PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Vanilda Aparecida dos Santos

A deslegitimação do Parlamento brasileiro na CPI da Petrobrás: um estudo sobre a dinâmica psicopolítica da perda de confiança e credibilidade.

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

SÃO PAULO 2016 0

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA SOCIAL PUC-SP

Vanilda Aparecida dos Santos

A deslegitimação do Parlamento brasileiro na CPI da Petrobrás: um estudo sobre a dinâmica psicopolítica da perda de confiança e credibilidade.

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTOR em Psicologia Social, sob a orientação do Prof. Dr. Salvador Antonio Mireles Sandoval.

São Paulo 2016

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Banca Examinadora

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SANTOS, Vanilda Ap. A deslegitimação do Parlamento brasileiro na CPI da Petrobrás: um estudo sobre a dinâmica psicopolítica da perda de confiança e credibilidade. Tese de Doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.

Resumo

O escândalo da corrupção na Petrobrás deflagrado pela Operação Lava Jato e veiculado diariamente pela mídia afetou a confiança dos investidores do mundo em todo o mercado brasileiro. Entretanto, os efeitos da corrupção não caíram apenas sobre o desempenho das instituições econômicas, mas também geraram desconfiança nas instituições públicas e nos agentes políticos. Tendo em vista o envolvimento de autoridades políticas no escândalo da corrupção da Petrobrás, esta pesquisa tem como objetivo analisar como a corrupção, entendida como desobediência às leis, minou a legitimidade dos parlamentares e das instituições políticas no Brasil. O objeto de análise são as Notas taquigráficas das reuniões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás e as audiências públicas para tomada de depoimentos dos investigados por crime de corrupção naquela empresa. Utilizamos a “Análise de conteúdo” de Laurence Bardin (1977) e o sistema de interpretação como metodologia de análise. Com base nos dados colhidos e analisados nesta pesquisa, pode-se concluir que a CPI, apesar de todas as prerrogativas jurídicas que detém e de serem instrumentos poderosos de mudança na política brasileira não cumpriu o seu papel de investigar. Ao contrário, foi marcada por espetáculos lamentáveis e se transformou em um jogo de interesses políticos que demonstraram a paralisia do Parlamento e a crise da instituição. Além disso, a CPI da Petrobrás aumentou o descrédito na classe política e contribuiu para a deslegitimação do Legislativo diante da sociedade.

Palavras-chave: Parlamento Brasileiro, corrupção, descumprimento às leis, confiança, legitimidade.

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ABSTRACT

The corruption scandal revealed by the Lava Jato Operation and daily reported in the national media affected the confidence of investors throughout the world with respect to the Brazilian Market. Nevertheless, the effects of corruption do not affect just the performance of economic institutions, but also generates distrust in public institutions and political agents. Considering the involvement of political authorities in the Petrobras corruption scandal this study has as its objective to analyze how corruption, understood as disobedience to the law, undermines the legitimacy of congressmen ando f Brazilian political institutions. The study is based on the oficial transcriptions of the hearings of the Parlamentary Commission (CPI) investigating the Petrobras scandal and the public hearings that obtained depositions of persons investigated for criminal corruption in Petrobras. Content Analysis according to Laurence Bardin (1977) and a system of interpretation were used as the analytical methodology of the study. Based on the data obtained and analyzed in this study, we conclude that the Parliamentary Commission, in spite of all its judicial powers which are considerably powerful in changing Brazilian policy, did not achieve its goal of investigating the scandal. It was evident the paralysis of the national parliament as the Commission proved to be a microcosm of this institutional crisis. The proceedings were marked by lamentable spectacles from congressmen and where transformed into a game of political interests illustrating the paralysis and institutional crisis. A Parliamentary Investigation Commission increased the distrust of the political class and contributed to the delegitimization of the national congress within Brazilian society.

Key-words: Brazilian parliament, corruption, non-compliance with the laws, trust, legitimacy.

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“SÓ DE SACANAGEM”

Meu coração está aos pulos!

Quantas vezes minha esperança será posta à prova?

Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?

Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.

Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau."

Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!

Elisa Lucinda

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DEDICATÓRIA

Dedico para os cidadãos “mais vulneráveis” do Brasil, que são as primeiras vítimas da corrupção.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Salvador Sandoval, por me mostrar que a vida pode ser cheia de surpresas boas quando se tem a coragem de mudar. Escrever esta tese foi um encontro maravilhoso! Obrigada por me inspirar e me orientar. Permanecerá sempre no meu coração! Aos professores Enock Pessoa, Vera Chaia, Maria Helena, Willis Guerra por aceitarem fazer parte da banca de defesa. Especialmente ao Professor Enock, por vir do Acre! E ao professor Willis, por sacrificar um fim de semana na Europa para estar presente nesse momento da minha vida. Aos amigos do Núcleo de Psicologia Política. Por serem maravilhosos e lindos! Amigos e companheiros. Obrigada por todo amor que recebo de vocês! E à Marlene (Secretária do Programa de Psicologia Social), pela valiosa ajuda, amizade e orientação em todos o momentos de minha vida acadêmica na PUC. Agradeço ao meu maior amor, Adelson Junior. Meu marido, amigo, parceiro de todas as horas. Com você meu mundo fica mais bonito! Amo você! Aos amigos de sempre, Samya Mateus, Thaís Escudero Crivelaro, Marina Marcussi, Cláudia Wegert, Karin Gauss-Berdah, Telly-Ange, Silvana Alvarenga, Pricila Gunutzmann, Catarina Decome, Josane Lobo, Ricardo Almeida. Amo vocês infinitamente e para todo o sempre. À minha mãe, Caetana, e ao meu pai, Antonio. Por terem me ensinado que a honestidade, o respeito e o amor faz a vida valer a pena. Agradeço a Ivana Rodrigues, minha professora de Ioga. Por ter me apresentado a Ioga, que me permitiu “oxigenar” todas as células do meu corpo, fazendo com que minha mente e meu coração pudessem estar em paz para escrever esta tese. Aos meus cães pastores, Chérie, Dara, Malu, Eros e aos vira-latas Tiguera e CD que fazem parte da minha felicidade e que me aliviam em meus momentos mais estressantes, pelo amor incondicional que só quem ama os animais saberá do que estou falando.

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SUMÁRIO

Introdução ------1

Capítulo 1 - Produção latino-americana sobre a desobediência às leis ------25

Capítulo 2 - Breve histórico dos conceitos de Confiança ------53

Capítulo 3 - Psicologia da Legitimidade ------72

Capítulo 4 - A legitimidade e a confiança na democracia contemporânea ------100

Capítulo 5 - Procedimentos Metodológicos ------140

Capítulo 6 – Análise - CPI da Petrobrás e suas incongruências ------161

Capítulo 7 - Análise dos depoimentos ------232

Considerações Finais ------300

Referências bibliográficas ------314

ANEXO – Lista dos Políticos envolvidos na corrupção na Petrobrás ------346

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Introdução

Se o Parlamento Brasileiro não respeita a lei, quem vai respeitar? (Deputado Rubens Bueno, 2ª reunião CPI para eleição de presidente, p. 9).

O Pano de Fundo:

No início de junho de 2013, milhares de estudantes foram às ruas de várias cidades do País, para protestarem contra o reajuste dos preços das passagens dos ônibus municipais, do metrô e dos trens urbanos. O cenário era um conjunto de condições objetivas para as demandas: as cidades brasileiras são comumente marcadas pela desigualdade; os pobres são obrigados a morar em periferias distantes e carentes de serviços públicos e, por isso, precisam utilizar transportes coletivos para chegar ao trabalho e ao lazer; na maioria das cidades, o transporte público é tratado como interesse privado. Ou seja, o poder público cede o direito de exploração a empresas que financiam campanhas eleitorais para, em troca, continuarem donas das concessões. No dia 17 de junho de 2013, houve uma adesão massiva ao movimento, e mais de cem mil pessoas saíram às ruas em muitas cidades do Brasil. É importante lembrar que o pano de fundo para tamanha manifestação aconteceu no dia 13 de junho de 2015, quando uma abusiva ação policial atacou manifestantes e jornalistas. À medida que as imagens da brutalidade da polícia se difundiam pelas redes sociais, a indignação contra o ataque despertou reivindicações sociais, havia muito tempo represadas. Em seguida, no dia 19 de junho, foi anunciada a redução da tarifa. A vitória em relação à redução do preço da passagem permitiu que o movimento ganhasse novas e difusas pautas como: 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para educação, investimentos em saúde, redução da jornada de trabalho para 40 horas, transporte público de qualidade, reforma agrária, fim do fator previdenciário, reforma política,

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reforma urbana, democratização dos meios de comunicação, contra a PEC1 nº 4.330/04 (que dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes), contra os leilões do petróleo e má qualidade dos serviços públicos, além de ter introduzido também a luta contra a corrupção da classe política2. À proporção que a mídia começou a apoiar os protestos, surgiram as manifestações contra a presidenta , contra o aborto e o casamento gay e pela redução da maioridade penal3. Em consequência das manifestações, os governos estaduais e municipais promoveram quedas de tarifas no transporte público, direito de passe livre para estudantes, congelamento de preços de pedágio e de energia. O Legislativo Federal derrubou a PEC 374, a qual defendia que o poder de investigação criminal seria exclusivo às polícias Federal e Civil, retirando esta atribuição de alguns órgãos e, sobretudo, do Ministério Público.5 Outra consequência foi a aprovação de royalties do petróleo para a educação e a saúde, e a promulgação da Lei anticorrupção. A Lei nº 12.846, conhecida como Lei anticorrupção, foi aprovada em 1º de agosto de 2013, e dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. As empresas seriam, pois, responsabilizadas por práticas ilícitas e poderiam pagar multa de até 20% de seu faturamento6. Portanto, a nova Lei Anticorrupção pode ser aplicada contra empresas que corrompam agentes públicos, fraudem licitações ou contratos públicos, ou frustrem,

1 Proposta de Emenda Constitucional.

2 Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2013/06/1297619-cresce-apoio-a- protestos-contra-a-tarifa-de-onibus-entre-paulistanos.shtml. Acesso em 15/9/2015.

3Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/06/protesto-contra-o-casamento-gay-e- o-aborto-reune-milhares-em-brasilia.html. Acesso em 20/9/2015

4 Uma das bandeiras levantadas pelos manifestantes que foram às ruas de muitas capitais do País, durante o mês de junho, pedia o arquivamento da Proposta de Emenda Constitucional 37 de 2011. O Protesto contra a PEC 37, na cidade de São Paulo, reuniu 30 mil pessoas. Disponível em: . http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2013/06/protesto-contra-a-pec-37-na-capital-paulista-reune-30- mil-pessoas30. Acesso em 18/9/2015.

5 Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=507965. Acesso em 15/5/2015.

6 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em 4/8/2015. Trataremos o tema da corrupção mais adiante no texto. 2

mediante ajuste ou combinação, o caráter competitivo de um procedimento licitatório, entre outras irregularidades. Poderão ser punidas também as empresas que, de qualquer modo, dificultarem atividade de investigação ou fiscalização de órgãos públicos. A lei é considerada um elemento de desestímulo às empresas que, eventualmente, venham a cogitar a possibilidade de praticar um ato de corrupção como forma de obter uma vantagem indevida em negócios com o poder público. Cabe lembrar que este projeto de lei foi enviado ao Congresso Nacional em 2010, quando Luiz Inácio Lula da Silva ocupava a presidência e contou, naquele momento, com a participação de Dilma Rousseff (que ocupava o cargo de ministra da Casa Civil). Entretanto, sua tramitação foi acelerada em 2013, como uma tentativa de resposta pela classe política ante a demanda das manifestações. Também em decorrência do clamor proveniente das manifestações populares ocorridas em junho de 2013, o Poder Legislativo regulamentou a Lei 12.850 que se refere à Delação Premiada. De acordo com Nucci (2013), a delação premiada é uma técnica de investigação consistente na oferta de benefícios pelo Estado àquele que confessar e prestar informações úteis ao esclarecimento do fato delituoso e se revelou como importante passo no combate à criminalidade organizada, tendo em vista que abriu um leque de valiosas medidas possíveis para o desmantelamento das estruturas do crime organizado, tido como prioridade nos dias atuais. De acordo com a lei 12.850, a Delação Premiada é um acordo firmado com o Ministério Público e a Polícia Federal, pelo qual o réu ou suspeito de cometer crimes se compromete a colaborar com as investigações e denunciar os integrantes da organização criminosa em troca de benefícios, a exemplo da redução da pena. Os benefícios variam de perdão judicial, redução da pena em até 2/3 e substituição por penas restritivas de direitos (art. 4º).7 De acordo com o artigo 4º, I a V da referida lei, exige-se ainda que a colaboração seja voluntária e efetiva, considerada uma das características marcantes da colaboração premiada. O benefício depende da efetividade desta colaboração, isto é, de resultado, o qual pode ser a identificação de cúmplices e dos crimes por eles praticados, a revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa, a

7 Disponível em http://amagis.jusbrasil.com.br/noticias/147722411/pensamento-juridico-debate-sobre- delacao-premiada. Acesso em 30/7/2015.

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prevenção de novos crimes, a recuperação dos lucros obtidos com a prática criminosa ou a localização de eventual vítima, tendo sua integridade física assegurada8. Outra vitória da demanda das manifestações refere-se à alteração da Emenda Constitucional nº 76, que revogou a votação secreta nos casos de perda de mandato de Deputados ou Senadores e de apreciação de veto feita pelo Congresso Nacional, em 28 de novembro de 2013. Entretanto, a referida emenda não prevê o voto aberto para a escolha de autoridades (que é uma função exclusiva do Senado Federal), nas eleições das mesas diretoras das duas casas e em deliberações das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa do Distrito Federal e das Câmaras de Vereadores. Outra medida significativa foi a declaração de inconstitucionalidade das normas que permitem as doações de empresas a partidos e candidatos feita pelo Supremo Tribunal Federal, em 17 de setembro de 2015. Essa medida, além de permitir uma maior igualdade na disputa eleitoral, é importante para impedir o poder econômico de capturar de maneira ilícita o poder político (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015)9. Cada uma dessas medidas tem um papel considerado determinante na Operação Lava Jato: o arquivamento da Proposta de Emenda Constitucional 37 fez com que a investigação criminal continuasse sendo realizada pelo Ministério Público; a aprovação da lei anticorrupção apresentou um impacto contra as empresas, uma vez que elas passaram a ser responsabilizadas por atos ilícitos dos seus funcionários, ao contrário do que ocorria antes. Por ser focada no corruptor, a nova legislação anticorrupção determina que as empresas devolvam aos cofres públicos os prejuízos causados por atos ilícitos, além de estipular a aplicação de multas e até o fechamento delas em casos mais graves. Outra medida significativa foi a implantação da nova lei da Delação Premiada, que permite o combate ao crime organizado, sem deixar de dispensar aos acusados o tratamento adequado, garantindo-se todos os direitos aos quais os réus fazem jus no Estado de Direito.

8 Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2013/lei-12850-2-agosto-2013-776714- normaatualizada-pl.pdf. Acesso em 18/9/2015. 9 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4650&classe=ADI&origem=A P&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em 19/9/2015.

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A derrubada do voto secreto para as duas casas federais - Câmara dos Deputados e Senado Federal – permitiu a transparência das ações dos legisladores nas sessões de cassação de mandato parlamentar e de análise de vetos presidenciais.

A Operação Lava Jato

Em março de 2014, a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba10 iniciou a maior investigação sobre corrupção ocorrida no Brasil, denominada “Operação Lava Jato”. O nome da operação decorre do uso de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas. Embora a investigação tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se consagrou (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2014)11. No primeiro momento, foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros (operadores do mercado paralelo de câmbio). Em seguida, o Ministério Público Federal recolheu provas de um vultoso esquema criminoso de corrupção na Petrobrás, envolvendo políticos e empreiteiros. Nesse esquema, renomadas empreiteiras (como Odebrech, Andrade Gutierrez, Engevix, Mendes Júnior, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, UTC e Galvão Engenharia), organizadas em cartel, pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do esquema. De acordo com o Ministério Público (2014), para conseguir os contratos da Petrobrás, as empreiteiras concorriam entre si, por um processo de licitações, e a estatal contratava a empresa que aceitasse fazer a obra pelo menor preço. Neste caso, as empreiteiras se cartelizaram em um “clube” para substituir uma concorrência real

10 A 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba é especializada em crimes financeiros e de lavagem de ativos. Os primeiros fatos investigados aconteceram em Londrina, no Paraná. Por esse motivo, a investigação é feita em Curitiba e conduzida pela referente Vara. Disponível em: http://lavajato.mpf.mp.br/perguntas-e- respostas. Acesso em 21/9/2015.

11 Ministério Público Federal. “Entenda o caso Lava Jato”. Disponível em: http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso. Acesso em 21/9/2014. 5

por uma concorrência aparente. Os preços oferecidos à Petrobrás eram calculados e ajustados em reuniões secretas, nas quais se definia quem ganharia o contrato e qual seria o preço, inflado em benefício privado e em prejuízo dos cofres da estatal. O cartel tinha um regulamento, que simulava regras de um campeonato de futebol, para definir como as obras seriam distribuídas. Para disfarçar o crime, o registro escrito da distribuição de obras era feito, por vezes, como a distribuição de prêmios de um bingo. Para garantir que apenas as empresas do cartel fossem convidadas para as licitações, era conveniente cooptar os agentes públicos. Os funcionários não só se omitiam em relação ao cartel, do qual tinham conhecimento, mas o favoreciam, restringindo convidados e incluindo a ganhadora dentre as participantes, em um jogo de cartas marcadas. Segundo o Ministério Público (2014), eram feitas negociações diretas injustificadas, celebravam-se aditivos desnecessários e com preços excessivos, aceleravam-se contratações com supressão de etapas relevantes e vazavam informações sigilosas, dentre outras irregularidades. Os operadores financeiros ou intermediários eram responsáveis não só por intermediar o pagamento da propina, mas especialmente por entregá-la disfarçada de dinheiro limpo aos beneficiários. Em um primeiro momento, o dinheiro ia das empreiteiras até o operador financeiro. Isso acontecia em espécie, por movimentação no exterior e por meio de contratos simulados com empresas de fachada. Num segundo momento, o dinheiro ia do operador financeiro até o beneficiário em espécie, por transferência no exterior ou mediante pagamento de bens (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2014). Em março de 2015, iniciou-se outra linha da investigação na Operação Lava Jato. Naquele momento, o Procurador-Geral da República apresentou ao Supremo Tribunal Federal 28 petições para a abertura de inquéritos criminais destinados a apurar fatos atribuídos a 55 pessoas, das quais 49 eram titulares de foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”), pois integravam ou estavam relacionadas a partidos políticos, responsáveis por indicar e manter os diretores da Petrobrás. Elas foram citadas em delações premiadas feitas na 1ª instância, mediante delegação do Procurador-Geral (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2014). A repartição política revelou-se mais evidente em relação às seguintes diretorias: de Abastecimento, ocupada por Paulo Roberto Costa entre 2004 e 2012, de

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indicação do PP, com posterior apoio do PMDB; de Serviços, ocupada por Renato Duque entre 2003 e 2012, de indicação do PT; e Internacional, ocupada por Nestor Cerveró entre 2003 e 2008, de indicação do PMDB (ALMEIDA, 2015). Esses grupos políticos agiam em associação criminosa, de forma estável, com comunhão de esforços, dentre os quais corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Fernando Baiano e João Vaccari Neto atuavam como operadores financeiros, em nome de integrantes do PMDB e do PT. Os principais beneficiados seriam três partidos: PP, PT e PMDB, mas suspeitas também recaem sobre membros do PSB, PRB e PSDB12. No caso da Operação Lava Jato, os casos são realizados em 1ª instância, ou seja, pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba presidida pelo juiz Sérgio Moro. Caso haja recurso, o mesmo é encaminhado e julgado pela 2ª instância, ou seja, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF) em Porto Alegre. A primeira instância investigará os agentes políticos por improbidade, na área cível, e na área criminal aqueles sem prerrogativa de foro. Entretanto, as autoridades políticas envolvidas na corrupção na Petrobrás e que estejam em exercício são julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – instância máxima do Judiciário brasileiro13. O Foro Privilegiado é um mecanismo presente no ordenamento jurídico brasileiro que designa uma forma especial e particular para julgar determinadas autoridades. Segundo Mirabete (2006, p. 181):

12 Informação disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,janot-aponta-4-nucleos-em- esquema-da-petrobras,1646461. Acesso em 10/7/2015.

13 A Constituição de 1988 dá ao Senado Federal competência para julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os Ministros do STF, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, nos crimes de responsabilidade (art. 52, I e II). Ao STF cabe julgar o Presidente da República, o Vice- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, nos crimes comuns e, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, os membros dos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM), do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomática de caráter permanente (art. 102, I, “b” e “c”). Ao Superior Tribunal de Justiça cabe julgar, nos crimes comuns, os Governadores de Estados e do Distrito Federal e, nestes e nos de responsabilidade, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça, os membros de Tribunais de Contas dos Estados, TRFs, TRTs, TREs, Conselhos e Tribunais de Contas dos Municípios e agentes do Ministério Público que atuem nos Tribunais (art. 105, I, “a”). Aos Tribunais Regionais Federais atribui-se o julgamento, nos crimes comuns e de responsabilidade, dos Juízes Federais, Juízes do Trabalho, Juízes Militares e Procuradores da República, da área de sua jurisdição (art. 108, I, “a”). Ao Tribunal Superior Eleitoral cabe julgar os Juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais e, a estes, julgar os Juízes Eleitorais, nos crimes de responsabilidade. Finalmente, aos Tribunais de Justiça cabe o julgamento dos Prefeitos (CF, art. 29, VIII) dos Juízes de Direito e Promotores de Justiça, Secretários de Estado e outras autoridades, conforme previsão nas Constituições Estaduais (BRASIL, 1988).

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Há pessoas que exercem cargos e funções de especial relevância para o Estado e em atenção a eles é necessário que sejam processados por órgãos superiores, de instância mais elevada.

Em 23 de setembro de 2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) desmembrou o Inquérito 413014, mantendo na Corte apenas a investigação contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR). Os ministros decidiram que os demais investigados sem prerrogativa de foro deviam ser enviados para a Seção Judiciária Federal de São Paulo – município que sedia a maior parte das empresas investigadas no caso. Uma diferença jurídica importante para ser esclarecida é o status das pessoas envolvidas nos processos criminais: o indiciado, o acusado e o condenado. O indiciado ainda não é considerado culpado, é apenas investigado. Se o Ministério Público aprovar a denúncia feita pela polícia, o indiciado passa a ser chamado de acusado (a ele é atribuído o cometimento de um crime). A denúncia é enviada ao juiz para uma análise inicial das acusações, é aberto um processo criminal e o acusado passa a ser réu. Caso seja provado o crime, este passa a ser condenado. Os recursos passam por várias instâncias de tribunais. De acordo com SILVA (2014, p. 4):

A palavra acusado no mundo jurídico serve para indicar a pessoa contra a qual há um processo. Se contra a pessoa há apenas um inquérito policial, dizemos que a pessoa é indiciada.

Com o propósito de colaborar com a operação Lava Jato nas investigações das irregularidades na empresa Petrobrás (Petróleo Brasileiro S/A), foi criada a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), de autoria dos deputados Carlos Sampaio, Fernando Coelho Filho, Mendonça Filho, Rubens Bueno, instalada em 26 de fevereiro

14 O referido inquérito foi enviado ao STF pelo juízo da 13ª Vara Federal do Paraná, depois que, no curso da chamada operação Lava-Jato, teve conhecimento de possíveis delitos atribuídos à senadora e a outros investigados, que teriam se beneficiado de repasses de valores da Consist Software, empresa que tinha contrato com o Ministério do Planejamento para gestão de empréstimos consignados. Por conta da prerrogativa de foro da senadora, o caso foi enviado ao STF e distribuído ao ministro , relator dos casos relacionados à investigação da Lava Jato (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015).

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de 2015, com prazo de 120 dias (com prorrogação para mais 60 dias) e terminou em 24/8/2015. A CPI é uma investigação feita pelo Poder Legislativo e foi criada para apurar responsabilidades e apresentar sugestões concretas para o problema da corrupção na Petrobrás. Ela realiza reuniões administrativas para aprovação de requerimentos e oitivas15, além de audiências públicas para a tomada de depoimentos de autoridades e pessoas envolvidas. A credibilidade de uma investigação parlamentar passa pela consistência das evidências que sustentam suas conclusões. Os integrantes da CPI podem requisitar documentos e informações à Petrobrás, aos órgãos públicos, cópias de procedimentos de investigação em tramitação nos outros Poderes e, mesmo realizados em outros países, além da documentação pertinente às empresas envolvidas nas investigações (PLANO DE TRABALHO DA CPI, 2015).16 De acordo com Carajeleskov (2007), as CPIs são instrumentos políticos legítimos e benéficos à sociedade, e tem como objetivo informar possíveis irregularidades com o dinheiro público. De acordo com o autor, a CPI tem uma responsabilização política.

A CPI não manda ninguém pra cadeia, não pune ninguém, não ordena o pagamento de indenizações. Isso é função reservada ao poder Judiciário. O que as CPIs têm diferente das questões ordinárias do parlamento, é que as comissões por força da Constituição têm poderes próprios das autoridades judiciais. Ela pode convocar testemunhas (mas não pode trazê-las à força), pode acessar informações sigilosas referentes a tributos, a dados bancários, telefônicos, pode determinar que sejam apreendidos certos documentos. Todos esses poderes que são de responsabilidade do poder judicial (CARAJELESKOV, 2007, p. 44).

A CPI cumpre diversos papéis e um deles é o caráter de informação da sociedade17. Os depoimentos na CPI são documentos jurídicos e poderão servir para

15 A oitiva de pessoas se constitui em elemento de prova.

16CÂMARA DOS DEPUTADOS. Plano de Trabalho. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de- inquerito/55a-legislatura/cpi-petrobras. Acesso em 23/7/2015.

17 Em 1992, a CPI que investigou o caso PC Farias foi muito importante, pois ela desvendou o esquema do tesoureiro do presidente Fernando Collor. Não foi ela que decidiu pelo impeachment de Collor, mas 9

condenar ou inocentar. Entretanto, só quem poderá fazê-lo é a instância responsável pela investigação, que, no caso da Petrobrás, é a 1ª vara de justiça de Curitiba ou o Supremo Tribunal. Toda a documentação obtida na CPI é encaminhada para o órgão competente pelo processo18. No caso de deputados, senadores ou ministros, a competência do julgamento é do Supremo Tribunal Federal. No caso de governadores. a competência é do Superior Tribunal de Justiça, enquanto no caso de empresários e ex-políticos é da 1ª vara de Justiça de Curitiba (Justiça criminal comum). Os caminhos dos trâmites judiciários são diferentes, porém os depoimentos da CPI são documentos jurídicos que servem para os diferentes fóruns.

A operação Lava Jato e a Mídia

A operação Lava Jato é o principal caso a ocupar a agenda política no País desde 2013. O escândalo em análise é de abrangência nacional, ocupou as capas das principais revistas e jornais e foi responsável pelas manifestações civis que ocorreram em 14 e 16 de março de 2015, as quais levaram cerca de um milhão de pessoas à Avenida Paulista, na cidade de São Paulo19. Apesar de escândalos políticos serem, em sua maioria, eventos episódicos, o escândalo da Petrobrás gerou uma cobertura política de maiores proporções, abrangendo toda a operação Lava Jato, as manifestações civis e a CPI da Petrobrás20.

ajudou pela decisão do Congresso Nacional de cassar o presidente. Em 2005-2006, a CPI dos Correios ajudou na investigação do mensalão (pagamento ilícito de recursos a parlamentares). Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/03/politica/1396555251_129878.html. Acesso em: 5/10/2015.

18 Na parte metodológica deste trabalho, analisaremos o depoimento de algumas pessoas convocadas pela CPI da Petrobrás e que, paralelamente, foram condenadas pela 1ª vara de justiça de Curitiba.

19 Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/08/manifestacao-fecha-trecho-da-av- paulista.html. Acesso em 23/09/2015.

20 Em 2005, as acusações que atingiram o governo Lula também foram amplamente divulgadas pela mídia, investigadas pela Política Federal, e foram objeto de processo no Supremo Tribunal Federal, aberto a pedido do Ministério Público, contra 40 pessoas. Entre os acusados, estavam o ex-presidente, o ex- secretário e o ex-tesoureiro do partido do presidente da República, da mesma forma que de outros partidos de coalizão governista, e algumas das mais importantes figuras do governo à época, como José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil. e Luiz Gushiken, ex-titular da Secretaria da Comunicação da Presidência. 10

Cioccari (2015) analisou as capas do Jornal “Folha de São Paulo” de março de 2014 a março de 2015 e concluiu que, em todas elas, há algum fato ligado ao escândalo da Petrobrás: seja à Operação Lava Jato ou referência à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o caso. Desde 2014, quando se iniciou a operação Lava Jato, as notícias dos escândalos de corrupção, em que autoridades públicas foram alvos frequentes de escândalos políticos, dominaram o noticiário público. Além dos jornais “Folha de São Paulo”, analisados por Cioccari (2015), outros jornais como “Estado de São Paulo”, “Estado de Minas Gerais”, as principais revistas semanais e mensais, como Veja, Exame, Isto é, Carta Capital, Piauí, entre outras, publicaram matérias tratando do assunto, na maioria das vezes a Operação Lava Jato e o tema da corrupção, e foram matérias de capa. O principal telenoticiário do Brasil, o Jornal Nacional da rede Globo, apresentou uma agenda dedicada à operação Lava Jato e aos casos de corrupção que envolve agentes públicos e partidos políticos cotidianamente, com matérias que, às vezes, ultrapassam dez minutos no ar. Para Chaia (2000), escândalo é o fenômeno que se traduz em ações que podem afetar a reputação das pessoas, ações ou eventos, que supõem a transgressão de valores e códigos que são levados ao domínio público e provocam reações. Com o poder da mídia, a vida política das lideranças ficou escancarada e o que essas pessoas dizem ou fazem tem ressonância na opinião pública. A autora alerta para o fato de que, com as novas condições midiáticas, a vulnerabilidade das lideranças políticas aumenta à medida que fatos políticos são publicizados. A operação Lava Jato é um caso de corrupção. O assunto que é veiculado diariamente pela mídia permite que os cidadãos tenham acesso às principais informações e aos principais envolvidos, que são figuras públicas e privadas. E isso causa impacto (positivo ou negativo) nas percepções, valores e orientações dos cidadãos acerca dos assuntos públicos (MESQUITA, 2013). De acordo com o autor, a informação política contida diariamente na mídia é parte constitutiva do universo simbólico dos cidadãos e é responsável também pela formação de opiniões que

Todos foram afastados de seus cargos em consequência das denúncias e dos seus desdobramentos. Esse escândalo ficou conhecido como “mensalão”. Os congressistas do governo recebiam 30 mil reais do PT para votar em projetos de interesse do governo. (MESQUITA, 2013). 11

possam ter acerca de questões públicas. Além disso, isso pode alterar a percepção da legitimidade dos agentes políticos e das instituições. Alguns autores (CHAIA E TEIXEIRA, 2008), ao analisarem os escândalos políticos de 2001, concluíram que as noticias sobre corrupção podiam ter um aspecto positivo, qual seja, o de provocar um aumento da fiscalização nas atividades dos políticos. O aspecto negativo desse tipo de informação seria o acúmulo de “maus exemplos” de políticos que poderiam levar a uma desconfiança nas instituições e nos agentes políticos que governam o país. Neste trabalho, não vamos analisar o papel da mídia. No entanto, é essencial salientarmos a importância dos meios de comunicação como fonte de informação da Operação Lava Jato que permitiu que os cidadãos pudessem tomar conhecimento das figuras públicas envolvidas na corrupção.

A corrupção e a Petrobrás.

A corrupção é uma desobediência às leis e fere um dos pressupostos de uma democracia de qualidade. A definição mais usual de corrupção política, segundo Treismam (2000), resume no “uso indevido de bens públicos para fins privados”, cujo efeito subverte o princípio de que todos são iguais perante a lei. Mesquita (2013) afirma que a corrupção política é um dos problemas mais complexos enfrentados por novas e velhas democracias, pois, além de envolver o abuso do poder público para qualquer benefício privado, ela oferece vantagens para os partidos envolvidos em detrimento da oposição. Moisés (2013, p. 202) corrobora com a afirmação:

A corrupção frauda, portanto, o principio de igualdade política inerente à democracia, visto que seus protagonistas podem obter ou manter poder e benefícios políticos desproporcionais aos que alcançariam pelos modos legítimos e legais de competir politicamente. Ao mesmo tempo, distorce a dimensão republicana da política moderna porque faz as políticas públicas resultarem não do debate e da disputa aberta entre projetos diferentes, mas de acordos de bastidores que favorecem interesses espúrios.

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A corrupção, quando é praticada por partidos políticos e por governantes, compromete a percepção dos cidadãos a respeito da democracia. Os seus efeitos podem influenciar tanto a legitimidade quanto a qualidade da democracia, já que compromete o principio de igualdade dos cidadãos perante a lei (O´DONNELL, 1999). As evidências empíricas a respeito da corrupção, de acordo com dados levantados por Moisés (2013), mostram que fatores, como o pagamento de propina ou contribuições financeiras em troca de benefícios obtidos na realização de serviços ou obras públicas, se correlacionam com o nível de desenvolvimento econômico e social dos países. Quanto mais alto o nível de desenvolvimento socioeconômico de um país, menor o nível de comportamento corrupto. De acordo com o autor:

Esse argumento enfatiza que as chances de ocorrência de comportamento corrupto entre políticos e burocratas do Estado são maiores em países de níveis baixos ou médios de desenvolvimento econômico e social, a exemplo de nações do continente africano, do Oriente Médio, do Leste Europeu e da América (MOISÉS, 2013, p.207).

Sob o ponto de vista econômico, a corrupção tem demonstrado ter um impacto negativo no investimento e crescimento de nações em desenvolvimento, porque serviços contratados pelo Estado são executados por empresas que pagam propinas, e nem sempre atendem a padrões de qualidade. Ademais, as propinas não pagam impostos, sonegando ao Estado receitas que poderiam ser utilizadas em benefício da população (SELIGSON, 2002). Moisés (2013) concorda com Seligson (2002), quando afirma que a corrupção política distorce a demanda por serviços públicos, aumenta os seus custos, reduz a sua qualidade, atrasa a realização de obras e dificulta o acesso de quem não paga propina à administração pública. Alan (1995) traz uma contribuição fundamental, sobretudo para este trabalho, ao expor que a corrupção tende a ser maior em países nos quais o monopólio de recursos naturais, como o petróleo, permanece nas mãos do governo. Tal fato afeta negativamente a relação entre atores privados e públicos.

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No Brasil, o petróleo foi a ferramenta usada pelo ex-presidente da República, Getúlio Vargas, para industrializar o Brasil na década de 1950. Depois da Segunda Guerra Mundial, a indústria se tornou motivação de qualquer governo, principalmente dos países não desenvolvidos. Cumpre lembrar que a Petrobras é produto dessa política de Estado em favor da industrialização (DIAS e QUAGLINO, 1995). E ainda, de acordo com os autores, nos países desenvolvidos, o petróleo é administrado por empresas privadas; e nos não desenvolvidos a administração é feita por empresas estatais, o que pode contribuir para a corrupção. No dia 3 de outubro de 1953, o então presidente Getúlio Vargas assinou a Lei 2.004 que criou a Petrobrás, como resultado da campanha “O petróleo é nosso”. O movimento popular foi iniciado em 1946 e defendia o petróleo nacional. A adesão da população a essa campanha deve-se à figura de líder popular que Getúlio Vargas se transformara naquela época, com um discurso voltado principalmente para os trabalhadores (DIAS e QUAGLINO, 1995). A criação da Petrobrás foi um projeto político e estratégico para o Brasil e teve um papel decisivo na história do País. Em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, iniciaram-se os primeiros passos que levaram à quebra do monopólio estatal no setor de petróleo. Naquele momento, a Comissão Especial do Petróleo da Câmara Federal aprovou o texto para flexibilizar o monopólio e, no dia 20 de junho de 1995, a emenda constitucional foi aprovada. (DIAS e QUAGLINO, 1995). Em agosto de 1997, foi promulgada a Lei 9.47821, que reafirmava o monopólio da União sobre os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, mas abria o mercado para outras empresas competirem com a Petrobrás. Conhecida como "Lei do Petróleo", a referida lei abriu o mercado brasileiro a firmas internacionais e, em compensação, permitiu que a Petrobrás adotasse regras mais flexíveis para contratar bens e serviços. A partir daquele ano, a empresa foi dispensada da Lei de Licitações e ganhou poderes para contratar de forma simplificada, em muitos casos, por meio de carta-convite.

21 Lei de FHC afrouxou controles na Petrobrás. Disponível em: http://www.brasil247.com/pt/247/economia/161083/Lei-de-FHC-afrouxou-controles-da-Petrobras.htm.. Acesso em: 5/10/2015.

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Para FREIRE (2013)22, mesmo depois da quebra do monopólio, a Petrobrás manteve a competitividade nos cenários interno e externo. De acordo com o historiador, a Petrobrás é uma das principais empresas do mundo e a principal empresa brasileira. Atualmente, a Petrobrás vem perdendo valor por causa do uso político da empresa que se tornou ostensivo e afastou investidores, pois é usada na barganha política, por meio da distribuição de cargos entre partidos do governo e os gestores ficam subordinados a interesses políticos23. Dessa maneira, observa-se que a corrupção envolvendo a Petrobrás, apontada pelas investigações da Operação Lava Jato, afeta negativamente a eficiência de atores públicos e privados, comprometendo, assim, o desempenho do Estado. A presença desses efeitos (CANACHE e ALLISON, 2005) produz consequências para a capacidade de o sistema democrático resolver problemas coletivos e podem influenciar a percepção dos cidadãos em relação à confiança e à legitimidade das instituições e dos políticos envolvidos no escândalo.

A Corrupção, a Operação Lava jato e a crise

A Operação Lava Jato, além de apontar o problema da corrupção, também reflete a “crise” que se transformou numa categoria chave para designação daquilo que caracteriza o atual momento histórico.

22 Disponível em: http://economia.terra.com.br/petrobras-completa-60-anos-confira-historia-da- empresa,8b46e81761e71410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html. Acesso em 2/10/2015.

23 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1429513-valor-da-petrobras-caiu-50- desde-2010.shtml. Acesso em 2/10/2015.

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A CORRUPÇÃO NA PETROBRÁS E A LAVA JATO

Crise Política Crise Econômica

Déficit Público / Eleições Petrobrás / Grandes empreiteiras

Crise Ética

Quadro elaborado pela autora.

A operação Lava Jato é relevante porque tem um impacto tanto sobre a crise política quanto sobre a crise econômica. Ela influencia a crise política, tendo em vista que associa a corrupção com os políticos e os partidos. Os grandes esquemas de corrupção, geralmente associados ao partido que está no governo, revelaram-se como um componente fundamental de um sistema político controlado não apenas por funcionários corruptos, mas também por empresas corruptoras. E tal situação causa um impacto nas eleições, à medida que parlamentares da oposição (PSDB) defendem a convocação de novas eleições como uma solução para recuperar a estabilidade política do País. A oposição defende a cassação da presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), baseada nos abusos ocorridos durante a eleição de 2014, e ainda na pressão social pela renúncia da presidenta24. As pressões populares contra ela se fazem em forma de manifestações nas ruas e no ato de bater panelas, buzinar e gritar durante o pronunciamento da presidenta e as

24 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/08/1665368-oposicao-defende-novas- eleicoes-como-solucao-para-crise-politica.shtml. Acesso em 25/9/2015 . 16

propagandas do PT, demonstrando reprovação aos ditames governamentais adotados pela Presidência da República25. A crise política revela-se também numa crise da coalizão do governo e de relacionamento entre executivo e legislativo. A corrupção com pagamento de propina de milhões de reais, revelada na Operação Lava Jato, gera impacto no processo político democrático, visto que os prejuízos aos cofres públicos e o enriquecimento ilícito dos agentes públicos interferem no processo eleitoral. O déficit público, ocultado nas eleições de 2014, veio à tona em 2015, e tornou-se um contribuidor da crise econômica, porque o governo não tinha recurso financeiro para auxiliar a Petrobrás26. O impacto na crise econômica se faz no sentido de que os escândalos de corrupção na Petrobrás afetaram diretamente a economia nacional. A Petrobrás é a maior empresa brasileira e responde por 13% do Produto Interno Bruto (PIB) do País27. As denúncias de corrupção, da prisão de diretores, do endividamento, da dificuldade em captar recursos no exterior e da perda de valor e falta de credibilidade no mercado proporcionaram a queda do barril de petróleo no mercado internacional. As demissões, os adiamentos e os atrasos em projetos de investimentos geram um impacto na economia brasileira. No mercado, a letargia da estatal desperta medo e apreensão em empresas de toda a cadeia produtiva28. Além disso, as empreiteiras e estaleiros que tiveram seus controladores envolvidos nas investigações da Lava Jato não podem participar de licitações com a Petrobrás. A crise econômica se revela, pois, no desemprego, na inflação, no aumento do dólar, na restrição do poder de compra.

25 Disponível em: http://politica.estadao.com.br/discute/vale-bater-panela-para-protestar,237. Acesso em: 25/9/2015.

26 Segundo números divulgados pelo Banco Central, o setor público consolidado teve um déficit primário de R$ 32,53 bilhões, ou 0,63% do Produto Interno Bruto (PIB), no ano de 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/01/contas-do-setor-publico-tem-primeiro-deficit-da-historia- em-2014.html . Acesso em 23/9/2015.

27Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/503654/noticia.html?sequence=1. Acesso em 23/09/2015.

28 Disponível em http://oglobo.globo.com/economia/crise-da-petrobras-freia-economia-do-pais- 14889297#ixzz3maHA50RO . Acesso em 23/9/2015. 17

A Operação Lava Jato é significativa porque permite discutir o problema da corrupção no Brasil e a forma como ela prejudica a democracia. Pela primeira vez, empreiteiras estão sendo investigadas,e executivos foram presos pela Polícia Federal, entre eles, os presidentes de algumas delas. Importa ressaltar que as empreiteiras envolvidas realizam importantes obras públicas, financiadas pelos governos federal, estaduais e municipais de diferentes partidos e são as principais financiadoras das campanhas eleitorais que elegeram esses governantes. Segundo um levantamento feito pelo Estado de São Paulo, a Operação Lava Jato afetou 30 grandes obras importantes para o desenvolvimento do país por conta da falta de crédito e a redução da mão de obra. Entre outras, elas afetam construções como os trechos de transposição do Rio São Francisco, Ferrovia da Integração Oeste- Leste e Cinturão das Águas do Ceará, além de vultosos projetos da Petrobras29. De acordo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho (2015), mais de 35,5 mil vagas foram fechadas na construção civil, no primeiro bimestre de 2015. Esse problema também afeta a indústria naval que, desde o início de 2014, demitiu cerca de 34 mil trabalhadores, incluindo o setor de máquinas e equipamentos. O cenário geral de desemprego (em todas as áreas), no País, é de 985,6 mil postos de trabalho fechados entre os meses de agosto de 2014 a agosto de 201530. De acordo com o IBGE (2016), o desemprego nacional atingiu 11,2% em abril de 2016, e o rendimento médio real do trabalhador recuou 3,3%31. E ambas as crises, política e econômica, também geram uma crise ética. No plano político, a sociedade percebe cada vez mais a falta de qualquer princípio ético. Uma das consequências desse fenômeno pode ser a desconfiança nos agentes políticos (parlamentares e executivo) e a diminuição da legitimidade nas instituições do País.

29 Disponível em: http://www.brasil247.com/pt/247/economia/174144/Efeito-Lava-Jato-30-obras- paradas-em-todo-o-Pa%C3%ADs.htm. Acesso em 23/9/2015.

30 Disponível em: http://m.economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-a-pior-criacao-de-emprego- para-agosto-em-20-anos,1769078. Acesso em 28/9/2015.

31 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/05/1776652-desemprego-nacional- atinge-112-no-trimestre-encerrado-em-abril-diz-ibge.shtml. Acesso em 1/6/2016.

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O fenômeno contemporâneo da desconfiança política.

A erosão da confiança dos cidadãos em seus dirigentes e nas instituições políticas é um dos fenômenos mais estudados pela ciência política, nos últimos 20 anos, e é considerada uma variável essencial para a compreensão das sociedades democráticas contemporâneas. O tema é também interesse da economia, sociologia e da psicologia e despertou uma variedade de definições do conceito. A literatura trata a questão da confiança em abordagens distintas: por um lado, racionalistas consideram que a confiança envolve a expectativa racional do indivíduo que confia nas ações da pessoa que é objeto de confiança. Como o ato de confiar é insuficiente para determinar o resultado da interação, Hardin (1999) considera que quem confia tem segurança prévia a respeito da motivação solidária do confiado e a expectativa de que seus interesses não serão desconsiderados por ele. A confiança designa, dessa maneira, a segurança de procedimento ou crença em outros com quem se interage e convive. Por outro lado, existe uma corrente que rejeita a abordagem racionalista, baseada estritamente no cálculo “custo e benefício”, e defende que a decisão dos cidadãos de confiar não seria sempre racional, e a confiança se determinaria pelo nível de informação disponível acerca do comportamento dos outros. Moisés (2013), ao analisar as diferentes abordagens sobre confiança, sugere que a desconfiança resultaria tanto da avaliação racional das pessoas em relação aos resultados práticos do desempenho das instituições, como da percepção de que seus fundamentos normativos não estão se realizando.

Quando se generalizam práticas de corrupção, de fraude ou de desrespeito ao interesse público, instala-se uma atmosfera de descrédito e de desesperança, comprometendo a aderência dos cidadãos à lei e às estruturas que regulam a vida social. Instala-se assim a desconfiança e o distanciamento dos cidadãos da política e das instituições democráticas (MOISÉS, 2013, p. 48).

Para o autor (2013, p. 13), a confiança depende da avaliação dos cidadãos de que as instituições cumprem a missão para a qual foram criadas, de forma ética.

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Confiança política designa “segurança de procedimentos diante de diferentes circunstâncias que afetam a vida das pessoas”. Rosanvallon (2011) salienta que a confiança em instituições é um modo por meio do qual os cidadãos asseguram que os seus direitos de cidadania são respeitados. A confiança é, no mundo contemporâneo, uma condição necessária da cidadania. O Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getúlio Vargas realiza uma pesquisa trimestral32, desde 2012, coordenado pela professora Luciana Gross Cunha, que mede o Índice de Percepção do Cumprimento da Lei (IPCL- Brasil). O levantamento estatístico é de natureza qualitativa e avalia a percepção dos brasileiros no que concerne ao respeito às leis e às ordens de algumas autoridades, retratando a ligação do indivíduo com o Estado de Direito. O objetivo é contribuir para a discussão sobre o grau de efetividade do Estado de Direito no Brasil, com base na mensuração de como o brasileiro percebe o comportamento da sociedade em relação à obediência às leis. A pesquisa revela que a maioria dos entrevistados concorda com a afirmação de que “é fácil desobedecer à lei no Brasil” e de que o cidadão brasileiro, sempre que possível, opta pelo “jeitinho” em vez de obedecer à lei. No que tange à confiança da população nas instituições, a pesquisa indica que há baixa confiança na polícia (33%), no Judiciário (25%), no Governo Federal (19%), no Congresso Nacional (15%) e nos partidos políticos (5%). O Índice de Percepção do Cumprimento da Lei – IPCL-Brasil retrata a relação do indivíduo com o Estado de Direito, observando o respeito daquele às leis, bem como às autoridades que devem fazer com que as leis sejam cumpridas. A pesquisa realizada pela Edelman Trust Barometer (2015)33 afirma que o índice de confiança dos brasileiros no governo34 (executivo) diminuiu entre os anos 2014 e 2105, atingindo 37%, e continua sendo a instituição menos confiável pelo quarto ano consecutivo, de acordo com esta pesquisa.

32 Relatório IPCL- Brasil. 1º TRIMESTRE / 2015. 4ª ONDA - ANO 2. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/13729/Relat%c3%b3rio_IPCLBrasil_1%c2 %ba%20Trimestre%202015.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 4/8/2015.

33 Disponível em: http://www.edelman.com.br/propriedades/trust-barometer/. Acesso em 4/8/2015.

34 Governo é a autoridade governante de uma nação ou unidade política, que tem como finalidade regrar e organizar a sociedade. Um governo pode ser formado por dirigentes executivos do Estado ou ministros (NOVO DICIONÁRIO BRASILEIRO, 1964).

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O Instituto Brasileiro de Opinião Pública (IBOPE, 2015)35 corrobora com as pesquisas citadas, ao apontar que o nível de confiança dos brasileiros nas instituições políticas diminuiu consideravelmente no ano de 2015. De acordo com o IBOPE, a confiança na presidenta era de 44, em 201436 e diminuiu para 22, em 2015; os partidos políticos tinham um índice de confiança de 30, em 2014, e caiu para 17, em 2015; e o Congresso Nacional passou de 35, em 2014, para 22, em 2015. De acordo com Rosanvallon (2011), o Brasil bate todos os recordes de desconfiança política.

A falta de confiança no próximo e a desconfiança em relação aos governantes aparecem correlacionadas (...) o Brasil bate todos os recordes de desconfiança política, é também um país em que os indicadores de confiança interpessoal são mais baixos; a situação da Dinamarca, exatamente inversa, mostra que a confiança é muito forte nas pessoas próximas e isso reflete na relação de menos receio em relação aos governantes (ROSANVALLON, 2011, p. 29)37

As pesquisas evidenciam que existe uma desconfiança crescente no governo atual. Muitos intervenientes fazem parte da crise atual e podem ter impacto na confiança dos cidadãos em relação às instituições e aos governantes, e não devem ser negligenciados (desemprego, inflação, desentendimentos no governo, etc.). Entretanto, neste trabalho, vamos nos ater a um dos desdobramentos da Operação Lava Jato, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Petrobrás. O objetivo da pesquisa é analisar como o descumprimento da lei (a corrupção) mina a legitimidade das instituições brasileiras e das autoridades políticas. Para alcançarmos este objetivo, estudaremos uma das instâncias das instituições políticas formais - a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), uma

35 Disponível em: http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Instituicees-politicas-perdem-ainda- mais-a-confianca-dos-brasileiros.aspx. Acesso em 4/8/2015

36 Em uma escala de 0 a 100.

37 La falta de confianza em El prójimo y La desconfianza hacia los gobernantes aparecen bastante correlacionadas (...) o Brasil, que bate todos os récords de desconfianza política, es también El país en el que los indicadores de confianza interpessoal son más bajos; la situación de Dinamarca, exactamente inversa, muestra que La confianza muy fuerte em los demás se refleja em una relación de menos recelo hacia los gobiernos (ROSANVALLON, 2011, p. 29)

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instância que poderá ser de “construção ou desconstrução” da legitimidade, dependendo da forma como os políticos conduzem os processos da investigação parlamentar. Metodologicamente, num primeiro momento de análise, relataremos como ocorreu a CPI da Petrobrás, a escolha do presidente e relator, o clima entre os parlamentares, membros da Comissão, e o ambiente em que foram prestados os depoimentos. E, no segundo momento, analisaremos o depoimento das autoridades políticas envolvidos na corrupção da Petrobrás. Os depoimentos escolhidos serão de diretores e presidente da Petrobrás (autoridades que foram nomeadas pela presidência), deputados federais (autoridades eleitas pela população) e do doleiro , que foi o principal operador de propinas nesse escândalo. A escolha se justifica por entendermos que os depoimentos na CPI são discursos “estratégicos”38, no sentido em que são respostas aos questionamentos dos deputados, membros da comissão da CPI. Evidendemente, as perguntas podem vir de políticos aliados (possibilidade de vir com respostas prontas), mas os depoentes também devem responder às perguntas feitas por políticos da oposição (possibilidade de contradições). A CPI da Petrobrás permite o acesso a um contexto em que os envolvidos são investigados e precisam responder publicamente às perguntas. O tema da desconfiança política e da legitimidade psicológica ainda é pouco estudado no Brasil na perspectiva da Psicologia Social, apesar de entender que a legitimidade é um dos elementos-chave na democratização de uma sociedade. Sem deixar de descrever os conceitos clássicos da legitimidade oriundos da ciência política, o interesse neste trabalho é estudar a legitimidade em termos da psicologia da legitimidade. O tema da corrupção como desobediência às leis é relevante para compreender a realidade brasileira. Esse fenômeno faz parte de um tema geral de ineficácia democrática, da incapacidade institucional. Além disto, o tema demonstra-se cada vez mais importante porque, num país onde não se obedece às leis, a democracia está fragilizada. De acordo com Sandoval (2015, p. 11):

38 Tratamos como discursos “estratégicos” por entender que são preparados e estruturados por advogados. Os discursos são respostas às perguntas dos membros da comissão.

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O estudo psicossocial da legitimidade das leis é importante porque reflete tanto a aceitação da autoridade dos governantes e o sentimento de integração na sociedade quanto a compreensão dos processos pelos quais os governantes ganham ou perdem legitimidade frente aos governados.

Do ponto de vista da psicologia da legitimidade, compreender a dimensão psicológica do fenômeno político contribui para explicar o comportamento dos cidadãos relativamente às autoridades e ao poder. De acordo com Sandoval, Dantas e Ansara (2015, p. 21):

A psicologia política investiga e analisa as dimensões psicológicas e subjetivas da política. Assim sendo, essa área estuda os aspectos psicológicos da política, ou melhor, os aspectos psicossociais dos fenômenos políticos (...) sua finalidade consiste em compreender, sob a ótica da psicologia, o fenômeno político.

Para alcançar o objetivo da pesquisa, dividimos o trabalho em oito capítulos. O primeiro capítulo apresenta a produção latino-americana sobre a desobediência às leis. O segundo e terceiro capítulos são complementares e correspondem à fundamentação teórica da tese: o segundo discorre sobre os conceitos de confiança, e o terceiro capítulo explora os fundamentos da psicologia da legitimidade e os estudos empíricos desenvolvidos pelos autores em relação à legitimidade das autoridades e a obediência às leis. O quarto capítulo, por sua vez, aborda outras formas de legitimidade não governamentais no mundo contemporâneo, tratado pelo cientista político francês, Pierre Rosanvallon. Para além de descrever os conceitos do autor, os contextualizamos na situação atual do Brasil. O quinto capítulo descreve de forma minuciosa os instrumentos metodológicos utilizados, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás, os depoentes e a metodologia de análise. O sexto capítulo tem como objetivo relatar o desenvolvimento da CPI como um processo emblemático da crise institucional que se instalou no Brasil, desde 2015, abordará os seus objetivos, segundo os deputados, membros da comissão, e as incongruências do relatório final. No sétimo e último capítulos, analisaremos os depoimentos dos investigados. Começaremos pela análise daqueles que falaram e, em seguida, dos que

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não falaram, ou seja, que usaram o direito constitucional de permanecerem em silêncio. Para finalizar, resumimos como foi se desconstruindo a legitimidade do parlamento, por meio das ações dos parlamentares e dos depoentes, apontando o papel dessa deslegitimação no agravamento da crise política brasileira.

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Capítulo 1

Produção latino-americana sobre a desobediência às leis.

A desobediência às leis é um fenômeno complexo e onipresente ao longo da história da América Latina, desde a época das colônias espanhola e portuguesa, quando os indígenas introduziram uma atitude social de desacato às regras impostas por uma ordem sociopolítica que consideravam invasoras e impróprias. Villegas (2010) chamou de “cultura da ilegalidade”, afirmando que a desobediência é uma herança tanto da colonização espanhola quanto da portuguesa. E, como consequência, a desobediência às leis não seria vista como moral ou socialmente reprovável. Holanda (1999) mostra que a rebeldia do crioulo e sua simpatia pela aventura e pela liberdade tem origem na cultura ibérica e encontra na América Latina possibilidade de se desenvolver. Surgiu, então, de acordo com o autor, uma sociedade caótica que encontra no Estado autoritário o único principio articulador. Com a chegada da República, os tributos e o alistamento reativaram a percepção da ilegitimidade institucional e, com ela, as práticas da desobediência. Herrera (1810 apud VILLEGAS, 2010) sustentava que as leis eram promulgadas, mas que havia inúmeras maneiras de não obedecer a elas. Por um lado, os cidadãos percebiam o Estado como uma fonte de obrigações, de tal maneira que na prática não observavam diferenças entre o novo Estado (que pregava a igualdade dos direitos) e o velho Estado colonial. Por outro lado, o Estado mostrava-se bastante deficiente quanto à sua função de fazer cumprir os direitos, nos quais se convertiam os postulados universalistas de igualdade. Villegas (2010) propõe três perpectivas para explicar a desobediência às leis na América Latina. De acordo com o autor, nessas situações de desconfiança presentes na América Latina em relação ao Estado, prosperou uma atitude de cálculo estratégico diante das normas jurídicas, e os direitos e os deveres começaram a competir na mente dos cidadãos. A primeira perspectiva apontada por Villegas (2010) é o ponto de vista estratégico, ou seja, as pessoas calculam os custos e benefícios da obediência. Nesse sentido, os sujeitos são considerados atores racionais que descumprem as leis, quando

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as consequências, as sanções, por exemplo, não são graves ou podem ser evitadas. A segunda é a perspectiva cultural e supõe que as pessoas não cumprem as leis, quando os valores que estas transmitem são considerados menos significativos que outros, como os valores religiosos, sociais e familiares. A terceira, por sua vez, é a perspectiva política e pressupõe que as pessoas não cumprem as leis como um ato de resistência contra as autoridades. Nesta perspectiva, o mundo social está dominado por “usurpadores” que detêm o poder de forma que as instituições e as autoridades carecem de legitimidade. Por isso, o cidadão não perde a oportunidade de desobedecer ao que lhe ordenam. Os autores que defendem este ponto de vista são aqueles que consideram a sociedade como um conjunto de indivíduos racionais e individualistas. Muitos deles adotam posições aproximadas ao individualismo metodológico39, quer dizer, a doutrina que apoia que todos os fenômenos sociais são explicáveis por elementos individuais, tais como as metas, as crenças e as ações dos indivíduos (ARROW, 1994; HODGSON, 2007). A perspectiva cultural é menos coerente e sistemática, e contém referências isoladas sobre a desobediência às leis, em geral, em estudos e ensaios históricos e culturais sobre a importância da cultura e valores sociais (DA MATTA, 1986)40. No livro “Carnavais, malandros e heróis”, Damatta (1998) defende a tese de que o dilema brasileiro reside numa oscilação entre um esqueleto nacional feito de leis universais, nas quais o cidadão era o indivíduo, e situações em que cada um se salvava e se despachava como podia, utilizando para isso o sistema de relações pessoais. Haveria assim, de acordo com o autor, um combate entre leis que deveriam valer para todos e relações que só poderiam funcionar para quem as detinha. O resultado é um

39 Apesar dos entendimentos diversos sobre individualismo metodológico, o que eles têm em comum é a ênfase na importância dos indivíduos e das suas intenções na análise de fenômenos sociais. Contudo, o termo individualismo metodológico tem, também, uma carga ideológica, sendo frequentemente confundida, quer pelos que o advogam, quer pelos seus críticos, com o individualismo político, embora esta conexão nunca tenha sido demonstrada rigorosamente (GEOFFREY, 2007).

40 Roberto DAMATTA considera duas leituras da realidade brasileira, que seriam vistas comumente como antagônicas: uma “institucionalista”, a qual destacaria os macroprocessos políticos e econômicos, segundo a lógica da economia política clássica e implicando, por isso mesmo, alguma forma de diagnóstico pessimista do Brasil; e outra vertente, à qual se poderia chamar de “culturalista”, cuja ênfase seria concedida ao elemento cotidiano dos usos e costumes e da tradição familiar do Brasil. A visão cultural de Damatta não é compartilhada neste trabalho, entretanto, não podemos deixar de expor suas ideias, pois o autor é considerado um formador de opinião da sociedade brasileira. 26

sistema social dividido e até mesmo equilibrado entre duas unidades básicas: o indivíduo (o sujeito das leis universais que modernizam a sociedade) e a pessoa (o sujeito das relações sociais, que conduz o polo tradicional do sistema). E, no meio dos dois, a malandragem e o ‘jeitinho’ seriam modos de enfrentar essas contradições e paradoxos, de modo tipicamente brasileiro.

O brasileiro faz uma mediação também pessoal entre a lei, a situação onde ela deveria aplicar-se e as pessoas nela implicadas, de tal sorte que nada se modifique, apenas ficando a lei um pouco desmoralizada (DAMATTA, 1998, p. 97).

De acordo com Damatta (1998), em países como os Estados Unidos, a França e a Inglaterra, as leis ou são estabelecidas ou não existem. Para ele, nessas sociedades, não se escrevem leis que contrariam e depreciam o bom senso e as regras da sociedade, e que abrem caminho para a corrupção burocrática e ampliam a desconfiança no poder público. Assim, diante da coerência entre a regra jurídica e as práticas da vida diária, o inglês, o francês e o norte-americano obedecem às leis e às regras da sociedade, por considerá-las legítimas. Segundo o autor, a percepção da obediência às leis universais é decorrente da adequação entre a prática social e o mundo constitucional jurídico.

Nessas sociedades, a lei não é feita para explorar ou submeter o cidadão, ou como instrumento para corrigir e reinventar a sociedade. Lá, a lei é um instrumento que faz a sociedade funcionar bem (p.99).

A lei, por ser uma norma universal, não pode pactuar com o privilégio ou com a lei privada, ou seja, aquela norma que se aplica, diferentemente, se o crime ou a falta foi cometida por pessoas situadas em diferentes escalas sociais (quando um bacharel comete um crime e tem direito à prisão especial e um operário, diante da mesma lei, não tem o mesmo direito, uma vez que, obviamente, não é bacharel). Essa possibilidade de gradação, como sustenta DAMATTA (1998, p. 98), permite a interferência das relações pessoais na lei universal, dando-lhe em cada caso uma espécie de curvatura específica que impede sua aplicabilidade universal. “O Brasil é

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um país onde a lei significa o ‘não pode’ formal, capaz de tirar todos prazeres e desmanchar todos os projetos e iniciativas.” O Brasil tem uma legislação de regulamentação do “não pode”. A palavra “não”, que submete o cidadão ao Estado, vem sendo usada de forma constante e geral, podendo ser responsável pelo fato de o cidadão brasileiro descobrir e aperfeiçoar um modo, um jeito, um estilo de navegação social que passa nas entrelinhas do “não pode”. De acordo com Damatta (1998, p. 99):

Assim, entre o ‘pode’ e o ‘não pode’, escolhemos de modo chocantemente antilógico, mas singularmente brasileiro, a junção do ‘pode’ com o ‘não pode’ (...) essa junção produz todos os tipos de ‘jeitinhos’ e arranjos que fazem com que possamos operar num sistema legal que quase sempre nada tem a ver com a realidade social.

O jeito é um modo simpático, desesperado ou humano de relacionar o impessoal com o pessoal, no caso de juntar um problema pessoal com um problema impessoal. Ou seja, é um modo pacífico e legítimo de resolver problemas, provocando essa junção inteiramente casuística da lei com a pessoa que a está utilizando. Conforme Damatta (1998, p. 99), o jeito pode ser um drama de três atos:

Uma pessoa que não é vista por ninguém, ignorada em razão de sua aparência e modo de apresentação, chega a um local para ser atendida por um servidor público e este não sabe quem é a pessoa que chegou e não quer saber. Esta distinção entre a humildade de quem chega e a superioridade de quem está protegido pelo balcão da instituição é um elemento forte na hierarquização das posições sociais (...) O funcionário custa a atender à solicitação. Diz que não pode ser assim e ainda complica as coisas, indicando as penalidades legais a que poderá estar sujeito (...) cria-se um impasse, pois diante de um usuário honesto há a opinião de um funcionário que representa a lei e, por isso não enxerga qualquer razão pessoal para tratar o solicitante de modo agradável. De fato, a lei, e o fato de ele ser representante, cega-o completamente para essas razões humanitárias (...) Diante disso, o funcionário diz que não pode.

No Brasil, entre o “pode” e o “não pode”, encontra-se um “jeito”. Na forma clássica do ‘jeitinho’, solicita-se precisamente isso: uma maneira que possa conciliar interesses, criando uma relação aceitável entre o solicitante, o funcionário e a lei 28

universal. O ‘jeitinho’ é também um ato de força que, no Brasil, é conhecido como “sabe com quem está falando?”. Neste caso, ao contrário do jeitinho, não se busca uma igualdade simpática ou uma relação contínua com o agente da lei que está por trás do balcão. Mas se recorre a uma hierarquização inapelável entre o usuário e o atendente de tal modo que, diante do “não pode” do funcionário, está um “não pode do não pode” feita pela invocação do “sabe quem está falando?”41. Gera-se um impasse autoritário que dependerá, para sua solução, dos devidos triunfos de quem está implicado no drama. Para Da Matta (1998), o ‘jeitinho’ é uma forma de resolver os problemas com a lei. E a ligação entre a lei e o caso concreto se efetiva satisfatoriamente para ambas as partes. “Jeitinho” e “você sabe com quem está falando?” são dois polos de uma mesma situação. O primeiro é o modo harmonioso, amigável de resolver a situação, enquanto o segundo é um modo conflituoso e direto de realizar a mesma coisa, em que a autoridade é reafirmada, mas com a indicação de que o sistema é escalonado e não tem uma finalidade certa. Há sempre uma autoridade, ainda mais alta, a quem se poderá recorrer. A malandragem é outra forma de relacionar-se com a lei. O malandro é um personagem nacional. É um papel social que está à disposição para ser vivido no momento em que a lei pode ser esquecida ou até mesmo burlada com certa classe ou jeito. Para Da Matta (1998), o malandro é um profissional do ‘jeitinho’ e da arte de sobreviver a situações difíceis. Neste caso, também há um relacionamento complexo e criativo entre o talento pessoal e as leis que engendram o uso de “expedientes”, de “histórias” e de “contos-do-vigário”, artifícios pessoais que nada mais são que modos engenhosos de tirar partido de certas situações, utilizando, igualmente, o argumento da lei ou da norma que vale para todos.

41 Cabe lembrar o episódio da agente de trânsito Luciana Silva Tamburini, condenada por danos morais, após abordar um juiz em uma blitz da Lei Seca, na zona sul do Rio de Janeiro, em 2011. Quando foi parado, o juiz João Carlos de Souza Corrêa dirigia sem a carteira de habilitação, sem placa no carro e sem os documentos do veículo. Diante do delito, a agente do Detran informou o juiz que o carro teria que ser apreendido. O juiz se identificou como magistrado e lhe deu voz de prisão, justificando que a agente de trânsito teria dito que ele “era juiz, mas não Deus”. O desembargador José Carlos Paes, da 14ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do RJ, condenou Luciana Tamburini a pagar R$ 5 mil ao juiz, em 2014, por ter “desafiado a própria magistratura e tudo o que ela representa”. Disponível em http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-que-aconteceria-na-suecia-com-o-juiz-parado-numa-blitz- no-rio/ acesso em 12/11/2014.

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O malandro é aquele que sempre escolhe ficar no meio do caminho, juntando de modo quase sempre humano, a lei, impessoal e impossível, com a amizade e a relação pessoal (DAMATTA, 1998, p. 104).

De acordo com Souza (2001), a obra de Roberto da Matta pode ser relevante para a ciência social brasileira pelo potencial inovador e pela centralidade da reflexão filosófica, seja na indagação acerca dos pressupostos da teorização científica, seja no questionamento radical do que constitui a singularidade de uma formação social. No entanto, são questões que ficam no limbo na interpretação personalista e patrimonialista das práticas sociais e institucionais que se formam a partir dela. Nas três perspectivas que Villegas (2010) descreve, há uma razão particular para desobedecer: o interesse, no caso do ponto de vista estratégico; a defesa, sob a ótica política; e os valores, no caso do cultural. Entretanto, uma pessoa pode descumprir as leis quando lhe convém, ou para defender-se ou por acreditar que existam valores superiores àqueles que a lei impõe. Na prática, uma mesma pessoa pode desobedecer por uma, por várias ou por todas essas razões. Villegas (2010), além de descrever as principais pontos de vista dos cidadãos que desobedecem às leis, também classifica três tipos de ‘descumpridores’42: aquele que desobedece por interesse o autor nomeia de “vivo43”; aquele que desobedece para defender-se das autoridades é chamado de “rebelde”; e aquele que desobedece em defesa dos valores superiores é chamado de “arrogante”. De acordo com o autor:

Por hora limitarei a descrever a mentalidade desses três sujeitos, tendo em conta que se trata de tipos ideais e não de uma descrição fiel da realidade (tradução nossa).44

42 A palavra ‘descumprimento’ e ‘descumpridores’ descrita por Villegas em todos os seus textos será tratada no texto por seu sinônimo ‘desobediência’ e ‘desobedientes’.

43 A palavra “vivo” em português pode ser traduzida como “esperto”. Entretanto, o esperto neste contexto é no sentido pejorativo. A partir daqui, vamos traduzi-lo por “esperto”.

44 Por ahora me limitaré a describir la mentalidad de estos tres sujetos teniendo presente que se trata de tipos ideales, no de una descripción fiel de la realidad (VILLEGAS, 2010, p. 163). 30

O que interessa ao autor é estudar o comportamento cotidiano das pessoas que desobedecem às leis ou às normas, e não o comportamento criminal ou desviado, muito menos a desobediência fundada na negligência ou na ignorância.

Interesso-me por um tipo de comportamento intermediário entre a intenção e a causalidade: entre um crime voluntário e um desacato por ignorância; não apenas levando em conta a desobediência às normas legais –códigos, constituições, regras, etc. Mas também pelas normas sociais, incluindo as morais (tradução nossa).45

Em todos os países da América Latina, desde o norte do México até a Patagônia, o desobediente das leis mais comum é o tipo idealizado por Villegas (2010) denominado de “esperto”. Mafud (1971, p. 112) afirma que o “esperto” se relaciona legitimamente contra uma sociedade arbitrária, porque não acredita na justiça e crê que todos os meios são bons para atingir o fim e cujo interesse pessoal se vale de um princípio egoísta para justificar e legalizar seu comportamento.

O esperto não é um fiscal acusador de sua sociedade, mas sim um fiscal explorador. Acusará sua sociedade na medida que não se entrega docilmente a seus caprichos (...) o esperto é um aproveitador (...) acorda antes que o acordem, sai na frente em cada situação (...) para ele a honestidade é para os idiotas (tradução nossa).46

Segundo o autor, o “esperto” é um personagem de fronteira. Isso quer dizer que não é um patife nem um parasita, mas tem um pouco de todos esses personagens. O “esperto” se aproveita dos demais por conveniência e sempre procura satisfazer seus

45 Interesso por un tipo de comportamiento intermedio que puede ubicarse entre la intencíon y la causalidad: entre un crimem voluntario y un desacato por ignorancia; no sólo tendré en cuenta el incumplimiento de normas legales – codigos, Constituciones, reglamentos, etc. – sino tambem les normas sociales e incluso morales (VILLEGAS, 2010, p. 164).

46 El vivo no es fiscal acusador de su sociedad, sino su fiscal explotador. Acusará a su sociedad en la medida que no se entregue dócilmente a sus caprichos (...) el vivo es un aprovechador (..), ser madrugador antes que lo madruguem; salir avante en cada situacíon (...) la honradez es de los pendejos. (MAFUD, 1971, p. 112). 31

interesses pessoais. E, para chegar ao fim desejado, não se importa com os meios, sem se importar com o código moral ou com as leis. A “viveza” (esperteza) é um comportamento ambivalente. Por um lado, é motivo de elogio, uma vez que representa a capacidade de sair adiante em situações difíceis. Por outro lado, pode ser repreensível, quando é utilizada para enganar ou tirar proveito de alguém. Camargo (1992 apud VILLEGAS, 2010, p. 163) definiu esperto:

Ele é um cara que resolve todos os seus problemas e convida outras pessoas para resolvê-los por meios que estão na “borda da lei” e, por vezes, nos termos da lei criminal, mas em um lugar que não é facilmente descoberto. E é, essencialmente, quem inventou todos os tipos de truques para burlar o Estado de suas formalidades complexas (tradução nossa).47

Na América Latina ocorre o seguinte fenômeno, de acordo com Villegas (2010). Quando o personagem “esperto” consegue o que deseja, desobedecendo às leis ou normas, ao invés de obter reprovação, observa-se que, geralmente, obtém elogios. Nas palavras do autor (p. 163): “ Os meios não são bons, mas o fim, sim, e isto basta”. O mais importante nesse contexto é conseguir o que se deseja, ou seja, conseguir “burlar” ou desobedecer às leis sem ser punido. No contexto do futebol, trânsito ou política há inúmeros exemplos a serem citados, nos quais se pode identificar esse personagem. No futebol, por exemplo, se o jogador coloca as mãos na bola, no momento de fazer o gol, mas o juiz não anula e o time ganha a partida, os torcedores atentam-se ao resultado final. Se o resultado final é bom, eliminam-se da memória os meios para conquistá-lo. Passar por imoral importa menos aos cidadãos do que passar por tolo. Os espertos justificam a desobediência a partir de um suposto direito supralegal: o direito ao jogo. Os indivíduos são vistos como jogadores que jogam contra o Estado e que têm direito a enganá-lo tanto quanto o Estado pode atrapalhá-los

47 Es un tio que resuelve todos sus problemas e invita a los demás a resolverlos por medios que están apenas al borde de la ley, y en ocasiones por debajo de la ley penal, pero en un sitio que no es fácil de descubri. Y es, essencialmente, quien ha inventado todo género de trucos para burlarse del Estado, de todas sus reglamentaciones, de sus complejíssimos formulismos. (CAMARGO apud VILLEGAS, 2010, p. 163)

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ou aprová-los. Assim, o público é somente um espólio. A multa, prisão ou a morte são fatalidades do jogo e não são percebidos como castigos sociais ou morais. Villegas (2010, p. 163) afirma que, sob essa perspectiva, pode-se dizer:

O direito não é apenas uma norma social, mas é também um elemento da aventura de viver em sociedade. O reconhecimento social pode estar ligado mais ao triunfo do que ao mérito moral; o mérito é um triunfo e não outra coisa. Cria-se uma cultura de desobediência que despreza o cidadão ou o funcionário obediente (tradução nossa).48

O personagem ‘esperto’ proposto por Villegas é um calculador. Ou seja, ele faz um cálculo entre os riscos e os benefícios de desobedecer às leis. Por isso, é importante considerar as circunstâncias nas quais os ‘incumpridores’ desenham suas estratégias para entender como eles se comportam. As teorias econômicas explicam a desobediência como resultado de incentivos para não obedecer às leis, advindos da incapacidade institucional para punir aqueles que desobecem a elas. De acordo com VILLEGAS ( 2010, p. 166):

A desobediência é vista como o produto de uma estratégia individual em que os custos das práticas criminosas são baixos em comparação com os resultados obtidos. Como tal, o problema decorre da existência de instituições fracas que não conseguem impor comportamentos consagrados em suas normas jurídicas. A falta de sanções eficazes é um incentivo para quebrar as regras. Desobedecer é barato (tradução nossa).49.

Neste sentido, o ‘esperto’ é um calculador, e seus cálculos o beneficiam em médio e longo prazos. Nino (2005, apud Villegas, 2010) utiliza o modelo do ator

48 El derecho no es una norma social sino un elemento más de la aventura de vivir en “sociedad”. El reconocimiento social suele estar más ligado al triunfo que al mérito moral; el mérito es el triunfo y no otra cosa. Se crea así una cultura del incumprimiento gallardo que se desprecía al ciudadano o al funcionario obediente. (VILLEGAS, 2010, p. 163)

49 El incumplimiento es visto como el producto de una estrategia individual según la cual los costos de las prácticas criminales son bajos, comparados con los resultados obtenidos. Siendo así, el problema se origina en la existencia de instituciones débiles que no logran imponer los comportamientos que consagran en sus normas jurídicas. La falta de sanciones efectivas es un incentivo para violar las normas. Desobecer resulta barato (VILLEGAS, 2010, p. 166).

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racional para analisar a desobediência às leis na Argentina e afirma que existe uma espécie de “anomia da vida social”, uma vez que esse tipo de comportamento (desobedecer às leis e às normas) prejudica a maioria dos atores envolvidos. O autor também utiliza o “Dilema do Prisioneiro” para mostrar como certos padrões racionais de comportamento produzem resultados ineficazes e suspeitos. O “Dilema dos Prisioneiros” foi inventado, em 1950, por Merrill Flood e Melvin Dresher, e adaptado e divulgado por Albert Tucker. É um jogo que representa o dilema entre cooperar e trair. De modo genérico, dois suspeitos A e B são presos pela polícia que não tem provas suficientes para condená-los e os separa em salas diferentes oferecendo a ambos o mesmo acordo. De acordo com Luce & Raiffa (1957, p. 97)

Se um dos prisioneiros confessar (trair o outro) e o outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre, enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos. Se ambos ficarem em silêncio (colaborarem um com ou outro), a polícia só pode condená-los a 1 ano cada um. Se ambos confessarem (traírem o comparsa), cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a decisão sem saber a escolha do outro, e eles não podem conversar.

O segundo tipo idealizado por Villegas (2010) é denominado “rebelde”. Este tipo não reconhece a legitimidade da autoridade que cria e impõe as normas e leis e, por isso, ele se sente no direito de não acatá-la. Na época colonial, os espanhóis e os europeus eram considerados pessoas honradas, uma vez que ter honra era sinônimo de ter virtude e liberdade. Essa liberdade se traduzia em dois privilégios: não ter de trabalhar e não ter de obedecer a nada ou a quase nada. Trabalhar, naquela época, era para classes inferiores e a obediência a Deus e ao rei não implicava, necessariamente, obediência às autoridades locais. Os extremos da estratificação social se diferenciava não apenas no que se refere à riqueza, mas também à honra e à liberdade. De um lado, estavam os poderosos, honrados e livres; de outro lado, estavam os escravos (GARRIDO, 1997). No século XVIII, aumentou consideravelmente o número de mestiços livres, também chamados “livres de todas as cores” (GARRIDO, 1997, p. 13). As classes superiores se empenharam a reivindicar sua honra em relação aos grupos considerados inferiores. Ou seja, como já dito, a honra era não ter que trabalhar como o escravo e 34

“não obedecer a ninguém”. Em relação aos índios, afirmava-se que eles eram indivíduos livres e, por isso, não eram obrigados a obedecer às leis. Na cultura latino- americana, a assimilação mestiça entre a liberdade e a honra foi responsável pela idealização do comportamento de desobedecer às leis (VILLEGAS, 2010). Assim, para Garrido (1997), no imaginário colonial, produziu-se uma associação entre honra e liberdade, uma vez que se tratava de uma sociedade na qual a liberdade e a honra eram “bens escassos, ameaçados e por isso muito preciosos” (p. 10). Desde o século XVI, existe uma valorização especial em ser livre, que se traduzia naquela época em “não ter que obedecer incondicionalmente”. Para muitos, obedecer a algumas ordens era sinônimo de não ser livre. E, consequentemente, ao desacatá-las ou descumpri-las, o cidadão se sentia dono da própria vontade. Na maioria dos casos, tanto individuais como coletivos, os “desacatadores” alegavam que desobedeciam à autoridade, porque esta não detinha o poder de forma legítima. De acordo com Garrido (1997, p. 11):

Não se tratava de desobediência porque a ordem "não se aplicava", mas a desobediência justificada pelas falhas de quem mandava ou em quem mandava (tradução nossa)50.

Assim, com a mesma frequência que as autoridades se queixavam do “não reconhecimento” de seu cargo, os “desobedientes” alegavam que as autoridades não lhes haviam dado o que mereciam. Tanto as autoridades como os cidadãos, naqueles tempos, usavam a honra em defesa de suas práticas. Pode-se dizer que a relativa aceitação da desobediência como atos emanados da liberdade e da honra serviam para justificar a relação entre autoridades e os cidadãos daquela época. O que Garrido (1997) chamou de ‘economia da honra e da obediência’. Contudo, ser livre no sentido de não ser tributado e não ser escravo não lhe garantia a autonomia de ser autor dos próprios atos. A necessidade de ser reconhecido podia inspirá-los tanto para condutas submissas quanto para procedimentos de desafio. Não estava claro quais eram as regras ou normas que se deveria seguir. A imagem que tinham de si mesmo e o reconhecimento que recebiam ou não dela,

50 No se trataba de desobediencia porque la orden ‘no aplicaba’ sino de desobediencia justificada por las faltas en quien mandaba o en lo que mandava (GARRIDO, 1997, p.11).

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parecia ser uma chave para sua desobediência ou obediência (GARRIDO, 1997, p. 12). Para esclarecer sua posição, a autora cita Paul Veyne (apud GARRIDO, 1997, p. 13):

No sentido que aqui é adequado, portanto, um indivíduo não é um rebanho besta. É, no entanto, um ser que dá valor à imagem que tem sobre si mesmo. O interesse por essa imagem pode incentivá-lo a desobecer, a se rebelar, mas também a obedecer ainda mais. Neste sentido, a noção de indivíduo não se opõe ao estado ou à sociedade. Podemos dizer que este indivíduo é atingido no coração pelo poder público quando se distorce sua imagem na relação consigo mesmo para obedecer ao Estado ou à sociedade (tradução nossa).51

No século XIX, houve consideráveis mudanças psicossociais. Com a independência, chegaram novos valores de igualdade e a obediência à lei que tentou eliminar os privilégios fundados na honra. No entanto, a hierarquia entre as classes sociais não mudou, e as elites continuaram reproduzindo os ideais da honra e da liberdade para diferenciar-se, não somente das demais classes sociais, mas também das leis e da autoridade política. Por outro lado, a classe média, com base nas novas liberdades adquiridas e diante da “frágil legitimidade” dos novos governantes, também reproduziram a veneração pela liberdade e a submissão condicionada às leis (VILLEGAS, 2010). A desobediência expressava-se tanto na resposta doméstica “em mim ninguém manda” como numa tendência a não seguir as regras, e ainda, no pensamento de que as leis e as regras são para os outros e que sempre há uma exceção presente na sociedade como herança dos vários tipos de resistência ao abuso e aos maus-tratos em nome da honra e da liberdade. Segundo Villegas (2010), vários personagens rebeldes fazem parte da história da América Latina: gaúchos na Argentina, charros no México, “llaneros” (homens do

51 En el sentido que aquí se conviene, pues, un indivíduo no es una bestia de rebaño; es, por el contrario, un ser que confiere valor a la imagen que tiene sobre si mesmo. Él interés por esta imagen puede incitarlo a desobecer, a rebelarse, pero también, e incluso con más frecuencia, a obedecer todavía más; entendida en este sentido, la noción de individio no se opone en absoluto a la de sociedad ou de Estado. Se puede decir entonces que este individuo es herido en el corazón por el poder público cuando se desvirtúa su imagen de si en la relación que tiene consigo mismo al obedecer al estado o a la sociedad (PAUL VEYNE APUD GARRIDO, 1997, p.13).

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campo) na Venezuela, cangaceiros no Nordeste do Brasil. Hobsbawn (1970) denomina de “rebeldes primitivos” ao referir-se a Robin Hood, às seitas de trabalhadores britânicos, à Máfia, aos lazaretistas italianos, aos agricultores na Colômbia e no Peru, e às pessoas consideradas “pré-políticos”, isto é, os que ainda não têm linguagem específica para expressar suas aspirações de maior justiça social. Todos esses personagens têm um traço comum: não são facilmente domados, chamados, pois, por autores como Queiroz (1992, apud VILLEGAS, 2010, p. 167) de “indomáveis e rebeldes”. Na cultura brasileira, mencionam-se personagens populares, como Pedro Malasartes, “um herói sem carater”, um indivíduo pobre, astuto e rebelde, que zomba e desobedece às autoridades. Conta-se que Pedro Malasartes nasceu em uma família pobre. O irmão, tendo procurado trabalho numa fazenda, caiu nas mãos de um patrão abusivo que não lhe pagava. Ao vê-lo voltar para casa depois de um ano de trabalho e sem dinheiro, Pedro, com raiva, promete vingança. É contratato pelo mesmo patrão e com astúcia e malícia consegue se vingar. Destrói o patrão e se enriquece. Para Villegas (2010), Pedro Malasartes não é como o personagem Robin Hood que rouba para repartir entre os pobres. Ele é um transgressor das normas, individualista e incrédulo, que, ao ver a injustiça, rebela-se. Pedro Malasartes é uma história sobre a mobilidade social como um direito moral. Se obedecer às regras do patrão não garante a recompensa devida; terá, pois, que buscá-la por meio da desobediência, como nos relata o autor. A arrogância também é tratada pelos autores que estudam a desobediência às leis como um fator relevante e é considerada legado da colônia espanhola. Conforme Villegas (2010), o arrogante aceita as leis, mas pensa que, dada sua posição na sociedade e seu conhecimento, tem direito de ser excluído da obrigação de acatá-la. Ele acredita que as leis são importantes para a sociedade, mas elas são feitas para os outros e não para pessoas como ele. Este tipo de personagem é comum em todas as sociedades, em maior ou menor grau. Romero (1985, p. 156) argumenta que a concepção épica da vida era a primeira característica da mentalidade conquistadora:

Recebemos da Espanha uma cultura que aprecia mais os mitos grandiosos, a vida heroica e o espiríto nobre que a virtude do trabalho manual, o progresso material e a vida em sociedade (...) se a Espanha 37

não é grande por sua habilidade e riqueza industrial e comercial, ela é no seu ânimo e grandeza (tradução nossa).52

Mais que uma atitude generalizada em toda sociedade, o espírito senhorial era uma caraterística da moral que se propagava nas elites ibéricas governantes, nos séculos XVII, XVIII e XIX. Para a elite dominante, o fundamental estava na contemplação dos valores superiores e na estrutura social e econômica que a sustentavam e a legitimavam. Naquela época, o trabalho manual e os esforços físicos eram mal vistos, enquanto que a ociosidade era manifestação de êxito e de riqueza (ROMERO, 1985). Segundo o autor, enquanto uma parte da Europa do século XVIII se impunha à burguesia, à desigualdade social e à acumulação da riqueza, na América Latina predominavam a defesa do espírito senhorial e a justificativa das diferenças sociais. Zea (1957 apud VILLEGAS, 2010) afirma que o governo cristão era um governo de virtude e dirigido pela graça divina. Essa visão católico-ibérica do mundo não propiciava a construção de uma estrutura social fundada em regras claras e universalmente aplicadas, como sucedeu nos países de cultura protestante. A honra, a família e a fé estavam sempre acima dos valores cívicos e justificavam a introdução permanente de exceções às regras e às leis. A fé teve um papel determinante no comportamento cotidiano dos cidadãos. A religião era percebida como uma verdade universal e indiscutível, a qual os cidadãos tinham a obrigação de difundir, mesmo pela força, se fosse necessário. Outro fator importante era a defesa da família que, geralmente, também estava acima da lei.Ou seja, para defender a família, o cidadão passava por cima das leis (ROMERO, 1985). O progresso do mercado e o surgimento da burguesia no final do século XIX não abandonaram as estruturas econômicas herdadas da colônia nem o espírito colonial que as acompanhavam. Com a independência, não havia mais o rei, porém os caudilhos, militares, caciques, líderes continuavam. Muitos senhores se transformaram em burgueses e conservavam o orgulho de serem nobres (GARRIDO, 1997).

52 Recebimos de Espanã una cultura que aprecia mas los mitos grandiosos, a vida heroica y el espiritu nobiliário que la virtud de trabajo manual, el progreso material y la vida en sociedad (...) si la España no es grande por su habilidad y riqueza industrial y comercial, lo es en cambio por su ânimo y grandeza (ROMERO, 1985, p. 156)

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De acordo com autor, no século XX, a população mestiça aumentou, inclusive entre as elites dominantes. No entanto, o espírito de superioridade moral e política continuou igual, pois o comportamento burguês e igualitário se misturaram com atitudes senhoriais e nobres. Portanto, o status e o papel social foram mais fortes que as leis e a cidadania. Na visão dos autores (ROMERO, 1985; DAMATTA, 1986; GARRIDO, 1997), na América Latina, as pessoas são guiadas mais pelos papéis que desempenham na sociedade do que por uma identidade de cidadania diante das leis. O poder de igualdade das leis nunca foi forte o suficiente para abandonar as diferenças de uma sociedade fundada na hierarquia e detentora de privilégios. Assim escreve Mariátegui (1969 apud VILLEGAS, 2010, p. 170):

Os “doutores” substituíram os comandantes, barões, conselheiros e viscondes do Império (...) quem gozava de posições privilegiadas desenvolveram uma série de estratégias para que a lei continuasse compatível com o reconhecimento do privilégio (tradução nossa).53

Wachetel (1971 apud VILLEGAS, 2010) afirma que, na América Latina, a submissão dos pobres nunca foi completa. Quem não lutou contra a invasão ibérica se resignou, entretanto, o ódio e a sede de vingança ficaram em seus corações. Pouco a pouco, com astúcia e sem perder a compostura perante os patrões, empenharam a adaptar-se às novas circunstâncias, dosificando a obediência e a desobediência, de acordo com as condições do momento. A desobediência velada converteu-se em arma dos fracos contra os poderosos. Índios, negros, pobres e marginais cultivaram uma atitude social de desprezo às regras impostas por uma ordem social e política que consideravam invasora (ROMERO, 1985). Sob essa ótica, Villegas (2010) propõe mais dois tipos de mentalidades consideradas desobedientes: “El taimado” e “El déspota”. O primeiro é um

53 Los “doctores” sustituyeron a los comendadores, barones, viscontes y consejeros del imperio (...) quienes gozaban de posiciones de privilegio desarrollaron toda una serie de estrategias para que el propósito universalizador de la ley fuera compatible con el reconocimiento de los privilegios (MARIÁTEGUI APUD VILLEGAS, 2010, p. 170)..

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personagem híbrido, que combina a atitude estratégica com o desconhecimento da autoridade. Nas sociedades mais hierarquizadas, nas quais os poderosos parecem deter o poder, os subordinados, desconhecendo as regras que os oprimem, expressam seu repúdio ao poder. Os dominados desenvolvem uma espécie de “arte política da resistência” que lhes permitem deslizar entre as “rachaduras da dominação” (VILLEGAS, 2010, p. 171). O personagem “déspota"54 é baseado na crença em valores supralegais (arrogância) e ao abuso do poder. Por definição, déspota é quem abusa de seu poder ou autoridade, alguém que, de maneira inescrupulosa se aproveita de sua situação para obter benefícios pessoais. De acordo com Villegas (2010), o abuso do poder e a manipulação dos valores familiares, religiosos e culturais por parte das elites dificultaram a formação do Estado e do público na América Latina e se traduziram, não apenas na justificativa da desobediência do direito, mas também na do abuso do direito. Desse modo, as elites negociam a aplicação da lei e, para isso, falam com as autoridades correspondentes e acomodam a obediência às próprias necessidades e interesses. A desobediência do “déspota” tem raízes na sociedade que aceita as desigualdades sociais profundas como se fosse algo normal e justificado. Esta é uma atitude frequente na América Latina. Também no Brasil, na Colômbia, na Argentina, Uruguai e Paraguai, a desigualdade social ainda é expressiva. Nestes países, as elites estão acostumadas a viver num ambiente social onde os pobres, quando não mendigam, oferecem de maneira quase incondicional sua força de trabalho, o que faz com que as leis sejam aplicadas plenamente aos ‘fracos’ e aos ‘tolos’. As elites e boa parte da classe média do Brasil e Argentina não se consideram obrigadas a submeter- se às leis que, implicitamente, foram feitas para “os de baixo” (O’DONNELL, 1998). De acordo com Beramendi (2013), na Argentina, desobedecer às leis é uma prática comum e enraizada: desde a desobediência às normas de convivência até os atos de corrupção política. A autora chama esse fenômeno de “cultura da transgressão argentina” e afirma existir no país uma percepção generalizada de baixo cumprimento às leis.

5454 “El déspota” na tradução da língua portuguesa significa pessoa que abusa do poder, abusivo. É sempre usado no sentido pejorativo.

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Sessenta por cento dos argentinos não acreditam que o respeito às leis seja um valor para a população e que a desobediência é uma das razões do mau funcionamento do país (BERAMENDI, 2013, p. 56).

A racionalidade instrumental, a percepção da ilegitimidade do poder e a crença em valores supralegais são três razões que, respectivamente, alimentam as mentalidades propostas por Villegas. No entanto, essas visões não são puras, mas se misturam e se combinam. E assim, podem detectar outras mentalidades intermediárias. A tipologia de personagens que desobedecem às leis criadas por Villegas é um ponto de partida interessante, embora não atinja as complexidades próprias do fenômeno da desobediência. Na prática, os personagens se misturam. Alguém que não respeita a fila do banco pode proceder dessa forma não só para aproveitar-se dos outros que respeitam as filas, mas também porque acreditam que têm mais direito a passar na frente. Um funcionário público que dissimula sua preguiça pode fazê-lo tanto para defender-se de um patrão que o avassala como por comodidade. A esperteza pode reforçar o comportamento do arrogante, como no caso dos ricos que pagam menos impostos porque não apreciam o governo ou porque simplesmente lhes seja conveniente. O comportamento rebelde e o comportamento arrogante, muitas vezes, se confundem com personagens que não obedecem segundo suas próprias crenças (VILLEGAS, 2010). Parece que o arrogante usa o argumento do rebelde para não obedecer às leis, por isso tais personagens se confundem.

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Tipos de “descumpridores”

Esperto Desobedece por interesse - Principio egoísta/ Interesse pessoal

Rebelde Desobedece para defender-se das autoridades

Arrogante Desobedece em defesa dos valores superiores

Taimado Personagem híbrido que combina atitude estratégica com o desconhecimento da autoridade Déspota Baseado em crenças e valores supralegais (arrogância) e ao abuso de poder.

Quadro elaborado pela autora de acordo com os “tipos de desobedientes” das leis, idealizado por Villegas (2010).

Os cinco personagens explicados pelo autor têm uma relação com a classe social e a racionalidade. Villegas (2010, p.173) afirma que “cada classe social tem uma maneira típica de desobedecer às regras”. Na classe alta, é comum os arrogantes, ou seja, aqueles que desobedecem porque acreditam serem melhores que os outros. Muitos ricos na América Latina suportam mal a inclusão social e a igualdade de direitos, motivo pelo qual multiplicam mecanismos de diferenciação social que lhes permitam seguir desfrutando de sua posição simbólica e material de privilégios. Um desses mecanismos consiste em introduzir ‘exceções às regras’ para não ter de cumpri-las. Muitos membros da classe média, presos entre o medo de cair na marginalidade e na ilusão de ascender socialmente, geralmente percebem o mundo social como um território de competência que o Estado não é capaz de regular, e que, para tanto, termina premiando os mais astutos. Muitos pobres tendem a manter uma atitude defensiva porque se sentem vítimas do sistema normativo e, por isso, não obedecem às leis, ou obedecem apenas quando se sentem obrigados a fazê-lo (GARRIDO, 1997). Essas são maneiras típicas de desobedecer às leis que podem variar e combinar, mas que alcançam certa permanência na estrutura econômica que as sustenta. Os personagens desobedientes representam culturas e maneiras de ver o poder, o direito e as regras sociais. Pierre Bourdieu (1986 APUD VILLEGAS, 2010, p. 173) afirma:

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As visões de poder e do direito, por um lado, e as estruturas de classe, por outro, mantêm uma incidência recíproca de tal maneira que a cultura é estruturada e a estrutura é subjetivada pela cultura (tradução nossa)55.

O tipo de racionalidade dos atores sociais também é uma variável importante. Villegas (2010) apoia-se na distinção clássica de Max Weber entre racionalidade valorativa e instrumental. A primeira é fundada na crença de um valor ético, estético e religioso, independente dos resultados que podem levar à obediência (WEBER, 1992). Esta é a ética dos santos, que obedecem as suas crenças e não estão dispostos a negociar quando as consequências são indesejáveis. A racionalidade valorativa está relacionada às ações racionais que se apoiam nos valores socialmente estabelecidos. As ações enraizadas nesse tipo de racionalidade sustentam-se em configurações de valores que apontam para as direções do processo de racionalização.

Ocorre que estes padrões são obtidos a partir de certos saberes erigidos em postulados valorativos, implicando o dever ser a possibilidade de que os homens orientam sua conduta por critérios que não são os da racionalidade prática, ou de seus interesses imediatos (SANTOS, 1998, p. 24)

A racionalidade instrumental é determinada pela busca dos meios mais eficientes para alcançar os resultados esperados. Tal racionalidade caracteriza o político, cujo objetivo é alcançar certos resultados e, para consegui-los, está disposto a adaptar-se aos meios, com seus valores e suas crenças (WEBER, 1968). O estudo das racionalidades proposto por Villegas é apropriado, mas não é suficiente para entender o fenômeno da desobediência às leis, uma vez que os tipos idealizados pelo autor não são fixos. Uma mesma pessoa com uma racionalidade que

55 Las visiones del poder y del derecho, por un lado, y las estructuras de clase, por el outro, mantienen una incidencia recíproca, de tal manera que la cultura es estructurada y la estructura es subjetivizada por la cultura (PIERRE BOURDIEU, 1986 APUD VILLEGAS, 2010, p. 173)

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não cumpre as leis bem definidas pode converter-se num cidadão obediente, ao passar de um contexto para outro. O ‘esperto’ inveterado pode, por exemplo, obedecer quando percebe que a polícia está ao lado e pode puni-lo. Por sua vez, o ‘rebelde’ poderá obedecer quando mudam as autoridades ou as leis, enquanto o ‘arrogante’ acata as normas quando são compatíveis com os valores que defendem. Isto não significa, entretanto, que as racionalidades sejam irrelevantes. A presença da polícia pode convencer o ‘esperto’ a obedecer, mas não necessariamente o ‘rebelde’ ou o ‘arrogante’. A legitimidade de uma autoridade pode ser uma razão para que as leis sejam obedecidas, de acordo com Villegas (2010). Os contextos também variam, assim como as racionalidades. Essa variação afeta sobretudo o personagem ‘esperto’, que, por ser um ator essencialmente instrumental, muda de estratégia, ao mudar de contexto. Também afeta o ‘taimado’ e o ‘despota’. Não é a mesma coisa passar num semáfaro vermelho às três da madrugada, numa capital como São Paulo ou Rio de Janeiro, e às três da tarde. O ‘rebelde’ e o ‘arrogante’ são mais valorativos e, por isso, em princípio, menos volúveis diante das circunstâncias. Sem dúvida, isso também pode afetá-los, uma vez que a percepção da autoridade e a interpretação dos valores são parte desses contextos. As variações contextuais dependem de múltiplos fatores: o tempo, o lugar, a infraestrutura, o tipo de normas, as condições econômicas e culturais dos cidadãos, o tipo de relações sociais que mantêm, entre outras. Contudo, há um fator contextual determinante para o destino da obediências às leis. Villegas (2010) refere-se ao grau de presença institucional ou da capacidade que tem um espaço social determinado, ou seja, a maior ou menor institucionalização do espaço social. Na América Latina, a institucionalidade ou a lei nem sempre são as mesmas em toda parte. Às vezes, as instituições são fortes e têm a capacidade para impor-se; outras vezes, são meras fórmulas de papel e, muitas vezes, são instâncias com quem se negocia ou se pactua. Por isso, a pergunta para a desobediência é também sobre o tipo de lei ou de instituição que se deseja que sejam obedecidas. Existe uma complexidade entre o conceito de regras na sociologia e no direito. O comportamento de não obedecer às leis, mais que comportamentos considerados desviados, são comportamentos normalizados e, de certa maneira, regularizados na

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sociedade. Eles são guiados mais por regras sociais do que por regras jurídicas. (VILLEGAS, 2010). O acatamento às regras do direito nem sempre se explica como resultado da obediência dos cidadãos. Bourdieu (2007) formula o conceito de ‘habitus’ e o apresenta como uma importante ferramenta interpretativa da realidade no contexto de uma sociologia interessada em dissolver as fronteiras entre indivíduo e sociedade. Para o autor, existe um espaço intermediário entre a causalidade e a obediência, que é o espaço próprio do ‘habitus’. Boa parte do comportamento da desobediência, como da obediência, é o resultado do ‘habitus’. Nessa perspectiva sociológica, o comportamento de desobedecer às leis vai além da epiderme institucionalista, na qual se criam as normas jurídicas. Bourdieu (2007) sustenta que o ‘habitus’ não tem uma natureza mental (existem formas de ‘habitus’ puramente corporais), é independente de qualquer distinção entre o consciente e o inconsciente e não é menos independente da distinção entre a restrição causal e a ação livre e voluntária. O ‘habitus’ é um conceito intermediário entre as regras no sentindo jurídico e as regras no sentido causal, própria do mundo físico:

[...]o habitus é um “sistema de disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes (BOURDIEU, 2007, p. 191).

O ‘habitus’ constitui um conhecimento praxeológico56, produto da atividade histórica socialmente constituída e portador de experiências acumuladas no curso de trajetórias individuais na linha do tempo. O ‘habitus’ pode ser visto como uma síntese dos estilos de vida e dos gostos pelos quais os indivíduos apreciam o mundo e se comportam nele (BOURDIEU, 2007).

56 O conhecimento praxeológico opõe-se aos dois tipos de conhecimento teórico: objetivista e fenomenológico. “A praxeologia é uma antropologia universal que recupera (entre outras coisas) a historicidade, portanto a relatividade, das estruturas cognitivas, sempre sublinhando o fato de que os agentes põem universalmente em prática estruturas históricas.” (BOURDIEU, 1996, pp. 158-159)

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Villegas (2010) explica que, em geral, nem os personagens desobedientes às leis, nem os demais, percebem as práticas da desobediência como delitos ou vândalos, nem como perturbações à ordem. As pessoas se queixam, mas raramente protestam e, na maioria dos casos, a desobediência é vista como uma fatalidade ou como algo que se tem que tolerar e suportar. Por isso, pode ocorrer que os desobedientes não apenas aceitem as opiniões de quem, eventualmente, os critiquem, mas também pode acontecer de se indignarem diante dos críticos, por se meterem onde não são chamados. Cada uma dessas racionalidades reflete uma deficiência básica do sistema jurídico e político: a ineficácia do Estado em impor sansões, a falta de legitimidade do poder político e a ausência de uma cultura de legalidade. Assim, uma solução proposta por Villegas (2010) seria um poder estatal capaz de impor sansões efetivas aos infratores, de restaurar a legitimidade das autoridades e fomentar uma cultura de respeito às leis. Os tipos idealizados foram construídos com base em motivações: Às vezes está fundada em interesses pessoais (esperto), às vezes, em princípios racionais (o rebelde e o arrogante) e, outras vezes, em simples paixões (déspota). Neste sentido, a cultura é entendida mais como um estilo ou um conjunto de habilidades e hábitos do que como um conjunto de preferências ou necessidades (ANN SWIDLER, 1986 apud VILLEGAS, 2010). É importante lembrar que não apenas os cidadãos desobedecem às leis na América Latina, mas o Estado Latino-americano também o faz e é talvez, na opinião de Villegas (2010), o primeiro a desobedecer. A partir desse fato notório, deriva uma justificativa muito frequente para a desobediência dos cidadãos. Na América Latina existe uma brecha entre as leis escritas (aquelas que os professores de direito ensinam, aquelas que são decretadas pelos legisladores e aplicadas pelos juízes) e o comportamento dos cidadãos (incluindo professores e legisladores). Os latino-americanos vivem uma espécie de sociedade esquizofrênica, em que se fala muito o que deve fazer e se promulga o dever, mas que se pratica muito pouco aquilo que se promulga. Villegas (2010, p. 178) ressalta que a desobediência não é um comportamento que produz necessariamente um crime ou uma desordem. O que o autor defende em

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seus escritos é que a desobediência às leis é um comportamento normalizado e aceito socialmente. Segundo o autor:

A desobediência não é simplesmente um comportamento que gera desordem ou crime. Antes de um acontecimento excepcional, que requer intervenção das autoridades criminais, disciplinatórias ou correlacionais, a desobediência é um comportamento normalizado e socialmente aceito (tradução nossa).57

A chave para entender a cultura de um país ou de uma região não está nas leis e em outras normas sociais às quais se obedecem, mas, de acordo com Villegas (2010), encontra-se na incompatibilidade entre as próprias leis, que permitem aos cidadãos se comportarem de outra maneira, e que acabam sendo mais influentes. Desde a época colonial, existe uma brecha entre as leis e o comportamento social na América Latina. Durante aquela época, a economia do contrabando, por exemplo, foi mais determinante que a economia formal. Tal fato gerou uma mentalidade particular desqualificadora, a respeito da capacidade do Estado e das autoridades para regular o comércio. Villegas (2010) acredita que essa mentalidade ainda está presente nos dias atuais e que existem fatores culturais relacionados às concepções de poder, de autoridade e de lei, os quais estão profundamente atrelados às condições materiais e às estruturas econômicas existentes na sociedade. Na vida social convergem três sistemas reguladores: o jurídico, o moral e o social. Cada um desses sistemas corresponde a um tipo de sanção específica de multa ou prisão no caso das leis; a culpa, quando se trata de moral e a vergonha, no caso da cultura. Na prática, os três sistemas têm fortes conexões. Boa parte da moral predominante numa sociedade está incorporada ao direito. A ineficácia do direito

57 El incumplimiento no es simplesmente um comportamiento que genera desorden ou incluso crimen. Antes que un acontecimiento excepcional, que riquiere la intervencion de las autoridades penales, disciplinarias o correccionales, el incumplimiento es um comportamiento normalizado y socialmente aceptado (VILLEGAS, 2010,p. 178).

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origina-se do fato de que os cidadãos desobedecem às leis, visto que preferem acatar uma norma social ou moral que consideram mais importante (BITTAR, 2010). A história política e institucional da América Latina pode se resumir na história de recepção infrutífera das instituições estrangeiras que funcionam e produzem bons resultados em seus países de origem, mas que, uma vez implantadas em nossa sociedade, produzem efeitos diferentes do esperado. É necessário conhecer as condições sociais e culturais antes de importar instituições europeias. No Brasil, Buarque de Holanda (1999) já mencionou que o problema da desobediência às leis surge quando a cordialidade se manifesta na esfera pública. Para o autor, o brasileiro busca as ‘relações de simpatia’ para reduzir as relações impessoais (características das relações com o Estado) ao padrão pessoal e afetivo.

O homem cordial é visceralmente inadequado às relações impessoais que decorrem da posição e da função do indivíduo, e não de sua marca pessoal e familiar, das afinidades nascidas na intimidade dos grupos primários (BUARQUE DE HOLANDA, 1999, p.17).

O “homem cordial”, para Holanda (1999), não pressupõe que o brasileiro seja um homem bondoso, mas que existe o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem aos ritualismos da polidez. Para o autor, o tipo cordial é individualista, avesso à hierarquia, arredio à disciplina, desobediente às regras sociais (grifo nosso) e afeito ao paternalismo e ao compadrio. Nas palavras do autor:

A mentalidade cordial está ligada a vários traços importantes, como a sociabilidade aparente, que na verdade não se impõe ao indivíduo e não exerce efeito positivo na estruturação de uma ordem coletiva. Decorre deste fato o individualismo, que aparece aqui focalizado de outro ângulo e se manifesta como relutância em face da lei que o contrarie (p. 17).

A principal característica do povo brasileiro, para o autor, é a cultura da personalidade individual herdada dos povos ibéricos. Os portugueses e espanhóis desenvolveram ao extremo “o valor próprio da pessoa humana, a autonomia de cada

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um dos homens em relação aos semelhantes no tempo e no espaço” (BUARQUE DE HOLANDA, 1999, p.31). O único valor plausível aos homens é inferido onde estes não precisem dos demais, onde sozinhos se bastem e não necessitem dos outros. Tal característica foi engrandecida pela poesia, recomendada pela moral e sancionada pelo estado, e é a razão maior da fraqueza e da insuficiência das formas de organização social dos ibéricos. Assim, os valores ancorados apenas no mérito pessoal e nas responsabilidades individuais sempre foram dominantes na vida cultural brasileira (BUARQUE DE HOLANDA, 1999). No Brasil, a própria gestão política apresenta-se como assunto de interesse particular: as funções, os empregos e os benefícios deles obtidos relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses públicos, como sucede no verdadeiro Estado democrático, em que prevalece o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos (BUARQUE DE HOLANDA, 1999). A escolha dos homens que vão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e não em conformidade com suas próprias capacidades. A política é vista tanto pelo eleitor quanto por aquele que concorre ao cargo eletivo como uma possibilidade de extração de algum ganho material para a família. Trata-se de um tipo de cultura na qual cada um tenta elevar-se diante dos demais, demonstrando independência e superioridade. Numa sociedade marcada pela “exaltação extrema da personalidade”, com características patriarcais e tradicionais, as implicações psicopolíticas são importantes. A principal dessas implicações foi a extensão do domínio do proprietário, baseado em laços afetivos e emocionais privados à dimensão pública da vida. Com efeito, a relação com a lei é marcada pela exterioridade. Ou seja, a lei será desconsiderada sempre que a relação custo/benefício da burla apontar qualquer tipo de vantagem (BUARQUE DE HOLLANDA, 1999). Um dos problemas fundamentais advindo das concepções de Estado de Direito é que elas não ajudam a responder por que os cidadãos obedeceriam ou não às leis e a entender quais são as condições (sociais, econômicas, psicológicas e políticas) que favorecem a adesão de um sistema jurídico aos seus ideais na atualidade. Neste sentido, a visão culturalista de Buarque de Holanda não explicaria, hoje, a desobediência às leis.

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De acordo com Vieira (2007), os privilégios e os direitos decorrentes de classe e de hierarquia continuam assegurados em diferentes sistemas culturais, e a ideia de que a lei deva ser aplicada de forma imparcial e de que as pessoas sejam possuidoras de direitos iguais é, muitas vezes, contrária à experiência diária dos cidadãos. O autor aponta a importância de compreender as obrigações e direitos, assim como as regras fundamentais que governam as sociedades, para que haja o cumprimento individual das leis. Nas sociedades com alto grau de concentração de pobreza e de analfabetismo, essa condição quase nunca é satisfeita58. A distribuição desproporcional de recursos entre os indivíduos e grupos dentro da sociedade dificulta o acesso e, não raro, o interesse em conhecer melhor o funcionamento das “regras da sociedade”. Famílias pobres, que precisam se preocupar com as necessidades básicas como alimentação e moradia, por exemplo, geralmente não apresentam como interesse maior entender seus direitos e deveres. Esse é um fator que não deve ser, pois, negligenciado, quando o assunto é o descumprimento das leis. Em outra perspectiva, autores como Rousseau (1995), articulam a ideia da moralidade para explicar o comportamento de obedecer às leis e indicam que a justificativa moral para o respeito à lei não deriva do fato de que um dado sistema jurídico esteja em harmonia com um conjunto preestabelecido de valores embutidos nos direitos. O respeito à lei se deve ao fato de que os próprios cidadãos, sob um procedimento especial justo, produzem leis reguladoras das relações sociais e da esfera pública. A justiça do procedimento garantiria que o autointeresse fosse neutralizado, assim os cidadãos poderiam deliberar em termos de bem público, o que criaria uma obrigação moral sobre todos os cidadãos de aceitar esses resultados. De acordo com a teoria de Rousseau sobre o Estado de Direito, não apenas os procedimentos deveriam ser justos, mas também o resultado deveria ser veiculado com base em meios específicos que assegurassem a imparcialidade. Ou seja, a partir de leis gerais. Neste sentido, é importante realçar que a justiça procedimental não está limitada a processos para edição de leis gerais, o que seria aceito por todos os

58 É importante destacar que o grau de conhecimento sobre a constituição política na América do Sul é muito baixo; apenas 30% dos latino-americanos sabem alguma coisa ou muito sobre a sua Carta Magna e apenas 34% conhecem os seus deveres e obrigações. (LATINOBAROMETRO, 2005, p. 14 apud VIEIRA, 2007)

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participantes no processo político, mas também trata da maneira pela qual essas leis são implementadas pelo Estado. Rousseau (1995) expõe que uma das maiores causas do declínio da democracia é a distorção na aplicação de leis gerais feita por magistrados que tendem a defender seus próprios interesses privados em detrimento da vontade geral expressa pela lei. Dessa maneira, a justiça da aplicação das leis é tão importante quanto a justiça referente à sua produção. Se a aplicação do direito não for aplicada com imparcialidade, de acordo com parâmetros apresentados pela própria lei, o Estado de Direito perderá sua autoridade e, consequentemente, o cidadão não o verá como uma diretriz aceitável para a sua ação (TYLER, 1990). Em seus escritos, Thoreau (1984) propôs que as leis fossem violadas, especialmente como forma de repúdio ao poder do Estado. Ele sugeria que a população deveria encontrar formas alternativas de demonstrar a insatisfação, com base no descumprimento da legislação, ao invés de criar tumultos em protestos. A desobediência civil proposta pelo autor baseia-se num método pacífico de resistência, como por exemplo, não recolher determinados tributos considerados injustos para lesar economicamente o Estado. Foi justamente isso que fez o próprio Thoreau, na época da guerra contra o México, quando deixou de pagar impostos ao governo norte- americano, pois entendia que o dinheiro era destinado ao aparelhamento do exército nos conflitos. A idéia difundida por Thoreau (1984) é, portanto, uma oposição desarmada a uma situação considerada injusta, por meio da transgressão da legislação vigente ou normas impostas pelo Estado. Porém, esse tipo de manifestação não pode ser aplicado para obter vantagens próprias: furtar um livro numa biblioteca ou desrespeitar os limites de velocidade de uma avenida não se configura como atos de desobediência civil, pois visam apenas vantagens pessoais em determinadas situações. Normalmente, a desobediência civil tem como objetivo alterar uma lei que seria entendida como injusta ou uma política percebida como prejudicial aos interesses do povo. De acordo com Thoreau (1986, p. 41):

A autoridade do governo, mesmo do governo ao qual estou disposto a me submeter - pois obedecerei com satisfação aos que saibam e façam melhor do que eu, e sob certos aspectos obedecerei aos que saibam e 51

façam melhor do eu, e sob certos aspectos, obedecerei até aos que não saibam nem façam tão bem - ainda é impura. Para ser inteiramente justa, ela precisa contar com a sanção e com os consentimentos dos governados.

A desobediência à legislação, baseada nas ideias de Thoreau, é uma forma de criar oposições ao poder injusto. A preocupação do autor diz respeito aos limites que o Estado deve ter na vida dos cidadãos, principalmente quando as leis promulgadas pelo governo lhes agridem a consciência. A desobediência civil não significava um desprezo às leis, na verdade, tratava-se de uma forma de respeitar uma lei com a consciência de que se quer outra legislação considerada mais justa no lugar. De acordo com Gallo (2010)59, a ideia de Thoreau foi aplicada na tentativa de derrubar regimes políticos considerados abusivos e no combate às leis discriminatórias: nos Estados Unidos da América, os negros de todo o país foram às ruas para protestar contra a segregação racial, que, inclusivetinha amparo legal, seguindo o pastor Martin Luther King. Também na América do Norte, na década de 1970, muitos grupos contrários à Guerra do Vietnã, como o movimento hippie, basearam-se nos princípios de Thoreau para protestar contra o conflito na Ásia, quando inúmeros cidadãos foram às ruas para queimar publicamente as cartas de convocação do exército. Existem vários pontos de vista em relação ao descumprimento às leis, alguns deles expostos neste capítulo. As explicações culturais, morais, racionais, emocionais e de resistência são defendidas por muitos autores como uma tentativa de entender o descumprimento às leis. Entendemos que o fenômeno da desobediência às leis requer uma análise do sistema normativo como um organismo complexo que compreenda as leis, as instituições e os agentes (autoridades políticas) que o promovem. O descumprimento às leis, principalmente pelas autoridades políticas, condiciona o desenvolvimento político, econômico e social do país e favorece a desconfiança da sociedade em relação às instituições. Analisaremos estas ideias no capítulo seguinte.

59 Gallo, R (2010). O direito de resistir. Disponível em: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/16/artigo66226-1.asp. Acesso em 19/10/2015.

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Capítulo 2

Breve histórico dos conceitos de Confiança

A desconfiança política é um fenômeno associado à percepção da ausência de representação, de distância da política, de resposta ineficaz das instituições às demandas básicas da população, constituindo uma lacuna entre os cidadãos e o sistema, uma incongruência forte entre cidadãos e Estado (Rachel Meneguello)60

A confiança política é tema emergente no mundo contemporâneo, por causa do reconhecimento de sua relevância em regimes democráticos. As inquietações que a sociedade vive nesse momento revelam uma crise de legitimidade das instituições e dos governantes, em que estão presentes alguns elementos psicopolíticos. A confiança é um deles, uma vez que se refere à relação que os cidadãos têm com o Estado. O fenômeno da confiança nas autoridades e nas instituições políticas é um dos temas mais estudados pelas Ciências Políticas nos últimos 20 anos (ROSANVALLON, 2011). Essa linha de pesquisa se concentra principalmente no estudo de opiniões dos cidadãos a respeito das instituições e de seu papel no sistema político (MOISÉS, 2010). O tema atraiu o interesse de várias disciplinas, o que resultou uma variedade de definições do conceito. De acordo com Lundasen (2002), a Psicologia foi a primeira disciplina a desenvolver pesquisas sobre confiança. A princípio, a relação entre mãe e filhos foi vista como determinante para a geração e a consolidação de atitudes de confiança. Ela também foi associada a traços de personalidade dos indivíduos. Cattel (1965) afirma que essa matriz de formação da personalidade explicaria os comportamentos e atitudes individuais permanentes em relação à confiança. Levaram-se em consideração, dessa maneira, as influências básicas formadoras do processo de individuação. Assim, em decorrência da história psicológica de cada

60 MANEGUELLO, R. Brasil vive crise de confiança política. Jornal da Unicamp. Disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/573/brasil-vive-crise-de-confianca-politica-diz-rachel-meneguello. Acesso em 21/10/2015.

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indivíduo, alguns teriam uma visão positiva da vida e, em consequência, seriam mais predispostos a cooperar e a confiar em outros; aqueles que foram marcados por uma visão negativa da vida não conseguiriam ter confiança no mundo exterior, revelando, na maior parte das vezes, cautela, distanciamento e desconfiança perante estranhos, inclusive, autoridades e funcionários de governos com os quais não têm contato direto. O exemplo da misantropia e desconfiança seriam faces diferentes da mesma atitude (ROSENBERG, 1956; MOISÉS, 2005). Essa concepção da confiança corresponderia a uma orientação afetiva decorrente da personalidade básica dos indivíduos, algo independente de sua experiência exterior, a exemplo da interação envolvida pela participação na vida pública (MOISÉS, 2010). Dentre as diversas críticas a essa perspectiva, Newton e Norris (2000) expõem que este tipo de explicação, na medida em que atribui a presença ou ausência de confiança a características das personalidades dos indivíduos, pouco colabora para explicar as variações nos níveis de confiança nos países, ao longo do tempo, e entre os diferentes países; e ainda, partindo da suposição de que a confiança é função de traços psicológicos, seria de se esperar uma correlação significativa entre confiança social e confiança política, o que não é confirmado pelas pesquisas sobre o tema, uma vez que os mesmos indivíduos que apresentam altos índices de confiança interpessoal, ou em organizações sociais, podem apresentar baixos níveis de confiança política. Os estudos apoiados nessa concepção não levaram em conta as circunstâncias sociais ou políticas que permitiriam associar sua emergência à dimensão macropolítica a que se referem (MOISÉS, 2010). Eles também não explicam os casos em que indivíduos pertencentes à mesma família e, assim, condicionados por influência primária semelhante, apresentam orientações divergentes no que se refere a aspectos da vida política. Tais teorias evidentes na psicologia, assim como fazem com a confiança interpessoal61, tratam a confiança política como característica básica de diferentes tipos de personalidade. Desse modo, dependendo de sua formação psicológica, alguns

61 Moisés distingue a “confiança interpessoal” da “confiança generalizada”. Para o autor, a primeira refere-se a pessoas conhecidas, com quem se interage em bases rotineiras e, desse modo, o risco envolvido é deveras limitado, por causa do acesso à informação e à história do comportamento anterior dos atores em questão. Enquanto a “confiança generalizada ou confiança social” refere-se às atitudes dentro da sociedade (MOISÉS, 2010). 54

indivíduos seriam mais otimistas em relação à vida e, por conseguinte, mais propensos a confiar nos outros e a cooperar. O contrário se daria com aqueles marcados por uma postura pessimista, que seriam mais desconfiados e isolacionistas (MOISÉS, 2005). De acordo com essa perspectiva, a confiança não dependeria da experiência ou avaliação dos agentes, mas seria uma orientação afetiva e não cognitiva, em decorrência do tipo de personalidade de cada indivíduo. Neste sentido, confiar ou não nas instituições políticas não se relacionaria aos valores de determinada sociedade ou ao desempenho dos governantes. Esse tipo de explicação é criticado por muitos autores, embora esteja inscrita em pesquisas no campo da Psicologia Social, mas não é considerada relevante, já que não considera os aspectos sociais e históricos da vida das pessoas. A confiança é também um comportamento político, e sob este ponto de vista, está definitivamente condicionada às influências do tempo e da história (ROSE, 2007). Dentre as diversas tentativas de explicar a confiança, Rosenberg (1956) insere um conceito que implica “um ato de fé nas pessoas”, ou seja, para o autor, ter confiança em alguém significa ter fé que esse alguém manterá sua palavra. Luhmann (1988), por sua vez, salienta que a confiança pressupõe sempre uma situação de risco, na qual se escolhe uma ação, a despeito da possibilidade de desapontamento ou frustração futura com o comportamento de outros, e onde possíveis prejuízos podem ser maiores do que as vantagens procuradas. Baseados na perspectiva da escolha racional, alguns autores, como Gambetta (1996) e Hardin (1999), defendem que a confiança envolve basicamente a expectativa racional do 'confiante' (X) sobre o curso de ações a ser adotado pelo 'confiado' (Y). Porém, o comportamento alheio não pode ser completamente controlado; a situação implicaria, pois, risco de vulnerabilidade (ou dano) de X diante de Y. Como o ato de confiar é considerado insuficiente para determinar o resultado final da interação, os referidos autores supuseram que haveria sempre um abuso da confiança, a não ser em situações em que a relação “encapsulasse os interesses” das partes. Isto significa que quem confia tem segurança a respeito da motivação solidária do confiado, porque saberiam de antemão que seus interesses seriam levados em consideração por ele. De acordo com Moisés (2005), ao tratar dessa perspectiva analítica, tal “encapsulamento de interesses” implica que o depositário conheça a motivação

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daquele em quem a confiança é depositada, de forma que saiba de antemão se seus interesses serão ou não levados em conta por este último. Por sua vez, o confiado também tem que estar em condições de supor que seus interesses sejam contemplados pelo confiante.

Nessa acepção, a confiança seria uma aposta baseada na crença de que os interesses mútuos dos atores envolvidos são condição suficiente para gerar benefícios comuns e, assim, inocular a possibilidade de dano decorrente de seu abuso (Moisés, 2005, p. 39-40).

Essa perspectiva considera que a confiança interpessoal seria uma aposta racional baseada na crença de que os interesses mútuos dos atores envolvidos são determinantes para gerar benefícios comuns e, assim, afastar a possibilidade de danos decorrentes do abuso da confiança (HARDIN, 1999). Uma das críticas a essa abordagem considerada estritamente racional é que, em situações com um número muito grande de participantes, não parece plausível que se possa obter informações sobre todos os envolvidos, uma vez que a confiança está relacionada com a informação disponível sobre o interesse dos agentes, bem como com o contexto em cada interação específica (MOISÉS, 2010). Zucker (1986, p. 24) contribui com essa perspectiva, ao considerar a confiança como um fenômeno que, em uma relação de troca, os indivíduos “que confiam” esperam que outros indivíduos que “são confiados” coloquem o autointeresse de lado em favor de uma “orientação-ao-outro” ou uma “orientação-à-coletividade”. Tal abordagem sofreu críticas porque exagera as capacidades cognitivas dos sujeitos no que concerne tanto ao acesso de informações sobre a conduta dos outros agentes envolvidos, quanto ao processamento dos cálculos de utilidade em cada situação. Kramer (1999), por sua vez, sugere uma integração do modelo racional para tratar do fenômeno da confiança com outros em que a confiança é considerada uma variável relacional e contextual, levando-se em conta, além do fundamento aritmético da racionalidade, fatores sociais e situacionais. Em sociedades complexas, no entanto, a confiança teria um caráter mais generalizado e sua influência seria mais abrangente. Assim, a confiança diria respeito

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não apenas a parentes, amigos e conhecidos que integram os grupos caracterizados por forte coesão interna, mas também a pessoas e grupos estranhos (MOISÉS, 2010). Sob essa ótica, a ‘confiança’ vem sendo usada há tempos nas Ciências Sociais com relação a uma considerável variedade de fenômenos e a despeito dos riscos que ela envolve. Assim, confiar em estranhos, em quem não se conhece diretamente e em pessoas com quem não se tem suficiente familiaridade, originaria uma disposição potencial para agir e cooperar com vistas a objetivos que vão além de estritos interesses individuais (MOISÉS, 2010). O autor, baseado nas premissas de autores como Luhmann, Giddens e Sztompka, explica:

A confiança operaria, portanto, como um redutor da complexidade envolvida em escolhas individuais condicionadas pelas incertezas próprias da vida contemporânea, oferecendo um marco de segurança para atores que, tendo de definir o horizonte das relações de que dependem, como as relações de poder, buscam aumentar o grau de segurança de sua própria conduta (MOISÉS, 2010, p. 50).

A confiança funcionaria, neste caso, como uma alternativa para indivíduos que, em sociedades complexas, compartilham uma perspectiva comum com os demais derivados de sua condição de cidadãos. Moisés (2010) sugere que, para ampliar o conhecimento sobre a confiança, é necessário considerar também o compromisso moral que fundamenta a adesão dos cidadãos à comunidade política. E acrescenta que valores como a solidariedade social, o desejo de reconhecimento ou o altruísmo podem estar na base da decisão de confiar, quando os atores estão situados em contextos em que não há garantia a respeito do comportamento dos outros. Em outra perspectiva, considerada “sociocultural”, o autor se baseia em explicações de confiança política entre nações, fundamentando-se nos valores culturais de cada sociedade. Autores como Putnam (1993), Inglehart (1997) e Uslaner (2002) argumentaram que a confiança é fundamentalmente uma característica sociocultural da sociedade e, portanto, transmitida por meio dos processos de socialização e não determinada por cálculos racionais, baseados na quantidade de informação disponível sobre o comportamento dos agentes. 57

De acordo com Putnam (1993), a confiança foi criada e reforçada pelas redes horizontais ligadas à sociedade civil e está vinculada à existência de repertórios coletivos de reciprocidade e de normas facilitadoras de cooperação. Assim, estas redes facilitadoras, normas de conduta e reciprocidade constituem o chamado “capital social”, elemento necessário para a existência de uma interação social capaz de gerar círculos virtuosos de desenvolvimento econômico e político. Moisés (2010) ressalta que, sob a “perspectiva sociocultural”, as ideias fundadoras das sociedades seriam expressas na cultura política e marcariam as concepções dos indivíduos a respeito de governos, autoridades e instituições políticas. Dessa maneira, os valores transmitidos por meio de processos de socialização corresponderiam aos de grupos básicos como família, amigos, escola e grupos religiosos. A perspectiva sociocultural (ROSE, 1994; NEWTON, 1997; DALTON, 1999) postula que a confiança política é produto de experiências sociais de participação, colaboração e dos processos de socialização, os quais transmitiriam o complexo de valores culturais de cada sociedade, marcando as concepções e comportamento dos indivíduos com relação à comunidade e às instituições políticas. De acordo com Moisés (2010), nessa perspectiva, existe a associação da confiança e da cultura cívica com a estabilidade do regime democrático. Com base nesse modelo, a confiança social, a participação em associações voluntárias e a confiança política nas instituições estariam correlacionadas. Em outra visão, alguns estudos (Putnam, 1993; Fukuyama, 1995) demonstram a importância da confiança também na promoção do crescimento econômico. De acordo com Moisés (2010), a premissa é que, quando se verifica a capacidade de governos e autoridades para agirem continuadamente, de acordo com a expectativa dos cidadãos, produz-se apoio generalizado ao regime político. Dessa forma, boa parte dos estudos baseados nessa concepção concentrou-se nos efeitos de níveis agregados a fatores econômicos como inflação, desemprego ou crescimento econômico, sobre os índices de apoio público a governos e instituições políticas e, ainda que diferente em cada caso, concluíram que a confiança é uma função do desempenho governamental. A crítica é que esta é uma perspectiva racionalista da confiança política, que não leva em consideração os aspectos sociopsicológicos ou socioculturais. Além disso,

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as pesquisas mostraram que o fenômeno da confiança política se associa, preferencialmente, aos fatores políticos e não a variáveis de natureza instrumental, como as relativas ao desempenho econômico (DALTON, 1999). Moisés (2010) aponta alguns estudos que demonstram que não há correlação entre a economia e a confiança. Nos Estados Unidos, por exemplo, a confiança política declinou drasticamente desde os anos 1960, caindo de 2/3 de apoio para menos de 1/3, apesar da prosperidade econômica do período (LAWRENCE, 1997 APUD MOISES, 2010). No caso da política, parte da literatura classificou a confiança como um bem essencial para o sucesso da governança democrática. De acordo com Moisés (2010, p. 46):

O processo por meio do qual as políticas públicas percebidas socialmente como necessárias são formuladas e implantadas pelas autoridades com base na aquiescência e na cooperação dos cidadãos; por isso, decisões políticas que traduzem os anseios das maiorias não enfrentam usualmente resistências ou impedimentos para sua execução. Mas governos, partidos e líderes políticos que têm de adotar políticas impopulares (as quais são percebidas como socialmente benéficas apenas a longo prazo) dependem da confiança dos eleitores.

Dessa maneira, a confiança representa uma espécie de 'capital de governança' (Moisés, 2010). Isto quer dizer que a confiança atua também como um facilitador para aceitação de decisões que, em ambientes de certezas provisórias, exigem amplo apoio público para ser bem-sucedidas. A suposição é de que a confiança em instituições traduza a expectativa pública quanto à probabilidade de que o sistema político produzirá os resultados esperados pelos cidadãos.

A confiança em instituições envolve a crença na probabilidade de que os membros da comunidade podem obter do sistema político os resultados preferidos por eles se e quando estas instituições cumprirem as expectativas públicas a seu respeito (MOISÉS, 2010, p.12).

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De acordo com o autor, o objeto central da confiança nas instituições é a percepção pública a respeito do cumprimento da missão atribuída a elas pela sociedade. Assim sendo, os deficits existentes a respeito dessa missão rebaixam a eficiência esperada nas democracias. Levi (1998) explica a confiança do ponto de vista de um modelo de ‘performance institucional’. O autor admite que as instituições exercem um papel fundamental na geração de confiança, tendo em vista que exercem uma função de controle capaz de balizar o comportamento dos agentes, via regra e sanções a comportamentos desviantes, reduzindo, assim, o risco de confiar em desconhecidos. A confiança, segundo essa abordagem, seria explicada e justificada pelos padrões de funcionamento das instituições. Assim escreve Moisés (2005), baseando-se em autores como Giddens (1989), Offe (1999), Norris (1999) e Levi (1999):

Instituições cujo funcionamento é compatível com a expectativa suscitada por sua justificação normativa, associada às suas funções permanentes, tenderiam a gerar a confiança dos cidadãos, enquanto aquelas cujo desempenho contraria ou frustra essa expectativa provocariam suspeição, sentimentos de distanciamento e rejeição, gerando baixos níveis de confiança política ou simplesmente desconfiança. A suposição é que as instituições funcionam bem se, coerentes com seus fundamentos legais e sua legitimidade, sinalizam imparcialidade, universalismo, probidade e justeza na relação com os cidadãos, ganhando a sua confiança e, assim, constituindo-se em referencial de seu comportamento político (MOISÉS, 2005, p. 52).

Montero, Zmerli e Newton (2008, p. 21), ao pesquisarem sobre confiança política, salientam que “a confiança nas instituições acarreta a crença de que esta não atuará de forma arbitrária ou discriminatória que resulte em danos para os interesses dos cidadãos e do país”, mas tratará os cidadãos de forma igualitária, justa e correta. Dessa forma, a confiança nas instituições se converte num indicador do sentimento dos cidadãos sobre seu sistema político. De acordo com Offe (1999), a confiança é a crença de que os agentes políticos, por meio de suas ações, contribuirão para o bem-estar dos cidadãos sem lhes causar quaisquer danos:

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A confiança nas instituições reside no conjunto de representações sociais dos indivíduos sobre o modo como as instituições e os agentes devem desempenhar os papéis sociais que lhes são atribuídos e na avaliação que fazem do modo como os agentes públicos efetivamente desempenham as suas obrigações (OFFE, 1999, p. 47).

Assim, a confiança institucional implica em percepções sobre a eficácia e senso de justiça de que as instituições funcionem, e em avaliações feitas pelos cidadãos, com base no desempenho que se espera da instituição e dos seus agentes. A confiança refere-se, pois, à representação que os indivíduos fazem do modo como um papel social deve ser desempenhado, e esse desempenho deve ser consistente com as expectativas sociais associadas a esse papel. Para Offe (1999), a confiança depende da capacidade discursiva das instituições de sinalizar aos cidadãos, de forma inequívoca, o caráter universal, imparcial e idôneo de seus procedimentos, obtendo a concordância e cooperação por partes deles, ao assegurar, por meio de seu funcionamento prático, que seus diferentes interesses serão levados em conta pelo sistema político. Moisés (2010) analisa os argumentos de Offe (1999) e afirma que, em decorrência da crescente interdependência dos sistemas complexos que constituem as sociedades contemporâneas, o Estado teria assumido funções de articulador, não mais de responsável único pela solução de problemas coletivos, que, antes, eram demandados por iniciativa da sociedade civil.

Diante das transformações provocadas pela globalização e pela pressão sistêmica para diminuir seu papel de articulador direto na esf era econômica e social, o Estado teria se fragilizado e, para continuar programando suas políticas em tais condições, teria de se apoiar cada vez mais na cooperação e na coordenação social. A ideia é que a coordenação social necessária à realização de objetivos que interessam à coletividade demanda o envolvimento dos cidadãos, quando menos, para garantir que as instituições republicanas cumpram a missão para a qual foram criadas, e isso implicaria confiança nas mesmas. Confiar em instituições, contudo, não é a mesma coisa que confiar em pessoas de quem se pode esperar reciprocidade, indiferença ou hostilidade (MOISÉS, 2010, p. 53).

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Autores como Offe (1999) e Warren (1999) argumentam que as instituições não são neutras, mas suas regras constitutivas remetem a conteúdos normativos que fornecem a referência comum para o relacionamento dos cidadãos com as estruturas da comunidade política. Ou seja, as instituições funcionariam como “mecanismos de mediação informados por valores relativos aos objetivos coletivos a que propõem realizar” (MOISÉS, 2005, p. 42). Outro autor, Easton (1975), destaca que os membros da comunidade política se identificam com as instituições porque aprenderam a fazê-lo por meio de processos sucessivos de transmissão de seu significado de geração a geração, mas, principalmente, porque suas experiências concretas, ao longo de sua vida adulta, qualifica-os para avaliar racionalmente o seu desempenho. Essa avaliação incluiria a percepção de resultados decorrentes do desempenho das instituições, a exemplo de avanços sociais ou econômicos. Porém, uma vez que essa avaliação passasse a fazer parte da rotina das pessoas, as levaria a perceber a diferença entre desempenho específico e funções permanentes das instituições. Então, o público reconheceria e avaliaria criticamente as instituições a partir do que aprendeu, que é a sua missão fundamental, reagindo a elas, conforme essa percepção (MOISÉS, 2005). A confiança, para Giddens (1995), refere-se a indivíduos específicos ocupando posições sociais específicas. Aplicando ao papel social de polícia, um agente será de confiança, quando os indivíduos acreditarem que o seu comportamento é consistente com as suas expectativas de desempenho e inerente à sua posição no sistema das forças de segurança. Para o autor:

A confiança é um componente importante e este conceito acarreta a conotação de credibilidade perante resultados contingentes e referem- se às ações de indivíduos ou ao funcionamento de sistemas (GIDDENS, 1995, p. 27).

A confiança em instituições fornece, de acordo com Giddens (1995), a base da aceitação e da submissão à lei e às normas democráticas por atores individuais ou coletivos. Ou seja, ela estimula a cooperação dos cidadãos com o Estado, facilitando sua função na coordenação social.

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Ainda segundo Moisés (2010), no regime democrático, as instituições cumprem duas funções complementares: a primeira diz respeito à distribuição do poder de tomar decisões que afetam a coletividade, enquanto que a segunda assegura a participação dos cidadãos no julgamento político envolvido no processo de tomada dessas decisões. Isto significa que existe um controle do poder com o objetivo de que quem o exerça não ameace a liberdade dos membros da comunidade política nem distorça os objetivos da vida pública. Além disso, consiste também em assegurar que os cidadãos possam transformar aspirações, interesses ou preferências em políticas públicas a serem adotadas pelo Estado (HETHERINGTON, 1998). Esse processo envolve um conjunto de regras e normas institucionais cuja promessa é garantir a igualdade dos direitos dos cidadãos perante a lei. Jackson e Bradford (2010a) afirmam que a confiança nas instituições (e autoridades) assenta na expectativa dos indivíduos de que a instituição é justa, eficiente e que respeita os seus valores e os da sua comunidade. De acordo com os autores, a bibliografia inglesa especializada faz a distinção entre trust, isto é, a expectativa de um indivíduo de ter uma relação justa com um agente de polícia62, e confidence que se refere a uma expectativa de tratamento justo por parte da polícia, enquanto instituição. Brown e Evans (2009) distinguem os conceitos: satisfação e confiança. Para os autores, a satisfação é definida de forma “restrita” no sentido em que se refere apenas àqueles que, no passado, usaram ou contataram o serviço público. Confiança é definida de forma mais “abrangente”, incluindo todos aqueles que poderão usar o serviço público. Isto significa que não é preciso ter experimentado o serviço público para definir o grau de confiança que se tem nele. Assim, confiança é uma noção “orientada para o futuro” que contribui para a construção de expectativas sobre a forma de atuação dos agentes públicos no presente e no futuro, embora estas expectativas se possam basear no conhecimento do passado (LOURENÇO, 2012). Diversos estudos têm apontado para um declínio da confiança nas instituições democráticas ao redor do mundo, e este fato chama atenção de diversas áreas das Ciências Sociais e tem sido tema nos debates políticos.

62 No caso deste estudo, os agentes públicos estudados foram os policiais. Os agentes públicos representam a instituição à qual pertencem.

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Booth e Seligson (2009) desenvolveram um estudo envolvendo confiança no México e em sete países centro-americanos. A variável ‘maior escolarização’63 apareceu associada ao aumento do apoio aos princípios democráticos e à redução da confiança nas instituições. Nye (1997) e outros pesquisadores demonstraram uma significativa queda nos níveis de confiança política entre os cidadãos americanos, ao longo dos anos de 1990. Outras pesquisas evidenciaram que este não é um fenômeno restrito aos Estados Unidos, mas comum às sociedades industriais avançadas em geral (NYE ET.at. 1997; LEVI, 1998; PUTNAM ET. AL, 2000). Salzman e Ramsey (2013) estudaram a confiança no Judiciário latino- americano, com base em dados da pesquisa LAPOP (Latin American Public Opinion Project) em dez países: México, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Chile e Uruguai. Entre as conclusões principais está a importância do contexto social dos cidadãos que, segundo os autores, não pode ser negligenciada. Os autores concluíram que, ao contrário dos Estados Unidos, onde o conhecimento e a experiência com o Judiciário melhoram a percepção e a confiança na justiça (GIBSON, 2002; CIALDINI ET AL.,2006), na América Latina, a experiência das pessoas com o Judiciário ajuda a diminuir os níveis de confiança na justiça, porque revelam de forma consistente as deficiências dos tribunais. Em casos de países como Estados Unidos, Inglaterra, França, Suécia e Canadá, desde 1960, existem pesquisas (continuadas) que permitem visualizar a expressão dos níveis de confiança no decorrer do tempo. Na década de 1960, por exemplo, as pesquisas revelaram que mais de 3/4 dos cidadãos expressavam confiança em governos e instituições. Atualmente, em contraposição, apenas 25% afirmam ter confiança (MOISÉS, 2005). Tal resultado revela que a confiança tem apresentado quedas também em países considerados desenvolvidos. Lagos (2000) comparou os níveis de confiança social registrados no Latinobarómetro de 1996 com dados de países europeus do WVS (World Values Survey) de 1990 e constatou que, nos países da América Latina, tais níveis estavam em patamar rebaixado. De acordo com a autora, na maior parte da América Latina,

63 A capacitação cognitiva e o aumento do acesso à informação, trazidos pela instrução formal fazem com que maior educação apareça associada à menor confiança (NORRIS, 1999).

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somente 1/5 dos cidadãos têm ‘muita’ ou ‘alguma’ confiança em parlamentos e partidos políticos, e menos de 1/3 confia em governos, funcionários públicos, polícia ou judiciário. A pesquisadora sustentou que a baixa confiança social é o cerne da desconfiança nas instituições verificada nos países latino-americanos. Sarat (1977) realizou uma revisão de literatura sobre contato dos cidadãos com a polícia e tribunais e concluiu que “a percepção de um tratamento inadequado é a mais importante fonte de insatisfação popular com o sistema legal americano” (p. 434). Mueller e Landman (2004), em estudo similar, constatam que a percepção de injustiça nos procedimentos jurídicos é mais relevante para influenciar o comportamento dos cidadãos que os julgamentos sobre a favorabilidade dos resultados. Ambos os autores afiançam que a percepção de um tratamento justo por parte dos policiais, e a honestidade do juiz, ao avaliar um caso, é mais importante do que os resultados do processo. Ou seja, mesmo que o cidadão tenha uma punição, ainda assim ele pode acreditar que foi justa, dependendo da percepção que ele tem da instituição que o julgou. Lind e Tyler (1988), Tyler (1986), Tyler e Caine (1981) corroboram com as conclusões dos autores supracitados, ao concluírem que os cidadãos constroem suas percepções sobre os agentes policiais e os tribunais, tendo por base o tratamento que recebem dos mesmos. Assim, se sentem que foram tratados com respeito, tendem a colaborar mais com os policiais numa investigação, por exemplo. Murphy e Tanenhaus (1969, p. 275), seguindo a mesma linha de estudos, afirmam:

As pessoas podem acreditar que as decisões específicas estão erradas, e julgar individualmente essa decisão como indigna, mas ainda continuar a apoiar o tribunal e respeitá-lo como instituição que é geralmente imparcial, justa e competente64.

As afirmações acima ressaltam que os cidadãos avaliam as ações das autoridades legais e políticas, fundamentadas no senso de justiça das decisões e não

64 “People may believe specific decisions are wrong, even wrongheaded, and individual judges unworthy of their offices and still continue to support the court if they respect it as an instituition that is generally impartial, just and competente” (MURPHY e TANENHAUS, 1969).

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apenas no resultado positivo para si mesmo (benefícios pessoais ou danos resultantes das decisões). De acordo com Moisés (1995), as pesquisas sobre confiança mostram que, apesar do apoio ao regime democrático per se, cerca de 2/3 dos brasileiros não confiam – em diferentes graus – em parlamentos, partidos, executivos, tribunais de justiça e serviços públicos de saúde, educação e segurança. Surveys realizados pelo autor, entre 1989, 1990 e 1993, revelaram que a percepção negativa das instituições atravessa todos os segmentos de renda, escolaridade, idade e distribuição ecológica, chegando a influir sobre a disposição dos cidadãos para participar de processos políticos, como a escolha de governos. As pesquisas mostraram também uma expressiva insatisfação com o funcionamento concreto da democracia (MOISÉS, 1995). Uma pesquisa coordenada por Moisés e Meneguello (2013) apontou resultados semelhantes. Os resultados foram dados de um survey nacional, realizado em 2006, que corroboraram um cenário que transparece desde a promulgação da Constituição de 1988: a pouca confiança no poder judiciário e nas leis do país, a baixa procura pelos órgãos de justiça e a avaliação, por parte da esmagadora maioria dos brasileiros, de que há desigualdade de tratamento pela lei e no acesso à justiça no país. Moisés e Meneguello (2013) destacam uma das principais conclusões da pesquisa, ou seja, que os determinantes da atitude de desconfiança estão relacionados com o desempenho concreto das instituições democráticas, assim como os valores e perspectivas normativas adotados pelo público a respeito da missão das instituições analisadas. De acordo com os autores,

a desconfiança política é estrutural e afeta, senão todas, a grande maioria das instituições. Além disso, ela não é um fenômeno transitório, associado a uma situação específica, como denúncias de escândalos ou crises políticas. A desconfiança é um fenômeno persistente da relação entre os cidadãos brasileiros e as instituições, tal como já mostravam as pesquisas conduzidas ao longo das últimas duas décadas (MOISÉS E MENEGUELLO, 2013. P. 306).

De acordo com Sadek (2010), o Judiciário no Brasil é criticado há muito tempo e questionado quanto à capacidade de responder aos anseios sociais, e tais críticas são

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feitas a partir da denúncia de sua lentidão e parcialidade. A justiça brasileira é apontada como uma das mais ineficientes, injustas e corruptas do mundo. Um relatório da Organização das Nações Unidas (2005, p. 02) destaca três problemas graves no sistema judicial do Brasil:

O relatório identifica principais deficiências do sistema da seguinte forma: problemas com o acesso à justiça, a sua lentidão e atrasos notórios (...) uma grande proporção da população brasileira, por razões de natureza económica, social ou cultural ou exclusão social, encontra o seu acesso aos serviços judiciais bloqueado ou é discriminado na prestação desses serviços (...) os atrasos na administração da justiça são outro grande problema, o que na prática afeta o direito a serviços judiciais ou torna ineficaz. Julgamentos podem levar anos, o que leva à incerteza, tanto em matéria cível e criminal e, muitas vezes, à impunidade.

A partir dos dados do ICJ (Índice de Confiança no Judiciário) desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas (2012/2013), observa-se que a tendência é de uma avaliação ruim do desempenho do Judiciário. A pesquisa foi realizada em sete Estados brasileiros, com base numa amostra representativa da população65 com o objetivo de medir a percepção dos brasileiros em relação ao respeito às leis. Os autores da pesquisa (OLIVEIRA, CUNHA, BUENO, MORITA E PUPPO, 2013) construíram uma medida composta por cinco elementos diferentes: o grau de independência, responsabilidade, eficiência, eficácia e acessibilidade. Os dados indicam uma má avaliação do Judiciário como prestador de serviços públicos. Um dos motivos de uma avaliação ruim do judiciário brasileiro é, em primeiro lugar, a lentidão

65 Índice de Confiança Justiça Brasileira: Projeto coordenado por Luciana Gross Cunha, desenvolvido na Fundação Getúlio Vargas, para medir a opinião pública sobre o desempenho judicial no Brasil, desde 2009. A população-alvo da pesquisa são brasileiros e brasileiras a partir de 18 anos de idade, residentes em áreas urbanas. A amostra é distribuída em sete Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul e Amazonas) e o Distrito Federal que, juntos, representam mais de 60% da população do país, de acordo com dados do Censo do IBGE. A base de amostragem foi construída a partir de um intervalo de 95% de confiança e erro absoluto de 2,5%, fixando o tamanho da amostra em 1.670 respondentes a cada trimestre. As entrevistas são realizadas por telefone, celular e fixo, por meio de um questionário de 25 minutos de duração aproximadamente. Os relatórios podem ser acessados pelo link: http://direitogv.fgv.br/en/publicacoes/icj-brasil . As perguntas específicas à justiça eleitoral foram incluídas na tomada do terceiro trimestre de 2013, tendo o campo sido realizado entre os dias 15/7 a 29/9/2013.

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na capacidade de resposta dos tribunais (88% dos entrevistados avaliaram que o Judiciário resolve os conflitos de forma lenta ou muito lentamente). Além de ser lento, o judiciário é considerado pela maioria como caro e difícil de acesso (80% disseram que os custos para acessar o Judiciário são altos ou muito altos, e 72% acreditam que o Judiciário é difícil ou muito difícil de ser usado)66. Outros três problemas são a falta de honestidade (61% avaliam o Judiciário como pouco ou nada honesto), tendencioso (60% julgam que o Judiciário é pouco ou nada independente) e a falta de competência (54% da população classifica o Judiciário como tendo pouca ou nenhuma autoridade para resolver conflitos). Em relação à confiança nas instituições, o resultado evidenciou que 33% dos entrevistados responderam que o poder judiciário é pouco confiável. Comparando a confiança no Judiciário com a confiança em outras instituições, observa-se que o Poder Judiciário é mais confiável apenas que o Congresso e Partidos Políticos.

Confiança nas Instituições

Partidos Congresso Políticos Forças Armadas 28% 21% 63%

Judiciário 33% Corporações Globais Igreja 54% 34%

Polícia 38% Governo Mídia Federal 43% 42% Fonte: Quadro elaborado pela autora com base na pesquisa de Oliveira, Cunha, Bueno, Morita e Pupo (2013). Fundação Getúlio Vargas (FGV). Pag. 7.

66 Lembrando que apesar da existência de gratuidade da justiça, há outros custos financeiros para o acesso, que vão desde a produção de documentos, passando pelo transporte até os tribunais e varas, e em muitos casos, a perda de dias de trabalho.

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Em relação ao indicador de legitimidade, os pesquisadores buscaram avaliar as opiniões dos entrevistados quanto à importância de obedecer à lei, aos policiais e aos juízes. A pesquisa mostrou que 82% dos entrevistados afirmaram que “é fácil desobedecer às leis no Brasil”, 79% concordaram com a afirmação que o cidadão brasileiro, sempre que possível, opta pelo “jeitinho brasileiro” em vez de obedecer à lei e 54% afirmaram que existem poucas razões para uma pessoa obedecer à lei no Brasil (OLIVEIRA e Col., 2013, p. 12). A referente pesquisa é realizada a cada três meses. A última pesquisa realizada no primeiro trimestre de 2015 atestou que a confiança nas instituições brasileiras diminuiu. Dentre as instituições avaliadas, o Governo Federal, o Congresso Nacional e os partidos políticos aparecem na última posição.

Fonte: Cunha e col. (2015). Relatório ICJ Brasil. Fundação Getúlio Vargas (FGV). Pag. 18.

Percebe-se uma diminuição significativa nos índices de confiança dos cidadãos no Governo Federal, Congresso Nacional e nos Partidos Políticos (respectivamente, 11%, 12% e 6%). E um aumento de confiança no Poder Judiciário (32%). As pesquisas realizadas pelo IBOPE e pelo Trust Barometer Edelman (2015) também indicaram uma dimuição nos índices de confiança e de legitimidade do governo.

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As pesquisas mencionadas têm apontado para um declínio da confiança nas instituições democráticas e nos agentes políticos, não só no Brasil, mas também em outros países do mundo. De acordo com tais pesquisas, a confiança nas instituições representativas, como partidos e Congresso, é muito baixa e continua decrescente. Esses índices de baixa confiança nas instituições poderiam ser acompanhados de uma desqualificação por parte dos cidadãos das instituições de mediação tipicamente democráticas, como partidos e parlamento, e do próprio “jogo democrático”, principalmente no que tange à sua capacidade de incorporar as diversas demandas dos cidadãos (MOISÉS e MENEGUELLO, 2013). De acordo com os autores, a desconfiança política é decorrente de múltiplos fatores: as dimensões socioeconômicas e demográficas, a avaliação do desempenho da economia, da política e de governos específicos, assim como os fatores associados à cultura política. Esse conjunto de relações explicativas responde à própria natureza do fenômeno estudado, isto é, a de que a desconfiança política é estrutural e afeta a maioria das instituições. Além disso, ela não é um fenômeno transitório, associado a uma situação específica, como denúncias de escândalos ou crises políticas. A desconfiança é um fenômeno persistente da relação entre os cidadãos brasileiros e as instituições, tal como já mostravam as pesquisas conduzidas ao longo das últimas duas décadas. De acordo com Bramatti (2015), a confiança dos brasileiros em instituições políticas despencou em 2015. As maiores quedas de confiança foram em relação à presidente da República, aos partidos políticos e ao congresso nacional. O Índice de confiança social, medido pelo IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística)67, é responsável por medir a confiança dos cidadãos brasileiros em 18 instituições e quatro grupos sociais. Até julho de 2012, essas medidas não apresentavam significativas variações nos números. A partir de 2013, depois das mobilizações de protesto ocorridas em muitas cidades do Brasil, a confiança caiu em todas as instituições, entre elas, empresas, bancos, polícia e igrejas.

67 Disponível em: http://www.ibopeinteligencia.com/institucional/ibope-inteligencia.

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Em 2015, as pesquisas do IBOPE sobre confiança apresentaram uma queda de confiança no governo, nos partidos e nos parlamentares, enquanto que as instituições não ligadas ao mundo político mantiveram seu índice de confiança estável68. As mobilizações de 2013 traduzem, em parte, um contexto de forte desconfiança política, que resulta, entre outros fatores, da incapacidade dos partidos, dos políticos e das instituições de intermediar o descontentamento e a crítica. Cabe realçar que esse é um fenômeno encontrado em vários países e relacionado à forma do governo representativo. As instituições políticas são as intermediárias entre os cidadãos e o Estado. Elas conferem as garantias de direitos e procedimentos, e é a percepção de que, de fato, elas se desempenham nessa direção que garante o compromisso de cooperação dos cidadãos com o regime (MOISÉS, 2010). Para Moisés e Carneiro (2008), no contexto latino-americano, a desconfiança deve ser entendida, primordialmente, como sintoma de mau funcionamento do regime, sobretudo em termos de baixa responsividade. Isso porque, nesse contexto, ela tem se mostrado fruto de experiência negativa com as instituições mais do que resultado de um ambiente de desconfiança ou herança histórica. A confiança nas instituições e nos agentes políticos revela-se essencial na atual conjuntura política do Brasil. A literatura confirma a convergência entre as abordagens culturalista e institucionalista para a interpretação do fenômeno da desconfiança política. No entanto, a desconfiança pode ser considerada também como a ampliação da percepção crítica dos cidadãos em relação à qualidade dos agentes políticos.

68 BRAMATTI, D. Confiança política desaba em 2015. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,confianca-na-politica-desaba-em-2015--imp-,1735630. Acesso em 23/11/2015.

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Capítulo 3

Psicologia da Legitimidade

O conceito de legitimidade remete à ideia defendida por John Locke, no século XVIII, segundo a qual um governo não é legítimo, se não tiver por base o consentimento dos governados. Embora seja um conceito presente nas Ciências Políticas e na Filosofia, há mais de 200 anos, observamos que é relativamente novo para a Psicologia Social. De acordo com Hur, Sandoval e Dantas (2015), os fenômenos políticos não são mais apreendidos apenas em suas instituições tradicionais, como o Estado, os partidos políticos, os sindicatos e os movimentos sociais, mas também por ‘políticas do cotidiano’. Nessa perspectiva, os psicólogos recorrem a conhecimentos psicológicos para compreenderem os fenômenos políticos. Podemos chamá-la de uma ‘psicologia dos cidadãos’, na qual está inserida a maneira como os cidadãos se relacionam com o Estado, como percebem seus governantes e como tomam atitudes políticas em sociedade. Entretanto, antes de adentrar na argumentação de psicólogos sociais que defendem a legitimidade como um fenômeno também psicológico, exporemos algumas ideias sobre a legitimidade na área das Ciências Políticas e Sociologia que, de certa forma, serviram de inspiração para o desenvolvimento da legitimidade no campo da Psicologia. De acordo com Max Weber (1968), o Estado é uma organização política de caráter institucional e duradouro, cuja função é procurar uma ordem que seja legítima. O autor afirma que os governantes encontram duas formas de governar: por repressão ou por legitimidade. Governar por legitimidade significa uma maior capacidade (habilidade) em exercer influência sobre a maior parte dos membros de uma sociedade e assegurar o cumprimento às leis. Nesse último sentido é que se desenvolve a psicologia da legitimidade. A forma mais “fácil”, duradoura e econômica é a dominação por legitimidade. A dominação por repressão produz opositores, enquanto a dominação por legitimidade 72

gera apoio da população. Quando as autoridades governam com legitimidade, contam com o apoio da população, que lhes oferecem o ‘direito’ de governar. Weber (1968) faz uma distinção entre legitimidade tradicional, carismática e legal-racional69, afirmando que a última tem um lugar considerado essencial, pois responde aos princípios daquilo que se pode dar conta de forma argumentativa e racional. Schmitt (1992) distingue o conceito de legalidade do conceito de legitimidade, enfatizando o caráter formal da primeira, diante da aceitação e consenso social da última. Tanto Weber quanto Schmitt afastam o conceito de legitimidade das explicações baseadas numa origem divina, natural e o aproximam ao conceito de legalidade. Por sua vez, Lipset (1983) baseia-se no conceito de que a legitimidade se assenta numa base racional, tal como definido por Max Weber. A legitimidade pode ser entendida como o suporte da obediência voluntária que leva a um sentimento de obrigação, de dever ou de vontade de obedecer às normas e às leis e, naturalmente, às autoridades consideradas legítimas. Na definição de Lipset (1983, p. 64), a legitimidade:

envolve a capacidade de um sistema político de gerar e manter a crença de que as instituições políticas existentes são as mais apropriadas e adequadas para a sociedade. (Tradução nossa)70

A noção de legitimidade não significa que o poder seja sempre usado para promover o progresso e o desenvolvimento de um país ou da humanidade, mas que a população desse país ‘aceita e concorda’ com o exercício desse poder. Nesse sentido, existe um fator psicológico, que se refere à percepção dos cidadãos em relação às

69 1. A autoridade tradicional se dá quando uma pessoa ou grupo social obedece a outro porque tal obediência é proveniente do hábito herdado das gerações anteriores. A tradição é extrínseca ao líder. A autoridade carismática é proveniente das características pessoais dos indivíduos. Sua base de legitimação é a devoção dos seguidores à imagem dos grandes líderes religiosos, sociais ou políticos. Portanto, a ideia de carisma está associada às qualidades pessoais e à posição organizacional ou às tradições. O carisma é, em muitos casos, a base explicativa para autoridades informais nas organizações. A autoridade racional- legal ou burocrática é a principal base da autoridade no mundo contemporâneo. As organizações formais (Estado, organizações públicas e privadas, etc.) procuram tratar a liderança como um atributo de cargos específicos, que deve ser legitimamente aceita pelos indivíduos (Weber, 1992).

70 involves the capacity of a political system to engender and maintain the belief that existing political institutions are the most appropriate and proper ones for the society (LIPSET,1983, p.64), 73

autoridades que governam e se traduz num sentimento de apoio (confiança) ou de desconfiança nessas autoridades (ROSANVALLON, 2011). O argumento clássico de teóricos políticos e sociais tem se pautado na ideia de que as autoridades, para governarem de forma eficaz, precisam convencer às pessoas que elas “merecem" governar e tomar decisões que influenciam positivamente a qualidade de vida de todos. Referindo-se à legitimidade como “autorização para governar”, Kelman e Hamilton (1989, p. 16) argumentam que uma autoridade é legítima, quando existe o sentimento de “é um dever obedecer” ordens superiores. Este sentimento de “dever obedecer” faz com que os cidadãos permitam às autoridades consideradas legítimas definir limites do comportamento apropriado em determinada situação. Assim, a legitimidade é uma forma adicional de energia que permite às autoridades “moldarem” o comportamento dos cidadãos sem o uso de recompensas ou sanções (FORD e JOHNSON, 1998). Sob esse ponto de vista, percebe-se um elemento psicológico em relação à legitimidade. A percepção do cidadão, que é moldada por fatores sociais, culturais e políticos, o leva a formar suas convicções e comportamentos em relação ao Estado, na sociedade. Hoffman (1977), interessado em desenvolver conceitos teóricos sobre a influência da legitimidade no comportamento dos cidadãos, faz a seguinte afirmação:

o controle por outros é substituído pelo auto-controle, as normas e valores sociais são internalizados e tornam-se parte dos próprios desejos do indivíduo a respeito de como se comportar na sociedade (HOFFMAN, 1977, p.85).

Neste mesmo sentido, Zelditch (2001) expõe que as pessoas são influenciadas por outros porque acreditam que as decisões tomadas e as normas (ou leis) são adequadas e devem ser seguidas. “Alguma coisa é legítima, se ela está de acordo com as normas, valores, práticas e procedimentos aceitos por um grupo”71 (ZELDITCH,

71 “something is legitimate if it is in accord with the norms, values, relieves, practices, and procedu-res accepted by a group” (Zelditch, 2001a, p. 33).

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2001, p. 33). Para o autor, as pessoas são cooperativas e obedientes, em razão da legitimidade daqueles que elaboram as leis e da confiança nos agentes políticos Ademais, a legitimidade nos remete a uma dimensão política, ou seja, aquela do direito a governar reconhecido pelas equipes governantes. Esse reconhecimento é em primeiro lugar jurídico. Mas, a lei somente não é suficiente para legitimar uma autoridade ‘aos olhos’ das partes envolvidas: sua personalidade, as experiências, os comportamentos, as decisões e os resultados, pois, contribuem para a legitimidade. Assim, percebe-se que fatores psicossociais levam os cidadãos a formarem suas crenças em relação às instituições e aos governantes. Easton (apud TYLER, 2006, p. 28) reforça que a legitimidade existe quando os membros da sociedade creem que devem obedecer a seus líderes:

No sistema político, quando o grupo governante baseia a sua atividade no princípio de que os membros do sistema consideram ter motivos suficientes para obedecerem aos seus governantes, o poder é dito legítimo72.

Tyler (2001, 2006) corrobora com as afirmações, ao argumentar que a legitimidade é uma crença que supõe que uma autoridade, instituição ou política social sejam apropriadas e justas. O efeito da percepção da legitimidade faz os cidadãos se sentirem satisfeitos com o processo de tomada de decisões do governo e com os resultados que se produzem a partir deste, o que gera uma obediência voluntária às leis e normas porque acreditam que as autoridades responsáveis pelo sistema político são justas e adequadas. Existe o reconhecimento, ao longo da história do pensamento social, que as pessoas exercem influência sobre os outros, em virtude do poder que detêm. O poder é uma capacidade de moldar os ganhos e as perdas das pessoas, seja por meio de ameaças ou pela coerção utilizadas com a finalidade de dissuadir um comportamento indesejado ou prometer recompensas para promover um comportamento adequado.

72 in a political system in wich the governing group bases its activity on a principle which the members of the system consider to be adequate grounds for obeying their rulers, the power is said to be legitimate (EASTON, 1958, p. 180 APUD TYLER, 2006, p. 28)

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Entretanto, a legitimidade não pode ser confundida com o poder. Este é a atitude e a capacidade de ação de que um governante dispõe para governar, enquanto aquela é uma qualidade desse poder. Ou seja, é a legitimidade que torna aceitável o poder nas mãos de um governante (PETIT E MARI, 2009). O argumento de que o comportamento dos cidadãos em ambientes sociais está ligado à capacidade de oferecer recompensas ou punições é analisado por teorias psicológicas, mas também é recorrente nas Ciências Políticas, Sociologia, Economia, na elaboração das leis e na gestão das políticas públicas (TYLER, 2006). As teorias tradicionais da Psicologia são construídas na suposição de que o comportamento é motivado por recompensas e punições (SKINNER, 1989). Baseados nesta perspectiva, há a “Teoria da Dissuassão”, que defende que os cidadãos são hedonistas e que seus comportamentos são motivados pela ganância do prazer e a evitação da dor (BEETHAM, 1991). A teoria da Dissuassão analisa o cumprimento às leis, a partir da relação custo-beneficio e, para isso, são necessárias a vigilância constante e a aplicação de punições adequadas por parte das autoridades judiciais. Tal perspectiva, denominada por Tyler (2006) de “perspectiva instrumental”, é frequentemente referida nos estudos de controle social. De acordo com o autor (p. 21):

O controle social se refere especificamente a alterar o comportamento dos cidadãos manipulando o acesso aos recursos sociais que são valorizados ou ameaçando por meio de sanções(...) Em ambos os casos, as autoridades legais tentam modificar o comportamento ao premiar o cumprimento das regras e punir (ou ameaçando punir) a violação de regras. 73

Tyler (2006) defende que as pessoas são intrinsecamente motivadas para maximizar os seus ganhos pessoais diante de seu comportamento em relação às leis. Não obstante, essa perspectiva tem sido criticada, e o autor acredita que o controle social e a perspectiva da escolha pública levaram os interessados a entenderem que

73 Social control refers specifically to altering citizens´s behavior by manipulating access to valued social resources or by delivering or threatening to deliver sanctions (...)In either case, legal authorieties attempt to modify behavior by rewarding compliance with the rules and punishement or threatening to punish the violation of rules. (TYLER, 2006, p. 21).

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para garantir a obediência às leis é necessário se concentrar na capacidade e habilidade das autoridades de influenciar o comportamento dos cidadãos. O autor reconhece que aqueles que procuram ter influência sobre os outros, fundamentados somente na posse de poder, pode custar caro e ser ineficiente. O uso do poder coercitivo requer expressivos recursos para obter quantidades modestas e limitadas de influência sobre os outros. Nas palavras de Tyler (2006, p. 377):

Tentar governar uma sociedade ou gerir uma organização baseada apenas na posse do poder, exige, em primeiro lugar, um enorme dispêndio de recursos para criar um sistema crível de vigilância para monitorar o comportamento dos cidadãos e para punir os violadores da lei.74(tradução nossa)

Se recompensas e punições produzissem por si o comportamento de obedecer às leis, e que fossem suficientes para que a sociedade funcionasse efetivamente, as autoridades iam encontrar uma ‘tarefa simples’ pela frente, de acordo com Tyler (2006). Nos estudos gerais sobre obediência às leis, a atenção é voltada para o tipo de obediência que não seja facilmente explicado, utilizando a ‘perspectiva instrumental’. Os estudos de Tyler evidenciam que os cidadãos tem obedecido às leis onde as punições são quase inexistentes e as desobedecido, em casos que envolvem grandes riscos de punição. Nesse sentido, Tyler (2006) reconhece que as campanhas educativas veiculadas pela mídia têm mais eficácia na mudança de comportamento dos cidadãos do que multas e punições. O autor exemplifica sua ideia, ao afirmar que as campanhas publicitárias contra o ato de beber e dirigir, nos Estados Unidos, diminuíram a desobediência, mesmo que tivessem pouca ou nenhuma influência na probabilidade de que a pessoa viesse a ser punida, e desobecido em situações em que haveria punição.75

74 Seeking to govern a society or manage an organization based upon the possession of power alone first requires enormous expenditures of resources to create a credible system of surveillance througt which to monitor public behavior to punish rule violators (TYLER, 2006, p. 377).

75 No Brasil, as multas por infrações de trânsito aumentaram consideralmente para controlar os acidentes, e mesmo assim, o índice de acidentes de trânsito não diminuem (SANTOS, 2015). Um exemplo cotidiano são as multas por velocidade e por dirigir após o consumo de bebidas alcoólicas, que cresceram consideravelmente em dezembro de 2012 e em novembro de 2014. De acordo com o Departamento 77

Em sociedades democráticas, o sistema legal não pode influenciar as pessoas somente pela manipulação de recompensas e punições. Esse tipo de liderança, de acordo com as ideias de Tyler (2006, p. 23): “é impraticável porque governos são obrigados a produzir benefícios ou exercer a coerção todo o tempo para influenciar o comportamento do cidadão”. Além disso, tais estratégias consomem grande quantidade de recursos públicos, e as sociedades que assim o fazem, podem estar em constante perigo de desequilibrio e instabilidade. A “perspectiva instrumental” assevera que o respeito ao Direito é reforçado, se a desobediência a ele acarretar claramente um custo para o bolso, para a liberdade, para a imagem e para o estado psíquico. A habilidade de raciocinar instrumentalmente, calcular riscos e potenciais benefícios nas ações é apontada por Tyler (2006) como uma das razões para a obediência ao Estado de Direito; entretanto não se sustenta ao longo do tempo. Essa ideia é reforçada pela crença do senso comum que, à medida que as pessoas temem e esperam punição ou recompensa estatal, elas tendem a respeitar o Estado de Direito, obedecendo às leis. Desse modo, a impunidade causada pela ineficiência do Estado e a corrupção colocam em risco a capacidade de ameaça da coerção como um meio de obter obediência. A experiência dos Estados totalitários mostra que conseguir obediência pela constante vigilância é algo extremamente custoso, não apenas do ponto de vista econômico, pois, mesmo que os custos pudessem ser suportados, seria absolutamente indesejado. Segundo o autor supracitado, essas “razões instrumentais” ou “perspectivas instrumentais” para obedecer às leis são entendidas como parte da estrutura coercitiva do Estado. Então, para ele, esse tipo de perspectiva tem servido como base para os “formadores de políticas” (policymakers) que, frequentemente, acreditam que, para

Nacional de Trânsito (DENATRAN, 2015), no caso de ultrapassagens em que se força uma manobra perigosa com veículo vindo em sentido contrário, o valor da penalidade aumenta mil por cento, de R$ 191,54 para R$ 1.915,40. A multa para quem ultrapassar pelo acostamento aumentou 650%, passou de R$ 127,69 a R$ 957,70. E as ultrapassagens em local proibido tiveram um reajuste de 500%, passando de R$ 191,54 para R$ 957,70. Os rachas, se terminarem em acidente com morte, poderão levar o motorista a passar de cinco a dez anos na prisão. Sem vítimas, se a prática for flagrada, pode terminar em pena de três anos de prisão para os motoristas, e em multa mais cara: de R$ 574,62 passará para R$ 1.915,40. Caso haja vítimas não fatais, a pena prevista no código modificado é de seis anos de prisão. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/multas-de-transito-vao-subir-ate-900-a-partir-de-sabado-14405129. Acesso em 2/2/2015.

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conseguir que as leis sejam cumpridas, adotam a perspectiva instrumental, ou seja, avaliam que o aumento da severidade e certos tipos de punição para quem comete crimes, constituem a maneira mais eficaz de forçar os cidadãos a cumprirem as leis. Embora essa ‘perspectiva instrumental’ tenha motivado os legisladores a aumentarem constantemente as punições (multas) para conseguirem determinado comportamento dos cidadãos, esse procedimento tem se mostrado ineficiente76. Tyler (1990) rejeita a tese de que a adesão às leis poderia ocorrer por essas razões instrumentais, baseadas em recompensa e punição. O autor considera que esse tipo de perspectiva é responsável por comportamentos de respeito à lei imediata, volúvel e parcialmente. Para exemplificar essa ideia, recorremos ao comportamento do motorista que dirige em alta velocidade, mas a diminui consideravelmente ao perceber a presença de radar ou de postos de polícia rodoviária. Entretanto, logo após passar pelo radar ou controle policial, o motorista volta a dirigir com velocidade acima da média, se não estiver monitorado por radares. Diante das evidências de que a punição não resolve o problema da desobediência às leis, faz-se necessário argumentar sobre outra perspectiva que motiva o cumprimento das leis, e que transcende as razões instrumentais e o poder coercitivo do Estado. Esse modelo é o que Tyler (2006) denominou de ‘perspectiva normativa’. A ideia principal do autor é que, para que haja um cumprimento às leis, é necessário levar em conta os aspectos voluntários da obediência (e não apenas recompensas e ameaças de punição) e ressaltar a eficácia das autoridades que governam a sociedade. É nessa perspectiva que autores que Tyler começam a dar relevância à legitimidade psicológica. A perspectiva normativa é a influência das crenças de justiça e de moral que vão além do interesse individual. De acordo com Tyler (1990, p. 3):

Em uma perspectiva normativa, a legitimidade das ações institucionais não deve se deter à favorabilidade dos resultados obtidos, mas

76 No caso da legislação de Trânsito, o aumento das multas não diminuiu os acidentes de trânsito no Brasil, principalmente em relação à velocidade acima da permitida e ao ato de dirigir após ter ingerido bebida alcoólica. (SANTOS, 2015)

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sobretudo aos meios (que precisam ser justos) pelos quais se chega aos resultados (Tradução nossa)77.

Tal perspectiva diz respeito à crença de que as leis e as instituições são apropriadas e justas, ou seja, consideradas legítimas pelos cidadãos. Desse modo, a obediência às leis e às instituições de um Estado torna-se mais sólida e duradoura. Uma vez internalizado o compromisso com a ‘normatividade’, tende-se a ter maior autocontrole e senso de obrigação perante o Estado de Direito. Assim, a obediência às leis passará necessariamente pela percepção do cidadão de que ela é justa e que a autoridade que a impõe tem legitimidade para determinar o comportamento dos indivíduos. De acordo com Tyler (1990, p. 4),

este compromisso normativo envolve a moralidade pessoal ou legitimidade (...) por meio da moralidade pessoal, as pessoas obedecem à lei quando sentem que ela é justa; o comprometimento normativo a partir da legitimidade significa que as pessoas obedecem à lei, quando existe o sentimento de que a autoridade responsável pela elaboração das leis tem o direito de ditar o comportamento (tradução nossa).78

Com base nessa perspectiva normativa, é preciso explorar como os cidadãos pensam e compreendem seus valores. O foco da perspectiva normativa é a internalização das normas e leis, fundamentada no sentimento de justiça e moral (TYLER, 1990). Ou seja, sugere a necessidade de explorar como os cidadãos pensam e compreendem os seus valores internos. Tyler (1990) defende a ideia de que as instituições necessitam do apoio e da cooperação voluntária dos cidadãos para assegurar a ordem e a segurança pública, o que só é possível, quando os cidadãos reconhecerem como legítima a ação das

77“ In a normative perspective, the legitimacy of institutional actions should not stop the favorability of the results obtained in contacts with the institutions, but rather the means (that need to be righteous) by which it comes to results” (TYLER, 1990, p. 3).

78 “this normative commitment can involve personal morality or legitimacy. Normative commitment through personal morality means obeying a law one feels the law is just; normative commitment through legitimacy means obeying a law because one feels that the authority enforcing the law has the right to dictate behavior” (TYLER, 1990, p.4).

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instituições. A legitimidade que os cidadãos conferem às instituições assenta na percepção que têm sobre o modo como essas instituições exercem a autoridade e na confiança que nelas depositam. O autor explica, entre outros exemplos, que, no comportamento cotidiano, a legitimidade e a moralidade normalmente trabalham em conjunto para prevenirem o comportamento ilegal. Tyler (1997) afirma que a imoralidade que o ato de desobedecer às leis representa é mais efetiva do que as punições que o Estado aplica. Neste sentido, lembramos Becker (1968), quando afirma que a eficácia das leis estaria ligada à moralidade. Isto quer dizer que, em sociedades nas quais os indivíduos valorizassem os outros e os seus direitos, a implementação do Estado de Direito seria mais fácil. Habermas (1997), por sua vez, ressalta que os direitos distribuídos igualmente é uma construção social, uma decisão feita pela comunidade para valorizar os indivíduos em termos equitativos e para fundamentar o exercício do poder nesses direitos básicos. Ou seja, as decisões coletivas apenas serão válidas, se derivarem da vontade de indivíduos autônomos e se eles respeitarem a esfera da dignidade humana delineada por esses mesmos direitos. O autor afirma que as leis reivindicam e adquirem legitimidade por meio de mecanismos democráticos. A legitimação incide sobre um dado social que agrega receptividade do lado dos cidadãos e autoridade por parte do Estado. E acrescenta que a democracia funcionará tanto melhor quanto menos o Estado precisar zelar pela observância das leis, uma vez que autor e destinatário da legislação são idênticos no Estado democrático de direto. A fábula “O Anel de Giges” escrito por Platão, no livro II de “A República”, assevera que a moral corresponde à atitude "correta" realizada, mesmo fora do alcance da visão de terceiros (PLATÃO, 2000)79. Kant (1974) apresentou algo semelhante

79 Giges era um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Em virtude de uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu um cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão. Arrancou-lho e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado esses fatos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; 81

quando ressaltou que o cumprimento das leis é um imperativo categórico, ou seja, é preciso sempre obedecer às leis, visto que foram construídas com base em um amplo debate (técnico, social e filosófico). Dessa maneira, se um cidadão estiver numa estrada sem radares e policiais, mesmo assim, deverá respeitar o limite de velocidade, pois tal limite foi estabelecido por pessoas ‘competentes’ que sabiam o que estavam fazendo, por terem mais informações sobre as condições da estrada. Não obstante, em ambos os modelos, a percepção dos cidadãos é a “chave do sucesso” (TYLER, 1990, p. 40), e são eles que decidem se obedecem ou não às leis. Dessa maneira, o controle social pode ser ineficiente para permitir sociedades democráticas de sobreviverem. A psicologia social contribui nesse entendimento quando reconhece outras bases potenciais para assegurar o cumprimento às leis pelos cidadãos: a influência das relações sociais (amigos, família e os pares) e dos valores normativos (os pontos de vista éticos sobre o próprio comportamento). O exposto significa que, para compreender o comportamento dos cidadãos em relação às leis, é necessário levar em conta também a influência que o grupo social exerce sobre cada indivíduo (ELLICKSON, 1991). Do mesmo modo que as autoridades, os grupos sociais recompensam e punem seus membros, conferindo-lhes status social e respeito do grupo, ou ainda, canalizando os recursos materiais aos seus membros. Estas variações de recompensas e punições não são iguais ao controle público das autoridades, entretanto, elas funcionam similarmente aos incentivos e desincentivos públicos. Quanto a essa pressão do grupo de pares, a literatura documenta que as pessoas são mais relutantes em desobedecer às leis quando a família ou amigos os reprovam, e pelos julgamentos negativos que possam ter no grupo. Este tipo de influência “normativa” é similar à influência da moralidade pessoal. De acordo com Tyler (2006, p. 24), “o comportamento das pessoas é fortemente afetado pelo ‘clima normativo’ criado pelos outros”80. A influência do grupo também pode exercer pressão normativa nos indivíduos, uma vez que os ‘olhares individuais’ dos membros do grupo social se o voltasse para fora, ficava visível. Assim, senhor de si, logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto ao rei. Uma vez lá chegando, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim tomou o poder. (PLATÃO, 2000)

80 People´s behavior is strongly affected by the normative climate create by others (TYLLER, 2006, p. 24) 82

oferecem uma informação de conduta apropriada a ser seguida pelos demais membros do grupo. Autores como Galligan (2007), interessados em estudos que analisam por que as pessoas obedecem às leis, também defendem que os círculos sociais, grupos e comunidades às quais as pessoas fazem parte, moldam e determinam suas ações. Portanto, segundo o autor, uma das razões para respeitar a lei pode ser a “expectativa de represália ou benefício” por parte da comunidade ou círculo social ao qual se pertence. Esses estudos reforçam a ideia de que o grupo social exerce influência no comportamento de obedecer ou não às leis. Ellickson (1991) contribui com a afirmação acima, quando assinala que o grupo social é fundamental na tomada de decisão, quando se trata de obedecer ou não às leis, mesmo na ausência de autoridade estatal. Essas relações podem auxiliar na obediência à lei, ainda que em termos frágeis. Entretanto, as pressões do grupo de amigos podem ser problemáticas, uma vez que o meio social pode ser influenciado por uma cultura de desrespeito, ou ainda, por uma cultura interna que desafie o Estado de Direito, como no caso da máfia e de outras formas de crime organizado. Consequentemente, as razões instrumentais representadas pela coerção ou por arranjos de vantagem mútua (autointeressada) não conseguem explicar totalmente por que as pessoas obedeceriam à lei. Embora importantes, elas são insuficientes como explicação completa da questão. Tyler (2006) afirma que a influência social no comportamento é o conjunto de valores normativos do próprio indivíduo, ou seja, o senso do que é certo e apropriado. As influências normativas dizem respeito a fatores diferentes da ideia de recompensa e punição. Neste sentido, os indivíduos não se focalizam nos ganhos e nas perdas de seu comportamento em determinadas situações, mas sim, avaliam se esse comportamento é apropriado. A principal característica dos fatores normativos, de acordo com o autor, é que os cidadãos, voluntariamente, cumprem as leis em vez de responder a fatores externos (recompensa e punição). A influência normativa é frequentemente referida por psicólogos como “obrigações internalizadas”, isto é, a responsabilidade pessoal de cada cidadão em face ao cumprimento às leis. Essa internalização das obrigações também é defendida por Hoffman (1977) quando expõe que a maioria dos indivíduos não percebe as normas morais da

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sociedade como externas, ou pressões impostas coercivamente a quem devam submeter. Embora as normas sejam inicialmente externas e, com frequência, apresentem conflitos com os desejos dos indivíduos, elas se tornam parte de seu sistema de motivação interna e guiam seus comportamentos sempre na ausência da autoridade externa. Seguindo essa suposição, podemos dizer que líderes ganham voluntariamente confiança em suas ações, se estas forem consistentes com o ponto de vista das pessoas sobre o que é certo e o que é errado, mesmo que não os beneficiem pessoalmente. A literatura a respeito da obediência às leis reconhece dois tipos de internalização de obrigação: Primeiro, quando os cidadãos cumprem as leis porque eles reconhecem que as autoridades legais são legítimas e corretas para ordenar seus comportamentos. Isto significa que existe uma aceitação pelos cidadãos em agir em consonância com as leis e normas das autoridades (FRIEDMAN, 1975 apud TYLER, 2006). Easton (1958 apud TYLER, 2006) corrobora, ao propor que a legitimidade existe quando os membros da sociedade consideram existirem razões suficientes para cumprir as leis e sentirem que eles devem voluntariamente obedecer aos comandos das autoridades. O segundo tipo de internalização da obrigação para cumprir as leis é derivado do desejo de comportar-se de acordo com o próprio senso de moralidade pessoal, que é um sentimento interiorizado de obrigação, caracterizada pelo cumprimento voluntário às leis, quando há legitimidade das autoridades (TYLER, 2006). A moralidade pessoal é, de acordo com o autor, um sentimento de obrigação internalizada do que é moralmente certo ou errado. Outro ponto de vista defendido por Major y Schmader (2001, p. 21) a respeito da legitimidade refere-se a um mecanismo de avaliação da legitimidade definido como uma “percepção subjetiva de uma justa distribuição social dos recursos, incluindo status, poder, ou qualquer outro fator diferencial entre os indivíduos e grupos”. Isto quer dizer que, quanto mais igualitária for uma sociedade, maior legitimidade os cidadãos oferecerão às autoridades que a governam. Skitka (2002) argumenta que a legitimidade não é gerada simplesmente mediante a percepção do processo de ‘justiça justa’, mas quando as pessoas percebem que o ato ou a situação com essa característica coincide com seus valores. Segundo o

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autor, as pessoas não outorgam o caráter de justo a um juiz pelas suas características do processo em si, mas, quando seu veredicto coincide com seus valores morais. Por sua vez, Dornbusch y Scott (1975) salientam que a percepção da legitimidade por parte dos cidadãos é um processo coletivo complexo, pois as concepções da legitimidade individuais geram atitudes que repercutem na relação dos cidadãos com a autoridade ou com as leis (que são consideradas legítimas ou não) e, especialmente, os efeitos de legitimidade em relação à estabilidade social consistem no resultado da validação do processo coletivo. Seguindo essa mesma linha, Wenzel y Jobling (2006) argumentam que os cidadãos percebem maior legitimidade nas decisões de um governante, ao reconhecerem que este compartilha dos mesmos interesses que seu grupo. A legitimidade seria o resultado da coincidência de opiniões e valores das autoridades com os cidadãos. Beramendi (2013) corrobora, ao afirmar que a legitimidade não é apenas observada por um processo racional de tomada de decisões, mas também pela coincidência de opiniões e valores dos governantes com a população governada. De acordo com Tyler (2006), as pesquisas sobre os dilemas sociais revelam que a sociedade deveria ‘evitar’ autoridades políticas que pudessem utilizar o poder para interesse próprio, ou para interesse de um grupo particular, acima do interesse de outros grupos mais vulneráveis.

Quando as autoridades agem dentro dos limites apropriados do que é justo e certo, os cidadãos sentem obrigação de obedecer às regras impostas por estas autoridades. Líderes com autoridade legítima podem agir de forma que efetivamente promovam seus objetivos, com a expectativa de promover apoio público para suas ações (TYLER, 2006. p. 47).

No entanto, não se pode presumir que as autoridades serão benevolentes e que promoverão ações positivas para o bem público. Conquanto elas possam facilitar a troca produtiva de recursos para o benefício de todos os membros da sociedade, não é possível dizer que funcionará desta forma. Ainda o referido autor acrescenta que a obediência às leis, por meio da moralidade pessoal, é uma faca de dois gumes (Double-edged). Por um lado, os

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cidadãos podem agir de acordo com as autoridades e obedecer às leis, e por outro, podem produzir resistência a determinada lei e às autoridades legais. A questão central dos estudos sobre legitimidade defendida por Tyler (2006) aponta duas abordagens: Primeiro, o conflito entre o interesse próprio ou moralidade pessoal e a legitimidade das autoridades. A pergunta é se os cidadãos vão obedecer, mesmo que esse comportamento seja contrário a seus interesses pessoais ou valores morais. Por exemplo, se um policial pede para o cidadão fazer algo que seja considerado errado, ele deve obedecer? A segunda abordagem defendida pelo autor para analisar a legitimidade é mesurar o quanto essas autoridades desfrutam do apoio público, da lealdade da confiança dos cidadãos em suas ações. Os cidadãos se questionam para indicar sua “orientação afetiva” em torno dos líderes governantes e instituições. Por exemplo: Os líderes governantes são confiáveis? A maioria dos policiais são honestos? Questões gerais como estas são indicadas por Tyler (2006) e são importantes para mesurar a legitimidade das autoridades. O conceito essencial nas definições de apoio é a “orientação afetiva favorável” em torno das autoridades, uma orientação que prepara os cidadãos para se comportarem como indicado pelas autoridades. Easton (1975, apud TYLER, 2006, p. 28), “uma orientação favorável tem sido chamada pelos pesquisadores de apoio, apego, lealdade e fidelidade ao sistema político ou sistema legal”81. Uma crítica aos estudos sobre legitimidade é que eles têm se centrado nas questões de “submissão, obediência e fidelidade (allegiance)” mais que os estudos que envolvem diretamente as questões de “percepção da obrigação de obedecer às leis”82. Easton (1975, apud Tyler 2006) analisa a legitimidade, por meio do apoio público dado às autoridades e realça a importância de medir “a confiança nos governantes”. De acordo com o autor, a principal diferença entre obrigação e apoio está na motivação dos cidadãos em obedecer às leis e tal aspecto tem a ver com a confiança dos cidadãos em seus governantes.

81“a favorable orientation has variously been called support, attachment, loyalty and allegiance to the political or legal system”. (EASTON, 1975 apud TYLER, 2006, p. 28)

82 “Perceived obligation to obey” (Easton apud Tyler 2006).

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O estudos sobre legitimidade, obediência às leis e confiança motivaram os psicólogos sociais (americanos)83 a desenvolverem pesquisas empíricas e teóricas sobre a legitimidade, enfocando as dimensões psicológicas presentes na relação que os cidadãos tem com as autoridades políticas e com as instituições. A psicologia da legitimidade defende “a legitimidade como um o valor interno que leva as pessoas a aceitarem obedecer a regras, normas e leis” (TYLER, 2006). Desta definição, resulta a ideia de que a “obediência voluntária” à ordem estabelecida e legitimada pelo consentimento democrático tem sempre presente a percepção de que aqueles que exercem autoridade apenas a detêm em função e no âmbito restrito do seu cargo. Ou seja, a obediência não é prestada à pessoa que detém a autoridade, mas à ordem social em que ela está inserida. Por exemplo, a autoridade legítima de um agente de polícia tem suas raízes na instituição a que pertence, e é esta instituição que é percebida como merecedora de legitimidade, e não o agente. A autoridade individual é um atributo restrito à esfera específica das atribuições e competências que são conferidas ao seu titular. Só há autoridade individual se o titular fizer uso dos poderes que lhe são atribuídos nas condições e para as finalidades prévias e claramente definidas. A definição é proposta por Jost e Brenda (2001), inspirada em Max Weber (1968). Seron e colaboradores (2004, p. 666) corroboram com os autores supracitados, quando defendem que os indivíduos e a comunidade têm a expectativa de que as instituições desempenhem bem as suas obrigações “... dentro de um sistema justo, público e responsável84”. A legitimidade das autoridades conduz à aceitação voluntária das leis e é referida como um fator significativo na adoção de políticas de prevenção da criminalidade e da perturbação da ordem pública.

83 A partir dos anos oitenta, psicólogos sociais como Della Fave (1980, 1986); Zelditch & Walker (1980, 1986); Thomas, Walker & Zelditch (1986a, 1986b), Ridgeway & Berger (1986), Lind e Tyler (1988), Ridgeway & Diekema (1989), iniciaram um trabalho sistemático sobre a psicologia da legitimidade. Nos anos noventa mantiveram-se o interesse e o ritmo de publicação em relação ao tema. Em 2001, os psicólogos sociais John Jost y Brenda Major organizaram uma publicação a respeito da psicologia da legitimidade. Em 2006, o Annual Review of Psychology e Annual Review of Sociology dedicaram seus respectivos capítulos à questão da legitimidade, motivando outros pesquisadores da área da psicologia a se interessarem pelo assunto.

84 “within a set of fair, public, and accountable guideline” (SERON et al., 2004, p. 666).

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[...] a legitimidade é uma percepção generalizada de que as ações de uma entidade são desejáveis, corretas ou apropriadas em um determinado sistema de normas, valores, crenças e definições construídos socialmente (SUCHMAN, 1995, p. 574).

Tyler (2006), ao analisar a legitimidade, destaca sua dimensão psicológica. Dessa forma, a legitimidade é uma crença que condiciona o comportamento de uma pessoa:

Legitimidade é uma propriedade psicológica que, quando existe, leva as pessoas a submeter-se voluntariamente a decisões, normas e regras sociais” (p. 234). 85

Berger e colaboradores (1998, p. 57) contribuíram com as definições sobre legitimidade ao concluírem que "a legitimidade é fundamentalmente um problema na construção social da realidade” 86. Conforme os autores, a legitimidade é uma questão própria da construção da realidade social; é um processo coletivo; depende, embora não necessariamente, do consenso da maioria que aceita determinados pontos como legítimos; e, como construção coletiva da realidade social, tem tanto uma dimensão cognitiva (características sociais cognitivas), quanto uma dimensão prescritiva (características normativas). Kelmanm (2001, p. 55), por sua vez, declara: “O que caracteriza a legitimidade em sua essência é que ela se refere à base moral da interação social”87. A relação entre moralidade e legitimidade é delicada, pois, embora possuam elementos comuns, no cotidiano são indistinguíveis e respondem a diferentes campos.

85 [...] legitimacy — the belief that authorities, institutions, and social arrangements are appropriate, proper, and just. [...] legitimacy is a property that, when it is possessed, leads people to defer voluntarily to decisions, rules, and social arrangements. (TYLER, 2006, p. 376).

86 “Legitimation is fundamentally a problem in the social construction of reality” (BERGER e col. 1998, p. 380).

87 “What characterizes legitimacy at its core is that it refers to the moral basis of social interaction”(KELMAN, 2001, p. 55).

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A legitimidade se situa em normas sancionadas por algum tipo de comunidade, enquanto que a moralidade faz referência aos critérios que o indivíduo adota de forma pessoal e íntima (KELMANM, 2001, p.56)88.

Tais critérios têm consequências na interação social, que seria o âmbito próprio da legitimidade. Já Hunt e Aldrich (1996) classificam a legitimidade em dois tipos básicos: sociopolítica (regulatória e normativa) e cognitiva. A legitimidade sociopolítica regulatória é derivada de regras, padrões e expectativas criadas por governos, associações credenciadoras, agências reguladoras, associações profissionais e organizações legalmente instituídas. Por sua vez, a legitimidade sociopolítica normativa é derivada das normas e valores da sociedade ou de um ambiente social relevante (ZIMMERMAN & ZEITZ, 2002). Ela requer a aceitação moral e regulamentar de uma instituição pelos principais interessados ou pelo público em geral. De acordo com Aldrich (1999), a legitimidade sociopolítica se refere à aceitação pelos principais interessados, públicos em geral, principais líderes de opinião e órgãos de governo, de uma nova regra (ou lei) considerada como apropriada e correta. Ela tem dois componentes: a aceitação moral, referindo-se à conformidade com as normas culturais e valores, e a aceitação quanto à conformidade com as normas governamentais e regulamentos. A legitimidade cognitiva, para Aldrich (1999), trata da aceitação de uma nova lei ou regra social concedida como parte das características do ambiente. A legitimidade cognitiva significa que o corpo de conhecimento produzido pelas leis torna-se aceito pelos cidadãos e pela comunidade. Pode ser caracterizada pela obediência às leis e às normas sociais de determinada sociedade. Entretanto, nem todos os comportamentos são susceptíveis de serem considerados legítimos ou ilegítimos, porém, somente aqueles que estão governados por uma regra socialmente aceita ou à qual a pessoa atribui uma ampla aceitação social. Quando se aproxima o conceito de legitimidade ao cotidiano é conveniente

88 “Legitimacy is located in sanctioned standards by some kind of community, whereas morality refers to the criteria that the individual takes personal and intimate way” (KELMANM, 2001, p.56). 89

precisar que aspectos poderiam afetar. Muitos tipos de comportamento não estão governados por regras como, por exemplo, hábitos, convenções, costumes e inspirações. Sob essa ótica, Kelman (2001, p.55) explica a legitimidade do seguinte modo:

Por questões de simplicidade, falarei de legitimidade como um assunto que aparece numa interação ou relação entre dois indivíduos ou entre um ou mais indivíduos e um grupo, uma organização ou um sistema social, na qual uma das partes faz certa demanda que deve aceitar-se ou rejeitar-se.

As pretensões do autor são oferecer uma definição geral sobre legitimidade e se referir a fenômenos que estão presentes na vida cotidiana. Os comportamentos cotidianos governados por regras supõem a adequação às regras e, por isso, são legítimos. Somente a suspeita de estar sendo questionado, ou o questionamento explícito, fazem mostrar essa legitimidade, o que somente pode acontecer de forma argumentativa. Ou seja, na vida cotidiana há muitos comportamentos que são governados por regras: o caminho pelo qual se dirige um carro, o modo de acessar o sistema sanitário, a entrada e uso da propriedade particular. Habitualmente, não são questionados como legítimos ou ilegítimos. Legitimidade indica a aceitação popular do direito dos “legisladores” e funcionários do governo para controlar e ditar os comportamentos na sociedade. Assim, a capacidade das autoridades para governar por meio das ameças de punições (multas, prisões, etc.) é distinta de sua capacidade para motivar a obediência às leis, mediante sua legitimidade. Segundo Levi e Sacks (2007), um dos principais efeitos da legitimidade é o aumento da obediência voluntária às normas e aos regulamentos governamentais. Um governo percebido como legítimo poderá esperar uma cooperação pública generalizada. Nesse mesmo sentido, Lieberman (2007) afirma que os cidadãos são mais propensos a apoiar e se oferecerem voluntariamente para lutar em guerras e cumprir os regulamentos de saúde, durante um epidemia, quando percebem o governo como legítimo. Eles também são mais dispostos a trabalhar com as autoridades

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governamentais para resolver problemas em suas comunidades (SUNSHINE e TYLER, 2003). Hetherington (apud LEVI, TYLER E SACKS, 2009) confirma o que foi dito quando destaca que os cidadãos se encontram menos dispostos a apoiar programas governamentais, quando percebem que não existe legitimidade. Embora seja possível governar usando apenas o poder coercitivo, o poder legitimo faz com que as autoridades políticas administrem com mais eficiência e facilidade. Entretanto, sem legitimidade, os governos precisam gastar mais recursos com monitoramento e fiscalização para induzir a um comportamento de cumprimento às leis. Levi, Tyler e Sacks (2009, p. 4), defensores da ideia de legitimidade como propulsora da obediência às leis, determinam:

Os governos são mais dependentes da cooperação de seus cidadãos sob aquelas circuntâncias em que eles são menos capazes de obtê-la por meio de mecanismos de recompensa ou punição (tradução nossa)89.

Os autores apontam como exemplo os governos emergentes que, durante períodos de crises ou mudanças, em situações em que não podem recompensar seus cidadãos ou implantar efetivamente um sistema de vigilância e repressão, procuram motivar seus cidadãos a serem “elementos-chave” para a viabilidade de suas políticas. Assim, enquanto os estudiosos da política desconfiam se a legitimidade seria um componente necessário para um governo eficaz, todos reconhecem que os governos se beneficiam, quando tem legitimidade.

89 Governements are most dependent upon the cooperation of their citizens under those circumstances in which they are least able to obtaining it via the mechanisms or reward and punischement (LEVI, TYLER E SACKS, 2009, p. 4)

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Competência administrativa Performance do governo

Confiança Justiça Processual

Legitimidade baseada em valor Senso de obrigação e vontade de obedecer

Legitimidade comportamental: Cumprimento das leis

Modelo conceitual (Levi, Tyler e Sacks, 2008, p. 26)

O modelo conceitual da legitimidade, apontado pelos autores Levi, Tyler e Sacks (2008), postula que a legitimidade tem quatro condições antecedentes normativos: a justiça processual, a confiança nas autoridades, o desempenho do governo e a competência administrativa. A justiça processual é o compromisso do governo em aplicar as leis de forma justa e para todos, devendo reforçar a deferência e a obediência de forma voluntária. A confiança reflete o julgamento dos cidadãos de que as autoridades constroem políticas públicas e leis que realmente beneficiem as sociedades, e que o governo não só cumpra suas promessas, mas também seja susceptível ao cumprimento das leis. As autoridades legais sabem que para conseguir que as leis e decisões sejam seguidas pelo público, a habilidade é um fator determinante para a sua eficácia. Por isso, elas tentam agir de maneira a promover a obediência das leis pelos cidadãos. Em outras palavras, “todo sistema de autoridade tenta cultivar uma crença em sua legitimidade” (ZELDITCH E WALKER, 2003, P. 227). Levi, Tyler e Sacks (2008) argumentam que julgamentos positivos em relação ao governo são responsáveis pelo sentimento de obrigação de agir em conformidade com as leis e regulamentos governamentais. Os autores preocupam-se em analisar qual o papel do Estado de Direito na geração e manutenção do cumprimento às leis e defendem que o comportamento dos cidadãos é mais influenciado pelas avaliações 92

sobre a habilidade do Estado (se ele é justo, correto e merece ser obedecido) do que pelas promessas no que se refere a receber recompensas ou punições. A afirmação dos autores tem duas proposições fundamentais: Uma é que a legitimidade baseada em valor (disposição para obedecer às autoridades) repousa em avaliações de que o governo cumpre seu papel. Uma das mais importantes condições antecedentes de legitimidade baseada em valor é a performance do governo, com base em avaliações positivas de liderança, competência administrativa e desempenho do governo. A segunda proposição dos autores é que a própria legitimidade se assenta em avaliar se o Estado está operando de acordo com o Estado de Direito. Isto significa que os cidadãos tem um ideia normativa sobre como o governo deveria estar realizando algo, e então, avalia se, objetivamente, está agindo de acordo com esses critérios normativos. O argumento dos autores é que os cidadãos formam crenças legitimadoras sobre o governo, em resposta a quatro aspectos: desempenho, competência, justiça processual e confiança. Em uma sociedade, quanto mais fortes forem as bases da legitimidade, baseada em valores, maior é a obediência das leis. Ou seja, se os cidadãos percebem as autoridades políticas e as instituições como legítimas, eles cumprem as normas e leis, porque acreditam que elas são justas e apropriadas e não porque serão beneficiados ou prejudicados. É nesse sentido, de fazer o que é apropriado, que está a essência da legitimidade. Da mesma forma, os governos que se apoiam em punições e/ou recompensas para moldar o comportamento dos cidadãos, não podem garantir a mudança desses comportamentos. Assim, se não existir mais punição, o comportamento “inadequado” voltará a acontecer, caso não haja legitimidade, como discutido anteriormente. Uma segunda vantagem da legitimidade é que os cidadãos, cujo apoio ao Estado é consequência de seus próprios valores, estão mais propensos a fazê-lo de forma proativa e a encontrar maneiras de fazer o que é necessário para resolver os problemas e gerenciar as dificuldades (Tyler, 2007). Para exemplificar, o autor afirma que a vantagem dos campos de batalha de exércitos democráticos está ligada à capacidade superior do soldado para ser inovador na adaptação às condições do campo de batalha, assim como para se sacrificar em nome de seu País.

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Nessa mesma perspectiva, Lourenço (2012) expõe que a legitimidade e a confiança nas autoridades são elementos significativos na definição de políticas de segurança e na obediência às leis e às normas sociais. O autor associa a confiança e a legitimidade dos governantes políticos ao comportamento dos cidadãos em obedecerem ou não às normas sociais. A experiência anterior do cidadão com as autoridades é fundamental para analisar a legitimidade do sistema legal em geral. Tyler (2006), ao refletir de que maneira a experiência das pessoas com autoridades (policiais, juizes, presidentes, etc.) influencia a “orientação favorável” em torno das autoridades e instituições, conclui que os cidadãos utilizam informações pessoais a respeito destas para modificar suas avaliações sobre as autoridades em geral. De acordo com o autor, “a percepção da legitimidade das autoridades influencia a obediência às leis” (p. 76). A idéia de legitimidade fundamenta muitas contribuições valiosas de psicólogos sociais americanos. Um dos pesquisadores pioneiros nessa perspectiva é o professor e psicólogo Tom Tyler que, desde a década de 1980, trabalha com pesquisas que buscam compreender as relações psicossociais, estabelecidadas entre os funcionários públicos institucionais e os cidadãos, e como elas atuam na construção da legitimidade política. O autor examina se os cidadãos que percebem as leis e as autoridades como legítimas são mais propensos a obedecer. O foco de suas pesquisas concentra-se na análise das percepções que motivam as pessoas a cumprirem, voluntariamente, as decisões e regras das instituições e buscam compreender os motivos psicossociais pelos quais se estabelece confiança institucional e se adere às leis, normas e princípios democráticos. O trabalho de Lewin e colaboradores (1939, apud TYLER, 2005) sobre a dinâmica da autoridade demonstra a influência da legitimidade adquirida pelo estilo de liderança referente à disposição em aceitar a recomendação das autoridades e defende o importante papel que a governança democrática exerce na criação e manutenção de legitimidade. Por outro lado, Porter e colaboradores (2003) mostram que, em equipes de trabalho, a legitimidade de uma ordem (e de quem ordenou) influencia os membros da equipe a se submeterem a ela. Além disso, Smith e autores (2003) afirmam que,

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quando as pessoas se sensibilizam com as injustiças existentes dentro um grupo, elas se identificam com seu grupo e cooperam com ele para resolver os dilemas sociais. Esses estudos, em ambientes organizacionais, indicam que a legitimidade facilita o exercício pessoal de autoridade. Tyler (2005, p.5) corrobora com a conclusão dos estudos, quando admite que “as autoridades que são vistas como legítimas têm suas decisões mais facilmente obedecidas por outros”. Esses estudos demonstram que a experiência com procedimentos justos, quando se lida com as autoridades em geral, incentiva as pessoas a se tornarem comprometidas com as organizações, o que leva a uma variedade de formas de cooperação, incluindo os esforços para seguir as regras e ajudar a organização a ser eficaz e bem-sucedida (TYLER e BLADER, 2000). Isto significa que a legitimidade ajuda em situações particulares e incentiva ações mais gerais, em nome do grupo. Tyler (2005) realizou estudos nos Estados Unidos que apontam para diferenças significativas entre a representação da legitimidade das polícias por parte dos americanos brancos, hispânicos e afro-americanos. O autor, nesses estudos, demonstrou que a percepção e a avaliação que os indivíduos fazem da ação da polícia podem influenciar o modo como estes reagem e as atitudes que assumem aos pedidos de apoio e de colaboração das polícias e de outras autoridades em programas de prevenção aos crimes. Levi, Tyler e Sacks (2008) analisaram a obediência às leis nos Estados Unidos. Em 2002, entrevistaram 1.653 cidadãos de Nova Yorque a respeito de seus pontos de vista sobre o governo daquela cidade e a obediência às leis. As análises anteriores demonstram que a legitimidade influencia o comportamento de obedecer às leis (Tyler, 2006; Sunshine e Tyler, 2003). E o resultado do estudo de Levi, Tyler e Sacks (2008, p. 8) repetem esse resultado demonstrando que os cidadãos que acreditam que as autoridades são legítimas obedecem frequentemente às leis. Além disso, os autores observaram que a legitimidade está vinculada à taxa de criminalidade no bairro dos entrevistados. Isto é, os bairros onde os entrevistados revelam haver maior legitimidade das polícias, o índice de criminalidade é menor. Outro dado importante encontrado na pesquisa é o fato de que, entre os americanos, os elementos do Estado de Direito são fundamentais para julgar a legitimidade da polícia, a qual é afetada tanto pela justiça processual quanto pela confiança.

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Os autores realizaram a mesma pesquisa em 18 países africanos e encontraram evidências consideráveis da relação entre a justiça processual, a confiança nas autoridades e a percepção de legitimidade com a obediência às leis. E ainda, que a competência administrativa e o desempenho do governo estão relacionados com a sensação de que estas autoridades têm legitimidade e devem ser obedecidas. A conclusão do estudo de Levi, Tyler e Sacks (2008) para as duas amostras (Estados Unidos e Africa) indicam que o comportamento das pessoas em relação às leis está relacionado aos seus julgamentos normativos sobre a legitimidade do governo. O sentimento de obrigação (disposição) de acatar às regras impostas pelas autoridades mostrou que a legitimidade se reflete também nos índices de criminalidade. Ou seja, em comunidades onde há a legitimidade das autoridades, as taxas de crime são menores. Os entrevistados avaliam a legitimidade de seu governo com base em sua capacidade de fornecer serviços básicos, competência, confiabilidade e equidade. Nas últimas décadas, desenvolveram-se, nos programas de psicologia social americana, pesquisas sobre justiça processual (DeCREMER & TYLER, 2005; TYLER, 2000, 2004b; TYLER & BLADER, 2003; TYLER & LIND, 2002; TYLER & SMITH, 1998). A conclusão comum desses estudos é a de que as autoridades e as instituições que são percebidas pelas pessoas como legítimas são aquelas que exercem a sua autoridade, por meio de procedimentos considerados justos. Para Herbert (2006), a legitimidade afeta significativamente a polícia mais do que qualquer outra instituição pública. Segundo o autor, nenhuma outra instituição pública terá um contato tão direto e intrusivo no quotidiano dos cidadãos como os agentes policiais. E nenhuma outra representa de modo tão expressivo o poder do Estado. E SUNG (2002, p. 4) destaca que, numa sociedade democrática, se espera uma força policial que seja “publicamente responsável às restrições impostas pelo Estado de direito”. Esta é condição básica para uma percepção positiva por parte dos cidadãos de que a instituição assume seriamente as suas expectativas de segurança e justiça. Já Sherman (2001, apud SUNG, 2002, p. 4) afirma que “o objetivo da polícia é obter a adesão dos cidadãos com a lei, por meio de persuasão e boas maneiras (policiamento educado). Assim, quanto melhor for o relacionamento entre a polícia e

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os cidadãos melhor será a cooperação destes com o trabalho dos policiais. Um tratamento considerado justo por parte dos policiais incentiva o cumprimento às leis por parte dos cidadãos90. No caso de um julgamento no tribunal, por exemplo, quando um juiz emite uma sentença para resolver uma disputa entre duas partes, ambas as partes devem estar dispostas a aceitar e a obedecer ao julgamento. Esse conformismo com a sentença pode estar relacionado à percepção de que o juiz foi “justo” na forma como chegou à decisão final (sentença). Baker e colaboradores (1979, apud Tyler, 2006) realizaram um estudo em quatro cidades do centro-oeste americano, a respeito das avaliações dos cidadãos em relação aos agentes policiais. A conclusão do estudo foi que as avaliações estão relacionadas à capacidade dos agentes policiais em resolver o problema e à noção de que tais agentes tratam todos os cidadãos da mesma maneira. Isto reforça a ideia de Tyler (2006), ou seja, de que os resultados e as questões de justiça sao essenciais para que haja obediência as leis. Tyler e Huo (2002), ao analisarem as pesquisas sobre as interações dos cidadãos com policiais e com os juízes, indicaram que os cidadãos que percebem as autoridades como legítimas são mais propensos a aceitarem as suas decisões, mesmo que elas não lhes sejam favoráveis. Jackson, Huq, Bradford e Tyler (2013) desenvolveram um estudo com jovens de comunidades provinciais em Londres. Os autores estudaram as crenças normativas dos jovens em relação à aceitação da violência. A conclusão a que chegaram os autores é que a justiça processual91 está relacionada à legitimidade das autoridades. Ou seja, quando a polícia age em conformidade com as normas e valores da justiça, os cidadãos tendem a acreditar que esta tem o direito de exercer o poder. Os resultados da

90 No Brasil, desenvolveu-se um Conselho de Segurança Pública (CONSEP) em algumas cidades. O CONSEP visa aproximar a Polícia Militar dos cidadãos por meio de reuniões nas comunidades. Nas reuniões, a Polícia Militar realiza palestras preventivas ao crime e à segurança, e os cidadãos encontram um espaço para diálogo com tais autoridades. Os estudos científicos ainda estão em curso, mas as evidências demonstram que os roubos e a violência têm diminuído consideravelmente nestas comunidades e o apoio ao trabalho da Polícia Militar tem aumentado. A experiência da autora é na cidade de Córrego do Bom Jesus, Sul de Minas Gerais.

91 O modelo de ‘justiça processual’ foi desenvolvido por Tom Tyler para testar a hipótese de que a obediência às leis é moldada por avaliações positivas da conduta dos agentes da justiça, principalmente a polícia (TYLER, 2000).

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pesquisa comprovam que, quando há a percepção de justiça nos procedimentos, a autoridade também é considerada legítima, e o cumprimento às leis torna-se maior. No contexto argentino, Alonso y Brussino (2012) analisaram a legitimidade das autoridades legais da província de Córdoba (polícia e funcionários) e do sistema de justiça procedimental. Os resultados indicaram que os participantes manifestam uma visão negativa das autoridades e do sistema de justiça, o que daria conta dos baixos índices, quando se trata de legitimidade na província. Os referidos autores, Levi, Tyler e Sacks (2008) ainda acrescentam que a disposição dos cidadãos para obedecer às leis é uma forma de verificar a eficácia do Estado. Para eles, os governos que são incapazes de motivar seus cidadãos a obedecerem às leis não sobreviverão em longo prazo, uma vez que o Estado de Direito se torna fragilizado, se tal ocorrer. A obediência às leis e regras da sociedade, no entanto, não é um dado adquirido e fixo na sociedade. De acordo com Tyler (2008), as autoridades políticas devem trabalhar, continuadamente, para proteger e sustentar a obediência para com as suas políticas, leis e regras. A maioria dos governos, especialmente aqueles nas sociedades emergentes e em transição, está buscando estabelecer uma sociedade com cidadãos que obedeçam às leis com base na legitimidade e não simplesmente por coerção. A legitimidade dos sistemas, das instituições e das autoridades podem influenciar o comportamento dos cidadãos em relação à obediência às leis. Em seus estudos sobre o assunto, Tyler (2006) reitera que os tribunais civis e penais devem resolver as demandas judiciais que surjam entre os cidadãos. Em geral, essas autoridades costumam gerar resultados negativos para uma das partes ou ambas. Assim sendo, uma destas partes pode sentir que as decisões judicias não são justas ou, o contrário, mesmo tendo um resultado desfavorável, sentir que a autoridade tomou a decisão por meio de procedimentos justos. Essas reflexões levaram Tyler a concluir que, quando o sistema tem legitimidade e o cidadão confia que os procedimentos foram justos, eles tendem a aceitar e obedecer às ordens impostas por tais sistemas. Por isso, a legitimidade democrática deve ser entendida como um tipo ideal relacionado às crenças dos cidadãos de que a política democrática e as instituições

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sobre as quais ela se estabelece são a forma mais apropriada para estruturar-se o sistema político. Desse modo, ela precisa de bases de sustentação (MOISÉS, 2010). De acordo com Sandoval (2015), o estudo da legitimidade abre uma porta intelectual e científíca que foi ignorada pelas Ciências Sociais. Focando a problemática na perspectiva psicossocial, inicia-se uma linha de pesquisa que promete contribuir para o aprofundamento do conhecimento sobre a sociedade e de que maneira esta sociedade, saindo de uma tradição política autoritária, constrói bases psicológicas necessárias para atribuir legitimidade às leis. Pelo exposto, o cumprimento voluntário da lei é um pilar da construção das sociedades democráticas. A legitimidade das autoridades frente aos cidadãos é uma contribuição positiva para a eficiência das políticas públicas e do cumprimento às leis. E a fragilidade dessas relações (cidadãos e autoridades) favorece o aparecimento de ‘outras autoridades’ que vão conquistando a confiança dos cidadãos, permitindo uma nova forma de análise da legitimidade e da democracia, que abordaremos no capítulo seguinte.

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Capítulo 4

A legitimidade e a confiança na democracia contemporânea

De acordo com Rosanvallon (2011), o ideal democrático hoje não tem rival. Por causa de sua força simbólica ou da cultura política, a adesão à democracia é um fenômeno universal. Entretanto, os regimes que o reivindicam suscitam fortes críticas na maioria das sociedades, uma vez que as democracias eleitorais contemporâneas vêm experimentando crescentes dificuldades de legitimação dos poderes hauridos de seus procedimentos. O´Donnel (2004) afirma que um dos principais pilares de uma sociedade democrática é a ideia de que o Estado, além da obrigação de tratar os cidadãos de maneira igual perante a lei, também tem o dever de assegurar a justiça para todos eles. A qualidade da democracia depende da efetividade dessas condições. Por essa razão, a relação dos cidadãos com as instituições é um aspecto central do regime democrático e, se não houver efetividade nos princípios de liberdade, de justiça e de igualdade de direitos oferecidos pelo Estado, a desconfiança ocupará um lugar considerado relevante nas novas democracias (ROSANVALLON, 2011; MOISÉS, 2010). Nestas democracias, a desconfiança de parlamentos, dos partidos políticos, do sistema judiciário, dos serviços públicos e de instâncias políticas aponta uma crise que coloca em xeque o monopólio de legitimidade das instituições políticas contemporâneas. Dessa maneira, a legitimidade no estilo weberiano, baseada na autoridade hierárquica e num sentido racional-legal, estaria dando lugar à legitimidade baseada na inclusão, na participação e na horizontalidade de relações (DALTON, 2000). Ao fazer uma análise da sociedade contemporânea, Rosanvallon (2011) argumenta que as instituições políticas, formalmente governamentais ou partidárias, não são mais a única fonte de confiança e de legitimidade na sociedade. Surgem outras autoridades (independentes do Estado) que têm a função de vigilância e controle sobre as políticas de governar. Por exemplo, as universidades, associações científicas,

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agências reguladoras, ONGs (Organizações não governamentais), instituições religiosas e filantrópicas, mídias, institutos de pesquisa, associações profissionais e empresariais. Um dos fatores responsáveis por essa nova fase da democracia contemporânea, na visão do autor, é

[o] crescimento do individualismo político, o declínio da vontade política e o surgimento de elites cada vez mais distantes do povo (...). A origem do que se chama de ‘declinação do político’ se relaciona com diferentes formas de cegueira ou de renunciamento dos governantes e com atitudes de desencorajamento ou relaxamento dos governados92. (ROSANVALLON, 2011, p. 23)

O Brasil vive um período de instabilidade política e econômica, de tensões entre o executivo e o legislativo, de escândalos de corrupção envolvendo políticos, com uma posição esquiva dos líderes governantes em relação aos problemas da sociedade, a ineficácia das leis e a morosidade do judiciário, que se constituem em elementos que dão alicerce para a desconfiança dos cidadãos nas instituições políticas do país. Este cenário conta ainda com uma queda do PIB de 3,6, em 201593. A inflação atingiu dois dígitos, o dólar chegou a R$ 4, e a queda da produção industrial está estimada em 7%. O déficit primário do governo está em R$ 120 bilhões, podendo chegar a R$ 200 bilhões (BANCO CENTRAL, 2015) 94. A taxa de desemprego no país é de 10,2% (fevereiro 2016), de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e

92 Los efectos del crecimiento del individualismo, el pusilânime repliegue sobre La esfera privada, La declinación de La voluntad política, La aparación de elites cada vez más alejadas del pueblo. El origem de lo que se estigmatiza en bloque como uma funestra ‘declination de lo politico’ se relaciona com distintas formas de ceguera o de renunciamiento de los gobernantes y com actitudes de desaliento o relajamiento de los gobernados (ROSANVALLON, 2011, p. 23)

93 Os fatores que contribuíram para o desempenho negativo da economia foi a queda dos investimentos (- 8,1%) e do consumo das famílias (-2,1%). Em contrapartida, o consumo do governo registrou alta de 0,7%. Na análise dos setores, todos registraram queda, puxada pela indústria, que teve retração de 4,3%, pela agropecuária, de 2,7%, e pelos serviços, de 0,7%. Disponível em: http://br.advfn.com/indicadores/pib/brasil/2015. Acesso em 27/11/2015.

94 Banco Central do Brasil. Focus Relatório de Mercado. 20 de novembro de 2015. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/R20151120.pdf. Acesso em 25/11/2015.

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Estatística (IBGE, 2015)95. Sob esse ponto de vista, a economia é considerada como um resultado de decisões políticas. O entrelaçamento das crises política e econômica torna o momento atual do Brasil especial e diferente de outros, no passado recente. Além disso, a fragmentação de partidos e legendas de ocasião tende a fazer com que, em primeiro lugar, os políticos lutem em nome de seus próprios interesses. É o que fazem hoje os dois maiores partidos que comandam a política brasileira e disputam esferas de influência no poder – PMDB e PT96. A investigação da Operação Lava Jato sobre a corrupção na Petrobrás atingiu tais partidos (PT e PMDB), entre outros (PP, PSDB, PSB, PTB), o que pode ter aumentado a crise ética no Brasil. E se observa uma dificuldade dos governantes do País em oferecer respostas convincentes e eficazes à crise. O governo entrou em período visível de declínio, comprovado pelas pesquisas de opinião, que demonstram a impopularidade do governo Dilma e a dificuldade que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria para vencer as próximas eleições presidenciais97. O momento atual deixa claro que o Estado é incapaz de cumprir as promessas da Constituição de 1988, por meio da qual se iniciou, no País, a democracia e a promessa do estado de bem-estar dos cidadãos. Morlino (2007) afirma que, embora o

95 Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/. Acesso em 25/4/2016.

96 No dia 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos deputados, (investigado da Operação Lava Jato por possuir conta na Suíça e ter mentido na CPI da Petrobrás) autorizou a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O requerimento de impeachment foi formulado pelos juristas Hélio Bicudo (um dos fundadores do PT) e Miguel Reale Júnior (ex-ministro da Justiça). Alguns deputados da oposição apresentaram ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, uma nova versão do requerimento dos dois juristas para incluir as chamadas “pedaladas fiscais” (prática de atrasar repasses a bancos públicos, a fim de cumprir as metas parciais da previsão orçamentária) do governo, em 2015. A manobra fiscal foi reprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Na representação, os autores do pedido de afastamento também alegaram que a presidenta descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal ao ter editado decretos liberando crédito extraordinário, em 2015, sem o aval do Congresso Nacional. No dia 17/4/2016, a Câmara dos Deputados aprovou a abertura do processo de impeachment da presidente da República, Dilma Roussef, e autorizou o Senado Federal a julgá-la por crime de responsabilidade. Foram 347 votos a favor do impeachment, 137 votos contrários e 7 abstenções. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/507325-CAMARA-AUTORIZA- INSTAURACAO-DE-PROCESSO-DE-IMPEACHMENT-DE-DILMA-COM-367-VOTOS-A-FAVOR- E-137-CONTRA.html. Acesso em 21/04//2016.

97 Os inconfiáveis. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,os-inconfiaveis,1734802. Acesso em 27/11/2015.

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regime democrático seja aceito globalmente, o problema mais sério diz respeito à qualidade democrática vigente nos países.

[...] uma democracia com qualidade é uma boa democracia, a qual é, antes de qualquer coisa, um regime amplamente legitimado e, portanto, estável, e com o qual os cidadãos estão plenamente satisfeitos. Nesse tipo de democracia, os cidadãos mostram respeito e obediência às regras vigentes (the rule of law). Outro elemento fundamental da qualidade da democracia é o grau de envolvimento dos cidadãos na política. A democracia contemporânea requer uma cidadania ativa que se envolva na arena política via discussões, deliberações, referendos e plebiscitos, ou seja, por meio de mecanismos formais e informais, sem que isso comprometa as instituições convencionais de mediação política. Há um consenso de que, sem o envolvimento popular no processo de construção democrática, ela perde em legitimidade, mantendo simplesmente sua dimensão formal (MORLINO, 2007, p. 4).

A fórmula da legitimidade democrática baseada exclusivamente no direito do cidadão de eleger periodicamente seus representantes revelou-se insuficiente para atender às renovadas exigências da própria democracia. Assim escreve Moisés (2010, p. 47):

O ato de votar per se não é garantia suficiente de que aquilo a que os cidadãos aspiram para suas sociedades se realizará efetivamente: são as instituições de representação, de acesso à justiça, de formulação e de execução de políticas públicas que asseguram tanto a distribuição de poder como o direito dos cidadãos de avaliar o desempenho de seus representantes e dos que governam em seu nome.

Dessa maneira, embora o funcionamento da democracia procedimental possa não ser seriamente comprometido no curto e médio prazo, o mesmo não se poderia dizer de sua qualidade, tendo em vista a missão normativa da democracia de garantir que todos possam formular e expressar seus interesses de forma imparcial e igualitária. Para entender o que Rosanvallon (2011) caracteriza de “democracia real”, é necessário, primeiramente, refletir a ideia de que as democracias se manifestaram com uma promessa de um regime que estivesse de acordo com as necessidades da sociedade, fundamentada na igualdade e autonomia dos cidadãos. Porém, a realidade democrática ainda se encontra distante de ter cumprido tais promessas. O projeto 103

democrático ficou limitado, e as democracias existentes permaneceram inacabadas. As crises (que o autor chama de tensões) e contestação permanentes seriam indissociáveis do que o autor caracteriza como democracias reais, as quais estariam muito marcadas pela decepção, como se elas “encarnassem um ideal traído e desfigurado” (p. 26). Nas democracias existentes, o princípio eleitoral da legitimidade (o de se escolher um líder pelo voto)98 dos governantes e a expressão de desconfiança cidadã em relação às instituições políticas e aos governantes estão relacionados. Assim escreve Rosanvallon (2011, p. 23): “a legitimidade e a confiança são duas qualidades consideradas políticas que vão além do resultado das urnas”. As duas qualidades supracitadas, que normalmente aparentam estar unidas no resultado das urnas, não possuem a mesma natureza. Enquanto a legitimidade é entendida com uma qualidade jurídica, de ordem estritamente processual e produzida pelas eleições, a confiança seria o que o autor classifica como “instituição invisível” (institution invisible). Isto quer dizer que ela contribuiria a um alargamento da qualidade da legitimidade, ao trazer para seu caráter estritamente processual uma dimensão moral (a integridade em sentido amplo) e uma dimensão substancial (uma preocupação com o bem comum). A confiança teria, pois, um papel temporal, que permitiria a pressuposição de um caráter contínuo no tempo dessa legitimidade alargada. O objetivo de Rosanvallon (2011) seria apreender as manifestações de desconfiança de forma global para restituir de forma articulada e coerente suas características mais profundas, entendendo-as como parte de um sistema político. Para isso, propõe uma ampliação, tanto da história quanto da teoria da democracia.

Ao contrário do que muitas vezes ouvimos, a desconfiança não é um veneno mortal. Benjamin Constant disse, em particular, que toda ‘boa Constituição é um ato de desconfiança’. A desconfiança também participa da virtude republicana de vigilância. O bom cidadão não é apenas um eleitor regular. Ele também é o único que deve assegurar,

98 Lembramos o momento atual da política no Brasil: Muitos brasileiros querem o impeachament da Presidenta Dilma Rousseff. Ela se defende, quando diz que seu governo é legitimo, por conta do voto dos cidadãos que a elegeram. Entretanto, na visão de Rosanvallon, quando se abala a confiança dos cidadãos também se abala a legitimidade, uma vez que as democracias atuais oferecem outras formas de legitimidade, além da legitimidade Social Procedimental feita pelo Sufrágio universal.

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de forma permanente, aqueles que desafiam os poderes, que os criticam, que os medem (ROSANVALLON, 2011, p.25)99

A expressão de tal desconfiança deu voz tanto a liberais quanto a democratas. Para os liberais, a vantagem da desconfiança estava em proteger o indivíduo dos impedimentos que lhe imporiam a autoridade política (seja em Montesquieu, Madison ou mesmo Benjamin Constant) e a desconfiança era relativa ao poder popular (pela possibilidade de equívocos). Os democratas, por sua vez, conduziram a desconfiança no sentido de “velar para que o poder eleito se mantivesse fiel aos seus compromissos”, tentando encontrar os meios que permitissem manter a exigência inicial de um serviço por um bem comum (ROSANVALLON, 2011). O autor também faz uma distinção entre desconfiança antiga e desconfiança moderna. A primeira refere-se à rejeição dos cidadãos em relação aos poderes arbitrários impostos na sociedade, enquanto que a segunda tem sua raiz na constatação de possíveis erros dos novos regimes surgidos pelo sufrágio universal. Numa sociedade em que a desconfiança e a insatisfação em relação ao poder são crescentes, como é o caso do Brasil atualmente, a desconfiança democrática se expressa em três modalidades principais: os poderes de vigilância, as formas de impedimento e as formas de julgamento100 (ROSANVALLON, 2011, p. 27). Em conjunto com a democracia eleitoral-representativa (com as instituições democráticas legais), esses três contrapoderes (vigilância, denúncia e qualificação) apareceriam dando forma ao que o autor denomina de contrademocracia101.

99 Contrariamente a lo que a menudo escuchamos, la desconfianza no es en sí un veneno mortal. Benjamín Constant y dijo, en privado, que "buena Constitución es un acto de desconfianza ". La desconfianza también participa en la virtud republicana de vigilancia. El boncitoyen no es sólo un votante regular. También es el que se asegurará, de forma permanente, uno que desafía los poderes que la crítica que el manómetro (ROSANVALLON, 2011, p. 25).

100 “los poderes de control, las formas de obstrución, la puesta a prueba a través de un juício” ((ROSANVALLON, 2011, p. 27)

101 A palavra “contrademocracia” refere-se a uma expansão do espaço democrático além das instituições governamentais e portanto é a indicação de uma nova democracia. O termo pode sugerir que o autor é contra a democracia, o que não é verdade. Utilizaremos a palavra ‘nova democracia’ porque entendemos que traduz melhor as idéias do autor.

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À sombra da democracia eleitoral representativa, estes contra poderes desenham os contornos do que proponho chamar de ‘contrademocracia’. Esta ‘contrademocracia’ não é o contrário da democracia, mas sim, uma forma de democracia que se contrapõe à outra, é a democracia dos poderes indiretos disseminados no corpo social, a democracia da desconfiança organizada diante da democracia da legitimidade eleitoral (ROSANVALLON, 2011, p. 27)102.

A ‘nova democracia’ exerce um papel estruturante nas democracias modernas. Do outro lado do “povo-eleitor” situam-se o “povo-vigilante”, o “povo-veto” e o “povo-juiz”, expressões da desconfiança democrática na constituição da soberania popular. Rosanvallon (2011) apresenta uma posição crítica em relação às instituições representativas, referindo-se à incapacidade desta de alcançar certo ideal democrático de soberania popular e de representar os representados. O autor repousa na ideia de que o cidadão não é passivo, nem politicamente apático, e que estaria envolvido na política de modos não tradicionais. Para ele, o cidadão tornou-se vigilante, tem o poder do veto e desconfia das atitudes dos políticos e da maneira como as instituições políticas agem. No entanto, o fato de desconfiar do sistema não significa, necessariamente, reprovar o regime político. A desconfiança pode ser avaliada, na perspectiva do autor, como uma atitude autenticamente política.

É a democracia não institucionalizada. São todas as intervenções dos cidadãos perante os poderes, as marcas de desconfiança e de exigência que intervêm entre as eleições. Elas se multiplicam, o que significa uma vitalidade da democracia103. (ROSANVALLON, 2011, p. 31).

102 A La sombra de la democracia electoral-representativa, estes três contrapoderes dibujan los contornos de lo que propongo llamar una contrademocracia. Esta contrademocracia no es lo contrario de la democracia que se contrapone a la outra, es la democracia de los poderes indirectos diseminados en el cuerpo social, La democracia delLa desconfiança organizada frente a la democracia de la legitimidad electoral (ROSANVALLON, 2011, p. 27).

103 Es la democracia no institucionalizada. Estas son todas las respuestas a los ciudadanos ouvoirs, la desconfianza de las marcas y los requisitos que intervienen entre elecciones. Se multiplican, que es el signo de una democracia vibrante (ROSANVALLON, 2011, p. 31).

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Os poderes de vigilância do povo-vigilante estariam diversificados em diversos mecanismos. Suas modalidades mais evidentes seriam a vigilância (la vigilância), a denúncia (la denuncia) e a qualificação (la calificación) (ROSANVALLON, 2011, p.49). Cada um deles contribuiria para impregnar a legitimidade eleitoral de uma forma de legitimidade social alargada que constituiria o capital de reputação de um governante ou de um regime. Esses diferentes mecanismos teriam como conseqüência colocar à prova a reputação de um poder. Assim escreve Rosanvallon (2011, p. 49):

Velar, estar em estado de alerta, estar em guarda são atributos essenciais da cidadania (...) tal vigilância é uma forma de controle e de ação. Controle em primeiro lugar, quer dizer, um olhar meticuloso e permanente sobre os atos dos governantes. Um povo livre é um povo vigilante, que tudo vê, que tudo ouve, que está em todas as partes e que nunca dorme104.

A vigilância caracteriza, nesse sentido, uma modalidade de ação e não uma atitude passiva. Ela define uma forma particular de intervenção política e é considerada pelo autor como criadora de possibilidades e de estruturas para um campo geral de ação. “A vigilância acarreta efeitos políticos e conduz, à sua maneira, o mundo” 105. (ROSANVALLON, 2011, p.51). O autor argumenta que os poderes ordinários (Executivo, Legislativo, Judiciário) são exercidos por um número limitado de indivíduos, enquanto o poder de controle e de opinião, considerado como ‘vigilância’, pertence a todos os indivíduos sem necessidade de representação, e é o que constitui a soberania nacional. No mundo contemporâneo, a vigilância cívica tradicional de homens e mulheres (preocupados com o bem público) cedeu lugar ao que Rosanvallon (2011, p. 51) chama de “vigilância de regulação”. A vigilância cívica é diretamente política e se manifesta de diversas formas: intervenções da imprensa, de associações, de sindicatos, petições, greves, e cumprem um papel de alerta e protestos sobre os períodos de crise e

104 Velar, estar em estado de alerta, estar em guardia son atibutos esenciales de La ciudadania(...) tal vigilância es a La vez control y acción. Control em primer lugar, es decir, uma mirada puntillosa y permanente sobre los actos de los gobernantes. Um pueblo libre es um pueblo vigilante, que vê todo, que oye todo, que está em todas partes y nunca duerme (ROSANVALLON, 2011, p. 41)

105 La vigilância entraña efectos políticos y conduce a su manera el mundo (ROSANVALLON, 2011, p. 51)

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de conflitos. Mas depois aparece outra forma de vigilância (vigilância de regulação), considerada mais difusa, que se manifesta como um fluxo contínuo de avaliações e críticas da ação dos governantes pelos governados, num nível descentralizado, e nos campos mais diversos das políticas públicas. Dessa maneira, consiste numa espécie de “inspeção contínua dos diferentes domínios da ação governamental” (ROSANVALLON, 2011, p. 55). A vigilância opera por meio de um conjunto de canais diferentes, que vão desde as pesquisas de urnas até a edição de informes, das intervenções cidadãs em comissões especializadas à publicação de reportagens. A internet contribui para multiplicar a circulação de todos esses elementos, revelando-se a expressão dos poderes. As consequências da vigilância são a construção da atenção pública como uma “quase-instituição” (Cuasi Instituition) invisível e dispersa, mas, ao mesmo tempo, produtora de efeitos essenciais. Um exemplo seria a “função de agenda” que serve para caracterizar a relevância e o poder que a vigilância exerce sobre o meio político, cumprindo um papel decisivo para determinar os temas em torno das quais se cristalizam os debates na sociedade.

A vigilância contribui desse modo para modelar o campo das políticas públicas e estabelecer a ordem das prioridades da ação governamental106 (ROSANVALLON, 2015, p.55).

Por isso, ela se torna mais eficaz que muitas formas de participação institucionalizada. O público atua, dessa maneira, como um “termostato” regulador de decisões políticas. A vigilância dos cidadãos interessados em guardar seus direitos exerce um controle eficaz dos governantes e excede assim a do cidadão eleitor. No Brasil, a Operação Lava Jato é o principal caso que ocupa a agenda política no País, desde 2013. O escândalo da corrupção investigada pela Operação é de abrangência nacional e também serviu de apoio para manifestações civis que

106 La vigilância contribui por esse rodeo a modelar El campo de las políticas y establecer el orden de prioridades de la acción gubernamental (ROSANVALLON, 2015, p. 55).

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ocorreram em 14 e 16 de março de 2015, e que levaram cerca de um milhão de pessoas à Avenida Paulista, na cidade de São Paulo. Dentre as diversas demandas, o combate à corrupção e o apoio à Operação Lava Jato também se evidenciaram107. As consequências dessas manifestações foram diversas, dentre elas, a aprovação da Lei 12.850 que se refere à Delação Premiada e da Lei 12.846/2013, conhecida como lei anticorrupção108. As investigações da Operação Lava Jato tiveram reconhecimento internacional, em 24 de setembro de 2015, com o recebimento do prêmio anual da Global Investigations Review (GIR)109, na categoria "órgão de persecução criminal ou membro do Ministério Público do ano”. As demandas da sociedade expostas nas manifestações de 2013 pressionaram o governo a sancionar a lei anticorrupção e a da delação premiada, evidenciando as ideias do autor de que os cidadãos não são passivos, mas exercem um “poder” de influenciar a agenda pública e a formulação de leis. Embora a lei anticorrupção deixe muito a desejar, já é um começo. A Delação premiada110 foi um ganho para a sociedade e também contribuiu para que a Operação Lava Jato pudesse prosseguir as investigações. Rosanvallon (2011) afirma que a vigilância se manifesta também por meio da denúncia (segunda forma de controle) e que, após 1789, a delação foi instituída como uma atividade cívica.

Celebramos então a ‘eletricidade da denúncia’ porque ela participa daquilo que se entende como um elemento de atividade cívica: o controle dos atos dos governantes por meio da publicidade (...) Denunciar é fazer saber, fazer conhecer, revelar. Contar, dessa

107 Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/08/manifestantes-protestam-contra-o- governo-dilma-em-cidades-do-brasil.html. Acesso em 21/10/2015.

108 Neste período, a presidente Dilma Roussef enviou mais dez propostas anticorrupção para o Legislativo. Entretanto, as propostas não foram votadas. Veremos isso com mais detalhes no capítulo de análise.

109 O Global Investigations Review (GIR) é um site de notícias que tem se firmado no cenário internacional como um dos principais canais sobre investigações contra a corrupção e instituiu o prêmio para celebrar os investigadores e as práticas de combate à corrupção que mais impressionaram no ano de 2015. Disponível em: http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_criminal/forca- tarefa-do-mpf-na-lava-jato-ganha-premio-internacional-de-investigacao. Acesso em 21/12/2015.

110 Veremos a Delação Premiada com mais detalhes no capítulo de análise.

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maneira, com os efeitos da publicidade para colocar ordem no mundo (ROSANVALLON, 2011, p. 56). 111

Nesse sentido, a Operação Lava Jato serviu como um elemento de denúncia marcante na história brasileira. Depois de iniciada, as denúncias de corrupção envolvendo empresários e políticos não pararam de crescer. O escândalo da corrupção da Petrobrás ganhou notoriedade, foi e é capa dos principais jornais e revistas do Brasil. Lembramos Rosanvallon (2011), ao asseverar que o “escândalo” se impõe como um objeto pertinente da atividade social da denúncia, na qual e se mesclam duas dimensões: a estigmatização nihilista dos poderes (a priori suspeitos de encarnar a corrupção do mundo) e a fé nas políticas de transparência.

O escândalo é a fonte de juventude onde a humanidade lava a sociedade de seus costumes, o despejo onde a sociedade, a família e o indivíduo descobrem a imagem violenta de sua vida. Se o escândalo desaparece, será a asfixia de toda a moral, e o mundo se encontrará num estado de sonolência e de embrutecimento112 (AYMÉ apud ROSANVALLON, 2011, p. 57).

Denunciar um escândalo é, para o autor, antes de tudo, desvelá-lo, manifestar aquilo que estava oculto, afim de colocar limite numa situação que fosse condenável, expondo os culpados aos rigores da lei. Mas não é apenas isso. A denúncia do escândalo repousa também na fé que as pessoas passam a atribuir ao papel corretor da publicidade e às instâncias responsáveis pela lei. “Denúncias sobre a corrupção na classe política é lavar com águas limpas o esgoto dos interesses privados corruptos.113” (ROSANVALLON, 2011, p. 58).

111 Si celebramos entonces La “eletricidad de La denuncia” es porque participa de aquello que se entiende como um elemento de actividad cívica: El controle de los actos de los gobernantes por médio de La publicidad (...) denunciar es hacer saber, hacer conocer, develar, revelar. Contar, de esse modo, com los efectos de la publicidad para volver a poner em orden el mundo. (ROSANVALLON, 2011, p. 56).

112 El escândalo es la fuente de Juvência en la que la humanidad lava la suciedad de sus costumbres, El despejo em el que La sociedad, La famlia, El individuo descumblen La imagen violenta de sua vida. Si desaparecen estas enseñanzas, será La asfixia de toda moral y El mundo entrará em um estado de somnolencia y de embrutecimento (AYMÉ apud ROSANVALLON, 2011, p. 57).

113 Denuncias de una clase política corrupta es sanear com El água pura las cloacas de los intereses privados corruptos (ROSANVALLON, 2011, p. 57).

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As denúncias feitas por instituições legítimas “induzem”, “obrigam” as personalidades políticas a se pronunciarem para se defenderem das acusações que são publicadas. No decorrer da Operação Lava Jato, foi criada a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), com o propósito de colaborar com as investigações. Naquele momento, os empresários, autoridades nomeadas pelo governo (presidentes e diretores) foram convidados a prestar contas à sociedade de seus atos ilícitos e criminosos, o que Rosanvallon chama de “imperativo da justificação” (El imperativo de justificación114). Assim escreve o autor: “O processo judicial obriga as partes a explicarem e a justificarem publicamente seus atos ilícitos” (ROSANVALLON, 2011, p. 226).115 A denúncia de corrupção desses atores feita pelo Ministério Público Federal mobilizou a sociedade e transformou a percepção dos cidadãos em relação à corrupção. Por isso, Rosanvallon (2011) defende que a vigilância, mais precisamente, a denúncia reafirma e aprofunda os valores coletivos da sociedade. A corrupção vinda à tona pela investigação Operação Lava Jato e veiculada diariamente pela mídia pode ter influenciado os cidadãos em relação a esse problema no país. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, nos dias 25 e 26 de novembro de 2015, revelou que a corrupção é percebida como “maior preocupação dos brasileiros” pela primeira vez na história do Brasil.

114 El imperativo de justificación (Rosanvallon, 2011, p. 226).

115 El proceso judicial obliga em efecto a las partes a explicarse y a justificarse de modo público (Rosanvallon, 2011, p. 226)

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Fonte: Datafolha. Data da pesquisa: 25 e 26 de novembro de 2015. Entrevistados: 3.541 em 185 municípios

A corrupção prejudica o desenvolvimento econômico e social, além de enfraquecer o tecido das sociedades democráticas, o que significa dizer que a percepção dos cidadãos entre ideal e a prática da democracia pode não colocar em risco a própria democracia (MOISÉS, 2010, ROSANVALLON, 2011), porém questiona a relação dos cidadãos com o sistema democrático, uma vez que fragiliza a legitimidade dos governantes e aumenta a desconfiança dos cidadãos nas instituições políticas. Rosanvallon (2011) ressalta que, na sociedade contemporânea, está emergindo uma nova função moral e política de denúncia, ligada à relação inédita que as sociedades contemporâneas mantêm com a “transparência”. A era da midiatização não foi a única responsável por isso. É preciso, pois, se situar mais atrás, na transformação da vida política, que foi a origem de uma mudança radical de grande amplitude. Assim explica o autor:

Creio que tenha sido provocado pela ‘desideologização’ do político e as formas de desencanto envolvidas na sociedade. Quando a política era compreendida essencialmente pela confrontação de sistemas que se excluíam, estruturada pela luta de classes, a questão de mudanças de direções pessoais aparecia como secundária. (...) a denúncia de fenômenos eventuais de corrupção não poderia substituir uma crítica

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do sistema. A “lei da ganância” em geral e não os atos corruptos de alguns banqueiros ambiciosos era o que se procurava denunciar116. (ROSANVALLON, 2011, p. 60).

Entretanto, no final do século XX, o desencanto ideológico estimulou uma abordagem mais individualizada das questões políticas. E, por isso, se evidenciou o problema da confiança pessoal nos governantes. Aumentou, assim, a centralidade dos escândalos e, em consequência, as políticas das denúncias. Isso explicaria a multiplicação dos affaires, que parece ser mais resultado de uma renovada exigência social de transparência do que de uma declinação da moral política.

Os meios não criaram o fenômeno, não fizeram mais que refletir o advento de uma nova política de desconfiança (...) os líderes políticos, por sua vez, têm acentuado eles mesmos sua exposição midiática, fazendo dessa exposição de suas vidas privadas um elemento chave de sua credibilidade117 (ROSANVALLON, 2011, p. 61).

Nos dias de hoje, a simplicidade e a transparência converteram-se em virtudes políticas. Desse modo, na entrada da “era política da midiatização”, a busca de exposição de si mesmos se constitui agora em um sistema que eleva as denúncias ao ranque de atividades democrático-centrais. De acordo com o autor, esta é a razão pela qual a “democracia do controle” está atualmente em pleno auge.

116 Creo que ha sido provocado pela ‘desideologización’ de lo político y las formas de desencanto que entraña. Cuando La política era comprendida esencialmente como uma confrontación de sistemas que se excluían, estructurada por La luta de clases, La cuestión de los cambios de rumbo personales aparecia como secundaria (...) la denuncia de fenómenos eventuales de corrupción no podia em ese caso substituir a uma critica del sistema. La “ley de la ganância” em general y no La malversación de algunos banqueros ambiciosos era lo que, por ejemplo, buscaba denunciarse (ROSANVALLON, 2011, p. 60).

117 Los médios no crearon El fenômeno, no hicieram más que reflejar, aunque de manera amplificadora, El advenimiento de uma nueva política de La desconfianza. Los líderes políticos, a su vez, han acentuado ellos mismos su exposición mediática, haciendo de La puesta em escena de su vida privada um elemento clave de su credibilidad (ROSANVALLON, 2011, p. 61).

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O efeito principal da denúncia118 de escândalos é colocar em xeque a reputação dos governantes e do poder em si e apresenta um caráter permanente, enquanto que a democracia eleitoral é marcada por seu caráter intermitente. Rosanvallon (2011) considera a reputação como um tipo de “capital simbólico” cuja importância política não para de crescer. O autor afirma que a reputação é também um tipo de ‘instituição invisível’, que constitui um dos fatores estruturantes da confiança, sobre a qual o autor argumenta:

O que é a confiança? É o resultado do passado que construiu uma credibilidade no futuro. Para poder construir uma relação durável, a reputação é essencial. É o que permite construir hipóteses sobre as condutas futuras de pessoas políticas (...). Reputação é o capital do homem político enquanto governante. É a sua competência que está em jogo, trata-se de sua capacidade de governar. (ROSANVALLON, 2011, p. 31)119.

A confiança é um economizador de informações. Ela substitui procedimentos formais de compromisso, como por exemplo, os contratos, o juramento, etc. Contudo, não existe por si mesma, haja vista caracterizar um estado de relações entre pessoas e grupos, entre governantes e governados. Sendo assim, este estado de relações deve ser cultivado e garantido para poder se manter. Para Rosanvallon (2011), nos tempos atuais da política, a reputação consiste na principal mediação organizadora da confiança e se impõe às eleições como um regulador político maior120.

Podemos dizer que a reputação é o princípio das democracias de opinião, no sentido que constitui seu regulador social interno, que se

118 A vigilância em forma de denúncia é o que o autor considera como fazendo parte da contrademocracia, uma vez que ela pode ser posta em prática por indivíduos, não somente por meio de organizações, mas ela amplia e facilita o campo de intervenção da sociedade.

119 ¿Qué es la confianza? Este es el resultado del pasado que se basa la credibilidad para el futuro. Para ir más allá del corto plazo y construir una relación con el tiempo, la reputación es esencial. Con lo cual suposiciones sobre futuras líneas de la gente de la política. (...) La reputación es la capital para el político como regla. Esa es la jurisdicción está en cuestión, su capacidad para gobernar. (ROSANVALLON, 2011, p. 31).

120 Na política tradicional, a filiação de um eleitor a um partido é o que constitui essa garantia (disciplinaria e ideológico). O partido nesse caso é a ‘instituição invisível’ que marca a relação de confiança entre os eleitores e seus representantes.

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sobrepõe aos efeitos de mecanismos propriamente institucionais. Estranhamente nossas democracias contemporâneas se assemelham, dessa maneira, às antigas sociedades governadas pela honra. A honra era também um capital simbólico porque também está constituído pelo juízo social121. (ROSANVALLON, 2011, p. 63).

O autor acrescenta ainda que “o olhar dos outros se converteu no poder que manda”; assim, quanto mais os governantes são vigiados pelos cidadãos, melhor eles se comportam. Neste sentido, a Operação Lava Jato contribuiu, porque colocou em evidência a reputação das pessoas (principalmente políticos) envolvidas em corrupção. Ela investiga atualmente 37 políticos, por envolvimento na corrupção na Petrobrás. Há 13 políticos investigados pela Lava Jato no Senado122 e 24, na Câmara dos deputados123, incluindo os dois presidentes de cada Casa, (PMDB-RN) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Em novembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal decretou a prisão preventiva do Senador Delcídio do Amaral (PT), sob acusação de atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato. Vale lembrar que a prisão de um político em

121 Podemos decir que La reputation es el principio de las democracias de opinión, en el sentido de que constituye su regulador social interno, que se sobreimpone a los efectos de los mecanismos propiamente institucionales. Extrañamente, nuestras democracias contemporâneas se asemejan de esta manera a las antiguas socieades gobernadas por el honor. El honor, em efecto, es también um capital simbólico tambien está constituído por el juicio social (ROSANVALLON, 2011, p. 63).

122 Renan Calheiros (presidente do Senado, PMDB – Alagoas); Romero Jucá (PMDB – Roraima); Gladson Cameli (PP – Acre); Ciro Nogueira (PP – Piauí); (PSB- Paraíba); (PT – PE); Gleisi Hoffmann (PT – PR); (PMDB – RO); Edison Lobão (PMDB – Maranhão); Benedito de Lira (PP – Alagoas); Antônio Anastasia (PSDB – Minas Gerais); Fernando Collor (PTB – Alagoas); Lindbergh Farias (PT – Rio de Janeiro); Delcídio Amaral (PT – Mato Grosso do Sul). Disponível em: http://especiais.g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/lista-do-janot/. Acesso em 27/3/2015.

123 Afonso Hamm (PP- Rio Grande do Sul); Anibal Gomes (PMDB – Ceará); (PP- Alagoas); Sandes Júnior (PP- Goias); Waldir Maranhão (PP – Maranhão); Aguinaldo Ribeiro (PP- Paraíba); Dilceu Sperfico (PP- Paraná); Simão Sessim (PP- Rio de Janeiro); Luiz Carlos Heinzi (PP- Rio Grande do Sul); José Otávio Germano (PP- Rio Grande do Sul); Missionário José Olimpio (PP- São Paulo); Vander Loubet (PT- Mato Grosso do Sul); Eduardo Cunha (PMDB- Rio de Janeiro); Roberto Brito (PP- Bahia); Roberto Balestra (PP- Goias); Luiz Fernando Faria (PP- Minas Gerais); Eduardo da Fonte (PP- Pernambuco); Nelson Meurer (PP- Paraná); Afonso Hamm (PP- Rio Grande do Sul); Renato Molling (PP- Rio Grande do Sul); Jerônimo Goergen (PP- Rio Grande do Sul); Lázaro Botelho (PP- Tocantins); José Mentor (PP- São Paulo), (PMDB- Rio Grande do Norte). Disponível em: http://especiais.g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/lista-do-janot/. Acesso em: 27/3/2015.

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exercício é inédita no Brasil e, conforme o referido autor, a reputação de um governante é frágil e se perde muito mais rápido do que se ganha. A Operação Lava Jato avança cada vez mais sob o núcleo político, influenciando, pois, a reputação dos políticos no Brasil e, consequentemente, a confiança nos parlamentares. E tal situação abala o cenário político e econômico do País. No caso do senador Delcídio do Amaral, este era o principal representante do governo de Dilma Rousseff no Senado. Com isso, a crise política brasileira tende a se amplificar, levando-se em conta ainda que existam outros senadores, deputados e governadores investigados pela Polícia Federal pelo mesmo escândalo. A denúncia é analisada por Rosanvallon (2011) como um xeque-mate da reputação, cuja consequência pode ser a diminuição ou a destruição pura e simples de seu valor. Constitui-se, assim, num instrumento político muito valioso. A destruição da reputação tem consequências mais duráveis e profundas que uma derrota eleitoral. A vigilância, além da denúncia, também adota a qualificação (calificación) como uma forma de poder do cidadão. Rosanvallon (2011) afirma que a qualificação consiste na avaliação documentada, tecnicamente argumentada, frequentemente quantificada, das ações particulares ou de políticas gerais. O objetivo é a perícia da qualidade e a eficácia de uma gestão. Pode-se dizer que também aqui a reputação é que se coloca à prova, entretanto, de uma maneira técnica. Trata-se de testar a competência dos governantes, por meio de agências que avaliam sistematicamente as reformas públicas. Por esse motivo, argumenta o autor, nenhum governo pode amparar-se apenas em estatutos para legitimar sua existência ou seus modos de funcionamento. Ele está constantemente marcado pela confrontação com diferentes categorias de veto provocadas pelos grupos sociais, por forças políticas e também econômicas.

A disseminação de informações técnicas e do conhecimento de experts, assim como o aumento do nível intelectual, tem contribuído de maneira decisiva a esse julgamento permanente dos governantes, que se tornam mais vulneráveis e dependentes. Os governantes estão sujeitos a um controle permanente de suas ações. Por meio da ‘qualificação’ os cidadãos têm conquistado um novo poder124 (ROSANVALLON, 2011, p. 69)

124 La diseminación de La información técnica y Del conocimiento experto em general, así como el aumento Del nível intelectual, ha contribuído de manera decisiva a esse juzgamiento permanente de los 116

Assim, observa-se que os regimes políticos atuais se caracterizam por modalidades que oferecem condições de ação e possibilidades de bloqueio, provenientes de diferentes atores sociais. A Operação Lava Jato, sob tal perspectiva, também tem se mostrado muito importante no cenário atual. Com a prisão de políticos em exercício (Senador Delcídio do Amaral), de banqueiros (Banqueiro André Esteves125) e de renomados executivos, donos das duas maiores empreiteiras do país ( e Otávio Azevedo), assinala um novo período na história do Brasil, que reacende nos cidadãos uma esperança de que a justiça também aqui possa funcionar para todos. Mas esta é uma suposição que, possivelmente, saberemos nas futuras pesquisas sobre o assunto. O que fica claro, nesse momento, é que a Polícia Federal e o Ministério Público conquistam a confiança dos cidadãos brasileiros com essa ação, enquanto que o parlamento tem paulatinamente diminuído essa confiança por parte da população. A transferência de questões políticas para questões penais é uma dimensão particularmente analisada por Rosanvallon. O autor denomina esse processo de “judicialização do político” (judicialización de lo político).

Na Europa, a Itália se constituiu em um exemplo pragmático disso, onde a incapacidade do sistema político de regular a si mesmo e responder às expectativas da sociedade têm favorecido o fortalecimento da figura do juiz no campo político. Neste contexto, o cidadão se vê esperando de um julgamento os resultados que perdeu as esperanças de obter pelas eleições” (Rosanvallon, 2011, p. 224- 225)126.

gobernantes, de alli en más mucho más vulnerables y más dependientes. Los gobernados están sometidos a um control permanente de sus acciones. Por La modalidade de calificacion los ciudadanos han conquistado el equivalente de unnuevo poder (ROSANVALLON, 2011, p. 69).

125 André Esteves, dono do BTG Pactual, foi preso no dia 25 de novembro de 2015, suspeito de tentar atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/11/banqueiro-andre-esteves-passa-noite-em-presidio-de-bangu- no-rio.html. Acesso em 27/11/2015

126 En Europa, Italia há constituído un ejemplo paradigmático de ello, donde la incapacidad Del sistema político de regularse por si mismo y responder a las expectativas de la sociedad há precipitado El fortalecimiento de la figura Del juez en El campo político(...) En esse contexto, El ciudadano se vê a veces tentado de esperar de um juicio lós resultados que há desesperado de obtener por la elección. (Rosanvallon, 2011, p. 223).

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Por outro lado, a crescente responsabilidade penal para compensar as falências da responsabilidade política tem sido interpretada como um sinal do aumento do poder dos juízes na democracia. A noção de “governos de juízes” (gobierno de los jueces) tem caracterizado esta evolução na sociedade contemporânea. De acordo com Rosanvallon (2011), a judicialização da política corresponde a um fenômeno observado em diversas sociedades contemporâneas. Esse fenômeno diz respeito a um novo "ativismo judicial", isto é, uma nova disposição de tribunais judiciais no sentido de expandir o escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos jurisprudenciais (muitas dessas questões até recentemente ficavam reservadas ao tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo). A atuação de juízes, advogados privados e do setor público (procuradores e promotores) é um componente essencial do processo político da democracia. A iniciativa de procuradores de moverem ações judiciais (processos criminais, ações civis públicas, ações diretas de inconstitucionalidade, etc.), a "mobilização social judicializada" dos grupos de interesses representados por advogados e as decisões de juízes podem ter resultados cruciais para a definição e reforma de instituições públicas e privadas, como também para a formulação e implementação de políticas públicas, a distribuição da riqueza e a definição de identidades sociais. A judicialização da Política também reflete na percepção que os cidadãos têm da política (governantes). No Brasil, pesquisas sobre confiança revelaram que os brasileiros confiam mais em Joaquim Barbosa127 do que em parlamentares Sérgio Moro (juiz responsável pela Operação Lava Jato) foi considerado, pela mesma pesquisa, mais confiável que a Presidenta Dilma Rousseff, o vice presidente, , o presidente do Senado, Renan Callheiros, e o presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha. A sociedade já não está mais estruturada somente por conflitos de classe em torno de questões de trabalho. Ressaltou-se nos últimos tempos a importância cada vez mais crescente da expressão pública e a organização de novas identidades coletivas (minorias sexuais, grupos geracionais, movimentos feministas, etc.) organizados em torno de conflitos sociais inéditos como, por exemplo, meio ambiente, autonomias

127 Joaquim Barbosa é ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e foi considerado pela pesquisa do Datafollha, realizada nos dias 25 e 26 novembro de 2015, a personalidade mais confiável do Brasil.. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/12/1715161-brasileiros-confiam-mais-em- joaquim-barbosa-diz-datafolha-cunha-e-o-pior-colocado.shtml. Acesso em 3/1/2016.

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regionais, relações entre sexos e problemas emergentes que as sociedades enfrentam com maior urgência (globalização econômica, desigualdades e precariedade social, direitos humanos). No mundo contemporâneo, busca-se tomar em conta a multiplicidade dos repertórios de ação e, em particular, as formas ‘não convencionais’ de intervenções cidadãs no campo político. Dessa maneira, atenta-se de modo especial às novas militâncias como as associações, os fóruns sociais, a crescente força dos ‘advocacygroups’ e as ONGs. Esses “novos movimentos sociais” (ROSANVALLON, 2011, p. 76) se organizam em torno das ações de vigilância, de denúncia e de qualificação. Constitui, desse modo, a parte mais visível e mais estruturada do que o autor denomina de “nova democracia”. Tais formas de controle contribuem para o aumento do poder do cidadão que, desse modo, delineia um novo universo do poder social que, outrora, era exercido pelas revoluções e barricadas. A função de vigilância é a mais evidente das formas de controle. Muitas organizações operam como “comitês de vigilância” em seus domínios de intervenção. Embora as instâncias que intervêm nos setores de consumo, da saúde e do meio ambiente sejam mais ativas, elas tendem a se estender em quase todos os setores da vida política. O autor expõe que a denominação desses “grupos militantes” mudou nos últimos tempos, em conseqüência do desenvolvimento de suas funções:

Na década de 1970, se tratava de ‘coletivos de luta’, de ‘comitês de defesa’, de ‘grupos de mobilização’. Hoje se observa cada vez mais o estabelecimento de ‘watch groups’ ou ‘observatórios’ (ROSANVALLON, 2011, p. 76).128

De acordo com o autor, os observatórios exercem a função de contraperícia e de interpelação e estão entre a fronteira da tarefa de editor e a atividade militante. Essas organizações produzem, pois, “efeitos de autoridade”, exercem uma capacidade de modificar e coagir a conduta daqueles a que se destinam.

128 En la década de 1970 se trataba de “colectivos de lucha”e “comitês de defensa”, de “grupos de movilización”. Hoy se vê cada vez más el establecimiento de watch groups u “observatórios” (ROSANVALLON, 2011, p. 76). 119

Os Observatórios (Observatório da Imprensa, Observatório da Violência, Observatório Cidadão, Observatórios das desigualdades, Observatórios do comunitarismo, etc.) criados no Brasil, nas últimas décadas, contribuem para a “vigilância” dos cidadãos nas políticas. O ‘Observátorio Social do Brasil’ é uma instituição não governamental, sem fins lucrativos, disseminadora de uma metodologia padronizada para a criação e atuação de uma rede de organizações democráticas e apartidárias do terceiro setor (SCHOMMER e MORAES, 2010). De acordo com os autores, a Rede Observatório Social do Brasil (OSB) é formada por voluntários engajados na causa da justiça social e colabora com a melhoria da gestão pública. Eles atuam como pessoa jurídica, em forma de associação, e primam pelo trabalho técnico, fazendo uso de uma metodologia de monitoramento das compras públicas em nível municipal, desde a publicação do edital de licitação até o acompanhamento da entrega do produto ou serviço, de modo a agir preventivamente no controle social dos gastos públicos. Além disso, o Observatório Social atua em outras frentes, como a educação fiscal, a inserção da micro e pequena empresa nos processos licitatórios e a construção de Indicadores da Gestão Pública. A atuação dos observatórios sociais também são voltados à cidadania fiscal na promoção de controle social e accountability. De acordo com Abrucio e Lourenço (2005), a accountability democrática, entendida como responsabilização contínua dos governantes por seus atos e omissões perante os governados, constitui um dos alicerces da democracia e da qualidade da administração pública. Os autores afirmam que os avanços em termos de responsabilização se relacionam diretamente com o amadurecimento da cultura política de cada país, a qual influencia e é influenciada pela construção de mecanismos institucionais de controle e de sanção. De acordo com Rosanvallon (2011), é por meio da multiplicação de poderes de sanção e de impedimentos que os cidadãos desenvolveram uma forma eficaz de multiplicar as sanções em relação ao poder. De acordo com o autor (2011, p. 224):

Observamos que os governos estão muito mais obrigados a prestar contas (princípio de accountability), precisamente quando menos

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parecem atender às expectativas da sociedade (princípio de reponsiveness129).

Em vários municípios do Brasil surgem iniciativas direcionadas ao combate à corrupção, à promoção da cidadania fiscal, à avaliação da qualidade de programas governamentais e à construção de indicadores de desenvolvimento e de qualidade de vida130. De acordo com Abrucio e Loureiro (2005), o controle social é exercido pela população em geral ou por usuários de serviços públicos, geralmente por meio de alguma forma de organização da própria sociedade ou por conselhos, plebiscitos e espaços de diálogo abertos pelos governos, a exemplo do orçamento participativo. Os focos temáticos dos observatórios sociais diferem em suas metodologias de atuação, entretanto possuem em comum a ideia de observação (vigilância) de atividades, de monitoramento e análise de indicadores e de difusão de informações (SCHOMMER e MORAES, 2010). Embora eles não tenham poder de exercer sanção direta sobre os governantes, sua ação pode mobilizar e influenciar outros mecanismos de accountability – como os controles judiciais, parlamentar ou administrativo e até influenciar as eleições e as regras estatais intertemporais (ABRUCIO e LOUREIRO, 2005), gerando efeitos mais amplos sobre a cidadania e a democracia de uma cidade ou de um país. Para Rosanvallon (2011) alargar o campo de análise política da democracia passa por levar em consideração de forma dinâmica às reações da sociedade às disfunções originais dos regimes representativos. Na origem de muitos dos observatórios está à indignação da sociedade com escândalos de corrupção, mau uso

129Vemos que los gobiernos están mucho más obligados a rendir cuentas (principio de accontability) precisamente cuanto menos parecen atender las expectativas de la sociedad (principio de responsiveness). (ROSANVALLON, 2011, p. 224).

130 Um exemplo disso é o movimento iniciado por lideranças do meio empresarial e do funcionalismo público no estado do Paraná, que, desde 2005, levou à criação de aproximadamente 50 observatórios sociais dedicados à educação e à cidadania fiscais em suas cidades, reunidos no Observatório Social do Brasil (OSB). A rede tem origem na experiência de Maringá, que criou seu observatório depois que este município paranaense vivenciou um escândalo de corrupção na administração pública, no início da década de 2000. Outro caso de mobilização para o controle da administração pública pela sociedade é o da Amigos Associados de Ribeirão Bonito, organização criada em 1999, no interior paulista, motivada pelo desejo de combater a corrupção que grassava na administração pública. A mobilização social ativou mecanismos institucionais de responsabilização, levando à cassação do prefeito e a processos judiciais contra ele e demais envolvidos em delitos (SCHOMMER, MORAES, 2010).

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do dinheiro público e a indignação da população diante disso. Os observatórios sociais, assim como outros órgãos servem como exemplos para diferentes discussões sobre a democracia no Brasil. Para o autor, todas essas intervenções cidadãs face aos poderes, as marcas de desconfiança e de exigência que intervém entre as eleições se multiplicaram, o que é um sinal de vitalidade democrática. A função da qualificação (calificación) também se inscreve num registro da ‘contra-perícia (contraexperticia). A transparência Internacional131 apresenta um impacto no campo político. Os países que atuam com transparência para fortalecer seus dispositivos de luta contra a corrupção são recompensados de muitas maneiras, segundo Rosanvallon (2011). A sanção de qualificação pode ser também, em certos casos, quase tão severa quanto uma derrota eleitoral. No Brasil, o Portal Transparência oferece ao cidadão uma forma de vigilância e averiguação no que se refere a quanto e como o governo gasta seus recursos. No Portal, estão disponíveis informações sobre os recursos públicos federais transferidos pelo Governo Federal a estados, municípios e Distrito Federal e diretamente ao cidadão, bem como dados sobre os gastos realizados pelo próprio Governo Federal em compras ou contratação de obras e serviços132. O Ministério Público Federal fez a avaliação dos portais da transparência dos 5.568 municípios e 27 estados brasileiros133. A avaliação levou em conta aspectos legais e boas práticas de transparência e foi realizada com base em questionário elaborado pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), cujo objetivo é medir o grau de cumprimento da legislação, por parte de municípios e estados, numa escala que vai de zero a dez. O índice Nacional de Transparência foi avaliado pelo Ministério Público de 5,21134, o que significa um baixo grau de cumprimento às leis.

131 Disponível em www.transparency.org. Acesso em 22/2/2016.

132 Portal Transparência. Disponível em: www.portaldatransparencia.gov.br. Acesso em 27/11/2015.

133 A avaliação foi realizada nos dias 8/9/2015 e 9/10/2015, em atuação coordenada em todo o Brasil. Disponível em: http://www.rankingdatransparencia.mpf.mp.br/. Acesso em 21/12/2105.

134 Índice Nacional de transparência. Disponível em: http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/ranking/mapa-da-transparencia/arquivos-pdf/nacional1.pdf Acesso em 21/12/2105.

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Outra proposta significativa de Rosanvallon (2011) é a da legitimidade que os grupos de risco vêm conquistando no mundo contemporâneo. O autor, sobre esse assunto, argumenta que as qualificações (calificación) dos títulos no campo financeiro têm um impacto não apenas na economia de um país como também na gestão de políticas. De acordo com o autor (p. 77), “um país com baixa qualificação vê seu crédito baixar e corroer sua capacidade de negociações de dívidas com as grandes instituições financeiras” 135 A classificação de risco (rating) soberano é a nota dada por instituições especializadas em análise de crédito, chamadas agências classificadoras de risco, a um país emissor de dívida. Tais agências avaliam a capacidade e a disposição de um país em honrar, pontual e integralmente, os pagamentos de sua dívida. O rating é um instrumento relevante para os investidores, uma vez que fornece uma opinião independente, no que tange ao risco de crédito da dívida do país analisado. Oficialmente, o Brasil possui contrato para classificação de seu risco de crédito com as seguintes agências: Standard & Poor´s (S&P), Fitch Ratings (Fitch) e Moody´s Investor Service. Adicionalmente, outras agências internacionais monitoram regularmente o risco de crédito do País, como a canadense Dominion Bond Rating Service(DBRS), as japonesas, Japan Credit Rating Agency (JCR) e Rating and Investment Information (R&I), a coreana NICE Investors Service e a chinesa Dagong Global Credit Rating. Em setembro de 2015, a agência de classificação de risco Standart & Poor´s rebaixou o Brasil e retirou-lhe o título de “bom pagador”136 .Em dezembro de 2015, a

135 Un país con mala calificación vê bajar su crédito y erosionarse su capacidad de eudeudamiento com las grandes instituciones financieras (ROSANVALLON, 2011, p. 77).

136 O rating, ou avaliação de risco, é feito por essas agências que são especializadas para ajudar investidores internacionais a avaliarem a conveniência e a remuneração de aplicar seus recursos em papéis que representam dívida. É feita tanto para países quanto para empresas. No caso dos países, o que está em questão é a chamada "dívida soberana", emitida por governos. As notas dadas pelas agências são organizadas em dois grandes grupos: um de baixo risco, chamado grau de investimento, e outro de risco mais elevado, chamado grau especulativo. O primeiro grupo equivale a uma espécie de clube de países considerados bons pagadores. O segundo também recebe investimentos, mas quem aplica exige uma remuneração maior, expressa em taxas de juro pagas pelo emissor da dívida. A principal análise é a trajetória da dívida. Se está estável ou diminuindo em relação do PIB, significa que a capacidade de pagamento melhora, e o país se torna mais confiável. Ao justificar os motivos para cortar e colocar em perspectiva negativa a nota do Brasil, as agências S&P e a Fich mencionaram "os desafios políticos" que continuam crescendo, e a "menor convicção" do governo brasileiro em relação à política fiscal. Com o déficit primário no orçamento previsto para 2016, o Brasil não só deixaria de pagar a dívida como somaria os juros ao estoque total, elevando o peso do endividamento sobre o PIB, principalmente depois 123

Fitch Ratings tomou a mesma decisão, colocando o Brasil em uma perspectiva negativa para nova redução de sua classificação. Seguindo a mesma perspectiva, em fevereiro de 2016, a agência Moody's anunciou o rebaixamento da nota de crédito do País. Na mesma data (fevereiro de 2016), a Standard and Poor's (S&P) rebaixou novamente a nota de crédito soberano do Brasil. Isto significa que o país perdeu o selo de “bom pagador” que detinha, entre estas três maiores agências de risco do mundo137. O rebaixamento de crédito dado aos investimentos no Brasil contribui para uma degradação no cenário econômico, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (2015): Perda de investimentos - Com a perda do selo de bom pagador, investidores estrangeiros, principalmente fundos de pensão, que têm exigência de duas notas em grau de investimento para fazer aportes, tendem a deixar de aplicar recursos no Brasil. Além disso, dinheiro já investido no Brasil deve migrar para outros mercados, provocando uma fuga de capital. Alta do dólar- A saída de recursos estrangeiros do país provoca escassez de dólares no Brasil, o que leva a uma natural alta da moeda americana. A lógica é simples, obedecendo à lei de oferta e demanda: com menos dólares no Brasil, a moeda se torna mais cara. Outras conseqüências apontadas pelos economistas são a alta dos juros, o aumento do desemprego e da inflação e a diminuição do faturamento do comércio138. De acordo com Rudden (2005), as agências de rating exercem uma influência determinante no processo de formação de expectativas e tomada de decisões pelos agentes econômicos. Diante do cenário atual de profunda crise financeira, na qual as

da queda prevista para este ano e, provavelmente, para o próximo. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/economia/noticia/2015/09/entenda-os-motivos-e-as-consequencias-do- rebaixamento-da-nota-do-brasil-4844337.html. Acesso em: 18/12/2015.

137 Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/09/veja-o-historico-das-notas-de-credito- do-brasil-pelas-agencias-de-rating.html. Acesso em 22/4/2016.

138 Informações obtidas no site da Fundação Getulio Vargas. Disponível em: http://ebape.fgv.br/node/2663. Acesso em: 18/12/2015.

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agências, mais uma vez, tiveram grande responsabilidade, é relevante analisar o papel dessas agências na estrutura dos sistemas financeiros internacionais. De acordo com o autor, existem muitas críticas em relação à participação das agências de classificação de risco na atual arquitetura financeira internacional, baseadas principalmente no insolúvel problema de ineficiência das agências em orientar a decisão dos investidores, visto que estão sujeitas ao mesmo ambiente de incerteza que os agentes econômicos. Entretanto, do ponto de vista de Rosanvallon (2011), tais agências de risco incorporam elementos considerados legítimos no ambiente e tendem a ser vistas como legítimas, uma vez que apresentam consequências reais para a economia e política de um país. A corrupção investigada pela Operação Lava Jato também contribuiu para o rebaixamento da nota do Brasil pelas agências Standard & Poor´s (S&P), Fitch Ratings (Fitch). Como as suspeitas se espalham por políticos e várias empresas, além da Petrobrás, no curto prazo, tal investigação atrapalha os investimentos, o crescimento e as medidas políticas que precisam ser tomadas139. A Operação Lava Jato envolveu também o Judiciário Federal dos Estados Unidos onde existem 28 ações individuais abertas, e ainda uma ação coletiva, contra a Petrobrás. A Petrobrás não cumpriu as regras140 do mercado acionário dos Estados Unidos, pois não divulgou corretamente aos investidores o esquema de corrupção na empresa. À medida que os fatos sobre a corrupção na Petrobrás foram sendo revelados, o departamento de Justiça dos Estados Unidos ingressou com uma ação criminal e a SEC (Securities and Exchange Comission) ingressou com medidas administrativas contra a Petrobrás. De acordo com Azevedo e França (2015, p. 1):

139Agência explica rebaixamento da nota de crédito do Brasil. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/09/agencia-explica-rebaixamento-da-nota-de-credito-do- brasil.html. Acesso em 06/01/2016.

140 No direito americano, os investidores são protegidos e as cortes americanas são muito favoráveis aos investidores. A alegação é a violação da regra 10B5 da legislação da Securities and Exchange Comission (SEC, a CVM dos Estados Unidos). Essa regra diz que a empresa tem de revelar “any material fact”, ou seja, qualquer fato relevante, que possa influir na decisão do investidor que adquirir ou vender valores imobiliários. A empresa tem o dever de revelar e, se não revelar, está sujeita a pagar os danos que daí recorrem, além das multas punitivas. (AZEVEDO e FRANÇA, 2015). Disponível em: http://www.folhapolitica.org/2014/12/processos-nos-eua-sao-um-risco-maior.html. Acesso em 06/01/2016

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A ação mostra, na linha do tempo, que a cada revelação, os valores caíam. Chegaram a cair 46%. O risco para a Petrobrás é grande (...) eles alegam que a Petrobrás fez declarações falsas, enganando os investidores porque ela inflou o valor de contratos, de maneira que pudesse retirar dinheiro desses contratos para a corrupção, e consequentemente, os valores que estavam no balanço e os valores das ADRs foram inflados. E mais ainda, a Petrobrás teria feito declarações falsas durante todos esses anos, de 2010 a 2014, porque ela disse que tinha um comitê de ética e uma política anticorrupção.

Esse fato revela que a Operação Lava Jato atraiu a atenção de autoridades internacionais, além das brasileiras. E que tais autoridades (no caso, as cortes americanas) tem se mostrado legítimas perante a sociedade. Outra fonte de legitimidade que vem se destacando na atualidade é a “Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção”. Em 1996, a comunidade internacional manifestou o interesse de delinear um acordo global que fosse capaz de prevenir e combater a corrupção em todas as suas formas. A corrupção começou a ser tema de interesse dos mais diferentes países que, de modo regional, iniciaram processos de acordos de ação conjunta nesse âmbito. A convenção é composta por 71 artigos, divididos em 8 capítulos. Os mais importantes estão reunidos em quatro capítulos e tratam dos seguintes temas: prevenção, penalização, recuperação de ativos e cooperação internacional. São esses capítulos que requerem adaptações legislativas e/ou ações concomitantes à aplicação da convenção a cada país. A convenção prevê que os Estados Partes implementem políticas efetivas contra a corrupção que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado de Direito, tais como a integridade, a transparência e a accountability, entre outros. Os Estados que fazem parte da convenção (incluindo o Brasil) devem adotar sistemas de seleção e recrutamento com critérios objetivos de mérito. Também devem tomar medidas para aumentar a transparência no financiamento de campanhas de candidatos e partidos políticos, desenvolver códigos de conduta que incluam medidas de estímulo a denúncias de corrupção por parte dos servidores, e de desestímulo ao recebimento de presentes, ou de qualquer ação que possa causar conflito de interesses. Os processos licitatórios devem propiciar a ampla participação e dispor de critérios pré-estabelecidos, justos e impessoais, e adotar medidas para ampliar o acesso às contas públicas para os cidadãos, estimular a participação da sociedade nesse 126

processo, além de adotar medidas preventivas à lavagem de dinheiro. Finalmente, sublinha que a independência do Poder Judiciário e do Ministério Público é fundamental para o combate à corrupção. A convenção contempla medidas de prevenção à corrupção não apenas no setor público, mas também no setor privado. Entre elas: desenvolver padrões de auditoria e de contabilidade para as empresas; prover sanções civis, administrativas e criminais efetivas e que tenham um caráter inibidor para futuras ações; promover a cooperação entre os aplicadores da lei e as empresas privadas; prevenir o conflito de interesses; proibir a existência de "caixa dois" nas empresas; e desestimular isenção ou redução de impostos a despesas consideradas como suborno ou outras condutas afins141. No dia 24 de julho de 2014, promotores ingleses do Escritório de Fraudes Graves (Serious Fraud Office, SFO)142 abriram um processo no Reino Unido contra a Empresa multinacional Alston em duas frentes: uma, por corrupção na área de energia, e outra, por suposta participação no cartel metroferroviário. No que se refere ao Brasil, a empresa teria sido favorecida em contratos do governo de São Paulo, no período entre 1998 e 2008, nas gestões Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin (PSDB). Os investigadores ingleses suspeitam que funcionários da Alston seriam responsáveis por organizar o pagamento de propinas para agentes públicos no Brasil. Os promotores brasileiros foram informados pelo Ministério Público da Suíça sobre a investigação.143 Rosanvallon (2011) afirma que os diferentes grupos analisados (Observatórios, ONGs, Agências de risco, Portal transparência, Autoridades Internacionais, Convenção Nacional contra a corrupção, etc.) cumprem um aspecto ideológico, que é

141 Todas as informações sobre a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção foram extraídas do site da UNODC (UNITED NATION OFFICE ON DRUGS AND CRIMES). Disponível em: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/corrupcao/convencao.html. Acesso em 22/4/2016.

142 Serious Fraud Office é um departamento governamental independente, que atua sob a superintendência do Procurador-Geral. Sua finalidade é investigar e processar autores de fraudes graves ou complexas, suborno e corrupção. http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/reino-unido-abre-acao-criminal- contra-alstom-por-corrupcao/. Acesso em 27/12/2106.

143 Informações sobre a Empresa Multinacional Alston foram extraídas do Jornal O Estado de São Paulo e Valor Econômico. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/reino-unido-abre- acao-criminal-contra-alstom-por-corrupcao/; http://www.valor.com.br/politica/4423704/alstom-paga-r- 60-milhoes-ao-governo-de-sp-para-se-livrar-de-processo. Acesso em 22/04/2016.

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considerado muito amplo. Eles se diferem quanto à atuação (uns mais radicais, outros menos), entretanto eles têm como característica comum a defesa dos cidadãos. A característica comum não é tomar o poder, mas sim, influenciá-lo e está concebida pelos fatos de que a vida nas democracias está estruturada pela tensão entre a esfera eleitoral representativa e o universo contrademocrático. Assim, o autor compara o poder de voto e o poder de julgamento dos cidadãos. O processo de julgamento aparece como procedimento que molda um comportamento que, dessa forma, progressivamente, se impõe como uma forma metapolítica estimada com alguma superioridade em relação à eleição, por produzir efeitos tangíveis. Ainda o mesmo autor apresenta as figuras do povo-controlador, do povo-veto e do povo-juiz (pueblo- controlador, pueblo-veto, pueblo-juez144) como superpostas à figura do povo-eleitor (pueblo-électeur). Se controlar e impedir são maneiras de condicionar os governantes, existe uma terceira dimensão da contrademocracia que também o faz, denominada por ele de julgamento:

Julgar consiste em examinar uma conduta ou ação, o que vem a radicalizar ou desenvolver a ideia do controle; também prolonga o exercício de uma suspeita, fazendo o necessário para que se chegue a uma conclusão definitiva145 (ROSANVALLON, 2011, p. 191)

O autor destaca que o teste de um julgamento (la prueba de un juicio) não reduz o exercício do poder judicial autônomo, mas está profundamente ligado à ideia de um “julgamento dos governantes pela sociedade” (p. 192), compreendendo que os cidadãos querem alcançar como juízes o que eles consideram não terem sido capazes de alcançar como eleitores. Outro aspecto que Rosanvallon (2011) apresenta é o resgate das atividades do “juiz cidadão”, quando este faz parte de um júri popular, cuja função é restaurar ou modificar o espírito da lei na formulação da vereditos, e esta função consagra uma dimensão social.

144 Rosanvallon (2011, p. 33).

145 Juzgar consiste em examinar uma conducta o uma acción. Lo que viene a radicalizar y desarrolhar la Idea de control; también prolonga el ejercicio de uma sospecha haciendo necesario que se llegue a una decisión conclusiva (ROSANVALLON, 2015, p.33).

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Porque a justiça se exerce em ‘nome do povo’ em primeiro lugar, porque o seu exercício desempenha geralmente uma expectativa coletiva que se encontra num campo de forças que intervém pela pressão da sociedade ou pelo peso da opinião pública146 (ROSANVALLON, 2011, p. 192).

Depois de analisar, retrospectivamente, o papel dos governantes em diferentes sociedades e em momentos diferentes, Rosanvallon (2011) destaca o poder das minorias, dos dominados ou dos eleitores, para examinar, manter ou revogar o mandato dos eleitos. Tanto os tribunais do povo em Atenas, o júri na Idade Média, quanto o Impeachment147 na Inglaterra ou o recall nos Estados Unidos são procedimentos que permitem considerar o julgamento como forma política, da qual os cidadãos participam não só de um ato deliberativo, mas também como produtores de normas.

Esta dimensão de contrademocracia é de vital importância para o deslocamento em nossos dias da política ao criminal, onde as ações políticas, cada vez mais difíceis de imputar politicamente, implicam uma responsabilidade criminal. Pode-se dizer, então, que estamos na etapa de confronto entre democracias de representação e as democracias de imputação, levando ao aumento do poder de juízes, o que tem sido chamado de "governo dos juízes"148 (ROSANVALLON, 2011, p. 192).

146 porque la justicia se ejerce en nombre del pueblo en primer lugar, pero más en general porque su ejercicio cumple una espectativa colectiva que está inscripta en un campo de fuerzas en el que intervienen con su presión organizaciones de la sociedade civil o el peso difuso de la opinión pública.

147 No Brasil, o impeachment é legitimado pela Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950. De forma simplificada, essas são as fases iniciais do impeachment ainda na câmara dos deputados: 1º- Denúncia formalizada com a apresentação dos fatos (que qualquer cidadão pode formalizar); 2º- Recebimento da denúncia pelos representantes do povo na câmara; 3º - Análise da denúncia na câmara dos deputados; 4º- Parecer da câmara acerca da denúncia; e, por último, 5º – Discussão sobre a aprovação ou rejeição da denúncia. Na Câmara dos Deputados, precisa-se de, no mínimo, 2/3 dos votos dos 513 deputados (ou seja, 342 votos). Se conseguir esse número de votos, o "processo" de impeachment vai para o Senado que também exige um quorum de 2/3 dos 81 senadores. Disponível em: http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/128811/lei-do-impeachment-lei-1079-50. Acesso em 22/4/2016.

148 Esta dimensión de la contrademocracia toma vital importancia con el desplazamiento en nuestros días de lo político a lo penal, en donde las actuaciones políticas, cada vez más difíciles de imputar políticamente, conllevan una responsabilidad penal. Puede decirse, entonces, que nos encontramos en el paso de las democracias de confrontación y de representación a las de imputación, lo cual conlleva a un aumento de poder de los jueces, en lo que se ha denominado “gobierno de los jueces” (ROSANVALLON, 2011, p. 192).

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Tais padronizações servem para pensar modos de exercício indireto da soberania por meio de formas não organizadas pelas constituições. Concebê-la como indireta é percebê-la como produto de um conjunto de efeitos, sem que se produza necessariamente uma autoridade formal, nem se exprima sob a forma de decisões explícitas que poderiam ser qualificadas como políticas.

A democracia eleitoral representativa e a contrademocracia dos poderes indiretos devem tornar-se um conjunto para captar em sua complexidade o movimento efetivo da apropriação do poder (ROSANVALLON, 2015, p.33)149.

Dessa maneira, o autor entende a democracia eleitoral-representativa e a “nova democracia” de poderes indiretos como meios de apropriação do poder pelos cidadãos. Essa apreensão sobre democracia e “nova democracia” modifica não só os termos para entender a representação política, mas a própria forma de conceber a questão da participação política em si. A visão ampliada do papel da representação política estaria diretamente ligada a uma visão multiforme da atividade democrática. De acordo com Rosanvallon (2011, p. 34), a “nova democracia” conduz a uma ampliação dos termos como vigilância (vigilância), qualificação (calificación), pressão social (presión), impedimentos (obstrucción) e submissão à prova de julgamento (sometimiento a prueba de juicio). Com relação ao sistema representativo, apesar das inquestionáveis conquistas de procedimentos e mecanismos democráticos e do crescente apoio à democracia no País, esse contexto não foi capaz de desfazer a percepção negativa que se tem do Congresso e das instituições representativas. Foi esse cenário que presenciamos em junho de 2013, nas manifestações de rua no Brasil, quando grupos de manifestantes excluíam os partidos como sujeitos legítimos dos protestos. Mas a crítica aos políticos e ao sistema representativo não é de hoje. Nas décadas anteriores, as pesquisas já apontavam a percepção negativa da política institucional (MOISÉS, 2005).

149 La democracia electoral representativa y la contrademocracia de los poderes indirectos deben tomarse en conjunto para captar em su complejidad El movimiento efectivo de apropriación social Del poder (Rosanvallon, 2015.p.33).

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Os indicadores de confiança dos cidadãos nas instituições políticas testemunham um forte movimento de transformações das implicações de cidadania. O crescimento da abstenção eleitoral constitui igualmente um dado observado em quase todos os países, nos últimos vinte anos (ROSANVALLON, 2011, p. 35). As formas de participação não convencionais se multiplicam, ao mesmo tempo que, por vezes, o comparecimento nas urnas diminui. Os indícios de tal implicação seriam os mais diversos: participação em greves e manifestações150, assinaturas em petições (que proliferam, inclusive na internet)151, expressões de formas de solidariedade coletiva em muitas situações as quais demonstram que não se aplicariam à descrição de uma era de apatia política. Os conselhos nacionais e os casos de orçamento participativo também podem ser incluídos. Não se trata de mecanismos baseados unicamente em sufrágio universal, ainda assim, há representação e participação direta, sob a lógica de regulação e acompanhamento da política institucionalizada. A “nova democracia” oferece, pois, outras formas de participação na democracia que não apenas o voto, o que permite a legitimação de outras fontes, além das urnas e dos políticos. Todas essas fontes oferecem ao cidadão formas de comparação, de observação e de possíveis intervenções. De acordo com Moisés (2010), nas democracias consolidadas, os cidadãos críticos orientam sua desconfiança

150 No dia 20 de junho, mais de um milhão de pessoas foram às ruas em várias cidades do Brasil. Os manifestantes protestaram contra os gastos para a preparação da Copa do Mundo de 2014, a PEC 37 (proposta de emenda à Constituição que limita os poderes de investigação do Ministério Público), a corrupção e as más condições de Saúde e Educação no país. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1298755-manifestacoes-levam-1-milhao-de-pessoas-as- ruas-em-todo-pais.shtml. Acesso em 27/11/2015

151 Para combater a corrupção, os procuradores da Operação Lava Jato lançaram, nas redes sociais, um projeto de lei que foi muito citado nas manifestações sociais, no dia 16 de agosto de 2015. Por meio de uma petição eletrônica, chamada de ‘assinômetro’, o Ministério Público demanda aos cidadãos que assinem a petição para que as medidas propostas se tornem leis. As medidas visam aprimorar a prevenção e o combate à corrupção e à impunidade e estão consolidadas em 20 anteprojetos de lei que buscam, entre outros resultados, evitar a ocorrência de corrupção (via prestação de contas, treinamentos e testes morais de servidores, ações de marketing/conscientização e proteção a quem denuncia a corrupção), criminalizar o enriquecimento ilícito, aumentar penas da corrupção e tornar hedionda aquela de altos valores, agilizar o processo penal e o processo civil de crimes e atos de improbidade, fechar brechas da lei por onde criminosos escapam (via reforma dos sistemas de prescrição e nulidades), criminalizar “caixa dois” e lavagem eleitoral, permitir punição objetiva de partidos políticos por corrupção em condutas futuras, viabilizar a prisão (para evitar que o dinheiro desviado desapareça), agilizar o rastreamento do dinheiro desviado e fechar brechas da lei por onde o dinheiro desviado escapa (via ação de extinção de domínio e confisco alargado). (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015).

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política primordialmente para a adoção de novos modos de participação e mesmo para a reforma do sistema representativo. Sem dúvida, o voto permanece como a expressão mais visível e institucionalizada da cidadania, contudo a participação política deve ser percebida como uma noção complexa. Compreender a atividade política de forma ampla e complexa é perceber três dimensões de interação entre o povo e a esfera política: a democracia da expressão, a democracia da implicação e a democracia da intervenção. A “democracia de expressão” (La democracia de expresión) se refere à sociedade tomando a palavra, à manifestação de um sentimento coletivo, à formulação de juízos sobre os governantes e suas ações ou mesmo à emissão de reivindicações. A “democracia de implicação”(democracia de implicación) conjuga todos os meios pelos quais os cidadãos se organizam e se comunicam para produzir um universo comum. Por sua vez, a “democracia de intervenção” (democracia de intervención) diz respeito a todas as formas em que a ação coletiva se organiza para obter um resultado desejado. (ROSANVALLON, 2011, p. 36). Por isso, o autor não considera que exista um declínio da cidadania nos últimos tempos. Ele considera que há uma “mutação da cidadania”, a qual ocorre em movimento contíguo a uma diversificação de repertórios de expressão política. O autor define que uma erosão dos partidos traria à tona grupos de interpelação (advocacy groups) e associações dos mais variados tipos. As grandes instituições de representação e negociação agora dividem espaço com a multiplicação de associações ad hoc152. A vida democrática se organizaria com base nessas três formas de atividade política. Seria o advento de formas políticas não convencionais, de uma nova “política de protesto” (protest politics), de uma “cidadania civil” onde podem ser incluídos tipos inéditos de intervenções e reações políticas. Desta maneira, os cidadãos passam a dispor de uma pluralidade de canais para exprimir suas opiniões. Ainda segundo Rosanvallon (2011), o objetivo central não estaria em tomar o poder153, mas se refere a um traço fundamental em ascensão: o “não político”

152 Associação de Defesa e Harmonia da Ordem Constitucional.

153 As noções de contra-poder e de anti-poder de Pierre Rosanvallon seriam oriundas de uma releitura dos trabalhos de Michel Foucault sobre a governabilidade moderna. 132

(impolitico). A contrademocracia é entendida como parte desse espectro de estudos e propostas. O autor ressalta que essa concepção de modificação da esfera do político é fundamental para a originalidade de seu argumento e, ao mesmo tempo, o distancia dos argumentos mais ortodoxos. Os traços dessa nova concepção para o político englobam não só as formas oficiais estabilizadas de política conhecidas e largamente utilizadas. O não político que designa as características fundamentais do conceitual de contrademocracia é fundado sobre controle, oposição e a não valorização dos poderes que, anteriormente, se buscava conquistar, ou da política institucionalizada como conhecida. Por ser reativa, ela não tem apenas traços positivos, pois tende a dissolver as expressões de pertencimento a um mundo comum. Seu caráter distintivo é sobrepor à atividade democrática efeitos não políticos (ROSANVALLON, 2011, p. 40). Dessas observações, evidencia-se a originalidade da proposta em relação às tradicionais classificações entre liberalismo e republicanismo ou entre governo representativo e democracia direta. Isso porque tais poderes indiretos podem ser definidos como pós e pré-democráticos. Pós-democráticos, pois seu aparecimento está ligado às promessas não alcançadas dos governos representativos para combater o absolutismo nos países Baixos, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e na França, nos séculos XVII e XVIII. Mas também pré-democráticos, sob a observação de que o exercício de desconfiança e resistência estava presente em toda uma primeira etapa da emancipação humana (p. 40). Por meio da observação ampliada dos poderes indiretos, surgidos no decorrer da história política, é possível observar o rompimento com as histórias lineares tradicionais da democracia que se edificam sobre a realização progressiva de um tipo ideal, que teria como linha de progresso a efetivação plena da autonomia. Enquanto a democracia eleitoral representativa obedece ao ritmo lento das instituições, a “nova democracia” seria uma via reativa imediata da democracia. E, enquanto a descrição de instituições pode, por vezes, se acomodar à linguagem fixa de manuais, tais poderes de desconfiança e controle só poderiam ser apreendidos em movimento. A multiplicação dos poderes de controle, propostos por Rosanvallon (2011, p. 111) tem como consequência gerar a “competência das democracias”. O sistema eleitoral representativo se vê enfrentando a atividade de diversas formas de “nova

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democracia”, uma competição em termos de recursos: controle parlamentar (entendida como voto) versus o controle das autoridades independentes. Desenvolvem-se, assim, conflitos de representatividade e de legitimidade. A tensão entre os poderes estabelecidos (institucionalizados) e os poderes de autoridades independentes (instâncias encarregadas de observar, de censurar e de denunciar) produz um efeito na etapa contemporânea da democracia e permite outras formas de agir que não são por meio de canais institucionalizados de participação. A ideia de um povo governante cede lugar para um povo que desconfia. E, para o autor, o ato de desconfiar já é um agir na sociedade. Diante da fragilidade do monopólio de legitimidade das instituições políticas tradicionais (sufrágio universal) espelhada pelas crises políticas atuais, Rosanvallon (2011) reflete sobre outras formas de legitimidade (a legitimidade por imparcialidade, legitimidade reflexiva e a legitimidade de proximidade) na sociedade contemporânea.

Tipo de legitimidade Formas de generalidade Instituição de implementação correspondentes

Legitimidade social A maioria como equivalência Sufrágio universal processual de unanimidade

Legitimidade por A mesma distância de todas Justiça ou autoridades imparcialidade as partes envolvidas independentes

Legitimidade reflexiva Universalidade dos valores e Autoridades privadas (substancial) da razão diversas (movimentos sociais, cientistas sociais, cortes constitucionais), cortes constituicionais

Legitimidade de proximidade Reconhecimento de todas as Autoridades privadas singularidades diversas

Fonte: Tipologia das legitimidades elaborada por Rosanvallon (2011, p. 119)

De acordo com o autor, esta tipologia não descreve somente as formas de legitimidade, mas corresponde também à sua história. A legitimidade do poder 134

democrático, resultado da vontade expressa dos cidadãos pelo voto, passa por uma crise. As denúncias dos partidos políticos, a corrupção, o abandono das demandas dos cidadãos pelos governantes são alguns dos exemplos que assinalam a crise de legitimidade eleitoral. Rosanvallon (2011) analisa o fortalecimento de figuras da legitimidade democrática presentes na história da democracia moderna, que operam à sombra da legitimidade advinda das urnas. Nas últimas décadas, porém, paralelamente à erosão da legitimidade eleitoral, vêm se criando as condições de visibilidade da “legitimidade de imparcialidade” (derivada do distanciamento de posições partidárias e de interesses particulares), da “legitimidade de reflexividade” (derivada do reconhecimento das “expressões plurais do bem comum”) e da “legitimidade de proximidade” (derivada do reconhecimento de todas as singularidades). Pelo exposto, então, a legitimação do governo democrático pela via exclusiva da legitimidade colhida nas urnas revelou-se problemática. Desse modo, a legitimação eleitoral dos representantes repousa sobre uma dupla ficção. Em primeiro lugar, ela repousa sobre a ficção de que a maior parte vale pelo todo. Ou seja, embora o poder que emerge das urnas assuma um significado de “unanimidade”, é fato concreto que o momento eleitoral expressa divisões e requer a contagem de votos para o estabelecimento da “maioria” vencedora. Para a eficácia da legitimação eleitoral, é necessário que haja certa firmeza na crença de que tal maioria vale pelo todo. Mas a história da democracia é, em parte, a história do questionamento dessa crença (ROSANVALLON, 2011). Em segundo lugar, a legitimidade eleitoral repousa sobre a ficção de que o momento eleitoral representa um momento constituinte, mediante o qual se estabelece a crença de que o vínculo que une o eleitor ao representante no ato eleitoral permanece efetivo ao longo do mandato, sobrevivendo, pois, ao espaço entre eleições. Na história da democracia, esta segunda ficção, não menos que a primeira, vem sofrendo a constante e crescente objeção dos fatos. Na conjuntura das últimas décadas, essa dupla ficção, fundadora da legitimidade eleitoral, mostra-se em toda sua precariedade. No entanto, mesmo muito antes disso já era possível notar as consequências de suas falhas. É assim que, paralelamente à legitimidade eleitoral, instituiu-se uma nova forma de legitimidade

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para os governantes, destinada a corrigir a predominância do “número” sobre a “razão”, associada à legitimidade eleitoral. Trata-se da “legitimidade funcional”, adquirida pelo funcionário aprovado em algum tipo de concurso em que possa atestar sua competência para determinada função pública. A convivência entre a legitimidade eleitoral e a legitimidade funcional não foi nada pacífica na história da democracia moderna. Todavia, na altura do final do século XIX, na maioria dos países (cada qual com seus distintos modelos), já era possível falar num sistema mais ou menos equilibrado, em que os representantes eleitos dividiam as funções de governo com um quadro mais estável da administração pública (ROSANVALLON, 2011). É justamente esse “sistema da dupla legitimidade”, reunindo o poder eleitoral e o poder administrativo, que entra em rápido declínio nas últimas duas ou três décadas. Isso se evidencia pelo fato da “relatividade e da dessacralização das eleições154” e em razão do poder administrativo ter sido deposto de elementos morais e profissionais que lhe foram permitidos no passado (ROSANVALLON, 2011, p. 121). Nesse contexto, a emergência de outras figuras da legitimidade democrática aparece não apenas como possibilidade, mas como uma exigência política e moral da vida democrática contemporânea. Com efeito, simultaneamente à erosão do sistema da dupla legitimidade, vem se observando um papel cada vez mais relevante para as formas de legitimidade democrática que o autor define como “legitimidade de imparcialidade”, “legitimidade de reflexividade” e “legitimidade de proximidade”. A legitimação da política democrática mediante o apelo ao imperativo de imparcialidade vem se revelando na expansão e aceitação do fenômeno das autoridades independentes, as quais vêm se tornando responsáveis por atribuições cada vez mais amplas, no âmbito das políticas públicas. Instituições como bancos centrais, agências reguladoras, conselhos técnicos e comissões fazem parte do amplo leque das autoridades independentes contemporâneas. Embora a legitimação de imparcialidade tenha começado a assumir um papel mais significativo nas últimas décadas, exemplos de instituições de imparcialidade já se faziam notar desde fins do século XIX, nas democracias modernas. Primeiramente

154 Se trata da relativización y de la desacralización Del sentido de la electión (ROSANVALLON, 2011, p. 121).

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nos Estados Unidos, onde foi criado, na década de 1980, um organismo destinado a regular as estradas de ferro. Semelhantes órgãos reguladores foram aparecendo em diferentes setores, especialmente naqueles que guardavam alguma importância estratégica na unificação territorial. Daí a fundação de instituições independentes de regulação dos serviços postais e do comércio, entre os estados da federação estadunidense. Nas primeiras décadas do século XX, multiplicaram-se as atividades de autoridades independentes. Instituições como Federal Communications Commission (FCC, 1934), a Securities and Exchange Commission (SEC, 1934) e a National Labor Relations Board (1935) desempenharam um papel essencial no período do New Deal (ROSANVALLON, 2011). A partir da década de 1980, aquilo que despontou de maneira tímida um século antes, nos Estados Unidos, tornou-se uma tendência inexorável em todas as democracias. Comparando a situação atual com o passado recente, o autor indica algumas das razões do sucesso de autoridades independentes. Nesse sentido, Rosanvallon (2011) observa que essas instituições de imparcialidade revolucionaram a visão tradicional da divisão de poderes, assimilando, em parte, as atividades do executivo, além de exercerem funções quase legislativas e quase judiciárias. Essas agências são geralmente caracterizadas pelas estruturas colegiadas de seus processos decisórios, em que os participantes debatem os problemas respaldados pelo conhecimento técnico e científico, distantes de interesses partidários ou facciosos. Essa característica de colegialidade levou Rosanvallon (2011) a referir-se a tais instituições como exemplos concretos de “democracia deliberativa”, entendendo que existe dentro desses grupos uma verdadeira força dos melhores argumentos. A segunda modalidade de legitimidade emergente na política democrática contemporânea materializa-se no trabalho de um conjunto de instituições destinadas à regulação da maioria. O exemplo paradigmático são as cortes constitucionais, que representam o que o autor caracteriza como a memória de longo prazo da sociedade. Elas oferecem o contraponto de reflexividade ao império da “democracia imediata” dos governantes eleitos. Tal como as instituições de imparcialidade, as cortes constitucionais constroem sua legitimidade, guardando a devida distância dos

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interesses partidários em conflito. A função de controle de constitucionalidade é apresentada como essencial à democracia contemporânea. O autor chama atenção para o papel de movimentos sociais e dos próprios cientistas sociais, ao lado das cortes constitucionais, na produção da legitimidade de reflexividade. Os movimentos sociais reintroduzem as figuras dos cidadãos no jogo político. Já no caso da contribuição das Ciências Sociais, o autor refere-se ao exemplo da teoria democrática que desempenha um papel fundamental no sentido de tornar mais difícil para os governos se debruçarem unicamente em sua legitimidade eleitoral.

Pode-se dizer que a eleição não é mais que um simples modo de designação dos governantes. A legitimidade das políticas são testadas de forma permanente, e são conquistadas dia após dia, caso por caso (ROSANVALLON, 2011, p. 122)155.

A terceira e última figura da legitimidade democrática examinada por Rosanvallon consiste na “legitimidade de proximidade”. Não se trata mais, como nos casos da imparcialidade e da reflexividade, de práticas que buscam legitimar-se pela persecução da “generalidade social”. A legitimidade pela proximidade é um conceito que remete à radical particularidade da relação entre os cidadãos e as instâncias de poder democrático. Cada vez mais, os cidadãos desejam fazer, ouvir, ser levados em consideração, fazer valer seus pontos de vista. “Eles esperam que os governantes estejam atentos às suas dificuldades, e que realmente se preocupem com as pessoas comuns.” (Rosanvallon, 2011, p. 127)156 É no quadro dessa demanda por proximidade que é possível compreender os desenvolvimentos mais recentes no campo da teoria democrática. As teorias da identidade, do reconhecimento, bem como o apelo à substituição da política de ideias pela “política de presença” são exemplos de tais desenvolvimentos associados à noção de proximidade.

155 Se puede decir que la elección no es em adelante más que um simple mode de designación de los gobernantes. La legitimidad de las políticas que llevan a cabo es puesta a prueba em forma permanente, debe conquistarse dia trás dia, o caso por caso (ROSANVALLON, 2011, p. 122).

156 Ellos esperan que el poder debe estar atento a sus dificultades, parece realmente preocupe por las experiencias de la gente común (ROSANVALLON, 2011, p. 127)

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Rosanvallon (2011) compreende as legitimidades como potenciais corretivos às crescentes debilidades do sistema da dupla legitimidade (eleição e concurso) que marcaram boa parte da história da democracia moderna. Não faremos uma análise pormenorizada dessas figuras emergentes da legitimidade democrática nos dias atuais. Entretanto, nesta tese, nós optamos por estudar a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) responsável por investigar a corrupção da Petrobrás. Estudaremos a CPI por ser uma das instâncias das instituições políticas formais, entendendo que é uma instância essencial de reafirmação ou desconstrução da legitimidade Parlamentar, dependendo da forma como os políticos a conduzem no processo da investigação.

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Capítulo 5

Procedimentos Metodológicos

O objetivo geral desta pesquisa é analisar como a corrupção, entendida como descumprimento da lei, mina a legitimidade dos parlamentares e das instituições políticas no Brasil. A pesquisa é de natureza documental, o objeto de análise são as Notas taquigráficas das reuniões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás. Analisamos os documentos das reuniões (Instalação da Comissão e Eleição do Presidente e dos Vice-Presidentes; Eleição para os cargos de 1º, 2º e 3º Vice- Presidentes; Definição do Roteiro dos Trabalhos; Deliberação de Requerimentos; Apresentação, discussão e votação do Relatório Final) e as audiências públicas para tomada de depoimentos dos investigados por crime de corrupção na Petrobrás157. Recorremos também às notícias dos principais jornais brasileiros: “O Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo”, “Gazeta do Povo”, ao G1 - Portal de notícias da Globo e aos telejornais disponíveis em canais abertos que acompanhavam os acontecimentos da CPI. Utilizamos a “Análise de conteúdo” de Laurence Bardin (1977) e o sistema de interpretação como metodologia de análise. No primeiro momento de análise, relatamos como ocorreu a CPI da Petrobrás, a escolha do presidente e relator, o clima entre os parlamentares, membros da Comissão, e o ambiente em que foram prestados os depoimentos. Dos quatro núcleos identificados no esquema de corrupção na Petrobrás, estão mencionados autoridades nomeadas pelo governo (Presidente e Diretor da Petrobrás), autoridades eleitas (Deputados/Senadores/Governadores), os operadores (chamados de doleiros) e os empresários. Nosso primeiro critério para escolher os depoimentos a serem analisados foram os indivíduos que prestaram depoimentos “na qualidade de investigado” na CPI, e que, posteriormente, foram “condenados” na Operação Lava

157 Vale ressaltar que estes documentos, por causa de seu caráter público, estão à disposição de qualquer cidadão no site da Câmara Federal. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade- legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/55a-legislatura/cpi- petrobras/documentos/notas-taquigraficas.

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Jato. O segundo critério foi optar por indivíduos que ocupam cargos públicos, fossem nomeados ou eleitos. Consideramos que são os depoimentos mais relevantes para esta tese (cujo tema central é a deslegitimidade das instituições políticas e desconfiança nos agentes públicos), uma vez que são agentes públicos envolvidos diretamente no processo de corrupção. Além destes, escolhemos também o depoimento de Alberto Youssef, por entender que foi o principal operador de propinas neste escândalo, além de ter sido o primeiro delator e o depoimento que mais contribuiu para que pudéssemos compreender como era realizado o repasse das propinas. Num segundo momento, analisamos as justificativas que são apresentadas para o descumprimento da lei por essas autoridades (presidente e diretores da Petrobrás) e membros de partidos políticos (ex-deputados e secretário de partido) e como tal procedimento se reflete na legitimidade das instituições e das autoridades políticas.

Investigados na CPI da Petrobrás

Auto-autoridades da Petrobrás: Membros de Partidos Políticos *Presidente e diretores *ex-deputados federais *Secretário de finanças e planejamento do Partido dos Trabalhadores

Operador de propinas

Posteriormente condenados na Operação Lava Jato

O depoimento dos empresários e dos demais operadores de propina não será analisado nesta tese, porque nosso foco são os políticos e as instituições políticas brasileiras. Embora sejam muito importantes, os depoimentos dos empresários e dos demais operadores revelam a parte técnica da distribuição das propinas, o que seria um

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tema muito amplo neste momento, inviabilizado por conta do tempo para preparar esta tese. Os políticos que ocupam cargos eletivos (senadores, governadores e deputados) não serão objetos de análise, já que não foram chamados para depor na CPI. Escolhemos os depoimentos prestados à CPI da Petrobrás158, por não termos acesso aos depoimentos realizados na Operação Lava Jato da Polícia Federal, pois são depoimentos sigilosos. Entretanto, a CPI da Petrobrás tem acesso às informações sobre os procedimentos administrativos e sobre os depoimentos dos acusados na operação Lava Jato, quando autorizadas pelo juiz Sérgio Moro.159 A análise dos depoimentos das autoridades nomeadas e investigadas por corrupção na CPI justifica-se por serem depoimentos estratégicos e políticos, na medida em que são direcionados ao público. Na CPI da Petrobrás, os réus devem responderam a perguntas feitas pelos deputados. Em alguns casos, pode havia um roteiro de perguntas preestabelecidas por membros de partidos aliados. Entretanto, os réus também responderam a outras perguntas feitas por deputados da oposição que estavam “fora do roteiro”. A condenação foi resultado das evidências (provas) e do julgamento do juiz Sérgio Moro e é um indicador que havia “culpa no cartório”. Por isso, são determinantes, pois entendemos que, ao depor na CPI, esses indivíduos que foram posteriormente condenados, tinham discursos racionalizados e alguns deles se silenciaram para não se “culparem”. Nosso objetivo, no entanto, não é comparar os depoimentos, analisar as mentiras e contradições dos depoimentos na CPI e dos processos judiciais, mas analisar que tipo de justificativa tais autores deram para o descumprimento às leis, neste caso, para a corrupção.

158 Os depoimentos são encontrados na íntegra em Notas Taquigráficas da CPI-Petrobrás no site da Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade- legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/55a-legislatura/cpi- Petrobrás/documentos/notas-taquigraficas.

159 Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/cpi-da-Petrobrás-tera-acesso-as-investigacoes-sigilosas- da-lava-jato-15964194#ixzz3hTNM8jHZ. Acesso em 31/5/2016.

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. Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é um organismo de investigação e apuração de denúncias conduzida pelo Poder Legislativo. É formada por um grupo seleto de parlamentares que se reúnem para investigar determinado fato específico. Tem por objetivo discutir, ouvir depoimentos e tomar informações diretamente a respeito de um assunto, com base no interesse público (NINA, 2005). A constituição de 1988 equipara as CPIs aos órgãos do Poder Judiciário. Assim, tal Comissão adquiriu poderes similares aos de tribunais, entre eles, o de quebrar sigilos bancários, telefônicos e fiscais, além de se deslocar a qualquer ponto do território nacional ou mesmo no exterior em diligências e investigações (BRASIL, 1988). A fiscalização de autoridades e a investigação de fatos relevantes por comissões parlamentares evoluíram ao longo da história jurídico-constitucional do Brasil. Os poderes dessas comissões foram ampliados sucessivamente, à proporção que a democracia se consolidou no Brasil e o próprio Congresso se fortaleceu como poder de Estado (NINA, 2005). De acordo com o autor, os constituintes de 1934 previram, pela primeira vez, no texto da Carta Magna, a figura das comissões parlamentares de inquérito. A partir daí, as CPIs ganharam status jurídico. Com exceção da Constituição de 1937 do Estado Novo, todas as outras Constituições brasileiras contemplaram o direito dos deputados e senadores de criarem comissões parlamentares de inquérito para que investigassem fato determinado. De acordo com o artigo 58 da Constituição Federal de 1988, o Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento.

as comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 58, § 3º).

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Após a Constituição de 1988, Nina (2005 apud Oliveira, 1999, p. 36) destaca a criação de importantes comissões parlamentares de inquérito: – Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do PC Farias (1992) - para apurar fatos contidos nas denúncias do senhor Pedro Collor de Mello referentes às atividades do senhor Paulo César Cavalcante Farias, ou seja, a ligação de uma rede de corrupção dentro do governo com o Presidente da República , que resultou no seu impeachment; – Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Orçamento (1993) - para investigar desvio de verba do Orçamento da União, que resultou na cassação de seis parlamentares e na renúncia de outros quatro; – Comissão Parlamentar de Inquérito dos Precatórios do Senado Federal (1997) - para investigar prefeitos e governadores acusados de causar prejuízos aos governos em operações com títulos da dívida pública, na qual ninguém foi punido. – Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Financeiro (CPI dos Bancos) do Senado Federal (1999) - para investigar operações de socorro ao sistema privado com recursos públicos, que solicitou ao Ministério Público Federal que iniciasse investigações contra o Banco Central pelas operações de socorro ao sistema privado dentro do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, bem como pela compra de contratos futuros de dólar por dois bancos privados; – Comissão Parlamentar de Inquérito do Narcotráfico da Câmara dos Deputados (1999) - para investigar o crime organizado ligado ao tráfico ilícito de entorpecentes, que viabilizou a cassação e prisão de um deputado federal, dois deputados estaduais, bem como a prisão de vários policiais, um advogado, entre outros. Com base nesses exemplos, observa-se que o poder de fiscalização das CPIs pode ser instrumento expressivo do Legislativo. A constituição de 1988 permitiu aos deputados e senadores meios e informações para investigar, processar e até mesmo levar ao impedimento de um Presidente da República. Embora o poder de investigar tenha formas semelhantes ao Poder Judiciário, uma CPI não pode julgar e condenar. Ao final dos trabalhos, o relator deverá elaborar um relatório que precisará ser aprovado pelos membros da CPI e este poderá (ou não)

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ser enviado ao Ministério Público, que estará encarregado de abrir processo judicial contra os acusados, caso haja necessidade.

Por meio da função fiscalizadora ou de controle, o Poder Legislativo exerce a defesa do interesse coletivo podendo conquistar ou não (dependendo da forma que os legisladores atuam nas CPIs) o respeito da opinião pública. Embora a CPI seja uma comissão legítima, juridicamente, do ponto de vista do Direito (constituição de 1988), é necessário que ela atue de maneira responsável e honesta, para ser também legitimada do ponto de vista psicológico, ou seja, da percepção dos cidadãos de que aquele organismo seja competente e faça “jus” aos poderes que possui.

. A CPI da Petrobrás

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga a corrupção na Petrobrás é de autoria dos deputados Carlos Sampaio, Fernando Coelho Filho, Mendonça Filho, Rubens Bueno, e foi instalada em 26 de fevereiro de 2015, com o objetivo de investigar as irregularidades na empresa Petrobrás (Petróleo Brasileiro S/A), entre os anos 2005 e 2015) e foi encerrada em 23/10/2015.

A Comissão Parlamentar de Inquérito é destinada a investigar a prática de atos ilícitos relacionados a superfaturamento e gestão temerária na construção de refinarias no Brasil; à constituição e empresas subsidiárias e sociedades de propósito específico pela Petrobrás com o fim de praticar atos ilícitos; ao superfaturamento e gestão temerária na construção e afretamento de navios de transporte, navios-plataforma e navios-sonda; a irregularidades na operação da companhia Sete Brasil e na venda de ativos da Petrobrás na África” (PLANO DE TRABALHO/ CPI – PETROBRÁS, 2015, p.1).

A lei nº 1.579, de 18 de março de 1952, determina em seu art. 2º:

No exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito determinar as diligências que reportarem necessárias e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de

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repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença160.

Entretanto, nenhum dos políticos citados pela Operação Lava Jato foram convocados a prestar depoimento na CPI da Petrobrás. O único político a comparecer espontaneamente à CPI foi o presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha. As investigações sobre os políticos começaram em março de 2014, quando a Procuradoria-Geral da República conseguiu autorização do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) para investigar 53 políticos, incluindo deputados federais, senadores e governadores, pertencentes a seis partidos políticos (PP, PMDB, PT, PTB, SD, e PT).161 A comissão é composta por 26 integrantes titulares e 26 suplentes, mais um titular e mais um suplente, para que haja o rodízio entre as bancadas não contempladas.

Titulares Partido Suplentes Partido

Aluísio Mendes PSDC/MA Beto Rosado PP/RN

André Moura PSC/SE Carlos Andrade PHS/RR

Arnaldo Faria de Sá PTB/SP Carlos Marun PMDB/MS

Augusto Coutinho SD/PE Darcísio Perondi PMDB/RS

Celso Pansera PMDB/RJ Efraim Filho DEM/PB

Edio Lopes PMDB/RR Eros Biondini PTB/MG

Ezequiel Fonseca PP/MT Jhc SD/AL

160 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1579.htm. Acesso em 23/7/2015.

161 Os políticos. Disponível em: http://arte.folha.uol.com.br/poder/operacao-lava-jato/#capitulo9. Acesso em 7/1/2016.

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Fernando Monteiro PP/PE Lelo Coimbra PMDB/ES

Hugo Motta PMDB/PB Marcelo Squassoni PRB/SP

Kaio Maniçoba PHS/PE Pr. Marco Feliciano PSC/SP

Onyx Lorenzoni DEM/RS Ricardo Barros PP/PR

Altineu Côrtes PR/RJ Aelton Freitas PR/MG

João Carlos Bacelar PR/BA Jorge Solla PT/BA

Leônidas Cristino PROS/CE José Carlos Araújo PSD/BA

Luiz Sérgio PT/RJ José Rocha PR/BA

Paulo Magalhães PSD/BA Leo de Brito PT/AC

Silas Câmara PSD/AM Maria do Rosário PT/RS

Valmir Prascidelli PT/SP Rogério Rosso PSD/DF

Wadih Damous PT/RJ Valtenir Pereira PROS/MT

Antonio Imbassahy PSDB/BA Adilton Sachetti PSB/MT

Bruno Covas PSDB/SP Carlos Sampaio PSDB/SP

Eliziane Gama PPS/MA César Messias PSB/AC

Izalci PSDB/DF Delegado Waldir PSDB/GO

Júlio Delgado PSB/MG João Gualberto PSDB/BA

Rodrigo Martins PSB/PI Moses Rodrigues PPS/CE

Félix Mendonça Júnior PDT/BA Weverton Rocha PDT/MA

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Ivan Valente PSOL/SP Edmilson Rodrigues PSOL/PA

Quadro elaborado pela autora em 30/6/2015.

No dia 5 de março de 2015, houve eleição para os cargos de presidente da CPI da Petrobrás na qual foram designados os seguintes nomes:

. Presidente: Hugo Motta (PMDB/PB) . 1º Vice-Presidente: Antonio Imbassahy (PSDB/BA) . 2º Vice-Presidente: Félix Mendonça Júnior (PDT/BA) . 3º Vice-Presidente: Kaio Maniçoba (PHS/PE) . Relator: Luiz Sérgio (PT/RJ) . Sub-Relator: Altineu Côrtes (PR/RJ) . Sub-Relator: Bruno Covas (PSDB/SP) . Sub-Relator: Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP) . Sub-Relator: André Moura (PSC/SE) . Sub-Relator: Valmir Prascidelli (PT/SP)

A CPI foi criada para apurar responsabilidades e apresentar sugestões concretas. Ela realiza reuniões administrativas para aprovação de requerimentos e oitavas162, além de audiências públicas para a tomada de depoimentos de pessoas envolvidas. A credibilidade de uma investigação parlamentar passa pela consistência das evidências que sustentam suas conclusões. Os integrantes da CPI podem requisitar documentos e informações à Petrobrás, aos órgãos públicos, cópias de procedimentos de investigação em tramitação nos outros Poderes e mesmo realizados em outros países, além da documentação pertinente às empresas envolvidas nas investigações (PLANO DE TRABALHO DA CPI, 2015).163

162 A oitava de pessoas se constitui em elemento de prova.

163Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes- temporarias/parlamentar-de-inquerito/55a-legislatura/cpi-Petrobrás. Acesso em 23/7/2015.

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uma CPI, tal como previsto na Constituição, serve para apurar fatos determinados e as conclusões, se for o caso, devem ser encaminhadas para o Ministério Público, que deve responsabilizar civil ou criminalmente os eventuais infratores (LUIZ SÉRGIO, RELATOR DA CPI, 2015).

Foram realizadas 56 (cinquenta e seis) reuniões ordinárias, sendo (1) uma reunião para instalação da Comissão, (1) uma destinada à eleição para os cargos de presidência e vice-presidência, definição do roteiro de trabalhos, deliberação e requerimentos; 44 (quarenta e quatro) audiências públicas; 4 (quatro) reuniões relativas à deliberação de documentos; 5 (cinco) concernentes à audiência pública e deliberação de requerimento. Além disso, foi realizada uma reunião extraordinária para deliberação de requerimentos. Todas as reuniões foram gravadas pela Coordenação de Audiovisual da Câmara dos Deputados, tendo sido produzidas também notas taquigráficas e atas respectivas, as quais são incorporadas à página da CPI na Internet, sempre que disponibilizadas pelos órgãos correspondentes (PLANO DE TRABALHO DA CPI, 2015). A Comissão realizou três diligências (visitas técnicas) à sede da Petrobrás no Rio de Janeiro/RJ, ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, Comperj, em Itaboraí/RJ, e à Refinaria Abreu e Lima – RNEST, em Ipojuca/PE, e ainda uma reunião com o Juiz Sérgio Fernando Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR. Realizou, também, uma diligência a Londres/Inglaterra, onde colheu o depoimento do Sr. Jonathan David Taylor, ex-diretor da companhia holandesa SBM Offshore. Realizou duas missões oficiais à cidade de Curitiba/PR, com a finalidade de ouvir presos no sistema penitenciário do Estado. As audiências públicas foram realizadas nos períodos compreendidos entre os dias 11 a 12/5 e 31/8 a 3/9/2015 (SUMÁRIO DE ATIVIDADES, CPI – PETROBRÁS, 2015). A CPI ouviu, entre investigados e testemunhas, 132 (cento e trinta e duas) pessoas, dentre elas, autoridades e empresários acusados de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro:

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Data Depoente 10/03/2015 Pedro José Barusco Filho (ex-gerente Executivo da (investigado) Petrobrás)

12/03/2015 José Sérgio Gabrielle (ex-presidente Petrobrás) (testemunhas Deputado Federal Eduardo Cunha (Presidente da Câmara) e depoimento – Comparecimento espontâneo espontâneo) 19/03/2015 Renato de Souza Duque (ex-diretoria de Serviços Petrobrás) (investigado) 26/03/2015 Maria das Graças Silva Foster (ex-presidente Petrobrás) (testemunha) 31/03/2015 Grauco Colepicolo Legatti – Ex-gerente de Implementação de Empreendimentos para a Refinaria Abreu e Lima (Rnest). (testemunha) 07/04/2015 Hugo Repsold Júnior – Diretor de Gás e Energia da Petrobrás (testemunha) 09/04/2015 João Vaccari Neto – Secretário de Finanças e Planejamento do Partido dos Trabalhadores (investigado) 16/04/2015 Luciano Coutinho (Presidente BNDS) (convidado) 23/04/2015 Augusto Mendonça Neto – Presidente da Setal Engenharia e Executivo da Toyo Setal Empreendimentos Ltda. (investigado) 28/04/2015 Nilo Carvalho Vieira Filho – Ex presidente do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj) (testemunhas) Mauro Cunha – Ex-integrante do Comitê de Auditoria da Petrobrás. Fernando de Castro Sá – Gerente jurídico da Petrobrás. Jansen Ferreira da Silva – ex-gerente do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj) Maurício Guedes - ex-gerente executivo da Petrobrás 05/05/2015 Paulo Roberto Costa – Ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás. (investigado) 07/05/2015 Luiz Eduardo Guimarães Carneiro – Presidente da Sete Brasil Participações S/A. (testemunhas) Renato Sanches Rodrigues – Diretor de Operações e participações da Sete Brasil Participações S/A.(não compareceu)

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11/05/2015 Alberto Youssef – doleiro – Operador de propinas Mário Frederico Mendonça Goes – Operador de Propinas (investigados) Nestor Cuñat Cerveró - ex-diretor da Área de Internacional da Petrobrás Fernando Antônio Falcão Soares – Operador propina PMDB Guilherme Esteves de Jesus – Operador de propinas Adir Assad – empresário/operador de propina Iara Galdino – operadora de propinas Gerson Machado – Delegado de Polícia- Aposentado por invalidez. Não compareceu. 12/05/2015 Nelma Kodama – Operadora de propinas Rene Luiz Pereira – Acusado por tráfico de drogas e operador (investigados) de propinas. João Luiz Correia Argolo dos Santos – ex-deputado federal André Luiz Vargas Ilário – ex- deputado federal Obs: Assembleia Pedro da Silva Correa de oliveira Andrade Neto – ex- Legislativa deputado Federal de Curitiba Carlos Habib Chater – empresário Ricardo Hoffmann - publicitário 14/05/2015 Renato Sanches Rodrigues – Diretor de Operações e Participações da Sete Brasil Participações S/A (testemunha) 20/05/2015 Dalton dos Santos Avancini – Diretor – Presidente da Construtora Camargo Corrêa (investigados) Erton Medeiros Fonseca - Diretor-presidente da Divisão de Engenharia Industrial da empresa Galvão Engenharia (não compareceu).

21/05/2015 Eduardo Ermelino Leite – ex-vice-presidente da Camargo Corrêa (não compareceu) (investigados) Gerson de Mello Almada - ex-vice-Presidente da Engevix Engenharia S.A. (réu colaborador) 26/05/2015 Eduardo Hermelino Leite- ex-vice-presidente da Camargo Corrêa (réu colaborador) (investigados) João Ricardo Auler –ex-presidente do Conselho de administração da Camargo Corrêa José Aldemário Pinheiro Filho – ex-presidente da Construtora OAS 27/05/2015 Carlos Eduardo Schahin – Empresário (dono Schahin) Milton Taufic Shahin – Executivo (Shahin) (investigados/ Salin Taufic Shahin – Executivo (Shahin) testemunhas) Rubens Taufic Shahin – Executivo (Shahin) Pedro Shahin – Executivo (Shahin) 28/05/2015 José Ricardo Nogueira Breghirolli – funcionário da Construtora OAS (investigados) Mateus Coutinho de Sá Oliveira – Diretor financeiro da Construtora OAS

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02/06/2015 Sérgio Cunha Mendes – Ex-vice-presidente da construtora Mendes Junior Trading Engenharia S.A. (investigados) Dario de Queiroz Galvão Filho – ex-presidente do Grupo Galvão 08/06/2015 Abenildo Alves de Oliveira - Refinaria do Nordeste – RNEST/Abreu e Lima (testemunhas) Flávio Fernando Casa Nova da Motta – Refinaria do Nordeste – RNEST/ Abreu e Lima Heleno Lira – Refinaria do Nordeste – RNEST/ Abreu e lima Ivo Tasso Bahia Baer, - Refinaria do Nordeste – RNEST/ Abreu e Lima. Gilberto Moura da Silva – Gerente-geral da refinaria de Capuava (RECAP) e ex-diretor industrial do Comperj Eduardo Jorge Leal de Carvalho e Albuquerque - Gerente do Jurídico de Abastecimento na Petrobrás Laerte Pires - Comissão de Licitação do Comperj 09/06/2015 Júlio Faerman - ex-Representante Comercial da SBM Offshore no Brasil (investigado) 10/06/2015 *Maurício Guedes - Gerente-Executivo de Engenharia para Empreendimentos de Abastecimento da Petrobrás S.A.; (testemunhas) Heyder de Moura Carvalho - ex-Gerente de Compras para Empreendimentos da Área de Abastecimento da Petrobrás S.A.; Nilton Maia - Gerente Jurídico de Gestão e Desempenho da Petrobrás S.A; Sérgio Martins Bezerra - ex-Diretor Corporativo das Empresas COMPERJ S/A; Carlos Frederico Trevia - ex-Gerente de Relacionamento e Comunicação da Petrobrás S.A.; Marcos José Pessoa de Resende - ex-Gerente de Implementação do Empreendimento de Unidades HDT – RNEST 16/06/2015 Newton Carneiro da Cunha - ex-Presidente do Conselho Administrativo da Sete Brasil Participações S/A; e (testemunhas) João Carlos de Medeiros Ferraz - ex-Presidente da Sete Brasil Participações S/A. (silêncio) 30/06/2015 Pedro Aramis de Lima Arruda - ex-Gerente de Segurança Empresarial da Petrobrás (testemunhas) Paulo Teixeira Brandão - Presidente da Federação Nacional das Associações de Aposentados, Pensionistas e Anistiados do Sistema Petrobrás Fernando Leite Siqueira - Vice-Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás. 02/07/2015 Auro Gorentzvaig - ex-Conselheiro e Acionista da Petroquímica Triunfo (testemunhas) Dalmey Fernando Werlang - Agente de Polícia Federal (inquirição reservada) 152

José Alberto de Freitas Iegas - Delegado de Polícia Federal. (inquirição reservada) 07/07/2015 Jorge Hage Sobrinho - ex-Ministro-Chefe da Controladoria Geral da União - CGU (testemunhas) Antonio Gustavo Rodrigues - Presidente do Conselho de Controle de atividades Financeiras - COAF Stael Fernanda Janene – (ex mulher de José Janene) – Não compareceu – justificou. 14/07/2015 Stael Fernanda Janene (ex mulher de José Janene) Shinji Tsuchiya - Presidente da Mitsui & Co. (não compareceu (testemunhas) - justificou ausência) J. W. Kim - Presidente da Samsung Heavy Industry Ltda. (não compareceu – inquirição redesignada). 15/07/2015 José Eduardo Martins Cardozo – Ministro de Estado da Justiça (testemunhas) 16/07/2015 Luiz Inácio Adams – Advogado-geral da União Valdir Moysés Simão – Ministro do Estado da Controladoria (testemunhas) Geral da União - CGU 05/08/15 Shinji Tsuchiya, Presidente da Mitsui & Co.; J. W. Kim, Presidente da Samsung Heavy Industry Ltda. (não (testemunhas) compareceu – não localizado conforme relatório da Polícia Federal); Sérgio Ramalho Rezende, Perito Criminal de Polícia Federal; José Navas Júnior, Delegado de Polícia Federal; Ricardo Hiroshi Ishida, Delegado de Polícia Federal; e Sérgio de Arruda Costa Macedo, Delegado de Polícia Federal.

06/08/15 Milton Pascowitch – empresário/ lobista

(investigado) Obs: Parte do depoimento foi tomada em caráter reservado (Art. 48, § 1º - RICD).

11/08/15 Paulo Cézar Amaro Aquino, ex-Gerente Executivo de Petroquímica PETROQUISA; (testemunhas) Fernando Francisco Brochado Heller - diretor da TOV corretora de câmbio (não compareceu - justificou ausência); José Aparecido Augusto Eiras - ex-gerente-geral de uma agência do Banco do Brasil (não compareceu - justificou ausência).

13/08/15 Anthero de Moraes Meirelles, Diretor de Fiscalização do Banco Central (testemunha) (testemunha e Maria Lúcia Ramires Cardena – secretária do doleiro Raul Henrique Srour (investigada). investigada) Luccas Pace Júnior – Operador de propinas (investigado) Marco Antonio Rodota Stefano - diretor da corretora TOV 153

(testemunha)

18/08/15 Rinaldo Gonçalves de Carvalho – ex- gerente assistente do Banco do Brasil (testemunha) (testemunhas) José Aparecido Augusto Eiras - ex-gerente-geral de uma agência do Banco do Brasil (testemunha) Richard Andrew Van Otterloo- Doleiro (não compareceu – justificou a ausência) Leonardo Meirelles – Doleiro (não compareceu - justificou a ausência);

20/08/15 Raul Henrique Srour - Empresário, dono da Distri-Cash Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários S/A. (investigados) Fernando Francisco Brochado Heller - diretor da TOV corretora de câmbio. Paulo Pires de Almeida - Doleiro (não compareceu – justificou ausência); Marco Ernest Matalon - Doleiro (não compareceu – justificou ausência);

25/08/15 Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa.

(investigados)

27/08/15 Cristina Palmaka, Presidente da SAP Brasil Ltda (testemunha) João Gualberto Pereira Neto, executivo da Arxo Industrial (testemunhas (investigado) e Gilson João Pereira, executivo da Arxo Industrial investigados) (investigado) Sérgio Ambrósio Maçaneiro, executivo da Arxo Industrial (investigado)

31/08/15 João Antonio Bernardi Filho - Empresário Otávio Marques de Azevedo - Presidente da Andrade (investigados) Gutierrez Jorge Luiz Zelada- Ex-diretor da Petrobrás Obs: Foro da José Dirceu de Oliveira e Silva – ex-ministro Seção Judiciária Elton Negrão de Azevedo - executivo do Grupo Andrade. do Paraná * Todos Gutierrez permaneceram em silêncio

01/09/15 Márcio Faria de Sá – Executivo da Odebrecht Marcelo Bahia Odebrecht - presidente da Organização (investigados) Odebrecht Rogério Santos de Araújo – Executivo da Odebrecht Obs: Foro da Seção César Ramos Rocha - Executivo da Odebrecht Judiciária do Paraná Alexandrino de Salles Ramos de Alencar - Executivo da

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Odebrecht Celso Araripe de Oliveira - ex-gerente da Petrobrás no Espirito Santo

02/09/15 Ricardo Hoffmann – publicitário Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura – (investigados) Empresário e lobista.

Obs: Foro da Acareação entre os Senhores Augusto Ribeiro de Mendonça Seção Judiciária Neto, Renato de Souza Duque e João Vaccari Neto do Paraná 15/09/15 Ricardo Ribeiro Pessoa – Empresário da UTC. (investigado) Sandra Raphael Guimarães - Funcionária da UTC (investigados (investigada) e Roberto de Moraes Mendes - Empresa SAIPEM testemunhas) (testemunha) Giorgio Martelli, Empresa SAIPEM (não compareceu – conforme informações encaminhadas pela empresa Saipem, ele não reside mais no Brasil).

17/09/15 Walter Torre Junior, Presidente da WTorre (testemunha) Kenji Otsuki, Executivo do Banco Schahin (investigado) (testemunhas Frank Geyer Abubakir, ex-Diretor Presidente, acionista, e controlador e membro do Conselho de Administração da Unipar investigados) Carbocloro S.A.(investigado)

22/09/15 Venina Velosa da Fonseca, ex-Gerente Executiva da Diretoria de Refino e Abastecimento da Petrobrás. (testemunha)

24/09/15 Vitor Tiago Lacerda, Executivo da Petrobrás (testemunha) Marcos Guedes Gomes Morais, Executivo da Petrobrás (testemunhas (testemunha) e Leonardo Meirelles, Doleiro (investigado) investigados) Paulo Pires de Almeida, Doleiro (testemunha)

29/09/15 Daniel Feffer, Vice-Presidente da Suzano Papel e Celulose; David Feffer, Presidente da Suzano Papel e Celulose; (testemunhas) Mário Renato Castanheira Fanton, Delegado de Polícia Federal; Paulo Renato de Souza Herrera, Delegado de Polícia Federal (não compareceu – justificou ausência); Rivaldo Venâncio, Delegado de Polícia Federal; Maria Inês Malinowski de Paris Slussarek, Agente de Polícia Federal (não compareceu – justificou ausência); e José Eraldo de Araújo, Agente de Polícia Federal.

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01/10/15 Antonio Carlos Pinto de Azeredo, ex-Presidente da Transportadora Gasene (não compareceu – justificou ausência); (testemunhas) Maurício Moscard Grillo, Delegado de Polícia Federal; Rosalvo Ferreira Franco, Delegado de Polícia Federal; e José Washington Luiz Santos, Delegado de Polícia Federal. 14/10/15

(testemunha) , Presidente da Petrobrás.

Dentre as 132 pessoas ouvidas na CPI, escolheremos para análise o discurso das autoridades políticas (que foram nomeadas para os cargos da Petrobrás e de ex- parlamentares que foram eleitas por sufrágio universal) e que, posteriormente ao depoimento na CPI da Petrobrás, também foram condenadas por crimes de corrupção dos processos derivados da operação Lava Jato, muitos deles fizeram o acordo de Delação Premiada164. Os caminhos dos trâmites judiciários são distintos. Entretanto, os depoimentos da CPI são documentos jurídicos que servem para as diferentes instâncias.

Autoridades políticas que prestaram Condenados em processos derivados da depoimento na CPI/ Petrobrás Operação Lava Jato na Primeira Instância.

Foi inicialmente condenado a 18 anos e 4 meses de prisão, mas, devido ao acordo Pedro José Barusco Filho (ex-gerente de delação, firmado com a Justiça Executivo da Petrobrás) - (delator) Federal, o juiz Sérgio Moro substituiu a

pena para um regime aberto, com uso da tornozeleira eletrônica. (Corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação

164De acordo com a lei 12.805, de 5 de agosto de 2013, a Delação Premiada é um acordo firmado com o Ministério Público e a Polícia Federal pelo qual o réu ou suspeito de cometer crimes se compromete a colaborar com as investigações e denunciar os integrantes da organização criminosa em troca de benefícios, como redução da pena. Disponível em http://amagis.jusbrasil.com.br/noticias/147722411/pensamento-juridico-debate-sobre-delacao-premiada. Acesso em 30/7/2015.

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criminosa)

João Vaccari Neto – Secretário de 15 anos e 4 meses de prisão pelos crimes Finanças e Planejamento do Partido dos de corrupção passiva, lavagem de Trabalhadores (PT) dinheiro e associação criminosa

Renato Souza Duque - ex-diretor de 20 anos e 8 meses de reclusão por crimes serviços da Petrobrás - (delator) de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

- 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro Paulo Roberto Costa – Ex-diretor de -7 anos e 6 meses de prisão por pertencer abastecimento da Petrobrás. (delator) à organização criminosa - 6 anos e 6 meses no regime semiaberto

por corrupção passiva. Nestor Cunãt Cerveró - ex-diretor da - 12 anos, 3 meses e 10 dias de prisão por Área de Internacional da Petrobrás corrupção passiva e lavagem de dinheiro (delator) João Luiz Correia Argôlo dos Santos – - 11 anos e 11 meses de prisão por ex-deputado federal corrupção passiva e lavagem de dinheiro

André Luiz Vargas Ilário – ex-deputado - 14 anos e 4 meses de prisão pelos crimes federal de corrupção e lavagem de dinheiro

Pedro da Silva Correa de Oliveira - 20 anos, 7 meses e 10 dias por corrupção Andrade Neto – ex-deputado federal e lavagem de dinheiro.

Jorge Luiz Zelada - ex-diretor da Área - 12 anos e 2 meses de prisão por Internacional da Petrobrás corrupção passiva e lavagem de dinheiro

Alberto Youssef – Operador de Propinas - 5 anos de prisão por lavagem de dinheiro. Por causa da Delação Premiada, a pena foi substituída por 3 anos, em regime fechado.

José Dirceu de Oliveira e Silva - 23 anos e 3 meses de prisão por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e organização 157

criminosa.165

A investigação sobre os políticos começou na quarta fase da operação Lava Jato. Naquele momento, a Procuradoria Geral da República conseguiu autorização do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Sistema Tribunal de Justiça) para investigar 53 pessoas, incluindo deputados federais, senadores e dois governadores, pertencentes a seis partidos políticos. As autoridades políticas envolvidas na corrupção na Petrobrás e que estejam em exercício (foro privilegiado) são julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – instância máxima do Judiciário brasileiro. Ou seja, no caso de deputados, senadores ou ministros, a competência do julgamento é do Supremo Tribunal Federal. No caso de governadores, a competência é do Superior Tribunal de Justiça. Quanto a empresários e ex-políticos, a competência é da 1ª vara de Justiça de Curitiba (Justiça criminal comum). Os políticos envolvidos, citados pelas testemunhas e pelos delatores, estão mencionados no anexo 1. Tais políticos não foram convocados pela CPI da Petrobrás, motivo pelo qual os depoimentos não poderão ser analisados.

 Considerações Metodológicas

Os depoimentos na CPI foram avaliados com base na análise de Conteúdo proposto por Laurence Bardin (1977). De acordo com a autora, tal técnica é um importante instrumento, uma vez que possibilita, dentre outras coisas, a análise do discurso político. Entendemos que os depoimentos na CPI da Petrobrás são discursos políticos, pois são direcionados a um público.

165 As informações sobre as condenações foram extraídas dos sites: http://especiais.g1.globo.com/politica/2015/lava-jato/condenados-da-lava-jato e http://infograficos.estadao.com.br/politica/operacao-lava-jato/?nucleo=&situacao=&partido.

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A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens (BARDIN, 1977, p. 38).

A análise de Conteúdo possibilita a análise das comunicações de forma sistemática cujo resultado permite ao pesquisador acessar a natureza psicológica, sociológica, política e histórica do material pesquisado (BARDIN, 1977). De acordo com autora, a análise de conteúdo ocorre em três fases: a pré- análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados, a partir da inferência e da interpretação dos dados. A primeira (pré-análise) trata da organização da estrutura da pesquisa, em que se delimitam os objetivos e se escolhem os materiais que serão analisados. Na segunda fase (exploração do material), os dados coletados são codificados. De acordo com Bardin (1977, p. 103):

[...]a codificação é a transformação dos dados brutos do texto que por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou de sua expressão, suscetível de esclarecer ao pesquisador as características do texto.

A codificação inicia-se com as unidade de registros, que permitem ao pesquisador acessar os significados do texto para que, em seguida, possa recortá-los criando as unidades de registro. Tais unidades são apontadas como a unidade básica do método de Bardin (1977). Para a autora, as unidades de registro podem ser construídas com base em critérios semânticos ou linguísticos. Nesta pesquisa, foram escolhidos os critérios semânticos, uma vez que eles oferecem a possibilidade de analisar, fundamentando-se em temas veiculados nos discursos. Em seguida à etapa de codificação, inicia-se o processo de categorização. De acordo com Bardin (1977, p. 117):

Categorizar é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e em seguida, por reagrupamento de acordo com os critérios previamente definidos.

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Dessa maneira, categorizar é classificar e agrupar as unidades de registro, segundo suas semelhanças e diferenças. Ao fim dessa etapa, tem-se acesso aos sentidos veiculados pelos dados, sendo possível analisar as semelhanças e diferenças dos sentidos portados pelo material, entendendo como eles se articulam, com o objetivo de produzir os sentidos em que foram empregados. A terceira e última fase proposta pela autora refere-se à interpretação dos dados e resultados do processo de codificação e categorização. Nesta fase, os dados são interpretados à luz de teorias que orientaram esta pesquisa. No caso desta tese, optamos por realizar a análise, utilizando as principais bases teóricas que foram expostas sobre a Psicologia da Legitimidade e confiança política, apoiando-nos principalmente nas pesquisas que fomentaram os estudos de Tom Tyler.

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Capítulo 6

CPI da Petrobrás e suas incongruências

“Quando os que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito” (Georg Lichtenberg)

Este capítulo será descritivo e tem como objetivo apresentar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás como um fator emblemático da crise institucional que se instalou no Brasil desde 2015 até o momento do final desta tese (junho de 2016). O capítulo abordará os propósitos da CPI da Petrobrás, segundo os deputados membros da comissão e as incongruências do relatório final, que, na realidade, reproduzem as posições políticas dos partidos. Essas questões nos permitem visualizar qual a intencionalidade dos deputados eleitos, em sua atuação na CPI, e com que ambiente investigados e testemunhas se depararam, ao depor na CPI. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é um instrumento político dos parlamentares que tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. No entanto, a CPI da Petrobrás revelou os interesses dos partidos e se desenvolveu num ambiente de conflitos. Seu objetivo principal foi investigar os crimes de corrupção ocorridos na Petrobrás; no entanto, veremos que as discussões feitas entre os parlamentares, em muitos momentos, se distanciam de suas metas e se mostram capazes de deslegitimar a ação dos parlamentares nessa Comissão. Para que seja instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara dos Deputados, no Senado Federal ou no legislativo estadual são necessários os seguintes requisitos: requerimento contendo a participação de um terço dos membros componentes da respectiva Casa Legislativa que vai investigar o fato (requisito formal); que haja fato determinado (requisito substancial, que no caso é a corrupção na Petrobrás); que tenha prazo certo para o seu funcionamento (requisito temporal). Sendo respeitados estes três requisitos, após a investigação, o relator elabora um relatório final que deve ser encaminhado ao Ministério Público ou outro órgão competente (neste caso, ao juiz Sérgio Moro), a fim de que se promova a 161

responsabilidade civil ou criminal dos acusados (SILVA, 2011). Além disso, o que os depoentes declaram na CPI é utilizado contra ou a favor em seus processos judiciais, uma vez que são também investigados na Operação Lava Jato. Em março de 2014, a Polícia Federal, com base na Operação Lava Jato, apontou a existência de superfaturamento e corrupção ativa e passiva em diversos contratos firmados entre a Petrobrás e empresas do ramo da construção civil. Tal operação levou ao indiciamento, denúncia e à prisão de alguns diretores de empresas envolvidas na corrupção, de operadores e de autoridades públicas (diretores, presidentes e políticos). Dentre as várias empresas citadas na investigação, as principais empreiteiras são: OAS, Camargo Corrêa, Sanko, Engevix, Galvão Engenharia, Mendes Júnior, UTC e Toyo Setal. A CPI da Petrobrás começou no dia 26 de fevereiro de 2015. O deputado que presidiu a seção, no momento da “Instalação da Comissão e da eleição do Presidente e do Relator da Comissão” foi o Deputado Arnaldo Faria de Sá, do PSDB (Partido de Oposição ao governo). A primeira indicação para concorrer ao cargo de Presidente da CPI foi a do deputado Hugo Motta, do PMDB (partido aliado ao governo naquele momento)166. A escolha dos membros que iam compor a CPI foi um momento significativo. Tais membros são indicados pelos líderes de seus partidos, devendo observar, quando possível, a proporcionalidade das representações de partidos ou de blocos parlamentares. A partir da indicação, são escolhidos por votação pelos demais componentes da CPI. Estes deveriam ser neutros, quer dizer, não estarem envolvidos com o caso a ser investigado, de acordo com o § 6º do art. 180, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados:

§ 6º. Tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o Deputado dar-se por impedido e fazer

166 No dia 20/3/2016, o Diretório Nacional do PMDB decidiu, por aclamação, romper oficialmente com o governo da presidente Dilma Rousseff e determinou que os seis ministros do partido e os filiados que ocupavam outros postos no Executivo federal entregassem seus cargos. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1755183-aos-gritos-de-fora-pt-pmdb-deixa-governo-em- reuniao-de-tres-minutos.shtml. Acesso em 16/4/2016.

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comunicação nesse sentido à Mesa, sendo seu voto considerado em branco, para efeito de quórum (REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2012, p. 119)167.

Neste mesmo sentido, o inciso VIII do art. 5º do Código de Ética e Decoro Parlamentar atenta contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma do Código:

(...) relatar matéria submetida à apreciação da Câmara, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral (CÓDIGO DE ÉTICA PARLAMENTAR, 2002, p. 13)168.

Espera-se, dessa forma, que todos os membros da CPI tenham a isenção necessária para investigar as pessoas físicas e jurídicas, citadas na Operação Lava Jato, não mantendo qualquer tipo de relação com elas. É evidente que quem recebeu financiamento das empresas investigadas na Operação Lava Jato tende a ficar tolhido na sua irrevogável independência como parlamentar. Conforme amplamente divulgado na imprensa e comprovado por meio de consulta às prestações de contas publicadas no site eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral169, alguns candidatos a membros da Comissão receberam financiamento eleitoral daquelas empresas. Este fato e a consequente conquista do mandato eletivo onstituem impedimento para que o parlamentar delibere qualquer matéria que trate diretamente sobre qualquer empresa citada. Da mesma forma, a presença de parlamentares que receberam financiamento de campanha de empresas, que serão investigadas pela CPI, fere o disposto no art. 37 da Constituição Federal, que determina que:

167Regimento Interno Câmara dos Deputados. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/18847/regimento_interno_9ed.pdf?sequence=11. Acesso em 19/2/2016.

168Código de Ética Parlamentar. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a- camara/eticaedecoro/arquivos/Codigo%20de%20Etica%20da%20CD.pdf. Acesso em 22/2/2016.

169 Para saber mais sobre os partidos que receberam financiamento de campanha das empresas investigadas: http://inter01.tse.jus.br/spceweb.consulta.receitasdespesas2014/abrirTelaReceitasCandidato.action .

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A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. (BRASIL, 1988).

O artigo refere-se à hombridade, à atitude e à dignidade do parlamentar de se considerar impedido para julgar matérias nas quais tenha interesse. É importante ressaltar que a atuação do agente público, além de atender à legalidade, deve ser submetida ao princípio da moralidade. No caso, embora a doação eleitoral por empresas implicadas na investigação na Polícia Federal e que serão alvo do trabalho desenvolvido pela Comissão se revista de legalidade, a atuação de parlamentares que receberam tais recursos atinge frontalmente o princípio da moralidade que deve reger os atos da administração pública. Ademais, na própria denúncia elaborada pelo Ministério Público Federal consta o seguinte:

Parte dessas doações pode representar pagamento de propina para agentes públicos para a obtenção de vantagem indevida, sendo as doações formais de campanha mera estratégia de lavagem de capitais (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015).170

Esse assunto foi longamente discutido na primeira reunião para a escolha do presidente e relatores da CPI. O deputado Ivan Valente (PSOL), por meio da questão de ordem171, abordou o tema referente à indicação realizada pelas lideranças partidárias de deputados que receberam financiamento eleitoral das empreiteiras implicadas na Operação Lava Jato para comporem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o que fomentou muitas discussões entre os partidos.

170Disponível em: http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2014/11/propina-pode-ter- virado-doacao-legal-partidos-para-lavar-dinheiro-diz-mp.html. Acesso em 16/2/2016.

171 Questão de ordem é a solicitação de esclarecimento a respeito da forma de condução dos trabalhos legislativos, em caso de dúvida na interpretação do Regimento Interno. A dúvida pode ser no âmbito interno ou até ser a respeito de eventual confronto com algum dispositivo ou princípio da Constituição. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/questoes-de-ordem. Acesso em 14/3/2016.

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O deputado Ivan Valente solicitou que fossem observadas as regras regimentais e, em consonância com os princípios constitucionais, fossem destituídos da CPI os parlamentares que tivessem recebido, direta ou indiretamente, financiamento de campanha oriundo das empresas citadas no âmbito da Operação Lava Jato, ou que tivessem sido alvo de denúncia realizada pelo Ministério Público Federal. O deputado registrou também a sua própria candidatura à Presidência da Comissão, uma vez que não havia recebido recursos de nenhuma das empresas que seriam investigadas, justificando que sua campanha eleitoral havia sido honesta. De acordo com o editorial da Folha de São Paulo, o deputado Hugo Motta Wanderley da Nóbrega (nome sugerido pelo PMDB para Presidente da Comissão) teve 60% de sua última campanha paga com recursos das empresas investigadas, enquanto Luiz Sérgio Nóbrega de Oliveira (nome que foi sugerido pelo PT para a relatoria dos trabalhos) recebeu o equivalente a 40% de seus gastos (FOLHA DE SÃO PAULO, 26/2/2105)172. O nome de tais deputados para presidirem aos cargos mais importantes na CPI foi alvo de críticas no jornal Folha de São Paulo:

Entre os financiadores e os eleitores, entre o dinheiro e o voto, de qual lado cada congressista ficará? A pergunta, válida em diversas circunstâncias, torna-se ociosa nesse caso. Sua mera pertinência, pouco importando a resposta, arruína a reputação da CPI (FOLHA DE SÃO PAULO, 26/01/2015)173

Se algum requisito procedimental não atender aos parâmetros constitucionais e legais postos como balizamento para a constituição da CPI, o presidente do Poder Legislativo em questão deveria indeferir e devolver ao primeiro subscritor do requerimento, por ser, possivelmente, o principal interessado em apurar o fato determinado, a fim de que fossem observadas as exigências constitucionais para a criação da comissão (SILVA, 2011).

172 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/02/1594885-editorial-cpi- privatizada.shtml. Acesso em 16/02/2016

173 Editorial: CPI privatizada. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/02/1594885- editorial-cpi-privatizada.shtml. Acesso em 16/02/2016. 165

Embora o início da primeira reunião da CPI tenha sido marcado por insultos entre os partidos e pela tentativa de alguns parlamentares de impedirem que fossem escolhidos deputados que haviam recebido financiamento nas eleições pelas empresas investigadas, a eleição do Presidente da Comissão ocorreu em votação por escrutínio secreto e pelo sistema eletrônico, quando estava presente a maioria absoluta dos membros da Comissão (14 Deputados). Esta ação agiu em conformidade com o art. 7º do Regimento Interno:

A eleição dos membros da Mesa far-se-á em votação por escrutínio secreto e pelo sistema eletrônico, exigindo maioria absoluta de votos, em primeiro escrutínio, maioria simples, em segundo escrutínio, presente a maioria absoluta dos Deputados, observadas as seguintes exigências e formalidades (ART 7º - REGIMENTO INTERNO, 2012).

A Presidência, naquele momento, dirigida pelo deputado Arnaldo Farias de Sá (PSDB) recebeu e considerou registradas as candidaturas, que foram submetidas a voto dos membros da CPI. Para presidente, por indicação do PMDB, o Deputado Hugo Motta e, como candidatura avulsa, o deputado Ivan Valente. A votação apresentou o seguinte resultado: deputado Hugo Motta, 22 votos; Deputado Ivan Valente, por sua vez, obteve 4 votos e houve um voto em branco (1ª reunião CPI/Petrobrás). Dessa maneira, o deputado Hugo Motta (PMDB) foi eleito como presidente da CPI da Petrobrás. E, em várias reuniões, o descrédito a essa votação veio à tona:

(...) Nós entendemos como imensamente prejudicial às investigações, em nome da transparência, da ética e da isenção, que pessoas que estão sendo investigadas na Justiça estejam aqui, investigando os próprios delitos que estão para ser investigados (...) nós tínhamos levantado a questão de que não havia nenhum empreiteiro nessa primeira lista, não havia nenhum daqueles carregadores de mala, bem como outros doleiros, e assim por diante. [Deputado Ivan Valente – PSOL – 3ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Eu espero que os partidos e os próprios Parlamentares sob investigação no caso do petrolão, da Lava Jato, revejam sua participação nesta CPI, porque a permanência deles fere a credibilidade da própria CPI, por razões óbvias, que todo mundo aqui entende [Chico Alencar- PSOL/RJ – 3ª reunião CPI/Petrobrás] 166

(...) para esta CPI não começar em pizza — diferentemente do que as pessoas falam, de que a CPI terminou em pizza, esta pode começar em pizza —, depende também, lógico, de uma manifestação de V.Exa., minha e de todos os Parlamentares. Então, não tem condição de investigado investigar [Julio Delgado- PSB/MG – 3ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) os partidos não têm condição nem de trocar seus Deputados, porque a grande maioria recebe, veja, não é de qualquer empresa do Brasil, mas das 10 ou 12 empresas citadas na Operação Lava-Jato! Onde nós fomos parar? Essa é a vergonha nacional! Realmente, não há possibilidade de esta CPI investigar. [Deputado Ivan Valente- PSOL/SP – 1ª reunião CPI- Petrobrás]

(...) Botar gerente vampiro para gerenciar banco de sangue pode ser um hábito brasileiro, mas não dá bom resultado [Deputado Chico Alencar – PSOL/RJ - 1ª reunião da CPI- Petrobrás].

Entretanto, nem todos os deputados ou partidos opinaram de maneira semelhante em relação à escolha de membros que tiveram financiamento de campanha pelas empresas investigadas, e alguns deputados defenderam a permanência do presidente indicado (Hugo Motta) e do relator (Luiz Sérgio), justificando que o financiamento de campanhas é legalizado pela Justiça Eleitoral.

(...) Cada Parlamentar aqui, quando assumiu o seu mandado, prestou um compromisso de respeitar e defender a Constituição e as leis do País. Este País tem leis, e nenhum cidadão pode descumpri-las. Mas nenhum cidadão também deve ter imputado a si, como se criminoso fosse, um fato que não o é — e isso está em acordo com a legislação brasileira (...) o sistema de financiamento eleitoral brasileiro é feito de forma privada e tem uma regra de requisitos de pessoas jurídicas e de pessoas físicas que podem doar para campanhas eleitorais. Ele tem normas de transparência que preveem a sua divulgação no tempo apropriado. Posteriormente, ele é julgado pela Justiça Eleitoral, que o aprova ou desaprova, que vê se ele está em acordo com o que prevê a legislação. Nós estamos tratando aqui de Parlamentares. Todos aqui tiveram as suas campanhas financiadas, de alguma forma, ou por empresa, ou por pessoa jurídica (...) Ninguém aqui teve uma campanha que custou zero real. Ela, de alguma forma, foi financiada, seja por pessoa jurídica, seja por pessoa física e foi julgada pela Justiça Eleitoral, na forma da legislação (...) Os Parlamentares tomaram posse porque foram diplomados; e foram diplomados porque tiveram as suas contas de campanha aprovadas. Portanto, eles respeitaram a legislação (...)Nós não podemos transformar um ato que está em acordo com a legislação brasileira em um ato ilegal (...)essa me parece uma tentativa de tumultuar o começo do trabalho de investigações desta Comissão. A quem interessa tumultuar o começo desta Comissão? O PMDB tem total confiança em todos os seus Parlamentares indicados para esta Comissão, tem total confiança no Deputado Hugo Motta, que, se assim for a vontade dos membros desta Comissão — e eu tenho a expectativa e a convicção de que será —, conduzirá com isenção, com firmeza e com 167

competência os trabalhos desta Comissão. [Deputado Leonardo Picciani- PMDB/RJ - 1ª reunião da CPI-Petrobrás]

(...) isso me lembra uma frase do Públio Siro, um antigo escritor de Roma, que dizia: “Uma acusação provoca muito mal, mesmo quando é feita sob a forma de uma alusão”. Porque, se nós aceitarmos a tese aqui trazida pelo Deputado Ivan Valente, estaremos de maneira definitiva dizendo que todos, todos os Parlamentares que aceitam uma doação de qualquer empresa que seja — e é bom lembrar que isso [doação para campanhas] está autorizado pela legislação brasileira —, passam a funcionar aqui, desde o primeiro momento do seu mandato, como advogados dessa empresa (...) De sorte que a nossa questão de ordem é para dizer que não aceitamos o ponto de vista levantado aqui pelo PSOL [Arthur Oliveira Maia, deputado Estadual do SOLIDARIEDADE/ BA, 1ª reunião da CPI-Petrobrás]

(...) Sr. Presidente, da mesma forma, em nome da Liderança do PSC, para contraditar aquilo que foi colocado aqui pelo Deputado Ivan Valente. Também quero fazer minhas as palavras do Deputado Arthur na questão da doação, do financiamento, a Parlamentares (...) O fato da doação de uma construtora, de uma empreiteira, que possa estar nas investigações da Operação Lava-Jato, não significa dizer que o Parlamentar está aqui para cumprir missão. O fato de se estar, por exemplo, no livro caixa daqueles envolvidos ou no computador daqueles envolvidos, também, da mesma forma, não significa dizer que o Parlamentar tem qualquer tipo de envolvimento. O que nós não podemos aqui é prejulgar nenhum Parlamentar, muito menos que os que aqui estão iniciando esse trabalho já o iniciem sob a pecha de que há envolvimento, com quem quer que seja, daqueles que estão na Operação Lava-Jato e no escândalo da PETROBRAS (...) E é inadmissível que este Parlamento e que esta Comissão iniciem um trabalho já sob suspeita, mesmo porque aqueles que receberam doação a receberam de forma oficial. Está na sua prestação de contas e nenhuma doação foi feita às escuras (...) E tenho certeza de que nós temos que começar esse trabalho para poder passar o Brasil a limpo, mas começar da forma mais legítima, representando cada um aqui as suas agremiações partidárias. E não significa dizer que a doação de financiamento não é nenhuma imoralidade, porque nós estamos aqui e temos a responsabilidade de representar aqueles que nos trouxeram a este Parlamento [Deputado André Moura, PSC/ SE, 1ª reunião da CPI-Petrobrás].

Assim, observa-se que a CPI da Petrobrás começou com incongruências. Ao mesmo tempo que o deputado André Moura (PSC) defende que a CPI deve ser legítima, “passar o Brasil a limpo” e responder ao clamor de justiça que o Brasil pede, ele defende a permanência de parlamentares envolvidos, direta ou indiretamente, na questão que será investigada na CPI, e o próprio deputado também responde a processos judiciais. Esse é um fator que pode ser considerado como desmoralizador do

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instrumento da CPI. A reportagem do jornal “O GLOBO”174 revela que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) teria recebido denúncias do Ministério Público em três inquéritos contra André Moura (PSC), tornando-o réu sob acusação de ter praticado crimes que vão de apropriação indébita, desvio ou utilização de bens públicos do município de Pirambu (SE), e suposto envolvimento em um caso de tentativa de homicídio. Em apoio ao deputado Ivan Valente, no que tange à exclusão de parlamentares envolvidos em processos judiciais e suspeitos de envolvimento em situações irregulares, o deputado Rubens Bueno (PPS) argumentou:

(...) eu ouvi atentamente a questão de ordem do Deputado Ivan Valente, ouvi as contraditas e acho que não há aqui nenhuma posição do Deputado Ivan Valente de levantar suspeição contra quem quer que seja. O que ele quer é o atendimento à lei. Se o Parlamento brasileiro não respeita a lei, quem vai respeitar? Quem há de respeitar a lei se o Parlamento brasileiro não respeita a lei? A questão de ordem levantada pelo Deputado Ivan Valente tem toda razão de ser. Quantas vezes eu me julguei impedido em plenário e não votei? É a minha consciência! Não precisa ler a Constituição, não precisa ler o Regimento. É a consciência! Se tem uma Comissão que tem um interesse individual, e lá esse interesse individual não pode estar a presença do interessado, é para dar isenção. Dar isenção! Fazer o Parlamento se respeitar respeitando a sociedade brasileira. Sempre fui assim, nunca prejulguei ninguém, nunca levantei suspeição sobre ninguém, mas há a lei. Estão aqui a Constituição e o Regimento da Casa! E nós não estamos respeitando o que fizemos: lei para toda a sociedade. Até porque ninguém está acima da lei, muitos menos um Deputado. Ou vamos criar mais um andar, onde quem não respeita a lei é o Parlamentar; ele está isento, ele está longe de respeitar a lei porque não há necessidade disso. Não! Nós temos que trabalhar para que isso tudo seja respeitado [Deputado Rubens Bueno, PPS/PR. 1ª reunião da CPI-Petrobrás].

Conforme a argumentação do deputado Rubens Bueno (PPS), a CPI parece não respeitar a lei, uma vez que, ao escolher membros supostamente envolvidos em irregularidades, colocaria os deputados acima da lei. Para contra-argumentar, o deputado Leonardo Picciani (PMDB) defendeu a permanência dos membros com a

174 Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/aliado-de-cunha-andre-moura- responde-seis-processos-no-supremo-17283031#ixzz40M8Dwhxj. Acesso em 16/2/2016.

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justificativa de que “todos os parlamentares recebem doações de empresas” e traz ainda outra discussão: ao defender sua posição, ataca os outros partidos, deixando claro que a intenção dessa discussão (financiamento de campanhas) na CPI tem outras intenções, que seria a de atrapalhar o andamento da Comissão. No entanto, o problema não é exatamente ser financiado por empresas, pois naquele momento isso era legalizado. O problema é ser financiado por empresas que são alvo de investigação na operação Lava Jato, as quais também estariam sendo investigadas pela CPI. Em conformidade com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o deputado Hugo Motta (PMDB) agradeceu os votos e designou para a Relatoria da CPI o Deputado Luiz Sérgio, do PT do Rio de Janeiro, pois, baseando-se nos termos do art. 41, inciso VI, do Regimento Interno, o presidente teria o direito de nomear o relator:

Art. 41. Ao Presidente de Comissão compete, alem do que lhe for atribuído neste Regimento, ou no Regulamento das Comissões: VI - designar Relatores e Relatores substitutos e distribuir-lhes a matéria sujeita a parecer, ou avocá-la, nas suas faltas (REGIMENTO INTERNO, 2012, p. 56).

(...) Com isso, espero contar com a colaboração dos experientes Deputados, do Governo, da Oposição. Mas que estejam, antes de tudo, comprometidos com o bom funcionamento da CPI para que possamos, ao final dos trabalhos, não só ter um relatório bem elaborado pelo Relator, mas também ter o compromisso de salvar nossa maior empresa, com o respeito e a dignidade que esta Casa tem que ter. Que nós possamos ver a PETROBRAS voltar a apresentar balanços positivos e ter o resultado que sempre teve, orgulhando o nosso povo, orgulhando também nós que o representamos aqui, nesta Casa [Presidente da CPI - Deputado Hugo Motta – PMDB/PB – 1ª reunião CPI-Petrobrás].

Após debates e discussões entre os deputados, instalou-se a CPI da Petrobrás, com a promessa de salvá-la. Os deputados presentes opinaram sobre os trabalhos da CPI, alguns de forma positiva, outros, nem tanto.

(...) o meu propósito é o propósito de um trabalho sério, para que esta Casa possa, no final dos seus trabalhos, no relatório, que, uma vez aprovado, não será o relatório do Relator, mas, a partir do momento da aprovação, ele é o relatório da Comissão, da CPI, de todos

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nós (...) Os fatos evidenciam que pessoas tenham cometido graves delitos em relação à PETROBRAS. Agora, nós temos que ter a capacidade de separar e ser implacáveis com aqueles que cometeram os delitos, para que possamos reerguer a PETROBRAS, para que ela possa continuar a sua trajetória de impulsionadora de desenvolvimento, para que ela possa continuar a sua trajetória de servir o povo brasileiro e o Brasil. [Relator da CPI- Deputado Luiz Sérgio – PT/RJ – 1ª reunião CPI-Petrobrás].

(...) O papel desta CPI é ir a fundo atrás dos ilícitos praticados por membro da empresa ou por qualquer outra pessoa — vai a fundo e apresenta o seu relatório (...) Esta Comissão tem o papel cívico, cidadão, político e estratégico de limpar o país (...) País precisa se livrar da corrupção! É claro que precisa se livrar da corrupção! (...) Portanto, fica o compromisso da bancada do Partido dos Trabalhadores de trabalhar e colaborar com essa situação que o País vive hoje. Mahatma Gandhi disse: “Que Deus nos guie nos nossos pensamentos, nas nossas palavras e, principalmente, nas nossas atitudes.” Vamos a fundo! Vamos livrar o Brasil da corrupção [Deputado Sebastião Machado Oliveira- PT/Piauí - 1ª reunião CPI- Petrobrás].

Entretanto, o otimismo não atingiu todos os deputados presentes. E a maioria dos comentários apontou sentimentos de descontentamento e desconfiança.

(...)Esta já é a terceira Comissão Parlamentar de Inquérito, e espero que ela não termine como as outras, sem nenhum sentido, para que a população brasileira veja nesta Casa o objetivo para o qual ela foi eleita, que são transparência e respeito ao povo brasileiro (...)Se a PETROBRAS é nossa, precisamos cuidar dela, porque ela está desmoralizada, rebaixada e humilhada. Que esta CPI não acabe em pizza. [Deputado Marco Antônio Feliciano- PSC/SP - 1ª reunião CPI-Petrobrás].

(...) quero transmitir a sincera expectativa de que a condução na Presidência de V.Exa. seja muito mais parecida com a de um magistrado do que com a de um Parlamentar. Esta é uma função que o Presidente deve assumir. Temos a sincera expectativa de que V.Exa. [Presidente Hugo Motta] esteja imbuído desses princípios e dessa vontade. Da mesma forma, Relator [Luis Sérgio], que também assume esse papel de isenção, não se posicione como Líder do PT, já que vimos que, pela própria fala do Líder do PT, nós iremos cobrar essas mesmas expectativas. Essa fala e retórica aqui é muito fácil. Eu quero ver, quando vierem os requerimentos de acareação, de busca de documentos, de chamada de testemunhas, se o discurso do Líder do PT também será a favor da transparência, também será a favor da investigação, e de ir a fundo doa a quem doer. Porque nós estamos dispostos a assumir essa posição. Então, esse discurso de hoje, que está gravado, será bem lembrado na memória de cada um de nós, para que os requerimentos a favor da investigação, a favor da transparência, descubram o que fez aquela diretoria — aliás, diretoria, não, vândalos instalados para depredar o maior patrimônio público do Brasil, a PETROBRAS. O que esses vândalos fizeram com

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esses recursos, por essa investigação a sociedade brasileira espera descobrir [Deputado Efraim Filho – DEM/PB - -1ª reunião CPI-Petrobrás].

(...)Lembro que, em 2014, nós tivemos a oportunidade de participar da CPMI que tratou do mesmo assunto, mas lamentavelmente o resultado foi frustrante. Não se alcançou nenhum resultado de natureza prática, o que certamente não vai acontecer nesta CPI que está sendo instalada neste momento, até porque as circunstâncias são bem diferentes das do ano passado, embora o lapso de tempo tenha sido relativamente pequeno (...)Os olhos do País, sem dúvida alguma, estão voltados para esta CPI e certamente para os membros que participam dela, assim como para a conduta de cada um, o que cada um vai falar, o comportamento de cada um, a votação de cada um. Como o conheço, tenho certeza de que V.Exa. [Presidente Hugo Motta] vai se conduzir muito bem, com equilíbrio e serenidade, sempre se voltando para os principais objetivos desta CPI. Eu acho que esta expectativa não é só minha, mas de todos que estão aqui presentes. Eu estou muito confiante na condução dos trabalhos (...)Aqui não haverá nenhum tipo de manobra diversionista. Nós não pretendemos também fazer nenhum tipo de teatro ou espetáculo. O que nós queremos, na verdade, é o que todo brasileiro deseja: verificar o que aconteceu, reerguer a PETROBRAS e penalizar quem tiver que ser penalizado. [Deputado Antonio José Imbassahy da Silva – PSDB/BA -1ª reunião CPI- Petrobrás]

(...) Precisamos que esta CPI não acabe como as outras da PETROBRAS que aqui acabaram, sem nenhum resultado concreto. Queremos que esta CPI não seja uma CPI do faz-de-conta (...)Precisamos apurar, precisamos investigar e punir os culpados. Se aconteceu algum desvio, se aconteceu alguma corrupção, que ela seja colocada de uma forma transparente, para que a população brasileira tome conhecimento e o Congresso e a Câmara se posicionem [Deputado Rodrigo Martins – PSB/PI – 1ª reunião CPI-Petrobrás].

(...)Não é possível que esta CPI não se paute pela regra básica da Justiça, que é investigar todas as denúncias, que é apurar todos os indícios, que é fazer com que todos aqueles que estejam envolvidos em algum caso de corrupção sejam penalizados. Temos que acabar com a seletividade da apuração desta CPI. Temos que acabar, da mesma forma, com a seletividade de qualquer processo de fiscalização que ocorra neste País. [Deputado Jorge Solla – PT/BA- 24ª reunião CPI/Petrobrás]

Observa-se, assim, que, desde o principio da CPI da Petrobrás, há uma tentativa clara de troca de insultos entre partidos. Cada parlamentar defende os interesses de seu partido em troca de tentar incumbir a ‘culpa’ da corrupção no partido de oposição. Um dos grandes pontos do escândalo da Petrobrás é exatamente o esquema de corrupção “oficializando” as doações. Portanto, simplesmente falar que “foi uma doação oficial” não seria argumento suficiente para afirmar que tais doações aconteceram dentro de todos os princípios de legalidade, moralidade e impessoalidade.

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No Brasil, adota-se o sistema misto de financiamento de campanha. Os partidos podem arrecadar dinheiro tanto por meio de doações de empresas quanto de pessoas físicas. De acordo com Caetano (2011), os políticos e partidos recebem dinheiro do Fundo Partidário (formado por recursos do Orçamento, multas, penalidades e doações) e de pessoas físicas (até o limite de 10% do rendimento) ou de empresas (limitadas a 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição)175. Nesse sistema, critica-se a extrema influência que renomadas empresas têm no processo eleitoral e, posteriormente, sobre os políticos eleitos. Essa questão fomentou muitas discussões no Brasil, em 2015, possivelmente consequência também da Operação Lava Jato. A ação, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra dispositivos da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997)176 e da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995)177, foi tema de

175 Caetano. L.M. L. C. Sobre o financiamento público das campanhas eleitorais Disponível em: http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9530&revista_caderno=28. Acesso em 14/2/2016.

176 Lei que estabelece normas para a eleição. Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: I - entidade ou governo estrangeiro; II - órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público; III - concessionário ou permissionário de serviço público;IV - entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; V - entidade de utilidade pública; VI - entidade de classe ou sindical; VII - pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior. VIII - entidades beneficentes e religiosas; IX - entidades esportivas que recebam recursos públicos; IX - entidades esportivas; X - organizações não-governamentais que recebam recursos públicos; XI - organizações da sociedade civil de interesse público. XII - (VETADO). Parágrafo único. Não se incluem nas vedações de que trata este artigo as cooperativas cujos cooperados não sejam concessionários ou permissionários de serviços públicos, desde que não estejam sendo beneficiadas com recursos públicos, observado o disposto no art. 81. § 1o Não se incluem nas vedações de que trata este artigo as cooperativas cujos cooperados não sejam concessionários ou permissionários de serviços públicos, desde que não estejam sendo beneficiadas com recursos públicos, observado o disposto no art. 81. § 2o (VETADO). § 3o (VETADO). § 4o O partido ou candidato que receber recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não identificada deverá proceder à devolução dos valores recebidos ou, não sendo possível a identificação da fonte, transferi-los para a conta única do Tesouro Nacional. Art. 24- A. (VETADO). Art. 24-B. (VETADO). Art. 24-C. O limite de doação previsto no § 1o do art. 23 será apurado anualmente pelo Tribunal Superior Eleitoral e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. § 1o O Tribunal Superior Eleitoral deverá consolidar as informações sobre as doações registradas até 31 de dezembro do exercício financeiro a ser apurado, considerando: I - as prestações de contas anuais dos partidos políticos, entregues à Justiça Eleitoral até 30 de abril do ano subsequente ao da apuração, II - as prestações de contas dos candidatos às eleições ordinárias ou suplementares que tenham ocorrido no exercício financeiro a ser apurado. § 2o O Tribunal Superior Eleitoral, após a consolidação das informações sobre os valores doados e apurados, encaminhá-las-á à Secretaria da Receita Federal do Brasil até 30 de maio do ano seguinte ao da apuração.§ 3o A Secretaria da Receita Federal do Brasil fará o cruzamento dos valores doados com os rendimentos da pessoa física e, apurando indício de excesso, comunicará o fato, até 30 de julho do ano seguinte ao da apuração, ao Ministério Público Eleitoral, que poderá, até o final do exercício financeiro, apresentar representação com vistas à aplicação da penalidade 173

uma audiência pública realizada em 2013, convocada pelo relator, Ministro , e começou a ser julgada pelo Plenário em dezembro daquele ano. Com o argumento de que a Constituição oferece padrões normativos inteligíveis, que impedem que a política seja praticada em benefício de clientes preferenciais da administração pública, o ministro propôs que fossem vedadas as contribuições de pessoas jurídicas ou de suas controladas e coligadas que mantivessem contratos onerosos celebrados com a Administração Pública, a contribuição de pessoas jurídicas a partidos e candidatos diferentes que competissem entre si. Uma das importantes contribuições da audiência foi que as pessoas jurídicas que contribuíssem com campanhas políticas deveriam ser proibidas de celebrar contratos com a Administração Pública até o término da gestão subsequente178. A decisão do Tribunal Superior Eleitoral aplicou-se às eleições de 2016 e seguintes, a partir da sessão de julgamento, independentemente da publicação do acórdão. Com relação às pessoas físicas, as contribuições ficaram reguladas pela lei em vigor179. O Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 17 de setembro de 2015, julgou procedente (por 8 votos a 3), em parte, o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650 para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Com isso, perdem validade as regras da atual legislação que permitem essas contribuições empresariais em eleições. A ministra , por sua prevista no art. 23 e de outras sanções que julgar cabíveis. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm . Acesso em 8/3/2016.

177 Lei que dispõe sobre os partidos políticos. Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de: I - entidade ou governo estrangeiros; II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38; III - autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades de economia mista e fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgãos ou entidades governamentais; IV - entidade de classe ou sindical. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9096.htm . Acesso em 08/3/2016

178 Informações obtidas no site do Supremo Tribunal federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300015. Acesso em 10/3/2016.

179Informações obtidas no site do Supremo Tribunal federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300015. Acesso em 22/2/2016.

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vez, argumentou que a influência do poder econômico compromete a "normalidade e a legitimidade das eleições". De acordo com a ministra:

A influência do poder econômico culmina por transformar o processo eleitoral em jogo político de cartas marcadas, odiosa pantomima que faz do eleitor um fantoche, esboroando a um só tempo a cidadania, a democracia e a soberania popular (MINISTRA ROSA WEBER, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2015)180.

A possibilidade de doações e contribuições por pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais confrontaria a igualdade política e os princípios republicano e democrático. A decisão do Supremo Tribunal Federal não proíbe que pessoas físicas façam doações às campanhas. Pela lei, cada indivíduo pode contribuir com até 10% de seu rendimento no anterior ao pleito. Apesar de o sistema de financiamento de eleições no Brasil ser misto, muito se discute sobre as vantagens e desvantagens de um financiamento exclusivamente público ou exclusivamente privado. Aqueles que são contrários ao financiamento público de campanhas eleitorais argumentam que dinheiro que poderia ser destinado à saúde, educação, transporte e outros setores importantes do Brasil seriam utilizados com interesses político-partidários. Já os favoráveis afirmam que tal sistema reduziria a corrupção e a desigualdade entre os candidatos (RIBEIRO, 2006, p.78). Além da questão do financiamento de campanhas ter sido amplamente discutida e criticada na CPI, em várias oportunidades, outros pontos também merecem ser destacados, como a recorrente tentativa responsabilizar a ineficiência das outras CPIs aos agentes políticos. Os deputados da oposição tendem a fazer um discurso contra o governo, principalmente contra o executivo, inferindo-lhe a ‘culpa’ de obstruir as investigações da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito)181 que

180 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=300015. Acesso em: 22/2/2016.

181 Sobre esse assunto, é importante notar que, no dia 22 de fevereiro de 2016, o Senador Delcídio do Amaral Gomes (PT) firmou acordo de Delação Premiada e afirmou que os integrantes da CPMI da Petrobrás (vice-presidente Gim Argelo - PTB e o relator Marco Maia - PT) recebiam propina para evitar a convocação de empreiteiros investigados na Operação Lava Jato. Embora a delação tenha ocorrido meses depois da CPI ter terminado, a delação do Senador envolvendo os nomes do vice-presidente e do relator da CPMI da Petrobrás colaborou para deslegitimar a CPMI. A delação premiada de Delcídio Amaral está disponível em: 175

tinha como objetivo investigar irregularidades envolvendo a Petrobrás, ocorridas entre os anos de 2005 e 2014, e relacionadas à compra da Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA); ao lançamento de plataformas inacabadas; ao pagamento de propina a funcionário da estatal; e ao superfaturamento na construção de refinarias182. O relatório da CPMI da Petrobrás, apresentado pelo relator Marco Maia (PT/RS), continha 903 páginas, mas não pediu o indiciamento de nenhum empresário ou autoridade investigada no escândalo de corrupção naquela empresa. O relatório limitou-se a recomendar que fossem aprofundadas as investigações sobre os políticos e empresários que já eram alvos de apurações oficiais. Ou seja, o efeito jurídico da apuração da CPMI foi considerado nulo183. O deputado Mendonça Filho (DEM) aproveitou o momento de discussões da CPI para relembrar esse assunto e afirmar sua confiança em relação à participação do deputado Eduardo Cunha (PMDB) na presidência do Parlamento, exaltando sua esperança de que a CPI atual pudesse ser diferente dos resultados desastrosos da CPMI ocorrida em 2014.

(...) eu quero dizer que a Câmara dos Deputados vive um momento muito importante, até porque as denúncias envolvendo a PETROBRAS já consumiram vários meses de atenção da mídia, da classe política e da sociedade brasileira. Na Legislatura anterior, nós tivemos a oportunidade de acompanhar os trabalhos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, envolvendo Câmara e Senado, que foi instalada no âmbito do Congresso Nacional, que tinha a missão de apurar as irregularidades envolvendo a PETROBRAS. Lamentavelmente, desde o primeiro momento, a ação do Governo foi no sentido de obstaculizar, dificultar, impedir, o avanço do processo de investigação com relação à PETROBRAS. Esses foram os fatos que nós acompanhamos ao longo dos últimos meses do ano passado. A partir deste ano, e com a eleição do Presidente da Câmara, Deputado Eduardo Cunha, eu creio sinceramente que se instalou aqui, no Parlamento, um clima de maior independência do Parlamento. E, desta vez, nós teremos uma Comissão Parlamentar de Inquérito que não envolverá... a gente vai ter um quadro diferente, porque a Câmara já mostrou claramente que quer fortalecer os princípios de independência, de separação dos Poderes, e que nós não estaremos subordinados ao interesse do Executivo, que infelizmente, lamentavelmente, desde o primeiro momento, impediu, ou trabalhou para impedir, a apuração daquilo que ficou

http://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao;jsessionid=70392C87C5B2B93F317AAE2FF631EF01?0& codcol=1801. Acesso em 14/3/2016.

183 Relatório final da CPI mista da Petrobrás tem quase mil páginas e nenhum indiciamento. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,relatorio-final-da-cpi-mista-da-petrobras -tem-quase-mil- paginas-e-nenhum-indiciamento,1605009. Acesso em 18/2/2016. 176

consagrado como petrolão. [Deputado Mendonça Filho, DEM/PB. 1ª reunião da CPI- Petrobrás].

O Deputado Mendonça Filho (DEM), seguido pelo deputado Bruno Araújo (PSDB), criticou a CPMI da Petrobrás, ao declarar que ela foi obstruída pelo governo do PT e utiliza esse argumento para culpar o governo deste partido por agir contra a transparência da CPMI da Petrobrás:

(...) desde o primeiro momento, a ação do Governo foi no sentido de obstaculizar, dificultar, impedir, o avanço do processo de investigação com relação à PETROBRAS [Deputado Mendonça Filho, DEM/PB. 1ª reunião da CPI-Petrobrás].

(...) A população vai julgar cada um de nós, cada um dos senhores membros e não membros desta Comissão. E é sob esse grau de responsabilidade que nós temos que aqui assumir o compromisso de não entregar ao País um relatório vergonhoso, como foi feito ao final da Legislatura passada, na CPMI do Senado. (...)E que a Câmara dos Deputados, que tem assumido um papel, uma prerrogativa, muito importante, muito grande, nas últimas semanas, ao longo desta Presidência, possa entregar ao País o que de fato o País precisa para corrigir o rumo: ajudar a reduzir uma corrupção crônica instalada por este Governo. [Bruno Araújo – PSDB- PB- 1ª reunião da CPI-Petrobrás]

Para defender o governo do PT, o deputado Silvio Costa (PTdoB), por sua vez, criticou a oposição, afirmando que existe uma “PTfobia”, diagnosticando, assim, a posição dos deputados do PSDB e DEM.

(...) é importante também dizer para a Oposição que a gente do Governo sabe que o grande objetivo da Oposição, neste momento, não é ajudar o País. O grande objetivo da Oposição não é investigar a PETROBRAS (...)Ela já começa colocando a forma gramatical errada. É verdade que existe corrupção no Governo, na PETROBRAS, e todos nós do Governo queremos investigar. Existe corrupção no Governo. Diferente de um dos Líderes da Oposição que disse, há pouco tempo, que tinha corrupção do Governo. Então, gramaticalmente, são coisas diferentes. É preciso que a Oposição comece, a partir de hoje, um debate respeitando a liturgia do cargo (...) Parece-me que a Oposição está com “PTfobia”. Este é o problema da Oposição: “PTfobia”. Eles não aguentam escutar o nome PT, e não dá pra a gente estabelecer

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uma convivência aqui nesses moldes. [Deputado Silvio Costa – PTdoB- PB – 1ª reunião da CPI-Petrobrás].

É importante notar que o deputado Mendonça Filho (DEM) fez menção ao Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de uma forma positiva, como se “agora a CPI fosse funcionar” por conta de sua atuação como presidente da Câmara dos deputados. Sua postura também foi sustentada pela fala do deputado Ricardo Barros (PP).

(...) quero dizer que a vinda do Deputado Eduardo Cunha, nosso Presidente da Câmara, rapidamente à Comissão é um sinal do respeito que ele tem ao nosso trabalho e à sociedade brasileira. E é bom para a Câmara dos Deputados que ele, como Presidente, esclareça rapidamente a sua situação em relação ao processo (...) Aqui não há réus; todos os Parlamentares podem, ao longo de algum tempo, terem arquivados os seus pedidos de abertura de inquérito por falta de provas”( citação do procurador geral da republica). Então, muitos dos Parlamentares que estão voluntariamente se dispondo a vir a esta Comissão é porque sabem que, ao final dessa abertura de inquérito, nada será provado [Deputado Ricardo Barros – PP/PR – 3ª reunião CPI/Petrobrás].

Embora naquele momento ainda não houvesse provas contra o deputado Eduardo Cunha e tampouco ele tivesse sido denunciado, importa frisar que, nas primeiras reuniões da CPI (março e abril de 2015), seu nome já havia sido citado nas delações da Operação Lava Jato e já existia, no Brasil, desconfiança em relação a ele. Desde 2015 houve muitas manifestações sociais contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pedindo a saída dele do cargo. Foram comuns faixas e cartazes com as frases: "Fora, Cunha, fora, Cunha”; "Cunha, inimigo número um das mulheres"; "meu corpo não é dinheiro na Suíça para ser da sua conta"; "Cunha, vaza do meu corpo". As manifestações aconteceram em várias cidades do Brasil, e o descontentamento com o parlamentar se devia principalmente pelo projeto de lei 5.069/2013184, de autoria de Eduardo Cunha, que restringiria o atendimento médico a

184 PROJETO DE LEI Nº 2013 (Do Senhor Eduardo Cunha e outros). Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=16E0D0383C2BD6EB3264 AD5B21A1765F.proposicoesWeb1?codteor=1061163&filename=PL+5069/2013. Acesso em 1/3/2016.

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mulheres vítimas de estupro e dificultaria o aborto legal. A proposta condicionaria a permissão da interrupção da gravidez à comprovação de um exame de corpo de delito e um comunicado à autoridade policial. As denúncias contra Eduardo Cunha começaram a tomar corpo em outubro de 2015 (fase final da CPI) e muitas manifestações aconteceram. As principais bandeiras levantadas contra Eduardo Cunha eram que ele representava o retrocesso, a violência, o genocídio, a corrupção, a perseguição ao corpo e ao direito das mulheres.  28/10/2015 – Manifestação contra Eduardo Cunha na Avenida Paulista, região central de São Paulo.  30/10/2015 – Manifestação na Avenida Paulista em São Paulo.  12/11/2015 – Manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo e em frente ao prédio da Assembleia Legislativa (Alerj), no centro da Cidade do Rio de Janeiro.  13/11/2015 - Estudantes e integrantes de movimentos sociais: União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e Central Única dos Trabalhadores (CUT)] se manifestaram na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Houve também manifestações em São Paulo e na cidade de Recife (PE).  17/11/2015 - Manifestação em frente à porta principal do plenário da Câmara em Brasília.  23/11/2015 – Manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo.  25/11/2015 – Manifestação no centro do Rio de Janeiro e em São Paulo185. A maneira “solene” pela qual o deputado Eduardo Cunha foi recebido na CPI, a “admiração” que alguns deputados, membros da comissão, demonstraram em relação à iniciativa de Eduardo Cunha de depor espontaneamente na CPI da Petrobrás contribuíram para deslegitimar a ação dos membros e da própria CPI. Enquanto a maioria dos deputados, membros da CPI, ‘elogiavam’ a posição de Eduardo Cunha, as manifestações sociais e também as redes sociais (facebook, instagram, twitter e outras)

185 As informações sobre as manifestações foram pesquisadas em vários jornais. A folha de São Paulo e sites de notícias: Disponíveis respectivamente em:http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/hoje/2015/11/1705192-quinta-tem-manifestacao-de-mulheres- contra-eduardo-cunha-na-paulista.shtml; http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/11/manifestacao- contra-cunha-fecha-sentido-da-avenida-paulista.html; http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia- estado/2015/11/17/mulheres-negras-pedem-saida-de-cunha-em-protesto-na-porta-do-plenario-da- camara.htm#fotoNav=49. Todos os sites foram acessados em 1/3/2016.

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evidenciavam que muitos cidadãos brasileiros gostariam de vê-lo longe do parlamento brasileiro e o consideravam um político corrupto. O deputado Eduardo Cunha é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de praticar os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo as denúncias, ele teria recebido US$ 5 milhões de propina para facilitar um contrato de aluguel de navios-sonda entre a Petrobrás e a Samsung Heavy Industries. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reiterou a denúncia feita ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o parlamentar e afirmou: “Eduardo Cunha sempre se mostrou extremamente agressivo e dado a retaliações".186 Com a denúncia, Eduardo Cunha se tornou formalmente acusado. Entretanto, caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir se ele passará à condição de réu, respondendo a um processo criminal, ou se o caso será arquivado, na hipótese de o tribunal entender que os indícios apontados não são suficientes para abertura da ação. No dia 2 de março de 2016, a maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) votou a favor de abrir a primeira ação penal da Operação Lava Jato no tribunal e tornar réu o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sob acusação dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.187 As denúncias contra Eduardo Cunha foram contínuas durante o ano de 2015 e 2016, e o nome dele foi citado em várias delações premiadas: Julio Camargo (lobista das empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobrás), em delação premiada, afirmou que pagou cinco milhões de dólares de propina ao presidente da Câmara dos Deputados. Fernando Baiano (Lobista e preso na operação Lava Jato) também afirmou que Eduardo Cunha teria recebido cinco milhões. O doleiro Alberto Youssef já havia mencionado o deputado como beneficiário de corrupção. Ricardo Pernambuco Júnior (empresário da empresa Carioca Engenharia) entregou aos investigadores da Operação Lava Jato uma tabela que aponta 22 depósitos somando US$ 4.680.297,05 em propinas supostamente pagas ao presidente da Câmara, entre 10 de agosto de 2011 e

186 Disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2016/02/16/interna_politica,734690/janot- rebate-defesa-e-diz-que-eduardo-cunha-e-agressivo-e-dado-a-reta.shtml . Acesso em 18/2/2016.

187 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1745610-maioria-do-stf-vota-para- transformar-cunha-em-reu-na-lava-jato.shtml?cmpid=newsfolha. Acesso em 7/3/2016.

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19 de setembro de 2014. Além disso, o senador Delcídio do Amaral também citou Eduardo Cunha no recebimento de propinas188. Cumpre acrescentar que, por unanimidade, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, no dia 5 de maio de 2016, manter a suspensão do mandato e o afastamento por tempo indeterminado do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara. Os ministros ressaltaram que Eduardo Cunha havia usado o cargo para prejudicar as investigações da Lava Jato e o andamento do processo de cassação que responde no Conselho de Ética da Câmara189. Para justificar o afastamento, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Albino Zavascki afirmou:

A permanência de Eduardo Cunha, além de representar um risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada (MINISTRO TEORI ZAVASCKI, 2016)190.

O afastamento de Eduardo Cunha pelo Supremo Tribunal Federal mostra que o judiciário resolveu um problema que o legislativo não conseguiu resolver. A tensão na CPI revelou-se também em relação ao período a ser investigado, e muitas questões foram levantadas durante praticamente todas as reuniões. Os partidos de oposição (PSDB e DEM, principalmente) partiram do princípio de que a corrupção na Petrobrás fora instituída em 2002, sob o governo do PT, e este culpabilizou governos anteriores. Esse assunto também gerou muitas discussões e foi bastante enfatizado nos comentários dos deputados.

188 Informações disponíveis em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/delator-aponta- propina-de-r-52-milhoes-em-36-parcelas-a-eduardo-cunha/; http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/12/exclusivo-eduardo-cunha-cobrou-r-52-mi-em-propina- para-liberar-dinheiro-do-fi-fgts-diz-pgr.html; http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/210470530/10- passos-para-a-prisao-de-eduardo-cunha-pmdb-rj . Acesso em 15/4/2016.

189 Informações disponíveis em: http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2016/05/maioria- do-stf-confirma-afastamento-de-eduardo-cunha-da-camara.html. Acesso em 10/5/2016.

190 Disponível em: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/05/05/stf-afastamento- eduardo-cunha.htm. Acesso em 10/5/2016. 181

(...) É bom lembrar que, até um pouquinho antes, Ricardo Boechat, em 1989, ganhou o Prêmio Esso com denúncia de roubo e corrupção na PETROBRAS. Recentemente, no dia 17 de novembro, Boechat disse: “Sempre houve gente roubando na PETROBRAS. FHC, Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente, é oportunista ao afirmar ter vergonha da corrupção. FHC sabe que na PETROBRAS se roubou muito durante o seu Governo. Aí FHC diz: “Ah, mas não pegaram ninguém. Vergonha de FHC é tentativa de manipulação político-partidária.” Quer dizer, roubou, não pegou, tudo bem. Roubou e pega, aí, sim, é que vira corrupção. (...)mais, é bom lembrar que o senhor também jornalista Paulo Francis — inclusive acho que a família, Presidente, do Paulo Francis deveria pedir uma reparação histórica, uma indenização de danos morais contra o Joel Rennó e os sete diretores da PETROBRAS que entraram na Justiça contra ele — morreu aos 66 anos, de infarto, respondendo um processo que cobrava 100 milhões, porque denunciou a corrupção na PETROBRAS e as contas na Suíça que existiam naquele período. Precisou agora, a Polícia Federal deixou de ser amordaçada, o Ministério Público deixou de ser amordaçado, a Procuradoria-Geral da República deixou de ser amordaçada [Deputado Jorge Solla – PT/BA – 3ª reunião CPI/Petrobrás].

(...)“engavetadora-geral da República”, como era no Governo Fernando Henrique, para finalmente vir a público a corrupção que existia, e muito foi roubado. Afinal, o Governo de FHC é o Governo mais corrupto que já existiu neste País. Está documentado no livro Privataria Tucana [Deputado Edmilson Rodrigues – PSOL/PA – 3ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Porque corrupção neste País existe desde que Pedro Álvares Cabral chegou aqui: enganou os pobres dos índios entregando espelho para receber ouro em troca. Sempre existiu em maior ou menor grau, porém nunca corrupção institucionalizada — “corrupção institucionalizada”, nas palavras de Pedro Barusco. O PT, que sempre se elogiou por ser a agremiação mais organizada do Brasil — e isso é inconteste —, quando chegou ao poder, essa organização serviu a dois senhores: serviu a Deus e serviu ao diabo, serviu ao bem e serviu ao mal. Essa agremiação tão sofisticada proporcionou a maior estrutura de corrupção da história moderna em qualquer país livre e democrático (...)O PT antes dizia: “Sou diferente de todos”. E hoje se esforça para dizer: “Vocês todos são iguais a mim, estamos todos na mesma lama”. Não estamos. E isso estará aqui provado, com os resultados da CPI. [Deputado Efraim Filho – DEM/PB – 10ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) O Governo do PT assaltou o País para se manter no poder por 12 anos e com alguns partidos aliados. Assustador, dantesco, dramático [Deputado Darcísio Perondi – PMDB/RS - 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) Quero lembrar também o seguinte: se houve roubo antes, se houve corrupção antes desse período que nós vamos investigar, então, nós temos um grande erro aqui. Eu acho que o Ministro da Justiça foi incompetente. Foi incompetente, porque não levantou nada, não investigou nada. Se ele não investigou nada, por que agora levantar isso? Por que levantar? Vamos investigar o que está aí. Nunca se corrompeu e nunca se roubou tanto neste País como agora. Por isso, a Polícia Federal, o Ministério Público e o juiz fizeram essa mega-ação. Quero apenas lembrar isso aos companheiros. Nós teremos daqui a pouco investigações do

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BNDES, do Banco do Brasil, da VALEC. Nunca se corrompeu tanto neste País. [Deputado Delegado Waldir – PSDB/GO – 1ª reunião CPI-Petrobrás]

(...) eu fico aqui imaginando a dificuldade que tem a população brasileira de entender esta Casa (...)toda vez que tem uma CPI — aliás, o PT foi contra, os seus Ministros lutaram muito para que não fosse instaurada essa CPI —, que ela fala do passado, que fala de corrupção de antes de 2002. Por que não foi apurado, Deputados? V.Exas. foram irresponsáveis? O que houve? Foram coniventes? O que houve? V.Exas. estão há 12 anos no poder, 12 anos! (...)A partir de sábado, 5 mil pais de famílias e mães de famílias vão ser demitidos do estaleiro lá em Maragogipe. Esta é que deveria ser a preocupação de um Deputado do PT, que hipoteticamente defende o povo brasileiro e diz que defende o povo pobre do Brasil (...)E foram desempregadas em função da corrupção que o PT instaurou na PETROBRAS .Não foi por outro motivo (...)eu quero dizer que confio e acredito no Presidente, pela sua idade, pelo seu compromisso com as futuras gerações. Que realmente não vire pizza esta CPI, como já fala a população brasileira e como espera parte da população brasileira. Não esperem que aconteça isso (...) Quanto ao Relator, infelizmente, não posso esperar muita coisa. Eu não acredito que uma pessoa do PT, que já entra dizendo, o Relator, que esta CPI é mais uma, é a terceira, vai querer apurar. O que falam nos corredores é que, se apurar muito esta CPI, nós vamos chegar ao ex-Presidente Lula, vamos chegar à Presidenta Dilma. Será, Sr. Relator, que V.Exa. tem coragem mesmo? Será que V.Exa. tem coragem de ver o Presidente Lula na cadeia, que é o que fala o povo brasileiro? Eu acho que não. Infelizmente, eu acho que não (...)Vamos acabar com a corrupção! Vamos deixar de retórica, de falar do passado! O passado, sim, é para nos inspirar, é para reconhecermos que houve erro. Mas nunca houve tanta corrupção no Brasil como há hoje. [Deputado João Gualberto – PSDB/BA – 1ª reunião CPI-Petrobrás]

(...) há um patrocínio de delatores réus confessos, corruptos confessos, a heróis nacionais. Esse procedimento praticado pela Oposição tem que ser combatido. Nós refutamos essas ilações, essas acusações sem provas contra o Partido dos Trabalhadores, um partido constituído de homens e mulheres honestas. Vamos apurar. A orientação do PT é apurar. Se houver ilícito praticado por agentes econômicos ou agentes públicos, de qualquer filiação partidária, têm que pagar na forma da lei. E isso implica que nós temos que retroagir a 1997 e 1998 [Deputado Afonso Florence – PT/BA - 3ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) ninguém aqui acredita que esse processo de corrupção da PETROBRAS começou nos últimos 10 anos. Denúncias nos meios de comunicação deste País na década de 90 e nos anos subsequentes já apontavam fortes situações de corrupção na PETROBRAS A grande diferença e a grande oportunidade que nós estamos tendo hoje é que nós estamos podendo, neste momento, apurar porque existem autonomia e interesse do Governo, assim como autonomia dos órgãos responsáveis por fazer a devida apuração (...) Anteriormente, isso não aconteceu, apesar das denúncias de corrupção pautadas inclusive em vários órgãos da imprensa deste País, porque eram simplesmente engavetadas (...)Nós temos que combater a corrupção nos processos que devem ser investigados no metrô, nós temos que combater a corrupção em processos que não foram devidamente apurados na privatização que foi feita de forma, eu diria até, achincalhando o patrimônio público em décadas passadas [Deputado Jorge José Santos Pereira Solla – PT/ BA – 1ª reunião CPI-Petrobrás]

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(...) Pessoal, por favor, esse é o partido que mais enterrou CPIs, esse era o partido que tinha um “engavetador-geral da República”. Há Deputado do PSDB que diz: “Olha, nós somos do PSDB, não vamos ser investigados.” Parece que no Brasil é proibido investigar o Partido da Social Democracia Brasileira. [Deputado Celso Pansera – PMDB/RJ – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

Nos discursos dos parlamentares da oposição há uma descrença de que a CPI possa realmente trazer resultados, enquanto os parlamentares do partido do governo ressaltam que a corrupção na Petrobrás não é um problema ‘novo’, pois já estava lá na década de 1990, ou seja, quando o governo era do PSDB. No inicio da segunda reunião para a eleição dos Vice-Presidentes da Comissão, apresentação pelo Relator do Plano de Trabalho da Comissão e apreciação de requerimentos, o assunto de financiamento de campanhas continuou. O deputado Paulo Pereira da Silva (SOLIDARIEDADE) começou a reunião insultando o partido do PSOL e argumentou que era ‘duvidoso’ uma campanha ser feita somente por financiamento privado. Em sua fala, o deputado levantou dados sobre a campanha de Ivan Valente e de Chico Alencar, ambos do PSOL. O deputado Paulo (conhecido como Paulinho da Força) fez um levantamento dos salários e da respectiva contribuição para a campanha do PSOL, deixando a entender que era injusto receber as quantias de pessoas que têm o salário baixo.

(...) Eu fiquei impressionado com aquilo e disse: bom, vou ver como é que ele financia a campanha. Então, achei curioso e por isso queria relatar aqui aos meus parceiros. E aí eu fui pegar a prestação de contas do Deputado Ivan Valente, do Deputado Chico Alencar e também peguei os seus funcionários da Casa (...)Na prestação de contas deles só constam pessoas físicas. E aí tem um funcionário dele, por exemplo, o Fabiano Lago Garrido, que ganha 2.690 reais e doou para a campanha dele 2.750 reais. Outro aqui, o Marcelo Vieira Aguirre, ganha 5.095 reais e doou para a campanha 2.184 reais. O Pedro Augusto Domingues Miranda Brandão ganha 5.490 reais e doou pouco, doou 250 reais. A Sonia Maria Reis Arcanjo ganha 5.690 reais e doou 2.038 reais (...) Enfim, estou aqui com os holerites dos funcionários, com a prestação de contas dos Deputados Ivan Valente e Chico Alencar. Eu não quero criar polêmica. Só acho estranho, porque aqui, de vez em quando, aparecem algumas denúncias de Deputados que tomam dinheiro dos funcionários. Um funcionário ganha 5 mil e devolve para o Deputado 2 mil, 3 mil por mês. Eu, como achei estranho esse tipo de doação dos funcionários, resolvi trazer para entregar ao senhor (...) E eu sou um dos nove aqui desta Casa que receberam

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dinheiro das empreiteiras. Foi o meu partido que recebeu. [Deputado Paulo Pereira da Silva – SD/PR – 2ª reunião da CPI/Petrobrás].

Observa-se que a segunda reunião começou com disputa entre os partidos e com críticas sobre o financiamento privado das campanhas. O deputado Ivan Valente (PSOL) permaneceu tranquilo, agradeceu ao deputado Paulo Pereira da Silva por levantar os dados de sua campanha e não mudou sua posição contrária em relação aos deputados que receberam recursos das empresas investigadas de permanecerem na comissão da CPI.

(...) nós vamos pedir o impedimento de todos os Deputados que aparecerem nas doações da operação Lava-Jato, que receberam das empresas lá processadas, seja o Presidente da Casa, Presidente de Comissão, Relator, quem ocupar cargo de mando aqui. Essa é uma questão ética. Essa é uma exigência de transparência da sociedade brasileira (...)Falo para todos os brasileiros que nós nos orgulhamos de fazer campanha com recurso próprio e que temos de acabar com o financiamento privado de campanha. É a única forma de acabar com a corrupção em nosso País. A raiz da corrupção é o financiamento privado de campanha [deputado Ivan Valente – PSOL/ SP 2ª reunião CPI/Petrobrás].

O assunto, embora pertinente para a credibilidade da CPI, não seguiu em frente. Os representantes do PSOL não conseguiram o impedimento de tais deputados na comissão, e a CPI da Petrobrás começou com essa lacuna ética e moral. Cumpre acrescentar que o deputado Paulo Pereira da Silva (SD) foi acusado de crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, por suposto envolvimento em um esquema de desvio de verbas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 8 de setembro de 2015191. Apesar de a denúncia ter acontecido depois da data da segunda reunião, observa-se mais dissonâncias entre o que os deputados falam e defendem como ético, e como agem. Além disso, a CPI da Petrobrás tem como objetivo investigar a

191Informação obtida no site do Valor Econômico. Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/4214372/stf-abre-acao-penal-contra-deputado-paulo-pereira-da-silva-o- paulinho . Acesso em 24/2/2016.

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corrupção na Petrobrás. O financiamento de campanhas é um assunto relevante e parece não fazer sentido que deputados que tenham recebido recursos dessas empresas (embora sejam ‘lícitas’) participem da comissão. Receber dinheiro de empresa e relatar ou investigar matéria relativa ou do interesse dessas empresas é vedado pelo inciso VIII do art. 5º do Código de Ética e Decoro Parlamentar.

Art. 5º - Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código: VIII - relatar matéria submetida à apreciação da Câmara, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral (CÓDIGO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p. 13)192.

No entanto, foi exatamente contrariando o código de ética que a CPI aconteceu. A democracia permite que cada deputado possa expressar suas opiniões de acordo com as suas convicções, em conformidade com aquilo que seus partidos defendem. Entretanto, observa-se uma radicalização das posições que começou desde a primeira reunião da CPI. Cada parlamentar tentou defender seu partido, suas posições, tentou deslegitimar e, muitas vezes, insultar o partido de oposição. Conforme observamos na fala dos deputados, existe um descrédito em relação à CPI e, ao mesmo tempo, um discurso incerto no que concerne aos resultados desta Comissão, por ainda nem terem sido ouvidos os depoentes naquela ocasião. Houve vários momentos tensos na segunda reunião da CPI. O objetivo era a votação dos vice-presidentes da comissão, apresentação do plano de trabalho pelo relator (já nomeado na sessão anterior) e apresentação dos requerimentos para apreciação do presidente. Porém, desde o início, observaram-se discussões entre os membros dos partidos e o descontentamento de líderes do PSOL em relação aos membros da comissão, por terem recebido financiamento das campanhas pelas empresas investigadas, como já expusemos. Além dos tumultos no plenário que aconteceram constantemente, sendo necessário inclusive o desligamento dos

192 Código de Ética e Decoro Parlamentar. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a- camara/eticaedecoro/arquivos/Codigo%20de%20Etica%20da%20CD.pdf. Acesso em 24/2/2016.

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microfones em vários momentos, outra discussão levantada e que gerou ‘desconforto’ foi em relação à indicação de sub-relatorias. Sobre este assunto, não há dispositivo regimental que aponte no sentido de o Presidente poder designar sub-relatorias, mas também não há nada que o impeça de indicá-las. Da mesma forma que a Presidência tem a prerrogativa para indicar a Relatoria, teria também de indicar as sub-relatorias (no entendimento do presidente Hugo Motta), e a decisão tomada pela Presidência foi de indicar os sub-relatores, atitude que contrariou muitos parlamentares. Pelos termos do art. 41, inciso VI, é prerrogativa do Presidente a indicação de Relatores e de Relatores substitutos, entretanto, não trata a questão da indicação de sub-relatores.

Art. 41. Ao Presidente de Comissão compete, além do que lhe for atribuído neste Regimento, ou no Regulamento das Comissões: VI – designar Relatores e Relatores substitutos e distribuir-lhes a matéria sujeita a parecer, ou avocá-la, nas suas faltas (REGIMENTO INTERNO, 2012, p. 55).

O Presidente Hugo Motta, no entanto, apresentou uma ‘avaliação por extensão’, como prerrogativa sua a indicação dos sub-relatores. Quanto à organização dos trabalhos, seguindo os termos do art. 41, inciso VI e do art. 57, inciso II, do Regimento Interno da Casa, criou quatro sub-relatorias pautadas no requerimento de criação da CPI. A 1ª Sub-relatoria teve como objetivo a investigação do superfaturamento e gestão temerária na construção de refinarias no Brasil, e seria sub-relatada pelo Deputado Altineu Côrtes, do PR do Rio de Janeiro. A 2ª Sub-relatoria seria para investigar a constituição de empresas subsidiárias e sociedades de propósito específicas pela Petrobrás, com o fim de praticar atos ilícitos, relatada pelo Deputado Bruno Covas, do PSDB de São Paulo. A 3ª Sub-relatoria, para a investigação de superfaturamento, gestão temerária na construção e afretamento de navios de transporte, navios-plataforma e navios- sonda, seria relatada pelo Deputado Arnaldo Faria de Sá, do PTB de São Paulo.

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E a 4ª Sub-relatoria teria como objetivo investigar as irregularidades na operação da companhia Sete Brasil e na venda de ativos da Petrobrás na África, mais a recuperação de ativos. O escolhido para relatá-la foi o Deputado André Moura, do PSC de Sergipe. A intenção do presidente Hugo Motta, ao criar as sub-relatorias seria organizar os assuntos que foram elencados pelos Deputados que assinaram o requerimento de criação da CPI e dividi-los em sub-relatorias, para que todos os assuntos a serem discutidos na Comissão pudessem ser sub-relatados, acompanhados com profundidade, auxiliando o trabalho do Relator, o Deputado Luiz Sérgio (PT).

(...) O que nós queremos é investigar. O que nós queremos é a harmonia entre os partidos, para que a CPI possa funcionar. Este é o nosso propósito, de maneira democrática, com Deputados de Oposição, com Deputados do Governo, com representantes de quase todos os blocos partidários aqui da Casa, pelo menos os maiores blocos estão representados [Presidente Deputado Hugo Motta-PMDB-PB- - 2ª reunião CPI/Petrobrás].

O Regimento deixa dúvidas em relação à criação de sub-relatorias, mas a “tradição” é que os sub-relatores sejam indicados, quando necessário. Embora não seja regimental a questão da indicação de sub-relatores, geralmente nas CPIs, quem indica as sub-relatorias (em consonância com a Presidência) e quem distribui o trabalho é o próprio Relator. Mas, no caso da CPI da Petrobrás, como observado, foi o presidente quem as criou e quem designou os nomes dos sub-relatores. Entretanto, de acordo com o art. 57, inciso II do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, quem deve indicar é a “comissão” (e não somente o presidente) e deve submeter ao Plenário:

Art. 57- No desenvolvimento dos seus trabalhos, as Comissões observarão as seguintes normas: II - À Comissão é lícito, para facilidade de estudo, dividir qualquer matéria, distribuindo se cada parte, ou capítulo, a Relator-Parcial e Relator- Parcial substituto, mas escolhidos Relator-Geral e Relator- Geral substituto. (REGIMENTO INTERNO, 2012, p.67)

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Entretanto, o deputado Hugo Motta (PMDB) não consultou os partidos para a indicação das sub-relatorias e a consequência desse ato foi uma série de troca de acusações na reunião.

(...) É um moleque o Presidente desta CPI [Deputado Edmilson Rodrigues – PSOL/SP- 2ª reunião CPI/Petrobrás]. (...)V.Exa. me respeite! Irei abrir, mas não abrirei dessa forma! Eu não abrirei dessa forma! Eu não abrirei dessa forma! Eu não abrirei dessa forma! V.Exa. me respeite! V.Exa. se retrate. Agora eu quero dizer a V.Exas. que não serei aqui nenhum fantoche para me submeter à pressão de quem quer que seja. (Palmas.) Um Deputado aqui se levantou e me desrespeitou. Eu quero dizer a V.Exa. que eu não tenho medo de grito e da terra de onde eu venho homem não grita comigo. V.Exa. me respeite! V.Exa. me respeite!(...) Irei agora designar os Sub-Relatores e, em seguida, vou conceder a palavra. [Presidente Deputado Hugo Motta-PMDB-PB- - 2ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Não vai ser na marra, Sr. Presidente, ou mande me prender [Deputado Edmilson Rodrigues – PSOL/SP- 2ª reunião CPI/Petrobrás]. . (...)É justo V.Exa. me chamar de moleque? V.Exa. me chamou! Eu exijo retratação. [Presidente Deputado Hugo Motta-PMDB-PB- - 2ª reunião CPI/Petrobrás].

(...)Então, eu acredito que não é só porque o Presidente é jovem que qualquer cabeça-branca pode chegar e meter o dedo na cara e desrespeitar, assim como os jovens também respeitam os cabeças-brancas (...)E não se está aqui para invocar quem é oriundo de um Estado mais conservador que o outro, porque, se for partir para a violência, para quem grita mais alto, para quem aponta o dedo e para quem é mais forte, daqui a pouco nós vamos botar no nosso plenário um ringue de MMA e vamos ver quem são os valentões do Congresso. Cadê o Popó? Não está. (Risos.) Eu fui ali para a frente e ouvi palavras de baixo calão, e eu tenho certeza que não foi a ele só, foi à Presidência da Comissão. [Deputado Weverton Rocha- PDT/MT - 2ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Não podemos admitir que um Parlamento como o nosso chegue a este ponto de desrespeito. Acredito que a população brasileira, que nos colocou para representar seus Estados, espera o mínimo de sensibilidade, de serenidade e de responsabilidade conosco e com o nosso mandato (...) Acredito que não será pela força ou pelo grito que vamos conseguir alcançar o objetivo desta CPI [Deputado Rodrigo Martins- PSB-PI- 2ª reunião CPI/Petrobrás].

Essa discussão gerou um enorme tumulto no plenário, visto que todos os deputados queriam se manifestar e, por isso, o microfone foi cortado. O presidente Hugo Motta pediu uma retratação do deputado Edmilson Rodrigues por tê-lo chamado 189

de ‘moleque’, o qual se retratou e aproveitou a palavra para salientar que na CPI existem acordos entre os partidos.

(...) Eu inclusive acho que tem que ser submetida ao Plenário [o assunto das sub-relatorias], depois, a sugestão de se criar uma, duas, quatro ou cinco sub-relatorias. Isso será votado. E será aprovado aquilo que V.Exa [Deputado Hugo Motta] quiser, mas não porque V.Exa. é um coronel. E aí eu vou publicamente pedir desculpas a V.Exa. Para evitar que V.Exa. decretasse um fato consumado, eu fiquei gritando “coronel”, “coronel”, “coronel”. Desculpe-me. Mas eu disse: “Não amoleque esta CPI”. Não lhe chamei “moleque”. Mas eu acho que os Deputados têm que ser respeitados. Então, é essa a reclamação. E eu queria transformá-la em questão de ordem, e que V.Exa. pudesse seguir o rito(...)V.Exa. é de um partido político, porque aqui é uma CPI, não é outra coisa, e naturalmente tem o direito de fazer acordos. Eu sei que os Vice- Presidentes foram fruto de um acordo. Então, tenha a clareza de que tenho todo o interesse de que possamos avançar na maior paz. Agora, naquilo que eu achar que é um desrespeito à minha representação soberana dos 8 milhões de paraenses, eu realmente usarei os recursos democráticos. E, às vezes, o recurso democrático é impedir que uma violência institucional se realize [Deputado Edmilson Rodrigues – PSOL/SP- 2ª reunião CPI/Petrobrás].

Após longa discussão e a leitura das sub-relatorias criadas pelo presidente Hugo Motta, ele afirmou que quem não estivesse satisfeito, que procurasse seus direitos, mas que não mudaria sua posição:

(...) Existem instâncias superiores para que V.Exa. possa recorrer da nossa decisão, e a decisão que for acatada pela Presidência da Casa, pela Mesa, nós a seguiremos. A decisão é sobre relatorias e está tomada, com os Relatores designados [Presidente Deputado Hugo Motta- PMDB-PB- - 2ª reunião CPI/Petrobrás].

Na segunda reunião, houve a presença do deputado presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha (PMDB), que compareceu espontaneamente à reunião e afirmou estar à disposição para um depoimento “espontâneo”, a fim de sanar dúvidas no que diz respeito à citação envolvendo seu nome no recebimento de propinas na Petrobrás. Como seu depoimento foi espontâneo, Eduardo Cunha não fez o juramento

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de dizer a verdade193, prática comum no início dos depoimentos e, embora alguns deputados indagassem sobre isso, não houve resposta. O nome de Eduardo Cunha surgiu em depoimentos de delação premiada do doleiro Alberto Youssef. De acordo com a denúncia, ele teria ajudado um dos operadores do esquema (Júlio Camargo) a repassar a propina para Eduardo Cunha. Julio Camargo havia confirmado o esquema em sua delação, mas sem citar Eduardo Cunha. Meses depois, voltou atrás e disse que o deputado teria pedido US$ 5 milhões para viabilizar o contrato. Segundo Alberto Youssef, o presidente da Câmara Eduardo Cunha teria usado requerimentos em uma das comissões da Casa, com a finalidade de fazer pressão para receber o suborno. Os requerimentos foram apresentados por uma aliada, a então ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), atual prefeita de Rio Bonito (RJ). E que também é alvo de denúncia pelo crime de corrupção passiva. Conforme a denúncia, Cunha foi o autor "material e intelectual" dos requerimentos. A Procuradoria informou na denúncia que identificou 60 operações de lavagem de dinheiro, entre as quais remessas ao exterior, entrega de dinheiro vivo, simulação de contratos de consultoria, emissão de notas frias e transferências para uma igreja vinculada a Cunha, a título de doações religiosas194. O deputado Eduardo Cunha fez o seguinte discurso:

O que me traz aqui, a questão que me traz aqui, à presença do Plenário desta Comissão, são as notícias veiculadas dando conta de que, supostamente, haveria a citação, ou a solicitação de investigação, ou qualquer coisa do gênero, envolvendo o nome desta Presidência. Em primeiro lugar, gostaria de afirmar aqui, perante o Plenário desta Comissão, que este Parlamentar, não o Presidente da Casa, faz questão e está à disposição para vir aqui e prestar todo e qualquer esclarecimento. No primeiro momento que a Comissão assim entender e me permitir, à medida que se conheça qualquer tipo de detalhe, eu faço questão absoluta de espontaneamente comparecer aqui neste Plenário e debater, ser inquirido por V.Exas. e esclarecer todo e qualquer ponto que seja necessário. (Palmas.) Em segundo lugar, gostaria de dizer que não tem veracidade, não tem fundamento a informação de que eu teria sido avisado de qualquer coisa, porque não o fui, nem pelo que saiu nas matérias de jornais ou qualquer emissário do

193 O juramento de dizer a verdade é uma prática comum no início de cada depoimento. Entretanto, Eduardo Cunha não o pronunciou, nem houve o pedido do Presidente da CPI, Hugo Motta, para que ele o fizesse. Alguns deputados, especialmente do PSOL e REDE, ficaram confusos sobre o depoimento de Eduardo Cunha.

194 Informações extraídas do site da G1. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/operacao-lava- jato/noticia/2015/08/entenda-denuncia-do-mpf-contra-eduardo-cunha-na-lava-jato.html. Acesso em 1/3/2016. 191

Exmo. Sr. Procurador, ou até pelo Vice-Presidente da República, como foi noticiado. Esse fato não é verdadeiro. Todos se lembram de que, durante o período da campanha eleitoral para Presidência desta Câmara, surgiram matérias envolvendo um depoimento de um personagem que havia inicialmente atribuído um endereço que supostamente seria a minha residência, o que depois foi desmentido não só pelo próprio autor, mas também por comprovação, através da certidão de ônus reais do imóvel, em que ele disse que teria ido, comprovando que esse imóvel não era da minha autoria, não se tratava da minha residência, nem do condomínio onde resido. Se supostamente alguém quiser algum tipo de esclarecimento sobre isso, até mesmo o Procurador- Geral, eu peticionei no dia 9 de fevereiro — posso disponibilizar as petições, a cópia para a Comissão Parlamentar de Inquérito — para que tomasse conhecimento da certidão de ônus reais e de tudo que fosse providenciado diretamente ao Procurador-Geral da República. Essa petição, volto a afirmar, está à disposição. Esse fato foi publicamente desmentido. Se alguma dúvida restar, se for essa a motivação, se for verdade que exista, será muito fácil. E qualquer outro não há nenhum problema em este Parlamentar esclarecer a V.Exas. (...)E quero dizer que aqui é o fórum em que vai ter ser debatido, de verdade, tudo o que está acontecendo, é uma oportunidade ímpar que a Câmara dos Deputados tem. Eu, como Líder, até me eleger Presidente, na outra CPMI defendi a sua instalação e, publicamente, defendi a instalação desta CPI e, como Presidente, o primeiro despacho que eu dei foi para a instalação desta CPI [Deputado Eduardo Cunha – PMDB/RJ- 2ª reunião CPI/Petrobrás].

O deputado Eduardo Cunha foi elogiado e recebeu palmas da maioria dos deputados presentes na reunião. Alguns pediram a palavra para expor a admiração que sentem pelo deputado e lhe agradeceram pela “honestidade” com que dirige o parlamento brasileiro.

(...) quero fazer um registro sobre a oportunidade em que o Presidente Eduardo Cunha, publicamente, se disponibiliza a vir a esta CPI e a responder todas as dúvidas. Era exatamente o que esperávamos dele. S.Exa. age em consonância completa com o sentimento da Nação. Portanto, os meus cumprimentos a V.Exa . [Deputado Carlos Sampaio – PSDB/SP- 2ª reunião CPI/Petrobrás].

(...)Desde há muito tempo, eu, o nosso partido e todas as nossas lideranças somos terminantemente contra tipos de vazamentos, especialmente vazamentos seletivos, em nossa opinião, de situação que envolva nome de qualquer Parlamentar ou de qualquer pessoa. E em muitos casos aconteceu do nome da pessoa ser citado, como no caso de uma pessoa já falecida: o Gushiken. Após o seu falecimento é que vem a prova cabal de que ele era inocente. Quem vai repor a imagem? Então, isto é uma coisa muito séria. Eu gostaria de deixar também aqui os nossos cumprimentos e dizer que é muito importante a posição do Presidente em vir aqui colocar-se à disposição desta CPI, porque daqui para frente nós

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teremos que nos tratar dessa maneira [Deputado Sibá Machado – PT/AC- 2ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Quero ressaltar aqui a importância do gesto do nosso Presidente Eduardo Cunha, Deputado eleito pelo nosso partido, pelo Estado do Rio de Janeiro, que, diante de tantas notícias que saem por aí, sem nenhum fundamento, vem aqui e se coloca à disposição desta CPI para esclarecer tudo o que for necessário (...) não podemos deixar que pairem dúvidas sobre Parlamentares e demais pessoas, cidadãos, em função de histórias que são inventadas, são criadas e publicadas pela imprensa [Deputado Celso Pansera – PMDB/RJ-. 2ª reunião CPI/Petrobrás].

O “depoimento espontâneo” de Eduardo Cunha e os comentários “gentis” dos deputados, membros da CPI, demonstram a indiferença dos deputados em relação às denúncias feitas contra o Presidente da Câmara. A CPI é um instrumento legal de investigação, entretanto, principalmente naquele momento, ela se afastou de seu objetivo central e se aproximou ainda mais de discursos políticos partidários. Durante as reuniões, os assuntos que fomentavam as discussões foram bem variados e causaram conflitos entre os parlamentares. A CPI, apesar de ser uma Comissão de Inquérito, é uma Comissão Parlamentar de Inquérito e, por ser Parlamentar de Inquérito e por estar em uma casa política, evidentemente, há as diferenças e interesses político-partidários em jogo. No decorrer das reuniões, pois, houve vários momentos de brigas entre os partidos. As discussões mais acentuadas ocorreram em relação aos “culpados pela corrupção”, ao “financiamento de campanhas e recebimento de propinas” e “aos objetivos da CPI”. Cada parlamentar, tendo como intenção defender seu próprio partido, utilizava os mais diversos argumentos.

. Culpados pela corrupção:

(...) implantou-se neste País o império da corrupção. Não foi o PSDB, não. É um modelo americano que eles copiaram há mais de 130 anos [Deputado Delegado Waldir Soares de Oliveira – PSDB/GO- 3ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Todo mundo do PSDB é ladrão também [Deputado Jorge Solla – PT/BA – 10ª reunião CPI/Petrobrás].

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(...) Eu não tenho vergonha nenhuma de ser do Partido dos Trabalhadores, muito pelo contrário. Tenho a honra de ser filiado ao partido que mudou a vida dos brasileiros, melhorou a vida do povo brasileiro (manifestações no Plenário), tirando mais de 50 milhões de pessoas da faixa da extrema pobreza. Quem está na universidade pública, quem tem bolsa família, quem tem bolsa do PROUNI, quem tem financiamento do FIES, quem tem luz elétrica, graças a Luz para Todos, quem tem casa graças ao Minha Casa, Minha Vida tem a honra de dizer que é filiado ao Partido dos Trabalhadores (...)Não vou me submeter a achaque! Isso parece achaque! Parece que estão querendo me intimidar! [Deputado Afonso Florence – PT/BA - 3ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Chega de mentiras!(...) Sr. Presidente, Sr. Presidente, Brasil, Deputados Federais, imprensa brasileira, a primeira coisa, eu gostaria de fazer o seguinte: é pedir para quem tem estabelecimento comercial aqui, em Brasília, mandar óleo de peroba para passar na cara dos Deputados do PT. Dois: aparelho auditivo, porque eles não querem escutar as vozes da rua. [Deputado Delegado Waldir Soares de Oliveira – PSDB/GO- 3ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) É baixaria! (...) O senhor [deputado Waldir] respeite a bancada do PT! Respeite a bancada do PT! [Deputado Léo de Brito – PT/AC – 3ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) O senhor me respeite! Tire o dedo! Baixe o dedo, Deputado! (Tumulto em plenário.) [Deputado Delegado Waldir Soares de Oliveira – PSDB/GO- 3ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Você [Delegado Waldir] não está na delegacia, aqui, não! Você não está na delegacia com um preso, não. (...) Coloque-se no seu lugar! Você não está numa delegacia, aqui, não, rapaz! [Deputado Valmir Prascidelli – PT/SP - 3ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Aí, vem o PT, de novo, com cinismo, dizer que quer salvá- la [Petrobrás]. O PT e o Governo deram um tiro no peito da PETROBRAS e, agora, eles se apresentam: “Nós queremos salvar a PETROBRAS”.(...) Por tudo isso, a população não acredita mais. Srs. Deputados, por isso a aprovação da Dilma está lá embaixo e vai piorar, porque, agora, vem o desemprego no Brasil, exatamente por todos esses desmandos e esses problemas gravíssimos. O País não suporta mais isso. O Brasil quer ser passado a limpo [Deputado Vitor Lipe – PSDB/SP – 5ª reunião CPI/Petrobrás].

. Financiamento de campanhas/Propina

(...) Uma das empresas que está sendo investigada doou 25 milhões de reais para o PSDB e 11 milhões para o PT. Agora, é engraçado que os 11 milhões do PT são dinheiro de propina, e os 25 milhões do PSDB não são! Os 25 milhões do PSDB são legais! (...) E tentam jogar uma ilusão para a sociedade, dizendo que um partido comete corrupção, e o outro não comete corrupção, e não querem discutir o fim do financiamento privado em campanha. [Deputado Waldir Prascidelli- PT/SP – 10 ª reunião CPI/Petrobrás].

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(...) a questão da corrupção na PETROBRAS está sendo muito bem trabalhada. Agora, a tentativa dos tucanos de querer incriminar o meu partido e incriminar as contas, que foram aprovadas pela Justiça Eleitoral, é que é o debate de fundo que não está querendo ser feito aqui (...) Se cabe, porque o Partido dos Trabalhadores, sendo Governo a partir de 2003, recebeu esses valores, o que dizer dos demais? Em dois casos, o PSDB supera as receitas do PT! (...) Aí, eu quero dizer que nós saímos completamente do foco desta CPI e vamos para uma outra direção, o que é altamente prejudicial para um mínimo de equilíbrio democrático [Deputado Sibá Machado – PT/AC. 10ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) No mensalão tucano do PSDB, que irrigaram as campanhas do PSDB, foi propina ou foi doação de campanha? No caso dos trens de São Paulo, nas várias administrações do PSDB, em Estados e Municípios, as doações que foram feitas por empresas foram propina ou foram doações legais? [Deputado Léo de Brito – PT/AC – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) Não há imparcialidade. Há evidentemente, como disse o Deputado Izalci, uma clara intenção de se fazer disputa política, porque nós podemos trazer aqui o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso (...)Então, eu apresentei um requerimento, solicitando que o tesoureiro do Instituto Fernando Henrique Cardoso, aquele Instituto que recebeu mais recursos do que o Instituto Lula, através da Camargo Corrêa, seja chamado aqui para ser ouvido. Não é possível que o dinheiro que vai da Camargo Corrêa para o Instituto Lula seja alvo de investigação e o dinheiro que a mesma Camargo Corrêa, Afonso, manda para o Instituto Fernando Henrique Cardoso não seja alvo de investigação. Não é possível que o ex-Presidente tenha a cara de pau de ir à imprensa dizer que ele recebe pagamento de palestras que ele faz, tentando insinuar que outras pessoas recebem pagamentos de palestras e não o fazem! [Deputado Jorge Solla – PT/BA- 24ª reunião CPI/Petrobrás.

(...)Vamos, então, deixar claro aqui que o Presidente do PSDB recebeu 10 milhões. [Deputado Celso Pansera – PMDB/RJ – 10ª reunião CPI/Petrobrás.

. Objetivo da CPI segundo os parlamentares do PT:

(...) eu quero dizer que esta CPI está voltada a dois objetivos. Do ponto de vista político, ela procura criminalizar a política e desmoralizar, o que nós não aceitamos, o Partido dos Trabalhadores. E no que diz respeito à PETROBRAS, ela tem o claro objetivo de investir no rumo da privatização, do entreguismo do pré-sal e o objetivo de colocar fim ao regime de partilha, que o PSDB já apresentou pelas suas lideranças como medida, aqui tramitando na Câmara dos Deputados, neste ano. Do ponto de vista político também, é inegável que nós temos aqui uma diferença de tratamento total. O PT está sentado aqui. Os demais partidos... Os requerimentos não foram sequer apreciados (...) Bom, ele está apresentado como lobista do PMDB. E os do PSDB? E os do PP, que estão citados na Operação Lava-Jato? (...) Por que o PSDB vem aqui para o seu Líder e sai correndo mais do que os ratos que foram jogados aqui 195

no início dos trabalhos desta CPI? Hoje, a separação não é pela política, é pelos interesses, lamentavelmente. (...) eu quero rejeitar, repudiar todos os ataques ao nosso partido, um partido de gente honesta, de gente trabalhadora, de gente correta, que limpará cada aspecto sobre seu nome. [Deputada Maria Do Rosário – PT/RS – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) estou muito preocupado com os rumos das coisas que estão acontecendo aqui, coisas estranhas acontecendo (...) hoje acontece esse espetáculo nefasto que nós vimos no início desta sessão, exatamente numa fala que vinha sendo feita por um Deputado do PSDB: uma pessoa, que é cargo comissionado na 2ª Vice-Presidência desta Casa e que já foi assessor de um Deputado também, do Paulinho da Força... Muito estranho isso. (...)Eu estou percebendo, percebi hoje, que, infelizmente, os amigos, colegas aqui do PSDB — isso ficou muito claro na fala do seu Líder —, de maneira... Exalando muito ódio, talvez por conta das... Eu acho que deve ser diretamente proporcional às quatro derrotas que tiveram na eleição presidencial, ele veio aqui e colocou de maneira muito clara. E eu, na minha opinião, esse deve ser o objetivo do PSDB nesta CPI: acabar com o PT. Mas é bom que tomem cuidado porque já falaram isso em outros tempos, que iam acabar com o PT, e o que aconteceu é que nós estamos aí há 4 anos na Presidência. (...)Não vamos aceitar esse tipo de atitude aqui na CPI, para que ela tenha credibilidade, porque a sua credibilidade já está indo pelo ralo, por conta dessas manobras e disso que aconteceu hoje aqui no início desta sessão [Deputado Léo de Brito –PT/AC – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) Como disse aqui há pouco o Líder do PSDB, o seu objetivo é cassar os dias do PT, ele não está preocupado em apurar nada, tanto que saiu correndo. Não se faz o mesmo debate aqui para chamar o tesoureiro do PSDB para explicar que métodos foram utilizados para o dinheiro chegar a suas contas. E eu quero considerar que eles foram lícitos, que a origem desse dinheiro era tão lícita como a origem do dinheiro do PT e de outros partidos. (...)Sem sombra de dúvida, a exemplo dos tesoureiros dos outros partidos, do PP, do PSDB e de todos os outros partidos, o que você faz é lutar exatamente para fazer com que a luta do PT continue, o que é um direito de todo partido, como o PSDB, o PMDB e todos os outros partidos [Deputado Francisco de Assis Carvalho Gonçaves – PT/PI - 10ª reunião CPI/Petrobrás].

Depois de inúmeros insultos entre os deputados, cada um defendendo seu partido (PT e PSDB) e atacando o partido da oposição, o presidente Hugo Motta (PMDB) se pronunciou e impediu a continuação dos ataques. Mais uma vez, não diferente de outros debates já ocorridos na CPI, percebe-se que o objetivo é atacar o partido. Ou seja, a impressão é que os deputados, membros da CPI, se preocupam mais com a troca de insultos e com tirar proveito do microfone, para verbalizarem ataques contra os ex-presidentes Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva. Em todas as sessões, foi observada a tentativa de desmoralizar o partido oposto.

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O descrédito da CPI:

Um fato que foi relevante na CPI na Petrobrás (10ª reunião da CPI/Petrobrás) diz respeito ao requerimento feito pelo deputado Afonso Forense (PT) à Petrobrás, solicitando cópia de “toda a documentação relativa a quaisquer procedimentos de acompanhamento e/ou avaliação da construção de refinarias realizadas pela PETROBRAS”. A deputada Eliziane Gama (REDE) chamou de “resposta desrespeitosa” à CPI, uma vez que a Petrobrás enviou cópia de resoluções que poderia ser baixada na Internet e acrescentou: “Esta CPI não pode ser desmoralizada, esta CPI não pode ser desrespeitada”. O presidente da CPI, deputado Hugo Motta (PMDB), respondeu: “Esta é uma Comissão de investigação. (...) e órgãos públicos não podem, de maneira alguma, deixar de emitir alguma informação que esta Comissão pedir. Tais fatos deixam claro que a CPI, embora tenha legitimidade para pedir documentos, parece não ter credibilidade para recebê-los da Petrobrás, uma vez que a empresa não atendeu aos pedidos de envio de documentação necessária ao prosseguimento das investigações. São episódios como este, que aconteceram no decorrer da CPI, que merecem ser levados em conta e dizem respeito à credibilidade da CPI perante os órgãos públicos, neste caso, a Petrobrás. O deputado Altineu Cortês (PR) também fez uma reclamação no mesmo sentido. Ele salientou que a ex-presidente da Petrobrás, Graça Foster, se comprometeu (e estava sob juramento) no dia 26 de março de 2015, momento em esteve prestando depoimento na CPI na condição de testemunha, que daria todas as informações técnicas à CPI, com o objetivo de ajudar na investigação. Entretanto, o deputado Altineu reclamou que ela não teria cumprido o que prometera. De acordo com o deputado, várias perguntas foram enviadas a Graça Foster, que, logo depois de depor, enviou um ofício à CPI dizendo que não poderia responder aos questionamentos, porque ela estava a 50 dias afastada da Presidência da Petrobrás. Na 10ª reunião da CPI, momento da colhida do depoimento de João Vaccari Netto (tesoureiro do PT), aconteceram alguns fatos que merecem ser destacados. Logo no início dos trabalhos da comissão, um funcionário da casa soltou roedores (ratos) nas galerias do plenário, provocando tumulto e “obrigando” a polícia legislativa a se

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desdobrar para capturá-los. Além disso, o Deputado Jorge Solla (PT) acusou o deputado Waldir (PSDB) de portar arma de fogo na CPI e vir acompanhado de policial. Uma discussão, que a priori, não teria nada a ver com as investigações, tomou considerável parte do tempo da reunião.

(...) Sr. Presidente, acabei de ser acusado de praticar um ato aqui. Quero que o Deputado prove isso, porque eu vou processá-lo. Eu não estou armado aqui. Estou armado com o meu coração e com a minha caneta. Gostaria de estar com algemas para prender bandidos aqui. Corruptos estão aqui dentro. Eu gostaria de estar com algemas aqui (...) Ele me acusou, ele prova. Eu sou um homem honrado. Diferentemente dele, que é bandido. [Deputado Delegado Waldir Soares de Oliveira – PSDB/GO- 10ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Bandido é você, rapaz! O bandido que tem aqui é você! (...) O único bandido que tem aqui é você. [Deputado Jorge Solla – PT/BA – 10ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Estão querendo transformar essa CPI num circo! Estão querendo transformar esta CPI num circo! (...)Já não bastam as manobras que foram feitas, as manobras que foram feitas aqui! Isso é um circo! Estão querendo transformar esta CPI num circo. Isso é uma palhaçada, um desrespeito aos Deputados que estão aqui, um desrespeito a V.Exa.! [Deputado Léo de Brito – PT/AC – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) O circo armado infelizmente mostra o nível em que nós nos encontramos. E talvez isso explique que, para aqueles que reclamam que a aprovação do Governo é muito baixa, a pesquisa mostra que a aceitação do Parlamento é ainda pior. E, a meu ver, é ainda pior, para não levarmos a sério um trabalho que a sociedade espera de todos nós. Apenas deixo registrado o meu descontentamento com o circo armado, porque ele depõe contra o Parlamento brasileiro. Isso é ruim, porque o Parlamento é um instrumento essencial à democracia, ao debate e a tudo aquilo que lutamos para construir [Relator Deputado Luiz Sérgio –PT/RJ – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) Eu acho que os ratos que causaram tanto problema no início da nossa reunião não podem continuar a atrapalhar as investigações (Dep. Hugo Motta – PMDB/PB – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) Alguns Deputados chegam cedo, preparam as perguntas, não vêm aqui para fazer pose para a imprensa. Percebemos que, quando a GloboNews se retira, muitas vezes, muitos Parlamentares somem daqui de dentro [Deputado Celso Pansera – PMDB/RJ – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) Senão, daqui a pouco, nós teremos que fazer uma CPI da CPI, uma investigação da investigação (...) Querem ouvir a Catta Preta, ouvir vários delegados da Polícia Federal, questionar uma escuta, sabe-se lá para que, para colocar em xeque a Operação Lava-Jato. 198

Quer dizer, ou a gente foca no objeto desta CPI, que é a PETROBRAS, que é a corrupção, que é a propina, ou a gente vai ficar aqui perdendo tempo. Ou termina o prazo, ou então nós vamos ficar aqui, nos nossos 4 anos de mandato, numa CPI que não vai resultar em nada!(...) Nós precisamos focar na investigação. Ou nós focamos nessa investigação, Presidente, ou nós vamos ficar perdendo tempo e não vamos dar uma resposta à sociedade brasileira.(...) ou os Parlamentares sabem quem está sendo investigado ou, infelizmente, todos nós estaremos sob suspeita para a população brasileira. [Deputada Eliziane Gama – REDE/AM – 24ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) Então me preocupa muito, realmente. Eu sou solidário àquelas pessoas que estão preocupadas porque realmente, Sr. Presidente, acho que nós estamos chegando ao momento crítico desta CPI. A imprensa começa a desmoralizá-la, e não é por acaso. No início, pessoas ligadas à gente elogiavam a atuação da CPI e agora não vejo mais isso. Vejo as pessoas se preocuparem com o destino da CPI e a tentativa de inviabilizar a Lava-Jato [Deputado João Gualberto - PSDB / BA – 44ª reunião CPI/Petrobrás]

A fala do deputado João Gualberto encontra respaldo no editorial intitulado “Papéis trocados” da Folha de São Paulo, que trouxe o seguinte comentário:

No mundo de Eduardo Cunha, CPI que investiga escândalo da Petrobrás procura defender suspeito e tentar atacar acusadores. Na CPI da Petrobrás vigora ‘a moral da gangue’, entre os Deputados encarregados de examinar o escândalo predomina um espírito de ‘vingança, intimidação e corrupção’. Quer-se, enfim, abafar e desmoralizar a investigação (FOLHA DE SÃO PAULO, 3 de agosto de 2015)195.

As críticas à CPI da Petrobrás também foram relevantes em outros jornais e sites de notícias importantes no Brasil. Matérias de capa com títulos como “CPI da Petrobrás chega à reta final com bate-boca, ratos e polêmicas”, “Para que serviu a CPI da Petrobrás?”, “CPI da Petrobrás: a vergonha”, “CPI da Petrobrás termina sem pedir indiciamentos” foram destaques durante todo o processo da CPI.196

195 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/228212-papeis-trocados.shtml. Acesso em 9/3/2016.

196 Disponíveis respectivamente em: http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/10/cpis-se- tornaram-um-jogo-de-cartas-marcadas-com-muito-bate-boca.html; http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/10/23/deputados-respondem-para-que-serviu-a- cpi-da-petrobras .htm. http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/26/politica/1427400011_212332.html; Acesso em 9/3/2016.

199

A Lei nº 1.579, de 1952197 é o diploma legal infraconstitucional que trata das Comissões Permanentes de Inquérito. De acordo com a referida lei, as CPIs podem, no exercício de suas atribuições, determinar as diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de Ministro de Estado, para tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença. No entanto, nenhum político envolvido no escândalo da corrupção na Petrobrás foi chamado para prestar depoimento na CPI. O fato é que, oito dias após a CPI ter sido instalada, em fevereiro, foi divulgada a lista dos 50 políticos investigados no STF (Supremo Tribunal Federal)198, mas a comissão optou por não convocar nenhum dos citados. Portanto, todos os políticos sob suspeita foram poupados, fato que fomentou discussão entre deputados, inclusive entre deputados aliados ao governo.

(...) nós não convocamos nesta CPI ainda nenhum Parlamentar, nenhum Deputado, nenhum Senador, nenhum Ministro e nenhum Governador (...) Há um conluio entre dirigentes que se corromperam, empreiteiras que corrompem e partidos e políticos que defendem, na reforma política, o financiamento privado de campanha [Deputado Ivan Valente – PSOL – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) Nós deveríamos convocar vários políticos, cortar na própria carne, dar exemplo à sociedade, porque existem dezenas de investigados Parlamentares desta Casa. Mas nós não trouxemos nenhum ainda, porque o Presidente da Casa, em especial, é o Presidente da instituição! Então, o que está em jogo aqui é a instituição. Por isso, o Presidente Eduardo Cunha deveria ser o primeiro a se apresentar, mas, como convocado, sob juramento, quebrando o seu sigilo fiscal, bancário, telefônico e telemático, porque pesa, não só sobre ele, mas sobre a instituição também, uma acusação muito grave, confirmada pela denúncia do Youssef, do Sr. Júlio Camargo e possivelmente do Sr. Jayme Careca, que também não foi ainda delimitado. [Deputado Carlos Marum- PMDB/MS – 24ª reunião CPI/Petrobrás]

Vale lembrar aqui que uma maneira de a CPI mostrar serviço à sociedade seria por intermédio dos políticos, no entanto, a própria Comissão fez a escolha de blindá-

197 Lei nº 1.579. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1579.htm. Acesso em 1/3/2016.

198 A lista dos políticos está no anexo 1. 200

los. Pela lei, deputados e senadores só podem ser investigados pelo STF (Supremo Tribunal Federal), e não pela 13ª Vara Federal de Curitiba, onde o juiz Sérgio Moro concentra a maior parte dos procedimentos da operação. Neste sentido, a CPI perdeu a chance de atuar no foro privilegiado, no qual o referido juiz não poderia atuar. Mas, ao deixar de convocar políticos, a CPI deslegitimou sua própria atuação. Outro fato relevante foi a contratação de consultoria internacional para recuperação de ativos da Petrobrás. De acordo com art. 41, no inciso XXIII, o presidente e o relator teriam o “poder” de solicitar ao assessoramento institucional prestação de assessoria ou consultoria técnico-legislativa ou especializada, durante as reuniões da Comissão. No art. 64, existe a confirmação desse direito:

Art. 64. As Comissões contarão, para o desempenho das suas atribuições, com assessoramento e consultoria técnico-legislativa e especializada em suas áreas de competência, a cargo do órgão de assessoramento institucional da Câmara (REGIMENTO INTERNO, 2012, p.65)

Entretanto, a CPI não estaria autorizada a contratar empresa privada e foi sugerido pelo deputado Edmilson Rodrigues (PSOL) que se estudasse melhor o caso.

(...) Permita-me só um diálogo. Só para obedecer ao Regimento, consulte os servidores de Estado, efetivos, concursados, de alto nível, conforme o Regimento obriga. Aí, na próxima sessão, V.Exa. traz o resultado dessa consulta. Se não houver técnicos concursados, de carreira — aqui nós estamos trabalhando com política de Estado —, aí possivelmente nós seremos a favor da contratação de uma empresa; não sei se a Kroll, porque, ao estar condenada pela Justiça brasileira, ela já compromete inclusive a qualidade do nosso resultado investigativo (Deputado Edmilson Rodrigues – PSOL/PA- 2ª reunião CPI/Petrobrás).

A CPI, no entanto, contratou a empresa Kroll199 sediada em Nova Iorque, especializada em análises e auditorias, serviços de inteligência e recuperação de ativos financeiros. O objetivo da contratação seria recuperar o dinheiro das contas no exterior

199 A Kroll é uma empresa com mais de 40 anos de experiência internacional. Trabalha no Brasil há mais de 20 anos e contribuiu na CPI que derrubou o ex-presidente Fernando Collor de Mello.

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e ter o “engrandecimento do trabalho” [Palavras de Hugo Motta – Presidente da CPI e quem decidiu contratar a Kroll]. Porém, a contratação de uma empresa estrangeira de um dos países que tem alguns dos maiores concorrentes da Petrobrás precisaria de uma avaliação cuidadosa, o que não foi levado em conta na CPI por deputado algum.

(...) E a nossa principal missão ao sugerir a Kroll é que possamos recuperar o dinheiro do povo brasileiro que foi desviado por superfaturamento em contratos, por propina, enfim, por qualquer tipo de corrupção, e resgatar esse dinheiro do povo brasileiro que está lá fora (...) O que nós queremos é ir aonde a nossa reconhecida, pela sua competência, Polícia Federal, ou Ministério Público Federal, ainda não chegou, para ver se essas pessoas que disseram estar envolvidas no escândalo da PETROBRAS e fizeram delações premiadas devolvendo quantias vultosas de dinheiro realmente devolveram todo esse dinheiro (Deputado Hugo Motta – PMDB – 2ª reunião da CPI/Petrobrás).

(...) A empresa Kroll fará a busca de ativos no exterior, para que a gente possa encontrar algum recurso que porventura não tenha sido devolvido nas delações premiadas e que seja fruto de desvios nos contratos da PETROBRAS, e tenhamos a condição de esta CPI também não só investigar e pedir a punição dos culpados, como também podermos recuperar dinheiro público que foi desviado do povo brasileiro (Deputado Hugo Motta – PMDB – 3ª reunião da CPI/Petrobrás). .

(...)Eu não entendo que a Presidência da Comissão tenha o direito de dizer quem é que vai saber investigado pela Kroll. A Kroll veio aqui e disse que estava investigando 12 pessoas. Quem escolheu as 12 pessoas? Foram dois: o Sr. Presidente e o Sub-Relator André Moura. Os outros ninguém sabe. V.Exa. quer matar no peito e dizer: “Eu mandei investigar esses daqui, blindei outros e deveria ter investigado outros”. Essa é uma posição que tem de ser socializada com a CPI, e não tomada a portas fechadas (...)Por que o Deputado Eduardo Cunha classificou como sigilosa a questão da Kroll? Nós queremos saber isso, Sr. Presidente. É uma contradição, porque essa ideia de que a Kroll está investigando só para trazer ativos do exterior, para elevar o padrão da CPI, na minha opinião, não é uma explicação plausível [Deputado Ivan Valente – PSOL/SP – 24ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Eu não posso achar que, depois de 4 meses, eles não tenham mais nada para apresentar para a gente. Eles precisam apresentar o trabalho que eles estão fazendo, porque é dinheiro público, público e transparente. Então, o primeiro fato é esse todo, inclusive o sigilo decretado pelo Presidente da Casa, o Eduardo Cunha, o que, em minha opinião, era um absurdo, que agora então se transforma na clarividência, na transparência. Vamos saber o que a Kroll está

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pensando, o que ela está fazendo, quem está sendo investigado, e dar publicidade a isso [Deputado Carlos Marun/PMDB/MS – 24ª reunião CPI/Petrobrás]

A Câmara dos deputados gastou R$ 1 milhão com a empresa, que pouco acrescentou aos trabalhos de apuração e encerrou suas atividades, enviando o seguinte comunicado à Imprensa:

A Kroll informa que não celebrará novo contrato para trabalhos adicionais com a CPI da Petrobrás, por não ter alcançado um acordo em relação aos termos contratuais. O trabalho que foi definido para o contrato firmado em 8 de abril de 2015 foi concluído em 10 de junho de 2015. Os resultados desse trabalho foram apresentados ao Presidente da CPI na mesma data, e aos demais membros da CPI em 16 de junho de 2015. A Kroll, desde o dia 10 de junho de 2015, não prestou mais serviços à CPI. A CPI manifestou à Kroll a sua satisfação com relação ao trabalho realizado. A Kroll se coloca à disposição da imprensa para responder quaisquer questões relativas à empresa. Entretanto, por força de obrigações contratuais, a Kroll está impedida de fazer quaisquer comentários sobre os serviços prestados à CPI da Petrobrás. Quaisquer perguntas relativas à CPI da Petrobrás e ao trabalho realizado pela Kroll para tal Comissão devem ser diretamente feitas à CPI da Petrobrás .200

A divulgação dos termos do contrato com a empresa Kroll e os critérios para sua escolha foi realizada sem licitação e não foram esclarecidos, fato que gerou muito assunto para a impressa e o descontentamento de alguns deputados. Além disso, o teor do contrato com a empresa Kroll permanecerá sob sigilo até 2020 por determinação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o qual julgou a classificação dos dados como "reservados", dizendo que havia informações de quebra de sigilos bancários e fiscais.

. Promessa de um relatório:

200 Disponível em: http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2015/08/kroll-diz-que-nao-ira- fechar-novo-contrato-com-cpi-da-petrobras .html. Acesso em 2/3/2016.

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De acordo com o Relator Luiz Sérgio (PT), em sua apresentação sobre o plano de Trabalho da CPI, seria realizado um relatório que promoveria a responsabilidade sobre os crimes cometidos na Petrobrás.

O relatório final, com as conclusões desta CPI, será paulatinamente elaborado ao longo dos trabalhos da Comissão e dele constarão recomendações ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal de eventuais infratores, assim como recomendações ao Congresso Nacional, ao Tribunal de Contas da União, ao Poder Executivo, à Petrobrás e às demais instituições que entender necessárias (....) Busca-se uma CPI que seja capaz de apurar responsabilidades e, mais que isso, de apresentar sugestões concretas para o aperfeiçoamento da legislação e das políticas públicas. Com isso, realizaremos as funções mais importantes do Congresso Nacional, a fiscalizadora e a propositiva. (Relator Luiz Sérgio – Plano de Trabalho da CPI, p.67).

A Relatoria da CPI pretendeu, em seu plano de trabalho, analisar a adoção de boas práticas de governança da Petrobrás, com o objetivo de oferecer segurança aos acionistas, aos investidores e maior eficiência de sua atuação. Para tanto, deveria ser observado o regime de contratação atual no que diz respeito às divergências existentes entre a estatal e os órgãos de controle, com vistas ao aprimoramento dos procedimentos da estatal. A promessa era de contribuir com indicações que preservassem os níveis de investimentos, diante da responsabilidade do setor, para alavancar o desenvolvimento nacional. Tais atividades previstas no plano de trabalho tinham por objetivo oferecer efetividade à investigação parlamentar. Entretanto, no relatório final, percebe-se que muitos desses objetivos não foram alcançados. A CPI analisada neste trabalho foi a 12ª CPI sobre a Petrobrás. Foram realizadas 56 reuniões ordinárias, três diligências (à sede da Petrobrás, no Rio de Janeiro; ao Complexo Petroquímico do RJ — COMPERJ, em Itaboraí, Rio de Janeiro, e à Refinaria Abreu e Lima — RNEST, em Ipojuca, Pernambuco); uma reunião com o Juiz Sérgio Fernando Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba; uma diligência a Londres para colher o depoimento do Sr. Jonathan David Taylor (ex-Diretor da companhia holandesa SBM Offshore) e duas missões oficiais à cidade de Curitiba, com a

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finalidade de ouvir presos no Sistema Penitenciário do Estado (RELATÓRIO FINAL, 2015, pp. 15 a 28). A CPI ouviu 132 pessoas, entre investigados e testemunhas. Foram apresentados 1.141 requerimentos. Desse total, 571 foram aprovados; 531 ainda não foram deliberados; 17 foram retirados pelo autor e 22 tiveram a prejudicialidade declarada. Foram emitidos 630 ofícios da Presidência e 104 ofícios do Secretário da CPI; recebidas 955 correspondências, sendo 704 relativas a expedições ostensivas e sigilosas, em geral, e 251 relativas à quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico. (RELATÓRIO FINAL, 2015). A Comissão contou com a colaboração de órgãos da Administração Federal, que designou servidores para auxiliar os trabalhos. Cabe destacar a atuação dos servidores requisitados do Tribunal de Contas da União, do Departamento de Polícia Federal, da Advocacia-Geral da União, da Controladoria-Geral da União e do Banco do Brasil. Também assessoraram a Comissão de servidores designados pela Consultoria Legislativa, pelo Centro de Informática, pela Taquigrafia, pela Coordenação de Audiovisual, pelo Departamento de Polícia Legislativa e pelos diversos órgãos internos do Departamento de Comissões da Câmara dos Deputados. Na hipótese de o relatório final não ser aprovado, com fundamento no art. 57, XII e XIII, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, eis o que está disposto no Regimento Interno:

XII – se o voto do Relator não for adotado pela Comissão, a redação do parecer vencedor será feita até a reunião ordinária seguinte pelo Relator substituto, salvo se vencido ou ausente este, caso em que o Presidente designará outro Deputado para fazê-lo; XIII – na hipótese de a Comissão aceitar parecer diverso do voto do Relator, o deste constituirá voto em separado; XIV – para o efeito da contagem dos votos relativos ao parecer serão considerados: a) favoráveis – os “pelas conclusões”, “com restrições” e “em separado” não divergentes das conclusões; b) contrários – os “vencidos” e os “em separado” divergentes das conclusões (REGIMENTO INTERNO, 2002, p.111).

Na hipótese de rejeição do parecer do Relator, eventual voto em separado ou parecer vencedor é submetido à deliberação da Comissão. Este procedimento é uma 205

regra adotada por todas as Comissões Permanentes e Especiais. De acordo com o regimento, o Relator não é o detentor da verdade suprema, o Plenário está acima de qualquer um dos Deputados e é considerado soberano em suas decisões. O detentor do poder de investigação é a CPI em sua plenitude e não somente um Parlamentar. Como exemplo da soberania do Plenário, ilustramos a CPMI da Terra201, que, em 24 de novembro de 2003 e 29 de novembro de 2003, realizou reuniões destinadas à discussão e votação do relatório final da Comissão apresentado pelo Relator, Deputado João Alfredo. Em votação nominal, foi proclamado o seguinte resultado: 13 votos contrários; 8 votos favoráveis; abstenção, 1. Portanto, foi rejeitado o relatório final da Comissão, de autoria do Deputado João Alfredo, ficando, pois, prejudicados os destaques apresentados. O Presidente da Comissão à época, Senador Álvaro Dias, designou o Deputado Abelardo Lupion como Relator do vencido. Em votação nominal do relatório do vencido, é proclamado o seguinte resultado: 12 votos favoráveis; 1 voto contrário. Foi, então, aprovado o relatório. Entretanto, mesmo com reclamações, o relatório final da CPI foi aprovado pelos membros. No relatório há 30 recomendações à Petrobrás, à Procuradoria Geral da República (PGR), ao Ministério da Justiça, à Câmara e ao Ministério de Minas e Energia e 14 propostas legislativas. A conclusão considerada mais importante do relatório é a constatação de que a Petrobrás foi vítima de um cartel de fornecedores com a cumplicidade de alguns maus funcionários. De acordo com o relator Luiz Sérgio (PT), os delatores deram mais detalhes sobre as reuniões para combinar a participação em concorrências da Petrobrás e confirmaram a existência do “clube dos empreiteiros para recebimento de propinas” e que tal “clube” existia desde governos anteriores. A conclusão da comissão foi que a descoberta do pré-sal, já no governo Lula, estimulou a cobiça dessas empresas. A CPI sugeriu alguns procedimentos para a Petrobrás, dentre eles, que a empresa tenha mais rigor no processo de licitações e que utilizasse a modalidade ‘concorrência’ nos casos vultosos. Assim, cada vez que precisar de um produto ou serviço, a Petrobrás deveria consultar o maior número possível de fornecedores que estão no cadastro e recomendou que a Petrobrás definisse seus padrões de trabalho de

201 CPMI da Terra. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/84969. Acesso em 10/3/2016.

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forma mais clara, para que outros funcionários (que trabalham honestamente) não fossem desacreditados em suas funções. A CPI, portanto, é uma Comissão Parlamentar de Inquérito, ela existe para investigar. Ela não é uma associação dos Deputados destinada a propor normas para o funcionamento da Petrobrás. Ela até pode, a partir das investigações, sugerir um novo funcionamento. Mas o objetivo principal da CPI é investigar, apontar culpados, ressarcir os cofres públicos e apontar punições. Para o relator da CPI, deputado Luiz Sérgio (PT), os depoimentos deixaram claro que houve motivações de natureza pessoal no cometimento de crimes, dessa maneira seria ‘questionável’ e ‘injusta’ a tese de que houve “corrupção institucionalizada” na Petrobrás. Ao citar o depoimento de Pedro Barusco, o relator justifica sua conclusão:

(...) o Pedro Barusco, por exemplo, disse aqui que recebia vantagens indevidas desde 1997, quando assumiu um cargo diretivo na Petrobrás Paulo Roberto Costa, por sua vez, assumiu perante nós que, para se manter na Diretoria de Serviços da Petrobrás, concordou em receber vantagens indevidas para si e para políticos a quem ele atribui sua indicação e permanência no cargo [Deputado Luiz Sérgio- PT- 57ª reunião CPI/Petrobrás].

De acordo com o relator, os investigadores da Operação Lava Jato fizeram um trabalho superficial em relação às doações de empresas. Em denúncias do Ministério Público, é recorrente o argumento de que os recursos provenientes de contratos com a Petrobrás teriam sido usados em doações de campanha, especificamente para o PT. Entretanto, a empresa Mendes Júnior teria realizado doações indevidas para o PSDB. Neste caso, de acordo com o relator, seria legítimo afirmar que os investigadores deveriam verificar também às contas do PSDB. Esse assunto foi utilizado como justificativa para deslegitimar as investigações da Operação Lava Jato e para não convocar políticos para depoimento na CPI da Petrobrás. Para a CPI, o Brasil estaria passando por uma situação de “criminalização da política”, pois as doações de empresas para campanhas eram previstas em lei, logo não faria sentido criminalizar esse tipo de financiamento eleitoral.

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(...) É claro que, individualmente, cada um de nós pode ter sua posição sobre o assunto, mas creio que houve exagero no caso da Operação Lava Jato, particularmente porque não parece haver provas de que doações de campanha se confundem com vantagens indevidas [Deputado Luiz Sérgio – PT- 57ª reunião CPI/Petrobrás].

O relatório também contém alguns projetos de lei. Um dos mais relevantes orienta as empresas estatais controladas pela União a reforçar a ética corporativa, a governança, a gestão de riscos e os controles internos. Então, mais do que recomendar essas medidas à Petrobrás, a ideia é que a própria CPI faça, por meio de um projeto de lei, essa “importante colaboração ao País” (Relator Luiz Sérgio – 57ª CPI/Petrobrás). A primeira proposta institui uma “premiação em dinheiro” ao denunciante eficaz, aquela pessoa que não faz parte do esquema, mas, sabendo das irregularidades, denuncia o caso às autoridades. A segunda proposta submete ao controle do Tribunal de Contas da União toda Sociedade de Propósito Específico (SPE) criada por empresa estatal, além de enquadrar a interferência de agentes da administração pública direta e indireta em qualquer SPE como crime de improbidade administrativa. O relatório traça considerações também em relação à Operação Lava Jato, reconhecendo-lhe a importância no combate à corrupção. Mas esclarece que há pontos obscuros, tentando assim deslegitimá-la:

(...) creio que houve exagero no caso da Operação Lava Jato, particularmente porque não parece haver provas de que doações de campanha se confundam com vantagens indevidas. Nem tudo que o que foi feito até agora [na operação Lava Jato] está dentro da estrita normalidade (...) é impossível acreditar que houve rígido controle e absoluta isenção em todas as etapas ocorridas até agora. (...) preciso alertar que os investigadores da Lava Jato, como dizem vários críticos dessa operação, parecem escolher os seus alvos, dando sequência a determinadas apurações enquanto barram outras. Isso é muito evidente quando analisamos a questão das doações de campanha, até porque muitas empresas envolvidas financiaram diferentes partidos e vários candidatos. [Deputado Luiz Sérgio, relatório final CPI/Petrobrás].

A justificativa à qual o relator se apoia é a questão das delações premiadas, que, em sua opinião, suscitam dúvidas relevantes. Acredita-se que a Operação Lava Jato se caracterize por um aparente “excesso de delações premiadas” [Deputado Luiz

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Sérgio]. Essa frase é incongruente com o comentário do presidente Hugo Motta (PMDB), na 39ª reunião da CPI:

(...) Delação premiada: Lei da Delação Premiada é uma lei nova e é a primeira vez que ela é usada com tanta proficiência em uma investigação policial. [Deputado Hugo Motta – PMDB – 39ª reunião CPI/Petrobrás].

Do ponto de vista do relator Luiz Sérgio (PT), o excesso de delações premiadas (como foi o caso de Alberto Youssef) pode resultar em impunidade. Assim ele esclarece:

(...) Alguns dos delatores da Lava Jato, em troca das informações que deram, receberam penas brandas, que incluem prisão domiciliar e períodos com uso de tornozeleira eletrônica. No Brasil, existe certa cultura de encarceramento, daí porque temos a quarta maior população carcerária do mundo. Não é disso que se trata, não estou pregando que os empresários envolvidos nesse caso permaneçam na cadeia, mas acho importante discutir se eles, quando buscam a delação premiada, estão recebendo uma punição menor do que talvez merecessem (...) Não podemos permitir que, de maneira alguma, ocorra qualquer tipo de coação patrocinada pelo Estado ou pela Justiça [Deputado Luiz Sérgio, relatório final CPI/Petrobrás]. . (...) nós vamos ter que fazer a delação premiada cair! Então, a gente tem que fazer o peso e a medida equilibrados, para que esta CPI possa lavar a Lava-Jato [Deputado Júlio Delgado – PSB/MG- 3ª reunião CPI/Petrobrás].

A justificativa do Relator, no sentido de desacreditar deliberadamente o Instituto da delação premiada, pode estar se referindo não só ao número de colaborações firmadas no âmbito da Operação Lava-Jato, mas também, e principalmente, à efetividade do instrumento e seu vantajoso proveito para as investigações. Recomendou-se, também, a criação de uma comissão especial na Câmara para analisar propostas que melhorassem as atuais leis anticorrupção, inclusive no que tange à delação premiada. Como exemplo, o relator sugeriu que não poderia ser aceita

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delação premiada de acusado preso nem analisar as normas que regem acordos de leniência202 no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE203). A CPI não expôs resultados novos em seu relatório, além daquilo que o Ministério Público e a Justiça Federal já haviam apresentado. De acordo com o relator Luiz Sérgio (PT), os instrumentos de que dispõem os Parlamentares para investigar são instrumentos muito menos robustos do que aqueles de que dispõem a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal. O Deputado Hugo Motta (PMDB) utilizou esse argumento como justificativa para os resultados “frágeis” da CPI:

(...) Se a CPI não apresenta resultados novos (...) talvez, seja porque nós não temos os instrumentos necessários para realizar a nossa investigação (...)A CPI é o instrumento de investigação que tem menos recursos para avançar no que diz respeito a produzir positivamente e trazer novidades à investigação dos nossos trabalhos. Ao trazer uma pessoa que já falou à Justiça, que fez delação premiada e que, na CPI, a lei dá a ele o direito de permanecer silêncio, sem responder aos Parlamentares. [Deputado Hugo Motta – PMDB- 57ª reunião da CPI/Petrobrás].

O que o deputado Hugo Motta (PMDB) salientou pode ser relevante. Entretanto, as promessas feitas pelo próprio deputado no início da CPI contradizem sua fala. Em várias reuniões, ele afirmou que a CPI seria um instrumento legítimo que ajudaria as investigações e não seria em vão. (...) O Brasil espera desta CPI, sem dúvida alguma, respostas, e nós precisamos, antes de tudo, mostrar ao Brasil que o nosso compromisso é com a investigação [3ª reunião CPI/Petrobrás].

202 Previstos na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), nos acordos de leniência, as empresas firmam o compromisso de colaborar com as investigações e, em troca, têm punições administrativas reduzidas, como a diminuição em até dois terços do pagamento de multa e permissão para assinar contratos com o Poder Público. Os acordos preveem, por exemplo, que as empresas investigadas identifiquem os envolvidos e ressarcimento integral à administração pública pelos prejuízos causados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em 7/3/2016.

203 CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, que exerce, em todo o Território nacional, as atribuições dadas pela Lei nº 12.529/2011. O CADE tem como missão zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência. Disponível em: http://www.cade.gov.br/Default.aspx?c061a36cb06fb189df. Acesso em 15/3/2016. 210

(...)A CPI é um órgão de apuração, complementar ao que está sendo feito pela Justiça. Somos, aqui, juízes de fato. Temos poderes aqui para quebrar sigilo bancário, fiscal, telefônico. A CPI é uma sessão pública, com transmissão ao vivo o Brasil por meio da TV Câmara, e das demais tevês que transmitem os depoimentos a todos os recantos do País [3ª reunião CPI/Petrobrás].

(...)quero dizer que continuaremos firmes e fortes no intuito de aprofundarmos a investigação para encontrarmos os verdadeiros ratos que desviaram recursos e prejudicaram a PETROBRAS [10ª reunião CPI/Petrobrás].

(...)Esta CPI vem hoje aqui (em Curitiba) com esse propósito e voltará quantas vezes for necessário, para que a gente possa avançar nas investigações. (...) fazendo um esforço aqui não só dos Parlamentares, mas da imprensa aqui presente e de todos que querem ver realmente essa investigação caminhar da forma que a sociedade brasileira espera. [17ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Eu estou com a sensação de que esse depoimento de Londres — o cidadão está lá, ainda não participou de nenhuma delação premiada —, esse depoimento de Londres pode ser o momento em que esta CPI produza algo efetivamente novo, que é quase uma expectativa da população, que nós possamos ir além do que já está sendo investigado, do que já está sendo revelado pela Justiça e pela Polícia. [17ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) a nossa investigação é transparente, e o Brasil tem avaliado e tem visto quem realmente quer investigar e quem não quer [24ª reunião CPI/Petrobrás].

(...)E nós somos tão juízes quanto o Dr. Sérgio Moro e tão autoridade judiciária quanto o Ministério Público Federal. Nós começamos a construir um novo tempo nas CPIs aqui, no nosso Parlamento, estabelecendo essa diferença entre os dois steps, os dois degraus: um é a homologação, o outro é o recebimento de denúncia. E nós criamos um espaço onde a investigação parlamentar pode acontecer. [44ª reunião CPI/Petrobrás].

Tal perspectiva “otimista” do deputado Hugo Motta, em várias reuniões, foi compartilhada por outros deputados:

(...) porque queremos ter um relatório que, ao final de tudo, não só contemple a expectativa das pessoas, do povo brasileiro com relação àquilo que vai ser investigado, como sugira também alternativas para a gestão da PETROBRAS e do serviço público para evitar que coisas desse tipo continuem acontecendo no Brasil [Deputado Celso Pansera – PMDB/RJ – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) E vejo, na pessoa não apenas do Presidente, como também de todos os membros da CPI, o desejo muito firme de alcançar um resultado que permita de forma responsável levar 211

não apenas indícios, mas provas materiais que possam contribuir com a Justiça brasileira, para que aquelas pessoas que causaram tanto mal ao País, que trouxeram tanta indignação aos brasileiros possam, realmente, ser penalizadas [Deputado Antonio Ambassy – 10ª reunião CPI/Petrobrás]

(...) as CPIs não são apenas investigativas; as CPIs cumprem um papel importantíssimo de transferir à sociedade conceitos, valores e, e depois nós os transformamos em lei e conseguimos melhorar a vida do País [Deputado Onix Lorenzoni – DEM/RS- 24ª reunião CPI/Petrobrás]

(...)Eu participei de várias CPIs; fui Presidente, fui Relator, então eu sei bem como é que funciona uma CPI. Eu quero parabenizá-los e espero que V.Exas. possam chegar a uma relatório final que seja um relatório de bom termo, com muita tranquilidade, para que possa ajudar a esclarecer esses assuntos da PETROBRAS [João Luiz Correia Argolo dos Santos– ex deputado – Condenado pelo Mensalão e pela Operação Lava Jato. Em Depoimento a 18ª reunião CPI/Petrobrás]

Os próprios parlamentares se indignaram com as conclusões da CPI. Afinal, em meio a tantas promessas e objetivos, logo que se iniciou a CPI, o relatório final gerou um descontentamento em muitos parlamentares, na imprensa e na sociedade brasileira não apenas em relação às conclusões consideradas vazias, mas também em relação à atitude dos deputados, membros da comissão. O relatório final não foi impresso a tempo e, no dia da apresentação, os parlamentares ainda não o haviam lido para poderem debatê-lo com mais propriedade. As conclusões do relatório final da CPI causaram muita discussão entre os deputados:

(...) Hoje, quando eu vinha para cá, Presidente, no avião, eu lembrei a frase do Ex-Senador Pedro Simon, que sempre dizia: “Sabemos como uma CPI começa, mas não como ela termina”. E é muito frustrante, porque quando se vai para uma CPI (...) há todo um planejamento e uma organização para dar o melhor de si, para fazer o melhor e responder à opinião brasileira, à população brasileira, porque está lá no inconsciente popular que CPI acaba em pizza (...). O relatório é frustrante! Nós precisamos efetivamente fazer os indiciamentos. É importante uma CPI existir pra isso. Não pode existir apenas uma CPI para a gente ouvir aqui e, de repente, ter só recomendações. O indiciamento é um elemento fundamental de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Uma CPI é finalizada quando se conclui. Quando nós começamos a ter fatos novos, por exemplo, contas na Suíça, quando nós começamos a ter elementos novos, nós estamos realmente finalizando os trabalhos

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da Comissão. Então, fica aqui o meu descontentamento, de certa forma, o meu repúdio. [Deputada Eliziane Gama – REDE/AM- 57ª reunião CPI/Petrobrás].

Sinceramente, eu estou literalmente indignado com a posição do Presidente [Hugo Motta]. (...) Eu tenho horror a paladino da ética — horror! — e não quero posar aqui de paladino da ética, mas está muito ruim para a imagem da Casa. Daqui a pouco, alguém vai propor aqui a CPI da CPI. Isso é um absurdo! Eu li nos blogs aí que Eduardo Cunha disse — e ele está errado — que aqui poderia votar, quem tem que prorrogar é ele. Então, por que ele não vai prorrogar? Porque V.Exa. não levanta daí, e vai lá: “Presidente, eu vou prorrogar”? É estranho isso. Era isso o que eu queria dizer. Um absurdo! [Deputado Silvio Costa – PTdoB/PB – 57ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) O relatório vai completamente na contramão daquilo que eu imagino que seja o resultado desta CPI [Deputado Silas Machado – PMDB/MG – 58ª reunião CPI/Petrobrás]

A referida fala do deputado Silvio Costa causou muita polêmica, culminando por ter o microfone desligado. O deputado Fernando Monteiro (PP/PB) o acusou de estar atrapalhando e tumultuando a CPI, que não havia participado de nenhuma reunião, e que por isso não tinha legitimidade para criticar. O presidente Hugo Motta (PMDB) interferiu na discussão, e o assunto que era sobre a CPI direcionou para insultos de ambas as partes, como se pode observar na sequência abaixo:

(...) Isso é avaliação de V.Exa. Isso é avaliação de V.Exa. V.Exa. tem que me respeitar e respeitar esta CPI. V.Exa. é um Deputado desrespeitoso. O histórico de V.Exa. aqui é um histórico de desrespeito. V.Exa. tem um histórico de desrespeito. V.Exa. tem um histórico de desrespeito, e não vai desrespeitar a CPI. Não vai desrespeitar a CPI. Não vai desrespeitar a CPI. Não vai desrespeitar a CPI. Não vai desrespeitar. Não vai desrespeitar. Não vai desrespeitar a CPI. V.Exa. não é a maior autoridade para falar sobre corrupção [Deputado Hugo Motta –PMDB- 57ª CPI/ Petrobrás].

(...) Como disse seu tutor, V.Exa. vai ter que tomar muito Nescau para poder dialogar comigo [Deputado Silvio Costa – PTdoB/PB – 57ª reunião CPI/Petrobrás].

(...) Eu não estou aqui pedindo a opinião de V.Exa. E outra coisa, o Nescau que eu tenho que tomar não é o que V.Exa. tomou. (Risos.) [Deputado Hugo Motta –PMDB- 57ª reunião CPI/ Petrobrás]

213

O relatório final da CPI incluiu pedidos de 68 indiciamentos204. Dentre eles, de empreiteiros, doleiros, funcionários e ex-funcionários da Petrobrás. Porém, todos já eram investigados pela Lava Jato. Alguns, já haviam sido condenados. Do ponto de vista criminal, portanto, a CPI não teve efeitos práticos. O relatório não correspondeu à realidade da prática de corrupção que aconteceu na Petrobrás. Entendendo que a credibilidade de uma investigação parlamentar, assim como as demais investigações, passa pela consistência das evidências que sustentam suas conclusões, o relatório final da CPI, ou seja, sua conclusão, não acrescentou fatos relevantes aos já conhecidos pela força-tarefa de policiais federais e procuradores do

204 Paulo Roberto Costa (ex-diretor de abastecimento da Petrobrás ), Renato de Souza Duque (ex-diretor de engenharia e serviços da Petrobrás ), Pedro José Barusco Filho (ex-gerente executivo de engenharia da Petrobrás ), Venina Velosa da Fonseca (ex-gerente executiva de abastecimento da Petrobrás ), Francisco Pais (ex-gerente executivo de abastecimento da Petrobrás ), Luiz Alberto Gaspar Domingues (ex-gerente executivo de abastecimento da Petrobrás ), Carlos Alberto Carletto (gerente de integração da gestão da engenharia RNEST), Omar Antônio Kristocheck Filho (gerente setorial da Petrobrás ), Luís Carlos Queiroz de Oliveira (gerente setorial da Petrobrás ), Ricardo Luís Ferreira Pinto Távora (gerente setorial da Petrobrás ), Carlos Frederico Trevia (gerente de relacionamento e comunicação do Comperj), Paulo César Amaro Aquino (gerente executivo do Abastecimento-Petroquímica), Roberto Gonçalves (gerente executivo de engenharia), Jairo Luiz Bonet (gerente do Comperj), José Eduardo Loureiro (gerente do Comperj), Nilo Vieira (ex-presidente do Comperj), Jansen Ferreira da Silva (ex-gerente executivo do Comperj), Sérgio Martins Bezerra (Comissão de Licitação do Comperj), Laerte Pires (Comissão de Licitação do Comperj), Gilberto Moura da Silva (ex-diretor industrial do Comperj), Heleno Lira (gerente de setor de RNEST), Ivo Tasso Bahia Baer (gerente de setor de RNEST), Marcos José Pessoa de Rezende (gerente de setor de RNEST), Abenildo Alves de Oliveira (gerente de setor de RNEST), Heyder de Moura Carvalho (ex-gerente de compras da área de Abastecimento da Petrobrás ), Sérgio dos Santos Arantes (estimador de custo para as licitações de RNEST), Nilton Maia (ex-gerente da Petrobrás Petrobrás ), Raimundo Pereira (ex-gerente da Petrobrás ), David Feffer (responsável legal da Petroquímica SUZANO),- Dalton dos Santos Avancini (presidente da Camargo Corrêa), Eduardo Hermelino Leite (vice-presidente da Camargo Corrêa), João Ricardo Auler (presidente do Conselho de Administração da Camargo Corrêa), Dario de Queiroz Galvão Filho (sócio da Galvão Engenharia), Erton Medeiros Fonseca (diretor-presidente de Engenharia Industrial da Galvão Engenharia), Gerson de Mello Almada (vice-presidente da Engevix), Sérgio Cunha Mendes (vice-presidente executivo da Mendes Júnior), Ricardo Ribeiro Pessoa (presidente da UTC), José Aldemário Pinheiro Filho (presidente da OAS), Agenor Franklin Magalhães Medeiros (diretor da OAS), Mateus Coutinho de Sá Oliveira (vice- presidente do conselho da OAS), José Ricardo Nogueira Breghirolli (funcionário da OAS), Marcelo Bahia Odebrecht (presidente da holding Odebrecht), Alexandrino de Salles Ramos Alencar (executivo da Odebrecht), Rogério Santos de Araújo (diretor da Odebrecht), Cesar Ramos Rocha (diretor da Odebrecht), Marcio Faria da Silva (diretor da Odebrecht), João Antônio Bernardi (ex-funcionário da Odebrecht), Otavio Marques de Azevedo (presidente da Andrade Gutierrez), Elton Negrão (diretor da Andrade Gutierrez), Julio Faerman (ex-representante da SBM Offshore), João Augusto Rezende Henriques (lobista), Júlio Gerin de Almeida Camargo (consultor da Toyo), Nestor Cuñat Cerveró (ex- diretor da área internacional da Petrobrás ), Jorge Luiz Zelada (ex-diretor da área internacional da Petrobrás ), Luiz Eduardo Barbosa da Silva (ex-sócio do lobista Julio Faerman), Fernando Antonio Falcão Soares, o “Fernando Baiano” (lobista), Hamylton Pinheiro Padilha Junior (lobista), Raul Schmidt Felippe Junior (ex-sócio de Jorge Zelada), Eduardo Costa Vaz Musa (ex-gerente da Petrobrás ), Ricardo Abi Ramia da Silva (ex-gerente da Petrobrás ), Newton Carneiro da Cunha (presidente do Conselho de Administração da Sete Brasil), João Carlos Ferraz (ex-presidente da Sete Brasil), Renato Sanches (ex- diretor de Operações da Sete Brasil), Alberto Youssef (doleiro),Milton Pascowitch (operador ligado à Engevix), Ildefonso Colares (ex-executivo da Queiroz Galvão), Guilherme Esteves de Jesus (operador ligado ao Estaleiro Jurong), Glauco Legatti (ex-gerente geral da RNEST). 214

Paraná. No relatório final, foi pedido o indiciamento de apenas um político, o ex- tesoureiro do PT João Vaccari Neto, mas que já estava condenado na Justiça por

envolvimento no esquema. Em relação aos políticos, o relator Luiz Sérgio (PT) lembrou que, no início da CPI, o colegiado acordou internamente que não seria uma espécie de Conselho de Ética paralelo e justificou:

(...) em fevereiro, quando esta CPI foi instalada, eu me posicionei contrário à convocação de políticos, e já era grande a lista ali de políticos citados, porque a Casa, no meu entender, tem um fórum adequado (...) Não custa lembrar, ainda, que qualquer partido com representação no Congresso pode oferecer denúncia ao Conselho de Ética da Câmara. (...) o Psol foi ao Conselho de Ética quando julgou ser necessário. Não creio que seja preciso, portanto, estender mais considerações sobre o fato de que deputados e ex-deputados estão arrolados nas investigações. Até porque, em geral, as CPIs acabam por encaminhar denúncias ao Ministério Público e não é esse o caso da CPI da Petrobrás, visto que já há investigações no Ministério Público e na Procuradoria-Geral da República. [Deputado Luiz Sérgio – PT- 57ª reunião CPI/Petrobrás].

Havia, naquele momento, 62 políticos citados, indiciados ou denunciados no âmbito da Operação Lava Jato. Dentre eles, 31 políticos envolvidos do PP, 12 políticos do PT, 12 do PMDB, 2 do PSB, 1 do PSDB, 1 do PTB, 1 do Solidariedade e 2 sem partido, porém nenhum deles foi convocado a depor na CPI. O único político que depôs foi Eduardo Cunha e foi de “livre e espontânea vontade”, sem juramento, e ainda mentiu que não tinha contas na Suíça. Foi perguntado ao Sr. Paulo Roberto Costa, no dia 5 de maio de 2015, data de seu depoimento na CPI, se ele conhecia nome a nome da lista de Janot, se havia ilegalidades e quem tinha participado de algum esquema comprometedor de corrupção. Ele respondeu sobre cada um dos nomes que foram citados (Governadores, Senadores, Parlamentares, Deputados ou Senadores)205, quem ele conhecia e a quem ele tinha passado propina. Em Curitiba, o Sr. Alberto Youssef foi inquirido da mesma forma: quais pessoas ele conhecia, quem havia recebido recursos e em que locais, inclusive. Ao resonder, detalhou que vários deputados do PP foram vistos na

205 O depoimento de Paulo Roberto Costa será analisado no próximo capítulo.

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residência do ex-deputado João Pizzolatti. De acordo com o deputado Ivan Valente (PSOL), nenhuma providência foi tomada em relação a isso. “A blindagem dos políticos foi escandalosa e pareceu um grande acordo, de governistas e oposicionistas” [59ª reunião CPI/Petrobrás]. O Relator Luiz Sérgio (PT) salientou ainda que não ia fazer indiciamentos e justificou sua posição afirmando que o indiciamento de qualquer pessoa tem que se dar em cima dos indícios e materialidade dos delitos, e que a CPI não poderia fazê-lo, pois não havia materialidade das provas.

(...) eu quero deixar claro que vou manter minha posição já explicitada no relatório, em primeiro lugar, porque a CPI da Petrobrás, por maioria de votos, optou por não se transformar em um Conselho de Ética paralelo. Em segundo lugar, seguindo uma lógica jurídica e o bom senso, entendo que não é possível sugerir indiciamento, pelos mesmos crimes, de pessoas indiciadas, denunciadas ou condenadas (...)Gostaria ainda de lembrar aos colegas que uma CPI, tal como previsto na Constituição, serve para apurar fatos determinados. E as conclusões, se for o caso, devem ser encaminhadas para o Ministério Público, que deve responsabilizar civil ou criminalmente os eventuais infratores. Assim, acredito que, para sugerir qualquer indiciamento, é necessário que existam indícios de autoria e materialidade dos delitos, para que os acusados saibam do que se defender (Deputado Luiz Sérgio – PT/RJ – 59ª reunião CPI/Petrobrás]

A indicação do indiciamento, no entanto, é ponto fundamental de uma CPI. O que ela teria que fazer, ao final, seria indiciar. Isso ajudaria, por exemplo, no agravamento da pena de quem já está em processo de investigação e com processo na Justiça. No caso de Eduardo Cunha (PMDB), havia uma representação no Ministério Público contra ele, porquanto, naquela época (outubro /2015), já estava denunciado. Como o Ministério Público não poderia indiciá-lo, por ter foro privilegiado, caberia a CPI fazê-lo. Se a questão fosse a materialidade, ela estaria dada por seis delações premiadas contra o deputado Eduardo Cunha, e também não só por elas, mas pelo fato de o denunciado mentir na CPI, no dia 12 de março de 2015, embora se tratasse de um “depoimento espontâneo”. Outro fato interessante é que, no mesmo dia em que seria votado o relatório da CPI da Petrobrás (28/10/2015), estava também sendo votada a PEC 215 (que transfere 216

do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas e também proíbe as ampliações de terras indígenas já demarcadas). Deputados da bancada ruralista, aliados ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, conseguiram reativar e aprovar a análise da matéria na Comissão Especial. A pauta foi fomentada por Eduardo Cunha para manter uma base fiel dentro do Congresso Nacional206. O fato mais importante naquele dia seria votar o relatório da CPI, mas todas essas matérias estavam sendo apreciadas ao mesmo tempo.

(...) Onde está o Sr. Eduardo Cunha havia proteção, um esquema. Eu diria até que o nome dele aqui na Casa, desde a instalação da CPI, da contratação da Kroll, da nomeação das sub- relatorias, influenciou em todas as questões. Ele é o big boss, é o godfather, é o poderoso chefão que continua alimentando a pauta da Câmara dos Deputados [Deputado Ivan Valente – PSOL/SP – 59ª reunião CPI/Petrobrás].

Pelo exposto, percebeu-se que a CPI não poderia indiciar, mas poderia pedir o indiciamento ao Ministério Público. Além disso, a CPI deveria ter um papel político. Quando se tratou da corrupção na Petrobrás, deflagrada pela Operação Lava Jato, se verificou que existe o núcleo das empreiteiras, dos funcionários da Petrobrás, dos operadores financeiros e também o núcleo dos políticos. A CPI, no entanto, deveria ter se debruçado sobre o núcleo dos políticos, contudo não o fez. O deputado Ivan Valente (PSOL) ressaltou na 59ª reunião da CPI:

(...) Aqui nós estamos fazendo política. Quem chegou ao Congresso Nacional faz política, Sr. Relator. Desculpe-me, mas a posição de V.Exa. é insustentável, ao não indiciar nenhum político, seja Ministro, Governador de Estado, Senador ou Deputado (...) Vários Parlamentares desta Casa foram, sim, indiciados. Outros já foram denunciados. Mas aqui eles não foram nem convocados por isso. Nem a aprovação da convocação foi feita, por uma deliberada ação de corporativismo e de conchavo político — eu quero denunciar isso nesta CPI — entre partidos que não queriam investigar, para que os seus não fossem investigados, para que não se aprofundarem as investigações (...) É um relatório que realmente desgasta esta Casa e blinda — este é o nome que tem que ser dito com todas as letras — Parlamentares.(...) eu quero dizer

206 Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/pec-215-e-aprovada-em-comissao-da-camara- quais-os-proximos-passos-6520.html. Acesso em 10/3/2016.

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que nós tivemos várias reuniões em que se discutiu quem seriam as pessoas investigadas. Havia total falta de transparência e a não informação. Aliás, foi nos dada a seguinte informação: só duas pessoas da CPI e não o colegiado da CPI poderiam saber quem eram os investigados. E entre essas duas pessoas, por incrível que pareça, não constava o Relator da CPI.

Foi mantida no relatório a estratégia adotada pelo PT durante toda a CPI: justificar que o partido apenas repetiu um procedimento que era de praxe dentro da Petrobrás. A justificativa utilizada por alguns deputados do PT foi que, em 1996, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso havia sido informado sobre a corrupção da Petrobrás, mas não tomara nenhuma providência. Os escândalos, naquela época, não foram apurados. De acordo com o relatório, não se pode afirmar que o escândalo da Corrupção da Petrobrás atual é o “maior escândalo de corrupção no Brasil”, uma vez que não se apurou o escândalo de corrupção das teles, do sistema telefônico, e a compra de votos ocorrida no Parlamento para reeleição do Sr. Fernando Henrique Cardoso. Além disso, também não foi apurada a Operação Castelo de Areia, nem se investigaram os escândalos do mensalão tucano de Minas e do metrô dos tucanos de São Paulo. Nesse sentido, a justificativa dos parlamentares da base do governo pode ter razão. O fato é que o Governo do PSDB de São Paulo decretou sigilo durante 25 anos nos documentos que serviriam para apurar irregularidades referentes ao monotrilho do metrô, em construção na Zona Leste da capital. Naquele momento (outubro de 2015), o governo confirmou a classificação como “ultrassecreto” de documentos, com a justificativa de que o conteúdo deles, se em mãos "mal-intencionadas", poderia representar risco à população.207 Outras incongruências do relatório merecem ser ressaltadas: No Capítulo II, páginas de 73 a 96, o Relator tratou da SBM Offshore e descreveu a oitiva de Jonathan Taylor, ex-executivo da SBM, ocorrida em Londres. Este admitiu o pagamento de propinas da Petrobrás e citou Júlio Faerman como o

207 Informações obtidas em dois sites: “Alckmin diz que governo de SP segue lei federal sobre sigilo de documentos”. Disponíveis em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/02/alckmin-diz-que-governo- de-sp-segue-lei-federal-sobre-sigilo-de-documentos.html. . e “Governo de SP decreta sigilo para documentos do Metrô”: http://oglobo.globo.com/brasil/governo-de-sp-decreta-sigilo-para-documentos- do-metro-17703776. Acesso em 15/3/2016. 218

homem da SBM junto à empresa. Jonathan Taylor afirmou, categoricamente, que a Corregedoria Geral da União (CGU) já sabia dos desvios relativos à SBM desde fevereiro de 2014, porém havia retardado as investigações e a liberação das informações sobre esses desvios até o fim do pleito de 2014. Apesar da confissão, o relatório, aparentemente, preferiu não dar muita importância a essas informações. Em vez de aprofundar tais investigações, preferiu defender o Ministro Jorge Hage, concluindo que a afirmação de JonathanTaylor, no sentido de que a Corregedoria Geral da União (CGU) teria atrasado as apurações dos fatos devido ao processo eleitoral, simplesmente não se sustenta. Mais uma vez, o relatório defendeu o que parecia indefensável (RELATÓRIO FINAL DA CPI, 2015, p. 73 a 96). No tocante à atuação do Banco Central do Brasil quanto à remessa de valores ao exterior, o relatório limitou-se apenas a “recomendar” que o Banco Central adotasse medidas, tais como auditoria especial para fiscalizar as operações relativas ao Delta Bank no Brasil (RELATÓRIO FINAL DA CPI, 2015, p.541) Observa-se ainda, um empenho em desqualificar a Polícia Federal, o Juiz Sérgio Moro, o Ministro Joaquim Barbosa e a Polícia Federal. O relatório recomendou que a Procuradoria Geral da República (PGR) instaurasse os devidos procedimentos legais para investigar os policiais da Operação Lava Jato. Grosso modo, pode se dizer que a mais importante conclusão da CPI é que a Petrobrás foi vítima de um cartel de maus fornecedores. O relatório apresenta mais de 700 páginas. Dentre elas, 30 páginas desqualificam a corrupção dentro da Petrobrás, com o argumento de que a corrupção começara em 1955. Em relação à Operação Lava Jato, foram 14 páginas que questionaram a legitimidade da investigação feita por ela. Outro ponto bastante discutido no início da CPI, em relação às pessoas que tiveram financiamento de campanhas pelas empresas investigadas e, mesmo assim, assumiram postos importantes na CPI, como o de relatorias. Eram, ao mesmo tempo, investigadores e investigados. Isso criou, logo no início, uma fragilidade na legitimidade da CPI. As discussões e os debates na CPI foram acalorados. O que se observou, durante todas as reuniões, foram os ataques ao Governo, ao Partido dos Trabalhadores, que são frutos da disputa política pelos partidos de oposição, em especial, pelo PSDB.

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As conclusões do relatório foram óbvias (houve corrupção na Petrobrás!), mas a CPI não levou em consideração que tinha que cumprir sua tarefa (que não cumpriu), desgastou o processo, e a percepção da sociedade é de que ela “terminou em pizza”.

(...) Durante esses 8 meses, nós, que escutamos a sociedade, que escutamos os anseios do povo, esperávamos que este relatório pudesse ter algo novo, como vimos aqui durante esses meses, algo que sentíssemos que representasse a vontade das pessoas, uma resposta à sociedade. Este relatório, infelizmente, deixa a desejar, deixa-nos com um sentimento de frustração. [Deputado Kaio Maniçoba –PHS/PE – 59ª reunião CPI/Petrobrás]

Com a produção de um relatório pífio e tímido, a CPI da Petrobrás não representou o sentimento dos cidadãos brasileiros diante do maior escândalo de corrupção (que se tornou público) no Brasil.

. Delação Premiada

As críticas contidas no relatório, em relação à Delação Premiada, contrariam a opinião de muitos juristas. Para os estudiosos do assunto, a delação premiada se mostrou um instrumento investigatório fundamental, para que a Operação Lava Jato avançasse, e permitiu que as classes poderosas (banqueiros, empreiteiros, políticos, altos funcionários) que cometeram crimes de repercussão social, pela primeira vez no Brasil, fossem presos. A matéria prima da Justiça criminal são as provas, que devem ser obtidas de forma lícita e a delação premiada é um veículo para se chegar nelas. Por força das delações premiadas, as provas são facilitadas, e o custo da produção de um processo criminal acaba sendo barateado. De acordo com Brindeiro (2016)208, a origem da Delação é o “plea bargain agreement” do Direito norte-americano, segundo o qual o réu (defendant), por meio de

208 Geraldo Brindeiro. Delação premiada e ‘plea bargain agreement’. 9 fev. 2016. Jornal O Estadão. Disponível em: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,delacao-premiada-e-plea-bargain- agreement,10000015508. Acesso em: 15/4/2016. 220

seu advogado, verificando haver provas suficientes para sua condenação, aceita fazer um acordo (agreement) admitindo sua culpa (pleading guilty), com o objetivo de obter a diminuição de sua pena. O acordo deverá implicar, necessariamente, benefício da Justiça, no sentido da delação de outros indivíduos envolvidos na atividade criminosa, mediante indicação de provas efetivas do seu envolvimento, ou de meios para obtê-las, e colaboração para recuperar o produto do crime. Concluídas as negociações, o acordo deverá ser homologado pelo juiz da causa, vinculando ambas as partes o seu cumprimento para poder surtir efeito quando do proferimento da sentença judicial (BRINDEIRO, 2016). Evidentemente, o acordo, como qualquer transação, deverá também beneficiar o réu colaborador, se efetivamente cumprido, com a diminuição da pena e a proteção contra o crime organizado, inclusive de sua família. De acordo com o autor, as delações são constitucionais e determinantes para o desempenho da Justiça criminal brasileira. O autor aponta duas decisões recentes nesse sentido: a Corte Constitucional alemã (19/3/13) e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (29/4/14) defendem a permanência da Delação Premiada como um meio que ajuda a Justiça Criminal a chegar aos “culpados”. Em 27/8/15, o Supremo Tribunal Federal, implicitamente, também admitiu isso.

(...) pois ela (delação premiada) alterou o “preço” das penas: dá prêmios aos delatores e sanções merecidas para os criminosos de colarinho branco que ficavam impunes. Quanto mais compensadoras as ofertas, mais ganhos se alcançam no final (em termos de produção de provas e de condenações). (GOMES, 2016, p.1).

No Brasil, a adoção da delação premiada superou resistências culturais e acadêmicas, anacrônicas, contrárias a acordos com criminosos (apesar de existir a possibilidade de acordos em praticamente todos os ramos do Direito), e criou resistências, sobretudo políticas, por óbvias razões, pois o crime organizado, por vezes, tem raízes encravadas no próprio Estado (BRINDEIRO, 2016).

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A Lei 12.850/2013209, que prevê medidas de combate às organizações criminosas, foi a primeira a estabelecer procedimento completo sobre os acordos de delação premiada, regulamentando plenamente essa técnica de investigação criminal. Antes, as leis de crimes hediondos, as que definiam crimes contra o sistema financeiro e praticados por organizações criminosas previam redução de penas pela colaboração dos réus, mas o instituto só adquiriu aplicabilidade prática, a partir da lei de combate à lavagem de dinheiro (9.613/98)210 e das relativas à proteção de testemunhas (9.807/99)211, ao combate ao tráfico de drogas (11.343/2006)212 e aos crimes contra a ordem econômica (12.529/2011213). Para Gomes (2016), a Operação Lava Jato constituiu a maior inovação de todos os tempos e revolucionou a Justiça brasileira pelas razões expostas a seguir: introduziu no Brasil, de forma sistemática, uma nova e inusitada forma de se fabricar o processo criminal (trata-se de um novo tipo de serviço público); adotou um novo método de produção (por meio da colaboração e da delação premiada); atingiu (e continua atingindo) os barões ladrões e suas riquezas ( já que novos atores, para além dos descamisados e desdentados, fazem parte da Justiça criminal); está descobrindo novas fontes probatórias (que é a matéria-prima da indústria da Justiça criminal) e está promovendo uma nova estrutura organizacional nessa indústria (Justiça criminal negociada e rápida, bem concatenada, com reparação dos danos gerados ao erário). A Operação Lava Jato mostra-se como uma ruptura e uma quebra de paradigma, que passou da Justiça criminal conflitiva (sem negociação sobre provas e penas) para a Justiça criminal negociada.

(...)Ela [Operação Lava Jato] está para a capenga Justiça criminal brasileira (subalterna durante 512 anos dos poderosos) como o Steve

209 Todas as leis foram acessadas no site do Planalto no dia 03/04/2016. Lei 12850. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm

210 Lei 9.613.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9613.htm

211 Lei 9807. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9807.htm.

212 Lei 11343. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm.

213 Lei 12529. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm. 222

Jobs está para o avanço na tecnologia. Ela é o Steve Jobs da revolução criminal (GOMES, 2016, p.1)214.

É importante ressaltar que, além das sugestões contra a Delação Premiada contidas no relatório da CPI da Petrobrás, existem iniciativas legislativas que fomentam um viés “pró-corrupção”. A Medida Provisória (MP) n.º 703/15215 altera a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, sobre acordos de leniência e representa um “retrocesso” a tais acordos firmados por empresas. Por não ter sido votada a tempo, a Medida Provisória caducou no dia 29 de maio de 2016. Entretanto, essa medida demonstra a tentativa do parlamento brasileiro de deixar impunes aqueles que praticam atos de corrupção. Além dessa iniciativa, existem outros projetos ou legislações do Congresso que representam tentativas de “conter danos” a investigados ou condenados em casos como a Lava Jato: a lei de repatriação de recursos mantidos no exterior, sancionada em janeiro; e propostas que pretendem conferir foro privilegiado a ex-presidentes e que mudam o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito de prisão que tenha por base a condenação em segunda instância judicial. Alguns projetos dispõem sobre a possibilidade de CPIs terem acesso a informações sigilosas de delatores. Outro veda a colaboração daqueles que tenham “maus antecedentes ou que tenham rompido com acordos anteriores” – caso, por exemplo, do doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da Lava Jato (ele descumpriu acordo de delação no caso Banestado). O mais polêmico é o que propõe que pessoas presas não tenham acesso ao benefício, e que apenas o conteúdo de uma delação não seja suficiente para a abertura de uma denúncia. A proposta também criminaliza o vazamento de acordos.216

214 Gomes, Luiz Flávio. Lava Jato e a “tempestade da destruição criadora” (Schumpeter). Conteúdo Jurídico. 24 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://luizflaviogomes.com/lava-jato-e-a-tempestade- da-destruicao-criadora-schumpeter/. Acesso em 4/3/2016.

215 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Mpv/mpv703.htm . Acesso em 8/6/2016.

216 Informações extraídas do jornal Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/mpf-alerta-projetos-de-lei-sao-a-nova-estrategia-para- abafar-a-lava-jato-aqiei02udtdk1rqjjpr3souvw#ancora-1. Acesso em 8/6/2016. 223

. Leis anticorrupção

Outra crítica ao relatório da CPI da Petrobrás refere-se à ideia de criar “leis anticorrupção”. Novas leis anticorrupção não seriam uma novidade e isto pareceu ser mais uma incongruência dos parlamentares, pois são propostas de leis que estavam engavetadas no próprio Congresso e que não foram votadas pelo Parlamento desde 2015.

Em 18 de março de 2015, a presidenta Dilma Roussef anunciou um pacote com sete medidas anticorrupção (em resposta às manifestações sociais de 2014 que reuniram quase um milhão de pessoas nas ruas do país), mas tais medidas precisariam ser aprovadas pelo Congresso, o que não aconteceu, embora o pacote tenha sido proposto quatro dias após as manifestações de 15 de março de 2014. Contudo, nunca foi votado pelos parlamentares. Eis as sete medidas anticorrupção supracitadas

*torna crime, punível, com pena de três a dez anos de reclusão, o "ato e fraudar a fiscalização eleitoral,

inserindo elementos falsos ou emitindo informações, com o fim de ocultar a origem, o destino, ou a aplicação de bens e valores."

*torna crime, punível com pena de três a seis anos de 1. Tipificação do "caixa reclusão, a "lavagem eleitoral": "a ocultação ou dissimulação, para fins eleitorais, da natureza, origem, dois" localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou * Precisa aprovação do congresso indiretamente, de fontes de recursos vedadas pela legislação." *extensão da punição a doadores e partidos, com o pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes o valor das doações irregulares.

*PEC: viabiliza confisco de bens que sejam fruto da atividade criminosa, improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. *Projeto de lei: prevê a possibilidade de Ação Civil 2. Perda da propriedade e Pública de "Extinção de Domínio" desses bens; a de posse de bens extinção de posse desses bens; os procedimentos para a alienação desses bens; e declare a perda civil * Precisa aprovação do congresso independentemente da aferição de responsabilidade 224

civil ou criminal.

Projeto de lei prevê que, para preservar o valor de bens "sobre os quais haja provas e indícios suficientes 3. Alienação antecipada de de ser produto ou proveito de crime", será possível bens apreendidos leiloar esses bens de forma antecipada. O dinheiro ficaria depositado em conta judicial. * Precisa aprovação do congresso Projeto que determina que todos os funcionários federais, mesmo os que não são concursados e ocupam

cargos de confiança, precisarão se enquadrar na Lei da 4. Ficha Limpa para Ficha Limpa, que hoje se aplica a políticos eleitos. Ela Servidores impede a posse de pessoas que tenham sido * Precisa aprovação do congresso condenadas por órgãos colegiados do Judiciário.

5. Tipificação do Torna crime, punível com pena de três a oito anos de enriquecimento Ilícito de reclusão, "possuir, adquirir ou fazer uso de bens Servidores Públicos incompatíveis com renda ou evolução patrimonial" por parte de servidores públicos. * Precisa aprovação do congresso

Decreto incentiva empresas privadas a adotar normas 6. Regulamentação da Lei internas de controle; estabelece como será feito o Anticorrupção, de 2013 processo para violações da lei anticorrupção; disciplina os chamados "acordos de leniência" com * Medida anunciada pelo governo, empresas que assumem terem se envolvido em assinado por Dilma Roussef de um corrupção; detalha multas e sanções; entre outras decreto que detalha como deverá ser aplicada a lei. A única medida normas. que teve aplicação imediata.

7. Grupo de Trabalho para discutir agilização de Grupo que tentará buscar soluções para agilizar o processos trâmite de ações judiciais sobre corrupção.

* Precisa aprovação do congresso

Quadro elaborado pela autora com base no site do governo federal217

217 Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2015/03/confira-os-pontos-abordados-pelo-pacote- anticorrupcao. Acesso em 7/3/2016.

225

Tal pacote anticorrupção, proposto pela presidenta Dilma Rousseff, permaneceu paralisado na Câmara dos Deputados. A crise política (impeachment e cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha) permaneceu como foco dos deputados e as medidas anticorrupção sequer foram comentadas durante o ano de 2015, embora a presidenta tenha afirmado que as sete medidas seriam prioritárias, afirmando que seu governo tinha o "compromisso de enfrentar a impunidade" (FOLHA DE SÃO PAULO, 18/3/2015)218. As referidas propostas, com urgência constitucional, precisariam ser votadas até maio de 2015. Porém, sem acordo e vontade política de levá-las adiante, tiveram o pedido para tramitação acelerada retirado. Ou seja, a Câmara dos deputados não votou as medidas propostas pelo executivo e, no relatório da CPI, propõem propostas que aprimorem as atuais leis anticorrupção. Outra proposta para acabar com a corrupção, ou ao menos, dificultá-la, foi lançada pelo Ministério Público Federal também em 20 de março de 2015. Como resultado da Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal iniciou uma campanha para que os cidadãos assinassem as “10 medidas contra a corrupção”. Na campanha, a sociedade foi chamada a apoiar e a defender as medidas, conclamando o Congresso para que promovesse as alterações estruturais e sistêmicas necessárias para prevenir e reprimir a corrupção de modo adequado. A campanha é um conjunto de providências legislativas propostas para coibir os delitos que envolvam o desvio de verbas públicas e os atos de improbidade administrativa. O objetivo foi colher 1,5 milhão de assinaturas em todo o País, a exemplo da Lei da Ficha Limpa – projeto de iniciativa popular que acabou sendo aprovada pelos deputados e senadores. Esse apoio foi colhido em palestras dos procuradores da Lava Jato, que tem base no Paraná, em outros Estados do País e em atos públicos, como nas manifestações de 16 de agosto de 2015 contra o governo. A justificativa do Ministério Público é que as operações a cargo da Polícia Federal e do Ministério Público Federal são eficazes, mas os procedimentos posteriores enfrentam uma interminável tramitação na Justiça. O resultado disso é a impunidade, pois, em muitos casos, acaba ocorrendo a prescrição dos crimes.

218 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1604625-pacote-anticorrupcao-de- dilma-tem-so-uma-medida-de-aplicacao-imediata.shtml. Acesso em 7/3/2016.

226

De acordo com o Ministério Público (2016), a campanha reúne 20 anteprojetos de lei que visam regulamentar as dez medidas propostas:

Dentre as propostas sugeridas estão: testes de integridade – sem o conhecimento do agente público ou funcionário – que simulem situações para avaliar conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a Administração Pública; o investimento de 10% a 20% dos 1- Prevenção à corrupção, recursos de publicidade dos órgãos transparência e proteção à fonte de públicos em ações voltadas ao informação estabelecimento de uma cultura de intolerância à corrupção, treinamento de funcionários públicos, realização de programa de conscientização em universidades; estímulo à denúncia de casos de corrupção, além de tornar obrigatória a prestação de contas do Judiciário e do Ministério Público sobre duração dos processos que ultrapassem os prazos razoáveis de duração

Estabelecimento de penas de três a oito 2- Criminalização do enriquecimento anos para crimes de enriquecimento ilícito de agentes públicos ilícito, passíveis de alteração no caso de delitos menos graves. Caberá, no entanto, à acusação provar a existência de renda discrepante da fortuna acumulada pelo agente público. Se houver dúvida quanto à ilegalidade da renda, o suspeito será absolvido Os procuradores propõem o aumento das penas para corrupção, que hoje são de 2 a 12 anos, para 4 a 12 anos. Com isso, a 3- Aumento das penas e crime prática do crime de corrupção passa a hediondo para corrupção de altos implicar, no mínimo, prisão em regime valores semiaberto. A pena estaria escalonada segundo o valor envolvido no crime, podendo variar de 12 a 25 anos, quando os valores desviados ultrapassem R$ 8 milhões. Com o objetivo de aumentar a rapidez na tramitação de recursos sem prejudicar o direito de defesa, a medida propõe 227

alterações no Código de Processo Penal 4- Aumento da eficiência e da justiça (CPP) e uma emenda constitucional. As dos recursos no processo penal mudanças incluem a possibilidade de execução imediata da condenação, quando o tribunal reconhecer abuso do direito de recorrer; a revogação dos embargos infringentes e de nulidade; a extinção da figura do revisor; a vedação dos embargos de declaração; a simultaneidade do julgamento dos recursos especiais e extraordinários; novas regras para habeas corpus; e a possibilidade de execução provisória da pena após julgamento de mérito do caso por tribunal de apelação Dar mais agilidade à fase inicial das ações de improbidade administrativa com a adoção de uma defesa inicial única (hoje ela é duplicada), após a qual o juiz poderá extinguir a ação, caso seja infundada. 5- Celeridade nas ações de improbidade Além disso, sugere-se a criação de varas, administrativa câmaras e turmas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa e ações decorrentes da lei anticorrupção. Por fim, propõe-se que o MPF firme acordos de leniência, como já ocorre no âmbito penal (acordos de colaboração), para fins de investigação. Com o objetivo de corrigir distorções do sistema, as mudanças envolvem a 6- Reforma no sistema de prescrição ampliação dos prazos da prescrição da penal pretensão executória e a extinção da prescrição retroativa (instituto que só existe no Brasil e que estimula táticas protelatórias).

Ampliar a preclusão (perda do direito de recorrer a uma sentença por estar fora do prazo legal) de alegações de nulidade; condicionar a superação de preclusões à interrupção da prescrição, a partir do 7-Ajustes nas nulidades penais momento em que a parte deveria ter alegado o problema e se omitiu; estabelecer, como dever do juiz e das partes, o aproveitamento máximo dos atos processuais e exigir a demonstração do prejuízo gerado por um defeito processual 228

Esta medida visa responsabilizar os partidos políticos pelas práticas corruptas, criminalizar o caixa dois 8- Responsabilização dos partidos (contabilidade paralela) e criminalizar, políticos e criminalização do caixa no âmbito eleitoral, a lavagem de dois dinheiro proveniente de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados conforme o exigido pela legislação.

Tornar possível a prisão preventiva para que se possa identificar e localizar os valores desviados, assegurar a sua devolução ou evitar que sejam utilizados 9- Prisão preventiva para evitar a para financiar a fuga ou defesa dos dissipação do dinheiro desviado investigados. Essa medida também propõe mudanças para que o dinheiro sujo seja rastreado mais rapidamente, facilitando tanto as investigações como o bloqueio de bens obtidos ilicitamente.

Criação de medida que permita confiscar a parte do patrimônio do condenado que corresponda à diferença entre o patrimônio de origem comprovadamente lícita e o patrimônio total. Outro ponto dessa proposta visa possibilitar o confisco 10- Recuperação do lucro derivado do dos bens de origem ilícita, crime independentemente da responsabilização do autor dos fatos ilícitos, que pode não ser punido por não ser descoberto, por falecer ou em decorrência de prescrição

Quadro elaborado pela autora, tendo como fonte as dez medidas contra a corrupção do Ministério Público Federal219

O Ministério Público colheu 2.100.123 assinaturas apoiando essas medidas, ultrapassando, portanto, a meta de 1,5 milhão de assinaturas propostas no início da

219 Dez medidas contra a corrupção. Disponível em: http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10- medidas . Acesso em 3/4/2016.

229

campanha. Essa foi uma das maneiras que o Ministério Público encontrou de mostrar ao Congresso que a sociedade brasileira aspira por mudanças, e que o “Ministério Público estaria batalhando por um país mais justo e sem corrupção”, segundo as palavras de Delton Dallagnol220, em entrevista a vários canais de televisão e nas redes sociais. Tais propostas foram resultado da Portaria PGR/MPF nº 50, de 21 de janeiro de 2015221, assinada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O documento permitiu a criação de comissões de trabalho compostas por integrantes da instituição, com o objetivo de encaminhar sugestões de mudança legislativa para implementar medidas de combate à corrupção. O trabalho teve início com os estudos desenvolvidos pela força-tarefa do Ministério Público Federal na Operação Lava Jato, na primeira instância. É importante notar que o Ministério Público Federal optou por utilizar o instrumento constitucional chamado “Lei de iniciativa popular” ao invés de procurar o legislativo para que algum deputado pudesse trabalhar na criação dessas leis, dificultando a corrupção no Brasil. Essa iniciativa pode ser considerada, na leitura desta tese, como um sinal de deslegitimidade do Parlamento. A corrupção (que teria que ser mais bem investigada na CPI da Petrobrás) gera a progressiva perda de confiança da população no estado do direito, na aplicação geral e imparcial da lei e na própria democracia. A ideia básica da democracia em um estado de direito é a de que todos são iguais e livres perante a lei e que, como consequência, as regras legais serão aplicadas a todos, governantes e governados, independentemente de renda ou estrato social. Se as regras não valem para todos, se há aqueles acima das regras ou aqueles que podem trapacear para obter vantagens no domínio econômico ou político, mina-se a crença de que os cidadãos vivem em um governo de leis e não de homens.

220 Deltan Martinazzo Dallagnol ou é procurador do Ministério Público Federal desde 2003 e ganhou notoriedade por integrar a força-tarefa da Operação Lava Jato que investiga crimes de corrupção na Petrobrás.

221 Ministério Público Federal. Portaria PGR/MPF nº 50, de 21 de janeiro de 2015. Disponível em : http://bibliotecadigital.mpf.mp.br/bdmpf/bitstream/handle/11549/21842/PT_PGR_MPF_2015_50.pdf?seq uence=2&isAllowed=y. Acesso em 13/3/2016. 230

O desprezo disseminado à lei é um convite à desobediência222, pois, se os governantes do País não obedecem às regras e obtêm vantagens, não há motivação para os demais segui-las. A corrupção sistêmica, como temos visto no Brasil, atualmente, impacta o sentimento de autoestima e de dignidade de uma população, aumenta a desconfiança e fragiliza a legitimidade dos governantes e das instituições brasileiras. Esta descrição da CPI da Petrobrás e do seu processo de autodeslegitimação ilustra não só a crise institucional dentro da própria CPI, mas também a crise institucional política que o Brasil vive neste momento.

222 No primeiro e segundo capítulos da tese já discutimos esse assunto.

231

Capítulo 7

Análise dos depoimentos

A escolha dos depoimentos prestados à CPI da Petrobrás, e que serão analisados neste capítulo, está detalhada no capítulo metodológico. Começaremos, portanto, pela análise daqueles que se prontificaram a falar, ou seja, que não usaram o direito constitucional de permanecerem em silêncio. O ambiente em que estes depoentes falaram, foi de disputas políticas, conforme exposto no capítulo anterior. Muitas das discussões entre os parlamentares aconteceram quando os depoentes estavam presentes na reunião. Em muitos momentos, tiveram que se calar, para aguardarem o término das discussões entre os parlamentares, membros da CPI. Dos depoentes selecionados223 para esta análise, escolhemos começar por aqueles que falaram. Assim, analisaremos em que justificativas os depoentes se apoiaram para explicar o envolvimento na prática de corrupção na Petrobrás, que argumentos utilizaram para expor publicamente seus atos de corrupção. Em seguida, descreveremos o depoimento daqueles que utilizaram o direito de permanecerem em silêncio. Embora tenham utilizado deste direito constitucional, alguns deles se pronunciaram, quando lhes era conveniente.

Data Depoente Função Condenação 10/03/2015 Pedro José Barusco Ex-gerente Executivo da 18 anos e 4 Filho Petrobrás meses de Prisão*

19/03/2015 Renato Souza Duque Ex-diretor de Serviços da 20 anos e oito (silêncio) Petrobras meses de prisão 09/04/2015 João Vaccari Neto Secretário de Finanças e 15 anos e quatro

223 A escolha dos depoentes encontra-se detalhado no capítulo de Metodologia. *Inicialmente condenado a 18 anos e 4 meses de reclusão, mas por causa da Delação premiada, a pena foi substituída para um regime aberto, com uso da tornozeleira eletrônica, por dois anos e serviços comunitários. 232

Planejamento do Partido dos meses de prisão Trabalhadores 05/05/2015 Paulo Roberto Costa Ex-diretor de abastecimento 12 anos de da Petrobrás. prisão (corrupção ativa) 11/05/2015 Nestor Cunãt Ex-diretor da Área de 12 anos e 3 Cerveró Internacional da Petrobras meses de prisão (silêncio) (corrupção passiva e lavagem de dinheiro) 11/05/2015 Alberto Youssef Operador de Propinas 3 anos de prisão.

12/05/2015 André Luiz Vargas Ex-deputado Federal 14 anos e 4 Ilário (silêncio) meses de prisão 12/05/2015 João Luiz Correia Ex-deputado federal 11 anos e 11 Argôlo dos Santos meses de prisão. (silêncio) 12/05/2015 Pedro da Silva Ex- deputado federal 20 anos, 7 Correa de Oliveira meses e 10 dias Andrade Neto de prisão (silêncio)

31/08/2015 Jorge Luiz Zelada Ex-diretor da Área 12 anos e 2 (silêncio) Internacional da Petrobras meses de prisão 31/08/15 José Dirceu de Ex-ministro 23 anos de Oliveira e Silva prisão e 3 meses

Contexto:

. Pedro José Barusco:

O primeiro investigado a prestar depoimento foi Pedro José Barusco, ex- gerente executivo da Petrobrás. Para convocá-lo, a comissão da CPI precisou comunicar o juiz Sérgio Moro (juiz responsável pela Operação Lava Jato) e também solicitar informações com relação à localização, ao endereço do Sr. Pedro Barusco. A Secretaria da CPI também teve proceder a entendimentos com a advogada de Pedro

233

Barusco, Dra. Beatriz Catta Preta224, que, de início, fez uma restrição com respeito ao depoimento. De acordo com a advogada, Pedro Barusco concordaria em participar da audiência pública, porém “com restrições a perguntas de cunho pessoal, familiar e de saúde, assuntos sobre os quais não responder[ia] a nenhum questionamento” (3ª reunião CPI/Petrobrás. p.2). A advogada, Dra. Beatriz, pediu que a sessão fosse secreta, mas, depois das negociações com a CPI, aceitou que a reunião fosse aberta, com a presença da imprensa nacional. O depoimento de Pedro Barusco baseia-se nas delações premiadas que foram feitas na Justiça Federal, acordado em 4/11/2014. Em seu depoimento a CPI, Pedro Barusco, muitas vezes, repetiu o que havia declarado em sua delação. Entretanto, apesar de a delação ter acontecido em novembro de 2014 e seu depoimento na CPI, em março de 2015, havia parlamentares, membros da CPI, que ainda não haviam lido as informações contidas na delação. Salvo alguns que a haviam lido na internet. A reunião começou às 9h30, e o depoimento de Pedro Barusco teve início por volta das 11horas. Durante todo este depoimento, ficou evidente a divisão dos partidos em relação às perguntas feitas ao depoente. Do lado do PT e de partidos coligados ao governo, as perguntas foram direcionadas para entender como se dava o recebimento de propinas e o esquema de corrupção antes de 2003. Uma tentativa de esclarecer que a corrupção já existia e insinuar que o depoente, Pedro Barusco, não era transparente em relação aos partidos e aos políticos envolvidos naquela época. Enquanto que os parlamentares de oposição inclinavam as perguntas em direção ao esquema de corrupção depois de 2003, afirmando que tal esquema fora institucionalizado pelo PT. O clima, neste primeiro depoimento, foi bastante tenso, sobretudo entre os líderes dos partidos e, por vários momentos, houve troca de insultos entre os parlamentares, sobretudo entre aqueles que apoiam o governo (PRB / PDT / PT / PMDB / PTN / PSC / PR / PTC / PSB / PCdoB) e aqueles que representam a oposição (PTB / PPS / DEM / PMN / PSDB / PT do B) 225.

224 A advogada criminalista Beatriz Catta Preta renunciou à defesa dos delatores da Operação Lava Jato e encerrou sua carreira no dia 29/7/2015, alegando à imprensa que temia sofrer algum tipo de violência e que o caso havia se tornado um “jogo político”. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/sou-ameacada-insistentemente-afirma-beatriz-catta- preta/. Acesso em 4/6/2016.

225 Partidos e seus apoios políticos. Disponível em: http://cd.jusbrasil.com.br/noticias/2400899/bancadas- que-apoiam-dilma-deverao-ser-maioria-no-congresso-no-proximo-ano . Acesso em 11/4/2016. Cumpre 234

Pedro Barusco respondeu a quase todas as perguntas. Entretanto, se esquivou das questões sobre o esquema de antes de 2003. Além disso, reconheceu ser o principal agente corrupto antes desse período, sem indicar nenhum partido ou político, salientando que nesse período estaria impedido de falar, pois estava sob investigação do Ministério Público Federal e da Política Federal.

. João Vaccari Neto

No dia 9/4/2015, foi efetivado o depoimento de João Vaccari Neto, Secretário de Finanças e Planejamento do Partido dos Trabalhadores. O depoente foi ouvido na qualidade de investigado, assegurados os seus direitos constitucionais, inclusive o de ser assistido por advogado e de com este comunicar-se, de não ser obrigado a assinar o termo de compromisso de dizer a verdade, sem sofrer com isso qualquer medida privativa de liberdade, e de não se autoincriminar. Neste caso, em especial, o depoente estava desobrigado de dizer a verdade por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, deferido pelo Ministro Teori Zavascki. Antes de começar a ser interrogado, João Vaccari Neto exibiu uma apresentação de PowerPoint para os membros da CPI, explicando sua função no partido e os valores arrecadados. O depoente exibiu gráficos e planilhas com o total doado pelas empresas investigadas na Lava Jato, comparando, assim, os recursos oferecidos para o PT, PSDB e PMDB, na tentativa de convencer aos membros da CPI que os recursos eram semelhantes, e que não fazia sentido incriminar apenas o PT. As primeiras perguntas se deram em torno dos recursos do PT: como são os recursos, quem são as pessoas responsáveis pela distribuição dos recursos financeiros do partido, de quem vêm esses recursos, quais são as fontes de renda, além das contribuições de pessoas físicas e jurídicas. As justificações de Vaccari226 foram

lembrar que foi naquele momento o apoio dos partidos. A partir de abril, o PMDB saiu do governo e muitas mudanças aconteceram na política brasileira.

226 No dia 21/9/2015, João Vaccari Netto foi condenado pelo juiz Sérgio Moro a 15 anos e 4 meses de prisão. Disponível em: http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/09/vaccari-e-duque-sao-condenados- por-corrupcao-e-lavagem-de-dinheiro.html. Acesso em 30/3/2016.

235

bastante repetitivas, em grande parte de seu depoimento, com reiteradas frases prontas. E terminou com a frase: “Eu sou inocente” (João Vaccari Neto, 10ª reunião CPI/Petrobrás).

. Paulo Roberto Costa

O depoimento de Paulo Roberto Costa, ex-Diretor de Abastecimento da Petrobrás, foi realizado no dia 5/5/2015, durou aproximadamente 6 horas, no Plenário das comissões da Câmara dos Deputados, em Brasília. Paulo Roberto Costa foi ouvido na qualidade de investigado e foram-lhe garantidos todos os direitos previstos na Constituição e nas leis. Ele afirmou seu compromisso de dizer a verdade, renunciando o direito ao silêncio, uma vez que estava na condição de investigado colaborador (delator) em processos judiciais da Operação Lava Jato. E fez, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que sabia e lhe fosse perguntado. Paulo Roberto Costa iniciou seu depoimento salientando que estava presente na CPI, CPMI, pela quarta vez. E que esperava contribuir com as dúvidas que os parlamente tivessem. Afirmou também que todas as suas declarações para o Ministério Público e para a Polícia Federal já eram de domínio público.

. Alberto Youssef

O depoimento do doleiro Alberto Youssef foi realizado em 11/5/2015, no Fórum Federal Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, na cidade de Curitiba, pois o investigado estava preso. Os membros da CPI deslocaram-se até a cidade de Curitiba para ouvir, além de Alberto Youssef227, Mário Frederico Mendonça Goes, Nestor

227 Optamos pela análise do depoimento de Alberto Youssef, porque ele é considerado a parte mais importante na engrenagem de recebimento, lavagem e distribuição do dinheiro. Ele foi o primeiro operador que esclareceu, um a um, os casos envolvendo parlamentares e autoridades do governo. Com sua delação transformou o caso Petrobrás num barril de pólvora que afetou o setor empresarial, político e financeiro brasileiro. Informações extraídas em vários sites, dentre eles: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2015-01-23/com-acordo-de-delacao-premiada-alberto-youssef- pode-recuperar-ate-r-20-milhoes.html; http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1601678-acesse-a- 236

Cuñat Cerveró, Fernando Antônio Falcão Soares, Guilherme Esteves de Jesus, Adir Assad e Iara Galdino. Todos os depoimentos foram colhidos no mesmo dia. Diante do fato de diversas pessoas terem de ser ouvidas no mesmo dia, os parlamentares da CPI abriram mão de cumprir alguns direitos regimentais que os Parlamentares detêm, como por exemplo, a “palavra a Líder” e outros. Foi dado, assim, tempo total para que as perguntas fossem feitas, visando dar agilidade ao trabalho. As primeiras perguntas dos parlamentares a Alberto Youssef foram sobre contas no exterior, as quais foram negadas. O doleiro foi o primeiro réu a depor naquela ocasião. E iniciou sua fala dizendo que não fora o mentor, mas “uma engrenagem para que a corrupção pudesse acontecer” (Alberto Youssef - 17ª reunião CPI/Petrobrás).

. Trajetória Profissional:

Pedro Barusco ingressou na Petrobrás, em 1979, por concurso público228. Segundo o depoente, sua ascensão na empresa foi em consequência de seu profissionalismo e competência. Em relação a este assunto, Pedro Barusco revela:

Eu não tive nenhum contato político, nunca tive indicação política. Sempre indicação técnica, selecionado pelos meus superiores (...) O que eu posso dizer é que não foi política. Eu não tinha padrinho político, nunca tive envolvimento político. Então, eu só posso crer que tenha sido por competência técnica, entendeu? Eu não tinha envolvimento político, não tive padrinho político em momento nenhum. (Pedro Barusco - 3ª reunião CPI/Petrobrás).

Embora Pedro Barusco tenha afirmado que não houvera indicação política, e que sua ascensão na Petrobrás tinha acontecido por “seus méritos”, Paulo Roberto integra-dos-depoimentos-da-delacao-do-doleiro-alberto-youssef.shtml; http://www.cartacapital.com.br/tags/Alberto%20Youssef. Todos os sites foram acessados em 31/3/2016.

228 Tecnicamente, funcionário público é aquele que é titular de cargo público. Na prática, contudo, costumam-se chamar de funcionário público tanto as pessoas que ingressaram por concurso e, conseqüentemente, são titulares de cargo público, como aquelas que entraram no serviço público sem concurso, através de um processo seletivo simplificado e de apadrinhamento político (BARBOSA, 1996).

237

Costa, em seu depoimento, afirmou veementemente que a ascensão na carreira não é possível se não houver um “apadrinhamento político” e detalhou sua entrada na Petrobrás e como tinha ocorrido sua transição para a diretoria. Embora relatasse ser um sonho antigo ocupar uma posição superior na Petrobrás, isso aconteceu por indicação do Deputado José Janene que, segundo Paulo Roberto Costa, fora o “culpado” por todos os problemas que estavam acontecendo atualmente em sua vida.

Eu entrei por concurso público em 1977, 2 de fevereiro de 1977. Trabalhei na empresa por 35 anos. Até eu receber o primeiro contato político... Porque eu trabalhei 27 anos em vários órgãos da PETROBRAS, galgando várias posições na companhia, e nunca precisei de apoio político para realizar a minha trajetória. Foi por minha capacidade que eu alcancei os vários postos que tive na empresa (...) Eu não posso dizer que eu não tinha aspiração de um dia chegar a um cargo de diretor. Tinha. Eu tinha sonhos, dentro da minha visão. Eu tinha sonhos. Eu cheguei então até gerente, abaixo, e esse patamar para cima eu jamais alcançaria. Agora, eu, como engenheiro, tinha sonhos de chegar a vez da diretoria. Obviamente, eu sabia que ia ter problema; eu não sabia a extensão do problema (...) Agora, eu não entrei na diretoria, vamos dizer, não sabendo que ia ter problemas. Eu entrei sabendo que ia ter problemas (...) Infelizmente, para chegar à Diretoria da PETROBRAS, não se chega sem apoio político. E eu tive a infelicidade de aceitar esse apoio político para alcançar o cargo de Diretor da PETROBRAS. E, a partir desse momento, aconteceu tudo o que aconteceu (...)Foi através de uma ação do José Janene e do Partido Progressista que eu cheguei à Diretoria da PETROBRAS, à Diretoria de Abastecimento (...) Desde que eu me entendo como PETROBRAS, em vários comentários, de vários colegas, em vários níveis, sempre foi colocado isto: que, para chegar à Diretoria da PETROBRAS, sem apoio político não chegava. Eu fiquei como Diretor da Companhia de maio de 2004 até abril de 2012, e, nesse período em que eu fui Diretor, eu fui com apoio político. Até então, a todos os outros locais que eu assumi, a vários locais de bastante importância, eu nunca precisei de nenhum apoio político para chegar. Mas, infelizmente, para Diretor da PETROBRAS, é necessário apoio político, e isso pode ser confirmado (...) isso era de praxe na PETROBRAS. (...) Pela importância que a PETROBRAS tem dentro do País, na indicação, embora ela seja aprovada pelo Conselho de Administração da PETROBRAS — obviamente que a pessoa tem que ter capacidade técnica, tem que ter respaldo, vamos dizer, em termos da sua formação, uma série de coisas —, o Conselho aprova nomes que vêm do Ministério de Minas e Energia e nomes que vêm da Presidência da República. Pela importância da PETROBRAS, os nomes que chegam para o Conselho aprovar são nomes que já passaram por níveis bem superiores ao próprio Conselho (...) a partir do Governo José Sarney, isso começou a acontecer (...) Isso era conversa comum dentro da PETROBRAS, dentre os gerentes da PETROBRAS, que esses cargos tinham que ter indicação política (...) Porque, na primeira conversa que eu tive com o Deputado José Janene, ele falou: “Nós vamos te apoiar, e você precisa ajudar o partido”. Mas eu não tinha detalhamento, naquele momento, de qual seria a ajuda para o partido (...) Ele (José Janene) que me procurou, quando eu estava na PETROBRAS, e veio com essa possibilidade de eu assumir uma diretoria. Ele foi a mim, não fui eu a ele (...) Eu trabalhei 27 anos na PETROBRAS, e não tem nenhuma mácula na minha carreira de 27 anos. 238

Podem pesquisar o que quiserem. Não tem. Na hora em que eu fui procurado, infelizmente, pelo Sr. José Janene, começou a minha mácula. Mas eu trabalhei 27 anos, dei sangue nesses 27 anos, trabalhando como técnico, assumi várias funções, e não tem nenhuma mácula na minha carreira (...)Então, houve uma indicação. A gênese disso não foi minha. Eu não fui... Eu não fui... Eu não procurei o Deputado José Janene para assumir nada. Eu fui procurado por eles e aceitei. Errei, aceitei. (Paulo Roberto Costa - 15ª reunião Petrobrás).

Ambos os depoentes declararam que começaram sua carreira por meio de concurso público. No depoimento de Paulo Roberto Costa fica clara a indicação de agentes políticos e os interesses de Partidos políticos para que fosse possível sua chegada à diretoria da Petrobrás. João Vaccari Neto também foi questionado em relação a seu cargo no Partido dos Trabalhadores (PT). Diferente dos outros depoentes que declararam ter começado a carreira, mediante concurso público, João Vaccari Neto declarou ter começado a trabalhar no PT, por causa de sua militância ao Partido e explicou não ter nenhum envolvimento em relação às indicações de cargos na Petrobrás e nem com a campanha da presidente Dilma Rousseff:

(...) o que me credenciou a ser Secretário de Finanças e Planejamento do PT foi a minha militância no PT (...) o que fez a minha designação ao Diretório Nacional foi a minha militância no Partido dos Trabalhadores desde a sua fundação (...) E quero dizer que a minha militância no PT é uma militância de mais de 30 anos. E eu tenho orgulho da minha militância. (...) eu sou tesoureiro desde 2010. Eu não participei de nenhuma indicação na PETROBRAS (...) eu não tenho CNPJ lastreado no meu CPF. Ou seja, eu só tenho CPF. Eu fui segundo suplente do Sr. Aloizio Mercadante. Portanto, no PT não existe a tradição de suplente financiar a campanha de efetivos. Em 2003 eu não era tesoureiro do PT, estava como Presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo (...) Eu quero só dizer que a atividade de tesoureiro do PT é exatamente igual à atividade de tesoureiro de todos os partidos (...) eu não fui da coordenação financeira da campanha da Presidente Dilma no ano de 2014. Nem da coordenação de campanha eu fui. Agora, as contas da Presidente Dilma foram aprovadas pelo TSE, foram apresentadas e aprovadas. Portanto, eu não tenho como contribuir com qualquer informação (...) eu não tenho nenhum CNPJ no meu CPF. Portanto, eu não tenho holding, não tenho sub-holding, eu tenho CPF. (...) Eu sou remunerado pelo PT, e o valor faz parte do sigilo do meu Imposto de Renda (João Vaccari Neto - 10ª reunião CPI/Petrobrás).

De acordo com Rosanvallon (2011), a princípio, tanto as eleições como os concursos públicos seriam formas legítimas para a seleção dos indivíduos que 239

comporiam o poder público. Para o autor, estas seriam duas espécies de “prova”, uma representando a expressão conjunta de vontades dos cidadãos expressadas pelo voto, e outra, valorizando critérios objetivos de seleção de competências. Ambos seriam complementares para o estabelecimento de um bom sistema político, legitimado pela igualdade de expressão cidadã e de possibilidades de acesso. O art. 37, da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, exige a aprovação em concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.

Art. 37. A administração pública federal direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei; II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (BRASIL, 1988)

O referente artigo reafirma o direito ao livre acesso de todos os brasileiros aos cargos públicos e estabelece um critério universal para o ingresso, porém impossibilita qualquer forma de progressão funcional. Promulgou-se, então, a Emenda Constitucional nº 19 que permitiu que cargos correlatos fossem organizados em carreira, com requisitos estabelecidos em lei para a promoção entre eles, sendo um dos requisitos obrigatórios a participação em cursos de formação e aperfeiçoamento. Dessa maneira, é assegurado o direito de acesso ao serviço público a todos os cidadãos brasileiros, por meio de concursos, ao mesmo tempo libera os escalões superiores para as nomeações e influências políticas, tradição que se mantém, em parte, até hoje (CAMPANHOLE & CAMPANHOLE, 1976, p. 433). De acordo com Barbosa (1996), esta tradição de alocar os cargos mais altos da administração para as nomeações políticas, deu origem ao conto de Monteiro Lobato, “Luzeiro Agrícola”, de 1928, no qual um poeta fracassado pede emprego público a um chefe político. Este lhe oferece os cargos mais altos e, diante da solicitação do poeta para cargos mais humildes, recebe a resposta: “mas para estes, só com concurso”.

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Da mesma forma que o ingresso no serviço público brasileiro está centrado na ideia do mérito de cada um (via concurso), a mobilidade vertical ou a promoção também é concebida no interior da administração federal como devendo ser o resultado do desempenho, O funcionário deve estar comprovadamente apto a desempenhar as tarefas específicas da classe para a qual é promovido. Porém, as metodologias utilizadas e o preparo dos avaliadores também não escapam às críticas. De acordo com Barbosa (1996), os critérios utilizados na avaliação dos funcionários e na concessão das promoções são sempre criticados e vistos como fundamentados em interesses políticos, nepóticos e fisiológicos, que excluem qualquer mensuração de desempenho, eficiência e produtividade.

. Propina:

A corrupção na Petrobrás foi materializada pelas propinas que as grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. De acordo com Jesus (2001), o pagamento de propinas refere-se ao ato delituoso de quem, no exercício legítimo de função, ou cargo público, ou em razão dele, exige ou aceita diretamente qualquer vantagem ou recompensa para descumprir a lei, praticando ou se abstendo de praticar, certo ato em prejuízo de terceiro. No dicionário brasileiro a palavra propina se traduz por:

(...) soma de dinheiro ou presente que se dá a um empregado por serviço prestado no exercício das suas funções; gorgeta, gratificação. Quantia que se paga ao Estado para se poderem fazer certos atos. (NOVO DICIONÁRIO BRASILEIRO, 1964, p. 854).

A palavra propina geralmente é utilizada como sinônimo de suborno. O artigo 333 do Código Penal brasileiro trata o suborno como um crime de corrupção ativa: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício” cuja pena é a reclusão de 2 (dois) a 12

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(doze) anos e multa (CÓDIGO PENAL BRASILEIRO)229. De acordo com o Dicionário, o suborno refere-se:

à corrupção da consciência alheia, por meio de dinheiro, honrarias ou coisas equivalentes. Delito dos funcionários, que, no exercício de suas funções ou em razão das mesmas, recebe recompensa ou vantagens para omitir-se na prática de seus deveres funcionais, com prejuízo de terceiros. Subornar: Induzir, levar alguém, mediante quaisquer recompensas ou promessas, a não cumprir o dever e praticar ações ilegais e injustas; peitar, corromper, venalizar (NOVO DICIONÁRIO BRASILEIRO, 1964, p. 476).

Entretanto, a palavra propina tem sido mais utilizada que suborno no atual momento do Brasil230, especialmente depois do início da Operação Lava Jato sobre a corrupção na Petrobrás. E é tratada também como sinônimo pelo Ministério Público:

Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do esquema, incluindo doleiros investigados na primeira etapa (MINISTÉRIO PÚBLICO)231 .

229 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 27/4/2016.

230 A palavra propina foi bastante utilizada pela imprensa desde que iniciou a Operação Lava Jato: “Delatores do Lava Jato falam em propina de R$ 200 milhões a PT e PMDB”; “Delator da Lava Jato depõe e confirma propina para Cunha”; “Delator da Lava Jato liga entrega de propina a Gleisi, Meurer e Pizzolatti”; “Lava Jato investiga propina paga pela Odebrecht”; “Pagamento de propina é prática antiga na Odebrecht”; “Delcídio diz que Aécio recebeu propina em Furnas”. Disponíveis, respectivamente, em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/delatores-do-lava-jato-falam-em-propina-de-r-200- milhoes-a-pt-e-pmdb-eg883n2r2257l87yztqy4yszy; http://g1.globo.com/jornal- nacional/noticia/2016/04/delator-da-lava-jato-depoe-e-confirma-propina-para-cunha.html; http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1764273-delator-da-lava-jato-liga-entrega-de-propina-a- gleisi-meurer-e-pizzolatti.shtml; http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/03/22/26a-fase- operacao-lava-jato-policia-federal.htm; http://g1.globo.com/politica/operacao-lava- jato/noticia/2016/03/pagamento-de-propina-e-pratica-antiga-na-odebrecht-diz-ex-funcionaria.html; http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/delcidio-diz-que-aecio-recebeu-propina-em-furnas . Acesso em 27/4/2016.

231 Disponível em: http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso. Acesso em 27/4/2016.

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A propina foi amplamente discutida nos depoimentos da CPI. Marcou o início, meio e fim dos depoimentos de vários depoentes. Pedro Barusco, e Paulo Roberto Costa contaram como começaram a receber propina e como essa prática foi se “institucionalizando” na Petrobrás. Alberto Youssef, como era o “operador”, explicou como distribuía a propina para as pessoas envolvidas no esquema de corrupção:

Eu iniciei a receber propina em 1997, 1998. Foi uma iniciativa pessoal minha, junto com o representante da empresa. Em contato com outras pessoas da PETROBRAS, de uma forma mais institucionalizada, foi a partir de 2004. (...) Eu comecei em 1997, 1998, uma atitude isolada. Eu já detalhei até onde eu poderia detalhar, sou objeto de uma investigação (...) Os atos de 1997 e 1998 eram meus, ninguém sabia de nada, era uma coisa particular. Eu não compartilhava com ninguém. (Pausa.) E, a partir de 2003, 2004, houve uma fase onde estava institucionalizado esse recebimento de propina. Eu só sei isso. Eu não sei mais nada. Eu não sei dizer quem ganhou, quem não ganhou, quem participou, quem não participou. (...) a partir de 2004, aquele ambiente em que eu vivia tinha, assim, um pagamento meio que automático de propina, nesses contratos (...) era impossível saber se aquele contrato tinha ou não tinha (propina), porque havia vários contratos que não tinham esquema nenhum. Então, eu acredito que seria impossível separar o joio do trigo. Só sabia quem estava envolvido (...) Porque é desde 97. São 18 anos. Eu recebia, e esse dinheiro era aplicado. Então, eu separei também em depósitos, que seriam a propina em si e o rendimento financeiro. Porque, como eu declarei, eu nunca fiz retirada. Eu retirei, ao longo desses 18 anos, um pouco menos de 1 milhão de dólares, para viagem, tratamento de saúde, e 400 mil eu trouxe de volta. Isso foi tudo nos 18 anos. Então, tudo está lá. Já estava sistematizado dentro da PETROBRAS esse esquema em 2003 (...) Então eu prefiro ficar calado em relação a esse assunto de aprofundar esse período (1997 a 2003). (...) eu recebia somente para mim e para Renato Duque só, não recebi para mais ninguém. (...) Eu não inventei a corrupção na Petrobrás. Rsrsrsr (Pedro Barusco - 3ª reunião CPI/Petrobrás).

(...) Nós tomamos conhecimento do cartel; sabíamos que tinha um cartel e fomos coniventes com o cartel (...) o nosso erro foi saber que tinha cartel e não ter tomado nenhuma medida em relação a isso. Esse foi o nosso erro (...) O que eu posso lhe falar é que eu não comandava isso. Quando eu fui indicado pelo PP para assumir a diretoria, foi me pedido pelo partido, na época pelo José Janene, que eu teria que ajudar o partido (...) sem uma indicação política para fazer o que os políticos — não generalizando aqui, mas como eu já falei anteriormente —, sem uma participação na época, no meu caso, do Deputado José Janene, de me colocar lá na Diretoria, eu também não faria isso (...) Mas a gênese desse processo veio do grupo político dos maus políticos. (Paulo Roberto Costa, 15ª reunião Petrobrás).

Se prestar atenção à planilha, vai ver que nesta planilha só estão os valores e para onde foi e algumas vezes até com ponto de interrogação. Os endereços, era normal que nós recebêssemos os endereços com: endereço, cidade e nome da pessoa que estava recebendo. E não quer dizer que exatamente nós conhecêssemos essas pessoas, ou não. É isso que eu quero lhe dizer, e é isso que eu tentei explicar aqui (...) Olha, o mercado funciona dessa maneira: eu recebia o 243

endereço com cidade, endereço de rua, o nome da pessoa que ia receber [propina] e por conta e ordem de tal empresa. Só isso, somente isso (...) eu recebia o endereço, com a cidade, o local e quem iria receber. E assim era entregue. (...)alguns eu lembro; alguns eu não lembro. Eu não posso lembrar de todos. Eu estou dizendo a verdade. (...) Com certeza, não sou eu o líder desta organização criminosa. Eu acho que isso começou lá atrás já quando Paulo Roberto Costa foi eleito Diretor da PETROBRAS, por um grupo de políticos que o colocou lá. Então, não tem como eu ser o líder dessa organização. Eu fui uma engrenagem que operacionalizou parte desses recursos para que pudesse chegar à mão do Diretor da PETROBRAS e do partido. (Alberto Youssef - 17ª reunião CPI/Petrobrás].

Pedro Barusco, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef revelaram que estavam diretamente envolvidos com a propina. Um dos argumentos comuns, nos três depoimentos, foi no sentido de que os depoentes não se consideravam os grandes responsáveis pelo início desse processo de corrupção na Petrobrás: “Eu não inventei a corrupção na Petrobrás” (Pedro Barusco); “O que eu posso lhe falar é que eu não comandava isso” (Paulo Roberto Costa); “não sou eu o líder desta organização criminosa” (Alberto Youssef). De acordo com Dungan, Waytz e Young (2014), os indivíduos possuem uma série de mecanismos psicológicos que permitem justificar e racionalizar o seu próprio comportamento imoral e antiético. Nas palavras dos autores, as pessoas são consideradas “hipócritas morais” (p.5), uma vez que costumam defender os valores morais quando julgam os outros, mas os ignoram quando o autointeresse está em jogo. Bandura (1999) aponta os mecanismos psicológicos que podem influenciar a corrupção. De acordo com o autor, as pessoas justificam o próprio comportamento imoral (ou corrupto), comparando-os a comportamentos piores de outras pessoas ou quando desviam a culpa ou a responsabilidade para os outros. As pessoas que utilizam essas técnicas de racionalização são mais propensas a praticarem atos ilegais, como a corrupção. Em vez de racionalizar o comportamento imoral, as pessoas podem separar ou dissociar o comportamento imoral específico do seu caráter moral (DUNGAN, WAYTZ e YOUNG, 2014). Em outras palavras, as pessoas podem praticar atos corruptos e ilegais em seus ambientes de trabalho, seja por lealdade ao grupo a que pertencem, seja por egoísmo, mas, na vida pessoal, ser uma pessoa honesta e que age com justiça e moral.

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Neste sentido, as pessoas podem ver as suas práticas de negócios como antiéticas, porém, psicologicamente, conseguem separar esse comportamento de sua vida pessoal, protegendo assim o autoconceito de ser uma pessoa honesta. O comportamento antiético ou corrupto apresenta um tendência de ignorar ou reduzir as consequências das ações ilegais e a incapacidade de perceber o declínio gradual do comportamento ético, ao longo do tempo. Juntos, esses aspectos da psicologia colaboram para que as pessoas que praticam atos ilegais ou que tenham desejos egoístas, os desengatem dos padrões morais, contribuindo, assim, para a hipocrisia e corrupção (DUNGAN, WAYTZ e YOUNG, 2014). O caso mais clássico da corrupção refere-se à propina (ou suborno), no qual o agente político, ou neste caso, os diretores da Petrobrás recebem dinheiro para alterar (ou manter) uma licitação. A moeda do ator privado (as empreiteiras) era dinheiro propriamente dito. Com respeito a estas relações (Propinas / Empresas / Partidos Políticos), os depoentes explicaram como foi se institucionalizando o processo de recebimento de propinas e como era realizada a divisão dessas propinas recebidas pelas empreiteiras entre os diretores da Petrobrás e os partidos políticos:

O que eu digo é assim: não é que houve a institucionalização, tá? Quando eu percebi... Eu vi: “Mas isso aqui é institucionalizado.” Já tinha... Tanto que se fazia o contrato com determinada empresa, sempre tinha um percentual que estava destinado à propina. (...) Eu me refiro mais a minha última fase, 2008, 2009, entendeu? Quando era um sistema em que os contratos já tinham praticamente de algumas empresas, obviamente, já vinham, já estava embutido o pagamento de comissões e propinas, tá? Isso estava institucionalizado. É isso o que eu estou dizendo. Era um modus operandi. Era o dia a dia dessas empresas essas licitações. Entendeu? (...) A divisão da propina, até onde eu sabia, iria para o PT e, mais recentemente, PP e PMDB, no caso do Diretor Paulo Roberto Costa. E no caso do Diretor Renato Duque, atendia o PT. Era isso que eu sabia e que eu vivenciava. Depois, uma parte ia para o partido e para o Vaccari. Quer dizer, aí começou o partido a ser nominado [propina para o PT -2003]. Sobre esse assunto [se há outros partidos, políticos, etc envolvidos] eu me reservo o direito de não falar. (Pedro Barusco - 3ª reunião CPI/Petrobrás)

Olha, posso estar esquecendo alguma coisa, porque foi desde 2003, são 12 anos. O mecanismo envolvia o representante da empresa, às vezes o próprio empresário, eu, o Diretor Duque e João Vaccari. São os protagonistas, vamos dizer assim (...) Quem é a cabeça do negócio também não sei dizer. Eu sei as pessoas que eu citei. Não havia um único, vamos dizer assim, responsável. Eu sei o que acontecia na Diretoria de Abastecimento, o que acontecia na Diretoria de Serviços. E é o que relatei (...) O envolvimento com agente político ou representante de agente político era feito no momento da divisão, vamos dizer assim,

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da divisão do quantitativo da propina (...) Após a divisão, por exemplo, se era um contrato que pertencia à Diretoria de Abastecimento, tinha lá normalmente 2%, 1% era para a Diretoria de Abastecimento, aí, então, o Diretor Paulo Roberto era o responsável para conduzir o recebimento e o encaminhamento e o destino daquele 1%. O outro 1% era dividido: metade para o PT e metade para a casa232, que a gente chamava, que no caso era eu e Renato Duque. Então, eu cuidava desse meio por cento que pertencia a mim e a Renato Duque e dava o destino, e o outro meio por cento quem conduzia mais recentemente, por exemplo, quando o João Vaccari assumiu como tesoureiro do partido, ele que cuidava desse outro percentual. (Pedro Barusco - 3ª reunião CPI/Petrobrás)

(...) Eu já citei na minha delação, é de domínio público, políticos do PP, políticos do PMDB e políticos do PT. (...) Do PP, começou com o Deputado José Janene, prosseguiu depois com o Deputado Mário Negromonte, prosseguiu depois com o Senador Ciro Nogueira; do PMDB, Senador Renan Calheiros, Deputado Aníbal Gomes, Senador... Agora me foge o nome aqui, porque são tantos. Daqui a pouco, eu me lembro. Esses são do PMDB. Do PT, tive contato e ações com o Senador Lindbergh, com o Senador Costa, lá de Pernambuco. Humberto Costa (...) O que eu me esqueci foi o Senador Romero Jucá. Tivemos contato com ele. (...) Foi mencionado, na época, também o Ministro Edson Lobão (...) em relação a esses problemas da PETROBRAS de desvio, obviamente a resposta é sim, os interesses foram interesses partidários. Houve interesse partidário em atender, para que isso prosseguisse (...) Os líderes que tinham contato comigo, foi o que eu passei para o Deputado Ivan Valente ali, são pessoas do PP, pessoas do PMDB que fizeram contato comigo. Eu não tive mais contato com ninguém além daquelas pessoas (...)Eu tinha pedidos do PP, tinha pedidos do PMDB e tinha pedidos do PT, e os pedidos eram feitos diretamente para mim. Então, por exemplo, em relação a 2010, na campanha da Presidente Dilma, o Youssef falou para mim que tinha sido pedido pelo ex-Ministro Palocci essa ajuda, e eu falei: “Faça a ajuda”. Por ele só. Se o Presidente da companhia sabia disso, o Gabrielli ou o Dutra, eu pessoalmente nunca conversei com eles, não sei se eles sabiam não, não posso lhe confirmar (Paulo Roberto Costa, 15ª reunião Petrobrás).

(...) a empresa Toshiba me contratou para que eu fizesse esse repasse [propina] ao Vaccari, que no primeiro momento falou que uma pessoa fosse retirar esse dinheiro no meu escritório, e no segundo momento o meu funcionário foi junto com o funcionário da Toshiba para entregar o recurso. Então, eu, diretamente com o Vaccari, não falei sobre esse assunto (...) A operação da Toshiba foi só depois, após a Toshiba ter assinado contrato com o COMPERJ. Aí que eu fui entregar o dinheiro diretamente ao Vaccari. Posteriormente, tudo que o Julio233 me pedia, eu entregava ao escritório do Julio, e era o Julio que repassava (...) Paulo Roberto da Costa

232 A casa era Renato Duque e Pedro José Barusco Filho. Em alguns casos, houve a participação do Diretor Jorge Zelada. Em pouquíssimos casos, participou também o meu sucessor, Dr. Roberto Gonçalves (DELAÇÃO PREMIADA de PEDRO JOSÉ BARUSCO FILHO). Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/veja-na-integra-a-delacao-premiada-de-pedro- barusco/. Acesso em 26/4/2016.

233 Júlio Camargo era lobista, ligado ao grupo Toyo Setal.

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pediu que eu entregasse 1 milhão de reais para a campanha da Gleisi234, em 2010, a pedido do Paulo Bernardo235 e deu um número de telefone e o nome de uma pessoa que eu contatasse para que eu pudesse fazer o pagamento (...) Fernando Collor236: A pedido de uma terceira pessoa, repassei recurso (...) Senador Fernando Bezerra não conheço, mas sei que, por intermédio da RNEST, algumas empresas lhe repassaram recurso (...) Aline Corrêa237: Ajudei na campanha e passei recurso na campanha (...) Carlos Magno Ramos238: Passei recurso. Ele tem um problema de fígado, e eu o ajudei com recursos, mas não eu diretamente, eu pedi para um funcionário lhe enviar (...) João Leão239, João Pizzolatti, José Linhares Ponte, Mário Negromonte, Cândido Vaccarezza, Sr. Luiz Argôlo, passei recurso diretamente (...) quem intitulava o Fernando Soares240 “operador do PMDB” sempre foi o Paulo Roberto da Costa. Eu estive meia dúzia de vezes com o Fernando Soares — acredito eu. E, nessa meia dúzia de vezes, foi para resolver assunto do Júlio Camargo, com referência aos valores que o Júlio passou a ele, e também ao repasse que ele fez para mim, em 2010, intermediando recursos que vieram da Andrade — e que ele tratava com a Andrade — e que eu recebi na campanha de 2010 para poder repassar ao Partido Progressista (...)Em primeiro lugar, eu, em momento algum, generalizei que todos os Deputados são corruptos ou deixam de ser. Eu acho que eu dei os nomes e disse quais os Deputados e os Senadores envolvidos. Quanto à questão de quem nomeia, quem faz o pedido, normalmente, quem vai e faz o pedido de cargo ao Planalto, até onde eu tenho o meu conhecimento, é o Líder do partido, é o Presidente do partido que vai ao Planalto e pede os cargos, vai do Planalto dar o cargo ou não, até onde eu tenho esse conhecimento (Alberto Youssef - 17ª reunião CPI/Petrobrás)

Fundamentando-nos nessas explicações, compreendemos como era feita a divisão das propinas recebidas, que, ao que parece, foi bastante organizada. Cada

234 Gleisi Helena Hoffmann é uma advogada e política brasileira, ex-ministra-chefe da Casa Civil do Brasil. Exercia, naquele momento, o cargo de Senadora do Brasil, representando o Estado do Paraná.

235 Paulo Bernardo Silva é um político brasileiro, filiado ao Partido dos Trabalhadores. Foi ministro das Comunicações. Funcionário do Banco do Brasil, casado com Gleisi Hoffmann.

236 Fernando Affonso Collor de Mello é ex-presidente do Brasil (renunciou em 1992) e, atualmente (julho de 2016), é Senador pelo Estado de Alagoas.

237 Aline Lemos Corrêa de Oliveira Andrade é deputada federal por São Paulo.

238 Carlos Magno Ramos é deputado Federal por Roraima.

239 João Leão é vice-governador da Bahia; João Pizzolatti é Deputado Federal (Santa Catarina); José Linhares Ponte é Deputado Federal (Ceará); Mário Negromonte é Deputado-federal (Bahia) e ex-ministro das Cidades; Cândido Vaccarezza é Deputado Federal (Bahia); Luiz Argolo é ex-deputado federal (Bahia). Todas as informações foram extraídas do portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/. Todos os acessos foram feitos em 31/3/2016.

240 Fernando Antônio Falcão Soares, mais conhecido como Fernando Baiano, é um dos operadores do PMDB no esquema de desvio de recursos da Petrobrás.

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diretoria, cada partido tinha sua porcentagem e, com base nos depoimentos, não havia nenhum conflito no momento da divisão. Para Shleifer e Vishny (1993), a corrupção se materializa, quando existe a oferta de um bem pelo político e a demanda por esse bem por um ator privado. Dessa forma, a relação de mercado estaria formada. Os autores entendem por corrupção qualquer tipo de transação entre o político e um ator privado, na qual propriedade do governo está em jogo, e o político recebe algum benefício pessoal em troca. De acordo com o depoimento de Alberto Youssef, toda segunda ou sexta-feira, os líderes dos partidos se reuniam com ele, em Brasília, para definirem a distribuição da propina. E havia também reuniões na residência dos deputados João Pizzolatti e Mário Negromonte, ambos do PP, como explica Alberto Youssef:

(...) eu operei para o Deputado José Janene quando ele era já do Partido Progressista. É... A partir do momento em que ele adoeceu, eu passei a falar mais diretamente com os líderes do Partido Progressista e também com o Paulo Roberto Costa. E logo após que ele faleceu, eu dei continuação às operações junto ao Partido Progressista e ao Diretor de Abastecimento da PETROBRAS, Paulo Roberto Costa (...) Foi com os outros líderes do partido também. Primeiro, no primeiro momento, tratava com José Janene; no segundo momento, quando ele adoeceu, passei a tratar com Mário Negromonte, com João Pizzolatti, com Nelson Meurer, com Pedro Corrêa241 (...) em 2010 financiei, através de recebimentos de contratos da PETROBRAS junto ao Paulo Roberto Costa, campanhas de vários Deputados, Senador do Partido Progressista e também, a pedido do Paulo Roberto Costa, uma doação oficial, através da Queiroz Galvão, para também o, na época candidato, Senador Valdir Raupp. Também foi feito um entregue de caixa dois aqui em Curitiba a pedido do Paulo Roberto Costa para a campanha de 2010 da Senadora Gleisi Hoffmann. (...) esse esquema servia aos interesses do partido, automaticamente dos partidos da base aliada (...) em 2012 ou 2011, já no segundo semestre, houve um racha entre os Líderes do Partido Progressista e isso foi motivo de discussão dos Líderes com a Casa Civil, com o Secretário-Geral da Presidência da República, com o Paulo Roberto Costa, onde inclusive houve a queda do Nelson Meurer e o Arthur Lira assumiu a Liderança do Partido. Esse assunto, o Paulo Roberto deixou claro ao Líder Nelson Meurer aqui e ao Presidente do Partido hoje, Ciro Nogueira, na época não sei, não me lembro se era Senador já, que esse assunto teria que chegar a ele através do Palácio, a quem ele ia se reportar. E isso eu escutei dele por várias vezes (...) A interlocução sempre foi do José Janene, depois passou a ser do Líder Mário Negromonte, depois passou a ser do Líder Nelson Meurer, do Líder João Pizzolatti, e num determinado momento aconteceu o racha no partido, essa situação foi parar no Palácio e o Paulo deixou claro para o Nelson Meurer que

241 O depoimento de Pedro da Silva Corrêa de Oliveira Andrade Neto será analisado também neste capítulo.

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quem tinha que indicar o novo interlocutor era o Palácio. (...) Eu me lembro que foi conversado com a Ideli Salvatti e com o Secretário Gilberto Carvalho (...) eu sei que demorou 1 ano para que o Paulo Roberto Costa fosse nomeado. E também, ouvindo as conversas do Deputado falecido José Janene acredito que ele (presidente Luiz Inácio Lula da Silva) ficou contrariado, sim (...)Na verdade, quando o Paulo Roberto Costa ficou doente, ele passou a ser também apoiado pelo PMDB. E algumas empresas eu não operava por conta de que o Dr. Paulo Roberto Costa dizia que essas empresas... ele arrebanhava os recursos e direcionava ao PMDB (...) O Paulo Roberto Costa me passou que eu procurasse não só a Muranno, mas também tem uma outra empresa no Rio de Janeiro que não foi mencionada — não me lembro do nome —, e eu procurei esses dois dirigentes dessas empresas de marketing para que pudesse reparar esses pagamentos (...) O Dr. Paulo disse que — na época foram 6 milhões e pouco, se não me engano, no total —, disse que isso o PT teria que dividir: que 3 milhões e pouco seriam descontados do nosso partido (PP) e os outros 3 milhões e pouco o PT teria que honrar (...) Em nenhum momento, eu quero dizer que eu coloquei algum Parlamentar aqui sob suspeita sem que este Parlamentar tivesse realmente participado desse assunto, até porque eu tenho uma boa relação com vários outros Parlamentares que não participaram disso (Alberto Youssef - 17ª reunião CPI/Petrobrás).

Dungan, Waytz e Young (2014) afirmam que o comportamento corrupto não pode ser considerado somente pelo ponto de vista de um “comportamento egoísta”. Na verdade, tal comportamento pode acontecer para prestar um “serviço” para os membros do seu próprio grupo. Os autores enfatizam a lealdade ao grupo como um valor moral que pode motivar ações corruptas também consideradas abusivas e injustas. No caso da Petrobrás, quando foi oferecida propina a um político, a qual garantiria o sucesso de seu partido político, tal político podia se corromper, não apenas por egoísmo, mas pela ‘lealdade’ ao seu partido. Na verdade, as pessoas são frequentemente confrontadas com uma escolha entre ser leal a seu próprio grupo ou de ser justo e imparcial para todos na sociedade. Os autores sugerem que a corrupção não surge de um conflito entre ser “bom e ser egoísta”, mas sim, de uma tensão entre “justiça e lealdade”. Essa tensão pode afetar as decisões de abster-se ou se envolver em comportamento corrupto. Os autores apontam também, como influência externa, o temor de ser apanhado e sofrer as sanções legais e sociais pelo comportamento corrupto (DUNGAN, WAYTZ E YOUNG, 2014, p. 8). No Brasil, infelizmente, a eficácia dos órgãos de controle e da Justiça ainda é considerada incapaz e, num cálculo estritamente racional, muitas vezes o indivíduo racionaliza que “vale a pena roubar”.

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A corrupção e todas as consequências que sua prática pode causar na sociedade e na economia de um país foi negligenciada, durante muito tempo, na literatura acadêmica. Abramo (2005) explica que, até meados de 1978, a corrupção era tratada de forma rápida (en passant) na academia, e que a maioria dos economistas tendia a considerá-la uma "graxa" que lubrifica a economia, uma acidentalidade pouco importante na ordem das coisas. Ou ainda nas palavras de Balbinotto Neto (2000, p.164) a “corrupção é um mal, mas que não tem efeitos sobre o crescimento econômico, podendo, em alguns casos, até ser benéfica”. Essas explicações dos autores baseavam-se na ideia de que as práticas consideradas corruptas poderiam agilizar os trâmites burocráticos do Estado. O suborno funcionaria como um estímulo à maior produtividade dos funcionários públicos (que trabalhariam com mais motivação) e promoveria a integração das elites dirigentes nos países recém- emancipados. Entretanto, a partir do fim da década de 1970, a percepção da corrupção e de seus efeitos suscitou uma série de questionamentos nos estudiosos que passaram a apontá-la como um dos principais problemas de crescimento de um país. O conceito de corrupção de Rose-Ackerman (1978) rompeu com as definições anteriores. De acordo com a autora, o papel e o impacto da corrupção sobre a economia e as organizações políticas são extensos e profundos e causa prejuízos à eficiência econômica e à população de um país. O escândalo da corrupção na Petrobrás gerou prejuízos vultosos ao país. De acordo com dados publicados pelo jornal Folha de S. Paulo242, a Petrobrás respondia, em 2012, por 13% do Produto Interno Bruto do Brasil (560 bilhões de reais). Com os desbobramentos da Operação Lava Jato e por conta da queda do preço do petróleo, esse valor caiu consideravelmente e teve um prejuízo de 34,8 bilhões de reais no ano. Os prejuízos também atingiram os trabalhadores, uma vez que houve uma demissão de 170 mil funcionários até o momento (maio/2016). Mauro (1995), por sua vez, afirma que a corrupção diminui o nível de investimentos e o crescimento econômico de um país, e a população é a parte mais sensível desse problema.

242 Informação disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1755010-pos-lava-jato- petrobras-ja-demitiu-170-mil-funcionarios.shtml. Acesso em 12/4/2016.

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Os prejuízos econômicos que a corrupção causa são evidentes na economia brasileira. Municípios do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, como Macaé e Itaboraí sofreram consequências graves, e a população padece com o desemprego e falta de renda, pois tais cidades tinham suas economias dependentes do Petróleo243. Em virtude das consequencias extremamente desastrosas que a corrupção na Petrobrás causou em todo o país, o que se pergunta é quais seriam as causas que facilitariam o ato de corromper ou ser corrompido. Uma das explicações pode ser encontrada em Sousa (2011). O autor argumenta que os níveis de desenvolvimento do Estado podem servir como cenário para facilitar a prática da corrupção. Isto quer dizer que, se o Estado não realizar satisfatoriamente a distribuição de renda no país, a corrupção funcionará como um mecanismo paralelo de distribuição de renda. A argumentação de Sousa (2011) é relevante e pode explicar a corrupção praticada por alguns funcionários públicos. No entanto, no caso da Petrobrás, os envolvidos eram pessoas que recebiam altos salários (os salários dos diretores e presidentes são considerados altos), possuíam poder e haviam chegado a cargos importantes de diretoria ou presidência. Além dos diretores e presidentes, os políticos e os empresários também recebiam altos salários. O que se percebe na fala dos depoentes é que o fato da corrupção estar instalada na Petrobrás há muito tempo (a partir de 2002 ou em governos anteriores) foi utilizado como justificativa para dar continuidade aos atos de corrupção. Então, a indagação que se faz é: por que continuar? Por que essas pessoas se deixaram levar pela prática de corrupção? De acordo com Johnson (1975), aqueles que se engajam em corrupção acreditam que a utilidade dos rendimentos advindos dela é mais valiosa do que os inconvenientes causados pelas penalidades associadas a estes atos. Ou seja, os rendimentos advindos da corrupção representam um considerável papel na ocorrência da corrupção. Quanto maiores os rendimentos, mais propensos à corrupção estariam os indivíduos.

243 Informações disponíveis em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,crise-na-petrobras-afeta- emprego-e-cidades-dependentes-da-estatal-cortam-vagas,1644052 . Acesso em 28/4/2016.

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A existência de significantes rendimentos de corrupção, esperados e realizáveis, apresenta significativos efeitos comportamentais que causam perda para o resto da sociedade por serem maiores que os rendimentos realizados por aqueles que partilham do rendimento corrupto (JOHNSON, 1975, p.53).

Por outro lado, Jain (2001) argumenta que, quanto maiores as rendas, maior o incentivo para que os empresários busquem evitar regulações e maiores os valores de pagamentos extras (propinas) que eles podem oferecer aos agentes que detêm os poderes arbitrários. A corrupção permite que os empresários do setor privado capturem e mantenham posições monopolistas na economia, bem como privilégios e transferências de renda. Isto possibilita que os produtores ineficientes continuem nos mercados e provê oportunidades para que os burocratas e políticos transfiram rendas para si e para os que os apoiam. Segundo Balbinotto Neto (2000, p. 163), a "corrupção é um comportamento racional por parte dos indivíduos que atuam dentro de um determinado sistema de incentivos que torna tal atividade atrativa". Rose-Ackerman (1996) ressalta que oportunidades de corrupção são criadas quando os poderes arbitrários dos agentes públicos são capazes de proporcionar economias ou permitir atividades ilegais. Tanzi (1999) corrobora, ao afirmar que situações nas quais os funcionários públicos apresentam poderes arbitrários sobre decisões econômicas contribuem diretamente para a existência da corrupção. Os agentes privados estão dispostos a pagar algum suborno para evitar os incômodos da intervenção do setor público. Esta possibilidade de extração de rendas pode induzir os servidores públicos a criarem regulação, a fim de incitar os agentes a pagarem propinas. Esse ponto de vista fica evidente nas falas dos depoentes, embora haja controvérsias sobre a corrupção existir antes ou depois de 2002. O fato é que havia uma “regularização” do recebimento de propinas. Os depoimentos revelam que não havia nenhum tipo de extorsão e constrangimento, e as empresas não eram obrigadas a subornar. Era, pois, um processo “natural”:

Olha, eu fico procurando na minha mente, na minha memória, e não encontro caso nenhum de extorsão. Era uma relação normal, uma relação em que se acordavam as coisas. Nunca vi 252

extorsão. Às vezes, havia um conflito aqui e ali para se discutir alguma coisa, mas extorsão eu nunca vi. (...) Falava-se de nome assim de política geral, não tinha assim: “Ah, isso aqui pra Fulano ou pra Sicrano!” Não tinha isso (...) Do que eu participava era combinação. Então, tem a combinação. E aí, a parte que cabia a mim, a operacionalização, eu operacionalizava. Sobre essa parte que caberia a João Vaccari receber eu realmente não sei dizer se foi doação, se foi…(...) Com os empresários, com o Vaccari, com o Renato Duque, eram conversas negociais. Não tinha extorsão nem constrangimento (...) Esse esquema [propina] foi se implantando lentamente. Os operadores se aproximam... Aproximaram-se de mim, do diretor... Por exemplo, foi comentado aqui aquele Projeto Malhas, que era um projeto que tinha sido assinado nos Governos anteriores, em 2000, em 2001. A gente recebeu comissões, em 2003, dos aditivos. Eu não sei dizer se já tinha propina no contrato original. Simplesmente não sei dizer. Eu sei que começou lentamente. Aí, vamos dizer, estabelecia um contato com o operador, estabelecia o contato com outro operador, e essa rede foi se estabelecendo gradativamente (...) Porque estava automática, vamos dizer assim. Entendeu? Ganhava o contrato, tinha, para algumas empresas, principalmente essas do cartel, já esse percentual estabelecido, o encaminhamento estabelecido, a divisão estabelecida. Por isso é que era endêmico. (Pedro Barusco - 3ª reunião CPI/Petrobrás)

(...) dentro do processo de cartel, isso se tornou corriqueiro, na minha área, praticamente a partir de 2006, nas outras áreas desde 2003, que eu tenha conhecimento. Isso se tornou corriqueiro dentro da companhia (...)Eu entrei na Diretoria em maio de 2004, e o que me foi dito depois, por algumas empresas, foi que esse já era um processo em andamento dentro da PETROBRAS. Isso me foi colocado pelas empresas (...) Na minha área, repito, em 2004, 2005 e 2006, praticamente não tinha projeto, mas na área de exploração e produção e na área de gás e energia — principalmente na área de exploração e produção — tinha projetos (...)Isso, possivelmente — possivelmente, não; com certeza; foi-me dito pelas empresas, não começou em 2004, começou antes de 2004, quando entrou o Diretor Duque, etc. (...) nós podíamos ter preços reduzidos de 3%. Então, não havia competitividade. Esse é o ponto. Ficava dentro da margem que a PETROBRAS aceitava, mas, se não tivesse o cartel, nós teríamos os preços menores. Então, isto é inquestionável: dizer que podia ter preço menor ou não. Podia! Podia! Se não tivesse o cartel, podia. (Paulo Roberto Costa - 15ª reunião Petrobrás).

Isso [propina] era uma coisa sistêmica, era uma coisa normal, corriqueira dentro do partido (Alberto Youssef - 17ª reunião CPI/Petrobrás).

Para Andvig e demais autores (2000), os códigos morais das diferentes sociedades variam na extensão pela qual atividades que eventualmente levam à corrupção são aceitas como um comportamento normal. Os pontos em comum às definições do comportamento corrupto estão na interação entre o poder público e o setor privado e na presença de ilegalidade. Mesmo não havendo uma forma estrita de corrupção, os diversos comportamentos que podem ser definidos como corruptos apresentam características comuns.

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A qualidade das instituições governamentais determina o nível de corrupção e o desenvolvimento de uma sociedade, já que dessas instituições depende a probabilidade e a intensidade de punição. A falta de controles eficientes sobre a burocracia e sobre os dirigentes do governo é um incentivo ao comportamento corrupto. A relação da corrupção com os parlamentares também se mostrou presente nos depoimentos. Para se justificar, Paulo Roberto Costa argumentou que o Parlamento tem um papel fundamental para acabar com a corrupção cuja origem seria a existência de “maus políticos”.

(...)V.Exas.[parlamentares] têm um papel fundamental nesse esclarecimento, para que isso seja redimido, para que isso seja melhorado neste nosso País. A origem não foi na PETROBRAS; a origem veio aqui de Brasília. V.Exa. tem um papel fundamental nesse processo (Paulo Roberto Costa - 15ª reunião Petrobrás).

(...) Então, eu espero sinceramente que os maus políticos que foram citados e tiveram envolvimento também tenham sua penalidade. As penalidades não podem ser só em cima de Diretores da PETROBRAS e em cima de empresas. Então, os maus políticos também têm de ter sua penalidade. Eu assim espero. Nada disso teria acontecido se não fossem alguns maus políticos que levaram a PETROBRAS a fazer o que fez. O que aconteceu na PETROBRAS nesse período não foi inventado por nenhum Diretor da PETROBRAS, não foi inventado por nenhuma empresa. A origem, a origem do que aconteceu dentro da PETROBRAS — isso eu posso afiançar para vocês — são os maus políticos, que fizeram isso tudo acontecer. Hoje, nós temos no Brasil um sistema podre. Então, é a condição que vocês aqui no Parlamento têm, é a condição que a Polícia Federal tem, que o Ministério Público tem, que o Juiz Moro tem, que o Supremo Tribunal Federal tem de resolver uma coisa muito mal resolvida que tem neste Brasil. (...) Para mim, romper um sistema podre é esse sistema dos maus políticos, das pessoas da PETROBRAS que erraram, das empresas que erraram (...) Isso só aconteceu não foi por decisão de Paulo Roberto, não foi por decisão das empresas. Isso aconteceu por atitudes de maus políticos. (...) Não foi a PETROBRAS que inventou o cartel, não foi Diretor da PETROBRAS que inventou o cartel, não foi o Diretor da PETROBRAS que inventou, nem as empresas que tinham que pagar para políticos. A origem, a gênese desse problema todo da PETROBRAS foi aqui em Brasília. (Paulo Roberto Costa – 15ª reunião CPI/Petrobrás).

De acordo com Johnston (1997), a corrupção afeta os processos e os resultados políticos, mas seu significado assim como a relevância de determinados casos são também influenciados pelo conflito de interesses políticos. Para Rose-Ackerman, todos os políticos podem se tornar corruptos.

Não digo que todos são corruptos, mas políticos são pessoas, e o comportamento das pessoas é influenciado pelas oportunidades que 254

surgem. E quando pensamos sobre oportunidades para a corrupção, precisamos pensar onde está a vantagem que alguém pode levar pagando propina, por exemplo (ROSE-ACKERMAN, 2016)244.

Santana (2015) destaca alguns elementos presentes na corrupção política. De acordo com a autora, a conduta é praticada por pessoas ou grupos que estejam no exercício de algum cargo público, seja este de natureza representativa (deputados, senadores, governadores ou presidente) ou de nomeação indireta (como o caso dos diretores e presidentes da Petrobrás). O cargo público implica o exercício de uma autoridade pública, com alguma margem de decisão sobre a gestão de recursos e deve haver um interesse pessoal do indivíduo que pratica a conduta, e este interesse pode ser direto ou indireto, bem como o benefício, que deve ser outorgado a um terceiro ou a si mesmo, em caso de ser beneficiário direto. De acordo com a autora, a pessoa que pratica a corrupção o faz consciente de que a conduta é contrária às regras estabelecidas por quem outorgou a confiança para o exercício do cargo público, e por isso, a conduta será praticada de maneira secreta. De acordo Rose-Ackerman (1986), a corrupção política também representa um custo para a democracia, principalmente no que diz respeito ao financiamento de campanhas. O candidato que recebe o financiamento da campanha em troca de “favores futuros” permite que o poder econômico capture de maneira ilícita o poder político.

. Financiamento de Campanhas:

O assunto financiamento de campanhas foi muito discutido entre os parlamentares, membros da CPI, na escolha daqueles que comporiam a presidência e relatoria da comissão, conforme descrevemos no capítulo anterior. Nos depoimentos não foi diferente, já que, em vários momentos, esse assunto foi objeto de discussão e serviu de justificativa para os depoentes explicarem a corrupção na Petrobrás.

244 Rose Ackerman em entrevista ao programa Milênio na Globo News. Disponível em: http://globosatplay.globo.com/globonews/v/4981284/. Programa exibido em 25 abril 2016. Acesso em 10/6/2016.

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João Vaccari Neto repetiu inúmeras vezes que o financiamento de campanhas recebido pelo PT é “legal e que foi aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral”. E justificou, por meio dos gráficos que apresentou aos parlamentares, que outros partidos haviam recebido financiamento de campanhas também. Ademais, comparando os valores, ele revelou que os outros partidos receberam mais dinheiro que o PT. Em sua fala, ainda justificou sua visita às empresas, alegando que esta era função do Secretário de finanças. No entanto, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef refutaram essa alegação, dizendo que o financiamento de campanhas pelas empresas seria uma forma de “legalizar a propina” e que não existia empresa inocente. Assim, contrariaram as justificativas de João Vaccari Neto.

(...) É usual que o Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores faça visitas institucionais às empresas na busca de recursos partidários ou eleitorais (...) Como eu disse antes, a minha função era de buscar recursos financeiros (...) Como eu já disse anteriormente, é usual que o Secretário Nacional de Finanças visite empresas e faça contatos na busca de captar recursos para atividades políticas e para atividades eleitorais (...) Como eu disse anteriormente, é usual que o Secretário Nacional de Finanças faça visitas às empresas na busca de captação de recursos eleitorais ou partidários. Dentro dessa visão institucional foi que eu conheci o Sr. Ricardo Pessoa. Inclusive, ele é um contribuinte dos partidos políticos, inclusive do PT (...) É usual, no exercício da função de Secretário Nacional de Finanças do Partido dos Trabalhadores, que a gente faça visitas às empresas na busca da captação de recursos para as atividades partidárias eleitorais (...) Eu o conheci (João Auler245) também do ponto de vista da ação institucional na busca de captação de recursos partidários ou eleitorais, sempre como contribuições legais e também que foram apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (...) É usual que o Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores faça visitas institucionais às empresas na busca de recursos partidários ou eleitorais (...) o PT tem uma vida política bastante intensa. Fazemos congressos, seminários, fazemos encontro de juventude, de mulheres, e também isso alavanca as nossas despesas, portanto temos que buscar arrecadação para fazer frente a essas despesas. Essa é uma característica do meu partido, o PT (...) eu não sei como funciona no PSDB, mas nós no PT recebemos constantemente visitas de empresários que vêm discutir política, recebemos a presença de movimentos sociais que vêm discutir política, os sindicatos vêm discutir políticas e organizações não governamentais que procuram o Diretório pra discutir políticas (...) E nesse sentido é que o Sr. Augusto Mendonça246

245 João Ricardo Auler é ex-presidente do Conselho de Administração da empreiteira Camargo Correa. Foi condenado em 20/7/2015 a nove anos e seis meses de reclusão por corrupção e pertinência à organização criminosa. Ele foi absolvido do crime de lavagem de dinheiro. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/justica-condena-cupula-da-camargo-correa-por- corrupcao-lavagem-e-organizacao-criminosa/. Acesso em 28/3/2016.

246 Augusto Mendonça- executivo da empreiteira Toyo Setal, foi condenado por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Sua pena foi de 16 anos e 8 meses de reclusão. Devido à Delação 256

procurou a sede nacional do Diretório do PT e se propôs a fazer a doação, eu forneci a conta pra que ele fizesse o depósito. Foi feito, emitimos o recibo e prestamos conta à Justiça Eleitoral da sua doação. Então, é importante dizer que foi uma doação legal, contabilizada, registrada e prestada conta no devido período, sem nenhuma ressalva. (João Vaccari Neto - 10ª reunião CPI/Petrobrás).

(...) Se observados os gráficos que foram apresentados no início desta sessão, quando de 2007 a 2013, que são os estudos do Estadão, mantém-se a equivalência entre os três principais partidos no que se refere a doações legais das empresas investigadas na Lava-Jato. Se você coloca o período de 2010 a 2014, também se mantém a equivalência entre os três partidos, PT, PMDB e PSB, no recebimento dos recursos das empresas investigadas na Lava-Jato. Quando nós fazemos o período 2010 a 2013, em que sou eu o tesoureiro nesse período, também se mantém a equivalência entre os recursos recebidos das empresas investigadas na Lava-Jato, ou seja, a equivalência existe entre todos os partidos, porque as empresas fazem as doações de acordo com os seus interesses, suas necessidades e as compreensões que têm do País, da economia, dos partidos, e assim sucessivamente (...) os dados que foram apresentados aqui coincidentemente são dados do Estadão. Foi uma reportagem feita pelo O Estado de S. Paulo, que apresentou a equivalência e a simetria dos números no que se refere aos três maiores partidos das contribuições das empresas investigadas na Lava-Jato. A legislação diz que cada empresa pode contribuir até o máximo de 2% do seu faturamento bruto do ano anterior (...) É usual que o Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores faça contatos institucionais com empresas, com pessoas jurídicas, com pessoas físicas, na busca de captar recursos para doação eleitoral ou doação partidária. Sobre a minha formação, eu sou bacharel em Relações Internacionais (João Vaccari Neto - 10ª reunião CPI/Petrobrás)

(...) as doações são doações legais; foram escrituradas, foram apresentadas ao TSE, foram via transações bancárias, dentro da previsão legal existente no País. (...) eu vou reafirmar: essas doações a que a senhora [para deputada Eliziane Gama] se refere são doações legais, registradas, feitas via transações bancárias dentro do regime legal previsto no País. (...) sobre os financiamentos de campanha, eu acho que é imprescindível que a gente faça o debate na reforma política, de como se representam os partidos políticos no País e como será o financiamento deles (...) Todas as doações que nós recebemos são escrituradas, são feitas via transações bancárias, e são prestadas as contas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Esse tem sido o nosso procedimento desde que eu sou tesoureiro, em 2010 (...) toda arrecadação, é prestada conta ao TSE, e nós nunca tivemos qualquer problema com a receita. Esse tem sido o nosso procedimento desde que eu sou tesoureiro, em 2010. (...) E todas as vezes que nós vamos receber a doação, nós verificamos no CNPJ se aquela empresa é considerada vedada para a contribuição. Caso seja feita uma contribuição de empresa vedada, nós a devolvemos imediatamente (...) eu tenho dito desde o início que toda a arrecadação do PT é feita de forma legal e registrada no TSE (...) eu já informei aqui anteriormente que os recursos que nós captamos para o PT são legais, estão registrados e deles se prestaram contas no TSE (...) Todas as visitas institucionais que eu fiz na captação de recursos para fundo eleitoral

Premiada vai cumprir quatro anos em regime aberto. Disponível em: http://especiais.g1.globo.com/politica/2015/lava-jato/condenados-da-lava-jato/. Acesso em 28/3/2016.

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partidário foram em empresas cadastradas e dentro das regras vigentes (...) Todas as nossas contribuições que recebemos de pessoas jurídicas e pessoas físicas são contabilizadas e são declaradas ao TSE. E todas elas são feitas através de transações bancárias, como já foi demonstrado (...) as contribuições feitas ao Partido dos Trabalhadores são contribuições regulares, que estão registradas e que foram prestadas contas ao TSE (...) E eu sou tesoureiro do partido desde 2010, portanto, com certeza, eu não participei (recebimento de propinas), até porque o PT recebe as doações partidárias ou eleitorais conforme determina a legislação (...) Todas as contribuições que foram feitas ao PT foram contribuições legais através de transações bancárias depositadas na conta, emitido o devido recibo e feita prestação de contas à Justiça Eleitoral (João Vaccari Neto - 10ª reunião CPI/Petrobrás).

Por isso nós temos insistentemente apresentado propostas de que tem que ter a reforma política e acabar com a contribuição empresarial, porque aí sim nós vamos mudar com relação à política internamente dos partidos e da sociedade (...) E eu defendo — e o PT tem apresentado a proposta para o conjunto da sociedade — que se acabe com o financiamento privado, com o financiamento de empresa, mantendo o financiamento das pessoas físicas e de recursos públicos, porque isso, sim, vai mudar a qualidade do ponto de vista da organização partidária, na nossa opinião (João Vaccari Neto - 10ª reunião CPI/Petrobrás)

(...) Foram doações legais e que foram descontadas do 1% que tinha que ser ressarcido das obras da PETROBRAS (...) A meu pedido, por exemplo, a Queiroz Galvão tinha que pagar sob contrato. A meu pedido, foram feitas doações oficiais e descontado... Daquela propina (...) tem muito dinheiro legalizado que era propina (...) Para partido, mas para campanhas, é lógico! Para campanhas. (...) doação diretamente ao partido e teve doação diretamente ao candidato (...) Que eu fiz, foi para o PMDB, que foi uma doação, no caso, para o Valdir Raupp247, a pedido do Dr. Paulo Roberto Costa, e para o PP.(...) PP partido e PP candidatos (...)o que eu posso lhe afirmar é que eu fiz doação oficial e descontei daqueles contratos... das propinas. (...) o primeiro pagamento veio para o Partido Progressista, o segundo pagamento para o PMDB e o terceiro pagamento para o PT (Alberto Youssef - 17ª reunião CPI/Petrobrás)

(...) As empreiteiras tinham interesses também em outras atividades, em outros órgãos de governo (...) Então, as empresas faziam isso (pagar propina) para atender a classe política, atender a outros interesses, não só em relação à PETROBRAS, mas também em outras atividades dentro do País. (...) Não existe doação de empresas que essas empresas depois não queiram recuperar o que foi doado. Isso não existe (...) várias doações oficiais vieram de propina (...) nós precisamos passar este Brasil a limpo e acabar com essa hipocrisia de achar que as empresas vão doar valores e simplesmente nada vai acontecer, que elas não vão cobrar na frente alguma coisa que elas vão doar (...) “Não existe almoço de graça”. Se as empresas estão doando valores, por que elas doariam? (...) os valores doados, muitos valores de doações lícitas, vamos dizer, a princípio doações oficiais, não eram oficiais (...) Não tem empresa inocente. Não existe empresa inocente. Essas empresas todas que fizeram doações aí, que vocês vão aqui, na Casa Legislativa, e depois a Polícia Federal e o Ministério Público, chegar à conclusão de que tem muito problema nas doações, que isso é um câncer da sociedade

247 Valdir Raupp de Matos é Senador (Santa Catarina).

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brasileira, que é uma hipocrisia pensar que essas empresas dão 10, 15, 20 milhões para uma campanha, sem pensar que isso vai ter retorno. Então, não se pode generalizar e colocar, como V.Exa. colocou, que é o problema do mau político e do diretor da PETROBRAS. Não! Tem muito mais gente envolvida (... ) essa relação de empresas com campanhas, na minha visão, como cidadão, é meio promíscua. Eu acho que não é o caminho adequado. Mas isso não compete a mim; compete a V.Exas., como legisladores deste País (Paulo Roberto Costa - 15ª reunião Petrobrás).

O depoimento de João Vaccari Neto foi exaustivo pela repetição de frases: "é usual que o Secretário Nacional de Finanças faça visitas às empresas na busca de captação de recursos eleitorais ou partidários"; " as contribuições feitas ao Partido dos Trabalhadores são contribuições regulares, que estão registradas e que foram prestadas contas ao TSE". O depoente repetiu tais afirmações durante praticamente todo seu depoimento para justificar sua “inocência”. Para defender o PT, o depoente fez comparações com outros partidos. Seu depoimento pareceu estar pronto, contendo respostas iguais às, indagações dos membros da CPI, enquanto Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa declararam que várias doações para os partidos advinham de propinas. Silva (2015)248 afirma que o patrocínio empresarial é o principal indutor da corrupção política no Brasil. Com base nisso, a OAB (Ordem dos Advogados Brasileiros) ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin nº 65/2013) contra o financiamento por empresas, usado abertamente nas campanhas eleitorais, firmando a influência do poder econômico no Estado Democrático de Direito. Baseados nisso, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o financiamento empresarial, mas essa norma só valerá para as próximas eleições de 2016249. A organização dos processos legislativos e eleitorais, além dos interesses de empresas no sistema político, pode ser considerada como pano de fundo para a atos de corrupção, e um dos canais mais usados pelos agentes públicos para praticá-los é

248 SILVA, José Tarcísio. Financiamento de campanhas & corrupção política. Uma virada histórica. Disponível em: http://oabce.org.br/2015/09/financiamento-de-campanhas-corrupcao-politica-uma-virada- historica/ . Acesso em 28/4/2016.

249 Tratamos dessa mudança em relação ao financiamento de campanhas mais detalhadamente no capítulo 4 e 6.

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justamente o da arrecadação de recursos e de suas fontes. Nas palavras de Santano (2015, p. 125):

Existem dois fatores que determinam o interesse sobre os bens públicos em uma legislatura, sendo o primeiro os incentivos produzidos pelas regras eleitorais, e o segundo o caminho pelo qual estas regras interagem com o presidente ou o Parlamento.

Michels (1972) explica que a democracia moderna é dominada por oligarquias partidárias e, se o partido não tiver influência econômica no cenário político, provavelmente não participará do poder. Isto quer dizer que no sistema representativo, para que um partido se destaque, ele deve ter um “bom caixa”, um “bom tesoureiro”. Por isso, os interesses econômicos das empresas ganham terreno para poderem influenciar os agentes políticos. As empresas são corporações interessadas em influir nos rumos da economia e articular regras que lhes sejam favoráveis. As campanhas são cada vez mais caras no Brasil e somente conseguem se eleger aqueles candidatos que arrecadam um considerável volume de doações, e a maior fonte de arrecadação vem de empresas privadas. Neste mesmo sentido, Caggiano (2003) realça que o dinheiro vindo do financiamento de empresas é utilizado como um instrumento para se vencer a disputa pelo poder e prestígio no processo eleitoral.

A corrupção sempre incluirá pressupostos como as contribuições privadas que violem normas existentes de financiamento de partidos, o uso para as campanhas de dinheiro que o representante do partido tenha recebido devido à uma transação corrupta, um uso não autorizado de recursos do Estado para fins partidários, a aceitação de recursos a troca de um favor não permitido no caso da vitória do partido ou candidato beneficiado, contribuições vindas de fontes de financiamento de caráter pouco relacionado com a ética pública, e o gasto de recursos em objetos proibidos, como a compra de votos (PINTO-DUSCHINSKY, 2002, APUD SANTANO, 2015, p. 130).

Zovatto (2005) define a corrupção política como o mau uso e o abuso de poder, tanto de origem pública quanto privada, com fins partidários ou pessoais, mediante a violação de normas legais. Desse modo, o financiamento dos partidos e das campanhas, ao ver-se associado à corrupção, não contribui para fortalecer a 260

institucionalidade democrática, mas produz um efeito contrário, agravando a crise de credibilidade e confiança nas instituições políticas e pondo a própria política "sob suspeita".

. Governança Petrobrás:

A corrupção é uma prática maléfica para toda a sociedade e coroou uma série de incidentes duvidosos na perspectiva da boa governança. O escândalo da corrupção na Petrobrás alterou a percepção dos investidores estrangeiros, que, desde então, têm diminuído consideravelmente os investimentos na empresa (PARGENDLER, 2015)250. A crise que a Petrobrás enfrenta também foi abordada por Pedro Barusco e Paulo Roberto Costa em seus depoimentos. Pedro Barusco afirmou que o que causou a crise não foi a governança na Petrobrás. Para ele, o problema estava nas empresas que faziam parte do cartel e que usaram alguns dirigentes para os atos de corrupção. Paulo Roberto Costa seguiu a mesma linha de justificação, afirmando que houve uma falha, mas que a empresa não era “um fundo de quintal”. Assim, ambos tentaram defendê-la, ressaltando sua importância para o Brasil e defendendo seus processos de licitação e seus funcionários. Paulo Roberto Costa aborda também a relação da Operação Lava Jato e sua influência na Petrobrás. Como justificativa, afirma que o que “arrebentou” com a empresa foi a defasagem dos preços de petróleo e culpa o governo do PT por ter segurado os preços na época das eleições. Para ele, foi este o causador dos grandes danos, e não exatamente a corrupção deflagrada pela Operação Lava Jato.

Eu acho a governança da PETROBRAS, apesar de ter acontecido o que está acontecendo, eu acho a governança da PETROBRAS boa. Eu acho que o problema não está nesse fato, está nas pessoas, está na instituição, mas a governança dos processos licitatórios é muito firme, não vaza orçamento, a seleção das empresas é feita baseada num sistema que

250 Mariana Pargendler. Petrobrás jamais teve boas práticas de governança. Entrevista ao Estado de São Paulo em 12/5/2015. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/governanca,petrobras- jamais-teve-as-melhores-praticas-de-governanca,1685476. Acesso em 28/4/2016.

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chama PROGEFE que seleciona as empresas. O que havia era a formação de cartéis externos, havia contatos com alguns diretores, com alguns dirigentes, mas eu não acho que os problemas estão localizados nas comissões de licitação. (...) A PETROBRAS é o seguinte, ela tem por costume ou tinha, na minha época, por procedimento fechar contratos entre menos 15% e mais 20% em relação ao orçamento médio, ao orçamento determinado pela equipe de orçamentação. Por exemplo, se o orçamento era 100, a gente podia fechar entre 85 e 120. É só isso que existe no regulamento. O que aconteceu na questão do cartel? O cartel trabalhou fortemente e articuladamente para levar esse limite para o limite superior, mas dentro do procedimento. É só isso. (Pedro Barusco - 3ª reunião CPI/Petrobrás)

A PETROBRAS é uma empresa que tem controles e tem acompanhamentos. Houve uma falha? Houve uma falha. Mas não é uma empresa de fundo de quintal. A PETROBRAS é uma empresa séria. As pessoas que trabalham lá são sérias. Infelizmente, alguns erraram. E eu errei. (...) a PETROBRAS tem vários controles, internos e externos. Tem a auditoria, tem a parte toda externa de TCU, CGU, e os seus balanços são auditados. Infelizmente, a auditoria não acompanhou, não pegou, não teve nenhuma ação em relação a esse assunto. Os balanços, que eram todos auditados, passaram; os projetos, como falei, eram todos aprovados na Diretoria. E infelizmente aconteceu isso, que espero que nunca aconteça. Agora, eu não acho, nunca achei, que esse problema fosse institucionalizado. Esses problemas foram pontuais, em algumas áreas, com algumas pessoas, mas jamais se pode falar que, na PETROBRAS, era um processo institucionalizado (Paulo Roberto Costa - 15ª reunião Petrobrás). .

(...) Nos últimos anos, a PETROBRAS se tornou a empresa mais devedora do mundo. A dívida da PETROBRAS é gigante (...) O grande problema é que a PETROBRAS não gerou caixa. Por que ela não gerou caixa? Aí é que vem a colocação do maior problema da PETROBRAS. A Lava-Jato é uma coisa repugnável, é uma coisa que não devia ter acontecido? Com certeza! Muito errado! Eu estava errado, outras pessoas estavam erradas (...) Mas o maior problema da PETROBRAS, nos últimos 5, 6 anos, que arrebentou a PETROBRAS e continua arrebentando a PETROBRAS, é a defasagem do preço dos derivados que o Governo segurou. O Governo segurou o preço do diesel, o Governo segurou o preço da gasolina, e esses valores (...) possivelmente deram um rombo na PETROBRAS de 60 a 80 bilhões de reais (...) O Governo manteve os preços congelados e arrebentou com a empresa! Então, a Lava-Jato é um problema? É um problema. É o maior problema na PETROBRAS? Não é. O maior problema da PETROBRAS não é a Lava-Jato; é a gestão que fazem da companhia (...) Gestão política. Isso tem que ser visto, e V.Exas. têm um poder em cima disso muito grande. Então, ponham esse número, fiquem com esse número na cabeça! (...) A Lava-Jato é 10% do rombo da PETROBRAS. Esse rombo... Não tem como reaver esse rombo. É a defasagem do preço dos derivados. O que acontecia? Gasolina e diesel. Não tinha a capacidade de refino suficiente para atender o mercado brasileiro. Então, tinha que importar gasolina e diesel. E eu, como diretor lá, várias vezes, levei para o Conselho de Administração — eu não era do Conselho, mas o Conselho chamava os diretores para serem o suporte, em termos de conhecimento, de debate, etc. —, eu levei para o Conselho (...) A Lava- Jato, que domina hoje o noticiário brasileiro, que hoje parece que é o mais importante do Brasil, o que não é... É ruim para o Brasil? É ruim para a PETROBRAS? Concordo plenamente, mas não é o maior problema do Brasil nem o maior problema da PETROBRAS a Lava-Jato. (...)A Lava-Jato é 10% do rombo que foi dado na PETROBRAS, nos últimos 5, 6 anos, em relação à defasagem de preço de derivados. (...) Eu acho que a Lava-Jato é uma mácula dentro da PETROBRAS, é uma mácula dentro do Brasil (...) Errei, a Lava-Jato está errada, os culpados têm que pagar por isso, mas, olhando a PETROBRAS como empresa, a Lava-Jato não é o maior problema da PETROBRAS. O problema da PETROBRAS foi a 262

política de preço implantada pelo acionista majoritário (...) Uma parte foi desvio de recurso, em relação à Operação Lava-Jato, totalmente errada e tem que se pagar por isso. Agora, a outra parte que, como falei, representa dez vezes — dez vezes — o que a PETROBRAS perdeu na Lava-Jato, esse valor não vai ser recuperado jamais. Isso foi prejuízo grande para a PETROBRAS. E como a PETROBRAS não teve essa receita, ela teve que se endividar. E hoje, diz a imprensa, diz o analista, que o maior problema da PETROBRAS é a sua dívida, porque ela tem uma dívida gigante. Por que ela tem essa dívida gigante? Porque ela teve que ir para bancos para se endividar, para poder fazer os seus investimentos. Então, não adianta agora a gente querer também dizer que esse problema de política de preço foi adequado, porque não foi. Os analistas de mercado estão vendo isso. Esse prejuízo que a PETROBRAS teve, que não foi desvio de recurso, esse prejuízo não volta mais para o caixa. A PETROBRAS perdeu esse dinheiro (...)Eu repito aqui, com todas as palavras: a Lava-Jato foi algo deplorável, não devia ter acontecido; erramos; eu errei; várias pessoas erraram. Agora, este número não pode ser esquecido: a Lava-Jato é 10% do prejuízo que a PETROBRAS teve nos últimos anos devido à defasagem de preço. Isso não pode ser esquecido (...)V.Exas. têm que entender que a Lava-Jato foi 10% do rombo da PETROBRAS, só em relação ao preço derivado (Paulo Roberto Costa – 15ª reunião CPI/Petrobrás)

O que os depoentes disseram é que o ato de corrupção ocorria na negociação externa à Petrobrás, entre agentes individuais e fornecedores. As consequências da corrupção, além daquelas já expressadas neste capítulo, são também a descredibilidade da empresa diante das autoridades internacionais. A Petrobrás, em 2006, 2007, 2008, 2009, 2010e 2011, teve os seus controles internos certificados por uma das renomadas auditoras internacionais, chamada KPMG (A KPMG certifica que os controles internos da PETROBRAS estão de acordo com os requisitos da contabilidade internacional). Entretanto, após as denúncias feitas ao ex- diretor Paulo Roberto Costa, em 2014, a PricewaterhouseCooper não permitiu a certificação desses controles251 e exigiu a demissão de diretores da Petrobrás para poder assinar os pareceres relativos às demonstrações contábeis. A consequência foi desastrosa no mercado de ações da empresa, que despencaram de cerca de R$ 48,00 para cerca de R$ 8,00, o que significou, naquele momento, um grande prejuízo para as

251 As empresas internacionais de auditoria, que normalmente são contratadas para auditar de forma independente as grandes companhias, tornaram-se grandes empresas, sendo as mais famosas a KPMG, PricewaterhouseCoopers, a Ernst & Young e Deloitte. São conhecidas como “as quatro grandes” por serem as maiores e consideradas as de maior credibilidade. Disponível em: http://www.cienciascontabeis.com.br/auditorias-independentes-e-fraudes-na-petrobras/. Acesso em 29/4/2016.

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pessoas que investiram suas economias e possuíam ações da empresa naquele período252 (ATHAYDE JUNIOR, 2015).

. Delação Premiada

A fonte primordial da Operação Lava Jato é constituída pelos acordos da delação premiada, por meio da qual alguns envolvidos na prática de corrupção confessam seus crimes em troca de benefícios. O ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, e o doleiro Alberto Youssef foram os primeiros depoentes a fazer o acordo de delação e trouxeram à tona evidências que ajudaram a mudar o combate aos chamados crimes de colarinho-branco. A delação premiada foi um assunto discutido nas reuniões da CPI da Petrobrás e esteve presente nas falas de Pedro Barusco, Paulo Roberto Costa e João Vaccari, em seus depoimentos na CPI. Pedro Barusco não detalhou sobre sua delação, ressaltou apenas que devolveu todo o dinheiro adquirido das propinas, em consequência de sua delação. Já Paulo Roberto Costa proferiu uma longa justificativa de sua delação. Contou aos membros parlamentares da CPI que foi sua família que o convenceu a assinar o termo de delação premiada, e que, apesar de “não se sentir orgulhoso”, sabia que havia feito um “bem ao Brasil”, ao contar tudo que sabia e possibilitar que a Operação Lava Jato tivesse êxito em suas investigações e pudesse chegar aos culpados. João Vaccari, no entanto, criticou a delação premiada e afirmou que a de Alberto Youssef não era verdadeira. Para Vacarri, todas as delações premiadas que se referiram a ele, são falsas.

E, no meu acordo de delação premiada, o Ministério Público falou: “Não, você vai devolver tudo”. E eu devolvi tudo (...) É melhor passar a régua e devolver tudo (Pedro Barusco - 3ª reunião CPI/Petrobrás).

252 Esse fato demonstra a legitimidade das “autoridades internacionais”, conforme discutimos no 4º capítulo.

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Eu estou dando a minha contribuição, com muito sofrimento, com muita dificuldade, mas estou dando a minha contribuição (...) minha delação foi a mais sincera, a mais justa e a mais correta possível. Inclusive, merece dizer aqui, não estou aqui me defendendo, eu errei e estou pagando por isso, (...) Mas a primeira delação quem fez fui eu. Não me orgulho disso nem um pouco. Não me orgulho de ser delator, não me orgulho disso. Mas o sistema todo do processo todo da Lava-Jato hoje está onde está porque eu iniciei. E, repito: não me orgulho disso (...) Quando resolvi fazer a delação, foi uma ação conjunta da minha família comigo (...) Eu sofri muito, a minha família sofreu dez vezes mais. Então, quando eu decidi fazer a delação, o que não foi uma decisão fácil, foi uma decisão extremamente difícil, foi pensando na minha família. (...) E repito aqui: a minha delação é que puxou o nó, melhor dizendo, puxou o fio desse novelo. A minha delação levou depois à delação do Youssef, levou à delação da Toyo Setal, levou à delação da Camargo Correia e a tantas outras, porque eu comecei; eu tive a coragem de começar (...)Bom, concluindo a minha parte, embora alguns de V.Exas. tenham colocado que não acreditam na minha fala, na minha colocação, na minha boa fé, eu queria dizer para vocês que, quando eu parti para fazer a delação — foi uma solicitação da minha família, que estava sofrendo muito —, eu não medi consequências. Não me orgulho disso. Repito aqui: não me orgulho de ter feito a delação. Mas eu não medi as consequências de falar tudo o que eu sabia, de falar das pessoas. Não poupei ninguém (Paulo Roberto Costa – 15ª reunião CPI/Petrobrás.

(...) não tratei sobre qualquer assunto financeiro com o Sr. Alberto Youssef, porque não tenho relacionamento com ele (...) eu quero dizer aos senhores que os termos da declaração da sua delação premiada, no que se refere à minha pessoa, não são verdadeiros (...)Eu conheci o Sr. Pedro Barusco quando ele já estava aposentado, está certo? E sou tesoureiro desde 2010. Portanto, as afirmações que são feitas nas delações premiadas, no que se refere à minha pessoa, não são verdadeiras. (...) Os termos do Sr. Pedro Barusco na sua delação premiada, no que se refere à minha pessoa, não são verdadeiros (...) Eu nunca discuti finanças do PT com o Sr. Pedro Barusco. Portanto, os termos da sua delação premiada, no que se refere à minha pessoa, não são verdadeiros (...) Eu fui eleito Secretário de Finanças e Planejamento do Partido dos Trabalhadores em 2010, e as declarações do Sr. Pedro Barusco, no seu termo de delação, sobre a minha pessoa não são verdadeiras (...) Como eu já disse aqui anteriormente, é usual que o Secretário de Finanças e Planejamento do Partido dos Trabalhadores faça visita institucional às empresas para captar recursos eleitorais ou partidários. E sobre as declarações do Sr. Pedro, os termos de declaração do Sr. Pedro Barusco, na sua delação premiada, sobre a minha pessoa não são verdadeiros (...)Agora, quero reafirmar: os termos de declaração do Sr. Pedro Barusco sobre a minha pessoa não são verdadeiros (...) Sobre os termos de declaração do Sr. Alberto Youssef, na sua delação premiação, sobre a minha pessoa, não são verdadeiros. (...) E reafirmo que os termos da declaração do Sr. Alberto Youssef sobre a minha pessoa não são verdadeiros. (...) Vou reafirmar o que eu já disse: os termos da declaração do Sr. Alberto Youssef sobre a minha pessoa não são verdadeiros (...)Sobre as delações, o senhor faz questão de frisar, do Pedro Barusco, do Eduardo Leite, do Alberto Youssef, eu tenho a seguinte consideração: nos termos das delações premiadas desses senhores sobre a minha pessoa não são verdadeiras. (...)Sra. Deputada [Eliziane Gama], eu quero reafirmar aqui que os termos das delações premiadas dos Srs. Alberto Youssef, no que se refere à minha pessoa, não são 265

verdadeiros (...) Sobre a delação do Sr. Paulo Roberto Costa, do Sr. Eduardo Leite e do Sr. Pedro Barusco, eu reafirmo mais uma vez aqui que os termos das delações premiadas desses senhores, no que se refere à minha pessoa, não são verdadeiros. E, por último, eu acrescento ao senhor que as contribuições ao Partido dos Trabalhadores foram contribuições legais, feitas por transações bancárias, emitidos os devidos recibos e prestadas contas à Justiça Eleitoral (Para Eduardo Nogueira. PDT) (...) Sobre as afirmações feitas pelo Pedro Barusco e por outros delatores, a minha resposta é: não participei. (...) As afirmações que são feitas nas delações premiadas pelo Sr. Pedro Barusco, no que se refere a minha pessoa, não são verdadeiras (...) Eu nunca fui à PETROBRAS. (...) eu vou reafirmar que as afirmações dos delatores, especialmente Pedro Barusco, que é o caso, sobre a minha pessoa não são verdadeiras (...)Eu vou insistir: as declarações do Sr. Pedro Barusco, na sua delação premiada, no que se refere a minha pessoa, não são verdadeiras (...)Sr. Deputado (Efraim Filho), os termos da delação dos delatores, no que se refere a minha pessoa, não são verdadeiros. E mais, delação não é prova. Delação não é prova. Elas não são verdadeiras e não são provas (...)Sr. Deputado, os termos das declarações das delações premiadas, no que se refere a minha pessoa, não são verdadeiras (...) Eu estou dizendo de todos, de todos. Não são verdadeiras. (João Vaccari Neto - 10ª reunião CPI/Petrobrás).

A Delação Premiada é uma técnica de investigação que ganhou notoriedade na Operação Lava Jato. Exige-se que a colaboração seja voluntária e efetiva (art. 4º). Esta é, aliás, uma das características marcantes da delação: o benefício depende da efetividade da colaboração, isto é, de resultado. O resultado pode ser a identificação de cúmplices e dos crimes por eles praticados, a revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa, a prevenção de novos crimes, a recuperação dos lucros obtidos com a prática criminosa ou a localização de eventual vítima com sua integridade física assegurada (Lei nº 12850/13 art. 4º, I a V)253. No Brasil, o caso mais famoso de confissão até o escândalo da corrupção da Petrobrás era o do “mensalão”, quando o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) delatou a prática de compra de apoio no Congresso Nacional. Não houve um acordo formal de delação premiada, mas Jefferson teve a pena abrandada pelo Superior Tribunal Federal, por ter denunciado o esquema. No exterior, um dos casos mais emblemáticos envolvendo delação premiada foi o da investigação que levou à prisão integrantes da Cosa Nostra, máfia italiana da região da Sicília. Preso em 1983, em São

253 Lei 12850. Disponível em: http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/1035673/lei-12850-13#. Acesso em 2/5/2016.

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Paulo, o mafioso Tommaso Buscetta foi fundamental para o desmantelamento da organização, depois de ter entregado mais de 300 envolvidos (GOMBATA, 2014). No relatório final da CPI, como descrevemos no capítulo anterior, a Delação premiada foi bastante criticada. As críticas referem-se ao fato de que as prisões preventivas têm sido usadas para obtê-la, e ainda, tal prática continua sendo foco de muitas discussões no momento atual no Brasil. Ela foi sancionada pela presidente Dilma Roussef, em agosto de 2013, e foi muito valiosa na Operação Lava Jato. Muitos empresários e políticos foram citados em delações premiadas até o momento, e alguns deles estão na prisão, seja no Paraná, em Curitiba, seja em prisão domiciliar. No entanto, o Deputado Wadih Damous (PT-RJ) apresentou um Projeto de Lei nº 4372/2016254 que interfere na delação Premiada. Este projeto altera e acrescenta dispositivo à Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013 (Lei da Delação Premiada). As principais mudanças estão dispostas abaixo:

§ 3º- No caso do inciso I, somente será considerada para fins de homologação judicial a colaboração premiada se o acusado ou indiciado estiver respondendo em liberdade ao processo ou investigação instaurados em seu desfavor. Art. 4º. § 17. Nenhuma denúncia poderá ter como fundamento apenas as declarações de agente colaborador. § 18. As menções aos nomes das pessoas que não são parte ou investigadas na persecução penal deverão ser protegidas pela autoridade que colher a colaboração (PL 4372/2016).

A principal alteração impõe como condição para a homologação judicial da colaboração premiada a circunstância do acusado ou indiciado estar respondendo em liberdade ao processo ou investigação instaurados em seu desfavor. A justificativa do deputado Wadih Damous (PT-RJ) refere-se à intenção de preservar o caráter voluntário da Delação Premiada e para evitar que a prisão cautelar seja utilizada como “instrumento psicológico de pressão sobre o acusado ou indiciado, o que fere a dignidade da pessoa humana” (PL nº 4372/2016, p. 02). Da mesma forma, a alteração protegeria as regras processuais que tratam da prisão preventiva, evitando que prisões

254 Lei nº 4372/2016. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2077165. Acesso em 2/5/2016.

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processuais sejam decretadas sem fundamentação idônea e para atender objetos outros, alheios ao processo ou inquérito. Contido, Rodrigo Chemim, procurador do Ministério Público do Paraná, em entrevista ao Estado de São Paulo defendeu a Delação Premiada, ao ressaltar:

(...) mais de 70% dos acordos foram feitos com réus soltos e, em todos os casos, a iniciativa de colaboração sempre partiu da defesa. Ou seja, o Ministério Público Federal é procurado pelos investigados e não o contrário. Só ocorrerá uma colaboração premiada se o investigado quiser. A iniciativa é dele, a escolha é dele, o critério de fazer ou não é dele. O Estado não pode impor a ele a colaboração premiada. Ela é um instrumento a mais de defesa que o investigado tem (...) o Projeto de Lei nº 4372 cria duas categorias de réus: O réu que está solto teria mais direitos do que o que está preso. O réu que está preso não teria as possibilidades defensivas que o réu que está solto tem (RODRIGO CHEMIM em entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo, 2016)255.

Antes do acordo de colaboração, os investigadores costumam avaliar o quanto o suspeito ou réu tinham condições de contribuir com as investigações, ao revelarem detalhes da organização ou esquema criminoso. Uma vez acordada a delação entre as partes, o suspeito colaboraria com a investigação e denunciaria os envolvidos, a fim de obter, em troca, benefícios, a exemplo da redução da pena. Quando a Justiça aceitar a denúncia contra os delatados em depoimentos, se houver provas ou fatos contundentes, é que se dá por concluído o sigilo da delação premiada. Sendo assim, a delação premiada é uma ferramenta jurídica que auxilia as investigações da Operação Lava Jato e se revela num alicerce importante para a sociedade. Além desses assuntos abordados pelos depoentes, eles também expuseram de que modo estavam se sentindo naquele momento, seus arrependimentos, medos e confiança na “justiça divina” . Pedro Barusco, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef mostraram-se arrependidos pelos atos de corrupção que praticaram.

255 AFONSO, J. Delação Premiada: A escolha é do delator, não é do Estado. Jornal O Estado de São Paulo. 26 abr. 2016. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-escolha-e-do- delator-nao-e-do-estado-diz-procurador/. Acesso em 2/5/2016.

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Na realidade, esse é um caminho que não tem volta. Quer dizer, a gente começa a receber recursos no exterior, o recurso é ilegal, vai indo, vai indo, vai crescendo... De um momento para o outro, isso vira uma espada na nossa cabeça, porque não tem saída. Não tem saída para isso. Esse repatriamento que eu estou fazendo agora, isso está me dando um alívio. As pessoas acham que não é isso, mas é isso porque, hoje em dia, com a transparência que tem, com as colaborações que têm, isso é um caminho sem volta. Então, se no começo eu tive a fraqueza de começar, teve uma fase que, de repente, eu fiquei um pouco feliz, depois essa felicidade foi se transformando em temor, em quase apavoramento de ter um volume desses de recursos ilícitos fora do País. Eu me sinto aliviado de ter devolvido ou de estar participando do repatriamento. (...) Então, é um caminho que eu não recomendo para ninguém. É muito doloroso. Infelizmente aconteceu, e eu estou tendo oportunidade de tentar reparar (Pedro Barusco – 3ª reunião CPI/Petrobrás).

Hoje, a minha vida virou de cabeça para baixo. (...) Abri a minha vida não só para o Brasil, mas para o mundo (...) Eu me arrependo amargamente do que aconteceu (...) A minha família está sofrendo, eu estou sofrendo. Se eu pudesse voltar ao passado, nada disso eu faria (...) Mas eu espero que, a partir desse sofrimento que eu estou tendo e várias outras pessoas estão tendo, essa seja uma oportunidade para o Brasil passar a limpo uma série de coisas, em todos os níveis, em todos os níveis. (...) eu quero, pelo arrependimento que eu tenho, por, vamos dizer, toda a dificuldade que eu passei —, eu quero ter um País melhor no futuro (...) Estou pagando por isso, não está sendo fácil. Estou pagando e ainda vou pagar, não está sendo fácil, mas eu espero que isso tenha um resultado positivo. (...) eu, aqui na minha humilde posição agora, numa posição extremamente frágil... (...) Se eu pudesse voltar ao passado, eu não teria aceito a proposta que ele [Deputado José Janene] me fez de assumir essa Diretoria, porque só me trouxe desgaste e sofrimento, pra mim e pra minha família. (...) Primeiro, eu queria dizer que eu não tenho felicidade nenhuma, porque eu tenho o sofrimento meu e da minha família. Agora, tem um trecho da oração de Santa Terezinha do Menino Jesus — se V.Exas. não conhece, eu acho que vale a pena conhecer —, e esse trecho diz o seguinte: que Jesus Cristo nos deu o dom da alegria para que nos momentos difíceis de nossa vida nós tenhamos condição de sorrir e crer mesmo quando houver escuridão dentro de nós. Então, eu não tenho nenhum motivo para sorrir, nenhum motivo para nada, porque eu estou sofrendo e minha família está sofrendo muito (...) Eu quero repetir aqui que eu me arrependendo. Eu entrei num processo que é processo de areia movediça, que é muito difícil sair, mas me arrependo. Eu falei aqui que isso tudo virou minha vida do avesso; se tudo que eu prejudiquei, a mim e a minha família, não servir para melhorar este País, nada valeu a pena. (...) embora algumas pessoas achem que eu não me arrependi, eu me arrependi amargamente disso. (...) Estou aqui colocando de clareza, de fundo de coração, o que eu estou sentindo (...) Embora alguns não acreditem, eu me arrependo de ter feito isso. Não gostaria de ter feito. Se pudesse voltar atrás, eu não faria. “Ah, mas você usufruiu.” Usufruí. Usufruí! Errei. Quem na vida não erra? Eu errei. Errei. Errei muito! Estou pagando por isso, minha família está pagando por isso. Mas eu espero, como brasileiro, que essa minha contribuição (...) Eu errei? Errei! Já disse reiteradas vezes: eu errei! Eu não estou aqui dizendo que não errei. Eu errei e estou arrependido. Pode ser que V.Exa. não acredite, mas eu estou arrependido, porque o preço que eu estou pagando é muito alto, não vale a pena. Não vale a pena! Então, eu estou arrependido (...)Eu não tenho medo, eu não tenho medo. A minha confiança vem lá de cima. Eu não tenho medo. A minha confiança é muito maior lá em cima do que aqui embaixo. (...) Agora, estou pagando, já estou pagando a minha pena. Já paguei uma parte dela, continuo pagando e ainda vou pagar. Tenho que cumprir esse compromisso com a Justiça brasileira. (...) Muito duro, principalmente para a minha família. Para a minha família está muito duro. (...) Não estou aqui me eximindo de uma culpa. Sou culpado e me arrependo disso. Estou pagando por isso; minha família está pagando por isso (Paulo Roberto Costa - 15ª reunião CPI/Pebrobrás). 269

Me arrependo e muito (...)Tem coisas na vida da gente que a gente não tem como explicar, às vezes elas acontecem naturalmente, e foi o que aconteceu (...)E queria mais uma vez pedir desculpas à minha família, às minhas filhas, à minha esposa — ex-esposa, agora —, e à sociedade brasileira. (Alberto Youssef - 17ª reunião CPI/Petrobrás).

De acordo com o Artigo 16 do Código Penal Brasileiro, o arrependimento pode servir como um atenuante do crime256. Os depoentes podem até ter utilizado o “arrependimento” para que suas penas fossem reduzidas. O fato é que os depoentes se mostraram arrependidos, depois de terem sido presos pela Operação Lava Jato e o escândalo da corrupção da Petrobrás ter vindo à tona no Brasil. A questão é: se não estivessem sendo investigados e condenados pelos seus crimes, se ainda estivessem ocupando os cargos na Petrobrás, onde estariam seus arrependimentos? Dessa forma, entendemos que o arrependimento é uma ferramenta utilizada para justificar como se sentem e assim abrandarem também psicológica e socialmente suas culpas. João Vaccari Neto não expressa nenhum arrependimento, pois, durante todo o depoimento, afirmou ser inocente. A corrupção foi tratada como “sistêmica” pelos depoentes. E isso pode minar a confiança na regra da lei e na própria democracia. As pesquisas de opinião expostas no segundo capítulo da tese revelaram que o cidadão desconfia dos políticos, de seus representantes eleitos de uma forma generalizada e entende que a política é algo ligado ao dinheiro e à corrupção, e não à cidadania.

O silêncio

O silêncio dos depoentes se dá à luz de um ambiente de conflitos e discussões, presente nas audiências da CPI, que analisamos no capítulo anterior. Os depoentes que permaneceram em silêncio, ou que não responderam às perguntas que poderiam prejudicá-los em seus processes jurídicos, utilizaram-se desse direito constitucional como uma forma de defesa.

256 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art16. Acesso em 3/5/2016.

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O direito de “permanecer calado” foi utilizado por muitos depoentes da CPI da Petrobrás que assim justificaram o silêncio: “Existe uma hora de falar e uma hora de calar. Essa é a hora de calar” (Renato Duque – 5ª reunião CPI/Petrobrás). “Eu vou manter aqui o meu direito constitucional de não responder” (Nestor Cunãt Cerveró – 17ª reunião CPI/Petrobrás); “Eu gostaria de exercer o meu direito de silêncio” (João Luiz Correia Argolo dos Santos- 18ª reunião CPI/Petrobrás); “vou utilizar o direito ao silêncio, previsto na Constituição e na decisão do Dr. Sérgio Moro em relação à nossa presença aqui” (André Luiz Vargas Ilário – 18ª reunião CPI/Petrobrás); “Eu vou me resguardar ao direito constitucional do art. 5º da Constituição” (Pedro da Silva Correa de oliveira Andrade Neto – 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Data Depoente Função

19/03/2015 Renato de Souza Duque257 Ex-Diretor de Serviços da PETROBRAS.

11/05/215 Nestor Cunãt Cerveró ex-diretor da Área de Internacional da Petrobras 12/05/2015 João Luiz Correia Argôlo dos Ex- deputado Federal Santos 12/05/2015 André Luiz Vargas Ilário. Ex- deputado federal

12/05/2015 Pedro da Silva Correa de Ex- deputado federal oliveira Andrade Neto 31/08/2015 Jorge Luiz Zelada Ex-diretor da Área Internacional da Petrobras 31/08/15 José Dirceu de Oliveira e Silva Ex-ministro

Nesse contexto, cumpre observar que tal possibilidade se revela legítima (juridicamente) e compatível com as regras estabelecidas pela Constituição Federal, a

257 Renato Duque, ao prestar depoimento na CPI, ainda não havia assinado o termo de Delação Premiada, o qual foi assinado em outubro de 2015, após muitas reuniões com a justiça.

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qual inseriu, entre os direitos fundamentais, a prerrogativa do silêncio, de acordo com o art. 5º da Constituição Federal:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

“XLIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

A regra constitucional garante, entre os direitos fundamentais, a impossibilidade de quem está sendo preso ser obrigado a produzir provas contra si próprio. De acordo com Spitzcovsky (2005), poderia argumentar que tal regra constitucional só teria aplicabilidade para os presos, entretanto essa conclusão não se sustenta, tendo em vista as regras básicas de interpretação relacionadas aos direitos fundamentais, entre as quais se destaca a necessidade de se conferir a um dispositivo constitucional a interpretação que mais eficácia lhe empreste. Trata-se, nesse sentido, de conferir às normas constitucionais relacionadas a direitos fundamentais o sentido que lhes confira mais efetividade.

Quando se apresentar qualquer sorte de dúvida quanto à interpretação de norma constitucional relacionada a direitos fundamentais, deverá ser conferido a ela o sentido que mais eficácia lhe ofereça, ou seja, o sentido que lhe atribua mais densidade, de forma a preservar os fundamentos de nossa República Federativa (...) o direito ao silêncio é prerrogativa constitucional atribuída aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, independentemente de estarem sendo submetidos à prisão, respondendo a processos ou a qualquer sorte de acusação. (SPITZCOVSKY, 2005, p. 1).

De acordo com Mirabete (2000), até o ano de 2003, o Código de Processo Penal, apresentava a seguinte redação em relação a este assunto:

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Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa.

A leitura do dispositivo legal estabelecia que a invocação do direito ao silêncio pudesse ser utilizada em prejuízo da própria pessoa. Essa redação, pois, penalizava aquele que estava utilizando um direito constitucionalmente assegurado. Promoveu- se, então, por meio da lei nº 10.792/03258, uma alteração redacional de forma a compatibilizar o Código do Processo Penal com o disposto no art. 5.º, LXIII, da Constituição Federal.

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (Incluído pela Lei n. 10.792/03).

Spitzcovsky (2005) observa que, independentemente da modificação mencionada, esse tema ainda suscita problemas, uma vez que a redação apresentada pelo Art. 198 só encontra legitimidade, se interpretada conforme a Constituição Federal, conduzindo à conclusão de que o silêncio invocado não poderá levar a um convencimento do Juiz prejudicial à parte a qual o invocou. “Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.” (CÓDIGO PROCESSO PENAL)259 O autor nota que, em razão da diretriz apontada pelo art. 5.º, LXIII, da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal entende que qualquer pessoa que preste depoimento, em qualquer das esferas do Poder Público, pode se utilizar do direito ao silêncio, para evitar a autoincriminação. O Supremo Tribunal Federal (STF)

258 A Lei nº 10.792/03 foi sancionada no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.792.htm.. Acesso em 2/4/2016.

259 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm .Acesso em 2/4/2016.

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concede para pessoas intimadas a comparecerem a Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) um habeas corpus260 preventivo que evita a ordem de prisão diante da recusa a responder determinadas perguntas e lhe permite não assinar o termo de compromisso de dizer a verdade. Na CPI da Petrobrás, o recebimento do referido habeas corpus foi comum a vários depoentes. O privilégio contra a autoincriminação, que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito, traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. Assim explica Spitzcovsky (2005, p. 3):

O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável (...) convocação para depor na CPI. Habeas corpus preventivo deferido, parcialmente, tão-só, para que seja resguardado aos acusados o direito ao silêncio, por ocasião de seus depoimentos, de referência a fatos que possam constituir elemento de sua incriminação.

Entretanto, o exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. O direito ao silêncio, enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa, relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la, impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado (SPITZCOVSKY, 2005) Segundo o autor, se o objeto da CPI é mais amplo do que os fatos em relação aos quais o cidadão intimado a depor tem sido objeto de suspeitas, do direito ao

260 O habeas corpus é uma medida que visa proteger o direito de ir e vir. É concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, quando há apenas ameaça a direito. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=H&id=155. Acesso em 1/4/2016.

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silêncio não decorre o de recusar-se de logo depor, mas sim, o de não responder às perguntas cujas respostas possam vir a incriminá-lo: liminar deferida para que, comparecendo à CPI, nesses termos, o depoente possa exercê-lo, sem novamente ser preso ou ameaçado de prisão. Faremos uma descrição dos depoimentos daqueles que utilizaram o direito ao silêncio, e o que este silêncio ou a justificativa do silêncio dos depoentes causaram nos parlamentares, membros da CPI.

. Renato de Souza Duque

Renato de Souza Duque261, ex-Diretor de Serviços da Petrobrás, prestou depoimento na CPI no dia 19/3/2015. Ele estava preso, devendo-lhe ser garantido o que dispõe o art. 5º, LXIII, da Constituição Federal. Nesse sentido, também foi a decisão exarada pelo Juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, no Paraná, Sergio Moro, que viabilizou essa oitiva, já que o depoente se encontrava custodiado na Polícia Federal do Paraná, por ordem daquele Juízo. O depoente Renato Duque inicia seu depoimento com a seguinte justificativa:

(...) Não posso dizer que é um prazer estar aqui, mas é uma obrigação, e como cidadão aqui estou presente (...) Tenho certeza que existe uma hora de falar e uma hora de calar. Esta é a hora de calar, do meu ponto de vista, porque estou sendo acusado, me encontro preso. Então, por esse motivo, é que estou exercendo o meu direito constitucional ao silêncio. (...) Não pensei que fosse tão difícil ficar calado, mas, por orientação da minha defesa, exercerei o meu direito constitucional de ficar calado (Renato de Souza Duque - 5ª reunião CPI/Petrobrás).

A justificativa de Renato Duque causou polêmica na reunião da CPI. E alguns parlamentares se manifestaram numa tentativa de analisar o silêncio do depoente, embora constitucionalmente legítimo:

261 Renato Duque, ao prestar depoimento na CPI, ainda não havia assinado o termo de Delação Premiada, o qual foi assinado em outubro de 2015, após muitas reuniões com a justiça.

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(...) Que o silêncio dele significa que ele está confirmando as acusações. O silêncio dele está confirmando (Deputado José Carlos Araújo PR/BA - 5ª reunião CPI/Petrobrás).

(...) Vamos constitucionalizar o “quem cala consente” (Deputado Efraim Filho. DEM/PB - 5ª reunião CPI/Petrobrás).

(...) Agora, a experiência de CPIs anteriores indica que quem se cala não apenas consente com afirmações que podem vir nas inquirições, como também tem culpa no cartório. A sua postura de silêncio aqui é lida por nós do PSOL como cumplicidade com a engrenagem viciada, corrompida, de largo curso no tempo, do financiamento do sistema político brasileiro, notadamente em relação ao objeto desta CPI, que é a corrupção presente, embora não atual apenas, na PETROBRAS, onde há um conluio do cartel de empresas, que V.Sa., pelo investigado até agora, conhece bem e sobre ele não quer falar, onde a propina inclusive faz parte dos custos, para financiar, através de uma estatal que tanto prezamos e que defendemos, partidos, notadamente os da base do Governo. Quer dizer, o seu silêncio é cúmplice, infelizmente (Deputado Chico Alencar- PSOL/RJ - 5ª reunião CPI/Petrobrás).

(...) A sua opção por manter o silêncio, por indicação dos seus advogados, eu acho que é a pior das estratégias neste momento (Deputado Aluízio Mendes - PTN/MA -. 5ª reunião CPI/Petrobrás)

(...) O seu silêncio, para mim, é uma confissão de culpa. (...)Não adianta o senhor ficar aí. Não adianta o senhor ficar aí querendo ser o herói da resistência... ser o herói da resistência. No momento em que, eu repito, o gato subiu o telhado, a casa caiu. (Deputado Carlos Marum - PMDB/MS - 5ª reunião CPI/Petrobrás.

Entretanto, por mais que os deputados insistissem que o Sr. Renato Duque respondesse às perguntas, o presidente da CPI, Hugo Motta, interferiu, ao ler o Decreto de Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, do Código de Processo Penal, em seu artigo 186:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Em seguida, o deputado Darcísio Perondi (PMDB) salientou que a sessão não era produtiva, por causa do silêncio do depoente Renato Duque e sugeriu que a CPI

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convocasse a esposa dele para prestar depoimento. Justificou seu pedido, ao dizer que ele é casado em comunhão de bens, e que a esposa saberia todos os valores que estão na Europa. Depois de horas de interrogatório, Renato Duque permaneceu dando respostas como: “Nada a declarar (...) Permanecerei em silêncio (...) Permaneço calado (...) Permaneço calado, não me diz respeito (...) Permaneço em silêncio, de acordo com o que me garante a Constituição (...) Sigo as orientações dos meus advogados (...) Calo- me por direito (...) não conheço o Sr. Youssef”. Ao ser questionado sobre o parentesco de sua esposa com José Dirceu, baseado no Termo de Colaboração nº 12, de Paulo Roberto Costa, no qual este afirma que Renato Duque ou sua esposa eram parentes de José Dirceu, afirma:

(...) Desculpe. Quando eu digo infelizmente, é porque realmente têm determinadas perguntas que não têm a mínima questão, o mínimo problema de responder. Uma questão de parentesco é uma questão de árvore genealógica (...) Basta olhar a árvore genealógica de um, a árvore genealógica de outro, a árvore genealógica da minha esposa ou não. Não tem nenhum parentesco/ Não tem nenhum parentesco, nunca teve/ Nem esposa nem ninguém/ Minha esposa nunca esteve com o Presidente Lula ou com o Sr. Okamotto. Não conhece, nunca conheceu (...) Eu estou respondendo ao senhor essa pergunta, contrariando o meu advogado, porque eu estou vendo o Deputado (DEM) ficar falando sem parar que tem que convocar a minha esposa aqui pra esclarecer isso. Então, eu estou esclarecendo. Eu estou dizendo que isso aí eu estou entendendo como uma ameaça. (Renato de Souza Duque - 5ª reunião CPI/Petrobrás).

No final da audiência, a deputada Eliziane Gama (REDE/AM) conseguiu obter uma resposta de Renato Duque, ao perguntar seu filho estaria envolvido nesse esquema, inclusive com possibilidades de não retornar ao Brasil e, portanto, correndo o risco de ser preso. Ou seria ele (o filho) mais uma vítima do emaranhado de corrupção que se instaurou na Petrobrás? (...) Deputada Eliziane Gama, eu vou contra a orientação do meu advogado, e faço questão de responder a essa pergunta, porque se trata do meu filho (...) O meu filho é economista formado, foi recrutado por um headhunter e trabalhou nessa empresa. Quando o meu filho foi recrutado para trabalhar nessa empresa nos Estados Unidos, eu fiz uma consulta formal ao Jurídico da PETROBRAS: se haveria algum empecilho. E a resposta foi: “Não. Pode trabalhar, não tem problema nenhum, ele está trabalhando, a vida é dele.” Ele retornou ao Brasil, depois de um ano e meio nos Estados Unidos, com a família dele. Não era na Europa, 277

era nos Estados Unidos. Algum tempo depois, ele se retirou para montar o seu próprio negócio. Então, é isso que eu tenho que esclarecer à senhora (...) eu não tenho problema nenhum em discutir qualquer um dos assuntos que aqui foram levantados, porque eu tenho a consciência tranquila e sei que eu tenho como responder, e tenho argumentos suficientes para rebatê-los. Apenas eu tenho obrigação de seguir minha orientação legal. É isso. Não é porque eu tema ou porque eu esteja de antemão me declarando culpado; muito pelo contrário, eu vou me defender, eu vou provar que os meus bens têm fundo no meu trabalho. Tenho 34 anos de companhia e tenho orgulho de ter sido Diretor por 9 anos da companhia. Eu lamento que a companhia esteja nessa situação agora, eu lamento que obras estejam parando. Não era para acontecer isso, mas tudo a seu tempo. Vou terminar como eu comecei. Acho que vai ter um tempo para calar e vai ter um tempo para falar.(...) Sem querer citar a Bíblia ou qualquer outra coisa, mas eu estou com a consciência tranquila e vou me defender na hora certa. Muito obrigado. (Renato de Souza Duque - 5ª reunião CPI/Petrobrás).

Percebem-se assim, algumas incongruências no depoimento de Renato Duque, que, embora tenha usado seu direito constitucional de ficar em silêncio, ao ser indagado sobre sua família, usou a palavra para defendê-la. O depoente também revelou estar com a de consciência tranquila e que mesmo tendo argumentos para se defender, preferiu seguir as orientações de seu advogado e não fazê-lo naquele momento. De acordo com o depoente, aquele momento era o “momento de se calar”. O depoimento na CPI, entretanto, seria um momento propício para se defender perante os cidadãos brasileiros.

. Nestor Cunãt Cerveró

Nestor Cunãt Cerveró, ex-diretor da Área de Internacional da Petrobrás, prestou depoimento no dia 11/5/2015, no Foro da Seção Judiciária do Paraná. O depoimento de Nestor Cerveró seguiu os mesmos procedimentos de Renato Duque, ou seja, também lhe estava assegurado o direito de permanecer em silêncio. Porém, Nestor começou seu depoimento justificando por que usaria seu direito constitucional de não responder às perguntas, uma vez que estava decepcionado com a Justiça Brasileira:

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(...) que eu fui preso, eu estava de férias, agora no final do ano, minha casa, dos parentes da minha mulher, na Inglaterra. Fui preso e voltei, fui preso e execrado, porque voltei para o Brasil para enfrentar as acusações inexistentes, confiando na Justiça brasileira. (...) eu tenho passaporte espanhol. Quer dizer, eu poderia, se não tivesse confiança na Justiça brasileira e na confiança dos fatos e na realidade dos fatos que eu já relatei várias vezes, eu poderia muito bem ter permanecido na Europa e na Espanha, já que eu tenho passaporte espanhol. Mas eu preferi retornar ao Brasil, tendo em vista a minha confiança e a certeza que a verdade, ao final, vai prevalecer. Nunca me neguei a prestar esclarecimento a quem quer que solicitasse (...) sempre nos colocamos à disposição da Justiça Federal, do Congresso e dos órgãos envolvidos no assunto para qualquer tipo de esclarecimento (...) Agora, estou preso, aguardando um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal quanto ao absurdo da decisão judicial que determinou o meu encarceramento, já que eu deveria estar respondendo a esse processo em liberdade (...)Vários dos senhores que estão aqui foram testemunhas do meu comparecimento às diversas CPIs e de eu nunca ter me negado a responder a nenhuma questão, inclusive, tendo o direito de permanecer calado (...) Na CPMI, da última vez, com o Senador Vital do Rêgo, na época, eu tinha o direito de permanecer calado e não permaneci calado, respondi todas as perguntas. Só que agora surgiu uma questão completamente diferente. A Constituição está violando os meus direitos de responder em liberdade. Quando eu compareci à CPMI, eu estava em liberdade. Não há motivo para eu estar em prisão provisória, prisão preventiva. Não é isso? Então, é esse o manifesto só que eu queria fazer (Nestor Cunãt Cerveró – 17ª reunião CPI/Petrobrás).

Nestor Cerveró262 mostrou-se indignado com o fato de estar preso. Embora naquele momento tivesse a oportunidade de desmentir ou explicar seus atos na Petrobrás, utilizou o argumento de que estava preso “injustamente” e, por este motivo, não ia contribuir com a CPI da Petrobrás. Evidenciou, ainda, que, em outras CPIs, sempre havia colaborado e nunca utilizara o recurso de ficar silente. No entanto, usaria desse direito como uma forma de manifesto contra a Justiça Brasileira. De acordo com Nestor Cerveró, seus direitos constitucionais preveem que ele possa responder a qualquer tipo de inquérito, de oitiva, em liberdade. Por tais motivos, Nestor Cerveró se justifica:

Então, por orientação do meu advogado, eu deixo, momentaneamente, de seguir o meu procedimento habitual de me pronunciar, enquanto não forem restabelecidos os meus direitos

262 Nestor Cerveró foi preso pela Polícia Federal, no dia 15/1/2015, quando desembarcava no Aeroporto Internacional Tom Jobim no Rio de Janeiro, vindo de Londres. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/preso-pela-pf-cervero-chega-a-carceragem-em-curitiba- eiu5qqintrs79ecewdiyl6fym. Acesso em 3/5/2016.

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constitucionais (...) Eu vou lhe pedir desculpas, mas eu vou manter a minha postura de não responder às questões (Nestor Cunãt Cerveró – 17ª reunião CPI/Petrobrás).

Em relação ao silêncio do depoente, o deputado Onix Lorenzoni (DEM) argumentou:

Eu vou repetir aqui o que eu disse quando Paulo Roberto Costa esteve lá na CPMI no Senado. Essa é a minha 12ª CPI. Todas as vezes que uma pessoa se valeu desse direito foi porque ela tinha culpa no cartório. Nunca vi gente decente, com a verdade do seu lado, se valer desse direito. Sempre que se usa esse direito, na verdade, é porque tem algo a esconder, como nós vimos na delação premiada do Paulo Roberto Costa.

Os deputados insistiram com perguntas ao depoente, mas todas elas tiveram a mesma resposta de Nestor Cerveró: “eu vou exercer o meu direito de não lhe responder”. No final do depoimento, o deputado Antonio Imbassahy (PSDB-BA) perguntou: “Serei bem rápido. Dr. Nestor, o senhor se considera inocente?” Mesmo para essa pergunta, a resposta permaneceu:

Dentro da linha de defesa, Deputado Imbassahy, eu vou exercer o meu direito de não lhe responder (...) Desculpe insistir. Eu estou seguindo uma linha de defesa, seguindo o meu direito constitucional de não responder. Então, mantendo essa coerência, Deputado Imbassahy, por isso que eu não vou lhe responder (Nestor Cunãt Cerveró – 17ª reunião CPI/Petrobrás).

Os deputados, membros da comissão, mostraram-se muito insatisfeitos com o depoimento de Nestor Cerveró263. As justificativas do depoente não convenceram os deputados, e Antonio Imbassahy finalizou, dizendo: “Se V.Sa. não se considera inocente, eu acho que o povo brasileiro vai entender que V.Sa. tem responsabilidade também nesse esquema do petrolão”.

263 Nestor Cerveró assinou acordo de Delação Premiada no dia 25/11/2015. Disponível em: http://noticias.band.uol.com.br/brasil/noticia/100000782890/nestor-cervero-assina-acordo-de-delacao- premiada-.html. Acesso em 3/5/2016.

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Como se pôde observar, o depoimento de Nestor Cerveró não contribuiu com as investigações da CPI da Petrobrás.

. João Luiz Correia Argôlo dos Santos

O ex-Deputado Federal, João Luiz Correia Argôlo dos Santos, prestou depoimento no dia 12/5/2015 no Auditório Principal do Fórum da Seção Judiciária do Paraná, pois estava preso naquele momento. Seu depoimento também não foi diferente dos demais, e exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio. Entretanto, houve uma diferença dos outros ex-deputados, pois ele não permaneceu todo o depoimento em silêncio (como fizeram Renato Duque e mesmo Nestor Cerveró). João Luiz Correia Argôlo dos Santos respondeu a algumas perguntas, mesmo afirmando que ficaria em silêncio. Falou da relação com Alberto Youssef, de sua trajetória na política, de sua “ingenuidade” na política por ser um deputado jovem, de sua “fé em Deus” e de sua inocência no envolvimento da corrupção na Petrobrás. Ressaltou também ser o único parlamentar, dentre os três parlamentares que estavam sendo presos em Curitiba, a prestar depoimento. Mas que se preservaria, ao falar na CPI. por acreditar queela “nada poderia fazer por ele”. Justificou também o “peso árduo” que recai sobre o parlamento e a tentativa de incumbir a culpa de toda a corrupção nos parlamentares. Assim, mesmo exercendo o direito de “permanecer em silêncio”, o depoente aproveitou o momento para dar explicações aos membros e ao público, fazendo de suas justificativas um meio de mostrar que “era inocente”.

Eu gostaria de permanecer neste meu direito, em silêncio, por algumas razões que até me faculto, mas entendendo que a CPI, com todo o direito que tem de interrogar, de investigar, de questionar, e em respeito ao Parlamento brasileiro, ao seu Presidente, Hugo Motta, aos senhores e senhoras da imprensa... É preferível eu permanecer em silêncio, e assim por desejo da minha própria defesa, até mesmo porque eu estou há 33 dias com uma decisão de prisão, que me foi facultada, e exatamente esses 33 dias, dos 3 ex-Parlamentares, eu fui o único que prestei depoimento aos delegados, e nada surtiu de efeito. Permaneço preso. O meu habeas corpus foi negado, e sequer foi apresentada uma denúncia. Eu prefiro permanecer no silêncio, porque eu vejo que não há nenhuma progressão nesse sentido. Então, eu gostaria de deixar

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claro esse meu direito que me é facultado de permanecer em silêncio em todas as perguntas (João Luiz Correia Argôlo dos Santos - 18ª reunião CPI/Petrobrás)

O deputado Onix Lorenzoni (DEM) criticou a postura de Luiz Argolo, logo no inicio da reunião:

Bom, eu me sinto também na obrigação de dizer o seguinte: em todas as CPIs de que participei, sempre que qualquer pessoa se vale desse direito é porque ela não está munida da verdade, porque quem está munido da verdade enfrenta todo e qualquer questionamento (...) E, em todas as vezes em que alguma pessoa em CPI se valeu desse direito por orientação de seus advogados, que é legítimo, com previsão constitucional, mas invariavelmente eram e são bandidos. Eu lamentavelmente tenho que afirmar isso, diante do depoente da tarde de hoje. Esta é uma prática que une todos os criminosos, quando diante ou da Justiça ou de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

O depoente, diferente de Nestor Cerveró e de Renato Duque, exerceu um mandato parlamentar. Isto significa que foi eleito por sufrágio universal, teve “uma relação” com os eleitores, quer dizer, pediu votos e se comprometeu com um mandato popular. As questões tratadas pelos membros da CPI ultrapassaram as questões que são relativas ao crime de corrupção na Petrobrás e avançaram também para questões políticas. Durante seu depoimento, João Luiz Correia Argôlo dos Santos permaneceu com um terço nas mãos. Em vários momentos, o depoente se manifestou, se justificou e se afirmou inocente:

(...) primeiramente, só para informar que eu fui eleito pelo Partido Progressista e, na metade do meu mandato, eu saí do partido e fui para o Solidariedade. Então, o requerimento apresentado ao Presidente Eduardo Cunha para a criação desta CPI, que aqui informa, “destina-se a no prazo de 120 dias investigar a prática de atos ilícitos e irregulares no âmbito da empresa Petróleo Brasileiro S.A., PETROBRAS, entre os anos de 2005 e 2015”. Eu fui eleito em 2011como Deputado Federal, em 2011! Eu fiquei no partido até 2012, e tudo o que apareceu e surgiu — até hoje acusam-se ainda, né — eu não tenho nenhuma formalidade de denúncia feita ou apresentada pelo Ministério Público Federal. Então, eu prefiro, pela orientação dos advogados, permanecer em silêncio, porque tudo o que disse nada veio a favorecer, nem no Conselho de Ética, já que o partido de V.Exa. [para Ivan Valente – PSOL] é um partido que realmente tem a sua doutrina de rigor, de ética, que eu acho importante que

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cada um tenha a sua plataforma política. Cada um que está aqui representando o povo brasileiro, representando o seu Estado, teve a forma de buscar o seu voto, teve a forma de se identificar com o seu eleitor. E uma coisa eu posso dizer: eu trabalhei e trabalho muito por minhas bases, pelos meus Municípios que me elegeram Deputado Estadual e Deputado Federal. Fui para a reeleição porque acredito na minha verdade, acredito na minha inocência. Mas não vai ser aqui na CPI, infelizmente, que vai me absolver. Por essa razão, eu volto a dizer: eu nada tenho a declarar (João Luiz Correia Argôlo dos Santos - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

O deputado Onix Lorenzoni (DEM), ao visualizar o terço nas mãos do depoente, perguntou-lhe se ele se sentia arrependido pelo envolvimento nos crimes de corrupção na Petrobrás. E o depoente utilizou frases bíblicas para se justificar, alegando que até Jesus Cristo havia sido crucificado, e que a CPI não seria um “julgador necessário”:

A única coisa que eu posso falar aqui a todos é que os humilhados, um dia, serão exaltados. Então isso é bíblico. Então, não aqui adianta eu voltar a falar nas afirmações colocadas no Conselho de Ética, colocadas em depoimento na Polícia Federal, um questionamento... Não que a CPI não tenha essa prerrogativa de valor, de importância; muito pelo contrário, toda a imprensa do Brasil está aqui presente, todos os jornalistas estão aqui a pedido dos seus chefes de redações, claro, para acompanhar o depoimento a todos aqueles que estão no Paraná, detidos na carceragem da Polícia Federal, ou até mesmo nas penitenciárias. Mas eu volto a informar a todos que estão aqui presentes que eu gostaria, pelo direito que me é exercido, constitucional, de permanecer em silêncio, porque... assim, eu ouço meus advogados, porque até agora não foi apresentada nenhuma denúncia do Ministério Público. A partir desse momento, sim, eu terei o fórum adequado para poder me defender.(...) Com todo o respeito a todos os Parlamentares que vieram, saíram de seus Estados, e estariam também na sua pauta hoje e de terça-feira, dia de votação. Mas é o que eu gostaria de passar e falar (....)Todo ser humano erra; acredito que não só eu, como qualquer um ser humano. Jesus Cristo, que é filho de Deus, foi crucificado. Então, é claro que todo mundo aqui não é o julgador necessário. Como a gente tem que responder um processo criminal, que assim vai ser instaurado, foi um inquérito da Polícia Federal, esse inquérito vai ser agora... ser ouvido pelo Ministério Público, o Ministério Público vai apresentar então a denúncia, para daí, se for o caso, e aí ter o veredito da Justiça, do Juiz. Então, eu volto a informar que não irei responder (...) Mas eu agradeço, primeiramente, a Deus, que tem me dado muita força, à minha família, meus amigos, aos meus fiéis eleitores, que continuam firmes comigo. E dizer ao Deputado Imbassahy, que me deu o conselho de permanecer sempre com garra, disposição e com essa força de vontade, que, sem dúvida alguma, o espírito de ser baiano, o espírito de ser família, de ser católico permanece muito forte. E terei oportunidade, para a Bahia e para o Brasil, de mostrar a todos que realmente não tenho nada a ver com a Operação Lava- 283

Jato, operação da PETROBRAS. Eu não tive nenhuma relação de indicação de nenhum cargo federal, quer que seja no meu Estado da Bahia, ou quer que seja ele no Brasil. Então, se algum cargo fosse favorecer um Parlamentar e se eu não o indiquei... Gostaria de utilizar meu direito constitucional de permanecer em silêncio (João Luiz Correia Argôlo dos Santos - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Eliziane Gama (REDE) questionou o depoente por que ele havia se corrompido, uma vez que apresentava uma carreira política considerada importante. De fato, ele havia sido eleito Vereador pelo PFL, em 2000, e depois, se tornado Presidente da Câmara de Vereadores. Foi também um dos Prefeitos mais jovens do Brasil e eleito Deputado Estadual com a quarta maior votação de seu Estado, além de ter sido eleito para Deputado Federal com uma expressiva votação no Estado da Bahia.

(...) A única coisa que eu posso informar a V.Exa. é que eu sempre fui um Deputado presente nas minhas bases, dei atenção, levei recursos, destinei recursos necessários para as minhas bases. Eu nunca indiquei nenhum cargo federal, seja no meu Estado da Bahia ou em Brasília. Se essa regra de indicação de cargo, até que seja na PETROBRAS, tenha sido indicada por algum partido, eu desconheço dessa informação. Eu fui Deputado Federal pelo PP e fiquei apenas 2 anos como Deputado Federal em Brasília, 2011 e 2012. Então, saí do partido, fui para o Partido Solidariedade, partido que hoje faz oposição ao Governo de Dilma, partido formado de um sindicalista, que é Paulinho da Força264, partido que não tem relação de troca de cargo nenhum. Então, se fica o questionamento na mente de cada um aí, que pode interpretar da forma que pode... achar bem melhor. Então, eu gostaria de dizer que, infelizmente, eu permanecerei em silêncio, como é um direito constitucional (...) A interpretação do que V.Exa [Eliziane Gama] está dizendo, de tomar outro rumo, não cabe a mim agora julgar. Eu acho que cabe aí às investigações que estão sendo feitas apurarem o que realmente for a mim imputado, porque a única que eu acho que faltou foi dizer que a falta de água em São Paulo, a culpa foi de Luiz Argôlo. Mas, o resto, passei 1 ano e meio apanhando, recebendo aqui várias denúncias sobre mim. Então, eu continuo dizendo que eu não tenho nada a colaborar, infelizmente, porque até então não recebi formalmente nenhuma denúncia do Ministério Público. Então, até então, não adianta eu aqui dizer se eu estava no partido, por que saí ou se tive uma carreira brilhante. Sei que a minha base continua lá presente. Tive uma votação agora que, para mim, continua sendo expressiva,

264 O deputado Paulinho da Força (SOLIDARIEDADE/SP) participou do esquema de desvio de recursos do BNDES. Um inquérito foi aberto no Supremo Tribunal Federal para avaliar sua participação no esquema. A Corregedoria da Câmara também abriu investigação sobre o caso. Antes de o caso vir à tona, o deputado já era réu em processo aberto, em 2006, por causa de irregularidades em um projeto de assentamento de 72 famílias de trabalhadores rurais em Piraju (SP), iniciado em 2000 – as obras do projeto foram superfaturadas. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,paulinho-da- forca-vira-reu-no-stf-acusado-de-desviar-dinheiro-do-bndes,1758516. Acesso em 4/4/2016.

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através daqueles que confiaram, que acreditaram e que acreditam em mim, todos aqueles que estão fazendo uma corrente de oração junto com minha família, me dando força para sustentar tudo isso que está acontecendo e que estou passando — eu, minha família e meus amigos (João Luiz Correia Argôlo dos Santos - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Ao ser questionado se sentia injustiçado e se considerava inocente, o depoente negou veementemente seu envolvimento com a corrupção na Petrobrás e afirmou mais uma vez que Jesus Cristo também havia sido crucificado, apesar de inocente. Reafirmando, assim, sua inocência:

(...) Depende da justiça. Eu acredito que todos nós... Como já coloquei, se fizeram com Jesus Cristo, filho de Deus, crucificaram — assim está na Bíblia —, eu não sou e nem serei melhor do que ninguém. Eu posso dizer que nunca indiquei nenhum cargo federal em Brasília ou no Estado da Bahia. Fui um Parlamentar ao qual recebi convite para permanecer no partido, e saí do partido por vontade própria, não foi por imposição, não foi por expulsão. Me dou bem com todos os Parlamentares do partido progressista, não tenho nada para me queixar nem indagar. (...) É o que eu volto a dizer: todos os Deputados do PP, eu tenho boa relação. Não tenho inimizade com ninguém do Partido Progressista. Não posso aqui alegar que existiam lados de um lado ou de outro, contra a liderança de um ou de outro. Então, eu gostaria de deixar pelo menos claro esse ponto. Não tenho absolutamente nada a ver com a questão da PETROBRAS, mas eu volto a dizer: eu prefiro permanecer em silêncio e não gostaria de responder, até pela orientação de meus advogados. (...) Claro que sou inocente! Até o momento, que me foi colocado alguma denúncia só foi no Conselho de Ética da Câmara. Lá, eu tive oportunidade de me apresentar, junto com o Deputado Izalci, e esclareci... Mas, naquele Colégio, foi colocado em votação... Não fui absolvido unanimemente, também não fui denunciado. Foi uma votação, salvo meu engano, 9 a 4. E eu, agora, na CPI... Como não tem direito de me absolver ou de me condenar, infelizmente, prefiro permanecer em silêncio e esperar que a Justiça tome os rumos devidos e adequados das investigações (João Luiz Correia Argôlo dos Santos - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Em relação a Alberto Youssef, o depoente afirmou que o conhecia, mas que não sabia que ele era um criminoso. Mas, ao ser questionado se havia recebido propina de Alberto Youssef, a resposta foi: “Eu gostaria de permanecer em silêncio”. No entanto, explicou como conheceu o operador de propinas:

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(...) Eu conheci o empresário Alberto Youssef na casa dos Deputados Mário Negromonte e João Leal. Como empresário. Eu não o conheci com sacolas de dinheiro, nunca frequentei nenhum escritório dele com o nome de doleiro ou caixa de campanha (...) A minha relação com Alberto Youssef é uma relação privada, relação de interesse privado. Não foi interesse público. Eu conheci o doleiro, como é colocado pela mídia, Alberto Youssef como um empresário que tinha investimento no Estado da Bahia. Isso eu posso afirmar a vocês. Me foi apresentado o empresário Alberto Youssef. Se ele agora é um criminoso, se ele é um doleiro, ou se ele fez delação no passado, não coube a mim entrar no Google ou entrar fazendo consulta no seu CPF, porque, se ele foi condenado, e a Justiça depois o liberou ou absolveu, não cabe a mim esse julgamento, mas eu volto a dizer que o empresário Alberto Youssef já tinha investimento no Estado da Bahia, e eu o conheci depois de eleito Deputado Federal (...) Quando o conheci, ele [Alberto Youssef] me informou que tinha um hotel em Salvador. Seria um investimento. Ele tinha esse hotel e estava querendo ampliar esse investimento. Logo depois ele comprou outro hotel em Porto Seguro, também no Estado da Bahia. Depois comprou um terreno em Lauro de Freitas e adquiriu outros bens lá. Mas ele já tinha um hotel. (João Luiz Correia Argôlo dos Santos - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

João Luiz Correia Argôlo dos Santos negou seu envolvimento na corrupção na Petrobrás e afirmou estar colaborando com a justiça, mas que se sentia injustiçado pelo Conselho de Ética que o retirara do parlamento. De acordo com o depoente, ele esperará o momento oportuno para se defender. E justificou, dizendo que “toda bagunça se joga no parlamento” e que em todos os governos houve escândalos de corrupção:

(...) Eu quero informar que eu estou colaborando com a Justiça. Eu volto... aqui vou reafirmar que, dos 3 ex-Parlamentares detidos, eu fui o primeiro e o único a prestar o depoimento. Se isso é levado em consideração pela Justiça, então, eu vou aguardar o segundo passo, para que eu possa me pronunciar. E, em respeito a V.Exas., que compreendem, eu entendo, principalmente da imprensa, que não está aqui apenas para ouvir de um Parlamentar “Quero exercer o meu direito constitucional de permanecer em silêncio”. Que compreendam que eu preciso, agora, receber uma denúncia formal, que essa denúncia, depois de formalizada, eu vou ter o direito de poder me defender. Porque eu tive, durante um bom tempo, várias sugestões ou aparições de acusações, que eu não tive os foros adequados para que eu pudesse me defender. Eu apanhei e fui denunciado ou fui criticado em um ano eleitoral. Se tudo isso que está acontecendo fosse antes da eleição, eu tenho certeza que mudaria muito os rumos do resultado eleitoral do Brasil, ou para alguns Parlamentares, ou não. Então, entendam bem: eu tive de ser alvejado. Fui alvejado, na Câmara Federal, uma Casa do povo, que representa... os Parlamentares representam a sociedade, seja do Rio Grande do Sul, ou da Paraíba, ou da Bahia, qualquer que seja a religião, sua crença, e que foi apresentado um requerimento no Conselho de Ética e que esse parecer, na Mesa Diretora, de Luiz Argôlo, 286

durou apenas 13 minutos. Foi apresentado um requerimento para a abertura de uma investigação no Conselho de Ética e, apenas em 13 minutos, já tinha um parecer — 13 minutos! Treze minutos! Então, os senhores jornalistas que tenham senso da justiça e do contraditório, que recebem a orientação do chefe da redação de cada órgão de imprensa, avaliem isso. Avaliem isso. É importante avaliar. É muito importante avaliar. Não estou aqui para julgar nem ser julgado, é claro, pelos Parlamentares mais, porque não sou mais Parlamentar, mas o Conselho de Ética me julgou de uma forma rápida, veloz, e a gente também espera, e a sociedade brasileira espera, como os meus eleitores também esperam que isso aconteça também agora, neste exato momento, em Brasília (...) A política passa por um descrédito muito grande (...) tudo que se tem de corrupção ou de bagunça se joga no Parlamento. É verdade. Todos os Governos tiveram escândalos: Getúlio Vargas, Juscelino. Em todos os Governos da história do Brasil houve denúncias ou supostos escândalos. E sempre cabe ao Parlamento. Então, a crença que já nasce na sociedade é de que tudo de ruim é culpa do político. Infelizmente, quando você é jovem e não tem a experiência, a bagagem de ter um capital político, é difícil as pessoas acreditarem, mas eu construí, com muito esforço, dando palestra em porta de escola, em movimento estudantil, nas caminhadas no interior, na capital, como fui eleito Vereador, depois Deputado Estadual e depois Deputado Federal. Eu fui o Deputado Federal mais jovem da Bahia. Poucas pessoas acreditavam, até porque exerciam um poder político muito forte na Bahia a ponto de escolherem quem seria e quem não seria eleito. Então, não se colocava na conta daqueles da roda política que eu seria eleito (João Luiz Correia Argôlo dos Santos - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

. André Luiz Vargas Ilário

O ex-Deputado Federal André Luiz Vargas Ilário prestou depoimento no dia 12/05/2015 no Auditório Principal do Fórum da Seção Judiciária do Paraná, pois assim como o deputado João Luiz Correia Argôlo dos Santos estava preso naquele momento. O depoente utilizou o direito ao silêncio e iniciou seu depoimento com o seguinte discurso:

(...) Quero dizer do respeito que tenho pelo Legislativo, todo o respeito manifesto nos meus posicionamentos no período em que fui Deputado, muito especialmente no período em que fui Vice-Presidente da Casa. Em todos os momentos em que o Legislativo foi atacado, eu fui uma das vozes a defendê-lo, seja em relação à visão distorcida que muitas vezes a mídia tenta passar para a sociedade e outros poderes ou outros atores da política nacional. (...) Não obstante ter os 20 minutos e não obstante esse respeito já manifestado nessa inicial, pretendo abrir mão desse tempo, possibilitando o andamento célere dos trabalhos, reafirmando que vou utilizar o direito ao silêncio, previsto na Constituição e na decisão do

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Dr. Sérgio Moro em relação à nossa presença aqui. (André Luiz Vargas Ilário - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

O deputado Onix Lorenzoni manifestou-se, ao ouvir o depoente. Embora não tivesse lhe feito nenhuma pergunta, aproveitou a oportunidade para expressar sua opinião:

(...) Eu sinceramente esperava que o depoente utilizasse esse espaço na CPI para falar, até porque o Sr. André Vargas, enquanto exerceu o mandato de Deputado e de Diretor Nacional de Comunicação do PT, se não me falha a memória, era um falastrão, e hoje ele é um caladão. E se cala é porque se falar vai se enrolar. E vale para ele o que vale para todos: o expediente de ficar calado ou em silêncio apenas reafirma publicamente que a sua culpa existe e que a condenação virá. Na Câmara já veio. Agora vamos aguardar a sentença do Sr. Sérgio Moro. Eu não tenho nada a perguntar a esse cidadão (Deputado Onix Lorenzoni (DEM) - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Embora tenha afirmado que permaneceria em silêncio, André Luiz Vargas Ilário respondeu a algumas questões, dentre elas, aquelas sobre sua relação com Alberto Youssef. A respeito de outras questões, como recebimento de propinas, abandono pelo PT, as notícias veiculas pela mídia sobre sua pessoa e as visitas que recebeu do PT, afirmou:

(...) Eu conheço o Alberto Youssef há mais de 30 anos. Eu moro na mesma cidade em que ele há mais de 30 anos. E qualquer outra intercorrência nesse período e aquelas que forem atinentes ao processo judicial eu vou responder no processo judicial. Portanto, permaneço em silêncio, mas reafirmo aquilo que eu disse no plenário: eu o conheci vendendo coxinha no aeroclube de Londrina (...) eu digo que eu o conheço há mais de 30 anos, acompanhei o processo de delação premiada. Portanto, a Justiça, após a delação, deu-lhe autorização para ser empreendedor. Ele se transformou no proprietário do maior hotel da nossa cidade (...) Aliás, também proprietário de um hotel em Aparecida do Norte, em sociedade com a Igreja Católica. Está tudo nos autos. Eu li. Aliás, eu tive muito tempo para ler. Há 1 ano que eu tenho lido. E, independentemente disso, como ele era um empresário, eu mantive como ele uma relação à luz do dia e não reconheço nenhum repasse financeiro de Alberto Youssef para mim (...) Eu realmente não vou responder [sobre propinas]. São questões de valores que vão merecer um livro no futuro. Não reconheço nenhum repasse, pois não ocorreram repasses. Nem todos acreditam em tudo que sai na mídia. Vou permanecer em silêncio. (...) As visitas à Polícia Federal são feitas apenas por familiares. Realmente eu recebi, porque todos os meus familiares

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são filiados ao PT. Então, recebi realmente visitas de petistas, porque são meus familiares (André Luiz Vargas Ilário - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Mesmo utilizando o direito constitucional de permanecer em silêncio, o depoente se expressou, respondeu a algumas perguntas, falou sobre sua situação de estar preso em Curitiba havia mais de um ano, afirmando, inclusive, que por isso havia tido tempo para ler a Delação Premiada de Alberto Youssef e as matérias veiculadas na mídia. E para terminar, justificou seu silêncio como uma estratégia de defesa, alegando que ainda não tinha conhecimento de todo o processo contra ele.

(...) Sêneca, grande pensador romano, disse que as grandes injustiças se corrigem com tempo, paciência e silêncio. (...) Sem dúvida nenhuma, são importantes os esclarecimentos que aqui serão trazidos ao País. São importantes. Peço escusas, naturalmente. (...) Não há nenhum tipo de demérito para o trabalho parlamentar, mas, dentro da nossa estratégia, da estratégia de defesa, nós estamos praticamente tomando conhecimento, pois ainda nem tomamos conhecimento de tudo aquilo que foi apresentado. Vamos ler ainda. Há até informações faladas aqui de que nós mesmos não tivemos acesso. Portanto, é preciso ter segurança quando se fala sobre algo a que lhe atribuem. Então, portanto, é por essa situação que nós optamos pelo silêncio (....)Alguns falaram que o PT me desfiliou, mas eu optei pela desfiliação do PT; eu optei pelo meu afastamento da Vice-Presidência assim que surgiram as denúncias, para evitar que... Eu entendia que, pelo surgir das denúncias, eu não tinha condições de ser Vice-Presidente da Casa. Eu fiz essa opção e depois lutei com todas as forças para que não fosse cassado, porque entendi, sim, e continuo entendendo e reafirmando, que não tive o devido direito de defesa porque não tive acesso aos documentos que embasavam à época a minha cassação. Com relação ao placar, quero fazer apenas um comentário. Nós estamos vivendo um período novo de votação de cassação em votação aberta, o que foi um avanço do Parlamento. (André Luiz Vargas Ilário - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

. Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto

Pedro da Silva Correa de oliveira Andrade Neto, ex-Deputado Federal, foi o último parlamentar a depor no dia 12/5/2015, no Auditório Principal do Fórum da Seção Judiciária do Paraná. Assim como os demais ex-Deputados Federais analisados acima, Pedro Correa afirmou que ia utilizar seu direito constitucional de permanecer em silêncio. Entretanto, no decorrer do depoimento respondeu a várias perguntas. Foi

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o parlamentar que mais utilizou de argumentos para se defender. No decorrer do depoimento, ele falou sobre Delação Premiada, sobre financiamento de campanhas, sobre a influência do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Mas quando se tratou de assuntos referentes à corrupção da Petrobras, se esquivou e não respondeu. Nesses momentos, ele utilizava da justificativa que permaneceria em silêncio, de acordo com a Constituição:

Eu vou me resguardar ao direito constitucional do art. 5º da Constituição, no seu inciso XVII, de permanecer em silêncio, primeiro porque eu estou aqui na condição de “bipreso”: eu estava preso em Pernambuco e agora vim ser preso novamente aqui no Paraná. Então, eu estou discutindo no Supremo Tribunal Federal, eu tenho uma reclamação que ainda não foi julgada sobre a legalidade ou não da minha prisão e tenho também aqui um habeas corpus que está na 4ª Região, no TRF da 4ª Região, que também ainda não foi julgado (...) Então, a única coisa que pode acontecer comigo nesta hora, na CPI, é eu, novamente, ser preso, e seria, em vez de “bipreso”, “tripreso”. Afora isso, eu vou continuar exercendo o meu direito constitucional de permanecer em silêncio. No final, se eu tiver a oportunidade de dizer algumas palavras... Eu vou aguardar, então, o final das perguntas. (Pedro da Silva Correa de oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

O depoente, embora não tenham lhe perguntado, falou de sua trajetória na política e sobre as dificuldades de ser um político no Brasil. Afirmou não ter recebido propina das empreiteiras e justificou, relatando sua situação econômica atual, assim como dos demais membros de sua família, tentando demonstrar aos parlamentares, membros da CPI, que não fazia sentido a acusação que decaía sobre ele por ter recebido propinas das empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato:

(...) Sarney, que foi Presidente da ARENA, que era o partido em que eu me elegi, pela primeira vez, em 1978. Eu me elegi pela ARENA. Ele [Sarney] era o meu Presidente. Depois, Presidente do PDS, que era o maior partido do Ocidente. Eu acompanhei todas essas fases. Eu sou filho de político. O meu pai foi Deputado 20 anos, minha vida toda foi em cima disso. Eu acompanhei todas essas fases de fim de governo. Eu não me esqueço, porque eu era do PDS, e o povo na rua cantando: “O povo não esquece, acabou o PDS”. Então, essas coisas são naturais (...) Um partido [PT] que está há 12 anos no poder e hoje, certamente, tem toda a classe média contra e vai ter cada vez mais. As pessoas ficam insatisfeitas, porque não estão ganhando o que querem ganhar, não têm nenhuma satisfação com o Congresso, que é status, acham que político não trabalha, político não faz nada, que ganha bem, que indica todo mundo, que faz, acontece e que rouba. (...) Dessas empreiteiras que estão aí, eu não

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conhecia, com exceção da Queiroz Galvão, porque o Dr. Antonio Queiroz Galvão era de Pernambuco, e eu tinha convivência social com o Dr. Antonio Queiroz Galvão, até porque eu fui Presidente do Clube Internacional do Recife, antes de 1978, antes de ser Deputado pela primeira vez e ele era um dos frequentadores do Clube Internacional do Recife. Eu o conhecia, como conheci seus filhos, porque moravam em Recife. Mas, afora isso, eu não conheci nenhum desses outros representantes de empreiteiros dessa região. Mesmo sendo Presidente de partido e muitas vezes tendo que participar de reuniões para discutir assuntos referentes à posição do meu partido, eu não tive nenhuma ligação com qualquer um desses empreiteiros. (...) Em relação a 250 mil, a 300 mil reais que eu recebi em 7, 8 anos, eu deveria ter de 21 a 25 milhões de reais. Meu patrimônio não aumentou. Está aí a perícia feita pela Receita Federal. Eu não tive aumento de patrimônio. Ao contrário, meu patrimônio diminuiu, e quem sabe, quem faz política, como eu fiz durante 30 anos, disputei oito eleições partidárias, sabe que o sujeito, em política, para continuar na vida pública, tem uma vida de sacrifício e, certamente, se tem algum patrimônio — meu patrimônio foi todo de herança; eu não comprei nada depois que entrei na política... Eu deveria ter de 21 a 25 milhões, se eu ganhei esse dinheiro todo. Deveria estar em algum lugar esse dinheiro. Não sei onde, mas deveria estar em algum lugar. (...) Eu já disse anteriormente, que, se essa delação fosse confirmada, eu deveria ter recebido entre 21 e 25 milhões de reais durante esse período. Eu gostaria de saber onde está esse dinheiro. Eu não tenho conta no exterior, meu patrimônio diminuiu, eu tenho uma movimentação financeira que eu mostro e que é compatível com a minha renda. O que eu tenho na minha vida é de herança, recebi de herança...(...) Eu gostaria de saber onde é que está esse dinheiro (...) Em 2006, meu filho foi candidato. Eu tinha sido cassado, e meu filho foi candidato em Pernambuco a Deputado Federal e não pôde terminar a eleição porque faltou dinheiro. Ele não teve dinheiro para fazer. E minha filha, Aline Corrêa, se elegeu porque Paulo Maluf e Celso Russomano fizeram uma votação imensa, da maneira como fez o Enéas, e ela teve 11 mil votos e se elegeu Deputada Federal por São Paulo. Na segunda eleição, ela teve 90 mil votos — saindo de 11 mil para 90 mil votos — pelo trabalho dela. Ela foi Deputada por dois mandatos. Desistiu de sua vida pública, apesar de ter sido escolhida uma das melhores Deputadas da Legislatura passada; apesar de ela ter sido escolhida, ela desistiu da vida pública em função do que aconteceu comigo. Ela deixou a vida pública. (Pedro da Silva Correa de oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

O depoente se manifestou também a respeito das perguntas sobre Alberto Youssef e sobre a delação Premiada de Paulo Roberto Costa, salientando que iria contestá-la, por não serem verídicas as citações feitas a si, e explica suas razões:

O Deputado José Janene era do meu partido, foi meu Líder na Câmara. Eu era Segundo-Vice- Presidente do partido e ele era o Líder. (...) Eu o conheci bem (Deputado José Janene) e acho que ele era um Deputado muito combativo, que falava mal do Ministério Público, era brigado pessoalmente com esse Juiz Sérgio Moro, o Dr. Sérgio Moro, e era um Deputado que, pelo menos pelas notícias que eu tenho de empresários, cobrava, como tesoureiro do partido, com 291

violência, com veemência a participação desse empresariado para o financiamento das campanhas eleitorais. Eu conheci o Sr. Alberto Youssef num aniversário do Deputado Janene em Londrina. Não lembro em que ano foi isso, mas deve ter sido depois de 2005, 2006, por aí. (...) A respeito da delação premiada de Paulo Roberto costa de que ele havia recebido R$ 5,3 milhões: Veja como o Sr. Paulo Roberto Costa estava enganado. Eu não sou Parlamentar desde 2006. Eu fui cassado pela Câmara dos Deputados em 2006. Então, eu teria obrigatoriamente de passar 8 anos sem poder disputar eleição. De 2006 para 2010, são 4 anos. Então, como é que eu poderia receber 5 milhões e 300 para a minha eleição se eu não fui candidato, se eu não era Parlamentar, se eu não votava com o Governo, se eu não tinha nenhuma influência na Câmara dos Deputados? (...) É evidente que sim (contestar a delação de Paulo Roberto), porque ele diz que eu sou o Parlamentar que dava o dinheiro para manter o diretor nas votações do Governo, nas votações do Congresso, em favor do Governo, para manter os diretores, e eu sequer era Deputado e não poderia nem ser candidato a Deputado — e recebi 5 milhões e 300 para a minha eleição? (...) Eu nunca recebi dinheiro ilegal do Sr. Youssef. (...) É que o Sr. Youssef, talvez, queira diminuir a sua pena, diminuir os seus problemas, até porque o que eu sei é que esses depoimentos dele são todos controversos, inclusive há um desacordo até entre ele e o Sr. Paulo Roberto Costa. Então, eu tenho notícias disso. Notícias dos jornais, muito pouco, porque eu estava preso. Eu lia somente o Jornal do Commercio, em Pernambuco, e via na televisão a Globo e o SBT, porque não tinha outro canal na cidade de Canhotinho. Eu não assistia televisão, porque só tinha a Globo e o SBT. Não via a Record, não via nenhum outro tipo. Não via a Globo News, não via nada. Então, eu não tinha informação. Eu estava preso. Preso. Então, eu não tinha informação. Não ouvia rádio, nem ouvia nada disso, nem recebia jornal. (Pedro da Silva Correa de oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Pedro Correa, ao ser questionado pelo deputado Ivan Valente (PSOL) se tinha influência (mesmo preso) na política brasileira, negou veementemente tal afirmação. E fez um longo discurso a respeito da influência de alguns políticos na política brasileira. Pedro Correa faz uma comparação entre Lula e ex-presidente Getúlio Vargas, por considerá-los políticos que têm uma considerável influência sobre a população brasileira.

(...) Como é que eu continuo influente? O senhor (Deputado Ivan Valente) sabe o que é política, sabe que político sem mandato... Até se faz uma brincadeira dizendo que político sem mandato é não sei o quê sem cama. Então, o que político sem mandato vale? (...) Qual é a influência hoje dele (Lula) se querem botá-lo na cadeia? Agora não têm coragem. Ninguém tem coragem de botar ele na cadeia, porque, eu tenho certeza de que, aí sim, vai existir o que aconteceu na época de Getúlio, quando ele deu um tiro no peito e o povo saiu pelas ruas, com pau, com panela, com tudo, para quebrar as coisas, quebrar o Tribuna da Imprensa... (...) Eu diria que eu falei num político importante, como falei em Fernando

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Henrique Cardoso, como falei em Lula, que são ex-Presidentes da República, passaram 8 anos governando o País. É diferente de mim que fui Deputado Federal somente, não cheguei nem a Ministro de Estado. Então, eu estou fora há 9 anos. (...) desde 2006 eu não faço mais política partidária. Eu não sou filiado ao PP, eu não sou membro da Executiva. Então, eu não posso responder pelo que fez o Presidente Francisco Dornelles, pelo que fez o Presidente Ciro Nogueira. Eu não participo das reuniões da Executiva do partido. Não sei o que está havendo. Eu sei do que eu fiz até 2006, quando eu era Presidente do partido. Mas, daí para frente, eu não participo de nada. Eu ia à Câmara raramente, para ir ver a minha situação de seguro de Caixa Econômica (...) Como todo Governo, como todo Presidente da República num Estado democrático, ele [Lula] procura nomear aqueles que acha melhor qualificados e procura, então, com que os partidos possam assumir a nomeação para que possam participar e dar sustentação à base aliada do Governo. Então, o Presidente Lula, depois de achar que o Paulo Roberto Costa devia ser o Diretor de Abastecimento, disse que ele ficaria na cota de autoridades que poderiam ter a chancela do Partido Progressista. (...) A partir de 2004, segundo eu li na delação da PETROBRAS, não começou esse esquema, porque, de 2004 a 2006, não tinha nenhuma obra. Só começou a partir de 2006, depois que eu deixei de ser Deputado. (Pedro da Silva Correa de oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Em relação ao assunto “doação de campanhas”, Pedro Correa defendeu os partidos que receberam doações de empresas, alegando que essa é uma prática legal.

(...) Então, eu acho que o partido não pode ser o criminoso, e sim quem doou. Se fez isso, ele doou de maneira ilegal, mas o partido recebeu dentro da forma da lei, dentro do que a lei previa como doação partidária (...)Todos os partidos do Brasil recebem dessa maneira (...) Nós (PP) votamos sempre a favor da reforma tributária, a favor da reforma previdenciária, votamos sempre a favor da reforma trabalhista e o PT votava contra. E quando Governo, o PT teve que tomar outra posição, porque sabia que se não fosse feita essa reforma, o País ia quebrar. Então, o PT foi que, inclusive, trocou de posição. O PT começou a governar com uma minoria muito pequena, e a gente sabe que nenhum governo vai governar o País sem que tenha, pelo menos, uma maioria que dê tranquilidade no Congresso para poder governar. O PT foi atrás, então, dos partidos para formar uma base aliada que pudesse governar o País. (Pedro da Silva Correa de oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Além de defender a doação de campanhas por empresas, Pedro Correa utilizou o tempo que dispunha na reunião e falou sobre como funcionava a indicação de políticos nos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luís Inácio Lula da Silva:

(...) No Governo Fernando Henrique, nós indicamos o Deputado Dorneles para ser Ministro da Indústria e Comércio e indicamos o Deputado Francisco Turra para ser Ministro da

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Agricultura. E, depois, na substituição de Francisco Turra, indicamos o ex-Deputado que foi Ministro também do Governo Castello e depois foi Presidente de negócio da carne. É o... Famoso, da agricultura, o Pratini de Moraes, do Governo de Fernando Henrique Cardoso, foi a bancada que indicou (...) Indicamos também para delegados, cargos em estatais, cargos no IBAMA, cargo na Delegacia do Trabalho nos Estados e os cargos naturais. Os Parlamentares da base aliada comumente fazem isso desde a época do ex-Presidente Figueiredo (...) Eu Era Deputado em 1978. A primeira vez em que eu me elegi foi em 1978 e, em 1979, eu indiquei, naquela época, a Superintendência do INAMPS, em Pernambuco. Ministro era Jair Soares, e eu indiquei, eu indiquei não — com o apoio da bancada, mas por indicação minha —, a bancada indicou o INSS, o INPS, o INAMPS, a LBA, uma série de... No Governo de João Figueiredo, na abertura política, no processo de abertura política. Então, tem sido uma coisa natural, como tem sido assim nos governos. V.Exa. é do Rio de Janeiro e sabe que é assim. Os governos, para constituir a maioria, como V.Exa.... O Deputado Imbassahy é da Bahia e sabe que os Deputados indicam os cargos, e os Deputados da base aliada indicam os cargos de governo. E existe muito uma coisa: o político indica e o Governo demite. Se o sujeito presta, o Governo mantém; se não presta, demite e depois indica outro. (...) nós tínhamos, no Governo do Fernando Henrique, dois Ministérios. Nos 8 anos de Fernando Henrique, o Delegado do Ministério do Trabalho, em Pernambuco, era uma pessoa indicada por mim, como também o Delegado do Ministério das Comunicações. Então, eu tinha essas duas pessoas. E no início do Governo Lula, todo esse pessoal foi afastado. Então, nós ficamos de manter essas conversações e começamos, então, a conversar isso com o José Genoíno. Ele era o Presidente do partido, e passamos a conversar com José Genoíno. Depois, então, levamos as nossas propostas, as nossas conversas ao Ministro José Dirceu. Evidentemente, que nós queríamos manter o que tínhamos no Governo Fernando Henrique, que eram dois Ministérios, e o Presidente Lula não pôde atender a esse pleito. Então, ele nos deu a TBG, deu um cargo na ANVISA, deu um cargo no Ministério da Saúde, uns cargos menores, e alguns cargos nos Estados. Não dava, evidentemente, na Delegacia do Trabalho, porque tinha que ser do PT, era um compromisso. Então, nós ficamos sem Ministério durante 2 anos, até que o Presidente Lula atendeu o partido e colocou lá o executivo, que era o executivo do Ministério da Indústria e Comércio. O Ministro era aquele da Sadia. Como é o nome dele? Aquele que era o Presidente da Sadia. Bom, era ele o executivo e foi nomeado Ministro das Cidades. Ele era um técnico e foi nomeado Ministro das Cidades. Era o Secretário Executivo, que ficou até bem pouco tempo no Governo, que era o Presidente da Olimpíada no País. Foi isso que aconteceu. Nós conversamos e, então, fomos nos entendendo. Devagarzinho, nós fomos retomando alguns postos com o compromisso de evidentemente apoiar o Governo (...) os Ministérios com orçamento gordo, querem indicar as diretorias da PETROBRAS, diretoria do Banco do Brasil, diretoria da Caixa Econômica, querem indicar diretoria do DNIT, querem indicar IBAMA, querem indicar DNOCS, querem indicar...? Por que querem fazer isso? Certamente porque querem fazer favor aos empresários, para que, na eleição, possam ter caixa para fazer essa eleição. Então, é importante que a gente faça uma modificação disso, porque eu disputei oito eleições partidárias e sei o quanto custa uma eleição e sei o seguinte mais: que, se a gente for ver a conta corrente dos Parlamentares, todos eles sequer têm cheque especial, porque hoje não têm condição de manter o cheque especial.(...) Hoje não. Hoje, se você não tiver uma Igreja — volto a dizer isso —, se você não tiver uma Igreja, se você não tiver uma representação de alguma coisa, você não chega mais ao Congresso Nacional, a não ser quem já tem mandato parlamentar e que tem um trabalho muito grande em favor de seu 294

Estado e do País (...) nenhum partido é diferente, até porque as eleições são todas iguais, são todas iguais, são todas iguais. Se a pessoa não tem um governo do Estado por trás, uma secretaria de governo, se não tem uma Igreja por trás, se não tem uma estrutura partidária muito forte por trás, se não tem... Ele, para se eleger, ele sabe quanto custa, sabe o que custa isso. Se você não é famoso e não tem um recall, você sabe o quanto custa uma eleição. Todo mundo sabe. E lá no Nordeste, a senhora [Deputada Eliziane Gama] é do Maranhão e sabe como é que é feita a eleição lá no Nordeste, sobretudo no seu Estado, que é um Estado realmente onde as oligarquias mandaram durante muitos anos (Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

O longo discurso de Pedro Correa sobre a indicação de políticos em altos cargos do governo se distanciou dos reais objetivos da CPI. Além disso, o depoente continuou argumentando sobre a influência de Lula no Brasil e como se sentia injustiçado pelo Supremo Tribunal Federal. Na verdade, foi uma miscelânea de argumentos que se distanciavam cada vez mais da investigação sobre a corrupção na Petrobrás.

(...) Eu quero dizer que todos os dias que eu vejo as notícias da revista Veja, do jornal, fala-se no Presidente Lula, que ele é responsável. Querem atingir a Presidente Dilma. Querem atingir o Presidente Lula. Todo dia se fala isso. Então, se eu tivesse uma bolinha de cristal, certamente não estaria aqui. Mas eu acho que, na minha avaliação pessoal — sou um camarada que estou fora de política desde 2006, estou 9 anos fora de política —, realmente a prisão dele seria uma catástrofe para este País. Pelo que eu conheço da minha região, o Nordeste, e pelo que eu andei pelas casas daquele povo pobre, quando a gente chega lá encontra um retrato do Padrinho Padre Ciço e junto um retrato de Lula e de Miguel Arraes. É uma coisa complicada. E é um discurso difícil de a gente enfrentar. Colocar o rico contra o pobre é uma coisa difícil de enfrentar. Eu fui adversário de Miguel Arraes e sei o que eu sofri na vida. (Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

(...) Durante o mensalão, as pessoas, os personagens eram o Sr. Marcos Valério, eram outras personagens que não o Sr. Alberto Youssef nem o Paulo Roberto Costa. Era o Sr. Marcos Valério, de quem eu nunca tinha ouvido nem falar. Eu conheci esse Marcos Valério no depoimento na CPI do Mensalão. Foi quando eu o vi pela primeira vez. E eu quebrei todo o sigilo fiscal meu, de minha mulher, de meus três filhos, de minha nora, do meu genro, dos meus dois genros, da minha mãe, do meu irmão, e não encontraram nada, e eu fui condenado a 7 anos e 2 meses, e estou preso (...) Eu não era mais Deputado quando fui denunciado. Eu fui cassado em 2006. Eu fui denunciado pela Procuradoria-Geral em 2007 e fui condenado em 2013. Evidentemente que é uma injustiça grande. Foram condutas diferentes do Supremo Tribunal em relação a quem tinha foro privilegiado e a quem não tinha foro privilegiado (...)

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Então, eu confio na Justiça, mesmo depois de um julgamento onde eu fui julgado apenas por uma única Corte — eu não era mais Deputado. (...) Eu tinha sido cassado em 2006. Fui condenado em 2013 pelo Supremo Tribunal Federal sem ter direito a ser julgado, pelo menos como manda a Constituição, por duas cortes jurisdicionais. Eu não fui julgado desse jeito. E eu tenho certeza de que isso vai ser analisado ainda pela Comissão de Direitos Humanos, lá de Washington, que vai representar junto ao Pacto de San José. (Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Mas, em seguida ao seu depoimento, retificou:

(...) Eu até queria fazer aqui só uma retificação daquilo que eu disse. Eu quero dizer que eu continuo confiando no Supremo, no Supremo Tribunal Federal, a mais Alta Corte do País. Embora eu tenha sido condenado de maneira, eu acho, equivocada, e o Supremo já admite isso, eu quero — se eu disse alguma coisa, se eu fiz alguma afronta ao Supremo — aqui me penitenciar, porque nem ao Supremo, nem ao Governo da Presidente, nem às Assembleias Legislativas, nem ao Congresso Nacional, eu, em nenhum momento, já deixei muito claro, vou falar mal de qualquer uma dessas instituições do País. Eu não falarei mal jamais nem dos funcionários da Câmara, nem dos funcionários do Senado, nem dos funcionários federais. Eu tenho por eles o maior respeito e tenho por eles e pelos funcionários da Justiça o maior respeito e tenho, sim, muito orgulho de o meu País estar vivendo um regime pleno de democracia, porque eu vivi também o período da ditadura. Eu quero, então, se eu fiz alguma grosseria com o Supremo ou com qualquer outro órgão do País, me desculpar (...) Bom, eu quero dizer que, apesar de ter sito condenado no mensalão, eu confio na Justiça do meu País. Eu acredito que eu sou inocente nessa Operação Lava-Jato. (Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

O depoimento de Pedro Correa parece não ter tido muita relação com os objetivos da CPI da Petrobrás, que era investigar os atos de corrupção naquela empresa. Conquanto o depoente tivesse se manifestado verbalmente durante grande parte de seu depoimento, explicando, a seu modo, o Sistema Político Brasileiro, as indicações que eram feitas pelos partidos para altos cargos no governo, sua trajetória política e suas opiniões a respeito do ex-presidente Lula, dentre outras coisas, quando lhe foi perguntado sobre a nomeação de Paulo Roberto Costa à diretoria da Petrobrás, Pedro Correa se justificou da seguinte maneira:

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(...) eu estou com 67 anos, sou diabético, tenho insuficiência renal, tenho ureia alta, então, eu tenho uma série de problemas e não me lembro mais, não tenho a memória que eu tinha há 10 anos atrás. (Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto - 18ª reunião CPI/Petrobrás).

Percebe-se, assim, que, mesmo tendo o direito Constitucional de permanecer em silêncio, conforme discutido neste capítulo, os depoentes, sobretudo os ex- parlamentares que utilizaram deste recurso, o fizeram estrategicamente. Em vários momentos, eles se pronunciaram para justificar seus atos, para fazer discurso político ou para se defender, mas as perguntas que eram relativas ao processo de corrupção na Petrobrás foram justificadas pelo direito constitucional de permanecerem calados.

. José Dirceu de Oliveira e Silva

A pedido da sua defesa, o depoimento de José Dirceu de Oliveira e Silva foi o primeiro depoimento do dia 31/5/2015. O depoimento aconteceu no Foro da Seção Judiciária do Paraná, e o ex-ministro foi ouvido na qualidade de investigado. Foram- lhe garantidos todos os direitos constitucionais inerentes à sua condição, inclusive o de permanecer em silêncio e ser assistido pelo seu defensor. O Presidente Hugo Motta afirmou a José Dirceu, antes de lhe conceder os 20 minutos para falar livremente aos parlamentares, conforme as normas estabelecidas no Regimento Interno da Casa, que sua colaboração para elucidar os fatos teria efeito nas conclusões daquela CPI e que poderia atrair para o depoente outros benefícios que a lei lhe garantia. O depoente José Dirceu não utilizou o tempo que lhe foi concedido para fazer sua defesa e, durante todo o seu depoimento, suas respostas às perguntas dos parlamentares foi: “Seguindo a orientação do meu advogado, vou permanecer em silêncio” (46ª reunião CPI- Petrobrás). Após quatro perguntas (V.Sa. efetivamente prestou serviço de consultoria a alguma das empresas investigadas pela Operação Lava-Jato? / Quais eram os serviços prestados? Resumia-se à prospecção de novos clientes? / Quais provas V.Sa. teria para confirmar os serviços realizados?) questionadas pelo relator Luiz Sérgio (PT), sem qua

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fossem respondidas pelo depoente, o relator lhe perguntou: “V.Sa. permanecerá em silêncio diante de todas as perguntas ou, dependendo da pergunta formulada, V.Sa. fará a opção de responder?” Jose Dirceu lhe respondeu: “De todas as perguntas” (46ª reunião CPI- Petrobrás). Diante dessa afirmação, o relator disse que se “dava por satisfeito” e encerrou as perguntas. O presidente Hugo Motta (PMDB) insistiu com o depoente para que ele respondesse e lhe propôs participar de uma reunião reservada, sem a presença da imprensa, salientando que ele, enquanto presidente, teria poderes para isso. Entretanto, mesmo com esta proposta, o depoente afirmou que não responderia a nenhuma pergunta. A deputada Maria do Rosário (PT) fez um discurso que pareceu ir a defesa do depoente José Dirceu e não lhe fez nenhuma pergunta em relação ao seu envolvimento na corrupção na Petrobrás. Usou seu tempo para afirmar:

(...) Então, eu venho aqui, em verdade, para dizer isso e exigir, inclusive, que aquela pessoa que está hoje em investigação, que tem o direito constitucional de permanecer calada nesta reunião, seja ouvida por quem precisa ser ouvida neste momento em que está presa, que é pela polícia, em primeiro lugar (Deputada Maria do Rosário – PT- 46ª reunião CPI- Petrobrás).

As palavras da deputada contribuíram para incentivar o depoente a usar de seu direito constitucional de permanecer em silêncio, embora a CPI tivesse um papel a cumprir, que seria investigar a corrupção na Petrobrás.

. Jorge Luiz Zelada

O ex-diretor da Área Internacional da Petrobrás, Jorge Luiz Zelada, foi ouvido no dia 31/8/2015, no Foro da Seção Judiciária do Paraná, na qualidade de investigado, sendo-lhe garantidos todos os direitos constitucionais inerentes à sua condição, inclusive o de permanecer em silêncio e ser assistido por seu defensor. O depoimento de Jorge Luiz Zelada foi o último a ser efetivado. Antes dele, foram ouvidos também

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José Dirceu de Oliveira e Silva, João Antonio Bernardi Filho, Otávio Marques de Azevedo e Elton Negrão de Azevedo. Jorge Luiz Zelada não utilizou os 20 minutos que foram concedidos para o depoente poder expressar sua defesa e afirmou aos deputados que permaneceria em silêncio, durante toda a oitava, e que não responderia a nenhuma pergunta. “Eu, por orientação da minha defesa, vou me resguardar, no direito de ficar em silêncio nesta oitiva” (Jorge Luiz Zelada, 46ª reunião CPI- Petrobrás). O depoente não respondeu a nenhuma pergunta, mesmo as mais elementares como, por exemplo, sobre sua formação acadêmica. Os deputados seguiram fazendo as perguntas, e a resposta de Jorge Luiz Zelada para todas foi: “Vou permanecer em silêncio, Excelência”. Ressalta-se que, logo no inicio de seu depoimento, houve uma discussão entre o deputado Bruno Covas (PSDB) e a deputada Maria do Rosário (PT). O motivo do desentendimento foi sobre a doação privada para campanhas eleitorais. Um assunto, que naquele momento, não contribuía para as investigações. O depoente Jorge Luiz Zelada permaneceu em silêncio, durante todo seu depoimento. Todos os depoimentos na CPI da Petrobrás não avançaram no sentido de fornecerem pistas concretas em direção aos culpados e não contribuíram para que a investigação pudesse avançar. Muitos depoentes ficaram em silêncio na CPI porque já estavam sendo investigados na Justiça. Os depoimentos de todos os analisados neste trabalho não trouxeram fatos novos, pois, além de repetirem o que estava nas delações premiadas, se calaram diante das perguntas com as quais não queriam se comprometer.

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Considerações Finais

Tendo em vista o envolvimento de autoridades políticas no escândalo da corrupção da Petrobrás, esta pesquisa teve como objetivo analisar como a corrupção, entendida como desobediência às leis, mina a legitimidade dos parlamentares e das instituições políticas no Brasil. A corrupção, quando praticada por agentes políticos, que são representantes legítimos do Estado, contribui para diminuir a confiança dos cidadãos nas autoridades políticas e influencia na legitimidade das instituições. A legitimidade é a capacidade de um sistema político de gerar e manter a crença de que as instituições políticas são apropriadas e adequadas para a sociedade. Portanto, nesta tese, entendemos o conceito de legitimidade como o valor interno que leva as pessoas a obedecerem às regras e às leis, porque sentem que as autoridades que ditam tais regras são corretas, desejáveis e apropriadas (SUCHMAN, 1995). As pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e as da Datafolha apontam uma diminuição significativa da confiança nas instituições políticas brasileiras, nos últimos três anos, principalmente em relação aos Partidos Políticos, ao Congresso Nacional e ao Governo Federal, conforme descrevemos em capítulos anteriores. As mesmas pesquisas também revelaram que grande parte dos cidadãos (89%) desobedece às leis. Vieira (2007) afirma que há um “incentivo” para que os cidadãos realizem seus objetivos à margem da lei no Brasil, pois, já que o Parlamento não obedece às leis, os cidadãos também não encontram razões para obedecê-las. Esse ponto de vista é compartilhado por vários autores, principalmente por pesquisadores americanos (LEVI, TYLER e SACKS, 2008; TYLER, 2006; SUNSHINE e TYLER, 2003, etc.) que concluíram, em suas pesquisas, que existem evidências de que a competência administrativa e o desempenho do governo estão relacionados à percepção de que estas autoridades têm legitimidade e devem ser obedecidas. Em sociedades onde existe tal percepção, os cidadãos tendem a obecedecer às leis e, quando se percebe que as autoridades políticas desempenham mal suas funções e não se comportam apropriadamente, os cidadãos, frequentemente, não obedecem às leis. (TYLER, 2006). 300

A erosão da confiança no sistema representativo é um fenômeno que atinge várias sociedades democráticas. Embora a democracia mantenha o estatuto de melhor forma de regime existente para a organização e o funcionamento da vida política dos vários países, a perda de credibilidade no Parlamento, nos partidos e nos políticos em geral é uma tendência crescente, tanto no Brasil como na América Latina. Dentre as razões dessa falta de confiança e descrédito, está a consciência de que as instituições são ineficientes para responder às demandas da sociedade e de que as motivações de grande parte dos políticos são meramente individuais e egoístas. Estas são as principais críticas dos cidadãos. Atualmente, o Brasil vive uma crise política e econômica de proporções históricas sem precedentes, e muitos fatores influenciam o sentimento dos cidadãos em relação às autoridades públicas, principalmente aos parlamentares e ao executivo. Não há dúvidas de que a situação econômica é uma variável importante, pois o desemprego, a inflação e a queda do poder de compra afetam diretamente a vida dos indivíduos e aumentam o descrédito em relação à política, uma vez que a economia é afetada pela desordem política. Essa crise começou em 2013, momento em que a população saiu às ruas das principais cidades do país, pedindo por mudanças e pelo fim da corrupção. O futebol, considerado uma paixão nacional, não foi suficiente para acalmar o sentimento de insatifação dos brasileiros, quando houve a Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014. A construção de estádios de futebol em cidades sem tradição de futebol como Manaus, Brasília e Cuiabá e com um custo alto para o governo contribuíram para aumentar a desconfiança nas ações do governo, sobretuto no que diz respeito à corrupção. A Organização Não Governamental Transparência Internacional265 ,sediada em Berlim, promoveu uma pesquisa pela internet em 2016 e verificou que a corrupção na Petrobrás foi eleita como o segundo maior caso de corrupção do mundo.

265 A lista dos maiores casos de corrupção no mundo: 1) Ex-presidente da Ucrânia Viktor Yanukovych (13.210 votos); 2) Petrobrás (11.900 votos); 3) Ricardo Martinelli, ex-presidente do Panamá (10.166 votos); 4) Felix Bautista, senador dominicano (9.786 votos); 5) Fifa (1.844 votos); 6) Sistema político do Líbano (606 votos); 7) Akhmad Kadyrov Foundation (194 votos); 8) Zine al-Abidine Bem Ali, ex-ditador da Tunísia entre 1987 e 2011 (152 votos); 9) Estado americano de Delaware (107 votos). Disponível em: http://www.transparency.org/. Acesso em: 16/5/2016. 301

O escândalo da corrupção na Petrobrás deflagrado pela Operação Lava Jato e veiculado diariamente pela mídia afetou a confiança dos investidores do mundo em todo o mercado brasileiro. Entretanto, os efeitos da corrupção não caem apenas sobre o desempenho das instituições econômicas, mas também gera desconfiança nas instituições públicas e nos agentes políticos. As denúncias de corrupção que atingem partidos, parlamentares e o poder público, colocam as instituições representativas e o funcionamento do Estado brasileiro em desmoralização diante da opinião pública. O escândalo da corrupção também mudou o ponto de vista dos brasileiros em relação à corrupção, que passou a ser percebida como o principal problema do Brasil, de acordo com a pesquisa da Data Folha, realizada em 2015. Ao mesmo tempo que a Operação Lava Jato alcançou os poderosos, os empresários, banqueiros e agentes políticos, dando esperança para os cidadãos brasileiros de que a justiça funcionava também para os ricos de “colarinho branco”, o fato de os agentes políticos (deputados, senadores e ex-presidente) estarem envolvidos no esquema de corrupção na Petrobrás desmoralizou a política, e a desconfiança nos governantes aumentou consideravelmente. A abertura de investigação pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos sobre os desvios na Petrobrás agravou a situação da empresa no exterior e consolidou a investigação já deflagrada no Brasil, tornando a investigação mais blindada a manobras políticas. A corrupção na Petrobrás fomentou a criação de duas CPIs. A primeira foi a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), realizada em 2014. Formada por representantes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, com o objetivo de investigar irregularidades envolvendo a empresa, a CPMI não apresentou resultados novos e sugeriu que o Ministério Público aprofundasse as investigações. Em 2015, foi criada uma nova CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) pela Câmara dos Deputados, com o objetivo de investigar a corrupção na Petrobrás. As primeiras reuniões da CPI foram marcadas por problemas e promessas de ser uma CPI diferente da CPMI, de ser eficaz e de conseguir chegar aos culpados pela corrupção na Petrobrás. Mas, ao longo das reuniões, as promessas foram se dissolvendo em meio a conflitos das mais diversas ordens. O assunto que fomentou muita discussão no início da CPI foi a escolha do presidente e relator. Por um lado, deputados afirmavam que

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seriam ilegítimos para ocuparem os referidos cargos da CPI aqueles que tivessem recebido financiamento de campanhas de empresas investigadas na Operação Lava Jato; e de outro lado, deputados apoiavam essa nomeação, por entenderem que o financiamento de campanhas por empresas teriam âmbito legal. Portanto, a comissão já começou sob suspeição, quando o Deputado Luiz Sérgio foi eleito para a relatoria. Este deputado havia recebido doações de empresas envolvidas na Lava Jato; estaria, pois, segundo o Código de Ética e Decoro da casa, impedido de relatar qualquer matéria envolvendo as companhias. O Presidente da Comissão, deputado Hugo Motta, foi apontado para o cargo da CPI pelo Presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha, que naquela época já havia sido citado em delação premiada na Operação Lava Jato. Além disso, ao menos 15 outros integrantes da CPI também tiveram campanhas financiadas pelas construtoras. Outro assunto polêmico foi a decisão de não convocar os políticos envolvidos em corrupção e apontados pela Operação Lava Jato para depor. E mais: as reuniões foram marcadas por discussões e conflitos entre os partidos que, constantemente, se distanciavam do objetivo da CPI, que era o de investigar a corrupção. A CPI contratou a empresa Kroll (empresa condenada em 2009 pela justiça brasileira por quebrar sigilo de executivos e comandar um esquema de espionagem no País) para investigar as contas no exterior, e o resultado das investigações teve que ficar em sigilo até 2020, determinado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos deputados naquele momento, foi recebido na CPI com “tapete vermelho” pela maioria dos deputados membros, ou seja, foi muito elogiado pela sua disponibilidade de prestar depoimento “espontâneo” e colaborar com as investigações. Isto é, ao invés de questioná-lo sobre detalhes de sua suposta atuação no caso, a maioria dos parlamentares o “aplaudiu” e defendeu. O parlamentar, que estava sendo investigado pela Operação Lava Jato, usou seu tempo para atacar o Executivo e criticar a inclusão de seu nome na lista do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. Nas ruas, já havia manifestações que ilustravam a profunda insatisfação dos cidadãos contra o parlamentar. Eduardo Cunha utilizou o Regimento Interno da Câmara dos Deputados para favorecer suas posições políticas e fez todas as manobras possíveis para não ser julgado pelo Conselho de Ética. O afastamento de suas funções

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na Câmara só aconteceu depois da intervenção dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em maio de 2016. Pelo exposto, sua presença nas reuniões da CPI colaborou para aumentar o descrédito e a desmoralização desta Comissão perante os cidadãos brasileiros. No relatório final da Comissão, há críticas à Operação Lava Jato, questionando a quantidade de delações premiadas realizadas por aquela investigação. E também foi uma oportunidade para se criticar a lei da Delação Premiada, sugerindo alterações a fim de impedir a homologação de delação feita por réu que estivesse preso. Além disso, foi proposto que se criassem leis anticorrupção, apesar de elas já existirem no Congresso, sem nunca terem sido aprovadas pelo legislativo. Cumpre lembrar que o projeto de lei do Ministério Público Federal que engloba as dez medidas de combate à corrupção (tornam crime o enriquecimento ilícito de servidor público, endurecem a punição de corrupção e reduzem o número de recursos que possam atrasar o julgamento de crimes de colarinho branco, entre outros pontos), assinadas por mais de 2 milhões de brasileiros, permanece intacto na gaveta da Presidência da Câmara desde 29 de março de 2016, à espera da assinatura do presidente interino da casa, Waldir Maranhão (PP), que, por sua vez, responde a três inquéritos criminais no Supremo Tribunal Federal por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Mesmo ouvindo várias pessoas e recolhendo inúmeros indícios, os membros da comissão não estavam preocupados em responsabilizar seus colegas. Houve uma vontade explícita de se protegerem e concentrarem os embates em torno do Executivo. Apesar do acúmulo de provas e depoimentos, a comissão concluiu o relatório sem indiciar nenhum político, alegando que os parlamentares suspeitos de envolvimento no esquema teriam que ser investigados e julgados no foro competente, ou seja, no Supremo Tribunal Federal. O resultado, obtido após oito meses de investigações, abriu espaço para o questionamento sobre o sentido da CPI, criada inicialmente para “tirar a limpo” os esquemas de corrupção na estatal, mas que se revelou um ambiente de disputas partidárias e interesses políticos. As CPIs são instrumentos políticos benéficos à sociedade e cumprem a função de informar possíveis irregularidades com o dinheiro público. Os poderes investigatórios da CPI são os mesmos conferidos aos magistrados no curso da instrução penal, observadas as mesmas restrições constitucionais impostas ao

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Judiciário. A oitiva de testemunhas, incluindo a possibilidade de sua condução coercitiva, é uma das formas de obtenção de um resultado produtivo de interesse da sociedade. A CPI da Petrobrás, ao invés de servir como um instrumento eficaz, capaz de elucidar desvios e fortalecer a imagem do Legislativo perante a sociedade, evidenciou os interesses que orientam a agenda política brasileira. O que se evidenciou nas reuniões é que a CPI foi criada para dar holofote aos políticos que tentam se promover e colocou as disputas eleitorais acima do que a sociedade esperava naquele momento. A forte polarização que acomete o governo e a oposição, diante da crise atual, ditou o ritmo da CPI, que se tornou uma arena de interesses personalistas e manifestações egocêntricas, um microcosmo da crise política atual. Embora a CPI tenha sido marcada por um ambiente de conflitos e disputas partidárias entre os membros, foi nesse ambiente que os investigados e testemunhas realizaram seus depoimentos. O direito ao silêncio foi replicado por alguns depoentes convocados pela comissão e evidenciou as dificuldades da CPI e a incapacidade dos parlamentares de colherem informações relevantes sobre o escândalo de corrupção da Petrobrás. Assim, apesar de as CPIs serem instrumentos poderosos de mudança na política brasileira, a da Petrobrás não cumpriu o seu papel de investigar, houve espetáculos lamentáveis e se transformou em um jogo de interesses políticos que demonstraram a paralisia do Parlamento e a crise da instituição. A CPI da Petrobrás aumentou o descrédito na classe política e contribuiu para a deslegitimação do Legislativo diante da sociedade. Foi neste ambiente, portanto, que os depoimentos aconteceram. A CPI abdicou de todos os direitos jurídicos sobre o processo e, como um microcosmo da crise do legislativo, era percebida pelos depoentes como irrelevante em face do Judiciário. E isso é observado na forma como os depoentes falaram, ou não falaram, e no relatório final da CPI, que não apontou nenhum culpado, momento em que o presidente Hugo Motta justificou, dizendo que “A CPI é o instrumento de investigação que tem menos recursos para avançar no que diz respeito a produzir positivamente e trazer novidades à investigação dos nossos trabalhos” (57ª reunião da CPI/Petrobrás). Tal situação mostra a fragilidade dos parlamentares que se sentiram incapazes de

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tornar público o comportamento “ilegal” das autoridades políticas, tanto do legislativo quanto do executivo, mesmo que tivessem de sacrificar a própria legitimidade da CPI. Dos depoimentos analisados, Pedro José Barusco, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef confirmaram o pagamento de propinas que as grandes empreiteiras, organizadas em cartel, pagavam para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. Para os depoentes, a corrupção acontecia desde 1997 de forma isolada. Mas passou a ser considerada como sistêmica, a partir de 2002. Conquanto reconhecessem a corrupção e suas participações no esquema, os três depoentes revelaram não serem os responsáveis pela invenção da corrupção na Petrobrás: “Eu não inventei a corrupção na Petrobrás” (Pedro Barusco); “O que eu posso lhe falar é que eu não comandava isso” (Paulo Roberto Costa); “não sou eu o líder desta organização criminosa” (Alberto Youssef). Os depoentes confirmaram também que a prática da corrupção era normatizada, ou seja, institucionalizada. Quando se fazia um contrato com a empresa, o valor já incluía o pagamento de comissões e de propinas. A divisão da propina ia para o PT, PP e PMDB. O envolvimento com agente político ou representante de agente político era feito no momento da divisão da propina. Paulo Roberto Costa distribuía para o PP e PMDB. E Renato Duque distribuía para o PT. Paulo Roberto Costa também nomeou os políticos envolvidos no esquema de corrupção: Deputado José Janene (falecido), Deputado Mário Negromonte, Senador Ciro Nogueira, Senador Renan Calheiros, Deputado Aníbal Gomes, Senador Romero Jucá, Ministro Edson Lobão, Senador Lindbergh, Senador Humberto Costa e João Vaccari Neto, dentre vários outros nomes de deputados também envolvidos no esquema de corrupção. Tanto Paulo Roberto Costa quanto Alberto Youssef nomearam os políticos envolvidos, mas, mesmo assim, os indicados não foram chamados para depor na CPI. João Vaccari Neto em seu depoimento negou todas as acusações feitas por Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef. Ele afirmou que era inocente em vários momentos e que todas as Delações Premiadas que envolviam seu nome eram mentirosas. Ressaltou em todo seu depoimento que as doações feitas ao PT haviam sido legais, contabilizadas, registradas e as contas, prestadas, no devido período ao Supremo Tribunal Eleitoral.

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Cumpre ressaltar que Paulo Roberto Costa, em vários momentos de seu depoimento, declarou que a culpa da corrupção seria dos maus políticos, que a origem estaria em Brasília e chamou atenção dos parlamentares sobre a responsabilidade em mudar este cenário, pois “eram eles que elaboravam as leis” e, portanto, também eram responsáveis pelo problema da corrupção, porque as empresas pagavam propinas para atender à classe política. Afirmou também que as doações para as campanhas políticas eram dinheiro de propina, e que caberia ao Parlamento mudar isso. O assunto “financiamento de campanhas” foi bastante discutido em todos os depoimentos. Pedro Barusco e Alberto Youssef seguiram na mesma linha de justificativa que Paulo Roberto Costa, ou seja, que as doações para as campanhas eleitorais eram uma forma de propina disfarçada. Na contramão desses argumentos, João Vaccari Neto defendeu o PT e afirmou veementemente que todas as doações haviam sido legalizadas. Embora esse assunto tenha sido criticado em vários momentos, a CPI não ofereceu nenhuma proposta de redefinição sobre a legislação das doações de empresas para as campanhas políticas. Coube ao Supremo Tribunal Federal resolver esse assunto, contribuindo ainda mais para a perda de legitimidade do Parlamento e para o aumento da credibilidade do Judiciário. Outro assunto a ser evidenciado foi a governança da Petrobrás. Para Paulo Roberto Costa e Renato Duque, a governança da Petrobrás era boa, havia muitos controles internos e externos, e os balanços eram auditados. O problema, segundo os depoentes, estava nas pessoas que participavam do esquema, ou seja, neles próprios. Paulo Roberto ressaltou que a corrupção deflagrada pela Operação Lava Jato representava apenas 10% do prejuízo, ressaltando que a defasagem do preço dos derivados do petróleo que o Governo segurara para que pudesse ganhar as eleições é que haviam “afundado” a Petrobrás. Em relação à Delação Premiada, Paulo Roberto Costa considerou que foi a sua delação que ajudou a Lava Jato a avançar, e que, se não fosse por ele, todo o esquema não teria sido descoberto. Por vários momentos, ele julgou muito importante sua participação para ajudar o Brasil a acabar com os corruptos. Pedro Barusco afirmou que delatar e devolver tudo que obteve com o dinheiro da propina era passar uma “régua no passado” e seguir adiante. Dos depoentes que falaram, o único que se

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posicionou contra a delação premiada foi João Vaccari Neto, argumentando que delações não são provas e que eram mentirosas. Pedro Barusco, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef mostraram-se arrependidos pelos atos de corrupção que praticaram, realçando que era um caminho sem volta. Pedro Barusco se sentia aliviado por estar fazendo o repatriamento, Paulo Roberto Costa se mostrou o mais frágil e, por vários momentos, declarou estar arrependido estar sofrendo muito. Além disso, culpou o PP e o Deputado José Janene por tê-lo colocado naquele esquema de corrupção, e que, se pudesse voltar ao passado, não faria novamente, porque não valera a pena pelo sofrimento pelo qual passava naquele momento. “Hoje, a minha vida virou de cabeça para baixo. (...) Abri a minha vida não só para o Brasil, mas para o mundo (...) Eu me arrependo amargamente do que aconteceu (...) A minha família está sofrendo, eu estou sofrendo. Se eu pudesse voltar ao passado, nada disso eu faria (Paulo Roberto Costa). João Vaccari Neto, ao contrário dos demais depoentes, não apresentou nenhum arrependimento, uma vez que se considerava inocente de todas as acusações. Os depoimentos revelaram que existem acordos, negociações entre as autoridades para a desobediência às leis (a corrupção). Lembramos Villegas (2010), quando o autor explica que as elites negociam a aplicação da lei e, para isso, falam com as autoridades correspondentes e acomodam a obediência às próprias necessidades e interesses. Entendemos também, conforme afirmou O´Donnell (1988), que as autoridades (como no caso, Paulo Roberto Costa e Renato Duque) não se consideravam obrigadas a se submeterem às leis que, implicitamente, foram feitas para “os de baixo”. Contudo, há um fator contextual determinante para o destino da obediências às leis. Villegas (2010) refere-se ao grau de presença institucional. Segundo o autor, às vezes, as instituições são fortes e têm a capacidade para impor-se. Podemos dizer que a Operação Lava Jato faz parte dessa “instituição forte” que alcançou e prendeu muitos poderosos; outras vezes, as instituições são instâncias onde se negocia ou se pactua, e é neste caso que podemos incluir o Parlamento e o Executivo. Os depoentes não justificaram em momento algum que a corrupção era cultural. Mas revelaram que a corrupção é sistêmica, por uma desordem em Brasília, na elaboração e na impunidade às leis. Os depoimentos refletiram uma deficiência

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básica do sistema político: a ineficácia do Estado em impor sansões, a falta de legitimidade do poder político e a ausência de uma cultura de legalidade. Isso comprova o que foi defendido por Villegas (2010). Os demais depoentes analisados, Renato de Souza Duque, Nestor Cunãt Cerveró, João Luiz Correia Argôlo dos Santos, André Luiz Vargas Ilário, Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto, Jorge Luiz Zelada e José Dirceu de Oliveira e Silva não responderam às perguntas que poderiam prejudicá-los em seus processos jurídicos, mas utilizaram a prerrogativa do silêncio, de acordo com o artigo 5º da Constituição Federal, como uma forma de defesa. Embora os referidos depoentes tenham utilizado o direito constitucional do silêncio, os ex-deputados federais se pronunciaram em relação às suas trajetórias políticas e aproveitaram o momento para dar explicações aos parlamentares e ao público, fazendo de suas justificativas um meio de mostrar que “eram inocentes”: “eu trabalhei e trabalho muito por minhas bases, pelos meus Municípios que me elegeram Deputado Estadual e Deputado Federal. Fui para a reeleição porque acredito na minha verdade, acredito na minha inocência” (João Luiz Correia Argôlo dos Santos); “Sêneca, grande pensador romano, disse que as grandes injustiças se corrigem com tempo, paciência e silêncio” (André Luiz Vargas); “a única coisa que pode acontecer comigo nesta hora, na CPI, é eu, novamente, ser preso, e seria, em vez de “bipreso”, “tripreso” (Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto). Néstor Cerveró argumentou que havia sido preso “injustamente”: “Agora, estou preso, aguardando um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal quanto ao absurdo da decisão judicial que determinou o meu encarceramento”; Renato Duque utilizou palavras da Bíblia para justificar seu silêncio: “Tem hora de falar e de se calar, essa é a hora de calar”. Jorge Luiz Zelada e José Dirceu de Oliveira e Silva permaneceram em silêncio durante todo o depoimento. Nesses depoimentos, os parlamentares da CPI mostraram mais uma vez que não foram capazes de conduzir as investigações. No momento das declarações dos ex- deputados, sobretudo de Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto, a CPI distanciou-se completamente de seu objetivo e abriu espaço para um discurso político do ex-deputado, que ressaltou os benefícios que conseguira para seu Estado, quando parlamentar, e elogiou a trajetória política de seus filhos (Aline Correa que também é

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acusada de corrupção). Aproveitou o momento também para falar de ex-presidente Lula, de como ele é “adorado” pelas pessoas do Nordeste, chegando a compará-lo com padre Cícero266: “Pelo que eu conheço da minha região, o Nordeste, e pelo que eu andei pelas casas daquele povo pobre, quando a gente chega lá encontra um retrato do Padrinho Padre Ciço e junto um retrato de Lula e de Miguel Arraes”. Criticou o sistema político, explicou como as autoridades são escolhidas para as grandes empresas estatais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional Desenvolvimento Social - BNDS, PETROBRÁS, etc.) e foi claro ao dizer que tudo na política é um jogo de cartas marcadas com interesses personalistas. Todos os depoentes analisados nesta tese foram condenados por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa pela 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, em 2015, com exceção de Alberto Youssef, que foi condenado apenas por lavagem de dinheiro. No Brasil, não apenas os cidadãos desobedecem às leis, conforme observamos nas pesquisas da Fundação Getúlio Vargas, mas o Estado também o faz. Com base nesse fato notório, deriva uma justificativa muito frequente para a desobediência dos cidadãos, de acordo com Villegas (2010). A ideia do senso comum de que a desobediência é uma fatalidade ou algo que a sociedade precisa tolerar, ou seja, que a desobediência às leis é algo cultural que existe no Brasil desde Pedro Álvares Cabral, mudou em 2013. Naquele momento, as pessoas começaram a protestar contra a corrupção e a pedir mudanças. Se, no Brasil, havia uma cultura política do “rouba, mas faz”, a partir dos grandes escândalos de corrupção, isso mudou. Se, por um lado, essa cultura política autorizava roubar, por outro lado, a corrupção ficou sistêmica e minou o Estado, que se transformou num Estado que “rouba, mas não faz”. Em 2013, as pessoas disseram que não queriam mais tal situação, principalmente porque começaram a levar uma vida pior. A insatisfação veio da classe média (que teve de tirar seus filhos de escolas particulares e transferi-los para escolas públicas, além de ter diminuído seu padrão de vida) e da classe baixa que perdeu seus empregos. As pessoas se irritaram e saíram às ruas

266 Cícero Romão Batista foi um sacerdote católico brasileiro. Na devoção popular, é conhecido como Padre Cícero ou Padim Ciço. Obteve grande prestígio e influência sobre a vida social, política e religiosa do Ceará bem como do Nordeste.

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revelando que o “rouba, mas faz” não valia mais no Brasil. Em virtude dos grandes escândalos de corrupção, envolvendo milhões de dólares, a chamada “cultura da corrupção” perdeu força e cedeu lugar para críticas contra o Estado. As denúncias constantes e a vigilância por parte da sociedade são fundamentais para a efetiva batalha contra a corrupção e a impunidade (ROSANVALLON, 2011). Cumpre lembrar que, desde aquele momento, os políticos já eram citados no esquema de corrupção e muitos deles continuaram a exercer suas funções no Governo e no Parlamento. Atualmente, junho de 2016, após o afastamento para impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef, muitas escutas telefônicas têm sido veiculadas pela mídia, propagando conversas entre alguns desses políticos, por exemplo, o Senador Romero Jucá e o Senador Renan Calheiros. Nos áudios, os políticos falam de seu receio de que a Operação Lava Jato os alcance e, para que isso não aconteça, planejam um pacto Nacional para deter os avanços da investigação, e pedem mudanças na Lei da Delação Premiada. Contudo, tais mudanças, por meio das quais um preso não poderia mais delatar, foi uma das conclusões da CPI da Petrobrás, em 2015. Os escândalos de corrupção envolvendo vários dos políticos citados nas delações e confirmados em depoimentos na CPI foram “esquecidos” e agora voltam a ser alvos da mídia por conta das escutas telefônicas. Isso mostra mais uma vez, que o Parlamento não agiu onde deveria agir e que, possivelmente, todos os envolvidos só serão punidos, se o Judiciário interferir267. Com base nos dados colhidos e analisados nesta pesquisa, pode-se concluir que a CPI, apesar de todas as prerrogativas jurídicas que detém, foi realizada por parlamentares que, embora tivessem o poder, não chegaram a fundo nas investigações. Muitas perguntas e comentários não tinham relação com a investigação sobre a corrupção na Petrobrás. A instituição da CPI é legítima, possui poderes. O problema foi a atuação dos parlamentares que a conduziram e que, apesar de ouvir dos próprios depoentes (Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef) os nomes dos políticos envolvidos no esquema, não os chamaram para depor e transferiram a responsabilidade da investigação para o Supremo Tribunal Federal. Dos depoimentos analisados, aqueles que não tinham foro

267 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774018-em-dialogos-gravados-juca- fala-em-pacto-para-deter-avanco-da-lava-jato.shtml. Acesso em 2/6/2016.

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privilegiado pediram desculpas e se mostraram arrependidos. Nenhum dos depoentes disse que a corrupção é cultural, que “no Brasil é assim”, o que demonstra que o problema da desobediência às leis não é cultural, e sim, institucional. A corrupção sistêmica, revelada nos depoimentos e, principalmente, nas Delações Premiadas para a Operação Lava Jato, constitui um forte obstáculo para a democracia no Brasil e se realizou pela ausência de um poder estatal capaz de impor sansões efetivas às práticas corruptas. As leis apresentam dificuldade de se converter em uma razão prevalente na determinação das condutas de agentes públicos, porque existe uma ideia de que a lei não vale para todos. Essa distorção, conforme Villegas (2010) tem sido fruto de um problema estrutural e, também, é uma consequência da fraqueza das instituições para aplicar a lei. A desobediência às leis, principalmente por meio dos atos corruptos dos governantes do País, tem como consequência o aumento da desconfiança dos cidadãos. A confiança implica em percepções sobre a eficácia e senso de justiça de que as instituições funcionem, com base no desempenho que se espera da instituição e dos seus agentes (MOISÉS, 2010). A legitimidade repousa nas avaliações de que “as autoridades políticas cumpram seu papel”, e uma das mais importantes condições antecedentes de legitimidade, conforme postulou Tyler (2006), é a performance dessas autoridades, tendo como base a competência, a moralidade, a responsabilidade, a justiça e o desempenho. Os parlamentares, membros da CPI, não cumpriram estas condições, deslegitimando, assim, a institituição da CPI e, consequentemente, do Parlamento. A autoridade legítima de um parlamentar tem suas raízes na instituição a que pertence, e é esta instituição que é percebida como merecedora de legitimidade. No caso desta tese, a instituição é o Parlamento. A autoridade individual é um atributo restrito à esfera específica das atribuições e competências que são conferidas ao seu titular (parlamentar). Só há legitimidade individual, se o titular (parlamentar) fizer uso dos poderes que lhe são atribuídos nas condições e para as finalidades prévias e claramente definidas (JOST e MAJOR, 2001) e não apenas por ter obtido os votos nas eleições. A essência da legitimidade é que as autoridades políticas façam o que é apropriado (LEVI, TYLER E SACKS, 2008). O que seria apropriado na CPI? Era investigar a corrupção da Petrobrás e atuar onde a 1ª instância (Operação Lava jato)

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não poderia atuar, que seria nos políticos de foro privilegiado. Ao invés de investigá- los, os parlamentares, em nome de seus interesses pessoais e partidários, os blindaram. E transferiu essa competência ao Supremo Tribunal Federal, justificando que seria a instância responsável. Além disso, contrariando o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o Código de Ética Parlamentar e a Constituição Federal, nomeou presidente e relator da CPI parlamentares que haviam recebido financiamento das empresas investigadas. “Nós entendemos como imensamente prejudicial às investigações, em nome da transparência, da ética e da isenção, que pessoas que estão sendo investigadas na Justiça estejam aqui, investigando os próprios delitos que estão para ser investigados” (Deputado Ivan Valente). A própria legitimidade se assenta em avaliar se o Estado está operando de acordo com o Estado de Direito. Isto significa que os cidadãos têm um ideia normativa sobre como as autoridades políticas deveriam estar realizando algo, e então, avalia , objetivamente, se está agindo de acordo com esses critérios normativos de honestidade, responsabilidade e justiça. A confiança reflete o julgamento dos cidadãos de que as autoridades políticas não só cumpram suas promessas, mas também sejam susceptíveís ao cumprimento das leis. O sentimento de confiança dos cidadãos nas autoridades públicas, os parlamentares - pois são os seus representantes diretos, depende da forma como cumprem adequadamente suas funções. Quando isso ocorre, há um sentimento de legitimidade que fortalece e estabiliza as instituições democráticas, no caso desta pesquisa, o próprio Parlamento. Em uma sociedade, quanto mais fortes forem as bases da legitimidade, fundamentada em valores, maior é a obediência às leis. A confiança política é essencial para a legitimidade política em uma democracia, e a queda da confiança nos agentes políticos contribui para diminuir a legitimidade das instituições e, portanto, provocar crises políticas na sociedade. Neste sentido, concluímos que a atuação dos parlamentares na CPI da Petrobrás contribuiu para a desconstrução da legitimidade do Congresso Nacional e, junto com as revelações da Operação Lava Jato, colaborou também para a grave crise política em que foi envolvida a sociedade brasileira a partir de 2014.

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ANEXO

Lista dos políticos envolvidos na corrupção na Petrobrás

Senadores Deputados Renan Calheiros (PMDB-AL) Eduardo Cunha (PMDB-RJ) Simão Sessim (PP-RJ) Gleisi Hoffmann (PT-PR) Vander Loubet (PT-MS) Lindbergh Farias (PT-RJ) Aníbal Gomes (PMDB-CE) Edison Lobão (PMDB-MA) Arthur Lira (PP-AL) José Otávio Germano (PP-RS) Fernando Collor (PTB-AL) Luiz Fernando Ramos Faria (PP-MG) Humberto Costa (PT-PE) Nelson Meurer (PP-PR) Ciro Nogueira (PP-PI) Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) Eduardo da Fonte (PP-PE) Benedito de Lira (PP-AL) Dilceu João Sperafico (PP-PR) Gladison Cameli (PP-AC) Jeronimo Goergen (PP-RS) Romero Jucá (PMDB-RR) Sandes Junior (PP-GO) Antonio Anastasia (PSDB-MG) Afonso Hamm (PP-RS) Missionário José Olimpio (PP-SP) Valdir Raupp (PMDB-RO) Lázaro Botelho (PP-TO) Luiz Carlos Heinze (PP-RS) Renato Delmar Molling (PP-RS) Roberto Pereira de Britto (PP-BA) Waldir Maranhão Cardoso (PP-MA) Roberto Balestra (PP-GO) José Mentor (PT-SP) Outros políticos João Leão (PP-BA)– ex-deputado federal Mário Negromonte (PP-BA) – ex-deputado federal Roseana Sarney (PMDB-MA) – ex-governadora do Maranhão João Pizzolati (PP-SC) – ex-deputado federal Cândido Vaccareza (PT-SP) – ex-deputado federal Roberto Teixeira (PP-PE) – ex-deputado federal Luiz Argôlo (SD-BA) – ex-deputado federal José Linhares (PP-CE) – ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE) – ex-deputado federal Pedro Henry (PP-MT) – ex-deputado federal Vilson Luiz Covatti (PP-RS) – ex-deputado federal Carlos Magno (PP-RO) – ex-deputado federal Aline Correa (PP-SP) – ex-deputado federal João Vaccari Neto – Tesoureiro PT (não político) 346