Imagens Da Emigração Para O Brasil Na Literatura Portuguesa Do Século XX
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Imagens da emigração para o Brasil na literatura portuguesa do século XX Mario Luis Grangeia (Fundação Biblioteca Nacional/Brasil)1 Resumo Autores portugueses e brasileiros criaram imagens das migrações entre seus países, mas elas tiveram rara atenção de estudos migratórios, literários e outros. Este texto expõe mapeamento inédito do imaginário da emigração portuguesa para o Brasil no século XX em obras de autores do país de origem desse fluxo. Os livros analisados retrataram vidas de portugueses no Brasil e retornados em Portugal e foram localizados após estudar a literatura da emigração e obras não só de emigrantes. Para analisar significados atribuídos à emigração, focalizam-se obras de João Sarmento Pimentel (“Memórias do capitão”), Ferreira de Castro (“Emigrantes” e “A Selva”), Miguel Torga (“A Criação do Mundo” e “Traço de União”) e Ruth Escobar (“Maria Ruth”), examinando causas e efeitos vinculados à emigração, além de reações a ela. São captadas mudanças e permanências nos enquadramentos da emigração para o Brasil, recorrendo ao conceito de enquadramento como usado por sociólogos culturais. Estudos da emigração portuguesa para o Brasil preteriram as imagens na literatura, privilegiando outros objetos e abordagens (há produção crescente sobre imagens na literatura brasileira). Estudos em Portugal priorizaram a emigração clandestina, as remessas de dinheiro, engajadores de mão de obra, retornados e tentativas de canalizar emigrantes a colônias africanas. Trabalhos publicados no Brasil frisaram a socialização, empreendedorismo e associativismo dos migrantes. Há, porém, relativa carência de pesquisas sobre essa emigração com base em fontes como textos literários, prevalecendo o uso das fontes oficiais, como documentos de diplomacia. Ao explorar legados culturais do maior fluxo de portugueses no século XX, se propõe um enfoque novo sobre esse processo que contribui para a historiografia das migrações, sociologia cultural e literatura portuguesa. Palavras-chave: Portugueses no Brasil; Literatura Portuguesa; Sociologia cultural. Images of emigration to Brazil in the Portuguese literature of the 20th century Abstract Portuguese and Brazilian authors created images of migrations between their countries, but they had rare attention from migratory, literary, and other studies. This text exposes an unprecedented mapping of the imagery of Portuguese emigration to Brazil in the 20th century in works by authors from the country of origin of this flow. The books analyzed portrayed the lives of Portuguese in Brazil and returned in Portugal and were located 1 O estudo resulta da pesquisa “A imigração no Brasil em obras de portugueses dos séculos XIX e XX”, apoiada pela Fundação Biblioteca Nacional pelo Programa de Apoio à Pesquisa (2017/2018). 0 after studying the literature of emigration and works not only of emigrants. To analyze meanings attributed to migration, we focus on works of João Sarmento Pimentel ("Memórias do capitão"), Ferreira de Castro ("A selva" and "Emigrantes"), Miguel Torga ("A criação do mundo" and "Traço de união") and Ruth Escobar (“Maria Ruth”), examining causes and effects related to emigration, as well as reactions to it. Changes and permanences are captured in the emigration frameworks for Brazil, resorting to the concept of framing as used by cultural sociologists. Studies of Portuguese emigration to Brazil have left the images in the literature, favoring other objects and approaches (there is growing production on images in the Brazilian literature). Studies in Portugal have prioritized clandestine emigration, remittances, labor entrants, returnees, and attempts to channel migrants to African colonies. Papers published in Brazil stressed the socialization, entrepreneurship and associations of migrants. There is, however, a relative lack of research on this emigration based on sources such as literary texts, with the use of official sources prevailing as diplomatic documents. By exploring the cultural legacies of the main flow of Portuguese in the 20th century, a new approach on this process is proposed that contributes to the historiography of migrations, cultural sociology and Portuguese literature. Keywords: Portuguese in Brazil; Portuguese Literature; Cultural Sociology. Imagens das migrações entre Brasil e Portugal têm sido difundidas por escritores dos dois países, mas raros estudos migratórios, literários e outros lhes deram atenção. Neste texto, mudanças e permanências nesse imaginário são captadas numa análise de enquadramento na perspectiva da sociologia cultural. Para identificar obras a analisar, explorei o acervo de literatura portuguesa da Fundação Biblioteca Nacional. Estudos dessa emigração portuguesa preteriram as imagens em obras literárias, privilegiando outros objetos e abordagens (há produção crescente sobre tais imagens na literatura brasileira). Em Portugal, frisou-se a emigração clandestina, remessas de dinheiro, engajadores, retornados e tentativas de destinar emigrantes para a África (Silva, 2011). No Brasil, a socialização, empreendedorismo e associativismo. Fontes oficiais como documentos de diplomacia foram as mais usadas. Livros sobre vidas de portugueses no Brasil e retornados em Portugal foram mapeados após o estudo da bibliografia de portugueses (emigrantes ou não) e da vida e obra deles, além da literatura sobre a emigração portuguesa (Mattozzi, 2016, p. ex.). Na pesquisa, 22 livros de ficção e não ficção foram identificados nos séculos XIX e XX. Em triagem posterior, foram excluídas obras com abordagens mais rarefeitas da questão. 1 Para analisar significados atribuídos à emigração, foram focalizadas aqui obras de João Sarmento Pimentel (“Memórias do Capitão”), Ferreira de Castro (“Emigrantes” e “A Selva”), Miguel Torga (“A Criação do Mundo” e “Traço de União”) e Ruth Escobar (“Maria Ruth”). Assim, se examinaram causas e efeitos vinculados à migração, além das reações a ela, o que tornou reconhecíveis cinco imagens acerca da e/imigração: • Espera: migração como tempo à espera de novas condições de voltar a Portugal; • Maturação: migrantes são tidos como sujeitos ao amadurecimento na nova terra; • Desilusão: migração como frustração da expectativa com a miragem da fortuna; • Alma dividida: migrantes se dividiam em Portugal e Brasil, passado e presente; e • Reinvenção: migração sentida como oportunidade para renovar vida por inteiro. Essas imagens podem ocorrer de forma concomitante em mais de um livro ou autor, vide o detectado nas obras de Ferreira de Castro (cujos romances sobre imigrantes no Brasil abordam o tema como maturação e desilusão) e de Miguel Torga (com ensaios e romance “A Criação do Mundo” expondo migração como maturação e alma dividida). 1. Enquadramentos e seleção de obras Para analisar imagens literárias da imigração, recorreu-se à sociologia cultural, que enfatiza a autonomia dos processos culturais, considerando a cultura, significado estruturado coletivamente, como variável independente. Nessa perspectiva, discursos e outros códigos culturais refletem forças materiais e institucionais, bem como são chaves à compreensão de interações sociais, inclusive relações de poder (Alexander e Smith, 2000). Desde a “inflexão cultural” dos anos 1980-90, conceitos de grande alcance empírico, como enquadramento, têm sido mais usados para estudar influências culturais. A análise de enquadramentos busca extrair significados de eventos e analisar especiais vulnerabilidades desses quadros, já vistos como organizadores do pensamento (Ferree et al, 2002) e ideias e princípios que organizam vivências e guiam ações (Gamson, Modigliani, 1989; Benford, Snow, 2000). Analistas têm compartilhado a ideia de que enquadramentos guiam visões e interpretações do mundo, dado que codificam expectativas em relação às relações sociais e efeitos dos atos (Small et al, 2011). 2 Quadros não geram comportamentos, indicando relações de restrição-possibilidade, e não causa-efeito, o que constitui um novo modo de relacionar cultura e comportamento. A análise de enquadramentos centrada no conteúdo permite ver como os quadros se manifestam, pois enfocam ângulos discursivos e interpretações. Mendonça e Simões (2002) viram tal traço favorecer a compreensão de controvérsias públicas e alterações de quadros. Em outro estudo (Grangeia, 2017), atestei o potencial desse tipo de análise ao identificar três imagens oficiais da desigualdade nos governos Vargas e entre 1985 e 2016: injustiça, ligada à condenação moral da desigualdade e à prescrição da efetivação de direitos contra a desigualdade; atraso, remontando à crença de que um país moderno deve superar grandes desigualdades via políticas econômicas e educação; e dívida, que responde à desigualdade redistribuindo recursos, por reformas e transferência de renda. O desafio metodológico inicial foi definir obras a analisar. Para responder como a emigração lusa para o Brasil foi enquadrada, se mapeou uma gama de discursos literários sobre o tema. E, para captar e analisar o percurso das imagens da migração em dois séculos, esse corpus precisava ser heterogêneo. Contando com a riqueza do acervo de literatura portuguesa da Fundação Biblioteca Nacional, a seleção se deu dessa forma: • pesquisa no acervo: a partir de estudo prévio dessa literatura e das buscas feitas no sistema da FBN, foram captadas 22 obras de ficção e não ficção desde o século XIX; e • triagem preliminar: desconsideraram-se cinco obras de ficção, uma de poesia e outra correspondência onde o tema focalizado aparecia apenas pontual e secundariamente. Entre autores portugueses, há aqueles