UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CLAUDIA FELIPE DA SILVA

“VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E DESENVOLVIMENTO URBANO: A trajetória sócio- histórico-cultural de Serra Negra, ao longo do século XX”

CAMPINAS 2017

CLAUDIA FELIPE DA SILVA

“VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E DESENVOLVIMENTO URBANO: A trajetória sócio- histórico-cultural de Serra Negra, ao longo do século XX”

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração de Ciências Sociais na Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes von Simson

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA CLAUDIA FELIPE DA SILVA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. OLGA RODRIGUES DE MORAES VON SIMSON.

CAMPINAS 2017

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

“VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E DESENVOLVIMENTO URBANO: A trajetória sócio- histórico-cultural de Serra Negra, ao longo do século XX”

Autora: Claudia Felipe da Silva

COMISSÃO JULGADORA: Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes von Simson

Prof. Dr. Lutero Rodrigues da Silva

Prof. Dr. Joel Luís da Silva Barbosa

Profa. Dra. Maria Silvia Casagrande Beozzo Bassanezi

Profa. Dra. Débora Mazza

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2017

Aos Músicos de Serra Negra

AGRADECIMENTOS

O trabalho de pesquisa é um processo solitário, mas ao mesmo tempo solidário, pois a solidariedade compensa a “solidão”. Registro a minha sincera gratidão aos que fizeram parte direta e indiretamente deste estudo. Aos senhores: Oswaldo Saragiotto, Roberto Gambeta (in memoriam), Arminio Silotto (in memoriam), Terezinha Maria de Barros Marchi, Irineu Saragiotto, José Franco de Godoy, Antonio Luigi Italo Franchi, Antonio Roberto Siqueira, Alcebíades Felix (in memoriam), Claudio de Andrea Corsetti (in memoriam), Nelson Antonio de Barros, Demon Clayr Batista Fernandes Del Nero, Armando Menegatti, Renor Siloto Perondini, Roberto Siloto Perondini, Irineu Evangelista Cazotti, José Geraldo Dechetti Vicentini e José Vandair Passadore Muniz, pela generosidade em dividir comigo suas vidas e trajetórias musicais. À minha paciente e generosa orientadora, Profa. Dra. Olga Rodrigues Moraes von Simson, meu profundo respeito e agradecimento, pela amizade, por sua orientação, que conduziu minha paixão por Serra Negra e suas bandas e, a fascinação pela oralidade a um trabalho concreto. Ao Prof. Dr. Sérgio Eduardo Montes Castanho, membro da banca de qualificação, juntamente com a Profa. Dra. Débora Mazza, agradeço pelas sugestões que contribuíram para o enriquecimento do trabalho. Minha profunda gratidão pelo apoio e incentivo que recebi de minhas amigas: Profa. Dra. Maria Aparecida Morais Lisboa, com suas leituras e sugestões, Profa. Dra. Maria José Ferreira de Araújo Ribeiro (in memoriam) e Profa. Dra. Arlete Assumpção Monteiro. Aos amigos Welliton Cardoso Nunes e Lude Nunes, pelas leituras atentas. Odilon Souza Lemos (in memoriam) e Nestor de Souza Leme por disponibilizar de forma especial, as suas coleções de fotografias e, por gostarem tanto de Serra Nega e seus “causos”. José Luis Siloto Giorio e Fernando Fioriti Corbo, agradeço o carinho pela Banda “Lira”. À historiadora Mirim Fagundes, por sua paciência e sua atenção durante os anos da pesquisa e por manter o rico acervo da Foto Fagundes. Alexandre Galaverna Bonami, Diretor Legislativo da Câmara Municipal de Serra Negra, pela atenção e disponibilização do acervo histórico da instituição.

Aos proprietários do Jornal O Serrano, em especial ao Dr. Ennio Canhoni (in memoriam), por acreditar em minhas pesquisas e disponibilizar o rico acervo do jornal. Ao jornalista Carlos Alberto Valentino, por todo auxílio durante minha estada no jornal e a Maria Eunice Brotto, por toda sua generosidade. À família de Humberto Narbot, na pessoa de sua filha, Lucia Ermetice Narbot. Ao Maestro Claudio Bernardino Marques pelo trabalho musical desenvolvido em Serra Negra. Aos músicos Antonio Briotto (in memoriam), Geraldo de Macedo Bulk (in memoriam), José Caetano dos Santos (in memoriam), Orlando Lugli (in memoriam) e Nilo Lugli. Ao Maestro João Corato (in memoriam), por sempre dividir comigo suas histórias e experiências musicais. Ao Maestro, Mestre e amigo Fioravante Lugli (in memoriam). Aos músicos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Meus agradecimentos estendem-se, ainda, a algumas pessoas, tais como: José Maximo Ribeiro Sanches, Gerson Pinton Cordeiro, Marcos Vinicius Cordeiro, Vilma Silotto Bragatto, Maria Eloísa P. de Toledo, Ligia Maria Lamari, Dilma Lamari Langella, Mirza Pellicciotta, Cristina Dallari Macina, José Milton Dallari Soares, Guilherme Della Guardia, José Paulo de Campos e Silva, Ivone da Costa Pereira, Benedita Gomes Rosa, Luciano Godoy Gentilini, Dimas Mattedi, José Oscar Carniel Brolezi, Luiz Roberto Invernizzi, José Augusto Silveira Santos, Ari Osmar de Oliveira Fiorante, Luiz Roberto Constardeli Carlos, Juliana Maria Finati, Carlos Eduardo Silos de Araújo, Valquiria Felipe da Silva e Deborah Felipe da Silva. Ao Centro de Memória da Unicamp e a Secretaria de Pós Graduação da Faculdade de Educação. Minha gratidão especial a meus pais, Cláudio Azevedo da Silva e Irmacília Felipe da Silva pela oportunidade de crescimento espiritual.

RESUMO

VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E DESENVOLVIMENTO URBANO: A trajetória sócio-histórico- cultural de Serra Negra, ao longo do século XX.

O presente é um trabalho de reconstrução de memória, que se vale da intertextualidade, entretecendo aspectos orais, visuais, documentais e musicais. Pretendeu-se estudar as manifestações culturais que ocorreram em Serra Negra, tendo como foco principal a trajetória das bandas de música e seus maestros, dos conjuntos musicais e seus músicos. O início da atividade musical de Serra Negra/SP remonta ao final do século XIX, constatando-se a influência cultural dos imigrantes italianos que aí se fixaram. Para o entendimento do movimento musical foi necessário reconstruir, também, o desenvolvimento da cidade, que pode ser dividido em três períodos: o início do povoamento, com a economia voltada para a produção de café; a descoberta das águas radioativas e a instalação do Cassino e, finalmente, o direcionamento das atividades econômicas para o turismo. No aspecto musical, a pesquisa permitiu constatar que a banda formada pelos imigrantes italianos no final do século XIX manteve-se atuante até a década de 1940. Ela dividiu, durante o período, espaço com outras bandas serranas; no entanto, é notória a sua longevidade e soberania em número de concertos, com destaque para o repertório diferenciado, que incluía trechos de óperas e obras de compositores serranos. Após o encerramento oficial de suas atividades, surgiu na cidade a Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, que herdou participantes e o legado musical da banda italiana. Outro aspecto encontrado na pesquisa diz respeito à intensa movimentação musical na cidade, indo além das bandas, com a formação de conjuntos de baile, que atuaram nas áreas rural e urbana, bem como a expressiva formação de novos músicos, que frequentaram aulas particulares de música ou integraram as escolas musicais mantidas pelo poder público. A metodologia utilizada na pesquisa é conhecida como Metodologia da História Oral e se baseia no método biográfico, que consiste em colher depoimentos de voluntários, ou seja, pessoas da comunidade ou do grupo que se deseja pesquisar. Para o presente estudo foram convidados os musicistas que têm as trajetórias artística e pessoal ligadas diretamente às instituições musicais da cidade, bem como alguns serranos mais idosos, que vivenciaram as transformações urbanas ocorridas na estância. Palavras-chaves: história oral, Serra Negra, banda de música, imigração italiana, educação musical.

ABSTRACT

MUSIC LIFE, ITALIAN IMMIGRATION AND URBAN DEVELOPMENT: The social, historic and cultural course of Serra Negra throughout the 20th century.

This is a work of memory reconstruction by the means of intertextuality, bringing together oral, visual, documental and musical aspects. It was meant to study the cultural manifestations that occurred in Serra Negra, focusing mainly on the trajectory of music bands and their conductors, of music ensembles and their musicians. The beginning of Serra Negra’s musical activity dates back to the late 19th century, the cultural influence of the Italian immigrants who settled in the town being ascertained. In order to better understand the local musical movement it was also necessary to retread the development of the town, which can be divided into three periods: the beginning of the population, with the economy centered on coffee production; the discovery of radioactive waters and the installing of the Casino and, finally, the turn of the economy towards tourism. In the musical aspect, the research determined that the band formed by the Italian immigrants in the late 19th century was kept until the 1940s. It shared space, during that period, with other local bands; however, it is notorious regarding its longevity and supremacy in terms concert numbers; its differentiated repertoire, which included fragments of operas and works of local composers, should also be highlighted. After the official closing down of the Italian band’s activities, the Musical Corporation “Lira de Serra Negra” was established, inheriting both the members and the musical legacy of its predecessor. This research also delves into the hectic music movement in the town, which goes beyond the bands, seeing also the formation of ball ensembles, which played both in rural and urban areas; the noticeable formation of new musicians, who attended private music classes or the music schools kept by the public power, is also discussed. The methodology employed here is known as Oral History Methodology and it’s based on the biographic method, which consists of gathering testimonies from voluntaries, that is, people from the community or group the research focuses on. To this study were invited musicians whose artistic and personal stories are connected to the music institutions of the town, as well as some local elders who witnessed the urban transformations occurred in this spa town. Key words: oral history, Serra Negra, music band, italian immigration, music education.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1: Vista parcial de Serra Negra, década de 1960 31 Ilustração 2: Panorama de Serra Negra, 1908 71 Ilustração 3: Trecho da Ata da Seção da Câmara Municipal, 1892 76 Ilustração 4: Folha de Rosto – Estatuto da Societá Italiana, 1895 91 Ilustração 5: Símbolo da Societá Italiana, 1903 92 Ilustração 6: Jardim Público, década de 1910 95 Ilustração 7: Jornal A Serra Negra, edição de 06/01/1907 99 Ilustração 8: Manuscrito Maestro De Benedictis 107 Ilustração 9: Jornal O Serrano, edição de 27/12/1908 111 Ilustração 10: Jornal O Serrano, edição de 06/12/1908 111 Ilustração 11: Jornal Gazeta da Serra, edição de 16/05/1914 115 Ilustração 12: Jornal Fanfulla, edição de 1905 123 Ilustração 13: Homenagem a Monsenhor Manzini 133 Ilustração 14: Cartão Postal Thermas de Lindoya 137 Ilustração 15: Serra Negra Jornal, edição de 11/08/1932 138 Ilustração 16: Jornal O Serrano, edição de 11/06/1950 142 Ilustração 17: Serra Negra Jornal, edição de 07/05//1932 155 Ilustração 18: Jornal O Serrano, edição de 06/01//1940 158 Ilustração 19: Jornal O Serrano, edição de 04/02//1940 161 Ilustração 20: Jornal O Serrano, edição de 22/04//1945 173 Ilustração 21: Jornal O Serrano, edição de 28/09/1958 199 Ilustração 22: Casa de Câmara e Cadeia, 1913 208 Ilustração 23: Jornal O Serrano, edição de 28/10/1942 218 Ilustração 24: Trecho da Ata da Corp. Musical “Lira de Serra Negra” 220 Ilustração 25: Jornal O Serrano, edição de 15/07/1951 230 Ilustração 26: Jornal O Serrano, edição de 22/07/1951 230 Ilustração 27: Jornal O Serrano, edição de 15/02/1953 232 Ilustração 28: Jornal O Serrano, edição de 01/03/1953 232 Ilustração 29: Grade Musical, ópera: Nabuco de G. Verdi 238 Ilustração 30: Jornal O Serrano, edição de 27/10/1957 239 Ilustração 31: Jornal O Serrano, edição de 27/10/1958 240 Ilustração 32: Jornal O Serrano, edição de 01/02/1959 242 Ilustração 33: Repertório executado na Rádio Nacional 248 Ilustração 34: Jornal O Serrano, edição de 26/11/1944 251 Ilustração 35: Jornal O Serrano, edição de 21/01/1951 252 Ilustração 36: Jornal O Serrano, edição de 23/12/1956 256 Ilustração 37, 38 e 39: Caderno de repertório 257 Ilustração 40: Jornal O Serrano, edição de 09/02/1958 259 Ilustração 41: Jornal O Serrano, edição de 28/09/1958 261 Ilustração 42: Jornal O Serrano, edição de 09/08/1958 263 Ilustração 43: Jornal O Serrano, edição de 05/01/1964 267

Ilustração 44 e 45: Jornal O Serrano, edições: 29/04/1962 e 22/05/1966 269 Ilustração 46: Jornal O Serrano, edição de 22/05/1966 271 Ilustração 47: Jornal O Serrano, edição de 1967 272 Ilustração 48: Maquete do Centro Recreativo de Serra Negra 277 Ilustração 49: Jornal O Serrano, edição de 06/07/1961 283 Ilustração 50 e 51: Caderno de repertório 288 Ilustração 52: Jornal O Serrano, edição de 26/09/1965 290 Ilustração 53: Jornal O Serrano, edição de 23/09/1972 296 Ilustração 54: Jornal O Serrano, edição de 02/02/1975 301 Ilustração 55: Jornal O Serrano, edição de 07/08/1977 306 Ilustração 56: Jornal O Serrano, edição de 23/03/1980 315 Ilustração 57: Jornal O Serrano, edição de 05/10/1980 319 Ilustração 58: Jornal O Serrano, edição de 23/03/1980 320

LISTAS DE QUADROS Quadro 1: Estabelecimentos Comerciais/ Artes/ Indústrias e Ofícios (1873) 70 Quadro 2: Estabelecimentos Comerciais/ Fábricas (1886) 73 Quadro 3: População (1872 e 1886) 73 Quadro 4: Imigrantes e suas profissões 83 Quadro 5: População (1872-1929) 85 Quadro 6: Estabelecimentos Comerciais, 1905 86 Quadro 7: Loja de Fazendas e Armarinhos nos bairros 87 Quadro 8: Edifícios sedes das fazendas serranas 87 Quadro 9: Estabelecimentos Comércio/Ofinicas/Fabricas/Serviços 89 Quadro 10: Produção de café, período de 1911 a 1922 146 Quadro 11: Máquinas de beneficiar café (1886-1924) 149

LISTAS DAS FOTOS Foto 1: Funcionários concluindo o hospital, Serra Negra, 09/06/1928 32 Foto 2: Músico Ariovaldo do Amaral Campos, 1908 77 Foto 3: Corpo Musicale “Umberto I”, década de 1900 78 Foto 4: Trem da Mogiana, década de 1930 84 Foto 5: Maestro Vincenzo De Benedictis 98 Foto 6: Maestro Zacharias Quaglio 103 Foto 7: Largo da Matriz, década de 1900 109 Foto 8: Largo da Matriz, (Bilhete Postal), 1912 113 Foto 9: Maestro Alberto De Benedictis 116 Foto 10: Vista Parcial da cidade, década de 1930 118 Foto 11: Corpo Musicale “Umberto I, 1923 120 Foto 12: Procissão, década de 1910 121 Foto 13: Humberto A.M. Manzini, 1911 122

Foto 14: Largo da Matriz, década de 1930 124 Foto 15: Construção do Hospital Santa Rosa de Lima, 1928 125 Foto 16: Enfermaria Geral feminina do Hosp. Sta.Rosa de Lima, 1929 126 Foto 17: Altar em louvor à Santa Rosa de Lima, 1929 126 Foto 18: Portal comemorativo, centenário de Serra Negra, 1928 127 Foto 19: Monumento em comemorativo, centenário de Serra Negra, 1928 128 Foto 20: Procissão, 1928 129 Foto 21: Festa em Bairro Rural das Posses, 1925 130 Foto 22: Festa no Bairro dos Cunha, 1925 131 Foto 23: Procissão, Festa de São Benedito, 1923 132 Foto 24: Monsenhor Manzini e Firmino Cavenaghi, 1939 134 Foto 25: Missa da inauguração da Fonte Santo Antonio, 1930 140 Foto 26: Vista Parcial do Radio Hotel, década de 1930 142 Foto 27: Radio Hotel, década de 1940 143 Foto 28: Vista parcial da cidade, década de 1930 147 Foto 29: Revolução de 1932 148 Foto 30: Visita do Gov. Washington Luiz, 1921 151 Foto 31: Corpo Musicale “Umberto I”, 1926 153 Foto 32: Corpo Musicale “Umberto I”, década de 1930 154 Foto 33: Corpo Musicale “Umberto I”, 1938 157 Foto 34: Conjunto Jazz Band Melodia, década de 1930 159 Foto 35: Construção do Grande Hotel, década de 1940 168 Foto 36: Músico Luigi Benedetto, 1947 170 Foto 37: Músico Vitorio Pezzete, década de 1940 170 Foto 38: Conjunto Águias de Prata, 1943 172 Foto 39: Vista do Cassino, década de 1940 175 Foto 40: A cantora Demon Clayr, década de 1940 178 Foto 41: A cantora Lourdes Godoy, década de 1940 179 Foto 42: Conjunto vocal Garotos do Ritmo, década de 1940 181 Foto 43: Conjunto vocal Garotos do Ritmo, em Mogi Miriam, década de 1940 183 Foto 44: Conjunto vocal Garotos do Ritmo, década de 1940 184 Foto 45: Recepção dos Pracinhas serranos, 1945 187 Foto 46: Recepção dos Pracinhas serranos, 1945 188 Foto 47: As charretes em Serra Negra, década de 1950 191 Foto 48: Antigo Mercado Municipal, década de 1940 193 Foto 49: Antigo Mercado Municipal, década de 1940 194 Foto 50: Terreno após demolição do Antigo Mercado Municipal, década de 1950 197 Foto 51: A construção do Balneário Municipal, década de 1950 198 Foto 52: A inauguração do Balneário Municipal, 1958 199 Foto 53: Balneário Municipal, década de 1960 202 Foto 54: Fonte São Carlos 203

Foto 55: Fonte Santo Agostinho, década de 1940 204 Foto 56: Fonte Santo Agostinho, década de 1960 205 Foto 57 e 58 – Instituto Radium-emanoterapico S/A, década de 1950 207 Foto 59: Praça Barão do Rio Branco, década de 1940 210 Foto 60: Fórum da Comarca de Serra Negra, década de 1960 212 Foto 61: Solenidade de inauguração do Fórum serrano, 1959 214 Foto 62: Comercio serrano, década de 1940 217 Foto 63: Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, década de 1960 229 Foto 64: Grupo de Carnaval “Vai com Jeito”, 1957 235 Foto 65: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 246 Foto 66: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 247 Foto 67: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 247 Foto 68: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 248 Foto 69: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1960 249 Foto 70: Corporação Musical “Renato Perondini”, década de 1960 250 Foto 71: Programa de Auditório, Rádio Serra Negra, década de 1950 253 Foto 72: Regional do Programa de auditório, Rádio Serra Negra, década de 1950 254 Foto 73: Jazz “Blue Star”, década de 1950 255 Foto 74: Conjunto de baile, década de 1950 258 Foto 75: Jazz “Blue Star”, 1958 259 Foto 76: Orquestra Yara, 1958 261 Foto 77: Foto aérea de Serra Negra, década de 1960 265 Foto 78: Piscina pública 268 Foto 79: Seleção Brasileira em Serra Negra 270 Foto 80: Miniferico Serrano, década de 1970 276 Foto 81e 82: Cobertura do Ribeirão Serrano, década de 1970 277 Foto 83: Construção do Centro de Convenções, décadas de 1970/1980 279 Foto 84: Propriedade rural no Bairro da Serra, 2004 282 Foto 85: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1961 283 Foto 86: Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, 1961 284 Foto 87: Maestro Ângelo Lamari 285 Foto 88: Conjunto da Saudade 287 Foto 89: Sala da Banda 290 Foto 90: Corporação Musical “Renato Perondini”, 1963 292 Foto 91: Alfredo Dallari 293 Foto 92: Coreto da Praça João Zelante 294 Foto 93: Aniversário de Ângelo Lamari, 1973 297 Foto 94: Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, 1973 299 Foto 95: Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, década 1970 300 Foto 96: Maestro Luiz Lamari 307 Foto 97: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 308

Foto 98: Conjunto The Gold Fingers 309 Foto 99: Conjunto André & Orchestra 310 Foto 100: Conjunto André & Orchestra 311 Foto 101: Conjunto André & Orchestra 312 Foto 102 e 103: Conjunto André & Orchestra 314 Foto 104: Conjunto André & Orchestra 316 Foto 105: Conjunto André & Orchestra 317 Foto 106: Instrumento musical de André Afonso Bertini 318 Foto 107: Maestro Fioravante Lugli 323 Foto 108: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 325 Foto 109 e 110: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 326 Foto 111: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 327 Foto 112 e 113: Corporação Musical “Lira de Serra Negra” 328

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 17

1 - PROCEDIMENTO METODOLÓGICO 26 1.1 – A realização das entrevistas 28 1.2 – A constituição do acervo imagético 30 1.2.1 – O acervo Foto Fagundes 30 1.2.2 – O acervo Humberto Manzini 31 1.3 – Os textos memorialísticos 32 1.3.1 – Os textos memorialísticos de Sylvino de Godoy (1889-1970), Silvo Bertolini 33 (1931-2013) e Alcebíades Felix (1926-2015) 1.4 – Documentos escritos 34

2 – A CONSTITUIÇÃO DA CIDADE DE SERRA NEGRA 61 2.1 – A formação da cidade e os Códigos de Posturas 61 2.2 – O desenvolvimento de Serra Negra a partir da imigração: aspectos econômicos 79 e musicais. 2.2.1 – A chegada dos imigrantes em Serra Negra 79 2.2.2 – Os trilhos da Mogiana e o café 83 2.2.3 – As sociedades italianas 91 2.3 – As primeiras bandas de música, seus maestros e principais músicos. 96 2.4 – Monsenhor Manzini: religiosidade, música e desenvolvimento urbano 122 2.5 – As águas radioativas: início do turismo de cura e as novas perspectivas no 135 desenvolvimento urbano de Serra Negra 2.6 – Música, músicos e lazer. 152

3 – E AS MUDANÇAS (Décadas 1940-1980) 165 3.1 – A Segunda Guerra Mundial e o incremento do turismo. 165 3.1.1 – Cassino e Música 166 3.1.2 – A Segunda Guerra Mundial e os descendentes dos imigrantes 184 3.1.3 – O fim dos cassinos e a decadência da atividade turística 189 3.2 - A década de 1950 trouxe grandes mudanças urbanas 191

3.2.1 – A construção do Balneário Municipal 192 3.2.2 – A administração pública e o empenho para a melhoria da cidade: O Fórum 207 de Serra Negra. 3.3 – A musicalidade serrana no pós-guerra 218 3.3.1 – O Clube XV de Novembro e as performances dos conjuntos musicais 250 3.4 - Décadas de 1960 e 1970 264 3.4.1 – A cidade evolui através de investimentos civis e do Fumest 264 3.4.2 – A música com a nova fase da Banda “Lira” e os conjuntos de baile e seu 282 Repertório diferenciado 3.5 – Os anos de 1980 – A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” e o novo 319 cenário musical serrano 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 329 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 336 APÊNDICES 350 ANEXOS Anexo 1: 355 Anexo 2: 356 Anexo 3: 357 Anexo 4: 358 Anexo 5: 359 Anexo 6: 360 Anexo 7: 361 Anexo 8: 362 Anexo 9: 363 Anexo 10: 364 Anexo 11: 365 Anexo 12: 366

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INTRODUÇÃO

Desenvolveu-se no mestrado1 um estudo sobre a formação das bandas de música no Brasil. Num primeiro momento realizou-se um amplo levantamento da produção sobre o tema; buscou-se também compreender a formação dessas sociedades musicais. A seleção do material levantado privilegiou as bandas nas formações militares, civis e étnicas. Sequencialmente a pesquisa direcionou-se para a cidade de Serra Negra/SP, abordando o início da formação e a atuação do Corpo Musicale "Umberto I", banda formada pelos imigrantes italianos. A transmissão do conhecimento musical no Brasil, num primeiro momento, esteve vinculada ao espaço religioso. No período colonial temos a atuação dos jesuítas, tendo como o seu maior expoente, o inaciano José de Anchieta (1534-1597), que utilizava a música como mecanismo de conversão dos indígenas, o chamado “processo de divinização de canções populares”, ou seja, adaptar letras religiosas a canções populares. (BUDASZ, 1996, p.9). Esse método, conhecido como contrafactum2, foi amplamente utilizado na Europa nos séculos XVI e XVII. Instalaram-se as Sés Catedrais no Brasil, sendo a primeira a de Salvador, em 1552, seguida da do Rio de Janeiro em 1676, e somente em 1745 é que se criaram os bispados de Mariana e São Paulo. Após esse fato é que surgiu no país o cargo de mestre de capela, ocupado geralmente por músicos religiosos. Para o preenchimento do cargo exigiam-se alguns pré-requisitos, como o domínio da teoria e da prática musical, noções de composição, de arranjo e canto gregoriano. Também era submetido a um exame de proficiência com provas de Latim, Doutrina Cristã e Moral. O mestre de capela era encarregado de selecionar jovens cantores para integrarem o Coro, manter uma Escola de Música, e prestar todos os serviços litúrgicos relacionados nos respectivos contratos, como funções da Semana Santa, do Natal, da Páscoa, das Novenas e de outros eventos em que houvesse necessidade (DUPRAT, 1995).

1 SILVA, Claudia Felipe da. Bandas de Música, Imigração Italiana e Educação Musical. O Corpo Musicale "Umberto I" de Serra Negra, uma localidade interiorana com forte presença italiana. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. 2 Contrafactum – substituição de um texto por outro, sem mudança substancial da música. A mudança de uma obra secular em sacra, ou o aproveitamento de um material antigo, reelaborado ou rearranjado foi um dos recursos utilizados por compositores como Palestrina (1525-1594) e Bach (1685-1750) Dicionário Grove de Música. Edição Concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

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No século XVIII, sobretudo em Minas Gerais, foi criado um número significativo de irmandades religiosas que abrigavam entre seus associados inúmeros músicos, muitos dos quais se destacaram no cenário musical brasileiro, como Manuel Dias de Oliveira (1738- 1813), João de Deus de Castro Lobo (1794-1832), José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746-1805) e Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830). Francisco Curt Lange realizou um dos primeiros estudos sobre a relação entre as Irmandades e a Música, no qual defendia a hipótese da existência de um passado musical rico no Brasil colonial, hipótese esta que foi confirmada através de levantamentos em acervos, tanto oficiais quanto particulares, de várias irmandades e das corporações musicais que conservaram um rico patrimônio de partituras. O trabalho de Curt Lange foi fundamental por contrapor-se à ideia hegemônica de que o marco musical inicial no Brasil deu-se a partir das composições do Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) no Rio de Janeiro, e também por alicerçar inúmeras pesquisas sobre o tema (DUPRAT, 2010). Os estudos posteriores à pesquisa de Lange permitiram recuperar toda uma documentação que comprovava a existência de atividades musicais complexas em Minas Gerais no século XVIII em início do XIX, especialmente em Vila Rica, Tiradentes, Sabará, Mariana, São João Del Rei e Prados. Segundo Leoni (2007), a partir da segunda metade do século XVIII, a maioria dos músicos que atuavam em Vila Rica, vinculados ou não às Irmandades, eram homens pardos livres, muitos deles designados como “mestre da arte da música”. Um dos aspectos mais interessantes sobre as Irmandades religiosas diz respeito à prática e ao ensino da música. Os músicos associados a elas exerciam a função de professores de música. Além de participarem dos ofícios e festas religiosas, também concorriam à seleção das festas cívicas organizadas pelas câmaras; segundo Castagna (2000), a câmara realizava uma “arrematação” em praça pública, como se fosse uma forma de licitação, para serviços públicos. Era anunciada qual seria a festividade, a necessidade de música e as especificações; os interessados se apresentavam, mencionando seus músicos e respectivos orçamentos, e quem oferecesse o menor preço e cumprisse as especificações era contratado. Para tanto, exigia-se um repertório inédito, bons instrumentistas e o cumprimento dos termos constantes do acordo. Notou-se também que alguns membros das Irmandades, músicos, conseguiam o licenciamento para exercer a função de mestre de música e trabalhavam como professores na

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própria Irmandade ou ministrando aulas particulares, e responsabilizando-se, outrossim, pela propagação do ensino de música. Muitos deles também mantinham vínculos militares, atuando como instrumentistas e mestres de música nos Terços, nos Regimentos e nas Tropas. A utilização da música nesses agrupamentos militares pode ser considerada como o embrião da organização das bandas militares no Brasil. Segundo Cardoso (2008), com a chegada da Corte Portuguesa a questão musical toma outro rumo. Criou-se o cargo de mestre da Capela Real, o Arquivo Musical do Palácio de Queluz foi trasladado para o Rio de Janeiro e nomeou-se o Padre José Maurício para o cargo de Arquivista. Contrataram-se inúmeros músicos europeus, entre eles os castratis3, para suprir a lacuna nos naipes de soprano e contralto do Coro da Catedral. Como no Brasil não existia essa qualidade de músicos, preencheu-se tal função com vozes infantis; para o padrão exigido na Corte, o desempenho das crianças deixava muito a desejar, pois faltava dramaticidade nas execuções. O Rio de Janeiro passou a ser visto como um local de oportunidades para a classe musical, com a criação do Coro da Capela Real, da Real Câmara e do Teatro São João, concorrendo para uma grande migração de músicos de várias regiões do Brasil e da Europa dispostos a adquirirem um posto de trabalho, desencadeando forte concorrência. Entre os anos de 1811 a 1824 constatou-se o registro de 175 músicos europeus trabalhando na Corte Portuguesa. A presença da Corte contribuiu também para a reestruturação da área militar, e, consequentemente, deu-se a criação de novas bandas militares, oferecendo, desde então, um outro espaço para o trabalho do profissional musicista, assim como uma oportunidade de aprendizado, visto que cada corpo musical teria a obrigação de manter sempre quatro soldados aprendizes de música. As aulas seriam ministradas pelo mestre de cada banda; escolhiam-se os interessados entre os voluntários4 e os instrumentos de aprendizagem seriam os que fossem convenientes. Com isso, a trajetória das Bandas Militares, dentre as quais a Banda de Música da Força Pública de São Paulo5 e a Banda do Corpo de Bombeiros do

3 Castrati – Cantor, castrado antes da puberdade para preservar o registro de soprano ou contralto de sua voz. Dicionário Grove de Música. Edição Concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. Os castratis substituíam as mulheres, pois as mesmas não tinham permissão de interpretar músicas religiosas. 4 Portaria de 16 de dezembro de 1815. Coleção de Leis do Brasil. 5 Atualmente Corpo Musical da Polícia Militar. Ver DELLA MÔNICA, Laura. História da Banda de Música da Força Pública. São Paulo: Polítipo, 1951. 1ª edição.

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Estado do Rio de Janeiro6, tornaram-se referência para outras bandas Militares e influenciaram a criação das bandas civis. Desde os primórdios de sua criação, as Bandas Militares sempre exerceram certo fascínio nos músicos das bandas Civis, a princípio por representarem um espaço de trabalho com melhores condições salariais, com perspectivas de profissionalização seguindo a carreira militar e garantia de boa aposentadoria, além de outros atrativos, como a uniformização do grupo, os desfiles cívicos com movimentos coordenados, a variedade do repertório tradicional de dobrados e marchas, dos arranjos de composições contemporâneas, a qualidade dos instrumentos musicais, em sua maioria importados, contribuindo para uma melhor afinação e característica sonora das bandas, e a possibilidade de dedicação exclusiva à atividade musical. Mesmo após a aposentadoria, muitos músicos militares retornam às suas cidades de origem e continuam atuando em bandas civis. (SILVA, 2009, p.94). Os estudos sobre as bandas de música brasileiras vêm aumentando gradativamente nos últimos anos; alguns trabalhos buscam traçar o histórico da formação dessas corporações, outros tratam da biografia de instrumentistas, maestros e compositores ou ressaltam o valor do acervo musical. Ressalte-se também que a maioria dos estudos aponta para importância dessas instituições musicais, tanto as civis como as militares, em relação ao ensino da música, pois é através das bandas que se aprendem as primeiras noções sobre teoria e prática de instrumentos. Segundo os dados da Fundação Nacional de Artes, FUNARTE7, até dezembro de 2016 foram cadastradas 2.455 corporações musicais no Brasil. Existem ainda vários projetos direcionados às bandas de música, como o Pró Banda: Programa de Apoio às Bandas, desenvolvido pelo Conservatório “Carlos de Campos” da cidade de Tatuí; o Projeto Música no Interior, administrado pela Fundação Carlos Gomes, em Belém do Pará; os encontros de bandas de músicas na cidade de Ouro Preto/ MG, que ocorrem anualmente; e a criação de associações como a Associação de Bandas de Música do Estado do Rio de Janeiro, ASBAM- RJ8, fundada em agosto de 2002 e que conta, atualmente, com 140 entidades cadastradas, sendo que 21 são centenárias e continuam ativas.

6 Ver GOUVÊA, Geraldo Magela de. Banda do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, um Arquivo Histórico-Musical Centenário. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. 7 Acesso dezembro de 2016. 8 Acesso dezembro de 2016

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Pesquisas realizadas no Nordeste do país relatam experiências referentes à educação musical desenvolvidas através das bandas em Alagoas9, Rio Grande do Norte10 e em Sergipe11, com organizações musicais de formação recente ou centenárias, indicam o quanto essas corporações são importantes para o aprendizado musical da população, como salientou Vicente Salles (1985) em seus textos. Realizaram-se outros estudos nos estados de Minas Gerais12, São Paulo13 e Rio de Janeiro14. Além de descrever as trajetórias de corporações centenárias, demonstram como as escolas de música vinculadas às bandas proporcionam aos aprendizes oportunidades de profissionalização. Pertencer a esses grupos e ter acesso a um espaço de produção e transmissão do conhecimento musical é um privilégio, pois muitas cidades brasileiras enfrentam carências na área educacional, e nesses espaços o jovem músico tem a oportunidade de desenvolver disciplina, concentração e socialização, assim como os esforços para frequentar uma Faculdade de Música e/ou profissionalizar-se no meio musical15. Em Serra Negra os aspectos musicais foram poucos estudados, mas havia indícios de uma intensa movimentação musical na cidade, o que me chamou a atenção. Vale lembrar que minha iniciação musical ocorreu aí por volta de 1980, em Serra Negra. Naquele período a Prefeitura Municipal mantinha, conjuntamente com a Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, a Escola de Música, dirigida pelo Senhor

9 Ver MAGALHAES, Adélia Maria de Amorim. Música também é historia: As bandas de música em Marechal Deodoro e a tendência cívico-militar no seu repertorio tradicional. Dissertação (Mestrado em História) - Departamento de Historia. Universidade Federal de Alagoas, 2006. 10 Ver LIMA, Ronaldo Ferreira. Bandas de Música, escola de vida. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2006. 11 Ver MOREIRA, Marcos dos Santos. Aspectos históricos, sociais e pedagógicos nas Filarmônicas do Divino e Nossa Senhora da Conceição, do Estado de Sergipe. Dissertação (Mestrado em Educação Musical) – Escola de Música. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2007. 12 Ver FAGUNDES, Samuel Mendonça. Processo de transição de uma banda civil para banda sinfônica. Dissertação (Mestrado em Musical) – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2010. 13 Ver SARTORI, Vilmar. Banda Ítalo-Brasileira/Carlos Gomes: história e memória de uma corporação musical centenária na cidade de Campinas. Dissertação (Mestrado Musicas) – Universidade Estadual de Campinas, 2013. 14 Ver GOMES, Karina Barra. E hoje, quem é que vê a banda passar? Um estudo de práticas e políticas culturais a partir do caso das bandas civis centenárias em Campos dos Goytacazes. Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais) – Universidade Estadual do Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes, 2008. 15 Por iniciativa do Governo do Estado de São Paulo, realizou-se, na cidade de Serra Negra, em maio de 2008, o I Festival de Bandas, designado “Coreto Paulista”, sob a direção artística do Maestro Lutero Rodrigues. De acordo com o Secretário do Estado da Cultura, João Sayad, um dos intuitos do festival foi o de “trazer de volta as bandas como um núcleo de educação musical”. O II Festival de Bandas ocorreu em junho de 2009, também em Serra Negra, sob a direção artística de Adauto Soares.

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Fioravante Lugli16, que também era professor e maestro da banda. As aulas eram gratuitas e a finalidade da escola era preparar jovens instrumentistas para atuarem na referida banda local. A escola disponibilizava tanto o material didático como os instrumentos. O sistema de ensino dividia-se em duas etapas: a primeira era dedicada ao aprendizado teórico e solfejo; após alguns meses, se o aluno demonstrasse certa aptidão musical, iniciava-se a segunda fase, com a prática de algum instrumento. Em 1986, passei a fazer parte da Banda “Lira de Serra Negra” como clarinetista, oportunidade em que desenvolvi relações de amizade com os músicos mais velhos. Nesse período tive acesso às histórias sobre a trajetória da banda, a importância e atuação dos músicos italianos na formação da primeira banda de Serra Negra, o Corpo Musicale "Umberto I", designada por eles carinhosamente como “banda velha”. Ouvi pela primeira vez nomes de músicos que mais tarde surgiriam em minha pesquisa sobre a música em Serra Negra, como os das famílias Dallari, Lamari, Perondini, Morganti, Lugli, Mattedi e do compositor Nicolino Fatigatti, entre outros, além de casos hilários de rivalidade entre as bandas italiana e brasileira, muitas vezes motivada pelas disputas políticas. Outro fato marcante foi o acesso obtido ao acervo de partituras da “Lira”. Na ocasião pude ter em mãos algumas obras que foram compostas no final do século XIX e início do XX pelos antigos integrantes da banda “Umberto I”. Mais uma vez nomes relacionados às histórias musicais surgiram, materializando assim os fatos que me haviam sido narrados. A suposição nesse primeiro momento era de que o movimento musical serrano estaria intimamente ligado às bandas de música e aos seus integrantes, mas para afirmá-lo seria necessário um aprofundamento da pesquisa. No presente trabalho pretendeu-se estudar as manifestações musicais que ocorreram em Serra Negra e que gravitaram em torno de diversas famílias de imigrantes italianos. Para construir o devido “pano de fundo”, necessitou-se acompanhar a transformação da cidade no decorrer de décadas, considerando-se imprescindível tratar de alguns aspectos que não foram contemplados no trabalho anterior de mestrado, a fim de permitir um maior entendimento sobre o desenvolvimento da cidade de Serra Negra e sua vida musical.

16 Fioravante Lugli, Músico Militar aposentado, falecido em 2000.

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Para sua apresentação, o trabalho foi esquematizado em quatro capítulos, além desta Introdução. O Capítulo 1 – “Procedimento Metodológico”, contempla a abordagem qualitativa, entretecendo as diferentes fontes utilizadas na pesquisa: documentação primária, secundária e terciária, além de depoimentos orais, documentos iconográficos e escritos. Detalhamos os procedimentos utilizados para a coleta dos depoimentos, a constituição do acervo imagético, composto de fotos das instituições musicais, dos músicos e de fotógrafos de Serra Negra. Abordou-se também a importância dos textos memorialísticos, que narram acontecimentos não registrados oficialmente. Recuperou-se, ademais, uma rica documentação escrita que permitiu traçar o desenvolvimento da cidade e suas atividades musicais. Ao final, apresentam-se os depoentes envolvidos na pesquisa, através das breves biografias. O Capítulo 2 – “A Constituição da Cidade de Serra Negra: a partir de sua formação até a década de 1930” se inicia narrando a constituição da cidade, a partir de seu povoamento, abordando como os códigos de posturas foram fundamentais para entender o processo de urbanização, ressaltando sua importância como instrumentos reguladores da vida urbana. Realizaram-se levantamentos sobre as atividades econômicas, especialmente, a cafeicultura. A imigração italiana foi outro ponto abordado, descrevendo a influência dessa comunidade na vida social, econômica, religiosa e cultural de Serra Negra, principalmente nas atividades relacionadas à musicalidade, salientando a relevância dos músicos imigrantes e seus descendentes. O mesmo capítulo também contempla a descoberta das minas de água radioativas e as mudanças ocorridas no desenvolvimento da cidade. Após descoberta das águas, partes das atividades comerciais foram direcionadas ao turismo, com a inauguração de hotéis e a criação de pequenas fábricas de artigos de couro e madeira. Estudou-se a década de 1930 buscando entender a administração pública e as novas formas de lazer dos serranos, com a abertura de clubes sociais e o partilhamento de músicos entre as tradicionais bandas de música e os conjuntos de baile recém-criados. O Capítulo 3 – “A Cidade e as Mudanças (décadas 1940/1980)”, enfoca a cidade partir dos anos de 1940, analisando como os acontecimentos do período influíram na pequena Serra Negra, pois com o advento da Segunda Grande Guerra e com a exploração dos jogos de azar, além dos eventos promovidos pelo cassino serrano, a cidade se transformou.

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Destacou-se a importância do cassino para a economia local, assim como as oportunidades de apreciação de espetáculos artísticos pelos munícipes, através do acesso as apresentações promovidas no “Grill Room” do cassino. Examinaram-se também as experiências e aprendizados vivenciados pelos músicos serranos. A proibição dos jogos de azar, a partir de abril de 1946, obrigou os governantes de Serra Negra a voltarem seus olhares para o potencial hídrico da cidade e sua exploração. O empenho dos Prefeitos Sanitários Luiz Barra e Irineu Saragiotto contribuiu para o crescimento da cidade, através da construção do Balneário Municipal, de logradouros e praças, viabilizando assim o acesso às fontes de águas minerais e difundindo suas propriedades terapêuticas através da imprensa e do cinema. Foram retratadas também as iniciativas das administrações das décadas de 1960, 1970 e 1980, que se utilizaram de incentivos públicos e privados para promover Serra Negra como estância hidromineral. Com relação ao aspecto musical, buscou-se levantar a trajetória das bandas de música “Lira de Serra Negra” e “Renato Perondini” e dos conjuntos de baile atuantes nas áreas urbana e rural. Contemplou-se o perfil de músicos que se destacaram durante décadas, enfatizando as composições, as performances, as direções musicais e o sistema de ensino de música para os jovens da cidade. O percurso musical de Serra Negra é refletido na atualidade através da atuação da Banda de Música “Lira de Serra Negra”, que integra em seus naipes descendentes dos primeiros músicos imigrantes e mantém em seu repertório as composições de autores serranos, desde as que remontam ao início do século XX até as atuais. Finalmente, no Capitulo 4 – “Considerações Finais”, destaca-se o emprego da metodologia da história oral, aliado a suportes escritos e imagéticos, permitindo reconstruir versões sobre o desenvolvimento de Serra Negra, das suas bandas de música, dos conjuntos musicais e seus integrantes, membros de uma longa tradição imigrante, ainda perceptível na cidade serrana.

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O oficio da memória não é lembrar, recompor o que houve e, sim, reconstruir, relembrar através de uma recriação, que, na arte ou fora dela, representa, isto é, traz como ficção o que um tempo antes havia existido como um fato, um feixe real de acontecimentos, nunca mais pode reexistir como tal. E assim, a lembrança é o caminho pelo qual a existência retorna como representação. (Carlos Rodrigues Brandão)

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1. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Para o desenvolvimento do projeto, utilizou-se a abordagem qualitativa, procurando associar as diferentes fontes documentais e não documentais: bibliográfica, documento de fonte primária, depoimento oral, documento iconográfico, arquivos íntimos, acervos públicos e privados. Conforme aconselha Maria Isaura Pereira de Queiroz é necessário que o pesquisador mantenha-se afastado do objeto pesquisado, olhando de fora o material empírico, ainda mesmo quando esteja falando de algo que tem o maior apreço e

[...] seja qual for a escolha da técnica efetuada pelo pesquisador, o material colhido é sempre submetido a uma análise, isto é, a decomposição dos informes para que sejam encontrados os elementos que os compõem; a esta decomposição, segue-se um relatório descritivo, no qual os dados são apresentados seguindo os diversos aspectos revelados pela análise – relatório que deve ser o mais minucioso possível. Finalmente, do relatório descritivo extrai-se tudo aquilo que compõe a resposta essencial do problema estudado. (QUEIROZ, 1991, p.18).

Em suas considerações sobre as fontes na pesquisa qualitativa nas Ciências Sociais e Educação, com objetivo e analisar e compreender o objeto de estudo, Alice Beatriz da Silva Lang considera que:

A fonte escolhida depende necessariamente do objeto do estudo e da forma como foi definido embora também das possibilidades materiais e, muito especialmente, da criatividade do pesquisador. Muitas vezes recorre-se a dados procedentes de várias fontes, para suprir as limitações e aproveitar as possibilidades de cada uma (LANG, 1992, p. 78).

Em todos os passos da pesquisa durante o seu processo, é importante salientar as oportunidades de aprofundamento teórico e metodológico do pesquisador. Nesse sentido Neusa Maria Mendes de Gusmão enfatiza que:

É parte integrante da ação do pesquisador, compreender como as categorias de referência teórica são preenchidas de conteúdo pela realidade concreta dos sujeitos investigados e, como tal, são também uma construção do pesquisador. As categorias se constituem em situações sócio-culturais concretas e resultam em formas de apropriação das diferenças – criança/adulto; casa/rua; indivíduo/família; escola/trabalho etc. – tudo referido à vida dos sujeitos que se investiga e, portanto, não como sujeitos gerais – A Criança, A Família, A Escola e assim por diante. Cada um encontra-se referido a formas de representação construídas no e pelo meio social particular e específico (GUSMÃO, 2001, p.85).

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A realização da revisão bibliográfica foi imprescindível no desenvolvimento da pesquisa para apreender como os autores estudaram o tema e quais foram às formas de análise e suas conclusões, sem esquecer que toda produção tem uma intencionalidade. As atividades musicais desenvolvidas pelas bandas de música em Serra Negra, “Lira de Serra Negra” e “Renato Perondini”, sempre estiveram vinculadas ao poder público, pois na maioria das vezes os contratos referentes as apresentações eram realizados junto à Prefeitura ou Câmara Municipal, além das subvenções anuais recebidas por elas e, para regularização dessas transações emitiram-se documentos oficiais que constam, atualmente, do arquivo da Prefeitura e Câmara Municipal; tendo em vista esses dados realizou-se um levantamento de leis, portarias e contratos junto aos arquivos mencionados. A intertextualidade, na presente pesquisa, completou-se com os dados colhidos na História Oral ou Método Biográfico e, utilizou-se a fotografia antiga, também, como provocador da memória. Na reflexão de Olga R.M. von Simson (2014), sobre a utilidade fotográfica para a pesquisa de caráter histórico-sociológico, afirma que:

Na realização da entrevista ou por ocasião da coleta de depoimento oral, a análise de fotos (trazidas pelo depoente ou selecionadas e apresentadas a ele, pelo pesquisador) enriquecem sobremaneira a troca de informações entre o entrevistador e entrevistado que, sentados lado a lado, tentam mergulhar no fenômeno retratado (SIMSON, 2014, p.8).

De acordo com Ana Maria Mauad, as fotos ganham novos significados:

[...] um dia já foram memória presente, próxima àqueles que as possuíam, as guardavam e colecionavam como relíquias, lembranças ou testemunhos. No processo de constante vir a ser recuperam o seu caráter de presença, num novo lugar, num outro contexto e com uma função diferente. Da mesma forma que seus antigos donos, o historiador entra em contato com este presente/passado e o investe de sentido, um sentido diverso daquela dado pelos contemporâneos da imagem, mas próprio à problemática ser estudada. Aí reside a competência daquele que analisa imagens do passado: no problema proposto e na construção do objeto de estudo. A imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas sejam feitas. (MAUAD, 1996, p. 10).

Em suas considerações sobre o método biográfico, Olga R.M. von Simson aponta:

O método biográfico é utilizado em pesquisa de reconstrução histórico-sociológica com a preocupação de captar e entender as visões de mundo, aspirações e utopias elaboradas por diferentes estratos ou grupos sociais neles envolvidos e os mecanismos de veiculação das mesmas, primeiramente entre os membros do próprio grupo estudado e depois, alargando seu raio de influência, para atingir outros

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agrupamentos da sociedade. Outra preocupação dessa modalidade de pesquisa seria a de entender as formas de transmissão dessas visões de mundo e utopias de geração para geração, não só dentro de um mesmo agrupamento social, mas também na sociedade mais ampla. (SIMSON, 1996, p. 83)

Verena Alberti (2004, p.14), relata sobre o fascínio que a História Oral provoca em muitos pesquisadores. As narrações das experiências dos entrevistados sobre determinados temas, nos transporta para dentro da história que está sendo contada, “é como se pudéssemos obedecer o nosso impulso de refazer aquele filme, de reviver o passado, através da experiência de nosso interlocutor”. Ainda acrescenta que a identificação é tamanha que o pesquisador acaba se transportando para os espaços narrados, “caminhando pelas ruas em meio a bondes e senhores de chapéus”. Além do fascínio, o Método Biográfico é um instrumento de pesquisa que oferece a possibilidade de reconstruir determinados fatos, que apesar de serem citados em outras fontes, só ganham sentidos quando narrados por aqueles que vivenciaram o acontecimento.

1.1 - A realização das entrevistas

Para o presente trabalho utilizaram-se 18 depoimentos17 e as entrevistas ocorreram em dois momentos distintos. O primeiro, foi na década de 1990, quando houve por parte dessa pesquisadora, a preocupação em registrar as lembranças de antigos moradores da cidade de Serra Negra. Entre as gravações estão as dos expedicionários Oswaldo Saragiotto e Roberto Gambeta e, a do agricultor Arminio Silotto. Os demais registros realizaram-se entre os anos de 2011 a 2016, especificamente direcionados para embasar essa pesquisa. Constituíram-se quatro grupos específicos que dialogam entre si: o primeiro, composto pelos expedicionários; o segundo foi formado pelos depoentes convidados a narrarem suas lembranças relacionadas a cidade de Serra Negra e seu desenvolvimento; para o terceiro grupo o convite dirigiu-se aos musicistas que atuaram na cidade nas décadas de 1940, buscando as narrativas vivenciadas no período da vigência do cassino e, finalmente o quarto grupo formado por músicos vinculados às bandas de música e aos conjuntos musicais serranos.

17 Apêndice nº 01.

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Segundo von Simson (2006), é imprescindível a preparação do pesquisador para a realização da coleta dos depoimentos, sendo necessário uma pesquisa preliminar, “que cubra o contexto histórico, econômico e social do grupo a ser investigado. Quanto maior for o conhecimento prévio do pesquisador/entrevistador sobre a realidade a ser pesquisada, melhor será sua atuação e, consequentemente, a qualidade do testemunho oral obtido” (p.148). No processo de preparação, realizaram-se vários contatos, que antecederam as entrevistas, criando assim, um vínculo de confiança mútua, essencial para o trabalho e, com alguns depoentes necessitou-se de intermediários que concordaram em apresentar a pesquisadora. Outros, no entanto, foram indicados e postos em contato através dos primeiros depoentes, criando assim, uma rede de informantes. Com relação ao grupo composto pelos músicos da Banda “Lira de Serra Negra”, aceitou-se prontamente o convite para colaborar com a pesquisa, devido aos laços de amizade. A seleção dos depoentes foi em virtude de suas experiências musicais vivenciadas em vários momentos.

No caso de informantes idosos, não apenas os fatos podem ser enriquecidos por outros ângulos de visão, como sua atuação na história pode ganhar dimensões que eles não chegariam a conhecer senão tivessem a oportunidade de revisitar o passado com outra pessoa, de sua confiança e intensamente interessada nessa reconstrução (VON SIMSON, 2006, p. 149)

O primeiro momento da entrevista, realizou-se de forma livre, sob a qual o depoente narrou o tema proposto, em seguida sugeriu-se os subtemas que não foram espontaneamente elencados e, finalmente, convidou-se o entrevistado para contar alguma passagem que lhe era significativa e que não havia sido abordada. Os depoimentos gravados foram transcritos e em seguida iniciou-se o processo de fichamento temático, para posteriormente fazer a comparação dos resultados obtidos18. Selecionaram-se os mesmos temas em todas as fontes pesquisadas.

Não restringimos a investigação aos dados colhidos nos relatos orais. Sempre os complementamos ou os comparamos com informações de outros suportes empíricos. Essa documentação, reunida com base em fontes escritas, orais e visuais, precisa necessariamente ser inserida num contexto sócio-histórico-cultural, que deve ser elaborado pelo grupo de pesquisa (usualmente baseado em referencial bibliográfico), para que possa adquirir sua significação real. (VON SIMON, 2006, p.157).

18 Além das gravações, outro instrumento utilizado são os registros no caderno de campo, com anotações e impressões referentes as entrevistas.

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1.2 - A constituição do acervo imagético

Durante a realização da presente pesquisa constitui-se um acervo significativo de fotos abrangendo vários períodos da cidade de Serra Negra, das Corporações Musicais, dos Conjuntos e dos músicos serranos. Através dos contatos com os depoentes e familiares de músicos, possibilitou-se o acesso a fotos19 que remontam a década de 1920, referente ao Corpo Musicale “Umberto I”, bem como, as imagens da Corporação Musical “Renato Perondini” e, a trajetória da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, registrando através de fotos os seus novos fardamentos e apresentações públicas. Para a formação do acervo imagético emprestaram-se as fotos para as cópias e, em seguida, retornaram aos seus respectivos donos20.

1.2.1 – O acervo Foto Fagundes

Luiz de Camargo Fagundes (1897-1986), iniciou o que atualmente se considera o maior acervo fotográfico de Serra Negra. Morador do bairro rural das Tabaranas, em 1923 comprou sua primeira máquina fotográfica e percorreu inúmeras fazendas fotografando famílias, algumas vezes pernoitava na casa de seus clientes para realizar as fotos durante o dia, aproveitando a luz natural. Em 1930, mudou-se para a cidade, residindo na Rua 7 de Setembro; após alguns anos adquiriu uma propriedade na Rua José Bonifácio, local em que instalou seu estúdio denominado Foto Fagundes e, um laboratório cujos equipamentos foram construídos por ele; o imóvel continha cômodos escuros e vários tanques a fim de proceder a revelação das imagens. Luiz Fagundes registrou durante décadas o desenvolvimento urbano de Serra Negra e os acontecimentos políticos e sociais. Os negativos foram recuperados por sua filha Miriam Fagundes Bortolli, que organizou tematicamente o acervo, composto por mais de quatro mil imagens. A Foto Fagundes continua prestando serviços à população serrana21.

19 Algumas fotos originais foram presenteadas à pesquisadora. 20 Existiu, contudo, um sistema de trocas, no qual os músicos cediam as fotos para reprodução, em contrapartida, eles foram presenteados com fotos que não faziam parte de suas respectivas coleções. 21 Inúmeras fotografias originárias do Foto Fagundes estão disponibilizadas no Facebook através do grupo Serra Negra de Antigamente.

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Entre o trabalho desenvolvido na Foto Fagundes estavam os postais, com fotos panorâmicas da cidade e, segundo Kossoy (2002, p.65), o cartão postal era um novo meio de correspondência e entretenimento, o qual no início do século XX tornou-se um modismo que incorporou na sociedade brasileira e, as edições estrangeiras eram importadas e colecionados pelas famílias abastadas. Os profissionais nacionais absorveram esse novo mercado.

Ilustração nº 01. Vista parcial de Serra Negra, Foto Fagundes, início de década de 1960. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Ao mesmo tempo, um novo mercado de trabalho, gráfico, editorial e fotográfico passou a existir no Brasil. Fotógrafos conhecidos em diferentes Estados, a par de suas atividades tradicionais como retratistas, além de editores locais, voltaram-se também para a produção e veiculação de fotos postais, predominando as vistas de logradouros e panoramas de cidades, temas esses de interesse comercial mais imediato[...]. Os postais não eram apenas veículos de correspondência, mas, também, instrumentos de propaganda, particularmente no caso de vistas das cidades. (KOSSOY, 2002, p. 65 e 69).

1.2.2 – O acervo Humberto Manzini

O Sr. Humberto Narbot, era sobrinho e afilhado do Monsenhor Manzini e, residiu com seu tio em Serra Negra, por muitos anos. A proximidade entre os dois, permitiu o acesso, a guarda e a preservação do acervo do Monsenhor, que contém entre outros documentos, fotos

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e postais de momentos significativos da cidade. Principalmente aqueles em que houve a participação direta do religioso, como: o término da construção da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, a construção do Hospital Santa Rosa de Lima, do Externato Sagrada Família. Registrou-se, também, a vida religiosa da cidade, como as festas em louvor aos santos, missas e procissões. Ao analisar o acervo de Manzini, percebe-se que ele utilizou as fotos postais como meio de correspondência, dando notícias particulares e, ao mesmo tempo registrando sua atuação na comunidade serrana, inclusive suas fotos postais eram chanceladas.

Foto nº 01. “Funcionários concluindo o hospital, sob a direção do engenheiro, Serra Negra, 9/06/1928”. Na parte superior da foto está a marca da chancela, no verso os dizeres em letra cursiva. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

1.3 – Os textos memorialísticos

Para reconstruir os eventos relacionados a vida musical e o desenvolvimento de Serra Negra, recorreu-se a textos “biográficos memorialísticos” e documentos pessoais. De acordo com Marina Maluf (1995), o narrador rememora fatos que lhes são significativos e, Esse narrador – protagonista principal de seu texto – que fala de si e menos das circunstâncias, que busca explicações, descobertas e revelações pala auto-análise e não pela ordenação lógico-temporal dos eventos, dá às suas lembranças um caráter

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confessional de modo a estabelecer certa intimidade com o leitor que se torna, assim, seu “escuta” e seu confidente. (MALUF, 1995, p.47).

Queiroz (1998) observa que é possível através da análise desses textos recuperar as relações do indivíduo para com seu grupo social. Porém, atentou-se para a importância dos dados serem verificados e complementados. Embora colhidas com finalidades muito diferentes, autobiografia e biografias são perfeitamente utilizáveis pelos cientistas sociais como material de análise. Ambas, principalmente se bem feitas, podem constituir excelentes repositórios de dados que, no entanto, devem ser verificados e completados por informações de outras fontes. (QUEIROS, 1998, p. 25).

Como expôs Lílian Maria de Lacerda (2000, p. 84) dentro da obra do memorialista podem ser encontradas notas, prefácios produzidos pelos autores ou por amigos “em que se evidencia o lugar do narrador(a) e do discurso enquanto um depoimento testemunhal’.

1.3.1 – Os textos memorialísticos de Sylvino de Godoy (1889-1970), Silvio Bertolini (1931-2013) e Alcebíades Felix (1926-2015).

O livro, História da minha vida (1970) do autor Sylvino de Godoy é uma edição particular, e está dividido em 32 pequenos capítulos; é dedicado aos familiares, com prefácios de amigos próximos. Na introdução e no final da obra, estão explícitos o desejo do autor em registrar os episódios que considerou significativos. Iniciou-se a narração, a partir da “remota infância de 6 anos, em 1895... com o apoio de uma memória clara e não vacilante”, seduzindo o leitor para apreciar o seu testemunho. Os cinco primeiros capítulos referem-se à sua estada em Serra Negra, os demais narram seu retorno à cidade de Campinas no início da década de 1920, com desdobramento de sua vida profissional antes e depois de se tornar um dos proprietários do Jornal “Correio Popular”22, em 1938. Também, ressaltou suas conquistas sociais, procurando em cada capítulo deixar uma mensagem de cunho moral. O livro do musicista Silvio Bertolini, O Soldador de penico (2009), é composto por 166 pequenos textos, referentes à cidade de Serra Negra, sua família, suas paixões, seu

22 O Jornal “Correio Popular” foi fundado em Campinas, em 1927, por Álvaro Ribeiro.

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aprendizado musical, sendo que os últimos 52 textos dizem respeito tanto à sua vida profissional quanto à vida musical na cidade de Campinas. Apesar de não aparentar uma ordem cronológica, elas existem em decorrência das experiências vivenciadas pelo trompetista e compositor. As leituras dos textos dão impressão de que as lembranças surgem espontaneamente. Talvez, a maior dificuldade em relação à essa obra, seja sua forma de narrativa, pois quem não conhece um pouco da história de Serra Negra, seus músicos e antigos moradores, não encontra sentido em muitas informações e lembranças ali contidas. Alcebíades Felix publicou dois livros: Alcebíades Felix disse (e a história confirma) (2012) e, As histórias que eu gosto de contar (2014), ambos compostos, também, por pequenos textos, em que o autor descreve acontecimentos públicos e sociais nos quais participou. Analisaram-se as obras mencionadas, minuciosamente, buscando complementar com as outras fontes utilizadas na presente pesquisa.

1.4 - Documentos escritos

A fim de construir um entendimento sobre o desenvolvimento de Serra Negra, desde seus primórdios, necessitou-se a obtenção de dados antigos relacionados à produção agrícola, ao número de habitantes e à administra pública e; para tanto, realizou-se pesquisa nos acervos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, no SEADE e NEPO - Unicamp23. Os dados coletados nos almanaques, nos anuários estatísticos, nos códigos de postura e nas leis, permitiram um novo olhar sobre a cidade. Entre as fontes primárias, também, pesquisaram-se os documentos produzidos pela Câmara Municipal de Serra Negra, que mantém no seu acervo histórico, documentação datada a partir da segunda metade do século XIX. De forma mais intensa, analisaram-se um total de 400 projetos de lei, entre os anos de 1940 a 1985. Fotografaram-se e armazenaram-se tematicamente os de interesse para a pesquisa, versando sobre música, clubes recreativos,

23 A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo ( http://www.al.sp.gov.br). A Biblioteca do IBGE (http://biblioteca.ibge.gov.br). O SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (http://produtos.seade.gov.br/produtos/bibliotecadigital) e O NEPO- UNICAMP. Dados Demográficos (www.nepo.unicamp.br/publicacoes/versos.html). Esses sites disponibilizam um rico acervo, on line.

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águas radioativas, transformação da cidade (cobertura de rios, reformas das praças e abertura de ruas), construções de prédios públicos (Fórum e Balneário Municipal). Consultou-se o acervo do judiciário, sobretudo, os processos relacionados ao período pesquisado e aos personagens envolvidos. Os documentos produzidos pela Societá de Mutua Assistência Fra Italiani, entre os anos 1903 a 1940, como: atas e livros de presença, permitiram avaliar a organização e influência dessa entidade na vida social dos imigrantes e seus descendentes. Constituiu-se, também, como fonte de pesquisa, o acervo da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, fundada em 1945, que herdou as partituras do Corpo Musicale “Umberto I”, da Corporação Musical “Renato Perondini” (1957-1967) e das músicas que integravam o acervo do Conjunto Musical “André & Orchestra” (1974-1999), permitindo-se confirmar a existência “física” das músicas anunciadas nos jornais locais, no período correspondente de 1906 até a década de 198024. Foi de grande valia a utilização da imprensa, especialmente dos jornais locais, pela grande possibilidade de exploração científica dessa fonte de dados, permitindo, inclusive analisar sua repercussão na sociedade mais ampla. Nesse sentido, Lang (2001, p.61) observa que “a análise do material da imprensa constitui uma fonte de grande interesse para o pesquisador, pois permite conhecer não apenas os fatos, mas sobretudo sua exata cronologia”. Entretanto, o pesquisador necessita de atenção e cuidado ao acessar essa fonte, razão pela qual os jornais estão sempre relacionados com os interesses dos grupos que os dirigem. Dentre os semanários pesquisados, o jornal O Serrano; num primeiro momento, consultaram-se os seus exemplares desde a sua fundação, em 1907, até a década de 1940; em seguida, realizaram-se levantamentos de dados, nos exemplares a partir da década de 1940 até 1986. Assim como, o acervo do Legislativo, fotografaram-se as notícias e armazenaram-nas tematicamente. E, como observa Caeiro (2005, p.68), “consultar alguns milhares de jornais e de revistas, acaba por se tornar cansativo e exasperante. Porém, não raras vezes, surgem surpresas gratificantes nesta tarefa de arqueologia, de exumação de textos”.

24 Ainda, sobre o aspecto institucional, buscou-se, no arquivo da Câmara Municipal, os registros de contratos de prestações de serviços, firmados entre a “Umberto I” e a Câmara, nos anos de 1906 a 1909, que especificavam as apresentações cívicas, os concertos quinzenais e os honorários dos componentes da referida banda de música.

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Outros jornais circularam na cidade, mas encontraram-se somente alguns exemplares, como: O jornal A Serra Negra, exemplares no período compreendido entre 1904 a 1909. O Jornal Gazeta da Serra, edições de 1910 e 1914, A Serra Negra Jornal25 circulou de 1931 a 1939, após a crise do café, período, inclusive em que a cidade buscava redirecionar a sua economia. Como o jornal O Serrano manteve-se ativo ininterruptamente, possibilitou comparar e complementar os fatos ocorridos na cidade, de acordo com as diversas visões dos quatro semanários. Segundo von Simson (1985, p.71), “a imprensa era uma força social relativamente recente na sociedade brasileira, mas já encontrava, nas últimas décadas do século XIX, uma grande penetração entre as camadas urbanas, destacando-se como o meio de comunicação mais atuante desse período”. As informações colhidas através das publicações no jornal O Serrano, conjuntamente com os dados contidos nos projetos de lei, foram fundamentais para embasar as questões levadas aos depoentes, especificamente, sobre um passado recente, tendo em vista a escassez de uma bibliografia produzida sobre Serra Negra, a partir de década de 1930. Destarte, a partir dos anos de 1950, possibilitou-se abordar e entender as mudanças ocorridas na cidade, período que a administração pública revalorizou a condição de Serra Negra como Estância Hidromineral, na busca de recursos financeiros estaduais e a proteção de seus mananciais de águas radioativas. Consultou-se o acervo on line da Folha de São Paulo, com a finalidade de complementar os dados levantados nos acervos serranos. Analisaram-se as informações contidas nesses documentos conjuntamente com os depoimentos orais e fontes imagéticas, para construir uma versão sobre o desenvolvimento da cidade de Serra Negra, principalmente, a partir da década de 1930 até a década de 1980, tendo em vista as raras produções sobre o período; assim como, apresentar as manifestações musicais serranas e suas múltiplas formas. Um pouco das histórias dos depoentes pode ser registrada nas pequenas biografias: Oswaldo Saragiotto, Roberto Gambeta, Arminio Silotto, Therezinha Maria de Barros Marchi, Irineu Saragiotto, José Franco de Godoy, Antonio Luigi Italo Franchi, Antonio Roberto Siqueira, Alcebíades Felix, Claudio de Andrea Corsetti, Nelson Antonio de

25 Todos os exemplares publicados do “Serra Negra Jornal” estão em ótimo estado de conservação e são de propriedade da família do Sr. Odilon Souza Lemos, sobrinhos do fundador do jornal.

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Barros, Demon Clayr Batista Fernandes Del Nero, Armando Menegatti, Renor Siloto

Perondini, Roberto Siloto Perondini, Irineu Evangelista Cazotti, José Geraldo Dechetti Vicentini e José Vandair Passadore Muniz.

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DEPOENTE: OSWALDO SARAGIOTTO.

Entrevista realizada em maio de 1991.

Oswaldo Saragiotto, natural de Serra Negra, nascido em 11 de maio de 1920. Provém de família de imigrantes italianos. Seu pai, primeiramente, trabalhou na área rural na cidade de Laranjal Paulista, mais tarde se estabeleceu como comerciante em Serra Negra, após montar um armazém de secos e molhados na área central da cidade. O depoente foi, também, um dos expedicionários serranos, convocados na Segunda Grande Guerra. Narrou de forma detalhada sua vivência no período da guerra. Possuidor de uma memória privilegiada, tornou-se referência para os jovens serranos que o procuram regularmente para ouvir histórias sobre a 2ª Guerra Mundial. Nos vários encontros realizados entre os anos de 2014 a 2016, tivemos a oportunidade de olharmos juntos, fotos antigas da cidade e de seus habitantes. O Sr. Oswaldo, pacientemente rememorou inúmeros acontecimentos serranos após ser estimulado pelas imagens, como a importância das fontes de águas radioativas para atração do turismo, a construção de uma rede hoteleira para acomodar o número crescente de visitantes, os clubes e seus bailes. Porém, as lembranças sobre sua experiência na Itália ainda são marcantes. Estava com 71 anos por ocasião da primeira entrevista. Sim, o que era muito triste era, justamente, eram as crianças e os velhos italianos. Eram o que mais sofreram na guerra, o soldado por mais que ele tenha experiência, tem a malícia, então na hora de uma granada, a gente sabia se defender. Os italianos se desesperavam e colocavam a mão na cabeça e saíam correndo... o que cortava mais a gente, era na hora da comida principalmente, ficava aqueles velhos e criança com as latinhas na mão esperando o resto da gente, para poder comer, e a gente não podia dar, muitas vezes, porque se a gente não comesse, não tinha outro lugar para compra por exemplo. Então, muitas vezes sobrava um pouquinho e, se você pensasse em jogar no latão, eles ficavam desesperados, então a gente tinha que dar os restos. Muitas vezes, aconteceu de eu comer macarrão e tinha duas moças que queriam comer, então nós comemos os três em uma marmita. Fazer o quê, elas comeram mais depressa do que eu. (Oswaldo Saragiotto, Serra Negra, 1991)

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DEPOENTE: ROBERTO GAMBETA

Entrevista realizada em maio de 1991.

Roberto Gambeta, natural de Serra Negra, nascido em 26 de setembro de 1916, pertencente a uma família de imigrantes italianos. Teve uma infância difícil, pois todos os familiares trabalhavam na agricultura. Para ele, Serra Negra de antigamente parecia uma “fazenda”, pois não tinha calçamento, as ruas eram de terra, só começou a desenvolver com a instalação do cassino. Quanto jovem foi aprender o ofício de carpinteiro, profissão que exerceu até sua morte, em 16 de junho de 1999. Gambeta foi o primeiro serrano a ser convocado para a FEB, lembrou de várias passagens referentes a convocação, os meses que passaram em Caçapava/SP e o treinamento no Rio de Janeiro, antes da partida, inclusive narrou as condições de alguns companheiros que desertaram. A travessia do Rio de Janeiro até a Europa levou oito dias e durante a trajetória muitos choravam e outros mais bem humorados se divertiam entre conversas e piadas. A permanência na Itália causou-lhe profundas reflexões, diante das condições precárias em que se encontravam o povo italiano no período da guerra. Percorreu cidades que foram inteiramente destruídas. A notícia do fim do conflito foi um alivio. Ao retornar para Serra Negra, retomou sua profissão de carpinteiro e constituiu família. Estava com 75 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: ARMÍNIO SILOTTO Entrevista realizada em outubro de 1997. Armínio Silotto, natural de Serra Negra, nascido em 26 de setembro de 1909, no Bairro das Três Barras, local que residiu até o seu falecimento em 09 de abril de 2007. Filho de imigrantes italianos e narrou que seu avô era lavrador, natural de Treviso, na Itália, o qual emigrou para o Brasil com seus quatro filhos buscando melhores condições para sua família. Desembarcou no porto de Santos, em 1887. Foi contratado com outras famílias imigrantes por um fazendeiro de Três Pontes, bairro rural da cidade Amparo/SP., essa propriedade possuía um milhão de pés de café. A família Silotto trabalhou na fazenda de Três Pontes até conseguir pagar sua viagem para o Brasil, pois a mesma havia sido subsidiada. Após esse período foram trabalhar na lavoura de café em uma das glebas de José Antonio da Silveira, no sistema de ameia. Juntando as economias adquiriram um sitio no Bairro das Três Barras, pertencente ao Sr. Gonçalves. A propriedade ainda permanece com os descendentes da família Silotto. Sr. Arminio contou que seu pai Pedro Silotto chegou ao Brasil com 09 anos, já era alfabetizado e, aqui aprendeu português e sempre trabalhou como lavrador. Casou-se com Graciosa Bettin e constituiu família composta por 13 filhos. Ele também narrou de forma graciosa sua infância, lembrando do difícil trabalho na roça, plantando e colhendo alho, batata e tomate e, depois a pé dirigia à cidade a fim de comercializar os produtos. Lembra com carinho a convivência com seu avô Domingos, contando de forma marota algumas passagens, como sua iniciação à leitura. Segundo ele, sua irmã mais velha era encarregada de alfabetizar os irmãos, pois aprendera com o pai, como o acesso à escola era restrito, necessitava estudar em casa. Pois bem, as aulas aconteciam todas as noites depois do jantar, as crianças sentavam em volta da mesa e iniciavam os estudos, porém isso acontecia somente durante a presença do Sr. Pedro Silotto, logo após o recolhimento dos seus pais, as crianças interrompiam as aulas, pegavam o baralho e jogavam partidas de “biscas”. Sua juventude foi marcada por muito trabalho, sempre plantando, colhendo e comercializando. O lazer acontecia nos finais de semana, com os bailes aos sábados e missas aos domingos. Sr. Arminio contou ainda, que cerca de 30 jovens, entre homens e mulheres, saiam descalços das Três Barras e caminhavam até a entrada da cidade de Serra Negra, local onde se encontra o Centro de Convenções, lá

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chegando, lavavam os pés, calçavam os sapatos, que sempre eram transportados pelos homens e dirigiram-se para a missa das dez horas na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário. Em seguida, a missa a moçada ia direto ao jardim público e lá permaneciam até o horário de voltar para casa. Outro evento esperado era a festa em louvor a São Roque, santo padroeiro do Bairro das Três Barras, celebrada anualmente no mês de agosto. A narrativa de Armínio Silotto, foi marcada por eventos ligados ao trabalho como agricultor, revelou também outros traços destacando-se em sua fala a conduta correta diante dos compromissos assumidos, o respeito à terra, à religião e à família. Estava com 88 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: THEREZINHA MARIA DE BARROS MARCHI

(conhecida por Tereza Marchi) Entrevista realizada em julho de 2014. Terezinha Maria de Barros Marchi, natural de Serra Negra, nascida em 29 de julho de 1929, filha de Benedito Inácio de Barros e Ana Englatina Dallari de Barros. Seu irmão é também o depoente Nelson Antonio de Barros. Possuidora de uma memória privilegiada, lembrou de vários acontecimentos marcantes que ocorreram em Serra Negra, bem como o cotidiano vivenciado no interior de sua família e círculos de amizade. Realizaram-se inúmeros encontros com a depoente, alguns acompanhados por seu irmão, que foi o responsável pelo primeiro contato. Nessas ocasiões recordaram as histórias e aspectos da cidade analisando uma série de fotos antigas de Serra Negra, com suas edificações e personagens. Descreveu sua infância como ótima, sendo que as brincadeiras ocorriam no entorno do antigo Mercado Municipal “a infância aqui em Serra Negra, para as crianças era uma maravilha, a gente brincava no meio da rua, não tinha quase carro, à noite juntava meninos da redondeza, as meninas. Tinha vários jogos: pula corda, bater peteca, rei e rainha...”. Tereza possui a habilidade de narrar determinados eventos ao se deparar com uma imagem, acrescentando a transformação do local e o que ele representa na atualidade. Estava com 85 anos na ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: IRINEU SARAGIOTTO

Entrevista realizada em Janeiro de 2014.

Irineu Saragiotto, natural de Serra Negra, nascido em janeiro de 1926 Seus pais eram imigrantes italianos, que se estabeleceram no ramo de comércio, seu pai era proprietário de um armazém de secos e molhados localizado na esquina da Rua Coronel Pedro Penteado com a atual Praça John F. Kennedy. Irineu começou a trabalhar aos 11 anos de idade, como atendente da farmácia do sr. Nicolau de Abreu Citrângulo. Em suas narrativas lembrou que quando o movimento da farmácia estava tranquilo ele aproveitava para ler os livros de farmacopédia e de medicina, por indicação de seu patrão; as obras eram escritas em francês, contribuindo para o seu aprendizado desse idioma. O seu trabalho permitiu um contato contínuo com o médico Firmino Cavenaghi, pois alguns exames básicos de sangue e urina eram realizados na farmácia. Irineu sempre teve tendências para os assuntos políticos, tanto que foi nomeado pelo Governador Jânio Quadros para exercer a função de Prefeito Sanitário, na gestão de 1955 a 1959. Em sua administração promoveu inúmeras benfeitorias na cidade, como o término do Balneário Municipal, todos os trâmites para a construção do edifício do Fórum serrano, promoveu a desapropriação do imóvel que abrigava a nascente da Fonte Santo Agostinho, entre outros atos administrativos. No período em questão, os gastos com a educação consumiam boa parte do erário público e, para solucionar o problema, Irineu transferiu 12 escolas municipais para o Estado, sua atitude contribuiu para equilibrar as contas públicas, possibilitando o pagamento das dívidas do Município, inclusive as referentes as desapropriações. Candidatou-se para o cargo de prefeito novamente, mas não foi eleito, no entanto, foi vereador por várias legislatura e Presidente da Câmara nos períodos de 01/01/1960 a 31/12/1960; 01/01/1962 a 31/12/1962; 01/01/1973 a 31/01/1975 e 01/02/1977 a 31/01/1979. A sua experiência no campo político, possibilitou ter um olhar crítico sobre a administração pública e seu depoimento muito contribuiu para entender o desenvolvimento de Serra Negra, nas décadas de 1950 a 1970. Estava com 88 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: JOSÉ FRANCO DE GODOY Entrevista realizada em junho de 2015.

José Franco de Godoy, conhecido por Zico, natural de Serra Negra, nascido em 10 de setembro de 1922, no Bairro das Três Barras. Os integrantes da família Franco de Godoy foram um dos primeiros a se instalarem no Município de Serra Negra, principalmente na área que atualmente abrange a cidade de Lindóia e o bairro serrano das Três Barras. Sua família possuía uma propriedade rural, onde plantavam café e outras culturas como milho, batata e frutas. Todos trabalhavam na agricultura, inclusive o depoente: Eu sou o primeiro filho do casal, e quanto eles iam para o batente, eu tinha que ir junto e, acabei aprendendo a puxar a enxadinha. Sua infância no sítio paterno intercalava-se entre as tarefas da roça e as pescarias: ...e eu quando era moleque, que eu morava no sítio, meu gosto era caçar peixe naqueles ribeirãozinhos, de peneira. De vez em quando tinha umas cobrinhas, mas cobra que está na água não morde. No meu tempo não tinha quase cascudo, naquele pedaço nosso, pescava só para cima, para baixo não, mas tinha muito lambari e bagre. A gente ficava alí com a peneira, o peixe vinha e batia na peneira, fica por ali, daí a pouco, você tinha a peneira cheia! E a minha avó... chegava com uns peixinhos, a gente destripava tudo. A minha avó fazia uns bolinhos com peixe, eu e mais uns companheiros que tinham lá, comia o bolinho que minha avó fazia. Que beleza! Nossa Senhora! Tinha uma fartura, nossa... uma fartura, criava de tudo que era tipo de... frango, boi, carneiro...

A família decidiu mudar do sitio pertencente ao avô, indo primeiramente morar na cidade de Monte Alegre do Sul, na qual permaneceu por dois anos e, em 1933 foram para Serra Negra onde se estabeleceram definitivamente. Seu pai alugou a casa que pertencia a seu avô, localizada da Rua Coronel Pedro Penteado e montou uma selaria para fornecer material para carroças, charretes e consertos de arreios, mais tarde adquiriu o imóvel, tornando o seu proprietário. Zico estava com 11 anos, quando se mudou para Serra Negra, dividia seu tempo entre a escola e o trabalho, aprendeu o ofício com seu pai, na selaria e depois foi ser aprendiz de sapateiro com o Sr. Virgilio Pezzini. A minha infância foi... trabalhei só, desde da escola do primeiro ano, eu já trabalhando. (Eu) aprendi o oficio com o meu pai. Aqui, aprendi oficio com ele, depois mais tarde, aí nós resolvemos montar uma sapataria. A sapataria foi a coisa

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mais gozada. Eu comecei a aprender o ofício aí, na sapataria que tinha aí... mais para baixo aí... e quando eu comecei a fazer qualquer coisa, meu pai montou uma sapataria e eu que toquei a sapataria, até hoje é Sapataria Godoy. Com quem eu aprendi? Esse senhor você nem sequer... esse senhor ele chamava “Bolota”, tinha uma sapataria aí, eu ia na escola, depois saía da escola, então eu ia trabalhar lá, aprender o oficio. Naquele tempo tinha muito serviço de sapataria, hoje não tem mais. Tudo à mão e dava muito... era muita miséria aquele tempo, miséria, então comecei a aprender o ofício lá, e trabalhava. Ia na escola, no Grupo e depois ia trabalhar, e assim foi, que ... ele chamava-se Virgilio Pezzini. Morreram tudo.

A partir de 1930, residiu e ou trabalhou no mesmo local. Acompanhou as mudanças da cidade, lembrou das pequenas casas geminadas, “não tinha aqueles espaços que costuma ter hoje, que é obrigado por lei. Um aproveitava a parede do outro. E era assim. A rua não era asfaltada, era tudo terra, terra, terra... e depois foi crescendo, crescendo. Ai surgiu a nossa abençoada água, foi o que ergueu Serra Negra”. Descreveu a importância da instalação do cassino para a economia da cidade e como a fábrica de Chapéu Pamanálinho absorvia mão de obra feminina, pois as costureiras serranas trabalhavam em seus domicílios, realizando os acabamentos dos produtos. Rememorou a transformação urbana com a canalização dos córregos, a construção de novos hotéis e, de como as verbas eram destinadas à Serra Negra na década de 1970, que contribuíram para o melhoramento da cidade. Zico foi sócio fundador do Serra Negra Esporte Clube e, por mais de 30 anos membro da diretoria do Asilo São Francisco de Assis, ocupando o cargo de mordomo. Ele continua sendo comerciante, trabalhando na Sapataria Godoy, no mesmo imóvel onde no início da década de 1930 seu pai montou a selaria. Estava com 93 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: ANTONIO LUIGI ITALO FRANCHI

Entrevista realizada em setembro de 2015.

Antonio Luigi Italo Franchi, natural de Serra Negra, nascido em 12 de maio de 1939, no Bairro da Serra Negra de Baixo. Filho de Amatici José Franchi e Aide Coli. Seus avôs maternos vieram para Serra Negra no final do século XIX e compraram uma propriedade agrícola, designando à produção do café. Voltaram para Europa inúmeras vezes. Sua mãe nasceu na Itália. Seu pai era natural da Vila Sapecado, atual cidade de Divinolândia/SP. Ao completar um ano de idade, sua família retornou para a Itália. Lá Amatici serviu o Exército, deslocou-se por três vezes aos Estados Unidos em busca de trabalho. Casou-se na Itália com Aide Coli. Antes da Segunda Guerra Mundial imigraram para o Brasil, pois aqui a família paterna de Aide já possuía propriedade. Ao chegar reabriram armazém de secos e molhados no Bairro da Serra, que pertenceu a Ansano Coli, tio de Antonio Luigi. O depoente herdou a propriedade agrícola de seu avô materno, local ainda produtivo com cafezal, milho e produção de aguardente de cana. Na década de 1970, iniciou- se na carreira politica, sendo eleito prefeito para a gestão de 1979-1983, foi vereador e vice prefeito e reeleito prefeito nas gestões de 2008-2016. Sua vivência como produtor agrícola e administrador público permitiram-lhe, ter um olhar diferenciado sobre Serra Negra e seu desenvolvimento. Estava com 76 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: ALCEBÍADES FELIX Entrevista realizada em agosto de 2014.

Alcebíades Felix, natural de Serra Negra, nascido em 08 de julho de 1926, filho de João Felix e Joana Castadelli Felix. Seus pais eram descendentes de imigrantes árabes e italianos e estabeleceram-se no Bairro dos Leaes, local de nascimento do depoente. Permaneceu na zona rural até completar 17 anos. Em 1943, mudou-se com sua família para a cidade, tornando-se aprendiz de marceneiro na oficina do Sr. José Salomão. Foi funcionário do Banco Paulista de Comércio, trabalhou como funcionário da Prefeitura Municipal, no SAE de 1950 a 1966. De 1984 a 1988, foi Diretor do Departamento de Turismo e, de 1997 a 2005, dirigiu o Balneário Municipal. Bacharel em Direito e especialização em Administração Hospitalar. Ocupou o cargo de vereador na legislatura de 1977 a 1982. Logo após sua mudança para cidade, Alcebíades juntamente com Januário Blotta, Luiz Barbosa e José Ferreira de Campos fundaram um grupo de teatro vinculado ao Clube XV de Novembro. Foi locutor do serviço de auto-falante, representante do conjunto Garotos do Ritmo, fundador e proprietário da Radio Serra Negra, criador e apresentador do Programa de Calouro da Radio Serra Negra, membro da diretoria do Clube XV de Novembro, do Serra Negra Esporte Clube, da Associação de Imprensa de Serra Negra, do Asilo São Francisco de Assis, entre outras entidades. Fotógrafo inveterado, possuía um rico acervo imagético. Alcebíades era conhecido como a “memória viva” da cidade, sempre indicado para conceder entrevistas quando o tema era Serra Negra ou o termalismo, pois era um profundo conhecedor das propriedades das fontes de águas minerais serranas, sendo que foi membro da Sociedade Brasileira de Termalismo. Suas “grandes paixões” relacionavam-se aos eventos culturais e artísticos, sendo que atuou em inúmeras iniciativas nessas áreas. Segundo suas narrativas ser fundador e proprietário da Radio Serra Negra foi a sua maior conquista. Faleceu em 06 de junho de 2015. Estava com 88 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: ANTONIO ROBERTO SIQUEIRA Entrevista realizada em outubro de 2015.

Antonio Roberto Siqueira, natural de Mogi Guaçu, nascido em 29 de agosto de 1920, mudou-se para Serra Negra em 1948, depois de ter trabalhado na Mogiana, como telegrafista. Trabalhou também no Grande Hotel de Águas de São Pedro, de 1941 a 1946. Após o fechamento do cassino enveredou-se para o comércio, montando uma loja de calçados. Porém, abdicou-se desse trabalho e resolveu transportar café de Londrina para o Porto de Paranaguá, período em que adoeceu, foi aconselhado por seu médico a buscar tratamento em uma estância hidromineral, acreditando que estava com os rins comprometidos, razão pela qual se mudou para Serra Negra. O seu problema não estava relacionado aos rins e depois de uma intervenção cirúrgica se restabeleceu. Em Serra Negra, fixou-se no comércio, primeiro com uma loja de calçados e, em 1949 montou a Sorveteria e Confeitaria Americana, localizada na praça central da cidade. Atualmente, o imóvel abriga o Bar Americano. Em 1950, casou com Nilza, sobrinha dos depoentes Irineu e Oswaldo Saragiotto. Em 1961, vendeu a Confeitaria e investiu no mercado imobiliário, pois acreditava no potencial turístico de Serra Negra. Foi vereador por três mandados, suas relações no meio político induziram a sua indicação o cargo de Superintendente do Fundo de Melhoria das Estâncias – FUMEST., em 1978, no governo de Paulo Maluf e, acredita-se que isso ocorreu por intervenção de Paulo Egídio Martins, que o conhecera em uma reunião ocorrida em Serra Negra. Segundo Siqueira, o FUMEST era considerado uma autarquia muito forte, com mais de 700 funcionários e, com uma verba “milionária” para promover os repasses às estâncias. Para exercer o cargo de Superintendente, Siqueira foi sabatinado por três deputados estaduais, dentre eles estava Mantelli Neto, que havia proposto um Projeto de Lei em 1975, com a finalidade de extinguir as estâncias. Porém, o Projeto foi vetado por Paulo Egídio Martins, depois de algumas manifestações de serranos políticos locais. O fato desagradou Mantelli que talvez, via com ressalvas a indicação de uma pessoa vinculada a

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cidade, tanto que o mesmo dificultou a sabatina de Antonio Siqueira, pois além da arguição

costumeira, ele exigiu uma redação, cujo tema era sobre esportes. Quando a Seleção Brasileira de Futebol se hospedou em Serra Negra, na década de 1960, Siqueira foi designado para acompanha-la e, consequentemente, foi convidado para ser Delegado da Confederação Brasileira de Esportes, o que lhe proporcionou viajar com Seleção Brasileira pelo território nacional, além de ir para o Chile e Inglaterra. A experiência permitiu-lhe redigir um texto que agradou aos outros dois deputados, membros da banca, sendo aprovado por eles, mesmo contrariado não restou outra alternativa ao Deputado Mantelli Neto, pois Antonio Siqueira foi empossado no cargo. Permaneceu no FUMEST de 1978 a 1982, período em que construiu o Centro de Convenções Circuito das Águas e, durante a sua gestão as cidades de Santos e Praia Grande foram elevadas à condição de estância. A narrativa de sua experiência no FUMEST e as relações políticas mantidas ao longo dos anos, foi de grande valia para o entendimento dos “bastidores’ políticos serranos, nas décadas de 1960 a 1980 e, as consequências repercutidas no desenvolvimento da cidade. Estava com 95 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: CLAUDIO DE ANDREA CORSETTI Entrevistas realizadas em agosto e setembro de 2013. Claudio de Andrea Corsetti, natural de Serra Negra, nascido em 03 de janeiro de 1932, filho de Luiz Corsetti e Carmine De Andrea Corsetti. Trabalhou por mais de 46 anos na Lindoiano Fontes Radioativas Ltda, empresa fundada por Luiz Bulk e Adid João Did, na cidade de Lindóia/SP. Sua relação com o mundo do trabalho foi o que mais pontuou seu depoimento, sempre muito minucioso na descrição de suas atividades profissionais desde o seu primeiro emprego como auxiliar em 1943, na Casa Bancária José Antonio da Silveira & Cia, em Serra Negra. Oriundo de família imigrante italiana, seu pai trabalhou como colono na lavoura de café em uma das propriedades de José Antonio da Silveira. Quando criança foi engraxate e coroinha. Ainda muito jovem foi convidado para ser coroinha do Bispo Dom Paulo de Tarso Campos, na cidade de Campinas. Seus pais viram no convite uma grande oportunidade para que Claudio estudasse, assim autorizaram sua ida e, em Campinas estudou no Colégio Diocesano Santa Maria. Como coroinha da Catedral de Campinas, acompanhou o Bispo em inúmeras viagens. Lembrou que suas viagens para Campinas, nessa época eram realizadas de trem. Saia daqui de Serra Negra, de trem, às 4:00 horas da madrugada, chegava em Jaguariúna, mudava de trem, que era outra bitola. Chegava em Campinas 09:00 horas. Saia às 4:00 chegava às 09:00, cinco horas de viagem para ir daqui à Campinas. Então, o trem quando vinha de Amparo para cá, muitas pessoas até pulavam do trem para acompanhar andando...na subida, não andava.

Ingressou na carreira política na década de 1970 e foi eleito vereador por dois mandados (1972/1975 de 1976/1979). Foi membro da Rotary Clube de Serra Negra, da Irmandade Santo Antonio de Pádua e Provedor do Hospital Santa Rosa de Lima. Participou do conjunto vocal Garotos do Ritmo na década de 1940 e permaneceu até o encerramento do grupo e, forneceu inúmeras fotos do conjunto. Ouvir a Rádio Nacional era a sua maior diversão, principalmente o programa do Francisco Alves. Possuía a coleção completa dos discos de Orlando Silva. Através dele foi possível conhecer e colher o depoimento de Nelson Antonio de Barros que nos revelou inúmeras histórias da cidade de Serra Negra. Faleceu em 01 de maio de 2015. Estava com 81 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: NELSON ANTONIO DE BARROS Entrevista realizada em março de 2014. Nelson Antonio de Barros, natural de Serra Negra, nascido em 22 de julho de 1931, filho de Benedito Inácio de Barros e Ana Eglantina Dallari de Barros, seu avô materno foi o músico Alfredo Dallari e, seus tios Aymoré e Bruno também foram instrumentista, e por essa vocação familiar teve o privilégio de conviver no meio musical serrano desde a sua infância. Acompanhou inúmeras vezes os ensaios e apresentações do Corpo Musicale “Umberto I”. Durante muitos anos trabalhou como marceneiro, cujo ofício ele e seu irmão José aprenderam com o pai, mais tarde dedicou-se ao comércio e hotelaria, foi também proprietário da Fábrica de Sabonetes Serra Negra. Sua família paterna era proprietária de terras no Bairro das Tabaranas e lá cultivou café, até a década de 1920. Seu pai decidiu-se mudar para cidade e foi trabalhar na marcenaria do Sr. Tranquilo Perondini. Anos depois, em 1929, ao adquirir uma pequena casa localizada na Rua Coronel Pedro Penteado, montou sua própria oficina. Viver naquele endereço permitiu ao depoente acompanhar todo o desenvolvimento do comércio serrano, com o início das pequenas fábricas e as aberturas das lojas destinadas aos veranistas. Nelson foi um dos componentes do conjunto vocal Garotos do Ritmo, sendo o responsável pela parte rítmica, também, integrou outros grupos musicais que se apresentavam no Clube XV de Novembro. Além do depoimento gravado, ocorreram várias reuniões na residência de sua irmã Tereza, onde relembrou os bailes de carnaval, as seções de cinema e a cidade, através de inúmeras fotos de Serra Negra. Sr. Nelson é considerado um excelente dançarino, conhecido como “pé de valsa”, frequentador do grupo de dança promovido pela turma da melhor idade. Estava com 83 anos por ocasião da entrevista Era aquela cidade simples, gostosa, uma cidade que todo sábado e domingo a gente se reunia na praça, as meninas girando do lado, os homens do outro. A banda... todo domingo a banda ia tocar lá. Então era um fim de semana gostoso... Começou a passar com um pouco de turista que vinha e, naquela época era muito divulgado a qualidade da nossa água, para problemas de pele, então começou a vir gente para cá, para se cuidar e, aí foi saindo mais hotéis, foram construindo outros hotéis e agora fim de semana está tudo aí, mas antes era exclusivamente no período das férias escolares, agora não sei se era junho, julho e depois dezembro e janeiro. Depois Serra Negra ficava vazia...(Nelson de Barros, Serra Negra, 2014)

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DEPOENTE: DEMON CLAYR BATISTA FERNANDES DEL NERO

Entrevista realizada em abril de 2014.

Demon Clayr Batista Fernandes Del Nero, natural de Serra Negra, nascida em 09 de novembro de 1932, descende de imigrantes portugueses e italianos. Narrou sua procedência afirmando pertencer a uma família simples; seu pai era empreiteiro. Sempre gostou muito de música e, juntamente com suas amigas decoravam as canções que estavam em moda. Era frequentadora assídua do Clube XV de Novembro e foi a primeira mulher serrana a se apresentar no “Grill Room” no Grande Hotel do cassino. Sua voz e beleza encantavam os frequentadores do local. Realizou inúmeras apresentações nos programas de calouros apresentados pela Rádio Serra Negra de propriedade de Alcebíades Felix. Chegou a gravar um disco num estúdio serrano, também montado por Alcebíades, sendo que o mesmo foi para presentear seu marido. Tinha como modelo feminino as cantadoras da Rádio Nacional: Dircinha Batista, Linda Batista e Dalva de Oliveira, dentro de seu repertório estava: Para que recordar, Besame Mucho, Corason a Corason e Perfídia. Ficou viúva muito cedo e criou seus três filhos com determinação. Lembrou com carinho sua infância e juventude vividas na Rua Duque de Caxias. Estava com 82 anos por ocasião da entrevista. Chegava a noite, assim que nem lá na Duque de Caxias, a gente punha as cadeiras na calçada e ficava. Chamava a outra vizinha, vinha, punha também a cadeira e ficava aquela turma. Aquela turma de gente na calçada. Com a cadeira na calçada, na rua conversando, ficava ali. Nove horas era hora de dormir também, né? A gente saía sete da noite, as nove tinha que estar em casa. Porque se não o pai, se não os irmãos iam buscar a gente. Nove horas em casa! (Demon Clayr, Serra Negra, 2014)

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DEPOENTE: ARMANDO MENEGATTI Entrevista realizada em abril de 2014

Armando Menegatti, natural de Serra Negra, nascido em 12 de julho de 1931, filho de Arthur Menegatti e Angelina Marchi Menegatti. Seus pais eram imigrantes italianos, estabeleceram-se após o casamento, no Bairro das Três Barras, trabalhando como meeiros nos cafezais da família Ioriatti. Ao completar 20 anos, Armando decidiu ir para São Paulo, a fim melhores condições de trabalho, mas não se adaptou e retornou à Serra Negra, depois de dois anos onde trabalhou em uma fábrica de sandálias. Na década de 1960, montou seu próprio estabelecimento comercial, o Bar e Restaurante Santos, localizado na praça central da cidade. Após alguns anos mudou de ramo novamente e montou uma fábrica de sandálias e bolsas de couro e, para promover a venda de sua produção abriu a loja “A Veranista”. Armando, continua em plena atividade e os produtos comercializados em sua loja, são referências em Serra Negra, devido a qualidade e acabamento. Ele sempre gostou de música, mas seu pai era muito rígido e não permitiu que fosse estudar, enquanto estava solteiro. Porém, sempre acompanhou seu cunhado, o saxofonista e clarinetista Nelson Buzzo, aos bailes e apresentações em que o músico participava. Após seu casamento, em 1954, iniciou o seu aprendizado musical, como aluno de Luiz Lamari e Santini Mattedi. Foi integrante da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, do Conjunto Musical “Blue Star” e de outros grupos. Nos anos de 1970 tornou-se sócio do Conjunto de Baile “André & Orchestra”. Após dez anos, Armando resolveu se desligar da banda e da orquestra. No entanto, não conseguiu ficar sem uma atividade musical e fundou “Os Notáveis”, um novo conjunto muito solicitado o qual durante anos realizou bailes em uma casa noturna de Águas de Lindóia, bailes na cidade de Socorro. Nas décadas de 1980 e 1990, realizou apresentações nas noites de domingo, na praça central de Serra Negra, oportunidade em que muitas pessoas dançavam e assistiam ao show. O repertório dançante era composto de valsas, sambas, boleros e forró. Nesse período, o ator e comediante Ronald Golias era frequentador assíduo da cidade e admirador do “Os Notáveis”: - “O Golias assistia também no domingo. O Golias chegava a falar na televisão, vai lá ver o Menegatti”. Armando trabalhou com os maestros Ângelo Lamari e Fioravante Lugli. Estava com 83 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: RENOR SILOTO PERONDINI Entrevista realizada em abril de 2011.

Renor Siloto Perondini, natural de Serra Negra, nascido em 1939, filho de Arcênio Perondini e Maria Siloto Perondini, Pertencente a família de imigrantes italianos, agricultores e musicistas, pois seu pai e tio Alceario foram músicos do Corpo Musicale “Umberto I” e integrantes de conjuntos de baile. Dentre eles, os que se apresentavam em Águas de Lindoia, a convite do Dr. Francisco Tozzi e, o trio era composto por: Arcênio no trombome, Alceario no Clarinete e João Versani no acordeon. Seus irmãos Edino e Roberto também são músicos, além de seus primos. Passou sua infância e juventude na zona rural, trabalhando na agricultura, principalmente na lavoura de café, mais tarde trabalhou como serralheiro e no ramo da hotelaria. Seu pai foi quem o iniciou na música, muito curioso, juntamente com seu irmão mais velho, Edino, descobriu entre os pertences de seu pai, uma caderneta com transcrições de peças musicais, as mesmas utilizadas para a realização dos bailes na zona rural e, ambos se interessaram em aprender um instrumento. O Sr. Arcênio entrou em contato com um primo, também músico, Cesarino Perondini e, iniciaram as aulas de teoria musical. Os irmãos que escolheram o instrumento clarinete. Mais tarde Renor também foi aprender saxofone. Quando seu professor constatou que eles estavam preparados procurou o Maestro da Banda “Lira de Serra Negra”, indicando os alunos para ingressarem na Banda. Porém, somente seriam admitidos se fossem tocar sax de harmonia, como eles já tocavam instrumento de canto resolveram não ingressar na Banda e, passaram a realizar bailes na zona rural. Em 1957, Enzo Perondini sabendo da qualidade dos músicos, através de Cesarino, entrou em contato e convidou os irmãos para fazerem parte do bloco de carnaval “Vai com Jeito”. Após os festejos, permaneceram como clarinetistas da Banda “Renato Perondini”, assim como, outros músicos serranos. Quando a Banda “Renato” encerrou suas atividades eles migraram para a “Lira”. Seu irmão Edino permaneceu na “Lira” até início dos anos de 1980. Renor continuou instrumentista da Banda e atualmente é o 1º clarinete. Foi membro da diretoria por inúmeras vezes, inclusive exercendo o cargo de Presidente, por dois mandatos e hoje é o seu Vice Presidente. Nas décadas de 1970 e 1980, foi saxofonista do Conjunto “André & Orchestra” e, participou de inúmeros carnavais ao longo dos anos. Trabalhou com

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os maestros: Cesarino Perondini, Fioravante Lugli, Ângelo Lamari, João Galo Corato, André

Afonso Bertini, Claudio Bernardino Marques e Roberto Siloto Perondini. Estava com 72 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: ROBERTO SILOTO PERONDINI Entrevista realizada em julho de 2011.

Roberto Siloto Perondini, natural de Serra Negra, nascido em 02 de setembro de 1947, filho de Arcênio Perondini e Maria Siloto Perondini. Oriundo de uma família de imigrantes italianos, agricultores e musicistas, assim como seus irmãos Edino e Renor teve o privilégio de ouvir as histórias do Corpo Musicale “Umberto I”, pois seu pai e tio foram musicistas da banda italiana. Antes mesmo de ser alfabetizado já lia partituras, tendo em vista que sempre acompanhou seus irmãos nos estudos musicais. O instrumento escolhido foi o bombardino. Seu irmão Renor foi seu professor e, em 1960, foi convidado por Enzo Perondini para fazer parte da Banda “Renato Perondini”. Porém, antes do ingresso, apresentou-se diante do Maestro Fioravante Lugli, cuja audição ocorreu na residência do Maestro, que aprovou o jovem instrumentista. Roberto em seu depoimento lembrou que ficou muito apreensivo e envergonhado diante de Fioravante Lugli, que era uma referência entre os músicos. Iniciou na “Renato”, aos 13 de idade e participou de todas as apresentações da banda, inclusive as ocorridas no Rio de Janeiro e Santos. Em 1967 já estava tocando na Banda “Lira de Serra Negra”. Em 1971 entrou para o “André & Orchestra”. Decorridos alguns anos obrigou-se a afastar-se do meio musical por motivo de saúde, retornando como percussionista da Banda “Lira”. Em 1998, após alguns problemas internos na “Lira”, assumiu a regência da Banda e, desde então é o seu Maestro. A sua importância como instrumentista rendeu-lhe uma homenagem do compositor e Maestro João Galo Corato, que lhe dedicou um dobrado. No início da década de 2000, reuniu um grupo de músicos para se apresentar nos festejos do carnaval, com um repertório só de marchinhas, a sua iniciativa agradou tanto que, atualmente, é atração obrigatória nos carnavais serranos. Também foi responsável pela criação da Bandinha Itinerante, que se apresenta, nas principais ruas da cidade, sendo mais uma atração para serranos e visitantes. Trabalhou com os maestros: Fioravante Lugli, Ângelo Lamari, João Galo Corato, André Afonso Bertini e Claudio Bernardino Marques. Estava com 64 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: IRINEU EVANGELISTA CAZOTTI

Entrevista realizada em julho de 2011.

Irineu Evangelista Cazotti, natural de Serra Negra, nascido em 26 de agosto de 1939, filho de Orlando Cazotti e Laura Avona Cazotti, membro de uma família de imigrantes italianos e agricultores. Irineu trabalhou na lavoura de café, assim como seu irmão e, também, músico Dirceu. Durante alguns anos foi caminhoneiro transportando água mineral para várias regiões do Brasil. Iniciou seus estudos ainda jovem, tendo como professores Aymoré Dallari, Benedito Mattedi e Fioravante Lugli; seu instrumento é o saxofone. Assim como seus parceiros musicais foi convidado por Enzo Perondini para integrar à Banda “Renato Perondini”, permanecendo até o encerramento de suas atividades. Foi instrumentista do Conjunto “André & Orchestra”, de 1980 a 1996 e, caprichosamente, registrou todas as apresentações, indicando os meses e as respectivas cidades; durante sua permanência na orquestra realizaram mais de 800 shows. É saxofonista da Banda “Lira” e, também, foi integrante de bandas das cidades vizinhas. Trabalhou com os maestros: Cesarino Perondini, Fioravante Lugli, Ângelo Lamari, João Galo Corato, André Afonso Bertini, Claudio Bernardino Marques e Roberto Siloto Perondini. Estava com 72 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: JOSÉ GERALDO DECHETTI VICENTINI Entrevista realizada em agosto de 2014. José Geraldo Dechetti Vicentini, natural de Serra Negra, nascido em 01 de julho de 1941, filho de José Vicentini e Adelina Dechetti Vicentini, neto de imigrantes italianos. Geraldo sempre trabalhou como comerciante. Oriundo de uma família de músicos, interessou-se pela arte musical desde tenra idade. Aprendeu teoria musical com seus primos Geraldo e Renato Lugli. O seu primeiro instrumento foi o acórdeon, era aluno de Vanilde Albertini. O seu principal incentivo foi assistir as apresentações da Banda “Lira de Serra Negra”, pois os seus primos eram integrantes da mesma, além do clarinetista Antonio Brioto, amigo de seu pai. O músico Enzo Perondini quando obteve conhecimento de suas qualidades musicais o convidou para integrar o bloco de carnaval “Vai com jeito”, que mais tarde se transformou na Corporação Musical “Renato Perondini”; nessa ocasião iniciou seu aprendizado em sax de harmonia, interessando em seguida pelo trombone. Ainda, muito jovem participou de todas as apresentações da Banda “Renato”, incluindo as viagens e concertos em outras cidades. Devido a sua musicalidade foi convidado para integrar a Banda “Lira de Serra Negra”, passou então, a atuar nas duas bandas existentes na cidade. Quando a “Lira” precisou de bombardino, ele se propôs a aprender esse instrumento. Nesse período adquiriu um trompete, cuja intenção era estimular seu irmão ao aprendizado musical, mas ele não se adaptou ao instrumento. Depois que a Banda “Renato” encerrou suas atividades, Geraldo dedicou-se somente à “Lira de Serra Negra” e, quando necessitou aumentar o naipe de sopros com mais trompete, ele passou a estudar o instrumento e, desde então é trompetista da “Lira de Serra Negra”. Em 1974, recebeu uma homenagem, sendo considerado o músico do ano. Foi instrumentista do conjunto “André & Orchestra”, desde sua primeira formação, permanecendo até 1988. Também integrou o conjunto “Os Notáveis”, do músico Armando Menegatti, além de participar de inúmeros bailes de carnaval. Participou de bandas das cidades vizinhas de Amparo e Monte Alegre do Sul. Trabalhou com os maestros: Cesarino Perondini, Fioravante Lugli, Ângelo Lamari, João Galo Corato, André Afonso Bertini, Claudio Bernardino Marques e Roberto Siloto Perondini. Estava com 73 anos por ocasião da entrevista.

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DEPOENTE: JOSÉ VANDAIR PASSADORE MUNIZ Entrevista realizada em setembro de 2016.

José Vandair Passadori Muniz, natural de Serra Negra, nascido em 04 de fevereiro de 1970, filho de Nadir Betin Muniz e Lídia Passadori Muniz. Como pertencente a família de agricultores o depoente como o seu irmão também, trabalharam na lavoura de café. Vandair aprendeu o ofício de encanador e eletricista, tornando um profissional muito respeitado em Serra Negra. Iniciou seus estudos musicais aos 13 anos, na Escola de Música do Bairro da Serra, com o Maestro Fioravante Lugli, assim que começou seu aprendizado musical optou por tocar saxofone. Depois de três anos frequentando a escola rural, encaminhou-se para a Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. A sua facilidade para o aprendizado musical chamou atenção do músico André Afonso Bertini que o convidou para integrar o conjunto de baile “André & Orchestra”. A fim de aprimorar a execução do repertório da orquestra, André se prontificou a dar aulas particulares para Vandair. Aos 15 anos o músico já participava de todos os shows do conjunto. Catalogou todos os bailes que participou até a sua saída, em 1998. Desligou-se da Banda “Lira”, por alguns anos e foi convidado para ser instrumentista da Banda de Música na cidade vizinha de Amparo/SP. Voltou para “Lira” em 2007, ocupando o lugar de 1º saxofonista da Banda. Trabalhou com os maestros: Fioravante Lugli, João Galo Corato e Roberto Perondini. Estava com 46 anos por ocasião da entrevista.

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...vivemos mergulhardos em um oceano de sons. Mergulhados em sons. E em música. Em todo lugar, a qualquer hora. Respiramos música, sem nos darmos conta disso ...

(Gino Stefani,1987)

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2 - A CONSTITUIÇÃO DA CIDADE DE SERRA NEGRA

2.1- A FORMAÇÃO DA CIDADE E OS CÓDIGOS DE POSTURAS.

Antonio Cândido de Melo e Souza, ao esclarecer como foi se constituindo o povoamento do interior paulista, afirma:

[...] estas considerações adquirem maior clareza quando encaramos a evolução por que passaram, freqüentemente, as cidades paulistas. No início, moradores segregados. Em seguida, ereção de capela, em patrimônio doado, que atraía lojas e depois algumas casas. Daí, passava a freguesia, já com o núcleo de população esboçado. O povoado subia a vila, chegando afinal a cidade. Nestes casos, a população rural ia se ampliando na periferia, onde apareciam novos bairros, que passavam a vila, e assim sucessivamente, sertão adentro [...] (CÂNDIDO, 2003, p. 100)

Em 23 de setembro de 182826, a cidade de Serra Negra elevou-se à categoria de Capela Curada.

D. Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, pr mercê de Deus, e Confirmação da Sé Apostolica Bispo de São Paulo, do Conselho de S. M. I. & & &. Aos que esta N. Provisão virem Saúde, e Benção em o Senhor, Fazemos saber q. Attendendo Nos ao q. pr. sua pam. representarão os Povos da Capella de N. Snra. do Rozario da Serra Negra filial de Mogy merim deste N. Bispado, tendo em consideração a longa distancia com asperos caminhos, em que estão pa. procurarem em suas respetivas Parochias o pastor espal., e conhecendo Nos depois das mais serias, e exatas informaçoens o qto. convem q. S. M. I. ali erija hua Parochia o que ora levamos a Sua Augusta Preza., em qto. isto senão verifica querendo Nos da nossa pte. minorar todos os encomodos destes Povos, pr. bem espal., e temporal seu Havemos pr. bem pela preze. erigir, e constituir a da. Capella da Serra Negra Curada [...](SIQUEIRA, 1934, p. 119)

Fez-se a solicitação de 9 de setembro de 1828, através de uma petição assinada por um grupo formado por 200 cidadãos, proprietários de terras, que já se encontravam instalados na região do pequeno povoado de Serra Negra. A intenção da referida petição era de que o povoado, já denominado “Capela”, fosse elevado a “Freguesia”; porém, o pedido foi atendido parcialmente, designando-se “Capela Curada”27.

Os Povos da Capela de Nossa Senhora do Rosário da Serra Negra, por mais uma vez tem recorrido a V. Exa., pedindo remédio, para o desamparo em que se acham os socorros espirituais, por se acharem afastados da vila de Bragança 9 léguas e de

26 Segundo Siqueira, o texto foi transcrito do Livro de Registro de Provisões do ano de 1828 fls. 5.v., arquivado na Cúria Metropolitana de São Paulo. A certidão da provisão foi fornecida pelo diretor do Arquivo, o Sr. F.de Salles Collet e Silva. 27 Capela Curada: título oficial dado pela igreja católica a uma vila com determinada importância econômica e populacional.

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Mogi, sete. V. Exa., por sua paternal bondade tem acolhido com benignidade aos clamores dos suplicantes, já enviando-lhes para que os socorra, já nomeando-lhe o Padre Antonio do Prado, as qualidades de Capelão curado...que este Padre faleceu... É por isso que os suplicantes vêm de novo aos pés de V. Exa., implorar a esmola de elevar a Freguesia aquela Capela para assim ficar remediado os vexames que (passam) os Suplicantes. P.P. a V. Exa. Por sua alta providencia se digne deferir-lhes o implorado. O Alferes Joaquim José Pires[...](JOSÉ, 1999, p.35)28

O Alferes Joaquim José Pires foi quem encabeçou a assinatura do documento. Entre os assinantes constava o nome de Lourenço Franco de Oliveira, que mais tarde foi designado como o fundador oficial da cidade. Este, juntamente com João Franco e José Antonio Pedroso, doou uma área, em cujo local erigiu-se a primeira capelinha de Serra Negra, dedicada a Nossa Senhora do Rosário29.

Uma capela representava, nessa época, - como, aliás, até hoje – o centro obrigatório da sociedade rural, onde, nas missas dominicaes, nas novenas festivas e nos terços vespertinos, se fraternisavam pela mesma crença os moradores de toda a redondeza... Escolheu-se para tal uma planície na fralda da serra Negra, distante mais ou menos de seis kilometros das Três Barras e onde já havia duas ou três casas de construção primitiva, cobertas de sapê. (SIQUEIRA, 1934, p. 117).

O documento datado de 23 de setembro de 1828, primeiro registro oficial de Serra Negra, durante muito tempo concordou que o seu povoamento se iniciou nas terras de Lourenço Franco de Oliveira, no Bairro das Três Barras; porém existem outros dados que permitem traçar novas possibilidades sobre tal origem. Roberto Pastana Teixeira Lima (1998, p.59), nos seus levantamentos, admite a hipótese de que a região que atualmente compreende os municípios de Serra Negra e Amparo fazia parte de uma velha rota denominada “Rumo do Pirapitinguy” e que em um espaço descampado criou-se um pouso bandeirista30. Na mesma área do “Rumo do Pirapitinguy” formaram-se dois bairros fronteiros; um conhecido por Bairro do Brumado, o qual atualmente pertence ao município de Amparo;

28 É importante frisar que na relação dos nomes dos cidadãos que assinaram o documento, no final, o escrivão Francisco Martins da Silva reconheceu as firmas assinadas perante ele; umas eram de próprio punho e outras eram marcadas com o sinal da cruz, sendo nominadas por ele e pelo Alferes Joaquim José Pires, pois nem todos eram alfabetizados. 29 Nesse período Serra Negra pertencia juridicamente à Vila de São José de Mogi Mirim. Na obra de Saint- Hilaire, Viagem à província de São Paulo, o autor narra sua passagem por Mogi Mirim, em 1819, e suas impressões sobre o pequeno povoado e seus arredores. Descreve que as terras eram muito férteis e apropriadas para o cultivo da cana-de-açúcar, cuja produção era enviada para o Rio de Janeiro e São Paulo. Durante os anos de 1818 a 1823 muitos mineiros afortunados migraram e se estabeleceram na região de Mogi. Descreve também sua estada em um engenho de cana, denominado Pirapintingui ou Pirapitingui (do guarrani, piratitagi- peixe quase vermelho) antes de seguir viagem para Campinas. (ps. 142-146) 30 O “Pouso Pirapitinguy” situava-se no caminho São Paulo – Goiás.

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outro, o Bairro dos Leaes31, pertencente a Serra Negra. Segundo os dados fornecidos por Lima, nesta região havia a prospecção de ouro, extraído em pequenas quantidades, supondo- se que o povoamento nestas terras iniciou-se ainda no século XVIII. O que corrobora tal hipótese é a pesquisa que Sebastião Pinto da Cunha realizou sobre a ocupação oficial do território de Serra Negra, afirmando que o primeiro registro que encontrou diz respeito a uma propriedade adquirida por José Rodrigues de Oliveira e sua esposa Isabel Cardoso no ano de 1804, localizada entre os bairros Brumado e Leaes:

Valentim da Silva Pinto e Appolinária Ribeiro, eis o primeiro casal que habitou o território de Serra Negra, segundo documentação existente. Em 19 de maio de 1804 venderam a José Rodrigues de Oliveira (apelidado José Leal) e sua mulher, Isabel Cardoso, a propriedade denominada (Bromado), correspondente ao atual Bairro do Brumado e Bairro dos Leais. A escritura foi lavrada no livro nove, folha 49, do 1º Tabelião de Moji Mirim. (CUNHA, s/d, p.5).

Através dos dados apresentados possibilitou-se uma análise prévia do pequeno povoado de Serra Negra e seu entorno. O núcleo da futura cidade era formado pela capela em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e por algumas casas ao seu redor; indica-se, outrossim, que o número de moradores era ínfimo, que a área rural contava com maior número de habitantes32 e que, além da agricultura de subsistência, havia na região plantação de cana-de-açúcar. Se na Petição dos Povos foram colhidas 200 assinaturas, pressupõe-se que parte dos cidadãos eram proprietários de terras, possuíam famílias e agregados e que esses habitavam toda a área rural da Capela Curada de Serra Negra. Não foi possível dimensionar cada propriedade, mas admite-se que nesse período é que se iniciou a formação dos bairros. Segundo Antonio Cândido:

O bairro, com efeito, podia ser iniciado por determinada família, que ocupava a terra e estabelecia as bases de sua exploração e povoamento. Com o tempo, conforme tendência visível em todo o povoamento de São Paulo, antes da imigração estrangeira, atraía parentes, ou filhos casados que se estabeleciam, bem como os genros, etc. Ao fundamento territorial, juntava-se o vínculo da solidariedade de parentesco, fortalecendo a unidade do bairro e desenvolvendo a sua consciência própria. (CÂNDIDO, 2003, p.101)

De acordo com Cândido (2003), várias denominações de bairros levavam o nome dos primeiros proprietários. Em Serra Negra isso também ocorreu, razão pela qual existem os

31 A denominação do Bairro encontra-se grafada como “Leaes” e “Leais”. 32 O primeiro censo encontrado data de 1872; Serra Negra possuía 4.980 habitantes, sendo 224, na condição de escravos.

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bairros “da Ramalhada” (família Ramalho), “dos Costas”, “dos Cunhas”, “dos Leaes”, “dos Rodrigues” e “dos Francos”. Mesmo sendo grandes propriedades com poucas famílias, as relações de vizinhança eram mantidas, especialmente no período eleitoral e nas festas religiosas. Demoraria mais treze anos para a Capela Curada ser elevada à categoria de Freguesia, o que ocorreu em 12 de março de 1841, através da Lei nº 173.

Rafael Tobias de Aguiar, Presidente da Província de São Paulo etc. Faço saber a todos os seus habitantes, que a Assembléia Legislativa Provincial decretou, e eu sanccionei a Lei seguinte: Artigo 1º - Ficam erectas em freguezia as capellas curadas do Campo Largo do município da villa de Coritiba e da Serra Negra do município da villa de Mogy Mirim, o presidente da província lhes marcará os limites. Artigo 2º - Ficam revogadas as disposições em contrário. (CALDEIRA, 1935, p. 57).

A condição de Freguesia proporcionou um novo status ao povoado, inclusive em relação às funções político-administrativa, judicial, fazendária e fiscalizadora. Regulamentou-se o cargo de Juiz de Paz, entre cujas atribuições estava a de coordenar as eleições. No livro Ata de Registros de Eleições, com termo de abertura de 7 de setembro de 184233, encontrou-se o documento mais antigo sobre a atuação dos Juízes de Paz em Serra Negra. Tal cargo instituiu-se através do Regulamento das Câmaras Municipais do Império, de 01 de outubro de 1828, que no artigo 88 cita as atribuições dos juízes de Paz 34:

Os juízes de paz são os privativos para julgarem as multas por contravenção ás posturas das câmaras a requerimento dos procuradores dellas, ou das partes interessadas: e no processo seguirão o disposto nas leis, que regulem suas atribuições.

A atuação do Juiz de Paz se restringia ao município ou distrito. Era eleito em suas comunidades, aplicava e supervisionava o estabelecido no Código de Posturas e julgava pequenas demandas nas áreas criminal e cível. A pesquisa realizada por Telarolli (1981) mostra que Os juízes de paz foram as autoridades do poder judiciário que mais contato tiveram com os aspectos da vida local e mais influência exerceram sobre sua vida política, já que cada distrito de paz, menor circunscrição territorial do Estado, era servida por três deles. Eram escolhidos mediante eleições diretas, em número de 3 para cada distrito, com mandato por 3 anos, cada um deles servindo por um ano na ordem da votação obtida. (TELAROLLI, 1981, p. 181)

33 Ata de Eleições – ano 1842. Arquivo Câmara Municipal de Serra Negra. Tombo 149. 34 Regimento das Câmaras Municipais do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1857.

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No âmbito criminal sua função era de reunir provas, interrogar os suspeitos e encaminhar o feito ao seu superior hierárquico. Também dentre suas competências estava a de prevenir e destruir qualquer agrupamento de escravos fugitivos, como os quilombos35. Em Serra Negra, o Juiz de Paz atuou em várias circunstâncias sempre seguindo as determinações legais. O eleito trabalhava em processos da área criminal. No acervo do judiciário serrano consta um processo criminal de 1845, cujos autos relatam que um homem foi assassinado a facadas por seu cunhado e coube ao Juiz de Paz suplente, o Sr. João Rodrigues de Freitas, dar andamento à primeira fase do processo. Determinou-se a lavratura do auto de corpo de delito do cadáver e a oitiva de testemunhas. Como se tratava de um crime hediondo, a jurisdição foi encerrada e encaminharam-se os autos para o Termo de Mogi Mirim, cessando a atuação do Juiz de Paz serrano. Através da lei de nº 651 de 24 de março de 1859, sancionada pelo Presidente da Província José Joaquim Fernandes Torres, Serra Negra elevou-se à categoria de Vila e, com as novas atribuições, os habitantes incumbiram-se da construção da Cadeia e da Casa de Câmara36. Somente em 1885, Serra Negra passou à condição de cidade, quando o Presidente da Província José Luiz de Almeida Couto sancionou a Lei de nº 113. Através do Decreto 114 de 30 de dezembro de 189037, criou-se a comarca. O Governo do Estado attendendo as representações que lhe dirigiram a intendência municipal de Serra Negra e muitos moradores do termo do mesmo nome, a respeito da necessidade de ser creada nelle uma comarca, e considerando serem procedentes os fundamentos daquellas representações; Decreta: Artigo 1.º - Fica creado a comarca de Serra Negra constituída pelo termo do mesmo nome que se desliga da comarca de Amparo, com as divisas actuaes. Artigo 2.º - A sede da comarca será a cidade de Serra Negra. Artigo 3.º - Revogam-se as disposições em contrario. O secretario do Governo o faça publicar Palácio do Governo do Estado de São Paulo, 30 de dezembro de 1890. JORGE TIBIRIÇA

35 Flort (1986) e Telarolli (1981) discutem em suas obras as atribuições dos Juízes de Paz nos pequenos povoados, inclusive analisam as denúncias de corrupção praticadas por eles, o despreparo jurídico e o vínculo com as lideranças políticas locais. As atribuições foram se alternando ao longo dos anos e, com a Lei 2222/1927 criou-se o cargo de Juiz Substituto. Com a reforma o Juiz de Paz passou a exercer sua função somente junto aos Cartórios de Registro Civil, oficializando casamentos. Interessante destacar a peça teatral O Juiz de Paz na Roça (1842), em que o autor Martins Pena descreve de forma jocosa alguns acontecimentos envolvendo um Juiz de Paz. 36 Segundo Siqueira (1934, p.127) a primeira cadeia foi construída no local em que atualmente localiza-se a agência do Banco Itaú S/A. 37 Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Departamento de Documentação e Informação. www.alesp.org.br – acesso em 02/02/2014.

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Entre 1859 e 1890, Serra Negra, na condição de Vila, passou por várias transformações e, através da análise dos Códigos de Posturas, constatou-se algumas mudanças ocorridas, além da substituição da mão de obra escrava pelo trabalho dos imigrantes. As Posturas designam as leis ou os decretos municipais, instituídos em benefício de uma coletividade, nos quais, ao lado das normas de conduta a serem seguidas pelos munícipes, fixam-se penas e multas a serem impostas a todos os que se mostrem transgressores ou infratores dos preceitos nelas instituídos38. Lapa (2008, p.54) aponta que “as posturas municipais constituem fonte primária fundamental para o estudo da urbanização do interior de São Paulo, identificando-se na maioria de suas disposições independentemente do tamanho da cidade”, acrescentando ainda a importância desses documentos como instrumentos reguladores da vida urbana, e afirma ainda que eles foram produzidos e alterados de acordo com a evolução e transformação da cidade. Foram encontrados quatro Códigos de Posturas de Serra Negra, sendo o mais antigo de 1875, com aditamento de 03/06/1877, seguindo-se o de 1886, com alterações de alguns artigos conforme resolução de 22/08/1888. Regulamentou-se o de 1905, em 18 de novembro, através da Lei nº 51 e, em 1919 encontrou-se o último Código de Posturas. Ressalte-se que em ata lavrada em 01 de fevereiro de 1896 constam alterações de alguns artigos referentes às Posturas regularizadas através da Lei de nº 14 de 14 de novembro de 1885, porém, não se encontraram mais informações sobre as Posturas de 188539. Considerando os quatro Códigos mencionados, é possível constatar que nos intervalos desses anos ocorreram mudanças significativas, e que houve a necessidade de alterações e reformulações dos artigos presentes nos sobreditos códigos. O Código de Posturas de 1875 é composto de oito capítulos com 91 artigos. O primeiro capítulo referia-se ao “Alinhamento, Elegância e Regularidade dos Edifícios”, deliberando de forma detalhada sobre as larguras das Ruas, as metragens das casas térreas e sobrados, incluindo os diâmetros das portas e janelas.

Art. 1º. As Ruas e travessas novas que para o futuro se formarem nesta Villa, conterão a largura de 13m, 20.

38 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 2001. 39 Ata da Câmara. Acervo Câmara Municipal de Serra Negra tombo nº 91.

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Art. 2º As portas dos prédios será construído ou reedificado sem assistência do fiscal e arruador, para darem o alinhamento competente e fazerem guardar a symetria, elegância e regularidade de que mencionão os parágrafos seguintes. § 1.º As casas, sendo térreas, deverão ter pelo menos 4m, 40 de altura, e as de sobrado, 7m, 92 para cima, sendo as soleiras levantadas do nivelamento da Rua 22 centímetros. § 2.º As portas dos prédios que se edificarem ou reconstruírem terão de altura duas terças de seus pés direitos, e de largura 1m, 10. As Janellas guardarão para com as portas, em altura a mesma proporção que estas guardão para com os pés direitos (dous terços), sendo, porém, os espelhos inferiores de quatro palmos de altura, inclusive o peitoril, tendo de largura 1m, 10.40

As construções eram sempre supervisionadas por um fiscal e pelo arruador. Segundo Lapa (2008), tratava-se de um profissional contratado pela Câmara cuja especialidade voltava-se para construção, podendo ser engenheiro ou mestre de obras41. O capítulo II tratava da comodidade e segurança pública, normatizando tudo o que se relaciona às ruas da cidade, como a proibição de lançar quaisquer imundices, “fazer estrumentos ou lançar cousas corruptas”. Também estabeleceu regras para a criação de animais domésticos, definindo as áreas com cercado e mediante pagamento de impostos destinados às obras da Igreja Nossa Senhora do Rosário. Ainda nesses capítulos, estipulam-se regras de convivência entre os vizinhos, com as divisões dos quintais e pastos. Nas Posturas abordaram-se outros pontos sobre os espaços públicos, proibindo corridas com cavalos, soltar buscapés e tiros; a estes dois últimos a permissão era dada somente nas festas de Santo Antonio, São João e São Pedro. As formas de divertimento seguiam regras: além das festas religiosas permitiam- se apresentações de cavalhadas e cavalinhos, teatros e espetáculos dentro da moral pública e as “congadas que fazem os pretos pelo Natal”. A instalação de fábricas de fogos de artifícios com pólvora e espetáculos de touros só poderiam ocorrer nos arredores da cidade. No Capítulo III regulamentou-se a abertura e manutenção das vias públicas, estradas municipais e caminhos. Os cidadãos moradores das áreas urbana e rural eram convocados para executarem as referidas tarefas. Cada morador ou proprietário obrigava-se a prestar serviços, que consistiam no fornecimento de mão de obra, sendo que dois terços dos homens de cada casa eram convocados, incluindo os escravos. A empreitada consistia em

40 Código de Posturas disponível no site da Assembleia Legislativa de São Paulo. www.al.sp.gov.br/alesp/normas. Acesso em 17/02/2014. 41 No Código de Posturas de 1886, a função do arruador é mais bem definida, disposto no Capítulo XI, que dispõe sobre os empregados da Câmara.

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abrir ou manter um determinado trajeto e, para executar os trabalhos, designavam-se aqueles que eram proprietários ou moravam no local beneficiado. Supervisionava o serviço um inspetor previamente nomeado pela Câmara Municipal, que controlava a assiduidade e horário dos “colaboradores”. Caso houvesse algum problema aplicavam-se multas previamente definidas nas Posturas. Com o término dos serviços no respectivo trajeto, findava-se a convocação dos envolvidos nas tarefas42. Havia também a preocupação com a preservação dos mananciais de água, proibindo-se a pesca que utilizasse venenos e cercos e/ou que comprometessem a saúde pública.

CAPÍTULO IV Dos Rios Art.45. É prohibido cercar águas que passão nos terrenos da Villa. É igualmente prohibida a pescaria por meio de parys, cercos, timbós e outros ardis, ou por venenos que possão prejudicar a saúde pública. O contraventor será multado em 20$000 e obrigado a repor as águas em seu primitivo estado. Art. 46. É prohibido lavarem-se roupas ou quaesquer outros objectos sujos, acima das bicas de águas desta Villa, bem como lançar objectos sujos que prejudiquem a limpeza e saúde pública; multa de 30$000 ao contraventor, além da obrigação de fazer a limpeza das águas a sua custa.

Tratou-se da agricultura, no Capítulo V, com um único artigo proibindo a queima de roçados sem o aviso prévio aos confrontantes e respeitando as delimitações dos terrenos. Regulamentou-se também o comércio, no Capítulo VI, determinando os valores das licenças de funcionamento, de acordo com o tipo de produto, a inspeção sobre pesos e medidas e adulteração dos alimentos. Havia itens específicos para a comercialização do café, cultivo e plantação de fumo, e a fabricação e venda de aguardente.

42 A supervisão era rigorosa e as multas eram aplicadas corriqueiramente, porém havia a possibilidade de recorrer da punição. Foi o que fez o cidadão José Vieira de Carvalho. No dia em que foi convocado para a abertura de um caminho no Bairro do Barrocão, José não pode ir. Justificando o ocorrido ele apresentou um requerimento na seção da Câmara Municipal de Serra Negra, realizada em 05 de maio de 1895, solicitando a reconsideração da aplicação da multa de 10 mil réis, narrando que a sua ausência foi suprida com a ida de outra pessoa, mas o inspetor recusou a substituição. Como apresentou testemunhas o requerimento foi deferido e a multa suspensa. Ata da Câmara Municipal de Serra Negra, Tombo nº 03. ACM 03. Durante muitos anos a manutenção das vias públicas e caminhos foi regulamentada pelas Posturas Municipais. Quando o poder público assumiu a responsabilidade alguns problemas surgiram. Dentre eles estava a cobrança de taxas e impostos sem a contrapartida da execução de melhoramentos das estradas municipais que serviam a área rural. Em abril de 1950, apresentou-se um requerimento na Câmara Municipal, contestando o valor exorbitante das taxas cobradas na década de 1940, argumentando ainda que a Prefeitura não efetuara nenhum melhoramento nas estradas rurais e que “não se admite taxa de conservação de estradas municipais, quando é certo, certíssimo, que a Prefeitura não conservou qualquer estrada municipal no exercício de 1949”. O pedido solicitava a dispensa do pagamento da taxa de conservação referente ao ano de 1949 e a redução do valor desse imposto. O requerimento contou com assinatura de 95 proprietários, representantes de todos os bairros rurais do município de Serra Negra.

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O Capítulo VII destinou-se à segurança e à tranquilidade pública, incluindo a proibição de jogos de azar, a prática de esmolas e, de forma sucinta, havia a preocupação com epidemias como a bexiga, em que os doentes eram obrigados a deixar a cidade. Destarte, obrigou-se a população a comparecer às campanhas de vacinação. O último capítulo tratou das disposições gerais, referindo-se o art. 90 especificamente aos escravos, porém o art. 58 também aludia aos cativos. É importante frisar que qualquer descumprimento dos artigos constantes do Código de Postura penalizava-se com multas.

Art.58 – É prohibido negociar com escravos, sem bilhete de seu senhor; multa de 20$000 ao contraventor e 15 dias de prisão.

Art. 90.- Todo escravo fugido que for capturado dentro deste Município e fechado na Cadêa desta Villa, o senhor do escravo ou pessoa que apresentar documentos competentes do senhorio, pagará, sendo habitante do Município desta Villa, 12$000 ao Fiscal; sendo o escravo de outro Município, pagará 30$000; dessa quantia o Fiscal tirará no primeiro caso, 4$000, e no segundo, 6$000 para a Câmara, pagas as despesas da somma entregará ao apprehendor do escravo a titulo de gratificação, pagas as despezas de carceragem e sustento do preso, e seu curativo se tiver adoecido, pelo senhor do escravo, sem o que não lhe será entregue.

Em maio de 1875 ocorreu um aditamento ao Código de Posturas sobredito, acrescentado alguns artigos estipulando multas e impostos de patentes e licenças. Nesse período, segundo os dados apresentados no Almanak da Província de São Paulo para 187343, Serra Negra já estava direcionando sua produção agrícola para a produção do café, pois suas terras “são muito apropriadas para á cultura do café, pelo que é ella geralmente adoptada por seus habitantes”. Registraram-se 97 fazendeiros, sendo 86 com atividades direcionadas à cafeicultura e 11 desenvolvendo o plantio de cana-de-açúcar44. Embora com um perímetro urbano pequeno, a cidade se expandia e constituíram- se novos estabelecimentos, tanto que, através da Resolução nº 19 de 16 de março de 1876 regulamentou-se o Mercado da Vila de Serra Negra, estipulando o horário de funcionamento, alugueres, tipo de produto a ser comercializado, multas e atribuições do administrador.

43 ALMANAK DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO para 1873, organizado e publicado por Antonio José Baptista de Luné e Paulo Delfino da Fonseca. Edição Fac-Similar. Imprensa Oficial do Estado S. A. São Paulo, 1985. (425/427). 44 Apêndice 2 – Quadro de Fazendeiros de Café e Fazendeiros de Cana-de-Açúcar.

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ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS / ARTES/ INDÚSTRIAS E OFÍCIOS

Quantidade Tipos 03 Negociantes de Fazendas 04 Negociantes de Fazendas e Molhados 06 Negociantes de Molhados 01 Alfaiates 06 Carpinteiros 02 Ferreiros 01 Marceneiros 01 Sapateiro

Quadro nº 01. Estabelecimentos Comerciais. Serra Negra, período de 1873. Fonte: Dados do Almanak da Província de São Paulo. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Siqueira (1934) descreveu o perímetro urbano em 1875 e a necessidade de ampliação; para tanto, a Câmara resolveu abrir mais uma rua, porém o proprietário de um terreno por onde a mesma passaria recusou-se a cedê-lo e, segundo depoimento colhido de uma testemunha do fato, o Capitão Francisco Pinto da Cunha45, abriu-se a Rua da Várzea mesmo sem a autorização do proprietário.

Numa bella manhã, aqui aportava, chefiando um decidido grupo de filhos do pitoresco povoado, Salvador de Almeida. Reuni-se a alguns serranos. E, a golpes de foice, abriu a Rua que hoje se chama cel. Pedro Penteado. Estava dessa maneira, summariamente resolvida a questão que tanto preoccupou os velhos edis desta cidade. (SIQUEIRA, 1934, p. 129)46

Ainda segundo Siqueira, Serra Negra possuía na década de 1870, 4.750 habitantes, sendo 224 escravos; o único edifício era o da Matriz e contava com 85 fogos e duas escolas, sendo sua delimitação:

[...] Rua Visconde do Rio Branco chamava-se Rua de Santa Cruz; a José Bonifácio, Rua das Flores; a Saldanha Marinho, travessa do tanquinho; a Prudente de Moraes (anteriormente Luis Leite), Rua Direita; a Tiradentes, Rua de Santo Antonio ou Rua da Ponte. A Rua 7 de Setembro, que nessa época não possua a extensão actual, chamava-se Rua do Commercio. Havia também o largo de São Benedito, actual praça da Independência47, e o largo da Matriz, que hoje se chama Praça Lourenço Franco de Oliveira. (SIQUEIRA, 1934, p. 128/129).

45 Capitão Francisco Pinto da Cunha, conhecido como Chico Ramos, chefe político local, cujos seguidores eram conhecidos como “ramistas”. 46 A princípio a rua foi designada como Rua da Várzea, pois se localizava no Bairro da Várzea; em 1887 passou a chamar-se Rua da Liberdade e, finalmente, no período republicano denominou-se Rua Cel. Pedro Penteado, nome que perdura até a atualidade, sendo a principal rua do comércio da cidade de Serra Negra. 47 Atualmente: Praça Barão do Rio Branco

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Ilustração nº 02 - Panorama de Serra Negra, 1908- Apresentando a área urbana da cidade, com as duas Ruas principais: Rua Cel. Pedro Penteado (abaixo) e Rua Sete de Setembro, com alguns sobrados. Cedida por Alcebíades Felix. Acervo da pesquisadora.

As posturas regulavam a convivência de moradores e atividades nesse núcleo central, sendo somente alguns de seus artigos específicos destinados à zona de arrabalde. Nesse aspecto, Lapa enfatiza que:

[...] a linha que delimita a área considerada urbana pela distribuição de edificações e o traçado de vias e praças era chamada quadro. Essa era a área compreendida pelo conjunto de preceitos municipais, geralmente codificados, representados pelas posturas que normatizavam a ordem pública a ser cumprida pelos munícipes [...] (LAPA, 2008, p.54)

Os divertimentos também estavam presentes nas posturas, com suas proibições e permissões, conforme os artigos editados na resolução 69 de 1875:

Art. 32 – É prohibida dentro da Villa a dansa de batuque e cateretês48, em geral todo o ajuntamento com algazarras e vozerias que possão incommodar o socego publico; multa de 20$000 ao dono da casa e 2$000 por pessoa que formar o ajuntamento, quer que seja feito dentro de casa, quintal, Ruas dos pateos, além de serem desfeitos os mesmos ajuntamentos. Se, porém, este for feito por escravos, serão recolhidos à Cadêa, e, depois de paga a multa pelos senhores, serão postos em liberdade. Art. 33 – São permitidas as congadas que fazem os pretos pelo Natal, as quaes não devem exceder as horas de recolhida, e quando exceção, serão dispersas, e no caso de desobediência, serão recolhidos a Cadêa os contraventores por 24 horas.

48 Manifestações culturais de negros e indígenas.

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Em 07 de junho de 1886, aprovou-se o novo Código de Posturas serrano pela Província de São Paulo, este mais elaborado e ampliado que o anterior. Compunha-se de 14 capítulos e 230 artigos, além das recomendações da postura de 1875. Os acréscimos demonstram que a cidade estava sob nova configuração, com capítulos específicos sobre o uso e manutenção do matadouro público e do mercado municipal. A iluminação pública também ganhou destaque, sendo que no artigo 189 recomendou-se que deveria “começar às seis horas da tarde no inverno, e às sete no verão, conservando-se os lampeões accesos até as duas horas da manhã seguinte”. A nova Postura tratou, sobremaneira, da estrutura administrativa da cidade. Em seu Capítulo XI relacionaram-se os cargos referentes aos empregados da Câmara, como: secretário, fiscal, procurador, porteiro e arruador. Entre os artigos 205 a 214 discriminaram-se os deveres, as punições e as gratificações dos funcionários. Outro capítulo que chamou a atenção é o de número XII, que diz respeito aos valores dos impostos, em cujos artigos incluíram-se os impostos sobre serviços, oficinas e profissões como os advogados, que deveriam pagar a taxa anual de 15$000, quando domiciliados na cidade, e 30$000, os vindos de outros lugares para exercerem suas atividades. A nova configuração da cidade também pode ser exemplificada pelo aumento e diversidade dos estabelecimentos comerciais, bem como o salto significativo em relação à sua população, que quase dobrou. Comparando-se ao levantamento datado de 1872, a população, que era estimada em 4.980 habitantes, chegou, em 1886, a 9.620 habitantes A cidade contava com quatro edifícios: a Igreja Matriz e a Igreja de São Benedito, a Casa de Câmara e Cadeia, um pequeno teatro, além das casas térreas e três sobrados49. Nesse mesmo ano de 1886, o café tornara-se o principal produto da lavoura, cuja produção média anual era de 3.000.000 de quilogramas, seguido da cana-de-açúcar, com a produção de 21 mil litros de aguardente50. Serra Negra nesse período começava a vivenciar uma vida urbana mais bem estruturada, apesar da maioria da população concentrar-se na área rural. Implantaram-se muitos estabelecimentos comerciais na cidade, a fim de atender às necessidades da população.

49 RELATÓRIO apresentado ao Exmo. Sr. Presidente da Província de São Paulo pela Comissão Central de Estatísticas, Leroy King Bookwalter, São Paulo: Tipografia King, 1888 50 Idem Relatório de 1888.

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ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS/FÁBRICAS

Quantidade Tipos 05 Fábricas de açúcar e aguardente 03 Máquinas de beneficiar café 02 Lojas de fazendas, ferragens e armarinho 04 Armazéns de secos e molhados 03 Farmácias 02 Hotéis 02 Açougues 06 Padarias 02 Sapatarias 02 Selarias 04 Ferrarias 03 Marcenarias 03 Foguetarias 02 Casas de bilhar 03 Olarias 01 Fábrica de cerveja

Quadro nº 2. Estabelecimentos Comerciais. Serra Negra, período de 1886. Fonte: Dados do Relatório Provincial de 1888. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Além da população de homens livres, em dez anos também aumentou consideravelmente a população escrava. No Código de Posturas de 1886, a questão referente à escravidão apresenta mais artigos em relação às posturas de 1875.

ANO POPULAÇÃO Livres Escravos 1872 4.756 224 1886 9.148 472

Quadro nº 3. População de Escravos, período de 1872 e 1886. Fonte: Dados contidos na obra São Paulo dados Demográficos 1836-1920. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Entre os artigos relacionados aos escravos estão:

Art. 49 – Os donos de casas de jogos lícitos que consentirem nellas jogar escravos ou filhos de famílias sem consentimento de seus pais ou tutores, incorrerão na multa de 20$000. Art. 53 – É prohibido andarem com escravos com ferro ao pescoço ou nos pés pelas Ruas da cidade. O senhor que assim for encontrado será multado em 20$000, salvo o escravo estiver fugido. Art. 54 – É prohibido passarem com escravos amarrados ou algemados pelas Ruas da cidade, a não ser conduzido pela polícia. O infractor será multado em 20$000.

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Art. 65 – Ninguém poderá comprar à escravos café, assucar, aguardente ou qualquer cousa de valor, sem bilhete dos respectivos senhores ou administradores, sob pena de multa de 30$000 e oito dias de prisão. Art. 66 - Nenhum negociante permittirá em sua casa ajuntamento de escravo por mais tempo do que o necessário para comprar ou vender, sob pena de multa de 10$000.

Os referidos artigos permitem algumas observações, como que a aplicação de castigos aos escravos era de conhecimento de todos, tendo como ressalva que a parte desumana não deveria ser explicitada, como andar pelas ruas com ferros ao pescoço ou nos pés. O cativo não era merecedor de confiança, pois as mercadorias em seu poder, a princípio, poderiam ser roubadas. Maria Odila Leite da Silva Dias (1995), analisando a condição feminina em São Paulo no século XIX, levantou dados que permitem afirmar que eram comuns denúncias sobre a prática de pequeno comércio realizado por escravos e libertos, sendo que

[...] com a eventual conivência de proprietários brancos de pequenas vendas, tabernas, ranchos, que a lei procurava reprimir, pressupondo não somente a venda clandestina, que era fato generalizado, mas a agravante (conforme reiteravam as denúncias) de se tratar de um comércio de objetos roubados. (DIAS, 1995, p. 159)

Por outro lado, o ponto comercial não poderia ser encarado como um espaço de lazer para os cativos, mas nem sempre as normas eram cumpridas a rigor, como aponta Lapa, para Campinas:

Como temos visto, a frequência e participação no comércio era objeto de diversas normas. Assim, as tabernas, botequins e armazéns eram locais que muitos escravos elegiam para seus contatos e desrespeitos àquelas normas. Só eram consentidos quando se dirigiam para esses estabelecimentos com a finalidade de fazer compra, não podendo demorar mais que o tempo necessário para tal ato. (LAPA, 2008, p.290).

No entanto, são poucos e raros os dados encontrados sobre os escravos que residiram em Serra Negra para além dos números de habitantes já mencionados: em 1872, 224 escravos e em 1886, 472 indivíduos; nos Dados Demográficos realizados pelo Nepo/Unicamp, registra-se que, dos 472 escravos, 268 eram homens e 204 eram mulheres. Outra informação do referido levantamento diz respeito aos filhos livres das escravas matriculadas e averbadas até 30 de junho de 1886. Com a promulgação da Lei do Ventre

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Livre, em 1871, 172 pessoas foram beneficiadas em Serra Negra, mas os novos libertos permaneceram residindo nas terras dos proprietários de suas respectivas mães51. Corrobora ainda para a lacuna existente a posição de alguns autores que trataram a questão escravocrata em Serra Negra de maneira superficial e com informações imprecisas, como salientou Siqueira (1934, p. 131), “mas, sobre a repercussão da Lei Áurea nesta localidade, nenhum documento importante encontramos. A esse respeito, também a tradição oral bem pouca guarda. E esse pouco é confuso, contradictorio”. Têm-se também as afirmações encontradas nas obras de Caldeira (1935) e Felix (2012), as quais simplesmente enaltecem os cidadãos serranos pela atitude nobre ante o sistema escravocrata, sem nenhuma menção às fontes pesquisadas ou quaisquer questionamentos52.

Em sua maioria, os nossos agricultores sentiam aversão pela escravatura, sendo constantes os casos de libertação espontânea dos escravos por parte dos respectivos senhores, muito antes, mesmo, de aparecerem os primeiros rumores prenunciando a campanha de que resultou a lei de 13 de maio de 1888 (CALDEIRA, 1935, p. 62)

Fato digno de registro é que muito antes da campanha que resultou na lei de 13 de maio de 1888, Serra Negra não registrava nenhum escravo. (FELIX, 2012, p. 24)

Nesse primeiro momento da história da cidade de Serra Negra, desde a sua fundação até a transição da mão de obra escrava para a livre, encontram-se pouquíssimos dados sobre o aspecto musical. No entanto, lembrem-se as proibições registradas nos códigos de posturas que não permitiam que houvesse danças de batuques e cateretês, toques de viola e outros divertimentos semelhantes, permitindo-se congadas somente no Natal. Nas Posturas dos anos de 1905 e 1919, após a Lei Áurea, estranhamente tratou-se o tema.

Art. 82 Só serão permittidas as congadas nos dias de festa e mediante autorisação do delegado de polícia, e isto só depois de satisfeito o imposto de 20$000. § único. São prohibidos: os sambas, batuques, funcçoes, danças de São Gonçalo e outras congêneres, sob pena de multa de 20$000. (Posturas de 1905)

51 São Paulo do Passado. Dados demográficos 1836 -1920. Um instrumental de trabalho (p. 92 e 97) www.nepo.unicamp.br/publicacoes/versos.html, acesso em 20/03/2014. 52 Será necessária uma pesquisa mais aprofundada do tema e uma das possíveis fontes é o acervo do judiciário serrano, que poderá contribuir para uma análise criteriosa da escravidão serrana, contrapondo as citações mencionadas, que se baseiam no senso comum. O acervo do judiciário da Comarca de Serra Negra contém ações que envolveram escravos e seus proprietários, são feitos de natureza cível e criminal e abrangem as décadas de 1870 e 1880.

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Art. 93 – É expressamente prohibido sob pena de multa de 20$000: 17 º - Promover sambas, batuques e funcçoes dentro do perímetro urbano da cidade e povoações. Os bailes públicos cobrando entradas e os sambas e congadas por occasiões de festas, são permitidos depois de pagos os impostos devidos e licenciado o empresário ou responsável pela autoridade policial. (Posturas de 1919)

Todos os artigos e multas com certeza não evitaram manifestações que envolvessem os escravos e seus descendentes, pois, mesmo de forma distante, elas permaneceram nas lembranças de algumas pessoas, como a narrada pelo músico Silvio Bertolini, que, relembrando sua infância, contou o que, por volta de 1933, ele ouvia em sua casa, no bairro rural das Três Barras:

No lado oposto do vale, em uma choupana, moravam uns remanescentes dos escravos que diariamente faziam seu batuque e cantos saudosistas, como um clamor que juntava as saudades e as lamentações próprias desse povo. As pancadas surdas de seus bumbos e atabaques ainda soam nos meus ouvidos como algo presente (BERTOLINI, 2009, p. 62).

Outro registro interessante é o de 25 de janeiro de 1896, quando uma corporação musical executou o Hino Nacional em uma seção extraordinária na Câmara Municipal, convocada para a inauguração de uma galeria de retratos, e contou também com a presença das autoridades locais e público em geral. Nesse evento os homenageados foram: o Marechal Floriano Peixoto, o Presidente da República, Prudente José de Moraes Barros, e o Presidente do Estado, Bernardino José de Campos.

Ilustração nº 03 - Trecho da Ata da Seção da Câmara Municipal de 25/01/1896. Fonte: Acervo da Câmara Municipal.

Não se encontraram mais informações sobre essa Banda de Música. Possivelmente era formada por artistas serranos, pois a presença de alguns músicos ficou registrada no cenário musical da cidade nas primeiras décadas do século XX, como a do músico e maestro Cezarino Teixeira de Barros, que também exercia o cargo de escrivão do

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Juizado de Paz da Comarca de Serra Negra; o músico, maestro e professor de música José Rodrigues da Silva Munhoz, também oficial de justiça; e o músico violinista Ariovaldo do Amaral Campos, professor de música, maestro e compositor53. Segundo Rocha (2007), Ariovaldo estudou em um conservatório na cidade de Campinas e suas obras teriam sido destruídas por sua esposa, logo após o seu falecimento.

Foto nº 2. O músico Ariovaldo do Amaral Campos, 1908. Foto realizada em estúdio. O músico aparece executando seu instrumento e regendo. Foto cedida por Maria Eloíza Patrício de Toledo. Acervo da pesquisadora.

No final do século XIX iniciou-se o processo de imigração para Serra Negra. Muitos imigrantes foram trabalhar na área rural, na cafeicultura; outros tantos se estabeleceram na cidade, desempenhando seus respectivos ofícios, principalmente os italianos, que trouxeram em suas bagagens um instrumento musical e, logo ao chegar, preocuparam-se em organizar uma sociedade de mútuo socorro e uma banda de música, como bem narra Franco Cenni.

As bandas musicais constituíram um elemento típico dos agrupamentos italianos, em qualquer latitude, nas grandes cidades ou mesmo nas fazendas perdidas em lugares longínquos. Muitos imigrantes tinham trazidos de sua terra natal, entre poucas outras coisas, um instrumento musical, uma trompa, um corno ou uma flauta, com os quais haviam acompanhados os cantos durante a interminável travessia. Nos lugares de trabalho já havia outros com um clarim ou com um

53 Esses músicos foram muito atuantes em Serra Negra, inclusive convivendo e influenciando os músicos imigrantes italianos.

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trombone, e assim ia-se formando um quinteto que, com mais alguns instrumentos adquiridos após laboriosas economias, transformava-se em uma pequena banda de 10 a 15 figuras, até que esta se completasse com tambores e pratos. Algumas, nos mais afastados rincões, nem sempre conseguiam realizar o grande sonho de se uniformizar ao menos com um bonnet, mas outras contavam com trajes completos e se compunham de grande número de músicos, quase sempre bigodudos, a soprar com energia em trombones e bombardinos. (CENNI, 1975, p.240)

Foto nº 03. Corpo Musicale “Umberto I” de Serra Negra, década de 1900. Atrás dos músicos a bandeira da banda. Ao centro, sem instrumento, o Maestro Vincenzo De Benedictis; ao seu lado direito, Alberto De Benedictis com trompete entre os joelhos; o próximo é Zacharias Quaglio, com clarineta apoiada na coxa esquerda. Fotógrafo: C Giuliano. São Paulo. Foto cedida por Guilherme Della Guardia. Acervo da pesquisadora.

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2.2 – O DESENVOLVIMENTO DE SERRA NEGRA A PARTIR DA IMIGRAÇÃO: ASPECTOS ECONÔMICOS E MUSICAIS

Depois que meu avô veio, isso foi lá em Santo Aleixo54, não foi em Serra Negra, então já era tempo de apanhar café. E meu avô tava apanhando café assim. Quando estava apanhando café, passou o feitor que ia levando comida para os escravos. Os escravos estavam trabalhando mais prá cima que meu avô. E meu avô trabalhava no tempo de escravo, mas separado. Mas ele cumprimentou meu avô. – Bom dia, Domingo, como vai? Ele ia indo lá. Sabe o que é bruaca? É uma espécie de jacá, mas é de couro. Cheio de angu. Dois cochos. Um burro levava dois cocho e o outro burro a bruaca de virado. E lá estendia aqueles cochos assim. Chamava um preto para ajudar desatar a carga. Despejava no cocho, dava um empurrão para lá e pra cá. E a negrada vinha. ...Quando foi uma certa hora, o sino da fazenda bateu. Bateu o sino! O meu avô não sabia mais o que fazer. Porque era ordem de quando o sino batesse na fazenda, para tudo se apresentar. Meu avô já tinha o meu pai. Já tinha 12 anos. – Mas, Pedro, você vai na fazenda e peça para o administrador o que que tá acontecendo? Aí o menino, daí deu três pulo e pulou lá na fazenda e foi falar com o administrador: – Ah! Diga pro seu pai, que não é nada com ele. Diga que pode trabalhar. É que agora os negros ficaram gente que nem nóis. Agora ficara gente também... Aí foi lá e falou, pro meu avô: – Ah! Pai, ele disse que não é nada com o senhor não, senhor pode trabalhar, que agora os negro ficaram gente que nem noi. – Será que fica? O menino ainda falou: - Porco cane é vero!!. Não demorou muito a gritaiada de negro. Não comeram virado aquela vez. Despejaram por aquele cafezal afora. – Temo forro, temo forro!!!. Aí meu avô ficou lá:- Mai temo forro. O que, que é esse temo forro? Temo forro. O que, que é esse temo forro?55 (Armínio Silotto, 1997, Serra Negra /SP).

2.2.1 A chegada dos imigrantes em Serra Negra

A família do Sr. Armínio Silotto chegou ao Porto de Santos em 1887, vindo de Motta Di Livenza, Treviso. Na viagem estavam seu bisavô Bartholo, com 90 anos, seus avôs Domênico e Santa Seraphina e quatro filhos, entre eles, seu pai Pedro. Uma das crianças, com quatro anos, não aguentou a viagem e faleceu durante a travessia56. A fala do Sr. Armínio

54 Santo Aleixo é um bairro rural de Serra Negra, antes denominado Bairro do Pary, onde estava localizada a fazenda de João Pires Baptista, proprietário de vários escravos, entre eles Adão e Abel, réus condenados na primeira seção de júri, no ano de 1886, na Comarca de Serra Negra. 55 A narração permite observar que o imigrante Domingos (Domênico) Silotto ficou questionando a felicidade dos escravos, parecia não entender : ... temo forro...temo forro.... (Estamos alforriados! Estamos livres!). 56 As péssimas condições de viagem são narradas por Angelo Trento (1988, p. 44/45). O autor descreve que o número de passageiros era bem superior às vagas disponíveis, vinham acomodados em beliches espalhados pelo convés e até dormiam diretamente no assoalho. A alimentação não era adequada, os imigrantes estavam sujeitos a várias doenças, sendo que a viagem poderia durar até 30 dias, todas essas condições aumentavam o índice de mortalidade, principalmente a infantil. Verena Stolke (1993, p. 44) observa que, além das condições da longa viagem, outros fatores contribuíram para o falecimento de inúmeros imigrantes, entre crianças, idosos e adultos. A autora cita o traslado entre o Porto de Santos e as fazendas, as condições climáticas e alimentares, fatores esses agravados pela miséria.

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sugere que os imigrantes que vieram juntamente com seus familiares já estavam comprometidos com um determinado fazendeiro.

O fazendeiro ia soltar a escravidão... mas o fazendeiro segurou... porque custava muito caro o escravo também, para o fazendeiro. Daí também iam se quebrar também com a fazenda. Aí seguraram mais dois anos. O meu avô veio, ainda existia a escravidão. O fazendeiro, de certo grande, comprou a imigração que estava meu avô. E ai ele tinha que fazer dois anos, depois de o fazendeiro comprar, o imigrante tinha que fazer dois anos, sem conversar.... (Armínio Silotto, 1997, Serra Negra/SP).

Nos contratos entre os imigrantes e os fazendeiros incluíam-se algumas cláusulas e, de acordo com Stolke (1993, p.43), o fazendeiro é quem financiava a viagem, inclusive os gastos dos traslados entre os portos e as fazendas, forneciam ainda a alimentação e as ferramentas de trabalho. Instalavam-se as famílias em casas individuais, nem sempre em boas condições. Também, concedia-se um pedaço de terra para realizarem pequenas plantações de subsistência. A dívida contraída deveria ser liquidada pelo imigrante e somente depois haveria a possibilidade de mudança para outro local de trabalho, na área rural ou urbana. Talvez seja esse o motivo descrito pelo Sr. Armínio pelo qual seu avô teve que permanecer por dois anos na primeira fazenda em que se estabeleceu, sem direito a nenhuma “conversa”, ou seja, sem nenhum tipo de acordo, antes de pagar a dívida. A família Silotto, assim como outros imigrantes que foram trabalhar na área rural, conviveu com os escravos nos anos que antecederam a Lei Áurea. Não foram localizados registros sobre esse convívio distanciado; a princípio parece que era pacífico, visto que encontramos a presença de dois imigrantes italianos, Domingos Zanoni e Domingos Morganti, atuando como testemunhas de defesa do escravo Casimiro, em uma Seção do Júri em 188757. Stolke (1993), que também aborda em sua pesquisa a divisão de trabalho entre escravos e imigrantes recém-chegados, afirma que as casas destinadas a abrigar as famílias imigrantes foram construídas separadamente das senzalas. O trabalho também era diferenciado: aos escravos cabia a tarefa de preparação do solo, plantação de novas mudas de café e a manutenção das culturas de subsistência que abasteciam a fazenda; aos imigrantes restavam as tarefas do cultivo e da colheita do café, geralmente no sistema de ameia. Depois de trabalhar por doze anos no sistema de ameia, a família Silotto, graças a um significativo pecúlio, conseguiu comprar um sítio no Bairro das Três Barras, em Serra

57 Referente ao processo criminal 1887 – Acervo da Comarca de Serra Negra/SP,

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Negra (70 alqueires de terra). Antes de se tornarem proprietários, os Silottos trabalharam na fazenda do José Antonio da Silveira58 por 10 anos. Narrou Sr. Armínio que o proprietário, conhecido como Juca Preto, ficou “muito sentido” com a saída deles e sugeriu que ficassem trabalhando na fazenda por mais um ano, pois no sítio que haviam comprado o antigo proprietário já realizara a colheita do café naquele ano e eles não teriam renda tão cedo59. De acordo com a pesquisa de Zuleika Alvim, os fazendeiros brasileiros preferiam contratar o grupo familiar, ao invés de trabalhadores assalariados.

Suas justificativas apoiam-se em dois argumentos: o trabalho familiar permitiria ao fazendeiro maior exploração sobre a mão-de-obra, uma vez que se pagavam salários pelas tarefas e não por indivíduos e, ainda, que as unidades familiares abrandariam a tendência de abandono do trabalho, garantindo maior estabilidade da mão-de-obra nas fazendas. (ALVIM, 1986, p. 12)

O trabalho infantil estava integrado ao trabalho familiar, pois desde cedo os filhos menores eram encarregados de pequenas tarefas, como o cuidado dos animais ou levar o almoço e o lanche até o local onde os mais velhos estivessem trabalhando60. Ainda segundo Alvim (1986, p.87), as mulheres, além dos serviços domésticos, ocupavam-se das hortas e do cuidado com animais, participavam da plantação e da colheita das diversas culturas, pois “a divisão de tarefas implicava necessariamente no trabalho de todos e garantia as necessidades básicas da família”. Vários imigrantes que eram agricultores e chegaram para trabalhar nas lavouras permaneceram nessa atividade, inclusive adquirindo suas próprias propriedades. Outros agricultores se aventuraram no ramo comercial, na área urbana, como os pais dos depoentes Oswaldo e Irineu Saragiotto, os quais eram oriundos de Padova. A família chegou ao Brasil em 1892. A princípio trabalharam em uma fazenda na cidade de Laranjal Paulista, depois se mudaram para Serra Negra, estabelecendo-se como comerciantes.

58 Segundo Ferrari (2013, p. 137) a família Silotto permaneceu por 10 anos como meeiros nas propriedades de José Antonio da Silva. 59 Membros da família Silotto ainda são proprietários, no Bairro das Três Barras, das terras remanescentes da primeira compra realizada por Domingos Silotto. Os descendentes Décio e Alfeu Silotto mantêm a tradição da feitura do vinho, inclusive a uva que utilizam é da variedade “Jacks”, cuja primeira muda Domingos trouxe da Itália, no final do século XIX. Produzem também cachaça e recebem visitantes para degustação nas dependências do Sítio São Pedro. 60 Na fala de Sr. Armínio ele apontou a presença de seu pai, Pedro, então com 12 anos, entre os trabalhadores italianos.

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Petrone (1984, p.59/61), aponta que, depois de conseguir comprar um pedaço de terra, o imigrante construía uma casa, quando não havia habitação no lote comprado; organizava em volta uma horta e um pomar; construía ainda estábulos, galinheiros e um paiol. Optava-se pela policultura, pois a ideia era ser autossuficiente. O excedente era vendido e alguns itens eram plantados com o intuito de serem comercializados. Dedicava-se a uma cultura de maior rentabilidade. O comércio dos produtos ocorria praticamente durante o ano todo, pois plantavam de acordo com as estações, oferecendo aos fregueses urbanos mandioca, milho, feijão, verduras e frutas, além de fubá, farinha de milho, vinho e cachaça. A pesquisa realizada por Della Guardia (1987) demonstra que, embora o maior fluxo de famílias italianas para a cidade de Serra Negra tenha ocorrido a partir do ano de 1887, existem indícios de imigrantes já estabelecidos por volta de 1870. Catalogou-se a chegada de 631 imigrantes italianos, suas profissões e locais de origem. Observou-se também que 425 eram lavradores, oriundos principalmente das regiões do Vêneto e da Toscana. Segundo esse pesquisador, acredita-se que Serra Negra recebeu em torno de 800 famílias. Uma das dificuldades para se obter um número exato da população estrangeira fixada na região tem relação com a movimentação desses imigrantes, pois muitos que chegaram a Serra Negra num primeiro momento não permaneceram na cidade. Alguns voltaram para Europa depois de alguns anos, outros se mudaram para diversas cidades ou ainda emigraram para Argentina, Estados Unidos e Canadá, países tidos como melhores destinos. Entretanto, não foi possível precisar o número de imigrantes que chegaram a Serra Negra de forma subsidiada. Sabe-se, porém, que nem todos eram de origem rural. Eles aproveitaram os incentivos governamentais e dos fazendeiros para conseguirem realizar a viagem, depois buscaram se estabelecer em seus ofícios de origem transferindo-se para a área urbana. Nesse aspecto, enfatiza Trento (1989, p.130) que “o mundo do trabalho urbano oferecia outras possibilidades de inserir-se, principalmente nas camadas mais baixas”. Entre os ofícios estavam os de barbeiro, sapateiro, alfaiate, marceneiro, ferreiro, pedreiro e marmorista. O levantamento de Della Guardia (1987) elenca algumas das atividades e o número de profissionais imigrantes que se estabeleceram em Serra Negra no final do século XIX e início do século XX, como demonstra o quadro a seguir:

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Alfaiates 05 Industriais 03 Artistas- músicos 04 Lavradores 255 Canteiro 01 Lavradoras 170 Carpinteiro 05 Marceneiros 04 Carroceiros 03 Médico 01 Comerciantes 25 Mecânicos 05 Construtores 05 Motoristas 04 Costureiras 03 Oleiro 01 Do lar 70 Operários 27 Eletrotécnicos 01 Pedreiros 10 Encanadores 02 Perito industrial 01 Ferreiros 03 Professoras 02 Ferroviários 02 Religiosas 04 Guarda-chuveiros 01 Relojoeiros 01 Guarda – livros 02 Sapateiros 05 Hoteleiros 03 Seleiros 02

Quadro nº 4. Imigrantes e suas profissões. Fonte: Quadro extraído do livro: Imigração Italiana em Serra Negra: 1887-1987. Della Guardia, Guilherme. Serra Negra, 1987, p.105/106.

2.2.2 – Os trilhos da Mogiana e o café

De acordo com Trento (1989, p. 108), “os municípios onde mais se fez sentir a presença dos italianos foram os situados na zona de fronteira da expansão do café, ou seja, nas áreas ao longo das ferrovias Mogiana e Paulista”. Os trilhos da Mogiana chegaram a Serra Negra no ano de 1892, vindos da cidade vizinha de Amparo61, que foi a pioneira na região a receber a ferrovia, em 1878. Os trilhos seguiram para Monte Alegre do Sul, atingindo, finalmente, em 1909, a cidade de Socorro62. Ferrari (2013, p.185) enfatiza a importância dos funcionários e operadores da Mogiana, pois, além do maquinista, do foguista63 e do vendedor de bilhetes, existiam os responsáveis pela carga, descarga e conferência das mercadorias, o telegrafista que

61 Entre Serra Negra / Amparo a extensão da linha era de 41 quilômetros e a viagem durava 2:15hs. 62 O Ramal da Mogiana de Serra Negra foi desativado no ano de 1956. O Prefeito Irineu Saragiotto apresentou um Projeto de Lei em 17 de maio de 1957, solicitando a abertura de crédito adicional com a finalidade de adquirir da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro o terreno e o respectivo prédio que abrigava a estação, tendo em vista não ter logrado êxito a tentativa de doação do imóvel para o Município. A lei foi aprovada e a área passou a pertencer à municipalidade. 63 Foguista era o responsável pela reposição da lenha e fervura da água.

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comunicava a partida de cada trem e eventuais problemas na linha e os trabalhadores que realizavam a limpeza da linha, retirando troncos de árvores, terra e pedras. A inauguração do ramal em Serra Negra foi de vital importância para o escoamento da produção do café, que aumentava anualmente. O cultivo do café, iniciado em meados de 1870, atingiu em 1886 a produção média anual de 3.000.000 de quilogramas. A princípio, a produção era transportada nos lombos de animais até o Porto de Santos, como lembrou o depoente Claudio Corsetti: ...o que salvou Serra Negra foi o trem, porque podia exportar... porque o pessoal do Juca Preto levava o café para Santos, em 25, 30 cavalos, tudo com café no lombo, dos dois lados. Então depois fundaram o trem, então Serra Negra começou a crescer, porque aqui sempre produziu muito café. E de primeiríssima qualidade. Um café diferente. (Claudio Corsetti, 2013, Serra Negra/SP)

De 1878 a 1892 conduziu-se o café para a estação da cidade de Amparo. Depois da instalação da linha ferroviária em Serra Negra, as fazendas que não foram beneficiadas por um “braço” da ferrovia (como as propriedades localizadas próximas as estações de Brumado e Santo Aleixo), continuaram transportando a produção até a cidade nos lombos dos animais e nas carroças.

Foto nº 04. Trem da Mogiana, passando pelas propriedades rurais numa manhã de inverno, com muita geada. Década de 1930. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da pesquisadora.

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A chegada da família de Sylvino de Godoy64, oriunda de Campinas, ocorreu três anos após a inauguração do ramal férreo em Serra Negra. O narrador elencou todas as pequenas estações ferroviárias em que o trem da Mogiana passou em seu trajeto, descrevendo, ainda, o seu encantamento ao ver as montanhas tomadas pelos cafezais.

Foi numa tarde pálida e morna do mês de agosto de 1895, que desembarcamos em Serra Negra, final de um ramal férreo da Mogiana, com a bitola reduzida para sessenta centímetros, a partir de Amparo. Porque éramos muitos, meus pais, cinco irmãos e minha cunhada com o seu primeiro rebento no colo, além dos criados, ocupamos todo um vagãozinho de primeira classe e, sob uma verdadeira chuva de fagulhas e fumaça escura, cheirando a carvão de pedra, sinuosamente, entre montanhas cobertas de café, alcançamos a primeira estação, Alferes Rodrigues, de onde se descortinava um panorama a perder de vista. Pudemos, então, respirar um pouco de ar puro para, logo mais, caminharmos de novo, ziguezagueando pelos verdejantes cafezais que se estendiam continuadamente, até novas paradas em mais de três pequenas estações: Pantaleão, Brumado e Santo Aleixo. Chegamos. Aliás a maquinazinha, com repetidos e estridentes apitos, disso mesmo nos avisara. Foi depois de uma grande curva da linha que vimos a pequena estação de Serra Negra, onde desembarcamos sob a curiosidade de meia dúzia de pessoas (GODOY, 1970, p.1-2).

A chegada dos imigrantes motivou tanto o aumento populacional quanto o do número de fazendeiros de café. Em 1890 Serra Negra contava com 10.649 habitantes, mais que dobrando sua população, quando comparada àquela de dezoito anos antes e um aumento considerável em 1900.

ANO POPULAÇÃO 1872 4.980 1886 9.620 1890 10.649 1900 27.683 1905 21.684 1912 22.000 1916 24.682 1920 22.960 1925 26.699 1929 31.829

Quadro nº 05. População em 1872 / 1929. Fonte: Anuário Demographico. 1925/1929. Quadro elaborado pela pesquisadora.

64 Sylvino de Godoy foi um dos sócios do jornal Correio Popular, fundado em Campinas, em 1927, por Álvaro Ribeiro.

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Para atender as necessidades do número crescente de habitantes que a cidade recebia, foi necessária a abertura de novas atividades comerciais, novos estabelecimentos de serviços, além da ampliação do lazer. A nova dinâmica da cidade se estabeleceu com rapidez, porque parte do contingente de imigrantes permaneceu na área urbana.

Quantidade Tipos 06 Alfaiates 05 Barbeiros 05 Caldeireiros e funileiros 10 Carpinteiros e marceneiros 07 Ferreiros e serralheiros 01 Fogueteiros 53 Negociantes 04 Ourives e relojoeiros 02 Sapateiros 607 Fazendeiros de Café

Quadro nº 06. Estabelecimentos Comerciais. Serra Negra, período de 1905. Fonte: Dados do Almanack Laemmert de 1906. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Os dados dos quadros acima apontam que Serra Negra, em 1905, estava com 21.684 habitantes, contava com 607 fazendeiros de café e a produção da rubiácea estava em torno de 400.000 arrobas65. O aumento dos recursos circulantes justificava os novos postos de serviços e as atividades comerciais, criados na zona urbana. A produção cafeeira influenciou mudanças também na área rural, pois, a partir do final do século XIX, implantaram-se pontos comerciais, como o instalado no Bairro dos Leaes, onde o imigrante sírio-libanês João Felix instalou sua loja de fazendas e armarinhos, como lembrou o depoente Alcebíades Felix.

Quando meu avô chegou aqui, ele se estabeleceu em Serra Negra, João Felix. Aí ele trocou a casa daqui com o Bairro dos Leaes e lá ele pôs um armazém de secos e molhados, tecidos, etc. [...] no Bairro dos Leaes, aquela casa em frente a Igreja Santo Antonio. (Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP.)

65 Almamak Laemmert, 1906.

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LOJAS DE FAZENDAS E ARMARINHOS NOS BAIRROS

Proprietário Bairro Armando Pivello Leaes Coli & Comp. Serra de Baixo Domingos Morganti Macacos Hercules Lamari Costas Humberto Nicoleti Serra de Cima Irmãos Nóbrega & Cia Santo Aleixo João Felix Leaes Luiz Martini Tabaranas Manoel Gonçalves Cerdeira Leaes Pedro Moretti Serra de Cima Sebastião Tolentino da Silva Barreiro

Quadro nº 07. Lojas de Fazendas e Armarinhos/ área rural. Serra Negra, período de 1912. Fonte: Dados mencionados no Almanack de Serra Negra, 1913. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Destarte o ciclo cafeeiro influenciou também as construções na área rural, já que, a partir do final de 1870, em algumas propriedades erigiram-se os edifícios-sedes das fazendas, conforme demonstra a pesquisa realizada por Marialice Faria Pedroso (1998)

Fazendas / Bairro Ano de construção Fazenda Campinho / Brumado 1900 Fazenda Chave Pires / Santo Aleixo 1890 Fazenda Chave Preta/ Tabaranas 1908 Fazenda Fortaleza do Rumo /Brumado 1880 Fazenda Monjolinho / Macacos 1887 Fazenda dos Pinheiros / Bairro da Serra 1900 Fazenda Santo Aleixo / Santo Aleixo 1877 Fazenda Santo Antonio / Bairro da 1870 Serra Fazenda Macaquinho / Macacos 1890

Quadro nº 08. Edifícios-sede das fazendas. Serra Negra, período de 1870-1908. Fonte: Dados levantados na pesquisa de Pedroso, Marialice Faria: Arquitetura das Fazendas de Café de Amparo, Monte Alegre do Sul e Serra Negra, 1998. Quadro elaborado pela pesquisadora

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Apesar do aumento do número de casas comerciais, alguns imigrantes que se fixaram em Serra Negra como comerciantes não conseguiram manter suas atividades. Um desses casos diz respeito aos membros da família Lamari66. Os Lamari chegaram ao Brasil em 1890, provenientes da Província de Collemandina - Lucca – Toscana. Instalados em Serra Negra, munidos de um certo capital, os irmãos Gabriel e Raphael compraram inúmeros imóveis na área urbana e montaram um armazém de secos e molhados no centro da cidade. A Sociedade Gabriel Lamari & Irmão manteve-se até o ano 1904. Em 30 de setembro de 1904 propuseram junto ao Fórum local a ação de Convocação de Credores67. Os sócios alegavam que estavam sendo afetados com a crise no comércio e não queriam prejudicar seus credores. Na época da propositura da ação, o patrimônio em mercadorias era composto por 211 itens, incluindo roupas, caçarolas, lápis, vinhos, entre outros. Na prestação de contas registraram-se 21 devedores e 37 credores, e todo o patrimônio dos irmãos foi utilizado para o pagamento da referida dívida. Apesar da primeira crise na cafeicultura, em 1906 a produção em Serra Negra continuava a crescer e, segundo os dados do Almanaque de 1913, passou para 640 mil arrobas anuais e havia

aproximadamente 8 milhões de cafeeiros em tratamento e produção, subdivididos por 620 lavradores. Destes, 11 são possuidores de mais de 100 mil, 8 de mais de 70 mil, 60 aproximadamente tem 1 a 2 mil cada um, e os restantes de 2 a 70 mil cafeeiros (Almanaque de Serra Negra, 1913, p.78).

Os estabelecimentos comerciais obtiveram, entretanto, um considerável aumento, com significativo destaque para os proprietários de origem italiana. É interessante frisar que os cargos públicos não eram ocupados por imigrantes, ficando reservados aos membros da elite local, que geralmente tinham formação acadêmica, principalmente no ramo do Direito, nos cursos frequentados na capital paulista e na cidade de Campinas.

66 A família Lamari é respeitada em Serra Negra em razão do legado musical dos irmãos, com seus respectivos instrumentos: José – flauta, Romeu – clarineta/piano, Luiz – percussão/ violino, Caetano – bombardino e Ângelo – violino e maestro da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Eles participaram ativamente da vida musical na cidade, sendo professores, instrumentistas das bandas de música e de conjuntos musicais. 67 Processo 1904 – 1º Ofício da Comarca de Serra Negra- Acervo do Judiciário.

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ESTABELECIMENTOS - SERRA NEGRA EM 1912 (Comércio/Oficinas/Fábricas/Serviços) Quantidade/nº de imigrantes Tipo/ Comércio 15 - 09 Açougues 03 - 01 Casas de armarinho 09 - 04 Botequins 02 - 01 Bilhares 07 - 05 Oficinas de alfaiates 12 - 08 Compradores de café 06 - 00 Escritórios de advocacia 02 - 03 Chapelaria 02 - 01 Confeitarias 02 - 01 Casas de calçados 04 - 03 Depósitos de cal e cimento 03 - 03 Casas de ferragens 40 - 23 Lojas de fazendas e armarinhos Quantidade/nº de imigrantes Tipo/ Oficinas 02 - 01 Oficinas de caldeirarias 11 - 09 Oficinas de sapateiro 05 - 04 Oficinas de costureiras 11 - 08 Oficinas de ferreiros Quantidade/nº de imigrantes Tipo/ Fábricas 01 - 01 Fábrica de cadeiras 01 - 01 Fábrica de carroça 14 - 14 Fábricas de vinho 03 – 03 Fábricas de cerveja 01 - 00 Torrefação de café 07 - 00 Engenhos de cana (aguardente) 09 - 06 Olarias Quantidade/nº de imigrantes Tipo/ Serviços 01 - 00 Dentista 01 - 00 Empresa fúnebre 23 - 14 Moinhos de fubá 04 - 02 Consultórios médicos 03 - 02 Professores de música 05 - 03 Máquinas de beneficiar café 05 - 00 Farmácias 02 - 00 Pensões 02 - 00 Tipografias

Quadro nº 09. Estabelecimentos Comerciais. Serra Negra, período de 1912. Fonte: Dados mencionados no Almanack de Serra Negra, 1913. Quadro elaborado pela pesquisadora.

A produção agrícola na primeira década de 1900 também estimulou o povo serrano a criar o Banco de Crédito Rural de Serra Negra68, cuja fundação ocorreu em 01 de setembro de 1907. A sociedade estava amparada no Decreto nº 434 de 1891, que regulamentava as companhias de sociedades anônimas. A aprovação dos estatutos sociais e a eleição da primeira diretoria realizaram-se na sala da Câmara Municipal, presidida pelo Juiz

68 Em 1903 inaugurou-se o primeiro Banco de Crédito Rural na cidade de Capivari, por Jacintho Pereira da Silva Barros e serviu como modelo para a instalação de demais bancos no interior do Estado de São Paulo. Segundo seu criador, os bancos rurais seriam uma espécie de caixas de crédito para prover e auxiliar a lavoura, utilizando a poupança que os lavradores traziam em suas residências e que, por falta de confiança, não depositavam nos bancos tradicionais. Ver mais: CORREA, Fabio Rogério Cassimiro. Os Bancos de Custeio Rural e o crédito agrícola em São Paulo (1906-1914). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.

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de Direito, Julio Amaro da Rosa Furtado, e o capital inicial foi de cem contos de réis, contando com 72 acionistas. De acordo com os levantamentos de Correa (2014), em sua pesquisa sobre os Bancos de Custeio Rural no Estado de São Paulo, a finalidade dessas casas bancárias era a de promover empréstimos aos pequenos e médios fazendeiros associados, sendo que o valor liberado era somente o estritamente necessário aos gastos anuais para manutenção do cafezal e à colheita, tendo a safra como garantia do penhor. O contrato entre os acionistas e o banco assegurava o financiamento por três anos, cobrindo três safras consecutivas e o valor emprestado estaria associado a uma avaliação dos custos da produção anual do solicitante. Os juros contratados eram de 6%ªª. As casas bancárias estavam vinculadas a uma Sociedade Incorporadora, fundada em 1906, cuja finalidade era a regulamentação e institucionalização dos pequenos bancos instalados no interior do Estado; estavam submetidos à fiscalização da Secretaria da Fazenda e todos seguiam o modelo do banco experimental da cidade de Capivari. Nos anos de 1907 e 1914 foram criados 48 bancos no Estado de São Paulo. O autor também chamou a atenção para a situação econômica da cidade de Serra Negra, pois a mesma assinou 22 contratos no valor médio de 2:448$864, com penhor de 15.387 arrobas de café, no dia 19 de setembro de 1909, poucos dias após o registro oficial do funcionamento do Banco Rural de Serra Negra, apontando que toda a documentação para a abertura do banco estava em ordem. Destinaram-se os empréstimos aos pequenos e médios produtores, cumprindo a finalidade da entidade financeira. As transações continuaram até 2 de janeiro de 1914, quando a Sociedade Incorporadora teve sua falência declarada em decorrência da insolvência de vários comissários de café de Santos com a Incorporadora, segundo os levantamentos de Correa (2014). Considerou-se uma transação ilegal, pois os empréstimos, a princípio, não eram destinados a terceiros. A quebra da Incorporadora atingiu todas as Casas de Crédito Rural do Estado de São Paulo, inclusive a de Serra Negra, que, em abril de 1914, obrigou-se a ajuizar o pedido de falência. A ação tramitou até abril de 1918, quando ocorreu o último rateio dos créditos devidos. A produtividade do café, a variedade de culturas agrícolas e o aumento da população no Município de Serra Negra contribuíram para novos postos de trabalho e

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estabelecimentos comerciais, tanto na cidade como no campo. A nova organização da cidade exigia também novas formas de convívio social e a comunidade italiana muito contribuiu para isso.

2.2.3 – As sociedades italianas

Segundo Franco Cenni (2003, p. 299), no início do século XX fundou-se na cidade de São Paulo um grande número de sociedades, “cada qual procurando desenvolver uma ação independente. Com seus estandartes, suas bandeiras e com número variável, as sociedades italianas promoviam comemorações nas datas não apenas de festa nacional, mas também das festas tipicamente regionais”. E em Serra Negra não foi diferente, pois, no final do século XIX, surgiu na cidade a primeira configuração de uma organização italiana, Societá Italiana Di Mutuo Soccorso “Umberto I” in Serra Negra69. Conforme informação presente no estatuto, em 23 de fevereiro de 1896 convocou-se uma Assembleia Geral, ocasião em que o documento estatutário foi aprovado por unanimidade. Os membros da comissão elegeram a primeira diretoria, para os seguintes cargos: Antonio Coli - presidente, Giuseppe Adami - vice-presidente, Domênico Morganti – cassiere70 e Giovanni Paladini- segretario.

Ilustração nº 04 - Folha de Rosto do Estatuto da Societá Italiana di Muttuo Soccorso in Serra Negra.

O estatuto71 compunha-se de seis capítulos com 59 artigos que regulamentavam as atividades da entidade e as atribuições da diretoria. A formação dessa primeira sociedade ocorreu no mesmo período do início da estruturação do Corpo Musicale “Umberto I”.

69 Segundo o Statuto Della Societá Italiana Di Muttuo Soccorso “Umberto I” in Serra Negra fondada el giorno 8 dicembre 1895. Documento pertencente ao acervo da família de Luiz Roberto Invernizzi. 70 Entende-se por Cassiere o cargo de tesoureiro e o de Segretario refere-se a secretário. 71 O documento foi redigido em idioma italiano.

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É importante notar que, de acordo com Caldeira (1935, p.68), mencionou-se a data da fundação do Corpo Musicale “Umberto I” como sendo no ano de 1896; porém, “vários embaraços surgiram, de modo que a Philarmônica só pôde constituir-se definitivamente em 1898, quando realizou o seu primeiro concerto, em 15 de novembro”. Ambas as instituições homenagearam o rei “Umberto I”, da Itália. Apesar da inexistência de documentos vinculando a fundação da Sociedade e da Banda de Música, é possível deduzir que ambas tiveram a mesma origem72. A sociedade italiana73 não prosperou. A banda de música, porém, manteve-se em atividade por mais de quarenta anos. Em 21 de maio de 1903 fundou-se uma nova entidade com a designação de Societá de Mútua Assistenzia Fra Italiani74. Os estatutos contendo 61 artigos foram aprovados e elegeu-se a primeira diretoria. Entre os sócios fundadores estavam imigrantes, tanto da área urbana como da área rural. Ilustração nº 05- Símbolo da Societá

A sua identificação ficou reforçada com “as duas mãos que se apertam como símbolo da irmandade”. Em Serra Negra, foi marcante a atuação da Societá Fra Italiani em vários momentos, auxiliando, outrossim, os membros da colônia. No mesmo mês de sua fundação, por exemplo, os sócios se reuniram para discutir a questão da educação de jovens e adultos pertencentes ao contingente dos imigrantes italianos. Eles deliberaram que seria aberta uma escola noturna gratuita para os sócios e seus filhos, a qual funcionaria na residência do associado Sr. Cesare Tosi. Na assembleia resolveu-se que a Societá pagaria uma porcentagem

72 No Almanacco Del Fanfulla, publicado em 1905, constam informações de inúmeras sociedades italianas instaladas no Estado de São Paulo. Estão registrados: datas de fundação, membros das diretorias, associados, fotos das sedes e fotos de bandas de música. É possível identificar que as atividades musicais encontram espaço considerável na publicação. 73 Sobre a Societá Italiana de Mutuo Soccorso Umberto I, não foram encontrados dados sobre o seu funcionamento; o que se tem é a menção da sua extinção registrada em livro ata da Societá de Mutua Assistenza Fra Italiani, em reunião realizada em 13/07/1905. 74 Essa nova sociedade de mútua assistência permaneceu em atividade até a década de 1940.

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do aluguel do imóvel e, em troca, o Sr. Cesare ministraria as aulas em duas horas diárias e disporia de alguns cômodos da casa para essa atividade de ensino75. A preocupação com a educação dos imigrantes e seus filhos também era pertinente à família do Sr. Armínio Silotto (1997), em cujo depoimento descreveu que seu pai, Pedro Silotto, ao chegar ao Brasil com nove anos, já era alfabetizado, e aqui aprendeu português. Contou, também, que sua irmã mais velha era encarregada de alfabetizar os irmãos; pois aprendera a ler com o pai; como eram poucas as escolas localizadas na zona rural, o acesso a elas era restrito. Assim sendo, a saída para o problema era o estudo em casa e as aulas aconteciam todas as noites. Após o jantar, as crianças sentavam em volta da mesa e iniciavam os estudos, porém isso se dava somente durante a presença do Sr. Pedro Silotto. Logo após o recolhimento dos seus pais, as crianças interrompiam as aulas, pegavam o baralho e jogavam partidas de “bisca”76. A criação do Grupo Escolar em Serra Negra ocorreu através do Decreto do Governo Estadual de 18 de fevereiro de 1901, mas não atendia a todas as crianças em idade escolar e funcionou durante muito tempo de forma precária, em um espaço adaptado, com acomodações consideradas impróprias. As salas eram muito pequenas, faltavam galpões de abrigo para o recreio e aparelhos de ginástica77. A despeito do edifício não ter sido considerado ideal para o funcionamento de um Grupo Escolar, ele permaneceu no local até o ano de 1914, quando se inaugurou o prédio especialmente construído para abrigar a escola78. Apesar das mudanças ocorridas em virtude da crescente população imigrante, faltava em Serra Negra estrutura para o lazer dos seus munícipes. A grande maioria dos atrativos eram os ligados à religiosidade, como as festas e quermesses realizadas em homenagem aos santos devotos e que englobavam as apresentações musicais. A possibilidade da criação de um clube recreativo naqueles anos comemorou-se na cidade com muito jubilo, porque se criava uma regularidade de funções recreativas, não mais condicionadas às homenagens aos santos em datas determinadas.

75 Ata da reunião das Societá M. A. Fra Italiani, datada de 31 de maio de 1903. Acervo Família Lamari. 76 Ainda na área rural, era comum os jovens das propriedades próximas se reunirem em uma determinada casa e contratarem um professor. 77 Relatório apresentado pelos inspetores que vistoriaram o Grupo Escolar nos anos de 1906 e 1907. Livro Termo de Visitas. Acervo da Escola Estadual “Lourenço Franco de Oliveira”. 78 Antes da criação do Grupo Escolar em 1901, a cidade contava com as Escolas Reunidas e, segundo os dados constantes do Livro de Matrículas de Aula Pública de Instrução Primária do Sexo Masculino, em 1887 estavam matriculados 54 alunos. Em 1888, 59 alunos. Em 1889, 69 alunos e, em 1890, foram registrados 54 alunos. Acervo da Escola Estadual “Lourenço Franco de Oliveira”.

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CLUB RECREATIVO Hoje, a 1 hora da tarde, realisarse-á, na sala da câmara municipal, uma reunião de diversos cavalheiros da nossa sociedade com o fim de tratar-se da fundação e organização aqui de um Club Recreativo. Applaudimos com enthusiasmo essa idéia e protestamos nosso franco apoio a Ella, esperando cheios de esperança a sua realização. Já era por demais sentida a falta, nesta cidade, de um “meio” onde se encontrassem algumas distrações para o espírito. Cançado pelo trabalho do dia, à noite tem-se necessidade de palestra agradável, música, leitura variada, jogos familiares, qualquer cousa emfim que nos ponha na alma um deleite suave, uma doce alegria. Tem-se assim, apar da vida material, uma vida espiritual cheia de attrativos. E isto vem realisar nosso club, que nos arrancará do marasmo, em que vivemos, contribuindo ainda para o progresso desta terra. Associações similares a esta desenvolvem nos seus membros o sentimento altruístico, educam moral e intellectualmente. E o facto da convivencia estreita amizades que constituem a baze de uma sociedade moralisada e boa. Eis porque nos alegrou essa notícia que transmittimos aos nossos leitores, fazendo votos para que na reunião de hoje fique definitivamente assentado o plano de organisação desse novo gremio. (Jornal “A Serra Negra”, 29/01/1905)

Outro evento de grande significado para a cidade foi a inauguração do Jardim Público79, um espaço público todo cercado e, segundo Caldeira (1935, p.69) o fato ocorreu no dia 15 de novembro de 1905, graças aos esforços de Francisco Pinto da Cunha80. A solenidade contou com a presença de autoridades locais e realizou-se um concerto pelo Corpo Musicale “Umberto I”, inaugurando também o primeiro coreto da cidade. Nomeou-se também um zelador, o qual se responsabilizaria pela manutenção desse logradouro público, com horários fixos de abertura e fechamento.

Reunir-se: fazer pública a sua presença, exibir pompa, ver homens e mulheres bem- vestidos e bonitos, contar e ouvir as novidades, assistir a apresentações musicais, mostrar filhas na busca de maridos, homens finos admirando e fazendo a corte a cortesãs. Os jogos sociais e sexuais – com a tácita concordância entre seus praticantes – o plaisir de la promenade, tinha um palco magnífico nos jardins públicos. (SEGAWA, 1981, p. 46).

O Jardim Público constituiu-se de grande representatividade para as bandas de música serranas81, principalmente a “Umberto I”. Ali se forjou um local que seria especialmente usado para as apresentações musicais. Nos documentos assinados registraram-

79 Público localizava-se no espaço designado Largo da Liberdade; depois designou-se como Praça Barão do Rio Branco e, atualmente, é a Praça João Zelante. Firmou-se um contrato, em 26/08/1905, entre a Câmara Municipal e o Sr. Manoel Estevam de Barros, para fazer o assentamento do coreto no Jardim Público, pelo preço de 1:600$000. Termos de Contrato entre Câmara e Particulares. Tombo nº 43. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 80 Francisco Pinto da Cunha também foi o responsável pela abertura da Rua da Várzea, atual Cel. Pedro Penteado, como mencionado anteriormente. 81 A Corporação Musical “Lira Serra Negra”, fundada em 1945, realiza concertos quinzenais no mesmo local desde sua fundação.

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se contratos firmados entre a Banda “Umberto I” e a Câmara Municipal, os critérios para as apresentações, os valores a serem pagos e os concertos quinzenais a serem realizados, com início às 18 horas, no Jardim Público82.

Ilustração nº 06 - Jardim Público, fundado em 15 de novembro de 1905. Fonte: Almanach de Serra Negra, 1913. Década de 1910. A imagem denota a preocupação com embelezamento da cidade ao projetar e plantar o jardim público dotado de bancos, mas, principalmente de um belo coreto que recebesse as apresentações dos grupos musicais da cidade.

82 O primeiro contrato encontrado é de 11/04/1906, sendo renovado no ano seguinte e, posteriormente, em 1910. Constava também nas cláusulas que o programa musical deveria ser publicado no jornal local. A Banda teria que realizar as alvoradas nas datas cívicas e se apresentar nas solenidades promovidas pela Câmara. Em contrapartida, a Câmara se comprometia a avisar o maestro das datas comemorativas, com oito dias de antecedência, a fim deste de preparar o repertório. Termos de Contrato entre Câmara e Particulares. Tombo nº 43. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.

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2.3 - AS PRIMEIRAS BANDAS DE MÚSICA, SEUS MAESTROS E PRINCIPAIS MÚSICOS.

CORPO MUSICALE “UMBERTO I”

É provável que, após a primeira apresentação do Corpo Musicale “Umberto I”, em 1898, as seguintes tenham ocorrido de forma recorrente, sendo que o registro mais antigo refere-se à comemoração da virada do século.

...Foi naquela pacatíssima Serra Negra, que tivemos a emoção de assistir às cerimônias da passagem do século, ocorrência que alvoroçou o povo na madrugada de 1º de janeiro de 1900... após essa tocante cerimônia, as bandas de música- “Humberto Primo” e “Cezarino”83, percorrendo as Ruas principais, festejaram com alegria o começo do século. (GODOY, 1970, p. 14)

Em 22 de janeiro de 1905, encontrou-se o primeiro apontamento em jornal sobre a autuação da banda “Umberto I”, tratando de uma apresentação realizada no final da tarde de 15 de janeiro de 1905, sob a regência do maestro Vincenzo De Benedictis, imigrante italiano. O texto permite algumas observações: a “Umberto I” estaria se apresentando regularmente e o maestro já havia conquistado certo prestígio na cidade e o local da apresentação, designado Largo da Liberdade, foi no mesmo ano reinaugurado como Jardim Público, como já mencionado. RETRETA Aos primeiros clarões vespertinos do dia 15 do corrente, no espaçoso, plano e apreciável Largo da Liberdade, admiravelmente enfeitado em seu fundo pela poética floresta da montanha em que se encosta o mercado municipal, quando ainda os últimos raios de um sol christalino doiravam o cimo das esmeraldinas collinas que circundam esta cidade, teve início primorosa sonata clássico musical da conhecida corporação italiana “Umberto I”, que tanto honra os fóros de civilisação deste município e muito enaltece o progresso artístico-musicaes do nosso meio. A rabél batuta do talentoso e provecto maestro De Benedictis durante a primorosa sonata jamais desceu da elevada posição em que manteve-se como bússola orientadora dos lisonjeiros progressos musicais, pelos quais tem passado este povo. A magnífica e apreciada phylarmonica fez com a máxima correcção executar o programma previamente annunciado, que compunha-se das seguintes peças: 1º - Uma lagrima de amor – Mazurka – Rozatti. 2º - Grand Pot Purri da opera Policído – Donizetti 3º - Symphonia do Guarani – Carlos Gomes 4º - (a pedido) Um fim de batalha – sensacional e apparatosa phantasia de Gatti. (A Serra Negra. 22/01/1905)

83 Com relação à banda “Cezarino”, possivelmente tem relação com o músico e maestro Cezarino Teixeira de Barros. Existe também a referência de um conjunto musical chamado “União Faz a Força” e sua apresentação em junho de 1904.

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VINCENZO DE BENEDICTIS

O imigrante italiano, Maestro Vincenzo De Benedictis, foi quem conduziu na década de 1900 o Corpo Musicale “Umberto I”. Não foi possível afirmar a data da chegada do maestro a Serra Negra. A princípio, em 1904 ele já estaria regendo a “Umberto I”, como constou no anúncio publicado pelo jornal A Serra Negra, de 22 de janeiro de 1905. Sabe-se que ele permaneceu na cidade até 1909, ano em que se mudou com a família para a cidade de Jaboticabal/SP. Retornou em 1913 e reassumiu o comando da “Umberto I”, realizando inúmeros concertos até meados de 1916, quando adoeceu, tendo o seu falecimento ocorrido em 10 de dezembro de 1918. Bertolini (2009, p.38), menciona que “o famoso maestro Vicente De Benedicttis, emérito regente e grande requintista, que por causa de sua bronquite costumava caminhar todas as madrugadas aproveitando o ar fresco”, ocasião em que cumprimentava os trabalhadores que iniciavam suas atividades nas primeiras horas da manhã. Vincenzo De Benedictis era diplomado pela Real Academia de Santa Cecília, e também exerceu a atividade de professor de música em Serra Negra por muitos anos.

VICENTE DE BENEDICTIS MAESTRO DE MÚSICA Diplomado pela Real Academia de Santa Cecilia (em Roma), ex-examinador do Circolo Filarmonico Internacional de Roma, lecciona Piano, Canto, Violino, Bandolim, Harmonia, Orchestra. Largo Municipal n.3 Serra Negra. (O Serrano, 11/11/1915)

De acordo com os levantamentos realizados por Rocha (2007, p. 10-11), ele nasceu em 1849, em Spaltore, na Itália. Para se titular como Diretor de Banda pela Real Academia de Santa Cecília apresentou o arranjo para banda de música denominado Fantasia Sull’Opera Il Balo in Mascheral, da obra de Giuseppe Verdi, e a marcha Lo Squilo de sua autoria, sendo aprovado em 3 de dezembro de 1888. O músico e seu filho mais velho, Alberto, desembarcaram no porto do Rio de Janeiro em julho de 1898.

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Foto nº 05. Maestro Vincenzo De Benedictis, década de 1900. Fonte: Galeria de Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora.

Além do prestígio alcançado pelo músico como maestro e professor, Vincenzo de Benedictis também foi compositor. Durante sua permanência em Serra Negra, ele compôs e ofereceu inúmeras das suas obras às várias personalidades serranas84. Conforme o noticiado no jornal A Serra Negra, em 1907 duas peças foram oferecidas, uma inclusive para a esposa do Juiz de Direito Júlio Amaro da Rosa Furtado. Outra obra com dedicatória que constou do programa executado no concerto que se realizou em 15 de novembro de 1912, a Mazurka de sua autoria foi dedicada à esposa do médico italiano Francisco Tozzi85. Era uma maneira de estreitar relações no meio social e, consequentemente, angariar auxílio para a banda de música.

84 Outros compositores também utilizaram desse procedimento, como os imigrantes Alberto e Lívio De Benedictis e o serrano Nicolino Fatigatti. O oferecimento de obras pelos compositores sempre foi muito comum no meio musical. No Brasil, essa prática foi adotada por inúmeros artistas e em vários períodos. No início do século XIX, o compositor baiano Damião Barbosa de Araújo utilizou esse procedimento e dedicou suas obras a membros da elite. Era uma forma estratégica de inserção social. Ver mais. BLANCO, Pablo Sotuyo. Damião Barbosa de Araújo (1778-1856): novas achegas biográficas e musicais. Salvador: Fundação Gregório de Mattos: EDUFBA. 2007. 85 Francisco Antonio Tozzi, médico imigrante italiano, nascido em 1870, na Província de Beneveto, Itália. Chegou ao Brasil em 1900, instalando-se na cidade de Socorro/SP. Em 1901, mudou-se para Serra Negra. Foi membro da Sociedade Italiana e da diretoria da Banda "Umberto I". Em 1914 transferiu-se para Água Quente, núcleo gerador da atual cidade de Águas de Lindóia, fundada em 1916. Apesar de ter-se estabelecido na cidade em que fundou, manteve relações de amizade com membros da comunidade italiana de Serra Negra; faleceu no Rio de Janeiro em 13 de novembro de 1937, sendo seu corpo sepultado no cemitério municipal de Serra Negra (SILVA, 2005, p. 77-81).

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Ilustração nº 07 – Jornal A Serra Negra, edição de 06/01/1907

15 DE NOVEMBRO Conforme notíciamos será amanhã festejada nesta cidade a gloriosa data de 15 de novembro. Assim é que pelo amanhecer desse dia percorrerá as principais Ruas da cidade a corporação musical “Umberto I”, executando escolhidas marchas, sendo por essa occasião queimada uma salva de 21 tiros. Às 6 horas da tarde a mesma corporação, sob a regência do distinto maestro Vicente de Benedictis, executará no coreto do jardim publico o seguinte programma. 1a Parte 1-Hynno Nacional 2-Marcha Militar - R. Trucillo 3-Mazurka - dedicada a distincta D. Philomena Tozzi- V. Benedictis. 2a Parte 1- Valzer - Cordialita - V. de Benedicts. 2- Grande Phantasia - com variações da Opera Norma- D. Alessio 3- Polka -Primavera Scapigliata - G. Straurs. 4-Dobrado - Floriano Peixoto - NN. (O Serrano, 14/11/1912/ grifo nosso).

A proximidade com a comunidade local motivou o envolvimento do maestro com a classe política. O fato tornou-se explícito nas eleições de 14 de dezembro de 1907, quando o grupo vencedor foi homenageado, inclusive com a presença da banda de música,

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oportunidade em que o maestro De Benedictis ofereceu ao chefe político Cap. Francisco Pinto da Cunha a marcha intitulada 14 de Dezembro.

Outrossim, agradece a espontânea e sincera prova de estima demonstrada na manifestação de domingo último. Às corporações musicais “Umberto I” e “Morganti”, também agradece o valioso concurso pelas mesmas prestado, em todas as manifestações, abrilhantando-as com os seus variados repertórios. Ao insigne maestro senhor Vincenzo De Benedictis, agradece a delicada lembrança com que o mimoseou, dedicando-lhe a majestosa marcha, de sua composição, a que deu o nome de “14 de Dezembro”... Serra Negra, 18 de dezembro de 1907. O presidente do Diretório, Francisco Pinto da Cunha (O Serrano, 20/12/1907)86.

Com a demonstração pública de suas preferências nas urnas, o músico comprometeu-se com um grupo político, tornando-se alvo do grupo rival liderado pelo Major Pires87. Vincenzo De Benedictis tinha como profissão essencialmente a música, porém suas atividades não rendiam o suficiente para o sustento de sua família. Em um episódio envolvendo seu filho mais velho, Alberto, tornou-se público que a comunidade local mantinha uma lista de assinantes cuja finalidade era a de angariar fundos a fim de auxiliar financeiramente o maestro e sua família88. Independente dos problemas familiares, políticos e financeiros, Vincenzo manteve a condução da Banda, com apresentações quinzenais, renovando os contratos com a Câmara Municipal, além de participar de festas religiosas e das comemorações organizadas pela Società Fra Italiani. Dentre suas façanhas temos a participação da “Umberto I” no “concurso de bandas musicais das diversas cidades do Estado”, realizado nos dias 18 e 19 de abril de 1908, no Parque Antártica, em São Paulo89, evento no qual a Banda e seu maestro foram classificados entre as melhores do Estado de São Paulo, causando orgulho e admiração na

86 Não foram encontrados mais dados sobre a atuação da Corporação Musical Morganti. Segundo a narração do músico Geraldo Bulk, era uma pequena banda compostas pelos membros da família Morganti e colonos da fazenda dos Morgantis; anos mais tarde a propriedade foi vendida e os músicos foram para cidade e alguns deles foram integrar os naipes da "Umberto I". 87 Francisco Pinto da Cunha, também conhecido como “Chico Ramos”, liberava o grupo ramista opositor do grupo do Major Pires, que ficou denominado como pirista, sendo que os dois grupos dominaram o cenário político da pequena Serra Negra, por muitos anos. 88 Edição do Jornal “O Serrano” em 14/03/1908. 89 O concurso foi promovido pelo Salão Steinway, situado na Rua São João, nº 61. “O Serrano”, edição de 05/04/1908. Dentre o repertório escolhido estavam as peças: Pot-pourri del Ballo Brahma de Constantino Dell’Argine e Scena del finale del 2º ato nell’Opera La Traviata . As obras fazem parte do acervo de partituras da Corporação Musical Lira de Serra Negra Rocha (2007, p.272).

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pequena Serra Negra. A “Umberto I” não obteve o primeiro lugar, porém o acontecimento passou a fazer parte da história da banda, e o episódio ficou conhecido através das gerações de músicos serranos. Inúmeras lembranças foram transmitidas de maneira variada, revelando-se, porém, a importância do fato no universo musical serrano. Após terem participado do concurso em São Paulo, os músicos foram para a cidade de Campinas/SP, onde realizaram um concerto a convite dos membros da colônia italiana. [...]Si não obteve uma medalha, porque motivo deixamos de dizer, obteve um prêmio brilhante, que satisfaz mais que todos os outros, e que é a opinião pública, que lhe foi favorável, que sagrou-a uma das melhores bandas de todo o Estado. Estamos certos de que a “Umberto I”, si concorrer a novo torneio, em que os juízes estejam em condições de decidir com toda a imparcialidade e se a opinião pública for acatada, há de obter um dos primeiros lugares. De regresso da Capital, esteve, no dia 21, em Campinas, a convite de vários membros da colônia italiana, entre eles o sr. Ângelo Franceschini. A banda aí cumprimentou o Prefeito Municipal, a redação dos jornais e, à tarde, após uma passeata, executou no coreto do jardim um escolhido programa. Diz no jornal O Comércio de Campinas, de 22: A concorrência foi enorme àquele local e a banda foi muito aplaudida. Ali compareceu o sr. Prefeito Municipal para transmitir a saudação a todos os membros da banda. E termina: Hoje partirá para Serra Negra, deixando entre nós as melhores impressões. O povo desta cidade recebeu festivamente a esforçada Corporação Musical... (O Serrano, 26/04/1908).

Em abril de 1909 foi noticiada a saída de Vincenzo De Benedictis da Banda e a “Umberto I” passou por alguns constrangimentos, sendo obrigada a justificar a interrupção dos concertos por meio de seu presidente, Dr. Francisco Tozzi. Tudo indica que a decisão de Vincenzo de deixar a Banda ocorreu de forma inesperada, não dando tempo para a entidade se organizar e nomear um novo maestro. Corporação Musical “Umberto I” Deixou a regência desta excellente Corporação Musical o Sr. Vicente de Benedictis. Houve, por esse motivo, reunião da referida corporação, em que se deliberou promover a sua reorganização urgente. Para isso, e estando já à espera de um distincto maestro, o presidente da corporação solicitou e obteve, do sr. Prefeito Municipal, uma licença de dois mezes, para que a mesma continue os seus concertos em o nosso jardim. A reunião que para esse fim se effectuou, compareceram 21 músicos, que protestaram por escripto serem solidários e observadores dos Estatutos, pelo prazo de dois annos, ao mesmo tempo que affirmavam aos seus illustre presidente, sr. Dr.Tozzi, inteira e real firmeza. (O Serrano 25/04/1909)

Sem mais explicações sobre o fato pertinente a Banda e Maestro, em maio de 1909 foi anunciada a mudança da família De Benedictis para a cidade de Jaboticabal/SP.

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Despedida Vicente de Benedictis e família, retirando-se desta cidade para Jaboticabal, e não dispondo absolutamente de tempo para se despedir dos seus amigos, fazem-no por este meio, offerecendo-lhes os seus limitados préstimos em sua nova residência. Serra Negra, 20 de maio de 1909. Vicente de Benedicitis e família (O Serrano, 23/05/ 1909)

A repentina saída do maestro De Benedictis e sua família de Serra Negra, explicou-se pelo fato de que ele havia sido contratado para reger a Società Filarmonica Italiana Pietro Mascagni, banda fundada na cidade de Jaboticabal em abril de 1901, pelos membros da colônia italiana, cujo contrato celebrou-se em 06 de maio de 1909. No dia 15 de julho do mesmo ano ele foi apresentado à população local pelo secretário da Banda Pietro Mascagni, o Sr. Lourenço Vitta. Sua permanência em Jaboticabal não foi muito longa: tem-se a notícia que em 14 de julho de 1910, o maestro De Benedictis pediu demissão da referida Filarmónica90. A sua ida para assumir uma banda de música em outra cidade permite deduzir que os músicos imigrantes mantinham relações com as inúmeras comunidades italianas, ocasionando o trânsito desses profissionais.

ZACHARIAS QUAGLIO: O MÚSICO ESQUECIDO

Após dois meses sem concertos realizados pela Banda Italiana, surge o nome de Zacharias Quaglio, clarinetista da “Umberto I”, para ocupar o cargo vago, contrariando a notícia de maio de 1909 de que a diretoria da banda estivesse providenciando a vinda de um “distinto maestro”. Assim, realizaram-se os concertos quinzenalmente, cumprindo o contrato assinado. CONCERTO Depois de uma interrupção de dois mezes, a corporação musical “Umberto I”, executou no Jardim Publico desta cidade, sob a regência do Sr. Zaccaria Quaglio, algumas peças do seu não pequeno repertório. O concerto satisfez geralmente, tanto mais quanto há já algum tempo não tinha a população desta cidade essa aprazível recreação. Bem e elegantemente illuminado como estão o coreto e jardim, uma boa ahi aos domingos, proporciona de facto horas agradáveis aos habitantes desta cidade. Fazemos votos para que, sem interrupção, continue essa boa corporação musical a nos deleitar com concertos como o de domingo ultimo. (O Serrano, 27/06/ 1909)

90 Ver mais sobre a história de Jaboticabal/SP. CAPALDO, Clovis Roberto. A História de Jaboticabal 1828 – 1978. Jaboticabal: Editora Multipress, 1993.

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O músico Zacharias Quaglio atuou como spalla do Corpo Musicale “Umberto I”, por muitos anos. Imigrante, natural de Rovigo, na Itália, chegou ao Brasil em 1888, com sete anos. Estabeleceu-se em Serra Negra no início do século XX, com a profissão de sapateiro.

CONCERTO Hoje, as horas do costume, a banda musical “Umberto I” executará no coreto do jardim publico, o seguinte programma. Primeira Parte 1º - Dobrado – 1º do Anno, dedicado ao dr. Tozzi 2º - Polka – Alegria – G. de Benedictis 3º - Coro final nell’Opera Ione – Petrella 4º - Valsa – Fior á Aprile – G. de Benedictis Segunda Parte 1º - Dobrado – Irmão – N.N. 2º - Mazurka – Amélia Zelante – N.N. 3º - Cavatina della Sonnambula – Bellini 4º - Tango – N.N. (O Serrano, 04/07/ 1909)

O ano de 1910 anunciou-se como promissor para a “Umberto I”, pois a primeira notícia encontrada diz respeito ao novo fardamento da Banda, seguida do anúncio de um concerto, o qual sugeria a renovação do contrato para apresentações públicas. De fato, foi o que ocorreu: as apresentações do grupo foram regulares.

Foto nº 06. Maestro Zacharias Quaglio, década de 1900. Fonte: Galeria de Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora.

A situação da “Umberto I” tornou-se confusa no início de 1911. Quaglio permaneceu na função de maestro e não ficou claro se houve renovação de contrato para apresentações públicas, mas existiu uma forte mobilização, via imprensa, a fim de dar

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continuidade aos concertos. O apelo surtiu efeito, pois a “Umberto I”, sob a regência de Zacharias Quaglio, realizou uma apresentação musical em 7 de maio de 1911.

Retreta Segundo nos consta, os músicos da banda “Umberto I”, reuniram-se e deliberaram executar no coreto do jardim publico, no dia 7 de maio próximo um concerto musical, sob a regência do sr. Zacharias Quaglio. Pelo que nos consta o programma está sendo confeccionado com todo o capricho e por certo agradará ao publico que ha bom tempo esta privado desse agradável divertimento. Os nossos votos são para o que consta se torne uma realidade, para vermos novamente com movimento o nosso belo jardim. (O Serrano, 30/04/1911)

Apesar da aparente boa vontade dos músicos e do maestro Quaglio, era evidente a falta de estrutura da banda, tanto que a “Umberto I” obrigou-se a rejeitar um convite, feito em junho de 1911 pela Colônia Italiana da cidade de Campinas/SP, para participar de um concurso de bandas de música. Zacharias Quaglio continuou regendo a Banda pelo restante do ano, mantendo-se como maestro também em 1912.

RETRETA Hoje, às 5 horas da tarde a Corporação Musical “Umberto I” executará no coreto do Jardim Público, sob a regência do Sr. Zacharias Quaglio o seguinte programma. Primeira Parte 1 - Dobrado – 1º de março- V. Benedictis 2 - Valsa - Vigliando - NN 3 - Pout-pourri- nell’opera Bello Brana D’allargini 4 - Marcha militar - Baraese

Segunda Parte 1 - Marcha- Alberto Benedictis - L. Facimi 2 - Mazurka - Scapigliata -Straus 3 - Duo per clarinete e bombardino nell opera Lucia de Lamemoor- Donizetti 4 - Tango – NN (O Serrano, 31/03/1912)

A partir de agosto de 1912 começaram a circular informações sobre o retorno do maestro Vincenzo De Benedictis. Os dados indicam que a diretoria da “Umberto I” entrou em contato com o maestro, convidando-o para voltar a Serra Negra. Foram realizadas reuniões e, em novembro de 1912, Vincenzo fixou-se em sua nova residência91.

91 “Umberto I”. Acha-se nesta cidade, onde fixou residência, o exímio maestro de música snr. Vicente de Benedictis que veio assumir a regência da Corporação Musical “Umberto I”. O Sr. Benedictis que já residiu nesta cidade não precisa ser recommendado ao público e especialmente os amantes da bella arte musical, pois, já é muitíssimo conhecido da nossa população. Fazendo votos pela sua longa permanência nesta cidade, damos parabéns aos componentes da Corporação Musical “Umberto I” pela valiosa aquisição que acabam de fazer. (O Serrano, 07/11/1912)

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Não foram encontrados dados sobre a permanência de Quaglio na Banda Italiana92. Uma notícia interessante revelou que em outubro de 1914 fundara-se uma nova banda, a Corporação Musical Carlos Gomes93, que mais tarde ficou conhecida por “banda brasileira”, embora seu regente fosse um ex-integrante da “Umberto I”, o músico italiano Zacharias Quaglio.

NOVA BANDA MUSICAL Consta-nos que diversos elementos desta localidade estão se congregando para constituírem uma nova corporação. Segundo nos affiançaram, a nova banda tomará por patrono o nosso glorioso patrício Carlos Gomes e será regida pelo hábil musicista Zacharias Quaglio. (O Serrano, 25/10/1914).

Zacharias Quaglio faleceu em dezembro de 1962, aos 82 anos de idade. Nos dados constantes de sua necrologia não existe referência sobre sua vida musical.

O RETORNO DO MAESTRO VINCENZO DE BENEDICTIS

Em janeiro de 1913, o maestro Vincenzo De Benedictis recomeçou suas atividades musicais em Serra Negra, além de retomar a regência da “Umberto I”, anunciando a organização de uma nova orquestra composta por músicos de ambos os sexos. Durante o ano realizaram-se 22 concertos, além das participações em solenidades oficiais. No final de novembro, o maestro Vincenzo adoeceu e por alguns meses os concertos passaram a ser regidos por seu filho, Alberto De Benedictis. O maestro Vincenzo De Benedictis, após ter recuperado a saúde, apresentou-se regendo a “Umberto I” em seus concertos e, no mês de junho, foi convidado para reger a Corporação Musical Bersaglieri na cidade de São Paulo, evento realizado em 7 de junho de 191494, no Jardim da Luz.

92 Segundo o músico Antonio Briotto, o músico Quaglio havia saído da “Umberto I” por desentendimentos com o trompetista Alfredo Dallari. 93 A atuação da Banda Carlos Gomes foi marcante no cenário musical serrano, como concorrente da Banda Italiana, sendo que por inúmeras vezes as duas participaram do mesmo evento. 94 Segundo Siqueira (2002, p. 93-95) a banda XI Dei Bersaglieri foi fundada no início do século XX e era oriunda do bairro paulista Bom Retiro. O nome dessa corporação foi escolhido em homenagem a unidade militar que lutou na ação militar da Itália contra a Líbia em 1911, em território que estaria sob o domínio do Império Turco.

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RETRETA NO JARDIM DA LUZ Tendo sido convidado para reger a Corporação Musical “Bersagliere” que no dia 7 do corrente realisará uma retreta no Jardim da Luz, em São Paulo, seguiu para essa capital o Sr. Vicente De Benedictis, maestro da Corporação “Umberto I”, desta cidade. (O Serrano, 04/06/1914).

Em janeiro de 1915 Serra Negra recebeu a visita da Corporação Musical “XI dei Bersaglieri”, por intermédio do maestro Vincenzo. A banda convidada movimentou a pequena cidade. No concerto executou uma composição do maestro Vincenzo De Benedictis e, no encerramento da visita, percorreu várias ruas da cidade. Na ocasião o vice-presidente da Corporação Musical discursou no idioma italiano, agradecendo às autoridades locais e ao povo brasileiro a calorosa recepção. Explicou a origem dos nomes “Umberto I”, referindo-se ao Rei italiano, e “XI dei Bersaglieri”, aos acontecimentos ocorridos na Líbia por ocasião da ação militar italiana nesse país. Finalizou o discurso com um brinde: “Alzo per ultimo il cálice porgendo il saluto alla Pátria Brasilana che ci ospita e um evviva allá nostra bella Itália. Adunque signori, viva l’Italia, viva la banda musicale “Umberto I” e viva la banda musicale ‘XI Bersaglieri’” (Jornal O Serrano, edição de 14/01/1915). Em 1916, o maestro Vincenzo De Benedictis tornou-se notícia novamente, recebendo críticas em relação à seleção do repertório95, pois, como em muitas outras ocasiões, o maestro aproveitava as retretas para executar suas composições e, às vezes, a escolha extrapolava o bom senso.

A Corporação Musical Umberto Primo, executará hoje, as dezoito horas, no coreto do Jardim Público, sob a regência do maestro snr. Vicente de Benedictis, o seguinte programma

I - Marcha Militar – Vicente De Benedictis II - Polka- Alice - Vicente De Benedictis III - Mazurka – Lucia – Vicente De Benedictis IV -Simphonia Original – Vicente De Benedictis

Segunda Parte V - Marcha Honra ao Mérito – Vicente De Benedictis VI – Valsa – Felicitações – Um Bailo da Maschera – Verdi VII -Tango – NN (O Serrano, 26/03/1916, grifo nosso)

95 A prática de inserir no repertório peças de compositores membros da banda é vista de forma corriqueira em vários períodos da história da banda, inclusive atualmente.

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RETRETA Conforme fora annunciado a Corporação Musical “Umberto I”, sob a regência do hábil maestro Vicente De Benedictis, realisou Domingo p. passado no coreto do Jardim Público, a retreta correspondente à segunda quinzena do corrente mez. As peças constantes do programma foram bem executadas, não sendo, porém de bom gosto o critério adoptado na organisação do programma desse concerto no qual figuraram muitas composições de um só autor. Como das vezes anteriores, a afluencia de exmas, familias do Jardim Público, por occasião da retreta, foi grande. (O Serrano, 30/03/1916, grifo nosso)

Ilustração nº 08. Manuscrito da composição do Maestro Vincenzo De Benedictis. Fonte: Acervo da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”

Em vários concertos realizados entre os anos de 1916 a 1918 o maestro De Benedictis foi substituído por seus filhos Alberto e Lívio, pois encontrava-se em tratamento de saúde, vindo a falecer em 10 de dezembro de 191896.

OS PRINCIPAIS MÚSICOS SERRANOS

Além da intensa atividade do Corpo Musicale “Umberto I” desde o seu primeiro concerto oficial em 1898, ocorriam outras atividades musicais.

96 A esposa de Vincenzo De Benedictis, Sra. Heminia De Benedictis faleceu em 26 de agosto de 1916.

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Em junho de 1904, quando de uma solenidade de inauguração, o músico Cezarino e a Banda “União Faz a Força” estiveram presentes no evento e executaram por horas as peças do repertório do conjunto musical.

Inauguração Inaugurou-se no dia 26 p. passado na casa do Srs. Moysés Mendes e Cª. A luz do gaz accetylene. Ora, sendo a casa dos cidadões Mendes e Cª o único ponto aprasivel desta cidade, onde de reúne a escol da nossa melhor sociedade, onde o ponto em que se congrega a sociedade de gosto e espírito, há a convivência expansiva suavisando- nos a vida tão monótona sem atractivos no interior, é digno de louvor e apllausos tão grande melhoramento, que proporciona-nos em uma tão boa sociedade luz em profusão, tanto a phisica como a do crepitar do espírito e alegria. Para festejar tão útil melhoramento a música do Capm. Cezarino foi comprimenta- los havendo nessa ocasião brindes, conversas, cavacos e prosas, tudo regado a boa cerveja, vinhos e do apreciável néctar cearense, delicioso vinho de caju. A banda de música “União faz a força” tocou durante mais de uma hora muitas peças de seu repertório alegrando-nos proporcionando-nos uma cerata cheia e agradável. Agradeceu tão expontanea manifestação o humorístico e espirituoso moço João de Toledo, que em phrases repassadas de fino espírito e humor trouxe nos suspenso de sua verve agradecendo em nome dos proprietários e assim terminou-se a serata, que se tornará sempre grata e lembrada por quantos a assistiram (Jornal A Serra Negra, 03/07/1904).

Encontrou-se também uma referência ao maestro e professor de música José Rodrigues da Silva Munhoz97 nas lembranças narradas por Sylvino de Godoy (1970), nas quais consta que após sua chegada, no ano de 1895, ele e sua família estabeleceram-se na zona rural. Descreveu que as bagagens foram acondicionadas em troles, alugados antecipadamente, e atravessaram a cidadezinha sob o olhar dos curiosos. O autor narrou ainda que as ruas eram de terra e o trotar dos animais produzia muito pó. A propriedade comprada por seu pai era uma fazenda, bastante retirada da zona urbana

[...]lá, bem em cima da cidade, começava a estrada de Amparo, pela qual devíamos chegar a São Domingos, a fazenda que meu pai comprara de um tal João Bueno, distante cinco quilômetros. Essa fazenda, anos depois, como referência à cidadania de nosso pai, passou a ser conhecida pela denominação de “Fazenda do Campineiro” (GODOY, 1970, p.2).

A região em que se localizava a fazenda adquirida também era destinada ao plantio de café, pois o autor relembrou as plantações: “víamos pastarias e nas montanhas os

97 O maestro Munhoz também acompanhava as peças teatrais e eventos políticos. Ele foi professor do músico imigrante Alfredo Dallari, trompetista e integrante da "Umberto I", como instrumentista e membro da diretoria da banda, a partir da década de 1900.

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cafezais verdejantes, que nosso velho pai dizia serem uns cento e vinte mil pés, de uns quarenta anos de idade e outros novos em menor número”. A família permaneceu na propriedade rural por cerca de cinco anos. Após a queda do preço do café começaram as dificuldades econômicas, e os Godoy decidiram mudar-se para a cidade, onde adquiriram um casarão localizado no Largo da Matriz. Apesar de Sylvino descrever a cidade como limpa e organizada, ela era ainda muito precária e o maior contingente da população se concentrava na área rural. Na nova moradia, Sylvino passou a acompanhar a vida religiosa da cidade, lembrando-se das rezas do mês de Maria, “com ladainhas cantadas, por um coro de vozes femininas”. As ladainhas eram dirigidas pelo maestro Munhoz. Este Munhoz dirigiu também uma orquestra de câmara que acompanhava os espetáculos do Grupo Dramático 18 de Agosto. Em umas das apresentações a renda se direcionou para as obras da Igreja Matriz. Nesse dia, a orquestra executou as seguintes peças: La Gracieuse – overture – por O. Metra; La Souveraine – ouverture, por Alp. Herman e a ária final da ópera Beatriz di Tenda98.

Foto nº 07. Largo da Matriz, Serra Negra, década de 1900. Reforma da Igreja Matriz. É visível um bebedouro para animais ao centro da imagem, e a cruz de madeira à esquerda. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

98 Jornal A Serra Negra, edição de 18/08/1907.

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Munhoz também esteve envolvido nas disputas eleitorais ocorridas em 1907, assim como o maestro Vincenzo De Benedictis, tanto que dois musicistas que integravam a Corporação Musical manifestaram-se publicamente99 a favor de uma determinada facção política. Nós, abaixo assinados, declaramos que, desta data em diante, somos solidários ao partido governista, chefiado pelo capitão Francisco Pinto da Cunha, por ele nos ser mais simpático e nos merecer mais confiança. Declaramos mais, que nos retiramos da Corporação Musical regida pelo professor José Rodrigues da Silva Munhoz e nada temos que ver com qualquer compromisso que a mesma tenha. Serra Negra, 10 de janeiro de 1908. a) Hygino José do Nascimento. a) José Alves de Godoy. (O Serrano, 11/01/1908).

Outra agremiação musical do mesmo período foi a Corporação Musical União Familiar, cuja denominação variava entre Banda Musical Santa Cecília ou Corporação Musical União Família Santa Cecília100. Entre suas apresentações está a inauguração da iluminação geral do Teatro Municipal, local de apresentações do Grupo Dramático Luso Brasileiro.

Inauguração Na noite de 27 p.p.mez, o Sr. Alfredo Romano, inaugurou no Theatro Municipal desta cidade um apparelho para iluminação geral do theatro. A machina fuccionou perfeitamente dando-nos uma optima luz. Ao acto compareceram muitos cavalheiros, gentis senhoritas e a corporação musical União Familiar que executou diversas peças. Este melhoramento deve-se aos distinctos rapazes do grupo Dramático Luso Brasileiro, que de há muito trabalhavam para esse designo. (O Serrano, 11/01/1908).

A regência da Banda “União Familiar” atribui-se ao músico Ariovaldo do Amaral Campos, também professor de música e compositor. A “União Familiar” e a “Umberto I”, em 1908, realizaram concertos regularmente, ambas no Jardim Público, apresentando particularidades quanto à relação do repertório, pois a “Umberto I” incluía em seu programa trechos de óperas e obras de compositores italianos, o que era sua principal característica; já a “União Familiar” incluía marchas, valsas, tangos, dobrados e até samba.

99 A Corporação Musical do Maestro Munhoz apoiou o Grupo do Major Pires, também denominados piristas. Os dois músicos dissidentes eram ramistas. 100 Essa Banda era parte da Sociedade União Familiar Santa Cecília, pois consta o anuncio de um espetáculo em 1909: “Haverá hoje, no salão da sociedade ‘União Familiar S. Cecília’, um espectaculo, promovido pelo ‘Grupo Infantil’, em beneficio da mesma sociedade. Nesse espectaculo serão levadas a scena as interessantes comedias – Os chinellos de uma cantora, em um acto, e Miguel e Torneiro, em dois actos. Num intervallo a galante menina Laura Nascimento recitará a bellissima poesia – O sonho do Bebê.” (O Serrano, 18/07/1909).

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Ilustração nº 09 - Jornal O Serrano, Ilustração nº 10 - Jornal O Serrano, edição edição de 27/12/1908. de 06/12/1908

Na década de 1910, Serra Negra ganhou outra movimentação. Além das apresentações quinzenais das bandas de músicas, a cidade passou a obter novos espaços de lazer para a população, pois no final de 1909 inaugurou-se o primeiro cinema serrano. De acordo com Alcebíades Felix (2012, p. 80 e 81), o Joly Cinema foi fundado em 1909, sendo que a primeira exibição ocorreu no dia 19 de dezembro. Adaptou-se o local para as exibições em um imóvel localizado no largo da Matriz. Os primeiros proprietários foram os Srs. Atilla Vaz e Ramiro de Oliveira. O segundo endereço do Joly foi na antiga Rua 13 de Maio, atualmente Rua Duque de Caxias, esquina com a Cel. Pedro Penteado, e o segundo proprietário foi o Sr. José Fernandes de Carvalho101. Como o cinema era mudo, alguns músicos serranos foram contratados para acompanhar a exibição dos filmes e, segundo Felix, as partituras acompanhavam as fitas. No Joly Cinema o conjunto musical era composto por Silvio Bianchi102 - piano, Cristina Bianchi – violino, Tonico Macedo – flauta, e Ariovaldo Campos – contrabaixo.

101 Na Rua Tiradentes foi instalado o segundo cinema, chamado Central, de propriedade de João Tozzini; o seu funcionamento também ocorreu no período em que o cinema era mudo e o conjunto musical que acompanhava os filmes era formado por Josefina Tozzini – piano, Luiz Lamari – violino, Angelo Lamari – violino, José Lamari – flauta e Alfredo Dallari – contrabaixo. 102 De acordo com Nello Dallari (1966), o músico Silvio Bianchi teria sido o primeiro maestro do Corpo Musicale “Umberto I”, porém não foram encontrados registros sobre sua atuação na banda de música. Segundo dados fornecidos por Maria José Ferreira Araújo Ribeiro, a cidade de Americana abrigou também um maestro de banda com o nome de Silvio Bianchi; inclusive suas duas filhas foram professoras de piano.

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A inauguração de um novo clube recreativo foi bem recebida pela comunidade, um evento que foi digno de uma reportagem no Jornal Gazeta da Serra, com detalhes minuciosos, inclusive descrevendo as vestimentas das senhoras presentes. O baile foi abrilhantado por uma orquestra regida pelo Maestro Munhoz103. Baile no Club União O “Club Recreativo União de Serra Negra” abrio os salões na noite de 20 corrente, para proporcionar uma explendida festa as Exmas. famílias dos sócios e convidados. Foi assim que, via-se o salão de baile caprichosamente ornamentado com flores naturaes e de modo esthetico, que deixava ver-se uma bellesa arrebatadora. A illuminação feita a capricho pela Câmara Municipal e Luz Electrica, dava aos salões verdadeiro brilhantismo. As 9 horas em ponto chegava a orchestra regida pelo maestro Munhoz, que ia executar as contradanças para a effectividade do baile. As 9 ½, deram entrada no salão de baile, diversas famílias de sócios e convidados que trajavam vestidos de verdadeiro gosto e arte. Notamos as seguintes: Senhorita Benedita Furtado – verde mar e rendas brancas; Antonia Vaz – verde mar e bordados; Clarice Toni – rosa enfeitado de preto; Hermecinda Lopes – frese e rendas brancas; Cassilda Tezzoni – azul e branco; Alayde Mangeon – azul e blusa creme; Anninha Vaz – frese e branco; Maria José de Barros – cor de rosa e branco; Amanda Mangeon – frese enfeitado de preto; Alcina Peluso – frese e branco; Rosa Munhoz e Alice de Toledo Nascimento – todo branco; Joanna Munhoz – rosa e branco; Alzira Mangeon – verde e branco; Liticia Vergal – branco e vermelho; Gilcelia Furtado – todo vermelho e preto. Madames Áurea Furtado – branco salpicado e manto azul; Maria Mangeon – todo preto; Anna Elisa de Godoy – lilaz para violeta; Letícia Ramos – todo branco; Rita Toni de Vasconcellos – todo laranja; Geraldina Vaz – cinza e branco. Notamos a presença de muitos cavalheiros da fina flor social, entre elles o exmo.snr.dr. Julio A da Rosa Furtado, José Flavio de Queiroz Mello, Adhemar Marques Teixeira, Constantino Vergal, Henrique Mangeon, Lafayette Dantas e Waldemar Dantas de Vasconcellos, Adão Avelino de Godoy, Oscar e Carlos Mangeon, Mariano A. Lopes, Attila de C. Vaz, Izidoro Rodrigues de Oliveira, Joaquim de Barros, João Ulisses Mecenas de Toledo Mello, Emilio Zelante, dr. Ramiro Ramos de Oliveira e outros cujos nomes nos escapam. A orchestra e botequim estiveram como sempre, irreprehensiveis. As danças se prolongaram até às 4 horas da madrugada de domingo, quando todos, satisfeitíssimos, se retiraram dos salões do “Club União” Parabéns a Directoria por mais essa festa, que tanto agradou aos sócios convidados. (Gazeta da Serra, 25/08/1910).

103 A orquestra foi constituída em dezembro de 1908, entre seus membros estavam bons músicos e que se prestam simplesmente por amor à arte. Sua estreia ocorreu no Teatro Municipal em uma apresentação em benefício da cantora Clotilde Morosini. (Jornal O Serrano, edição de 27/12/1908). A diretoria da “Orchestra Munhoz” era composta pelo Presidente – Attila de Camargo Vaz; Vice-Presidente – Ariovaldo Amaral Campos; Thesoureiro – Alfredo Dalllari; Secretario - Ernesto Nascimento Santos e Maestro Regente - José Rodrigues da Silva Munhoz. (Almanach de Serra Negra, 1913, p. 254). Temos na diretoria do conjunto musical músicos serranos, um imigrante italiano e o proprietário do primeiro cinema mudo, indicando que as três bandas de música que estavam atuando no período conviviam de forma harmônica e a convivência sugere a troca de informações musicais entre esses musicistas.

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Foto nº 08. Largo da Matriz, Serra Negra, 1912. Bilhete Postal, anotações manuscritas - “Serra Negra, 20-8-1912, Umberto Manzini”. Veem-se a Igreja Matriz com a reforma inacabada e pessoas saindo da igreja, inclusive um padre, ao término da missa. Do lado esquerdo da foto vemos a Rua Visconde do Rio Branco, com suas casas alinhadas, seguindo o Código de Postura, além dos postes de energia elétrica. O Cine Joly, localizava-se ao lado direito da Matriz. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

CORPORAÇÃO MUSICAL “UNIÃO OPERARIA”

Em 1911, surgiu a notícia da atuação da Liga Operaria, juntamente com a primeira menção da Corporação Musical “União Operaria”.

Solemnisando a magna data de 1o de maio os sócios da Liga Operaria desta cidade, reuniram-se e precedidos da corporação musical ‘União Operaria’, realisaram imponente passeata pelas principaes Ruas d’esta cidade, saudando as autoridades e a imprensa. Ao passarem por frente desta redação, fez uso da palavra o sr. Annibal Câmara, quem em nome dos seus collegas saudou a nossa folha. Respondeu agradecendo a nosso director Sr. Adolpho Lombardi. (O Serrano, 13/05/1911)

A diretoria da referida Liga Operaria apresentava as seguintes configurações: Secretário – Manoel Joaquim Ferreira; Tesoureiro – José Felippe; Conselheiros – Alfredo Felippe do Carmo e Alfredo Dallari. Já a Corporação Musical “União Operaria” tinha como presidente o Sr. Annibal Câmara; Tesoureiro, o Sr. Manoel Joaquim Ferreira; Secretário, o Sr.

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João Vicente de Campos e regente, o Sr. José Pinto de Oliveira, que também exercia a função de Oficial de Justiça104. A Banda “União Operaria” realizou várias apresentações musicais, como os concertos no Jardim Público e em festas religiosas, dividindo espaço com a Banda “Umberto I”. RETRETA Si o tempo permitir, a Banda Musical “União Operaria”, executará hoje, ás 6 horas da tarde, no coreto do Jardim Público, sob a regência do sr. José Pinto de Oliveira, o seguinte programma. Primeira Parte I- Dobrado - Augusto Muniz II- Valsa - Amorosa III- Mazurka - La Mascotte IV- Symphonia - Le priggione D’Edeburgo V- Polka - Leonidas - por Ernesto Rossi e dedicado ao prof. Leonidas de Oliveira.

Segunda Parte I- Dobrado - Idolo II- Valsa - Leo Feroves III- Quarteto de Damogio IV- Tango- Canto Cantadori por Tito A. Silva (O Serrano, 01/09/1912)

As informações abaixo indicam que a Banda “União Operaria” passou por algum tipo de dificuldade financeira, mas a superou e se reorganizou, já que se fez presente na festa de Santa Cruz.

“UNIÃO OPERARIA” Com o fim de ser reorganisada a banda musical “União Operaria” desta cidade, foi aberta pelo seu antigo regente, Sr. José Pinto de Oliveira, uma lista destinada a receber os auxílios para a aquisição de alguns instrumentos. Os auxilios já subscriptos montam a uma boa somma, o que faz prever que dentro de pouco tempo esteja a Corporação Musical “União Operaria” reorganisada. (O Serrano, 16/04/1914)

Em 17 de maio de 1914, realizou-se a festa de Santa Cruz. Além da missa e procissão houve leilão das prendas doadas pela comunidade e um concerto da Corporação Musical “União dos Operários”.

104 Almanach de Serra Negra, 1913 ps. 246 e 254. A Liga Operaria demonstrava ser muito ativa; pena que são raros os registros de sua atuação. Era composta por membros da comunidade italiana, entre eles José Felippe, que foi sócio-proprietário da Fábrica de Chapéu Panamá-linho, fundada em 1911. Em janeiro de 1912 os associados foram convidados para uma reunião a fim de tratar dos interesses da sociedade. (Jornal O Serrano, edição de 14/01/1912).

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Ilustração nº11. Jornal Gazeta da Serra, edição de 16/05/1914

A Corporação Musical “União Operaria” continuou sua programação com regularidade até início dos anos de 1920, dividindo espaço com o Corpo Musicale “Umberto I” e a Corporação Musical “Carlos Gomes”. Em 1921, a Liga Operaria, à qual a Banda estava vinculada, anunciou sua dissolução. A doação do seu patrimônio destinou-se para contribuir no tratamento do músico Nicolino Fatigatti, acometido pela tuberculose.

LIGA OPERARIA Tendo se dissolvida a ‘Liga Operaria’, desta cidade, o conselho administrativo da mesma resolveu fazer donativo da importância que havia em caixa 62$100, o Sr. Nicolino Fatigatti, que se acha em Campo Mystico em tratamento de sua saúde. (O Serrano, 20/03/1921).

MAESTRO ALBERTO DE BENEDICTIS

A Corporação Musical “Umberto I”, mesmo passando por algumas dificuldades após o falecimento do maestro Vincenzo De Benedictis, continuou se apresentando regularmente entre o final da década de 1910 e toda a década de 1920, embora dividindo espaço com as outras Corporações Musicais. Assumiram a regência da “Umberto I” os filhos do maestro Vincenzo De Benedictis. Alberto De Benedictis chegou a Serra Negra, juntamente com o pai, Vincenzo De Benedictis, no início do século XX. Era músico integrante da “Umberto I”, como trompetista.

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Casou-se em Serra Negra em 1908, com a filha de um rico cafeicultor serrano, matrimônio que causou incômodos a determinada parte da sociedade local, pois era inconcebível para alguns filhos da terra que jovens brasileiras se casassem com imigrantes ou seus descendentes. Provavelmente em razão desta hostilidade, Alberto e sua família tenham se mudado para outra cidade. O que corroborou a hipótese foi um anúncio de 15 de janeiro de 1911, em que o músico ofereceu seus serviços como professor de música, o que leva a crer que ele estava retornando a Serra Negra.

Professor de Música Fixou residência nesta cidade, no Largo da Matriz n.9, o sr. Alberto de Benedictis, hábil professor de musica, que se acha a disposição dos interessados para os serviços de sua arte, leccionando piano e outros instrumentos em domicilio do alumno. (O Serrano, 15/01/1911)

Não foi possível afirmar que Alberto De Benedictis voltou a integrar os quadros da “Umberto I”, porém o músico passou a organizar em outubro de 1911 uma banda de música infantil, talvez reunindo seus alunos.

Foto nº 09. Maestro Alberto De Benedictis, década de 1900. Fonte: Galeria de Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora

Assim como seu pai, Alberto De Benedictis foi compositor e suas obras aparecem constantemente nas apresentações da Banda. A primeira notícia sobre suas composições data de 13 de março de 1912, uma marcha denominada L. Facini, e em junho do mesmo ano foi anunciada outra de suas peças.

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GENERAL AMELIO O Sr. Alberto De Benedictis, maestro de musica nesta cidade, acaba de offerecer á Corporação Musical “Umberto I”, uma marcha de sua composição a qual deu o título de “La presa di Rodi dal Generale Amelio” e que brevemente será executada no Coreto do nosso Jardim Público. (O Serrano, 02/06/1912)

O Corpo Musicale “Umberto I” executou as obras de Alberto De Benedictis sob a regência do músico Zacharias Quaglio, demonstrando, outrossim, que o autor mantinha boas relações com os membros da referida Banda. No final do ano de 1913 o maestro Vincenzo De Benedictis adoeceu e Alberto o substituiu no concerto de 7 de dezembro de 1913. A partir de 1914, Alberto passou a exercer outra atividade além de músico, pois inaugurou uma chapelaria, chamada Chapelaria Alberto, em uma das ruas centrais da cidade. Em novembro de 1916, assumiu definitivamente a condução da “Umberto I”, nela permanecendo até 1922105.

JARDIM PÚBLICO A Corporação Musical “Umberto I” executará hoje, ás dezoito horas, no coreto do Jardim Público, sob a regência do hábil maestro Alberto De Benedictis o seguinte Programma:

1ª Parte 1- Puglielli – Marcha Militar – Ettore Furamosca 2- Virani – Polka Flora 3- De Benedictis – Mazurka – Água Poderosa 4- Ascolese – Symphonia Original – Yolanda

2ª Parte 5- Marchetti – Passo doppio- Symphonia Odore 6- Verdi – Symphonia – Conte S. Bonifaccio 7- De Benedictis – Valsa - Filhinha 8- Cruz – Tango Cutúba (O Serrano, 26/08/1917)

O ano de 1918 destacou-se por vinte e um concertos apresentados pela “Umberto I”, sob a regência de Alberto De Benedictis. Também nesse ano, deu-se continuidade a uma campanha para arrecadação de fundos junto à população serrana visando à confecção de um novo fardamento para os músicos da Banda Italiana106. O ano seguinte não foi diferente do anterior: a “Umberto I” realizou concertos regularmente, porém não foi possível a renovação do contrato para o ano de 1920, a fim de

105 Na impossibilidade de seu comparecimento em alguns concertos, foi substituído por seu irmão Lívio De Benedictis. 106 O novo fardamento da Banda só foi confeccionado em 1923.

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manter as apresentações quinzenais. Assim, Alberto apresentou a última retreta do ano de 1919, com uma inusitada despedida.

Corporação “Umberto I” “Sendo hoje a ultima retreta que a Corporação Musical “Umberto I”, realisa no coreto do Jardim Público desta cidade, por ter sido indeferido o seu requerimento, o abaixo assignado vem agradecer em seu nome e no dos músicos, aos representantes da Câmara Municipal e ao Sr. Adriano Pinto da Fonseca, digno prefeito, a attenção e preferência que sempre tem dado à referida corporação durante todo tempo que realizou suas retretas no Jardim Público desta cidade. (a) O maestro - Alberto De Benedictis. (O Serrano, 28/12/1919)

Entre os anos de 1920 a 1922, as apresentações da “Umberto I” aconteceram esporadicamente, havendo notícias de retretas realizadas pela Corporação Musical “Carlos Gomes”, porém não ficou claro se a Banda Brasileira havia conseguido o contrato para as apresentações regulares. O último concerto que Alberto De Benedictis regeu à frente da “Umberto I” ocorreu em 10 de dezembro de 1922. Logo em seguida, ele mudou-se definitivamente para a vizinha cidade de Amparo, local em que exerceu atividade como professor de música até o seu falecimento, fato que ocorreu em janeiro de 1932.

Foto nº 10. Vista Parcial da cidade, início da década de 1930. No plano inferior, à esquerda, Hotel da Empresa da Fonte Santo Antonio, parte da Rua Cel. Pedro Penteado e suas casas antigas. No Alto do morro a Igreja São Benedito e o Hospital Santa Rosa de Lima. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da Pesquisadora.

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MAESTRO LÍVIO DE BENEDICTIS

Quando Alberto De Benedictis deixou a regência da “Umberto I”, substitui-o seu irmão Lívio. O músico Lívio De Benedictis chegou a Serra Negra no início do século XX, juntamente com seus familiares. Era o segundo filho do maestro Vincenzo De Benedictis. As primeiras informações encontradas sobre o músico datam de dezembro de 1915, quando a “Umberto I”, sob a regência de Vincenzo, apresentou a peça Água Poderosa, de sua autoria107. RETRETA108 A Corporação Musical “Umberto I”, executará hoje, às dezoito horas, no coreto do jardim público, sob a regência do maestro snr. Vicente De Benedictis o seguinte Programma I – Vicente De Benedictis – Marcha Militar –I Granatieri II – Vicente De Benedictis – Polka – Leticia III – Alberto De Benedictis - Symphonia Original IV – Lívio De Benedictis – Mazurka – “Água Poderosa” dedicada ao distinto Clínico Sr.Dr. Francisco A. Tozzi. Segunda Parte I – Orlando – Marcha Symphonica Poeta e Contadino II – Gounod – Phantasia Faust III – Vicente De Benedictis – Valsa – Filhinha IV – Neves – Tango – O Delirante (O Serrano, 26/12/1915)

[...] Foi bem apreciada a mazurka “Água Poderosa” de Composição do jovem Lívio de Benedictis, recompensada ao seu primeiro e feliz esforço. (O Serrano, 30/12/1915)

Após a estreia de Lívio De Benedictis como compositor da mazurca Água Poderosa, este se apresentou à comunidade serrana como professor de música.

Lívio De Benedictis Maestro de Música Lecciona Piano, Canto, Violino, Bandolin, Harmonia e Orchestra Rua 7 de setembro Num. 39 (O Serrano, 07/11/1916)

Assim como seu irmão Alberto, Lívio regeu a Banda Italiana na ausência de seu pai. Seu concerto inaugural aconteceu nas comemorações oficiais da data de 15 de novembro de 1917. Nessa solenidade a população serrana foi convidada a participar de uma passeata

107 A peça faz referência a descoberta das águas radioativas em Thermas de Lindóia. 108 Predominância na escolha do repertório de peças compostas pelos membros da família De Benedictis.

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cívica, evento que contou com a Corporação Musical “Umberto I”, Corporação Musical “Carlos Gomes” e pela linha de tiro, encerrando-se com um concerto. Destacou-se a atuação de Lívio De Benedictis como professor de música. Esta pode ser ressaltada devido à realização das audições musicais de seus alunos, como a ocorrida em 25 de março de 1920, no espaço do Cinema Joli. O Sarau Artístico contou com a participação da “Umberto I” e de outros conjuntos musicais que se apresentaram regidos pelos músicos Lívio de Benedictis, Zacharias Quaglio, Alfredo Dallari, Ângelo Lamari109, além da Sra. Artemisa Rielli Lombardi. No final de 1922, Lívio De Benedictis assumiu a regência da “Umberto I”, substituindo seu irmão Alberto. Nesse período ele já era reconhecido como professor de música e compositor. Em 1923 realizaram-se vários concertos sob seu comando e a Banda passou por uma reestruturação. Com a nova diretoria, encaminhou-se todo o instrumental para a cidade de Campinas/SP, para reforma e manutenção e, finalmente, a “Umberto I” inaugurou seu novo uniforme. O fardamento de casimira seguiu os moldes dos oficiais da infantaria italiana; a confecção ficou a cargo do músico e também alfaiate Ermindo Della Guardia.

Foto nº 11. Corpo Musicale “Umberto I”, setembro de 1923. Foto em comemoração a estreia do fardamento. Foto cedida pelo músico Orlando Lugli. Acervo da pesquisadora.

109 É um dos primeiros registros da atuação do músico Ângelo Lamari como maestro. A partir de 1950, Angelo assumiu a regência da Corporação Musical "Lira Serra Negra" permanecendo até 1975.

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Lívio De Benedictis permaneceu como maestro da banda até julho de 1925. Já no concerto realizado no mês de agosto a regência passou para Astolpho Perondini. Ao assumir a regência, Astolpho encerrou uma longa fase da banda, que foi marcada pela presença dos membros da família Benedictis. O registro desse período mostrou várias manifestações musicais, num curto espaço de tempo. Vemos que em menos de 30 anos possibilitou-se elencar a atuação das seguintes bandas: Corpo Musicale “Umberto I”, Banda de Música “Cesarino”, Corporação Musical “Carlos Gomes”, Banda dos “Morgantis’, Banda de Música “União Faz a Força”, Corporação Musical “Munhoz”, Corporação Musical “Santa Cecilia”, Corporação Musical “União Operaria”. Elencaram-se também os conjuntos musicais que atuaram nas sessões de cinema mudo, com a presença de instrumentistas femininas como Josefina Tozzini e Cristina Bianchi, além da pianista Artemisa Rielli Lombardi nos saraus artísticos. Têm-se ainda a Orchestra Munhoz e a Orchestra Euterpe Serrana, que acompanhavam os espetáculos teatrais e realizavam bailes dançantes, e os grupetos que animavam as festas na área rural - muitos músicos eram agricultores e lavradores -, além das manifestações da musicalidade da cultura negra. Alguns eventos significativos ocorreram também nesse período; a maioria em decorrência da atuação de um jovem que optou pela carreira religiosa e que era imigrante italiano; seus serviços religiosos e filantrópicos e a ajuda da comunidade local, inclusive da colônia italiana, mudaram a configuração da cidade.

Foto nº 12. Procissão cortando a cidade de Serra Negra, vinda provavelmente da Igreja de São Benedito, no Alto dos Pinheiros, caminhando pela Rua Sete de Setembro, subindo o Paço Municipal, passando em frente ao Grupo Escolar e seguindo em direção a Igreja Matriz. Década de 1910. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da Pesquisadora.

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2.4 - MONSENHOR MANZINI: RELIGIOSIDADE, MÚSICA E DESENVOLVIMENTO URBANO.

O imigrante Humberto A. M. Manzini nasceu em Mântua, na Itália, em 23 de fevereiro de 1879 e chegou ao Brasil em 01 de novembro de 1888, juntamente com seus pais, Marcos Manzini e Matilde Trevisi. A família se instalou na cidade de São Paulo e Humberto Manzini, com apenas nove anos, seguiu para Campinas para estudar. Nessa cidade se ordenou sacerdote em janeiro de 1911. Ele trabalhou como secretário particular de Dom João Batista Correa Nery e foi reitor do Seminário e Ginásio Diocesano de Campinas.

Foto nº 13. Lembrança da ordenação do Sacerdote Humberto A. M. Manzini, celebrada na Catedral de Campinas em 22/01/1911. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora

Ao se estabelecer na cidade de Serra Negra, empreendeu esforços a fim de arrecadar fundos para o término da reforma da Igreja Matriz e, em novembro de 1912, organizou os festejos para recepcionar o Bispo Diocesano, Dom João Batista Correa Nery, em

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sua vinda a Serra Negra. Tais festas contaram com a presença de duas bandas de música, como denota a notícia publicada no jornal local110:

BISPO DEOCESANO A CHEGADA DE D. JOÃO BAPTISTA CORREA NERY A chegada do Bispo de Campinas provocou grande festa e comemoração na cidade, com recepção, Discurso Oficial e com a participação das Corporações Musicais “Umberto I” e “União Operaria”, com apresentações no coreto construído em frente a casa de residência do vigário desta parochia. (O Serrano, 07/11/1912).

Estreitaram-se os laços de amizade com membros da comunidade serrana e o padre Manzini passou a frequentar assiduamente a sapataria de outro imigrante italiano, Alfredo Dallari. Durante sua permanência ali, passava horas conversando em italiano, relembrando o seu país de origem. A sapataria do Sr. Dallari localizava-se no largo da Matriz e se tornou um ponto de encontro entre para discussões acirradas e declamações da obra de Dante Alighieri. Alfredo Dallari era assinante do jornal Fanfulla e muitos conterrâneos, inclusive da área rural, passavam pela sapataria a fim de saber sobre os últimos acontecimentos referentes à colônia italiana que eram veiculados no jornal. A comunicação se dava através da leitura conjunta do referido jornal e, em voz alta, tudo era noticiado a todos os interessados.

Ilustração nº 12 - Jornal “Fanfulla”, edição de 1905.

Em 1888, os pais de Alfredo Dallari chegaram ao Brasil, oriundos da Villa Collemandina, arrabalde de Lucca, na Toscana, e foram proprietários de um armazém na Fazenda Campineira111, na área rural de Serra Negra. Dos quatro irmãos somente Alfredo era músico e seus instrumentos eram o trompete e o contrabaixo. Ele se casou em 1905 com Maria De Lorenzi, também imigrante italiana. Desde o início do século XX era membro do

110 O fato de o Monsenhor Manzini ter realizado seus estudos em Campinas teria dado a ele a compreensão da importância da boa música na realização das cerimônias religiosas. Daí talvez o apoio que ele sempre forneceu às corporações musicais da cidade, buscando assemelhá-las às bandas que conhecera na terra de Carlos Gomes, e para isso as relações com os imigrantes/músicos italianos foram fundamentais. 111 A Fazenda Campineira foi propriedade da família de Sylvino de Godoy, como já mencionado.

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Corpo Musicale “Umberto I” em Serra Negra e, como músico exemplar, empreendeu uma significativa liderança entre seus pares. Ele atuou também como professor de música, capacitando várias gerações de instrumentistas. Da grande amizade que mantinha com Manzini decorreu que, após a mudança do Monsenhor de Serra Negra, Alfredo não mais frequentou a Igreja. Outros vínculos de amizade ligaram-no aos músicos das famílias Lamari e Morganti112.

Foto nº 14. Largo da Matriz, Serra Negra, inicio da década de 1930. Anotação a maquina de escrever: “Chiesa Parrocchiale Serra Negra”. Trata-se do registro de uma festa paroquial. Nota-se grande reunião de pessoas em frente ao templo religioso e um carrinho de pipoca do lado esquerdo. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

Desde o final do século XIX, a Igreja Nossa Senhora do Rosário permaneceu em construção e reformas. Os impostos e multas angariados em alguns artigos dos Códigos de Postura destinavam-se às obras da Igreja, além das rendas dos inúmeros espetáculos que foram realizados pela comunidade local em benefício das obras de Matriz. A conclusão das

112 Silva, Claudia Felipe. A música como elemento integrador de imigrantes italianos à sociedade de Serra Negra: O papel das bandas de música na vida sócio-cultural paulista na primeira metade do século XX – Bolsa Pesquisa SAE/PRG – 2000/2001. Orientadora- Profa. Dra. Olga R. de Moraes von Simson.

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obras da Matriz requereu muita dedicação por parte do Monsenhor Manzini, que cuidou de todos os detalhes. Em 12 de junho de 1916, o Padre, representando a comissão de obras da Igreja Matriz, solicitou à Câmara Municipal a presença do arruador113, para que se procedesse ao alinhamento e nivelamento ao seu redor, visando ao início das obras de construção do passeio nesse mesmo espaço114. Após o término da obra, o Padre Manzini voltou-se para a construção do Hospital de Caridade, cuja primeira comissão formou-se em 1912. Por mais de 10 anos levantaram-se fundos necessários para a construção do nosocômio e, em 1923, lavrou-se o contrato no Segundo Tabelionato da Comarca, para a construção do hospital115. A partir do início das obras o Monsenhor registrou várias etapas da construção, até a sua inauguração em 30 de agosto de 1929.

Foto nº 15. Vista parcial da frente do prédio em construção - Hospital Santa Rosa de Lima. Photo Ambulante, F.N. Ano de 1928. Posando à frente do hospital em construção podemos observar um grupo formado por autoridades e dois trabalhadores. Um dos membros usando a batina é Monsenhor Manzini. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

113 Como já mencionado, o arruador era um profissional contratado pela Câmara cuja especialidade se voltava para a construção, podendo ser engenheiro ou mestre de obras. A função estava prevista no Código de Posturas, que deliberava de forma detalhada sobre a largura das ruas, a metragem das casas térreas e sobrados, incluindo o diâmetro das portas e das janelas. 114 Livro de Registro – Alinhamentos e Nivelamentos. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 115 A escritura de contrato de Empreitada para Construção do Prédio que se destinava ao “Hospital Santa Rosa de Lima” é datada de 14 de junho de 1923. A comissão para os trabalhos era composta por José Antônio da Silveira, José Fernandes de Carvalho, o médico Firmino Cavenaghi e o Cônego Manzini. Acervo de José Augusto Silveira Santos. Entre os empreiteiros estavam os irmãos Mattedi, que também eram músicos, componentes da “Umberto I” e de outros conjuntos musicais, como a Jazz Band Melodia, fundada em 1929.

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Os arquitetos e engenheiros paulistanos Francisco Salles Malta Junior e Henrique Jorge Guedes elaboraram o projeto para a construção do Hospital, que seria composto por três fachadas (frente, fundos e uma dos lados), duas enfermarias (masculina e feminina), uma sala cirúrgica, espaços destinados à área administrativa, cozinha, refeitório, banheiros e necrotério. No interior do edifício construiu-se um jardim interno e, próximo às enfermarias, erigiu-se uma pequena capela em homenagem a Santa Rosa de Lima, padroeira do Hospital.

Foto nº 16. Enfermaria Geral feminina do Hospital Santa Rosa de Lima, Serra Negra, 1929. Fonte: Humbeto Manzini. Acervo da pesquisadora.

Foto nº 17. Altar em louvor à Santa Rosa de Lima, padroeira do Hospital. Serra Negra, 1929. Fonte: Humbeto Manzini. Acervo da pesquisadora.

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Outro marco importante na vida da cidade no final dos anos de 1920 foram as comemorações do centenário de Serra Negra, que se estenderam por vários dias. Formou-se uma comissão organizadora constituída por autoridades locais e “gentis senhoritas”, que programou os festejos com antecedência; a cidade foi caprichosamente decorada com cordões de vegetação trançada e construíram-se vários portais na entrada das principais ruas.

Foto nº 18. Portal Comemorativo, Serra Negra/SP, 1928. Comemoração dos 100 anos de Serra Negra. Rua Sete de Setembro. Além do Portal, enfeites confeccionados com cordão de mato trançado. Movimentação de pessoas. Lado direito ficava a Farmácia Central. A visão de outros portais dá a impressão da construção de um portal em cada esquina. Bandeiras colocadas em cima do portal. A Placa em cima do portal diz: “Aos antepassados. Homenagem da cidade no seu centenário, 1828 – 1928”. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

A programação incluiu a realização de uma missa especialmente preparada pelo Monsenhor Manzini, que, em sua prédica, saudou a cidade. Na ocasião inaugurou-se o primeiro monumento da cidade, oferecido pelo médico italiano Francisco Tozzi.

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Foto nº 19. Monumento em comemoração ao 1º Centenário da cidade, oferecido pelo médico Francisco Tozzi. Ano de 1928. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da pesquisadora

As bandas de música sempre acompanharam as inúmeras procissões e festas religiosas, que seguiam um roteiro predeterminado. Às 05:30 iniciava-se a alvorada, momento em que a banda percorria as principais ruas da cidade, com repertório de dobrados e marchas. Dependendo do tipo da festa, às 09:30 a banda acompanhava a comissão festeira para a retirada das prendas e doações que seriam utilizadas nas quermesses e leilões. O período vespertino destinava-se ao acompanhamento das procissões e o dia festivo encerrava-se com o concerto noturno e a queima de fogos116.

116 Dependendo da festa ocorriam variações nos horários das atividades e percurso da procissão.

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Foto nº 20. Procissão realizada nas ruas centrais de Serra Negra, em 1928. Na primeira fila: os membros da irmandade; ao centro, Monsenhor Manzini, acompanhado de seus coroinhas; logo atrás, a Banda Musical “Umberto I”. Destaque para a presença do trompetista Alfredo Dallari, de terno, na direção do barril. Foto cedida por Wanda Dallari. Acervo da pesquisadora.

Além das festas religiosas realizadas na cidade programadas no calendário anual, existiam inúmeros festejos que eram comemorados nos bairros rurais e que também contavam com a presença da Banda de Música, como as ocorridas no bairro das Três Barras (Festa de São Roque), Bairro das Posses, Bairro dos Francos (Festa de São Sebastião), entre outros. Depois da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, que é a instituição religiosa mais antiga da cidade, surgiu a Irmandade de São Benedito, cuja fundação deu-se em 9 de maio de 1866117, sendo considerada a primeira associação religiosa de Serra Negra.

117 Segundo Caldeira, 1935, p.60.

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Foto nº 21. Festa em Bairro Rural, Serra Negra, 1925. Anotações a máquina de escrever - “Processione passando dinanzi allá casa Polidoro, a circa de 3 kilm. dalla cittá. Serra Negra, 8/5/1925”. Festa na área rural de Serra Negra, na propriedade da família Polidoro, uma das maiores produtoras de café da região. Procissão com meninas carregando um estandarte com a imagem de algum santo, seguida pelos meninos também com um estandarte, seguidos de adultos. Provavelmente a trajetória da procissão percorre um terreiro de café em direção à capela da fazenda. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

Segundo Benedita Gomes Rosa (2014), em 1873118já existia uma pequena igreja em homenagem ao Santo Padroeiro São Benedito, localizada no topo de um morro próximo ao antigo prédio da Cadeia119. Em 13 de maio de 1883, inaugurou-se o cemitério São Benedito, próximo à Igreja. Depois de alguns anos transferiu-se para o sopé do morro do Fonseca120. Quando da sua desativação, os restos mortais foram trasladados para o atual cemitério, fato este ocorrido em meados do século XX. Em 1889 construíram-se dois chafarizes na cidade, a fim de auxiliar no abastecimento de água, um deles no largo da Matriz e o outro no largo da Igreja de São Benedito. Em 1909 demoliu-se a Igreja de São Benedito e erigiu-se uma nova construção em um local denominado Alto dos Pinheiros121.

118 Existem também as informações que seguem: Em 1873 tem-se o registro da Irmandade Santíssimo Sacramento, a Matriz sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário, Capela de Santa Cruz e um cemitério municipal. Dados de 1873 – Almanak da Província de São Paulo. Dados de 1888- Relatório da Província de São Paulo. A Capela São Benedito e cemitério estavam localizados no antigo Paço Municipal, o espaço foi desapropriado pela Câmara para a construção de uma avenida. Jornal “Gazeta da Serra”, edição de 07/07/1910. 119 Atualmente está instalado no local a Agência dos Correios. 120 Atualmente Praça Lions Club. 121 Atualmente a entidade denomina-se Irmandade de São Benedito da Paróquia de São Francisco de Assis, sendo patrimônio da Diocese da Amparo/SP; aprovou-se o último estatuto em 21 de julho de 1957.

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Foto nº 22. Festa no Bairro dos Cunhas. Ao fundo, a Capela em homenagem a Nossa Senhora da Pompeia; ao lado esquerdo, Monsenhor Manzini. Festa típica de bairros rurais, integrando os membros da comunidade local, crianças, jovens, homens e mulheres. Serra Negra, 08/05/1925. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

Benedita Gomes Rosa (2014) descreve a vestimenta da irmandade da seguinte forma: Uma opa branca até a altura dos joelhos sobreposta por uma capinha preta que, contornando o pescoço, chega aos cotovelos, identifica nas procissões o Irmão de São Benedito. Nas mãos o Irmão de São Benedito carrega uma vela protegida por uma redoma de vidro presa a uma haste grossa, que chega até o chão.

Anualmente, no dia 6 de janeiro, celebra-se a festa em louvor a São Benedito. Rosa relatou também que, segundo os mais antigos, as festas eram sempre muito concorridas e bem organizadas. Os festeiros, alguns moradores dos bairros rurais, vinham especialmente para as novenas e ocupavam um lugar privilegiado nas procissões: eles carregavam o mastro à frente do andor, o qual era cercado por uma guirlanda de flores. A cortesia era justificada, pois esses senhores eram responsáveis pela manutenção das festas.

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Foto nº 23. Procissão descendo a Rua Santos Pinto. Ao fundo, a Igreja São Benedito, no Alto dos Pinheiros. Na frente da procissão, dois Irmãos de São Benedito, devidamente trajados, seguram as velas protegidas. Ano de 1923. Ao fundo aparecem os estandartes de mais duas irmandades. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da Pesquisadora.

A existência de uma irmandade em devoção a São Benedito permite pensar que ela era composta, ao menos no início, por negros cativos e/ou libertos; Julita Scarano aponta em sua pesquisa (1975) 122que fazer parte de uma irmandade era uma maneira de se integrar socialmente; caso contrário, o sujeito estaria fora do convívio social e seria visto com desconfiança. Assegurava, também, alguns direitos como registro de nascimento, de batismo e de casamento. Essa afiliação proporcionava alívio e despreocupação para com os rituais pós- morte, pois garantia-se aos seus membros um local onde seriam enterrados seus corpos e o fortalecimento para a alma com a encomenda do corpo e as missas regulamentares. Mesmo com toda influência da doutrina cristã, Scarano (1975, p. 150) expõe que “as confrarias serviam de veículo de transmissão de diversas tradições africanas, que se conservaram pela frequência dos contatos, pela conservação da língua e outras razões semelhantes”. Outro empreendimento digno de registro sobre o Monsenhor Manzini foi a construção do novo prédio do Externato Católico Sagrada Família, para melhor atender as crianças carentes da cidade. O início das atividades do Externato deu-se no final do ano de 1931, e esteve sob a direção das Irmãs Franciscanas Missionárias do Egypto, assim como o esteve o Hospital por muitos anos. Passados três anos o casarão alugado já não mais atendia as necessidades das meninas que o frequentavam; algumas alunas cuja condição familiar era muito precária, ou que eram órfãs, permaneciam hospedadas no Externato sob os cuidados das Irmãs. Houve, então, a intervenção do religioso, que mobilizou a cidade mais uma vez. No

122 A pesquisa realizada por Julita Scarano, que resultou em seu livro Devoção e escravidão: A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII, publicado em 1975, estuda a estrutura das irmandades desde seu aparecimento no Brasil. Sua obra tornou-se referência para estudos posteriores.

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final de 1937, inaugurou-se o novo prédio do Externato Sagrada Família, porém Monsenhor Manzini não acompanhou as últimas providências para comemorar o evento, já que se encontrava doente e em processo de recuperação na casa de familiares em São Paulo. A doença obrigou-o a se afastar da Paróquia de Serra Negra em meados ano de 1936. A população serrana, num gesto de gratidão, organizou uma festa de despedida, pois ele havia completado 25 anos de permanência e atividade religiosa na cidade. O programa dos festejos foi publicado previamente em dezembro de 1936 e contou com a presença da Corporação Musical “Umberto I”.

Ilustração n º 13. Jubileu de Monsenhor Manzini. Fonte: Humberto Manzini.

Em janeiro de 1937, assumiu o reverendo Padre Francisco de Campos Machado. Após sua mudança, Monsenhor Manzini manteve sólidos vínculos com os serranos, sempre preocupado com os antigos párocos, tanto que tomou a iniciativa da confecção do brasão da cidade123. Ele pessoalmente entrou em contato com Affonso de E. Taunay, para que este confeccionasse o escudo serrano. Manzini teve o apoio do Prefeito da época, também seu amigo, João Zelante, assim como contou com a aprovação dos membros da Câmara Municipal, em especial de Firmino Cavengaghi. A divisa do brazão de Serra Negra foi composta pelo revmº. Mons. Humberto Manzini, a quem se deve, também a iniciativa da confecção desse trabalho.

123 ANEXO Nº 01

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S.Revma. tendo encontrado apoio decidido e inteligente do sr. Governador da cidade, procurou o sr. dr. Affonso de E. Taynay, entregando á competência desse eminente historiador a confecção do escudo serrano. Logo depois estava o trabalho concluído e uma copia era colocada em exposição numa das galerias do Museu Paulista. A Câmara Municipal, attendendo a uma indicação do vereador sr. dr. Firmino Cavenaghi, entendeu, pois de homenagear o revmº mons. Manzini....(Serra Negra Jornal, 17/10/1937)

Foto nº 24. Dr. Firmino Cavenaghi e Monsenhor Manzini, foto datada de 05/10/ 1939. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

Monsenhor Manzini se estabeleceu na cidade de São Paulo e assumiu, em outubro de 1940, a Paróquia de São Gabriel Arcanjo, Jardim Paulista, lá permanecendo até 1949, quando se afastou por motivo de doença. Faleceu em São Paulo, em 04 de outubro de 1951. Seu corpo está sepultado no Cemitério do Araçá.

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2.5 - AS ÁGUAS RADIOATIVAS: INÍCIO DO TURISMO DE CURA E AS NOVAS PERSPECTIVAS NO DESENVOLVIMENTO URBANO DE SERRA NEGRA

Um fato ocorrido no final dos anos de 1920, mais precisamente em 1928, alterou a pequena Serra Negra: descobriu-se uma mina de água na propriedade do imigrante italiano Luiz Rielli. O proprietário logo relacionou a qualidade da água com as já afamadas águas das fontes de Thermas de Lindóia124.

[...] fazendo escavações em terrenos de sua propriedade, notou ele o aparecimento de um veio de água, límpida e abundante e de paladar agradável; curioso de saber se a mesma apresentava característica idêntica as das águas da região serrana, em vista da proximidade das fontes de Lindóia (17 quilômetros), providenciou em primeiro lugar o exame de radioatividade em uma amostra enviada da Capital do Estado. (Relatório de 1957).

Em março de 1930, técnicos do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo125 analisaram a qualidade da água utilizando o fontoctoscópio de C. Engles e Sieyekings número 2.420, sendo o resultado de 29,48 manche por litro126. Inclusive detectou-se a presença de Estrôncio127. Justifica-se a relação entre as fontes lindoianas e a mina descoberta, pois as propriedades daquelas águas já eram amplamente conhecidas no período. Tornado-se necessário um breve histórico sobre as águas radiotivas de Águas de Lindóia. Segundo Caldeira (1935, p. 71), as primeiras providências para a exploração das águas radioativas na região de Serra Negra, especificamente em Thermas de Lindóia, ocorreram em junho de 1910, quando se atendeu o requerimento que João Orlandi formulou, solicitando a isenção de impostos durante 20 anos, a fim de explorar as “águas thermais de Água Quente” e no local construir um hotel.

124 Thermas de Lindóia localizava-se em um bairro do Distrito de Paz Lindóia, pertencente à Comarca de Serra Negra. Somente em 1938, Lindóia e Águas de Lindóia emanciparam-se politicamente de Serra Negra, sendo Lindóia promovida a Estância Hidromineral. Em 1953, Águas de Lindóia torna-se Distrito de Lindóia, sendo elevada a Municipio somente em 1963. 125 No ano de 1957 foi constituída uma Comissão Municipal de Turismo, cujo objetivo era o de avaliar as propriedades das águas serranas, através de um levantamento realizado em diversas fontes. O trabalho originou vários relatórios com históricos e dados das fontes. Proc. nº 36/1957- Acervo da Prefeitura Municipal da Estância de Serra Negra/SP. 126 Outra análise foi realizada com o aparelho denominado Eletrômetro de Wulff, com resultado de 16.1 Unidades Manche por litro de água, valor que classifica a fonte como radioativa. 127 Estrôncio - elemento químico de número atômico 38 da família dos metais alcalinoterrosos.

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O requerimento referia-se a Thermas de Lindóia, bairro que pertencia ao município de Serra Negra; desde novembro de 1903, uma análise feita reconhecia a qualidade das nascentes locais.

Analyse das Águas Quente, feita no Laboratório Chimico do Estado de São Paulo, em Novembro de 1903. Temperatura das águas na fonte ...28,º5 C. Temperatura do ambiente...... 22,ºC. Gazes dissolvidos a 0,º e 760mm...86 cc. Sendo: Oxigênio...... 15, cc. 5 Azoto ...... 70, cc. 5 Matéria orgânica calculada em oxigênio.. 0,0005% Bicarbonato de magnésia...... 0,0270 % Bicarbonato de cálcio...... 0,0454 % Bicarbonato de potássio...... 0,0081% Bicarbonato de sódio ...... 0,0070% Cloreto de sódio ...... 0,0045% Matéria orgânica e perdas...... 0,018% Ferro, alumínio e sulfatos...... Traços Mineralização por litro...... 0,1028% Acido carbônico, sulflydrico, sulfuretos E azoticos ...... Ausência Ácidos azotados, azotoso, azotidos e Amoníaco...... Ausência

Essas águas estão infelizmente até hoje inexploradas. É, entretanto, grande já o uso que dellas se faz nesta cidade e localidades visinhas. Muitas pessoas tem ido ás fontes fazer uso de banhos. A distância, alguma difficuldade de comunicação talvez, terão impedido até hoje de se fazer alli um estabelecimento que facilite o bom aproveitamento daquellas águas, consideradas como de grandes virtudes. (Almanach, 1913, ps. 76/77).

De acordo com Campos e Silva (2005), as águas já eram apreciadas desde o final de 1899. Porém, quando, em 1909, o médico Francisco Antonio Tozzi128 adquiriu a propriedade Poços da Água Quente, ele se aliou a outro médico, o Dr. Vicente Rizzo, e juntos iniciaram uma série de estudos sobre os benefícios das águas e a possibilidade de serem exploradas comercialmente. Em 1915, divulgou-se o levantamento em uma conferência na Sociedade de Medicina e Cirurgia, ganhando destaque na imprensa paulista. O jornal A Nação publicou o artigo intitulado: “A fonte de águas thermais radio-activas de Lyndoia”, na edição de 19 de julho de 1915.

128 Ver nota nº 84.

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Ilustração nº 14. Cartão Postal das Thermas de Lindoya. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

O valor das águas radioativas, aliado ao trabalho desenvolvido pela equipe do Dr. Tozzi, chamou a atenção da cientista polonesa Marie Sklodowska-Curie129. Quando visitou o Brasil em 1926, o Dr. Tozzi convidou-a para conhecer as Thermas de Lindoya. Depois de alojada, ao inspecionar os hotéis, os pavilhões de banho, os locais de engarrafamento das águas, as fontes Santa Filomena e São Roque e os salões de emanações, observou que “aquelas águas eram fortemente radioativas”130. Os estudos continuaram, inclusive despertando interesse de vários pesquisadores, tornando as águas radioativas de Lindoya tema do 1º Congresso Brasileiro de Hydro- Climatologia, realizado em 1935, em São Paulo.

“Os resultados do Congresso – Uma das grandes revelações do Congresso foi a interpretação dada por Bruno Lobo ao admirável poder curativo das águas de Lindoya. Esse illustre assistente do Ministério da Agricultura estudou as águas daquella estância paulista sob o ponto de vista da radioactividade, descobrindo nellas o thoron, corpo capaz de manter vivos os effeitos da emanação. Assim se explica a razão de possuir Lindoya um poder therapeutico accentuado, quando a sua

129 Marie Sklodowska-Curie: cientista polonesa, detentora de dois Prêmios Nobel, fundadora do Instituto do Rádio em Paris no ano de 1909. 130 Braga, Francisco José dos Santos. Ano Internacional da Química, 2011: Marie Curie. In Polonicus: revista de reflexão Brasil-Polônia/Missão Católica Polonesa no Brasil- Ano 2, n.4 (jul/dez.2011) – Curitiba. Ps. 56-74

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radioactividade apenas alcança os limites mínimos da dose medicamentosa. Em geral, as águas radioactivas saem da fonte carregada de emanação, que rapidamente se dispersa. Com Lindoya não se dá isso: a sua carga e emanação é constantemente renovada pelo thoron que ella posue em dissolução” (Caldeira, 1935. p.208)

O Dr. Francisco Tozzi não economizou investimentos para a divulgação da Thermas de Lindoya, empreendimento que teve também a parceria do Grupo Matarazzo131 e muita divulgação nos jornais da região. Retomando a descoberta ocorrida em Serra Negra, após o resultado positivo das análises, o Sr. Rielli associou-se a membros da família Silveira, iniciando a construção das instalações da fonte Santo Antonio e, em anexo, construiu-se o Hotel da Empresa, que era uma espécie de balneário com espaços específicos e aparelhados para o uso medicinal das águas. Os visitantes se hospedavam no hotel durante o período em que estavam em tratamento com as águas radioativas e eram supervisionados por um profissional da medicina especializado em hidroterapia.

Ilustração nº 15. Matéria publicada no Serra Negra Jornal, promoção publicitária da nova Fonte Santo Antonio e da propriedade radioativas das suas águas, veiculava nos jornais as imagens da radiação. Serra Negra Jornal, edição de 11/08/1932.

Oficialmente considerou-se a Fonte Santo Antonio como a primeira fonte voltada ao tratamento de saúde; porém a narração do depoente Irineu Saragiotto apontou para o fato inusitado de que outras minas d’água já eram usadas pela população local devido às suas qualidades curativas. A história de uma delas envolve o médico Firmino Cavenaghi132.

131 Idem 130. Campos e Silva, 2005, p. 81. 132 Firmino Herminio Cavenaghi: nascido na cidade de Itapira, filho de imigrantes italianos, fixou-se em Serra Negra, na década de 1920. Era médico, foi prefeito da cidade por duas gestões, membro da Sociedade Italiana e participou da construção e diretoria do Hospital Santa Rosa de Lima.

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O Dr. Firmino, clínico geral e um “curioso” do termalismo, tinha como pacientes membros da família Tartarotti, que possuíam um pequeno sítio localizado no Bairro do Barrocão133. Nessa propriedade havia uma nascente de água mineral. Aconselhados pelo Dr. Firmino, os Tartarotti construíram no local alguns banheiros rústicos de tijolo e cimento.

... Mas, voltando então na parte das águas minerais. Então o Dr. Firmino mandava as pessoas tomarem banho, que tinha essas banheiras de banho de imersão, ali na chácara do Tartarotti e eu constatei pessoalmente, alguns anos atrás as ruínas desses banheiros lá... (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra/SP).

As narrativas de Irineu Saragiotto, embora com poucos dados relacionados a esse aspecto, nos permitem deduzir que foi o sítio da família Tartarotti que abrigou, rusticamente, o primeiro balneário serrano, utilizando as águas para tratamento de cura com recomendação médica. A população local valeu-se, também, de outras fontes, por atribuírem-lhes propriedades terapêuticas desde o final do século XIX. Como exemplo, existiu a fonte São João, de propriedade do imigrante português João Pires. Este, a fim de comprovar a veracidade terapêutica do manancial que o saber popular difundia, realizou análises do líquido, obtendo resultado positivo quanto à radioatividade de 14,12 unidade manche. “A Radio-actividade foi feita ‘in loco’ com o Fontactoscopio de Egler e Scieveking. São Paulo, 10 de dezembro de 1931. – O chimico (a) S.Teixeira – O auxiliar technico (a) Adelno Leak” (Caldeira, 1935, p.127). O laborioso João Pires construiu também um pequeno balneário, oferecendo tratamento para moléstias do estômago, fígado, intestino, reumatismo, acido úrico e vias urinárias. A fim de explorar ainda mais o potencial de sua mina, passou a engarrafar a água coletada e vendê-la em todo o território nacional através de uma concessão à firma M. Silvestrini, sediada na cidade de São Paulo. Também utilizou como matéria-prima as águas da Fonte São João na fabricação do Guaraná Cunhambebe, iniciada no ano de 1934. A comunidade também se utilizou da Fonte São Agostinho devido aos seus benefícios; embora estivesse localizada dentro de propriedade particular, o proprietário liberou o seu uso134.

133 A propriedade era próxima do atual Hotel Fazenda São Matheus. 134 Devido ao grande fluxo de pessoas, a área da fonte e seu entorno foram desapropriados no final da década de 1950, tornando-se espaços públicos, atendendo aos serranos e veranistas.

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A partir de 1928, iniciou-se a exploração das águas radioativas da Fonte Santo Antonio, acontecimento que trouxe para a cidade uma nova perspectiva econômica. A busca da cura através das águas estimulou a Sociedade Rielli & Silveira e Filho a ampliar seus investimentos. Em junho de 1930, inaugurou-se a construção que abrigou a Fonte Santo Antonio. Para esse evento Monsenhor Manzini celebrou uma missa na qual as autoridades locais estiveram presentes.

Foto nº 25. Missa da inauguração da Fonte Santo Antonio. Serra Negra/SP, 1930. Anotações manuscritas de Umberto Manzini. “Missa Inaugural da Fonte Santo Antonio”. Celebrante o pároco Cgo. Umberto Manzini, 12/6/1930”. Fonte: Humberto Manzini. Acervo da pesquisadora.

No início dos anos de 1930, a cidade ainda era desprovida de infraestrutura para receber o grande fluxo de visitantes, o que motivou os proprietários da Fonte Santo Antonio a ampliar seu empreendimento, construindo um hotel mais requintado. Em junho de 1931 houve o lançamento da pedra fundamental, que contou com a presença da Corporação Musical “Umberto I”.

Lançamento da Pedra Fundamental do Grande Hotel Este grandioso acto, teve logar as 14 horas, com a presença de todas as autoridades locaes, corpo docente e discente do nosso grupo escolar, de milhares de pessoas de todas as classes sociaes e foi abrilhantado pela corporação musical “Umberto I”. (Serra Negra Jornal, 08/06/1931)

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Entre tantas medidas tomadas pelos sócios esteve a contratação dos arquitetos do Escritório Ribeiro e Masini, da cidade de Campinas. Em abril de 1933 executou-se o alinhamento e nivelamento do terreno135.

Termo de alinhamento e nivelamento, requerido pelos senhores Rielli, Silveira e Filho, para construção de um prédio com três andares, destinado a um hotel. Aos vinte e seis dias do mez de abril do anno de mil novecentos e trinta e três, nesta cidade de Serra Negra, Estado de São Paulo, na secretaria da Prefeitura Municipal, onde se achava o secretario adeante nomeado, compareceu o senhor Benedicto Mattedi e disse: que em despacho proferido num requerimento que lhe foi apresentado pelos senhores Rielli, Silveira e Filho, no qual pede a nomeação do arruador para proceder ao alinhamento e nivelamento em um terreno sito a Rua Coronel Pedro Penteado, onde pretende construir um prédio com três andares, destinado a um hotel sanatório, junto a fonte de águas radio-activas “Santo Antonio”. (Grifo nosso)

Segundo a descrição de Odilon Souza Lemos136, a construção seria em estilo colonial, contendo três pavimentos. “O Radio Hotel começou a funcionar em meados dos anos 30, integrando o seu patrimônio: a Fonte Santo Antonio, área de lazer, instalações fisioterápicas e uma reserva florestal anexa”. No final dos anos de 1930, o imigrante italiano João Gerosa arrendou o hotel. Conforme lembranças do depoente Oswaldo Saragiotto, o primeiro hotel de qualidade na cidade foi o Hotel do Comércio, da família Vichi. Depois surgiu o Hotel São Paulo, quando as ruas ainda eram de terra. Só mais tarde foi construído o Radio Hotel e, quando João Gerosa o arrendou, a cidade ainda sofria com a falta de estrutura e recursos financeiros. Ele mesmo falou, tudo o que ganhei aqui eu vou empregar aqui. Que quando ele veio em Serra Negra, o Gerosa, ele tinha vendido um hotelzinho que ele tinha lá em São Paulo. E ele veio para cá e comprou o hotel, não o prédio. O Radio Hotel e montou... ele não tinha muito dinheiro e ele chegou a dever um ano ai no armazém. Tinha um fornecedor de lenha, porque o fogão era tudo a lenha, era o Giuseppe Tomarelli que era o que tinha o deposito ... chegou a dever um ano também. Mas ele devagarzinho foi... foi...acertou. Pagou todo mundo e cresceu. (Oswaldo Saragiotto, 2014, Serra Negra/SP)

João Gerosa empreendeu grandes investimentos, depois de um tempo de arrendamento do Radio Hotel. Ele construiu uma piscina para ser utilizada pelos hóspedes e, mediante o pagamento de uma taxa, pelos os habitantes de Serra Negra e pelos visitantes. Outro empreendimento foi a construção do Prédio das Arcadas, em frente ao Radio Hotel. A parte superior era composta de apartamentos e a parte térrea destinava-se ao comércio. A

135 Livro de Registro – Alinhamentos e Nivelamentos. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 136 Jornal A Cidade, edição de 13/06/2008.

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justificativa para construção era que os hóspedes do hotel teriam mais um espaço para lazer e compras. Tereza Marchi também lembrou em seu depoimento a inauguração do Prédio das Arcadas: A inauguração! A gente foi aí. Eu era solteira, ainda, mocinha. Ah! A banda! Foi uma beleza, foi um acontecimento, porque Serra Negra não tinha... nem prédio de apartamento. Foi o Gerosa, quem fez. (Tereza Marchi, 2014, Serra Negra/SP)

Ilustração nº 16. Prédio das Arcadas. O imóvel ainda conserva suas características arquitetônicas e de uso. Propaganda da Loja Ritz. Fonte: Jornal O Serrano, edição de 11/06/1950.

Foto nº 26. Vista lateral do Radio Hotel. A foto é anterior à construção da piscina e do Prédio das Arcadas. Vemos na parte inferior da foto uma pequena entrada lateral. Aí a população de Serra Negra tinha permissão de entrar no hotel para utilizar a Fonte Santo Antonio. A construção beirando a esquina era o chamado Hotel da Empresa, primeiro local utilizado para hospedagem e tratamento dos doentes. Com a construção do prédio novo, o mesmo foi desativado. Década de 1930. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

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Foto nº 27. Rua Cel Pedro Penteado, avistando o edifício do Radio Hotel, Serra Negra/SP. Década de 1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da Pesquisadora.

A partir do investimento aplicado na Fonte Santo Antonio e da construção do Radio Hotel, a Rua Coronel Pedro Penteado vai lentamente se reconfigurando pelo fato de demolirem-se alguns imóveis, dando lugar a novas construções, como lembrou o depoente Nelson de Barros. Seu pai comprou um imóvel por volta de 1929, na Rua Coronel P. Penteado e, durante muito tempo, só havia dois sobrados nessa rua, o da família Rielli e o do Sr. Francisco Saragiotto. A edificação mais vistosa era a do Radio Hotel, enquanto o restante da rua era “um monte de casinhas velhas”. Depois de dez anos, seu pai demoliu o imóvel velho e construiu um sobrado, sendo a parte superior destinada à moradia e o piso térreo servindo de abrigo à sua marcenaria. Com o fluxo de turistas, direcionou a produção da oficina para o artesanato.

Foi nesse período... o Radio Hotel já estava construído. Nesse período, então começou (sic) a aparecer turistas, aí que meu pai começou a trabalhar com artesanato... aí começou as lojinhas. Não tinha! O Spinhardi, era uma fábrica de sandália, no começo....tinha o Corsi, ele abriu uma loja em frente à casa do meu pai. Não tinha loja, não! (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP).

No entanto, os veranistas, como eram designadas na época as pessoas que frequentavam as estâncias de cura, vinham em períodos específicos, principalmente nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, julho e dezembro. Era incipiente o fluxo dessas pessoas nos primeiros anos após a descoberta das águas, e geralmente permaneciam na cidade por 21 dias, período que durava o tratamento, ou a critério médico.

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Ganhava importância a estada dos veranistas na pequena cidade, motivando também os jornais da localidade a registrarem sua permanência.

Em uso das águas Estão hospedados no Hotel da Empresa: dd. viscondessa da Cunha Bueno, Amélia Pinto de Souza, Leopoldina C. Aguirre, Albertina Maria de Campos, mme. Dr. Raphael Cavalcante, dd. Clara Sobral, Dulce Rego Freitas, mme. Manoel Salustiano de Araujo, stas Maria P. de Almeida, Lourdes Rego Freitas, srs. Antonio Alves Pinto de Almeida ... No Hotel do Commercio: srs. dr. Lourival Casabona, Vicente Casabona, Paschoal Leopardo, Rubens Camargo, Amâncio Peixe e sta. Aracy Moraes de São Paulo ... (Serra Negra Jornal, 01/04/1933)

Outra forma de tornar públicos os benefícios das águas serranas era a narração dos tratamentos com resultados positivos e o registro de depoimentos daqueles que apresentavam melhoras após a medicação aquática.

“C.C.L. de 26 annos de edade, brasileira, casada, residente em Soccorro. Chegou em Serra Negra em 5 de fevereiro de 1933 para tratar-se de um eczema secco que lhe appareceu, há 3 mezes, em ambas as mãos. O tratamento medicamentoso, feito desde o início da sua moléstia, foi absolutamente inefficaz- motivo porque a paciente veio a Serra Negra, a conselho de seu médico, para submetter-se a tratamento crenotherapico. Nesta cidade fez uso das águas radioactivas da Fonte Santo Antonio, sob minha orientação clinica, de 7 a 22 de fevereiro. Indiquei exclusivamente a referida água em uso interno na dose de 2 300 c.c. por dia, para ser tomada de 15 em 15 minutos e em 3 sessões. Externamente, não permitti nem siquer a applicação de compressas. O eczema desappareceu completamente 15 dias de pois do início do tratamento. Serra Negra, 26 de fevereiro de 1933 Dr. João Lombardi (Serra Negra Jornal, 18/03/1933)

...Do dr. José F. de Queiroz Telles: Cheguei em Serra Negra aos 7 de Outubro de 1933, em companhia de minha família. Vim para me convalescer de um terrível rheumatismo e hoje posso dizer que me acho completamente restabelecido. ...Do dr. Antonio Amaral Vieira, ministro aposentado do Tribunal de Justiça do Estado: E, si não fiquei mais moço do que vim, volto convencido de que não sou tão velho como pareço (Caldeira, 1935, p. 116)

A divulgação da nova estância de tratamento contribuía para os propósitos dos investidores, que era a de aumentar a frequência dos visitantes. Tornou-se de grande valia o episódio ocorrido em meados do ano de 1931, quando a Revista Chácaras e Quintaes137 publicou uma matéria assinada pelo entomologista Frei Tomás Borgmeier (Alemanha, 1882-

137 Revista criada pelo italiano Amadeu Amadei Barbiellini em 1909 e extinta em 1971.

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Brasil, 1975), que nesse período era assistente no Instituto Biológico de São Paulo. Frei Tomás permaneceu em Serra Negra um mês e realizou alguns levantamentos sobre a cidade e suas águas. Após retornar a São Paulo publicou a referida matéria, que foi transcrita na edição do Serra Negra Jornal em agosto de 1931.

... Parece fora de duvida que o alto gráo do radioactividade verificado nas águas de Serra Negra, está em relação da formação geológica do lugar. Diz Madame CURIE no seu “traitê de radioativité”: As fontes mais activas se encontram nos terrenos formados por rochas antigas”. E é justametne isso que se dá com a fonte de Serra Negra. Pois suas águas nascem, segundo foi constatado por abalisados geólogos paulistas, de rochas eruptivas, de origem vulcânica, e pertencentes a época archeana que é a mais antiga dos tempos geológicos. Já obtiveram curas maravilhosas pelo uso das águas radioactivas de Serra Negra, havendo numerosos casos documentados por attestados dos médicos do lugar drs. Jovino Silveira, Firmino Cavenaghi e João Lombardi....(Serra Negra Jornal, 01/08/1931)

O deslumbramento em relação às águas poderosas proporcionara novas perspectivas para Serra Negra, e as famílias abastadas investiram no novo empreendimento. A Fonte Santo Antonio, que foi descoberta em 1928, teve suas propriedades analisadas em 1930; no mesmo ano foi inaugurado o seu pavilhão, e no ano seguinte construíram o Hotel da Empresa. Iniciou-se também o seu funcionamento para abrigar os pacientes, assim como a estrutura montada para os banheiros que eram utilizados nos tratamentos, tudo supervisionado por um profissional da área médica, o Dr. João Lombardi, que era o diretor clínico da Fonte. Em 1935 o Radio Hotel já se encontrava edificado e equipado para receber os veranistas, tendo demandado pouco tempo para a realização das construções. Com um investimento considerável, pôde-se oferecer à população local mais postos de trabalho na área da construção civil e no ramo da hotelaria. O mesmo se deu com o investimento realizado por João Pires em um balneário mais modesto, utilizando as águas da Fonte São Carlos para os tratamentos. As lembranças do depoente José Franco de Godoy mostraram uma cidade carente, sobretudo a Rua Coronel Pedro Penteado, toda precária. Apesar das águas radioativas, o café ainda era a principal riqueza de Serra Negra.

...e depois foi crescendo, crescendo e surgiu a nossa abençoada água, foi o que reergueu Serra Negra... não vinha muita gente... era aquela coisinha modesta, pouco conhecida. Nem sabia que existia Serra Negra... Quando surgiu o Radio Hotel, já começou a melhorar... É uma pena que ficou propriedade particular, no começo os serranos iam buscar água aí... quantas vezes que nós íamos buscar água com o garrafão... não tinha nada, nem é bom lembrar, algum botequinho, bar. Bar sempre teve em todo o lugar... O Spinhardi, depois ele montou uma fábrica de bolsas, cintos.

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Naquela época, não posso lembrar, mas tinha meia dúzia de fabricantes de bolsa, cinto e sandália... tinha um loja de tecido do João Dib... era do tempo do metrinho, vendia por metro, você comprava o pano e mandava fazer a calça, a camisa... O forte era o café, ainda é o café, aqui tem muito café! (José Franco de Godoy, 2015, Serra Negra/SP).

Como fonte primordial de renda do município, a produção chegou a 9.200.000 cafeeiros entre os anos de 1921/1922. O café permaneceu como principal produto agrícola, também, na década de 1930, tendo produzido 485.950 arrobas da rubiácea entre os anos de 1931-1932.

ANOS CAFEEIROS PRODUÇÃO TOTAL / ARROBAS 1911-1912 7.822.000 357.480 1912-1913 7.822.000 224.505 1913-1914 7.822.000 413.100 1914-1915 8.360.000 301.820 1915-1916 8.360.000 334.890 1916-1917 8.360.000 335.830 1917-1918 8.935.000 382.000 1918-1919 8.935.000 208.000 1919-1920 8.935.000 186.000 1920-1921 8.935.000 336.000 1921-1922 9.200.000 280.000 Quadro nº 10. Produção de Café. Serra Negra, período de 1911 a 1922, Fonte: Dados contidos na obra Os Municípios Paulistas. Org. Eugênio Egas, 1925. Quadro elaborado pela pesquisadora.

Não houve no período a preocupação em diversificar a produção agrícola e, quando a crise do café se instalou, muitos agricultores perderam dinheiro e propriedades, sendo que alguns imóveis foram leiloados para garantir o pagamento dos débitos em execuções ajuizadas; outros foram desmembrados, formando pequenos sítios cujos compradores eram imigrantes e seus descendentes que já haviam conseguido capital para investir em terras.

[...] Serra Negra, cidade relativamente antiga, tendo suas esperanças voltadas para a cultura do café, pois era ella a sua principal e quasi única riqueza, soffreu atrozmente com a crise que, há annos, empolgou a lavoura paulista. Baixando o preço do precioso producto, os fazendeiros serranos tiveram graves prejuizos e, com elles, todo o município sujeitou-se a padecer, luctando contra a falta de meios. A cidade entrou, então, em período de franco declínio, causando geral apreehensão esse estado de cousas, principalmente porque nenhuma solução parecia existir, impondo- se a todos a triste verdade: Serra Negra, a prospera séde da comarca invejada pelas suas visinhas, estava na imminecia de retrogradar, de voltar pelos passos feitos, tornando-se novamente simples districto de paz![...] (CALDEIRA, 1935 p.106).

O depoente Oswaldo lembrou que seu pai, o Sr. Francisco Saragiotto, quando chegou a Serra Negra, no final do século XIX, foi trabalhar em um estabelecimento comercial

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e, depois de algum tempo, conseguiu comprar um terreno localizado entre a esquina da Rua Cel. Pedro Penteado e o largo do antigo Mercado Municipal, local onde construiu um sobrado. No térreo ele montou um armazém; o andar de cima serviu como morada da família. O armazém possuía uma grande variedade de produtos que atendiam tanto a clientela da área urbana como da rural. Anotavam-se as vendas em cadernetas e os pagamentos eram feitos anualmente, após a colheita do café. Nesse tempo, os estabelecimentos comerciais tinham a obrigatoriedade de manter um espaço onde os animais e charretes pudessem ser guardados. Com a crise, muitos lavradores, proprietários e meeiros não conseguiram um bom preço para vender a produção de café. Consequentemente, eles não tiveram como honrar os seus compromissos, contribuindo para que os donos dos armazéns ficassem em uma situação difícil. O Sr. Oswaldo contou que seu pai foi obrigado a fechar três das quatro portas do armazém, e só passado muito tempo conseguiu recuperar parte do dinheiro que lhe era devido.

Foto nº 28. Vista Parcial da cidade, início da década de 1930. No plano inferior estão dois pavilhões do Mercado Municipal, parte do Jardim Público, com o coreto. Ao fundo está o prédio do Grupo Escolar. Todo o centro da cidade tem um traçado regular em suas construções, seguindo as orientações dos Códigos de Posturas. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

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Além da questão econômica, a Revolução de 1932 deixou marcas significativas na cidade, pois dois jovens serranos morreram em combate no mesmo ano: o Sargento Agostinho de Oliveira e o Tenente Mario Hilário Dallari138. Na lembrança do depoente Oswaldo Saragiotto, a revolução de 1932 rendeu algumas histórias, entre elas o episódio da chegada de uma patrulha na cidade.

Eu tinha 12 anos. Na Revolução de 32, eu tinha 12 anos. Eu lembro bem, porque a gente ia aos lugares mais altos para ver se via algum bombardeio, aquela curiosidade. Falavam que a tropa do norte vinha por Minas e de fato veio. Vieram até Amparo e em Serra Negra veio uma patrulha. Eu estava na rua e me lembro, eu era moleque, estava na rua e tinhas uns guardas... e apareceu uma patrulha de Amparo....antigamente a saída de Amparo era aqui... era desse lado aqui.. na continuação da Rua Visconde... E veio essa patrulha, foi uma correria. Correu tudo no Club 8, para ver quem era. O que ia fazer? Prender quem? Aqui não tinha quem prender... E alguns aqui de Serra Negra, os que eram mais ricos, fugiram para Amparo e lá em Amparo é que teve, inclusive um vermelhinho, chamava aviãozinho vermelhinho e jogaram uma bombinha, lá em Amparo. E foi uma gozação de todo mundo. Os ricos foram lá para Amparo e pegaram a bomba lá! (Oswaldo Saragiotto, 2014, Serra Negra/SP).

A depoente Tereza Marchi (2014) também narrou que as tropas chegaram até a cidade vizinha de Lindóia, vindas de Itapira, porém não conseguiram seguir viagem até Serra Negra pelo fato de os paulistas terem demolido a ponte que ligava as margens do Rio do Peixe, que atravessava a cidade.

Foto nº 29. Voluntários da Revolução de 1932 que serviram na trincheira da cidade de Itapira/SP. Identificado o soldado em pé, lado direito, Sr. José Ramos da Silva. Acervo da Pesquisadora.

138 O corpo do Tenente Mario Hilário Dallari, que era filho do músico Alfredo Dallari e Maria de Lorenzi Dallari foi trasladado de Serra Negra para o memorial da Revolução4 em São Paulo, na década de 1970.

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Em novembro de 1932, com o término da Revolução Constitucionalista, persistiu a questão sobre a cafeicultura, voltando-se tanto para a produção quanto a manutenção dos cafezais. O Governo Federal adotou medidas visando diminuir os excedentes e aumentar as exportações. Porém, encontrou-se outra saída: estimular a substituição da produção da rubiácea pelo plantio do algodão, visto que a indústria têxtil estava em franco desenvolvimento, inclusive suprindo o mercado externo, principalmente no período da Segunda Grande Guerra (1939-1945). Em Serra Negra, mesmo com a crise, a lavoura de café permaneceu como principal fonte de renda, e no final da década de 1930 a produção atingiu 240.000 arrobas. Considerou-se incipiente a produção de algodão, com 3.200 arrobas139. Ao longo dos anos a produção cafeeira contribuiu para um aumento significativo das máquinas de beneficiar café, conforme quadro:

Ano Nº de máquinas 1886 03 1912 08 1919 23 1924 41

Quadro nº 11. Máquinas de beneficiar café. Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.

O médico Firmino Cavenaghi, nomeado prefeito de Serra Negra pelo Decreto de 26 de setembro de 1933140, após sua posse, numa entrevista concedida ao Serra Negra Jornal, expôs as dificuldades financeiras por que passava o Município. Discorreu sobre essa precariedade e a impossibilidade de assumir, naquele momento, qualquer compromisso, visto estar falida a Prefeitura e sem condições de investir em melhorias como a construção de rede de esgoto, a captação de água e a construção de pontes urbanas. A exploração das águas

139 VALLIM, Pedro E. Álbum dos Municípios do Estado de São Paulo, 1940. 140 O médico havia sido eleito em pleito no mês de maio de 1933, sua posse foi adiada, pois o governo do Estado de São Paulo estava se reestruturando. Com a nomeação do interventor federal Armando Salles de Oliveira decidiu-se o destino de Serra Negra. O novo prefeito prestou compromisso do cargo, no Departamento de Administração Municipal em São Paulo. Serra Negra Jornal, setembro de 1933.

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radioativas seria considerada, indubitavelmente, uma opção para a retomada do crescimento econômico da cidade. O processo de transformar a pequena cidade em uma estância reconhecida oficialmente ainda levaria alguns anos e esteve atrelada a um movimento político local. Desde o início do século XX, acirravam-se demasiadamente as disputas políticas. Já mencionamos a existência de dois grupos opostos: um liderado pelo Capitão Francisco Pinto da Cunha, também conhecido como “Chico Ramos”; outro, pelo seu adversário Major Camilo Pires Pimentel. Ambos pertenciam ao Partido Republicano Paulista - PRP e disputavam a chefia do Diretório do Partido. Os “ramistas” eram apoiados pelo jornal O Serrano e os “piristas” pelo jornal A Serra Negra. As contendas permaneceram por muitos anos e, mais tarde, o Capitão José Antonio da Silveira, grande fazendeiro e abastado capitalista, assumiu a liderança política da cidade e foi substituído pelo seu filho Jovino Silveira. Nos anos de 1930 formaram-se outros dois grupos: um liderado por Jovino Silveira e outro por Firmino Cavenaghi, ambos médicos e filiados ao Partido Constitucionalista. Firmino Cavenaghi tomou posse do cargo em 1933 (pós-revolução), como já mencionado, e, no pleito de 1937, seu grupo elegeu um número maior de vereadores, colocando Jovino Silveira na condição de opositor. No entanto, ambos firmaram um acordo pondo fim às contendas, restabelecendo a harmonia política serrana. Como parte do acordo propuseram alguns itens de colaboração mútua, cujo objetivo principal era obter melhores oportunidades para o município de Serra Negra e o Distrito de Lindóia. Dentre os itens destaca-se o de nº 02, que versava sobre a elevação da cidade à condição de estância hidromineral141.

0s dois grupos aceitam a creação de uma estância hydromineral e uma prefeitura sanitária, sendo a primeira em Serra Negra e a segunda em Thermas de Lindóia, para as quais indicarão ao Governo do Estado os respectivos titulares. (Felix, 2014, p. 199)

O empenho da classe política para que Serra Negra e o Distrito de Lindóia obtivessem reconhecimento oficial como estâncias contava com inúmeros argumentos favoráveis, pois as qualidades das águas já eram reconhecidas pelos seus usuários e divulgadas publicamente, inclusive em congressos. Outro fator que promovia o benefício das

141 A reprodução na íntegra do documento está registrada na obra de Alcebíades Felix. O acordo foi lavrado pelo Tabelião de Notas, Benjamim Nóbrega, em 17/08/1937.

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águas foi a visita do então Governador Washington Luiz, em 1921. Após sua estada na cidade de Itapira/SP, seguiu viagem até o Distrito de Lindóia, onde proferiu um discurso no qual exaltou a importância das águas da região, qualificando Serra Negra como sendo a “cidade da saúde”142 .

Foto nº 30. Visita do Governador Washington Luiz, Distrito de Lindóia, 1921. Foto cedida por Alcebíades Felix. Acervo da Pesquisadora.

[...] tive ensejo de ouvir palavras tão repassadas de generosidade e encanto como estas que acabam de vir de Serra Negra, que bem pode se chamar a Cidade da Saúde, a cidade bendita onde as energias do corpo se retemperam e acrescentam [...] [...] depois que se soube que no seio fecundo de suas terras brotam veios de águas milagrosas, fonte divina onde os que sofrem deixam na linfa pura a memória dos seus males, solvendo nela a cura, a alegria, a esperança, cresceram as responsabilidades de Serra Negra para com São Paulo, mais ainda para com o Brasil, pois fato é que todos volvem os seus olhos hoje para esse recanto abençoado como para uma estância balsâmica de consolo e redenção[...] (Felix, 2012, p. 46) 143

A ação política para a instituição das estâncias surtiu efeito, pois, através do Decreto nº 9731 de 16/11/1938, criou-se a Estância Hidromineral de Lindóia, constituída do Distrito de Paz do mesmo nome, no Município de Serra Negra. E, em 27/10/1939, o decreto nº 10.646 considerou estação de tratamento e repouso a zona compreendida nos limites do perímetro urbano da cidade de Serra Negra144.

142Designação utilizada a partir de então: Serra Negra, cidade da saúde. 143 Discurso reproduzido na Obra: A História de Serra Negra por Alcebíades Felix, 2012. 144 O Decreto 10.646, de 27/10/1939, fixa como zona para estância hidromineral o perímetro urbano do município de Serra Negra, foi assinado pelo Interventor Federal do Estado de São Paulo, Adhemar de Barros. A criação das estâncias de tratamento e repouso seguia o Decreto nº 6.501/34, em que se regulamentava sua administração pela Divisão Administrativa do Estado, através do qual os prefeitos eram nomeados pelo Governo

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A expectativa dos serranos era de que, elevado o município à condição de

estância, consequentemente viriam os incentivos financeiros do Governo Estadual, como preconizava a lei, e que foram concedidos a outras estâncias como São José dos Campos e Campos do Jordão; porém, os recursos não chegaram. Os fatores econômicos e políticos afetaram sobremaneira a vida musical da cidade. Das bandas que atuavam em Serra Negra, somente a Corporação Musical “Umberto I” permaneceu ativa. Depois do afastamento do maestro Lívio de Benedictis, assumiu a regência Astolpho Perondini, músico, produtor de café e membro da Società Italiana.

2.6 – MÚSICA, MÚSICOS E LAZER

MAESTRO ASTOLPHO PERONDINI

Astolpho Perondini nasceu em 1894. Era filho de imigrantes italianos e tornou-se um importante comerciante de café na cidade de Serra Negra. Foi aluno de Vincenzo De Benedictis, assim como seus irmãos e primos. Seus instrumentos foram o trombone e o bombardino. Assumiu a regência do Corpo Musicale “Umberto I” em 1925, após de ter sido musicista da mesma banda durante anos. O primeiro registro encontrado dele como maestro refere-se ao concerto realizado em 2 de agosto de 1925, e a sua passagem como dirigente musical da “Umberto I” não foi das mais fáceis. Entre os anos de 1926 a 1929 encontram-se poucas notícias sobre a Banda Italiana e seus músicos. Sabe-se que, além dos concertos realizados em Serra Negra, a Banda foi convidada inúmeras vezes pelo médico Tozzi para apresentações nas Thermas de Lindóia.

Estadual e as estâncias poderiam receber subvenção para a manutenção administrativa, para os serviços públicos e para a execução de melhoramentos no município. As cidades que foram reconhecidas oficialmente como estâncias registravam em suas histórias os fatos que contribuiriam posteriormente para a sua titulação, isso ocorreu com São José dos Campos e Campos do Jordão. APÊNDICE Nº 03: A formação das estâncias de cura do Estado de São Paulo.

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Foto nº 31. Corpo Musicale “Umberto”. Apresentação em Thermas de Lindoya, na propriedade do Dr. Francisco Tozzi, 1926. Foto cedida pela família Dallari. Acervo da pesquisadora.

Em 1930, a “Umberto I” realizou dezessete concertos, além da participação em solenidades religiosas, mas tudo indica que ela passava por reestruturação, pois, em maio de 1931, a “Umberto I” voltou a ser notícia, depois de seis meses sem apresentações públicas.

Corporação Musical “Umberto I” Vem a ser reorganizada a Corporação Musical “Umberto I” desta cidade. Esse facto veio, sem duvida ao encontro das mais justas aspirações do povo serrano, motivo pelo qual causou contentamento. (O Serrano, 24/05/1931)

Retreta Na retreta que se anuncia para amanhã a tarde, no jardim da praça Barão do Rio Branco, a Corporação Musical “Umberto I” executara o seguinte programa:

1ª Parte I – Ouro Fino – Dobrado II – Tarde em Lindoya – Valsa III- Cavatina Nel’Opera - Somnambula IV – Molinello - PolKa 2ª Parte V – Os granadeiros - Marcha VI – O Guarany – Symphonia - Gomes VII – O Choro é nosso – Maxixe (O Serrano, 06/09/1931)

As raras retretas ocorreram somente no segundo semestre, porém a “Umberto I” esteve presente em dois eventos maiores: na comemoração de 04 de novembro, promovida pela Società Fra Italiani e nas solenidades de 15 de novembro.

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4 de Novembro A data de 4 de Novembro que recorda o grande feito das armas italianas na batalha de Vittorio Veneto, foi comemorada com grande brilhantismo pela laboriosa colônia italiana desta cidade. A banda musical “Umberto I” tocando a alvorada percorreu as ruas da cidade e à noite realisou um concerto no coreto do jardim publico, que teve uma assistencia enthusiasta e numerosa. A “Sociedade Italina de Soccorros Mutuos” realisou uma sessão cívica em que se poz em destaque a gloriosa data onde refulge o patriotismo dos filhos da heroica nação peninsular. (Serra Negra Jornal, 07/11/1931)

Mais uma vez a imprensa serrana contribuiu para sensibilizar os dirigentes políticos e a população para a causa da musicalidade em Serra Negra. Houve uma manifestação pública através do semanário O Serrano, para que os concertos da “Umberto I” voltassem a ser patrocinados pela Prefeitura Municipal; os resultados do manifesto foram positivos e assinou-se um contrato para as apresentações quinzenais.

A temporada de 1932 se iniciou com as comemorações da fundação de São Vicente e a presença da “Umberto I” continuou marcante nas festividades religiosas, da Società Italiana e datas cívicas, sempre anunciando os eventos com as famosas alvoradas.

4º centenário da fundação de São Vicente. As commemorações nesta cidade. Foi hontem commemorada festivamente, nesta cidade, a data do 4º centenário da fundação da Capitania de São Vicente [....] Pela manhã, em alvorada, a corporação musical “Umberto I”, percorreu as Ruas da cidade[...] A noite, no coreto do jardim da Praça Barão do Rio Branco, realisou-se o concerto da corporação musical “Umberto I”[...] (Serra Negra Jornal, 23/01/1932)

Foto nº 32. Corpo Musicale “Umberto I”, em uma apresentação, área rural, na década de 1930. Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.

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Ilustração nº 17. Serra Negra Jornal, edição de 07 de maio de 1932

Durante o ano de 1933 realizaram-se inúmeros concertos e participações em festas, inclusive as religiosas.

Musica no jardim Amanhã, á hora do costume, a Corporação Musical “Umberto I”, sob a regência do sr. Astolpho Perondini, realisará, no Jardim da Praça Barão do Rio Branco, um concerto, com excelente programma. (Serra Negra Jornal, 14/10/1933)

Festa de S. Felicio Revestiu-se de invulgar animação e brilho, a festa realizada a 30 do corrente no bairro das Posses, em louvor de S. Felicio. Essa festa que constou de cerimonias religiosa e actos profanos, foi abrilhantada pela corporação musical “Umberto I”. A ella compareceram innumeras pessoas desta localidade. As solennidades religiosas foram celebradas pelo exmo padre José Cobucci, vigário de Monte Alegre, especialmente convidado para tal. A noite, logo após a procissão e benção do S. S. Sacramento, foram queimados em frente a Igreja vários fogos de artificio. (Serra Negra Jornal, 03/09/1933)

Mesmo com o empenho do maestro Astolpho Perondini e seus músicos, a Banda não conseguiu a renovação do contrato com a Câmara Municipal para as apresentações quinzenais em 1934. A situação financeira do Município estava comprometida, como já havia

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exposto o Prefeito Cavenaghi. A fim de solucionar o impasse, Firmino Cavenaghi tomou uma decisão inusitada e única na história das bandas serranas: ele subvencionou os concertos. A Banda realizou cerca de 20 apresentações, graças ao auxílio financeiro pessoal do Prefeito Municipal.

BANDA DE MUSICA O sr. Dr. Firmino Cavenaghi, prefeito municipal, vem abrir mão de parte de seus subsídios, para subvencionar a corporação musical “Umberto I”, que estava na imminencia de ser dissolvida. A corporação “Umberto I”, que é uma das melhores do interior do Estado e representa para Serra Negra uma verdadeira tradição artística, bem merece o gesto do chefe do executivo municipal, que é, aliás, digno de todo o nosso applauso. O sr. dr. Firmino Cavenaghi com essa attitude, firmou-se ainda mais no alto conceito em que é tido pelos seus pares. (Serra Negra Jornal, edição de 03/02/1934)

Os problemas da “Umberto I” continuaram e, no final de 1935, ocorreu um desentendimento entre a Banda e um grupo de políticos, fato que se tornou matéria na imprensa local. Não foi possível precisar quanto tempo durou o “impedimento”, mas a “Umberto I” realizou concertos em espaços particulares.

Concerto Musical Impedida de realisar, há dias, uma de suas costumeiras retretas no coreto do Jardim Público, por communicação da Prefeitura Municipal desta cidade, feita por intermédio do digno sr. dr. Delegado de Policia, a tradicional Corporação Musical “Umberto I”, realisará, hoje, às 19 horas, no recinto da Fonte São João, gentilmente cedido pelo seu proprietário sr. João Pires, mais um dos seus bellissímos concertos. (Serra Negra Jornal, 29/12/1935)

Concerto A corporação musical “Umberto I”, realisou domingo p.p., conforme notíciamos, belíssimo concerto, na Fonte São João, desta cidade. A tradicional corporação executou excelente programma, que foi vivamente aplaudido pela enorme massa popular que correu aquelle pitoresco ponto da nossa urb. (Serra Negra Jornal, 05/01/1936)

Em relação aos anos de 1936 a 1939 são raras as informações. Em 1938 a Corporação Musical “Umberto I” realizou 10 apresentações, e no ano de 1939 realizaram-se concertos quinzenalmente, segundo algumas notícias.

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Concerto A hora do costume, a corporação musical “Umberto I” realizará hoje, no coreto do jardim da Praça Barão do Rio Branco, mais um dos seus excelentes concertos, que obedecerá ao seguinte programa: 1º - Dobrado, Avenida; 2º - Valsa, Ercilia; 3º - Mazurca, Caracteristica; 4º - Fantasia, Lucia de Lamenuor; 5º - Marcha, Lembrança, dedicada ao Café do Barulho; 6º - Fox trot, Apache; 7º - Machibed; 8º - Tango, Esquecido (Serra Negra Jornal, 05/04/1938)

Foto nº 33. Corpo Musicale “Umberto I”, ano de 1938. Lado esquerdo, sem instrumento, o Maestro Astolpho Perondini. Foto tirada na praça em frente ao Grupo Escolar. Foto cedida por João Gallo Corato. Acervo da Pesquisadora.

O ano de 1940 foi excelente para a Banda de Música “Umberto I”: já nos primeiros dias de janeiro ela participou das festividades ocorridas na Capela de São Sebastião, localizada no Bairro Rural dos Francos, dividindo as atividades musicais com o Coro de Vozes da Igreja Matriz. Também já estava programada a participação da Banda nas solenidades da Semana Santa e na Festa de Santo Antonio.

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Ilustração nº18. Jornal O Serrano, edição de 06/01/1940

A Corporação Musical “Umberto I” realizou onze concertos no ano de 1940, todos eles no Coreto do Jardim central, e em 1941 não foi diferente: participou das festividades religiosas e apresentou concertos quinzenais, indicando que houve renovação dos contratos com o poder público. A atuação dos conjuntos musicais independia de apoio ou patrocínio de dinheiro público, apesar de serem formados por músicos que também integravam a Banda de Música, pois cumpriam outro papel dentro da diversão da comunidade, não vinculados aos festejos cívicos e/ou religiosos. As apresentações geralmente eram realizadas em ambientes fechados e festas particulares, como os casamentos. O primeiro grupo que se destacou no cenário musical serrano foi a Jazz Band Melodia, fundada em 13 de junho de1929, e era composta em seus primórdios pelos irmãos Benedito, Matheus e José Mattedi, Amadeu Evangelista Carletti, José Caetano dos Santos, Donato e Affonso Albertini. A regência se dividiu entre os músicos Lívio de Benedictis e Santini Mattedi.

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Foto nº 34. Conjunto Jazz Band Melodia. Serra Negra/SP. Foto Fagundes de Serra Negra, década de 1930, músicos identificados por Odilon Souza Lemos, colaborador do Jornal Serra Negra. Ao alto, em pé, da esquerda para a direita: José Mattedi, trombone, Matheus Mattedi, saxfone alto, Benedito Mattedi, clarinete, Joaquim do Amaral Campos, trompete e Amadeu Evangelista Carletti, violino. Sentados, da esquerda para a direita: Donato Albertini, banjo tenor, José Caetano dos Santos, bateria, Afonso Bertini, cavaquinho. Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da Pesquisadora.

BAILE Promovido pelos aquáticos, realisa-se hoje, no Club 1º de Janeiro, gentilmente cedido pelos sócios, um chocolate dansante que será abrilhantado pelo apreciado “Jazz Melodia”, sob a regência do hábil maestro Lívio de Benedictis. Agradecemos o convite que recebemos. (O Serrano, 29/04/1933).

A Jazz Band Melodia era titular do Clube 1º de Janeiro, considerado na época o clube da elite serrana. Localizava-se na esquina da Rua Sete de Setembro com a atual Praça Barão do Rio Branco e o espaço já havia sido utilizado na década de 1910, com o Club Democrata. Anteriormente à inauguração desse Clube, a sociedade serrana utilizava os salões do Joli Cinema para promover bailes e recreações.

CLUB DEMOCRATA Carnaval ...Já este anno, o carnaval entre nos, divertiu muito. O automóvel Garfagnina durante os três dias, correu as Ruas, conduzindo rapazes e moças, phantasiados uns, em trajes pittorescos outros. Um grupo de muzicos da "Humberto I”" phantasiados ou caracterizados e vistidos de modos originaes e curiosos, alegrou as Ruas com tangos e polkas festivos. Um barracão, coberto de palha, conduzia pela cidade muitos

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mascaras interessantes. E outros grupos de rapazes, de meninas, de crianças, cada um no seu typo, ajuntou a tudo mais uma nota de vida e palpitante alegria. Serpentinas, confetti, lança-perfumes por toda a parte, onde havia um grupo qualquer. O salão do Joli, na ultima noite, esteve repleto, sendo ahi grande a animação, passando, como é muito natural nesse dia despercebidas as fitas no meio dos folguedos carnavalescos. No salão do Club Democrata houve, nessa noite, um baile, que durou algumas horas, no meio da maior e da mais franca alegria. E tudo foi assim, no carnaval deste anno, sem uma nota dissonante, deixando no espírito de todos uma agradável recordação. (O Serrano, 09/03/1916).

Nos anos de 1920 ainda encontraram-se referências sobre as atividades musicais e sociais desenvolvidas no Club Democrata. Já nos anos de 1930 inaugurou-se o espaço físico com outra designação, Club 1º de Janeiro.

Bailes - Conforme notíciamos realisou-se sabbado ultimo, nos salões do Club 1º de Janeiro, um pomposo sarau dansante, promovido por distinctas senhoritas desta cidade. As dansas, que se prolongaram até a madrugada do dia seguinte decorrerram num ambiente de grande animação e foram abrilhantadas pelo magnífico “Jazz Melodia”. - Logrou invulgar brilhantismo a soirré dansante que promovida por diversos rapazes de nossa sociedade e pela directoria do “Rio Branco E. C.”, foi levada a effeito domingo ultimo. Nos salões do antigo Club Democrata Serrano (Serra Negra Jornal, 14/10/1933) Grifo nosso.

O depoente Oswaldo Saragiotto foi um dos sócios do Club 1º de Janeiro e contou que, na época do clube, eram promovidos muitos bailes temáticos, num dos quais ocorreu um episódio que foi especialmente memorável, quando a filha de um rico fazendeiro de Serra Negra entrou num baile sem estar devidamente trajada para o evento.

O baile que nós fazíamos antigamente, o baile da primavera. Eu tenho até uma história desse baile. Uma ocasião nós fizemos um baile e era obrigatório as mulheres tudo de roupa e os homens de terno escuro e gravata. E aconteceu que fizemos o baile e veio a Anesia Silveira, filha do Juca Preto, ela veio com o noivo e não estava vestida. Quem é que ia proibir ela? E ela entrou... aí nós fizemos outro baile e justamente estava aqui um casal... o delegado era moço e fazia parte da nossa turma. Aí falamos desse baile e comentamos com ele. – Não! Eu fico na porta! Se ela não vier vestida (a caráter) eu barro. Ela era a mais rica da cidade, fazia o que queria. Fizemos o baile, ela veio com o Dr. Mario, (que) era noivo dela. Não pôde entrar, ele (o Delegado) não (a) deixou entrar. Para nós foi uma alegria... aí quando houve outro baile ela pôs a roupa (adequada). Aprendeu... barrada no baile, no (Club) 1º de Janeiro, ali. (Oswaldo Saragioto, 2014, Serra Negra/SP)

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O Club 1º de Janeiro permaneceu em funcionamento provavelmente até início do ano de 1940145, quando ocorreu o baile de carnaval com a presença da Jazz Band Melodia. Não foram encontradas mais notícias de suas atividades posteriormente.

Ilustração nº 19. Jornal O Serrano, edição de 04/02/1940

Ainda nos anos de 1930, surgiram outros clubes, como o Clube 5 de Janeiro, que constituía local destinado a eventos, como saraus, bailes, inclusive no período do carnaval, com suas matinês.

Club 5 DE JANEIRO Promovido por elementos da nossa melhor sociedade, realisou-se hontem no Club 5 de Janeiro, um interessantíssimo baile à caipira, que causou êxito estrondoso. Os salões da novel sociedade apresentavam uma ornamentação bizarra, e o sarau foi abrilhantado por um grupo musical de Itapira, genuinamente brasileiro. (O Serrano, 29/06/1930).

O Clube 5 de Janeiro também sediava eventos com a participação feminina, tornando o espaço primordial para as mulheres serranas, pois podiam se apresentar

145 O Salão do Club 1º de Janeiro foi mais tarde ocupado como sede da Câmara Municipal de Serra Negra.

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musicalmente, como fizeram as pianistas Emma Franco e Yolanda Bruschini Silveira, dividindo o palco com músicos já renomados, como os irmãos Mattedi.

Constituiu um verdadeiro successo o festival litero musical levado a effeito por iniciativa do Dr. João Lombardi no amplo salão do Club 5 de Janeiro. Perante uma assistência selecta e numerosa fizeram-se ouvir as eximias pianistas exmas. sras. Emma Franco, Yolanda Bruschini Silveira e senhorita Maria Apparecida Nóbrega, allunna do conservatório musical de S. Paulo, que deleitaram a assistência executando com inexcedível maestria producções de Carlos Gomes, Verdi e outros grandes compositores. As senhoritas Maria Cândida Nóbrega, Lygia Werneck e Elza Mendes, declamaram com muita naturalidade e dicção impeccavel, lindas poesias dos nossos melhores escriptores, sendo, todas ellas, ao terminar fartamente apllaudidas. Por ultimo, o Dr. João Lombardi, que não poude se esquivar a insistentes pedidos recitou com a graça e naturalidade que lhe são peculiares, uma poesia humorística, inédita, de sua lavra, sendo muito applaudido. As intelligentes meninas Renata Rossi, Mafalda Amabile e Inah Nóbrega, prestaram o seu concurso ao festival incumbindo-se de interessantes números. A orchesta Mattedi tomou parte no sarau executando bellos números de seu vasto repertório. Foi uma festa de arte e bom gosto que deixou indelével impressão ao espírito de todos os que tiveram a ventura de assisti-la. (Serra Negra Jornal, 16/01/1932)

Outro clube, o Operário, também se formou, significativamente, nos anos de 1930; nitidamente em contrapartida ao Club 1º de Janeiro, que era destinado à elite, o Operário já rotulava em seu nome a origem dos associados. Em sua diretoria passaram músicos da “Umberto I”, como Angelo Lamari e Astolpho Perondini. O Club Operário também tinha um conjunto musical da casa, cuja liderança era do músico Alfredo Dallari, com sua Jazz Radio.

Clube Operario Está sendo organisada, nesta cidade, uma sociedade com a denominação supra, cuja séde será installada nos espaçosos saloes do predio nº 2, da Rua Tiradenes. Damos a seguir a directoria provisoria dessa sociedade: Presedinte – Angelo Antonio Lamari Vice-presidente – João Alfredo Virgilio 1º Secretario - Romeu Antonio Ricci 2º Secretario – Narciso dei Santi Thesoureiro – Armando Stenghel Cobrador – José L Tomaleri (Serra Negra Jornal, 29/07/1935)

Club Operario Realisou-se hontem, nos salões do Club Operario, belíssima e animada partida dansante. Abrilhantada pelo magnifico Jazz Radio, dirigido pelo maestro Alfredo Dallari, as dansas decorreram animadas, num ambiente de franca cordialidade. Agradecemos o convite enviado a nossa redacação. (Serra Negra Jornal, 29/09/1935)

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O espaço do Club Operário146 foi muito utilizado para os festejos da Societá Italiana devido a sua excelente localização e acomodações. Um evento de grande notabilidade foi a festa que se realizou em novembro de 1936, a qual contou com a presença do agente consular italiano.

Societá di Mutua Assistenza fra Italiani Constituiu, sem duvida a nota chic da semana, a festa realisada a 4 do corrente, em commemoração do XVIII anniversario da confraternisação européia e do XIV aniversario da marcha sobre Roma. A’s 10 horas da manhã na igreja matriz que se encontrava repleta, realizou-se solenne missa cantata, em suffragio das almas dos soldados mortos na grande guerra ítalo-abyssinica. A noite no coreto do jardim da Praça Barão do Rio Branco, a corporação musical “Umberto I” realisou maravilhoso concerto. Em seguida, no Club Operário Serrano, onde se encontrava o que Serra Negra possue de mais chic fizeram uso da palavra, falando sobre os factos que se commemorava os srs: Benedito Freire Napoleão, dr. Vicente Rizzo, Dyonisio David Teixeira, Monsenhor Humberto Manzini e Adone Bonetti, agente consular italiano em Amparo, que foram bastante applaudidos. Seguiu-se animado baile, cujas danças se prolongaram até alta madrugada. (“Serra Negra Jornal”, 08/11/1936).

146 O imóvel foi destinado primeiramente à instalação do Cinema Central, que funcionou por alguns anos; como a metragem era razoável, foi instalado o Club Operário. O músico Angelo Lamari, membro da diretoria do Clube, conhecia bem espaço, pois ele fez parte do conjunto que acompanhava os filmes. Quando o Club Operário encerrou suas atividades, o local novamente sediou um clube, o Clube XV de Novembro, que se configurou em 1938 e tornou-se o Clube mais frequentado de Serra Negra durante sua existência.

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Continuidades Na realidade nada está perdido, nem pode ser perdido: nenhuma forma, identidade, nascimento – nenhum objeto do mundo. Vida nem força nem coisa alguma visível, as aparências não devem deter nem a esfera mudada confundir teu cérebro. Amplos são o espaço e o tempo, amplos os campos da Natureza. O corpo lerdo, envelhecido, frio - brasas restantes de antigos fogos, luz esmaecida nos olhos - há de outra vez flamejar como deve; o sol agora baixo no ocidente levanta-se em manhãs e meios-dias contínuos; aos canteiros gelados retoma sempre o invisível código da primavera com relva e flores, grãos e frutos de verão.

Walt Whitman

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3 – A CIDADE E AS MUDANÇAS (Décadas 1940-1980)

3.1 - A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL e O INCREMENTO DO TURISMO

O final da década de 1930 e o início da seguinte foram marcados por significativas transformações na pequena Serra Negra. O advento da Segunda Guerra Mundial atingiu a cidade, especialmente a comunidade de imigrantes italianos e seus descendentes, tanto que a Società di Mutua Assistenza Fra Italiani convocou seus associados para uma Assembleia Extraordinária em 23 de outubro de 1938, a fim de regularizar sua documentação, seguindo o Decreto do Governo Federal nº 383, de 18 de abril de 1938. A entidade viu-se obrigada a mudar a denominação para Sociedade de Mútua Assistência de Serra Negra e aprovar novos estatutos. Dentro do novo tratamento dado aos imigrantes italianos, em agosto de 1942 a sede da Sociedade Italiana foi lacrada e seus móveis foram confiscados. Com essa atitude, fechou-se a sala em que o Corpo Musicale “Umberto I” promovia seus ensaios, pois a sede da Banda ficava em uma das salas da Sociedade Italiana147. Com o ocorrido, a Banda de Música “Umberto I” também passou por mudanças. O maestro Astolpho Perondini era membro da diretoria da Societá Fra Italiani e, consequentemente, estava diretamente envolvido com as duas entidades. Para não comprometer a “Umberto I”, a partir de 1942 as apresentações dos concertos omitiram o nome “Umberto I”, sendo substituído por Banda de Música ou Corporação Musical. Estas notícias a princípio nos fazem deduzir que a Corpo Musicale “Umberto I” encerrou suas atividades e outra banda estaria atuando, porém, segundo os depoimentos dos músicos, a Banda continuou suas apresentações até 1944, com a mesma formação e o mesmo repertório, deixando de utilizar a denominação italiana devido ao fato de o Brasil nesse período estar em guerra com a Itália. Na área econômica, os investimentos continuaram na cidade de Serra Negra: edificaram-se novos hotéis, surgiram lojas e fábricas com produtos direcionados aos visitantes, como lembrou o depoente José Franco, mencionando as instalações de fábricas de

147 O Delegado de Polícia, Antonio Loleto Salvia foi o encarregado de proceder ao confisco dos bens e lacração da sede da Sociedade Italiana. Não foram encontrados documentos da entidade, pois, prevendo que algo poderia ocorrer, a documentação da Sociedade foi retirada antes do fechamento e guardada por membros da família Lamari. Meses depois o imóvel foi liberado. A Banda de Música voltou a fazer os ensaios rotineiros.

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couro. O Álbum dos Municípios de São Paulo, publicado no ano de 1940, registrou que a cidade possuía oito hotéis no final dos anos de 1930, sendo eles: Rádio Hotel, Hotel da Empresa, Hotel do Comércio, Hotel Santo Antonio, Novo Hotel, Hotel Marchi, Hotel São Paulo e Regina Hotel, além de inúmeras pensões. Os novos estabelecimentos não supriam a demanda dos veranistas em contínuo crescimento.

3.1.1 – Cassino e Música

O processo dinamizador da economia de Serra Negra partiu de um grupo de empreendedores liderados por Claudio Novaes, através de uma sociedade chamada Companhia Melhoramentos de Serra Negra, que, em janeiro de 1940, iniciou as articulações para a instalação de um cassino na cidade. Para tanto, Claudio Novaes adquirira um imóvel de José Cintra de Almeida, localizado a cerca de cinco quilômetros do centro da cidade, denominado Chácara São Pedro, local esse que abrigava a Fonte dos Amores. A pretensão do novo proprietário era a de realizar a “construção de hotéis – sanatórios, dotados de todos os requisitos da hygiene moderna, e portanto, apresentando todo o conforto para seus futuros hospedes[...]”( O Serrano, 21/01/1940) O Serrano de 21 de janeiro de 1940 noticiou, também, que a cidade contava com oito hotéis e cinco pensões, perfazendo um total de 900 leitos e, com a construção do novo empreendimento, as acomodações atingiriam 1800 leitos, atendendo a demanda dos visitantes em busca de saúde e lazer, que aumentava gradativamente. O pedido de concessão para a exploração dos jogos tramitou rapidamente. Em 14 de fevereiro de 1940, publicou-se no Diário Oficial a autorização para instalação do cassino na cidade, porém a edificação não estava concluída. A opção foi abrigar de forma provisória a sala de jogos em um espaço do Radio Hotel, tendo em vista a sua localização privilegiada no centro da cidade e a qualidade dos serviços oferecidos. A expedição de alvará de licença para a exploração de jogos era regulamentada através de decretos que disciplinavam aspectos da atividade, como o horário de funcionamento, tipos de jogos e idade dos frequentadores. Os jogos só eram permitidos em casas “com instalações sumptuosas”, e também, é claro, mediante o pagamento de impostos.

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Através do Decreto-Lei nº 3.987, de 2 de janeiro de 1920, assinado pelo Presidente Epitácio Pessôa, oficializaram-se os jogos de azar e garantiu-se um numerário adicional aos cofres públicos; tal decreto versava, outrossim, sobre a reorganização dos Serviços da Saúde Pública, em seu artigo 14, que regularizava e concedia autorização para a realização de jogos de azar, mediante condições e pagamento de uma taxa de 15% sobre o produto líquido. Segundo Paixão (2003), criou-se tal tributo para atender as graves questões da saúde pública do período. Disciplinando também a questão sobre os impostos temos os decretos sob nºs 5.947/1933 e 10.462/1939, que regulamentavam “os impostos que recaiam sobre cassinos das estâncias balneários e hidrominerais” e, entre seus dispositivos, está o direcionamento da contribuição, especificado no artigo 8º:

Da renda líquida apurada com o imposto de licença especial, oitenta por cento são destinados a Assistência Hospitalar do Estado, e os vinte por cento restantes à Assistência Hospitalar do Município. Essa renda recolhida ao Tesouro Estadual e Contadorias Municipais respectivas, na proporção indicada, devendo ser escriturado como renda com aplicação especial nos referidos serviços.

Seguindo ainda as orientações do Decreto 10.642/1939, para a obtenção do respectivo alvará, a petição deveria ser direcionada ao Chefe de Polícia, procedimento esse realizado por Claudio Novaes, conforme publicação de 30/06/1940 em O Serrano.

Casino O “Diário Official” de hontem publicou o seguinte despacho da Chefatura de Polícia de São Paulo: - Da Empresa de Melhoramentos de Serra Negra, sobre a exploração de casino: - Compareça à Tesouraria Geral desta Republica, afim de depositar a importância de Rs. 30:000$000, da qual 15:000$000 correspondem ao depósito adiantado da taxa fixa, relativa ao primeiro trimestre, a que se refere o § 2º do art. 4º do decreto n. 10.462, conforme foi arbitrada pelo Sr. Chefe de Polícia, e os 15:000$000, restantes para o pagamento do pessoal necessário aos serviços de fiscalização, nos termos do § 1º do art. 19 da portaria n. 66 de 11-1939. (O Serrano, 30/06/1940)

Vários outros cassinos localizados em estâncias hidrominerais e climáticas encontravam-se em funcionamento, como o de São Lourenço e o de Poços de Caldas, ambos localizados em Minas Gerais, além do de Campos do Jordão, em São Paulo, onde a atividade do jogo era explorada pelo Governo do Estado. Independentemente de ser fruto da iniciativa

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privada ou governamental, a edificação deveria ser suntuosa, com restaurante, bar, piscinas, salões e salas para conferências. No ano de 1941, a construção do Grande Hotel Serra Negra já estava adiantada e absorveu mão de obra local constituída de pedreiros, de mestres de obras e de marceneiros. Os Srs. Quirino Rossi e Bruno Caravatti arrendaram o hotel, iniciando os procedimentos para a exploração do cassino e, para seu funcionamento, foi necessária a contratação de mão de obra especializada. Além dos serranos, profissionais das áreas artística, de entretenimento e do jogo migraram dos grandes centros, sendo que muitos deles acabaram se estabelecendo e constituindo família em Serra Negra.

Foto nº 35. Construção do Grande Hotel, que abrigaria o Cassino. Início dos anos de 1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da Pesquisadora.

No início do ano 1942, inaugurou-se o cassino do Grande Hotel, proporcionando uma vasta programação de shows, com apresentações de artistas nacionais e internacionais, possibilitando a Serra Negra um turismo mais elitizado. Entre os contratados estava a Orquestra Orlando Trinca148.

...Casino do Grande Hotel Serra Negra um dos maiores e dos mais luxuosos do nosso Estado. O sr. Lemos já deu inicio aos serviços das instalações do suntuoso Casino, a ser inaugurado ainda este mez... (O Serrano, 01/02/1942)

148 ANEXO Nº 02

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Com a presença de músicos profissionais na cidade em virtude das apresentações no Cassino, alguns fatos chamaram a atenção, como o que ocorreu quando a direção do Cassino, a fim de suprir a necessidade de moradia dos componentes da Orquestra Orlando Trinca, impediu por dois anos a hospedagem no Hotel Brasil, para que nele ficassem alojados os músicos e seus familiares. Outro fato diz respeito à contratação dos músicos que integravam a orquestra do navio Conte Grande. O Conte Grande foi apreendido no porto de Santos em 1943, e sua tripulação permaneceu no Brasil até 1947. Alguns deles obtiveram permissão para trabalhar no país, entre eles os músicos, que conseguiram autorização para se empregarem nos cassinos brasileiros, como os das cidades de Santos e de Águas de São Pedro, além do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro; alguns vieram para Serra Negra. Quanto à permanência dos músicos italianos em Serra Negra, a direção do Cassino foi orientada a peticionar junto à Superintendência de Ordem Política e Social uma solicitação para regularização da situação dos profissionais. Certamente atendeu-se o pedido, pois em julho de 1943 a orquestra pôde estrear no Cassino.

A artística suarêe de ontem no CASINO SERRA NEGRA A apresentação de ótimos artistas com a estréa da orquestra do navio “Conte Grande” Atingia excepcional brilho o “show”, realizado ontem, no Casino Serrano, onde seleta assistência teve o agradável ensejo de admirar um conjunto de ótimos artistas, ouvindo pela primeira vêz naqueles elegantes salões a excelente orquestra do navio “Conte Grande”, que foi contratada para abrilhantar, permanentemente os festivais daquele centro recreativo. Januario de Oliveira, o festejado cantor e humorista da Rádio Nacional, muito agradou o publico, com os seus belos números, recebendo os mais calorosos aplausos... O conjunto “Conte Grande” soube realçar com magnifica seleção musical o trabalho dos artistas, revelando ser apurado na escolha dos números que apresentou, todos executados magistralmente. Com a aquisição dessa orquestra e com o desfile de grandes artistas, o “grill” do Casino prosseguirá com as suas grandiosas soirées de arte, assim correspondendo a distinção de sua culta platéa... (O Serrano, 11/07/1943).

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Entre os músicos do Conte Grande estavam o contrabaixista Luigi Benedetto e o pianista Vitorio Pezzete.

Foto nº 36. Luigi Benedetto Foto nº 37. Vitorio Pezzete. Década de São Paulo, 23 de abril de 1947. 1940. Foto cedida por Zoraide Lamari. Foto cedida por Zoraide Lamari. Foto da pesquisadora. Acervo da pesquisadora.

Os dois músicos hospedaram-se no Hotel São Paulo e, através do proprietário Sergio Beraldi, foram apresentados aos músicos da família Lamari e a Alfredo Dallari. Coincidentemente o músico Luigi Benedetto era conterrâneo de Acquilina Cicilia Lamari149, matriarca da família. Da relação nasceu uma sólida amizade, e os instrumentistas italianos passaram a orientá-los musicalmente com aulas complementares de contrabaixo acústico e piano. O vínculo se tornou tão sólido a ponto de Alfredo Dallari emprestar seu contrabaixo para que Luigi estudasse diariamente no hotel, evitando com isso transportar seu instrumento dos salões do Cassino até o hotel, e este, em troca, ministrava aulas a Alfredo. O contato com músicos profissionais do Cassino que passaram a residir em Serra Negra levou a uma apuração na interpretação das peças musicais por parte dos irmãos Lamari e Alfredo Dallari, tanto que a experiência levou à criação de um conjunto de música de câmara constituído por Luiz e Angelo Lamari ao violino, José Lamari à flauta, Romeu Lamari

149 Acquilina Cicilia Lamari, chegou em Serra Negra aos 12 anos de idade, no ano de 1892, vinda da Calabria. Seu pai era mestre de obras e entre seus trabalhos está o término da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, contratado por Monsenhor Manzini. Ela se casou aos 16 anos, em 1895, com Raphael Lamari, um rico comerciante de 40 anos.

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ao piano e Alfredo Dallari ao contrabaixo. Seus ensaios eram regulares, primando pela qualidade da sonoridade e interpretação.

Luigi Benedetto150 se tornou professor de mais músicos serranos, como Silvio Bertolini, que narrou em seu livro de memórias a importância das aulas ministradas pelo referido mestre para a sua formação musical.

Ele propôs ser meu mestre enquanto visitava a família Lamari. Na época eu tinha começado a tocar sax genis de harmonia, mas meu instrumento era muito velho e eu precisava consertá-lo sempre soldando os buracos. Um dia de muita sorte, após remendar o sax genis, com muita malícia empunhei o instrumento e toquei com energia para que o maestro Luigi me ouvisse e, por incrível que pareça, ele no ato quis me conhecer e pediu para que meu patrão me desse folga do trabalho para eu receber aulas três vezes por semana. Essas aulas duraram 11 meses, que foram para mim de grande valia. (BERTOLINI, 2009, p. 134).

Além do contato com os músicos profissionais que trabalhavam no Cassino, a população serrana passou a ter o privilégio de assistir as apresentações que lá ocorriam. O espaço térreo do Grande Hotel era dividido em duas partes: um salão destinado aos jogos, que era controlado para que impedisse a entrada de menores de idade e também para que as pessoas estivessem devidamente trajadas; em outro salão funcionava o chamado “Grill Room”, local onde aconteciam os shows. Nesse último espaço a entrada era franca e estendida a todas as idades, tornando-se um local frequentado por famílias inteiras. Como estratégia, a direção do Cassino também emitia convites que eram entregues pessoalmente a membros da comunidade, colocava anúncios nos jornais e disponibilizava transporte gratuito do centro da cidade até o cassino151. À população facilitava-se o ingresso para as apresentações de vários ídolos que ouviam no rádio. Outra influência musical da época era a Rádio Nacional com seus programas e uma minoria tinha acesso às gravações através dos discos. Esses contatos estimularam alguns jovens serranos a formarem um grupo vocal. Em 1943, jovens músicos influenciados pelos conjuntos Quatro Azes e Um Coringa e Anjos do Inferno, assim como pelos shows que aconteciam continuamente no espaço do Cassino, resolveram criar um conjunto musical, que batizaram com o nome de

150 Segundo o músico Silvio Bertolini, após o fechamento do Cassino, Luigi Benedetto, Vitorio Pezzete e outros músicos profissionais foram para São Paulo a fim conseguirem trabalho. Luigi trabalhou em cabarés e casas noturnas e faleceu em condições miseráveis. 151 ANEXO Nº 03

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Conjunto Vocal Águias de Prata de Serra Negra. Os musicistas realizaram inúmeras apresentações nos Cassinos de Serra Negra, Águas de Lindóia e Poços de Caldas e eram anunciados, como “prata da casa”.

Águias de Prata – O Casino das Termas de Lindóia, sob a competente direção do snr. Alberto Quatrini Bianchi, apresentou em seu “Grill Room”, a 25 do mês findo, o “Conjunto Vocal “Águias de Prata” que se houve com grande destaque pelos seus valores artísticos, alcançando brilhante sucesso no “Show” daquela noite. (O Serrano, 18/03/1943)

Foto nº 38. Conjunto Águias de Prata, músicos em pé: Claudio Blotta, Antonio Tomareli, Zezinho do Cavaco. Sentados: Gilberto Conz, Nery Della Guardia e Saul Blotta. Ano de 1943. Foto cedida por Alcebíades Felix. Acervo da pesquisadora.

Os Águias de Prata dividiram o palco por inúmeras vezes com os profissionais do Conte Grande e com outras atrações especialmente contratadas para os eventos diários152. A fama do conjunto chegou às rádios, tanto que, em 1945, foram convidados para se apresentarem na Rádio Educadora de Campinas e obtiveram grande sucesso, coroando ainda mais a prata da casa. O grupo foi dissolvido e ressurgiu com uma nova designação, Os Garotos do Ritmo.

152 ANEXO Nº 04.

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Ilustração nº 20. O Serrano, edição de 22/04/1945

Também marcou época nos palcos do Cassino a Jazz Band Melodia, que fazia parte da programação da casa. Esses músicos experientes aproveitaram essa oportunidade para firmar seus nomes no cenário musical serrano. Além do Cassino, a Band Melodia passou a fazer parte dos quadros do Clube XV, que foi inaugurado em 1938, com apresentações contínuas. Os músicos da Jazz Band também eram integrantes da Banda “Umberto I”. Benedito Mattedi ficou conhecido como excelente músico, professor e compositor, sendo inúmeras as histórias sobre ele. Entre elas a de que ele ouvia uma música no rádio e a transcrevia com arranjos para Banda ou para o conjunto.

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Santini Mattedi153, assim como seu irmão Benedito, foi instrumentista de banda, de conjuntos musicais e professor de música e responsável pela formação de toda uma geração de músicos serranos.

Casino Serra Negra Realizou-se ontem, no “grill-room”, do Casino Serra Negra, uma bela e animada suarê dansante, que foi abrilhantada pelo conjunto do “Jazz Melodia”, desta cidade. Em ambiente de máxima distinção e cordialíssimo, as dansas decorreram animadas até alta hora da noite.... (O Serrano, 17/01/1943)

Clube XV de Novembro A diretoria desta simpatica sociedade recreativa prepara com entusiasmo o baile que levará a efeito amanhã para festeja a passagem do ano, com o concurso do apreciado “Jazz Melodia” desta cidade... (O Serrano, 29/12/1945)

Havia uma integração entre os cassinos; muitas vezes um único empresário administrava vários empreendimentos, como é o caso de Alberto Quatrini Bianchi, que assumiu o Cassino em Serra Negra em 1945, ano em que também arrendou em Poços de Caldas o Palace Casino, o Casino Quissisama e o Casino Imperial Azul.

“Casino Serra Negra O Sr. Alberto Quatrini Bianchi é o novo empresário daquela casa de diversões. O Sr. Alberto Quatrini Bianchi, empresario de casinos em Poços de Caldas, Guarujá, Santos e Termas de Lindoia, acaba de adquirir da firma Capitanini & Galvão o Casino Serra Negra, anexo ao Grande Hotel dessa cidade. A notícia da nova direção do Casino foi divulgada com simpatia em nosso meio, onde o sr. Bianchi é conhecido e admirado através dos seus grandes empreendimentos ...” (O Serrano, 03/06/1945)

153 O Professor Santini Mattedi fundou a Escola de Música “Nicolino Fatigati”, em 1953.

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Foto nº 39. Vista do Cassino. O Grande Hotel que abrigava o Cassino era um ponto turístico da cidade de Serra Negra. O trajeto era feito por charretes. Década de 1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Muitos artistas que participaram das apresentações eram profissionais, contratados pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Eles realizavam turnês em vários cassinos, como a dupla Pitanga e Bentinho, que se apresentou em Serra Negra em fevereiro de 1944, e cujo espetáculo foi assistido, anteriormente, no Cassino da Urca no Rio de Janeiro, em Poços de Caldas e Belo Horizonte (O Serrano, 03/02/1944). O cantor Carlos Galhardo e a artista Lolita Rodrigues154 também estavam entre as celebridades que passaram por Serra Negra. A apresentação da cantora Gloria Warren, protagonista do filme “Sempre no Meu Coração”155, perdurou nas lembranças dos serranos. Os depoentes Demon Clayr e José Franco assistiram ao espetáculo.

Isso é do tempo do cassino...eu ia toda a noite lá, eu era moço e não pagava nada... assistia os shows que tinha, vinha show de todo o lugar, inclusive eu assisti o show da Gloria Warren!!!. Ela era americana e veio dar um show aqui no cassino... veio exclusivamente para dar o show aqui na cidade... tinha um amigo e falava: Vamos lá? Chegava lá, tomava uma cerveja, assistia e vinha embora... o forte era a jogatina... corria o dinheiro ali que dava gosto! Infelizmente tiraram o cassino, aquele Dutra.... se tivesse até hoje, isso aqui tinha triplicado, porque todo mundo

154 O cantor Vicente Celestino esteve em Serra Negra em uma turnê pelo interior do País. A audição, em 09/02/1941, foi feita no palco do Cine Republica. O espaço do Cine Republica foi fundamental na década de 1950, pois ali era transmitido ao vivo o programa de auditório da Rádio Serra Negra e também para as apresentações do grupo de teatro serrano. 155 Produção americana de 1942. O episódio trata-se da atriz Gloria Warren, do filme Sempre no Meu Coração. Sua apresentação foi no ano de 1945 e a turnê incluiu outras cidades, com apresentações realizadas nos cassinos. Em Poços de Caldas o show ocorreu em setembro de 1945. O conjunto serrano Garotos do Ritmo realizou uma apresentação no mesmo dia que ocorreu o show da Gloria Warren.

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ganhava, todo mundo construía. Os que trabalhavam lá um pouco de tempo pegava um dinheirinho e dava para fazer muita coisa. (José Franco de Godoy, 2015, Serra Negra/SP).

Demon Clayr assistiu ao show de Gloria Warren acompanhada de suas amigas. Apesar de sua timidez, a música e o palco exerciam sobre ela um grande fascínio, tanto que foi a primeira mulher de Serra Negra a se apresentar no Cassino. Por volta dos anos de 1943, a depoente Demon Clayr e sua amiga Maria Hortência, entre brincadeiras e tricô, cantavam as músicas que ouviam através da Rádio Nacional, em especial o programa comandado por Francisco Alves que ia ao ar todo domingo, às 12:00 horas. Além disso, Maria Hortência tinha uma vitrola e vários discos dos cantores da época. Com isso, elas começaram a decorar as músicas e, por sugestão da amiga, Demon Clayr ouviu as canções de Gregório Barrios iniciando, assim, o seu repertório de boleros.

A música, eu sempre gostei! Então a minha casa, lá na Duque de Caxias, até hoje tem um terraço. A gente reunia as amigas, a gente fazia muito tricô, né? Para pode ir ao cinema. Fazia o tricozinho da gente! A gente cantava, cantava na área. Às vezes minha mãe com meu pai estavam brigando lá dentro do quarto e eu cantando que era uma delícia, ali no terraço... Eu tinha uma amiga, que se chamava Maria Hortência e ela falou :- Clayr canta. Eu cantava samba, cantava as músicas. – Ela falou: - Por que você não canta os boleros do Gregório Barrios? Olha o Gregório Barrios está cantando que é um espetáculo! Eu falei :- Ah!! Mas é... eu não sei cantar. Ela falou: - Eu ensino. Ai ela pegou as letras das músicas do Gregório Barrios e eu cantava e ela me ensinava a falar o castelhano, né?... E ali eu comecei a cantar o bolerão da época, né? É que estava muito em moda. Aparecia mais, porque a moda era o bolero. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

Passou-se um tempo e veiculou-se pela cidade que a jovem Clayr tinha uma voz muito bela e convidaram-na para cantar em um evento em 1944, realizado para angariar fundos destinados à construção do Asilo São Francisco. Para poder se apresentar ela teve que obter a permissão do pai e a supervisão dos cinco irmãos. Através do músico Nico Mattedi156, surgiu a oportunidade de uma apresentação no “Grill Room” do Cassino e a orquestra que estava em temporada em Serra Negra era a de Xavier Cugat157. No ensaio, o Maestro Cugat perguntou a Clayr qual era a tonalidade em que

156 A família Mattedi formada pelos irmãos Matheus, Benedito, Santini e Nico eram excelentes músicos; foram integrantes do Corpo Musical “Umberto I” e da Jazz Band Melodia, sendo uma das referências musicais de Serra Negra. 157 Xavier Cugat (1900-1990), maestro, compositor e cantor; com sua orquestra participou de vários musicais norte-americanos da MGM e realizou inúmeras apresentações em clubes e cassinos, inclusive no Brasil. Nos anos de 1930 – 1940, conhecido como o Rei da Rumba.

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ela estava acostumada a cantar. Ela, entretanto, não soube responder e ele, gentilmente, a ouviu e orientou a orquestra para segui-la no tom em que ela cantava.

E um dia o Nico Mattedi, eu contei né. Aquele dia foi até gozado. Teve um show no Grande Hotel... então falaram:- Clayr, você vai cantar no Grande Hotel. – Mas escuta, eu tenho vergonha. Também de cantar num Grande Hotel! Tinha cassino tudo. Então vai fazer o show no Grande Hotel e toda a sociedade aqui de Serra Negra, juntaram também a turma lá para cantar e eu fui...Só que quem estava lá era o Xavier Cugat... Orquestra de Xavier Cugat, que estava na... se apresentando aqui no Grande Hotel. Quando chegou a hora de cantar, ele falou :- Eu acompanho! Nós vamos acompanhar você... Aí eu comecei a cantar De corazón a corazón. Comecei a cantar e ele foi mesmo atrás. Aí eu cantei, cantei e achei superbacana cantar com ele. Nossa! Então, foi um sucesso. Quer dizer que eu cantei até com o Xavier Cugat! (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

Demon Clayr apresentou-se muito bem, possibilitando com isso outros convites, passando a ser acompanhada pela Orquestra do Cassino, assim como pelos músicos serranos que se apresentavam no espaço, entre eles os irmãos Saul e Claudio Blotta158. Era grande a preocupação com o figurino para as apresentações naquele espaço luxuoso e, como Demon Clayr não possuía as vestimentas apropriadas, os vestidos e adereços eram arranjados e adaptados para o seu corpo. Sua permanência no Cassino era exatamente o tempo que durava a apresentação, pois não tinha autorização do pai para ficar além do período estabelecido.

Era assim, viu, Claudia. Eu cantava, eu tinha cinco irmãos. Cinco leões! Então o Sr. Barbosa, o pessoal ia em casa, tinha que pedir para o meu pai. Meu pai fazia aquela baita cena. Depois deixava, só que assim: - Ela vai cantar, mas os irmãos dela vão junto. Então eu entrava pela porta dos fundos do Grande Hotel, não entrava pela porta da frente, com meu irmão. Eu cantava, acabava de cantar, eu ia pelo fundo, ele me pegava e vinha embora. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

Tinha vergonha de me apresentar. Assim, né? Depois que eu começava, então eu ia embora, gostava, saía... mas até a hora eu sofria muito. Não era uma coisa que eu fazia assim... eu tinha muita vergonha... começa, ia embora...Eu cantava: Para que recordar, Besame mucho, Corazón a corazón, Perfídia e assim por diante... Eu sei dizer que quando eu chegava no Grande Hotel já estava a roupa lá. Eu nunca via a roupa que ia cantar. Deixavam tudo arrumado, eu chegava, já punha a roupa. Eu sempre tinha uma outra pessoa junto também, uma senhora, que eu nem sei quem era, devia ser do próprio Grande Hotel e aí me ajudava, se tinha que apertar uma coisinha, dava uma apertadinha ou punha uma fita, qualquer coisa e ali já fazia a apresentação. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

158 Saul e Claudio Blotta, irmãos músicos, que foram integrantes dos conjuntos: Águias de Prata, Garotos do Ritmo e do regional que acompanhava o programa de auditório comandado por Alcebíades Felix nos anos de 1950.

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Foto nº 40. Demon Clayr, com figurino apropriado para uma das suas apresentações, década de 1940. Serra Negra/ SP. Foto cedida pela depoente Demon Clayr Del Nero. Acervo da pesquisadora.

A presença de palco aliada à voz e à beleza da jovem cantora despertaram interesse entre muitos profissionais da área, como Otávio Gabus Mendes159, que, quando estava de passagem por Serra Negra, ao acompanhar os concertos musicais do Grande Hotel, assistiu a uma apresentação da artista. Procurou saber sobre ela e entrou em contato com Nico Mattedi, que se prontificou a levá-lo até a residência dos pais de Clayr. A reação do pai não foi muito positiva e, assim, Clayr não se tornou uma cantora profissional.

...foi em casa pediu para o meu pai se deixava fazer uma apresentação na Rádio Nacional do Rio de Janeiro...foi lá com o meu pai. Quase que saiu a pedrada da minha casa.... meu pai falou : - Nem pensar... o senhor está pensando que minha filha é o que? Cantar em rádio? Você está pensando o quê? O senhor suma daqui. Ele o Nico Mattedi, estava junto com ele. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

Através das lembranças de Demon Clayr soube-se que, em algumas apresentações, ela teve a companhia de uma amiga e também cantora Lourdes Godoy160, em cujo repertório estavam músicas italianas. Nas apresentações no “Grill Room”, Lourdes

159 Otávio Gabus Mendes, crítico, radialista, roteirista e diretor de cinema. Em 1936, organizou a discoteca da Rádio Nacional, no Rio de Janeiro. 160 Lourdes Godoy Gentlini, nascida na cidade de Lindóia em 13/08/1930, casou-se em 1958, com o imigrante italiano Aldo Gentilini, faleceu no ano de 2014.

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também contava com a companhia de seu irmão José Godoy. Nos recitais ela era acompanhada pela Orquestra J. França.

A Lourdinha Godoy, uma amiga maravilhosa. Uma voz muito bonita; por sinal, a voz mais bonita de todas nós, porque ela cantava música italiana e era mais lírica, a gente já era a voz do momento. Cantava aquilo do momento, ela já não!...Ela lia muito, ela estudava, ela sabia discutir, ela sabia falar. A Lourdes foi uma pessoa especial. A Lourdes cantava em todo o lugar. Ela era assim formidável, porque se ela estivesse aqui agora ela estaria cantando. Está entendendo? Coisa que eu não fazia. Então eu achava o máximo. Porque não tinha aquele negócio de inveja. Uma procurava ajudar a outra. Então a Lourdes estava, por exemplo quando a gente ia cantar, uma estava pondo uma roupa, a outra ajudava- Ah! Não está bom isso daqui. Deixa eu levantar. Era gostoso porque não tinha... e cada uma cantava o seu ritmo, quer dizer que uma não entrava no que a outra fazia. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 41. Lourdes Godoy, apresentação no “Grill Room” do Grande Hotel de Serra Negra, sendo acompanhada pela Orquestra J. França. Entre os anos de 1944- 1946. Nessa ocasião ela cantou a música “Amapola’. Serra Negra/SP. Foto cedida por Luciano Godoy Gentilini. Acervo da pesquisadora.

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Os jovens músicos serranos decidiram, após brigas internas, desfazer o grupo musical Águias de Prata, mas, depois de algum tempo, voltaram a se reunir com uma nova denominação: Os Garotos do Ritmo, já com mais experiência, melhor estrutura e novos integrantes, dentre os quais havia os depoentes Claudio Corsetti e Nelson de Barros. Segundo eles, os irmãos Claudio e Saul Blotta foram os responsáveis pela reorganização. Ainda sob influência dos grupos cariocas e músicos vinculados à Rádio Nacional, montaram um repertório e voltaram ao cenário musical serrano.

A música. Acho que nasceu comigo. Porque eu sempre admirei... Por exemplo, você, acho que nem ouviu falar de Orlando Silva. Eu morria de ouvir as músicas de Orlando Silva... Nelson Gonçalves. Não tinha rádio. Até que uma época meu pai comprou um rádio. Tinha os horários certos dos programas. Francisco Alves, por exemplo, tinha aos domingos, só cantava no domingo, ao meio dia, na Rádio Nacional. Depois eu tenho a coleção dos discos do Orlando Silva. Eu adorava ele. Ele foi o maior que eu já ouvi cantar. Muitos deles também, grandes cantores... Nelson Gonçalves.... eu não estudei nada, de tanto ouvir. Eu fazia no conjunto a segunda voz, o dueto. Que tem pessoas que cantam no tom. Aí precisa quem canta acima ou abaixo, para fazer o dueto e para ficar bonito. Não era o mesmo tom senão não era um conjunto. Fazia o dueto com os demais companheiros. O repertório nosso era do conjunto Anjos do Inferno. O maior sucesso deles nós fazíamos, nós cantávamos. (Claudio Corsetti, 2013, Serra Negra/SP).

... o Claudio Blotta que teve essa ideia, porque o irmão dele (Saul) tocava violão e ele gostava muito de música. O Saul tocava. E naquele tempo tinha os Anjos do Inferno que foi o maior conjunto vocal que nós já ouvimos... Todos gostavam, acho que era o único também... não... tinha diversos, mas o de maior expressão era o Conjunto Anjos do Inferno. Então o Claudio Blotta fundou aqui em Serra Negra, os Garotos, não... primeiro não foi os Garotos... Águias de Prata foi o primeiro... depois tornou a fundar os Garotos do Ritmo. Nós por exemplo, fomos para Mogi Mirim, Campinas, gravamos em São Paulo. (Claudio Corsetti, 2013, Serra Negra/SP)

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Foto nº 42. Foto promocional do Conjunto Vocal “Garotos do Ritmo”, idealizada pelo fotógrafo serrano Leonel Antunes, funcionário da Foto Fagundes. Década de 1940. Foto cedida pelo depoente Claudio Corsetti. Acervo da pesquisadora.

O músico Nelson de Barros descende de uma família de músicos, é neto de Alfredo Dallari, que foi trompetista e integrante do Corpo Musicale “Umberto I”. Assim sendo, cresceu acompanhando os ensaios e apresentações da Banda de Música; Nelson era o percussionista do conjunto.

Claudio Blotta quem começou. Ele gostava e aliás, ele já tinha tido antes... o Águias de Prata. Aí parou! Depois de um tempo começou os Garotos do Ritmo. Que com oportunidade de fazer um show aqui no cassino, no cassino de Lindóia, fizemos shows por ai. Eu me lembro de um show até que nós participamos com a Gloria Warren. Gloria Warren, uma artista famosa americana. A artista que gravou o filme Sempre no Meu Coração... o show que a gente fazia aí era com artista de renome. Artistas brasileiros, cantores, cantoras... (o repertório) Tinha os Anjos do Inferno, Quatro Ases e Um Coringa. Tinha algumas dos Vocalistas Tropicais. Então, muito pouco dos Vocalistas Tropicais, mas em inglês, tinha música brasileira no meio, mas era mais Anjos do Inferno e Quatro Azes e Um Coringa. (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP)

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Os Garotos do Ritmo ensaiavam em uma sala localizada nos fundos da Pensão dos Canhassi, cuja parte térrea do imóvel abrigou a fábrica de chapéus Panamalinho161. (Barros, 2014) “Nós utilizávamos aquela sala para ensaiar. Todo dia, 19:00, 19:30 estava lá, todo mundo, ensaiando. Tempo bom!”. O grupo realizava seus ensaios no Clube XV, local também destinado às apresentações. A organização do grupo evoluiu e eles resolveram contrair um empréstimo com João Felix, pai do depoente Alcebíades Felix, para encomendar alguns ternos confeccionados pelos alfaiates serranos Galaor e Irineu Perondini, que seriam usados nos shows e dariam um aspecto mais profissional ao conjunto musical. Alcebíades Felix era cunhado do vocalista Saul Blotta e, com o passar do tempo, ele assumiu a função de contratante e apresentador dos Garotos do Ritmo.

Tem uma história interessante. O meu pai emprestou (o equivalente a) 1.500 reais para o conjunto, quer dizer fui eu que levei o conjunto, não tinha nem documento, nem nada, comprar o uniforme. Então eles tinham três uniformes, um uniforme de gala, um uniforme com vilejack branco, calça branca e vilejack branco e um outro esportivo, todos iguais... Então eles foram, tinha apresentação, eles trocavam de roupa no intervalo e se apresentavam assim. Nossa! Era um sucesso! ...conforme eles pegavam um intervalo, eles trocavam a roupa rapidamente, porque o Vilejack por exemplo era só tirar o paletó, e por vilejack, porque a calça ficava a mesma. (Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP).

O referido conjunto começou a se destacar pela qualidade dos espetáculos, surgindo inclusive convites para apresentações na Argentina, motivando com isso o interesse de Eduardo Patané162 em conhecer os seus integrantes. Segundo o músico Nelson, havia uma grande possibilidade de contrato, pois os elementos dos grupos vocais cariocas haviam ido para os Estados Unidos juntamente com Carmem Miranda.

O Show no palco. Eles apresentavam o show para todos os hóspedes do Cassino. É porque vinha artista de fora. Vinha por exemplo de São Paulo, Orlando Silva, esses sambistas. Vários artistas de São Paulo, eles eram contratados para fazer a apresentação, entendeu? Vou dizer uma coisa para você. Eles faziam sucesso. E outra coisa: tenho gravação aí do conjunto. Você não acredita, coisa fora de série o que eles cantavam. Olha Anjos do Inferno, Quatro Azes e Um Coringa, Demônios da Garoa, tudo naquele tempo era. Eles gravaram... fizeram uma gravação em São

161 O imóvel era localizado na esquina da Rua Sete de Setembro com a Rua José Bonifácio; em meados de 1960, vários imóveis foram demolidos e foi construído o Edifício Cisne. 162 Eduardo Patané (1906-1969) maestro, compositor, violinista. A partir de 1939 foi contratado pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. http://cifrantiga2.blogspot.com.br/2013/07/eduardo-patane.html. Acesso em 08/04/2014

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Paulo e vou dizer uma coisa para você, Mogi Mirim, Itapira, Amparo, Serra Negra, Águas de Lindóia, Socorro, todos esses lugares, o conjunto se apresentava com sucesso.(Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 43. Integrante do Conjunto “Garotos do Ritmo”, na praça central na cidade de Mogi Mirim, antes de uma apresentação em um clube local. Década de 1940. Foto cedida pelo depoente Claudio Corsetti. Acevo da pesquisadora.

A gente participava desse show, dos artistas e beleza... aí surgiu a oportunidade do conjunto, foi naquele dia do quebra-quebra do violão que ia fazer o show em (Ribeirão Preto). E quem incluiu nós no show foi o Eduardo Patané...que era diretor da Rádio Nacional. ... outro particular, a Carmem Miranda, quando foi para os Estados Unidos, americano não toca samba. Então ela acabou levando os Anjos do Inferno, que era um conjunto, e os Quatro Azes e Um Coringa. Ela levou os dois para lá. Aqui ficou... então foi aonde nós aparecemos um pouquinho e tinha a chance de explodir, se desse certo. (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP).

Para a audição na cidade de Ribeirão Preto, preparou-se antecipadamente o repertório, as vestimentas e era grande a ansiedade de entrar em contato com um representante da Rádio Nacional, porém ocorreram alguns imprevistos: o pai do músico Nelson não deu a permissão para a viagem e o jeito foi sair escondido, jogando a mala com os uniformes pela sacada da casa, com ajuda dos amigos.

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Então meu pai falou: Você não vai, não! O senhor não quer que vá, não vou...Então eu chamei o Nerinho, minha casa era sobrado. Fiz a mala minha ... joguei (rsrs) para o Nerinho pela sacada e vamos embora, até.... deu o que deu. Imagine se eu iria faltar. Podia levar uma surra depois... eu fiz a mala, o Nerão ficou lá embaixo e da sacada eu joguei para ele, porque (tinha) o uniforme do conjunto. Dai foi embora. Quando chega na sede, que era o lugar que a gente ensaiava. Deu .... quebrou o pau lá. (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP).

Depois de todo o trabalho para empreender a fuga, foram todos para a sala onde realizavam os ensaios e, infelizmente, houve uma grande discussão entre os membros, pois um deles se recusou a viajar, tendo em vista os problemas conjugais motivados pelas constantes apresentações. No desentendimento houve, inclusive, a quebra de um violão, o que gerou a ruptura do conjunto e, nesse ínterim, decretou-se também o fechamento dos cassinos.

Foto nº 44. Foto promocional do Conjunto “Garotos do Ritmo”, década de 1940. Foto cedida pelo depoente Alcebíades Felix. Acervo da pesquisadora

3.1.2 – A Segunda Guerra Mundial e os descedentes dos imigrantes

Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial e a consequente política do Governo Federal contra os estrangeiros, principalmente os italianos, alemães e japoneses, surgiram sérios problemas: fecharam-se escolas; obrigou-se a mudança dos nomes das entidades que congregavam descendentes de imigrantes, as Sociedades e Corporações Musicais; o medo de ser acusado de “quinta coluna”; até o consequente confisco de bens. Paralelamente a esta situação convocaram-se jovens serranos para ingressarem na Força Expedicionária Brasileira – FEB, entre os quais muitos filhos e netos de imigrantes italianos.

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As notícias sobre a guerra circulavam na cidade pelos jornais e, principalmente, através dos programas de rádio, porém não se imaginava que os serranos, além de destacados militarmente, seguiriam para a Europa. Os pracinhas serranos serviram também o Exército em Caçapava/SP e eram todos reservistas. Ocorreu que vários jovens de Serra Negra haviam sido convocados, e alguns reprovados nos exames preliminares acabaram sendo dispensados; outros, porém, desertaram. Dezoito jovens embarcaram para Itália, rumo a Nápoles, sendo eles: Alberto Marciano (2º Batalhão do 6º RI), Alberto Mainente (1º Batalhão do 6º RI), Antonio Fuim, Antonio Silveira Patrício, Alcides Batista Bueno (2º Batalhão do 6º RI), Antonio Poleto (2º Batalhão do 6º RI), Ari Vieira, Carlos Venturini (1º Batalhão do 6º RI), Decio Fioranti, Giordano Marchi (1º Batalhão do 6º RI), Mauro da Cunha Canto (1º Batalhão do 6º RI), Nadir Alves da Almeida, Oswaldo Saragiotto (1º Batalhão do 6º RI), Pedro Leme de Assis (1º Batalhão do 6º RI), Roberto Gambeta (2º Batalhão do 6º RI), Rômulo Testa (1º Batalhão do 6º RI), Sebastião Pinto e Valdemar Pinto de Azevedo (1º Batalhão do 6º RI). Todos os pracinhas serranos pertenceram ao 6º Regimento de Infantaria (Regimento Ipiranga) de Caçapava/SP, divididos entre os vários batalhões. Após a convocação seguiram todos para Caçapava e, pouco tempo depois, foram para o Rio de Janeiro, onde por quatro meses estiveram em treinamento, até o embarque em junho de 1944. Dois deles se dispuseram a relatar suas significativas trajetórias da convocação até o retorno. Roberto Gambeta, nascido em 1916, carpinteiro, filho de pai brasileiro e mãe imigrante italiana, contou que,

a maior tristeza foi quando começou a convocação. A notícia já estava desde 1940. Foi quando começou a convocação... aquele tempo era só rádio, quando chegou em 1944 começaram a convocar os reservistas. Eu servi de 1939 para 1940 em Caçapava. Um belo dia estava trabalhando no Grande Hotel, até o seu avô era o mestre de obras, o José da Silva. Eu recebi uma cartinha lá, para me apresenter onde eu servi, lá em Caçapava. Aqui em Serra Negra eu fui o primeiro a ser convocado... minha mãe ficou meio desesperada, ficou bastante chocada. Eu era o filho mais velho, era o que mais ajudava. (Roberto Gambeta, 1991, Serra Negra/SP.)

E Oswaldo Saragiotto, nascido em 1920, também filho de imigrantes italianos, soube de sua convocação através do Tabelião do Cartório do Registro Civil, que lhe deu a notícia em uma matinê no Clube 1º de Janeiro. Segundo os depoentes, a permanência no Rio de Janeiro não os preparou para o combate e o Brasil não possuía armamento suficiente, pois não somente eles tinham cotas de

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munição para gastar somente nos treinos, como também seus uniformes não eram apropriados

ao clima europeu. O Exército americano foi quem os supriu assim que chegaram ao acampamento em Nápoles. Relataram, ainda, que o embarque ocorreu à noite sem que fossem avisados e, mesmo após o embarque, não havia confirmação sobre o destino; somente após três dias em alto mar é que se inteiraram da situação. A permanência dos pracinhas na Itália intercalava-se entre as manobras no front e os descansos fora da área de conflito. As notícias chegavam a Serra Negra através das cartas enviadas aos familiares. Com a informação sobre o término da guerra, começaram a ser veiculadas notícias do regresso dos brasileiros. O Serrano publicou um comunicado em 3 de junho de 1945, noticiando que os pracinhas estariam de volta ao Brasil até o final do mês de junho; no entanto o regresso ocorreu somente no final de julho daquele ano. Serra Negra festejou calorosamente o retorno dos seus “pracinhas”. Foi grande a solenidade para recepcionar os “herois serranos”. O evento envolveu muitas pessoas, divididas em comissões como: a comissão de honra (sete integrantes), a comissão executiva (cinco integrantes), a comissão de recepção (95 integrantes) e a comissão feminina, composta de 27 mulheres incumbidas de formarem um batalhão trajando vestimentas iguais às das enfermeiras que serviram na Cruz Vermelha. Elas seriam responsáveis pela recepção e entrega de flores. Havia ainda a comissão do palanque e do enfeite, do baile e do churrasco, composta por 80 integrantes. Em 22 de julho publicou-se a programação; a solenidade ocorreu no dia 5 de agosto de 1945. “Os expedicionários entrariam na cidade, marchando em forma de V, dentro de um quadrado formado por senhoritas. As ruas iluminadas e enfeitadas...” Os soldados seriam recebidos pelas autoridades locais e pela população. Após a cerimônia o grupo iria até o Radio Hotel para um jantar comemorativo e seguiriam para o baile no Clube XV, abrilhantado pela Jazz Band Melodia e pela Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Na manhã seguinte, seria celebrada uma missa em Ação de Graças e realizado um churrasco163.

163 Jornal O Serrano, edição de 22/07/1945.

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Foto nº 45. Recepção dos Pracinhas serranos, em agosto de 1945. Jovens senhoritas vestidas de branco, com bonés e uma faixa verde e amarela. Foto cedida por Oswaldo Saragiotto. Acervo da pesquisadora.

Nem tudo ocorreu como se havia programado, pois os soldados Oswaldo Saragiotto e Giordano Marchi desembarcaram no Rio de Janeiro e chegaram a Serra Negra no dia 21 de julho, quando foram recepcionados e aclamados; depois tiveram que voltar a São Paulo, a fim de regularizar o desligamento da FEB. Como vimos, nem todos os pracinhas conseguiram chegar a tempo para a festa de recepção, entre eles Roberto Gambeta, teve que permanecer em São Paulo para o desfile e, também, para regularizar seus documentos.

NO RADIO HOTEL Pelas 18 horas, no Radio Hotel, foi servido um jantar aos expedicionários: Oswaldo Saragiotto, Sebastião Pinto, Valdemar Pinto de Azevedo, Alcides Batista Bueno, Giordano Marchi, Decio Fioranti, Antonio Silveira Patrício, José Leme Assis e seus progenitores, ali comparecendo as nossas autoridades e várias pessoas gradas da sociedade serrana. (O Serrano, edição de 12/08/1945)

É interessante ressaltar que as lembranças narradas pelos depoentes reforçam as emoções vividas por eles quando aportaram no Rio de Janeiro naquele julho de 1945. A coisa mais linda que pode existir no mundo! Não teve quem não encheu os olhos de lágrimas. Porque conforme fomos chegando, aquelas marchas... a alegria da gente de pisar na terra da gente. Uma recepção no Rio, foi uma coisa fora do comum! Nós saímos do porto, quando nós atingimos a avenida Rio Branco, nós estávamos em um... que fecharam. Foi fechado, mas não obedeceram o cordão de isolamento. E não fomos para lugar nenhum, era mulher que pulava na gente, moças que pulavam, beijavam e o resto aplaudindo, moças que a gente nunca viu na vida abraçavam e então aplaudiram.... logo que chegamos, estava com dificuldade de dar baixa. Eu convidei o Giordano Marchi e esse Borim de Socorro. Nós viemos embora pra cá, os primeiros que pisaram em São Paulo... aí nós pegamos o trem ou o ônibus, não lembro, só sei que pegamos para Campinas... eu encontrei com o Luis Passagnolo, ele disse: - Espera ai, calma ai! Foi na agência e telefonou para cá. Telefonou para o Barbosinha, na Prefeitura. Então conforme ele telefonou, já prepararam, quando nós chegamos, o povo estava esperando em cima, na entrada da cidade. Foi uma

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recepção. Fui eu com o Giordano que chegamos aqui, o outro foi direto para Socorro. Aí fiquei aqui, mais ou menos, uns dois dias. Eu não podia ficar aqui, eu não estava liberado ainda. (Oswaldo Saragiotto, 1992, Serra Negra/SP)

Foto nº 46. O palanque foi feito no formato de um navio, simbolizando o navio americano General Meigh, que transportou os expedicionários para a Itália, em 1944. Foi construído pelo marceneiro Abílio Marchi. Agosto de 1945. Foto cedida pela depoente Tereza Marchi. Acervo da pesquisadora.

Quando faltava mais ou menos 100 quilômetros para chegar no Brasil, para chegar no Rio, então lá, os marinheiros falavam: mais ou menos daqui quatro ou cinco horas nós vamos avistar o Rio de Janeiro, daqui umas seis horas... e de fato, quando amanheceu o dia, saiu todo mundo em cima do convés para ver... começou avistar terra... longe apareceu as montanhas... daí surgiu o Cristo Rendentor. De fato naquela dia, nós chegamos de manhã no Rio, era umas 10:00, 11:00 horas. Nossa! Até desembarcar tudo, não foi brincadeira, muita gente, tudo em ordem, o 1º Batalhao, o 2º e depois o 3º. Tinha uns quatro mil homens, até descer tudo. Depois, aquele povo não deixava a gente andar. Um convidava para tomar uma cerveja, outro convidava para ir comer. Então, quando era noite, nós estávamos lá no Rio, ainda. Aquela alegria do povo. Aquilo foi uma coisa! Muitos pais, muitas mães foram esperar os filhos no Rio. Aqui de Serra Negra, quando eu desci do navio, a primeira pessoa que eu encontrei foi o Ataliba de Lima, que alegria! Um companheiro de Serra Negra!. Aí teve muitos que não suportou ir para São Paulo para ser licenciado, vieram embora... Me convidaram para vir para Serra Negra. Eu falei :- Não! Vou ficar mais dois, três dias para ser licenciado e volto de uma vez... aí viemos para São Paulo, para o desfile em São Paulo. O Coronel escalou uma turma para representar São Paulo, eu fui no desfile de São Paulo. (Roberto Gambeta, 1991, Serra Negra/SP.)

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Após a chegada dos pracinhas, a cidade voltou à sua rotina com os veranistas vindos para os tratamentos aquáticos, os shows e apresentações no cassino e, até o dia 30 de abril de 1946, as pessoas ainda puderam se deleitar com a jogatina.

3.1.3 – O fim dos cassinos e a decadência da atividade turística

Através do Decreto nº 9.215/1946, assinado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra, que aboliu os jogos no país, encerraram-se as atividades dos cassinos brasileiros. O impacto dessa decisão afetou inúmeras cidades, proprietários e empregados, pois se fechou tudo de um dia para outro. Segundo Paixão (1999), nesse ano existiam no Brasil 71 cassinos em pleno funcionamento, empregando 60.000 trabalhadores direta ou indiretamente. Além dos jogos, eram oferecidos serviços ligados à distração, alimentação e hospedagem. Alguns estabelecimentos haviam sido inaugurados recentemente, como o Cassino de Lambari, em Minas Gerais, que funcionou apenas um dia, além de outros empreendimentos onde se investiram vultosos capitais. A referida lei não poupou sequer os cassinos localizados nas estâncias e que estavam amparados pela Lei das Estâncias de Águas. A partir da primeira metade da década de 1940, Serra Negra tomou um grande impulso motivado pelo registro de “estância”, uma vez que, apesar de não receber incentivos estaduais, aumentou sua popularidade devido a exploração das águas e dos empreendimentos vinculados ao cassino. Estimulou-se a construção de novos hotéis164, com o consequente aumento de turistas abastados, tanto para o tratamento de cura como para o lazer. Com a promulgação do Decreto de 1946, findou o pequeno período de fartura; assim Serra Negra obrigou-se a repensar os seus investimentos. Como seria a frequência de veranistas, visto o jogo não era mais oferecido? Quais tipos de visitantes a cidade receberia? Somente aqueles em busca da cura pelas águas? E os investimentos recentes, como a construção de novos hotéis e pensões? As pequenas fábricas com produção voltada aos turistas? Como tudo isso iria prosseguir? Ainda, por alguns anos, o fechamento do cassino repercutiu em toda a economia da cidade, fato esse registrado inclusive em documentos oficiais.

164 Decreto nº 15.534/1946 – Isenção de impostos por cinco anos para a edificação de novos hotéis.

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Em novembro de 1949 publicou-se a Lei nº 69, que criava a taxa de turismo e hospedagem em Serra Negra, determinando, entre outros, o pagamento da taxa de 3% sobre todas as contas pagas pelos hóspedes que visitavam a cidade165. O novo imposto fez com que os proprietários de hotéis e pensões serranos se organizassem e protocolassem um requerimento junto à Câmara Municipal argumentando que a Lei era inoportuna e pedindo sua revogação, pois segundo eles:

A delicada situação econômica e financeira por que passa nosso Estado, vindo esse fato refletir consideravelmente no movimento dessa estância. É sabido que Serra Negra, de uns anos para cá vem sofrendo visível declínio na freqüência de veranistas e aquáticos. O fechamento do cassino foi sem duvida a causa predominante desse estado de cousas. E tanto é verdade, que em outras estâncias, mais velhas e mais conhecidas do que a nossa esse motivo também se fez sentir e com grande intensidade. Assim, a taxa em apreço, embora criada com os melhores dos propósitos, virá acarretar um esmorecimento ainda maior entre turistas, veranistas e aquáticos166. (grifo nosso).

O pedido não foi atendido e a Lei vigorou até 1960, quando se alteraram alguns itens, mas se manteve a cobrança das citadas taxas. Protocolaram-se requerimentos pedindo isenção de taxas, inclusive três assinados pelos proprietários de charretes167, que nos documentos expunham a impossibilidade de pagamento dos impostos para exercerem a profissão e solicitavam também a redução dos valores das taxas, arguindo que:

Quando o movimento de hóspedes era volumoso, pagava-se sem sacrifício o imposto cobrado. Quando era permitido o jogo nas Estâncias de cura e saúde, como é a nossa Serra Negra, havia concorrência compensadora e muitos passeios repetidos nos bairros e todo o município e as charretes constantemente fretadas. Agora, porém, o serviço que há para o aproveitamento desses veículos? É diminuto, ou quase nenhum, o que vale dizer, rendendo o escasso para a manutenção própria, forragem para os animais e pequenas despesas de conservação da charrete. Quando, se Deus quiser, restabelecer-se o movimento de veranistas, os charreteiros poderão pagar o que agora está determinado, por legislação dos Edis, mas atualmente não há recursos pecuniários para estarem quites, o que, não pode

165 Através da Lei 310/1960, a taxa de turismo e hospedagem subiu para 5%. 166 Requerimento protocolado em janeiro de 1950, assinado por representantes de hotéis: Radio Hotel, Hotel Vitória, Hotel do Comércio, Regina Hotel, Líder Hotel, Hotel Santos, Hotel Santo Antonio, Hotel Brasil, Hotel São Paulo e Hotel Marchi. E das pensões: Pensão Serrana, Pensão Nova Era e Pensão Coração de Jesus. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra/SP. 167 Requerimentos datados de: 09/03/1950, 03/07/1950 e 06/07/1950. Charreteiros: Antonio Pinto de Azevedo, Antonio Ignácio de Barros, José Vicente Alves, Arlindo Franco Godoy, João Pedroso, Mauricio Celeghin, Irineu Nadalini, José Ignácio de Barros, José Vaz de Lima, Fernando Duzzi, Antonio Souza Moraes, Clemente Pinto da Fonseca, Caetano Tomaleri, Benedito de Souza e José Ramos de Souza. Arquivo da Câmara Municipal de Serra Negra/SP.

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acontecer, obrigará os charreteiros guardarem seus veículos, a espera de melhores tempos. O que motivará a diminuição de diversões para os que procuram preferência as águas de Serra, preferindo outras estações de saúde e cura.

O depoente José Franco de Godoy (2015), em suas narrativas, lembrou que “isso era a atração da cidade, a charrete... diversas... tudo de aluguel. Os turistas iam para os bairros, para a cidade toda...”.

Foto nº 47. O uso da charrete como meio de transporte, para serranos e veranistas. Lado esquerdo: o músico João Galo Corato. Década de 1950. Acervo da pesquisadora.

Não se encontraram registros sobre as respostas aos requerimentos, porém as solicitações apresentadas corroboram a afirmação de que no início dos anos de 1950 ainda se refletia nas estâncias a perda do poderio econômico em virtude da proibição dos jogos.

3.2 – A DÉCADA DE 1950 TROUXE GRANDES MUDANÇAS URBANAS.

Durante toda a década de 1950, os dirigentes serranos procuraram meios para promover a cidade novamente e, assim, atrair mais visitantes na intenção de alavancar a economia local, visto que a cafeicultura não representava mais a sua principal riqueza.

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Dalmo de Abreu Dallari (1954)168 observou que Serra Negra aguardara ansiosamente para ser elevada à condição de Estância, pois, sendo uma cidade privilegiada pelo clima e águas, passara a ser procurada como estação de cura e veraneio e “nessa condição mereceria especial proteção das esferas administrativas estaduais”. A despeito dos benefícios elencados, quando da criação das estâncias o repasse de verbas para o município estava aquém do necessário para implantação plena de melhorias.

3.2.1 – A construção do Balneário Municipal

Apesar de ter sido narrado sob um viés cheio de melancolia, O Serrano publicou uma matéria em março de 1950 noticiando a destinação de verbas para a cidade, especificamente para a construção do Balneário Municipal. Receberam-se os recursos de bom grado, mas a construção demorou oito anos para ser concluída.

Publicou o “Diário Oficial” a vultosa verba de três milhões de cruzeiros para a construção do balneário de Serra Negra. Registramos esse acontecimento com grande prazer, pois justamente, uma obra de vulto vem preencher uma das maiores lacunas existentes na nossa estância hidro- mineral, que se ressente da falta de um balneário, a altura de sua freqüência e de sua fama... Por isso recebemos com grande satisfação e desvanecimento, a notícia alviçareira da verba vultuosa que se destina ao balneário, a ser construído na praça onde existia o antigo mercado municipal... (O Serrano, 19/03/1950)

Através de um ato do governador Lucas Nogueira Garcez, em 11 de agosto de 1950, nomeou-se como Prefeito Sanitário o senhor Luiz Barra, em cuja gestão muitos avanços marcaram a cidade169, como os pagamentos dos precatórios referentes às inúmeras áreas desapropriadas, a pavimentação das ruas centrais, o término do monumento do Cristo Redentor e os investimentos no Parque Caruso, um espaço de lazer e turismo. Porém, segundo ele, seu maior empenho era o

... de dotar a nossa Estância de um Balneário à altura do seu progresso e da sua importância, juntamente com a execução de um plano de urbanismo que tem por moldura e por fundo, o próprio morro que fica atrás. Já desapropriamos os terrenos necessários à construção das obras complementares para a piscina, para o Hotel do Estado com 100 apartamentos e para a avenida de

168 Artigo: Problema Municipal. Dalmo de Abreu Dallari. Especial para O Serrano, edição de 13/06/1954. 169 As verbas para alguns procedimentos vinham através do DOP – Departamento de Obras Públicas do Estado de São Paulo e da Secretaria de Viação.

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contorno, além do jardim fronteiro com soberba fonte luminosa... (O Serrano, 02/08/1953).

A fim de se concretizar os planos e implantar um Balneário Municipal foi necessário proceder à desapropriação do espaço que abrigava o antigo Mercado Municipal170, conforme publicou o jornal local, notícia essa acima citada. Em 1875, criou-se em Serra Negra o primeiro Mercado Municipal e sua regulamentação ocorreu através da Resolução nº 19, de 16/03/1876. A princípio, instalou-se num espaço provisório. Segundo Lapa (2008, p. 280), os códigos de posturas e regulamentos definiam o uso do Mercado Municipal como um espaço comercial entre os vendedores, em sua maioria produtores rurais, e os compradores, mas o local transcendia a finalidade primeira e também era um espaço de convívio social, pois algumas pessoas iam ao mercado simplesmente para conversar. Foto nº 48. Parte detrás do Mercado Municipal. Década de 1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

O Mercado Municipal desapropriado localizava-se na Rua Cel. Pedro Penteado, em frente ao Jardim Público171, e compunha-se de três pavilhões, sendo que nos fundos havia um espaço livre que margeava o ribeirão. A depoente Tereza Marchi lembrou que o local, nas décadas de 1930 e 1940, era uma espécie de parque infantil destinado ao entretenimento das crianças da redondeza. [...] ali era o “parque infantil”, porque era o único lugar em que a gente brincava mesmo. Os meninos jogavam futebol, as meninas entravam no jogo de futebol

170 Não se encontraram registros sobre a data da construção; pressupõe-se que teria sido entre os primeiros anos de 1900, pois existe a Lei nº 63 de 16/11/1909, que dispõe sobre os alugueres do espaço, bem como sobre a cobrança de impostos. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 171 O Jardim Público foi inaugurado em 1905.

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também, tinha uma amiga, a Zilda, ela jogava, mas ela fazia gols. Você precisava ver, era uma coisa![...](Tereza Marchi, 2014, Serra Negra/SP)

O depoente Oswaldo Saragiotto rememorou a questão do Mercado Municipal com muitos detalhes, já que na década de 1920 era criança e sua família possuía um estabelecimento comercial e residência vizinhos ao local. Destacou a figura do fiscal que acumulava o cargo de zelador e que se instalava num dos pavilhões do Mercado, como havia um espaço também ocupado pelo açougueiro e outro pela barbearia. [...] o açougue aqui e depois então, mas para cá, nessa parte aqui... era aqui, tinha um portão grande e aqui tinha uma porta. Uma porta grande, tinha o Jaime Barbeiro, tinha a barbearia ali, que o Jaques, aprendeu ali... no lado de cá tinha um armazém também que um certo, o Zanolini, tinha aqui e depois ele passou na parte onde é hoje o hotel do Perseu, ele tinha aqui, aí depois passou o Ramiro, ele também ficou com o armazém aqui... no meio era justamente o seguinte: todo sábado e domingo vinha o pessoal da roça e trazia um material. Que nem hoje vai na feira... , inclusive tinha o moedor de cana, que fazia garapa. Era a pessoa do João Lindo, do Bueno. Era ele que tinha, que era o dono disso... que fazia a garapa, ele tinha uma garapinha fresca, na hora, moída na hora, tinha sempre no fundo. E por volta sempre umas banquinhas, eles punham, o pessoal da roça trazia o material dele para vender, uma feira, né?[...](Oswaldo Saragiotto, 2014, Serra Negra/SP)

Foto nº49. Mercado Municipal. Década de 1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Na cidade comercializavam-se tanto produtos rurais serranos como os dos mineiros de Borda da Mata, que traziam seus queijos para serem vendidos.

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Aqui funcionou uma vez um açougue. Aqui atrás, que não aparece... tinham tropas de burros que vinham vender queijos, vinham de Borda da Mata (MG). As caravanas, na época eles vinham todos de burros e os queijos eram postos um em cima dos outros e eles carregavam em cima dos burros. Eles ficavam aqui vendendo, os queijos para os comerciantes e depois vendiam os burros também... ficavam dormindo num, traziam suas camas de tropeiros mesmo, que falavam na época. (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra /SP).

Nesse aspecto, Oswaldo Saragiotto enfatiza ainda que em uma das vindas dos mineiros experimentou uns queijos e gostou.

[...] eles traziam os queijos, como chamava a cangalha, né? Eles punham dois jacás, um aqui... um aqui e do outro lado também, vinham quatro jacás de queijo. Vinha amarrado e dependurado, porque aqui em cima tinha umas partes de madeira, que era próprio para isso mesmo, para amarrar, então vinha.... eles vinham lá de Minas carregado e vinham aqui no Mercadão. Que era o ponto deles aí... aí descarregava todo o queijo deles aí. E sabe como é que vendia? Vendia por lote, pegava um canto, fazia uma pilha de queijo. Aqueles queijão que não tirava a manteiga, aquele queijo gordo. Uma beleza! E fácil de bichar, ai formava aqueles.... aí vinha os comerciantes e negociavam.... eu quero tanto... tanto...Compravam, levavam para casa, pesavam, lavavam porque ele vinha no jacá, apesar deles colocarem sempre algumas folhas de bananeira.... alguma coisa. O pó, a terra, né? Os animais pisando o pó levantava. Então ficava meio sujinho, precisava lavar o queijo, enxugar, depois por em cima, sempre em cima de umas tábuas grandes, coisa grande, para ele enxugar um pouquinho.... meu pai pesava e fazia o preço para poder vender. Aí pesava... tantos quilos no valor de cem reais, custou x, acrescentava o lucro e vendia o queijo. E tinha os queijos, conforme eles ficavam alguns dias, alguns começavam a amarelar, sabe? Amarelava, ficava... não bem cura, mas era um queijo fresco e se ficasse mais um pouquinho, na borda do queijo começava a bichar, mas só na borda assim.... e tinha aqueles italianos que queriam aquele queijo. Que era o queijo mais gordo que tinha. Eles queriam aquele. E eu por uma ocasião, por curiosidade peguei um queijo daquele e cortei um pedaço, era só a beiradinha assim, que formava. Dentro não tinha bicho nenhum. E se cortasse aquela beiradinha era o melhor queijo que tinha. (Oswaldo Saragiotto, 1992 e 2014, Serra Negra/SP).

A estada dos comerciantes mineiros em Serra Negra também proporcionava momentos de lazer para algumas crianças serranas, pois

[...].eles vinham com os animais e pedia para a molecada para ajudar a levar no pasto os cavalos. Então você montava em pelo e ia... chamava “pasto do Turco”, onde é lá em cima, agora. Antigamente era do Antonio Jorge, falava “pasto do Turco”, ai perto do rio, ali. Atravessa a Rua ali no rio. Tinha uma passagem ali, dava uma passagem de três metros mais ou menos, aí você ia, subia o morro e chegava lá em cima e soltava os animais lá. Voltava e eles davam um queijo desse tamanho para gente. E a gente divertia porque ia em cima dos burros e ainda ganhava. Era tão barato para eles, que dava um queijo desse tamanho para gente. Ah! Meu Deus do Céu!!!![...] (Oswaldo Saragiotto, 1992 e 2014, Serra Negra/SP).

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Atrás do Mercado Municipal ocorriam as brincadeiras infantis e também era o espaço que costumeiramente abrigava os circos em visita à cidade. Segundo Oswaldo Saragiotto, “os circos antigamente eram grandes, tinham teatro e a banda, a bandinha daqui, vinha e tocava sempre, antes de começar, às sete horas... vinha tocando até chegar aqui, era uma atração”. A banda referida era o Corpo Musical “Umberto I”, que também se apresentava nos espetáculos circenses. Os depoentes Tereza Marchi e Nelson de Barros, netos do músico Alfredo Dallari, relembraram o circo como lugar simbólico, onde as pessoas se identificavam e eram reconhecidas, onde se construíam, pelas relações de amizade e de conhecimento, hábitos e valores culturais. A colaboração da banda “Umberto I” foi de grande valia nas apresentações circenses. Quando vinha o circo, que era ali onde era o nosso parque infantil, ali que montava o circo, então a banda ia. Eu contei para você já. O Tio Aymoré, ele dava então um pouco de partituras para Nelson, um pouco para o Dalmo, um pouco para o Osvaldo, para eles não pagarem para entrar no circo. Os músicos entravam marchando, tocando a música e eles também, segurando assim as partituras, marchando que nem os músicos. Era bem interessante! (Tereza Marchi, 2014, Serra Negra /SP)

Meu Nono (Alfredo Dallari) já levava eu lá na sala da banda, para eu ficar carregando as cadernetas (partituras) e trazer as cadernetas para eles, que era para distribuir lá, depois para os músicos ir tocando... quando vinha o circo, então a banda ia tocar no circo também, porque não tinha esse serviço de som naquela época, então a banda ia tocar toda noite no circo, toda noite de apresentação. Para entrar de graça no circo... eu ia carregando as cadernetas. Agora só que tem que carregar no domingo também, quando a banda vai para praça. – Não está bom! (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/ SP).

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Foto nº 50. Terreno após a demolição do Mercado Municipal. Década de 1950. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora

A demolição dos pavimentos do mercado municipal pode ser encarada como um marco significativo, pois também foi destruído um espaço ao qual se relacionavam memórias e vivências, como as do encontro dos produtores rurais por cerca de 50 anos, quando comercializavam suas mercadorias, e do intercâmbio com comerciantes de outras cidades e outros Estados. O espaço ocupado pelo Mercado Municipal e o seu entorno, nas primeiras décadas de 1900, eram considerados uma região desprivilegiada, um arrabalde sem infraestrutura, se comparados à movimentada Rua do Comércio, atualmente Rua Sete de Setembro, a qual abrigava, além das casas mais luxuosas da elite serrana, também as lojas, os armazéns, o Paço Municipal, a Casa de Câmara e Cadeia, muito próximo ao Grupo Escolar e à Igreja Matriz. Com a demolição, todo o seu entorno perdeu o sentido social, cultural e histórico, pois não servia mais como o parque das crianças da circunvizinhança. O espaço para a montagem do circo transferiu-se para os arredores da cidade e, assim, a banda de música e todo o séquito já não marchavam até lá. Canalizou-se o ribeirão, acabaram-se as pescarias. A fonte incrustada no morro passou a fazer parte de uma praça projetada; desapropriou-se também o “pasto do Turco”, referido nas lembranças de Oswaldo Saragiotto.

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Por outro lado, o empreendimento fez surgir um espaço público, o Balneário Municipal, representando um novo marco para a cidade e respondendo às expectativas de crescimento em relação ao termalismo. O oferecimento das águas curativas não era mais privilégio de alguns empreendimentos particulares.

Foto nº 51. A construção do balneário, iniciada com as verbas estaduais recebidas em 1950, sofreu paralisação por alguns anos. Década de 1950. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Dentre os planos do Prefeito Sanitário Luiz Barra, também estava a construção da sede de um clube local, o Clube XV de Novembro, do edifício para os Correios e Telégrafos, do edifício do Fórum e a reforma do Grupo Escolar; porém, ele não viu a concretização de suas intenções, pois faleceu em 31 de maio de 1954. Os seus projetos, no entanto, foram seguidos pelos sucessores, principalmente por Irineu Saragiotto. Em agosto de 1957172, depois da paralisação, ocorreu a retomada das obras do balneário após serem cumpridos os dispositivos requeridos pelo Governo do Estado. Noticiou-se o fato como uma vitória da administração municipal173. A conclusão das obras ocorreu “a toque de caixa”, pois o edifício era composto de dois andares, com cerca de 900 metros quadrados de construção, equipado com 16 banheiros, 9 lavatórios, 4 manilúvios, 4 pedilúvios e 6 apartamentos para banho a vapor, duchas

172 Em 22 de setembro de 1954, o vereador Oscar Mangeon apresentou um projeto de Lei denominando o balneário “Governador Lucas Nogueira Garcez”, que virou a Lei nº 160 de 22/09/1954. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 173 Jornal O Serrano, edição de 18 de agosto de 1957.

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intestinais e duchas escocesas, sendo duas para cada especialidade174. Segundo o depoente Irineu Saragiotto, toda a obra esteve a cargo do construtor serrano Edno Moscão175. Após a morte do Prefeito Sanitário Luiz Barras, incrementou-se o jardim frontal do Balneário Municipal através de uma fonte luminosa com 15 movimentos diversos de jatos d’água, sob variações nas luzes, cuja inauguração ocorreu em 23 de setembro de 1958, dia do aniversário da cidade de Serra Negra. O evento contou com a presença do Brigadeiro Jose Vicente de Faria Lima, conhecido como “Faria Lima”, que respondia no período pela Secretaria Estadual de Viação e Obras Públicas, no governo de Jânio Quadros.

Ilustração nº 21. Jornal O Serrano, edição de 28/09/1958

Foto nº 52 . Festa comemorativa da inauguração do Balneário Municipal de Serra Negra, em 23/09/1958. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

174 Jornal O Serrano, edição de 21/09/1958. 175 Edno Moscão, profissional reconhecido na cidade de Serra Negra, proprietário de uma construtora, com escritório também em São Paulo, foi responsável pela reforma da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário e pela construção do Fórum de Serra Negra.

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As expectativas em relação ao término do balneário enquanto um investimento para o turismo local que incrementaria a cidade com mais uma atração para os visitantes e hóspedes esbarravam em uma questão operacional: por cerca de oito anos, tempo este relativo à construção, não se discutiu como seria gerido esse novo empreendimento; portanto, não foram feitos investimentos para a formação de mão-de-obra especializada. Iniciaram-se então novos desafios, sobretudo na forma de gerenciamento do balneário. Para tal impasse havia três opções: primeiramente, a própria Prefeitura poderia controlar o empreendimento, porém ela não possuía em seus quadros profissionais pessoas habilitadas a oferecer os tratamentos adequados e muito menos recursos que poderiam ser oferecidos para subsidiá-los; outra opção seria o seu arrendamento a particulares; a terceira hipótese, pertinente à doação ao Governo do Estado, sugeria que ele tomasse as devidas providências para abertura do balneário. O vereador Jorge Antonio José apresentou um projeto de lei176 através do qual aventava a possibilidade de se criar uma Comissão de Controle com representantes dos poderes Executivo e Legislativo, assim como do comércio e da rede hoteleira de Serra Negra, propondo que a Prefeitura seguisse os passos do Governo Estadual, o qual havia concedido a terceiros a exploração dos seus balneários nas Estâncias de Águas de São Pedro, Águas de Santa Bárbara e Ibirá. Os pareceristas da Câmara Municipal foram contrários à proposta, alegando que a exploração comercial desvirtuaria a finalidade para a qual construiu-se o balneário, que era a busca da cura dos enfermos em Serra Negra. Sendo um estabelecimento público, o uso de suas águas deveria ser gratuito, cobrando-se pequenas taxas apenas para os banhos e duchas. Porém, eles então substituíram o projeto por outro, autorizando a doação ao Governo do Estado do prédio do balneário e das áreas onde se situavam as fontes de águas minerais que o abasteciam. A princípio, nenhuma das duas propostas vingou e o balneário permaneceu fechado. Em junho de 1959, o Prefeito Municipal, tentando sanar o problema, enviou um novo projeto à Câmara, autorizando o Poder Executivo a arrendar o balneário mediante concorrência pública, pois havia indignação por parte da população e de veranistas, em razão de a cidade possuir “um estabelecimento tão suntuoso e confortável, dotado de todos os

176 Projeto de Lei nº 131 de 27/10/1958. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.

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requisitos higiênicos e técnicos (e que) permaneça trancado, sem que realizem as finalidades sociais para que foi construído”177. O argumento do Prefeito era que, se o balneário ficasse sob a responsabilidade do Município ou do Estado, o seu funcionamento ainda demandaria tempo para começar: havia a questão da falta de verba para compra dos instrumentos e aparelhos ainda necessários, além da contratação de técnicos capacitados nas especialidades oferecidas por um balneário, tornando o arrendamento, portanto, uma saída emergencial. Aprovou-se o projeto, autorizando a concorrência pública mediante condições, sendo que uma delas era § 1º - Fica o arrendatário obrigado a permitir o livre acesso no saguão e fonte do Balneário e independentemente de qualquer cobrança de ingresso, de todos os munícipes, visitantes e turistas, dentro do horário das 6 às 21,00horas, correndo por sua conta as despesas de limpeza e conservação. (Lei nº 285 de 1º de julho de 1959)178

O Dr. Cesidio Sarra e o Prof. Eduardo Sarra, do Instituto de Fisioterapia Araxá, da cidade de São Paulo, venceram a concorrência. Eram profissionais do ramo do termalismo e tiveram um prazo de 10 anos para explorar o balneário. No início do funcionamento ocorreram contratempos, algumas paredes apresentaram infiltrações, problemas na caldeira e instalação da lavanderia179, situações essas que, ao serem sanadas, permitiram aos arrendatários aí permanecer por vários anos, pois só mais tarde é que seriam substituídos pelo Prof. José Lafranchi. Em 1974 editou-se mais uma lei, a de nº 760/1974, a qual concedia o arrendamento do balneário para particulares por mais dois anos, tendo permanecido o Prof. José Lafranchi. No entanto, em 1975180, revogou-se a Lei e os serviços relacionados ao funcionamento e manutenção do balneário passaram para a municipalidade181. Em novembro de 1975, encerraram-se as atividades do balneário e a sede da Prefeitura Municipal transferiu-

177 Projeto de Lei nº 160 de 25/06/1959- Prefeito Jovino Silveira. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. Jovino Silveira foi por muitos anos proprietário e diretor clínico da Fonte Santo Antonio, localizada no Radio Hotel, primeiro balneário particular de Serra Negra. 178 Lei nº 285 de 1º de julho de 1959. Lei nº 291 de 30 de novembro de 1959- Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 179 Itens apresentados no relatório enviado pela Comissão da Câmara Municipal especialmente criada para visitação e inspeção sobre o funcionamento do balneário. Protocolo nº 63/60. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 180 Lei nº 760 de 11/06/1974 e Lei nº 809 de 17/09/1975. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 181 Nesse mesmo ano o FUMEST encaminhou à Serra Negra o processo 207/75, um Projeto Arquitetônico, memorial descritivo e especificações, para a construção do Centro de Convenções e Balneário, com a área total de 29.680m2. O Serrano, edição de 23/02/1975.

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se para o local. O argumento de Felix (2012, p.59) era de que a ocupação do espaço pressionaria o Governo do Estado à construção de um centro de convenções que incluiria um balneário moderno, no seu terceiro pavimento182.

Foto nº 53. Balneário Lucas Nogueira Garcez, década de 1960. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Para abastecer o Balneário Lucas Nogueira Garcez utilizaram-se as águas da Fonte São Carlos183, localizada no antigo “pasto do Turco”, que já vinha sendo utilizada pela população serrana, como também outras nascentes. Para se chegar até a fonte era necessário passar pelo Mercado e atravessar uma pequena ponte sobre o ribeirão. No processo de construção do balneário cobriu-se o ribeirão e canalizou-se a água da nascente. Com o término do balneário e a solução paisagística, tanto da praça como do seu entorno, a fonte passou a integrar o jardim da parte detrás do balneário184.

182 De fato, a construção do centro de convenções ocorreu em parceria com o Fomento de Urbanização e Melhoria das Estâncias - FUMEST e foi inaugurado por diversos gestores, ao longo dos anos. O balneário funcionou no terceiro piso entre os anos de 1994 a 2003. Atualmente encontra-se fechado para reformas. 183 Propriedades das águas da Fonte São Carlos: Radioatividade: 16,00 unidades Maches por litro; Torioatividade: 05,57 milimicrocurie por litro. Elimina o cloreto de sódio excessivo corrigindo a Hipertensão Arterial Funcional, edemas e obesidade. Alivia o trabalho cardíaco, elimina o ácido úrico na gota, reumatismo gotoso e hiperucemia. 184 Anos mais tarde, para solucionar o problema do trânsito na cidade, a parte detrás da praça do Balneário foi reformada, e abriu-se uma rua entre a praça e a fonte São Carlos. A fonte deixou de integrar a obra do Balneário Municipal.

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Foto nº 54. Fonte São Carlos / Balneário Lucas Nogueira Garcez, década de 1950 Parte detrás. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora

No intuito de proceder ao embelezamento da cidade e proporcionar mais atrativos aos visitantes, iniciou-se a campanha para a desapropriação da área que englobava a Fonte Santo Agostinho e seu manancial, permitindo assim à cidade oferecer à população e aos veranistas mais uma fonte pública. Em setembro de 1954, o vereador Januario Blotta185 enviou um projeto de lei solicitando a desapropriação de 3.000 metros quadrados de um imóvel e sua nascente de água. A justificativa era de que Serra Negra, conhecida por suas águas, possuía apenas uma fonte pública, a Fonte São Carlos, cujas águas eram usadas para abastecimento do Balneário Municipal em construção. As demais fontes (Santo Antonio, São João e Nossa Senhora do Rosário) pertenciam a particulares, o que inviabilizava o seu uso por parte do povo e dos visitantes. Portanto, com a desapropriação do imóvel, seria possível oferecer mais um espaço de lazer à população em geral. A Comissão de Finanças e Orçamentos da Câmara emitiu um parecer negativo, argumentando o alto custo do bem a ser desapropriado e os gastos com investimentos para tornar o local digno de receber visitação, já que se encontrava abandonado, além da preocupação em proteger o manancial.

185 Projeto de Lei de autoria de Januario Blotta, apresentado em 20/09/2054. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.

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Foto nº 55. Fonte Santo Agostinho sem seus primórdios, ainda com cobertura de sapê. Década de 1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Em 1956, o assunto voltou à pauta e o Prefeito Sanitário Irineu Saragiotto apresentou novo projeto de desapropriação186, usando os mesmos argumentos de que Serra Negra deveria ter uma fonte municipal, portanto aberta ao público, complementando a questão com o resultado de uma análise de ensaio de radioatividade realizada em 1951 pelo biologista Orlando W. Longo, do Instituto Geográfico e Geológico187, no qual ele descreveu minuciosamente as propriedades das águas da Fonte Santo Agostinho. O novo projeto também previa a desapropriação do entorno da mina d’água como zona de proteção da nascente e, consequentemente, o município de Serra Negra teria uma verba complementar do Estado de São Paulo. O depoente Irineu Saragiotto acompanhou o referido biólogo em sua visita a Serra Negra, quando este realizou as análises nas fontes serranas e, assim, pôde se inteirar de procedimentos como o do contador Geiger-Müller, que é um aparelho que mede a ionização do ar produzida pela radiação. Segundo ele, o Dr. Longo percorreu varias áreas, inclusive o Bairro do Barrocão, no antigo sítio da família Tatarotti, justamente o local, já mencionado, em que se construiu, de forma precária, o que considero o primeiro balneário serrano,

186 O projeto foi aprovado. Lei nº 213, de 22 de Junho de 1956. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 187 Resultado da Análise, ensaio de radioatividade, realizada em 1951. Projeto de Lei nº 28/56. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.

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comprovando-se assim, quase 30 anos mais tarde, que as indicações feitas pelo médico Firmino Cavenaghi faziam sentido, pois a região possuía alto grau de radioatividade. Dentre as fontes visitadas, o interesse maior do Dr. Longo voltou-se justamente pela Fonte Santo Agostinho, pois, segundo a narrativa de Irineu Saragiotto, no local havia vestígios de lítio, porém seria necessário um estudo mais especifico com exames de espectro para constatar a dosagem. No mesmo período houve a especulação de que os proprietários do imóvel onde se localizava a fonte tinham a intenção de instalar no local uma firma de engarrafamento de água. [...] aí imediatamente quando soube disso, desapropriei ... fiz uma captação mais minuciosa... era um ranchinho muito pobre, que às vezes chovia... recebia água da erosão da chuva. E eu contratei, indicado pelo Dr. Longo, lá no Instituto Biológico, um engenheiro que na época, hoje seria o geólogo, na época se falava engenheiro de minas, ele que orientou toda a escavação dali dando em volta, toda aquela captação séria. (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 56. Fonte Santo Agostinho, inaugurada na gestão do Prefeito Enzo Perondini. Década 1960, após o início dos investimentos, para a instalação da fonte como ponto de turismo e lazer, e abertura das ruas do loteamento Parque Fonte Santo Agostinho. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

O processo de modificação motivou uma transformação urbana e social que se refletiu na constituição de uma verdadeira estação de águas, que oferecia um Balneário Municipal e fontes públicas aos visitantes, aos veranistas e à população em geral. Na década de 1940, a cafeicultura ainda liderava a produção agrícola serrana, seguida da produção de milho, arroz, feijão e cereais. Porém, nos anos de 1950 os números da

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produção agrícola caem drasticamente, pois a safra de 1956 atingiu o montante de apenas 76.000 arrobas, o menor resultado desde o primeiro registro encontrado, que data de 1886, cuja produção anual foi de 3.000.000 quilogramas (equivalente a 260.000 arrobas). Na esteira da queda na produção, também se extinguiram as fábricas de beneficiamento do produto. Em 1954, apresentou-se um Projeto de Lei com intuito de proibir novas licenças para o funcionamento dessas fábricas no perímetro urbano da cidade. E, para que não houvesse prejuízos, as existentes continuariam em atividade, pagando os respectivos impostos; porém, se pedissem o seu cancelamento, não poderiam ser licenciadas novamente188. Merece destaque outro fato envolvendo as águas serranas, que é o da constituição de uma sociedade anônima idealizada pelo médico Jovino Silveira e por Claudio Novaes189, os quais, em março de 1943190, lançaram uma proposta através da imprensa local. O artigo oferecia à compra de ações do Instituto Radium-emanoterapico S/A e apresentava os estatutos da sociedade. Segundo o comunicado, a finalidade era a de promover a criação do novo instituto aproveitando as condições naturais de Serra Negra quanto ao clima e as propriedades de suas águas, valendo-se também da visibilidade que a Estância vinha ganhando ao longo dos anos. A proposta visava instalar um balneário no centro da cidade, com equipamentos modernos nos quais as águas seriam enriquecidas pela radiação de radium metálico, otimizando os banhos radioativos, equiparando a qualidade do tratamento serrano àquela do oferecido pelo Balneário de Gastein, na Áustria. O aumento para 30.000 unidades mache era perfeitamente indicado para a cura do reumatismo. O local destinado ao novo empreendimento era justamente o das instalações do balneário da Fonte São João, visto que este oferecia parte da infraestrutura necessária, sua localização era privilegiada, como também era grande o interesse do proprietário na venda do estabelecimento. O comunicado ainda alegava que os idealizadores já possuíam a quantia de 18 miligramas de radium, o que possibilitaria o início imediato do empreendimento. Os interessados teriam o prazo de dez dias para efetivar a compra das ações e, em seguida, marcar-se-ia uma assembleia para a constituição da sociedade seguindo as

188 Não foram encontrados dados sobre quantas máquinas ainda restavam na data da aprovação do Projeto de Lei 107/54. (Lei nº 152/1954). 189 Claudio Novaes foi um incentivador do progresso de Serra Negra, inclusive iniciou os trâmites para instalar o cassino na cidade. 190 Publicado no Jornal O Serrano, na edição de 23/05/1943.

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especificações do Decreto Lei nº 2627/1940, que versava sobre a regulamentação das sociedades anônimas. Na década de 1950 o Instituto teve seu período áureo e de grande importância para cidade, tanto que suas instalações e áreas de tratamento registraram-se através de fotos191.

Foto nºs 57 e 58. Instalações para tratamento no Instituto Radium-emanoterapico S/A. Década de 1950. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

3.2.2 – A administração pública e o empenho para a melhoria da cidade: o Fórum de Serra Negra

Várias transformações urbanas em Serra Negra no decorrer de 1950 se notabilizaram, pois os recursos obtidos do Governo do Estado graças a sua condição de Estância Hidromineral contribuíram para melhorias, proporcionando ao Município um novo

191 Em 17/08/1945 foi realizada uma Assembleia do Instituto em que constava o nome de alguns associados: Mario Pereira dos Santos, Odorico Nilo Menen, Francisco da Cunha Diniz Junqueira, George Porfírio Cox, Jovino Silveira, Antonio Novaes Neto, Carolina Novaes, Claudio Novaes, Maria Aparecida Novaes, José Antonio da Silveira, José Pedro Salomão, Garcindo Alves de Andrade, Nicolau da Rocha Vita, Antonio Jorge José, João Zelante, Romualdo Cagnoni e Decio Marchi. Em agosto de 1952, através do decreto nº 31.724, o Instituto obteve a permissão para lavrar minerais, termais e gasosas. Em 1958 passou a funcionar como empresa de mineração. Não foram encontrados registros referentes ao seu fechamento; o que se sabe é que ele foi adquirido pela família Gaiolli e desativado. O local do imóvel atualmente abriga a agência do Branco Bradesco S/A.

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impulso. Além da construção do Balneário Municipal, das reformas das praças e fontes, da construção do monumento do Cristo Redentor, em 1959 houve a construção do prédio do Fórum, de grande importância para a cidade. Como já mencionado, criou-se a Comarca de Serra Negra em 1890 e, como a cidade não possuía um prédio especifico para abrigar o Fórum local, este funcionou provisoriamente em instalações improvisadas, sendo que os despachos e decisões eram proferidos nas residências dos juízes. Existe a informação de que já na década de 1930 instalou-se o Fórum no piso superior da Casa de Câmara e Cadeia, localizada na Praça da Independência192.

Ilustração nº 22. Casa de Câmara e Cadeia. A edificação data do início dos anos de 1900, localizada na Praça da Independência. Posteriormente a Câmara foi deslocada para outro imóvel e no piso superior foi instalado o Fórum, contendo o gabinete do Juiz e o Salão do Júri. O térreo abrigou a Delegacia e Cadeia. Fonte: Almanach de Serra Negra, 1913. Década de 1910.

As instituições permaneceram funcionando no prédio até o final de 1959, mas a falta de manutenção e melhoramentos deteriorou o edifício, tornando perigosa a permanência das pessoas nesse local193. A preocupação com um espaço específico para abrigar a justiça serrana já era apontada em 1949, quando o Prefeito Sanitário, Sr. Firmino Cavenaghi, promulgou a Lei nº

192 Atual Praça Barão do Rio Branco. 193 O risco de permanência no edifício era tão grande que muitas vezes os Juízes despachavam em suas residências e, para a realização do Tribunal do Júri, eram alugados imóveis que comportassem a sessão do júri.

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46/1949, na qual constava a doação para o Estado de uma área de 907,07 m2, destinada à construção do Fórum em um terreno em forma de polígono irregular. Porém, a referida doação não se concretizou194. Em 1952, a Comarca recebeu a visita de um engenheiro da Secretaria da Viação e Obras Públicas do Estado de São Paulo, no intuito de proceder à avaliação do prédio onde estava instalado o Fórum, a fim de elaborar o projeto de reforma do imóvel ou a construção de um novo prédio. Segundo apurou o engenheiro, a reforma seria impossível, devido ao estado avançado de degradação do imóvel. Houve, então, a sugestão da edificação de um novo Fórum, em local próximo ao prédio antigo, ou seja, no plano mais elevado do jardim da Praça Barão do Rio Branco, antiga Praça da Independência. O local sugerido era utilizado como campo de futebol pelas crianças moradoras da cidade, e preencheria os requisitos, pois confrontava com uma praça ou largo, como determinavam as exigências do Estado para edificações de prédios públicos, além de não ser necessária a desapropriação de qualquer imóvel, o que acarretaria ônus para os cofres municipais. A doação ao Estado da referida área foi regularizada através das Leis nº 129/53 e 153/53195 e o imóvel a ser doado era justamente o terceiro piso da Praça acima mencionada. No entanto, havia um problema de ordem jurídica para ser solucionado, como bem lembrou o depoente Irineu Saragiotto, que ocupou o cargo de Prefeito Sanitário no período de 1955 a 1959. A área fazia parte de uma praça; portanto, era um bem de uso público e não um imóvel pertencente ao Município. Para solucionar o impasse Irineu Saragiotto iniciou uma série de estudos, e, em suas pesquisas nos acervos de documentação antiga do Município, deparou-se com imóveis que eram registrados através da Fábrica da Igreja e não pelos Cartórios. Nessa documentação encontrou um pedido de desincorporação de uma área, solicitado pela Cúria Metropolitana de Campinas. Ali estava um precedente. Depois de consultar o Juiz de Direito, Dr. Geraldo de Faria Lemos Pinheiro, que exercia o cargo na Comarca de Serra Negra, sobre a validade do

194 Na Lei 46/1949 havia a cláusula provendo que, se o Estado não efetuasse o determinado na Lei, no prazo de cinco anos o imóvel reverteria ao patrimônio municipal. Posteriormente o imóvel teve outra destinação: a construção do correio, sendo doado através da Lei 64/1951 ao Departamento dos Correios e Telégrafos. O local abriga atualmente o prédio do Correio. 195 Antes das aprovações das Leis houve um parecer datado de novembro de 1952, do Vereador Roberto Brambilla de Maria, mais tarde eleito Deputado Estadual, sugerindo que, após a mudança do Fórum, o antigo prédio deveria ser demolido, pois a Cadeia e Delegacia já estavam instaladas em uma nova edificação, também localizadas na Praça Barão do Rio Branco. Atualmente o prédio abriga as seções de Distribuição Judicial e Administração do Fórum Local.

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procedimento, iniciaram-se os trâmites para a regularização da área em questão. Apresentou- se na Câmara Municipal projeto de lei desincorporando um terreno da classe de bens de uso comum do povo, transferindo-o para os bens patrimoniais do Município e, consequentemente, doando-o para o Estado196.

Foto nº 59. Praça Barão do Rio Branco, ao fundo o Grupo Escolar e a visão do terceiro piso da praça, no alto da escadaria, local escolhido para construção do prédio do Fórum. Década de 1940. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Em 1956, após a aprovação da Lei, outros impasses surgiram. Qual seria o modelo de construção a ser adotado pela Comarca de Serra Negra? Como seria disponibilizada a verba para a edificação do prédio? O Município, no entanto, apesar de ter regularizado a área doada ao Estado, não dispunha da quantia necessária à edificação na relação de verbas aprovadas para o ano de 1958 para a construção de prédios públicos. Naquele período a Diretoria de Obras Públicas (D.O.P.) da Secretaria de Viação de Obras Públicas do Estado de São Paulo197 disponibilizava três modelos de plantas (A, B e

196 A Lei foi aprovada em 06/06/1956, sob nº 207/1956. A partir desse procedimento de desincorporação de bens de uso comum do povo, outros terrenos passaram pelo mesmo processo e foram incorporados ao patrimônio municipal. 197 O cargo de Secretario da Viação e Obras Públicas nessa época era ocupado pelo Brigadeiro Faria Lima, futuro prefeito de São Paulo.

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C). A construção devia observar alguns parâmetros, entre os quais a quantidade de processos em andamento na Comarca, o número de varas em funcionamento e a metragem do terreno. Serra Negra se enquadrava no perfil do modelo “A”. Segundo o depoente Irineu Saragiotto, o modelo “A” era uma construção muito simples. Como ele teve acesso direto aos modelos das plantas, escolheu na ocasião a planta de modelo “B”, em estilo neoclássico. Como não havia destinação de verbas no orçamento de 1958 para a construção do Fórum em Serra Negra, o Prefeito se comprometeu com o Governo do Estado a iniciar as obras com recursos próprios do Município, aguardando a liberação da verba estadual para o ano seguinte.

Quando eu peguei as plantas, peguei com a ordem do Governador. Eu construí com recursos próprios, que na verdade eu não tinha. Falei:- Bom! Qual a minha saída agora? Essa é a função do prefeito, vamos resolver este problema aqui! Ele me deu a ordem para construir, mas eu não tenho dinheiro...tenho um pouco, mas não vai dar. Eu assumi a responsabilidade de fazê-lo. Ai me deu um outro estalo, eu falei:- E se eu passar para o particular em concorrência... autorização para construção nas mesmas avenças198 que eu estou recebendo do Estado. (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra /SP).

A fim de decidir a questão enviou-se um projeto de lei à Câmara autorizando a adjudicar a um empreiteiro habilitado a execução das obras. Após a licitação, o escritório do empreiteiro Edno Moscão ganhou a concorrência pública e iniciou as obras. No acordo constava uma cláusula pela qual o contratado arcaria nos primeiros meses com as despesas oriundas da execução dos serviços, teria o prazo de oito meses para realizá-los e receberia o pagamento de forma parcelada199.

198 Avenças: nos mesmos termos, nas mesmas condições. 199 Lei 261/1958. O parágrafo único da lei dizia: O contrato a ser celebrado com base na autorização concedida por esta Lei estipulará as mesmas avenças e idêntico valor do ajuste mencionado neste artigo, lavrado entre a Prefeitura e a Diretoria de Obras Públicas. Acervo Câmara Municipal

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Foto nº 60. Fórum da Comarca de Serra Negra. Década de 1960. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

O padrão para a construção do Fórum que seguia o modelo “B” era definido em oito itens, conforme pesquisa realizada por Cordido (2012)200: 1 Hierarquia espacial: De cunho racionalista, o elemento que articula de forma simétrica o corpo do edifício é o Salão do Júri. 2 Hierarquia funcional: O edifício está distribuído em dois níveis sendo que no térreo estão todos os serviços de maior acesso ao público tais como cartórios, arquivos, registro civis, juizados de menores. No 1º andar localizam-se os serviços estritos da justiça: salão do júri, gabinetes, sala secreta, promotoria, advogados, testemunhas, sala de audiência e cela para o réu. 3 Organização espacial: A planta é concebida de forma simétrica a partir de um eixo central. 4 Agenciamentos de espaços internos: os espaços internos são organizados por princípios funcionalistas e priorizam sua organização em função das especificidades da Justiça. 5 Elementos de Comunicação: O átrio articula a distribuição e acesso conduzindo a uma ampla escadaria. 6 Composição da Fachada: A fachada, por vezes, utiliza elementos com referência neoclássicos, porém estilizados, tais como o pórtico de entrada ladeado por

200 Ver mais: CORDIDO, Maria Tereza Regina Leme de Barros. Arquitetura Moderna: A rede de fóruns modulares do Estado de São Paulo (1969-1975) Instituto de Arquitetura de São Carlos. Universidade de São Paulo, São Carlos, 2012.

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colunatas. As platibandas recobrem uma tradicional cobertura de telhas e cerâmicas, geralmente de quatro águas. 7 Materiais: Os materiais de acabamento são distintos, o nível inferior é mais despojado de ornamentos. Os pisos são frios (geralmente de ladrilhos, hidráulicos), as janelas basculantes simples e as paredes acabadas só em pinturas, entre outros. No andar superior são utilizados vitrais, mármores, pisos e revestimentos em madeira. 8 Elementos: Ornamentais versus Detalhes construtivos: A estrutura não é aparente. E as fachadas possuem elementos ornamentais com referências neoclássicas, tais como arremates com frisos, colunatas, etc. Remetendo ao simbolismo recorrente da arquitetura judiciária do período. (CORDIDO, 2012, pp.141/142).

Após tudo acordado, iniciaram-se as obras. Passados dez anos da primeira tentativa, inaugura-se o edifício do Fórum de Serra Negra201, em abril de 1959, com a presença das autoridades serranas e dos senhores Brigadeiro Faria Lima, Secretário da Viação; engenheiro Pietro Gherardi, Diretor do D.O.P.; Tersio de Barros Pimentel, Chefe de Gabinete do Secretário de Viação e todos os engenheiros do Departamento de Obras Públicas202. Apesar das diretrizes traçadas conforme os modelos padronizados dos fóruns, em Serra Negra houve alteração em alguns itens devido a escolha do empreiteiro Edno Moscão, que pessoalmente doou alguns melhoramentos, atribuindo ao Fórum serrano um padrão elevado em seu acabamento. O fato chamou a atenção da imprensa estadual, conforme a publicação no jornal A Gazeta, datado de 23 de abril de 1959.

201 Através do Decreto nº 36.785 de 18/06/1960, o Fórum da Comarca de Serra Negra passou a chamar-se “Fórum Clovis Belivaqua”. ...logo à entrada, vencida a escadaria externa em piso de mármore, o visitante tem sua atenção voltada para dois vultos: Clovis Bevilaqua e Themis, a deusa da Justiça, de alva túnica e olhos vendados, empunha a espada e a balança. Penas, para o vício; recompensa, para a virtude. À esquerda, a excelsa figura do jurista, em tamanho natural, colocado em nicho e recebendo uma patina de luz... (Jornal A Gazeta, edição de 23/04/1959). 202 Jornal O Serrano, edição de 25/04/1959.

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Foto nº 61. Solenidade de Inauguração, Salão do Júri, Fórum da Comarca de Serra Negra Abril de 1959. Foto cedida por Ari Fiorante. Acervo da pesquisadora.

O Salão do Júri, dependência principal do Fórum, foi executado com acabamento esmeradíssimo. Lambris de imbuia emoldurados, forro de canela no sistema “caixotão” desenhado, acabamento com verniz fosco a boneca, respaldo superior do lambri com ornatos laterais em forma de volutas sob madeira entalhada e revestimento a ouro folheado com patina de ouro velho. Piso na forma de “parquet”, com aplicações de ipê e marfim revestido de “synteco”. No fundo do amplo salão domina a figura soberana do Cristo cuja estatua fulgura sob jatos suaves da luz irisante do gáz “nyl-neon”. Cristo surge, do seu nicho, na sua forma etérea e fluida, lembrando aos julgadores da Justiça comum com sua presença divina o seu próprio julgamento... Escadas em mármore romano, amplos corredores, salas, salões, gabinetes – numerosos e modernos – formam no imponente conjunto de alvenaria que é o novo Fórum de Serra Negra. (A Gazeta, 23/04/1959)

O piso de mármore e o vitral em cristal, com a representação do julgamento do Rei Salomão se destacaram sobremaneira: Mais adiante no extremo posterior do “hall”, um maravilhoso painel decorativo, executado em cristalite a baixo relevo, com quatro metros de altura, representando o famoso quadro da Justiça salomônica. O artista reproduziu no cristal, numa interpretação inspiradíssima a figura das duas mulheres que disputavam o filho pela justiça de Salomão. O grande rei, percebendo a impossibilidade de um acordo, determina que a criança seja cortada ao meio, tocando uma parte igual a cada uma das mulheres. No momento terrível da decepagem, a verdadeira mãe, segurando o braço do executor, exclama: “Senhor, peço-vos que dê a ela o menino vivo, e não o mate!” Responde o justíssimo e sábio Rei: “Dai àquela o menino vivo, e não se mate, porque ela é sua mãe!”. (A Gazeta, 23/04/1959).

A inauguração do prédio do Fórum, em abril de 1959, encerrou uma fase de relações diferenciadas entra a Estância de Serra Negra e o Governo do Estado, pois desde a

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sua titulação de Estância, em 1939, os prefeitos passaram a ser nomeados pelo Estado, o que era uma das características administrativas das cidades consideradas Estâncias. Os cargos eram de confiança e os prefeitos eram aqueles pertencentes aos partidos políticos dos grupos que estavam no poder. Apesar de pouco apoio recebido no período acima citado, a década de 1950 foi muito benéfica para Serra Negra, principalmente nas gestões de Luiz Barra (1950-1954) e Irineu Saragiotto (1955-1959). Este último, em seu depoimento, traçou a relação entre a Estância de Serra Negra e o Estado no período em que ocupou o cargo de Prefeito Sanitário. No período em questão, eram onze os prefeitos nomeados e o Governo do Estado fazia a aplicação direta das verbas. O chefe de gabinete para assuntos do interior era o Sr. Corifeu de Azevedo Marques e, dentre suas atribuições estava a de filtrar quais assuntos seriam tratados diretamente com o Governador Jânio Quadros203, o qual adotou o expediente de receber pessoalmente os Prefeitos das Estâncias para os respectivos despachos, dispensando a intermediação dos deputados estaduais. Para tanto, seguia uma pauta pré-estabelecida; as audiências eram mensais e os Prefeitos eram recebidos mediante agendamento prévio.

Você tinha um limite de despacho... eram três assuntos, não mais, só três assuntos... Então quando era recebido por ele... os problemas mais sérios, mais graves, despachava direto com o Governador, era uma coisa impressionante, você vê um prefeitinho de 29, 30 anos, despachando com o Governador. (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra /SP).

O depoente Irineu Saragiotto às vezes excedia sua cota e, com a concordância do chefe de gabinete, participava das reuniões, mesmo sem agendamento prévio.

Mas, se eu tinha um assunto meio grave, eu chegava lá. – Corifeu, eu tenho que falar com o Governador de qualquer jeito! – Não está na relação, hoje são esses Prefeitos que vão ser recebidos. Você foi recebido dia tal. Não pode ser, não está aqui! – Eu vou entrar no gabinete, na hora que (ele) chamar todos. Eu vou entrar e vou ver o que dá. Bom! O máximo que ele pode fazer é me por para fora do gabinete. E entrava... e entrava...e às vezes o Jânio, tinha uma certa simpatia comigo. – O senhor está aqui novamente, o senhor não está hoje. – Mas Governador, me desculpe, mas é um assunto de grande interesse. No final ai, o senhor dá uma olhadinha. – Está Bom!. Ele tratava meio áspero. . (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra /SP)

203 Jânio Quadros foi governador do Estado de São Paulo entre os anos de 1955 – 1959.

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Além das reuniões com o Governador, os Prefeitos participavam de encontros com Faria Lima, que ocupava o cargo de Secretario da Viação e Obras Públicas. Ele acompanhava de perto as obras que estavam sendo desenvolvidas nas Estâncias, cobrava resultados e prestação de contas.

Ah! Acompanhava de perto. Então ele pegava o processo. Digamos aqui dois, três, quatro processos de cada um daqueles que estavam aí, no máximo 10, 12, 15 e perguntava ao Prefeito como estava o andamento de tal obra... E se você levantasse alguma coisa que estava dependendo, que estava parada, ou lenta, ou na dependência de repartições da própria secretaria da viação, da qual ele era titular... No momento ele dava a palavra para o diretor daquela secretaria, daquele departamento que falava a respeito... (Irineu Saragiotto, 2014, Serra Negra /SP).

Essa forma de relação direta entre o Governo e a Estância de Serra Negra interrompeu-se a partir de 1959, pois os prefeitos deixaram de ser nomeados por um período (1959-1971), voltando a ser eleitos pelo voto direto. A partir da década de 1950, a cidade, acostumada com a fama de Estância, experimentou outra forma de ganho econômico além da agricultura, principalmente do café, que ainda era muito expressivo. Surgiram novos postos de trabalho direcionados ao turismo como as pequenas fábricas de artigos em couro, madeira, palha, bambu, porcelana, feltro, barro e a produção de artesanato, como lembrou o depoente Antonio Luigi Ítalo Franchi.

...na minha maneira de pensar. Eu acho que a água contribuiu, mas na realidade o que fez que Serra Negra se desenvolvesse mais foi a mudança dessa característica puramente rural que ela tinha, por uma característica um pouco industrial, de coisa pequena... essa pequena indústria, vamos chamar assim, (ela) foi criando vulto e realmente agradando aqueles que vinham para cá. Porque encontravam aquelas coisas feitas de couro bordado. Muito bonito! Era muito bonito. Então desenvolveu ai. (Antonio Luigi, 2015, Serra Negra/SP)

A produtividade dessas pequenas fábricas motivou o aumento dos pontos comerciais que direcionavam seus produtos para os visitantes; inclusive algumas lojas surgiram em virtude das fábricas que precisavam de um espaço para expor sua produção, como as fábricas de bolsas e sandálias das famílias Spinhardi e Menegatti, as sapatarias das famílias Dallari e Godoi, a venda de artesanato, como a loja da família Corsi, e a mudança na produção das marcenarias, como lembrou o depoente Nelson de Barros:

Em 39, eu estava com oito anos de idade, (meu pai) comprou lá em 29 aquelas casinhas velhas, ai botou a marcenaria dele. Porque ele trabalhou uns três anos junto

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com o Tranquilo Perondini, que tinha marcenaria. O pai dele morava no sítio e ele não quis saber: - Eu quero aprender uma profissão. Ele não gostava (de ser lavrador/agricultor) e aprendeu a profissão, quando foi em 29 ele comprou aquela casa lá na Rua Coronel e todos aquelas casinhas né, e lá ficamos, nasceu o Zé, nasceu a Tereza, quando foi em 39 ele derrubou e fez o sobrado. Eu comecei a vida trabalhando de marceneiro junto com meu pai, porque ele tinha marcenaria. Ali eu fui até que eu me casei. Nesse período ele passou a loja para mim e para o meu irmão. Nós passamos então, ao invés de móveis, a fabricar artesanato... Era uma mercadoria bonita. Eu acabei ficando na loja durante... acho que uns oito anos, depois eu me cansei e eu falei com meu irmão: - Fica com a loja. Ele está com a loja até hoje. (Nelson de Barros, 2014, Serra Negra/SP).

A preocupação do direcionamento da produção e do comércio para os turistas fez com que um grupo de proprietários de casas de couro e bazares (cujos estabelecimentos localizavam-se nas principais ruas da cidade) formulassem um requerimento junto à Câmara Municipal solicitando a ampliação do horário comercial, incluindo a abertura das lojas aos domingos.

Os suplicantes desejam manter abertas suas casas comerciais, depois das 18 horas, exclusivamente durante o período de afluência de turistas nesta cidade, ficando os patrões com o encargo de servirem o balcão nessa emergência, inclusive aos domingos. 204

Foto nº 62. Casa Bruno. Loja de Calçados de propriedade de Bruno Dalari, localizada na Rua Prudente de Moraes. O jovem é Roberto Dalari, o proprietário Bruno Dalari e Alfredo Dalari. Década de 1940. Foto cedida por Tereza Marchi. Acervo da pesquisadora.

204 O pedido contou com 31 assinaturas e foi indeferido, pois desrespeitava os horários fixados na Lei Orgânica do Município, além de ir contra ao estabelecido na legislação trabalhista. Oficio nº 16/50. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra.

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As mudanças das décadas de 1940 e 1950 também influenciaram a área musical e de entretenimento serranas. Se temos a cidade de Serra Negra preocupada em sair do ostracismo pós-cassino, pós-guerra, com uma administração pública voltada para a melhoria das condições estruturais do Município, com novos espaços públicos, buscando verbas diretamente com o Governo Estadual e com a atenção voltada para o fluxo de novos visitantes, temos, também, o ressurgimento da Banda de Música com nova designação, a Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, a origem da Corporação Musical “Renato Perondini”, os conjuntos musicais com mais experiência atuando em eventos, em programas de auditório e em clubes, e a importância do espaço da praça central voltado para as relações sociais, com o auxílio do alto-falante e a prática do footing205.

3.3 – A MUSICALIDADE SERRANA PÓS-GUERRA

A CORPORAÇÃO MUSICAL “LIRA DE SERRA NEGRA”

Como já mencionado, o período da Segunda Grande Guerra também influenciou a trajetória da Banda de Música “Umberto I”. Ela se viu obrigada a não utilizar sua denominação italiana, passando a ser apresentada como Banda de Música ou Corporação Musical desta cidade.

Ilustração nº 23. Jornal O Serrano, edição de 28/10/1942

Segundo os músicos mais antigos, com a saída de Astolpho Perondini206, os irmãos Luiz e Ângelo Lamari se revezaram na regência, entre os anos de 1942 e 1944, época

205 O footing é explicado em uma crônica de Odilon Souza Lemos. ANEXO 05 206 Astolpho Perondini faleceu, aos 75 anos, na cidade de Londrina/PR, em 7 de junho de 1968.

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em que houve desentendimentos entre os membros da sociedade musical, que chegou a paralisar suas atividades em 1944. Registrou-se a última apresentação em setembro do mesmo ano. Somente a partir de abril de 1945 localizaram-se informações sobre a banda de música, a qual inicia um processo de reestruturação que também registrou-se na imprensa local. As informações do artigo permitem algumas observações, pois, ao relatar a reorganização da Corporação, traçou a trajetória de uma banda de música que, mesmo omitindo seu nome, trata-se do Corpo Musicale “Umberto I”. A banda, formada pelos imigrantes e seus descendentes, ao longo de sua história passou a representar Serra Negra como patrimônio cultural da cidade e, apesar dos fatos acontecidos advindos da Segunda Guerra, era reconhecida e reverenciada pelos munícipes.

Corporação Musical Vem sendo bem acolhida, graças os esforços e boa vontade encontrados por parte de pessoas gradas do nosso meio, a iniciativa da reorganização da banda musical desta cidade. Tal empreendimento se faz merecedor de aplausos, pois a corporação musical serrana foi, em outros tempos, uma das mais bem organizadas desta zona, concorrendo a vários concursos e conquistando belas classificações. Harmonioso e disciplinado, quantas vezes aquele tradicional conjunto de amadores da sublime arte foi laureado nos vários certames, aos quais compartilharam outros de grande fama e renome. Sob a batuta de bons maestros que aqui residiram, já atraídos pelos elementos admiradores da boa música, Serra Negra teve a sua expressão de arte, deixando algo de conceito em torno de seu nome. Não poderia soçobrar a vitoriosa organização e, bem por isso, agora repontam novas energias, que já se pronunciam plenamente, no reaparecimento da Banda de Música desta cidade. Com a compra de novo instrumental e do seu uniforme, a corporação vae receber nova denominação, que ficou para ser deliberada, quando reunidos os seus reorganizadores. Merecem, pois os nossos aplausos os afeiçoados e aqueles que se dispuseram a dar seus esforços a simpática iniciativa, já coroada de pleno êxito com o breve reencetar dos concertos públicos naquela corporação musical dos logradores da cidade (O Serrano, 17/04/1945).

Após as primeiras tratativas e com o apoio da comunidade serrana, os músicos realizaram uma reunião oficial em 5 de junho de 1945, ocasião em que se elegeu uma diretoria provisória. A assembleia ocorreu na sede da Sociedade Italiana, justamente o local onde eram realizados os ensaios do Corpo Musicale “Umberto I”. No dia seguinte houve nova

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reunião, a diretoria foi empossada e votou-se a nova designação da banda, que passou a se chamar Corporação Musical “Lira de Serra Negra”.

Ilustração nº 24. Assinatura dos músicos presentes na reunião que fundou a Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Fonte: Ata da Corporação Musical “Lira de Serra Negra” datada de 05/06/1945.

Corporação Musical “Lira Serra Negra” Em reunião no dia 5 deste mês foi eleita a nova diretoria da Corporação Musical “Lira Serra Negra”, que ficou constituída dos srs: presidente, Renato Perondini; vice-presidente, Bruno Dalari; 1º secretario, Januario Blotta; 2º secretario, Antonio Barbosa P. da Fonseca; tesoureiro, Ataliba Ferreira de Lima; diretor de contratos, Cesar Perini, diretor regente, Luiz Guirelli; vice-diretor regente, Emilio Dela Guardia; arquivista, Aimoré Dalari. Em reunião no dia 6 deu-se a posse da diretoria eleita, sendo em seguida tratados de vários assuntos de interesse daquela sociedade. Entre outras deliberações foi dada a corporação musical a denominação de “Lira Serra Negra”, sendo também cogitados os estatutos que se acham em organização. No dia 16 de corrente a nova diretoria vae promover Uma quermesse, cujo resultado será destinado á aquisição de instrumental e de uniforme áquela corporação musical (O Serrano, 10/06/1945)

Após a eleição, houve uma grande movimentação a fim de angariar fundos para a aquisição de instrumentos novos e a confecção do uniforme, através de quermesses e um baile especialmente organizado nos salões do Clube XV, com renda revertida para a “Lira”. A

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atitude do povo serrano demonstrou mais uma vez a importância que a comunidade local atribuía às bandas de música. Na trajetória da banda italiana, como vimos, em inúmeras ocasiões a população esteve sempre pronta a auxiliar, na compra de instrumentos e uniformes, oferecendo partituras para ampliação do repertório, intervindo junto ao poder público para renovação de contratos e até criticando alguns concertos. A nova formação tinha um número reduzido de instrumentistas: muitos músicos já haviam falecido e outros estavam idosos, porém todos os integrantes da nova banda pertenceram à “Umberto I”. Apesar de Luiz Guirelli ter sido eleito como maestro, não foram encontrados mais dados sobre sua atuação e nem mesmo os músicos mais velhos lembravam da sua regência. Após todos os preparativos, o primeiro concerto da “Lira” ocorreu em 17 de junho de 1945 e, no mês de setembro, ela já estava participando dos eventos cívicos da cidade, iniciando com as alvoradas e concertos. Concerto A corporação musical “Lyra de Serra Negra” executará hoje, às 20 horas, no coreto do Jardim da Praça Barão do Rio Branco, o seguinte programa: 1 – Bororô na Ponta- Dobrado. 2 – Luas de Serra Negra – Valsa 3 - Sonho de um louco 4 – Dr. Firmino

2ª Parte 5 – Os Flagellados – Dobrado 6 - Lira Monte Sião – Valsa 7 – 24 de Outubro – Sinfonia 8 – Pintino no Terreiro – Maxixe 10 – Manoel B. dos Reis – Dobrado (O Serrano, 17/06/1945)

Algumas lembranças remetem ao engenheiro Rafael Pero, que, por uns anos, trabalhou em Serra Negra e foi convidado a assumir a regência da “Lira”. Seu nome nunca constou das atas registradas no período em que esteve na cidade, porém, nos programas publicados sobre os concertos realizados, ele é nomeado como “maestro amador”. Isso talvez tenha ocorrido por exigência do próprio músico. A primeira apresentação é datada de dezembro de 1945. Concerto Sob a regência do maestro amador sr. Dr. Rafhael Pero, que se encontra nesta cidade, a corporação "Lira Serra Negra", far-se-á ouvir hoje, no coreto do jardim da Praça Barão do Rio Branco, executando o seguinte programa: 1ª Parte 1 – Ubaldo de Abreu- Maria Aparecida – Marcha 2 – XX – Porto – Grande Dobrado Sinfônico 3- Aricó Junior – Jacyra – Valsa

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4 – Donizetti – Lucia di Lamemour – Final do 3º ato da Opera. 5 – Basileo – Estrela da Madrugada – Fantasia para clarineto Si b.

2ª Parte 6 – R. Pero – Batalhão Piracicabano – Marcha Militar. 7 – C. Gomes – Guarany – Fantasia sobre o motivo da Opera. 8 – Aricó Junior – Torturas da minha vida – Valsa. 9 – Callerno – Dolce Zeffiro – Masurka. 10 – Aricó Junior – Ao microfone – Samba final (O Serrano, 23/12/1945)

Em uma conversa com Antonio Briotto e João Corato nos idos de 1996, os dois músicos lembraram de Rafael Pero. Afirmaram que, na ocasião da formação da banda “Lira”, o músico Ângelo Lamari, que era o mais indicado para assumir a regência, adoeceu. Então seu irmão Luiz Lamari, conhecido por “Gino”, passou a ser o maestro e, nesse meio-tempo, foi-lhe apresentado o engenheiro Rafael Pero, que vinha da cidade de Piracicaba para trabalhar em Serra Negra. Luiz, então, concedeu o lugar de maestro ao músico visitante, tendo em vista que ele já havia tido experiência frente à banda de sua cidade. Como maestro, Rafael Pero presenteou a “Lira” com várias partituras, cujas músicas passaram a fazer parte do repertório da banda até sua atualidade, entre elas os dobrados Luzo-Itálico, Bororo, Piracicabano e composições de Aricó Junior. Rafael Pero era muito estimado pelos músicos, em especial por Emilio Della Guardia. Pero demonstrava um enorme respeito pelos instrumentistas e, sempre que possível, escolhia um repertório em que pudesse valorizar seus músicos, dando-lhes a oportunidade de solarem, como aconteceu em uma retreta em 1947. Retreta Hoje, ás 19 horas no Coreto do Jardim Público a Corporação Musical “Lira Serra Negra”, executará, sob a regência do amador dr. Raphael Pero, o seguinte programa: 1 ª Parte 1 – O Paulista – Ouverture 2 – Bororó – Dobrado Sinfônico 3 – Giorgi – Dueto Original para Clarineta e Pistão, solistas: Coratto e Briotto 4 – Bovolenta – Sincera Amizade – Valsa 5 – Nascimento – Samba na Roça, solista: Felice Belino

2ª Parte 6 – J. R. P. – Geppe – Marcha, homenagem ao sr. José Luiz Tomaleri, pelo autor 7 – Verdi – Pont-porri nell’Opera – Traviatta, solista: Corato 8 – Donizetti – Ramanza nell’Opera Linda di Chamounix, solista: Aymoré Dallari. 9 – Bocchi – Margarida - Mazurka 10- Rodrigues – La Cumparsita – Tango Argentino. Compilado para Banda pelo Professor Aricó Junior (O Serrano, 21/09/1947)

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Nessa apresentação temos os solistas João Corato, no trompete; Antonio Briotto207, na Clarineta; Felice Belino208, no bombardino; e Aymoré Dallari209, no trombone. Nessa ocasião os músicos puderam apresentar suas performances. Outro fato de interesse é que nesse período alguns músicos experientes não estavam mais ativos, o que permitiu aos membros da nova geração a chance de se destacarem como instrumentistas. O maestro Rafael Pero também levou a recente Corporação a se apresentar em outras cidades, como o concerto realizado na vizinha Amparo.

Concerto A Corporação Musical “Lira Serra Negra”, realisará hoje, na visinha cidade de Amparo, sob a regência do maestro Rafael Pero, um concerto no jardim público em homenagem ao povo amparense, executando o seguinte programa:

1ª Parte 1 – R. P. Porto – Dobrado Sinfônico 2 – N.N. – Mignonette – Ouverture. 3- Fasilli – Piemonte – Marcha sinfônica 4 – Basileo – Estrela da Madrugada – Fantasia 5 – Aricó Junior – Torturas – Grande Valsa 6 – Bartolucci – Festa campestre - Sinfonia 2ª Parte 7 – R. P. – Luzo Itálico - Dobrado. 8 – C. Gomes – Guarany – Fantasia sobre o motivo da Opera. 9 – Donizetti – Lucia di Lamemour – Final do 3º ato da Opera

207 Antonio Briotto nasceu em 1915 em Serra Negra/SP. Ingressou no Corpo Musicale “Umberto I”, em 1930, portanto com quinze anos, Seu instrumento inicial foi a clarineta (Sib), depois de cerca de dois anos, passou para a clarineta (Mib - requinta), instrumento que tocou até sua morte aos 88 anos, substituindo o músico Umberto Lugli, Foi aluno do músico Arceário Perondini Entre suas lembranças está o variado repertório tocado pela “Umberto I”, incluindo os famosos trechos de óperas, como a abertura de “La Traviata” de G. Verdi, e “O Guarani” de Carlos Gomes. Sempre narrava que os ensaios eram realizados duas vezes por semana, em uma sala cedida pela Societá de Mutua Assistenza fra Italiana de Serra Negra. Os concertos no coreto do Jardim Público ocorriam quinzenalmente. Porém outras apresentações eram realizadas, nas festas religiosas, cívicas, alvoradas e enterros. Briotto lembrava de todos os componentes da “Umberto I” e seus respectivos instrumentos no período em que participou da banda. Além das inúmeras histórias que ouviu dos músicos mais velhos, sempre destacou a postura de alguns deles, como o trompetista Alfredo Dallari, o trombonista e arquivista Aymoré Dallari e os irmãos Lamari. De forma mais comedida, comentava o vínculo entre a corporação e a sociedade italiana, bem como o aspecto político dessa relação, que em várias situações prejudicou a atuação musical, pois o poder político da época estava nas “mãos” dos “coronéis” brasileiros, que não viam com bons olhos a infiltração do imigrante nesse espaço. Esse senhor vivenciou intensamente a musicalidade na cidade de Serra Negra, participou ativamente das mudanças ocorridas ao longo dos anos, inclusive como membro da Diretoria da Banda Musical “Lira de Serra Negra”, por várias gestões. Briotto foi referência para muitos músicos, aconselhando e apaziguando conflitos musicais até sua morte em 2003. 208 Bellino Felice Catanezzi Baccin (1927-2012) tocava os instrumentos bombardo e bombardino; foi aluno de Aymoré Dallari e Santini Mattedi, ingressou no Corpo Musicale “Umberto I” em 1934, juntamente com seu amigo João Corato, foi músico da Corporação Musical “Lira de Serra Negra” e um orgulho entre os músicos serranos, pois foi um dos poucos que seguiu carreira como músico profissional; ingressou na Força Pública Brasileira, em Campinas, chegando ao cargo de maestro da Banda da Força Pública, era carinhosamente chamado de “Xixo”. 209 Aymoré Dallari, filho do músico Alfredo Dallari, foi membro das bandas “Umberto I” e “Lira”. Também foi professor de musíca.

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10 – Verdi – Luiza Miller – Concerto para clarineta Si b 11 – R.P. – Recuerdo – Ranchera 12 – Zequinha de Abreu – Pintinhos no terreiro - Samba (O Serrano, 23/12/1946)

Nesse concerto, o músico João Corato afirmou que a décima peça apresentada, a composição de Verdi, teve como solista o clarinetista Irineu Schiavo210. O maestro Rafael Pero tinha por ele profundos respeito e admiração, considerava-o o melhor clarinetista que já conhecera. No período da estada do maestro em Serra Negra, a Banda “Lira” foi convidada a participar de uma festa na cidade de Socorro/SP. O festeiro foi receber a Corporação e comunicou que o maestro ficaria hospedado em um hotel da cidade, já que o contrato era para se apresentar durante três dias, realizando alvoradas, procissões e retretas. Os músicos seriam alojados em um depósito de fumo. O maestro, ao saber das acomodações de seus músicos, decidiu cancelar as apresentações e retornar imediatamente a Serra Negra. Para solucionar o impasse, os organizadores da festa, de improviso, arrumaram a hospedagem em uma pequena pensão para os integrantes da Banda, e assim a festa prosseguiu conforme o tratado. O Maestro amador Rafael Pero permaneceu até o ano de 1947. As histórias relatam que não houve mais nenhum contato dele com a Corporação, apesar do enorme carinho e respeito pelos músicos serranos. O último concerto encontrado no qual é citado o seu nome ocorreu em outubro de 1947. Retreta Hoje, ás 19 horas no Coreto do Jardim da Praça Barão do Rio Branco a Corporação Musical “Lira Serra Negra”, sob a direção do amador dr. Raphael Pero, executará seguinte programa, dedicado ao distinto musicista, senhor Domingos Martori, cultor da Bela Arte:

1ª Parte 1 – Prof. Aricó Junior – Capitão Cruz – Ouverture 2 – Cav. Bartolucci – Festa Campestre – Sinfonia 3 – Aricó Junior – Gracy – Valsa sentimental 4 – Verdi – Traviata – Pout-pourri da Opera 2ª Parte 5 – R. P. Domingos Martori – Marcha, homenagem do autor 6 – Franz Lehar – Viúva Alegre – pont-pourii da Opereta 7 – Bizet – Carmem – Fantasia da Opera 8 – Nascimento – Festa na Roça – Samba final. (O Serrano, 10/10/1947)

210 Irineu Schiavo (1913-1992) era serrano, aluno de Ângelo Lamari. Foi clarinetista do Corpo Musicale “Umberto I”, Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, Corporação Musical “Renato Perondini”, integrante de várias orquestras de baile como a “Blue Star”, “Yara”, “Zequinha e sua orquestra”, “Jazz Band Corato”, “André e Orquestra” e outros grupos musicais.

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As apresentações da “Lira” foram regulares, com concertos quinzenais realizados no Jardim Central, além da presença nas festas cívicas e religiosas. Com a saída do Maestro Rafael Pero, voltou à regência o músico Luiz Lamari, eleito maestro nas assembleias da entidade entre os anos de 1948 a 1950. Infelizmente, não se encontraram exemplares d’O Serrano dos anos de 1948 e 1949. Mesmo assim, é possível afirmar que a Banda “Lira” realizou seus concertos corriqueiros, pois recebeu durante esses dois anos a subvenção vinda da Prefeitura Municipal. Segundo o depoente Armando Menegatti, Luiz Lamari (Gino) 211 foi o grande responsável pela continuidade da “Lira” nos seus primórdios, pois nos entreveros ocorridos ele sempre buscou solução e a Banda pôde cumprir seus compromissos.

Aí o Gino Lamari (falou): - A banda não pode quebrar. Tinha que fazer uma procissão, uma alvorada. Catou cinco ou seis amigos lá, Nelson Buzzo, Geraldo Lugli ensinaram eles a tocar. Em cinco meses eles aprenderam a tocar clarineta e saíram na banda. Foi assim... ai começou a crescer a banda, ninguém queria mais, se a banda (tivesse) quebrado. E o Gino fez força e deu sorte eu ele pegou os caras. Os caras tinham tendência para música. O Geraldo Lugli, o Nelson Buzzo também gostavam, o Nico Fossato, então ele pegou essa turma e deu certo, sabe. (Armando Menegatti, 2014, Serra Negra/SP).

No repertório do concerto de 17 de março de 1950, duas músicas chamam a atenção: a valsa Caminhos Ocultos e o dobrado Santini, cujas composições pertencem a Nicolino Fatigatti. Havia muito tempo que suas obras musicais não integravam o repertório dos concertos domingueiros, todavia voltaram a fazê-lo depois das regências dos irmãos Lamari.

CONCERTO A Corporação Musical “Lira Serra Negra” executará hoje no jardim da Praça João Zelante, um concerto que obedecerá o seguinte programa: 1ª PARTE 1º - Batista de Melo – Dobrado 2º - Cisne Branco – Marcha 3º - Caminhos Ocultos – Valsa 4º - I due Gemelli – Pout Porri

2ª PARTE 5º - Santini – Dobrado 6º - Coração que chora – Marcha 7º - Ao microfone – Maxixe (O Serrano, 17/03/1950)

211 Luiz Lamari foi professor dos músicos: Alberto Benedicto Fioriti Corbo, Armando Menegatti, Attilio Fioritti Corbo, Fernando Fioriti Corbo, Helio Fão, Irineu Chiessi, Lauro Saragiotto, Romeu Lamari, Romeu Fioritti Corbo, entre outros.

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O jovem compositor Nicolino Fatigatti, filho de Julieta Fatigatti e, provavelmente, do músico Alessandre Fatigatti, flautista da “Umberto I”, nascido em 1898 e com 24 anos foi vítima de tuberculose, vindo a falecer. Tocava clarineta e baixo-tuba e pertenceu ao Corpo Musicale “Umberto I”. Não existe um levantamento completo de suas obras, mas sabe-se que a maioria das composições eram valsas; entre os dobrados temos o Panamá-linho212, composto em 1919, dedicado à Fábrica de Chapéu Panamá-linho, fundada em 1911 por imigrantes italianos. Também é de sua autoria o Hino do Liceu de Artes e Ofício de São Paulo, composto em 1921; compôs ainda o dobrado Santini Mattedi213 em homenagem ao amigo e músico serrano. Apesar de ter falecido muito jovem, ele deixou uma razoável produção musical214 e sua trajetória contribuiu para fomentar inúmeras histórias a seu respeito, misturando admiração e saudade, transformando-o em um mito. Dentre suas façanhas, uma era sempre recordada pelos músicos serranos: certa feita, a Corporação Musical “Carlos Gomes” estava ensaiando uma música inédita para ser apresentada em um evento na cidade, festividade que também teria a participação do Corpo Musicale “Umberto I”. É importante frisar que nesse tempo havia certa rivalidade entres as bandas de música. Nicolino possuía grande facilidade para a escrita musical, além de ter ouvido absoluto; então, ele se escondeu do lado de fora da sala onde a Carlos Gomes ensaiava, ouviu a peça, voltou para casa e fez o respectivo arranjo. Como a “Umberto I” seria a primeira banda a se apresentar, ela executou primeiro a composição preparada pela “Carlos Gomes”. A valsa Caminhos Ocultos é considerada sua última obra e foi composta pouco tempo antes de sua morte, que ocorreu na cidade de Campos do Jordão, onde estava internado para tratamento de saúde.

212 A partitura do Dobrado Panamá-linho foi impressa por A Melodia Edições Musicais, de E.S. Mangioni em São Paulo (Rocha, 2007, p.73). 213 O músico Santini Mattedi faleceu em 1956, foi integrante da "Umberto I" e fundador em 1929, juntamente com seus irmãos Benedito e Matheus, da “Jazz Band Melodia”, que, por inúmeras vezes, se apresentou no Cassino de Serra Negra, na década de 1940. Em 1953, Santini abriu uma escola de música, cuja finalidade era preparar músicos para Corporação Musical "Lira Serra Negra", para orquestras e Jazz Bands. O nome da instituição era Escola de Música “Nicolino Fatigatti”. 214 Foram levantadas 25 composições, entre valsas, dobrados, xote, etc., de autoria do músico Nicolino Fatigatti, ANEXO Nº 06.

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NECROLOGIA

NICOLINO FATIGATI Por notícias aqui recebidas de Campos de Jordão, sabe-se ter fallecido ahi, na semana passada nosso conterrâneo sr. Nicolino Fatigati, filho da viúva sra. Julieta Fatigati. O inditoso moço, que contava com 24 annos de idade, desde criança se dedicara a musica. Innumeras são as suas produções musicais, todas ellas relevando o seu apurado sentimento artístico e a sua inegável competência. A família enlutada os nossos pezames. (O Serrano, 07/11/1922)

Com a análise das publicações das retretas, é possível inferir que ocorreu uma redescoberta das peças, justificada pela atuação do novo maestro da “Lira”, Ângelo Lamari, que fora amigo de Nicolino Fatigatti215. Essa revalorização das obras de Fatigatti foi acontecendo ao longo dos anos, com vários concertos dedicados ao compositor.

CONCERTO A Corporação Musical “Lira Serra Negra” executará no coreto do jardim da Praça João Zelante, um concerto em memória do saudoso Nicolino Fatigati, obedecendo o seguinte programa: PRIMERIA PARTE 1 – Panamá-linho – Dobrado – N. Fatigati 2 – Uma tarde de Outubro – Mazurka – N. Fatigati 3 – Saudades de Nicolino – Valsa – N. Fatigati 4- Sinfonia da opera Norma – Beline SEGUNDA PARTE 5 – Capacete de aço – Dobrado – Orlando Puzone 6 – Murmúrio da Cascata – N.N 7 – Eu e ela – Schotisch – N. Fatigati 8 – Falchi – Tango – N. Fatigati (O Serrano, 14/05/1950 – grifo nosso)

No ano de 1950 a regência já estava a cargo de Ângelo Lamari216, nascido em 1898, em Serra Negra, filho dos imigrantes italianos Raphael Lamari e Acquelina Cecilia Lamari. Iniciou seus estudos aos 15 anos e foi aluno de Alberto De Benedictis e Alfredo Dallari. Como dominava vários instrumentos de sopro, além do violino, era sempre designado para substituir os músicos que faltavam nas apresentações da “Umberto I”. A primeira notícia que se publicou sobre Ângelo foi a sua participação em um sarau artístico em 25 de março de 1920, realizado no salão do Cine Joli, juntamente com

215 As composições de Nicolino Fatigatti são executadas com frequência atualmente pela Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, que tem o cuidado de manter em seu repertório obras de compositores serranos. 216 Os músicos Fioravante Lugli, Attilio Fioritti Corbo, Luiz Lamari, Romeu Lamari, Ettore Saragiotto e Olger Invernizzi foram alunos de Ângelo Lamari.

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Lívio de Benedictis, Zacharias Quaglio, Alfredo Dallari e Artemisa Rielli Lombardi217. Como maestro, seu nome apareceu em 1937, substituindo Astolpho Perondini.

Concerto A tardinha, no coreto do jardim da Praça Barão do Rio Branco, a corporação musical “Umberto I”, sob a regência do maestro sr. Ângelo Lamari, levará a effeito mais um de seus apreciados concertos. (Serra Negra Jornal, 22/08/1937)

Antes de assumir definitivamente a condução da Banda, Ângelo contribuiu em várias ocasiões atuando como maestro. Oficialmente, em 1951 elegeu-se diretor regente, permanecendo no cargo até 1975. Dos músicos que atuaram como maestros, Ângelo foi o que mais tempo conduziu de forma ininterrupta a Banda de Música; portanto, foi também o que mais superou as crises pelas quais a entidade passou. Uma de suas características foi a de manter no repertório da “Lira” as composições do músico serrano Nicolino Fatigatti, inclusive fomentando as histórias que envolviam a trajetória do músico218.

CONCERTO Sob a regência do sr. Ângelo Lamari, a corporação Musical “Lira Serra Negra” executará hoje no coreto do jardim publico, o seguinte programa: 1ª PARTE 1 – Marechal Foch - Marca 2 – Valsa – De Beneditis 3 – Inglezinha – Scherzo Marciale 4 – Conte São Bonifacio – Sinfonia

2ª PARTE 5 - Dois amigos – Dobrado 6 – Bororó da ponta – Marcha sinfônica 7 – Soto la gloriosa bandeira 8 – Felipe – Tango (O Serrano, 25/06/1950)

217 Jornal O Serrano, edição de 25 de março de 1920. 218 Outro momento em que Nicolino foi exaltado pelo Maestro Ângelo ocorreu no programa “Super Show”, realizado pela Rádio Serra Negra em julho de 1966, oportunidade em que foram narradas histórias sobre a vida e obra do compositor, com destaque para a valsa Caminhos Ocultos, que é considerada sua última obra, composta no leito de morte. No programa a “Lira” esteve presente, interpretando as peças do homenageado, “sob a batuta de Ângelo Lamari”.

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Foto nº 63. Corporação Musical “Lira de Serra Negra” década de 1960. Músicos marchando em via pública em Serra Negra. Lado esquerdo, junto ao meio fio, sem instrumento o maestro Ângelo Lamari. Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.

Dentre os problemas enfrentados pelo Maestro Ângelo estava o número de componentes da Banda, pois havia um consenso de que quanto mais músicos, menor seria o pagamento de cada um. Isto posto, muitos integrantes não queriam a entrada de novos instrumentistas, o que gerou o descontentamento de músicos que tinham o interesse de voltarem para Banda. Como passou a ser cogitada a organização de uma nova banda na cidade, o maestro Ângelo se empenhou em arregimentar esses músicos para fazerem parte da “Lira de Serra Negra”.

Corporação “Lira Serra Negra” Domingo passado a nossa população teve uma agradável surpreza. A corporação “Lira Serra Negra”, para abrilhantar os festejos de São Benedito, compareceu com um conjunto de 25 figuras, dando assim um aspecto mais imponente a essa data festivamente popular. Notava-se no numeroso público que assistiam as solenidades, uma grande satisfação por essa inesperada ocorrência, compreendia-se que através de conversações numa harmonia de sentimentos, certo número de elementos que estavam em vias de

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organização de uma nova banda de música, voltavam às fileiras da “Lira Serra Negra”, provocando esse belíssimo ato de compreensão social, contentamento geral. A atitude, de todos os componentes da “Lira”, e de todos os elementos que hoje se fundem numa excepcional cordialidade, foi acatada com grande entusiasmo, porque revela a firme disposição de engrandecer essa agremiação, já conhecida em todos os círculos de associações musicais, como uma das mais afamadas organizações do interior. Torna-se necessário salientar que a nossa corporação integrada novamente de figuras de expressivo valor na musica, tem também a sua regência confiada ao sr. Angelin Lamari, o maestro que sempre deu a sua destacada colaboração para engrandece-la. Elogiamos o elevado espirito de compreensão de todos quantos, exemplarmente, souberam honrar e dignificar a sua tradição. (O Serrano, 14/01/1951).

Mesmo passados quase seis anos da reorganização da Banda de Música ainda prevaleciam iniciativas para angariar fundos a fim de beneficiar a entidade musical, como ocorreu em 1951, referente a aquisição de instrumentos. A Banda “Lira” contava, também, com o apoio do Prefeito Luiz Barra que sempre intercedeu a favor da entidade. Em fevereiro de 1952, ele encaminhou um projeto para a Câmara Municipal solicitando que se dobrasse a verba anual. Entre seus argumentos constava que a “Lira” incialmente era composta por 15 integrantes e passou a contar com 25 instrumentistas; entretanto, devido à dedicação dos músicos, era razoável que se elevasse a subvenção. De fato, aprovou-se o projeto e houve um auxilio significativo para a Banda.

Ilustração nº25. Jornal O Serrano, edição de 15/07/1951 Ilustração nº 26. Jornal O Serrano, edição de 22/07/1951

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Ainda em 1952, um projeto de lei do vereador Hugo Stachetti219 propunha a criação de um Curso de Música municipal para atender “os inúmeros serranos desejosos de aprender a música, assim como favorecer o desenvolvimento artístico”. Dentro da proposta estava a duração do curso de um ano, em que seriam estudados a artinha, a rítmica e o P. Bona, somente para solfejos. O professor seria nomeado e as aulas seriam ministradas três vezes por semana, no período noturno. O projeto tramitou de outubro de 1952 a maio de 1953. Infelizmente, o parecer da Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal não foi favorável, arguindo que necessitaria de gastos adicionais com infraestrutura, além do salário do professor. Nesse mesmo período, o músico Santini Mattedi anunciou a criação de sua Escola de Música, nomeada em homenagem a Nicolino Fatigatti, que havia sido seu mestre. Como Santini já era reconhecido como excelente professor, a sua iniciativa teve o aval da população e dos órgãos públicos, pois ele conseguiu uma subvenção municipal para auxiliar a sua escola220. O depoente Armando Menegatti se interessou por aprender um instrumento ao ver seu cunhado e também músico Nelson Buzzo tocar em conjuntos e na Banda “Lira”. Ele teve aula com Luiz Lamari e depois passou a ser aluno de Santini Mattedi221.

Eu gostava muito do meu cunhado Buzzo, sabe, ele tocava clarineta e saxofone. Aí começou uma... uma boatinha aqui... perto da casa do Nelson Macarroneiro. Acho que em 1950, por ai 51. Eu achava bonito, costumava trazer músico de fora para fazer show, aquela coisa, e eu ia assistir e ia tocar e eu comecei a namorar a irmã dele e ele ia tocar. Ai eu comecei a pegar gosto, assim... também conhecia o Angelim Lamari, passei para o Santini (Mattedi). O Santini era melhor para ensinar. O Gino era muito bom e muito educado e tinha dó de fazer repetir a lição, passou a lição sem saber se você ficava enroscado. Então! O Santini era mais rígido, fazia dividir, conhecia subdivisão. O Geraldo Lugli, Nelson Buzzo, o Fossato, tudo passou pelo Santini, todos eles ficaram bons. Dividiam que era uma beleza. (Armando Menegatti, 2014, Serra Negra/SP)

219 Projeto de Lei nº 49/52 de 20 de outubro de 1952. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 220 Lei nº 146 de 03 de setembro de 1953 221 Entre os alunos de Santini Mattedi estão os músicos Antonio Guilherme Catanezzi Baccin, Armando Menegatti, Bellino Felice Catanezzi Baccin, Hermaguras Pereira de Lima, Marco Aurelio Vicalvi, Nelson Antonio Buzzo, Nelson Antonio de Barros, Renato Aldo Catanezzi Baccin e Afonso Bertini.

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Ilustração nº 28. Jornal O Serrano, edição Ilustração nº 27. Jornal O Serrano, edição 15/02/1953 01/03/1953

O músico Geraldo Vicentini, apesar de não ter sido aluno de Santini, conheceu alguns músicos que o foram e lembrou que: Quando eu fui aprender acordeom, a música eu tinha passado o Bona inteirinho (Bona – Método de leitura musical). Tinha passado inteiro. E continuei. Só que era diferente, porque os meus primos, pegou a escola do Santini Mattedi. O Santini Mattedi ensinava a subdivisão na música. Então, por exemplo, o dó, nota de um tempo, ele dividia em dois, do - o. Era subdividido. Se não me engano o Claudio Lugli aprendeu com ele. O Santini tinha um método bom para ensinar. Tinha uma pessoa que queria aprender música, ele fazia um teste antes. A pessoa ia lá :- Você quer aprender música? – Quero! – Então assobia um trechinho de uma música. Ele saía ia lá. Ah! Então ele percebia na pessoa que assobiava ou cantava se a pessoa tinha...ouvido, ritmo, então era assim! (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP)

A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” continuou com seus concertos quinzenais sem interrupções e as apresentações despertavam interesse entre os jovens serranos que mais tarde vieram a integrar seus quadros, como Geraldo Vicentini e Armando Menegatti.

Geraldo : Eu... a minha família já tem... já vem de músicos. Tenho dois tios que tocavam acordeom, na época, mas o que me incentivou mais foi os dois primos meus que tocavam na Banda e o Brioto. Claudia : Como assim? Qual primo seu que tocava na banda? Geraldo: O Geraldo Lugli e o Renato Lugli. Claudia : Ah! Tá. E por que o Brioto te incentivou? Geraldo: Porque o Brioto também tocava e as vezes nas festas, de noite, ele vinha com meu pai, na Santo Antonio, naquela época ... São Benedito, as festas eram bem animadas, né! até os coretos! Embaixo realizava o leilão e em cima a banda tocava, na época. Eu via o Brioto, meus primos tocar e eu me interessei em aprender música. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

As festas religiosas promovidas na cidade e nos bairros rurais continuaram tendo a presença da “Lira de Serra Negra”, que representava o ponto alto dessas manifestações, pois os moradores pouquíssimas vezes ao ano vinham à cidade, e o contato com os músicos ocorria nessas ocasiões e nos bailes realizados nos casamentos.

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FESTA DE SÃO SEBASTIÃO Amanhã terá início na capela do bairro dos Francos, o tríduo de rezas para preparação da festa em homenagem a São Sebastião. Do programa das solenidades a realizar-se no dia 20 de janeiro, quinta feira, estão relacionados os seguintes atos: às 10 horas missa solene, às 17 horas procissão do glorioso Martyr, seguindo-se o sermão, ladainhas e benção do SS. Sacramento. Não faltará o leilão de prendas com o brilhantismo da “Lira Serra Negra” (O Serrano, 16/01/1955)

FESTA DE SÃO ROQUE Estão programadas pela comissão de festeiros, as solenidades em homenagem a São Roque, a serem realizadas no sai 16 do corrente na capela das Três Barras, deste município. Às 5 horas, alvorada; às 10 horas, missa solene e sermão, às 16 horas, procissão. Todos os atos serão abrilhantados pela banda musical desta cidade (O Serrano, 12/08/1956)

Após a reconstituição da banda em 1945 e até o ano de 1956, a “Lira de Serra Negra” foi a única corporação musical atuando soberana na cidade. Porém, havia muitos músicos que estavam inativos e também jovens aprendizes que esperavam apenas serem convidados. Aproveitando essa demanda, outra banda se configurou na cidade: a Corporação Musical “Renato Perondini”.

“Lira Serra Negra”

Dará hoje seu concerto quinzenal no coreto da praça João Zelante, executando o programa que abaixo publicamos, sob a regência do maestro Ângelo Lamari. 1ª Parte 1 - Flagelados – Dobrado; 2 – Ventalio dela Regina - Valsa; 3 – Genova – Mazurk; 4 - Fausto – Fantazia.

2ª Parte 5 – Romualdo Coli – Dobrado; 6 - Bambo do Noroeste - Catêrete; 7 – Libero – Dobrado; 8 – Filippi – Tango. (O Serrano, 21/10/1956)

CORPORAÇÃO MUSICAL “RENATO PERONDINI”

A formação da Corporação Musical “Renato Perondini” possui uma história muito interessante, relembrada pelos músicos com perspectivas diferentes, de acordo com suas lembranças e experiências. Alguns pontos são comuns, outros foram “esquecidos”, e outros, ainda, provavelmente não foram compartilhados ou se perderam após o falecimento dos músicos que participaram da trajetória dessa banda de música.

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Geraldo de Macedo Bulk (1925-2008) destacou-se como grande empreendedor em Serra Negra, juntamente com seu irmão Luiz de Macedo Bulk222. Ele trabalhou parte de sua juventude e idade adulta como pedreiro, empreiteiro e comerciante, mas encontrou tempo para o aprendizado da música. Foi aluno de teoria musical e sax de harmonia de Aymoré Dallari e, em 1941, iniciou suas apresentações no Corpo Musicale “Umberto I”, num momento em que a banda já estava em processo de transição devido à Segunda Grande Guerra. Ele morou e trabalhou em Águas de Lindóia, ocasião em foi aluno do maestro Américo Pastori. Nesse período adquiriu um trombone do antigo professor Aymoré; coincidentemente era o instrumento que o Maestro Pastori, seu professor em Águas de Lindóia, mais dominava e, com ele aprendeu a clave de fá, o que facilitou suas leituras musicais para os instrumentos: bombardino e o trombone. Geraldo permaneceu em Águas de Lindóia de 1942 a 1946. Ao retornar para Serra Negra foi convidado a integrar os quadros da Corporação Musical “Lira de Serra Negra” recém organizada, justamente o período em que o maestro era o engenheiro Rafael Pero. Ele ficou por uns anos nessa banda e acabou saindo devido aos compromissos profissionais. Geraldo Bulk se autointitulava um dos “culpados” pela formação da Banda “Renato Perondini”. Segundo ele, tudo começou na alfaiataria da família Perondini. Certo dia, ele passava por ali e nela havia alguns músicos tocando: André Perondini, no trompete; Rosalba Perondini, na sanfona; Athos Perondini, no trombone; Dinga e Enzo Perondini, ambos na clarineta. Geraldo parou para conversar com Cesarino Perondini, o qual estava entusiasmado como o grupeto. Geraldo, então, sugeriu que, se tivesse um baixo-tuba, o grupeto estava completo. Então, gerou-se ali a célula que mais tarde se transformaria em uma nova banda da cidade. Desse grupeto surgiu a ideia de se criar um conjunto para sair no carnaval de 1957. Para reforçar os naipes, o músico Enzo Perondini se prontificou a convidar os jovens alunos de Cesarino Perondini, que aceitaram. E foi assim que se criou o bloco de carnaval

222 Durante os anos de 2000 a 2007 tive o prazer de ter longas conversas informais com o músico Geraldo Bulk, falávamos das bandas e ele narrava muitas das suas lembranças, a maioria delas casos cômicos. Durante um tempo nos reunimos: eu, Geraldo e o músico Antonio Briotto e passamos a fazer visitas aos músicos idosos e que já se encontravam adoentados. Depois de três visitas, Geraldo me ligou dizendo que seria melhor desistirmos das nossas visitas, pois temia que ficássemos conhecidos como a “turma da extrema-unção”, pois nós realizávamos a visita e logo o músico falecia. Os irmãos Bulk foram os construtores do primeiro edifício de apartamentos, com nove andares, além da construção do Hotel Fazenda Vale do Sol e outros empreendimentos hoteleiros em Serra Negra e Águas de Lindóia.

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“Vai com Jeito”. Entre os jovens convidados estavam o depoente Renor Perondini e seu irmão Edino.

Foto nº 64. Grupo de Carnaval “Vai com Jeito”, Carnaval de 1957. Foto cedida pela família Perondini. Acervo da pesquisadora.

Renor Perondini e seu irmão mais velho, Edino, iniciaram seus estudos musicais com o pai, o também músico Arcenio Romeu Perondini, trombonista do Corpo Musicale “Umberto I”. Depois de algum tempo, passaram a ter aulas com o Maestro Cesarino Perondini223, primo de seu pai. A primeira aula com Cesarino foi em um domingo, pela manhã. Em suas lembranças, Renor narrou o início de seu interesse pela música e sua trajetória como instrumentista.

E a música foi porque comecei, eu vi nas coisas do meu pai, do meu tio, eu vi um caderno de música. Então aí eu com meu irmão mais velho (Edino), saimos falando para o meu pai:- a gente sabe ler tudo essas coisas, mas isso daqui, como é que lê música? Como que faz para ler a música? Aí meu pai falou: tem que estudar, a música, você começa solfejando, tem que arranjar um maestro que ensine a tocar. A gente achava uma coisa muita estranha aquela... não entendia nada... aí que começou, ele incentivou, minha tia também, aí começamos com o Cesarino. (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP)

223 O Maestro Cesarino Perondini também foi professor de André Luiz Paranhos Perondini e Athos Perondini Dini.

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Alceario Perondini (1906-1954), tio do depoente Renor, era clarinetista da “Umberto I” e fez parte de vários conjuntos de baile que animavam casamentos e festas religiosas, principalmente nos bairros rurais. Alceario foi aluno do Maestro Vincenzo De Benedictis e de seus filhos Alberto e Lívio, e foi professor do músico Antonio Briotto. Dentre as histórias sobre a banda italiana, algumas são dedicadas ao clarinetista. Como ele era agricultor, trabalhava durante o dia nos cafezais no sítio de sua família; porém, à noite, dedicava-se à música. Muito empenhado na musicalidade, adentrava as madrugadas estudando as peças do repertório da “Umberto I”. O seu maior desafio eram os trechos de ópera e, para não incomodar os familiares, ele realizava os estudos noturnos na tulha de café.

Meu tio era o Alceario. Eu comecei tocando, estudando no clarinete do Alceario, do meu tio, (pois) ele já tinha falecido... esse clarinete está guardado e eu tenho ele até hoje... então aí.... aí a gente começou a tocar, tocar... mas o Cesarino, quando ele achou que a gente poderia entrar na banda. O Cesarino foi na sala (da Banda) perguntar para os outros músicos... naquele tempo eles tinham uma banda... uma banda... mais do que aquela quantia eles achavam que não precisava. O que eles estavam precisando era o sax de harmonia, se eu com o meu irmão quisesse tocar sax de harmonia na banda. Mas a gente já tocava instrumento de canto, agora vamos passar no sax de harmonia. Eu achava que era como se nós fossemos voltar para traz. E não é, porque harmonia também é uma coisa interessante e mais difícil. Ai nós resolvemos não ir, de não entrar na banda. Começamos a tocar assim, a tocar com acordeom em bailinho assim. Brincadeira. Aí o Enzo... o Enzo não tocava na banda, não tinha nada. O Enzo foi lá em casa convidar para fazer um bloco de carnaval. Eu tinha uns 18 anos. Aí ele falou:- Vamos formar uma banda para tocar em um bloco de carnaval. Tinha saído uma música chama... uma música de carnaval “Vai com jeito”. Então ele pôs o nome na bandinha. A Bandinha “Vai com Jeito”. Aí terminou o carnaval, nós continuamos com essa bandinha, aí ele falou vamos mudar o nome da banda. A banda vai ser Banda da “Boa Vontade”. Tocava de graça em tudo quanto era festa. Quantas festinhas de aniversário. Quanta coisa que aparecia, a banda da “Boa Vontade” ia, ia sem ganhar nada. (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP).

Passados os festejos do carnaval, o grupeto continuou seus ensaios e decidiu convidar os músicos que estavam inativos. Geraldo Bulk ficou encarregado de conversar com os músicos mais velhos e entrou em contado com Antonio Briotto, Irineu Schiavo, Benedito Mattedi, Nardo Albertini e José Caetano dos Santos (Zé Caixinha). Enzo Perondini arregimentou outros músicos, como o depoente Geraldo Vicentini.

O Geraldo Bulk começou a tocar, um baixo... um baixo velho, acho que ele achou na sala da banda. Aí... ensaiava lá embaixo na alfaiataria do Enzo. Foi indo esta banda crescendo. Entrando gente, convidando músicos que já tinham parado. O Brioto, Orlando Lugli, tinham parado. Ele foi pegando todos esses músicos.

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O Enzo, aí que resolvemos. Como ele era esforçado daquele jeito, resolvemos por Banda Renato Perondini, tinha bastante Perondini na Banda. Então tudo concordou, então nessa época, ensaiava no Panamá Linho, no Panamá Linho e foi crescendo. (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP).

Mais músicos foram chegando e surgindo os problemas de infraestrutura e, segundo Geraldo Bulk, o local para os ensaios foi sendo improvisado ao longo dos anos em espaços cedidos. O primeiro foi a alfaiataria da família Perondini, depois conseguiram ensaiar em uma oficina mecânica de propriedade de Jorge Bueno; e era muito trabalhoso, pois os músicos tinham que encostar todas as coisas e, após o ensaio, retornar com elas aos seus lugares. O Sr. Artur Zuanazzi também cedeu um espaço por algum tempo, além do músico Nardo Albertini, que liberou um salão em sua residência. E, finalmente, permaneceram por alguns anos ensaiando em um salão disponibilizado pela revendedora de veículos Sonave, localizado na Praça João Pessoa. O imóvel havia abrigado a Fábrica de Chapéu Panamá-linho, antes de sua falência. O grupeto virou uma banda que ficou designada, como já mencionado pelo depoente Renor, como a Banda da “Boa Vontade”, pois realizava suas apresentações gratuitamente. A regência ficou a cargo de Cesarino Perondini, que, além de professor, foi copista e arranjador do repertório executado pelas bandas e conjuntos musicais. Descrito como uma pessoa extremamente acanhada, possuía a mesma facilidade de escrita musical que o músico Benedito Mattedi. Ele ouvia as óperas italianas e fazia os arranjos reduzidos para a formação das bandas. Dentre seus trabalhos de arranjador estão: da ópera Nabuco, de G. Verdi, o Ato III – Coro di Schiavi ebrei Va Pensiero Sull’ali dorati; Romance, de R. Schumann; Contos dos Bosques de Viena, de J. Strauss; Sonho de Amor, de F. Liszt; Für Elise, de L. van Beethoven; e Tristeza, de F. Chopin.

Quem regia era o Cesarino Perondini no começo, até a primeira apresentação foi em 57 com o Cesarino, depois o Fioravante aposentou e veio para Serra Negra, ai o Cesarino pediu para o Fioravante. O Cesarino já estava com idade tudo aí o Fioravante começou e começou animado, ensaiava, começamos a ensaiar aqui no Panamá Linho. O Fioravante, o Enzo, tudo animado. A gente também achou que era... aí a Banda Perondini foi crescendo. (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP).

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Ilustração nº 29. Grade de regência da ópera Nabuco de Verdi, ato III. Letra de Cesarino Perondini. Acervo Corporação Musical “Lira de Serra Negra”.

Com as novas apresentações os músicos se reuniram e resolveram regularizar a nova entidade com estatutos e documentação, e decidiram que a banda passasse a ser Corporação Musical “Renato Perondini”, em homenagem ao músico homônimo e à família Perondini, pelo fato de possuir muitos músicos. O primeiro concerto oficial ocorreu em 23 de setembro de 1957, nas comemorações do aniversário da cidade de Serra Negra. A primeira nota encontrada na imprensa local sobre a nova banda foi uma semana após a sua apresentação.

...Serra Negra tem a sua velha história nos domínios da música. Foi ao apagar das luzes do século passado que a banda “Lira de Serra Negra”, primitivamente “Humberto Primo”, surgiu. Acompanhou a evolução da cidade, e a sua presença sempre se fez sentir, nos momentos de alegria ou de tristeza, de prazer ou de dor. Num concurso realizado em São Paulo, há muitos anos, ganhou o 1º Diploma de Honra, conquistando aplausos da exigente plateia paulistana. Agora, outra banda aparece – a Corporação Musical “Renato Perondini”. Domingo passado, felicitando a cidade pelo seu aniversário, realizou a sua primeira retreta no coreto da Praça João Zelante. Nesta crônica presto uma homenagem a esse conjunto de boa vontade, que não tem fito de lucro. O seu objetivo é servir a comunidade serrana. (O Serrano, 29/09/1957)

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Rapidamente a nova agremiação musical iniciou um processo de dividir apresentações, anteriormente somente realizadas pela “Lira de Serra Negra”, como a Festa de São Francisco na Igreja de São Francisco. FESTA DE SÃO FRANCISCO Realiza-se hoje, no bairro da Palmeiras, ao lado do Asilo dos Velhinhos, a festa organizada pela comissão da construção da nova igreja, em homenagem ao santo milagroso São Francisco de Assis... Acompanhado da corporação Musical “Renato Perondini”, sairá pelas Ruas da cidade, hoje às 8.30 horas, o conjunto precatórios, a fim de angariar prendas para o grande leilão em benefício das obras da igreja, contando a comissão com a generosidade do povo serrano. (O Serrano, 06/10/1957)

Não foi possível apurar mais informações sobre o papel de cada uma das bandas nessa solenidade religiosa, mas os dados levantados permitem pensar que elas repartiram os afazeres musicais, tendo em vista os agradecimentos públicos às duas bandas, publicados no jornal local. Fatos semelhantes ocorreram nas três primeiras décadas do século XX, quando a Corpo Musicale “Umberto I” dividiu espaço esporadicamente com a Banda de Música “Santa Cecilia”, com a Corporação Musical “União Operária” e a Corporação Musical “Carlos Gomes”.

Ilustração nº 30. Jornal O Serrano, edição de 27/10/1957

A nova banda se organizou de maneira rápida, inclusive buscando subsídio junto ao poder público. Em setembro de 1957 a “Lira de Serra Negra” requereu um aumento referente a sua subvenção de Cr$ 24.000,00 para Cr$ 50.000,00, mas o pedido não vingou. Deferiu-se, então, um acréscimo de Cr$ 12.000,00 como auxílio extraordinário. No mesmo parecer da Comissão de Finanças, votou-se um auxilio para a nova banda, para a aquisição de uniformes.

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No artigo 2º autoriza o projeto de lei a conceder um auxilio extraordinário de Cr$ 12.000,00 a nova Corporação Musical “Renato Perondini”, para compra de uniformes. Não resta dúvidas que esse auxilio tambem é bem empregado, incentivando assim a formatura de mais uma corporação que mais tarde irá abrilhantar as festas cívicas e religiosas locais. (Processo 93/1947 – Câmara Municipal de Serra Negra).

O projeto virou a Lei nº 247/57; as duas bandas dividiam os espaços de apresentação e as verbas, o que gerou descontentamento velado entre os componentes da “Lira”. No ano de 1958 as apresentações seguiram intercalando as duas bandas; no concerto do mês de fevereiro programou-se a execução de músicas de compositores serranos, dentre elas as obras de João Galo Coratto. Corporação “Renato Perondini” No coreto da Praça João Zelante, sob a regência do maestro Cesarino Perondini, a corporação musical “Renato Perondini”, realizará hoje, às 19 horas, uma retreta em homenagem aos compositores serranos e a todos que colaboraram para a sua formação. Do programa a ser executado e que consta de duas partes com 15 números, figuram várias composições dos srs. Benedito Mattedi, João Coratto, Benedito Pedroso e Antonio Vicalvi (O Serrano, 09/02/1958)

Ilustração nº 31. Jornal O Serrano, edição de 27/07/1958

O músico Geraldo Vicentini teve o privilégio de tocar vários instrumentos nas duas bandas no mesmo período. O seu instrumento inicial foi o acordeom, mas os maestros tiveram a sensibilidade de perceber sua capacidade musical, proporcionando-lhe oportunidades para o desenvolvimento.

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Aí o Enzo viu que eu sabia, que tocava um pouco de acordeom, me convidou. Como saiu... surgiu a “Renato Perondini”, você... acho que já tem a história .... de um bloco de carnaval, porém resolveram catar os músicos que estavam meio afastado e formaram uma banda. E aí convidaram e eu entrei fazendo sax de harmonia. Do sax de harmonia eu já queria partir para um trombone, comprei um trombone. Apareci na Banda com um trombone, puseram no trombone e deram uma harmonia. Eu fazia bem harmonia. Entrei, não tinha quase... tinha o Nilo e Manfredo (ambos da família Lugli), mas o Manfredo nunca foi muito firme, o Nilo sim, era firme. Aí entrei fazendo harmonia com o Nilo, trombone de harmonia, depois faleceu o Aymoré Dallari da Banda “Lira”. Aí eu estava no trombone já, aí eu tinha muito amizade com o Dedão (Baccin), por exemplo, era muito amigo meu. O Romeu, o Titão (ambos da família Fioritti). Aí eu entrei na “Lira”, aí eu tocava nas duas, fazia trombone lá e na “Renato”. Aí eu fazia parte das duas. Tocava na “Renato” e na “Lira”, fui indo... com trombone, depois... chegou a época que faltou bombardino... fiz bombardino, depois faltou, precisou de bombardino, fiz bombardino na “Lira”. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

Depois de alguns anos na regência da Banda “Renato”, o maestro Cesarino decidiu deixar o comando. Nesse ínterim, o músico Fioravante Lugli estava voltando para Serra Negra depois de 26 anos, e Cesarino preferiu entregar-lhe o cargo. Em novembro de 1959 a “Renato Perondini” publicou sua nova diretoria. Vale ressaltar que a diretoria da Corporação Musical “Lira de Serra Negra” sempre se constituiu por músicos; já a “Renato Perondini” apresentou entre os seus membros músicos, comerciantes e um cartorário.

CORPORAÇÃO MUSICAL “RENATO PERONDINI” No dia 27 do corrente, em sua sede provisória à Rua José Bonifácio, 166, às 19:30, reuniram-se os membros componentes da Corporação Musical “Renato Perondini” com o fim especial de se eleger a nova Diretoria que dirigirá os destinos da corporação no biênio de 1959-1961. Procedida a votação, ficou assim constituída a nova diretoria: Presidente de Honra, Herculano Augusto de Assumpção; Presidente, Joaquim dos Santos; Vice- Presidente, Manoel Leopoldo Fernandes Claro; 1º Secretário, Carlos Filippi; 2º Secretario, Renato Saragiotto, 1º Tesoureiro, Horacio Dini; 2º Tesoureiro, Athos Perondini Dini e Procurador, Lupercio dos Santos. Conselheiros: Italo Boccatto, Irineu Boccatto, Herminio Demattê, Irineu Perondini e Pedro Vieira e Silva. Maestro : Fioravante Lugli. Após a posse da nova Diretoria, o presidente eleito sr. Joaquim dos Santos, convidou os presentes para acompanharem até o Bar e Restaurante “Itália”, onde ofereceu uma cervejada em regozijo a sua eleição para presidente da corporação. (O Serrano, 29/11/1959).

Fioravante Lugli (1914-2000) era filho de Umberto Lugli, clarinestista (Mib) da “Umberto I”. Inciou seus estudos com Angelo Lamari, entrou na banda italiana com 11 anos de idade; seus irmãos Romeu, Manfredo, Orlando e Nilo também foram músicos de banda.

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Em 1933, Fioravante Lugli fugiu de Serra Negra para se alistar no Exército, pois queria seguir a carreira de músico e o Exército parecia ser sua única opção. Ele contou que estudava embaixo dos pés de café, no intervalo do trabalho de colheita, e que suas aulas eram pagas com litros de leite. Seu primeiro instrumento foi sax de harmonia, como todos os jovens músicos que entravam na banda. Era uma maneira de preparar o músico harmonicamente para quando fosse tocar um instrumento de canto. Enquanto servia o Exército na cidade de São Paulo, foi aluno do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Aos 27 anos prestou um concurso interno e apresentou uma peça para clarinete, um trecho da ópera Mefistofeles, de Arrigo Boito. Também tocava saxofone, tinha noções de todos os instumentos de banda e foi compositor, professor e maestro. Voltou para Serra Negra após chegar ao posto de 1º Tenente Mestre de Banda. Ainda em fevereiro de 1959, a “Renato Perondini” apresentou em sua retreta costumeira peças dos compositores serranos João Corato, Benedito Mattedi e o dobrado do amparense Felizardo Pompeu, um compositor negro, fato incomum no período focalizado. Ilustração nº 32. Jornal O Serrano, edição de 01/02/1959

Em abril de 1960 a “Renato Perondini” recebeu uma correspondência confirmando sua participação no programa denominado Lira do Chopotó, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, idealizado pelo radialista e apresentador Paulo Roberto (José Marcos Gomes), que passou a ser veiculado a partir de 1954 e cuja finalidade era incentivar as bandas do interior do país. O programa era levado ao ar ao vivo, aos sábados, com arranjos do Maestro Lírio Panicalli. O programa era um diálogo, entremeado de música, entre o apresentador e o Mestre Filó, personagem representado pelo músico Jararaca, da dupla

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Jararaca e Ratinho224. A notícia movimentou a pequena Serra Negra e, mais uma vez, a população foi convidada a participar auxiliando financeiramente a banda, com a confecção do uniforme e a compra de instrumentos. O deputado Roberto Brambilla doou o transporte.

CORPORAÇÃO MUSICAL “RENATO PERONDINI”.

A Corporação Musical “Renato Perondini”, sente-se orgulhosa em levar ao conhecimento dos serranos, que de conformidade com a carta datada de 23 de Abril pp., recebida do Dr. Paulo Roberto, DD. Diretor do tradicional programa “Lira Chopotó” que é irradiado todos os sábados, às 20,30 pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, nos comunica que está marcado o dia 24 de Setembro p.f. para que esta Corporação se apresente naquele tradicional programa. Dá conformidade com a referida carta, a condução será por conta da corporação, sendo a estada no Rio por conta do programa, em colaboração com o Ministério da Educação[...].(O Serrano, 15/05/1960).

A “Renato Perondini” teria cinco meses a fim de tomar todas as providências para a viagem e escolher um repertório a altura do famoso programa.

A “Renato”... aí quando apareceu aquela notícia da gente ir para o Rio de Janeiro, aquilo era... acontecimento. Foi o Brambilla quem deu o ônibus, ele era dono da companhia de ônibus. Foi junto o genro do Brambilla que era irmão do Dr. Carlos, Dr. Fernando, o Guilherme, era dentista. Dr. Guilherme, aí foi crescendo a banda, foi indo. Muitas apresentações, em Santos fomos duas vezes, Atibaia, aqui em Araras. Não ganhava nada. Ganhava alegria de estar sempre... apresentando. Tudo de uniforme branco, tudo... até a meia era tudo igual. E foi crescendo a banda e a gente sempre foi fazendo esforço de levar a banda. (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP).

Toda a movimentação serrana e o empenho dos membros da diretoria da “Renato” e de seus músicos dominavam os noticiários do jornal local. Porém, um artigo publicado em junho de 1960 chamou a atenção: referia-se à comemoração do 15º aniversário da “Lira de Serra Negra”. No texto retomou-se toda a trajetória do Corpo Musicale “Umberto I”, citando inclusive seus maestros, como se estivesse a lembrar à população serrana o que ela significava historicamente para a cultura musical da cidade, como se sentisse ameaçada pela “nova” banda. Para esse concerto escolheram especialmente as peças que lembravam as retretas da

224 Ver mais: SAROLDI, Luiz Carlos. MOREIRA, Sonia Virginia. Rádio Nacional, o Brasil em sintonia. Instituto Nacional de Música. Rio de Janeiro: Zahar Editor Ltda, 2005. p.136-137

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“Umberto I”, com trechos de óperas e uma composição do Maestro Vincenzo De Benedicits225.

Corporação Musical “Lira de Serra Negra” Esta veterana corporação completa hoje o seu 15º ano de existência, com a denominação acima. Pois até princípios de junho de 1945, conhecia-se por Corporação Musical “Humberto I”, que foi fundada no ano de 1898, sendo seu primeiro regente Silvio Bianchi. A “Humberto I” teve como regente os maestros José de Beneditis e Vicente de Beneditis, estes formados pelo Conservatório de Milão. Passaram pela regência dessa corporação os senhores: Zacarias Quaglio, Alberto de Beneditis, Olívio De Beneditis, Astolfo Perondini e Angelo Lamari. Com a entrada do Brasil na guerra contra os países do Eixo, em 1945 e por disposições constitucionais, a antiga corporação “Humberto I”, em obediência as leis do pais, resolveu por unanimidade de seus elementos, mudar a denominação antiga e para isso em assembleia geral, elegeram a Diretoria da nova corporação, que passou a denominar-se “Lira de Serra Negra”. Assumiu a regência da nova corporação o sr. Luiz Guirelli e posteriormente o sr. Luiz Lamari. O atual regente é o sr. Angelo Lamari, que com grande dedicação e competência vem conduzindo essa corporação, que muitos anos vem deliciando a população serrana com belos programas executados no jardim da praça João Zelante. Comemorando hoje, o 15º aniversário de sua fundação, a “Lira de Serra Negra”, com um programa especial, levará a efeito uma retreta em homenagem às autoridades e a população em geral dessa estância. PROGRAMA 1ª PARTE 1- Marcha Militar – Trieste – NN 2- Nell’ora dei Crepusculo – Valsa, Opera Fausto 3- Pout Pourri da Opera O Guarani – Carlos Gomes 4- Afonso Pena – Passo Double – NN 2ª PARTE 5- Marcha 14 de Dezembro – de Vicente De Beneditis 6- Frá Diavolo – do Maestro Auber 7- Lucrecia Borgia – de Donizetti 8- Pintinho Pelado Maxixe – NN. (O Serrano, 05/06/1960)

Alguns comentários sobre as informações do artigo acima são necessários. Apesar de constar como o primeiro maestro da “Umberto I” o músico Silvio Bianchi, não foram encontradas mais referências que comprovem o noticiado. Vincenzo de Benedictis era diplomado pela Real Academia de Santa Cecilia em Roma e a banda nunca foi regida por Giuseppe De Benedictis; de fato, ele foi convidado para assumir a regência em 1909 pelo presidente na época, Dr. Francisco Tozzi, mas não há notícias de que tenha aceitado. Quem assumiu nesse período foi o músico Zacharias Quaglio.

225 Um artigo de 19/07/1959 publicado pela “Lira” no Jornal “O Serrano”, traz de forma mais sucinta a importância dessa banda e o seu vínculo com a tradição da musical serrana. ANEXO Nº 07

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A ida para o Rio de Janeiro foi um fato marcante para muitos músicos; primeiro, porque boa parte deles nunca havia feito uma viagem tão longa e para uma cidade grande. Além disso, havia toda uma “aura” que envolvia a Rádio Nacional, ouvida por grande público do interior do Estado de São Paulo.

Ah! A Banda “Renato Perondini”, apresentava em bastante lugares, nós fomos para o Rio de Janeiro, na Rádio Nacional, em Santos e bastante cidade aqui pelo interior. A Rádio Nacional, tinha um programa lá Lira do Xopotó! Que apresentava, parece que em sexta feira à noite, não me lembro a hora, se era 20:00 horas mais ou menos. Surgiu esse programa, você fazia uma inscrição para lá e depois ele ia sorteando e chamando e a Banda fez a inscrição e foi sorteado, na época. E fomos para lá, só que reforçou como o Titão Fioritti, foi o Romeu Fioritti, o Dedão foi conosco. Pegou o sr. Zé de Monte Alegre, se não me engano. E reforçou um pouquinho e fomos fazer a apresentação. Eu nem me lembro muito bem o repertório. Que naquela época eu já estava no trombone, mas precisei voltar para a harmonia, porque o Nilo ficou doente e não pode ir, precisei voltar e fiz harmonia na Rádio Nacional. Ah! Todos (ficaram) nervosos! Porque a gente nunca tinha enfrentado um negócio daquele, mas foi tudo bem! Foi bacana! A viagem para o Rio foi muito bonito! Para mim foi bom, porque eu na época, eu nunca saía quase, eu tinha 17, quase 18 anos... foi tudo novidade, fomos conhecer o Maracanã, fomos conhecer o Cristo, o Corcovado e foi muito bacana. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

O mês de setembro de 1960 foi de intensos preparativos visando a viagem para o Rio de Janeiro. O embarque ocorreu no dia 23, com saída às 4:00, e o regresso estava previsto para o dia 26 do mesmo mês. As despesas com a locomoção foram custeadas pelo Deputado Brambilla, como já mencionado, e a diretoria da “Renato Perondini” decidiu vender os assentos do ônibus que não foram ocupados pelos músicos, como uma forma de arrecadar mais verbas para a viagem. Em consideração à população que contribuiu para a confecção do uniforme, a Renato realizou um concerto em frente ao Balneário Municipal no dia 11 de setembro, ocasião em que estreou o novo fardamento. Antes do concerto ocorreu uma sessão solene na qual se inauguraram os retratos do sr. Renato Perondini, patrono da Banda e do sr. Luiz Possagnolo, 1º Presidente.

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Foto nº 65. Foto tirada no interior da Concessionária Sonave, local em que a Renato Perondini realizava seus ensaios. Ocorreu minutos antes da apresentação defronte ao Balneário Municipal. Serra Negra 11/09/1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

Conforme o combinado, a comitiva saiu à hora marcada. Além dos passageiros do ônibus, algumas pessoas se aventuraram e seguiram viagem de carro e foram ao encontro dos músicos. A comitiva parou para almoçar na cidade de Aparecida e resolveu fazer uma apresentação nas ruas da cidade, ato registrado em fotos. Segundo a lembrança do depoente Geraldo Vicentini.

Nós paramos em Aparecida para Almoçar. Fomos almoçar, já estava quase na hora do almoço e o pessoal resolveu: - Vamos tocar uma música aqui e paramos, reuniu a banda ali na rua, tocamos umas duas ou três músicas. Ali os fotógrafos ali, na hora ali para ganhar dinheiro, já tirava a foto, quando terminamos de tocar duas, três músicas, já tinha a foto revelada da gente lá. 226

226 Fotógrafos que ganhavam a vida registrando a visita dos romeiros à Basílica na cidade de Aparecida/SP.

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Foto nº 66. Corporação Musical “Renato Perondini”, apresentado na cidade de Aparecida/SP., em 1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Vicentini. Acervo da pesquisadora.

A Banda chegou ao Rio de Janeiro ao anoitecer, em razão de atraso ocasionado por uma avaria no ônibus. Os músicos ficaram hospedados em um Instituto para Surdos e Mudos, patrocinado pelo Ministério da Cultura. No dia seguinte, aproveitaram para conhecer as praias e os pontos turísticos. Antes do horário do programa, chegaram ao auditório da Rádio Nacional para gravação e foram recebidos pelos dois apresentadores, Paulo Renato e Jararaca.

Foto nº 67. Corporação Musical “Renato Perondini”, na Rádio Nacional, Rio de Janeiro, em 1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

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A Banda de Música acomodou-se no palco do auditório diante de uma enorme plateia. Sabiamente, o maestro Fioravante Lugli soube preparar o repertório. Ele intercalou na programação peças de compositores serranos, sendo um dobrado de autoria de João G. Corato, em homenagem ao músico “Zé Caixinha” (importante frisar que ambos os músicos estavam presentes) e três peças de Nicolino Fatigatti, compositor tão caro ao Maestro Ângelo Lamari.

Foto nº 68. Corporação Musical “Renato Perondini”, apresentação no auditório da Rádio Naciona do Rio de Janeiro, em 1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

Ilustração nº 33. Repertório apresentado na Rádio Nacional do Rio de Janeiro

O Maestro Fioravante aproveitou o momento e enalteceu os músicos serranos e a Corporação Musical “Lira de Serra Negra” narrando sua importância para a vida musical da cidade. A cidade parou para ouvir o programa e o depoente Roberto Perondini lembrou que sua família, não tendo o aparelho de rádio, saiu do sítio em que morava e foi para a casa de um cunhado na cidade a fim de poder ouvi-lo. O Deputado Federal Romeu de Campos Vergal e sua família estiveram presentes e acompanharam a audição no auditório da Rádio Nacional.

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Foto nº 69. Corporação Musical “Renato Perondini”, apresentação no auditório da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em 1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

A imprensa local já estava dando cobertura ao acontecimento desde o recebimento da carta convite, e após a apresentação dedicou inúmeras matérias ao fato. Vale ressaltar o grande acolhimento que a entidade musical teve ao desembarcar em Serra Negra: sua chegada foi anunciada pelo alto-falante localizado na praça central da cidade. Além da população local que lhes aguardava, a “Lira de Serra Negra” marcou presença, recepcionando os músicos com uma pequena apresentação, demonstrando, com isso, gratidão e consideração aos músicos da “Renato Perondini”. A partir desse episódio as duas bandas passaram a ser descritas como coirmãs. Foi uma atitude louvável do maestro Lugli, tanto na escolha do repertório como nos comentários sobre os músicos serranos, evidenciando respeito ao Maestro Ângelo Lamari e reforçando a importância da tradição musical serrana iniciada com os imigrantes italianos. ....na locução de Paulo Roberto foram destacados os nomes de Enzo (Perondini) como fundador da Banda e elemento conhecido nos meios futebolisticos cariocas em virtude de sua atuação em quadros profissionais, bem assim, do Tenente Fioravante Lugli, pela sua capacidade de regencia e autoridade sobre seus dirigidos, cuja disciplina demonstrada, foi fator preponderante do sucesso alcaçado pelos musicos da “cidade da saúde”... (O Serrano, 16/10/1960)

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Foto nº 70. Corporação Musical “Renato Perondini”. Desfile Civico em Serra Negra, década de 1960. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

Ainda em clima de comemoração pela apresentação na Rádio Nacional, o sr. Plácido Ribeiro Ferreira, que era proprietário do Hotel Moulin Rouge, ofereceu um almoço especial aos integrantes da Corporação Musical “Renato Perondini”. Muitos dos músicos integrantes das duas bandas também estiveram envolvidos na formação dos conjuntos musicais do período e nas apresentações que ocorriam no Clube XV de Novembro.

3.3.1 - O Clube XV de Novembro e as performances dos conjuntos musicais.

Inaugurou-se o Clube XV227 por volta de 1938, em imóvel onde outrora funcionaram o Cinema Central e o Club Operário. O referido clube surgiu em decorrência do um time de futebol, o XV de Novembro Esporte Clube, assim como ocorrera com o Clube Sete de Setembro. E eram constantes os eventos programados pelo XV, como os famosos bailes temáticos: Baile do Café, Noite de São João, Baile de Aleluia, Baile da Primavera, Baile Branco, sempre com presença musical da Jazz Band Melodia.

227 A partir do ano de 1946 o Clube passou a ser designado Clube Recreativo e Cultural XV de Novembro.

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Ilustração nº 34. Jornal O Serrano, edição de, 26/11/1944

Assim como aconteceu com outros clubes recreativos serranos, alguns músicos participavam das diretorias. Na eleição de 1946, os músicos Januário Blotta, Ataliba Ferreira de Lima e Benedito Mattedi compuseram o quadro de diretores do Clube XV. Clube XV de Novembro Na assemblea do dia 30 do mez ultimo, foi eleita a nova diretoria do Clube XV de Novembro, para o corrente ano, que ficou assim constituída: Presidente, Januario Blotta; Vice-Presidente, Roberto Brambilla; Secretario Geral, José Ferreira Campos; 1º Secretario, Roberto Saragiotto; 2º Secretario, Italo Boccato; Tezoureiro, Armando Stenghel; Procuração, Alvaro Assis. Comissão de sindicância, Ataliba Ferreira de Lima, Geraldo Lopes e Ernesto Amadeu. Conselho Fiscal, Benedito Mattedi, Mario Baldassini e Felix Stenghel[...].(O Serrano, 13/01/1946).

A administração do Clube contava com as mensalidades dos associados e a arrecadação realizada pelas festas bailes, em virtude da frequência dos visitantes e, nessas ocasiões, as atrações musicais eram sempre muito aguardadas. Os depoentes Claudio Corsetti e Nelson de Barros lembraram que os Garotos do Ritmo se apresentaram no Clube, inclusive na festa de aniversário do Dr. Jovino Silveira. O conjunto também promovia seus ensaios no local, diante da cessão do espaço pela Diretoria da Sociedade Recreativa.

No Clube XV tinha um salão... salão de dança e no fundo tinha um bar, que era do Donato Albertini, sogro do Alcebíades. Lá que ele conheceu a Lourdinha e depois casou-se com ela. Embaixo tinha pista de jogos de bocha, mas ao lado era onde nós ensaiávamos a noite. Debaixo... no subsolo. (Claudio Corsetti, 2013, Serra Negra/SP).

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Depois que a Jazz Band Melodia foi desfeita outros grupos passaram a se responsabilizar pelas atrações musicais do “XV’, tanto que, no carnaval de 1951, o músico João Galo Corato reuniu um grupeto para os festejos ao Rei Momo.

Ilustração nº 35. Jornal O Serrano, edição de 21/01/1951

No ano de 1954 foi a vez do músico José Caetano dos Santos, o Zé Caixinha, que havia sido componente da Jazz Band Melodia, como percussionista, desde a sua fundação em 1929, reunir os músicos para o carnaval. Para seu conjunto ele convidou o trompetista João Corato, com a responsabilidade de ser o “puxa fieira” 228 do conjunto. Segundo as lembranças do depoente Alcebíades Felix, ainda na década de 1950 o clube mantinha o Grupo Dramático XV de Novembro com peças teatrais entre dramas e comédias. Como o palco do “XV” era pequeno, as encenações ocorriam no palco do Cine República e no palco do Educandário Nossa Senhora Aparecida229. Aí nós começamos a formar o teatro no Clube XV e começamos levar as peças no Cine Republica. Só que depois o Cine Republica botou a tela panorâmica. Acabou com o nosso palco, ai nós passamos para o Educandário. Aí foi reformar a Igreja, o Padre Lavelo passou (as atividades litúrgicas da Igreja) para o Educandário. Aí acabou o teatro nosso! Entendeu? Mas, nós chegamos a apresentar peças muitos boas. Muito boas! (Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP.)

O Clube XV também foi local dos programas de auditório da Rádio Serra Negra, cujo proprietário, o depoente Felix, iniciou o programa que era levado ao ar todo domingo. Para as atrações musicais convidavam as já conhecidas Demon Clayr Batista, Lourdes Godoi e, entre os cantores, Antonio Vicalvi.

228 Músico responsável pela mudança da peça a ser tocada dentro do repertório escolhido. Comum nos bailes de carnaval. 229 O termo “puxa fieira” era atribuído ao músico que durante as apresentações iniciava uma nova música, constante do repertório e o restante do conjunto o seguia.

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Daí eu dei baixa no alto-falante e passei para Rádio e a Rádio fazia programa de auditório no Clube XV...eu copiava de São Paulo, (da) Difusora Tupi de São Paulo, a Rádio Piratininga. Eu ia assistir os programas de auditório e fazia aqui. Agora eu fazia aqui, com Clayr Batista, com aquela outra moça, esqueci o nome dela, com a outra cantora... a Lurdinha Godoi e toda... tinha quatro cantoras, quatro, cinco cantores. Adaude de Almeida, Antonio Vicalvi. - Quer ver quem mais cantava? Um rapaz que chamava Luiz Barbosa, mas não o filho do Barbosa. Fazia o programa de auditório no Clube XV, mas a frequência era tão grande, que eu tive que mudar para o cinema. Então o que acontecia, a gente fazia o programa de auditório. Do Clube XV transferiu para o cinema. Sabe quantas pessoas eu cheguei a levar lá no cinema? Mais de mil, num programa de auditório. É, porque o cinema tinha mil lugares de baixo em cima, eles sentavam tudo no corredor, então era mais de mil. (Repertório) Aqueles sucessos daquele tempo... “quando o porteiro chegou e meu nome gritou com uma carta na mão...” O Vicalve cantava umas músicas de serestas. O Adaude cantava bolero, esses boleros mexicanos e o Corisco. O Corisco se vestia de “Mister Robson”, ele chamava, o nome dele, tinha o nome em inglês, brasileiro, nome inglês e cantava, cantava em caipira, Ah! Você morria de dar risada. (Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP.)

Foto nº 71. Progama de Auditorio, comandado pelo radialista serrano Alcebíades Felix, década de 1950. Foto cedida pelo depoente Alcebíades Felix. Acerdo da pesquisadora

O aumento da frequência aos programas de auditório obrigou o responsável a arrumar outro local para as gravações. A opção foi utilizar o palco e o auditório do Cine República, como ocorria com a apresentação do Grupo de Teatro. Segundo Felix, cobrava-se uma entrada no valor da matinê dominical. O programa se iniciava às 13 horas. Até às 14 horas direcionava-se às crianças e, em seguida, por volta das 17 horas, aconteciam os shows de variedades.

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Tinha um regional. O regional: o Baratinha (Mattedi) no trambone, o Saul e o Gilberto, violões comum. Toninho Tomareli no tenor, Nelson de Barros, no pandeiro, o Nerinho no ritmo, era um regional. Então ensaiava durante a semana para apresentar no domingo. Eles iam. Ensaiavam tudo e eles faziam os ensaios juntos com as meninas e com os rapazes, tudo para eles, quando chegavam na hora de apresentarem. Agora com vocês o cantor Adaude de Almeida, a voz não sei o que... aquelas coisas. O Regional já entrava cantando. Como você vê na televisão, a mesma coisa, por isso que ia mais de mil pessoas no cinema. Ah! E tinha um detalhe, pagava ingresso. Porque aquele tempo tinha seriado nos cinemas. O sujeito pagava o ingresso R$ 2,00, para entrar, porque às 17 horas terminava o programa e eles assistiam o cinema. O ingresso era para o cinema. Eu não ganhava nada, o cinema quem recebia. (Alcebíades Felix, 2014, Serra Negra/SP.)

Foto nº 72. Regional do Progama de Auditorio, comandado pelo radialista serrano Alcebíades Felix, década de 1950. Foto cedida pelo depoente Alcebíades Felix. Acerdo da pesquisadora

A depoente Demon Clayr também lembrou os bailes do Clube XV e do programa de auditório, quando ela e suas amigas se apresentavam como calouras. Em suas recordações afirmou que as produções eram mais simples que aquelas que ocorriam no Cassino, mas havia sempre expectativa da vencedora, pois era o público quem escolhia a melhor performance e os cantores eram acompanhados pelo Regional do Programa.

E tinha também o programa de Calouro. Aqui no Clube XV, em frente ao mercado...Ali era o Clube XV, eram os bailes que tinham ali, tinha o baile branco, o baile azul. Sabe? Uma beleza! Era muito organizado. Sempre quem organizava essas coisas aqui era o Alcebíades Felix. Ele gostava de fazer essas coisas, muito bem feitas, por sinal! E então ali, tinha a Leblon, (a) Perfumaria Leblon. Então começou a fazer programa de calouros. E quem ganhasse... quem cantava melhor, ganhava um

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sabonete Leblon, uma loção, perfume, tudo da Leblon. E ali eu ia cantar. Eu, a Odete Turaza, a Lourdes... E uma época até tinha um rapaz aqui, que em todo o lugar que a gente ia ele estava junto para ouvir cantar... gostava de ouvir a meninada cantar no cine, onde é o Bradesco hoje. Era o Cine Republica ali. Então o show era feito lá também! Nós cantávamos lá, era como um teatro mesmo. Ali ficavam as nossas fotos grande nos cartazes, anunciando o show que ia ter dia tal. Então tinha as fotos: da Lourdes, tinha a minha, da Odete, de todos. (Demon Clayr, 2014, Serra Negra/SP.)

O Programa de Auditório encerrou-se em 1955. Os proprietários do Cine República reformaram o local e instalaram uma tela panorâmica, comprometendo, com isso, o espaço destinado ao palco. Não havia mais local adequado para a realização do Programa, iniciado em 1952. Em 1956 anunciou-se a organização de uma nova “Jazz Band”, que contava, entre seus integrantes, com músicos que participavam também da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”.

Em organização o novo Jazz “Blue Star” Está sendo organizado nesta cidade, com a denominação de “Blue Star”, um novo conjunto orquestral, sob a direção do sr. Ataliba Ferreira de Lima, e que muito em breve se fará conhecido através de apresentações em público. Tal iniciativa, que já encontrou grande número de simpatizantes, muito vai concorrer para o pleno êxito das elegantes festas dançantes que aqui continuadamente são promovidas. Constituído só de elementos amadoristas desta cidade, dele fazem parte 16 músicos e 1 cantor, sendo 4 saxs, 3 trombones, 3 pistões, 4 ritmos, 1 harmonica e 1 violão elétrico. Grande é a expectativa, não só entre os nossos meios artísticos, como entre os apreciadores da boa música. (O Serrano, 16/09/1956)

Foto nº 73. Conjunto Jazz “Blue Star”, década de 1950, Foto cedida por Odilon Souca Lemos. Acervo da pesquisadora

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Em outubro de 1956, a “Blue Star” se apresentou pela primeira vez em um evento filantrópico organizado pelo Rotary Clube de Serra Negra, em benefício da construção do Parque Infantil. Ela iniciou suas apresentações também no Clube XV de Novembro e realizou shows nas cidades vizinhas, como Amparo. Entre seus componentes estava o depoente Armando Menegatti.

Fizemos o baile ali no Clube XV... fazia aqueles bolerinhos, aquelas musiquinhas. Era o Romeu Fiorotti, o Titão, eu, tinha o que ficava mais a frente, o Buzzo, depois os caras ai, o Valdemar era cantor. Você não chegou a conhecer, esse mocinho aqui morreu. Ele estava junto com o Caçulinha em São Paulo. O pai dele levou ele lá para aprender, bom sanfoneiro. (Armando Menegatti, 2014, Serra Negra/SP)

Ilustração nº 36. Jornal O Serrano, edição de 23/12/1956

O músico Armando Menegatti também lembrou dos bailes que eram realizados na área rural. Na maioria das vezes, o grupeto era formado por três instrumentistas230. O repertório era composto por valsas, polcas, maxixes, mazurcas, tangos, rancheiras, sambas, rag time, choro e até dobrados.

230 Outros músicos também se reuniam para as apresentações nas festas realizadas na zona rural, como o comandado pelo músico Oger Invernizzi. O repertório era selecionado compondo-se de valsas, maxixes, polcas e sambas, incluindo peças de autoria de serranos. As transcrições das músicas eram feitas em pequenos cadernos pautados destinados a cada um dos instrumentos. Os irmãos Alceario e Arcenio Perondini foram integrantes desses grupetos e mantiveram uma dessas cadernetas que foi herdada pelo depoente Renor Perondini.

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Ilustração nº 37. Caderno de repertório pertencente a Alceário Perondini. Fonte: Acervo de Renor Perondini

Depois de selecionar o repertório e realizar os respectivos arranjos musicais, o músico transcrevia as peças em pequenos cadernos pautados, com índice da sequência das músicas. Cada instrumento tinha a sua respectiva caderneta. Foi possível encontrar duas cadernetas, uma pertencente ao sr. Alceário Perondini e outra do sr. Olger Invernizzi, todas elaboradas para o instrumento clarinete. As bandas de música, também utilizavam esse sistema de transcrição em cadernetas.

Ilustrações nºs 38 e 39. Caderno de repertório pertencente a Olger Invenizai. Cedido pelo depoente Vandair Muniz. Acervo da pesquisadora.

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Foto nº 74. Baile realizado na zona rural, foto cedida pelo músico Armando Menegatti. Década de 1950. Serra Negra/SP. Acervo da pesquisadora.

Um conjunto... a gente cantava assim, para fazer esse serviço, fazer esses bailinhos, o forte mesmo que eu toquei bastante, com sanfona, clarinete e pandeiro, assim... saía fazer baile de casamento, fazia eu, o (Nelson) Buzzo, o Irineu Schiavo. O Schiavo, ele tinha um som bonito, mas ele como pessoa ele falhava, ele bebia muito, então ele ia num baile de casamento e bebia, começava, parava, tirava a boquilha do clarinete, do saxofone, soprava, só por brincadeira. (Armando Menegatti, 2014, Serra Negra/SP).

Os preparativos para os festejos do carnaval de 1958 se iniciaram com meses de antecedência. Os dirigentes do Clube XV resolveram alugar um salão maior, com o intuito de transferir para o local o tradicional baile. Os hotéis conseguiram esgotar suas reservas e, como forma de contribuir, financiaram a decoração da cidade, visando agradar os visitantes. A Blue Star se encarregou dos quatro bailes e das matinês.

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Ilustração nº 40. Jornal O Serrano, edição de 09/02/1958

Foto nº 75. Jazz Blue Star, carnaval em Serra Negra, 1958. Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.

Meses após o carnaval outra orquestra de baile começou a se configurar, mas não se encontraram elementos que permitissem afirmar que a Blue Star estivesse encerrando suas atividades ou que as duas fossem contemporâneas. Fato é que em maio de 1958 veicularam-se notícias na imprensa local sobre a orquestra que se iniciava na cidade.

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SERRA NEGRA TERÁ UMA NOVA ORQUESTRA Dentro em breve, será apresentado ao público serrano, uma nova orquestra de danças, formada de músicos locais, que estão ensaiando ativamente para a primeira apresentação em data a ser oportunamente anunciada. O nome da orquestra ainda não foi escolhido, aguardando os diretores, naturalmente, a melhor sugestão. O conjunto musical serrano, surge de uma união indistinta dos valores locais, que agora parecem dispostos a mostrar que Serra Negra poderá, também, figurar entre as cidades do interior que possuem sua própria Orquestra, apta a oferecer as melhores reuniões dançantes. O maestro do promissor conjunto, é o competente João Corato, cujas qualidades todos conhecemos, e ainda lembramos da vitoriosa apresentação nessa cidade da Orquestra Sinfônica de Amparo, sob sua direção, na festa do Rotary, realizada no Grande Hotel Pavani. A todos os componentes da nova orquestra de Serra Negra, nossos votos de felicidades e de grande sucesso na sua primeira apresentação. (O Serrano, 25/05/1958)

Segundo Felix (2012) a nova orquestra foi criada para suprir a necessidade do Clube XV, pois seus associados queriam novidades. O músico Corato reuniu instrumentistas de outros conjuntos, inclusive da Blue Star, e lançou a Orquestra de Dança Yara de Serra Negra 231, cuja primeira apresentação ocorreu em 26 de junho de 1958, no salão do XV, e o seu sucesso foi imediato. A Yara foi convidada para um show, juntamente com outras atrações, no evento de inauguração do Balneário Municipal, ocorrido em setembro daquele ano. Encontrou-se a última notícia sobre a “Yara” em dezembro de 1958, em sua apresentação no Réveillon do Clube XV de Novembro. E, no dizer do músico João Corato, o conjunto se desfez por desavenças internas232.

231 Orquestra Yara 1958. ANEXO Nº 08 232 Na edição do Jornal “O Serrano”, datada de 12/09/1965, trouxe a notícia de que a Orquestra de Danças “Yara” estava se reorganizando, com a finalidade de se preparar para o carnaval de 1966. Dizia o anúncio que a direção estava a cargo dos músicos José Caetano dos Santos, Ataliba Ferreira de Lima, João Corato e Nelson Buzzo.

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Ilustração nº 41. Jornal O Serrano, edição de 28/09/1958

Foto nº 76. Orquestra Yara. Apresentação no Clube XV de novembro, década de 1950. Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.

O carnaval era o maior evento entre os atrativos do Clube XV de Novembro para os visitantes da cidade de Serra Negra, tanto que, em 1951, a Diretoria do Clube solicitou auxílio financeiro junto ao Poder Público para realizar os festejos do carnaval; argumentou-se que, quanto mais visitantes, maior seria o benefício para a economia local.

Considerando que o já famoso carnaval de Serra Negra contribui sobremaneira como atrativo a veranistas, e que o Clube XV vem de anos patrocinando em todos os setores esses populares festejos em nossa Estância, auxiliando na medida do possível

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todo e qualquer movimento em prol de seu brilhantismo, como seja a assistência aos “ranchos” carnavalescos, aos “blocos”, ao carnaval de rua e seu pomposo corso com músicos por nós contratados para esse fim... isso tudo, em grandes e reais benefícios à economia de nosso povo pelo grande movimento que advém às nossas casas comerciais e industriais. (Processo 57/51. Câmara Municipal de Serra Negra)233.

A relação do Clube XV com o Poder Público contribuiu para a solicitação da doação de um local para sediar a associação, visto ser o único clube legalizado em Serra Negra. Para tanto, apresentou-se um Projeto de Lei, em 7 de agosto de 1954, sendo aprovado em setembro do mesmo ano, que autorizava o Poder Executivo a doar ao Clube Recreativo e Cultural XV de Novembro um terreno situado na avenida Deputado Romeu de Campos Vergal, local próximo ao Balneário Municipal. Em contrapartida, a Diretoria do Clube teria dois anos para construir a sua sede, sob pena de tornar sem efeito a referida doação. O prazo não foi cumprido e, em 1956, prorrogou-se por mais dois anos. Mesmo com prazo estendido, a construção não se efetivou, a doação se tornou inválida e o imóvel voltou a fazer parte do patrimônio público. Nesse ínterim, a Diretoria do Clube XV entrou em contato com os membros da antiga Sociedade de Mútua Assistência entre os Italianos de Serra Negra e propuseram que as duas entidades se reunissem formando um único clube, o que foi aceito. Assim, na Assembleia Geral Extraordinária, de 14 de maio de 1958, alteraram-se os estatutos da Sociedade Italiana, que passou a denominar-se Serra Negra Estância Clube. Com a fusão, o antigo Clube XV tornou-se também proprietário do imóvel234 que pertencia exclusivamente à antiga Sociedade Italiana. A referida propriedade fora adquirida em 1909 por membros da colônia italiana, servindo como sede de sua Sociedade; uma de suas salas foi sede do Corpo Musicale “Umberto I” e, a partir de 1945, abrigou a Corporação Musical “Lira de Serra Negra”.

233 A solicitação foi atendida e houve a liberação de verba do erário público. 234 O imóvel localizava-se na Praça Barão do Rio Branco, 53, próximo ao Fórum de Serra Negra. Em 1961 foi vendido para a Ordem das Irmãs Franciscanas Missionárias do Coração Imaculado de Maria, conforme Livro de Transcrição das Transmissões nº 3-V, nº 10.648 do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra/SP.

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Ilustração nº 42. Jornal O Serrano, edição de 09/08/1958

Mesmo com uma sede, a Diretoria do “novo” Estância Clube solicitou outro imóvel ao Poder Público e a doação ocorreu em 1959. O espaço localizava-se na Praça João Pessoa, pátio da antiga Estação da Mogiana. Os termos desta doação seguiram os mesmos critérios da primeira ao Clube XV, tendo o clube o prazo de dois anos para concretizar a obra. Em 1961, a fim de angariar fundos para a construção da nova sede do Estância Clube, a Diretoria decidiu vender o imóvel que abrigou a Sociedade Italiana, com a promessa de que, no novo edifício, haveria um salão destinado exclusivamente a Corporação Musical “Lira de Serra Negra”.

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Infelizmente, o Estância Clube não cumpriu o prometido: o Clube ficou sem sua sede própria e a “Lira de Serra Negra” sem espaço para promover seus ensaios e guardar seus instrumentos e partituras 235.

3.4 - DÉCADAS DE 1960 E 1970

Nos anos de 1960 e até 1971 a cidade de Serra Negra foi administrada por dirigentes eleitos pelo voto direto. Posteriormente, prefeitos nomeados pelo Governo do Estado estiveram à frente do Poder Executivo local, até 1979. Os dados levantados desse período permitem afirmar que novamente a preocupação estava voltada para o desenvolvimento econômico da Estância através da exploração do turismo. Muitos serranos consideraram a década de 1970 como de grande pujança, tendo em vista as verbas recebidas dos órgãos estaduais, sobretudo as provenientes do Fundo de Melhoria das Estâncias – FUMEST.

3.4.1 – A cidade evolui através de investimentos civis e do FUMEST

No início da década de 1960, lançou-se um empreendimento significativo para a cidade de Serra Negra: a construção do primeiro prédio de apartamentos com nove andares, a princípio denominado Edifício Serra Negra. Prevaleceu, porém, o nome de Edifício Cisne, o mesmo da incorporadora. A construção foi um marco, pois passou a representar um sinal de progresso para Serra Negra236. O local escolhido foi a área central da cidade, a esquina da Rua José Bonifácio com a Rua Sete de Setembro. Para tanto, fez-se necessária a demolição de alguns imóveis, dentre eles a pensão da família Canhassi, a Confeitaria Danúbio e o local que abrigou a primeira sede da Fábrica de Chapéus Panamá Linho.

235 O local para sediar a Banda “Lira de Serra Negra” foi definido somente em 1964. Como até o ano de 1970 o Estância Clube somente havia realizado o estaqueamento do terreno, a Prefeitura Municipal foi obrigada a requerer a anulação da doação e o imóvel situado na Praça João Pessoa voltou a ser patrimônio público. 236 O empreendimento tinha como um dos sócios o Sr. Luiz Macedo Bulk, também proprietário do Hotel Vale do Sol. Juntamente com seu irmão Geraldo Macedo Bulk, investiu durante anos no ramo de hotelaria, tanto em Serra Negra como em Águas de Lindóia. Luiz Bulk foi prefeito de Serra Negra no período de 1963 a 1967.

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Foto nº 77. Foto aérea de Serra |Negra, década de 1960. Construção do edifíco Cisne, ao centro. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da pesquisadora.

O Parque das Palmeiras foi, também, um dos tantos empreendimentos que surgiram. Inicialmente a intenção era criar um “Country Club” e a Empresa Serra Negra Melhoramentos, formada pelos sócios Antonio Roberto Siqueira, Jorge Sidney Coli e José Salvador Padula, contratou o escritório de planejamento de arquitetura do Dr. Zenon Lotufo e de Ubirajara Ribeiro237 para elaborar do projeto. A área escolhida era uma antiga fazenda de propriedade do depoente Antonio Roberto Siqueira, que detalhou a motivação para essa empreitada. Em uma das visitas de um de seus primos, que era redator do jornal O Estado de São Paulo, discutiram sobre o fluxo de turistas para Serra Negra e seu primo, que realizava inúmeras viagens internacionais, comparou Serra Negra a uma estância chinesa que se localizava próxima a grandes centros e se tornara um local para o lazer em família. Como eram semelhantes as características de ambas, havia a possibilidade de transformar Serra Negra em polo turístico para viagens curtas, especialmente em razão da proximidade de São Paulo e Campinas; provavelmente integrantes da classe média viriam a frequentá-la.

237 Este Escritório foi responsável também pela elaboração do plano diretor da cidade de Campos do Jordão. Jornal “O Serrano”, edição de 11 de dezembro de 1960.

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Após comprar a Fazenda Santa Maria das Palmeiras (antiga Fazenda Marson), que contava com 70 mil pés de café, o Sr. Siqueira decidiu erradicar a plantação e lançou o empreendimento Parque das Palmeiras. O projeto do “Country Club” não foi efetivado, mas o proprietário, dando materialidade às discussões sobre o potencial turístico de Serra Negra, decidiu transformar a fazenda em um loteamento, dividindo-a em 400 lotes que contavam com toda a infraestrutura. Venderam-se os imóveis às famílias que frequentavam a estância e também a alguns serranos. Esse investimento, em seu início, segundo o depoente Siqueira, teve como sócio Jânio Quadros, que se obrigou a se retirar da sociedade após o golpe militar de 1964, pois ignorava o rumo que o país tomaria, tanto quanto a sua situação política. A administração da cidade na década de 1960 foi considerada pelos depoentes Antonio Roberto Siqueira e Antonio Luigi Ítalo Franchi como inexpressiva em vários aspectos. Todavia, a partir de 1963, as eleições tornaram-se diretas e o povo pôde eleger o seu prefeito. Sempre na perspectiva de alavancar o turismo, os dirigentes políticos direcionavam a administração através de projetos que proporcionassem a vinda de mais visitantes à Cidade da Saúde. Em 1964, desapropriou-se um terreno no entorno da cidade onde se construiu o Parque Zoológico e a iniciativa da administração pública contou com o apoio de dirigentes políticos como Jovino Silveira e da população serrana238.

238 O Parque Zoológico funcionou por poucos anos, pois a sua manutenção tornou-se inviável para o Município devido ao alto custo de alimentação dos animais, tendo outro agravante: o espaço era próximo a algumas nascentes e havia o risco de contaminação das minas d’água. Em 1973 o Parque foi desativado. O imóvel foi incorporado ao projeto que deu origem à construção do Centro de Convenções “Circuito das Águas”, financiado pelo Governo Estadual, através do FUMEST.

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Ilustração nº 43. Jornal O Serrano, edição de 5 de janeiro de 1964.

No mesmo período, editaram-se leis com incentivos fiscais, contendo isenção de impostos por cinco anos, para a construção de novos hotéis, tanto na zona urbana como na zona rural. Na esteira da nova fase de investimentos, realizaram-se algumas melhorias, com parcerias entre o poder público e o setor privado, destacando-se a cobertura de um trecho do Ribeirão de Serra Negra. Após a família Gaioli adquirir o Radio Hotel, ampliou-se a área do estabelecimento, com a aquisição, inclusive, de parte do imóvel em que se localizava a Fonte São João239. Como parte do Ribeirão tinha seu trajeto nos fundos do hotel, acertou-se que os

239 A nova administração do Rádio Hotel canalizou as águas da Fonte São João e Santo Antonio, tendo exclusividade em sua exploração, não permitindo a frequência da população local.

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proprietários canalizariam o rio e utilizariam-no privativamente, expandido assim o espaço do hotel240. Também em 1964, criou-se o Parque Turístico da Estância de Serra Negra e, para tanto, o Município voltou a receber verbas específicas da Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de São Paulo. O projeto consistia na construção de um local de recreação esportiva e social para os munícipes e a possibilidade de ter uma piscina pública agradou os serranos. A área escolhida foi justamente o espaço do antigo pátio da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro, imóvel adquirido pelo Município em 1957, pela iniciativa de Irineu Saragiotto. O terreno localizava-se em uma área central e era motivo de disputa entre particulares que viam no local oportunidade de investimento. Segundo o depoente Siqueira, a movimentação de Irineu Saragiotto foi providencial para a aquisição da área pelo Município. ...essa praça aqui, a praça grande Sesquicentenário, o velho Gaioli, Amâncio Gaioli estava comprando, isso se deve ao Irineu Saragiotto... era da Mogiana e o Amâncio Gaioli, pai do Ariel, estava negociando aí o Irineu correu... (Siqueira, 2015, Serra Negra/SP).

Em 1967 concluiu-se a piscina pública, inaugurada com a presença do público241.

Foto nº 78. Parque Turístico da Estância de Serra Negra. Piscina pública. Década de 1960. Foto cedida por Nestor Leme. Acervo da pesquisadora.

240 Lei nº 473 de 15 de dezembro de 1964. 241No entanto, a utilização do logradouro durou somente alguns anos, pois o espaço foi reavaliado e, através de investimentos do Fundo de Melhorias das Estâncias do Estado – FUMEST, passou a fazer parte de outro projeto que incluía a feitura de uma grande praça e a canalização do Ribeirão. Para tanto, muitos imóveis foram desapropriados e doados para o Estado. Depois a propriedade retornou para o Município. Este arcou com as indenizações das referidas desapropriações; a construção ficou por conta do FUMEST.

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A Seleção Brasileira de Futebol esteve por duas vezes em Serra Negra. A primeira concentração da Seleção ocorreu em 1962, entre os meses de abril e maio. Os atletas se hospedaram no Grande Hotel Pavani242 e, para os treinos, utilizaram o recém inaugurado Estádio Municipal. A comitiva de imprensa de rádio e televisão especializada em esportes, que contava com mais de 50 profissionais da área, se hospedou no Radio Hotel.

Ilustração nº 45. Jornal O Serrano, 22 de maio

de 1966 Ilustração nº 44. Jornal O Serrano, 29 de abril de 1962

Os jogadores e a comissão técnica receberam inúmeras homenagens dos serranos, entre elas muitas lembranças oferecidas pelos comerciantes locais243. As Bandas de Música serranas também estiveram presentes nos eventos envolvendo a Seleção Brasileira. Em maio de 1966, a Seleção bicampeã retornou a Serra Negra, hospedando-se novamente no Grande Hotel Pavani, tendo como destaque a presença dos jogadores Pelé e Garrincha. O depoente Antonio Siqueira fez parte da comitiva municipal que ciceroneou a seleção durante a estada na cidade. Mais tarde, convidaram-no para integrar a Confederação Brasileira de Esportes. A seleção ia para São Paulo de ônibus e eu ia junto com os jogadores. Todo mundo de ônibus para o Pacaembu, Morumbi, porque fiquei à disposição deles. E aí eu fui convidado para ser delegado da Confederação Brasileira de Esporte, eu tinha o meu

242 Antigo Grande Hotel do Cassino. 243A Loja São Benedito, propriedade do depoente Nelson de Barros e seu irmão, ofereceu álbuns de fabricação serrana, contendo fotos dos pontos turísticos de Serra Negra. Jornal “O Serrano”, edição de 13/05/1962.

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documento tudo. Fiquei 20 anos. É! Delegado da Confederação de Esporte... mas não ganhava nada! (Siqueira, 2015, Serra Negra)

Foto nº 79. Seleção Brasileira em Serra Negra, 1966. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Em 1967, após as eleições municipais, ocupou o cargo de prefeito Enzo Perondini. Proveniente de uma família de imigrantes italianos numerosa, teve como primeiro ofício o de alfaiate, seguindo a tradição familiar. Mais tarde, tornou-se jogador profissional pelo time Portuguesa Santista, nos anos de 1949 e 1950, e, pelo XV de Jaú, de 1951 a 1954. Também excursionou como jogador de futebol por e Espanha em 1950. Além de jogador, Enzo foi musicista e, como já mencionado, um dos fundadores da Corporação Musical “Renato Perondini”, sendo um excelente saxofonista. Nas festas de amigos e familiares se apresentava com o seu conjunto The Guys, tocando trompete e clarinete. Foi responsável pelas apresentações da Corporação Musical “Renato Perondini” na Rádio Nacional do Rio de Janeiro e na cidade de Santos. A sua atuação esportiva e musical colaboraram muito para a sua vitória nas urnas.

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Ilustração nº 46. Jornal O Serrano, edição de 22/05/1966

Infelizmente, Enzo Perondini ficou pouquíssimo tempo no cargo, pois cometeu suicídio em janeiro de 1968. Sua morte teve grande repercussão na cidade, porém, estranhamente, não existem registros na imprensa local, nem há menção do fato nos arquivos do Poder Legislativo serrano. Os depoimentos colhidos tratam o assunto de maneira vaga. Ninguém ousou falar abertamente sobre a morte trágica, como se a marca negativa na trajetória pública desse prefeito serrano tivesse que ser esquecida. Embora com uma curta permanência de 11 meses na Prefeitura Municipal, Enzo Perondini promoveu vários melhoramentos na cidade, como a remodelagem da Fonte Santo Agostinho, da Fonte Santa Luzia e dos Amores, a reforma do Mercado Municipal, a conclusão e inauguração da estrada ligando Serra Negra a Monte Alegre, a criação do Museu Municipal, a troca de toda a rede elétrica e a iluminação das principais ruas da cidade, o alargamento da Avenida 23 de Setembro, que mais tarde seria a localização da maior praça serrana. Na área da educação, doou ao Governo do Estado uma área de 10 mil m2 para a construção de um Instituto de Educação244.

244 A repercussão de sua morte foi noticiada pelo Jornal Folha de São Paulo, edição de 11/01/1968. Os argumentos do artigo exploraram que o motivo do suicídio foi de ordem política envolvendo nomes representativos do cenário político local. Talvez isso justifique a necessidade do esquecimento. Em agosto de 1968 foi prestada uma homenagem ao Prefeito Enzo Perondini no Encontro dos Prefeitos das Estâncias

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Ilustração nº 47. Jornal O Serrano edição 1967

A única referência encontrada na imprensa serrana foi a homenagem prestada pela Corporação Musical “Lira de Serra Negra” em 1970, pois, como já citado, Enzo Perondini vinha de uma família de músicos serranos e também era instrumentista.

LIRA PRESTA HOMENAGEM PÓSTUMA A ENZO A briosa Corporação Musical “Lira de Serra Negra” visando a prestação de singela homenagem póstuma a memória do saudoso Prefeito Enzo Perondini, realizará hoje, a partir das 14.30 horas, uma retreta especial na Fonte Santo Agostinho, lugar que lembra o inesquecível Enzo Perondini e a primeira importante obra do seu governo municipal, bruscamente trucado a 6 de janeiro de 1968, em razão de sua morte. Visa também a tradicional Corporação, com o oferecimento dessa retreta, homenagear o valoroso companheiro Enzo, que por muitas vezes participou das Bandas de Música desta cidade. Homenagem das mais justas. (O Serrano, 02/08/1970)

Paulistas, evento esse realizado em Águas da Prata/SP, pois o mesmo havia fundado o Conselho Permanente dos Prefeitos das Estâncias. Jornal “O Serrano”, edição de 15/09/1968.

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Na vacância do representante do Poder Executivo, assumiu o vice-prefeito Braz Eduardo de Castro Blotta, cuja missão era dar a continuidade às promessas feitas em campanha. O Município voltou a passar por sérios problemas financeiros, tanto que as obras básicas como a manutenção das estradas vicinais não se realizaram. O salário dos funcionários também ficou atrasado por seis meses. Houve, então, a movimentação de um grupo de pessoas que iniciaram o mapeamento dos problemas da cidade, os quais só começaram a ser solucionados na gestão do novo prefeito Ângelo Zanini (1971-1973), nomeado pelo Governo do Estado. Ângelo Zanini era serrano e havia sido vereador e deputado estadual, além de trabalhar em várias secretarias estaduais; portanto, conhecia os trâmites da administração pública. A partir de sua nomeação, novos investimentos chegaram a Serra Negra, principalmente vindos do Fundo de Melhoria das Estâncias. Criou-se o Fundo de Melhoria das Estâncias – FUMEST, através da Lei nº 10.167 de 14 de julho de 1968245. Era um órgão autônomo com administração própria, vinculado à Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo. Mais tarde, alterou-se a designação para Fomento de Urbanização e Melhoria das Estâncias. Sua estrutura administrativa era composta por um conselho administrativo, com cinco membros e um superintendente, com mandatos de dois anos, prorrogáveis por mais dois. Contava, ainda, com um conselho técnico composto de nove membros, incumbidos de opinar sobre a criação das Estâncias, propostas de orçamento, entre outros assuntos246. Todos os ocupantes dos cargos eram nomeados pelo Governador do Estado. A finalidade primordial do FUMEST era a de desenvolver programas de melhorias das Estâncias do Estado de São Paulo. Para tanto, contou com a integração em sua administração da Comissão Estadual de Crenologia247, visto que várias cidades foram elevadas à condição de Estâncias devido às propriedades terapêuticas das águas radioativas encontradas em seus solos. A autarquia Fomento de Urbanização e Melhoria das Estâncias – FUMEST perdurou até 15 de junho de 1989, extinguindo-se através da Lei nº 6.470/89248.

245 O Regulamento do FUMEST foi aprovado através do Decreto nº 50.914 de 25/11/1968. www.al.sp.gov.br. Acesso em 13/06/2015. 246 Ver mais Lei 10.167 de 04/07/1968, www.al.sp.gov.br. Acesso em 13/06/2015. 247 A Comissão Estadual de Crenologia tinha como finalidade colaborar no fiel cumprimento do Código de Águas Minerais. Decreto Lei nº 7.841 de 08/08/1945. www.al.sp.gov.br. Acesso 04/06/2015. 248Após a extinção da autarquia foi reativado o Fundo de Melhoria das Estâncias de acordo com a nova Constituição do Estado de São Paulo de 05/10/1989 em seu artigo 46. Com a Lei nº 7862/92 foi instituído novo regulamento. Recentemente ocorreu nova alteração através da Lei 16.283 de 15/07/2016, passando a ser designado como Fundo de Melhoria dos Municípios Turísticos - FUMTUR, vinculado ao Departamento de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios Turísticos – DADETUR, subordinado à Secretaria de Turismo. www.al.sp.gov.br. Acesso 25/09/2016.

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Após a criação do FUMEST, Serra Negra iniciou as tratativas para celebração de convênios para o desenvolvimento de projetos, visando receber apoio financeiro desse órgão estatal. De certa forma, substituiu a relação existente com a Secretaria de Viação e Obras Públicas, frisando que as Estâncias sempre tiveram tratamento diferenciado daquele recebido pelos outros municípios. Esse tratamento não representava necessariamente mais recursos financeiros. A administração de Angelo Zanini pautou-se pela eficiência. A partir de sua nomeação passou a reorganizar vários setores do município, alterou o perímetro urbano, ampliou sua área, regularizou loteamentos e propriedades e, consequentemente, permitiu-se a cobrança de impostos. Firmou convênios com o FUMEST tratando diretamente com o superintendente249. Dentre os celebrados, alguns se direcionaram à pavimentação de avenidas, iluminação pública, auxílio para reforma de logradouros, como a praça central, drenagem e canalização de rios e término de obras iniciadas ainda nos anos de 1960. O apoio do FUMEST foi de grande valia, principalmente na execução de obras vultosas, três dentre as quais modificaram a paisagem urbana de Serra Negra. A primeira se deu em 1971, quando iniciaram as tratativas para o prosseguimento das obras do Parque Turístico da Estância, que passou a ser designado Centro Recreativo da Estância de Serra Negra, pois até aquele momento só a piscina havia sido construída. A ampliação do projeto consistia na cobertura do Ribeirão de Serra Negra250 e a construção de uma praça com área de 65.000m2. Destarte, o Prefeito Zanini contatou pessoalmente a superintendência do FUMEST e, dentro das negociações, acordou-se que a área a ser trabalhada teria que ser doada ao FUMEST a fim de se iniciar a execução do projeto, podendo, com isso, entrar na programação de prioridades da autarquia251. Além das áreas pertencentes ao Município, houve necessidade de desapropriação de 27 lotes, que passaram à utilidade pública; os imóveis faziam divisa com o Ribeirão e localizavam-se nas Avenidas Juca Preto e 23 de Setembro252.

249 No período o Superintende nomeado era o economista Fabio Gamba e o Secretario do Turismo, Pedro de Magalhães Padilha. 250 Para a dragagem e canalização do Ribeirão de Serra Negra, o Prefeito Angelo Zanini, através da Lei 694 de 14/06/1972, dividiu as despesas entre a Prefeitura Municipal e o FUMEST. 251 A doação foi regularizada através do Projeto de Lei 117/71 gerando a Lei 651 de 26/08/1971. Acervo da Câmara Municipal de Serra Negra. 252 A Lei 951 de 15/09/1979 autorizou a doação desses imóveis ao FUMEST, com a finalidade de implantação e ampliação do Centro Recreativo da Estância de Serra Negra, complementando as áreas já doadas.

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Nesse mesmo período, um grupo criou a empresa Serra Negra Empreendimentos

Turísticos S/A. A sociedade encarregou-se da construção do que se considerou na época o maior miniférico do País. O espaço de 1.000m2 para o empreendimento era reservado para a construção de embarque e desembarque de usuários e a instalação dos maquinários. O local avizinhava-se à piscina pública253. O passeio partia da Praça João Pessoa e atingia o monumento do Cristo Redentor, localizado no pico do Fonseca. A inauguração ocorreu em fevereiro de 1973 e contou com uma reportagem especial no caderno de turismo da Folha de São Paulo, edição de 16 de março de 1973. Além de noticiar a inauguração do miniférico, o artigo mencionava que Serra Negra era a Estância do Circuito das Águas que contava com o maior número de pontos turísticos interessantes, anunciava os novos projetos do FUMEST para logradouros turísticos e elencava locais para hospedagem dos visitantes.

Partindo do Parque Recreativo de Serra Negra, numa extensão de 700 metros, o miniferico vai até a imagem do Cristo Redentor, no alto do Morro do Fonseca. São 100 cadeirinhas que deslizam suavemente em potentes cabos de aço, cuja sustentação ou retenção é mantida por meio de baterias de rolo balanceados sobre torres metálicas. Com um desnível de 200 metros e velocidade de 2 metros por segundo, o miniferico transporta em média 600 pessoas por hora. Possui alto-falante na linha transmissora, microfone para comunicações, transmissão de música e, ainda, telefone interligado as estações de saída e retorno. Na área da estação de saída funciona um bar e uma loja de artesanato, estando prevista a construção de um restaurante no alto do Morro do Fonseca... Parque Recreativo Municipal, construído pelo Governo do Estado, na praça João Pessoa. O Parque conta com duas piscinas, uma para adultos e outra para crianças, funcionando diariamente. (Folha de São Paulo, 16/03/1973).

253 No período o Superintende nomeado era o economista Fabio Gamba e o Secretario do Turismo, Pedro de Magalhães Padilha.

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Foto nº 80. Miniferico Serrano, década de 1970. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

Em outubro de 1973, nomeou-se para o cargo de Prefeito de Serra Negra Jesus Adib Abi Chedid. Ao assumi-lo, o novo prefeito deu prosseguimento às obras que estavam sendo desenvolvidas desde as gestões anteriores e iniciou novas obras, sempre com as verbas remetidas pelo FUMEST254. O arquiteto João Walter Toscano foi o autor do projeto original para o Centro Recreativo, com a extensão de 65.000m2. A área designada para o desenvolvimento do projeto foi justamente aquela estabelecida nas doações ao FUMEST. O projeto continha passeios, bosques, dois espelhos d’água, um teatro de arena, sanitários, centro de informações turísticas composto de dois pavimentos, sendo um deles destinado a um salão de conferências com 200 lugares. Havia também, na proposta inicial, a construção de um centro de artesanato, com área total de 1.500 m2 de construção, em estilo romano, todo em arcos, rodeados por passeios públicos e espelhos d’água; o espaço destinava-se à produção dos artesões locais, dos pintores e dos artistas plásticos. Em 1978 inaugurou-se parte do projeto dentro das comemorações do Sesquicentenário de Serra Negra e as festividades contaram com a presença do Governador do Estado, Paulo Egydio Martins255.

254 A gestão de Jesus Adib Abi Chedid terminou em abril de 1979, quando os Prefeitos das Estâncias voltaram a serem eleitos por voto direto, tendo em vista a Lei 1.844/1978, em que as treze Estâncias hidrominerais foram transformadas em turísticas. 255 Após a inauguração o Centro Recreativo passou a chamar-se Praça Sesquicentenário e não houve o cumprimento integral do projeto do arquiteto João Walter Toscano. O espaço destinado ao Centro de Artesanato abriga atualmente a Rodoviária da cidade, o Centro de Informações foi construído muitos anos depois e, com novo projeto do arquiteto serrano Paulo Biller, há na praça somente um espelho d’água que passou a funcionar somente a partir do ano de 2008, já que teve que passar por reformas.

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Ilustração nº 48. Maquete do Centro Recreativo da Estância de Serra Negra, arquiteto João Walter Toscano. Iniciando a partir do lado esquerdo, construção em estilo romano, o Centro de Artesanato envolto de passeios e espelhos d’água, próximo ao Centro de Informações com dois pavimentos, seguindo para os próximos espelhos d’água, finalizando do lado direito com o Teatro de Arena256.

Considerou-se um grande avanço para o Município a continuidade das obras da Praça Sesquicentenário, mesmo não seguindo o projeto original, como já mencionado, pois a cobertura de parte do Ribeirão de Serra Negra mudou a impressão de abandono que se tinha ao chegar na cidade.

Fotos nºs 81 e 82. Cobertura do Ribeirão Serrano, Atual Praça Sesquicentenário. Década de 1970. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

A segunda obra considerada de grande vulto, foi a canalização de parte do ribeirão, juntamente com a abertura da Avenida Laudo Natel, as obras alteraram a paisagem urbana, além da mudação do curso do rio. O processo de mudança ocorreu em duas etapas, a primeira entre as décadas de 1940 e 1950, quando houve prolongamento das Ruas dos

256 Acervo João Walter e Odiléa Setti Toscano. Arquigafia – seu universo de imagens de arquitetura. www.arquigrafia.org.br/photos/9212, data da imagem 1981-1988. Acervo da Biblioteca da FAU/USP. Acesso 13/10/2016.

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Expedicionários e Prudente de Moraes. Para o término das obras, os proprietários doaram ao

Municipio uma faixa de terra, que fazia divisa com o referido ribeirão. Em 1974, iniciou-se a abertura da atual Avenida Laudo Natel e, novamente, alterou-se o curso do ribeirão. Mais uma vez, houve necessidade de ocupação de faixas de terra, a fim viabilizar a canalização do rio e a abertura da avenida. Esta, porém, gerou ação de indenização257. O apoio recebido do FUMEST258 era direcionado a inúmeras obras, como pavimentação e iluminação pública, incluindo verbas específicas para o festejo de Carnaval. Entretanto, a construção de Centro de Convenções Circuito das Águas foi o empreendimento mais oneroso e que causou sérios questionamentos por parte dos dirigentes das outras Estâncias do Circuito das Águas. Publicou-se em 1978 o edital de concorrência para as obras do Centro de Convenções e Anexos do Circuito das Águas; a empreiteira Construtora Guarantã S/A ganhou a licitação, como lembrou o depoente Antonio Roberto Siqueira, que também foi superintendente do FUMEST (1979-1982). Iniciaram-se a implantação do canteiro, a demarcação e a terraplenagem no segundo semestre de 1978. O Centro de Convenções se localiza justamente no local onde se instalou o Parque Zoológico, construído na gestão do Prefeito Luiz Bulk, como já mencionado. Para a consecução do projeto, tornou-se necessária a ampliação da área, ocorrendo a ocupação de áreas circunvizinhas, o que, consequentemente, gerou mais ações indenizatórias. Em setembro de 1978, o Governador Paulo Egídio Martins, quando de sua vinda a Serra Negra nos festejos do sesquicentenário, visitou o canteiro de obras. O demasiado atraso da obra contribuiu para as mais variadas críticas: muitos achavam que era um empreendimento muito caro. Outros, entretanto, defendiam a iniciativa, por ser mais uma forma de movimentar turisticamente o Circuito das Águas Paulista. Houve alguma desapropriação, mas eu não sei a área, eu não sei, mas deve ter feito alguma desapropriação. E foi. Foi uma iniciativa do Jesus acertada. O Jesus estava certíssimo de construir esse Centro de Convenções. Agora, muita gente era contra, o Furlan que era Senador da Republica, o Furlan que era Deputado Estadual, era contra. O Calem Eid que era chefe da casa civil era contra...porque veio muito dinheiro, ficou... tem quase 13 mil metros de construção, muito dinheiro. Se investiu muito dinheiro naquilo lá. Muito dinheiro. É a estância que mais recebeu dinheiro foi Serra Negra, naquela (época). (Antonio Siqueira, 2015, Serra Negra/SP).

257 A ocupação de forma ilegítima gerou uma ação de indenização por parte dos proprietários da área invadida contra a Prefeitura Municipal, ação essa que ainda se encontra em andamento, tornando o erário público responsável pelo pagamento do valor da indenização. 258 O FUMEST publicava regularmente no Jornal Folha de São Paulo os projetos que estavam sendo desenvolvidos nas Estâncias, incluindo os montantes das verbas disponibilizadas, dando uma aparente visibilidade dos gastos e tornando possível acompanhar o andamento das obras.

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Foto nº 83. Construção do Centro de Convenções Circuito das Águas, décadas de 1970-1980. Acerrvo da pesquisadora.

Todo o complexo constituiu-se por dois blocos totalizando 15.000 m2 de área coberta: o primeiro e curvo, tem 150 metros de extensão; o outro, tem forma circular, com grande cúpula na cobertura e apresenta 70 metros de vão livre, abriga atualmente um auditório de mil lugares. Como ocorreu com outros empreendimentos financiados pelo FUMEST, coube ao Município doar o imóvel para a construção, porém o ato só se regularizou em 1981, na gestão do Prefeito Antonio Luigi, que sabiamente condicionou a doação à uma clausula de retrocessão, caso o término não ocorresse na data prevista.

O Centro de Convenções funcionou da seguinte maneira. Eu quando fui prefeito em 79/83. Eu me deparei com um terreno que o Irineu Saragiotto tinha doado para construir os correios. Só que como o correio não construiu nada, eu tentei reaver esse terreno para a Prefeitura... Mas, só que aconteceu o seguinte: O Irineu simplesmente doou para o correio, não pôs clausula nenhuma. Ai eu pensei comigo, já na hora: - O dia que eu doar um terreno para o Estado fazer alguma coisa, vou por uma clausula de retrocessão. Se não cumprir volta para Prefeitura. E fiz isso com o Balneário. Pus uma clausula de retrocessão dizendo que se o Estado não cumprisse, não terminasse dentro do prazo de 4 anos, devolveria para Prefeitura. Ai veio o Sinésio e deu mais 04 (anos). E não cumpriu, entrando com a ação voltou para a Prefeitura. (Antonio Luigi, 2015, Serra Negra/SP)

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De fato, mesmo com aumento de prazo para o término da obra259, a conclusão não ocorreu e a imprensa começou a divulgar notas que questionavam os investimentos do FUMEST. Foi dentro dessa filosofia que o FUMEST iniciou várias obras importantes em Serra Negra, como a construção da Praça Sesquicentenário (transcorrido em 1978), e do conjunto formado pelo balneário e centro de convenções, mas não as terminou. O centro de convenções tinha como objetivo o atendimento de todas as cidades integradas ao Circuito das Águas de São Paulo, dadas as suas características e em razão da proximidade das cidades. Vários milhões de cruzeiros foram gastos nessas obras que hoje estão paradas sem que se tenha informação de quando serão concluídas e sem que a comunidade serrana nelas encontre motivo de satisfação e progresso. O centro de convenções e balneário estão com as obras paradas, a Praça Sesquicentenário ficou sem um terço de sua área, sem o posto de informação turísticas e sem o espelho d’água que sofreu rebaixamento ao ser enchido. Há, ainda, um Ginásio de Esportes, da Secretaria de Esportes e Turismo, igualmente com obras suspensas e sofrendo a ação de depredadores. (Folha de São Paulo, Caderno de Turismo, pag. 22. Edição de 19/12/1980).

A paralização das obras do Centro de Convenções causou indignação pelo fato de ter sido dispensado nelas grande investimento. Em 1981, o Governador Paulo Maluf, após uma reunião com o Superintendente do FUMEST, autorizou verba suplementar para o término do balneário, do salão de exposição e, conforme lembrou Antônio Siqueira, foram necessárias outras intervenções, como o cimbramento do auditório, sendo que o material utilizado para a instalação do balneário no 3º pavilhão da edificação foi de altíssima qualidade; considerou-se a melhor obra do Estado de São Paulo, possuindo a capacidade para atender 100 pessoas por dia260. Em 12 de março de 1983, inaugurou-se oficialmente o Centro de Convenções do Circuito das Águas, sendo atualmente utilizado para festas de formatura e congressos, como a VI Conferência Estadual de Educação e o XXV Congresso Estadual da APEOESP, ocorridos em novembro de 2016. Nesse ínterim, aprovou-se a Lei 1844, de 17 de novembro de 1978, em que 13 estâncias hidrominerais transformaram-se em turísticas e, consequentemente, seus prefeitos deixaram de ser nomeados, tornando possível à população eleger seus representantes. A

259 A Lei Municipal sob nº 1024/1981 dispôs sobre a doação do imóvel, o prazo de dois anos para a conclusão da obra e a cláusula de retrocessão. Como não foi concluída foi editada nova Lei sob nº 1087/1982, estipulando o término das obras para o ano de 1984, o que não ocorreu. Outra Lei foi criada estendendo o prazo para ano de 1986 (Lei 1136/1984), o que também não ocorreu. 260 O Balneário Municipal foi desativado em 2000 e está em reforma desde então.

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notícia da referida Lei causou alvoroço, pois a maioria dos municípios não estava preparada para lançar seus candidatos, e a data do pleito havia sido marcada para 29 de abril de 1979. O assunto mereceu destaque no jornal Folha de São Paulo, edição de 09 de dezembro de 1978; na ocasião foram ouvidas as 13 estâncias elencadas na decisão e, segundo a reportagem, havia um descontentamento entre os prefeitos entrevistados, pois argumentavam que, durante o Governo de Paulo Egídio Martins, Serra Negra foi a mais beneficiada na disponibilização das verbas estaduais, tendo em vista que o Deputado Nabi Abi Chedid, líder do Governo na Assembleia, era irmão do Prefeito nomeado de Serra Negra. Por outro lado, o prefeito serrano contra-argumentava dizendo que só havia recebido tal numerário devido à falta de infraestrutura da cidade.

O prefeito Jesus Chedid acha que sua cidade realmente tem recebido mais recursos do que as suas vizinhas, mas na sua opinião, “isso acontece porque Serra Negra não tinha infraestrutura e só passou a recebê-la durante o governo de Paulo Egidio”. (Folha de São Paulo, caderno nacional pag. 04. Edição de 09/12/1978).

Nessa nova fase político-eleitoral, Antonio Luigi Ítalo Franchi foi eleito o primeiro prefeito, e permaneceu no cargo de 1979 a 1983261. Os anos seguiram, e Serra Negra mantém-se através de sua atividade econômica direcionada ao turismo; o café permanece como a mais expressiva produção agrícola. A qualidade da rubiácea serrana qualificou-se, em 2015, em 1º lugar, no 14º Concurso Estadual de Qualidade de Café de São Paulo. A produção do café (em grão) arábica, em 2014, foi de 4.133 toneladas, abrangendo a área de 2.870 hectares262.

261 Prefeitos eleitos: Sinésio Aparecido Beghini (1983-1988), Elias Antonio Jorge Nunes (1989/1993), Sinésio Aparecido Beghini (1994/1996), Elmir Kalil Abi Chedid (1997/2000), Paulo Roberto Della Guardia Scachetti (2001/2004), Sinésio Aparecido Beghini (2005), Paulo Roberto Della Guardia Scachetti (2005/2008) e Antonio Luigi Ítalo Franchi (2009/2016). 262 Dados do IBGE. http://www.cidades.ibge.gov.br/. Acesso em 07/01/2017.

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Foto nº 84. Propriedade rural, localizada no Bairro da Serra, tomada pelo plantio de café. Serra Negra, 2004. Acervo da Pesquisadora.

3.4.2 – A música com a nova fase da Banda “Lira”, os conjuntos de baile e seu repertório diferenciado.

Nos anos de 1960, as duas bandas da cidade se mantiveram em plena atividade, cumprindo os contratos junto ao Poder Público, sendo que a “Renato Perondini” reiniciou suas apresentações em outras cidades, graças ao empenho de Enzo Perondini em promover a Banda. Os concertos aconteceram em Monte Alegre do Sul e Atibaia, e houve um convite especial para apresentação na cidade de Santos em 22 de outubro de 1961, evento que reuniu várias bandas. E a Corporação Musical de Serra Negra, juntamente com a Banda de Música dos Fuzileiros Navais, a Corporação dos Dragões da Independência e a Banda da Força Pública de São Paulo encerraram o “Simpósio do Menor”, a convite do Conselho Municipal de Turismo da Prefeitura de Santos.

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Foto nº 85. Foto da Corporação Musical “Renato Perondini”, Santos 1961. Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

A cordialidade entre as duas Bandas serranas permaneceu inalterada. A “Lira” manteve seus concertos habituais, como o executado em homenagem à Revolução Constitucionalista, com um repertório especialmente programado para o evento, com hinos, marchas e dobrados; nesse período, ela estava em plena campanha para confecção do seu novo fardamento, que contou com o empenho do seu presidente, o músico Januário Blotta, com a contribuição dos serranos, com a doação do Deputado Roberto Brambilla e com o apoio dos Poderes Legislativo e Executivo.

Ilustração nº 49. Jornal O Serrano,edição de 06/07/1961

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Foto nº 86. Inauguração do novo fardamento da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, em 02 de novembro de 1961, foto tirada nas escadarias do Forum de Serra Negra. Foto cedida pelo músico Geraldo Vicentini. Acervo da pesquisadora.

De acordo com a Ata da Diretoria, lavrada em 12 de maio de 1961263, os preparativos para a confecção do fardamento já estavam sendo tomados, e a intenção era confeccionar 20 fardas na Alfaiataria “Irmãos Perondini”. Para a estreia do novo uniforme escolheu-se 1º de novembro, dia em que se comemoraram, também, as festividades em louvor a Nossa Senhora do Rosário, padroeira da cidade. Na mesma reunião da diretoria lançou-se uma proposta pelo Maestro Lamari.

Pelo sr. Ângelo Antonio Lamari, Diretor Regente, foi dito que atendendo a diversos pedidos, pretendia por em ensaio a peça musical Fantasia Caracteristica e para isso se fazia necessario solicitar da Corporação Musical Renato Perondini desta cidade, alguns elementos para auxiliarem na execução da referida peça. (Ata da Diretoria da Corp.Mus. “Lira de Serra Negra”, 12/05/1961)

O convite do Maestro Ângelo se estendeu além da cessão de alguns músicos, pois contou com a cooperação do Maestro Fioravante para a reunião das duas bandas. Apresentou- se a peça musical denominada “Una Gìta Alla Festa” do compositor G. Bredice, que se inspirou em uma festa religiosa de um pequeno povoado. Também estiveram presentes o tenor José Rielli e o Maestro Astolpho Perondini, especialmente convidados para o evento.

263 ANEXO Nº 09

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Para narrar a história, os músicos se posicionaram em pontos estratégicos do Jardim Público, sendo que a percussão ficou em um lugar mais distante. O enredo ia se desenrolando através da música em seus vários movimentos, iniciando-se com um allegro grandioso, passando por um largo no momento da música prece, caminhando para um allegro e, finalmente, quando todos os componentes se encontraram no centro da praça, a apresentação finalizou-se com uma tarantela. Houve efeitos sonoros especiais como sons de trem e badaladas de relógio, tornando o concerto muito apreciado pelos serranos. Em setembro de 1961 organizou-se em Serra Negra o Coro Masculino “São Luiz Gonzaga”, composto por 19 integrantes, sob a regência do sr. Antonine Broutos Darhouni, tendo como violista o médico Mario Pereira dos Santos264. A princípio, criou-se o referido coro para as solenidades promovidas pela Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, mas logo o grupo musical começou a participar de outros eventos, como os jogos amistosos realizados em 1966 pela Seleção Brasileira em Serra Negra.

Em dezembro de 1962, o colunista do jornal O Serrano Nelo Dallari publicou uma matéria sobre a trajetória do maestro Ângelo Lamari, que narrava o início do seu aprendizado musical, seus professores e suas qualidades musicais. O referido fato motivou o vereador Antonio Barbosa Pinto da Fonseca a apresentar um Projeto de Lei, propondo agraciar o músico com o título de “Maestro Serrano Emérito”; a proposta agradou a todos os edis e, em agosto de 1963, Ângelo foi congratulado com o título. Foto nº 87. Maestro Ângelo Lamari, década de 1970. Fonte: Galeria de Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora

Na comemoração do Dias das Mães, a “Renato Perondini” apresentou um concerto especialmente programado para a data festiva.

264 O violista Mario Pereira dos Santos foi também uns dos fundadores do Conjunto da Saudade, criado em 1964.

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A CORPORAÇÃO MUSICAL “RENATO PERONDINI” COMEMORA O “DIA DAS MÃES” ... às 19.30 horas, sob a regência do competente maestro Tenente Fioravante Lugli, terá inicio a retreta programada, com a apresentação de números especialmente selecionados... 1ª Parte 1) Prefeito Marcos Vinicios – Dobrado (Pedro Salgado); 2) Ave Maria (Gount); 3) Pastorinhas – Marcha Rancho (Noel Rosa); 4) Mari Viene Su el Mare – Marcha ( Arranjo C. Perondini) 2ª Parte 1) Colegas da Arte – Dobrado (A.B.); 2) Granada – Fantasia (Agustin Lara); 3) La Golondrina – Valsa ( N. Sarradeio); 4) Novilheiro – Passo Doble (P.M.) (O Serrano, 12/05/1963)

Em julho de 1963, as duas bandas comemoraram o Dia do Maestro, e Fioravante Lugli fez questão de presentear seu professor Ângelo Lamari. Também em setembro do mesmo ano, o maestro Ângelo recebeu outra homenagem quando se acidentou e ficou acamado; consequentemente os concertos da “Lira” foram paralisados temporariamente. Após o desfile cívico de 23 de setembro, a “Renato Perondini” seguiu marchando até a residência do Maestro, onde executou uma peça musical, desejando o pronto restabelecimento do estimado músico.

Visivelmente comovido o maestro Ângelo Lamari agradeceu a homenagem com palavras de gratidão, dizendo-se feliz e orgulhoso em receber aquelas provas de carinho e amizade e mostrando-se disposto a continuar servindo Serra Negra, através da sublime arte, como o vem fazendo há mais de 50 anos. Gesto bonito e digno de registro teve o maestro Fioravante Lugli, que ofereceu ao seu colega e ex-professor um valioso mimo, com a seguinte dedicatória: “Ao amigo e mestre Ângelo Lamari, uma lembrança de seu aluno Fioravante Lugli”. (O Serrano, 14/07/1963)

O Conjunto da Saudade

No ano de 1963, surgiu em Serra Negra o Conjunto da Saudade. Vários instrumentistas o compuseram e mantiveram-no ativo até a década de 1980. Em 1968, compunha-se dos músicos Mario Pereira dos Santos e Luiz Lamari (violinos), Osvaldo Canhassi (acordeon), José Lamari (flauta), José Caruso (banjo), Artur Neves Junior, Benedito Leme Pedroso e Antonio Citrângulo (violão), Joaquim Soriano e José M. Oliveira.

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Foto nº 88. Uma das formações do Conjunto da Saudade, temos o músico José Lamari (flauta) e seu irmão Luiz Lamari (violino), em uma apresentação na década de 1960. Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.

O Conjunto da Saudade se apresentava em festas particulares, dentre elas as promovidas pelo Clube do Papai265. Os eventos realizavam-se ao ar livre e seu repertório era composto por valsa, polca, choro, samba, rancheira, baião, maxixe e bolero.

O Clube do Papai, entidade recentemente fundada nesta cidade, que tem por finalidade reunir os amigos de infância de ontem e papais de hoje em festivos piqueniques que se realizam nas fazendas, sítios e chácaras deste município, procurando aliar o espirito associativo às velhas e solidas amizades cultivada entre famílias tradicionais, este Clube teve como uma das primeiras preocupações, atrair nosso Conjunto da Saudade para as suas reuniões-piqueniques. E grande parte do êxito alcançado pelas primeiras reuniões do clube, deve-se à presença e à participação do conjunto musical, que a todos encanta e inebria. Conjunto da Saudade – refrigério do espirito, balsamo do coração, relicário de recordações, cofre da saudade que se abre, notas musicais que nos transportam na melodia de suas asas ao passado distante (O Serrano, 12/05/1968).

265 Em 26/05/1968, O Conjunto da Saudade participou de um baile promovido pelo Clube do Papai; na ocasião o músico Alfredo Dallari foi homenageado.

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De forma idêntica a outros conjuntos musicais, também o repertório era transcrito em cadernetas de acordo com os instrumentos que compunham o grupo, e entre as músicas escolhidas havia obras de compositores serranos, como as de Nicolino Fatigati e de Cesarino Perondini.

Ilustração nº 50. Caderno de repertório pertencente ao Conjunto da Saudade, composição de Nicolino Fatigati, s/d. Acervo da pesquisadora.

Ilustração nº 51. Caderno de repertório pertencente ao Conjunto da Saudade, composição de Cesarino Perondini, s/d. Acervo da pesquisadora.

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A SALA DA BANDA

Em 1961, após a venda do imóvel pertencente à Sociedade Italiana, a “Lira Serra Negra” ficou desprovida de um local para promover seus ensaios; também a “Renato Perondini” ensaiava em espaços cedidos. Diante de tais ocorrências, em abril de 1962 o vereador Hugo Scachetti apresentou um projeto com a finalidade de construir a Casa do Músico, que abrigaria as duas associações musicais. Aceitou-se a proposta e, após os trâmites necessários, que duraram dois anos, construiu-se o prédio. Na gestão do Prefeito Luiz de Macedo Bulk, em abril de 1964, inaugurou-se a Casa do Músico. Alfredo Dallari iniciou a solenidade cortando a fita de inauguração, ambas as Bandas executaram o Hino Nacional, o revmo. Padre João Batista Lavello ministrou sua benção e os músicos executaram inúmeras peças, entre elas a marcha “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”. O imóvel foi cedido em comodato e mantém sua finalidade até os dias atuais, tornando o espaço conhecido como a “sala da banda” 266.

Foi na época que a Banda “Lira”, não sei o que aconteceu. Até hoje eu não sei certinho o que aconteceu... que era para fazer um clube aqui, onde era a guarda mirim, aqui. Até tocamos na pedra fundamental, juntaram a Banda com o pessoal aqui para fazer o Clube. E o Clube ia ter um salão. Aí eles acabaram perdendo a sede, não sei como. E ficou na rua a Banda, ficou sem sede. Aí o Geraldo Bulk, irmão do Luiz, né, o Luiz Bulk era o Prefeito e fez a sala para acomodar...não dava para ser a sala da banda ou para Banda “Lira” ou Banda “Renato”, pois lá ficou a Casa do Músico. Para acomodar as duas Bandas. Então não tinha nem nome da Banda “Lira”, nem nome da Banda “Renato”, mas a ideia era acomodar as duas bandas, na época. Isso tudo que eu sei, como é que foi certinho, lá para atrás dos coisas, eu não sei. E depois a gente foi, depois foi parando. Parou a Banda “Perondini” e continuamos com a “Lira”. (Geraldo Vicentini, 14/08/2014).

266 O imóvel localiza-se na Rua Dr. Firmino Cavenaghi, 83. O espaço também é designado como “Casa da Música”.

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Foto nº 89. O Prefeito Luiz Bulk e sua esposa, em seguida o Padre João Batista Lavello, entrando na Casa da Música, no dia de sua inauguração. Foto cedida pela família Bulk. Acervo da pesquisadora.

Em fevereiro de 1965, a “Renato Perondini” executou o grito do Carnaval Serrano, mantendo a sua tradição que remontava aos primórdios da sua formação. Como não foi possível contar somente com o incentivo financeiro do Município, os comerciantes, hoteleiros e cidadãos comuns se cotizaram para patrocinarem os festejos. Na comemoração do aniversário da cidade as duas bandas estiveram presentes.

Ilustração nº 52. Jornal O Serrano, edição de 26/09/1965

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No final do ano de 1965, Norberto Quaglio, filho do músico Zacharias Quaglio, iniciou uma campanha para restaurar o túmulo do Maestro Vincenzo de Benedictis. A ideia dessa homenagem póstuma ganhou vulto, e durante o ano de 1966 realizaram-se as obras de um novo jazigo. A iniciativa de Quaglio contou com o empenho dos músicos Fioravante Lugli, Domingos Martori, João Corato, Orlando Lugli e Enzo Perondini. A cerimônia de inauguração do jazigo ocorreu em 02 de novembro de 1966, com a presença dos músicos serranos. Como já mencionado, o músico Enzo Perondini foi eleito Prefeito Municipal, assumindo o cargo em 1967. Nesse ínterim, a Corporação Musical “Renato Perondini” vinha dando sinais de desgaste; por outro lado, o Maestro Ângelo Lamari enfrentava problemas de saúde. O Prefeito Enzo, sensibilizado com a situação das duas Bandas, decidiu criar uma comissão para tratar das dificuldades enfrentadas pelas respectivas entidades musicais.

Situação das Bandas de Música Reuniu-se a Comissão A comissão encarregada de estudar e dar parecer sobre a atual situação das Bandas de Música desta estância, designada pelo Prefeito Enzo Perondini, reuniu-se quarta- feira p. passada na Prefeitura Municipal, iniciando os seus trabalhos. Compareceram à reunião os membros Ângelo Lamari, Fiorvante Lugli, Cesarino Perondini, Donato Albertini, Emilio Della Guardia, Ataliba Ferreira de Lima, Sebastião de Toledo, Armando Fachini, Horácio Dini, Januário Blotta e Nello Dallari. Foram eleitos presidente do órgão, os srs. Nello Dallari e Januário Blotta, respectivamente. Após os debates previstos na pauta dos trabalhos, a Comissão resolveu convocar todos os músicos de Serra Negra, interessados em participar da nova Corporação Musical que possivelmente será fundada, agrupando as Corporações “Renato Perondini” e “Lira Serra Negra”. Essa reunião de todos os músicos ficou marcada para o próximo dia 6 do corrente, quinta-feira, na Casa da Música, às 20 horas. (O Serrano, 07/07/1967)

O desafio da comissão para formar uma nova banda a partir da junção das duas antigas não obteve êxito, tanto que em 14 de julho de 1967 a Diretoria da “Lira” convocou uma assembleia geral a fim de discutir um novo estatuto, adaptando os artigos às novas orientações para o recebimento de subvenção federal. Nessa assembleia estiveram presentes músicos oriundos da “Renato Perondini”, como o instrumentista Roberto Siloto Perondini.

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A partir de 1968, não mais se noticiou sobre a atuação da Banda “Renato” e, segundo o depoente Renor Perondini, o falecimento do Enzo Perondini contribuiu para o encerramento das atividades da Corporação Musical267.

Foto nº 90. Corporação Musical “Renato Perondini”, Serra Negra, 07 de julho de 1963, abertura do Jogo Palmeiras x Portuguesa, Foto cedida pelo músico Geraldo Bulk. Acervo da pesquisadora.

Porque quanto nós voltamos com Banda “Renato” do Rio de Janeiro, a Banda “Lira’ estava esperando nós na Rodoviária. Nós entramos marchando, aquele tempo a banda marchava. Entramos marchando na cidade. Tocando e quanto foi aquela surpresa, a Banda “Lira” estava nos esperando na Rodoviária. Aí, tocamos juntos, tudo no coreto. Depois de um certo tempo que ela... não sei se foi porque o Enzo também entrou de Prefeito, aquela coisa... foi decaindo e acabou... acabou em nada. Aí quando terminou a Banda “Renato”, passamos tudo para a Banda “Lira”, também foi uma maravilha, porque sempre fomos fazendo apresentações. Depois da “Renato”? Não! Não deixei... entrei na Banda “Lira”, só parei um pouco, porque eu trabalhava no Vale do Sol, um tempo eu trabalhei lá, e não tinha jeito de frequentar a Banda, mas não foi muito tempo que eu parei com a música. Mas depois de um tempo eu saí de lá e continuei na Banda “Lira”. (Renor Perondini, 09/04/2011).

O ano de 1969, desde seu início, já prenunciava condições alvissareiras para a área musical, pois a Prefeitura anunciou a abertura de uma escola de música voltada à formação de instrumentistas, sob a égide do professor Ângelo Lamari. Desde 1953, com a criação da Escola de Música “Nicolino Fatigatti”, não havia uma iniciativa nesse sentido.

267 Em 28 de novembro de 1971 a Diretoria da Corporação Musical “Renato Perondini” publicou um edital de convocação para a realização de uma assembleia geral, tendo como ordem do dia o destino a ser tomado pela Corporação Musical e seus pertences. Após ser desativada, o acervo de partituras foi doado para a “Lira Serra Negra”

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Início do Curso de Música gratuito Será realizada no próximo dia 8 do corrente, na Casa do Músico, à Rua Dr. Firmino Cavenaghi, a primeira aula do Curso Gratuito de Música de Banda, criado pela Prefeitura Municipal e ministrada pelo Maestro Ângelo Lamari. A criação do curso visa incentivar o aprendizado da música aos interessados e os fortalecimentos das Corporações Musicais desta cidade, que estão necessitando de novos músicos para suas fileiras. Sem essa providência, agora tomada pelo Prefeito Braz Blotta, a sobrevivência das nossas Bandas de Música estava seriamente ameaçada, por falta de novos elementos para integrá-las. (O Serrano, 05/01/1969).

Em agosto de 1969, ocorreu o falecimento de Alfredo Dallari, aos 86 anos, e já se constatava, sutilmente, o reconhecimento pela sua trajetória musical, através de alguns eventos, como a homenagem recebida por ocasião da inauguração da Casa do Músico (1964) e o evento realizado pelo Clube do Papai (1968), no qual o Conjunto da Saudade, composto por antigos companheiros, como os irmãos Angelo e Luiz Lamari, executaram peças musicais que o levaram a bailar. Entretanto, a liderança musical exercida pelo trompetista sempre foi lembrada pelos antigos músicos serranos.

[...] Mas, Alfredo Dallari não era apenas um excelente pistonista de banda, era também um exímio violoncelista e integrou as antigas orquestras de Serra Negra, inclusive no tempo do cinema mudo, quando a gente ia ao cinema muito mais para ouvir e deliciar-se com as lindas páginas musicais, executadas pela orquestra, do que propriamente com o filme. Um músico como Alfredo Dallari só podia ser sepultado ao som da música e, especialmente, do instrumento que executou tão bem e tanto amou na sua vida de musicista: o pistão. E foi o que aconteceu sábado, dia 23 do corrente, no cemitério municipal. Ao baixar o corpo do velho músico e companheiro a sepultura, as notas de um pistão ecoaram no silêncio do Campo Santo, executando o Toque de Silêncio...Aquêle toque de adeus executado pelo companheiro Silvio Bertolini, trazia nas suas notas o espírito do próprio Alfredo Dallari... antes do adeus musical, o companheiro João Corato pronunciou visivelmente emocionado, algumas bonitas e comoventes palavras de despedida dos músicos de Serra Negra[...] (O Serrano, 27/08/1969)

Foto nº 91. Alfredo Dallari. Fonte: Galeria de Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora

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O Prefeito Braz Blotta, iniciando o ano de 1970, se empenhou para criar uma fanfarra municipal e, em tratativas com a Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo do Estado, conseguiu a doação de 41 instrumentos, os quais foram destinados aos integrantes da Guarda Mirim, que tinha como Presidente Fioravante Lugli. Este músico estava comprometido no ensino das noções musicais para os jovens serranos. O Prefeito Blotta empreendeu também a reforma da Praça João Zelante e a instalação de um novo coreto “cercado com lampiões ‘São Paulo Antigo’”.

Foto nº 92. Coreto da Praça João Zelante, década de 1970. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

A ida dos músicos da “Renato” para a “Lira” proporcionou um novo ânimo para a Banda, tanto que eles iniciaram uma campanha para que Fioravante Lugli assumisse a regência; apesar de não ter aceitado o convite, integrou-se na Banda como seu vice-presidente (1971). Em 1972, elegeu-se sub-regente e, a partir desta data, passou a realizar os ensaios, enquanto as apresentações ficavam a cargo do Maestro Lamari; somente quando necessário Fioravante o substituía no comando dos concertos. Tal posição como assistente permaneceu até 1976, quando assumiu definitivamente como Maestro. Segundo os depoentes músicos, Ângelo Lamari relutou em entregar o cargo, pois era-lhe muito difícil deixar de conduzir a banda que ele próprio ajudara a criar. A partir de 1971, o músico Januário Blotta deixou a presidência da “Lira” que foi assumida por Ângelo Ricco, conhecido como Bi, que não era instrumentista da banda, mas um “apaixonado” por ela. Foi uma gestão inovadora e festiva; sua primeira iniciativa foi a de

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providenciar a abertura de um “Livro de Ouro”, a fim de recolher contribuições em favor da Banda; ele promoveu campanhas para novos fardamentos e novo mobiliário para a Sala da Banda. A “Lira”, no ano de 1971, manteve as apresentações regulares, os concertos foram quinzenais e ela foi convidada a participar de inúmeras festas religiosas, retomando a tradição de se apresentar nos bairros rurais. Nesse ano, destacou a apresentação ocorrida no mês de setembro, em que a regência da Banda dividiu-se entre três maestros, o titular Ângelo Lamari, o assistente Fioravante Lugli e o convidado João Corato. O concerto teve a participação especial do Coral “São Luiz Gonzaga”.

RETRETA A 3 MAESTROS A nossa tradicional Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, agora sob a dinâmica presidência desse incansável e abnegado sr. Angelo Ricco, vai realizar no próximo domingo, dia 14, no coreto do Jardim Público, mais um interessante retreta, desta feita regida por 3 maestros: Ângelo Lamari, João Corato e Fioravante Lugli. A Diretoria da veterana Corporação resolveu dedicar e oferecer essa retreta ao povo serrano em geral, aos ilustres turistas e veranistas de Serra Negra e, especialmente, a todos os amigos e admiradores da nossa briosa Banda de Música[...] (O Serrano, 07/09/1971).

Nos anos de 1970, o produtor de televisão do Canal 7 de São Paulo, Saulo Gomes, apresentava um programa chamado Minha Cidade é Um Show. Serra Negra foi convidada para ser o tema do segundo programa, que foi ao ar, ao vivo, no dia 08 de março de 1972. Dentre as atrações musicais designadas para representar a cidade estavam o Coral “São Luiz Gonzaga” e a Banda “Lira”. Na abertura do programa o maestro Ângelo Lamari concedeu uma entrevista, destacando a Banda de Música como de grande importância para a comunidade serrana. O maestro Fioravante Lugli esteve o tempo todo ao seu lado, juntamente com Ângelo Ricco, o Presidente da “Lira”. Os instrumentistas que integravam a banda na época eram: João Gloria, Irineu Schiavo, Edno Perondini, Renor Perondini, Nelson Felix, Décio Citrângulo, Valdir Marchiori, Silvio Bertolini, Orlando Pagan (músico convidado da cidade de Amparo), José Geraldo Vicentini, João dos Santos Morais, Luiz Antonio Lugli, Nilo Lugli, Luiz Franco de Oliveira, José Soares (músico convidado da cidade de Monte Alegre do Sul), Claudio Marques, Armando Menegatti, Nelson Buzzo, Roberto Perondini, Orlando Lugli, Luiz Lamari, Ernesto Amadeu, José Caetano dos Santos e Antonio Brandini.

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Para a Estância de Serra Negra, o programa ofereceu a oportunidade de mostrar as características relevantes da cidade, como o café e as águas minerais, e apresentar seus pontos turísticos. Seguindo os passos traçados pela “Renato Perondini”, a “Lira” iniciou desde então apresentações fora de Serra Negra, como no citado programa de TV. Ainda em 1972, participou de um Concurso de Bandas realizado em 13 de agosto, na cidade de Socorro. O evento contou com 40 bandas, com a média de 40 instrumentistas cada uma. A “Lira”, composta de 25 musicistas, obteve o segundo lugar na premiação. Devido a sua performance, ela foi convidada para participar do Festival de Bandas de Música, na cidade de Americana268.

Justifica-se, portanto, e plenamente, a alegria do dedicado e incansável presidente da Corporação serrana, sr. Angelo Ricco, que acompanhou a Banda e voltou radiante, ostentando e exibindo a todos, com um enorme sorriso rasgando-lhe a boca, o rico e artístico troféu que os seus músicos conquistaram galhardamente lá na acolhedora Socorro, esbanjando classe e categoria, já tradicionais dos músicos de Serra Negra. Nossas calorosas felicitações à “Lira de Serra Negra”, aos maestros Ângelo Lamari e Fioravante Lugli, ao esforçado presidente Angelo Ricco, demais diretores e seus valorosos músicos. (O Serrano, 20/08/1972).

No concerto que se realizou em comemoração ao aniversário de Serra Negra, houve a apresentação de um dobrado composto por João Corato, em homenagem ao músico Enzo Perondini.

Ilustração nº 53. Jornal O Serrano, edição de 23/09/1972

268 Apresentação da “Lira Serra Negra” na cidade de Americana ocorreu em 27 de agosto de 1972.

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Em 22 de abril de 1973, a diretoria da “Lira” organizou uma festa para comemorar o aniversário do Maestro Ângelo Lamari. No mês de julho, o Presidente Ângelo Ricco criou uma premiação para estimular os músicos da Banda: era o Diploma de Músico do Ano, conferido ao músico de maior destaque. Foi eleito o depoente Geraldo Vicentini, o qual recebeu uma placa de prata e um diploma com os dizeres: “A Corporação Musical ‘Lira de Serra Negra’ confere este Diploma de Músico do Ano ao seu músico José Geraldo D. Vicentini, escolhido unanimemente pelos seus colegas e diretores da Corporação”.

Na época o Bi era presidente, então ele... não era assim como músico, como se diz, destaque como músico, era mais uma pessoa, um comportamento, uma dedicação; então ele fez a homenagem para mim naquela época lá. Porque eu não faltava, eu nunca fui muito de faltar ensaio. Eu cuidava dos meus instrumentos, mesmo quando não era meu, era da banda, eu sempre mantinha limpinho, sempre em ordem. Disciplina, então eles julgavam essa parte. Não é que eu era super músico, foi mais pela disciplina e dedicação. É! Ali o Bi ia fazer todos os anos, iam homenagear um, mas depois ele saiu ficou nisso. (Geraldo Vicentini, 14/08/2014)

Foto nº 93. Reunião Festiva ocorrida em 22/04/1973, na Casa do Músico, em comemoração ao aniversário do Maestro Ângelo Lamari. A imagem retrata o encontro dos dois Maestros: Fioravante Lugli e seu mestre Lamari. Serra Negra. Foto cedida pelo músico Armando Menegatti. Acervo da pesquisadora

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A Banda Vem Aí!!! RETRETA A Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, estará hoje, às 19.30 horas, no Coreto da Praça João Zelante, onde executará mais uma das suas costumeiras retretas, cumprindo o seguinte programa: 1ª Parte 1- General Portyguar – Dobrado – J./a. Naegeli 2- Valsa da Meia Noite – Valsa – N.N. 3- Sururu na Cidade – Choro – Z. de Abreu 4- E a Orquestra tocou uma canção – Bolero – Ugo Jurgen. 5- Ta-hi – Marcha – J. de Carvalho

2ª Parte 1- Flagelados – Dobrado – J.A. Naegeli 2- Bat-Masterson – Fox – H.Wray 3- La Campana de San Giusto – C. Aroma 4- Piraporinha – Choro – N.N. 5- Lira de Apolo –Marcha Sinfônica – O. Puzoni. Serra Negra, 08 de Julho de 1973 Tem. Fioravante Lugli (O Serrano, 08/07/1973)

Inúmeras apresentações da “Lira” ocorreram no ano de 1973, através de concertos quinzenais, assim como das apresentações em outras cidades: exibiu-se na cidade de Socorro/SP para outra edição do Festival de Bandas, como em Itapira/SP em outubro, e, no mês de novembro, recebeu o convite para retornar aos festejos em Americana/SP. No final do ano, a “Lira” exibiu seu novo fardamento. Encerrou seus concertos apresentando uma composição de Cesarino Perondini que homenageou Ângelo Ricco. Em 1974, a Escola de Música iniciada em 1969 ganhou novo estímulo, pois Fioravante Lugli apresentou um projeto para a criação de uma Banda de Música Mirim, na qual ele ministraria as aulas aos aprendizes. O projeto visava atingir jovens entre 10 e 15 anos e, segundo o Maestro, não era pré-requisito ter prévio conhecimento musical269. Lugli já vinha atuando como professor de música e, através da Banda, o número de alunos aumentou significativamente. No mês de julho, o vereador Braz Eduardo de Castro Blotta apresentou um Projeto de Lei para conceder o Título de Cidadão Serrano a Ângelo Ricco, o qual o recebeu em setembro de 1975. Antes de assumir a diretoria da “Lira”, ele já se destacava na organização dos carnavais serranos e nos festejos da Semana Santa, mas através da sua atuação na Banda ganhou prestígio tanto em Serra Negra quanto em toda região.

269 Não foram encontradas notícias sobre a atuação da Banda Mirim.

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Foto nº 94. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, estreia da nova farda, em 01 de novembro de 1973, ao lado esquerdo: os Maestros Ângelo Lamari com uniforme e Maestro Fioravante Lugli trajando terno. Em frente ao edifício do Fórum de Serra Negra/SP. Foto cedida por Odilon Souza Lemos. Acervo da pesquisadora.

A BANDA VEM AÍ! RETRETA A Corporação Musical Lira de Serra Negra, apresentar-se-á, hoje às 19:30 horas, no Coreto da Praça João Zelante pra mais uma retreta. No programa constam os seguintes números: 1ª Parte 1º) Donato Albertini – Dobrado – J. Corato 2º) A valsa que eu fiz para você - Valsa – F. Mazzini 3º) Esqueci o nome dele – Samba 4º) Eloiza – Marcha – Tinhão Perondini 5º) Vieni Sul Mar – Canção Napolitana

2ª Parte 1º) Mal me Quer – Marcha Rancho – C. de Alencar 2º) Pout-Poury do Guarany – C.Gomes 3º) Al-Di-Lá – Fox Show – C. Domida 4º) Barracão – Samba 5º) Padre Lavello – Dobrado – J. Corato Tem. Fioravante Lugli – Regente. (O Serrano, 09/07/1974)

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Foto nº 95. Participação da Corporação Musical “Lira de Serra Negra” em solenidade cívica, Serra Negra, década de 1970. Fonte: Foto Fagundes. Acervo de pesquisadora.

O Grito de Carnaval de 1975 realizou-se tradicionalmente pela “Lira de Serra Negra”. Noticiava-se que tanto a situação financeira da Banda estava deteriorada, como que ela passava por dificuldades estruturais, admitindo-se que a “Lira” encerraria também seus concertos. Entretanto, uma ajuda financeira chegou no mês de agosto, através da orientação e intercessão do serrano Guilherme Della Guardia, oriundo de uma família de músicos serranos, como Ermínio Della Guardia270. Guilherme, que trabalhava nesse período em Brasília como chefe de gabinete da vice-liderança do Governo (ARENA), tendo acesso às Leis, orientou a Diretoria a registrar a “Lira” junto ao Ministério da Educação para, dessa forma, habilitar-se a solicitar subvenções anuais. O mesmo procedimento serviu para que outras entidades serranas pleiteassem essas subvenções federais, como o Asilo São Francisco de Assis.

270 Ermínio Della Guardia foi secretário do Corpo Musicale “Umberto I”, na década de 1910. Ele se empenhou no período para a feitura do primeiro fardamento da Banda Italiana, sendo membro da comissão juntamente com Frederico Domingues e Alfredo Marques da Fonseca. A profissão de Ermínio era de alfaiate e a confecção dos uniformes foi realizada em sua alfaiataria, estreando o fardamento em setembro de 1923; seu filho Emilio Della Guardia foi músico da “Umberto I” e um dos fundadores da “Lira de Serra Negra”, em 1945. Os irmãos de Guilherme Della Guardia também foram músicos: Luiz Carlos foi integrante da “Blue Star” e Nery, vocalista do “Garotos do Ritmo”

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Ilustração nº 54. Jornal O Serrano, edição de 02/02/1975

A forma como a Banda estava se direcionando fez com que a Diretoria convocasse uma assembleia extraordinária em 04 de abril de 1975, em cuja pauta constava o afastamento voluntário de alguns músicos e a possibilidade dos novos pedirem o desligamento da Banda, a falta dos músicos aos ensaios - comprometendo o preparo do repertório - e sua ausência aos compromissos agendados em dias úteis, impedindo a realização da apresentação. A justificativa dos músicos para as faltas consistia na inviabilidade de deixarem suas obrigações profissionais, já que a maioria não se dedicava exclusivamente à música. Depois de muitas manifestações e discussões, os problemas foram solucionados e registraram-se em ata as conclusões.

[...] em cumprimento do que ficou resolvido na reunião do dia 4 do corrente, resolvem: 1º - As retretas contratadas pela Prefeitura passam a ser realizadas quinzenalmente, durante os doze meses do ano. 2º - A Banda não aceitará serviços para serem executados em dias úteis, salvo se forem a noite e solicitado com antecedência de quarenta e oito horas, para que haja tempo de consultar todos os músicos[...] (Ata da Diretoria da Corporação Musical “Lira de Serra Negra, 04/04/1975).

Após a superação dos problemas internos, a “Lira” retomou seus concertos e encerrou o ano de 1975, com uma apresentação extraordinária, solenidade em que o compositor João Gallo Corato dedicou um dobrado ao Sr. Helio Conti. Segundo as narrativas do músico Corato, foi a homenagem mais gratificante que ele fez em sua vida. Dois acontecimentos em 1976 movimentaram a rotina de Serra Negra e contaram com a presença da Banda “Lira”; o primeiro foi relacionado ao Projeto de Lei nº 206/75, de autoria do Deputado Estadual Manteli Neto271, que propunha a revogação dos dispositivos legais que transformaram alguns Municípios em Estâncias. O argumento do referido Projeto era de que várias Estâncias não possuíam mais as características de quando haviam sido criadas, e que, portanto, não atendiam as exigências da legislação especifica; os seus prefeitos

271 O Deputado Manteli Neto foi membro da banca que arguiu o depoente Antonio Siqueira quando ele foi tomar posse para o cargo de superintende do FUMEST.

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eram nomeados de acordo com conveniências políticas, não eleitos pelo voto direto, e havia a questão das verbas estaduais destinadas especificamente às Estâncias.

[...[Revoga, o referido projeto, em seu artigo 1º, as disposições legais que transformaram em estâncias hidrominerais os Municípios de Águas de Lindóia, Águas de São Pedro, Amparo, Atibaia, Campos do Jordão, Ibirá, Lindóia, Monte Alegre do Sul, Poá, Santa Barbara do Rio Pardo, São Jose dos Campos, Serra Negra e Socorro, enquanto no artigo 2º, determina que os cargos de Prefeitos, desses Municípios, serão exercidos pelos Presidentes das Câmaras Municipais locais, até a posse dos respectivos sucessores, na forma da lei[...] (O Serrano, 11/07/1976).

A notícia do Projeto de Lei nº 206/75 causou grande apreensão nas Estâncias que seriam atingidas e o Deputado Estadual Nabi Abi Chedid, quando tomou conhecimento do Projeto, se opôs a sua aprovação. Destarte, o Deputado contou com o apoio de todos os prefeitos das Estâncias. A população serrana também se mobilizou, angariando assinaturas em abaixo- assinados deixados em pontos estratégicos da cidade e, no mês de agosto, uma comitiva compostas pelos Prefeitos, Vereadores e populares dirigiu-se a São Paulo, na tentativa de convencer o Governador Paulo Egídio Martins a vetar o Projeto. O depoente Irineu Saragiotto, que ocupava o cargo de Presidente da Câmara no período, lembrou o episódio:

Tem uma passagem interessante que foi no Governo do Paulo Egídio. O Deputado Manteli Neto apresentou um Projeto de Lei extinguindo pura e simplesmente as Estâncias. [..] E estava na iminência de ser promulgado pelo Governador, que era o Paulo Egidio Martins. A Assembleia aprovou o projeto, chegou às mãos do Governador para promulgação. Aí houve um movimento, isso também eu cito muito o Nabi Chedid. [...] mas então o próprio Nabi se encarregou de articular todas as Estâncias para apelar ao Governador para o veto desse projeto. Quando no Salão Nobre, fomos recebidos pelo Paulo Egídio Martins. E coube a mim a honra de falar em nome de todos o motivo de estarmos ali. E na época e fui pego de surpresa. E confesso a você, eu cheguei, o Nabi veio direto: -Você vai falar hoje. –Eu não estou preparado. –Você tem capacidade, se vire! (risos). – Então vamos ver o que dá! (Irineu Saragiotto, Serra Negra, 06/01/2014)

Mesmo sendo pego de surpresa para defender os interesses das Estâncias, o depoente Irineu Saragiotto cumpriu o designado e representou os Prefeitos ali presentes.

O Salão Nobre estava lotado... – Nabi, eu não estou preparado, não vim aqui para isso... – Você vai falar em nome dos Prefeitos, já está tudo acertado que é você quem vai falar. – Está bem! Posso falar. Me recolhi no cantinho lá e fiquei pensando. Eu nunca fui de escrever discursos, sempre foram de improviso. Olha, deixa ver... para falar de improviso tem que memorizar alguma coisa.... aquilo que a gente aprende na oratória. – Puxa vida... mas ai aconteceu que tinha corrido na cidade um abaixo assinado, apelando ao Governador que vetasse esse projeto... e ... não posso me esquecer do José Spignardi, que ficou com abaixo assinado... além de

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ter ficado com outros lojistas. Ficou com ele e ele manteve em mãos e levou nessa audiência. E chegou a minha mão lá... quando eu entrei me deram aquilo... deixa eu ver...e folheando eu vi assinaturas ali, de norte americanos e residentes do Brasil todo, com suas opiniões sobre Serra Negra, dizendo porque deveria ser mantida como Estância. Tal... tal... isso aqui é meu ponto de partida. E de fato, penso que me sai bem. Porque todos vieram me cumprimentar, penso que me saí bem! E levei até um susto, porque a hora que foi me dado a palavras, os holofotes de televisão. Nossa! (Irineu Saragiotto, Serra Negra, 06/01/2014)

A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” acompanhou a comitiva que foi a São Paulo. Informados de que o Governador havia vetado o Projeto, houve comemorações e a Banda executou algumas peças musicais. O episódio foi alvo de duras críticas por parte de alguns Deputados e a questão sobre o veto permaneceu em pauta por várias sessões da Assembleia Legislativa. A Folha de São Paulo noticiou a presença da “Lira” no evento na edição de 05 de agosto de 1976.

Egídio veta o projeto: o MDB fecha questão. “Acima das paixões políticas, acima das divergências pessoais, eu faço este bem comum ciente de estar cumprindo o meu dever. Se amanhã a Assembleia Legislativa reprovar meu veto, estou tranquilo com minha consciência” Com esta declaração, o governador Paulo Egídio, assinou ontem o veto do projeto de lei que restabelece a autonomia das estâncias hidrominerais, em solenidade realizada no saguão do Palácio Bandeirantes e abrilhantada pela Corporação Musical Lira, de Serra Negra, especialmente convidada para o ato. (Folha de São Paulo, 05/08/1976).

Diferentemente do registrado no jornal, o Deputado Del Bosco Amaral se manifestou de forma deselegante, pois se incomodou com a presença dos representantes das Estâncias e de uma Banda de Música.

[...] Quando os assistentes se manifestam ruidosamente, o sr. Presidente toca a campainha de advertência e chega a pedir que os guardas do policiamento da Assembleia Legislativa retirem aqueles que insistam na prática de aplaudir ou apoiar qualquer decisão legislativa. Pois bem. O sr. Governador permite que, nas dependências do Palácio dos Bandeirantes, num exemplo de charanga e sabujice, num verdadeiro festival de ignorância – esse é o termos exato – um veto, que é a rejeição da aprovação de um projeto por esta Casa, seja comemorado por um bando de sabujos, com uma banda de música, dentro de um “próprio” que é nosso também, ou seja o Palácio dos Bandeirantes[...] Esta Casa é politizada e educada. Esse serviçais do sr. Governador devem compreender que charanga e sabujice podem ficar muito bem na praça ou coreto. Mas nunca no Palácio dos Bandeirantes [...](Alesp. Ementa de Discurso. Críticas ao Governador por fazer comemorar através de Banda de Música a assinatura do veto ao projeto das estâncias)

Os investimentos nas Estâncias eram citados como privilégios e já haviam sidos apontados de forma negativa em outras ocasiões, mas, de acordo com os esclarecimentos do

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Governador no texto em que vetou o Projeto de Lei nº 206/75, seria muito prejudicial a extinção das Estâncias, pois ocorreram muitos investimentos, com a liberação de verbas pelo FUMEST para urbanização, estímulo ao comércio, à hotelaria, ao artesanato, ao turismo interno e, consequentemente, à criação de empregos. O FUMEST investiu entre 1971 e maio de 1976 a quantia de Cr$ 91.350.000,00, havendo obras em andamento no período que estavam orçadas em Cr$ 10.850.000,00, sendo que as arrecadações municipais do mesmo período somavam Cr$ 69.700.000,00. Esses dados foram apresentados pelo FUMEST para que houvesse o devido conhecimento dos membros da Assembleia Legislativa na ocasião da apresentação do referido projeto. O Governo do Estado tinha pleno conhecimento da forma como as estâncias estavam sendo administradas, pois encomendou-se um relatório que foi apresentado em 1971 pelo Plano Regional de Desenvolvimento Turístico do Circuito das Águas de São Paulo – PLADETUR. O relatório visava um estudo dos aspectos econômicos e turísticos dos municípios que integravam o Circuito das Águas Paulista, quais sejam Águas de Lindóia, Amparo, Bragança Paulista, Lindóia, Monte Alegre do Sul, Serra Negra e Socorro. Para tanto, realizou-se um amplo levantamento do perfil da região, incluindo evolução histórica, morfologia, clima, população e infraestrutura. Entre os pontos abordados no relatório, criticou-se o alto número de incentivos fiscais que as estâncias concediam aos novos empreendimentos, comprometendo assim as receitas, já consideradas insuficientes. Apontou-se que Serra Negra e Águas de Lindóia eram as duas únicas estâncias que aproveitavam mais eficazmente o potencial turístico, e sinalizava-se que a atração exercida pelas fontes e balneários de águas minerais ainda constituía um fator importante, mas o termalismo em si havia deixado de ser a motivação básica para as visitações. Assinalou-se que seria necessário um turismo de organizações para que o movimento de visitantes ocorresse durante todo o ano, e não somente no período de férias escolares. Segundo o relatório, as lacunas mais graves ocorriam no setor de recreação e promoções culturais, sendo Serra Negra a única estância do circuito que mantinha hotéis de bom nível, casas de campo e apartamentos pertencentes ou alugados para visitantes, além de receber turistas nas temporadas. A cidade iniciou o chamado “turismo em trânsito”, onde os visitantes provenientes de cidades vizinhas realizavam seus passeios em um único dia, tendo como atrativo o comércio e os pontos turísticos voltados para eles.

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Mesmo constrangida com a postura de alguns Deputados e a repercussão negativa que causou o episódio do veto governamental, a “Lira” seguiu o restante do ano de 1976 cumprindo seus compromissos; em 18 de dezembro, porém, chegou à cidade a notícia do falecimento do Maestro Ângelo Lamari. Ele estava em tratamento de saúde na cidade de São Paulo. O Maestro Lamari se tornou referência musical da cidade e seu trabalho ainda é reconhecido pelos músicos serranos. A primeira notícia da “Lira” em 1977 não foi muito animadora: mais uma vez a Corporação passava por dificuldades internas. Segundo a ata da diretoria da Banda registrada em 20 de janeiro, tratou-se abertamente o problema. Especificamente, referiu-se à falta de alguns músicos aos ensaios e aos concertos, fato este já registrado em 1975, quando a discussão girava em torno das apresentações que ocorriam em dias úteis. Desta vez, a solução para o impasse era mais delicada, pois os músicos faltosos eram integrantes de uma orquestra de baile.

[...] passou a palavra ao regente, maestro Fioravante Lugli, que confirmou as palavras do Presidente dizendo da impossibilidade da Banda prestar serviços desfalcada de quatro ou mais músicos, como vem acontecendo. Disse da sua responsabilidade como regente e da obrigação de todos zelar pelas tradições da Corporação, evitando expô-la ao ridículo com a presença de um número reduzido de músicos [...] (Ata da Assembleia Geral da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, 20/01/1977).

Ouviram-se os músicos implicados, mas o problema maior era a questão financeira, pois os vencimentos dos serviços prestados na “Lira” eram muito inferiores aos oferecidos pelo dirigente da orquestra de baile.

[...] os músicos da Banda, que participando de uma orquestra desta cidade, não conseguem comparecer a todos os serviços da Corporação, embora tenham demonstrado a maior boa vontade para servir a Banda, onde ganham mísera gratificação em relação aos seus ganhos na orquestra [...] (Ata da Assembleia Geral da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, 20/01/1977)

Registraram-se algumas propostas, dentre elas a paralização das atividades da Banda por alguns meses e a possibilidade de se aumentar o valor da subvenção que era destinada à “Lira” oriunda dos cofres públicos; neste caso, seria necessário encaminhar um pedido à Prefeitura Municipal. Outra proposta, a contratação de músicos das cidades vizinhas, também esbarraria na questão orçamentária. Até o mês de maio não se encontrou qualquer solução e a Banda permanecia paralisada.

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Somente em novembro a “Lira” se reestruturou e promoveu uma festa em louvor a Santa Cecilia, padroeira da música, comemorada no dia 22 de novembro. Como parte da solenidade celebrou-se uma missa na Matriz Nossa Senhora do Rosário, que contou com a participação da Banda de Música, do Conjunto da Saudade e do Coro Santa Cecilia. Após a celebração, os convidados dirigiram-se à Sala da Banda para dar continuidade aos festejos, ocasião essa em que se comemorou o retorno dos concertos da “Lira”, agendados para o próximo ano. Ainda em 1977, o maestro Fioravante Lugli manteve sua atividade como professor de música, e as aulas ministradas mudaram de endereço.

Ilustração nº 55. Jornal O Serrano, edição de 07/08/1977

O ano de 1978 foi muito significativo para Serra Negra em razão da comemoração do seu sesquicentenário, com uma avantajada programação. Iniciou-se com as festas religiosas em louvor a São Benedito e a Santa Efigênia no mês de janeiro; no mês de fevereiro ocorreram os festejos do carnaval. As festividades perduraram no decorrer do ano; houve vários eventos, entre congratulações e manifestações de carinho à cidade; o Jurista Dalmo de Abreu Dallari também registrou sua afeição à terra natal através de um artigo publicado na imprensa local.

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A COMUNIDADE SERRANA Dalmo de Abreu Dallari [...] A comunidade serrana existe, foi consolidada durante um século e meio de vida, de trabalho, de sonhos, de lutas e de realizações, e nela se incluem serranos de nascimento e serranos adotivos. Estes vieram de outras partes do Brasil ou muitas vezes, de terras longínquas, fazendo de Serra Negra a base de sua afetuosa dedicação a seu povo e a um lugar. Outros nascidos na comunidade serrana, foram levados a percorrer os caminhos do mundo, mas quase sem exceção, mantiveram-se afetuosamente ligados a Serra Negra, que continua sendo sua comunidade. Assim sendo, a comunidade serrana é, na realidade, uma grande família, cujos membros podem estar fisicamente distantes, mas estão sempre muitos próximos afetivamente, alegrando-se com as alegrias de todos os serranos e entristecendo-se com suas tristezas. E nesta hora em que, ao completar cento e cinquenta anos de existência, Serra Negra fica toda engalanada, saudosa do seu passado, orgulhosa de seu presente e confiante em seu futuro[...] E mais do nunca tomam consciência de que Serra Negra tem um rico patrimônio histórico e cívico, que é preciso preservar e enriquecer, o que exige a participação efetiva de todos, em tudo que seja de interesse da comunidade[...] (O Serrano, 01/10/1978)

No mês de julho, no dia 23, a comunidade musical serrana perdeu outra figura importante para a sua história: Luiz Lamari, falecido poucos anos após a morte de seu irmão, Ângelo Lamari.

Foto nº 96. Maestro Luiz Lamari. Fonte: Galeria de Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora

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No final do ano de 1978, os músicos, entre outras reivindicações, encaminharam proposta ao chefe do executivo, solicitando aumento e regularidade nos pagamento das apresentações, e intervalos entre as datas dos concertos. A proposta foi apreciada e aceita no início de 1979, e as apresentações passaram a ser quinzenais, com o devido aumento nos pagamentos. Em março de 1979, ocorreu o falecimento de mais um músico serrano: Donato Albertini, um dos fundadores da Jazz Band Melodia, que também integrou a Banda “Renato Perondini” e a “Lira de Serra Negra”. Albertini, além de músico, exerceu as profissões de serralheiro e de carpinteiro.

Foto nº 97. Apresentação da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, na cidade de Socorro/SP. À frente da Banda, o Maestro Fioravante Lugli, década de 1970. Foto cedida por Fioranvante Lugli. Acervo da pesquisadora.

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O Conjunto de Baile “André & Orchestra” e sua trajetória

Uma orquestra de baile começou a se configurar em 1973, com a designação de “The Gold Fingers”. O músico André Afonso Bertini, conhecido como Afonsinho, era o seu regente, diplomado em 1974 em licenciatura plena em Música pela Pontifícia Universidade de Católica de Campinas. Seu primeiro instrumento foi o cavaquinho e, mais tarde, órgão e teclado. Ele era filho do músico Afonso Bertini.

Foto nº 98. Conjunto The Gold Fingers, década de 1970. Foto cedida por Geraldo Vicentini. Acervo da pesquisadora.

Ah! Quando começou, era eu, o Irineu e o Schiavo, só. Depois o Schiavo logo parou. Aí que foi arrumando mais músicos, era eu no trompete e o Schiavo no sax. Aí foi indo. Aí o André resolveu, já eu no trompete. Arrumou mais um no trompete, no trombone, vinha um de Amparo, que até já faleceu, é falecido[...] O Luiz que toca conosco aí, também fez trombone uma época. E aí foi, mas a maioria foi com músico daqui, tinha de Águas de Lindóia, trompetista, o Vadinho, falecido também. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

Em 1974, o conjunto de baile de Afonsinho surgiu com outra designação, “Bemerson”, já conquistando espaço nos eventos realizados no clube de Serra Negra, como também se apresentando em outras cidades.

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“BEMERSON” NO CLUBE HOMS Ontem, sábado, o Conjunto “BEMERSON”, dirigido pelo Afonsinho, esteve atuando na capital paulista, num dos clubes mais famosos e tradicionais, Clube Homs. Contratado para a realização de um baile de formatura, por estudantes de importante colégio paulistano, o Afonsinho foi escolhido por elementos da comissão que tiveram a oportunidade de ouvi-lo, numa das apresentações no Serra Negra E.C. [...] (O Serrano, 03/03/1974)

A partir de 1975, o conjunto passou a ser chamado “André & Orchestra”. O depoente Armando Menegatti foi convidado por André para ser seu sócio e lembrou das condições precárias vividas pelo conjunto musical no início de sua formação.

Com André? Ele ia formar uma orquestra, sabe? Aí ficamos sócios, eu não queria, ele falou: vamos! Vamos tocar fora! Fazer isso, fazer aquilo, porque ele já tinha um conjuntinho de músicos, mas ele ia tocar, queimava o aparelho, tinha um aparelhinho fraco, tinha um Volks, não dava para carregar a turma. Naquele tempo eu tinha uma (caminhonete), vai com seu carro, tem mais condições. Compramos os aparelhos que precisava, umas caixas de som. Mas que loucura, tinha um empresário que trabalhava com Altemar Dutra e pegava baile para nós. Começou a pegar baile, baile em Uberaba, baile em Santos, São Paulo, sofri para acompanhar isso aí[...](Armando Menegatti, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 99. “André & Orchestra”, década de 1970. Foto cedida por Geraldo Vicentini. Acervo da pesquisadora.

Armando rememorou também que, além de solucionar os problemas relativos aos equipamentos, o Conjunto necessitava de uma postura profissional. Para tanto, passou a se apresentar uniformizado; as vestimentas eram de alto custo, e inúmeros modelos foram

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confeccionados ao longo dos anos. O repertório era bem variado e os arranjos eram encomendados a um músico profissional chamado Diógenes, que integrava o naipe de metais da Orquestra Sinfônica de Campinas, sendo o 1º trombonista. Dentre as músicas selecionadas, estavam as executadas por Glenn Miller, Ray Coniff e Pérez Prado. O depoente Vandair Muniz afirmou que a lista das peças era imensa, e incluía também samba, bossa nova, bolero, valsa e MPB, justificando a extensão do repertório por irem os bailes das 23 horas até às 4 horas.

Ensaiava às quarta-feira. Mas, sempre quando não tinha baile, o ensaio era forçado de tudo jeito, no sábado e domingo tocava no Vale do Sol. Eram cinco pessoas com dois cantores, precisava ter bastante música em cada pasta. (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP)

O apelido era Tuim. O nome dele era Diógenes, e ele quem fazia todos os arranjos. Então o Afonso... surgiu uma música nova. O Afonso gravava no gravador, levava lá na casa dele e o Tuim tinha uma competência que nunca vi. Ele fazia do jeito que você queria, mas, na maioria, ele pegava, estava gravado daquele jeito, ele ia lá... só que o Tuim, tinha uma facilidade que eu nunca vi. Ele pegava esses gravadorzinhos de fita, daquela época, e rodava dois, três compassos, ele mesmo fazia as linhas em um papel lá, rodava dois compassos, ele já punha lá, o trompete, punha o sax, o sax tenor, punha o barítono, punha o baixo, punha a guitarra. Apertava, rodava mais dois, três compassos, punha lá...Sai prontinho! Ele conhecia muito o braço do violão. Ele tinha todos os sons dos acordes na cabeça, então ele tinha facilidade. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

Foto nº 100. André & Orchestra. Foto promocional tirada nas dependências do Vale do Sol, em 1975, Serra Negra/ SP. Foto cedida pelo depoente Armando Menegatti. Acervo da pesquisadora

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O depoente Armando Menegatti lembrou que alguns arranjos não soavam muito bem, provocando irritação no Maestro André, e eles eram logo descartados do repertório, o que causava prejuízo para o conjunto, pois já haviam sido pagos. Os ensaios aconteciam na Sala da Banda uma vez por semana, e, em cômodo anexo, guardavam-se os equipamentos do conjunto. A atuação da Orquestra causou muitas polêmicas e descontentamentos, pois André convidou os músicos integrantes da Banda “Lira” para fazer parte do conjunto, oferecendo melhores honorários e, em algumas ocasiões, as apresentações coincidiam, causando os entraves já mencionados, como os ocorridos em 1975 e 1979, quando a “Lira” foi obrigada a cancelar seus ensaios e a recusar alguns concertos por falta de músicos.

Foto nº 101. André & Orchestra. Foto promocional, década de 1970. Foto cedida pelo depoente Armando Menegatti. Acervo da pesquisadora.

A situação ficou ainda mais tensa quando comunicou-se ao conjunto que o grupo teria o prazo de 60 dias para desocupar a Casa do Músico. Em março de 1978, a Prefeitura Municipal de Serra Negra emitiu o documento, causando explosiva indignação ao Maestro André, o qual publicou uma carta aberta à população serrana272 narrando o ocorrido e responsabilizando a Diretoria da Banda “Lira”.

272 ANEXO Nº 10

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[...]Causou estranheza mesmo, para todos os componentes da orquestra, essa grande injustiça que pretendem nos fazer, porém sabemos que os mentores disso tudo, são os dirigentes da Banda. Até parece que nós é que somos os culpados pela má situação que ela se encontra[...] E, diga-se de passagem, sem auxilio nem subvenção de ninguém. A não ser a Casa do Músico, que nós ocupamos para os ensaios [...] (O Serrano, 12/03/1978).

Após a publicação na imprensa local e a grande repercussão do acontecimento, os ânimos se acalmaram e a Orquestra continuou a utilizar a Sala da Banda; porém, a discórdia persistiu por muitos anos. Independentemente das rusgas, a Orquestra conseguiu manter-se no mercado de bailes, sendo, consequentemente, muito respeitada. Os músicos depoentes lembraram que a grande preocupação do Maestro André era com relação à performance da Orquestra,

Ah! O André era meio caprichoso nos ensaios. O André sempre teve cantor e cantora bons, sempre teve. Ele dava a fita para os cantores e cantoras e aí ia para orquestra. A orquestra ele pegava mesmo, compasso por compasso, naipe por naipe, compasso que estava... ele pegava, tirava até limpar, até sair, depois que a orquestra estava pronta era só juntar. O cantor já estava de cor. O André era muito caprichoso e entendia muito de orquestra. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

Lá você não tinha como não tocar, você tinha que tocar, você sozinho tinha que fazer a sua parte. A formação era: 1 sax alto, 1 sax tenor, 1 sax barítono, 1º, 2º e 3º trompete, 1º e 2º trombone, não tinha como se esconder. (Vandair Muniz, 2016, Serra Negra/SP).

Como lembrou o músico Menegatti, depois de um tempo o Conjunto “André & Orchestra” passou a ser assessorado pelo mesmo empresário contratado pelo cantor Altemar Dutra, possibilitando por inúmeras vezes assinar contratos para acompanhar alguns artistas, entre eles: Francisco Egydio, Jamelão, Martinha, Nelson Gonçalves, Wilson Simonal, Toni Angeli, Benito de Paula, Jorge Bem, Luiz Ayrão, Jair Rodrigues e o próprio Altemar Dutra.

Comecei tocando sax alto e depois toquei barítono. E quanto a gente fazia baile assim, na metade do baile, por exemplo, aparecia ... tinha sempre show de artista. Eu toquei junto com Altemar Dutra, aqui no Vale do Sol, depois uns bailes assim que a gente tocava, eles faziam o show deles, e tinham (todas) as partes dos músicos para acompanhar eles, o Francisco Egydio, Jamelão (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP).

Mas quem tocava junto mesmo foi com o Altemar Dutra. (Ele) vinha ensaiar, vinha ensaiar em Serra Negra. Ele tinha uma casa em Conchal, então ele vinha e às vezes ficava aqui mesmo. Ah! Mas, era bacana. Um dos artistas mais bacanas que eu conheci foi o Altemar Dutra, Nossa Senhora! Esse era amigo da gente mesmo. Nossa! Era bacana! Ele exigia nos ensaios, as coisas certinhas, mas fora disso, Nossa Senhora! Era amigo da gente. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

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Foto nº 102. “André & Orchestra” juntamente com Wilson Simonal, em uma apresentação realizada no Serra Negra Esporte Clube, década de 1970. Serra Negra/SP. Foto cedida pelo depoente Geraldo Vicentini. Acervo da pesquisadora.

Através das apresentações com Altemar Dutra é que nasceu uma sólida amizade entre o músico e o Maestro André, permitindo a presença do conjunto nas apresentações, inclusive nos programas Clube dos Artistas e Raul Gil. Os ensaios eram realizados em Serra Negra e Altemar273 se apresentou vários anos na cidade em um tradicional evento realizado todo mês de dezembro.

Foto nº 103. Altemar Dutra e “Andre & Orchetra” em uma participação do Programa Raul Gil na emissora Record. Foto cedida por Geraldo Vicentini. Acervo da pesquisadora

273 Altemar Dutra faleceu em novembro de 1983 e foi homenageado na apresentação da “André & Orchestra”, no show realizado em 30 de dezembro de 1983, em Serra Negra/SP.

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[...] Altemar Dutra aqui esteve, por várias vezes, pelas mãos de André Afonso Bertini, para participar das missas celebradas tradicionalmente no dia 30 de dezembro, por iniciativa daquele maestro, seu particular amigo e compadre[...] (O Serrano, 13/11/1983).

As constantes apresentações nas mais variadas cidades, em grandes clubes da cidade de São Paulo, e consecutivos bailes no Ilha Porchat Clube contribuíram para o reconhecimento do trabalho desenvolvido pela Orquestra, que, em 1979, foi contemplada com um troféu numa premiação promovida pelo jornal O Gladiador de São Paulo.

Ilustração nº 56. Jornal O Serrano, edição de 23/03/1980

Em Serra Negra, “André & Orchestra” se apresentava no Hotel Vale do Sol, e durante anos foi responsável pelos bailes de carnaval realizados no Serra Negra Esporte Clube, período em que eram contratados instrumentistas serranos avulsos, proporcionando aos músicos um complemento às suas rendas.

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Foto nº 104. Carnaval no Serra Negra Esporte Clube em Serra Negra, década de 1980. Foto cedida pelo músico Armando Menegatti. Acervo da pesquisadora.

Apesar do reconhecimento ao trabalho do Maestro André, a Prefeitura Municipal não contratou a Orquestra durante um longo período, fato que não privou os serranos de seus shows, pois o conjunto promovia anualmente sua retrospectiva. A Associação Imprensa de Serra Negra promovia anualmente uma premiação para os serranos que se destacavam em suas respectivas áreas. André Bertini foi vencedor do prêmio do ano de 1984 no quesito “músico”. Nas décadas de 1980 e 1990, os integrantes da “Lira de Serra Negra” Renor Perondini, Irineu Cazotti, Geraldo Vicentini, Vandair Muniz, Mauricio Avona, Mario Donizete Vasconcelos e Gerson Rodrigues da Fonseca também prestaram serviços para “André & Orchestra”. Para o conjunto esses anos foram muito profícuos, tanto que Renor Perondini, Irineu Cazotti e Vandair Muniz caprichosamente anotaram todos os bailes realizados e os respectivos locais, o que possibilitou apurar que no período compreendido entre 1984 a 1998 foram realizadas 972 apresentações, uma média de 69 bailes por ano, quase seis por mês. Levando-se em conta que somente André Bertini era músico profissional, os demais integrantes, que tinham outros afazeres, depois de alguns anos, gradativamente, abandonaram o conjunto.

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Seu eu contar para você todas as cidades, poderia ter trazido a lista, naquele tempo tinha baile por tudo lugar, hoje parou um pouco. Aqui para o sul de Minas, tudo. Cambuquira, Lambari, Machado, quantas cidades. Boa Esperança, São Sebastiao da União, é longe! Altinópolis, Lenções Paulista, São Pedro da União, isso tudo aqui. Aqui para o lado de Registro... Itapetininga, para aqueles lados a gente ia tocar sempre. Toquei num jantar dançante nos Palmeiras, num domingo à noite. Chegava segunda feira cedo, ia trabalhar. (Renor Perondini, 2011, Serra Negra/SP).

Eu trabalhei no sítio, depois vim trabalhar na serralheria, depois eu parei de serralheiro voltei a trabalhar no sitio, depois voltei de serralheiro outra vez, porque faltou grana depois eu fazia o sítio e serralheiro... tinha vez que eu chegava às 5:00 hs. da manhã em casa, 7:00 hs., eu estava na oficina. E quantos e quantos dias aconteceu isso! E aí, que corpo que aguenta isso? Ainda mais serralheiro, serralheiro é um serviço de arrebentar com a gente, prejudicar a saúde, tocando a noite inteira. (Roberto Perondini, 2011, Serra Negra/SP)

Eu parei, será que foi em 88, que eu parei da Orquestra do André? Eu tenho uma hérnia e aí... já não estava podendo viajar mais.... tinha a minha quitanda. Eu tinha que viajar, em bailes às vezes ficava até dois (dias realizando os) bailes. A Edna ficava sozinha na quitanda. Era muito sacrificado para ela. Aí tive uma hérnia, falei: passou o carnaval. Fiz o carnaval, na semana seguinte, já fiz a cirurgia, ai tinha que ficar mais de um mês parado. Sem soprar, fazer força, ai eu aproveitei e parei. (Geraldo Vicentini, 2014, Serra Negra/SP).

Os contratos assinados pela “André & Orchestra” foram diminuindo ao longo dos anos; as apresentações mais frequentes eram as realizadas em Serra Negra, no Hotel Vale do Sol. Os músicos que acompanharam o conjunto desde seus primeiros anos desligaram-se e, com o falecimento de André Afonso Bertini em fevereiro de 1999, as atividades da Orquestra encerraram-se definitivamente.

Foto nº 105. Ápresentação do conjunto “André & Orchestra”, década de 1990. Foto cedida por Vandair Muniz. Acervo da pesquisadora.

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Foto nº 106. Orgão pertencente ao Maestro André Afonso Bertini. Fonte: Foto Fagundes. Acervo da pesquisadora.

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3.5 – OS ANOS DE 1980

A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” e o novo cenário musical serrano

Devido a desentendimentos com o Poder Público, a “Lira” não renovou o contrato para a realização de retretas no início do ano de 1980, e suas apresentações ocorreram nas festas religiosas organizadas nos bairros rurais. Somente a partir do mês de setembro é que ela voltou a realizar as costumeiras retretas. Para que se chegasse a essa solução, houve a manifestação da população e o apoio da imprensa.

Ilustração nº 57. Jornal O Serrano, edição de 05/10/1980

O ano de 1981 também não foi muito proveitoso para a Banda de Música, razão pela qual foram pouquíssimos os concertos agendados. O Maestro Fioravante Lugli se afastou por um período e o músico João Corato o substituiu; mas Lugli continuou atuando como professor da Escola de Música e retomou a regência no mês de abril.

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Ilustração nº 58. Jornal O Serrano, edição de 05/04/1981

A partir de 1982, a “Lira” mudou os integrantes da diretoria, constituída, em sua maioria, por não-músicos. Na eleição realizada em 08 de julho de 1982, foi eleito como Maestro o músico João Gallo Corato274 e, na cerimônia de posse da nova diretoria, o Maestro Fiorvante Lugli agradeceu a colaboração dos músicos durante seu período como regente. Mesmo após seu desligamento da “Lira”, Fioravante continuou como professor da Escola de Música.

[...]Com a palavra o ex regente Fioravante Lugli, muito emocionado iniciou sua mensagem lembrando-se de que ainda muito jovem saiu de Serra Negra ingressando na vida militar e, que só voltou a esta terra 30 anos depois e que já não tinha muitas amizades sentindo-se muito só, durante estes últimos anos passou momentos de muitas alegrias e felicidade ganhando muitos amigos e que tudo isso deve a todos os músicos e diretores da “Lira”. Que sendo ele um músico profissional estará por toda a sua vida disposto a dedicar-se pelos músicos em tudo o que for preciso a qualquer hora do dia ou da noite lutando pelo interesse do músico. Desculpando-se de suas possíveis falhas, de ofensas ou diferença de opiniões havida durante a sua permanência na “Lira” como regente ou como músico, disse adorar a todos[...] (Ata da Assembleia Geral da Corporação Musical “Lira de Serra Negra, 08/07/1982)

O afastamento do Maestro Fioravante causou certa perplexidade; a princípio não se entendeu o motivo de sua saída, contribuindo isso para inúmeras suposições. No mês de junho de 1982, anunciou-se que a “Lira” estava prestes a parar novamente, pois a Prefeitura retirou-lhe a subvenção que já estava acordada para aquele ano. Em julho revelou-se a composição da nova diretoria e a chegada do novo maestro, além da notícia de que a subvenção voltou a ser direcionada para a Banda. Esses fatos deixaram dúvidas quanto à existência de um componente político. Em uma coluna escrita por Lauro Correia e publicada

274 Membros da Diretoria eleita: Presidente – Sebastião Pinto da Cunha, Vice Presidente – Alvaro Ducceschi, 1º Secretário – Sidney Antonio Ferraresso, 2º Secretário – Marcilio Tomaseli Guideti, Tesoureiro – Donato Andre P. Albertini, Contrante – José Caetano dos Santos, Regente – João Corato e Sub regente – José Geraldo Dechetti Vicentini.

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no jornal O Serrano em 01 de agosto de 1982, alguns esclarecimentos foram feitos. Desse contexto, o que chamou a atenção foi a postura de Fioravante Lugli de vir a público, remetendo uma carta para o colunista Lauro, na qual esclarecia que ele indicou o nome do músico João Corato para assumir a regência da Banda e não o fez sobre pressão alguma, mas por acreditar no talento de Corato, pois já fora seu sub-regente e substituíra-o ocasionalmente, demonstrando, outrossim, capacidade para ocupar o cargo.

Tomando conhecimento através da coluna Comentando, na qual o irrequieto e destemido comentarista disse não entender duas coisinhas ocorridas nos últimos lances da Corporação Musical, cabe-me, por obrigação, pelo menos no que me diz respeito, tentar esclarecê-las. Creia-me que se a minha saída tivesse sido forçada por qualquer tipo de pressão, jamais isso teria acontecido. Quando a minha formação moral ou meus direitos são atingidos, luto até o fim. Não me curvo a nenhum condicionamento. (Jornal O Serrano, 01/08/1982)

Após esclarecer a mudança na condução da “Lira”, o Maestro Fioravante dedicou- se exclusivamente ao ensino musical – o número de músicos aptos para integrarem a Banda era escasso. A preocupação na formação dos jovens motivou Fioravante a buscar ajuda do Poder Público275. A Escola de Música, apesar de um número razoável de alunos, não despertava o interesse para a atuação na Corporação Musical. Pensou-se, então, em levar o ensino especializado para um bairro rural, sendo escolhido o Bairro da Serra, no qual o projeto foi bem acolhido. Ministravam-se aulas semanalmente, no período noturno. Iniciaram- se com cerca de 60 alunos inscritos, de ambos os sexos. Os instrumentos e material didático foram fornecidos pela Prefeitura. Para facilitar o deslocamento dos aprendizes, também disponibilizou-se um veículo. O depoente Vandair Muniz era um dos alunos e lembrou o início de seu aprendizado.

Comecei a aprender música com 13 anos de idade. Com a escolinha que o Professor Fioravante Lugli começou a dar aula lá no Bairro da Serra... quem comentou que ia ter escolinha foi até o Irineu Cazotti, ele comentou que ia abrir escola lá no Bairro da Serra. Ele falou: Por que você não entra? E acabei entrando. Aí fomos no dia da inauguração da escola, fiz a inscrição e comecei a aprender música. Começamos assim, um monte de gente fez. Aprendi, acabei gostando e estou até hoje. Quando começou a escolinha de música, no Bairro da Serra, eu não morava lá, eu morava aqui no Bairro dos Cunhas e, como o Fioravante... a Prefeitura era quem dava a condução para levar ele. Ele ganhava da Prefeitura para dar aula, ai pegava na estrada e nós íamos até lá para aprender música. Uma vez por semana. Isso uma vez por semana, quinta feira.

275 ANEXO Nº 11

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Na época que nós começamos a aprender música, inscrito tinha 63 ou 64 alunos. Tinha 10 mulheres. Tudo mais ou menos na faixa etária minha, tudo criançada! (Vandair Muniz, 2016, Serra Negra/SP).

Para estimular os aprendizes, Fioravante convidou os músicos para que, individualmente, através de uma demonstração, propagassem os seus respectivos instrumentos. O depoente Roberto Perondini, mesmo afastado da Banda, compareceu para explicar as possibilidades sonoras do bombardino; na ocasião a Banda executou peças do seu repertório. Vandair permaneceu na Escola de Música por três anos e, em 1985, através do encaminhamento do Professor, ingressou na “Lira”, assim como outros alunos, tanto da cidade como do núcleo do Bairro da Serra. Os alunos passaram à prática com a oportunidade de tocar em conjunto e sob a regência de um músico experiente, como João Corato.

A Escola de Música da Prefeitura Municipal local inaugarada em 1974, com a principal finalidade de formar novos músicos, especialmente para nossa Corporação Musical “Lira Serra Negra”, que enfrentou graves problemas com a falta de músicos. O primeiro diretor da escola foi o saudoso maestro emérito Ângelo Lamari. Atualmente a escola é dirigida pelo maestro emérito tenente Fiorvante Lugli que, a exemplo do maestro Angelo Lamari, também durante muitos anos prestou os mais relevantes serviços à Corporação Musical “Lira Serra Negra”, como regente dos mais capacitados e dedicados. A Escola de Música, funcionando em prédio no Bairro da Serra, está cumprindo à risca e com muita eficiência a suas finalidades. Formou mais de uma dezena de músicos que já integrados e prestando serviços à nossa querida Banda de Música, contentemente regida pelo maestro João Corato, que se esforça no aperfeiçoamento dos novos músicos. A nosso pedido, o maestro Fioravante Lugli, por intermédio do diretor da Corporação Musical “Lira Serra Negra”, Álvaro Ducceschi gentilmente nos forneceu a relação dos 14 novos músicos formados pela Escola de Música da Prefeitura, com os respectivos instrumentos. São os seguintes: Walentim Bueno de Souza, Clarinete; José Passadori Muniz, sax alto; Atilio Fioritti, sax ternor; Gustavo Baccin, piston; Mario Donizete Vasconcelos, piston; Mauricio Humberto Avona, trombone; Benedito Aparecido Lucio de Vasconcelos, trombone; Alexandre Argentini Bussoleto, bombardino; Gilberto Ross, surdo; Adilson Aparecido de Oliveira, repique; Etore Baldini Neto, piston e Marcos Estevam Albertini, repique[...](O Serrano,12/05/1985).

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Fioravante Lugli realizou um profícuo trabalho, o qual surtiu bons resultados, pois dentre os alunos da Escola Rural, quatro ainda integram os quadros da “Lira”; são eles: Benedito Vasconcelos, Mauricio Avona, Mario Vasconcelos e Vandair Muniz276. O Maestro atuou até o final da década de 1980 e inúmeros jovens e adultos não somente receberam seus ensinamentos277, como, também, participaram da “Lira”. Faleceu em dezembro de 2000, aos 86 anos.

Foto nº 107 – Maestro Fioravante Lugli, década de 1980. Fonte: Galeria de Retratos da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Acervo da pesquisadora

Após, João Corato assumir a regência da “Lira” em 1982, deparou com os mesmos problemas enfrentados nos anos anteriores, como a falta de músicos; porém, havia um agravante: as dificuldades eram acompanhadas pela população através da imprensa local e, algumas vezes, o que se noticiava não correspondia à realidade, causando situações embaraçosas, pois eram envolvidos os membros da diretoria e o Poder Legislativo. A vinda dos jovens instrumentistas para a Banda amenizou o problema da falta de músicos. O assunto constou da pauta na ata da Reunião da Diretoria de 15 de maio de 1985.

Presentes os diretores Sidney Antonio Ferraresso, Donato André Peruffo Albertini, João Corato, José Caetano dos Santos e o músico Nelson Nunes Felix. Ficou deliberado na reunião que seriam confeccionadas partituras e cadernos de música reduzidos para anexação aos instrumentos para maior facilidade dos músicos. Ficou também acertado o aproveitamento dos novos músicos da escola de música do Bairro da Serra mantida pela Prefeitura, pois mais uma vez constata-se a dificuldade com a falta de músicos. (Ata da Diretoria da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, 15/05/1985).

276 ANEXO Nº 12. Foto músicos 277 Alguns alunos do Maestro Fioravante Lugli: Adriana Marchi de Menezes, Claudio Bernardino Marques, Claudia Felipe da Silva, Claudio Lugli, Décio Berlofa Citrângulo, Edivaldo Benedito Delangélica, Gustavo Catanezzi Baccin, Irineu Evangelista Cazotti, José Carlos Botelho Bragatto, José Guilherme Lopes de Menezes, Laercio Pedroso de Carvalho, Luiz Antonio Benedito Lugli, Luiz Renato Perondini Fachini, Patricia Marchi de Menezes, Ettore Baldini Neto e Renato de Toledo Perondini.

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Em meio aos problemas musicais enfrentados pela Banda, uma notícia foi positiva o concerto realizado em julho de 1985, pela Orquestra Sinfônica de Campinas, evento comemorado significativamente na cidade, já que o músico Claudio Bernardino Marques, trombonista, era um dos seus integrantes. Claudio iniciou seus estudos com Fioravante Lugli, foi membro da Banda “Lira” e da “André & Orchestra”, até que, em junho de 1982, foi admitido através de concurso público para ocupar o posto de primeiro trombone da referida orquestra, tornando-se uma referência para os músicos serranos. A última diretoria da “Lira” havia sido eleita para assumir um período compreendido entre os anos de 1982 a 1983. Não se convocou uma nova eleição nos anos posteriores como previa o estatuto. O imbróglio veiculou-se na imprensa e causou sérios constrangimentos; com isso marcou-se uma Assembleia Geral para eleger a nova diretoria em setembro de 1985. Há muitos anos que os cargos da associação musical não eram tão concorridos. Apresentaram-se duas chapas concorrentes: a primeira possuía em sua composição não- músicos; a segunda, era composta somente por músicos serranos, com exceção do cargo de presidente; todos eram componentes da “Lira”. Venceu a segunda chapa278, e elegeu-se o Maestro André Afonso Bertini seu novo presidente, tendo como regente João Corato. Apesar das desavenças ocorridas durante anos, André Bertini iniciou o trabalho para melhorar as condições da “Lira”, sendo que o primeiro item foi regularizar o agendamento dos concertos.

E a nova diretoria seguiu angariando fundos para o novo fardamento. Para tanto, André Bertini entrou em contato com os diretores do Clube local e, através do apoio recebido, promoveu um baile com a “André & Orchestra”, cuja renda reverteu-se para a confecção do uniforme.

278 Membros eleitos: André Afonso Bertini, Presidente; Geraldo Vicentini, Vice Presidente; José Carlos Botelho Bragatto, 1º Secretário; Roberto Silotto, 2º Secretário, Renor Silotto, Tesoureiro; João Corato, Regente; Antonio Briotto, Sub Regente; Décio Citrângulo, Contratante e Gerson Rodrigues, Arquivista.

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Foto nº 108. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, em frente a Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, Foto tirada para estreia do novo uniforme. Percebe-se a presença dos jovens instrumentista, alunos de Fioravante Lugli. Maestro João Corato. Serra Negra, 20/07/1986. Acervo da pesquisadora.

O Maestro João Corato regendo a “Lira Serra Negra” por ocasião da apresentação do seu novo uniforme. A grande preocupação dos serranos, de que a sua corporação musical “Lira Serra Negra” encerasse suas atividades, felizmente aos poucos vai se desvanecendo, diante da firme atuação e vontade do seu atual presidente, Prof. André Afonso Berini, que tudo tem feito para preservar uma das nossas mais caras tradições. Neste domingo que passou, Serra Negra viu e ouviu, entre emocionada e comovida, a sua garbosa “Lira” desfilar pelas ruas centrais sons marciais ecoaram pelas ruas e praças, enchendo de alegria os serranos e turistas, satisfeitos com o revigoramento de sua banda e pelo natural encanto que ela traz. O Jornal “O Serrano” que sempre batalhou pela preservação desse nosso patrimônio musical-cultural, prazerosamente se associa ao júbilo da população, pela nova e promissora fase de sua querida “Lira Serra Negra”. (O Serrano, 20/07/1986)

Apesar de algumas jovens frequentarem a Escola de Música, inclusive a do bairro rural, nenhuma mulher serrana tinha se habilitado a ingressar como instrumentista na Banda de Música. Isso somente ocorreu, em 1986, devido ao estímulo de Fioravante Lugli e João Corato.

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Foto nº 109. Participação da Banda “Lira” na missa em louvor a Santa Cecilia, padroeira dos músicos, realizada em 22 de novembro de 1986. Acervo da pesquisadora.

Um furo do Maestro João Corato, para a nossa coluna: neste domingo, durante a retreta que a Lira de Serra Negra fará na Praça João Zelante, uma mulher estará presente fazendo parte da banda, pela primeira vez e quebrando um velho preconceito. Seu nome é Claudia (sic) e o instrumento que vai tocar é a clarineta. O caminho está aberto e esperamos que o exemplo seja seguido por outras jovens interessadas na música. (O Serrano, 12/10/1986 – Coluna Comentando)

De fato, jovens meninas ingressaram na Banda a partir de 1989, como a saxofonista Adriana e sua irmã, a clarinetista Patrícia Marchi de Menezes.

Foto nº 110. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, em frente ao Fórum de Serra Negra, em novembro de 1992. Acervo da pesquisadora.

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Nos anos de 1990, ocorreram mudanças novamente na “Lira”, e André Afonso Bertini a regeu por um período, pois João Corato decidiu voltar a ser instrumentista. Na sequência, assumiu como maestro Claudio Bernardino Marques, permanecendo de 1990 a 1997, e a presidência ficou a cargo do percussionista José Luis Siloto Giorio. Em um trabalho conjunto entre a diretoria da Banda “Lira” e a Prefeitura Municipal, reativou-se a escola de música; a parceria surgiu com o intuito de formar novos instrumentistas para integrar os naipes da banda. Concretizando o projeto, ministraram-se as aulas na Sala da Banda, e o Poder Público contratou Claudio Marques como professor, o qual se comprometeu a dar continuidade ao trabalho que foi desenvolvido por seu professor Fioravante Lugli.

Escola de Música Foi muito bom o concerto da Escola de Música, mantida pela Prefeitura Municipal, na última quinta-feira, no Parque Infantil. Esta apresentação vem coroar o trabalho de 6 meses dos alunos e a dedicação do maestro Claudio Marques. Atualmente a Escola conta com 65 alunos matriculados. Os alunos mais dedicados também já estão mostrando seus talentos. Foi o que ocorreu durante a apresentação da Corporação Musical Lira de Serra Negra, que tocou na praça domingo passado, recebendo muitos aplausos do público presente. (Jornal O Circuito, 04/12/1993)

Foto nº 111. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, apresentação na Praça Barão do Rio Branco, década de 1990, com a presença dos alunos da Escola de Música. Serra Negra/SP. Acervo da pesquisadora.

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Roberto Siloto Perondini assumiu a regência em 1998, depois do afastamento de Claudio Marques. Ainda por alguns anos a Escola de Música formou instrumentistas que foram encaminhados para “Lira”. Atualmente, a Escola passa por uma reestruturação.

Foto nº112. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, apresentação no Centro de Convenções Circuito das Águas, década de 2000. Com a presença dos alunos da Escola de Música. Serra Negra/ SP. Acervo da pesquisadora.

A Corporação Musical “Lira de Serra Negra” segue realizando seus concertos costumeiros, com um repertório variado e executando em suas retretas peças de compositores serranos.

Foto nº 113. Corporação Musical “Lira de Serra Negra”, apresentação na cidade de Águas de Lindóia, em novembro de 2016. Foto cedida por Marco A. Vicalvi. Acervo da pesquisadora.

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4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciou-se o estudo partindo da suposição de que na cidade de Serra Negra a movimentação musical seria intensa. Tal conjetura se baseou principalmente nos relatos dos antigos músicos serranos que aproveitavam os intervalos dos ensaios da Corporação Musical “Lira de Serra Negra” para rememorar as histórias vividas por eles ou narradas por seus antecessores. A sede da “Lira”, também conhecida como Sala da Banda, continha uma galeria de quadros composta por fotos dos antigos maestros, membros de diretoria e músicos, além dos troféus ganhos nos concursos de bandas e certificados em reconhecimento pelas atividades musicais desenvolvidas ao longo dos anos pelas Bandas de Música de Serra Negra. O ambiente era propício para as lembranças. Outro detonador das velhas histórias eram as partituras e, ao vê-las na estante, emergiam as trajetórias dos compositores, como a de Nicolino Fatigatti, ou episódios vivenciados ao tocarem determinada peça musical, como o dobrado “Lira Guarani” (NN), que era executado de cor pela banda, quando marchava pelas ruas da cidade. Repertórios específicos escolhidos para as solenidades religiosas remontavam às festas nos bairros rurais, às procissões em noites enluaradas ou chuvosas. Tantas narrativas, envolvendo diversos músicos em diferentes períodos, suscitaram o início da pesquisa. Através da análise das fontes escritas (jornais, almanaques, textos memorialísticos), orais (depoimentos orais) e imagéticos (fotografias e postais), evidenciou-se que para acompanhar o movimento musical de Serra Negra seria necessário entender as diferentes fases do desenvolvimento da cidade. Encontraram-se pouquíssimos dados musicais referentes à fase anterior à imigração italiana, apesar de indícios da atuação de uma banda de música e a presença de compositores e músicos serranos, muitos de origem mineira remota. A pesquisa permite afirmar que a imigração italiana contribuiu sobremaneira para o incremento da economia, pois os imigrantes que se fixaram na área rural, adaptaram-se às condições encontradas, expandiram a produção do café, diversificaram as pequenas culturas, implantaram formas de ganho como a venda dos excedentes produzidos, tanto para seus pares agricultores, como na área urbana. Alguns migraram da zona rural para a cidade, estabelecendo-se como comerciantes; outros, ao chegarem à cidade, permaneceram com suas sapatarias, marcenarias, alfaiatarias ou como professores de música. O aumento da

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produtividade do café estimulou a instalação de um ramal ferroviário em Serra Negra e de um crescente número de fábricas de beneficiamento do grão, além do aumento significativo da população, que levou à diversidade dos postos de trabalho, haja vista, também, as experiências profissionais trazidas do velho continente. A organização das sociedades de mútua assistência direcionadas ao bem estar dos integrantes da colônia italiana, a preocupação com a educação e, principalmente, com a cultura musical através da atuação das bandas de música, dos professores e dos músicos imigrantes e seus descendentes, puderam ser demonstradas através do levantamento realizado na imprensa local e pelo legado deixado para as novas gerações. Também possibilitou-se constatar a integração entre os músicos imigrantes e os serranos, como Alfredo Dallari, que foi aluno de José Rodrigues da Silva Munhoz, e Zacarias Quaglio, que regeu a Corporação Musical “Carlos Gomes”, conhecida como Banda Brasileira. O Corpo Musicale “Umberto I” dividiu espaço com as bandas que se organizaram num mesmo período. No entanto, é notória a soberania da Banda Italiana, tanto na sua duração, como na frequência de seus concertos, com um repertório diferenciado, num primeiro momento, com os tradicionais trechos de óperas e com as composições dos seus músicos, sobretudo do Maestro Vincenzo De Benedictis, de seus filhos Alberto e Lívio, e do “lendário” músico Nicolino Fatigatti. Os dados também permitem constatar que esses músicos se utilizaram da competência musical para se estabelecerem na cidade, oferecendo peças em homenagem às autoridades locais e a seus familiares ou a eventos significativos. Como exemplo, lembramos fatos já mencionados no corpo da tese, como no pleito de 1907, quando Francisco Pinto da Cunha ganhou as eleições e o Maestro Vincenzo dedicou-lhe a marcha “14 de Dezembro”, ou também quando da descoberta das águas radioativas de Lindóia, ocasião em que o compositor Lívio de Benedictis dedicou a Mazurka “Águas Poderosas” ao Dr. Francisco Tozzi. A crise do café tornou-se fator preponderante para que a cidade fosse reconhecida como “estância de cura”. Nesse processo de transição, o imigrante e religioso Humberto Manzini atuou conjuntamente com as lideranças locais para que a cidade fosse reconhecida regionalmente através de benfeitorias, como o término da edificação religiosa da Igreja Matriz, das construções da Santa Casa de Misericórdia e do Externato. Ele procurou mobilizar a comunidade local para participar desses feitos e manteve nos serviços religiosos a presença

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das Bandas de Música, tanto nas procissões como nas festividades realizadas nos bairros rurais. A descoberta das águas radioativas em Serra Negra deu um novo ânimo para a cidade, direcionando o pequeno comércio para o atendimento aos veranistas e estimulando a construção de novos hotéis. As mudanças foram lembradas de forma positiva por vários depoentes, como Tereza Marchi, Oswaldo Saragiotto, José Franco de Godoy e Nelson de Barros. A atividade musical também se diversificou, pois a inauguração de clubes sociais permitiu aos músicos serranos a formação de pequenos conjuntos que se apresentavam nesses espaços de recreação, possibilitando execução de um repertório diferenciado daquele anunciado nos concertos das bandas, sendo que isso já acontecia com os grupetos que se formavam para tocar nos bailes realizados na zona rural. Esse conjunto de composições musicais, como vimos, era formado por valsas, polcas, maxixes, mazurcas, tangos, rancheiras, sambas, rag time, choro e até dobrados. Mesmo com a possibilidade da exploração das águas radioativas, o café ainda era a principal fonte de riqueza da economia do Município, e a cidade ainda demorou a ganhar impulso. A grande mudança só ocorreu no início da década de 1940, proporcionada por um grupo de empreendedores que viram na instalação de um cassino a possibilidade de desenvolvimento urbano e ganho financeiro, unindo a terapia aquática aos jogos de azar, tendo como o modelo outras estâncias, como Poços de Caldas/MG. A presença de um turismo diferenciado e elitizado, bem como a facilidade de acesso aos shows que aconteciam no “Grill Room” do Cassino, permitiram à população e aos músicos serranos obterem experiências diferenciadas daquelas às quais estavam acostumados. Isso fica claro por terem os integrantes do conjunto “Garotos do Ritmo” uma postura similar, tanto quanto à vestimenta como ao repertório, aos famosos grupos musicais contratados pela Rádio Nacional e que participavam dos filmes brasileiros. Também as vozes femininas eram cognominadas como as famosas cantoras do rádio: Demon Clayr era a “rainha do bolero”. A Segunda Guerra Mundial rompeu com algumas tradições na cidade. A colônia italiana não podia mais se expressar livremente, escondendo o apoio a Mussolini, sendo que a Banda “Umberto I” perdeu seu posto de Banda Italiana. Por outro lado, como vimos, os filhos e netos dos imigrantes foram convocados para servirem na Força Expedicionária Brasileira- FEB.

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Destarte, foi no pós-guerra que a economia serrana declinou, sobretudo com o encerramento das atividades do Cassino (1946), fato que atingiu a todos, especialmente aqueles que faziam os serviços que eram direcionados diretamente aos turistas, como os prestados pelos charreteiros. Mais uma vez Serra Negra se viu em busca de novas alternativas econômicas e voltou o olhar à sua condição de estância, buscando verbas estaduais para a construção do Balneário Municipal, intermediadas pelos Prefeitos nomeados, e investindo nas fontes de águas radioativas como lugares de atração turística. Porém, a cidade já não era mais a mesma: antigos prédios foram demolidos, como os pavilhões que abrigaram o Mercado Municipal e a Casa de Câmara e Cadeia, que sediava o Fórum local. Nos anos de 1950 os jovens utilizavam a praça central para a convivência social e os clubes ganharam outra dinâmica, apresentando conjuntos musicais formados especialmente para aqueles espaços. As iniciativas administrativas do Poder Público na década de 1950 permitiram o avanço nos anos de 1960, embora de forma tímida, mas contribuíram sobremaneira para o progresso que ocorreu na década seguinte, pois vários empreendimentos se iniciaram anteriormente e, com a ajuda financeira do FUMEST, foi possível implementar obras públicas de grande vulto. A Banda “Lira de Serra Negra”, originada no pós-guerra, permaneceu inalterada e fechada em si mesma por muitos anos. No decorrer das décadas de 1950 e 1960, a Corporação “Renato Perondini”, composta tanto por músicos experientes como por jovens instrumentistas, demonstrou energia e performance diferenciadas e representou Serra Negra em inúmeras cidades, tornando-se razão do orgulho serrano após sua apresentação na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Tal fato fez com que a “Lira” reagisse e se voltasse para a trajetória dos músicos imigrantes, reivindicando o lugar de sucessora das tradições musicais da “Umberto I”. O respeito do maestro da Banda “Renato Perondini”, Fioravante Lugli, por seu professor Ângelo Lamari, que era o Maestro da “Lira”, contribuiu para que as arestas fossem aparadas e a convivência entre essas duas sociedades musicais melhorasse, a ponto de a “Lira” acolher os músicos da “Renato” após o encerramento de suas atividades musicais. Numa análise mais ampla do processo musical serrano, percebe-se que os músicos tiveram o mesmo “berço”. O ensino musical iniciado por Ariovaldo de Campos, por Munhoz e De Benedictis, foi transmitido para os Dallari, Lamari, Perondini, Morganti, Mattedi e

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Lugli. Estes, por sua vez, repassaram para as novas gerações, sempre preocupados com a formação dos músicos locais, muitos deles lecionando em suas próprias casas ou na Sala da Banda, buscando regularizar essas escolas de música e, para tanto, fazendo parcerias com o Poder Público. A passagem dos hábitos e conhecimentos musicais de geração a geração, como vimos, fez com que as bandas e os conjuntos musicais serranos se tornassem exemplos de qualidade e longevidade. A grande maioria dos músicos descende dos imigrantes, tanto daqueles que viviam na zona rural como dos que exerciam ofícios artesanais no centro urbano. A música não constituía uma forma de manutenção econômica, mas podia complementar o orçamento familiar. Sua principal função, entretanto, era permitir um reconhecimento social, muitas vezes ausente, na época, para os descendentes de imigrantes desprivilegiados. Assim, o exercício musical, além de constituir uma maneira prazerosa de ocupar o tempo livre, era fonte de relacionamentos mais amplos, de reconhecimento social, gerando até, principalmente no caso dos dirigentes, certa ascensão social. Com a criação dos conjuntos musicais, esse movimento se ampliou para a região, pois as apresentações realizaram-se também em outras cidades. A apresentação na Rádio Nacional do Rio de Janeiro propiciou a reafirmação do prestígio da banda localmente, contribuindo para que um musicista fundador da banda se tornasse Prefeito da cidade. A Escola de Música, que existe há bastante tempo, fez com que a Banda, em parceria com o Poder Público, formasse muitas gerações de músicos. Hoje encontra-se menos atuante, mas há projetos de retomada das atividades de ensino. A educação não-formal no interior da banda, entretanto, persiste, garantindo um mínimo de formação para os integrantes mais jovens. Tocar na banda sempre foi atividade eminentemente masculina, iniciando-se a introdução do elemento feminino em 1986, com a entrada da autora deste texto na corporação. Nas décadas de 1990 e 2000, o número de musicistas femininas teve um aumento considerável; atualmente três mulheres participam das atividades desse conjunto musical. A importância das Bandas de Música na comunidade serrana pôde ser avaliada através das fontes pesquisadas. A imprensa, desde 1905, vem publicando notícias sobre as atividades musicais, especialmente das Bandas. Os Maestros possuem um espaço especial nas matérias. Os munícipes acompanharam a trajetória dos seus músicos através dos concertos regulares e das notícias veiculadas na imprensa local. O acervo do Legislativo está repleto de informações do movimento musical serrano que, porventura, não se tornaram públicas, como

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os Projetos de Lei para a criação de uma escola municipal de música, para compra de instrumentos e aumentos de subvenções para as apresentações. Há ainda a riqueza dos registros imagéticos guardados pelos músicos e seus familiares. Associado a tudo isso, estão as informações contidas nos depoimentos orais colhidos. O intercâmbio entre os dados vindos do textual, aliados aos dados imagéticos e complementados pela oralidade, permitiu perceber as nuances do período pesquisado num movimento analítico de ida e vinda entre os diferentes suportes. No entanto, salienta-se que a oralidade foi fundamental para o entendimento de determinados pontos levantados pelos outros suportes. Seria difícil entender a governança na década de 1950, sem as explicações do depoente Irineu Saragiotto. Os anos de 1960, 1970 e 1980 ficariam incompletos sem os fatos narrados por Antonio Luigi Italo Franchi e Antonio Siqueira, assim como seria difícil perceber as mudanças ocorridas em Serra Negra, sem o olhar atento e as lembranças vivas de Oswaldo Saragiotto, Arminio Silotto, Tereza Marchi, José Franco, Alcebíades Felix e Nelson de Barros. Os poucos registros sobre o impacto da Segunda Guerra Mundial só ganharam relevância com as narrativas dos expedicionários Oswaldo Saragiotto e Roberto Gambeta. Se não fosse o depoimento do músico Claudio Corsetti falando dos “Garotos do Ritmo”, não se saberia da existência de Demon Clayr e sua experiência no Cassino Serrano, o que permitiu, através da busca da narrativa dessa cantora, ter conhecimento da atuação de sua amiga, a também cantora Lourdes Godoy. As vivências narradas pelos depoentes músicos, com detalhes do surgimento dos agrupamentos musicais, das apresentações, dos embates entre eles, da relação com os diferentes maestros e do convívio de alguns deles no meio musical serrano por cerca de sessenta anos permitiram acompanhar o caminho musical da cidade, as mudanças de repertório, o apoio da população local e, às vezes, o desprezo do Poder Público, fatos esses que não haviam sido descritos em detalhe, e que, certamente, tornaram Serra Negra uma cidade privilegiada musicalmente. A ausência de um movimento musical semelhante nas outras estâncias do Circuito das Águas Paulistas talvez contribua para que os turistas encontrem em Serra Negra, nas suas visitas dia, um clima mais acolhedor e sedutor, o que os faz, muitas vezes, permanecer por mais tempo nessa cidade e assim, intensificar seu consumo no comércio e restaurantes locais.

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Percebe-se, outrossim, que as histórias das bandas e de seus músicos, apesar de não sistematizadas, foram guardadas carinhosamente por aqueles que as vivenciaram e são narradas com intensidade e entusiasmo aos pesquisadores interessados. Finalmente, espera-se que o presente estudo estimule novas pesquisas e venha a enriquecer a História Musical Serrana.

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APÊNDICE Nº 01

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

DOUTORADO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNICAMP.

Título: VIDA MUSICAL, IMIGRAÇÃO ITALIANA E DESENVOLVIMENTO URBANO: A trajetória sócio-histórico-cultural de Serra Negra, ao longo do século XX.

Pesquisadora Responsável : Claudia Felipe da Silva (Doutoranda do Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp) Orientador : Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes von Simson

Você está sendo convidado a participar como voluntário da pesquisa de doutorado sobre a vida musical desenvolvida em Serra Negra/SP, bem como a transformação da cidade. O objetivo desta pesquisa é compreender o desenvolvimento das atividades musicais na cidade de Serra Negra a partir da atuação do Corpo Musicale "Umberto I" de Serra Negra (1898-1942), com a criação de novas bandas de música, conjuntos musicais, orquestra para baile, orquestra experimental de repertório, banda de pop rock e escola de música. O trabalho também visa entender o papel das instituições musicais e a atuação de seus membros para a continuidade do ensino musical na comunidade, como também estudar esse universo musical na relação de trabalho, de poder e na relação social tanto no seu interior, na comunidade local e na sociedade como um todo. Apesar do estudo contemplar o aspecto musical de Serra Negra outros temas serão abordados com a finalidade de entendimento da transformação da cidade ao longo dos anos. Solicitamos sua colaboração para a coleta de depoimentos, com perguntas sobre a sua trajetória pessoal e musical, de membros de sua família e amigos. Sobre seu aprendizado musical e atuação nos grupos existentes na cidade e as lembranças pessoais sobre a cidade. Os depoimentos serão agendados de acordo com a conveniência dos depoentes. É garantido a todos os voluntários o fornecimento de quaisquer informações sobre a pesquisa antes, durante e depois da realização da mesma. Igualmente, é altamente garantido que os sujeitos da pesquisa possam recursar-se a participar em qualquer momento, sem que isso lhes cause qualquer penalidade ou represálias de qualquer natureza. O sigilo dos dados confidenciais é garantido aos voluntários, bem como o sigilo de informações que, de algum modo, possam lhes causar constrangimentos ou prejuízos. Como trata-se de uma pesquisa qualitativa, os possíveis desconfortos e riscos dos sujeitos são aqueles inerentes à subjetividade dos depoentes, como o receio de narrar algum fato, o receio de expor suas ideias e sobre a repercussão do depoimento. Entre os benefícios estão à oportunidade de narrarem suas vivências pessoais e musicais e como vivenciaram e participaram do desenvolvimento da cidade de Serra Negra, contribuindo ainda, para discussões sobre a temática “transformação da cidade”, “banda de música” e “ensino de música” nas pequenas cidades interioranas. Não haverá nenhuma forma de reembolso de dinheiro, uma vez que os voluntários não terão nenhum gasto com a participação na pesquisa. Com a devida autorização, a entrevista será gravada em aparelho digital e depois transcrita. Os dados serão usados para fins acadêmicos. Você receberá uma devolutiva de seus depoimentos devidamente transcritos ao término da pesquisa. Após a conclusão da pesquisa as gravações poderão fazer parte do acervo do Laboratório de História Oral do Centro de Memória da UNICAMP., podendo ser objeto de pesquisa de futuros estudiosos. Em publicação futura os entrevistados poderão ser nominalmente mencionados desde que estejam concordes com o conteúdo da tese de doutorado.

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Você receberá uma via deste Termo, devidamente assinada por ambas às partes (pesquisador e pesquisado), onde constam também os telefones do pesquisador com quem você poderá esclarecer ou tirar suas duvidas sobre o projeto e sua participação a qualquer momento; e também da Secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa para denuncias e questões éticas.

Ante as informações constantes no presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) :

Li e entendi o documento de consentimento e o objetivo do estudo, bem como seus possíveis benefícios e riscos. Tive oportunidade de perguntar sobre o estudo e todas as minhas dúvidas foram esclarecidas. Entendo que estou livre para decidir não participar desta pesquisa e que também poderei retirar meu consentimento a qualquer momento. Assim sendo:

( ) ACEITO que minha entrevista seja gravada e transcrita ( ) NÃO ACEITO que minha entrevista seja gravada e transcrita

( ) CONCORDO com o armazenamento das gravações. ( ) NÃO CONCORDO com o armazenamento das gravações

( ) CONCORDO com a revelação de meu nome quando a tese ou artigos forem divulgados ( ) NÃO CONCORDO com a revelação de meu nome quando a tese ou artigos forem divulgados

Serra Negra, ______de______20_____

______Nome e assinatura do participante

______Nome e assinatura do pesquisador

Contato com a pesquisadora: Claudia Felipe da Silva Faculdade de Educação Av. Bertrand Russel, 801. Cidade Univerditária “Zeferino Vaz” CEP 13083-865 - Campinas Telefone da Pesquisadora: (19) 9775 5376 Email : [email protected]

Denúncias e/ou reclamações referentes aos aspectos éticos da pesquisa devem ser dirigidas para: Comitê de Ética em Pesquisa: (19) 3521 8936 Rua Tessália Vieira de Camargo, 126 Cep : 13083-887 Campinas / SP Email : [email protected]

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APÊNDICE Nº 02 FAZENDEIROS DE CAFÉ / FAZENDEIROS DE CANA DE AÇÚCAR

CAFÉ Affonso Carlos da Silva Telles Joaquim Franco de Moraes Pedroso Antonio B. de Vasconcellos e Silva Joaquim Franco de Oliveira Ramalho279 Padre Antonio C. Leme Joaquim de Godoy Bueno Antonio Domingues Gonçalves Joaquim José Fróes Antonio Gomes Moreira Joaquim de Oliveira Preto Antonio Joaquim Leme Pedroso Joaquim Rodrigues Preto Antonio Machado de Campos Joaquim de Souza de Godoy Antonio Pinto Nunes Ten. José de Araujo Ferraz Antonio Pires de Ávila José Caetano de Souza Antonio Pires R. Pimentel José Camilo de Godoy Bento da Costa Figueiredo José Correa de Souza Bento José Cardoso José D. de Souza Leitão Alferes Cândido José de Abreu José Francisco Maciel Cesário José Rodrigues José Franco da Cunha Custodio José de Ávila José Gabriel do Nascimento Cypriano de Souza Moraes José Leme da Silva Demetrio H. de Moraes José Maria de Oliveira Leme Elias Ayres de Oliveira Franco José Machado de Barros Elias José Alves Fróes José Machado de Barros Junior Estevão Franco de Godoy José de Souza Godoy Fabiano Franco de Godoy José de Souza Moraes Fortunato José de Moraes José Vaz de Lima Sobrinho Cap. Francisco de Assis F. Sampaio Lucas da Silveira Franco Francisco José Fróes Luiz Antonio Leme Francisco Marcelino Fróes Manoel Antonio de Oliveira Leme Francisco Pires da Silva Manoel Bueno da Silva D. Gertrudes de Oliveira de Pádua Manoel Joaquim de Oliveira Leme Ignácio Cardoso dos Santos Alf. Manoel Mariano P. de Oliveira Januario Machado de Campos Manoel de Souza de Moraes João Antonio Machado Junior D. Manoella Pires de Oliveira João Antonio Peruche D. Manoella Rodrigues Cesar João B. de Vasconcellos Maximiano José Correa João Chrysostomo Pupo Modesto Baptista da Silva João Correia Pedro Rodrigues Fróes João Franco de Godoy Alf. Pedro Rodrigues de Oliveira Franco Cap. João M. da Cunha Franco D. Rita de Souza João Machado de Souza Campos Raymundo de Souza de Moraes João Octavio de Oliveira Roberto José de Abreu João Pires Baptista Salvador D. de Souza Leitão Joaquim Baptista de Vasconcellos Salvador M. Pinto de Oliveira Joaquim Cardoso de Godoy Alf. Salvador Pires da Fonseca Joaquim da Costa Figueiredo Veríssimo José de Almeida Joaquim Domingues Paes Major Vicente Ferreira Alves Nogueira

AÇÚCAR Antonio de Moraes Cardoso José de Moraes Cardoso Felippe Antonio Pereira José Rodrigues Cardoso Galdino Antonio Damasceno Luiz Rodrigues Barbosa Jacintho de Moraes Cardoso Mariano Leme João Rodrigues Cardoso de Moraes Vicente Ferreira Gonçalves José Caetano de Oliveira

Fazendeiros de café e açúcar em Serra Negra, período de 1873, Fonte: Dados do Almanak da Província de São Paulo. Quadro elaborado pela pesquisadora.

279 Mais detalhes sobre a família “Ramalho” e a origem do Bairro Rural da Ramalhada em Serra Negra ver livro de: ALVES, Maira Inês Masaro. Raízes da Ramalhada. Histórias da Serra Negra Rural. Amparo: Gráfica Foca, 2012.

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APÊNDICE Nº 03 A formação das estâncias de cura do Estado de São Paulo. Segundo Lessa (2001)280, São José dos Campos no final do século XIX, tendo em vista o clima e a topografia recebia um grande número de doentes em busca de tratamento para a tuberculose. Os pacientes eram recebidos pela população local como mais uma possibilidade de ganho, contribuindo para superar as perdas ocorridas com a crise do café. Ainda de acordo com a autora a cidade permaneceu na chamada “Fase Sanatorial” entre os anos de 1900 a1950. A “Peste Branca”, como era conhecida a tuberculose, avançava assustadoramente, sobretudo nos grandes centros, atingindo as diferentes classes sociais. Na tentativa de diminuir a mortalidade, como também diante da necessidade de se implantar um sistema de tratamento à doença, o Governo do Estado de São Paulo buscou a solução se espelhando nos sanatórios europeus, apesar da Europa contar com os incentivos da iniciativa privada. Como não houve interesse privado para solucionar o problema, o Governo se responsabilizou pela tarefa, utilizando os recursos públicos. Iniciou–se os projetos para as construções de sanatórios que a princípio seriam próximos da cidade de São Paulo, facilitando o controle e manutenção dos mesmos, bem como o deslocamentos dos pacientes para esses centros de recuperação e cura. Dentre as opções estavam as cidades de Campos de Jordão e São José dos Campos. Ambas já eram reconhecidas como espaços de tratamento e cura, tanto que Campos do Jordão que havia sido transformada em Estância Climatérica em 1926, mesmo sendo uma cidade sanatorial, parte de suas atividades já estavam sendo direcionadas para o lazer e o turismo da elite paulista. Segundo Lessa (2001), com o passar do tempo Campos do Jordão se especializou no tratamento para classe mais abastada, possuindo, entretanto alguns sanatórios filantrópicos. São José dos Campos tornou-se a opção para abrigar os doentes de baixa renda que ocupavam os sanatórios públicos e, somente em 1935 foi elevada à condição de Estância Climatérica281. Com o reconhecimento dos benefícios climáticos apropriados para o tratamento da tuberculose em ambas as cidades aumentaram-se consideravelmente o número de doentes à procura de tratamento. A fim de suprir a demanda surgiram novos hotéis, pensões, interesses por profissionais da área médica e, consequentemente, a construção de novos sanatórios. De acordo com os levantamentos realizados pela autora, em 1938, Campos do Jordão apresentou uma renda total do município na quantia de 540:000$000, sendo que 300:000$000 era proveniente do Estado e, São José dos Campos teve uma receita de 1.459:410$000, sendo 709:000$000 advindos do município e 450:000$000 do Estado, demonstrando os dados que o repasse estadual para as duas estâncias foi superior a

280 Lessa (2001) em sua pesquisa buscou demonstrar a transformação urbana da cidade de São José dos Campos, delimitando o período entre as décadas de 1930 e 1970 do século XX e, para tanto realizou um levantamento que engloba o início econômico vinculado a produção do café, a chegada da ferrovia e as mudanças causadas com a crise cafeeira. Outro ponto abordado foi como a cidade passa a ser reconhecida como um espaço para o tratamento da tuberculose, sendo decretada como Estância Climatérica e demonstrando, finalmente, o desenvolvimento de São José dos Campos na área industrial e tecnológica, constituindo-se num dos mais importantes pólo industrial do Estado de São Paulo da atualidade. 281 Através do Decreto 7.007, de 13 de março de 1935.

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arrecadação municipal, proporcionando um investimento diferenciado nos municípios designados como estâncias282. Com as mudanças econômicas ocorridas a partir da Segunda Guerra Mundial e a localização privilegiada de São José dos Campos, no eixo Rio-São Paulo, cortada pela via Dutra, incluíram a cidade novos planos governamentais para o Vale do Paraíba. A via Dutra se transformou no principal corredor industrial do país e São José dos Campos passou a direcionar suas atividades econômicas o setor industrial e tecnológico. Campos do Jordão, de estância de saúde constituiu-se como estância turística, o que apontou a pesquisa realizada por Hammerl (2011)283. Decretou-se esta cidade como Estância Climatérica em 1926284, sendo que até 1934, era a única Prefeitura Sanitária existente no Estado, as demais estâncias só foram contempladas através do Decreto nº 6.501 de 19 de junho de 1934, que regulamentou a criação das estâncias de tratamento ou de repouso. Entre seus artigos está o de nº 08, que dispõe que as estâncias seriam administradas por um prefeito nomeado pelo Governo Estadual. Além do clima Campos do Jordão também era conhecida pelas propriedades de suas águas radioativas e nos anos de 1940 foram realizadas várias obras para o melhoramento e embelezamento da cidade, contando com o interesse particular do Sr. Adhemar de Barros que possuía propriedades no município. Com o aumento do número de doentes que para lá se dirigiam a fim de obterem o tratamento da tuberculose, foi necessário delimitar a construção de novos sanatórios, bem como proceder a fiscalização dos hospedes nas pensões e hotéis para o encaminhamento dos doentes aos sanatórios para receberem o tratamento adequado, não comprometendo a saúde dos turistas. Outro fator que contribuiu para que Campos do Jordão permanecesse com as características de estância foi a instalação e exploração dos cassinos na cidade, inclusive com incentivo governamental285.

282 O depoente Irineu Saragiotto em sua fala, narrou que na década 1970, São José dos Campos já contavam com um grande pólo industrial e continuava a receber verbas estaduais pelo fato de ser estância. 283 HAMMERL, Priscyla Christine. Campos do Jordão (SP): de estância de saúde à estância turística. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011. 284 Decreto nº 2140 de 01 de outubro de 1926. 285 Com o fechamento dos cassinos em 1946 e a diminuição da procura da estância para cura da tuberculose, motivou a rede hoteleira iniciar um planejamento para as atividades turísticas de Campos do Jordão, encerrando assim, a fase sanatorial.

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ANEXO Nº 01

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ANEXO Nº 02

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ANEXO Nº 03

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ANEXO Nº 04 – JORNAL O SERRANO, edição de 15/08/1943

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ANEXO Nº 05 “Footing” no jardim da praça Odilon Souza Lemos (membro da Assim) – Edição do Jornal O Serrano, edição de 27/03/1983. Retrocedendo, ali por 1953, portanto há trinta anos, vamos reviver uma noitada de domingo, no jardim da praça “João Zelante”, no coração de Serra Negra. Numa noite de primavera, quando as flores exalavam suave perfume, começava, logo às 19 horas, o “footing”. A maior parte dos rapazes, vestindo termos de casimira “Aurora” ou de linho branco, complementados com vistosas gravatas e os cabelos oleosos, estavam elegantes, contornando o jardim com duplas ou trios. As garotas, trajando belos vestidos multicores, ostentando modernos penteados, e, com os lábios pintados de carmim, se apresentavam lindas e graciosas, passeando, em sentido contrário, de braços dados com suas companheiras. No centro da praça, no coreto descoberto, a Banda “Lira Serra Negra” tocava músicas romântica que enlevavam os mais velhos, sentados nos bancos de madeira, enquanto que, as crianças, divertiam-se brincando nas imediações. Quando não havia retreta, ouvia-se o som do Serviço de Alto-Falantes “Cidade da Saúde”, cujo estúdio era localizado ao lado da residência do sr. Antonio Jorge José. O sonoplasta Irio Vieira de Godoy tinha muito trabalho em atender os inúmeros pedidos musicais, quase todos eram de jovens apaixonados. O locutor anunciava, pausadamente: - Vamos ouvir, na voz de Orlando Silva, “Lábios que Beijei”, que alguém oferece à Laura como prova de amor. Começava, então, um importante momento na vida dos jovens: as “paqueras”, (naquele tempo usavam-se outras expressões: flertar, “tirar linha”, etc.). O rapaz fazia um sinal característico, piscava para a garota na qual estava interessado e ficava aguardando o reencontro. Ao se cruzarem novamente pela expressão da moça ele já sabia se tivera êxito. Muitos romances iniciaram-se desta maneira na praça, outrora repleta de gente. Quantos se transforaram em felizes casamentos e resultaram em numerosas famílias; mas, também, quantos jovens tiveram, naquele mesmo lugar, suas desilusões e sonhos de amor desfeitos. Divagando, despreocupadamente algumas horas no jardim da praça “João Zelante”, a mocidade de entretia nas alegres noites domingueiras.

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ANEXO Nº 06 COMPOSIÇÕES DE NICOLINO FATIGATTI (1898 – 1922)

NOME DA COMPOSIÇÃO GENERO Amadeu Lombardi Marcha Panamá-Linho Dobrado Santini Mattedi Dobrado Saudade dos Serranos Dobrado Adeus Dobrado Dobrado em Cm Dobrado Jacomino Tango Novo Amor Xote Eu e Ela Xote Uma Tarde de Outubro Mazurca Polca in Eb Polca Que Folia é Essa? Polca Perfil de Loira Valsa Valsa in Dm nº 1 Valsa Valsa in Fm Valsa Valsa in Dm nº 2 Valsa Sonhar Eterno Valsa Sofrimento Inspirador Valsa Valsa in Cm Valsa Sineta de um Coração Valsa Quanto Dói uma Saudade Valsa Recordação Valsa Sonhando Valsa Caminhos Ocultos286 Valsa Saudades do Nicolino287 Valsa

Fonte: Os dados foram coletados no acervo de partituras da Corporação Musical “Lira de Serra Negra”. Quadro elaborada pela pesquisadora.

286 É a valsa mais conhecida do compositor 287 A valsa “Saudade do Nicolino” foi composta por Nicolino Fatigatti, porém ele não havia dado um nome. Após a morte de Nicolino, o músico Cesarino Perondini fez o arranjo para banda e deu esse título em homenagem ao compositor.

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ANEXO 07. Jornal O Serrano, edição de 19/07/1959 –

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ANEXO Nº 08. JORNAL O SERRANO, edição de 03/07/1958

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ANEXO Nº 09 . ATA DA CORPORAÇÃO MUSICAL “LIRA DE SERRA NEGRA” 12/05/1960 –

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ANEXO Nº 10

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ANEXO Nº 11

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ANEXO Nº 12 Musícos: Mauricio Avona, Benedito Vasconcelos e Mario Vasconcelos