

Obras expostas: 286; Artistas: 72

Artistas: Abelardo Zaluar; Adir Sodré; Aldir Mendes de Souza; Alex Flemming; Aluísio Carvão; Antonio Henrique Amaral; Antonio Maia; Antonio Peticov; Antônio Poteiro (Antônio Batista de Souza); Antonio Vitor; Aprígio; Arcanjo lanelli; Armando Sendin; Benevento; Brueggeman; Carlos Bracher; Carlos Carrion de Britto Velho; Carlos Eduardo Zimmermann; Christina Parisi; Cláudio Kuperman; Cláudio Tozzi; Cleber Gouvêa; Dijalma; Fernando Coelho; Fernando Odriozola; Fernando Pacheco; Fernando Velloso; Flávio Bassa- ni; Francesc Petit; Frederico; Gilberto Salvador; Glauco Rodrigues; Gregório Gruber; Gustavo Rosa; Heloysa Juaçaba; Humberto Espíndola; Ivald Granato; Jacqmont; Jair Glass; João Sebastião da Costa; José Claudio da Silva; José Roberto Aguilar; Jungbluth; lnimá de Paula; Luís Sacilotto; Luiz Aquila da Rocha Miranda; Luiz Paulo Baravelli; Maciej Antoni Babinski; Manfredo de Souzanetto; Maria Lídia Magliani; Maria Tomaselli Cirne Lima; Marilia Kranz; Martinho de Haro; Maurício Nogueira Lima; Newton Mesquita; Píndaro Castelo Branco; Quissak Jr.; Raul Cordúla Filho; Roberto Lucio; Rodrigo de Haro; Rubem Valentim; Ruben Esmanhot- to; Rubens Gerchman; Sante Scaldaferri; Siron Franco; Takashi Fukushima; Thomaz lanelli; Tomie Ohtake; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Ubirajara Ribeiro; Valdir Sarubbi; Valeriano

Artistas premiados: Cleber Gouveia, Ivald Granato, Luiz Paulo Baravelli e Maria Tomaselli Cirne Lima

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio Standart, Ogilvy & Mather: Luiz Paulo Baravelli - 01 obra - O homem que calculava, 1983; Prêmio Lojas Marisa: Cleber Gouveia - 01 obra - Símbolos mágicos (da série “”Rituais de magia””), 1983; Prêmio Embaúba: Ivald Granato - 01 obra - Lais e seu foguete, 1983; Prêmio Lojas Brasileiras: Maria Tomaselli - 01 obra - O anjo da colcha, 1983

Patrocínio: Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo

Público visitante: não há registro 21

1984

Data: 27/11/84 a 27/01/85 Edição: 15º Panorama - Arte sobre Papel Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Comissão de arte: Presidente: Aparício Basílio da Silva; Vice-presidentes: José Zaragoza; Pedro Piva- Diretora Técnica: Ilsa Leal Ferreira; Coordenação geral: Vera Lúcia Ória (Valú Òria) e Curador: Alberto Beuttenmuller

Comissão de arte: Alberto Beutenmuller, Aldemir Martins, Álvaro Moya, Glauco Pinto de Moraes, Mora- cy de Moraes, Vera Lúcia Ória

Obras expostas: 142; Artistas: 48

Artistas: Darel Valença Lins; Alcindo Moreira Filho; Aldir Mendes de Souza; Alex Flemming; Amélia Toledo; Ana Alegria; Anico; Antonello; Arlindo Daibert Amaral; Bené Fonteles; Calasans Neto; Carlos Martins; Carlos Wladimirsky; Delano; Diva Elena Buss; Fayga Ostrower; Félix; Fernando Costa Filho; Flávio Ferraz Leme; Frantz; Gil Vicente; Hilal Sami Hilal; Hudinilson Jr.; Italo Cencini; Jacqmont; José Guyer Salles; Léon Ferrari; Lincoln Volpini; Luiz Hermano; Marcelo Grassmann; Marcia Magno; Marcia Rothstein; Marcos Concílio; Maurício Coutinho; Mira Schendel; Nelson Augusto; Nelson Felix; Otávio Roth; Otoni Mesquita; Paulo Bruscky; Paulo Gomes Garcez; Renina Katz; Rubem Grilo; Schwanke; Sergio Rabinovitz; Siegbert Franklin; Ubirajara Ribeiro; Valdir Sarubbi

Artistas premiados: Alcindo Moreira Filho, Carlos Wladimirsky, Renina Katz

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio Companhia Suzano de Papéis e Celulose: Renina Katz - 01 obra - Passagem, 1983; Prêmio MAM: Alcindo Moreira Filho - 01 obra - Construção II, 1984; Prêmio IBM do Brasil: Carlos Wladimirsky - 01 obra - Teorema, 1984.

Patrocínio: Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo

Público visitante: não há registro 22

1985

Data: 12/11/85 a 31/01/86 Edição: 16º Panorama - Formas Tridimensionais Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Aparício Basílio da Silva; Vice-presidentes: Geraldo Abbodanza Neto; Coordenação Ger- al: Vera Lúcia Oria

Comissão de arte: Alberto Beutenmüller, Aparício Basílio da Silva, Biagio Motta, Roberto Bicelli, Stella Teixeira de Barros, Vera Lúcia Oria, Wolfgang Pfeiffer, Zélio Alves Pinto

Obras expostas: 119; Artistas: 50

Artistas: Ada Takagaki Yamaguishi (e Lidia Kinue Sano); Amilcar de Castro; Antônio Poteiro (Antônio Batista de Souza); Ascânio MMM; Caciporé Torres; Caíto; Carlos Alberto Fajardo; Celeida Tostes; Chico Zorzete (e Jorge Bassani); Cleber Lobo Machado; Emanoel Araújo; Enéas Valle; Farnese de Andrade; Fernando Limberger; Fernando Luchesi; Francisco Stockinger; Franz Weissmann; Genilson Soares; Gon- zaga; Haroldo Barroso; Hartwig Burchard; Hisao Ohara; Ivens Machado; Jeanete Musatti; Jorge Bassani; Léon Ferrari; Lídia Kinue Sano (e Ada Takagaki Yamaguishi); Liuba Wolf; Lúcia Fleury; Lucia Porto; Luiz Antonio Rocha; Lygia Pape; Marcello Nitsche; Marco do Valle; Mari Yoshimoto; Maria Guilhermina; Ma- ria Tomaselli Cirne Lima; Mário Cravo Junior; Mário Cravo Neto; Mary Dritschel; Maurício Salgueiro; Mauro Fuke; Megumi Yuasa; Nelson Leirner; Nicolas Vlavianos; Pietrina Checcacci; Roberto Moriconi; Rubem Valentim; Sérgio Camargo; Sérvulo Esmeraldo; Theca Portella; Valquíria Chiarion; Waltércio Cal- das; Yutaka Toyota

Artistas premiados: Genilson Soares, Hisao Ohara, Valquiria Chiarion

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio Secretaria de Estado da Cultura: Valquiria Chiarion - 01 obra - Sem título, 1985; Prêmio Governo do Estado de São Paulo: Hisao Ohara - 01 obra - Pedra torcida, 1985; Prêmio Elebra Informática: Genilson Soares - 01 obra - Aqui entre nós, 1985

Patrocínio: Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo e colaboração da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA)

Público visitante: não há registro 23

1986

Data: 09/12/86 a 31/01/87 Edição: 17º Panorama - Pintura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Aparício Basílio da Silva; Vice-presidentes: Geraldo Abbodanza Neto e Eduardo Moraes Dantas; Coordenação Geral: Vera Lúcia Oria

Comissão de arte: Aparício Basílio da Silva, Arcangelo Ianelli, Biagio Motta, Emanoel Araújo, Maria Ca- mila Duprat, Roberto Bicelli, Stella Teixeira de Barros, Vera Lúcia Ória, Wolfgang Pfeiffer

Obras expostas: 106; Artistas: 43

Artistas: (Dudi) Rafael Maia Rosa; Abelardo Zaluar; Abraham Palatnik; Alcindo Moreira Filho; Aldemir Martins; Amélia Toledo; Antonio Henrique Amaral; Arlindo Daibert Amaral; Cassio Michalany; Celso Re- nato; Charles Watson; Cláudio Kuperman; Daniel Senise; Flávio Shiro; Geraldo de Barros; Glauco Pinto de Moraes; Hermelindo Fiaminghi; Ivald Granato; Ivan Freitas; João Grijó; John Nicholson; José Roberto Aguilar; Kutka; Luís Sacilotto; Luiz Aquila da Rocha Miranda; Luiz Paulo Baravelli; Maciej Antoni Ba- binski; Marcello Nitsche; Marco Túlio Resende; Maria Lídia Magliani; Maurício Nogueira Lima; Paulo Ro- berto Leal; Percival Tirapelli; Rubens Gerchman; Santuza Andrade; Sergio Rabinovitz; Takashi Fukushi- ma; Thomaz lanelli; Tomie Ohtake; Tomoshige Kusuno; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Wega Nery

Artistas premiados: Alcindo Moreira Filho, Abraham Palatinik, Marcelo Nitsche, Tomoshigue Kusuno

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio Morlan S.A: Alcindo Moreira Filho - 01 obra - Poli- matérico II, 1986; Prêmio Indústrias Villares S.A: Tomoshigue Kusuno - 01 obra - Amazonas I, 1985/86; Prêmio Crefisul S.A: Abraham Palatinik - 01 obra - Progressão, 1986; Prêmio Júlio Bogoricin: Marcelo Nitsche - 01 obra - Vermelho cardeal, 1986

Patrocínio: Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo, Banco Crefisul de Investimentos S.A, Funarte (Funcação Nacional de Arte); Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA)

Público visitante: 1.987 pessoas 24

1987

Data: 03/10/87 a 30/11/87 Edição: 18º Panorama - Arte sobre papel Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Aparício Basílio da Silva; Vice-presidentes: Geraldo Abbodanza Neto e Eduardo Moraes Dantas; Coordenação Geral: Denise Mattar

Comissão de arte: Aparício Basilio da Silva, Alexandre Eulálio Pimenta da Cunha, Biagio Motta, Carlos von Schmidt, Emanoel Araújo, Roberto Bicelli, Maria Camila Duprat, Stella Teixeira de Barros, Wolfgang Pfeiffer

Obras expostas: 174; Artistas: 55

Artistas: Adão Pinheiro; Alberto Teixeira; Alcindo Moreira Filho; Alex Cerveny; Amilcar de Castro; Ân- gela Leite; Antonello l’Abbate; Antonio Dias; Arlindo Daibert Amaral; Arriet Chahin; Arthur Luiz Piza; Bené Fonteles; Bia Vasconcellos; Bia Wouk; Carlos Martins; Cildo Oliveira; Cláudio Guimarães; Diva Ele- na Buss; Dorothy Bastos; Ester Grinspun; Evandro Carlos Jardim; Flor Maria Figueirôa; Gerda Brentani; Gilvan Samico; Gregório Gruber; Humberto Borém; Itajahy Martins; Italo Cencini; Ivald Granato; Jair Glass; João Câmara Filho; John Joseph Kozloski; Jordão Machado; José Alberto Nemer; Justino Mari- nho; Luiz Aquila da Rocha Miranda; Maciej Antoni Babinski; Marcelo Grassmann; Maria Bonomi; Maria Lídia Magliani; Maria Tomaselli Cirne Lima; Mário Gruber; Maurício Coutinho; Mira Schendel; Norberto Stori; Orlando Dasilva; Oswaldo Goeldi; Otávio Roth; Patricia Furlong; Paulo Gomes Garcez; Percival Tirapelli; Pinky Wainer; Regina Silveira; Rubens Matuck; Siegbert Franklin; Takashi Fukushima; Thomaz lanelli; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Ubirajara Ribeiro; Valdir Sarubbi; Zivé Giudice

Artistas premiados: Arthur Luiz Piza, Marcelo Grassmann, Maria Bonomi,Takashi Fukushima, Tuneu

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio Wilson Mendes Caldeira Júnior: Maria Bonomi - 02 obras - Plenilúnio, 1987; A ilha, como um navio errante..., 1987; Prêmio Copas: Tuneu - 01 obra - Sem títu- lo, 1987; Prêmio Morlan Metalúrgica Orlandia S.A: Arthur Luiz Piza - 01 obra - Retour, 1987; Prêmio Aço Villares: Marcelo Grassmann - 01 obra - Desenho I, 1987; Prêmio Galeria Documenta: Takashi Fukushima - 01 obra - Metrópole - Noturno, 1987.

Patrocínio: Indústrias Klabin de papel e celulosa S.A; Vera Cruz Seguradora,;Vera Cruz Previdência Privada

Público visitante: não há registro 25

1988

Data: 19/11/88 a 15/01/89 Edição: 19º Panorama - Formas Tridimensionais Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Aparício Basílio da Silva; Vice-presidentes: Geraldo Abbodanza Neto e Eduardo Moraes Dantas; Direção Técnica: Denise Mattar

Comissão de arte: Aparício Basílio da Silva, Biagio Motta, Carlos Von Schmidt, Emanoel Araújo, Maria Alice Miliet, Maria Camila Duprat, Roberto Bicelli, Stella Teixeira de Barros, Wolfgang Pfeiffer

Obras expostas: 113; Artistas: 58

Artistas: Ada Takagaki Yamaguishi (e Lidia Kinue Sano); Amélia Toledo; Ana Maria Tavares; Ângelo Venosa; Augustus Almeida; Bené Fonteles; Caciporé Torres; Caíto – 1985; Celeida Tostes; Cláudio Gui- marães; Cláudio Kuperman; Cleber Lobo Machado; Denise Milan; Edival Ramosa; Ennio Bernardo; Fer- nando Limberger; Francisco Stockinger; Frans Krajcberg; Frida Baranek; Genilson Soares; Gonzaga; Guto Lacaz; Haroldo Barroso; Hipólito Rocha Junior; Hisao Ohara; Jac Leirner; Jacqueline Terpins; Jeanete Musatti; Joaquim Albuquerque Tenreiro; Jorge Barrão; Jorge Bassani; Jorge Luiz dos Anjos; Julio Guer- ra; Lídia Kinue Sano (e Ada Takagaki Yamaguishi); Lilian Amaral (e Jorge Bassani); lole de Freitas; Lúcia Fleury; Luiz Pizarro; Marcello Nitsche; Marco do Valle; Marcos Concílio; Mari Yoshimoto; Maria Tomaselli Cirne Lima; Mauricio Bentes; Mauro Fuke; Megumi Yuasa; Moriconi; Nazareth Pacheco; Nelson Leirner; Nicolas Vlavianos; Osmar Dalio; Paulo Schmidt; Paulo Vasconcellos; Regina Silveira; Ricardo Mattar; Rita Zurita; Roberto Moriconi; Rubem Valentim; Sérvulo Esmeraldo; Theca Portella; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Tunga (Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão); Yutaka Toyota

Artistas premiados: Joaquim Tenreiro, Lidia Sano e Ada Yamaghishi, Mauro Fuke

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio Elebra: Mario Fuke - 01 obra - Sem título, 1988; Prêmio Volskwagen: Joaquim Tenreiro - 01 obra - Coluna, 1988; Prêmio Banco Real: Lidia Sano e Ada Yama- ghishi - 01 obra - Com Sequências, 1988

Patrocínio: Bombril. Apoio cultural: Fink,; Indústrias de papel Simão; Lastro S.A

Público visitante: 1.573 pessoas 26

1989

Data: 14/10/89 a 25/11/89 Edição: 20º Panorama - Pintura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Aparício Basílio da Silva; Vice-presidentes: Geraldo Abbodanza Neto e Eduardo Moraes Dantas; Direção Técnica: Denise Mattar

Comissão de arte: Aparício Basílio da Silva, Berta Sichel, Camila Duprat, Ivo Mesquita, Lisbeth Rebolo Gonçalves, Maria Alice Milliet, Percival Tirapelli, Stella Teixeira de Barros, Wolfgang Pfeiffer

Obras expostas: 113; Artistas: 43

Artistas: Osmar Pinheiro Jr.; (Dudi) Rafael Maia Rosa; Alcindo Moreira Filho; Alex Flemming; Alice Vinagre; Amélia Toledo; Arcanjo lanelli; Arlindo Daibert Amaral; Boi (Jose Carlos Ferreira); Caetano de Almeida; Carlito Carvalhosa; Carmela Gross; Cassio Michalany; Celso Renato; Daniel Senise; Eduardo Eloy; Emmanuel Nassar; Ernesto de Fiori; Felipe Andery; Flávio Shiro; Glauco Pinto de Moraes; Iberê Camargo; Ivald Granato; José Leonilson Bezerra Dias; José Roberto Aguilar; Karin Lambrecht; Katie van Scherpenberg; Leda Catunda; Leticia Faria; Lucia Suanê; Luiz Aquila da Rocha Miranda; Luiz Paulo Ba- ravelli; Maciej Antoni Babinski; Manfredo de Souzanetto; Marcelo Villares; Marco Giannotti; Maria To- maselli Cirne Lima; Mônica Nador; Paulo Pasta; Rossana Guimarães; Rubens Gerchman; Siron Franco; Takashi Fukushima; Thomaz lanelli; Tomie Ohtake; Tuneu (Antonio Carlos Rodrigues); Wesley Duke Lee

Artistas premiados: Arlindo Daibert, Dudi Maia Rosa e Flávio Shiró

Obras premiadas (adquiridas/ doadas):Prêmios Motores MWM Brasil: Arlindo Daibert - 01 obra - Fá- bula, 1989; Dudi Maia Rosa - 01 obra - Sem título, 1989; Flávio Shiró - 01 obra - Memória, 1987.

Patrocínio: Motores MWM Brasil

Público visitante: 3.050 pessoas 27

1990

Data: 24/11/90 a 10/01/91 Edição: 21º Panorama - Papel (desenho, gravura, papel como meio, livro de artista) Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Aparício Basílio da Silva; Vice-presidentes: Geraldo Abbodanza Neto e Eduardo Alfredo Levy Jr. Diretor Técnico: Pieter Thomas Tjabbes

Comissão de arte: Aparício Basílio da Silva, Camila Duprat, Emanoel Araújo, Ivo Mesquita, Lisbeth Re- bolo Gonçalves, Mario Gallo, Percival Tirapelli, Stella Teixeira de Barros, Wolfgang Pfeiffer

Obras expostas: 230; Artistas: 67

Artistas: Alberto Alexandre Martins; Alcindo Moreira Filho; Alex Cerveny; Amador de Carvalho Perez; Amélia Toledo; Ângela Leite; Arlindo Daibert Amaral; Arnaldo Battalhini; Arthur Luiz Piza; Branca de Oliveira; Carlos Martins; Carmela Gross; Célia Euvaldo; Claudio Mubarac; Diana Domingues; Elizabeth Jobim; Ermelindo Nardin; Ester Grinspun; Evandro Carlos Jardim; Fayga Ostrower; Fernanda Gomes; Fernando Limberger; Flávia Ribeiro; Francisco Faria; Gerda Brentani; Henrique Oswald; Hudinilson Jr.; Iran do Espírito Santo; Italo Cencini; Jair Glass; José Guyer Salles; José lgino da Cruz; José Roberto Bar- reto; Laurita Salles; Lourdes Cedran; Lucila Machado Assumpção; Luiz Hermano; Mag Bicalho; Marcelo Villares; Márcio Périgo; Marco Giannotti; Marco Paulo Rolla; Marco Túlio Resende; Milton Machado; Mô- nica Nador; Mônica Sartori; Nelson Leirner; Nina Moraes; Octávio de Araújo; Otávio Roth; Paulo Miran- da; Paulo Monteiro; Paulo Portella Filho; Pinky Wainer; Regina Silveira; Ricardo Homem; Selma Daffré; Sérgio Fingermann; Sérgio Sister; Sonia Moeller; Takashi Fukushima; Ubirajara Ribeiro; Uiara Bartira; Valdir Sarubbi; Vânia Barbosa; Vera Rodrigues; Waltércio Caldas

Artistas premiados: Arnaldo Battalhini, Ester Grinspun, Milton Machado, Nelson Leirner

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmios Credicard: Ester Grinspun - 01 obra - Sem título, 1990; Nelson Leirner - 01 obra - Você faz parte, 1990; Prêmio Crefisul:A rnaldo Battalhini - 01 obra - Sem título (da série “Cosmogonias”), 1990; Milton Machado - 01 obra - Artista. Modelo. Forma. Conteúdo, 1990.

Patrocínio: Credicard S.A; Crefisul

Público visitante: não há registro 28

1991

Data: 17/09/91 a 31/10/91 Edição: 22º Panorama - Tridimensional Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Aparício Basílio da Silva; Vice-presidentes: Geraldo Abbodanza Neto e Eduardo Alfredo Levy Jr.; Diretora Técnica: Camila Duprat

Comissão de arte: Aparício Basílio da Silva, Camila Duprat, Emanoel Araújo, Lisbeth Rebolo Gonçalves, Mario Gallo, Percival Tirapelli, Stella Teixeira de Barros, Wolfgang Pfeiffer

Obras expostas: 84; Artistas: 44

Artistas: Carlos Alberto Fajardo; Edgar Racy; Alcindo Moreira Filho; Ana Maria Tavares; Ângelo Venosa; Annarc Smith; Antonio Lizárraga; Arthur Lescher; Caciporé Torres; Carmela Gross; Celeida Tostes; Cildo Oliveira; Cleber Lobo Machado; Edgard de Souza; Edival Ramosa; Eliane Prolik; Emmanuel Nassar; Er- nesto Neto; Florian Raiss; Frida Baranek; Genilson Soares; Gonzaga; Gustavo Rezende; Guto Lacaz; Irineu Garcia; Jeanete Musatti; John Nicholson; Lia Menna Barreto; lole de Freitas; Marcos Coelho Benjamim; Maria Bueno; Maria Villares; Masumi Tsuchimoto; Mauricio Bentes; Mauro Fuke; Miriam Obino; Naza- reth Pacheco; Nelson Leirner; Osmar Dalio; Paulo Schmidt; Rosana Mariotto; Schwanke; Stela Barbieri; Valeska Soares

Artistas premiados: Ernesto Neto, Osmar Dalio

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio Lojas Marisa/UH Business and Tour: Osmar Dalio - 01 obra - Sem título, 1991; Ernesto Neto - 01 obra - Copulônia, 1989/92.

Patrocínio: Vogue

Público visitante: 1.171 pessoas 29

1993

Data: 27/04/93 a 27/06/93 Edição: 23º Panorama - Pintura Título: Panorama da Arte Atual Brasileira

Presidente: Eduardo A. Levy JR; Vice-presidentes: Geraldo Abbodanza Neto e Rosana Camargo Arru- da Botelho; Diretora Técnica: Maria Alice Milliet

Comissão de arte: Eduardo A. Levy Jr, Gloria C. Motta, Lisbeth Rebolo Gonçalves, Percival Tirapelli, Radha Abramo, Renina Katz, Stella Teixeira de Barros, Vera D’Horta

Obras expostas: 104; Artistas: 40

Artistas: (Dudi) Rafael Maia Rosa; Abraham Palatnik; Adriana Varejão; Aluísio Carvão; Amélia Toledo; Antonio Lizárraga; Athos Bulcão; Boi (Jose Carlos Ferreira); Dulce Osinski; Eduardo Eloy; Emmanuel Nassar; Eudes Mota; Fernando Velloso; Flávia Ribeiro; Geraldo Leão; Hermelindo Fiaminghi; Humberto Espíndola; John Nicholson; José Claudio da Silva; Karin Lambrecht; Leticia Faria; Luciano Pinheiro; Ma- noel Fernandes; Marco Giannotti; Marco Paulo Rolla; Maria Lídia Magliani; Maria Tomaselli Cirne Lima; Mariannita Luzzati; Osmar Pinheiro Jr.; Raul Cordúla Filho; Rinaldo José da Silva; Roberto Lucio; Roberto Tavares; Rubens Gerchman; Rubens Oestroem; Rybas (José Ribamar Silva Nery); Sante Scaldaferri; Sér- gio Fingermann; Tomie Ohtake; W. Bravo

Artistas premiados: Fernando Velloso, Hermelindo Fiaminghi

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio Philips Morris: Hermelindo Fiaminghi - 01 obra - COR- LUZ, 8912, 1993; Prêmio AMAFI Comercial e Construtora Ltda.: Fernando Velloso - 01 obra - Sem título, 1992

Patrocínio: Banespa

Público visitante: não há registro 30

1995

Data: 24/10/95 a 05/01/96 Edição: 24º Panorama Título: Panorama da Arte Brasileira (*o termo “Atual” foi suprimido do título do programa)

Presidente: Milú Villela; Vice-presidentes: Elmira Nogueira Batista, Rosana Camargo Arruda Botelho, Geraldo Abbodanza Beto; Diretora técnica: Cacilda Teixeira da Costa; Curadoria: Ivo Mesquita

Comissão de arte: Cacilda Teixeira da Costa, Carlos Fajardo, Ingrid Olsen Almeida, Ivo Mesquita, Milú Villela, Olivio Tavares, Radha Abramo, Renina Katz

Obras expostas: 96; Artistas: 36

Artistas: Alex Cerveny; Arthur Omar; ; Belizário França; Carina Weidle; Carlos Alber- to Fajardo; Cildo Meireles; Courtney Smith; Cristiano Rennó; Daniel Senise; Eder Santos; Eliane Prolik; Hique Montanari; Jackson Araújo; Jorge Margalho; José Damasceno; José de Moura Resende Filho; José Roberto Torero; Karim Ainouz; Marcelo Gabriel; Mario Ramiro; Mauro Giuntini; Miguel Rio Branco; Paula Trope; Paulo Climachauska; Paulo Morelli; Paulo Whitaker; Rafael França; Roberto Jabor; Rochelle Costi; Rodrigo Andrade; Rubens Mano; Ruth Slinger;

Artistas premiados: Alex Cerveny, Carlos Alberto Fajardo, Eliane Prolik, José Resende, Paula Trope, Rochelle Costi

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Grande Prêmio Price Waterhouse: Carlos Alberto Fajardo - Sem título, 1992; Prêmio Price Waterhouse: José Resende - 01 obra - Sem título, 1994; Alex Cerveny - 01 obra - Excelsior, 1995; Rochelle Costi - 01 obra - Para as dúvidas da mente, 1993; Eliane Prolik - 01 obra - Campânulas, 1995; Paula Trope - Menor, Rafael, Gil Gomes e Marcelinho, 1994.

Patrocínio: Price Waterhouse Apoio Institucional: Prefeitura do Muncípio de São Paulo (Lei 10.923.90)

Público visitante: não há registro

Itinerâncias: Exposição itinerante nacional: Rio de Janeiro - MAM RJ de 6/12/1995 a 21/01/1996 (*pri- meira itinerância registrada do Panorama) 31

1997

Data: 06/11/97 a 21/12/97 Edição: 25º Panorama Título: Panorama da Arte Brasileira

Presidente: Milú Villela; Vice-presidentes: Elmira Nogueira Batista, Geraldo Abbodanza Beto; Curado- ria: Tadeu Chiarelli

Comissão de arte: Cacilda Teixeira da Costa, Carlos Fajardo, Ingrid Olsen Almeida, Ivo Mesquita, Milú Villela, Olivio Tavares, Radha Abramo, Renina Katz

Obras expostas: 132; Artistas: 36

Artistas: Ismael Nery; Alexandre Nóbrega; Brigida Baltar; Carlos Zílio; Claudio Mubarac; Cristina Sal- gado; Deborah Paiva; Del Pilar Sallum; Edgard de Souza; Elder Rocha Lima Filho; Elias Muradi; Elisabete Savioli; Fábio Miguez; Fernando Lindote; Herbert Rolim; Hilal Sami Hilal; Iran do Espírito Santo; José Rufino; Kelia Alaver; lolanda Gollo Mazzotti; Mário Cravo Neto; Marta Strambi; Mônica Rubinho; Nazare- th Pacheco; Paulo Buennos; Paulo Cesar Pereira; Paulo Pasta; Pedro Augusto; Rogério Ghomes; Rosana Monnerat; Rosana Paulino; Rosângela Rennó; Santiago Veras Cañizares; Sonia Labouriau; Vera Chaves Barcellos; Waltércio Caldas

Artistas premiados: Edgard de Souza,Iran do Espirito Santo, Mario Cravo Neto, Nazareth Pacheco, Pau- lo Buennos, Paulo César Pereira, Paulo Pasta, Rosana Paulino, Tunga, Vera Chaves Barcellos.

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Prêmio MSM-SP 50 anos: Tunga - 03 obras - Sem título, 1997; Sem título, 1997; Sem título, 1997; Prêmio Embratel: Edgard de Souza - 01 obra - Sem título, 1997; Iran do Espírito Santo - 01 obra - Restante, 1997; Vera Chaves Barcellos - 01 obra - O que restou da passagem do anjo, 1997; Prêmio VASP: Paulo César Pereira - 01 obra - Sem título, 1996; Prêmio-Estímulo Embratel: Rosana Paulino - 01 obra - Sem título, 1997; Paulo Buennos - 01 obra - “Dis-placement”, 1996/97; Grande Prêmio Price Waterhouse: Paulo Pasta - 03 obras - Sem título, 1997; Sem título, 1997; Sem título, 1997; Ma- rio Cravo Neto - 07 obras - Carlinhos Brown como Exu, 1996; Pedras, 1997; Negrisu, 1997; Planta; 1997; Junko Kovashima, 1994; Lua Diana, 1997; Timbalada, 1997; Grande Prêmio Embratel: Nazareth Pacheco - 04 obras - Sem título, 1997.

Patrocínio: Ministério da Cultura/ Lei Rouanet; Embratel; Price Waterhouse; VASP

Público visitante: não há registro

Itinerâncias: “Exposição itinerante nacional: Niterói - MAC - Niterói - 02/02/1998 a 15/03/1998 e Sal- vador - MAM - Bahia - de 03/04/1998 a 17/05/1998” 32

1999

Data: 22/10/99 a 19/12/99 Edição: 26º Panorama Título: Panorama da Arte Brasileira

Presidente: Milú Villela; Vice-presidente: Geraldo Abbodanza Beto; Curadoria: Tadeu Chiarelli

Comissão de arte: *neste ano a Comissão de arte foi extinta, vindo a ser substituída em 2002 pelo Conselho Consultivo de Artes Plásticas

Obras expostas: 152; Artistas: 40

Artistas: Albano Afonso; Alex Cabral; Alfredo Volpi; Amilcar Packer; Ana Maria Tavares; Caetano de Almeida; Chico Amaral; Christine Liu; Daniel Acosta; Daniela Goulart; Domitília Coelho; Edouard Frai- pont; Enrica Bernardelli; Fabiano Gonper; Fabio Noronha; Gustavo Rezende; Jac Leirner; José de Moura Resende Filho; José Guedes; Marcela Hara; Marcelo Coutinho; Marcelo Solá; Michel Groissman; Mônica Nador; Nazareth Pacheco; Nelson Leirner; Oriana Duarte; Patricia Furlong; Paula Trope; Paulo Clima- chauska; Ricardo Basbaum; Ricardo Carioba; Rubens Azevedo; Sebastian Argüello; Sérgio Sister; Teresa Viana; Vania Mignone; Vilma Sonaglio; Yftah Peled

Artistas premiados: Chico Amaral, Jac Leirner, Nelson Leirner e Sérgio Sister

Obras premiadas (adquiridas/ doadas): Aquisição Panorama Deutsche Bank: Chico Amaral - 01 obra - Jogo dos sete erros - proposta 1, 1999; Jac Leiner - 01 obra - Sem título, 1999; Nelson Leirner - 02 obras - da série Construtivismo Rural, 1999; Sergio Sister - 01 obra - Sem título, 1999.

Patrocínio: Ministério da Cultura/ Lei Rouanet; Deutsche Bank

Público visitante: 15.119 pessoas

Itinerâncias: Exposição itinerante nacional: Niterói - MAC de 12 de janeiro a 12 de março de 2000 e Fortaleza - Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (data não localizada) 33

2001

Data: 26/10/01 a 06/01/02 Edição: 27º Panorama Título: Sem título

Presidente: Milú Vilela

Curador: Paulo Reis, Ricardo Resende e Ricardo Basbaum

Obras expostas: 80; Artistas: 64

Artistas: Adriana Boff, Adriano Melhen, Alexandre Vogler, Ana Paula Cardoso, André do Amaral, Ar- thur Leandro, Artur Barrio, Barrão, Bárbara Nunes, Betina Frichmann, Bruno Lins, Cao Guimarães, Carina Weidle, Carla Zaccagnini, Chelpa Ferro, Claiton Dornelles, Clara Zúñiga, Cláudia Leão, Ducha, Edson Barrus, Eduardo Aquino, Eduardo Coimbra, Felipe Barbosa, Fernanda Magalhães, Floriano Romano, Ge- raldo Marcolini, Gilberto Mariotti, Guga, Iran do Espírito Santo, Ismael , Janaina Tschäpe, Jarbas Lopes, João Ferraz, Juliana Angeli, Karen Shanski, Laura Lima, Leonardo Tepedino, Lia Menna Barreto, Lina Kim , Luis Andrade Lúcia Koch, Marcelo Coutinho, Marcos Abreu, Marcos Chaves, Marepe, Mario Ramiro, Marta Neves, Márcia X, Mônica Nador, Oriana Duarte, Paulo Bruscky, Paulo Meira, Raquel Gar- belotti, Raul Mourão, Ricardo Jaeger, Rivane Neuenschwander, Ronald Duarte, Roosivelt Pinheiro, Rosa- na Paulino, Rosana Ricalde, Rubens Mano, Tatiana Grinberg, Tiago Rivaldo, Valdirlei Dias Nunes.

Obras adquiridas/ doadas: (*a partir deste ano não haverá mais premiação oficial, apenas a aqui- sição de obras pelo Museu) 8 obras adquiridas: ESPÍRITO SANTO, IRAN DO - Ato único I (da série: Ato único) – 2001; ESPÍRITO SANTO, IRAN DO - Ato único II (da série: Ato único) – 2001; ESPÍRITO SANTO, IRAN DO - Ato único III (da série: Ato único) – 2001; ESPÍRITO SANTO, IRAN DO - Ato único IV (da série: Ato único) -2001; ESPÍRITO SANTO, IRAN DO - Ato único V (da série: Ato único) – 2001; GUIMARÃES, CAO - Histórias do não ver – 2001; MANO, RUBENS - Sem título – 2000; MANO, RU- BENS – Fundo - 1997

Projeto museográfico: Ricardo Resende

Valor total da exposição: R$ 475.503,19

Patrocínio: Ministério da Cultura/ Lei Rouanet; Price Waterhouse Coopers

Público visitante: não há registro

Itinerâncias: Exposição Itinerante Nacional: Rio de Janeiro - MAM/RJ - 22/01 a 20/03/2002; Salvador - MAM/Bahia - 13/04 a 19/05/2002 34

2003

Data: 16/10/03 a 30/11/03 Edição: 28º Panorama Título: Panorama da Arte Brasileira 2003 (desarrumado) 19 desarranjos

Presidente: Milú Vilela

Conselho consultivo de artes plásticas: Maria Alice Milliet, Felipe Chaimovich e Tadeu Chiarelli, com a coordenação de Rejane Cintrão, como curadora-executiva (entre 2002 e 2004)

Curador: Gerardo Moschera, Assistente de Curadoria: Adrienne Samos

Obras expostas: 66; Artistas: 21

Artistas: Adriana Varejão, Adriano Guimarães , Alex Villar, Cildo Meireles, Ernesto Neto, Fernanda Go- mes, Fernando Guimarães, Jailton Moreira, Jorge Macchi, José Damasceno, José Guedes, José Patrício, Kan Xuan, Leonilson, Lucas Levitan, Marcone Moreira, Paulo Climachauska, Sara Ramo, Umberto Costa Barros, Vik Muniz, Wim Delvoye.

Obras adquiridas/ doadas: Segundo acervo do MAM, não houve obras adquiridas/doadas nesta edição

Projeto museográfico: Pedro Mendes da Rocha

Valor total da exposição: R$ 471.191,68

Patrocínio: Diretoria e Conselho do MAM SP; Apoio Institucional: Ministério da Cultura/ Lei Rouanet; Prefeitura Municipal de São Paulo/ Secretaria Municipal da Cultura (lei nº 10923) ; Imprensa Oficial / Patrocínio do catálogo: Ripasa

Público visitante: não há registro

Itinerâncias: Exposição Itinerante Nacional: Rio de Janeiro - Paço Imperial - 16/12/2003 a 15/02/2004; Recife - Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães-MAMAM - 11/03 a 03/05/2004 / Exposição Iti- nerante Internacional: Vigo - Espanha - MARCO - Museu de Arte Contemporânea de Vigo - 21/01 a 8/05/2005; Bogotá - Colômbia - Museu de Arte del Banco de la República - 5/11 e 9/02/2009 35

2005

Data: 29/10/05 a 08/01/06 Edição: 29º Panorama Título: Entre Gritando: Eu sei o que é arte contemporânea e ganhe 1 real de desconto na entrada do MAM.

Presidente: Milú Vilela

Conselho consultivo de artes plásticas: Felipe Chaimovich, Eduardo Salomão Neto, Orandi Momesso (Rejane Cintrão-Curadora Executiva em 2005 e Andrés Martín Hernandez como coordenador executivo em 2006)

Curador: Felipe Chaimovich

Obras expostas: 50; Artistas: 52

Artistas: Caetano de Almeida, Caetano Dias, Carlos Pasquetti, Chiara Banfi, Cristiano Rennó, Daniel Se- nise, Diego Belda, Eder Santos, Elder Rocha Filho, Eli Sudbrack, Elida Tessler, Fabiano Gonper, Fernando Lindote, Francisco Almeida, Franklin Cassaro, Gilvan Samico, Grupo EmpreZa, Herbert Baglione, Jail- ton Moreira, João Loureiro, José Bechara, José Bento, José Patrício, Julia Amaral, Júlio Ghiorzi, Kboco, Luciano Mariussi, Luiz Sôlha, Mabe Bethônico, Marcelo do Campo, Marco Paulo Rolla, Marilá Dardot, Mauro Restiffe, Mário Simões, Mestre Didi, Miguel Chikaoka, Nuno Ramos, Paulagabriela, Paulo Bruscky, Paulo Meira, Pazé, Pitágoras, Raquel Stolf, Roberto Bethônico, Rodrigo Andrade, Rosângela Rennó, Tony Camargo, Valdirlei Dias Nunes, Walda Marques, Walmor Corrêa, Yiftah Peled, Zé Antonio Lacerda

Obras adquiridas/ doadas: 13 obras adquiridas: ALMEIDA, CAETANO DE - Da Bauhaus ao nosso lar – 2005; ANDRADE, RODRIGO - Sala das preocupações – 2005; BETHÔNICO, ROBERTO - Sem título – 2002; BRUSCKY, PAULO - Expediente: primeira proposta para o XXXI Salão Oficial de Arte do Mu- seu do Estado de Pernambuco -1978/05; CAMPO, MARCELO DE - Ambiência 2 - 1971/01; CASSARO, FRANKLIN - Desenho mordido série ouro (Abiogênese) -2005; LOUREIRO, JOÃO - Quarto dos troncos -2005; PAZÉ – Transeunte -2001; PELED, YIFTAH - Projeto Fórum Social Mundial – 2003; PITÁGO- RAS - Sem título – 2005; PITÁGORAS - Sem título – 2005; PITÁGORAS - Sem título – 2005; RESTIFFE, MAURO - Empossamento #2 – 2003 / 5 obras doadas: AMARAL, JULIA - Pedras-grito – 2002; AMA- RAL, JULIA - Pedras-grito – 2002; CAMARGO, TONY - Grampo de Antonio KA - 2003/05; MAR- QUES, WALDA - A iludida; ; SÔLHA, LUIZ - “Cerulean blue” – 2004.

Projeto museográfico: Daniela Thomas e Felipe Tassara

Valor total da exposição: R$ 554.147,00

Patrocínio: Bradesco Prime; Ministério da Cultura. Apoio Cultural: EDP - Energias do Brasil

Público visitante: 29.800 pessoas

Itinerâncias: não houve 36

2007

Data: 20 /10/07 a 06/01/08 Edição: 30º Panorama Título: Contraditório

Presidente: Milú Vilela

Conselho consultivo de artes plásticas: Felipe Chaimovich (curador); Annateresa Fabris, Lisette Lag- nado, Luiz Camillo Ozorio

Curador: Moacir dos Anjos

Obras expostas: 37; Artistas: 26

Artistas: Barrão, Brígida Baltar, Cao Guimarães, Cinthia Marcelle, Débora Bolsoni, Delson Uchoa, Efrain Almeida, Gabriel Acevedo Velarde, Gil Vicente, João Modé, Laura Belém, Laura Lima, Luiz Braga, Lúcia Koch, Marcellvs L., Marcelo Silveira, Marcius Galan, Marilá Dardot, Martinho Patrício, Matheus Rocha Pitta, Milton Marques, Pablo Lobato, Rivane Neuenschwander, Rogério Canella, Vânia Mignone, Waléria Américo

Obras adquiridas/ doadas: 5 obras adquiridas: DARDOT, MARILÁ - Terceira margem – 2007; KOCH, LUCIA / VELARDE, GABRIEU ACEVEDO - Olinda - Celeste - 2005; LIMA, LAURA - Palhaço com bu- zina reta - monte de irônicos -2007; MODÉ, JOÃO – Solos -2005-06 / 2 obras doadas: BRAGA, LUIZ – Atalaia -2007; BRAGA, LUIZ – Benevides -2007; PATRÍCIO, MARTINHO – Expansão – 2007

Projeto museográfico: Marta Bogéa

Valor total da exposição: R$ 527.000,00

Patrocínio: Telefônica Apoio Cultural: Ministério da Cultura/ Lei Rouanet; Programa de Ação Cultural/ Secretaria de Estado da Cultura; Campanha: DPZ

Público visitante: 36.395 pessoas

Itinerâncias: Exposição Itinerante Internacional: Madrí - Espanha - Alcalá 31 - 15/02 a 23/03/2008. 37

2009

Data: 03/10/09 a 2/12/09 Edição: 31º Panorama Título: “Mamõyguara opa mamõ pupé”

Presidente: Milú Vilela

Conselho consultivo de artes plásticas: Felipe Chaimovich (curador), Annateresa Fabris, Luisa Duarte, Lauro Cavalcanti

Curador: Adriano Pedrosa

Obras expostas: 82; Artistas: 34 (incluindo artistas que participam de coletivos e trabalhos em grupo)

Artistas: Adrián Villar Rojas, Alessandro Balteo Yazbeck, Armando Andrade Tudela, Carlos Garaicoa, Cerith Wyn Evans, Claire Fontaine (formado James Tennant Thornhill e Fulvia Carnevale), Damián Or- tega, Franz Ackermann, Gabriel Sierra, Jennifer Allora & Guillermo Calzadilla, Jorge Macchi, José Dá- vila, Juan Araujo, Juan Pérez Agirregoikoa, Julião Sarmento, Luisa Lambri, Marjetica Potrc, Mateo Ló- pez, Mauricio Lupini, Nicolás Guagnini (com participação de Nicolás Robbio,, Carla Zaccagnini, Pablo Siquier e Valdirlei Dias Nunes), Pedro Reyes, Runo Lagomarsino, Sandra Gamarra, Sean Snyder, Simon Evans, Superflex, Tamar Guimarães, Tove Storch.

Obras adquiridas/ doadas: 7 obras doadas: AGIRREGOIKOA, JUAN PÉREZ - “Futbol my religion” -2009; AGIRREGOIKOA, JUAN PÉREZ - Bispo - 2009; BALTEO YAZBECK, ALESSANDRO/ESPINO- ZA,E. - Retratos enredados, 1972-2009 - 1972/09; GUAGNINI, NICOLÁS - Máquina curatorial – 2009; LUPINI, MAURICIO - “Repeat after reading (bim bom)” -2006; LUPINI, MAURICIO -”Repeat after rea- ding (diba duda)” -2006; LUPINI, MAURICIO -”Repeat after reading (bada didi)” -2006

Projeto museográfico: Rodrigo Cerviño

Valor total da exposição: R$ 822.977,00

Patrocínio: Credit Suisse; Apoio cultural: PricewaterhouseCoopers/ Apoio institucional: Bradesco, Itaú, Gerdau, Santander, Fundação Telefônica e Residência Artística FAAP., Incentivo: Prefeitura de São Paulo, Ministério da Cultura/ Lei Rouanet

Público visitante: 22.071 pessoas

Itinerâncias: não houve 38

2011

Data: 15/10/11 a 18/12/11 Edição: 32º Panorama Título: Itinerários, itinerâncias

Presidente: Milú Vilela

Conselho consultivo de artes plásticas: Felipe Chaimovich (curador), Annateresa Fabris, Luisa Duarte, Lauro Cavalcanti,

Curador: Cauê Alves e Cristiana Tejo

Obras expostas: 99 Artistas: 44

Artistas: Alberto Bitar, Amanda Melo, André Severo r Maria Helena Bernardes, Artificial + Lucia Koch, Ateliê Aberto, Igor Vidor, Breno Silva e Louise Ganz, Bruno Faria, Cadu, Capacete, Chiara Banfi e Kassin, Cildo Meireles, Deltanico Lain, Ducha, Gaio Matos, GIA/ Grupo de Interferência Ambiental, Héctor Za- mora, Jailton Moreira, Jarbas Lopes, Jonathas de Andrade, Jorge Menna Barreto, Letícia Cardoso, Lou- rival Cuquinha, Lucia Laguna, Marcelo Coutinho, Marcos Paulo Rolla, Nicolás Robbio, Oriana Duarte, Pablo Lobato, Paula Sampaio, Pedro Motta, Raphaël Grisey, Raquel Garbelotti, Ricardo Basbaum, Rodrigo Bivar, Rodrigo Matheus, Romano, Sara Ramo, Virginia de Medeiros e Wagner Malta Tavares.

Obras adquiridas/ doadas: 3 obras adquiridas: BARRETO, JORGE MENNA - Café Educativo - 2007/14; MOTTA, PEDRO - Arquipélago # 2 - 2008/11; MOTTA, PEDRO - Arquipélago # 2 - 2008/11 / 01 obra doada: MOTTA, PEDRO - Arquipélago # 2 - 2008/11

Projeto museográfico: Marta Bogéa

Valor total da exposição: R$ 859.738,00

Patrocínio: Banco Bradesco, Banco Itaú, Fundação Telefônica, Gerdau e Santander

Público visitante: 19.934 pessoas

Itinerâncias: não houve 39

2013

Data: 05/10/13 a 15/12/13 Edição: 33º Panorama Título: P33 Formas Únicas da Continuidade no Espaço

Presidente: Milú Vilela

Conselho consultivo de artes plásticas: Felipe Chaimovich (curador), Aracy Amaral, Lauro Cavalcanti, Luisa Duarte, Miguel Chaia

Curador: Lisette Lagnado, curadoria adjunta Ana Maia

Obras expostas: 151 Artistas: 34

Artistas: Affonso E. Reidy, Andrade e Morettin, Arto Lindsay, Bárbara Wagner e Benjamin de Búrca, Beto Shwafaty, Clara Ianni, Daniel Steegmann Mangrané, Deyson Gilbert, Dominique Gonzalez-Foerster, (com Sérgio Bernardes e Décio Pignatari), Frederico Herrero, Fernanda Gomes e Pat Kilgore, Francisco du Bo- cage, Grupo SP, , Marcel Gauthérot, Mauro Restiffe, Michel Aertsens, Montez Magno, , Pablo León de la Barra (em colaboração com Leandro Nerefuh e Yona Friedman), Pablo Uribe, Per Húttner (com Öyvind Fahlström e Mira Schendel), Philippe Rahm, Porfírio Valladares, SPBR, SUBdV, Tacoa, Usina, Citor Cesar, Vivian Caccuri, Y- Arquitectura (com Ferreira Gullar), Yuri Firmeza e Amanda Melo da Mota.

Obras adquiridas/ doadas: 01 obra adquirida: MANGRANÉ, DANIEL STEEGMANN - (-) - 2013 / 02 obras doadas: RESTIFFE, MAURO - Oscar#20b - 2012; HÜTTNER, PER - Dark Light - the Schendel Fahlström Institute for Research -2013

Projeto museográfico:Álvaro Razuk, Isa Gebara, Marcela Verdo, Ricardo Amado

Valor total da exposição: R$ 728.729,00

Patrocínio: Doações de sócios e parceiros do Núcleo Contemporâneo do MAM - valor arrecadado: R$492.648,79 / Apoio: Fundação Suíça para a cultura - Prohelvetia / Realização: Ministério da Cultura

Público visitante: 41.828 pessoas

Itinerâncias: não houve 40

2015

Data: 03/10/15 a 13/12/15 Edição: 34º Panorama Título: Da pedra Da terra Daqui

Presidente: Milú Vilela

Conselho consultivo de artes plásticas: Felipe Chaimovich (curador), Adriano Pedrosa, (uma reunião em 06, junho, 2014) Aracy Amaral, Fernando Oliva, (junho a novembro, 2014), Luisa Duarte (até abril, 2014), Miguel Chaia (até maio,2014), Paulo Venâncio Filho (início em outubro,2014); em 2015 Felipe Chaimovich (curador), Aracy Amaral, Paulo Venâncio Filho, Tobi Maier (início maio, 2015),. Desde 2016 Felipe Chaimovich (curador), Ana Maria Maia, Marcos Moraes, Paulo Venancio Filho

Curador: Aracy Amaral, curadoria adjunta Paulo Miyada

Obras expostas: 49 obras contemporâneas e 89 zóolitos; Artistas *contemporâneos: 6

Artistas: Berna Reale, Cao Guimarães, Cildo Meireles, Erika Verzutti, Miguel Rio Branco, Pitágoras Lopes

Obras adquiridas/ doadas: 01 obra adquirida: FRAIPONT, EDOUARD E MEIRELES, CILDO - Obra em processo de catalogação - Mutações geográficas: fronteira vertical -1969/2015

Projeto museográfico: Álvaro Razuk, Isa Gebara, Marcela Verdo, Ricardo Amado

Valor total da exposição: R$ 832.255,00

Patrocínio: Doações de sócios e parceiros do Núcleo Contemporâneo do MAM - valor arrecadado: R$401.800,00 Apoio: Cult Arte e Comunicação, Governo do Estado de São Paulo, Meliá Ibirapuera Rea- lização: Ministério da Cultura

Público visitante: 38.851 pessoas

Itinerâncias: não houve 41 42 43

Textos curatoriais das edições do Panorama de 1995 a 2015

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PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 1995

MESQUITA, Ivo. “Panorama da Arte Brasileira”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 1995. São Paulo: MAM, 1995, p. 12-18.

Panorama da Arte Brasileira

As mudanças políticas e econômicas e as conseqüentes agudizações das crises sociais no Brasil dos últimos dez anos colocam-nos enquanto uma sociedade fundada pelo projeto colonial e, portanto, dependente diante das mesmas perspectivas não tão otimistas do fim do milênio para o resto do mundo. Estamos “irmanados" com eles, às vezes, involuntariamente, diante dos avanços tecnológicos, do excesso de informação, da globalização da cultura urbana e da interdependência do capital e do mercado que se transnacionalizaram. Centro, periferia, multicultural, transcultural ou regional pouco importa. O fato é que, em todos os lugares, a ideia de modernidade sonhada através da realização no tempo do projeto de uma sociedade livre é justa sob o predomínio da racionalidade, ainda que hoje, mais alargada, assemelha-se cada vez mais a uma promessa sempre postergada. Fim do século, duvidamos do futuro, vivemos sem a confiança de que alcançaremos realizar aquele projeto extraviado e sem alternativas. A perspectiva de um novo século, de um novo desconhecido, produz a sensação de que estamos prestes a chegar ao fim, pela impossibilidade de concretizar uma experiência moderna. Diante desse horizonte aberto e incógnito, que lugar pode pretender a Arte?

“A arte, precisamente, arrasta desde o século passado a questão da sua morte, do seu termo. E, como a dimensão temporal constitui um dos seus componentes essenciais, a vertigem destes anos acelerados e sem rumo reforça os sentimentos de estancamento e perda. A imagem da sua dissolução definitiva”1.

1 José JIMENEZ, “A dissolução do futuro”, in catálogo Depois de Amanhã, Lisboa, Centro Cultural de Belém, 1994, pp.19.

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Se o que genericamente poderíamos chamar de classicismo na arte ocidental, ou seja, do Renascimento até o Romantismo, situava o fazer artístico para além da fugacidade do tempo real, conferindo aos objetos produzidos um caráter transcendente, espiritualizado, através do belo aprisionado, o aparecimento do modernismo e das vanguardas propunha a integração da arte com a vida e a rejeição ao passado. A arte do nosso século tomou a velocidade, a dinâmica como constitutivas do seu caráter: a criação de uma linguagem inovadora colocava-a como uma prática voltada para o progresso da humanidade e decretava, diante das conquistas da técnica (sobretudo do olho mecânico da fotografia), o fim da mimese, da representação clássica, procurando eternizar não o dinamismo do mundo mas a sensação dinâmica do gesto criador. A arte assume a sua especificidade como Iinguagem, e as ideias de inovação e ruptura passam a ser o centro da atividade artística, configurando uma linha ascencional e um processo evolutivo para ela.

Mas, a primeira grande ruptura neste processo da arte moderna dá-se com o aparecimento da Pop Art, que surge no momento em que se consolida a existência de uma sociedade de massas, abrindo uma transitividade entre a arte e o desenho industrial, a publicidade e os meios de comunicação de massa. “O universo da representação artística, impregnado, desde a sua constituição no Renascimento de um halo sagrado, tornou-se definitiva e irreversivelmente, laico. E o sonho vanguardista de umn mundo novo é substituído pela certeza do seu próprio reflexo“2. A arte, dessacralizada, deixa de propor alternativas e passa a operar no desencanto do mundo. Os processos de reprodução e divulgação massiva das imagens acentuam o seu esvaziamento, apropriando-se dos seus processos e resultados para estetizar a vida e estilizar a existência. Ainda que a Pop Art tenha justamente individualizado as imagens da cultura de massa, resgatando-as do fluxo corrosivo do tempo, uma nova ordem do mundo, um novo timing e o uso maciço das imagens, impôs a elas uma dimensão antropológica e cultural, não afeita exclusivamente a arte. É a quebra final dos projetos totalizantes de emancipação pensados a partir de uma perspectiva do tempo linear.

Vivemos um tempo onde tudo é permitido na manipulação das imagens. Apropriação, condensação, reiteração, citação, reprodução, veiculação das imagens

2 Idem, pp.23. 47 significam também, urna quebra do tempo. A imagem do telejornal, por exemplo, pode ser congelada, repetida infinitas vezes, revertida no seu fluxo, indo para frente e para trás, encurtando, dilatando o acontecimento até torná-lo vazio e banal. “A percepção cultural do tempo dissolve-se na fragmentação, numa nova porosidade. Os tempos tornam-se obscuros confundindo-se ainda mais: sobrepõem-se e interpenetram-se"3. O tempo faz-se circular. Ao artista, portanto, não se coloca mais a questão da vanguarda ou tradição, mas apenas o compromisso com a sensibilidade temporal, com a operação criativa e crítica das imagens e da representação: seja liberando as formas do seu uso puramente comunicativo através do rompimento ou cruzamento das diversas linguagens; seja sublinhando a individualidade diante do anonimato e indiferenciação da cultura de massa na sociedade contemporânea. Sob a égide da pós-modernidade não há discurso privilegiado na cultura. O que há é a maior ou menor densidade dos discursos.

Organizar uma exposição que pretenda desenhar um panorama da arte brasileira hoje não significa, necessariamente, apontar tendências, anunciar futuros, mas sim tomar a diversidade como critério de escolha e seleção de artistas e obras, de modo a realizar um recorte da produção de artes plásticas na pluralidade cultural em que vive o país. Antes de definir a mostra por um tema ou proceder a um mapeamento do Brasil artístico contemporâneo, buscou-se definir uma estratégia curatorial capaz de dar conta desta diversidade manifesta nas linguagens que trabalham a visualidade, propondo o grupamento de produções que, de alguma maneira, contenham um espírito do tempo presente. Mais que empreender uma cartografia da produção artística, a exposição pretende fornecer uma bússola, a partir da qual o visitante poderá traçar seus próprios caminhos para pensar a arte brasileira hoje.

Antes de mais nada, o desenho de um panorama assume o lugar do curador como ponto fixo de onde se observa a cena. A curadoria, no entanto, procura preservar a mobilidade dos trabalhos, tornando-os visíveis na integridade dos significantes de que eles se constituem. Sem determinar um modo de abordar o território definido pela arte brasileira, propõe a possibilidade de que a exposição seja ela mesma um território de descobertas e surpresas, sem uma direção única a ser seguida. A curadoria assume a

3 Idem, pp.24.

48 defesa irrestrita da experiência do olhar como meio de abordagem do mundo: um olhar interior, de reflexão, pesquisa e buscando conhecimento. Porque, como assinalou Peter Burger4, cada obra de arte estabelece ela mesma o critério crítico pela qual ela deve ser analisada. Este não lhe pode ser imposto a partir de um ponto de vista exterior pois, ao contrário, lhe é intrínseco.

A exposição reúne um conjunto de produções que levanta aquelas questões colocadas como premência, com mais ou menos densidade, para as artes visuais, reconhecendo, entretanto, a pluralidade das diferenças e a não hierarquização das linguagens. A produção artística tem trabalhado por deslocamentos, reiteração e ruptura dos repertórios e regras que constituem a sua prática conforme as circunstâncias criativas ou os contextos onde emergem as produções. A estratégia da curadoria demarca o território da visualidade hoje como um espaço onde se opera menos por evolução ou progresso, conforme o proposto pela modernidade, mas por aprofundamento e radicalização para dar a ver outras possibilidades, levantar outros ângulos. Aprofundamento quando está em questão a utilização de suportes expressivos aparentemente esgotados, mas que nem por isso deixam de se constituir em corpo artístico, a partir do qual se podem levantar problemas estéticos e plásticos sempre presentes, pois pertencem à tradição da arte. Radicalização quando se tensiona a linguagem até o seu limite, quer plástico ou comunicativo, inserindo conteúdos de caráter social ou antropológico que suspendem as possibilidades de julgamento segundo os padrões da tradição artística

Desta forma, no espaço do museu, as obras escolhidas são os agentes que construirão o panorama da arte brasileira em 1995, o meu panorama, instaurando um campo interrogante, que provoque o visitante para encontrar sua interpretação. A curadoria assume a visualidade como a melhor forma de comunicação e rejeita para ela o papel de orientadora na interpretação dos trabalhos selecionados. Daí não haver na exposição nenhuma organização ou agrupamento dos trabalhos por técnica, tema ou analogia. Pinturas, esculturas, desenhos, quase gravuras, teatro, filmes e vídeos, são colocados à deriva no espaço, deixados por sua conta e risco. O projeto aposta na presença das obras como presentificação de realidades. A presentificação como

4 Peter BURGER, Teoria de la Vanguardia, Barcelona, Península, 1987.

49 estatuto contemporâneo da arte, evidenciando, deste modo, esta espécie de lugar nenhum, de lugar entre, de indecisão interior inerente à própria linguagem artística. Porque o que está em jogo, oferecendo-se para o debate é, antes de tudo, a própria curadoria, o relato que ela constrói, e o sentido de sua prática institucionalizada na contemporaneidade. E ela só pode ser entendida a partir da explicitação das escolhas das minhas escolhas, que serve não para orientar ou dirigir o espectador, tampouco para constituir uma hermenêutica da curadoria, mas sim para acirrar o grau de arbitrariedade que rege o território da arte contemporânea e a construção de discursos sobre ele, confundindo e despistando qualquer possibilidade de uma única verdade sobre a arte que se produz hoje no Brasil.

A escolha dos artistas e dos trabalhos para a exposição deu-se a partir do impacto de uma apresentação do espetáculo O Livro de Jó. O texto bíblico adaptado e transformado em visualidade resultou numa das mais bem sucedidas instalações, um site specific work, já feitas no país. Apropriando-se do ambiente imantado de significados, carregado de memórias de um hospital, o trabalho constrói uma metáfora sobre a condição da existência humana, sublinhando angústias contemporâneas. Abandonando o palco tradicional e recorrendo a uma relação interativa com o público, a mis- en-scène utiliza apenas equipamentos hospitalares. Não há nenhuma parafernália teatral. A manipulação dos equipamentos e materiais próprios do lugar é feita a partir de claras referências às artes visuais, que apoiam a construção da narrativa. Estão ali memórias de Boltanski, Annete Lemieux, Sol Lewitt, Richard Serra, Cildo Meireles, Damien Hirst, Arnulf Rainer. O que se vê é o que deixou de ser puro teatro, transita pelas artes visuais e se arma como encenação espetacular da arte e da vida. Transitividade, deslocamento, apropriação, hibridização, espetáculo são as marcas mesmas da vida cultural contemporânea.

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PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 1997

CHIARELLI, Tadeu. “Panorama 97. A experiência do artista como parâmetro”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 1997. São Paulo: MAM, 1997, p. 12-14.

Panorama 97: A Experiência do Artista como Parâmetro

A organização de um PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA, nos dias de hoje, impõe questões muito intrincadas para qualquer profissional que por ela se responsabilize.

A primeira delas diz respeito à noção de onipresença implícita em uma exposição desse tipo: não seria um fator de simples e até patética prepotência querer traçar um “panorama” das artes visuais do país nos últimos dois anos, sendo o Brasil, hoje em dia, uma das nações mais profícuas no setor das artes visuais?

Obviamente, qualquer tentativa nesse sentido resultará em uma operação tendente à falência de seu propósito: nenhuma exposição, por maior que seja, dará conta da complexidade e das inumeráveis possibilidades criativas que as artes visuais brasileiras apresentam hoje aos olhos dos públicos local e internacional.

Foi pensando, então, sobre a impossibilidade de se levar a bom termo um PANORAMA que desse conta de toda a riqueza e complexidade da arte brasileira atual que se optou por convidar artistas cujas obras, de alguma maneira, atestassem, de modo mais contundente, os dilemas que o sujeito contemporâneo vivência hoje, cercado por todas as circunstâncias negativas que caracterizam este final de século e milênio.

Elemento integrante dessa situação caótica, uma parcela muito significativa da melhor produção artística da atualidade parece oscilar entre um desejo de afirmação obsessivo de singularidade do artista - tanto pelo resgate de elementos vindos da memória individual e coletiva, quanto pela recorrência de registros de vivências específicas, nas quais o elemento memorialista igualmente não está descartado. 51

Essa simples opção retira o PANORAMA 97 e, por consequência, uma parcela considerável da arte brasileira atual de um posicionamento em relação à arte entendida apenas como uma questão formal e auto-referente (herdeira de uma determinada modernidade). Tal opção alinha-o, por sua vez, a vertentes atuais que tendem cada vez mais a trazer para o campo das artes visuais questões que, até o momento, eram consideradas “extra-artísticas": o artista (seu corpo, sua memória afetiva e cultural, seus gestos...) como parâmetro absoluto da produção.

“O artista como parâmetro" - essa poderia ser a máxima a definir esse PANORAMA e, consequentemente, grande parte da mais instigante produção contemporânea. Entretanto, a opção por colocar o artista como parâmetro para a produção artística atual pode ser entendida como uma falácia conceituai, uma vez que, a princípio, a arte sempre teve como parâmetro último de sua concepção o próprio artista.

Sem dúvida, isso é verdade. No entanto, até muito recentemente, se o parâmetro último da arte era o artista, os parâmetros primeiros eram as linguagens a que eles próprios estavam filiados. Impossível, por exemplo, pensar na individualidade de Wyllis de Castro fora do eixo linguístico neoconcreto, assim como seria impossível pensar na obra de Roy Lichtenstein sem os parâmetros da pop art, que ele ajudou a criar.

Todavia, durante todo o século XX, uma série imensa de artistas no Brasil e no exterior - a contrapelo das correntes artísticas hegemônicas, preocupada com questões formais ou de afirmação nacional, encarou a ação artística sempre como manifestação de um determinado estar no mundo. E esse estar no mundo sempre se definiu por um local, e esse local é quase sempre o corpo, entendido aqui em sua dimensão físico-psíquica.

Tendo o corpo como lugar, foi por meio dele que esses artistas mapearam o circuito da arte com trabalhos que investigavam seus limites, suas possibilidades de transcendência pela consciência e pela memória.

O que ocorre nesses últimos anos do século XX é que as linguagens estéticas grupais romperam-se como um tecido há muito esgarçado, fazendo com que se tornassem mais visíveis as poéticas individuais. Quase nenhum artista, hoje em dia, manifesta-se mais a partir de linguagens comuns a grupos. Cada um deles tende a criar maneiras 52 de manifestar suas questões por meio do emaranhado de fios condutores de linguagens passadas que, agora totalmente rompidos, têm que ser rearticulados apenas para servirem de base para a explanação de um conceito que tende a se manifestar na própria constituição do trabalho, deixando revelar - mais que alinhamentos a determinadas linguagens instituídas - experiências vivenciais.

O que norteou a escolha dos artistas que integram esse PANORAMA, portanto, foi a possibilidade de agrupá-los a partir das similitudes entre as suas diversas experiências, em que o corpo e a memória fossem os elementos aglutinadores, e não as analogias técnicas e/ou de linguagem.

No início, os PANORAMAS DA ARTE BRASILEIRA do mam de São Paulo tinham dois objetivos: em primeiro lugar, traçar um mapa, um “panorama” da arte brasileira contemporânea, por meio das técnicas instituídas (pintura, escultura etc.); em segundo, por meio de premiações, ampliar o pequeno acervo do Museu - uma fênix que, até hoje, busca renascer das cinzas de 1963.

Desde o início dessa década, os responsáveis pelos PANORAMAS, que se sucederam, estavam conscientes da falência do projeto inicial: como produzir exposições por técnicas, quando a questão das linguagens estéticas estava, a cada dia, sendo substituída por poéticas artísticas individuais?

O PANORAMA de 1995 - sob a curadoria de Ivo Mesquita, rompendo definitivamente com aquela postura inicial, foi o que primeiro mostrou ao público a pulverização das linguagens estéticas em poéticas passíveis de se manifestar por meio de técnicas e linguagens as mais diversas (pintura, vídeo, obras de tendência pós-minimalista, figurativas etc.).

Explicitada a pulverização das técnicas e linguagens poéticas, coube, portanto, à edição de 1997, de alguma maneira, reordenar o PANORAMA sob um outro eixo, e esse eixo também teve que ser procurado fora dos vetores formalistas da arte moderna, porque a arte contemporânea neles não mais se referenciam.

Observando a cena artística brasileira atual e vivenciando sua produção nos últimos dois anos (o PANORAMA, de alguma maneira, também é uma síntese da produção exibida no país entre uma edição e outra), foi visto que um eixo possível para reunir os 53 artistas para essa edição seria, como foi dito, optar por agrupar obras que, de alguma forma, evidenciassem a supremacia de parâmetros capitaneados pelo corpo do artista (em sua totalidade existencial, intelectual e afetiva), pela sua vivência no mundo.

Dentro desse contexto, optou-se por trazer ao público do mam de São Paulo, por meio do PANORAMA, artistas que, tendo o seu estar no mundo como parâmetro, trabalhassem com corpo ou com a sua imagem, com os resíduos de sua ação no mundo e/ou com as emanações de sua memória afetiva, cultural e étnica.

Impossível pensar nessa problemática da arte dos anos 90 e não rememorar a existência subterrânea de uma espécie de tradição no campo da arte brasileira deste século que ampara as produções atuais, as quais trafegam dentro do território que se quer exibido nesse PANORAMA.

No Brasil, sem dúvida, os dois artistas que mais evidenciaram tais questões em suas obras foram Hélio Oiticica e Lygia Clark. Porém, muito antes deles e em paralelo às suas trajetórias, existiram outros artistas que devem ser lembrados pelo fato de terem concentrado suas respectivas obras igualmente nos limites do corpo e da memória, investigando-os em sua totalidade e buscando romper com suas amarras: Flávio de Carvalho, Ismael Nery, Maria Martins e muitos outros aguardam análises que façam aflorar as perspectivas que redimensionariam, sem dúvida, o discurso sobre a arte produzida no Brasil, neste século.

Ismael Nery, por exemplo, desequilibrou, e ainda desequilibra, os vários discursos prontos sobre a arte brasileira – suas supostas especificidades, suas características mais “notáveis” – justamente por introduzir em sua obra (e sua obra se confunde com sua vida) o corpo enquanto instância, ao mesmo tempo física e subjetiva, enquanto sinal de luta pela transcendência de seus limites e conjugação/fusão com outros corpos, outras subjetividades.

É nesse sentido que, durante os trabalhos de concepção do PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA do mam de São Paulo, edição 1997, optou-se por colocar na entrada da mostra justamente um desenho de Ismael Nery, doado recentemente do Museu pelo casal Vicente e Mônica Morato, responsável pelo espólio de Arthur Octávio Camargo Pacheco e Maria da Glória Lameirão de Camargo Pacheco. 54

O desenho de Ismael Nery funciona como abertura desse PANORAMA por ser hoje, no acervo do mam de SP, o parâmetro maior dessa “outra” arte, que agora se apresenta como a principal tendência deste final de século. Tal desenho deixa evidente o entendimento da arte como espaço de representação do desejo de transcendência dos limites do corpo e de fusão com o outro, ao mesmo tempo que esclarece também o entendimento da arte como registro da ação do artista sobre os limites do espaço material do suporte.

Ismael Nery talvez tenha sido o artista brasileiro que, na primeira metade deste século, mais intensamente deixou aflorar em sua vida/obra uma síntese perfeita entre mitologia individual e arquétipos universais, nos quais o corpo, sua transcendência, a dor de seus limites e a memória de suas possibilidades reais e/ou intuídas foram os parâmetros absolutos.

No outro extremo desse PANORAMA, fechando a exposição, situa-se uma série de desenhos de Tunga. Tunga, que talvez seja o artista brasileiro desse século que, mais intensamente, vem deixando aflorar em sua vida/obra uma síntese perfeita entre mitologia individual e arquétipos universais, nos quais o corpo, sua transcendência, a dor de seus limites e a memória de suas possibilidades reais e/ou intuídas são os parâmetros absolutos.

Entre Ismael Nery e Tunga, esse PANORAMA, portanto, busca circunscrever um território muito delimitado da arte brasileira atual (não ela toda), propiciando ao visitante um trafegar, muitas vezes inquietante, por produções nas quais várias dimensões da arte se mesclam, nas quais arte e vida quase sempre se confundem.

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PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 1999

CHIARELLI, Tadeu. “Panorama 99. O acervo como parâmetro”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 1999. São Paulo: MAM, 199, p. 24-43.

Panorama 99: O Acervo como Parâmetro

PREÂMBULO

Esta 26a. edição do Panorama de Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo reveste-se de uma importância fundamental para o mam: última do século e do milênio, esta edição 99 comemora, igualmente, 30 anos de Panorama. O que não é pouca coisa, se lembrarmos que, depois da Bienal Internacional de São Paulo - que completa 50 anos, o Panorama de Arte Brasileira é a exposição periódica mais antiga do Brasil. Deve-se a concepção do Panorama a D. Diná Lopes Coelho, primeira curadora ou “diretora técnica” do Museu, pós-635.

D. Diná, quando pensou no primeiro Panorama visava a três objetivos: em primeiro lugar, e de forma mais circunstancial, a mostra tinha como intenção transformar-se em agradecimento público ao então Prefeito de São Paulo - Brigadeiro Faria Lima -, que havia cedido ao Museu de Arte Moderna de São Paulo o edifício sob a marquise do Ibirapuera porque, desde a transferência de seu acervo para a USP em 1963, o mam encontrava-se sem uma sede apropriada para dar andamento a suas atividades.

Em segundo lugar, a concepção dessas exposições panorâmicas de arte contemporânea do país visava reinserir o Museu de Arte Moderna de São Paulo na cena artística brasileira, lugar que havia perdido, justamente, a partir da crise que a Instituição havia vivido no início dos anos 60, cujo resultado final foi a transferência de seu acervo primeiro para a Universidade. Os “Panoramas do mam” - que, de início anuais, passaram a bienais em 1993 -, desde o começo, tiveram como meta

5 — Sobre as várias fases da história do Museu de Arte Moderna de São Paulo, consultar o texto por mim escrito, “O Novo Museu de Arte Moderna de São Paulo”, publicado no livro O Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, Banco Safra, 1998, pp.7 a 30. 56 responsabilizar-se pelo mapeamento e divulgação do que de mais contemporâneo se fazia - e se faz - em artes no Brasil.

O terceiro objetivo dessas mostras teria um caráter, digamos, mais ousado, com sérios desdobramentos no que se refere ao próprio perfil da Instituição: por meio dos Panoramas, visava-se, igualmente, premiar aquelas obras mais significativas - prêmios aquisitivos - e com elas ampliar/formar um novo acervo para o Museu de Arte Moderna de São Paulo que, antes do primeiro Panorama, ocorrido em 1969, era possuidor de pouco mais de uma centena de obras.

Naquele Panorama de 69 - numa atitude coletiva que reconhecia os esforços da Instituição em reerguer-se após o trauma sofrido no início da década -, grande parte dos artistas participantes doaram obras ao Museu. O mam, a partir dessa atitude generosa dos artistas, estava, sem o saber, mudando - ou ampliando - as diretrizes que seu nome sugeria (e ainda sugere): museu de arte moderna, como reza seu nome, o mam de São Paulo tornava-se, com aquela doação, um museu de arte moderna e contemporânea brasileiras.

Foi apenas a partir de 1970 que se iniciaram as premiações. De lá até hoje, sobretudo por meio da entrada periódica dos prêmios dos Panoramas, o acervo que vem se formando transformou o Museu de Arte Moderna de São Paulo numa das mais amplas coleções de arte contemporânea brasileira.

O ACERVO DO MAM AMPLIADO PELOS PANORAMAS

Sem dúvida, nesses trinta anos, nem sempre as premiações dos Panoramas distinguiram obras que, de fato, representam o que de melhor foi produzido em termos de arte no Brasil. Circunstâncias as mais variadas, algumas vezes, fizeram com que fossem agraciadas obras que, hoje em dia, pouco ou nada acrescentam para a compreensão, quer da arte do período, quer da própria trajetória de seu autor.

Felizmente, porém, uma parcela bastante importante dos prêmios dos Panoramas que entrou para a coleção do mam - e, eu diria, a parcela de fato mais significativa, aquela que conta -, além de apontar muito bem os melhores caminhos seguidos pela arte 57 brasileira nos últimos trinta anos, é testemunha autônoma da qualidade e da importância dos artistas, autores das obras que a compõem.

Quando nós, do Departamento de Curadoria do Museu de Arte Moderna de São Paulo, começamos as reuniões para decidirmos os parâmetros curatoriais para esta edição que comemora os 30 anos de criação dos Panoramas do mam, deparamo-nos com uma questão, a princípio, bastante intrincada: como, nesta edição de 99, que visa - como todas as anteriores - mostrar o que de mais atual se produz no Brasil no campo das artes visuais, estabelecer alguma referência à própria história dessas exposições, tão significativas para a história do Museu e da arte brasileira do século XX? Esta questão surgiu porque não queríamos que essa data tão emblemática - 30 anos! - passasse desapercebida do público e do próprio mam.

No início das discussões, temíamos que qualquer manifestação de caráter retrospectivo, e que tentasse estabelecer qualquer tipo de balanço dos Panorama, pudesse transformar-se num enclave, numa obstrução ao caráter extremamente contemporâneo da mostra.

No entanto, ao aprofundar um pouco mais o problema, fomos encaminhando os debates para uma conclusão que, agora, nos parece óbvia: por ser uma exposição de arte contemporânea, estabelecida há 30 anos, sem dúvida nenhuma, durante esse período, os Panoramas conseguiram trazer para o acervo do mam uma série significativa de trabalhos de arte que, ainda hoje, apontam problemas artísticos e estéticos, discutidos, desenvolvidos e/ou superados pelos jovens artistas brasileiros.

Foi a partir do delinear das questões que alimentam o debate da arte brasileira neste final de século e milênio que surgiram - de dentro do acervo do Museu - as obras que, acreditamos, poderiam servir de eixos indicativos para o mapeamento da produção brasileira que se desenvolveu nesses últimos dois anos6.

Dentre o grande rol de questões que abalam hoje o debate da arte local, tivemos que restringir nossa escolha a apenas seis, devido, sobretudo, aos exíguos espaços de exposições da sede atual do Museu. No entanto, a Curadoria acredita que as questões

6 É preciso frisar que os Panoramas do Museu de Arte Moderna de São Paulo também cumprem a função de resenhar os principais artistas — ou obras — surgidas no espaço bianual que separa uma edição da outra. É nesse sentido, por exemplo, que os Panoramas não têm, necessariamente, que mostrar apenas obras inéditas, mas, sim, recolocar no âmbito da exposição trabalhos que, de fato, ampliaram o debate da arte brasileira nos últimos dois anos, aos quais cada edição faz referência. 58 escolhidas podem ser consideradas, de fato, de extrema atualidade, dentro do contexto da arte brasileira, e representadas, de maneira excelente, tanto pelas obras- eixo(pertencentes ao Acervo), como, igualmente, pelas obras dos artistas convidados.

PARA A COMPREENSÃO DA ARTE CONTEMPORÂNEA E DO PANORAMA

Numa tentativa de facilitar a compreensão dos propósitos da curadoria, a princípio os seis eixos poderiam ser divididos em dois grandes blocos:

1 - aquele referente às questões mais propriamente modernistas e que, na atualidade, ainda preocupam uma série de artistas como problemas a serem desenvolvidos e/ou superados;

2 - aquele que diz respeito à presença de questões que, no centro da arte atual, agregam ao discurso das especificidades das linguagens (um problema modernista) problemas e/ou desdobramentos os mais variados que ampliam (e muitas vezes ultrapassam) aquele discurso.

A Curadoria tomou cuidado no sentido de - ao estabelecer esses dois grandes blocos - atentar para a necessidade de, na exposição, evidenciar, por meio de alguns dos trabalhos dos artistas convidados, a contaminação com questões comportamentais, antropológicas, sociológicas, etc. de produções com fortes caracterizações modernistas (e vice-versa). Tudo isso pelo fato de acreditar estarmos vivendo um período artístico extremamente complexo, em que é possível perceber a concomitância de importantes contribuições de artistas que resgatam e ampliam os postulados da modernidade na arte, ao lado daqueles que realizam sua mais radical superação, sem contar aquelas outras propostas que atuariam como territórios de cruzamento entre os postulados da modernidade e os caminhos novos que buscam atestar seu fim.

*

Dentro do primeiro bloco, foi destacada uma questão (desdobrada em três eixos neste Panorama) que parece bastante influente: a continuação do debate sobre as 59 especificidades de linguagem - um problema modernista por excelência, mas que ainda contamina outras formulações mais recentes e é contaminado por elas.

“MASTROS”,1970, ALFREDO VOLPI

Pontuando o primeiro eixo do primeiro bloco de questões, foi escolhida a pintura “Mastros”, de Alfredo Volpi, uma das principais obras do artista, premiada no Panorama de 1970.

Essa obra pode ser interpretada como índice maior da qualidade atingida pela pintura brasileira no século XX, uma vez que, nela, percebe-se o concentrar-se e o expandir-se de dois influxos aparentemente contraditórios, mas que, com perícia, Volpi soube adequar de maneira exemplar: por um lado, a preocupação de uma parcela significativa da pintura moderna internacional erudita de enfatizar os elementos específicos da pintura - seu caráter bidimensional, os planos de cor, etc. - no sentido de reforçar a natureza dessa modalidade artística como uma forma de conhecimento autônomo e desvinculado da realidade cotidiana; por outro, a manifestação de uma experiência visual popular e “brasileira” (a escolha das cores, o tratamento artesanal da matéria, a necessidade de “naturalizar” o fato plástico pelo título da obra), já uma “contaminação” de caráter antropológico que explica, quem sabe, a importância, cada vez maior, assumida pela obra de Volpi para os jovens artistas brasileiros.

TRÊS DESENHOS SEM TÍTULO, 1977, AMILCAR DE CASTRO

A segunda questão desse primeiro bloco, por sua vez, tem como eixo três desenhos de Amilcar de Castro, premiados no Panorama de 1977. Neles, a especificidade do desenho é levada à sua radicalidade máxima: o gesto largo do artista, registrado com o pincel embebido em nanquim, traça uma linha que, ao definir áreas, campos de significação, reafirma a bidimensionalidade do suporte, repetindo seu contorno.

Operando constantemente no sentido de, com mínimos gestos, conseguir o máximo de resultado estético, Amilcar de Castro é um dos mais significativos artistas brasileiros deste século, uma vez que, como poucos no país, soube levar às últimas conseqüências a busca das especificidades das linguagens que explora - desenhos e escultura, sobretudo. 60

Como será discutido ainda neste texto, o caráter decidido, impresso nos desenhos de Amilcar contrasta enormemente com a natureza menos impetuosa, mais reflexiva dos trabalhos dos jovens artistas convidados para este Panorama que, atualmente, trabalham na exploração da linha, quer no desenho ou na pintura, quer no desenho- pintura.

A própria dificuldade em caracterizar com precisão as linguagens em que operam esses artistas dá muito bem a dimensão de como Amilcar de Castro segue solitário hoje em dia - e com maestria ímpar -, na confirmação dos postulados de uma poética impregnada dos conceitos analíticos da arte moderna.

ESCULTURA SEM TÍTULO, 1975, JOSÉ RESENDE

Se as obras de Volpi e Amilcar de Castro - cada uma a seu modo - desenvolvem os parâmetros para a compreensão das transformações sofridas pelos postulados modernistas, quando trazidos para o Brasil, já a escultura “Sem Título”, de José Resende - ganhadora do Prêmio Estímulo do Panorama de 1975 -, por sua vez, aponta para a profunda transformação que sofreria o campo do tridimensional na arte deste século após, justamente, o período de apogeu do modernismo.

Se a escultura, na primeira metade do século XX, caracterizou-se, em grande parte, pela ênfase em seus elementos específicos - a matéria, o volume, a massa -, principalmente após o fim da Segunda Guerra Mundial, seu conceito irá expandir-se de maneira até então inconcebível, podendo agregar, desde propostas que atingem a grandiosidade física de verdadeiras construções arquitetônicas, até ações que encontram no próprio corpo do artista o seu suporte.

Na escultura premiada em 1975, Resende, descrente da busca da “essência escultórica” moderna, de sua suposta autonomia frente à realidade do entorno, problematiza tais postulados e, longe de agir sobre os materiais para revelar pretensas possibilidades auto-expressivas, apenas os agrega, formando um mesmo corpo.

Um corpo, diga-se, de problemática ou precária autonomia, pois, apesar de sua evidente elegância formal, e ao contrário da escultura modernista “pura”, a peça de Resende não possui apenas um único apoio, tradicionalmente, o chão. Ao criar uma 61 peça dependente tanto do apoio do solo, quanto do plano da parede, o artista rompe com aquela propalada autonomia do fato escultórico modernista, fazendo com que a realidade do entorno (no caso, o próprio Museu) se integre à concepção geral do trabalho. Agindo dessa forma, Resende torna sua escultura não apenas um fato estético, mas também um fato político.

De alguma maneira, é justamente essa escultura de José Resende que articula os dois primeiros eixos citados do Panorama 99 aos demais. Observando sua peça, percebe- se, com nitidez, que o artista não esculpe e não molda os materiais: José Resende apenas deles se apropria e os articula, configurando uma zona nova de significação, não apenas para o trabalho em si, mas também, sobretudo, para o espaço institucionalizado da arte.

Entre as vertentes gloriosamente modernistas de Alfredo Volpi e Amilcar de Castro e as formulações que desarticulam ou problematizam os argumentos que as configuram (neste Panorama, tipificados pelas obras de Nelson Leirner, Paula Trope e Nazareth Pacheco), a obra de José Resende, premiada em 1975, talvez seja o grande emblema desse período de passagem ou dessa encruzilhada, pela qual passa a arte brasileira e internacional nesses últimos trinta anos do século XX.

“VOCÊ FAZ PARTE”, 1995, NELSON LEIRNER

Em certa medida, muito do que foi dito acima sobre a obra de José Resende pode ser transferido para qualquer reflexão que se faça sobre o trabalho “Você Faz Parte”, de Nelson Leirner - prêmio do Panorama 1990.

Para realizar sua obra, Leirner partiu da apropriação de duas pinturas realizadas com tinta e purpurina sobre espelho, compradas em uma loja qualquer do bairro da Liberdade, em São Paulo.

Pinturas de mau gosto - dentro de um discutível refinamento burguês e “culto” -, as peças formam um par, não apenas por serem da mesma dimensão, por terem sido realizadas com os mesmos materiais sobre um único suporte e com um único procedimento “estilístico”, mas também, igualmente, pelo fato de representarem uma mulher e um homem. Na verdade, não uma mulher e um homem, mas a mulher e o 62 homem, uma vez que essas pinturas trazem todos os estereótipos mais banalizados das representações dos gêneros humanos:

A primeira, uma imagem da mulher como objeto sexual, com o corpo sensual semi- oculto por adereços preciosos, emoldurado por uma cabeleira profusa e dois felinos - onças - a seus pés. A postura assumida pela figura é dúbia e sugestiva: se da cintura para cima ela como que se oferece, deixando o peito em excitante exibição, da cintura para baixo ela como que se recusa, tapando o sexo com uma das pernas e com a mão.

A segunda, uma imagem típica do homem encarado como símbolo da força e do poder. Seu corpo, mesmo que semi-coberto por adereços, não deixa dúvidas quanto à masculinidade, quer pela postura frontal de desafio, quer pela arma branca que pende de sua cintura (mais uma alusão pouco sutil à masculinidade). Emoldurando a parte inferior do corpo do herói, mais dois felinos, dois leões.

A operação de Nelson Leirner foi agregar entre essas duas pinturas, facilmente encontradas em qualquer estabelecimento comercial de segunda (e mesmo em residências de baixa extração cultural), um desenho a crayon que repete as formas das imagens descritas acima, deslocando-as de seus “postos” originais.

A princípio, poderia ser dito que, ao agregar seu desenho àquelas pinturas estereotipadas, Leirner estaria querendo contrapor à frieza quase industrial das mesmas o gesto expressivo do artista erudito, que “corrige” a imagem banal, trazendo- a para o restrito domínio da alta cultura e da arte erudita. Ledo engano. Seu desenho, propositadamente tosco e caricato, confirma - até mesmo “legitima” - as conotações preconceituosas expressas nas duas pinturas. E o artista ainda faz mais: ao colocar como título de sua apropriação a sentença “Você Faz Parte”, introduz o espaço institucional, onde a obra está exposta, e o próprio observador dentro da obra.

Onde está a obra de arte, onde ela termina e onde ela começa? O que faz um objeto ser um mero elemento do mundo perdido na profusão de objetos ou um objeto de arte? Quem determina que um objeto ou uma imagem é de mau ou bom gosto? Quais são as regras da arte? Quais são as regras do jogo? Quem as impõe?

Rompendo com o idealismo que determinou muito da arte deste século, “Você Faz Parte”, de Nelson Leirner - assim como a escultura “Sem Título”, aqui comentada, de 63

José Resende -, apontam para a intromissão aparentemente irreversível da realidade do sistema de arte - em tudo o que ele significa - na própria constituição do fato artístico.

TRÍPTICO SEM TÍTULO (DA SÉRIE OS MENINOS),1995, PAULA TROPE

Já o tríptico de Paula Trope - prêmio no Panorama 95 -, por sua vez, é igualmente constituído por uma foto de autoria da própria artista e duas fotos por ela apropriadas. O núcleo central da peça é o retrato de um grupo de quatro meninos de rua cariocas, feito por Trope com máquinas pin-hole. As duas fotos que ladeiam a primeira apresentam imagens obtidas por meio do mesmo processo, realizadas, por sua vez, pelos próprios garotos.

Se o tríptico de Leirner, em última instância, discute o poder mediante o embaralhamento premeditado da alta e da baixa cultura, da imagem erudita e da imagem não culta, o tríptico de Paula Trope também questiona o poder, buscando novas possibilidades para a tradição da fotografia e da arte documental ou “de denúncia”.

E esta operação se dá de maneira excepcional pela adequação que a artista realiza entre o meio extremamente precário que escolhe para documentar seu objeto de interesse e a própria condição de vida que levam aqueles meninos.

As câmaras de orifício (pin-hole), feitas artesanalmente com latas industrializadas, exigem um tempo de exposição bastante razoável, com grande dificuldade, em muitos casos, para a captação “correta” dos objetos e/ou indivíduos fotografados. Se o tempo de exposição não for suficiente, a imagem obtida é sempre desfocada, dúbia, um tanto informe.

Essas características materiais da técnica empregada por Trope casam perfeitamente com a imagem que a artista consegue dos meninos: é como se a precariedade da câmara de orifício protegesse os garotos da identificação totalitária que a fotografia- documento pode assumir; a precária pin-hole, criando imagens de pouca definição, protege a parca integridade física e psíquica daqueles garotos, impossibilitando que sejam identificados plenamente. 64

Nas fotos pequenas que ladeiam a maior, a imprecisão das imagens, o caráter fugidio e passageiro delas, mais do que informar sobre o que esses meninos vêem, sugerem como eles parecem enxergar o mundo.

Reunidas por uma decisão posterior da artista, as três fotos reivindicam para o circuito da arte brasileira deste final de século a reintrodução de questões que - extrapolando os problemas puramente formais e mesmo aqueles relativos ao binômio arte/instituição - refletem e desenvolvem questões de caráter antropológico e/ou sociológico. Não com um encaminhamento de fundamentação expressionista - como a “arte de denúncia social”, que era feita algumas décadas atrás, e ainda se faz -, mas por meio de um aporte mais frio, mais consciente das limitações da arte em transformar a vida, porém repleto de uma afetividade angustiada, sem quase nenhuma esperança de redenção futura.

OBJETO SEM TÍTULO, 1997, NAZARETH PACHECO

É nessa mesma desesperança em relação à arte, à realidade e ao futuro destas que seria possível incluir a obra “Sem Título” de Nazareth Pacheco - Grande Prêmio Embratel do Panorama 1997 -, muito embora nela o embate com o explicitamente social ganhe tons mais psicológicos, com fortes envolvimentos psicanalíticos.

O “vestido” de Nazareth Pacheco, a princípio, guarda bastante da ironia dos trabalhos de Nelson Leirner, embora no trabalho dessa artista a carga mais propriamente artesanal interfira como uma armadilha mais explorada, a fim de confundir o observador. Explico melhor: em geral, nos trabalhos de Leirner, a “retificação” que o artista faz dos objetos recolhidos da banalidade cotidiana tende a ser mínima. No caso de “Você Faz Parte”, o máximo de trabalho manual ali realizado foi o decalque das imagens pintadas. Em outros, nem isso: apenas a articulação de objetos heteróclitos no espaço real de exibição ou no suporte plano.

Essa atitude de intervenção mínima, de labor “mínimo” é premeditada, feita para confundir ainda mais aqueles muitos que ainda pensam que arte, antes de agradar aos olhos, tem que estar impregnada de trabalho artesanal, como que para justificar a “artisticidade” do produto. 65

Já no “vestido” de Nazareth, trabalho artesanal é o que não falta. Como uma mocinha prendada, a artista enfia miçanga por miçanga, cristal por cristal, lâmina de barbear por lâmina de barbear na construção dos fios que, no final, formarão o vestido impossível de usar...

Se na produção de Leirner parece não existir a mínima sombra de mais-valia (para alguns, valia nenhuma), no “vestido” de Nazareth o excesso de labor parece a todo tempo chocar-se com a inutilidade completa do resultado final. Porque, nem para a plena contemplação serve aquele “vestido”, pois, se o olharmos em demasia, as contradições que o constituem passam a doer nos olhos e, sobretudo, na mente.

“Vestido” que não serve para nada, nem para vestir, nem para olhar, a peça de Nazareth Pacheco é mesmo um elemento autobiográfico que “diz” muito de sua autora - alguém que nasceu com problemas de formação e foi submetida a uma série de cirurgias para “recompor” sua forma física.

Obviamente o verbo recompor no parágrafo acima está entre aspas, porque sabemos que o desejo que esse verbo, no caso, expressa não quer dizer absolutamente nada. Nada, porque está baseado num projeto de corpo feminino muito mais próximo do estereótipo de mulher retratado na pintura apropriada de Nelson Leirner do que, propriamente, da realidade das mulheres de carne e osso que andam no mundo.

Mergulhando de cabeça nessa sua questão individual, o fazer artesanal para Nazareth Pacheco transcende um método possível de tratamento psicanalítico, na medida em que vai além da sua própria biografia para, no limite, abarcar a problemática da mulher na sociedade ocidental, submetida a estereótipos que percebem qualquer diferença daquilo que é considerado normal como desvio a ser corrigido.

E não apenas no caso das mulheres, mas em todos aqueles grupos que fogem da norma estabelecida. Foi por isso que a produção de Nazareth Pacheco atingiu o status de um dos principais emblemas da arte dos anos 90: exteriorizando seu drama particular e intransferível, a artista sinalizou - como apenas um artista poderia sinalizar (nunca um artesão) - a possibilidade de transformar em arte libertária e indômita os entraves totalitários a que um indivíduo pode ser submetido. 66

O “vestido” de Nazareth, sem nenhum alarde, recoloca em chave nitidamente cínica, destituída de qualquer pretensão regeneradora, messiânica, a expressividade autoral na arte deste final de século e milênio.

A COR, A LUZ E O PLANO, ENTRE A PINTURA E A FOTOGRAFIA

As pinturas, fotografias/pinturas e fotografias, agregadas em torno de “Mastros”, de Alfredo Volpi - buscam circunscrever um território de resistência e alteração do conceito de pintura neste final de milênio no Brasil.

As obras de Sérgio Sister parecem ser, à primeira vista - e ao mesmo tempo -, exegese e ampliação das possibilidades dos postulados modernos da pintura nos dias de hoje. Elas como que disciplinam o sutil cinetismo ótico da pintura de Volpi, optando pela cobertura de áreas pictóricas, por meio de um tonalismo surdo, introspectivo, que abala - pela discreção obediente da forma do suporte - o ritmo muitas vezes agudo alcançado pela poética volpiana.

Porém, sobretudo na concepção de seus dípticos, a inclusão do espaço real da parede - que se integra de forma contundente à idealização do espaço pictórico -, o artista parece querer destruir o aspecto de pura auto-referência de sua produção, numa reivindicação sagaz de reinserção da pintura como fato público, tornando-a tão pertinente quanto seriam - supõe-se - as obras de arte produzidas com os meios tecnológicos de produção.

Se Sérgio Sister reivindica para a pintura de derivação moderna uma outra situação no quadro da arte deste final de milênio, Ricardo Carioba, por sua vez, busca dotar a fotografia uma nova estabilidade dentro do campo da arte, produzindo uma obra fundamentalmente retiniana, pictórica, em seu conceito e configuração final.

São inegáveis, no trabalho desse jovem, a rejeição tanto à tradição da “fotografia como documento do real”, quanto à “fotografia apropriada”, esta ultima, típica dos anos 80/90. Praticante de uma espécie de “neopictorialismo” (do qual teremos outros exemplos neste Panorama), Carioba vai encontrar na redução formal - e na exacerbação do cromatismo de suas fotos - pontos de contato com a pintura atual 67 numa nítida preocupação em revolver os códigos já estratificados do que deve ser a pintura e do que deve ser a fotografia nos tempos de hoje.

O cromatismo intenso das fotos de Carioba pode ser percebido, igualmente, na pintura de Teresa Viana, apresentada também neste segmento.

Cromatismo extremado, aliado à exacerbação da presença da matéria na constituição rítmica da obra: essas duas estratégias demonstram uma outra atitude da pintura, hoje em dia, com o propósito de reconquistar (ou, no caso brasileiro, finalmente conquistar!) sua dimensão pública, sua preocupação em situar-se como uma das protagonistas do debate da arte atual.

Se, no caso de Sister, a opção foi desdobrar o fato pictórico, fazendo com que sua completa fruição se desse no tempo e no espaço reais (e, de alguma maneira, incluindo-os na própria obra), no caso da pintura de Teresa Viana, a opção da artista foi a recuperação e o uso enfático dos elementos que mais costumam atrair o público neste terreno: colorido vibrante e, sobretudo, uma materialidade tão explícita que convida ao toque. Tocar a pintura (mesmo que idealmente) é trazê-la para a realidade do observador, é dar-lhe um sentido menos rarefeito, menos afastado da realidade.

As obras de Fábio Noronha, pelo contrário, parecem conscientemente desprezar qualquer possibilidade de enfrentamento reivindicatório, afirmativo da pintura em relação ao espaço que ela poderia ocupar na atualidade.

Sua pintura não se oferece ao observador e ao espaço real. Ela está despreocupada com a arregimentação de prosélitos e, dessa maneira, representa uma vertente bastante forte, igualmente, na cena artística de hoje.

A pintura de Noronha, tão sofisticada quanto a de seus colegas citados acima, exige, na verdade, que o observador atual - tão distraído - aproxime-se conscientemente interessado em desvendar seus mistérios, suas proposições sutis. Porque, à sua maneira, transcendendo os limites auto-referenciais da pintura moderna, suas obras fazem emergir reverberações autobiográficas, de forte conteúdo psicológico, salientado pela alta qualidade do uso de cores e tons, alcançados por ele.

Já as pinturas de Vânia Mignone - igualmente repletas de ressonâncias autobiográficas - possuem sua gênese encalacrada no predomínio da estrutura 68 imagética da fotografia, sobretudo aquela de caráter publicitário. O trabalho da artista - cujo timbre agônico das cores deixa transparecer um sentido de desilusão com a vida - pode ser entendido como uma espécie de tentativa de reapropriação, por parte da pintura, da função - usurpada pela fotografia - de interpretar a realidade do mundo.

Deliberadamente pobre de fatura, sem requintes convencionais do métier pictórico, as obras de Mignone surgem como sobreviventes de uma batalha entre a pintura e a fotografia, para que a primeira recuperasse seu território agora ocupado.

Sua pintura parece estar voltando vitoriosa dessa batalha com a fotografia publicitária mas, ao mesmo tempo, profundamente combalida e totalmente contaminada pelo próprio discurso fotográfico que buscou destruir. Sua produção parece atestar que o real, hoje - mesmo quando recriado pelo método manual da pintura -, está completamente estruturado por uma espécie de inteligência totalitária da fotografia, que tudo tende reduzir à mera condição de superfície, dificultando qualquer possibilidade de transcendência de seus limites.

Essa luta já secular entre a fotografia e a pintura, e o esforço de cada um desses modos de produção de imagens para ser entronizado como o modo por excelência encontram nos trabalhos de Zé Guedes um aparente momento de trégua... ou de mútuo aniquilamento.

Contrapondo fotos desfocadas de habitações paupérrimas (numa livre e sutil associação às “fachadas” de Volpi) a pinturas planares negras, Guedes parece querer neutralizar qualquer espécie de hegemonia entre os dois meios. Lado a lado, pintura e fotografia tentam se anular em equivalência ótica, criando um terceira possibilidade para a percepção do observador.

No entanto, para alguém mais atento nesse cotejo - que possui muito de uma salutar crítica tanto à tradição da pintura “pura”, quanto à tradição da fotografia de denúncia social -, aqueles que parecem sair ganhando são, sem dúvida, os conceitos fundamentalmente pictóricos de cor e luz.

Os planos de pintura de negro, que acompanham as fotos, ao limitarem a expansão das formas e das cores das fotografias ao lado, acabam por conferir a elas, justamente, um estatuto de autonomia absoluta, reivindicado pela pintura moderna deste século. 69

Aqui não interessa se as cores e as formas foram alcançadas por construção manual, com tintas e pincéis, no laboratório ou no interior de um computador. Mesmo sendo materialmente fotografias, aquelas imagens são conceitualmente pinturas, e o fato de estarem lado a lado com planos pintados de negro realça ainda mais essa condição.

Reunindo as produções desses pintores, fotógrafos e fotógrafos-pintores, este Panorama buscou demonstrar ao público os múltiplos desdobramentos alcançados por aqueles atributos antes inerentes apenas à pintura: o plano bidimensional, a cor e a luz. Hoje, num momento em que tanto a pintura quanto a própria fotografia colocam decididamente em questão os seus pressupostos estabelecidos durante as primeiras décadas do século XX, as produções desses sete artistas representados neste segmento demonstram, com grandeza, algumas das mais significativas vertentes que percorrem a fotografia e a pintura em busca de uma nova condição.

A LINHA, O PLANO E O FINAL DA UTOPIA

Os três desenhos de Amilcar de Castro, ganhadores do Panorama 1977, como foi dito, funcionam nesta edição como eixo que agrega as produções que ainda hoje refletem a importância da linha como instrumento/questão principal de muitas obras de arte.

Tradicionalmente, a linha está ligada - e de maneira fundamental - ao desenho. E, por sua vez, essa modalidade está muito bem representada nesse segmento do Panorama 99, muito embora se apresente, por assim dizer, disfarçada ou sob a camuflagem de outros meios.

E é justamente o próprio Amilcar de Castro que demonstra as possibilidades de reaparição extraordinária do desenho em suas esculturas, realizadas em metal e madeira, datadas de 1998. Nelas, é como se o artista transformasse a superfície plana do papel num objeto sólido tridimensional, resistente e inquebrantável. Alguns desses sólidos Amilcar fere e secciona por meio do gesto gráfico que penetra e rompe, para permitir a continuidade da fluidez do tempo e do espaço. Em outras situações, Amilcar estabelece contigüidade entre vários sólidos, produzindo linhas e planos que integram o espaço circundante da escultura. 70

Se Amilcar de Castro traz a linha e o desenho para a escultura, Marcelo Solá os devolve para o plano, plano esse impregnado pelos universos da pintura e/ou da escrita. Se o traço do artista mais velho é decidido e repleto de certezas utópicas de transformação, o gesto gráfico desse jovem parece a todo tempo refletir sobre sua própria precariedade e incertezas, indeciso em perder-se numa gestualidade de caráter pictórico ou dobrar-se irremediavelmente aos códigos da escrita.

Nem um pouco projetivas e sem a mínima pretensão para a ordenação do mundo, as obras de Marcelo Solá como que timidamente contestam a confiança, de natureza moderna, percebida na obra de Amilcar de Castro.

A noção de desenho como projeto, como ordenação de um raciocínio com vistas a tornar possível a execução futura de algo que deverá vir a povoar/transformar o mundo também ganha um travo de silenciosa e desesperada impotência, quando confrontada com os “projetos” de Paulo Climachauska, presentes nesta edição do Panorama.

Neles, os desenhos de objetos, os cálculos que ladeiam os primeiros e mesmo as cores que os envolvem, ao invés de demonstrarem a possibilidade de um desdobramento futuro, de qualquer vir-a-ser, configuram imagens e formas que se neutralizam mutuamente, reivindicando apenas a condição de manifestações de desejos erradios, súbitos abalos, tênues derramamentos sem esperança de erupção plena.

As obras de Marcelo Solá e Paulo Climachauska, presentes neste Panorama 99, atestam a persistência, dentro da cena artística deste final de século, da obra de arte que, cheia de desalento quanto ao futuro (e ao futuro da arte), aponta para a incomunicabilidade, para a redução dos signos à pura auto-referência.

Esse desencanto melancólico quanto ao futuro e quanto ao futuro da arte, presente na produção dos dois artistas citados, é problematizado nos trabalhos dos dois outros artistas que fecham esse agrupamento em torno dos trabalhos de Amilcar de Castro. Refiro-me a Alex Cabral e a Fabiano Gonper.

O primeiro, retomando a linha como elemento fundamental da retratística, usa-a para apontar a descaracterização do sujeito nesta sociedade de final de milênio. Cabral se apropria dos contornos de imagens de modelos e personalidades que posam para 71 fotos publicitárias, descaracterizando por completo os índices para possível reconhecimento delas. Para o completo sucesso de seu empreendimento, além de apropriar das imagens apenas os elementos mínimos, o artista opera com máscaras - espécie de matrizes primitivas - e as estampa sobre papéis das mais variadas procedências.

Interagindo com os textos e com as imagens dos suportes que Cabral escolhe, suas silhuetas tendem a perder, ainda mais, qualquer possibilidade de identificação.

O que parece mover Alex Cabral nessa empreitada é a mesma descrença das possibilidades da arte na atualidade. Porém, ao contrário de Solá e Climachauska - e não sem uma considerável dose de audácia e inconformismo juvenil -, o artista busca intrometer suas produções nos espaços públicos onde transita, em ações que possuem muito do espírito de panfletagem dos anos 60/70 e dos “antigos” grafiteiros da década de 80.

Assumindo uma atitude aparentemente contraditória, que busca contestar a própria constatação da inutilidade de uma ação mais direta do artista no cotidiano (uma vez que sua descrença nas possibilidades da arte como agente transformador evidencia-se no apagamento do sujeito que retrata), a produção de Alex Cabral talvez seja uma das evidências mais agudas dos desafios que a arte apresenta hoje, para artistas que buscam constituir uma poética sempre em confronto com o real.

Repleta do mesmo inconformismo juvenil percebido na produção de Cabral, a produção de Fabiano Gonper tende a apostar ainda na eficácia do contato direto, na correspondência entre o artista e observador. Por meio de desenhos que são como apontamentos de um diário íntimo sobre espelhos, o artista busca relacionar-se de maneira efetiva/afetiva com aquele que olha seu trabalho, tornando-o seu cúmplice ideal para, com ele, compartilhar suas incertezas em relação à arte e à vida.

Fabiano Gonper, por meio de seu desenho confessional e de caráter propositadamente gutural, sem nenhuma preocupação com uma sofisticação maior (a não ser com o seu próprio fundo espelhado), procura resgatar o conceito de arte como meio de comunicação entre dois sujeitos...

* 72

Como foi visto, Amilcar de Castro permanece solitário em sua poética decidida e utópica, frente a um agrupamento representativo de jovens artistas que - desiludidos com as perspectivas traçadas pelas proposições abraçadas pelo artista mais velho - preferem voltar seus questionamentos artísticos e estéticos para uma interiorização com fortes componentes psicológicos. Solá e Climachauska pautam suas produções pela aceitação plena da incomunicabilidade ou, ao menos, pela dificuldade de comunicação. Já Cabral e Gonper apostam em formulações desesperadas - e não menos repletas de desencanto com o real - visando à comunicação com o outro.

A solidão de Amilcar de Castro nesse segmento talvez seja não apenas um sintoma de sua singularidade na cena artística, desde o pós-guerra, mas também um sinal inequívoco de que as grandes utopias que marcaram grande parte do século XX já não encontram condições para serem plasmadas em discursos estéticos, nesse final de milênio.

O TRIDIMENSIONAL PROBLEMATIZADO

A escultura “Sem Título”, de 1998, que José Resende apresenta ao lado daquela que recebeu o Prêmio Estímulo do Panorama 75, representa uma ampliação do repertório do artista no campo do tridimensional. Se, naquela dos anos 70, o que contava era a relação estabelecida por ele entre os diversos materiais que a compunham e o diálogo tenso entre a escultura e o espaço de exibição, na obra produzida em 1998, novos dados são agregados.

Em primeiro lugar, a peça de 98 foi estruturada a partir de um único material: fio de cobre; em segundo, o fio sofreu uma ação que o estruturou em formas curvas, semicirculares, que configuraram um corpo filiforme, com uma bem-humorada semelhança à representação do corpo humano, típica de desenhos infantis.

A introdução do humor e de índices representacionais em algumas esculturas de José Resende data do fim da década passada e abre uma nova perspectiva para a sua poética. Nesses trabalhos, nota-se, por um lado, que a representação é alcançada quase no limite de sua intangibilidade, quando a matéria e seu comportamento no espaço e no tempo - que sempre foram o “assunto” das esculturas de Resende - 73 acabam por apontar para um transcender, para um ir além da apresentação da matéria e sua situação espaço-temporal. Explico melhor, tomando o exemplo da obra “Sem Título”, de 1998, presente neste Panorama: o fio de cobre trançado e articulado parece ter sido retesado até a exata condição em que pôde acrescentar ao resultado considerado final dessa ação deliberada sobre a matéria a ressonância de uma forma facilmente decodificável, no caso, um corpo humano.

O soerguer daquela estrutura e sua colocação na parede, aproveitando suas cinco extremidades como delicados pontos de apoio, parecem ser o que mais confere à peça o seu caráter de humor, um humor estranho e inquietante, diga-se: porque aquela estrutura é, ao mesmo tempo, fio de cobre trançado tensionando o espaço como um alto-relevo e uma espécie de homem parecendo lutar para sair da parede... E é na intersecção dessas duas condições que se estabelece o lugar que essa escultura de José Resende ocupa7.

Na trajetória muito particular da escultura desse artista, nota-se claramente como Resende, hoje em dia, direciona sua obra para o encontro dessa espécie de “momento fecundo” do objeto de arte tridimensional, quando o conceito moderno de escultura - entendida como pura apresentação da matéria manipulada - se alterna com aquele conceito anterior, que entendia o objeto de arte tridimensional como local de transcendência - ou de alienação - da matéria e da maneira como esta fora manipulada em busca da representação de formas, idealizadas ou não, encontradas na realidade.

Pode-se dizer que, apenas nesse estágio da arte, neste final de século, é que se tornou possível tal direcionamento. Sobretudo nessas últimas três décadas, quando os cânones da arte moderna foram sendo superados pelas sucessivas investidas de artistas de todas as partes do mundo, o conceito modernista de escultura (e não apenas o dela) entrou em colapso.

As regras que direcionavam a produção de obras tridimensionais - tais como a busca da forma original sem nenhuma (ou com muito tênue) relação com o real, a auto-

7 — Uma outra questão que poderia ser abordada aqui é o fato de o artista ter apelidado a escultura de “Marcelinho”, referência ao seu filho pequeno (para Resende, a peça lembraria uma criança engatinhando). Essa alusão ao filho aponta para uma outra característica da obra de Resende, que parece brotar nos últimos anos: uma certa afetividade em relação à forma criada, que o levaria a conferir a algumas de suas esculturas nomes e apelidos. “Fred Astaire”, “Passante”, “Vênus”... são títulos que — com o humor e com o caráter antropomórfico que suas esculturas assumiram na última década — alteram irremediavelmente a compreensão da poética do artista. Algo a ser analisado em outra ocasião. 74 referência, a explicitação da “verdade” dos materiais, etc. - foram sendo solapadas por produções que, na ânsia de realizar a crítica a esses direcionamentos, introduziram, nesse âmbito antes muito restrito da escultura, o corpo do artista, objetos de uso cotidiano, a própria história da arte (em seu sentido mais geral), o espaço expositivo, os elementos antes identificadores de outras modalidades artísticas (da pintura e da literatura, por exemplo)... Nesse esgarçamento contínuo, sem tréguas, poderia ser dito que o conceito de escultura (assim como o de pintura, desenho, vídeo, fotografia, gravura...) transbordou para o conceito mais amplo de arte, pura e simplesmente.

Hoje, na verdade, não interessa mais a ninguém - ou interessa apenas a alguns - se uma obra é escultórica, literária, etc.. O que interessa é como essa obra pode - a partir de seus elementos constitutivos, e só a partir deles - ampliar a experiência do ser e do estar no mundo.

Foi o surgimento dessa situação que possibilitou a José Resende encontrar aquele “grau zero”, em que a escultura entendida como apresentação se encontra com a escultura entendida como representação. Foi o surgimento dessa situação que permitiu a um artista como Daniel Acosta pautar parte significativa de sua produção, de derivação escultórica dentro da história da arte, mais especificamente, dentro da história da pintura.

A peça que o representa nesta edição do Panorama 99 tem como título “Mme. Récamier”, uma referência direta à célebre obra de Jacques-Louis David, pintada em 1800, que retrata uma dama da sociedade francesa, hoje no Louvre.

O interessante da obra de Acosta é que, ao invés de preocupar-se em retratar a figura da mulher, ele supostamente refaz o divã onde a referida dama recostou-se para ser retratada pelo pintor. Se a tela citada é, hoje, reconhecida como uma das principais pinturas de David e como uma precursora da pintura moderna, a princípio, o que é evocado por Acosta é pura e simplesmente a ausência. A ausência da pintura, a ausência da mulher de olhar virginal e corpo esplêndido...

No entanto, essa evocação de Acosta é um pouco mais complexa do que, à primeira vista, poderia parecer: de fato, evoca sim toda a aura que envolve aquela pintura (apesar de Walter Benjamin) por meio da construção de uma espécie de escultura- divã. 75

Mas a evocação do célebre quadro se dá, não propriamente pelo divã, mas pelo nome que este concedeu à obra. Sem aquele nome, o trabalho teria apenas a ambigüidade levantada acima: pela sua forma, trafegaria entre o campo da escultura e o do design, instalando-se, justamente, na fronteira entre essas duas modalidades. Ao acrescentar o nome da célebre obra de David, a ambigüidade de seu trabalho (ou melhor, da sua atitude frente à sua própria produção), se amplia: Acosta reivindica para si e sua obra uma paridade com a primeira “Mme. Récamier” e seu autor.

Se Daniel Acosta é considerado um escultor, porque, antes dele, indivíduos que igualmente moldaram ou articularam materiais no espaço tridimensional também o foram, ao colocar em seu trabalho o mesmo nome do trabalho de Jacques-Louis David, Acosta tenta agregar a si e à sua produção tudo aquilo que foi conferido ao artista francês e à sua obra. É como se Acosta se apropriasse de David; é como se, conferindo ao seu trabalho o mesmo nome que David, em 1800, deu à sua pintura, Acosta se tornasse David...

É evidente que esse deliberado processo de incorporação é ditado pela herança de uma determinada vertente da arte deste século, de cujo crivo, extremamente crítico, Daniel Acosta é um herdeiro consciente (refiro-me à tradição duchampiana). No entanto, para que serve essa incorporação? Para que serve a evocação do célebre quadro de David?

Evocar um objeto de arte por meio da produção de um outro objeto de arte é explicitar, de maneira ostensiva e irônica, o caráter fetichista e autofágico do circuito geral da arte (aqui incluindo a própria história da arte), é trazer à luz seu caráter narcísico, extremamente autocentrado, autista.

Pulsando solitário no espaço de exposição, a “Mme. Récamier”, agora de Daniel Acosta (e não mais de Jacques-Louis David), pontua de maneira exemplar, como a escultura - e a arte como um todo - podem ser extremamente críticas e conscientes de suas armadilhas internas sem, necessariamente, sair de seus próprios limites condicionantes.

Nesse território altamente esgarçado da escultura contemporânea, podem conviver os dois trabalhos de José Resende, a “Mme. Récamier” de Daniel Acosta e, por exemplo, a documentação das ações públicas de Yiftah Peled. 76

Essas ações de Peled podem ser interpretadas como manifestações pacíficas de protesto - ou de resistência -, contra a precessão da imagem publicitária nas grandes cidades de hoje, que acaba representando o papel de “arte pública”. A essas imagens totalitárias estampadas em outdoors o artista opõe seu corpo nu.

Espécie de estátua viva a escancarar sua frágil condição humana frente aos simulacros do real às suas costas, Peled, nessas performances, tem o corpo sempre semicoberto por faixas com frases criadas por ele, e que - lidas pelos passantes motorizados, no contexto geral do outdoor onde o artista, literalmente, se coloca - funcionam como sutis curtos-circuitos aos discursos veiculados pela imagem publicitária.

Tais frases são escritas com sabão em pó misturado com a saliva do próprio artista, o que enfatiza ainda mais o caráter protestatório dessas performances de Yiftah Peled: o artista quer limpar, apagar, respondendo com seu próprio corpo e fluidos, as mensagens publicitárias que, de forma autoritária, usam apenas de seu poder de emissor, sem se preocupar com nenhum outro tipo de feed-back que não seja o imediato consumo.

As ações de Peled também interessam bastante - sobretudo para esta edição do Panorama -, porque recolocam de maneira muito particular a questão da arte pública nas cidades brasileiras. Desprovidas de qualquer política de inserção efetiva de obras de arte em espaços públicos, as grandes cidades do Brasil tornaram-se presas dóceis do fluxo selvagem do capital especulativo, caminhando rapidamente para uma total e inexorável desumanização. Nesse sentido, o corpo nu de Yiftah Peled, com sua contundência nascida da fragilidade, propõe a constatação - constrangedora, mas da qual não podemos escapar - de que, no Brasil, os índices mais aterradores da sociedade pós-moderna vêm se cristalizando, sem que tivéssemos tido tempo suficiente para implantar os benefícios da era moderna, desta última apenas resgatando o muito de sua face menos gloriosa.

Poder pensar a escultura e a arte em espaços públicos, por meio da documentação das performances de Yiftah Peled em Curitiba e Florianópolis (apresentada de maneira intimista neste Panorama, seguindo o desígnio expresso do artista), parece ser mais um elemento bastante oportuno para a demonstração do transbordamento que as 77 modalidades artísticas sofreram nesses últimos anos. Peled usa o próprio corpo (o corpo humano foi, durante séculos, considerado a “base” conceitual da escultura) e elementos tradicionalmente ligados ao campo literário para ampliar a própria compreensão da arte nos dias de hoje. É escultura, performance, literatura o que faz Peled? Na verdade - e felizmente -, essa questão é superada pela própria atitude do artista perante a realidade e perante a realidade da arte que o cerca.

E, de alguma maneira, o mesmo poderia ser dito dos trabalhos de Marcelo Coutinho, outro artista desse segmento. Coutinho descreve sensações espaço-temporais (território “escultórico” por excelência), usando da criação de verbetes, glossários que tentam dar conta “daquilo que não pode ser dito” ou daquilo que ainda não foi expresso pelo discurso lingüístico, muito embora seja experimentado/vivenciado no cotidiano, por todos nós, ainda no nível da percepção sensorial.

Na experiência de deixar que essas sensações fugidias de espaço e de tempo aflorem no discurso da língua escrita, com a ambigüidade do poeta Marcelo Coutinho - um artista plástico, por formação -, ajuda na desestruturação dos padrões preestabelecidos com o intuito de subdividir o artístico no escultórico, no literário, no pictórico... etc..

Escultor de verbetes e/ou escritor de formas tridimensionais (como aquela que também apresenta nesse Panorama, realizada com argila, ouro e saliva), Marcelo Coutinho ajuda na desestabilização dos conceitos que até recentemente regiam o ambiente restrito das artes visuais.

Já na trajetória de Gustavo Rezende - também um escultor por formação -, a fidelidade aos conceitos canônicos da escultura moderna, desde cedo, cedeu lugar a indagações sobre espaço e tempo, exploradas, quase sempre, por meio da duplicação de uma mesma forma tridimensional.

A esta questão, muito cara ao artista norte-americano Robert Morris (que produzia objetos geométricos tridimensionais simples e absolutamente iguais, que se tornavam diferentes pela disposição deles no espaço), Rezende introduziu, em primeiro lugar, formas tridimensionais mais complexas, sempre em duplas. A elas - dispostas lado a lado e, portanto, mostradas de maneira diferente da de Morris - Rezende agregava, igualmente, títulos que soavam como enunciados sem verbo, contendo dois sujeitos. 78

Por exemplo: “O Destino e a Razão”, “O Artista e o Mundo Animal”, “O Imperador e Seu Dorso”...

No trabalho que apresenta nessa edição do Panorama, Rezende rejeita a forma decididamente tridimensional - que sempre caracterizou sua produção - para, invadindo o plano bidimensional, reivindicar para sua poética a imagem do corpo humano (o parâmetro “eterno” da escultura convencional), captado pela fotografia. Não a imagem de qualquer corpo humano, mas sua própria imagem, duplicada.

Sob os pés dessas imagens, pequenos aviões (como esses de brincar), recobertos por fitas de borracha, simulam um desastre. Título da obra: “O Paradoxo de Thompson Clark ou os Pesadelos de Mark”.

Observando esse trabalho de Gustavo Rezende - que poderia também chamar-se “A Escultura e Seu Duplo” -, percebe-se que o artista teve que produzir todas as esculturas anteriores para chegar, finalmente, à mais misteriosa das equações, aquela integral, que contém incógnitas insondáveis sob os sinais aparentes de integração e identidade: o Eu e o outro Eu.

Se Gustavo Rezende jogou de seu raciocínio escultórico para a superfície da imagem fotográfica, também Jac Leirner, no trabalho que apresenta nesse segmento do Panorama, desloca seu raciocínio plástico - sempre tendente ao tridimensional e à intervenção no espaço arquitetônico - para o âmbito da superfície plana.

Seu trabalho é composto por dois módulos de vidro contíguos, inclinados e presos à parede por estruturas de metal. A artista preencheu a área do primeiro módulo com adesivos (logotipos e propagandas de museus, instituições culturais, grandes exposições internacionais de arte e cartões de identificação de bagagem). O segundo módulo teve sua área preenchida com a mesma série de adesivos colados seguindo uma outra ordem.

Desde o início de sua carreira, Jac Leirner vem operando como uma grande coletora/transformadora de objetos que a sociedade de consumo produz e descarta. Como tive oportunidade de salientar em outra ocasião8, a artista retira esses objetos

8 — “Jac Leirner”, originariamente publicado na revista Galeria, n. 26, 1989, foi republicado na coletânea Arte Internacional Brasileira, São Paulo, Lemos Editorial, 1999, pp. 203-205. 79 de seu fluxo, acumula-os e, depois de algum tempo, os retoma, conferindo a esse conjunto uma outra configuração.

Desde suas primeiras obras, realizadas com maços de cigarros ou cédulas de dinheiro, até a peça que agora apresenta, Jac Leirner sempre tendeu a organizar os objetos que coleta da maneira mais racional possível, justapondo-os, seguindo a dimensão e a configuração original deles, que, por sua vez, são percebidos como espécie de “módulos”. Assim, colocando um “módulo” ao lado do outro, ou um “módulo” atrás do outro, a artista criou grandes objetos tridimensionais que se espalharam pelo chão e/ou pelas paredes dos espaços onde os mostrou.

Na obra que apresenta neste Panorama, Jac Leirner opera com a mesma racionalidade com que constrói suas instalações e objetos: agrega ao suporte translúcido da primeira superfície uma série de adesivos recolhidos dos mais diversos lugares e situações de fluxo, repetindo a operação no módulo seguinte, como se essa última fosse o reflexo, o “espelho” da primeira (uma “repetição diferente”, diga-se, porque a artista não obedece à previsibilidade do reflexo).

No entanto, como exerce essa mesma atividade de organizadora de módulos, que recolhe em seus deslocamentos pelo mundo, em duas superfícies quadrangulares, planas e portáteis - e esses “módulos” são superfícies coloridas e igualmente planas -, Leirner ingressa no território conceitual da pintura.

E realiza essa espécie de pintura estabelecendo, num primeiro momento, um diálogo entre duas correntes muito fortes da arte do pós-guerra que - aparentemente distintas - guardam uma mesma matriz. Refiro-me às pinturas “minimalista” e pop, cuja base comum é a inteligência que rege o modo de produção industrial: numa linha de montagem, um produto sai atrás do outro assim como, numa pintura de Barnett Newman, as cores “saem” uma depois das outras, e, numa obra de Andy Warhol, uma imagem de Marilyn Monroe “sai” depois de outra imagem de Marilyn Monroe...

Porém, o que sempre distingue a produção de Jac Leirner dessa matriz é que a artista agrega a esses módulos que compila e organiza uma espécie de afetividade, um travo memorialístico que desmente a noção fria do módulo industrial porque, nessa afetividade agregada, a artista acaba distinguindo cada um deles. Por outro lado, 80 impregnando seu trabalho com componentes autobiográficos, a artista desmente também a aparente frieza de seu modo de produção.

No caso específico do trabalho apresentado neste Panorama, os adesivos formam uma mesma tipologia de (agora) falsos módulos e, ao mesmo tempo, tornam evidentes as diferenças entre eles, não apenas pelas características físicas, que não são as mesmas (dimensões, cor, inscrições, etc.), como também pelas histórias que envolvem cada um deles (um a artista pegou de um determinado lugar no Brasil, outro ela conseguiu quando viajou para tal lugar...).

E são essas estratégias que fazem toda a diferença dos trabalhos da artista.

*

Talvez de forma ainda mais clara do que nas outras modalidades artísticas, o campo convencional da escultura é o que dá mais sinais de transbordamento de seus limites na cena atual e, igualmente, de captador de soluções estéticas e procedimentos artísticos antes devidamente compartimentados em domínios fechados. Todos os artistas presentes neste segmento tiveram suas origens marcadas pela atuação no campo da escultura (já genérico, desde, sobretudo, o pós-guerra), o que não significa que todos eles - como foi visto - permaneceram ou permanecem ainda na exploração desse terreno.

Na verdade, o que os une não é o fato de que um dia eles foram - ou ainda o são (de alguma maneira, ou sob determinadas formulações)- escultores; o que os une é o fato de serem José Resende, Daniel Acosta, Yiftah Peled, Marcelo Coutinho, Gustavo Rezende e Jac Leirner artistas comprometidos, justamente, no aprofundamento das fissuras causadas nas categorias artísticas e estéticas nas últimas décadas, artistas que, ao ampliarem essas fissuras, desvendam o que deveria interessar a todos: a própria manifestação artística, sem rótulos ou categorias.

OS JOGOS DA ARTE

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Neste segmento, cujo eixo é a obra “Você Faz Parte”, de Nelson Leirner, o artista também apresenta uma seqüência da série que mostrou na última Bienal de Veneza: “Construtivismo Rural”. As obras deste Panorama são realizadas com couro de vaca, numa sarcástica e direta sátira à tentativa de um setor do circuito de arte brasileiro (incluindo o próprio Museu de Arte Moderna de São Paulo) de entronizar as tendências construtivas - em ação no Brasil desde os anos 50 - como a principal vertente artística aqui surgida no século XX.

Qual a posição do Museu diante dessa atitude do artista? A Instituição não estaria sendo, no mínimo, irresponsável em aceitar exibir “cópias” em couro de vaca de algumas das peças-chave de uma vertente que não se cansa de exibir e adquirir para o seu acervo?

Quais são os parâmetros que deve seguir um museu de arte moderna e contemporânea? Adquirindo e exibindo os originais e, em seguida, as “cópias”, sua missão educativa estaria comprometida? Quais são os parâmetros, as regras?

Ora, no caso específico de Nelson Leirner e dos trabalhos que apresenta nesse Panorama, o que o Museu poderia fazer? Recusá-los? A crítica à instituição da arte, afinal, está tão institucionalizada quanto a própria arte... e, além do mais, as peças apresentadas pelo artista podem ajudar numa compreensão maior e extremamente crítica sobre o próprio circuito...

Justamente no aproveitamento da falência dos critérios unívocos que antes governavam o circuito - que agora se envolve num pluralismo quase nunca questionado - é que Leirner investe. Ele desmistifica o autoritarismo subjacente a muitos aspectos do circuito, mas - de maneira extremamente coerente - também vale- se dele para marcar sua posição.

Irônicas cópias em couro de animal, expostas com todo o rigor museográfico, essas peças do artista escancaram a fragilidade e complexidade das regras do jogo da arte e do poder nos dias atuais...

Quem já foi ao Masp algum dia, sem dúvida deixou-se ficar por longo tempo observando as obras de Jean-Marc Nattier, pintor francês do século XVIII, pertencentes ao acervo. São quatro pinturas, cada uma delas representando uma 82 princesa: Louise-Elisabeth, duquesa de Parma, como a Terra; Anne-Henriette de France, como o Fogo; Marie-Adélaïde de France, como o Ar e Marie-Louise-Thérese- Victoire de France, como a Água.

Essas pinturas, realizadas na segunda metade do século XVIII, estão dentro dos padrões mais rigorosos da retratística, estabelecidos pela Academia Francesa: são obras artesanalmente perfeitas, com um sentido de grandiosa ornamentação e que retratam, com fidelidade e - ao mesmo tempo - com alto grau de idealização, figuras repletas de índices inquestionáveis de riqueza, beleza e bondade.

Tais padrões pictóricos, eivados de atributos moralizantes, com o tempo foram sendo divulgados fora do restrito circuito das cortes européias e estratificados junto a outras camadas da sociedade como exemplos daquilo que supostamente pode (e deve) ser um trabalho de arte. Para o sucesso desse processo foi fundamental a proliferação de reprodução dessas obras.

No início, por meio de gravuras, e, depois, por meio da fotografia, milhões de reproduções de retratos, como aqueles das princesas francesas produzidos por Nattier, proliferaram no mundo todo. Assim “democratizadas” pelos meios de reprodução tecnológicos, aquelas imagens, retiradas da materialidade concreta das pinturas produzidas por Nattier (que jamais perderão a aura, diga-se), agora funcionam como símbolos da “grande arte”, quando são, na verdade - as reproduções de Nattier, nunca os originais guardados no Masp -, exemplares do lixo kitsch, produzido pela sociedade de massa, que ilustram camisetas, cadernos, almofadas, calendários, bolsas, etc.. Lixo em que os setores “cultos” dessa mesma sociedade investem e propagam de maneira cada vez mais avassaladora.

Este é um outro jogo estabelecido pelo circuito de arte: sob a justificativa da divulgação dos bens artísticos e culturais, infestam o “mercado paralelo” de souvenirs com imagens de obras originais, deformadas nas cores, dimensões, materialidade, etc.. O consumidor sempre frustrado dos museus e galerias compra a imagem, já que sabe que nunca poderá possuir o original.

Caetano de Almeida, com suas cópias das obras de Nattier, como que devolve ao mercado de arte reproduções “mais fiéis” dos originais. Agora o consumidor está mais perto da realização de seu desejo de posse. Afinal, ali, ao alcance de suas mãos, estão 83 as “verdadeiras” reproduções das pinturas de Nattier: “pinturas do século XVIII” feitas a mão! Pinturas realizadas por um jovem artista brasileiro, com talento artesanal, e que parece saber o que é - finalmente! - um bom trabalho de pintura: muitas horas de trabalho investidas na reprodução de figuras repletas de riqueza, beleza e bondade...

Aquilo de que o consumidor não se dá conta - ou que pouco lhe interessa - é que as pinturas de Caetano de Almeida são cópias feitas a partir de reproduções das pinturas de Nattier, cínicos comentários sobre a precessão das imagens, dos simulacros em nossa sociedade, em detrimento de qualquer materialidade.

Se Caetano de Almeida refaz em pintura reproduções de obras emblemáticas das “belas-artes”, com a intenção de desestabilizar algumas das regras do jogo da arte, Albano Afonso se utiliza diretamente de reproduções de imagens tão emblemáticas como aquelas de Nattier, para, por sua vez, realizar sua própria desestabilização desse mesmo jogo. Usando, como base para essa série de trabalhos apresentados no Panorama, reproduções (via fotografia, via computador) de obras-símbolo da história da arte ocidental9, Albano sobrepõe a elas a imagem da pintura “Paisagem da Selva Tropical Brasileira”, pintada por Rugendas, entre 1830-31.

Com esse procedimento, o propósito do artista seria, num primeiro momento, entender, por meio da imagem que demonstra como o olhar europeu nos enxerga - a nós, brasileiros, mas também latino-americanos, africanos e asiáticos - como a Europa se via e se vê.

Turvando os signos da racionalidade, da lógica, da elegância formal e da correção moral - os índices exemplares da cultura do “velho continente” -, surge um território luxuriante e caótico, prenhe de sensualidade e misticismo ignaro. Seria dessa maneira que o europeu vê a si mesmo e a nós: antípodas irremediáveis, cada um cumprindo seu papel de acordo com as regras impostas.

Essas duas visões de mundo, no entanto, quando processadas por um artista nascido num país como o Brasil, são devolvidas aglutinadas como uma massa alimentar de nova e salutar consistência: ao invés da dualidade, a junção que transforma aqueles

9 — Albano Afonso se utiliza das reproduções das seguintes obras: “Aparição da Virgem do Pilar para Sr. James, o Major”, de Poussin, pintada em 1640; “Retrato Eqüestre de Carlos I da Inglaterra”, de Van Dyck, pintada em 1640; “Hagar e o Anjo”, de Claude Lorrain, pintada em 1646; “”Pierrot”, de Watteau, pintada em 1700; “Conversação no Parque”, de Gainsboroug, pintada em 1750; “Amor e Psiquê”, de Gérard, pintada em 1795. 84 dois eixos (que deveriam permanecer eternamente separados) numa nova possibilidade de regra para o jogo do poder...

Por sua vez, o jogo no qual está envolvida a documentação aqui apresentada do trabalho de Mônica Nador é entre a artista - em sua busca de uma destinação socialmente mais significativa para sua obra - e o poder, aqui representado pelo Museu e seu Panorama.

Desde o início de sua carreira, Nador tentou dialogar com o sistema da arte, operando em sentido inverso às suas demandas. Se era a hora da “volta à pintura”, “livre” e “expressiva”, a artista produzia pinturas que disciplinavam a gestualidade, preenchendo o campo pictórico com obsessivo rigor. Se era a hora da pintura densa, matéria - supostamente sem nenhum resquício de uma procura (antiga) da beleza -, Nador produzia pinturas de forte apelo ornamental...

Na contracorrente, a artista buscava uma alternativa para sua poética sempre sensível à necessidade de resgatar, irremediavelmente, um contato mais direto com o público pela sedução das cores e das formas.

A continuidade da prática da pintura de cavalete - e o circuito restrito que percorre esse tipo de produto: ateliê, galeria, colecionador - não lhe pareciam uma opção desejável. Com o passar do tempo, seu interesse voltou-se para a possibilidade de desenvolvimento de grandes pinturas parietais em espaços públicos.

Após uma experiência bem-sucedida em Uberlândia, Minas Gerais (onde a artista desenvolveu uma pintura ornamental na Biblioteca Municipal da Cidade, em 199510), as possibilidades de pintar em espaços públicos com afluência de um diversificado e significativo número de visitantes (sem nenhum cultivo artístico erudito - esse era o objetivo maior da artista -) foram se tornando mais raras.

A oportunidade de poder trabalhar num espaço público, em uma metrópole ocorreu em 1996, quando o Museu de Arte Moderna de São Paulo a convidou para realizar um trabalho para o seu “Projeto Parede”.

10 — Posteriormente, no ano seguinte, a artista desenvolveu uma pintura no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia. 85

Por mais importante que tenha sido a ressonância do trabalho realizado para o “Projeto Parede” (sobretudo para o público), produzir o trabalho para um museu de arte significava manter sua atuação dentro do mesmo circuito de circulação da obra de arte convencional, perpetuando as regras viciadas do circuito da arte “de cavalete”.

Insatisfeita com a possibilidade de continuar direcionando seu trabalho apenas para um público extremamente restrito, a artista vislumbrou a possibilidade de deixar de lado o circuito burguês da arte, trabalhando diretamente com comunidades completamente alheias ao convívio com a arte erudita. Sua proposta voltou-se para a possibilidade de um trabalho em conjunto com os habitantes de pequenos vilarejos brasileiros ou em bairros de periferia das grandes cidades.

Sua primeira experiência, nesse sentido, surgiu com o convite para trabalhar junto ao Programa Comunidade Solidária, nos municípios de Coração de Maria e Nilo Peçanha, no interior da Bahia, em 1998.

Conseguindo, inicialmente, conquistar o interesse de um morador ou de toda a família de uma determinada residência, a artista propõe a possibilidade de modificação da fachada da casa por meio da pintura seriada de um determinado motivo ornamental. Tal motivo é discutido pelos moradores que tomam parte ativa do processo.

A transformação de uma primeira fachada (e às vezes do próprio interior da residência) mobiliza outros moradores que, com a ajuda inicial (ou não) da artista, passam a transformar seus próprios domicílios.

Até o segundo semestre de 1999, Mônica desenvolveu seu trabalho junto a seis comunidades11, e outras empreitadas vêm sendo colocadas no horizonte da artista, no sentido de ampliar sua atuação junto a comunidades com pouca ou nenhuma intimidade com a produção artística.

Como é fácil perceber, Mônica Nador criou seus próprios mecanismos para abandonar o jogo do circuito de arte, desenvolvendo um trabalho - em tese - anônimo de sensibilização efetiva junto a parcelas da sociedade brasileira destituídas de qualquer vivência artística maior, não por decisão própria - é claro -, mas devido ao

11 — Coração de Maria, BA; Nilo Peçanha, BA; Beruri, AM, e o Assentamento Carlos Lamarca, Sarapuí, SP; Vila Rhodia, São José dos Campos, SP. Atualmente, realiza um muro no bairro Santana, São José dos Campos, SP. 86 profundo descaso da maioria das instituições, ligadas à arte e à cultura, no sentido de suprir efetivamente essas demandas.

Frente a esse direcionamento da obra da artista, como deve proceder o circuito? Ignorar seu trabalho, uma vez que ela dá mostras cada vez mais claras de não querer mais submeter-se às regras que o regem?

A opção do Panorama, ao convidar Mônica Nador para mostrar a documentação do seu trabalho nesse contexto (que tem a obra de Nelson Leirner como eixo12), foi, além de reconhecer a significação inequívoca do trabalho da artista - e justamente por isso - colocá-lo numa situação que revelasse sua capacidade de se tornar, com o tempo, uma alternativa mais do que possível para aqueles artistas que desejem encaminhar suas produções para um entranhamento maior no tecido social.

Fechando esse agrupamento de artistas que operam de maneira mais explícita no questionamento do circuito de arte, está a produção de Chico Amaral.

Trabalhando, faz alguns anos, na obstrução de certas regras que conformam os vários esquemas de comportamento e atividades sociais, Amaral apresenta neste Panorama três trabalhos de sua série “O Jogo dos Sete Erros”: duas mesas de pingue-pongue “corrigidas” pelo artista e um “díptico sonoro”, com o som de uma partida daquele jogo.

Imagem, forma e som mais do que perfeitos para ilustrarem esse eixo do Panorama, os trabalhos de Chico Amaral, no entanto, não restringem suas potencialidades de significação possível no setor que reúne os trabalhos em torno da obra de Nelson Leirner.

Se sua primeira mesa de pingue-pongue, quando colocada naquele eixo, assume a condição de símbolo dos absurdos do jogo da arte, a segunda, situada no segmento em torno da obra de Nazareth Pacheco, resume as incongruências que muitas vezes invadem o circuito das relações sociais mais amplas e aquelas interpessoais.

*

12 — Impossível omitir que a pintura que Mônica Nador realizou para o Projeto Parede do mam chamava-se “Homenagem a Nelson Leirner”, mostrando a grande sintonia entre os posicionamentos da artista perante a arte e perante o circuito e aqueles de Leirner (de quem Mônica foi aluna, nos anos 80). 87

Esse segmento poderia ser ampliado pelos trabalhos de outros artistas, também presentes neste Panorama. É que a preocupação com o desmascaramento e/ou desmantelamento das regras que regem o circuito da arte é uma questão que invade a poética de vários artistas, manifestando-se das mais variadas maneiras. Caberá ao observador estabelecer essas ampliações possíveis.

A ARTE E AS (IR)REALIDADES DO COTIDIANO

Este segmento - que possui o tríptico de Paula Trope como eixo aglutinador - pretende apresentar ao público do Panorama 99 as várias maneiras com que os artistas experimentam hoje suas vivências metropolitanas e, dentro delas, a presença/ausência do sujeito contemporâneo, suas relações com o tecido social em suas múltiplas possibilidades.

Se Paula Trope apresenta cenas da realidade social brasileira numa atmosfera de sonho-pesadelo fugidio (porém preservando a integridade de seus modelos), Ana Maria Tavares transforma todo o espaço desse segmento numa grande cena onírica, duplicando e transformando a realidade material do entorno em sonho ou pesadelo.

Possui muito interesse essa instalação da artista: a parede, quando convocada a espelhar o entorno, “desaparece” como matéria. Ampliando o espaço, fazendo com que ele escoe para a pura virtualidade, cria a ilusão de amplitude, ilusão esta desmentida a todo momento pela consciência do observador. A concomitância dos sentidos de ilusão/realidade acaba por provocar no visitante uma sensação claustrofóbica. Solução dada pela artista: uma escada (símbolo da liberdade ou de elevação) que, no caso, não leva a lugar algum.

Produzindo obras que recriam equipamentos urbanos e espaços de grande fluxo de pessoas (terminais de metrô, aeroportos, saguões de edifícios públicos, etc.), Ana Maria Tavares reinventa e explicita - no plano da ambientação cenográfica e da criação escultórica - a violência e o autoritarismo sutis que o urbanismo, a arquitetura e o design contemporâneos exercem sobre os habitantes das grandes cidades, retirando-lhes a memória e a identidade. 88

Frente à instalação de Ana Maria Tavares estão situados os trabalhos de Ricardo Basbaum e Christine Liu.

Ricardo Basbaum apresenta um diagrama das relações interpessoais nos dias de hoje, uma tentativa de ordenamento do caos.

Sob a parede pintada de roxo, as palavras “eu” e “você” - separadas - tentam ser conectadas por sinais que indicam trajetos, confluência, obstáculos...

O território concebido por Basbaum, nessa parede do Panorama 99, de alguma maneira amplifica as reverberações dos sentimentos que impelem e constrangem o indivíduo nos dias de hoje: solidão, perda e desamparo.

Já no video-wall de Christine Liu, o fluxo intenso e sempre caótico da Avenida Paulista, em São Paulo, é recriado numa exploração sensível de formas e cores, com resultados de instigante beleza plástica em que a imagem solitária do transeunte é constantemente distorcida e confundida com o entorno.

A anulação do indivíduo, nesse vídeo de Liu, - talvez a maior preocupação dos artistas deste segmento - aqui ganha contornos de extrema e sensível contundência.

Tal problemática ganha outros contornos de extrema complexidade nas fotografias de Vilma Sonaglio, Rubens Azevedo e Domitília Coelho, também presentes nesse setor do Panorama 99.

Nas fotos de Sonaglio, o contraste brutal entre o branco e o negro reforça a sensação do desaparecimento do indivíduo no fluxo ininterrupto das grandes cidades. Figura e fundo, fundidos na superfície do papel e projetados para o espaço real da exposição, reforçam tal interpretação: aquelas imagens não representam mais o ser humano no mundo (numa perspectiva fenomenológica) nem, muito menos, o ser humano e o mundo (num viés idealista). São índices da alienação e da perda de qualquer espécie de consciência por parte dos habitantes das metrópoles.

Nas fotografias (back-lights) de Domitília Coelho nota-se, igualmente, a precessão do fluxo das cidades ajudando no aniquilamento do indivíduo, contribuindo para a sua descaracterização. 89

Tanto no interior dos grandes espaços públicos de passagem quanto na rua, a figura humana é mais uma mancha cambiante a conformar o entorno indistinto das cidades.

Já nos trabalhos de Rubens Azevedo, o caráter fragmentário do cinema - com profundos rebatimentos no cotidiano das grandes cidades - é reconduzido para o terreno da fotografia (ou da montagem fotográfica), salientando outros aspectos da experiência fugidia da vida nos centros metropolitanos.

Na primeira montagem, dominada por tons de verde, a câmara estática flagra um ruído que se desloca pela paisagem urbana: um indivíduo que se anula, se amesquinha, envolvido pela arquitetura. Na seguinte, duas cenas: um interior despovoado e desnaturalizado pela tonalidade rósea e uma paisagem completamente desglamurizada.

Essas imagens banais, aparentemente frutos de um olhar entediado com o real, quando reordenadas pela contigüidade, extrapolam qualquer significado meramente fático, indicial, para adquirirem uma transcendência que informa muito sobre a sensibilidade e o espírito de nossa época.

Se os artistas deste segmento, anteriormente citados, das mais variadas maneiras interpretam as sensações e as experiências adquiridas no viver das grandes metrópoles, Patricia Furlong traz a cidade para o espaço do Panorama 99, por meio de placas, totens e sinais que marcam o fluxo e os impedimentos de fluxo dentro dela. Essas peças - apropriadas poeticamente pela artista - de alguma maneira dão materialidade à evocação da metrópole, proposta por esse segmento do Panorama 99.

O vídeo e os objetos apresentados por Oriana Duarte documentam as performances da artista, realizadas em várias capitais do Norte e Nordeste do país. Integrar essa documentação do trabalho da artista neste segmento do Panorama 99 significou trazer para este espaço o questionamento de um outro tipo de fluxo - este entre as grandes cidades e as diversas regiões do país.

O vídeo em que a artista aparece tomando uma sopa de pedras (pedras das várias cidades por onde passou e as pedras do lugar onde está), além dos souvenirs das cidades onde esteve e a localização dos seus trajetos pelo país, formam uma metáfora 90 possível das agruras e da resistência da artista à manutenção de sua integridade individual e de sua responsabilidade social nos dias de hoje.

A reunião desses nove artistas no segmento que trata das relações da arte atual com os novos desafios apresentados pela realidade cotidiana procurou explicitar que, ao lado de questões puramente formais que continuam (felizmente) a afligir todos os artistas plásticos dignos dessa definição, existe uma salutar tendência de trazer, para o âmbito da arte, questões que afligem o dia-a-dia de todos.

Se essa tendência é passível de ser percebida em todos os segmentos deste Panorama 99, não resta dúvida de que, neste segmento, a impregnação de questões sociais mais amplas torna-se mais aguda, o que aponta para o fortalecimento da problematização mais explícita dessas questões na arte brasileira atual.

O CORPO COMO REGRA DO JOGO

Neste segmento - que tem, como eixo, o “vestido” de Nazareth Pacheco - são apresentadas obras que têm como ponto em comum a exploração do corpo humano como elemento propulsor do trabalho de arte. Essa “volta” ao corpo - explorado literalmente como suporte do trabalho ou como evocação ou ainda como representação - torna-se mais evidente no território da arte brasileira, a partir, sobretudo, dessa última década do século XX, quando uma nova geração de artistas começa a colocar sob suspeita a sua própria sobrevivência física e psicológica numa realidade cada vez mais ameaçadora.

Se o corpo é a primeira morada, o único e derradeiro refúgio, vários artistas irão nele se aprofundar com o intuito de melhor conhecê-lo e dele retirar novas perspectivas e novas possibilidades plásticas. É o caso, por exemplo, de Marcela Hara que, neste Panorama, apresenta um painel realizado com a multiplicação de uma imagem em raios X de um fragmento do corpo humano, manipulada em computador.

Se Hara mergulha no interior do corpo humano, por meio da alta tecnologia, Edouard Fraipont repropõe sua representação na superfície do plano fotográfico, por meio de uma tecnologia baixa (lanternas e holofotes) que acabam por conferir às suas imagens uma forte característica mítica e monumental. 91

Daniela Goulart, por sua vez, apropria-se da sensibilidade da imagem de publicidade para desconstruir suas pretensões totalitárias. Ali, o retrato glamorizado da figura da mulher é descaracterizado pela excessiva proximidade da câmara, dificultando ao espectador o reconhecimento dos índices individualizadores do modelo. Tolhidas as possibilidades de reconhecimento pleno do referente, surge a fotografia como meio de explicitação de jogos de cores e formas, com um alto apelo à auto-referência.

Enrica Bernardelli, por outro lado, é uma artista que investiga a previsibilidade do código fotográfico, sobretudo aquele usado para a produção de retratos.

Agindo pela inversão de determinadas áreas, a artista desestabiliza o campo representacional afirmando, mais uma vez, o caráter totalmente codificado da fotografia.

Já Michel Groisman, em suas performances, irá tentar interferir no deslocamento do próprio corpo, quando este tem seus movimentos comprometidos por objetos (amarras em que luzes são acopladas) que tentam mantê-lo inerte.

Performances de alto impacto expressivo, o deslocamento agônico dos corpos no espaço real da Instituição: essas ações do artista podem ser interpretadas como imagens de grande contundência plástica que resumem a opressão psíquica e social que sofre o homem contemporâneo.

As “vídeo-fotos” de Amilcar Packer podem ser relacionadas aos trabalhos de seus colegas Nazareth Pacheco e Michel Groisman porque, de alguma maneira, fazem também referência à vestimenta como símbolo do abrigo e da opressão. Artista em início de carreira, Packer, no entanto, sinaliza para uma trajetória que certamente - se continuar dentro das perspectivas mostradas pelas obras que apresenta neste Panorama - significará a retomada e o desenvolvimento de questões cruciais para a arte, levantadas em outros momentos por Flávio de Carvalho, Lygia Clark e Hélio Oiticica.

Pontuando todos os segmentos deste Panorama 99, está o vídeo “Help the System”, de Sebastian Argüello. Metáfora da precariedade e do autoritarismo dos sistemas de comunicação, esse vídeo foi interpretado, neste Panorama 99, como a melhor metáfora para a exibição. 92

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O Departamento de Curadoria do Museu de Arte Moderna de São Paulo gostaria de agradecer a todos os artistas que aceitaram o convite para participar desta mostra, assim como a todos os museus, espaços culturais e galerias comerciais que, em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, Fortaleza, João Pessoa, Florianópolis, Porto Alegre, Curitiba, Americana, Ribeirão Preto, Uberlândia, Salvador, Belo Horizonte e Ouro Preto receberam o curador desta edição do Panorama.

Este curador, por sua vez, agradece imensamente às seguintes pessoas, que ajudaram no êxito desta edição do Panorama 99: Eduardo Brandão, São Paulo; Fábio Noronha e Tuca, Curitiba; José Guedes, Dodora Guimarães e Pádua Araujo, Fortaleza; Marcos de Lontra Costa e Moacir dos Anjos, Recife; Paulo Gomes, Porto Alegre.

A todos, muito obrigado.

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PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2001

BASBAUM, Ricardo. “O Artista como Curador”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2001. São Paulo: MAM, 2002, p.35-40.

O ARTISTA COMO CURADOR

O assunto deste texto é mesmo um tema pertinente à presente edição do Panorama: o trânsito do artista através de funções que ultrapassam a sua posição como simples produtor de obras de arte. O recuo no tempo pode parecer demasiado, mas a condição de ser um artista tem sido extremamente fluida, desde o abandono da artesania e virtuosismo como condições a priori para a produção da obra (encontramos ainda em Mário de Andrade uma insistência muito grande neste ponto) e sua inserção numa ordem econômica de mercado (sempre marcada por contradições e conflitos) - transformações que remontam ao inicio da era moderna - até as discussões acerca da morte do sujeito (do autor, do artista...) durante a euforia estruturalista, chegando ao conceitualismo e aos experimentalismos diversos com sua dupla insistência em especificidade e desaparecimento. Há muitas décadas, os contornos do que pode ou não ser uma obra de arte dissolveram-se por completo, traço que se acirra no pós-1945 com a positivação da fúria negativa e irónica das vanguardas históricas. Percebe-se logo que ser (ou não) um artista não é algo de que se possam exigir limites rígidos ou absolutos, revelando-se mais como um trânsito, um certo deslocamento através das coisas combinado com a produção de um espaço particular de problemas (o lugar do "poético", que Bataille associa ao “mal”13), um determinado formular de questões em que objetos, situações, eventos e uma certa configuração do sensível estão envolvidos: este indivíduo (ou coletivo, claro) insere-se (é inserido, trata-se de uma atribuição que necessariamente envolve alteridade) numa rede de dinâmicas e num contorno de espacialidade em que se movimenta, deflagrando toda uma economia própria deste conjunto de operações. Assim postos, os limites que jogam com a determinação e a identidade do artista não mais se configuram em simples problema de cruzamento de

13 Ver “Baudelaire" de Georges Bataille, em A Literatura e o Mal. Porto Alegre, L&PM, 1989. 94 fronteiras (entrar e sair), mas sim enquanto delineadores de uma figura de espacialidade que acaba conduzida a vivenciar estes atravessamentos a partir de uma possível singularidade de inserção: escapar das determinações de um campo ou mesmo amplificar sua atuação a partir de uma deliberada mistura de linhas de identidade marcam também a seu modo o território do artista e suas realizações - traço muito claro em algumas das mais importantes trajetórias artísticas do século XX, em suas superposições entre arte e ciência, literatura, filosofia, pedagogia etc. Seria interessante comentar algumas impressões de tais estratégias de superposição a partir da experiência da invenção e produção de exposições - o campo das ações identificadas como “curadoria”.

Não se trata de "ser artista todo o tempo", ainda que Andre Breton tenha nos lembrado que o artista trabalha também dormindo, mas considerar certa ordem de circunstâncias em meio ao desempenho de funções variadas, sem deixar de prestar atenção a determinado elenco de questões: certamente o artista guarda como tesouro sua proximidade com a obra, exibindo ostensivamente um perfil cúmplice com as manobras da produção. Não há como eliminar a mistura com o trabalho que o singulariza, com o qual estabelece compromisso e a partir do qual aparece sintomaticamente contaminado, a arrastar ou buscar afinidades e ressonâncias deste contágio, como elemento antípoda, apresenta-se uma permanente ânsia por alteridade que ao mesmo tempo desperta e desmobiliza o processo das contaminações, tornando clara uma dimensão de permanente relatividade e fragmentação de qualquer gesto e resultado. Como se para o artista existisse a constante demanda pela instauração de um centro, a partir do qual tudo gravita de modo centrípeto e centrífugo: perceber a relatividade de sua própria posição central é algo que custa muito caro a qualquer poética e todo o artista se cerca de variados cuidados rituais neste deslocamento. Se hoje este gesto figura como ferramenta importante – saber perceber e habitar o espaço de mediações em que se constroem as noções do "eu" e do "outro" - é certamente como sintoma de uma época em que se nota claramente a transitoriedade das regiões centrais, sua efemeridade e condição de contínuo deslocamento. Esta movimentação para fora de si não deixa de ser uma condição do próprio exercício do gesto poético, que foqe do loop narcísico e busca hospedagem no corpo do outro - espectador, audiência, público... - mas que também pode ser encontrada no elenco de práticas daqueles artistas que se inscrevem na tradição de hibridização junto a poéticas 95 alheias, em que buscam as singularidades da alteridade conforme se manifestam através de seu próprio jogo de corpo: o exercício de atividades - institucionalizadas em maior ou menor grau - de interlocução informal e produção crítica, por exemplo, ou de agenciamento de trabalhos e curadoria. Tais artistas de algum modo colocam-se como atravessadores a partir de quem múltiplas alteridades vêm a se constituir discursiva ou espacialmente - mas o decisivo acaba sendo mesmo a (feliz) impossibilidade de anulamento da própria poética, cuja presença produz o tempero característico desta expressividade híbrida e múltipla: falar do outro sempre através de si mesmo é falar de si através do outro. Daí não ser simples coincidência ou "acidente lírico" o fato de muitos dos principais críticos de arte serem poetas, escritores inventores de linguagem: na inevitável explicitação de sua condição de proximidade para com a palavra é que se passam as manobras e operações verdadeiramente intersígnicas em que volumes de sentidos e camadas de juízos são manuseados - espaços que incorporam transcriações imagem/palavra em que aquele que escreve igualmente transparece enquanto usina de maquinações poéticas.

Se o lugar do agenciamento crítico tem sido explicitado como região de invenção de linguagem - espaço em que a discussão crítica se aproxima de sua dimensão poética, sob o efeito de "poéticas em entrelaçamento" o que se passa no caso do possível "jogo curatorial", quando a ação de agenciamento é voltada especificamente para a construção de exposições? Na perspectiva até aqui desenvolvida, o artista como curador situa-se inicialmente a partir de um não-aniquilamento - quase uma afirmação, talvez - dos parâmetros de seu próprio fazer. Entretanto, a perspectiva aí colocada afasta-se de um simples agenciamento discursivo, para incorporar a dimensão da realização de um evento: o número de variáveis envolvidas aumenta enormemente (mas um evento pode ter qualquer dimensão, micro ou macro), uma vez que há neste caso a experiência direta do confronto com as obras, seja de que jeito for. Neste tipo de trabalho há em geral uma maior presença do aparelho institucional, pela obrigatoriedade das condições de produção e organização do evento, tornando inevitável um enfrentamento burocrático com questões organizacionais e financeiras: pode ser tentador afastar-se das especificidades de linguagem próprias deste setor mas não há como eliminá-las, já que significam mesmo cuidar das dimensões de viabilidade da exposição em seus múltiplos compromissos e em seu jogo económico. Ainda que a lógica de produção da arte contemporânea tenha há muito assumido 96 uma relação esclarecida nos termos de sua inserção no fluxo do capital, esta é uma questão em que sempre se encontrará um fio de tensão absolutamente insolúvel, no choque entre diferentes utilizações do tempo e na administração dos resultados. Talvez se possam indicar pistas deste antagonismo através das figuras do "público" e do "espectador": enquanto que o primeiro é caracteristicamente definido através de números ("quantos visitantes?") ou estatísticas classificatórias ("de que faixa etária, idade ou classe social?"), o segundo revelaria um personagem singularizado em contato direto com a obra, envolvido em um processo de fruição sensorial. Em termos ideais, uma exposição ou evento bem sucedido seria aquele em que o indivíduo entra enquanto "público" e sai "espectador", transformado pela experiência, tocado pela obra de arte - e tocando-a. No balanço destas duas posições extremas estariam envolvidas questões acerca da funcionalidade da arte e sua busca por resultados "em tempo real": enquanto o contador checa o balanço para auferir as contas em busca do saldo positivo ou crescente, ansioso por transmiti-lo ao patrocinador, o poeta contabilizaria a conquista de questões cuja conclusão permanece em aberto, problemas no sentido de uma proximidade com os fluxos da vida e da existência, traços de sensorialidade e percepção em atualização através da experiência do aqui e agora. Ainda que nenhuma dicotomia se expresse no mundo real de modo tão linear, estes dois pólos estabelecem demandas-chave do evento, cada qual exercendo seu magnetismo e posicionando os personagem durante o processo, indicando o perfil da realização através da ênfase nesta ou naquela direção (que fique claro: não existem apenas duas, mas a combinatória das possibilidades envolvidas nas linhas de fuga do binarismo simplificador, atingindo-se sempre condições reais complexas).

É interessante perceber, nesse sentido, o gesto do artista David Medalla ao conceber a London Biennale 2000, intitulando-se seu "presidente e fundador": o projeto consistiu na construção de um evento "totalmente gerado por artistas"14, que utilizando a marca de uma "bienal" imprimisse um funcionamento completamente diverso do esperado em uma situação com esta característica, de modo a desenvolver um modelo mais

14 ‘ O parágrafo inicial da carta convite escrita por David Medalla para a London Biennale 2000 dizia: "A Bienal de Londres será inteiramente realizada por artistas. Estará aberta para qualquer artista de qualquer lugar do mundo. Não haverá restrição de idade, sexo (gênero), nacionalidade ou raça. Um artista pode participar da bienal simplesmente enviando três cópias - para mim em meu endereço em Bracknell - de uma fotografia (no tamanho aproximado de um cartão-postal) de si mesmo(a) (ou de uma pessoa próxima) portando uma flecha (de qualquer tamanho ou material) inscrita com as palavras 'BIENAL DE LONDRES 2000' e seu próprio nome (a fotografia deve ser tirada em frente à estátua de Eros em Piccadilly Circus, Londres). Não há tava de inscrição.” Texto integral disponível em . 97 orgânico e menos burocratizado e hierarquizado. Claro que se trata mesmo de um comentário critico ao gigantismo de um certo tipo de evento de arte contemporânea, mas há ainda a vontade de construir uma neste debate, ao tornar exequível um outro formato de atuação. Se as linguagens de arte já incorporam em suas poéticas uma inteligência do circuito - estratégias, mediações, construção de imagem, manobras políticas etc. - a London Biennale 2000 constrói sua presença a partir de um aproveitamento desta possibilidade: ao deslocar seus habituais procedimentos poéticos ("funcionalizando-os" de outro modo) para a administração de um acontecimento artístico coletivo - na passagem das atribuições do artista para aquelas de "presidente e fundador" (curador?) - Medalla contamina a linguagem do dirigente institucional com a mesma dimensão erótica e sedutora que imprime em seus trabalhos; porém aqui ela desliza para o outro de maneira diversa, solicitando-o não enquanto espectador mas reconhecendo nele a competência para o desenvolvimento de jogos de linguagem sofisticados e legitimando-o como parte do tecido da arte contemporânea. O interesse mobilizado pelo evento inventado por Medalla decorre do sucesso desta operação de superposição de papéis e redirecionamento poético, que tanto reposicionaram um evento de dimensão coletiva em um formato ágil e aberto quanto adicionaram uma outra camada de sentido ao seu próprio trabalho.

Dentro do âmbito desta mostra - Panorama 2001 - a questão se apresenta com algumas nuances próprias, e é evidente que tomou parte mesmo de seu projeto de construção: é inegável a atenção dispensada a esta situação de atravessamento de papéis, desde a presença entre os curadores de alguém que não exerce a atividade em tempo integral e possui uma trajetória de intervenção no circuito enquanto artista, até o convite para a participação na exposição de uma série de nomes cujo percurso é marcado por este tipo de trânsito. Também o interesse em relação aos projetos coletivos de artistas - em que a posição de um artista- agenciador fica absolutamente explícita - revela as pistas de uma investigação em curso em tomo do lugar do artista e suas atribuições, limites e linhas de fuga. Quando se olham de perto as organizações coordenadas por artistas, um aspecto que imediatamente vem à tona é a desconformidade, para a maioria de seus membros, ao modelo da "carreira" artística - o chamado modelo "de sucesso", indicando como deve ser o "artista bem sucedido" (não se trata de uma imposição mas de um modelo que se percebe hegemônico, também sujeito a mudanças e transições), parece não admitir lugar (só à custa de muita 98 insistência e persistência) para estes trajetos que inventam e acumulam outros percursos frente ao circuito; talvez esta comparação possa ser mais produtiva se olharmos essas diferenças em termos de modelos de espacialidade, em que a posição deste ou daquele papel é percebida em seus espaços de movimentação, deslocamento e mapeamento. A mecânica do circuito não é inocente ou natural, claro, e, mais do que isso, evidencia-se francamente - não há nenhuma novidade neste enunciado - em sua premiação imediata outorgada através do estímulo aos formatos de "carreira" que consagram a curto prazo o artista individual produtor de objetos de comercialização não-problemática: este é um dado que pertence a uma espécie de lógica estrutural do sociocapital e que permeia mesmo diversas camadas do real - tanto estruturas quanto corpos. Mais uma vez, fugindo de qualquer esquematismo, um olhar mais curioso deve trazer à tona trajetórias que traçam diversas outras espacialidades, em que o artista emerge em posições de hibridizações poéticas variadas e constrói inserções de identidade na deriva - em suas linhas de fuga - de carreirismos ligeiros e automatizados: isto se dá com certeza no traçado proposto por estes artistas- agenciadores que se organizam em pólos de proposição e fomentação de atividades de arte contemporânea - Alpendre, Grupo Camelo, Agora/Capacete, Torreão, Linha Imaginária, por exemplo. Além da disponibilidade para refletir sobre suas escolhas poéticas e de linguagem numa matriz que contempla a recepção e acolhida do outro - a atuação crítica que comentamos inicialmente - estes artistas têm ainda que administrar a dimensão política de seus deslocamentos e atitudes, conscientes de como esta sua ação de agenciadores influi na trama de contatos que constituem o circuito de arte - portas se abrem e se fecham a partir deste jogo (mais um a ser conduzido,..), que influi diretamente na recepção de sua própria produção (que afinal é um dos itens básicos na legitimação de seu "estar" dentro do circuito).

Talvez um primeiro balanço que se possa fazer da presença de diversas estratégias coordenadas por artistas no atual momento da arte brasileira, assim como da atuação, consciência e consistência de diferentes e variados artistas que negociam suas presenças no circuito a partir de uma caracterização muito menos estreita de seus papéis enquanto "produtores de arte", deva passar pela percepção de que está em curso um outro arranjo poético da cultura - um período de invenção de estruturas de pertencimento e narrativas legitimadoras: há um desejo de escrever (ou reescrever) inscrições, deslocar certos acomodamentos para um arranjo mais dinâmico e 99 produtivo, movimentar e reinventar mecanismos e circulações. Quando o poético se aproxima deste modo do jogo institucional (do qual não deveria realmente se afastar), forçando sua presença junto às demandas mais formais e pesadas da economia, burocracia e hierarquia política e social, é sintoma e sinal de que alguma agudeza de preparação e delicadeza de pensamento estão sendo reinvindicados como ferramentas necessárias - menos idealizadas e mais próximas das lutas do dia-a-dia. Não é por acaso que manobras antagónicas, de grande porte - sempre sob a aura de alguma grandiosidade desmesurada ou truculência na condução do processo -, estão em curso no presente momento enquanto estratégias ligadas à construção de uma possível realidade da arte brasileira para exportação: tal antagonismo entre "presença insinuante do poético" versus "grandiosidade brutalista do jogo econômico- institucional" somente confirma a importância do sintoma e aponta como o primeiro termo da dicotomia se faz significativo e decisivo no quadro da atualidade. Um momento assim agrega ainda importância por indicar mobilidade e potencialidade de transformação, mas não enquanto jogo utópico e sim como resultado de dinâmicas imediatas, em processo de ebulição e de conquista de eficiência, ao seu modo. Existe uma expressão de cunho modernista que entretanto guarda importante atualidade: "cada vitória do artista é uma derrota para a sociedade" - não se trata aqui de um confronto (hoje ingénuo) entre aristocracia cultural e público burguês banalizado, mas sim de uma função do poético que não se deve perder de vista, portadora de um horizonte de resultados que não se contabilizam em cifras, mas em intensidade perceptiva, desnaturalização e questionamentos. É sempre interessante quando se percebe a arte a se aparelhar com um tecido poético-institucional que incorpora em sua prática dimensões não-discursivas de linguagem; tais situações não são frequentes, de modo que, quando ocorrem, merecem atenção e um olhar cuidadoso.

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PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2001

REIS, Paulo. “Um Mapa Possível”. Texto de Apresentação. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2001. São Paulo 2002, p.41-44

UM MAPA POSSÍVEL

(...) 0 Brasil não nos quer! Está farto de nós! Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil. Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros? Carlos Drummond de Andrade, "Hino Nacional"

Que panorama e qual Brasil estaríamos pensando, refletindo e organizando ao realizarmos o 27° Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo no ano de 2001? Que olhos seriam necessários para se ver a produção artística brasileira, que se agencia em condições sempre muito particulares? Que idéia tínhamos do Brasil, ou melhor, que idéia tomou-se como ponto de partida para as viagens da curadoria? As inquirições a respeito do que é o Brasil acompanham muitas e importantes discussões de grandes pensadores brasileiros na área das ciências sociais. Certamente não teríamos a pretensão de dar uma outra resposta a esta questão, mas talvez quiséssemos trazer esta discussão para o campo das artes visuais brasileiras.

Em viagens pelo Brasil, pesquisamos projetos de produção e de atuação artística. Observamos quais seriam as estruturas nas quais os artistas produziam, aprendiam e expunham. Nossa chegada a algumas cidades nos colocava frente a convulsões diversas da vida do país. Greves, fortes eclosões de violência urbana, crise no Congresso Nacional saíram do noticiário e se tornaram presentes em algumas cidades visitadas. No cenário mundial, entre tantos acontecimentos, houve o protesto contra a globalização dos mercados em Génova e a crise financeira na Argentina, que expôs a frágil estabilidade económica latino-americana. Estes acontecimentos nos davam um mapa problemático do mundo, visto a partir de nosso centro. Onde nos posicionamos no mapa-múndi? Num ano também denso em acontecimentos das 101 artes plásticas, viu-se, na Europa, de um lado, a festa da Bienal de Veneza e, de outro, o debate da Plataforma 1 da Documenta de Kassel, "Democracy Unrealized"15. Aqui a exposição dos 50 anos da Bienal de São Paulo e os preparativos para a Bienal do Mercosul marcaram variados pontos de debate e, às vezes, severas críticas. Redes de capitais financeiros e simbólicos, muitas vezes confundidos, tramam a realidade em que apreendemos o mundo. Como trazer estas outras tessituras para a exposição? Ou talvez a pergunta mais correta seria: como não deixar de carregar este tecido de informações (e realidades) para a constituição de um olhar sobre o Panorama da Arte Brasileira?

Num primeiro posicionamento, decidiu-se que a exposição deveria apresentar-se de forma diferente da daqueles panoramas visuais em que um espectador central dá uma mirada de 360 graus numa paisagem pintada ou fotografada. O Panorama que estava sendo organizado pretendia propor mais do que um olhar linear sobre uma paisagem cultural posta e muito mais do que a cômoda posição central de um espectador que apenas observa as obras vistas. Um Panorama de três olhares incorporaria a paralaxe como um dado constante. Procurou-se, no desfocamento de um ponto central, ampliar a sua desordem. Foi proposto um olhar diversificado, uma apreensão multissensorial e sempre em desequilíbrio (ou em constante tentativa de equilíbrio), ao incorporar outras dimensões nesta paisagem dinâmica e tensa das artes plásticas.

Algumas obras de artistas brasileiros, ao evocarem imediatamente uma construção de nossos possíveis mapas, foram referências necessárias ao que se procurava e construía. A artista Anna Bella Geiger, em seu trabalho O pão nosso de cada dia (1978) inscreve-nos, entre a saciedade e a fome, numa fatia de pão. Leonilson, numa gravura sem título de 1989, realiza um pequeno mapa do Brasil feito só de rios, mas sem fronteiras políticas - mapa do puro fluxo e movimento. Adriana Varejão, em seu Mapa de Lopo Homem (1992), mostra o Brasil representado num de seus primeiros registros cartográficos, tendo unidas as margens do Ocidente16 ao extremo Oriente. Ivens Machado, em Mapa mudo (1979), mostra a extensão dolorida de nosso território coberto por pontiagudos cacos de vidro. Antonio Manuel cria um mapa do envolvimento corporal em Soy loco por ti (1969). Todas as direções apontam para o Sul, como o mapa invertido de Torres-Garcia, no trabalho Nova geografia (1971), de

15 www.documenta.de 16 A outra margem do Ocidente. Adauto Novaes (org. Ed. Companhia das Letras/Minc-Funarte, 1999. 102

Rubens Gerchman. Mapas a representar um espaço físico, político, social ou simbólico, revelando seus cartógrafos, ao mesmo tempo urdidores e urdidura. Mapas que, na definição ou esfacelamento de suas fronteiras, mostram nossa possibilidade de alguma identidade ou seu perene questionar17.

Mas, então, que país é este? Qual o mapa procurado? Todos estes já citados e, talvez, também os que fomos descobrindo nas diversas cidades por que passamos e que se sobrepõem e aparecem na exposição. Para dar conta desta pluralidade, a configuração do Panorama foi saindo da planta do Museu. A exposição não mais cabe apenas dentro dele ou, mais acertadamente, o espaço do museu torna-se um importante ponto axial num eixo de muitas coordenadas. O poeta Waly Salomão vai afirmar que o museu não está em crise, o museu é uma crise18. E ao encarnar esta crise, será também o lugar de seu aprofundamento e reflexão.

Desta forma, a partir de todas as conversas, opiniões trocadas e moderações, fomos construindo um trajeto possível para a exposição. Sem propor taxionomias rígidas e fechadas para a produção brasileira e sem, logicamente, apontar tendências – já que esta palavra vem carregada de um sentido redutor e de esvaziamento – emergiram poéticas e atuações diversas.

Primeiramente observamos poéticas gravitando em torno da discussão ampliada de percepções. Apontou-se uma idéia geral de arte como percepção e conhecimento de mundo. Mário Pedrosa, no artigo “Arte e Revolução”, proporá novos olhos, novos sentidos para abarcar as transformações que a ciência e a tecnologia vão introduzindo, dia a dia, no nosso universo19. Nas artes visuais brasileiras, percepções sensoriais foram transformadas em percepções políticas por Hélio Oiticica, Antonio Dias e Amélia Toledo. Uma percepção espacial já fora tensionada pela realidade sociopolítica, como nos apontava Cildo Meireles nas suas Inserções em circuitos ideológicos (1970), no trabalho de Luiz Alphonsus Túnel - desenho ao longo de dois planos (1969) e na proposição Espaços imantados (1968) de Lygia Pape. Um apontar para o paroxismo de uma idéia de percepção sensorial foi realizado no paradigmático

17 “Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não-ser e o ser outro”. Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento, Paulo Emílio Salles Gomes, Ed. Paz e Terra, 1986. 18 Hélio Oiticica, RioArte e Ed. Relume-Dumará, 1996. 19 Política das artes, Ed. Edusp, 1995. 103 trabalho de Barrio 4 dias 4 noites20 (1970) Uma outra razão da ciência do olhar, em Waltercio Caídas, situa permanentemente o ato de ver e o pensar sobre representações21.

Uma outra observação a partir de nossas conversas e visitas a ateliês foi a da existência de um olhar crítico sobre o circuito de artes por parte dos artistas. Neste país, marcado por forte exclusão social, tentamos entender o sistema de trocas simbólicas e materiais dadas no circuito das artes. Queríamos colocar, exemplificar e apresentar outras equações da dinâmica de nosso sistema de artes que vem sendo pensado por, entre outros, Artur Barrio, Cildo Meireles, Jac Leirner22 e o Grupo 3NÓS323.

Além da discussão ampliada sobre percepção e linguagem e sobre o próprio sistema das artes, fomos observando muitos trabalhos a trazer em sua poética a complexa relação entre espaços públicos e privados e, ainda, outros trazendo questões sobre a subjetividade contemporânea. A malha de entendimento (produção, exibição, reflexão) em que se procurou apreender a produção nacional e aquela outra malha das visitas aos ateliês e do conhecimento das produções imbricaram-se pouco a pouco. Desta maneira, construímos um mapa possível da produção brasileira deste momento, que foi sendo desenhado simultaneamente à elaboração da exposição24. Chegamos a ele carregados de todas as nossas contradições, com a definição de algumas coordenadas. Estas coordenadas, certamente condenadas por sua incompletude, discutem e propõem uma compreensão das artes visuais contemporâneas.

Assim, no Panorama da Arte Brasileira de 2001, são propostos trajetos por poéticas que trazem: a constituição da linguagem plástica pela discussão da percepção sensorial - quiasma (Artur Barrio, Lia Mínna Barreto, Paulo Bruscky, Cao Guimarães e Rivane Neuenschvrander, Tatiana Grinberg. Clube da Lata e Lucia Koch) - a

20 No livro do Panorama da Arte Brasileira, o artista Artur Barrio, em entrevista a Cecília Cotrim, Luiz Camillo Osório, Ricardo Resende e Ricardo Basbaum, fala sobre esta sua proposição. 21 Algumas destas rápidas anotações devem-se ao texto de Paulo Herkenhoff, Brasil/Brasis, publicado em Arte Contemporânea Brasileira, Ed. Contra Capa e Rios Ambiciosos, 2001. 22 Cat. Teoria dos valores (1998), curadoria de Marcio Doctors, MAMSP. 23 Na proposição “X Galeria – intervenção urbana” (1979), podia-se ler, em folhas mimeografadas coladas nas portas das galerias de arte de São Paulo: O que está dentro fica, o que está fora se expande. Cat. Sem medo da vertigem – Rafael França, Paço das Artes, 1997. 24 O texto de Ivo Mesquita publicado no catálogo Cartographies, 1993, é referência para este texto e para a curadoria como um todo. 104 constituição da linguagem plástica pela discussão da representação - construção e problematização de nosso olhar (Carina Weidle, Gilberto Mariotti, Iran do Espirito Santo. Raguel Garbelotti. Rubens Mano, Valdirlei Dias Nunes) e autores que repensam as fronteiras da visualidade - o olhar ancorado na totalidade do corpo e o não-ver como reflexão sobre o olhar (Chelpa Ferro e Cao Guimaraes); ,a subjetividade contemporânea - ficções e narrativas do sujeito e do corpo (Márcia X, Cao Guimarães, Fernanda Magalhães. Laura Lima, Janaína Tschâpe, Rosana Paulino. Mario Ramiro, Jarbas Lopes e Tatiana Grinberg); .o trânsito entre espaços públicos e privados e nossa circunscrição no espaço da sociedade - um estranhamento do mundo (Ducha. Eduardo Coimbra, Jarbas Lopes, Marcos Chaves, Marepe, Mônica Nador, Raul Mourão. Clube da Lata, Artur Barrio. Atrocidades Maravilhosas, MICO e spmb- Eduardo Aquino/Karen Shanski); .o sistema da arte em relação aos circuitos de circulação e exposição de arte (Linha Imaginária), à lógica e economia funcional dos museus e espaços de arte (Carla Zaccagnini, Lina Kim, APIC!, Marta Neves e spmb- Eduardo Aquino/Karen Shanski), aos projetos e agenciamentos coletivos de artistas (Atrocidades Maravilhosas, Grupo Camelo, Chelpa Ferro, Clube da Lata e MICO) e às organizações independentes - espaços abertos de exposição, discussão e produção artística (AGORA/CAPACETE, Alpendre e Torreão).

0 livro e o catálogo do Panorama da Arte Brasileira são peças muito importantes. Neles estão registrados alguns mapas, manifestações urbanas (que trazem outras "paredes" para a exposição), novas organizações independentes de arte, uma arqueologia crítica entre pesquisadores e o artista Artur Barrio, projetos artísticos realizados somente para aquele meio e propostas de atuação coletiva.

Diante da urgência (e da adversidade) devemos tomar posições. A insistência na necessidade da presentificação de muitos olhares é uma recusa a qualquer totalização. Ao viajar por Belo Horizonte, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza, Recife e Salvador, era sabido que o Brasil é também a soma de tantos outros espaços. Este Panorama quer apresentar-se como um chão possível de um olhar que revela algumas percepções do(s) território(s) da arte, convidando o espectador a seus deslocamentos. 105

PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2001

RESENDE, Ricardo. “Panorama....”. Texto de Apresentação. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2001. São Paulo, 2002, p.45-48.

PANORAMA...

Os que esperam um Panorama da Arte Brasileira nos padrões megalomaníacos de mostras organizadas por instituições, com propósitos questionáveis de conseguir o maior número de visitantes ou de obter mais mídia sairão, provavelmente, desencantados com esta versão de 2001. Procuramos priorizar acima de tudo o artista e sua obra e detectar o ambiente em que ele está inserido. Ambiente este não muito favorável para o artista, a coisa menos importante em uma escala muito bem apontada pelo jornalista Diogo Mainardi, por ocasião da abertura da Bienal de Veneza em 2001: "0 que menos importa nesse negócio são os artistas. Nem vale a pena tentar descrever e analisar as obras que trouxeram a Veneza. Nem vale a pena citá-los por nome. Não por falta de respeito, mas porque eles são supérfluos. Ou melhor: são intercambiáveis. Antes deles vêm os jatinhos privados, as festinhas, os Mercedes, as campanhas políticas e os jornalistas".25 Arte e artistas são meros pretextos para as "festas" em que se transformaram as exposições.

Um outro jornalista, estranhando o modo como divulgamos o Panorama 2001 - emitimos apenas um boletim de imprensa contendo algumas das idéias e o nome dos artistas selecionados - perguntou-me, ironicamente, por que estávamos fazendo de forma tão simples aquela apresentação. Sem alarde ou mesmo uma festa... O jornalista, sem querer, confirmou a situação do meio cultural que Mainardi com acerto apontou.

As pessoas que supostamente avalizam esta situação e circulam pelos vernissages e coquetéis ansiosas por novidades continuarão reclamando, depois deste Panorama, de que as mostras do Museu de Arte Moderna de São Paulo têm a mesma "cara", de que não mudam sobretudo no tocante à sua museografia. Pensando bem, são até acanhadas diante de tanto luxo e desperdício em cenografias de mostras recentes em

25 Em “A Bienal de Edemar", Revista de junho de 2001, pág. 145. 106

São Paulo. Dinheiro gasto em um único evento bastante talvez para organizar cinco, seis mostras como este Panorama. Felizmente. "A única função do amor é nos ajudar a suportar as tardes dominicais, cruéis e incomensuráveis, que nos ferem para o resto da semana - e para a eternidade (...)"26. Felizmente, percebemos alguns críticos e jornalistas se posicionando criticamente diante desta propalada “macdonaldização” ou "disneyficação" cultural globalizante, de mão única, do hemisfério norte ao sul, a que assistimos passivos ou, em muitos casos, aplaudindo. Essa situação é resultado, talvez, de um turbocapitalismo implantado neste pais e em tantos outros, de forma irresponsável e sem limites, que ultrapassa não sí as fronteiras econômicas e políticas, como também as culturais e éticas sem nenhum respeito ao 'produto' nacional. Infelizmente, parte das pessoas responsáveis pelas instituições, pelos patrocínios, pela informação, só fala em números: que este evento provocou filas, que aquele conseguiu atrair centenas de milhares de visitantes etc. Não se ouve falar na qualidade das obras expostas em tais exposições, na permanência do conhecimento, nos possíveis benefícios culturais trazidos por tais acontecimentos para o público, na sedimentação de uma produção intelectual local. São instituições acéfalas, e e alguns casos, donas de importantes acervos “esquecidos” em suas reservas técnicas. E todas apresentando, praticamente, o mesmo objeto, como se tudo estivesse generalizado na mesmice.

Essa situação diminui o espaço para arte brasileira que não possui Monets, Picassos ou Mirós e continuará impopular até mesmo entre aqueles que deveriam trabalhar para diminuir esta distância entre a arte, principalmente a contemporânea, e sua assimilação pelo público. Mas poderão contra-argumentar que nós temos os nossos "modernos". Sim, temos. A Tarsila do Amaral, o Ismael Nery, o Vicente do Rêgo Monteiro, a Anita Malfatti. Sem falar em Alfredo Volpi, da Veiga Guignard... Mas onde estão eles expostos? De vez em quando surge uma pequena retrospectiva aqui e acolá. Assim caminha a arte brasileira, sem a possibilidade de revelar para o público, nem mesmo os próprios mestres.

Talvez, um resultado positivo desta situação que coloca a arte como um "negócio rentável” para uns, já que o Estado deixou de cumprir o seu papel de fomentador cultural há muito tempo, tenha sido uma melhora sensível nos serviços das instituições culturais. Estes museus ou centros culturais foram obrigados a pelo

26 Cioran. E. M. Breviário de Decomposição. Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1989, pág. 31, a "Genealogia do Fanatismo: os Domingos da Vida". 107 menos tentarem se equiparar aos museus norte americanos e europeus com reformas, modernização e profissionalização das suas funções museológicas para receber tais eventos.

Diante dessa situação, a mostra Panorama da Arte Brasileira 2001 se propõe a ser "seca" no bom e mau sentido da palavra. Como já bem definiram em matéria crítica sobre o evento, a exposição é preto no branco"27, sem concessões a uma arte apenas contemplativa ou a montagens teatralizadas. 0 problema de uma exposição como esta é o seu descompasso com o grande público. A arte contemporânea é de difícil compreensão para o visitante despreparado e fechado a novas experimentações propostas. E não é por meio de subterfúgios que este distanciamento será amenizado. Mas qual seria a solução para minimizar esta situação característica do público diante da arte contemporânea? Acredito que seria uma educação artística séria nas escolas, a começar no ensino básico, essencial, que tenha como complementação serviços educativos competentes não só nos museus de arte, mas também nos de história, de ciências e tecnologia, de antropologia. Talvez nestes museus de outras áreas, este serviço seja mais fácil de aplicar, já que o objeto que está sendo mostrado está mais próximo da compreensão do visitante. E no caso dos museus de arte, que não fiquem apenas na discussão epistemológica da própria arte, mas que sejam mais práticos e que não recorram aos projetos apenas populistas para solucionar a falta de visitação e satisfazer os patrocinadores e a mídia em sua eleição da exposição mais visitada do ano.

Um serviço educativo competente de museu deveria trabalhar, primeiro, na capacitação dos professores, para que, juntos, organizassem material didático a ser trabalhado em sala de aula antes e depois da visita ao museu. Este trabalho deveria ser acompanhado sistematicamente, junto às escolas, pelo museu, para que o aluno não viesse apenas uma vez, mas várias, três ou ' quatro vezes por ano ao museu. Estou falando em permanência do conhecimento. Introduzir de fato, caminhos para a familiarização e consequente possibilidade de apreciação da arte contemporânea. Ao trazermos os estudantes uma vez na vida ao museu, obviamente não estaremos criando um público ativo e, principalmente, crítico.

27 Chaimovich, Felipe. Folha de São Paulo, Caderno Ilustrada, pág. E6, 3/11/2001. 108

Como um dos curadores desta mostra e pensando, portanto, na rigidez visual de seu resultado, quero esclarecer que me propus a olhar para uma produção atual, dinâmica e atenta com as necessidades do homem contemporâneo. Mas retorno ao início deste texto: pode ser uma exposição destas fadadas a não ter filas de pessoas induzidas pela mídia, a se massacrarem diante de telas e esculturas de segunda linha de acervos de grandes museus europeus. Coleções que nos são empurradas garganta abaixo e às quais ninguém ousa questionar as origens...”Nestes domingos intermináveis, a dor de ser manifesta-se plenamente. Às vezes conseguimos nos esquecer em alguma coisa; mas como nos esquecermos no próprio mundo?"28

Esta mostra se propõe apenas a dar conta de um panorama que contempla parte das produções artísticas no Brasil ora aceitas pelo público e mercado cultural, ora completamente despercebidas pelo mesmo sistema que as legitimaria - apresentar essa produção para o público é uma de nossas intenções. Estas últimas, com maiores dificuldades de aceitação, enfrentam maior resistência na sua assimilação como arte e são condenadas muitas vezes ao circuito alternativo. No entanto, percebe-se que este circuito toma forças em algumas cidades como saída para uma possível apatia institucional oficial que fomentaria a cultura local. Situações como esta permitem que manifestos como o do "APIC" 29 apareçam como uma forma de denúncia ou desabafo de artistas que estão sempre emprestando suas obras sem, no entanto, receberem uma ajuda para o custeio da produção do trabalho. Tais instituições entendem que o seu compromisso se restringe, apenas, a divulgar o artista e sua obra... A artista Monica Nador, presente no livro que serve como extensão do espaço expositivo desta mostra, talvez cansada desta relação difícil entre artistas, instituições, galerias e mercado, que custa profissionalizar- se, resolveu, nos últimos anos, também se dedicar a um trabalho social que integra a sua obra ao incorporar a sua experiência como pintora. A artista leva o próprio processo artístico e o aplica em comunidades carentes na periferia de São Paulo, no interior da Bahia ou em Tijuana, na fronteira do México com Estados Unidos, abrindo a possibilidade de modificar a vida das pessoas envolvidas em seu projeto. Este, sim, configura-se um trabalho efetivo junto à comunidade.

28 Op. Cit., 1.2 29 Artistas Patrocinando Instituições Culturais. Manifesto criado em 2001 pelos artistas plásticos Maria Lucia Cattani e Nick Rands de Porto Alegre diante da falta de compromisso das instituições culturais com os artistas. 109

Para a organização do Panorama, começamos nossas viagens por São Paulo, cidade onde estão sediados os organizadores e idealizadores do "Linha Imaginária”, uma rede formada por mais de 400 artistas encabeçados por Sidney Philocron e Monica Rubinho. A organização abrange o país todo sem muitas regras para os participantes. É o melhor mapeamento de artistas jovens que temos no Brasil. Já se tornou referência. Ainda em São Paulo, temos o "Mico", grupo de artistas que atua nas entranhas desta cidade, mexendo nas feridas deste aglomerado urbano que agoniza sob os mandos de uma rede de corrupção e uma violência decorrente de tanta incompetência administrativa e social, resultado de anos de gestões desastrosas na prefeitura e governo estadual. "Rose foi trabalhar numa empresa da Park Avenue onde a ênfase na juventude é na boa aparência - as mais fugidias, ai!, das qualidades humanas - significava que sua experiência acumulada de vida tinha pouco valor.30

Depois fomos para Fortaleza, cidade do Alpendre. Porto Alegre, cidade do Torreão. Fomos também para o Rio de Janeiro, cidade de artistas mitos na história da arte brasileira contemporânea. Lá tem muita gente trabalhando como o "Atrocidades Maravilhosas", é verdade. O Ducha conseguiu deixar a noite carioca mais bonita ainda, pintando o Cristo de vermelho, quem diria, mesmo que por cerca de quinze minutos, o monumento teve o seu momento rosa. Mas a melhor vista, de todas que tive nestas viagens, deixando o Rio de Janeiro de fora, não seria justa a inclusão, foi em Recife. De um apartamento lá no alto de um edifício, tinha em frente o Rio Capiberibe, o oceano Atlântico, a cidade e suas pontes, Olinda do lado esquerdo e o Recife Novo à frente. Vista das mais inebriantes que já tive. É verdade, Oriana Duarte, eu não sabia o que fazer. Se ouvia sobre os heteróclitos ou se escondia o desejo de olhar para aquela paisagem...

Como Paul Valéry31 disse, deveríamos ser leves como os pássaros e não como as plumas. Eu não consigo ser apenas um pássaro e nem mesmo uma pluma ...

Esta citação e a próxima serviriam como mais não idéias para as faixas de Marta Neves: " (...) a frivolidade é o antídoto mais eficaz contra o mal de ser o que se é: graças a ela iludimos o mundo e dissimulamos a inconveniência de nossas profundidades".32

30 Sennett, Richard. A Corrosão do Caráter – Conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo, tradução de Marcos Santarrita, Rio de Janeiro, Record, 1999, capítulo seis: “A Ética do Trabalho”, pág. 118. 31 Citação de Ìtalo Calvino. Seis Propostas para o Próximo Milênio, tradução de Ivo barroso, Editora Companhia das Letras, São Paulo, 1988, capítulo: “Leveza”, pág. 28. 110

0 processo deste trabalho envolveu várias reuniões, viagens para as cidades já citadas e mais Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Salvador e Santo Antônio de Jesus, no interior da Bahia, e seu resultado está na exposição e no livro que a acompanha. É uma exposição, felizmente, capaz de gerar certo desconforto, criar polêmicas envolvendo instituições - entre elas, o próprio Museu de Arte Moderna de São Paulo -, provocar críticos e envolver o público aberto à reflexão e à experimentação.

A arte não se realiza apenas na contemplação ou para a contemplação, pelo menos é nisso que eu quero acreditar. Para mim, ela se dá na ação, no objeto, na realidade concreta e não apenas ilusória, na denúncia da frivolidade, do cinismo da sociedade que coloca a mulher, o homem e o artista no centro da discussão, da reflexão e do próprio mundo. Não acredito e nunca consegui acreditar na arte destituída de conteúdo. E cabe aos museus de arte assumirem o seu verdadeiro papel na sociedade. Fomentar a arte significa dar total liberdade para o artista criar e apoiá-lo institucionalmente para a realização do seu projeto, além de abrir realmente as portas para o público, sem distinção.

Aos artistas da exposição e àqueles que também foram visitados e infelizmente não foram selecionados, ao nosso patrocinador PricewaterhouseCoopers por acreditar e apoiar arte contemporânea, ao Ivo Mesquita que acreditou e continua nos dando apoio, ao meu amor e ao público que vier à exposição.

32 Cioran, E. M. Breviário de Decomposição, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1989, pág. 17, capítulo “Genealogia do Fanatismo: Civilização e Frivolidade”. 111

PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2003

MOSQUERA, Geraldo. “Desarrumado”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama da Arte Brasileira 2003 (DESARRUMADO). 19 DESARRANJOS. São Paulo, 2003, p. 21-27.

DESARRUMO

Este é um Panorama anti-panorama. Evita conscientemente apresentar uma antologia ou um exame da arte brasileira de hoje. Ao contrário, é apenas uma exposição baseada num conceito próprio e explícito, capaz de sustentar-se por si mesma além do Panorama. Este conceito, o “desarranjo”, não foi imposto pelo curador, e sim construído a partir da prática artística, após uma viagem de pesquisa por onze cidades do Brasil onde se avaliou o trabalho de mais de uma centena de artistas. Sintetiza certas inclinações-chave da arte atual do Brasil e além.

Os participantes da exposição não representam nenhum hit parade: foram selecionados por serem protagonistas importantes destas orientações e porque suas obras podem entrelaçar-se no discurso visual da mostra, concebida como um conjunto articulado e aberto ao diálogo. Somente em segunda instância levei em consideração os pares polares “jovens-velhos”, “emergentes-consagrados” e “desconhecidos- conhecidos”, em benefício da adequação dos artistas ao conceito da mostra, e do valor e da atualidade de suas práticas no contexto e internacionalmente. De acordo com os mesmos critérios incluiu-se Leonilson, um artista falecido que é um “morto indócil” (como diria o poeta), muito vivo e influente sobre a arte brasileira atual, e em especial sobre os jovens, conforme pôde ser comprovado na exposição apresentada recentemente na Galeria Vermelho, em São Paulo. Entretanto, no final, mais de um terço dos participantes brasileiros poderia ser destinado ao primeiro pólo dos dois últimos pares anteriormente mencionados. Apenas me impus uma regra estrita: não incluir nenhum participante do Panorama anterior, realizado em 2001. Os dezoito brasileiros selecionados vivem e trabalham em dez cidades brasileiras, inclusive Nova York (a cidade latino-americana de que mais gosto) e o inferno. 112

Na realidade, é impossível apresentar um panorama de uma cena artística tão vasta, importante e intensa como a do Brasil de hoje, no limitado espaço do MAM. Nem sequer é viável exibir uma representação exaustiva de artistas envolvidos no conceito do “desarranjo”. Esta mostra rejeita ainda a síndrome da lista e qualquer pretensão oniabrangente, que o nível limitado de meus conhecimentos também não permite. Além disso, as mostras “panorâmicas” correm o risco de converter-se numa enciclopédia ou em mais uma feira de arte do que num fato artístico. A fim de enfatizar o caráter conceitual da exposição, usou-se pela primeira vez um subtítulo no Panorama – 19 desarranjos –, que se tornará título quando a mostra for apresentada no exterior. Essa mudança em relação ao propósito original dos Panoramas é, aliás, um corte drástico, onde culmina uma tendência mais autoral na organização destes eventos a partir de 1995, quando foram encomendados a curadores fora do quadro institucional do Museu.

Outra propensão que agora se radicaliza é a diminuição no número de participantes. Este é o Panorama com menor quantidade de artistas: 21, sendo que dois deles trabalham a quatro mãos com outros. A seleção responde ao espírito anti-survey, mas, sobretudo, facilita a organização de um discurso expositivo mais estruturado e um diálogo entre as obras. Entre outros critérios, essas obras foram escolhidas em virtude de suas inter-relações e sua capacidade para entrelaçar visualmente o conceito da mostra. Para buscar uma correspondência entre o projeto conceitual da exposição e sua museografia, optei por uma apresentação simples, limpa, minimal, com muito “ar”. Ela contradiz visual e espacialmente o caráter mais compressivo, próprio de uma mostra panorâmica, enfatizando o perfil da exposição. Assim, serão empregadas as características originais do espaço do MAM (relação interior-exterior, luz natural, disposição expansiva das salas, continuidade visual) em dois grandes espaços com o mínimo de painéis, articulados com um desenho museográfico simples, que facilita a concepção unitária e dialogadora da exposição. Este esquema também oferece maior espaço aos participantes para comunicarem suas mensagens artísticas e propicia a relação estética com as obras.

Uma parte notável da mostra (obras de sete artistas) estende-se além das salas do museu. Estes deslocamentos são de grau diverso. Fernanda Gomes introduz a luz solar dentro das salas através de um conjunto de espelhos situados nas árvores do parque que está ao redor do Museu. Leva assim ao máximo o papel da iluminação 113 natural que penetra nas salas através da parede exterior de vidros transparentes do edifício do MAM. Adriana Varejão entra com sua obra no espaço expositivo a partir de um corredor. (Este corredor foi construído fora do prédio, ou é dentro mesmo?) Ernesto Neto faz uma intervenção na sala do Museu onde se exibe permanentemente a Aranha de Louise Bourgeois, dialogando com esta artista (que surge, de fato, de forma inesperada, como outra participante no Panorama). Os irmãos Guimarães realizam uma de suas performances no parque em frente do Museu. Paulo Climachauska situa pequenas peças múltiplas nas salas do MAM e de outros museus em São Paulo. Lucas Levitan e Jailton Moreira apresentam sua obra na loja do Museu e numa loja especializada de música na cidade. Finalmente, José Guedes aumenta as listas brancas das faixas de pedestre na rua principal do Parque do Ibirapuera. Estes trabalhos tratarão de adequar-se aos outros museus e cidades para onde a mostra viajará. Apesar de ser possível que em alguns casos não possam ser realizadas por serem muito específicas ou por problemas técnicos, haverá a tentativa de variações inventivas.

O Panorama inclui três artistas não brasileiros que não moram no Brasil. Um deles, o argentino Jorge Macchi, trabalha com uma galeria de São Paulo, mas os outros dois nem sequer estiveram no país. Todos foram selecionados porque suas obras se encaixam muito adequadamente no conceito e discurso da mostra, e a enriquecem com vistas a outras perspectivas. Além deste motivo fundamental, a presença – pela primeira vez – de convidados no Panorama possui traz? várias implicações. Por um lado, insiste no sentido “temático”, anti-Panorama, da mostra. Por outro, se esta concepção autoral, anti-survey, contradiz o primeiro termo do enunciado do evento (“Panorama”), a inclusão dos estrangeiros contradiz seu segundo termo (“da Arte Brasileira”). Assim, o próprio nome da mostra fica como um significante esvaziado, que transfere boa parte de seu sentido ao subtítulo. Permanece à maneira de uma dessas fachadas de edifícios históricos que se preservam por razões monumentais, enquanto o interior se transforma tendo em vista outras funções, para satisfazer necessidades contemporâneas. Entretanto, esse desarrumo do Panorama é mais uma desconstrução provocadora do que uma mudança taxativa: no final, mostra-se uma tendência muito relevante na arte brasileira atual, e os estrangeiros constituem nem a quinta parte dos participantes. Afora a proporção numérica, as obras dos três 114 convidados foram escolhidas também pelo fato de que consomem consumirem pouco espaço e orçamento.

A inserção dos convidados realiza um comentário de “autocrítica”, a partir de dentro, às exposições determinadas por visões nacionais ou regionais, cujo momento, na opinião do curador, passou. Esta crítica é muito pertinente na América Latina, onde a neurose da identidade e o fundamentalismo nacionalista mantêm certa força apesar do aumento na circulação internacional da arte que teve lugar em escala mundial nos últimos anos. O Brasil, justamente, constituiu uma exceção, principalmente a partir da segunda metade do século passado. Mas mesmo antes da fundação da Bienal de São Paulo, em 1951, a primeira exposição do grupo SPAM, no início dos anos 30, e os três Salões de Maio organizados em São Paulo, em 1937 e 1939, apresentaram conjuntamente artistas brasileiros e internacionais. De igual modo, houve coleções com um perfil global desde muito cedo, algo que, em geral, somente ocorreu na América Latina muito mais tarde, e , aliás, em um par de países. A cena artística do Brasil foi mais promíscua e aberta ao exterior do que a mídia latino-americana, e preocupou-se menos em mostrar seu documento de identidade. Ivo Mesquita chegou a afirmar que “o fenômeno denominado ‘arte brasileira’ sempre teve um sabor genuinamente internacional”.33 Deste modo, a apresentação conjunta dos brasileiros e dos artistas convidados neste Panorama destaca a vocação internacional da arte contemporânea no Brasil e seu uso da “linguagem internacional” de um modo próprio.

Em cada cidade do exterior onde a mostra for apresentada se procurará incluir um artista local que contribua com o enriquecimento do conceito e do discurso visual da mesma. Assim, o número de “desarranjos” mudará, inclusive no título, em cada locação, tanto por acrescentar novos artistas quanto pela não-participação de algum brasileiro por razões técnicas ou de orçamento. O próprio título oferecerá, assim, uma visão flexível para as adequações que a mostra poderá experimentar durante seu itinerário.

É propósito primordial que o Panorama viaje pela primeira vez ao exterior, e que o faça como uma mostra “temática” de interesse internacional. Tal objetivo possui três vertentes. A primeira, contribuir com a difusão da arte atual do Brasil enquanto prática com características próprias, produtora de uma das cenas artísticas mais fortes do

33 Ivo Mesquita. “Brasil” . In Edward Sullivan (editor): Arte latinoamericano del Siglo XX, Madri, Nerea, 1997, p. 228.

115 mundo. Vários artistas brasileiros circulam internacionalmente, mas o Brasil é pouco conhecido como um espaço artístico de primeira importância e com um perfil peculiar. Quase sempre fica a impressão de que Hélio Oiticica, Lygia Clark ou Cildo Meireles surgiram do nada, pois há ainda um grande desconhecimento com respeito aos processos culturais no Brasil e de suas constelações de artistas e movimentos.

A segunda vertente tem por fim oferecer a mostra em países ou regiões que permanecem afastados dos “circuitos internacionais” e onde se manifesta uma energia emergente. Nestes lugares, o exemplo e a experiência da plástica brasileira podem gerar um intercâmbio frutífero, especialmente para os artistas e críticos jovens. Os brasileiros, por sua vez, teriam muito que aprender. Como mencionava Paulo Herkenhoff, “parece que dirigimos à arte de muitos de nossos vizinhos o mesmo olhar vago que experimentamos da parte dos Estados Unidos e da Europa em relação à arte brasileira”34. Os complexos de superioridade isolam tanto o “superior” quanto o “inferior”, o “centro” quanto a “periferia”, empobrecendo a todos. Deixando isso de lado, intercâmbios “horizontais”, Sul-Sul, são da máxima importância para conseguir uma circulação artística verdadeiramente global. Refiro-me ao esforço no sentido de criar uma pluralidade de circuitos internacionais capazes de estabelecer suas próprias práticas e valores que vão mais adiante de seus contextos, problematizando o que entendemos por “arte internacional”, “linguagem artística internacional” e “cena artística internacional”, ou ainda aquilo que chamamos “contemporâneo”. Além desse empenho, a última – porém não menos importante – vertente é, simplesmente, circular uma exposição capaz de gerar interesse por si própria.

O Panorama da Arte Brasileira, organizado pelo MAM desde 1969, é a segunda exposição periódica mais importante e bem estabelecida no Brasil, apenas superada pela Bienal de São Paulo, o que representa um sucesso mas também pode ser uma carga. Toda instituição bem estabelecida precisa de sacudidas periódicas que lhe permitam renovar-se, e o Panorama já o fez com antecedência. A decisão atual de encarregar a curadoria pela primeira vez a um estrangeiro indica uma preocupação dos organizadores nesse sentido. Por essa razão achei que não tinha sido chamado para vir de tão longe apenas para repetir o que meus colegas brasileiros já tinham realizado anteriormente, de um modo muito melhor do que sou capaz de fazer.

34 Paulo Herkenhoff. “The Void and the Dialogue in the Western Hemisphere”. In Gerardo Mosquera (editor): Beyond the Fantastic. Contemporary Art Criticism from Latin America, Londres, inIVA, 1995, p. 70.

116

Propus-me assim uma curadoria com um duplo objetivo e em duas direções: trabalhar não só com a arte e os artistas, mas também com o Panorama como instituição. Fazer uma exposição e ao mesmo tempo desarrumar seu quadro institucional e sua estabilidade com a finalidade de mudanças renovadoras. Ao mesmo tempo, procurei uma semelhança conceitual entre os dois objetivos e concepções, de modo que combinassem harmoniosamente, buscando uma coerência geral do projeto.

No entanto, não é minha intenção propor que o Panorama continue do modo em que foi concebido por mim, embora talvez algumas linhas possam ser mantidas de uma forma ou de outra. Tentei, aliás, uma provocação em vários sentidos. Como já disse, minhas perturbações no Panorama, se extremas, foram porém internas, sem transpor fronteiras. Por isso são ironias em ação. Algumas se manifestam em detalhes; por exemplo, além do valor e da pertinência indiscutível destes artistas, a inclusão de uma chinesa e, principalmente, de um argentino no Panorama da Arte Brasileira desconstrói ao absurdo o corte nacional e o título do evento. De certa maneira quis, também, como caribenho, responder a essa inclinação brasileira que Mesquita resumiu do seguinte modo: “Se algo nos separa da trágica sensibilidade de nossos vizinhos hispânicos, é precisamente nossa capacidade para rirmos dos outros e de nós mesmos. Este traço, contudo, é produto da ansiedade, do fato de que desconhecemos nossa própria situação (…)”.35 Seguindo esse espírito, este é um Panorama que ri.

DESARRANJO É um lugar-comum afirmar que, de um modo geral, a arte brasileira tem seguido uma inclinação construtiva – no sentido mais amplo do termo – a partir do impacto exercido no Brasil, nos anos 50, pelo concretismo, que foi a prolongação mais influente do construtivismo original. Este estereótipo, como tantos outros, encerra bastante verdade.

Na minha opinião, o que Max Bill fez de mais importante em sua vida foi visitar o Brasil. O artista e arquiteto suíço realizou uma mostra pessoal no Museu de Arte de São Paulo, em 1950, e deu conferências em São Paulo mesmo e no Rio de Janeiro. Como se sabe, um ano depois ganhou o prêmio na primeira Bienal de São Paulo, e em

35 Mesquita, op. cit., p. 202. 117

1953 percorreu o Brasil a convite do governo. Seus postulados estimularam uma nova época na arte brasileira. Mais do que isso, seu impacto chegou até o novo milênio, servindo de base a toda uma orientação artística que o transcendeu, rumo às poéticas originais. Bill foi o detonador de um processo que deixou sua marca a um dos meios artísticos mais valiosos e promissores na atualidade (apesar de que tornaria a cair morto se visse quais foram os resultados de seus discursos fundamentalistas).

Entretanto, a extraordinária influência do concretismo no Brasil manifestou-se mais por tudo o que os brasileiros desarranjaram criativamente do que por aquilo que seguiram. Mas desordenar não significa negar totalmente. É surpreendente comprovar o quanto os artistas brasileiros tendem a estabelecer estruturas, criar “novas realidades” insólitas, ordenar componentes de caráter serial, trabalhar por adição de unidades, usar a geometria ou certa pulsão matemática de maneira direta ou indireta… A arte brasileira possui também uma sensibilidade única ao material e se fundamenta no objeto, sua realidade, sua fisicalidade. Trata-se de uma orientação prevalecente em termos gerais, embora coexista com muitas outras práticas. Confere ao Brasil uma marca peculiar, que se salienta em relação às inclinações dominantes no resto dos países da América Latina.

A partir daqui, alguns artistas criam suas obras através do recurso formal e conceitual de “desarranjar” uma estrutura. Este “desarranjo” pode ser realizado na dimensão formal da obra, em seu conteúdo, em sua projeção, ou em todos eles. Trata-se de um proceder desconstrutivo, tanto em relação à estética construtiva quanto no sentido derridareano do termo: um construtivismo de signo contrário, uma negação da estrutura a partir de dentro da própria estrutura – pressupondo-a e sem fazê-la explodir –, uma crítica que é simultaneamente uma autocrítica. Neste ato, a operação de desestruturar constrói o próprio significado das obras em suas múltiplas implicações. Dizia Gaston Bachelard: “Queremos sempre que a imaginação seja a faculdade de formar imagens. E é, pelo contrário, a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção e, principalmente, a faculdade de livrar-nos das imagens primeiras, de mudar as imagens”.36

36 Gaston Bachelard. El aire y los sueños. Ensayo sobre la imaginación y el movimiento . México D. F., Fondo de Cultura Económica, 2002, p. 9. Devo esta referência a Glenda León.

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Acho que uma zona importante da imaginação artística brasileira é assim: uma imaginação como “mudança”, como “deformação” de imagens existentes e também de imagens “primeiras”, de raiz. Uma boa parte da arte brasileira precisa de contornos prévios sobre os quais, e dentro dos quais, exercerá sua liberdade. É uma liberdade no interior de uma prisão querida e agradável, como “o amor na prisão de teus braços”, de que falava um velho bolero que acabo de inventar. Insisto em que não estou me referindo a um procedimento de design, mas sim a uma variedade de estratégias estético-discursivas, com freqüência bastante complexas e sutis, com o propósito de criar sentido. De certo modo, elas subvertem a partir de dentro o limite construtivo, porém sem transpô-lo, e sim ampliando suas possibilidades em direção a campos inéditos, potenciando-as de forma nova, pulsando uma tensão criadora de significados. A freqüência desta operação no Brasil deve ter origem no neoconcretismo, que foi um “desarranjo” cuja influência ambígua e multidirecional persiste até hoje, muito enraizada na dinâmica artística do país.

Toda esta orientação se encaixa nas tendências pós-minimalistas e pós-conceituais da chamada linguagem artística internacional. Mas, de qualquer modo, os brasileiros são “pós” cheios de mundo. Em certo sentido, o minimalismo foi um “sonho da razão” do concretismo, ao mesmo tempo que um concretismo ingênuo, “à americana”, e desenganado de aspirações de design e arquitetura. Posteriormente, o pós- minimalismo foi seu neoconcretismo. Este modo revertido de colocar as coisas me parece plausível, afora o rumo anti-hegemônico que implica, porque o neoconcretismo antecedeu em muitos anos o pós-minimalismo, além de abrir um caminho novo, diferente.

Fazendo eco à herança neoconcreta e pós-neoconcreta, muitos artistas brasileiros atuais – tanto os “rigoristas” de São Paulo como os “lúdicos” do Rio de Janeiro, para seguir com a dicotomia clássica – trabalham com uma liberdade, uma emotividade, uma espontaneidade e uma sensibilidade particulares, às vezes inefável, que lhes dá um traço característico que vai mais longe de sua diversidade. Eles introduziram uma – talvez paradoxal – expressividade no detachment contemporâneo, tornaram complexa ao máximo a estética do material, munindo-o ao mesmo tempo de uma carga subjetiva, e diversificaram, tornaram mais complexa e também subverteram a prática da “linguagem internacional”. 119

A personalidade desta plástica (o que quer dizer isso... visualidade?) anti-samba não se produz – como ocorre tanto na arte latino-americana – mediante representações, simbolizações ou ativações importantes da cultura vernácula, mas por uma maneira específica de fazer a arte contemporânea, ou seja, mais pelos modos de fazer os textos do que de projetar os contextos. Comentando sobre o debate entre neoconcretos e pós-neoconcretos nos anos 60 e 70, Tadeu Chiarelli precisou que, já então, “em tal debate finalmente encontra-se fora de questão a querela nacional versus internacional, ou o próprio desejo de criação de uma arte nacional, ainda presente em determinado momento da trajetória neoconcreta”.37 Superar todo o resto de neurose nacionalista e de suas tensas disjuntivas permitiu que os artistas brasileiros se concentrassem no trabalho em si e com calma (o que, certamente, seria bastante saudável para muitos artistas latino-americanos ainda a essa altura). Tal posicionamento, ligado à atração pela vanguarda internacional que foi enraizando-se em conseqüência das Bienais de São Paulo, e junto com outros processos facilitados pelo sincretismo cultural do Brasil, produziu o que vejo como uma superação do programa da Antropofagia.38 Não se trata mais de apropriar-se e deglutir o “internacional”, mas sim de fazê-lo diretamente. Se, em termos bem gerais, foi imposto pelo mundo um tipo de “linguagem artística internacional”39 fruto da maior internacionalização dos circuitos e do mercado da arte, os brasileiros, mais do que falar esta linguagem com sotaque, estão construindo-a à brasileira, isto é, reinventando-a à sua própria maneira.

Trata-se de um rumo muito importante, porque o fluxo da cultura não pode ficar sempre na mesma direção Norte-Sul, conforme dita a estrutura de poder. Não importa quão plausíveis sejam as estratégias de apropriação e transculturação comuns no âmbito pós-colonial, implicam um jogo de rebote que reproduz aquela estrutura hegemônica, embora a contestem e se valham da mesma para afirmar as diferenças e interesses próprios daquele âmbito.

Esta transformação dos cânones globais pela arte brasileira contemporânea também constitui um “desarranjo”. Permite proceder em sentido contrário, do Brasil para o mundo, e ver certa poética “brasileira” nas obras dos três artistas estrangeiros

37 Tadeu Chiarelli. Arte internacional brasileira . São Paulo, Lemos Editorial, 2002, 2ª edição, p. 35.

38 A estratégia de apropriação cultural do alheio proclamada no Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade (1928) é ao mesmo tempo um programa artístico e uma descrição metafórica da tendência à cópia criativa freqüente no Brasil e na cultura da América Latina.

39 Gerardo Mosquera. "¿Lenguaje internacional?". Madri, Lápiz, nº 121, abril de 1996, p. 12-15. 120 incluídos na mostra, que vai além de seus traços muito pessoais e de suas diferenças. Não quero dizer que estes artistas tenham necessariamente recebido influências da arte brasileira – o que é pouco provável em dois deles –, mas coincidem em certos traços gerais bastante freqüentes e marcados na arte do Brasil, traços que encarnam e expandem orientações de época. Ao mesmo tempo, os “desarranjos” dos artistas convidados contribuem muito ativamente para diversificar e enriquecer o alcance da exposição.

O conceito de “desarranjo” como eixo para a seleção dos artistas e suas obras, bem como para o discurso conceitual e visual da mostra, corresponde-se com o desarrumo introduzido na estrutura tradicional do Panorama. A exposição, conforme já foi dito, consiste em um projeto duplo, voltado tanto para a arte e os artistas como para a instituição. Estas idéias inspiram-se num músico cubano: o pianista e compositor Felo Bergaza, uma figura bastante esquecida da vida noturna havanesa dos anos sessenta. Nas noites do cabaré Tropicana, Felo entusiasmava as pessoas com os arranjos musicais que tocava num grande piano de cauda. Eram tão radicais que ele os denominava “desarranjos”. Sua exaltada inventividade de compositor e executante fazia com que no final pouco restasse do número original, embora seus contornos não fossem ultrapassados.

De modo parecido, nesta mostra e em suas obras o fato criativo se manifesta num ato suave de subversão. Talvez este último se relacione com o espírito destes tempos metamórficos, onde as mudanças têm lugar nas margens, nas fronteiras, nos interstícios, nas mini-políticas... numa complexa trama de readequações. Apesar de se ter falado de uma “era da aquiescência”40 (favor fornecer o inglês), creio com bastante otimismo que se trata, na verdade, de um tempo dialógico, onde as transformações se desenvolvem de um modo diferente, em sentido horizontal e expandido mais do que vertical e concentrado. Vivemos uma época de reajuste, que entrelaça uma pluralidade de processos onde participam agentes sociais e culturais anteriormente excluídos. Ultrapassando a arte e a cultura, toda uma estratégia do “desarranjo” caracteriza – e simultaneamente metaforiza – um mundo pós-utópico onde a dinâmica de transformação, mais do que mudar o que é, procura “desarranjá-lo”.

40 Russell Jacoby. The End of Utopia. Politics and Culture in an Age of Apathy, Nova Iorque, Basic Books, 1999, p. 11.

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* * *

Meu trabalho por todo o Brasil esteve sempre rodeado de hospitalidade, simpatia, ajuda e entusiasmo. Portanto, meu primeiro e maior agradecimento vai para o país e sua gente41. Desejo também reconhecer especialmente o axé das equipes de curadoria, educação, imprensa, montagem e projeto do MAM,42 bem como de sua diretora. Diverti-me muito trabalhando com eles. Além disso, quero destacar os valiosos intercâmbios com os colegas Felipe Chaimovich, Tadeu Chiarelli, Rejane Cintrão, Paulo Herkenhoff, Ivo Mesquita, Maria Alice Milliet, Adriano Pedrosa, e Adrienne Samos, cujas generosas opiniões tanto me ajudaram. Agradeço a Samos, também, por ter aceitado trabalhar como curadora assistente. Estou muito em dívida com aqueles que me atenderam e me assessoraram em minhas inesquecíveis andanças pelo país: Moacir dos Anjos, Barbara Cunha Lima, Eduardo Frota, Luisa Interlenghi, Marco Mello, Vicente de Mello, Rodrigo Moura, Emmanuel Nassar, Nina Matos, Gê Orthof, Marília Panitz, Heitor Reis, Elder Rocha, Elida Tessler… Agradeço aos artistas participantes por seu entusiasmo, confiança e capacidade de resposta: nos demos muito bem no baile. Também aos colecionadores, às instituições e galerias que emprestaram suas obras e facilitaram meu trabalho, especialmente a Galeria Fortes Vilaça e a Galeria Luisa Strina. Fico com saudade de todos.

41 Agradeço em particular por não ter sido assaltado dessa vez no Rio.

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PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2005

CHAIMOVICH, Felipe. “Academia Contemporânea”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2005. ENTRE GRITANDO. São Paulo, 2005, p. 60-77.

ACADEMIA CONTEMPORÂNEA

“Quando raiará, para os brasileiros, o dia em que compreendam que na religião das Letras, Ciências e Artes, unicamente, assentam as glórias das nações?" Jacques Arago, Souvenirs d'un Aveugle: voyages autour du monde, 1834

1. INTRODUÇĀO

Que é arte brasileira?

Essa questão é colocada pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo desde 1969, por meio da exposição regular da instituição chamada Panorama da Arte Brasileira. A curadoria desta vigésima nona edição, em 2005, teve por objetivo refletir sobre as atuais condições de a arte nacional ser representada por meio de uma coletiva de arte contemporânea.

0 Panorama tem sido levado a outras instituições museológicas do Brasil nos últimos dez anos. As viagens da mostra tornaram-na singular por propor uma representação nacional, a partir de São Paulo, que já viajou para Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e Salvador, sendo hoje a única a assumir tal posição no país.

O Panorama de 2003 saiu pela primeira vez do Brasil, indo para Vigo, na Espanha. Em 2006, continua previsto o prosseguimento da exposição pela América do Sul. Assim, o MAM enviou uma representação nacional para o exterior, marcando novo estágio da mostra.

123

A questão da nacionalidade da arte brasileira foi aqui investigada sob dois aspectos. Por um lado, visando a compor a representatividade nacional por meio da inclusão de cinuenta autores de todas as quatorze cidades visitadas por mim, entre janeiro e julho de 2005 : Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Olinda, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Por outro, organizando a mostra conforme um debate internacional sobre as condições da arte contemporânea, mas focado no problema da nacionalidade.

2. ARTE NACIONAL BRASILEIRA

A arte nacional apareceu no Ocidente há duzentos anos, Junto com o uso moderno do termo nação. “Nação" passara a designar não mais o lugar de nascimento, mas a união dos membros sociais pela obediência a uma soberania surgida da vontade revolucionária de fundamentos novos; com as nações, a soberania tornou-se abstrata, pois não era mais encarnada num dos monarcas sagrados europeus. Nação indica, pois, uma utopia fundada pela ruptura43, donde a multiplicidade de suas definições.44

Historicamente, a arte nacional surge com a Revolução Francesa; quando a Academia Real de Pintura e Escultura da França é fechada, as leis sindicais de Paris sobre o exercício da pintura e da escultura são abolidas e as coleções reais são agrupadas no palácio real do Louvre e esse é aberto aos cidadãos como museu público. Porém, a produção de pintura e escultura é recomposta no Império, dez anos depois, sob a forma de uma seção de Belas-Artes do Instituto da França. Napoleão, ao tomar as rédeas do processo revolucionário, produziu a representação de seu império secular45 por meio dos membros da antiga Academia Real, reagrupados no Instituto46. Manteve-se, pois, o sistema vigente desde a reforma da Academia Francesa por Lebrun, na década de 1660, sob o reinado de Luís XIV - embora, no início do século 19, não houvesse mais príncipe sagrado da Franca. Napoleão fez desenhar, pintar, esculpir e arquitetar a nova França conforme os padrões dos antigos reis Bourbon.

43 Cf. Saliba, As utopias românticas, São Paulo, Brasiliense, 1991. 44 Cf. Hobsbawn, Nations and nationalisms since 1780: programme, myth, reality, Cambridge UK, Cambridge University Press, 2004, 2a ed., pp. 14-45. 45 Cf. Hobsbawn, A Era das Revoluções: 1789 - 1848, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, 9a ed., pp. 92-94. 46 Cf. Pevsner, Academias de arte: passado e presente, São Paulo, Companhia das Letras, 2005, pp. 236-285. 124

A derrota de Napoleão, em 1814, levou à restauração da monarquia dos Bourbon. O Instituto da França foi transformado em Academia de Belas-Artes em 1816, por Luís XVIII.

Durante o tumulto da restauração, Joachim Lebreton, diretor do Museu do Louvre durante o governo de Napoleão, decide negociar o posto de organizador de uma escola de artes aplicadas junto ao regente de Portugal; embora o príncipe português fosse primo dos Bourbon, encontrava-se distante de Paris, e Lebreton escaparia às retaliações dos restauradores se estivesse a mais de um oceano de distâncias47. D. João Vl habitava o Rio de Janeiro, para onde fugira das tropas napoleônicas, transferindo sua corte em 1808. Numa apressada negociação, Lebreton adquire quadros para servirem à educação no longínquo destino, junta colaboradores e aporta no Rio de Janeiro, em 1816. Começava a arte nacional brasileira.

A resistência de D. João VI em implantar de fato a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, surgida conforme seu próprio decreto de 181648, mostra a delicada situação do monarca perante o primo Bourbon, restaurando o trono francês, ao acolher um grupo de bonapartistas no Brasil. Além disso, a própria coroa portuguesa sofrera o deslocamento atlântico devido a Napoleão, como recordavam os membros da corte.

Entretanto, D. Pedro I, herdeiro de D. João VI, era admirador de Napoleão. Protagonista da independência do Brasil, em 1822, o primeiro imperador ocidental da América instala por fim a Academia Imperial de Belas-Artes, em 182649. O sistema artístico francês é implementado no Brasil, passando a normatizar a produção de desenho, pintura, escultura e arquitetura no país, por meio da educação oficial de artistas, conforme o modelo da Academia de Luís XIV, mas para fins representativos das novas nações surgidas em consequência da Revolução Francesa. A bandeira brasileira marca esse ideário imperial: Debret desenha-a para D. Pedro I, conforme o modelo dos estandartes das tropas de Napoleão.50

47 Cf. Bandeira, "Quadros Históricos: uma história da Missão Francesa", em Bandeira et al, A Missão Francesa, Rio de Janeiro, Sextante, 2003, pp. 15-63. 48 Cf. Taunay, A Missão Artística de 1816, Rio de Janeiro, Diretoria do Património Histórico e Artístico Nacional, 1956, pp. 18-19. 49 Cf. Taunay, A Missão Artística de 1816, Rio de Janeiro, Diretoria do Património Histórico e Artístico Nacional, 1956, pp. 240-41. 50 Cf. Bandeira, "Quadros Históricos: uma história da Missão Francesa", em Bandeira et al., A Missão Francesa, Rio de Janeiro, Sextante, 2003, pp. 57-63. 125

A oposição entre antigo e moderno, motor fundamental da Academia bourbônica desde o século 17, é instaurada no Brasil. A Academia de Belas-Artes ensinaria a sintetizar fórmulas da Antigüidade greco-latina para figurar novas linhagens de governantes e seus domínios. Mas, após a experiência revolucionária do império de Napoleão, a imperial escola brasileira também colaboraria com o Estado para dar forma a projetos utópicos nacionais.

A linha francesa dos bonapartistas permanece durante o Segundo Império brasileiro. Os herdeiros de Lebreton, como Araújo de Porto Alegre51, tentam implantar reformas no ensino na metade do século 19, para coordená-lo com as artes aplicadas, assim colaborando com a indústria. Mas as condições da sociedade brasileira, sobretudo o trabalho escravo, mantiveram uma linha conservadora que impediu maiores avanços.52

Com a abolição da escravatura, o fim do Império e o início da República, São Paulo passa a liderar a revolução industrial no Brasil. A articulação do Partido Republicano Paulista formou uma elite ocupada com o ensino das belas-artes em coordenação com o progresso da indústria. Em 1905, o Liceu de Artes e Ofícios do Estado de São Paulo ganha uma pinacoteca com obras de oito pintores, alguns deles educados na Academia imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro; e, em 1912, cria-se um prêmio paulista de bolsa de estudo na Europa, chamado Pensionato Artístico.

Dentre os membros dessa elite do republicanismo paulista, nascerão promotores do experimentalismo artístico.53 A utopia revolucionária estava ganhando interpretações estéticas associadas às vanguardas artísticas parisienses, alemãs e italianas desde antes da Primeira Guerra. Assim, o projeto de associar o experimentalismo artístico à cultura industrial ganha adesão de forças conservadoras paulistas, cujo maior símbolo é o festival da Semana de Arte Moderna no palaciano Teatro Municipal de São Paulo, em 1922.

O processo revolucionário de 1930 traria conseqüências para a Escola de Belas-Artes do Rio, fundada pelos bonapartistas. Em 1931, o arquiteto Lucio Costa tornou-se diretor da instituição, implantando os ensinamentos da Bauhaus e de Le Corbusier em

51 Ver Pontual, Dicionário das Artes Plásticas no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1969, pp. 435-36. 52 Cf. Ricupero, O romantismo e a idéia de nação no Brasil (1830-1870), São Paulo, Martins Fontes, 2004. 53 Cf. Miceti, Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico em São Paulo, São Paulo, Companhia das Letras, 2003. 126 favor do funcionalismo e da nova tecnologia. No mesmo ano, Manuel Bandeira, poeta Ligado à Semana de 1922, é escolhido para a presidência do Salão Nacional de Belas- Artes. Em 1937, o escritor Mário de Andrade, conselheiro de orientação artística do Estado de São Paulo, redige os estatutos fundadores do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ponto de encontro dos modernistas brasileiros a serviço do Estado; no mesmo ano, a Escola Nacional de Belas-Artes é desmembrada, passando a abrigar o então criado Museu Nacional de Belas-Artes, cujo patrimônio incorpora as obras trazidas pelo grupo de Lebreton e a produção de artistas acadêmicos do país. A partir de então, os modernistas passam a representar a Academia brasileira no século 20.

Na década de 1940, os modernistas de Estado coordenam a promoção de pintores, escultores e arquitetos modelados conforme o nacional-modernismo posterior à Semana de 1922 e à ascensão pública com o governo do revolucionário Getúlio Vargas. Para tal, lançam um projeto de tombamento de bens considerados testemunhos arquitetônicos ou paisagísticos; o Estado expandia a coleção de elementos formadores, transpondo o espaço museológico para ganhar a geocultura do país. Fundam-se o Museu Imperial de Petrópolis, o Museu da Inconfidência de Ouro Preto, o Museu do Ouro, em Sabará, o Museu Victor Meirelles, de Florianópolis etc.

A Segunda Guerra e seu desdobramento imediato, a Guerra Fria, inscrevem as vanguardas parisienses, alemãs e italianas definitivamente na historia da arte do século 20. Por um lado, os Estados Unidos fortalecem o poder do Museu de Arte Moderna de Nova York; tal posição garantiria um redirecionamento na representação da arte norte-americana perante o mundo, pois os Estados Unidos reagem ao realismo soviético pela defesa internacional da abstração durante os anos 1950. Por outro, a diplomacia artística norte-americana apoia a criação de museus e mostras de arte que difundissem a visão de que a arte moderna prosseguia na Guerra Fria sob a forma da abstração.54 55

54 Cf. Sala, "As origens históricas do acervo do Museu Nacional de Belas-Artes, Rio de Janeiro", em Lustosa (org.), Acervo do Museu Nacional de Belas-Artes, São Paulo, Instituto Cultural Banco Santos, 2002, pp. 26-27. 55 Cf. Cockroft, "Abstract Expressionism Weapon of the Cold War", em Frascina e Harris (eds.), Art in Modern Culture, Londres, Phaidon, pp. 82-90, e Grasskamp, "For example, Documenta, or, how is art history produced?”, em Greenberg et al. (eds.), Thinking about Exhibitions, Londres, Routledge, 1996, pp. 67-78. 127

As condições do início da Guerra Fria beneficiaram a política de expansão museológica do nacional-modernismo. Desde a década de 1930, a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Museu Nacional de Belas-Artes haviam adquirido obras de Tarsila do Amaral, e Lasar Segall. Todavia, criam-se dois museus para arte moderna, inovadoramente independentes do Estado, pois surgem como associações de amigos o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1 947, e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1948. Ainda nesse ano, surge uma terceira instituição independente do Estado, o Museu de Arte de São Paulo, com o apoio particular de Assis chateaubriand, que, junto a outros doadores, adquire acervo exemplar para formação do público em história da arte ocidental. Em 1951, o MAM de São Paulo cria sua Bienal Internacional, que viria a ocupar o lugar de ponto de encontro regular entre a arte do país e a estrangeira, tornando-se uma fundação igualmente independente, em 1963. Em 1959, surge o Museu de Arte Moderna da Bahia.

Sob certo aspecto, essa especialização dos museus de arte moderna marca uma continuidade com o projeto bonapartista, implantado no Brasil a partir de 1816. Os museus de arte moderna assumem o projeto de contribuir para uma aliança entre as artes e a indústria, ideal desde o Império, assim como para a educação e o progresso da cidadania federativa, ideal desde a República. Soma-se a promoção do experimentalismo artístico das jovens vanguardas56, cujos representantes mais velhos no país ocupavam cargos públicos.

Sob outro ponto de vista, entretanto, trata-se de uma mudança em relação ao Estado, a qual se provaria multiplicadora do bonapartismo museológico no Brasil. O estatuto de associação de amigos ou fundação criava autonomia para captar recursos, dando opções para o constante contingenciamento de verbas públicas, dependentes da política do país. O apoio de patrocinadores privados selava a aliança com o capital e a indústria.

A autonomia das instituições de arte moderna teve consequências ambivalentes durante o período estatizante da ditadura militar. O MAM de São Paulo permaneceu neutro, pois tivera seu acervo transferido para a Universidade de São Paulo em 1963,

56 Ver Charoux et al., "Ruptura”, em Cocchiarale e Geiger, Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos anos cinquenta, Rio de Janeiro, Funarte, 2004, p. 219. 128 passando por uma crise nos anos 1960 da qual sairia, a partir de 1969, com a criação do Panorama da Arte Brasileira, cujas premiações tinham o propósito de formar seu novo acervo. A Bienal foi boicotada entre 1969 e 1980 por artistas que a consideravam unida à imagem do governo ditatorial brasileiro, ausentando-se como forma de protesto57. Mas, enquanto houve possibilidade de protesto institucional contra a ditadura, o MAM do Rio abrigou as mostras Opinião 65 e Nova Objetividade Brasileira, em 1967.

O grupo da Nova Objetividade Brasileira rompe com formas tradicionais do objeto de arte, como o quadro de cavalete e a escultura. Tal mudança inscreve-se no quadro internacional de protesto contra as instituições dominantes durante aquele estágio da Guerra Fria.58 A pertinência de tais obras ao espaço museológico torna-se problemática, como mostra o confronto com a polícia ocorrido na abertura de Opinião 65, quando Hélio Oiticica exibe os Parangolés num ritual de dança, no MAM do Rio.

A referência a qualquer herança acadêmica é objetável para o experimentalismo brasileiro dos anos 1970. Estratégias independentes, como a Inserção em circuitos ideológicos, de Cildo Meireles, realizada em 1970 e 1975, escapam dos museus e das categorias de arte dominantes.

Em 1979, termina a direção do Patrimônio Histórico e Artístico e Nacional por membros do grupo original de 1937. Na década de 1980, a arte é desestatizada por meio da criação de um ministério da Cultura, desmembrado do anterior ministério da Educação e Cultura, no início da nova fase democrática.

A aliança entre capital privado e instituições museológicas, concretizada inicialmente pelos museus de arte moderna desde os anos 1940, gerou a multiplicação de espaços brasileiros dedicados ao experimentalismo artístico nos últimos vinte anos. A política de renúncia fiscal como meio de direcionar parte da verba pública para a cultura incentivou o financiamento privado de mostras aprovadas pelos órgãos do Estado. Essa nova Logística de financiamento coincide com o crescimento de espaços para a arte contemporânea.

57 Cf. Alambert e Canhete, As Bienais de São Paulo, São Paulo, Boitempo, 2004, pp. 124-154. 58 Ver Oiticica "Esquema geral da Nova Objetividade”, em Peccicini (org.), Objeto: Brasil anos 60, São Paulo, FAAP, 1980. 129

O critério atual de aprovação de financiamento da arte pelos órgãos de cultura implica seu grau de utilidade pública. É, portanto, necessário explicitar parâmetros avaliativos do Estado. o caráter formador das mostras de arte tem sido indicado como regra, incentivando setores pedagógicos de museus e de eventos temporários.

As instituições dedicadas à arte que surgem no Brasil com a nova política de renúncia fiscal já nascem com programas educativos, desde o cuidado com textos didáticos até a contratação de mediadores educacionais: Casa das Onze Janelas de Belém, Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro e de São Paulo, Centro Cultural São Francisco de João Pessoa, Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Museu de Arte Moderna de Recife, Museu Dragão do Mar de Fortaleza, Museu do Estado do Pará, Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, paço das Artes do Rio de Janeiro.

Instituições anteriormente estabelecidas também se adaptam continuamente às mesmas necessidades educacionais, para justificar seu financiamento público e restauro arquitetônico: Museu de Arte Moderna da Bahia, Museu de Arte da Pampulha de Belo Horizonte, Museu Imperial de Petrópolis, Museu Victor Meirelles de Florianópolis, Pinacoteca do Estado de São Paulo.

A arte contemporânea ganhou novos espaços e recuperou antigos. Tem sido financiada pelo potencial de formar reflexão sobre o presente. Com isso, os artistas mais experimentais, desde os membros da Nova Objetividade Brasileira até a novíssima geração, têm ocupado as instituições museológicas.

Ora, o sentido pedagógico da arte é ensinamento essencial da academia. Abordar a arte contemporânea sob o aspecto acadêmico implica pensar o impacto nacional recente que tem tido o novo jogo de financiamento sobre o experimentalismo artístico brasileiro, quando aliado a instituições públicas.

3. O SISTEMA DE GÊNEROS

A divisão da imagem em gêneros estruturava a hierarquia da Academia Real de Pintura e Escultura de Paris. Determina-se assim o sistema completo da representação do mundo por essas artes do desenho. Suas oito partes são: paisagem, retrato, costume, natureza-morta, alegoria, história, religiosidade e emblema (esse último, um 130 misto de pintura ou escultura com dizeres, produzidos, nos moldes bourbônicos, por letrados da Pequena Academia59 60).

O sistema de gêneros foi hierarquizado pelo governo golpista de Luís XIV, que produziu a imagem de seu reino na totalidade dos registros possíveis. Por um ato de força, o rei afastara os nobres da direção da monarquia francesa em 1661.61 Em 1663, ordena a reforma da Academia de Pintura e Escultura, criada durante sua minoridade, na década anterior. O intuito era organizar uma instituição que centralizasse o ensino de desenho na França, tornado monopólio da coroa em 165562. A reforma pedagógica Levou à aplicação do método cartesiano de análise e síntese para gerar manuais de padronização para uso de professores e alunos. Dentre tais escritos, destaca-se o prefácio às Conferências de 1668 por Le Brun, primeiro-pintor do rei e diretor da Manufatura Real de Móveis da Coroa, dita Gobelin. Nesse discurso, ele hierarquiza metodicamente, Pela primeira vez, a totalidade dos temas das imagens planas da Antigüidade greco-latina, segundo parâmetros pedagógicos aristotélicos e estóicos. O resultado, o sistema de gêneros, determinava a posição hierárquica dos acadêmicos, dividida em artistas de gênero alto, baixo ou médio.

O autor de referência para Le Brun era Plínio, O Velho. No século 1, Plínio redigiu a enciclopédica História Natural, descrevendo inúmeras técnicas conhecidas pelos Latinos. No Livro 35, dedica-se à pintura, enumerando suas origens gregas, os principais autores com exemplos biográficos e as escolas regionais. O texto nunca foi perdido, tendo sido lido continuamente nos últimos dois mil anos63. Pintava-se de tudo: guirlandas de flores, retratos, barcos, legumes, heróis etc.

Porém, Le Brun acrescenta à releitura de Plínio as regras de Horácio, outro autor latino. Na sua Arte Poética, Horácio compara a pintura à poesia, indicando os usos de uma e, por extensão, os da outra. “Os poetas pretendem ser úteis, ou deleitar, ou dizer palavras simultaneamente agradáveis e convenientes à vida.”64 Para Horácio, havia

59 Cf. Lippard, Six Years: the dematerialization ofthe art object from 1966 to 1972, Los Angeles, University of Califórnia Press, 1997. 60 Cf. Sabatier, Versailles ou la figure du roi, Paris, Albin Michel, 1999, pp. 243-77. 61 Cf. Beaussant, Louis XIV artiste, Paris, Payot, 1999, pp. 43-61. 62 Cf. Pevsner, As academias de arte: passado e presente, São Paulo, Companhia das Letras, 2005, pp. 143-163. 63 Cf. Dauzat, "Introduction", em Pline l'Ancien, Histoire Naturelle XXXV, Paris, Belles Lettres, 2002. 64 Horacio, The art of poetry, Londres, Loeb, 1955, pp. 333-38. 131 diversas proporções entre a utilidade e o deleite de cada obra de poesia ou pintura, entre sua conveniência para os assuntos da vida e o prazer oferecido por ela.

Em último lugar, os acadêmicos franceses respeitavam a poética de Aristóteles, que dividia a poesia dramática entre alta ou nobre, no caso da tragédia, e baixa ou vulgar, no caso da comédia. A pintura, como a poesia, podia ser nobre ou vulgar.

Somando os três autores, Le Brun produz uma hierarquia das imagens derivadas do desenho, graduada conforme a proporção entre o que ensinam e como atingem os sentidos para tal. As mais educativas e relacionadas a temas nobres, as de história, alegoria, religiosidade e emblema, ganham o estatuto de gênero alto; as menos educativas, as de natureza-morta e paisagem, o de baixo; retrato e costume, o de médio65. A partir de então, a Academia francesa estabelece o modelo hierárquico universal para todas as demais instituições modeladas conforme a ela.

Luís XIV é o primeiro governante de um Estado centralizado a representar seu poder conforme a totalidade do sistema dos gêneros66, superando até sua despótica família fiorentina, os Medici. Embora tivesse rompido com o passado imediato da França, ao afastar os duques do poder após o golpe, representava-se conforme a Antiguidade greco-latina, segundo a qual mostrava o novo governo como idade iluminada do Rei- Sol. Quanto mais nobre fosse o ensinamento artístico sobre a França pós-1661, mais alto se chegava na carreira acadêmica; assim ensinavam os manuais.

A manutenção do sistema acadêmico de gêneros pelo Instituto da Franca, após a Revolução Francesa, é um dos pontos mais delicados da arte ocidental. Pois assim permanece no moderno Ocidente, após a derrocada revolucionária da monarquia teocrática, a possibilidade da representação totalitária de uma idade política pelo artifício da coordenação de todos os gêneros, em função de um Estado centralizador da estética.67

Portanto, o conceito moderno de arte ocidental ainda se define pelo repertório das imagens da Antigüidade, mediado pela descrição de Plínio, o velho. Que essa herança

65 Cf. Santos, Nicolas Poussin: Idéia da paisagem, Tese de Doutoramento, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1997, pp. 42-47. 66 Cf. Burke, The fabrication of Louis XIV, Londres, Yale University Press, 1994. 67 Cf. Irwin, Neoclassicism, Londres, Phaidon, 1997, pp. 249-96. 132 nos chegue por meio de um sistema potencialmente totalitário define nossa situação contemporânea.

Se hoje a arte continua a ser paisagem, retrato, natureza-morta, costume, alegoria, história, religiosidade e emblema, então o sistema de gêneros pode esclarecer simultaneamente uma situação universal do contemporâneo e a natureza da representação de nacionalidade.

4. A SELEÇĀO DAS OBRAS DO PANORAMA 2005

Durante a centena de conversas que tive com artistas, entre janeiro e julho de 2005, propus um diálogo sobre as obras analisadas em termos do sistema de gêneros. Por vezes explicitava minha hipótese curatorial, em outras apenas sugeria um gênero. Mas era unânime a reação de familiaridade dos artistas com o vocabulário de Plínio e de Le Brun. Repetidas vezes esclareciam-se procedimentos do processo de criação, quando referidos à paisagem, religiosidade ou natureza-morta. Seria prova da academicizaçāo da arte contemporânea?

A atual legislação brasileira de renúncia fiscal possibilitou criar ou reformar instituições permanentes e eventos temporários, envolvendo artistas experimentais. Os museus e centros de cultura assim financiados permitem realizar projetos individuais e encontros coletivos em um número crescente de regiões, fortalecendo o diálogo no lugar e gerando impacto integrador, como a residência com cem artistas de todo o país em Faixinal, Paraná, organizada por Agnaldo Farias.

O sentido formador de tais práticas deve ser reconhecido pelo Estado para que elas sejam inscritas como beneficiárias da legislação cultural. Os artistas experimentais que participam desse circuito em expansão pelo país concordam em ter suas obras avaliadas conforme critérios pedagógicos das mostras de que participam. Sob tal aspecto, preservam um sentido acadêmico para a arte contemporânea.

Porém, o fato de inexistir uma estética oficial do país permite a ausência de percepção coletiva, para os artistas com quem conversei, da produção descentralizada e do recente circuito institucional que se tem formado com verbas públicas. O financiamento pulverizado pelas leis de renúncia fiscal cria um efeito cultural 133 centrífugo, fragmentando a visão de Brasil. Essa falta de corporativismo é incompatível com o sentido hierárquico da política acadêmica em Estados totalitários. Logo, não se trata aqui de uma interpretação de acadêmico como propaganda do Estado brasileiro.

Por outro lado, fui apresentado à maior parte dos artistas por museus e galerias. Museus oficiais mediaram meu contato com os artistas em Belém, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Recife e Salvador. Além disso, eu era representante do MAM. Meu contato já se dava com referências a tais órgãos, havendo um sentido acadêmico na institucionalidade dos diálogos que levaram à seleção para o Panorama.

Havia também o problema da representação do nacional. Não pude constatar nenhuma predominância estilística que levasse a um critério estético uniforme de brasilidade. Assim, não proponho qualquer sentido empírico de arte acadêmica espontaneamente brasileira.

A seleção de obras do Panorama 2005 visou a explicitar experimentalismo com os oito gêneros considerados em suas definições clássicas, independentemente de tematizarem um conteúdo brasileiro. Desconsiderou-se, pois, a naturalização da nacionalidade, como um repertório dado que estivesse sendo descoberto ou revisitado. A referência declarada aos gêneros pelos artistas brasileiros contemporâneos evidencia uma herança histórica para além do uso das academias pelo Estado. Assim, em primeiro lugar se trata de recuperar o sistema de gêneros em seu potencial de debate universal da arte.

As obras dos cinquenta autores selecionados foram agrupadas em oito núcleos, divididos conforme o sistema de gêneros. Confrontam-se, pois, no terreno do próprio experimentalismo de cada uma: experiência de paisagem, de retrato etc. A mistura de mídias e de gerações de artistas em cada núcleo reforça a diferença de pontos de vista no diálogo. Mas a universalidade dos gêneros propõe critérios evidentes de agrupamento, esclarecendo para o público processos experimentais de ponta na arte contemporânea.

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4. 1 Paisagem

As obras agrupadas neste núcleo abordam a paisagem sob o aspecto da construção a partir do horizonte.

O barco de Nuno Ramos cria uma horizontalidade para o chão do espaço expositivo, assim como sugere uma cadeia montanhosa que intercepta a visão do conjunto das obras.

A horizontalidade é igualmente medida da rígida pintura de Paulo Meira, estruturada como papel pautado em branco carta vazia, linhas superpostas.

0 horizonte como Limite do curso solar aparece no vídeo de Marilá Dardot. A mudança das estações não abala o ponto de vista da filmagem, que registra a descida do astro até morrer ao fim de cada dia.

0 horizonte montanhoso aparece nos desenhos de Roberto Bethônico. As jazidas montanhosas de ferro fornecem o pigmento para compor, simultaneamente, desenhos de serra e círculos da matéria.

No vídeo de Eder Santos, a paisagem é trêmula. Um cruzeiro escapa continuamente do horizonte, alternando avanço e recuo.

O horizonte é encoberto por rochas nas fotos de Julia Amaral. Porém, as pedras assumem característica animal, abrindo bocas dentadas aos gritos.

0 filme do Torreāo mostra o experimentalismo lúdico de uma viagem de estudos ao deserto de sal, na Bolívia. O árido entorno torna-se tema de exercício, mesclando registro da aventura e vídeos paisagísticos.

4. 2 Costume

As obras agrupadas neste núcleo abordam o costume como experiência de expulsão.

A Casa, de José Bechara, inverte o sentido acolhedor do lar, expelindo móveis que impedem a entrada no cômodo do qual emergem. A desordem avança sobre o espaço expositivo. 135

A cama de João Loureiro nega qualquer conforto ou aquecimento para o usuário. O catre apresenta a dureza monástica com material novo e brilhante.

A performance de Marco Paulo Rolla derruba uma mesa de café da manhã, cujos restos espalhados vão apodrecendo ao vivo, durante o tempo da mostra.

Paulo Bruscky leva ao deslocamento de um funcionário do museu para cumprir expediente na sala de exposição. Tirado do escritório, mostra ao público o dia-a-dia do lugar, sem a proteção do ambiente normal.

Diego Belda tematiza a vida boêmia da sinuca. A sociabilidade de bar e as histórias urbanas tecidas em torno do jogo constroem seu campo pictórico.

Walda Marques apropria-se de revistas ilustradas femininas para contar a história de uma personagem que se apaixona por um marinheiro. A consciência da heroína de ser ela apenas uma fotografia confere estranha vivacidade à fotonovela.

Pitágoras arranca páginas de editoriais de moda em revistas, para deformar os modelos com grafismos opacos sobre os papéis brilhantes.

Luciano Mariussi convida os passantes pelo exterior do museu a entrarem gritando na exposição para ganhar desconto no ingresso, evidenciando interesse no desfrute da arte.

4. 3 Natureza-morta

As obras agrupadas neste núcleo abordam a natureza-morta como experiência de agir sobre o inerte.

A instalação de Mário Simōes convida a escrever sobre pétalas de rosa. A poesia coletiva formada pelas pétalas espalhadas chega até um limite de expansão, antes de ser substituída por rosas frescas, recomeçando o processo.

A fotografia de Valdirlei Dias Nunes figura o curto espaço das naturezas-mortas construídas com câmara-obscura. Porém, a base oca e vazia enfatiza a artificialidade dos arranjos potencialmente figurados. 136

A Pintura de Luiz Sôlha mostra o ateliê do artista explodido pela captura fotográfica de um detalhe da tinta a óleo sobre a palheta. A imagem do quadro corresponde ao material do qual está feita.

As pinturas de Elder Rocha sobrepõem padrões cromáticos abstratos a imagens banais, referindo-se à experiência da televisão como objeto estético estático.

4. 4 Retrato

As obras agrupadas neste núcleo abordam o retrato como produção de uma semelhança desencontrada.

A performance do Grupo EmpreZa mostra dois homens que se estapeiam metodicamente. Estando um em frente ao outro, levam o jogo até o limite da agressão, mas, antes de perderem a cabeça, devem propor a trégua e encerrar a ação.

As fotos de PaulaGabriela confundem a identidade da dupla. As artistas misturam-se com uma dupla de bonecas idênticas a elas em situações elevadas ao cubo, vividas num jardim geométrico.

0 boneco de Pazé, moldado no próprio corpo com técnica hiper-realista, coloca-se como uma pessoa andando pelo museu em situações inusitadas, porém estranhamente estática.

A Ondina, de Walmor Corrêa, simula ilustração de dissecção científica do animal mítico. Mas o rosto escolhido é o de uma amiga do artista, modelo real para o inexistente.

As peças de vestuário de Carlos Pasquetti tem a função de absorver energia negativa ao serem vestidas. Feitas sob medida, não servem, contudo, em ninguém.

4. 5 Alegoria

As obras agrupadas neste núcleo abordam a alegoria como símbolo de coisas que não podem ser mostradas. 137

O totem de Mestre Didi articula partes modulares conforme esquema simétrico ascendente, criando estrutura esguia sustentada por colunas de nervuras de palmeira.

O barco de Daniel Senise está inerte na praia, apoiado em fileiras de estacas de pano. Sua heroica posição é ambígua: estágio inacabado ou destroco de naufrágio?

Cio, de José Bento, funde dois cães num só misto. O ser de oito patas concentra a energia sexual da dupla. A fotografia registra a entidade fantasiosa.

As quatro pilhas de tecido de Cristiano Rennó somam sete folhas cada uma, como os dias de cada fase Lunar. A multiplicidade de estampado das folhas repete o mesmo padrão quadriculado : mudam tons e proporções, mas o resultado é sempre igual.

O mural com barbotina de Fernando Lindote traça o contorno da justaposição de figuras geométricas. Como só a periferia do conjunto é visível, perde-se a noção da origem regrada do todo.

O áudio de Zé Antonio Lacerda apropria-se de material publicitário televisivo para falar da forma ideal. A forma como pura ideia emerge como fundo inconsciente da publicidade sobre cuidados com o corpo.

O quadro de José Patrício figura círculo de claridade no meio de um emaranhado de esqueletos humanos. Como num tabuleiro de jogo ampliado, as peças encaixam-se na lógica mórbida.

O videoclipe de assume vivid astro focus figura o sonho do estrelato pop. O autor vive atualmente em Nova York, e as ondas prateadas de glamour norte-americano trazem- lhe uma nova identidade espumante.

Experiência de cinema, de Rosângela Rennó, projeta imagem de ciclos afetivos sobre tênue cortina de fumaça. Os anteparos aparecem e esvoaçam, qual incessante névoa na memória.

4. 6 Emblema

As obras agrupadas neste núcleo abordam o emblema como processo de síntese de imagem e texto. 138

A Proposta de ação de Mabe Bethônico envolve colar as partes de um texto fragmentado. As pessoas sentadas em torno da mesa de trabalho obterão uma grande página, contando a história de pessoas que se sentam em torno de uma mesa para juntar pedaços.

Ascensão foi o tema de Gilvan Samico para 2004. Produzindo apenas uma xilogravura por ano, ele chega à imagem perfeita após meticuloso trabalho de afinamento das partes.

A integridade da abstração, de Caetano de Almeida, tenta somar partes imiscíveis. A abstração construtiva e a informal geram contraste insolúvel ao escorrerem mutuamente, uma para dentro da outra.

Os áudios de Raquel Stolf transitam entre análise e síntese. Centenas de nomes de coisas brancas ora são monotonamente enumerados durante dez minutos, ora condensam-se numa superposição mixada em cinco segundos.

O auto-retrato de Yiftah Peled estava nos cartazes do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2003. A soma de imagens particulares de si produz a representação do coletivo.

Sala das preocupações, de Rodrigo Andrade, confronta volumes de tinta sobre um mesmo campo em branco. Como jogadores antes do início da partida, as cores contrastantes estranham-se mutuamente face ao desafio iminente.

4. 7 Religiosidade

As obras agrupadas neste núcleo abordam a religiosidade como aspecto meditativo envolvido na produção artística.

O Hagakure, de Miguel Chikaoka, dá o nome do código samurai ao ato de perfurar a foto da própria pupila do artista com espinhos pontiagudos Como num hai-kai em três tempos, a automutilaçāo simbólica é concentrada e simples. 139

Jardim dos anjos, de Francisco de Almeida, é modelado conforme a memória devocional das peregrinações do artista a Canindé. A xilogravura de grandes dimensões dá ao preto o predomínio de sombra sobre as frágeis linhas de Luz.

A intervenção com adesivos e espelho de Chiara Banfi tem formas orgânicas entrelaçadas, como se brotassem umas das outras. O mapa resultante é memória dos retiros meditativos da artista.

A experiência de Antonio K mostra o heterônimo de Tony Camargo. Ambos personagens longilíneos, homem e cão, unem-se por corda, qual o foco à superfície de uma esfera.

Os desenhos de Franklin Cassaro são produzidos pela mordedura de papel com folha de ouro.

Da experiência, emergem criaturas biomórficas, cujo volume é delineado pelo baixo- relevo, como sombras na superfície plenamente reflexiva.

O mural de Kboco e Herbert Baglione mostra a grafitagem como experiência xamanista. A possibilidade de espalhar paredes douradas como elemento urbano dissemina o reflexo da luz pelo espaço fragmentado do cotidiano.

4. 8 História

As obras agrupadas neste núcleo abordam a história como memória pública a respeito do Brasil ou da arte.

O Cristo de rapadura, de Caetano Dias, é moldado em tamanho natural, a partir do corpo de um modelo negro, deitado sobre a cruz de madeira de uma antiga igreja. O convite a comer o doce durante o tempo da mostra obriga à prostraçāo sobre o passado açucareiro.

O projeto aberto Gonper Museum, de Fabiano Gonper, foi convidado a inserir obras do acervo do MAM de São Paulo nas perspectivas ilusionistas da instituição fictícia. Como num abismo, um museu mergulha no outro. 140

Pinturas gêmeas, de Julio Ghiorzi, retornam à pintura barroca espanhola como matriz de uma ação mutiladora. Os contrastes são borrados pela impressão de um duplo sobre o painel pintado, como se o quadro fosse apenas um estágio para uma monotipia reprodutiva.

0 Empossamento, de Mauro Restiffe, registra em foto o dia da posse de Luiz Inácio Lula da silva como presidente do Brasil. A grande ampliação mostra a praça dos Três Poderes tomada por militares, num preto-e-branco anos 1970.

Quem é Marcelo do Campo? Que significa o filme da sessão de tortura durante a ditadura militar? Por que o artista foi parar em Florianópolis?

5. NACIONALIDADE COMO PROJETO

A colaboração crítica entre artistas experimentais e instituições tem contribuído para academicizar a arte brasileira nas últimas duas décadas. O começo dos anos 2000 tem assistido a uma aceleração do processo, devido à quantidade crescente de mostras financiadas com recurso público, justificadas perante o Estado pelo seu caráter formador.

O ganho da reflexão sobre a amplitude do experimentalismo artístico emergido após a redemocratização será uma maior curiosidade sobre os espaços a serem ocupados no país pelo contemporâneo. o sentido nacional aqui proposto está em se tomar a responsabilidade por um processo cultural em desenvolvimento, consequência de políticas sucessivas que começam a frutificar. O investimento centrífugo daverba pública destinada ao experimentalismo artístico por meio do patrocínio privado demanda atenção contínua.

A nacionalidade está em projetar ideais de futuro. Nossa arte sempre foi mesmo utópica.

141

PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2007

ANJOS, Moacir dos. “Contraditório”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2007. Contraditório. São Paulo, 2007, p. 24-63.

CONTRADITÓRIO

O processo de internacionalização progressiva da vida contemporânea tem sugerido, a vários de seus comentadores, a impropriedade de se conferir, às produções artísticas feitas em espaços nacionais, traços distintivos de pertencimento a esses lugares. Em consonância com uma gradual e irrevogável diluição de diferenças, tais criações exprimiriam não mais as singularidades das partes de um mundo fraturado e desigual, mas apenas a entusiasmada adesão de cada um desses pedaços a um mundo “comum” a todos, marcado por um grau de liquidez simbólica elevado.68 Enunciar um discurso – seja um texto crítico, seja a curadoria de uma exposição – sobre arte contemporânea brasileira desde logo implica, portanto, opor-se a essa sugestão, reconhecendo ser ainda possível referir-se a uma produção nacional mesmo em um ambiente que crescentemente promove, sob a primazia das culturas européia e norte- americana, o desmanche dos limites antes nítidos que demarcam, no âmbito da representação dos afetos, espaços de existência variados.

Atestar que há algo de particular na arte brasileira não equivale, contudo, a compactuar com uma concepção essencialista de expressão identitária, a qual se contraporia a um movimento de homogeneização simbólica em uma estrutura de confronto binário e fixo entre o que seria próprio do Brasil e o que seria próprio das regiões hegemônicas. Ao contrário do que tal idéia indica, identidades culturais não são construções atemporais dotadas de um núcleo imutável de crenças e valores que singularizariam, desde e para sempre, um lugar dentre outros quaisquer. São, antes, resultado de processos de expressão humana (discursiva e performativa) por meio dos

68 Para a expressão desse argumento, ver Texeira Coelho. “A contemporaneidade comum”. Revista Bravo!, São Paulo, junho de 2007. 142 quais são estabelecidas e continuamente re-elaboradas distinções entre grupos diversos cujos percursos de vida se tocam.69 Processos que, no mundo corrente, são fundados em mecanismos de reação das culturas não-hegemônicas ao impulso de cancelar dessemelhanças que a globalização engendra, promovendo formas novas e específicas de identificar o que é conhecido e próximo. Entre a submissão completa a uma cultura homogeneizante e a reivindicação intransigente por uma tradição imóvel, existe um intervalo de recriação e reinscrição identitária do local que é irredutível, portanto, a um ou a outro desses pólos extremados.

Faz-se necessário, em conseqüência, considerar a dimensão da relação com o outro como elemento central à declaração de alteridade, desautorizando tanto o apagamento de distinções entre as produções simbólicas de várias partes quanto associações imediatas e perenes entre culturas e territórios. Em vez de idéias de pertencimento que ignoram ou que excluem o diferente, impõe-se uma noção que não somente o reconheça e o incorpore, mas que dele dependa para criar, desse contato que confunde conflito e troca, modos de representação próprios de um mundo sem fronteiras certas. Nesse contexto complexo, o que individualiza a arte brasileira não é o conteúdo de um repertório estanque de narrativas e gestos, mas as maneiras pelas quais esse conteúdo é afetado por repertórios de outros lugares e, sem diluir-se neles, também os afeta. Ao negociar, por meios variados, as condições dessas permutas com tantos outros cantos, os produtores de bens simbólicos do Brasil contribuem menos para o estabelecimento de uma política de diferenças do que para a formulação de uma poética da diversidade.70

A noção de uma arte contemporânea brasileira contrasta, então, com a idéia de uma produção artística que seria apenas “feita no Brasil” segundo um conjunto de códigos criados em regiões hegemônicas. Antes de denotar a expressão espacializada de uma arte que se autorga a condição de ser “internacional”, é uma noção que busca afirmar a alteridade que persiste ou se refaz no atrito com o outro. Delinear seus aspectos marcantes requer, por conseguinte, empreender o esforço de identificar, nas obras dos artistas do país, questões que evidenciem a articulação entre o que é pensado por

69 Arjun Appadurai. Modernity at Large. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1996. 70 De acordo com Édouard Glissant, “a noção de ser e de absoluto do ser está associada à noção de identidade ‘raiz única’ e à exclusividade da identidade, e que se concebermos uma identidade rizoma, isto é, raiz, mas que vá ao encontro das outras raízes, então o que se torna importante, não é tanto um pretenso absoluto de cada raiz, mas o modo, a maneira como ela entra em contato com outras raízes: a Relação”. Édouard Glissant. Introdução a uma Poética da Diversidade. Juiz de Fora, Editora UFJF, 2005. 143 aqueles como pertencente ao Brasil e o que, a todo o tempo, questiona e subverte essa idéia de distinção. E embora sejam muitos os conceitos possíveis de se usar para desincumbir-se dessa tarefa ainda pendente – entre outros, mestiçagem, sincretismo, crioulização –,71 opta-se aqui pelo emprego do termo gambiarra como elemento organizador desse embate. Eleição que se justifica por ser essa expressão evocada com freqüência crescente por artistas e críticos para caracterizar a arte brasileira e por carecer ainda, a despeito de seu repetido uso, de conceituação suficientemente precisa para que se efetive, na reflexão sobre o assunto em foco, o potencial cognitivo que possui.72 Conferir-lhe escopo mais definido configura-se, assim, passo imperativo ao melhor entendimento do que possa diferençar a produção de artes visuais do Brasil daquela produzida desde outras partes do mundo.

¯ Em seu uso ordinário, o termo gambiarra se refere a soluções improvisadas para resolver problemas de naturezas diversas, estejam aquelas em acordo com as normas legais ou as transgridam de alguma forma. São gambiarras, portanto, tanto precárias emendas de fios para estender o alcance de uma lâmpada acesa onde não há instalações embutidas quanto a retirada furtiva de energia elétrica através de intervenções clandestinas na rede de cabos que a distribui. Para um como para outro desses procedimentos, entretanto, são utilizados somente os materiais e as habilidades imediatamente disponíveis, sugerindo não apenas capacidade de adaptação e engenho, mas igualmente acabamento tosco, fragilidade construtiva e, por vezes, risco de acidente ou de punição para quem os utiliza. A motivação maior da gambiarra não é outra, então, que a ausência de alternativas mais elaboradas e seguras para um constrangimento prático qualquer, sendo antes uma resposta a uma situação de falta do que uma escolha feita com livre arbítrio; mais uma atitude de sobrevivência frente a dificuldades do que uma prática desejada de vida.

A partir dessa definição geral, duas questões requerem, contudo, melhor precisão, de modo a estabelecer o sentido em que o termo gambiarra é aqui convocado, e a justificar, ademais, a pertinência de empregá-lo para caracterizar a arte

71 Para uma revisão crítica do emprego desses conceitos no contexto da produção cultural contemporânea, ver Moacir dos Anjos. Local/global: arte em trânsito. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005. 72 Como exemplo do emprego do termo no contexto aqui referido, ver texto de apresentação da exposição Gambiarra: New Art from Brazil, realizada na Gasworks Gallery, Londres, em 2003 (http://www.gasworks.org.uk/exhibitions/detail.php?id=100). 144 contemporânea brasileira. Importa aclarar, desde logo, que a gambiarra designa tanto o ato de construir algo em função da escassez de recursos para resolver problemas variados quanto os próprios aparatos que são assim criados. A gambiarra é, portanto, uma operação e o seu resultado, uma tecnologia e seu produto: a emenda dos fios e os fios emendados, a captação fraudulenta de energia elétrica e sua concreção em cabos, tomadas e fitas articulados. A relevância de reiterar essa duplicidade de significados deve-se ao fato de, com freqüência, fazer-se menção, no terreno da produção e da crítica contemporâneas de artes visuais, apenas à truncada e inventiva materialidade da gambiarra, enfatizando suas características formais mais recorrentes (junção de elementos duráveis e outros perecíveis, articulação entre alta e baixa tecnologia, arquitetura rústica e instável) em detrimento de sua inscrição simbólica como maneira de agir em espaços de vida submetidos a restrições de diferentes ordens.73

O outro esclarecimento que se julga aqui necessário se refere, exatamente, à natureza de tal inscrição simbólica da gambiarra, posto que é exacerbado o potencial emancipador algumas vezes atribuído a ela, quer na vida comum, quer quando traduzida, como gesto ou construção, para o âmbito das artes visuais. 74 Por se tratar de uma resposta imediata a uma condição adversa de vida, propõe-se que a gambiarra deva ser entendida tão somente como uma tática, individual ou conjunta, adotada para aliviar, mesmo que de modo débil, impedimentos à sobrevivência digna. Tratar a gambiarra como ação política deliberada e antecipatória – como estratégia que visa superar adversidades que afligem um indivíduo ou uma coletividade – coloca sobre tal prática o peso desmedido de apresentar-se, ainda que em prazo incerto, como alternativa à lógica de desigualdades que preside a produção de riqueza no mundo contemporâneo.75 Mais além, implica desconsiderar que, embora a gambiarra seja uma reação criativa a essas desigualdades, ela também é, em alguma medida,

73 Para a crítica a uma concepção unidimensional da idéia de gambiarra, que engendraria tão somente uma “estética do precário”, consultar Lisette Lagnado. “O Malabarista e a Gambiarra”. Trópico, 2003 (http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1693,1.shl) e Anna Dezeuze. “Thriving On Adversity: The Art of Precariousness”. Mute magazine, Vol. 2 (3), agosto de 2006 (http://www.metamute.org/en/Thriving-On- Adversity). 74 A defesa do potencial emancipador da gambiarra – em oposição a um entendimento do termo que destaque seus aspectos formais –, está presente em Ricardo Rosas. “Gambiarra – alguns pontos para se pensar uma tecnologia recombinante”. Caderno Videobrasil 02, 2006, e Kiki Mazzucchelli. “Gambiarra as Political Assemblage in Contemporary Brazilian Art”. Art Journal, inverno de 2007. 75 Segundo Michel de Certeau, a tática “não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. ... Ela não tem portanto a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as ‘ocasiões’ e delas depende, sem bases para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas”. Michel de Certeau. A Invenção do Cotidiano. V. 1. Artes de fazer. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2000. 145 funcional ao sistema que continuamente as produz. Não somente por atenuar conflitos entre os que possuem e os que não possuem acesso aos meios para atender, com propriedade e proteção, necessidades materiais diversas, mas por ser ela mesma incorporada – como idéia ou como produto, como invento ou como objeto de arte – ao circuito mercantil, que, em sua irrecorrível coerência, torna e mantém o mundo desigual.

Acercar-se do termo gambiarra de uma maneira menos celebratória de suas formas ou, alternativamente, de sua alegada potência crítica, não esvazia sua capacidade de esclarecer o que distinguiria a produção simbólica feita em um lugar dentre tantas outras gestadas em sítios distantes. Para tanto, porém, é preciso entendê-la, sobretudo, como metáfora de processos de transculturação realizados sob condições específicas de subordinação, em que elementos comumente pensados como apartados – quer no campo restrito da história da arte, que no campo mais largo da cultura – são aproximados e atados a partir de um ponto de vista singular. Embora menos ambiciosa em seu alcance conceitual ou político, é nessa acepção que a gambiarra melhor auxilia a discernir o que pode haver de particular na arte produzida em um contexto preciso e a justificar, se for assim o caso, o protagonismo dessa produção como co-autora da idéia que define um determinado espaço e lhe confere, por isso, identidade. Idéia que resulta não de um projeto ou de uma bem definida estratégia, mas da soma de atitudes táticas descentradas tomadas por artistas.

A gambiarra, portanto, é um termo que pode ser utilizado para caracterizar produções culturais e artísticas híbridas que são geradas, desde um determinado lugar, como modos de posicionar-se frente ao processo de homogeneização simbólica em curso. Produções que, por conta da natureza movente e conflituosa das relações que as fundam, não promovem a completa fusão entre os variados elementos que as compõem, apresentando, de maneira simultânea e não hierarquizada, traços de formações culturais herdadas e de outras que, construídas na esfera cultural dominante, supostamente as acuam. Há implícita na gambiarra, por conseguinte, a noção de relativa intradutibilidade entre uma cultura local e uma cultura hegemônica, posto que os processos de troca dos quais deriva não resultam em sínteses, mas em construções opacas e inconclusas. A gambiarra é produto, então, de uma aproximação 146 entre desiguais que não se completa nunca, expressando um “terceiro espaço” de negociação agonística entre diferenças que não se mesuram.76

Ocorre que essa caracterização não basta para conferir distinção a uma determinada produção simbólica, dado que a hibridez é quase a norma das criações contemporâneas realizadas em regiões não-hegemônicas sob a pressão homogeneizadora da cultura global. O que importa, para tanto, é identificar quais são os elementos postos em relevo e de que forma eles são confrontados em cada momento e lugar em que ocorrem processos de transculturação, resultando em gambiarras apropriadas para situações de subordinação específicas. Ao inventar as maneiras de promover essas negociações, os artistas de um certo local se baseiam em acervos de signos e comportamentos que embutem, tenham eles consciência disso ou não, as particularidades e as sujeições (históricas, políticas, culturais, sociais, econômicas) sob as quais vivem. Pensar em uma arte contemporânea brasileira sob a perspectiva da gambiarra significa, assim, discutir os modos específicos com que os criadores do país contrapõem e aproximam elementos simbólicos diversos: aqueles provenientes de uma tradição da qual reconhecem descender e aqueles que, originados em outras tradições, ameaçam, alargam e continuamente transformam aquela primeira. ¯ Em tal arcabouço explicativo, a arte contemporânea brasileira produzida nas décadas de 1990 e 2000 pode ser pensada como resultado do cruzamento e do entrechoque constante entre vetores de influências internas e externas ao país. A despeito da singularidade de cada desses vetores e da variabilidade de sua importância quando porções específicas do território do Brasil são consideradas, alguns deles se sobressaem dos demais e são assumidos, com maior ou menor grau de adesão, nos trabalhos de uma expressiva parcela dos artistas cujas obras amadurecem naquele período. É preciso diferençar a enunciação desses vetores, contudo, da sugestão de uma hierarquia inequívoca e atemporal de conceitos e tradições que permeiam e produzem a história da arte nacional, em que esses seriam ajuizados como intrinsecamente mais relevantes que outros não mencionados. O que se afirma, tão somente, é que algumas proposições (discursivas ou materiais) produzidas ao longo dessa história ainda em construção impõem-se frente a várias outras, por motivos os mais diferentes, quer em termos da capacidade de alongar sua pertinência além do

76 Sobre a expressão “terceiro espaço”, consultar Homi Bhabha. O local da cultura. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1998. 147 tempo em que foram originalmente formuladas, quer em termos de sua abrangência territorial no presente. Trata-se, portanto, de sublinhar como idéias e obras específicas se tornam, através de mecanismos de recepção e de difusão simbólicas, hegemônicas em um determinado espaço de reflexão e de criação artística, passando a exercer, em conseqüência, ascendência maior do que as demais sobre a produção brasileira corrente.

O primeiro desses vetores se refere à revalorização da antropofagia como modelo para entender a relação com o outro, originalmente proposto pelo poeta modernista Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropófago, redigido em 1928. Embora a antropofagia seja parte de um esforço sincrônico de aproximação ao sistema cultural europeu e de delineação dos contornos de uma arte nacional que marca a invenção simbólica no Brasil desde a superação de sua condição de colônia, no início do século 19, ela também é um ponto de inflexão nesse percurso.77 Em vez de submissão e adequação àquele sistema – posição associada à sua mera ilustração com elementos da natureza ou da história locais –, propunha a incorporação e a reelaboração, desde uma visada interna, de alguns de seus pressupostos, desse modo informando uma arte que seria, por conta de tal atitude criadora, própria do país. Além de enfatizar a idéia da não-neutralidade do processo de construção identitária, a antropofagia destaca, então, a agência de grupos subordinados que subvertem os sentidos pretendidos das culturas dominantes a partir de perspectivas locais. Subjugada no embate ideológico das décadas seguintes por noções conservadoras do que seria uma arte brasileira, em que a originalidade do conceito cede espaço à celebração de uma iconografia próxima, a antropofagia é atualizada pela produção cultural da década de 1960 (nas artes visuais, na literatura, na música, no cinema, no teatro)78 e tem sua relevância corroborada como conceito operativo para o entendimento da idéia de Brasil nos estudos que comemoram, na década de 1970, os cinqüenta anos da Semana de Arte Moderna, marco do modernismo local, em que destaque exemplar é concedido à obra

77 Dois fatores fundamentais para a emergência dessa discussão no Brasil foram, ainda antes da independência formal do país, em 1822, a transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, e a vinda da Missão Artística Francesa, em 1816, a convite do príncipe regente D. João VI. Sobre o esforço de constituição de uma arte brasileira a partir do século XIX, ver Tadeu Chiarelli. “Da arte nacional brasileira para a arte brasileira internacional”. Em Tadeu Chiarelli. Arte Internacional Brasileira. São Paulo, Lemos Editorial, 1999. 78 Consultar Carlos Zilio. “Da antropofagia à tropicalia”. Em Adauto Noves. O nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1982. Ver também os textos reunidos em Carlos Basualdo (org.). Tropicália. Uma revolução na cultura brasileira. São Paulo, Cosac & Naify, 2007. 148 de Tarsila do Amaral.79 Tal importância foi enfaticamente confirmada e alargada, no âmbito das artes visuais, com a curadoria da 24ª edição da Bienal de São Paulo, realizada em 1998, que ofereceu, ancorada no conceito da antropofagia, interpretações sincréticas, feitas de lugares distintos do mundo, de valores assentados nos cânones artísticos globais. No contexto daquela exposição, a antropofagia amplia seu poder cognitivo e se torna lente crítica para rever, a partir de qualquer parte – e não somente desde o país onde teve origem –, discursos estéticos e históricos que desconsideram a alteridade ou que a tratam com condescendência calculada.80

O segundo vetor que inequivocamente informa a produção contemporânea brasileira nas duas décadas aqui tratadas é a tradição experimental da arte nacional, que teria, no neoconcretismo, em finais da década de 1950, e nos desdobramentos das obras dos seus mais atuantes membros no decênio seguinte, seu momento fundador. A consolidação desse reconhecimento, entretanto, ao contrário do ocorrido com o conceito da antropofagia, não se produziu apenas no interior do Brasil, contando com fundamental impulso desde o exterior. Como resultado paradoxal da auto-afirmação de culturas locais frente ao processo de globalização, são muitas as exposições e os textos críticos que, elaborados nos centros hegemônicos de legitimação artística e de valoração patrimonial a partir de finais da década de 1980, buscam acercar-se de uma produção simbólica antes escassamente ali difundida. Nesse processo, as obras de Hélio Oiticica, de Lygia Clark e, em menor medida, de Lygia Pape, são apresentadas e discutidas, em instituições e publicações com poder de aprovação internacional, não como manifestações locais de movimentos surgidos em países centrais, mas como pesquisas artísticas simultâneas ou precedentes às que ali ocorreram nas décadas de 1950 e 1960 e dotadas, em todo caso, de irredutível originalidade. A partir do reconhecimento do outro (a crítica européia e norte-americana), também no Brasil as obras desses artistas são reavaliadas positivamente e incorporadas em um rarefeito cânone nacional, em admissão tácita de pouca autonomia do campo das artes do país, dependente ainda de aprovação alheia.81 Internamente, são valoradas, antes de tudo,

79 Sobre a inscrição da obra de Tarsila do Amaral no âmbito da antropofagia, ver Aracy do Amaral. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo, Perspectiva/Editora da USP, 1975. 80 Paulo Herkenhoff. “Introdução Geral”. Em Paulo Herkenhoff e Adriano Pedrosa (orgs.). XXIV Bienal de São Paulo. Núcleo Histórico: Antropofagia e Histórias de Canibalismos. São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo, 1998. 81 Para Rodrigo Naves, a ênfase no caráter antecipatório das obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark que marcou sua recepção nesse período – no exterior, primeiramente, e, em seguida, também no Brasil – teria recalcado, em um momento em que supostamente já haveria densidade crítica e institucional para tanto no país, o acolhimento, em 149 por constituírem-se em “exercício experimental da liberdade”, no qual a atitude de continuamente subverter limites dados – um método de construção, portanto – vale mais do que a invenção formal, e em que o processo criativo importa, por vezes, mais do que o resultado.82 “Vontade construtiva” que igualmente traduz a busca ativa por uma caracterização do local diante das culturas hegemônicas e que justifica, assim, uma genealogia entre essa tradição e a antropofagia. Nesse caso, porém, tal busca é menos resultado de um projeto coletivo e protocolar do que da articulação simbólica de um desejo disperso, mas partilhado, de declarar, como expressão identitária de um lugar, rupturas com práticas convencionais de criar; menos fruto de um manifesto com diretrizes marcadas do que a expressão de uma “condição da arte brasileira” na qual cabem tendências diversas.83

Nessa recepção tardia, mas enfática, da tradição experimental da arte nacional, três elementos diferentes, embora articulados, ganham destaque. Um deles é a redefinição dos papéis de artistas e espectadores, em que os primeiros são tomados como “propositores” de idéias prenhes de sentidos – sejam quais forem as configurações formais dos trabalhos que as contenham –, cabendo aos segundos ativar alguns deles a partir de pontos de vistas particulares, implicando destaque à idéia de participação do outro e de conseqüente desmonte das fronteiras entre o gesto criativo singular e a construção conjunta de significados.84 Outro elemento que é posto em relevo na legitimação externa e interna dessa tradição é a quebra de hierarquias definidas entre o terreno da produção artística e o âmbito em que se desenrola a vida ordinária. E por sua fluidez estrutural, as festas e manifestações de rua, as construções improvisadas

um cânone nacional, de produções modernas e contemporâneas, igualmente construídas no Brasil, que não se adequavam, contudo, àquela genealogia, tais como as de Ismael Nery, Flávio de Carvalho, Volpi e Sérgio Camargo, entre muitas outras. Rodrigo Naves. “Um azar histórico: sobre a recepção das obras de Hélio Oiticica e Lygia Clark”. Novos Estudos, 64. São Paulo, Cebrap, novembro de 2002. Tal recalque se expressa, implicitamente, na decisão do curador Ivo Mesquita em convidar, como representantes oficiais do Brasil na 48ª edição da Bienal de Veneza (1999), dois artistas inequivocamente afastados da tradição neoconcreta, como Nelson Leirner e Iran do Espírito Santo. Ivo Mesquita. “Nelson Leirner e Iran do Espírito Santo, Veneza, 1999”. Em Adriano Pedrosa (org.). Nelson Leirner e [and] Iran do Espírito Santo, 48ª Biennale di Venezia - Padiglione Brasile (catálogo de exposição). São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo, 1999.

82 A expressão “exercício experimental da liberdade” foi empregada diversas vezes pelo crítico Mario Pedrosa na análise dos trabalhos de Hélio Oiticica e Lygia Clark como modo de acentuar o que considerava mais relevante em suas obras, para além de suas concreções diversas. 83 Sobre as bases críticas dessa genealogia, ver Hélio Oiticica. “Esquema Geral da Nova Objetividade”. Em Nova Objetividade Brasileira (catálogo de exposição). Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna, 1967, e Fernando Cocchiarale. “Da adversidade vivemos”. Em Heloísa Buarque de Hollanda e Beatriz Resende (orgs.). Artelatina: cultura, globalização e identidades cosmopolitas. Rio de Janeiro, Aeroplano, 2000. 84 “Somos os propositores; somos o molde; a vocês cabe o sopro, no interior desse molde: o sentido de nossa existência.” Lygia Clark. “1968: Nós somos os propositores”. Em Lygia Clark. Rio de Janeiro, Funarte, Coleção Arte Brasileira Contemporânea, 1980. 150 de artefatos domésticos e a arquitetura orgânica das favelas do país são tomadas como exemplares dessa desejada porosidade entre aquelas esferas, terminando por abonar, no domínio da criação erudita, procedimentos e materiais oriundos da cultura popular.85 Finalmente, é destacado o seu implícito caráter contestatório, sintetizado no lema “Da adversidade vivemos!”, cunhado por Hélio Oiticica em 1967 e que assinala não somente a capacidade de responder criativamente às dificuldades de sobrevivência material no Brasil, mas também um posicionamento vitalmente contrário às desigualdades no direito de cada um afirmar um ponto de vista distinto, liberto de constrangimentos políticos, econômicos, estéticos ou morais.86 É nesse contexto que se justifica o elogio tecido pelo mesmo artista à marginalidade como “busca desesperada da felicidade autêntica”, o qual se confundia, à época em que foi formulado (durante o regime de exceção instaurado em 1964 e que vigoraria até 1985), com a negação dos modos institucionalizados de mediar conflitos.87

O acolhimento dessa tradição no cânone nacional concede maior conteúdo a este e permite a recepção definitiva, já na década de 1990, e em menor descompasso temporal em relação à sua legitimação externa, de outros artistas brasileiros que, nas décadas de 1970 e 1980, desenvolveram suas trajetórias no interior desse campo ampliado de experimentação – entre muitos mais, Artur Barrio, Cildo Meireles e Tunga. Ao lado dos criadores antes citados, esses são rapidamente assumidos por novas gerações como seus ascendentes artísticos, ainda quando somente para estabelecer as diferenças entre as suas proposições e as poéticas daqueles. O interesse do circuito hegemônico das artes pelo dessemelhante também promove, contudo, em desdobramento natural das inserções de produções já maduras feitas a partir de finais da década de 1980, a precoce incorporação, nesse espaço que tem o poder de consagrar expressões simbólicas locais como valores globais, de vários dos artistas que iniciam suas trajetórias no Brasil ao longo dos dois decênios seguintes: na década de 1990, Ernesto Neto, Jac Leirner e Rosângela Rennó, entre diversos outros;

85 Hélio Oiticica. “Bases fundamentais para uma definição do ‘Parangolé’”. Em Hélio Oiticica. Aspiro ao Grande Labirinto. Rio de Janeiro, Rocco, 1986. Tadeu Chiarelli identifica na participação destacada que o imigrante e a mulher teriam tido na constituição de uma arte nacional razões para a existência, no âmbito da arte erudita brasileira, de “uma relação menos idealizada entre o objeto de arte e o espectador, típica da experiência popular...”. Tadeu Chiarelli. “Arte brasileira ou arte no Brasil?”. Em Tadeu Chiarelli. Op. cit. 86 Hélio Oiticica. “Esquema Geral da Nova Objetividade”. Em Hélio Oiticica. Op. cit. 87 Hélio Oiticica. “Anotações sobre o Parangolé”. Em Hélio Oiticica. Op. cit. É um equívoco conceitual e histórico associar esse elogio à marginalidade à aprovação de ações que, não importa por quem sejam exercidas, buscam destituir, em momentos mais recentes, a política como esfera de regulação de confrontos e do estabelecimento de negociações que não aspiram a soluções acabadas. 151 na década de 2000, Lia Chaia, Marcelo Cidade e Renata Lucas, entre tantos mais exemplos possíveis. Isso faz com que esses criadores tenham contato, em exposições, programas de residências e publicações internacionais, com as produções de muitos outros jovens artistas de variados países, que se vêem, uns aos demais, como partícipes de um meio de arte sem fronteiras rigidamente demarcadas, mas que é informado por questões e procedimentos de criação difundidos desde o centro hegemônico. O que distingue as obras de uns e de outros nesse convívio próximo, de fato, são os territórios simbólicos – e não necessariamente físicos – de onde elaboram e manifestam as suas proposições. A profusão de mecanismos de absorção existentes nesse período é de tal ordem, ademais, que faz com que mesmo aqueles que não têm suas produções efetivamente incorporadas nesse circuito partilhem aquela afinidade construída e se considerem potenciais candidatos à sua inclusão em um impreciso momento futuro. Estabelece-se, dessa maneira, um outro importante vetor de influência sobre a arte contemporânea nacional, caracterizado pela difusão interna de enunciados e atos urdidos em outras partes do mundo, em uma escala até então desconhecida no país.

¯ As gerações de artistas brasileiros que se constituem nas décadas de 1990 e 2000 são marcadas, portanto, por uma noção de pertencimento ambígua. Por um lado, há um forte sentimento de caber em uma genealogia interna que é seletiva e verticalizada temporalmente, fazendo com que relacionem o que produzem a uma atitude criativa que ata antropofagia e experimentalismo, a qual tornaria supostamente distinta a esfera das artes visuais do Brasil. Por outro lado, é no exato momento que se consolida esse sentimento que emerge uma percepção igualmente coesa de afinidade externa, a qual, por ser temporalmente horizontalizada, leva aqueles artistas a associar o que produzem ao que é criado, coetaneamente, em diversos outros lugares por produtores de gerações equivalentes. Através de mecanismos institucionalizados ou informais que igualmente amadurecem nesse período no país – inauguração ou renovação de museus, fundação de coletivos de artistas, criação de programas de prospecção e difusão artística, alargamento e profissionalização gradual do mercado de arte –, essa irresoluta relação de pertencimento se difunde e termina por ter impacto relevante no 152 conjunto da produção dos artistas contemporâneos brasileiros.88 Impacto que não se expressa, por necessidade, em uma iconografia ou em conteúdos narrativos específicos, mas, sobretudo, nos modos distintos e particulares em que neles são contrapostos e encadeados – recusando qualquer síntese – elementos próprios de uma cultura local e outros oriundos de uma cultura que, como tendência que nunca se efetiva plenamente, homogeneíza o que lhe é diferente.

A cada uma das articulações, tramadas nas criações desses artistas, entre o terreno simbólico que lhes é próximo e aquele que, por seu poder de impor-se aos demais, é nomeado global, se propõe, então, aqui designar como uma gambiarra. Somados, esses procedimentos e essas produções perfazem um conjunto de modos particulares de articular acervos de narrativas e gestos de uma cultura subordinada e de uma outra hegemônica, aproximando elementos que, em outros contextos, se antagonizam e se repelem, como o vernacular e o erudito, o tardio e o atual, o inacabado e o pronto. Modos que subtendem não somente aproximações singulares entre componentes internos e externos, mas também ênfases e elipses de porções desses acervos que, combinadas, tornam aquelas permutas diversas de outras quaisquer, concedendo um sotaque peculiar para a produção das artes visuais do país. Um sotaque que só ganha contornos precisos na tradução truncada de um sistema cultural local em termos de um outro hegemônico, entre os quais não existe, como também não há entre sistemas lingüísticos diferentes, correspondência unívoca entre os elementos que os compõem. Sotaque que revela inclusões e exclusões simbólicas e que declara, ao mesmo tempo, aquilo que a arte brasileira é e aquilo que ela não mais comporta como traços que a distinguem dentre as produções de outros cantos.89

Esse sotaque é testemunha, portanto, da capacidade dos criadores nacionais de apropriarem-se de um repertório que lhes é estranho e de modificá-lo a partir de símbolos e atitudes locais, reinserindo-o, assim transformado, no campo internacional das artes visuais. Dessa maneira, se artistas brasileiros são incluídos, desde cedo em suas trajetórias, em um espaço de valoração que possui amplitude mundial e é controlado por galerias, editoras e museus sediados em nações centrais, tornam-se

88 Para uma discussão das transformações do campo das artes no Brasil nas décadas de 1990 e 2000, ver Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos. “A Geração da Virada ou 10+1: os anos recentes da arte brasileira”. Em Geração da Virada. 10 + 1: os anos recentes da arte brasileira (catálogo de exposição). São Paulo, Instituto Tomie Ohtake, 2007. 89 Esse sotaque possui, é evidente, inflexões distintas ao longo do território físico e cultural do Brasil, indicando graus diversos de adesão e/ou de rejeição aos vetores internos e externos que o compõem. 153 igualmente agentes ativos, por meio do sotaque que suas obras carregam, da reconstrução de uma idéia de Brasil e, ainda que de forma subordinada, da idéia de uma cultura global, assumindo o papel de protagonistas de um “cosmopolitismo do pobre”.90 Contrapondo-se à contaminação unidirecional da produção do país por uma cultura estrangeira, a incorporação desse sotaque no circuito hegemônico das artes tem a faculdade de gradualmente corrompê-lo, tornando-o impregnado de inflexões que, antes, dele não faziam parte. Embora herdeira da antropofagia – mediada pela renovada recepção interna do conceito entre as décadas de 1960 e 1990 –, a produção contemporânea brasileira a atualiza e supera, posto que considera a tradução entre culturas como mais do que mero contágio de um modo de expressão local por um outro dominante, levando também em conta o poder de disrupção que a incorporação de criações sincréticas ao campo global das artes possui.

Exemplar desse ambíguo processo é a valorização da cultura popular nacional no interior de um circuito globalizado de propagação e afirmação simbólicas, promovida pela produção contemporânea em artes visuais do país. Valorização que tem sua origem menos na rejeição cega a códigos estranhos àquela cultura e mais na proteção ao que é conhecido e próximo dos artistas brasileiros. Diante do poder homogeneizador da cultura global, são muitos os que cuidam de inserir, nas próprias vias onde essa cultura reclama sua hegemonia (exposições, publicações, acervos privados e públicos), aquilo que pertence ao seu território doméstico e ao espaço do afeto. A partir de memórias, materiais e procedimentos fincados em suas experiências reais e imaginadas de um lugar de presumida origem – mas raramente valendo-se de referências iconográficas –, artistas visuais do Brasil têm ressignificado modos de fazer e de viver atávicos e os inscrito em um circuito que antes os rejeitava ou concedia a eles um espaço segregado. Movimento que é autorizado e reforçado pelo realce que a cultura popular possui no interior da tradição experimental do país, à qual as gerações aqui referidas o tempo inteiro se reportam. Em vez de causar o desaparecimento de formas de expressão vernaculares, essa abertura conflituosa ao diferente as torna avizinhadas dos que se ocupam de uma criação artística que se julga, usualmente, distante e elevada.

90 Silviano Santiago. O Cosmopolitismo do Pobre. Crítica Literária e Crítica Cultural. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2004. 154

A convivência continuada entre esferas simbólicas diversas confere à arte contemporânea brasileira, portanto, um caráter flexível, exprimindo uma capacidade de adaptação criativa da cultura do país a uma condição adversa do mundo. Torna-a, assim, capaz de frustrar expectativas de classificação rígida que são próprias dos mecanismos de legitimação hegemônicos, as quais oscilam entre caracterizar aquela produção (e também a feita desde muitos outros lugares) como derivativa de uma linguagem supostamente internacional ou como expressão de um modo de vida chamado, equivocadamente, de não-ocidental.91 A ambivalência desse sotaque se anuncia igualmente, entretanto, de maneira menos positiva. Composto por gambiarras, ele também manifesta, no terreno do sensível, desigualdades no poder de legitimação cultural detido pelo ainda incipiente campo da produção artística no Brasil em relação ao possuído por aquele que rege o sistema globalizado das artes. Desigualdades que mimetizam e reproduzem, em seu turno, as assimetrias de poder nos âmbitos mais amplos da economia e da política do mundo em um contexto de crescente interação entre países. A afirmação identitária que esse sotaque embute – enunciada, voluntariamente ou não, na formalização do trabalho de tantos artistas brasileiros – possui, por isso, um caráter contraditório, o qual condensa e expõe as ambigüidades que perpassam a história recente do país, como as de ter que se lançar a fundamentais questões emergentes (gerir relações internacionais complexas, gerar alta tecnologia) sem haver sido ainda capaz de assegurar, em termos adequados, a universalização de direitos básicos (educação, saúde, segurança) aos seus cidadãos.92 Caráter que não é metáfora de um estado provisório de coisas, mas locução simbólica integral à condição de vida no Brasil contemporâneo, sobre a qual não se vislumbram mudanças em pouco tempo. Não se trata, então, sequer de atraso a ser superado em momento certo, mas da convivência indeterminada entre tempos sociais distintos.

91 Segundo Gerardo Mosquera, tais mecanismos “tendem a olhar com suspeita de ilegitimidade a arte das periferias que procura falar a ‘linguagem internacional’. Se o faz corretamente, a acusam de derivativa; se o faz com sotaque, a desqualificam por sua incorreção em relação ao cânone”. Gerardo Mosquera. “Infinite Islands. Regarding Art, Globalization, and Cultures”. Art Nexus, 29-30, setembro de 1998 e janeiro de 1999. Também Mario Pedrosa, quase quatro décadas antes, alertava: “De tanto se falar em arte internacional, acabamos esquecendo que o mundo é feito de partes diferentes. Os europeus, acostumados inconscientemente com a velha idéia da superioridade metropolitana de seu Continente em matéria de civilização e de arte, uma vez afeitos à linguagem moderna (...) passam ingenuamente a exigir de todos os países, sobretudo os novos, uma adequação estreita dos artistas não- europeus aos moldes últimos da Europa. Fora disso, o que querem é o exótico.” Mario Pedrosa. “Pintura Brasileira e Moda Internacional”. Jornal do Brasil, 24 de outubro de 1959. 92 O caráter contraditório do sotaque da arte contemporânea brasileira ecoa e faz confluir, de uma maneira particular, as avaliações conflitantes de dois dos mais importantes intérpretes do país – Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda – acerca do encontro e do embate entre culturas que marcariam a formação do Brasil: para o primeiro, seriam complementares e fecundos; para o segundo, fontes de arcaísmos a serem de algum modo superados. 155

Essa condição antinômica e inconclusa da produção nacional de artes visuais – fruto de uma aproximação com o outro que não se completa nunca e que é feita a partir de uma perspectiva única – esclarece e evoca, portanto, por meios irredutíveis a quaisquer outros, modos de sociabilidade vigentes no Brasil. Marcados pela maleabilidade de posições assumidas nas relações entre desiguais e, em simultâneo, pela sobreposição de interesses excludentes no âmbito do comum, são modos que não comportam a suspensão acordada e duradoura de conflitos entre desejos particulares que se anulam, requisito para que uma comunidade se afirme plenamente.93 É esse caráter contraditório que permite, contudo, diferençar aquela produção frente à feita em outros lugares, onde outros sotaques são mais fortemente “ouvidos”.

Embora de maneira assumidamente tentativa, propõe-se, assim, ser possível conceber uma articulação entre arte e política na produção contemporânea brasileira que não implica representação temática de condições injustas de vida ou atuação direta no terreno de confrontos sociais bem demarcados. Não que produções artísticas que busquem ilustrar embates – desígnio que é, em todo caso, de ocorrência relativamente avara no Brasil quando em comparação com o perfil da produção de outros países – devam abster-se de reclamar a pertinência de suas intenções, a despeito de serem destinadas, no mais das vezes, a somente confirmar o que já era familiar.94 Tampouco se recomenda que ações de artistas que buscam borrar as fronteiras entre os campos da arte e da política não devam advogar sua pretendida eficácia em mudar um estado determinado de coisas, ainda quando tais atividades pressupõem, como é recorrente e paradoxal acontecer, a dissolução das ambigüidades que diferenciam o conhecimento que emerge na esfera da arte daquele gestado em outros domínios. O que se argumenta, todavia, é que mesmo entre os trabalhos de artistas brasileiros que se afastam de um e de outro desses modelos de explícito engajamento, há uma parcela significativa que é capaz de reenquadrar criticamente, através de seu sotaque híbrido

93 Sobre as condições de emergência da comunidade, ver Jean-Luc Nancy. La Communauté désoeuvrée. Paris, Ch. Bourgeois, 1986. 94 Aracy Amaral tem apontado, com insistência, o pouco interesse dos artistas contemporâneos brasileiros em se manifestarem em relação às extremas desigualdades econômicas e sociais do país, cuja causa suposta seria um sentimento de impotência frente às dimensões do problema associado ao pouco apreço que artistas “figurativos ou comprometidos com a realidade” possuem na crítica nacional. Mesmo em um evento dedicado a refletir sobre a crise urbana no Brasil – Arte-Cidade, em suas várias edições desde 1994 –, seriam poucos os artistas capazes de articular, em seus trabalhos, um posicionamento claro sobre o assunto. Aracy Amaral. “Brasil: perfil de um meio artístico em década marcada pela violência”. Em Políticas de la diferencia: arte iberoamericana fin de siglo (catálogo de exposição). Recife, Governo do Estado de Pernambuco, 2001. 156 e de classificação difícil, o ambiente e o momento em que a seus criadores é dado viver. São trabalhos que instauram, por conseguinte, um espaço de “dissenso” em meio a conceitos convencionais de apreender os complexos modos de pertencimento vigentes no mundo contemporâneo, solicitando, de quem entra em contato com eles, que negocie e questione os possíveis significados que trazem.95 E exatamente por não antecipar o efeito que por ventura possui sobre o outro, essa produção gera um saber sobre um espaço de vida conjunta que não se encontra em outras formas cognitivas. Saber que não prescreve regras de convívio ou soluções para confrontos, mas que logra apresentar, por meio da articulação de signos, tanto a capacidade de invenção e de adequação criativa diante de situações marcadas pela falta, quanto a imobilidade, a repetição, a melancolia, o silêncio, a fragilidade e a entropia que marcam o cotidiano no Brasil. Conhecimento semelhante ao que se encontra nas obras de, entre outros, Oswaldo Goeldi e Antonio Dias, que se fazem, por isso, também participantes de uma genealogia reclamada pela produção daqueles artistas, ainda que careçam do explícito reconhecimento institucional dessa posição. São trabalhos que, justo por aludir, na própria materialidade de que se constituem – âmbito que não se reduz a outro algum –, à idéia de um conforto e de um incômodo concorrentes, espelham a indeterminação que o futuro oferece em potência ao país. Situação em que cabe a todos reinventar o que é intolerável no presente ou, inversamente, assumir o fracasso de um projeto de vida coletivo.96 Sem pretender afiançar que a produção contemporânea nacional possua, hegemonicamente, tais características, ou que os trabalhos que referendem essas posições não carreguem igualmente outros sentidos, sugere-se que apresentá-los através desse prisma demonstra, sem prejuízo a outros entendimentos possíveis, a pertinência e a atualidade da categoria “arte brasileira”, mesmo em um mundo que crescentemente se quer afirmar como um espaço “comum” a todos que o habitam.

95 Para Jacques Rancière, o papel do dissenso é “sempre reexaminar as fronteiras entre o que é suposto ser normal e o que é suposto ser subversivo, entre o que é suposto ser ativo – e, portanto, político – e o que é suposto ser passivo ou distante – e, portanto, apolítico”. Jacques Rancière, Fulvia Carnevale e John Kelsey. “Art of the Possible” (entrevista). Artforum, 45 (7), 2007. [tradução do autor] 96 Rodrigo Naves afirma que, na arte contemporânea brasileira, “o não reconhecimento das dificuldades da atual experiência histórica tem conduzido a uma incorporação exterior e rebaixada de dinâmicas que terminam sendo apenas tematizadas, sem que os trabalhos de arte tenham a capacidade de aceder – e de revelar – à articulação desses movimentos e estabelecer com a realidade uma relação em que eles, justamente por agirem como uma força interna ao mundo que fendem, mostram-se também capazes de apresentá-lo como uma realidade menos impositiva, cujas fissuras cabe à arte (entre outras forças) revelar e manter”. Rodrigo Naves. “Introdução: o vento e o moinho”. Em Rodrigo Naves. O vento e o moinho. Ensaios sobre arte moderna e contemporânea. São Paulo, Companhia das Letras, 2007. A despeito da agudeza do raciocínio, afirma-se aqui, exatamente, a capacidade da arte contemporânea brasileira de elaborar sua complexa articulação com a “realidade” em que está inscrita, nos termos defendidos pelo crítico. 157

PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2009

PEDROSA, Adriano. “Mamõyaguara opá mamõ pupé”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2009. Mamõyaguara opá mamõ pupé. São Paulo, 2009, p. 22- 39.

Mamõyaguara opá mamõ pupé

Uma exposição deve responder ao contexto em que ela se realiza - à história de suas edições anteriores, À instituição que a organiza, ao circuito local e internacional com o qual ela dialoga, ao momento em que ela ocorre. É nesse sentido que o 31º Panorama da Arte Brasileira, organizado com "artistas estrangeiros", respondeu a um conjunto de questões e avaliações. Muito se falou da polêmica em torno do projeto - uma discussão que se mostrou bastante acalorada no anúncio da mostra, mas que arrefeceu com a inauguração97. Em um catálogo que se edita após o encerramento, é importante identificar como se desdobram e consolidam determinadas aproximações curatoriais e tomadas de posicionamentos através de textos, edições e exposições que antecederam este projeto.

Uma avaliação central para a construção deste Panorama é a que identifica como problemático o atrelamento da arte a nacionalidade. Em 1996, escrevendo sobre a Bienal do Whitney na edição especial sobre Bienais da extinta revista mexicana

97 O primeiro artigo, de Fabio Cypriano, foi publicado na Folha de S. Paulo sob o título “Mostra de arte brasileira não terá artistas nacionais”, em 20 de março de 2009. A repercussão surgiu em seguida no blog Como Atiçar a Brasa, no site do Canal Contemporâneo, que reproduziu o artigo, e, até o dia 9 de maio, data do penúltimo post, incluía 9.834 palavras de comentários, a maioria deles negativos. Um segundo artigo, também escrito por Cypriano, e reproduzido no blog, foi publicado na Folha, com o título de ‘“Panorama estrangeiro’ é atacado na web”. Cypriano colheu a opinião de 12 artistas e curadores brasileiros. Em razão da limitação deste espaço, reproduzo apenas as opiniões contrárias, que ademais são mais sintéticas. Com a artista Carmela Gross: “O sr. Adriano Pedrosa que se cuide! A sua estrangeirice é tamanha que um dia ele ainda vai ser deglutido pelos canibais de plantão!”. Com 0 curador Paulo Venancio Filho: “Será que não há no MAM uma mente lúcida para se opor a tamanha arrogância ridícula?”. 0 artista Artur Barrio também é citado por Cypriano: “Que presunção, que vaidade, que egocentrismo.” É curioso constatar que após a abertura da exposição, em 3 de outubro, apenas um comentário foi adicionado, no dia 6 de outubro, de 75 palavras. Disponível em: www.canalcontemporaneo.art.br/ brasa/archives/oo2119.html (acessado em: 15 de março de 2010).

158

Poliester, fiz duras críticas à celebrada exposição dedicada à arte estadunidense organizada pelo Whitney Museum of American Art, em Nova York:

"Digamos que atrelar uma nacionalidade a um objeto de arte está longe de não ter problemas - tanto em termos de como isso pode refletir um desejo de demarcar e territorializar um objeto quanto como isso é feito, quais critérios são invocados nesse processo [... ] A supervalorização dessa Bienal doméstica (de fato local e insular) é um eloquente símbolo de seu provincianismo. “98

O Panorama poderia ser considerado uma versão brasileira da Bienal do Whitney - inclusive, a exposição do MAM, como a do Whitney, era inicialmente dedicada a um meio diferente a cada edição. A acusação de provincianismo merece ponderações: por um lado, é difícil compreender porque a Bienal da cidade que ainda é a principal capital da arte no mundo seja restrita à produção doméstica, sobretudo quando a maior parte dos artistas que dela participam já expôs nas galerias locais. Nesse sentido, a Bienal do Whitney funciona mesmo como um certificado de aprovação institucional para os artistas que em seguida serão devorados pelo circuito comercial. Em São Paulo, ainda que tenhamos uma bienal verdadeiramente internacional, há uma carência de exposições internacionais coletivas curadas para o contexto local, que é povoado por exposições coletivas brasileiras - temáticas, geracionais, de arte jovem ou emergente. A razão desse desequilíbrio não é filosófica ou conceitual, nacionalista ou protecionista, mas meramente financeira: exposições com obras ou artistas estrangeiros são mais custosas que as puramente domésticas -é caro o transporte de obras e de artistas estrangeiros, bem como as viagens de pesquisa de um curador. O fato é que o princípio da nacionalidade é o mais simplista dos critérios curatoriais e frequentemente responde mais a necessidades burocráticas, políticas e diplomáticas ou a limitações de orçamento e de pesquisa do que a uma verdadeira investigação ou à relevância curatorial. Nesse sentido, este Panorama é

98 Original em inglês. “Whitney” in Poliester, vol. 5, no. 16, México, D.F., (Outono) 1996.

159 também uma resposta ao foco excessivamente doméstico das mostras organizadas pela maioria das instituições locais.99

A preocupação com as armadilhas da nacionalidade refletia de várias maneiras no tratamento editorial dos quatro volumes das publicações da XXIV Bienal de São Paulo. Se o 31º Panorama é marcado pela ausência de brasileiros, no volume dedicado às representações nacionais da Bienal havia um jogo inverso entre o local e o internacional:

"Em representação nacional, o artista brasileiro Emmanuel Nassar surge com um projeto de bandeiras dos municípios do Pará, entrecruzando as (páginas das) participações oficiais. A ideia, desenvolvida em diálogo com o artista, foi a de conferir um localismo bastante profundo a um segmento tão 'global'[... ] Por outro lado, dentro da orientação revisionista que a XXIV Bienal adotou em relação ao modelo tradicional de representações nacionais, ordenamos esse livro não pela ordem alfabética das nações, mas pelo primeiro (e não o último) nome dos artistas participantes (de acordo com o uso brasileiro)."100

De maneira mais radical, a revisão chegou ao próprio título da mostra: "Retiramos também o 'internacional' do título dessa Bienal - a curadoria considerou desnecessário, e mesmo um tanto provinciano, dar nome em seu título a um traço que a exposição já tão eloquentemente afirma". O diálogo entre o local e o internacional era estendido às capas dos quatro livros da exposição. Todos reproduzem "XXIV Bienal” em suas contracapas e “de São Paulo" em suas capas, sobrepostos a paisagens, interiores ou rostos paulistas através de obras de Tarsila do Amaral, Esko Männikkö, Brian Maguire e Rochelle Costi.101 De algum modo, as quatro capas compunham um "panorama paulista", algo que surge novamente na primeira sala do 31º Panorama, agora através

99 É interessante observar que, no Brasil, as galeria s comerciais, por trabalharem diretamente com artistas estrangeiros e muitas vezes terem acesso a um circuito de viagens e transporte de obras através da participação em feiras de arte, têm uma maior agilidade e flexibilidade de trâmites internacionais e são capazes de desenvolver um programa mais internacional do que as instituições. 100 É interessante observar que, no Brasil, as galeria s comerciais, por trabalharem diretamente com artistas estrangeiros e muitas vezes terem acesso a um circuito de viagens e transporte de obras através da participação em feiras de arte, têm uma maior agilidade e flexibilidade de trâmites internacionais e são capazes de desenvolver um programa mais internacional do que as instituições. 101 Respectivamente em: v. 1,Núcleo histórico: Antropofagia e histórias de canibalismos; v. 2, “Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.”; v. 3, Representações nacionais; e v. 4, Arte contemporânea brasileira: Um e/entre outro/s (São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1998, design Raul Loureiro e Rodrigo Cervino). 160 de obras de Franz Ackerman, Juan Araujo, Juan Pérez Agirregoikoa, Cerith Wyn Evans, Luisa Lambri e Jorge Macchi.

Na XXIV Bienal, todos os jogos, diálogos e contaminações entre línguas e territórios apontavam para uma desconfiança em relação ao segmento das representações nacionais. Uma epígrafe, retirada do texto de Jon Tupper, o curador da representação canadense em 1998, aparecia apenas e inglês sob o titulo do livro, "Representações Nacionais", reconhecendo as limitações do segmento :"It is impossible to represent a nation's contemporary art activity through the work of one artist” [É impossível representar a atividade da arte contemporânea de uma nação através de apenas um artista]102 Entretanto, foi apenas na 27ª Bienal, em 2006, trabalhando como co-curador com Lisette Lagnado, curadora-chefe, Cristina Freire, José Roca e Rosa Martínez, co- curadores, e Jochen Volz, curador convidado, que enfim conseguimos extinguir aquele anacrônico segmento da Bienal, que hoje subsiste apenas na Bienal de Veneza.

Em 2000-01, outro jogo editorial com territórios e origens surge em F[r]icciones, co- curada com Ivo Mesquita no Museo Nacional centro de Arte Reina Sofia, em Madri. A mostra era uma das cinco que o museu espanhol organizava por ocasião da celebração dos 500 anos do descobrimento da América. Embora o objeto fosse a arte latino-americana, o título do conjunto, por decisão de todos os curadores, evitava deliberadamente o termo, optando por uma denominação mais poética e imprecisa: Versiones del Sur.103 A contracapa do catálogo de F[r]icciones trazia a reprodução de uma pintura da série de oito de Las castas mexicanas (1973) de Miguel Cabrera, que reproduz a figura de um pai de uma raça e uma mãe de outra, com sua filha mestiça resultante, com a escrita : "De Chino cambujo y India : Loba". Na capa, uma da série de dez pinturas aparentemente abstrato-pontilhistas, compostas na verdade por pontos de tinta que representavam várias cores de pele, com o título Lobo (1992 ); o autor, General Idea, um coletivo de artistas canadense.104

102 xxrv Bienal, v. 3, Representações nacionais, op. cit., p. 11 103 Os outros curadores eram: Carlos Basualdo, Gerardo Mosquera, Héctor Olea, Mari Carmen Ramírez, Mónica Amor e Octavio Zaya. 104 Adriano Pedrosa e Ivo Mesquita, F[r]icciones (Madri: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2001, design Fernando Gutiérrez). 161

A interrogação sobre a nacionalidade chega ao Panorama em 2003, quando o Museu de Arte Moderna de São Paulo convida um cubano para curar a mostra. Naquele momento a instituição achava relevante justificar o processo de escolha do curador por meio de sua expertise, revelando os números de sua pesquisa e indicando uma motivação estratégica para o convite estrangeiro. Nas palavras da presidente Milú Villela:

"[C]onvidamos um curador internacional já bastante familiarizado com a nossa produção o cubano Gerardo Mosquera, conhecido por várias mostras realizadas no exterior e por sua importante atuação no New Museum, em Nova York. Após viajar por 11 cidades brasileiras visitando diversos ateliês e vendo mais de cem portfólios e reunindo uma documentação importantíssima sobre a arte brasileira atual, Gerardo Mosquera e a panamenha Adrienne Samos, curadora assistente, selecionaram 21 artistas, integrando três estrangeiros pela primeira vez. [... ] O material levantado transcende a curadoria do Panorama, possibilitando que ambos levem para o exterior muitos artistas brasileiros participantes ou não do evento."105

Apesar das palavras cautelosas da presidente do MAM, o tom de Mosquera é mais contundentemente antiterritorialista e antinacionalista; de fato a mostra incluía Wim Delvoye, Kan Xuan e Jorge Macchi. "Esse é um Panorama antipanorama", escrevia Mosquera na primeira frase de seu texto, para em seguida afirmar:

"A inserção dos convidados [estrangeiros] realiza um comentário de 'autocrítica', a partir de dentro, às exposições determinadas por visões nacionais ou regionais, cujo momento, na minha opinião, passou. Esta critica muito pertinente na América Latina, onde a neurose da identidade e o fundamentalismo nacionalista mantêm certa força apesar do aumento na circulação internacional da arte, que teve lugar em escala mundial nos últimos anos. [... ] A cena artística do Brasil foi mais promiscua e aberta ao exterior do que a média latino-americana, e preocupou-se menos em mostrar seu documento de identidade. “106

105 Milú Villela, “Um Panorama da Arte Brasileira internacional” in Panorama da Arte Brasileira: (desarrumado): 19 desarranjos (São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2003, p. 9). 106 Gerardo Mosquera, “Desarrumado” in Panorama da Arte Brasileira: (desarrumado): 19 desarranjos, op. cit., pp. 22-23.

162

É nesse sentido que a argumentação curatorial de Mosquera, um estrangeiro, "a partir de dentro" de uma mostra de arte brasileira, torna-se um importante ponto de partida para um curador brasileiro questionar os limites territoriais do mesmo Panorama seis anos mais tarde.

A despeito de tantos jogos e questionamentos acerca da nacionalidade, do território e das origens, o 31º Panorama centra-se efetivamente na importância que a cultura brasileira passa a ter para um número significativo de artistas estrangeiros. Trata-se de um fenômeno que pode ser identificado nas duas últimas décadas, com o crescente reconhecimento internacional da arte de Lygia Clark, Hélio Oiticica e Lygia Pape; da arquitetura de Lina Bo Bardi, Oscar Niemeyer e de ; da bossa nova ou da tropicália, entre outros. Se através da antropofagia, celebrada por Oswald de Andrade no "Manifesto antropófago", de 1928, o intelectual moderno brasileiro apropriava-se da cultura europeia para digeri-la e produzir algo próprio, agora é a própria cultura brasileira que é canibalizada pelo estrangeiro - a Europa para o almoço e o Brasil para o jantar. 107 Quando o multiculturalismo e o pós-colonialismo, a partir dos anos 1990, procuram questionar a canônica história da arte, até então europeia e norte-americana, alguns experimentos brasileiros da segunda metade do século XX se oferecem como outra tradição de modernidade, constituindo um repertório efetivamente singular que vai despertar o interesse de uma nova geração de artistas. Esse interesse consolida, assim, uma espécie de cânone alternativo, ou outro cânone, em contraposição ao do Atlântico norte. É difícil precisar datas, mas pode se identificar alguns momentos marcantes por meio de algumas exposições. Em 1992- 94, a retrospectiva de Hélio Oiticica foi vista no Witte de With, Center for Contemporary Art, em Roterdã, na Galerie Nationale du Jeu de Paume, em Paris, na Fundació Antoni Tàpies, em Barcelona, no centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e no Walker Art Center, em Minneapolis. Em 1997- 98, a retrospectiva de Lygia Clark foi recebida pela Fundació Tàpies, pelo MAC- Galeries Contemporaines de Musées de Marseille, pela Fundação Serralves, no Porto, e pela Société des Expositions du Palais des Beaux-Arts de Bruxelles. Um ponto de inflexão na história recente é a Documenta X, em 1997, organizada por Catherine David. Embora a Documenta IX, em 1992, já incluísse artistas brasileiros

107 A referência é a um artigo de Paulo Herkenhoff que relacionava a antropofagia à arte contemporânea brasileira, “Having Europe for lunch: A recipe for Brazilian art” in Poliester, vol. II, no. 8, México, D.F., (Spring) 1984. 163 contemporâneos (Jac Leirner, Cildo Meireles, José Resende e Waltercio Caldas), a edição seguinte exibe obras de Oiticica e de Clark num contexto histórico (além de Tunga e Cabelo). É precisamente esse reconhecimento histórico que abre o caminho para que artistas e intelectuais mais jovens estabeleçam diálogos com o Brasil e sua cultura.

Neste contexto, o 31º Panorama reuniu obras de artistas estrangeiros que de algum modo tenham se engajado com a arte, com a cultura ou com a história brasileira. Num sentido expandido, "arte brasileira" é aqui compreendida não como arte produzida por brasileiros, mas como aquela que estabelece fortes referências a temas e conteúdos brasileiros.108 O resultado foi uma mostra composta por obras brasileiras feitas por estrangeiros, nem tanto com elementos exóticos, mas através de uma forte presença da abstração geométrica na qual a grade é muitas vezes subvertida por elementos orgânicos, sinalizando um legado do neoconcretismo.

Além de antecedentes editoriais, o 31º Panorama tem sobreposições com projetos anteriores - exposições coletivas, bienais, coleções particulares e residências de artistas. A primeira delas com a XXIV Bienal, na qual fui curador adjunto e editor das publicações ao lado de Paulo Herkenhoff, curador-chefe. A mostra efetivamente inseriu a antropofagia no debate internacional e tornou-se um marco na história da Bienal de São Paulo. O 31º Panorama, traçando uma trajetória inversa de apropriação entre o nacional e o estrangeiro, deve muito à Bienal de 1998 e às reflexões de Herkenhoff. A nova geometria (Galeria Fortes Vilaça, São Paulo, 2003) antecede o tratamento da abstração geométrica na arte contemporânea e ali estavam presentes artistas como Damián Ortega, Franz Ackermann, Jorge Macchi, Juan Araujo e Luisa Lambri. Em 2005, Farsites: Urban crisis and domestic symptoms in recent contemporary art (Lugares distantes : Crises urbanas e sintomas domésticos na arte contemporânea recente), organizada no contexto inSite_05 no San Diego Museum of Art e no Centro Cultural Tijuana, era em grande parte uma exposição de temas e conteúdos latino-americanos com artistas de todo o mundo. Em Farsites estavam presentes mais uma vez artistas como Ortega, Ackermann, Macchi e Araujo, além de Armando Andrade Tudela, Carlos Garaicoa, José Dávila, Martetica Potrc e Sean Snyder, que participaram também deste 31º Panorama. O tema paulistano, que surge

108 Deve-se fazer uma distinção em relação à obra do artista, viajante estrangeiro em visita ao país, que frequentemente retrata a paisagem ou os personagens locais sem um verdadeiro engajamento com o pensamento. 164 na primeira sala do Panorama, foi desenvolvido através de obras de arte e de textos na exposição e na publicação "Fragmentos e souvenirs paulistanos” Vol.I (Galeria Luisa Strina, São Paulo, 2004). Nessa sucessão de exposições, há obras que reaparecem em mais de um contexto, operando de forma diferente em distintas situações. Um curador pensa a arte através de obras, e algumas delas tecem um motivo condutor através seu pensamento. Um dos exemplos mais radicais é As folhas mortas (Two empty Folha de São Paulo) I, (2004), de Macchi, que foi incluída em "Fragmentos ...” em Diários, no contexto da 2da Trienal Poli/Gráfica de San Juan, América Latina y el Caribe, em 2009, e mais uma vez no 31ºPanorama, em 2009.

A pesquisa realizada a mais de dez anos através de duas coleções de arte contemporânea das quais sou curador oferece um privilégio para desenvolver acervos que alimentam recortes curatoriais, mais tarde formatados em exposições. É o caso da coleção Paulo A. W. Vieira, no Rio de Janeiro e em São Paulo, e da Colecção Teixeira de Freitas, em Lisboa. Não por acaso um número significativo de obras das coleções foram emprestadas à exposição. Na coleção Vieira, há um núcleo de mapas com mais de cem obras, algo que ecoa na sala de mapas que encerra o percurso da exposição, com obras de Ackermann, Macchi e Julião Sarmento. Na Coleção Teixeira de Freitas, promovemos a residência de Luisa Lambri, que fotografou edifícios de Oscar Niemeyer no Rio Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e São Paulo, em 2003. Algumas dessas imagens estavam no Panorama. Aqui também a escultura De como minha biblioteca brasileira se alimenta de uma realidade concreta (2008), de Garaicoa, concebida a partir de uma residência do artista no Rio de Janeiro através da mesma coleção, em 2006.

Por outro lado, o programa de residências da 27ª Bienal, em 2005, foi desenvolvido numa primeira parceria com a FAAP, quando convidamos dez artistas estrangeiros para residência em São Paulo, no Recife e em Rio Branco - dois dos quais foram incluídos na exposição, Andrade Tudela e Potrc. Um projeto com a importância e os recursos do Panorama deve ter um caráter não apenas retrospectivo, mas também prospectivo. Assim, ao lado de artistas que já tem uma relação com a cultura brasileira, e portanto com uma presença mais forte na exposto, há um segundo grupo, que foi convidado a realizar residências em São Paulo, hospedando-se no Edifício Lutetia, numa nova parceria com a Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). 165

Nove artistas residentes passaram por São Paulo, não para realizarem uma obra para a exposição, mas para iniciarem (ou não) uma história por aqui. Desse modo que o segmento expositivo - a mostra no MAM- se complementa com as residências sem que o segundo seja uma meio para o primeiro.

A restrição física é um implacável condicionante do Panorama. O MAM é um grande museu num edifício pequeno. Como a segunda exposição mais importante da cidade de São Paulo, é irônico que o espaço que ela ofereça ao curador e aos artistas seja cerca de 30 vezes menor que a primeira, sua vizinha- a gigante Bienal de São Paulo, com seus 30.000 m². Diante da expectativa que o Panorama tradicionalmente provoca, a demanda ao arquiteto Rodrigo Cerviño foi a de criar espaços e superfícies que otimizassem áreas expositivas, permitindo a inclusão de um maior número de obras em salas relativamente pequenas. Um comentário que foi feito em relação à aproximação não nacionalista do Panorama foi o de que, com uma nova perspectiva internacional, o mais coerente seria incluir artistas brasileiros ao lado de estrangeiros. É um desdobramento possível para a exposição. Com o fôlego do MAM, parece-me que o futuro do panorama mora ao lado - na Oca.

Diante das limitações de espaço, alguns artistas que desenvolveram pesquisas brasileiras têm ausência sentida na exposição e devem ser citados. De Pedro cabrita Reis, Copan (1997) que de certo modo antecipa o tratamento da gambiarra, foi solicitado para a Art Gallery of Ontario, mas o pedido foi negado em razão de limitações de tempo. Transa (2005), obra prima de Andrade Tudela que cruza neoconcretismo e tropicália, música, design e escultura, foi exposta na 27ª Bienal, hoje está na coleção da Tate Modern, em Londres, porém estava comprometida com outra exposição - aqui, reproduzimos sua imagem. Program(2006), de Florian Pumhosl, filmado durante sua residência em São Paulo para a 27ª Bienal na casa Modernista (1928) de Gregor Warchavchik, poderia finalmente ter sido bem instalada no Ibirapuera, com a primorosa produção do MAM; contudo, tivemos que restringir os vídeos e as projeções em razão do espaço. Um jogo entre presença, ausência e recordação é estabelecido com Double Terrain de jeu (2006), de Dominique Gonzalez Foerster. Não faria sentido refazer a multiplicação de coluna sob a marquise do Ibirapuera (que em 2006 re-aparecia dentro do pavilhão na 27ª bienal) porém era interessante fazer uma referência ao diálogo de Gonzalez - Foerster com Niemeyer – 166 daí a reprodução, no convite e na capa do catálogo do Panorama, de uma obra ausente da exposição. Permanece em minha lembrança seu Brasília Hall (1998), que vi em Estocolmo em 2000.

Shanty nucleus after Derrida (Núcleo favela a partir de Derrida, 2007) de Sergio Vega, é trabalho de raiz profundamente brasileira que provavelmente teria sido vetado pela família do artista brasileiro com quem sua obra dialoga. Essa é a razão da reprodução neste catálogo do PDF da carta nunca respondida de Jorge Pedro Núñez dirigida à família Oiticica. As obras de Núñez chegaram a ser transportadas para São Paulo, mas diante da avaliação da família Oiticica de que consistiam em plágio, o departamento jurídico do MAM vetou sua exposição e publicação. “Só me interessa o que não é meu. Lei do Homem. Lei do antropófago."109 Os meros títulos apontam para as apropriações brasileiras de Núñez em cruzamentos com outras: Oiticica in cosmococa rhizomatique (Oiticica em cosmococa rizomtica, 2007), Oiticica in cosmococa after lecture Lewitt isometric triangle (Oiticica em cosmococa após palestra Lewitt triângulo isométrico, 2007), Metaesquema Baldessari und Goya (Metasquema Baldessari e Goya, 2008).

Mamõyaguara opá mamõ pupé, o titulo do 31º Panorama é emprestado de uma obra do coletivo Claire Fontaine, que composto por uma italiana e um irlandês. Trata-se da tradução para o tupi antigo da expressão "foreigners everywhere", e é parte de uma série de trabalhos cujo formato são letreiros em neon em diferentes línguas. A série, por sua vez, toma emprestado o nome de um grupo anarquista de Turim que luta contra o racismo. o debate modernista em torno da identidade nacional se re-atualiza através dos estrangeiros que revisitam a língua indígena extinta. “Tupy or not tupy, that is the question.”110 Num panorama que desde o anúncio de seu projeto acendeu discussões sobre nacionalismo, territorialidade e xenofobia no campo da prática artística e das exposições, a expressão numa língua nativa que em realidade poucos cidadãos brasileiros possam de fato compreender pode soar amarga: estrangeiros em todo lugar.

109 Oswald de Andrade, “Manifesto antropófago”, originalmente publicado em Revista de antropofagia, n. 1, ano 1, maio de 1928, São Paulo. 110 Oswald de Andrade, op. cit. 167

PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2011

ALVES, Cauê; TEJO, Cristiana. “Itinerários, itinerâncias”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2011. Itinerários, Itinerâncias. São Paulo, 2009, p. 30-34.

ITINERÁRIOS, ITINERÂNCIAS

Itinerário ou itinerância? Os caminhos de um pesquisador se abrem sobre uma estrada reta, toda traçada, ou são escolhidos em uma rota errante? Pesquisa organizada ou pesquisa instintiva? Itinerário ou itinerância? Caminhos balizados, ordenados, ou caminhos de signos, caminhos livres? Jean-Marie De Ketele, pesquisador belga

O Panorama da Arte Brasileira, como seu título pressupõe, vê-se obrigado a cada edição a repensar o próprio sentido do termo “arte brasileira”. O processo de internacionalização das artes e o que se convencionou chamar de globalização gerou longos debates sobre a diluição de identidades nacionais e o reforço, por vezes caricato, de singularidades locais. Daí as inevitáveis perguntas: Em que medida a facilitação do deslocamento proporciona uma homogeneização da produção contemporânea? Em que sentido o fluxo contínuo de artistas e de outros agentes do circuito pode dissolver algumas especificidades locais na arte contemporânea? A especificidade das artes visuais se desfaz na medida em que há itinerância entre meios, suportes, gêneros, técnicas e quando o artista trabalha com toda e qualquer matéria, tema ou ideia, dialogando com a biblioteca, o setor educativo do museu, com os seminários, com o cinema, os sons, a dança ou a literatura?

A curadoria de Itinerários, itinerâncias investigou as noções de permanência e movimento, bem como a urgência cada vez maior de se estar sempre em deslocamento no circuito da arte, mesmo que viajar não seja algo de acesso a todos. Mais do que um tema, itinerar – no sentido de uma trajetória em que a ênfase está mais no processo e no percurso do que na chegada a um ponto específico – é uma estratégia recorrente no interior da produção artística e no circuito contemporâneo. Com a proliferação dos programas de residência, a descentralização das verbas federais para a cultura, o lançamento de diversos editais, assim como o evidente 168 aumento do tráfego aéreo no território nacional, dado o recente crescimento econômico do país, constata-se que alguns artistas passam mais tempo fora das cidades em que vivem, em trânsito, do que em casa ou no ateliê.

Nesse sentido, o mapeamento apenas do ponto de vista territorial buscado por um Panorama da Arte Brasileira deixa de ser tão fundamental quando os agentes do circuito e a própria arte brasileira estão itinerando pelo mundo. Isso não é uma exclusividade do contexto nacional: percebemos que o estado atual da arte contemporânea, especialmente na última década, se deve a um tempo cada vez mais acelerado, e essa é uma tendência nos grandes centros artísticos no país e fora dele.

Algumas questões centrais que orientaram a pesquisa dão pistas sobre os caminhos que desembocaram no 32º Panorama: quando a itinerância decanta resíduos, restos, sobras e percursos? Quando a itinerância decanta tramas, redes, circuitos e colaborações? Quando a itinerância decanta trabalhos de arte e fatos estéticos?

Partindo de que o projeto Panorama da Arte Brasileira é um residente no Museu de Arte Moderna de São Paulo a cada dois anos, já que a cada edição diferentes curadores são convidados a propor uma leitura da arte brasileira, o projeto curatorial desta edição itinera na espacialidade do museu, desnaturalizando percursos internos e externos e propõe um breve desnudamento da estrutura institucional. Isso se dá por meio de diálogos mais abertos com a biblioteca, na proposta do Capacete, e com o Educativo, no Café educativo de Jorge Menna Barreto, além de breves inserções de Rodrigo Matheus, como as feitas no Clube de Colecionadores. Essas infiltrações, espaços de encontro entre área expositiva e núcleo do museu, soleiras, como apelidadas pela arquiteta responsável pela expografia, Marta Bogéa, encontram-se marcadas na cenografia com a cor preta.

O transbordamento para outros espaços que não os expositivos do MAM acontece ainda no trabalho da dupla Louise Ganz e Breno Silva na recepção, e que pode ser emprestado ao público no filme de Letícia Cardoso e na mostra Cinema itinerância, no auditório, e na mesa organizada por Raquel Garbelotti. Há ainda a ocupação da marquise com a intervenção de Chiara Banfi e Kassin e do parque do Ibirapuera com o Trecho experimental da cicloviaérea de Jarbas Lopes. Detanico Lain intervêm graficamente no catálogo e criaram o logo da mostra. Acontecem também ao longo da 169 mostra performances de Jailton Moreira, trabalho que ocorre no tempo e ocupa brevemente o espaço do museu.

Entre as propostas do Panorama 2011 está o convite para que alguns artistas trabalhem em conjunto com o Setor Educativo do MAM. A ideia é que os artistas colaborem para uma reflexão sobre o papel e a importância do trabalho pedagógico em museus. Os educadores não são apenas mediadores das proposições curatoriais e artísticas, prestadores de serviço e fornecedores de conteúdo para o público, mas agentes fundamentais na reflexão sobre o lugar do artista, do curador e do modo pelo qual a arte, ela mesma, possui um papel formador. É a partir do contato com a arte e no interior dela mesma que o programa educativo do museu pode não apenas propor exercícios que aproximem os visitantes dos processos artísticos, mas reinventar sua prática. Deixar os limites entre as propostas pedagógicas e artísticas mais fluidos é mais do que reconhecer o caráter inventivo do educador, é também estreitar vínculos e abrir caminhos entre as proposições artísticas e as inquietações do público, assim como qualificar a participação nos trabalhos de arte e torná-la mais consciente.

Itinerário

Em seu texto “Itinéraire et itinérance”, publicado na revista Perspectives documentaires en Sciences de l´Éducation (1989), o pesquisador belga e catedrático em ciências da educação da Unesco, Jean-Marie De Ketele, relata seu percurso formativo e trata dos possíveis processos de formação e da construção de rotas de pesquisa. Chama a atenção em especial para a errância, o desvio, os deslizes, os achados, os acasos que não estavam previstos no caminho traçado preliminarmente e que são de fato os grandes constituintes do percurso de quem investiga. Apesar de ser um texto utilizado por pesquisadores da área de humanas que estão em busca de orientações sobre metodologia de pesquisa, “Itinerário e itinerância” nos ajuda a refletir sobre a possibilidade de mudança de ênfase no que seria o destino final de um gesto ou de uma ação artística para o caminho da experiência. Ao utilizar a palavra “itinerância” para denotar o processo de investigação, De Ketele nos traz um novo significado para a palavra que no jargão do mundo da arte significa a circulação de obras, exposições e artistas pelo mundo. A escolha de aludirmos a esse texto para 170 nomear o 32º Panorama da Arte Brasileira é talvez, acima de tudo, uma tentativa de relembrar que, antes da ativação desse dinâmico sistema de circulação e de visibilidade, arte é pesquisa que demanda tempo de elaboração. Não nos esqueçamos do devir em meio ao fulgurante e cada vez mais milionário sistema da arte contemporânea e suas intensas demandas.

Decantação, infiltração e transbordamento

Entre as metáforas aplicadas para caracterizar o momento atual, o líquido talvez seja a que mais se aproxima do recorte de Itinerários, itinerâncias. Desde o início dos anos 2000, Zygmunt Bauman tem abordado o que chamou de “modernidade líquida”. A liquidez pressupõe a mobilidade, a fluidez e, portanto, ela é o estado que mais se aproxima do fluxo do tempo e de tudo que é passageiro. Por não possuir uma forma definida, o líquido se ajusta a tudo e está sempre pronto para se modificar e seguir outros caminhos.

Se vivemos em um período no qual o que parece mais estável é a própria velocidade da mudança, um tempo de trânsito, é também porque ganhamos mais autonomia, estamos mais leves, e com os celulares e a internet sem fio o mundo se tornou mais instantâneo. Estamos sempre disponíveis em qualquer horário e local. Mesmo que as comunicações estejam mais facilitadas, e nós, mais distantes uns dos outros, cada vez mais vivemos em campos de não permanência, em espaços de passagem em que as relações sociais são provisórias e os produtos descartáveis.

Somos estimulados a nos deslocar em um processo intenso de desenraizamento, sem saber qual será o próximo destino, em que sentido vamos, em busca de uma novidade que logo se tornará obsoleta. Como elaborou Bauman:

Fixar-se ao solo não é tão importante se o solo pode ser alcançado e abandonado à vontade, imediatamente ou em pouquíssimo tempo. Por outro lado, fixar-se muito fortemente, sobrecarregando os laços com compromissos mutuamente vinculantes, pode ser positivamente prejudicial, dadas as novas oportunidades que surgem em outros lugares.111

111 Zygmunt Bauman, Modernidade líquida, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001, p. 21.

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É fato que a mobilidade dos capitais financeiros no território, os grandes fluxos de investimento que entram e saem rapidamente de uma nação para outra, se reflete de algum modo na itinerância da arte pelo mundo. A errância e a liquidez dos capitais transnacionais acompanham a migração e o interesse em investimentos em arte. Em vez de um simples elogio à metáfora da liquidez e ao fluxo contínuo, nos interessa a decantação e a sedimentação dos processos artísticos. Não apenas a velocidade e a exigência de novidade no mercado, mas o que de sólido resta em um mundo que vai se dissipando.

Viagem

Toda arte é de algum modo uma viagem ou um deslocamento de sentido. Além disso, a mais conhecida figura de linguagem, a metáfora, é um transporte de significações. Trata-se de uma mudança ou transferência de significado por meio de analogias e do trânsito entre palavras distintas. A Odisseia, um dos mais antigos livros da cultura ocidental que conhecemos, datada provavelmente do século VIII a.C., é perpassada pela narração de viagens e peripécias pelo mundo conhecido na época. Talvez esse monumento da literatura universal sobre as aventuras e itinerâncias de Ulisses seja um dos primeiros relatos de viagem já escritos. Ela é também a lembrança das adversidades e dos obstáculos vencidos durante a longa jornada do herói.

Não foram poucos os artistas viajantes que passaram pelo Brasil desde o descobrimento da América. Entre eles estão os holandeses Albert Eckhout e Frans Post, o francês Debret e o alemão Rugendas. Eles deixaram testemunhos em que frequentemente as terras brasileiras são vistas como exóticas. Pinturas realizadas a partir de esboços feitos no Brasil colaboraram para o que depois foi chamado de arte brasileira e também para a constituição da identidade nas nações europeias colonizadoras. No século XIX várias expedições trouxeram pintores e desenhistas para representar a paisagem e a flora locais. O cientista alemão Alexander von Humboldt foi um dos viajantes que buscaram a experiência direta e com os próprios olhos em terras brasileiras. Geralmente as viagens são realizadas pelos sujeitos mais curiosos e livres, que se embrenham pelo mundo sem rotas predefinidas e com direções que vão sendo traçadas a cada instante. 172

O próprio sentido tradicional de viagem implica o deslocamento entre locais distantes, mesmo que a definição de distância seja imprecisa. Se nos deslocamos para lugares próximos isso poderia ser chamado de viagem? Nesse sentido viajar parece pressupor o percurso de um local a outro, ou seja, está associado ao espaço. Mas quanto de espaço será preciso percorrer para que uma viagem seja caracterizada? Na verdade a viagem é sempre algo que se dá no tempo, uma vez que é o movimento que parece caracterizar a viagem, e é ele que conecta lugares distantes ou separados uns dos outros. É o movimento entre o ponto de saída e o de chegada (mesmo que o destino final não esteja previsto inicialmente) que parece fundamental. Esse entre, o campo intermediário do trajeto, talvez seja o que melhor define a viagem. É o transitar que é próprio do viajante, e esse trânsito se dá de distintos modos. Para entender a viagem como tempo é preciso antes de tudo evitar a espacialização da temporalidade e, portanto, evitar a ideia de associar o tempo apenas ao deslocamento. A separação entre tempo e espaço se torna insuficiente. As viagens são transformadoras não apenas porque alguém vai a lugares distantes ou desconhecidos, mas é porque o viajante vive também internamente uma sucessão contínua de momentos sempre novos e diferentes. O tempo não é uma linha contínua e já determinada, mas algo aberto ao que virá. Por isso o artista que viaja, que faz uma residência ou que itinera, não busca apenas um lugar inusitado, mas também um momento de suspensão na aceleração do tempo, ou seja, seus objetivos iniciais não são completamente determinados e precisos. A viagem não é apenas a realização de um projeto já formatado, mas o laboratório em movimento do artista. É no próprio ato de viajar que reside o significado da itinerância. A experiência de estranhar não apenas o destino da viagem mas a si mesmo é fundamental em qualquer percurso, uma vez que a viagem permite ir além dos limites do próprio mundo do artista. A itinerância é a possibilidade da abertura ao outro e, portanto, a instrumentalização da viagem pode pôr fim ao seu sentido primeiro. A própria arte é uma viagem, é um processo. Não à toa itinerar está no interior da pesquisa artística contemporânea.

Entretanto, o indivíduo que habita em uma grande metrópole vive em um movimento tão acelerado que é como se houvesse um achatamento do mundo. Como se a paisagem se tornasse uma tela ou um cenário em que o caminhar lento e perdido do flâneur já não fosse mais possível. O ócio daquele que se mistura na multidão sem 173 destino é atropelado pelo ritmo incessante do mundo contemporâneo. Daí a necessidade de um momento reflexivo que a viagem pode proporcionar.

O que trazem então os artistas no retorno de suas viagens? A historiadora Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke nos relata uma passagem em um dos ensaios do escritor britânico Gilbert K. Chesterton (1874-1936):

[...] Um dia, quando estava se preparando para viajar, um amigo entrou em seu apartamento no bairro londrino de Battersea e, ao vê-lo rodeado de malas, perguntou-lhe: “Você parece estar de saída para suas viagens... Para onde vai?” [...] “Para Battersea”, respondeu Chesterton. E explicou ao amigo intrigado que, por mais paradoxal que parecesse, de onde estava não podia ver seu próprio bairro, e mesmo Londres ou a Inglaterra. Para chegar onde já se encontrava precisava perambular pelo mundo; e se ia à França ou à Alemanha, por exemplo, não eram, entretanto, esses países que buscava, mas sim Battersea. “Todo o objetivo de viajar”, afirma Chesterton, “não é pôr os pés em terras estrangeiras: é finalmente pôr os pés em seu próprio país como se fosse uma terra estrangeira... O único meio de chegar à Inglaterra é ir para longe dela.”112

Talvez o único meio de chegar ao Brasil, ou ao seu lugar de origem, seja deslocar-se.

Tempo

Ao finalizar o capítulo “Rapidez”, integrante do livro Seis propostas para o próximo milênio, o escritor Italo Calvino conta a seguinte história chinesa:

Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsê estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsê disse que para fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com doze empregados. Passados cinco anos, não havia sequer começado o desenho. “Preciso de outros cinco anos”, disse Chuang-Tsê. O rei concordou. Ao completar-se o décimo ano, Chuang-Tsê pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais perfeito caranguejo que jamais se viu.113

112 Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke, Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos, São Paulo, UNESP, 2005, p. 53. 113 Italo Calvino (trad. Ivo Barroso), Seis propostas para o próximo milênio, São Paulo, Companhia das Letras, 1990, p. 67. 174

Esta parábola evidencia voltas de tempo na criação artística. Na atualidade, a pressão por rapidez e imediatismo obscurece o tempo necessário para a elaboração da experiência e do pensamento e enfatiza o tempo da concretização do trabalho. Parece que elegemos ficar na superfície e avistar apenas a ponta do iceberg, ou seja, o mágico momento em que o artista desenha em um único gesto a impressionante imagem de um caranguejo. Mas e o tempo que antecipa a materialização de uma ideia? Calvino nos relembra o que a psicanálise há muito já apontava. No livro O tempo e o cão: a atualidade das depressões, a psicanalista Maria Rita Kehl afirma que “Lacan, em ‘O tempo lógico’, faz recordar ao leitor de Freud que o sujeito da psicanálise não advém de um lugar, ou seja, de uma relação com o espaço, mas de um intervalo, isto é, de uma lógica temporal”.114

Entre o kairós, momento oportuno e subjetivo, e o kronos, tempo linear, cronológico, objetivo e linear, pautamos nossa vida no segundo. “O instante do Eureka! na criação artística, na pesquisa intelectual, no setting analítico etc., depende de um tempo interior, singular para cada sujeito e impossível de determinar”,115 nos relembra Kehl. Quais seriam então as consequências da aceleração da noção de tempo na produção artística deste momento histórico? Nesta edição do Panorama da Arte Brasileira participam diversas formas de posicionamento diante do tempo, desde a assimilação de uma experiência, do labor artístico e até mesmo do tempo que levamos para vivenciar o trabalho. Estas posições entrelaçam-se de forma heterogênea durante todo o percurso expositivo, sugerindo texturas temporais, um sucessivo entrar e sair de experiências.

Transitar

Assim como qualquer processo investigativo, curadoria é itinerário e itinerância. O objetivo é trazer a público visadas inovadoras sobre aspectos da arte, mas a forma pela qual se dá a pesquisa varia de sujeito para sujeito e do resultado a que se quer chegar. Por mais aberto que um curador esteja diante do assunto, ou do recorte de produção que deseja endereçar, seu próprio percurso, sua bagagem e seu repertório têm grande

114 Maria Rita Kehl, O tempo e o cão: a atualidade das depressões, São Paulo, Boitempo, 2009, p. 113. 115 Id., ibid., p. 119.

175 peso neste caminhar. Não seria possível um curador se despir de todas as suas referências precedentes para lançar um olhar virgem a uma produção. Mas é possível que os itinerários percorridos promovam desvios que permitam arriscar hipóteses para as perguntas lançadas no início.

As viagens dos pintores holandeses ou missões artísticas francesas, com os fluxos de imigração nos séculos XIX e XX, assim como o advento do modernismo e de seus refluxos, provocaram hibridizações e transformações e desvios na ideia de arte brasileira. O Panorama 2011 mostra quão heterogênea é a produção contemporânea. A facilidade no deslocamento não sufoca jamais a singularidade da poética de cada artista. Ou seja, o fluxo contínuo de artistas e outros agentes do circuito não dissolvem completamente especificidades locais na arte contemporânea. Em Itinerários, itinerâncias há artistas que não nasceram no país, mas que vivem no Brasil e fazem uma arte que também pode ser chamada de brasileira – Nicolás Robbio e Héctor Zamora –, ou que realizaram residências no Brasil e programas que discutem o projeto moderno brasileiro e suas itinerâncias, como Raphaël Grisey. Isso sem mencionar todos aqueles que nasceram no país e fizeram residências artísticas e viagens de pesquisa a outros estados e países. Esses programas e viagens se fortalecem na construção de redes de colaborações entre artistas, assim como facilitam trânsitos futuros. Todo o itinerário percorrido até aqui nos revela o quanto a especificidade das artes visuais se desfaz na medida em que há itinerância entre suportes, gêneros, técnicas. O fluxo entre linguagens, ou melhor, a possibilidade de o artista transitar entre distintos meios, vai além da visualidade e passa longe da produção de uma imagem definida e acabada no Brasil.

176

PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2013

LAGNADO, Lisette. “Museu em movimento, arquitetura sem construção”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2013. Formas Únicas da Continuidade no Espaço. São Paulo, 2013, p. 15-25.

MUSEU EM MOVIMENTO, ARQUITETURA SEM CONSTRUÇÃO

“Meio sagrado”

Tendo concebido e organizado com o diretor teatral Martim Gonçalves a exposição Bahia durante a V Bienal de São Paulo, no espaço onde o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) encontra-se hoje, a arquiteta Lina Bo Bardi considerava o lugar “meio sagrado”. Como um “terreiro”, carregado de história. Em 1982, convidada a reformar o prédio do Museu, Lina não poderia deixar de tomar posição frente ao plano original de Oscar Niemeyer – deixar a marquise livre de toda construção que obstruísse a interligação dos pavilhões do Ibirapuera. Sua resposta, contudo, apresenta sinais de uma ambiguidade apenas na aparência: entre parêntesis, escreve que se fosse o arquiteto, “já teria pedido a demolição de tudo aquilo”; mas afirma em seguida que a “vivência popular” sempre supera o “desenho de prancheta”116. É o segundo argumento que ela queria fazer prevalecer.

Devemos ler, nesse paralelo entre a prancheta e a vida, um elogio à cultura brasileira. Só poderia ser um falso problema na perspectiva antropológica da arquiteta que todos lembram como realizadora do Centro de Lazer da Fábrica da Pompeia (1977)117. A 33ª edição do Panorama da Arte Brasileira do MAM São Paulo aborda – na transversal – esse terreno escarpado.

Panorama: projeto e programa

116 Cf. Ferraz, Marcelo Carvalho (Coord.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi; Imprensa Oficial do Estado, 2008, p. 257. 117 Cabe ainda recordar o período que Lina Bo Bardi passou na Bahia, entre profissionais de diversas áreas, interrompido pelos acontecimentos do golpe militar. Cf. Cinco anos entre os “brancos”. O Museu de Arte Moderna da Bahia. [escrito na Bahia em 1964]. Mirante das artes, São Paulo, n. 6, p. 17, nov.-dez. 1967. Recomendo a leitura de Risério, Antonio. Avant-garde na Bahia. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1995. 177

A história do MAM São Paulo, fundado em 1948 por Francisco Matarazzo Sobrinho – Ciccillo –, e as mostras do Panorama, que a instituição começou a promover em 1969, pareceram-me um bom laboratório para testar de novo algumas ideias acerca da figura do “artista-arquiteto”118.

Para isso, foi preciso retroceder no tempo. O crítico Mário Pedrosa narra com clareza os fatos que precipitaram a decisão tomada por Ciccillo de doar as obras do MAM São Paulo à Universidade de São Paulo (USP):

[…] a Bienal, criatura do Museu, sufocou o seu criador. Nós, dirigentes dele, passamos a viver sob essa alternativa dolorosa: preparar as bienais, mas não deixar ao mesmo tempo cair o museu, à míngua de recursos. À medida, porém, que aquelas cresciam, absorvendo somas cada vez maiores, menores eram as disponibilidades que sobravam para as atividades permanentes e, em si mesmas, muito mais duradouras e profundas do museu propriamente dito.119

Em cinquenta anos – entre o ato que transferiu em 1963 as obras à USP e hoje –, o MAM São Paulo conseguiu arrolar aproximadamente 5.400 obras. O que então acrescentar, em âmbito curatorial, ao Panorama, essa mostra aguardada a cada dois anos, inventada para dotar o Museu de uma nova coleção? Como fazer mais uma exposição, se inclusive suas premissas, ao longo das décadas, conseguiram alinhar-se com diversas demandas do tempo atual, a saber: eliminar as divisões em suportes, descentralizar o meio artístico do eixo Rio-São Paulo, convidar um curador estrangeiro e incluir artistas não brasileiros?

Qualquer visitante do Ibirapuera constata que o volume do edifício do MAM São Paulo, sobretudo em termos de área expositiva, é desproporcional se comparado com os demais pavilhões no parque. Depois de passar por várias sedes temporárias, o museu encontra-se instalado em caráter precário sob a marquise de Oscar Niemeyer, graças a um termo de uso do Prefeito Faria Lima120. Uma nova sede – ou um anexo –, capaz de proporcionar visibilidade permanente a uma coleção próspera, desponta no horizonte fictício.

118 O “artista-arquiteto” foi o personagem conceitual da exposição e do livro Desvíos de la deriva. Experiencias, travesías, morfologías, que organizei tomando como ponto de partida a Experiência nº 2 de Flávio de Carvalho, realizada em 1931. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (MNCARS), Madri, 2010. 119 Cf. Pedrosa. Mário. “Depoimento sobre o MAM”. In: Arantes, Otília (Org.). Política das artes. São Paulo: Edusp, Textos escolhidos I, 1995. p. 303. 120 Cf. Termo de Permissão de Uso, São Paulo, 10 jun.1968. Para conhecer os outros endereços do MAM, ver cronologia das sedes, na capa deste catálogo. 178

E voltando ao artista-arquiteto, integrar projetos especulativos de arquitetura dentro do Panorama não deveria espantar os leitores de Pedrosa, acostumados a ouvi-lo evocar a síntese entre quadro, escultura, gravura, espaço, cor, arquitetura121. Com uma vantagem sem precedentes em termos de idealização arquitetônica: sendo projetos puramente especulativos, sua natureza se aproxima da utopia artística. Os escritórios convidados poderiam criar de maneira livre, sem ficar presos a orçamentos ou restrições de um eventual “cliente”, uma vez que o MAM São Paulo não está buscando uma nova sede.

Lançada a “provocação” de uma base de cunho futurista – quimera, fantasia –, dificuldades começaram a surgir, duas delas dignas de nota: sim, o Parque Ibirapuera é um patrimônio tombado, nada nele pode ser acrescentado, retirado ou modificado; sim, não se constrói um edifício para um museu sem averiguar os vetores que sustentam seu programa.

Arte e arquitetura

Fala-se muito das relações entre arte e arquitetura e, no entanto, há pouco diálogo entre as duas, quando não uma disputa de competência. Até os anos 1980-90, ou seja, antes da arte tornar-se uma profissão liberal como outro trabalho inespecífico, escolas de arquitetura respondiam pela formação da maioria dos jovens artistas. Estes completavam sua experiência buscando, em paralelo, cursos livres em ateliês orientados por nomes já prestigiados no circuito122. O diploma em arquitetura representava, naquela época, uma possibilidade mais segura de inserção no mercado de trabalho que uma carreira artística. Entretanto, pragmatismos à parte, o estudante em arquitetura adquiria os códigos para analisar formas de estruturação social, ferramentas que transcendem a dimensão plástica e permitem uma visão crítica do significado de um espaço público e comum.

Nesse sentido, é interessante perceber o quão férteis para a arte foram as atividades dos arquitetos que não exerceram seu ofício strictu sensu. Um caso amplamente conhecido dos dilemas de arquitetos “não praticantes” aparece na carta que Gordon Matta-Clark recebe de seu pai, Roberto Matta, este último tendo abandonado o

121 Cf. Pedrosa, op. cit., p. 297-308. 122 Fruto de uma iniciativa de arquitetos que não optaram pela construção de edifícios, surge nos anos 1970 a “Escola Brasil:” de Luiz Paulo Baravelli, Carlos Fajardo, José Resende e Frederico Nasser, para ser um “centro de experimentação artística”, proposta aberta e antiacadêmica. 179 escritório de Le Corbusier, colocando seus contatos à disposição e aconselhando o filho a abraçar a arquitetura como meio123. Decorre dessa percepção um tema que ainda provoca controvérsia: o que faz do arquiteto um arquiteto? Suas edificações ou uma filosofia arquitetônica? Ora, se seguíssemos a lógica do arquiteto atrelado à construção, Flávio de Carvalho não passaria de um grande desenhista e pintor brasileiro. No entanto, como negar que, já nos anos 1930, ele participa de vários concursos e congressos internacionais onde divulga suas polêmicas concepções para uma nova cidade?124

O problema, para Hal Foster, não é se arquitetura é ou não é arte, mas a relação desses campos: “existe o modelo Gesamtkunstwerk [obra de arte total] de combinação; e um modelo diferencial, de coarticulação. Art Nouveau versus Bauhaus. James Turrell versus Richard Serra”125. Com essa frase, o crítico envia um recado contra a disseminação do design por todas as esferas do cotidiano, um esteticismo utilitário que força o indivíduo a consumir grifes em nome de um (suposto) estilo de vida. Por que os museus ficariam fora desse regime de produção de marcas se representam cada vez mais a indústria do turismo? As ideologias do neoliberalismo reforçam uma tendência a valorizar o carimbo icônico de escritórios globalizados chamados a projetar instituições com escalas monumentais onde mais vale o cartão postal que a preocupação com uma política cultural.

Segundo Steven Holl, nessa mesma conversa que a revista Artforum organizou para debater modalidades de trocas entre artistas e arquitetos (“arte pública, tenda de feiras de arte, do pavilhão à instalação”), o espaço museológico varia entre três opções: “a caixa branca, que pode sugar a vida da arte, como no MoMA; o tipo expressionista, que pode subjugar a arte; e o espaço ortogonal, com circulação orgânica livre e energia espacial capaz de atrair o público”. Outra tipologia invocada é o pavilhão temporário, um paradigma da modernização industrial que não ficou para trás e segue pautando programas de instituições e bienais. A Serpentine Gallery, em Londres, tem

123 Carta de Roberto Matta-Echaurren a seu filho Gordon, 9 jan. 1962. Cf. Site do Canadian Centre for Architecture (CCA). Disponível em: http://www.cca.qc.ca/en/study-centre/629-scholars-choice-letter-from-roberto-matta- echaurren-to-his. Acesso em: 10 out. 2013. 124 Ler “A cidade do homem nu” (1930) e “Uma concepção da cidade do amanhã” (1932). Além de participações em congressos de arquitetura, as Experiências de Flávio de Carvalho devem também ser compreendidas como reflexões sobre habitação e modernidade. 125 “Trading Spaces. A roundtable on art and architecture”. Artforum, p. 200-11, out. 2012 Além de Hal Foster, a revista convidou a crítica Sylvia Lavin, os artistas Thomas Demand, Hilary Lloyd e Dorit Margreiter, os arquitetos Steven Holl e Phillippe Rahm, e o curador Hans Ulrich Obrist. 180 um programa que convida todo ano um arquiteto a construir um pavilhão que dura apenas três meses, fazendo com que sua programação enfrente espaços físicos em transformação permanente126.

Quando o mesmo debate é transferido para o Brasil em tempos modernos, nota-se que o país carece de edifícios exemplares do mesmo calibre do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM RJ) e do Museu de Arte de São Paulo (Masp), concebidos desde o princípio a partir de uma vocação museográfica. O que faz desses museus uma exceção no ideário da arquitetura moderna? Ou bem a maioria dos museus teve de se adequar a espaços preexistentes que sofreram múltiplas reformas e adaptações, ou bem erguem-se museus sem programa, que acabam cumprindo o melancólico destino de abrigar eventos comerciais para honrar sua folha de pagamento. Então, quais os fatores que garantiram aos respectivos arquitetos, Affonso Reidy e Lina Bo Bardi, sua contribuição para a museografia internacional? Por que esse feito não se repetiu?127 As questões, inúmeras, extrapolam os limites deste texto, mas também interpelam as instâncias do poder público.

Arquitetura nos Trópicos128

A função da arte, mesmo a mais discursiva e crítica, é entregar ao fórum público uma zona de intervalo, onde os dramas cotidianos não são anulados (como alguns gostariam), mas considerados e qualificados, dando lugar a encontros entre sujeitos.

No dia 28 de junho de 1930, Flávio de Carvalho apresenta suas convicções a respeito da cidade do futuro no IV Congresso Pan-americano de Arquitetura e Urbanismo, realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. O texto, A cidade do homem nu, ganhou celebridade, mas seus princípios não vingaram. Assim como não vingaram os planos de Sergio Bernardes (final dos anos 1960 e início dos 1970) de integrar o Brasil por meio de aquedutos, rumo ao que seria a “primeira civilização tropical”. O que

126 Idem, p. 203. O programa da Serpentine, lançado em 2000 por Julia Peyton-Jones, está alinhado com grandes nomes da atualidade como Zaha Hadid, Daniel Libeskind, Toyo Ito, Oscar Niemeyer, Rem Koolhaas, Frank Gehry, SANAA, Jean Nouvel, entre outros. 127 Em 2008, a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), inaugurou o museu com um projeto de Álvaro Siza Vieira, servindo de referência para outros Governos de Estado lançarem concursos internacionais. O Instituto Inhotim (Brumadinho, Minas Gerais) corresponde ao estudo de caso mais notório de “pavilhões” monográficos dedicados à arte contemporânea. 128 Título emprestado dos Anais do Primeiro Seminário Nacional sobre Arquitetura nos Trópicos, 18 a 20 set. 1984. Participaram: Gilberto Freyre, Márcio Villas Boas, Frederico Rosa Borges de Holanda, Luiz Carlos Chichierchio, Geraldo Gomes e Paulo Mendes da Rocha. Recife: Massangana, Fundação , 1985. A reimpressão da comunicação de Paulo Mendes da Rocha encontra-se neste volume, p. 227-32. 181 havia em comum entre ambos? Entender o espaço em que vivemos sob perspectivas bioclimáticas, ou seja, um grau de compromisso que envolve os modos de percepção do corpo no espaço. As recomendações de Flávio e Bernardes não foram as únicas a ganhar um reconhecimento ambíguo, se lembrarmos das perspectivas “psicossocioculturais” do historiador Gilberto Freyre, autor de Casa-Grande & Senzala (1933) e do Seminário de Tropicologia, iniciado em 1966129.

Não se pode ignorar a “realidade extremamente amarga do processo desenvolvimentista dos últimos anos sobre esta mesma região” – declaração mais do que apropriada de Paulo Mendes da Rocha, contra a mitificação de civilizações solares, exotismos impostos de fora para dentro. “Se nós soubermos dizer quanto tropicais queremos ser, é diferente de que alguém nos diga: vejam como vocês estão nos trópicos…”130

Um ambiente físico distinto do clima europeu exige outros padrões de arquitetura. Portanto, cabe prestar atenção às regiões Norte e Nordeste do Brasil. Além da Bahia, que impregnou a personalidade de Lina Bo Bardi, a São Paulo das casas de Warchavchik e o Rio de Janeiro, com Lúcio Costa à frente, vale mencionar o desejo de Pernambuco por uma arquitetura moderna. Nessa travessia, Antonio Risério não deixa de homenagear “o movimento pernambucano (o trio Luís Nunes, Joaquim Cardozo e Roberto Burle Marx), de extração bauhausiana, que teve, entre outras, a bela ideia de transformar o cobogó em brise-soleil”131.

Na exposição Pernambuco moderno, de Paulo Herkenhoff no Instituto Cultural Bandepe (2006), o desenvolvimento do porto aparece como elemento-chave para compreender a modernização do Recife. A câmera panorâmica de Francisco du Bocage interpela o progresso irracional e desumano e os valores ecléticos da classe dominante. Esse conjunto de fotografias do início do século XX, somado à prolífica e bem-humorada produção de Montez Magno (expansões espaciais, galáxias, confecção de maquetes para cidades imaginárias, museus de toda sorte etc.), sem contar o Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife de Gilberto Freyre, confere a lente

129 O site da Fundação Gilberto Freyre traz a lista das conferências e participantes de 1966 até 2004. Disponível em: http://www.fgf.org.br/seminariodetropicologia/temasdiscutidos.html. Acesso em: 10 out. 2013. A participação no Panorama 33 do Novo Museo Tropical, concebido por Pablo León de la Barra, alude a todo esse repertório com seriedade e humor. 130 Cf. Perspectivas da arquitetura brasileira – Recomendações para sua adequação aos Trópicos. Reproduzido neste catálogo, p. 227-232. 131 Cf. Risério, op. cit., p. 98. 182 necessária para transcender o eixo Rio-São Paulo, o complexo da Pampulha em Belo Horizonte e os palácios desencantados de Brasília.

Muito antes do aquecimento global merecer campanhas de conscientização, a antecipação das dimensões éticas do mundo-ambiente132 já havia emitido seus sinais de alerta. Foi obviamente neutralizada sob a descrição de um imaginário impraticável. A harmonia entre seres vivos e natureza ficou restrita às comunidades hippies e classificada de messianismo antiburguês. Fazendo um paralelo, o que reivindicamos em termos de utopia nos tempos atuais equivale à expressão “revolucionário romântico” que Le Corbusier empregou em 1929 para (des)qualificar Flávio de Carvalho.

Ora, o conceito de “arquitetura sem construção” se impõe com Yona Friedman, arquiteto nascido em Budapeste, em 1923, autor do Manifesto L’architecture mobile (1956) e fundador em Paris do Groupe d’Étude d’Architecture Mobile (Grupo de Estudo de Arquitetura Móvel, GEAM, 1957). Segundo ele, deveríamos aproveitar estruturas existentes e investir em áreas livres situadas acima das estações de trem e de metrô. A flexibilidade norteia os princípios urbanistas da Cidade Espacial, cujos objetivos mais nobres consistem em oferecer os meios para seu usuário virar, ele mesmo, construtor do espaço em que transita. O que poderia ser apreendido de sua proposta formulada em 1964 como Urban voids133 de aproveitamento de espaços vagos para festivais de cultura? Como ouvir Yona Friedman e seguir “construindo” em São Paulo? Nesse contexto, o postulado da arquitetura como disciplina vinculada à indústria da construção há de ser revisado.

A favor de uma “arquitetura meteorológica”, livro homônimo de sua autoria (2009), Phillippe Rahm baseia sua pesquisa nos fatores que levaram ao aquecimento global. À medida que vem propondo experiências sensoriais de imersão, em que o próprio clima (calor, vapor, luz) serve como linguagem e ferramenta, sua estratégia é um passo além da vertigem provocada pelas novas tecnologias. A pertinência de um

132 Walter Gropius já usava a expressão “mundo-ambiente” em 1952. “Para minha análise da situação atual parto da pressuposição de que a arquitetura, como forma de arte, principia do outro lado das necessidades construtivas e econômicas, no plano psicológico da existência humana. […] A chave para a reconstrução efetiva de nosso mundo- ambiente – eis a grande tarefa do arquiteto – reside na nossa decisão de reconhecer de novo o elemento humano como fator dominante. [em itálico no original]”. In: Bauhaus: Novarquitetura. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 117-8. 133Disponível em: http://www.yonafriedman.nl/?page_id=1068&wppa-album=121&wppa-photo=1112&wppa-occur=1. Acesso em: 10 out. 2013. 183 modo peculiar de delimitar territórios a partir de índices invisíveis e imateriais (cheiros, temperaturas, estímulos hormonais…) e invisíveis redescobre a origem da fruição estética.

Museu nômade

E a realidade do “terreiro mágico” não cessou de mudar desde 1983, data da finalização da reforma em Galeria Nacional de Arte Moderna (GAM) – sugestão não atendida de Lina Bo Bardi, com a colaboração de André Vainer e Marcelo Carvalho Ferraz.134 O que apontam os projetos dos escritórios convidados a participar do Panorama 33? 135

As propostas da presente exposição reafirmam tanto a identidade do legado moderno com o centro urbano como sua proximidade, no parque, com o edifício que a cada dois anos acolhe a Bienal de São Paulo, ela mesma produto de “ensaio e improviso” nas palavras de Pedrosa. Afinal, é preciso lembrar que polêmicas do percurso são constituintes de uma trajetória dupla, responsável pelo “desprovincianismo de nosso meio artístico”.

Eis o caráter prospectivo, utópico e futurista do P33: se o IV Centenário de São Paulo ganhou o Parque Ibirapuera em 1954, como imaginar um presente adequado ao espírito de um V Centenário? Não por acaso, o título da mostra, Formas únicas da continuidade no espaço, foi tomado emprestado da escultura do artista italiano Umberto Boccioni, peça que pertenceu à primeira “fase” do museu, e que completa cem anos. Hoje, essa peça integra a coleção do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP). A história dessa escultura, a passagem dela de um museu de arte moderna para um museu de arte contemporânea, ressalta o caráter especulativo de um Panorama que se debruça sobre a condição inalienável de “museu nômade”, como diz seu curador, Felipe Chaimovich, ou seja, museu em movimento.

134 A ata de fundação e constituição assinada em 10 de maio de 1947 se refere a uma Galeria de Arte Moderna. Cf. Fabris, Annateresa. “Um ‘fogo de palha aceso’: considerações sobre o primeiro momento do Museu de Arte Moderna de São Paulo”. In: MAM 60. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2008. p. 25. 135 Concebido pelo escritório de Álvaro Razuk, o desenho expográfico do P33 recupera o acesso ao museu situado em frente ao edifício da Bienal, assim como as cores da porta e das paredes, e elimina a presença de painéis perpendiculares que dividiam o espaço em pequenas salas. 184

PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2013

MAIA, Ana Maria. “Museu de Cera, Pavilhão da Marquise, Pavilhão Bahia, Museu de Arte Moderna de São Paulo”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2013. Formas Únicas da Continuidade no Espaço. São Paulo, 2013, p. 29-39.

MUSEU DE CERA, PAVILHÃO DA MARQUISE, PAVILHÃO BAHIA, MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO

Antes da exposição Bahia no Ibirapuera, tomada como mito de inauguração do pavilhão onde hoje se situa o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), em 1959, o edifício já tinha um histórico de mostras e eventos públicos. A despeito das narrativas fragmentadas e ainda informais136 que o apresentam como reminiscência de um barracão de obras nunca desfeito, o lugar consta nos primeiros mapas do Parque Ibirapuera como Museu de Cera, do qual se tem registros de funcionamento entre 1954 e 1955137. A curta trajetória e a aparente indefinição de um projeto institucional tornam a iniciativa em princípio irrelevante, no entanto, convém considerar dela a intenção de perenidade que é própria aos museus.

Entre as dezenas de pavilhões temporários realizados para os festejos do IV Centenário de São Paulo, em 1954, destacar-se-ia este prédio como algo permanente? Com ele, Ciccillo Matarazzo, mecenas do empreendimento do Parque e principal articulador dos eventos e investimentos ali reunidos, teria encontrado brecha para desviar desde o princípio da integridade do conjunto arquitetônico projetado por

136 Em entrevista a Ricardo Resende, o arquiteto Marcelo Ferraz, que colaborou com Lina Bo Bardi na reforma do MAM de 1982-3, afirma que o edifício sob a marquise “era um barraco – anexo da Bienal, para botar o entulho da Bienal, aquilo que sobrava, caixotaria” (In: Resende, Ricardo. MAM, o museu romântico de Lina Bo Bardi: origens e transformações de uma certa museografia. Dissertação de mestrado. São Paulo: ECA USP, 2002, p. 264). Vera D’Horta também afirma que, em 1969, o prédio “estava sendo usado como depósito da Bienal” (D’Horta, Vera. MAM: Museu de Arte Moderna de São Paulo. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1995, p. 35). 137 Essa documentação está reunida no fundo de pesquisa do IV Centenário alocado no Arquivo Histórico Municipal de São Paulo. 185

Oscar Niemeyer, a começar pela premissa de uma grande marquise totalmente liberada para circulação entre os cinco edifícios principais?

O Museu de Cera nasceu embaixo da marquise, no exato lugar onde está até hoje, como sede do MAM São Paulo. Foi construído pela Ecel Engenharia, sem a assinatura de um arquiteto de renome, e passou a ser administrado pela Theodoro Procópio, uma “firma expositora”138 da época. Em uma tabela de “Demonstração Estatística do Movimento dos Concessionários do Parque Ibirapuera”, de abril de 1954, consta que a instituição recebeu mais de 30 mil visitantes em uma semana, o que comprova que, além de figurar de maneira intrigante nos documentos originais do Parque, ele realmente funcionou, com inúmeros registros de visitas, inclusive de escolas e grupos organizados por entidades de classe.

Pelos itens catalogados no Arquivo Histórico Municipal, não fica evidente a causa do fechamento do Museu de Cera. O fato é que, em agosto de 1955, o Clube Paulista de Patinação propôs o primeiro aluguel do espaço, naquele momento já vago, para a instalação de um rinque, “onde os associados e todos os visitantes poderiam apreciar este salutar esporte”139, a patinação artística. A proposta foi acatada140 pelo presidente da comissão do IV Centenário, Guilherme de Almeida, mas só durou até o mês seguinte, pois a existência do rinque atraiu “patinadores com camisa de fora e aberta, dando muito má impressão”141.

Entre 1956 e 1958, o prédio continuou sendo alugado pela administração do Parque para eventos de diversas naturezas: corporativos, filantrópicos, acadêmicos, expositivos etc142. Nesse intervalo, ele passou a ser oficialmente chamado primeiro como Pavilhão da Marquise e depois como Pavilhão Folclórico, segundo consta nos seus contratos de “cessão a título provisório”143. Apesar da profusão de iniciativas, a

138 Segundo contratos e orçamentos datados de abril de 1954. 139 Cf. “Ofício do Clube Paulista de Patinação”, de 17 de agosto de 1955, alocado no fundo de pesquisa do IV Centenário, no Arquivo Histórico Municipal de São Paulo. 140 Cf. “Ofício de Guilherme de Almeida”, 6 de setembro de 1955. 141 Cf. “Ofício do chefe do setor de fiscalização do parque, Rubens de Paula”, 25 de setembro de 1955. 142 Entre os registros de aluguéis no prédio, encontram-se documentos relativos à Campanha de Natal das Crianças (novembro de 1957), mostra do Círculo Paulista de Orquidófilos (janeiro de 1958), exposição A era do espaço (feita por Wilson Ambrósio Gil, em agosto de 1958), ao baile de formatura da Escola Guarani, Congresso Brasileiro de Ortopedia e Traumatologia e exposições organizadas pelos Criadores de Roller do Brasil e por industriais japoneses, todas em 1958. 143 A exemplo do Termo de Cessão a título provisório assinado por Ciccillo Matarazzo em 6 de setembro de 1958 para estabelecer um contrato de uso do edifício por Wilson Ambrósio Gil, para a realização da sua mostra sobre os astronautas e a vida no espaço. 186 frequência do edifício foi caindo gradualmente de quantidade. Com essa queda, diminuiu também a visibilidade pública do espaço.

No ano seguinte, em 1959, quando convidada a organizar uma mostra dentro da V Bienal Internacional de Artes Plásticas144, a arquiteta italiana Lina Bo Bardi negou a área que lhe foi concedida dentro do Pavilhão das Indústrias – onde até hoje a Bienal acontece – e optou por ocupar o Pavilhão Folclórico. Debaixo da marquise, ela manteria a proximidade espacial com o evento principal, mas ganharia autonomia com relação à sua expografia. Esse uso do edifício tornou-se paradigmático para a história daquele lugar, legando-lhe o apelido que desde então se usa para designá-lo, Pavilhão Bahia.

Bahia porque nele a arquiteta e Martim Gonçalves, dramaturgo145 e coautor do projeto da exposição, montaram Bahia no Ibirapuera, que ficou em cartaz de setembro a dezembro daquele ano. Mesclando artifícios de um vocabulário de exposições de arte com recursos da arquitetura de interiores e da cenografia teatral, a dupla anulou as feições do espaço – naquela época todo feito em alvenaria, com basculantes superiores na face norte – para torná-lo “um golpe de vista” sobre o estado nordestino, “uma visão da arte e do trabalho do povo baiano”146.

Para que esse ambiente fosse criado, a despeito da retórica de neutralidade do cubo branco, Lina e Martim forraram as paredes com cortinas escuras e o chão com folhas de eucalipto, que, ao serem pisadas pelos visitantes, traziam som e cheiro para a exposição. Dentro de vitrines ou sobre bases museológicas, havia exemplares de arte afro-brasileira, bonecos de orixás do candomblé, santos católicos, carrancas, estátuas de vaqueiros e árvores de cata-ventos. Sobre painéis expositivos, a maioria pintados em cores fortes, mas alguns feitos ou revestidos com diferentes materiais, como tijolo ou folhas texturizadas douradas, foram mostrados ex-votos, tapeçarias e utensílios indígenas. Um display construído com sarrafos de madeira e bases em concreto

144 Evento concomitante à Bienal de Artes Plásticas do Teatro. 145 Foi diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia e, em 1957, havia reunido uma pesquisa sobre cultura popular na exposição Danças e Teatros Populares no Brasil, apresentada na França. Parte dessa pesquisa foi utilizada na mostra Bahia no Ibirapuera. (Cf. Leonelli, Carolina. Lina Bo Bardi: experiências entre arquitetura, artes plásticas e teatro. Dissertação de mestrado, São Paulo: FAUUSP, 2011, p. 83). 146 Cf. Bardi, Lina Bo; Gonçalves, Martim. In: Ferraz, Marcelo Carvalho (Coord.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi; Imprensa Oficial, 2008, p.135.

187 cravejado de conchas do mar ainda recebia fotografias e objetos concatenados em um longo gride.

A organização de todo esse repertório em um espaço com poucas divisórias, que permitia uma visão ampla desde a entrada, afirmava o teor eclético e sincrético daquela exposição e o valor (o “carinho”147, diriam Lina e Martim) que dedicou aos “objetos comuns”, ou à chamada arte popular. Valor este que, tanto nessa iniciativa quanto no programa do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), que a arquiteta e o dramaturgo inaugurariam em 1960, foi defendido perante o circuito da arte, com o intuito de desfazer, ou ao menos problematizar, um vínculo habitual do mesmo com a erudição.

Bahia no Ibirapuera inseriu no histórico do pavilhão e no imaginário daquela V Bienal a experiência vernacular e o despojamento capazes de subverter a “etiqueta” de uso do espaço expositivo. Na noite de abertura, baianas e capoeiristas abriam rodas para apresentarem-se entre as obras e os convidados. Muitos deles, dentre os quais o presidente Juscelino Kubitschek, comiam acarajé enquanto assistiam a atração.

Pela próxima década, o edifício não sediou qualquer outra iniciativa relevante. Há relatos de que ele teria abrigado o Museu do Presépio ou mesmo que vez por outra recebia eventos sociais148 promovidos pela primeira-dama de São Paulo, Leonor Mendes de Barros, esposa do prefeito Ademar Pereira de Barros. A essa altura, seja por acreditar que a demolição do edifício estava programada para depois da V Bienal (já que Bahia no Ibirapuera era uma mostra temporária, o prédio deveria também ser considerado como tal) ou por condenar sua existência porque considerava inadequados seu projeto e sua implantação na marquise, a comunidade arquitetônica passou a defender o fim do pavilhão. Essa posição ganhou força posteriormente nas palavras de Paulo Mendes da Rocha, que se referiu ao prédio como “uma ocupação imprópria”149. Um depoimento de Niemeyer, em 2002, menciona o edifício como “uma coisa bastarda e que deveria ser retirada”.150

147 Lina e Martim afirmam que estão apresentando “toda uma série de objetos comuns, carinhosamente cuidados, exemplo importante para o moderno desenho industrial” (Cf. Ibid. p. 134.) 148 Cf. Sanches, Aline Coelho. A obra e a trajetória de Giancarlo Palanti: Itália e Brasil. Dissertação de mestrado. São Carlos, SP: Escola de Engenharia de São Carlos, 2004. p. 324. 149 Segundo depoimento prestado pelo autor ao Caderno 2 de O Estado de S. Paulo na matéria “Ibirapuera terá área reformada e teatro municipal”, de 4 de dezembro de 1999. 150 Cf. Resende, Ricardo. “Entrevista com Oscar Niemeyer”. In: MAM, o museu romântico de Lina Bo Bardi: origens 188

Quando o “filho bastardo” do Parque e a sua “célula mater”151 se reencontram

A despeito desse debate sobre sua demolição, que perdura até hoje, o espaço assumiu outra vocação em 1969. Com reforma de Giancarlo Palanti, o pavilhão tornou-se sede do MAM São Paulo. O arquiteto italiano acumulava experiências em cenografias de lojas e escritórios da cidade, além de ter feito os displays e o mobiliário das Exposições Didáticas do Museu de Arte de São Paulo (MASP), quando dividia o Estúdio Palma com Lina Bo Bardi, logo que chegou ao Brasil no fim dos anos 1940. Palanti foi convidado em 1968 por Oscar Pedroso Horta, diretor do museu e um dos responsáveis por sua continuidade após o patrono inicial, Ciccillo Matarazzo, decidir extingui-lo e doar praticamente todo o seu acervo para a Universidade de São Paulo (USP) entre 1959 e 1963.

Após alguns anos nômade, quando funcionou em pequenas salas alugadas no Conjunto Nacional (Avenida Paulista) e no Edifício Itália (Avenida São Luiz), o MAM São Paulo recebeu do prefeito Faria Lima a concessão de uso do edifício sob a marquise. Em 1969, o museu inaugurou sua primeira mostra, o Panorama de Arte Atual Brasileira, com obras de 86 artistas e um espaço expositivo adaptado por Palanti, com três salas de exposição e um auditório, além de reserva técnica, almoxarifado e salas administrativas152.

A entrada do museu foi instalada no extremo oeste do edifício, onde hoje encontra-se a obra Spider (1996), de Louise Bourgeois. Com isso, o arquiteto tornou o MAM São Paulo uma verdadeira continuidade do promenade da marquise. Acima do portão principal, pintou o novo logotipo do museu, também de sua autoria. Palanti ainda foi responsável pelo projeto de sinalização interna e pelo desenho de um vigamento de madeira capaz de organizar a infraestrutura de iluminação e fixagem de obras a partir do teto.

e transformações de uma certa museografia. Dissertação de mestrado. São Paulo: ECA USP, 2002, p. 7. 151 Termo usado por Oscar Pedroso Horta no texto de apresentação do primeiro Panorama de Arte Atual Brasileira. Cf. Horta, Oscar Pedroso. À guisa de introito. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1969. 152 Cf. Sanches, Aline Coelho. A obra e a trajetória de Giancarlo Palanti: Itália e Brasil. Dissertação de mestrado. São Carlos: Escola de Engenharia de São Carlos, 2004. p. 324-6. 189

Abrindo todas essas frentes de trabalho, ele queria desenvolver um conceito integral de arquitetura e design para o edifício e atribuir ao seu espaço interno uma organização por “zoneamento de funções”153, prática do urbanismo que costumava aplicar em seus desenhos arquitetônicos. Em 1971, Palanti concebeu mais um projeto de reforma, que, embora nunca concretizado, previu a ampliação das salas de exposição, a criação de um teatro circular com cabine de projeção e camarim, e a abertura do edifício para o parque por meio da substituição da parede de alvenaria ao norte por uma face toda de vidro154.

A transparência primeiramente vislumbrada por este arquiteto tornou-se uma questão central para Lina Bo Bardi, que, em 1982, voltou ao Pavilhão Bahia com a missão de novamente reformá-lo, a convite de seu vice-presidente José Zaragoza. Junto com Marcelo Ferraz e André Vainer, que integravam sua equipe nesse momento, a arquiteta concretizou o plano de vidro, que estabeleceu o diálogo visual da sala de exposição com um jardim externo. Nesse jardim, a equipe colocaria algumas esculturas permanentes e realizaria um paisagismo com grama forquilha, córrego de água e azaleias, que, chegando a cerca de 2,5 metros de altura, amortizariam a incidência de luz solar. As esculturas foram instaladas, antecipando o programa de um jardim de esculturas que o museu oficializaria apenas em 1993155. Já o paisagismo não vigorou.

No interior do prédio, o partido inicial de Lina, Marcelo e André foi demarcar quatro paredes escalonadas que separavam a sala de exposições dos demais espaços do museu, entre os já constituídos (reserva, almoxarifado e administração) e outros que essa reforma fundava, como um ateliê, uma biblioteca e uma livraria. Essas paredes, que, conforme anotações nos croquis, não deveriam “ser usadas para pendurar quadros”156, tornaram-se grandes presenças de cor no espaço, permitindo com que as obras mostradas convivessem com uma escala do “azul cinzento profundo” ao “cinza claro”.

153 Ibid., p. 281. 154 As plantas originais desse projeto encontram-se no setor de obras raras da FAUUSP. (Cf. Ibid., p.326). 155 Cf. D’Horta, Vera. MAM: Museu de Arte Moderna de São Paulo. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1995. p. 44. 156 O croqui original pertence ao Instituto Bardi e integra o 33º Panorama. Sua reprodução aparece no livro Lina Bo Bardi, editado pela Imprensa Oficial e pelo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi (p. 256). 190

A ordem de cores correspondia ao percurso do visitante para entrar no espaço, vindo da portaria do museu, que a equipe houvera levado para a face oposta do edifício, no fim da marquise, de frente para a Bienal, como na mostra Bahia no Ibirapuera. Com essas mudanças, Lina afirmou que o MAM São Paulo “poderia até mudar de nome” e passar a chamar-se “Galeria Nacional de Arte Moderna (GAM em vez de MAM)”. Esse caminho, que ressaltava a integração com o Parque e o vínculo com a história das suas instituições e eventos, era uma alternativa à demolição do edifício. Uma alternativa respaldada pela legitimidade de uma “vivência popular” naquele espaço, que, segundo a arquiteta, “destroniza, modificado pela realidade, o projeto da prancheta”157. Destroniza, no caso, o que Niemeyer idealizou para a marquise.

O museu foi reinaugurado em 1983, com o Panorama de Pintura. Um desentendimento entre Lina e Zaragoza fez com que fosse descartado o sistema de cavaletes de madeira, com base de concreto, que havia sido desenhado para exposição de obras bidimensionais em ambas as faces. Sem o display de sua autoria, a arquiteta foi à imprensa158 alegar que a reforma permanecia inacabada. Apesar dessa falta, aquele projeto perdurou por uma década.

As últimas mudanças no prédio acontecem nos anos 1990. Em 1995, a arquiteta Maria Lucia Pereira de Almeida159 é contratata para contornar algumas falhas do projeto anterior (como a alta incidência de raios solares sobre obras do acervo e a iluminação de 1.000 spots halopar individualmente embutidos no teto, de difícil manutenção) e agregar ao programa de atividades do museu uma loja, um restaurante e a Sala Paulo Figueiredo, uma nova galeria de exposições projetada a partir da realocação do auditório. O restaurante e a loja, por sua vez, tomaram parte da fachada de vidro, aumentando a zona protegida da galeria principal. O conjunto de novos espaços ganhou visibilidade com o deslocamento da entrada do museu para a lateral do edifício. Em 1998, essa área da planta foi ainda mais favorecida com a criação de uma redoma de vidro que avança em cerca de 95 m2 na marquise para mostra permanente da escultura de Bourgeois.

157 Cf. Ibid. p. 257. 158 Cf. “Reforma anti-ética”. Carta aberta de Lina Bo Bardi. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. 43, 16 jun. 1984. Caderno Ilustrada. 159 Arquiteta da empresa Itauplan, do Grupo Itaú. 191

A retomada de iniciativas de 1954 a 1998 demonstra que o que hoje persiste sob a marquise é resultado de um acúmulo de histórias institucionais e, muitas vezes, pessoais. Niemeyer considerou o pavilhão uma “construção que foi caminhando, assim, sem um plano”160. Sem nenhum, ou com todos os que teve e que ficaram pelo caminho, o prédio foi tombado em 1992 por um parecer do Condephaat. Permanecerá, pois, talvez como houvera desejado Ciccillo ou, agora conforme esse documento, junto com a marquise e tudo o que há sob a mesma cujas “superfícies e contornos correspondem à planta geral [do Parque] de 3 de fevereiro de 1954”161.

160 Trecho da entrevista concedida a Ricardo Resende (p. 9). 161 O documento foi publicado no Diário Oficial de 25 de janeiro de 1992. Sob a marquise, além do edifício, que apresenta como “Antigo Museu de Cera”, o laudo considera como patrimônio o “Antigo Pavilhão de Exposições” (atual depósito), o “Antigo Lunch-bar” (atual restaurante The Green), dois sanitários públicos e uma central de telefonia.

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PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2015

AMARAL, Aracy. “Conversa com a pré-história: Da pedra Da terra Daqui”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2015. Da pedra Da terra Daqui. São Paulo, 2015, p. 15-31.

CONVERSA COM A PRÉ-HISTÓRIA: DA PEDRA DA TERRA DAQUI

Sabemos tão pouco das sociedades que viveram no território que hoje denominamos Brasil – como é o caso das cerâmicas, pinturas, gravuras rupestres do Norte, Centro-

Oeste e Nordeste do país, assim como sobre os excepcionais geoglifos162 descobertos há poucas décadas na região do Acre que, pensamos sempre, a História de nosso território ainda é, para nós, um enigma que levará décadas a ser decifrado. Assim como um desafio candente para arqueólogos. É de pouca importância que essas manifestações sejam, ou não, denominadas “arte”, pois o fundamental é que sejam manifestações do homem, sua cultura, e de suas relações com o meio ambiente e seus contemporâneos163.

O tempo a destruição a beleza Em contrapartida, quando vemos, hoje, o conceito de arte se dissolvendo, se esgarçando a ponto de esfarelamento total, em comparação aos séculos anteriores, este não deixa de ser um tempo em que nos indagamos muito frequentemente “O que afinal vem a ser arte?” Momento em que vemos bienais, exposições, instalações e performances como num parque de entretenimento ou em meio a um bric-à-brac de manifestações, e não mais para o observador apreciar e tentar “ler” o pensamento

162 Cerca de 255 geoglifos já foram demarcados, gigantescos desenhos geométricos circulares ou quadrados descobertos em construções/valetas de um a quatro metros de profundidade, em áreas desmatadas ou não no Acre/Rondônia. E supõe-se que a presença territorial por aruaques e tacanos pode ter cerca de 2.700 anos. Por outro lado, afirma-se que a ocupação da bacia amazônica talvez possa ter ocorrido há 12 mil anos, segundo especialistas. 163 Assim, “Milhares de anos antes que os europeus pisassem o solo americano, as povoações indígenas da região cons- tituíram sociedades das quais nos ficaram valiosas recordações materiais: os objetos. As peças que hoje chamamos de “arqueológicas” são veículos de conhecimento sobre os costumes e crenças de povos dos quais não temos testemunho escrito e se constituem em verdadeiros expoentes da arte latino-americana”. Dra. Marina Marchegiani e Lic. Romina Spa- no. Cuerpos, musica, chamanismo y mistério. Colección D’Alessandro de Arte Precolombino/MALBA, Buenos Aires, 2015. 193 ou “o saber fazer” do autor da proposta, mas, antes, para buscar encontrar um assombro não antevisto. Num tempo de quase simultaneidade de ações e reações sobrepostas, em que o gesto basta ou o susto da ação é suficiente para uma notoriedade, como uma degola, uma destruição inesperada de patrimônios perdidos, de deslocamentos contínuos de milhares de criadores considerados antes como sonhadores, porém, hoje, identificando-se como gente de ação competindo com o empreendedorismo, sempre em portas de embarque de aeroportos, em movimentação global constante. Em contraposição a um mundo onde milhões não têm mais domicílio, mas tendas em campos de refugiados como abrigo para viver… porém, o da arte é nosso campo de reflexões, embora aparentemente fora da realidade. Mas sonhar é preciso também! Neste instante, talvez seja bom nosso olhar – e, em particular, o olhar dos artistas – deter-se um pouco sobre estas pequenas esculturas atemporais, independentemente de suas funções, feitas por artistas de um povo que viveu em parte do território que hoje habitamos e que possuía um raro dom para o trato do material de seu entorno, que manipulavam, com refinamento e precisão. Há zoólitos de pelo menos 6 mil anos (embora a maior parte deles tenha sido feita entre 4 mil e mil anos a.C.)164, que guardam similitude com certas esculturas dos inícios da modernidade, em princípio do século XX. O que vem demonstrar, como já disse um artista de inícios do século passado, que “a beleza também é necessária” (muito necessária, apesar da vulgaridade que nos rodeia nos grandes centros, com as intervenções nos muros urbanos, comprometendo, visual e indiscriminadamente, as ruas, edifícios e avenidas). E, de repente, em meio ao universo caótico em que nos movemos, encontramos essas riquezas de artes visuais concebidas para fins ritualísticos, de tantos milênios atrás. De um meio ambiente que adivinhamos mais harmonioso, respeitoso por parte desses povos atentos à natureza e ao que os rodeava – para a caça, a pesca, e a alimentação –, natureza que era por eles observada com acuidade sensível. E sabiam reproduzir elementos de seu entorno em pedra, desbastada, polida até o perfeccionismo de suas superfícies, que permanecem quase impecáveis, apesar dos

164 Segundo o prof. Paulo De Blasis (MAE USP), as peças da região de Laguna, SC, seriam as mais antigas, assim como o Ídolo de Iguape, Cananeia, SP. Referindo-se à evolução estilística, menciona que o “tubarão”, de Pelotas, RS, poderia ser situado igualmente por volta de 4 mil anos atrás. Depoimento de Paulo De Blasis, em 6 de maio de 2015. Segundo o prof. André Prous, “não há nenhuma datação que permita afirmar sua existência há mais de 4.500 anos, embora isto seja bem possível” (depoimento a 30 de junho de 2015). 194 séculos, em busca da síntese de formas ou reducionistas em relação aos temas propostos. Todo um universo de peixes, pequenos animais, aves, alguns poucos antropomorfos – quase todos preservando uma das faces, em geral, a inferior, com uma depressão sempre presente a assinalar constantemente uma provável função ritualística. Ou, então, moedores em forma de bastões, elevados, sempre em pedra elegantemente esculpida em polimento, sem que se perceba o rastro da mão autoral. O fascinante é o enigma que rodeia estas peças, sua presença em rituais funerários preservados em sambaquis165, colinas de depósitos concheiros – alguns de até 30 metros de altura. E que resistiram à depredação dos séculos depois da chegada de europeus há quinhentos anos ou dos colonizadores, abridores de estradas e fabricantes de cal para fins construtivos166. Sua presença em locais de túmulos assinala igualmente a religiosidade que rodeia esses povos milenares, desaparecidos séculos antes da chegada dos europeus. O que poderia indicar que, talvez, os autores dessas esculturas líticas fossem personalidades diferenciadas em suas comunidades, pela raridade das peças encontradas, por sua destinação ritualística e por sua beleza plástica. Sabe-se que cerca de trezentas peças foram localizadas até o presente, a maior parte delas hoje zelosamente guardada em museus estatais ou municipais do Sudeste e Sul do

Brasil167, em particular em Santa Catarina, assim como no Uruguai Esta exposição que hoje apresenta cerca de sessenta peças é um projeto muito antigo, gestado há mais de vinte anos. Em inícios de 1981, pude visitar um por um os museus que abrigam essas esculturas em pedra, que me fascinaram por sua beleza (Paranaguá, Joinville, Florianópolis, depois, Rio de Janeiro e MAE USP, além de, posteriormente, ter conhecido as peças de museus do Rio Grande do Sul e Montevidéu)168.

165 Eram comunidades que viviam em baías encerradas (Cananeia, Iguape e região de Laguna, em remanescentes de antigas baías). Daí a unidade cultural muito grande. Eram, sobretudo, pescadores, pois a lagoa provia sua alimentação. Depoimento citado de De Blasis. 166 A partir de decreto de 26 julho de 1961, ficou proibida, embora tardiamente, em decreto do Iphan, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a exploração e/ou demolição de sítios arqueológicos no país, inclusive os sambaquis, assim como sua comercialização. Mas a ação predadora dos colonizadores não se limita aos sambaquis; atinge os testemunhos e vidas dos autóctones escravizados, chegando com violência a nossos dias. Consultar de Davi Kopenawa/Bruce Albert, La chute du ciel/Paroles d’un chaman yanomami. Terre humaine, Poche, 2010, apud Moacir dos Anjos, texto curatorial, “A queda do céu”. Paço das Artes/USP, junho-julho de 2015. 167 Além de constarem de algumas raras coleções privadas. 168 De minha autoria “Escultura brasileira”, 1981, apud Arte e meio artístico: entre a feijoada e o X-burguer. 2ª ed. São 195

O contato essencial com o professor André Prous, há cerca de quinze anos, pedindo- lhe seu concurso para a empreitada difícil, posto que referência especial em zoólitos, tema de sua pioneira tese de doutorado nos anos 1970 depois de longa pesquisa169, ratificou minha vontade de, um dia, realizar uma exposição o mais ampla possível com as peças líticas desse povo. Gente que foi tragada há milênios pelos Jê, procedentes do Brasil Central, e pela cultura tupi-guarani, em seguida, estes passando a dominar o território litorâneo, milênios antes habitado por esses povos ancestrais.

O Museu de Arte Moderna de São Paulo abriu a possibilidade para a realização desta mostra, com o assessoramento do prof. André Prous, assim como com a assistência inteligente e sensível do curador Paulo Miyada.

Mas a ideia surgida para esta ocasião foi outra: os zoólitos (esculturas em pedra desses povos) atuariam como núcleo condutor da exposição, e seis artistas contemporâneos de vários pontos de nosso país seriam interlocutores dessa ancestralidade da terra, da pedra e daqui, através de suas criações.

Conteúdo visceral, telúrico, afinidades com o núcleo condutor da exposição, ou seja, com essas peças arqueológicas, foram alguns dos itens que nos fizeram tentar acertar artistas contemporâneos que pudessem dialogar com essas preciosidades de nossa remota antiguidade, ou que habitaram esses espaços, posteriormente conhecidos como “Brasil” e “Uruguai”.

Neste território, somos todos imigrantes

No Brasil, território povoado por muitas origens, somos marcados por várias procedências. De africanos, portugueses, italianos, espanhóis, alemães, árabes, judeus, bolivianos, orientais – japoneses, coreanos e, agora, chineses –, sem mencionar as minorias que aqui estão aportando agora. Continuamos a ser território de aventureiros, náufragos, condenados e refugiados. Assim, como falar em purismos, mesmo comportamentais, se somos a própria miscigenação em graus bem diferenciados?

Paulo: Ed. 34, 2013, pp. 348-351. 169 Prous, André. Les sculptures zoomorphes du Sud Brésilien et du Uruguay, tese de doutorado, Paris, 1977. 196

Essa é, por certo, nossa marca, nossa identidade. Pode-se argumentar que país nenhum se iniciou com a atual população como a Europa de hoje, para não aludirmos às Américas do Norte, Central e Sul, de composição étnica parcialmente mesclada, e similar à nossa. Mas, no caso europeu, por exemplo, poder-se-ia argumentar que há uma decantação de muito mais longo período e, logo, suas populações já têm usucapião do ponto de vista de sua composição étnico-cultural.

Mas que estranho é este país, vários num só, de língua portuguesa, e tão diversos entre si, dado perceptível apenas pelos que viajam ou percorrem nosso espaço, e onde talvez somente nossas raízes comestíveis – com denominações diversas, conforme a região: mandioca, macaxeira ou aipim – parecem ser o grande elemento cultural unificador. Ou território de unificação, pressionada pelas grandes emissoras de televisão hoje em dia? Como encontrar uma literatura uniforme ou uma música que “fale pelo país”, se somos vários e, aí mesmo, nossa beleza e fascínio? Digo, da rancheira ao xaxado, do samba-canção à música caipira do interior de São Paulo e Minas, do funk à escola baiana e ao rock brasileiro, deste ao reggae e, daí, aos ritmos tecno-brega do Norte? O mesmo se poderia dizer das manifestações em cinema – que, a cada dia, buscam parecer mais fiéis a nossa mescla cultural.

Podemos falar, antes, em quem aportou primeiro por aqui, quem produziu o quê. Mas resta o enigma candente daquilo que fizeram os que antes aqui chegaram e por quanto tempo se demoraram, a viver no mistério de como viveram.

Afinal, são, antes, indagações, o que se propõe: existe algo que se pode chamar de arte brasileira? Que é, se existe, arte brasileira? Ou essa ancestralidade inexiste, por certo sob um título de arte brasileira? E existe, hoje, agora, a geleia geral, global, de contaminação virtual que impede e/ou expulsa os localismos como indesejados? Antes, eu dizia que arte brasileira é aquela produzida no Brasil, não importando quem fosse o autor ou sua procedência. Depois, passei a considerar arte brasileira aquela que transpira algo de nossa realidade, seja na visceralidade e/ou na presença inevitável da gambiarra, pelo espírito do brasileiro. Depois, na contemporaneidade, sinto tal dificuldade de localizar algo de nosso, como desimportante, que comecei a identificar arte do Brasil como aquela de raiz popular, funcional ou decorativa, miraculosamente salva das informações virtuais… Será possível? Já começo a achar 197 que não… a contaminação geral é inevitável e não é de hoje. Queria ter o Mário de Andrade por perto para ouvi-lo um pouco a propósito destas divagações…

Mas o certo é que esse povo, fabricante de canoas, que pescava e caçava, deixou, no litoral, essas peças refinadas em sua concepção e que, depois, seriam encontradas nos sambaquis, a nos falar de sua vida – fauna, piscicultura, animais, aves, rituais – com tanta delicadeza de criação e fatura, utilizando esses objetos para fins ritualísticos; esse povo pode ser identificado também com artistas que, em começos dos século XX, se quiseram modernos, homens de seu tempo.

Por que seis artistas?

Poderiam ser doze ou quinze ou vinte e sete ou mais… por sua contenção plástica, as esculturas líticas da pré-história do sul do país e Uruguai demandavam, a meu ver, um número reduzido de interlocutores. Somente assim se poderia tentar um possível diálogo entre essas peças que, às vezes, nos lembram de estilizações de um Brancusi, com as vibrações visuais dos artistas contemporâneos.

Por que Miguel Rio Branco

É a intransigência, a impaciência, a vontade de construir com as bordas do já feito, dessa mescla de pintor-fotógrafo e autor de instalações, mas, sobretudo, a vivência encharcada de experimentações que inundaram um tempo pretérito, juntando os detritos das cintilações do já feito, usufruído e expresso com dramaticidade em que o elemento cromático trai o recado do pintor de outros tempos. Reunir o que chega às mãos, dar forma ao informe, dizer/construir com o acumulado ao longo da vida. Na verdade, como o reconhece, a vida é como um processo de colagem e, contraditoriamente, o brasileiro culto, afirma Rio Branco, não pertence a lugar nenhum. Digamos que ele é um outsider, embora em sentido diverso dos sem-teto ou sem-terra, foge do presente execrável e tenta encontrar um espaço novo (?), em seu caso, amplo, como o da beleza mais simples da natureza do entorno. Sair de si é uma meta, como o desvencilhar-se do já visto e vivido para uma renovação impossível, porém, prenhe de vivências fora do tempo.

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No entanto, Miguel se percebe reflexivo, em concentração, no processo de preparar um livro, seus livros. Seus muitos fotos-livros170. Os livros que “são escritos com fotografias”, como lembra. Conceber um foto-livro é distinto de montar uma exposição: não é fortuita a importância do tema e muito menos da cor, no caráter sequencial das imagens selecionadas. Não é um espaço físico pelo qual se passeia desatento. O livro propicia a intimidade, a duração dentro do enigma do tempo, e pode-se, então, adivinhar a importância, acentuada pelo artista, da música, que o acompanha no desenrolar do processo criativo, seja de uma instalação, seja na seleção de imagens. Prova disso é a enlevada contaminação sonora do Clair de Lune de Debussy, diante do céu de encantamento precedendo a agressividade potente e emocional, em Sob as estrelas, as cinzas (1992-2015).

Por que Berna Reale

Ela opta por uma contundente participação em que aborda a violência urbana – através da presença de sirenes de carros policiais em ambiente noturno de dança com impertinente luz intermitente e som especialmente criado, tensão amenizada por doces oferecidos aos visitantes de seu espaço. Em paralelo, um vídeo superbreve conjuga ações em preparo de envoltórios plásticos de trajes de políticos e, ao mesmo tempo, proteções de corpos do IML de Belém.

Berna Reale enfatiza, assim, a acidez de nosso tempo, em linguagem em que utiliza seu próprio corpo como comunicador, oferecendo-se como imagem implacável, porém de fraseado direto, pesado, por vezes até excessivo. Embora se suponha que o tempo forçosamente a serenará (?), neste momento ainda seu discurso é esse: o de tocar nas feridas do meio ambiente, da corrupção, dos desvalidos, da indiferença, do país diante de um incerto amanhã e entregue à própria sorte, desprovido de acenos de tranquilidade pacificadora.

Por que Cildo Meireles

Meireles transpira uma articulação com o território, o lugar (pode ser Belém, Goiânia, Brasília, Rio de Janeiro, Paraty, tanto faz), Cildo “huele” a sertanejo, dir-se-

170 Ver, de Miguel Rio Branco, texto Davi Lévi-Strauss, Entre os olhos, o deserto. São Paulo: Cosac Naify, 2001; Miguel Rio Branco/ Teoria da cor, textos Ivo Mesquita e Paulo Herkenhoff. Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2014. 199 ia em espanhol, por suas motivações e seus trabalhos. Não localizo Meireles como herdeiro do neoconcretismo, como querem alguns, quando a ele se referem. Cildo já nasce dentro do conceitual, de uma ontologia impregnada em seus trabalhos. Que o digam suas palavras primeiras apresentadas em Information (1970), no MoMA de Nova York. Onde reafirma, em relação ao Brasil e seu território, que não foram os autóctones que reivindicaram a linha de Tordesilhas, pois, referindo-se à terra “Cruzeiro do Sul”, seus primitivos habitantes jamais a dividiram. Portanto, sua trajetória reflete perene implicação política. E seu sotaque é brasileiro, mova-se ele no Porto, Madri, Londres, Nova York ou Milão. O político é uma consequência de suas preocupações geracionais. Pensa o Brasil, que vem de dentro: pode ser sempre através de seus depoimentos/memórias, leit motif de seus trabalhos, através de projetos (dos anos 1960, 70…) que realiza tardiamente. Pode viver fora, porém, seu “sotaque” é brasileiro (Homi Bhabha o diria com outras palavras). Sua casa é aqui. Para o Panorama deste ano, seu projeto de “arte física” (de 1969) é a complexa empreitada de elevar, em alguns centímetros, a altitude máxima do Brasil no Pico da Neblina (AM), no quadro de propostas que demandam a “fisicalidade do corpo”. Esta realização de 2015, aventurosa e sensível, foi levada a cabo por Edouard Fraipont.

Esses projetos pressupõem caminhadas, deslocamentos, como já foi a demarcação da distância entre Paraty e Rio de Janeiro em quilômetros; ou no projeto concebido, e ainda irrealizado, de traçar uma linha reta através do país, seguindo a demarcação do Tratado de Tordesilhas ou em Linha do horizonte171. Ou seja, também em relação visceral com o território, como nos momentos de tensão (no período de militarismo, com o trabalho Caixas de Brasília), Cildo trabalha com a memória. Ele nos fala do cotidiano, rememorações de infância, como na raiz do projeto do sorvete de água vendido na documenta de Kassel, ou em observação de reações públicas como em Ocasião (1974/2004), ou ao desenhar o simbólico Cruzeiro do Sul, numa digressão sempre poética entre a matemática e a física ao longo das décadas172.

171 Ver “Carbono entrevista Cildo Meireles”. Revista Carbono, nº 4, entrevista a Marina Fraga/Pedro Urbano, agosto de 2013. 172 A memória de vivências nutre seus projetos de cinquenta anos atrás, que surgem realizados neste começo de século. Na maior parte de suas propostas, ele nos fala do espaço Brasil, como em Oir o Rio (Itaú Cultural, 2011); ou da história, como em Missões; ou na instalação apresentada na Bienal de São Paulo de 2010 (Caravela/Abajur, ou, como nos diz ele, “a batalha do capital contra o trabalho”). Já a densa vivência corpórea que nos propôs em 4/4 (2013), em São Paulo, no Centro Univer- sitário Maria Antonia, pareceu-me um dos pontos mais altos da intrigante 200

Por que Cao Guimarães

Não posso falar do trabalho da poética deste artista pois Cao fala de dentro da vida do fundo da terra da teia da aranha da pedra do chão do caminho da formiga da bolha furta-cor da curtição do calor do forno do cheiro da cozinha do olhar preso nos pés calejados na gasta sandália de dedo das impressões de menino no entorno familiar do mistério das coisas escondidas do fotográfico/ cinematográfico a sua espreita do cheiro da criança pequena da pele enrugada da gente velha da prateleira rachada no armário da importância de cada coisa sem importância, pois Cao é terra não é apenas mar nem praia nem céu mas antes montanha e estrada e casa e sabor da comida no discurso do cordelista ou ante o delírio do demente a sabedoria da gambiarra ou o ponto na parede branca ou da dobra do sapato velho furado do menino brigando visto através do vidro da janela do quarto do homem fatigado caminhando pela trilha e da longínqua perspectiva colorida de Brasília recortada o próximo é o distante e o ancestral é sem tempo no mergulho do barco dos peixes das aves das conchas das pedras do chão da terra do enigma da idade das coisas. Essas imagens inspiradas por ele me fazem de repente lembrar do caminhante ou do errante na frase dita por Eduardo Galeano ao responder sobre a razão de ser da utopia: “…para que serve a utopia? A utopia serve para caminhar…”173.

Por que Pitágoras Lopes

Eis um artista pintor e desenhista ensimesmado em seu universo de animais e aves com suas elucubrações peculiares, assim como em conversações e gestualidades amplas corporais de personagens noturnos que comparecem igualmente em danças matisseanas que, de pronto, se travestem em ritmos sexuais com bailarinos fora do tempo, acelerados pela orgia geral do colorido das superfícies recobertas freneticamente com a caligrafia nervosa.

sensibilização física que, às vezes, Meireles nos oferece e que chega à simbologia do antirracismo, com a apresentação, em Milão, e, agora, em Nova York, com Amerikkka. Ver, de Jessica Dawson, “Cildo Meireles’s Conceptual Sculptures Will Rearrange Your Brains”. The Village Voice, Nova York, 9 de junho de 2015. 173 A propósito deste artista, ver a autobiografia de Cao Guimarães em “Cao”. Cao Guimarães e Moacir dos Anjos. São Paulo: Cosac Naify, 2015. 201

Porém, nestes trabalhos aqui presentes, o pintor se contamina com o tema do mistério ancestral e articula, agora, nessa direção, sua poética pictórica. Vemos, então, um Pitágoras em imersão total no tema dos sambaquis, da arqueologia, de um universo distante e mágico para sua apreensão, que se identifica na recorrência ao rito funerário, no aquoso das transparências do azul, no artefato visível em meio ao mistério das águas. Permanece sua viva expressividade, porém, dirigidas a fúria do desenho e a velocidade gestual que marcam sua caligrafia pictórica, aqui, com texturas captadas na inspiração de depósitos concheiros visíveis à beira-mar: uma nova dimensão no trabalho deste passional artista do Planalto Central.

Por que Erika Verzutti

Dentro da magia da comunicação pela imagem em nosso tempo, os trabalhos de Erika já cativam por seu caráter cenográfico poderoso, antes mesmo de serem vistos ao vivo174. Moldadas em barro (e permanecendo em repouso, como ela mesma diz, para que acenem para a próxima etapa em sua feitura a ser empreendida pela autora, como deixando-as falar por si), assemelham-se a peças de estranha teatralidade. Nem sei se a perenidade importa a esta jovem artista. Mas é certo que se sente uma cenografia implícita na visualidade desses trabalhos. Ao mesmo tempo, na série de “cemitérios”, há uma presença clara do humor na ritualística funerária que permeia todos os seus trabalhos de instalações: a minúcia do “compor” simultaneamente aos objetos juntados com nexos contraditórios pela diversificação de seus materiais (pedras, paralelepípedos, formas moldadas em barro, esféricas, ovoides ou imitando formas brutalistas de vegetais comestíveis). Simulando uma organização urbanística arqueológica, muito mais para Stonehenge que para um projeto urbanístico mediterrâneo, dão o “tom” que comparece igualmente em suas “pinturas”, com incrustações ou fascinantes encaixes para “ovos” de pedras polidas semipreciosas. Até chegarmos a suas tartarugas rupestres, gigantes ou minúsculas, a nos chamar para uma ambientação. Disse: “imitando vegetais”. Em tempo de artistas como editores e não obrigatoriamente como criadores de formas, Erika humorosamente consome, apropria-se de formas que identificamos por parentesco, quando vemos suas composições. Assim, podemos pensar em Damián Ortega ou em alusões a Tarsila, Maria Martins, diante de seus trabalhos, ao passo que outros até mesmo nos remetem

174 Ver Erika Verzutti, texto de José Augusto Ribeiro, trad. Izabel M. Burbridge. Rio de Janeiro: Cobogó, 2013. 202

à Vênus de Willendorf ou, ainda, a Constantin Brancusi. Mas, na verdade, que importa a fonte, se a sintaxe é outra, além de perpassada por outra leitura?

Como bem considerou, com outras palavras, André Prous, após a leitura deste texto, talvez a escolha destes nomes tenha enfocado um artista voltado à experimentação, uma potencial comunicadora, um visionário das linhas do horizonte, um caminhante da utopia, um pintor dos seres visíveis do universo noturno, assim como uma criadora de cenografias de formas… Mas, enfim, estas foram as personalidades que me pareceram necessárias para nos fazer refletir e sonhar hoje, observando animais e figuras que vêm nos provocar, a partir da profundidade dos milênios.

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PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA 2015

MIYADA, Paulo. “Esta terra torturada”. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO – MAM. Catálogo. Panorama de Arte Brasileira 2015. Da pedra Da terra Daqui. São Paulo, 2015, p. 115-143.

ESTA TERRA TORTURADA

Ponto sem retorno

Reajustam-se os formatos, abrem-se precedentes para novos processos de organização e abordagem curatorial, mas é inevitável que o Panorama da Arte Brasileira carregue, em seu próprio nome, a missão de pensar o que pode estar implicado pelas palavras “arte” e “brasileira”, assim, reunidas em uma mesma visada que se atualiza a cada dois anos.

Mais que problema epistemológico ou autorreferência provinciana, essa agenda tem reverberado, nos últimos anos, debates de ampla circulação, dentro e fora do Brasil. Por um lado, pergunta-se: a quem interessa apegar-se às peculiaridades do ‘local’ contraposto aos vetores abrangentes, acelerados e inexoráveis da comunicação, da acessibilidade, da imigração e, sobretudo, do mercado financeiro global?175 Por outro lado, coloca-se a questão de por que reiterar a relevância da arte como categoria em um contexto repleto de urgências que extravasam seus problemas inerentes?176 Um “panorama da arte” de qualquer país feito nos dias de hoje provavelmente lidaria também com esses tópicos, no nosso caso, inescapáveis.

O desconforto com categorias nacionais é tão antigo quanto qualquer recorte que se defina para pensar a história do Brasil. Seria legítimo aspirar por uma autêntica

175 Em abordagens distintas, essa preocupação esteve no horizonte das curadorias dos Panoramas de 2007 e 2009 (Contraditório,curado por Moacir dos Anjos, e Mamõyguara opá mamõ pupé, curado por Adriano Pedrosa). Explorando paradoxos opostos – a latência do global combinada às paradoxais idiossincrasias do local, no primeiro; a inesperada ressonância do local no imaginário global, no segundo –, estas exposições evidenciaram o que há de particularmente problemático com a categoria “brasileira” nos tempos atuais. 176 As edições de 2011 e 2013 parecem ter levado em conta essa pergunta. Itinerários e itinerâncias, curado por Cristiana Tejo e Cauê Alves, pareava o debate artístico ao interesse por viagens, mapeamentos, processos colaborativos e outros campos usualmente associados às humanidades. Já P33: Formas únicas da continuidade no espaço, curado por Lisette Lagnado e Ana Maria Maia, convocou, para junto das obras de arte, proposições arquitetônicas e preocupações urbanísticas. 204 identidade em uma colônia? E como lidar com a irremediável transformação da cepa étnica e cultural da metrópole europeia trasladada às Américas e em mistura com povos autóctones e imigrantes escravizados? Mais, de que forma se apagaria a mácula que a cultura daqui carrega por sua inferioridade econômica no tabuleiro global das nações? E, ainda, seria correto tratar os primeiros autores europeus a trabalharem no país como “deles” ou “nossos”?

No cenário republicano pós-colonial, desde 1889, mantém-se presente a relutância em dirigir-se, sem entretantos, a alguma cultura propriamente brasileira177. Quando não é a inescapável sombra da influência europeia/norte-americana, é a escala descomunal e descontínua do território que se impõe como obstáculo para alguma narrativa local unitária. Ou, então, em variações, a miscigenação gradual de etnias e a discordância cultural, social, paisagística e climática entre as regiões do país178.

Justamente por isso, cada edição do Panorama precisa encontrar um ângulo pelo qual se torne possível pensar junto da arte brasileira. Não seria suficiente seguir o modelo dos salões e tratar das últimas novidades. Tampouco, até hoje, pareceu por bem aos curadores simplesmente passar ao largo do enunciado do Panorama, preenchendo-o com alguma temática desvinculada dos impasses acima mencionados. Trabalhando com Aracy Amaral, curadora que construiu sua relação com a arte antes de tudo pela crítica e pela pesquisa histórica, pareceu-nos que não era também o caso de fugir das contradições do problema, mas, antes, desafiá-las.

Sempre dedicada a pensar criticamente a cultura nacional, Aracy Amaral pesquisou as bases culturais da ocupação de nosso território179, avaliou a originalidade e as filiações da primeira e da segunda geração de artistas modernistas brasileiros180, refletiu a chegada das vanguardas construtivas internacionalistas no país e sua aclimatação181, enfim, ajudou a estabelecer alguns dos marcos da história da arte brasileira e, nada ufanista, mostrou-se sempre atenta aos empréstimos e desvios em relação às matrizes

177 Leiam-se os esforços monumentais de pensadores brasilianistas como Paulo Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, e tantos outros. 178 Poderiam ser citados, ainda, como barreiras a noções abrangentes do nacional, o impactante abismo entre classes sociais e a notável falta de continuidade e preservação histórica das cidades e instituições que poderiam alicerçar convicções abrangentes e duradouras sobre este assunto. 179 Por exemplo, em “A hispanidade em São Paulo da casa rural à Capela de Santo Antônio”. São Paulo: Editora Nobel, 1981. 180 Como em “Artes plásticas na Semana de 22”. São Paulo: Editora 34, 2004; e “Tarsila: sua obra e seu tempo”. São Paulo: Ed. 34/Edusp, 2003. 181 Ver “Projeto construtivo brasileiro na arte (1950-1962)”. Rio de Janeiro: MAM; São Paulo: Pinacoteca, 1977 205 culturais europeias. Nunca defendeu, portanto, um direito nato à arte brasileira de reconhecer-se como tal e manifestar-se com uma essência coesa e estável.

Nesse percurso, uma pergunta – seria, afinal, produtivo dizer que existe uma arte brasileira? – permaneceu sempre presente. Nesta edição do Panorama – Da terra Da pedra Daqui –, ela é encarada a partir de uma nova visada histórica, ainda mais aberta. De uma pesquisa iniciada há cerca de vinte anos, Aracy Amaral sugeriu que pensássemos a exposição tendo como núcleo um conjunto abrangente de artefatos de indiscutível perícia técnica, inventividade formal e coesão estilística/cultural, todos realizados no território brasileiro, porém, antes que este estivesse assim batizado, quer dizer, antes da colonização europeia.

As peças líticas em questão, contextualizadas e discutidas no texto do arqueólogo André Prous, foram produzidas ao longo de uma vasta janela de tempo e numa extensa faixa territorial, tendo se interrompido paralelamente ao gradual desaparecimento dos chamados “povos sambaquieiros”, os paleoíndios que já não estavam por aqui na chegada das embarcações portuguesas, quinhentos e poucos anos atrás. Em sua maioria trazendo sintéticas representações de animais com provável uso ritual, tais objetos são um feito cultural de inegável envergadura, tamanho o alcance das técnicas, saberes e crenças que permitiram sua fatura e que indicam, juntamente com os sambaquis, forte identidade entre as populações em questão. Além disso, é claro, podem-se considerar livres de qualquer influência metropolitana182.

Poder-se-ia dizer que essas peças, mesmo sem serem propriamente obras de arte183, constituem uma espécie de antecedente, uma origem perdida e possível referência para o futuro da chamada arte brasileira. Esta origem, entretanto, ao contrário dos mitos fundadores, oferece poucas explicações sobre a essência e identidade de um povo. Como é comum quando se trata de povos pré-históricos, a narrativa sobre os sambaquieiros e seus artefatos está, e se manterá, lacunar, posto que desprovida de discursos consultáveis, senão no jogo de identificação de vestígios materiais,

182 A rigor, a ocupação humana dos continentes americanos é tão tardia, em comparação com a África, a Europa e parte da Ásia, que se poderia dizer que os paleoíndios brasileiros eram, também, na longa linha do tempo da humanidade, imigrantes – mas isso já seria levar a discussão para outra escala temporal e geográfica. 183 Nesse aspecto, todo cuidado epistemológico é pouco, posto que é inevitável emprestarmos categorias totalmente estranhas a essas sociedades, por mais que saibamos de sua artificialidade. Mais sobre isso adiante. 206 interpretação e extrapolação hipotética184. Podemos admirar a coesão, originalidade e beleza das peças líticas, mas temos consciência de que, ao olharmos para suas formas, vemo-nas sob nossas sombras projetadas.

A presença desse núcleo na mostra foi entendida, por mim, como uma resposta à proposição do Panorama, a qual aumenta as possibilidades de reflexão sobre os termos “arte” e “brasileira” pelo acréscimo de um antecedente pouco conhecido e, ao mesmo tempo, demonstra, por absurdo, a impossibilidade de encontrar uma identidade estável para o país, sua arte, cultura, povo e território. Foi esse enigma que compartilhamos com os artistas contemporâneos convidados a produzir novos trabalhos para o Panorama, pedindo que eles abordassem o Brasil à luz do inominável que advém do exemplo reflexivo da produção lítica dos povos sambaquieiros.

Pela própria diferença entre os artistas, seus processos e linguagens, as respostas que ofereceram a esse desafio apontam debates contrastantes, e a exposição não converge nem para um “assunto” nem para uma “técnica” única. Ao longo deste ensaio, a proposta é caminhar entre os materiais líticos já citados e os diferentes pensamentos contemporâneos.

Começando pelo que está em discussão nesta introdução: o caráter irredutível, irrecuperável e intraduzível das cosmologias possivelmente implicadas pelas concisas representações de animais feitas há milhares de anos provocou eco na produção de Pitágoras Lopes. O artista goiano, em atividade desde a década de 1990, apresenta, ele mesmo, uma produção visual que enreda uma espécie peculiar de cosmogonia, na qual observação atenta do cotidiano (marginal) converge com fantasia, delírio e algum imaginário coletivo de difícil identificação.

Pitágoras tem produzido doses fartas, quase obsessivas, de cenas de sua cosmogonia: excitados travestis entre decadentes e glamorosos convivem com top models ressequidas em mesas de bar ou esquinas cheias de cachorros, cisnes, carros de cores cítricas, mariposas, submarinos e – por que não? – espaçonaves alienígenas. Temas que vêm e vão em ondas associativas que tanto podem ser reminiscências das noites

184 O trabalho dos arqueólogos e suas interfaces com estudiosos do clima, da fauna, da flora, da geografia – além das ciências da etnologia e antropologia – não pode ser diminuído em seu cuidado metodológico, que distingue, com clareza, os dados coletados, as interpretações que eles possibilitam e as extrapolações hipotéticas dos pesquisadores. Ainda assim, mirar a pré-história implica sempre reconhecer quanto projetamos de nós mesmos e de nossa cultura para o reconhecimento de uma alteridade repleta de indeterminações. 207 boêmias do artista pelos botecos de Goiânia, quanto ecoar figuras dos numerosos mitos populares pagãos que abundam no solo do Planalto Central.

Em todo caso, o tema representado não esgota a motivação da pintura e do desenho de Pitágoras, que muitas vezes se justificam pela experimentação de combinações cromáticas ou pela gestualidade no emprego de seus variados materiais pictóricos. Pelo acúmulo, ele explicita a associação de uma pulsão gráfica expressiva com um mundo interior turbulento, algo místico e ingênuo, algo irônico e mordaz. Daí, talvez, sua empolgação ao saber sobre os povos sambaquieiros e seus artefatos: logo se encantou com os vestígios que sugerem alguma mensagem, não obstante seja indecifrável. Ele refletiu sobre a inexorável ruína das coisas e ideias, e sentiu-se em casa. Passou meses trabalhando em grandes telas que se balançam entre cores arenosas e terrosas, azuis-marinhos, traços que fazem pensar em registros rupestres, silhuetas análogas às peças sambaquieiras, conchas e morros, misturados a perfis de cidades futuristas e figuras humanoides espectrais.

O lócus cultural de Pitágoras é aquele que já passou por tantas misturas, contaminações e esquecimentos que não é mais possível reconhecer-lhe a feição original; é aquele que não separa as formas puras dos acidentes acumulados; é aquele, alguém poderia dizer, que se fareja de madrugada nos cantos de um bar barato de Goiânia: Brasil subdesenvolvido, periférico e indeterminado. Foi esse lugar que ele emprestou à exposição, metáfora e metonímia do ponto sem retorno da linguagem que, uma vez ultrapassado, não permite mais reestabelecer significados imaculados.

Formas simples

Muitos reconhecerão a impactante simplicidade das formas destes artefatos líticos. Mas, o que são formas simples? Ou melhor, o que os artistas modernos nos ensinaram a chamar de formas simples? Sabemos que as vanguardas almejaram fundar, ou refundar, uma estética despojada, livre de referentes, apta a conformar uma sintaxe visual para os homens do porvir. Para isso, sua rota mais célebre e apolínea fundou-se no raciocínio lógico, serial e abstrato do desenho geométrico, no qual as formas 208 seriam simples, na medida em que corresponderiam a equações matemáticas expressáveis em uma linha de cálculo ou em um conjunto de coordenadas185.

Paralelamente a esse raciocínio construtivo, o flerte doutros modernistas com a simplicidade da forma delineia uma genealogia alternativa. Os pioneiros Constantin Brancusi, Jean (Hans) Arp e Barbara Hepworth, nesta medida comparáveis a criadores das gerações seguintes, como Henry Moore, Isamu Noguchi e Oscar Niemeyer, exploraram formas de inegável integridade e síntese que, no entanto, resultariam em complexas equações de terceiro, quarto ou quinto grau, se fossem traduzidas pela matemática. Qual seria sua simplicidade, visto que recusam a lógica enxuta do desenho geométrico? Bem, basta olhar ao redor: enquanto quadrados e cubos são, na verdade, raros na natureza, a simplicidade orgânica desses artistas ecoa diretamente morfologias que conhecemos muito bem, construídas pelas tensões de superfície fundamentais para a conformação do mundo natural186.

A tensão de superfície das membranas e peles que define o desenho sempre diferente e, ainda assim, igual dos ovos, das frutas, das bolhas de sabão, dos seios e das barrigas grávidas; o atrito constante do vento e da água que molda, esculpe, as cadeias rochosas, os cânions e os seixos rolados; a força da gravidade que sustenta grandes corpos matéricos em volumes mais ou menos esféricos e assim por diante. As tensões e forças fundamentais da física garantem a integridade básica das formas da natureza em uma simplicidade que não se atém às equações de primeiro e segundo grau, mas que, ainda assim, é legível por sua economia material, sua tendência a convergir nas formas de melhor distribuição entre força e superfície187. A essas forças dinâmicas, uma parcela dos artistas modernos soube prestar homenagem em emulações as mais diversas, seja no campo da pintura, da escultura ou da arquitetura; ao apreender essas formas, entretanto, eles não estavam inventando nada, estavam

185 Como na célebre anedota de Moholy-Nagy: ao que consta, em publicações recentes, o artista russo expatriado na Alemanha nunca chegou a fazer pinturas por telefone, mas entusiasmou-se ao encomendar pinturas em tinta esmalte numa oficina, valendo-se de simples esquemas em papel quadriculado e uma seleção de cores de catálogo – passou, então, a divulgar que teria feito o pedido por telefone, mesmo. O resultado, em todo caso, teria sido o mesmo. 186 Para aprofundar-se nesta leitura e complementá-la com outras hipóteses acerca dos isomorfismos entre tal natureza de formas simples, ver o instigante catálogo organizado por Jean de Loisy Formes Simples. Metz: Centre Pompidou-Metz / Fondation d’entreprise Hermès, 2015. 187 É justo lembrar que, nos campos mais avançados da matemática e da física no século XX, predominavam as equações e forças em jogo nos fenômenos comentados. Isso não elimina, entretanto, o abismo dessas equações ante a geometria que se aprende no ensino fundamental, usualmente privilegiada pelos artistas construtivos. 209 redescobrindo-as188.

Pois basta, como fizeram tantos dos artistas do começo do século XX, visitar os museus de etnografia, arqueologia e antropologia então em formação para ser arrebatado pela capacidade de muitos povos e culturas para apreender as morfologias condensadas do mundo natural, não apenas em sua aparência, como em sua estrutura e modo de fazer. O uso e abuso de processos de polimento, abrasão e erosão atribui a muitos dos artefatos ditos “não ocidentais” uma sapiência formal comparável àquela de Brancusi, por exemplo, que, por sua vez, aprendeu com ícones e artefatos de tradições milenares.

Tal constatação aplica-se também no caso das esculturas líticas aqui apresentadas. Sua simplicidade está além de qualquer assunção de falta de meios técnicos ou interesse criativo. Os zoólitos, as peças que representam animais, possuem suficiente caracterização de suas tipologias para transparecer o equilíbrio entre figuração mimética e repetição recorrente de certos traços estilísticos. A recorrência das formas curvas, de tratamento superficial abaulado, tendendo ao esférico, ovoide ou cilíndrico, são qualidades que dão unidade a grande parte dos zoólitos e, ao mesmo tempo, aproxima-os da simplicidade inerente aos padrões de crescimento e transformação da natureza.

Ainda assim, não é nada absurdo considerar que as esculturas de Brancusi e as peças do antigo Musée de l’Homme francês sejam, de longe, mais conhecidas pelos artistas daqui que tais artefatos paleoindígenas. Os lapsos de memória e as contaminações por empréstimo das metrópoles globais culturais e econômicas fazem da matriz cultural brasileira uma malha em que nem sempre o começo está no princípio – fenômeno ainda mais tensionado pela tradição inventiva e expansiva de nossa antropofagia modernista189.

Diante disso, o trabalho de Erika Verzutti reflete a natureza emaranhada das referências que circulam por aqui, em especial no contexto globalizado atual. Vejamos, a que se poderia atribuir o constante caráter totêmico das esculturas de

188 Um marco na associação entre arte moderna, arte contemporânea, geometria, física, biologia e matemática foi a exposição Growth and Form, realizada por Richard Hamilton no ICA de Londres, em 1951, com referência aos escritos de D’Arcy Wentworth Thompson. 189 Para uma introdução, leiam-se os célebres Manifesto Pau-Brasil, 1924, e o Manifesto Antropofágico, 1928, ambos redigidos por Oswald de Andrade. 210

Verzutti, sua condensação em objetos de pequeno e médio porte, e sua morfologia orgânica simplificada? Ora, seu ateliê é tão prolífico quanto onívoro, alimenta-se, sem preferência por autenticidade, originalidade ou pertencimento: as curvas abauladas de Tarsila do Amaral podem se encontrar com as atávicas colunas infinitas de Brancusi; os tentáculos de Maria Martins podem trombar com a voluptuosidade das “vênus” pré-históricas de dezenas de milhares de anos; o contorno de uma fruta tropical pode ser marcado por incisões reminiscentes do design e da arquitetura modernas.

De certa forma, na promiscuidade despojada de seu trabalho, Erika Verzutti conhecia os zoólitos antes mesmo de vê-los pela primeira vez. Isso porque a simplicidade de sua forma não está restrita a eles:é uma propriedade inerente à matéria submetida às forças constantes da física e um caminho aprendido e replicado pela vida orgânica. Assim, em seu humor, mistério, autorreferência e paródia, permite acessar, de forma direta, o tipo de essencialidade que os zoólitos também trazem: suas formas estão grávidas, pregnantes do sentido de crescimento e tensão que pulsava, que pulsou, que pulsa sob a superfície tesa e abaulada de seus corpos190.

Nos “cemitérios” de Verzutti, em especial, tais formas se encontram em arranjos de sobras de esculturas que deram errado, segundo o crivo da própria artista: fragmentos que interromperam seu “crescimento” em algum ponto e se reúnem como topografia, território e sinal da passagem do tempo. Somados como estão na exposição, os cemitérios acabam representando sucessivos estratos de sua obra, como breve retrospectiva ao avesso que, em vez de celebrar obras eleitas, se apega a supostos fracassos. Nesse aparente paradoxo, oferecem-se sem justificativas prévias, preferindo conquistá-las com o que a presença de suas formas é capaz de provocar – como mitos, sim, mas sem nenhuma mitologia já escrita.

Nonada – Como construir a paisagem

A existência dos sambaquis, somada aos zoólitos e outras peças líticas, atesta a significativa unidade cultural dos povos sambaquieiros do litoral sul brasileiro, em um período de pelo

190 No caso de Verzutti, um recurso recorrente nos últimos anos foi a produção de esculturas que se moldam como frutas, ovos e pedras cuja forma escolhida é transportada para bronze, concreto, cerâmica e outros materiais. Assim, as esculturas já nascem, mesmo que passem por inúmeras recombinações nas etapas posteriores do trabalho, dotadas dessa morfologia orgânica. 211 menos 3 mil anos, em uma faixa de quase mil quilômetros de extensão. Esses montes de conchas constituem uma poderosa imagem de como se podem construir relações profundas com as ideias de ancestralidade, paisagem e tempo – mas, a despeito de sua singularidade, são tratados com indiferença pela maior parte dos artistas e pesquisadores brasileiros, reflexo da flagrante desatenção que temos sobre nossa própria história.

É proveitoso, então, comparar a forma e a construção dos sambaquis com as de inescapáveis monumentos da Antiguidade, como as pirâmides egípcias. Grosso modo, pode-se dizer que estas são exemplo do monumento como demonstração de poder e sinônimo de singularidade espacial e histórica: trata-se do descomunal dispêndio de energia para edificar, com precisão, uma forma geométrica de grande dimensão cujo sentido é dedicado a um determinado momento no tempo, o qual se esperava que permanecesse para sempre gravado no território e na cultura. Em relação às tênues curvas das moventes massas de areia do deserto, as pirâmides afirmam a clara diferença de sua constituição maciça, linhas retas e ângulos definidos.

O que se encontra, então, nas pirâmides egípcias é o paradigma da monumentalidade especializada que ecoa ao longo da história das civilizações ocidentais. Podemos pensar nos obeliscos, nas estátuas, nos grandes edifícios e mesmo nos triviais túmulos dos cemitérios, e encontraremos sempre o monumento como demonstração de poder e como dispêndio de energia e materiais que deve destacar, para a posteridade, a singularidade de um indivíduo ou fato histórico. No caso dos sambaquis, o ideal de monumento que está em jogo é outro.

Há sambaquis do litoral sul brasileiro que foram identificados como construções de função ritual e funerária – na verdade, uma parcela de seu crescimento é resultado de sucessivos sepultamentos sobrepostos ao longo de inúmeras gerações. Sobre um embasamento, que podia ser feito de fibras vegetais trançadas, eram colocadas camadas de conchas que definiam plataformas mais ou menos regulares em que rituais funerários eram realizados. Segundo o arqueólogo Paulo De Blasis191, a finalização desses ritos envolvia sepultar o cadáver junto com objetos e resíduos utilizados em seu funeral, posicionando-os com cuidado e recobrindo-os com uma

191 Depoimento pessoal em maio de 2015. Para uma introdução, ver também o artigo de Blasis et alii, “Sambaquis e paisagem: dinâmica natural e arqueologia regional no litoral do sul do Brasil”. Revista Arqueología Suramericana / Arqueologia sul--americana, vol. 3, nº 1, 2007, pp. 29-61. 212 camada de conchas. Múltiplos sepultamentos podiam acontecer em proximidade, criando certo volume que eventualmente era coberto por uma espessa camada concheira, sobre a qual um outro ciclo de rituais poderia acontecer. Noutros casos, grandes volumes dos sambaquis foram edificados sem sepultamentos, pelo acúmulo ora acelerado, ora bastante gradual de material concheiro, provavelmente em montes ou trechos de montes com funcionalidade distinta. Assim, ao longo de intervalos que podiam durar mais de mil anos, os sambaquis cresciam em altura e extensão, chegando a ser altos como um prédio de seis andares e largos como um quarteirão de uma grande avenida. Desse modo, embora pudessem reunir múltiplos sepultamentos individuais, os sambaquis, como um todo, perdiam referência a pessoas ou momentos históricos específicos, sugerindo, antes, o monumento à própria ideia de ancestralidade. São pessoas e gerações em demasia para que se pense nesses sambaquis como referência a alguma singularidade, sendo mais plausível a noção de uma memória ancestral coletiva que organicamente ganhava escala e perenidade.

Essa mesma perenidade reforça a isomorfia dos sambaquis com a paisagem, à medida que o vento, a chuva e a vegetação erodem suas formas e os mimetizam com seu entorno. Seus contornos simples e orgânicos192 remetem aos grandes intervalos de tempo nos quais a forma resulta da duração extensa,sem final evidente, sempre aberta aos eventos da passagem do tempo: equiparam a ancestralidade com a grandiosidade da natureza e suas forças193.

Além disso, os padrões de assentamento de sambaquis acumulados em torno de áreas de baía próximas ao oceano apontam também para outras funções: identificação social, lugar de encontro e observação privilegiada do entorno, apreensão da paisagem. Mesmo tendo se desenvolvido prioritariamente graças à repetição de uma mesma natureza de ritual, os sambaquis guardam indícios que podem sugerir

192 Sobre o paralelismo entre certa qualidade de curvatura e a organicidade da natureza, pode-se também lembrar da tese iluminista de William Hogarth, citada por Giulio Carlo Argan: “a linha curva e ondulada é a linha expressiva da vida, de tudo o que nasce, cresce, invade (e não ‘constrói’) o espaço”. (“Arte Moderna”. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 418) 193 Talvez com exagero interpretativo, enviei uma notação para o artista Cao Guimarães, que acabou tomando-a como provocação para a edição de seu vídeo Sambaqui: o hoje é o ontem de amanhã: “essa civilização que deixou muito poucas pistas, mas que com certeza foi capaz de se articular por um amplo território, por muito tempo, tendo como marco/monumento algo tão diferente das pirâmides e zigurates, já que, ao invés de uma forma una, clara e de significado assertivo, era orgânica,fluida e indistinta. Tanto sambaquis com função predominantemente sepulcral quanto os mais prosaicos seguiam a mesma forma, e o sambaqui podia crescer virtualmente sem limites, sempre apagando (recobrindo) suas camadas inferiores, que seriam então calcificadas. Se as pirâmides, os zigurates (e Brasília) são monumentos unos, coesos e por isso capazes de sugerir um congelamento do tempo para a eternidade, os sambaquis atuam ao contrário, enfatizando a duração e imponderabilidade do tempo, como um Bergson (muito) avant la lettre”. 213 múltiplas funções e papéis, sendo, portanto, divergentes das ideias de especificidade e singularidade que costumeiramente associamos aos monumentos. A gama de sentidos desses marcos amplia-se, ainda, por existirem inúmeros sambaquis pequenos e medianos, plataformas um pouco mais achatadas que não guardam sepultamentos, provavelmente dedicados a outras finalidades.

Claro, uma parcela dessa interpretação é especulação de quem hoje observa esses construtos sem história escrita, que só no século XX tiveram sua intencionalidade e sentido simbólico comprovados pelos pesquisadores194. Para mim, mais que curiosidade pitoresca, os sambaquis oferecem uma oportunidade para especularmos sobre um modelo alternativo de construção do território. É uma chance de nos projetarmos no horizonte imaginativo de povos que lidaram com a passagem do tempo de maneira radicalmente distinta da atitude ora extrativista, ora desenvolvimentista que predomina na história da ocupação do território brasileiro desde o império colonial até hoje195.

Pouco conhecemos que possa ser visto como alternativa ao éthos imediatista, ganancioso e espetacular que atravessa os quinhentos anos do país. Mas há um exemplo. Na cultura brasileira do último século e pouco, muito da fabulação da resistência coube a versões quase míticas do sertão, do agreste e das gerais – lugares de cangaceiros, profetas, andarilhos, desesperados e revolucionários196. Nessas histórias, o homem se faz capaz de desconfiar obstinadamente da ciência, do capital e do progresso, pela profunda ligação com a terra, que vem acompanhada das grandes distâncias e de dificultosas relações econômicas, sociais e climáticas197.

Ao imaginário dos sujeitos secos e turrões dessa trágica e poética história de resistência em territórios marginais, poderíamos agregar também o cinema e a arte de Cao Guimarães, filmador-viajante cuja atenção ao muito pouco, à quase coisa nenhuma, muitas vezes se encontrou com personagens tão sábios e tão limítrofes

194 O menosprezo das elites provincianas pelo desenvolvimento mental e social dos povos indígenas atribuiu a existência dos sambaquis a algum fenômeno peculiar das marés ou ao simples descarte de resíduos alimentares em uma espécie de lixão, enquanto os zoólitos seriam objetos importados dos povos andinos. 195 Os exemplos contemporâneos são muitos, sendo fácil citar a guerra corporativa pela exploração dos recursos naturais da floresta amazônica e as progressistas propagandas associadas à exploração do petróleo pré-sal, à transposição do rio São Francisco, à construção de barragens como a de Belo Monte e à realização de megaeventos como a Copa do Mundo de futebol e os jogos olímpicos. 196 Que foram, por exemplo, contados por Euclides da Cunha, João Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Glauber Rocha. 197 “Nonada”, começa o Grande Sertão de Guimarães: coisa nenhuma, nada não, duplo vazio. 214 como aqueles, em espaços que parecem subsistir à parte do pulso modernizante da história. São, por exemplo, os protagonistas dos longas-metragens O fim do sem fim, A alma do osso e Andarilho (2001, 2004 e 2006); são, também, os lugares em suspensão do longa Acidente (2006) e do curta Limbo (2011).

É que o trabalho de Cao Guimarães depende justamente do deslocamento contínuo (sobretudo dentro do Brasil, mas também pelo mundo) em busca de alguma coisa que ele nunca perdeu. É um exercício de atenção ao circundante sempre disponível ao maravilhamento com o estado das coisas do mundo, sua capacidade de dessincronizar-se, mesmo que violentamente, da lógica do trabalho e da produtividade, sua possibilidade de construir pequenas zonas de exceção para as regras e exigências da realidade.

Munido dessa atenção, convidado a visitar os sambaquis do litoral catarinense, Guimarães se dispôs a criar sua própria fabulação sobre o que podem ter sido esses marcos e como sua relação com o tempo e a paisagem poderia ser experimentada hoje. A volumetria e a materialidade desses montes criaram um desafio ao seu enquadramento pela imagem videográfica: como retratar algo que se dilui em seu entorno? O artista fez desse impasse um convite para observar o ambiente litorâneo, suas forças e elementos igualmente presentes há 5 mil anos e cinco minutos atrás.

Como ocorre-lhe com frequência, o presente lhe ofereceu uma imagem extemporânea, um eco do passado imaginado e um prenúncio daquilo que serão as ruínas do hoje encontradas no futuro. Sob um viaduto da cidade de Florianópolis, chamou-lhe atenção o solo coberto de conchas, ostras e berbigões. Não era um sambaqui envolto pela urbanização recente, mas um terreno ocupado por trabalhadores que passam os dias justamente separando os moluscos de suas valvas. As imagens atuais desse lugar e dessas pessoas – como alegorias contemporâneas dos sambaquieiros – foram, então, articuladas pelo artista em um novo vídeo que atravessa tempos distintos de um mesmo território.

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Caminho de encruzilhadas

É apropriado que o professor André Prous tenha chamado seu livro sobre os povos sambaquieiros e outros que antecederam a colonização de O Brasil antes dos brasileiros198. De fato, entre aqueles e nós – sejamos “nós” descendentes de europeus, indígenas, africanos, miscigenados ou recém-imigrados –, existe uma distância que não pode ser ignorada. Se eles foram brasileiros, foram-no de forma diferente daquela que se pode ser hoje – fizeram parte da história de ocupação deste território, mas viveram alheios às construções sociopolíticas inauguradas com a colonização.

Posto que hoje os tempos parecem sufocados pelo estreitamento de nosso horizonte imaginativo acerca de projetos para o futuro efetivamente coletivos e de abrangência nacional, pode ser um alívio observar a pegada de contornos pouco nítidos dessa civilização autóctone já desaparecida, desvinculada, portanto, do ciclo de violência, extrativismo, genocídio e dispersão social que herdamos do passado mais recente e não pudemos ainda superar. Isso não implica que se queira olhar para o passado paleoindígena com deslumbramento tal que evoque uma “síndrome de Policarpo Quaresma”199. Ninguém deseja fazer dos povos sambaquieiros um mito fundador prometeico – força superior que nos entrega o fogo do pertencimento nacional –, o que se pretende, ao abordá-los, é alargar a noção que se tem do povo brasileiro, a fim de renovar a capacidade de problematizá-la.

Ao olharmos seus artefatos, procuramos carregar um pouco do estranhamento radical demonstrado por Alain Resnais, Chris Marker e Ghislain Cloquet no filme-ensaio As estátuas também morrem (1953). Nele, uma paródica montagem das vitrines do Musée de l’Homme parisiense, com objetos do cotidiano europeu no lugar dos artefatos etnográficos africanos, demonstra quão ridícula a exotização descontextualizada pode ser. Em outra cena, alegórica, a morte de um gorila é

198 Prous, André. O Brasil antes dos brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. O título parafraseia o do livro de Geneviève Bührer-Thierry e Charles Mériaux La France avant la France (481-888), estudo historiográfico sobre os antecedentes da formação do Estado francês. 199 Personagem fictício lembrado, sobretudo, pela iniciativa contada na primeira parte do folhetim de Lima Barreto O triste fim de Policarpo Quaresma (1911): propor ao Congresso Nacional da república brasileira a adoção do tupi como língua oficial do país, argumentando ser língua de qualidade superior, por ser a única expressão verdadeiramente autêntica, liberada das correntes da influência europeia. 216 equiparada à morte das estátuas, ícones e objetos cotidianos que decorre da desarticulação colonial da cultura nativa que sustentava seus sentidos.

É que quem enxerga qualidade artística em peças arqueológicas como os zoólitos somos nós200. Precisamos, por isso, desconfiar daquilo que atribuímos a esses objetos201, mas, ao mesmo tempo, é difícil deixar de se comover, como fez Georges Bataille em seus ensaios sobre a arte rupestre pré-histórica202, com a ancestralidade da disposição humana de marcar, sujar, representar e redefinir o mundo. Mais que demonstrar exaustivo rigor científico, Bataille quis defender que a plena capacidade criativa humana nasce com seu próprio surgimento como espécie, diferenciada dos Neandertais não só pela biologia, mas também por sua capacidade de transcender o terror diante da consciência da morte por ações que, a um só tempo, inauguraram a arte, a religião, a magia, o festival e o sacrifício203. Para ele, era importante defender que existe algo essencial para a arte (entendida como maravilhamento e evocação) que é muito mais antigo e amplo que nossa concepção moderna é capaz de conceber.

Cabe ainda evocar a atitude de Werner Herzog em seu longa-metragem 3-D The Cave of Forgotten Dreams [A caverna dos sonhos esquecidos] (2011), em que o cineasta visitou as deslumbrantes pinturas rupestres de 30 mil anos de idade da caverna de Chauvet, no sul da França. Ao especular sobre os significados desses desconcertantes riscos, o cineasta escorrega para categorias e termos mais ou menos extemporâneos ao contexto pré-histórico, e aborda as pinturas rupestres como arte, magia, linguagem e religião, correndo sempre o risco de parecer grosseiro, eurocêntrico e simplificador. O filme procede, então, por acúmulo: a cada vez que uma via de interpretação se cristaliza excessivamente, a edição se volta para uma chave de leitura totalmente diferente, contraditória até com o que acabou de se dizer. Assim, deixa evidente que

200 Pois a perícia do acabamento, a síntese formal e a beleza expressiva que as peças pudessem ter em seu contexto original justificavam-se por um sistema de valores e crenças no qual o que chamamos hoje de arte seria uma abstração artificial. 201 Há uma esclarecedora introdução sobre os cuidados tomados pela arqueologia atual no que tange à interpretação de registros rupestres e da cultura material pré-histórica no artigo “Arte pré-histórica do Brasil: da técnica ao objeto”, de Anne-Marie Pessis e Gabriela Martins, incluído na recente publicação organizada por Fabiana Werneck Barcinski, Sobre a arte brasileira – da pré-história aos anos 1960. São Paulo: Sesc e WMF Martins Fontes, 2015. 202 Ver “Lascaux, ou la Naissance de l’Art” (1955) e os escritos reunidos em The Cradle of Humanity. Nova York: Zone Books, 2005. 203 Sem citar o autor francês, a curadora Jill Cook adota uma hipótese análoga no catálogo Ice Age art: arrival of the modern mind. Londres: British Museum, 2012. Ela enfatiza a ideia de que o surgimento da arte pré-histórica é um índice do desenvolvimento do cérebro humano moderno em tudo equivalente ao nosso, o que, em sua abordagem, é suficiente para legitimar o uso, sem ressalvas, da expressão “arte” para referir-se a artefatos feitos há dezenas de milhares de anos. 217 todo o discurso sobre as inscrições do passado está impregnado de projeção narrativa e fabulação dos cientistas, artistas e curiosos que se maravilham com quanto de desconhecido há em Chauvet.

Para espelhar tal maravilhamento especulativo de volta para a dificuldade em construir uma imagem única daquilo que seja o Brasil de hoje, não basta fabular ficções de tênue vínculo com alguma essência deste lugar; é preciso construir saberes telúricos, da terra e para a terra, que emprestem, da arte, a possibilidade de sempre rearticular os fatos, as imagens e as narrativas além de seus sentidos já consolidados.

E onde, por exemplo, encontra-se tal qualidade telúrica? Pode ser clichê citar os grãos de prata para reiterar que o fotográfico em mídia analógica não é só resultado da luz, mas também dos materiais e substâncias da terra. Mas, no caso da obra de Miguel Rio Branco, o uso desse clichê se justifica: em suas fotografias, o que está em evidência tem pouco de inefável translucidez luminosa e muito de pesada densidade terrena, porosa e sinestésica. Vemos tantos restos de coisas quebradas, corpos suados, olhares diretos, cores saturadas, aglomerações de gente e objetos, poeira, terra e vapor que imergimos em associações inapeláveis a odores, temperaturas e ruídos intensos – desnorteantes.

Se isso é verdade quando se vê uma foto apenas de Rio Branco, os efeitos se multiplicam através das operações de edição, colagem e choque que o artista desenvolve ao reelaborar constantemente seus polípticos, livros-objetos, filmes, slideshows e instalações. Nessas montagens, o material fotográfico libera-se de seu contorno como unidade e instante, e se insere em fluxos turbulentos de imagens em que algumas narrativas convulsivas se delineiam para, em seguida, se desfazer. Terreno, telúrico, o trabalho de Miguel Rio Branco edifica sucessivas narrativas em que as referências a lugares, pessoas e identidades específicas se refazem em enigmas que se apreendem com o corpo inteiro: olhos, narinas, ouvidos, cabeça e até estômago.

No contexto deste Panorama, seu trabalho enfatiza a fisicalidade dos objetos arqueológicos que serão apresentados: próximos às imagens, pedras, plantas e luzes reunidos em uma nova instalação imersiva, ficará difícil pensar nos zoólitos estritamente como documentos históricos. Os sentidos e a imaginação estimulados nos levarão a olhá-los de outras formas, especular sobre outras narrativas, ademais 218 sugestionadas pela evocação de certa localidade indeterminada – posto que a obra de Rio Branco remete a periferias, esquinas, cidades e lixões, sem propriamente identificar o que foi feito no Brasil. Em outras palavras, esta nova obra reforça o caráter enigmático da exposição, trazendo, literalmente (com plantas e mármores), e, figuradamente (com imagens fotográficas em televisores de tubo sujos de terra), parcelas daquilo que é do território, neste caso, enquadrado como zona de decaimento, sujeira, tensão, relaxamento e alguma inexplicável beleza.

Esta terra

Em 1943, o artista norte-americano de origem japonesa Isamu Noguchi concebeu o projeto paisagístico chamado This Tortured Earth [Esta terra torturada]204. O projeto manifestava o desejo (tornado ácido pela concomitância com a II Guerra Mundial) de construir a topografia de um parque mediante o bombardeio aéreo de um terreno. A topografia resultante seria, ao mesmo tempo, campo lúdico, concepção pitoresca e orgânica ou crítica por absurdo da militarização mundial em curso. Trata-se de uma ideia simples que revela quanto uma concepção de espaço e território pode manifestar, em sua forma e processo, uma reflexão sobre o presente.

Tal ampliação das formas de tangenciar as noções de território e paisagem é também uma contribuição da série de obras e projetos concebidas em 1969 por Cildo Meireles sob a alcunha de “arte física”205. Na época, Cildo Meireles projetou diversas formas de atuação em escala territorial, partindo de gestos e atividades corporais. Infiltra-se no campo da política, da história e da ciência, mas, em lugar dos experimentos técnico- científicos e dos levantamentos de dados censitários, propõe empreitadas críticas, poéticas, metafóricas e até fictícias – cria saberes alternativos ao que já se conhece dos territórios e lugares.

Em Arte física: mutações geográficas: fronteira vertical (1969/1998/2015) – projeto realizado neste Panorama –, isso se reflete na possibilidade de lidar com a dita

204 Registrado em uma escultura/maquete de bronze, o projeto nunca foi realizado. É notável sua semelhança formal com as oficinas líticas em que os povos sambaquieiros produziam suas ferramentas e zoólitos. 205 O conjunto completo de ações e projetos dessa série pode ser encontrado no catálogo, organizado por João Fernandes, da mostra Cildo Meireles. Porto: Fundação Serralves; São Paulo: Cosac Naify, 2013. As ideias que não puderam ser experimentadas na época foram registradas como projeto sobre papel milimetrado. 219

“grandeza continental” do país que, tantas vezes, é levantada como fator que impossibilita generalizações ou entendimentos homogêneos do Brasil. Em vez de, mais uma vez, reiterar essa diversidade, o artista propõe um gesto que, mesmo singelo, pode interferir simbolicamente no país todo – para isso, ele apela a nosso apego aos números, aos dados e às medidas, informações objetivas que, não obstante, possuem grande valor simbólico.

O projeto envolve uma expedição ao pico mais alto do país, o Pico da Neblina [ou Yaripo para os ianomâmis] que, com seus 2.993,78 metros, é, por si só, um lugar carregado de desafios cartográficos e geográficos206. Ali, um pouco de rocha é retirado, e em seu lugar implantada uma rocha proveniente do manto terrestre sob o território brasileiro207. A ideia, que até hoje existiu apenas no papel, consiste em aumentar em 1 centímetro a altura máxima do país como um todo. Trata-se de uma atitude que, com uma intervenção mínima, atua sobre um território de imensas proporções e, à sua maneira quase absurda, domina-o. Resulta de uma elaboração mental sofisticada, que compreende que o espaço não se define apenas por extensões e distâncias, mas também por contrastes entre escalas.

O que a presença das peças arqueológicas na mostra evidencia, em termos dos grandes intervalos temporais208, este trabalho de Cildo Meireles demonstra, no campo das dimensões espaciais: o jogo arbitrário e desnorteante do contraste de escalas e grandezas209. Além de poético, o aumento do maior cume do país – esse crescimento nacional – pode ser lido como uma extrapolação, por absurdo, dos discursos desenvolvimentistas brasileiros. Por mais que existam divergências de gestão e ideologia, nenhuma das mal-acabadas lideranças políticas atuais ousa duvidar das premissas embutidas na aposta constante na aceleração da economia como índice da

206 Por muito tempo, houve dúvida sobre a posição do pico a sul ou a norte da divisa entre Brasil e Venezuela, assim como sobre sua altura real, pois sua consolidação como maior altura do país só aconteceu em 2004, quando o IBGE e o Instituto Militar de Engenharia (IME) realizaram o Projeto Pontos Culminantes, equipado com a mais precisa tecnologia de georreferenciamento. 207 No caso, foi escolhido um fragmento de kimberlito, composto mineral que, ao ascender para a crosta terrestre, pode carregar diamantes para a superfície. 208 Diante de experiência análoga de desorientação temporal, Werner Herzog diz, comentando desenhos muito semelhantes feitos com 5 mil anos de diferença, na caverna de Chauvet: “A sequência e sobreposição de eventos no tempo é inapreensível para nós hoje; nós estamos presos na história, e eles, não”. 209 O choque entre escalas aparece ainda na mostra com o trabalho Fio (1990/5), que insere, numa grande quantidade de fardos de palha, uma única agulha e um fio de ouro, numa demonstração prática da expressão popular “procurar uma agulha num palheiro”. 220 melhora da vida no país210. Para os que agem segundo esta visão tão tacanha, o artista oferece um efetivo – e obviamente inútil – crescimento nacional.

A possibilidade de inflexão crítica do gesto artístico comparece também com vigor na produção de Berna Reale. Para cada dilema social – a violência sexual, a desumanização dos prisioneiros de guerra, a capitalização da memória indígena, a lista é tão vasta como são as manchetes dos jornais… –, a artista constrói uma cena211. À pergunta “para que pode servir a arte?”, a obra de Berna Reale responde, sempre: a arte serve para estar junto com os conflitos de seu tempo. Não para resolvê-los, não para ensinar algo sobre eles nem para apagá-los, mas, ao contrário, para torná-los presentes, visíveis e ásperos.

É natural, então, que a reação da artista às peças líticas se defina pela recusa da contemplação enigmática de um passado incerto. Ela prefere debruçar-se sobre os conflitos atuais, sobre o “lado B” da imagem projetada pelo país para o exterior. Prefere encarar a violência urbana mais precária, que engloba os abusos de poder e violência da própria polícia, os crimes incompreensíveis de jovens que demonstram pouca ou nenhuma empatia, as destruições do patrimônio público e privado por parte de manifestantes que prescindem do discurso em prol de som e fúria, e assim por diante.

É algo desorientador, pois, na cobertura dos jornais, no fluxo das redes sociais e mesmo na paisagem urbana das grandes e pequenas cidades, multiplicam-se as mais variadas imagens de violência. Mesmo assim, é complexo nomear os agressores, delimitar suas origens e motivos. Pelo que contam as estatísticas, há uma guerra em curso, mas o inimigo é sempre um outro. Diante disso, a cena criada pela artista é precisamente uma alegoria do corpo mutilado da sociedade brasileira atual, desassociada do enunciado de um vilão específico.

Sua nova instalação remete, a um só tempo, à festividade das boates populares e à agressividade das ruas das grandes cidades. Luzes piscam como em uma festa, mas

210 Pouco importa para quem e como, parece suficiente para as autoridades demonstrar o aumento dos valores brutos de nosso produto. Para uma leitura sucinta sobre as últimas eleições de 2014 e, por exemplo, a incapacidade de endereçar uma agenda ambiental que relativize a medição do desenvolvimento do país por seus índices de crescimento econômico, ver a entrevista “Diálogos sobre o fim do mundo”, de Viveiros de Castro e Déborah Danowski, feita por Eliane Brum para o El País, em 29 de setembro de 2014 (consultado em 17/06/15, no sítio eletrônico http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/29/opinion/1412000283_365191.html). 211 São gestos performáticos ‘preparados’, ou seja, ações encenadas com o auxílio de vestimentas, objetos, locações e contextosescolhidos para formar uma alegoria dos conflitos entre duas ou mais partes. 221 trata-se de lâmpadas azuis e vermelhas de viaturas de polícia, acompanhadas de uma música composta com sons gravados em seu interior. O revestimento baleado das paredes e os doces oferecidos reforçam a convergência entre desconforto e participação. Na sala seguinte, a imagem da violência reemerge, agora de dentro de uma fábula fílmica: uma figura trabalha grandes volumes de plástico e os costura, ora para embrulhar os ternos finos dos políticos, ora para armazenar os corpos mortos das vítimas de crimes violentos.

Subterrâneo

Há, afinal, algum aprendizado a tirar dessa mirada mais larga à arte brasileira, sua percepção em um escopo que abrange mais de 4 mil anos? A recepção da exposição, seu debatee os efeitos da maior visibilidade do pouco conhecido legado pré-histórico em destaque são difíceis de preconceber. De minha parte, carrego agora possíveis aprendizados com a obra de Luísa Nóbrega, jovem artista convidada para a edição do Projeto Parede simultânea ao 34º Panorama.

Em sua obstinada tentativa de apreensão da metrópole paulistana a partir de seus eixos subterrâneos das linhas de metrô212, a artista demonstra o que pode uma comunicação que discursa menos, escuta muito mais e esquiva-se do ideal de objetividade e autossuficiência dos registros de uma experiência.

Ao apostar em afasias, incongruências, polifonias e ruídos, sua ação apresenta a arte como ação resistente aos ímpetos de categorização e especialização do real como objeto passivo do conhecimento. No caso da cultura e do território brasileiros, seria esperar bastante da arte que ela, em vez de consagrar roteiros de interpretação, pudesse escancarar experiências ambivalentes, questionadoras e imaginativas. Mapas, sim, mas sem roteiros.

Mesmo que tenha sido relida diversas vezes nos últimos anos, não é demais retomar a passagem do texto Cruzeiro do Sul, de Cildo Meireles: “O circo, os raciocínios, as habilidades, as especializações, os estilos acabam. Sobra o que sempre existiu, a terra.

212 Nóbrega passou os cinco dias úteis da semana percorrendo uma linha de metrô a cada dia por todo o período em que oequipamento esteve aberto, indo e voltando de posse de um gravador de fitas, depois, digitalizou os áudios e os apresentou simultaneamente em caixas de som dispostas no corredor. 222

Sobra a dança que pode ser feita para pedir a chuva. Então pântano. E desse pântano vão nascer vermes e outra vez a vida. Outra coisa. Acreditem sempre em boatos. Porque na selva não existem mentiras, existem verdades pessoais”. E, assim, nós – que para os sambaquieiros seríamos já uma forma de vida pós-pântano – do mundo depois do fim do mundo – olhamos para os resíduos da existência deles, feitos da pedra da terra, e nos colocamos a sonhar.

Intriga-nos que seus objetos correspondam tanto com ideais de beleza consagrados pelos modernismos e, ao mesmo tempo, sejam tão próximos das formas simples que a natureza constrói com seixos de pedra ao longo dos milhares de anos. Modernos, atemporais, de um tempo preciso. Sonhamos que eles achavam que poderiam viver para sempre. Talvez não vissem indícios de que o futuro pudesse ser qualquer outra coisa que um longo presente estendido. Ou, então, seria plausível que estivessem sempre se preparando para algum final, do homem, do mundo, de ambos. Em um caso, trabalhar a pedra seria uma forma de garantir àqueles que lhes descenderiam continuidade e ligação profunda. No outro, seria uma aposta de que algo importa além do tempo em que se vive, que há outras vidas depois da cada vida.

De toda maneira, a precisão delicada de algumas dessas peças demonstra que, no que tange à vida das formas, não se aplicam as noções de evolução e progresso, já que algo tão antigo pode parecer mais maduro que tanto que se fez desde então. Pois, junto da terra, alimentando-se de suas formas e potências como lugar, uma arte daqui parece ter sido possível desde muito antes das tempestades e secas dos nossos dias.