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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES CAMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM LITERATURA COMPARADA

DA AMÉRICA LATINA PARA O MUNDO: ADAPTAÇÃO E TRANSCULTURAÇÃO NAS TRANSFORMAÇÕES DE JUANA – LA VIRGEN EM JANE – THE VIRGIN

Mestranda: Josefina Maria Toniolo Orientadora: Rosângela Fachel de Medeiros

Frederico Westphalen – RS Outubro de 2019. 2

Josefina Maria Toniolo

DA AMÉRICA LATINA PARA O MUNDO: ADAPTAÇÃO E TRANSCULTURAÇÃO NAS TRANSFORMAÇÕES DE JUANA – LA VIRGEN EM JANE – THE VIRGIN

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras – Mestrado em Letras, área de concentração em Literatura Comparada, sob a orientação da Profa. Dra. Rosângela Fachel de Medeiros, como requisito final para conclusão do curso de Mestrado em Letras.

Frederico Westphalen – RS Outubro de 2019. 3

AGRADECIMENTOS

Dizer a professora doutora Rosangela Fachel de Medeiros muito obrigada pelo apoio, dedicação, altruísmo e ótimas ideias seria muito pouco. Nada do que eu escreva aqui conseguirá chegar aos pés de representar a gratidão que sinto por tudo que ela fez por mim, por não ter desistido e não ter me deixado desistir em nenhuma das vezes que o cansaço e a desesperança bateram, por continuar me orientando mesmo quando já não era sua obrigação, por ter sido uma fada madrinha que iluminou meus caminhos acadêmicos e alegrou minha vida pessoal. Um muito obrigada não é o suficiente, mas agradeço de coração! Para agradecer aos meus pais Alcides e Cecilia pela paciência (e que paciência) que tiveram ao longo desses anos eu teria que inventar uma palavra, ela ainda não está no dicionário. Por todo suporte e por suportar todas as minhas crises, minhas angústias, meus choros e válvulas de escape. Por me dizer que tudo bem desistir quando continuar não parecia ser mais uma opção e por apoiar minha volta e minha insistência em finalizar essa etapa. Muito obrigada! Aos amigos e colegas que fiz na minha primeira turma, as agora mestras Camila Stuelp, Gabriela Coletto e Isabele Pereira, obrigada pela parceria. Também não posso esquecer dos professores Silvia Niederauer e Lizandro Calegari que conosco compartilharam além de conhecimento, muita amizade e boas risadas, ingredientes fundamentais para que eu mantivesse a sanidade durante um período tão cansativo. Agradeço, ainda, aos professores doutores Jerónimo Rivera, Andrea Cristiane Kahmann e Maria Thereza Veloso pela disponibilidade de ler, avaliar e colaborar com esse trabalho. Seus apontamentos me fizeram crescer como pesquisadora e sua atenção me motivou a ser um ser humano melhor. À Vanderléia e Cláudia, para sempre secretárias do PPGL, por estarem sempre disponíveis para sanar dúvidas e adiantar burocracias. Por último, mas não menos importante, agradeço ao meu irmão João Paulo pelas caronas, conversas e, inclusive, silêncios que me permitiram terminar esse trabalho. À Lia Machado dos Santos, minha companheira nessa jornada acadêmica, que ouviu meus lamentos e me incentivou em todos os momentos a continuar. Assim como sou grata aos meus amigos de longa data que vibraram comigo, entenderam minhas ausências, me mandaram energias positivas e me deram puxões de orelha. 4

Encerro os agradecimentos com a sensação de que haveria muito mais a ser dito, de que outra dissertação poderia ser escrita apenas com palavras que representassem minha gratidão. Como isso não é possível me contento em repetir: Obrigada, muito obrigada! 5

EPÍGRAFE

Soy Soy lo que dejaron Soy toda la sobra de lo que te robaron Un pueblo escondido en la cima Mi piel es de cuero por eso aguanta cualquier clima Soy una fábrica de humo Mano de obra campesina para tu consumo Frente de frio en el medio del verano El amor en los tiempos del cólera, mi hermano El sol que nace y el día que muere Con los mejores atardeceres Soy el desarrollo en carne viva Un discurso político sin saliva Las caras más bonitas que he conocido Soy la fotografía de un desaparecido La sangre dentro de tus venas Soy un pedazo de tierra que vale la pena Soy una canasta con frijoles Soy maradona contra inglaterra anotándote dos goles Soy lo que sostiene mi bandera La espina dorsal del planeta es mi cordillera Soy lo que me enseño mi padre El que no quiere a su patria no quiere a su madre Soy américa latina Un pueblo sin piernas pero que camina, oye (Calle 13 – “Latinoamárica”) 6

RESUMO

Este trabalho busca analisar o processo de adaptação (STAM, 2006) da Juana – la virgen (, 2002) na realização da série televisiva Jane – the virgin (EUA, 2014). Ambas as tramas têm com enredo central e norteador o fato de uma moça virgem ser engravidada por engano por meio de um processo de inseminação artificial. A partir desse mote central cada uma das produções desenvolve uma narrativa que busca responder ao contexto cultural de seu público – um nacional, venezuelano; outro global, das séries televisivas que chegam à Netflix. Ambas as produções se constituem na tensão entre os elementos indentitários e culturais latino-americanos e uma perspectiva mainstream globalizante. A primeira da cultura “estrangeira – globalizada” sobre a cultura nacional/latino-americana, e na segunda da cultura “estrangeira latino-americana” sobre o discurso maisntream das séries televisivas. Nesse processo, reconhecemos personagens, repertórios e situações semelhantes, mas que são apresentados em cada obra com diferentes acepções e implicações. Nosso objetivo é então analisar esse processo específico de adaptação sob a perspectiva do processo de transculturação (RAMA, 2001), que, nesse caso em sentido inverso ao costumeiro – sendo das produções latino- americanas para as produções globais. Realizado no campo da Literatura Comparada, no âmbito dos Estudos Culturais, este trabalho está pensado na perspectiva da Crítica Cultural Comparada, a partir de uma proposta de análise comparada de duas obras audiovisuais: a produção de partida (latino-americana) e sua adaptação/transculturação (estadunidense). A identificação, análise e comparação do processo de transculturação de elementos da cultura latino- americana/venezuelano pela produção estadunidense/globalizado se fará por meio da seleção de repertórios e recortes, que, dentro da proposta deste trabalho, parecem coerentes e decisivos, dentro da trama, para desvelar as aproximações e distanciamentos entre as narrativas. Para tanto, trabalharemos a partir de conceitos sobre narrativa audiovisual seriada e suas particularidades: telenovela e série televisiva (CAMPEDELLI, 1985; FUENZALIDA, 1992; MARTÍN-BARBERO, 1992; TONDATO, 1998; MACHADO, 2000; GORDILLO, 2009), identidade cultural (HALL, SILVA e WOODWARD, 2000), adaptação (STAM, 2006) e transculturação (RAMA, 2001, MEDEIROS, 2012).

Palavras-chave: Transculturação. Adaptação. Telenovela. Séries televisivas. Estudos culturais. 7

ABSTRACT

This thesis seeks to analyze the adaptation process (STAM, 2006) from the telenovela Juana – la virgen (Venezuela, 2002) to the television series Jane – the virgin (EUA, 2014). Both stories have a central and guiding plot that a virgin girl is pregnant by mistake through an artificial insemination process. From this central motto each of the productions develops a narrative that seeks to respond to the cultural context of its audience - a national one, Venezuelan; and a global one, from the television series coming to Netflix. Both productions are constituted in the tension between Latin American identity and its cultural elements and a globalizing mainstream perspective. The first one of the “foreign - globalized” culture applied on the national / Latin American culture, and the second one of the “foreign - Latin American” culture inserted on the broader discourse of mainstream television series. In this process, we recognize characters, repertoires and similar situations, but which are presented in each production with different meanings and implications. Our purpose is then to analyze this specific process of adaptation from the perspective of the transculturation process (RAMA, 2001), which, in this case occurs in the opposite direction to the usual one - from Latin American productions to global productions. Conducted in the field of Comparative Literature, within the scope of Cultural Studies, this work is thought from the perspective of Comparative Cultural Criticism, from a proposal of comparative analysis of two audiovisual objects: the original production (Latin American) and its adaptation / transculturation. (US). The identification, analysis and comparison of the process of transculturation of elements of Latin American / Venezuelan culture by the American / globalized production will be made through the selection of repertoires and clippings, which, within the proposal of this work, seem coherent and decisive, within the plot, to unveil the approximations and distances between the narratives. Therefore, we will work with concepts about serial audiovisual narrative and its particularities: telenovela and television series (CAMPEDELLI, 1985; FUENZALIDA, 1992; MARTÍN-BARBERO, 1992; TONDATO, 1998; MACHADO, 2000; GORDILLO, 2009), cultural identity (HALL, SILVA e WOODWARD, 2000), adaptation (STAM, 2006) and transculturation (RAMA, 2001, MEDEIROS, 2012).

Keywords: Transculturation. Adaptation. Telenovela. Television series. Cultural studies.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Pôster de divulgação da primeira temporada...... 56 Figura 2: QRCode para trailer da série Jane, the Virgin...... 58 Figura 3: Jane em seu hobby favorito, escrever, sob proteção de santo católico....58 Figura 4: Jane recebe a notícia de que está grávida...... 60 Figura 5: Jane com Mateo Gloriano Rogelio Solano Villanueva, sua família e Rafael ...... 63 Figura 6: Personagens principais da trama, da esquerda para direita, Xiomara, Alba, Jane, Michael, Petra e Rafael...... 69 Figura 7: Pôster de divulgação da telenovela...... 72 Figura 8: QRCode para vídeo promocional da telenovela Juana – la Virgen...... 73 Figura 9: Juana chegando ao consultório onde o erro será cometido...... 76 Figura 10: Primeiro encontro entre os protagonistas Juana e Maurício...... 78 Figura 11: Juana e a filha Mariana visitam Maurício no hospital...... 81 Figura 12: Momentos finais da telenovela, Maurício e Juana depois de 50 anos juntos...... 85 Figura 13: Cartaz carregado pela atriz na Women’s March...... 95 Figura 14: A atriz Gina Rodriguez...... 96 Figura 15: A atriz Daniela Alvarado em 2002...... 98 Figura 16: Jane em um enquadramento que denota o caráter religioso de sua escolha...... 103 Figura 17: Jane logo após pedir Michael em casamento no primeiro episódio...... 108 Figura 18: Manuel, Juana e Ana María durante discussão no café da manhã...... 109 Figura 19: Juana vai à clínica tirar satisfação...... 113 Figura 20: Alba ao lado da descrição feita pelo narrador sobre suas paixões: Deus e Jane, nessa ordem específica...... 118 Figura 21: Azucena possui cabelos longos sempre presos em coques e usa vestidos igualmente longos, como muitas senhoras religiosas...... 121 Figura 22: Momento em que o narrador cita as paixões de Xiomara como sendo Jane e Paulina Rubio e diz que “a ordem não importa”...... 127 Figura 23: Momento em que Ana María descobre que Juana foi aprovada para o intercâmbio...... 133 Figura 24: Momento em que Juana conta para a amiga Brandi sobre a gravidez..152 9

Figura 25: Ana María briga com Miguel na escola pois acredita que ele é o responsável pela gravidez...... 157 Figura 26: Manuel e Juana buscam respostas com os médicos da clínica...... 160 Figura27: Padre José em encontro com Carlota para tratar da adoção...... 164 Figura 28: Momento do encontro de Juana e Maurício com trilha sonora romântica ...... 172 Figura 29: Maurício e Carlota descobrem que não há mais sêmen guardado devido a um acidente...... 193 10

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Jane, the virgin – lista de personagens da primeira temporada...... 67 Quadro 2: Juana, la virgen – lista de personagens da telenovela...... 83 11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 13

1 A NARRATIVA AUDIOVISUAL SERIADA: TELENOVELA, SÉRIE TELEVISIVA E SEUS PONTOS DE ENCONTRO (OU ENTRECRUZAMENTOS)...... 26 1.1 A Telenovela latino-americana...... 27 1.1.1 Estrutura e Linguagem...... 32 1.1.2 A telenovela e suas conexões com o melodrama...... 40 1.2 Séries televisivas...... 42 1.2.1 Estrutura e Linguagem...... 43 1.3 Entre o nacional e o global – produtos televisivos latino-americanos e o mercado internacional...... 44

2. JANE E JUANA, DUAS JOVENS, MESMO INCIDENTE, DIFERENTES CONTEXTOS...... 54 2.1 Jane, the Virgin (2014)...... 57 2.1.1. Enredo da primeira temporada...... 58 2.1.1.1 Enredo do primeiro episódio da primeira temporada “Capítulo 1”...... 61 2.1.1.2 Enredo do último episódio da temporada “Capítulo XXII”...... 64 2.1.2 Personagens...... 69 2.1.3 Narrador...... 71 2.2 Juana, la Virgen (2002)...... 72 2.2.1. Enredo completo novela...... 74 2.2.1.1 Enredo do primeiro capítulo da telenovela...... 76 2.2.1.2 Enredo capítulo 153: final da telenovela...... 81 2.2.2 Personagens...... 86

3. POR QUE, COMO E QUAIS AS IMPLICAÇÕES DA TRASNFORMAÇÃO DE JUANA EM JANE?...... 89 3.1 Entre a adaptação e a transculturação...... 94 3.1.1 As protagonistas...... 95 3.1.1.1 Características Físicas...... 95 3.1.1.2 Características sociais e de personalidade...... 100 12

3.1.1.2.1 Jane, a virgem complacente...... 101 3.1.1.2.2 Juana, a virgem rebelde...... 109 3.1.1.2.3 O que há de comum e diferente entre elas?...... 115 3.1.2 Famílias matriarcais – as mulheres (avós e mães)...... 118 3.1.2.1 Abuela Alba e sua latinidade...... 118 3.1.2.2 Abuela Azucena e suas convicções...... 121 3.1.2.3 Xiomara, a cantora e dançarina...... 127 3.1.2.4 Ana María, a professora de educação física...... 132 3.1.2.5 Como são as matriarcas?...... 140

TO BE CONTINUED...... 143

REFERÊNCIAS...... 150

APÊNDICES...... 154 13

INTRODUÇÃO

Entender o mundo em que vivemos é primordial para que possamos lutar pelas demandas sociais e políticas necessárias para o nosso crescimento pessoal e nossa atuação no âmbito sociocultural. Para tanto, precisamos estar atentos aos produtos culturais que consumimos e que nos representam enquanto indivíduos inseridos respectivamente em comunidades locais, regionais, nacionais, buscando entender o significado e as ideologias que essas produções carregam e representam. Conforme defende Stuart Hall (2000), em “Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais”, a identidade de um povo está em constante construção e essa construção se dá também por meio de suas representações midiáticas, artísticas e culturais. A construção da identidade de um povo é um processo diário, sutil e continuo, influenciado pelas representações de nós mesmos que recebemos diariamente, tanto no âmbito de nossas produções e manifestações culturais quanto nas representações exteriores, construídas por manifestações culturais estrangeiras sobre nossa cultura, nossa história e nossas tradições. Perceber esses processos e questões e querer pensá-los nos motivou à concretização desta pesquisa. Como brasileiros, crescemos (e será que não fomos educados?) assistindo a , que ocupam boa parte da grade de programação das maiores emissoras do país durante a tarde e a noite. Produções nacionais e também importadas, sobretudo de outros países latino-americanos, estão no ar no país há muitos anos durante várias horas do dia, delimitando o certo e o errado, o bom e o mau, o belo e o feio, a moda e o brega, o sucesso e o fracasso. María Mercedes Borkosky (2016), em seu livro Telenoleva nueva: nuevas lecturas, aponta que uma das características mais fortes da telenovela latino-americana é a utopia da ascensão do protagonista, afirmação que vem ao encontro de ditados identitários muito recorrentes no Brasil: “sou brasileiro, não desisto nunca”, ou ainda “a esperança é a última que morre”. Pura coincidência? É possível, mas também é possível que essa fé tupiniquim em dias melhores seja resultado de anos de reafirmação desse modelo de prosperidade de “tudo ficará bem no final” difundido pelas telenovelas. O Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), contava com uma rotina de transmissão de telenovelas latino-americanas que começava à tarde e prosseguia 14

até o início da noite. Muitos clássicos da teledramaturgia latino-americana foram exibidos nos anos 90 e 2000 dentro dessa grade de programação. Para citar alguns dos exemplos mais famosos podemos lembrar: Usurpadora (México, 1998), que foi reprisada sete vezes neste canal, a “Trilogia das Marias”, composta por Maria Mercedes (México, 1992), Marimar (México, 1994) e Maria do Bairro (México, 1995), todas protagonizadas pela atriz mexicana Thalía (Ariadna Thalía Sodi Miranda), que alcançou enorme sucesso e inúmeras reprises, assim como Rubí (México, 2004) e outros mais de cem títulos em grande parte mexicanos, que eram compradas pelo canal e exibidas em versões dubladas. Algumas dessas produções fizeram tanto sucesso que acabaram por ser reproduzidas em versões brasileiras, como Esmeralda (México, 1997 e Brasil, 2004), Pícara Sonhadora (2001, La Pícara Soñadora, México, 1991) e Canavial de Paixões (2004; Cañaveral de pasiones (México, 1996). Outro nicho de telenovelas latino-americanas importadas para as telas brasileiras foram às telenovelas infantis – Chispita (1982, México), (1989, México), Chiquititas (1995, Argentina), Carinha de Anjo (2000, México) e Cúmplices de um Resgate (2002, México) – por exemplo, que fizeram muito sucesso sendo exibidas em versões dubladas à época, algumas posteriormente recebendo remakes produzidos pelo próprio SBT. Além disso, estão na atual grade de programação da emissora na parte da tarde as telenovelas em versões dubladas: A que não podia amar (2011, México), Teresa (2010, México) e A Dona (2010, México). Até agora citamos apenas telenovelas internacionais que foram apresentadas aos brasileiros por uma única emissora de televisão. Não podemos deixar de mencionar que, além de todas as produções importadas que apresentam em seus canais, o Brasil é um dos maiores produtores de telenovelas originais da América Latina. Só a Rede Globo, por exemplo, desde a década de 1960, já produziu mais de trezentas narrativas, divididas em três ou quatro horários na programação. A emissora é também uma grande exportadora de telenovelas para vários países do mundo, dentre os quais, é claro, estão os países latino-americanos. A Record TV também já exibiu mais de cem títulos originais e seis versões dubladas de telenovelas estrangeiras, incluindo entre elas Juana, la Virgen, exibida no canal em 2002. Já à Rede Bandeirantes (Band) produziu cerca de trinta telenovelas e retransmitiu outras vinte e uma produções, oriundas dos mais diversos países. Esse ano, 2019, à Band chega à exibição de sua sétima novela turca, Minha Vida, antes 15

dela foram exibidas Asas do Amor, Mil e Uma Noites, Fatmagul, Sila, Ezel, e Amor Proibido, sendo que a Turquia também é um país periférico no que diz respeito à produção audiovisual mainstream, assim como a Venezuela e, inclusive, o Brasil. Diante desses exemplos que dão a ver a importância das telenovelas na programação das quatro maiores empresas de televisão aberta do país, nota-se o quanto o brasileiro, de modo geral, consome telenovelas. Por isso, investigar a criação e adaptação de uma dessas obras latino-americanas para o contexto estadunidense nos pareceu interessante e importante do ponto de vista cultural. Como brasileira, nascida e criada nos anos 90/2000, sou parte de uma geração criada/educada pela televisão enquanto os pais trabalhavam fora para sustentar a casa. Nessa situação, a programação da televisão aberta (muito diferente da vasta gama de opções de produções e plataforma de consumo midiático de hoje em dia) era a única opção de entretenimento gratuito e à disposição diariamente, e a grade de programação desses canais contava com telenovelas ao longo de todo o dia. Com o tempo, passei a apreciar essas telenovelas importadas (talvez de forma irônica no começo), suas tramas sempre muito dramáticas, as atuações que, enfatizadas pela dublagem, soavam forçadas e a estética inconfundível, com cenários impecáveis, quase teatrais em alguns casos. Toda essa aura das “telenovelas mexicanas”, como generalizávamos, beirava o mágico, numa mistura entre o trágico de suas histórias com o cômico que, como criança, me transmitia toda aquela produção. Ao chegar à vida adulta, me mantive consumidora de produtos televisivos, atualizando apenas a plataforma e os conteúdos consumidos. Em pouco tempo, cheguei às séries televisivas, cujas narrativas seriadas apresentam uma estrutura bastante próxima à das telenovelas: Sons of Anarchy (2008 – 2014), Breaking Bad (2008 – 2013), Grey’s Anatomy (2005 – atual) e Gossip Girl (2007 – 2012), foram algumas das primeiras séries que acompanhei e que me despertaram interesse pelo formato. Diferentemente de seriados, como House (2004 – 2012) e Sherlock (2010 – 2016) – cujos episódios possuem certa autonomia, nessas séries há uma relação de continuidade da narrativa, similar à das telenovelas, que faz com que o telespectador não perca os episódios, já que através deles vai sendo contada a trama principal, que apenas se resolverá na season finale, ou no final da série. Na Netflix (provedora de séries e filmes por assinatura), encontrei a série estadunidense Jane – the virgin (2014), que me chamou atenção por retratar de 16

forma caricata as telenovelas latino-americanas, buscando criar comicidade, o que me fez lembrar a minha infância, quando ao assistir esses produtos e sem entender muito bem a trama, eu inventava motivos para rir daquilo que assistia. Ao entender que se tratava de um enredo sobre a vida de uma jovem que é engravidada por acidente, percebi que o alívio cômico (gerado principalmente pelas intervenções do narrador e pela edição de imagens e sonoplastia) não era natural para aquele tipo de história e que deveria haver um motivo por trás da produção para a sua existência. Ao buscar informações sobre a produção da série, descobri por meio de entrevistas e matérias publicadas a seu respeito, que se tratava de uma adaptação da telenovela venezuelana Juana – la virgen (2002), que logo percebi, não tinha nada de cômica. No entanto, que não se trata de simples versão da primeira, como vem acontecendo quando produtoras de outros países compram os direitos das telenovelas para realizarem a sua versão nacional da telenovela; a adaptação estadunidense modificava a história de Juana, que por um erro médico acaba grávida de um estranho e, nas mãos dos produtores estadunidenses, tem seu destino dramático convertido em comédia. Para o sucesso da série, exibida inicialmente pelo canal The CW, nos EUA, sucesso de crítica e público (só nos EUA, cada episódio é acompanhado por mais de 1,2 milhões de pessoas apenas no dia de lançamento), e posteriormente disponibilizada na Netflix, foram necessárias adaptações e mudanças. Além de precisar ser adequada ao formato das séries televisivas – o que já ao principio reduz drasticamente o número de capítulos/episódios – a história precisava fazer sentido no contexto cultural de seus novos públicos, estadunidense e, posteriormente, global. Juana passa a ser Jane e as transformações em sua identidade e em suas ações respondem ao novo contexto sociocultural no qual a personagem é inserida – os EUA. No entanto, a produção busca manter vínculo com a cultura venezuelana de origem, mantendo e exagerando algumas características que entende como sendo de latinidade. O mesmo acontecerá em relação a outros repertórios reconhecidos como representações identitárias de latinidade que serão, igualmente, preservados, exagerados e até satirizados, sendo apresentados de maneira estereotipada. A rápida constatação dessa diferença fulcral entre as duas produções me gerou inquietação sobre os motivos que levaram às mudanças na trama. E essas 17

inquietações se mantiveram nos meus pensamentos, pois parecia um fenômeno interessante de ser analisado. Foi na disciplina intitulada “Seminário do Autor”, ministrada pela Profa. Dra. Rosângela Fachel de Medeiros, que começamos explorar os Estudos Culturais, bem como as expressões artístico-culturais e seus processos de articulação. Nessa perspectiva, percebi que seria possível trazer tais objetos para a academia. . Essa ideia surgiu, inicialmente, a partir de leituras acerca dos conceitos de hibridação cultural, de Nestor García Canclini, em Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, que explica sobre o processo:

Às vezes, isso ocorre de modo não planejado ou é resultado imprevisto de processos migratórios turísticos e de intercâmbio econômico ou comunicacional. Mas frequentemente a hibridação surge da criatividade individual e coletiva. Não só nas artes, mas também na vida cotidiana e no desenvolvimento tecnológico. Busca-se reconverter um patrimônio (uma fábrica, uma capacitação profissional, um conjunto de saberes e técnicas) para reinseri-lo em novas condições de produção e mercado (CANCLINI, 2008, p. XXII).

Essa percepção da hibridação com objetivo de reinserir um patrimônio no mercado é um dos pontos que nos interessou ao descobrir que a série Jane – the virgin (2014) era baseada na trama da telenovela Juana – la virgen (2002). Além disso, despertou nossa atenção para as questões mercadológicas e de produção inerentes a esse processo, instigando-nos a compreender a carga cultural e de representação identitária que essa transformação representa. Assim, ao entendermos que “quando se define uma identidade mediante um processo de abstração de traços (língua, tradições, condutas estereotipadas), frequentemente se tende a desvincular essas práticas da história de misturas em que se formaram” (CANCLINI, 2008, p. XXIII), passamos, também, a querer identificar o que havia sido mantido, o que fora apagado e o que fora adicionado na versão estadunidense da estória da “virgem gravida” e como isso implica/representa a visão do mainstream sobre a cultura latino-americana – simbólica e homogeneizadamente representada por uma cultura latino-americana “imaginada”, que, de certa forma, representa um imaginário estadunidense a respeito da América Latina. A partir dessas dúvidas e inquietações e da descoberta de que era possível – com aporte teórico-crítico e dentro da academia – ir mais fundo na análise desse 18

processo de adaptação da telenovela para a série, preocupando-nos com as questões culturais (hibridação e transculturação) que implicava, resolvemos investir nessa pesquisa. Nossa perspectiva de análise é norteada pela afirmação de Canclini de que “o objeto de estudo não é a hibridez e, sim, os processos de hibridação” (CANCLINI, 2008, p. XXVII), e é esse nosso interesse: compreender como nos representamos e como somos representados pelo mainstream. Não estamos aqui entrando em questões psicanalíticas sobre a ficção ser espelho da realidade (Lacan que nos perdoe), e não pretendemos entrar em questões tão profundas no momento, mas nos interessa entender até que ponto a ideia de que “esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência” – como costuma ser dito ao final das telenovelas; é mesmo uma coincidência ou se é, na verdade, uma construção audiovisual, baseada em valores e tradições, que podemos reafirmar e enaltecer ou então esconder e apagar. Dessa forma, como abster-nos ou negarmos a importância a um objeto de estudo tão rico e ao mesmo tempo amplamente consumido? Por muitos anos e ainda hoje, muitas pessoas consideram a telenovela uma produção “irrelevante”, com menor valor cultural, estético e discursivo pelo simples fato de ser uma produção popular, que busca ser acessível a todos. Nora Mazziotti em La industria de la telenovela: La producción de ficción en América Latina (1996) pontua a existência desse preconceito quando explica que

[...] a pesar de que las telenovelas exhibidas largamente en las pantallas del continente han sido acompañadas por audiencias fieles y masivas, el género no ocupó nunca un lugar de prestigio. Fue sistemáticamente despreciado por los intelectuales, por los maestros, por los periodistas, por los políticos (MAZZIOTTI, 1996, p. 27).

Para essa parte da elite intelectual (e para muitas pessoas), as telenovelas são entendidas como uma produção cultural inferior, parece não importar que, no Brasil, para a produção de cada capítulo de uma telenovela são investidos cerca de 200 mil reais, ou que a audiência dessas produções, algumas vezes, seja igual ou superior a dos noticiários de nível nacional. Ou seja, ainda hoje há controvérsias quanto ao mérito e a importância de estudarmos as telenovelas na academia. No entanto, já existem alguns grupos dedicados exclusivamente ao estudo das produções televisivas e, especificamente, das telenovelas, como o Centro de 19

Estudos de Telenovela (Universidade de São Paulo – USP), que realiza pesquisas, cursos, seminários e outras atividades de natureza acadêmica, tendo em vista, por exemplo, estudos comparados sobre telenovela e outros produtos de ficção televisiva seriada. Esse trabalho se insere, então, na tradição dos estudos sobre telenovela latino-americanos e brasileiros. No entanto, adentra um território novo que é a influência dessas produções na indústria audiovisual estrangeira. Em uma tentativa de entender a percepção que outras culturas possuem dessas produções enquanto elemento cultural de extrema importância na configuração identitária latino- americana. No momento em que produtoras de países de fora da América Latina decidem (re)criar essas produções adaptando-as para sua realidade cultural, elas corroboram a força narrativa desses produtos. Por outro lado, no caso de Jane – the virgin (2014), a questão é ainda mais complexa, porque não é uma simples adaptação, uma vez que faz questão de evidenciar elementos estereotipados da cultura de origem. O campo multidisciplinar de investigação no âmbito comparatista dos estudos culturais abre espaço para questionamentos como o que move esse trabalho: qual é a visão que temos de nós mesmos e como a representamos em nossas produções audiovisuais massivas e qual é a visão do mainstream sobre nós e como a representa em suas produções audiovisuais massivas? A forma como estamos sendo representados para e pelo o resto do mundo pelo mainstream audiovisual condiz com a forma como nos representamos em nossas produções nacionais e, principalmente, com a forma como queremos ser representados? O que perdemos ou ganhamos nesse processo? Responder essas questões torna-se uma busca implacável quando, impregnados pelas reflexões dos estudos culturais, encontramos produções como a série estadunidense Jane – the virgin. Para entender esse processo de relações de imbricamento e hibridação culturais realizados pela série, buscamos aporte no conceito de transculturação (cunhado por Fernando Ortiz (1963), transposto para o âmbito literário por Ángel Rama (2001) e adaptado para o contexto audiovisual por Rosângela Medeiros (2012), que afirma:

[...] podemos pensar os processos de transculturação nas narrativas cinematográficas latino-americanas como resultantes da tensão e dos diversos e constantes entrecruzamentos entre os modelos hollywoodianos, 20

as vanguardas cinematográficas europeias e as culturas audiovisuais cinematográficas da América Latina (MEDEIROS, 2012, p. 15).

Pensados no âmbito da literatura e do audiovisual latino-americano, os processos de transculturação geralmente se configuram no sentido inverso do que vemos no caso de Juana – la virgen, sendo processos que atuam sobre produtos e repertórios de escala mundial/global que ao ingressarem em sistemas culturais local/latino-americano são transculturados. Ou ainda, os produtores locais/latino- americanos (consciente ou inconscientemente) articulam de maneira transformadora referências, influências, interferências e repertórios advindos do mainstream na criação de suas obras. Nesse sentido, nomeamos o processo de adaptação realizado em Jane – the virgin de “transculturação inversa”, buscando dar visibilidade a essa inversão de caminho, uma vez que a série estadunidense vai articular de forma transformadora elementos, repertórios e interferências advindos não apenas de Juana – la virgem, mas de todo um imaginário acerca das telenovelas latino-americanas e, nisso, da própria cultura latino-americana – a qual, devemos sempre lembrar, está profundamente marcada por processos de transculturação. Basicamente todas as produções culturais que consumimos na América Latina mantêm relações de intertextualidades e hibridações – de aproximação e/ou distanciamento, sejam interferências, traduções e influências, seja como cópia, adaptação, recriação, releitura, transcriação e transculturação – com produções estrangeiras, advindas de diferentes contextos culturais. No caso específico das produções audiovisuais há a hegemonia dos modelos narrativos mainstream de matriz hollywoodiana. Nesse sentido, quando assistimos ao movimento inverso, quando produções e repertórios criados na “periferia” do mundo ganham espaço no mainstream é um processo bastante inquietante e instigante, que merece nossa atenção. Mas, além de entender esse processo, é importante analisarmos a qualidade do espaço narrativo e de representação que estamos conquistando, bem como, buscar entender as implicações socioculturais desses processos. Um processo muito semelhante ao que aconteceu com a telenovela colombiana Yo Soy Betty, la Fea (1999), quando, dentre suas vinte e duas adaptações realizadas ao redor do mundo, foi transformada nos Estados Unidos na série Ugly Betty (2006). Assim como Jane – the virgin, Ugly Betty transforma o drama latino-americano em uma comédia estadunidense. Esse processo foi 21

estudado na Colômbia por Jerónimo León Rivera, que publicou parte dos resultados de sua análise no artigo “La suerte de la fea, muchas la desean. De ‘Yo soy Betty la fea’ ‘a Ugly Betty’” (2011), que assina com seu orientador dessa pesquisa Enrique Uribe Jongbloed. O artigo de Rivera e Uribe foi uma das primeiras leituras realizadas para a consolidação de nosso projeto de pesquisa, tendo inspirado e norteado muito de nossas perspectivas de análise. O objetivo central deste trabalho é, então, comparar as duas produções: a telenovela venezuelana Juana, la virgen e a serie televisiva estadunidense Jane, the virgin, buscando entender as transculturações realizadas no processo de adaptação, comparando a telenovela venezuelana à primeira temporada da série estadunidense, que (re)cria o mesmo enredo da obra de partida. Com especial atenção à conformação das protagonistas, que dão nome a ambas as produções respectivamente, e das personagens femininas principais que aparecem em ambas as obras – características e ações – e nos elementos reconhecidos como representativos de “latinidade”, visando analisar comparativamente as implicações culturais desses repertórios nas respectivas narrativas. Pensamos repertórios aqui na acepção de Itamar Even-Zohar (1978) e Rosângela Medeiros (2009). Além disso, buscaremos desvelar e analisar as marcas culturais latino-americanas apagadas, exacerbadas, adaptadas e/ou transformações pela narrativa estadunidense nos detendo em repertórios específicos selecionados para o estudo. Para então tentar entender como esses elementos são reconhecidos e reafirmados (ou seria construídos?) como constituintes de uma identidade cultural latino-americana que é corroborada e está sendo reproduzida por essa narrativa no mercado audiovisual global por meio desta história. Nesse sentido, estruturamos o trabalho em três grandes capítulos. No primeiro capítulo, “A narrativa audiovisual seriada: telenovela, série televisiva e seus pontos de encontro (ou entrecruzamentos)”, trataremos das características gerais das narrativas audiovisuais seriadas, bem como das especificidades dos gêneros telenovela e série televisiva. No segundo capítulo, intitulado “Jane e Juana, duas jovens, mesmo incidente, diferentes contextos”, nos dedicaremos a apresentar de maneira detalhadas os dois objetos de análise desse trabalho: a série Jane - the virgin e a telenovela Juana, la virgen. Para tanto, partiremos da série que, apesar de ser cronologicamente posterior, foi à obra que primeiro tive acesso, para em seguida apresentar a 22

telenovela. A apresentação das obras visa trazer elementos referentes à produção, recepção e fortuna crítica dessas produções e uma sinopse da trama, muito similar entre as duas obras, que é desdobrada na descrição dos episódios da série e dos capítulos da telenovela que serão analisados posteriormente. Escolhemos trabalhar com o primeiro episódio da série como base para nossos recortes, já que nele é contada praticamente toda a história de Juana, que se alonga por 153 capítulos na telenovela. Nesse sentido, apresentamos momentos específicos da narrativa em ambas as produções, que serão posteriormente comparados de acordo com os repertórios escolhidos (como construção da protagonista, representação de sua estrutura familiar e caracterização da latinidade). No terceiro e último capítulo, “Por que, como e quais as implicações da transformação de Juana em Jane?”, abordaremos a forma como os processos de globalização interferem nas produções audiovisuais, pensando a seguir especificamente no processo de adaptação (STAM, 2006) da telenovela para o gênero série, e no entendimento dos processos de transculturação (RAMA, 2001) e transculturação inversa, que utilizaremos na análise comparativa entre as produções. Faremos a análise comparativa entre as obras a fim de responder nossos questionamentos iniciais sobre como e porque Juana se transformou em Jane e as consequências dessa realização. Este trabalho insere-se na linha de pesquisa Comparatismo e Processos Culturais, dentro do Programa de Pós-graduação em Letras – Literatura Comparada, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, campus Frederico Westphalen. Nossa perspectiva de análise alicerça-se na prática da crítica cultural de viés comparatista (SOUZA, 2007) em sua vertente latino-americana dos Estudos Culturais, que inverte o olhar teórico-crítico ao propor uma investigação que parte da margem para o centro, por meio da qual analisam-se processos e constructos culturais e suas implicações identitárias e culturais no âmbito da América Latina. Ao explicar as tendências atuais da crítica cultural, Eneida Maria de Souza (2007) aponta que elas são múltiplas, mas mantém uma ligação no que concerne à responsabilidade de “respeitar o discurso do outro e de manter o diálogo com manifestações culturais ligadas às minorias” (SOUZA, 2007). Souza defende ainda que, ao fazer crítica cultural, o que “deveria prevalecer seria a mistura de intenções, o cruzamento de interesses entre as várias tendências” (SOUZA, 2007). Esse 23

cruzamento de interesses – disciplinas e objetos de análise – só é possível porque, como aponta Souza, em seu texto “O Não-Lugar da Literatura”, devemos “considerar que a função crítica da literatura é a de não constituir um lugar especificamente literário, mas de deslocar todos os lugares teóricos e literários” (SOUZA, 1999, p. 15). Para tanto, torna-se fundamental a prática interdisciplinar, já que ela abre espaço para o diálogo entre os discursos de várias áreas das ciências humanas.

Nessa operação, o literário se dilui e se transforma através de múltiplas inserções, desfazendo-se de pretensas singularidades, ao ser convocado a entrar como componente ativo na rede interdisciplinar - seja como texto- corpus utilizado nas interpretações dos demais discursos, seja como disseminador dos conceitos de ficção e de narratividade, procedimentos enunciativos bastante explorados pelo ensaísmo atual (SOUZA, 1999, p. 13).

É necessário compreender que esse deslocamento, adaptação e convergência de disciplinas dentro do fazer crítico cultural tem, acima de tudo, uma preocupação político-social, principalmente em relação à Literatura Comparada. Souza explica que esse viés pode ser percebido, por exemplo, pela escolha dos objetos a serem comparados/criticados. Nesse sentido, ela defende que existem “estudos de temas que hoje são impossíveis de serem relegados a terceiro plano, como a diáspora, a migração, a imitação, a cópia cultural, os valores religiosos, e assim por diante” (SOUZA, 2007). E, é em diálogo com essa perspectiva que entendemos a importância de analisarmos essas produções audiovisuais – telenovela Venezuela e série estadunidense, quanto as suas implicações as culturais e identitárias. Nesse sentido, as análises propostas por esse trabalho promovem reflexões acerca da articulação entre identidade e diferença no contexto das produções audiovisuais e do imbricamento entre as representações internas e externas das identidades latino-americanas na tensão com outras identidades hegemônicas, pois, conforme Woodward (2000, p. 9), toda identidade é relacional, quando uma pessoa afirma ser algo, ela está afirmando também não ser tantas outras coisas, logo, a identidade é marcada pela diferença. E Silva (2000, p. 75) complementa essa ideia ao explicar que a diferença gera as distinções necessárias para a percepção de uma identidade, portanto, “assim como a identidade depende da diferença, a diferença depende da identidade. Identidade e diferença são, pois, inseparáveis” (SILVA, 2000, p. 75). Ainda nesse contexto de contraponto entre identidade e diferença, Hall 24

(2000, p. 109) explica que a identidade é formada pela marcação da diferença e que essa marcação acontece dentro da própria sociedade ou grupo do qual o indivíduo faz ou almeja fazer parte:

É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas (HALL, 2000, p. 109).

Dessa forma, as identidades “não são seres da natureza, mas da cultura e dos sistemas simbólicos que a compõe” (SILVA, 2000, p. 78). Sendo assim, para Silva (2000, p. 81) elas têm uma relação social e estão em estreita conexão com relações de poder e, por essa razão, suas demarcações nunca são inocentes:

A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora (SILVA, 2000, p. 82).

O autor prossegue explanando sobre a importância da representação nesse processo de distinções e delimitações. Para ele, é por meio dela que a identidade e a diferença adquirem sentido. Seu entendimento de que “a representação expressa- se por meio de uma pintura, de uma fotografia, de um filme, de um texto, de uma expressão oral” (SILVA, 2000, p. 90), vai ao encontro do que Woodward (2000, p. 17) afirma sobre a produção de significado por meio de sistemas simbólicos e sua relevância no entendimento do sujeito como tal, “é por meio dos significados que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos” (WOODWARD, 2000, p. 17). Sendo a forma como a cultura estabelece fronteiras e distingue a diferença crucial para a compreensão da identidade (WOODWARD, 2000, p. 41), como esse processo ocorre em um mundo cada vez mais globalizado? Para Woodward (2000, p. 20), a globalização “envolve interação entre fatores econômicos e culturais, causando mudanças nos padrões de produção e consumo, os quais por sua vez produzem identidades novas e globalizadas” (WOODWARD, 2000, p. 20). A possível homogeneidade decorrente da aproximação entre culturas durante esse processo pode levar o sujeito ao distanciamento de sua comunidade ou cultura local ou, 25

então, criar um sentimento de resistência que fortalece identidades nacionais e locais ou, ainda, criar novas posições de identidade (WOODWARD, 2000, p. 21). Nesse sentido, Hall (2000, p. 112) apresenta uma definição do que seria a identidade naquilo que ele define como “modernidade tardia”:

Utilizo o termo ‘identidade’ para significar o ponto de encontro, o ponto de sutura, entre, por um lado, os discursos e as práticas que tentam nos ‘interpelar’, nos falar ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos aos quais se pode ‘falar’ (HALL, 2000, p. 112).

Ao percebermos que as identidades não são unificadas, mas sim, pontos de aproximação entre sujeitos, entendemos que “as posições que assumimos e com as quais nos identificamos constituem nossas identidades” (WOOODWARD, 2000, p. 55), e que identidades são “um significado - cultural e socialmente atribuído” (SILVA, 2000, p. 89) a um grupo, território ou comunidade. As reflexões finais decorrentes da pesquisa e das análises serão expostas em “To be continued...”, utilizamos essa expressão, recorrente ao final de narrativas audiovisuais seriadas, para sinalizar que as perspectivas e considerações a que chegamos com esse trabalho são pontos parciais e em devir. Ademais de querer também demarcar que a realização desse trabalho está sendo uma temporada importante e emocionante de minha trajetória acadêmica que continuará. 26

1 A NARRATIVA AUDIOVISUAL SERIADA: TELENOVELA, SÉRIE TELEVISIVA E SEUS PONTOS DE ENCONTRO (OU ENTRECRUZAMENTOS)

As narrativas televisivas são uma resposta à necessidade demonstrada pelo público de ver e ouvir, sob outros ângulos, situações e sentimentos do dia-a-dia. Conforme Maria Immacolata Vassalo De Lopes, no importante livro Telenovela: internacionalização e interculturalidade (2004), também organizado por ela, essas narrativas

[…] criam e articulam temas e interesses fortes – elementares, básicos, ou melhor, primários da vida cotidiana, do estar no mundo: o bem e o mal, o amor e o ódio, a família, a amizade, a violência, a justiça, a doença e a saúde, a felicidade e a desgraça, os sonhos e os medos –, mas que não se confundem nem com uma rudeza de estruturas narrativas nem com uma pobreza de significados simbólicos e culturais. (DE LOPES, 2004, p. 130).

Para De Lopes, a validade cultural das narrativas televisivas já foi comprovada por diversos aspectos, como: a) por ativar as competências de interpretação, já que a experiência de assistir a um produto televisual é, além de emocional, intelectual; b) alimentar a discussão cotidiana de assuntos escolhidos pelos produtores, numa espécie de controle e integração social; c) construir e desenvolver um repertório de estímulos e sugestões que colaboram para a elaboração de imagens sobre si mesmo e sobre o mundo, questão essencial nos atuais processos de construção de identidade (DE LOPES, 2004, p. 130). De Lopes ainda defende que a ficção televisiva deve ser pensada como um corpus de “fluxos das narrativas por onde assume a função de preservar, construir e reconstruir um ‘senso comum’ da vida cotidiana’” (DE LOPES, 2004, p. 130). Diante disso, podemos perceber que as telenovelas e as séries possuem características estruturais em comum que as identificam como narrativas televisivas seriadas. Em seu artigo “A narrativa seriada: categorias e modalidades”, Arlindo Machado explica que “chamamos de serialidade essa apresentação descontínua e fragmentada do sintagma televisual” (2000, p. 1), quando tratamos especificamente de narrativas televisivas, seu enredo é estruturado em forma de capítulos ou episódios e dividido, ainda, em blocos menores separados por intervalos comerciais. Machado (2000, p.3) divide as narrativas televisivas seriadas em três tipos principais: 27

1) narrativa única ou um grupo de narrativas intrincadas e paralelas que se desenvolvem linearmente ao longo dos capítulos/episódios, em que a resolução da trama acontece apenas no final da temporada ou da produção, como as telenovelas, as séries e minisséries; 2) narrativas nas quais cada capítulo/episódio conta uma história completa e autônoma com começo, meio e fim. Nesse formato, o que garante a sensação de continuidade é a manutenção dos personagens principais e situações narrativas semelhantes nos novos episódios/capítulos. Os seriados fazem parte dessa categoria, como House (2004) e Sherlock (2010); 3) narrativas em que os capítulos/episódios mantêm apenas a temática em comum, cada unidade é uma história completa e diferente das outras, com novos personagens, cenários e atores, apenas o espírito geral das histórias é o mesmo. São aqueles produtos apresentados sob um título genérico e que seguem um mesmo estilo apesar de trazer narrativas independentes a cada novo episódio/capítulo, como Black Mirror (2011).

1.1 A Telenovela latino-americana

Nada melhor que um excerto de Jesús Martin-Barbero, renomado pesquisador da comunicação e da cultura, e sobretudo dos meios de comunicação, para introduzir nossa reflexão acerca da telenovela na América Latina e de suas características e repercussões sociais. Depois de explicar que nenhuma outra instituição da América Latina aprendeu a trabalhar tão bem a pós-modernidade como as telenovelas, reavendo anacronismos no interior de um discurso que combina as mais novas tecnologias audiovisuais com os mais tradicionais e arcaicos dispositivos de reconhecimento e narração, Martin-Barbero (1992, p. 5), repreende que

Sin embargo, hay pocos productos culturales también más esclarecedores de la manera excluyente en que la diferenciación cultural es vivida y usada en nuestros países. La empatía y seducción que la telenovela suscita en los sectores populares y en los medios, o sea en las mayorías, es directamente proporcional al asco y al rechazo que produce en las élites (MARTIN- BARBERO, 1992, p. 5). 28

A fala certeira do autor reflete uma triste realidade, na qual pessoas consideram a telenovela uma produção “irrelevante”, com menor valor estético ou discursivo pelo simples fato de ser uma produção popular, que busca ser acessível a todos. Nora Mazziotti (1996, p. 27), do mesmo modo, pontua a existência desse preconceito quando explica que

[...] a pesar de que las telenovelas exhibidas largamente en las pantallas del continente han sido acompañadas por audiencias fieles y masivas, el género no ocupó nunca un lugar de prestigio. Fue sistemáticamente despreciado por los intelectuales, por los maestros, por los periodistas, por los políticos (MAZZIOTTI, 1996, p. 27).

Porém, Mazziotti (2006, p. 21) também traz luz a este contexto sombrio, estabelecendo a devida justiça, quando nos assegura que a telenovela é o mais importante gênero de ficção produzido na América Latina e também o seu principal produto da indústria cultural. “Trata-se do exponente televisivo del melodrama que, en sus distintas manifestaciones, tiene que ver con las emociones, las pasiones, los afectos” (MAZZIOTTI, 2006, p. 21). Por ter sua essência fortemente conectada ao melodrama, por gerar identificação ao tratar de assuntos cotidianos e compreensíveis a todas as classes sociais e por trazer momentos de entretenimento de forma acessível,

[...] la telenovela se ha hecho cargo de los sueños, las fantasías, las emociones de grandes sectores de la población. Su alcance es inmenso: enormes audiencias de todas las clases sociales a lo largo de todo el mundo siguen una historia día a día, durante meses, mientras se desarrolla la trama (MAZZIOTTI, 2006, p. 21).

Isso se dá, principalmente, uma vez que a telenovela foi sendo reinventada ao longo de seus mais de 50 anos de existência, deixando der ser um gênero televisivo engessado. Atualmente, existem diversos subgêneros de telenovelas, tais como, juvenil, de época histórica, cômica, policial e para adultos. Essa expansão ocorreu por conta das mudanças nas grades de programação dos canais de televisão aberta que, foram fragmentadas, passando a possuir públicos-alvo distintos para cada horário e segmento, fazendo com que fosse necessário que as telenovelas adaptassem seu estilo a essa realidade. Como reafirma Mazziotti (2006, p. 26), “los distintos programas apuntan a targets diferenciados, los formatos de novela cubren diversas franjas horarias, ya que se dirigen a públicos específicos”. 29

E foi essa capacidade de adaptação às novas tecnologias, aos novos públicos e às novas demandas de mercado que permitiu às telenovelas estabelecerem-se como principal gênero de ficção produzido na América Latina. A hibridação de elementos do melodrama com componentes de outras áreas, anteriormente típicas da produção cinematográfica, como comédia, thriller, ação e policial, tornou as narrativas mais complexas e aperfeiçoou o estilo, ratificando seu espaço no mercado local e internacional, transpondo preconceitos e estereótipos, sem perder sua essência, como esclarece Mazziotti (2006, p. 57):

Creo que la telenovela es un género que ha sabido encontrar un lugar, in abandonar los elementos de melodrama, e incorporando temas y retóricas de otros géneros. Y ese lugar – entre las programaciones locales, en las ventas internacionales, en la preferencia de audiencias bien diversas - lo ha conseguido más allá de prejuicios, de etiquetas que lo despreciaron, de la indiferencia de programadores. Tan sólo apoyándose en el viejo recurso de contar história, en la fuerza de la emoción (MAZZIOTTI, 2006, p. 57).

E as telenovelas têm influencia não apenas nas questões mercadológicas ou de produção das “culturas de massa”. A ligação dos telespectadores com as tramas faz com que haja aproximação e conexão cultural e social entre indivíduos, como explica Mazziotti (2006, p. 24)

La telenovela, al igual que otros productos masivos que tienen que ver con el mundo de los sentimientos (canciones, revistas, novelas románticas, intérpretes, etc) forman una especie de glosario colectivo y generacional, que puede ser compartido y activado en cualquier momento. Se trata de un repertorio en común, que facilita encuentros, identificaciones y aproximaciones sociales (MAZZIOTTI, 2006, p. 24).

Essas aproximações e identificações são possíveis, porque, como explica De Lopes (2011, p. 29), a grande maioria das pessoas que vive nos locais onde as telenovelas são transmitidas “acabam participando do território de circulação dos sentidos das novelas, formado por inúmeros circuitos onde são reelaborados e ressemantizados” (DE LOPES, 2011, p. 29). Para a autora (2011, p.29), a telenovela, nos países latino-americanos, é tão vista quanto falada e seus significados resultam tanto da narrativa audiovisual quanto da conversação entre seus telespectadores. Esse tópico em comum entre pessoas das mais diversas idades, escolaridades e classes sociais traz um sentimento de proximidade e unificação. O êxito das telenovelas parece advir então de sua capacidade de falar 30

para um grande público e criar repertórios comuns a nível simbólico-identitário comum ao continente latino-americano. Para além de desvendar afinidades individuais e identificações geracionais, a importância da telenovela na América Latina está também em sua capacidade comercial e cultural de intercambiar obras entre países do continente. Esse intercâmbio facilita a aproximação entre povos de características heterogêneas, mas de raízes históricas muito parecidas, são muitos os exemplos dessa circulação, seja por meio da compra da produção como um produto finalizado que é então exibido (dublado, no caso de cruzar as fronteiras de países hispanofalantes para o Brasil e vice-versa), ou são comprados os diretos da obra para a produção de adaptadas versões –“nacionalizadas”, ao país de chegada. Ampliando um pouco mais a discussão acerca do assunto, Martin-Barbero (1993, p. 44) define a televisão como “un espacio particularmente significativo de reconversión económica, de preocupación política y de transformación cultural” (MARTIN-BARBERO, 1993, p. 44). É possível estender ou especificar a fala do autor para o contexto das telenovelas se avaliarmos os estreitos vínculos que os consumidores estabelecem com esses produtos, os quais “promueven un intercambio cultural de hecho, mediado por sus historias y sus protagonistas que antecede acuerdos de comercialización o de integración formales” (MAZZIOTTI, 1996, p. 26). Ainda sobre as competências da telenovela, Martin-Barbero (1993, p. 46) ressalta que na década de 1990, essas produções deixavam de ser um entretenimento doméstico e transformavam-se em produtos capazes de concorrer igualmente com as grandes séries norte-americanas e europeias transmitidas então nos horários de maior audiência da televisão. Por conta dos fatores apontados por Mazziotti (1996) e Martin-Barbero (1993), a telenovela passou a ser validada como produto pertinente na indústria cultural latino-americana, pelas inúmeras facetas culturais, sociais e econômicas que a constituem, como complementa Martin- Barbero (1993, p. 46):

Se convierte en un producto económicamente importante por la inversión publicitária que ali se hace y los resortes de desarrollo industrial que moviliza, políticamente significativa porque cada día un mayor número de personas y sectores la ven como um espacio de intervención y culturalmente oferece un campo para la introducción de hábitos y valores (MARTIN BARBERO, 1993, p. 46). 31

As intervenções e introduções de novos hábitos e valores na sociedade, possibilitadas pelas telenovelas só acontecem porque, segundo Mazziotti (2006, p. 23), “los permisos, las prohibiciones y sanciones están mostradas de manera natural en estos textos”. O telespectador, enquanto acompanha o drama do casal separado pelo destino, a tristeza da mãe em busca do filho perdido, e tantas outras tramas aparentemente despretensiosas, estão recebendo de forma sútil indicações sobre moda, produtos, ideologias, relações interpessoais e toda a variedade de influências que o gênero e o dispositivo tecnológico são capazes de transmitir. Para que esse objetivo seja alcançado, De Lopes (2004, p. 114) enumera três pontos fundamentais na criação de uma obra que devem ser dosados de forma bem equilibrada para que a produção seja bem-sucedida. São eles:

[...] o bom entretenimento, que permite ao receptor “viajar” pelos necessários caminhos do sonho e da imaginação; o papel de agente de transformação da realidade, com o que pode sensibilizar o receptor; e seu viés mercadológico, que exige sempre leitura criteriosa das características peculiares da audiência a ser atingida. (DE LOPES, 2004, p. 114)

Os três alicerces – entretenimento, transformação da realidade e produto de consumo, citados pela autora vêm ao encontro do que Marcia Tondato (1998, p.13) defende sobre o papel da telenovela na comunicação de massa. Para ela, “a telenovela torna-se um espaço privilegiado para tratar da dimensão relacional da existência do indivíduo através da ‘vida social’ de seus personagens” (TONDATO, 1998, p. 13). Maria Lurdes Motter, em seu artigo “Telenovela: arte do cotidiano” (1998, p. 100), salienta que uma das características da telenovela é seu espaço entre os discursos democráticos, que, segundo ela, dá-se por seu caráter polêmico. “Com tendência dialógica, em sintonia com as preferências do público por depender dos índices de audiência, ela considera a crítica e, em certa medida, a incorpora” (MOTTER, 1998, p.100). Por meio dessa perspectiva, é possível dizer que “os sentidos sociais de uma telenovela estão no misterioso encontro entre as lógicas que regem sua produção e as que tecem sua recepção” (ANDRADE, 2003, p. 22). Em função disso, como sintetiza Tondato (1998, p. 27), os estudos acerca do assunto são variados, mas, a 32

relação entre produto e consumidor está presente em todas as abordagens, seja de forma passiva ou ativa. A autora vai além ao acrescentar que

[...] em um contexto de comunicação e globalização, é importante pensar-se a telenovela a partir de diversas definições e características, conforme a produção e leitura de cada país ou povo. Ainda que a telenovela tenha como parâmetros estéticos, artísticos e culturais a literatura, o cinema, o teatro, é um gênero próprio, com afinidades e diferenças significativas, resultando numa dificuldade de conceituação (TONDATO, 1998, p. 41).

Cabe destacar que as telenovelas latino-americanas, têm também um importante papel no âmbito econômico – seja quanto ao seu consumo nacional, quanto a seu potencial de exportação, sobretudo em países como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela, sendo produzidas com grandes orçamentos. Nesse sentido, as produções televisivas latino-americanas se aproximam mais das produções cinematográficas hollywoodianas do que das Soap operas estadunidenses. Até a primeira década de 1990, a Venezuela era o país latino-americano que mais exportava telenovelas.

1.1.1 Estrutura e Linguagem

Herdeira dos folhetins do século XIX e, posteriormente das radionovelas, as telenovelas são:

un género televisivo específico, inserto dentro del hipergénero de ficción, organizada en torno a contenidos melodramáticos ficcionales pero verosímiles. Su composición estructural pivota en torno a episodios que fragmentan el continuo narrativo en entregas de carácter serial (GORDILLO, 2009, p. 123).

Essa serialização possui o objetivo principal de manter a atenção da audiência em relação à trama desenvolvida ao longo dos capítulos, já que telenovelas geralmente possuem longa duração. Para que isso aconteça de forma exitosa, Samira Youssef Campedelli (1985, p. 49), explica que a produção precisa fazer “com que o telespectador coexista com o acontecimento à maneira do sonho, para o qual não contam nem o tempo, nem à distância, nem a identidade, nem quaisquer barreiras”. A autora lembra que a estrutura da telenovela se assemelha à dos antigos folhetins-romance, e que sua forma de contar histórias é como um 33

monstro que “é uma matriz, que engendrou outros monstrengos, sempre vivos, nédios e gordos, que alimentam até hoje a inextinguível sede romanesca da América Latina” (CAMPEDELLI, 1985, p. 19). A autora compara as produções de telenovela a monstros, pois essas produções assumem proporções tão gigantescas na América Latina, que sua influência, monetização e importância causam tantas repercussões quanto Godzilla1 esmagando cidades fictícias no Japão ou um King Kong2 no topo do Empire State Building, como vemos nos antigos clássicos do cinema. Sua grandiosidade, assim como o tamanho exagerado dos famosos monstros citados, não passa despercebida, mesmo que, às vezes, não receba a atenção e o valor devidos. Campedelli (1985, p. 20) explica ainda que a expressão “folhetim eletrônico” é a mais usada em referência às telenovelas e que isso se dá, frequentemente, de forma pejorativa, já que as obras são consideradas subprodutos da literatura, assim como os folhetins. Porém, a autora defende que “a telenovela é um tipo especial de ficção” (CAMPEDELLI, 1985, p. 20), já que possui um universo pluriforme que se desenvolve segundo vários entrecruzamentos dramáticos e exige habilidade dos produtores na condução dos desdobramentos dessas tramas, que são apresentadas em parcelas aos telespectadores. Cada capítulo (ou parcela) possui seu próprio conflito que precisa ser trabalhado e isso “exige o perfeito domínio do diálogo, base de seu discurso” (CAMPEDELLI, 1985, p. 20). Emanoelli Picolotto et al. (2016, p. 228) acrescentam que,

A telenovela apresenta várias semelhanças com o folhetim: na forma – a preponderância de diálogos e a possibilidade de distender da história como uma alternativa à disposição do autor; na temática – oposição entre o bem e o mal, a alegria e a tristeza. quanto à linguagem específica da televisão, destaca-se na telenovela o uso do close-up (em decorrência da preponderância dos diálogos, que caracterizam a telenovela como arte das cabeças falantes) (PICOLOTTO, TUR, MEDEIROS, OLIVEIRA, 2016, p. 228).

Porém, como destaca Tondato (1998, p. 47), para que os telespectadores possam acompanhar inúmeras tramas entrelaçadas, que possuem dezenas de personagens únicos, é indispensável que eles pareçam reais, em suas ações, 1 Godzilla é um personagem apresentado no filme autointitulado, em 1954, no Japão. Trata-se de um monstro fictício semelhante a um dinossauro. Já apareceu em mais de 40 produções para o cinema e também televisão, principalmente japonesas, mas com algumas versões estadunidenses. 2 Kong é um personagem do cinema, um gorila gigante, apresentado pela primeira vez em 1933 no clássico King Kong, que já recebeu sete refilmagens, sendo a mais recente em 2017, sob o nome de Kong: Skull Island. 34

trajetórias de vida e sentimentos. Isso é construído estruturando-se aqueles personagens a partir de um cotidiano marcado por hábitos rotineiros, cuja sucessão demarca sua individualidade, sua existência enquanto ser e lhe garante similitude com o real (MOTTER, 1996). Em seu livro Telenovela nueva: nuevas lecturas, María Mercedes Borskosky (2016, p. 15) aponta que uma das características mais fortes dos enredos tradicionais das telenovelas latino-americanas é a utopia da ascensão do protagonista, seja no âmbito econômico ou social. Mesmo nas criações mais contemporâneas é possível observar essa tradição narrativa, um exemplo disso é a produção brasileira O outro lado do paraíso (2017), na qual o tema principal era vingança, mas a protagonista Clara buscava acima de tudo, a recuperação de suas terras e a retomada de espaço na sua família e na sociedade, alcançando dessa forma, a ascensão social e econômica. A autora ainda explica que telenovela pode ser definida como a narração de uma história de amor complicada em que o casal é perseguido por adversidades e recompensado por momentos felizes de forma alternada ao longo da trama. Sendo assim, o seu foco principal está voltado para os personagens e suas ações e sentimentos:

Los estados de ánimo de los personajes constituyen un ingrediente fundamental de la trama narrativa y la razón por la cual en la retórica telenovelesca, el narrador privilegia los primeros planos, los movimientos de cámara descriptivos y el uso de significantes sonoros como subrayado de las acciones y emociones de los personajes (BORKOSKY, 2016, p. 14).

Dessa forma, texto, edição das imagens, trilha e efeitos sonoros vêm sempre na intenção de reafirmar aquilo que está sendo contado e de causar maior impacto nos telespectadores. Esses recursos também são usados com a intenção de fazer o público compreender a história de acordo com uma direção predeterminada por seus realizadores e de manter a audiência por meio de ganchos criados durante e ao final de cada capítulo. Para Campedelli (1985 p. 43), “os ganchos emergem como recurso narrativo importante. São pequenos ou grandes clímax”. Ainda sobre a intenção de manter o telespectador envolvido com a trama, garantindo assim, a audiência, Flávio Luis Porto e Silva (2005, p. 50), explica que outro recurso utilizado pelas telenovelas é o “inesperado”: 35

A ação desdobra-se em surpresas, fortes impressões e emoções, arranjos visuais e sonoros, tudo na intenção de seduzir o espectador que, eletrizado no seu lugar, assiste ao desenrolar da história e aos desdobramentos inesperados, ora à beira do pranto, ora prestes a um grito de horror ou de indignação. (SILVA, 2005, p. 50).

De Lopes (2011, p. 28) aponta que o sucesso das telenovelas, talvez esteja relacionado à ousadia com que os autores abordam esses dramas comuns do cotidiano. A autora explica que “dramas nas novelas já não são lineares nem unilaterais, mas, antes, bastante nuanceados e marcados por um movimento ambivalente de transgressão e conformismo” (DE LOPES, 2011, p. 28). Essas nuances, aparecem principalmente, como aponta Roberta Manuela Barros de Andrade (2003, p. 122), em relação à vida emocional das personagens, que é uma montanha-russa de felicidades e infelicidades. Andrade (2003, p. 122), reconhece esses altos e baixos como peça central das tramas, já que a vida corresponde a um problema, mas não um problema sem solução, sempre existe a possibilidade e a esperança de dias melhores, e é isso que tanto personagens, quanto telespectadores anseiam ao final da história. É sabido que as histórias contadas em telenovelas só têm um desfecho no último capítulo. Campedelli (1985, p. 21), explica que seu processo de escritura é o “processo do enquanto”. Segundo a autora, as telenovelas possuem uma macroestrutura que abrange os objetivos gerais da história e suas tramas, e também uma estrutura semanal, passível de modificação. “Os pontos-chave serão distribuídos de modo a manter a tensão dramática através dos capítulos” (CAMPEDELLI, 1985, p. 21). Ainda sobre o processo de escritura das telenovelas, Valerio Fuenzalida, no artigo Telenovelas y Desarrollos (1992), explica que

El lenguaje televisivo en tanto conjunto de signos icónicos concretos, dinámicos y musicalizados, es más apto para la ficción narrativa y la identificación emocional que para la abstracción y el análisis; la TV es un medio con un lenguaje asociacionista, polisémico y glamoroso, que afecta más a la fantasía y al deseo que a la razón analítica (FUENDALIDA, 1992, [s.p.])

Para Fuenzalida (1992), a eficiência da linguagem televisiva é diferente da eficiência da palavra escrita e oral. Sendo a memória dos textos verbais mais precisas e articuladas, enquanto a memória das mensagens audiovisuais é mais afetiva e globalizante. 36

Por ter a afetividade como característica da linguagem audiovisual, o texto de uma telenovela deve proporcionar aos telespectadores a sensação de envolvimento com a trama, compartilhando emoções e discutindo motivações das condutas das personagens. Andrade (2003, p. 115), salienta que “a característica básica do gênero é, nesse sentido, o convite implícito no texto à especulação sobre julgamentos morais ou dilemas emocionais das personagens”. Porém, Andrade (2003, p. 116) alerta que o envolvimento emocional só ocorre quando a trama consegue fazer com que a experiência ficcional seja genuína. “A audiência tem que estar apta a acreditar que as personagens construídas no texto são pessoas reais, agradáveis ou não, com quem possuem afinidades ou não” (ANDRADE, 2003, p. 116). No entanto, Andrade (2003, p. 117) afirma ainda que, apesar de buscar a verossimilhança ao criar histórias calcadas na realidade e próximas do público, “as personagens e as histórias não correspondem à realidade total, apesar de nascer delas” (ANDRADE, 2003, p. 117) e, quando escolhem trabalhar com enredos muito próximos ao real, deve haver um controle rígido de como isso é feito e de como isso afeta os níveis de audiência. A autora reforça que

A telenovela é uma narrativa que trata da contemporaneidade, mas ela não pode prescindir de ser uma ficção. O seu enredo não pode conter elementos que a tornem triste ou depressiva porque isto quebraria a sua função compensatória. Nesse sentido, os problemas sociais, elementos que constroem, em certa medida, a sensação de realidade, devem vir como pano de fundo, não como elemento central da trama (ANDRADE, 2003, p. 117).

A renovação das telenovelas, na atualidade, tem feito com que o contexto social esteja cada vez mais presente nas produções, o que, de certa forma, explicaria as diferenças encontradas entre as obras dos países latino-americanos. Já que as narrativas das telenovelas refletem as realidades sociais nas quais estão inseridas. As condições de produção são fatores determinantes do produto cultural que ela se tornará, como explica Andrade (2003, p. 118), “todo texto é seleção e adaptação: elementos do mundo real somente funcionam de pano de fundo para o processo de criação e, portanto, todo texto é um produto cultural elaborado sobre determinadas condições de produção”. Destarte, na busca por consolidar o engajamento e a fidelidade da audiência, além de contar histórias que se assemelhem a suas realidades, a narrativa das 37

telenovelas procura trazer para seus espectadores assuntos da esfera privada, ou, em suas palavras, “sua capacidade de abrir à discussão pública discursos emocionais e domésticos que são normalmente associados ao mundo privado” (ANDRADE, 2003, p. 121). No entanto, tratar de assuntos de ordem familiar não significa excluir assuntos da esfera pública, política, de questões sociais e do trabalho do enredo. Para a Andrade (2003, p.121), é imprescindível que haja uma distinção entre o público e o privado, porém, não são instâncias apresentadas como autônomas, já que, na telenovela, “a esfera pública é colonizada pela esfera privada” (ANDRADE, 2003, p. 121). Exemplos dessa colonização estão na perspectiva em que eventos públicos são apresentados: sempre do ponto de vista do personagem, que busca resolver um problema, encontrar uma pessoa, causar confusão, ou qualquer outra situação tipicamente pertencente à esfera privada. No âmbito da construção episódica da narrativa televisiva novelesca, manter o suspense em relação ao desfecho da trama é primordial para o sucesso das telenovelas, por isso uma das características estruturais mais importantes é a sucessividade, que é aplicada, conforme Campedelli (1985, p. 22), da seguinte maneira:

A apresentação das histórias é feita em progressão: sendo muitos plots entrelaçados, cada unidade tem, na verdade, aparentemente, autonomia, sendo, na verdade, dependente de um conjunto que sempre avança no enovelar, expondo-se paulatinamente (CAMPEDELLI, 1985, p. 22).

Esse desenrolar progressivo permite a manipulação do suspense e também permite aos autores mudarem os rumos da história de acordo com as respostas do público e da crítica. Uma das formas de mensurar a aceitação do público são os níveis de audiência, determinados pela fidelidade de quem acompanha a telenovela. Para manter o entusiasmo do telespectador acerca da história e provocar sua curiosidade pelo próximo capítulo, fazendo com que ele volte a estar sintonizado com a novela no dia seguinte no mesmo horário, as produções utilizam-se de um importante recurso narrativo chamado, “gancho”. Campedelli (1985, p. 43) explica que os ganchos a cada final de capítulo correspondem a “pequenos ou grandes clímax. Arranjos tais que permitam, também, a inserção de comerciais nos quatro intervalos do capítulo” (CAMPEDELLI, 1985, p. 43). A autora elucida que os ganchos possuem menor ou maior grau de suspense, sendo o do fim, que prepara a espera 38

para o dia seguinte, o mais poderoso, “considerado por Marcos Rey 3 como a teletortura” (CAMPEDELLI, 1985, p. 43). Mazziotti (2006, p. 23) explica que essa “teletortura”, é característica imprescindível nas telenovelas, já que, por serem histórias fáceis de entender e acompanhar, os ganchos e segredos são seu verdadeiro “motor narrativo” (MAZZIOTTI, 2006, p. 22). Para Costa (2000,p.176), os ganchos que precedem os intervalos de publicidade exigem mais suspense e tensão, para criar impacto e envolvimento com os telespectadores. Já o gancho final do capítulo é

[...] aquele que interrompe a ação, sugere perguntas, tensiona o público e cria projeções para o dia seguinte. É ele também que sintetiza o capítulo, dando sentido a muitas cenas que parecem sem grande significado e que assim permaneceriam não fosse a cena final que as amarra (COSTA, 2000, p. 176).

O suspense criado por eles faz com que a mais simples das tramas como, por exemplo, a da mãe que procura por seu filho perdido, torne-se imperdível, mesmo que essa busca dure mais de cem capítulos. José Roberto Sadek (2008, p. 62), explica que os atos no cinema e no teatro são pensados exclusivamente em relação às histórias e a seus motivos dramáticos internos, já nas telenovelas “eles são definidos e decididos na edição, em função de forças extradramáticas e extra- diegéticas” (SADEK, 2008, p.62). Desse modo, a interação entre autores e editores deve ser alinhada, para que o gancho não estrague a trama, mas também sem deixar de pensar na importância do espaço publicitário. Já para Lima, Motter e Malcher (2000, p. 135), o uso do gancho é parte de um significado maior dentro da cultura latino-americana, sendo

[...] resultante de uma longa trajetória narrativa que permite integrar a telenovela a um patrimônio de expressões do imaginário. Por fim, através dele, identificamos elementos de uma estética popular responsável pelo forte envolvimento emocional que provoca no público. (LIMA; MOTTER; MALCHER, 2000, p. 135)

Lima, Motter e Malcher (2000, p. 135), ainda contatam que a receptividade dos telespectadores brasileiros às telenovelas – e aqui acrescentamos os latino- americanos, como um todo – se dá por um conjunto de inúmeros fatores, entre eles, “heranças culturais seculares, oralidade fortemente desenvolvida, relações sociais

3 Marcos Rey foi um escritor, roteirista e redator de programas de televisão brasileiro. 39

que incluíam o narrar como espaço de comunicação e uma visão de mundo de marcante dramaticidade” (LIMA; MOTTER; MALCHER, 2000, p. 135). Para que essa visão de mundo com ênfase no dramático funcione na televisão, produtores de telenovelas utilizam um recurso chamado plot. Para Campedelli (1985, p. 45), plots na dramaturgia televisiva podem designar qualquer enredo, diferentemente da literatura, na qual o plot é considerado um tipo de narrativa romanesca que enfatiza a casualidade. Campedelli (1985, p. 49) recorre aos estudos de Doc Comparato4 (1983, p. 89) em sua explicação acerca do tema das telenovelas, elencando os plots mais utilizados na configuração das narrativas ficcionais televisivas, que seriam:

1. plot de amor – um casal que se ama é separado por alguma razão, volta a se encontrar e tudo acaba bem; 2. plot do sucesso – estórias de um homem que ambiciona o sucesso, com final feliz ou infeliz, de acordo com o gosto do autor; 3. plot cinderela – é a metamorfose de uma personagem de acordo com os padrões sociais vigentes; 4. plot triângulo – é o caso típico do triângulo amoroso; 5. plot da volta – filho pródigo volta à casa paterna, marido que volta da guerra; 6. plot vingança – um crime (ou injustiça) foi cometido e o herói faz justiça pelas próprias mãos, ou vai em busca da verdade; 7. plot conversão – converter um bandido em herói, uma sociedade injusta em justa (...); 8. plot sacrifício – um herói que se sacrifica por alguém ou por alguma coisa; 9. plot família – mostra a relação entre famílias ou grupos. (COMPARATO, 1983, p. 89 apud CAMPEDELLI, 1985, p. 49).

Porém, deve-se frisar que, segundo Campedelli (1985, p. 50), as telenovelas nunca são construídas em relação a um só plot, elas são narrativas multiplot, que apresentam um ou mais plots, podendo apresentar multiplots em uma só produção. Sadek (2008, p. 86) explica que, por sua característica multiplot, a telenovela exige atenção extra dos autores ao longo do desenvolvimento da trama e, principalmente, no seu capítulo final: “como, no momento final, muitas tramas, romances e complicações precisam ser resolvidos, eles acabam sendo menos elaborados” (SADEK, 2008, p.86). Mais ou menos elaborados, Mazziotti (2006, p. 23) explica que outra regra na criação de uma telenovela é o final feliz. Sendo que para “muchos autores y actores

4 COMPARATO, DOC. Roteiro: a arte e técnica de escrever para cinema e televisão. Rio de Janeiro: Nórdica, 1983. 40

es una de las convenciones imprescindibles. No sólo es un premio a los personajes – que lucharon, vencieron obstáculos, sufrieron – sino a las audiências” (MAZZIOTTI, 2006, p. 23). A relação telenovela – público é uma característica essencial desse tipo de produção. Os telespectadores alimentam emoções e sentimentos junto com os personagens, por isso um final feliz ou, pelo menos, satisfatório, vem como resposta necessária à demanda sentimental depositada nessa relação. Como afirma Andrade (2003, p. 87):

Enquanto a fantasia é irreal, os sentimentos que ela provoca são reais e estes sentimentos é que sustentam o prazer proporcionado pela narrativa. Nessa óptica, a contradição que fundamenta toda e qualquer atividade dramática [...] é solucionada na telenovela com o final feliz [...] (ANDRADE, 2003, p. 87).

Segundo Mazzioti (2006, p. 23), ao compartilharem a emoção do final feliz, telespectadores e personagens se igualam, aflorando a ligação que é construída entre ambas as partes desde o primeiro capítulo, numa construção de elos que definirão o sucesso – ou fracasso – de uma telenovela. Tondato (1998, p. 16) explica que a telenovela se encaixa nos princípios da “comunicação esquemática”, uma forma de analisar a arte do entretenimento sem preconceitos.

Segundo estes princípios, o objetivo seria permitir ao receptor participar da trama, através do uso de elementos de suspense. Os indivíduos envolvidos com o estilo esquemático podem sentir emoções sem sofrerem insegurança ou exigências, ao mesmo tempo em que participam de uma experiência que estimula a capacidade humana de sentir emoções sem o perigo de confundir ficção com realidade (TONDATO, 1998, p. 16).

Tal afirmação corrobora muito do que tratamos até aqui acerca das características e propósitos gerais do gênero telenovela. Por se tratar de um entretenimento que segue uma fórmula/matriz faz com que o telespectador reconheça e seja capaz de apreciar a estrutura, que é relativamente estável, pois “contém elementos constantes e variáveis dos quais depende o sucesso do gênero e permite que sejam reconhecidas as possibilidades, flexibilidade, limites, funções e efeitos deste estilo”, como conclui Tondato (1998, p. 16). 41

1.1.2 A telenovela e suas conexões com o melodrama

Conforme nos explica Mazzotti,

La intención fundamental del melodrama es provocar la emoción de los espectadores, la risa, la compasión, el temor, el llanto. Se plantea un mundo marcadamente bipolar, donde los personajes que encarnan el Bien acosados por los malvados, se sumen en la desgracia, y deben luchar denodadamente para obtener la felicidad. Bien y mal se reúnen por azar. El melodrama abunda y prolifera la casualidad, hasta el abuso (MAZZOTTI, 2006, p. 21).

Seguindo o raciocínio de Mazziotti (2006, p. 22), a telenovela deve contar uma história de amor e quanto mais impossível e mais cheia de obstáculos (que serão vencidos no tradicional “final feliz”), melhor. Porém, a autora explica que esse enredo amoroso pode se entrelaçar com outros, como, por exemplo, o de uma personagem em busca de sua identidade, “las tramas desarrollan esa tensión, la indagación que va del desconocimiento al reconocimiento de la identidad. Negada, ocultada, desconocida, avasallada, en la telenovela se asiste a la recuperación de la identidade” (MAZZIOTTI, 2006, p. 22). Não importa se o enredo trata de amor ou busca da identidade perdida, no final, o “bem” precisa vencer o “mal”. “E esa es la lógica y ética del melodrama: que triunfe el Bien. Que sea una apoteosis del amor e de la justicia. Que los que ejercieron el Mal reciban su castigo” (MAZZIOTTI, 2006, p. 22). Além disso,

Esa reparación justiciera requiere además de la participación de toda la comunidad, que todos vivan el momento en que los secretos dejan de serlo y la verdad salta a la luz. La reparación justiciera es una recompensa que otorga sentido a todo el relato: no fueron en vano las sustituciones, accidentes, postergaciones, sufrimientos inmerecidos, peligros, humillaciones y amenazas que alcanzaron de manera arbitraria a los protagonistas (MAZZIOTTI, 2006, p. 22).

Porém, a autora entende que o melodrama, nas produções mais atuais, não se manifesta como único alicerce da trama, mas, geralmente, vêm acompanhado de suspense, ação e muita comédia. Isso porque “el ritmo de la comedia, la presencia de personajes cómicos y también el humor son componentes fuertes de la novela en esta etapa” (MAZZIOTTI, 2006, p. 26). 42

Essa adaptação do melodrama dá-se, mais uma vez, em função de questões mercadológicas, apesar de compreender a importância desse gênero para a cultura popular, as produtoras precisam amenizá-lo para que possa ser consumido e apreciado pelo maior número de pessoas possível. Como explica Martin-Barbero (1992, p. 4),

Como en los viejos formatos del folletín, en la telenovela latinoamericana el melodrama es a la vez expresión y funcionalización de una diferencia, el punto de continuidad y transformación de una narrativa popular. Lo que a su vez implica la “interiorización” que la experiencia del mercado efectúa de las lógicas y las dinámicas estéticas y sociales, y su conversión en estrategias industriales de producción y consumo (MARTIN-BARBERO, 1992, p. 4).

O que instaura o sucesso do melodrama em seu formato original, como era apresentado, principalmente, nas telenovelas mexicanas é a simplicidade de seus enredos e a capacidade de conexão com o telespectador. Essa característica, por mais que atualmente o gênero tenha sido mesclado com outros para a criação de um formato mais atual e vendável, continua presente na telenovela e é uma de suas particularidades mais relevantes. Sobre isso, Décio Almeida Prado (1972, p. 87) conclui:

O segredo da popularidade do melodrama estava provavelmente na maneira como encarava e explicava as relações humanas, na simplicidade – ou simploriedade – de suas concepções morais. O mal, para ele, não decorre das causas sociais, não possui raízes psicológicas complexas, não nasce da incompreensão, da neurose, do desencontro de opiniões ou personalidades. Tem sempre forma concreta, personifica-se num indivíduo propositadamente mau: o tirano ou o vilão. Às vezes, esse foco de malignidade organiza em volta de si uma rede que funciona às ocultas, com nomes fictícios, usurpando cargos e títulos aristocráticos: é a conspiração, a trama diabólica. A dificuldade, para as vítimas, consiste em desencavar a verdade, sepultada sob várias camadas de mentira (ALMEIDA PRADO, 1972, p. 87).

1.2 Séries televisivas

Conforme De Lopes, em uma sociedade em que a fragmentação e a dispersão das experiências ocorrem muito rapidamente, a serialização da ficção televisiva traz conforto aos telespectadores, com a certeza de que seu episódio/capítulo estará lá. Arlindo Machado, por sua vez, vai além e explica que chamamos de serialidade a “apresentação descontínua e fragmentada do sintagma 43

televisual” (MACHADO, 2000, p.1), quando tratamos especificamente de narrativas televisivas, seu enredo é estruturado em forma de capítulos ou episódios e dividido, ainda, em blocos menores separados por intervalos comerciais. Jason Mittel (2012, p. 36) denomina as atuais séries televisivas estadunidenses de “narrativas complexas” e explica que tal formato recusa a necessidade de encerramento da trama em cada episódio e privilegia histórias com continuidade que perpassem gêneros diversos.

Somado a isso, a complexidade narrativa desvincula o formato seriado das concepções genéricas identificadas nas novelas – muitos programas complexos (embora certamente não sejam todos) contam histórias de maneira seriada ao mesmo tempo em que rejeitam ou desconsideram o estilo melodramático. (MITTEL, 2012, p. 37)

Ainda sobre a diferenciação entre a “narrativa complexa” e a telenovela está no tipo de narração e na ênfase nas tramas, que recebem diferentes atenções em cada formato:

A narração nas novelas certamente pode ser complexa e requer um alto nível de postura ativa do público para engrenar na rede de relações e estórias prévias evocadas em cada virada da trama. Em contrapartida, na programação narrativamente complexa, o desenvolvimento da trama tem posição muito mais central, possibilitando emergir um relacionamento e um drama associado às personagens a partir do desenrolar do enredo e, dessa forma, atribui ênfase de maneira reversa às novelas. (MITTEL, 2012, p. 37)

1.2.1 Estrutura e Linguagem

Gordillo (2009, p. 138) elenca algumas inovações características das séries narrativas dramáticas criadas no contexto da hipertelevisão:

a) Abandono de estruturas iniciais criadas em torno de um enredo que pode se estender ao infinito; b) Temporadas curtas, em torno de 13 episódios cada; c) Busca de gêneros não habituais em séries televisivas, com grande influência do cinema; d) Liberdade de temas, tratando de assuntos considerados tabu por muitos anos, como sexo, violência e drogas; 44

e) Interação com elementos das novas tecnologias – internet principalmente – que possibilita aos fãs a criação de fóruns nos quais se organizam para pedir novas temporadas aos produtores e criam novas versões para as tramas (fanfiction), fomentando, assim, a continuação das temporadas; f) Indo contra a tendência habitual existente na serialidade de que a história sempre tem um final feliz, as séries organizam suas narrativas com finais diferentes dos esperados, sendo que eles nem sempre são harmoniosos ou conclusivos.

1.3 Entre o nacional e o global – produtos televisivos latino-americanos e o mercado internacional

Para que possamos compreender as implicações e relevâncias da atual fase da globalização para o mercado e a indústria audiovisual latino-americana de matriz hollywoodiana, é preciso fazer um breve panorama sobre os pilares desse fenômeno e suas consequências em todos os âmbitos da sociedade. Hollywood, como indústria fílmica dominante, foi a fonte de quase a totalidade dos relatos audiovisuais do mundo durante o século XX. No cenário atual e analisando as consequências desse monopólio artístico narrativo de matriz hollywoodiana facilmente percebemos que essa tradição representa um problema já que apenas um país – os Estados Unidos – ou seu domínio simbólico no âmbito das grandes produtoras transnacionais, controla os meios de retratar todos os outros povos e, nesse processo, corre o risco de deturpar, idealizar, estigmatizar e/ou estereotipar outras culturas, seus valores e sua identidade. Daniel Mato (2007, p. 21) elencou alguns fatores que, em sua opinião, tornam o campo de estudos acerca da globalização mais fértil e abrem espaço para questionamentos e análises. O autor citou alguns tópicos que são importantes para discussão dentro dessa abordagem, iremos citá-los em forma de lista para facilitar a compreensão de suas ideias em nosso texto: a) “aldeia global”: o autor (2000, p. 21) explica que algumas das ideais subjacentes do termo globalização, são de que o planeta estaria tornando-se um lugar “único” ou, ainda, afirmações como a de que as restrições de espaço e tempo perderam importância. Ele sugere que, no lugar desse tipo de definição, deve-se 45

acordar que “la idea de globalización suele relacionarse con la existencia y/o intensificación de interrelaciones e interdependencias de alcance planetário” (MATO, 2007, p. 21). b) globalização como evento recente: Mato (2000, p. 21) considera importante compreender que a globalização trata-se de um fenômeno inacabado e longínquo. Não é possível datar seu início já que há exemplos de seus traços em inter-relações de povos antigos. Pensar a globalização como uma tendência histórica permite a formulação de novas perguntas para investigação acadêmica, com potencial de respostas muito férteis; c) tendências históricas: detalhando o tópico anterior, Mato (2000, p. 21) especifica que se refere a “una tendencia histórica al interrelacionamiento entre actores sociales geográficamente distantes y anteriormente no vinculados” (MATO, 2007, p. 22). Tratam-se de múltiplas inter-relações construídas pelos atores sociais por meio de suas práticas sociais que, historicamente, envolvem uma grande variedade de dimensões, como política, social, econômica e cultural. Esse caráter multidimensional da globalização trata-se de “parcelamientos analíticos y no esferas separadas de la experiencia humana” (MATO, 2007, p. 22), como o autor clarifica, tais dimensões não existem separadamente, sua singularização foi construída por disciplinas analíticas e instituições associadas, e elas estão, cada vez mais, adquirindo força como discursos autônomos. Em resumo:

Si aceptamos que las interrelaciones surgen de las prácticas sociales de los actores, entonces aquello que llaman globalización, es decir, la tendencia histórica a la interrelación, es el resultado de procesos sociales en los cuales los actores se forman, transforman, colaboran, entran en conflicto, negocian, etcétera (MATO, 2007, p. 22).

d) estados nacionais: desde que os estados nacionais passaram a existir, essas relações entre atores sociais tornaram-se inter ou transnacionais, denominação dada de acordo com os envolvidos em tais ações. O autor (2007, p. 22) esclarece que serão relações internacionais quando quem as promove são os governos, ao representar as nações ou sociedades como um todo. Já as relações transnacionais são realizadas por atores não-governamentais, como empresas e sindicatos. Nesse sentido, o autor (2007, p. 22) conclui que as “interconexiones resultantes de procesos sociales suponen el desarrollo tanto de relaciones internacionales como transnacionales” (MATO, 2007, p. 22); 46

e) consciência de globalização: ao longo do texto, o Mato (2007, p. 23) questiona os motivos para que, sendo um processo tão antigo, apenas agora fale-se tanto sobre o tema. Ao que ele mesmo responde, ao declarar que, na atualidade, existem formas de consciência de globalização. “Es la asunción de la existencia de procesos de globalización lo que explícitamente otorga sentido a sus prácticas, y esto es lo importante” (MATO, 2007, p. 23). E Mato continua, justificando que

[...] esa conciencia de globalización es un fenómeno tan generalizado que numerosos actores sociales en todo el planeta actúan, es decir, desarrollan sus prácticas sociales, en el marco de esa conciencia (MATO, 2007, p. 23).

Porém, o autor (2007, p. 27) pondera que ser generalizado, não significa que seja homogeneizado e que a consciência de globalização assume distintas formas de representação e isso “constituye el rasgo más distintivo del presente histórico, al que, por esta razón, me parece pertinente denominar tiempos de globalización” (MATO, 2007, p. 23); f) alcance “planetário”: dentro desses “tempos de globalização”, é importante salientar que, pela primeira vez na história, as inter-relações passaram a ter um alcance quase planetário. Conforme Mato (2000, p. 24), isso se deve a vários fatores, entre eles, a abrangência quase em escala mundial do sistema de produção e intercâmbio de mercadorias e serviços, a crescente utilização de tecnologias de comunicação e o fim dos impérios coloniais. Dentro desse processo gerado pelos fatores supracitados, Mato (2000, p. 24) ressalta a importância do desenvolvimento de novas organizações internacionais e transnacionais:

[...] se trata de organizaciones que desarrollan sus prácticas más allá de los llamados espacios nacionales. Se dedican, precisamente, a generar interrelaciones y trabajar a partir de ellas, y su desarrollo es expresión de la mencionada conciencia de globalización, y viceversa (MATO, 2007, p. 24).

Mato enfatiza que se tratam de “novas” organizações, porque organizações desse tipo existem desde sempre, desde os primórdios haviam barganhas principalmente em questões de religião, guerra ou comércio. Hoje existem muitas, e a tendência é que aumentem, sendo que há alguma para praticamente toda área de atividade humana e “todas ellas constituyen el rico y variado universo de los actores globales” (MATO, 2007, p. 24). 47

Em relação à América Latina, Nestor Garcia Canclini (2000, p. 90) caracteriza três principais tendências que marcam a situação latino-americana acerca do tema da globalização e das indústrias culturais. A primeira trata do lugar de dominância que as indústrias culturais alcançaram na comunicação e na esfera pública. Isso porque

[...] un sector creciente de la producción cultural se realiza en forma industrializada, circula en redes transnacionales de comunicación y es recibida por consumidores masivos que aprenden a ser públicos de mensajes desterritorializados (CANCLINI, 2000, p. 92).

Essa desterritorialização causa impactos culturais muito além-fronteiras já que “las comunidades internacionales de espectadores reducen la importancia de las diferencias nacionales” (CANCLINI, 2000, p. 92). A segunda tendência trata do espaço mais expressivo que as indústrias culturais possuem em relação às manifestações artísticas e culturais tradicionais dentro do mercado, já que seus investimentos criam empregos e impulsionam o intercâmbio econômico e simbólico com outros países. Canclini destaca que a última tendência é contraditória às anteriores, já que ao mesmo tempo em que as indústrias culturais ganham lugar central nos países, sua produção editorial e cinematográfica diminui e transnacionaliza-se a propriedade dos meios de produção. As representações culturais passam a depender de intercâmbios econômicos e a internacionalização dessa produção,

[...] genera nuevos desafíos: necesidad de diseñar políticas que promuevan y regulen la producción y la comercialización de la cultura más allá de las fronteras nacionales, acuerdos sobre aranceles, propiedad intelectual, e inversiones extranjeras y multinacionales, derechos de los consumidores y otras cuestiones en las que está casi todo por hacer en el continente latinoamericano (CANCLINI, 2000, p.94).

Canclini (2000, p. 90) cita exemplos dentro desse terceiro e importante tópico, como o enfraquecimento das indústrias mexicanas e argentinas que perderam espaço para transnacionais espanholas que agora dominam o mercado regional no cinema, na música e na televisão. E finaliza explicando que “salvo Brasil y México, las importaciones prevalecen cadavezmás sobre la producción endógena y sobre la capacidad exportadora de los países latino-americanos” (CANCLINI, 2000, p. 90). Porém, ele adverte que o processo de perda da capacidade da produção endógena: 48

“a) no ocurrió sólo por la transnacionalización de la cultura y la economía; b) no sucedió del mismo modo en todas las industrias culturales; c) no ocurrió de igual manera en todos los países” (CANCLINI, 2000, p. 94). Ao tratar das produções audiovisuais, seu consumo e produção, Canclini (2000, p. 97) explica

Somos subdesarrollados en la producción endógena para los medios electrónicos, pero no en el consumo audiovisual. Esta asimetría entre una producción propia débil y un consumo elevado, se manifiesta como una baja representación en las pantallas de las culturas nacionales o latinoamericanas y una enorme presencia de entretenimientos e información originados en EU (CANCLINI, 2000, p. 97).

Canclini (2000, p. 98) acrescenta que esse desequilíbrio entre a capacidade de produção própria e o crescente consumo de mídias importadas gera um processo que faz com que o mercado se reorganize de forma monopólica, que faz com que os circuitos de produção nacional acabem subordinados aos sistemas transnacionais de produção e comercialização. Um deles é o circuito de Hollywood, que foi a fonte de quase a totalidade dos relatos audiovisuais do mundo durante o século XX. No cenário atual e, analisando as consequências desse monopólio artístico, facilmente percebemos que essa tradição representa um problema já que apenas um país – os Estados Unidos – controla os meios de retratar todos os outros povos e, nesse processo, corre o risco de deturpar sua cultura, seus valores e sua identidade. Para Enrique Sánchez Ruiz (2006, p. 174), o cinema é uma “instituição social”, um veículo privilegiado que permite aos povos contarem suas histórias para si mesmos e para os outros, apresentando “qué tenemos de único, qué de múltiple y diverso y qué de universal” (RUIZ, 2006, p 174). E nós expandimos essa compreensão à televisão, e sobretudo às novas formas de produção e consumo como, por exemplo, a Netflix. Assim, quando um só país é responsável por contar todas as histórias, o privilégio narrativo e representativo inerente a essas produções se perde, pois elas passam a ser as únicas ou mais evidentes interpretações de uma indústria heterogênea homogeneizadora que possui “la facultad de decirnos a todos en el resto del planeta cómo somos, a partir de sus propios estereotipos de nosotros y de sus visiones etnocéntricas del mundo” (RUIZ, 2006, p. 174). 49

Em Are we global yet? New challenges to defining Latin American cinema, Luisela Alvaray (2011, p. 72) argumenta que a criação de uma identidade nacional não está necessariamente restrita às fronteiras geográficas ou a uma forma de pensamento unificada e fixa, porém, ela concorda que é a partir de tais premissas que a maioria dos debates se desenvolve. Ela explica que fundamentalmente a “globalization is changing our relationship with the place we consider nation; it is relocalizing our imaginary associations to the regional and domestic cultural practices and experiences” (ALVARAY, 2011, p. 72). Para ela, a partir desse processo, não pensamos mais como uma nação única, mas sim, como comunidades pequenas que possuem seus próprios costumes e idiossincrasias. Martin-Barbero (2009, p. 177) acrescenta que essas características precisam ser reconhecidas pelos próprios participantes dessa “identidade cultural”, “pues lo que galvaniza hoy a las identidades como motor de lucha es inseparable de la demanda de reconocimiento y de sentido” (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 177). Ainda sobre a questão da identidade, Martin-Babero (2009, p. 177) pontua que para entender as atuais mutações culturais é preciso assumir que “identidade” significa e implica, no cenário atual, duas dimensões distintas e opostas:

[...] hasta hace muy poco decir identidad significaba hablar de territorio y de raíces, esto es de raigambre densa, y de tiempo largo, de memoria ancestral y simbólica. De eso y solamente de eso estaba hecha la identidad. Pero decir identidad hoy implica también – si no queremos condenarla al limbo de una tradición desconectada de las mutaciones perceptivas y expresivas del presente – hablar de redes, y de flujos, de migraciones y movilidades, de instantaneidad y desanclaje (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 177).

Portanto, apesar de ainda carregarmos questões de tradição, nossa identidade vem se tornando algo flexível, que se constrói como e enquanto uma narrativa. Martin-Barbero (2009, p. 180) esclarece que, atualmente, por possuir uma estrutura narrativa, as identidades passaram a ser cruzadas e entrelaçadas em uma diversidade de linguagens, códigos e mídias que, de um lado são homogeneizadas, funcionalizadas e rentabilizadas por exigências do mercado, “de otro lado abren posibilidades de subvertir esas mismas lógicas desde las dinámicas y los usos sociales del arte y de la técnica movilizando las contradicciones que tensionan las nuevas redes intermediales” (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 180). 50

Martin-Barbero parece propor uma espécie de “rebelião silenciosa”, uma intervenção do próprio povo naquilo que o mercado transnacional implementa como verdade acerca de identidades e narrativas tão complexas como as latino- americanas. Nesse sentido, ele defende que

Para que la pluralidad de las culturas del mundo sea políticamente tenida en cuenta es indispensable que la diversidad de identidades pueda ser contada, narrada. Y ello tanto en cada uno de sus idiomas como en el lenguaje multimedial que hoy los atraviesa mediante el doble movimiento de las traducciones – de lo oral a lo escrito, a lo audiovisual, a lo hipertextual – y de las hibridaciones, esto es de una interculturalidad en la que las dinámicas de la economía y la cultura-mundo movilizan no sólo la heterogeneidad de los grupos y su readecuación a las presiones de lo global sino la coexistencia al interior de una misma sociedad de códigos y relatos muy diversos, conmocionando así la experiencia que hasta ahora teníamos de identidad. Lo que la globalización pone en juego no es sólo una mayor circulación de productos sino una rearticulación profunda de las relaciones entre culturas y entre países, mediante una des-centralización que concentra el poder económico y una des-territorialización que hibrida las culturas (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 178).

Sendo assim, torna-se cada vez mais difícil que o mainstream consiga capturar e representar de forma mais verossímil possível as tantas comunidades mundiais. E essa falta de representação pode se configurar um risco para a sobrevivência da cultura e das tradições de certas comunidades, como afirma Getino (1997, [s.p.]):

The logic and interrelationship between image-identity-development constitutes, therefore, not just something of value which is more or less relevant, but it is in some way strategic and crucial to the future of every community (GETINO, 1997, [s.p.]).

Nesse contexto, parece indispensável que o mercado cinematográfico/televisivo local busque ferramentas e condições para aumentar o alcance de suas produções, nem que isso implique realizar adequações em seus projetos para o padrão mais comercial e globalizado internacionalmente – o hollywoodiano. Entretanto, conforme Martin-Barbero (2009, p. 181) o mercado não tem capacidade de consolidar tradições tendo em vista sua estrutura que tende a uma obsolescência acelerada e generalizada, seja de produtos ou ainda de formatos e instituições. Ele acrescenta:

El mercado no puede crear vínculos societales, esto es verdaderos lazos entre sujetos, pues éstos se constituyen en conflictivos procesos de 51

comunicación de sentido, y el mercado opera anónimamente mediante lógicas de valor que implican intercambios puramente formales, asociaciones y promesas evanescentes que sólo engendran satisfacciones o frustraciones pero nunca sentido. El mercado no puede en últimas engendrar innovación social pues ésta presupone diferencias y solidaridades no funcionales, resistencias y subversiones, ahí lo único que pude hacer el mercado es lo que él sabe: cooptar la innovación y rentabilizarla (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 181).

A respeito dos conflitos entre mercado e tradições, Mazziotti (2006, p. 118) preocupa-se com a capacidade da telenovela em manter um equilíbrio entre cultura e negócio, ela questiona: “seguirá diciéndonos algo, o se convertirá nada más que en un pretexto para vendernos un producto? Es possible que se transforme en un largo infomercial?” (MAZZIOTTI, 2006, p. 118). E a autora vai além em suas inquietações, seu receio é de que, tornando-se um produto pensado para o comércio internacional, as histórias percam sua essência, tornem-se óbvias e que os produtores não se importem com isso já que as vendem da mesma forma. A autora ainda pensa em como histórias bem produzidas, coerentes e maduras que podem não ser mais tão atrativas para as audiências, por conta das mudanças realizadas pelo mercado:

La telenovela es, hasta el momento, el producto televisivo latinoamericano que más se internacionalizó. Sin embargo, los requisitos para ingresar a los mercados globales muchas veces obligan a resignar o reformular algunos rasgos característicos. Hoy tiene lugar una creciente neutralización de marcas locales, regionales o continentales y hay productos que desde la procucción son consebidos como transnacionales (MAZZIOTTI, 1996, p. 27).

Mato (2001, p. 4) explica, porém, que existe uma combinação de tendências nesse processo: a homogeneização e a diferenciação. E, mesmo que o senso comum diga o contrário, ainda há mais marcas territoriais dos países que produzem as telenovelas do que apagamentos de particularidades. Ele traz exemplos em ambas categorias. Em se tratando de exclusão de especificidades nacionais, o autor cita:

a) La eliminación del “voseo” y el “ acento” marcado en numerosas telenovelas argentinas; b) La suavización del “acento” en numerosas telenovelas colombianas; c) La inclusión en los elencos de las telenovelas de actores y actrices reconocidos en otros países de América Latina, distintos de los de la respectiva producción (MATO, 2001, p. 4). 52

Já sobre a tendência – e importância, como frisa Mato (2001, p.4) – de manter e eventualmente acentuar características locais nas cenas, ele menciona alguns exemplos e estratégias: a forte marca local presente em numerosas telenovelas colombianas de grande exportação; o desenvolvimento crescente da criação de “formatos locais”, que consistem em vender a estrutura da telenovela, a trama e os personagens principais, deixando com que as subtramas sejam criadas de acordo com o local de compra, utilizando atores e locações regionais; a necessidade de identificação do público para o êxito das telenovelas “resulta muy riesgoso homogeneizar los productos pensando en potenciales mercados de exportación” (MATO, 2001, p. 5); e, em último lugar, o fato de que comprovadamente as novelas são mais rentáveis dentro do próprio mercado nacional. Acerca dessa última questão, acrescenta:

Los productos televisivos constituyen un tipo muy particular de bien. El precio al que se comercian en el mercado mundial no guarda relación directa con los costos de producción del producto, ya que una vez amortizada la producción, los costos de producción de las copias son prácticamente insignificantes. Así, una vez que los costos de producción de los originales se han cubierto en el respectivo mercado cautivo (es decir, básicamente en el mercado nacional, a veces en alguno otro más, dependiendo del tipo de producto, y en particular de si se trata de una coproducción), las copias pueden venderse a muy bajo precio (MATO, 2001, p. 5).

Mato (2001, p. 8) reafirma, diante do exposto, que a principal preocupação das produtoras de telenovelas ainda é o público interno do país, mesmo que a exportação seja uma prática importante. É mais perigoso do que conveniente, do ponto de vista econômico, produzir telenovelas pensando no mercado exterior e que “esta es la principal razón de tipo económico que hasta el presente ha impido una mayor homogeneización de los produtos” (MATO, 2001, p. 8). Toda essa discussão acerca da homogeneização ou diferenciação de produtos audiovisuais latino-americanos só é possível e necessária porque, como aponta Castells (2009, apud RIVERA; URIBE, 2011), a televisão começou a fazer parte de um processo, no qual o intercâmbio de produtos culturais entre os países superou o modelo de um centro único que produz e distribui para o mundo. Segundo ele, essa nova configuração criou uma série de módulos principais com extensão regional que permitem a periferia incluir alguns de seus produtos no mercado transnacional. 53

Indo na contramão desse processo, mas acontecendo de forma complementar a ele, está a proliferação de canais televisivos locais de conteúdos especializados que estão “centradas en sucesos, personajes, espacios o situaciones de pequeños territorios próximos” (GORDILLO, 2009, p. 20). A vivência e a representação dos acontecimentos dessas pequenas localidades implicam em uma identificação, um protagonismo que não se encontra nas produções mais generalistas dos canais maiores. Apesar da revalorização da cultura local promovida por essas pequenas produções, o objetivo maior está na rentabilidade, já que, como aponta Gordillo (2009, p. 20), o interesse da globalização está, em primeiro lugar, em gerar lucro para satisfazer o mercado. Logo, as produções pensadas com um viés de aceitação internacional recebem mais investimento e incentivo. Porém, de acordo com Rivera e Uribe (2011) esse processo continua relevante por conta de vários aspectos: a) econômico: com esse novo sistema de intercâmbio de produtos audiovisuais, o mercado dos meios de comunicação latino-americanos se fortalece, uma vez que o sul global passa a vender seu produto em contra-fluxo à maioria das transações atuais; b) no estudo do gênero narrativo: que permite observar a modificação do produto em sua essência dramática de acordo com o mercado ao qual foi adaptado; c) nos estudos culturais: partindo da análise do produto em seu local de origem e suas características, bem como, as diferenças culturais que se desenvolvem enquanto acontecem os processos de deculturação, aculturação e reculturação. Os fatores elencados por Rivera e Uribe apresentam um novo elemento para esse estudo sobre adaptação de produtos audiovisuais: a transformação que ocorre quando duas culturas são postas em contato. Em nossa análise entendemos que esse tipo de fenômeno pode ser entendido “transculturação” (ORTIZ, 1963, RAMA, 2001) e, em casos como esse que tratam da “periferia” para o “centro”, chamaremos de “transculturação inversa”, denominação que será discutida mais adiante nesse trabalho. 54

2. JANE E JUANA, DUAS JOVENS, MESMO INCIDENTE, DIFERENTES CONTEXTOS

Neste capítulo apresentaremos as duas versões da narrativa sobre a garota virgem que fica grávida por uma inseminação artificial realizada por engano, que serão objetos de estudo deste trabalho – a série estadunidense – Jane – the virgin (2014 - atual) e a telenovela venezuelana – Juana – la virgem (2002). A apresentação das obras dará destaque aos repertórios que foram selecionados para serem analisados de maneira comparada, no capítulo três. Discorre-se aqui, a partir das proposições de Itamar Even-Zohar (1978) e de sua apropriação para o campo do audiovisual por Rosângela Medeiros (2009), como expõe no artigo O cinema enquanto polissistema: a Teoria do Polissistema como ferramenta para análise fílmica trata-se de um

[...] conjunto de regras e materiais, conhecimentos compartilhados, que regem tanto a confecção como o uso e o entendimento de qualquer produto literário. Agregado de regras e unidades através das quais se produzem e entendem textos literários, podendo constituir-se como um conjunto de repertório específico para cada um de seus níveis variáveis. Um repertório pode ser o conhecimento compartilhado necessário tanto para produzir e entender um texto quanto para produzir e entender vários outros produtos do polissistema literário (MEDEIROS, 2009, p. 98).

A autora (2009, p. 98) ainda explica que existem três níveis para a definição de um repertório:

a) nível dos elementos individuais: elementos simples díspares, como morfemas e lexemas. b) nível dos sintagmas: inclui quaisquer combinações (expressões ligadas a modismos) até o nível da oração. c) nível dos modelos: segundo o teórico a ideia de modelo não é nova e tem sido usada por escritores e artistas desde a antiguidade. A noção de modelo inclui sempre alguma classe de pré-conhecimento, seja por parte do produtor ou do consumidor. (MEDEIROS, 2009, p. 98)

Para identificar, selecionar e apresentar os repertórios, que serão analisados comparativamente no capítulo três, construímos uma metodologia de análise embasada na decupagem de episódios da série e de capítulos da novela. Nossa opção por começarmos pela apresentação da produção mais recente, a série estadunidense Jane – the Virgin (2014 – atual) e por restringirmos essa 55

apresentação à sua primeira temporada justificasse porque foi a partir dela, uma narrativa mais curta, que condensa, com suas respectivas transformações, toda a trama da telenovela que chegamos à produção anterior venezuelana. Com o objetivo de centrar nossa atenção nas transformações realizadas na trama original para a criação da versão estadunidense focamos nossa análise, sobretudo em dois episódios: o primeiro e o último, que resumem a trama da novela. Iniciamos pela apresentação do primeiro episódio da série, nomeado “Capítulo I”, no qual podemos conhecer a trama adaptada ao seu novo contexto, a construção das personagens e, em especial, as características de Jane, a protagonista que dá nome à série. É possível perceber que o enredo do primeiro episódio da série contempla quase a totalidade da história de Juana. Desse episódio separamos alguns acontecimentos, momentos ou comportamentos significativos para a construção da trama e da protagonista em seu contexto, que resultarão importantes para analisarmos a representação cultural e os processos de adaptação e de transculturação inversa imbricados na realização da versão estadunidense da obra venezuelana. São eles: a) o momento da inseminação artificial por engano em Jane; b) Jane descobre que está grávida mesmo sendo virgem; c) a reação da família ao descobrir a gravidez; d) a descoberta do erro médico; e) a médica oferece a possibilidade do aborto, mas Jane decide ter a criança; f) a revelação à Jane e à sua família sobre quem é o pai da criança – Rafael Solano; g) Rafael é informado de que existe uma mulher grávida dele e que se trata de Jane; h) Jane continua com seu trabalho no hotel que pertence à Rafael; i) Rafael ratifica que essa é sua única chance de ter filhos; j) Jane decide ter a criança e doá-la a Rafael e à sua esposa – Petra Solano. O outro episódio a ser apresentado é o último da primeira temporada, intitulado “Capítulo XXII”, a fim de destacar elementos para comparar a forma com a trama é encerrada em ambas as narrativas, uma vez que na novela (mais do que na série que segue tendo temporadas) o último capítulo é o mais esperado. Nesse sentido, não faremos uma descrição tão detalhada quanto à que planejamos para o 56

primeiro episódio e seus respectivos capítulos na novela, pois, sendo uma obra que ainda está em aberto, a série pode não nos apresentar conclusões como é característico de capítulos finais de novela. Elencar os acontecimentos que consideramos importantes no primeiro e no último episódio se faz necessário para que possamos então apresentar nosso recorte da telenovela. Na apresentação da telenovela nos deteremos em treze capítulos – situados entre o 1 e o 153 da obra original venezuelana, que contem as mesmas situações apresentadas na série, que foram enumeradas acima acerca do primeiro episódio da série, sendo que o primeiro e últimos capítulos estão no corpo do texto e os outros onze que complementam nosso recorte encontram-se nos apêndices desse trabalho. São eles, ordenados conforme os acontecimentos da lista anterior: a) capítulo 1: Juana é inseminada artificialmente por engano; b) capítulo 10: Juana descobre que está grávida mesmo sendo virgem; c) capítulo 13: reação inicial da família ao descobrir a gravidez; d) capítulo 21: família de Juana descobre erro médico; e) capítulo 23: Ana María, mãe de Juana, pede perdão a filha e vai à clínica tirar satisfações; f) capítulo 26: Maurício descobre que será pai, mas até o momento ninguém sabe da ligação entre ambos os casos; Ana María fala com a filha sobre a possibilidade do aborto; g) capítulo 46: Maurício descobre que Juana é a mãe de seu filho; h) capítulo 100: Juana descobre que Maurício é o pai de seu filho; i) capítulo 102: família de Juana descobre que Maurício é o pai do filho que ela espera; j) capítulo 17: Juana é expulsa da escola por estar grávida; k) capítulo 14: por um problema na clínica de fertilização, Maurício perde todas suas amostras de sêmen; Além destes, assim como em relação à série, apresentaremos também o último capítulo Nas sessões a seguir apresentaremos com detalhes as duas produções, os enredos e os episódios/capítulos supracitados e destacaremos os repertórios, desvelando os elementos que serão analisados no capítulo seguinte. 57

2.1 Jane, the Virgin (2014)

Figura 1: Pôster de divulgação da primeira temporada. Fonte: divulgação/internet

Jane, the Virgin é uma série estadunidense que está no ar desde outubro de 2014 e é mundialmente transmitida, em inglês e com legendas, por meio da plataforma de streaming Netflix, além dos canais fechados The CW (EUA) e Lifetime (Brasil). Criada por Jane Snyder Urman, com base em sua antecessora Juana, la virgem, a série conta com 100 episódios, divididos em cinco temporadas que transitam entre os gêneros romance, comédia, comédia romântica e sátira. Com uma audiência superior a 01 milhão e 600 mil espectadores em seu primeiro episódio5, a trama é protagonizada por Gina Rodriguez, atriz americana de origem porto-riquenha, e obteve boas críticas acerca de sua primeira temporada, que foi constituída por vinte e dois episódios. No site colaborativo Metacritic, que avalia filmes, séries e jogos de acordo com sua Metascore, a série recebeu a nota geral 7.86 dos usuários. Já no site

5 Disponível em: . Acesso em: 26 jun. 2019. 6 Disponível em: . Acesso em: 26 jun. 2019. 58

Rotten Tomatoes, outro agregador de críticas sobre cinema e televisão, a série recebeu 88% de aprovação pela audiência7. No IMDb (Internet Movie Database), a avaliação feita por mais de 27 mil usuários também é de 7.88. O The New York Times publicou uma crítica explicando que a série busca ir além de sua “etnia latina”9, e que consegue o milagre de em um programa de televisão reunir os mais antigos estereótipos sobre a cultura hispano-americana e “virá-los de ponta cabeça”10. No Brasil, a coluna Ilustrada, da Folha de São Paulo, atentou para a abordagem leve de temas controversos como aborto e a gravidez precoce, em uma mistura de drama, comédia e romance11. A sessão Cultura do Jornal O Globo também destacou o humor ativista presente na série e sua ambição em ser uma sátira das novelas mexicanas12. Em 2015, a produção foi vencedora na categoria Nova Série Cômica, da premiação People’s Choice Award e, no mesmo ano, recebeu o Peabody Award Entertainment, que reconhece órgãos da mídia, associações e pessoas que tenham prestado serviços dignos de distinção e mérito, por meio de seus veículos de comunicação. Seus atores também obtiveram reconhecimento pelo desempenho de seus papéis. Ainda em 2015, Gina Rodriguez recebeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Série de Comédia ou Musical. Em 2018, ela e seu colega de equipe Jamie Camil receberam, respectivamente, os Teen Choice Awards de melhor atriz e melhor ator de série de comédia.

2.1.1. Enredo da primeira temporada

7 Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2019. 8 Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2019. 9 Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2019. 10 Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2019. 11 Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2019. 12 Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2019. 59

Figura 2: QRCode para trailer da série Jane, the Virgin. Fonte: Gerado pela autora em 22 de abril de 2019

Jane Gloriana Villanueva tem 23 anos e mora em Miami com sua mãe Xiomara e sua avó Alba. Em uma família matriarcal, ela sonha em ser escritora e, para alcançar seu objetivo, está na universidade, faz estágio em uma escola como professora e ainda trabalha como garçonete no hotel de luxo de Rafael Solano. Quando criança, sua avó, em uma espécie de ritual com uma rosa branca, fez com que a menina prometesse não fazer sexo antes do casamento, protegendo assim sua “virtude”. Além dos fortes motivos religiosos, Alba temia que Jane cometesse o mesmo erro que sua mãe, Xiomara, e engravidasse jovem tornando-se mãe solteira. Jane prometeu à avó que se manteria virgem até o casamento e, apesar de estar noiva do detetive policial Michael Cordero, mantém sua palavra por conta da crença na religião católica e também por medo das ameaças que sua avó faz acerca do assunto desde que ela era criança.

Figura 3: Jane em seu hobby favorito, escrever, sob proteção de um quadro de Virgem Maria. Fonte: Frame da série capturado da Netflix

Em consulta de rotina em uma clínica ginecológica, a médica Luisa Alvarez, uma alcoólatra em recuperação que havia descoberto uma traição de sua esposa, 60

na noite anterior, em um erro médico grave, insemina Jane artificialmente por engano. Esse incidente acontece porque Petra, esposa de Rafael Solano, planejava usar a última amostra de sêmen, guardada pelo marido antes da esterilidade decorrente de um tratamento de câncer, para surpreendê-lo com uma gravidez a fim de salvar o casamento em crise. Com a confusão, Jane termina grávida de Rafael (por quem ela havia tido uma breve paixão platônica no passado e que agora é seu chefe no hotel). Após a descoberta da gravidez, Jane encontra-se em um triângulo amoroso com seu noivo Michael e o pai de seu filho, Rafael. Apesar da criação religiosa, a protagonista considera a possibilidade de realizar um aborto para que o acontecido não interfira no seu relacionamento nem em sua carreira, mas acaba desistindo. Ela rompe com seu noivo e inicia um romance com Rafael. Eles são felizes juntos por um tempo, mas Rafael perde a cabeça quando descobre que seu pai foi morto por sua madrasta Rose, que na verdade é chefe de uma quadrilha que comanda uma clínica de cirurgias plásticas dentro do hotel para mudar os rostos de criminosos, a fim de que não sejam reconhecidos e presos. Após essa descoberta, Rafael, que está sob muita pressão, termina seu relacionamento com Jane, uma atitude da qual ele logo se arrepende, mas não consegue voltar atrás. O codinome de Rose (que também é amante secreta de Luisa Alvarez, irmã de Rafael), nesse esquema criminoso é Sin Rostro, a quem Michael investiga há muitos anos, pelos mais variados crimes. Durante o afastamento de Jane, Michael começa um relacionamento com uma colega de trabalho, Nadine, que ao final da temporada descobrimos que trabalhava para Sin Rostro. Além de ter que lidar com uma gravidez inesperada, com os problemas com seus relacionamentos amorosos e também com questões policiais, Jane ainda conhece seu pai, cuja identidade havia sido escondida por Xiomara durante toda sua vida, Rogelio de la Veja, famoso astro da telenovela “The Passsions of Santos” e uma figura bastante peculiar. Rogelio e Xiomara, que é cantora e dançarina em pubs e sonha com o estrelato, apaixonam-se novamente. Por saber das aspirações de Xiomara, Rogelio a convida para fazer a abertura de um show seu em Las Vegas, só que o show não aconteceu porque Jane entrou em trabalho de parto e eles precisaram voltar a Miami. Enquanto esperam pelo voo que só seria no próximo dia, Rogelio e Xiomara embriagam-se de tal forma que acabam casando lá mesmo. Mas 61

isso ainda é um segredo entre os dois, que nem se lembravam do que havia acontecido. A parte disso, Petra descobre que a última amostra de esperma de Rafael, na verdade não era a última, pois havia outra amostra perdida que foi reencontrada pelos funcionários. Ela possui metade do hotel de Rafael e ainda tem a esperança de reconquistá-lo, já que agora ela está em posse da verdadeiramente última amostra do material de seu ex-marido, e dá sinais do que pretende fazer. O último episódio consiste no emocionante nascimento de Mateo Gloriano Rogelio Solano Villanueva e seu subsequente sequestro por uma enfermeira, a mando de Sin Rostro. O desaparecimento da criança é o argumento principal que faz o gancho para a continuação da história em sua próxima temporada.

2.1.1.1 Enredo do primeiro episódio da primeira temporada “Capítulo 1”

Figura 4: Jane recebe a notícia de que está grávida. Fonte: Frame da série capturado da Netflix.

O episódio inicia com um prólogo (nome anunciado pelo Narrado), que consiste em um flashback de quando Jane Villanueva tinha 10 anos e sua avó Alba realiza uma espécie de ritual, no qual manda a menina amassar uma flor branca e tentar desamassá-la (algo impossível), explicando em seguida que o mesmo acontece quando uma mulher perde a virgindade, pois nunca mais pode recuperá-la. Já de volta ao presente, Jane (interpretada pela atriz estadunidense, de origem 62

porto-riquenha, Gina Rodriguez), agora com 23 anos, namora Michael, mas toda vez que eles pensam em fazer sexo, ela se lembra da avó e da promessa feita treze anos atrás. Além disso, a jovem trabalha em um hotel como garçonete e está terminando sua faculdade. O Narrador é o responsável por apresentar os personagens e atribuir características a eles que revelam juízos de valor. Rafael Solano, dono do hotel em que Jane trabalha, por exemplo, é apresentado como “playboy e dono de hotel”, apresentação que logo é corrigida para “marido preso”, salienta o narrador. Petra, esposa de Rafael, é apresentada como “devoradora de homens”, e está em um dilema, pois seu marido quer o divórcio antes de completar os cinco anos estabelecidos pelo contrato pré-nupcial, que estabelece 10 milhões de dólares para a possível futura ex-mulher. Diante dessa situação, Petra resolve, sem contar a ninguém, tentar uma inseminação artificial com a única amostra de esperma do marido, que se tornou estéril ao tratar um câncer no passado. Só que nesse mesmo dia, Jane tem uma consulta de rotina marcada com a mesma ginecologista de Petra, inclusive, sua cunhada, Luísa Alvarez, irmã de Rafael. Dra. Luísa é ex-alcoólatra, e uma noite antes de ambas as consultas, encontra sua esposa com outra mulher e fica completamente transtornada. No outro dia, no trabalho, ainda muito abalada, confunde as pastas que a secretária lhe entrega e troca os procedimentos. Na primeira sala, Jane estava cochilando, pois mora longe e acorda cedo para o trabalho, quando a médica entra e fala que o procedimento a ser feito seria uma inseminação. Quando a inseminação é concluída, Jane até fica achando estranho por ter sido tão rápido e indolor. A cena corta para quando a médica encontra a cunhada na outra sala, que diz ter resolvido descongelar a única amostra de esperma do marido para lhe fazer uma surpresa. Nesse momento, o Narrador avisa: “a vida da Jane agora era como as histórias das telenovelas”. Jane passa mal durante o trabalho e vai parar no hospital onde lhe informam que ela está grávida. Ela diz então que é virgem, sua mãe Xiomara acredita e a defende ferozmente pedindo novos exames. Quando a gravidez é realmente confirmada, Xiomara ajoelha e começa a rezar acreditando no fato de que ela seria “imaculada”, assim como a Maria mãe de Jesus, enquanto a filha liga para a clínica para reclamar que algo errado havia acontecido. Ao perceber que realmente estava grávida e pensar nas consequências dessa situação, Jane fica em choque, delirando com seu personagem favorito das 63

telenovelas, Santos, que dizia para ela, em espanhol, que tudo ficaria bem. O que o público descobrirá depois é que Santos, na verdade, é o pai de Jane, informação que foi escondida por sua mãe Xiomara, durante muito tempo, até uma noite quando ele aparece em trabalho perguntando por que ela escondera sua filha por tantos anos. A médica oferece opções, inclusive a prescrição de uma pílula abortiva e a opção de não precisar consultar o pai, mas informa que ele sabe de toda situação. Em outra cena, Rafael fala ao amigo Zaz (amante de Petra) que gostaria de ter a criança, principalmente porque foi um “subproduto inesperado de seu câncer de testículos” e que uma pessoa só sabe que quer ter filhos quando alguém lhe diz que não pode tê-los. Quando Jane volta ao trabalho, Rafael conta a ela que é o pai da criança, e Jane responde que não está preparada para ser mãe. Petra ouve a conversa e manda Rafael contar a Jane sobre o câncer, a fim de sensibilizá-la acerca da situação. Jane relembra (em um flashback), que muitos anos atrás conheceu Rafael, quando trabalhava em outro local e que ele a beijou, mas nunca mais ligou ou entrou em contato. Para completar a trama, Michael, namorado de Jane, a pede em casamento, mas a protagonista diz que antes de aceitar, precisa contar ao futuro noivo que está grávida. Michael diz a Jane que não quer começar uma nova vida tendo um filho de outro homem e pede que ela aborte em nome do casal, como não recebe resposta, o pedido é temporariamente negado. Jane não conhece seu pai, Xiomara, sua mãe, diz que ele era um soldado qualquer que ela mandou embora quando ele sugeriu o aborto. Xiomara engravidou aos 16 anos, situação que a filha julga uma irresponsabilidade, dizendo a sua mãe que não gostaria de “terminar como ela”. Alba, avó de Jane, descobre as pílulas abortivas que Xiomara havia comprado para a filha, em seu quarto e deduz que a neta fez sexo, o que a deixa muito desapontada. Jane tenta explicar para a avó o que aconteceu, mas a avó só fala espanhol (apesar de entender um pouco de inglês) e a conversa não termina bem. Por ser bastante religiosa, Alba resolve contar uma história do passado à Jane, a fim de que ela desista do aborto. Ela conta que quando descobriu que Xiomara estava grávida pediu que a filha abortasse e ela disse que não faria isso, e que essa é uma culpa que ela carregava desde então, já 64

que a neta se tornou a melhor coisa de sua vida, assim como o bebê que ela carrega também se tornará. Após ouvir a história de sua avó e ficar comovida, Jane decide ter o bebê e dá-lo a Petra e Rafael e, ao contar para Michael sobre seus novos planos, ela o pede em casamento e ele aceita. Ao mesmo tempo, Rafael pede o divórcio à Petra, pois diz sentir-se traído já que a esposa sabia de seu desejo de ser pai e só por isso tentou usar a amostra para salvar o casamento que já estava em crise. O episódio encerra com o Narrador analisando que Jane achava que tudo aquilo que havia acontecido era bom, mas que ela estava enganada. A cena final é de um beijo entre Jane e Michael após o pedido de casamento, Jane usava uma flor no cabelo idêntica à que sua avó a fez amassar na infância e o corte final se dá com essa flor caindo no chão.

2.1.1.2 Enredo do último episódio da temporada “Capítulo XXII”

Figura 5: Jane com Mateo Gloriano Rogelio Solano Villanueva, sua família e Rafael. Fonte: Frame da série capturado da Netflix.

O último episódio da temporada inicia com uma recapitulação dos episódios anteriores, na qual, inclusive, os personagens são apresentados novamente. Logo após, um flashback relembra o nascimento de Jane, Xiomara se esforça para parir enquanto sua mãe Alba dizia em espanhol “mais cinco minutos de dor para uma vida inteira de felicidade, então comece a empurrar senão eu mesma vou tirar esse bebê 65

daí”. Enquanto o parto acontece, o narrador adverte que há três fatos que o telespectador precisa saber sobre os bebês Villanueva: eles chegam atrasados, nascem rápido e são meninas. Voltando para o presente, Jane convence a mãe de que ela pode ir a Las Vegas com Rogelio para o show que farão juntos, já que o bebê ainda demorará três semanas para nascer. Xiomara e Rogelio se reaproximaram e agora são amigos. Jane e Rafael estão separados e cada um apresenta uma visão diferente dessa situação. Jane conversa com a mãe sobre como foi bom ter terminado seu relacionamento com Rafael antes de o bebê nascer, ao mesmo tempo, Rafael fala para sua irmã Luisa que não entende como Jane parece estar tão feliz com o término, sua irmã rebate dizendo que foi porque ele disse que não a amava, mas que ela sabe não ser verdade. Mesmo acreditando que a separação tenha sido a coisa certa a se fazer, Jane conta para Xiomara que durante uma consulta de ultrassom, eles tiveram um “momento” no qual parecia que nada havia mudado. Nesse “momento”, apresentado em flashback, Rafael pede para tirar uma foto com Jane e a imagem na tela do ultrassom e, quando abre a câmera do celular, recebe uma ligação de Petra, deixando ambos desconfortáveis. Jane afirma que a hora para tal incidente acontecer foi perfeita, pois a lembrou de que há muito drama na vida de Rafael e que Petra é “malvada”. Já para Rafael, a hora não poderia ter sido pior, como confessa para a irmã, mas diz entender os motivos de Jane para não querer contato com Petra, tendo em vista o que ela aprontou desde a separação. Rafael está confiante de que as coisas irão mudar com a venda do grupo Maracay (rede de hotéis de seu pai, que foi assassinado), pois assim ele poderá comprar a parte do hotel que agora é de Petra e afastá-la de suas vidas. Jane ainda mantém contato com Michael, numa relação de amizade, ou, como instiga o narrador “ela tentava se convencer de que era só amizade” e, por isso, ao ter que desmarcar o jantar com seu antigo noivo, ele aparece em sua porta com hambúrgueres para os dois. Enquanto conversam, Michael convence Jane de que ela deve escrever para a Universidade pedindo que aceite sua inscrição para a pós-graduação, mesmo depois de perder o prazo. Os dois se divertem enquanto redigem o e-mail, até o momento em que Jane começa a ter contrações e Michael a leva para o hospital. Enquanto os dois jantavam, Rafael estava em uma reunião para tratar de assuntos do hotel com Petra, que defende uma mudança nas suítes que agora estão 66

ligadas à Rose (ex-madrasta de Rafael e também Sin Rostro, bandido procurado desde o início da série e quem matou o pai de Rafael). Durante as explicações da ex-mulher, Rafael começa a tentar seduzi-la (no intuito de convencê-la a vender sua parte de volta para ele). O narrador, mais uma vez, fazendo juízo de valor dos personagens, ironiza “eu falei que ele era bom nisso”, referindo-se ao passado de Rafael, sua fama de playboy e sua facilidade em conquistar mulheres. O plano funciona e Petra aceita o convite de Rafael para jantar. A imagem corta para o hospital, onde o médico explica para Jane e Rafael que o que ela teve, foram contrações de Braxton Hicks, um falso alarme do corpo dela que se prepara para o parto. Rafael vai ao corredor explicar para Michael que foi um alarme falso e que está tudo bem e os dois começam a discutir, a discussão continua até Jane aparecer e dizer que vai para casa de carona com sua avó porque não quer ver nenhum dos dois em sua frente. Petra vai visitar sua mãe na cadeia e conta que Rafael a convidou para um jantar no mesmo restaurante em que se conheceram, o que a deixa esperançosa de que voltem. Sua mãe afronta dizendo que ele terá um bebê com outra mulher e isso se tornará uma conexão eterna. Rafael vai até a casa de Jane pedir desculpas por ter discutido com Michael no hospital e causado constrangimento. Ele tenta explicar que cometeu um erro terminando o namoro e que só fez isso porque estava num momento ruim, seu pai havia falecido, o hotel estava afundando em dívidas e ele não conseguia lidar com tudo isso e um relacionamento em que ao invés de lutar por ela, acabou se afastando, mas não deveria ter feito isso. Ele declara seu amor por ela, ao que ela responde que depois de ter partido seu coração, ele não tem direito de voltar e falar essas coisas e o manda embora. No outro dia, Michael aparece na casa de Jane para se desculpar, trazendo de presente uma playlist temática para quando ela realmente for dar à luz. Ele alega entender se ela quiser ser só sua amiga, mas declara sentir que tem algo acontecendo entre eles. Ela diz que sente o mesmo, que com ele é tudo seguro e familiar. Michael não gosta de ouvir que é uma opção “segura e familiar” para aquilo que ele diz ser a realidade da fantasia que ela gostaria de viver com Rafael e vai embora irritado. Michael chega em casa e encontra sua ex-parceira de trabalho e ex-amante, Nadine. Apesar de ser investigadora da polícia, Nadine trabalhava para Sin Rostro, 67

foi descoberta e estava foragida até o momento. Após revistá-la e algemá-la, Michael escuta sua proposta de acordo. Nadine diz saber onde o cirurgião plástico (Dr. Moncado) está escondido, ele é o responsável por mudar os rostos para Rose (Sin Rostro) e há boatos de que ele também mudou o rosto dela, sendo o único capaz de identificá-la atualmente. Ela diz que voltou para procurá-lo, pois obteve informações enquanto estava escondida com a gangue de Sin Rostro e que gostaria de ajudá-lo a prendê-los em troca de segurança para sua família e imunidade para si. Jane está em uma reunião com o diretor da pós-graduação para tentar convencê-lo de que está preparada para ingressar no curso e começa novamente a ter contrações, ela explica que isso aconteceu no dia anterior e que não era nada demais. Só que as contrações continuam durante toda a reunião e também depois quando ela pega um ônibus para ir para casa, Jane já não sabe se são contrações reais ou de Braxton Hicks. No ônibus, Jane liga para sua mãe e diz que o intervalo entre as contrações ainda é de oito minutos então ela vai esperar chegar em casa para ver o que acontece. O tempo entre as contrações diminui e ela resolve avisar Rafael, que desmarca o jantar com Petra em função do parto de Jane. Jane segue tendo contrações dentro do ônibus, os passageiros se unem a ela e pedem que o motorista mude a rota e siga em direção ao hospital para que ela não dê à luz dentro do veículo. Jane agradece a ajuda de todos quando é deixada na porta do hospital, onde encontra sua avó Alba e Rafael. Em Las Vegas, Xiomara avisa Rogelio de que Jane está em trabalho de parto e que ela precisa ir embora logo pela manhã e então perderá o show. Rogelio fica chateado com a falta de consideração de Xiomara ao não pensar que ele gostaria de estar presente nesse momento também. Jane e Rafael decidem que o nome do bebe será Nina e discutem sobre quais sobrenomes ela receberá. O pai aceita que seu sobrenome fique no meio, o que ele julga ser uma posição inferior, em troca de que Jane sinta 50% menos de raiva dele. Ele frisa que estará deixando de passar adiante o sobrenome de sua família, mesmo sendo sua única chance de ter filhos, pelo perdão de Jane. A protagonista diz que Rafael coloca os negócios a frente de tudo, mas que ela entende essa atitude e não está magoada por terem terminado. Rafael contesta a afirmação, contando que não foi à Espanha a negócios porque não queria de forma alguma perder o parto de seu filho e que por não estar presente a empresa de seu pai foi vendida. Ele diz que seu 68

pai não foi um bom pai e que ele não quer ser igual a ele, e não será. O nome do bebê fica decidido como Nina Solano Villanueva. Em Las Vegas, Xiomara e Rogelio fazem as pazes, encontram um fã clube venezuelano de “Santos” e acabam ficando embriagados juntos. Pela manhã, quando acordam para pegar o voo para casa, não se lembram de nada do que aconteceu na noite anterior. Eles haviam casado e só descobrem mais tarde por um DVD que é enviado ao hospital. Michael vai atrás das pistas ofertadas por Nadine e encontra o cirurgião plástico morto no lugar indicado como sendo sua moradia, diante disso, ele diz que o acordo está cancelado e que será difícil conseguir outro. Jane está com nove cm de dilatação, mas está preocupada que seus pais não cheguem a tempo para o parto. Ao perceber tal preocupação, Rafael liga para Micheal e pede que ele forneça escolta policial para que os pais de Jane cheguem mais rápido do aeroporto ao hospital. Nadine aproveita a saída de Michael para fugir. Enquanto Jane está parindo, Xiomara diz a ela a mesma frase que sua mãe Alba lhe disse durante o parto de sua filha: “mais cinco minutos de dor para uma vida inteira de felicidade, então comece a empurrar senão eu mesma vou tirar esse bebê daí”. O bebe nasce e, para a surpresa de todos, é um menino. Xiomara diz que elas não entendem nada de meninos e Rafael responde estar ali feliz em sanar qualquer dúvida. O narrador ratifica que naquele momento, apesar de tudo que passou, o coração de Jane estava cheio. No outro dia, ainda no hospital, Rafael diz a Jane que nunca deixou de amá-la e que é isso que ele quer “a nossa família”. Jane responde que vai pensar sobre isso, mas não agora. O narrador completa dizendo “agora o único homem que Jane queria pensar era no filho dela”. Jane e Rafael revelam que o nome da criança será Mateo (nome de seu avô) Gloriano (em homenagem a sua mãe) Rogelio (dedicado a seu pai) Solano Villanueva. Michael visita Jane no hospital e diz: “sobre minha declaração anterior, eu não quero que se preocupe com isso agora apenas se concentre no bebê”. O narrador exalta essa fala dizendo que essa foi à coisa mais perfeita que Michael poderia dizer. 69

Petra recebe uma ligação, aparentemente de negócios, e vai atrás de Rafael no hospital. Ao chegar lá, ouve ele falando que se sente muito mal em estar manipulando-a, fingindo romance, mas que é o meio mais rápido de a ter fora de sua vida. Porém, a ligação que Petra havia recebido era de uma clínica de fertilização em Miami avisando que a amostra de esperma de Rafael havia sido dividida em duas e uma, que estava perdida por erro deles, acaba de ser reencontrada. Como ainda são oficialmente casados, ela vai à clínica buscar a amostra com a desculpa de “guardar em um local mais seguro’’. Michael chega em casa e percebe que Nadine fugiu. No mesmo momento liga para seu Tenente dizendo que o plano deu certo, que ela havia fugido levando um rastreador no telefone e que eventualmente ela irá ao encontro da gangue de Sin Rostro. Na maternidade, uma nova enfermeira se apresenta e pede para levar Mateo para fazer o teste do ouvido. Ao sair com o bebê no colo, ela segue no corredor passando direto pela sala de testes e saindo do prédio. A enfermeira é, na verdade, uma sequestradora que leva o bebê para Sin Rostro. O episódio encerra com a seguinte fala do narrador: “perguntando o óbvio: onde ela estará levando o Mateo Gloriano Rogelio Solano Villanueva? Eu até poderia contar para vocês, mas esse é o fim da primeira parte.”.

2.1.2 Personagens 70

Figura 6: Personagens principais da trama, da esquerda para direita, Xiomara, Alba, Jane, Michael, Petra e Rafael. Fonte: Frame da série capturado da Netflix.

Nesse tópico vamos então apresentar, ou melhor, especificar as principais características das personagens que fazem parte da trama da série, elucidando a forma como se diferem das características das personagens da obra original em que foi inspirada. Assim, para a concretização deste estudo, objetivou-se analisar e comparar culturalmente as personagens principais de ambas as produções audiovisuais e, sobretudo, suas protagonistas. Entretanto, para que possa haver um entendimento geral da história e, consequentemente, dos atos e reações daqueles que fazem parte de nosso recorte/repertório, é necessário que apresentemos as personagens gerais e secundárias e suas funções para o enredo. Para dar melhor visibilidade as características dessas personagens utilizaremos o modelo de quadro comparativo de personagens audiovisuais criado e apresentado por Jerónimo Rivera e Enrique Uribe no artigo “La suerte de la fea, muchas la desean. De Yo soy Betty la fea a Ugly Betty” (2011), para classificá-los e especificá-los.

Quadro 1: Jane, the virgin – lista de personagens da primeira temporada

Personagem Ocupação Função na série 71 A A s s c c

e Personagens Personagens e n n d

d principais Secundários I ê d ê n a n c d c i e i I a a n

a

t o h e e P p u i D P D s s r A C r o t C e t p o r r e e T a D n n s a o a o â x

d e t t s c i t t e a n i n o v a a m u m e o q g f i e g l n c i d n i u d a á o r s r o a i e o t t i d e d t a n r i l n i

d í m a e c n a d i v b i s o s o s n t i o r â t s e t t i a s r o a e n t e a t i

c o o u

Estudante, Jane Gloriana garçonete e X 24 X Villanueva professora Xiomara Cantora de Gloriana bares, mãe de X 40 X X X Villanueva Jane Alba Gloriana Dona de Casa, X 73 X X X Villanueva avó de Jane Empresário, Rafael Solano X 31 X dono de Hotéis Sem profissão Petra Solano X 27 X X X definida Michael Detetive policial X 28 X X X Cordero Jr. Roman Zazo Consultor de X 40 X (Zaz) Rafael Dra. Luísa Ginecologista e X 35 X Alvarez obstetra Rogelio de la Ator de X 42 X X Veja telenovelas Rose (Sin Chefe de X 35 X X X Rostro) quadrilha Dona de casa, Magda X 60 X X mãe de Petra Nadine Detetive Policial X 26 X X Hansan Fonte: Quadro elaborado a partir do quadro criado e apresentado por Jerónimo Rivera e Enrique Uribe no artigo “La suerte de la fea, muchas la desean. De Yo soy Betty la fea a Ugly Betty” (2011)

2.1.3 Narrador

Apesar de estar presente em todos os episódios e possuir uma grande influência na forma como o telespectador percebe as ações, os personagens e os contextos da trama, já que se trata de um narrador onisciente, intruso e subjetivo, o narrador ainda é um personagem desconhecido e sua identidade deverá ser revelada apenas na última temporada da série. Anthony Mendez é o ator que dá vida ao narrador, o dono da voz potente, utilizada sempre como uma voz em off 72

extra-diegética, que explica, critica, ironiza, satiriza e até se solidariza com as personagens e seus dramas. Um dos exemplos da grande importância do narrador no tom de comicidade velada por trás da trama aparece logo no primeiro episódio quando, ao apresentar Jane, Alba e Xiomara, ele também revela as paixões de cada uma das personagens. Sobre Jane, ele diz que suas paixões são sua família, Deus e sanduíche de queijo, não necessariamente nessa ordem. Ao apresentar Alba, ele aponta que suas paixões incluem Deus e Jane, nessa ordem específica, inclusive, destacando a palavra Deus. Já ao apresentar Xiomara e suas paixões, ele cita Jane e Paulina Rúbio e frisa, sarcasticamente, que a ordem não é importante, dando a entender que Xiomara pode até gostar mais da cantora que da própria filha em alguns momentos. Comentários como esses são recorrentes durante todos os episódios. Em entrevista à Mingle Media TV13, Anthony Mendez explicou que seu trabalho consiste em contrabalançar aquilo que está acontecendo em cena. Quando alguma circunstância muito séria surge ou é criada, ele faz um comentário que ameniza a situação, trazendo alguma leveza, já quando as personagens ou a história está ficando muito maluca ou exagerada, ele é o responsável por acalmar os ânimos e fazer com que tudo volte a transcorrer normalmente. Mendez finaliza esclarecendo que o trabalho do narrador é “resolver problemas” e isso consiste em eliminar obstáculos da narrativa. Em relação à escolha da entonação da voz e a seu uso, Mendez relatou ao programa Arise Entertainment 36014, que usar a voz impostada de forma exagerada, como muitas vezes acontece nas propagandas de telenovelas nas televisões latino- americanas, não seria uma boa opção, então ele escolheu apenas apoiar-se no estilo latin lover, mantendo a suavidade na forma de falar. No entanto, Mendez revela ainda que ao ler o roteiro, a indicação grafada de que o narrador deveria ter uma voz de latin lover – latin lover narrator, a princípio o deixou preocupado, pois temia que assim acabasse sendo essa mais uma narração estereotipada dos latino- americanos, mas, ao continuar a leitura, percebeu que na verdade tratava-se de uma “ode às telenovelas”. Para chegar ao ponto certo na escolha da voz para narração, o ator-narrador disse ter que misturar alguns componentes como uma forma de falar no estilo pillow talk (voz de travesseiro) e um sotaque hispânico, mas

13 Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2019. 14 Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2019. 73

não de uma região específica, já que narrador da história mora nos EUA há tempo suficiente para falar e entender bem o idioma.

2.2 Juana, la Virgen (2002)

Figura 7: Pôster de divulgação da telenovela. Fonte: divulgação.

Produzida e exibida originalmente pela emissora RCTV (Radio Caracas Televisión), entre março e outubro de 2002, a telenovela venezuelana Juana, la virgen, escrita por Perla Farías, sob direção de Tony Rodriguez, teve um total de cento e quinta e três capítulos. A situação político-econômica da Venezuela durante esse período era bastante caótica. O Presidente da República à época, Hugo Chaves, foi vítima de uma tentativa de golpe de estado orquestrada por militares de oposição em abril daquele ano, o que levou a dissolução da Assembleia Nacional e do Supremo Tribunal e a anulação Constituição de 1999 do país. O golpe, marcado pela prisão ilegal de Hugo Chaves, durou 47 horas, mas as consequências para o cenário político e a governabilidade do país foram sentidas por bastante tempo.

Ao caos político foi acrescentada uma grave crise econômica naquele ano, com alta taxa de desemprego e subemprego, queda de 5% do PIB e descontrole da inflação. A incerteza política foi um dos fatores que levou a Venezuela a entrar em 74

um período de recessão econômica que teve reflexos sociais, que são debatidos, mesmo que de forma superficial, pelas personagens na telenovela, como veremos adiante.

Originalmente falada em espanhol, o melodrama televisivo venezuelano tem como trama central as dificuldades enfrentadas pela adolescente Juana Pérez quando por culpa de uma inseminação artificialmente realizada por engano se descobre inesperadamente grávida. A trama foi exibida no Brasil, dublada ao português, pela RecordTV, entre julho de 2002 e março de 2003. Além de ser exportada a outros países, a trama da telenovela também teve adaptações em vários remakes ao redor do mundo: Ek Ladki Anjani Si, na Índia, em 2006, pela Sony Enternainment Television; Majka, na Polônia, em 2010, pela TVN; , também na Venezuela, em 2013, em uma parceria entre a RTI Producciones e a ; Παρθένα Ζωή, na Grécia, em 2017, para o canal ANT1; e, também, Jane – the Virgin, nos Estados Unidos, desde 2014 até o presente, produzida pela emissora The CW Television Network15, versão que analisamos neste trabalho.

2.2.1. Enredo completo novela

Figura 8: QRCode para vídeo promocional da telenovela Juana – la Virgen. Fonte: Gerado pela autora – 22 de abril de 2019.

Juana tem 17 anos, está terminando o ensino médio, é fotógrafa, gosta de jogar futebol e acaba de receber a notícia de que foi contemplada com uma bolsa de estudos no exterior. Criada por sua mãe Ana María, sua avó Azucena e seu tio Manuel, a jovem é bem decidida e possui opiniões bastante feministas, sendo uma

15 Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2019. 75

delas a de se manter virgem, apenas por não querer fazer sexo, sem motivações religiosas ou sociais. Em sua rotina de rebeldia e independência, Juana sofre um desmaio e sua mãe a encaminha para uma consulta ginecológica, já que ela sofre de problemas hormonais. Ao chegar na clínica, está tudo bastante tumultuado porque um médico teve que sair para uma emergência então apenas dois outros médicos estão atendendo, um responsável por exames de rotina e outro por inseminações artificiais. Juana estava lá justamente para ver o terceiro médico, que não estava presente. Carmen, a secretária desajeitada, está reorganizando as agendas dos médicos e mistura as pastas, entregando ao inseminador a pasta de Juana sem perceber. Dr. Michelena, um dos inseminadores da clínica, foi quem atendeu Juana, que pediu que não a contasse sobre o procedimento, porque, como era sua primeira vez, saber a deixaria mais nervosa. Então, guiado apenas pelos documentos que Carmen lhe deu, Michelena faz uma inseminação artificial em Juana sem que ela soubesse ou autorizasse. Juana continuou sua vida normalmente, fazendo planos para a viagem e trabalhando como fotógrafa em seu tempo livre. Mas ao fazer os exames de sangue finais para seu intercâmbio, ela recebe a notícia de que estava grávida, uma surpresa para todos, principalmente para ela, que diante de sua família pedindo explicações, não sabia explicar como a gravidez ocorreu e era desacreditada por todos. A notícia foi muito impactante para ela, pois atrapalhou seus planos de viagem e interrompeu seus estudos, já que a escola a expulsou por ser um “mau exemplo”. Em outra parte da cidade, Maurício de La Veja e Carlota Vivas, vivem um casamento aparentemente bem-resolvido, mas no qual há diferenças importantes de pensamento. Mauricio quer ter filhos, mas ficou estéril em decorrência de uma doença. Entretanto, antes que isso acontecesse, ele guardou esperma na intenção de realizar uma fertilização in-vitro no futuro, porém, Carlota não está interessada em ter filhos e seu útero é incompatível com o material de Maurício, por isso a solução seria encontrar uma barriga de aluguel. Juana é contratada para tirar fotos de uma festa da Revista Positivo, que faz parte de um grupo de empresas da qual Maurício é acionista majoritário. A festa acontece na casa de Mauricio na mesma noite em que Rogelio Vivas, pai de Carlota, mata a Francisco Rojas, sócio da empresa, porque ele havia descoberto algo que 76

não devia, arrastando o cadáver e enterrando-o no jardim. Juana estava por perto e sem querer ela tira fotos de tudo que aconteceu, essas fotos servirão para dar o toque final à história, quando for necessário, esclarecerão todos os crimes de Rogelio. Após um acidente no laboratório que acaba com todo material genético congelado de Maurício, ele se desespera achando que nunca mais poderá ser pai biológico. Mas então é informado que há uma mulher esperando por um filho seu e decide encontrá-la. Carlota adota Rafael, sem consultar Mauricio, acreditando que isso salvaria seu casamento, mas acaba desapontando Maurício, levando seu casamento ao término ainda mais rapidamente. Então, coincidentemente, Maurício e Juana (a quem ele chama de Sol), encontram-se e tornam-se amigos. Desirée, esposa de Francisco, que fora assassinado e, que desaparece inexplicavelmente, acredita que ele a abandonou e pede a Carlota, sua amiga, para passar uns dias em sua casa. O problema é que o objetivo de Desirée era seduzir Maurício, por quem sempre foi apaixonada. Amparo, mãe de Carlota, alerta a filha das más intenções de Desirée e pede que a filha a mande embora, ordem que não é acatada. Amparo estava certa sobre Desirée, mas não sobre seu alvo final, já que a moça se torna amante de Rogelio, seu marido. Acontecem então vários eventos nos quais Maurício precisa intervir e proteger Juana de Carlota e Desirée, que não queriam que ela tivesse o filho. Mauricio tem uma casinha na periferia da cidade, na qual se refugia com Juana e lá descobre que em vidas passadas ela e Mauricio tiveram uma história de amor. A tia de Maurício, Eva, é quem aponta para essa possibilidade, e quando ambos tomam consciência disso, fazem de tudo para que o relacionamento deles aconteça novamente. Rogelio e seu cúmplice levam o corpo de Francisco para esta casinha isolada para fazer as pessoas acreditarem que Mauricio foi seu assassino. A polícia descobre o cadáver do sócio de Mauricio e o culpam por sua morte. Juana e Maurício estão juntos quando finalmente, no dia do julgamento, ela se dá conta das fotos que guarda e, quando as revelam, percebem quem é o verdadeiro assassino, utilizando as fotos para eximir Mauricio de toda a culpa. Rogelio joga Desirée do precipício e ela o amaldiçoa, Maurício passa mal e vai para o hospital quando revela para Juana que sua doença voltou e ele não sabe se sobreviverá. Carlota está em uma casa de repouso. 77

Uma passagem de tempo, em meses, mostra Maurício feliz e curado em seu escritório, quando Carlota chega para dizer que casou novamente e está indo embora do país, mas antes quer pedir perdão por tudo que fez. Ana María está grávida de Salvador, seu esposo, Brandi casou-se com Davi, e Manuel e Enriqueta também estão juntos e também esperam um filho. Juana anuncia para a família que ela e Maurício se casarão em uma capela nas montanhas e todos estão convidados. Outra passagem de tempo, agora de 50 anos, interrompe a narrativa e mostra o casal nessa mesma capela em que casaram comemorando seu quinquagésimo aniversário de casamento enquanto relembram desse dia, que é mostrado apenas em flashback, eles também relembram das pessoas que já faleceram e de sua filha Mariana. A novela encerra com imagens dos encontros dos dois desde o princípio da narrativa, misturadas a imagens de seu casamento, com Juana falando em off que o amor nunca morre.

2.2.1.1 Enredo do primeiro capítulo da telenovela

Figura 9: Juana chegando ao consultório onde o erro será cometido. Fonte: Frame da telenovela captado do Youtube.

A telenovela começa com um clipe de Juana Pérez (interpretada pela atriz venezuelana Daniela Alvarado), que intercala cenas dela em casa e com imagens dela cantando em um palco e, aparentemente, muito famosa. Mas logo em seguida, 78

a avó da garota a acorda aos gritos, pois ela está atrasada para um compromisso, revelando ao telespectador que aquele era apenas um sonho. Em outro lado da cidade, o galã (interpretado por Ricardo Álamo, também venezuelano) acorda em sua mansão, ao lado de sua esposa. Nenhum personagem é apresentado/nomeado ainda. Após exercitar-se e organizar as tarefas do dia pelo telefone com sua secretária, Maurício de la Veja, diz a sua esposa que passará ainda naquele dia na clínica de fertilização, pois a mulher contratada como barriga de aluguel está ovulando. Sua esposa pondera que essa é uma jogada arriscada já que eles não conhecem a mulher, Maurício responde que o importante é ser saudável e lhes dar um filho. A esposa insiste que existe a possibilidade de adotar uma criança, ao que ele retruca que para ele não é a mesma coisa e ela responde que entende a vontade do marido, principalmente após ter enfrentado a doença que enfrentou, mas que usar uma barriga de aluguel a faz sentir como se tivesse falhado com ele. Já na casa de Juana, ela reclama que precisa terminar tarefas da escola, pois vai treinar mais tarde, ao passo que sua avó dispara “mulheres jogando futebol? Isso não é esporte de homens?”, Juana rebate dizendo para ela deixar de besteira, já que não existe tal distinção entre coisas para homem e para mulher e que se não fosse pela biologia “nada nos diferenciaria dos homens”. A avó continua dizendo que homens e mulheres são diferentes desde que nascem, e não apenas no corpo, mas também nos pensamentos, sentimentos e no comportamento. Juana novamente rebate explicando que agora elas vivem em outra era, outro século e que as mulheres possuem os mesmos direitos que os homens e que podem ter e fazer as mesmas coisas que eles: “que futuro nós teríamos se não nos rebelássemos?”, pergunta a jovem. A avó tenta encerrar a discussão dizendo de forma ríspida que a menina confunde liberdade com libertinagem. Um homem (que depois é apresentado como tio de Juana) aparece lendo um livro e pergunta se ainda tem café para ele, a avó de Juana responde ironizando a briga com a neta, que “para isso as mulheres estão aqui, para servi-lo”, a mãe de Juana ri. Quando todos acabam de comer, o tio de Juana se oferece para lavar a louça e sua avó diz “o que está fazendo Manolito? Tendo tantas mulheres na casa, não é necessário que ele lave os pratos!”, e ele responde: “só por que sou homem quer dizer que não posso lavar pratos?”. A discussão sobre direitos e deveres de homens e mulheres dá lugar a outra discussão, dessa vez, a avó reclama que a mãe de Juana está demorando muito 79

fazendo maquiagem, a mulher retruca que desde que nasceu sua mãe só reclama e critica tudo que ela faz. Ana María Pérez (mãe de Juana) lamenta que a única coisa que ela deseja é viver e ser feliz e a matriarca Azucena Pérez repreende “você quer viver sem moral”, referindo-se ao fato de que a filha tem uma relação com um homem casado (Afonso), ela completa: “esse é o exemplo que está dando a sua filha?”. Ana María segue discutindo e diz que a filha, apesar da sua mãe a considerar uma sem moral, cresceu uma boa estudante, boa líder e, além de tudo, ela se orgulha de dizer que é virgem. A avó revida que se ela se mantém virgem não é pelo exemplo dado pela mãe. Manuel (tio de Juana, chamado de Manolito anteriormente), começa a ler para uma criança, ainda não identificada que chega na casa para tomar café, o trecho do livro que está lendo, chama-se: “Um amante na cidade”. A passagem fala da primeira vez que um homem e uma mulher se encontram e como isso é “obra das estrelas”. A leitura transforma-se em voz off enquanto Juana aparece no trânsito prestes a encontrar Maurício no engarrafamento. Juana e Maurício se encaram durante uma parada no trânsito e ele diz “bonita... A moto...”, e parte deixando a protagonista furiosa.

Figura 10: Primeiro encontro entre os protagonistas Juana e Maurício. Fonte: Frame da telenovela captado no Youtube.

Azucena manda Manuel parar de ler porque ele precisa trabalhar e “quanto menos poesias souber, melhor” já que “com palavras não se come”. Manuel, muitas vezes faz o papel de narrador, como nesse momento em que analisa, em 80

pensamento, que sua mãe – Avó de Juana – se mostra brava e durona, mas no fundo é a mais frágil de todos. Maurício vai ao médico que fará a inseminação artificial na mulher contratada como barriga de aluguel e pergunta quantas amostras de sémen ele tem guardadas, ao que o médico responde que o suficiente para engravidar um harém de mulheres e diz que dentro de pouco tempo ele realizará seu maior sonho “ter nos braços o seu primogênito”. Carlota (esposa de Maurício) conta para Desirée (sua amiga) que as únicas amostras que Maurício possui são as que estão no laboratório e que ele não pode ser pai por meios naturais por conta da quimioterapia que o deixou estéril. Ela ainda explica que tentou por meses engravidar por inseminação artificial, mas não conseguiu porque ela e o marido possuem uma incompatibilidade que faz com que seu útero não consiga fecundar os espermatozoides dele. Juana chega com a mãe, que é professora, na escola e é assediada por um colega e ex-namorado. Ao “levar um fora”, o rapaz puxa uma discussão dizendo: “você que é tão moderna e revolucionária em todos os outros assuntos, qual seu problema para essas coisas de homem e mulher?”, ela responde enraivecida que não possui problema algum. Ele segue provocando a protagonista: “você deve estar se guardando para o casamento” e ela revida: “vocês homens se acham muito importantes!”. Juana o lembra de que foi ele quem espalhou para toda a escola que ela não queria fazer sexo e esse foi o motivo do término. Ela aproveita que muitas pessoas pararam para acompanhar a discussão e diz que não é virgem nem por moralismo, nem porque está se guardando para o casamento, que é virgem porque está a fim de ser e foi isso que ela decidiu. Juana se revolta, pois as pessoas não entendem que ela é virgem apenas porque quer e está bem assim, sem ninguém, e que no dia em que ela quiser, ela perderá a virgindade e nenhuma pessoa tem nada a ver com isso. Maurício é dono de uma revista e, na sede de sua empresa, conta a um colega que conheceu a mulher que será inseminada e ela se chama Rosa Andrade. Explica que a mulher está pronta para receber o sêmen e gaba-se que ainda possui muitas amostras, o amigo comemora: “esse é meu amigo, muito macho!”. Maurício continua divagando sobre o passado e diz ser irônico já ter transado com muitas mulheres com medo de que engravidassem e, agora que quer ser pai, estar passando por toda uma burocracia para conseguir ter um filho. Ele reafirma a 81

necessidade que sente de ter um filho biológico e que foi a doença e o fato de ter chegado perto da morte que despertou esse desejo nele, o de deixar um herdeiro para seus negócios. Na escola, o diretor chama Juana em sua sala para informar que ela ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade de Los Angeles: “e você ganhou graças a seu empenho”. Ela fica extremamente feliz e conta para a mãe que ganhou a bolsa, prometendo que, quando voltar, vai pendurar o diploma na parede e só então pensar em ter marido e filhos. Ao voltar para a aula de educação física e ainda muito emocionada com a notícia da bolsa, Juana sofre um desmaio durante o jogo de futebol e, para que pudesse voltar ao campo rapidamente, se compromete que a tarde irá ao ginecologista e fará um exame completo. A protagonista vai sozinha ao consultório, pois ela já imagina que sofre de problemas hormonais e precisa apenas de um check-up. O médico de Juana é chamado para atender uma emergência e outro médico é escalado para substituí-lo. Com o desfalque na equipe, a secretária, que é nova no trabalho e já foi repreendida por confusões anteriores, acaba misturando os papéis de diferentes médicos. A secretária mais experiente é chamada em outro local e deixa a novata sozinha no momento em que Juana chega, Juana tenta fazer perguntas, mas a secretária a manda sentar e esperar, não dando muita atenção porque tem que atender telefonemas. Enquanto espera, Juana fala com uma mulher e diz ser a primeira vez que consulta com um ginecologista. Já no núcleo da revista de Maurício, o telespectador descobre que o sogro do galã está tentando falir a empresa por meio de armações com seu filho e o marido da amiga de sua esposa. Na casa de Juana, Ana María diz não estar feliz com o intercâmbio da filha, pois desde que ela nasceu as duas vivem juntas, inclusive dividindo quarto. Mais uma vez, entra a voz de Manuel em off como “pensamento”, analisando a situação e dizendo ser egoísmo da irmã não pensar nas oportunidades que a sobrinha terá e no seu futuro. De volta ao consultório, Juana Perez e Rosa Andrade são chamadas na mesma hora para as salas de exames, a secretária derruba as pastas e mistura os prontuários e encaminha as duas para salas erradas. Ao entrar na sala de exame, o 82

médico apenas pergunta “já está decidida?” ao que ela responde “estou, fazer o quê?”, sem nem saber do que ele está falando. Enquanto isso, Mauricio, em uma cena com voz sobreposta, explica o processo de inseminação enquanto ele acontece. Juana pede para não saber os procedimentos que estão sendo feitos porque é a primeira vez que os faz e não quer detalhes. Uma animação computadorizada mostra como acontece o encontro dos espermatozoides com o óvulo durante a narração de Mauricio. Como se estivesse pensando sobre o assunto, o galã comemora contente, dizendo ainda em off, que a partir daquele momento em diante, se tudo desse certo, ele teria o filho que tanto deseja. E o capítulo encerra dessa forma.

2.2.1.2 Enredo capítulo 153: final da telenovela

Rogelio está com Desirée em um lugar deserto à beira de um precipício e ameaça jogá-la, ela implora por sua vida, enquanto ele reclama não ser possível que Maurício tenha acabado com os dois amores de sua vida (Desirée e Carlota), ela segue repetindo que se arrepende de tudo que fez. Rogelio diz que não vai a matar, que quem vai matá-la é todo o amor que ela sentia pelo homem errado. Ao ouvir isso, ela vira para o ex-amante e o amaldiçoa, dizendo que sua morte será rápida, mas ele irá morrer sozinho, velho, preso o resto da vida recordando suas palavras e que sua lembrança será o inferno dele nessa Terra. Ele arranca o colar do pescoço dela, dá um beijo forçado e a atira do penhasco em direção ao mar. Maurício está no hospital desde que passou mal, após seu julgamento e provar de inocência, e diz à Juana que não quer deixá-la e que não depende dele. A jovem repreende que depende dele, ela pede que lembre o quanto lutou na última vez para viver e poder ter um filho e que agora ele tem uma filha e uma mulher que o ama que é ela, que ele precisa lutar. 83

Figura 11: Juana e a filha Mariana visitam Maurício no hospital. Fonte: Frame da telenovela capturado no Youtube.

Ele responde que, apesar de todos esses fatores, ela precisa estar preparada para o pior. Juana pensa que a história deles não pode terminar dessa forma, não depois do tanto que lutaram para ficarem juntos. Voltando do local em que assassinou Desirée, Rogelio e seu motorista ligam o rádio e descobrem sobre a libertação de Maurício e, também, que agora ele é procurado como o principal culpado pelo assassinato de Francisco Rojas. Depois de terem descoberto as manipulações nos números da contabilidade da empresa, na tentativa de golpe de Rogelio, e mantido a Revista Positivo em funcionamento, Enriqueta organiza o escritório para o seu próximo administrador. Armando chega e fica surpreso com o que está acontecendo, mas Enriqueta informa que irá viajar por uns dias porque precisa de novos ares depois de tudo que aconteceu e pede que ele tome conta de tudo. Ele diz para ela não se preocupar e que quando ela voltar formarão um trio de guerra novamente, Enriqueta, Maurício e ele. Enriqueta comenta que serão só os três mesmo porque ela acha difícil que Desirée apareça e queira lutar pela revista, Armando concorda que ela deve esperar o pior. O motorista pergunta a Rogelio o que eles devem fazer, nesse momento, Rogelio recebe um telefonema que informa da existência das fotos em que ele e o motorista aparecem carregando o corpo de Francisco e provam a acusação contra ele. Ele manda o motorista fugir pelo litoral já que aeroportos e rodoviárias devem estar vigiados. 84

Novamente no hospital, Maurício segue lamentando sua situação e dizendo para Juana se preparar para o pior. Ela diz para ele parar de besteira, mas ele continua, afirmando que quer que Mariana (filha do casal) e Juana fiquem resguardadas de tudo, caso ele morra. Ela diz que agora tem mais motivos para lutar e que ou os três serão felizes ou os três serão infelizes e que a decisão é dele. Salvador é nomeado novo chefe de polícia já que Dias, antigo delegado, está envolvido em esquemas de corrupção juntamente a Rogelio Vivas. Ana María propõe um brinde ao novo cargo do seu marido, junto aos colegas de trabalho. Manuel chega ao escritório buscando por Enriqueta, e Armando informa que ela foi embora da cidade. Enquanto isso, Enriqueta está em uma agência de viagens programando o lugar onde passará uns dias: “vou me desligar de tudo, quero ir para uma ilha, sem rádio nem telefone, nada do mundo externo, para tentar me encontrar de novo”. De volta ao escritório, Manuel lamenta tê-la perdido e Armando implica dizendo não entender o que ela viu nele, porque acha que ela ainda é apaixonada por ele. Armando diz que Enriqueta é muito valiosa, mas que sabe que não tem mais chances com ela e que sua decisão de viajar por uns dias deve ter sido tomada porque algo a deixou mal e na opinião dele essa “coisa” é Manuel. Armando resolve ajudá-lo e entra em contato com a empresa de viagens para descobrir para onde Enriqueta foi. Amparo Vivas reclama que Alfredo está na Colômbia com seu avô, protegendo-se de seu pai por ter entregue as pastas com as provas de seus esquemas contra Maurício, que Rogelio está foragido e Carlota internada em uma clínica psiquiatra. E pergunta a seu filho Humberto como foi que chegaram a esse ponto. Ela diz que o filho sempre alertou sobre os problemas da família, mas ninguém prestava atenção, ele retruca que não teria como alguém prestar atenção nele já que nem ele sabia o que estava fazendo da vida. Humberto diz que os problemas começaram quando seu pai começou a ter cada vez mais poder, dando a impressão de que eles poderiam fazer o que quisessem sem ter problemas por isso. Enriqueta está passeando pela praia quando Manuel chega. Ela pergunta o que ele está fazendo ali e diz que foi para aquela ilha porque gostaria de se afastar de tudo. Manuel responde que esse tudo certamente o inclui, ele diz que não vai obrigá-la a aceitar sua presença, só quer explicar tudo o que sente e depois vai embora. Ele faz declarações de amor e diz que tinha medo de compromisso, mas que agora não quer perdê-la pois a ama. 85

Juana chega em casa e Azucena vai encontrá-la parabenizando a neta pela liberdade de Maurício, ao que ela responde que ele não está livre de nada e explica para a avó que enquanto esteve na prisão ele teve algumas recaídas decorrentes de uma doença incurável que ele teve há muitos anos. A avó tenta consolá-la, mas ela explode dizendo que cansou, mas que não vai desistir de Maurício porque ele é o pai da sua filha e o amor de sua vida. E que vai levar a filha para o hospital para ficar com o pai e que: “se Deus vai tirar ele de mim, vai ser com ele nos vendo e vendo todo o nosso amor por ele”. Rogelio está em seu barco pronto para fugir quando a polícia chega e dá voz de prisão ao bandido. Ana María chega em casa radiante pela promoção de Salvador, mas logo é informada de que Juana está no hospital cuidando de Maurício já que seu estado de saúde é delicado. Salvador é o delegado a receber e interrogar Rogelio para a surpresa do bandido. Rogelio começa com uma conversa que dá a entender que ele pagaria por sua liberdade, Salvador responde que, por incrível que pareça, em sua profissão ainda há pessoas que trabalham por princípios e não por dinheiro. Rogelio fica lembrando do momento em que matou Desirée. A família de Desirée está à sua procura, o advogado de Maurício vai até a casa deles dar a notícia de que o corpo da moça foi encontrado por alguns pescadores no mar. Amparo vai à cadeia visitar Rogelio para dizer-lhe que o amou às cegas sem perceber o mal que ele fazia, mas que essa será a última vez que a vê e vai embora. Manuel e Enriqueta se acertam e comemoram na praia paradisíaca. No hospital, Juana segue chorando e pedindo a Maurício que tenha forças porque ela não saberia viver sem ele e que eles devem ficar juntos até ficarem “velhos caducos”. Maurício é levado para cirurgia e há uma passagem de tempo que leva a uma tarde no escritório de Maurício que, com Mariana no colo, conversa e se diverte com seus colegas. Até que, surpreendendo todos, Carlota chega. Ela pede para falar em particular com Maurício e pede desculpas pelas coisas que fez no tempo em que ficaram juntos e diz sentir vergonha. Maurício diz que não guarda rancor e que está tão agradecido pela vida que até já esqueceu. Carlota explica que quando ficou internada na casa de repouso ficou sabendo da recaída e agradece a Deus que ele tenha superado novamente. Carlota conta que se casou novamente e está indo morar no exterior, por isso veio vê-lo. 86

Depois que Carlota deixa a revista, Brandi e os colegas comentam como está mudada, que nem parece a mesma, o que é bom, senão acabaria igual ao seu pai. Rogelio segue na cadeia lembrando as palavras de Desirée. Corta para a casa de Juana, aonde chegam Manuel e Enriqueta, que contam sobre o estúdio fotográfico de seu tio e reúnem a família. Ana María está grávida de oito meses e Enriqueta anuncia que também está grávida. Juana diz que os reuniu porque tem uma surpresa em nome de Maurício, passagens de avião para todos, pois os dois vão casar nas montanhas e toda sua família irá junto. Há uma grande passagem de tempo, de cerca de 50 anos, na qual Maurício e Juana aparecem velhinhos entrando em uma capela nas montanhas. Nesse dia, eles comemoram 50 anos de casados. Imagens do casamento aparecem em flashback enquanto Maurício fala que se sentia tão feliz que pensava se tratar de um sonho, ela diz que foi tudo tão perfeito que nunca deve ter existido uma noiva mais feliz do que ela. Juana fala que todos que amam estavam lá e que muitos já partiram, sua mãe, sua avó, tia Eva e Salvador e que o tempo está acabando para eles também. Maurício pergunta se Juana tem medo da morte e ela responde que o amor nunca morre e é nesse sentimento que todos os que foram e eles dois permanecerão vivos no tempo.

Figura 12: Momentos finais da telenovela, Maurício e Juana depois de 50 anos juntos. Fonte: Frame da telenovela capturado no Youtube. 87

Com imagens dos noivos comemorando e de momentos da história dos dois, a voz de Juana se ouve em off dizendo que o amor nunca acaba. E aparece então na tela, a palavra FIM.

2.2.2 Personagens

Como apresentado no tópico 1.1.2 acerca dos personagens da série, novamente, recorremos ao modelo de tabela de análise criado e apresentado por Jerónimo Rivera e Enrique Uribe (2011), para classificar e especificar, agora, os personagens da telenovela quanto as suas caraterísticas e funções na narrativa.

Quadro 2: Juana, la virgen – lista de personagens da telenovela

Função na série

Personagens Personagens I d principais Secundários a d e

a p r o

Personagem Ocupação I n x t i m e P D P D r A C a o C e r e e T n D d n s o a o

e t a t s c t t e i a n o v a a m e o q g f

e g l i d n i u d á o r s r o e o t t i e t a n r l i n i

í d m a c n d i v b i s o s o s t i o r â t s e t t i a r a o n e t a t i c o

Juana Pérez Estudante e fotógrafa 17 X Ana María Professora de 34 X X Pérez educação física Dona Azucena Dona de casa 55 X X Pérez Manuel Artista, militante pela Ramón Pérez 28 X X X X ecologia (Manolito) Maurício de la Acionista principal dos 35 X X Veja Consórcios de la Veja Carlota Vivas Socialite e esposa de 30 X X X de la Veja Maurício

Diretora de RH na Desirée Rojas Revista Positivo e 25 X esposa de Francisco 88

Sócio de Maurício na Francisco Revista Positivo e seu 30 X Rojas amigo

Brandy Editora na Revista 22 X X X Yuleisy Positivo Empresário do ramo Rogelio Vivas 60 X X X da construção civil Esposa de Rogelio, Amparo Vivas 55 X X mãe de Carlota Filho homossexual de Humberto Rogelio e Amparo que 32 X X Vivas luta com sua família preconceituosa Gerente Alfredo Vivas administrativo dos 35 X X Consórcios de la Veja David Jornalista na Revista 24 X X Uzcátegui Positivo Diretora Executiva na Enriqueta 30 X Revista Positivo Diretor da Revista Armando Positivo e amigo de 40 X X X Salazar Maurício

Salvador Chefe de polícia e X 45 Mendez esposo de Ana María

Médico responsável Dr. Ricardo pelo material genético 50 X X Monsalve de Maurício

Médico que fez a Dr. Michelena 55 X inseminação Secretária do consultório de Carmen 25 X ginecologia e fertilização Estudante, amiga de Lily 17 X X Juana Michael Estudante, ex- Fernandes 18 X X X namorado de Juana (Mick)

Pároco do bairro de Padre José Juana e conselheiro 40 X X X X de seus moradores

Rafael Vivas Órfão adotado por 10 X X (Rafaelito) Carlota

Vende comidas feitas Nicolás 8 X X por Dona Azucena

Diretor da Escola em Diretor da que Ana María 50 X X escola trabalha e Juana estuda 89

Diretora Criativa na x Shiva 25 Revista Positivo

Pai de Manuel e Ana x Ramon Pérez 80 María 90

3. POR QUE, COMO E QUAIS AS IMPLICAÇÕES DA TRASNFORMAÇÃO DE JUANA EM JANE?

Para analisarmos o processo de adaptação da telenovela venezuelana Juana – la virgen para a criação e realização da série estadunidense Jane – the virgin, precisamos estabelecer alguns pressupostos teóricos de análise, que dizem respeito à perspectiva comparatista que utilizaremos para a nossa análise. A primeira questão levantada no processo de comparação é a ideia de intertextualidade. Sandra Nitrini (1997, p. 157) expõe que dentro dos novos conceitos criados no âmbito da Literatura Comparada na segunda metade do século XX, o da intertextualidade, concebido por Julia Kristeva nos anos 1960, foi recebido como um novo e mais eficaz instrumento nos estudos de “fonte” e “influência”, ao investigar os processos de produção e também de recepção das obras. Nesse sentido, Nitrini (1997, p. 158) esclarece que “a intertextualidade se insere numa teoria totalizante do texto, englobando suas relações com o sujeito, o inconsciente e a ideologia” e que, por meio de uma perspectiva semiótica, estudando as relações entre esses três elementos, se torna possível identificar por completo sujeito e processo de significação. Em sua reflexão sobre o conceito, Nitrini retoma a afirmação de Kristeva de que “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto” (NITRINI, 1997, p. 161), o conhecimento prévio do autor é transformado em novo conhecimento, sendo assim, todo texto conterá direta ou indiretamente falas de outros autores. Nitrini (1997, p. 159) ainda analisa que para Mikhail Bakthin, autor-base da teoria de Kristeva, a “palavra literária” não possui um sentido fixo, uma vez que “constitui um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo entre diversas escrituras: a do escritor, do destinatário (ou do personagem), do contexto atual ou anterior” (NITRINI, 1997, p. 159). Um mesmo texto será interpretado de diferentes maneiras de acordo com a bagagem cultural de seu destinatário e suas idiossincrasias, sendo que o momento histórico também é importante nesse processo de interpretação, portanto, o texto “situa-se na história e na sociedade” (NITRINI, 1997, p. 159). A noção de texto em Kristeva é ampla e “torna-se sinônimo de ‘sistema de signos’, quer se trate de obras literárias, de linguagens orais, de sistemas sociais ou inconscientes” (NITRINI, 1997, p. 161). Por 91

esse motivo, a teoria acerca da intertextualidade pode ser aplicada aos mais diferentes objetos, como cinema, televisão e música. Dentre os desdobramentos da ideia de intertextuais nos interessará para a análise a ideia de paródia como entendida por Linda Hutcheon (1989, p. 111), que destaca ser uma maneira distinta de encarar a interação entre textos, uma vez que “o leitor tem de descodificar como paródia para que a intenção seja plenamente realizada” (HUTCHEON, 1989, p.118). A intencionalidade do sujeito da enunciação deve estar clara para o leitor, “os códigos paródicos têm, afinal, de ser compartilhados para que a paródia seja compreendida como paródia” (HUTCHEON, 1989, p. 118). Ao revisitar o pensamento de Kristeva acerca da intertextualidade, Hutcheon (1989, p. 111) instiga que o diálogo intertextual é o diálogo entre o leitor e sua memória de outros textos enquanto leem o atual. Ela também explica que

[..] a partir da perspectiva de qualquer teoria da intertextualidade, a experiência da literatura consiste apenas num texto, num leitor e nas suas reações, que tomam a forma de sistemas de palavras, agrupados associativamente no espírito do leitor. Dois textos poderiam, pois, partilhar estes sistemas sem serem codificados parodicamente; o local da apropriação textual reside aqui no leitor, e não no autor, real ou inferido. Um intertexto não seria, pois, necessariamente o mesmo que um texto parodiado (HUTCHEON, 1989, p.111).

A paródia é diferente de um intertexto simples, uma forma ativa e crítica de colocar dois textos/obras em diálogo, uma intertextualidade que precisa de marcas evidentes para que o decodificador identifique a inversão, a deformação ou a subversão acerca do objeto parodiado. É também a partir das reflexões de Bakhtin que Robert Stam (2006, p. 48) vai pensar a ideia de adaptação como intertextualidade. É em Bakhtin que Stam vai buscar o termo “reacentuar” para explicar as ações realizadas em uma adaptação. Para ele, adaptar “é um trabalho de reacentuação pelo qual uma obra que serve como fonte é reinterpretada através de novas lentes e discursos” (STAM, 2006, p. 48) .

Cada lente, ao revelar aspectos do texto fonte em questão, também revela algo sobre os discursos existentes no momento da reacentuação. Ao revelar os prismas e discursos através dos quais o romance foi reimaginado, as adaptações fornecem aos próprios discursos um tipo objetivo de materialidade (STAM, 2006, p. 48). 92

Quanto à capacidade de renovação discursiva de uma adaptação, o autor (2006, p. 48) pontua que existem adaptações locais, transnacionais e internacionais e que cada uma delas levanta questões diferentes acerca de suas (re)criações, mas que, por trabalharem sempre com múltiplas culturas e temporalidades, “se tornam um tipo de barômetro das tendências discursivas em voga no momento da produção” (STAM, 2006, p. 48). Além de apontar essa característica, o autor esclarece que muitas adaptações cinematográficas e televisivas seguem manuais que levam a uma “adequação estética às tendências dominantes” (STAM, 2006, p. 45) desencorajando experimentações e modernismos. Stam desenvolve chamando esse processo de “máquina de adaptação que remove todas as excentricidades autorais ou os ‘excessos’” (2006, p. 45) buscando deixar a obra original compatível com as exigências do mercado “já que as mudanças exigidas numa adaptação são feitas em nome da soma de dinheiro gasta e dos lucros esperados” (STAM, 2006, p. 45). Após introduzir a discussão acerca da capacidade discursiva das limitações quanto ao mercado dominante e também do seu valor como obra inédita, Stam afirma que

Nós ainda podemos falar em adaptações bem-feitas ou mal feitas, mas desta vez orientados não por noções rudimentares de “fidelidade” mas sim, pela atenção à “transferência de energia criativa”, ou às respostas dialógicas específicas, a “leituras” e “críticas” e “interpretações” e “re- elaboração” do romance original, em análises que sempre levam em consideração a lacuna entre meios e materiais de expressão bem diferentes (STAM, 2006, p. 51).

Entendendo a necessidade de adequação ao mercado e à estética dominante, Stam (2006, p. 40) apresenta exemplos de obras literárias adaptadas ao cinema e explica que o problema importante para os estudos da adaptação é entender esse processo - o que levou à retirada ou adição de personagens, à troca de localidade, ao uso de flashbacks e recursos imagéticos, entre outros – e que a pergunta central do pesquisador deve ser: “qual é o ‘sentido’ dessas alterações?” (STAM, 2006, p. 40). Dessa forma, Stam deixa claro, na perspectiva dos Estudos Culturais, que não busca estabelecer hierarquias de valor, mas “explorar relações ‘horizontais’ entre mídias fronteiriças” (STAM, 2006, p. 24), uma vez que a adaptação se torna 93

um novo texto dentro de um amplo espaço discursivo. Para ele, ainda, “sob uma perspectiva cultural, a adaptação faz parte de um espectro de produções culturais niveladas e, de forma inédita, igualitárias” (STAM, 2006, p. 24). É então a partir desse amplo e complexo entendimento da ideia de adaptação, elaborado por Stam, que nos propomos a pensar as relações de aproximação e de distanciamento entre a telenovela venezuelana e a série estadunidense, bem como as implicações culturais desse processo, a serem analisadas a partir do entendimento do conceito de transculturação e de nossa proposição de reconhecimento de processos de transculturação inversa. Para que possamos identificar, analisar e compreender os processos que denominamos de transculturação inversa, acionados do encontro de um formato tradicional latino-americano com as características das mundialmente conhecidas séries estadunidenses, é preciso entender um pouco sobre os caminhos que o termo transculturação percorreu – desde sua criação por Fernando Ortiz (1963), sua apropriação por Ángel Rama (2001) para o contexto da literatura latino-americana e seu deslocamento para o campo audiovisual latino-americano por Rosângela Fachel de Medeiros (2012). A ideia de transculturação surge do dialogo com outros conceitos que abordam processos e resultados de contados culturais como: aculturação e desculturação. Foi Fernando Ortiz (1963) que diante dos diferentes processos resultantes dos contatos entre culturas que aconteciam na América Latina, julgou que o termo aculturação estava ultrapassado e não dava conta de explicar a complexidade desses processos, e introduziu uma nova nomenclatura para esses fenômenos decorrentes do encontro de duas culturas distintas. O autor propõe o uso da palavra transculturação para definir “o processo de trânsito de uma cultura para outra e todas suas repercussões sociais”. Em suas palavras:

Entendemos que o vocábulo “transculturação” expressa melhor as diferentes fases do processo transitivo de uma cultura a outra, porque este não consiste apenas em adquirir uma cultura, que é o que a rigor indica o vocábulo anglo-americano “aculturação”, mas implica também necessariamente a perda ou desligamento de uma cultura precedente, o que poderia ser chamado de parcial desaculturação, e, além disso, significa a consequente criação de novos fenômenos culturais que poderiam ser denominados neoculturação (ORTIZ, 1963 apud RAMA, 2001). 94

Ángel Rama (2001, p. 212) refere-se aos processos de aculturação nas operações literárias latino-americanas, que tiveram seu início na década de 30, com os conflitos entre as sociedades regionais e a modernização (intermediada pelos portos e pelas grandes cidades). O autor explica que esse não era um processo tranquilo e tampouco justo já que ele

[...] não responde a um mero intercâmbio civilizado entre culturas, mas é a única opção que se impõe para poder solucionar um choque de forças culturais muito díspares, uma das quais viria a ser previsivelmente destruída no confronto, sendo simplesmente vencida em termos de um pacto (RAMA, 2001, p. 212).

Como explica Rama (2001, p. 213), diante dessa ação homogeneizadora que parecia inevitável e que sufocava a cultura local/regional, criadores literários passaram a construir pontes imprescindíveis para resgatar essas culturas. Eles “manejam de um modo imprevisto e original as contribuições artísticas da modernidade” (RAMA, 2001, p. 213) e “reveem, à luz que ela projeta, os próprios conteúdos regionais em busca de soluções artísticas que não sejam contraditórias com a herança que devem transmitir” (RAMA, 2001, p. 213). Dessa forma, eles passaram a revitalizar suas tradições locais e buscar fórmulas que permitissem absorver a influência externa e dissolvê-la dentro dessas estruturas. Segundo Rama (2001, p. 214), essa re-imersão e reconsideração de uma cultura cria três tipos de resposta ao processo de aculturação: “vulnerabilidade cultural”: aceita as propostas externas e renuncia quase sem conflito às próprias; “rigidez cultural”: instala-se drasticamente nos produtos que já são da sua cultura, rejeitando toda contribuição nova; “plasticidade cultural”: integra em um produto suas tradições e as novidades. Dentro desse terceiro tipo,

Tem especial relevância a atitude daqueles que não se limitam a um sincretismo por mera conjugação de contribuições de uma e outra cultura, mas que compreendem que, sendo cada uma delas uma estrutura, a incorporação de novos elementos de procedência externa deve ser obtida mediante uma rearticulação total da estrutura cultural própria (regional), apelando para as novas focalizações dentro de sua herança (RAMA, 2001, p. 215).

Nesse processo, a cultura receptora faria adaptações para que a cultura de origem pudesse ser incorporada em sua própria sem muitas perdas, de forma 95

articulada e bem organizada, porém, ainda nesse desenvolvimento, apenas a cultura receptora seria afetada, sendo que a cultura de origem se manteria íntegra. Rama (2001, p. 218) examina mais detalhadamente o conceito de transculturação proposto por Ortiz e explica como acontece cada fase do processo. Segundo ele, a “parcial desculturação” pode alcançar diversos graus e afetar várias áreas, tanto da cultura quanto da produção literária, acarretando sempre a perda de componentes obsoletos; logo após, há a incorporação de elementos provenientes da cultura externa e, por último, o esforço de recomposição utilizando os componentes sobreviventes da cultura originária e os procedentes de fora. Ainda para o autor, a transculturação resulta da tensão entre a modernidade e a tradição regional. No artigo “A transculturação como estética dos cinemas latino-americanos”, Rosângela Medeiros (2012, p. 6) percebe o processo de transculturação como inerente ao fazer cinematográfico latino-americano em sua relação com o mainstream hollywoodiano. Segundo a autora, apesar da heterogeneidade das produções latino-americanas, a reincidência de contrabando e das traduções estéticas e temáticas necessárias para criar uma arte própria que traga marcas culturais, mas que seja acessível ao público aproxima as obras realizadas nesse espaço político-geográfico. Dessa forma, a transculturação configura-se como estética basilar das produções cinematográficas latino-americanas, uma vez que “fazer cinema em território latino-americano tem sido o constante embate entre fazer um cinema de arte considerado legítimo representante da cultura nacional ou fazer um cinema popular geralmente de inspiração hollywoodiana” (MEDEIROS, 2012, p. 06).

3.1 Entre a adaptação e a transculturação

Em busca de compreender a transculturação e adaptação feitas pela série em relação à telenovela, levando em conta principalmente a questão da latinidade e como ela foi representada pelos produtores estadunidenses, escolhemos trabalhar com a análise da construção e caracterização de personagens essenciais para a história. Começamos trabalhando com as personagens femininas das produções e percebemos que a riqueza de detalhes e a complexidade de questões a serem abordadas a seu respeito seriam melhores aproveitadas se focássemos apenas 96

nelas durante nossa comparação. Sabemos que há outras questões que poderiam ser analisadas comparativamente dentro de nosso recorte das obras, como a presença e/ou ausência masculina e o narrador, mas decidimos deixá-las para serem aprofundadas em novos trabalhos a serem realizados no futuro.

3.1.1 As protagonistas

Apesar de terem sido criadas com base na mesma obra, as protagonistas – Juana e Jane – apresentam características bastante distintas em ambas produções. Tais distinções, como viemos discutindo ao longo desse trabalho, são fruto de um processo de tradução, transculturação e readequação cultural pela qual a narrativa da obra venezuelana teve que passar para adaptar-se ao seu novo mercado mainstream hollywoodiano. Na série, esse processo de transição do conteúdo original para o contexto – estético, cultural, sociopolítico e econômico dos EUA faz um jogo entre manutenção, adaptação e corte de elementos da obra de origem, estabelecendo um nível diferente de relação entre a obra fonte e a obra de chegada. Tendo isso claro, torna-se mais fácil compreender as mudanças significativas na criação/caracterização das protagonistas que, se não fossem duas moças virgens grávidas, poderíamos facilmente dizer que são advindas de histórias completamente diferentes. Para que pudéssemos comparar com mais precisão, dividimos a análise das personagens em duas grandes categorias de características: físicas e sociais e de personalidade. Apontaremos nossas observações acerca de Jane e Juana, ilustrando com cenas e diálogos aquilo que nos pareceu pertinente para a compreensão dos nossos repertórios dentro dos recortes preestabelecidos. Como todo o trabalho até aqui, começaremos pela série e, em seguida, falaremos da telenovela.

3.1.1.1 Características Físicas

Para começarmos esse tópico, precisamos conhecer um pouco sobre as atrizes que interpretam Jane e Juana e como suas características corporais e, também, a caracterização, interferem na percepção das personagens. 97

Jane Gloriana Villanueva é interpretada pela atriz estadunidense de origem porto-riquenha Gina Rodriguez. Gina está atualmente com 34 anos, contava com 29 ao interpretar Jane, e, apesar de ter nascido nos Estados Unidos, é ativista na causa do povo latino-americano que sofre com preconceitos e “apagamentos” no cotidiano e, principalmente, na indústria hollywoodiana. Em entrevista ao programa Good Morning America, do canal ABC16, em agosto de 2018, a atriz comentou sobre uma placa que carregou durante a Women’s March17 com os dizeres “I’m the EDUCATED LATINA you’ve been WARNED about”, explicando que é assim que ela se sentiu a vida inteira. Ela sabe que é a latina estudada que as pessoas deveriam ter sido alertadas sobre, porém “you haven’t been warned about us, because you don’t think we exist, except we do. And so that’s a nice reminder to let everybody know especially right now during the administration’s attack on latinos accross the country”.

Figura 13: Cartaz carregado pela atriz na Women’s March. Fonte: .

Esse é apenas um dos inúmeros exemplos da postura da atriz em entrevistas e declarações em relação à cultura latino-americana. Ela usa seu espaço e visibilidade como porta-voz de seus “culturalmente conterrâneos” e das dificuldades enfrentadas por eles, principalmente agora durante o governo de Donald Trump.

16 Fonte: . 17 Manifestação liderada por mulheres que ocorreu em janeiro de 2017 em Washington D.C. em prol do direito das mulheres, da comunidade LGBT, de imigrantes, de questões ambientais, trabalhistas, raciais, entre outras. 98

Entender o posicionamento político de Gina Rodriguez nos dá pistas dos possíveis motivos que a tenham a ser escolhida para interpretar Jane. Mesmo que estejamos dentro do tópico sobre características físicas, entender um pouco do background da atriz nos ajuda a perceber melhor trejeitos, postura, entonação de voz e escolhas interpretativas que ela deu à personagem, que veremos mais adiante. Em Jane, the virgin, a protagonista é claramente composta fisicamente para representar alguém calma e sonhadora. Isso pode ser percebido pelo uso de maquiagem leve, com bastante realce aos cílios e à sobrancelha fina (que remetem à certa inocência ao aumentar o olhar e suavizar as expressões) e também a escolha por cabelos ondulados com pontas levemente mais claras que proporcionam uma aura mais romântica clássica, com um toque contemporâneo e despojado dado pelas mechas douradas.

Figura 14: A atriz Gina Rodriguez. Fonte: .

Gina Rodriguez possui 1,60 de altura, pele morena, cabelos cacheados, olhos castanhos escuros e um corpo bem curvilíneo, características que respondem aos padrões estereotipados em relação à aparência do povo latino-americano, decorrentes de um imaginário racializado de povo “mestiço”. Apesar de não haver uma exploração imagética dessas características físicas da atriz, sua figura 99

corresponde àquilo que a indústria cinematográfica hegemônica entende por “mulher latina”18. Sobre o figurino, Jane possui uniforme em seu trabalho como garçonete, que consiste em um vestido estampado justo e curto, mas fora desse ambiente, costuma usar camisas folgadas claras com saias curtas ou vestidos rodados e acinturados. Saindo de Hollywood para os estúdios da RCTV na Venezuela, encontramos Daniela Alvarado, que atualmente está com 37 anos e interpretou Juana, que na história tem 17 anos, aos 20 anos. Filha de atores venezuelanos, iniciou sua carreira de atuação aos 04 anos de idade. Desde 1995 atuava em telenovelas, sendo em 1997 sua estreia como protagonista em A todo corazón, sua trajetória é composta de grande sucesso de crítica e público no país. Daniela Alvarado possui 1,60 de altura, pele clara, cabelos lisos, olhos esverdeados e um corpo longilíneo. Na caracterização, as sobrancelhas são mantidas mais cheias e expressivas trazendo um ar de rebeldia e firmeza. O cabelo liso com corte reto na altura dos ombros dá a impressão de uma pessoa destemida e de personalidade forte, que não se importa tanto com vaidade.

18 Ainda sobre os estereotipos da mulher latina em Hollywood: . 100

Figura 15: A atriz Daniela Alvarado em 2002. Fonte: .

Grande parte do tempo, Juana aparece usando o uniforme escolar, camiseta da escola e calças jeans. Junto a isso a menina usa pulseiras de couro e poucos acessórios, que podem ser considerados “masculinos”. No início da telenovela, o estilo da personagem remete à rebeldia com jaquetas em jeans e em couro, camisetas com estampas pequenas e mochila, além do capacete que ela carrega por possuir uma motocicleta. As diferenças na caracterização das protagonistas na obra fonte e em sua adaptação nos levam a considerar alguns pontos a respeito da representação latino- americana pelos produtores estadunidenses e também em relação à autorrepresentação que os produtores venezuelanos buscaram transmitir na telenovela. Escolher uma atriz com “aparência latina” denota o desejo da série estadunidense em demarcar essa “latinidade” e, talvez, de desvelar sua relação com a obra fonte, até mesmo como uma paródia de um produto já existente em outra região do planeta e que, apesar de sua popularidade local, ainda é marginalizado em relação ao mainstream. Por outro lado, a escolha da produção venezuelana por uma atriz com características físicas reconhecidas como decorrentes de uma origem europeia: pele clara, olhos claros, cabelo liso, corpo longilíneo, nos faz pensar acerca das implicações identitárias dessa representação. Se por um lado a escolha de Daniela Alvarado, com traços físicos e beleza que atende a padrões eurocêntricos, nos leva a inferir que as telenovelas latino- americanas buscam inserir elementos mais globalizantes em seus contextos locais, que podem ter relação com a intenção de exportar o produto para outros países. Por outro lado, podemos ler essa representação como um apagamento da presença e das raízes negras e indígenas, algo já bastante evidente e discutido em relação às telenovelas brasileiras. Na história das protagonistas brasileiras há uma recorrência do padrão de beleza eurocêntrico e personagens que saem desse padrão geralmente participam da trama como empregados, fazem parte do núcleo cômico ou exercem papéis menores no sentido da servidão ou de algo que beira ao grotesco. Atualmente, percebe-se um esforço para melhorar essa situação em favor de uma maior diversidade de representações, mas em 2002, época da produção de Juana, la virgen, a situação seguia esse modelo na maioria dos países latino- americanos. 101

Já a protagonista Gina Rodriguez, com suas características “latinas”, assegura logo à primeira vista que a série gira em torno de uma personagem latino- americana ou de ascendência latino-americana. Há, no entanto, o cuidado de não repetir uma representação sexualizada e sensualizada tão recorrente nas representações de mulheres latino-americanas. Tal representação é também um lado um esforço televisivo para contemplar a audiência latino-americana estadunidense em uma perspectiva multiétnica. Para o enredo de ambas as produções, as características físicas parecem não interferir no desenrolar das histórias já que, dentro dos recortes analisados, não encontramos nenhuma menção a preconceito ou situação em que a aparência física fosse uma questão de destaque positivo ou negativo. Mas, dentro do contexto social em que as obras estão inseridas, essas escolhas mostram-se relevantes no sentido da validação e reafirmação cultural de modelos e padrões, do entendimento de nosso lugar no mundo e da necessidade de lutar por maior diversidade de representações.

3.1.1.2 Características sociais e de personalidade

Apesar de Juana nos ser apresentada logo no primeiro capítulo da telenovela como uma ótima filha, aluna exemplar e estudante dedicada, sua personalidade difere bastante da personalidade criada para Jane na série. Jane apresenta qualidades gerais bem parecidas com as de Juana, mas possui um jeito de lidar com o mundo, sua família e as adversidades bem mais calmo e complacente que sua versão venezuelana. Devemos lembrar que na telenovela a protagonista tem apenas dezessete anos e na série a idade foi alterada para vinte e três anos, o que, inclusive, demonstra um cuidado (ou até preocupação) com o político e socialmente mais aceito. Tendo em vista que dezessete anos é considerado menoridade em ambos os países, a telenovela torna-se mais polêmica e até reflexiva sobre problemas sociais (como a gravidez na adolescência) já que, além do tema “erro médico”, conta a história de uma adolescente que acaba grávida de um adulto desconhecido, tornando o problema ainda mais grave. Essa premissa é deixada para trás na série que, ao evitar abordar um tópico tão controverso, perde também a oportunidade 102

conscientizadora e educacional. Em Jane, the virgin, o enredo é baseado apenas no caráter inusitado da situação que, mesmo sendo complicada, ainda é mais leve do que se envolvesse menor de idade, e essa mudança de foco dá espaço para mais comicidade, gerando piadas acerca do absurdo. O fato de Juana ter dezessete anos e Jane vinte e três também pode ser um dos fatores que influenciou a mudança de postura das personagens em ambas as produções, tendo em vista questões como adolescência e juventude. Ao longo desse tópico, ilustraremos tais diferenças para posterior discussão. A fim de perceber melhor as protagonistas, suas características de personalidade e relações sociais, nesse tópico, traremos exemplos do primeiro episódio da série e dos primeiros capítulos da telenovela, que, dentro do nosso recorte, são os que mais apresentam momentos que ilustram suas individualidades.

3.1.1.2.1 Jane, a virgem complacente

Na primeira cena em que Jane aparece já adulta aos beijos com o namorado Michael na cama, ela olha para a flor branca amassada em um quadro na parede (lembrança da promessa feita à sua avó, quando ainda era criança, de manter a virgindade) e diz que eles devem parar naquele momento. A protagonista é católica e temente a Deus, mas principalmente é temente à sua avó e quer manter-se obediente aos princípios que lhe foram ensinados no passado. A apresentação da personagem e de sua história na série conta com a participação ativa de um narrador em off onisciente que possui sotaque latino- americano e um modo de falar bem dentro do estereótipo de “amante latino”. Esse narrador, que se mantém desconhecido até o último episódio da série19, em sua quinta temporada, é responsável por adicionar comicidade à narrativa por meio de seus julgamentos, comentários ácidos e revelações sobre a trama que nos dão a sensação de estarmos assistindo a uma telenovela sentados ao lado de nossa própria consciência e também da consciência das personagens.

19 O episódio chamado “chapter one-hundred” foi ao ar no dia 31 de julho desse ano nos Estados unidos e revelou que durante toda a trama, o narrador era Mateo, filho de Jane e Rafael, no futuro, lendo as memórias da protagonista, que tornou-se escritora. 103

Apesar da “latinidade” incorporada pelo narrador, a presença de um narrador era um recurso recorrente nas telenovelas da década de 50, sendo uma herança da soap opera, e que

[...] era parte da estrutura fundamental, pois as novelas não eram exibidas diariamente, e havia um longo espaço entre a exibição de cada capítulo. Logo, a função do narrador era deixar o telespectador a par da trama principal, para que este pudesse acompanhá-la. O narrador tinha a função instigar a curiosidade do telespectador a ver o próximo capítulo, deixando pistas do que poderia acontecer. Outro elemento a ser destacado é que os recursos imagéticos não davam conta de representar significativamente toda a história, cabendo a ele comentar as cenas e os personagens (COSTA, et. al., 2012).

Assim como as telenovelas dessa época, a série não possui exibição diária, mas o propósito do narrador nesse tipo de produção mais recente não está ligado à necessidade de criar ganchos ou descrever cenas. No caso de Jane, the virgin, o narrador aparece como um personagem onisciente e onipresente, o que é comum em soap operas e, como relata Robert A. Allen (1995, p. 369), em To be continued – soap operas around the world, é usado com a intenção de fornecer o discurso dominante, orientar e levar o espectador a um entendimento "adequado" de temas e eventos. Nesse sentido, as intervenções do narrador ao longo da trama são pensadas para conduzir o telespectador pela linha interpretativa cômica, possibilitada pelo absurdo da situação, evitando que se torne um drama como sua obra de origem. O narrador também reforça a latinidade que a produção busca representar por meio da sua forma de falar, a escolha da entonação de voz, do sotaque e do ritmo na colocação das palavras. O primeiro exemplo dessa atuação está em um flashback que explica o ritual da flor que a Alba fez com Jane, em que as personagens são apresentadas e o narrador aponta: Narrador: It should be noted that at a mere ten years old, Jane’s passions include, in no particular order, her family, God and grilled cheese sandwiches (transcrito da série pela autora). Adicionar a frase “in no particular order” é uma forma de fazer graça durante um momento sério, já que insinuar que a jovem Jane poderia amar sanduíche de queijo mais que Deus ou sua família não possui caráter descritivo ou imprescindível para a cena, mas é um juízo de valor que o narrador faz da menina e da situação absurda criada pela avó envolvendo religião e valores familiares. 104

Em um momento seguinte, Alba e Xiomara estão assistindo a telenovela fictícia The Passions of Santos, enquanto Jane despede-se de Michael. Alba aumenta o volume da televisão fazendo com que a trilha da telenovela, a canção “Una flor”, do cantor colombiano Juanes, torne-se trilha dos beijos do casal que está na varanda, a fim de avisar a neta que o capítulo está começando:

Jane: Ay, ay, ay, at least you could turn it down. Alba: para tu saber que está empezando, come tu cachito de grilled cheese, mi hija. Xiomara: Mom, she doesn't have to watch if she doesn't want to. Jane: Of course I'm gonna watch. You guys got me hooked on these things. But you really have to know telenovelas have ruined romance for me (transcrito da série pela autora).

Jane usa “arruinar o romance” no sentido de que agora ela acredita em finais felizes e casais perfeitos e, apesar de saber que isso não existe na vida real, as telenovelas tornaram-na uma romântica incurável. Já em seu emprego no hotel, outra característica de Jane nos é apresentada por meio do seguinte diálogo:

Colega de Jane: Maybe Michael's gonna propose. My sisters say guys get all cheeseball before they propose. Jane: No way. We have a timeline, all right? I haven't gotten my teacher's degree yet. We just merged our calendars... Colega de Jane: You've been dating for two years and you haven't boned. He might move up your timeline (transcrito da série pela autora) Jane sorri disfarçando.

Nesse excerto, Jane mostra-se focada, determinada em relação ao seu futuro e também extremamente organizada já que, junto de seu namorado, estão com os planos para o casamento decididos e, dependendo de sua vontade, eles não mudariam. Jane parece ser rígida quanto às regras relacionadas ao seu relacionamento e à promessa feita à avó e para isso ela conta com a compreensão de seu namorado, Michael Cordero, que é um estadunidense detetive de polícia de 29 anos, e namora a protagonista há dois anos, respeitando sua decisão de manter- se virgem até o casamento. 105

Figura 16: Jane em um enquadramento que denota o caráter religioso de sua escolha. Fonte: frame gerado pelas autoras.

Na cena seguinte, Jane está vestida de sereia na borda da piscina servindo champanhe para os convidados de uma festa no hotel e comenta para seu colega: “I don’t believe we have to do this”, mas segue trabalhando, já que uma de suas características é o esforço pessoal. Porém, quando Jane vê Rafael aproximando-se dela, ela pula na piscina e foge, pois reconheceu o chefe, que foi uma paixão do passado e ela não pretende encontrá-lo pois sente-se envergonhada. Logo após o acontecido, esse amor platônico que a protagonista sentiu no passado pelo galã é comprovado em um diálogo com sua colega:

Jane: Hey, do you remember a guy named Rafael Solano when we worked at the yacht club? He was, like, a member. Colega de Jane: The jerk you had a monster crush on? Jane: I didn't have a monster crush on him. (ficando corada) Colega de Jane: We talking about the same guy? You had a magical kiss. Outra colega: Who'd you have a magical kiss with? Jane: No one. I was young. It was nothing. (transcrito da série pela autora)

A entonação usada pela atriz ao dizer que “não foi nada” faz crer que, na verdade, aconteceu exatamente o contrário, pelo menos da parte da protagonista. Jane sai para levar bebidas para outro local, onde novamente encontra Rafael:

Rafael: You look familiar. 106

Jane: Really? Hmm. I'm not sure. (nesse momento uma trilha sonora romântica começa a tocar e Jane fica surpresa/sem jeito) Rafael: No, I really think we've met. Jane: I don't usually wear clamshells. Rafael: Oh. The strip club on Biscayne? Jane: Jerk. (transcrito da série pela autora)

E o clima de romance que, pelo que a composição da cena, atuação da atriz e a sonoplastia dão a entender, ocorreu apenas na cabeça da protagonista, acaba. Rafael Solano tem trinta e um anos, nasceu na Itália e é apresentado pelo narrador como “mulherengo e dono de hotel, ex-playboy e atualmente marido enrolado”. No início da série, ele está casado com Petra, de quem está planejando pedir o divórcio, apesar de não querer repetir a história de seus pais (sua mãe foi embora quando ele era criança, deixando-o com seu pai e sua irmã Luisa). Petra também se manteve ao seu lado durante o tratamento contra o câncer, que recentemente havia sido finalizado e, por isso, apesar de não a amar mais, ele tem dificuldades de terminar a relação:

Rafael: I don’t know, Luisa. Luisa: Alver: Raf, if you’re not happy, end it. Rafael: It’s hard. Petra stood by me. Luisa: I know. But that doesn’t mean that you owe her your whole life. Look, you’ve changed, I mean, of course you did. If you didn’t change, then I’d be worried about you. And you know what? It’s a good thing, because you were so insufferable before. (transcrito da série pela autora)

O passado de Rafael não é exibido nos episódios de nosso recorte, mas as insinuações das personagens ao seu redor indicam que ele não era uma boa pessoa até passar pelo tratamento contra o câncer. As dificuldades enfrentadas pelo galã fizeram com que ele mudasse sua forma de pensar e agir e ele fala sobre isso com seu amigo:

Rafael: I want it. Roman Zaz: The kid? Rafael: An unexpected by-product of cancer. They should put that in the manual, right? Being told you can’t have kids will lead to you really wanting them. (transcrito da série pela autora)

Já no consultório, onde o erro que será o motor de toda a história acontece, é possível perceber mais uma característica de Jane: o altruísmo. Dra. Alver chega para atendê-la chorando e Jane mostra-se genuinamente preocupada com a situação da médica. 107

Jane: Dr. Alver, are you sure you're okay? Dra. Alver (chorando): I'm sorry. I'm so sorry. Oh, my God, this is so unprofessional. I'm-I'm... I'm just going through some personal problems. Jane: I'm sorry. Dra. Alver: Hey, we all have 'em, right? Jane: Yeah, you know what? Like, if you want me to come back, maybe I can just... Oh, okay… You're starting. (transcrito da série pela autora)

Após a inseminação, a médica complementa:

Dr. Alver: Good luck, and again, I'm... I'm so sorry for... Jane: No. No, it's okay. And I hope that everything turns out okay for you. (transcrito da série pela autora)

Jane estava comovida com a situação da médica e não pensou, naquele momento, que uma pessoa tão emocionalmente abalada poderia cometer algum erro, o que demonstra certa inocência. Com sua personalidade bondosa, seu principal pensamento acerca daquela situação era de esperança de que a médica se sentisse melhor. Em outra cena, dentro do ônibus, Xiomara flerta com um rapaz e o convida para seu show. Jane olha para a mãe com ares de julgamento, o que revela sua postura um tanto antiquada com relação às mulheres de sua idade. É possível perceber que o ensinamento rígido de sua avó sobre relacionamentos realmente também faz parte de suas crenças. Ainda no ônibus, ao ver duas freiras idosas entrarem, Jane imediatamente pede para sua mãe que as duas deem seus lugares, o que, mais uma vez, reforça o caráter altruísta que a personagem vem demonstrando. Após passar mal, ir parar na emergência e ser avisada de que está grávida, Jane solta uma gargalhada, porém, ao repetir o teste e confirmar a situação e discutir brevemente com o médico, ela resolve ligar para a clínica onde ela achava que havia feito um exame duas semanas antes. Jane: Hi. Hello. This is Jane Villanueva. I need to talk to Dr. Alver, because I have a crazy doctor saying that I'm pregnant (transcrito da série pela autora). A reação de Jane (diferente da de sua mãe, que discutiremos no próximo tópico) é de imediata certeza de que houve um erro médico. Até então, ela não se sente culpada ou vítima, apenas está obstinada a esclarecer a situação que lhe 108

parece irreal. Por isso, mãe e filha vão ao consultório de Dra. Alver, onde descobrem a verdade:

Jane: Dr. Alver, hi. Thank you for seeing me. It's the craziest thing, right? These pregnancy tests keep coming back positive, and there's got to a reason. Right? Like some kind of hormonal thing or... Dra. Alver: There is a reason, and the reason the tests came back positive is... I accidentally inseminated you two weeks ago. Jane e Xiomara: What? You what?! Dra. Alver: It was a mistake. I made a mistake. And there was only a-a 20% chance that it would take, so I-I thought that you would never know, but things turned out differently (transcrito da série pela autora).

Nesse momento, em uma espécie de estado de choque, Jane tem uma visão de Santos (Rogelio de la Veja), personagem da telenovela que ela acompanha com sua mãe e avó. Ele a acalma falando de forma bastante impostada e caricata:

Santos: Todo va a estar bien. Respira profundo... Inhala, exhala. Inhala, exhala. Sé exactamente cómo te sientes, cuando descubrí que mi más sincero y profundo amor é en realidad mi media hermana fruto de la doble vida prohibida de mi padre, quede desolado! Pero yo voy superalo, Jane, y tu superarás esto (transcrito da série pela autora).

Além da aparente comicidade criada pela atuação exagerada de Jaime Camil, ator que intérprete de Santos/Rogelio De La Veja, a cena demonstra a capacidade criativa e a face sonhadora de Jane, que usou de uma breve ilusão para conseguir acalmar-se diante de uma notícia devastadora. Enquanto isso, Xiomara discute com a médica, que dá a Jane a seguinte informação:

Dra. Alver: There's options. This is a prescription for a pill that you could take. Um, of course, you are under no obligation to consult with the father, but he does know. Jane: The father… (transcrito da série pela autora).

Ao ser lembrada de que existe um pai nessa história, Jane fica atordoada e sai da sala. Alguns motivos levaram a essa reação: ela não saber quem é seu pai e ter passado a vida curiosa sobre o assunto e o fato de que outra pessoa, que ela não conhece ainda, também tem interesse nesse feto e que sua decisão afetará não apenas a sua vida, mas também a de outrem. Outro fato interessante a ser percebido nessa cena é que, apesar de ser a mais prejudicada, Jane por algumas vezes pediu que a mãe se acalmasse, apaziguando uma possível discussão. Sua personalidade é, também, pacificadora. 109

Em outro momento, em uma conversa com sua mãe, Jane mostrou-se dura, porém, logo após ter falado algumas verdades, já se arrependeu e pediu desculpas.

Xiomara: Let's talk, Janie. Jane: Mom, I'm not in the mood, all right? I got a big test coming up, I just want to study. Xiomara: But baby, I know how you feel. I was 16 when I got pregnant with you and I was so scared. Jane: You were irresponsible. You got pregnant because you were irresponsible. I don't even have a dad. And I've done everything right... my whole life, I've tried to do everything right so that I'd... Xiomara: So you won't turn out like me. Jane: I told you I didn't want to talk (transcrito da série pela autora).

Aqui, Jane demonstra que apesar de parecer (e ser em alguns momentos) inocente, ela é ciente de tudo que acontece e aconteceu em sua vida, mas escolhe ser calma e delicada com os outros e seus problemas. Ainda sobre a vida diferente da de sua mãe que ela batalha para ter, ela fala a Rafael, quando explica seus motivos para interromper a gravidez, mostrando-se autoconsciente e determinada.

Jane: Look, I know that the reasons for me wanting to end the pregnancy are so selfish, that I'm not ready, that this wasn't the plan, that I have worked so hard every second so that my life was different than my mother's. I was an accident, and I know my mom loves me. But I also know that in some ways, I derailed her life. I don't want my kid to feel like that. Ever. I want to be ready (transcrito da série pela autora).

O desejo de Rafael é claro, mas, sua postura sobre o assunto bastante madura quando ela diz que gostaria de interromper a gravidez por não estar preparada para ser mãe. Jane fala de suas preocupações, com as quais ele concorda, dizendo que suas afirmações fazem sentido, e fica angustiado com sua tristeza. Quando liga para sua esposa para contar a decisão de Jane, ela diz que tomará conta do assunto e jogará a “carta do câncer”, que significaria contar para ela sobre seu problema de fertilidade, Rafael é firme e pede que Petra não faça isso de forma alguma. Petra contraria as recomendações do marido e faz com que a médica informe Jane da situação do pai do seu filho. Depois de uma conversa sincera com sua mãe e avó sobre o passado e da ligação da Dra. Alver contando sobre a situação de Rafael e sua impossibilidade de ter outros filhos biológicos, ela começa a analisar a opinião de todas as pessoas ao seu redor sobre o assunto e decide ter a criança. 110

Ao final do primeiro capítulo, ela toma uma atitude que representa uma de suas mais fortes características: ser romântica e sonhadora. Ela acredita que Rafael e Petra são, na verdade, um casal feliz, ela acredita que conseguirá ser feliz com Michael depois de doar seu filho para eles, ela acredita em finais felizes. Por isso, ela vai até o escritório de Michael e o pede em casamento com um discurso completamente romântico e até um pouco “careta”, em um vestido rosa, com uma flor branca no cabelo, em uma cena repetindo a trilha sonora do início da série e com iluminação amarela, quase envelhecida, que reforçam o romance e a inocência.

Figura 17: Jane logo após pedir Michael em casamento no primeiro episódio. Fonte: frame da série captado pelas autoras.

Essas são algumas cenas que ilustram as principais características de Jane que percebemos dentro de nosso recorte analítico. Apesar de obstinada, dedicada e trabalhadora, na maioria das vezes, a protagonista pode ser interpretada como uma pessoa sonhadora, romântica e otimista com uma personalidade calma e complacente, quase beirando a subalternidade em muitos momentos.

3.1.1.2.2 Juana, a virgem rebelde 111

A história de Juana começa a ser contada de forma diferente, apresentando aos telespectadores aquilo que seria a representação de um sonho da personagem. Nele, Juana é uma cantora famosa, que faz shows para grandes públicos, recebe fãs e dá autógrafos. Esses primeiros frames já apontam para indícios de um caráter ambicioso e ousado.

Figura 18 Manuel, Juana e Ana María durante discussão no café da manhã. Fonte: frame da telenovela captado pelas autoras

Já na cozinha, durante o café da manhã, Juana repreende sua mãe por ter demorado a levantar porque ela possui uma aula importante naquele dia e agora está atrasada. Juana soa rigorosa, quase autoritária, ao tratar sua mãe com firmeza e logo em seguida ao rebater comentários machistas de sua avó Azucena com argumentos contundentes. Sem hesitar em momento algum, mesmo em uma discussão com uma pessoa mais velha e “chefe” de sua família, Juana defende seu ponto de vista:

Juana: Mira, dejar la tontería, porque para tuyo partido nada es para hombre ni para mujeres, excepto por lo examen que me hicieran a ir… Ana María: Verdad, hoy tienes el examen con el ginecólogo… Juana: Para mi no me gusta que nadie ni ningún me este tocando… Ana María: Juana, por favor, no es alguien, es un médico y no vamos mas hablar del asunto, no? Juana: Es que no me gusta, no me gusta! Entiende? No me gusta! Y si no fuera por la biología, se no fuera pela biología, entiéndelo bien, mamá, nada nos diferenciaría a los hombres! 112

Azucena: Deja de hablar tonterías, la mujer y el hombre desde que nacen son diferentes y no sólo en cuerpo, sino en pensamiento, en sentimiento y sobre todo en comportamiento! Juana: Dejame, por favor! Estamos en otro año, otra era, otro siglo! Que es eso? Nosotras tenemos los mismos derechos que los hombres y vamos hacer mejores cosas que elles! (transcrito da telenovela pela autora).

A postura de Juana, claramente feminista, vai contra as acepções de sua avó, mas nem por isso ela teme defendê-la e o faz em diversos momentos com um tom quase agressivo, de quem já está cansada de discutir o assunto. Alguns instantes depois, ainda na cozinha, Manuel oferece-se para lavar a louça e Juana mostra sua face irônica, debochada e audaciosa: Juana: Ay, por favor, si hablo el hombre… Yo friego! Yo friego! (transcrito da telenovela pela autora). Juana fala isso para o tio em tom de brincadeira e como forma de provocação para as colocações anteriores de sua avó, que segue irredutível em suas convicções. Apesar de não ser desrespeitosa em nenhum momento, a protagonista foge um pouco àquilo que se espera do comportamento em relação a pessoas mais velhas. A caminho da escola, a sós com sua mãe, Juana apresenta um bom senso de justiça ao explicar para ela que, apesar de discutirem muito, é preciso entender e relevar o discurso antiquado de Azucena. Percebemos então que, apesar da animosidade da discussão anterior, o objetivo de Juana não é humilhar ou ofender a avó, mas, sim, tentar “educá-la” sobre seus direitos enquanto mulher. A protagonista demonstra ter a percepção de que pessoas mais velhas requerem paciência no tratamento o que, apesar da aparente rebeldia, denota extrema maturidade sobre o assunto. Sua motocicleta possui um nome próprio “Pitusa”, a qual ela trata como pessoa, falando e pedindo para que funcione quando está falhando. A relação com a moto é uma face cômica da personagem e seus diálogos são sempre seguidos de uma sonoplastia que busca induzir ao riso. É interessante perceber que, nessa apresentação inicial, a protagonista é exposta como uma pessoa que está sempre com os ânimos alterados, como se fosse uma espécie de “selvageria interior”. Ela também é muito sagaz e sempre tem boas respostas às provocações que parece estar sempre recebendo. Essas provocações, inclusive, advêm dessa sua personalidade forte e combativa. 113

Nem um pouco discreta ao defender seus ideais, Juana não tem medo de provocar escândalos, fala alto, gesticula bastante e provoca debates toda vez que se sente incomodada com algo, como quando Mick, seu ex-namorado, veio perturbá-la:

Mick: Tu que eres una chica tan moderna y tan revolucionaria para tantas cosas cuál es tu rollo en estos asuntos de hombre y mujer? Juana: Yo no tengo ningún rollo, me dejas en paz! Mick: Entonces será que está guardando para el hombre con el que te vas a casar, verdad? Juana: Qué?!20 (transcrito da telenovela pela autora).

Lili, amiga de Juana, pede a ela que lhe conte sobre a discussão que teve com Mick no corredor da escola mais cedo e Juana, irritada, diz:

Juana: Ay, Lili, es que estoy cansada, cansada de aquella gente que me ve como un fenómeno porque soy virgen! Lo peor de todo es que creen que lo hago por moralista, porque estoy esperando para casarme con mi príncipe azul y no es así, yo no creo en esa estupidez! (transcrito da telenovela pela autora).

Juana sente-se incompreendida pois acha que todos a tratam diferente por conta de sua escolha e, para ela, isso não deveria nem discutido, mas não por vergonha ou repressão, mas, sim, por ser direito dela como mulher decidir o que faz e deixa de fazer. É nítido que ter um discurso feminista aos dezessete anos na Venezuela em 2002 (e por que não até hoje?) era algo extremamente desgastante e que demandava bastante energia e paciência das mulheres. Juana, com sua personalidade inquieta, não conseguia não se revoltar diante das opiniões machistas presentes em todos os ambientes que frequenta. Alguns personagens a taxam de louca por isso, mas, ao telespectador mais atento, fica claro que ela apenas possui fortes convicções e luta em nome delas. Outra característica de Juana é a responsabilidade para com os outros, sua dedicação ao time de futebol da escola é notória pois, mesmo após ter passado mal, ela não quer deixar suas colegas na mão durante um jogo do campeonato. Sua

20 É interessante perceber que na versão original disponibilizada pelo canal oficial RCTV no YouTube a cena termina com essa fala e, na versão dublada transmitida no Brasil e disponibilizada no mesmo site, a cena continua com essa fala de Juana: Vocês homens devem se achar muito importantes para nós mulheres, eu não posso acreditar no que estou escutando, o que é isso? Me diz o que eu estou guardando com tanto esforço? 114

dedicação, inclusive, é tamanha que a fez conseguir uma bolsa para estudar em Los Angeles e, ao falar dessa conquista, ela deixa claro suas prioridades para a vida:

Juana: Mamá! Me gane la beca! Me voy a estudiar! Tu te imaginas cuando yo regrese con ese diploma que diga Juana Perez, vamos poner así en la casa! Tu te imaginas! Ahí sí yo voy buscar alguien que me quiere, me voy a casar y tener muchos hijos! (transcrito da telenovela pela autora).

O estudo e o crescimento pessoal são questões primordiais na vida da protagonista e, por isso, o plot da história torna-se ainda mais dramático porque a princípio tira dela grande parte das suas metas, que são frisadas o tempo inteiro. E o plot acontece também por um erro médico que poderia ter sido evitado se Juana possuísse mais conhecimento sobre temas como educação sexual. Por estar com medo do exame preventivo, que realizaria pela primeira vez, pede ao médico que não fale nada sobre os procedimentos que realizará e, nessa falha de comunicação, ela acaba sendo inseminada artificialmente por engano. Ao receber a ligação confirmando a gravidez, Juana esconde a informação de sua família, ao tentar disfarçar sua expressão de pânico e decepção. Sua avó e seu tio indagam sobre o que está acontecendo, mas a garota insiste que nada de errado. Juana vai ao banheiro e começa a lembrar das palavras que acabara de ouvir no telefonema enquanto chora olhando-se no espelho: “Embarazada, en definitivo estás embarazada!”. Juana: No, no, no puedo! No puedo! Es imposible! Como ocurrió eso de estar embarazada? Tiene que haber un error! (transcrito da telenovela pela autora). Seu tio Manuel vem checar a garota que diz que está tudo bem, mas que precisa sair para um compromisso. Essa vontade de lidar com o fato sozinha condiz com a sua personalidade independente. 115

Figura 19 Juana vai à clínica tirar satisfação. Fonte: frame da telenovela captado pelas autoras

Juana vai à clínica onde foi atendida e a médica explica que ela realmente está grávida e até mesmo começa explicar para ela sobre métodos anticoncepcionais e os riscos de fazer sexo sem proteção. A protagonista rebate, em prantos, que ela é virgem e busca encontrar, de acordo com sua personalidade bastante racional, explicações lógicas para o que está acontecendo com ela:

Juana: Mira, a mí en el colegio me llaman “Juana, la virgen”, ve? Porque tengo fama de que conmigo no llega ni a primera base, usted me está entendiendo? Usted entiende lo que yo le estoy diciendo? Ya el médico piensa, bueno, que soy una mentirosa, que soy una niñita mentirosa que tiene un problema y que ahora está inventando algo para salir de él, pero no es así! Y más, yo lo propongo algo: vamos buscar a un médico que deme algún examen para comprobar para que tu me crea que yo lo soy virgen! Médica: Yo no necesito que me comprobé nada! Juana: Pero yo sí! Perdón! Ahora no sé ni cómo me llamo! Será que yo soy esas personas que tiene doble personalidad y hace una cosa en la noche y a la mañana no se acuerda? Médica: No, claro que no! Juana: Entonces, por favor, Dios, yo se lo suplico! A mí no me puede estar pasando eso! Ayúdame, por favor, ayúdame! (transcrito da telenovela pela autora).

Juana é persistente em seu pedido porque precisa de uma explicação plausível, pois ela é bastante autoconsciente e essa confusão põe tudo que ela é e almeja ser em jogo, tanto que ela chega a duvidar de sua sanidade mental. Ela explica quem ela é e segue procurando razões lógicas para sua atual situação: 116

Juana: Mire, aquí, no me gusta verme así, descompuesta como estoy. Yo soy buena alumna, yo soy muy buena alumna y tanto que me gané una beca para estudiar en los Estados Unidos, viajar a el exterior, y por eso fue que me veni a hacer un examen de sangre porque están esperando allá. Médica: Calmate! Juana: Yo no me quiero calmar! Perdón, es que yo no me puedo calmar porque usted me dice que yo estoy embarazada. Yo entiendo eso, yo entiendo que tu ha me dicho que estoy embarazada, que hizo el examen dos veces y que salió que yo estoy embarazada, eso yo lo entiendo! Lo que pasa es que como fue que pasó? Lo único que se me ocurre es como una historia de esas de película, de televisión… Será que a mí me drogaron y fue ahí donde pasó todo, fue donde perdí mi virginidad? (transcrito da telenovela pela autora).

O desespero de Juana está, principalmente, no fato de que ela tem certeza de que é virgem e que o que está acontecendo com ela é impossível e ilógico. Após ter feito um exame que comprova sua virgindade, ela sai da clínica e vai à igreja buscar respostas e conforto. Sua relação com Deus e a igreja é de uma fé genuína e afável e não de temor ou de medo de castigos. Quando finalmente, no capítulo 21, Juana descobre que foi vítima de um erro médico, sua reação é de completa indignação e revolta.

Manuel: Yo sé que esto no resuelve el problema, Juana, pero por lo menos tu inmaculado embarazo ya tiene una explicación lógica! Juana (chorando muito): No puede ser! Es tan injusto, Manuel! Dame tanta rabia! (transcrito da telenovela pela autora).

3.1.1.2.3 O que há de comum e diferente entre elas?

Essa breve descrição das protagonistas a partir de suas falas e de seus comportamentos nas partes iniciais das duas obras traz algumas questões comparativas importantes acerca de suas construções e do que isso significa em nosso trabalho. O primeiro fato importante que podemos perceber é como a questão da virgindade é tratada em ambos os casos. Na versão original, Juana se mantém virgem apenas porque quer, não há questões religiosas ou ideológicas atreladas a essa decisão. Ser feminista é apenas algo a mais que dá embasamento a sua convicção de que a mulher pode fazer o que quiser. Sua mãe também a teve quando adolescente, assim como acontece em Jane, the virgin, mas, diferente da série, a preocupação de não repetir os “erros” da 117

mãe não é algo que influencie Juana, apesar da insistência de sua avó em tocar nesse assunto toda hora. Ela não gosta que sua escolha seja tópico de conversas de terceiros e não gosta de ser tratada diferente por conta disso. Tal sentimento não tem a ver com vergonha ou preconceito, ela apenas acredita que assuntos particulares como esse não deveriam ser discutidos por outrem. Já a virgindade de Jane envolve tabu religioso, trauma e medo. Sua avó a fez acreditar que sexo era algo errado desde muito nova, em um ritual certamente assustador para uma criança, que envolvia uma flor branca e palavras de ordem sobre a importância de esperar pelo casamento. Jane tem vontade de fazer sexo, mas não quer desapontar sua avó quebrando a promessa feita na infância. Ela também não quer repetir os passos de sua mãe, pois, apesar de sentir-se amada, acredita que seu nascimento atrapalhou a vida dela. O “manter-se virgem” em Jane, the virgin traz ainda a questão religiosa de esperar o casamento. Na série, a protagonista segue os ensinamentos (ou poderíamos chamar de ordens?) que sua avó, extremamente católica, a incutiu. Jane, em si, não demonstra apego à religiosidade, mas, sim, conformidade em relação àquilo que lhe foi imposto. Nesse sentido, é interessante perceber que na telenovela, Juana possui um vínculo diferente com a religião católica. Ao confirmar que está grávida sua primeira atitude é ir à igreja rezar em busca de entendimento do que está acontecendo. Porém, apesar disso, ela não se mantém virgem para cumprir doutrinas da igreja e, aliás, nem acredita “nessas coisas de casamentos e finais felizes”. A relação de Juana com a religião mostra-se ser de busca por conforto e acolhimento, diferente de Jane, que experiência a face temerosa e disciplinadora da igreja. Essa obediência de Jane à avó, que beira a submissão, é um misto de respeito e medo pela matriarca da família. A relação é bastante amorosa, mas Jane sente-se acuada pela rigidez de pensamento de Alba. Por outro lado, Juana não possui esse temor diante de sua avó Azucena. As discussões geralmente ideológicas com a matriarca são sempre bastante exaltadas e em nenhum momento a protagonista acha que é menos que sua matriarca, tratando-a de igual para igual. Apesar disso, quando descobre a gravidez, Juana esconde de sua família por um breve período, temendo as reações (principalmente porque ela não havia encontrado uma explicação lógica para o fato). Ela tenta lidar com a situação sozinha, mostrando-se bastante independente. Já Jane descobre junto com sua mãe 118

e tem seu apoio imediato (e posteriormente, também de sua avó). Isso se dá também porque, apesar de mais velha na série, Jane ainda é muito dependente de sua família nas questões emocionais. Por esse motivo, também no momento da descoberta da gravidez, Jane pensa em todas as pessoas à sua volta, como isso iria interferir em suas vidas, pensando até mesmo no pai do seu feto, que até então ela nem sabia de quem se tratava. Já Juana em um primeiro momento contesta firmemente a informação e, quando não há mais recursos para tentar provar o contrário, ela passa a pensar primeiramente em si mesma, no quanto isso acabaria com seus planos e mudaria seu futuro, que já estava planejado e encaminhado. Talvez Jane possa ser percebida como mais altruísta que Juana, no entanto, se atentarmos ao contexto das duas histórias, perceberemos que Juana tem muito mais a perder que Jane (seu intercâmbio é um exemplo) e também que ela é uma adolescente enquanto Jane é uma mulher adulta. A falta de apoio familiar logo no início também faz com que Juana tenha uma atitude mais desesperada em relação ao acontecido, o que não anula seus méritos, nem sua maturidade e firmeza demonstrada ao longo dos capítulos. Jane é apenas uma das mulheres transculturadas para o contexto estadunidense da série e ela é representada como inocente e zelosa (a saber, sua mãe Xiomara é representada como vulgar e imprudente e sua avó Alba, como religiosa e severa, como demonstraremos nos próximos tópicos). É interessante perceber essa mudança de personalidade feita na protagonista pelos produtores da série para encaixá-la em um padrão mainstream. Por que as características de uma personagem tão evoluída e com questões ideológicas tão bem definidas foram apagadas em sua versão estadunidense? Por que uma personagem de ascendência latino-americana não pode ser uma feminista radical e deve ser subserviente à sua família e a costumes anacrônicos? Essas foram às primeiras questões que nos moveram a pensar esse trabalho. A cultura latino-americana ainda hoje é representada como atrasada e conservadora em relação aos novos conceitos e definições de mundo? Se em 2002, Juana, em um país que passou (e passa) por vários momentos complicados em sua história política e, consequentemente, social, consegue ter uma postura progressista, por que Jane, em 2014, nos Estados Unidos, um país que se orgulha em discursar sobre a liberdade, precisa ser tão “primorosa”?. 119

Parece-nos que para desempenhar o papel de “mocinha” em uma trama de expressão latino-americana, os produtores precisaram escolher entre um dos estereótipos hollywoodianos da mulher latino-americana e, para deixar a história menos dramática, optam pela mulher “inocente”, já que assim puderam criar situações cômicas que levam ao riso.

3.1.2 Famílias matriarcais – as mulheres (avós e mães)

A estrutura familiar matriarcal existente em Juana, la virgen é mantida em Jane, the virgin. Em ambas as histórias, a família é comandada pelas avós que, com pulso firme, ajudam as mães, que engravidaram muito novas, a criarem suas filhas com bastante zelo e, principalmente, rigor.

3.1.2.1 Abuela Alba e sua latinidade

Alba aparece poucas vezes no nosso recorte da série, mas suas aparições, mesmo que breves, apresentam componentes interessantes para a análise dessa obra, dentre eles, o mais essencial: Alba apenas fala espanhol. Durante as cenas é possível perceber que a personagem entende inglês completamente, mas opta por responder em espanhol todos os diálogos em que é inserida (e também assistir a programas em espanhol na televisão – as telenovelas). Em nenhum momento, dentro dos nossos recortes, há uma explicação sobre essa escolha. Alba usar sua língua nativa para se comunicar em solo estadunidense soa natural e não é questionado por nenhum personagem, parece haver um acordo silencioso de que a matriarca pode manter suas raízes e todos respeitarão e farão esforço para entendê-la (apesar de que Jane e Xiomara compreendem espanhol, mas não o falam regularmente). Tal escolha da produção nos parece uma tentativa cortês e sutil de fazer referência à América Latina e suas obras televisivas. Além de Alba, como veremos adiante, Rogelio também fala espanhol quando está atuando em seu trabalho e algumas vezes na vida real, mas, a única personagem a falar exclusivamente a língua é a avó de Jane. O uso do idioma como referência e representação direta da latinidade, empregado de maneira natural e não apenas em momentos 120

pretensamente cômicos, pode ser percebido como um tributo e uma tentativa de aproximação com o povo latino-americano residente nos Estados Unidos. Para além disso, Alba é uma mulher bastante religiosa e correta e exige o mesmo de suas descendentes. Ao mesmo tempo, é compreensiva, amorosa e está sempre presente nos momentos em que sua ajuda é demandada, mas pede que sua autoridade seja respeitada, e é.

Figura 20: Alba ao lado da descrição feita pelo narrador sobre suas paixões: Deus e Jane, nessa ordem específica. Fonte: frame da série captado pelas autoras

Logo nos primeiros minutos da série, o ritual que ela realizou na infância de Jane, e que pauta a série toda, é exibido:

Alba: Mira la flor que tienes en tu manos, Jane, mira que tan perfecta es, que tan pura. Ahora, mi hija, estrujala en tu manos… Estruja la flor, Jane! Bien, ahora hace que se vea como nueva otra vez. Vamo, anda, trata! Jane: I can’t! Alba: Así es! Nunca puede volver atrás e eso es que se sucede cuando pierde tu virginidad. Nunca puede volver atrás! Nunca olvide eso, Jane! (transcrito da telenovela pela autora).

Durante a cena, o narrador já nos avisa que suas paixões incluem Deus e Jane, nessa ordem específica, dando ênfase à face religiosa da matriarca da família Villanueva. Sua técnica para impor em Jane suas crenças, demonstram um modo de 121

agir levemente chantagista com fins de atingir os objetivos religiosos e de autoridade que ela busca. Toda essa dureza em torno da criação da neta parece ter relação ao fato de que Alba teme que Jane cometa o mesmo erro de Xiomara (apesar de Jane já ser adulta, diferente de sua mãe que engravidou aos 16 anos) e obrigue-a a cometer o mesmo erro (um pecado grave para a doutrina católica) novamente. Alba descobre a gravidez de Jane ao encontrar em seu quarto as pílulas abortivas prescritas pela médica e lembra sua atitude do passado que a deixa envergonhada (por conta de sua fé e também pelo amor que sente pela neta, o que agrava o arrependimento que tal proposta a faz sentir até os dias atuais):

Alba: Me roto el corazón. Jane: Oh, abuela, it is not what you think. Alba: Yo creo que tu me estabas mintiendo por mucho tiempo... Jane: No, I didn’t. I got accidentally… Oh, I don’t even know how to say this in Spanish! Alba: Tuviste relaciones sexuales! Jane: No, I didn’t! The doctor made a mistake, I went to the appointment and she accidentally put a sample of a man into me. Alba: Qué? Una muestra de un hombre? Jane: Yes, from his… (e aponta para baixo) Alba: Oh! E saliste embarazada? Entonces, ese es nuestro momento en que nuestra fe es probada… Jane: Abuela, please! Alba: Tienes que escuchar eso… Jane: I know how you feel… Alba: No! No sabes esto! Cuando tu madre vio a la casa a los 16 años e me dijo que estabas embarazada, yo le pedí que abortara. Jane: What?! Alba: Y ella dijo que no, gracias a Dios! Pero cargo esa vergüenza en mi corazón cada día, porque ahora tu ere la parte más importante de mi vida e esto va ser la parte más importante de tu vida también… ! (transcrito da telenovela pela autora).

Sua personalidade protetiva fez com que ela pedisse à filha que prometesse nunca contar sobre esse acontecido para Jane, ela não queria que a neta sentisse- se rejeitada ou menos amada e, para isso, conviveu com essa dor em silêncio por todos esses anos. Mas, apesar de envergonhá-la, ela se encontrou em uma situação em que precisou revelar a verdade pois não queria que a neta cometesse tal erro. “Un milagro!” foram as palavras que usou quando Jane nasceu, exibidas em um flashback de seu parto, e que foram repetidas pela matriarca quando a protagonista dá a luz ao seu filho Mateo. A importância do flashback tem a ver com o fato de que tal comentário, tendo em vista a situação em que a criança foi 122

concebida, poderia soar como uma ironia ou até uma piada, mas como é esclarecida em cena anterior, essa não é a intenção da fala da avó, já que Alba realmente acha que o nascimento de uma criança é sempre um milagre. Apesar de toda seriedade que as cenas com a avó emitem, houve um momento em que pudemos perceber que nem só de religião e rigidez a senhora vive, ao fazer parte de um alívio cômico durante o parto de Jane. Uma enfermeira oferece a anestesia epidural, já que ela estava com contrações a cada 2 minutos e pouca dilatação. A protagonista hesita e pregunta para a avó:

Jane: Should I at least try to labor naturally? I mean, you didn’t get an epidural… Alba: ¿Por qué crees que tu madre es hija única? ! (transcrito da telenovela pela autora).

Além de suavizar a imagem construída por Alba durante os episódios, o comentário é um exemplo da inserção de comédia naquilo que seria um drama, que é feito repetidas vezes pelos produtores na série. Já comentamos anteriormente sobre essa característica da adaptação estadunidense que busca abrandar a tragédia que a história realmente conta para que fique mais acessível e interessante ao público mainstream. Veremos no próximo tópico que a relação avó-neta na telenovela é bem mais densa e complicada que a da série e que a personagem da versão fonte não abre pretexto para incorporação de atributos cômicos, essa foi uma escolha (ou uma decisão criativa) autônoma da produção da obra adaptada.

3.1.2.2 Abuela Azucena e suas convicções

Para compreendermos a composição da personagem da Abuela Azucena, usaremos exemplos retirados de cenas entre o primeiro e o vigésimo sexto capítulos, observando os recortes definidos anteriormente. Isso porque, nos últimos capítulos da telenovela que entraram em nosso corpus analítico, Azucena já mostra uma pequena mudança de atitude, assim como acontece com Juana, mas, sendo o objetivo dessa descrição comparar suas personalidades dentro de uma percepção inicial para o telespectador, entendemos que deveríamos trabalhar com excertos 123

que mais as representavam e que poderiam servir de base para a transculturação das personagens para a série. Começamos falando da sisudez de dona Azucena, que pode ser percebida logo nos primeiros minutos da telenovela nos quais, para acordar a neta que já estava atrasada para a escola, ela atira um balde de água na cama da menina. Essa postura enérgica é uma das principais características dessa personagem e mantém- se ao longo da trama.

Figura 21: Azucena possui cabelos longos sempre presos em coques e usa vestidos igualmente longos, como muitas senhoras religiosas. Fonte: frame da telenovela captado pelas autoras

Na sequência dessa cena, já fica claro que a convivência entre as mulheres da família Perez é conturbada, já que a matriarca possui um posicionamento bastante machista e antiquado, que não é aprovado pelas demais. Durante o café da manhã, uma discussão começa quando Juana fala que hoje terá que jogar um campeonato com seu time de futebol:

Azucena: Mujeres jugando fútbol, nunca había visto esto! Eso es un deporte para hombre! Juana: Mira, dejar la tontería, porque para tu el partido nada es para hombre ni para mujeres. ! (transcrito da telenovela pela autora). 124

Em um segundo momento, Juana afirma para sua mãe que não fossem as questões biológicas nada as diferenciaria dos homens, no que Azucena intervém:

Azucena: La mujer e el hombre desde que nacen son diferentes y no solo en cuerpo, sino en pensamiento, en sentimiento y sobretodo en comportamiento. Juana: Por favor, estamos en otro año, otra era, otro siglo, que eso? Nosotras tenemos los mismos derechos que los hombres, vamos hacer mejores cosas que ellos. Azucena: No, que va, mi hija! La mujer y el hombre desde que nacen son diferentes y quien no lo quiere entender así, está buscando una pelea sin razón. Juana:Sin razón… Y sin futuro estaríamos nosotras si no se hubieran rebelado! Ana María: Eso es correcto! Eso es así! Azucena: Como? Claro que no! Lo que pasa es que tu confundes la liberación con la libertinaje, esto no es lo mismo! ! (transcrito da telenovela pela autora).

Azucena é firme em suas convicções e não admite que a filha e a neta pensem diferente, ela fala de libertinagem para atingir Ana María, que, como veremos adiante, não possui um bom relacionamento com a mãe que condena seus parceiros românticos e seu estilo de vida. Porém, no final dessa cena, Manuel chega para tomar café da manhã, interrompendo a discussão e acarretando o seguinte diálogo:

Azucena: Buenos días, mi hijo! Manuel: Está servido el desayuno? Azucena: Claro que sí! Para eso estamos aquí nosotras las mujeres para servile! ! (transcrito da telenovela pela autora).

A fina ironia na fala de Azucena tem sua intenção aumentada por uma sonoplastia que induz ao riso. Apesar disso, na realidade, seu propósito com tal manifestação é, claramente, “vencer” a discussão que estava acontecendo anteriormente. Por conta de seu posicionamento extremamente moralista, as brigas com Ana María e os insultos gratuitos são constantes, como no momento, ainda nessa cena, em que a filha está se maquiando e ela comenta:

Azucena: Ya basta, Ana María, deja de pintarse que va a parecer un payaso! Ana María: No es estéticamente con un payaso cuando me comparan en la calle! Azucena: No toquemos este tema! 125

Ana María: Y porque no, mama? Vamos a tocarlo! Tu no acabas de empezar? Como una rata de laboratorio, volvamos a poner a Ana María otra vez en la tabla de detección e vamos a ver sobre la lupa todos los defectos! Azucena: Habla eso cómo se te falta una lupa para vertelos! ! (transcrito da telenovela pela autora).

Azucena tem vergonha da filha e deixa isso claro em mais de uma situação, ela também tem medo que Juana siga o exemplo da mãe e torne-se uma pessoa, em sua opinião, vulgar. Sua atitude com Ana María é tão extrema que beira a crueldade. No dia em que Juana descobre que está grávida, no capítulo 10, ela some de casa por um bom tempo, por não saber como contar para a família o que está acontecendo, Ana María está preocupada e conversa com a mãe, que acredita que o sumiço tem a ver com o relacionamento da mãe com um homem casado:

Ana María: Que tarde que es e Juana no llega! Donde estará, mama? Azucena: Donde quiere que puede estar, en cualquier parte lejos de ti, lejos de esa vergüenza tan grande que nos hace tu pasar a todos! Ana María: Ay mama, no me siga atormentando! Azucena: Ah si, claro, porque aquí a única que puede atormentar eres tu, verdad? ! (transcrito da telenovela pela autora).

Quando finalmente descobrem que o comportamento estranho de Juana tem a ver com sua gravidez inesperada, mais uma vez Azucena age de acordo com suas convicções e de forma bastante insensível.

Manuel: Basta ya, mama! Por favor! Cónchale! Mira, parece mentira que con el problemón que tenemos en esta casa tu vas seguir peleando con Ana María! Azucena: Mira, el problemón no lo te tendríamos se te hace ocupara más con su hija y menos con los hombres! Es tu culpa que tu hija ha salido así tan irresponsable y tan loca! Manuel: No, no, no! Yo no creo lo que estoy escuchando, mama! Parece mentira que tu está hablando así de tu nieta, de Juana, una niña que tu misma ayudaste a crecer! Azucena: Y tu crees que para mí es fácil? A mí me duele tener que decir todas esas cosas de Juana, pero soy una mujer realista y no me voy a caer a cuentos a esa altura de mi vida. Juana salió tan irresponsable y tan loca como la madre y consiguió lo mismo que ella… Una barriga que ningún hombre se va ser responsable! ! (transcrito da telenovela pela autora).

A franqueza e inflexibilidade de Azucena no trato com os outros esconde uma faceta triste e solitária que até mesmo as personagens desconhecem. Aos telespectadores são apresentados momentos de vulnerabilidade e profunda preocupação dessa avó que age de maneira vigorosa e pouco afável com o intuito 126

de proteger sua família, aparentemente, é a única maneira que ela conhece de conduzir sozinha a educação de seus descendentes e isso a faz sofrer.

Azucena: Ahora sí terminamos de enterrar el apellido! La única esperanza que tenía esta familia de salir de abajo y mirar el mundo de frente… Y la historia se repite… Embarazada a los 17 años! Que no dirá la gente ahora? Nosotros creíamos que teníamos en Juana una pepita de oro y resultó igual que la base!

Ao pegar uma foto de seu ex-marido na gaveta, continua:

Y tu, muy bien, gracias, bien lejos con tu otra familia sin importate lo que nos pasa a nosotros, sin importalete todo el suplica que yo he vivido desde que me quedé sola con una familia que hicimos los dos, pero en esta vida todo se paga, Ramón Perez, y yo te voy a volver a ver aquí, si en esta vida hay justicia, tú vas a volver a esta casa y vas a sufrir en carne propia todo lo que yo he padecido!

A solidão e a tristeza por ter sido abandonada por seu marido parecem ser apresentadas como uma justificativa por sua personalidade hostil, para dar humanidade à personagem. Ela demonstra algum tipo de emoção ou fragilidade apenas quando está sozinha. Como quando vai à igreja rezar quando achou que Juana não voltaria para casa:

Azucena: Dame tu mano todopoderosa, si tu has dispuesto que Juana se vaya y no regrese, yo me muero las tripas y acato tu voluntad, pero eso sí que no le pase nada a mi muchacha, protegela donde quiera que esté! Tu sabes que a pesar de todas mis quejas y todos mis reclamos, esa niña es lo más sagrado que tengo en la vida, cuidámela, si? Y no me la desampares… ! (transcrito da telenovela pela autora).

Suas convicções, julgamentos e medos estão relacionados à sua devoção católica e ela faz referência a isso, inclusive, durante uma discussão com Ana María, ao encontrarem uma carta de Juana com o exame comprovando sua virgindade:

Ana María: Bueno, entonces, si es verdad, mi hija esta embarazada por la obra del espíritu santo! Azucena: Por supuesto que no, Ana María, no seas ridícula! Ana María: Pero ahi esta la constancia? Azucena: Es falsa! Seguro es una constancia chimba! Ana María: Mama, tienes la firma de la doctora e su numero de colegiada… Azucena: Ay, Ana Maria, nadie se embaraza del aire, eso es imposible, mi hija! Manuel: Yo estoy empezando a creer que es posible. Ana María: Bueno, Manuelito, entonces explica para mi porque en la verdad yo ya no se en que creer. 127

Manuel: Empieza por creer en tu hija, como estoy haciendo yo. Azucena: A mí nadie me engaña! Virgen la madre de Jesús y de ahí en adelante nada y ningún! ! (transcrito da telenovela pela autora).

Essa devoção é confirmada quando o padre da paróquia de seu bairro, após saber da gravidez de Juana, aparece várias vezes em sua casa para prestar auxílio e também para lhe fazer uma proposta de adoção da criança que está para nascer, que ela tende a achar brilhante:

Azucena: Una barriga lo máximo que dura son nueve meses y después… Nace el niño y ahí es justamente cuando la cosa se pone difícil. Manuel: Mamá, yo tampoco lo veo de esa manera, porque un niño siempre es una bendición. Azucena: Es, cuando nace con su pan y su techo bajo el brazo y con un padre que responda por él, si no, no! Por eso qué yo creo que la mejor opción es la que propone el Padre José. Manuel: Padre José…. Qué propone Padre José? Azucena: Lo que Padre José dijo es que hay un matrimonio ricachón que esta dispuesto a adoptar al hijo de Juana. Si ese niño no lo buscó Juana, entonces la idea de Padre José no es mala, entregarlo en adopción y así mi nieta sigue su camino como se eso no hubiera pasado. Manuel: Juana no es así! Juana no es una muchacha que va vivir derecho su vida como se eso no hubiera pasado. Azucena: Ay, Manuel Ramón, mira, ya esta bastante enredada como para andar cargando con lo que no es de uno, por eso hay que saber elegir y no cargar sobre las espaldas piedras que no nos corresponden. Y bueno si ese bulto no es de Juana pues es mejor que lo haga otro, no? Manuel: No sé, no puedo pensar en eso, yo solamente estoy pensando en Juana, que ni siquiera me da para imaginarme como va a cargar ese muchachito. Entonces nos vamos a concentrar solamente lo que vamos a hacer ahora. Azucena: Ahora se acaba rapidito, y ese niño, aunque ahora nadie lo vea, dentro de poco es barriga y de repente camina, llora y pide de comer... ! (transcrito da telenovela pela autora).

A preocupação da avó é a de uma mulher que passou dificuldades para criar seus filhos e neta sem um marido e sem os recursos necessários. Sua dificuldade de se desvincilhar dos problemas do passado a transformou em uma pessoa pessimista, muito ligada à face dura da realidade. Por isso, seu pensamento é sempre em busca do prático e suas atitudes bastante pragmáticas, dessa forma ela faz com que os membros de sua família estejam sempre com ‘pé no chão’ pensando nas consequências (sempre as piores possíveis) de seus atos, e essa forma de agir não muda em relação à gravidez de Juana:

Azucena: Juana aceptó dar el hijo en adopción? Ana Maria: No, mamá, aquí no se va a hacer nada de eso, Juana va a cargar con su barriga y va a tener su muchachito tal y lo dijo yo! Y voy yo de atolondrado del marido y le planteo a mi hija que no tenga el muchachito! 128

Azucena: Quién tendría dicho eso? Ana María: Bueno, mamá, yo solo quiero lo mejor para Juana, yo pensé que estaba haciendo lo correcto, pero claro a veces quiere hacer lo bueno y termina metiendo la pata, afortunadamente, mi hija es bastante más madura que yo y ya me dio una lección! Manuel: Tan bonita Juana, tan especial! Esa sobrina la amo, la adoro! Ana María: Saben que me pregunto? Que si yo cuando salí en estado, en algún momento pensé en no tenerla. Azucena: Eso no hubiera permitido, sabe Dios que no! Ana María: Yo no imagino mi vida sin Juana! Azucena: Lindo, lindo, todo solo muy lindo! Pero eso no quita que otra Perez sale embarazada a los 17 años y que quieran o no se le de para todo futuro. ! (transcrito da telenovela pela autora).

Mesmo com todas as brigas dentro de casa, Azucena é uma exímia protetora da família contra as pessoas de fora dela, é a forma que conhece de demonstrar o amor que sente (e de defender as questões morais que tanto acredita):

Vizinha: Entonces, Azucena, que cuentas? Azucena: Nada nuevo. Vizinha: Nada de nada? Azucena: Ya te dije nada nuevo! Vizinha: O sea que para ti no es nada nuevo la barriga de Juanita! Azucena: Pues fíjate que no, Lorenza! No será la primera ni la última que se preña en este barrio! Vizinha: Caramba, mujer! Que moderna! La verdad es que te desconozco! Azucena: Mira, me desconoces un carajo, Lorenza! Cuando me has visto criticar una preñez? Vizinha: Criticar así como que criticar, no. Pero… Azucena: Pero nada! Además yo siempre lo dicho y lo seguiré diciendo ‘la que no lo hace a la entrada lo hace cuando sale’. Y más en este barrio donde la juventud se ha perdido los principios morales! Además, chicas, yo jamás me he dado ínfulas de tener una familia diferente a los demás. Vizinha: Eso sí es verdad, mi amor, porque por partida doble, primero te preñaron a la hija y ahora… Azucena: Si, a la hija mía y a de Agustina y a de Mercedes, todas sin un hombre que responda por ellas... ! (transcrito da telenovela pela autora).

Pelo diálogo entre Azucena e sua vizinha, podemos perceber que a família Perez mora em um bairro (e por que não um país?) bastante conservador e que não possui políticas de educação sexual, já que muitas jovens acabam grávidas sem querer naquela região. Por meio desse tipo de representação, a telenovela encontra formas discretas de fazer crítica social e alertar seus telespectadores para os problemas enfrentados por uma parte da população e que às vezes são ignorados ou sofrem tentativas de apagamento por parte do governo. 129

3.1.2.3 Xiomara, a cantora e dançarina

A primeira aparição de Xiomara acontece logo nos primeiros minutos da série no flashback que mostra o momento em que sua mãe Alba faz o ritual da flor com Jane. Xiomara deixa claro que acha isso tudo uma besteira e contraria a mãe, que não a escuta e continua a falar com Jane. A personagem aparece pintando as unhas como se fizesse questão de demonstrar o descaso com os “ensinamentos” que Alba tenta passar para neta. Andrea Navedo, a atriz que interpreta Xiomara, possui traços dentro do esperado do estereótipo latino-americano em Hollywood: cabelos volumosos e ondulados, pele morena e olhos castanhos e corpo curvilíneo. Essas características são acentuadas pela caracterização da personagem que está sempre com uma maquiagem pesada, usa unhas compridas e enfeitadas e roupas curtas e justas. Além disso, Xiomara possui uma personalidade mais expansiva e trabalha como cantora e dançarina – particularidades que levam o telespectador a julgá-la vulgar. Seu posicionamento é mais rebelde, algo que lhe aproxima de Juana, da telenovela, pois, apesar de conviver com o conservadorismo de sua mãe, ela questiona e discute em favor do que acredita (como a liberdade feminina).

Figura 22 Momento em que o narrador cita as paixões de Xiomara como sendo Jane e Paulina Rubio e diz que “a ordem não importa”. Fonte: frame da série captado pelas autoras. 130

O que contribui para que Xiomara seja vista como vulgar é o juízo de valor que o narrador faz dela e de todas as personagens. Um exemplo disso está na cena que citamos anteriormente em que ela pede para mãe que não faça o ritual:

Xiomara: This is so lame! Jane: Mommy, shhhh! Narrador: This is Jane’s mother, Xiomara Gloriana Villanueva. Her passions include Jane and Paulina Runio, the order is not important. ! (transcrito da telenovela pela autora).

Ao fazer tal comentário e pela postura e expressão facial da personagem nesse momento, o narrador faz entender que Xiomara pode até gostar mais da cantora mexicana que da própria filha. Apesar das tentativas da produção em mostrar Xiomara como uma pessoa relapsa em relação a sua família, ela comprova em vários momentos que, à sua maneira, se preocupa e busca cuidar dos interesses de sua filha. Desde argumentar com a mãe de que Jane não é obrigada a assistir às telenovelas com elas, até dar conselhos amorosos duvidosos para a filha. Xiomara é jovem, bonita, solteira e sedutora e está sempre se aventurando em relacionamentos amorosos diversos. Nesse sentido, ela tem um posicionamento diferente do que se espera de uma mãe tradicional e, com certeza, completamente contrário ao de sua mãe Alba. Uma cena no ônibus em que Xiomara flerta com um desconhecido deixa tal postura evidente, ao responder para Jane que ria da situação: Xiomara: Don’t you judge! The best way to get over a man is to get under a new man. Trust (transcrito da telenovela pela autora). Logo em seguida, Jane desmaia e é levada ao hospital, onde descobrirá sobre a gravidez: Médico: Nausea and fainting spell solved. You’re pregnant! (transcrito da telenovela pela autora). Jane e Xiomara começam a gargalhar e Xiomara responde: I’m sorry, but she’s just not pregnant. Jane, ainda rindo: No, I’m not pregnant. (transcrito da telenovela pela autora).

Médico: We tested your urine. Jane: Trust me, the test is wrong. Médico: False negatives are frequent, false positives are rare. Xiomara olha para filha e fala em um tom de curiosidade amigável e demonstrando felicidade: Jane, did you and Michael… Jane: No, we didn’t and may be rare, but it happened, cause I’m a virgin. Médico: A virgin? Maybe we should talk in private. Jane: No, we don’t need to talk in private. Médico: I think we do. (transcrito da telenovela pela autora). 131

O médico estava imaginando que Jane não queria falar em frente à sua mãe sobre sua relação sexual, mas ele não sabia que o relacionamento entre elas é sincero e de amigas, por isso a protagonista não tinha nada a esconder. Então Xiomara intervém: Where did you get your degree from? The University of Dumb- ass? My daughter said that she is a freaking virgin, so do another damn test! (transcrito da telenovela pela autora). Quando o resultado do segundo teste volta positivo e confirma a gravidez, enquanto Jane imediatamente liga para o consultório para tentar entender o que estava acontecendo, a reação de Xiomara é bem diferente: Immaculata! You are immaculata! (transcrito da telenovela pela autora). Ela ajoelha e começa a rezar uma Ave Maria, mas usando o nome de Jane, saudando-a como se fosse uma santa. Essa atitude de Xiomara pretende levar ao riso, pela sonoplastia, pela postura da atriz e também pelo fato de que a personagem é apresentada desde sempre como cética e, nesse momento, ela age em desconformidade ao seu padrão, ajoelhando, rezando e acreditando em milagres. Percebe-se que Xiomara acredita tanto na filha que prefere acreditar que alguma intervenção divina está acontecendo do que duvidar da palavra da filha. Quando as duas chegam ao consultório onde Jane foi inseminada erroneamente e aguardam pela médica, outra cena cômica envolvendo questões religiosas é protagonizada por Xiomara:

Xiomara: I had sex with Bruce three days ago. Jane: What?! Why are you telling me this? Xiomara: I don’t know. What if you’re like a religious messiah? I can’t lie to a religious messiah (transcrito da telenovela pela autora).

Mas, ao ser informada do ocorrido, Xiomara assume uma postura protetiva e quase agressiva para defender a filha:

Médica: I’m so sorry, Jane! Xiomara: You’re sorry?! You should be in jail, lady. You should be locked up. (transcrito da telenovela pela autora).

A médica oferece uma prescrição de pílulas que interromperiam a gravidez, Jane nem ouve, mas sua mãe compra o remédio e leva para a filha porque a decisão é dela: 132

Xiomara: I got the prescription. In case. You don’t have to have a baby. Jane: Would you have had me? If grandma hadn’t made you? Xiomara: I’m glad I had you. Jane: That’s not what I asked. Xiomara: Yeah, I know. (transcrito da telenovela pela autora)

Aqui vemos a face protetora de Xiomara, ela não conta para filha que, na verdade, sua mãe e seu namorado da época insistiram para que ela abortasse e ela negou. Ela prefere levar a culpa sobre o assunto que interferir na relação de Jane com a avó o que é comprovado em um diálogo que as duas têm logo após Jane descobrir sobre a atitude de Alba no passado:

Xiomara: Abuela asked me to never tell you what she said, and I didn’t want you to look at her differently. Jane: Look at you, being all selfless. But no more secrets, okay? Xiomara: I just wanted you to know that you had a choice because having one it helps, I think. Whatever you decide. (transcrito da telenovela pela autora).

Nesse momento, outra face de Xiomara nos é apresentada, seu caráter caridoso e altruísta. Outra coisa interessante de perceber nesse trecho é que a questão do aborto é tratada com naturalidade, sem constrangimentos religiosos ou morais. Diferente de Alba, Xiomara pensa apenas no bem-estar da filha e naquilo que será melhor para seu futuro, sem imputar sentimentos de culpa ou vergonha caso ela escolhesse abortar. Já no outro episódio de nosso recorte da série, o último da temporada, em que Jane dá a luz ao seu filho. Xiomara mais uma vez tem atitudes generosas em relação à filha. Pela primeira vez ela participará de um espetáculo de grande porte, em Las Vegas, mas ela está decidida a desistir da oportunidade caso Jane precise de seu apoio na reta final da gravidez, ela só aceita ir mediante promessa de que a filha ligará para ela caso qualquer mudança aconteça, mesmo que seja apenas “meio centímetro a mais de dilatação”. Jane entra em trabalho de parto e avisa a mãe, que busca desesperadamente por um voo para casa, mas consegue apenas no dia seguinte. Nesse meio tempo, ela e Rogelio (pai de Jane, fato que é revelado no meio da série) cantor e ator com quem ela iria se apresentar são abordadas por fãs venezuelanas que os oferecem bebidas. Eles acordam no mesmo quarto, mas vestidos e inferem que nada deve ter 133

acontecido na noite anterior (depois será revelado que na verdade eles se casaram em uma capela com uma ministra vestida de Cher). Quando finalmente Xiomara chega ao hospital, Jane diz estar cansada e ela usa as mesmas palavras que sua mãe Alba falou durante seu parto: Five more minutes of pain for a lifetime of happiness. So push or I’ll yank that kid out myself! (transcrito da telenovela pela autora). O tom usado por Xiomara é de brincadeira, diferentemente do tom realmente ameaçador que Alba usou 24 anos atrás. Seu objetivo é acalmar a filha para que consiga dar a luz e a tática funciona.

3.1.2.4 Ana María, a professora de educação física

Como nosso recorte da telenovela é mais abrangente, selecionamos capítulos em que a personalidade e comportamento de Ana María são ilustrados com mais proeminência a fim de compararmos com aquilo já visto sobre Xiomara. Para tanto, traremos exemplos dos capítulos um, treze, vinte e três e vinte e seis. Logo nas primeiras cenas da telenovela, Azucena acorda Juana que tem dificuldades em acordar sua mãe que “chegou tarde e desligou o despertador”, agora ambas estão atrasadas para a escola. Ana María é professora de educação física na escola em que Juana cursa o ensino médio. Essa primeira impressão de uma mulher irresponsável é criada, principalmente, por seus problemas de convivência com Azucena. Elas estão sempre discutindo e o principal motivo dessas brigas é a vida amorosa de Ana María, que está saindo com um homem casado, que lhe diz que está em fase de separação.

Ana María: No te cansas no, mamá? Desde que nací, no escucho nada, sino reclamos y críticas! Azucena: Será por que desde que naciste no aprendes? Ana María: Qué es lo que tengo que aprender a no ser para amargar como tú? (transcrito da telenovela pela autora)

A discussão prossegue com trocas de ofensas e comentários ácidos de uma sobre a outra:

Ana María: Te chocas es que yo lo quiera vivir, lo quiera ser feliz. Azucena: Vivir sin moral y llegar a la madrugada con este hombre… 134

Ana María: Alfonso, mamá… Azucena: Un hombre casado! Ana María: Cuantas veces tengo que decir que Alfonso se está separando? Azucena: Sí y tu es tan tonta que lo creíste, no? Este es el ejemplo que estás dando a tu hija? Ana María: No importa lo que yo haga… Yo soy todo lo que tú quieras, mamá, yo puedo ser todo lo que tú te imaginas, pero al menos una cosa me quedó bien en esta vida y es esta muchachita que está aquí. A diferencia es que mi hija me quedó bien y a pesar de que yo no tengo moral como tú dices, ella me salió excelente estudiante, líder, buena alumna y además en una época como ésta esa niña se puede llenar la boca diciendo que es virgen! Azucena: Pero no será virgen por el ejemplo que tú le das! (transcrito da telenovela pela autora).

Manuel pede para que as duas parem de discutir e Ana María sai de casa dizendo que não importa o que aconteça parece que sua mãe está sempre mal. A animosidade entre as duas, criada pelas cobranças moralistas de Azucena, marcam a personalidade de Ana María, ela é uma pessoa combativa, revoltada e, apesar da sua vida privada conturbada, bastante rigorosa com Juana quando descobre a gravidez. Por essa primeira cena podemos perceber ainda que Ana María possui também alguns ímpetos juvenis de quem foi muito reprimida durante a vida. Namorar um homem casado e ter a inocência de acreditar que ele está em processo de divórcio é um dos exemplos dessa imaturidade emocional da personagem. Muitas vezes Juana tem que assumir o papel de mãe na relação e aconselhar Ana María:

Juana: Por qué estás con esta cara? Ana María: Es la única que tengo. Juana: Mamá, por favor, abuela te dijo eso porque, bueno, porque ella te quiere, porque se preocupa por ti, pero no por molestar Ana María: Sí, claro, seguro! Juana: Mamá, yo también pienso que este hombre no te convén. Ana María: Juana, tu también! Juana: Mamá, es que yo te visto sufriendo por tanto tiempo e no quiero verte llorar otra vez. Ana María: Pero qué vas a saber tu, chica? Tu eres una niña penas! (transcrito da telenovela pela autora). 135

Figura 23: Momento em que Ana María descobre que Juana foi aprovada para o intercâmbio. Fonte: frame da telenovela captado pelas autoras

Outro exemplo desse comportamento inadequado, beirando a infantilidade, é quando Juana descobre que foi aprovada para o intercâmbio, o que faz com que Ana María chore copiosamente dizendo que não saberá viver longe da filha:

Manuel: Tu tienes idea de lo que eso significa? Ana María: Si, yo tengo idea lo qué significa, Manuel, tu parece que no sabe y no entiende nada! Manuel: Qué pasa? No tengo ni idea de que… Ana María: Como me voy alegrar, Manuel? Juana se va a vivir en otro país! Yo voy a perdela! Manuel: Manita preciosa… Ana María: DEJAME, CHICO! DEJAME! Como no lo me voy a dar cuenta? Yo sé exactamente lo que va a pasar, tu no te das cuenta de nada! Desde que nació no me he separado de mi hija, hasta el cuarto compartimos. Tu crees que no la conozco? No sé cada respiración suya, cada gesto? Y tú ahora crees que yo me voy alegrar porque ella se va del país? Voy a estar contenta? Ay, Manuel, por favor, ni siquiera lo puedo imaginar ese cuarto ahí sin ella y sus libros y sus fotos… (transcrito da telenovela pela autora).

O diálogo prossegue com Ana María chorando muito e dizendo que passou a vida toda pensando no dia em que sua filha sairia de perto dela e que isso a faz ficar sem ar e que ela tem certeza que “morrerá um pouco mais” todos os dias em que a jovem estiver em seu intercâmbio. Seu temperamento é bastante dramático e seu comportamento egoísta já que ela não está pensando nos benefícios que essa 136

viagem traria para a filha, apenas pensa nos seus sentimentos e em como ela terá que adaptar sua vida sem a presença diária de Juana. Em outro momento, após descobrir a gravidez de Juana e causar uma grave discussão duvidando da palavra da filha, que ela diz conhecer tanto, Ana María novamente apresenta sinais de egoísmo ao fazer com que a situação e sofrimento da filha tornem-se sobre ela:

Ana María: Tanta esperanza que tenía yo en esa muchacha, Manuel! Yo solo quería que ella tuviera una vida distinta, que tuviera un futuro, que fuera dueña de su destino, eso era pedir mucho? Manuel: Por supuesto que no… Ana María: Yo centre toda mi energía en esto, traté de ayudarla, traté de acompañarla, de resolverle los problemas, de asesorarla. De que tuviera una madre distinta a la que yo he tenido, yo he tratado de ser como una amiga para Juana… Entonces, porque ella me hace esto, Manuel? Manuel: Ana, mientras tu sigues enfrentando el problema de esta manera no lo vas a entender… Yo creo que tú estás siendo sumamente egoísta. Ana María: Egoísta? Yo estoy siendo egoísta? Manuel: Sí, sí, porque tú estás reaccionando como que si la víctima eres tú y no! Resulta que la única víctima de toda esta historia es Juana. Trata, por favor, de ponerte un momentico en su lugar, trata de imaginarte cómo se estará sintiendo ella en este momento. Ana, a ti te pasó exactamente lo mismo, yo no puedo pensar que a ti se te olvidó como te sentiste en este momento! Ana María: Tu no puedes comparar a Juana conmigo! Mi vida es totalmente distinta! Yo estaba sedienta de un afecto que no tenía por ningún lado, Manuel, a Juana lo que le ha sobrado en esta vida es amor y afecto, chico! Yo no tenía que desbaratar mi futuro porque sencillamente yo no tenía futuro! En mi vida no cabía el futuro y cambio Juana tiene el mundo a sus pies, Juana tenía una beca para irse a estudiar fuera, Manuel! No compare pues no tiene nada que ver (transcrito da telenovela pela autora).

O discurso de Ana María é carregado de ressentimentos pelo seu passado e pelo tratamento que recebeu da mãe. Manuel reforça que ela precisa parar de achar que sua filha engravidou para atingi-la, tentando fazê-la ver a situação de forma menos egoísta. Ana María rebate que sua maior tristeza é ver que todo seu esforço não adiantou e sua filha “acabou com sua vida e agora viverá o inferno que ela viveu”. A impulsividade é outro traço da personalidade de Ana María, que podemos relacionar com sua falta de maturidade emocional. Por conta disso, ela protagoniza uma briga com Mick (ex-namorado de Juana e seu aluno). Por acreditar que ele engravidou Juana, começa a atacá-lo verbal e fisicamente no corredor da escola em frente a vários outros estudantes, tentando fazê-lo assumir a paternidade, sendo que nem ele e ninguém do local sabiam da gravidez. Ela acaba espalhando essa 137

novidade de forma escandalosa e tornando a situação de Juana entre os colegas ainda mais difícil, constrangendo-a, inclusive, em frente ao diretor da escola. O diretor foi chamado para controlar a confusão que tinha tomado grandes proporções e encerra dessa maneira:

Ana Maria: Juana, Juana! No lo puedes estar defendiendo, chica, y delante de todo el mundo! Yo sé que no! Juana, por favor, entienda que Mick tiene que serlo, no hay otro! Juana: No fue…. Ana María: Entonces, quién? Quién fue? Juana: Tu parece que no estás me escuchando, no existe padre! Ana María: Eso es imposible! Juana: YO SÉ QUE ES IMPOSIBLE! Yo sé… Lo que me está pasando, tu esta haciendo como se yo lo tuviese hecho de propósito e no, no estoy haciendo de propósito! Yo lo tengo uso de razón, te apoyar en todos tus problemas, hasta cuando te los buscas tu misma! Y que lo esta haciendo a mi vida? Qué haces? Qué pasa con lo que yo siento, mamá? Yo no merecía, mamá, yo no lo merezco! (transcrito da telenovela pela autora).

A atitude impensada de Ana María culminou em uma espécie de humilhação pública da filha, que foi exposta em seu momento mais vulnerável ao julgamento de todos os alunos e professores de uma escola católica e bastante rígida. Depois, na sala do diretor, Ana María afirma em um tom de voz ainda alterado que faria e fará de tudo pela sua filha, irá até as últimas consequências, o que nos mostra que ela não teve má intenção, mas que seu desequilíbrio emocional a fez causar tal constrangimento. Para além dessa cena, Ana María demorou a acreditar que a filha dizia a verdade e por isso a tratou de forma dura e, quando descobriu a verdade, ficou bastante revoltada com a irresponsabilidade do médico e a situação do país. Aqui os autores usam a personagem para fazer uma crítica pesada ao sistema de saúde da Venezuela e também a outros problemas sociais que seus cidadãos enfrentam diariamente:

Ana María: Cómo es posible, Manuel? Como puede pasar una cosa así? Manuel: Cree, mi hermanita, porque así fue lo de Juana, en su examen ginecológico a inseminaran. Ana María: Pero como hacen eso? Estás loco! Son irresponsables, chico! Manuel: Lo peor es que todavía no sabemos si fue por maldad o por equivocación porque no hemos podido estar con el médico ese, encima se perdieron las fichas de Juana, en esa clínica nadie se quede responsabilizar, pero usted se me queda tranquila porque algo vamos a hacer, tenemos que saber exactamente qué fue lo que pasó! Ana María: Mi pobre hija, chico, nosotros señalándola con el dedo y acusándola, una muchacha que es absolutamente inocente de todo, víctima 138

de los desgraciados irresponsables! Manuel, pero qué es lo que está pasando este país, chico? No puede ser! A nadie le importa que sus cosas hay que hacer bien y todo da igual que importa, chico? Manuel: Ana María, calma, por favor! Calmate que tu no sabes como fue que pasó todo! Ana María: Cómo me voy a calmar, Manuel Ramón, como no me voy a poner así? Si eso es lo que pasa en este país todos los días, chico?! Que aquella gente no si ocupa de hacer bien lo que tiene que hacer bien! Pero eso sí no les da vergüenza! Te venden una medicina vencida, el otro más allá te da un billete falso, otro te quiere cobrar el doble por lo que valen las cosas y ahora esto? Que me hija ha simplemente haces un examen médico para cuidar su salud y la desgracian la vida! Es que no es justo, Manuel! Manuel: Calmate, por favor! Ana María: No es justo! No es justo, chico, que la gente no haga bien lo que tiene que hacer bien! Yo que soy una simple profesora de gimnástica bastante que me queme las pestañas para conseguir un miserable título! Y tú sabes de cosas porque todos los días me ve levantar en la mañana, chico, tratando de hacer mi trabajo dignamente y me preferiría morirme antes a la desgraciar a la vida de alguien. Entonces, si ahora vienen y desgracian la vida de mi hija y yo tengo que me quedar con los brazos cruzados? Pues no! (transcrito da telenovela pela autora).

A indignação de Ana María com a irresponsabilidade e a impunidade em relação aos erros dos profissionais da medicina em seu país é um tipo de crítica social que não encontramos em Jane, the virgin. Ela também relata nesse e em outros momentos como foi difícil conseguir seu diploma de licenciatura em uma alusão clara aos problemas do sistema educacional da Venezuela. Os autores encontram espaço na personagem de Ana María para fazerem tais apontamentos, pois se trata de uma personagem rebelde, alguém que vive a vida tentando recuperar a adolescência perdida quando engravidou, por ter esse traço de impertinência é a única personagem que possui coragem de falar sobre os reais problemas que levaram Juana à gravidez indesejada. A cena também mostra a dificuldade em obter informações, dificuldade essa criada pela própria clínica que realizou a fertilização e que eliminou todas as evidências de que Juana havia sido atendida no local para não ser responsabilizada pelo erro. Esse tipo de problema não é encontrado em Jane, the virgin, em que a protagonista obtém as informações que precisa de imediato, na telenovela transcorreram dez capítulos até que Juana descobrisse, por conta própria, o que aconteceu e assim conseguisse elaborar a situação em que se encontrava. Esse é mais um exemplo de drama suprimido no roteiro da série para que se tornasse mais leve, é também uma forma que a telenovela encontrou de criticar as instituições venezuelanas e sua aparente falta de compromisso com seus clientes. 139

Depois da angústia que a família sentiu por semanas e de todo o sofrimento de Juana, que saiu da casa da avó por não saber lidar com as acusações e julgamentos, Ana María, ao saber de toda a verdade, busca a filha para desculpar- se e, finalmente, acabam tendo uma conversa sincera:

Juana: Ay, mamá, yo estaba tan confundida, tan mal… Y si en los momentos malos, mamá, yo no puedo contar contigo entonces para que contar? Porque es que si tú me dices que yo soy una loquita toda mi vida entonces yo te le entiendo pero es que no! Yo te necesité y tú dudaste de mi! Ana Maria: Mi amor, yo reconozco que me ofusqué pero es que el miedo, el miedo a verte repetir mi misma historia, tú no entiende que si hay algo que yo no quiero para ti es que repita mi historia, quiero una historia bien distinta a la mía para ti! Juana: Pero como que no va a poder ser, señora… No va a poder ser… Mamá, yo me pasé toda la vida tratando de hacerte feliz, traté de ser la niña perfecta, pero el destino me hizo una mala jugada, y tu tiene mala suerte. Ana María: Mala suerte… Por Dios, chica, tu eres mi bendición, doy la vida por ti… Juana: Yo no te creo, mamá, no te creo… Porque parece que yo valía la pena si yo no me acostaba con un hombre, nada más, creyeron que me había acostado con un y todo se echó a perder… (transcrito da telenovela pela autora).

Em todo momento, as falas de Ana María reforçam, mesmo que não intencionalmente, que sua gravidez foi algo que acabou com sua vida e por isso ela não deseja tal destino para a filha. Apesar de tentar mudar o discurso no exemplo acima, Juana já conhece o pensamento da mãe e sua desconfiança abalou a relação entre elas. A protagonista enfatiza que passou a vida toda fazendo o papel de mãe de sua mãe e a única vez que precisou colocar-se no papel de filha não a encontrou. Já no capítulo vinte e seis, depois de Juana concordar em voltar para casa, Ana María tem uma atitude bastante altruísta e diferente do comportamento infantil que demonstrou na história até então. Nele, a personagem sugere para a filha que aborte já que não foi sua culpa ou intenção engravidar e que ela ainda possui a oportunidade de seguir com seus planos e sonhos:

Juana: A mí me está tocando vivir tú misma suerte: quedar embarazada a los 17 años… Ana María: Pero nosotras no tenemos por qué aceptar esa suerte ahora porque no es justo! (transcrito da telenovela pela autora). 140

Mesmo que agora conte com o apoio sincero de sua mãe, Juana segue procurando motivos que a fçam entender o que está passando com ela e, mais uma vez, Ana María é firme em seu posicionamento:

Juana: Y si es algo de destino? Si es algo que nos tiene que pasar nos guste o no? A las tres? Las tres embarazada, las tres solas… Ana María: Aunque fuera así como tu dice, que es una especie de destino, con más razón lo tenemos que cambiar, con más razón nos tenemos que rebelar, hija! No puede ser, no podemos rendirnos ahora, chica! (transcrito da telenovela pela autora).

A conversa segue em um tom bem calmo, Ana María sem impor nada, explica para a filha sobre suas opções, deixando claro que é a favor do aborto nesse caso e que a filha não deve prender-se a questões de moral ou religiosas. Ela explica sobre o sentimento de culpa que instituições como a igreja tentam imputar nas pessoas, mas que ela não pode se deixar tomar por esse sentimento. Ao final da conversa, Juana decide que não fará o aborto e que precisará do apoio da sua mãe nessa nova fase da vida e Ana María reafirma que a apoiará em qualquer decisão que ela tome. Porém, ao sair do quarto onde conversava com Juana, Ana María comemora a decisão da filha, mostrando-se madura e altruísta ao dar opções para a filha decidisse sem culpa o que gostaria de fazer, mesmo que isso não fosse a vontade dela.

Ana María: Por fin hablamos de verdad, con el corazón en la mano, porque mí hija es lo más grande que yo tengo y la amo y la adoro y la quiero y estoy muy orgullosa de ella. Azucena: Juana aceptó dar el hijo en adopción? Ana María: Aquí no se va a hacer nada de eso, mamá, Juana va a cargar con su barriga y va a tener su muchachito tal como hice yo. (transcrito da telenovela pela autora)

Há dois fatos interessantes nesse trecho da telenovela: o primeiro é que em nenhum momento as personagens usam a palavra aborto, elas estão falando do assunto, ele é visto como uma possibilidade real, mas, no texto, é tratado somente com eufemismos; também o fato de Azucena não saber qual era o tópico real que as duas discutiam, ela achava que estavam conversando sobre a possibilidade de dar a criança para adoção. Ana María não esclareceu os fatos porque Juana havia decidido ter a criança e também porque conhece a face religiosa da mãe, que seria terminantemente contra tal ação. Assim, mais uma vez, Ana María aparece como 141

uma personagem maior e mais complexa que apenas a mãe desnaturada que aparentava ser no começo da trama.

3.1.2.5 Como são as matriarcas?

Ao pensarmos a construção das matriarcas da família de Juana e como a transculturação fez com que personalidades e até aparência física fossem adaptadas em Jane, the virgin, perceberemos que elas são o maior exemplo de estereotipagem dentro de nosso recorte analítico. Por que Xiomara não poderia continuar sendo uma professora de educação física na versão estadunidense? Por que ela precisou ser transformada em uma dançarina sensual? Por que Alba é tão fanática religiosa se essa não era uma característica principal de Azucena? Por que as mulheres latino-americanas não podem ser mulheres comuns e precisam ter algo de malucas ou escandalosas? Entendemos e buscamos discutir a necessidade de adaptação da história da telenovela à nova realidade, mas não pudemos deixar de notar que algumas mudanças não eram necessárias e foram feitas com a intenção de parodiar a telenovela e, por conseguinte, a cultura e a identidade latino-americana. O apagamento masculino é o primeiro que devemos pontuar nesse início de discussão sobre as matriarcas, na telenovela, além do interesse romântico Maurício, havia Manuel, tio da protagonista, que fazia parte do cotidiano dessa família, a defendia, fazia comentários e aconselhava. Essa figura paternal é apagada na série, na qual, além dos interesses românticos Rafael e Michael, não existe personagem masculino na família, a voz da série é majoritariamente feminina, mesmo que ao longo da trama surja Rogelio, identificado como pai de Jane, sua construção caricata visa causar riso e não possui a mesma relevância de Manuel na telenovela. Na telenovela, Ana María faz duras críticas ao sistema de saúde venezuelano, à falta de responsabilidade dos médicos e ao descaso com os pacientes. Esse posicionamento denota a preocupação política da produção, característica comum e necessária nos países da América Latina. Na série, essa questão do grave erro médico não é explorada, Xiomara grita e busca brigar na hora que descobre, mas depois não faz nada de fato sobre o assunto. Percebe-se, assim, que a culpabilização do Estado na telenovela é clara, enquanto na série, a culpa é 142

do indivíduo. Mais um ponto a ser salientado é que o erro na telenovela é das secretárias enquanto na série quem comete o engano é a própria médica, isso indica uma maior tendência à responsabilização dos subalternos em solo latino-americano. Outra opinião interessante da personagem venezuelana, que diz muito sobre esse tipo de produção, é que ela não esconde as dificuldades que passou por ter sido mãe na adolescência. Ana María afirma amar sua filha, mas não nega que o processo de tê-la tão jovem foi horrível e que ela teria uma vida bem diferente caso a gravidez não tivesse acontecido. Já Xiomara não reclama da gravidez e acredita que ter tido Jane, mesmo muito jovem, foi a melhor coisa que aconteceu em sua vida. Mais uma vez os autores da telenovela usam a personagem de Ana María para criticar problemas de saúde pública como a falta de aulas de educação sexual nas escolas e também a inexistência de uma rede de apoio para adolescentes grávidas, o que faz com que a experiência se torne algo ainda mais difícil do que deveria ser. A série não vai pelo caminho de usar as personagens para fazer críticas políticas ou com fins educacionais, tanto que Xiomara é transformada em uma figura cômica que, acompanhada de Rogelio, é quem mais protagoniza momentos leves e engraçados na trama. Ao contrário dela, tanto Ana María quanto Azucena são melancólicas na maior parte do tempo e, suas aparições quase sempre desencadeiam discussões e choro. Por viver em um ambiente de mais tensão e por ter ressentimentos sobre seu passado, Ana María possui uma personalidade egoísta, quase infantil, que ela tenta controlar para cuidar da filha. Já Xiomara tem atitudes altruístas na maior parte do tempo e, apesar de tresloucada, é mais compreensiva e presente que Ana María que por estar sempre tão envolvida em seus próprios dramas não percebe os problemas dos outros. Dentre os dramas vividos e, nesse caso, pelas duas personagens estão os relacionamentos amorosos. As duas possuem histórico de vários parceiros e problemas envolvendo homens comprometidos ou de mau caráter. Porém, com o desenrolar da trama, Ana María acaba se casando com um homem sério e engravidando novamente, tornando-se a mãe de família que Azucena sempre sonhou. Xiomara casa-se com o pai de Jane, Rogelio, durante uma bebedeira em Las Vegas e não sabe o que será de seu futuro ao lado do homem que ela ama, mas que é incompatível com ela em muitas maneiras. 143

Essa atitude de Xiomara demonstra que ela também tem traços infantis e irresponsáveis em sua personalidade, porém, no caso dela, as infantilidades envolvem bebidas, danças e relações sexuais. Diferente de Ana María que também tem relacionamentos e causa problemas nesse aspecto, mas sua maneira de ser infantil é diferente, é algo de quem busca por atenção e afeto que lhe foram negados ao longo da vida. Sobre as avós, ambas possuem um pano de fundo fortemente religioso e conservador, mas Alba, na série, impôs suas crenças em Jane, diferente de Azucena que, apesar de não concordar, nunca obrigou a neta e a filha a nada. Alba, ainda, é representada com certa singeleza já que ela realmente acredita que todo nascimento é um milagre de Deus. Azucena é mais realista e pensa sobre os gastos e o trabalho que mais uma pessoa gera para uma casa, inclusive por isso acredita que dar a criança para adoção seria a melhor escolha. Claro que Azucena também ama sua neta, porém viver na América Latina exige que ela pense de forma prática, já Alba precisa vender o sonho americano, que inclui não falar sobre necessidades financeiras, já que morando nos Estados Unidos basta crer e tentar que tudo é possível. Outra questão sobre Alba que vale ressaltar é seu bilinguismo e o não uso de dublagem, no produto original, quando ela fala em espanhol. Suas falas são legendadas e a essência da personagem que busca manter contato com suas raízes é mantida e a cultura latino-americana, de alguma forma, homenageada. 144 144

TO BE CONTINUED...

Em nossas análises comparatistas das duas produções audiovisuais – Jane, the virgin e Juana, la virgem, buscamos entender e evidenciar alguns aspectos que identificamos como envolvidos e/ou resultantes do que entendemos como processos de transculturação inversa na adaptação (STAM, 2006) da história original para tornar-se produto de consumo e interesse mundial. A primeira grande transformação diz respeito à própria natureza e à estrutura das narrativas, uma trama de telenovela que é adaptada para o formato série. Ambas narrativas seriadas, mas que apresentam diferenças estruturais, sobretudo no que tange o ritmo da narrativa e do desenvolvimento da trama. Praticamente toda a história de Juana na telenovela é contada no primeiro e no último episódio da série estadunidense, os outros noventa e oito episódios que completam a produção trazem novos personagens, contam a história posterior ao nascimento da criança e desenvolvem triângulos amorosos que não existiam na obra original. Nesse sentido, o progresso da narrativa possui um ritmo bem mais acelerado na adaptação. A presença de um narrador e, a utilização de recursos gráficos colaboram para que a intenção dos produtores na (re)criação das personagens e situações seja rapidamente compreendida permitindo, assim, o avanço da narrativa. Outra grande transformação e talvez uma das mais relevantes é de que o melodrama da telenovela Juana, la virgen em sua versão venezuelana foi transformado em uma comédia. O absurdo da situação enfrentada pela protagonista não é tratado com seriedade e problematização como acontece na telenovela, a sequência de erros que ocasionam a gravidez não é encarada levando em conta a gravidade que possui e as questões morais, judiciais e sociais são deixadas de lado na produção estadunidense. Essa mudança de status da narrativa – que passa de um drama a ser uma comédia reflete diretamente no apagamento na série de alguns dos pontos fortes da narrativa venezuelana, como a crítica social e política. Esse apagamento desvela ainda uma leitura talvez preconceituosa e pejorativa dessa narrativa à medida que exacerba os elementos dramáticos da telenovela ao ponto de torná-los ridículos e/ou cômicos. Logo no primeiro episódio da série, quando Jane descobre a gravidez, cena de bastante angústia e comoção na telenovela, a atitude de sua mãe ao começar a rezar de uma forma espalhafatosa quebra o clima de 145

tensão que poderia ser criado e esse recurso (de usar uma personagem ou o narrador para fazer “palhaçadas” em momentos sérios) é usado em todas as cenas desse tipo. O olhar da série em direção à telenovela é certamente atravessado pelo imaginário em relação às telenovelas latino-americanas e, por conseguinte, em relação a seus espectadores e sua cultura. Além disso, a apropriação da temática da telenovela para a realização de uma série diz muito a respeito das (re)configurações socioculturais que a presença de imigrantes latino-americanos e de seus descendentes vem acarretando nos EUA – a intenção parece ser inseri-los na sociedade, mas sem deixá-los esquecer que eles são diferentes. E isso é representado por essa adaptação/transculturação da telenovela para série, que mantém, destaca e até satiriza elementos culturais latino-americanos, ela reforçar a ideia de que “vocês estão em nosso país, até aceitamos vocês, mas não esqueçam que vocês são estrangeiros e que nunca serão 100% estadunidenses”. As histórias dos povos dos países da América Latina são marcadas por muitas crises, lutas e insurgências desde a colonização europeia (avassaladora para os povos autóctones e para os povos africanos sequestrados e escravizados) e dos processos de independência, da resistência aos graves momentos de ditaduras militares e das lutas pela redemocratização, e da constituição e da manutenção das democracias em constante tensão com o imperialismo estadunidense. Nesse sentido, pensamos que nosso trabalho pode instigar a reflexão acerca das implicações de resumir a representação dos latino-americanos a personagens estereotipados como, por exemplo, Rogelio de La Vega – que incorpora todas as características de um latin-lover, mas que as apresenta de maneira caricatural, o que muitas vezes ativa o cômico da narrativa, gerando o riso justamente por sua evidente e exacerbada “latinidade” ilustrada com suas atitudes abestalhadas e de sua desenvoltura pedante. A narrativa audiovisual transnacional mainstream representada aqui pela narrativa globalizada e globalizante da série parece não estar interessada, pelo menos nesse caso, em promover o debater de questões relacionadas às políticas públicas de saúde e educação, à negligência médica ou à desigualdade social. A cultura latino-americana é representada na série por meio de estereótipos que reafirmam seja, por exemplo, a imagem da alegria do povo, do desprendimento e da leveza, ou a religiosidade, características que sim, nos pertencem, mas não nos definem por completo. 146

O objetivo principal de nossa pesquisa foi então buscar entender o processo de adaptação da protagonista e de sua família da narrativa da telenovela venezuelana para o novo contexto da série televisiva. E nesse sentido, também nos pareceu interessante entender, por exemplo, a importância narrativa na série da presença de um narrador masculino que julga o caráter e as atitudes das personagens, em sua maioria mulheres, durante toda a narrativa, algo que não há na narrativa de partida. É este narrador quem dá tom aos acontecimentos e conduz o telespectador, ensinando-o quase didaticamente como deve assimilar o que está sendo apresentado por meio de juízos de valor, piadas e ironias. A revelação na series finale de que o narrador é Mateo, filho de Jane, que está lendo a história de vida da mãe escrita por ela mesma atenua o fato de ser um homem a fazer o papel de um deus onisciente a comentar uma história feminina. No entanto, dentro de nossos recortes, e por cinco temporadas, é exatamente isso que acontece: mulheres sendo avaliadas e julgadas por um homem. E são essas mulheres que figuram como nosso principal interesse analítico nessa pesquisa. Percebemos que a protagonista da telenovela, Juana, era mais jovem, mais segura e firme em seus propósitos do que sua posterior versão na série, Jane, apresentada como uma pessoa mais inocente e influenciável. Apesar de não terem mantido o fato de que na telenovela a protagonista é menor de idade, os produtores da série exploraram características infantilizantes para Jane, desde a escolha da atriz (que parece ser mais jovem do que é), até sua forma de vestir e a obediência irrestrita aos ensinamentos de sua avó. As questões referentes às situações românticas e sentimentais, bem como em relação ao posicionamento da protagonista quanto aos homens também foram bastante modificadas na adaptação. Ainda que ao longo da telenovela Juana apaixone-se perdidamente por Maurício e que por muitos capítulos Davi apareça como um possível triângulo amoroso, essa questão é muito mais explorada na série. A Juana apresentada no começo da trama não acredita em “príncipes azuis” e tampouco que existam homens dispostos a comprometerem-se, já Jane está sempre sonhando acordada com seu casamento com Michael e depois com sua paixão por Rafael, imaginando possíveis finais felizes com ambos. Mas para além das diferenças e transformações, também nos chamam a atenção as semelhanças, pois mesmo que haja diferenças bastante marcantes entre as protagonistas, ambas terminam por casarem-se, Jane, inclusive, casa-se na terceira temporada com Michael e no último episódio da série com Rafael, final 147

marcante e recorrente nas telenovelas e nas comédias românticas de origem hollywoodiana. A postura de Juana deve-se ao fato de ter presenciado ao longo da vida as frustrações de sua mãe Ana María com relacionamentos amorosos. Ana María é uma professora bastante dedicada à filha, mas que não esconde que ter engravidado na adolescência foi um fardo difícil de carregar, por isso ela tende a agir de forma infantil em relações aos homens e também no trato com sua mãe Azucena. Em muitos momentos as personagens reclamam que Juana precisa fazer o papel de mãe de sua mãe e essa afirmação é justificada pelas inúmeras atitudes impensadas de Ana María ao longo da trama. Por outro lado, Xiomara, mãe de Jane na série, é uma figura de maneirismos extravagantes, roupas sensuais e, à primeira vista, personalidade imatura. Porém, apesar da caracterização (e das considerações do narrador) levar a crer que presenciaríamos cenas de inversão de papéis como na telenovela, Xiomara é bastante madura, tem um bom relacionamento com sua mãe e, destarte ter engravidado na adolescência também e possuir conflitos em seus variados relacionamentos amorosos, ela não ressente as decisões que tomou na vida e não passa nenhum tipo de amargura para a filha, como acontece com Ana María na obra original. Na seara das personagens amarguradas, Azucena, avó de Juana, está em primeiro lugar sem nenhuma concorrência. A matriarca da família carrega a mágoa de ter sido abandonada pelo marido ainda muito jovem com dois filhos para criar sozinha e faz questão de trazer o assunto à tona sempre que possível. O fato de Ana María ter engravidado aos dezessete anos é outro ponto de sua constante tristeza e descontentamento com a vida e com o destino. O destino, ou no caso o “mau destino”, está sempre sendo discutido por essa mulher que batalhou para criar filhos e neta cercada por pessoas julgadoras e insensíveis. Azucena usa seu mau humor como proteção, mas chora e sofre bastante quando está sozinha, principalmente em momentos como quando descobriu que Juana estava fadada a repetir a história dela e de sua filha. Sua maior preocupação é que a família terá mais uma boca para alimentar e as condições financeiras não são favoráveis. Já na série, o pecado de Alba, avó de Jane, é ser muito religiosa e apegada às tradições arcaicas. Seu objetivo com tal comportamento é proteger sua neta de causar o mesmo tipo de problema que sua filha passou. Alba sente muita vergonha 148

por ter pedido a Xiomara que abortasse ao descobrir de sua gravidez e busca de todas as formas agir diferente com Jane, sendo dura, mas compreensível, amorosa e presente, até mais que a própria mãe da protagonista. Ambas as narrativas estão centradas nas relações estabelecidas pela tríade feminina – avó, mãe e filha – de famílias latino-americanas, uma na Venezuela e outra nos EUA, e nas relações que elas estabelecem com a sociedade e com as pessoas atravessadas por questões sociais e culturais. Na narrativa da série, que transcorre nos EUA, as relações do núcleo familiar com as tradições herdadas da cultura latino-americana de origem parecem muito mais fortes que na narrativa de partida, na qual reconhecemos o desejo justamente de romper com essas tradições e de almejar inserir-se em uma configuração global. Esses foram alguns dos resultados dentro da vasta possibilidade analítica que os objetos proporcionam. Mesmo que nossos recortes contivessem material suficiente para uma análise mais ampla envolvendo todas as personagens, caracterizações e personalidades decidimos limitar nossa análise às mulheres das famílias protagonistas. Nossa escolha deu-se em virtude do espaço e do tempo destinados a realização desse trabalho e também para que pudéssemos alcançar o objetivo de investigar as personagens escolhidas mais detalhadamente e de compreender suas complexidades por meio de um grande número de exemplos que facilitariam a comparação das obras. Esperamos com essa análise comparativa fornecer novos subsídios para a validação da telenovela como um objeto passível de estudo acadêmico, bem como sua valorização e, consequentemente, a valorização das produções culturais da América Latina. Assim, colaborar com os esforços existentes na desconstrução dos estigmas acerca desse tipo de produto cultural é uma das contribuições acadêmicas e sociais esperadas com a realização desse estudo. A própria escolha de uma telenovela como fonte para a realização de uma série televisiva, mesmo que como paródia que se alicerça em questões culturais estereotipadas e em uma leitura generalista do gênero, corrobora a força dessas narrativas e sua importância tanto no âmbito regional (da América Latina) quanto no âmbito global (EUA/transnacional). E nesse sentido, reconhecemos a necessidade de explorar e analisar a representação feita pela série, uma narrativa audiovisual mainstream, acerca da América Latina e de quem somos e demonstrar que aquilo que é apresentado como nosso ou como nós nem sempre nos traduz corretamente. Assim, acreditamos que 149

essa seja uma das maiores conquistas de nossa pesquisa: fomentar a discussão em relação à representatividade latino-americana no mainstream, a qualidade das produções locais e a percepção estrangeira de nossa cultura e posicionamento político e social. Também acreditamos que trabalhar com o conceito de transculturação, aplicado à literatura por Rama (2001) e adaptado às análises cinematográficas por Medeiros (2012), no caminho contrário ao tradicional (que se dá do centro às periferias do mundo), naquilo que chamamos de transculturação inversa abrirá portas para novas investigações nesse sentido. Entendemos que a validação acadêmica desse processo acarretará uma maior valorização dos produtos locais latino-americanos que, diferente do que atualmente vemos, passarão a ser compreendidos como obras de partida e não apenas produtos que experimentam, traduzem e reconfiguram elementos globais que lhes atravessam e influenciam. Foram meses de revisão teórica, capítulos e episódios assistidos à exaustão e muita perseverança para que pudéssemos chegar à finalização dessa trajetória de pesquisa reconhecida por nós como uma das múltiplas e possíveis leituras dessa aproximação, que pode ser expandida em diversos caminhos. Sabemos que dentro de nosso recorte há ainda muitas outras possibilidades de repertórios a serem analisados e buscaremos trabalhar com eles em artigos e pesquisas futuras. Entender a presença – ou ausência – masculina é uma dentre as novas leituras possíveis das obras e verificar a composição das esposas-vilãs e aquilo que as aproxima e distancia é outra possibilidade de trabalho a ser desenvolvido. Tratam-se de dois objetos diversos e complexos que permitem várias abordagens teóricas e críticas e que poderão ser explorados por nós e por quem mais tiver interesse nessa área no futuro. Ao revisarmos nosso trajeto para chegarmos até a finalização dessa pesquisa e dessa escrita reconhecemos que para nós a importância da pesquisa talvez esteja mais na possibilidade de abrir portas para novas pesquisas que se desdobrem a partir dos pontos levantados sobre essas temáticas e esses objetos e, sobretudo, que se atentem às relações estabelecidas entre essas narrativas e esses modos de narrar, do que nas próprias análises que conseguimos aqui apresentar. Ter a possibilidade de trabalhar com narrativas audiovisuais, ou seja, não literárias (no sentido clássico) dentro da área da Literatura Comparada, pelo viés dos Estudos 150

Culturais, foi uma grata surpresa proporcionada pela professora Rosangela Fachel de Medeiros, orientadora desse trabalho. 151

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APÊNDICES

APÊNDICE A: ENREDO CAPÍTULO 10: JUANA DESCOBRE QUE ESTÁ GRÁVIDA MESMO SENDO VIRGEM

Juana atende um telefonema do laboratório onde fez os exames necessários para sua viagem de intercâmbio, e recebe a notícia de que está grávida, ela fica em choque, mas tenta disfarçar, pois sua avó e seu tio estão por perto. Carlota vai ao escritório de Maurício e pede que ele não deixe essa situação separá-los (ele havia acabado de descobrir que a moça “barriga de aluguel” teve um aborto espontâneo). A esposa garante que desde que descobriu o insucesso da gravidez, só consegue pensar em consolá-lo, quer sentir-se bonita, para que ele quando chegue em casa encontre uma “mulher como eu louca por você”. Ela repreende que não devem deixar esse problema os separarem ao que ele responde que nem tudo pode ser resolvido na cama/com sexo. Carlota diz não ter culpa do que aconteceu porque não foi ela quem escolheu a barriga de aluguel, ele responde que quer ficar sozinho e ela sai dizendo que também sabe fazer o papel de ofendida. Na casa de Juana, durante o café da manhã, Manolito e sua avó percebem que ela está com algum problema e a indagam por que o telefonema a deixou assim. Ela diz que nada está acontecendo, eles insistem perguntando se foram os resultados dos exames que a deixaram assim e ela diz que não e que está com o estômago embrulhado e dor de cabeça então não quer comer nada. Azucena e Manolito seguem conversando tentando entender o que está acontecendo, Azucena diz que é culpa de Ana María estar mal falada no bairro e Manolito diz que não, que alguma coisa mais grave aconteceu. Juana lava o rosto e encara o espelho dizendo “você está grávida, é definitivo”, mas fica agoniada tentando entender como isso é possível, como ela pode estar grávida? E que isso só pode ser um engano. Manolito tenta falar com Juana para perguntar o porquê de ela estar angustiada com seus pensamentos, mas ela sai correndo dizendo ter um compromisso. Na casa dos De La Veja, Carlota fala sozinha indignada que se passou por boazinha para que ele desabafasse e se reaproximasse dela, mas que isso não 156

adiantou e que ele nunca havia feito isso para ela, que ela deveria ter deixado ele sozinho com a depressão. Os empregados da casa estão em busca de um cachorro (Príncipe, que seria a mascote do futuro filho de Maurício), que está perdido e dizem: “melhor ser encontrado por Mauricio que por Carlota”, a cena corta para o cachorro entrando no escritório de Mauricio. Maurício acaricia o cachorro e pergunta “você precisa de carinho? Eu também preciso sabia?”, e diz ao cachorro que ele seria o mascote de seu filho, mas que agora não há mais filho, só há um grande vazio. Nesse momento, relembra que teve um dia muito feliz tomando sorvete na rua com “uma menina chamada Sol”, que, no caso, era Juana, no dia anterior. Manolito consola Ana María que não quer sair da cama já que está triste por ter sido enganada por seu amante e virado fofoca no bairro. Enquanto isso, Azucena fala sozinha “não sei por que a gente vem a esse mundo se só temos decepções”, pensando no caso de Ana María. Juana vai ao laboratório para falar pessoalmente com a médica, para que explique o resultado do exame que anunciou por telefone. A médica diz entender que Juana não esperava por essa notícia, mas que ela não é mais uma menina e não deveria ter tido relações sexuais sem proteção, já que existem muitos meios para evitar uma gravidez, mas que muitas jovens como ela agem de maneira irresponsável pensando que isso nunca vai acontecer. Juana tenta explicar para a médica que não pode estar grávida por ser virgem. A médica pergunta se Juana tem namorado, ela responde que não, então pergunta “mas você tinha há um mês?” Ela afirma, mas garante que não aconteceu nada do que ela está pensando. A médica explica que muitas situações podem provocar uma gravidez, então Juana pergunta “o beijo pode me deixar grávida?” E a médica responde “claro que não”. E Juana tenta desesperadamente explicar que não passou dos beijos com seu ex-namorado. A médica diz que ela não precisa ficar nervosa e não tem porque mentir, que ela não é sua mãe para ficar brava com ela. Juana insiste que não está mentindo. A médica diz para Juana ir embora porque tem muito trabalho e não pode mais perder tempo com essa história. Juana tenta argumentar que a ligação a fez perder o chão. Explica que por sua ideologia de não fazer sexo em seu colégio é conhecida como “Juana Virgem” e essa fama existe porque ninguém consegue passar do 157

primeiro beijo com ela. Então sugere contatar outro médico que faça um exame e comprove que ela é virgem. A médica diz que não precisa que ela comprove nada para ela. Juana declara que ela precisa para ela mesma já que não sabe mais quem é. “Será que não sou uma dessas pessoas que tem dupla personalidade, que fazem algo a noite e pela manhã não conseguem lembrar?”, ela pergunta e a médica diz que não é esse o caso. Então Juana implora por ajuda e diz que não pode estar passando por isso. Dr. Ricardo e Dr. Michelena, que inseminou Juana, conversam na clínica de fertilização (sem que o primeiro saiba o que o segundo fez). Dr. Ricardo diz estar chateado, pois há casos que o levam a ter um carinho especial, no caso, o de Maurício, que por causa de problemas na gravidez de Rosa Andrade perdeu o bebê que tanto sonhava. Ele diz para o médico corrupto “você não sabe quantas vezes esse homem tentou ter um filho, deve ser porque Deus não quis”, Dr. Michelena ouve com um semblante de culpa/medo e relembra o dia em que inseminou Juana. De volta ao laboratório, a médica diz “eu não posso fazer o que você me pediu, isso é um laboratório”, ao que Juana explica que, apesar do que está acontecendo e de seu nervosismo, ela é uma ótima aluna e ganhou uma bolsa de estudos para os EUA e esse foi o motivo que levou ela a fazer o exame de sangue, requisito para realizar o intercâmbio. Juana continua chorando e dizendo que não entende como isso aconteceu, procurando hipóteses, agora se pergunta se não foi drogada e abusada por alguém. A médica responde que isso seria um estupro e que ela sentiria algo no dia seguinte, então Juana diz que precisa de ajuda, precisa de um médico que a atenda e diga que ela é virgem, a médica olha com incredulidade para Juana. Brandi (amiga de Juana) está no quarto de Ana María pedindo que ela se esforce para levantar da cama e ela responde que prefere sumir da face da Terra e que está preocupada com o que as pessoas estão falando e, se Juana está chateada com o que aconteceu. Brandi responde que Juana nunca se preocupou com o que os outros pensam. Brandi insiste que Ana María levante e coma um pouco, pois ela está depressiva e muito fraca. No laboratório, a médica chama uma colega, explica a situação de Juana e pede que faça um exame para confirmar a virgindade, ironizando que isso não mudará o fato de que ela está grávida. Juana rebate que isso mudará o jeito que ela se sente, já que o que está acontecendo é um absurdo, já que nunca na vida ela 158

sequer viu um homem pelado e que se fizer esse exame ela vai saber que não está louca. A médica mais compreensível explica que se isso a deixará tranquila, ela fará um exame de reconhecimento. Depois do exame, a médica sai da sala afirmando que Juana disse a verdade e que ela é virgem, a médica do laboratório diz, mais uma vez com deboche que virgem ou não virgem ela está grávida. Juana continua explicando sem ser ouvida que nunca foi para cama com um homem. Quando sai do laboratório, está chovendo e sua moto não funciona e ela vai embora a pé, na chuva. Na casa de Maurício, Davi chega trazendo uma ideia para a revista, mas Carlota alerta sobre o ocorrido e diz que Maurício está mal e que ele deveria voltar outra hora. Maurício chega na sala e diz que o colega pode ficar e conta que perdeu o filho, que a gravidez foi interrompida por causas naturais e continua lamentando: “será que nunca vou realizar meu sonho de ser pai?”. Conta a Davi que já sonhava com as palavras que ouviu em seu encontro com Juana “a casa inteira ficaria cheia de brinquedos como a Sol me disse” e conta de seu encontro com Juana, de como jogaram bola e tomaram sorvete na rua e que fazia muito tempo que ele não se sentia tão bem, até o momento em que Ricardo ligou dando a notícia. Quando Ana María conta o escândalo que aconteceu em sua casa com as filhas de Afonso, seu amante, em frente a sua mãe e várias vizinhas fofoqueiras, Manuel pergunta se ela falou com Afonso, ela diz que não, que ele colocou sua esposa no telefone para dizer que ela foi apenas uma aventura e que o casamento dos dois está melhor do que nunca. Manuel fica enfurecido querendo fazer algo pela irmã. Brandi, chega na igreja e encontra Juana toda molhada, chorando, rezando de joelhos e corre perguntar o que aconteceu e Juana segue mentindo dizendo que não há nada de errado e que agora está bem, mas que não quer ir para casa, a amiga fica assustada e diz que é para ela ir para a sua casa onde pode se secar e melhorar antes de ir para casa. Mauricio segue falando de Sol (Juana) e diz que ela desperta nele um sentimento como ternura e, Davi diz achar estranho, porque no dia da festa quando ela estava tirando as fotos ele não a via com ternura. Mauricio rebate dizendo que no primeiro ela chegou destruindo a casa dele, o amigo pondera que foi sem querer, e que depois viu que ela era muito jovem e pensou que ela não teria idade suficiente 159

para fazer um bom trabalho, ele admite que se enganou com a Sol, já que o trabalho ficou bom. Davi diz que se ele não fosse casado haveria problemas e, Mauricio diz que não tem interesse especial nela e que ela não tem nada a ver com ele. Davi pede para trocarem de assunto e falarem da revista, sua ideia é abrir uma página para entrevistar pessoas anônimas, Mauricio pergunta quem ele indicaria para a primeira edição, ele diz a própria Sol, para surpresa de Maurício, ele complementa que a ideia surgiu porque Sol conseguiu uma bolsa de estudos por mérito próprio e Mauricio aceita à ideia. Mauricio passa o capítulo inteiro reclamando que queria ter filhos e agora não terá. Enquanto Azucena e Ana María seguem discutindo. Manuel vai até a casa do amante de Ana María e na porta fica gritando com ele pelo que fez com sua irmã, os vizinhos veem, a esposa e as filhas de Afonso chegam e pedem para que ele não faça escândalo, ele diz que não fará se ele abrir a porta, senão gritará para todo mundo a vida suja que essa família possui, dentro da casa eles começam a discutir e Manuel diz que Ana María é uma mulher digna cujo único erro foi se apaixonar pelo cafajeste que é Afonso. Depois de muita discussão Manuel vai embora. Desirée está em um quarto de hotel angustiada dizendo que não sabe viver sendo pobre e que Carlota não quer mais emprestar dinheiro para ela e que ela não trabalhará por um salário mínimo. Aí, ela lembra do dia em que o pai de Carlota, Rogelio, a chama de princesa e vive falando que cuidaria para que ela não necessitasse de nada e parece ter uma ideia. Corta para Carlota se perfumando para o marido, Mauricio entra no quarto e pede desculpas pelas atitudes anteriores e os dois conversam sobre o casamento. 160

Figura 24: Momento em que Juana conta para a amiga Brandi sobre a gravidez. Fonte: Frame da telenovela capturado no Youtube

Brandi está conversando com Juana enquanto suas roupas secam para que ela possa ir para casa e diz para ela entender o que está sentindo, sabe que é difícil para ela e que se estivesse no lugar dela também estaria muito abalada. Juana pergunta: - O que? Ela responde: - Você sabe que essa semana as pessoas estão falando de sua mãe, mas semana que vem já esqueceram toda essa historia! Juana diz: - Você acha que estou assim por causa de minha mãe? Brandi questiona: - E não é? Juana conta: - Brandi, estou grávida! E o capítulo encerra. 161

APÊNDICE B: ENREDO CAPÍTULO 13: REAÇÃO INICIAL DA FAMÍLIA AO DESCOBRIR A GRAVIDEZ

Ana María diz que sozinha Juana não conseguiu esse filho, então é melhor que ela diga a verdade senão sofrerá consequências. Juana continua dizendo que não sabe quem é o pai e até levanta a hipótese de isso ter acontecido em uma ida ao banheiro ou uma piscina. Ana María não acredita na filha e diz para que ela pare de insistir nessa história antes que ela dê a surra que nunca deu na vida. Manuel pede calma e que escutem a menina, mas Ana María diz que não há porque escutá-la, já que ela só está falando um monte de mentiras. Ana María esbraveja “se você acha que vai abrir mão da vida por um homem, para que esse homem fique de braços cruzados sem pagar nenhuma conta, você está muito enganada, porque esse homem vai ter que dar as caras e assumir a responsabilidade também”. Azucena diz que ela e Ana María sabem que isso é inútil, já que nenhum homem se responsabiliza por uma mulher e que ela vai ter que viver com essa barriga sozinha assim como as duas fizeram na época delas. Juana segue em desespero dizendo que não sabe como aquilo aconteceu e implorando que acreditem nela. Azucena diz que não importa como aconteceu, o resultado é o mesmo. Na mansão de Mauricio ele encontra Desirée fazendo top less na piscina e ambos ficam constrangidos. Desirée mente que achava que Maurício voltaria para casa só a noite e que nem em sonho faria essa bobagem se soubesse que ele estava por perto. De volta à casa de Juana, Ana María pergunta por que a filha não contou a ela antes e Juana responde que sabia que ela reagiria como reagiu: não acreditando nela e que isso a machuca muito. A mãe retruca que o que a machuca é que ela teria outra vida, um futuro diferente do dela, mas por irresponsabilidade destruiu tudo, Ana María frisa que ela iria para o exterior, para sua bolsa de estudos e teria uma vida diferente, mas agora está tudo destruído. Juana segue pedindo que a mãe a escute e acredite no que ela diz, mas Ana María não dá ouvidos e segue reclamando, que aconselhou muito a filha sobre o 162

assunto para que ela tivesse uma vida diferente e ela destruiu tudo. Ana María pergunta: - Por que você está fazendo isso comigo? Por que está se vingando de mim? É por causa do Afonso (homem casado de quem ela era amante) que você fez isso comigo? Manuel interrompe e diz que acha não ter nada a ver com isso e pede que Ana María pare. Ana María questiona: - Com o que tem a ver então? E continua dizendo que Juana era seu orgulho e que ela fez tudo por ela, esperava tanto dela e imaginava que ela chegaria tão longe e esse erro acabou com tudo. Ela diz que o pior de tudo é que a menina não quer dizer quem foi o homem que acabou com sua vida, mas ela promete que vai descobrir. Na casa de Maurício, Desirre diz que se acostumou com a moda europeia do top less, Mauricio responde que não viu nada, mas que Carlota não havia avisado que ela estaria ali, ao que Desirée informa que veio passar uns dias em sua casa. Carlota conversa com seu pai, Rogelio Vivas, que diz que imaginou que a filha estaria festejando o fato de a inseminação na mulher contratada ter dado errado. Carlota pede que seu pai não fale mais no assunto. Rogelio então pergunta por que Desirré está morando na casa de Carlota e ela diz que ela apenas chegou lá com as malas e ela não pode desprezar a amiga. Amparo, mãe de Carlota, infere que ter uma amiga morando em sua casa com seu marido é um péssimo negócio. Desirée fala sozinha sobre seu plano de conquistar Maurício estar apenas começando. Ana María diz para Juana deixar de ser infantil e dizer de uma vez quem é o responsável por sua barriga e ela diz mais uma vez que não sabe. A mãe diz que tudo bem, ela não precisa dizer, porque ela já imagina quem seja. A discussão continua. Juana diz que lamenta muito que sua mãe não entenda o que ela está passando, já que achava que a mãe a conhecia, pensou que ela confiava nela, mas isso não é verdade porque nem sequer o benefício da dúvida ela recebeu, simplesmente foi julgada e condenada. Juana vai sair de casa quando sua amiga Brandi chega, ela conta a amiga que deu tudo errado, que não deveria ter falado e que em vez de tirar um peso da consciência, só piorou as coisas. 163

Na casa de Maurício, ele pergunta ao seu empregado se sabe por que Desirée está na casa dele e explica que ela é esposa de Francisco, o sócio que ele está tentando localizar há algum tempo. Juana está em desespero dizendo que todos que ela ama a deram as costas. Brandi tenta acalmar explicando que para eles também deve ser um golpe muito duro. Juana pergunta: - E para mim? Como fica o que eu sinto? Será que eles acham que não me sinto mal por tudo que perdi? Eu perdi tudo! Juana começa a gritar em frente à sua casa dizendo que todos foram injustos com ela e que na opinião da sua mãe ela fez tudo isso de propósito e segue gritando que é virgem. Azucena, em seu quarto, fala sozinha, lamentando que agora enterraram seu nome de vez. Juana era a única esperança da família sair do buraco e encarar o mundo de frente e diz: - A história se repetiu, ela está grávida aos 17 anos, o que as pessoas vão dizer agora? Ela pega uma foto de seu ex-marido e o agradece de forma irônica por estar longe com outra família sem se importar com o que acontece com elas, sem se importar com o suplício que ela viveu desde que ficou sozinha com a família que os dois formaram. E diz que se nessa vida existe justiça ele, Ramon Perez, irá voltar a essa casa e sofrer tudo que ela já sofreu. Maurício conversa com seu cachorro perguntando como é possível que Carlota não o entenda assim como Sol (Juana) o entendeu. Juana vai ao consultório onde fez o exame de sangue e pede para falar com a médica que a atendeu anteriormente, pede que lhe dê um atestado de que é virgem, que apesar de estar grávida e do que dizem os exames ela continua sendo virgem. Ana María diz que tinha esperança no futuro de Juana, gostaria que ela tivesse uma vida diferente, que fosse dona do seu destino. Ela concentrou todas suas energias nisso, procurou ajuda-la, acompanha-la, assessora-la para que tivesse uma mãe diferente da que teve. Manuel diz a Ana María que ela está sendo egoísta ao pensar que a filha fez isso para atingi-la, porque ela está agindo como se a vítima da história fosse ela, mas a vítima é a Juana e pede que ela imagine como Juana está se sentindo nesse momento. Complemente que com ela aconteceu a mesma coisa e é impossível que 164

ela tenha esquecido como se sentiu na época. Ana María diz que ele não pode comparar Juana com ela, porque na época ela buscava o afeto que nunca teve e que Juana sempre teve muito afeto. Ana María enfatiza que não tinha como destruir seu futuro porque não tinha futuro, enquanto Juana tinha o mundo aos seus pés. Manuel pede que não de as costas a filha. Ana María diz que fica arrasada porque sabe que a vida da filha será um inferno. Juana chega em casa à noite e Manuel está esperando por ela na rua para conversar e tentar entender o que está acontecendo para tentar ajuda-la. Juana diz que também precisa saber tudo, ela precisa saber como, quando onde e por que ficou grávida. Manuel diz que ela deveria saber essas respostas já que não é nenhuma maluca. Juana diz que agora está esperando um filho, o sonho de todas as mulheres que para ela é um pesadelo e que Manuel, sua mãe e sua avó podem ter pelo menos o consolo de uma explicação para a gravidez, mas ela não tem. Desirée está tomando café com Carlota que conta que Maurício não dormiu no quarto do casal e comenta estar com medo de perdê-lo. Carlota diz a Desirre que não quer perder Maurício e que foi burra a não aceitar bem essa história de filho, já que era importante para ele, e agora ele está afastado. Desirée rebate que afastado está Francisco que foi para a Europa e a deixou ali, sem explicações. Carlota diz que vai apoiar Maurício na ideia de ter filhos porque ela sabe que ele vai tentar de novo. Dr. Ricardo liga para Mauricio e diz que eles podem tentar de novo a inseminação. Já na clínica de fertilização, o médico diz a Mauricio que há sêmen para tentar ter um filho várias outras vezes, mas Mauricio diz que na última vez ele ficou tão esperançoso, parecia tão real, que não sabe se quer mais tentar. Mauricio conta de seu encontro com uma astróloga/adivinha que disse para ele no dia anterior que em algum lugar havia um filho dele crescendo na barriga de uma mulher. O médico convence Maurício a tentar de novo. Na escola, Ana María vai atrás de Miguel Fernandez (Mick) e o acusa de ter engravidado Juana, em frente a todos os alunos. O menino reage dizendo que com Juana ele não passou de um beijo e Ana María pergunta como ele pode não assumir a responsabilidade, Miguel diz que o filho deve ser de outro e toma um tapa de Ana María. 165

Figura 25: Ana María briga com Miguel na escola pois acredita que ele é o responsável pela gravidez. Fonte: Frame da telenovela capturado no Youtube

Juana vai ao diretor e diz que ainda não pode entregar o exame de sangue, que é o único requisito faltando para sua matrícula na Universidade de seu intercambio, por conta de um problema e que eles devem fazer novos exames com resultados em breve. Ana María aos berros segue seu discurso de que existem milhares de exames para confirmar a paternidade e Mick diz que não tem o que confirmar já que o filho não é dele. Ela ameaça que irá até as últimas instancias para esfregar esse resultado em sua cara. A enfermeira na clínica de fertilização comete um erro com o aparelho de congelamento de sêmen e ele fica com um vazamento que compromete todas as amostras, inclusive as de Maurício. Ana María conta ao diretor que Juana está grávida. Juana chega na confusão e diz que Miguel não é o pai e Ana María briga que ela não pode ficar defendendo ele. A filha, mais uma vez, diz que não sabe quem é o pai e reclama ter sempre apoiado sua mãe em todos os problemas, até mesmo nos que ela causou a si mesma, e que agora é rejeitada e que ela não merecia esse tratamento. O diretor tenta fazer Ana María e Miguel conversarem, ele reclama que levou uma bofetada da mulher e ela diz que é mãe e iria até as últimas consequências. O 166

diretor diz que se for verdade que Miguel não fez nada com sua filha, a professora deveria imaginar o problema no qual estaria metida. Mauricio chega contente na revista e pergunta para Brandi o que houve com Sol, já que ontem ela disse que a menina estava com problemas, Brandi mente e diz que são apenas problemas de mulher. Na clínica, a enfermeira percebe que o nitrogênio está vazando do recipiente das amostras e o capítulo encerra. 167

APÊNDICE C: ENREDO CAPÍTULO 21: FAMÍLIA DE JUANA DESCOBRE O ERRO MÉDICO

Manuel e Juana desconfiam de que houve um erro médico e resolvem ir à clínica ginecológica e de fertilização para descobrir o que aconteceu e cobrar responsabilidade sobre o que foi feito, buscando principalmente saber quem é o pai. Ao perceber que Juana chegou, a enfermeira Carmen, uma das culpadas pelo erro, esconde-se o tempo todo e avisa Dr. Michelena, que fez a inseminação e, que eles podem ser descobertos. Dr. Michelena conversa no corredor com a enfermeira Carmen, que diz que a ficha jamais foi preenchida, que essa menina nunca esteve ali, fazendo com as mãos sinais de rasgar papeis. Juana e Manuel encontram Dr. Pezzati e explicam a situação, contando que após uma consulta na clínica, a menina está grávida, então algum erro deve ter acontecido, porque Juana foi inseminada sem autorização. Dr. Pezzati concorda que o que ele está contando é muito grave e chama o Dr. Ricardo, único médico que realiza inseminações para esclarecer essa história. Quando Dr. Ricardo chega na sala, Juana fala que nenhum dos dois médicos a examinou, Manuel se exalta e diz que não sairá dali enquanto não receber uma explicação. Dr. Ricardo e Dr. Pezzati dizem entender o mal-estar que estão passando, mas que não podem levar a culpa por algo que não fizeram. Manuel repreende que se não foi nenhum dos dois, e ela foi atendida, é óbvio que existe uma terceira pessoa envolvida e que eles a estão acobertando. 168

Figura 26: Manuel e Juana buscam respostas com os médicos da clínica. Fonte: Frame da telenovela captado no Youtube

Dr. Pezzati afirma que a intenção dele não é pôr em dúvida a palavra de Juana, mas garante que o único médico que realiza inseminação artificial na clínica é o Dr. Ricardo, e se ela afirma que nunca o viu, é impossível que tenha acontecido. Juana continua insistindo que esteve na clínica e preencheu um formulário e foi examinada por um terceiro médico. Dr. Pezzati diz que se ela preencheu uma ficha é só mandar a enfermeira procurar. Mas com a ficha foi rasgada pela enfermeira que cometeu o erro, as outras enfermeiras não a encontram, levando os médicos a dizerem que se ela tivesse consultado ali haveria registros, então eles não podem ser responsáveis por algo que não é de sua competência. Manuel acusa o estabelecimento de ter sumido com a ficha da menina, ao passo que os médicos retrucam que são profissionais sérios e jamais fariam algo tão revoltante e que naquele local nunca perderam uma ficha medica. Manuel diz que o desaparecimento da ficha confirma a teoria de que a clínica cometeu um erro gravíssimo e agora querem desaparecer com as evidências. Manuel diz que eles não são sem instrução e que sabem o problema que isso pode causar se eles resolverem tornar essa história pública. Ao saírem da clínica, Manuel diz ter certeza que extraviaram a ficha de propósito e que as leis no país parecem ser feitas para proteger quem tem mais e não quem precisa mais, mas que não é para Juana se preocupar porque isso não vai ficar assim. Dr. Ricardo continua intrigado com a história de Juana, quando o médico Michelena entra em sua sala e confessa que Juana disse a verdade, já que ele mesmo a inseminou com as amostras de sêmen de Maurício. Michelena diz que houve um engano e que a ficha de Juana estava dentro de uma das pastas de Ricardo e como a menina estava um pouco nervosa, mas se comportou normalmente como se esperasse todo o processo, não desconfiou. Dr. Ricardo pergunta pela ficha de Juana, Michelena diz que foi eliminada e que ele e Carmen sabiam do erro há bastante tempo, mas não falaram nada porque pensaram que talvez a menina não pegasse a gravidez. Dr. Ricardo pergunta como ele pôde não ter percebido que estava inseminando uma virgem? Michelena responde que percebeu, mas como Mauricio estava obcecado com a ideia de ter um filho, achou que isso seria parte do plano 169

dele e que não iria agir com moralismo naquele momento. Dr. Ricardo diz que agora eles têm uma questão moral e ética muito mais grave para resolver. Na revista, Brandy briga com colegas de trabalho que estão zombando dela por ter pedido o endereço de Davi na noite anterior (em que procurava por Juana). Apesar de afirmar que não tem nada com ele, no escritório todos acham que eles estão juntos e fazem piadas a respeito, ambos garantem que não passa de fofoca. Brandy encontra Davi sozinho no escritório e tenta esclarecer a situação, mas os dois acabam discutindo. Armando, amigo e colega de Mauricio, mostra bons números de vendas de anúncios para a revista, mas Mauricio explica que se não aumentarem a circulação de nada adiantará, ainda mais com a Editora Global devolvendo exemplares. Mauricio conta para o amigo que Carlota agora decidiu que quer adotar um menino, o amigo diz que é perigoso adotar uma criança porque não se conhece o histórico de doenças e pré-disposições genéticas, mas Maurício enfatiza estar disposto a aceitar só para recuperar a paz em seu casamento. Armando diz que viu cair da carteira de Mauricio um brinco igual ao que Juana usava no dia da festa da revista, insinuando que eles têm um caso. Mauricio diz que a menina apenas está com problemas em casa e então passou a noite no escritório porque ele não deixaria que ficasse na rua. Ele diz que é casado e respeita sua esposa e que pela menina só sente ternura ao vê-la desprotegida e desamparada. Porém, Maurício confessa ser estranho o que acontece entre Juana e ele, porque toda hora ela cruza seu caminho, é como se o destino insistisse em indicar algo para ele. Carlota e Maurício marcam um jantar com a família da esposa para contarem da decisão de adotar uma criança. Ao darem a notícia, Amparo e Rogelio, pais de Carlota, dizem ser um erro grave, uma ideia sem cabimento. Carlota explica que eles já estão decididos e Maurício defende que essa é a única forma de eles terem uma família. Dona Amparo e Desirré trocam farpas e a senhora avisa à filha do perigo de ter uma mulher sensual como Desirré dentro de sua casa com seu marido. Desirré realmente segue tentando seduzir Mauricio, mas sem sucesso. O que ela não esperava era que Rogelio ficasse olhando para seu decote e durante o jantar pusesse a mão em sua perna, o que a deixa constrangida. 170

Maurício diz a Rogelio que a Editora Global devolve as revistas como se não tivessem saídas, mas os jornaleiros reclamam da falta de exemplares nas bancas e que ele desconfia que tem alguém por trás disso querendo derrubá-los. Após o jantar, todos especulam os motivos para o desaparecimento de Francisco (marido de Desirré e amigo de Mauricio). Maurício comenta que a última vez que o viu, ele estava com Rogelio e, ao mesmo tempo, tem uma lembrança de um dia em que Francisco estava dizendo para ele que havia coisas erradas na revista e era seu dever contá-lo, porém bem na hora Rogelio entra na sala e interrompe a conversa. As vizinhas perturbam Azucena sobre a gravidez de Juana, falando que a história se repete e que sua família está perdida. Azucena retruca que nesse bairro a juventude perdeu os valores morais e cita várias meninas jovens e solteiras que estão grávidas. Paulinha, uma das vizinhas que presenciou a discussão, procura o Padre José para se confessar. Ela diz gostar muito de Juana e o Padre corrobora que todos gostam dela no bairro. Ela diz que por esse motivo acha injusto o que está acontecendo com ela, principalmente porque as pessoas estão julgando e “atirando pedras” em uma menina que foi sempre tão querida. O Padre José vai à casa de Azucena falar sobre a gravidez de Juana e para oferecer uma solução. Ele diz conhecer uma família com boa condição financeira que quer adotar uma criança, um dos meninos do orfanato da Paróquia, e que, em vista da situação, ele pensou que esse casal em vez de adotar um dos meninos grandes, poderia adotar o filho da Juana assim que nascesse. 171

APÊNDICE D: ENREDO CAPÍTULO 23: ANA MARÍA, MÃE DE JUANA, PEDE PERDÃO A FILHA E VAI À CLÍNICA TIRAR SATISFAÇÕES

Carlota vai ao encontro do Padré José para falar sobre a adoção de Rafael, o Padre questiona sobre o que seu marido acha e ela explica a situação de não poderem ter filhos, mas quererem uma família, mas não diz a realidade sobre Maurício ainda não saber de sua intenção. O padre então menciona a outra opção, a de adotar um bebê recém-nascido, e menciona o caso de Juana. Ele explica que ainda não sabe se a família estaria de acordo, mas como ela é menor de idade e muito jovem para ser mãe, talvez esteja disposta a doar seu filho logo ao nascer. Na mansão, Desirée encontra Maurício no jardim com sua cachorra e pergunta se pode sentar-se e fazê-lo companhia, ele aceita. Então ela pergunta/ironiza que eles verão se ela consegue ser tão boa companhia quanto o animal. Na casa de Juana, Manuel conta a Ana María que a filha foi inseminada por engano durante o exame ginecológico, a mulher fica completamente revoltada. Manuel diz que o pior é que a clínica não quer se responsabilizar pelo erro e eles ainda não sabem se foi realmente um erro ou uma maldade. Ana María discursa/debate o caso e o fato de eles terem apontado para Juana como se fosse culpada, sendo que a culpa está no país e no fato de ninguém fazer seu trabalho direito e que a impunidade impera. Manuel pede calma, mas ela repete que essas coisas acontecem todo dia no país, que as pessoas não se preocupam em fazer direito seus trabalhos e cita impunidade em diversos casos: vender remédio vencido, passar dinheiro falso, pessoas que superfaturam produtos... Ela fala que mesmo sendo uma simples professora de educação física, depois de ter dado muito duro na vida para conseguir um “diploma miserável”, ela tenta fazer seu trabalho dignamente todos os dias e que preferiria morrer a destruir a vida de alguém como fizeram com a de sua filha. 172

Figura27: Padre José em encontro com Carlota para tratar da adoção. Fonte: frame gerado pelas autoras

De volta à igreja, Padre José explica a Carlota que existem muitas jovens grávidas sem capacidade emocional e financeira de criar seus filhos, ao que ela rebate que estava com vontade de adotar o garoto Rafael, pois isso a deixa mais segura. O padre concorda que a decisão é do casal, mas continua insistindo que ela pense em adotar o bebê de Juana. Na mansão, Maurício fala com Desirée da cumplicidade dos cães para com seus donos e de sua dependência em relação aos seres humanos. Desirée diz que com esse coração grande que ele possui certamente seria um excelente pai e que ela entende o quanto ele deve estar machucado e comenta ter percebido que ele não está muito contente com a ideia de adotar uma criança. Brandi e Juana conversam sobre a infância no quarto que Juana alugou. Juana lembra que a vida toda procurou não se apaixonar nem se envolver e que tinha um medo terrível dos homens e do amor e, de repente, surge alguém em sua vida que mais parece um fantasma e destrói sua vida de uma vez só e, pensa que foi castigo de Deus por ser tão orgulhosa. Brandi repreende dizendo que Deus não castiga, muito menos com um filho e que ela deveria ver isso como uma premiação divina. Ana María bate à porta do quarto insistindo que a filha abra. Quando abre, Ana María pergunta como a filha prefere ficar na pensão em vez de em sua casa. 173

Juana ironiza que a mãe é um encanto já que a primeira coisa que faz é entrar e criticar o quarto. Juana segue hostil com a mãe que tenta puxar assunto dizendo que já sabe como ela ficou grávida e que agora sabe que ela não teve culpa de nada. Juana diz que não adianta vir com palavras doces que não será assim tão fácil perdoá-la, pois ela deveria ter acreditado nela desde o princípio. A mãe pergunta como ela deveria acreditar cegamente, acreditar que a filha era a virgem escolhida para a volta de cristo, e que era pedir demais diante do ocorrido. Juana diz que ela deveria acreditar cegamente como seu tio Manuel fez, ele lembra que não foi bem assim e no começo teve suas dúvidas e que não é o momento de discutirem quem tem razão ou não. Manuel diz que entende Juana estar magoada, mas que para curar esse sentimento, ela precisa conversar e entender as razões e comportamentos de cada um. A mãe da amiga da Juana, Lili, manda a filha se afastar de Juana, pois ela é um mau exemplo. A mãe de Lili chama Mick até sua casa para que a filha e o rapaz terminem um trabalho de física, mas sua real intenção é saber o que aconteceu na história de Juana. Lili diz a Mick que sente nojo dele, ele diz que se olhou no espelho e sabe que é impossível sentir nojo dele, a menina manda que ele vá embora. Mick diz que até entende que ela esteja brava, mas pede que veja sua situação já que Juana foi sua namorada e com ele não quis fazer sexo e de um dia para outro aparece grávida e que isso não se faz com um homem. Ele vai embora, mas não sem antes dizer a Marta (mãe de Lili) que ela é muito gentil, mas sua filha não tem educação. De volta à pensão, Juana e Ana María ficam sozinhas para tentarem conversar. A mãe segue dizendo que foi difícil assimilar a ideia de que sua filha estava grávida sem saber de quem era e que esse tipo de coisa só acontece no cinema, com discos voadores e extraterrestres, e que na vida real é difícil de acreditar. Juana responde que estava muito confusa e pergunta como ela vai saber que pode confiar na mãe se nos momentos ruins ela não confia em sua palavra. A mãe disse que teve medo que Juana repetisse sua história porque busca para ela um futuro diferente do que teve. E Juana responde que não será possível e continua dizendo que passou a vida toda tentando deixar a mãe feliz e ser a filha perfeita, mas o destino fez uma maldade irreparável com ela e que a mãe deve ter falta de sorte. A mãe responde que é maluquice ela falar em falta de sorte já que ela é sua bênção. Ela diz que não parece, pois bastou as pessoas acharem que ela foi para a 174

cama com um homem para que todo seu suposto valor tenha sido descartado. A mãe continua pedindo perdão e diz que ela não é a filha que ela queria, mas a filha que ela quer e que essa situação foi uma grande lição em sua vida e que ela pode contar com sua mãe para defendê-la. Brandi e Manuel esperam por mãe e filha enquanto conversam e, Brandi exclama que a clínica merece sofrer um processo por penas e danos. Manuel conta a ela que a clínica nega que algum dia Juana esteve lá e que não há registros de suas consultas e nenhum médico admitiu tê-la visto, mas que isso não ficará assim porque eles encontrarão uma maneira de fazer justiça. Dentro do quarto, Ana María pergunta a filha se está perdoada e a filha diz que não será assim tão fácil, pois ela sempre deu forças e agora foi decepcionada. Juana diz que gostaria que a mãe entendesse o quanto ela está confusa e o quanto a situação é difícil e afirma ter passado a vida toda sendo a mãe da sua mãe e no dia em que precisa, pela primeira vez, ser a filha, a mãe não está nem aí. Juana diz que a mãe a envergonhou, que ela se deu ao trabalho de envergonhá-la em frente a toda à escola e seus amigos e ela imagina que a mãe fez isso para limpar sua própria reputação. A mãe nega e Juana diz que não importa, já que as atitudes de Ana María fizeram com que ela fosse desagradável com todos, já que foi humilhada na frente de todos. Juana diz que a primeira coisa ruim que aconteceu em sua vida foi causada por sua mãe, ao que ela retruca dizendo que a primeira coisa ruim quem fez foi o médico que a inseminou. Juana grita que ela não tinha o direito de ficar gritando sobre esse assunto em frente a todo mundo. Elas seguem discutindo e Juana diz que a mãe acabou com sua reputação em todo o colégio e que isso não tem volta, nem que a mãe queira. Ana María diz que então não tem mais nada para dizer, pois quanto mais pede desculpas mais se afunda em seu próprio erro. Ana María pede que a filha não a tire de sua vida e que deixe ajudá-la. Na mansão, Desirée segue com seu plano de conquistar Maurício, falando que é muito intuitiva e que percebe que, por ele ser um homem sensível, é muito difícil aceitar a ideia de adotar uma criança. Maurício concorda e Desirée diz que ele pode desabafar com ela, que ela não contará nada a Carlota. Maurício, então, começa a falar que era seu grande sonho ter um filho com seu próprio sangue e sobrenome. Desiréé diz não entender como Carlota não consegue compreender que ele precisa de mais tempo para assimilar tudo que aconteceu e que a ideia de adotar 175

uma criança é muito precipitada. Maurício diz que talvez seja egoísmo de sua parte, mas que a ideia de adoção o deixa revoltado e ela concorda. Rogelio Vivas, pensa em Desirée e em como ela está agora que o marido está desaparecido e imagina como ficaria ao saber que o marido, na verdade, está morto. Humberto chega e pede para falar com o pai e os dois começam a discutir sobre o fato de Humberto ser muito ligado à sua mãe. Humberto diz que quer trabalhar e seu pai manda ele ir decorar vitrines em um Shopping Center (fazendo referência ao diploma em Artes que o filho possui). Humberto pede um trabalho na revista. A conversa entre Maurício e Desirée segue com a moça insistindo no fato de que Carlota não pensa no marido ao insistir na ideia de adoção. Ele defende a esposa dizendo que ela não está forçando nada, que ele aceitou porque, como não teve condições de dar um filho a ela, ela tem esse direito. Desirée insiste que tudo tem seu tempo e que agora não era hora, que ela deveria estar ajudando-o e que se estivesse no lugar dela tentaria entender o galã e os sentimentos de seu coração magoado. Carlota chega. Desirée deixa o casal sozinho. Carlota conta ao marido que foi visitar o Pe. José, pessoa que facilitará a adoção, e que o casal conseguirá adotar um recém-nascido, se esperarem alguns meses e, pede sua opinião. Ana María e Juana finalmente saem do quarto e encontram Manuel e Brandi cheias de malas dando a notícia de que Juana voltará para casa. Juana volta para casa e é recebida com xingamentos por sua avó e Manuel diz que não é fácil o que a família está passando e pede calma, Ana María diz que todos estão sofrendo, mas que a parte de Juana é a pior já que ela não teve culpa de nada. Azucena rebate que agora eles têm um problema que ainda não foi resolvido, em mãos. Na casa de Maurício, Carlota pergunta ao marido se ele prefere adotar um recém-nascido ou uma criança grande, ele fica irritado e diz que só aceitou a adoção por causa dela e que não quer opinar sobre o assunto. Azucena segue brava e diz que parece a única a perceber a gravidade da situação, ela fala que sabe o que fazer para resolvê-la: esperar a criança nascer e dá-la para adoção, proposta que choca Ana María. 176

Em seu quarto, Juana fica repetindo as palavras de Maurício: “não perca sua meta de vista” e pergunta-se como fazer isso. Ela não entende como não consegue esquecê-lo sem saber que o filho que espera é dele. O menino Nicolau chega à casa de Azucena buscar pastéis para seu irmão vender e diz que às vezes cuida da barraca e acaba perdendo as aulas e Azucena dá um sermão sobre a importância de ir à escola e que seu trabalho vendendo pastéis não vai sustentá-lo a vida inteira. Juana chega na cozinha procurando por Ana María e, Azucena começa a discutir dizendo que virou costume em sua casa sair e voltar quando bem entende sem dar satisfação para ninguém. Ana María chega na clínica de fertilização para tirar satisfação sobre o que fizeram com sua filha. Quando as recepcionistas chegam, ela exige que elas a levem para ver os médicos ginecologistas da clínica porque quer descobrir quem engravidou Juana. Ana María começa a fazer um escândalo dizendo que ela foi violentada e voltou para casa grávida enquanto as atendentes tentam acalmá-la sem sucesso. Um médico finalmente aparece para recebê-la e diz para ela procurar um bom advogado porque na clínica não há registro nem testemunhas que viram sua filha sendo atendida e que todos seus médicos são honestos e responsáveis. Juana volta para a escola e ouve piadas nos corredores sobre a sua virgindade e sua gravidez, mas Lili sua amiga a recebe e diz que ela deve ter coragem de enfrentar todos de cabeça erguida. O diretor manda que ela vá imediatamente à sua sala e conta que ela perdeu a bolsa e que ele acha melhor que ela troque de colégio. A moça implora que ele reveja sua decisão sobre a bolsa e sobre a expulsão, mas ele mantém-se firme e diz que a bolsa nunca foi dela, porque quando uma pessoa trapaça, outra pessoa ganha o prêmio, assim como numa corrida. 177

APÊNDICE E: ENREDO CAPÍTULO 26: MAURÍCIO DESCOBRE QUE HÁ UMA MULHER GRÁVIDA DELE E ANA MARÍA FALA COM A FILHA SOBRE A POSSIBILIDADE DO ABORTO

Doutor Ricardo explica para Maurício que no dia da inseminação de Rosa Andrade outra mulher também foi inseminada e ficou grávida dele. Rosa perdeu o filho, mas a outra mulher ainda carrega o filho que ele tanto sonha. Maurício vibra que essa é sua última esperança de ser pai, sua única oportunidade. Na mansão, o menino Rafael é mal educado com Desirée e Carlota intervém que a criança ainda está adaptando-se à nova vida. Desirée diz que com o tipo de atitude que ele acaba de demonstrar, Carlota que terá que se adaptar. Rafael segue agindo de forma bastante grosseira, mas na hora de dormir pede a Carlota que conte uma história, ela manda a empregada fazer isso. Carlota está com dúvidas sobre a decisão de adotar o menino. No escritório da revista, Davi fala para Brandi de suas suspeitas sobre a aproximação entre Juana e Maurício, ao que ela rebate dizendo que Juana não é esse tipo de pessoa. Davi insinua que Maurício pode estar querendo se aproveitar de Juana, já que ele é casado e não pode ter interesse em uma menina bem mais nova. Brandi explica que Maurício ofereceu ajuda para Juana e que esse deve ser o motivo do carinho dela por ele. De volta ao bar, Doutor Ricardo pondera que Maurício não está reagindo à notícia de forma correta e que ele deveria estar aborrecido pelo erro que cometeu e que em qualquer país do mundo ele seria processado por irresponsabilidade médica, mas Maurício está muito contente e chama a situação de milagre. Maurício diz que sente muito pela moça que acabou grávida por engano, mas que essa é a oportunidade dele e ele está feliz por isso. Em casa, Juana conversa com a mãe e diz que sempre lutou muito para ter uma vida melhor e mesmo quando gostava de alguém mantinha a distância necessária para não ter problemas. Ela sonhava com outro futuro, não necessariamente um homem, já que príncipe encantado não existe. Ana María confirma que eles não existem e que a mulher que insistir em procurá-los vai apanhar muito da vida. Juana responde que mesmo sem ter procurado terá que viver o mesmo destino de sua mãe, ficou grávida aos 17 anos. Ana María retruca que elas não precisam aceitar esse destino porque não é justo. Juana repete que 178

deve ser o destino das três, sua avó, sua mãe e ela, ficarem grávidas e sozinhas, Ana María é firme ao dizer que mesmo que fosse uma espécie de destino, essa é mais uma razão para elas lutarem para mudá-lo e que elas não podem se render. Doutor Ricardo insiste que Maurício não deveria estar reagindo dessa forma, o galã pergunta se o médico prefere que ele abra um processo e acabe com a carreira de todos os envolvidos. Ricardo diz que tem uma parcela de culpa e Maurício insiste que isso foi um milagre e que ele deveria acreditar. O médico reafirma o fato de que a mulher em questão é jovem demais e que ele duvida que ela queira ter esse bebê e Maurício fica assustado, pois não havia pensado sobre a mãe da criança. Ricardo explica a gravidade da situação e diz que se fosse sua filha faria de tudo para que a gravidez não avançasse. Os dois seguem bebendo, mas agora não mais para comemorar e sim para lamentar o provável futuro da gravidez. Maurício diz que nunca imaginou que perderia tantos filhos, o de Carlota, o de Rosa, o problema nas suas amostras e agora a possibilidade de perder esse outro filho. Maurício pergunta quem é a mulher e Ricardo diz que não sabe já que Michelena destruiu todos os registros. Maurício ameaça e diz que se não descobrirem quem é, ele vai processar todos. De volta à casa, Juana diz que está muito confusa e Ana María diz saber o que é melhor para filha, Juana interrompe e diz que essa decisão ela quer tomar sozinha. Ela diz que sente como se algo distante dela está dizendo o que ela deve fazer. Ana María afirma não haver vozes do além, que isso que ela está sentindo é a culpa que ela quer instalar dentro dela, mas que ela não pode permitir que ela se sinta assim, já que ela não fez nada para estar metida nessa situação. Juana diz que não sabe se pode fazer o que a mãe está sugerindo, ela diz que a mãe a ensinou sobre amor incondicional. As duas choram e falam sobre amor e Juana diz que não quer fazer diferente de sua mãe, porque ela foi valente e deu duro e graças a ela, ela está viva e que ela não pode fazer diferente e que esse filho vai nascer. Ana María diz que se essa é a decisão da filha ela irá apoiá-la e fica orgulhosa da atitude, que não será fácil, mas que ela estará ao seu lado. Na mansão, Carlota está preocupada com a demora de Maurício em voltar e está achando que ele está tendo um caso. Desirée sai do banho e regozija sobre Carlota estar colaborando com seu plano, ao ter adotado Rafael, já que isso vai fazer com que Maurício fique bravo e que ela possa se aproximar dele para conquistá-lo. 179

Na cozinha, Manuel e Azucena estão preocupados sobre o que Ana María e Juana fazem trancadas no quarto e resolvem ir perguntar. Ana María sai do quarto radiante explicando que a filha resolveu ter o bebê e criá-lo, que ela está muito orgulhosa que ela está fazendo o certo. Manuel diz que Juana é muito bacana. Azucena acredita que Ana María estava falando com a filha sobre dar a criança para adoção e não sobre aborto, porque isso ela não aceitaria. Enquanto Manuel e Ana María comemoram a decisão, ela diz: - Tudo isso é muito lindo, mas isso não evita que outra Perez fique grávida aos 17 anos e perca seus planos para o futuro. Rogelio, pai de Carlota, está com o filho e um parceiro em um restaurante falando do plano de comprar a revista por muito pouco, já que eles estão trabalhando para que ela vá à falência. Maurício lembra da vidente que disse para ele que seu filho ainda estava vivo, mas decide ainda não contar para Carlota porque não sabe como ela irá reagir ao fato de que existe um filho biológico seu em algum lugar. Carlota está no quarto preocupada sobre seus ciúmes e diz perceber que está sentindo que está perto do fim, que algo lhe diz isso. Ela sabe que está se afastando dele com essas atitudes de ciúmes, mas não consegue evitar. Porém, ela mesma diz que irá se controlar para que a separação não aconteça. A mãe de Carlota conta para Rogelio que ela adotou um menino crescido e ele não gosta do fato de virar avô de um marmanjo. Ela diz que a filha colocou esse menino dentro de casa para ele crescer e dar o golpe nela, assim como ela pressente que Desirée fará. Rogelio diz que não irá apoiar essa loucura. Azucena pergunta se já espalharam a notícia de que Juana está grávida e ela já foi expulsa. Manuel diz que eles não podem fazer isso por conta da lei de proteção à criança e ao adolescente. Azucena rebate que uma coisa é a lei e outra coisa é à vida dos pobres. Ana María chama o irmão de canto e explica que não é apenas Juana que eles querem expulsar, mas querem demiti-la também. Na escola, o diretor conversa com uma professora que é enfática no fato de que Juana deve ser expulsa porque ela é um mau exemplo para as outras alunas. Ambos querem a menina fora da escola, à professora sugere que eles deixem Juana continuar indo às aulas, finjam que ela não será expulsa, mas que os professores darão um jeito para que ela saia por vontade própria. 180

Ana María e Manuel vão à escola exigir que mantenham Juana estudando, se não, irão processá-los. O diretor diz que estava pensando no bem estar de Juana e Manuel rebate que proibi-la de estudar seria o mesmo que matá-la. O diretor diz que os jovens são cruéis e que Juana passaria por muitas situações embaraçosas e Manuel responde que os adultos são ainda mais cruéis. Ana María diz que irá cuidar para que a deixem em paz já que trabalha no local, o diretor diz que a agressão que ela cometeu contra Miguel causou sua demissão. Juana leva Brandi ao seu trabalho na revista de Maurício, os dois se encontram e o capítulo encerra.

Figura 28: Momento do encontro de Juana e Maurício com trilha sonora romântica. Fonte: frame gerado pelas autoras. 181

APÊNDICE F: ENREDO CAPÍTULO 46: MAURÍCIO DESCOBRE QUE JUANA É A MÃE DE SEU FILHO

Maurício encontra o retrato falado feito por Michelena e descobre que Sol (que é como ele chama Juana) na verdade é Juana Perez, a mulher que está grávida dele. Ele fica emocionado falando sobre o destino e de como ele não desconfiou de nada mesmo com ela sempre tão perto dele. Mauricio fica se perguntando sobre o destino e lembra das palavras da vidente que disse que a mãe de seu filho já havia entrado em sua vida e que tudo está escrito nas estrelas. Vários flashbacks aparecem com cenas dos dois em vários momentos da telenovela. Carlota vai à casa de Juana explicar a situação de Maurício e tudo que ele já passou com sua doença e que não sabe o que Juana fez para entrar na vida dele, insinuando que os dois têm um caso. Juana rebate dizendo que a única relação deles é profissional, pois ele a contratou como fotógrafa. Carlota diz que foi à casa de Juana para deixar clara a importância que Maurício tem para ela e que ela não irá perdê-lo, já que a relação dos dois é sólida. Ela diz que percebeu que Juana é ingênua e que não está se metendo em sua vida por maldade, mas que ela pode ser implacável se Maurício não tornar a ser como antes em sua relação. Maurício segue no escritório tentando compreender o que está acontecendo e segue lembrando das previsões da vidente enquanto Juana está em casa chorando por conta das palavras de Carlota. Por conta da atitude de Carlota, Juana começa a desconfiar que Maurício sinta por ela o mesmo que ela sente por ele, já que Carlota pareceu ameaçada por sua presença. Rogelio conversa com Desirée e percebe um ato falho quando o vilão fala de Francisco, seu noivo que está desaparecido, no passado. Rogelio diz que na noite do aniversário Francisco e Maurício brigaram e que agora que ela suspeita que ele esteja morto, ela pode ter de quem desconfiar. Mais uma vez Desirée discorda de Rogelio dizendo que não suspeitava de um assassinato até que ele trouxesse o assunto à tona. Ele diz que não adianta fazer conjecturas e que ele irá investigar o que aconteceu a Francisco. Os dois estão quase se beijando quando Carlota entra na sala e os três discutem já que ela percebe que os dois estão tendo um caso, os dois negam veementemente. Desirée está com medo que Carlota a mande embora de casa por algo que não existe, Rogelio diz que só não existe porque ela não quer que aconteça. 182

A sequência intercala cenas em que Juana chora no espelho falando que é uma menininha e ele um homem maduro que deve conquistar todas as modelos e que nunca iria querer nada com ela e de Maurício falando que está apaixonado por essa menininha desde antes de saber que ela era a mãe de seu filho. Juana segue tentando se convencer de que Maurício não sente e nunca sentirá nada por ela, enquanto ele está em frente a sua casa pensando se deve contá-la que é o pai de seu filho. Maurício desiste de tocar a campainha e contar sobre sua descoberta, enquanto isso Juana pensa que gostaria de ter algo com ele, nem precisaria ser casamento nem nada, mas um pequeno laço que os aproximasse. Salvador deixa Ana María em casa, mas eles não conseguem ver quem era a pessoa no carro. Ana María diz que apesar de tudo divertiu-se bastante e Salvador fica chateado com o “apesar de tudo” e diz saber que ela não queria sair com ele e agradece seu esforço. Ele diz que só o fato de ela ter aceitado jantar já o faz pular de alegria, a situação fica constrangedora quando ele acha que vai beijá-la e ela oferece a mão. Quando ele sai, ela diz que se ele quer outro tipo de tratamento terá que suar muito. Azucena acorda e quer saber como foi o encontro, Ana María fica brava com o interesse da mãe e pergunta a que se deve a mudança de atitude, Azucena diz que simpatiza com Salvador por ele ser um homem correto, bom e que vale a pena. Ana María concorda e diz que ficou um pouco sem jeito, mas que eles se divertiram, Azucena fica feliz, mas Ana María pede que ela não crie esperanças porque a última flechada que um cúpido acertou nela ainda está doendo. Ana María chega no quarto e pergunta sobre o que a filha está pensando ou se ela está passando mal e que ela precisa procurar um obstetra e fazer os exames pré-natal. Juana pergunta à mãe como foi o encontro, Ana María desconversa e ela pensa que não acredita na mãe e a mãe não acredita nela, mas que ela não pode contá-la que Carlota esteve em sua casa. Na mansão, Carlota pensa que deve ser Juana quem corre atrás de Maurício, mas que ela deixou bem claro que ela quer a menina bem longe. Desirée bate na porta do quarto implorando para que conversem e Carlota diz que não quer vê-la nem ouvi-la se ela não tirar a máscara e parar de tentar fazê-la de boba. Carlota diz que não acredita em mais nenhuma palavra de Desirée e diz que está na hora de ela ir embora de sua casa. Na casa de Rogelio, sua esposa, Amparo, diz que sabe o motivo dos seus pensamentos distantes e quer saber se ele está novamente com uma amante. Os 183

dois discutem muito e Rogelio humilha a esposa a chamando de histérica ao que Amparo diz que fará da vida dele um inferno e que descobrirá quem é a mulher. Maurício chega em casa e Rafael o recebe cheio de novidades para contar, e pergunta quando irão visitar seus amigos no orfanato e, ele diz que irão no dia seguinte. Pe. José agradece que Maurício tenha trazido o menino para encontrar seus amigos e pergunta se Carlota conseguiu falar com Juana, surpreendendo Maurício. Na manhã seguinte, Amparo vai visitar a filha Carlota e ambas ficam mandando indiretas para Desirée, ofendendo-a sempre que possível. Amparo insiste em saber por que Carlota está sendo tão dura com sua protegida e o que ela fez para que a mandasse embora. Juana segue pensando na visita e nas ameaças de Carlota e que não pode contar a ninguém de sua família porque vão enchê-la de perguntas. Nesse momento alguém toca a campainha, ela vai atender e é Maurício. O capítulo encerra. 184

APÊNDICE G: ENREDO CAPÍTULO 100: JUANA DESCOBRE QUE MAURÍCIO É O PAI DE SEU FILHO

Desirée diz para Juana que está surpreendida com a habilidade de Maurício de enganá-la, já que a única coisa que ele ama nela é o filho que ela espera dele. Desirée pergunta como ela nunca desconfiou da obsessão de Maurício por esse filho e que Juana é um simples útero alugado por engano e então ela revela que a inseminação errada que ela sofreu foi com sêmen de Maurício. Juana começa a chorar e Desirée segue dizendo que ele irá enganá-la dizendo que a ama até o dia do parto só para poder ficar perto do bebê. Desirée conta toda a história do Maurício sobre sua decisão de congelar amostras e a de contratar uma barriga de aluguel e Juana entra em desespero. Desirée segue tripudiando e dizendo que Juana foi burra por achar que ele a amava, distorcendo os fatos do passado e convencendo a protagonista de que ele a acha insignificante e que só pensa no filho que ela carrega na barriga e que ele irá roubá-lo no dia do parto. Desirée vai embora comemorando que seu plano deu certo. Juana segue chorando e lembrando todos os momentos em que Maurício foi legal com ela e pensa que foi tudo uma mentira. Manuel e Enriqueta acordam juntos e estão muito felizes. Enriqueta diz que está preocupada com o relacionamento de Juana e Maurício, apesar de não achar que ele esteja brincando com os sentimentos de Juana. Manuel diz que apesar do exterior agressivo que Juana apresenta, ela é uma menina frágil e inocente a quem Maurício poderia fazer um mal irreparável. Carlota segue Maurício na estrada e em uma ultrapassagem sofre um grave acidente. Ela e Rafael ficam feridos. Maurício tenta ajudá-los. Bombeiros e polícia chegam para levá-los ao hospital onde Carlota segue inconsciente. Rogelio chega ao hospital e ameaça Mauricio dizendo que se algo grave acontecer a sua filha ele será um homem morto. Ana María decora a casa para o aniversário de Juana, mas segue com uma sensação de angústia por ter quebrado um porta-retrato mais cedo achando que é sinal de mau agouro. Lili descobre que Ramon, pai de Ana María, está com uma doença grave. Juana vai à casa de Davi pedir ajuda e ele pergunta se Maurício disse a verdade, ela fica brava que ele também já sabia. Juana segue se perguntando por que ele a usou dessa maneira. Juana conta que quem contou toda a verdade foi 185

Desirée e Davi pergunta o que ela tem a ver com isso e Juana desconfia que na verdade eles sejam amantes. Na casa de Juana, todos a esperam arrumados para sua festa surpresa de aniversário e Manuel apresenta Enriqueta à sua família. Azucena chama Manuel na cozinha e pergunta se ele não está sonhando alto demais ao se relacionar com uma mulher tão rica e de tanta classe. 186

APÊNDICE H: ENREDO CAPÍTULO 102: FAMÍLIA DE JUANA DESCOBRE QUE MAURÍCIO É O PAI DO FILHO QUE ELA ESPERA

Maurício chega na festa de Juana na hora do parabéns, enquanto ela não para de chorar e corre para o quarto e ninguém entende o que está acontecendo. Brandi e Ana María vão ao quarto querendo saber o que aconteceu, mas tem certeza que foi algo grave. Juana chora no quarto por acreditar que Maurício não a ama e está apenas usando-a. Nicolau pergunta do bolo e Azucena manda o garoto esquecer do bolo porque a casa está cheia de problemas. Maurício pergunta por que Juana ficou assim, ele ainda não sabe que Desirée contou toda a verdade para ela. Davi puxa briga com Maurício e diz que quando ele deu o bolo em Juana, ela o procurou. Azucena chega na sala e pergunta o que aconteceu, Ramon explica que os dois estavam discutindo e pergunta se ela sabe o que eles têm para estarem assim, Azucena responde que eles estão assim porque são homens e homens acham que nada do que fazem pode fazer mal aos outros. Manuel leva Davi e Maurício para outro cômodo para tentar entender o que está acontecendo, Davi diz que exige que Maurício afaste-se de Juana e ele rebate que ama a menina e que seria incapaz de fazer mal a ela. Maurício insiste que quer ver Juana e Davi dá um soco em sua cara. Azucena chega e manda os dois pararem e pede que saiam de sua casa, Maurício diz que não sairá até falar com Juana, ela diz que isso não acontecerá porque ele irá sim embora já que é uma nuvem negra que paira sobre sua família e que ele deve sair imediatamente e se for para sempre melhor. Na rua, Davi questiona Maurício sobre quantas pessoas sabem que Juana está grávida dele e, ela ainda não e, que isso é uma falta de respeito e, que ele está tirando proveito de uma pessoa inocente. Davi diz a Maurício que ela já sabe de toda a verdade e ele começa a gritar em frente à casa que precisa falar com ela. Azucena chama a polícia para que retirem Maurício do local e Salvador o leva algemado. Ana María e Brandi finalmente conseguem abrir a porta do quarto e encontram Juana deitada no chão. Depois de acalmada a confusão, Davi volta para dentro da casa e conta toda a situação para a família de Juana, contando inclusive que Maurício contratou um detetive para descobrir quem era a mulher que estava 187

grávida dele. Juana diz que Maurício sempre soube de sua gravidez e fez tudo por ela só porque estava preocupado com o filho. Ela diz que chegou a sentir ciúmes de sua gravidez por tantos cuidados que Maurício tinha e que agora ela entende porque ela não passava de uma barriga para o filho dele. Ana María complementa que ele inclusive conseguiu uma barriga de aluguel de graça e xinga-o de várias maneiras. Enriqueta vai a delegacia encontrar Maurício, que afirma que ama Juana, mas que Davi deve ter distorcido a história para ela dizendo que ele apenas ama seu filho e por isso quer estar perto dela. Enriqueta pergunta se essa não é a situação mesmo e ele se exalta dizendo que não, que ele ama Juana assim como ama seu filho e que Juana precisa saber disso. Na casa de Juana, Manuel está furioso dizendo que Maurício não tem direito sobre essa criança e que eles deveriam ter processado a clínica logo que o erro aconteceu, mas que eles não fizeram isso porque foram convencidos de que não deveriam, mas que agora tudo faz sentido já que eles são ricos e amigos de Maurício. Carlota segue desacordada, seu irmão Humberto e sua mãe Amparo seguem no hospital esperando que ela reaja. 188

APÊNDICE I: ENREDO CAPÍTULO 17: JUANA É EXPULSA DA ESCOLA POR ESTAR GRÁVIDA

Maurício está mexendo na mala de Juana, que dormiu em seu escritório, ele havia derrubado a mala quando ela saiu do banho apenas enrolada da toalha e fica constrangida, explicando que achou que ele não havia chegado ainda. Ele diz que trouxe o café da manhã e vai espera-la na sala ao lado para comerem e ela responde que nunca imaginou que passaria tanta vergonha na vida com alguém. Desirée toma café da manhã com Carlota que está inconsolada que o marido não posou em casa, ela pergunta se ontem ele não a deu flores, mas ela diz que isso foi antes da notícia de Ricardo. Armando bate a porta da casa para entregar uma reportagem para Maurício, Carlota responde que ele não está. Maurício arruma o café e Juana agradece pela ajuda e ele diz não haver problema e que foi muito divertido superar sua tristeza ao seu lado e que isso é algo que está virando costume, ela diz que para ela também. Ele pergunta qual o plano da protagonista e ela diz que o problema é que não tem nenhum em mente. Então ele pergunta se pode se meter em sua vida: Juana: - Com o tanto que já se meteu nem importa mais. Maurício: - Com tanta intimidade até parecemos namorados… A jovem fica encabulada e uma música romântica começa na trilha sonora. Juana diz que ele não sabe pelo que ela está passando e ele diz que realmente não sabe a razão que a fez sair de casa, mas sabe o que ela sente, que a rua é difícil e pior quando se está sozinha, ela diz que vai dar um jeito de se virar. Mauricio fala da bolsa e da necessidade dela terminar o ensino médio, e não escuta as desculpas que Juana tem para dar e diz para ela não se render por que ela não parece uma menina frágil que não luta pelo que quer e diz para ela nunca perder sua meta de vista. Em casa, Carlota tenta convencer armando de que não sabe onde está Mauricio. Armando manda seu filho esperar no jardim e pergunta para Carlota o que pode fazer por ela já que não entende o que está acontecendo com Mauricio, já que ele estava bastante animado. Carlota conta para Armando do acidente do laboratório e da perda das amostras de sêmen de Mauricio e por isso ele está mal, já que jamais poderá ser pai e que ele estava todo amoroso e depois da descoberta saiu correndo e quis ficar 189

calado e sozinho. Armando diz que deve ter sido um golpe muito duro para ele, pois era o que ele mais queria. Carlota diz a Armando que não entende porque Mauricio não quer que ela o acompanhe e fique junto dele. Armando diz que um homem precisa ficar sozinho quando tem problema. Carlota argumenta que são casados e podem achar a solução para os problemas e cita o fato de ter falado par ele sobre a possibilidade de adotar. Armando diz que não seria igual porque um filho adotado não seria um filho dele, propriamente dito. Carlota indaga então, se por acaso, há outra maneira dele ter o filho que tanto deseja. Carlota analisa que Armando e seu filho se dão muito bem e comenta isso. Armando diz que os filhos quando são pequenos são da mãe, mas quando ficam maiores eles mudam e ficam mais ligados ao pai, e é quando o homem percebe que pode curtir e viver mais com seus filhos. Mauricio manda que Juana vá ao colégio e que pode deixar a mala em seu escritório, e que pode pegar quando quiser. Mauricio fica pensando que pelo menos Juana ainda tem a oportunidade de lutar pelo que quer (ele acha que ela ainda conseguirá a bolsa haja vista que não sabe da gravidez). Mauricio acha um brinco de Juana. Carlota reafirma que quer o marido com ela e que não suporta essa impotência que sente diante da situação, armando diz que ela não pode ter esse estado de espírito, que ela deve estar de bom humor quando ele voltar e dá um “conselho de amigo” para não fazer como a maioria das mulheres que armam escândalo por qualquer coisa quando o homem precisa de um pouco de “compreensão”. Carlota rebate que o que aconteceu não foi qualquer coisa, e Armando pede que ela faça um esforço. Manuel e Ana María procuram por Juana na escola e perguntam sobre seu paradeiro. Ana María fica revoltada com comentários maldosos dos colegas de Juana e fala que todos diziam gostar dela ali e agora ficam chutando cachorro morto. Juana chega de moto e encontra sua mãe e seu tio. A secretária de Mauricio vê a mala e acha estranho. Ana María abraça Juana e logo começa a xingá-la por ter passado a noite fora e pergunta onde esteve e diz que quase morreram de preocupação e eles ficam discutindo em frente à escola. 190

Juana contesta que deixou um atestado e que isso significa que ela disse a verdade e não mentiu para ninguém e que ela não esperava que depois disso sua mãe fosse ao seu encontro brigar com ela. Uma menina da escola escuta a conversa e vai avisar Lili que Juana está na frente da escola. Manuel diz para irem para casa e discutirem sobre isso, Juana diz que não tem casa, Ana María diz para ela não ser teimosa e que ela tem casa sim, Juana diz que não pretende ir com eles. Ana María grita com ela dizendo que se ela acha que as coisas serão como ela quer ela está errada porque ela ainda é menor de idade e vai ter que obedecer a sua mãe. Juana diz que agora sim que não vai obedecer, e Ana María ameaça bater na filha. Manuel tenta conversar com Juana e diz para ela que ela é muito importante para eles, e que eles precisam conversar, mas que a rua não é lugar para isso e pede que ela volte para casa. Juana responde que não vai, diz que precisa saber o que vai fazer da vida e que ela quer decidir sozinha e que pelo menos isso eles devem respeitar. Mauricio diz para a secretária que provavelmente a dona da mala irá buscá-la mais tarde e que se trata de uma moça jovem, Sol, que é fotógrafa e pede que a entregue. Na frente da escola a briga continua, Ana María diz que se Juana quer morar sozinha de que irá sobreviver? Ela diz que não sabe que vai procurar trabalho, a mãe responde: - Que trabalho você irá conseguir se só tem 17 anos e está grávida?. Juana diz que pode se virar sozinha, Manuel repete que ela precisa saber que não está sozinha mesmo que ele acredite que ela possa se virar sozinha. Ana María diz que se Juana acha que ela vai ficar de braços cruzados vendo a filha viver por aí de compaixão, está enganada porque ela é menor de idade e enquanto for assim ela tem que fazer o que ela mandar. Juana diz que ela não pode a obrigar a nada. Manuel diz para ela tirar o tempo que quiser para pensar, mas se precisar de ajuda é para ligar para ele. Ana María repreende o irmão. Juana vai para aula. Ana María pergunta como Manuel é capaz de incentivar Juana na loucura de morar sozinha e ele diz que o jeito de convencê-la é apoiá-la e acreditar nela, assim ela voltará para casa, não na base da obrigação. 191

Lili diz que estava preocupada e que se ela não viesse ao colégio iria até a imprensa falar de seu desaparecimento, e ela conta a Juana que a sua família estava enlouquecendo procurando por ela desesperados. Juana diz que não é criança e sabe se cuidar, Lili pergunta onde ela passou a noite, Juana então diz que não passou sozinha, que estava com Mauricio De La Veja. Manuel tenta convencer a irmã de que precisam fazer com que Juana entenda que eles acreditam nela e só assim a terão de volta, porque ela está ferida e tem razão, e ela diz que não vai os decepcionar já que teve coragem de vir ao colégio mesmo depois de tudo que aconteceu. O diretor pede para falar com Ana María, ela pergunta se tem algum problema, achando que é sobre a discussão que ela teve com Mick\Miguel e se desculpa, diz que se desculpara publicamente, o diretor diz que não tem nada a ver com isso, que tem a ver com Juana e diz que lamentavelmente terá que sair do colégio porque há pouco tempo ela era um exemplo aos alunos, agora que a gravidez não é mais segredo, e vários representantes procuraram a secretaria de educação reclamando que a presença de uma aluna grávida seria um mau exemplo e diz sentir muito, mas ela terá que sair do colégio. Ana María rebate e o diretor diz que será o melhor para ela, a mãe pergunta como poderá ser o melhor para ela sair no meio do ano, e por que tem que sair se Juana não cometeu falta grave?. O diretor diz que tem muita gente que não aceita que uma menina grávida estude em um colégio diurno e, essas pessoas estão pressionando para que Juana saia e, pede para que Ana María seja sensata e retire a filha antes que comecem os problemas. Ana María pergunta: - Que gente é essa que está pressionando? O papa? O presidente da república? Porque o que estão fazendo com Juana, é mais que uma injustiça, é uma indecência já que ela é uma aluna exemplar. Ela continua insistindo em saber quem são os representantes que querem tirar sua filha do colégio, quem são os pais?. O diretor fala que ninguém está questionando os atributos ou capacidades de Juana. Ana María diz ao diretor que então estão cismando com ela só por que está grávida. 192

No corredor as pessoas ficam paradas perto de Juana cochichando e ela quer tirar satisfação e pede que falem na cara os deboches que têm feito pelas suas costas, Mick diz para ela parar de se fazer de santa, que todos acreditavam que ela era mesmo uma, mas cedo ou tarde as máscaras caem e descobrem as verdades. E diz que enquanto ela se fazia de difícil com ele, na verdade estava por aí namorando qualquer um. Juana parte para cima dele. Mick imobiliza-a e diz que já que ela estreou com outro não tem porque ficar dizendo não para ele, ela consegue se soltar e cospe nele. Na sala de aula, Juana percebe que perdeu o brinco, Lili quer saber mais dessa história de ter passado a noite com Mauricio, ela diz que foi no escritório dele, Lili diz: - Ele é o pai do seu filho, não é? E Juana manda que ela pare de idiotice. Mick começa a fazer bullying dizendo que ela quer se passar por Juana a virgem, só que de virgem ela não tem nada (já que está grávida). Brandi leva flores à igreja para que a santa ajude Juana em tudo que precisar e encontra Azucena rezando, pedindo a Deus que ela deve ir embora para sempre, ela irá sofrer, mas entenderá e pede que não deixe que nada aconteça para a menina e a proteja já que ela é a coisa mais sagrada que ela tem na vida. O padre chega e fala com Brandi, e diz já saber o que está acontecendo com Juana, eles ainda não sabem onde ela está, o Pe. José diz que assim que Juana entrar em contato com Brandi é para dizer que ele quer falar com ela, pois existem grupos de apoio para ajudar adolescentes grávidas e que a igreja pode ajudá-la. Depois da conversa com armando, Carlota começa a pensar que o que ela precisa é adotar um menino grande, ela diz que parece mentira, mas é possível aprender demais com os homens, porque quando ela viu Armando com Armandinho, ela percebeu que os homens preferem filhos homens porque se lembram deles quando crianças e que agora ela sabe perfeitamente o que tem que fazer para que Mauricio supere essa depressão: adotar um menino grande. Assim, Mauricio saíra com Armando e conversarão sobre os filhos, Desirré diz que não acha uma boa ideia porque nessa idade eles vêm mal educados, com uma infinidade de problemas sem solução. Carlota rebate que não interessa porque esse menino vai solucionar seus problemas, mas ela não sabe onde arranjar um. A coordenadora das damas rosadas bate a porta e Desirré debocha que Carlota é tão perfeita que até participa de um grupo de damas voluntárias. 193

Davi diz a Mauricio que não conseguiu a entrevista com Sol e que parece que ela fugiu de casa e nem a família tem contato. Mauricio diz que sabe que sol fugiu de casa e aponta para a mala de Juana e diz ser da Sol. Eles esperam por Enriqueta para decidir o que será feito da entrevista, Davi diz que não entende porque Sol veio justamente ao escritório de Mauricio. Mauricio diz que para ele também foi uma surpresa e imagina que ela tenha vindo até ali por ser amiga da Brandi e diz não estar mentindo. Davi fica desconfiado e faz suposições sobre Mauricio e Juana. Mauricio esclarece que nada aconteceu entre eles e manda-o parar de ficar imaginando coisas. Mauricio diz que ela só buscava um teto e alguém para conversar sobre seu problema. Davi pergunta por que ela fugiu de casa e Mauricio disse que não sabe, mas pode perceber que ela tem um problema sério. Mick, Lili e Juana continuam brigando no corredor da escola, até que chega um professor e separa a briga e manda todos para sala, menos Juana. Na sala do diretor, ele diz que pede que Ana María a retire da escola imediatamente porque será mais saudável para ela e que se ela ficar vai ter que passar por situações desagradáveis, piadas e desavenças e acabará sendo expulsa. Ana María pergunta do futuro de Juana e diz que não é justo que ela perca tudo que conquistou. O diretor diz que ela ainda terá muitas oportunidades, Ana María ironiza dizendo: como eu também tive quando fiquei grávida adolescente, assim que engravidei todas as portas se fecharam. E ela implora que as portas não se fechem para Juana também, ela pede que não expulsem a menina, e diz para que a demitam no lugar dela, então. Mas o diretor é irredutível e diz que Juana tem que sair do colégio. Em casa, Manuel conta a Azucena que encontraram Juana. O professor que apartou a briga no corredor dá sermão em Juana dizendo que ela jogou sua vida no lixo e que ela é uma decepção e uma vergonha para o colégio e que comunicará da briga à direção. Enriqueta chega na sala de Mauricio, encontra Davi e pergunta se ele terminou a reportagem, ele diz que nunca pode fazer, Mauricio se mete e diz que Davi fez o possível, Enriqueta rebate que ele tinha apenas que entrevistar uma simples fotógrafa. 194

Mauricio rebate que não é uma simples fotografa e que é uma moça que tem seus méritos. Davi fica intrigado. Enriqueta pergunta o que farão para tapar o buraco na edição. Ana María vai chamar a filha, mas chorando desiste por não saber como fazer isso. Davi continua desconfiando de Mauricio e Juana. As damas rosadas voluntárias, da qual Carlota faz parte vão até a igreja de Pe. José fazer trabalho voluntário e doação. Enquanto conversam com o Pe. José, ele conta que ali existem muitos necessitados e abandonados e que o apoio antidrogas e o esporte estão dando ótimos resultados. Carlota comenta das fotos da parede, o padre diz que foram tiradas por uma jovem talentosa do bairro Juana Perez. Mauricio liga e Desirré atende e diz que Carlota foi com as damas rosadas e diz que Carlota estava preocupada ligando para vários lugares, mas que ela o entende que o que aconteceu foi muito duro e difícil e ele precisava de um tempo sozinho. Ele diz que vai passar, ela diz que se disponibiliza a ajudá-lo no que precisar. Mauricio pergunta onde Carlota está e Desirré diz que ela saiu com seu grupo beneficente e que ela está sempre muito ocupada, insinuando que ela não tem tempo. Na paróquia, o padre diz que é o pároco então se mete na vida das pessoas, principalmente na dos jovens, na educação, esporte etc. A coordenadora das damas rosadas diz que é por isso que elas ajudam. Os meninos órfãos vêm com uma surpresa para elas, entregam flores às damas. Rafael é quem entrega flores a Carlota, que fica pensando que Rafael é perfeito, sério, calado e até meio parecido com eles. 195

APÊNDICE J: ENREDO CAPÍTULO 14: POR UM PROBLEMA NA CLÍNICA DE FERTILIZAÇÃO, MAURÍCIO PERDE TODAS SUAS AMOSTRAS DE SÊMEN

Maurício pergunta a Brandi o motivo de Juana estar tão mal quando a encontrou na recepção no dia anterior, Brandi diz não saber, mas se tratar de “coisas de mulher”. Maurício pergunta se trata-se de algo grave e Brandi começa a enrolá-lo dizendo que depende do ponto de vista, para algumas pessoas seria um problemão e para outras teria recepção completamente diferente. Maurício parece confuso e Brandi percebe que está falando demais e encerra dizendo que se trata de um problema pessoal ao que ele responde que ficou preocupado com sua amiga e se ela precisar ele a ajudará, pois “Sol é muito especial”. Dr. Ricardo e enfermeira conversam sobre o acidente com a máquina de nitrogênio, que ficou vazando e comprometeu todas as amostras de sêmen, ele pergunta se ela tem certeza de que todas foram destruídas e ela diz que ela mesma conferiu e quando viu no laboratório que algo estava errado veio o mais rápido possível ao seu consultório. Juana vai ao laboratório em que fez os exames de gravidez que vieram positivos para pedir a médica um exame que comprove que ela continua sendo virgem mesmo estando grávida. Davi vai à casa de Juana para fazer a entrevista “perfil” que havia sido combinada, Azucena que não sabia de nada, pergunta: “Você veio pelo que está passando Juana, né?” Davi fica confuso e Azucena começa a acusá-lo e xingá-lo, dizendo que agora não sabe do que ela fala, mas que quando se meteu na vida de sua neta sabia bem o que queria. Manuel chega e Azucena diz a ele: - Aqui está o homem, este é o responsável pelo que está passando Juana! Manuel responde que ela nem o conhece para tratá-lo desse jeito e ela retruca que ele deveria ter se apresentado então, Manuel tenta acalmar Azucena, que continua irritada, dizendo a ela que não pode culpar todos os homens pelo que se passa com Juana. Davi diz que nunca tinha visto dona Azucena assim e pergunta se algum problema está acontecendo, Manuel diz que sim, mas que não gostaria de tocar nesse assunto. Davi diz que pela cara de Manuel deve ser muito grave e que está ali pela entrevista que haviam combinado ao que o tio de Juana responde que a 196

entrevista terá que ser adiada, pelo menos por um tempo. Davi fica surpreso “é tão grave assim o que está acontecendo?”, Manuel responde que sim e manda o jornalista embora. Na empresa, eles ainda acreditam que a entrevista com “a fotógrafa” será um sucesso. Maurício diz aos amigos (Armando e Enriqueta) e colegas de trabalho que tem boas notícias, que falou com o médico e que aparentemente há outra mulher com boas condições para ser inseminada e que eles vão tentar novamente. Enriqueta garante que ambos sabem o tempo que ele está esperando para ser pai e que ela não imagina nenhum homem que possa ser um pai melhor do que ele. Maurício diz que ainda está cheio de esperanças e, insinua que Armando e Enriqueta estão juntos e, ela rebate dizendo que não, que a ela não interessa um homem que acha que as mulheres só servem para procriar. A cena corta para o consultório/laboratório de Dr. Ricardo, onde outra enfermeira assegura que refez os testes e todos os espermatozoides estão mortos e que não há nada que se possa fazer. Dr. Ricardo fala que nesse tanque estavam as últimas amostras de sêmen de Mauricio e ele fica horrorizado, pois “não há nada a fazer, não existe mais possibilidade de que Maurício possa ter um filho”. Dr. Ricardo diz que não pode acreditar no que está acontecendo já que na mesma manhã havia falado com Maurício e lhe dado esperanças, até o convenceu de tentar outra inseminação. A enfermeira explica que abriu uma fissura no tanque, que é um acidente, e que não é a primeira vez que acontece, ao que Dr. Ricardo, mais uma vez, diz que os sêmens que estavam nesse tanque eram a última oportunidade de Maurício de ser pai. Na casa de Juana, Manuel segue repreendendo a mãe por tratar mal um homem que ela nem conhecia. Ela diz para o filho “pensa mal e acertarás” e Manuel diz que ela não deve ser tão drástica na vida. Ela prossegue dizendo que depois do relâmpago vem o trovão, e que ela ainda acha que foi Davi quem engravidou Juana, Manuel diz que Azucena não escuta as barbaridades que está dizendo. Manuel diz que acredita em Juana. Azucena ironiza: - E também acredita em sua imaculada concepção? Manuel diz que sim, que se Juana diz que é virgem, ele acredita nela. No laboratório, a atendente pede que Juana espere a médica que está ocupada. A amiga de Juana, Lili, pergunta a ela se a médica fará elas esperarem o 197

dia inteiro, pois já passou bastante tempo e Juana diz que ela pode ir embora se quiser, ela recusa e diz que não vai deixá-la sozinha ali, mas que precisa procurar um telefone para avisar sua mãe. Juana começa a pensar “não acredito no que está acontecendo, eu grávida mesmo sem nunca ter estado com um homem, espero conseguir esse atestado de virgindade para ver se pelo menos acreditam em mim e que tudo é um pesadelo”. Na tela aparecem imagens de um feto se formando. Juana levanta e derruba algo do bolso e quando vai ver o que é, é um lenço de Maurício (uma música romântica começa) e ela fica pensando no encontro que tiveram. A amiga de Juana volta e diz que sua mãe não acreditou muito em sua história, mas quando disse que estava com Juana se tranquilizou e Juana diz que ela não continuará tão tranquila quando descobrir da gravidez. Lili pergunta como foi que ela foi engravidar e Juana responde “pior é que não sei e não quero imaginar o que estão dizendo de mim.”. A amiga diz que o que estão falando é da briga de Ana María com Mick. A amiga explica novamente para Juana que sua mãe só acha que Mick é o pai da criança por ter sido seu único namorado e que em algo ela precisa pensar. Juana responde “mas não há nada no que pensar”. Na revista, Maurício fala com Enriqueta e Armando sobre a internacionalização da revista e ambos concordam que será uma ótima ideia e Armando diz que eles merecem por toda dedicação que eles têm ao trabalho. Maurício fala a Armando que Enriqueta parece não querer nada com ele. E ele diz que o problema de Enriqueta é ela parecer um homem nas questões do trabalho e seu empenho feminista em querer parecer um “mas por mais que falem, as mulheres não podem viver sem os homens” e diz que logo a terá em sua mão. Armando segue reclamando das mulheres e Maurício diz que se lembrou de Carlota e que a cada dia parece crescer uma espécie de parede invisível entre os dois e que ele não gosta desse sentimento. Quando Armando pergunta o que ele pretende fazer, ele responde que Carlota é sua esposa e que ele quer que tudo volte a ser como antes entre eles. Carlota está em uma loja de joias e começa a pensar que não saberia viver sem Mauricio, que o ama e não está disposta a perdê-lo. Davi volta à redação e os colegas perguntam como foi sua estreia como repórter, como foi a entrevista, ele diz que não conseguiu nada. O colega informa que Enriqueta quer a entrevista pronta na manhã seguinte em seu escritório, ele 198

precisa dar um jeito, entrevistá-la nem que seja à distância e, em tom de deboche, manda-o desistir. Brandi diz que avisou Davi que deixasse Juana em paz, Davi diz que foi lá apenas por conta da entrevista, mas que encontrou na casa dela uma incoerência que não entendeu que antes estava tudo certo, mas que agora não podiam porque a situação estava muito difícil. Ele pergunta se Brandi saberia explicar o que estava acontecendo, Brandi diz não saber de nada. Davi começa a dizer a Brandi o quanto gosta de Juana, que nunca sentiu algo assim e que cedo ou tarde ela vai notá-lo. Na casa de Maurício, Desirée mexe em sua estante e acha um livro sobre inseminação artificial com uma página marcada na qual diz “órgãos para reprodução sexual e prazer” e ela pensa que está há tempos sem saber o que é um orgasmo e fica encarando uma foto de Maurício dizendo que espera o dia em que os dois estarão juntos na cama, e que ela é uma melhor amante que Carlota. Pai de Carlota chega e vê Desirée abraçada no quadro e diz que estava procurando por ela. Na casa dos pais de Carlota, sua mãe pergunta ao irmão de Carlota, Alfredo, o que se passou com Desirré, sobre seu esposo que a abandonou, o outro irmão fica incomodado e faz menção de sair da sala, mas a mãe de Carlota diz que Desirré é amiga de sua filha e tudo que tem a ver com sua filha a diz respeito. Alfedro diz que a única coisa que sabe é que voltaram da Europa há pouco tempo e que ele estava tão farto dela que a abandonou, mas que ele acha Desirré muito elegante e bonita. A mãe de Carlota já percebe a maldade “abandonada, bonita e metida na casa de minha filha e seu marido, e que se fosse Carlota teria mais cuidado”. A médica finalmente chega e entrega um envelope a Juana com um exame e uma carta que explica que apesar de estar grávida continua virgem. Juana agradece e diz para Lili que essa é a prova que ela precisava e manda a amiga ir para casa para não se meter em mais encrenca. Mauricio chega com flores encontrar Carlota, eles conversam e ele diz que apesar dos problemas quer fazer as pazes com ela. Eles conversam sobre a dificuldade de Carlota em aceitar a inseminação, mas ela diz que sabe o quão importante é para ele ter um filho de sangue, então as coisas vão mudar, e que mesmo que não nasça da barriga dela, ela o tratará como seu, porque não suportaria o perder. Rogelio, pai de Carlota, e Desirré conversam e a mulher diz que vai pagar tudo que deve assim que começar a trabalhar e ele diz para deixar assim. Ele diz 199

que não entende como seu marido Francisco sumiu e deixou uma dama como ela “que não merecia esse tratamento”, abandonada. Rogelio diz que gosta de Francisco, mas que quando ele voltar vai tirar satisfação sobre ter feito isso. Desirré diz que é como se ele tivesse sumido da terra e Rogelio fica todo errado com uma feição de medo, mas segue repetindo que ele aparecerá. Desirré diz estar furiosa com ele e nem querer o ver. Rogelio muda de assunto perguntando em que Desirré pensa em trabalhar e, ela diz estar pensando em ir trabalhar na revista, já que Francisco é acionista e, sendo casada com ele, ela tem esse direito. Mauricio atende a uma ligação de Dr. Ricardo pedindo que passe no consultório para falarem pessoalmente e, Carlota diz que o acompanhará, para surpresa do marido. Ela complementa que apesar de no começo ter sido contra a inseminação, quer estar tão envolvida quanto ele em todo o processo, e que estará ao seu lado. Juana entra escondida na casa de sua avó e sua mãe, enquanto Azucena dá um caderno de presente a Nicolau e diz que ele deve estudar muito para que quando cresça nada o pare por não ter estudado. Juana escuta a conversa e pensa que tem muito que agradecer a avó. Juana vai ao seu quarto, faz uma mala e pensa que deve fazê-la como se estivesse indo para a universidade em LA. Manuel vai encontrar Ana María na escola, ela conta o ocorrido com Mick e o escândalo, ao passo que Manuel a repreende porque agora todos sabem o que está acontecendo com Juana. Manuel continua discutindo e Ana María que fez isso porque busca justiça que não quer que a tratem como lixo, como fizeram quando aconteceu com ela na mesma idade. Antes de Mauricio chegar, Dr. Ricardo está dizendo para a enfermeira que fazia muito tempo, foram muitas tentativas, exames e entrevistas com mulheres, busca por compatibilidade, que ele fez tudo, para agora isso acontecer. O tanque onde estavam às amostras de Maurício quebra... E, adeus à possibilidade de Mauricio ter filhos. Juana pega sua mala e sai de casa, sem saber aonde ir, vai à casa de Mauricio pensando que talvez ele possa ajudá-la. Ela pensa se deve incomodá-lo com seu problema, mas que ele é a única pessoa capaz de ajudá-la, que sua família não conhece. 200

Na casa de Juana percebem que ela não voltou, Azucena já diz que ela deve ter faltado aula e imagina quantas outras vezes ela fez isso e “nós a tendo como uma santa”. Ana María diz que é professora na escola e está todo dia lá e que Juana não tem costume de faltar aulas, Azucena diz que ela não sabe nem quem escolher para namorar, quem dirá cuidar da filha. Manuel diz que não é possível que com o problema que eles têm Azucena fique brigando com Ana María por causa de seus namorados. Azucena diz que não teriam esse problema se Ana María tivesse se preocupado mais com a filha do que com homens e que é culpa dela de que a filha tenha saído irresponsável e louca. Manoel diz não acreditar que a mãe esteja falando assim da neta, que ela ajudou a criar, e Azucena chorando pergunta se ele acha que para ela é fácil, mas que ela é uma mulher realista e que Juana saiu irresponsável e louca como a mãe e ela só torce que ela encontre um homem que se responsabilize por essa criança. Juana pondera se deve bater na casa de Mauricio ou se ele achará que ela é louca, mas resolve bater, a empregada atende e avisa que Mauricio ainda não voltou do trabalho, ao ser perguntada de quem se trata, antes que pudesse falar a empregada a reconhece como a menina que tirou as fotos da festa da revista e pede que ela entre. Enquanto espera, Juana pensa no que dirá a Mauricio e começa a ensaiar “que está na casa dele porque fugiu da sua e não tem para aonde ir...” e começa a se enrolar e falar que “está ali porque ele a tratou bem e ela se sentiu protegida...”. A própria Juana percebe que o que está falando é bobagem e que ele irá pensar que ela quer algo com ele. Então resolve que vai contar a ele que está grávida e que não sabe quem é o pai porque não existe um pai. Ela percebe que é loucura e fica dizendo que não há nada para ela fazer naquela casa e que ele não tem nada a ver com ela. Ana María vai ao quarto e percebe que todas as coisas de Juana não estão mais lá e fica apavorada, chama por todos e avisa que Juana foi embora de casa. Azucena tenta acalmar a filha dizendo que quando anoitecer e ela não tiver para onde ir voltará para casa imediatamente. Ana María diz que deveria ter sido mais compreensiva e o que fez foi julgá-la e criticá-la como fizeram com ela quando aconteceu o mesmo. Manoel acha uma carta de Juana dizendo que não vê alternativa a não ser ir embora já que ninguém acredita no que ela diz, mas que ali está uma prova do que 201

o que ela diz é verdade (o exame de virgindade). Ana María lê o papel que diz que Juana está grávida, mas continua virgem e diz que se é verdade então sua filha só pode estar grávida do Espirito Santo. Azucena pede que não seja ridícula, que esse atestado deve ser falso e, que é impossível engravidar sem sexo. Manoel diz estar começando a acreditar que é possível. Ana María diz não saber mais no que acreditar, Manoel diz que uma opção é acreditar em sua filha, como ele está fazendo. Azucena diz que a ela nada engana, grávida e virgem “só a mãe de Jesus, daí para frente ninguém mais”. Desirée e Rogelio conversam e ela diz que ele era como um pai para ela e ele diz que não é seu pai e que não combina a ela vê-lo como um pai. Desirré pede um cargo na revista de Mauricio para Rogelio, mas diz não saber qual cargo e que ele precisará ajudá-la (colocando a mão no braço dele). Juana segue esperando Mauricio e se perguntando se ele pode ajudá-la e justificando estar ali por ele ser a única pessoa que ela conhece que sua família não pode entrar em contato. Lembra-se das coisas que sua mãe falou e do escândalo na escola e fica pensando como contará isso a Mauricio de uma forma que não pense mal dela.

Figura 29: Maurício e Carlota descobrem que não há mais sêmen guardado devido a um acidente. Fonte: frame gerado pelas autoras. 202

Carlota e Mauricio chegam na clínica de Dr. Ricardo, ele conta sobre o acidente com as amostras de sêmen e sua preservação e que lamentavelmente todo seu material se perdeu. Mauricio quase chorando diz para ele que então isso significa que ele não poderá ter um filho.