Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais, na área de especialização em Relações Internacionais, realizada sob a orientação científica do Prof. Doutor Manuel Filipe Canaveira

Aos meus avós

AGRADECIMENTOS

Ao Senhor Professor Doutor Manuel Filipe Canaveira, que acreditou em mim e no interesse do tema que me propus tratar.

O REGIME DO E A SUA POSIÇÃO FACE À GUERRA CIVIL DE ESPANHA, 1936-1939

Afonso Manuel Martins dos Santos Proença de Carvalho

Dissertação de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais na área de especialização em Relações Internacionais

Versão corrigida e melhorada após defesa pública julho de 2018

RESUMO

Como é sabido, a tomada de posição de um Estado face a um conflito armado no interior de outro Estado tem consequências na área das relações internacionais.

Esta linha de investigação é reforçada na medida em que a Guerra Civil Espanhola se insere num contexto mais vasto de participação (direta e indireta) de outras potências em vésperas da Segunda Guerra Mundial, sendo que o conflito irá ter repercussões e agravar não só o precário equilíbrio existente entre países democráticos e autocráticos, como se irá refletir no interior das próprias potências democráticas.

Por seu turno, as semelhanças entre a ideologia política que enforma o regime do Estado Novo e a ideologia de um dos contendores, concretamente a das forças nacionalistas espanholas, poderão estar de alguma forma parcialmente associadas. Acresce o facto de e Espanha terem fronteiras entre si e o conflito espanhol ser considerado por muitos o acontecimento mais importante dos anos 1919 a 1939. É neste contexto que surge o presente trabalho com o intuito de perceber e caraterizar as relações entre os dois países durante o hiato temporal em consideração.

Palavras-chave: Relações Internacionais, Diplomacia, Regime do Estado Novo, Guerra Civil de Espanha, Forças Nacionalistas

ABSTRACT

As it is known, the position of a State regarding an armed conflict within another State has consequences in the international relations area.

This line of research is reinforced since the Spanish Civil War inserts in a more vast context of (direct or indirect) participation of other powers on the eves of the Second World War, being that the conflict will have repercussions and worsen not only the precarious balance prevailing between democratic and autocratic countries, as it will be reflected within the democratic powers themselves.

In turn, the similarities between a political view that shapes the Estado Novo and the ideology of one of the contenders, concretely the spanish nationalist forces, may be partially associated in some way. Plus the fact that Portugal and Spain have boundaries between them and the spanish conflict be considered the most important event from 1919 to 1939. It is in this context that arises the present work in order to know and characterize the relations between the two countries during the temporal hiatus in consideration.

Keywords:

International Relations, Diplomacy, Estado Novo Regime, Spanish Civil War, Nationalist Forces

ÍNDICE

Capítulo I – Introdução…………………………………………………………………. 1

I. 1. Objetivos do trabalho…………………………………………………………. 1

I. 2. Definição das hipóteses em estudo……………………………………………. 2

I. 3. Estrutura do trabalho………………………………………………………….. 2

I. 4. Metodologia.…………...……………………………………………………... 3

Capítulo II – O Regime do Estado Novo e a sua posição face à Guerra Civil de Espanha, 1936-1939………………………………………………………………………………. 4

II. 1. A Guerra Civil de Espanha como o acontecimento mais importante dos anos 1919 a 1939…………………………………………………………………………….. 4

II. 2. Os Antecedentes da Guerra Civil espanhola………………………………... 11

II. 2.1. Da 2ª república às eleições de fevereiro de 1936…………………………. 11

II. 2.1.1. O Biénio 1931-1933…………………………………………………….. 14

II. 2.1.2. O Biénio 1934-1936…………………………………………………….. 17

II. 2.2. Fevereiro-julho de 1936. Das eleições ao pronunciamento………………. 19

II. 3. O Início da Guerra Civil de Espanha……………………………………….. 21

II. 4. O Contexto internacional da Guerra Civil de Espanha. Breve panorâmica… 24

II. 5. As Teses realistas e as ideologias políticas. Breve síntese…………………. 29

II. 6. Fascismo, autocracia e identidade política do regime salazarista…………... 30

II. 7. A Identidade política da génese do regime franquista. Síntese…………….. 48

II. 8. Breve referência ao iberismo……………………………………………….. 54

II. 9. A Interação do Estado Novo com as forças nacionalistas nas vésperas do conflito………………………………………………………………………………… 56

II. 10. O Endurecimento do regime e o aumento dos poderes de Salazar como consequência da situação espanhola…………………………………………………... 61

II. 11. O Estado Novo e os primeiros meses do conflito espanhol……………….. 63

II. 11.1. O Auxílio disfarçado do Estado Novo às forças nacionalistas. As facilidades concedidas………………………………………………………………… 68

II. 11.2. O Apoio militar encapotado do Estado Novo aos nacionalistas. Os Viriatos……………………………………………………………………………...… 71

II. 11.3. O Apoio financeiro à causa nacionalista…………………………………. 75

II. 11.4. O Tratamento dos refugiados republicanos……………………………… 76

II. 11.5. O Estado Novo e o Acordo de Não-Intervenção. O Comité de Controlo... 79

II. 11.6. A Posição de Portugal na Assembleia da Sociedade das Nações face ao conflito espanhol………………………………………………………………………. 86

II. 11.7. O Corte de relações com a República Espanhola e o reconhecimento de facto do Governo de Burgos…………………………………………………………... 88

II. 12. 1937: O Ano de todas as tensões…………………………...………………. 90

II. 12.1. A Aliança luso-britânica em crise. A questão do rearmamento…………... 91

II. 12.2. A Caminho do reconhecimento de jure do Governo de Burgos. O reajustamento da Aliança luso-britânica……………………………………………... 102

II. 12.3. A Questão Colonial……………………………………………………… 104

II. 13. O Reconhecimento de jure do Governo nacionalista……………………… 106

II. 14. A Falange e as tentações anexionistas…………………………………….. 107

II. 15. Os Acordos de Munique e o Estado Novo………………………………… 110

II. 16. As Últimas ações do Estado Novo sintonizadas com as forças franquistas. 111

II. 17. O Tratado de Amizade e Não-Agressão com a Espanha como o corolário final da colaboração entre a Espanha franquista e o Portugal salazarista. O desanuviamento e o reforço da Aliança luso-britânica………………………………………………….. 112

Capítulo III – Resultados…………………………………………………………….. 117

Capítulo IV – Conclusão…………………………………………………………….. 119

LISTA DE ABREVIATURAS

CEDA (Confederação Espanhola das Direitas Autónomas)

CNT (Central Sindical Anarcossindicalista)

DGS (Direção Geral de Segurança)

FAI (Federação Anarquista Ibérica)

FNAT (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho)

JONS (Juntas de Ofensiva Nacional Sindicalista)

NKVD (Ministério do Interior da URSS)

ORA (Organização Revolucionária da Armada)

PCI (Partido Comunista Italiano)

PCP (Partido Comunista Português)

PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado)

POUM (Partido Obrero de Unificação Marxista)

PVDE (Polícia de Vigilância e do Estado)

UGT (União Geral de Trabalhadores)

URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas)

CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO

O ponto de partida da investigação é tentar perceber o impacto da ideologia do Estado Novo na tomada de posição do regime face aos antagonistas na Guerra Civil Espanhola.

Será que a identidade política do regime do Estado Novo teve uma importância decisiva na posição que Portugal assumiu perante o conflito ou temos também de relevar razões extrínsecas com peso equivalente ou ainda mais determinante?

Em consequência, a presente exposição visa responder à seguinte pergunta de partida: a política diplomática de Salazar veiculou de forma reiterada e constante simpatias pró- nacionalistas e ou refugiou-se na neutralidade?

Ao tentarmos responder a esta interrogação procuraremos encontrar as razões justificativas que nortearam a ação política do regime salazarista relativamente à Guerra Civil Espanhola, assim como os meios e instrumentos utilizados para a sua concretização.

I. 1. OBJETIVOS DO TRABALHO

No caso específico deste trabalho, e sustentando-nos na pergunta de partida, o que se pretende é desde logo esclarecer que ações estratégicas e diplomáticas foram formuladas como instrumentos da política externa, tentando perceber o contexto em que as mesmas se desenvolveram, assim como os fins e objetivos que perseguiram.

Através do contexto histórico e também das questões relativas à sobrevivência do regime do Estado Novo, bem como dos traços ideológicos do salazarismo e das forças nacionalistas, iremos tentar obter uma resposta para o problema de investigação.

No final do trabalho pretenderemos saber se, de facto, o regime do Estado Novo por força das suas coordenadas ideológicas e ou por razões da sua própria sobrevivência manteve uma posição de neutralidade ou manifestou de uma forma reiterada e constante simpatias pró-nacionalistas.

Por seu turno, interessará averiguar se essas mesmas posições evoluíram com o desenvolvimento do conflito ou se não sofreram alterações significativas.

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Uma vez identificado o problema e definidos os objetivos, decidiu-se pelo modelo de análise conhecido como o Estudo de Caso.

I. 2. DEFINIÇÃO DAS HIPÓTESES EM ESTUDO

Como é reconhecido, um modelo de análise pretende relacionar de forma operacional os principais aspetos que serão ponderados ao longo da investigação em curso, tais como a observação dos factos e a análise dos resultados.

Assim, e tendo como base a questão de partida, foram definidas as seguintes hipóteses de trabalho a validar:

H1 – A ideologia do Estado Novo é determinante para uma alegada aproximação do regime salazarista às forças nacionalistas.

H2 – A ideologia do Estado Novo é irrelevante para uma alegada aproximação às forças nacionalistas, até porque há diferenças substanciais entre a natureza do Estado Novo e as forças nacionalistas, tratando-se acima de tudo uma questão de sobrevivência do regime.

H3 – A ideologia do Estado Novo tem alguma relevância para uma alegada sintonia de posições com as forças nacionalistas, mas não se pode descurar igualmente a questão da sobrevivência do regime.

I. 3. ESTRUTURA DO TRABALHO

O trabalho será desenvolvido em quatro capítulos. No presente Capítulo, Introdução, encontram-se o enquadramento da temática, uma apresentação dos objetivos a atingir bem como a estrutura e metodologia a adotar na exposição.

Com o Capítulo II, Revisão da Literatura, pretende-se levar a cabo uma revisão bibliográfica dos estudos sobre a matéria realizados anteriormente, o que será encadeado com a descrição dos factos e acontecimentos que estão associados com o tema da nossa exposição. Dada a abundante bibliografia sobre o assunto, este será o Capítulo mais extenso do presente trabalho.

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A nossa exposição inicia-se com a qualificação da Guerra Civil de Espanha como o acontecimento mais importante dos anos de 1919 a 1939, fixando-se seguidamente nos antecedentes e início do conflito. Prossegue com uma panorâmica sobre o contexto europeu e internacional da altura, e aborda sumariamente as teorias realistas vs. ideologias políticas como forma de interpretação dos eventos históricos no âmbito das Relações Internacionais. Opera de seguida uma análise da identidade política do regime português à luz da revisão da literatura nacional e estrangeira. Posteriormente, aborda a identidade política da génese do regime franquista e traça uma breve referência ao Iberismo como eventual fator perturbador do regime político português.

Finalmente, e como parte mais substancial da tese, a exposição incide detalhadamente na interação entre o regime salazarista e a Guerra Civil de Espanha. Neste particular, serão nomeadamente analisadas ao longo desses anos de 1936 a 1939 e à luz da historiografia portuguesa e estrangeira, as várias fases da posição do regime português face ao conflito, abarcando-se também nomeadamente o endurecimento do regime e a concentração de poderes no ditador português, as relações entre Portugal e o Reino Unido no âmbito da Aliança luso-britânica, a influência alemã e italiana sobre as forças franquistas e a preocupação da política externa em salvaguardar a posição neutral da Península Ibérica que, em caso de guerra europeia, interessará preservar. Em simultâneo, serão igualmente focadas as tensões relativas ao desenvolvimento das tentações expansionistas contrárias à independência de Portugal, que se sabia existir nos dois campos que se digladiavam, e ainda a gestão da questão colonial visando a manutenção das colónias portuguesas.

No Capítulo III, Resultados, será realizada a análise da bibliografia recolhida e apresentados os resultados obtidos da respetiva análise.

Numa fase conclusiva, no Capítulo IV, são apresentadas as conclusões gerais do trabalho desenvolvido.

I. 4. METODOLOGIA

Dada a natureza do presente trabalho e como decorre do já exposto, procurou-se recorrer essencialmente a dois métodos de investigação, a saber, a chamada pesquisa exploratória apelando a uma exaustiva revisão bibliográfica incorporando estudos

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relevantes ou com interesse sobre a matéria e a realização da pesquisa descritiva, pretendendo-se aqui relatar a atividade diplomática no hiato temporal em questão.

Estes métodos abrangem não só o período de 1936 a 1939, mas cobrem igualmente os antecedentes da Guerra Civil Espanhola, o contexto internacional do conflito e as identidades políticas dos regimes salazarista e franquista.

CAPÍTULO II – O REGIME DO ESTADO NOVO E A SUA POSIÇÃO FACE À GUERRA CIVIL DE ESPANHA, 1936-1939

Este capítulo é o resultado da revisão da literatura sobre o tema, constituindo o essencial da presente tese.

Vejamos.

II. 1. A GUERRA CIVIL DE ESPANHA COMO O ACONTECIMENTO MAIS IMPORTANTE DOS ANOS 1919 A 1939

Nos anos de 1919 a 1939 não houve acontecimento que mais tenha apaixonado a Humanidade como a Guerra Civil de Espanha de 1936 a 19391, a mais famosa guerra civil da Europa do século XX e uma das mais sangrentas guerras da história da Humanidade. Se bem que fossem poucos os que se pudessem aperceber do que verdadeiramente estava a acontecer, as razões que separam os contendores suscitam desde logo grande visibilidade internacional, paixões exacerbadas, desejo de auxiliar, espírito de sacrifício e de aventura e solidariedades diversas. Nesta medida, jornalistas de todo o mundo acorrem a Espanha enquanto inúmeras crónicas jornalísticas, emissões radiofónicas e diversos livros instigam e enfatizam as diferenças de opinião em confronto.

Com este pano de fundo, escritores e intelectuais de vários países marcam presença em pleno conflito como repórteres de guerra ou empenhados nos combates em solo espanhol2. A título exemplificativo, podemos encontrar como correspondentes de

1 Cfr. Hellmuth Gunther Dahms, A Guerra Civil de Espanha, 1936-1939, Editorial Ibis, LDA, 1964, p. 5 2 Cfr. Hellmuth Gunther Dahms, ob cit, p. 5.

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guerra (todos do lado republicano) o futuro chanceler alemão Willy Brandt, fotógrafos como Robert Capa, Gerda Taro e David Seymour, escritores como Ernest Hemingway, John Dos Passos, Georges Bernanos3, Dorothy Parker, Klaus Mann, Erica Mann e Ilya Ehrenburg. Outros como os escritores Stephen Spender, W. H. Auden e a filósofa Simone Weil também passaram fugazmente por terras espanholas4, bem como os cineastas e documentaristas de ascendência holandesa e americana, respetivamente, Joris Ivens e Leo Hurwitz, que filmaram a Guerra de Espanha. Outros intelectuais que estiveram em Espanha do lado republicano foram, por exemplo, os escritores François Mauriac, Jacques Maritain, Antoine de Saint-Exupéry, Louis Aragon, Paul Éluard, Theodore Dreiser e Pablo Neruda. Entre os que pegaram em armas são famosas as participações nas hostes republicanas dos escritores André Malraux5 e de George Orwell (este integrando o Partido Obrero de Unificação Marxista, POUM, de orientação trotskista)6. Do lado nacionalista, encontramos7 em Espanha e fora dela designadamente os seguintes apoios intelectuais: Roy Campbell, Peter Kemp, James Norman, William Herrick, Charles Maurras, Paul Claudel, Pierre Drieu La Rochelle, Robert Brasilach e Henri Massis.

Como se verá adiante8, apesar da política de não-intervenção adotada pelos governos de vários países, pelo menos 30.000 voluntários de diversos países europeus –

3 Bernanos tem a particularidade de começar por escrever artigos favoráveis ao movimento franquista para depois denunciar as arbitrariedades dos nacionalistas. Rejeita, no entanto, ambos os adversários, pelo que não pode permanecer em Espanha, “Tudo o que se está passar é medonho”, observa (cfr. Michel Winock, O Século dos Intelectuais, Edição Terramar, 2000, p. p. 310 e 311). 4 Cfr. Hugh Thomas, A Guerra Civil de Espanha, Editora Ulisseia, 1961, p. p. 318 e 319 e Prefácio de J. M. Perrin, Simone Weil, Espera de Deus, Assírio e Alvim, 2005, p. 26. 5 O empenhamento militar de Malraux na esquadrilha Espanha, formada em Barajas, durou de 10 de agosto de 1936 a 11 de fevereiro de 1937, conforme se pode ler em Michel Winock, ob. cit., p. p. 292 e 293, participando na operação de Medellin, que garante a salvaguarda de Madrid, barrando o caminho à coluna do General Ascensio. “Não sabe nada de pilotagem nem de navegação aérea, mas basta a sua presença, a sua coragem física, para se impor aos seus camaradas de armas” (Winock, ob. cit., p. 292). 6 Obras emblemáticas sobre a Guerra Civil de Espanha feitas durante o conflito ou no seu rescaldo são, entre outras, Guernica (1937) de Pablo Picasso, umas das mais icónicas obras de arte do Século XX, A Esperança, livro (1937) e documentário (1945) no teatro de guerra com o mesmo nome, de André Malraux, Homenagem à Catalunha (1938) de George Orwell, Os Grandes Cemitérios sob a Lua (1938) de Georges Bernanos, Por Quem os Sinos Dobram (1940), de Ernest Hemingway, Saga (1940) de Erico Veríssimo, e as fotografias de Robert Capa. São também documentários feitos em pleno cenário de guerra Terra de Espanha (1937) de Joris Ivens, Heart of Spain de Leo Hurwitz e Paul Strand, ou ficções de Hollywood como Bloqueio (1938) de William Dieterle, com Henry Fonda e Por Quem os Sinos Dobram (1943) de Sam Wood, da obra homónima de Hemingway, com Gary Cooper e Ingrid Bergman, simpatizando com a causa republicana. Não podemos igualmente ignorar a referência que é feita na novela Sedução de José Marmelo e Silva, datada de 1937, à contemporaneidade do conflito. Muitos anos depois, surgirão obras tão importantes como Sinais de Fogo (Jorge de Sena, 1979) e O Ano da Morte de Ricardo Reis (José Saramago, 1984), com tangentes ao conflito espanhol. 7 Cfr. Antony Beevor, La Guerra Civil Española, Editora Planeta, 2015, p. 361. 8 Cfr. Ian Kershaw, À Beira do Abismo, A Europa 1914-1949, D. Quixote, 2016, p. 371.

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na sua maioria, socialistas, comunistas e sindicalistas organizados pela Internacional Comunista (Comintern) em Brigadas Internacionais – começaram a chegar a Espanha no outono de 1936 para tentarem salvar a República. Eram geralmente idealistas que participavam na sua ótica numa designada luta de classes contra o fascismo. Deste modo, podemos contabilizar combatentes oriundos da União Soviética para combater ao lado da República e voluntários dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Outros voluntários9 eram jugoslavos, checos, húngaros, escandinavos, suíços, canadianos, mexicanos, albaneses, irlandeses, chineses, coreanos, japoneses, peruanos e judeus da Palestina.

Para além de André Malraux, vamos encontrar nas Brigadas Internacionais personalidades10 que ficarão famosas ao regressar aos seus países durante a Segunda Grande Guerra ou depois dela, tais como Pietro Nenni, ministro dos Negócios Estrangeiros da Itália, Luigi Longo, vice-presidente do Partido Comunista Italiano (PCI), Rol-Tanguy, herói da resistência francesa, Charles Tillon, ministro do Ar da França, Enver Hoxha, Chefe de Estado da Albânia, Walter Ubricht, Chefe de Estado da Alemanha Oriental ou Josip Broz Tito, Chefe de Estado da Jugoslávia, entre muitas outras. De acordo com Ian Kershaw11, “o seu contributo militar foi exagerado pela propaganda soviética na época, e, por vezes, continua a sê-lo. No entanto, as brigadas internacionais participaram em algumas das grandes batalhas, a começar pela defesa de Madrid contra a ofensiva das forças rebeldes”. Na perspetiva de um jornalista britânico, Henry Buckley12, que viu as Brigadas Internacionais em ação, as suas armas não prestavam, eram indisciplinados, falavam uma dúzia de línguas diferentes e poucos sabiam espanhol. Todavia, fizeram milagres à conta do heroísmo. Em contrapartida13, representavam também um instrumento de infiltração dos elementos mais duros do estalinismo do Comintern, que assim levam a cabo assassínios e ajustes de contas.

Como escreve Eric Hobsbawm14, “em retrospetiva, pode parecer surpreendente que esse conflito tenha mobilizado instantaneamente tanto as simpatias da esquerda como as da direita na Europa e nas Américas, especialmente as dos intelectuais do mundo ocidental”. De uma forma que hoje podemos apelidar de linear, mas que reflete muito do

9 Cfr. Martin Gilbert, História do Século XX, D. Quixote, 2010, p. 227. 10 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 748. 11 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. 371. 12 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. 371. 13 Cfr. Bernard Droz/Anthony Rowley, História do Século XX, 2ª Volume, Publicações Dom Quixote, 1988, p. 82. 14 Cfr. Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos, Editorial Presença, 2008, 4ª edição, p. p. 159 e 160.

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ambiente da época15, o que estava em causa para este autor e para uma certa esquerda ou mesmo para a sua maioria eram de um lado a “democracia e revolução social, sendo a Espanha o único país na Europa onde ela estava pronta para explodir; do outro, um campo singularmente rígido de contrarrevolução ou reação”. Dito de outra forma16, para os antifascistas de toda a Europa a Espanha Republicana transformou-se num ponto aglutinador de atividade e esperança, sendo que conforme refere Pacheco Pereira17 “múltiplos atos de heroísmo (…) milhares de revolucionários de todo o mundo vindos a Espanha para combater o fascismo, até às mais cínicas e cruéis manobras políticas dos comunistas e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) para varrerem tudo o que não podiam controlar (...), italianos e alemães ao lado de uns espanhóis e russos ao lado de outros”. Por sua vez, “o fim trágico da guerra, com a vitória de Franco, seguida de uma repressão sangrenta e uma ditadura violenta, ajudaram a dar uma aura de romantismo a tudo o que com ela se relacionava”.

Este confronto entre nacionalistas e republicanos é também um combate entre uma direita radical, agressiva e antidemocrática e os setores mais radicais de esquerda em detrimento do centro-esquerda sufragado democraticamente nas urnas. No fundo, trata- se de um sintoma claro da fraqueza das democracias ocidentais, onde Franco obtém logo o apoio militar de Hitler e Mussolini e Estaline vai fornecer auxílio às forças republicanas. Em suma, e para utilizar uma afirmação impressiva de Ian Kershaw18, “os ditadores, nos lados opostos da Guerra Civil de Espanha, retesaram os músculos”.

De qualquer modo, e como refere Sheelagh Ellwood19 e não se pretendendo aqui isentar as atrocidades cometidas por ambos os contendores, a Guerra Civil traduziu-se num conflito brutal, onde a morte e a destruição foram os limites impostos por ambos os lados, sendo que se tiver aqui que fazer um julgamento moral os rebeldes tiveram ainda uma maior responsabilidade do que os republicanos na medida em que as suas ações provocaram um número muito mais elevado de mortes e eram eles, e não os republicanos, que tinham agido contra a legalidade, se bem que este último facto não isente estes das arbitrariedades cometidas. Acresce ainda que na sequência do termo da Guerra aplicaram

15 Ou não fosse este famoso e importante historiador membro do minúsculo Partido Comunista Britânico. Hobsbawm, que passou pela Catalunha durante as primeiras fases da Guerra Civil de Espanha, manteve- se ao contrário da maioria dos seus amigos comunista até à morte, como relata Tony Judt (O Século XX Esquecido, Edições 70, 2014, p. p. 129 e 130). 16 Cfr. Martin Gilbert, História do Século XX, D Quixote, 2010, p. 227. 17 Cfr. Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal, Uma Biografia Política, Temas e Debates, 1999, p. 195. 18 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. 356. 19 Cfr. Sheelagh Ellwood, Franco, Editorial Inquérito, 1998, p. 93.

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uma implacável ditadura sem qualquer intenção de pacificação da sociedade. Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, a Guerra Civil de Espanha pelos meios mobilizados, violações de direitos humanos e massacres perpetrados, número de vítimas mortais (entre cerca de 650.000 e 1 milhão para um país com 25 milhões de habitantes20), feridos e mutilados de guerra, e número de exilados permanentes (cerca de 300.00021), já figura por si só entre as contendas mais sanguinárias de sempre. Acresce a estes factos, o número de protagonistas diretos e indiretos envolvidos, as ideologias em presença e a internacionalização inevitável22 a partir do momento em que governos estrangeiros respondem favoravelmente às solicitações de cada um dos campos em presença. Neste particular, convém frisar que se as democracias liberais adotam a não ingerência como algo de recomendável, em contrapartida, o fascismo e o comunismo pretendem afirmar a vitalidade das suas ideologias, pelo que o conflito se traduziu na antecâmara da Segunda Guerra Mundial. De outra parte, não se deve descurar que estão também em causa os interesses das grandes potências e o equilíbrio europeu, o ensaio e primeiro laboratório do conflito mundial que se seguiria com os respetivos armamentos, carros de combate, aviões e táticas militares.

Como fator anómalo e original, anote-se ainda que se esteve perante uma dupla guerra civil, isto é, uma espécie de guerra civil dentro da guerra civil para utilizar uma

20 Cfr. Jean-Baptiste Duroselle aponta para 1 milhão de vítimas mortais (cfr. História da Europa, Circulo de Leitores, Publicações Dom Quixote, 1990, p. 366), enquanto, por exemplo, Hugh Thomas menciona aproximadamente 640.000 vítimas mortais (Hugh Thomas, ob. cit., p. 492) distribuídas da seguinte forma: 320.000 em combate, 100.000 em consequência de assassínios puros e simples ou de execuções sumárias e 220.000 talvez de doença ou falta de alimentos diretamente imputáveis à guerra. Hedda Garza, por sua vez, aponta para 600.000 vítimas mortais durante a guerra, sendo que se chegaria à cifra de quase 1 milhão em 1944, devido às execuções em massa ordenadas por Franco (cfr. Francisco Franco de Hedda Garza, Nova Cultural, 1987, p. 70). Por sua vez, um demógrafo e estaticista Vitor Salinas contabiliza 800.000 vítimas mortais (cfr. Gabriel Jackson, A República Espanhola e a Guerra Civil, 1931/1939, Volume II, Europa América, 1965, p. 284), baseando se no facto da população não ter crescido 1 milhão e 100 mil habitantes nesse período, número este a que teriam de se subtrair os 300.000 exilados. Se à partida 650.000 vítimas mortais parece reunir o maior número de opiniões dos historiadores, não devemos esquecer os cerca de 200.000 mortos após a guerra e que são sua consequência. Por seu turno, e a fazer fé em Gabriel Jackson, no respeitante a assassínios e execuções durante a guerra a sinistra contabilidade estaria dividida da seguinte forma: 20.000 vítimas de represálias políticas na zona republicana (metade seria constituída por 6800 padres, o que denota bem a fúria anticlerical do lado republicano, 1000 guardas civis e 2000 falangistas); 200.000 vítimas de represálias políticas nacionalistas (Gabriel Jackson, ob. cit., p. p. 290 e 295). No respeitante aos assassinatos de sacerdotes, número esse também confirmado por Antony Beevor, ob. cit., p. 119. Referindo este último historiador que a propaganda nacionalista apontava para 20.000 o número de vitimas mortais e no final da contenda para 8000. De qualquer forma, e como menciona o mesmo historiador, cifras sem dúvidas assustadoras, mas não se podia esquecer que os católicos liberais de outros países tinham de se confrontar com o facto da matança dos sacerdotes ser muito inferior aos assassinatos dos esquerdistas que as forças nacionalistas levavam a cabo em nome de Deus. 21 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 638. 22 Cfr. Bernard Droz/Anthony Rowley, História do Século XX, 2º Volume, 1988, p. 78.

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expressão cunhada por Antony Beevor23. É disso exemplo não só o confronto entre os republicanos e os nacionalistas mas também, no seio do campo republicano, a luta entre os comunistas24 e os seus presumidos aliados, os anarquistas e os militantes do POUM, trotskistas, para obter a direção política25. Na realidade26, havia os socialistas (cindidos em fações antagónicas), os anarquistas, os sindicatos socialistas e anarquistas, os comunistas que obedeciam a Estaline, as fações comunistas que rejeitavam Estaline e a esquerda catalã, com a sua agenda muito própria. E todos eles apenas se uniram na sua determinação em derrotar o fascismo. Ou seja, divisões e lutas internas, rancor e incompatibilidade ideológica, não deixando de ser notável para utilizar nas palavras de Ian Kershaw27 “como a República resistiu com tanta determinação e durante tanto tempo às forças de Franco”.

Podemos encontrar outros dados novos trazidos pelo conflito. Neste sentido, veja- se, por exemplo, o papel da Guerra Civil Espanhola enquanto pioneira no campo da informação e da propaganda28. De facto, se esta fora uma arma fundamental na Grande Guerra, na Guerra Civil Espanhola, pelo seu lado ideológico, irá desempenhar um maior protagonismo. A este nível, deve ser destacada a utilização de novos meios como, por exemplo, o cinema sonoro com a produção de documentários em número muito maior que durante a guerra de 1914/1918 e, sobretudo, a rádio, cuja utilização como arma de propaganda surge e alcança o seu apogeu durante o conflito para se converter depois na grande arma de propaganda da Segunda Guerra Mundial. Em consequência, o mundo de informação de ambos os lados passaria a estar ao serviço da vitória militar, não se podendo propriamente falar que existisse liberdade de expressão em qualquer dos campos. Salientam-se no lado republicano a tomada de posse dos jornais até aí de oposição, a criação de um ministério da propaganda e o aparecimento de jornais de guerra,

23 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 389. 24 Cfr. O Partido Comunista espanhol em 1933 não contava provavelmente mais de 3000 membros, sendo os seus dirigentes insignificantes. Com o advento da República, regressou do exílio um número considerável dos seus membros. Assinale-se que a “pequena força dos comunistas concentrava-se nessa altura em Sevilha, Málaga, Barcelona e Madrid, sendo o alarme que despertava maior que o seu número justificava. Isto devia-se em parte à propaganda comunista e em parte às conhecidas relações do Partido com a União Soviética”, cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 55. Frise-se que em 1931 não tinha sido eleito qualquer deputado comunista nas primeiras eleições para as Cortes. 25 Retenha-se como personalidades à esquerda, entre as quais Simone Weil ou George Orwell, desde logo denunciaram as atitudes estalinistas (cfr. Michel Winock, ob. cit., p. 294). Não cabe, no entanto, no âmbito deste trabalho analisar as relações e o confronto violento entre o Partido Comunista Espanhol (dirigido pelos serviços do Comintern e do NKVD, isto é, Internacional Comunista e Ministério do Interior da URSS) com os anarquistas e os trotskistas. 26 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. p. 373 e 374. 27 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. p. 373 e 374. 28 Cfr. Alejandro Pizarroso Quintero, História da Propaganda, Planeta Editora, 1993, p. 332.

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destinados a manter a moral dos combatentes e a sua doutrinação política. Assinale-se que boa parte da propaganda governamental se direciona para a defesa da causa republicana no exterior que, no princípio, contava com maiores simpatias que a dos franquistas, nomeadamente através das representações diplomáticas do país no estrangeiro, editando em muitos casos folhetos de propaganda em vários idiomas. A sua maior dificuldade neste campo consubstancia-se no peso crescente do Partido Comunista e, indiretamente, da União Soviética no seio dos republicanos. E na brutal perseguição religiosa, muitas vezes incontrolada e difícil de escamotear29.

Do lado franquista, o modelo propagandístico inspirava-se na Itália mussoliniana, na Alemanha hitleriana e no carisma dos seus líderes. As mensagens em que assentava eram a “barbárie vermelha” e a ideia de “cruzada”, sublinhando-se também os aspetos da Raça e da Hispanidade. As forças nacionalistas criam o Gabinete de Imprensa da Junta de Defesa Nacional, sendo que a Falange dispunha de uma Delegação Nacional do Serviço Exterior, que teve uma intensa atividade propagandística em contacto com grupos da Falange no exterior ou grupos afins noutros países. Destaque-se que os correspondentes dos grandes países democráticos (França, Reino Unido e Estados Unidos) estiveram entre ambos os contendores, sendo que naturalmente os correspondentes da União Soviética só estiveram do lado governamental.

E se as fotografias da Guerra Civil encheram as revistas ilustradas mais importantes do mundo é a propaganda radiofónica que regista a maior evolução30. Mas enquanto os republicanos não puderam contar com as emissões estrangeiras para a sua causa, os franquistas tiveram desde o início do seu lado o apoio da rádio portuguesa e da quase totalidade dos correspondentes de guerra dos jornais portugueses, como se verá adiante, assim como das emissões alemãs e italianas.

São ainda de relevar a intervenção propagandística italiana junto dos italianos que combatiam pelos nacionalistas, com a Itália a procurar na Espanha “nacional” garantir a sua influência política e ao fazer da propaganda ao seu regime um aspeto que não é de desprezar. Por sua vez, a propaganda alemã em Espanha tem o cunho do próprio Goebbels enquanto a propaganda soviética é feita através do Comintern, que controlava a

29 Cfr. Alejandro Pizarroso Quintero, ob. cit., p. 332. 30 Grandes figuras da Espanha republicana fizeram ouvir a sua voz em inúmeras ocasiões, destacando-se a voz arrebatada da “Passionaria” ou das intervenções da ministra da Saúde, Federica Montseni, de Largo Caballero, Negrín ou de Indalecio Prieto; do lado nacionalista salientem-se as intervenções radiofónicas do general Queipo de Llano emitidas a partir da Unión Radio Sevilla.

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organização das Brigadas Internacionais. Por último, porque a Guerra Civil Espanhola se traduziu no problema central da política portuguesa entre 1936 e 1939, sendo os seus efeitos mais intensos em Portugal do que em qualquer outro país.

Numa síntese feliz de Gabriel Jackson, historiador clássico da Guerra de Espanha31, o conflito radicou num “ensaio (espanhol) para uma guerra mundial em que durante três anos, os espanhóis, divididos em duas fações irreconciliáveis, dedicaram-se a matar nas frentes e na retaguarda enquanto as potências totalitárias europeias, a Alemanha e a Itália do lado franquista e a URSS do lado republicano, aproveitaram o conflito para ensaiar a cruenta guerra mundial que aí vinha”.

Por tudo o que relatámos, e também pela enorme quantidade de obras que foram escritas sobre o tema, podemos qualificar o conflito como o acontecimento mais relevante desses anos 1919 a 1939, até porque o desaparecimento a seguir à I Grande Guerra Mundial dos quatro impérios – alemão, russo, otomano e austro-húngaro –, que dominavam metade do continente europeu, e a criação da Sociedade das Nações em 1919, são uma consequência do fim da I Grande Guerra em 1918.

II. 2. OS ANTECEDENTES DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA

II. 2.1. DA 2ª REPÚBLICA ÀS ELEIÇÕES DE FEVEREIRO DE 1936

É importante desde logo observar que a divisão política da Espanha entre duas metades antagónicas remonta a cem anos antes, o que vai ajudar a explicar o seu enquadramento. Efetivamente, desde 1824 que a Espanha assiste a uma clivagem entre uma tendência progressista, democrática, liberal e uma tendência ultraconservadora, sem nenhum dos governos conseguir controlar de forma duradoura esta cisão32. Por outra banda, a primeira experiência republicana (1873/74) tinha sido rapidamente aniquilada quando o Exército restaurou a monarquia com Afonso XII, sucessor da destronada Isabel II, numa Espanha com muitas clivagens em termos sociais e que iniciava uma lenta

31 Cfr. Gabriel Jackson, in Século XX, vários autores, Homens, mulheres e factos que mudaram a história, Jornal Publico e El País, 2000, p. 294.

32 Cfr. Jean-Baptiste Duroselle, ob. cit., p. p. 366 e 367.

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industrialização, sobretudo no País Basco e Catalunha. Nesta medida33, os ódios políticos que irão caracterizar a Segunda República vêm também na senda de conflitos há muito existentes. Portanto, não admira que nos anos 30 do século XX essa linha de tensão permaneça ainda atual, o que entronca necessariamente no conhecimento dos antecedentes do conflito para se perceber como se chega à Guerra Civil Espanhola.

Vejamos uma breve panorâmica histórica.

A II República espanhola é proclamada em 1931, pondo termo ao regime monárquico de Afonso XIII e a um período inaugurado oito anos antes pelo pronunciamento do General Miguel Primo de Rivera com o apoio do rei, período este que oscilou entre a quase ditadura e a ditadura militar34, podendo-se qualificar esta Espanha de Primo Rivera como um regime autoritário burocrático-militar caracterizado por uma coligação chefiada por oficiais e burocratas e por um baixo grau de participação política, faltando uma ideologia e um partido de massa35. Com efeito, por detrás de Rivera não se encontrava nenhum movimento de massas populares, aliás o ditador abominava os partidos que acabou por dissolver36.

Como refere Ian Kershaw37, esta ditadura vai terminar num ambiente de crescente insatisfação e perda de autoridade, tendo o fim do período de grande crescimento económico que marcara o seu sucesso inicial ditado em janeiro de 1930 a demissão de Rivera.

Na sequência das eleições municipais de 12 de abril de 1931 que tiveram nas principais cidades caráter preponderantemente antimonárquico é proclamada a República em Eibar, Barcelona e San Sebastián. Neste contexto, Sanjurjo, chefe da guarda civil, já não consegue garantir a manutenção do regime. Posto isto, o rei resigna-se e parte para o exílio38em 14 de abril. De facto, nesta data há manifestações de jubilo nas principais cidades de Espanha, aconselhando os principais conselheiros do monarca este último a

33 Cfr. Pedro Caldeira Rodrigues, Espanha, abril de 1931: A República in 1926-1932, A ascensão de Salazar, Planeta DeAgostini, 2008, p. 97. 34 Entre 1930 e 1931, vigora uma quase ditadura dirigida primeiro pelo general Berenguer, seguindo-se- lhe o último gabinete monárquico formado por Juan de La Cierva, García Prieto, Romanones, Joan Ventosa (cfr. Pierre Vilar, História de Espanha, Livros Horizonte, 1992, p. 99 e Mário Matos e Lemos, Dicionário de História Universal, in General Miguel Primo de Rivera, Editorial Inquérito, 2001, p. 839.). 35 Vide Mario Stoppino, Autoritarismo, in Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, Editora Universal de Brasília, 2ª edição, 1986, p. 102 36 Cfr. Hellmuth Gunther Dahms, ob. cit., p. 30. 37 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. 294. 38 Vide Pierre Vilar, ob. cit., p. 99, e Ian Kershaw, ob. cit., p. 294.

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reconhecer a forte tendência republicana expressa na votação. Por outro lado, os militares fazem sentir ao monarca que só à custa de uma Guerra Civil será possível manter a monarquia.

Inicia-se assim a II República que terá vinte governos entre 1931 e o começo da Guerra Civil, em julho de 1936.

Os primeiros tempos da II República não são turbulentos. O rei39 exilado em Paris aconselha os seus adeptos a que aceitassem a nova República que ele próprio reconhecia ter surgido por vontade popular. Cabe dizer, a este propósito, que os setores mais radicais como os anarquistas declaram desde logo que nada têm a ver com uma república para si burguesa. Neste contexto, é formado um governo provisório chefiado pelo moderado Alcalá Zamora assentando numa coligação de esquerdas que incluía liberais, socialistas como Largo Caballero e Indalecio Prieto e republicanos radicais, mas sem nenhum programa nítido considerando apenas a nova República como o reverso, necessário e justo, da passada ditadura40, ainda que se acentuasse desde logo um certo pendor anticlerical por parte da maioria dos seus ministros.

Com efeito, Zamora é um antigo ministro da Monarquia, católico e republicano moderado, enquanto a maioria dos seus principais colaboradores professa, por vezes, um anticlericalismo violento. Manuel Azaña, chefe de fila contra a Igreja, um dos homens fortes da República, é ministro da Guerra, Lerroux, do Partido Radical (Partido centrista), ministro dos Negócios Estrangeiros, estando os socialistas representados pelos dois grandes rivais do movimento e dos sindicatos: Prieto, ministro das Finanças, e Largo Caballero, ministro do Trabalho. Na verdade41, a proclamação da República serviu para colocar imediatamente à prova as relações com a Igreja Católica, já que os republicanos haviam anunciado nomeadamente a sua intenção em estabelecer um sistema de ensino laico, introduzir o divórcio e reduzir ou mesmo extinguir grande número de ordens religiosas existentes. Por seu lado, o Vaticano não acompanhara a grande maioria dos governos mundiais, que imediatamente reconheceram a República.

Mas este ambiente pacífico é quebrado em maio com o derrube de monumentos e estátuas e o ataque a igrejas e conventos um pouco por todo o país, o que levou à

39 Cfr. Gabriel Jackson, A República Espanhola e a Guerra Civil (1931/1939), Volume I, Publicações Europa América, 1965, p. 48. 40 Cfr. Hellmuth Gunther Dahms, ob. cit., p. 32. 41 Vide Gabriel Jackson, A República Espanhola e a Guerra Civil, Volume I, p. 50.

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declaração do estado de sítio. Estes acontecimentos ao que parece instigados por anarquistas provocaram algum receio na classe média recordada de episódios similares ocorridos no século anterior e no início do Século XX42.

II. 2.1.1. O BIÉNIO 1931-1933

Em 28 de junho efetuam-se eleições legislativas (por lei de 8 de maio podiam votar todas as pessoas com mais de 23 anos, incluindo as mulheres) e a campanha revelou um interesse e paixão muito mais do que qualquer pleito anterior43, anotando-se igualmente a apreensão dos dirigentes conservadores com o radicalismo de grande parte da opinião pública reprimida durante muito tempo. Nessas eleições, os republicanos ganham com 377 mandatos enquanto a direita sua adversária apenas obtém 60 lugares. O bloco republicano é distribuído parlamentarmente da seguinte forma44: 116 socialistas, 60 radicais-socialistas; 30 membros da Ação Republicana de Azaña; 90 radicais adeptos de Lerroux; 22 progressistas de Alcalá Zamora; 43 membros da Esquerda Catalã e 16 nacionalistas galegos. Na sequência destas eleições, os debates em torno de preceitos severamente anticlericais do projeto da nova Constituição têm como resultado a demissão do moderado primeiro-ministro Zamora e de Miguel Maura, ministro do Interior, ambos católicos. Surge aqui a primeira rutura no seio dos republicanos com o socialista Manuel Azaña a ocupar o lugar de primeiro-ministro (outubro de 1931).

Em dezembro de 1931 é por sua vez aprovada a Constituição proclamando a Espanha como uma “República democrática dos trabalhadores de todas as classes”, de forte inspiração social, inspiradora da teoria do Estado regional45, sendo instituído um sistema de governo com algumas analogias com o sistema de governo parlamentar. O

42 “Parecem não restar dúvidas que o Partido Socialista, a UGT e os partidos republicanos, todos inequivocamente anticlericais, condenaram em conjunto e sem quaisquer restrições os incêndios das Igrejas”, cfr. Gabriel Jackson, A República Espanhola, Volume I, p. 57. Estes acontecimentos parecem ter sido instigados pelos anarquistas que se encontravam por detrás das massas populares albergados na Federação Anarquista Ibérica (FAI) e na Confederação Nacional do Trabalho, CNT, a fazer fé em Hellmuth Gunther Dahms, ob. cit., p. 33. Os próprios ministros atribuíram estes factos a provocações anarquistas (cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 34). 43 Vide Gabriel Jackson, A República Espanhola, Volume I, p. 63. 44 Cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 34. 45 Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 1, 10ª edição, 2014, Coimbra Editora, p. 202.

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sistema é unicameral e o sufrágio universal é alargado às mulheres e aos soldados. Os títulos de nobreza são abolidos e o divórcio autorizado46.

Face a esta Constituição, o presidente da República apesar de não ser eleito por sufrágio direto, mas indiretamente através de um colégio eleitoral, tem, no entanto, poderes importantes, tais como a nomeação e destituição livre do chefe do Governo e a dissolução das Cortes até duas vezes durante o seu mandato, o que o distingue dos Chefes de Estado dos sistemas de governo parlamentares em que os seus poderes são meramente nominais47. Neste quadro, Zamora depois de chefe de Governo é escolhido como o primeiro presidente da II República.

Podemos considerar politicamente nesta II República, dois períodos bem demarcados: um mais à esquerda e que vai de 1931 a 1933, e outro mais conservador entre 1934 e 1936.

O período de 1931 a 1933, abrange a elaboração da Constituição e a instituição da escola laica ligada à questão religiosa, em que as posições republicanas prevalecem sobre as dos católicos liberais representados no Governo, aplicando-se aos jesuítas, associações e ensino religioso leis especiais que recordam o sistema laico do tipo francês, chegando o primeiro-ministro Azaña a declarar que “a Espanha deixara de ser católica”48. De igual modo, reformam-se as Forças Armadas, cria-se uma “Guarda de Assalto”, força republicana escolhida para contrabalançar o poder da temida Guarda Civil, e aprova-se o Estatuto que dá à Catalunha o seu governo e Parlamento. É aprovada uma lei do divórcio, a legalização do casamento civil, direitos da mulher e diversa legislação laboral de marcado conteúdo social.

De relevar ainda a reforma agrária na Andaluzia, Estremadura, Mancha e Toledo, mas em que vão surgir algumas dificuldades49 porquanto a República não tinha à mão terras aráveis do Estado que pudesse distribuir, nem havia propriedades do clero nem grandes propriedades nas mãos dos estrangeiros. Em termos gerais, a economia espanhola

46 Vide Michel Mourre, Dicionário de História Universal, 1998, Edições Asa, p. 416. 47 Zamora nunca se entendeu bem nem com Azaña nem com Lerroux, que foram os chefes de Governo com mais tempo em funções, e teve sempre má vontade relativamente a Gil Robles, líder da Confederação Espanhola das Direitas Autónomas (CEDA), a quem se negou a encarregar de formar governo. Estes factos demonstraram a disfunção entre o exercício dos poderes do Chefe de Estado e o funcionamento do sistema parlamentar (José Juan González Encinar, a Moção de Censura Construtiva na Constituição Espanhola, in A Revisão Constitucional e a Moção de Censura Construtiva, José Juan González Encinar e outros, Edição da Fundação Friedrich Ebert, 1988, p. 56). 48 Cfr. Pierre Vilar, ob. cit., p. 100. 49 Cfr. Gabriel Jackson, A República Espanhola, p. 134.

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desenvolve-se, os salários sobem e o custo de vida mantém-se estável, enquanto que a indústria da construção tem um grande incremento devido aos planos de construções escolares e de obras públicas. Mas continua o clima de conspiração.

Surgem movimentos assumidamente de caráter fascista, mas ainda com pouca dimensão, as Juntas de Ofensiva Nacional Sindicalista (JONS), a que se seguirá um pouco mais tarde a Falange de José António Primo de Rivera, filho do antigo ditador Rivera, ainda que este último movimento se diferenciasse do fascismo italiano e do nazismo alemão na sua natureza profundamente conservadora. Efetivamente50, e ao contrário de Mussolini que recorria a símbolos romanos e a um imaginário imperial, a Falange utilizava uma fraseologia moderna e revolucionária ainda que profundamente reacionária. É neste contexto que Sanjurjo tenta em agosto de 1932 um Golpe militar que é prontamente abortado.

Quanto aos níveis desemprego, nos piores momentos da crise internacional atinge- se cerca de meio milhão de desempregados mas proporcionalmente51 este número corresponde a um quarto dos desempregados existentes em 1932 nos Estados Unidos e na Alemanha.

Convém ainda referir como cenário de fundo que os primeiros anos da República assistem a um aumento extraordinário de greves, onde surgem logo em 1932 as primeiras greves gerais promovidas pelos anarquistas da Central Sindical Anarcossindicalista (CNT)52. O ano de 1933 atinge o máximo da atividade grevista53. Greves essas seguramente motivadas por razões económicas, mas também numa sua grande parte ditadas por razões políticas com a Central Sindical União Geral de Trabalhadores (UGT) de tendência socialista que apoia o Governo nem sempre a conseguir controlar a impaciência de muitos dos seus milhares de filiados. Este movimento grevista é sobretudo desencadeado pela CNT que sempre se opusera ao regime republicano e ia progressivamente ganhando maior força no seio das massas trabalhadoras. O ano de 1933 é também marcado por levantamentos e motins anarquistas na Catalunha e em Aragão,

50 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 64. 51 V. Gabriel Jackson, A República Espanhola, Volume I, p. 132. 52 Como escreve Eric Hobsbawm, nos anos 30, o anarquismo era apenas importante em Espanha. Como descreve este historiador, o anarquismo deixara de existir como força importante fora de Espanha, mesmo na América Latina, continente onde inspirara mais militantes que os comunistas, sendo que a Guerra Civil de Espanha iria destruir o anarquismo, enquanto irá fazer a prosperidade dos comunistas, até então relativamente insignificantes, ob. cit., p. 82. 53 Cfr. Gabriel Jackson, ibidem, p. 132.

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tendo muita visibilidade a repressão que se seguiu a um levantamento anarquista na província de Cádis54. Este período termina com a dissolução das Cortes em outubro de 1933, na esteira de umas eleições municipais e para o Tribunal das Garantias que são desfavoráveis ao Governo, o que vai resultar na demissão de Azaña por Zamora.

II. 2.1.2. O BIÉNIO 1934-193655

As eleições de novembro de 1933 consubstanciam-se numa vitória do centro- direita. Na realidade56, o conjunto dos partidos que tinha apoiado o anterior governo consegue apenas 99 lugares, 58 dos quais pertenciam aos socialistas. No total57, a direita obtém 204 deputados e o centro 170. Consequentemente, o presidente da República nomeia como primeiro-ministro o centrista Lerroux do Partido Republicano Radical. Neste quadro, o Governo é composto unicamente por radicais e centristas, mas necessita para poder governar do apoio parlamentar da Confederação Espanhola das Direitas Autónomas (CEDA) de Gil Robles, principal partido da direita, o que tem um preço, a saber, a reversão das posições adotadas até aí relativamente à Igreja e ao ensino, legislação laboral e reforma agrária. E ainda na adoção da amnistia para todos os implicados no golpe de Estado do General Sanjurjo. Ou seja, os centristas vão governar sob a pressão da direita, chegando Gil Robles a declarar numa grande concentração no Escorial: “Tomaremos o poder quando quisermos”58. A radicalização segue o seu caminho. Simultaneamente, o Partido Socialista radicaliza-se igualmente à esquerda em torno de Largo Caballero e em detrimento de Indalecio Prieto, proclamando a luta de classes59 e a morte à “burguesia criminosa”. Adota mesmo um novo programa no qual se inserem a dissolução de todas as ordens religiosas e a confiscação das suas propriedades, as nacionalizações generalizadas, a dissolução do exército, que seria substituído por uma milícia democrática, e a dissolução da Guarda Civil. Por seu turno, a UGT segue a tendência de Caballero preconizando a via revolucionária. Sucedem-se os governos no

54 Mais concretamente na aldeia de Casas Viejas, em que foram mortos e fuzilados pelas autoridades algumas dezenas de anarquistas. 55 Para um autor como Pierre Vilar, tratar-se-ia de um “Biénio de Reação” ou “Biénio Negro” (ob. cit., p. 107). 56 Cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 51. 57 V. Antony Beevor, ob. cit., p. p. 41 e 695. 58 Cfr. Pierre Vilar, ob. cit., p. 107. 59 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 41.

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ano de 1934 e a CEDA é chamada a funções governativas com 3 ministros. Em outubro desencadeiam-se Revoluções na Catalunha e nas Astúrias. A Revolução da Catalunha é debelada sem dificuldades nem excessos, sendo subsequentemente suspenso o Estatuto da Catalunha. Em contrapartida, nas Astúrias a revolta e a sua eliminação assumem outros contornos. Aqui, o armamento dos operários é uma realidade e existe unidade revolucionária em torno da denominada “Aliança Operária”, onde esquecendo as suas divergências coexistem socialistas, anarquistas e comunistas. No entanto, a comuna asturiana será asfixiada violentamente pelas forças da ordem, seguindo-se-lhe uma repressão de igual teor. Se bem que tivesse durado só quinze dias, custou à volta de 1000 vidas e enormes destruições. Milhares de operários são despedidos60. Para a esquerda mais moderada, esta sublevação foi um erro desastroso enquanto que para a CNT a comuna asturiana constituiu a esperança frustrada de se implantar o comunismo libertário. Para a direita, o exército constitui-se assim como a única garantia contra a mudança revolucionária.

Como sintetiza lapidarmente Pierre Vilar61, “a Espanha tivera a sua Comuna: fantasma aterrador para uns, símbolo exaltante do heroísmo e das infelicidades operárias para outros”.

De outubro de 1934 a fevereiro de 1936, a viragem política num sentido mais conservador combina-se com o acentuar da deflação, passando pela suspensão da reforma agrária e pela indemnização aos grandes proprietários de Espanha expropriados em 1932. Por seu turno, persistem as sequelas da repressão de outubro de 1934. Acresce ainda a existência de alguns escândalos governamentais e a sucessão em ano e meio de sete governos62. É esse o contexto em que se vão realizar as futuras eleições de fevereiro de 1936.

60 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. p. 46 e 47. 61 ob. cit., p. 109. 62“Isto aconteceu porque o presidente Zamora não via Lerroux com bons olhos e receava os excessos das direitas” (Pierre Vilar, ob. cit., p. 110).

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II. 2.2. FEVEREIRO-JULHO DE 1936. DAS ELEIÇÕES AO PRONUNCIAMENTO.63

Após ter falhado todas as combinações para formar mais um Governo, Zamora dissolve as Cortes e convoca novas eleições para o dia 16 de fevereiro de 1936. À direita a campanha eleitoral é dominada por Gil Robles que se arroga o título de Chefe, pedindo para ele “O ministério da Guerra e todo o poder”64. Mas facilmente Robles se apercebe que o seu caminho para o poder terá de passar inevitavelmente por alianças com outros partidos das chamadas direitas. Assim, a CEDA vai liderar o bloco Frente Nacional onde se incluem agrários, monárquicos, independentes, tradicionalistas e outros. Por outro lado, o Centro é constituído entre outros por Lerroux e os seus radicais, os progressistas seguidores de Zamora, o Partido do Centro e o Partido Nacionalista Basco. Por sua vez, os partidos da esquerda agrupam-se numa aliança denominada Frente Popular65 que inclui os socialistas, Esquerda Republicana (partido de Azaña), União Republicana, separatistas catalães da esquerda, comunistas e outros. Os semi-trotskistas da Aliança Operária e dos Camponeses que em breve passariam a chamar-se POUM, apoiam também a Frente Popular. Todavia, os anarquistas da FAI e da CNT mantêm-se de fora, ainda que no último momento tenham aconselhado os seus adeptos em vários distritos a votar na Frente Popular66.

O resultado eleitoral das para sempre emblemáticas eleições de fevereiro de 1936, que regista uma afluência às urnas de 72%, é o seguinte: Frente Popular 4.654.116 votos; Nacionalistas Bascos 125.714 votos; Centro 400.901votos; Frente Nacional 4.503.52467. votos. No seio da Frente Popular, destacam-se os socialistas com 99 lugares e a esquerda republicana com 87. Pela direita, salienta-se a CEDA com 88 lugares. Em número de

63 Título retirado de Pierre Vilar, ob. cit., p. 111. 64 Cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 70. 65 O nome fora proposto pelo Partido Comunista, tendo bebido inspiração nas declarações do secretário- geral do Comintern. Com efeito, é o comunista búlgaro Dimitrov ao definir os objetivos do comunismo mundial em função da ameaça de Hitler para a União Soviética, que fala na formação de uma frente. popular entre comunistas, sociais-democratas, católicos e outros trabalhadores (cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 70). 66 “Esta opção” devia-se ao facto de uma das principais medidas do programa da Frente Popular consistir numa amnistia de todos os presos políticos (cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. p. 71 e 72). 67 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 57. Consultadas várias fontes, e nunca estando em causa a vitória da Frente Popular, nem sempre coincidem os números de votos distribuídos pelos diversos blocos (vide nomeadamente Hugh Thomas, ob. cit., p. 74).

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mandatos68, a Frente Popular obtém 278 assentos (maioria absoluta relativamente a um total de 473 lugares), a Direita 134 e o Centro 55. Deste modo, a Frente Popular ganha as eleições tanto em número de votos como a maioria absoluta dos representantes, assinalando-se mais uma vez que a divisão em duas Espanhas antagónicas continua a ser muito marcada e tangencial. Também se poderia especular que se o Centro e a Direita se tivessem coligado ainda obteriam uma pequena maioria numérica sobre a Esquerda. Contudo, tratar-se-ia de uma mera especulação, visto que no respeitante a certas figuras do Centro seria sempre difícil apurar se tenderiam realmente para a Esquerda ou para a Direita69.

Apesar do resultado eleitoral ser considerado fidedigno, não deixaram setores do lado vencido de o contestar na esteira de uma tradição que remonta a 1812. Efetivamente, desde 181270 que a votação era denunciada pelo lado vencido, contribuindo assim para um aumento da crispação. Desta forma, nenhum governo encontrava o pleno reconhecimento consensual da sua legitimidade política. No entanto71, a grande maioria dos vários protagonistas políticos acabou logo nos dias seguintes por reconhecer a vitória da esquerda. Em consequência do resultado destas eleições, forma-se um novo governo chefiado por Azaña. Os meses que se seguem são, no entanto, frenéticos. Efetivamente, regressa-se em força à reforma agrária, as entidades patronais são obrigadas a readmitir os despedidos depois das greves de 1934 e de indemnizá-los pelos salários perdidos. As grandes fortunas começam a sair do país. De outra parte, enquanto os mais radicais pedem a detenção dos generais Franco e Goded, devido à sua atuação na revolta das Astúrias e por conspiração72, o Governo prefere apenas exonerá-los dos seus cargos no ministério da Guerra e enviá-los para bem longe. Desta forma, Franco é colocado no comando militar das Canárias e Goded no comando das Baleares. Acresce uma nova vaga de violência traduzida em assaltos, pilhagens e incêndios contra as Igrejas, conventos e jornais da oposição. Zamora é destituído do cargo de presidente pelo Parlamento de forma discutível, sucedendo-lhe Azaña na chefia do Estado. Por seu turno, Casares Quiroga é o novo presidente do Conselho de Ministros. Neste período, a Falange comete assassinatos de jornalistas, magistrados e socialistas enquanto membros da CNT matam militantes da

68 Cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 73. Ficaram ainda lugares por preencher. 69 Cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 74. 70 V. Hellmuth Gunther Dahms, ob. cit., p. 48. 71 Cfr. Gabriel Jackson, A República Espanhola, ob. cit., Volume I, p. 254. 72 Logo que os votos foram contados, iniciou-se a conspiração nacionalista comandada por Mola Vidal, Goded, Sanjurjo e Franco, mas a mesma viria a ser conhecida das autoridades republicanas (cfr. Hedda Garza, Francisco Franco, Nova Cultural, 1987, p. 46).

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Falange. De igual forma, um deputado do bloco da chamada Direita é assassinado. Assinalem-se ainda as divisões nos socialistas com Largo Caballero a apregoar que a revolução terá de ser violenta. É também deste período a fusão das juventudes socialistas e comunistas. Sucedem-se as greves gerais e parciais e crescem os boatos sobre movimentações militares. Em 12 de julho73, membros da Falange assassinam um oficial militar membro da União Militar Republicana e Antifascista. E em 13 de julho dá-se o assassinato por membros da Guarda de Assalto do líder e chefe da oposição parlamentar de direita Calvo Sotelo.

II. 3. O INÍCIO DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA

No contexto de uma esquerda dividida, uma direita poderosa e uma extrema-direita determinada, greves, ocupações de terras, um exército cioso das suas prerrogativas, um governo fraco e uma violência política em crescendo, vai-se agora acrescentar o homicídio de Calvo Sotelo. Ora, estando a sublevação nacionalista em preparação há algumas semanas, como o comprovam inúmeras movimentações, o assassínio de Sotelo afigura-se nestes termos como o pretexto final para o desencadear da ação militar por certas forças das direitas, militares e falangistas que desde a vitória da Frente Popular preparavam o Golpe de Estado74. De facto, já no dia 23 de junho75 o general Francisco Franco tinha escrito do seu mais ou menos exílio nas Canárias ao primeiro-ministro Casares Quiroga, contestando a recente demissão de alguns oficiais da Direita dos seus respetivos comandos, mas não obtendo qualquer resposta. Para alguns, terá sido essa a última hesitação de Franco. No fim desse mês de junho, tudo o que restaria para fixar a data de levantamento seria apenas o acordo dos carlistas76, sendo no princípio de julho

73 Conforme o relato de Jaime Nogueira Pinto, António de Oliveira Salazar, o Outro Retrato, Esfera dos livros, 2007, p. p. 113 e 114, “a primeira vítima é o tenente José Castillo, da Guarda de Assalto, um ativista de extrema-esquerda, o que vai desencadear um processo de vendetta clássico. Os companheiros de Castillo juraram vingá-lo”. “Na noite de 13 de julho, um comando da Guarda de Assalto, dirigido por um capitão da Guarda Civil, sequestra da sua residência Calvo Sotelo e assassina-o à queima-roupa. A 14 de julho cruzam-se os funerais dos dois caídos: o de Castillo, de bandeira vermelha e de multidão de punho cerrado; o de Calvo Sotelo, multidão saudando de braço ao alto e cantando Cara al Sol, o hino da Falange”. 74 V. Bernard Michal e outros, A Guerra de Espanha, Tomo I, Amigos do Livro, 1971, p. 10. 75 V. Hugh Thomas, ob. cit., p. 91. 76 Os carlistas eram um movimento ultraconservador, distinto do falangismo, que viam no liberalismo a fonte de todos os males. Como o falangismo, viam na vitória da Frente Popular o resultado da conspiração judaico-marxista –maçónica que transformariam a Espanha numa colónia da URSS, cfr. Antony Beevor, ob cit, p. 65.

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fretado em Londres um aparelho para transportar Franco das Canárias para Casablanca e dali para Tetuão, onde assumiria o comando do exército em África.

Por outra banda77, havia muitas semanas que o General Mola havia dado ordens detalhadas com instruções para o levantamento que deveria ter lugar entre 10 e 20 de julho. Enquanto isso os falangistas há muito que secretamente conspiravam com os oficiais rebeldes. Aliás, José Antonio Rivera, que se encontrava preso, ordenou, em 29 de junho, a participação da Falange no levantamento mais ou menos anunciado.

Mas a morte de Calvo Sotelo vai agora ser a causa imediata para o pronunciamento militar78. Argumentam os nacionalistas79 que mesmo que o Governo não tivesse tido responsabilidade pessoal no assassinato do líder da oposição às mãos de agentes de autoridade, não é isso que é importante. O que é relevante na tese que querem fazer vencer, é que os generais não se sublevavam tanto contra o governo legítimo, mas contra a total ausência de capacidade governativa como acabava por demonstrar cabalmente o homicídio de Calvo Sotelo. E se bem que o levantamento já estivesse em marcha, a partir do momento em que se dá o assassinato a base de apoio dos golpistas irá inevitavelmente aumentar.

Assim, no dia 17 de julho o exército de Marrocos dá o sinal e a 18 os generais Goded nas Baleares e Franco nas Canárias “juntam-se aos pontos nevrálgicos, o primeiro a Barcelona e o segundo a Marrocos. Nesse dia pronunciam-se as guarnições, saindo à rua e proclamando o estado de guerra”80.

77 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p.79. 78 Para muitos, foi só a notícia da morte de Calvo Sotelo que acabou de vez com as hesitações de Franco, “até aí mantivera-se hesitante, considerando o tempo, a circunstância e a oportunidade da rebelião (…), sendo que a sua adesão terá acelerado ao desencadear da revolta” (cfr. Jaime Nogueira Pinto, “Cinco Homens que abalaram a Europa”, A Esfera dos Livros, 2ª edição, 2016, p. 315). No mesmo sentido, entre muitos outros, vide também Sheelagh Ellwood, ob. cit., p. 82, “se a 12 de julho, Franco enviou uma mensagem codificada ao General Galarza, para ser posteriormente transmitida ao General Mola em que Franco afirmava que não se iria juntar à insurreição armada, o facto é que a 14 de julho Franco enviou outra mensagem a Galarza e a Mola, desdizendo aquilo que lhes dissera dois dias antes”. Esta autora aventa também como justificação o facto do seu nome, na sequência do esmagamento da greve das Astúrias, figurar numa lista esquerdista de alvos a abater: “Dado que o nome de Sotelo também lá se encontrava, é natural que o futuro ditador temesse pela sua vida” (ob. cit., p. 82). 77 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 79. 78 Cfr. PierreVilar, ob. cit., p. 113

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Mas o golpe de força não tem um êxito total. De facto, no dia 18 de julho o golpe de Estado triunfa em Sevilha, Valladolid e Saragoça, sendo Melilla no Marrocos espanhol tomada nesse mesmo dia por Franco que assume a chefia do governo insurgente. Por seu turno, a 19 de julho o presidente da República encarrega Martinez Barrio de negociar com os revoltosos, diligência essa sem sucesso e que terá como resultado a formação do novo governo por José Giral. Em contrapartida, o golpe de Estado fracassa no dia 20 em Barcelona, Madrid, Málaga, Bilbau, Santander, Astúrias, Múrcia, Almeria e Cartagena, enquanto nesse mesmo dia o Governo do primeiro-ministro Giral solicita armamento a França. Sucede ainda que Sanjurjo, um dos líderes do golpe81, morre nesse mesmo dia em acidente de aviação quando se despenha a avioneta que o transportaria de Portugal para Espanha, enquanto Oviedo cai nas mãos dos insurretos no dia 21.

Uma vez que os nacionalistas têm a necessidade de criar um órgão de gestão da zona rebelde com competências administrativas e diplomáticas, criam a 24 de julho, em Burgos, a Junta de Defesa Nacional presidida pelo general Cabanellas composta por nove generais e dois coronéis, tendo sido seu obreiro o General Mola82, Chefe do Exército do Norte, ao que parece também para controlar o poder de Franco, chefe das forças militares decisivas. Assim nasce a Junta de Burgos. A 25 de julho83, correspondendo a um apelo direto de Franco, Hitler concorda em enviar vinte aviões de transporte, tendo enviado ainda seis caças, praticamente cem pilotos e um fornecimento de metralhadoras.

Os acontecimentos precipitam-se a um nível vertiginoso, afirmando Franco a 27 de julho a um jornalista americano84: “Vou continuar a avançar. Em breve, muito breve, as minhas tropas terão pacificado o país, e dentro de pouco tempo tudo isto parecerá um pesadelo”. Quando na ocasião o jornalista interpela o futuro ditador com as seguintes palavras: “Isso quer dizer que vai ter de matar metade da Espanha”, Franco responde

81 Veja-se o relato de Franco Nogueira: “Ao deslocar, o aparelho capota, incendeia-se, e Sanjurjo perece no acidente. Há consternação entre os oficiais espanhóis revoltados; mas a notícia não os detém. E o general Franco assume a chefia efetiva do movimento, no plano militar e no político”, cfr. Franco Nogueira, Salazar, Vol III, 2ª edição, Livraria Civilização Editora, Porto, p. 9. O acidente terá sido motivado por excesso de peso da bagagem. Alertado pelo piloto para esse facto, o virtual futuro “Chefe de Estado” terá respondido que não poderia prescindir da sua farda de gala e condecorações, com que tencionava apresentar-se logo após o triunfo do golpe. Outras teses alimentadas por “teorias da conspiração”, apontam a queda do avião como resultado de sabotagem dos republicanos, ou mesmo do general Franco – o número dois da conspiração – que assim se veria promovido a líder dos revoltosos, mas nada ficou comprovado que desse veracidade a qualquer uma destas teses, cfr. Luís Almeida Martins, Um “Camarate” há 36 anos, in Revista Visão, História, nº 18, dezembro de 2012, p. p. 30 e 31. 82 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 141. 83 Cfr. Sheelagh Ellwood, ob. cit., p. 91. 84 Cfr. Martin Gilbert, ob. cit., p. 226. Ao mesmo jornalista terá afirmado: “não pode haver acordo, não pode haver trégua, salvarei a Espanha do marxismo a qualquer custo” (Cfr. Hedda Garza, ob. cit., p. 50).

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categoricamente: “Repito: custe o que custar”. A 28 de julho85, Mussolini promete a Franco dez bombardeiros Savoia-Marchetti, tendo nove chegado a Marrocos dois dias mais tarde, enquanto a ajuda militar soviética aos republicanos espanhóis só chegará no início de outubro. Em novembro, no âmbito da participação alemã no conflito e obedecendo exclusivamente aos alemães, estará no teatro de guerra em Sevilha a “Legião Condor”86. Assim, e conforme escreve Sheelagh Ellwood87, “graças à ajuda italiana e alemã, Franco foi capaz de aumentar substancialmente o número de tropas a transportar diariamente de Marrocos para Espanha enquanto, aparentemente, a República permanecia incapaz de fazer o que quer que fosse para pôr cobro às suas ações”.

Iniciava-se assim a Guerra Civil que irá terminar 32 meses depois, em 31 de março de 1939, após a vitória em toda a Espanha das forças nacionalistas chefiadas por Francisco Franco, iniciando-se assim uma ditadura que só terminará em 20 de novembro de 1975 com a morte do ditador.

II. 4. O CONTEXTO INTERNACIONAL DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA. BREVE PANORÂMICA.

Para se perceber as reações internacionais e as relações de terceiros Estados com os diversos contendores no âmbito do conflito espanhol tem que se obrigatoriamente proceder a uma breve panorâmica do contexto europeu e internacional em meados dos anos 30 do século XX.

Nestes termos, um breve relance sobre o contexto europeu e internacional do conflito, indica-nos que o começo da década de vinte na Europa é dominado pela luta entre a democracia liberal e a Revolução, mas que na década de 30 esta última não constitui já uma ameaça real. Esta conclusão faz vencimento para a grande parte dos autores que estudaram este período, embora os partidários dos regimes autoritários de direita continuarem à época a agitar o espetro do comunismo, não obstante ter de se reconhecer que os Partidos Comunistas estavam a reforçar-se na Alemanha e em França.

85 Cfr. Sheelagh Ellwood, ob. cit., p. 90. 86 Legião Condor também responsável, conjuntamente com a Aviazione Legionaria Italiana, pelo bombardeamento de Guernica, em abril de 1937. 87 ob. cit., p. 91.

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Tal situação poderá ser explicada em parte88 porque a União Soviética renunciara, temporariamente, ao alastrar da revolução a terceiros países, preocupando-se acima de tudo com o seu desenvolvimento interno materializado na coletivização forçada e numa prática ditatorial implacável face aos opositores ou supostos opositores.

De igual forma, salientam grande parte dos historiadores, por causa da insanidade da política imposta pelo Comintern aos vários Partidos Comunistas, fazendo da social- democracia o seu principal inimigo, o que os isolava e, simultaneamente, facilitava o sucesso dos regimes autocráticos de direita. Esta prática só viria a ser substituída a partir de 1934 com a defesa das Frentes Populares como já se viu acima, com a vitória do nazismo e a rápida destruição do Partido Comunista Alemão.

Neste contexto, a década de trinta foi na Europa a década dos ditadores, assentando o poder destes no apoio dos militares. Com a exceção da União Soviética89, os militares foram sempre nacionalistas e conservadores e de pendor marcadamente antissocialista.

A evolução para esta situação foi aliás alucinante. Vejamos.

Se antes da I Guerra, havia na Europa apenas 3 repúblicas90, a saber, França, Suíça e Portugal, no final havia 18, sendo que quase todos os países europeus, 28 na contagem de Mark Mazower e de Niall Ferguson, adotaram Constituições mais ou menos democráticas. De outra parte, o final da Guerra pôs termo a quatro dos velhos impérios europeus: o russo, o austro-húngaro, o alemão e o otomano.

Sucede, porém, que das 28 democracias de 1918, oito já eram ditaduras em 1925 e 13 em 1933. Em 1938, já só restavam dez democracias na Europa91. Assinale-se entre estas últimas dois grandes países92 que vão assumir muita importância para o tema da nossa exposição. São os casos da França (em 1940 vai estabelecer-se o regime autoritário de Vichy, presidido pelo Marechal Pétain) e do Reino Unido. França, que quando começa a Guerra Civil espanhola é governada pela Frente Popular, governo chefiado pelo socialista Leon Blum desde maio de 1936, que governa em coligação com os radicais (partido centrista) e com o apoio parlamentar dos comunistas sem participação

88 Cfr. Jean Carpentier e François Lebrun, História da Europa, Editorial Estampa, 3ª edição, 2002, p. 401. 89 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. 318. 90 Cfr. João Carlos Espada, Um olhar cético sobre o século XX europeu, in jornal Público, 26/9/2011. 91 Cfr, João Carlos Espada, artigo citado, in jornal Público, 26/9/2011. 92 A Suíça e os Países nórdicos são outros dos regimes democráticos na Europa.

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governativa. A predominância é, portanto, de ditaduras de direita (variando em diferentes graus de repressão), mais concretamente 17 ditaduras de direita nacionalista na Europa desta época93, coexistindo com a ditadura estalinista num país (União Soviética).

Assim, e de forma não exaustiva, encontramos regimes autoritários de direita na Estónia com Konstantin Pats, na Polónia com Pilsudski, na Grécia com Ioánnis Metaxás, na Hungria com Miklós Horthy e em Portugal com Oliveira Salazar, na opinião de Kershaw94 o mais insípido e o menos dinâmico dos ditadores, ou ainda com o coronel Beck95, que sucedeu ao Marechal Pilsudski, na Áustria com Dolfus, assim como temos de englobar aqui os vários soberanos que tomaram para si todos os poderes: Boris III na Bulgária e Carol II na Roménia.

Neste quadro, destacam-se pela sua intensidade, ferocidade e dinamismo para retomar expressões de Kershaw as ditaduras da Alemanha, Itália e União Soviética, sendo que em 1939 já havia mais europeus a viver em ditadura do que em democracia.

Por conseguinte, não admira que a Alemanha e a Itália vão apoiar desde o início os nacionalistas. Além da simpatia ideológica, mais marcada na Itália Fascista, tratava-se para a Itália de Mussolini de conquistar a preponderância do Mediterrâneo96. Para a Alemanha, interessava aproveitar a oportunidade para obrigar a Itália a entrar definitivamente para o seu campo. Na realidade, no dia 1 de novembro de 1936, Mussolini proclama a existência do “Eixo de Berlim”. Enquanto isso, a Inglaterra (governos conservadores de Baldwin e Chamberlain) estava decidida a não se envolver no caso espanhol quer por prudência, no intuito de não hostilizar os ditadores alemão e italiano, e também por desconfiança em relação à URSS, que logo apoiou os republicanos espanhóis.

Por sua vez, o Governo francês de Blum tinha razões para simpatizar com a República. Para além de razões ideológicas, relevavam ainda as constantes escaramuças em muitas cidades francesas entre os grupos socialistas e comunistas de um lado e os grupos fascistas de La Croix e de L’Action Française de outro97, bem como os boatos da eminência de um golpe de Estado fascista. Não eram de desprezar também considerações

93 Cfr. Freitas do Amaral, Da Lusitânia a Portugal, Dois mil anos de história, Bertrand Editora, 2017, p. 356, citando Paulo Velez, Das Constituições dos Regimes Nacionalistas, Entre Guerras, Lisboa, 2016. 94 V. Ian Kershaw, ob. cit., p. p. 321 e 322. 95 Cfr. Jean Carpentier, François Lebrun, ob. cit., p. 405. 96 Cfr. Jacques Neré, O Mundo Contemporâneo, Edições Ática, 1976, p. p. 452 e 453. 97 V. Hugh Thomas, ob. cit., p. p. 170 e 171.

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estratégicas que se prendiam com o facto de uma Espanha nacionalista ser não só hostil à Frente Popular Francesa, mas também à própria França.

Nos Estados Unidos, Franklin Roosevelt (oriundo do Partido Democrático) era presidente desde 1933. Roosevelt que com o New Deal tinha dado o primeiro grande passo para a criação de um Estado social, considerava em meados dos anos 30 que qualquer intervenção no estrangeiro seria um perigo para o sucesso do New Deal. Neste sentido, não procurou opor-se ao isolacionismo então predominante no Congresso98. Efetivamente, o Congresso cuja maioria das duas Câmaras pertencia igualmente ao Partido Democrático, tinha aprovado em 1935 a primeira lei de neutralidade proibindo a venda de armas a países beligerantes. Em 1936 a segunda lei da neutralidade proibiu qualquer empréstimo a esses mesmos países, sendo que este último diploma aprovado no último dia de 1936 ainda impediu o envio de material de guerra para os dois lados da Guerra Civil de Espanha99. Nesta sequência, é ainda aprovada em 1937 a terceira lei da neutralidade que impunha aos países beligerantes que pagassem a pronto e transportassem eles mesmo em navios não americanos as mercadorias compradas aos Estados Unidos. Frise-se que nessa altura os ataques verbais da Alemanha à Checoslováquia eram constantes, pelo que face a estas leis se a Checoslováquia fosse atacada100 (viria a ser ocupada em 1938) não poderia contar com a ajuda americana, ainda que pudesse comprar produtos, mas não munições, nos Estados Unidos, e os pagasse e transportasse para a Europa por sua conta e risco. Era a chamada política do “paga e leva”.

As razões de ser deste isolacionismo radicavam101 nas dolorosas lembranças da I Guerra Mundial e do medo de um novo conflito. A opinião pública norte-americana acreditava maioritariamente que, mesmo em caso de uma guerra, a nação deveria ficar neutra e não se envolver nos acontecimentos. Destarte, este embargo total de armas não contrariado por Roosevelt, que mais tarde o irá considerar como um grave erro102, irá

98 Cfr. Pierre Melandri, História dos Estados Unidos desde 1865, Edições 70, p. 139. 99 Cfr. Martin Gilbert, ob. cit., p. 232. 100 Cfr. Martin Gilbert, ob. cit., p. 232. 101 Há ainda quem defenda, como Pierre Melandri, que o isolacionismo foi encorajado pelas revelações explosivas da Comissão Nye (1934-35), segundo as quais os Estados Unidos teriam entrado, em 1917, na guerra para ajudar os seus banqueiros a recuperar as dívidas junto dos Aliados. Assim, “o isolacionismo confunde-se, de facto, com a hostilidade geral da opinião pública a respeito da influência que a entrada na guerra tinha assegurado aos homens de negócios” (cfr. Pierre Melandri, ob. cit., p. 139). 102 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 558.

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prejudicar manifestamente a causa republicana espanhola103 104. Isolacionismo este aliás que foi muito útil às forças nacionalistas ajudadas desde Washington por muitos simpatizantes com influência em vários círculos105.

Em contrapartida, as potências menores da Europa e a maior parte dos governos da América do Sul não irão assumir um papel ativo, mas tinham uma nítida preferência por uma vitória dos rebeldes. Há ainda o caso particular do México106, que irá apoiar a República.

Dito de outra forma, e numa síntese de Gabriel Jackson107, a Itália, a Alemanha e Portugal ajudariam os insurretos enquanto a Inglaterra desejava que os insurretos vencessem com o mínimo de luta. De outra parte, os Estados Unidos colocaram o isolacionismo e a neutralidade à frente das suas simpatias democráticas, enquanto a Rússia e o México (esta com os seus limitados recursos) apoiariam a República. Por sua vez, a França, depois dos primeiros dez dias, absteve-se deliberadamente de auxiliar a República.

103 Cfr. Fred Israel, Franklin Roosevelt, Nova Cultural, 1987, p. 77. Roosevelt irá depois – e ainda antes do ataque japonês a Pearl Harbour – equilibrar o desejo de ficar de fora da guerra com a inclinação de ajudar de alguma forma os Aliados – França e Inglaterra – a derrotarem a Alemanha, “mesmo sendo neutro”, afirmou Roosevelt, “ninguém pode impedir a nossa consciência”, in Fred Israel, ob. cit., p. 77. 104 Segundo Antony Bevor, ob. cit., p. 680, quem levou o Congresso a impedir o envio de armas para Espanha terá sido o lóbi católico, pelo que tirando um pequeno abastecimento de aviões e armas mexicanos e checoslovacos, a Espanha Republicana não tinha alternativa ao monopólio de armas soviético. Conforme descreve o mesmo Beevor (p. 355), esse lóbi católico era de tal forma poderoso que um grupo encabeçado por Joseph Kennedy, embaixador dos Estados Unidos no Reino Unido e pai do futuro presidente John Kennedy, conseguiu que os congressistas que dependiam do voto católico se opusessem à revogação do embargo de armas, isto quando ao que parece não mais de 20% do país e 40% dos católicos apoiavam os nacionalistas. 105 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. 428. Isso não impediu de nos Estados Unidos, Roosevelt ser o primeiro espetador a assistir na Casa Branca, sob os auspícios do próprio escritor Ernest Hemingway, a uma projeção de “Terra de Espanha” com a presença do seu autor, o documentarista assumidamente de esquerda Joris Ivens. Obra esta que foi seguidamente apresentada em Hollywood e ainda nas mansões privadas dos atores Fredric March, Joan Crawford e do cineasta John Ford, tendo como convidados, entre outros, cineastas igualmente conhecidos como Ernst Lubitsch, King Vidor e Fritz Lang, ou atores célebres como Miriam Hopkins, Joan Bennett e Errol Flynn e ainda escritores relevantes como Dorothy Parker, Lilian Hellman e Dashiell Hammett. Todos ou quase todos se terão disposto logo ali a contribuir para a causa republicana, cfr. José Manuel Costa, Joris Ivens, Edição da Cinemateca Portuguesa, 1983, p. 39. 106 O México vivia em situação revolucionária desde 1911, sendo que em meados dos anos 30 vivia-se a segunda fase da Revolução Mexicana dirigida pelo Partido Nacional Revolucionário, partido batizado em 1938 de Partido Nacional Revolucionário e em 1946 de Partido Revolucionário Institucional, cfr. Michael Mourre, Dicionário de História Universal, Volume II, Edições Asa, 1998, p. 923. 107 Cfr. Gabriel Jackson, A República Espanhola e a Guerra Civil, 1931-1939, Volume I, p. p. 338 e 339.

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II. 5. AS TESES REALISTAS E AS IDEOLOGIAS POLÍTICAS. BREVE SÍNTESE.

Iremos analisar ao longo desta exposição se a ideologia política do Estado Novo se irá revelar determinante para uma alegada aproximação do Estado Novo às posições nacionalistas.

No entanto e uma vez que estamos no campo das Relações Internacionais, temos que apelar igualmente às teorias que pretendem explicar a dinâmica destas últimas. Nestes termos, a posição do regime do Estado Novo face à Guerra Civil Espanhola tem também de ser encarada à luz das teorias realistas. Vejamos uma breve digressão sobre as mesmas.

Como é reconhecido pelos estudiosos na matéria, as teses realistas afirmam que as Relações Internacionais serão o resultado da competição e dos frequentes confrontos entre os Estados e que os conflitos e as guerras são por isso naturais, logo inevitáveis, sendo que os Estados agem de acordo com os seus próprios interesses e que têm a ver essencialmente com o aumento da segurança.

Nesta linha de orientação, a ciência das Relações Internacionais e a Política Internacional analisam a simples sobrevivência do Estado face à constante ameaça virtual representada pela mera existência de outras Unidades políticas. Destarte, e face à anarquia do Sistema internacional, os Estados competem sempre entre si de modo a garantirem a sua sobrevivência. Por conseguinte, estas teorias põem em causa o paradigma da ideologia.

Neste âmbito, assinalam-se com particular destaque no âmbito das Relações Internacionais autores como Hans Morgenthau, autor este que professa uma acérrima crítica ao pacifismo idealista, sendo a política internacional encarada enquanto luta pelo poder. Outros autores como George Kennan perfilham o chamado realismo da guerra fria enquanto Henry Kissinger procede à revisão do realismo108. À luz destas teses, a ideologia política do Estado Novo seria irrelevante para uma alegada aproximação entre o regime

108 Nesta medida, vide Morgenthau, Politics Among Nations, 1948, Martha Finnemore, The Purpose of Intervention: changing beliefs about the use of force, Cornel University Press, 2004, Patrick M. Reagan, Conditions of successful third-party intervention in intrastate conflicts, Journal of Conflicts, Journal of Conflicts, Journal of Conflict Resolution, 1996, Aron, Paz e Guerra entre as Nações, 1983, Kissinger, Diplomacia, 1994, Heywood, Political Ideologies: An Introduction, 2003 e Cox, Introduction to International relations, 2012.

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salazarista e o substrato ideológico das posições nacionalistas, resultando antes a posição adotada de uma mera questão de sobrevivência do Estado Novo face ao temor do expansionismo espanhol e à subsequente queda do regime, até porque há diferenças de identidade política entre o regime do Estado Novo e as forças nacionalistas espanholas. Nesta linha de investigação, o Estado Novo agiu de acordo com o seu próprio interesse independentemente das ideologias políticas em causa, o mesmo é dizer, zelou pela sua própria segurança.

Todavia, a abordagem do presente tema através de parâmetros opostos (ideologia política vs. realismo) não deverá recusar o recurso a uma terceira via que poderá combinar, pelo menos circunstancialmente, elementos das duas correntes. Isto é, é por vezes impossível estabelecer uma linha de fronteira rígida entre a ideologia política e o realismo dadas as contaminações recíprocas.

II. 6. FASCISMO, AUTOCRACIA E IDENTIDADE POLÍTICA DO REGIME SALAZARISTA

Fazendo uma revisão da literatura científica portuguesa e estrangeira sobre a ideologia salazarista, panorâmica esta não exaustiva109 visto que não é esse o tema da nossa tese, podemos encontrar as mais diversas posições que se reconduzem ora à natureza autoritária do regime salazarista, ora à natureza autoritária do regime com semelhanças com o fascismo, ou ainda ao seu enquadramento nos regimes fascistas.

Como ponto prévio, temos de definir o que se entende por Fascismo.

Em termos gerais, entende-se por Fascismo110 o movimento criado em 1919 em Milão por Benito Mussolini e que se caracteriza por ser um “sistema autoritário de dominação caracterizado pelo monopólio da representação política por parte um partido

109 A natureza do regime salazarista é tratada em Portugal por historiadores e politólogos das mais variadas tendências, salientando-se entre muitos outros e para além dos aqui mencionados, Valentim Alexandre, Jorge Campinos, Manuel de Lucena, Luís Salgado de Matos, Manuel Vilaverde Cabral, Manuel Braga da Cruz ou António José de Brito. Para uma analise mais detalhada, veja-se Luís Reis Torgal, Historiografia do Estado Novo, in Direção de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, dicionário de História do Estado Novo, Círculo de Leitores, 1996, Volume I, p. p. 425 a 431, podendo-se acrescentar entre outras obras mais recentes o livro de António Costa Pinto, Corporatism and Fascism. The Corporatist Wave in Europe, London, Routledge, 2017, em que se tenta compreender de modo comparado o regime salazarista português. 110 Vide Edda Saccomani, fascismo, in Dicionário de Política, ob. cit., p. 466.

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único de massa, hierarquicamente organizado; por uma ideologia fundada no culto do chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um sistema de tipo corporativo; norteado por objetivos de expansão imperialista (…)”.

Este sistema é caracterizado ainda “pela mobilização das massas (...); pela aniquilação das oposições, mediante o uso da violência e do terror; por um aparelho de propaganda baseado no controlo das informações e dos meios de comunicação de massa (...); pela tentativa de integrar nas estruturas do controlo do partido ou do Estado, de acordo com uma lógica totalitária, a totalidade das relações económicas, sociais, políticas e culturais”. A fazer fé num dos biógrafos de Mussolini111, só nos doze meses que se seguiram à consolidação da ditadura por Mussolini os esquadrões fascistas cometeram 2000 assassinatos, incêndios criminosos e espancamentos, sendo as casas dos políticos de oposição os alvos principais do terror fascista, sendo de atentar que entre outubro de 1922, data da chegada ao poder por Mussolini, e até novembro de 1926112, a Itália ainda não era uma verdadeira ditadura, já que tinha jornais de oposição embora censurados, e partidos de oposição, embora sob vigília. Ou, ainda dito por outras palavras113, pode-se entender este movimento como “um nacionalismo revolucionário e justicialista numa perspetiva de superação autoritária do liberalismo democrático e do socialismo internacionalista” (…), assentando num “movimento político composto por organizações populistas e numa dinâmica voluntarista e romântica, com predominância de ex-combatentes da juventude e, quase sempre, acolitando ou seguido um chefe (duce, führer, caudillo)”.

Numa aceção muito restrita, seria apenas considerado regime fascista o chamado fascismo histórico, isto é, o regime vigente em Itália de 1922 a 1945 (incluindo o último fascismo, o da República de Saló, 1943/1945). Numa aceção mais ampla114, serão considerados, por exemplo, para autores como François Chatelet, Estados fascistas nomeadamente a Alemanha hitlerista de 1933 a 1945, a Espanha franquista, o Brasil de 1964 a 1985 e o Chile de Pinochet (1973/1990).

111 Cfr. Larry Hartenian, Mussolini, Nova Cultural, 1986, p. p. 41 e 42. 112 Vide Martin Clark, Mussolini, Publicações Europa América, 2007, p. 149. 113 Vide Jaime Nogueira Pinto, fascismo, in Pólis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Volume II, 1984, p. 1390. 114 Cfr. François Chatelet, Hipóteses referentes às relações entre o Estado dito liberal e o Estado fascista, in Elementos para uma análise do fascismo, seminário de Maria-Antonietta Macciocchi, Paris VIII- Vincennes 1974-1975, Livraria Bertrand, 1977, p. 72.

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Para constitucionalistas como Jorge Miranda115, o Estado fascista deve o seu nome ao regime instaurado na Itália de 1922 a 1943 pelo Partido Fascista (organizado em fáscios de combate) e que tem ora feições extremas – o nacional-socialismo na Alemanha de 1933 a 1945 – ora moderadas, “transplantado ou seguido na dependência de condicionalismos internos externos, em vários países”.

Anote-se ainda que nem toda a literatura sobre o assunto considera o fascismo como um totalitarismo. Segundo Carl Friedrich e Zbigniew Brzezinski116, estamos aqui perante uma ideologia oficial sustentada na mudança radical da sociedade para a reconstruir pela força ou pela violência e da presença ameaçadora do terror, elencando estes autores como características distintivas dos regimes totalitários as seguintes: a presença de um partido único; uma polícia secreta consideravelmente desenvolvida; o monopólio estatal dos meios de comunicação social; o controlo centralizado de todas as organizações políticas, sociais e culturais, levando mesmo à criação de um sistema de planificação económica; a subordinação total das forças armadas ao poder político.

Nesta linha de raciocínio117, costumam ser incluídos por vários autores na categoria dos regimes totalitários o nazismo118 e os regimes comunista soviético (em especial, o estalinismo119) e chinês (particularmente, o maoismo120), sendo que a estes podem ainda ser acrescentados os regimes comunistas da Coreia do Norte, assim como todos os outros regimes da Europa Central e de Leste, pelo menos até final dos anos 60, com exceção da Polónia e, em certa medida, da Hungria e da Roménia. Caso muito particular pelo grau de arbitrariedades cometidas é o regime do Camboja121 de Pol Pot.

115 Cfr. Jorge Miranda, Curso de Direito Constitucional, Volume I, Universidade Católica Portuguesa, 2016, p. 72. 116 Cfr. Gianfranco Pasquino, Curso de Ciência Política, Principia, 2002, p. p. 292 e 293. 117 Vide Gianfranco Pasquino, ob. cit., p. 293. 118 Um dos principais biógrafos de Hitler, Ian Kershaw, menciona a eliminação das S. A. de Rohm, como a remoção do último obstáculo à consolidação do poder absoluto de Hitler. O fim desta “ação de saneamento” foi anunciado pelo ditador alemão a 2 de julho de 1934. Algumas estimativas indicam que o número de pessoas assassinadas nessa ação se cifrou entre cento e cinquenta e duzentas (cfr. Ian Kershaw, Hitler, Publicações Dom Quixote, 2009, p. p. 261 e 271). 119 “Estaline supervisionou o Terror (...), sendo aqui a morte por vezes aleatória: o comentário há muito esquecido, o namoro com uma oposição, a inveja do emprego, da mulher ou da casa de outro homem, a vingança ou a simples coincidência levaram a morte e a tortura a famílias inteiras”, cfr. Simon Sebag Montefiore, Estaline, A Corte do Czar Vermelho, Alêtheia Editores, 2ª edição, 2007, p. 232. 120 A maioria das estimativas estabelece um mínimo de 6 a 7000.000 de vítimas mortais, a que se poderão acrescentar os 16 a 42.000.000 do chamado Grande Salto em Frente, vítimas de uma fome inteiramente provocada pela liderança maoista, cfr. Jean-Louis Margolin, China vermelho-sangue, in A História Inumana, Instituto Piaget, 1998, p. 243. 121 Vigorando entre 1975 e 1979, terá feito segundo os estudos mais sérios cerca de 1.500.000 de vítimas mortais, para uma população subsistente de 5.200.000 em 1979, cfr. Jean-Louis Margolin, Khmeres

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Uma autora como Hannah Arendt122 enquadrando igualmente os regimes nazi e estalinista nos regimes totalitários, chama a atenção para aquilo que considera o domínio total como característica destes regimes. Aqui, os campos de concentração e extermínio servem como laboratórios onde se demonstra que tudo é possível, sendo que para Arendt comparadas a esta, “todas as outras experiências – inclusive as médicas, sobre cobaias humanas – têm importância secundária”.

Sobre a natureza do regime fascista, um autor como Gianfranco Pasquino frisa que123 “o fascismo italiano apresentava algumas características totalitárias (...), mas que apesar de ser um regime novo e forte nunca conseguiu tornar-se verdadeiramente totalitário”, sendo “muito mais correto defini-lo como uma forma de autoritarismo”.

Vejamos agora o caso da identidade política do regime do Estado Novo através de uma breve e exemplificativa digressão pela literatura portuguesa, abarcando autores de vários quadrantes ideológicos e áreas científicas.

Para Oliveira Marques, o fascismo italiano surgido em 1922, a ditadura do general Primo de Rivera em Espanha (1923-1930) como também mais tarde, o regime fascista austríaco, ainda que este seja antinazi (com Dolfus e Schushnigg), e o regime nazi alemão, além de outros, exerceram igualmente grande influência na construção do sistema político português, apresentando este algumas semelhanças com os regimes fascistas. Aliás, tanto Carmona como Salazar confessaram a sua admiração por aqueles regimes124. No entanto, não será rigoroso nem correto chamar fascista ao movimento militar de 28 de maio de 1926. Conforme frisa igualmente Oliveira Marques125, a rebelião fizera-se contra a “corrupção” e a “degradação” da república parlamentar mais do que contra as instituições do parlamentarismo.

De acordo com Jorge Miranda126, “apesar das similitudes com regimes fascistas e do uso, sempre que achou necessário, de técnicas fascistas, o sistema salazarista não foi um fascismo”. Com efeito, e para este constitucionalista, não assentava num partido ideológico de massas que se tivesse apoderado do Estado, e não obstante ter da Nação

vermelhos: no reino da morte?, in A História Inumana, direção de Guy Richard, Instituto Piaget, 1997, p. p. 265 e 266. 122 Cfr. Hannah Arendt, As origens do totalitarismo, Don Quixote, 3ª edição, 2008, p. 580. 123 Cfr. Gianfranco Pasquino, ob. cit., p. 294. 124 Cfr. Oliveira Marques, ob. cit., p. 292. 125 Cfr. Oliveira Marques, ob. cit., p. 293. 126 V. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 2, 10ª Edição, Coimbra Editora, 2014, p. 100.

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uma visão não democrática, não deixava de proclamar a vinculação do Estado à moral e ao direito, como resultava do artigo 4º da Constituição de 1933. Assim, e ainda segundo esse autor, estaremos perante um regime conservador, preocupado com fazer viver “habitualmente” os Portugueses no respeito das instituições tradicionais da “ordem” e de uma estrutura “natural e hierarquizada da sociedade”. Mas um regime conservador autoritário127 que se estenderá de 1926 a 1974, porquanto “apesar de haver um texto constitucional, as liberdades e garantias sofrem fortíssimas restrições e verifica-se uma completa concentração de poderes, aparentemente no presidente da República, na realidade (pelo menos até 1968) no presidente do Conselho de Ministros”.

Na verdade, não restam dúvidas que estamos face a um regime autocrático, já que inexistem as liberdades de expressão (com censura prévia), de associação e de reunião. Acresce a existência de polícia política e de tribunais políticos, isto é, não há verdadeira separação de poderes, bem como não há reconhecimento da Oposição fora dos períodos eleitorais, sendo que as eleições quando as há não são livres128.

Outros autores como Freitas do Amaral, colocam o regime salazarista dentro das chamadas ditaduras autoritárias por oposição às chamadas ditaduras totalitárias onde se insere o nazismo, o fascismo italiano, o estalinismo, o maoismo, algumas antigas ditaduras da América Latina, etc.

Nos regimes ditatoriais autoritários, e de acordo com Freitas do Amaral129, o regime político não põe em causa as liberdades essenciais do ser humano, tais como viver, trabalhar, pensar, praticar ou não praticar uma religião ou não ter nenhuma, vê respeitada a intimidade da vida familiar, a possibilidade de se emigrar para o estrangeiro ou de os indivíduos se exilarem, etc. Impõe, no entanto, este regime proibições ou limites severos ao exercício dos chamados “direitos políticos” (votar, ser eleito, formar partidos, participar em eleições, ser membro de partidos ou movimentos de oposição ao Governo, exprimir-se livremente numa comunicação social não sujeita a censura prévia, etc.). Neste

127 Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 1, 10ª Edição, Coimbra Editora, 2014, p. 199. 128 Houve eleições legislativas com Salazar à frente do governo em 1934, 1938, 1942, 1945, 1949, 1953, 1957, 1961 e 1965 (Fonte: Salazar: Um Homem e uma Época, in Revista Vida Mundial nº 1625, de 31/7/1970, p. p. 39 a 42). As eleições presidenciais decorreram em 1949, 1951, 1958 e 1965, sendo esta última por colégio eleitoral e não já por sufrágio direto, consequência do abalo do regime motivado pela candidatura do General Humberto Delgado em 1958. Com Marcello Caetano, houve eleições legislativas em 1969 e 1973 e presidenciais em 1972. 129 Cfr. , Uma Introdução à Política, Bertrand Editora, Lisboa, 2014, p. 177.

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sentido130, “os regimes autoritários são ditaduras que defendem o primado da autoridade do Estado sobre as liberdades políticas dos cidadãos (autoritarismo), mas não pretendem controlar integralmente a vida de cada um (pelo que não são totalitários)”.

Assim, o regime salazarista será um exemplo destes regimes, a par, por exemplo, da França napoleónica, da Alemanha de Bismark e da Espanha franquista. Para este autor, serão totalitários os regimes que além de recusarem os direitos políticos fundamentais (partido único, ausência de qualquer oposição legítima, censura, polícia política, etc.), também violam sistematicamente as liberdades essenciais do ser humano (a título de exemplo, assassinato de indivíduos incómodos, perseguições étnicas, proibição de viajar ao estrangeiro e de emigrar, proibição do culto de qualquer religião, etc.). Exemplos serão, entre outros, a Alemanha de Hitler, a Rússia de Estaline ou a China de Mao Tsé- Tung.

Por seu turno, Gomes Canotilho131 considera que a ambiguidade política das forças conservadoras triunfantes em 1926 conduziu a uma simbiose do pensamento tradicionalista com a ideologia fascista, aspirando o regime a uma superação do liberalismo, parlamentarismo e partidarismo.

Por outro lado, a ideologia política do Estado Novo não se revelou declaradamente racista como o nacional-socialismo. Aliás, este autor recupera palavras do próprio Salazar132 quando este último opera à distinção entre o regime do Estado Novo e a ditadura fascista italiana: “A nossa ditadura aproxima-se, evidentemente, da ditadura fascista pelo reforço da autoridade, e na guerra declarada a certos princípios da democracia (…)”. Ao invés, afasta-se da mesma visto que a “ditadura fascista tende para um cesarismo pagão, para um Estado que não conhece limites de ordem jurídica ou moral, que marcha para o seu fim sem encontrar embaraços ou obstáculos”. Para a caracterização do Estado Novo, apela ainda Gomes Canotilho às palavras de duas influentes figuras do Estado Novo, Quirino de Jesus e Mário de Figueiredo.

Assim, Quirino de Jesus133 defende que o nacionalismo português é distinto de qualquer dos outros surgidos na Europa. Não é igual ao fascismo italiano que se apresenta como imperialista e guerreiro. De outra parte, sustenta que não se parece com o

130 Cfr. Diogo Freitas do Amaral, ob. cit., p. 177. 131 Cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, p. p. 174 e 175. 132 Cfr. Oliveira Salazar, Discursos, Volume I, p. 295. 133 Cfr. Quirino de Jesus, Nacionalismo Português, p. 121.

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socialismo nacional da Alemanha e da Áustria, que tem semelhanças com o extremismo de esquerda e está subordinado à abolição dos Tratados de paz e à reinstalação do imperialismo germânico. Por sua vez, Mário de Figueiredo134 acentua o caráter totalitário da ideologia corporativa: “o Estado não pode deixar de ter uma doutrina e creio que essa há de ser totalitária; há de abranger todas as formas de atividade e até a própria conceção de vida”.

Segundo outros autores como Marcello Caetano135, quem governa é o chefe do Governo, “pelo que se pode dizer que há um presidencialismo do primeiro-ministro”. Salienta ainda este autor desde logo numa sua obra contemporânea do conflito espanhol136 que a influência da escola italiana nos primórdios da política corporativa portuguesa está bem patente na Constituição de 1933 e no Estatuto do Trabalho Nacional, diploma que corresponde à Carta del Lavoro italiana. Ademais, releva ainda que “como o corporativismo fascista, o português não admite a liberdade sindical, atribuindo as funções de representação a um só sindicato autorizado – o sindicato nacional”.

Por seu turno, e para este mesmo autor137, não pode admitir-se a eleição democrática pelo sufrágio universal, porque, na sua ótica, isso seria subordinar a sociedade ao indivíduo, sendo que só o partido único constituído por um escol de cidadãos poderá assegurar o cumprimento dos deveres para com a Pátria.

Por sua vez, Rui Ramos138 procura traçar uma outra linha quando afirma que “não foram os fascistas que mais admiraram Salazar, mas conservadores como José Maria Robles, líder da Confederação Espanhola de Direitas Autónomas (1933)”, reconhecendo no entanto, que em 1940, o Estado Novo lembrava em muitos aspetos o Estado fascista italiano: “o corporativismo, as milícias com camisas de cor distintiva, a propaganda do “chefe” e do seu “pensamento”, e até o acordo com a Igreja Católica. Mas faltava a dinâmica revolucionária: a vontade de um chefe histriónico, determinado em transformar a sociedade a partir de um movimento de massas (…). Em vez disso, havia um professor catedrático introvertido, à frente de uma autocracia das velhas classes médias”.

134 Cfr. Mário de Figueiredo, Princípios essenciais do Estado Novo, conferência realizada na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, em 28 de maio de 1936. 135 Cfr. Marcello Caetano, Constituições Portuguesas, Editorial Verbo, 6ª edição, 1986, p. 116. 136 Cfr. Marcello Caetano, O Sistema Corporativo, Jornal do Comércio e das Colónias, Lisboa, 1938, p. 28. 137 Cfr. Marcello Caetano, O Sistema Corporativo, p. 51. 138 Cfr. Rui Ramos, coordenador, com Fernando Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro, História de Portugal, a Esfera dos livros, 2009, p. 638.

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Segundo outros ainda como Manuel Lucena139, “Salazar talvez nunca tenha sido um fascista, apesar de algumas das suas simpatias se terem dirigido para doutrinários e experiências, sobretudo italianas, daquele ideário. Seja como for, sublinha que o ditador português detestava, no fascismo, as raízes sindicalistas e revolucionárias, as multidões, a violência, o expansionismo, a agressividade política, o movimento permanente e a aventura. Como Salazar, também o seu regime não foi fascista, apesar de algumas veleidades orgânicas, como as juventudes (Mocidade Portuguesa), as legiões (Legião Portuguesa), o nacionalismo e uma certa conceção de corporativismo. (...). Genuinamente antidemocrata, não se coibiu de organizar eleições legislativas e presidenciais, verdadeiras farsas, para as quais inventou mecanismos jurídicos e repressivos que eliminavam os riscos”.

Outros como João Bigotte Chorão140 frisam como aspetos do salazarismo uma específica doutrina autocrática, mais paternalista que policial, dominada pela figura carismática do chefe, e que em favor de interesses gerais (unidade, integridade, independência), sacrifica liberdades cívicas. Para o mesmo autor, não se afigura que o salazarismo seja uma versão portuguesa mais branda do fascismo, porquanto não diviniza o Estado.

Para Braga da Cruz141, o salazarismo combina um nacionalismo antidemocrático com um autoritarismo forte, mas não totalitário, já que evitou a adoção do modelo do partido único dos fascismos europeus em que o partido político se configura como um verdadeiro órgão do Estado ou como dominando ou integrando-se no Estado. Por outro lado, porque o salazarismo era limitado pelo direito e pela moral. Em suma, trata-se para este autor do entrosamento de um nacionalismo ideológico, de pendor tradicionalista, com uma ditadura civil, policial e pessoal do chefe do Governo.

Por sua vez, para Adriano Moreira142 a Constituição de 1933 do Estado Novo, apresenta-se como um documento mais preocupado com a imagem do que com a realidade do sistema político, salientando este autor os seus aspetos de Constituição semântica, isto é, “uma coleção de palavras destinadas a compor uma imagem, mas com

139 Cfr. Manuel Lucena, Salazar, in Dicionário de História de Portugal, Coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Volume 9, Figueirinhas, 2000, p. 379. 140 Cfr. João Bigotte Chorão, Salazarismo, in Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Volume V, Verbo, 1987, p. p. 390 a 392. 141 Cfr. Manuel Braga da Cruz, Notas para uma caracterização política do salazarismo, in Revista Análise Social, Volume XVIII, p. p. 771, 776 e 778. 142 Cfr. Adriano Moreira, O Novíssimo Príncipe, Editorial Intervenção, 1977, p. p. 87 e 90.

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escassa ligação com a realidade”. Dito por outras palavras, a sua falta de autenticidade. Como um exemplo mais conhecido do acabado de referir, foca este autor que não obstante a Constituição definir como figura principal o Chefe de Estado, ninguém duvidava de que o poder estava no presidente do Conselho (Oliveira Salazar), que decidia o provimento da Presidência da República.

Por seu turno, Jaime Nogueira Pinto143 ao falar da identidade política do regime de Salazar frisa “quanto a tratar-se de fascismo, há fortes elementos que apontam para diferenças significativas”. Desde logo, é contraditório o ideal salazarista do “viver habitualmente”, oposto ao “viver perigosamente” de Nietzche e Mussolini; tal como a frase de Salazar que “o Estado deve ser forte para não ter que ser violento” contrasta com a ideia fascista da exaltação da violência.

Para António Costa Pinto144 o fascismo português há de se encontrar no Nacional Sindicalismo de Rolão Preto, fundado em 1932, ponto de unificação tardio de uma corrente fascista constituída a partir da ampla mas dividida família da direita radical portuguesa do pós-guerra. Esta corrente que entrou em tensão com o salazarismo, e segundo as palavras de Costa Pinto, foi crítica violenta do partido único, a União Nacional, que reconhecia como pouco dinâmico e conservador, e do sistema corporativo, que considerava um compromisso com o catolicismo social. Aliás, e segundo as palavras do próprio Rolão Preto145, “Salazar vinha da Universidade de Coimbra, e como se sabe, as Universidades pelo menos no nosso país, não são propriamente uma vanguarda (...), dificilmente os vindouros entenderão o mistério de uma História que entrega a um homem frio por temperamento, sereno por educação, e, acima de tudo, democrata-cristão por inteligência, a obra de uma Revolução”.

143 Cfr. Jaime Nogueira Pinto, António de Oliveira Salazar, O Outro Retrato, p. 98, a Esfera dos livros, 2007. 144 Cfr. António Costa Pinto, O Fascismo e a Ditadura Militar, in Século XX, Homens, Mulheres e Factos que Mudaram a História, Público, El País, 1999/2000, p. 291. 145 Cfr. Rolão Preto, Tudo Pelo Homem Nada Contra O Homem, Palestra proferida ao microfone do Radio Clube Português, em 31 de outubro de 1953, Editorial Inquérito, Limitada, Lisboa, 1953, p. p. 19 e 20. Sustenta o mesmo Rolão Preto: “talvez que o Chefe do Governo preferisse antes ser ministro de um rei absoluto, um Colbert do nosso tempo, do que um chefe à maneira fascista – O seu temperamento e a sua cultura é natural que lho segredassem…”.

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Recorrendo ainda a Franco Nogueira146, não deixa este incondicional do ditador português de reconhecer que Salazar implantara as bases do corporativismo e organizara um Estado antidemocrático, mas retira-lhe o caráter totalitário.

Por sua vez, Ribeiro de Meneses147 menciona que o líder do Estado Novo elogia Mussolini, cuja fotografia autografada ostentava sobre a secretária, mas não deixa este recente biógrafo de Salazar de enfatizar o que o separava do Duce, socorrendo-se das próprias palavras do chefe do Governo português: “Mussolini, digo eu, é um grande homem mas não se é impunemente da terra de César e de Maquiavel”. Vale por dizer, que Salazar ao mesmo tempo que apreciava o fortalecimento do poder do Estado sob o fascismo, alertava para existência de um cesarismo pagão em Itália, que permitia ao Estado não reconhecer quaisquer limitações de ordem legal ou moral.

Outros aspetos salientados por este biógrafo da figura central do Estado Novo148, apontam para a ausência do culto do líder e da personalidade, características estas que existem nos diversos fascismos, uma vez que Salazar tinha uma manifesta aversão a aparições públicas, nem mesmo emprestava o seu rosto a cartazes de campanhas eleitorais. Acresce ainda a atentar como traços distintivos dos seus homólogos ditadores, a boa relação com a Igreja, a reputação académica e a paternidade do equilíbrio orçamental149.

Para João Medina150, o regime do Estado Novo é um regime autoritário, antiliberal, antissocialista, católico e ruralista, mas não propriamente um regime fascista, até pela comparação que faz de Salazar com Franco como veremos adiante.

Como exemplos da corrente minoritária da historiografia portuguesa que enquadra o salazarismo no âmbito dos fascismos, vejamos agora as posições de Manuel Loff, Luís Reis Torgal e Fernando Rosas.

146 Cfr. Franco Nogueira, Salazar, Volume II, Os Tempos Áureos (1928-1936), Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 303. 147 Cfr. Ribeiro de Meneses, Salazar, uma biografia política,2ª edição, D. Quixote, 2010, p. 192. 148 Cfr. Ribeiro de Meneses, ob. cit., p. 197. 149 Cfr. Ribeiro de Meneses, ob. cit., p. 198. 150 Cfr. João Medina, Salazar, Hitler e Franco: Estudos sobre Salazar e a Ditadura, Lisboa, Livros Horizonte, 2000, p. 42.

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No dizer de Manuel Loff151, a perspetiva de análise que o regime salazarista é fascista só vale para o período entre 1933 e 1945, quando coexistia temporalmente com outros fascismos e o Estado Novo vivia o seu maior período de repressão.

No entendimento de Luís Reis Torgal152, o “sistema” de Salazar insere-se no âmbito dos “fascismos”, no caso de não considerarmos o conceito de “fascismo” restrito ao caso italiano e o entendermos como “fascismo genérico”. Afirmando este historiador que estamos perante um “fascismo com características especiais”, mais concretamente de um “fascismo à portuguesa”. Aponta ainda este autor, entre outras, as semelhanças entre o “Estatuto Nacional do Trabalho” (1933) com a Carta del Lavoro (1927) do fascismo italiano e a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), criada à semelhança da Opera Nazionale Dopolavoro (1925), ou mesmo da Kraft durch Freude (Força pela Alegria), criada em 1933 pela Alemanha, bem como no sustentáculo em intelectuais, como na Itália, saídos do modernismo.

Para concluir esta breve panorâmica sobre historiografia portuguesa, atentemos na qualificação operada por Fernando Rosas153, quando este historiador incide a sua análise num aparente anti carisma em que se encenava o carisma específico do ditador português. Conforme flui de Rosas, trata-se aqui de “um chefe sereno, sábio, paternal, austero, vigiando na sua distância, no seu isolamento heroico, sobre essa boa gente alegre, trabalhadora, respeitosa, mas algo infantil, descuidada e influenciável, para a levar pelo bom caminho”.

Este historiador e inversamente ao que foi mencionado acima por outros estudiosos da matéria, recorda que154 evidenciar a diferença “não pagã” ou “não fascista” do regime português, por contraponto com o italiano em que não há limitação pela moral e pelo direito, não fará grande sentido. Na verdade, é próprio do Estado Novo que “omnipotentemente” definia as regras do direito ou definia as normas da moral com que pretendia autolimitar-se, quando entendia limitar-se. Portanto, tratava-se de um caráter essencialmente retórico da “limitação da moral pelo direito”. Este último autor refuta ainda uma outra diferença a separar as duas ditaduras, mais concretamente a violência

151 Cfr. Manuel Loff, declarações publicadas na Internet em 31/05/2010, a propósito da publicação da História de Portugal coordenada por Rui Ramos. 152 Cfr. Luís Reis Torgal, o Estado Novo e a propaganda, in Revista Visão História, nº 41, A Exposição do Mundo Português e a propaganda do Estado Novo, maio de 2017, p. p. 10 a 12. 153 Cfr. Fernando Rosas, Salazar e o Poder, A arte de Saber Durar, Tinta da China, 2012, p. 170. 154 Cfr. Fernando Rosas, Salazar e o Poder, ob. cit., p. 174.

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branda do regime por oposição à violência repressiva do regime fascista italiano. Para Rosas155, o regime assentava numa “espécie de gestão” a dois tempos entre a violência preventiva (existência de censura, polícia política, Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, Mocidade Portuguesa, etc.) “invisível” e quotidiana e a violência punitiva e mais seletiva da repressão direta, sendo esta dupla face da violência que marca a essência política e ideológica do Estado Novo.

Fernando Rosas156 sustenta ainda que a par dos aparelhos de repressão preventiva e dos órgãos de repressão punitiva policial, a organização corporativa é um dos pilares basilares da ordem estabelecida, traduzindo-se esta última no fascismo enquanto regime.

Seja como for, e independentemente de o regime salazarista não ser considerado fascista para a maioria da doutrina, retiramos sempre que se tratou de um regime consensualmente ditatorial e “minuciosamente opressivo e asfixiante” para utilizar as palavras de Manuel Lucena157, e que a sua (suposta) limitação pelo direito e pela moral não teve uma prática correspondente à realidade teórica, como aliás também reconhece Braga da Cruz158.

Vejamos agora um breve relance pela historiografia estrangeira sobre a identidade política do regime salazarista, detendo-nos em alguns autores conceituados dos mais diversos campos que, de alguma forma, mesmo transversalmente abordaram a natureza do regime do Estado Novo, ou em historiadores que se dedicaram especificamente ao Estado Novo. Não se faz aqui a alusão a obras gerais de natureza científica com o sentido de grandes sínteses interpretativas159, por não ser, repete-se, tema da nossa exposição.

Para Samuel Finer160, o termo totalitário para descrever o regime português salazarista não é adequado, podendo o regime português ser qualificado como autocrático, dado que os órgãos legislativos não têm praticamente autoridade, e as eleições são vergonhosamente manipuladas. Por sua vez, os dirigentes apoiam-se nos

155 Cfr. Fernando Rosas, Salazar e o Poder, ob. cit., p. 196. 156 Cfr. Fernando Rosas, Salazar e o Poder, ob. cit., p. 313. 157 Cfr. Manuel Lucena, declarações publicadas na Internet em 31/05/2010, a propósito da publicação da História de Portugal coordenada por Rui Ramos. 158 Cfr. Braga da Cruz, ob. cit., p. 778. 159 Ver mais uma vez, Luís Reis Torgal, Historiografia do Estado Novo, citando, entre outras, obras de Hugh Ray, Jacques Georgel, Stuart Woolf, Jacques Marcadé, Douglas Wheler e D. L. Raby, p. p. 425 e 426. 160 Cfr. Samuel Finer, Governo Comparado, Editora Universidade de Brasília, p. p. 80 e 505. Este autor salienta que na prática, desde a Alemanha nazista em 1945, “não houve outros Estados totalitários de tendência nazista, fascista, sendo que o tipo totalitário está hoje (leia-se em 1970 quando é escrita a mencionada obra) exemplificado nos Estados comunistas”.

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grupos sociais e os militares dão apoio passivo ao regime, pelo que este autor o enquadra num determinado tipo de regime militar.

Por seu turno, para Gianfranco Pasquino161 o regime do Estado Novo afigura-se como autoritário, sendo que se tratou aqui de limitar e dominar a sociedade e, a espaços, reprimi-la de forma seletiva, controlando o ritmo e a natureza das mutações que iam ocorrendo, sendo que o líder possui poderes discricionários mas não totalmente desregrados. Aliás, para este politólogo até o regime fascista italiano não seria totalitário. Com efeito, e segundo a sua opinião, excetuando um breve impulso totalitário que se seguiu ao assassínio do deputado socialista Giacomo Matteotti (em 1924) por um comando fascista, o regime liderado por Mussolini nunca seria verdadeiramente totalitário. Totalitários serão, entre outros, o nazismo alemão, o regime da União Soviética, alguns países do “Bloco de Leste” no tempo da URSS comunista e a China.

De igual modo, para Maurice Duverger162 o regime do Estado Novo é uma ditadura conservadora, sendo o seu conservadorismo ideológico, político, social e económico, apresentando-se o regime sob tutela militar ou, dito de outra forma, configurando-se como algo de intermédio entre a ditadura de partido e a ditadura militar.

Segundo Ian Kershaw163, o Estado Novo traduzia os valores do catolicismo reacionário, salientando este historiador os aspetos corporativistas do regime, a defesa das possessões ultramarinas, a censura, a polícia política, os tribunais especiais, as denúncias e a existência de uma rede de informadores. Todavia, refere o mesmo historiador, “Salazar não tinha a mínima intenção de depender de um movimento de massas fascistas” e reprimiu os “camisas azuis fascistas”. Sintetizando, “o mais insípido dos ditadores não quis um culto do líder e também virou as costas ao militarismo assertivo e ao expansionismo imperialista. A sua marca de autoritarismo conservador oferecia um contraste absoluto com as ditaduras dinâmicas da Europa”, que como já se viu acima seriam as ditaduras fascista italiana, nazi alemã e a estalinista soviética.

161 V. Gianfranco Pasquino, ob. cit., p. p. 302 e 303. 162 Cfr. Maurice Duverger, Os Grandes Sistemas Políticos, Volume I, Livraria Almedina Coimbra, 1985, p. 385 a 387. 163 V. Ian Kershaw, ob. cit., p. p. 321 e 322.

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Para Tony Judt164, Salazar é o exemplo acabado do ditador anacrónico em estado de negação com o mundo moderno165, um166 “reinado autoritário peculiar e auto conscientemente retrógrado, mesmo pelos padrões predominantes quando tomou o poder em 1932 (...), uma mistura de clericalismo censório, instituições corporativas e subdesenvolvimento rural, Portugal assemelhava-se muito à Áustria após 1934” (...), alguém que “não só se mantinha imperturbável perante o atraso de Portugal como o encarava como a chave da estabilidade”. (...). “Um líder autoritário de um tipo mais familiar na América Latina do que na Europa Ocidental167”.

Para um historiador como Eric Hobsbawm168, o regime do Estado Novo era um regime autoritário de um Estado forte governado de cima e que se irá tornar no mais longevo de todos os regimes antiliberais de direita na Europa, sendo um regime reacionário com origens e inspirações mais antigas que o fascismo. No entanto, “nenhuma linha nítida os separava, porque ambos partilhavam os mesmos inimigos senão as mesmas metas”.

Para este historiador, Salazar seria um governante reacionário não fascista, sendo que “a grande diferença entre a direita fascista e não fascista era que o fascismo existia mobilizando massas de baixo para cima (...). O fascismo rejubilava com a mobilização das massas, e mantinha-as simbolicamente sob a forma de teatro público – os comícios de Nuremberga, as massas na Piazza Venezia erguendo os olhos para seguir os gestos de Mussolini lá em cima na varanda (…), como também faziam os movimentos comunistas”.

Para Yves Léonard que estudou precisamente a temática Salazarismo e fascismo169, Salazar encarna uma figura atípica: a do “monge ditador170” e ditador sui generis. Com efeito, muito diferente de Mussolini e de outros ditadores, fugindo do mundo e do fausto das receções oficiais e vivendo em reclusão, rodeado por poucos e raros amigos, tende a transmitir uma imagem de despojamento e de desinteresse. No

164 Vide Tony Judt, Pós-Guerra, História da Europa desde 1945, Edições 70, 2006, p. 328. 165 A este propósito, veja-se a resposta que deu em 1968 sobre a perspetiva da independência de e Moçambique: “é um problema para cinco séculos”. Outro episódio bem significativo da negação do mundo moderno por Salazar é a proibição da entrada da Coca-Cola em Portugal (Tony Judt, ob. cit., p. 328). 166 Cfr. Tony Judt, ob. cit., p. 579. 167 Vide Tony Judt, ob. cit., p. 572. 168 Vide Eric Hobsbawm, ob. cit., p. p. 120 e 122. 169 Vide Yves Léonard, Salazarismo e Fascismo, Editorial Inquérito, 1998. 170 Cfr. Yves Léonard, ob. cit., p. 66.

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entanto, e como bem refere este autor, trata-se apenas de uma parte da personalidade de Salazar171.

Quanto à natureza do regime sustenta este historiador que ao ser a União Nacional um partido único com funções relativamente limitadas, singulariza o salazarismo relativamente ao nacional-socialismo alemão – “onde é o partido que tende a dominar o Estado – e ao fascismo italiano – onde o partido se integra no Estado”172. Neste entendimento, teremos assim um regime com um partido único mas não de partido único, uma ditadura de Governo e não de partido único, como já vimos atrás com Manuel Braga da Cruz, e numa verdadeira ditadura pessoal do presidente do Conselho173. Ou seja, “uma ditadura de Governo e não de partido, como o fascismo italiano, ou de massas, como o nazismo alemão”174, apontando ainda este historiador a natureza não-beligerante e não- expansionista do nacionalismo do regime, como características que lhe retiram qualquer tipo de agressividade na cena internacional, o que igualmente diferencia o salazarismo dos regimes fascistas. De outra forma175, perfilha o mesmo autor, reacionário o salazarismo está menos ligado ao fascismo e mais próximo de uma forma de “autoritarismo burocrático”.

Por último, e numa outra perspetiva e com uma posição diferente às anteriormente expendidas, recorremos na esteira de Stuart Woolf176 a Michel Cahen177 com este último investigador a admitir situar-se entre a minoria de historiadores que professam que o salazarismo foi um regime de tipo fascista, defendendo que o Estado português ao apresentar-se como nacionalista, imperialista e corporativista reúne três elementos que caracterizam os regimes fascistas.

Depois desta breve excursão sobre a literatura e a historiografia portuguesa e estrangeira subordinada ao tema, não restam dúvidas se é que alguma vez as houvesse

171 Apesar de aterrorizar muitos dos seus interlocutores por causa da sua frieza e distância, distância que já mantinha face aos seus alunos quando ensinava na Universidade. E, por outro lado, não obstante não suportar críticas, Salazar sabia mostrar-se por vezes até mesmo cordial para alguns dos seus admiradores, por exemplo, alguns franceses como Henri Massis, León de Poncins, Louis Mégévand ou Christine Garnier, cfr. Yves Léonard, ob. cit., p. 68. 172 ob. cit., p. 82. 173 Novamente, cfr. Manuel Braga da Cruz, O Partido e o Estado no Salazarismo, Presença, 1988, p. p. 96 a 105. 174 ob. cit., p. 82. 175 ob. cit., p. 105. 176 Devido à sua proximidade com os regimes de Franco e Mussolini, Stuart Woolf enquadra o salazarismo nos fascismos, embora o faça de forma não-taxativa, vide European fascism, London, 1968. 177 Cfr. Michel Cahen, declarações proferidas em 23/10/2015 e retiradas da Internet, a propósito de uma deslocação ao Instituto de Ciências Sociais em Lisboa.

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que o regime do Estado Novo era um regime autocrático. Efetivamente, não se verificavam qualquer um dos requisitos que Robert Dahl178 professa que devem concorrer em todos os regimes democrático, a saber, dirigentes eleitos, eleições livres, justas e frequentes, liberdade de expressão, fontes alternativas de informação, autonomia de associação, cidadania inclusiva (direito de voto, direito de concorrer a cargos eletivos, direitos a outras liberdades e oportunidades, etc.), para além do respeito pela própria lei.

Já quanto à natureza fascista do regime se bem que possam existir algumas semelhanças, a esmagadora maioria dos autores refuta essa qualificação.

Na realidade e para além do apontado acima, podemos ainda ilustrar esta tese com mais alguns argumentos. Nos regimes fascistas e nazis, não há sequer a existência de uma Constituição, mesmo que semântica, isto é, sem valor real e em que o seu papel limitador do poder político é meramente formal, como sucedeu em 1933 com a Constituição portuguesa. Assim, em Itália continuou a vigorar o Estatuto Albertino, Carta que tinha sido outorgada em 1848 pelo Rei Carlos Alberto, já que formalmente o fascismo não pôs termo a esta Constituição monárquica. Isto é, por um lado, o fascismo não sentiu a necessidade de fazer de raiz uma Constituição, mas, por outro, também só vai cumprir a Constituição monárquica na medida em que lhe for conveniente. No que tange ao nazismo, o regime também nunca elaborou nenhuma Constituição.

Na Espanha franquista e não é consensual que estejamos perante um regime fascista pelo menos a partir de certa altura como se verá de seguida, não existiu uma Constituição, mas antes as chamadas leis fundamentais e avulsas do Reino. De igual modo, não existiu uma Constituição durante a Alemanha nazi. Ou seja, estes países dada a arbitrariedade dos seus dirigentes nem sentiram sequer a necessidade de elaborar Constituições para legitimar ou caucionar teoricamente o exercício do poder. Acresce que nestes regimes nunca existiram eleições, formais ou não após a consolidação das respetivas ditaduras, ao contrário do caso português em que as mesmas existiram, ainda que falseadas e não assegurando requisitos mínimos de igualdade, transparência e controlo dos resultados.

No concernente ao Estado Novo, não podemos também ignorar que em 1934 é ilegalizado pelo líder português o Movimento Nacional-Sindicalista, este sim de raiz fascista, grupo dos “camisas azuis”, cujos principais dirigentes Rolão Preto e Alberto

178 Cfr. Robert Dahl, Democracia, Temas e Debates, 2000, p. p. 101 e 102.

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Monsaraz são presos e forçados a exilarem-se, terminando assim um processo de dissidência179 interna protagonizado pelo segmento mais radical da base política do regime do Estado Novo face ao seu líder (a “ala centrista”, chamemos-lhe assim, do regime ditatorial português). Por outro lado, se são inseridas na prática quotidiana do regime muitas das práticas das restantes ditaduras180 (polícia política com poderes ilimitados, Legião Portuguesa, Mocidade Portuguesa, campo de concentração do Tarrafal para prisioneiros políticos) e há o culto do chefe, Salazar não usufruía da autoridade absoluta que dispunham outros líderes fascistas, sendo que além de preferir a descrição, rejeitava o uso do uniforme dos líderes fascistas.

Por último, a questão da repressão durante o regime de ditadura do Estado Novo.

Para além das vítimas mortais ocorridas na repressão de manifestações, entre duas a três dezenas181, o maior número de vítimas acontece às mãos da polícia política.

Conforme descreve Fernando Rosas182, “Durante o período da PVDE [Polícia de Vigilância e do Estado] (1933-março de 1945), é possível encontrar 39 presos políticos que morrem ou se “suicidam” no decurso dos interrogatórios da PVDE, nos hospitais onde vão parar ou na enfermaria do Aljube, sendo que a estes 39 há que somar os 31 deportados que perecem, até 1945, no campo de concentração do Tarrafal”. No respeitante ao período da Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) [1945-1969] e da Direção Geral de Segurança (DGS) [1969-1974], são contabilizados 15 mortos no continente, não entrando aqui em linha de conta a repressão nas então colónias.

De acordo com Irene Pimentel183, a repressão da PIDE entre 1945 e 1974 abrangeu cerca de 15.000 detidos politicamente, ocorrendo na metrópole uma média de 400 detenções por ano, com picos entre 1946 e 1954, em 1958-1959 e entre 1961 e 1964, sendo que em 1973, houve 561 detenções políticas. Ora, como sustenta Irene Pimentel184,

179 Cfr. António Simões Rodrigues, coordenador, Luís Reis Torgal, Rui Grilo Capelo e outros, História de Portugal em Datas, Círculo de Leitores, 1994, p. 325. Rolão Preto que depois da II Guerra Mundial apoia as candidaturas oposicionistas à presidência da República do General Norton de Matos (1949), do almirante Quintão de Meireles (1951) e do general Humberto Delgado (1958), cfr. Mário Matos e Lemos, ob. cit., p. 837. 180 Cfr. Joaquim Vieira, Maria Inês Almeida, 150 perguntas e respostas essenciais sobre a História de Portugal, Salazar era fascista?, a Esfera dos livros, 2016, p. 255. 181 Contabilidade que está longe de ser exaustiva, conforme observa Fernando Rosas, ob. cit., p. 209. 182 Cfr. Fernando Rosas, Salazar e o poder, ob. cit., p. 206. Ver também quadro sobre os mortos pela PVDE antes de 1945, in Irene Pimentel, A História da PIDE, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2007, p. 388. 183 Cfr. Irene Pimentel, A História da PIDE, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2007, p. 533. 184 Cfr. Irene Pimentel, ob. cit., p. p. 533 e 534.

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numa breve comparação com o que sucedeu noutros países com regimes ditatoriais de direita contemporâneos da ditadura portuguesa, não aconteceu aqui nada de comparável com a Espanha, onde, entre o final da guerra civil, em 1939, e o do regime franquista, em 1975, mais de 200.000 espanhóis foram mortos e um milhão preso por motivos políticos. Por sua vez, na Grécia, país com uma população numericamente aproximada da população portuguesa, onde vigorou um regime ditatorial militar entre 1967 e 1974, houve cerca de 13.000 presos políticos, o que dá uma média anual de 1625 detenções. Por outro lado, entre 1969 e 1974, o período mais repressivo da ditadura militar brasileira, terá havido 263 mortos e 12.752 presos políticos.

Em suma, o regime salazarista não deixa de ser arbitrário e despótico, mas as cerca de cento e vinte vítimas mortais ocorridas ao longo dos 48 anos da ditadura do Estado Novo, número este calculado por defeito como já se viu, visto que não é possível contabilizar as mortes ocorridas nas colónias, não têm também obviamente qualquer comparação ou paralelo com as vítimas do fascismo italiano, muito menos do nazismo alemão ou, por exemplo, no respeitante às vítimas mortais do Chile de Pinochet entre 1973 e 1990 ou na Argentina dos generais entre 1976 e 1983, isto só para falar de vítimas mortais de regimes ditatoriais, com os quais se poderão eventualmente equacionar algumas semelhanças com o regime português.

Portanto, esta contabilidade sinistra de vítimas mortais e presos políticos e nunca olvidando que uma vítima mortal é sempre uma vítima, é também outra razão para diferenciar o regime ditatorial salazarista dos regimes fascistas.

Teremos ainda de ter em conta que quando Salazar se apercebeu que os alemães e italianos estavam condenados à derrota na Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo suavizou ou modificou alguma da sua simbologia mais notória (não voltando, por exemplo, o líder português a praticar a saudação fascista). Nesta linha, passou a haver uma espécie de sucedâneo do fascismo185, ainda mais brando ou mitigado do que já era, daí também por isso que a classificação do Estado Novo como fascista esteja longe de reunir a maioria das opiniões dos estudiosos deste período.

185 Cfr. Joaquim Vieira e Maria Inês de Almeida, ob. cit., p. 255.

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II. 7. A IDENTIDADE POLÍTICA DA GÉNESE DO REGIME FRANQUISTA. SÍNTESE.

Vejamos agora a identidade política da génese do regime franquista, já que são as origens deste que explicam e se apresentam como contemporâneas da Guerra Civil Espanhola.

Assim, e para uma avaliação correta do regime franquista há que consensualmente reconhecer pelo menos a existência mínima de duas fases186, a saber, uma que começa bem antes de 1939, mais precisamente com o golpe de Estado militar de 17-18 de julho de 1936, e termina com o final da Segunda Guerra Mundial (1945); a outra que, após um período de confuso de mudanças e de crises, se desenrola entre o fim dos anos 50 e o final da década de 60, terminando com o início da transição para a democracia (1975). Tendo em conta o tema e a periodização do nosso trabalho (1936-1939), iremos deter-nos numa breve análise da primeira fase.

Segundo Leonardo Morlino187, o processo de instauração deste regime que se inspirou mais no modelo fascista italiano do que no nacional-socialista alemão, teve início logo no golpe de Estado militar de julho de 1936. Com efeito, através logo de dois decretos (setembro de 1936 e de janeiro de 1937) são tornados ilegais todos os partidos e sindicatos de inspiração socialista e anárquica. Subsequentemente, em abril de 1937, é criado o partido único, a Falange Espanhola Tradicionalista e das JONS, reunindo as duas forças políticas que haviam apoiado o golpe de Estado militar, os falangistas e os carlistas, protagonistas importantíssimos nesses anos, mas muito menos relevantes nas décadas de 50 e 60, apesar das tentativas de revitalização e institucionalização do Movimiento, como será depois chamado o partido único.

Destarte, a estrutura sindical corporativa fica logo delineada com o El Fuero del Trabajo (março de 1938), a lei de unidade sindical (janeiro de 1940) e a lei de base de organização sindical (dezembro de 1940). Para o autor188 que temos vindo a citar, resulta daqui inequivocamente a doutrina corporativo-fascista que se inspirava nos princípios da unidade, totalidade e hierarquia, sendo o sindicato vertical que reunia todos os que

186 Cfr. Leonardo Morlino, Franquismo, in Dicionário de Política, ob. cit., p. p. 525 a 528. 187 Cfr. Leonardo Morlino, ob. cit., p. 526. 188 Cfr. Leonardo Morlino, ob. cit., p. 526.

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pertenciam a um mesmo ramo produtivo, do empregador ao operário, a instituição destinada a tornar concretos os três princípios referidos. Acresce que a própria lei que instituía as Cortes (junho de 1942) visava uma representação corporativa e baseava-se nas “três unidades naturais” de que fala José António Primo de Rivera, o líder falangista, morto durante a guerra civil: família, município e sindicato.

Para além dos falangistas, carlistas, militares e do próprio Franco como árbitro, possuem também grande importância os monárquicos e a Igreja. No entanto, na segunda metade dos anos quarenta e também como consequência das derrotas do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial e das subsequentes dificuldades de sobrevivência do regime, vão-se atenuar os aspetos fascistas e corporativistas e o falangismo passa para segundo plano. Para alguns como o já citado Leonardo Morlino189, estaríamos assim perante o franquismo como um modelo de fascismo fracassado.

Para constitucionalistas como Jorge Miranda190, tratou-se de “uma experiência particular de ditadura, de início muito próxima do fascismo, mas que dele se foi progressivamente distanciando”, sustentando-se nos seguintes princípios básicos do regime: “o autoritarismo político, com largas restrições das liberdades individuais; o intervencionismo económico e social; e a recusa dos princípios democráticos e da separação dos poderes, sendo que em vez de uma Constituição, existiam sete Leis Fundamentais do Reino (elaboradas entre 1938 e 1967)”. Por outro lado, e ainda conforme Jorge Miranda, “foi o único regime autoritário de direita da Europa que criou instituições próprias a meio caminho entre as monarquias absolutas, as monarquias constitucionais e as ditaduras fascistas”.

Para outros autores como Freitas do Amaral191, o regime franquista será uma ditadura civil apoiada por militares mas enquadrando-se nos regimes autoritários e não nas ditaduras totalitárias, visto que se tratava de uma ditadura que defende o primado da autoridade do Estado sobre as liberdades politicas dos cidadãos, mas não pretendendo controlar integralmente a vida privada de cada um. Por conseguinte, não se distinguiria substancialmente da ditadura do Estado Novo. Enquanto que para Jaime Nogueira

189 Cfr. Leonardo Morlino, ob. cit., p. 526. 190 Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 6ª edição, Coimbra Editora, 1997, p. p. 212 a 214. 191 Cfr. Freitas do Amaral, ob. cit., p. p. 176 e 177.

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Pinto192, se o Generalíssimo se inspirava em algum ideário, não era o da Falange, mas o da Acción Española cujo ideário era um conservadorismo nacionalista e contra revolucionário, sendo Franco nacionalista, católico e ferozmente anticomunista e antimaçónico.

Para um historiador como João Medina193 que irá proceder à comparação entre os dois ditadores, Salazar e Franco eram absolutamente distintos. Assim, o ditador português tinha uma cultura sacerdotal, moderadamente ampliada pelo curso de Direito e pelas suas leituras e ensaios financeiros, além de uma bagagem intelectual associada a uma liderança democrata-cristã típica das primeiras décadas do século XX, e um certo cuidado literário, mas longe na sua opinião de qualquer categoria estética ou vibração estilística. Ao invés, e para o mesmo autor, Franco nunca brilhou194 pela sua inteligência ou cultura. Aliás, Paul Preston195, um dos principais biógrafos de Franco, considera mesmo um mistério como é que tão grandes êxitos seus contrastam com a sua surpreendente mediocridade intelectual. Outros196 salientam no entanto as suas qualidades militares, os feitos militares, a frieza em combate e a sua coragem.

Todavia, e retomando a argumentação de Medina, tinham nalguns aspetos algumas semelhanças197, “na timidez, na reserva, no horror ao palavreado, na sua capacidade de se exprimirem com imensa prudência, na cautela sibilina”198, sendo que “Salazar aparece sempre como um homem fechado nada vocacionado para discursos pronunciados do alto da tribuna, e que só fez a 1ª saudação fascista em 1938, numa cerimónia legionária”.

Em contrapartida e ao contrário do ditador português, Franco era muito favorável ao culto da personalidade, de que é exemplo a transposição da sua imagem para a pintura e escultura, e à mitificação (as analogias a Carlos Magno, Filipe II, Carlos V, Napoleão, entre muitos outros), salientando-se para muitos dos seus biógrafos o mistério da desproporção entre a grandeza do mito e a mesquinhez da pessoa, o que parece confirmar

192 Cfr. Jaime Nogueira Pinto, Cinco Homens que Abalaram a Europa, A esfera dos Livros, 2ª edição, 2016, p. 350. 193 Cfr. João Medina, ob. cit., p. 231. 194 Cfr. João Medina, ob. cit., p. 232. 195 V. Paul Preston, Franco, Caudillo de Espanha, 5ª edição, Barcelona, Grijalbo, 1994, p. 14. 196 Jaime Nogueira Pinto será nesta matéria um entre outros exemplos, cfr. Cinco Homens que Abalaram a Europa, p. p. 66 e 67. 197 Cfr. João Medina, ob. cit., p. 233. 198 Por exemplo, consubstanciada naquele comentário que só ele sabia se era republicano ou monárquico, mas que não o confessava (cfr. João Medina, ob. cit., p. 232).

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o lado mais abertamente mobilizador e autenticamente fascista do regime de Franco na fase da Guerra Civil199.

De igual modo, Samuel Finer200 faz um paralelo entre o regime franquista e o Estado Novo ao considerá-lo um regime militar autocrático, onde os órgãos legislativos não têm praticamente autoridade, as eleições são vergonhosamente manipuladas, enquanto os militares dão apoio passivo ao regime.

O mesmo sucede com Maurice Duverger201 que enquadra o franquismo como o salazarismo nas ditaduras conservadoras de partido único, anotando que o trabalho, família, pátria e religião caracterizam um mesmo pensamento político, ainda que seja na economia que há uma substancial diferença, dado que após a Segunda Guerra Mundial a industrialização e o turismo começam a transformar uma Espanha agrária num país industrializado.

Em todo o caso, também este autor frisa que numa primeira fase202, precisamente aquela que mais nos interessa para o nosso trabalho, Franco procurou imitar os fascismos alemão e italiano, cujo auxílio permitiu a vitória na guerra civil. Salienta também Duverger o decreto de abril de 1940 convertendo a Falange em partido único, enquanto, por sua vez, o Conselho Nacional da Falange desempenhava um papel oficial análogo ao do Grande Conselho do Fascista na Itália Fascista, sendo também aquele órgão que escolhia o sucessor do general Franco no caso deste último não o vier a designar. Acresce que sob a influência da Falange foram adotadas a Carta do Trabalho em 1938 e uma estrutura sindical baseada em sindicatos únicos obrigatórios. Contudo, a partir de 1942, prevendo a derrota da Alemanha e da Itália e a vitória dos aliados, Franco tenta dar ao seu regime a aparência da sua coexistência com instituições democráticas.

Por seu turno, Gianfranco Pasquino203 enquadra o regime franquista entre os regimes autoritários que se limitam a “oprimir e a reprimir a sociedade de forma seletiva, controlando o ritmo e a natureza das mutações que iam ocorrendo”, não operando qualquer destrinça entre a ditadura do Estado Novo e a ditadura franquista.

199 Que nas fases subsequentes se foi atenuando, com “o déspota espanhol retirando-se do palco para uma postura de autómato silencioso, longínquo e enigmático, à medida que o velho aparelho militar ia cedendo a um regime mais moderno”, (cfr. João Medina, ob. cit., p. 233). 200 Cfr. Samuel Finer, ob. cit., p. 505. 201 Cfr. Maurice Duverger, ob. cit., p. 385. 202 Cfr. Maurice Duverger, ob. cit., p. p. 399 e 400. 203 Cfr. Gianfranco Pasquino, ob. cit., p. 302.

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Já para o historiador Eric Hobsbawm204, Franco seria um ditador que imita o fascismo, alguém que “incluiu a então não muito importante Falange espanhola (fascista) na sua Frente Nacional porque o que ele representava era a união de toda a direita contra os espetros de 1789 (Revolução francesa) e 1917 (Revolução russa), entre os quais ele não fazia distinções subtis”, mas que205 “nem sequer pode ser descrito como fascista”.

Por sua vez, Tony Judt206 ao comparar Franco com Salazar observa que Franco era um ditador rígido e verdadeiramente reacionário, mas ao contrário do seu vizinho Salazar, era também realista em economia.

Concluindo esta digressão, atentemos nas palavras de Ian Kerkshaw:207 “só quando Franco tomou conta da Falange (...) é que o fascismo espanhol se tornou um movimento de massas (...), sendo que o fascismo espanhol teve um apoio enorme que não se limitou aos partidários da Falange, já que a própria CEDA tinha aspetos nitidamente fascistas”.

Em todo o caso, e para lá de detalhes meramente terminológicos sobre a natureza política do regime franquista, o que ressalta é a sua crueldade. Efetivamente, Franco era de uma implacabilidade fria contra os seus inimigos. De acordo com o mesmo Kershaw, para Franco208 e os seus partidários, escondiam-se atrás dos republicanos a maçonaria, o comunismo, o socialismo, o judaísmo supostamente apoiado na União Soviética e o separatismo. Estes eram, pois, os males que tinham causado a decadência, a corrupção e o declínio de Espanha, sendo que a execução de cerca de 200.000 prisioneiros “vermelhos”209 de 1939 a 1943 mostra bem o lado vingativo e sanguinário do ditador espanhol, onde não haveria espaço para perdoar ou esquecer.

Significativo disso mesmo, e como se pode ler em Paul Preston, são as afirmações do insuspeito na circunstância o sanguinário general Yague210, um dos principais responsáveis pelos massacres nacionalistas de Badajoz, quando protesta211 contra a falta de generosidade de Franco para com os vencidos, milhares dos quais continuaram, até 1945, a ser condenados e executados. Com as prisões e os campos a transbordar de presos

204 Cfr. Eric Hobsbawm, ob. cit., p. p. 118 e 129. 205 Cfr. Eric Hobsbawm, ob. cit., p. 160. 206 Cfr. Tony Judt, ob. cit., p. p. 585 e 586. 207 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. p. 296 e 297. 208 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. 373. 209 Cfr. Gabriel Jackson, A República Espanhola e a Guerra Civil (1931/1939), Volume II, publicações Europa América, 1965, p. 295. 210 Popularmente conhecido como o “carniceiro de Badajoz”. 211 V. Paul Preston, Franco, p. p. 365 e 594, 5ª Edição, Grijalbo, Barcelona, 1994.

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políticos, calcula-se que em 1940 havia cerca de 500.000 presos212, instituindo-se tribunais militares que vão funcionar até 1943, condenando, portanto, à morte ou à prisão perpétua milhares de espanhóis213.

Face ao antecedente, podemos concluir que para a maioria dos autores o franquismo assumiu aspetos nitidamente fascistas durante a Guerra Civil de Espanha e a primeira metade dos anos quarenta. Todavia, a questão terminológica não tem que ser decisiva, rigorosa ou exclusiva, porquanto o que releva igualmente é a caracterização dos inimigos do regime e o lado implacável da máquina franquista. Neste sentido, a caracterização dos inimigos do regime tem obviamente analogias com o salazarismo, ainda que o caráter obviamente repressivo do regime salazarista, não assuma nem de perto nem de longe os contornos sanguinários e cruéis do regime franquista.

Com efeito, é o próprio Salazar que em 1943 refere de uma forma lapidar o seu pensamento214 ao escrever sobre a Revolução e os problemas nacionais que “Nós procuramos fugir ao socialismo e ao comunismo por meio das corporações, aplicado o princípio da organização corporativa não só à agricultura, comércio e indústria, isto é, a atividades direta e puramente lucrativas, mas a atividades espirituais e morais que com elas coexistem (...)”. De outro modo, e sobre a Revolução no momento internacional escreverá no mesmo opúsculo215, “salvo o comunismo que há de continuar sendo elemento de desordem, a imediata preocupação será que a ordem se não altere onde existe e se estabeleça onde se afundou (...). O comunismo constitui a meu ver o maior problema humano de todos os tempos”.

Quanto às estatísticas da repressão não se pode naturalmente comparar para além dos assassinatos216 perpetrados pelas forças nacionalistas durante o conflito, as já citadas 200.000 vítimas mortais do regime franquista pós-guerra civil com as aproximadas (por defeito) cerca de 120 vítimas mortais da ditadura de Salazar no continente217, nem o

212 V. Michel Mourre, Espanha, in Dicionário de História Universal, p. 417, Edições Asa, 1998. 213 Cfr. Sheelagh Ellwood, ob. cit., p. 125. 214 Cfr. Oliveira Salazar, O Pensamento de Salazar, Os princípios e a obra da Revolução, no momento interno e no momento internacional, Edições SPN, Lisboa, 1943, p. 18. 215 Cfr. Oliveira Salazar, ob. cit., p. 21. 216 Não se incluindo aqui, portanto, os mortos em combate. 217 Como já se referiu, não se conhecem estatísticas sobre o número de vítimas mortais nas antigas colónias.

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milhão de presos políticos do regime franquista com os aproximados 30.000 presos políticos do regime salazarista218.

II. 8. BREVE REFERÊNCIA AO IBERISMO

Como se verá adiante, o Estado Novo irá temer uma eventual ameaça expansionista espanhola. Ora, esse medo provém não só de uma hipotética vitória de uma “Espanha vermelha” da Frente Popular, que através da ocupação do território português poria termo ao regime salazarista, mas igualmente das tentações expansionistas existentes em certos setores no campo dos nacionalistas.

Esta situação não é totalmente alheia à questão do chamado iberismo, conceito político este que tem a ver com a integração de Portugal num todo peninsular, ou seja, a união entre os dois Estados na Península. O anti-iberismo será sempre explorado pelo Estado Novo, como é o caso do anticomunismo. No entanto, o iberismo foi sempre mais um problema de letrados e políticos219, isto é, de homens que ambicionavam fazer, dirigir ou explicar a história.

Do lado espanhol, muitos nunca aceitaram essa bizarra mutilação que Portugal representava no todo geográfico da Península. Do lado português, a generalidade considerou sempre as perspetivas de união em termos antinacionais220, mas também houve os que defenderam esta solução. No fundo, tratava-se de uma aspiração datando de séculos221 e alimentada no passado por qualquer dos países ao nível dirigente, mas posta de parte pelos portugueses desde 1640.

218 Perto de 17.000 detidos entre 1933 e 1945 (não há informação para o período 1926/1933), e cerca de 15.000 para o período 1945/1974, segundo dados retirados de Irene Pimentel, a História da PIDE, p. 417. Por sua vez, contabilizam-se 3795 réus julgados entre 1933 e 1945 nos tribunais militares especiais e 3888 réus julgados nos tribunais plenários entre 1945 e 1974, segundo dados recolhidos em Fernando Rosas, com Irene Pimentel, João Madeira, Luís Farinha e Maria Inácia Rezola, Tribunais Políticos, Temas e Debates e Círculo de Leitores, 2006, p. 283, observando-se ainda que nem todos os presos políticos vão a julgamento, sendo que na época dos fascismos e dos tribunais militares não vão a julgamento cerca de 73% dos presos, conforme Tribunais Políticos, ob. cit., p. 282. 219 Cfr. Alberto Martins de Carvalho, Dicionário de História de Portugal, coordenação de Joel Serrão, Volume 3, Edição Figueirinhas, 1992, p. 239. 220 Miguel de Vasconcelos (secretário de Estado em Portugal, entre 1634 e 1640, durante o fim da ocupação filipina), morto pelos conjurados de 1640, logo na manhã de 1 de dezembro, ficou como símbolo do português traidor. 221 Cfr. Oliveira Marques, História de Portugal, Volume II, Palas Editores, Lisboa 1977, p. p. 108 e 109.

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Por outro lado, e como refere António Pedro Vicente222, “Portugal como parte integrante do todo ibérico nunca deixará de ser olhado com inveja por tantas nações espanholas que reivindicam a sua autonomia”, sendo que como recorda este autor Portugal quase sempre procurou resolver alguns dos seus problemas mais prementes recorrendo ao seu velho aliado, a Inglaterra, em detrimento do recurso ao seu vizinho espanhol, vide, por exemplo, o recurso à Grã-Bretanha face aos ataques napoleónicos.

Como escreve Oliveira Marques223, “durante o século XIX, as pretensões espanholas, a uma união peninsular puseram em perigo, de quando em vez, a independência de Portugal (...), havendo, diga-se de passagem, também no Portugal oitocentista partidários dessa união, mas em número pequeno e de influência prática muito reduzida”, sendo que em ambos os países, a unificação da Itália (1859-1861) e a tendência para a unificação da Alemanha (efetiva em 1871) exerceram considerável influência. Nesta senda, o próprio Duque de Saldanha foi durante algum tempo partidário convicto do iberismo, sendo até provável que a sua tomada de poder, em 1870, tivesse por detrás alguma participação espanhola, tendo a questão se reavivado em 1873/1875, durante a 1ª República Espanhola.

No decorrer do século XIX, homens como Henriques Nogueira, Latino Coelho e Teófilo Braga pensam em conseguir a unidade peninsular enquanto numa perspetiva apenas cultural figuram Oliveira Martins e, por exemplo, em Espanha Menéndez Pelayo, e já no século XX também em Espanha, Miguel Unamuno.

No respeitante a muitos intelectuais portugueses224, incluindo grande número de republicanos, atraía-os o sonho de uma União Ibérica, como remédio para o atraso em que se debatiam as duas pátrias. E havia ainda numa outra perspetiva, iberistas como António Sardinha225, doutrinador político, polemista e escritor, nacionalista e adepto de uma monarquia pré-constitucional, baseada na tradição, na autoridade e no mito da Raça que dá origem ao integralismo lusitano, cujo ideário se filia em grande parte nas ideias da Action Française, de Charles Maurras.

222 Cfr. António Pedro Vicente, Iberismo, in Coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, Edição Figueirinhas, 1999, p. 201. 223 Cfr. Oliveira Marques, ob. cit., p. p. 106 e 107. 224 Cfr. Oliveira Marques, ob. cit., p. 107. 225 Cfr. Maria Amélia Gomes, Sardinha, António, in Dicionário da Literatura Portuguesa, Organização e Direção de Álvaro Manuel Machado, Editorial Presença, 1996, p. 442. Sardinha que com o fracasso da efémera Monarquia do Norte viu-se obrigado a exilar-se em Espanha, onde permaneceu mais de dois anos.

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Com estes antecedentes, não é de admirar que quando é proclamada a República em Espanha, em abril de 1931, regresse o espetro do iberismo. Por conseguinte226, e no seguimento da revolta da Marinha, na ilha da Madeira, grita-se nas manifestações favoráveis ao regime contra o iberismo: “Viva a Ditadura! Viva Salazar! Abaixo a União Ibérica! Abaixo a Maçonaria!”. A Maçonaria que tem uma componente iberista pronunciada vem a ser interditada em 1935.

II. 9. A INTERAÇÃO DO ESTADO NOVO COM AS FORÇAS NACIONALISTAS NAS VÉSPERAS DO CONFLITO.

Antes de nos determos nos reflexos e nas consequências do conflito espanhol em Portugal, torna-se inevitável analisar as movimentações operadas nos círculos afetos ao Estado Novo nas suas vésperas.

Ora vejamos.

De acordo com César de Oliveira227, as duas grandes preocupações de Salazar entre fevereiro e julho de 1936 radicam, por um lado, na insistência junto da Inglaterra sobre a ameaça que corriam os seus interesses se Portugal viesse a ser perturbado pela evolução esquerdista da República Espanhola e, por outro, no favorecimento quanto possível da conspiração contra a República sem dar pretextos desnecessários a uma deterioração excessiva das relações luso-espanholas.

Quando eclode a Guerra Civil de Espanha em julho de 1936, Salazar preside ao Conselho de Ministros há 4 anos e leva, no total, oito anos de funções governativas relevantes, já que é o todo poderoso ministro das Finanças dos Governos da ditadura militar desde abril de 1928. Na esteira do que foi referido no ponto anterior, Salazar sabe que os dois perigos da Espanha para Portugal têm, portanto, a ver com duas tradições228, ambas anexionistas e iberistas: o imperialismo castelhano direitista e militarista e o federalismo ibérico esquerdista e progressista. Ora, sendo o primeiro de direita

226 V. António Pedro Vicente, Iberismo, in Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 202, António Pedro Vicente, O Cerco à Embaixada da República Espanhola em Lisboa, in Fernando Rosas, Portugal e a Guerra Civil de Espanha, p. 29, César de Oliveira, Portugal e a II República de Espanha, Lisboa P&R, 1985, p. 386. 227 V. César de Oliveira, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, Edições o Jornal, 1986, p. 124. 228 Cfr. Jaime Nogueira Pinto, Salazar, O Outro Retrato, a Esfera dos livros, 2006, p. p. 116 e 117.

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conservadora, considera o chefe do Governo que o perigo principal vem da Frente Popular, seja porque acha que esta já é comunista ou vai a breve trecho ser dominada pelo Partido Comunista, seja porque é constituída por iberistas. Em suma, a junção do iberismo com o comunismo.

Como vimos acima, sendo o comunismo para o chefe de Governo português o maior problema da Humanidade e, subsequentemente, porque aquele teme o receio de uma subversão por infiltração a partir de Espanha, não obstante os nacionalistas ocuparem a maior parte da fronteira confinante com Portugal, quase desde o princípio229, Salazar não vai hesitar entre os dois campos em presença. Esta opção vai, portanto, basear-se em duas coordenadas, a saber, por um lado, as maiores simpatias ideológicas e proximidade com o ideário franquista como se viu em pontos anteriores, mas também por causa da delimitação do inimigo ideológico comum como igualmente se viu e, por outro, por uma questão de maior probabilidade de sobrevivência do regime em caso de vitória do lado nacionalista.

Acresce que se na Guerra Civil de Espanha o desfecho se inclinasse para o lado republicano230, multiplicar-se-iam de tal modo as ameaças para o regime salazarista que só muito dificilmente aquele poderia sobreviver face aos apoios que as diversas forças oposicionistas portuguesas seguramente receberiam das forças vitoriosas, daí o apoio determinado e rápido que o regime prestou à sublevação militar nacionalista de 18 de julho de 1936.

Convém recordar que a vitória da Frente Popular nas eleições de fevereiro de 1936, vem interromper o processo de normalização das relações luso-espanholas, porquanto231 se criou em Espanha uma situação claramente hostil ao Estado Novo. Subsequentemente, Portugal passa a constituir um dos locais privilegiados para a preparação da sublevação militar dos nacionalistas, sendo o general Sanjurjo um dos obreiros dessa conspiração232. Portugal era assim o destino dos emissários de Emílio Mola e das diversas forças políticas que conspiravam contra a República espanhola.

229 Vide Jaime Nogueira Pinto, Salazar, ob. cit., p. 120. 230 Cfr. Fernando Rosas, coordenação, Portugal e o Estado Novo (1930-1960), 1992, Editorial Presença, Nova História de Portugal, direção de Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques, p. 34. 231 V. Fernando Rosas, coordenação, Portugal e o Estado Novo (1930-1960), 1992, Editorial Presença, Nova História de Portugal, direção de Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques, p. 32. 232 Cfr. Fernando Rosas, coordenação, Portugal e o Estado Novo (1930-1960), 1992, Editorial Presença, Nova História de Portugal, direção de Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques, p. 33.

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Efetivamente, e como escreve César de Oliveira233, o Governo liderado por Oliveira Salazar não perdia a oportunidade de dar apoio diverso a cidadãos espanhóis que depois das eleições de fevereiro de 1936 se envolveram na conspiração contra o governo republicano legitimado pelo sufrágio.

Com efeito, a presença em Portugal, na zona do Estoril234, do general Sanjurjo implicou que o nosso país fosse um dos “centros preparatórios” da revolta militar que eclodiria a 18 de julho. Na verdade, os generais conspiradores reservavam para Sanjurjo a liderança do poder político militar, sendo que um dos elementos de ligação entre a conspiração dirigida por Mola e Sanjurjo foi o Marquês de Quintanar. Este elemento da velha nobreza latifundiária espanhola veio em maio de 1936 informar pessoalmente o chefe do Governo português do estado em que se encontrava a preparação do golpe militar contra a República espanhola235.

No mesmo sentido escreve Filomena Abreu236, quando refere que o Governo português tinha conhecimento da revolta militar nacionalista, “consideradas as diversas reuniões preparatórias realizadas no nosso país, com a devida cobertura das autoridades portuguesas”. Aliás, esta mesma investigadora237 menciona um encontro em maio, no Estoril, entre generais nacionalistas espanhóis, autoridades portuguesas, um ministro alemão e um ministro italiano, em que é concertado um plano de atuação com o objetivo de implantação do fascismo em Espanha.

Aliás, já em março de 1936238, o chefe do Governo português mostrara toda a sua preocupação ao embaixador de Inglaterra pela situação em Espanha e pela derrota das direitas de Gil Robles no mês anterior. Acresce ainda que o Conde de Ramones transmite por essa altura ao embaixador Teixeira de Sampaio informações que deixam adivinhar uma futura hostilidade com Espanha. Em consequência, Salazar dá orientações à censura para ficar com a liberdade de relatar o clima de caos e violência do país vizinho. E em 21 de abril de 1936, as apreensões do ditador perante o Conselho Superior de Defesa

233 Vide César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in Dicionário de História de Portugal, coordenação de Volume 8, Suplemento, coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, 1999, Edição Figueirinhas, p. 149. 234 Sanjurjo fixara residência em Portugal após ter estado detido, até março de 1934, pela sua participação na tentativa de golpe militar monárquico de agosto de 1932 (cfr. César de Oliveira, ob. cit., p. 149). 235 Neste contexto, não é de admirar que o governo da Frente Popular renove os apoios aos vários opositores ao Estado Novo. 236 Vide Filomena Abreu, A Rádio Portuguesa e a Guerra Civil de Espanha, in coordenação de Fernando Rosas, Portugal e a Guerra Civil de Espanha, Edições Colibri, 2ª tiragem 2007, p. 127. 237 Cfr. Filomena Abreu, ob. cit., p. 128. 238 Vide Franco Nogueira, ob. cit., p. 362.

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Nacional são bem evidentes ao reafirmar que239 “guerra na Metrópole é guerra com a Espanha (...) se a força de expansão de um regime extremista provocar a guerra para a uniformização do sistema político peninsular”.

Nas vésperas do conflito240, e como também refere Jaime Nogueira Pinto, Portugal está presente desde a primeira hora, sendo que os conspiradores podem atuar tranquilamente na preparação e na retaguarda do golpe. Coexistem, portanto, em Lisboa muitos exilados e emigrados espanhóis de direitas, entre os quais Gil Robles, que o governo francês expulsara de Biarritz, Sanjurjo, Ansaldo e o ativista Manuel Conde, secretário-geral dos carlistas, envolvido na logística da conspiração. A 17 de julho de 1936241, Salazar recebe várias personalidades políticas espanholas e o presidente do Banco Espírito Santo242 e a 18 de julho encontram-se com o chefe do Governo o marquês de Quintanar e o general Sanjurjo, sendo que o ministro do Interior, Mário Pais de Sousa, e o diretor da (PVDE), capitão Agostinho Lourenço, também reúnem com o presidente do Conselho por causa de Espanha.

Entretanto, a opinião portuguesa que é minimamente informada radicaliza-se em campos ideológicos antagónicos. Pelo lado da Frente Popular e dos republicanos espanhóis encontramos em regra os adversários de Salazar, esperando a queda deste em caso de vitória daqueles. Do lado nacionalista, surgem quase todos os conservadores, os monárquicos, os católicos e, de uma forma geral, todos os que aderem ou simpatizam com o Estado Novo.

Neste plano, a oposição portuguesa ao Estado Novo encontra-se dividida face ao conflito espanhol entre243 os “reviralhistas” no exílio divididos, por sua vez, entre uma linha mais conservadora protagonizada por figuras como Ribeiro de Carvalho e Cunha Aragão e defendendo a neutralidade de modo a não comprometer a independência nacional e outra mais radical representada por Jaime Cortesão e Jaime de Morais que se posiciona do lado dos republicanos. Há ainda a contar do lado republicano com a oposição

239 Cfr. Franco Nogueira, ob. cit., p. 363. 240 Cfr. Jaime Nogueira Pinto, Cinco Homens que Abalaram a Europa, Biografias Cruzadas, 2ª edição, a Esfera dos livros, 2016, p. p. 333 e 353. 241 O que ficamos a saber pelas agendas de Salazar, copiadas e publicadas por Fernando de Castro Brandão, conforme Jaime Nogueira Pinto, Cinco Homens que Abalaram a Europa, Biografias Cruzadas, 2ª edição, a Esfera dos Livros, 2016, p. 334. 242 À estranha hora das 22h45, como menciona José Ángel Sánchez-Asiain, na sua obra La Financiacón de La Guerra Civil Española, Barcelona, Crítica, 2012, p. 238. 243 Cfr. Margarida Melo, Três oposições apostam em Espanha, in Século XX, homens, mulheres e factos que mudaram a história, Público, El País, 1999/2000, p. 315.

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anarquista e anarcossindicalista e com o Partido Comunista interessado desde 1935 em lançar as bases para uma Frente Popular Portuguesa.

Como sustenta José Medeiros Ferreira244, “entre 1928 e 1932 e mesmo entre 1932 e 1936 não se conhecem grandes decisões de Salazar em matéria de política externa. Seria a Guerra Civil de Espanha que daria ao ditador a oportunidade para se afirmar nas questões internacionais”.

Neste contexto, e como defende Manuel de Lucena, a ação de Salazar245 relativamente à Guerra Civil de Espanha vai visar vários fins cuja conjugação não se apresentava fácil: assegurar uma completa e definitiva vitória nacionalista e a correspondente derrota sem apelo dos republicanos; salvaguardar e se possível reforçar a aliança inglesa; conter a influência italiana e alemã sobre o regime franquista, condição para que a Península Ibérica pudesse permanecer neutral em caso de guerra europeia generalizada; dificultar e se possível impossibilitar o desenvolvimento das tentações expansionistas contrárias à independência de Portugal, que sabia existir no campo nacionalista ao qual se aliara. Aliás246, e não obstante a estreita cooperação e apoio aos revoltosos franquistas, nunca Portugal desconheceu os desígnios e a propaganda anexionista da Falange. Em suma, e como sintetiza Carlos Gaspar247, a crise espanhola torna-se, portanto, o problema central da política portuguesa.

O que se vai seguir, e248 é comummente aceite por muitos historiadores, isto é, a paz de 10 anos que vai ser conseguida a partir de 1936 face aos horrores da guerra e da ocupação nazi constituirá o maior trunfo de Salazar, não obstante como expressa Ribeiro Meneses, a “sorte e o custo elevado para o país e para a sua reputação histórica, manchada pelo espetro da colaboração e do silêncio”.

244 Cfr. José Medeiros Ferreira, Características históricas da política externa portuguesa entre 1890 e a entrada da ONU, in Política Internacional, Volume I, nº 6, Lisboa, 1993, p. 139. 245 Vide Manuel de Lucena, Salazar, in Dicionário de História de Portugal, Volume IX, Suplemento, coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Figueirinhas, 2000, p. 350. 246 Cfr. Fernando Rosas, História de Portugal, Sétimo Volume, Direção de José Mattoso, Círculo de Leitores, 1994, p. 296. Desígnios estes “acentuados nos primeiros anos da II Guerra Mundial com o beneplácito de Serrano Suñer”, conforme p. 296. Suñer é o chefe de fila do “partido” germanófilo e pró- belicista do franquismo, tendo sido líder da Falange, ministro da Governação e ministro dos Assuntos Exteriores de Espanha entre 1940 e 1942 (cfr. ob. cit., p. 412). 247 Cfr. Carlos Gaspar, Espanha, relações com a, in Dicionário da História de Portugal, António Barreto e Maria Filomena Mónica, Volume VII, Edição Figueirinhas, 1999, p. p. 650 e 651. 248 Cfr. Ribeiro de Menezes, Salazar, uma biografia política, D. Quixote, 2ª edição, 2009, p. 215.

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II. 10. O ENDURECIMENTO DO REGIME E O AUMENTO DOS PODERES DE SALAZAR COMO CONSEQUÊNCIA DA SITUAÇÃO ESPANHOLA

Indissociável das eleições espanholas de fevereiro de 1936 e do conflito que se lhe vai seguir é o manifesto aumento do caráter repressivo do regime salazarista.

Senão vejamos.

Na realidade, e conforme refere Fernando Rosas249, este maior autoritarismo traduz-se na criação da Colónia Penal do Tarrafal250 para presos políticos e sociais, no Tarrafal, Ilha de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde, na criação da Legião Portuguesa no verão de 1936, organização paramilitar com características fascistas com as suas paradas militares, camisas verdes e a saudação romana, cujo objetivos consistiam em participar na “cruzada anti bolchevista” e em defender “o património espiritual da Nação, bem como o Estado corporativo”251. Como assinala Luís Nuno Rodrigues252, quem lançou publicamente a ideia da criação da Legião Portuguesa foi Jorge Botelho Moniz, um dos principais apoiantes da causa nacionalista espanhola em Portugal, evocando precisamente a situação espanhola e, identificando a luta contra o comunismo como a defesa da soberania nacional face ao “iberismo soviético”253, tendo Salazar gerido

249 Vide Fernando Rosas, Portugal e o Estado Novo (1930-1960), Volume XII, Nova História de Portugal, Direção de Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques, Editorial Presença, 1992, p. 35, e Fernando Rosas, coordenação, Introdução a Portugal e a Guerra Civil Espanhola, Edições Colibri, 2ª tiragem, 2007, p. IX. 250 Recorde-se que só no campo de concentração do Tarrafal, morreram 31 presos deportados, cfr. Irene Pimentel, ob. cit., p. 387. A primeira leva de prisioneiros políticos chega ao Tarrafal em outubro de 1936. É constituída por 157 deportados (dirigentes e ativistas anarquistas e comunistas envolvidos no 18 de janeiro de 1934, dirigentes do Partido Comunista Português (PCP). 60 marinheiros da Organização Revolucionária da Armada (ORA) – estrutura político-militar clandestina ligada ao PCP na sequência da sublevação de 8 de setembro de 1936 dos navios Dão, Bartolomeu Dias e Afonso de Albuquerque, que pretendiam precisamente dirigir-se a Espanha para se aliarem aos republicanos, dirigentes sindicais, etc.), cfr. História de Portugal em Datas, coordenador António Simões Rodrigues, Rui Grilo Capelo, Augusto José Monteiro, João Avelãs Nunes, António Simões Rodrigues, Luís Reis Torgal e Francisco Manuel Vitorino, Círculo de Leitores, 1994, p. 329, e Fernando Rosas, Sétimo Volume, Direção de José Mattoso, Círculo de Leitores 1994, p. 240, José Adelino Maltez, ob. cit., p. 395. 251 Vide Oliveira Marques, Breve História de Portugal, Editorial Presença 1995, p. 649. 252 Cfr. Luís Nuno Rodrigues, A Legião Portuguesa, A Milícia do Estado Novo,1936-1944, Editorial Estampa, 1996, p. 45 e p. 57. 253 “Olhemos o que se passa em Espanha e não percamos tempo (...). Constituamos a Legião Portuguesa”, Luís Nuno Rodrigues, ob. cit., p. 45.

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com a sua habitual habilidade a manutenção sob o controlo do Estado de uma entidade cuja ideia não partiu de si, mas que integrou para melhor controlar254.

No respeitante à dureza das condições prisionais no Tarrafal não havia paralelo com qualquer outra prisão. Como relata Pacheco Pereira255, “em particular entre 1937 e 1940, no auge da Guerra de Espanha e no início da II Guerra Mundial, a violência instala- se no Campo, e os mortos sucedem-se (…), sendo que a elevada mortalidade do campo não pode deixar de ser intencional, visto que a maioria da população era jovem e robusta, homens duros, nalguns casos já com experiência de prisão ou vindos da guerra de Espanha onde tinham participado em combates”. Aí campeavam a falta de higiene, os espancamentos sistemáticos, a ausência de medicamentos anti palúdicos e a falta de assistência médica, e onde entre as febres tropicais que ceifavam os presos em poucos dias se destacava a célebre febre biliosa (Pacheco Pereira).

De igual modo, observa-se o endurecimento do regime no reforço da polícia política, na relevância dada à propaganda do ideário colonialista e do destino imperial de Portugal. Da mesma forma, no assumir de um discurso nacionalista inflamado favorável ao franquismo, dinamizado pelo Secretariado da Propaganda Nacional. A que acresce nomeadamente256 para além dos órgãos de vigilância, a criação dos aparelhos de inculcação ideológica, isto é, os organismos que tinham como missão vigiar o quotidiano e introduzir autoritariamente os valores do “homem novo” salazarista e da “mulher a renascer como fada do lar e repouso do guerreiro”, tais como as organizações de juventude, a Mocidade Portuguesa e a Mocidade Portuguesa feminina, criadas respetivamente em 1936 e 1937, outros grupos paramilitares com características fascistas igualmente com as suas camisas verdes e saudações romanas257.

Ademais, é alargada a competência do Tribunal Militar Especial258, perante o qual passaram a comparecer também os indivíduos implicados em quaisquer motins e tumultos, não se podendo ainda esquecer o número significativo de prisões entre militares

254 O mesmo se diga da Mocidade Portuguesa, tendo Salazar aproveitado e institucionalizado os dois organismos originados por uma secção dos seus apoiantes mais próximos, convictos admiradores dos regimes alemão e italiano., cfr. Luís Nuno Rodrigues, ob. cit., p. 57. 255 ob. cit., p. p. 272 e 273. 256 Cfr. Fernando Rosas, Salazar e o Poder, A Arte de Saber Durar, Tinta da China, 2012, p. 199. 257 A Mocidade chegou a enquadrar cerca de três quartos dos estudantes dos liceus. Segundo Rui Ramos, “as relações daquela com as congéneres alemãs e italianas também foram racionadas por causa da opinião católica”, visto que a pastoral coletiva dos bispos de 18 de abril de 1938 alertava contra “o ídolo pagão de um estatismo totalitário” (cfr. Rui Ramos, ob. cit., p. 638). 258 Cfr. Manuel Lucena, Salazar, in coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 9, p. 347.

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ocorrido em maio de 1938, como recorda José Medeiros Ferreira259. Por seu turno, o novo ministério da Educação Nacional de Carneiro Pacheco traça o seu plano para a denominada “reconversão das almas”, e existe a obrigatoriedade da “declaração anticomunista” para o acesso à função pública e intensifica-se a censura.

No que concerne à polícia política260, PVDE, frise-se que é precisamente durante a Guerra Civil de Espanha que se verifica o maior período de incidência repressiva: 8293 presos políticos entre 1936 e 1939. É também durante o conflito espanhol que aumenta o seu número de funcionários261 e se introduzem os primeiros cursos de preparação dos seus agentes englobando, entre outros aspetos, o estudo da atuação dos Partidos Comunistas. Por outro lado, Oliveira Salazar, presidente do Conselho de Ministros e ministro das Finanças desde 1932, reforça o seu poder em maio de 1936 ao assumir o ministério da Guerra, sendo que em novembro de 1936, na sequência da exoneração de Armindo Monteiro, assume a pasta dos Negócios Estrangeiros. Isto é, além de primeiro- ministro assume agora os ministérios essenciais.

II. 11. O ESTADO NOVO E OS PRIMEIROS MESES DO CONFLITO ESPANHOL

Na esteira do já exposto, e como sustenta Pena-Rodríguez262, havia uma manifesta incompatibilidade entre os dois sistemas políticos: o espanhol era um modelo republicano com uma Constituição democrata-liberal instaurada a 9 de dezembro de 1931 e o português era um regime autoritário nascido em 1926 de um golpe militar que foi refundado por Salazar sob a denominação de Estado Novo. Por conseguinte, esta ausência de complementaridade política e ideológica entre os governos ibéricos provocou um

259 Cfr. José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares, Forças Armadas e Regimes Políticos em Portugal no Século XX, Editorial Estampa, 2ª edição, p. p. 196 e 197. Entre os detidos, encontra-se até um coronel irmão de Sidónio Pais, cfr. José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares, p. 197. 260 Cfr. Fernando Rosas, Salazar e o Poder, A Arte de Saber Durar, Tinta da China, 2012, p. 204. Como se viu na nota de rodapé nº 218, cerca de 32.000 presos ao longo de um período que vai de 1933 a 1974, pelo que cerca de um quarto do total apenas entre 1936 e 1939. 261 Cfr. Maria da Conceição Ribeiro, A Polícia Política no Estado Novo, 1926-1945, Editorial Estampa, 2000, p. p. 126, 137 e 140. 262 Cfr. Alberto Pena-Rodríguez, Salazar contra o “Terror Vermelho”: a imprensa portuguesa e o corte das relações diplomáticas com Espanha em 1936, in José Luís Garcia, Tânia Alves e Yves Léonard, coordenação, Salazar, o Estado Novo e os Media, Edições 70, 2017, p. 103.

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natural desejo de alteração do rumo político mútuo, como a literatura científica263 sobre a história das relações ibéricas tem procurado explicar (Pena-Rodríguez).

Vale por dizer264 que Salazar escolheu de forma clara desde o momento inicial da revolta o campo nacionalista. Para aquele, tratava-se acima de tudo de “duas civilizações” em confronto. E segundo esta linha de raciocínio, Portugal estava sob a ameaça de ser absorvido por uma Federação das Repúblicas Soviéticas, razão pela qual o país não podia ser neutral, até porque seria também a sobrevivência do regime português que também se discutia na Guerra de Espanha, como já se observou265. Flui daqui que a ação de Salazar face ao conflito vai ser determinada por razões ideológicas com proximidades com os nacionalistas, quanto mais não seja no respeitante à rejeição da democracia liberal e à delimitação do inimigo comum, mas também com a sobrevivência do próprio regime. Deste modo, entre julho de 1936 e março de 1937 o regime tudo fará para permitir aos revoltosos nacionalistas aguentar e unir os seus setores norte e sul e, subsequentemente, passar à ofensiva. Como decorre de Rosas266, a partir de março de 37 seria já “uma longa, acidentada, mas segura marcha (do campo nacionalista) para a vitória”.

No mesmo sentido escreve Iva Delgado267, ao frisar que posição de Salazar irá desdobrar-se nomeadamente no apoio aos rebeldes nacionalistas em território nacional, numa ação diplomática pró-nacionalista, no investimento numa imprensa e rádio favoráveis e doutrinariamente apoiantes dos franquistas e no corolário final que é o Pacto Ibérico, que vai unir o vencedor Franco ao seu vizinho português.

Importa frisar que a fazer fé em Franco Nogueira268, a decisão irreversível de Salazar de se posicionar ao lado das forças nacionalistas remonta logo a 19 de julho, quando Carmona visita o chefe do Governo em S. Bento e o único tópico da reunião é precisamente a situação espanhola. Esta posição estriba-se mais uma vez na convicção de que a fundação de um regime autoritário no país vizinho garante a sobrevivência do Estado Novo. Nesta senda, e segundo o historiador clássico do conflito espanhol, Hugh

263 Ver no mesmo sentido, entre outros, as seguintes obras: Gómez, Hipólito de la T, La Relación Peninsular en La Antecâmara de La Guerra Civil (1931-1936), Mérida, Uned, 1988, e Torgal, Luís Reis, Estados Novos, Estado Novo, Coimbra, Coimbra University Press, 2ª edição, 2009. 264 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, Estudos sobre a política externa do Estado Novo nos anos 30 e 40, Fragmentos, 1988, p. 42. 265 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 42. 266 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 41. 267 Cfr. Iva Delgado, Portugal e a Guerra Civil de Espanha, Mem Martins, Publicações Europa América, 1980, p. 13 268 Vide Franco Nogueira, Salazar, Volume III, p. p. 13 e 14.

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Thomas269, a 26 de julho Portugal oferece logo apoio incondicional ao General Mola, um dos líderes dos revoltosos como já se viu atrás, respondendo a um pedido transmitido pessoalmente ao chefe do Governo português pelo general Ponte. E a 1 de agosto270 Salazar propõe-se mesmo auxiliar os rebeldes “com todos os meios disponíveis – incluindo a intervenção do Exército português se tal for necessário”.

Se bem que Portugal não vá ter nem de perto nem de longe do ponto de vista bélico uma intervenção que pudesse assemelhar-se à italiana ou à alemã, o seu papel desdobra- se logo no início do conflito, nos seguintes planos (César de Oliveira)271: logístico (o território português constituiu o único ponto de apoio para as varias operações do lado nacionalista); político (apoio sem reservas à causa antirrepublicana e colocação sobretudo das estações de rádio ao serviço dos nacionalistas); diplomático (caução da justa sublevação contra os perigos do comunismo internacional) e militar (permissão para o recrutamento de voluntários para as diversas formações militares franquistas). E não esquecendo ainda o apoio financeiro.

Ora vejamos.

Face ao exposto, não admira que logo nos primeiros dias da Guerra Civil272, e como refere Franco Nogueira, a imprensa portuguesa intensifique a sua campanha sobre a situação espanhola: “longas, minuciosas reportagens são publicadas sobre as violências, os assassinatos políticos, os assaltos, os crimes atribuídos em Espanha às forças da Frente Popular”, destacando-se neste particular o Rádio Clube Português273, emissora particular dirigida por Jorge Botelho Moniz274, que dá apoio político aos nacionalistas, através de emissões275, em língua castelhana, que incentivavam o avanço dos nacionalistas contra as

269 Cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 186. 270 Cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 186. 271 V. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in Dicionário de história de Portugal, Suplemento, Volume 8, coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Edição Figueirinhas, 1999, p. 151. 272 V. Franco Nogueira, Salazar, Volume III, p. 21. 273 Desse tempo-dos meus doze aos quinze anos – dirá Mário Soares, “conservo (...) o clamor da propaganda oficial portuguesa, pró-franquista, que se exibia infrene nos jornais, rufava, com acentos de clarim da guerra, nesse fatídico Rádio Clube Português, de má memória, e se insinuava na própria escola, através dos meus colegas de turma, todos vítimas da propaganda oficial organizada contra os rojos”, cfr. Mário Soares, Portugal Amordaçado, Editora Arcádia, 1974, reedição Jornal Expresso, Volume I, 2017, p. 34. 274 No final da guerra civil, Jorge Botelho Moniz entrou em conflito com Salazar que o proibiu de enaltecer a participação de portugueses na contenda, cfr. César de Oliveira, Moniz, Jorge Botelho, in Dicionário de história do Estado Novo, direção de Fernando Rosas e J. M. Brandão Brito, Volume II, Círculo de Leitores, 1996, p. 619. 275 Cfr. Nelson Ribeiro, A política radiofónica do Estado Novo (1933-1945), p. 51, in coordenação de José Luís Garcia, Tânia Alves e Yves Léonard, Salazar, O Estado Novo e os Media, Edições 70, 2017.

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forças “vermelhas” da II República. Efetivamente,276 estando o mesmo sediado na Costa do Sol, Parede, é o “lugar de exílio da maior parte dos refugiados políticos espanhóis, e rapidamente se transformou no centro de resistência ao governo de Madrid, na convergência de centenas de exilados para a obtenção de notícias ou transmissão de mensagens para os revoltosos”. Nesta senda277, releve-se aqui as iniciativas de solidariedade com caravanas de automóveis com víveres e medicamentos oferecidos pelos ouvintes, a montagem de um serviço de escuta permanente das estações espanholas, as rubricas especiais de informação, as inúmeras mensagens que foram lidas dirigidas às tropas nacionalistas, as orientações estratégicas veiculadas sobre o posicionamento no terreno das forças republicanas ou as “charlas” nacionalistas do general Queipo de Llano. De acordo com António Pedro Vicente278, esta atitude terá mesmo provocado o repúdio de alguns setores do público português, o que terá levado a que Botelho Moniz fosse obrigado a determinar o cerco do edifício do Rádio Clube Português por um destacamento da Guarda Nacional Republicana, impedindo que se aproximasse quem não fosse da sua estrita confiança.

Nesta linha de investigação favorável ao apoio inequívoco do Governo português às forças nacionalistas, resulta também o estudo de António Pedro Vicente279 que tem como enfoque o período de maio a outubro de 1936, período durante o qual o conceituado historiador Claudio Sánchez-Albornoz é embaixador de Espanha em Portugal. Aquele investigador ilustra a sua tese com o recurso à correspondência de Sánchez-Albornoz, concluindo280 que o “apoio incondicional anteriormente à data de 18 de julho e durante toda a Guerra (...), apoio de ordem diplomática, material, política e logística, que transparece claramente desta amostra documental, foi fator determinante na vitória franquista”.

Na esteira deste autor e do já exposto, e como escreve César de Oliveira281, não se deve ignorar o apoio da comunidade espanhola residente em Portugal às forças rebeldes, comunidade esta que é constituída para além daqueles que trabalhavam e residiam

276 Vide Filomena Abreu, ob. cit., p. 129. 277 Cfr. Adelino Gomes, Rádio Clube Português, Dicionário de História de Portugal, Volume 9, p. p. 202 e 203. 278 Cfr. António Pedro Vicente, O Cerco à Embaixada da República Espanhola em Lisboa, in Portugal e a Guerra Civil de Espanha, Edições Colibri, 2ª tiragem 2007, p. 13. 279 Cfr. António Pedro Vicente, O Cerco à Embaixada da República Espanhola em Lisboa, in Portugal e a Guerra Civil de Espanha, p. p. 45 a 101. 280 ob. cit., p. 44. 281 Cfr. César de Oliveira, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, p. 171.

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habitualmente no nosso país por todos aqueles que desde 1931 eram emigrados políticos espanhóis em dissidência com a II República ou que por ela se sentiam ameaçados. Esta corrente apoia ativamente a sublevação militar nacionalista e vai estar intimamente relacionada com a instalação e a ação da representação em Lisboa da nacionalista Junta de Defesa Nacional de Burgos. Destarte, as posições assumidas pelo Governo português de apoio à causa nacionalista não terão sido alheias àquela corrente.

Aspeto igualmente de não menor relevância radica no facto de logo no início do conflito serem destacados pela comunicação social portuguesa para o teatro de guerra mais de três dezenas de correspondentes de guerra, pertencendo só ao Diário de Notícias onze, cinco ao jornal Século e outros cinco ao Diário de Lisboa. Ora, a esmagadora maioria dos correspondentes dos jornais portugueses na Guerra de Espanha é acérrima defensora do regime salazarista e, consequentemente, apologista incondicional das forças franquistas. Nesta lógica, e como se pode ver em Pena-Rodríguez,282 estes correspondentes traçam desde o princípio da Guerra uma visão completamente maniqueísta dos contendores com os rebeldes personificando sempre os ideais de virtude e os republicanos o de monstros, em articulação e segundo as diretrizes fornecidas pelo Secretariado de Propaganda Nacional do Estado Novo.

São igualmente de registar à época as grandes tiragens diárias dos principais periódicos portugueses. Nesta medida283, o Diário de Notícias chegava aos 120.000 exemplares e o Século aos 100.000 enquanto A Voz atingia os 25.000 e o Novidades os 20.000, facto que se explica porque como escreve Pena-Rodríguez, milhares de jornais eram enviados para o território em poder dos rebeldes espanhóis, o mesmo se diga do Diário da Manhã e do Alma Nacional. Ou seja, a imprensa portuguesa não se limitou a fazer uma “cobertura externa” dos sublevados mas também interveio em solo espanhol a favor dos franquistas, ancorando-se o seu principal argumento contra a II República na ideia de que o governo legal espanhol era um satélite de Moscovo que pretendia exportar para Península Ibérica o denominado “terror vermelho”284.

282 Vide Alberto Pena-Rodríguez, A Guerra de Propaganda de Salazar. Os correspondentes portugueses e a Guerra Civil de Espanha (1936/1939), Revista “Média & Jornalismo”, 2004. Honrosas exceções são as célebres reportagens do jovem jornalista Mário Neves sobre os massacres de Badajoz perpetrados pelas forças nacionalistas. Sucede que depois do seu artigo de 16 de agosto de 1936, a crónica do dia seguinte foi integralmente censurada em Portugal. 283 Cfr. Alberto Pena-Rodríguez, Salazar contra o Terror Vermelho, ob. cit., p. 113. 284 Cfr. Vide, Alberto Pena-Rodríguez, Salazar contra o Terror Vermelho, ob. cit., p. 125.

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II. 11.1. O AUXÍLIO DISFARÇADO DO ESTADO NOVO ÀS FORÇAS NACIONALISTAS. AS FACILIDADES CONCEDIDAS.

Como tem sido referido285, desde o início do pronunciamento e “através de um apoio multiforme” (Rosas), o Governo português desempenha um papel estratégico crucial, especialmente nas primeiras semanas da guerra, para evitar o colapso da rebelião, inicialmente confinada ao Norte, e sem outros contactos com o exterior que não os facultados pela fronteira ou pelas emissoras portuguesas. Na realidade, e como tem vindo a ser salientado, houve sempre a perceção para o chefe do Governo português que com o conflito espanhol se decidia o futuro do seu regime, daí o empenhamento total no apoio à causa dos rebeldes nacionalistas286.

Nesta linha e como já tem sido abordado ao longo desta exposição, é desde logo reconhecido por outro historiador clássico do conflito, Hugh Thomas287, que foi através de Portugal que foi enviada a maior parte do auxílio alemão. Mas se é certo que o auxílio militar que o dirigente português podia oferecer aos nacionalistas não pode ser considerado significativo, concedeu-lhes muitas coisas de inestimável valor: um lugar para conspirar, um refúgio, um meio de comunicar entre as suas duas zonas no início da guerra (…), tendo Nicolau Franco, o irmão mais velho de Franco, juntamente com Gil Robles, sido autorizado a estabelecer o seu quartel general em Lisboa para a compra de armas (Hugh Thomas).

Neste quadro288, a ameaça ao Estado Novo não era imediata, mas nem por isso deixava de ser real. Efetivamente, as forças republicanas já tinham mostrado a sua simpatia pelos exilados portugueses e era de esperar que voltassem a apoiá-los. Por conseguinte, a notícia de uma insurreição no Exército Espanhol em julho foi recebida com grande alívio nas esferas governamentais portuguesas e, desde o primeiro momento, esses mesmos círculos declararam o seu apoio àquilo que viam como uma ação higiénica.

Salazar dirigiu esta atitude e manteve-se inflexível, tendo-se mostrado indisponível a qualquer possibilidade de entendimento com o campo republicano, mesmo

285 Cfr. Fernando Rosas, Salazar, in dicionário de história do Estado Novo, direção de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, ob. cit., p. 869. 286 Vide Fernando Rosas, Salazar, ob. cit., p. 869. 287 Cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 186. 288 Vide Ribeiro de Meneses, ob. cit., p. 216.

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com os mais moderados nesta área, como, por exemplo, Manuel Azaña, que era o presidente da República. De facto, para o presidente do Conselho e o seu aparelho diplomático, os republicanos e os “vermelhos” eram, em termos práticos, uma e a mesma coisa, e ambos tinham pretensões sobre Portugal. No entanto, também há que referir que Azaña apesar de moderado tinha apoiado os exilados portugueses que estavam em Espanha e apostava politicamente em figuras da oposição portuguesa289.

Não admira assim que290 o chefe do Governo tenha colocado à disposição dos nacionalistas uma central telefónica no Hotel Aviz, em Lisboa, bem como o aeródromo de Caia, utilizado pelos aviões alemães que bombardearam Badajoz, sendo os portos lisboetas o primeiro destino dos submarinos alemães e italianos. Por sua vez, as fábricas de Barcarena procedem ao envio de armamento para os nacionalistas.

De outra parte291, Portugal nas primeiras semanas do conflito funcionou logo como plataforma logística e de comunicações dos rebeldes sob a égide do próprio Salazar e do general Carmona, cujo ajudante de campo era um importante elo de ligação com a direção da revolta, e em que a articulação entre o governo de Salazar e o general Miguel Ponte, um aristocrata fiel a Sanjurjo e emissário de Mola às autoridades portuguesas, solucionaram outro dos grandes problemas militares dos rebeldes nos primeiros dias do conflito: o abastecimento das tropas no Norte, efetuado através dos caminhos de ferro portugueses. Com efeito292, foi através do território português, e utilizando o caminho de ferro, que Mola recebeu os abastecimentos necessários, as munições e as armas para resistir à contraofensiva republicana sobre Guadarrama. Por outro lado, não se devem igualmente ignorar as facilidades portuárias e alfandegárias para o desembarque de material de guerra diverso293, bem como as concedidas no Porto de Lisboa pelo regime português aos rebeldes.

289 Entre estas contava-se Jaime Cortesão. 290 Vide Carlos Blanco Escolá, Falacias de la guerra civil. Un homenage a la causa republicana, Planeta, Barcelona, 2005, p. 184. 291 Vide César de Oliveira, Salazar e a Guerra Civil em Espanha, Lisboa, O Jornal, 1987, p. 150, e Futscher Pereira, ob. cit., p. 82. 292 V. César de Oliveira, A Guerra Civil de Espanha, in Dicionário de História de Portugal, p. 150. Ajuda esta expressa significativamente nas palavras do general nacionalista Alfredo Kindelan: Portugal “merece a gratidão dos espanhóis porque facilitou tudo quanto lhe pedimos, ajudando-nos com toda a sua melhor vontade e entusiasmo. Pouco depois, quando ocupámos Badajoz, estabeleceu-se o contacto direto entre os Exércitos de Franco e Mola e facilitou-se, assim, o municiamento de segundo, a partir de Sevilha”. (Alfredo Kindelan, Mis Cuadernos de Guerra, Ed. Plus Ultra, Madrid, p. p. 37 e 38), citação reproduzida em César de Oliveira, Dicionário de História de Portugal, p. 150. 293 Cfr. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in direção de Fernando Rosas e J. M. Brandão Brito, dicionário de história do Estado Novo, Volume I, Círculo de Leitores, 1996, p. 411.

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Como escreve Ribeiro Meneses294, assegurou- se que os funcionários alfandegários não olhassem na direção certa quando todo o tipo de equipamento militar estivesse a ser descarregado e expedido.

Por sua vez295, o transporte de Marrocos para a Península originou a primeira ponte aérea da história da aviação, mais concretamente entre Tetuão e Sevilha, assim como pela primeira vez foram usadas para efeitos político-militares as estações de rádio. Efetivamente, as tropas nacionalistas asseguraram que os aviões alemães Junkers Ju 52 aterrassem em Portugal a caminho de Marrocos, garantindo a travessia do Mediterrâneo às tropas que Franco controlava no Norte de África, sendo que os aviões, alguns dos quais vindos em voo semidireto da Alemanha, como escreve César de Oliveira296, faziam uma escala, para abastecimento, na herdade da Comenda, no Alentejo, propriedade do Engenheiro Pequito Rebelo. Este apoio aos rebeldes incluiu297 ainda o fornecimento de mantimentos, vestuário, calçado e produtos farmacêuticos, bem como diversas facilidades de trânsito, particularmente de material alemão298, como também escrevem Bernard Droz e Anthony Rowley. Por outro lado, Lisboa torna-se o porto franco para a entrada e posterior passagem pela fronteira da Galiza e Castela dos primeiros aviões desmontados que possibilitam o transporte da tropa do Norte de África, já para não falar na colaboração do Estado Novo na tomada de Badajoz.

Nesta linha de atuação colaborante com os nacionalistas, e conforme descreve Maria Inácia Rezola299, mas utilizando alguma discrição dada a posição oficial de não- intervenção, em princípios de agosto chegam ao porto de Lisboa os navios alemães “Kamerum” e “Wigbert” transportando material de guerra para as tropas de Franco, sendo que os preparativos para a sua reexpedição ficam a cargo de Sebastião Ramirez, industrial conserveiro do Algarve e ex-ministro do Comércio. Frise-se que este material é expedido em meados de agosto para os exércitos nacionalistas por via férrea graças à intervenção do próprio presidente do Conselho “que aplanou todas as dificuldades em tempo mínimo,

294 ob. cit., p. 220. 295 Cfr. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in direção de Fernando Rosas e J. M. Brandão Brito, dicionário de história do Estado Novo, p. 411, cfr. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 150., Ribeiro Meneses, ob. cit., p. 220. 296 Cfr. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 150 e Guerra Civil de Espanha, dicionário de história do Estado Novo, p. 411. 297 Cfr. Manuel Lucena, ob. cit., p. p. 350 e 351. 298 Cfr. Bernard Droz/Anthony Rowley, ob. cit., p. 80. 299 Cfr. Maria Inácia Rezola, o Estado Novo apoia a causa franquista, in Século XX, Homens, mulheres e factos que mudaram a História, Público, El País, 1999/2000, p. 313.

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intervindo pessoalmente, e decidindo ele próprio todos os pormenores”, segundo informou para Berlim a Embaixada alemã em Lisboa300.

Não admira que o embaixador republicano em Lisboa, o conceituado historiador Sánchez-Albornoz, “depressa se tenha tornado prisioneiro na sua própria embaixada”, chegando o chefe do Governo português a declarar no dia 1 de agosto que se propunha auxiliar os rebeldes “com todos os meios disponíveis – incluindo a intervenção do exército português, se tal fosse necessário”. Em consequência, e como decorre de António Pedro Vicente301, o embaixador republicano por diversas vezes apresentou protestos formais ao Governo português pelo apoio concedido aos rebeldes nacionalistas, considerando-se ameaçado de morte e como um embaixador em país inimigo302, conforme sintomaticamente escreveu em 19 de setembro de 1936.

II. 11.2. O APOIO MILITAR ENCAPOTADO DO ESTADO NOVO AOS NACIONALISTAS. OS VIRIATOS.

Nesta ordem de ideias303, reveste particular importância o apoio militar encapotado às forças nacionalistas, mais concretamente a permissão do recrutamento de voluntários para as diversas forças militares franquistas.

Assim, aventam alguns historiadores em cerca de 20.000 voluntários os portugueses que vão logo combater pelos nacionalistas, os chamados “Viriatos”, designação popularizada pela imprensa espanhola apoiante de Franco. No entanto, e como referem César de Oliveira304 e José Medeiros Ferreira305, é muito difícil determinar o número de combatentes ao lado da sublevação contra a República, sendo de assinalar a inexistência de qualquer unidade militar formada só por portugueses (Hugh Thomas). Na

300 Cfr. Bernardo Futscher Pereira, ob. cit., p. 92. No mesmo sentido, Hugh Thomas, ob. cit., p. 186. 301 V. António Pedro Vicente, O Cerco à Embaixada da República Espanhola em Lisboa (maio a outubro de 1936), in Fernando Rosas, coordenação, Portugal e a Guerra Civil de Espanha, Edições Colibri, 2ª tiragem, 2007, p. 14. 302 V. António Pedro Vicente, ob. cit., p. 96. 303 Vide, Hugh Thomas, ob. cit., p. 186, Bernard Droz/Anthony Rowley, História do Século XX, 2ª Volume, Publicações Dom Quixote, 2º Volume, 1986, p. 80. 304 Vide, César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in Dicionário de História de Portugal, Suplemento, Volume 8, Coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Edição Figueirinhas, 1999. 305 Vide José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares, Forças Armadas e Regimes Políticos em Portugal no Século XX, Editorial Estampa, 2ª edição, 2001, p. 198.

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realidade, os Viriatos foram todos os portugueses que estiveram ao lado de Franco, quer fossem diretamente recrutados em Portugal pelas autoridades espanholas quer tivessem pertencido à Missão Militar Portuguesa de Observação em Espanha ou tivessem combatido nas unidades da Falange, na Legião Estrangeira espanhola, nos Requetés ou em regimentos regulares. Quanto ao número de 20.000 combatentes, parece o mesmo encontrar-se bastante empolado para valorizar o contributo de Portugal306, apresentando- se o número máximo próximo dos 8000, como refere o mesmo César de Oliveira307, ajustar-se mais à realidade. Efetivamente, e segundo as fontes existentes no Arquivo Histórico Militar de Lisboa e no Servicio Historico Militar de Madrid308, teriam sido 2654 os comprovados participantes mas os testemunhos que aquele historiador recolheu do coronel Pedro Barcelos e de Abraham Benoliel apontam para um número superior a este último309. Outros historiadores como Romero Salvadó310 referem o número de 10.000, o que também não se afigura exagerado.

Convém enfatizar uma vez mais que mesmo no início do conflito, uma excessiva colagem e cumplicidade com a causa nacionalista pelo regime português também comportaria os seus riscos, quanto mais não fosse porque também neste campo coexistiam correntes favoráveis à dissolução de Portugal na Península Ibérica. Deste modo311, os “Viriatos” não foram autorizados a sair de Portugal em grandes grupos ou a servir em unidades especificamente portuguesas. Podemos enquadrar esta situação em mais um dos exemplos de Salazar como diploma astuto312, interferindo na Guerra Civil de Espanha a favor de Franco, sem se comprometer num conflito (Rui Ramos). Na esteira

306 As estimativas são muito oscilantes. O número redondo de 20.000 é em parte devedor de Hugh Thomas, sendo que Franco Nogueira chega mesmo a falar num número entre 20 a 30.000 portugueses, cfr. Franco Nogueira, Salazar, Volume III, 2ª edição, Livraria Civilização Editora, 1983, p. 69). Oliveira Marques também considera o número de 20.000 provavelmente exagerado (cfr. História de Portugal, Volume II, p. 345). Por seu turno, Delfim Candenas, aponta para um número bem mais modesto. Considerando ser difícil fazer um apuramento exato, indica entre quatro mil e dez mil voluntários (cfr. Delfim Candenas, Portugal e a Guerra Civil Espanhola, mapa Jornal de informação crítica, artigo de 16/9/2014). Entre os milhares de cidadãos anónimos destacam-se membros da elite social, como D. Pedro de Lencastre e Távora, Conde de Alvor, o cabo João Correia, Luís Sousa e Faro, polivalente piloto português, o tenente Sepúlveda Cardoso, Manuel Rodrigues Barbosa, entre muitos outros, cfr. Ricardo Silva, A Aventura dos Viriatos, in Portugal e a Guerra Civil de Espanha, Visão História, nº 18, dezembro de 2012, p. p. 64 a 69. 307 Cfr. César de Oliveira, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, Edições O Jornal, 1986, p. 247. 308 Vide César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in Dicionário de História de Portugal, p. 154. 309 O próprio César de Oliveira reconhece nas conclusões da sua obra, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, p.372, que este é um número que não conseguiu esclarecer. 310 Cfr. Francisco J. Romero Salvadó, A Guerra Civil de Espanha, Origens, Evolução e Consequências, Editora Europa América, 2006, p. 101. 311 Vide Ribeiro Meneses, ob. cit., p. 229. 312 Vide Rui Ramos, As 9 figuras que mudaram a História de Portugal, in Revista Sábado, nº 298, janeiro de 2010, p. 53.

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do que já se tem vindo a afirmar, a política salazarista tinha de ser cautelosa e não se posicionar aberta e declaradamente pelo lado nacionalista, até porque se a vitória da República podia significar o fim do regime, a de Franco, engrossava as ameaças anexionistas que os meios falangistas, durante a Guerra Civil, não se tinham inibido de alardear publicamente. Para vários autores313 e como vimos atrás, a defesa da independência nacional e, concomitantemente, do regime face ao perigo espanhol, é um dos eixos estratégicos da política externa portuguesa como adiante melhor se verá. Por conseguinte, não são verbalizados excessivos entusiasmos314 em torno dos “Viriatos” e, consequentemente, também não serão permitidos quaisquer desfiles vitoriosos em Lisboa quando chegasse o fim da Guerra, nem nenhum desfile exclusivamente português nas ruas de Madrid. Efetivamente, e como se pode ver em Franco Nogueira315, participam os mesmos no Desfile da Vitória mas integrados nas forças vitoriosas, apresentando-se no regresso os oficiais dos Viriatos a Santos Costa, o poderoso subsecretário de Estado. Contudo, não deixa Franco de telegrafar a Carmona nos seguintes termos: “a Espanha despede-se com emoção dos Viriatos com a recordação dos heróis portugueses (...) em nome de um destino solidário e eterno das nossas duas nações, e da glória da nossa civilização cristã”.

Mais tarde e já depois de terminada a guerra, mais concretamente num discurso na Assembleia Nacional proferido em 22 de maio de 1939, o ditador português irá referir- se subtilmente aos Viriatos316 da seguinte forma: “Contra os compromissos tomados pelo Governo por bem compreensível necessidade política [...], alguns milhares de portugueses, iludindo por mil formas a vigilância das autoridades […], foram combater pela Espanha, morreram pela Espanha. Orgulho-me que tenham morrido bem e que todos – vivos e mortos – tenham escrito pela sua valentia, mais uma página heroica da nossa e da alheia História”.

De igual modo o número de portugueses que lutam pelas fileiras republicanas espanholas também não é fácil de precisar, ainda que seja consideravelmente menor. Para percebermos o seu contexto, temos de recuar até ao início dos anos trinta quando a comunidade portuguesa começa a formar-se em Espanha ao sabor dos eventos políticos

313 Entre muitos outros, como já vimos com Lucena e também com Rosas, cfr. Direção de José Mattoso, História de Portugal, Sétimo Volume, p. 296. 314 Cfr. Fernando Rosas, Introdução, Portugal e a Guerra Civil de Espanha, p. IX. 315 Vide Franco Nogueira, Salazar, Volume III, 2ª edição, Livraria Civilização Editora, 1983, p. 2 15. 316 Cfr. Jaime Nogueira Pinto, Cinco Homens que Abalaram a Europa, 2ª edição, Esfera dos Livros, 2016, p. 362.

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em Portugal, como descreve Pacheco Pereira317: “Havia anarquistas, republicanos, comunistas, trabalhadores que tinham emigrado por razões económicas, exilados fugidos da prisão em Portugal, homens de mil e um golpe falhados, todos acolhidos na confusão da vida política espanhola desde a queda da ditadura de Primo de Rivera”.

O historiador César de Oliveira318, mencionando que tendo sido escasso o número dos que partiram diretamente de Portugal para Espanha depois de 18 de julho de 1936, estima entre cerca de 2000 a 4000319 os portugueses que pegaram em armas do lado dos republicanos, número máximo este também a considerar por excesso, sendo os portugueses combatentes pela República integrados principalmente nas milícias anarquistas e socialistas, nas unidades do Exército Republicano, nos Carabineiros republicanos ou nos Serviços de Inteligência da República.

No que concerne exclusivamente às Brigadas Internacionais, dados provenientes de estudos mais recentes320 mencionam entre 32.000 a 35.000 o número dos integrantes das Brigadas Internacionais, ainda que não estivessem em simultaneidade mais de 18.000 combatentes no teatro de guerra. Nessa relação de brigadistas encimada por cerca de 9000 franceses, 3100 polacos, 3000 italianos, 2300 americanos e 2200 alemães, aparecem como quantificados apenas 134 portugueses, número este que deverá ser considerado por defeito, já que segundo essas mesmas fontes os números são meras aproximações, porquanto assume-se faltar contabilizar alguns milhares de combatentes. De outra parte, são reconhecidamente admitidos neste estudo alguns erros na atribuição da nacionalidade originária dos combatentes. Segundo César de Oliveira321, perderam a vida ao lado da República mais de 150 portugueses, tendo os portugueses com a derrota das forças republicanas o destino igual a todos os republicanos espanhóis, isto é, a fuga para França,

317 Cfr. Pacheco Pereira, ob. cit., p. p. 198 e 199. 318 Vide César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, Suplemento, Edição Figueirinhas, 1999, p. 154., César de Oliveira, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, p. 371. Entre os portugueses que lutaram pela República, destaquem-se nas fileiras anarquistas Aníbal Dantas, José Marques da Costa, José Agostinho das Neves e Jaime Brasil, entre muitos outros, e nas fileiras comunistas Mário José Fernandes, António Lopes, Armindo Peru, Augusto Nascimento e Frederico Paninho, entre outros, cfr. Ricardo Silva, Os Portugueses que lutaram pela República, In Visão, ob. cit., p. p. 70 e 71, e ainda Emídio Guerreiro, cfr. Maria José Oliveira, in Visão, p. 73. 319 número este também a considerar com algumas cautelas, já que na sua obra Salazar e a Guerra Civil de Espanha (p. 371) e à imagem do que sucede com os Viriatos, reconhece que é um ponto não cabalmente esclarecido. Aliás, nesta obra calcula entre cerca de 500 e 2000 os participantes, distância entre os dois números que reconhece ser significativa. 320 Cfr. Antony Beevor, ob. cit., p. p .717 e 718 e Michel Lefebvre y Rémi Skoutelsky, Las Brigadas Internacionales, Lunwerg, Barcelona, 2003, p. 16. 321 Cfr. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, Suplemento, Edição Figueirinhas, 1999, p. 155.

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para o Norte de África ou para as Américas, a detenção nos campos de prisioneiros ou o fuzilamento pelas tropas nacionalistas322.

II. 11.3. O APOIO FINANCEIRO À CAUSA NACIONALISTA

É também no plano financeiro que se manifesta o apoio do Estado Novo à causa nacionalista espanhola. Cabe dizer, a este propósito, que323 é o próprio Salazar a dirigir- se aos banqueiros e aos grandes empresários portugueses para lhes explicar a necessidade e urgência de ajudar os militares que se tinham sublevado contra a República. Segundo Sánchez-Asiain324, a Sociedade Geral, empresa fundada por Alfredo da Silva, concede crédito no valor de 175.000 libras esterlinas, logo no início de agosto de 1936, a personalidades do Governo de Burgos em Lisboa, como Andrés Amado, Gil Robles e Gabriel Moura.

Por outra banda, e apesar do Acordo de Não-Intervenção que o impede, várias empresas portuguesas fornecem material bélico às forças nacionalistas contando-se entre elas a Galamas Shell, o Banco Comercial Casa Viana & Fonseca e o Banco Nacional Ultramarino, como decorre da correspondência do embaixador Sánchez-Albornoz. Este apoio é prestado com a conivência de algumas famílias e empresários portugueses e, portanto, com o encorajamento discreto do próprio Salazar, visando o apoio financeiro ou logístico aos rebeldes. Entre aqueles nomes contam-se, por exemplo, os Vanzeller Palha, o já supracitado Alfredo da Silva, Ricardo Espírito Santo, Blecks ou Manuel Boullosa325.

Saliente-se que estas empresas contavam ainda com a possibilidade de obter crédito326 junto de várias instituições bancárias portuguesas, como o Banco de Portugal, Banco Totta, Banco Comercial, Caixa Geral de Depósitos, Banco Lisboa e Açores e Banco Espírito Santo, o que lhes facilitava, por exemplo, o pagamento de material

322 Houve pelo menos 10 fuzilamentos, tendo outros sido evitados graças à ação desenvolvida por Pedro Theotónio Pereira, Agente especial, posteriormente Embaixador de Portugal junto do governo de Franco (cfr. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, Suplemento, Edição Figueirinhas, p. 1999, p. 155. 323 Vide José Ángel Sánchez-Asiain, ob. cit., p. 238. 324 ob. cit., p. p. 238 e 239. 325 Vide, António Pedro Vicente, ob. cit., p. 12. Jaime Nogueira Pinto, Cinco Homens Que Abalaram a Europa, 2ª edição, A Esfera dos Livros, 2016, p. p. 354 e 355. 326 Cfr. Maria Inácia Rezola, ob. cit., p. 313 e José Ángel Asiain, ob. cit., p. 240.

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adquirido ou transitado por Portugal. De acordo com Sánchez-Asiain327, cabia ao Banco Espírito Santo, entre outros, remeter às dezenas de representantes diplomáticos do Governo de Burgos verbas para o seu funcionamento. Ou seja, é sobejamente conhecido o papel intermediário decisivo desempenhado pelo Estado português328 e pelas empresas portuguesas na compra de armas para os rebeldes, bem como o apoio logístico e económico aos rebeldes e ao funcionamento das suas estruturas políticas.

II. 11.4. O TRATAMENTO DOS REFUGIADOS REPUBLICANOS

Uma das atuações do regime salazarista durante o conflito espanhol traduz-se na vigilância aos espanhóis residentes em Portugal e, simultaneamente, na tentativa de impedir a entrada de “refugiados vermelhos” no território português. Ora, é precisamente neste plano que se vai configurar uma das intervenções mais sinistras do Estado Novo.

Na realidade329, é o tratamento dos refugiados republicanos espanhóis que mais ensombra a reputação de Salazar neste período, visto que os refugiados republicanos espanhóis eram todos rotulados de bolcheviques. Consequentemente, os militares que atravessassem a fronteira eram inicialmente alojados em quartéis portugueses, mas subsequentemente levados para as prisões. Por sua vez, os civis eram internados em campos de refugiados construídos junto à fronteira ou internados no Forte de Caxias, no Forte da Graça em Elvas onde chegaram a estar 1350 cidadãos espanhóis. Por seu turno, no Forte de S. Julião da Barra ficavam detidos os oficiais superiores. Ou ainda muito pior, eram prontamente devolvidos às autoridades nacionalistas do lado de lá da fronteira, por exemplo, à Falange ou aos carabineiros franquistas, e entregues à morte330.

Conforme relata Bernardo Futscher Pereira331, um dos episódios mais sintomáticos desta tomada de posição surge na sequência da tomada de Badajoz pelos nacionalistas a 14 de agosto de 1936 e das cerca de duas mil execuções perpetradas por

327 Cfr. José Ángel Sánchez-Asiain, ob. cit., p. 240. 328 V. Fernando Rosas, o salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 42. 329 Vide Ribeiro Meneses, ob. cit., p. 223. 330 Vide Ribeiro Meneses, ob. cit., p. 223, cfr. no mesmo sentido Hugh Thomas: “os republicanos que fugiam para Portugal eram geralmente entregues aos nacionalistas” (ob. cit., p. 186). 331 Cfr. Bernardo Futscher Pereira, ob. cit., p. 89. Ficou célebre e teve larga repercussão na imprensa da época, os casos do alcaide de Badajoz, Sinforiano Madroñero, e do deputado do PSOE, Nicolau de Pablo, presos em Campo Maior a 15 de agosto e imediatamente devolvidos aos nacionalistas que os fuzilaram a 20 de agosto (ob. cit., p. 89).

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aqueles, quando milhares de republicanos tentaram escapar ao massacre procurando refúgio em Portugal. Sucede, porém, que a maioria foi presa, sendo que, por norma, os militares eram entregues aos seus colegas portugueses, enquanto os civis eram confiados à polícia política, PVDE, que imediatamente os repatriava para uma morte certa, frisando- se aqui desde logo a colaboração estreita da polícia politica com as forças nacionalistas332. No mesmo sentido escrevem Oliveira Marques e António Pedro Vicente, quando referem333 que o governo português mostrou também neste particular ser o melhor aliado dos insurretos nacionalistas, sendo que aquele não hesitou em vigiar os republicanos espanhóis em Portugal, prendendo ou devolvendo às forças nacionalistas as centenas ou milhares de refugiados republicanos que atravessaram a fronteira, mesmo sabendo que os entregavam a uma morte certa. Com efeito, muitos viriam a ser fuzilados. Em contrapartida, os refugiados nacionalistas eram deixados em liberdade.

E na mesma linha de argumentação prossegue Rui Ramos334, quando frisa que o Governo de Lisboa deixou passar munições e outro material de guerra para os franquistas, tolerou emissões de rádio em ondas curtas para território espanhol favoráveis a Franco (nomeadamente da parte do Rádio Clube Português335), consentiu na partida de voluntários (9 mil?) e prendeu os refugiados republicanos – 2 mil a 3 mil na Herdade da Coitadinha, espécie de campo de concentração junto a Beja – entregando muitos aos franquistas. Para César de Oliveira336, o número total de refugiados republicanos excederia mesmo os 3000 enquanto que para Javier Rubio337 este número cifrar-se ia entre os 5000 e os 6000.

Neste contexto, não se podem também ignorar outros aspetos sinistros, tais como as várias investidas dos oficiais espanhóis dentro do próprio território português, conforme relata outro historiador clássico do conflito, o já citado Gabriel Jackson338: “os oficiais espanhóis continuavam a atravessar a fronteira para ir a Elvas, prendiam os

332 Vide Julian Casanova, Francisco Espinosa, Conxita Mir e Francisco Moreno Gomez, Morir, Matar, Sobrevivir: La violencia en la dictadura de Franco, Barcelona, Editorial Critica, 2002, p. 248. 333 Vide Oliveira Marques, História de Portugal, Volume II, Palas Editores, 4ª edição, 1977, p. p. 344 e 345, e António Pedro Vicente, ob. cit., p. 14. 334 Vide Rui Ramos, História de Portugal, a Esfera dos livros, 2009, p. 661. 335 Também segundo Oliveira Marques, o Rádio Clube Português prestou inestimáveis serviços à causa nacionalista (ob. cit., p. 345). 336 Cfr. César de Oliveira, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, o Jornal, 1987, p. 159. 337 V. Javier Rubio, Asilos Y Canjes durante la Guerra Civil Española, Editorial Planeta, 1979, p. 350. 338 Cfr. Gabriel Jackson, ob. cit., Volume I, p. p. 348 e 349.

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refugiados milicianos e civis, capturavam os seus inimigos nas camas dos hospitais e abatiam todos os que surpreendiam com as feridas indicadoras nos ombros”.

Como se pode ler na recente investigação de Dulce Simões339 e ilustrando o que temos vindo a expor, atentemos na seguinte passagem: “no sentido de assegurar um maior controlo sobre o fluxo de refugiados para território português foi acordado, entre o tenente António Seixas (comandante da seção da Guarda Fiscal de Safara e responsável das operações no terreno) e o tenente Oliveira Soares (comandante da seção da GNR de Moura), dividir o território em duas zonas, a da Coitadinha, vigiada por infantaria e cavalaria da GNR com o apoio de militares do exército, e a zona dos postos das Russianas e Tomina, a cargo da Guarda Fiscal, igualmente auxiliada por forças do exército”.

A título de mero exemplo entre muitos outros340 que se poderiam reproduzir, podemos ler no relatório do tenente Soares datado 22 de setembro de 1936, que todos os espanhóis que entraram na sua zona foram entregues à PVDE, “conforme as instruções que tinha recebido dos meus superiores341”. Ou ainda, que na noite de 21 de setembro foram acolhidos 566 civis espanhóis na herdade da Coitadinha pelo tenente Serrão da Veiga, até ser decidido oficialmente o seu destino, isto é, e como bem assinala Dulce Simões, “a fronteira portuguesa marcava agora a linha divisória entre a vida e a morte342”. Isto é, os refugiados conviviam diariamente com o terror e a incerteza sobre o seu destino, aguardando uma decisão política do governo português sobre o seu repatriamento343.

Todavia, e como exceção a este comportamento, o governo português também numa ocasião autorizou prisioneiros a regressarem à zona espanhola controlada pelas forças republicanas. Nesta medida, foi organizado o seu transporte até à cidade catalã de Tarragona, uma zona considerada vermelha. Ora, e como conclui Dulce Simões344 através do cruzamento de fontes orais, documentais e bibliográficas345, neste caso em concreto a adesão formal de Portugal ao Comité de Londres, em setembro, assim como as pressões da Cruz Vermelha Internacional, da Comissão de Refugiados da Sociedade das Nações e da própria imprensa internacional, terão compelido Salazar a encontrar uma

339 Vide Dulce Simões, A Guerra de Espanha na Raia Luso-Espanhola, Edições Colibri, 2016, p. p. 236 e 237. 340 Muitos outros exemplos podem ser retirados da citada obra de Dulce Simões, vide, p. p. 236 a 268. 341 Vide Dulce Simões, ob. cit., p. 237. 342 ob. cit., p. 238. 343 Vide Dulce Simões, ob. cit., p. 243. 344 Cfr. Dulce Simões, ob. cit., p. 251. 345 Vide Dulce Simões, ob. cit., p. 251, (cfr. Delgado, Iva, 1980; Oliveira, 1987; Rosas, 1996; Telo, 1999, Espinosa, 2003).

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solução honrosa para Portugal. Desta forma, foi o chefe do Governo forçado a “negociar o repatriamento dos refugiados para o porto de Tarragona, quando anteriormente o destino fora a entrega aos falangistas na fronteira”346. Assim, o Estado português em articulação com o embaixador Sánchez-Albornoz negociou com o Governo republicano a repatriação de refugiados para Tarragona, tendo aí chegado a 14 de outubro de 1936 um navio com cerca de 1500 detidos347. Como se verá, logo a 23 de outubro Salazar cortaria oficialmente relações com o Governo de Madrid.

Ante o exposto, não deixa de ser significativa a reação de muita imprensa internacional à tomada de posição do Governo português face aos contendores em presença. De facto, Portugal é acusado de não alinhar com as grandes potências e de auxiliar os nacionalistas espanhóis. Nestes termos, e numa breve digressão pela imprensa internacional da altura348, constatamos que em o News Chronicle afirma ter sede em Portugal o verdadeiro quartel general dos rebeldes e terem as autoridades portuguesas entregue ao exército espanhol refugiados comunistas. Por sua vez, o Times noticia que navios alemães descarregam em Lisboa material de guerra para as forças nacionalistas, enquanto o Daily Herard lança uma campanha no mesmo sentido. Por seu turno, na Bélgica o Soir e o Peuple fazem-se eco daquelas notícias.

Neste plano, não admira que em França os meios da Frente Popular ameacem de hostilidade o governo de Blum, se este não tomar uma atitude enérgica contra Portugal. Na mesma linha de atuação, os trabalhistas britânicos procuram exercer pressão sobre o governo conservador com o intuito de o levar a agir contra o governo português, sendo que nos países escandinavos manifesta-se animosidade igual relativamente a Portugal.

II. 11.5. O ESTADO NOVO E O ACORDO DE NÃO-INTERVENÇÃO. O COMITÉ DE CONTROLO.

No entanto, e para muitos, o vetor mais importante do posicionamento do Estado Novo face ao conflito espanhol irá radicar na sua política diplomática.

346 ob. cit., p. 251. 347 Cfr. Ribeiro Meneses, ob. cit., p. 224 e Rosa Ruela, O Caso Singular de Barrancos, in Visão História, nº 18, dezembro de 2012, Portugal e A Guerra Civil de Espanha, p. p. 76 e 77. 348 Como se pode ler em Franco Nogueira, Salazar, Volume III, 1936-1945, 2ª edição, 1977, p. p. 24 e 25.

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Senão vejamos.

A atuação determinante de Portugal espraia-se por três frentes, a saber, o Acordo de Não-Intervenção, a criação do Comité de Controlo e o Acordo sobre a Fiscalização da Entrada de Armas e Voluntários para Espanha. Nesta linha de indagação, merece ainda particular ênfase o corte de relações diplomáticas com a República espanhola.

Com efeito, em agosto de 1936 trava-se a batalha diplomática para um plano de não-intervenção no conflito espanhol. A iniciativa pertence à França e ao Reino Unido para que se celebrasse por parte dos vários países, no âmbito da Sociedade das Nações, um pacto multilateral que assegurasse a não-intervenção externa em Espanha. De facto, e segundo Bernard Droz e Anthony Rowley349, se o Reino Unido sempre fora pela não- intervenção, a França inicialmente através de León Blum tinha-se mostrado recetiva a atender aos pedidos do governo republicano, mas a necessidade da manutenção da sua coligação governamental com os radicais (partido centrista, note-se) contrários à intervenção, o peso da Entente Cordiale e a preocupação de impedir que o conflito degenerasse em guerra europeia, explicam no essencial a sua adesão à fórmula da não- intervenção. Ora, face às posições adotadas até aqui por Salazar ainda que mais ou menos dissimuladas, este instrumento jurídico vai representar de alguma forma um perigo para a sua prática política.

Desta forma, logo a 7 de agosto o ministro dos Negócios Estrangeiros, Armindo Monteiro, esquiva-se a um compromisso nesse sentido350. Iniciavam-se assim as várias reservas ao Acordo, cujo fim último é não comprometer o Governo português. Na verdade, Portugal resiste às pressões francesa e inglesa que batalham por uma política de não-intervenção face à Guerra Civil Espanhola, assumindo, portanto, cada vez mais uma postura favorável a Franco, ainda que não abertamente declarada. Não admira351, e conforme decorre de Manuel Lucena, que Armindo Monteiro procure sempre protelar e condicionar a adesão de Portugal ao Acordo de Não-Intervenção, acabando por dá-la de forma tardia e tão ambígua que o nosso país ficou em boa posição para reconhecer o

349 Cfr. Bernard Droz/Anthony Rowley, História do Século XX, 2º Volume, Publicações Dom Quixote, 1988, p. 79. 350 Vide Hugh Thomas, ob. cit., p. 208. 351 Cfr. Manuel Lucena, Armindo Monteiro, in coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário da História de Portugal, Volume 8, Suplemento, 1999, Figueirinhas, p. 524. Manuel Lucena, Os Lugar-Tenentes de Salazar, Alêtheia, Editores, 2015, p. 36.

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governo nacionalista espanhol, e lhe garantiu praticamente “uma completa liberdade de ingerência no conflito”.

Sucede, porém, que a 12 de agosto de 1936 a adesão da União Soviética ao Acordo deixou o Governo Português sem pretextos para continuar com evasivas. No dia 14 de agosto, após uma prolongada reunião ocorrida na véspera entre Salazar, Monteiro e Teixeira de Sampaio, secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros352, Armindo Monteiro comunicará aos franceses e ingleses a sua aceitação. No entanto, e como se viu acima, esta adesão é mesmo assim feita com imensas reservas e não isenta de comentários353, bem expressos nas seguintes palavras: “A adesão de princípio à ideia de negociação de um Acordo de Não-Intervenção fica sujeita à liberdade de Portugal apreciar as circunstâncias e a ação que ao governo português possam impor os deveres indeclináveis de defesa da paz interna, de salvaguarda de vidas e haveres de nacionais, de garantir a integridade e independência do país”.

Como se pode ler em Franco Nogueira,354 os governos francês e inglês, submetem à apreciação do Governo português, três dias depois, o texto do acordo a que haviam chegado, tendo novamente o Governo manifestado e pormenorizado reservas, o que como é reconhecido pelo próprio Franco Nogueira355 levantou uma onda de repúdio para com o Governo português. Por fim, é emitida nova nota a 21 de agosto, manifestando a sua anuência de princípio, mas reiterando as inúmeras reservas já formuladas. Entre estas356, assinale-se que Portugal não consideraria como sua ingerência em Espanha as ações que decorressem da necessidade de “defesa contra qualquer regime de subversão social que se estabeleça em Espanha (...) para a salvaguarda da civilização ocidental”.

Neste contexto, é importante sublinhar que com estas manobras dilatórias a causa nacionalista ganha mais uns dias, quiçá decisivos, conforme resulta da maioria dos autores que estudaram o assunto. Desta forma, é de salientar que quando Portugal adere enfim à não-intervenção, o pior já tinha passado para o Exército rebelde, sendo de realçar que no Norte e no Sul as duas fações do Exército nacionalista já se tinham nessa altura unido para formar uma única força nacionalista. Aliás, e como pertinentemente escreve

352 Cargo que exercia desde 1929 e que manterá até à sua morte em 1945. 353 Vide Franco Nogueira, Salazar, Volume III, 2ª edição, Livraria Civilização Editora, 1983, p. p. 22 e 23. 354 Vide Franco Nogueira, Volume III, p. 23. 355 Vide Franco Nogueira, Volume III, p. 24. 356 V. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in Dicionário de história de Portugal, Volume 8, p. 151.

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César de Oliveira357, “significativamente, a adesão portuguesa ao Acordo de Londres (capital onde funcionou o Comité Internacional para a Não-Intervenção) ocorreu pouco depois das tropas franquistas haverem conquistado Mérida e Badajoz, passo estratégico essencial seja para o avanço sobre Madrid seja para o estabelecimento de contatos com as tropas de Mola, na zona de Cáceres”.

Esta denominada não-intervenção, como assinala mais ou menos consensualmente a historiografia sobre o assunto, revelou-se uma farsa, tendo em conta que a ajuda alemã e italiana ao Exército nacionalista assumiram uma dimensão cada vez maior ao longo do verão358, bem como porque a “resposta franco-britânica consistia em não confrontar aqueles que violavam o acordo, antes dialogar com eles, numa tentativa de evitar que a crise escalasse até um conflito generalizado”359. Acordo de Não- Intervenção que é assinado por 24 países, incluindo a Alemanha, a Itália e a União Soviética, países estes que continuaram cinicamente360 no dizer de Ian Kershaw e de Antony Beevor a fornecer armamento em grandes quantidades. Para além também de Portugal361, que igualmente não interrompeu o fornecimento de armamento e mantimentos aos rebeldes, e da inibição da França362 e do Reino Unido, todos acabando por transformar este Pacto de Não-Intervenção em algo vazio e sem efeitos práticos. Dito de outra forma,363 “a farsa” da não-intervenção representa o exato contraponto da comédia das sanções. Todavia364, ainda se podem retirar alguns efeitos positivos do Acordo de Não-Intervenção, visto que se evitou uma escalada que poderia ter levado a uma guerra generalizada, pois se o Acordo se revelou impotente para pôr termo a essas intervenções, permitiu, de alguma forma, discipliná-las.

357 Cfr. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in Dicionário de história de Portugal, Volume 8, p. 151 358 Cfr. Ribeiro Meneses, ob. cit., p. p. 232 e 233. 359 Vide Ribeiro Meneses, ob. cit., p. 232. 360 Cfr. Ian Kershaw, ob. cit., p. 370, e Antony Beevor, p. 226. Vide também neste sentido testemunho de Mário Soares: “a farsa da chamada” política de não-intervenção “apregoada pelas democracias ocidentais e a que o governo português dizia hipocritamente ter aderido”, anotando ainda a “duplicidade de Salazar, a sua frieza calculada, a sua obstinada determinação de auxiliar a rebelião”, cfr. ob. cit., p. 90. 361 Cfr. Ian Kershaw e Antony Beevor, ob. cit., p. 370 e p. 226, respetivamente. 362 Em França, e na expressão de Kershaw, Leon Blum “debatia-se com problemas de consciência por privar os espanhóis de auxílio”, ob. cit., p. 370. 363 Cfr. Bernard Droz/Anthony Rowley, p. 80. Como falharão as várias iniciativas da Comissão Internacional de Não-Intervenção. Mais eficaz revelar-se-á a Conferência de Nyon, reunida em setembro de 1937 por iniciativa de Eden, vai permitir pôr cobro à pirataria dos submarinos italianos contra os comboios navais de países neutros com destino aos portos republicanos. Mas, por esta altura, o destino da Espanha já está praticamente determinado (Droz/Rowley, p. 80). 364 Vide Bernardo Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 93.

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Na linha do que vem sido exposto e significativo da relação do Estado português com o conflito, é igualmente a tomada de posição de Portugal perante o Comité de Controlo do Acordo de Não-Intervenção. Como o próprio termo indica, o Comité que é uma Iniciativa francesa e inglesa criada no seio da Sociedade das Nações, e que tem como objetivo fiscalizar e administrar o cumprimento do Acordo de Não-Intervenção. Este organismo funcionará em Londres e contará entre os seus signatários a Itália, a Alemanha e a URSS, o que também não impedirá as principais intervenções estrangeiras na Guerra de Espanha365.

Como escreve Manuel Lucena366, ao Comité de Não-Intervenção, Portugal aderirá sob pressão inglesa e francesa o mais tarde que pôde através de Armindo Monteiro e à imagem do que já sucedera com o Acordo de Não-Intervenção, isto é, de forma condicionada e cheia de reservas, sendo que Portugal “tudo fez no sentido de evitar ou de retardar ao máximo a adoção de medidas de bloqueio naval e de fiscalização de fronteiras terrestres que pudessem travar o afluxo a Espanha da ajuda externa destinada aos nacionalistas; e, para tal agiu frequentemente de concerto com a Itália e a Alemanha”, comportamento este que não deixou de causar perplexidades à velha aliada Inglaterra e desconforto e mal-estar entre os dois países.

De uma forma geral, a atuação do regime português foi sempre de adiar e impedir com expedientes dilatórios toda a espécie de vigência de qualquer esquema internacional impeditivo da intervenção ítalo-alemã e portuguesa de apoio a Franco, especialmente nas fases cruciais das ofensivas franquistas, daí Salazar poder ser apodado de corporizar a diplomacia externa do regime de Franco367. Na realidade368, o chefe de governo português considera que não foram respeitadas as reservas portuguesas, nem preenchidas as condições postas, avaliando, subsequentemente, que o Governo português não pode participar no Comité, pelo menos imediatamente. Nesse sentido, são enviadas para Londres instruções proibindo Calheiros e Menezes de participar em reuniões daquele órgão, razão pela qual Portugal não participará na primeira reunião do Comité a 9 de

365 Vide Manuel Lucena, Salazar, p. 350. 366 Cfr. Manuel Lucena, Salazar, p. 350. Manuel Lucena, Os Lugar-Tenentes de Salazar, Alêtheia, Editores, 2015, p. 36. 367 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 43. 368 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 33.

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setembro, sendo mesmo o único país ausente369 de entre todos os signatários do Acordo de Não-Intervenção na sala Locarno do Foreign Office.

Como sustenta um dos historiadores clássicos do conflito , Gabriel Jackson370, o Governo espanhol estava pronto a provar com toda a evidência a intervenção da Itália, da Alemanha e de Portugal, contudo nem o Governo de Madrid nem a Junta de Burgos haviam sido convidados a juntar-se ao Comité. Refira-se a este título, que a Alemanha só tinha aceitado integrar o Comité por lhe ter sido afirmado que Portugal já tinha aderido371. Ora, a atitude portuguesa vem a ser fortemente verberada pela Inglaterra e, sobretudo372, pela França.

Entretanto373, em 8 de setembro dá-se a chamada “Revolta dos Marinheiros” com a sublevação de três navios de guerra portugueses ancorados na barra do Tejo, o Afonso de Albuquerque, o Dão e o Bartolomeu Dias. Operação esta concebida pelo Partido Comunista Português, em que marinheiros da ORA, estrutura político militar clandestina ligada ao PCP, ocupam os navios para se juntarem à armada republicana espanhola. Com esta revolta visa-se denunciar publicamente o apoio prestado pelo Estado português aos nacionalistas espanhóis e criar condições em Portugal para a eclosão de uma revolução popular, democrática e socialista. Traduz-se também esta ação na mais significativa374 iniciativa de solidariedade dos comunistas portugueses relativamente aos republicanos espanhóis (Fernando Rosas). 375Com o apoio da aviação e da artilharia de terra, a rebelião deficientemente organizada é rapidamente sufocada, morrendo dez dos revoltosos durante os combates. Os sessenta presos irão inaugurar em outubro desse ano o famigerado campo de concentração do Tarrafal. Na esteira do sucedido, o chefe do Governo publica em 10 de setembro uma nota oficiosa onde afirma que “estava cansado de dizer à Europa”, que

369 Cfr. Ribeiro de Meneses, ob. cit., p. 233. Vide igualmente Gabriel Jackson, A República Espanhola e a Guerra Civil, 1931/1939, p. 32. 370 Vide Gabriel Jackson, A República Espanhola e a Guerra Civil 1931/1939, II Volume, p. 32. 371 Vide Futscher Pereira, A Diplomacia de Portugal, p. 95. 372 Cfr. Futscher Pereira, A Diplomacia de Portugal, p. 96, chegando o Secretário-Geral Quai D’Orsay em conversa com o embaixador da Itália em Paris a aventar a hipótese de organizar um bloqueio à costa portuguesa, o que terá sido recusado pelos italianos. 373 Cfr. Luís Reis Torgal e outros, ob. cit., p. 329, e Fernando Rosas, Direção de José Mattoso, História de Portugal, Sétimo Volume, p. 240. 374 Vide Fernando Rosas, Direção de José Mattoso, História de Portugal, Sétimo Volume, p. 240. 375 Segundo um dos participantes, José Barata, a revolta tinha a ver com reintegração de 17 marinheiros que tinham sido expulsos da armada na sequência de várias manifestações de solidariedade dos marinheiros para com a República espanhola, transcrito in Gomes, Varela (1987), Guerra de Espanha, Achegas ao redor da participação portuguesa. Lisboa: cadernos versus (Reeditado em 2016 em Lisboa, Fim do Século.

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a Guerra Civil Espanhola era376 “com absoluta evidência uma luta internacional num campo de batalha nacional”.

Portugal só virá a participar a 28 de setembro numa sessão do Comité, através do já referido delegado Calheiros e Menezes, após cedência às muitas insistências da Inglaterra, aliás sujeita a pressões francesas, nomeadamente de Eden, ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, junto de Armindo Monteiro. De facto, aquele vai admoestando sucessivamente Portugal das dificuldades que o país está a criar, acabando por convencer o seu homólogo Monteiro377, que conhecia bem desde os tempos da Liga das Nações. Na verdade378, Monteiro a 22 de setembro precipita-se e dá a sua palavra a Eden da participação portuguesa, desconhecendo que precisamente nesse momento o Governo fazia emitir uma nota oficiosa em que apresentava a guerra em Espanha como uma luta contra o comunismo, reagindo às pressões internacionais para Portugal participar no Comité e culpabilizando a França. Convém, neste contexto, registar a atitude de Monteiro, porquanto esta se afigura importante para a posição de Portugal. Com efeito e ato contínuo, Monteiro telegrafa diretamente para Londres com a ordem a Calheiros para que compareça na reunião do Comité, quando as instruções do chefe do Governo eram claras no sentido379 de que a participação portuguesa neste organismo só poderia ser ponderada após explicitação num documento público das regras de funcionamento do Comité. Efetivamente, Armindo Monteiro, e conforme sustenta Manuel Lucena380, “sinceramente ou para forçar a mão do chefe, considerou documento suficientemente público uma simples declaração do presidente inglês do comité” (inspirado por Eden) – na qual se explicitavam essas regras “bem como o direito de Portugal (nele) participar mantendo as (suas) reservas”.

Face a esta situação, Salazar e Teixeira de Sampaio elaboram e enviam para os jornais nessa noite uma nota oficiosa que procura salvar as aparências381, assegurando

376 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 35. 377 V. Paulo Lowndes Marques, Inglaterra relações com a, in Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 274. 378 Cfr. Vide, Futscher Pereira, Sampaio, Luís Teixeira, in Dicionário de História de Portugal, Volume 9, p. 393. 379 Cfr. Ribeiro de Meneses, ob. cit., p. 233, e Manuel Lucena, Monteiro, Armindo, in Dicionário de História de Portugal, coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica Edição Figueirinhas, Volume 8, 1999, p. 524. 380 Vide Manuel Lucena, Monteiro, Armindo, p. 524. Manuel Lucena, Os Lugar-Tenentes de Salazar, p. 36. 381 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 43.

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que essa resolução não prejudica em nada as reservas e condições com que o Governo português, pela sua nota de 21 de agosto, aderiu ao Pacto de Não-Intervenção.

Consequentemente, e seguramente desagradado por contra as suas próprias instruções382 , o ministro dos Negócios Estrangeiros ter cedido às insistências de Anthony Eden para Portugal participar no Comité de Controlo, Salazar acaba por aceitar em novembro o pedido de demissão de Armindo Monteiro do cargo383, pedido este que vinha insistentemente a ser formulado desde agosto. Não ignorando o peso político e as simpatias anglófilas desta figura do regime, o chefe do Governo oferece-lhe como compensação a embaixada em Londres (de onde só saiu em 1943, demitido por Salazar384 no termo de uma dura polémica em torno da concessão aos Aliados de facilidades nos Açores), passando o ditador a acumular a pasta dos Negócios Estrangeiros, o que fará até 1947.

Em suma, sempre com o objetivo de ganhar tempo e outras vantagens para causa franquista o Governo português vai tergiversando e entravando o processo de adesão, mas acabará por participar no Comité Não-Intervenção de Londres.

II. 11.6. A POSIÇÃO DE PORTUGAL NA ASSEMBLEIA DA SOCIEDADE DAS NAÇÕES FACE AO CONFLITO ESPANHOL

Na esteira desta linha de atuação, é ainda de relevar e ilustrando bem a atitude do regime português face ao conflito espanhol, a posição de Armindo Monteiro na Assembleia da Sociedade das Nações em 30 de setembro de 1936.

382 Vide Futscher Pereira, Diplomacia, in coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 532. 383 Conforme decorre da correspondência entre Oliveira Salazar e Armindo Monteiro, cfr. Fernando Rosas, Júlia Leitão de Barros e Pedro de Oliveira, Armindo Monteiro e Oliveira Salazar, Correspondência Política 1926-1955, Editorial Estampa, 1996, p. p. 52, 54, 55, 56 e 59, em 10 de agosto Monteiro solicita a demissão de ministro dos Negócios Estrangeiros, frisando que no próximo Conselho da Sociedade das Nações pode vir à baila a Guerra Civil de Espanha, sendo conveniente que acompanhe este processo quem tiver de o resolver, pedido este que reitera em 8 de outubro e que tem como resposta do presidente do Conselho, “se teima em sair, é preciso que não saia diminuído ou sequer atacado e porque não se podem dar grandes explicações, (...) a não ser que tome um posto equivalente, só me lembra a embaixada de Londres”. Em carta de 3 de novembro, Salazar transmite que é a altura de aceitar o cargo, o que Monteiro faz em carta datada de 5 de novembro. 384 V. Manuel Lucena, Monteiro, Armindo, ob. cit., p. 518, e Júlia Leitão de Barros, Monteiro, Domingos, in Dicionário de história do Estado Novo, direção de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Volume II, 1996, p. 622.

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Como ponto prévio, frise-se que o único governo do mundo que desafiou expressamente o Acordo de Não-Intervenção, foi o do México. Nesse sentido385, o delegado mexicano critica na Assembleia da Sociedade das Nações “a solução injusta que consiste em privar de meios de legítima defesa um Governo que se vê subitamente combatido no seu próprio solo por forças que se opõem, de armas na mão, ao desenvolvimento normal das aspirações populares (...), considerando o Acordo de Não- Intervenção como uma verdadeira regressão, um passo atrás no Direito Internacional”. Nesse mesmo dia, só mais um país se refere a Espanha, precisamente Portugal. Através de Armindo Monteiro ainda ministro dos Negócios Estrangeiros386, que se exprime nos seguintes termos: “Suponhamos, que a maioria de um povo, e tudo o que ele tem de verdadeiramente representativo, a tradição, a cultura e a força, a vontade da ordem e da justiça, o desejo de unidade e de grandeza e do serviço público, a riqueza, enfim, se levanta contra um Governo. Poder-se-á continuar a considerá-lo como legítimo? (…). Impõe-se uma política de Não-Intervenção. Sem ela corre-se o risco de socorrer um Governo que, divergindo da vontade nacional, tivesse perdido toda a legitimidade e mesmo toda a autoridade.”. Três dias depois o delegado espanhol do governo republicano na mesma Assembleia não deixa de responder a Monteiro: “nenhum dos Estados aqui representados toleraria certamente que fosse um terceiro a definir a sua soberania. O poder legítimo de um povo é aquele que é escolhido de acordo com as normas jurídicas desse povo”.

Em síntese387, a posição de Salazar é a de uma espécie de ministro dos Negócios Estrangeiros de Franco (Rosas), sendo que em articulação com as diplomacias alemã e italiana, o chefe do Governo sabotará todas as tentativas internacionais de efetuar a “não- intervenção”, configurando este comportamento uma vertente essencial do seu apoio à causa nacionalista.

Com a saída de Monteiro dos Negócios Estrangeiros, Teixeira de Sampaio passa a ser o braço direito do chefe do Governo na condução da política externa. Não obstante388 não haver divergências de fundo entre Sampaio e Monteiro, os dois homens não deixam

385 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, Estudos sobre a política externa do Estado Novo nos anos 30 e 40, Fragmentos, 1988, p. 77. 386 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 79. 387 Cfr. Fernando Rosas, Salazar, in dicionário de história do Estado Novo, direção de Fernando Rosas e J. M. Brandão Brito, Volume II, Círculo de Leitores, 1996, p. 869. 388 Vide Futscher Pereira, Sampaio, Teixeira, ob. cit., p. 393. Os dois nutririam mesmo, a fazer fé em Futscher Pereira, especial ódio entre si.

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de ser rivais. Sampaio irá assumir um papel com alguma relevância face ao conflito espanhol, conforme refere Pedro Aires Oliveira, secundando389 os principais passos do presidente do Conselho. De qualquer modo, Armindo Monteiro continuará a pontificar nas relações com o Reino Unido no âmbito do conflito espanhol.

II. 11.7. O CORTE DE RELAÇÕES COM A REPÚBLICA ESPANHOLA E O RECONHECIMENTO DE FACTO DO GOVERNO DE BURGOS

Como se tem vindo a explanar, as simpatias favoráveis às forças franquistas desde sempre manifestadas pelo Presidente do Conselho não são, portanto, logo declaradas aberta e formalmente, porquanto se tentou sempre de forma habilidosa dissimular a participação portuguesa ao lado das forças nacionalistas. Na realidade, não deixa de ser significativo Salazar deixar para Sebastião Ramires, José Pequito Rebelo e Pedro Theotónio Pereira, protagonistas que tiveram um papel importante na definição da política em relação a Espanha, muitas das iniciativas para implementar a articulação com os rebeldes. Por conseguinte, há sempre uma preocupação de aparência de neutralidade formal face aos dois polos em conflito, ainda que, na prática, o chefe do Governo seja um aliado notório de Franco e do exército nacionalista revoltoso.

Por outro lado, é também já deste período o objetivo da política diplomática portuguesa em exagerar a ameaça espanhola a Portugal. Deste modo, há iniciativas junto do governo aliado do Reino Unido por forma a efetuarem-se operações concertadas na eventualidade de uma vitória da Frente Popular. Todavia, encontra-se pouca recetividade do Reino Unido nesse acolhimento, anotando-se os limites e o menor peso da aliança inglesa em Londres, aliança que existia desde o século XIV. Estas iniciativas têm também como objetivo forçar a Grã-Bretanha a fornecer armamento a Portugal e, simultaneamente, assegurar a Salazar o apoio do Exército oferecendo-lhe melhorias significativas num momento de reestruturação.

389 Vide Pedro Aires Oliveira, Sampaio, Teixeira, Dicionário de história do Estado Novo, p. 877.

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Como perfilha José Medeiros Ferreira390, apesar dos desacordos entre Lisboa e Londres a diplomacia portuguesa acabou sempre por seguir as pisadas do Foreign Office, inclusivamente não se precipitando no reconhecimento oficial do chamado “governo de Burgos” como já foi referido acima. Deste modo, deixou-se que os britânicos estabelecessem primeiro relações com o regime do general Franco. Como se verá adiante, e apesar de nunca se chegarem a ultrapassar determinadas “linhas vermelhas”, as simpatias de alguns meios influentes do regime salazarista pelas ditaduras italiana e alemã só começaram a inquietar Londres quando se pretendeu equipar as Forças Armadas portuguesas com armamento dessas origens, sendo que391 entre 1937 e 1939 vai-se assistir a um cruzado jogo de interesses nessa matéria que não será esquecido pela velha aliada nos momentos de fazer contas (Medeiros Ferreira). Ou seja, é uma evidência como escreve António José Telo392 que a influência inglesa em Portugal decresce neste período, em larga medida devido ao afastamento durante a Guerra Civil de Espanha e ao intenso investimento alemão na Península que antecede o começo da 2ª Guerra Mundial.

Efetivamente, a 23 de outubro de 1936 o Governo de Lisboa corta relações com o Governo da República espanhola, reconhecendo de facto a junta militar de Burgos, mas não de direito, como sucederia no mês seguinte com Hitler e Mussolini, sendo que Portugal só reconhecerá oficialmente Franco a partir de maio de 1938393. Esta rutura com o governo republicano é materializada com a entrega na Embaixada de Espanha em Lisboa de uma nota assinada por Armindo Monteiro ao embaixador Sánchez-Albornoz, anunciando a suspensão das relações diplomáticas com Madrid, iniciativa esta que surpreendeu e desagradou aos britânicos394. O Governo português invoca diversas razões para justificar esta atitude395, sinteticamente396 porque o Governo de Madrid teria alegadamente violado a correspondência dirigida ao Encarregado de Negócios português,

390 Vide José Medeiros Ferreira, Aliança Luso-Britânica, in dicionário de história do Estado Novo, direção de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Volume I, Círculo de Leitores, 1996, p. 33. 391 Vide José Medeiros Ferreira, Aliança Luso-Britânica, p. 33. 392 Cfr. António José Telo, Anglofilia, in Dicionário de História de Portugal, Coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Volume 7, Edição Figueirinhas, p. 105. 393 Cfr. Oliveira Marques, História de Portugal, Volume II, p. 345. 394 V. Ribeiro de Meneses, ob. cit., p. 226, Futscher Pereira, a Diplomacia de Salazar, p. 114 e Franco Nogueira Volume III, p. 48. 395 Vide detalhadamente os pretextos invocados em Franco Nogueira, Volume III, p. 48. 396 Vide Ribeiro de Meneses, ob. cit., p. 226.

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tentado atacar um navio ostentando a bandeira da Armada397 portuguesa e tentado fazer crer que o embaixador espanhol tinha sido privado da sua liberdade em Lisboa.

Todavia, as razões há que as encontrar acima de tudo na simpatia ideológica com os rebeldes, e, neste sentido, poder atuar com mais margem de manobra contra a II República. Em linha com o referido, visa-se preparar o terreno para o reconhecimento formal de Franco, visto que, como professa Futscher Pereira398, “se tornaria possível sem grande controvérsia caso Madrid caísse numa questão de dias como todos esperavam”399. Mas Madrid não caiu e só será tomada pelos nacionalistas no final do conflito em março de 1939. Enquanto a 18 de novembro, a Alemanha e a Itália anunciavam o reconhecimento pleno de Franco, o ditador português como a queda de Madrid não se produz decide como é seu timbre prudentemente esperar, revelando mais uma vez a sua habilidade e astúcia, porquanto o importante é evitar que a sua posição apareça associada àqueles dois países400.

II. 12. 1937: O ANO DE TODAS AS TENSÕES

Como já se constatou, a tomada de posição de apoio aos nacionalistas espanhóis desde o início401 tinha, para lá das razões ideológicas, o espetro da ameaça militar republicana contra a integridade portuguesa que se atenuara substancialmente logo em agosto de 1936, quando os exércitos nacionalistas se reúnem em Badajoz e passam a ocupar toda a faixa contígua à fronteira antes de avançarem para Madrid402. Esse apoio, como refere Carlos Gaspar, resulta também da necessidade de evitar um volte face no

397 Segundo Franco Nogueira, a nota refere-se ao repatriamento de espanhóis para Tarragona já relatado no ponto 11.4. em que as tripulações portuguesas teriam sido ameaçadas de agressão, Volume III, p. 48. 398 Cfr. Futscher Pereira, a Diplomacia de Salazar, p. 114. 399 batalha que se iniciaria a 7 de novembro entre um exército essencialmente constituído por marroquinos e legionários, apoiado por tanques e aviões alemães e italianos, e o povo de Madrid ajudado pelos russos. Entretanto, Franco, tendo observado a jornalistas portugueses que preferia destruir Madrid a deixá-la aos “marxistas”, prosseguiu com os bombardeamentos, especialmente à noite (cfr. Hugh Thomas, ob. cit., p. 265), “nenhuma grande cidade tinha sofrido até então semelhante experiência, embora o ataque não passasse de uma meia amostra do que iria suceder dentro de poucos anos a Londres, Hamburgo, Tóquio e Leninegrado”. 400 Vide Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 120. 401 Veja-se o rasto contemporâneo do conflito na novela de José Marmelo e Silva, Sedução, datada de 1937, p. 54: “- Então a nova Espanha? (...). Como ia a guerra? Enchem as praças de touros de milhares de pessoas e regam-nas à metralhadora. (E quase me soprando nos ouvidos): Parece que os aviões de cá também ajudam! Dizem…”. 402 Cfr. Carlos Gaspar, ob. cit., p. 650.

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teatro de guerra fatal para o salazarismo, sobretudo a partir da internacionalização do conflito. Efetivamente, a partir dos finais de 1936 as diversas intervenções militares das potências estrangeiras iriam conferir algum equilíbrio entre as partes. Nesta medida, e como afirma Carlos Gaspar, o regime vai “intensificar as suas funções como retaguarda logística, política e diplomática dos nacionalistas”403, funções estas que convém não esquecer sempre existiram. É neste contexto que se chega a 1937.

O ano de 1937 é, sem sombra de dúvidas, um ano repleto de acontecimentos no que reporta aos reflexos do conflito espanhol no regime político português, com repercussões na Aliança Luso-Britânica e no rearmamento português, no reconhecimento de facto do governo de Burgos ou no ressurgir da questão colonial.

II. 12.1. A ALIANÇA LUSO-BRITÂNICA EM CRISE. A QUESTÃO DO REARMAMENTO.

Importa reter que404 aquando do início do conflito espanhol a aliança entre Portugal e a Grã-Bretanha não é uma relíquia arqueológica. De facto, a aliança entre os dois países tinha sido delineada nos remotos anos de 1386/87, através do Tratado de Windsor, assinado por representantes do rei de Portugal e do rei de Inglaterra, sendo que por este Tratado reconhece-se explicitamente D. João I como novo monarca e a nova dinastia resultantes das decisões tomadas nas Cortes de Coimbra, selando-se assim a aliança entre os dois países com o casamento do monarca português com Filipa de Lencastre, filha do Duque de Lencastre, João de Gaunt, cujas pretensões deste último ao trono de Castela Portugal apoiava. No entanto, trata-se de uma aliança que nem por isso deixou de ser ativada e reafirmada o longo dos séculos405.

Há ainda a relevar que o Reino Unido continua a ter nos anos 30 do Século XX uma poderosa posição económica em Portugal, nomeadamente através do controlo de parte significativa do seu comércio externo e do transporte internacional das mercadorias

403 Cfr. Carlos Gaspar, ob. cit., p. 650. 404 Cfr. Fernando Rosas, o Salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, Estudos sobre a política externa portuguesa do Estado Novo nos anos 30 e 40, Fragmentos, 1988, p. 41., cfr. Fernando Rosas, Direção de José Mattoso História de Portugal, Sétimo Volume, p. 298. 405 Cfr. Joaquim Vieira e Maria Inês Almeida, 150 perguntas e respostas essenciais sobre a História de Portugal, p. 58. Aliança que hoje é celebrada como a mais antiga aliança em todo o Mundo ainda em vigor.

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com destino ou origem em Portugal e suas colónias. Efetivamente, possui peso na exploração dos recursos mineiros, detém o monopólio da exploração dos transportes urbanos e a comercialização e transporte de produtos coloniais em Angola e muito especialmente em Moçambique. Ademais, é o principal investidor em Portugal visto que para além de controlar os transportes urbanos, controla igualmente os telefones, as comunicações, importantes explorações mineiras e fora o seu principal credor externo. De igual forma, o Reino Unido é nesta altura o principal fornecedor da economia portuguesa em combustíveis, máquinas e manufaturas, bem como o seu principal cliente (vinho do Porto, cortiça, resinosos). Por outro lado, a Grã-Bretanha é ainda a senhora dos mares e das rotas de ligação com o “Império” e tutela os grandes domínios coloniais fronteiriços com Angola e Moçambique.

Mas as relações entre Portugal e a Grã-Bretanha por força do conflito espanhol vão agora passar por várias vicissitudes que poderão ser sinalizadas por períodos, sendo o verão de 1937 o momento mais crítico das relações entre os dois Estados. A partir do outono de 1937 há uma ligeira melhoria das relações, podendo considerar-se o mês de março de 1938 como a data de reaproximação entre os dois velhos aliados sinalizada pela vinda da Missão Militar britânica a Lisboa, como adiante se detalhará.

Como assinala Yves Léonard406, e na sequência do já referido, o arrefecimento das relações luso-britânicas entre o outono de 1936 e o verão de 1937 é essencialmente explicado por duas linhas de divisão: a pouca solicitude demonstrada pelo Governo de Lisboa para apoiar a política de não-intervenção preconizada por Londres e os interesses divergentes dos dois aliados tradicionais – um abertamente favorável à causa dos nacionalistas, o outro mais próximo dos Republicanos mas preocupado, essencialmente, com a crescente influência da Alemanha nazi e da Itália fascista numa zona estratégica (Gibraltar, Mediterrâneo).

É neste contexto que Armindo Monteiro chega à embaixada de Londres em janeiro de 1937, capital onde vai prolongar a sua atuação enquanto ministro como defendem, por exemplo407, entre outros, Manuel de Lucena e Pedro Aires de Oliveira. Na verdade, procurou sempre “manter e alargar a liberdade de intervenção portuguesa no conflito e de inviabilizar, no Comité de Não-Intervenção, as resoluções mais comprometedoras para

406 Vide Yves Léonard, Salazarismo e Fascismo, p. 148. 407 Cfr. Manuel Lucena, Os Lugar-Tenentes de Salazar, p. 37, Pedro Aires de Oliveira, Armindo Monteiro e a política externa do Estado Novo (1935-1943), in Política Internacional, Volume nº 14, 1997, p. p. 143 a 161.

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os interesses das forças de Franco, beneficiando das suas relações pessoais com Eden, que lhe terão inclusivamente permitido desempenhar uma importante função de intermediário entre os insurretos espanhóis e o gabinete inglês”.

Esta política gizada por Salazar de apoio aos nacionalistas sustentando-se na duplicidade e hipocrisia mesclada com a habilidade e prudência do ditador por forma a não ficar ostensivamente colado a um dos contendores, bem como a não ultrapassar os limites com o Reino Unido cujas relações serão dominadas pela ambivalência, continuará a ser apanágio do ano de 1937. De facto, e como menciona Manuel Lucena408, importa atentar que houve sempre comunhão de objetivos gerais entre Armindo Monteiro e o chefe do Governo, como, por exemplo, o de guardar a aliança britânica e o de afrouxar os laços que prendiam Franco a Hitler e Mussolini, não obstante importantes divergências táticas entre os dois homens.

Senão vejamos.

Em 11 de janeiro de 1937 a Grã-Bretanha oficia Portugal que iria proibir o recrutamento de voluntários no seu país, instando os outros países igualmente a fazê-lo, tendo mais uma vez Portugal respondido logo no dia seguinte que no respeitante aos mecanismos da fiscalização das fronteiras portuguesas os mesmos se afiguravam desnecessários. Por sua vez, em reunião do Comité de Não-Intervenção ocorrida nesse mesmo dia 12 de janeiro, Portugal transmite que não aceita qualquer fiscalização do seu território.

Posteriormente, na noite de 21 de janeiro, a oposição anarquista dá sinal de vida fazendo explodir em Lisboa bombas no Rádio Clube Português, na Emissora Nacional, na Casa de Espanha, no Ministério da Educação Nacional, no Depósito de Material de Guerra em Beirolas, nas instalações da companhia petrolífera Vacuum em Alcântara, em que o anarquista Emídio Santana tem um decisivo papel. Esta vaga de ações violentas teve duas origens409: o convencimento por parte do que restava das organizações anarquistas de que tais ações violentas e, sobretudo, a morte do líder podiam conduzir à queda do regime do Estado Novo e o comprometimento dos anarquistas portugueses para

408 Vide Manuel Lucena, Os Lugar-Tenentes de Salazar, p. p. 37 e 38. 409 Cfr. César de Oliveira, Atentado contra Salazar, in dicionário de história do Estado Novo, Volume I, ob. cit., p. 79.

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com os seus correligionários espanhóis, afirmado no Congresso da CNT em Saragoça, nas vésperas do início da guerra civil de Espanha, onde Emídio Santana410 participara.

A 1 de fevereiro os ingleses voltam a insistir com Portugal, veiculando que se o Governo português persistisse na sua atitude, “recairia sobre ele, perante a opinião mundial, toda a responsabilidade do fracasso da política de não-intervenção”411. Salazar responde a 4 de fevereiro, alegando não aceitar a fiscalização porque a opinião pública o não permitiria. Apesar de a 8 de fevereiro Portugal propor uma fórmula de compromisso, esta última não vai ao encontro dos desejos dos ingleses, continuando a intransigência portuguesa a manifestar-se a 17 de fevereiro. Entretanto, surge uma divergência entre Salazar e Monteiro412. Este último pretende que, a aceitar Portugal uma fiscalização das fronteiras portuguesas, será preferível que a mesma tenha caráter internacional, não podendo assim ser vista como resultado da pressão inglesa, o que é refutado pelo chefe do Governo pois que uma fiscalização internacional implica um precedente perigoso para os pequenos países413, enquanto que uma fiscalização britânica sempre valoriza a aliança com o Reino Unido, e também para não ter de aceitar uma fiscalização internacional diretamente dependente do Comité de Não-Intervenção, na qual a União Soviética procurava imiscuir-se414, posição esta que naturalmente prevalecerá. Para Monteiro, a proposta de Salazar daria a impressão de que Portugal não podia ser autónomo perante a Inglaterra em matéria de política externa. Como retrata Manuel Lucena415, “neste episódio, o anglófilo parece à primeira vista Salazar e o empedernido nacionalista Armindo a menos que as aparências iludam”.

Consequentemente, abrem-se negociações bilaterais entre Lisboa e Londres, chegando os governos a acordo. Assim, os observadores só serão britânicos representando o governo britânico, mas não o Comité de Não-Intervenção, e apenas àquele e não a este último apresentarão os seus relatórios. Este processo culmina a 20 de fevereiro com a publicação de uma nota oficiosa informando o país do resultado do entendimento anglo português. Simultaneamente, é publicado o Decreto-Lei nº 27529, de 20 de fevereiro, proibindo o alistamento e o recrutamento de voluntários para “qualquer das forças

410 Vide César de Oliveira, Santana, Emídio, in dicionário de história do Estado Novo, Volume II, ob. cit., p. 878. 411 Cfr. Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 128. 412 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 79. 413 Vide Franco Nogueira, Volume III, p. 79. 414 Cfr. Manuel Lucena, Os Lugar Tenentes de Salazar, p. 38. 415 Vide Manuel Lucena, Os Lugar Tenentes de Salazar, p. 38.

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armadas espanholas em luta”, sendo que a 8 de março o Comité de Controlo ultima finalmente os pormenores do acordo. Convém registar-se que nesse mês de março desenrola-se a Batalha de Guadalajara que averba uma vitória para as forças republicanas, cujas consequências irão ter repercussões na política portuguesa.

Efetivamente, e como se pode ler em Hugh Thomas416, a 12 de março uma tempestade permite aos aviões republicanos desbaratar as colunas militares italianas, tendo a 18 de março todas as forças republicanas da frente da Guadalajara sido lançadas na ofensiva, o que culmina com a debandada dos italianos, 2000 mortos italianos, 300 prisioneiros e cerca de 4000 feridos. Ora, esta batalha é a prova acabada de como os nacionalistas estavam a usar unidades regulares italianas, o que foi explorado pela propaganda republicana. Por outro lado, teve o condão de irritar e humilhar Mussolini417 desencadeando assim a intimação italiana ao Comité de Controlo de que não era o momento oportuno para discutir a retirada.

Subsequentemente, aos falhanços da conquista de Madrid e da derrota de Guadalajara, os nacionalistas viram-se para o País Basco e em 26 de abril a aviação alemã Condor destrói Guernica, símbolo do nacionalismo basco, mas uma pequena cidade sem meios de defesa e sem valor militar418. Neste quadro419, os ingleses apresentam a 4 de maio no Comité de Controlo uma proposta de apelo às partes em luta para renunciarem ao bombardeamento de cidades abertas, e a 7 do mesmo mês Eden mostra a Monteiro pormenores do sucedido em Guernica, o que não demove o chefe do Governo português. Na realidade, este aproveita o ensejo para fazer apenas o elenco das arbitrariedades cometidas pelos republicanos. Todavia, e como refere Futscher Pereira420, “é impossível que o ditador português não soubesse que semelhantes atrocidades, e piores, eram igualmente utilizadas, em maior escala, pelos nacionalistas”.

Em suma, para Salazar, havia portanto dois pesos e duas medidas, visto que enquanto os atos dos republicanos eram crimes hediondos, as barbaridades cometidas

416 ob. cit., p. 313. 417 Vide Hugh Thomas, ob. cit., p. 315, ao ponto de o ditador italiano afirmar que nenhum italiano voltaria vivo de Espanha a não ser que lograssem uma vitória, cfr. Hugh Thomas, p. 315. Mussolini fez ainda um discurso marcial contra o ocidente, cuja imprensa troçara dele devido à derrota, cfr. Hellmuth Gunther Dahms, ob. cit., p. 142. 418 “Os aviões da Condor (...) lançaram primeiramente bombas altamente explosivas, em seguida metralharam civis que fugiam da cidade e, finalmente, lançaram-lhes bombas incendiárias”, cfr. ob. cit., Gabriel Jackson, ob. cit., p. 113. 419 Vide Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 135. 420 Cfr. Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. p. 135 e 136.

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pelas forças franquistas, aliás cuidadosamente omitidas de todos os relatos da imprensa portuguesa421, deixavam-no indiferente.

Nesta ordem de ideias, não surpreende em 7 de maio a missiva do chefe do Governo ao embaixador na Santa Sé, em que este último era instado a veicular a posição de Portugal sobre o assunto, a saber, qualquer tentativa de mediação “é ato político neste momento nitidamente a favor do comunismo em Espanha”422. De igual modo423, Salazar em nota de 20 de maio em resposta a uma nova proposta britânica afirma: “antes de pretender executar a retirada dos voluntários é logicamente necessário saber qual o plano que para esse fim será dotado e se os governos e as partes em luta lhe dão o seu assentimento”, razão pela qual “o governo português julga não poder associar-se neste momento à diligência sugerida na memória de 18 do corrente”.

Por sua vez, ocorre este ano a reforma militar424 que é reconhecida unanimemente como uma das maiores na senda da subalternização das Forças Armadas ao poder político do Estado Novo425, tendo como associada a questão do esforço de rearmamento do Exército. Com efeito, o rearmamento que é inevitavelmente ditado pela existência da Guerra Civil de Espanha e pela tensão que levaria à eclosão da II Guerra Mundial, transporta igualmente a contenda entre o “germanofilismo”426 e o “anglofilismo” dos adeptos do regime salazarista. É neste campo que estas duas linhas encontram no rearmamento das Forças Armadas um terreno prático de afrontamento. Na verdade427,

421 Vide Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 136. 422 Vide Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 136. 423 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 95. 424 V. José Medeiros Ferreira, Forças Armadas, in Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 55. 425 Cfr. José Madeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares, Forças Armadas e Regimes Políticos em Portugal no Século XX, Editorial Estampa, 2ª Edição, 2001, p. 197. Aliás, no rescaldo da reação às reformas militares e 1937-1938 há uma conspiração de inspiração radical direitista que tem em Henrique Paiva Couceiro, então no exílio, a chefia nominal. Estando a polícia a par do que se passava, o movimento é adiado e as prisões desencadeiam-se: A Polícia de Vigilância e Defesa do Estado detém 136 pessoas, das quais 65 serão julgadas, em junho de 1939, no Tribunal Militar Especial, cfr. Fernando Rosas, História de Portugal, Sétimo Volume, p. 229. 426 Nas altas esferas do Estado Novo, eram considerados como anglófilos personalidades tão diversas como Armindo Monteiro, Marcello Caetano, então Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa, Theotónio Pereira, Rafael Duque, ministro da Agricultura, António Ferro ou o capitão Agostinho Lourenço, responsável pela PVDE. Em contrapartida, ainda que sem a mesma dimensão, os meios germanófilos acolhem, entre outros, Santos Costa, o subsecretário de Estado da Guerra e verdadeira eminência parda de Salazar no seio do Exército, Ortins de Bettencourt, ministro da Marinha, mas também Costa Leite (Lumbralles), um dos principais responsáveis pela Legião, e Mário de Figueiredo, que virão a ser, respetivamente, ministro das Finanças e da Educação Nacional aquando de uma remodelação ministerial de agosto de 1940, cfr. Yves Léonard, ob. cit., p. 152. 427 Cfr. Fernando Rosas, Nova História de Portugal, Volume XII, Direção de Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques, Portugal e o Estado Novo (1930-1960), coordenação de Fernando Rosas, Editorial Presença, p. 155.

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com a Guerra Civil de Espanha e com a revolta dos barcos e guerra no Tejo, Salazar já com a pasta da Guerra desencadeia a grande reforma da instituição militar que tem lugar em 1937, através das Leis nº 1960 e nº 1961 e dos Decretos-Leis nº 27.627, nº 28.401 e nº 28.408, iniciando-se assim a operação “rearmamento” do Exército, que irá prosseguir em 1938. Estas reformas visam uma reorganização do Exército que428 permite ao regime reforçar o seu controlo político, afastando a velha hierarquia de extração republicana (Fernando Rosas).

Cabe dizer, a este propósito, e como escreve António José Telo429, que Portugal pode manter uma política em relação ao conflito espanhol que não é inteiramente do agrado do Reino Unido, mas sem que este assuma posições de força face a Portugal. Dito de outra forma, e como é impressivamente sintetizado por César de Oliveira430, ponto essencial da política externa portuguesa entre 1936 e 1939 funda-se em Portugal não se incompatibilizar com a Inglaterra de modo a não colocar em causa a aliança com este país, mas preservando sempre alguma autonomia de ação que lhe permita servir a causa nacionalista como o caminho mais adequado para salvaguardar a própria sobrevivência do regime, sendo que as divergências e os contenciosos surgidos entre Lisboa e Londres foram sobretudo instrumentos de que o ditador português se serviu hábil e pacientemente para obter essa mesma autonomia sem pôr em causa essa relação de amizade.

Senão vejamos.

Neste plano, reveste particular significado o facto de Salazar enviar durante maio de 1937 à Itália e à Alemanha missões militares encarregadas de adquirir material para o exército português, o que não constitui propriamente uma novidade. De facto, já em dezembro de 1936 um esquadrão de dez bombardeiros alemães Junkers Ju 52 tinha chegado a Portugal, o que se viria a repetir um ano depois com dez bombardeiros JU 86, enquanto a Itália fornecia dez bombardeiros Breda 65431. A autorização de mais aquisições de armamento italiano e alemão converte a Alemanha no principal fornecedor de armas a Portugal432. Na verdade, e como assinala António José Telo433, o apoio aos

428 Vide Fernando Rosas, Salazar, in Dicionário de história do Estado Novo, Volume II, p. 869. 429 Cfr. António José Telo, A Aliança Luso-Britânica, in Dicionário de História de Portugal, Volume 7, p. 86. 430 Vide César de Oliveira, cfr. Salazar e a Guerra Civil de Espanha, p. 371. 431 Vide Ribeiro de Meneses, ob. cit., p. 246. 432 Cfr. António José Telo, Germanofilia, in coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 98. 433 Cfr. António José Telo, Política Externa, in direção de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, dicionário de história do Estado Novo, Volume II, p. 771.

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nacionalistas e ao avanço ao longo da fronteira, numa ação que facilita muito as vitórias iniciais, coloca o país em oposição aberta à política inglesa que perfilha a não-intervenção numa fase inicial. Este facto, leva Londres a pressionar Portugal para mudar de política, designadamente colocando dificuldades ao programa de rearmamento, que se tinha comprometido a apoiar. É com este enquadramento, que se irá também dar o corte das relações diplomáticas entre a Checoslováquia e Portugal, porquanto os checoslovacos desconfiando de que Portugal queria passar metralhadoras compradas em Praga aos nacionalistas espanhóis, embargam a compra de armas, o que levará à retaliação do Estado português. Por conseguinte, o nosso país resiste às pressões, procurando fontes alternativas para o rearmamento. Deste modo, é a Alemanha de Hitler que, a partir de 1937, organiza por completo a indústria da defesa nacional e passa a ser o grande suporte do rearmamento, tanto em termos de Exército como da Aeronáutica.

Não obstante esta tomada de posição, o chefe do Governo resiste a comprar apenas armas fabricadas na Alemanha e na Itália, de modo a não hostilizar excessivamente a Grã- Bretanha e também a não entrar em colisão total com as pressões francesas que igualmente estão contra a posição portuguesa de apoio discreto à causa nacionalista. De outra forma, visa com esta atitude poder igualmente adquirir material inglês. Todavia, mesmo quando Portugal cede às pressões franco-inglesas é importante ressalvar que desde 1937 Franco já conta com vias de abastecimento diretas a partir de Itália, pelo que o apoio do Estado português já não se afigura tão relevante como nos meses iniciais do conflito434.

Para perceber melhor esta situação, tem de se relevar que Inglaterra perfilha uma visão naval da defesa de Portugal e não crê na possibilidade de o Exército português defender o solo pátrio435. De igual modo, a independência diplomática de Salazar relativamente a Espanha não o tornava simpático ao Reino Unido, até porque se temia que as armas fornecidas a Portugal não tardassem a chegar a Espanha436. Nestes termos, o Reino Unido vai-se furtar ao rearmamento português. Face a esta situação, o subsecretário de Estado da Guerra, Santos Costa, que tinha sido nomeado em 1936 e que vai verdadeiramente dirigir a reorganizar as Forças Armadas437, personalidade da eterna

434 Cfr. António José Telo, Política Externa, p. 771. 435 Cfr. Luís Salgado de Matos, Costa, Santos, in Dicionário de História de Portugal, Volume 7, p. 445. 436 Vide Ribeiro de Meneses, ob. cit., p. 246. 437 Vide António José Telo, Costa, Fernando dos Santos, in dicionário de história do Estado Novo, Volume I, p. 234.

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confiança do chefe do Governo438 e que vai assessorar este último na redefinição da estratégia de defesa do país, dirige-se à Alemanha, a única potência disposta a fornecer armas e munições, para assim pagar parte do volfrâmio português, sendo a opção pela espingarda Mauser, em 1936, o símbolo desta viragem.

Todavia, devido aos constrangimentos porque passava o Reino Unido, a reaproximação futura com este país apenas permitiria fornecer a Portugal o que sobrara da artilharia da I Grande Guerra, o que estava longe de corresponder àquilo que Salazar precisava para apaziguar o Exército. Somente a 17 de agosto de 1939, já depois do termo do conflito espanhol, o Reino Unido aceita apoiar o rearmamento de Portugal439, realizando-se o cumprimento integral do programa apenas em setembro de 1943.

No respeitante à fiscalização das fronteiras, durante o mês de junho de 1937 a posição portuguesa não sofre qualquer oscilação. Com efeito, e na sequência do alegado ataque de um submarino republicano ao cruzador alemão Leipzig no Mediterrâneo, a Alemanha e a Itália informam o Reino Unido de que abandonarão o sistema de fiscalização. Pretextando esta situação e alegando a rutura do equilíbrio existente, Teixeira de Sampaio convoca a 25 de junho440 Charles Wingfield, o embaixador britânico em Lisboa, comunicando-lhe a suspensão desde aquele momento das facilidades concedidas aos observadores ingleses na fronteira com a Espanha. Junho de 1937 é, portanto, o ponto de maior atrito com o Reino Unido441, ainda que como sustente José Medeiros Ferreira442, Salazar “não chegue a transpor qualquer Rubicão que o separe da política inglesa para a Península”.

Como realça António José Telo443, o apoio ao lado nacionalista implica um afastamento em relação à Inglaterra, pelo menos até 1938, e se o Reino Unido não pressiona fortemente o regime português para que altere a sua posição face a Espanha, observa que é perigoso criar um regime próximo da Alemanha e da Itália e esfria as relações com Portugal. Neste sentido, em 1936 e na primeira metade de 1937 passa-se a procurar prioritariamente o apoio alemão e, a um nível inferior, o italiano e o checo. Por

438 Vide Fernando Rosas, Salazar, in dicionário de história do Estado Novo, Volume II, p. 869. 439 Cfr. José Adelino Maltez, ob. cit., p. 403. 440 Vide Franco Nogueira, Volume III, p. 106. Vide ainda Gabriel Jackson, Volume II, p. 266. 441 Ver também neste sentido, cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 43. 442 Cfr. José Medeiros Ferreira, Características históricas da política externa portuguesa entre 1890 e a entrada na ONU, Política Internacional vol I, nº 6, p. 139, Lisboa, 1993. 443 Vide António José Telo, As Relações Peninsulares Num Período de Guerras Globais, in Portugal e a Guerra Civil de Espanha, coordenação de Fernando Rosas, p. 136.

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outro lado, e para além das razões já apontadas acima, os ingleses tinham dificuldades em satisfazer as suas próprias necessidades militares e não consideravam prioritário o reequipamento do Exército português.

Com efeito, o Governo português revelou-se um elemento essencial na estratégia franquista. Como já se viu, sendo a sua colaboração em qualquer Acordo de Não- Intervenção ou Fiscalização indispensável dada a fronteira com a Espanha, Portugal punha objeções444, suscitava dúvidas, ganhava tempo que se veio a revelar precioso para municiar o exército franquista em todas as operações militares que empreendeu entre julho de 36 e o verão de 37, altura esta em que ganhou definitivamente a iniciativa militar.

A partir de segunda metade de 1937 e principalmente a partir dos inícios de 1938, o Governo britânico vai reaproximar-se de Portugal como adiante se verá, o que terá reflexos ao nível do rearmamento pela Inglaterra. Com efeito, em meados de julho de 1937 há abertura por parte de Portugal em acolher uma missão militar inglesa, o que virá a suceder em março de 1938. A presença em Lisboa desta Missão Militar britânica traduz, pois, a reaproximação entre os dois países.

Se bem que Portugal continuasse a adquirir armamento alemão e italiano, o chefe do Governo português resiste, como já se viu acima, a reequipar o Exército com armas exclusivamente fabricadas no Eixo, mostrando-se disposto a aceitar o mais obsoleto biplano Gloster Gladiator em 1938, em vez do novíssimo Supermarine Spitfire445.

Vejamos agora o contexto do conflito nos meses de maio e junho de 1937. Do lado republicano, como refere François Furet446, em maio, “o pequeno Partido Comunista Espanhol torna-se grande e poderoso, graças à conjuntura nascida da guerra, à intervenção italiana e alemã, à passividade ocidental à ajuda soviética (…), a sua força crescente, na opinião pública, nitidamente moderada, resulta de ele se apresentar como subordinando tudo à vitória sobre Franco”447, nesta medida, e segundo este autor, “a República espanhola tornou-se progressivamente um país submetido ao seu aliado”448. No início de maio, as unidades dos Guardas de Assalto, comandadas pelos comunistas, atacam a

444 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 43. 445 Vide Ribeiro Meneses, ob. cit., p. 247. 446 Vide François Furet, O Passado de Uma Ilusão, Editorial Presença, 1999, p. 297. 447 Enquanto, nas palavras do mesmo François Furet, “o antifascismo anarquista, pondo acima de tudo a destituição da autoridade pública, torna problemáticas quer a existência de um Estado, quer a conduta da guerra” (ob. cit., p. 297). 448 “ao qual facultou a organização militar, diplomática e policial do Estado, com uma garantia de impunidade para as manobras da sua alçada” (cfr. Furet, ob. cit., p. 297).

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central telefónica de Barcelona, controlada pelos operários da CNT e da UGT. Após os confrontos em Barcelona, Caballero é forçado a demitir-se, sucedendo-lhe o governo de Negrín, um socialista enfeudado aos comunistas. Negrín não só se associou a eles, como aprovou o terror exercido contra o POUM (trotskista). Em junho Negrín interdita o POUM, começando a caça sistemática contra todos os “traidores” trotskistas e outros449.

Por outro lado, nesse mesmo mês de maio de 1937 o conservador Neville Chamberlain substitui o também conservador Baldwin como primeiro-ministro da Grã- Bretanha. O novo primeiro-ministro acredita que vai conseguir um entendimento com os ditadores. A história que se segue é sobeja e tristemente conhecida. Em França, o socialista Blum é substituído em junho pelo radical (partido centrista) Camile Chautemps. Continuava a Frente Popular, mas já sem ilusões450. E nesse mesmo mês de junho a liderança de Franco torna-se inquestionável, após a morte do general Mola, líder do Exército do Norte e dirigente da conspiração de 1936, num acidente de aviação. Como bem retrata Sheelagh Ellwood451, “Mais uma vez, o destino interveio, eliminando o último dos potenciais rivais de Franco”.

Em 4 de julho de 1937 dá-se o atentado fracassado contra Salazar, facto este que marca o fim da contestação violenta ao Estado Novo. Realizado através da rede de esgotos na zona das Avenidas Novas com uma bomba artesanal, atentado este organizado entre outros por Emídio Santana452 que lidera um núcleo anarquista. Em consequência, a 6 de julho mais de 1400 oficiais do Exército e da Marinha reúnem-se em São Bento para saudar o chefe do Governo e ouvir o discurso que este profere subordinado ao tema453 “Portugal, a Aliança Inglesa e a Guerra de Espanha”. Neste contexto, as palavas do presidente do Conselho abordam a política externa e, neste particular, a defesa da aliança inglesa. No entanto454, se há a defesa sem equívocos da “velha amizade” e a sua continuação, Oliveira

449 V. Stéphane Courtois e Jean-Louis Panné, A sombra do NKVD em Espanha, in O Livro Negro do Comunismo, vários autores, Quetzal Editores, 1978, p. p. 387 e 389. A título meramente exemplificativo, o filósofo anarquista Camilo Beneri é executado nesta altura, ele que escrevera no seu jornal: “Hoje, lutamos contra Burgos, amanhã temos de lutar contra Moscovo para defender a nossa liberdade”, enquanto José Diaz, secretário-geral do PCE, declarara em maio: “O POUM deve ser eliminado da vida política do país”, cfr. Stéphane Courtois e Jean-Louis Panné, ob. cit., p. p. 387 e 388. 450 Para utilizar uma expressão de Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 141. 451 ob. cit., p. 116. 452 Entre os quais devem assinalar-se Francisco Damião, Raul Pimenta e o denominado “Silva da Madeira”, que igualmente integravam a célula anarquista. Os principais autores foram julgados em tribunal militar e condenados a severas penas, mas escaparam à deportação para a Colónia Penal do Tarrafal, cfr. César de Oliveira, Atentado contra Salazar, in Dicionário de história do Estado Novo, Volume I, ob. cit., p. p. 79 e 80. 453 Cfr. História de Portugal em Datas, p. 332. 454 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 45.

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Salazar não deixa de enfatizar que a política externa portuguesa deixará de se reconduzir à aliança inglesa, salientando que a “Aliança não é toda a nossa política externa”.

II. 12.2. A CAMINHO DO RECONHECIMENTO DE JURE DO GOVERNO DE BURGOS. O REAJUSTAMENTO DA ALIANÇA LUSO-BRITÂNICA.

Nesse mesmo mês de julho de 1937 produz-se outro facto importante, a saber, a colocação do Cônsul-Geral de Portugal em Espanha Vasco da Cunha, em Salamanca, o que significa o reconhecimento de facto de o governo de Burgos pelo Governo português455. Em finais de 1937, o desfecho do conflito espanhol começa a desenhar-se com a balança a inclinar-se para a vitória das forças nacionalistas. Como sublinha Franco Nogueira456, ao aproximar-se o ano de 1938 não subsistem dúvidas sobre o triunfo das forças de Franco. Nesta ótica, em Conselho de Ministros, Salazar aprova o reconhecimento do governo de Burgos, reconhecimento esse que não é ainda definitivo e de jure, mas antes o “oficializar a alto nível os contactos e relações existentes”. Neste sentido, e como se pode ler em Franco Nogueira457, Barjona de Freitas, embaixador em Tânger, é enviado a Espanha, e explica a Franco que Portugal julga ser aquela a forma de reconhecimento que, de momento, melhor lhe permite defender a posição nacionalista no Comité de controle. Franco dá o seu assentimento e envia por Barjona os seus agradecimentos a Oliveira Salazar, aproveitando aquele o ensejo para observar que a Espanha muito deve a Portugal. Assim, e na esteira da colocação de Vasco da Cunha, Pedro Theotónio Pereira chegará a Espanha em janeiro de 1938, com nomeação datada de 11 de dezembro de 1937, na qualidade de Agente especial do governo português junto do governo de Burgos, anotando-se, no entanto, que durante o ano de 1937, Lisboa e Burgos já tinham negociado um Acordo comercial de natureza provisória458, o que não deixa de se afigurar como significativo.

455 Vide César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 156. 456 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 138. 457 Vide Franco Nogueira, Volume III, p. 138. 458 Cfr. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 156.

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Por seu turno, a partir de julho de 1937459 o Governo português empenha-se em servir de intermediário entre o regime de Franco e a Grã-Bretanha, tentando desviar o Governo de Burgos da dependência político exclusiva da Alemanha, e principalmente de qualquer aliança político-militar com ela, insistindo na velha tese do interesse estratégico do Reino Unido em toda a Península, ou seja, Gibraltar, e os portos portugueses do Atlântico. Nesta conformidade, e como se mencionou atrás, o Governo português no outono de 1937 começa a inclinar-se para o reforço da Aliança. Por sua parte460, o Reino Unido ponderando a crescente influência da Alemanha na Península Ibérica tenta efetuar uma reconciliação com o presidente do Conselho português. É neste sentido que se enquadra o pedido de rearmamento e da colaboração militar com o Reino Unido, missão esta que chega a Lisboa em março de 1938, e cuja motivação será, em boa parte, renegociar a própria Aliança461 e dirimir o relativo contencioso entre os dois países.

Independentemente da ausência de resultados palpáveis ou não houvesse muitos mal-entendidos a resolver quanto à natureza da aliança462 ou das dificuldades do Reino Unido em satisfazer as suas próprias necessidades militares (Ribeiro Meneses), e ainda de Salazar recusar a troca de notas que reafirmasse o vigor da Aliança entre os dois países, este facto marca por si só o início da reaproximação entre os Estados aliados, como é devidamente sublinhado pela grande maioria da historiografia sobre a matéria. Em outubro de 1938, o Reino Unido irá desimpedir o fornecimento de armas para Portugal e prometer a correspondente ajuda financeira, como se verá. Mas esta reaproximação não será automática, linear e isenta de peripécias, como se irá constatar com o ressurgimento da questão colonial e atestam o discurso do chefe do Governo proferido em 27/10/1938, onde Salazar afirma, pela primeira vez, a intenção da neutralidade portuguesa em caso de conflito mundial. Acresce um cenário em que para além de recusa da reafirmação da Aliança através da troca de notas diplomáticas, há contactos da missão militar com meios oposicionistas do Estado Novo463 e ainda boatos de golpe de Estado que alegadamente os oposicionistas preparam com apoio britânico, o que também passa pela questão colonial e do “perigo alemão” (vide ponto seguinte). Tudo isto culminará com a retirada da missão para o Reino Unido. Seja como for, a reaproximação entre os dois Estados constitui um

459 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 46. 460 V. Ribeiro Meneses, ob. cit., p. 247. 461 Cfr. O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 47. 462 Vide Ribeiro Meneses, ob. cit., p. 247. 463 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 47.

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facto irreversível como bem atestam as negociações para a celebração do Tratado de Amizade e Não-Agressão com Espanha, como adiante se verá.

II. 12.3. A QUESTÃO COLONIAL

Estando Portugal integrado na aliança com a Inglaterra, essa situação condicionava, à partida, a margem de manobra possível dos governos portugueses, tanto interna como externamente, sendo que a Grã-Bretanha era ainda a senhora dos mares e das rotas de ligação com o “Império” e tutelava os grandes domínios coloniais fronteiriços com Angola e Moçambique. O elemento novo com que a segunda metade dos anos 30 influencia os termos da aliança decorre da emergência de uma potência continental, a Alemanha, apta a disputar a hegemonia britânica.

Como refere Fernando Rosas464, um dos três principais objetivos estratégicos no campo da política externa portuguesa para além da independência nacional face ao perigo espanhol, seja este materializado numa vitória das forças republicanas ou nas veleidades anexionistas da Falange no seio das forças nacionalistas, e da defesa da sobrevivência do regime como já se viu, reside na defesa do património colonial.

Apresentado o regime salazarista quer na propaganda, quer mesmo em termos diplomáticos, como estando ligado de forma indissociável às colónias, a sua salvaguarda surgia como uma tarefa nacional, ou seja, o grande fito passa agora por excluir as colónias portuguesas dos arranjos das grandes potências continentais em África. Efetivamente, a defesa do legado colonial465 no âmbito dos debates entre as grandes potências sobre a divisão das colónias africanas era, na época, um objetivo largamente consensual na sociedade e nos meios políticos portugueses, desde as direitas tradicionais a importantes setores do movimento operário organizado (Fernando Rosas). Radicava tal atitude não só em “razões de ordem política, ideológica e estratégica, mas também em fatores económicos”466, fatores estes que não se enquadram no âmbito desta dissertação.

464 Vide Fernando Rosas, Direção de José Mattoso, História de Portugal, Sétimo Volume, p. 296. 465 Cfr. Fernando Rosas, Direção de José Mattoso, História de Portugal, Sétimo Volume, p. 296. 466 Entre outros, o Império deve servir os interesses da Metrópole e não o inverso, sendo que o Império deve ainda abastecer o centro de matérias-primas baratas, absorver algumas produções metropolitanas e proporcionar divisas graças aos seus portos e caminhos de ferro, utilizados pelas colónias africanas vizinhas, e às exportações de mão-de-obra para a África do Sul, cfr. René Pélissier, Colonização, in

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Sucede que, e como se pode ver em Franco Nogueira467, nos finais de outono de 1937 a questão de África volta à ribalta. Com efeito, toma-se conhecimento que nos últimos dias de outubro, Ribbentropp e Mussolini tinham discutido a devolução de colónias à Alemanha e a constituição de um vasto território em África a ser administrado em conjunto pela Alemanha, França e Inglaterra.

Anote-se que a reivindicação das colónias já tinha sido ao longo do ano de 1937 um dos temas esgrimidos pela Alemanha, ora em finais de 1937, com a ascensão ao poder de Chamberlain e a sua correspondente política de apaziguamento, a questão volta a colocar-se com maior acuidade, constituindo para Oliveira Salazar preocupação de primeiro plano. Face ao que se vai conhecendo, Portugal pede então esclarecimentos na matéria a Londres e Roma, declarando o governo italiano que entre Mussolini e Ribbentropp nada fora tratado que possa constituir preocupação para Portugal468.

É sabido que o ministro dos Negócios Estrangeiros inglês, Lord Halifax, chega a Berlim para uma visita informal e que num banquete na embaixada de Inglaterra na capital alemã se fala mesmo do desmembramento de Angola469. Acresce que Chamberlain obcecado com a ideia de apaziguamento durante uma visita do primeiro-ministro francês Chautemps e do ministro dos Negócios Estrangeiros Delbos a Londres, sugere a estes últimos que a Bélgica e Portugal sejam abordados para cederem territórios. Todavia, e como assegura Franco Nogueira470, a 3 de dezembro, em Berlim, Goering convoca Veiga Simões, embaixador em Berlim, afirmando perante aquele que a satisfação das justas reivindicações coloniais alemãs terá de ser feita exclusivamente por Inglaterra e França e nunca à custa de um país como Portugal, com o qual a Alemanha tem as melhores relações. Tal atitude não vai dissipar todas as dúvidas, já que continuam a ser publicadas na imprensa internacional notícias e rumores de combinações sobre as colónias africanas.

Contudo, a questão parece ficar momentaneamente lateralizada com as declarações apaziguadoras em 19 de dezembro do embaixador inglês Walford Selby em

coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 7, p. 365. Há ainda uma tese que defende o caráter subalterno que a exploração dos mercados coloniais desempenhava na economia portuguesa da época, sendo a sua importância muito maior no plano político e ideológico do que no campo económico, análise esta elaborada também a partir das trocas comerciais entre Portugal e as colónias nos anos trinta. Cfr. Fernando Rosas, O Estado Novo nos Anos Trinta, 1928- 1938, Editorial Estampa, 1996, p. 79, invocando no mesmo sentido as posições de Armando Castro. 467 Vide Franco Nogueira, Volume III, p. 132. 468 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 132. 469 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 133. 470 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 134.

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Portugal, negando negociações relativamente aos territórios portugueses, ao que se sucedem em 21 de dezembro as declarações de Eden na Câmara dos Comuns sobre política externa, reiterando que não há qualquer ressurreição de certas negociações anteriores à Primeira Guerra relativas a territórios portugueses. Mas como refere Futscher Pereira471, os governantes portugueses estavam iludidos porquanto as declarações públicas de Eden referiam-se apenas a negociações passadas e tinham propositadamente omitido qualquer referência ao futuro.

Por outra banda472, não se deve igualmente olvidar a instabilidade e mesmo uma conspiração para derrubar Salazar por parte de oficiais preocupados com este aparente afastamento do Reino Unido, que aqueles associavam a uma ameaça alemã às colónias portuguesas. Entre os conspiradores, encontram-se uma série de descontentes, incluindo o monárquico Paiva Couceiro, que viria a ser deportado para Espanha nos finais de 1937473, nacionais-sindicalistas e republicanos. Um dos organizadores, o coronel João Casqueiro, chega mesmo a ser preso em maio de 1938, sendo, subsequentemente, acusado de manter contatos perigosos com a missão militar britânica em Portugal. Este facto teve aliás como resultado uma queixa de Teixeira de Sampaio ao embaixador britânico, o que em nada contribuiu para o atenuar da tensão já existente entre os dois países. No entanto, e num contexto de progressiva melhoria de relações entre os dois países, em outubro de 1938 o Reino Unido promete ajuda a Portugal em caso de ataque da Espanha ou de agressão às colónias, como adiante se verá, sendo que a questão colonial perderá alguma visibilidade até ao final do conflito.

II. 13. O RECONHECIMENTO DE JURE DO GOVERNO NACIONALISTA

A nomeação de Pedro Theotónio Pereira para “agente especial” do governo português junto das autoridades franquistas em dezembro de 1937 tem um impacto político significativo474, corporizando uma breve transição entre o simples reconhecimento de facto dessas autoridades e o anúncio do reconhecimento oficial de

471 Cfr. Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 138. 472 ob. cit., p. 247. 473 Vide José Adelino Maltez, Tradição, Revolução, Volume II, Tribuna, 2005, p. 399. 474 Vide Manuel Lucena, Os Lugar Tenentes de Salazar, p. 96.

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jure, que viria a dar-se finalmente em 28 de abril de 1938, proporcionando a promoção em junho de 1938 do agente a embaixador. Há que notar, como sustenta César de Oliveira475, que Salazar soube resistir às pressões para um reconhecimento mais rápido feitas pelos nacionalistas do governo de Burgos, visto que o chefe do Governo português tinha de gerir habilmente a sua posição no quadro da Aliança Luso-Britânica e também porque se Portugal operasse logo o reconhecimento perderia espaço de manobra no Comité de Londres. Por outro lado476, se o governo português tivesse reconhecido de jure prematuramente o governo nacionalista, como o fizeram a Alemanha e a Itália em novembro de 1936, tal ato significaria para a Europa democrática temerosa da influência alemã e italiana em Espanha, “um inequívoco comprometimento de Portugal com aquelas duas potências, mais do que com a própria sublevação”. Mais uma vez o ditador português, mostra sua habilidade e astúcia.

A nomeação de Theotónio Pereira será assim o corolário do profundo empenho do Portugal salazarista no triunfo da Espanha nacionalista, bem como a vontade de estabelecer com esta relações próximas477.

Entretanto, começa a desenhar-se com nitidez no primeiro trimestre de 1938 a vitória dos nacionalistas em Espanha. Afastado em 1938 o perigo de um triunfo do “comunismo” em Espanha, tratava-se agora não apenas de proteger a integridade do império colonial contra tentações de o utilizar como moeda de troca da política de apaziguamento da Alemanha, mas ainda de afastar eventuais ameaças militares sobre a metrópole no âmbito de uma guerra generalizada, que se antevia cada vez mais provável.

II. 14. A FALANGE E AS TENTAÇÕES ANEXIONISTAS

Como já se observou478, a defesa da “independência nacional” face ao chamado perigo espanhol não de limitava aos governos de esquerda republicana espanhola, tendo como alegado objetivo a criação de uma “Federação das Repúblicas Socialistas Ibéricas”. Na verdade, durante a cooperação com as forças nacionalistas no conflito espanhol não

475 Cfr. César de Oliveira, Guerra Civil de Espanha, in coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 8, p. 156. 476 Cfr. César de Oliveira, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, p. 331. 477 Cfr. Manuel Lucena, Os Lugares Tenentes de Salazar, p. 96. 478 Cfr. Fernando Rosas, Direção de José Mattoso, História de Portugal, Sétimo Volume, p. 296.

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se desconheciam igualmente as intenções e a propaganda anexionista da Falange. Por conseguinte, a influência diplomática e militar da Itália e da Alemanha junto de Franco e a implantação no país vizinho, através da Falange, de uma ideologia agressiva e expansionista inspirada pelo fascismo começavam a tornar-se motivo de preocupação em Lisboa. Nesta época479, chega-se a assistir à circulação de mapas que representam uma Península Ibérica reunificada e marcada com as marcas do futuro “Império Espanhol”.

Em finais de 1937480, o cônsul de Portugal em Salamanca, Vasco da Cunha, alertara mesmo Salazar para a crescente influência da Falange e para as suas tentações imperialistas relativamente ao nosso país, mencionando a existência da propaganda daquele movimento que representava a Península Ibérica sem divisão de fronteiras.

Este contexto, não deixa indiferente Theotónio Pereira que logo que inicia as suas novas funções, a 31 de janeiro de 1938, indica a Franco as ambições territoriais de certos teóricos da Falange, que nos mapas da Península suprimiam a fronteira com Portugal481. Franco naturalmente sossega o embaixador português, veiculando que o expansionismo espanhol era benigno, já que “não visava Portugal e apenas implicava um conceito de civilização e uma influência de natureza espiritual”482, o que não convenceu o representante português. Cabe dizer, a este propósito, que quando naquela data Theotónio Pereira se apresentou a Francisco Franco, já um agente especial de sua Majestade britânica tinha chegado, dois dias antes, mas, no fundo, como sublinham César de Oliveira e Manuel Lucena483, era a “Inglaterra quem, seguindo pisadas alheias, emendava a mão. Nessa altura já se sabia que Franco era o nome do vencedor…”.

Nesta senda, em 28 de abril de 1938 Oliveira Salazar comparece na Assembleia Nacional e na alocução que profere subordinada ao tema484 “Realizações de política interna. Problemas de política externa”, pronunciado na sessão solene de encerramento da I Legislatura da Assembleia Nacional, entre outros assuntos abordados, expressa

479 V. Yves Léonard, ob. cit., p. 149. 480 Cfr. Bernardo Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 159. 481 Cfr. Manuel Lucena, Os Lugar Tenentes de Salazar, p. 103. 482 Cfr. Manuel Lucena, Os Lugar Tenentes de Salazar, p. 103, e Pedro Theotónio Pereira, Memórias, Volume II, Editorial Verbo, 1973, p. 176 a 178. As relações entre Salazar e Franco foram sempre boas, mas quando cadete em Toledo, Franco escolhera como problema para o exercício do seu final de curso o tema: “Como se ocupa Portugal em 28 dias”. Para a época, e com os meios convencionais dos princípios do século, foi havido por notável pelo Estado-Maior espanhol, o que era do conhecimento de Salazar, cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 157. 483 Cfr. Manuel Lucena, Salazar, in Coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Dicionário de História de Portugal, Volume 9, p. 351, César de Oliveira, Salazar e a Guerra Civil, p. 125. 484 Cfr. Luís Reis Torgal e outros, História de Portugal em datas, p. 332.

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reservas face à anexação da Áustria por Hitler485 ocorrida a 12 de março de 1938486, e anuncia o reconhecimento formal de jure do governo nacionalista espanhol. No entanto, tendo em mente as tendências imperiais de alguns setores falangistas, o chefe do Governo aproveita para defender o desenvolvimento de boas relações entre os dois países e a “plena independência” de Portugal, referindo-se ainda à situação espanhola no seguintes termos487: “se foram impotentes as tradições federalistas das duas repúblicas, também não é o menos a tradição imperialista de Filipe II”, o que não pode deixar de ser entendido como um recado a Espanha com a concomitante recusa do iberismo.

Registe-se que a questão do chamado “perigo espanhol” viria a acentuar-se nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial com o apoio de Serrano Suñer488, sendo menos conhecida mas fora do âmbito temporal desta tese, a “ativa intriga desenvolvida pela Embaixada portuguesa em Madrid nos meios políticos do Nuevo Estado espanhol com vista a (...) derrotar, no outono de 1942, Suñer e os setores intervencionistas e germanófilos da Falange e do Exército, cujos desígnios anexionistas relativamente a Portugal eram mais ou menos indisfarçados”.

Consequentemente, e dando seguimento ao discurso do presidente do Conselho quanto a Espanha, em 11 de maio Theotónio Pereira envia a Jordana, ministro dos Negócios Estrangeiros de Franco, a nota formal de reconhecimento. Em resposta, Franco telegrafa ao presidente Carmona referindo que o gesto português constituía um489 “digno remate da galhardia e amistosa atitude que Portugal manteve durante toda a guerra que sustentámos”, aproveitando o mesmo para relevar as “relações fraternais que os dois países mantiverem sempre e manterão no futuro com o maior empenho para defender

485 Cfr. O ditador português não confiava em Hitler e à perseguição aos católicos na Alemanha, denunciada pelo Vaticano, acrescia agora a destruição de um Estado católico governado por um regime autoritário não muito distante do Estado Novo, cfr. Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. p. 162 e 163. 486 Conforme relata Martin Gilbert, com esta anexação dois terços dos oficiais do exército austríaco foram imediatamente detidos. Por seu turno, milhares de democratas, católicos, socialistas e comunistas austríacos foram enviados para campos de concentração na Alemanha. Poucos dias depois eram introduzidos no país todos os aspetos do nazismo alemão (imposição de leis antijudaicas, por exemplo), sendo que dos 200.000 judeus austríacos, 30.000 foram detidos e enviados para campos de concentração alemães. Dez mil suicidaram-se, cfr. Martin Gilbert, História do Século XX, p. p. 239 e 240. 487 V. Franco Nogueira, Volume III, p. 161. 488 Cfr. Fernando Rosas, direção de José Mattoso, História de Portugal, Sétimo Volume, p. 296. Suñer, confessadamente germanófilo, ministro do Interior e cunhado do Caudillo, e que na época é considerado o homem mais poderoso de Espanha depois do Caudillo, chegará a avisar Theotónio Pereira a 26 de junho de 1940 que Portugal deveria temer um ataque alemão se persistisse na sua aliança (um “peso morto”, segundo Suñer) com o Reino Unido, cfr. Yves Léonard, p. 154. 488 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. 162. 489 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. p. 166 e 167.

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ideias comuns de civilização e de história”. Ato contínuo, Theotónio Pereira é acreditado como embaixador de Portugal em Espanha. Por seu turno, Nicolau Franco, irmão de Franco, é acreditado como embaixador de Espanha em Portugal.

Mas a questão do denominado “perigo espanhol” não vai desaparecer e persiste o medo da perda das colónias. Efetivamente, o chefe do Estado Novo continua apreensivo relativamente às tentações anexionistas que rodeiam Franco, designadamente do núcleo principal da Falange espanhola de inspiração alemã, estado de espírito esse que parece transparecer do despacho de julho do embaixador do Reino Unido em Lisboa, Walford Selby, para Londres490: “está (Salazar) fazendo quanto pode, temeroso de algumas ambições espanholas quanto à Península no seu conjunto, para manter as sua relações com o Reino Unido sem ofender as poderosas ditaduras da Alemanha e da Itália, em especial tendo em vista a influência germânica junto dos conselheiros de Franco”. Na mesma nota é igualmente considerado que Portugal apesar de ser um pequeno país controla um grande Império e detém uma posição estratégica de enorme importância na Península Ibérica.

Entretanto491, e sem o conhecimento de Salazar, do ministro dos Negócios estrangeiros britânico e do embaixador do Reino Unido em Lisboa, o primeiro-ministro Chamberlain na sua obsessão de apaziguamento e à revelia da Câmara dos Comuns oferece territórios portugueses à Alemanha, a saber, a totalidade de Angola e a totalidade da África Oriental portuguesa. Simultaneamente, parte da imprensa alemã acusa o Reino Unido de estar a propor um novo desenho em África à custa de Portugal e da Bélgica.

II. 15. OS ACORDOS DE MUNIQUE E O ESTADO NOVO

O contexto internacional no verão de 1938 assume proporções cada vez mais alarmantes. Depois da Áustria é agora a vez da Checoslováquia. Resumindo muito, e a propósito dos alemães dos Sudetas a residirem na Checoslováquia, o dirigente nazi Goering refere-se em 10 de setembro de 1938 ao povo checo nos seguintes termos492: “essa raça miserável de pigmeus sem cultura – ninguém sabe de onde veio – está a oprimir um povo culto, e

491 V. Franco Nogueira, Volume III, p. p. 168 e 169. 492 Cfr. Martin Gilbert, ob. cit., p. 240.

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por trás dela está Moscovo e a eterna máscara do demónio judaico”. Em linha com estas palavras inflamadas, Hitler declara em 12 de setembro que a “opressão dos alemães dos Sudetas pelos checos tinha de acabar”.

De cedência em cedência perante Hitler, Chamberlain juntamente com Daladier, primeiro-ministro francês, e Mussolini e no meio da total indignação e repúdio na Câmara dos Comuns, nomeadamente do líder do Partido Trabalhista, Clement Attlee, do líder do Partido Liberal, Archibald Sinclair, e de Winston Churchill, acerta a 29 de setembro com Hitler os detalhes da anexação da região dos Sudetas da Checoslováquia pela Alemanha. Para a história ficam conhecidos como os famigerados Acordos de Munique.

Em 1 de outubro, as tropas alemãs iniciam a anexação. Para António José Telo493, a crise de Munique é mesmo o período de maior perigo para Portugal, já que parece que a guerra europeia vai começar sem ter terminado o conflito espanhol. Se assim fosse, a Península seria arrastada para o conflito e a situação portuguesa seria muito complicada, porquanto as fronteiras de Portugal eram dominadas pelos inimigos da Inglaterra, Alemanha e Itália, cujas tropas estavam fixadas na Espanha nacionalista. Em Portugal, Salazar não vai deixar de manifestar a sua satisfação com os Acordos494 de Munique.

II. 16. AS ÚLTIMAS AÇÕES DO ESTADO NOVO SINTONIZADAS COM AS FORÇAS FRANQUISTAS

Na linha reiterada com as posições franquistas495 e como temos vindo a explanar ao longo desta tese, são ainda dignas de registo três ações de Salazar no aproximar do fim do conflito espanhol. É o caso da oposição do chefe do Estado Novo a tentativas de mediação entre as partes em confronto, que poderiam comprometer o triunfo nacionalista. É ainda, em janeiro de 1939, a obtenção junto do conde de Jordana, ministro dos Estrangeiros de Franco, de luz verde autorizando o Governo português a declarar em nome do Governo espanhol que o Generalíssimo mantinha plena liberdade de

493 V. António José Telo, Política Externa, p. 771. 494 O chefe do Estado Novo sem especial apreço pela Checoslováquia – uma das poucas democracias europeias da altura e país com o qual cortara relações diplomáticas como se viu –, saúda a “indiscutível glória de Chamberlain, a quem o chefe do Governo italiano deve ter dado a colaboração decisiva do seu génio político”, cfr. Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 167. 495 V. Manuel Lucena, Salazar, ob. cit., p. 351, e Cfr. Manuel Lucena, Os Lugar-Tenentes de Salazar, ob. cit., p. 101 e p. 104.

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movimentos e que nem a Alemanha nem a Itália guardariam quaisquer posições na Península ou nas ilhas. E, por último, e ao invés do sucedido ainda que sem grande sucesso com os altos representantes do fascismo italiano em Espanha, militares e diplomatas496, a política salazarista nunca se preocupou em conter a veia punitiva do Generalíssimo (Manuel Lucena).

Assim sendo, em fevereiro de 1939 e com o fim da guerra à vista, e como decorre do conselho que Salazar enviou a Franco via Theotónio Pereira, das declarações deste último junto do ministro dos Negócios Estrangeiros franquista e do telegrama do próprio presidente do Conselho português para Theotónio Pereira, resulta que a política salazarista flui toda no mesmo sentido: total oposição às posições veiculadas por certas capitais europeias tendentes a condicionar o reconhecimento do governo de Franco a um compromisso de clemência com os vencidos.

De facto, e para o regime do Estado Novo, qualquer clemência ou tipo de amnistia seria permitir o regresso imediato a Espanha das forças esquerdistas vencidas e da desordem. Como já se viu acima, até o próprio general Yague, o responsável pelo massacre de Badajoz, viria a protestar497 contra a falta de generosidade de Franco para com os vencidos, milhares dos quais continuaram, até 1945, a ser “pacatamente julgados, condenados e executados”.

II. 17. O TRATADO DE AMIZADE E NÃO-AGRESSÃO COM A ESPANHA COMO O COROLÁRIO FINAL DA COLABORAÇÃO ENTRE A ESPANHA FRANQUISTA E O PORTUGAL SALAZARISTA. O DESANUVIAMENTO E O REFORÇO DA ALIANÇA LUSO-BRITÂNICA.

Face ao perigo de uma guerra europeia em setembro de 1938, o governo franquista encontra-se acossado entre o desejo de não hostilizar a Itália e a Alemanha498, cujo apoio militar continua a ser fundamental, e o receio quer das intenções francesas quer da

496 Cfr. Manuel Lucena, Os Lugar Tenentes de Salazar, ob. cit., p. 101. 497 Cfr. Manuel Lucena, Os Lugar Tenentes de Salazar, ob. cit., 102. 498 Cfr. Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, ob. cit., p. 168.

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possibilidade de um desembarque inglês em Portugal quer de um ataque às costas espanholas. Neste contexto499, Salazar é ainda neste mês de setembro procurado no Caramulo onde está a passar férias, por Nicolau Franco, tendo este último, em nome do governo do seu irmão, sugerido um Pacto de Não-Agressão entre os dois países. No mesmo sentido, é a diligência dois dias depois de Jordana, o ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, junto de Theotónio Pereira.

Para Portugal interessava celebrar o Tratado, mas teria de o fazer com toda a cautela para não vir a ser acusado de estar a colocar em causa a Aliança Luso-britânica, pois tal poderia ser interpretado como um alinhamento no campo inimigo ao do Reino Unido e da França500. Ora, convém observar que tanto britânicos como portugueses têm como adquirido a quase certeza da vitória final dos franquistas. Nesta ótica, começam a equacionar um acordo quanto à necessidade de se assegurar a neutralização da Península Ibérica501, no âmbito de um eventual conflito europeu, sendo que para a Grã-Bretanha o mais importante consiste em limitar a influência alemã em Espanha, e tentar preservar a segurança de Gibraltar bem como o livre acesso da frota britânica ao Mediterrâneo. Enquanto isso, o chefe do Governo português está preocupado com a ameaça de uma Espanha demasiado poderosa e dependente da Alemanha, assim como dos já falados projetos de anexação alimentados por alguns elementos da Falange.

Neste plano, Portugal informa o Reino Unido das suas intenções através de Armindo Monteiro, ainda que este desconfie do Pacto502 dado que segundo ele o mesmo poderia ser interpretado como visando salvaguardar a retaguarda da Espanha com Portugal, de molde a que pudesse facilitar a possibilidade de Franco em atacar a França com a cumplicidade da Itália e da Alemanha. Alerta Monteiro que o Tratado não vincula nem alemães nem italianos, sendo a atividade destes que há que recear e não a da França, porque em caso de guerra com a Espanha, ingleses e franceses não hesitariam em atacá- la pelo lado de Portugal.

A 28 de setembro, Nicolau Franco apresenta a Teixeira Sampaio um projeto de pacto, sendo as negociações retomadas com a Espanha em fevereiro de 1939 através de

499 Cfr. Franco Nogueira, Salazar, Volume III, ob. cit., p. 175. 500 Cfr. Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 177. Outra possível explicação é ter preferido esperar até a situação militar em Espanha estar mais definida, cfr. Futscher Pereira, p. 177. 501 Cfr. Yves Léonard, ob. cit., p. 149. 502 Cfr. Manuel Lucena, Os Lugar Tenentes de Salazar, p. 38.

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convocatória de Teixeira de Sampaio por Nicolau Franco, Teixeira de Sampaio503 que vai ter uma ação discreta mas importante tanto nas iniciativas que visam a neutralização da Península através da celebração do Tratado de Amizade e Não-Agressão, bem como na elaboração do respetivo Protocolo Adicional de 1940.

Em outubro de 1938 uma mensagem de Lord Halifax504, seguido de um memorial a 25 do mesmo mês, desimpede o fornecimento de armas para Portugal e promete a correspondente ajuda financeira, garante apoio aéreo em caso de agressão de Espanha ou de um ataque às colónias, reconhece a posição chave de Portugal, propõe um estreitamento de relações e manifesta interesse pela celebração do Tratado de Amizade Não-Agressão proposto no mês anterior. Em suma, é a vez do desanuviamento e do reforço da Aliança. Até à celebração do Tratado, Portugal reiterará junto das autoridades espanholas a sua vontade de preservar as relações luso-britânicas e, simultaneamente, de tornar estas últimas compatíveis com o futuro Pacto Ibérico505. Por seu turno, em discurso proferido aos microfones da Emissora Nacional no dia 27 de outubro506, dia de encerramento da campanha eleitoral para a Assembleia Nacional, Salazar anuncia a intenção do governo de se manter neutral em caso de eclosão de um conflito militar generalizado ao nível europeu ou mundial.

A Guerra aproxima-se do fim e em fevereiro de 1939 temos como pano de fundo507 o desfile da vitória franquista em Barcelona, na sequência da sua conquista no final de janeiro, desfile a que assiste Theotónio Pereira, acompanhado pelos embaixadores da Itália e da Alemanha. Durante três horas e meia desfilam cerca de 70.000 homens, iniciando-se o mesmo com as tropas italianas e fechando com a Legião Condor. De fevereiro é ainda a tomada de Girona e a ocupação total da Catalunha e de Minorca pelos nacionalistas508, sendo a 27 desse mês de 1939 anunciado o reconhecimento de jure do Governo de Burgos pela França e pelo Reino Unido.

O Tratado de Amizade e Não-Agressão com a Espanha é assinado formalmente a 17 de março em Lisboa por Salazar e Nicolau Franco e publicado no Diário do Governo a 24 do mesmo mês, sendo mais tarde conhecido por Pacto Ibérico, consubstanciando

503 Cfr. Pedro Aires de Oliveira, Sampaio, Luís Teixeira, in coordenação de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Dicionário de história do Estado Novo, p. 877. 504 Vide Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 41. 505 Cfr. Yves Léonard, p. 150. 506 Cfr. Luís Reis Torgal e outros, História de Portugal em Datas, p. 332. 507 Vide Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 180. 508 V. Gabriel Jackson, A República Espanhola e a Guerra Civil 1931/1939, Volume II, p. 268.

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deste modo a quarta ação e o corolário final da colaboração entre o Portugal salazarista e a Espanha franquista ocorrida no final da Guerra. No essencial, é um instrumento diplomático que reconhece a fronteira entre os dois Estados Ibéricos, afirma a amizade recíproca luso-espanhola e prevê consultas mútuas. Como defendem César de Oliveira509 e Yves Léonard510, este Tratado foi negociado com o apoio do Reino Unido que apoiou a iniciativa conjunta de Franco e de Salazar, baseando-se toda a diplomacia portuguesa na estratégia de convencer os seus interlocutores espanhóis da necessidade de neutralizar o conjunto da Península Ibérica em caso de conflito, e não apenas de garantir as fronteiras comuns aos dois países. Nesta ordem de ideias511, Portugal garantia que a Inglaterra não utilizaria o seu território para operações militares, desde que a Espanha não o permitisse às forças do Eixo, sendo que à Grã-Bretanha o Pacto Ibérico interessava como forma de impedir Franco, impelido pelas forças de que Serrano Suñer era expoente, de entrar na guerra ao lado da Alemanha. Por outro lado, os diplomatas portugueses procuraram desde logo obter garantias suplementares junto de Londres através de um reforço das relações bilaterais512, garantias essas logo dadas no dia 25 de outubro, tendo Salazar revelado pela primeira vez dois dias depois a sua intenção de atribuir a Portugal um estatuto de neutralidade em hipótese de conflito europeu. Efetivamente, o Reino Unido ao tomar conhecimento da próxima celebração deste Tratado, refira-se que assinado antes da conquista de Madrid pelas tropas franquistas, e num cenário da Espanha repleto de tropas italianas enviadas por Mussolini e extremamente dependente, a todos os níveis, da Alemanha nazi, via a sua concretização como uma forma de colocar um travão à escalada expansionista e agressiva da Itália e da Alemanha. Neste sentido513, é um relevante instrumento de estratégia britânica de preparação da guerra, ou seja, de neutralização da Península, a seis meses do conflito, para recorrer a uma expressão apropriada de Rosas, “Salazar era a mão com que os ingleses agarravam Franco”. Por outro lado, e como assinala César de Oliveira514, Portugal procurava através deste Tratado contrariar além da influência italiana e alemã em Espanha, as pretensões imperialistas da Falange espanhola. Por seu turno, para a Espanha pretendia-se impedir que a Aliança luso-britânica pudesse constituir um fator de ameaça ao novo Estado liderado por Franco.

509 Cfr. César de Oliveira, Tratado de Amizade e Não-Agressão Luso-Espanhol/Pacto Ibérico, p. 977. 510 Cfr. Yves Léonard, p. 150. 511 V. Mário Matos e Lemos, ob. cit., p. 981. 512 Cfr. Yves Léonard, p. 150. 513 Cfr. Fernando Rosas, O salazarismo e a Aliança Luso-Britânica, p. 113. 514 Vide César de Oliveira, Salazar e a Guerra Civil de Espanha, p. 372.

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Alguns dias depois da celebração do Tratado, a 28 de março, dá-se a entrada das forças nacionalistas em Madrid, terminando assim ao fim de 32 meses a Guerra Civil de Espanha a 1 de abril com a total rendição das tropas republicanas. Consequentemente, Carmona felicita o Generalíssimo, respondendo este: “nesta vitória acreditou sempre o povo português”. Entretanto, o Governo de Franco decidira a 21 de fevereiro aderir ao Pacto Anti-Comintern, Pacto este que fora assinado entre a Alemanha e o Japão a 15 de novembro de 1936515, dirigido oficialmente contra a Internacional Comunista, e que a 6 de novembro e 1937 contara com a adesão da Itália. Esta adesão por parte de Espanha foi assinada a 27 de março e mantida em segredo516 por deliberação de Franco até ao final do conflito, só tendo sido anunciada a 6 de abril, por pressão de Serrano Suñer. Nesta linha de atuação, a 14 de abril de 1939517 um ministro italiano em Lisboa visita Teixeira de Sampaio sugerindo-lhe a adesão do governo português ao Pacto Anti-Comintern, o que é repudiado por Sampaio, sublinhando este que Portugal para ser anticomunista, não sentia necessidade de lhe dar a sua adesão, o que se insere no que pensava Salazar que terá verbalizado para Armindo Monteiro : “lastimamos não ter podido demover Franco (...), menos por causa das obrigações do Pacto anticomunista em si do que por perigos de solidariedades que sobre ele venham ser criadas para outras circunstâncias e atividades”.

O Tratado de Amizade e Não-Agressão será seguido de um Protocolo Adicional assinado em 29 de julho de 1940518, em que tem um papel importante na negociação Theotónio Pereira. Com este Protocolo que tornava obrigatórias as consultas entre os governos português e espanhol, visa-se obstar aos efeitos da aproximação hispano alemã durante a Segunda Guerra Mundial entretanto desencadeada. Protocolo este que irá suscitar reservas519 do setor pró-alemão da Espanha franquista, nomeadamente o já mencionado Serrano Suñer, assim como de militares radicais e de parte da Falange, tendo o mesmo representado um dado importante par assegurar a neutralidade espanhola no decurso do conflito mundial. Estes instrumentos jurídicos afiguram-se, portanto, como elementos fundamentais na estratégia de pressão do Governo português na contenção da

515 Cfr. Jacques Neré, O Mundo Contemporâneo, p. 453. 516 Cfr. Futscher Pereira, A Diplomacia de Salazar, p. 182. 517 Cfr. Franco Nogueira, Volume III, p. p. 195 e 196. 518 Cfr. Fernando Rosas, Pereira, Pedro Theotónio, in coordenação de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, dicionário de história do Estado Novo, p. 719, e cfr. César de Oliveira, Tratado de Amizade e Não- Agressão Luso-Espanhol/Pacto Ibérico, p. 978. 519 V. César de Oliveira Tratado de Amizade e Não-Agressão, p. 978.

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fação germanófila e intervencionista do regime franquista e inserem-se também no âmbito da política britânica de neutralização da Península.

Como sustenta Rui Ramos520, o Tratado de Amizade e Não-Agressão com a Espanha, mais do que um Pacto Ibérico, foi na prática um acordo europeu sobre a Península Ibérica, consentido pela Inglaterra, França e Alemanha, o que virá a ter importantes repercussões no futuro próximo. Na realidade, e como escreve o mesmo autor, foi esse o quadro da declaração de neutralidade portuguesa em 3 de setembro de 1939, três dias depois do eclodir da Segunda Guerra Mundial. Nesta ótica, Salazar continuou nos anos seguintes a sonhar com uma “zona de paz” na Europa, que incluiria a Espanha e também a França governada pelo Marechal Pétain, o qual se inspirou no Estado Novo Português para a sua própria “Revolução nacional”.

Anote-se que uma das consequências mais importantes da atitude de Portugal para com a Espanha nacionalista radicou na criação de uma espécie de dívida de gratidão que se manteria durante décadas entre a Espanha franquista e o regime do Estado Novo, dívida esta que de certa forma amorteceria as pulsões expansionistas de setores do campo nacionalista espanhol.

Por outro lado, a “amizade peninsular” decorrente do Tratado implicará assegurar a estabilidade dos dois regimes ditatoriais num contexto de isolamento a seguir à Segunda Guerra Mundial, vale por dizer em que as democracias são agora vitoriosas na Europa, e em que a União Soviética surge com a aura de um dos grandes e decisivos vencedores contra o nazismo e o fascismo.

CAPÍTULO III – RESULTADOS

A análise bibliográfica efetuada permite assim concluir que o regime do Estado Novo é um regime autocrático e ditatorial com traços originais, mas não propriamente um regime fascista. Ao invés, a génese política das forças nacionalistas espanholas assume contornos muito próximos do fascismo, assumindo como seu traço identitário a violência e a implacabilidade.

520 Cfr. Rui Ramos, História de Portugal, ob. cit., p. 662.

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No entanto, os mesmos estudos estabelecem que entre o regime salazarista e as forças franquistas há desde logo como traço comum a rejeição da democracia liberal e a delimitação do mesmo inimigo ideológico que interessa aniquilar pela via da repressão, a saber, o comunismo, designação onde caberá tudo o que não seja favorável ao regime. Nesta senda, desde as vésperas do conflito espanhol que o Portugal salazarista está de uma forma mais ou menos dissimulada contra o novo poder político espanhol que emerge das eleições de fevereiro de 1936, favorecendo, dinamizando e estabelecendo canais privilegiados com os oposicionistas que estão sediados em Portugal. Em consequência, as eleições espanholas de fevereiro de 1936 e a Guerra Civil Espanhola refletem-se igualmente no aumento da repressão do regime do Estado Novo.

Nesta linha de atuação, desde os primeiros meses do conflito espanhol que o apoio do regime salazarista às forças nacionalistas reveste uma forma encapotada e manifesta- se em vários planos, a saber, logístico, diplomático, político, militar e até financeiro, sendo o tratamento que o regime português concede aos refugiados republicanos um dos lados mais negros da política salazarista. Se bem que existam algumas diferenças assinaláveis entre a identidade política dos dois regimes, a ideologia política do Estado Novo é pois determinante para a sua aproximação às forças nacionalistas (várias analogias políticas e o mesmo “inimigo comum”) e, sobretudo, resulta esta aproximação da perceção que uma vitória republicana terá como consequência o fim do regime do Estado Novo, seja pelo incentivo aos opositores do regime do Estado Novo, seja pela materialização em seu entender do anexionismo iberista republicano na vertente comunista soviética. Ou seja, concorrem decisivamente para este apoio razões ideológicas, mas igualmente a questão da sobrevivência do regime.

Consequentemente, também se repercute esta atitude na posição de reserva e tergiversação que Portugal assume perante o Acordo de Não-Intervenção e o Comité de Controlo ao refletir a sua posição favorável (ainda que não ostensiva) às forças nacionalistas.

Por força destas atitudes, o ano de 1937 vai constituir o ano de todas as tensões, traduzindo-se também a posição de Portugal face ao conflito espanhol no momento mais crítico das suas relações com o Reino Unido no âmbito da Aliança Luso-Britânica, sendo também ainda deste ano o ressurgimento das tentações anexionistas de setores das forças nacionalistas e da questão colonial.

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A partir do Outono de 1937 há uma ligeira melhoria das relações de Portugal com o Reino Unido, reaproximação que se começa a projetar em março de 1938, não obstante ainda algumas vicissitudes. Por seu turno, os anos de 1938 e o início de 1939 espelham as últimas ações do Estado Novo sintonizadas com as forças franquistas, sendo o corolário final da colaboração entre o Portugal salazarista e a Espanha franquista a celebração em março de 1939 (alguns dias antes do desfecho do conflito) do Tratado de Amizade e Não- Agressão entre os dois países. Este instrumento jurídico traduz-se também no desanuviamento e reforço da Aliança Luso-Britânica e na tentativa de contenção da influência da Alemanha e da Itália sobre as forças nacionalistas, de molde a que a Península Ibérica fique fora da Guerra que se pressentia.

Releva-se ainda dos supracitados estudos bibliográficos, a habilidade do regime português em nunca se deixar colar ostensivamente às forças nacionalistas nem ultrapassar determinadas linhas vermelhas com o Reino Unido, até por causa da manutenção das colónias portuguesas porquanto interessava excluir estas últimas dos arranjos entre a Alemanha, França, Itália e Reino Unido. E, sobretudo, do perigo que constituía a política de apaziguamento de Chamberlain face à Alemanha com as colónias portuguesas como eventual moeda de troca.

Por outro lado, sabendo igualmente gerir da melhor forma as tentações iberistas anexionistas que rodeiam Franco, designadamente do núcleo principal da Falange espanhola de inspiração alemã.

Em suma, a política do Estado Novo de apoio à causa nacionalista pauta-se sempre que possível disfarçada através da ambivalência e prudência de molde a assegurar a sobrevivência do regime, apesar e à custa de uma prática em certos aspetos censurável e do ponto de vista ético, veja-se, entre outros e a título de exemplo, o tratamento dado aos refugiados republicanos ou a sintonia com os nacionalistas espanhóis na rejeição da clemência para com os republicanos derrotados.

CAPÍTULO IV – CONCLUSÃO

Para concluir o nosso trabalho, cabe-nos agora refletir sobre as hipóteses de trabalho inicialmente colocadas.

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Assim, relativamente à Hipótese I – A ideologia do Estado Novo é determinante para uma alegada aproximação do regime salazarista às forças nacionalistas espanholas, retiramos que a mesma não é decisiva para uma alegada aproximação do regime salazarista às forças nacionalistas, visto que essa aproximação que se vem a revelar efetiva ainda que encapotada, não se esgota numa ideologia que, apesar de algumas semelhanças, nem sempre se compagina com o ideário das forças nacionalistas. Neste sentido, trata-se de uma Hipótese de trabalho apenas validada parcialmente.

No respeitante à Hipótese II – A ideologia do Estado Novo é irrelevante para uma alegada aproximada às forças nacionalistas, até porque há diferenças substanciais entre a natureza do regime do Estado Novo e as forças nacionalistas, tratando-se acima de tudo de uma questão de sobrevivência do regime, constata-se que a ideologia do Estado Novo não se afigura irrelevante para uma alegada aproximação às forças nacionalistas. Efetivamente, havendo diferenças substanciais entre a natureza política do regime do Estado Novo e a identidade política das forças nacionalistas, não deixa de haver alguns traços identitários em comum, o que também explica a atuação do Estado Novo na sua política de proximidade dissimulada com as forças nacionalistas. De igual modo, trata-se de uma Hipótese de trabalho apenas validada parcialmente.

No concernente à Hipótese III – A ideologia do Estado Novo tem alguma relevância para uma alegada sintonia de posições com as forças nacionalistas, mas não se podendo igualmente descurar a questão da sobrevivência do regime, considera-se que é a Hipótese de trabalho que é validada totalmente fazendo vencimento ao longo do nosso trabalho. Com efeito, assiste-se a uma conjugação entre uma relativa identificação de alguns aspetos da ideologia política do Portugal salazarista (rejeição da democracia liberal e comunismo como o grande inimigo da humanidade que tem de ser aniquilado através da repressão) com as forças nacionalistas espanholas. Todavia, também deparamos com a necessidade de sobrevivência do próprio regime face ao inevitável fortalecimento dos oposicionistas do Estado Novo em caso de uma eventual vitória republicana e ao medo do expansionismo espanhol na vertente comunista soviética que trariam a subsequente queda do regime. Neste contexto, temos assim explicada a proximidade encapotada entre o regime do Estado Novo e as forças nacionalistas durante o conflito através de uma gestão hábil de todos os atores em presença. Efetivamente, se uma vitória republicana seria fatal para o Estado Novo, também não se podem esquecer

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as tentações anexionistas no campo nacionalista que o regime português soube igualmente gerir com habilidade.

Logo, o Estado português zelou acima de tudo pela sua segurança numa conjugação ideal entre ideologia política e teses realistas.

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