A CONSTRUÇÃO DE UM DIÁLOGO NACIONAL SOBRE DIREITOS DAS MULHERES Voz das Mulheres Indígenas 1 INDÍGENAS Fotos capa (da esquerda para a direita, de cima para baixo): UNIC Rio/Natália Luz; ONU Brasil/ Karina Zambrana; ONU Brasil/ Tiago Zenero; ONU Brasil/ Tiago Zenero; ONU Brasil/ Tiago Zenero

As opiniões expressas nesta publicação são de responsabilidade das autoras e dos autores e não representam necessariamente as opiniões da ONU Mulheres, das Nações Unidas ou de qualquer de suas organizações afiliadas. Voz das Mulheres Indígenas 2 A ONU Mulheres é uma organização das mulheres em todos os aspectos da vida, Nações Unidas dedicada à igualdade de com foco em cinco áreas prioritárias: au- gênero e ao empoderamento das mulheres. mento da liderança e participação das mu- Referência global para os direitos de mu- lheres; acabar com a violência contra as lheres e meninas, a ONU Mulheres foi criada mulheres; envolver as mulheres em todos para acelerar o progresso no atendimento os aspectos dos processos de paz e segu- de suas necessidades em todo o mundo. A rança; melhorar o empoderamento econô- ONU Mulheres apoia os Estados Membros da mico das mulheres; e tornar a igualdade ONU ao estabelecer padrões globais para de gênero central no planejamento e or- alcançar a igualdade de gênero e trabalha çamento nacional de desenvolvimento. A com governos e sociedade civil para elabo- ONU Mulheres também coordena e promove rar leis, políticas, programas e serviços ne- o trabalho do sistema da ONU no avanço cessários para implementar esses padrões. da igualdade de gênero. Ela em prol da participação igualitária das

Voz das Mulheres Indígenas 3 Expediente

ONU MULHERES Comitê Editorial Anastasia Divinskaya Cristiane Julião Ana Carolina Querino Samantha Ro’otsitsina (Tsitsina) Ana Claudia Pereira Simone Eloy Terena Camila Almeida Revisoras técnicas Erika Chad Ana Carolina Querino - ONU Mulheres Isabel Clavelin Ana Claudia Pereira – ONU Mulheres Joana Chagas Juliana Maia – ONU Mulheres Juliana Maia Raquel Fagundes Consultora de pesquisa e produção de conteúdo Articuladoras Voz das Luana Lazzeri Arantes Mulheres Indígenas Ana Patté Revisão de conteúdo Andreia Lourenço Gabriela Pereira Ângela Kaxuyana Arte criativa Ceiça Pitaguary Mariana Bazinni Clécia Pitaguary Cremilda Índia Identidade visual Cristiane Julião Monocromo Eliana Karajá Projeto gráfico diagramação Glicéria Tupinambá TL Publicidade e Assessoria LTDA Josi Tupiniquim Leticia Yawanawa Agradecimentos Luiza Carvalho Maria Alice Cupudenepa Nadine Gasman Maria Leonice Tupari Amanda Talamonte Nãke Karian HuniKuim Andressa Caroline Rocha Nara Baré (Yandara Baré) Daniele Godoy Priscila Karipuna Eunice Borges Puyr Tembé Raimunda Lima Apurinã Fernanda Papa Samantha Ro’otsitsina (Tsitsina) Simone Eloy Terena Sonia Suzie Guarani Telma Taurepang

Voz das Mulheres Indígenas 4 Sumário

Prefácio ONU Mulheres...... 7 Prefácio Comitê Editorial...... 9 Introdução...... 10 Capítulo 1: Voz das Mulheres Indígenas...... 13 Organização política das mulheres indígenas no Brasil...... 13 Surgimento do Voz...... 19 Metodologia de trabalho...... 19 Indígenas defensoras dos direitos humanos...... 22 Grupo de Referência...... 22 Multiplicadoras...... 23 Rede de parcerias...... 24 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista...... 24 Incidência internacional...... 26 Outras parcerias...... 28 Pauta comum das mulheres indígenas...... 28 Guerreiros e guerreiras em movimento: fortalecendo a luta por direitos...... 29 Capítulo 2: Voz que ecoa: resultados e desafios...... 33 Resultados...... 33 Formação do Grupo de Referência e das Multiplicadoras...... 33 Construção da pauta comum das mulheres indígenas e consolidação da Plenária das Mulheres Indígenas no ATL...... 33 Empoderamento das mulheres indígenas...... 35 I Marcha das Mulheres Indígenas: “Território, nosso corpo, nosso espírito”. Brasília, agosto de 2019...... 35 Desafios...... 37 Capítulo 3: Articuladoras do Voz...... 41 Ana Patté...... 41 Andreia Lourenço...... 43

Voz das Mulheres Indígenas 5 Ângela Kaxuyana...... 44 Ceiça Pitaguary...... 46 Clécia Pitaguary...... 47 Cremilda Índia...... 49 Cristiane Julião...... 50 Eliana Karajá...... 51 Glicéria Tupinambá...... 52 Josi Tupiniquim...... 54 Leticia Yawanawa...... 55 Maria Alice Cupudenepa...... 56 Maria Leonice Tupari...... 58 Nãke Karian HuniKuim...... 59 Nara Baré (Yandara Baré)...... 60 Priscila Karipuna...... 61 Puyr Tembé...... 63 Raimunda Lima Apurinã...... 65 Samantha Ro’otsitsina (Tsitsina)...... 66 Simone Eloy Terena...... 69 Sonia Guajajara...... 71 Suzie Guarani...... 72 Telma Taurepang...... 73 Linha do tempo...... 76 Olhar para o futuro...... 81 Bibliografia...... 82 Anexos...... 85 Créditos...... 85

Voz das Mulheres Indígenas 6 Prefácio ONU Mulheres

A ONU Mulheres se junta às mulheres indí- Povos Indígenas e Tribais nº 169 (1989), genas do Brasil e de forma especial com o da Organização Internacional do Trabalho coletivo Voz das Mulheres Indígenas para (OIT), único tratado internacional aberto reafirmar que as mulheres indígenas têm para ratificação que trata exclusivamente lutado ativamente pelo pleno reconheci- dos direitos desses povos. O Brasil ratifi- mento de seus direitos. A ONU Mulheres cou a Convenção nº 169 em 25 de julho está comprometida com o fortalecimen- de 2002, mediante o Decreto Legislativo to do movimento das mulheres indígenas nº 143 e entrou em vigência em julho de com o objetivo de promover seus direitos 2003. Adotada pela Assembleia Geral das humanos. As mulheres indígenas no Brasil Nações Unidas em 2007, a Declaração de denunciam a violação sistemática de seus Povos Indígenas é o acordo internacional direitos básicos e exigem a participação na mais abrangente sobre os direitos dos po- tomada de decisões, direito à terra, educa- vos indígenas e endereça especialmente as ção, à cultura, acesso à justiça, melhoria no necessidades e direitos das mulheres indí- acesso e qualidade dos serviços de saúde, genas, conclama ações concretas dos seus leis e políticas culturalmente sensíveis para países membros para protegê-las e enfren- eliminar a violência contra as mulheres e a tar níveis desproporcionais de discrimina- inclusão de conhecimentos específicos das ção e violência. mulheres no movimento indígena. Em 2014, a ONU Mulheres e as mulheres A CEDAW – Convenção sobre a Eliminação de indígenas participantes do projeto, numa Todas as Formas de Discriminação contra as cooperação inédita com a Embaixada da Mulheres (1979) e a Plataforma de Ação de Noruega, criaram uma metodologia inova- Pequim (1995) reconhecem que certos gru- dora de consulta para identificar as deman- pos de mulheres, além de sofrerem discrimi- das e necessidades das mulheres indígenas nação dirigida contra elas como mulheres, no país. O projeto resultou na elaboração também sofrem múltiplas formas de discri- da Pauta Nacional das Mulheres Indígenas minação com base na raça, identidade ét- e, respondendo às reivindicações das mu- nica ou religiosa, deficiência, idade, classe lheres indígenas, contribuiu para fortalecer e outras diferenças que as afetam em grau sua participação política, sua capacidade e maneiras diferentes quando comparadas de advogar por políticas e seu conheci- com os homens. Outro importante marco mento sobre as normas globais de direitos para os povos indígenas é a Convenção dos humanos. A iniciativa alcançou 104 povos

Voz das Mulheres Indígenas 7 indígenas em todo o Brasil. Como resulta- tou com o apoio técnico e financeiro da ONU do, a organização institucional das mulhe- Mulheres e foi escrita em estreita colabora- res indígenas também foi fortalecida: 23 ção com as mulheres indígenas participantes. líderes indígenas foram reunidas em uma Portanto, trata-se de uma publicação autoral rede nacional de diálogo e articulação que coletiva, não expressando necessariamente resultou em uma forte conexão entre es- a opinião da ONU Mulheres. sas mulheres e suas organizações locais e Além de tornar público os resultados alcan na construção conjunta de uma agenda de - trabalho. No ápice desse processo de or- çados pelo Voz das Mulheres Indígenas, o ganização política, as mulheres indígenas intuito deste livro é apresentar a história e protagonizaram a I Marcha das Mulheres os resultados do projeto e ser um instrumen- to de advocacy para as mulheres indígenas, Indígenas (2019), em Brasília, momento bem como destacar o impacto do projeto em que mais de 2000 ativistas exigiram Voz das Mulheres Indígenas na vida daquelas participação na tomada de decisões que afetam suas vidas, numa mobilização sem que fizeram parte do projeto, exemplifican- precedentes na história do Brasil. do os avanços, mudanças, oportunidades e desafios para o desenvolvimento sustentável Escrito entre janeiro e maio de 2020, aten- a partir da cosmovisão das mulheres indíge- dendo aos anseios das articuladoras do Voz nas, assim como a realização dos seus direi- das Mulheres Indígenas, este livro sinteti- tos humanos. A publicação é ainda uma re- za os principais momentos desse processo ferência para grupos de mulheres indígenas, e destaca as contribuições de suas prota- organizações da sociedade civil, governos, gonistas: as mulheres indígenas, com suas autoridades, parceiros de desenvolvimen- trajetórias de vida e de engajamento políti- to e instituições parceiras interessadas em co. A publicação considera o período entre abordagens sobre as relações entre direitos 2014 (surgimento do Voz) e 2019 (Marcha humanos e mulheres indígenas no contexto das Mulheres Indígenas). A publicação con- do desenvolvimento sustentável. Arte e foto: APIB

Voz das Mulheres Indígenas 8 Prefácio Comitê Editorial

“Território: nosso corpo, nosso espírito!”: toramento, avalição e compartilhamento da esse foi o tema da I Marcha das Mulheres iniciativa. Nesse projeto também foi possível Indígenas no Brasil, que aconteceu na capital deixar registrada na maior mobilização nacio- federal, Brasília, em 2019. A cidade é conhe- nal indígena do Brasil, o Acampamento Terra cida por ser o espaço político de tomadas Livre (ATL), a primeira plenária de mulheres de decisões no país e um Lugar de manifes- indígenas, realizada na edição de 2016, onde tação cidadã e política em defesa dos direi- foram apresentados os resultados colaborati- tos humanos e constitucionais. Nós, povos vos de mulheres indígenas brasileiras. indígenas, também somamos a esse espaço para que o país possa ser mais democrático O que é a voz das mulheres indígenas? e representativo diante da pluralidade étnica Ainda com dúvidas? e cultural. Pensando em uma participação plena e efe- O mês escolhido para realização da Marcha tiva das “vozes das mulheres indígenas” em foi agosto, mês em que é dada visibilidade processos e espaços de tomada de decisões internacional ao Dia dos Povos Indígenas. Foi que afetam diretamente suas vidas e as vidas justamente nesta semana que 2.500 mulhe- das suas comunidades, o grupo se dispôs a res indígenas de 130 povos estiveram reuni- formular uma estratégia com vistas à conso- das para “dialogar e reconhecer a potência lidação dos direitos das mulheres indígenas. das mulheres indígenas fortalecendo nossos A iniciativa contribui para o fortalecimento valores e memórias matriarcais para poder das capacidades de incidência das mulheres avançar nos espaços sociais relacionados aos indígenas inseridas em diversos segmentos de nossos territórios”. Momento histórico no atuação, contemplando a maior diversidade movimento de mulheres indígenas do país, a possível de povos indígenas no Brasil. Por Marcha teve sua a ideia concebida no Voz das fim, trouxe as vozes de mulheres indígenas Mulheres Indígenas, em 2015. Mas, afinal, o que enfrentaram violências e violações de di- que é a voz das mulheres indígenas? reitos. Antes de nós, nossas ancestrais foram resistentes à discriminação, ao racismo e a A voz das mulheres Indígenas é a somatória nossa herança é continuar na luta em defesa de perspectivas em relação a uma pauta em e pela garantia de nossos direitos, os direitos comum diante dos 305 povos indígenas, fa- dos povos indígenas. lantes de 274 línguas tradicionais, vivendo 1 em todo território nacional. Mesmo o dis- Essa é a voz das mulheres indígenas! tanciamento fronteiriço não foi limitante para conduzir o processo de consulta, moni-

1 Documento da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas: http://apib.info/2019/08/15/documento-final-marcha-das-mulheres-indige- nas-territorio-nosso-corpo-nosso-espirito/. Consulta em janeiro de 2020.

Voz das Mulheres Indígenas 9 Introdução

A ONU Mulheres Brasil é parceira de longa humanos das mulheres indígenas foi afeta- data das redes nacionais de mulheres indí- da pela falta de financiamento sustentável genas e trabalha em estreita colaboração de longo prazo. No entanto, a ONU Mulheres com defensoras de direitos humanos e ati- continuou a manter um diálogo consis- vistas oferecendo apoio técnico, mapeando tente com o coletivo “Voz das Mulheres suas necessidades e demandas e em defe- Indígenas” - o grupo de referência para sa da realização de seus direitos humanos. o Projeto Diálogo Nacional das Mulheres Diante disso, esta publicação tem por obje- Indígenas - e a apoiar a participação das tivo documentar a experiência da parceria mulheres indígenas em fóruns internacio- entre o coletivo Voz das Mulheres Indígenas nais, como a Comissão sobre a Situação das e a ONU Mulheres entre 2014 a 2019. Mulheres (CSW), o Fórum Permanente sobre os Povos Indígenas e o Conselho de Direitos Em 2014, a ONU Mulheres e as mulheres Humanos das Nações Unidas. indígenas do coletivo Voz das Mulheres Indígenas elaboraram uma metodologia de As 23 articuladoras do Voz2 nasceram entre consulta inovadora para identificar as de- 1958 e 1992, vivem em todas as regiões mandas e necessidades das mulheres indí- do país, algumas nas aldeias, outras nas genas no país, no âmbito do Projeto Diálogo cidades. Algumas acessaram apenas os pri- Nacional das Mulheres Indígenas, financiado meiros anos do estudo formal, outras estão pelo Ministério das Relações Exteriores do cursando o doutorado. Parte delas atua em Reino de Noruega, via Embaixada da Noruega prol dos direitos das mulheres indígenas no Brasil. O projeto resultou na elaboração em nível local e algumas têm uma atuação da Pauta Nacional das Mulheres Indígenas e, voltada para a articulação da pauta indíge- respondendo às reivindicações das ativistas, na em nível também internacional. Muitas contribuiu para fortalecer a participação po- dessas mulheres ocupam cargos em orga- lítica das mulheres indígenas, sua capacidade nizações indígenas e algumas trabalham de defender adoção e implementação de po- em instituições públicas, atuando como líticas públicas e seu conhecimento sobre as professoras de escolas indígenas ou, como normas globais de direitos humanos. assessoras indígenas em secretarias munici- pais, assembleias legislativas ou na Câmara A continuidade do trabalho da ONU Federal. Muitas delas ocupam ou ocuparam Mulheres no avanço da agenda dos direitos

2 As articuladoras do Voz das Mulheres Indígenas se referem ao coletivo como “o Voz”. Por isso, usaremos a expressão ao longo do livro.

Voz das Mulheres Indígenas 10 cadeira em instâncias de controle social, disponibilizamos uma biografia das 23 ar- como conselhos municipais, estaduais e na- ticuladoras do Voz para visibilizar as suas cionais, representando os povos indígenas. trajetórias. Em seguida, apresentamos uma A primeira parte desta publicação apresen- linha do tempo considerando o período en- ta o histórico da iniciativa Voz das Mulheres tre 2014 e 2019, na qual buscamos marcar Indígenas, compartilhando informações so- acontecimentos emblemáticos que refletem bre a organização política das mulheres in- a luta das mulheres indígenas. Por fim, mi- dígenas no Brasil, a trajetória que culminou na realização do projeto e a parceria entre ramos o futuro, compartilhando sonhos e a ONU Mulheres e a Embaixada da Noruega. perspectivas na construção de uma socie- Já na segunda parte do livro, apresentamos dade justa, diversa e igualitária. os principais resultados alcançados e os de- safios que ainda persistem. Na sequência,

Foto: APIB/ Matheus Alves

Voz das Mulheres Indígenas 11 Foto: ONU Brasil/Tiago Zenero 1 Voz das Mulheres Indígenas

Foto: UNIC Rio/Natália Luz

Organização política das mulheres indígenas no Brasil

De acordo com dados do Censo Demográfico, realiza- do pelo Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística Foto: ONU Brasil/Tiago Zenero (IBGE), existem no Brasil 305 povos indígenas que somam uma popula- to originário às terras tradicionalmente ção de cerca de 900 mil pessoas, falantes ocupadas é garantido a esses povos pelo de 274 línguas (IBGE, 2010). Há 723 terras artigo 231, da Constituição Federal de indígenas demarcadas, que correspondem 1988. Ainda que a grande maioria das a 13,8% do território nacional. O direi- terras indígenas demarcadas esteja loca-

Voz das Mulheres Indígenas 13 Foto: ONU Brasil/Tiago Zenero

lizada na região Norte, a maioria da popu- marcadas, mas também em áreas rurais e lação indígena − cerca de 65% - vive nas urbanas. Nas cidades brasileiras moram demais regiões (Nordeste, Centro-Oeste, mais de 300 mil indígenas.4 Essa popula- Sudeste e Sul) onde estão os ecossiste- ção está espalhada por todo o território mas do Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, nacional e contempla enorme diversidade Pantanal e Pampas3. Os indígenas e as in- étnica-cultural e linguística. dígenas vivem não apenas nas terras de-

3 Fonte: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao?limitstart=0# Consulta em janeiro de 2020. 4 Fonte: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao?limitstart=0# Consulta em janeiro de 2020.

Voz das Mulheres Indígenas 14 Mapa com os povos indígenas mais numerosos por Unidade da Federação e biomas

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Nota: Os resultados do Censo Demográfico 2010 apontaram para 305 etnias indígenas no Brasil.

A constituição de um movimento indígena Entre as lideranças que estavam à frente no Brasil com o intuito de lutar por direi- dessa articulação, uma delas se candida- tos coletivos se iniciou nos anos 1970 com a tou ao cargo deputado federal e foi eleita: realização das primeiras grandes assembleias Mário Juruna, do povo , que cum- (BICALHO, 2010). O tema principal que impul- priu mandato de 1983 a 1987, pelo Partido sionou a articulação entre representantes de Democrático Trabalhista (PDT) do Rio de diversos povos foi justamente a garantia e Janeiro. Por quase quatro décadas, ele foi proteção dos territórios tradicionais. Líderes o primeiro e único indígena a ocupar cargo indígenas, apoiados por organizações indi- eletivo no Congresso Nacional. Até que, em genistas, perceberam que havia uma pauta 2018, Joênia Wapichana foi eleita deputa- comum entre os povos e que seria melhor da federal. Pela primeira vez indígena foi que todos lutassem juntos para que o Estado eleita codeputada no estado de São Paulo, brasileiro reconhecesse os direitos indígenas. Chirley Pankará.5

5 As candidaturas coletivas ocorrem quando um grupo de pessoas concorre a uma vaga no Legislativo. Caso eleitas, essas pessoas comporão um mandato coletivo e serão chamadas de codeputadas. A prática ainda não foi oficializada no Brasil. Fonte: https://www. camara.leg.br/noticias/706588-propostas-buscam-regulamentar-candidaturas-e-mandatos-coletivos/ Acesso em novembro de 2020.

Voz das Mulheres Indígenas 15 no final dos 1980, Etelvina Santana da Silva, a Maninha Xukuru-Kariri (Alagoas), rea- lizou feitos históricos: lide- rou um grupo de indígenas que deu origem à Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, e Espírito Santo (APOINME), esteve à frente da luta pela terra junto ao Foto: Fundação Leonel Brizola/Arquivo seu povo, ajudou a cons- truir retomadas dos terri- tórios por todo o Nordeste e incorporou a dimensão dos direitos das mulheres à agenda de mobilização indí- gena. Anos depois, em agos- to de 2017,a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), fundada em 1989, elegeu pela primeira vez uma mu- lher como coordenadora: Foto: Câmara dos Deputados/Luis Macedo Nara Baré7. Foi no âmbito da As primeiras organizações de mulheres in- COIAB, em 2001, que ocor- dígenas no Brasil foram criadas há mais de reu a criação do primeiro Departamento três décadas6, mas foram nos últimos anos de Mulheres de uma organização indíge- que elas começaram a ocupar espaços de na de abrangência regional, aprovado em poder que até então eram, em sua maio- Assembleia Ordinária, realizada em Santarém/ ria, ocupados por homens brancos. Ainda Pará (VERDUM, 2008, p. 11).

6 As primeiras organizações de mulheres indígenas foram a Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro, em 1987, e a Associação das Mulheres Indígenas do Distrito de Taracuá, Rio Uaupés e Tiquié, em 1989. Na segunda metade dos anos 1990, houve um aumento significativo de organizações de mulheres indígenas (SACCHI, 2003). Destacamos que é na Amazônia onde as indígenas começaram a se organizar e onde, até hoje, há o maior número de entidades que as representam. 7 Fontes: http://amazoniareal.com.br/ser-indigena-hoje-e-sinonimo-de-resistencia-diz-nara-bare-primeira-mulher-assumir-coiab/ e https://pib.socioambiental.org/es/Not%C3%ADcias?id=182847. Consultas em 16/01/2020.

Voz das Mulheres Indígenas 16 Esse processo ampliou a rede de entidades que apoiam as ações da APIB. Importante destacar que essas duas mulheres, Nara Baré e Sonia Guajajara, são articuladoras do Voz das Mulheres Indígenas.

A elaboração de estratégias para ocupar posições na sociedade das quais foram his- toricamente excluídas/dos é uma das prio- ridades do movimento indígena. Segundo o TSE, em 2018, houve um crescimento de 56,47% de candidatos e candidatas que se declararam indígenas ou descendentes ao realizarem o pedido de registro de sua candidatura.9 Destacamos que as candida- turas de Chirley, Joênia e de Sonia, foram

Foto: CIMI/ Tiago Miotto vinculadas à Frente Parlamentar Indígena, um grupo pluripartidário que lançou 70 Os efeitos destes esforços se fazem sen- candidaturas (47 homens e 23 mulheres), tir ainda hoje. A coordenação executiva da nas eleições de 201810, incluindo a pri- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil meira candidatura indígena ao Senado fe- (APIB) também está ocupada por uma deral protagonizada por Telma Taurepang mulher, Sônia Guajajara. Sônia, em 2018, (). O número total de candidaturas compôs a chapa que disputou a Presidência indígenas em 2018 foi 133, porém nem to- da República pelo Partido Socialismo e das as pessoas que se autodeclaram indíge- 8 Liberdade − PSOL . Foi a primeira candida- nas atuavam na defesa desses povos. Entre tura indígena à Presidência na história do todas essas candidaturas indígenas, duas país, proporcionando visibilidade para a foram vitoriosas: as de Chirley Pankará e luta dos povos indígenas, inclusive possi- Joênia Wapichana. bilitando que informações chegassem até cidadãos e cidadãs que desconheciam to- Em 2016, nas eleições municipais para pre- talmente a realidade indígena brasileira. feitura e câmara de vereadores, o número

8 Fonte: http://psol50.org.br/conheca-sonia-guajajara-primeira-indigena-em-uma-pre-candidatura-presidencial/ Consulta em 16/01/2020. 9 Fonte: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2019/Abril/candidatos-indigenas-aumentam-participacao-em-eleicoes-na- cionais Consulta em 22/11/2020. 10 Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/indigenas-se-organizam-e-lancam-130-candidaturas-em-24-estados. shtml Consulta em 16/01/2020.

Voz das Mulheres Indígenas 17 de candidaturas indígenas foi de 1.579, pois ajudou a tecer várias redes entre as sendo 28% de mulheres. Foram eleitas 184 mulheres e proporcionou momentos estra- pessoas que se autodeclararam indígenas, tégicos de articulação e empoderamento. o que representa 12% das candidaturas. Algumas dessas experiências serão conta- Nesse universo, 24 são mulheres (13%) e das ao longo do livro. 160 homens (87%). Entre as mulheres, 22 são vereadoras, 01 prefeita e 01 vice-pre- feita11. No caso das eleições municipais de 2016, não há informação de quantas dessas pessoas eleitas são defensoras dos direitos indígenas.

A organização política das mulheres indí- genas não se restringe a espaços institu- cionais. Há um entendimento comparti- Foto: ONU Mulheres/Bruno Spada lhado de que a atuação das mulheres se dá para além das instâncias formais, seja de organizações indígenas ou de institui- ções públicas. Esse foi um dos princípios que nortearam a construção do coletivo Voz das Mulheres Indígenas: a participa- ção das mulheres não depende de vínculo direto com nenhuma organização indígena. A questão principal é a incidência das mu- Foto: ONU Brasil/Karina Zambrana lheres na defesa do modo de vida indíge- na. A importância de uma mulher que atua no cotidiano da aldeia é a mesma daquela que atua no Congresso Nacional e há o entendimento de que todas as mulheres são fundamentais para a garantia do bem viver entre os povos indígenas como uma construção contínua e intersetorial. O Voz teve um papel importante nesse processo, Cobertura colaborativa APIB/ Katie Maehler

11 Os dados quantitativos da participação indígena nas eleições de 2016 e 2018 foram extraídos da página eletrônica do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/eleicoes/eleicoes-anteriores/estatisticas-eleitorais-anos-ante- riores. Consulta em 18/02/2020.

Voz das Mulheres Indígenas 18 Foto: APIB Cobertura colaborativa/ Natalia Gomes Foto: Cobertura colaborativa APIB/ Katie Maehler

Foto: ONU Brasil/Tiago Zenero Foto: ONU Brasil/Tiago Zenero Surgimento do Voz criação de uma agenda nacional comum das mulheres indígenas brasileiras. Para tal, se- A ideia do Voz nasceu a partir do diálogo en- ria preciso viabilizar a escuta com um grupo tre indígenas defensoras dos direitos huma- maior de indígenas, realizar um diagnóstico nos durante evento realizado no e sistematizar uma proposta de agenda co- do Sul quando do encerramento de um pro- mum. Essa estratégia vislumbrava contribuir jeto implementado pela ONU Mulheres na tanto com o empoderamento das mulheres área de enfrentamento à violência contra indígenas quanto na realização dos seus di- as mulheres. Baseadas na proposta inicial reitos humanos. de constituir um coletivo de amplitude na- Metodologia de trabalho cional, as indígenas em diálogo com a ONU Mulheres demandaram apoio para esse pro- A metodologia desenvolvida teve como cesso de articulação. Assim, em 2014, a ONU princípio o respeito à autonomia e ao pro- Mulheres organizou uma consulta a um gru- tagonismo das indígenas, a partir de uma po de 11 indígenas e nessa oportunidade gestão colaborativa do projeto. No perío- foi construída a proposta de incentivar a do de vigência do projeto, de dezembro de

Voz das Mulheres Indígenas 19 2014 a dezembro de 2016, foram realizadas com a função de tomar decisões rápidas reuniões e oficinas trimestrais para defi- e objetivas no âmbito do projeto e reali- nir prioridades, produzir conteúdo e seguir zar consultas à outras mulheres quando se com a implementação, monitoramento e tratar de decisões estratégicas e políticas. avaliação. Foi decidido pela criação de duas Já as chamadas Multiplicadoras consistiram instâncias compostas exclusivamente por em um total de 18 mulheres com função mulheres indígenas e com diferentes atri- de servir como referência do Voz em deter- buições, denominadas Grupo de Referência minada região geográfica do país, fazendo e Multiplicadoras. O Grupo de Referência a ponte com as mulheres que vivem nas foi composto por cinco mulheres indígenas aldeias.

Foto: Isabel Clavelin/ONU Mulheres Foto: Isabel Clavelin/ONU Mulheres

Foto: ONU Mulheres Foto: ONU Mulheres

Voz das Mulheres Indígenas 20 Foto: ONU MulheresFoto: ONU

Foto: ONU Mulheres Foto: ONU Mulheres

Foto: ONU Mulheres Foto: ONU Mulheres Foto: ONU Mulheres/ ONU Foto: Isabel Clavelin Voz das Mulheres Indígenas 21 Um fato relevante para a realização dessa à terra, saúde e educação, mas que antes iniciativa foi a decisão da ONU Mulheres de de ingressar no Voz não participava de mo- encorajar candidaturas indígenas no edital vimentos de mulheres indígenas. Outras já para contratação de uma pessoa para coor- trabalhavam nas suas aldeias com grupo de denar o projeto Voz. A estratégia resultou mulheres fazendo artesanato e discutindo na contratação de Samantha Ro’otsitsina, o papel das mulheres na vida comunitária. do povo Xavante. . Tsitsina, como ela é cha- Algumas ocupavam cargos em organizações mada, foi a primeira funcionária indígena indígenas em nível nacional, regional ou da ONU Mulheres Brasil. Ela cumpriu um local. Outras lutavam pelos direitos cole- importante papel de mediação durante o tivos de seu povo, sem vínculo com orga- período de um ano e meio em que coorde- nizações indígenas formais. Foi a partir do nou o projeto. Tsitsina trouxe a perspectiva encontro deste diverso e poderoso grupo indígena para dentro da instituição, possi- de mulheres indígenas que o Voz gerou e bilitando reflexões sobre práticas e concep- multiplicou ideias, práticas e afetos. ções de ações para dentro da organização e, principalmente, junto aos povos origi- Grupo de Referência nários. Ao mesmo tempo, por ser Xavante, Tsitsina facilitou a relação da ONU Mulheres com representantes indígenas através da construção do vínculo de confiança e da facilidade de entendimento entre ela e suas parentas12. Sem dúvida, a contratação de Tsitsina foi um dos pontos fortes do proje- to, medida que contribuiu para viabilizar a gestão colaborativa do projeto. Foto: ONU Mulheres

Indígenas defensoras dos O Grupo de Referência foi consolida- direitos humanos do em 2015, como instância deliberativa na gestão do projeto do Voz. O Grupo de A formação do coletivo Voz das Mulheres Referência é composto por cinco mulhe- Indígenas se deu a partir do estreitamen- res, sendo quatro delas representantes de to de laços entre mulheres que já atuavam organizações indígenas regionais e uma de- em defesa dos direitos indígenas, perten- las representante da Articulação dos Povos centes a diferentes, regiões e trajetórias. Indígenas do Brasil (APIB). Elas são dos Parte delas vinha de uma luta por direito povos Guajajara, Guarani Ñandeva, Guarani

12 Parente é o termo de tratamento que indígenas usam entre si.

Voz das Mulheres Indígenas 22 Kaiowá, Taurepang e Pitaguari, localizados nas regiões Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sul e Sudeste do Brasil. As mulheres que compõem o Grupo de Referência estavam entre as 11 que participaram da consulta organizada pela ONU Mulheres em 2014, que originou o Voz. São elas:

• Nacional: Sonia Guajajara, Povo Foto: Isabel Clavelin/ONU Mulheres Guajajara (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil); • Norte: Telma Taurepang, Povo Taurepang (Conselho Indígena de Roraima); • Nordeste: Ceiça Pitaguari, Povo Pitaguari (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo); • Sul: Andreia Lourenço, Povo Guarani Ñandeva (Articulação das Mulheres Foto: Isabel Clavelin/ONU Mulheres Indígenas do Sul); que passaram a compor o grupo a par- • Centro Oeste: Suzie Vito, Povo Guarani tir de julho de 2015. As Multiplicadoras Kaiowá (Aty Cunhã). mobilizaram mulheres indígenas em todo Multiplicadoras território nacional e foram agentes funda- mentais para que vozes de mulheres que No período compreendido entre janeiro e vivem nas aldeias fossem escutadas nas março de 2015, integrantes do Grupo de tomadas de decisões e, especificamente, Referência e da equipe da ONU Mulheres na construção da agenda comum. A seguir, Brasil dedicaram-se às mobilizações para segue lista com nome, povo e região de constituição do Grupo de Multiplicadoras. atuação das Multiplicadoras13. A partir de conversas entre as mulheres indígenas, tendo como critério a seleção de mulheres que já desenvolviam traba- lho de articulação no seu território de origem, foram identificadas 18 indígenas

13 O recorte territorial de atuação das Multiplicadoras foi escolhido tendo como referência a estratégia de mobilização, definida a partir de parceria com a FUNAI para articular as mulheres para participação nas etapas regionais da Conferência Nacional de Política

Voz das Mulheres Indígenas 23 Ana Patte, Povo Xokleng Rede de parcerias RS/PR/ SC Ângela Amanakwa, Povo Kaxuyana 1° Conferência Nacional de Política PA/Belém Indigenista Clécia Pitaguary, Povo Pitaguary CE/PI/RN Desde o início, a ONU Mulheres e as articu- Cremilda, Povo Wassu Cocal ladoras do Voz tinham a dimensão de que a AL/SE construção dessa pauta era uma proposta Cristiane Julião, Povo Pankararu a ser construída coletivamente, tanto com PE apoio dos povos indígenas, quanto de insti- Eliana Karajá, Povo Karajá tuições governamentais e não-governamen- MT/TO/GO tais. Na mesma época em que as indígenas Glicéria Tupinambá, Povo Tupinambá construíam a estratégia de mobilização, BA a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Nara Baré, Povo Baré preparava a realização da 1ª Conferência Amazonas/Manaus Nacional de Política Indigenista (CNPI).14 Jaqueline Santos, Povo Tembé Em 2015, integrantes do coletivo Voz dialo- PA/Altamira garam com representantes da FUNAI atra- Josiane Felício, Povo Tupiniquim vés da Coordenação de Gênero, Assuntos MG/ES Letícia Yawanawa, Povo Yawanawa Geracionais e Mobilização Social, para par- AC ticipar do processo de mobilização e rea- Maria Alice, Povo Krenak lização das 142 conferências locais e 26 MT etapas regionais preparatórias da 1ª CNPI. Maria Leonice, Povo Tupari Assim, as Multiplicadoras do Voz atuaram RO nas bases para garantir a participação das Priscila Karipuna, Povo Karipuna mulheres nesses espaços. Nos eventos, tan- AP to locais quanto regionais, elas tiveram um Raimunda Lima, Povo Apurinã momento específico para apresentar o Voz, AM/Médio Purus e Madeira escutar as indígenas e fortalecer a rede de Rosane Cruz, Povo Piratapuia AM/Rio Negro Indigenista realizadas em 2016. Simone Eloy, Povo Terena 14 O processo da Conferência de Políticas Indigenistas incluiu MS/Campo Grande 142 Conferências Locais (realizadas de junho a agosto de 2015) e uma Conferência Nacional (dezembro 2015). Foram sistemati- Valdenira Batista, Povo Kaxynawa zadas 1009 propostas num processo que envolveu 1500 repre- sentantes indígenas. Na etapa nacional foram aceitas 868 pro- AC postas das quais 216 foram consideradas prioritárias. Dessas, 10 propostas contemplavam “mulheres indígenas” e 3 foram orien- tadas para promover equidade de gênero, com especificações diversas no texto sobre “igualdade entre homens e mulheres indígenas”. Fonte: http://www.funai.gov.br/index.php/comu- nicacao/noticias/3606-funai-divulga-resultados-da-i-conferen- cia-nacional-de-politica-indigenista Consulta em 15/01/2020.

Voz das Mulheres Indígenas 24 mulheres. Dezenove das 26 conferências para promover equidade de gênero, com es- regionais de políticas indigenistas foram pecificações diversas no texto sobre “igual- organizadas pelas Multiplicadoras, 14 reu- dade entre homens e mulheres indígenas”.15 niões paralelas autogestionadas, 28 ativi- Foram cerca de 1500 indígenas presentes dades nas comunidades, além da produção nas etapas que antecederam a realização de um vídeo das etapas regionais da região da Conferência que aconteceu em Brasília, Nordeste. Das 23 articuladoras do Voz, 14 de 14 a 17 de dezembro de 201516. A par- foram delegadas e quatro foram articu- ticipação das articuladoras do Voz no pro- ladoras nos comitês regionais da FUNAI. cesso da 1ª CNPI foi muito positiva, pois o Estima-se que um total de 300 delegadas encontro possibilitou a articulação entre entre 2.000 delegados participaram da 1ª mulheres de diferentes povos e de todas CNPI. Treze propostas que visavam promo- as regiões do país, contribuindo para pau- ver os direitos das mulheres foram incluídas tar questões importantes para as mulheres em seus anais. Destas, 10 contemplavam indígenas nos debates e em 13 propostas “mulheres indígenas” e 3 foram orientadas aprovadas na Conferência.

Foto: Funai Foto: Funai

Foto: Funai Foto: Funai

15 Fonte: http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2017/03-mar/01PropostasTotaisEtapaNacional.pdf. Consulta em 16/01/2020. 16 Fonte: http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/3606-funai-divulga-resultados-da-i-conferencia-nacional-de- -politica-indigenista . Consulta em 15/01/2020

Voz das Mulheres Indígenas 25 Incidência internacional alcançar a igualdade de gênero, o de- senvolvimento sustentável e os direitos A parceria do Voz com a ONU Mulheres incen- humanos das mulheres. tivou e viabilizou a participação das indíge- nas em eventos internacionais e fóruns in- • Encontro de Capacitação Internacional tergovernamentais, principalmente aqueles de Mulheres Indígenas e Direitos promovidos pelo sistema ONU, como: Econômicos, promovido pela Rede Continental de Mulheres Indígenas • Fórum Permanente das Nações Unidas (ECMIA), uma organização indígena con- para Assuntos Indígenas, é um órgão junta das três Américas. Desde 1995, a consultivo criado em 2000 com o ob- ECMIA promove a participação e visibi- jetivo de fornecer informações sobre a lidade das mulheres e jovens indígenas questão indígena para instâncias do sis- como agentes principais da defesa e ple- tema ONU; na realização de seus direitos. • Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW): criado em 1947 foi a instância onde se negociaram as principais nor- mais internacionais de direitos huma- nos das mulheres e atualmente se reúne anualmente no mês de março, em Nova Iorque para monitorar a implemen- tação da Declaração e Plataforma de Foto: CIMI Ação de Pequim e assessorar a Comissão Econômica e Social da ONU;

• Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, fundado em 2006, com sede em Genebra/Suíça, é um órgão de apoio à Assembleia Geral da ONU;

• Conferência das Nações Unidas sobre Foto: ONU Mulheres/ Erika Chad Mudanças Climáticas (COP) é uma reunião anual que ocorre desde 1995 com partici- pação de 197 Estados Membros da ONU;

• Fórum da Association of Women’s Rights in Development (AWID), maior fórum global de mulheres da sociedade civil. Fundada em 1982, a AWID é uma organização internacional feminista cuja missão é Foto: ONU Mulheres

Voz das Mulheres Indígenas 26 Algumas articuladoras do Voz participaram Development - AWID)19, Nesta oportunida- dessas instâncias internacionais17, a partir de, as integrantes do Voz, junto com outras do apoio institucional e financeiro da ONU indígenas brasileiras e latino americanas, Mulheres e de outras entidades. Destacaram- foram recebidas pela Diretora Executiva da se o Conselho Indigenista Missionário ONU Mulheres e garantiram as suas pre- (CIMI), Conectas Direitos Humanos, Centro senças nos debates sobre os Objetivos de de Documentação, Pesquisa e Informação Desenvolvimento Sustentável (ODS) e nas dos Povos Autóctones (DOCIP), Fórum comemorações dos 10 anos da Declaração Internacional de Mulheres Indígenas (FIMI) dos Direitos dos Povos Indígenas. Destaca- e a Organização pelo Direito Humano à se também que, em 2016, Sonia Guajajara Alimentação e à Nutrição Adequadas (FIAN). participou de coletiva de imprensa rea- lizada na Casa da ONU, em Brasília, com Durante esse processo foi fortalecida a re- acompanhando a Sra. Victoria Tauli-Corpuz, lação das mulheres indígenas brasileiras Relatora Especial das Nações Unidas sobre com o Fórum Internacional de Mulheres os Direitos dos Povos Indígenas. A Sra Indígenas (FIMI) e com a Rede Continental Tauli-Corpuz recomendou a continuação de Mulheres Indígenas (ECMIA), com os do trabalho da ONU Mulheres junto às in- quais foram organizados eventos paralelos dígenas.20. Em 2017, uma multiplicadora do durante a Comissão sobre a Situação das Voz, Cristiane Julião, do povo Pankararu, Mulheres (CSW) e o Fórum Permanente das coordenou o painel “Construção da paz e do Nações Unidas para Questões Indígenas. bem-estar na contribuição de processos de De 5 a 7 de maio de 2015, seis articula- erradicação da violência contra as mulheres doras do Voz participaram do Encontro indígenas”, com participação de indígenas de Capacitação Internacional de Mulheres da África, Ásia e América Latina, e também Indígenas e Direitos Econômicos, realizado da relatora especial das Nações Unidas so- em Brasília (DF), pela Rede Continental de bre os direitos dos povos indígenas21. Mulheres Indígenas (ECMIA).18 Em 2016, três mulheres indígenas participaram do 13° A participação em eventos internacionais Fórum Internacional da Associação pelos fez com que as indígenas adquirissem ex- Direitos das Mulheres e Desenvolvimento periência e fortalecessem suas qualifica- (Association of Women’s Rights in ções. Foram também espaços relevantes

17 Informações sobre quais integrantes do Voz participaram desses eventos estão disponíveis na linha do tempo. 18 Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/Not%C3%ADcias?id=150733 consulta em 22/10/2020. 19 Relatório do 13º Encontro da AWID: https://www.awid.org/sites/default/files/atoms/files/awid_2016_annual_report.pdf con- sulta em maio 2020. 20 Mais informações no link: http://www.onumulheres.org.br/noticias/relatora-especial-da-onu-sobre-os-direitos-dos-povos-indi- genas-recomenda-maior-documentacao-dos-problemas-enfrentados-pelas-mulheres-indigenas-do-brasil/ consulta em 18/05/2020. 21 Mais informações no link: http://www.onumulheres.org.br/noticias/brasileiras-participam-de-sessao-anual-do-forum-permanen- te-da-onu-para-questoes-indigenas-em-nova-iorque/ Consulta em 18/05/2020.

Voz das Mulheres Indígenas 27 para compartilharem informações sobre o Multiplicadoras do Voz com organizações contexto e as violações de direitos viven- indígenas possibilitou fortalecer o debate ciadas pelos povos indígenas no Brasil. O em relação às mulheres e ampliar a par- envolvimento nessas instâncias interna- ticipação delas nas ações do movimento cionais ampliou a rede de contatos e de indígena. Ao longo de todo o processo a parcerias das representantes do movimento APIB, enquanto organização nacional que indígena, bem como fortaleceu as capaci- representa os povos indígenas, apoiou a dades das articuladoras do Voz de conec- atuação das Multiplicadoras do Voz nos es- tarem a pauta nacional com as demandas e paços decisórios e de articulação em defesa avanços de direitos por mulheres indígenas dos direitos dos povos indígenas. em outros países. Pauta comum das mulheres Outras parcerias indígenas

A Secretaria Nacional de Políticas Públicas Para a construção da pauta comum das mu- para as Mulheres (SNPM), através da lheres indígenas, o coletivo Voz em conjunto Coordenação Geral da Diversidade (CGD - com a equipe ONU Mulheres criou um ques- SAIAT), também firmou parceria com o Voz, tionário e sua aplicação ficou sob responsa- garantindo maior incidência das mulheres bilidade das Multiplicadoras. O modo de re- indígenas em instâncias nacionais de par- gistro das respostas era livre, sendo possível ticipação e controle social. Além disso, or- reunir informações em áudio, vídeo ou texto ganizou uma Consulta Nacional de Mulheres escrito pela entrevistada ou pela entrevis- Indígenas como parte do processo organi- tadora. Responderam ao questionário 290 zativo da 4ª Conferência Nacional de mulheres representantes de 104 povos. Os Política para Mulheres (CNPM), realizada questionários foram aplicados em 24 estados de 10 a 13 de maio de 2016, em Brasília/DF. da federação nas ocasiões das etapas prepa- Durante o processo preparatório da CNPM, ratórias da 1ª CNPI e nas próprias aldeias. 15 mulheres indígenas de várias partes do Brasil participaram das conferências prepa- A ONU Mulheres realizou o primeiro trabalho ratórias e, pela primeira vez, foi possível de análise e sistematização técnica. Após eleger cinco delegadas indígenas para a avaliação e consolidação junto às articulado- conferência nacional. ras do Voz, as indígenas propuseram realiza- ção de uma Plenária das Mulheres Indígenas É fundamental reiterar a importância da no Acampamento Terra Livre (ATL), em abril parceria com lideranças e representantes de 2016, para validação da pauta comum. de organizações indígenas locais e regio- A articulação para inclusão da Plenária de nais e da Articulação dos Povos Indígenas Mulheres na programação oficial do ATL do Brasil (APIB). A articulação das foi feita junto à coordenação executiva da

Voz das Mulheres Indígenas 28 APIB que contava com apenas uma mulher dades indígenas. Ampliar os conhecimentos em sua composição, Sonia Guajajara. Nesta das indígenas sobre direitos humanos forta- oportunidade, foi aprovada a pauta comum lece os processos de resistência e busca por das mulheres indígenas e, desde então, a direitos dos povos originários. A parceria Plenária das Mulheres Indígenas passou a ser com os homens indígenas é fundamental realizada anualmente durante o ATL. para que todo tipo de violência seja com- batido. A proposta é fortalecer o elo e o As mulheres elegeram 10 temas que sinte- trabalho mútuo de mulheres e homens. tizam demandas e preocupações comuns a povos de todas as regiões: As indígenas relatam que ainda sentem preconceito pelo fato de serem mulheres • Violação dos direitos das mulheres in- ocupando espaços políticos que antes ti- dígenas − incluindo o enfrentamento à nham apenas homens. Em determinadas violência contra a mulher, mas não se situações, as mulheres são julgadas por limitando a esse assunto; não estarem em casa cuidados dos filhos • Direito à terra e processos de retomada; e filhas e do marido e isso faz com que al- • Direito à saúde, educação e segurança; gumas mulheres deixem de participar das • Formulação de estratégia de incidência atividades do movimento. Construir uma política; • Tradições e diálogos intergeracionais; • Empoderamento político das mulheres indígenas; • Comunicação e processos de conhecimento • Processos de resistência; • Sustentabilidade e financiamento; • Direitos econômicos. Foto: ONU Mulheres Guerreiros e guerreiras em movimento: fortalecendo a luta por direitos22

A luta dos povos indígenas no Brasil é uma só e tem como princípio valores coletivos. Mulheres e homens reivindicam o direito aos territórios tradicionais, acesso a polí- ticas sociais e respeito às culturas e identi- Foto: ONU Mulheres/Isabel Clavelin

22 O texto dessa seção está baseado nas 23 entrevistas feitas com as articuladoras do Voz em janeiro de 2020.

Voz das Mulheres Indígenas 29 rede de apoio para compartilhar as res- nada mais né? Então é preciso que a gente ponsabilidades pelas tarefas de cuidado é continue junto nessa luta pelo território. E um fator importante para que as mulheres aí é claro, paralelo a isso, vem todas essas possam participar do movimento indíge- discussões e essas pautas que também são na. Para isso, é necessário o engajamento urgentes, que são esses direitos às espe- dos homens. cificidades das mulheres”.23

Em várias regiões, entre diversos povos, É importante lembrar que as mulheres os homens incentivam a participação de sempre exerceram papel de conselheiras mulheres no movimento, convidando suas nas comunidades indígenas. Seja acon- filhas, esposas e sobrinhas a acompanha- selhando os homens a tomarem decisões rem as atividades. O entendimento da coletivas, fazendo recomendações para os coletividade como valor central para os filhos e filhas, ajudando as pessoas jovens povos indígenas orienta as ações do movi- ou transmitindo a cultura para as crianças. mento de mulheres. Por isso, elas sempre Essa função mostra o reconhecimento da afirmam que a luta é conjunta com os ho- sabedoria das mulheres e reforça o papel mens, porque a luta coletiva visa garantir fundamental que elas têm no cotidiano o bem viver de todos os povos e a defesa das aldeias. dos territórios tradicionais. Respeitar uma Quando as indígenas decidiram se organi mulher indígena, é respeitar o seu povo, a - sua origem, a sua cultura. Por outro lado, zar em um movimento de mulheres, sur- desrespeitar uma mulher indígena, violen- giram muitos questionamentos, inclusive, tar seu corpo e seus sentimentos, é tam- de homens indígenas. Parte dos homens bém um ato de desrespeito com o povo. é contra a participação das mulheres e pensa que elas estão criando uma divisão Segundo Sonia Guajajara, “O que gente ao propor um movimento de mulheres in- traz como prioridade enquanto mulher? A dígenas. Mas essa não é a proposta, pois o garantia do território. Então a pauta nossa objetivo do movimento de mulheres indí- pelo território é uma pauta comum para genas é principalmente contribuir na para mulheres e homens. Então é só garantin- a defesa dos modos de vida dos povos, do o território é que a gente consegue se para preservação das florestas, dos rios e manter enquanto povo, enquanto indígena. garantir um futuro para as crianças. Se a gente não tem território, daí não tem a saúde, não tem a educação. Não tem

23 Fonte: https://www.facebook.com/GuajajaraSonia/videos/1789436047782709/ em 1 hora e 24 minutos. Consulta em 22/11/2020.

Voz das Mulheres Indígenas 30 Voz das Mulheres Indígenas 31 Voz das Mulheres Indígenas 32 Foto: APIB Voz que ecoa: 2 resultados e desafios Resultados idade, com pouca e com muita experiência no ativismo, lideranças, estudantes, arte- Os resultados descritos são consequência sãs, professoras e antropólogas. dos processos de atuação e articulação po- lítica das mulheres indígenas no Brasil, a Construção da pauta comum das partir do recorte temporal do projeto im- mulheres indígenas e consolidação da plementado pela ONU Mulheres em parce- Plenária das Mulheres Indígenas no ATL ria e colaboração com o Voz das Mulheres O processo de construção da pauta comum Indígenas, de 2015 a 2019. Em primeiro foi rico e gerou inúmeros desdobramentos lugar, serão apresentados resultados espe- para além do objetivo central de validar cíficos da parceria entre o coletivo Voz e a uma agenda compartilhada entre as indí- ONU Mulheres. Na sequência, serão relata- genas. A metodologia proporcionou am- dos os desdobramentos do Voz na atuação pliar o conhecimento sobre a realidade das política das mulheres indígenas em nível mulheres indígenas, através da aplicação local, nacional e internacional. do questionário e dos espaços de diálogo Formação do Grupo de Referência e das proporcionados. As informações foram ge- radas pelas próprias indígenas e durante Multiplicadoras o andamento dos trabalhos aconteceram O Voz reuniu no mesmo coletivo mulheres articulações que levaram à realização de que estão na linha de frente do movimento atividades específicas para as mulheres. e ocupam funções em organizações indíge- Os materiais de comunicação produzidos nas, com aquelas que realizam trabalho na pelo Voz – filmes, vídeos e panfletos – foram base, fora dessa institucionalidade. Desde instrumentos importantes de mobilização o princípio, havia explicitamente a postura nas aldeias e de divulgação externa. Parte de não hierarquizar a importância política dos vídeos produzidos resultou de iniciati- de cada uma delas. Com essa motivação, va exclusiva das indígenas. No total, foram as integrantes do Grupo de Referência e elaborados 18 materiais audiovisuais. Um das Multiplicadoras tinham diversos perfis: deles, idealizado por Glicéria Tupinambá e mulheres mais jovens e mulheres com mais Cristiane Pankararu, teve ampla divulgação

Voz das Mulheres Indígenas 33 nacional e internacional e recebeu prêmios 33 povos indígenas do país. É pouco diante em festivais.24. do número existente, mas a gente está aqui em nome e na voz das mulheres indígenas A incidência do Voz nas etapas da 1a de mais 330 povos existentes e a gente está Conferência Nacional de Política Indigenista em busca de realmente o reconhecimento do (CNPI), em 2015, foi extremamente impor- direito das mulheres indígenas na questão tante para mobilização massiva de mulheres de atendimento à saúde, respeito, inclusão, indígenas em todo o país. Além disso, foi um e equidade principalmente no processo de momento em que literalmente muitas mu- discussão da política de saúde”.26 lheres pela primeira vez soltaram a voz em eventos dessa natureza e foi uma oportuni- Para a validação da pauta nacional das mu- dade de sensibilização e engajamento do Voz lheres indígenas, nasceu a proposta da in- das Mulheres Indígenas para a construção serção da Plenária das Mulheres Indígenas de uma agenda nacional. Outro importan- na agenda oficial do 12º Acampamento Terra te resultado é a quantidade significativa Livre (ATL). Antes, as reuniões das mulheres de inserção das demandas das mulheres no ATL ocorriam paralelamente. Desde 2016, nas propostas aprovadas na Conferência a Plenária de Mulheres tornou-se uma ati- Nacional de Política Indigenista. vidade permanente na maior reunião anual De 23 a 27 de abril de 2017 foi realiza- indígena do país. Em 2017, elas delibera- da a I Conferência Livre de Saúde das ram pela realização da I Conferência Livre de Mulheres Indígenas25, que fortaleceu a Saúde das Mulheres Indígenas e fizeram uma participação das mulheres indígenas na 2ª homenagem à Rosane , uma das li- Conferência Nacional de Saúde da Mulher deranças pioneiras na luta dos direitos das (CNSMU), em agosto de 2017. Segundo mulheres indígenas. Em 2018, a participação Ângela Amanakwa Kaxuyana, integrante da das mulheres foi significativamente maior. Coordenação das Organizações Indígenas da Elas discutiram sobre o aumento da violência Amazônia Brasileira (COIAB), destaca que na contra os povos indígenas, sobre a pré-can- Conferência “a participação da mulher indí- didatura de Sonia Guajajara à presidência da gena é um marco histórico, comparando com República e fizeram ato de adesão à cam- a primeira conferência que aconteceu há 30 panha do Secretário Geral da ONU, UNA-SE atrás, onde, com certeza, as mulheres indíge- pelo Fim da Violência contra as Mulheres. nas tiveram mais dificuldades de participar. Em 2019, foi deliberada na plenária a reali- Hoje está presente representantes de mais de zação da I Marcha das Mulheres Indígenas e,

24 O filme está disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=MLSs_5elMqk consulta em 18/05/2020. 25 Fonte: https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/pesquisa/carta-das-mulheres-reunidas-na-1o-conferencia-li- vre-de-saude-das-mulheres-indigenas consulta em 16/01/2020. 26 Bate Papo na Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na 2ª Conferência Nacional de Saúde da Mulher (CNSMU). Fonte: ht- tps://www.youtube.com/watch?v=nDZ5XPKVnC4, aos 6 minutos e 53 segundos. Consulta em 22/11/2020.

Voz das Mulheres Indígenas 34 juntas, as mobilizadoras decidiram o tema diferentes povos que atuam em nível local, da marcha e as estratégias de mobilização regional, nacional e internacional valoriza nas aldeias. as ações por elas realizadas na luta pelos direitos e na defesa da cultura. Esse estímu- Além dos frutos gerados no processo de lo incentiva principalmente as mulheres que construção, como a própria institucionaliza- vivem nas aldeias a continuarem os trabalhos ção da plenária das mulheres no âmbito do de geração de renda (artesanatos, comidas ATL, a pauta comum das mulheres indígenas típicas, costura, remédios caseiros) e de for- tornou-se um instrumento fundamental para mação política tendo em vista a defesa dos legitimar a fala de representantes indígenas direitos indígenas. em diversas instâncias. Afinal, as demandas foram elaboradas e validadas com partici- I Marcha das Mulheres Indígenas: pação de centenas de mulheres de diversos “Território, nosso corpo, nosso povos e de todas as regiões do país. espírito”. Brasília, agosto de 2019

Empoderamento das mulheres indígenas A realização da I Marcha das Mulheres Indígenas “Território: nosso corpo, nosso es- Desde 2015, é nítida a maior participação das pírito”, no dia 13 de agosto de 2019, é com- mulheres nos espaços de poder a nível local, preendida pelas articuladoras do Voz como regional e nacional, tanto qualitativa quanto um marco que fecha o ciclo de construção da quantitativamente (Matos, 2012). Além dis- agenda comum das mulheres indígenas inicia- so, mulheres que tinham histórico de luta no do em 2015. movimento indígena, mas não trabalhavam a pauta específica dos direitos das mulheres, segundo relatos obtidos pelas articuladoras do grupo, a partir do Voz despertaram para as especificidades e desafios vivenciados pelas mulheres indígenas. Isso porque as mobiliza- ções proporcionadas pelo Voz possibilitaram reflexões sobre o papel da mulher e do homem entre os povos indígenas tanto no presente quanto no passado e, nesse processo, vários Foto: APIB coletivos e associações de mulheres indígenas foram criados. Ao longo desses anos, as indígenas em movi- mento amadureceram e fortaleceram os modos Outro resultado do Voz para o empoderamen- de atuação política para a defesa dos seus to das mulheres foi a construção de redes direitos. Cada mulher que se despertava para que ligam as indígenas que atuam em dife- a luta, quando voltava trazia outra com ela. rentes regiões e setores. Unir mulheres de

Voz das Mulheres Indígenas 35 Foto: APIB A proposta de realizar uma marcha das mu- lheres indígenas começou a ser costurada em 2015, sendo inclusive um tema que aparece nos relatórios do Projeto Voz, no âmbito da ONU Mulheres. Mas para ser concretizada, era necessário semear a ideia e esperar que brotasse em corpos e espíritos de indígenas espalhadas por todo o Brasil. Assim, quatro anos depois, em abril de 2019, na ocasião do 15° Acampamento Terra Livre, na Plenária das Mulheres Indígenas, foi deliberada a rea- lização da marcha em agosto daquele mesmo. Nos dias que antecederam a marcha ocorreu o 1° Fórum das Mulheres Indígenas e no dia seguinte da marcha, as indígenas se uniram Foto: APIB às mulheres rurais na Marcha das Margaridas. Com esse trabalho sistemático, em que uma A marcha foi um marco histórico para as mu- puxou a outra, o movimento de mulheres in- lheres indígenas no que se refere à organi- dígenas cresceu e desaguou na marcha, uma zação política e visibilidade das demandas reunião inédita de 2.500 mulheres indígenas dos seus povos. Foi produzido um documento pertencentes a mais de 130 povos.27

27 Documento da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas:http://apib.info/2019/08/15/documento-final-marcha-das-mulheres-indige- nas-territorio-nosso-corpo-nosso-espirito/. Consulta em janeiro 2020.

Voz das Mulheres Indígenas 36 final da marcha no qual as indígenas expres- tas responsabilidades domésticas, como cozi- sam suas principais preocupações e priorida- nhar, limpar, lavar roupa, cuidar das crianças, des. Esse documento pode ser compreendido de parentes idosos e idosas e plantar roça, como uma atualização da agenda comum das além disso há aquelas que somam todas es- mulheres indígenas. Por isso, as principais sas atividades com a vida acadêmica e pro- demandas contidas no documento da mar- fissional. Conciliar as tarefas domésticas e cha estão apresentadas na íntegra quando as atividades do movimento indígena é um apresentamos o nosso olhar sobre o futuro. exercício que depende do compartilhamento de responsabilidades com outras pessoas − Desafios28 por exemplo do marido, mãe, irmãs, irmãos, Os desafios vivenciados pelas mulheres in- filhos e filhas. Nem sempre é fácil construir dígenas na luta por direitos são vários e de essa rede de apoio e noção de co-respon- inúmeras ordens. Há questões específicas das sabilidade pelo cuidado para que a mulher mulheres e aquelas que dizem respeito aos possa sair de casa para cumprir agenda do povos indígenas no Brasil. Ao mesmo tempo, movimento indígena se sentindo segura e há dificuldades particulares de cada povo e, tranquila. Através do Voz, várias ações de mais ainda, problemas que dizem respeito incentivo à ampliação da participação das a realidade de cada aldeia. Não podemos mulheres foram realizadas, mas esse trabalho nunca perder de vista essa perspectiva da precisa ser desenvolvido continuamente. diversidade. Por outro lado, é possível le- vantarmos temas comuns que refletem a luta Ao mesmo tempo, em algumas situações é das indígenas em defesa dos direitos coleti- preciso que mulheres que estão à frente do vos. Considerando que em agosto de 2019 as movimento façam o caminho inverso, no sen- mulheres indígenas elaboraram o documento tido de se distanciar das atividades políticas final da I Marcha das Mulheres Indígenas29, para cuidar da família e de si mesmas. Essas que sistematiza as principais demandas delas mulheres nem sempre são compreendidas e frente à sociedade brasileira, o foco aqui será são cobradas por estarem abandonando a apresentar desafios relatados pelas articu- luta do movimento. Ou seja, é um desafio ladoras relacionados às ações realizadas no constante essa conciliação entre os papeis âmbito do Voz, que refletem dificuldades de de defensora de direitos, mãe, esposa, filha, ser mulher indígena ativista. estudante, trabalhadora.

Para a grande parte das mulheres indígenas, É uma tarefa árdua manter mulheres mo- tem sido desafiador compatibilizar a vida bilizadas e motivadas, portanto é comum pessoal e o ativismo. As mulheres têm mui- existirem momentos de união seguidos de

28 O texto dessa seção está baseado nas 23 entrevistas feitas com as articuladoras do Voz em janeiro de 2020. 29 Documento da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas: http://apib.info/2019/08/15/documento-final-marcha-das-mulheres-indige- nas-territorio-nosso-corpo-nosso-espirito/. Consulta em janeiro 2020.

Voz das Mulheres Indígenas 37 momentos de dispersão. Algumas mulheres base com as mulheres que estão na atua- se dispersam por motivos familiares, mas ção a nível nacional. também tem aquelas que ao saírem da aldeia e sofrerem preconceito não querem mais par- Entre os desafios ainda em curso, está a au- ticipar. Várias articuladoras do Voz narraram sência de dados sobre as vulnerabilidades situações em que foram constrangidas por vivenciadas pelas mulheres indígenas no homens publicamente, seja homens indíge- Brasil. Entre os poucos dados existentes, nas ou não-indígenas. É preciso fortalecer as destacam-se os coletados pela Secretaria redes de apoio das mulheres indígenas para Especial de Saúde Indígena (SESAI) do que elas possam enfrentar esses momentos Ministério da Saúde. Por eles é possível sa- com coragem e condições de contribuir para ber que, entre 2007 e 2017, foram registra- mudar essa realidade. das 8.223 notificações de casos de violência contra mulheres indígenas.30 Sem dúvida, Outra questão recorrente é o desafio geo- esses dados não correspondem à realidade, gráfico para mobilizar mulheres nas aldeias visto que a maioria das indígenas não de- devido às longas distâncias e dificuldade nunciam quando sofrem violência. Isso ocor- de acesso. Muitas aldeias não têm acesso re por motivos variados, tais como: desco- a sinal de telefone ou de internet, o que nhecimento dos procedimentos legais, longa limita a comunicação, tanto para dissemi- distância da aldeia até uma delegacia da nar informações quanto para visibilizar o mulher e o entendimento de que a lei não é trabalho que as mulheres desenvolvem em adequada à realidade indígena. Romper com suas comunidades. Chegar até as mulheres o machismo e com as heranças coloniais que ou organizar eventos que reúnam indíge- produzem violências contra as indígenas é nas de diferentes aldeias têm um alto cus- uma batalha em curso, de acordo com as to financeiro e demanda tempo. Inclusive, articuladoras do Voz. a falta de recursos para financiar o deslo- camento das mulheres é um dos pontos le- As mulheres indígenas sofrem consequências vantados pelas articuladoras do Voz, pois não apenas do machismo, mas também do dificultou a mobilização nos territórios, racismo, preconceito, intolerância. Por isso, na ocasião da realização das entrevistas é necessário dar continuidade ao processo com as indígenas para subsidiar a elabo- de empoderamento e formação política das ração da pauta comum. Depois, com a indígenas para que elas mesmas conduzam finalização do projeto, a falta de recursos as estratégias de enfrentamento de todos os afetou o processo de mobilização do Voz tipos de violência. de maneira geral. Essa descontinuidade enfraquece o vínculo entre mulheres da

30 Fonte: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/apresenta-o-notifica-o-de-viol-ncias-contra-ind-genas-semin- -rio-sa-de-ind-gena-em-debate-pdf consulta em 22/10/2020

Voz das Mulheres Indígenas 38 Voz das Mulheres Indígenas 39 Voz das Mulheres Indígenas 40 Foto: APIB Cobertura APIB Foto: Colaborativa / Douglas Freitas Articuladoras do Voz

3As articuladoras do Voz são muitas e se mul- Dar visibilidade para as trajetórias dessas mu- tiplicaram através do trabalho das mulheres lheres é uma estratégia que contribui para: indígenas. Aqui trazemos uma pequena bio- (i) disseminar e fortalecer a voz de cada uma grafia daquelas que compuseram o Grupo delas, (ii) incentivar a atuação política entre de Referência e que formaram a equipe das as indígenas e (iii) desconstruir estereótipos Multiplicadoras, na primeira fase do Voz para em relação às mulheres indígenas. a construção da pauta comum. As biografias foram escritas em primeira pessoa e o conteú- As biografias a seguir estão organizadas em do foi extraído das entrevistas realizadas em ordem alfabética. janeiro de 2020.

Ana Patté

Sou Ana Patté, povo Xokleng, aldeia Palmeira, Terra Indígena Laklanõ, município José Boiteux/ SC. Iniciei a atuação no Voz com 23 anos. Sou graduada em Licenciatura Intercultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente es- tou morando e trabalhando em São Paulo como assessora parlamentar indígena, por indicação da APIB, da deputada estadual Isa Penna, do PSOL (Partido Socialismo e Foto: acervo pessoal Liberdade). É uma experiência nova e gra- tificante, porque o trabalho tem como -fi nalidade a inserção de políticas públicas para os povos indígenas. É um desafio e todo dia é uma aprendizagem e uma troca

Voz das Mulheres Indígenas 41 de conhecimento. O objetivo é conseguir- A partir daí fomos articular as mulheres no mos ter mais assessores nas assembleias nosso território e isso foi algo inovador. legislativas, para ocuparmos esses espaços Foi uma experiência muito boa organizar o políticos estratégicos. Não só como asses- evento e fazer a mobilização. Conseguimos sores e assessoras, mas como parlamenta- garantir participação de várias mulheres. res, vereadores e vereadoras, governadores Como resultado de todo esse processo, fi- e governadoras. zemos o Acampamento Terra Livre Sul, que foi organizado pela juventude e teve uma Eu comecei na luta ainda criança. Nasci e mesa de debate sobre a questão das mu- cresci em uma aldeia que é uma retomada. lheres. Também realizamos o 1º Encontro da A luta pela demarcação das nossas terras Juventude Xokleng. Tivemos um momento ainda é grande. Aqui no Sul as pessoas são para falar sobre grandes empreendimen- preconceituosas e racistas com os indíge- tos, que é o que mais nos afeta: barragens, nas, negros e quilombolas. Quando eu en- agrotóxicos, violência contra lideranças, trei na universidade, nós éramos taxados além de outros temas de relevância para como inexistentes. Isso veio como um com- os povos indígenas. Tivemos a presença promisso para mim, mostrar nossa existên- de Sonia Guajajara, que é da coordenação cia e falar: eu sou indígena, povo Xokleng, executiva da APIB, e a presença dela foi es- de Santa Catarina. Aos poucos fomos nos sencial por ser umas das maiores lideranças organizando e realizamos o III Encontro femininas no Brasil. Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI) dentro da UFSC. Conheci parentes que tam- A nossa preocupação maior é a nossa vida. bém estavam nessa luta e comecei a parti- Nós não nos preocupamos com o que vamos cipar de formações da Rede de Juventude comer amanhã, a gente se preocupa se a Indígena do Brasil (REJUIND). Depois disso, gente vai estar vivo amanhã. A gente luta fui convidada a participar do Voz. Ao che- todos os dias pela nossa vida, pela nossa gar me deparei com mulheres experientes, terra, pelo nosso rio, pelos nossos peixes, que estavam na luta há muito mais tempo e pelos nossos filhos. Nenhuma luta é maior elas se tornaram referências para mim. Mas do que outra. Todos nós indígenas temos eu acredito que eu tenha somado com elas a nossa luta. Então, temos de contribuir, como jovem universitária ao compartilhar aprender, não desistir e resistir. sobre a nossa luta nos espaços acadêmicos.

Voz das Mulheres Indígenas 42 minha, eu não acho justo. Em terra indíge- na, quem tem que morar são os indígenas. Então eu fico nessa briga interior, vivendo a contradição de ser indígena casada com não-indígena.

Eu nunca gostei de coisa errada. Foi por isso até que entrei para o movimento in- dígena, para lutar pelos nossos direitos e pelas coisas certas. Eu não esqueço até hoje, eu era nova e meu pai foi preso in- justamente. Ele foi levado em uma Kombi e eu e meus dois irmãos corremos atrás da Foto: ONU Mulheres Kombi para tentar impedir de levarem nos- so pai. Isso me motivou a lutar. Andreia Lourenço Quando eu estudava na faculdade, a gente formou um grupo de estudantes. Algumas vezes, ocupamos a Reitoria da Universidade Sou Andreia Lourenço, povo Guarani e era só eu de indígena. Um dia o reitor Ñandeva, aldeia Pinhalzinho, Terra conseguiu a reintegração de posse e che- Indígena Pinhalzinho, município de gou uma tropa de choque para nos tirar de Tomazina/PR. Iniciei a atuação no Voz lá. Eu os enfrentei, enfrentei dizendo que com 30 anos. Sou formada em Secretaria eu era indígena e queria ver eles me tirarem Executiva Bilingue. Há três anos, eu me dali. Naquele momento a minha voz foi casei com um não-indígena, mudei para o ouvida e eu percebi que podia lutar, então interior de São Paulo e acabei me afastan- eu comecei a participar mais. do do movimento indígena. Quando me chamaram para o Voz eu fiquei Na cidade em que eu moro, eu luto pe- com medo de não conseguir falar e pensei los direitos. Mas é diferente quando esta- em não aceitar o convite. Mas, ao mesmo mos na aldeia e na luta coletiva. Eu sinto tempo, era a oportunidade de uma de nós vontade de voltar. Há um conflito em mim falar por todas. Eu não concordava com as porque eu me casei com um não índio. Eu mulheres que não conseguiam falar por si não concordava e permaneço não concor- só, sabe. Eu comecei a me encorajar quando dando em levar uma pessoa branca para participei do evento organizado pela ONU morar na aldeia. Isso é uma briga interna Mulheres em Campo Grande. Lá eu conhe-

Voz das Mulheres Indígenas 43 ci a luta de outras mulheres. Foi a partir mulheres. Mas muitas mulheres estão cor- desse encontro que surgiu a ideia do Voz. rendo atrás, fazendo universidade, indo à O Voz da Mulheres foi uma libertação para luta. Elas estão falando por si. Eu saí da mim. Hoje, se eu tiver vergonha de falar, eu falo do mesmo jeito. aldeia e moro em uma cidade. Mas assim,

Na aldeia, já melhorou muito, mas ainda eu tenho o pé, o corpo, a alma, tudo na tem sofrimento e submissão de algumas aldeia. Tenho vontade de voltar.

ção é o movimento indígena onde nenhuma universidade me formará igual. Sou lideran- ça da minha região, assessora da organiza- ção do meu povo que se chama Associação Indígena Katxuyana, Tunayana e Kahyana (Aikatuk), sou membro da Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA) e atual coordenadora tesoureira da Coordenação Das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).

Eu penso que a gente nasce militante. Eu acho que a minha militância, principal- Foto: acervo pessoal mente enquanto mulher indígena, começou desde quando nasci. Eu nasci em territó- Ângela Kaxuyana rio indígena que não é tradicional do meu povo. Sou a segunda geração do meu povo pós a violência que sofremos na ditadura Sou Ângela Amanakwa Kaxuyana, povo militar que retirou uma parte do meu povo Kahyana, aldeia Pur’hoMïtï, Terra Indígena do seu território tradicional, no extremo Katxuyana-Tunayana, município de norte do estado do Pará. A gente acaba Oriximiná/PA, na fronteira do Brasil com sempre manifestando as nossas resistências o Suriname. Iniciei a atuação no Voz com quando a nossa própria história é viola- 32 anos. Tenho formação em Administração da ou interrompida, como é meu caso e e sou pós-graduada em gestão e auditoria do meu povo, que nunca nos conformamos ambiental, mas meu maior título de forma- de termos sido arrancados da nossa casa,

Voz das Mulheres Indígenas 44 do nosso lugar. Na infância lembro bem de De lá para cá eu não parei mais de lutar, quando eu reagia quando havia uma ten- engatei na luta pela retomada do territó- tativa de intimidar ou mesmo me excluir rio tradicional do meu povo, que em 1968 por não pertencer àquela terra ou povo. foi arrancado das nossas vidas, e somente Desde muita nova, comecei a me incomodar em 2015 a nossa terra foi reconhecida pelo sobre tudo que era relacionado ao fato de estado como nosso território tradicional. não podermos estar no nosso território. Eu Esse foi o melhor retorno que tive como me incomodava e reagia também à falta de resultado do meu ativismo. estrutura e de professores na minha escola Desde que começamos a nos encontrar, re- na aldeia Missão Tiriyó (Parque Indígena unir, pensar, planejar e atuar no Voz nós do Tumucumaque) que naquela época fun- avançamos bastante no movimento de cionava com muito improviso e pela von- mulheres a nível nacional. A participação tade dos professores indígenas. Ou seja, das mulheres no movimento é importante nossa militância começa desde que nós porque elas têm o papel fundamental na somos meninas, a partir do momento que tomada de decisões nas nossas aldeias e a gente tem coragem de reivindicar, de se na vida cotidiana das nossas famílias. É im- posicionar diante daquilo que nos incomo- portante descolonizar a mente e a atitude da. Eu sempre questionei e sempre estive de masculinizar os processos de lideranças à frente dos processos, mesmo com muita entre nós povos indígenas. Sempre digo dificuldade para a abertura e visibilidade da que a figura única de liderança masculina voz feminina no nosso movimento indígena. foi criada pelos karaiwa (não indígenas), Inclusive hoje, concluo que ser militante e porque eles sempre trataram as questões atuante, me possibilitou e encorajou sair só com os homens e isso trouxe essa in- da aldeia para poder buscar o estudo mais verdade sobre nossas formas de organiza- avançado do que o que a aldeia me ofere- ção, decisão e participação. Isso também cia. A minha aldeia tinha só até a terceira reforçou a invisibilidade das mulheres. As série do ensino fundamental, com todas as decisões também são tomadas na aldeia e deficiências que vocês possam imaginar. no movimento pelas mulheres, por exem- Aos 16 anos eu não me conformei e, sem plo, o cultivo de roças. As mulheres do meu saber falar português − até então eu falava povo decidem quais variedades de produtos só línguas indígenas −, eu decidi ir para da roça vamos plantar. Se as mulheres li- a cidade estudar. Acho que foi minha pri- derarem e decidirem não plantar mandioca meira iniciativa no sentido de ser ativista, esse ano, a comunidade não tem farinha ou de correr atrás daquilo que não é bom só beiju para comer. Após a caçada, as mulhe- para mim, mas para a minha comunidade. res decidem qual parte e qual quantidade

Voz das Mulheres Indígenas 45 da caça será compartilhada na comunidade Em 2019 foi realizada a I Marcha das ou não. Quando os homens saem, as mu- Mulheres Indígenas, que foi um marco para lheres assumem a defesa da comunidade. nossa história de luta, incidência e parti- As mulheres são sempre consultadas antes cipação. Não vamos parar de lutar e a cada de uma decisão importante ser tomada. E dia somos mais e mais indígenas unidas em como não reconhecer e considerar o papel defesa dos nossos direitos, com voz e vez delas na vida de todos? reconhecidas legitimamente.

vimento indígena em 1998, participando das reuniões locais do meu povo. Logo em seguida, nós começamos a discutir e lutar pela implementação da educação escolar indígena. Em 2000 foi minha primeira prova de fogo no movimento, quando participei dos protestos contra as comemorações dos 500 anos do Brasil, no sul da . De lá para cá, a gente vem aprimorando os co- nhecimentos na militância. Passei a parti- cipar de articulações regionais e nacionais do movimento indígena. Isso contribuiu muito na nossa luta pela demarcação das Foto: acervo pessoal terras indígenas no Ceará.

Nesse processo começamos a organizar a Ceiça Pitaguary participação das mulheres indígenas na nossa região, pois percebíamos que nos Sou Ceiça Pitaguary, povo Pitaguary, aldeia eventos, nas assembleias e nas viagens as mulheres eram maioria. Em 2006, morreu Santo Antônio do Pitaguary, Terra Indígena uma grande liderança, a Maninha Xukuru- Pitaguary, no município de Macaranaú/CE. Kariri. Maninha lutava pela valorização Iniciei a atuação no Voz com 36 anos. Sou e visibilidade do trabalho das mulheres. graduada em Pedagogia. Desde 2017, estou Em homenagem a ela, realizamos um en- como coordenadora geral da Federação dos contro regional da Articulação dos Povos Povos e Organizações Indígenas do Ceará e Organizações Indígenas do Nordeste, (FEPOINCE). Eu comecei a militância no mo- Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME),

Voz das Mulheres Indígenas 46 em Salvador, com participação de indígenas riam de fazer. Todo esse processo culminou de outras regiões do país. Então, inspiradas na I Marcha das Mulheres Indígenas, em no legado da Maninha e na experiência do 2019. Além de dar visibilidade para nossa departamento de mulheres da Coordenação luta, foi um momento de aproximação com das Organizações Indígenas da Amazônia outros movimentos de mulheres, principal- Brasileira (COIAB), nós decidimos criar o mente de mulheres do campo. departamento de mulheres indígenas da Atualmente, estou dedicada à luta no meu APOINME. Eu fui escolhida para a coorde- nação. A partir daí, demos um salto quali- Estado e estou mais afastada da luta na- tativo e as mulheres começaram a criar as cional. Às vezes é preciso abrir espaço para que outras pessoas cheguem, recuar suas próprias organizações. um pouco. Parar e refletir junto com seus No contexto de articulação das mulheres parentes e lideranças se você está con- indígenas em várias regiões do Brasil, nas- tribuindo com o processo. Não podemos ceu o Voz. Nossa ideia era potencializar as esquecer que a nossa luta é coletiva e o iniciativas, dar voz, ênfase, visibilidade às objeto é contribuir e agregar cada vez mais mulheres indígenas. Um ponto importante pessoas, nunca intimidar aquelas que es- é que buscamos a participação de mulhe- tão chegando. Por isso investimos tanto res que não participavam de organizações na formação de base aqui no Ceará. É isso, indígenas. Queríamos escutar o que as indí- tem momentos que precisamos nos afastar genas estavam fazendo e o que elas gosta- e deixar pessoas novas chegarem.

Clécia Pitaguary

Sou Clécia Pitaguary, do povo Pitaguary, aldeia Monguba, Terra Indígena Pitaguary, município de Pacatuba/CE. Iniciei a atua- ção no Voz com 45 anos. Sou artesã e hoje represento as mulheres indígenas do Ceará no Conselho de Igualdade Racial ligado ao gabinete do Governador. Entrei para a luta do movimento indígena no final dos anos 1990. Desde então não parei mais. Ano pas- Foto: acervo pessoal

Voz das Mulheres Indígenas 47 sado, em 2019, fizemos uma retomada de deia matriarcal. O papel da mulher é muito território indígena e fiquei tão envolvida marcante. A partir do Voz nos fortalecemos que me esqueci que existia um mundo fora mais porque abriu outras possibilidades. Eu da retomada. No momento estou traba- conheci lideranças, conheci a realidade de lhando dentro da minha comunidade com outros povos. Quando a gente começa a a juventude e as mulheres. conviver e ouvir, a gente aprende e se for- talece. Na luta dos outros a gente também A região onde eu moro é uma região de ser- se fortalece. Meu povo viveu momentos de ra no interior do Ceará. Na minha aldeia so- conflito, mas eu tive muito apoio das mu- mos 210 famílias. A gente é unido e gosta lheres do Voz em situações de violência, de trabalhar para fortalecer nossa cultura. de agressão, vividas pelas lideranças mu- Realizamos eventos de dois em dois meses lheres. Com a experiência no Voz eu cresci na aldeia. A gente faz intercâmbio com ou- muito enquanto liderança. tros povos, exposição de artesanato, comi- das típicas, pinturas, dançamos. Fazemos Eu digo que para a gente construir o pre- acampamento, trilha pela serra, passeio na sente nós vamos ter que fazer um caminho mata, banhos de rio. Com isso revitaliza- de volta ao passado. Recolher o que nós mos as tradições dos nossos antepassados deixamos de valor pelo caminho para cons- e tem sido muito legal porque as pessoas truir um futuro melhor. Não é indo para a conhecem nossa cultura, nossos costumes frente com esses valores postos por essa e isso fortalece a nossa identidade. Vem sociedade, com esse consumismo, banali- gente das universidades, das escolas, de zando a vida, a natureza e as tradições. organizações, até pessoas de outros países. Nós temos que voltar a viver costumes que É o terceiro ano que nós estamos nesta foram vividos pelos nossos antepassados e agenda. No começo era uma festa, agora aí sim, quando você chegar lá onde eles co- se transformou em turismo comunitário. A meçaram, você planta isso para seus filhos, gente chama de intercâmbio cultural. para os seus netos, para os seus irmãos. Para todos. Para que a gente possa cons- As mulheres predominam nesse movimento. truir um futuro melhor para humanidade, A minha aldeia é conhecida como uma al- para a fauna, para a flora, para a terra.

Voz das Mulheres Indígenas 48 com outras mulheres do país, em busca de algo melhor. Criou uma confiança em dias melhores. As mulheres que compõem nosso grupo aqui em Alagoas ficaram mais decidi- das, com mais coragem de enfrentar as difi- culdades e ir em busca de algo melhor. Foi assim que eu consegui articular outras mu- lheres para lutarmos pelos nossos direitos.

Hoje a gente tem mulher participando do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI), das reuniões de liderança. Antes quando tinha reunião só iam os homens. Foto: acervo pessoal Muitas vezes, eu participei de reunião aqui no estado de Alagoas em que era só eu de mulher. Foi a partir do Voz que eu, junto Cremilda Índia com mulheres de outras aldeias, fomos que- brando esse tabu e incentivando a partici- Sou Cremilda Índia, do povo Wassu Cocal, pação das guerreiras nas atividades. aldeia Wassu Cocal, Terra Indígena Wassu Cocal, município de Joaquim Gomes/AL. A gente começou a fazer reunião só do grupo de mulheres e isso nos fortaleceu. Iniciei a atuação no Voz com 44 anos. Com Atualmente nós temos dois projetos na mi- 45 anos me formei em Pedagogia. Sou li- nha aldeia: um de corte e costura e um de derança do meu povo, atuo na organiza- produção de bolos e doces. Tem outro grupo ção de mulheres da minha aldeia e estou de mulheres que trabalha mais a questão como coordenadora nos estados de Alagoas cultural com todos os povos de Alagoas, po- e Sergipe pelo departamento de mulheres rém essas atividades estão um pouco para- da APOINME. das por falta de recurso financeiro.

Eu iniciei o movimento de mulheres aqui Nós, mulheres, nunca devemos parar de lu- em Alagoas antes do Voz, mas estava mui- tar pelo nosso povo. Quando a gente passa to parado. Eu participava de reuniões aqui pelo que passei, por todo tipo de precon- no estado e tudo, mas era difícil articular ceito, se for desistir é pior. A gente nunca as mulheres. O Voz deu esperança para as deve deixar que ninguém atrapalhe nossos mulheres. Elas ficaram animadas de ter uma sonhos. Temos que lutar sempre. Juntas pessoa como eu, uma Wassu Cocal, junto somos mais fortes!

Voz das Mulheres Indígenas 49 Faço parte da APOINME e como organiza- ção, integro outros coletivos indígenas fornecendo apoio técnico. Represento o movimento indígena em algumas instân- cias, por exemplo, sou indicada pela APIB a representar o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) no Conselho de Gestão de Patrimônio Genético (CGEN) do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Iniciei a militância no contexto da trans- posição do rio São Francisco, discutindo os impactos ambientais, culturais, sociais e Foto: acervo pessoal territoriais. Nessa época, em 2005, fui pela primeira vez para o Acampamento Terra Cristiane Julião Livre (ATL). Foi quando eu me encontrei no movimento indígena a nível nacional e não parei mais. Logo, já passei a me en- Sou Cristiane Julião, povo Pankararu, aldeia volver nas questões além do meu estado e Brejo dos Padres, Terra Indígena Pankararu, comecei a trabalhar na área de abrangência no município Tacaratu/PE. Iniciei a atuação da APOINME, que são 10 estados. no Voz com 37 anos. Sou geógrafa, mestre e doutoranda em Antropologia Social pelo Então, em 2016, quando iniciei no Voz, pa- Museu Nacional (UFRJ). Minha pesquisa de receu um grito de libertação. A expressão doutorado é a continuação de minha disser- Voz das Mulheres Indígenas é muito estimu- tação, onde falei sobre como nós indígenas lante, porque as mulheres não querem es- fomos percebidos e inseridos no ordenamen- conder a sua voz. Quer mostrar o seu povo, to jurídico brasileiro trazendo vários levan- o que querem, o que fazem. A princípio, eu fui mais observando que participando por- tamentos cronológicos sobre legislação in- que eu me sentia um peixe fora d'agua. Eu digenista, ambiental e internacional. Agora, não me sentia à altura daquelas mulheres. busco trabalhar a questão da presença e parti- Aos poucos fui entendendo, tomando co- cipação de povos indígenas na desconstrução ragem, até que realmente me vi dentro do de estereótipos e da tutela. Porque a tutela, movimento. Eu penso que nossos ancestrais ela é contemporânea, ela ainda existe, ape- que promoveram o nosso encontro. nas está disfarçada, mas permanece nefasta inserida no nosso meio, por vários métodos. A partir do Voz, vivenciei muitas experiên-

Voz das Mulheres Indígenas 50 cias e desafios. Entre elas, viajar sozinha vencer o machismo nas nossas aldeias, nas para o exterior e falar em uma plenária da nossas casas. Precisamos também acessar ONU em espanhol foi uma grande superação e construir políticas públicas de Estado. para mim. Era muita responsabilidade, pre- Para a nossa luta precisamos nos unir cada cisei criar coragem e confiança para plantar dia mais e eu digo para cada mulher que uma ideia para aquelas pessoas todas. virá se unir a nós: “que bom que você veio, estávamos te esperando!”. Eu estou sempre aprendendo com vocês. Penso que nosso maior desafio ainda é

do Vale do Araguaia e componho o con- selho do Conselho Nacional das Mulheres Indígenas (CONAMI).

Eu tenho uma militância antiga na área da saúde dos povos indígenas. Em São Félix, todo ano a nossa associação realiza uma ação voltada à violência contra a mu- lher, prevenção de HIV e hepatites virais. Estamos trabalhando também a questão da segurança alimentar, tanto para resgatar hábitos alimentares quanto para incentivar Foto: acervo pessoal a amamentação, principalmente com as jo- vens mães. Nosso trabalho com as mulheres Eliana Karajá já andou bastante. Antes era muito difícil a gente repassar algumas informações para as mulheres nas aldeias. Hoje, elas parti- Sou Eliana Karajá, povo Karajá, aldeia Santa cipam das reuniões conosco e estão ocu- Izabel do Morro, na Ilha do Bananal/TO. pando lugares nos conselhos que antes não Hoje vivo em Aragarças/GO, no contexto ur- ocupavam. Fazemos vários trabalhos com bano. Iniciei a atuação no Voz com 45 anos. elas, inclusive sobre a Lei Maria da Penha. Estou como conselheira distrital Conselho É importante respeitarmos as culturas dos Distrital de Saúde Indígena (CONDISI), povos e ao mesmo tempo combatermos a como coordenadora da Associação Indígena violência contra as mulheres indígenas.

Voz das Mulheres Indígenas 51 Quando eu comecei a participar do Voz já faculdade. Quando cheguei no Voz eu ficava trabalhava com as mulheres indígenas. O orgulhosa de ver as companheiras formadas. Voz possibilitou as pessoas se conhecerem, Achava elas inteligentíssimas. Eu aprendi e conhecerem o trabalho que fazíamos pelo muito a ter mais respeito e admiração. CONAMI. Foi também um espaço que eu con- segui mostrar minha atuação como militante Nós temos que lutar pelas mulheres da do movimento. Através do Voz fizemos uma base, que não falam português direito, que pesquisa para conhecer melhor a realidade precisam da nossa fala para defender os das mulheres indígenas. Não tínhamos recur- direitos delas. É por elas que eu me levanto so financeiro, mas eu fui conversando com todas as vezes que eu estou em uma reu- as pessoas, pedindo apoio para poder ir às nião e luto até o final defendendo de que aldeias. Os homens deram muito apoio para lado eu estou. Nós mulheres temos que parar de uma enfrentar a outra. Ninguém realização desse trabalho. Eu viajei muito e é obrigada a concordar com o que a outra aprendi muito. fala, mas devemos respeitar a opinião dife- As coisas que eu conquistei eu agradeço rente. Vamos lutar com união, com respeito muito às minhas companheiras de luta. uma pela outra, para poder conseguir al- Minha maior vitória na vida foi em maio de cançar nossos objetivos. Nós, povos indíge- 2019 ver a minha filha se tornando médica. nas, em especial as mais jovens, precisamos Fico muito feliz de ver vários parentes em nos cuidar mais, nos amar mais.

Glicéria Tupinambá

Sou Glicéria Tupinambá, do povo Tupinambá, aldeia Tupinambá Serra do Padeiro, Terra Indígena Tupinambá de Olivença, localizada no sul do Estado da Bahia entre os municí- pios de Buerarema, Ilhéus, Una, São José da Vitória e Olivença. Iniciei a minha atua- ção no projeto Voz das Mulheres Indígenas com 33 anos. Estou atualmente cursando Foto: Nathalie Pavelic a Licenciatura Intercultural Indígena junto

Voz das Mulheres Indígenas 52 ao Instituto Federal de Educação, Ciência e solicitado levantar as demandas das mulhe- Tecnologia da Bahia (IFBA), campus Porto res indígenas para a questão territorial, ao Seguro, na área de linguagem. Sou também invés de um documento escrito, eu e Cris professora do Colégio Estadual Indígena Pankararu, fizemos um documento filmado Tupinambá Serra do Padeiro. com apoio do Xandão Pankararu: “Voz Das Mulheres Indígenas” (17’, 2015). Reunindo Comecei a participar do movimento indíge- depoimentos de mulheres indígenas da na ainda jovem, na associação da minha al- Bahia, , Rio Grande do Norte e deia, a Associação dos Índios Tupinambá da Alagoas acerca de suas trajetórias no mo- Serra do Padeiro (AITSP) e na Articulação vimento indígena, o objetivo era mostrar dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas quem são as mulheres que estão na luta Gerais e Espírito Santo (APOINME). Nessas e as dificuldades que elas enfrentam no instâncias comecei a lutar pela terra, pela dia a dia. Colocamos o filme no Youtube saúde indígena, pela educação escolar in- [Disponível em: https://www.youtube.com/ dígena, pela organização do meu povo. Fui watch?v=MLSs_5elMqk] e foi um sucesso. eleita como suplente do Sandro Tuxá para Apresentamos o filme em festivais nacio- a Comissão Nacional de Política Indigenista nais e internacionais e ganhamos alguns (CNPI). Nesse tempo começaram também prêmios. Graças a um desses prémios, con- as perseguições contra as nossas lideran- seguimos na aldeia, montar uma rádio – ças dentro do meu território. Eu fui uma 88.5 Tupinambá FM - que desbancou o meio das presas políticas. Em 2010, após uma de comunicação dominante na região. O audiência em Brasília, em que denunciei prêmio permitiu também a compra de uma ações violentas da Polícia Federal contra máquina fotográfica. O documentário tor- meu povo, fui presa, junto a meu bebê nou-se uma ferramenta muito importante. de colo, episódio que suscitou veementes Não imaginávamos que ele iria ter essa di- críticas de entidades do Brasil e exterior. mensão. Esse processo ajudou também mui- Recebemos apoio da CNPI, uma comissão to no empoderamento das mulheres. nos acompanhou. Um tempo depois, estava na minha comunidade quando recebi um Com o movimento indígena vimos a neces- telefonema me convidando para ser uma sidade de ampliar, disseminar a luta, de an- Multiplicadora do projeto Voz das Mulheres dar mais, de ocupar espaços para mostrar Indígenas. Eu aceitei. Foi a partir desse o protagonismo das mulheres indígenas. momento que me percebi como mulher no Fiz meu passaporte, viajei para a França, movimento. Até então, eu não tinha essa Portugal, Suíça e Jamaica para participar percepção. Em 2015, quando, no âmbito de eventos, encontros e reuniões. Voltei do projeto Voz das Mulheres Indígenas, foi a estudar. Apresentei e publiquei artigos.

Voz das Mulheres Indígenas 53 Executamos vários projetos na comunida- os animais em vida, a paca correndo dentro de, vinculados aos diferentes departamen- da plantação de cacau, o tatu passando na tos da AITSP: Educação, Jovens, Mulheres, beira da casa. Então, para mim, isso aí já Agricultura, Saúde e Comunicação. é gratificante.

A luta é contínua. Temos que ficar atentos Que as mulheres que estão trilhando a luta porque a todo instante tentativas são fei- hoje sejam sensíveis e olhem além daquilo tas para tomar os territórios indígenas e que é visível. Vamos olhar para o futuro, ver implementar megaempreendimentos. A luta as possibilidades e não ter medo de lutar. vale a pena quando vemos a mata em pé,

(UFES). Hoje estou como gerente de as- suntos indígenas da Secretaria de Governo da Prefeitura de Aracruz.

Esse cargo na Prefeitura é indicado pela Comissão de Caciques Tupiniquim-Guarani. Na época eu concorri à vaga e as candida- turas são indicadas pelos próprios caciques. Nós éramos seis concorrentes: cinco ho- mens e só eu de mulher. Naquele tempo, eu trabalhava na associação da minha aldeia, a Pau Brasil e, o cacique achou interessan- te indicar o meu nome. Quando eu percebi Foto: acervo pessoal quem era os candidatos eu pensei: “Sem chance! Sem chance para mim...”. Eram Josi Tupiniquim todos homens com vasta experiência den- tro do movimento dos povos Tupiniquim e Guarani. Para mim o fato de ter a coragem Sou Josi Tupiniquim, povo Tupiniquim, al- de colocar meu nome à disposição já foi um deia Pau Brasil, Terra Indígena Tupiniquim desafio enorme. Ao final, eu fui escolhida e Guarani, no município de Aracruz/ES. e, pela primeira vez, fui trabalhar em uma Iniciei a atuação no Voz com 32 anos. instituição pública. Sou estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal do Espírito Santo Hoje várias mulheres estão se empoderan-

Voz das Mulheres Indígenas 54 do, ocupando os espaços mesmo: seja na a gestão territorial para poder garantir o política na comunidade, na política parti- futuro dos nossos filhos, dos nossos netos. dária. Mas até a gente adquirir essa con- Elas são bem participativas nas reuniões fiança para chegar lá é muito difícil, muito das comunidades, expõem opinião, colo- difícil. No Voz, nós, mulheres indígenas, cam as suas preocupações. conversávamos sobre essa questão do em- poderamento, da necessidade de ocupar os Estar à frente ou estar caminhando junto espaços para nossas vozes serem ouvidas. em um processo de luta não é fácil para ninguém. Nós que somos mulheres, temos Na nossa região existem grupos de mulhe- que cuidar da casa, dos filhos, temos várias res que fazem artesanatos, pinturas, sabão, funções. Mas isso é o que nos fortalece a discutem sobre violência e gestão dos ter- continuar na luta: a nossa família e a nossa ritórios. A questão dos empreendimentos comunidade. Temos que seguir em frente. é muito grave, temos 12 aldeias no mu- Muitas vezes pensamos até em desistir, mas nicípio de Aracruz e 39 empreendimentos basta a gente ter um pouco de paciência e em torno dos nossos territórios. Nós não conduzir as coisas. Não desista! Precisamos somos consultados, ou seja, não tem a con- alimentar os espaços que as mulheres indí- sulta livre, prévia e informada que temos genas possam falar o que realmente sentem direito. É uma violação muito grave. Por e para fazermos a verdadeira mudança a isso, as mulheres se preocupam tanto com partir da luta coletiva.

Leticia Yawanawa

Sou Letícia Yawanawa, povo Yawanawa, al- deia Mutum, Terra Indígena Rio Gregório, no município de Tauaracá/AC. Inicie a atuação no Voz com 47 anos. Estou como coorde- nadora geral da Organização das Mulheres indígenas do , sul do Amazonas e no- roeste de Rondônia (SITOAKORE) e sou con- selheira do Conselho Estadual do Direito da Mulher do Estado do Acre.

Foto: acervo pessoal Atuo há muito tempo com as mulheres in-

Voz das Mulheres Indígenas 55 dígenas. O Voz é muito importante para Dentro da nossa simplicidade. Dentro da fortalecer a nossa luta. A partir do Voz das nossa humildade, do nosso respeito pelos Mulheres, fomos aos lugares mais distantes nossos líderes, nossos coordenadores, nos- aqui do Acre. Levamos material, como o sos presidentes das associações. vídeo e o panfleto, falamos sobre a nossa voz, do empoderamento da mulher, das ex- As mulheres indígenas superaram muita periências de mulheres indígenas de outros coisa, buscamos esse empoderamento e Estados. Realizamos muitas oficinas em que a visibilidade do nosso trabalho. O Voz é falamos e escutamos. As mulheres tomaram fundamental para ajudar na circulação das coragem para falar. Hoje nas nossas aldeias informações entre as mulheres indígenas, muitas mulheres indígenas são lideranças, principalmente aquelas que estão na aldeia: são professoras, são agentes de saúde. seja professora, seja uma agricultora que se dedica ao roçado, à pesca. Elas terem cons- Antigamente no Acre, ser pajé e curador era ciência de que o seu trabalho é valorizado é mais para os homens. Agora, as mulheres muito importante. Assim, criamos liberdade pisam no terreiro mais sagrado que antes de soltar a voz e dizer que nós mulheres po- somente os homens pisavam. Aceitar ser demos e que nós mulheres queremos estar uma mulher pajé é um desafio enorme. Os juntas para somar na nossa luta. A gente homens fazem dieta de três, quatro anos. As trabalha muito, nossa luta é histórica, mas mulheres fazem de sete a oito anos. Então, ela não é divulgada. Precisamos dar visibi- isso é superação. Isso é saber que nós tam- lidade para o nosso trabalho. Possibilitar bém somos capazes. Nós também podemos. mais trocas de experiência.

Maria Alice Cupudenepa

Sou Maria Alice de Souza Cupudunepá, povo Krenak de Minas Gerais, mas desde a dé- cada de 80, estou no Território Indígena . Morei na aldeia Umutina durante 34 anos, atualmente moro na aldeia Macepô, no mesmo território, no município de Barra do Bugres/MT. Iniciei a atuação no Voz com Foto: acervo pessoal 57 anos. Sou graduada em Artes, Língua e

Voz das Mulheres Indígenas 56 Literatura, com pós-graduação em educação era ficar cuidando do serviço da casa e dos escolar indígena. Estou atuando como con- filhos. Muitas não tinham o seu artesana- selheira fiscal da Organização das Mulheres to/artefato valorizado como um trabalho Indígenas do Mato Grosso (TAKINÁ). Eu importante nas comunidades. Já atuamos sou uma das sócias fundadoras da referida em várias questões como reconhecimento Organização que criamos em 2009 e fiquei étnico, direito à educação e saúde dife- na presidência por três mandatos. A TAKINÁ renciadas. Construímos também apoio dos é formada por 26 mulheres, de todas as sete homens nas aldeias. Eles começaram a en- regiões do estado de Mato Grosso. Cada re- xergar que o trabalho da TAKINÁ não veio gião tem conselheiras regionais, que discu- para dividir, mas sim para somar forças nos tem as problemáticas na base. enfrentamentos, que a gente precisa fazer Mas o movimento começou antes, em 2005. para defender nossos territórios. Naquele tempo já fazíamos articulações com Importante dizer que a TAKINÁ não inter- as mulheres nas aldeias. Diante disso, fomos fere na vida particular das comunidades. amadurecendo a ideia de criar uma orga- Atuamos quando a demanda vem das mu- nização juridicamente, pois era necessário lheres e a gente percebe que elas estão discutir com as mulheres na base, para ver precisando de ajuda externa. A gente só o que essas mulheres estavam passando e faz quando as mulheres nos procuram e com pensando. Percebemos que os desafios eram a aceitação delas. muitos: empreendimentos em terras indíge- nas, invasões de garimpeiro, de madeireiro, Nas nossas aldeias um desafio grande é a violência doméstica, estupro, machismo. sustentabilidade econômica. Os jovens ter- Elas não podiam falar, elas não tinham para minam o ensino médio e ficam ociosos. Essa quem falar. Percebemos que elas vivencia- é a grande preocupação hoje das mulheres. vam muitas formas de violência. Elas buscam alternativas econômicas na al- Ao longo desse tempo, fizemos vários pro- deia como atividades extrativistas, artesa- jetos, conseguimos parcerias e aprendemos nato. Mas não resolve todo o problema para com experiências de outros povos. O Voz os que não querem ir para a cidade. Muitas ajudou no processo de amadurecimento do pessoas vão para estudar e procurar empre- nosso movimento. Tivemos oportunidade de go. Mas o que a gente sempre preza é que fazer um diagnóstico em que verificamos essas pessoas não esqueçam jamais as suas que as mulheres ocupavam pouco espaço origens. Que saibam que a raiz dela está na de trabalho remunerado nas aldeias, eram aldeia. Se ela precisa sair, ela precisa saber poucas que estavam frequentando uma que um dia terá tem que voltar para levar faculdade. Para a grande maioria, o papel coisas boas para sua comunidade.

Voz das Mulheres Indígenas 57 dos territórios e falamos sobre a violência contra as mulheres indígenas através de ofi- cinas. Achamos sempre importante a parti- cipação dos homens, até mesmo porque a violência contra as mulheres indígenas não é só violência doméstica, tem também a vio- lência do próprio Estado e a violência das invasões dos nossos territórios para plantar soja, garimpar, tirar madeira.

Eu acredito que a nossa luta é por todas nós mulheres indígenas do Brasil e do mundo. Acho que nós precisamos estar bem unidas. Foto: acervo pessoal O Voz contribuiu muito. Primeiro realizamos o levantamento com as mulheres indíge- Maria Leonice nas e foi muito importante porque tinha Tupari coisa que a gente ainda não conhecia. Trabalhar diretamente com as comunidades indígenas, com cada povo, escutando as Sou Maria Leonice Tupari, povo Tupari, lideranças, foi uma experiência inovadora aldeia Paité, linha 9, Terra Indígena 7 de que trouxe um conhecimento grande para setembro, município de Cacoal/RO. Iniciei a gente como mulher indígena e, também A atuação no Voz com 39 anos. Sou histo- foi um momento de chegar mais perto das riadora e desde 2015 estou na coordenação nossas parentas. É importante dizer que da Associação das Guerreiras Indígenas de foi através do Voz que criamos um momen- Rondônia (AGIR). to específico para as mulheres dentro do Acampamento Terra livre (ATL). Foi a partir do Voz que nós retomamos a arti- culação de mulheres indígenas em Rondônia Eu acredito que a gente vai ocupar ain- e decidimos criar uma organização a nível da mais espaço. A força, a resistência e a de Estado, porque assim a gente poderia união vão nos levar mais adiante. Eu acre- lutar em nome das indígenas dos 56 povos dito muito nisso e é por isso que eu estou de Rondônia. A gente realiza formação po- na frente dessa organização. Meu povo foi lítica para as mulheres conhecerem mais os escravizado por seringueiros. Na época do seus direitos e deveres também. Discutimos contato minha mãe era jovem. Ela sofreu temas importantes sobre a defesa e gestão um processo de violência, estupro. Eu acho

Voz das Mulheres Indígenas 58 que o que me fortaleceu e que até hoje me contexto que ela viveu. Então isso é o que fortalece é a resistência da minha mãe. Ela me fortalece a cada dia. Hoje eu estou aqui sofreu de tudo, mas foi uma mulher muito lutando pela futura geração. Então, o que guerreira quando em vida. Ela conseguiu eu quero destacar na minha história de luta vencer vários preconceitos dentro daquele é a minha mãe. Minha guerreira eterna.

artesanato, tecelagem e miçangas. Nós conseguimos abrir uma loja para comercia- lizar os produtos e fortalecer o trabalho das mulheres. O turismo aumentou muito aqui no Acre. Os povos indígenas realizam festivais nas aldeias e vem muitos turistas, até mesmo de outros países. Essas ativi- dades têm gerado renda para as mulheres. Hoje também tem mulheres professoras e agentes de saúde. Elas estão multiplicando o conhecimento e avançando. Temos mu- lheres na faculdade, o que não tinha antes Foto: acervo pessoal de 2015.

Antes do Voz, eu participava de reuniões Nãke Karian dentro da aldeia e tentava organizar as mu- HuniKuim lheres. Até 2015 eu nunca tinha saído da minha terra indígena. Então, na primeira vez que eu saí, eu fui eleita para a coordenação Sou Nãke Karian , povo Huni Kuin, da Organização das Mulheres Indígenas do aldeia Dezoito Praia, Terra Indígena Igarapé Acre e no mesmo ano fui convidada para do Caucho, no município de Tarauacá/ AC. participar da Voz. Eu não sabia como era o Iniciei a atuação no Voz com 36 anos. movimento das mulheres fora daqui. A partir Desde 2015 estou como vice-coordenadora do momento que eu comecei a participar, da Organização das Mulheres Indígenas do comecei a entender e a minha visão ampliou. Acre. Também coordeno a Organização das Nas experiências em Rio Branco e Brasília eu Mulheres Huni Kuin. tive muito aprendizado.

As mulheres do meu povo trabalham com Eu e Letícia Yawanawa fomos Multiplicadoras

Voz das Mulheres Indígenas 59 do Voz. Nós começamos a realizar oficinas Nós também sempre conversamos com os nas aldeias, fomos nas 13 terras indígenas homens para convidarem as mulheres para do nosso estado e falamos do Voz. Foi bom participar, principalmente aqueles pais que e foi difícil. O maior desafio era que não têm filhas. Para que elas possam participar tínhamos recurso para as viagens, as al- do movimento e estudar. Isso já multiplicou deias são muito distantes uma das outras e muito. Quando a gente faz oficina para as de difícil acesso. Foi bom porque mobiliza- mulheres sobre violência, convidamos os mos muitas mulheres. A gente apresentava homens para eles entenderem e para for- o vídeo, depois explicávamos. Elas acha- talecerem as mulheres. A nossa luta é con- vam importante e começavam a falar sobre junta. Atualmente, nossa prioridade é nos vários tipos de violência que acontecem articular contra as mudanças climáticas, em dentro das aldeias. Agora elas estão mais defesa da saúde dos povos indígenas e pelo participativas nas reuniões, nos encontros. reconhecimento da medicina tradicional.

Alto Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira/AM. Iniciei a atuação no Voz com 36 anos. Sou técnica em adminis- tração. Em 2017 fui eleita coordenadora geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), sendo a primeira mulher a ocupar esse car- go desde a fundação da entidade, em 1989. Atualmente, além de estar na coordenação geral da COIAB, também me dedico a cuidar do meu pai que está doente.

Foto: acervo pessoal Eu sempre falo que quando a gente está na comunidade, a gente tem uma realida- Nara Baré de, mas a realidade aqui fora no mundo é muito cruel. Então a gente precisa estar (Yandara Baré) preparada para essa crueldade. O principal é saber que nós não estamos sozinhas. Esse Sou Nara Baré (Yandara Baré), do povo enfrentamento precisa ser feito em conjun- Baré, aldeia Alto Rio Negro/ Terra Indígena to. Você não pode se sentir sozinha, porque

Voz das Mulheres Indígenas 60 você não está só. Precisamos colocar para luta pela nossa existência e resistência fora essa força e essa coragem que nós perante todos esses retrocessos. temos. Todas são convidadas a se sentir parte desse processo. Independente do espaço que a gente es- teja, a gente sempre dá um passo de cada Nesse sentido, é importante colocar o por- vez. Um passo firme, um passo guiado por quê da escolha do nome “Voz”, as vozes - a nossa ancestralidade, por nossa espiritua- Voz. Nós temos uma única voz e, apesar lidade, por nosso território. Tem uma for- de tentarem sufocar, reprimir, oprimir, a ça muito maior que a gente às vezes não nossa voz é muito mais forte. Tentam nos consegue ver, mas com o tempo a gente calar, mas a nossa voz não cala. Esse pro- consegue ver e sentir. E isso faz com que a cesso do Voz contribui para que a nossa gente avance. voz ecoe e vá cada vez mais longe. Esse projeto é um projeto de vida. A gente não A nossa realidade não é romantismo. Tudo está falando simplesmente da nossa voz, que a gente diz, não é romance, não é con- somente da nossa incidência nesses es- to de fadas. A nossa história é real. É uma paços políticos. A gente está falando da história de enfrentamento, de luta que o nossa vida: envolve sentimentos, envolve Brasil precisa conhecer, reconhecer os po- família, envolve território, envolve uma vos e respeitar a nossa existência.

Priscila Karipuna

Gostaria primeiramente de agradecer a Deus pela sabedoria e força que me pro- porciona para lutar pelos nossos direitos, e a todas as pessoas pela oportunidade e confiança depositada em mim. Sou Priscila Karipuna, povo indígena Karipuna da al- deia Kunanã, Terra Indígena Juminã, mu- nicípio de Oiapoque/AP, extremo norte do Estado do Amapá, Fronteira entre Brasil e Guiana Francesa. Desde muito jovem sou Foto: acervo pessoal uma militante do movimento indígena lo-

Voz das Mulheres Indígenas 61 cal, regional e nacional. Iniciei a minha A questão da segurança na fronteira é im- atuação no Voz com 26 anos. Sou graduada portante para nós e é a pauta a qual eu com muito orgulho no Curso de Licenciatura mais me dedico. A partir do Voz, eu ganhei Intercultural Indígena, pela Universidade confiança e conheci os caminhos para cor- Federal do Amapá e atualmente estou rer atrás de apoio para nossas demandas. cursando o quarto semestre do Curso de Conseguimos fazer acordos internacionais Bacharel em Direito também na UNIFAP. com políticas públicas para os dois países, Hoje estou como Coordenadora Regional Brasil e Guiana Francesa. Hoje, podemos ir da Articulação e Organização Indígena à Guiana Francesa vender nossos produtos, do Amapá e Norte do Pará (APOIANP), vender artesanatos com tudo registrado. coordenadora da Articulação Indígena As comunidades se sentem mais seguras. do Rio Oiapoque (AIRO) e conselheira do Temos acesso também a serviço de saúde Conselho de Caciques dos Povos Indígenas lá. Ainda tem muito a caminhar e busca- do Oiapoque (CCPIO). Nesse Conselho, do mos avanços. total de 56 caciques, somos apenas três Eu penso que ainda tem alguns espaços es- mulheres. Nós temos voz e voto, fomos aos tratégicos que a gente precisa ocupar. Por poucos conquistando respeito e espaço. exemplo, o espaço da política partidária. O empoderamento que adquiri na experiên- Temos que estar nesses espaços, mas tem cia no Voz ajudou muito nesse processo. O que ser com o olhar do coletivo. Não adian- exemplo das guerreiras de outras regiões ta, como alguns já fizeram, ocupar esse es- foi importante para eu me fortalecer e me paço e não trabalhar para a coletividade e envolver ainda mais na luta com meu povo. para as comunidades. Nós, mulheres indí- Eu venho tentando seguir os passos da mi- genas, precisamos nos qualificar para essa nha avó, da minha mãe e minha tia, elas atuação. É importante ressaltar que nós, foram as primeiras caciques e líderes mu- povos indígenas, sempre buscamos traba- lheres na nossa região. Ou seja, sou de uma lhar na coletividade, sempre para o bem-es- linhagem de lideranças mulheres guerreiras tar do nosso povo, das nossas comunidades. e pretendo seguir essa tradição. Vamos contribuir, dialogar e incidir na luta Eu venho de uma região de fronteira e vi- junto com os homens. Nós todos temos de vemos alguns conflitos que afetam nosso sair da zona de conforto, porque na zona modo de vida e temos que buscar meios para de conforto não iremos conseguir ver além solucionar ou conviver com esses conflitos. do nosso umbigo. Isso eu carrego comigo. Por exemplo, tem muitos assaltos, roubos Ser persistente e buscar sempre ser respei- no entorno e dentro das Terras Indígenas. tada. Não desistir. Buscar se qualificar, se

Voz das Mulheres Indígenas 62 empoderar e construir parcerias. Não po- com certeza colheremos frutos no futuro, demos trabalhar sozinhas, temos que estar mas se andamos sozinhos não chegaremos sempre unidas em busca de melhorias, para a lugar nenhum. Essa é nossa missão: an- defender nossa existência, para defender darmos sempre juntos em busca de nossos nossos direitos. A união e o respeito são a direitos, garantindo nossa existência. base de tudo. Se trabalhamos em conjunto,

genas para vários lugares do Brasil. Iniciei a atuação no Voz das Mulheres Indígenas com 38 anos. Desde 2016 estou como vi- ce-presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA). Hoje também estou na gerência indígena da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo do Estado do Pará.

Estudei na aldeia até 30 anos e em 2010 entrei na universidade pelas ações afirma- tivas. Mas não consegui terminar o curso de Direito por motivo de doença da minha Foto: ONU Brasil/ Karina Zambrana mãe e pela minha dedicação à militância no movimento indígena. Tenho 43 anos, Puyr Tembé sou mãe de três mulheres. A primeira com 23, a segunda com 22 e a terceira com 20 anos. Também sou avó de duas meninas, de Me chamo Puyr Tembé, do povo Tembé, quatro e cinco anos, e de dois meninos, um aldeia São Pedro, Terra Indígena Alto Rio de quatro meses e outro de cinco meses. Guamá, no município de Santa Luzia do Separei do meu primeiro marido, que é o Pará/PA. Sou liderança feminina, ativista pai das minhas filhas. Eu vivia muito opri- e militante do movimento indígena. Meu mida por ele. Eu só fazia o que era autori- papel é defender quem eu sou e a vida dos zado pelo homem, sofri violência domésti- povos indígenas. Vivo entre idas e vindas ca. Não foi fácil, mas eu decidi separar dele da aldeia para a cidade, da cidade para al- e seguir para a luta. Foi então que eu cursei deia. Também levo a voz das mulheres indí- o magistério indígena. Consegui superar e

Voz das Mulheres Indígenas 63 estou viva e pronta para lutar contra tudo luta e os desafios são similares e isso nos que nos oprime enquanto mulher. encorajou para que pudéssemos entrar na construção e participação em vários espa- Nós povos indígenas já nascemos com es- ços, inclusive na política. Nesse aspecto pírito guerreiro e militante. À medida que fomos quebrando aos poucos a resistên- crescemos vamos estudando, buscando co- cia com a pauta das mulheres. Também foi nhecimentos e assumindo uma linha de luta desafiador colocarmos nossa demanda no dentro das comunidades e do movimento Acampamento Terra Livre. Essa construção indígena. No meu caso, optei pela linha da veio com o Voz, com o processo de buscar luta territorial e pela garantia e permanên- ouvir cada vez mais as mulheres. Esse tra- cia da participação das mulheres indígenas balho resultou em afirmarmos que nós es- dentro dos eixos temáticos da saúde, edu- tamos aqui. Nós existimos. Nós precisamos cação, meio ambiente, sustentabilidade, ser ouvidas. Nós precisamos estar juntas política etc. para construir juntas. Nós precisamos tra- O Voz das Mulheres Indígenas nos ajudou zer nossa demanda, colocar em pauta. na compreensão e fortalecimento da luta Hoje os temas com maior visibilidade são pelos nossos direitos, e nos mostrou que as mudanças climáticas e as mulheres. podemos estar na linha de frente debaten- Nós mulheres indígenas somos afetadas do sobre vários temas transversais. Nesse diretamente pelas mudanças climáticas. É sentido, estamos cada vez mais nos pre- preciso que a sociedade entenda que hoje parando para estarmos à frente de nossas esses dois temas são fundamentais para a lutas e organizações indígenas. Já temos construção do diálogo e para a solução dos várias organizações indígenas comandadas problemas climáticos do planeta. por mulheres. A executiva da FEPIPA hoje é composta por mulheres, assim como COIAB O Voz conseguiu dar visibilidade, descobrir e a APIB, também estão sendo coordenadas o potencial de muitas mulheres e propor- por mulheres, e isso é uma conquista para cionar que elas saíssem para o mundo. E todas as mulheres indígenas que lutam por cada dia mais trazendo novas mulheres. autonomia e empoderamento. E assim seguimos falando e orientando: “Saiam do seu mundo, saiam da sua comu- Em 2016, aplicamos os questionários do Voz nidade, não se intimidem, não fiquem com em várias regiões e estados para conhecer- vergonha. Vamos para a rua! Vamos para a mos a realidade das mulheres indígenas. luta! Se juntem a milhares de mulheres que Foi muito gratificante porque nos deu a estão pelo Brasil e pelo mundo em busca oportunidade de nos conhecermos, mesmo de liberdade autonomia. Essa luta é nos- distantes umas das outras. Vimos que a

Voz das Mulheres Indígenas 64 sa!” É uma luta coletiva. Nós mostramos continuar sendo protagonistas da nossa nossa determinação, coragem e força na I própria história. Marcha das Mulheres Indígenas. Queremos

Federação das Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP).

Iniciei no movimento indígena quando criança acompanhando o meu irmão. A mi- nha aldeia é formada só por nossa família e nós mulheres somos reconhecidas. Eu sou a caçula de uma família de 19 irmãos e desses 19 irmãos, quatro são mulheres e o resto todos são homens. A maior parte do pessoal de nossa família não teve a opor- tunidade de estudar. Eu fui privilegiada, estudei. Então, desde quando iniciou a as- Foto: acervo pessoal sociação, eu já fui escolhida para secretária porque eu tinha conhecimento. Raimunda Lima Quando fui convidada para participar do Apurinã Voz, nossa mobilização estava meio morna, fria, sem expectativa. A minha participa- Sou Raimunda Lima Apurinã, povo Apurinã, ção no Voz fez reacender os trabalhos com aldeia Idecorá, Terra Indígena Catitu, no as mulheres. Elas ficaram mais motivadas município de Lábrea/AM. Iniciei a atuação e criaram organizações dentro das aldeias. no Voz com 25 anos. Sou formada em Saúde Até iniciar no Voz, eu tinha saído muito Coletiva. Estou como Gerente de Unidade pouco do meu município. Eu ficava entu- Básica de Saúde no município e atuo na siasmada em ouvir as mulheres falando, Associação dos Produtores Indígenas da aprendi muito. Eu me senti empoderada, aldeia Idecorá, composta em sua maioria com mais força para lutar pela associação por mulheres. A maior parte da produção é de mulheres do nosso município. Ampliou de açaí e castanha. Em 2009 fui secretária minha visão de mundo. Vi que tinha bas- da Associação de Mulheres Indígenas do tante mulher na luta, empoderada e eu fi- Médio Purus. De 2012 a 2016, participei da cava muito admirada. Então falei e conti-

Voz das Mulheres Indígenas 65 nuo falando para as mulheres aqui da nossa pelo esposo, pelas crianças, pela natureza. região: “Vamos lutar, vamos nos empoderar! Apesar de ainda existir muito preconceito, Mostrar para nós mesmas que nós somos da gente saber que tem feminicídio, ex- capazes de lutar pelos nossos direitos, de ploração sexual, somos mulheres indígenas enfrentar os problemas, as dificuldades.” e não estamos sozinhas, somos muitas na Para mim, quando a mulher luta, ela não luta. E, juntas, somos indestrutíveis! luta só por ela, ela luta por todos - luta

mada em Serviço Social, especialista em políticas sociais e públicas, e mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UNB).

Fui para para fazer faculdade, foi lá que comecei a ingressar no movimento dos estudantes indígenas, e perceber que no MS tinha um problema em relação aos direitos dos povos indíge- nas que era a não garantia do acesso ao território. O meu território já era demar- cado, então era uma realidade nova para Foto: UNFPA / Giovanni Bello Neto mim. Foi ali no MS que fui perceber os problemas e violações que muitos indíge- Samantha nas enfrentam no Brasil.

Ro’otsitsina Participando do movimento indígena es- (Tsitsina) tudantil, e percebendo uma mobilização em Brasília desde 2005 [Abril Indígena], que em 2008 fui para Brasília com a cara Sou Samantha Roo Tsitsina (Tsitsina), e coragem, sem conhecer ninguém, para povo Xavante, aldeia Namunkurá, Terra saber o que mobilizava essa grande ma- Indígena São Marcos, no município de nifestação. Ali tive o primeiro contato a Barra do Garças/MT. Iniciei a minha nível nacional com uma diversidade de atuação no Voz com 29 anos. Sou for- povos e realidades indígenas.

Voz das Mulheres Indígenas 66 Na minha aldeia temos a Namunkurá a participarem do processo seletivo. Associação Xavante (NAX), onde atua- Foi um marco para ONU Mulheres ter em mos com as comunidades do entorno. seu corpo de analista de programa uma Atualmente faço parte da diretoria, como indígena profissional, neste caso eu. Foi secretária, mas eu contribuo no proces- desafiador, pois antes eu estava como so- so de articulação e mobilização políti- ciedade civil, uma das impulsionadoras ca da NAX. do Voz das Mulheres Indígenas e, agora, Eu acredito que é importante ter uma pre- tinha outra função: analista de programa, sença indígena, ter indígenas profissionais coordenando um projeto para mulheres in- em todos os espaços de tomada de deci- dígenas no Sistema das Nações Unidas. são, principalmente naqueles locais onde Aprendi muito fazendo parte do corpo de tem ações que vão nos impactar direta profissionais da ONU Mulheres, fiquei por ou indiretamente, como saúde, educação, volta de um ano e meio como analista. meio ambiente. Eu acredito que não so- Mas, cada um tem prioridades, e a mi- mente no caso específico do Sistema ONU, nha naquele momento foi estar no apoio mas todas as organizações indigenistas direto com a minha família para a reati- ou ambientais que trabalham com essas vação da NAX. Então, pedi desligamento temáticas deveriam reconhecer de fato o do Sistema, mas consciente de que eu fui potencial que nós temos como profissio- a primeira indígena, deixando as portas nais indígenas. abertas para que mais indígenas estejam nesses espaços. Para mim é contraditório as organizações que atuam com a questão indígena fala- Faço um destaque nas incidências inter- rem tanto em empoderamento e fortaleci- nacionais que foram possíveis no processo mento e no momento de soltar um edital Voz das Mulheres Indígenas. Houve um para poder atuar em uma terra indígena aumento da presença feminina indígena ou com questões ambientais, não ter um nesses espaços, deixando perceptível re- parágrafo sequer colocando, “encoraja- flexões do potencial e capacidades que mos, incentivamos profissionais indígenas as mulheres indígenas têm na defesa dos a concorrer a esse cargo ou a essa função”. direitos dos povos indígenas. Mas eu acredito Então acredito que, nesse sentido, a ONU que não é somente a nossa presença por si Mulheres fez um diferencial de colocar em só nesse espaço, porque é necessária uma ar- um edital de seleção para contratação um ticulação para isto, preparação para advoca- parágrafo de fato que incentivasse profis- cy, pois o Sistema ONU tem suas burocracias sionais, em especial mulheres indígenas, para participação nos espaços de incidência.

Voz das Mulheres Indígenas 67 No caso do Voz das Mulheres Indígenas, Acampamento Terra Livre (ATL), apoiada muitos se somaram para apoiar as participa- pela APIB. ções de mais mulheres indígenas nas Nações Unidas [CSW, Fórum Permanente, Conselho Ao longo desse processo entre 2014 até de Direitos Humanos], como ONU Mulheres 2019, foram quatro plenárias de mulhe- Brasil, Alto Comissariado de Direitos res indígenas no ATL, onde foi lançada Humanos/Genebra, Conselho Indígena a ideia da Marcha. Ideia essa que foi se- Missionário, Embaixada da Noruega. meada no Voz, fortificada com as mulhe- res indígenas do ATL e gestada com mais A percepção que eu faço de todo esse mulheres indígenas ao longo da mobi- processo, desde 2014, finalizando lização para realização desse momento em 2019, com a Marcha das Mulheres histórico para movimento de mulheres Indígenas, é que conseguimos mobilizar indígenas no Brasil. várias mulheres indígenas, não somente as Multiplicadoras que estão diretamente Eu acredito, que esse livro possa ser uma nesse processo. De todas aquelas mulhe- ferramenta de conhecimento, de leitura, res que fizeram parte especialmente das não somente para nós mulheres indígenas, plenárias das mulheres indígenas, são mas para aqueles homens indígenas que novas mulheres que vão chegando, vão tiverem acesso, que eles olhem e refli- escutando e somando ao processo do mo- tam para “reconhecer e respeitar de fato vimento de mulheres indígenas. Vou uti- as mulheres de seu povo e de sua família”. lizar a I Marcha das Mulheres Indígenas Não podemos sentir limitadas em nossas como referência porque a ideia surgiu em ações. “Não se sinta incapaz porque você meio às reuniões do Voz das Mulheres não conseguiu salvar ou melhorar a sua co- Indígenas e, impulsionado pelo Voz munidade, mas se você conseguiu melhorar também, foi realizada a primeira plená- ou salvar a vida de uma mulher, de uma ria de Mulheres Indígenas no âmbito do menina se sinta feliz”.

Voz das Mulheres Indígenas 68 no Museu Nacional (UFRJ). O título do meu projeto de pesquisa é “A semente de um povo: a experiência das mulheres indígenas em busca da sua existência”. Atualmente trabalho como assessora parlamentar em política indigenista e ambiental do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), na Câmara dos Deputados. Eu levo as pautas para os deputados, eles levam ao plenário, solici- tam audiência. Nós somos 26 assessores, o embate é todo dia. A minha vinda para a Câmara foi necessária, porque é um car- go estratégico e é um instrumento de luta Foto: Erick Andrade / PSOL para os parentes. Eu assumi ano passado, com medo porque é um mundo totalmente diferente do que eu trabalhava. Eu sempre Simone Eloy pensava: “Será que eu vou dar conta?”. No Terena decorrer do ano eu fui aprendendo31. Quando eu e meus três irmãos Val, Glauce e Sou Simone Eloy Terena, venho de uma fa- Luiz éramos ainda pequenos, o casamento mília indígena do Povo Terena, humilde, de minha mãe terminou. Minha mãe, após mas de uma grandeza de valores intrínsecos a separação, precisava trabalhar e não ti- valores que não nos deixaram faltar digni- nha quem cuidasse de nós. Ela decidiu nos dade, caráter, humildade e respeito, mesmo deixar com meus avós maternos para que - e especialmente nesses momentos - dian- eles pudessem cuidar de mim e de meus ir- te de todas as dificuldades e adversidades mãos, pois ela tinha plena consciência que impostas pelas circunstâncias da vida in- na aldeia estaríamos seguros e livre dos dígena no Mato Grosso do Sul. Pertenço à perigos da cidade grande. Assim, passamos Terra Indígena Taunay Ipegue, localizada toda a infância e a adolescência estudando no Município de Aquidauana. Minha avó e nos envolvendo com as atividades que materna é pertencente ao povo Terena e eram realizadas na aldeia. Na casa de minha meu avô ao povo Kinikinau. Iniciei a atua- avó moravam cinco pessoas: dois tios, uma ção no Voz com 29 anos. Sou formada em 31 AMADO, Simone Eloy. Ensino superior para povos indígenas Direito, tenho mestrado em antropologia e de Mato Grosso do Sul: desafios, superação e profissionalização. Mestrado em Antropologia Social, Museu Nacional/Universidade estou cursando doutorado em antropologia Federal do Rio de Janeiro, 2016.

Voz das Mulheres Indígenas 69 tia, minha avó e meu avô. Meu Tio Salú e em 2007. Entendi o recado das nossas li- meu avô Celestino sempre fizeram parte da deranças que elas precisam de nós. Que tí- liderança do cacique Mauro Paz, e assim nhamos que acabar os estudos para retornar sempre estavam envolvidos na política in- para a comunidade. Aquilo foi um desper- terna da aldeia. Foi assim que crescemos, tar, tive certeza de que iria me formar para ouvindo as necessidades dos patrícios da ajudar as minhas lideranças, estar na luta aldeia; e meu tio sempre nos aconselhava e ser guardiã da cultura. E foi assim que que tínhamos que estudar, pois na aldeia passei a entender tudo aquilo que ouvia na tinha muitas coisas que somente os homens infância e a necessidade de meus patrícios brancos entendiam, e por falta de vontade da aldeia em ter pessoas graduadas, pas- não ajudavam o nosso povo. Ele acreditava sando a entender a verdadeira essência de que tendo pessoas graduadas na aldeia as estar estudando: o que para mim era sonho coisas mudariam. individual ia se tornando também coletivo, com o tempo vivido na universidade, pois Já estava na quinta série do Ensino começava a perceber que as mesmas difi- Fundamental quando achei que era uma culdades que meus patrícios tinham eram necessidade, e então eu fui para a cidade também as minhas. trabalhar junto com minha mãe. Vivemos dificuldade, tanto financeira quanto com Ainda em 2014 fui convidada para fazer a questão da alimentação. Eu trabalhei parte da Delegação Brasileira composta de babá, garçonete e, assim, eu terminei por representantes de órgãos do Governo o ensino médio. Não tinha vínculo com o Federal e lideranças indígenas para par- movimento indígena nessa época. Mas eu ticipar da Conferência Mundial dos Povos sempre me auto reconheci como indígena. Indígenas, realizada pela Organização das Em 2005, meu irmão falou do tal do ves- Nações Unidas, em Nova Iorque, nos dias tibular. Nem sabia direito o que era isso. 22 e 23 de setembro. Mas eu estava ali Mas eu sabia é que queria ser advogada militando enquanto estudante, não me re- para ajudar meu povo. Quando eu passei conhecia ainda como mulher. O processo de no vestibular para fazer a faculdade de di- me auto reconhecer como mulher indíge- reito conheci vários patrícios de diversas na e me posicionar no meu discurso como aldeias do estado, e ali fui me formando e mulher indígena foi a partir do Voz. Antes, participando com mais frequência de nosso nenhuma das mulheres no meu estado, nem movimento e articulações. eu mesma, falava nas reuniões, assem- bleias, não sei se por receio, por medo, por Um momento decisivo foi participar do vergonha. Com nosso trabalho, as mulheres Encontro dos Acadêmicos Indígenas de MS começaram a se sentir à vontade a falar e

Voz das Mulheres Indígenas 70 se abrir. Em 2017, criamos o Conselho de parte, principalmente o Conselho do Povo Mulheres dentro com Conselho Terena do Terena (meu povo), considero que a nossa Mato Grosso do Sul. Realizamos a primeira luta não é individual a nossa luta é em plenária das mulheres indígenas dentro da conjunto com nossas lideranças. Queremos Assembleia do povo Terena. Enfim, em meio andar lado a lado com os homens, com as a todos esses trabalhos propostos a mim nossas lideranças, pois a nossa luta é cole- pelo movimento indígena - do qual faço tiva em defesa de nossos territórios.

em qualquer espaço do movimento indí- gena. Ao longo de todo esse histórico do Acampamento Terra Livre (ATL), nós mu- lheres sempre conversamos, mas no para- lelo. Assim, nossa pauta não entrava nos resultados oficiais. Não dava mais para a gente ficar à margem, precisávamos assumir esse protagonismo dentro do movimento indígena. O Voz das Mulheres Indígenas foi fundamental para eu entender o lugar da mulher indígena na luta geral e na luta política. Até então, eu discutia saúde, edu- cação, território, mas não discutia a pauta Foto: acervo pessoal das mulheres indígenas. A partir do Voz a gente começou a identificar essas nossas Sonia Guajajara demandas, essas nossas especificidades.

Então, em 2016, conseguimos garantir um Sou Sonia Guajajara, do povo Guajajara, al- espaço para as mulheres na programação deia Lagoa Quieta, Terra Indígena Araribóia, oficial no ATL, no horário da noite - que município de Amarante do Maranhão. Iniciei não é muito adequado. No ano seguinte, a a atuação no Voz com 40 anos. Sou formada gente trouxe a pauta das mulheres para um em Letras. Atualmente estou coordenadora horário durante o dia. Em abril de 2019, no executiva da Articulação dos Povos indíge- ATL, realizamos o nosso I Encontro Nacional nas do Brasil (APIB). das Mulheres Indígenas em que plane- jamos a I Marcha Nacional das Mulheres É um desafio inserir a pauta das mulheres Indígenas, que aconteceu em agosto do

Voz das Mulheres Indígenas 71 mesmo ano. O tema foi “Território: nosso identidade e a cultura viva. Uma das con- corpo, nosso espírito”. O tema da Marcha sequências da Marcha foi a participação das foi muito forte, trazendo uma cosmovisão indígenas na Conferência do Clima, COP 25, de tudo que a gente é. O corpo que abriga em Madri/Espanha. Articulamos uma dele- o nosso espírito, o espírito que é alimenta- gação de 20 pessoas, 15 eram mulheres. do pela nossa ancestralidade. Nenhuma de Discutimos o papel da mulher indígena para nós é mais ou menos importante que outra. conter as mudanças climáticas. Ainda como Quem está assumindo o papel nessa luta desdobramento da Marcha, vamos impulsio- política precisa ser tão valorizada quanto nar a candidatura de mulheres indígenas na aquela que está na aldeia cuidando da fa- disputa eleitoral municipal de 2020. mília, cuidando do alimento, mantendo a

Indígena (DSEI-MS) e estou, desde 2016, como coordenadora da Fundação Marta Guarani. A criação da Fundação aconteceu justamente por causa do trabalho com a ONU Mulheres, que começou em 2009, aqui no Mato Grosso do Sul. Fizemos uma pes- quisa sobre violência com mulheres indí- genas no Brasil, a pedido da ex-presidenta Dilma. Desde essa época, trabalhamos com a Lei Maria da Penha. A primeira Casa da Mulher Brasileira foi construída aqui no es- tado do Mato Grosso do Sul. Foi constatado

Foto: acervo pessoal que o maior índice de feminicídio e violên- cia contra mulheres indígenas era no nosso estado. Uma violência terrível. Suzie Guarani Em 2014, eu e mais 40 mulheres aqui do es- tado fomos para Brasília para um encontro Sou Suzie Guarani, povo Guarani Kawoiá, de direitos humanos internacional. Tinha aldeia Jaguapiru, Terra indígena Jaguapiru, a tenda das mulheres indígenas onde fi- município de Dourados/MS. Iniciei a atua- zemos várias discussões. Foi nesse espaço ção no Voz com 45 anos. Sou mobiliza- que começamos a construir o Voz. Então, dora social do Distrito Sanitário Especial eu fui a primeira representante indígena

Voz das Mulheres Indígenas 72 no Grupo Nacional Assessor da Sociedade minuir a violência. A principal preocupação Civil da ONU Mulheres Brasil (GASC). Fiquei é a luta pela terra mesmo. Quando as lide- por dois mandatos. Nessa mesma época, ranças vão para uma retomada de terras, fundamos a Fundação Marta Guarani. quem está na frente são as mulheres, com Recebemos várias denúncias de ameaças as crianças e as jovens. Então para nós é de morte de mulheres. A gente tem visto uma luta diária. que a violência continua, mas eu sei que O que me motiva a continuar. mesmo com tivemos muito avanço. O fortalecimento da luta das mulheres indígenas tem tido tanta dificuldade e com tanta violência, é o um destaque bem bacana. sonho. O sonho de ver uma luta finalizada, realizada. De ver pelo menos três, quatro O meu sonho para a Fundação é que ela seja territórios nossos demarcados. Ter uma ins- instalada dentro de uma aldeia. Que seja tituição que abrigue essas mulheres, que uma espécie de uma casa abrigo, de apoio ajude elas a se guardarem, a se fortalece- para as mulheres. São muitas mulheres in- rem. É um sonho! E que os jovens nunca dígenas vítimas de violência. Hoje muitas deixem de olhar para trás, de saber história indígenas estão com depressão. Enquanto dos nossos líderes, dos nossos ancestrais não demarcar as nossas terras, é difícil di- que morreram lutando.

Telma Taurepang

Sou Telma Taurepang, do povo Taurepang, aldeia Mangueira, Terra Indígena Araçá, município de Amajari/RR. Iniciei a atuação no Voz com 42 anos. Formei no Magistério e comecei, em 2019, a cursar Antropologia na Universidade Federal de Roraima (UFRR). Eu faço parte do CIR que é uma organização indígena (Conselho Indígena de Roraima). Desde 2016, estou como coordenadora ge- ral da União das Mulheres Indígenas da Foto: acervo pessoal Amazônia Brasileira (UMIAB). A UMIAB em 2020 completa 10 anos de existência. Faremos uma grande assembleia eletiva,

Voz das Mulheres Indígenas 73 estou articulando para que seja na Terra seus espaços que lhe é devido e nem sem- Indígena Raposa Terra do Sol, em Roraima. pre respeitado. Lutamos pela a existência da mulher indígena e para que ela possa Eu venho de uma família de lideranças in- ser respeitada e compreendia, seja ela fa- dígenas, desde meu avô, minha avó, meus lando na língua materna, seja ela falando tios, minhas tias. A minha primeira atua- em português ou ela falando em qualquer ção diretamente com o movimento indígena língua - mas que ela tenha voz. Sabemos foi em 2005, quando assumi a primeira di- que juntas temos uma força imensurável. retoria construída no município de Amajari para atender demanda das comunidades in- Para mim, participar do Voz foi uma ex- dígenas da minha região (Departamento de periência muito grande que me deu essa Apoio as Comunidades Indígenas - DACI da voz que hoje eu tenho, essa voz de me ex- Prefeitura de Amajari). Depois, eu retornei pressar. A mulher indígena ainda precisa para a minha aldeia de origem Araçá para de visibilidade, de ocupar os espaços de ser professora. Em seguida, eu mudei para luta para que ela possa ser compreendida a aldeia Mangueira, onde é minha referên- e respeitada. Um fato histórico na minha cia de morada. Lá eu fui a primeira mulher trajetória no Voz foi ter a coragem de ser a indígena Taurepang a ser Tuxaua. Em 2010, primeira mulher Taurepang a concorrer uma iniciei os trabalhos especificamente com as eleição em Roraima para o Senado Federal. mulheres quando assumi a secretaria das Disputei com pessoas que têm uma influên- mulheres indígenas do CIR. cia muito grande dentro da política e recebi muitos votos de indígenas e não-indígenas. Em 2014 começamos a construir o Voz em busca na construção de uma socie- Aprendi que as mulheres não podem de- dade igualitária para a mulher indígena. sistir dos seus sonhos. Que nós possamos Queremos a mulher indígena como prota- contribuir sempre uma olhando para a ou- gonista, como mãe, como articuladora po- tra. Com a voz que eu tenho junto com vo- lítica. Incentivamos que as mulheres levem cês, quebraremos qualquer barreira sempre sua própria voz para além da sua terra in- olhando também para as futuras gerações, dígena, para a voz da mulher indígena ser para que possamos ser de fato uma ponte ouvida no Brasil e no mundo. E que ocupem que possa levar esperança.

Voz das Mulheres Indígenas 74 Voz das Mulheres Indígenas 75 Linha do tempo

2014 A ideia do Voz nasce a partir do diálogo entre indígenas defensoras dos direitos Mulheres indígenas em diálogo com a ONU Mulheres humanos durante evento realizado no Mato demandam apoio para criação de uma agenda Grosso do Sul quando do encerramento de nacional comum das mulheres indígenas brasileiras. um projeto implementado pela ONU Mulheres ONU Mulheres organiza uma consulta com um grupo na área de enfrentamento à violência contra de 11 indígenas para estruturar o início do projeto. as mulheres.

Fotos: Funai

Mulheres indígenas se reúnem com a subsecretária geral das Nações Unidas e diretora executiva da ONU Mulheres, sra. Phumzile Mlambo Ngcuka, para apresentarem suas demandas e contra a Proposta de Emenda Constitucional 215/2000 (PEC 215), no contexto da Marcha das Mulheres Mulheres Negras – Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver.

Voz das Mulheres Indígenas 76 2016

ABRIL FEVEREIRO MARÇO Comissão sobre a situação Jozileia Kaingang, primeira estudante Encontro de Mulheres das Mulheres (CSW), Consulta Nacional de indígena da Pós graduação em Antropologia Indígenas (Grupo em Nova Iorque, com a Mulheres Indígenas para a Social da Universidade Federal de Santa de Referência e participação da Nara Baré. 4ª Conferência Nacional das Catarina (UFSC), defende dissertação sobre Multiplicadoras + 100 Mulheres (CNPM). povos Kaingang. mulheres - construção de proposta da pauta comum Voz das Mulheres Indígenas, do Plano de ação e da Rota de incidência). Foto: UFSC/Pipo Quint Foto: Rádio ONU Foto: ONU Mulheres

Voz das Mulheres Indígenas 77 Foto: UFG/Carolina Melo

Voz das Mulheres Indígenas 78 2018

Fotos: ONU Mulheres / Isabel Clavelin

Adesão das mulheres indígenas à campanha do Secretário-Geral da ONU “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres”#DiaLaranja durante o ATL.

Voz das Mulheres Indígenas 79 2019

Voz das Mulheres Indígenas 80 Olhar para o futuro32

O combate às violências e preconceitos tratégias fazem sentido quando vinculadas sofridos pelos povos indígenas é uma res- às práticas cotidianas das indígenas nos ponsabilidade de toda a sociedade. Muitos territórios tradicionais em defesa da vida, caminhos já foram abertos pelas lideranças das florestas, das águas e da ancestrali- indígenas para a garantia de direitos huma- dade. O poder da união entre as indígenas nos dos povos indígenas. que atuam em diferentes esferas públicas − na aldeia, em instâncias nacionais e in- As indígenas ocuparem espaços de poder, ternacionais – ficou nítida na ocasião da I seja no quadro de funcionárias da ONU Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto Mulheres, em cargos eletivos para funções de 2019. A marcha é um marco na organiza- públicas (vereadoras, deputadas, senadoras, ção política das indígenas, deu visibilidade prefeitas, governadoras), ou como servido- à luta e valorizou os trabalhos das mulheres ras públicas, contribui para a efetivação nas aldeias. dos direitos coletivos e para o fortaleci- mento das parcerias com outros setores da Como vislumbrado pelas articuladoras do sociedade. É uma estratégia eficiente de coletivo Voz das Mulheres Indígenas, o mo- combate ao preconceito e fortalecimento mento agora é de construir parcerias para de alianças com parcelas não-indígenas da impulsionar a continuidade dos trabalhos população. O ritmo desse caminhar será das mulheres indígenas, pois ainda há mui- dado de acordo com as estratégias que en- tos desafios para a efetivação dos direitos volvem a ação do movimento indígena, as indígenas e a eliminação de todos os tipos decisões de gestores e gestoras públicos e de preconceitos e discriminação. A propos- o envolvimento da sociedade civil. ta é ampliar o diálogo em todo território nacional e seguir na construção de estraté- Esse tipo de estratégia de caráter mais gias regionais para defesa dos direitos das amplo é um dos mecanismos de atuação mulheres indígenas. A luta segue, paren- em defesa dos modos de vida dos povos tas! Que nenhuma mulher e povo indígena indígenas e de seus territórios. Essas es- fique para trás.

29 O texto dessa seção está baseado nas 23 entrevistas feitas com as articuladoras do Voz em janeiro de 2020.

Voz das Mulheres Indígenas 81 Bibliografia

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_____. Relatório Anual do Projeto Diálogo Nacional de Mulheres Indígenas: Fortalecendo os Direitos das Mulheres Indígenas. Brasília:2015.

_____. Flyer Voz das Mulheres Indígenas. Brasília: ONU Mulheres, 2016.

_____. Livreto Voz das Mulheres Indígenas. Brasília: ONU Mulheres, 2016.

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Voz das Mulheres Indígenas 83 Vídeos:

Documentário com depoimentos de mulheres indígenas da Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas | Filme de Glicéria Tupinambá e Cristiane Pankararu | Imagens e edição: Alexandre Pankararu | Brasil, 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=MLSs_5elMqk

Vídeos produzidos pela ONU Mulheres sobre o projeto Voz. Disponível em: ht tp:// www.onumulheres.org.br/mulheres-indigenas/

Vídeos sobre a I Marcha das Mulheres Indígenas: https://www.youtube.com/watch?v=CwHFoeGl1wU https://www.youtube.com/watch?v=SJ_c2dgGvzo https://www.youtube.com/watch?v=3rK7fqvq71w https://www.youtube.com/watch?v=0w0XJB03n4o

Reportagens sobre mulheres indígenas: https://azmina.com.br/?s=IND%C3%8DGENAS https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/26/politica/1556294406_680039.html https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/08/14/O-que-querem-os-movimentos-de- -mulheres-ind%C3%ADgenas-no-Brasil https://www.huffpostbrasil.com/entry/feminismo-indigena_br_5d51e8dde4b0cfee- d1a1f304 https://www.generonumero.media/ingresso-de-mulheres-indigenas-nas- universidades-cresce-620-desde-2009/ https://cebi.org.br/noticias/feminismo-indigena/ https://diplomatique.org.br/a-luta-dos-povos-indigenas-no-brasil

Voz das Mulheres Indígenas 84 Anexos

Créditos

Agradecimentos a essas mulheres que ecoaram as vozes das mulheres indígenas de seus territórios:

Fabiana Kaingang | Gilda Kaingang | Marielene Kaingang | Suzana Xokleng | Adriana Kaingang | Iraci Xokleng | Josiane Xokleng | Maria Inês Kaingang | Maria Xokleng | Ana C. Borari | Clécia Tupinambá | Eliane Tupinambá | Edinalda Kumaruara | Fabiana Borari | Fernanda Borari | Julia Kumaruara | Iannuzy Tapajós | Josiele Kumaruara | Luana Kumaruara | Luzinete Arapium | Margareth Maytapu | Maria Maytapu | Neide Kaxuyana | Orleidiane Tapaiu | Rosimar Tapaiu | Salete Wai | Yandra Borari | Claudenaura Kapinawa | Eucilene Fulni-ô | Erivania Fulni-ô | Marciana Fulni-ô | Maria | Rosane Kapinawá | Rosimere Pankara | Samira Xukuru | Eloisa Kaimbé | Josenice Tupinambá | Maria Kariri | Maria Tupinambá | Rita Pataxó | Tuire Kayapó | Tuxaty Gavião | Bernardina Juruna “Yudja” | Francisca Juruna | Jayra Juruna | Juliana Juruna | Patrícia Juruna | Marlene Juruna | Marineide Juruna | Rosilda Juruna | Sheyla Juruna | Ynara Juruna | Analice Tuxá | Cristina Guarani | Edinalda Pataxó Ha Hãe | Edilene Xacriabá | Liderjane Kaxixó | Jaciara Krenak | Marinelia Pataxó | Márcia Mucurin | Maria Aranã | Clacilda Manoki | Estefania Guató | Genildes | Janaína Kaiabi | Madalena | Maria Apiaká | Maria Bakairi | Alcilene Kanoé | Aloma Suruí “” | Angela | Boropei Amondawa | Celiana Oronau | Eleniza Tupari | Eliane Gavião “Ikolen” | Elislane Suruí | Gisele Zoró | Gleice Wajuru | Indira Suruí | Ivonete Kujubim | Ivonete Sabané | Jamiria Suruí | Lucila Wruim | Maria Wajuru | Marinete Tupari | Marizina Kaxarari | Miriam Suruí | Natália Apurinã | Nice Guarasugwe | Olívia Cabixi | Priscila Cinta Larga | Priscila Suruí | Raquel Jabuti | Roman Suruí | Roseli Kampé | Ueim Suruí | Vadenilda | Valda Wajuru | Claudia Galibi Kalina | Francisca Waiana | Maiara Apalai | Natália Karipuna | Solange Galibi Marworno | Elizandra Apurinã | Ingrid Paumari | Juliana Banawá | Maria Antônia Paumari | Célia Terena | Creuza Kadweu | Daisi Terena | Edite Terena | Edna Terena | Elenir Terena | Elizabete Terena | Helena Terena | Jussara Terena | Lucila Terena | Maria Terena | Maria Eva Terena | Marinalda Atikum | Neide Terena | Regina Terena | Renata Terena | Rita Terena | Rosalina Terena | Rosiney Terena | Valéria Terena | Muriene Kuntanawa | Lucila Nawa | Maria Alice Poyanawa | Maria Fátiima Yawanawa | Geranildes Jaminawa | Soliene Manchineri | Nécia Huni kui | Mara Huni kui | Maria Lidia Huni kui | Maria Auxiliadora

Voz das Mulheres Indígenas 85 Kaxinawa | Francisca Kaxinawa | Marlene Kaxinawa | Joselina Apurinã | Letícia Apurinã | Francisca Apurinã | Samea Apurinã | Joselina Apurinã | Maria Gorete Shanenawa | Iara Shanenawa | Antônia Shanenawa | Olga Krahô Kanela | Eliete | Suliete Baré | Marília Kariri Xokó | Indinari Javaé | Raquel Krahô Kanela | Daiara Tukano | Dalma Canela | Dalva Karajá | Marta Guajajara | Hatawaki Karajá | Kainaku Kamaiurá | Wederi Karajá | Angélica Ava Canoeiro | Oreneide Karipuna | Maciel Galibi Marworno | Leozane Karipuna | Creusa Karipuna | Simone Karipuna | Verônica Karipuna | Sulueide Kaxuyana | Estela Karipuna | Alda Guarani Kaiowá | Edite Guarani Ñandeva | Rosicleide Kaiowá | Vanderleia Guarani Kaiowá | Cleusa Guarani | Jaqueline Kaiowá | Carolina Xavante | Amauê Guarani | Ana Guarani | Ana Kaingang | Andressa Pankararu | Dercy Terena | Devane Terena | Estevita Pataxó | Gesiane Kaingnag | Janete Guarani | Jaqueline | Joana Guarani | Jozileia Kaingang | Leila Pataxó | Letícia Guarani | Lucia Guarani Ñandeva | Luciane Kaiowá | Marciane Pataxó | Monaliza Macuxi | Simone Kaingang | Tamara Potiguara | Val Terena | Alessandra Guató | Arilene Terena | Isabel Xavante |oceneide Arara | Miriam Terena | Nilse Pareci | Sandra Guató | Vanda | Alenir Kaiowá | Leia Kaiowá | Lilian Kaiowá | Tailiz Kaiowá | Alicia Kaingang | Claudia Guarani | Elisa Pankararu | Genilda Kaingang | Janiele Kaingnag | Kawedi Xerente | Patrícia Guarani Mbyá | Romana Kambiwá | Tamikuã Pataxó | Socorrinha Tumbalalá | Marilene Pataxó Ha Hãe | Kátia Tupinambá | Denisia Kariri Xokó | Lisiane Potiguara | Marciane Fulni-ô | Wilkeflane Tapuia | Andreia Tapuia | Maria Truká | Mirelliane Kapinawá | Carmem Pankararu | Alice Pataxó | Dorinha Pankará | Maira Tuxá | Maria Juda Pataxó | Erivânia Fulni-ô | Aline Pankararu | Andreza Pankararu | Beatriz Pankararu | Eliana Pankararu | Giselly Pankararu | Juliana Pankararu | Lidiane Pankararu | Maria Aparecida Pankararu | Maria do Rosário Pankararu | Maria Cícera Pankararu | Maria Claudia Pankararu | Maria Conceição Pankararu | Maria Carmo Pankararu | Maria Rosária Pankararu | Maria Helena Pankararu | Maria Tauane Pankararu | Mirlene Pankararu | Risalva Pankararu | Rita Pankararu | Simone Pankararu | Susana Pankararu | Viviane Pankararu | Ariana Pankararu | Maria Bárbara Pankararu | Edicleide Pankararu | Elícia Pankararu | Fagna Pankararu | Flávia Pankararu | Gabriele Pankararu | Juci Pankararu | Joana Pankararu | Juraci Pankararu | Keila Pankararu | Luzinete Pankararu | Maria Alexandrina Pankararu | Maria Cristina Pankararu | Maria Edicéia Pankararu | Maria Eunice Pankararu | Maria Rosineide Pankararu | Maria Tereza Pankararu | Mariana Pankararu | Nilda Pankararu | Patrícia Pankararu | Poliana Pankararu | Samara Pankararu | Thaynara Pankararu

Voz das Mulheres Indígenas 86 Agradecimento às instituições e organizações:

FUNAI - Fundação Nacional do Índio

SPM - Secretaria de Políticas para as Mulheres

SEPPIR - Secretaria de Promoção da Igualdade Racial

APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Acampamento Terra Livre

APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

ARPIPAN - Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região

ARPINSUDESTE - Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste

ARPINSUL - Articulação dos Povos Indígenas do Sul

ATY GUASSÚ - Grande Assembleia do Povo Guarani

COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

Conselho do Povo Terena

Comissão Guarani Yvyrupa

CIMI - Centro Indigenista Missionário

FIMI - Foro Internacional de Mujeres Indígenas

FIAN - Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição

Embaixada da Noruega

Embaixada do Canadá

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

UNIC Rio – Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil

UNFPA – Fundo de População das Nações Unidas

ACNUDH - Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos

Voz das Mulheres Indígenas 87

Voz das Mulheres Indígenas 90