Claridade E Certeza Em Hora Di Bai
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
CLARIDADE E CERTEZA EM HORA DI BAI Terena Thomassim Guimarães* Professora Orientadora Jane Fraga Tutikian RESUMO: Trata o trabalho da obra de Manuel Ferreira, notadamente Hora di Bai, que mostra o contexto social caboverdeano antes da sua independência de Portugal. O objetivo é estudar as questões da identidade caboverdeana em relação aos dois maiores movimentos literários de 30 e 40. Como pressupostos teóricos serão utilizados os conceitos dos Estudos Culturais, mais fortemente aqueles evidenciados por Edward Said e Homi Bhabha. Como metodologia, pretende-se analisar a identidade caboverdeana, a partir do fenômeno da evasão, percebendo a diferença entre a) os nativos que são obrigados a sair das ilhas de Cabo Verde ou a se locomover entre elas por sofrerem diversas dificuldades e b) os habitantes que ficam nas ilhas e tentam lutar contra a opressão que os aflige. Serão levantados os elementos de caboverdeanidade, relacionados à Claridade e à Certeza. É possível concluir que o movimento Claridade se aproxima da idéia de abandono das ilhas para a tentativa de obter uma melhor condição de vida, ao passo que o movimento Certeza apresenta uma ligação com aqueles que decidem ficar na sua terra para lutar por melhores condições sociais. PALAVRAS-CHAVE: Hora di Bai, identidade, movimentos literários. RESUMEN: Trata el trabajo acerca de la obra de Manuel Ferreira, con énfasis en la novela Hora di Bai, que muestra el contexto social caboverdeano antes de su independencia de Portugal. El objetivo es estudiar las cuestiones de la identidad caboverdeana en relación con los dos mayores movimientos literarios de 30 y 40. Como presupuesto teórico serán utilizados los conceptos de los Estudios Culturales, más fuertemente Edward Said y Homi Bhabha. Como metodología, se pretende analizar la identidad caboverdeana, a partir del fenómeno de la evasión, percibiendo la diferencia entre a) los nativos que son obligados a salir de las islas de Cabo Verde o a andar entre ellas por sufrir diversas dificultades y b) los habitantes que se quedan en las islas y intentan luchar contra la opresión que los aflige. Serán levantados los elementos de la caboverdeanidad, relacionados a la Claridade y a la Certeza. Es posible concluir que el movimiento Claridade se aproxima de la idea de abandono de las islas para la tentativa de obtener una mejor condición de vida, ya el movimiento Certeza presenta una ligación con aquellos que deciden quedarse en su tierra para luchar por mejores condiciones sociales. PALABRAS-CLAVE: Hora di Bai, identidad, movimientos literarios. Amanhã é sempre de esperança. Por que não tê-la depois de tanto sofrermos? Manuel Ferreira Este trabalho pretende estudar as questões da identidade caboverdeana em relação aos dois maiores movimentos literários de Cabo Verde: Claridade de 1936 e Certeza de 1944, usando como ponto de partida o livro Hora di Bai, de Manuel Ferreira. O livro Hora di Bai foi publicado em 1962. Manuel Ferreira nasceu em Portugal e chegou a Cabo Verde como expedicionário do exército português em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi profundo conhecedor da cultura caboverdeana, conhecia muito * Graduanda, UFRGS, [email protected] o país e a vida do povo. Foi casado com a escritora caboverdeana Orlanda Amarílis. Teve muitos livros publicados. Morreu em 1994. Falando de sua obra, no livro Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, relata que Na 1ª edição destas Literaturas... o signatário não fez aqui o registro destes livros, em virtude de não ter nascido em Cabo Verde. No entanto, por estar plenamente convencido de que aquelas obras são cabo-verdianas, do ponto de vista das formas quer de expressão quer de conteúdo, resolveu aqui registrá-las como informação geral para os leitores menos prevenidos. (FERREIRA, 1987, p. 89). Ou seja, mesmo o autor sendo português de nascimento, seu romance Hora bi Bai, foco de estudo desse trabalho, é caboverdeano pela temática e estrutura da narrativa. Hora di Bai é considerado um romance neo-realista, com a denúncia do que o povo caboverdeano está passando. Segundo Jorge Valentim (2010), há dois fortes motivos: o autor ter participado da revista Certeza, que seguia o ideário neo-realista; e os questionamentos presentes na obra sobre o regime totalitário de Salazar. Se as narrativas africanas de língua portuguesa são “uma tentativa de fortalecimento ou de resgate das identidades locais, até porque a literatura é fonte de cultura e cultura é fonte de identidade.” (tutikian, 2006, p. 15), pode-se dizer que este livro, tratando de elementos importantes para o povo caboverdeano, acaba fortalecendo essa identidade caboverdeana. Este trabalho pretende discutir a identidade nacional caboverdeana para mostrar como ela se relaciona com os diferentes momentos da literatura desse país e com o comportamento de seu povo. 1 Hora di bai: enredo Hora di Bai trata da realidade caboverdeana antes da independência de Portugal, relatando a vida difícil que o povo sofre devido à irregularidade de chuva, o que leva a grandes períodos de seca. Com isso os caboverdeanos são obrigados a buscar uma vida melhor em outra ilha do arquipélago ou em outro país. É dessa maneira, com um grupo de pessoas fazendo uma viagem da ilha de São Nicolau até a ilha de São Vicente (ambas no arquipélago de Cabo Verde), que se inicia o livro. Essas pessoas esperam que nesse novo local não passem fome e consigam ter uma vida melhor, mas não é que isso ocorre com todos os personagens, uns acabam morrendo, outros se prostituindo, outros, ainda, tendo que ir para São Tomé onde terão de se submeter a um trabalho escravo, ou seja, trabalharão por comida. No livro, depois de muito sofrimento causado pela fome, seca, pobreza, as classes mais pobres se revoltam e invadem um armazém onde havia grande quantidade de alimento estocado para pegar comida. Há ainda uma senhora, chamada Nhã Venância, que, depois de pensar em ir para Portugal para fugir desta terra que expulsa, resolve ficar e lutar por melhoras em seu país. 2 Conhecendo Cabo verde Cabo Verde é um arquipélago situado a mais de 500 quilômetros da costa africana, possui 10 ilhas, sendo Praia sua capital (situada na Ilha de Santiago). A grande característica climática deste país é a irregularidade de chuvas, o que leva a grandes períodos de seca. Com isso a população é dizimada, levando os sobreviventes a emigrarem para fugir da fome e da seca, mostrando grande semelhança ao nordeste brasileiro. O arquipélago tem uma peculiaridade, não era habitado quando, em 1456, os portugueses chegaram. Portugal, quando realizava o tráfico de escravos, deixava nas ilhas os escravos revoltosos ou doentes, já que as ilhas ficavam no caminho entre Portugal e as colônias, gerando, então, uma comunidade formada por várias tribos, uma grande variedade étnica. A partir disso surge a noção de “terra trazida” definida por Manuel Ferreira (1972). A partir da necessidade de se comunicar, surge o crioulo, língua nacional dos caboverdeanos, apesar de a língua oficial ser o português. Cabo Verde, assim como os demais países africanos de língua portuguesa, só teve sua independência em 5 de julho 1975. Ou seja, foram séculos de dominação, que repercutiram e repercutem na forma de viver e ser do africano. A identidade caboverdeana se constitui de um temperamento morabe, ou seja, os caboverdeanos possuem uma política de “boa vizinhança”. Possuem um temperamento amorável, pacífico e solidário. Com isso, aos poucos a administração colonial foi sendo passada para suas mãos, até porque Portugal não tinha muito interesse econômico nas ilhas, já que não havia como fazer grandes plantações e nem explorar diamantes, como em Angola, por causa do clima e do solo da região. Esse processo Manuel Ferreira explica em seu livro Literaturas africanas de expressão portuguesa “A colônia, a partir da segunda metade do século XIX, havia já adquirido feição própria: a posse da terra e os postos da Administração, a pouco e pouco transferiam-se para as mãos de uma burguesia cabo-verdiana” (FERREIRA, 1987, p. 26). Faz parte também dessa identidade nacional o dilema do caboverdeano: ter de partir querendo ficar e o querer partir tendo de ficar. A população caboverdeana enfrenta grandes períodos de seca, gerando muita fome e desgraças. Para muitos a única solução é sair de sua região natal em busca de melhorias, por isso a necessidade de ‘ter de partir mesmo querendo ficar’. Alguns não têm como buscar um local melhor para viver e acabam permanecendo onde moram, sofrendo muito e até levando alguns a morte. Nesse caso o que move as pessoas é o ‘querer partir tendo de ficar’. Isso se deve a dificuldade de sobrevivência nas ilhas, fazendo com que se perceba a viagem, o mar, como a única forma de melhorar de vida. A literatura propriamente caboverdeana surge na década de 30, antes a literatura era baseada em uma “cópia” do que vinha de Portugal. Cabo Verde foi o primeiro país em que floresceu uma literatura que rompia com os padrões portugueses. Sobre este período, Benjamin Abdala Junior relata que Ocorrem a partir da década de 30 circunstâncias políticas, sociais, históricas e literárias que levaram a literatura caboverdiana a se preocupar com sua identidade, uma identidade regional, que viria a evoluir, a partir da Segunda Guerra Mundial, para a identidade nacional. Nesse momento, a intelectualidade caboverdiana passou a olhar para a literatura brasileira. Ela via em nossa literatura um imaginário muito próximo da maneira de ser dos caboverdianos. (JUNIOR, 1994, p. 112) A partir dessa preocupação com a sua identidade, o que é o caboverdeano, que surge a moderna literatura caboverdeana. Para isso usou-se como inspiração a literatura brasileira, já que se identificavam com a forma de ser dos brasileiros e com a seca que o nordeste enfrentava. Autores como José Lins do Rego, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Erico Verissimo foram muito lidos pelos intelectuais caboverdeanos.